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SÃO PAULO
USP
2022
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Tese apresentada à
Congregação da Faculdade de
Direito da Universidade de
São Paulo para Concurso de
Livre-docência em Direito
Processual Civil
SÃO PAULO
USP
2022
SUMÁRIO
PARTE I. ......................................................................................................................... 1
INTRODUÇÃO. ............................................................................................................. 1
CAPÍTULO 1. A IDEIA DA AUTONOMIA DO PROCESSO ARBITRAL E SEU
ISOLAMENTO EM RELAÇÃO ÀS REGRAS DO PROCESSO ESTATAL. ...... 10
1. Quais as normas processuais aplicáveis à arbitragem doméstica? ................... 10
2. A regulação do processo arbitral na arbitragem internacional. ....................... 19
3. Conclusões parciais: nem o isolamento conceitual, nem a aplicação automática
das regras processuais gerais. Virtus in médium est. ................................................. 30
CAPÍTULO 2. A INSUFICIÊNCIA DA LEI DE ARBITRAGEM PARA
REGULAR O PROCESSO ARBITRAL. .................................................................. 37
1. Estrutura fundamental da Lei de Arbitragem....................................................... 37
1.1. Instauração da arbitragem. .............................................................................. 40
1.2. A indicação dos árbitros........................................................................................ 42
1.3. O procedimento arbitral. ...................................................................................... 44
1.4. Tutelas cautelares e de urgência........................................................................... 51
1.5. Sentença arbitral. .................................................................................................. 53
1.6. Homologação de sentenças arbitrais estrangeiras. ............................................. 56
2. A ausência de previsão legal específica na Lei de Arbitragem quanto aos
aspectos fundamentais do processo arbitral. ............................................................. 58
2.1 Demanda. ................................................................................................................. 58
2.2. Efeitos materiais e processuais da citação. .......................................................... 60
2.3. Representação das partes e dos procuradores. ................................................... 61
2.4. Deveres das partes e dos procuradores. .............................................................. 62
2.5. Valor da disputa. .................................................................................................. 63
2.6. Resposta. ................................................................................................................. 64
2.8 Disciplina geral da Prova. ...................................................................................... 66
2.9. Produção antecipada da Prova............................................................................. 67
2.10. Meios de prova. .................................................................................................... 68
2.11. Atos processuais e seu regime de efeitos. ........................................................... 70
2.12. Poderes dos árbitros. ........................................................................................... 71
2.13. Tutela Provisória. ................................................................................................ 72
2.14. Pronunciamentos dos árbitros............................................................................ 73
2.15. Coisa Julgada. ...................................................................................................... 75
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PARTE I.
INTRODUÇÃO.
1
CARNEIRO, Athos Gusmão. Arbitragem. Cláusula compromissória. Cognição e Imperium. Medidas
Cautelares e Antecipatórias. Civil Law e Common Law. Incompetência da Justiça Estatal. Revista
Brasileira de Arbitragem, São Paulo, 2004, vol. I, pp. 42-59, p. 45. CARMONA, Carlos Alberto.
Arbitragem e Processo; um comentário à Lei nº 9.307/96, 3ª ed. São Paulo, Atlas, 2009, p. 26.
APRIGLIANO, Ricardo de Carvalho. Jurisdição e arbitragem no Novo Código de Processo Civil. A
Reforma da Arbitragem, p.247-248. MELO, Leonardo Campos, BENEDUZI, Renato (coord). Rio de
Janeiro, Editora Forense, 2016, pp. 233-265, p. 244. GIUSTI, Gilberto. O árbitro e o juiz: da função
jurisdicional do árbitro e do juiz. Revista Brasileira de Arbitragem, São Paulo, 2005, vol. II, p. 7-14.
DINAMARCO, Cândido Rangel. A arbitragem na teoria geral do processo. São Paulo, Malheiros, 2013,
p. 24.
2
Por outro lado, negando peremptoriamente à arbitragem o caráter jurisdicional, em escrito de 2003, Teori
Zavascki assim entendia: “Nem se poderia, mediante lei ordinária, igualar ato privado com ato de jurisdição,
já que isso importaria rompimento do monopólio da função jurisdicional, que pertence ao Estado por força
da Constituição (art. 5°, XXXV)”. E, destarte, considera “inapropriada a inclusão da sentença arbitral entre
os títulos executivos judiciais”. Comentários ao Código de Processo Civil: vol. 8 (arts. 566 a 645: do
processo de execução), 2a. ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 2003, p. 165-185. Em seu Curso,
Marinoni, Arenhart e Mitidiero sustentam que a consideração da natureza jurisdicional da arbitragem
decorre de uma “primária falta de percepção da essência da jurisdição e do fundamento da arbitragem”. Por
sua origem contratual, por representar uma escolha que, não obstante legal e legítima, significa “abrir mão
de uma série de garantias constitucionais”, a arbitragem, para esses autores, não pode ser considerada
jurisdicional. MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo Curso
de Processo Civil. São Paulo, RT 2015, vol. I, p.174.
3
CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e processo: um comentário à Lei nº 9.307/96, p. 295.
DINAMARCO, Cândido Rangel. A arbitragem na teoria geral do processo. São Paulo, Malheiros, 2013,
p. 16-17. PARENTE, Eduardo . Processo Arbitral e Sistema, São Paulo, Atlas, 2012. MONTORO, Marcos.
Flexibilização do Procedimento Arbitral. Tese (doutorado) – Faculdade de Direito da Universidade de São
Paulo. São Paulo, 2010.
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4
Sob diferentes enfoques e examinando diferentes aspectos do processo arbitral, sustentam a
inaplicabilidade das normas do Código de Processo Civil como fonte subsidiária do processo arbitral, entre
outros, AMARAL, Guilherme Rizzo. Arbitragem e Precedentes. Curso de Arbitragem. LEVY, Daniel e
SETOGUTI, Guilherme (coord.). São Paulo, Thomson Reuters Brasil, 2018, pp. 279-306, p. 288.
BARROCAS, Manoel. A razão por que não são aplicáveis à arbitragem nem os princípios nem o regime
legal do processo civil. Revista de Arbitragem e Mediação, São Paulo, 2017, vol. 52, pp. 369-374, p. 369.
5
WEBER, Ana Carolina Weber. Relembrando: no Brasil, o Código de Processo Civil não é
automaticamente aplicado a procedimentos arbitrais. Jusbrasil. Rio de Janeiro, dez/2016. Disponível em
https://processualistas.jusbrasil.com.br/artigos/416798898/relembrando-no-brasil-o-codigo-de-processo-
civil-nao-e-automaticamente-aplicado-a-procedimentos-arbitrais Acesso em 02.02.2022
6
Para Marcos Montoro, “e é errado concluir que, havendo omissão das regras eleitas pelas partes, aplicam-
se as regras do Código de Processo Civil. A doutrina tem defendido, com razão, que o CPC não se aplica
em caso de omissão das partes”, citando, em apoio deste entendimento, trabalhos de Carlos Alberto
Carmona e José Carlos Magalhães. MONTORO, Marcos. Flexibilização do Procedimento Arbitral. Tese
(doutorado), p. 115. Em outra passagem, observa que “antes de ser editada a Lei 9.307/96, os artigos 1.072
a 1.102 do CPC previam um procedimento suplementar a ser adotado na arbitragem, em caso de omissão
ou desacordo das partes”, modelo que não foi repetido na Lei de Arbitragem, p. 69.
3
7
BERMANN, George. Ascertaining the Parties’ Intentions in Arbitral Design. Penn State Law Review,
State College, 2009, vol. 113:4, pp. 1013-1029, p. 1025: “another obvious extrinsic source of party
intention—in addition to the law governing the contract as a whole, the law governing the arbitration
agreement, and the law of the place of arbitration—is the body of rules of arbitral procedure that the parties
may have adopted in their arbitration agreement. It seems fair to suppose that the parties, in incorporating
such rules into their arbitration agreement, mean for them to fill gaps in that agreement, subject to any
mandatory rules of law of the place of arbitration that may apply”.
8
MONTORO, Marcos. Flexibilização do Procedimento Arbitral, p. 115; ALVES, Rafael Francisco.
Árbitro e Direito: o julgamento do mérito na arbitragem, São Paulo, Almedina, 2018, p. 296; PARENTE,
Eduardo. Processo arbitral e sistema, p. 231.
4
9
José Carlos de Magalhães, em curto texto denominado “O risco da processualização da arbitragem”, alude
à invocação de preliminares e a tendência que advogados habituados aos processos judiciais teriam de
suscitar questões de natureza processual, ao invés de focar a discussão sobre o mérito dos conflitos. Texto
fornecido pelo autor, outrora publicado em http://www.jcmadvs.com.br/.
10
MONTORO, Marcos. Flexibilização do Procedimento Arbitral, p. 134-135; PARENTE, Eduardo.
Processo arbitral e sistema, p. 70.
11
MONTORO, Marcos. Flexibilização do Procedimento Arbitral, p. 74. Em notas, Montoro cita diversos
autores que ressaltam o caráter menos formal da arbitragem, sua natural flexibilidade, como um dos seus
elementos essenciais e uma de suas principais vantagens. PARENTE, Eduardo. Processo Arbitral e
Sistema, p. 50-51.
5
Essa circunstância não diz respeito apenas a aspectos processuais. Como já tive
oportunidade de afirmar, a origem contratual da arbitragem e a ênfase da autonomia da
vontade não podem conduzir o intérprete a uma ideia de um “isolamento conceitual, a
exigir que se criem definições e explicações para toda e qualquer circunstância do
procedimento, para todo e qualquer instituto jurídico cuja aplicação se dê também no
âmbito do processo arbitral”13. Isso se aplica à noção de capacidade, que é utilizada como
parâmetro da lei de arbitragem, mas não é por ela conceituada ou definida, ou para a ideia
do contrato de adesão. No plano mais estritamente processual, isso pode ser ilustrado com
as manifestações principais do direito de ação e de defesa. Mais do que uma total omissão
na Lei de Arbitragem sobre a forma ou os requisitos da petição inicial ou da contestação
– o que poderia ser entendido como questão de mero procedimento, deixada à regulação
das partes e dos árbitros -, a lei de arbitragem nem mesmo contempla de forma direta o
exercício do direito de ação ou da defesa14. Ainda assim, ninguém desconhece ou nega
que, ainda que sob denominações diferentes, tais manifestações constituem, também no
processo arbitral, o modo com que se exercita o direito de demandar e de se defender. E,
como será visto no momento oportuno, também ao processo arbitral se aplicam - ainda
que com adaptações - as ideias da concentração da defesa, da impugnação específica dos
12
Fenômeno que também se observa no âmbito de arbitragens internacionais. BERMANN, George.
Ascertaining the Parties’ Intentions in Arbitral Design, p. 1026.: “incorporation of rules of arbitral
procedure in an agreement to arbitrate does not resolve all problems associated with determining arbitral
design. The rules themselves may not speak with sufficient clarity to all procedural issues”.
13
APRIGLIANO, Ricardo de Carvalho. Alocação de Custas e Despesas e a Condenação em Honorários
Advocatícios Sucumbenciais em Arbitragem. 20 anos da Lei de Arbitragem: Homenagem a Petrônio R.
Muniz. CARMONA, Carlos Alberto; LEMES, Selma Ferreira e MARTINS, Pedro Batista (coord.). São
Paulo, Atlas, 2017, pp. 667-688, p. 676.
14
De forma indireta, ao dispor sobre elementos obrigatórios do compromisso arbitral, é possível inferir que,
na arbitragem, haverá um litígio, com contornos especificados, e que será oportunamente submetido aos
árbitros. Mas não há qualquer referência ao modo de exercício destas posições jurídicas, além da omissão
completa quanto à forma, o tempo e o lugar da prática destes atos processuais.
6
15
Aprigliano e Yarshell: “Não obstante, parece fora de dúvida que o processo arbitral exige que o autor
apresente as alegações iniciais obedecendo aos elementos básicos que uma demanda brasileira deve ter, as
partes, a causa de pedir e o pedido. Ainda, admite-se sem percalços a ideia de que pode haver cumulação
de pedidos, e que eles podem ser organizados de forma simples (quando um pedido se soma ao outro, mas
ambos preservam sua independência), sucessiva (quando o acolhimento de um pedido é pressuposto para
o acolhimento do próximo), alternativa (quando o acolhimento de um pedido exclui o acolhimento de outro)
ou eventual (quando a rejeição de um pedido é pressuposto para o exame e acolhimento do próximo)”.
APRIGLIANO, Ricardo de Carvalho. YARSHELL, Flávio Luis. Honorários de Sucumbência e Honorários
Contratuais em Arbitragem. Arbitragem e Processo Homenagem ao Prof. Carlos Alberto Carmona.
MACHADO FILHO, José Augusto Bitencourt; QUINTANA, Guilherme Enrique Malosso; RAMOS,
Gustavo Gonzalez; BAQUEDANO, Luis Felipe Ferreira; BIOZA, Daniel Mendes, e PARIZOTTO, Pedro
Teixeira Mendes (coord), São Paulo, Quartier Latin, no prelo.
16
Sobre a qualificação da arbitragem como sistema, ver PARENTE, Eduardo. Processo Arbitral e Sistema,
p. 13.
17
No âmbito da arbitragem internacional esta questão é igualmente debatida, ainda que com perspectiva
um tanto diversa. Afinal, qual a efetiva relevância da lei processual da sede da arbitragem? Entre outros
estudos, que serão mencionados ao longo do trabalho, destaco inicialmente as ponderações de George
Bermann. “Certainly, in international arbitration, the law of arbitration at the place of arbitration is
considered to supply the rules governing the arbitral process itself. That is to say, the parties are deemed,
in designating an arbitral seat, to have submitted their arbitration as such to that body of law, including its
rules or presumptions as to arbitral design. Fortunately, most rules of the lex arbitri turn out to be default
rules only (that is, rules from which the parties may agree to derogate), and few of them are mandatory.
The parties remain free to structure their arbitration as they choose, with the lex arbitri supplying rules only
to the extent the parties fail to do so. BERMANN, George. Ascertaining the Parties’ Intentions in Arbitral
Design, p. 1018-1019.
7
Cortes metodológicos
A investigação aqui pretendida terá por objeto apenas e tão somente a arbitragem
interna (ou doméstica), entendida como o processo por via arbitral que tenha por objeto
a aplicação do direito brasileiro, em procedimentos com sede no Brasil e, portanto, sujeito
à legislação processual brasileira. Para fins referenciais, serão objeto de comentários tanto
a arbitragem internacional, como alguns exemplos de legislação arbitral de outros países,
sem que, dessas ilustrações, se pretenda extrair a projeção das ideias aqui propostas para
o âmbito da arbitragem internacional. Da mesma forma, em termos metodológicos, não
haverá capítulos ou tópicos dedicados à comparação jurídica do ordenamento brasileiro
com outros ordenamentos, mas esses serão utilizados esparsamente para ilustrar certos
aspectos da tese.
Plano da obra
Para tanto, o trabalho se desenvolve em três partes. A primeira, que abrange essa
Introdução e os dois capítulos iniciais. O primeiro deles é dedicado ao exame crítico
acerca da autonomia e do isolamento conceitual do processo arbitral. O segundo, que
compreende o exame da estrutura fundamental da Lei de Arbitragem, procurando
compreender como o legislador brasileiro concebeu a regulação própria do processo
arbitral e, em que medida, as lacunas e omissões podem ser completadas apenas com o
recurso à autonomia da vontade. São examinandas situações específicas e bastante
corriqueiras de uma disputa por arbitral, cujo regramento não pode ser explicado a partir
da autonomia da vontade, dos princípios e da regulação legal específica. As lacunas que
permanecem demonstram que a arbitragem, enquanto modalidade de processo
jurisdicional no ordenamento brasileiro, não pode ser compreendida apenas a partir da
autonomia das partes, da regulação proporcionada pela lei de arbitragem e regulamentos,
ou pelo poder dos árbitros de ditar as regras do procedimento.
O ponto de partida para as considerações que serão feitas ao longo desse trabalho
consiste na afirmação, relativamente generalizada, de que disposições do Código de
Processo Civil não se aplicam à arbitragem, e que as disposições da Lei de Arbitragem,
complementadas pelas regras fixadas pelas partes, pelos árbitros e pelos princípios
processuais, constituem o corpo normativo suficiente para regular o processo arbitral.
Trata-se de uma proclamação recorrentemente feita, em artigos jurídicos ou textos
acadêmicos, indicativos de uma tendência de se afirmar a autonomia da lei como o único
diploma legislativo que regula o processo arbitral. Como já dito, isso se deve
essencialmente a duas justificações, a de que a própria lei não remete a alguma outra
norma processual como fonte subsidiária18, e que o regime fixado no artigo 21 da Lei
determina que o procedimento será regido pelas convenções das partes e, em suas
omissões, por determinações dos árbitros.
18
PEREIRA, Guilherme Setoguti J. Procedimento I. Curso de Arbitragem. LEVY, Daniel. PEREIRA,
Guilherme Setoguti J (coord.). São Paulo, Thomson Reuters Brasil, 2018, pp. 162-196, p. 174.
11
19
CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem no Processo Civil Brasileiro. São Paulo, Malheiros, 1993.
20
CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e Processo, p. 292-293.
21
CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e Processo, p. 293.
22
BARROCAS, Manoel. A razão por que não são aplicáveis à arbitragem nem os princípios nem o regime
legal do processo civil. Revista de Arbitragem e Mediação. Vol. 52, São Paulo, 2017, pp. 369-374, p. 369.
23
BARROCAS, Manoel. A razão por que não são aplicáveis à arbitragem nem os princípios nem o regime
legal do processo civil, Revista de Arbitragem e Mediação, p. 370.
12
24
BARROCAS, Manoel. A razão por que não são aplicáveis à arbitragem nem os princípios nem o regime
legal do processo civil. Revista de Arbitragem e Mediação, p. 370.
25
Flavia Mange considera que a lex arbitri engloba disposições que regulam a arbitragem em um
determinado país. Seu escopo é amplo, controla a arbitragem como um todo, dispõe sobre validade do
compromisso arbitral, atividades dos árbitros, arbitrabilidade, indicam princípios aplicáveis ao processo
arbitral. No Brasil, a lex arbitri é a Lei 9.307/1996. Para a autora, “muitas vezes, a lei de arbitragem é
considerada uma lei processual e, em alguns países, os dispositivos que regulam a arbitragem são parte
integrante do código de processo civil ou de regras procedimentais locais (rules of procedure), contribuindo
para a confusão entre os conceitos de lei de arbitragem e lei processual aplicável à arbitragem”, MANGE,
Flavia Foz. Processo Arbitral: aspectos transnacionais. São Paulo, Quartier Latin, 2013, p. 40-41.
26
ALVES, Rafael Francisco. Árbitro e Direito: o julgamento do mérito na arbitragem, São Paulo,
Almedina, 2018, p. 296: “as normas do Código de Processo Civil não são aplicáveis nem em caráter
subsidiário.
27
José Emilio Nunes Pinto afirma que apenas os parâmetros processuais são utilizados na arbitragem, sem
importar a aplicação direta da lei processual geral. PINTO, José Emílio Nunes. Anotações Práticas sobre a
Produção de Prova na Arbitragem. Revista Brasileira de Arbitragem. São Paulo, 2010, pp. 7-28.
28
SEREC, Fernando Eduardo. Provas na Arbitragem. 20 anos da Lei de Arbitragem: Homenagem a
Petrônio R. Muniz. CARMONA, Carlos Alberto; LEMES, Selma Ferreira e MARTINS, Pedro A. Batista
(coord.). São Paulo, Editora Atlas, 2017, pp. 286-304, p. 296.
