Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
DIREITO
PROCESSUAL
PENAL
PRÁTICA
FRANCISCA SÁ - COM COLABORAÇÃO DE
SOFIA RODRIGUES
FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DO PORTO
2022/2023
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2022/23
NOTA INTRODUTÓRIA
Esta sebenta contém a compilação das aulas práticas (lecionadas pelo docente Tiago
Morais da Rocha) relativas à matéria lecionada pela docente Sandra Oliveira e Silva.
Além de se tratar de uma compilação das aulas práticas, este documento possui ainda
enquadramentos teóricos para ajudar os estudantes no processo de estudo e
enquadramento da matéria.
Bom estudo!
Índice
1. A Tramitação do Processo Penal Português ................................................ 1
2.3 Esquema para resolver todos os casos em matéria de aplicação da lei no tempo...... 40
4.5 Princípio in dubio pro reo – Caso Prático nº 11 (Alínea c)).................................... 103
5.6 Resolução dos casos práticos 12 (Alínea d)), 13 (Alínea a)) e 14 (Alíneas a) e b)) 125
6.2 Assistente – Caso Prático nº 13 (Alíneas c), d) e e)) e 14 (Alínea c)) ..................... 132
O termo processo tem vários significados, desde logo, o suporte material físico onde
se condensa uma certa questão submetida aos órgãos de justiça, processo entendido como
suporte físico, material, o conjunto de papéis. Assim entendido, o processo designa-se por
autos, na prática veremos que na capa dos processos diz “autos de inquérito nº x”.
Num outro sentido, a expressão remete para uma atividade que é praticada pelos
órgãos de justiça. De facto, o fim formalístico do processo penal é a obtenção da decisão
da prática de um crime e as suas consequências. Além deste fim formalístico, existe ainda
um fim material para qualquer processo à A descoberta da verdade material e a justa ou
boa decisão da causa.
Para falarmos em marcha processual, há que saber primeiro o que são as formas
processuais. O que é uma forma processual?
formas especiais são desvios, alterações que são introduzidas em relação a essa forma
comum.
Processo Processo
Sumário Sumaríssimo
Processo
Abreviado
Nos termos do artigo 381º, nº 1 CPP, o processo aplica-se quando o agente seja detido
em flagrante delito. O que é isto? O agente é encontrado a executar o crime, ou numa
situação em que já terminou o crime e está em fuga. Há ainda uma 3ª opção, para os casos
em que o agente for encontrado com objetos ou sinais que mostrem claramente que
acabou de praticar ou participar num crime. A noção de flagrante delito está prevista nos
artigos 255º e 256º CPP.
Para ser julgado nos termos do processo sumário, o crime que o agente cometeu não
pode ser punido com pena de prisão superior a 5 anos ou sendo um crime punível, em
abstrato, com pena de prisão superior a 5 anos, o MP declara que não pretende aplicar ao
arguido uma pena superior a 5 anos. Concluímos assim que nunca o arguido pode ser
condenado por uma pena superior a 5 anos, no âmbito do processo sumário.
o Que não sejam punidos com pena de multa ou pena de prisão superior
a 5 anos, ou sendo superior em abstrato, o MP declare que não
pretende aplicar ao arguido uma pena superior aos 5 anos à Este é o
requisito semelhante ao do processo sumário;
o Têm de existir provas simples e evidentes de onde se retire
facilmente a verificação de um crime. O código dá-nos uma noção do
que sejam provas simples e evidentes no artigo 391º-A, nº 3 CPP.
Nota: Além destes 3 processos especiais, existem ainda processos penais especiais
previstos em legislação avulsa como o processo penal tributário, processo penal militar,
entre outros. Mesmo para esses o CPP é a legislação subsidiária.
1ª 2ª 3ª 4ª 5ª
Há umas fases que são obrigatórias e outras eventuais. São fases eventuais: a fase de
instrução na medida em que pressupõe que o arguido ou o assistente requeiram a abertura
de instrução; a fase de recurso, pois é necessário que alguém recorra de uma decisão e,
por fim, a fase de execução. Há quem considere que a própria fase de julgamento também
é eventual uma vez que não havendo pronunciamento ou arquivamento do processo por
parte do MP também não há fase de julgamento.
Para que qualquer crime possa ser investigado é preciso que seja conhecido, ou seja,
é preciso que as entidades competentes adquiram a notícia de que foi praticado um crime,
a notitia criminis, condição sine qua non para abertura da fase de inquérito, do processo
penal. Levantam-se 2 questões:
Qual é a autoridade judiciária competente para adquirir a notícia do crime e por que
meios pode adquirir?
Encontramos no artigo 1º, alínea b) CPP. São elas o juiz de julgamento ou coletivo,
juiz de instrução criminal e o MP. Os OPC atuam subordinados às autoridades judiciárias.
De acordo com o artigo 241º CPP é o MP a autoridade competente.
O inquérito depende de uma notícia de crime, que se inicia com um despacho do MP.
O inquérito é a fase de investigação por excelência. É uma fase obrigatória no processo
comum à Artigo 262º, nº2 CPP, que prevê a obrigatoriedade de abertura de inquérito.
A expressão “inquérito” tem um duplo sentido. Por um lado, trata-se de uma fase
processual preliminar, é a primeira fase do processo penal. Por outro lado, é uma atividade
assente num conjunto de atos e diligências de investigação e recolha de prova sobre a
existência de um crime e os seus agentes.
Nota: A decisão tomada no enceramento da fase de inquérito, pode ser uma acusação,
e sendo uma acusação, essa decisão do MP vai delimitar o objeto, o processo que
eventualmente chegue a julgamento. É a acusação que delimita substancialmente os
factos pelos quais o arguido poderá vir a ser condenado, razão pelo qual é necessário que
exista uma investigação prévia, para garantir que os factos pelos quais o arguido está a
ser acusado correspondem aos do julgamento, sob pena de no limite o procedimento
criminal cair.
inquérito são praticados atos de inquérito que serão tendentes à prossecução das
finalidades do inquérito, previstas no artigo 262º CPP.
Isto não significa que este se trate de um juiz de inquérito, pois tal seria contrário à
CRP, nos termos do artigo 219º, nº 1. Os atos que têm de ser praticados pelo JIC estão
previstos no artigo 268º CPP. Exemplos: Certas buscas domiciliárias, ou buscas a
escritórios de advogados, o primeiro interrogatório judicial do arguido, aplicação de
medidas de coação, etc.
Existem atos que têm de ser por ele autorizados ou ordenados, pelo JIC. Estão em
causa, mais uma vez, atos que contendam com os DF dos cidadãos. É o caso de certas
perícias não consentidas, sobre certas características físicas ou psicológicas do arguido,
certos exames, escutas, entre outros. Estão previstos no artigo 269º CPP.
Finalmente existe uma 3ª categoria de atos, que não são exatamente atos de inquérito,
praticados pelo JIC, mas sim atos jurisdicionais. Nos termos do artigo 17º CPP, o JIC tem
competência para exercer funções jurisdicionais durante todo o processo até à remessa
para julgamento. Que atos são esses?
Que atos é que o MP pratica, promove, ordena, delega durante a fase de inquérito?
Todos os atos necessários ou convenientes e que se destinem a promover a realização das
finalidades da fase de inquérito, nos termos do artigo 267º CPP. Ele tem
discricionariedade para ordenar, delegar, todas as diligências de inquérito que
entenda necessárias. Mas ele não é inteiramente livre. Está sempre onerado, vinculado
a um Princípio de Estrita Objetividade, previsto no artigo 53º, nº1 do CPP.
• Tiver recolhido prova bastante de que afinal não se verificou nenhum crime;
• Tiver recolhido prova bastante que não foi o arguido a cometer o crime;
• O procedimento for legalmente inadmissível, por exemplo, estava dependente
de queixa e ela não foi apresentada, o titular desistiu da queixa, etc.;
• Não tiver obtido indícios ou provas suficientes da verificação do crime ou da
identidade dos agentes.
A lei define o que são considerados indícios suficientes no artigo 283º, nº 2 CPP à
São suficientes sempre que deles resultar uma possibilidade razoável de ao arguido vir a
ser aplicada uma pena ou medida de segurança. Sempre que deles resultar uma
possibilidade razoável de o arguido vir a ser condenado. Ou seja, tem apenas de fazer um
juízo de probabilidade e considerar que é mais provável a condenação do que a
absolvição.
O artigo 283º, nº 3 CPP define os requisitos formais que a acusação deve ter. É preciso
ter em conta que a acusação é uma peça processual. Ela tem de identificar o arguido, e
tem de conter aquilo que se designa de narração sintética dos factos
(circunstancialização), o que é isto?
São mecanismos de diversão, uma vez que divergem o processo do seu curso
normal. Mas só quando determinados requisitos estiverem preenchidos é que o MP
poderá recorrer a estes mecanismos.
Nota: Há aqui que considerar uma questão particular. Nos crimes públicos e semi-
públicos, quando haja uma acusação, o assistente tem a possibilidade de deduzir também
uma acusação ancilar, paralela à do MP. Essa possibilidade que é meramente eventual
está prevista no artigo 284º CPP. Já nos crimes particulares em sentido estrito, o MP no
fim da fase de inquérito, informa o assistente se foram ou não recolhidos indícios da
prática do crime e se foram ou não suficientes. E, perante esta informação, o assistente
vai ou não deduzir acusação particular, mas o agente não está vinculado à informação
prestada pelo MP.
O que interessa saber é que nos crimes particulares em sentido estrito não é o MP
que acusa, é o assistente. Depois do assistente acusar, o MP tem a faculdade de
acompanhar a acusação do assistente, mas não está obrigado a fazê-lo. Se o assistente não
deduzir acusação particular o processo é arquivado, porque falta uma condição de
procedibilidade. Assim, depois do assistente ser notificado, o assistente pode acusar e,
nesse caso, o MP pode acompanhar, deduzindo acusação pública, pelos mesmos factos
ou não. Ou pode simplesmente não acusar e o processo é arquivado à Alteração da ordem
tendo em conta os requisitos de procedibilidade.
No âmbito dos mecanismos de diversão, a decisão que aplique esses institutos não é
recorrível, exceto quando esteja em causa a própria verificação das condições legais que
permitam a aplicação desse instituto. Fora estas hipóteses não é admissível recurso,
porque em regra a aplicação destes institutos depende do consentimento do arguido e do
assistente.
A fase de instrução só tem lugar se for requerida ou pelo arguido ou pelo assistente,
através de um requerimento que se designa por RAI à Requerimento de Abertura de
Instrução. Mas apenas em relação aquelas decisões que tenham interesse em contrariar.
Há que fazer uma precisão à No caso dos crimes particulares em sentido estrito, o
arguido pode requerer a abertura da instrução que resulte da acusação particular. Assim,
o arguido pode requerer abertura da instrução por factos de acusação pública (pelo MP)
ou de acusação particular caso se trate de crime particular à Artigos 283º e 285º CPP
caso se trate de um crime particular em sentido estrito e artigo 277º CPP, caso se trate de
um despacho de arquivamento do MP.
O prazo para se requerer a abertura de instrução são 20 dias, nos termos do artigo
287º, nº1 CPP. O RAI não está sujeito a finalidades especiais, embora tenha de se
O JIC, Juiz de Instrução Criminal, não condena nem absolve o arguido, e a instrução
não é um julgamento antecipado do crime. Também não se faz um controlo de mérito da
atividade do MP. Não cabe ao JIC alterar a acusação, nem ordenar ao MP que altere a sua
decisão. O JIC vai apreciar e comprovar se se verificam ou não os pressupostos de que
depende a acusação ou arquivamento como vimos antes. Vai somente averiguar se foram
ou não verificados os requisitos legais.
A direção da instrução, está prevista no artigo 288º, nº 1 CPP. Compete ao JIC e pode
ser assistido pelos OPC, Órgãos de Polícia Criminal.
JIC. Contudo, é importante notar que existem dois tipos de atos: os atos facultativos que
são a regra, exceto dois que são obrigatórios. São eles:
Os atos de instrução à exceção destes não têm de ter lugar necessariamente, porque a
fase de instrução pode ser aberta só para discutir questões de direito ou ainda pode ter em
vista apenas a aplicação ao arguido do arquivamento por dispensa de pena.
Decisões Recorríveis:
Se é fácil percebermos esta lógica de não ser admitido recurso quando a acusação do
MP é seguida de um despacho de pronúncia por estarem duas magistraturas de acordo,
podíamos aplicar a mesma lógica ao caso em que o MP arquiva e o JIC emite uma decisão
de não pronúncia, mas nesta opção admite-se o recurso, porque se não houvesse
possibilidade de recurso estaríamos a retirar a possibilidade ao juiz natural da causa de
conhecê-la.
Feito o saneamento, até à revisão do código de 2021, o que se seguia era um despacho
do juiz a agendar a data da audiência de julgamento, esse despacho era notificado ao
arguido, sendo que a partir daí, o mesmo podia contestar. Agora, modificou-se a ordem
dos despachos.
Artigo 311º-A CPP à Depois do arguido ser notificado, está obrigado a contestar?
Há alguma consequência jurídica para a não apresentação da contestação da defesa?
Em regra, a contestação é um ónus, mas sendo um ónus pressupõe que não havendo,
haja desvantagem para quem não pratica ou pelo menos a não obtenção de uma vantagem.
No processo civil, vigora o ónus da impugnação especificada e motivada, o réu se no
prazo estipulado não apresentar contestação, alguns factos, não todos, não são possíveis
de serem reconhecidos. Quanto aos outros implica o reconhecimento dos factos
apresentados pelo autor, ou seja, existe uma consequência negativa para a não
apresentação.
O arguido está obrigado ou pode não comparecer? Além de ser direito é dever estar
presente na audiência (Artigos 332º a 334º CPP), só em casos excecionais é que se
admite a realização sem a presença do arguido. Se ele faltar, o juiz pode ordenar a
detenção (mandado de detenção) do arguido para que ele esteja presente no ato
processual. E se o arguido fugir para o Brasil ou ninguém souber onde é que ele está?
Exemplo: Sujeito fugido para o brasil por falsificação de documentos, 15 anos depois
regressa e apresenta-se no tribunal para ser julgado, a declaração de contumácia caducou.
Assumindo que tudo corre bem e o arguido está presente, vem a seguir à abertura da
audiência, o tratamento de eventuais questões prévias ou incidentais à Artigo 338º
CPP. Depois disso, há lugar às chamadas exposições introdutórias (Artigo 339º CPP),
que na prática raramente se realizam. O juiz identificaria os factos em discussão e o MP,
defensor e mandatários fariam uma espécie de resumo do que queriam provar, mas na
maioria dos casos dispensam a realização destas exposições.
Confissão à Artigo 344º CPP à Também pode acontecer que o arguido confesse,
e se o fizer, e se essa confissão revestir determinadas caraterísticas, então não se procede
à produção de mais prova e passa-se de imediato para as alegações finais.
Nota: É logo no início do julgamento o momento ideal para prestar declarações, mas
se o arguido não quiser fazê-lo nesse momento, pode fazê-lo em qualquer altura até ao
fim do julgamento e às vezes pode ter interesse nisso.
Audiência:
Daí que se diga que em Portugal vigora o princípio da césure mitigada, porque a
decisão quanto à culpabilidade e sanção é separada.
Há recurso ordinário de decisão que ainda não tenha transitado em julgado, momento
em que ela se solidifica no ordenamento jurídico. Com o curso do tempo, enquanto uma
decisão não transitar em julgado e sendo recorrível estamos na órbitra dos recursos
ordinários.
Tribunais da Relação
Tribunais Judiciais
Se o crime tiver esta natureza e não for apresentada queixa, ou se for apresentada
denúncia por quem não é titular do direito ou fora do prazo legal, em qualquer um destes
casos, o MP não tem legitimidade para dar início ao processo penal, nos termos do artigo
49º CPP, o que significa que a queixa é condição ou pressuposto de procedibilidade.
A partir do momento em que é apresentada queixa, tudo o resto funciona como nos
crimes públicos, o MP investiga, decide se o arguido vai ou não a julgamento e o titular
pode constituir-se como assistente, mas não é obrigatório.
Exemplos: Crimes de ofensa à integridade física simples, furto, dano, burla, ameaças,
fotografias e gravações ilícitas, etc.
Nota (importante, dá origem a equívocos): Não é necessário que esta menção conste
da própria norma do tipo, pode encontrar-se mais à frente num outro artigo que remete
para os anteriores. Acontece com os crimes particulares em sentido estrito plasmados
entre os artigos 180º e 187º CP, por exemplo. Em nenhum deles é dito, mas no artigo 188º
CP encontramos a seguinte disposição à “o procedimento criminal pelos crimes
previstos no presente capítulo depende de acusação particular” à Ter em atenção que
não basta ir consultar o artigo do CP que contém o crime, mas todos os artigos que
integram o capítulo ou a secção para ver se não há nenhum que lhe atribua uma natureza
por remissão.
MP promove O procedimento
obrigatória e criminal depende de O procedimento criminal
oficiosamente o queixa depende de queixa, da
procedimento criminal constituição de assistente e
depois de adquirir a dedução de acusação
notícia do crime particular
A denúncia facultativa pode ser feita por qualquer pessoa, mas apenas quanto aos
crimes de natureza pública, é o que acontece, por exemplo, com o crime de violência
doméstica, que agora é um crime público. Relativamente aos crimes semi-públicos e
particulares em sentido estrito, só se pode queixar quem seja titular do respetivo direito
de queixa.
averigue esses factos e investigue quem é o seu responsável (“eu quero que investigue
este crime e que leve esta pessoa a julgamento” à Ato de vontade).
A denúncia pode ser feita diretamente ao MP, mas também junto dos OPC, neste
caso, estes órgãos estão obrigados, no prazo máximo de 10 dias a remeter as denúncias
ao MP (artigo 245º CPP), mesmo que sejam manifestamente infundadas, pois só o MP
é que tem competência para apreciar.
Não, o MP não é livre nessa decisão, não pode fazer juízos de oportunidade fora dos
espaços da lei, o MP está obrigado a promover o inquérito penal e a investigar, se todos
os requisitos estiverem preenchidos (artigo 262º, nº 2 CPP). Encontramos aqui outra
manifestação do princípio da oficialidade.
A especialidade destas providências é que os OPC podem levar a cabo estas tarefas
independentemente da autoridade judiciária competente. O que justifica qualquer
providência é a urgência e necessidade de preservar esses meios de prova. Se se demorar,
as provas podem desaparecer. Depois é necessário que o MP ou o juiz confirmem estes
atos para poderem depois ser integrados no processo penal.
A prática dos agentes pedirem a identificação das pessoas é sancionada pelo CPP. O
poder que é dado aos órgãos de polícia criminal de pedirem a identificação de suspeitos
de crimes só se verifica quando existirem fundadas suspeitas da prática de um crime.
Para tal acontecer os agentes têm de confirmar a sua autoridade como agentes
policiais, explicar os fundamentos do pedido de identificação e informar a pessoa quanto
aos meios de identificação disponíveis que tem ao seu dispor. No limite, o suspeito pode
ser detido até 6 horas para ser identificado. Estes pedidos abrangem qualquer pessoa que
se presuma que tem conhecimentos relacionados com a prática do crime.
Existe uma exceção à regra de que as revistas e buscas estão dependentes de prévia
autorização da autoridade judiciária competente, o MP à Os casos em que a necessidade
e urgência assim o exigirem, pode o OPC fazer revistas e buscas sem prévia autorização
do MP. Têm de ser sempre comunicadas após a sua concretização ao MP e o artigo 251º
CPP só atribui esta competência em 2 situações:
Artigo 174º, nº 5 CPP à Outras situações em que não é preciso autorização prévia
à Crimes especialmente graves (terrorismo, por exemplo) sempre que haja fundado
indício da prática de crime que ponha em grave risco a vida ou integridade física, quando
o visado consinta desde que o consentimento prestado fique, por qualquer forma,
documentado ou aquando de detenção em flagrante por crime a que corresponda pena de
prisão.
Esta só pode ter lugar em duas situações distintas, para duas finalidades. Quais são?
As previstas no artigo 254º CPP:
Esta pode ser feita por um OPC ou por qualquer cidadão (detenção civil), mas neste
último caso só quando não seja possível assegurar em tempo útil a presença da polícia.
Relativamente ao conceito de flagrante delito ele está previsto no artigo 256º CPP à
Abrange não apenas o momento da consumação do crime, mas também o momento
imediatamente posterior, e o momento em que o agente se encontre em fuga ou quando é
encontrado com objetos ou sinais que demonstrem claramente que ele praticou o crime.
Nos termos do artigo 255º, nº 4 CPP, a detenção em flagrante delito não pode ocorrer
relativamente a crimes particulares em sentido estrito. Relativamente aos crimes semi-
públicos eles admitem a detenção, mas esta só se mantém se no ato imediatamente
seguinte ao momento da detenção, o titular do direito de queixa apresentar queixa. Se não
exercer o direito de queixa, o agente terá de ser libertado.
A regra é que deve ser sempre precedida de mandado (e não mandato!) de detenção
à Artigo 258º CPP. Este consiste numa ordem dada pela autoridade judicial competente.
A detenção fora do fragrante delito, além de ter de se destinar a uma das finalidades
previstas no artigo 254º CPP, só pode acontecer quando se verifiquem determinados
requisitos, previstos no artigo 257º, nº 1 CPP (semelhantes aos da aplicação de medida de
coação). Os OPC podem proceder a detenções fora de flagrante delito sem mandado
de detenção nos casos previstos no nº 2 do artigo 257º CPP. Que situações são essas?
Preso Detido
Em relação a este princípio temos algumas salvaguardas. O artigo 5º CPP prevê uma
ressalva, a lei nova nunca se aplica aos atos já praticados à data em que entra em
vigor, esses não são invalidados, não saem afetados. A validade desses atos tem de ser
julgada de acordo com a lei revogada à Princípio da tutela dos atos juridicamente
perfeitos ao abrigo da lei que foram praticados.
A regra do tempus regit actum tem exceções, e essas exceções determinam que a nova
lei não se vá aplicar a processos já pendentes à data da sua entrada em vigor, só se vai
aplicar aos processos iniciados após a entrada da lei em vigor.
2ª Exceção à Artigo 5º, nº 2, alínea a) CPP à Diz-nos que a lei nova também não
se vai aplicar imediatamente aos processos pendentes quando dessa lei resulte um
agravamento sensível e ainda evitável da situação processual do arguido,
nomeadamente uma limitação aos seus direitos de defesa, conforme garantidos pelo artigo
32º, nº 1 CRP. É o que acontece quando entra em vigor uma lei que restringe o acesso ao
recurso. Uma situação em que o arguido tinha acesso ao STJ, mas com uma nova lei só
pode recorrer à Relação, é desfavorável ao arguido, limita os seus direitos de defesa.
Nestas hipóteses a lei nova não será de aplicação imediata.
Este exemplo não é aleatório, permite que vejamos que há algumas especialidades.
Veremos o regime dos recursos depois, mas o que vai interessar vai ser o regime que
estava em vigor à data em que é proferida a decisão de que se quer recorrer. Se nesse
momento em que é proferida a sentença, o arguido tivesse direito a recorrer até ao STJ,
mantém esse direito. Se à data o arguido já não tinha esse direito, então a lei nova já se
aplicará nesse processo.
É nesta alínea que vai reentrar a construção dogmática que distingue normas
processuais materiais ou quasi-substantivas (quasi e não quase) das normas formais. As
normas processuais materiais são aquelas que contendem diretamente com DF, com o
estatuto do arguido ou com as suas garantias de defesa. As normas processuais formais
limitam-se a disciplinar a tramitação do processo. Às formais aplica-se o princípio do
tempus regit actum, para as materiais, temos de atender à teoria do professor Taipa de
Carvalho. Quais são elas? Podem agrupar-se em 3 grupos:
Prática do crime de furto à À data da prática do facto, estava em vigor uma lei que
determinava a punição com pena de prisão até 2 anos. Mais tarde é publicada lei nova que
reduz para 1 ano de pena máxima, essa lei nova aplica-se? Sim, porque é favorável ao
arguido. Uma lei nova só será aplicada a factos praticados anteriormente à sua entrada
em vigor, se for mais favorável ao arguido e nunca se for mais gravosa e prejudicial ao
arguido. Há que procurar a lei concreta mais favorável ao arguido.
Exemplo 1:
1 de janeiro de 2009 à Lei que previa que a duração máxima da prisão preventiva
era de 3 anos (L1)
1 de fevereiro de 2012 à Lei Nova (LN) que aumenta a duração máxima da prisão
preventiva para 4 anos
Supondo que o senhor A praticou um crime que admite prisão preventiva no dia 1 de
fevereiro de 2010 (Momento da Prática do Facto – MPF) e que é detido preventivamente
(Prisão Preventiva – PP) no dia 1 de outubro de 2013. Quanto tempo no máximo poderá
ficar preso preventivamente?
L1 LN
01.01.2009 01.02.2012
MPF PP
01.02.2010 01.10.2013
Suponhamos ainda que no dia 1 de dezembro de 2012 à Entra em vigor a LN2 que
reduz a duração máxima para 2 anos e 6 meses. Mantém-se tudo o resto, mas agora fica
por quanto tempo?
L1 LN PP
MPF LN2
01.02.2010 01.12.2012
Exemplo 2:
L1 LN2 PP
LN MPF
01.02.2012 01.03.2013
Esta tese tem merecido muitas críticas, porque diz que se estivermos sempre a
procurar o regime concretamente mais favorável ao arguido, no caso português em que
há alterações aos códigos com tanta frequência, principalmente no que toca a crimes
praticados há muito tempo, estávamos a aumentar a dificuldade do processo penal
desnecessariamente à Torná-lo-íamos ingovernável.
Por outro lado, diz-se que a relação que existe no processo penal não é exclusiva entre
o arguido e Estado, é uma relação triangular que inclui o arguido, o Estado e a
comunidade, onde se inclui a vítima e o ofendido e é preciso atender às necessidades de
cada um. Podem existir regimes favoráveis ao arguido, mas que prejudicam a vítima.