29
WEBER, Ana Carolina Weber. Relembrando: no Brasil, o Código de Processo Civil não é
automaticamente aplicado a procedimentos arbitrais. Disponível em
https://processualistas.jusbrasil.com.br/artigos/416798898/relembrando-no-brasil-o-codigo-de-processo-
civil-nao-e-automaticamente-aplicado-a-procedimentos-arbitrais Acesso em 02.02.2022.
13
30
PARENTE, Eduardo. Processo arbitral e sistema. p. 2.
31
A teoria dos sistemas é abrangente, antecede e ultrapassa os limites do direito. Aplica-se e é estudada em
diferentes ramos do conhecimento, como sociologia, filosofia, e inclusive no direito, seja na teoria geral,
seja em ramos específicos. O Autor qualifica o processo arbitral como um sistema, assim como o processo
de família, coletivo, do trabalho, o processo constitucional e dos Juizados Especiais. Da mesma forma, o
processo legislativo e o administrativo, entre outros. Identifica em todos eles as características que
permitem esse enquadramento, e não limita estas conclusões ao direito processual e seus ramos. Parente, à
luz das construções de Luhmann, entende que o direito privado é igualmente um sistema, sendo o direito
societário um subsistema deste. Estas conclusões estão diluídas ao longo de sua obra. A seguir, a indicação
de diferentes trechos, para melhor referência. PARENTE, Eduardo. Processo arbitral e sistema. “Embora
não tenhamos localizado estudo específico a respeito na literatura consultada, a nossa hipótese é de sua
aplicação ao direito processual”, p. 14. “No que nos interessa, para efeito do que estamos tratando sobre o
conceito de sistema da teoria em questão, é notório que o processo coletivo é dotado de um fechamento
operacional próprio, advindo de sua estrutura legal específica.” E sua abertura cognitiva se dá com sistemas
jurídico, político, econômico e social, p. 36. Também é um sistema os Juizados Especiais, “notadamente
em função de possuir regramento específico”. “No sistema dos juizados, tal qual ocorre lá (se referindo ao
processo arbitral), o juiz pode criar modos de trabalhar a prova, de colher a instrução, interrogando
livremente as partes, dialogando com elas, permitindo o diálogo entre elas ou delas com as testemunhas,
enfim, tudo sem as formas do processo clássico”, p. 37-38.
32
PARENTE, Eduardo. Processo Arbitral e Sistema, p. 13.
33
O processo é, para a teoria dos sistemas, “um importante meio de resolução e estabilização de conflitos
da sociedade” e por integrar o subsistema do direito, contém seus instrumentos próprios, portanto, contém
o fechamento operacional exigido por esta teoria para que ele, o processo, seja considerado um sistema. O
processo tem a autorreferência, mas ao mesmo tempo existe e serve para servir aos demais ramos do direito,
14
como um sistema, assim como diversos ramos do direito processual também podem ser
compreendidos como subsistemas, pois apresentam esse fechamento operacional. Por
exemplo, o processo constitucional, que “embora também integrante da teoria geral do
processo, tem um modelo de tratamento todo especial, a começar por disciplina legal
própria, do que resulta que ele possui um fechamento operacional – com instrumentos
bastante próprios – e abertura cognitiva, trocando influências com demais sistemas de
direito e com os sistemas político e social”34.
o que torna a sua abertura cognitiva particularmente ampla. PARENTE, Eduardo. Processo arbitral e
sistema. p. 26-27.
34
PARENTE, Eduardo. Processo arbitral e sistema, p. 34.
35
PARENTE, Eduardo. Processo arbitral e sistema, p. 44.
36
Ao testar o instituto da fraude de execução, Parente entende que, porque o processo arbitral é exercício
de jurisdição, ele não pode aceitar a prática de atos fraudulentos, que frustrem os resultados almejados pelo
processo e que o artigo 593 do CPC possui conteúdo principiológico. Afirma que “o que há é um conjunto
de regras e princípios, tanto de direto material quanto processual, assentados inclusive em firme construção
jurisprudencial superior e voltados a evitar um ato da parte que tente burlar o Estado no exercício da
jurisdição. PARENTE, Eduardo. Ob. Cit., p. 146-150. Sobre as atividades instrutórias, pondera que elas
são realizadas com grande flexibilidade, com “pouco ou nenhum limite”. A valoração da prova é feita nos
moldes do artigo 371 do CPC/73, por “abertura cognitiva”. O árbitro é o destinatário das provas, ele tem
primazia sobre as partes, e isso consiste em um princípio processual geral, aplicável igualmente ao processo
arbitral. Ob. Cit, p. 231.
37
WEBER, Ana. Relembrando: no Brasil, o Código de Processo Civil não é automaticamente aplicado a
procedimentos arbitrais. Disponível em
https://processualistas.jusbrasil.com.br/artigos/416798898/relembrando-no-brasil-o-codigo-de-processo-
civil-nao-e-automaticamente-aplicado-a-procedimentos-arbitrais. Acesso em 02.02.2022. ARAÚJO, Yuri
Maciel. Arbitragem e Devido Processo Legal, São Paulo, Almedina, 2021, p. 21-33.
15
38
E mesmo a ideia de sistema foi desenvolvida por outros autores e é objeto de definições diversas.
Norberto Bobbio, por exemplo, define sistema a partir das ideias de unidade e coerência, esta compreendida
entre suas partes simples, e não do ordenamento jurídico como um conjunto. O sistema jurídico, para o
autor, não é um sistema dedutivo perfeito, e sim um sistema num sentido negativo, enquanto uma ordem
que exclui a incompatibilidade de suas partes simples, de modo que, em caso de incompatibilidade entre
duas normas, não ocorre a queda de todo o sistema, mas apenas de uma ou no máximo ambas as normas
incompatíveis. BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico. 2ª edição, Brasília, Edipro, 2014, p.
80. Na doutrina processual, Dinamarco considera que sistema “é um conjunto fechado de elementos
interligados e coordenados em vista de objetivos externos comuns, de modo que um atua sobre os demais
e assim reciprocamente, em uma interação funcional para a qual é indispensável a coerência entre todos.”
E “sistema processual é um conglomerado harmônico de órgãos, técnicas e institutos jurídicos regidos por
normas constitucionais e infraconstitucionais capazes de propiciar sua operacionalização segundo o
objetivo externo de solucionar conflitos.” DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito
processual civil. 8ª ed. São Paulo, Malheiros, 2016, p. 284.
16
O mesmo pode ser observado na obra de Marcos Montoro. Sua tese de doutorado
perante a Faculdade de Direito da USP examinou o tema da flexibilidade do procedimento
arbitral. Para o autor, “é errado concluir que, havendo omissão das regras eleitas pelas
partes, aplicam-se as regras do Código de Processo Civil. A doutrina tem defendido, com
razão, que o CPC não se aplica em caso de omissão das partes”41. Também entende que
“não existe regra expressa nesse sentido, e nem há qualquer dispositivo do qual se possa,
implicitamente, afirmar a aplicação subsidiária do CPC na arbitragem”. Entre as fontes
objetivas das normas que regulam o procedimento arbitral, não se encontra a lei
processual42.
39
Por exemplo, quando Parente afirma que os princípios processuais gerais “são a base da teoria geral do
processo, que se mantém íntegros em todos os microssistemas apontados anteriormente, não obstante
existam peculiaridades em cada qual”. PARENTE, Eduardo. Processo arbitral e sistema. p. 39.
40
Ao tratar de processo e procedimento, Parente tece considerações e equipara tais noções tanto ao processo
arbitral como ao estatal, afirmando ainda que, neste particular, “o processo arbitral em nada se diferencia
da esfera judicial”. Processo arbitral é um processo, tanto quanto, ainda que tenha concretamente regras
diferentes, maior liberdade etc. PARENTE, Eduardo. Processo arbitral e sistema, p. 49.
41
MONTORO, Marcos. Flexibilização do Procedimento Arbitral, p. 115.
42
MONTORO, Marcos. Flexibilização do Procedimento Arbitral, p. 115.
43
MONTORO, Marcos. Flexibilização do Procedimento Arbitral, p. 116.
17
São apenas alguns poucos exemplos, extraídos das obras dos autores acima
mencionados, e que são aqui trazidos para demonstrar que, mesmo sob as premissas que
tais obras desenvolvem, ainda assim há um amplo campo de interação entre as normas
processuais gerais e a lei especial, um significativo conjunto de interações porque o
processo arbitral integra a Teoria Geral do Processo e compartilha das suas estruturas
fundamentais. E é por meio desse recurso aos conceitos processuais gerais, muitos dos
quais positivados na norma processual geral – o Código de Processo Civil – que se
complementam as noções do que regula o processo arbitral.
44
Para Eduardo Parente pressupostos são “todos os requisitos que o processo arbitral deve reunir para
chegar à decisão de mérito”. Existem pressupostos processuais arbitrais sem os quais o processo não poderá
chegar a bom termo, como por exemplo diante da falta de interesse processual, citando como exemplo a
obrigação condicional a termo que não se realizou; ou a impossibilidade jurídica do pedido, embora
destaque a maior liberdade das partes para sanar este vício; a ilegitimidade de parte, citando aqui a ausência
de convenção arbitral relativamente a quem não deveria ser parte. PARENTE, Eduardo. Processo arbitral
e sistema. p. 157/160.
45
Assim se pode compreender a afirmação de Manoel Barrocas, citada antes no corpo do texto. O árbitro
pode (e eu adiciono, deve) usar os conceitos “que a ciência ou a técnica processualista elaboraram (caso
julgado, litispendência etc)”, sem que esteja vinculado a aspectos procedimentais que sejam regulados pelo
18
Código de Processo Civil. Por exemplo, o prazo para a configuração da coisa julgada ou mesmo para o
exercício da demanda que pretenda a sua desconstituição não são seguidos no processo arbitral, mas ainda
assim, ele se vale da própria noção de coisa julgada, com os parâmetros que são concretamente
estabelecidos na norma processual geral.
46
Por exemplo, Pedro Martins ao analisar a produção de provas na arbitragem afirma que “aplica-se à
arbitragem a regra de que ninguém se exime do dever de colaborar com o Poder Judiciário [no caso, com
os árbitros] para o descobrimento da verdade (art. 339, CPC)” atual art. 378. .MARTINS, Pedro A. Batista,
Panorâmica sobre as provas na arbitragem, p. 2, http://batistamartins.com/panoramica-sobre-as-provas-
na-arbitragem-2/; Rafael Francisco Alves diz que não há um devido processo legal para a arbitragem e
outro para o processo estatal, porque a ordem constitucional de onde emanam os dois é única. Concorda,
portanto, com Cândido Rangel Dinamarco de que a arbitragem integra a teoria geral do processo. ALVES,
Rafael Francisco. O julgamento do mérito na arbitragem. São Paulo, Almedina, 2018, p. 104.
47
FARIA, Marcela Kolhbach de. Participação de Terceiros na Arbitragem. São Paulo, Quartier Latin,
2019, p. 39-42.
48
CARMONA, Carlos Alberto. Em torno do árbitro. Revista de Arbitragem e Mediação. Vol. 28, São
Paulo, 2011, p. 47-63, p. 61.
19
49
A respeito da vontade essencial das partes a ser preservada pelos árbitros, ver: RICCI, Edoardo. Lei
Brasileira de Arbitragem: oito anos de reflexão – questões polêmicas. São Paulo, Revista dos Tribunais,
2004, p. 73-76.
50
Gary Born observa que há quatro possíveis campos para se determinar leis aplicáveis na arbitragem
internacional: (i) Lei material que regerá o mérito da disputa; (ii) Lei material que regerá a convenção de
20
arbitragem; (iii) Lei processual aplicável ao procedimento arbitral; (iv) Regras de conflitos de lei. BORN,
Gary. International Arbitration: Law and Practice, 3rd Ed. New York, Kluwer Law International, 2021, p.
39-41.
51
DERAINS, Yves. Arbitragem Internacional: custo e duração. Revista de Arbitragem e Mediação. vol. 20,
São Paulo, 2009, pp. 175-184, p. 175-176.
52
PETROCHILOS, Georgios. Procedural Law in International Arbitration. New York, Oxford University
Press, 2010, p. 10: “For this and other reasons, no state would seem to have a sufficient and appropriate
connection, or jurisdictional title in international law terms, to be able to impose upon an international
arbitration whatever regulations it might consider appropriate”.
53
GAILLARD, Emanuel, Teoria jurídica da arbitragem internacional, tradução Natália Mizhari Lamas,
São Paulo, Atlas, 2014, p. 11-59. PAULSSON, Jan. The idea of arbitration, Oxford, Oxford University
Press, 2013, pp. 29-50.
21
54
Em teoria, é possível que uma sentença arbitral seja proferida no Brasil, em procedimento com sede em
outro país, o que tornaria esta decisão como uma sentença doméstica em mais de um sistema jurídico. A
hipótese, apesar de inusitada, é teoricamente possível e foi examinada por RICCI, Edoardo Flavio. A
sentença arbitral brasileira com nacionalidade de outros países. Lei de Arbitragem Brasileira: oito anos de
reflexão, questões polêmicas. São Paulo, Revista dos Tribunais, 2004, pp. 217-238.
55
BORN, Gary. Chapter. International Commercial Arbitration. 3rd ed. New York, Kluwer Law
International, 2021, p. 1725.
56
De outro lado, a concepção territorialista da arbitragem, como justificada apenas no ordenamento jurídico
da sede da arbitragem, pode ser entendida como uma concepção do passado, que não se aplica nem explica
o fenômeno da arbitragem internacional. O Protocolo de Genebra, de 24/09/1923, dispunha em seu artigo
2º. que: “O procedimento arbitral, incluindo a constituição do tribunal arbitral, é regido pela vontade das
partes e pela lei do país em cujo território ocorre a arbitragem”. Não só no âmbito dos tratados
internacionais, como nas legislações nacionais, é raro que se faça uma remissão explícita e expressa à lei
do país em que ocorre a arbitragem, porque se reconhece, a exemplo do que faz a CNY 1958, que outras
ordens jurídicas podem desempenhar um papel igualmente importante. A esse respeito, ver, entre outros,
GAILLARD, Emmanuel. Teoria Jurídica da arbitragem internacional, p. 84-86.
22
de provas, controle primário da validade da sentença arbitral (por meio das ações
anulatórias) e execução da sentença arbitral57. Para essas finalidades, a lex arbitri tende a
desempenhar um papel genericamente reconhecido, vinculando as partes às cortes
nacionais do país sede, porque não faria sentido, por exemplo, solicitar ao Judiciário de
um país apoio para a condução de uma testemunha em uma audiência que se realizasse
em outro país 58.
Por sua vez, as normas internas são aquelas que regulam o processo e o
procedimento arbitral, e quanto a elas, é mais debatida e menos nítida a importância da
lex arbitri, porque em geral, todas as legislações nacionais (assim como os tratados
internacionais) outorgam às partes e, na sua omissão, aos árbitros, a regulação do processo
arbitral59 60
. A partir dessas disposições, a doutrina se posiciona afirmando que a fonte
normativa das regras processuais aplicáveis reside nas próprias partes e, em segundo
plano, nos árbitros, sem necessidade de recurso a outras fontes normativas, sobretudo
57
Apoiada em doutrina de Dicey e Morris, entre outros, Isabela Lacreta estuda o tema pela classificação do
direito processual em sua função interna (regras que regulam o procedimento da arbitragem em si) e função
externa (regulam a relação entre a arbitragem e as cortes estatais). Às questões internas, aplica-se em regra
o regulamento escolhido pelas partes, corpos de regras que as partes criem ou soft laws. Essas regras são o
principal corpo normativo a reger seu processo arbitral, LACRETA, Isabela. A determinação do direito
aplicável à arbitragem. Tese (doutorado) – Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. São Paulo,
2021, p. 237.
58
Gabrielle Kaufmann-Kohler observa que mesmo as Cortes francesas reconhecem sua própria jurisdição
para as ações anulatórias de sentenças arbitrais proferidas na França. Segundo a autora: “This implies that,
whatever the foreign law governing the proceedings, the parties and the arbitrators must comply with
mandatory French rules of procedure as they are reflected in the grounds for setting aside awards. In other
words, even in France, the law of the place of arbitration submits the procedure before the arbitrators to
certain minimum requirements: a situation in which the end result is identical to the one found in many
jurisdictions applying the territorial principle.”. Informa que mesma posição é adotada na Suiça.
KAUFMANN-KOHLER, Gabrielle. Arbitration procedure: identifying and applying the law governing the
arbitration procedure. Improving the efficiency of arbitration agreements and awards: 40 years of
application of the New York Convention. VAN DEN BERG, Albert Jan. The Hague, Kluwer Law
International, 1999. p. 356-365, p. 342. Informa que mesma posição é adotada na Suiça: “Similarly, the
Swiss Supreme Court has recently stressed the same distinction, as well as the legal nature of the place or
seat: "By choosing a Swiss legal domicile [ein schweizerisches Rechtsdomizil] for the arbitral tribunal, the
parties manifestly intended to submit their dispute to Swiss arbitration law, not to provide for an exclusive
location for meetings among arbitrators at the place of arbitration .... [T]he determination of a given place
of arbitration is of significance to the extent that the award is deemed to be rendered at such place. It is
irrelevant that a hearing was effectively held or that the award was effectively issued there". Ob. cit., p.
345-346.
59
Não obstante, como as leis arbitrais são em geral enxutas, como a Lei de Arbitragem Brasileira, Isabela
Lacreta diz, com razão, que “serão raros os casos em que leis domésticas de arbitragem oferecerão regras
de organização do procedimento para uso das partes”. Para a função externa, aplicar-se-á sempre a
legislação processual vigente no foro. LACRETA, Isabela. A determinação do direito aplicável à
arbitragem, p. 238.
60
Por exemplo, a Lei Inglesa (English Arbitration Act) que em seu artigo 34 dispõe ser do tribunal a decisão
sobre todos os aspectos processuais e relacionados às provas. O CPC francês, cujo artigo 1464 estabelece
a prerrogativa do tribunal determinar o procedimento nas arbitragens domésticas, e o artigo 1590 na
arbitragem internacional. Também a Lei colombiana (Ley 1563 de 2012), o artigo 58.
23
àquelas que regulam os processos perante o Poder Judiciário do país sede. Como em geral
há a indicação de um regulamento institucional aplicável, serão as regras deste
regulamento as aplicáveis e, na omissão delas, os árbitros definirão o procedimento
arbitral61 62.
61
Flavia Mange, com apoio em Albert Van den Berg, afirma que a escolha de algum regulamento pelas
partes em geral torna desnecessário o recurso às leis processuais do local da sede da arbitragem. MANGE,
Flavia Foz. Processo Arbitral: aspectos transnacionais, p. 67.
62
Para Redfern e Hunter, há uma grande diferença entre as previsões gerais da lei de arbitragem e as regras
procedimentais detalhadas (detailed procedural rules) que deverão ser adotadas ou adaptadas para a
condução justa e eficiente do procedimento. Sobre as regras institucionais, usam como exemplo as regras
da CCI ou LCIA e afirmam que elas fornecem uma regulação geral (an overall framework within which to
operate), mas que mesmo essas regras precisarão ser suplementadas por previsões mais detalhadas pelas
partes ou pelo tribunal arbitral, BLACAKBY, Nigel; PARTASIDES, Constatine; REDFERN, Alan and
HUNTER, Martin. Redfern and Hunter on International Arbitration. New York, Oxford University Press,
2015, p. 171. Pelas razões expostas neste trabalho, parece que o recurso a regras institucionais é, ainda
assim, insuficiente para a regulação integral do processo arbitral, uma vez que tais regulamentos são, de
um modo geral, sucintos. Ainda que, na arbitragem internacional, as escolhas das partes, as normas
institucionais e o poder supletivo dos árbitros tendam a equacionar a maior parte das questões, é de se
reconhecer que sempre haverá um campo no qual os árbitros deverão investigar se devem ou não aplicar
regras mandatórias previstas nas leis processuais do país da sede da arbitragem, ou nos países em que a
sentença será reconhecida e homologada.
63
LACRETA, Isabela. A determinação do direito aplicável à arbitragem, p. 55.
24
sede, adotando um modelo generalizado que outorga às partes tais poderes e, caso se
omitam, os atribuem aos árbitros64. Segundo, o reconhecimento de que a noção de sede é
mais bem compreendida como um conceito jurídico, não propriamente físico. É muito
comum que um procedimento arbitral se desenvolva com prática de atos em diferentes
locais, o que tomou uma proporção ainda maior por conta da pandemia da Covid-19, que
tornou virtuais todos os procedimentos. Assim, uma disputa entre partes da Espanha e do
Egito pode ter como sede Paris, Londres ou São Paulo, mas realizar atos que exijam
presença física em qualquer destes locais, ou mesmo em algum outro, ou pura e
simplesmente por videoconferências.
64
Por exemplo, o Regulamento da CCI foi modificado em 1975, retirando referências a alguma lei nacional
processual aplicável à arbitragem (art. 15), como fonte do poder dos árbitros.
65
PETROCHILOS, Georgios. Procedural Law in International Arbitration. p. 16-17. George Bermann
observa que as partes escolhem a sede da arbitragem por muitas razoes, em nada relacionadas com as regras
processuais da sede. “There is little reason to assume that the parties, in selecting a lex arbitri, considered
every procedural prescription in the local law, however advisable it would have been for them to do so”.
BERMANN, George. Ascertaining the Parties’ Intentions in Arbitral Design, p. 1026.
66
PETROCHILOS, Georgios. Procedural Law in International Arbitration. p. 44.
25
localização geográfica estratégica. Ainda tomando por base a distinção entre normas
internas e externas da lex arbitri, o mínimo que se pode dizer é que as partes escolhem as
cortes nacionais que servirão de apoio para o processo arbitral e que realizarão o controle
primário da sentença, porque esta corte será a do país sede da arbitragem.
Mais do que isso, também as provisões da lex arbitri do tipo interno, que
regulam o processo arbitral, terão alguma aplicação à disputa. Assim, para muitos autores,
a escolha da sede pelas partes implica a sua submissão ao respectivo regramento legal
67 68
(legal framework, na terminologia adotada na arbitragem internacional) . Sob outra
perspectiva, Redfern e Hunter consideram que mesmo sob as modernas leis de
arbitragem, que se satisfazem em permitir que as partes decidam sobre suas próprias
regras processuais particulares, desde que sejam tratadas com igualdade, admite-se que
essas regras necessitam de sanção para serem efetivas, por isso, a lei relevante é a do local
ou da sede da arbitragem 69.
Mesmo que não se entenda que as partes escolhem sedes por conta da
atração de suas respectivas leis de arbitragem, ou do arcabouço legal processual geral
daquele país, e mesmo que se entenda que essa aplicação é absolutamente excepcional,
porque se limita ao controle dos elementos fundamentais de um processo justo, ainda
assim é de se reconhecer que será a partir dos parâmetros fixados nessa lei da sede da
arbitragem internacional que os árbitros exercerão seus poderes, competindo-lhes velar
pela validade da sentença arbitral e pela possibilidade do seu reconhecimento e execução
em outras jurisdições70.
67
BLACKABY, Nigel; PARTASIDES, Constatine; REDFERN, Alan and HUNTER, Martin. Redfern and
Hunter on International Arbitration. p. 173.
68
GREENBERG, Simon; KEE, Christopher; WEERAMANTRY, Romesh. International Commercial
Arbitration: An Asia-Pacific Perspective. Cambridge: Cambridge University Press, 2011, p. 58: “The lex
arbitri legitimises and provides a general legal framework for international arbitration. The relevant law
itself might be found in an independent statute on international arbitration or it might be a chapter in another
law, such as a civil procedure code or a law also governing domestic arbitration. However, the lex arbitri
of a given jurisdiction can also include other statutes and codes (even those not specifically dealing with
arbitration), and case law which relates to the basic legal framework of international arbitrations seated
there.” Apud LACRETA, Isabela. A determinação do direito aplicável à arbitragem, rodapé 783, p. 236.
69
Redfern e Hunter dizem que as leis modernas se satisfazem em permitir que as partes decidam sobre suas
próprias regras processuais particulares, desde que sejam tratadas com igualdade. Sob tais leis, é aceito que
as cortes devem intervir o mínimo necessário. Mesmo assim, regras necessitam de sanção para serem
efetivas, por isso, a lei relevante é a do local ou da sede da arbitragem, denominada lex arbitri.
BLACKABY, Nigel; PARTASIDES, Constatine; REDFERN, Alan and HUNTER, Martin. Redfern and
Hunter on International Arbitration. p. 156-157.
70
PETROCHILOS, Georgios. Procedural Law in International Arbitration, p. 42.
26
71
BERMANN, George. Ascertaining the Parties’ Intentions in Arbitral Design, p. 1018-1019: “Certainly,
in international arbitration, the law of arbitration at the place of arbitration is considered to supply the rules
governing the arbitral process itself. That is to say, the parties are deemed, in designating an arbitral seat,
to have submitted their arbitration as such to that body of law, including its rules or presumptions as to
arbitral design. Fortunately, most rules of the lex arbitri turn out to be default rules only (that is, rules from
which the parties may agree to derogate), and few of them are mandatory. The parties remain free to
structure their arbitration as they choose, with the lex arbitri supplying rules only to the extent the parties
fail to do so.
72
BORN, Gary. International Commercial Arbitration, p. 1723.
73
Que, não obstante não ser a concepção adotada por Emmanuel Gaillard, é por ele explicada com
propriedade. GAILLARD, Emmanuel. Teoria Jurídica da arbitragem internacional, p. 26.
27
sentença arbitral anulada no país sede, tal qual previsto no item (1) (e) 74 75. Os tratados
internacionais acerca da arbitragem, editados ao longo das últimas décadas, vem
enfatizando a diminuição da relevância da lei da sede das arbitragens internacionais, mas
não ao ponto de eliminar a sua importância76. Assim, a lei da sede desempenha um papel
importante no que diz respeito às regras processuais de natureza mandatória, convivendo
harmonicamente com a autonomia das partes quanto aos demais aspectos do
procedimento77.
De outro lado, não obstante o peso de seus defensores, a teoria sobre uma
natureza verdadeiramente autônoma da arbitragem, integrante de uma ordem jurídica
arbitral desatrelada dos sistemas jurídicos dos Estados, parece não condizente com a
realidade. Primeiro porque a adoção das modernas leis nacionais e dos tratados
internacionais é suficiente para permitir o exercício da liberdade que caracteriza a
arbitragem internacional. Liberdade de escolher o regime jurídico aplicável, de realizar
atos materiais em quaisquer lugares, e de se valer do apoio de sistemas nacionais
favoráveis à arbitragem, quando isto se fizer necessário. Segundo, porque, no mínimo, é
preciso atrelar a arbitragem a algum sistema jurídico, para que incidam normas positivas
externas, definindo-se o local do controle primário da sentença arbitral78. Se a execução
futura da sentença arbitral pode se dar em mais de um país, isso significa que as sentenças
74
Segundo Gaillard, a CNY afasta a ideia de que a ordem jurídica da sede seja a única fonte de juridicidade
da sentença arbitral, o que explica porque sentenças podem ser reconhecidas em outros estados mesmo que
não tenha havido integral respeito às regras da sede sobre a convenção de arbitragem, a constituição do
tribunal arbitral ou o procedimento arbitral. Nesse modelo, espera-se que os Estados se abstenham de impor
seus modelos, sua visão da arbitragem, a outros Estados, Emmanuel Gaillard. Teoria Jurídica da
arbitragem internacional, p. 27. Contra, enfatizando a relevância da sede, BRAGUETTA, Adriana. A
Importância da Sede da Arbitragem – visão a partir do Brasil. Rio de Janeiro, Renovar, 2010, p. 183-185.
75
Contudo, Georgios Petrochilos considera que o artigo V,1,(e) opera de forma independente do artigo V,
1,(d), reconhecendo a prerrogativa do país da sede de assumir o controle do processo arbitral. Esta é, para
referido autor, uma forte demonstração contrária à ideia da absoluta desvinculação das leis nacionais e da
proeminência do país da sede de uma arbitragem de controlá-la. PETROCHILOS, Georgios. Procedural
Law in International Arbitration, p. 38.
76
Como por exemplo os Tratados da Convenção Europeia sobre Arbitragem Internacional, o Tratado de
Washington e a Convenção interamericana sobre arbitragem comercial de 1975. A respeito, ver STRAUBE,
Frederico José. A vinculação das partes e árbitros ao regulamento de arbitragem. 20 anos da Lei de
Arbitragem: Homenagem a Petrônio R. Muniz. CARMONA, Carlos Alberto; LEMES, Selma Ferreira e
MARTINS, Pedro Batista (coord.), p. 390.
77
MANGE, Flavia Foz. Processo Arbitral: aspectos transnacionais, p. 66-67.
78
E ainda que teoricamente possível que um contrato indique expressamente uma lex arbitri, mas aponte
outro país como sede, isto não se dá em termos práticos, sendo que a doutrina, de forma majoritária,
reconhece os inconvenientes desta escolha. Para Gary Born, “It bears emphasis that the choice of a foreign
procedural law is extremely unusual (and often ill-advised), as well as subject to doubts as to its validity”.
BORN, Gary. International Commercial Arbitration, p. 1723. Em todo caso, o mesmo autor observa que
não ocorre a substituição integral da lei processual da sede, mas da atuação conjunta e complementar desta
lei e da lei escolhida pelas partes. Ob. Cit., p. 1313-1314.
28
arbitrais serão nacionais para certas ordens jurídicas, e estrangeiras para outras. Não
houvesse essa inerente distinção, a própria razão da Convenção de Nova Iorque seria
questionável79.
79
GAILLARD, Emmanuel. Teoria Jurídica da arbitragem internacional, p. 32.
80
Na América do Sul, por exemplo. A Lei Modelo foi adotada por Argentina, Chile, Paraguai, Peru e
Venezuela.
81
Como a Inglaterra (Arbitration Act 1996), França (Code de procédure, artt. 1442-1527) e Itália (Codice
di procedura civil, artt. 806-840).
82
KAUFMANN-KOHLER, Identifying and Applying the Law Governing the Arbitration Procedure - the
role of the Law of the Place of Arbitration”, p. 336: “Se é aceito que a sede (jurídica) pode ser uma ficção,
assim, a questão da deslocalização torna-se sem objeto, porque deslocalização é, de fato, atingida, ainda
que indiretamente. Um dos maiores propósitos da deslocalização foi, como discutido em outra
oportunidade, o de eliminar os efeitos não desejados das peculiaridades da lei do local onde a arbitragem
ocorre. Por meio da escolha de uma sede da arbitragem fictícia em um local pró-arbitragem, esse objetivo
é completamente atingido”. Citado e traduzido em GAILLARD, Emmanuel. Teoria Jurídica da arbitragem
internacional, p. 89.
29
estabelecidas pelas partes, como nas regras da lei aplicável83. Há leis nacionais mais ou
menos detalhistas acerca dos aspectos do procedimento, e que adotam parâmetros
peculiares, sem que se possa entender que o mero fato de haver peculiaridades afasta tais
países de um padrão internacional ou retira tais países do universo de sedes possíveis84.
83
KAUFMANN-KOHLER, Gabrielle. Arbitration procedure: identifying and applying the law governing
the arbitration procedure. Improving the efficiency of arbitration agreements and awards: 40 years of
application of the New York Convention. p. 364.
84
A Inglaterra é um bom exemplo. A Lei de Arbitragem admite tribunais arbitrais com apenas dois árbitros,
o que seria inadmissível na maior parte dos demais países. Seu regime de custas obedece a regra de que
cada parte arca com suas próprias custas, diferente de um certo padrão internacional de “costs follow the
event”, a chamada american rule. Ainda assim, é reconhecidamente um dos centros internacionais mais
importantes.
85
KAUFMANN-KOHLER, Gabrielle: “In the event that the parties have made no use of their freedom, the
arbitrators have broad discretionary powers. Unlike the parties, however, they must apply the nonmandatory
or supplementary rules of the Model Law, which are all meant to implement the overriding due process
principle. Specifically, these supplementary rules require that the arbitrators accept amendments to the
claims or defences unless untimely, that they hold an oral hearing, if one party so requests ( except if the
parties have previously agreed to dispense with a hearing); that they give sufficient notice of any hearing
or meeting for inspection of goods, other property, or documents; that all pleadings, evidence (including
expert reports) and other information supplied by one party to the tribunal or on which the tribunal may
rely in making its decision be communicated to both parties; that a tribunal-appointed expert be made
available for questioning at a hearing and that party expert witnesses may be called on the same occasion,
if a party requests it." Ob. cit., p. 357-358.
86
BLACKABY, Nigel; PARTASIDES, Constatine; REDFERN, Alan and HUNTER, Martin. Redfern and
Hunter on International Arbitration. p. 176.
30
87
Georgios Petrochilos, além de reiterar que a escolha da sede funciona como escolha do sistema legal
aplicável, o que ocorre sem prejuízo à prática de atos em diferentes locais ou mesmo a prolação da sentença
arbitral, que a função de supervisão das Cortes estatais da sede fica reservada às arbitragens governadas por
aquela lei, conclui que “a escolha da sede não corresponde à escolha de uma lei nacional. Ao escolher a
sede, as partes depositam sua confiança naquele sistema legal para prestar um serviço desinteressado e não
para impor sobre elas concepções legais que sejam próprias daquele sistema jurídico”. PETROCHILOS,
Georgios. Procedural Law in International Arbitration, p. 65.
31
mecanismos concebidos pelo Estado, regulados por normas positivas, por meio dos quais
se exercem poderes, faculdades, direitos e deveres, em relação complexa que é concebida
e estruturada para que, ao final, se produza decisão de mérito, por autoridade imparcial,
e que resolverá a crise jurídica submetida por meio dele. A liberdade pauta o processo
arbitral, sem que se possa prescindir da regulação que lhe impõe as linhas mestras, a
espinha dorsal.
88
Como afirma Humberto Theodoro Júnior, a despeito da vontade das partes ser a origem da arbitragem,
seu desenvolvimento e sua eficácia em moldes jurisdicionais depende mais da lei do que das partes.
THEODORO JR., Humberto. Arbitragem e Terceiros - Litisconsórcio fora do pacto arbitral - Outras
intervenções de terceiros. Reflexões sobre Arbitragem in memoriam do Desembargador Cláudio Vianna
de Lima, MARTINS, Pedro A. Batista e GARCEZ, José Maria Rossani (coord)., p. 244. Assim também:
ALVIM, Arruda. Sobre a natureza jurisdicional da arbitragem. Arbitragem: Estudo sobre a Lei 13.129 de
26/05/2015. CAHALI, Francisco José; RODOVALHO, Thiago e FREIRE, Alexandre (org.). São Paulo,
Saraiva, 2016, pp. 133-144, p. 134.
89
Há dois aspectos que podem ser simultaneamente observados. De um lado, como bem aponta Frederico
Straube, não costuma existir em países de índole democrática, qualquer dispositivo de ordem legal ou
mesmo constitucional que impeça o estado de delegar parte da sua autoridade jurisdicional a árbitros e
tribunais arbitrais, para que eles possam exercer função autenticamente jurisdicional, resolver conflitos que
são submetidos a eles por particulares que optaram por esse método. De outro lado, também Straube, com
apoio em Roque Caivano, afirma que se não houvesse lei autorizando arbitragem, mas as partes quisessem
atribuir a um terceiro o julgamento de uma causa, poderiam fazê-lo, mas não teriam qualquer apoio para a
efetivação da arbitragem ou para a execução da decisão, do que resulta a relevância da lei como fonte de
atribuição de jurisdicionalidade à arbitragem. STRAUBE, Frederico José. A vinculação das partes e árbitros
ao regulamento de arbitragem, p. 388.
32
pela previsão legal de que a sentença pode ser anulada caso decida fora dos limites da
convenção de arbitragem. Mas um exemplo permitirá compreender que, na realidade, é a
previsão legal que origina todo este estado de coisas.
90
GUERRERO, Luis Fernando. Convenção de arbitragem e processo arbitral. São Paulo, Atlas, 2009, p.
123
91
Conforme leciona RICCI, trata-se de hipótese muito delicada, pois caso a decisão esteja errada, viola-se,
na opinião do autor, o direito de ação. RICCI, Edoardo Flavio. Lei Brasileira de Arbitragem: oito anos de
reflexão – questões polêmicas. São Paulo, Revista dos Tribunais, 2004, p. 79.
92
ALVES, Rafael Francisco. Árbitro e Direito: o julgamento do mérito na arbitragem. p. 21
33
93
MOREIRA. José Carlos Barbosa. Convenções das partes sobre matéria processual. Temas de direito
processual, 3ª série, Saraiva: São Paulo, 1984, p. 89. GRECO, Leonardo. Os atos de disposição processual
– primeiras reflexões. Revista Quaestio Iuris, vol. 04, nº 01, pp.720-726.
94
Segundo Leonardo Greco, a tendência de expansão da autonomia privada no processo judicial se verifica
em diversos ordenamentos, como francês e italiano e brasileiro, “como uma consequência do
desmoronamento da crença na absoluta superioridade cognitiva e moral do Estado e dos seus agentes em
relação aos particulares, do reconhecimento de um dever recíproco de diálogo e cooperação que propicia
uma interação mais leal e fecunda entre os exercentes e os destinatários dos atos estatais, revigorando a
legitimidade daqueles e a confiança destes e da sociedade como um todo nos seus resultados”, GRECO,
Leonardo. A contratualização do processo e os chamados negócios jurídicos processuais. Texto-base da
apresentação sobre “Acordos das partes sobre matéria processual” nas XI Jornadas do Instituto Brasileiro
de Direito Processual. Porto de Galinhas, 2016. p. 2. Disponível em:
https://www.academia.edu/32987262/NEG%C3%93CIOS_JUR%C3%8DDICOS_PROCESSUAIS_6_do
cx . Acesso em 10.06.2022
95
Preocupação manifestada por Carlos Alberto Carmona na apresentação da obra de PARENTE, Eduardo.
Processo arbitral e sistema. São Paulo, Atlas, 2012, p. xiii.
34
96
Fredie Didier adota e explica as noções de conceitos lógico-jurídicos e jurídico-positivos, como uma das
formas de explicar a diferença entre as noções verdadeiramente teóricas, que estão na base da teoria geral
do processo (de toda e qualquer teoria, na verdade) e os conceitos que se corporificam em normas positivas.
Os conceitos jurídicos-positivos são estabelecidos na própria lei, explicam e definem certos institutos à luz
de cada ordenamento. Já os conceitos lógico-jurídicos são de índole principiológica, teórica, construídos
pela Filosofia do Direito com a pretensão de auxiliar a compreensão do fenômeno jurídico onde e quando
ele ocorra. DIDIER JR, Fredie. Sobre a Teoria Geral do Processo. Tese (Livre-docência) USP, 2011. p.