Para tentar corrigir estes defeitos, foi introduzida a Teoria das Expectativas. Diz-
nos que as exigências da aplicação da lei processual penal devem pautar-se pelas
concretas expectativas a tutelar no caso, a proteção deve ir tão longe quanto a norma o
permita. Desta forma, quando a questão contenda com a efetivação da responsabilidade
criminal ou normas incriminadoras, faz todo o sentido que tenhamos em conta o
momento da prática do facto, nos outros casos em que não estejam em causa normas
do 1º grupo, analisamos a situação caso a caso. Por exemplo, tratando-se da matéria dos
recursos o que releva não é o momento da prática do facto, mas o da prolação da decisão
de que se quer recorrer à Acórdão 4/2009 STJ.
entretanto, for apresentada queixa, pelo titular. Diz o professor Taipa de Carvalho que
a legitimidade do MP se afere em relação a cada ato processual concreto.
a)
Qual é o problema aqui em causa? Temos uma lei nova que torna o crime público,
que até então tinha a natureza de crime semi-público, pelo que dependia de queixa para
que o MP tivesse legitimidade para prosseguir a ação penal, o que agora já não é condição
de procedibilidade à Transformação da natureza do crime. No momento do facto, no
tempus delicti, o crime tinha a natureza semi-pública. Na data em que o MP adquire a
notícia do crime, já tinha natureza pública.
Para que o MP pudesse abrir inquérito penal e deduzir acusação precisava ou não da
queixa? A queixa mantinha-se como condição de procedibilidade? Temos aqui o
problema da aplicação da lei processual penal no tempo ou a sucessão das leis
processuais no tempo.
15.09.2007
MPF
10.09.2007
O MP com os dados que temos no enunciado tinha legitimidade para abrir inquérito
contra B? Não, porque houve uma denúncia que não foi feita pelo titular do direito de
queixa (Artigo 113º CP). Nos termos do artigo 49º CPP, o MP não tinha legitimidade,
porque a denúncia partiu de um terceiro.
b)
L1 LN
01.07.2003
MPF
20.02.2003
É uma norma processual material? Sim, igual ao caso anterior, trata-se de condições
de procedibilidade, afastamos a aplicação do princípio do tempus regit actum. É favorável
ao arguido porque acrescenta-se uma condição de procedibilidade, o ofendido tem de
apresentar queixa à Retroatividade in bonam partem. Vamos ver o regime mais
favorável e vamos fazer esse regime retroagir à data da prática do crime.
O MP precisava que fosse apresentada queixa (artigo 49º CPP). Prazo à 6 meses
(artigo 115º, nº 1 CP). Após esse prazo o direito caduca, não pode ser mais exercido. Mas
como é que vai ser contado o prazo? A partir de dia 1 de julho de 2003 para permitir ao
ofendido expressar a sua vontade de acordo com o novo quadro legal em vigor, tutela-se
o ofendido.
c)
L1 AMP
01.03.2013
MPF LN
28.02.2013 23.03.2013
ato a ato. Se tivesse deduzido acusação no dia 24 de março já não teria legitimidade.
Assim, já não seria necessária a acusação particular, mas seria necessária a constituição
como assistente, se ainda não o tivesse feito, para que o MP continuasse a ter legitimidade
para promover o procedimento criminal.
Caso Prático nº 2
L1 LN
15.10.2009
MPF RJIC
14.11.2008 16.11.2009
Se admitíssemos este meio de prova que era inadmissível na data da prática do facto,
estávamos a agravar significativamente a posição processual do arguido, nos termos do
artigo 5º, nº 2, a) CPP porque na data da prática dos factos o arguido não podia
razoavelmente contar que os seus dados pudessem ser intersetados, daí que neste caso
concreto, o momento relevante ao abrigo da teoria das expectativas para aplicação da LN
é o momento da prática do facto. Nesta sequência, não restaria outra opção ao JIC se não
a de indeferir o requerido pelo MP.
Caso Prático nº 3
No dia 01/09/2007, A foi condenado numa pena de 5 anos de prisão pela prática,
em 21/06/2005, de um crime de roubo qualificado (art. 210.º, n.º 2, al. a), do CP). Na
data em que o crime foi cometido e o processo se iniciou, eram recorríveis para o STJ
todas as decisões condenatórias por crimes puníveis com pena de prisão superior a 8
anos, mas a Lei n.º 48/2007, de 28 de agosto, entrada em vigor a 15/09/2007,
circunscreveu o acesso à jurisdição do STJ às condenações em pena de prisão superior
a 8 anos ou não superior a 5 anos em caso de divergência entre as instâncias.
L1 C1I
01.09.2007
MPF LN
21.06.2005 15.09.2007
a)
Estamos perante uma lei que vem restringir o duplo grau de jurisdição, o que
significaria que uma decisão deixaria de ser recorrível até ao STJ, para ser apenas
recorrível à relação.
E, portanto, aquilo que devemos fazer quando definimos o momento relevante para
aplicação da lei processual penal no tempo é atender às expectativas em presença. No
âmbito das leis incriminadoras e que contendem com DF, o momento é o da prática do
facto, nas restantes temos de ver caso a caso.
No caso anterior, estava presente uma temática relacionada com meios de prova e
achámos que faria sentido ser na mesma o momento da prática do facto. A jurisprudência
veio estabelecer que o momento relevante para aplicação da lei processual penal no tempo
é o momento do proferimento da decisão de que se quer recorrer. Então nestes casos,
fazemos a seguinte questão à Aquando da decisão de que se quer recorrer o arguido
podia esperar recorrer ao STJ? Se sim, a LN não se aplica, caso contrário a LN já se
aplicaria imediatamente, vigora o tempus regit actum.
b)
L1 LN
15.09.2007
MPF C1I
21.06.2005 17.09.2007
A resposta seria a mesma, tendo em conta que a sentença foi proferida no dia 17 de
setembro de 2007? Não, nesse caso o arguido não podia esperar razoavelmente expectar,
ter a expectativa legítima de que manteria o seu direito ao duplo grau de jurisdição à LN
de aplicação imediata e o arguido só poderia recorrer para o Tribunal da Relação, sendo
que neste caso teríamos até uma situação de dupla conforme.
Um ano mais tarde, uma testemunha ocular, C, veio ao processo informar que foi
A quem agrediu B em primeiro lugar, exibindo uma gravação obtida pela câmara de
vigilância do seu supermercado em corroboração das declarações prestadas.
a)
Encontramos isso no Código Penal, no artigo 143º, nº 2, que nos diz que é um crime
semi-público exceto quando o ofendido seja um agente ou força de segurança, caso em
que passará a crime público, mas nos restantes casos as ofensas à integridade física são
crime semi-público, depende da apresentação de queixa. Neste caso, houve uma queixa
recíproca à A contra B e B contra A.
O MP determinou o arquivamento dos autos por dispensa de pena e fê-lo com base
no artigo 280º, nº 1 CPP. Este despacho de arquivamento por dispensa de pena, proferido
pelo MP existe ao abrigo de que princípio de promoção processual? O princípio da
oportunidade, que é o contraponto de um outro princípio de promoção processual, o da
legalidade.
Hoje o princípio da legalidade deve ser entendido sob uma perspetiva de uma
legalidade aberta a algumas soluções de oportunidade. Nem todos os crimes em relação
aos quais se verifiquem aqueles pressupostos jurídico-factuais de que depende a acusação
vão ser submetidos a julgamento. Se ao abrigo do princípio da legalidade, em relação a
estes processos, o MP estaria obrigado a acusar, a submeter para julgamento, a abertura
a soluções de oportunidade implica que em alguns casos isso não vá acontecer.
São muitas as razões de política criminal que justificam estas concessões a favor do
princípio da oportunidade:
Daí que se assista cada vez mais a fenómenos de descriminalização. Quando não
temos estes fenómenos, podemos recorrer também a estes mecanismos. Esta tal abertura
à oportunidade, designada de “legalidade flexível”, nas palavras do Dr. Figueiredo Dias,
materializa-se nos tais mecanismos de diversão processual.
Estes são os pressupostos gerais do artigo 280º CPP, mas este artigo remete-nos para
a lei penal substantiva. Ainda há de haver outras normas do CP que vão adicionar mais
requisitos.
Há um regime geral da dispensa de pena que está previsto no artigo 74º CP.
Nota: Fazer remissão destes dois artigos à Do artigo 280º CPP remeter para o artigo
74º CP, e do artigo 74º CP remeter para o artigo 280º CPP.
Além deste podem existir normas especiais ao longo da parte especial do CP que vão
prever a possibilidade de dispensa de pena, geralmente para crimes não abrangidos pelo
artigo 74º CP. Olhando para este artigo, os requisitos aqui contidos são:
• Moldura penal abstrata à O crime tem de ser punido com pena de prisão não
superior a 6 meses ou pena de multa não superior a 120 dias;
São 4 requisitos, que se vão somar aos do artigo 280º CPP. Na resolução do caso
temos de ponderar todos estes pressupostos. Pode ainda ser necessário, como é no nosso
caso prático, convocar uma norma especial, que esteja na parte especial do Código.
Existindo uma norma especial o nº 3 do artigo 74º CPP diz-nos o seguinte “Quando uma
outra norma admitir, com carácter facultativo, a dispensa de pena, esta só tem lugar se
no caso se verificarem os requisitos contidos nas alíneas do n.º 1”, ou seja, se houver
uma norma, na parte especial do Código, que admita a dispensa de pena, aos pressupostos
contidos nessa norma especial, temos ainda que somar os pressupostos das 3 alíneas do
artigo 280º, nº1 CPP.
No nosso caso prático havia uma norma especial que admitia a dispensa de pena à
Artigo 143º, nº 3 CP, e que faz depender esse arquivamento da verificação de 2
pressupostos alternativos, o da alínea a) “Tiver havido lesões recíprocas e se não tiver
provado qual dos contendores agrediu primeiro” ou o da alínea b) “O agente tiver
unicamente exercido retorsão sobre o agressor.”
Imaginemos agora que o MP não arquiva, mas acusa ambos. Podia um deles,
conhecendo o regime aplicável, isto é, sabendo que lhe podia ser aplicado o arquivamento
por dispensa de pena, requerer a abertura de instrução para que lhe fosse aplicado o
arquivamento por dispensa de pena?
Neste caso, a única coisa que muda é que a concordância já não será do JIC, mas sim
do MP, e do arguido, enquanto na dispensa de pena promovida pelo MP não é necessária
a aprovação por parte do arguido. Aqui exige-se a concordância do arguido porque já
houve, entretanto, uma acusação pública o que faz com que o arguido possa ter interesse
numa decisão de mérito que afaste a sua culpabilidade, pode ter interesse em ser
absolvido.
b)
O artigo 279º CPP diz-nos que “o inquérito só pode ser reaberto se surgirem novos
elementos de prova que invalidem os fundamentos invocados pelo Ministério Público no
despacho de arquivamento.”
No nosso caso, C, uma testemunha ocular, com um vídeo, mostra que foi A a agredir
primeiro B. Isto tem algum efeito? Se essa informação fosse conhecida antes do despacho
de arquivamento por dispensa de pena teria algum efeito?
Sim, uma vez que o requisito do artigo 143º, nº 3, a) CPP, não estava verificado, pelo
que não haveria norma especial a aplicar neste caso, tratando-se de um crime de ofensas
à integridade física nos termos no nº 1 do artigo 143º CP. Daí que o arquivamento por
dispensa de pena só poderia ser aplicado se estivessem a verificados os requisitos gerais
do artigo 74º CP, mas nem era necessário ver as alíneas porque resulta logo do nº 1, o
pressuposto quanto à moldura penal, que o crime de ofensas à integridade física simples
tem uma moldura penal superior a 6 meses, pelo que não era possível aplicar o despacho
por dispensa de pena.
O sistema penal, orienta-se pela descoberta da verdade material, mas por vezes aceita
decisões injustas desde que sejam absolutórias. O sistema convive razoavelmente bem
com culpados em liberdade, não pode é conviver com inocentes condenados.
Neste caso, temos uma denúncia anónima. A terá agredido B, não sabemos bem em
que termos, A foi constituído arguido e admitiu que tinha discutido com o namorado e
que no contexto dessa situação ambos trocaram palavras azedas, mas que não tinham
ocorrido agressões físicas. O MP suspendeu provisoriamente o processo, mas o JIC não
deu concordância.
a)
• Referente à moldura penal à Se o crime for punível com pena de prisão não
superior a 5 anos ou com sanção diferente de prisão. Ao contrário do
arquivamento por dispensa de pena que se aplica sobretudo à criminalidade
bagatelar, a SPP abrange também a média criminalidade;
• A promoção do MP à Pode ser oficiosa, pode ser o MP tomar a iniciativa ou
pode ser a requerimento do arguido ou do assistente;
• A concordância do arguido e do assistente à Só é exigível se não forem eles
a requerer a aplicação do instituto. Além disso, em relação ao assistente só se
exige a concordância se ele se tiver constituído no processo enquanto
assistente;
• Ausência de condenação anterior por crime da mesma natureza;
• Ausência de aplicação anterior de SPP por crime da mesma natureza;
• Não haver lugar a medida de segurança de internamento;
• Ausência de um grau de culpa elevado;
Em todo o caso, nos termos do nº 5 do artigo 281º CPP, não são oponíveis ao arguido
injunções ou regras de conduta que possam ofender a sua dignidade.
Quanto à duração da SPP, esta tem no máximo 2 anos à Artigo 282º, nº 1 CPP. Se
o arguido cumprir as injunções e além disso, se não praticar nenhum crime da mesma
natureza durante o período da suspensão, o processo é arquivado e não pode ser
reaberto, também aqui não se aplica o artigo 279º CPP, nos termos do artigo 282º, nº 3
CPP.
Isto é o quadro geral da SPP. Aqui interessa-nos um dos regimes especiais, para os
crimes de violência doméstica, que com a nova formulação, está previsto no artigo 281º,
nº 8 CPP.
As grandes diferenças face ao regime geral é que vítima, e só ela, pode requerer,
livre e esclarecidamente a SPP. E depois não se aplicam os demais requisitos gerais do
artigo 280º, nº 1 CPP com exceção dos das alíneas b) e c). E existe ainda um terceiro
requisito, o do arguido não ser reincidente.
Porque é que neste caso o legislador se afasta do regime geral da SPP e estabelece
este regime especial? Esta alteração à lei coincide com a alteração dos crimes de violência
doméstica de crime semi-público para crime público. Qual a intenção do legislador?
A doutrina tem entendido, que a vítima pode ver solucionada a situação de violência
doméstica de forma mais célere por via da SPP do que por via convencional. A vítima é
convidada a participar ativamente na aceitação das injunções e regras de conduta, de tal
maneira que ela tem alguma capacidade de modelação dessas injunções face à situação
concreta. Ela pode acautelar os seus interesses junto do MP. As próprias injunções, que
podem ser aplicadas como a terapia familiar, ou o tratamento de certas dependências
podem ser mais eficazes do que algumas medidas de reação criminal normais. O facto de
o arguido ter de concordar, pode ainda fomentar a sua autorresponsabilização.
Uma outra diferença face ao regime regra é que a SPP quer nos crimes de violência
doméstica quer nos crimes de abusos sexuais contra menores, pode ir até aos 5 anos, nos
termos do artigo 282º, nº 5 CPP, não ficando limitada aos 2 anos normais.
No nosso caso prático, o JIC não deu a sua concordância à aplicação da SPP porque
entendeu que não havia indícios suficientes da prática do crime imputado, sendo certo
que se os houvesse, a SPP só poderia ser aplicada mediante a aplicação de injunções e
regras de conduta.
O que acontece na prática é que se for aplicada a SPP e se houver alguma injunção
que não seja cumprida, o MP tem de estar em condições de no momento, sem qualquer
diligência de inquérito adicional, deduzir acusação. No momento em que o MP suspende
o processo tem de estar preparado a acusar. Neste caso, ao abrigo do princípio da
legalidade, o que é que o MP estava obrigado a fazer, se não quisesse investigar mais?
Arquivar, nos termos do artigo 277º, nº 2 CPP.
b)
A SPP é decidida pelo MP, mas é preciso que haja um despacho do JIC a concordar.
Este despacho pode ser objeto de um recurso? Imaginemos que o juiz dá a concordância
à SPP e ela é aplicada, pode o assistente invocar que discorda e recorrer? Não, o artigo
281º, nº 7 CPP diz-nos que a decisão de suspensão não é suscetível de impugnação, uma
vez que quer o arguido quer o assistente, tiveram de aceitar a aplicação do SPP, e se
depois viessem impugnar estariam a incorrer num abuso de direito, num venire contra
factum proprium. Mas essa não é a nossa questão.
O despacho do JIC, que nega a concordância é ou não recorrível? Esta não é uma
questão pacífica. Aquilo que se vem a entender é que quando o JIC dá a sua concordância
à SPP não está a expressar uma vontade livre semelhante à do arguido ou assistente, está
a atuar enquanto juiz das liberdades no exercício da sua função jurisdicional. O juízo
do JIC está condicionado a todos os elementos que constituem a proposta no MP de
aplicação do SPP.
Qual é a argumentação do STJ? A decisão do JIC não é um ato decisório formal, pelo
que é irrecorrível, só os despachos e as sentenças ou acórdãos é que podem ser recorríveis.
Esta posição é criticada na doutrina e não foi pacífica do STJ, havendo vários votos
de vencido a este acórdão, aliás tem se admitido abundantes recursos de despachos do
JIC que negam a concordância. O Sr. Professor defende que a melhor solução é a de que
o despacho do JIC que nega a concordância à SPP é recorrível, a posição do STJ é que é
irrecorrível.
Por isso mesmo, diz-se que a mediação é uma modalidade de justiça restaurativa.
A justiça restaurativa opõe-se ao modelo da justiça tradicional. Diz-se que a justiça
restaurativa é uma justiça de escudo enquanto a justiça tradicional é uma justiça de
espada. Há algumas notas que permitem distinguir os 2 modelos de justiça, sendo certo
que há inúmeras construções doutrinárias.
De uma forma geral, podemos dizer que a justiça tradicional diz-se que representa o
roubo do conflito à comunidade, a institucionalização e a profissionalização do conflito
penal, na medida em que o debate sobre a questão se faz entre profissionais forenses,
juristas, numa linguagem que é fechada e que não atende à experiência concreta das
pessoas envolvidas.
Enfim, esta crítica é uma crítica procedente, na medida em que as questões penais
discutem-se nos tribunais, por operadores judiciais que dedicam a sua vida a decidir,
defender ou acusar situações semelhantes aquelas. Como em todas as profissões há um
certo afastamento por força dos ritos e das rotinas em relação às concretas situações e aos
concretos valores e sentimentos em causa. Há uma visão mais ritual do processo, e não
tanto uma visão que atenda ao sofrimento que poderá estar ali eventualmente em causa.
Por oposição, requer-se na justiça restaurativa, uma justiça que seja um processo de cura,
no sentido de curar as relações sociais e a relação de confiança entre os cidadãos e o
Estado que o crime quebra.
Olhando um bocadinho para a Lei 21/2007 temos desde logo os casos que podem ser
enviados para a mediação penal. A mediação penal só pode ter lugar em relação a crimes
particulares em sentido estrito ou crimes semi-públicos, mas em relação a estes últimos
só aqueles que tenham como bem jurídico protegido as pessoas e o património, ou seja,
só em relação a crimes contra as pessoas e contra o património, nos termos do artigo 2º,
nº 1 e 2 da referida lei.
• Não se pode tratar de um tipo legal cuja pena de prisão em abstrato seja
superior a 5 anos;
• Não se pode tratar de um crime contra a liberdade ou a autodeterminação
sexual;
• Não se pode tratar de um crime de colação ou tráfico de influência;
• O ofendido não pode ser menor de 16 anos;
• Não pode ao caso ser aplicado um processo sumário ou sumaríssimo.
Como é que o processo pode chegar à mediação penal? Pode chegar à mediação penal
essencialmente por 2 vias:
Quanto ao conteúdo do acordo, ele é fixado livremente, entre as partes, com alguns
limites à Artigo 6º, nº 2 da Lei 21/2007 à Não pode o acordo incluir:
Caso Prático nº 8
a)
Sim, está em causa o crime de difamação que é um crime particular em sentido estrito
e não se verificava nenhum dos fatores de exclusão, pelo menos do enunciado não resulta
isso. Quanto à admissibilidade do acordo, do seu teor, tendo em conta o previsto no artigo
6º, nº 2:
Este acordo podia ser homologado pelo MP? Não, o que é que o MP devia fazer? Nos
termos do artigo 5º, nº 8 da lei, o MP devia devolver o processo ao mediador para que ele
no prazo de 30 dias sanasse a ilegalidade junto do ofendido e do arguido.
b)
Não, porque tinha passado 1 ano, já se tinha ultrapassado o prazo de 1 mês após o
conhecimento do incumprimento.
Esta lei nunca foi objeto de alterações, o que por um lado também explica porque é
que este instituto tem entre nós tão pouco sucesso.
Após ter tido conhecimento destes factos, a mãe de A dirigiu-se ao posto da PSP
e apresentou, em nome da filha, que contava apenas 17 anos, queixa-crime contra B.
Comunicada a queixa ao Ministério Público, foi proferido o seguinte despacho: “Os
factos imputados a B, de dezasseis anos, consubstanciam, em abstrato, a prática de um
crime de violação de domicílio (art. 190.º CP) e de um crime de dano (art. 212.º CP).
Estando em causa a tutela do espaço habitacional e da propriedade, o portador dos bens
jurídicos violados é o proprietário do apartamento, C, e não o arrendatário da divisão
em causa. Assim, e por faltar o pressuposto processual da queixa do ofendido,
determino a imediata extinção do presente procedimento criminal”.
artigo 277º CPP? Nº 1, última parte “ser legalmente inadmissível o procedimento”. Que
crimes é que são imputados a B?
Por força do princípio da oficialidade cabe a uma entidade pública, entre nós, ao MP,
a iniciativa de investigar a prática de um crime e a decisão de submetê-la ou não a
julgamento. Compete ao MP promover o processo penal, após a aquisição da notícia do
crime, nos termos dos artigos 241º e 262º, nº 2 CPP e no fim da fase de inquérito, decidir,
sobre a acusação, arquivamento ou o envio para os mecanismos de diversão processual.
4.1.1 A queixa
Neste caso prático temos 2 crimes semi-públicos, que como já referido, dependem de
queixa, um ato declarativo, uma manifestação de vontade, que expressa a vontade do
titular do respetivo direito a que se proceda criminalmente contra alguém pela prática de
um crime. Não está sujeita a formalidades especiais, mas dela tem de resultar
inequivocamente a vontade, a intenção do titular que se promova contra alguém um
procedimento criminal. A queixa apresenta 3 caraterísticas:
• Ofendido, considerando-se o titular dos interesses que a lei quis proteger com a
incriminação, ou seja, não é qualquer pessoa que tenha sido prejudicada pelo
crime, mas somente, o titular do interesse que constitui o objeto imediato da norma
penal.
Por exemplo, num crime de ofensa à integridade física, A quer ofender B, atirando
várias pedras e uma delas vai acidentalmente embater no carro de C e parte o vidro. Neste
Exemplo: Crimes de homicídio consumado, o bem tutelado é a vida, mas ela perde-
se. Na verdade, este não é um exemplo, porque se trata de um crime público, mas ficamos
a perceber a ideia. A vida pode ser perdida na sequência de outros crimes.
Em todo o caso, se for um menor de 16 anos, e não for exercido o direito de queixa
nem pelo representante legal nem pelo MP, o menor pode exercê-lo a partir da data em
que fizer 16 anos, mas no máximo até 6 meses depois dos 18 à Artigo 113º, nº 6 e 115º,
nº 2 CP.
Assim, há que perceber os interesses que a lei quis especialmente proteger com a
incriminação, nos termos do artigo 113º, nº 1 CP e ver se os interesses são coincidentes
em cada um dos crimes em causa. Na violação do domicílio, o bem jurídico tutelado é a
reserva da intimidade da vida privada. No crime de dano, o bem jurídico tutelado é a
propriedade, o património.
Nota: Se houver dúvidas quanto ao bem jurídico em causa é ler a epígrafe do capítulo.
• A mãe apresentou queixa em nome da filha. Parece apontar para uma situação de
representação voluntária. Nos termos do artigo 49º, nº 3 CPP, a queixa pode ser
apresentada por titular do respetivo direito, mandatário judicial ou mandatário
provido de poderes especiais, alguém que tenha uma procuração com poderes
especiais. Podia ser esse o nosso caso e se assim fosse, A tinha exercido através
da mãe o direito de queixa e o MP tinha legitimidade para promover o
procedimento em relação aos 2 crimes;
• Se a mãe não tivesse provida da procuração com poderes especiais, o despacho
era acertado e o procedimento poderia ser arquivado.
Imaginemos agora que A não concordava com o despacho do MP, o que podia fazer?
A quer que B seja julgado, o que podia fazer? Que fase processual é que existe e se destina
a aferir da legalidade da decisão tomada pelo MP? A fase de instrução.
Caso Prático nº 5
Responda, fundamentando:
Sim, no nº 4, mas o facto de estar descrita a patologia é suficiente para tirarmos esta
conclusão? Não, mais relevante do que a doença é perceber se em concreto, C tinha a
capacidade para compreender o alcance e significado do ato que estava a praticar. Temos
um indício que poderá revelar que tinha capacidade para compreender, a apresentação de
queixa, não sendo determinante, indicia que C tinha capacidade para entender. Aqui a
doença não é suficiente para conseguirmos determinar se ele teria discernimento ou não.
Se não compreendesse, o titular seria um representante legal, ou na falta dele os
familiares.
b)
Portanto, o despacho de acusação deveria ser o do artigo 283º CPP e nunca o do artigo
285º CPP. O conteúdo da notificação no fim da fase de inquérito ao ofendido, a C, teria
de ser ou da acusação ou do arquivamento, ou da remissão para mecanismos de diversão
processual (Obrigação de notificação à Artigo 277º, nº 3 CPP – para o caso de
arquivamento e 283º, nº 5 CPP – para o caso de acusação).