30.
97
PETROCHILOS, Georgios. Procedural Law in International Arbitration, p. 16: “arbitration statutes on
domestic arbitration (often contained in the respective Codes of Civil Procedure) contain rudiments of
regulation, relying for the general principles on the normal rules of judicial procedure. Domestic arbitration
purports to offer a simplified dispute resolution procedure, but there is no need to reinvent the wheel, nor
would one think it appropriate that the arbitration process may deviate from fundamental rules of court
procedure”.
98
José Roberto Castro Neves explica a interpretação pelo critério sistemático como aquela em que se a
harmonia da norma com o restante do ordenamento, “de forma que sua expressão seja coerente com o
sistema jurídico”. CASTRO NEVES, José Roberto. Uma Introdução ao Direito Civil. Rio de Janeiro, GZ,
2018, p. 38.
99
Na mesma apresentação à obra de Eduardo Parente, Carlos Alberto Carmona também pondera que
ninguém precisa isolar a arbitragem, porque não se deve esquecer que arbitragem é processo. “Os princípios
do processo estarão sempre presentes, tanto no processo estatal como no processo arbitral. A ideia do devido
processo legal e as garantias do processo formam a base dos dois sistemas. Mudam os métodos, mudam as
35
precisa ser qualificado, para que se possa saber exatamente o que se teme. Porque a
constatação de que o processo estatal é lento e formal poderia ser explicada pela previsão,
que é restrita ao próprio processo estatal, de um procedimento longamente regulado,
inclusive com muitas etapas recursais. O tema será aprofundado nos capítulos seguintes,
mas parece que toda vez que se expressa esse temor, os autores estão se referindo, na
verdade, ao procedimento do processo estatal, que, sabidamente, não se aplica ao
processo arbitral.
Pela análise feita nos tópicos acima, parece haver campo para ulteriores
investigações acerca da influência que as normas processuais gerais exercem sobre o
processo arbitral, bem como o quanto ele compartilha de estruturas e categorias comuns
às demais modalidades de processo.
Seja qual for o regime legal aplicável ao processo arbitral, tenha ele
natureza internacional ou se situe no âmbito de um único ordenamento jurídico, dúvida
formas, aumenta a flexibilidade, predomina a vontade dos litigantes. Mas os princípios estarão sempre
atuando”. Apresentação da obra Arbitragem e Sistema, de Eduardo Parente, p. xiv.
100
Flavia Mange também manifesta esse temor de processualização da arbitragem. “Conferindo ao tribunal
arbitral o poder subsidiário para estipular o procedimento, ante a omissão das partes em fazê-lo, a Lei de
Arbitragem exclui a aplicação supletiva do Código de Processo Civil (CPC). Evitou-se, portanto, a
processualização da arbitragem”, MANGE, Flavia Foz. Processo Arbitral: aspectos transnacionais, p. 32.
36
não há de que é possível submeter litígios à arbitragem porque leis nacionais e tratados
internacionais (incorporados aos sistemas jurídicos nacionais) assim o permitem, e dentro
dessa permissão, o campo para a atuação da autonomia da vontade é enorme. Partes
podem decidir não apenas se submetem certas relações jurídicas patrimoniais a esse
método, mas definir o seu âmbito, as diversas leis aplicáveis e, no que toca ao
procedimento, podem definir amplamente a sua feição.
101
RICCI, Edoardo. Lei Brasileira de Arbitragem: oito anos de reflexão – questões polêmicas, p. 76-77.
37
102
De certa forma, pode-se dizer que os estudiosos de direito processual que se propuseram a examinar o
tema da arbitragem afirmam, sem maiores dificuldades, a aplicação subsidiária do Código de Processo
Civil, enquanto arcabouço normativo das regras processuais gerais, aplicáveis às demais modalidades de
processo. Assim, DINAMARCO, Cândido Rangel, A Arbitragem na Teoria Geral do Processo, p. 15 a 17;
GRECO, Leonardo. Controle Jurisdicional da Arbitragem. Revista Brasileira de Arbitragem. São Paulo,
2018, pp. 7-22, p. 22; THEODORO JR., Humberto. Arbitragem e Terceiros - Litisconsórcio fora do pacto
arbitral - Outras intervenções de terceiros. Reflexões sobre Arbitragem in memoriam do Desembargador
Cláudio Vianna de Lima, p. 248-249; ARMELIN, Donaldo. Notas sobre sentença parcial e arbitragem.
Revista de arbitragem: Doutrinas Essenciais Arbitragem e Mediação. São Paulo, 2014, vol. 3, pp. 699 –
730, p. 699-700.
103
Entre os estudiosos da arbitragem, essa constatação enfrenta maiores resistências, havendo a tendência
de negar tal aplicação. BARROCAS, Manoel. A razão por que não são aplicáveis à arbitragem nem os
princípios nem o regime legal do processo civil. Revista de Arbitragem e Mediação; MANGE, Flavia Foz.
Processo Arbitral: aspectos transnacionais, p. 81, 127; MAGALHÃES, José Carlos. Os deveres do árbitro.
20 anos da Lei de Arbitragem: Homenagem a Petrônio R. Muniz, p. 227-238.
104
Redfern and Hunter, tratando da estrutura das leis de arbitragem, exemplificam com os tópicos que as
lex arbitri normalmente regulam. São vários tópicos, como a definição e forma da convenção de arbitragem,
arbitrabilidade, constituição do tribunal arbitral, poder do Tribunal Arbitral de decidir sobre a própria
jurisdição. Entre os itens, destaco: “freedom to agree upon detailed rules of procedure, interim measures of
protection, statements of claim and defense, hearings, default proceedings, the form and validity of the
arbitration award”, p. 169. A lei brasileira é realmente mais enxuta que essa exemplificação. Se esses itens
existissem, a sua independência funcional em relação às normas processuais gerais seria mais consistente.
105
ARBITRATION Act 1996. 17 de junho de 1996. Disponível em:
https://www.legislation.gov.uk/ukpga/1996/23/contents Acesso em: 13 de junho de 2022
106
LEI n.º 63/2011. 14 de dezembro de 2011. Disponível em: https://dre.pt/dre/detalhe/lei/63-2011-145578.
Acesso em: 13 de junho de 2022.
39
107
CODE de procédure civile. 13 de janeiro de 2011. Disponível em:
https://www.legifrance.gouv.fr/codes/texte_lc/LEGITEXT000006070716/. Acesso em: 13 de junho de
2022.
108
CODICE di procedura civile 2020. 31 de dezembro de 2019. Disponível em:
https://www.brocardi.it/codice-di-procedura-civile/. Acesso em: 13 de junho de 2022.
109
Com a ressalva de que as arbitragens envolvendo a Administração Pública serão sempre de direito,
vedada a adoção da equidade como critério de julgamento, conforme artigo 2º, § 3º.
110
Além de importar a execução específica da cláusula compromissória vazia, por meio de uma demanda
judicial específica, com procedimento abreviado e cognição sumária, prevista nos artigos 6º e 7º da LArb.
40
Ao longo dos próximos capítulos, diversos aspectos aqui destacados serão objeto
de maior desenvolvimento. Nessa etapa preliminar, parece-me oportuno enfatizar os
aspectos do processo arbitral, tal qual estabelecidos na Lei de Arbitragem, divididos em
subitens que seguem a estrutura proposta na própria Lei. Na sequência, serão abordados
inúmeros aspectos do processo arbitral que não podem ser adequadamente
compreendidos apenas com o recurso à legislação específica.
1.1.Instauração da arbitragem.
111
DIDIER JR., Fredie e BOMFIM, Daniela Santos. A sub-rogação prevista no art. 786 do Código Civil e
a convenção de arbitragem celebrada pelo segurado. Revista de Direito Civil Contemporâneo. São Paulo,
Revista dos Tribunais, 2020; RICCI, Edoardo. Lei Brasileira de Arbitragem: oito anos de reflexão –
questões polêmicas; MARTINS, Pedro Batista. Apontamentos sobre a lei de arbitragem. Rio de Janeiro,
Forense, 2008; PITOMBO, Eleonora Coelho. Os efeitos da Convenção de Arbitragem – Adoção do
Princípio Kompetenz-Kompetenz no Brasil. Arbitragem: Estudos em Homenagem ao Prof. Guido
Fernando Silva Soares, in Memoriam. LEMOS, Selma Ferreira; CARMONA, Carlos Alberto e MARTINS,
Pedro Batista. São Paulo, Atlas, 2007, pp. 326-338, pág. 327; CARMONA, Carlos Alberto. Considerações
sobre a Cláusula Compromissória e a Eleição de Foro. Arbitragem: Estudos em Homenagem ao Prof. Guido
Fernando Silva Soares, in Memoriam, pp. 35-46; PINTO, José Emilio Nunes. Contrato de Adesão. Cláusula
Compromissória. Aplicação do Princípio da boa-fé. A convenção arbitral como elemento de equação
econômico-financeira do contrato. Revista de Arbitragem e Mediação. São Paulo, 2006, pp. 234 - 242.
41
Segundo, caso as partes apenas elejam a arbitragem, sem apontar uma instituição
arbitral cujas regras serão adotadas, estar-se-á diante de arbitragem ad hoc, incomum na
prática arbitral brasileira e, em geral, permeada por dificuldades para a sua efetivação e
desenvolvimento. Nos parágrafos seguintes, aspectos particulares das arbitragens ad hoc
serão destacados nas notas de rodapé, conforme se discorra sobre os aspectos do processo
arbitral. Como a maior parte dos casos corresponde a arbitragens institucionais, será essa
a modalidade analisada com maior aprofundamento.
112
Nas arbitragens ad hoc, o procedimento será iniciado nos termos do artigo 6º da Lei, com a notificação
de uma parte à outra, convocando-a para firmar o compromisso arbitral em dia e horário previamente
informados. A recusa da contraparte em instituir voluntariamente a arbitragem ad hoc, por meio da
celebração do compromisso arbitral, ensejará a propositura da ação judicial prevista no artigo 7º da Lei de
Arbitragem, que objetiva justamente a celebração do compromisso arbitral, o qual será imposto por força
de sentença caso a resistência persista.
113
Na arbitragem ad hoc, todo o regulamento do custeio do processo será estabelecido diretamente entre as
partes e os árbitros. E os honorários dos árbitros serão livremente pactuados também diretamente com as
partes.
42
registrar que a Lei de Arbitragem pouco diz a esse respeito, limitando-se a afirmar que os
honorários dos árbitros serão fixados no compromisso arbitral, o qual se constitui título
executivo extrajudicial e que, ausente a fixação dos honorários, o árbitro requererá ao
órgão do Poder Judiciário que seria competente para julgar, originariamente a causa,
que os fixe por sentença (art. 11, §U)114. Dispõe a lei, igualmente de forma genérica, que
os árbitros podem determinar adiantamento de verbas para despesas e diligências que
julgarem necessárias (art. 13 § 7º), sem explicitar a sua natureza ou finalidade. Da Lei de
Arbitragem se extrai, portanto, a noção mais geral de que a arbitragem constitui
modalidade de justiça privada, que os árbitros devem ter sua remuneração fixada e paga
no contexto de cada demanda, mas nenhum critério concreto é fornecido na Lei a esse
respeito.
Efetuado o pagamento das custas, por uma ou por todas as partes, o ato
procedimental subsequente será o convite às partes para nomearem árbitro(s), nos termos
do respectivo regulamento. A Lei de Arbitragem estabelece alguns poucos parâmetros a
respeito. Árbitros são pessoas físicas, capazes, que tenham a confiança das partes (art.
13)115. Devem ser nomeados em número ímpar, mas a Lei não define o critério dessa
nomeação. Atribui às partes o poder de estabelecer o processo de escolha dos árbitros, ou
adotar as regras de um órgão arbitral institucional ou entidade especializada. Nos órgãos
114
Na Arbitragem ad Hoc, toda a disciplina das custas e despesas do processo, bem como os honorários
dos árbitros, devem ser contemplados no Compromisso Arbitral. Isso inclui valores, momento e forma de
pagamento, consequências do não pagamento, bem como a disciplina a ser adotada na sentença sobre
reembolsos e condenações ao reembolso de honorários advocatícios contratuais e pagamento de honorários
de sucumbência.
115
A lei não diz explicitamente que árbitros são pessoas físicas, mas chega-se a esta conclusão - excluindo
qualquer cogitação de nomeação de pessoas jurídicas - pela previsão de que o árbitro é juiz de fato e de
direito (art. 18). Nesse sentido, Carmona, Carlos Alberto. Arbitragem e Processo, 3a. edição, p. 229 e p.
402. No direito italiano, em comentários ao art. 812 do CPC italiano ("non puè essere arbitro chi è privo,
in tutto o in parte, della capacità legale di agire”), os autores Giovanni Novelli e Stefano Petitti expõem
que no caso de arbitragem ritual (arbitrato rituale) os árbitros devem ser pessoas físicas, sendo nula a
cláusula compromissória que confere funções arbitrais a pessoas jurídicas. Todavia, pessoas jurídicas
poderiam assumir funções de árbitros livres (arbitri liberi), nas chamadas arbitragens impróprias (arbitrato
irrituale), em que os árbitros livres não desempenham função jurisdicional, ao contrário dos árbitros rituais.
NOVELLINI, Giovanni e PETITTI, Stefano. Codici di Procedura Civile – Annotato con la Giurisprudenza.
Milão, Giufrrè Editore, 2016, p. 2399.
43
institucionais, em geral, é previsto que cada parte faça a nomeação de um coárbitro e estes
procedam à nomeação do terceiro profissional, que funcionará como árbitro presidente.
Como o fazem, a LArb não explica. Novamente, será necessário recorrer aos
regulamentos dos órgãos arbitrais, que em geral possuem formulários próprios,
questionários com um conjunto de informações que solicitam aos árbitros. Os árbitros
44
Na sequência lógica estabelecida pela LArb acerca do processo arbitral, uma vez
instituída a arbitragem, como resultado do efeito legal da aceitação do encargo pelos
árbitros, o procedimento arbitral perante os árbitros terá efetivamente início. A partir da
reforma da LArb operada em 2015, passou a ser expressamente contemplada na lei a
116
Nas arbitragens ad hoc, em que não existem questionários padronizados, os árbitros deverão prestar
eventuais informações por conta própria. Não há uma forma previamente estabelecida, mas a substância do
dever de prestar informações e declarar a inexistência de conflitos permanece inalterada.
117
Procedimento semelhante deveria ser adotado nas arbitragens ad hoc, mas, novamente, não há
parâmetros indicados na lei. Os questionamentos e questionários aos árbitros devem ser feitos antes da
nomeação propriamente dita. Uma vez realizada a indicação, e aceito o encargo pelo árbitro (ou pelo último
deles, no caso de tribunal trino, a arbitragem será considerada instituída, nos termos do artigo 19 da LArb).
45
Não obstante não se tratar de etapa obrigatória, fato é que se trata de prática
bastante difundida, tanto no universo das arbitragens internacionais como das arbitragens
domésticas118. Pelo Termo de Arbitragem, ou Ata de Missão, as Partes e o Tribunal
Arbitral complementam as disposições da convenção de arbitragem essencialmente para
regular diversos aspectos do procedimento arbitral e definir o calendário do
procedimento. Afinal, as convenções de arbitragem costumam ser bastante enxutas,
limitando-se a adotar a arbitragem como método e a eleger a instituição arbitral cujas
regras serão aplicadas. Em muitos casos, tais previsões são complementadas com
informações sobre número de árbitros, local onde se realizarão os atos do procedimento,
idioma. Em ocasiões mais raramente encontradas, podem ser adicionadas outras regras,
como algum método específico para eleição do(a) árbitro(a) presidente, regulação do foro
eleito para medidas de urgência e de apoio ao processo arbitral etc.
118
Nas arbitragens internacionais, costuma-se celebrar uma Ata de Missão e, simultaneamente, o Tribunal
Arbitral expede uma primeira decisão com outros aspectos do procedimento. Esta decisão – a Ordem
Processual 01 – é igualmente submetida às partes para revisão e comentários e, uma vez aprovada, é
expedida exclusivamente pelos árbitros. No Brasil, o conteúdo desta Ordem Processual 01 costuma ser
incluído nas disposições do Termo de Arbitragem, resultando em um único documento inicial que regula
em concreto os aspectos do processo e do procedimento arbitral.
46
119
DINAMARCO, Cândido Rangel. A Arbitragem na Teoria Geral do Processo, p. 19. Também, CRUZ
E TUCCI, José Rogério. A linguagem jurídica exige precisão técnica: processo ou procedimento arbitral?
Consultor Jurídico. 15 de janeiro de 2021. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2021-jan-
05/paradoxo-corte-linguagem-juridica-exige-precisao-tecnica Acesso em: 13 de junho de 2022.
120
Nas arbitragens ad hoc, sem semelhantes regras, a definição do momento em que ocorre a estabilização
da demanda competirá às partes ou, em sua omissão, aos árbitros. Nessas situações, com ainda maior razão,
será necessário invocar conceitos processuais gerais, para se admitir que é necessário fixar um momento a
partir do qual as partes não podem alterar a estrutura fundamental da demanda. Se este momento
corresponde ou não ao mesmo momento do procedimento estatal é uma segunda questão a ser enfrentada,
mas que não modifica o fato de que, no processo arbitral ad hoc, é de se admitir a própria ideia da
estabilização da demanda.
47
De outro lado, determina a LArb que a parte que pretender arguir questões
relativas à competência, suspeição ou impedimento do árbitro ou dos árbitros, bem como
nulidade, invalidade ou ineficácia da convenção de arbitragem, deverá fazê-lo na
primeira oportunidade que tiver de se manifestar, após a instituição da arbitragem (art.
20)121. Trata-se de um dos dispositivos mais relevantes, porque dele se pode extrair outros
elementos que permitem a caracterização, em termos sistemáticos, da arbitragem como
processo.
121
Nas palavras de Paula Costa e Silva, “o incumprimento do dever de deduzir as pretensões perante tribunal
arbitral consubstancia impedimento processual insuprível ao conhecimento do mérito pelo tribunal não
arbitral; em termos tecnicamente precisos a violação da convenção de arbitragem assume-se como excepção
dilatória insuprível. No entanto, e para que este incumprimento seja relevante, é necessário que a parte que,
demandada perante tribunal estadual, pretenda litigar perante tribunal arbitral, alegue a violação da
convenção, ou seja, o incumprimento do dever de litigar perante este tipo de arbitral; a violação de
arbitragem constitui excepção dilatória insuprível não susceptível de conhecimento oficioso.” SILVA,
Paula Costa e. Perturbações no cumprimento dos negócios processuais: Convenções de Arbitragem, Pactos
de Jurisdição, Cláusulas Escalonadas e Outras Tantas Novelas Talvez Exemplares, Mas Que Se desejam
de Muito Entretenimento. Salvador, Juspodivm, 2020, p. 102-103.
48
fato é que também essas questões devem ser suscitadas pelas partes, ensejando assim a
possibilidade de seu exame pelos árbitros122.
Outra noção processual muito relevante que se extrai da norma acima citada é a
própria circunstância de que o processo arbitral pode ser concluído com decisão de
natureza processual, terminativa. Ainda que tal afirmação pareça óbvia, parece oportuno
observar que, na Lei de Arbitragem, não existem normas que disciplinem a extinção do
processo com ou sem resolução de mérito, como faz o Código de Processo Civil. Esse
dispositivo, ao cogitar da hipótese de alegação de questões de natureza preliminar, que
dizem respeito à própria admissibilidade da via processual eleita, é o que mais se
aproxima da categoria jurídica dos pressupostos de admissibilidade do julgamento do
mérito, bastante difundida no âmbito do processo estatal123.