Deveria ter ainda notificado o ofendido da sua decisão e mais, devia tê-lo notificado
para que ele, se quisesse, se constituísse como assistente, se ainda não o tivesse feito e
deduzisse acusação ancilar à do MP à Artigo 284º CPP.
c)
Quando C desiste da queixa, estamos ainda durante a fase de instrução, pelo que seria
o JIC, a autoridade judiciária competente para homologar. Encontramos no artigo 51º, nº
2 CPP, as regras quanto à homologação da desistência de queixa.
Que atitude processual é que o JIC devia ter tomado? Artigo 51º, nº 3 CPP à
Notificar o arguido para que ele diga se se opõe à desistência, o arguido pode ter interesse
que o procedimento vá até ao fim, para ser absolvido e “limpar o seu nome”.
d)
A ratio por trás desta solução legal é a de não se optar que o queixoso pudesse
escolher quais os participantes que queria perseguir criminalmente e quais os que queria
perdoar. Se assim fosse, o processo penal tinha mais uma finalidade pessoal, de vingança
do que uma natureza pública e, portanto, concluímos, que o despacho também é
desacertado.
Qual seria o despacho correto? O que devia o JIC ter feito quando recebesse a
desistência de queixa em relação a D à Artigo 51º, nº 3 CPP à Notificar o ofendido,
mas também nos termos do 116º, nº 3 CP, os outros arguidos, para saber se eles se
opunham.
Modelo Inquisitório:
Modelo Acusatório:
• Dominante na sua versão mais pura nos EUA e em geral em todos os Estados
de feição liberal;
• Procura alcançar uma igualdade de poderes de atuação processual entre a
acusação e defesa, uma paridade entre a acusação e defesa;
• Baseia-se ou tem como grande paradigma a independência e a imparcialidade
do julgador, o julgador encontra-se numa posição supra-partes. O juiz está
acima da acusação e da defesa e está apenas interessado na apreciação
objetiva do caso que é submetido pela acusação;
• Está organizado num verdadeiro processo de partes que opõe a acusação e a
defesa, há uma espécie de duelo entre duas partes disciplinada por terceiro, o
juiz. Esse atua com passividade. Não há um princípio de investigação como
acontece entre nós;
• Procura-se promover a maior igualdade de armas e meios possível entre
acusação e defesa;
• Existe um contraditório público e oral do processo;
• Vigoram os princípios do dispositivo, são as partes responsáveis para trazer
ao processo os factos que querem ver julgados;
• A verdade é uma verdade formal;
• Há uma autorresponsabilização probatória das partes, havendo regras
relativas à repartição de quóruns;
• O arguido é visto como verdadeiro sujeito processual, está armado com o seu
direito de defesa e garantias individuais face à acusação e ao próprio tribunal.
• O processo penal transforma-se em ordenação e conforma o poder do Estado
em favor do indivíduo acusado;
• Tem como caraterística principal o facto da entidade que investiga e acusa ser
necessariamente distinta da entidade que julga à Assegurar supremacia,
independência e a imparcialidade do julgador quer face ao acusador quer face
ao acusado.
O nosso processo carateriza-se ainda por existir um leque muito alargado de sujeitos
e intervenientes processuais, que têm uma participação constitutiva na declaração do
direito do caso, desde logo o arguido, tem amplos direitos de defesa, direitos próprios e
autónomos relacionados com a concreta conformação do objeto do processo e com a
concreta tramitação do processo penal, mas sem que o processo penal português seja
organizado em torno de um processo de partes. Ao contrário do que acontece nos EUA,
o MP tem além da função acusatória, uma função da defesa dos DLG dos cidadãos,
admite-se em Portugal que o MP recorra de uma decisão no estrito interesse do arguido,
para baixar a pena, por exemplo. Diferentemente também, o MP entre nós encontra-se
vinculado a um princípio de estrita objetividade.
No fundo quer-se alcançar mais do que uma verdade formal, do que o resultado do
confronto entre as duas versões colocadas em oposição, quer-se a verdade material, real
ou história do acontecimento sempre de formas processualmente válidas, que garantam a
proteção do arguido e terceiros, sendo que entre nós é também possível recorrer para
arguir a omissão da utilização pelo tribunal do princípio da investigação, do seu poder-
dever de investigação.
O princípio da acusação propugna uma cisão entre a entidade que investiga e acusa
(o MP) e a entidade que julga (o juiz). Entre nós o cumprimento deste princípio implica
uma separação de magistraturas, embora isso não seja necessário para o cumprimento do
princípio da acusação. É irrelevante que a acusação caiba ao MP ou a um juiz de instrução
desde que não caiba ao juiz de julgamento. É a CRP que propugna esta máxima nos
termos do artigo 219º, nº 1 CRP.
Olhando agora para os dados do caso à Temos o magistrado A, que atua como
representante do MP, deduz acusação contra B e depois vai ser o juiz de julgamento por
força de uma mudança de magistratura. Será que ele pode? Não. Não basta uma separação
funcional em que são entidades distintas, o MP e tribunal, é preciso uma separação
material, em concreto, não pode ser a mesma pessoa.
Mas a verdade é que tanto a CRP como o CPP contêm um conjunto de normas
destinadas a assegurar a independência e imparcialidade dos juízes. São geralmente
A independência dos tribunais está prevista no artigo 203º CRP, e a vinculação estrita
e exclusiva à lei é a principal garantia da independência dos tribunais, face aos outros
órgãos de soberania, face aos outros tribunais, e a grupos da vida pública. A
independência dos tribunais e dos juízes protege-os de pressões externas e internas à É
uma condição necessária, mas não exclusiva da imparcialidade.
Se à luz da comunidade, o juiz não parecer neutral, pouco ou nada interessa que ele
efetivamente o seja, a confiança na decisão já foi comprometida. Vale aqui aquela
máxima de que “à mulher de César não basta ser, é preciso parecer.” O que está na base
da imparcialidade é uma especial relação que liga o juiz ao caso concreto.
O CPP prevê uma série de mecanismos para garantir a imparcialidade do juiz. São
essencialmente dois:
As suspeições não são taxativas aferem-se por via de uma cláusula geral, prevista no
artigo 43º, nº 1 CPP à “A intervenção de um juiz no processo pode ser recusada quando
correr o risco de ser considerada suspeita, por existir motivo, sério e grave, adequado a
gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade.”
Exemplo: Um juiz que é chamado a pronunciar-se sobre uma questão e que num
despacho faz um juízo adiantado sobre a hipotética inocência ou culpabilidade do arguido,
pode ser molde a criar uma situação de suspeição, por ele já ter uma ideia pré-concebida
relativamente ao arguido.
Caso Prático nº 12
No âmbito do inquérito penal a que esta notitia criminis deu lugar, ainda em Santa
Maria da Feira, o Juiz de Instrução Criminal, a requerimento do Ministério Público,
ordenou escutas telefónicas aos aparelhos de A e B, a realização de buscas
domiciliárias e a apreensão dos objetos em ouro que fossem encontrados, tudo com
fundamento na suspeita séria da prática de crimes de tráfico de influência (cfr. art.
335.º, n.º 1, al. a), CP). Depois de recolhidos elementos probatórios bastantes, o
magistrado titular do inquérito ordenou a detenção dos dois suspeitos. No
interrogatório que se seguiu, realizado na esquadra da Polícia Judiciária, os suspeitos
foram constituídos arguidos e de imediato confessaram a prática dos crimes que lhes
eram imputados, referindo que os pormenores do “negócio” eram discutidos à mesa,
num restaurante em Oliveira de Azeméis, embora os objetos em ouro e dinheiro fossem
posteriormente entregues na casa de A, no Porto, e de B, em Vila Nova de Gaia.
c)
que visam garantir a imparcialidade dos juízes, nomeadamente através dos impedimentos
e suspeições. Neste caso concreto, estaríamos perante algum impedimento ou suspeição?
Sim, o impedimento constante do artigo 40.º, a) CPP, porque o JIC aplicou uma
medida de coação prevista entre o artigo 200.º e 202.º CPP, pelo que não podia
efetivamente intervir posteriormente na fase de julgamento. Porque é que só se aplica este
impedimento às medidas de coação dos artigos 200.º, 201.º e 202.º CPP?
Porque a aplicação destas três medidas de coação implica que se faça um juízo sobre
a existência de fortes indícios da prática do crime, no sentido de se antever uma acusação
e, posteriormente, uma condenação. Ao fazê-lo, o JIC já está de certa forma a tomar uma
posição quanto à natureza dos indícios presentes nos autos. Entende-se que
posteriormente não atuaria com a imparcialidade desejada, daí este impedimento. O JIC
não poderia intervir no julgamento.
Não, esta situação não está abrangida por nenhuma das situações do artigo 39.º ou
40.º CPP à Os impedimentos são taxativos, têm de estar expressamente previstos, mas
poderia haver alguma situação de suspeição?
As suspeições são aferidas em torno de uma cláusula geral à Artigo 43.º, nº 1 CPP.
O nº 2 refere que “pode constituir fundamento a intervenção do juiz de recusa, nos termos
do n.º 1, a intervenção do juiz noutro processo ou em fases anteriores do mesmo processo
fora dos casos do artigo 40.º.” Seria aqui o caso, aqui o juiz atuou para autorizar
determinadas diligências probatórias. À partida não há situação de suspeição, mas podia
dar-se o caso de no despacho de ordenação destas diligências, o juiz fizesse qualquer
declaração que levantasse dúvidas quanto à sua neutralidade e mostrasse um pré-juízo,
caso contrário não haveria fundamento de suspeição.
O requerimento foi indeferido pelo JIC, que entendeu «tratar-se de uma questão
simples, que pode ser perfeitamente resolvida no contexto da ação penal, com
vantagens para a celeridade da justiça». Deste despacho interpôs recurso o arguido,
mas o mesmo não foi admitido porque, nas palavras do JIC, «a decisão sobre a
devolução é do domínio da discricionariedade do tribunal penal» (cf. art. 400.º, n.º 1,
al. b), CPP).
Comente.
O que é temos aqui neste caso? Temos um suinicultor que praticou um crime de
alteração de marcos, é um crime na medida em que grande parte da conflitualidade que
existe no interior é em prol destas disputas. O nosso suinicultor requer abertura de
instrução, porque diz que o terreno de onde ele arrancou as estacas era dele. E requereu a
suspensão do processo nos termos do artigo 7º CPP.
independentemente da sua natureza. Pode acontecer que a decisão da questão penal esteja
dependente das chamadas questões prejudiciais.
São questões jurídicas que condicionam a decisão sobre a questão principal sendo
simultaneamente autónomas face à questão principal do processo em que surgem, e por
isso suscetíveis de constituir objeto num outro processo. São antecedentes lógicos e
necessários da resolução da questão prejudicada. Têm 3 características:
Exemplo: Num crime relacionado com o exercício de funções públicas é uma questão
prejudicial saber se o agente é um funcionário público.
Que sistemas de solução podemos equacionar para as questões prejudiciais? São três:
Temos um sistema misto ou intermédio nos termos do qual a regra geral vem prevista
no artigo 7º CPP, a consagração da suficiência penal, mas em razão da complexidade
que revestem certas questões prejudiciais admite-se a devolução ao tribunal competente,
desde que estejam verificados os pressupostos do artigo 7º, nº 2 CPP. Os requisitos são:
Sim. O próprio tipo de crime, previsto no artigo 216º, nº 1 CP refere que é elemento
objetivo do tipo de crime que a coisa imóvel seja alheia, se ela própria é um dos elementos
do crime e não está verificada não existe crime de alteração de marcos. Trata-se de um
antecedente jurídico concreto da questão principal. É uma questão autónoma, pode dar
lugar a um processo autónomo, e é uma questão necessária à solução da questão principal.
É uma questão prejudicial não penal em processo penal.
Sim, nos termos do artigo 7º, nº 3 CPP. Estão verificados os requisitos da suspensão,
do artigo 7º, nº 2 CPP? Os dois primeiros requisitos estão verificados. Quanto ao terceiro
requisito à A questão não pode ser convenientemente resolvida pelo tribunal penal?
Pode, uma vez que era uma questão simples cuja prova se faz por via documental, e,
por isso, não parece estar verificado este requisito. Atenta a excecionalidade da
suspensão, o despacho do JIC andou bem.
O nosso A recorreu do despacho do JIC, mas o JIC não admitiu o despacho pelo facto
de a decisão ser do domínio do Tribunal Penal, invocando como fundamento o artigo
400.º, nº 1, b) CPP. Esta decisão foi acertada? A regra geral da recorribilidade está
prevista no artigo 399.º CPP, mas o JIC invoca a do artigo 400.º CPP. No nosso caso,
estamos perante um ato dependente da livre resolução do tribunal?
Não. O tribunal não é inteiramente livre na apreciação que faz, uma vez que tem de
a fazer de acordo com o artigo 7.º, nº 2 CPP. Este artigo abre alguma margem de
discricionariedade ao juiz, utilizando o conceito indeterminado de conveniência. Por isso,
entendeu-se durante algum tempo na doutrina, que esta era uma livre decisão do tribunal
e por isso não era recorrível. Esta posição era defendida pelo Dr. Castanheira Neves.
a)
Durante a fase de inquérito foi ordenada uma perícia psiquiátrica que concluiu que A
sofria de um Síndrome de Asperger e que essa anomalia condiciona a capacidade de
formular juízos de ilicitude e de se autodeterminar. Segundo a perícia, tinha de se
formular, em relação a A um juízo da imputabilidade sensivelmente diminuída, nos
termos do artigo 20.º CP.