122
Fernando Gajardoni, não obstante identificar preclusão para as alegações das partes, inclui entre as
exceções também as hipóteses de impedimento do árbitro, que podem ser invocadas depois. GAJARDONI,
Fernando da Fonseca. Aspectos fundamentais de processo arbitral e pontos de contato com a jurisdição
estatal. Revista de Processo. Vol. 106. São Paulo, 2002, pp. 189-216, p. 191, nota de rodapé 19.
123
ARMELIN, Donaldo. Notas sobre sentença parcial e arbitragem. Revista de Arbitragem e Mediação, p.
715: “Essa diferenciação resulta da circunstância da arbitragem, tal como sucede com o processo judicial,
apresentar duas áreas normalmente inconfundíveis: (a) aquela da denominada admissibilidade, constituída
pela implementação dos requisitos de formação da arbitragem e de seu regular processamento; e (b) a área
qualificada como o mérito da arbitragem, que está adstrita ao próprio litígio a ser solucionado por meio
dela”.
49
hipótese que não pode ser lida no artigo 20 acima citado, mas que igualmente conduzirá
à extinção do processo sem exame do mérito124 125.
124
Donaldo Armelin menciona outras hipóteses: “No capítulo referente à sentença na Lei 9.307/96 não há
referência expressa a um tipo de sentença que ponha fim ao processo sem decidir o mérito do litígio. Mas
induvidosamente existem decisões sobre a admissibilidade da arbitragem que, inexoravelmente produzem
a extinção desta. Assim, v.g., a decisão que inadmite a realização da arbitragem por ausência de
compromisso arbitral ou cláusula compromissória cheia; aquela que não reconhece a presença de um
conflito passível de arbitragem; a que reconhece a competência do Judiciário estatal para a dirimência do
conflito e outras provocam a extinção da arbitragem, deixando intocado o litígio por meio dela veiculado.
São, pois, sentenças diversas daquelas que decidem o mérito correspondente a tal litígio.” ARMELIN,
Donaldo. Notas sobre sentença parcial e arbitragem. Revista de Arbitragem e Mediação, p. 715.
125
Rafael Francisco Alves exemplifica outras hipóteses de sentenças terminativas: quando os árbitros
acolhem alguma preliminar processual, como a ausência de condições da ação ou presença de óbice
processual como a coisa julgada, ou ainda se as partes não recolherem as custas da arbitragem. ALVES,
Rafael Francisco. Sentença Arbitral. Curso de Arbitragem, pp. 255-278, p. 256.
126
SEREC, Fernando Eduardo. Provas na Arbitragem, p. 295. O autor observa que, no tocante às provas, o
modelo brasileiro seguiu o parâmetro da Lei Modelo da Uncitral, que trata a determinação da produção de
provas como parte da prerrogativa do tribunal arbitral de estabelecer regras do procedimento. E que,
diferentemente da lei brasileira, a Lei portuguesa remete expressamente à lei processual, ao determinar que
na arbitragem serão admitidos todos os meios de provas admitidos na lei processual. Ob. cit., p. 296.
50
Por fim, ainda no que diz respeito ao procedimento arbitral, a lei dispõe que os
árbitros devem levar em consideração o comportamento da parte que se recusa a prestar
depoimento pessoal, além de solicitar o auxílio do Poder Judiciário para a condução de
testemunha que desatende a convocação. Deste dispositivo, extrai-se nova reafirmação
da natureza jurisdicional da arbitragem, o que explica a possibilidade de um órgão
jurisdicional solicitar o apoio de outro para a prática de determinados atos. Ao árbitro,
que detém jurisdição, mas falta coerção, é assegurada a prerrogativa de solicitar apoio do
juiz togado, que para aquela disputa específica não detém jurisdição, mas preserva,
enquanto agente estatal, o poder de determinar a condução de testemunhas.
127
ALVES, Rafael Francisco. O Devido Processo Legal na Arbitragem. Arbitragem no Brasil: aspectos
jurídicos relevantes. MACHADO, Rafael Bicca e JOBIM, Eduardo (coord.). São Paulo, Quartier Latin,
2008, pp. 382-416, p. 403. Ressalva, entretanto, que a necessidade de assegurar a igualdade e o contraditório
impõe que, no processo arbitral, a parte contumaz deva ser cientificada de todos os atos do procedimento.
51
128
Guilherme Setoguti adere à posição de que a Lei de Arbitragem se refere, na verdade, ao fenômeno
processual da contumácia, e quanto à revelia propriamente dita, afirma: “Diante da ausência de regra na
Lei de Arbitragem, é recomendável recorrer, com as devidas adaptações, ao que estabelece o CPC a respeito
da revelia e de seus efeitos, não para que se apliquem aquelas regras à arbitragem, mas para que se veja a
ratio por trás delas e construa-se um raciocínio de como a revelia deve ser tratada nesse âmbito”, PEREIRA,
Guilherme Setoguti J. Procedimento I. Curso de Arbitragem, p. 186.
129
Escrevendo antes da Reforma da Lei de Arbitragem, em 2015, Fernando Gajardoni observava que há
basicamente três sistemas a respeito dos poderes dos árbitros para medidas de urgência: aquele no qual o
árbitro não tem poderes para ordenar estas medidas, como na Itália, Áustria e Alemanha; aquele em que
tanto o árbitro como o juiz as podem decretar, cabendo ao juiz executá-las (França, Suíça e Inglaterra) e,
por fim, aquele em que apenas o árbitro o pode fazer, como no Brasil. Aspectos fundamentais de processo
arbitral e pontos de contato com a jurisdição estatal. GAJARDONI, Fernando. Aspectos fundamentais de
processo arbitral e pontos de contato com a jurisdição estatal. Revista de Processo, p. 194.
52
130
NEVES, Flávia Bittar; LOPES, Christian Sahb Batista. Medidas Cautelares em Arbitragem. 20 anos da
Lei de Arbitragem: Homenagem a Petrônio R. Muniz, pp. 451-472, p. 460.
131
A propósito dessa previsão, Eduardo Talamini é categórico ao afirmar que “é sempre de 30 dias o prazo
para a formulação do requerimento de instauração de arbitragem, para que fique preservada a eficácia da
medida urgente pré-arbitral – seja ela cautelar ou antecipada. Portanto, não se aplica o art. 303, § 1.º, I, do
CPC/2015, que, na hipótese de tutela antecipada antecedente, prevê que o pedido principal deve ser
formulado “em 15 (quinze) dias ou em outro prazo maior que o juiz fixar”). TALAMINI, Eduardo.
Arbitragem e a tutela provisória no Código de Processo Civil de 2015. Revista de Arbitragem e Mediação.
Vol. 46. São Paulo, 2015, p. 287-313, p. 302.
132
José Antonio Fichtner e André Luis Monteiro defendem a aplicação dos mesmos requisitos, os quais
devem ser buscados no processo civil brasileiro diante do silêncio da lei de arbitragem. Ressalvam, porém,
que isso não se dá pela aplicação do Código de Processo Civil, mas porque os requisitos da tutela provisória
integram o direito processual brasileiro. “Coincidentemente esses requisitos estão dispostos no estatuto
processual civil, mas poderiam não estar e ainda assim se aplicariam à arbitragem”, FICHTNER, José
Antonio e MONTEIRO, André Luis. Tutela provisória na arbitragem e Novo Código de Processo Civil:
tutela antecipada e tutela cautelar, tutela de urgência e tutela da evidência, tutela antecedente e tutela
incidental. 20 anos da Lei de Arbitragem: Homenagem a Petrônio R. Muniz, pp. 473-517, p. 483. Da mesma
forma, os autores sustentam que seja aplicável ao processo arbitral a noção de irreversibilidade fática da
medida, não porque esteja presente no CPC, “mas sim porque integra a própria natureza da tutela
provisória”. Ob. cit., p. 488. Em posição que parece mais correta, referindo-se explicitamente aos requisitos
do CPC, ALVES, Rafael Francisco. O Devido Processo Legal na Arbitragem. Arbitragem no Brasil:
aspectos jurídicos relevantes, p. 408.
53
133
Em sentido positivo, FICHTNER, José Antonio e MONTEIRO, André Luis. Tutela provisória na
arbitragem e Novo Código de Processo Civil: tutela antecipada e tutela cautelar, tutela de urgência e tutela
da evidência, tutela antecedente e tutela incidental. 20 anos da Lei de Arbitragem: Homenagem a Petrônio
R. Muniz, p. 511.
134
Em perspectiva que me parece equivocada, porque reconhece a necessidade de utilização das normas
processuais gerais, mas, ao mesmo tempo, nega a aplicação do Código de Processo Civil diante desta
omissão específica, Eduardo Parente afirma que, na falta de disciplina sobre isso na própria lei de
arbitragem, o árbitro pode “buscar inspiração no instituto do processo estatal. Não por usar uma regra, ou
por migrar um conjunto de regras do esquema estatal para o arbitral. Mas sim porque ele utilizará um
instituto do processo estatal como forma de influenciar seu modo de disciplinar o procedimento, de decidir
determinada questão do processo, para cujo mérito só ele tem competência”, PARENTE, Eduardo.
Processo Arbitral e Sistema, p. 180. Se os requisitos constam de regras específicas, normatizadas e inseridas
na lei processual geral, e se a lei especial nada regula a respeito, o caminho interpretativo que me parece
adequado é o de reconhecer que, diante da omissão da lei, das partes e dos árbitros, o parâmetro normativo
a ser observado - sobretudo porque aqui se está a falar de regras processuais, do modo de ser da relação
complexa que se estabelece entre os seus sujeitos - é o da aplicação subsidiária das normas processuais
gerais.
54
135
BONDIOLI, Luis Guilherme Aidar. Embargos de Declaração e Arbitragem. Revista de Mediação e
Arbitragem. 2012, pp. 181-208; CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e processo, 3ª ed., p. 383.
55
mesmos efeitos pela sentença arbitral, relativamente à sentença proferida pelos órgãos do
Poder Judiciário.
136
BARBOSA MOREIRA, José Carlos, La nuova legge brasiliana sull'arbitrato, Temas de Direito
Processual, Sexta Série, Saraiva, 1997, p. 283: “la scelta terminologica ha inteso certamente mettere in
risalto l'equiparazione tra gli effetti dei due atti, prendendo in considerazione soprattutto l'attribuzione
immediata alla decisione arbitrale di un'efficacia paragonabile a quella della pronuncia del giudice,
indipendentemente dall'omologazione”.
137
Em sentido contrário, com olhar ampliativo aos motivos de anulação de sentença arbitral elencados no
art. 32 da LArb, ver: RICCI, Edoardo. Lei Brasileira de Arbitragem: oito anos de reflexão – questões
polêmicas. São Paulo, Revista dos Tribunais, 2004, p. 39.
56
outros métodos, como definidos na convenção de arbitragem ou pela lei processual onde
se realizou a arbitragem (art. 39, §U)138.
138
STJ, Decisão Monocrática, Homologação de Decisão Estrangeira nº 002624, Rel. Min. Mauro Campbell
Marques, j. 05.03.2020. Alegação de nulidade da sentença arbitral estrangeira por não recebimento da
notificação inicial do procedimento arbitral. Notificação enviada para o endereço previsto no contrato. O
ônus de informar a alteração de endereço compete à parte. Não constatada qualquer irregularidade na
notificação inicial. Formalmente verificada. Revelia.
58
2.1 Demanda.
Em outras palavras, quando se afirma que o processo arbitral não é regido pelo
Código de Processo Civil, e que a liberdade das partes para regular o procedimento
arbitral é o princípio básico do processo arbitral, é possível daí extrair que, mediante
acordo entre as partes, ou por delegação de poderes aos árbitros, poder-se-ia, por exemplo,
haver um processo arbitral sem a identificação, desde logo, do demandante ou do
demandado? Seria possível a apresentação de alegações iniciais que não indicassem de
forma completa os fatos ou os fundamentos jurídicos da demanda? Poderia haver, no
processo arbitral, a formulação de um pedido declaratório, depois alterado para
condenatório? Ou a inclusão de outros requeridos após a nomeação dos árbitros e/ou
apresentação da resposta?
Enfim, seja mediante acordo entre as partes, seja mediante decisão dos árbitros,
há uma estrutura processual mínima que deve ser observada? Ou a omissão da Lei de
Arbitragem a esse respeito significa dizer que não existem tais parâmetros e, portanto,
que todos os exemplos acima poderiam ser concretamente observados no processo
arbitral?
139
ARMELIN, Donaldo. Notas sobre sentença parcial e arbitragem. Revista de Arbitragem e Mediação, p.
16: “embora não regradas pela Lei 9.307/96, as situações de cúmulos objetivos e subjetivos de pretensões
submetidas à arbitragem, não se constituem em figuras infensas ao seu processamento”.
60
contraparte para firmar compromisso arbitral, é razoável supor que o seu conteúdo
mínimo deverá ser a indicação da relação jurídica sobre a qual se convencionou a
arbitragem e a indicação abreviada do próprio conflito. Este é, aliás, o conteúdo exigido
para a demanda judicial a que alude o artigo 7º, §1º da Lei. Admitindo-se que o
demandado concorde com essa reunião, nela serão discutidos os termos do compromisso
arbitral, cujos elementos obrigatórios são previstos no artigo 10. Em essência, é
obrigatório qualificar as partes e os árbitros (ou apontar a entidade que procederá à sua
nomeação), a matéria objeto da arbitragem e o local de proferimento da sentença.
(art. 6º). Como dito, nas arbitragens institucionais, essa forma é regulada nos respectivos
regulamentos das instituições. Também não se disciplinam os efeitos materiais ou
processuais da citação do requerido, exceto pela previsão da interrupção da prescrição,
que se dá com a instituição da arbitragem, mas retroagindo à data do requerimento de sua
instauração (art. 19, § 2º)140.
Por sua vez, a Lei de Arbitragem não exige a representação das partes por
advogados, mas a admite. Em termos práticos, essa é a regra geral, amplamente
140
GRION, Rebato Stephan. Procedimento II. Curso de Arbitragem, pp. 197-217.
62
Mas não existe idêntica previsão no que diz respeito aos deveres gerais das partes
e dos procuradores. Com efeito, a Lei de Arbitragem não regulamenta ou tipifica os
141
A redação completa do texto legal é a seguinte: “Art. 27. A sentença arbitral decidirá sobre a
responsabilidade das partes acerca das custas e despesas com a arbitragem, bem como sobre verba
decorrente de litigância de má-fé, se for o caso, respeitadas as disposições da convenção de arbitragem, se
houver”. A frase final, sobre o respeito às disposições da convenção de arbitragem, se houver, diz respeito
a todas as hipóteses ali tratadas, ou seja, à responsabilidade pelas custas e à litigância de má-fé? Nesta
interpretação, é possível cogitar de uma combinação sobre outras hipóteses que configurem litigância de
má-fé, ou em valores diferentes daqueles previstos na lei processual? Eduardo Parente parece concordar
que sim. Na falta de acordo sobre incidência e parâmetros, os árbitros regularão a questão. “Podem desenhar
a condenação por litigância de má-fé da forma como melhor entenderem”. PARENTE, Eduardo. Processo
Arbitral e Sistema, p. 297. Parece-me que os parâmetros devem ser aqueles fixados na lei, não podendo as
partes ampliar ou reduzir a tipificação dos comportamentos que configuram litigância de má-fé, dada a
natureza sancionatória da norma.
142
Fichtner, Mannheimer e Monteiro observam que a lei de arbitragem se omite quanto à qualificação das
condutas como de má-fé, daí porque podem ser usadas as regras do CPC como parâmetro aos árbitros, “sem
que isso importe em aplicação do estatuto processual civil na arbitragem e, muito menos, violação da lei
processual escolhida pelas partes”. FICHTNER, José Antonio; MANNHEIMER, Sergio Nelson;
MONTEIRO, André Luís. Teoria Geral da Arbitragem, p. 200. No mesmo sentido, propugnando pela
aplicação de pesadas multas para coibir tais práticas no âmbito do processo arbitral, Hermes Marcelo Huck,
As táticas de guerrilha na arbitragem, pp. 311-315, p. 315.
63
Mesmo quando se levam em conta as regras institucionais, tais deveres não são
ordinariamente detalhados pelas instituições arbitrais. São situações que, examinada a
legislação arbitral isoladamente, restariam não reguladas, ou reguladas de forma
insuficiente.
Outro aspecto relevante diz respeito à atribuição dos ônus da sucumbência das
partes pela sentença arbitral. De forma indireta, esses temas se relacionam, porque não
raro, em situações de acolhimento parcial do pedido, a distribuição da responsabilidade
64
das partes pelos encargos financeiros do processo arbitral será feita considerando os
valores pretendidos, que devem, portanto, estar refletivos no valor da disputa143.
Relativamente aos honorários advocatícios, quando são fixados, é possível adotar os
critérios da norma processual, como o grau de zelo do profissional, lugar da prestação do
serviço e complexidade, na estimação dos valores?144
2.6. Resposta.
143
Rafael Francisco Alves explica que a lei não indica critério para o rateio de custas e despesas, sendo que
o critério mais comum de se adotar é que custas e despesas tendem a seguir o resultado do julgamento no
mérito (costs follow the event), ALVES, Rafael Francisco. O Devido Processo Legal na Arbitragem.
Arbitragem no Brasil: aspectos jurídicos relevantes. p. 272.
144
Guilherme Setoguti entende que sim, porque, para a fixação dos honorários advocatícios pelos árbitros,
estes podem perfeitamente se valer da ratio que está à base do art. 85 do CPC. PEREIRA, Guilherme
Setoguti J. Procedimento I. Curso de Arbitragem, p. 174-175.
65
2.7. Revelia.
Se nos tópicos anteriores foram mencionadas situações não reguladas pela Lei
nº 9.307/96, no que diz respeito especificamente à revelia a questão se põe em termos
diferentes, porque ela é referida na lei, porém com sentido diverso do que se atribui a esse
conceito, tanto em termos teóricos, como no plano da legislação processual.
Em termos conceituais, a revelia é conduta que somente pode ser assumida pelo
réu, que consiste na ausência de qualquer das modalidades de resposta. E tem como efeito,
por força do ordenamento positivo, a presunção (relativa) de veracidade dos fatos
alegados pela contraparte, com reflexos na determinação dos pontos e questões que
constituem o objeto do processo e, em geral, com a abreviação do procedimento e a
prolação de decisão de mérito desfavorável ao revel.
Na Lei de Arbitragem, o artigo 22, § 3º, ao prever que a revelia da parte não
impedirá que seja proferida a sentença arbitral, adota uma expressão típica e com
significado técnico, mas atribui-lhe um efeito que não decorre da legislação processual
geral, criando, assim, uma potencial antinomia. O que a Lei de Arbitragem pretendeu
prevenir foi o desenvolvimento do processo arbitral nas hipóteses em que o réu não
comparecer ou deixar de participar do processo. Mas atribuiu a esse fenômeno – que a
doutrina processual qualifica como contumácia – o termo revelia, que assume outro
significado na legislação processual geral145.
145
MONTORO, Marcos. Flexibilidade do Procedimento Arbitral, p. 164.