O princípio relativo à prova, que está aqui em causa é o princípio da livre apreciação
da prova, ou princípio da prova livre, previsto no artigo 127.º CPP. Nos termos deste
princípio, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre apreciação da
entidade competente, exceto quando a lei dispuser em sentido diverso. Vale a pena notar
que este princípio, embora tenha um lugar privilegiado durante a fase de julgamento, mais
concretamente, na decisão final, a verdade é que é um princípio transversal a todas as
fases do processo, impondo-se ao Ministério Público, ao Juiz de Instrução Criminal, bem
como aos Órgãos de Polícia Criminal.
• Admissibilidade da Prova;
• Produção e Formação da Prova;
• Valoração da prova.
Depois temos a fase da produção da prova e aí o que se quer saber é a que regras é
que a produção de um determinado meio de prova tem de obedecer para que possa ser
validamente considerada pelo tribunal, no momento em que vai decidir sobre os factos
sujeitos a julgamento. Essas regras procedimentais quanto à produção de prova variam de
meio de prova para meio de prova.
Este princípio surge após a Revolução Francesa, associado à introdução dos tribunais
de júri, por contraposição ao sistema da prova legal, que vigorava antes da revolução. A
introdução do princípio da livre apreciação da prova representa um corte radical,
relativamente ao anterior, em que cada meio de prova tinha um valor legalmente pré-
determinado, a chamada prova tarifada. Este sistema assentava num receio que o julgador
incorresse em erros de valoração dos meios de prova, pelo que se estabeleceu regras legais
de valoração dos meios de prova com base nas regras da experiência comum.
Quanto ao conteúdo deste princípio à Pela negativa, este princípio diz-nos que não
existem critérios legais que pré-determinem o valor da prova. Pela positiva, diz-nos que
as entidades competentes para a valoração a prova, o têm de fazer segundo o seu dever
de descoberta da verdade material, pelo que ainda que a valoração seja integrada por um
momento de convicção pessoal e íntima, essa convicção é sempre objetivada, motivada e
suscetível de controlo.
Significa que este princípio não aponta para uma valoração incontrolável,
subjetiva ou arbitrária da prova produzida. Mesmo nos espaços de discricionariedade
que possam existir, essa discricionariedade tem limites que não podem ser ilicitamente
ultrapassados. A doutrina diz que a liberdade de apreciação da prova é uma liberdade de
acordo com um dever. Trata-se de uma liberdade para a objetividade. O que se quer, é
alcançar uma verdade que transcende a pura subjetividade e que se imponha, com a sua
racionalidade aos outros. A apreciação da prova tem sempre de ser reconduzível a
critérios objetivos e motivados. Impõe-se uma valoração racional e crítica, assente nas
regras da lógica e experiência comum, do normal acontecer e agir, remetendo-se aos
conhecimentos técnicos e científicos, tudo para permitir objetivar a decisão.
Se é certo que a convicção do juiz é ainda uma convicção pessoal, subjetiva, até
porque há um papel relevante que desempenha a componente emocional (Por exemplo à
Quando atribui maior ou menor credibilidade a uma testemunha pela forma como ela se
comporta ou reage durante as inquirições, a verdade é que essa convicção nem sempre é
completamente explicável ou racional, é ainda uma convicção pessoal, mas tem que ser
capaz de se impor aos outros por ser objetiva e motivada). O juiz tem de ser capaz de
explicar as razões da sua convicção pessoal.
Essa convicção só existe se o tribunal tiver ficado convencido dos factos para além
de toda a dúvida razoável. No fundo o tribunal tem de ter conseguido afastar
racionalmente qualquer dúvida para a qual pudessem ser dadas razões.
Imaginemos uma determinada situação de facto para a qual existem duas explicações
credíveis, a defesa defende uma coisa e a acusação outra à A condenação só ocorre se o
tribunal, face à prova produzida, tiver ficado convencido que foi, a explicação dada pela
acusação, aquela que efetivamente foi a mais credível, e que foi para além da dúvida
razoável, tem de destruir a tese da defesa de forma motivada.
Neste caso, interessa saber se o princípio da valoração vale em toda a sua amplitude
ou se está limitado.
O meio de prova utilizado foi a prova pericial, regulado entre os artigos 151.º e 163.º
CPP. Geralmente realizam-se perícias para a apreciação de determinados atos através de
métodos de natureza científica, técnica, artística, etc. É obrigatório que a perícia seja
realizada por pessoas que tenham especiais conhecimentos na área periciada, por
exemplo, a determinação se um quadro é falso ou não.
Qual é o valor da prova pericial? Ela está sujeita ao princípio da livre apreciação da
prova em toda a sua amplitude ou não? O princípio da livre apreciação não funciona em
toda a sua amplitude, no âmbito da prova pericial. O artigo 163.º, nº 1 CPP, diz-nos que
“o juízo técnico científico ou artístico, presume-se subtraído à livre apreciação do
julgador”. Mas trata-se apenas de uma presunção à É possível ao juiz divergir do
relatório pericial, mas para fazê-lo tem de contra-argumentar com um juízo da mesma
natureza, ou seja, tem de apresentar um argumento de natureza técnico, científico ou
artístico, que se oponha ao relatório pericial. Isto acontece, por exemplo, quando há um
relatório pericial junto aos autos, e depois a defesa ou a acusação apresenta um outro
relatório pericial que apresenta conclusões divergentes.
O juiz também pode afastar ou ilidir esta presunção se invocar um erro inequívoco
de que o relatório padeça ou contrariar a base de facto em que assenta a perícia. Fora
destes casos, o juiz está obrigado a aceitar o juízo técnico, científico ou artístico, contido
no relatório pericial. Trata-se assim de um limite, um desvio, de sentido negativo, ao
princípio da livre apreciação e justifica-se, uma que vez que se a lei prevê a intervenção
de pessoas com conhecimentos especiais, era incompreensível que depois admitisse que
esses relatórios, não tivessem qualquer relevância, principalmente em domínios que o juiz
não tivesse as mesmas competências. O julgador não é o juiz da perícia, mas continua a
ser o juiz dos peritos.
Olhando para o caso, o juiz, em princípio, não se verificando nenhuma das situações
que a lei expressamente permite no artigo 163.º CPP, teria de aceitar o juízo médico
quanto à anomalia psíquica existente, e de aceitar o juízo formulado no relatório pericial
quanto às consequências dessa síndrome.
b)
No âmbito deste caso, o princípio da livre apreciação da prova continua a ser aplicado.
Temos a confissão e o depoimento indireto.
Começando pela confissão ela é um meio de prova geral do direito, nos termos do
artigo 352.º e seguintes CC. Há confissão sempre que alguém reconhece a realidade de
um facto que lhe é desfavorável, neste caso a prática de um crime. Ela pode ocorrer em
qualquer fase processual. Se ocorrer durante a fase de inquérito ou instrução está sujeita
ao princípio da livre apreciação. Quando ocorra em julgamento, e dependendo das suas
características, pode ou não estar sujeita ao princípio da livre apreciação. Como?
• Pode confessar parcialmente ou com reserva dos factos, situação em que vale
o princípio da livre apreciação da prova, nos termos do artigo 344.º, nº 4 CPP;
• Pode confessar de forma livre, integral e sem reserva.
Interessa-nos a confissão livre e integral e sem reservas, prevista no artigo 344.º CPP.
Aplica-se o nº 2, e estamos perante um desvio positivo ao princípio da livre apreciação.
Havendo uma confissão livre integral e sem reservas não há lugar à produção de prova
passando-se logo às alegações orais e à determinação do nível da sanção, nos termos da
alínea b) do nº 2 do artigo 344.º CPP.
No nosso caso esta confissão reunia as características necessárias para que se passasse
imediatamente para as audições orais, e que se prescindisse da produção da prova?
Dizer que ele era mau não afasta a responsabilidade, logo seria uma confissão sem
reservas, mas seria livre? Sabemos que o relatório diz que A, em virtude da sua anomalia
psíquica tinha capacidade condicionada de avaliar a ilicitude dos factos e de se
autodeterminar, logo não é de todo claro que ele conseguisse perceber o conteúdo, sentido
e alcance da confissão.
Não se pode dizer que a confissão é livre. De facto, foi integral e sem reservas, mas
pode suspeitar-se do caráter livre. Se não era livre, não se tratava de uma confissão que
reunia aquelas três características, de que depende a limitação positiva ao princípio da
livre apreciação, logo essa confissão ficaria sujeita à livre convicção do julgador. Nos
termos do artigo 127.º CPP e nos termos do artigo 344.º, nº 4 CPP, o tribunal tinha de
decidir se iria ter lugar, e em que medida a produção de prova quanto aos factos
confessados.
O testemunho indireto está mais distante dos factos, razão pela qual se prefere o
testemunho direto, porque se presume que esse está sujeito a uma menor probabilidade
de erro. Neste caso qual era a solução? Podemos admitir o depoimento indireto?
Caso Prático nº 12
No âmbito do inquérito penal a que esta notitia criminis deu lugar, ainda em Santa
Maria da Feira, o Juiz de Instrução Criminal, a requerimento do Ministério Público,
ordenou escutas telefónicas aos aparelhos de A e B, a realização de buscas
domiciliárias e a apreensão dos objetos em ouro que fossem encontrados, tudo com
fundamento na suspeita séria da prática de crimes de tráfico de influência (cfr. art.
335.º, n.º 1, al. a), CP). Depois de recolhidos elementos probatórios bastantes, o
magistrado titular do inquérito ordenou a detenção dos dois suspeitos. No
interrogatório que se seguiu, realizado na esquadra da Polícia Judiciária, os suspeitos
foram constituídos arguidos e de imediato confessaram a prática dos crimes que lhes
eram imputados, referindo que os pormenores do “negócio” eram discutidos à mesa,
num restaurante em Oliveira de Azeméis, embora os objetos em ouro e dinheiro fossem
posteriormente entregues na casa de A, no Porto, e de B, em Vila Nova de Gaia.
Comente.
e)
De acordo com o artigo 355.º CPP e por força da imediação não valem em
julgamento, nomeadamente para formação da convicção do tribunal, quaisquer provas
que não tenham sido examinadas ou produzidas durante a audiência de julgamento.
Porém, o nº 2 contém uma exceção para os atos cuja leitura ou visualização em audiência
de julgamento sejam permitidos à Atos contidos no artigo 356.º e 357.º CPP à Leitura
de autos, declarações do assistente, partes civis e testemunhas, reprodução ou leitura de
declarações prestadas anteriormente perante autoridade judiciária.
Nos termos do artigo 357.º CPP, a reprodução e leitura das declarações do arguido
são muito restritas, condicionadas para colocar o menos possível em causa o princípio da
imediação.
Assim, não podia o juiz tê-lo feito, o artigo 357.º CPP determina que isso só possa
acontecer em duas hipóteses à Ou se o próprio arguido requerer ou se essas declarações
tiverem sido feitas perante autoridade judiciária com assistência do defensor e o arguido
tenha sido informado que aquelas declarações que proferiu naquele momento poderão ser
mais tarde utilizadas em julgamento. Era este o nosso caso, as declarações foram
prestadas perante uma autoridade judiciária, a PJ é autoridade judiciária?
Não, é um OPC, desde logo por aqui não seria possível a leitura das declarações
prestadas. Não há nota sequer que os arguidos tivessem acompanhados de defensor nem
que tenham sido advertidos para os efeitos do artigo 141.º, nº 4, b) CPP, logo a leitura
tratava-se de prova proibida.
O tribunal fez mais, chamou a depor o inspetor da PJ que tomou essas declarações e
esse corroborou que os arguidos teriam dito o que constava do auto de inquirição à Não
faz sentido, então se a lei proíbe as declarações íamos chamar a pessoa que ouviu as
declarações a corroborar? Seria uma forma de contornar a lei à A lei prevê isto
claramente no artigo 356.º, nº 7 CPP. Não se poderia ter ouvido o inspetor quanto ao teor
das declarações prestadas pelos arguidos na fase de inquérito.
c)
Princípio in dubio pro reo. Tem relevância naquelas situações em que o tribunal,
depois de conduzida toda a prova, permanece num estado de dúvida. Este princípio
decorre de um outro, o princípio da presunção de inocência, previsto no artigo 32.º, nº
2 CRP.
• Foi produzida prova dos factos imputados ao arguido, razão pelo qual o
tribunal os dá como provados;
• Não foi produzida prova dos factos imputados ao arguido, em que os dá como
não provados;
• Apesar de toda a prova produzida, sobra ainda uma dúvida razoável sobre os
factos imputados ao arguido. Nesta hipótese, o tribunal tem de demonstrar os
factos que forem favoráveis ao arguido, sob o princípio in dubio pro reo. Na
dúvida beneficia-se o arguido.
No nosso caso o tribunal deveria começar por dar uso aos seus poderes de
investigação previstos no artigo 340.º, nº 1 CPP, ordenando a obtenção de todos os meios
de prova que pudessem corroborar e dar coerência ao relato de C. Não sendo possível
ultrapassar o estado de dúvida, a única opção que o tribunal tinha era dar como
completamente provados os factos narrados por C na medida em que eles eram favoráveis
ao arguido.
Nota: O funcionamento do princípio in dubio pro reo, nem sempre é muito óbvio.
Mas o pressuposto é este à Se em relação a algum facto apontado ao arguido, o tribunal
permaneça num estado de dúvida razoável, quando não tem elementos probatórios que
permitam constatar esse facto, se esse facto for favorável ele é dado como provado, na
dúvida.
e)No
Suponha agora
final do ano que, na audiência
transato, de julgamento,
deu entrada na secção os
doarguidos se remeteram
Ministério Público doao silêncio.