66
146
Fernando Serec considera que também são plenamente utilizáveis na arbitragem as presunções e a
desnecessidade de prova, mencionadas no artigo 374 do CPC. Da mesma forma, os fatos notórios, os que
são afirmados por uma parte e confessados pela outra ou admitidos no curso do processo são todos conceitos
aplicáveis ao processo arbitral. SEREC, Fernando Eduardo. Provas na Arbitragem. 20 anos da Lei de
Arbitragem: Homenagem a Petrônio R. Muniz, p. 298.
67
147
ZAKIA, José Victor Palazzi. VISCONTI, Gabriel Caetano. Produção antecipada de prova em arbitragem
e jurisdição. Revista de Arbitragem e Mediação. São Paulo, 2018, p. 195-211
148
YARSHELL, Flávio Luiz. Da produção antecipada da prova. Breves Comentários ao Novo Código de
Processo Civil. WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; DIDIER JR., Fredie; TALAMINI, Eduardo e
DANTAS, Bruno (coord.). São Paulo, Revista dos Tribunais, 2016, pp. 1149-1168, p. 1151; TALAMINI,
Eduardo. Produção antecipada de prova no Código de Processo Civil de 2015. São Paulo, Revista de
Processo, 2016, pp. 75-101, p. 81; ROSSONI, Igor Bimkowski, Produção antecipada de prova sem
requisito da urgência e juízo arbitral: breves considerações sobre a competência para a sua produção.
Processo societário III. São Paulo, Quartier Latin, 2018, pp. 307-319, p. 315-316. Concordando com a
autorização de utilização do procedimento arbitral para a produção antecipada de prova, remete-se o leitor
igualmente aos meus comentários ao art. 381, CPC/15 em: Aprigliano, Ricardo de Carvalho. Comentários
ao Código de Processo Civil, vol. VIII, tomo I, artigos 381 a 383, p. 278-279.
68
na medida em que as hipóteses de cabimento dessa demanda são previstas no CPC, este
diploma legal deve ser aplicado como fonte normativa deste processo arbitral específico.
149
VERÇOSA, Fabiane. A produção de Provas. Curso de Arbitragem, pp. 219-251, p. 227-228.
69
Em termos práticos, nas arbitragens regidas pelo direito brasileiro, todos esses
parâmetros são aplicados. A dinâmica do processo arbitral repete, em larga medida, o
modo de ser do processo estatal150. A questão fundamental segue a mesma. Se isso ocorre
em termos práticos e, ao mesmo tempo, prevalece a noção teórica da não aplicação das
normas processuais gerais ao processo arbitral, qual a explicação para a adoção desses
mesmos parâmetros?
150
Tanto que há inclusive resistências à ideia de que a própria parte possa pedir seu depoimento pessoal,
uma vez que ele se destina a obter a confissão, o que, logicamente, exige que o depoimento seja requerido
pela contraparte. Esta noção, que me parece inapropriada e defasada para o processo estatal, com ainda
maior ênfase não tem razão de ser no processo arbitral, que não destoa dos parâmetros gerais do processo
estatal, mas deve se beneficiar do regramento mais lacunoso e flexível.
71
trazer para o processo arbitral o raciocínio típico do processo estatal, no qual esses efeitos
são previstos em lei (art. 200).
A lei de arbitragem igualmente não dispõe sobre situações que poderiam ensejar
a suspensão do processo. Sabido que o processo corresponde a uma relação jurídica, com
diferentes atores, e que fatores supervenientes podem afetar quaisquer deles, impactando
a marcha dos atos do procedimento, é de se admitir que podem ocorrer situações que
justifiquem a suspensão do processo. O exemplo mais nítido será o falecimento de um
dos árbitros. O artigo 16 cuida da hipótese do falecimento de um dos árbitros, mas não
dispõe sobre a suspensão do processo. Outras situações ainda podem ser cogitadas,
notadamente, a suspensão por prejudicialidade do objeto do processo relativamente a uma
outra demanda151.
151
LUCON, Paulo Henrique dos Santos. Conexão entre demandas. 2ª ed. Brasília, Gazeta Jurídica, 2018,
p. 147-148.
152
Para Fernando Gajardoni, o árbitro pode fixar astreinte quando conceder alguma decisão urgente, assim
como, na sentença, não há óbice a que o árbitro aplique pena por litigância de má-fé, porque isso decorre
da sua função jurisdicional, e ao árbitro, “como juiz de fato e de direito da causa (art. 18 LARB) não se
podem negar os poderes inerentes à atividade jurisdicional, inclusive o de coibir abusos (atos atentatórios
à dignidade do juízo arbitral e abuso do direito de demandar)”, GAJARDONI, Fernando. Aspectos
fundamentais de processo arbitral e pontos de contato com a jurisdição estatal. Revista de Processo, p. 196.
72
Outro aspecto a ser considerado diz respeito aos deveres dos julgadores. Além
de respeitar os princípios processuais indicados no artigo 21, de tentar a conciliação153,
de agir com os predicados da imparcialidade, independência, discrição, competência e
diligência, o que mais pode ser exigido dos árbitros?
Por exemplo, se a lei de arbitragem diz que a sentença não pode decidir fora dos
limites da convenção de arbitragem, seria possível cogitar de uma decisão mais ampla
que o objeto do processo, mas dentro dos limites da convenção de arbitragem? Imagine-
se a hipótese de uma cláusula compromissória abrangente, a partir da qual uma parte
deduza um pedido condenatório. É possível que o árbitro, diante dos poderes de
determinar o procedimento, reconheça a nulidade de cláusulas abusivas, que ele pode vir
a conhecer por estarem dentro dos limites da convenção de arbitragem? Tal hipótese soa
aberrante, quando se considera a regra da correlação, que exige a adstrição da sentença
ao que constitui o objeto do pedido. Mas exceto por uma previsão indireta no artigo 26,
III, da Lei de Arbitragem, essa regra decorre de previsão do Código de Processo Civil
(art. 141). A ampla aceitação dessa noção processual tradicional em nosso ordenamento
corresponde, portanto, à aplicação, ainda que indireta ou “envergonhada”, de disposições
processuais gerais, que são e devem ser igualmente aplicáveis ao processo arbitral154.
153
Fernando Gajardoni sustenta que esta previsão legal é desnecessária, porque isso decorre dos poderes
deveres do julgador constantes do art. 125 do CPC/73 (que no CPC/2015 corresponde ao artigo 139), dada
a natureza jurisdicional da justiça arbitral. GAJARDONI, Fernando. Aspectos fundamentais de processo
arbitral e pontos de contato com a jurisdição estatal. Revista de Processo.
154
Sobre a demanda no processo arbitral, Eduardo Parente diz que se aplica o princípio da demanda no
processo arbitral, que é processo, exercício de jurisdição com matriz contratual e desempenho estatal de
poder delegado, sendo que aquele princípio integra a gama de macroestruturas e princípios da teoria geral
do processo. PARENTE, Eduardo. Arbitragem e Sistema, p. 170. “Quanto ao conteúdo, o princípio da
demanda no processo arbitral é o mesmo que disciplina o processo estatal”, reforçando que a demanda é o
roteiro que balizará a sentença. Ob. cit., p. 174.
155
A respeito desse tema, Eduardo Talamini destaca que “a existência de convenção arbitral não pode servir
de óbice à intervenção do Judiciário, sempre que arbitragem não estiver disponível ou não for apta a
proporcionar proteção plena e tempestiva. É precisamente o que ocorre quando, a despeito de
convencionada a arbitragem, surge a necessidade de uma tutela urgente antes mesmo de estar instalado o
73
Mas se a lei que regula o processo arbitral não disciplina os requisitos para a sua
concessão, os ônus, deveres e faculdades processuais que decorrem da utilização dessa
técnica, a conclusão óbvia que daí decorre é que esses elementos são complementados,
no processo arbitral, pelas regras do processo estatal, pois este constitui a fonte normativa
que regula a agora denominada tutela provisória. As noções de probabilidade do direito,
risco ou perigo ao resultado útil do processo, irreversibilidade, são comuns ao processo
estatal, de forma que o instituto da tutela provisória só pode ser concebido com o apoio
da legislação processual geral156.
tribunal arbitral”. TALAMINI, Eduardo. Arbitragem e a tutela provisória no Código de Processo Civil de
2015. Revista de Arbitragem e Mediação, vol. 46/2015, p. 287-313, p. 291.
156
FICHTNER, José Antonio e MONTEIRO, André Luis. Tutela provisória na arbitragem e Novo Código
de Processo Civil: tutela antecipada e tutela cautelar, tutela de urgência e tutela da evidência, tutela
antecedente e tutela incidental, p. 474: é impossível negar que existe uma interação entre o sistema arbitral
e o sistema processual da sede da arbitragem no que diz respeito às medidas de urgência.
74
Para essa tarefa, será preciso recorrer aos conceitos lógico-jurídicos do direito
processual, os quais, por sua vez, não são pura e simplesmente universais, mas atrelados
ao modo de ser de cada sistema processual específico. O direito inglês poderá definir um
provimento como sentença, que no direito brasileiro venha a ser compreendido como uma
decisão interlocutória, de forma que, para a correta compreensão desse tema, será
157
Renato Stephan Grion, corretamente, associa as ordens processuais com conteúdo decisório às decisões
interlocutórias; as sem tal conteúdo, aos despachos. Da mesma forma, distingue as sentenças em
terminativas, se não apreciam o mérito, ou definitivas, se o enfrentam GRION, Rebato Stephan.
Procedimento II. Curso de Arbitragem, p. 216. No mesmo sentido, Marcos Montoro. Flexibilidade do
Procedimento Arbitral. p. 113.
158
Dois exemplos rápidos podem ser mencionados. Primeiro, a aceitação de certas circunstâncias reveladas
pelo árbitro, que não poderão ser depois invocadas como causa do seu impedimento ou suspeição. Segundo,
a declaração de que a parte está satisfeita com a condução do processo arbitral, que impedirá que,
posteriormente, sejam feitas alegações de violação ao devido processo legal acerca das etapas sobre as quais
incidiu aquela declaração.
75
3. Conclusões parciais.
159
Solução que não se reconhece nem mesmo sob a perspectiva mais radical de uma ordem jurídica arbitral
autônoma, desatrelada de ordenamentos jurídicos nacionais. Em sua importante obra, Teoria Jurídica da
76
É imperioso reconhecer que não pode haver um processo arbitral completo sem
o recurso a noções que são externas à Lei de Arbitragem. Como já afirmado, “se houvesse
a aplicação da Lei de Arbitragem, sem qualquer recurso a noções, conceitos e institutos
que lhes são exteriores, teríamos uma figura sem forma, um processo sem base, um
procedimento sem propósito”163. A questão não é tanto a de se discutir a autonomia do
processo arbitral, ou aceitar que se trata de método com suas peculiaridades, mas a de,
para assegurar essas diferenças, sustentar um isolamento conceitual que, no frigir dos
ovos, retira do processo arbitral a sua operabilidade, por lhe retirar a espinha dorsal, os
conceitos fundamentais nos quais qualquer manifestação de processo deve se basear.
Sem que se reconheça essa base comum, não é possível cogitar de um processo
arbitral operacional, isto é, capaz de se desenvolver e produzir os resultados que dele se
esperam. A Lei de Arbitragem, tomada isoladamente, é incapaz de proporcionar um
processo que atinja suas finalidades. Isso se dá porque o legislador especial cuidou,
naquele diploma, apenas dos aspectos essenciais deste ramo específico do direito
processual. Todos os demais aspectos devem ser extraídos das normas processuais gerais,
que são aplicáveis como fonte subsidiária, a despeito da ausência dessa previsão
específica na Lei de Arbitragem164.
162
KAUFMANN-KOHLER, Gabrielle. Arbitration procedure: identifying and applying the law governing
the arbitration procedure, p. 356: “As an experienced traveller would anticipate, a comparative review of
the contents of recent arbitration legislations and other relevant materials will reveal the existence of two
overriding principles. These principles are, first, the freedom or autonomy which authorizes the parties or
the arbitrators to shape the proceedings as they see fit and, second, the due process limitations set to this
freedom.”
163
APRIGLIANO, Ricardo de Carvalho. YARSHELL, Flávio Luis. Honorários de Sucumbência e
Honorários Contratuais em Arbitragem. Arbitragem e Processo Homenagem ao Prof. Carlos Alberto
Carmona. MACHADO FILHO, José Augusto Bitencourt; QUINTANA, Guilherme Enrique Malosso;
RAMOS, Gustavo Gonzalez; BAQUEDANO, Luis Felipe Ferreira; BIOZA, Daniel Mendes, e
PARIZOTTO, Pedro Teixeira Mendes (coord), São Paulo, Quartier Latin, no prelo.
164
ARMELIN, Donaldo. Notas sobre sentença parcial e arbitragem. Revista de arbitragem: Doutrinas
Essenciais Arbitragem e Mediação, p. 711: “Evidentemente, jurisdição e arbitragem apresentam
peculiaridades próprias e não intercambiáveis, mas, não obstante, permitem, em determinados institutos
comuns, a adoção, sob forma ancilar, dos subsídios do processo civil. É o que se pretende demonstrar no
concernente à denominada sentença parcial arbitral”,
78
PARTE II
165
COSTA, Susana Henriques da. Condições da ação. São Paulo, Quartier Latin, 2005, p. 20.
79
exercitado contra o Estado, diferente do direito à reparação da lesão que o titular exercia
(por meio da ação) contra a parte contrária166.
Anos depois, em 1868, surge a obra de Oskar von Bulow, na qual as bases
cientificas dessa distinção são definitivamente lançadas. A relação processual é
autônoma, possui requisitos e categorias próprias, que devem ser investigadas e
preenchidas independentemente da relação jurídica material que por ela é exercitada. A
partir dessas obras, estabelecem-se as premissas necessárias para compreender o direito
processual como uma disciplina autônoma, a partir da constatação de que se trata de uma
relação jurídica com sujeitos, pressupostos e caraterísticas diferentes da relação de direito
material que, por meio do processo, é submetida a julgamento167. A distinção entre o
direito material e o direito processual se torna mais e mais nítida a partir de então,
ocupando-se os estudiosos do direito processual de estabelecer e enfatizar tais distinções,
dedicando-se, entre meados do século XIX até meados do século XX, à construção teórica
dos institutos jurídicos fundamentais para a disciplina do direito processual168 169.
166
DINAMARCO, Candido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil, vol. I, 8ª. ed., São Paulo,
Malheiros, 2016, p. 388.
167
DINAMARCO, Cândido Rangel, A Instrumentalidade do processo, 14ª. ed, p. 17-21.
168
Outra polêmica travada no início do século passado dizia respeito às características do ordenamento
jurídico e a função desempenhada pelo processo. A corrente dualista do ordenamento jurídico prevaleceu,
posto que mais correta, e compreende o ordenamento como composto por normas de direito material e
processual, que cumprem funções diversas, inconfundíveis. A norma material abstrata é, ordinariamente,
concretizada pelo seu cumprimento espontâneo. Acaso violada ou não satisfeita, é então necessário se valer
de outro mecanismo, posto pelo Estado à disposição dos interessados para obter judicialmente a satisfação
daquele mesmo direito. O principal representante dessa corrente de pensamento, Giuseppe Chiovenda,
sustentava que a ação constitui um direito autônomo, exercitável contra o Estado, a quem se pede que preste
a tutela jurisdicional. Este é um dos fundamentos teóricos centrais da ciência processual e da própria teoria
geral do processo, aceito pela generalidade dos estudiosos a partir de então. ARAUJO CINTRA, Antonio
Carlos. GRINOVER, Ada Pelegrini. DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo, 12ª. Ed.
São Paulo, Malheiros, 1996, p. 39.
169
Para Fredie Didier, a teoria geral do processo “é uma disciplina jurídica dedicada à elaboração, à
organização e à articulação dos conceitos jurídicos fundamentais (conceitos lógico-jurídicos) processuais”,
um excerto, uma teoria parcial em relação à Teoria Geral do Direito, mas ela pode ser compreendida como
uma teoria geral, pois os conceitos lógico-jurídicos que a compõem têm pretensão universal. DIDIER,
Fredie. Sobre a Teoria Geral do Processo. Tese (Livre-docência) USP, 2011, p. 54.
80
170
Em ensaio sobre a evolução da Teoria Geral do Processo, Heitor Sica recapitula os estudos principais
acerca do tema. Na Itália, Francesco Carnelutti inicialmente sustentava a unidade do direito processual,
mas em estudos posteriores, mudou de opinião e passou a negar a possibilidade destas bases comuns ao
processo civil e penal (nas obras Studi di diritto processuale e Lite e funzione processuale). Também Piero
Calamandrei produziu ensaios a respeito. SICA, Heitor Vitor Mendonça. Perspectivas atuais da teoria geral
do processo. Bases científicas para um renovado direito processual. CARNEIRO, Athos Gusmão;
CALMON, Petrônio Filho. (Org.) 2ªed. Salvador, Juspodivm, 2008, p.56. No Brasil, há textos relevantes
de José Frederico Marques, Luis Eulálio Bueno Vidigal, Rogério Lauria Tucci, além da obra seminal de
Ada Pelegrini Grinover, Antonio Carlos de Araújo Cintra e Cândido Rangel Dinamarco.
171
Afirmam os Autores que o direito processual é uno, porque é expressão do poder estatal igualmente uno,
que se exerce mediante a jurisdição. Mesmo a divisão entre civil e penal “corresponde apenas a exigências
pragmáticas relacionadas com o tipo de normas jurídico-substanciais a atuar”, sendo os principais conceitos
referentes ao direito processual (jurisdição, ação, defesa, processo, coisa julgada, recurso, preclusão,
competência, contraditório, juiz natural, duplo grau de jurisdição) comuns a esses ramos distintos, o que
autoriza a elaboração e uma teoria geral do processo. CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER,
Ada Pellegrini; DINAMARCO, Candido Rangel. Teoria geral do processo. 12ª. ed., p. 48. No mesmo
sentido, José Frederico Marques defendia o tratamento científico comum a esses ramos do direito, por
considerar a identidade dos processos civil e penal como instrumentos compositivos de litígios e pela
identidade de jurisdição. MARQUES, Frederico José. Instituições de direito processual civil, v. 1, p. 48-
57. Em contraposição a essa ideia, Rogério Lauria Tucci negava a possibilidade de uma teoria geral do
processo. TUCCI, Rogério Lauria. Jurisdição penal. Revista de processo, v.7, n.27, out-dez./1982, p.69-85,
p. 77.
172
Marcelo Barbi Gonçalves observa que a teoria geral do processo se propõe a coletar os elementos da
diversidade representada pelas variadas espécies de processo e reduzi-los à unidade, numa escalada que
principia com a sistematização de determinado ramo do Direito Processual e tende à universalização.
Também para o autor, a unidade de método não implica homogeneidade de soluções. GONÇALVES,
Marcelo Barbi. Teoria Geral da Jurisdição. Salvador, Juspodivm, 2020, p. 336.
81
173
A partir destes exemplos, Fredie Didier considera que o fenômeno processual constitui um mínimo fático
comum a qualquer espécie de processo, sendo que a teoria geral de processo cuida do gênero. DIDIER,
Fredie. Sobre a Teoria Geral do Processo. Tese (Livre-docência) USP, 2011, p. 68.
174
Em estudo especificamente dedicado ao litisconsórcio fora do pacto arbitral, Humberto Theodoro Júnior
observa que “pouco importa, portanto, seja necessário ou facultativo. Sua formação só será admissível, de
forma cogente, entre os que celebraram a convenção arbitral”, de forma que, se o litisconsorte não aceita
se submeter, o árbitro tem que extinguir o processo e remeter as partes ao juízo estatal. Do ponto de vista
do processo arbitral, Theodoro Júnior observa, com razão, que lhe faltará condição de procedibilidade,
“porquanto ineficaz é o julgamento que, em qualquer processo, seja proferido sem a presença na relação
processual de litisconsorte necessário”. O aspecto interessante do ensaio é que estas categorias processuais,
de pluralidade de partes, de exigências (do direito material) de participação de todos os envolvidos, de
requisitos de procedibilidade do processo arbitral, são todas afirmadas pelo autor como uma circunstância
natural, como inerente ao tema objeto do seu artigo. Humberto Theodoro não discute, porque não é mesmo
o caso de discutir, a aplicação de todos esses conceitos processuais à arbitragem, porque é uma decorrência
óbvia e inerente à sua natureza processual, independentemente de previsões legais específicas.
THEODORO Jr, Humberto. Arbitragem e Terceiros - Litisconsórcio fora do pacto arbitral - Outras
intervenções de terceiros, p. 253.
175
FICHTNER, José Antonio; MANNHEIMER, Sergio Nelson; MONEIRO, André Luis. Teoria Geral da
Arbitragem, p. 62-63, aludem ao aspecto multidisciplinar da arbitragem, informada por princípios de direito
processual civil, internacional privado e direito privado, mas consideram ser adequado enquadrar a
arbitragem no Direito Processual Civil, “pois a disciplina processual é prevalente na arbitragem. Ao fim e
ao cabo, a arbitragem é sempre um método de resolução de conflitos”. E completam que, mesmo
reconhecendo sua autonomia científica, os institutos aplicáveis à arbitragem devem ser entendidos a partir
das noções da Teoria Geral do Processo, do Direito Privado e do Direito Internacional Privado.
176
YARSHELL, Flávio Luiz. O processo como instrumento de solução não adjudicada de conflitos: novas
perspectivas para o direito processual? Estudos em Homenagem a Cândido Rangel Dinamarco, p. 415-425.
YARSHELL, Flávio Luiz. Reafirmação e evolução da teoria geral do processo: projeções no ensino dessa
disciplina no curso de graduação da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, p. 143-149.
82
processual177. Para outros, mesmo esse primeiro desafio permanece atual, em virtude da
própria evolução do direito processual civil e do processual penal178. Em qualquer caso,
tais discussões apenas reafirmam a necessidade e a utilidade da Teoria Geral do Processo.
177
Nesse sentido, Heitor Sica defende que a Teoria Geral do Processo não se esgota na unificação do
processo civil e penal e que ela assume novas dimensões, citando que “há muito tempo os autores não têm
dúvida alguma em incorporar no estudo da teoria geral do processo o processo trabalhista, eleitoral e
militar”, por exemplo. SICA, Heitor. Perspectivas atuais da "teoria geral do processo", p. 67.
178
GONÇALVES, Marcelo Barbi. Teoria Geral da Jurisdição, p. 358.
179
Sobre a evolução histórica da arbitragem, sobretudo a partir da primeira metade do século XX, ver
BONATO, Giovanni. Panorama da Arbitragem na França e na Itália. Perspectiva de Direito Comparado
com o Sistema Brasileiro. Revista Brasileira de Arbitragem. Vol. 43. São Paulo, 2014, pp. 59-92.
83
180
STF, Agravo Regimental na Sentença Estrangeira nº 5.206-7, Plenário, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, j.
12.12.2001.
181
APRIGLIANO, Ricardo de Carvalho. Jurisdição e Arbitragem no novo Código de Processo Civil, A
Reforma da Arbitragem, pp. 243-248.
182
Carlos Alberto de Salles, em mais de um estudo, chama a atenção para esse aspecto, da reformulação de
conceitos teóricos, à luz da inserção da arbitragem na Teoria Geral do Processo. SALLES, Carlos Alberto.
Processo: Procedimento Dotado de Normatividade - Uma Proposta de Unificação Conceitual. 40 anos da
Teoria Geral do Processo no Brasil: passado, presente e futuro. YARSHELL, Flávio Luiz e ZUFELATO,
Camilo (org.). São Paulo, Malheiros, 2013, p. 201 a 217.
183
A respeito desse ponto, Heitor Sica afirma que a inclusão da Teoria Geral do Processo aos processos não
estatais se justifica pela ideia de proteção dos direitos fundamentais dos cidadãos em face de outros
cidadãos, que corresponde a uma vertente dos direitos fundamentais, aplicáveis e observados também nas
relações privadas. Neste quadro, se transporta para as relações privadas a garantia do contraditório, por
exemplo, que deveria ser respeitada em qualquer processo, inclusive no âmbito privado, tal como previsto
para as hipóteses de exclusão de sócios e associais, previstas nos artigos 57 e 1.085 do Código Civil. SICA,
Heitor Vitor Mendonça. Perspectivas atuais da "teoria geral do processo", p. 74.
84
Como dito, o desenvolvimento inicial de uma teoria geral do processo teve por
objetivo compreender e estruturar categorias teóricas e conceitos comuns ao processo
civil e ao processo penal, o que se fez sem prejuízo do reconhecimento de diversas
diferenças na aplicação de institutos específicos186. Com a sua evolução, outros ramos do
processo estatal jurisdicional, como o trabalhista, tributário e o eleitoral, foram sendo
incorporados, mediante o reconhecimento de sua matriz comum e a percepção de
diferenças no trato de temas específicos. Por exemplo, na diferente ênfase da oralidade
184
O processo legislativo é também processo quando se focalizam certas características que lhe são
inerentes. Possui sujeitos, aos quais se reconhecem deveres, direitos, poderes e faculdades. Configura um
modo de exercício do poder, que se realiza mediante certas garantias e segundo um procedimento que é
permeado por contraditório. Tais características, comuns a outras manifestações de processo, permitem
compreendê-lo como mais do que mero procedimento, sujeitando-o aos influxos da teoria geral do processo.
185
Processo que é indispensável à noção de jurisdição, porque ela somente se exercita por ele, mas que
transcende a esta mesma ideia, já que há processo em métodos não jurisdicionais. Marcelo Barbi Gonçalves
observa que o processo é um remédio preventivo contra o abuso de poder, razão pela qual ocorre a difusão
dos esquemas processuais em várias atividades, GONÇALVES, Marcelo Barbi. Teoria Geral da
Jurisdição, p. 341.
186
Têm conformações diferentes no processo civil e no processo penal, entre outros exemplos, a admissão
da demanda, os limites à cognição, o ônus da prova, os meios de prova, os recursos, os efeitos recursais e
a coisa julgada. Mesmo diante desta substancial diferença entre os dois processos, em ambos a função
jurisdicional exercida pelo juiz é a mesma. GONÇALVES, Marcelo Barbi. Teoria Geral da Jurisdição, p.
346.
85
É certo, de outro lado, que essas novas visões impactaram a própria teoria geral,
por meio da qual se identificam e sistematizam os elementos comuns a processos tão
diferentes entre si, como os processos legislativo, administrativo, jurisdicional estatal e
jurisdicional arbitral. O resultado dessa atividade, no plano teórico, é um exercício de
abstração, mas cuja evidente utilidade é a de permitir que as conquistas científicas de um
campo do conhecimento podem ser estendidas aos demais189. Exemplo típico dessa
situação é o reconhecimento de garantias processuais fundamentais do administrado, em
suas relações em face da Administração Pública190, bem como a necessidade de respeito
ao contraditório e outras garantias processuais em inquéritos civis e policiais e, de um
modo geral, nas atividades de investigação por agentes estatais191.
187
Quanto ao processo administrativo: FRANCO, Fernão Borba. Processo Administrativo. São Paulo:
Atlas, 2008; MOREIRA, Egon Bockmann. Processo Administrativo: Princípios Constitucionais, a Lei
9.784/1999 e o Código de Processo Civil/2015. São Paulo, Malheiros, 2017; ODETE, Medauar. A
processualidade no direito administrativo. São Paulo, Revista dos Tribunais, 2008.
188
GRINOVER, Ada Pellegrini. Ensaio sobre a processualidade. São Paulo, Gazeta Jurídica, p. 22.
189
GONÇALVES, Marcelo Barbi. Teoria Geral da Jurisdição, p. 336: “a consideração molecular das
categorias afins aos diversos ramos processuais possibilita um enriquecimento teórico recíproco, além de
incentivar propostas de lege ferenda que repliquem experiências bem-sucedidas de outros modelos”.
190
MARQUES, Floriano Peixoto de Azevedo Neto. Ensaio sobre o processo como disciplina do exercício
da atividade estatal. Teoria do Processo: Panorama Doutrinário Mundial, p. 261-285, p. 266.
191
YARSHELL, Flávio Luiz. O processo como instrumento de solução não adjudicada de conflitos: novas
perspectivas para o direito processual? Estudos em Homenagem a Cândido Rangel Dinamarco, p. 421.
86
192
Ainda para Floriano Peixoto de Azevedo Marques Neto, “embora existam vários os possíveis ‘devidos
processos legais’ (tantas quantas forem as manifestações do poder estatal previstas em lei), variando em
diversos regimes processuais, há um tronco comum, um vínculo único que os ligará naquilo que estou a
chamar de teoria geral do processo alargada”. Ensaio sobre o processo como disciplina do exercício da
atividade estatal. Teoria do Processo: Panorama Doutrinário Mundial. p. 268.
193
FRANCO, Fernão Borba. Processo Administrativo. Teoria Geral do Processo, Imparcialidade e Coisa
Julgada, p. 231.
194
Sobre um panorama geral dos Dispute Boards, ver FIGUEIREDO, Augusto Barros de. SALLA, Ricardo
Medina. Conceituação dos Dispute Boards, Manual de Dispute Boards. FIGUEIREDO, Augusto Barros
de. SALLA, Ricardo Medina. São Paulo, Quartier Latin, 2021, pp. 37-97. Na mesma obra coletiva,
APRIGLIANO, Ricardo de Carvalho. Natureza Jurídica, Eficácia e Obrigatoriedade da Cláusula de Dispute
Board, pp. 295-319.
87
Mas o campo que enseja particular interesse para os fins dessa tese é o da teoria
geral do processo jurisdicional. Em que medida podem ser compreendidos em categorias
gerais o processo estatal e o arbitral? E em relação ao processo eleitoral, trabalhista,
tributário? Quão distinto é o processo dos Juizados Especiais, quando comparado ao
processo estatal comum? O processo que visa ao controle de constitucionalidade, ou os
processos estruturais, são tão independentes a ponto de justificar construções teóricas
próprias, sem o aproveitamento dos conceitos e parâmetros desenvolvidos para o processo
civil de índole individual?
195
VITORELLI, Edilson. O Devido Processo Legal Coletivo: dos direitos aos litígios coletivos, 2ª ed., São
Paulo, Thomson Reuters Brasil, 2019.
88
A teoria geral capaz de estudar todas essas múltiplas aplicações do processo deve
ser necessariamente genérica e ampla, identificando seus mínimos divisores comuns. E a
partir dela se pode cogitar de especificações, de subtipos dessas teorias gerais, como por
exemplo, de uma teoria geral do processo jurisdicional196 197. Nessas especificações, será
196
A ciência pode ter objetos parciais, e várias dessas teorias parciais podem compor a teoria geral. Por
exemplo, a teoria do fato jurídico, teoria dos sujeitos de direito, que compõem a Teoria Geral do Direito.
Ou, no âmbito processual, a teoria dos fatos processuais, das capacidades, da prova etc, que compõem a
Teoria Geral do Processo. DIDIER, Fredie. Sobre a Teoria Geral do Processo, p. 24.
197
Ou outras ramificações dessa teoria, como a teoria geral do processo do exercício da atividade estatal,
denominação proposta por MARQUES, Floriano Peixoto de Azevedo, em Ensaio sobre o processo como
disciplina do exercício da atividade estatal, Teoria do processo: panorama mundial, p. 262.
89
198
Carlos Alberto Carmona se valeu da alegoria para afirmar que “a arbitragem é assim mesmo: parece
uma montagem composta pela superposição de contratos, processos, princípios, equidade, liberdade,
limitações, poderes e deveres, mas forma um todo muito particular e único, com vida própria e
características bem definidas. Pode parecer um conjunto estranho, mas é apenas diferente”. CARMONA,
Carlos Alberto. Em torno do árbitro, p. 25.
90
didáticas mais gerais, que permitem compreender semelhanças e diferenças com outras
espécies de animais.
Penso que é mais adequado imaginar que o processo arbitral e o processo estatal
pertencem a uma mesma espécie, ainda que apresentem características muito distintas
entre si. Nesse exercício de analogias, talvez se pudesse comparar o processo aos
cachorros. Há cachorros enormes, e há cachorros minúsculos. Alguns tem temperamento
dócil, outros são agressivos. Há cachorros gordos e delgados, velozes e lentos, ativos e
preguiçosos. Há cachorros que, treinados, auxiliam o pastoreio de animais, a guarda de
propriedades. Há cães guias, cães de adestramento, competições, corridas. Suas
características gerais são comuns. Todos são mamíferos, vertebrados, quadrúpedes, com
cauda. Mas há muitas diferenças entre eles, a exigir adaptações quanto ao ambiente mais
apropriado, modo de criação, alimentação, longevidade etc.
199
AFONSO da SILVA, Virgílio. Interpretação constitucional e sincretismo metodológico. Interpretação
constitucional. Virgílio Afonso da Silva (org). São Paulo, Malheiros, 2005, p. 122.
200
A respeito deste ponto, conquanto a disciplina do direito processual seja de competência privativa da
União, os demais entes federados regularam a adoção da arbitragem para resolver conflitos envolvendo a
Administração Pública local por meio de decretos, destacando-se os Decretos n°s 46.245/2018, do Estado
do Rio de Janeiro, 64.356/2019, do Estado de São Paulo, 59.963/2020, da Cidade de São Paulo. Ao
91
Antes, porém, ainda em um panorama mais geral, cumpre observar que sob certa
perspectiva teórica, o ordenamento jurídico deve ser completo e abrangente, o que
significa que, ao menos em tese, todas as relações jurídicas são, potencialmente, objeto
de regulação por meio da legislação. De outro lado, de forma mais aderente à realidade
das coisas, pode-se reconhecer que essa pretensão de completude é impossível de ser
atingida, porque o fenômeno da regulação do direito é incapaz de abranger absolutamente
todas as situações da vida sobre as quais o direito incide201. Parece mais razoável
compreender que a completude do ordenamento jurídico é uma utopia, porque a realidade
da vida cotidiana hodierna é muito dinâmica e é impossível ao legislador antever as
hipóteses de conflitos e as relações jurídicas que exijam regulamentação202. É uma corrida
que o legislador sempre perdeu, e sempre perderá. Disso decorre a relevância dos métodos
de interpretação do direito, para que do conjunto normativo existente, se encontrem as
soluções para situações específicas que a lei não conseguiu alcançar.
comentar o Decreto fluminense, Fabiana Morais Braga Machado afirma “ser juridicamente adequada a
escolha de decreto como forma de disciplinar a aplicação da arbitragem”, uma vez que este reúne
“características de regulamento de execução (ao conferir as balizas para a melhor aplicação da regra
constante na Lei nº 13.129/2015, na forma do art. 84, IV, da Constituição da República) e de regulamento
de auto-organização administrativa (ao determinar o procedimento e as entidades que se sujeitarão à
arbitragem, na forma do art. 84, VI, a, também da Lei Maior). Consiste o referido diploma infralegal,
portanto, em uma emanação legítima do poder regulamentar do Estado”. MACHADO, Fabiana Morais
Braga. Arbitragem no Estado do Rio de Janeiro: breves comentários ao Decreto nº 46.245, de 19 de
fevereiro de 2018, Revista Brasileira de Arbitragem, vol. 58, 2018, p. 29.
201
MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito. 21ª. ed., Rio de Janeiro, Forense, 2017,
p. 37.
202
Norberto Bobbio observa que a completude do ordenamento é uma necessidade, uma condição
necessária para o funcionamento do sistema, mas o qualifica como um dogma. As lacunas, a analogia e os
princípios gerais do direito são métodos para concretamente se obter as soluções que o ordenamento não
for apto a fornecer por suas normas diretas. Teoria do Ordenamento Jurídico, 2ª ed,, p. 113-149.
203
BARROSO, Luiz Roberto. PETRONE, Patrícia Campos Mello. Trabalhando com uma nova lógica: a
ascensão dos precedentes no direito brasileiro. Revista da AGU. Brasília, AGU, ano 15, n. 3, jul./set. 2016,
p. 12.
92
No sistema brasileiro, a lei é concebida para regular situações futuras e, não raro,
a realidade quotidiana supera a previsão legal, a fattispecie concebida pelo legislador,
exigindo do intérprete um trabalho de complementação. Esse trabalho de interpretação se
vale de diferentes técnicas hermenêuticas, sendo certo que a Lei de Introdução às Normas
do Direito Brasileiro é expressa ao proclamar que quando a lei for omissa, o juiz decidirá
o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito (Art. 4o).
204
Conceito que, no direito brasileiro, sobre uma importante adaptação, tendo em vista a produção de
julgados que já surgem com esta condição. Assim, CRAMER, Ronaldo. Precedentes judiciais: teoria e
dinâmica. Rio de Janeiro, Forense, 2016: “precedente é todo jugado de tribunal que, por forca da sua
condição originária ou de reconhecimento posterior, cria a norma jurídica a ser seguida, obrigatoriamente
ou não, em casos idênticos”, p. 86.
205
BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico, p. 142: Entende-se por analogia aquele
procedimento pelo qual se atribui a um caso não regulado a mesma disciplina de um caso regulado de
maneira similar, p. 142. CASTRO NEVES, José Roberto. Uma introdução ao Direito Civil , p. 14: “nos
casos em que não exista uma norma específica incidente, deve-se aplicar a regra que trata de situação
semelhante, na qual os mesmos valores estejam envolvidos. Trata-se de um exercício de lógica”.
206
Segundo Amauri Mascaro Nascimento, a subsidiariedade é uma técnica que se torna indispensável para
o bom desempenho da tutela jurisdicional. A subsidiariedade do direito processual comum no processo
trabalhista. Revista de Processo, p. 230-234.
207
MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito. 21ª. ed., p. 73.
93
208
RAO, Vicente. O Direito e a vida dos Direitos. 6ª. São Paulo, Revista dos Tribunais, 2004, pág. 234. E
acrescenta que “o direito comum constitui um sistema de princípios gerais destinados a impor-se
universalmente não só em todo o território do Estado, mas, ainda a toda as relações que nele se formam e a
todas as pessoas que destas relações participam”.
209
RAO, Vicente. O Direito e a vida dos Direitos, pág. 236. “Direito especial é o que disciplina, apenas,
certas particulares relações ou grupos de relações, ou se refere a determinadas pessoas e só a estas relações
e pessoas se aplica, constituindo, em certo sentido, exceção aos princípios gerais. O direito singular
corresponde a uma necessidade e a um modo de corrigir o direito geral e com este, por sua origem e
natureza, tem relação necessária”, p. 234-235.
210
Por exemplo, a Consolidação das Leis do Trabalho alude ao direito comum em duas situações. No artigo
8º, §U, que prevê a aplicação subsidiária do direito comum (material) às relações trabalhistas, e no artigo
769, que prevê a aplicação subsidiária do direito processual comum ao direito processual do trabalho.
211
BARBOSA MOREIRA, José Carlos. As Bases do Direito Processual Civil, Temas de Direito
Processual. São Paulo, Saraiva, 1977, p. 4.