Tribunal
Para colmatar
de Santa Mariaeventuais
da Feiralacunas probatórias,
uma denúncia o juiz-presidente
anónima que dava contaordenou
que A ea B,leitura das
irmãos,
declarações prestadas em inquérito perante a Polícia Judiciária, bem como a inquirição do
aceitavam de forma recorrente objetos em ouro e dinheiro para exercerem a sua
inspetor que conduziu os interrogatórios. Na fundamentação da decisão condenatória que
(suposta) influência junto do Vereador do Urbanismo da Câmara Municipal de X,
entretanto foi proferida pode ler-se: «a convicção do tribunal assenta decisivamente nas
primo daqueles, no sentido de mais facilmente serem aprovados certos pedidos de
declarações prestadas pelos arguidos durante o interrogatório policial, cujo conteúdo,
licenciamento de obras.
valorado nos termos do artigo 127.º CPP, foi confirmado, de modo consistente e credível,
No âmbito
pelo inspetor que do inquérito penal
acompanhou a que
a referida esta notitia
diligência. criminis
Para mais, adeu lugar,
atitude ainda
pouco em Santa e
colaborante
Maria
até da Feira,
mesmo o Juiz
refratária dosdearguidos
Instrução Criminal,
durante a requerimento
a audiência do Ministério
é um elemento Público, a
que corrobora
ordenou sobre
convicção escutas
a suatelefónicas aos aparelhos de A e B, a realização de buscas
culpabilidade».
domiciliárias e a apreensão dos objetos em ouro que fossem encontrados, tudo com
fundamento na suspeita séria da prática de crimes de tráfico de influência (cfr. art.
335.º, n.º 1, al. a), CP). Depois de recolhidos elementos probatórios bastantes, o
magistrado titular do inquérito ordenou a detenção dos dois suspeitos. No
interrogatório que se seguiu, realizado na esquadra da Polícia Judiciária, os suspeitos
foram constituídos arguidos e de imediato confessaram a prática dos crimes que lhes
eram imputados, referindo que os pormenores do “negócio” eram discutidos à mesa,
num restaurante em Oliveira de Azeméis, embora os objetos em ouro e dinheiro fossem
posteriormente entregues na casa de A, no Porto, e de B, em Vila Nova de Gaia.
a)
O ato a praticar pela pessoa habilitada tanto pode ser lícito como ilícito. Para que
principio remete esta alínea? Para o princípio da publicidade. Trata-se de um princípio
relativo à forma do processo. Em regra, o processo é público, nos termos do artigo 86.º,
nº 1 CPP, em todas as suas fases, apesar de a CRP impor apenas a publicidade das
audiências de julgamento, nos termos do artigo 206.º CRP. As implicações da publicidade
do processo estão previstas no artigo 86.º, nº 6, nas três alíneas:
Durante muito tempo, a regra era de que só a fase de julgamento era totalmente
pública, havendo restrições nas fases anteriores. Depois de 2007, a regra passou a ser a
de publicidade em todas as fases, muito por causa do Caso Casa Pia. Em qualquer uma
das fases processuais a publicidade nunca abrange os dados relativos à reserva da vida
privada dos intervenientes processuais à A identificação, a morada, a religião, etc. Na
jurisprudência publicada online eliminam-se essas referências.
Quanto à fase de julgamento a CRP prevê que ela possa decorrer com exclusão da
publicidade para proteção da dignidade das pessoas e para garantir a moral pública ou o
seu normal funcionamento. Esta situação é materializada no artigo 87.º CPP à O juiz
pode restringir ou excluir a livre audiência pública dos atos processuais.
Voltando ao nosso caso à Foi determinado pelo JIC a aplicação de uma medida de
coação, de proibição de contactos entre os arguidos, prevista no artigo 200.º, nº 1, alínea
c) CPP. O defensor pretende recorrer da aplicação dessa medida de coação. Pode recorrer?
b)
Caso Prático nº 14
Princípio da Adesão à Artigo 71.º CPP. Nos termos desse artigo o pedido de
indemnização cível fundado na prática de um crime é deduzido no processo penal
respetivo. Só pode ser deduzido em separado, perante o tribunal civil nos casos
expressamente previstos no artigo 72.º CPP.
Com muita frequência os factos que são objeto do processo penal podem ser também
ser fundamento da responsabilidade civil, por factos ilícitos, nos termos do artigo 483.º
CC.
Entre nós a regra é a da identidade ou adesão expressa no artigo 71.º CPP, o que
significa que o tribunal penal é via de regra, competente para conhecer quer da
responsabilidade civil quer criminal, sendo que esse duplo reconhecimento é obrigatório
exceto nos casos previstos no artigo 72.º CPP, em que a lei determina que podem ser
deduzidos pedidos em separado. Que exceções são essas ao princípio da adesão? Há
várias, e estão previstas no artigo 72.º CPP:
“a) O processo penal não tiver conduzido à acusação dentro de oito meses a contar
da notícia do crime, ou estiver sem andamento durante esse lapso de tempo;
d) Não houver ainda danos ao tempo da acusação, estes não forem conhecidos ou
não forem conhecidos em toda a sua extensão;
O Sr. Professor chama a atenção para a alínea c), quando o procedimento depender
de queixa ou acusação particular, atendendo à sua conjugação com artigo 72.º, nº 2 CPP.
Nos crimes semi-públicos e particulares em sentido estrito, se o lesado deduzir
previamente, antes de apresentar a respetiva queixa, um pedido de indemnização cível
junto dos tribunais cíveis, isso equivale à renúncia do direito de queixa. Neste tipo de
crimes se o ofendido, titular do direito de queixa, tiver interesse no processo criminal,
tem que primeiro deduzir a respetiva queixa e só depois é que pode deduzir em separado
o pedido de indemnização cível.
Atenção que estes casos do artigo 72.º, nº 1 CPP, são meras faculdades à O lesado
pode deduzir um pedido de indemnização cível em separado, mas não está obrigado a
fazê-lo, pode na mesma deduzir no processo penal.
C, teria legitimidade para deduzir o PIC? Podia considerar-se como lesado? É preciso
procurar o fundamento da legitimidade de C no CC à Nos termos do artigo 496.º, nº 2 e
3 CC, C poderia ter legitimidade. Se B não tivesse nem cônjuge, filhos ou pais, ou avós,
podia de facto C, o irmão, deduzir o pedido de indemnização cível.
Nota: O Sr. Professor aconselha no artigo 74.º CPP fazermos uma remissão para o
artigo 495.º e 496.º CC.
Atenção à Isto não significa que o assistente tenha de deduzir acusação ancilar para
que possa deduzir o PIC. O que significa é que o prazo é o mesmo. Durante o prazo para
a acusação ancilar, decorre prazo para a dedução do PIC. Se o assistente for deduzir uma
acusação ancilar dita a economia processual que faça tudo no mesmo requerimento. Se
não for deduzir acusação particular, entrega só o requerimento do PIC;
Se o lesado tiver manifestado o propósito de deduzir o PIC, nos termos do artigo 75.º,
nº 2 CPP, ele deve fazê-lo após 20 dias de ter sido notificado da acusação ou da pronúncia.
Se o lesado não tiver manifestado o propósito de deduzir o PIC tem 20 dias, após o arguido
ter sido notificado da acusação ou pronuncia para deduzir.
Caso Prático nº 14
f) Admita agora que C não deduziu pedido cível no processo-crime e que A veio
a ser condenado pelo crime imputado. Poderá o tribunal condenar oficiosamente o
arguido no pagamento de uma reparação a C? E se não o fizer, pode ainda C deduzir
pedido cível em separado?
e)
Se o tribunal o fizer, a sentença é nula nos termos do artigo 615.º, e) CPC, ou nos
termos do artigo 379.º, nº 1, alínea c) CPP. E pode o tribunal condenar numa
indemnização inferior à peticionada? Pode, uma vez que a proibição só se aplica ao
limite máximo. Nada impede que o tribunal condene em menos do que aquilo que foi
peticionado. E se C não se conformasse com esta condenação com um valor inferior
aquele que tinha sido peticionado, ele podia recorrer aos tribunais civis para intentar uma
nova ação de responsabilidade civil?
Nos termos do artigo 84.º CPP a decisão penal que conhecer do pedido civil constitui
caso julgado. No processo civil existiria uma exceção dilatória do caso julgado que
impedia o conhecimento do mérito desse processo. Se C não se conformar com o
montante de indemnização que é fixado, o que é que ele pode fazer?
Pode recorrer, mas tem de estar ciente que as regras que se aplicam ao recurso da
decisão civil, são diferentes das regras que se aplicam ao recurso da decisão penal,
nomeadamente em matéria da alçada.
f)
Isto remete para o artigo 82.º-A CPP, com a epígrafe “reparação da vítima em casos
especiais”. A reparação é decretada pelo tribunal oficiosamente, sem dependência de
pedido, quando não tenha havido a dedução do PIC no processo penal, ou em separado,
e quanto existirem especiais exigências de proteção da vítima.
Quanto ao conceito de vítima, está previsto no artigo 67.º-A CPP à Resulta que C
podia ser considerado vítima, logo em abstrato tinha legitimidade para ser o beneficiário
desta reparação extraordinária oficiosa a determinar pelo tribunal, mas era uma questão
de saber se existia aqui alguma exigência especial de proteção da vítima. Podíamos
hipoteticamente considerar que sim.
tribunal civil seria incompetente em razão de matéria o que daria origem à absolvição da
instância à Seria um caso de incompetência absoluta.
5. Competência
5.1 Introdução
Quanto à matéria da competência no processo penal ou princípio da jurisdição, nos
termos do artigo 202.º e 29.º CRP, só os tribunais podem reprimir a violação da
legalidade democrática e só eles podem aplicar definitiva e coercivamente uma pena
ou medida de segurança à Artigo 8.º CPP.
Portanto, existe uma reserva de competência dos tribunais para aplicação de penas e
medidas de segurança. Etimologicamente, jurisdição significa o poder de dizer o direito
e a jurisdição designa genericamente a função de julgar atribuída ao conjunto dos
tribunais.
• Material;
• Funcional;
• Territorial.
Ainda neste critério, a competência do tribunal coletivo, está prevista no artigo 14.º,
nº 2 CPP à “Compete, ainda, ao tribunal coletivo julgar os processos que, não devendo
ser julgados pelo tribunal singular, respeitarem a crimes: a) Dolosos ou agravados pelo
resultado, quando for elemento do tipo a morte de uma pessoa; ou b) Cuja pena máxima,
abstratamente aplicável, seja superior a 5 anos de prisão mesmo quando, no caso de
concurso de infrações, seja inferior o limite máximo correspondente a cada crime.” à
Crimes com pena máxima abstrata superior a 5 anos de prisão e crimes que não sejam
julgados no tribunal de júri.
O critério quantitativo é supletivo, se nenhum dos outros se aplicar é este que vai
determinar qual é o tribunal materialmente competente.
Nota: Fazer remissão no artigo 13.º, nº 1 CPP para os artigos do CP e Lei 31/2004.
Mais uma vez, para que o tribunal de júri possa ser competente é necessário que a sua
intervenção seja requerida pelo MP, arguido ou assistente. Como estamos no âmbito do
Nota: O tribunal singular tem uma competência residual para julgar todos os
processos que não caibam na competência dos tribunais de outra espécie à Artigo 16.º,
nº 1 CPP.
Sempre que se verificar uma destas situações, o critério subjetivo derroga todos os
outros.
Além deste critério, que é a regra geral, existem critérios supletivos previstos até ao
artigo 23.º CPP, como os crimes de resultado que compreendem como elemento típico a
morte da pessoa, essencialmente por causa dos hospitais (evitar que viesse a ser
O que está em causa é a existência, entre esses crimes, de uma certa ligação que torna
conveniente a sua apreciação conjunta. Essencialmente são três os fundamentos de
conexão:
• Quando vários crimes tenham sido praticados pelo mesmo agente à Artigo
24.º, nº 1, a) e b) e artigo 25.º CPP à Conexão pessoal ou subjetiva à
Unidade do agente, um só agente pratica vários crimes;
• Quando vários agentes participem no mesmo crime à Artigo 24.º, nº 1, c)
CPP à Conexão de tipo material ou objetiva à Pluralidade de crimes ou
agentes, relacionada através do conteúdo das infrações;
• Vários crimes praticados por diferentes agentes, mas que tenham uma
ligação especial entre si à Artigo 24.º, nº 1, d) e e) CPP.
No âmbito do inquérito penal a que esta notitia criminis deu lugar, ainda em Santa
Maria da Feira, o Juiz de Instrução Criminal, a requerimento do Ministério Público,
ordenou escutas telefónicas aos aparelhos de A e B, a realização de buscas
domiciliárias e a apreensão dos objetos em ouro que fossem encontrados, tudo com
fundamento na suspeita séria da prática de crimes de tráfico de influência (cfr. art.
335.º, n.º 1, al. a), CP). Depois de recolhidos elementos probatórios bastantes, o
magistrado titular do inquérito ordenou a detenção dos dois suspeitos. No
interrogatório que se seguiu, realizado na esquadra da Polícia Judiciária, os suspeitos
foram constituídos arguidos e de imediato confessaram a prática dos crimes que lhes
eram imputados, referindo que os pormenores do “negócio” eram discutidos à mesa,
num restaurante em Oliveira de Azeméis, embora os objetos em ouro e dinheiro fossem
posteriormente entregues na casa de A, no Porto, e de B, em Vila Nova de Gaia.
d)
Nota: A competência funcional não vai ter interesse aqui, estamos perante a fase de
julgamento.
A CRP determina no artigo 207.º, nº 1 CPP que o tribunal de júri não pode conhecer
crimes de determinada natureza, nomeadamente crimes de terrorismo e criminalidade
altamente organizada como é o caso do crime de tráfico de influência. A competência do
tribunal de júri está limitada constitucionalmente quanto a estes crimes. O único tribunal
materialmente competente para este processo era o tribunal coletivo, nos termos do artigo
14.º, nº 1 CPP.
Temos 2 arguidos, A e B, e cada um deles foi acusado por 3 crimes à Pela regra,
teríamos de organizar 6 processos, a menos que houvesse algum fundamento de conexão
à Artigo 24.º, b) CPP à Fundamento material ou objetivo e, portanto, organizar-se-ia
apenas 1 processo para conhecer todos estes crimes, em concreto não se verificava
nenhum obstáculo à conexão, pelo menos aparente. Por fim, tratava-se de conexão
homogénea ou heterogénea?
Caso Prático nº 13
a)
Neste caso, existe algum fundamento de conexão que permita que em vez de se
organizar um processo para A e um para B se organize apenas um só processo onde se
vão conhecer os crimes praticados pelos 2 agentes?
Caso Prático nº 14
a)
b)
Pode ou não haver conexão nestes processos? Não, não havia crimes cometidos no
âmbito da mesma ação, não eram causa efeito uns dos outros, não se verificava a
possibilidade do artigo 25.º CPP, de haver vários crimes cujo conhecimento seja da
competência dos tribunais com sede na mesma comarca. Não se verificava nenhum
fundamento que justificasse a conexão. Ainda que existisse fundamento de conexão,
verifica-se um obstáculo previsto no artigo 24.º, nº 2 CPP à Os processos não se
encontravam na mesma fase processual. Não havia nenhuma possibilidade de se
apensarem estas ações.
6. Sujeitos Processuais
6.1 Defensor – Caso Prático nº 13 (Alínea b))
Caso Prático nº 13
b)
Neste caso, quem seria o JIC competente? Nestes casos em que a competência
pertence ao STJ, o JIC competente seria um dos juízes que integra a secção criminal à
Artigo 11.º, nº 7 CPP à “Compete a cada juiz das secções criminais do Supremo
Tribunal de Justiça, em matéria penal, praticar os atos jurisdicionais relativos ao
inquérito, dirigir a instrução, presidir ao debate instrutório e proferir despacho de
pronúncia ou não pronúncia nos processos referidos na alínea a) do n.º 3 e na alínea a)
do n.º 4.”
Há boas razões para que assim seja. Para quem não tenha conhecimentos jurídicos, é
claro, estando em causa DF dos cidadãos, possibilidade de privação da liberdade ou do
património, entende o legislador e a CRP que o arguido deve ser assistido por alguém que
atue no estrito interesse da justiça e que se seja um órgão da administração da justiça e
um sujeito processual, o defensor. Entende-se que o direito à defesa que assiste ao
arguido, inclui o direito a ser assistido por um defensor.
Este princípio é consubstanciado no artigo 64.º CPP, que visa três tipos de situações
em que é obrigatório ter defensor:
No fundo, a defesa, a atuação do defensor é uma obrigação que decorre da lei, sem
ou contra a vontade do arguido.
O defensor pode ser constituído pelo arguido, caso contrário, o tribunal nomear-lhe-
á um defensor oficioso. O arguido pode constituir defensor em qualquer altura do
processo, nos termos do artigo 62.º, nº 1 CPP e não o fazendo, é nomeado, mais tardar
com a dedução da acusação, de acordo com o artigo 64.º, nº 3 CPP.
Também B que era advogado não podia autodefender-se, coisa que já não acontece
no processo civil, os advogados podem atuar em causa própria, embora não seja
aconselhado.
c)
• Alínea a) à Os ofendidos, aqueles que são titulares dos interesses que a lei
quis especialmente proteger e têm de ser maiores de 16 anos, o que pode levar
à questão, mas afinal qual é a diferença entre o assistente e o ofendido?
Titulares do direito de queixa à Artigo 113.º CP. São distintos no caso de o ofendido
ser menor, incapaz, ter morrido, etc.
No nosso caso, Y era a IPSS que pagava à avença e suportava os serviços de B. A era
juiz desembargador e era B que fazia os Acórdãos que A proferia, mas quem pagava era
uma avença suportada por esta instituição de que B era presidente. Y podia constituir-se
como assistente?
Havia sempre a válvula de escape da alínea e), mas nem era preciso, porque Y é
também neste caso ofendida. O crime é duplo no que toca ao bem jurídico tutelado, por
um lado tutela a fidelidade dos funcionários, mas por outro lado tutela também os bens
jurídicos patrimoniais, portanto neste caso era o património da instituição que estava a
ser indevidamente utilizado para pagar a B. Y podia constituir-se como assistente nos
termos do artigo 68.º, nº 1, a) CPP.
E em que prazo é que o poderia fazer? Resulta do artigo 68.º, nº 3 CPP, que o
assistente pode constituir-se como tal em qualquer momento do processo, embora a
lei estabeleça 3 limites temporais, nos termos dos quais já não é possível a constituição
como assistente:
O que é que Y teria de fazer processualmente para se constituir como assistente? Teria
de fazer um requerimento, mas um requerimento que endereçava a quem? Quem é que
decide se alguém pode ou não ser assistente no processo? O juiz, mas que juiz? Depende
da fase. Se for durante o inquérito ou instrução é o JIC, se for durante a fase de julgamento
é o juiz de julgamento.
A constituição como assistente paga taxa de justiça, 102€, mas essa taxa pode ser
revista no final do processo e pode chegar aos 1020€. Há sempre a opção de pedir apoio
judiciário.
d)
C foi o indivíduo que fez a denúncia. Nos termos do artigo 68.º, nº 1, e), qualquer
pessoa pode constituir-se como assistente para crimes que digam respeito a bens jurídicos
supra-individuais, entre os quais o crime de peculato, e, por isso, quer C, quer a
Associação Cívica poderiam constituir-se como assistentes.
e)
Sim, a jurisprudência tem entendido que neste crime, o denunciado pode constituir-
se como assistente por também ser ofendido. É um crime cujo bem jurídico é duplo. Por
um lado, tutela a boa administração da justiça e por outro a honra da pessoa à Acórdão
8/2006.
Caso Prático nº 14
c)
Quanto ao prazo à Teria de se constituir como assistente, nos termos do artigo 68.º,
nº 3, b) CPP que remete para o artigo 284.º CPP à Prazo de 10 dias após a notificação
da acusação proferida pelo MP, para que o assistente deduza acusação ancilar nesse prazo.
Se assim não fosse, se C não se constituísse como assistente, não poderia acompanhar a
acusação do MP, não poderia deduzir acusação ancilar.
Contudo, é preciso reconhecer que as acusações contêm uma narração sintética dos
factos, pelo que é natural que durante o julgamento surjam novos factos que alterem,
complementem ou comprometam o anteriormente descrito na acusação. O objeto do
processo pode apesar do princípio da identidade sofrer algumas modificações entre o
acusado o decidido e julgado, mas só aquelas modificações que a lei permite.
O conhecimento de outros factos pelo tribunal que não tenham sido trazidos ao
processo, pela acusação pública, particular ou ancilar ou pelo RAI, só pode ocorrer dentro
dos limites e regimes fixados no CPP à Artigo 303.º CPP, para a fase de instrução e
artigo 358.º e 359.º CPP para a fase de julgamento. O regime é igual.
É destas teses que emergem as soluções legais. Para a fase de instrução regula o artigo
303.º CPP, que não vamos estudar autonomamente porque é igual ao regime do
julgamento.
Quanto à fase de julgamento, regulam os artigos 358.º e 359.º CPP à Parte de uma
distinção entre alteração substancial e não substancial dos factos. A este propósito é
necessário analisarmos o conceito de alteração dos factos previsto no artigo 1.º, f) CPP.
É um critério relacional, entre aquilo que é definido na acusação ou pronúncia e aquilo
que se apura durante a fase de julgamento. Existe uma alteração substancial dos factos
sempre que estes tiverem por efeito a imputação ao arguido de um crime diverso ou o
agravamento dos limites máximos das sanções aplicadas. Apesar de a lei nos dizer quando
há uma alteração dos factos, esta não opera em quatro circunstâncias:
Factos Factos
Autonomizáveis Não Autonomizáveis
Artigo 359º, nº 2 Artigo 359º, nº 2 CPP
CPP
Este é o esquema que temos de ter em mente para a resolução de qualquer caso prático
que verse sobre este tema. Tratando-se uma alteração substancial e se os factos novos não
puderem ser autonomizáveis do objeto do processo, determina o artigo 359.º, nº 1 CPP
que os novos factos não podem ser tomados em conta pelo tribunal nem implicam a
extinção da instância atual à Se não forem autonomizáveis, o arguido sai impune.
Nem eles podem dar objeto a um novo processo-crime, nem se extingue aquela instância
atual para se dar início a uma nova. Prende-se com o facto de se entender que o arguido
não pode ser prejudicado por uma falha de investigação do MP. Portanto tem de ser obtida
decisão de mérito sem considerar os novos factos. Ao abrigo da consunção, não pode dar
origem a um processo novo.
O objeto do processo pode ser alargado conhecendo-se aí factos que impliquem uma
alteração substancial independentemente de serem autonomizáveis ou não. Nestes casos
concede-se ao arguido um prazo suplementar de 10 dias para a preparação da defesa dos
novos factos, de acordo com o artigo 359.º, nº 4 CPP à Se a alteração dos factos for
simples ou não substancial, o tribunal deve apenas comunicar essa alteração ao arguido
dando-lhe um prazo necessário para a preparação da sua defesa, exceto se os novos factos
forem alegados pela própria defesa à Artigo 358.º, nº 1 e 2 CPP.
Já os não autonomizávies são aqueles que estão imbricados nos factos da acusação
ou pronúncia, não podem ser destacados face a esse núcleo. Nestes casos, existe uma tal
unidade de sentido que a autonomização não é possível porque esses factos por si só não
poderiam ser objeto de valoração num outro processo penal.
Caso Prático nº 15
a)
No nosso caso prático, estamos perante uma alteração dos factos? Sim e é substancial.
Para além disso, o novo facto, é não autonomizável, aplicando-se o artigo 359.º, nº 1 CPP
à O tribunal não pode ter em conta para a condenação de A o facto de ser filho de B e
não pode extinguir esse processo penal. Tem de desconsiderar a relação de parentesco, a
menos que existisse o caso julgado de consenso, ou seja, o MP, o arguido e o assistente
por acordo entenderem alargar o objeto do processo o que seria improvável.
b)
No nosso caso estamos perante um crime diverso. Nos termos do artigo 132.º, nº 2,
d) CP a circunstância de alguém empregar tortura é uma qualificante do homicídio, ou
seja, faz aumentar as molduras penais quer nos limites mínimos quer nos limites
máximos. Era imputado ao arguido um homicídio simples (8 a 16 anos de prisão), mas
com a tortura, passamos para um homicídio qualificado (12 a 25 anos de prisão) à O
limite máximo aumenta com os novos factos que são descobertos na fase de julgamento.
Nota: Constava do enunciado que o arguido não autorizava que os factos fossem
autonomizados à Não é um caso julgado de consenso. Em sede de exame temos de
ponderar se não constar do enunciado.
Caso Prático nº 16
a)
do processo, podemos afirmar que ainda estamos perante o mesmo pedaço de vida,
estamos dentro do rascunho que é feito na acusação. Diria o Dr. Figueiredo Dias que não
há uma alteração substancial do quadro fáctico. Há apenas a descoberta de mais um crime
que integra a continuação. Sendo uma alteração não substancial, competia ao tribunal
comunicar a alteração ao arguido e se ele o requeresse dar-lhe prazo para que ele
preparasse a sua defesa.
Não, B não foi acusado de nada, é estranho a este processo à Estaríamos perante
uma violação flagrante do princípio da acusação, não podemos condenar alguém que
não foi acusado à O tribunal, como decorrência do princípio da acusação, não pode
autonomamente começar uma investigação nem acusar alguém da prática do crime, essa
é tarefa exclusiva do MP. Só por aqui ficava resolvido.
• Factos;
• Bem jurídico violado;
• Identidade do arguido.
b)
Nos termos do artigo 339.º, nº 4 CPP, o tribunal de julgamento não está vinculado à
qualificação jurídica dos factos resultantes da acusação ou da pronúncia, pelo que pode
alterar essa qualificação a qualquer momento. Tratando-se de alteração da qualificação
jurídica aplicava-se o nº 1 do artigo 358.º, por remissão do nº 3 do mesmo artigo do CPP
e devia o tribunal comunicar ao arguido a alteração da qualificação jurídica e se ele
requeresse dar-lhe prazo para preparar a sua defesa.