212
Fredie Didier corretamente alerta que não pode ser confundida a teoria geral do processo com a parte
geral de um código. São duas dimensões diferentes, uma da linguagem do direito, outra da ciência do
direito. DIDIER Jr., Fredie. Sobre a Teoria Geral do Processo, p. 77.
213
CASTRO NEVES, José Roberto, Uma introdução ao Direito Civil, p. 44, ao tratar das normas do direito
civil, afirma a sua harmonia, aludindo à estrutura do Código Civil e ao fato desta lei iniciar com uma parte
geral, aplicável a todas as demais partes.
94
primeiro aspecto é que o objeto das normas gerais é disciplinar situações que ocorrem de
modo uniforme nas relações disciplinadas pelas normas especiais. Assim é, por exemplo,
nas regras sobre a capacidade dos agentes para a prática dos negócios jurídicos, que são
disciplinadas como normas gerais e são observadas nos diferentes tipos de negócios
jurídicos, sejam eles relativos ao direito de família, contratual ou empresarial.
Da mesma forma, os vícios dos negócios jurídicos, que são regulados como uma
disciplina geral, aplicável a todos os tipos e ramos específicos do direito. Um segundo
aspecto é que as normas especiais regulam atos ou negócios específicos de modo
particularizado, criando exceções ao regime geral (como por exemplo, a forma de certos
negócios jurídicos, como a aquisição de propriedade ou o casamento), de forma que
apenas terão validade os atos praticados segundo os preceitos da lei especial, que
derrogam a aplicação dos preceitos gerais. O mesmo ocorre quanto ao Código Penal, com
o Código de Processo Penal e, a partir da edição da Lei 13.105/2015, com o Código de
Processo Civil. A doutrina afirma a aplicação das suas regras gerais, contidas na primeira
parte do Código, não apenas às partes especiais do próprio Código, mas também à
legislação extravagante214.
Esse critério de interpretação das normas jurídicas, segundo o qual a lei especial
prevalece sobre a lei geral, explica porque, quanto ao ônus de alegação nas relações de
consumo, prevalece a regra do CDC, em detrimento da regra geral do CPC. Disso decorre
não apenas a possibilidade de inversão do ônus da prova (art. 6º, VIII), mas também a
influência, também sobre as atividades probatórias das partes, da previsão de
responsabilidade objetiva dos fornecedores pelo fato do produto (art. 12). Ou ainda,
porque o valor da causa das demandas em matéria locatícia obedece ao critério fixado na
Lei do Inquilinato, que neste particular derroga as regras gerais contidas no CPC215.
214
YARSHELL, Flávio Luiz. Curso de Direito Processual Civil, vol. 1, 2ª ed., p. 63.
215
Art. 58, III, da Lei do Inquilinato.
95
generalidade da norma contida no artigo 342 do Código Penal é que a torna, mercê desse
trabalho interpretativo, a norma geral a ser adotada por todos os demais ramos do direito,
independentemente de previsão legal ou remissão expressa das leis especiais.
216
Guilherme Rizzo Amaral aponta o CPC como “norma fundamental”, aplicável a todo o ordenamento
jurídico. AMARAL, Guilherme Rizzo. Comentários às alterações do novo CPC. São Paulo, Revista dos
Tribunais, 2015, p. 79.
217
RODRIGUES, Marcelo Abelha. Comentários ao Código de Processo Civil, volume 1 (arts. 1º a 317).
BUENO, Cassio Scarpinella (coord). São Paulo, Saraiva, 2017, p. 230.
96
218
YARSHELL, Flavio Luiz. Curso de Direito Processual Civil, vol. 1, 2ª ed., p. 63.
219
DINAMARCO, Cândido Rangel. Comentários ao Código de Processo Civil: das normas processuais
civis e da função jurisdicional. Vol. I. São Paulo, Saraiva, 2018, p. 147.
220
RODRIGUES, Marcelo Abelha. Comentários ao Código de Processo Civil, volume 1, p. 230.
221
MALLET, Estevão. Comentários ao Código de Processo Civil, volume 1, p. 230.
97
pressupõe uma lacuna parcial, ao passo que a subsidiária pressupõe a ausência absoluta
de regramento na legislação especial222.
222
MARTINS, Serio Pinto. Teoria Geral do Processo, 5ª ed, São Paulo, Saraiva, 2020, p. 39.
223
NASCIMENTO, Amauri Mascaro. A subsidiariedade do direito processual comum no processo
trabalhista. Revista de Processo, p. 230-234: “Impõe-se ao intérprete verificar se o preceito de cuja
utilização cogita não é incompatível com a forma e a essência do processo trabalhista. É evidente que o
direito processual comum incompatível é imprestável e inaplicável até por simples intuição. A
jurisprudência orienta-se nesse sentido: "O direito comum é fonte subsidiária do direito trabalhista no que
não for incompatível com os princípios fundamentais deste ou com as normas do processo judiciário
trabalhista."
224
Especificamente em relação ao Conflito de Competência, conquanto o Superior Tribunal de Justiça tenha
firmado orientação pelo cabimento do incidente e de ser sua a competência para julgá-lo (STJ, Conflito de
Competência nº 111.230, 2ª Seção, Relª Min. Nancy Andrighi, J. 08.05.2013; STJ, Conflito de Competência
nº 146.939, 2ª Seção, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, J. 23.11.2016; STJ, Conflito de Competência nº
139.519, 1ª Seção, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, J. 11.10.2017), nomes relevantes da doutrina se
opõem a essa orientação, por considerá-la contrária ao princípio da competência-competência e à economia
processual e pelo fato do caráter privado da arbitragem, v.g., TALAMINI, Eduardo. Nota sobre o Conflito
de Competência entre Árbitro e Juiz Estatal. Revista Brasileira de Arbitragem. Vol. 15, n. 60. São Paulo,
2018, p. 36-43, out./dez. 2018; e PARENTE, Eduardo. Conflito de competência. Decisão liminar. Cláusula
arbitral entre Petrobrás e Agência Nacional do Petróleo. Direito público indisponível. Sociedade de
98
Nos parágrafos a seguir, será feita breve exposição acerca da inter-relação entre
tais modalidades ou tipos de processo, nos quais se observa, em maior ou menor medida,
o compartilhamento de conceitos comuns a todas as modalidades de processo, de
princípios processuais e em relação aos quais ocorre a aplicação de normas processuais
gerais, naquilo que não forem incompatíveis com normas processuais especiais contidas
em suas respectivas regulamentações.
228
DINAMARCO, Cândido Rangel. Comentários ao Código de Processo Civil: das normas processuais
civis e da função jurisdicional. Vol. I, p. 152.
229
YARSHELL, Flávio Luiz. Curso de Direito Processual Civil, vol. 1, 2ª ed., p. 63.
100
230
A respeito, ver Odete Medaudar, Processualidade do processo administrativo.3ª. ed. Belo Horizonte,
Fórum, 2021. A colocação do processo administrativo na teoria geral do processo foi objeto das
preocupações de Fernão Borba Franco, Processo Administrativo. São Paulo, Atlas, 2008
231
FERRAZ, Sérgio. DALLARI, Adilson Abreu. Processo Administrativo, São Paulo, Malheiros, 2001, p.
30-35
232
Nelson Nery alude também aos princípios da duração razoável do processo, da proibição da prova obtida
ilicitamente e do duplo grau de jurisdição, “bem como todos os princípios fundamentais da administração
pública (legalidade, moralidade administrativa, eficiência, impessoalidade, publicidade, segurança jurídica,
confiança, boa-fé objetiva, proibição de venire contra factum proprium, proibição de atuação arbitrária
etc”. NERY Jr., Nelson. Princípios do Processo na Constituição Federal, p 253.
233
MEDAUAR, Odete, Processualidade do processo administrativo. 3ª. ed., p. 46-47.
234
A noção contemporânea de processo encontra sua absoluta aplicação na esfera administrativa, “com
todas as garantias inerentes ao devido processo constitucional que a ela se aplica”, ZUFELATO, Camilo.
Reflexões acerca da sindicabilidade de certas decisões administrativas e a noção de Inafastabilidade da
Tutela Jurisdicional no contexto atual das competências estatais. 40 anos da Teoria Geral do Processo no
Brasil: passado, presente e futuro, p. 167.
101
Sem prejuízo da regulação específica, nem por isso deixam de ser adotados os
parâmetros processuais gerais, de aplicação subsidiária. Por exemplo, e como antes dito,
quanto às hipóteses de impedimento e suspeição do administrador que julga processos
administrativos, que são especificamente prevista na Lei 9.784/99 mas que não excluem
as hipóteses dos artigos do Código de Processo Civil, que devem ser também
consideradas no processo administrativo, efetuando-se uma integração supletiva235.
Em sua última obra, Ada Pelegrini Grinover expandiu ainda mais a ideia de
processo, identificando seus elementos mesmo em métodos de trabalho que nem sequer
conduzem ou se concluem com uma decisão, como é o caso da mediação. Na mediação
se verifica um procedimento pautado pelo contraditório, permeado por garantias e
princípios comuns às soluções adjudicadas, a presença de relações variadas entre os seus
sujeitos, a existência de um terceiro, imparcial e equidistante em relação às partes,
conduzindo o processo e, por fim, a coincidência do escopo social de pacificação, como
objetivo final da mediação. Assim, ainda que a faceta do processo como exercício de
poder seja menos nítida na mediação – se é que ela existe – é a pacificação social que
permite considerá-la como uma modalidade de processo e, como tal, integrante da sua
teoria geral236.
235
FRANCO, Fernão Borba. Processo Administrativo, p. 109. No mesmo sentido, BACELAR, Romeu
Felipe Filho, Processo Administrativo Disciplinar, p. 365, e NERY, Nelson Jr., Princípios do Processo
Civil na Constituição Federal, p. 102.
236
GRINOVER, Ada Pelegrini. Ensaio sobre a processualidade, p. 66. Contra, por entender que a
concepção de processo exige a figura de uma autoridade jurisdicional, seja ela judicial ou arbitral, CADIET,
Loic. Prolégomènes à une théorie générale du procès en droit français. Teoria do processo: panorama
mundial, pp. 481-506, p. 502.
237
GONÇALVES, Marcelo Barbi Gonçalves. Teoria Geral da Jurisdição, p. 360: “Como se percebe, se
era possível se questionar, à luz do diploma processual civil revogado, acerca da utilidade da Teoria Geral
do Processo como instrumento epistêmico, sob o novo código a indagação deve ser respondida
positivamente. Existem várias zonas friccionais onde, à vista do reconhecimento de que nos processos civil
e penal o juiz exerce a mesma função, é salutar um diálogo transversal a fim de que se formulem parâmetros
objetivos para novas alternativas de interpretação”.
102
normativa para essa interpretação extensiva e analógica. Por exemplo, ao admitir que as
hipóteses de impedimento e suspeição dos juízes no processo penal sejam examinadas
pela leitura combinada dos dispositivos específicos do Código de Processo Penal e do
Código de Processo Civil238.
Vale ainda observar que a norma processual penal se coloca, ela própria, como
a norma processual geral em relação aos processos penais especiais, notadamente o
processo penal militar239. Esse exemplo serve para demonstrar a inter-relação entre
normas de mesma natureza, contempladas no ordenamento brasileiro.
238
O Código de Processo Penal igualmente traz hipóteses de impedimento (art. 252), por razões de ordem
mais objetiva, e suspeição (art. 254), atrelada a aspectos subjetivos. No impedimento, a relação conflituosa
do juiz é diretamente com o feito, ao passo que, na suspeição, tal relação é direta com as partes. Mas as
hipóteses do CPC se agregam às do CPP, em aplicação integrada, porém subsidiária. LIMA, Renato
Brasileiro de. Manual de processo penal: volume único. 7ª. ed. Salvador, Juspodivm, 2019, p. 1144.
239
O que se extrai tanto do artigo 2º, parágrafo único, do Código de Processo Penal, como do artigo 3º, a,
do Código de Processo Penal Militar.
240
ARRUDA ALVIM, Manual de Direito Processual Civil, p. 52-53, reconhece essa relação entre as
normas, “haja vista ser o processo comum (abrangendo, desta forma, quer o processo civil, quer o processo
penal) fonte subsidiária do processo trabalhista (art. 769 CLT; art. 15 do CPC/15), sendo, portanto,
aplicável, sempre que não existir norma expressa, relativa ao processo trabalhista, dispondo relativamente
à matéria, e desde que não sejam contrariados os princípios consagrados pela CLT. Observa ainda o autor
que, de acordo com o artigo 889 da CLT, à execução trabalhista se aplicam as disposições constantes da
Lei de Execuções Fiscais, “aplicando-se as disposições contidas no Código de Processo Civil somente
naquilo que a referida lei for omissa, assim como não contrariar, por óbvio, os princípios norteadores do
processo trabalhista”.
103
atual e ajuda também a compreender as relações que devem ser estabelecidas entre
normas processuais gerais e as específicas do processo arbitral.
Após a edição do CPC/15, em vista da previsão do seu artigo 15, o tema ganhou
outros contornos. Pouco antes da entrada em vigor da nova legislação, o Tribunal Superior
do Trabalho editou a Instrução Normativa 39/2016, que dispõe sobre as normas do
Código de Processo Civil de 2015 aplicáveis e inaplicáveis ao Processo do Trabalho, de
forma não exaustiva. Quanto à forma, a técnica legislativa é no mínimo questionável, por
envolver a veiculação de conteúdo jurisdicional em normas de natureza administrativa.
Quanto ao seu conteúdo, aquele Tribunal reconheceu a compatibilidade de inúmeras
regras processuais específicas, proclamando sua aplicabilidade ao processo trabalhista,
como por exemplo as regras sobre tutela provisória, responsabilidade patrimonial e
fundamentação das decisões243.
241
Amauri Mascaro Nascimento. A subsidiariedade do direito processual comum no processo trabalhista.
Revista de Processo, p. 230-234.
242
Amauri Mascaro Nascimento. Ob. cit., p. 230-234.
243
Para o inteiro teor da Instrução Normativa, ver https://www.tst.jus.br/documents/10157/429ac88e-9b78-
41e5-ae28-
2a5f8a27f1fe#:~:text=INSTRU%C3%87%C3%83O%20NORMATIVA%20N%C2%BA%2039%2F2016
,Trabalho%2C%20de%20forma%20n%C3%A3o%20exaustiva. Na mesma norma, o TST afastou a
aplicação de certas regras processuais gerais que, em melhor análise, não se incompatibilizam com a
natureza do processo do trabalho. Destaco, em especial, a conclusão pela inaplicabilidade absoluta do artigo
190 do CPC, uma vez que, mesmo no âmbito das relações trabalhistas, haveria espaço para certos negócios
processuais, uma vez que os direitos em disputa são de natureza patrimonial. Da mesma forma, soa
104
aberrante a previsão do artigo 4º. § 2º, de que não se considera “decisão surpresa” a que, à luz do
ordenamento jurídico nacional e dos princípios que informam o Direito Processual do Trabalho, as partes
tinham obrigação de prever, concernente às condições da ação, aos pressupostos de admissibilidade de
recurso e aos pressupostos processuais, salvo disposição legal expressa em contrário. Salvo melhor juízo,
é justamente para essas situações que a lei, em obediência à garantia constitucional do contraditório, previu
a necessidade de submissão da questão previamente às partes, para evitar indevidas extinções do processo
sem resolução do mérito.
244
GIGLIO. Wagner et at. Direito Processual do Trabalho. 15ª Edição. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 202.
245
MALLET, Estevão. Comentários ao Código de Processo Civil, volume 1 (arts. 1º a 317), p. 259.
MASCARO NASCIMENTO, Amauri. Curso de Direito Processual do Trabalho. 22ª Edição. São Paulo:
Saraiva, 2007, p. 501. BRANCO, Ana Maria Castello. SAAD, Eduardo Gabriel. SAAD, José Eduardo
Duarte. Curso de Direito Processual do Trabalho. 5ª Ed. São Paulo, LTr, 2007, p. 540.
246
Razão pela qual, para Fátima Nancy Andrighi e Sidnei Beneti, pode-se “inferir, salvo situações especiais,
que buscou-se manter afastada a sua incidência, considerando a especialidade de que é revestida esta
Justiça.” ANDRIGHI, Fátima Nancy; BENETI, Sidnei. Juizados Especiais Cíveis e Criminais. Belo
Horizonte, Del Rey, 1996, p. 24.
247
A saber: (art. 2º.) competência para as causas outrora previstas para o procedimento sumário do CPC/73;
(art. 48) cabimento de embargos de declaração; (art. 52) execução da sentença conforme disposições do
CPC, observadas as adaptações estabelecidas neste mesmo artigo; (art. 53) execução de título executivo
extrajudicial de valores compatíveis com os Juizados, igualmente observadas adaptações contidas no
próprio artigo.
248
Por exemplo, quando a lei dispõe que a arguição de suspeição ou impedimento do Juiz não devem ser
feitas na contestação, mas que esta arguição “se processará na forma da legislação em vigor.”
105
249
Nesse sentido, é a redação do Enunciado 161 do Fórum Nacional de Juizados Especiais (FONAJE):
“Considerado o princípio da especialidade, o CPC/2015 somente terá aplicação ao Sistema dos Juizados
Especiais nos casos de expressa e específica remissão ou na hipótese de compatibilidade com os critérios
previstos no art. 2º da Lei 9.099/95”.
106
Apenas para exemplificar, da Lei dos Juizados Especiais se extrai que naquela
modalidade de processo trabalha-se, igualmente, com as noções tipicamente processuais
de competência, de partes (e, por decorrência lógica, com a ideia de legitimidade de
partes), com provas, sua produção e valoração (inclusive com a possibilidade de
utilização de regras de experiência)251, litisconsórcio, publicidade, instrumentalidade das
formas, efeitos devolutivo e suspensivo dos recursos, possibilidade de extinção do
processo com ou sem julgamento de mérito, oposição do devedor à execução mediante
embargos, litigância de má-fé252. Nem todos os aspectos desses institutos processuais são
disciplinados na própria lei especial, o que também serve para demonstrar a inter-relação
entre os diplomas processuais e o indispensável recurso aos conceitos teóricos da teoria
geral do processo e, não raro, aos conceitos normativos positivados no Código de
Processo Civil.
Assim, nem o processo dos Juizados Especiais nem o processo arbitral são
imunes à aplicação subsidiária e excepcional dos preceitos contidos na legislação
processual geral253. Como afirma José Roberto dos Santos Bedaque, “ao interpretar as
250
Eduardo Parente atribui também aos Juizados Especiais a qualidade de um sistema próprio,
“notadamente em função de possuir regramento específico”, com especificidades legais quanto aos seus
princípios informativos. Para o autor, trata-se do exemplo mais característico de um sistema processual
próprio, separado do processo estatal. PARENTE, Eduardo. Processo arbitral e sistema, p. 38. Pelas razões
expostas ao longo desta tese, entendo ser mais adequado considerar também o processo dos Juizados
Especiais como integrante da teoria geral do processo, para, ao mesmo tempo, reconhecer sua estrutura
comum e as suas peculiaridades, as quais não dependem da proclamação de uma independência ou de um
isolamento que, ao fim e ao cabo, impedem o aproveitamento de conceitos processuais gerais e as
conquistas teóricas dos institutos comuns às várias modalidades de processo.
251
Também com disposições sobre depoimentos pessoais e de testemunhas, ampla produção probatória,
por provas típicas e atípicas.
252
Que são previstos na Lei 9.099/95, respectivamente, nos artigos 3º, 4º, 8º, 12, 27, 32, 41, 52, IX, , e 55.
253
ANDRIGHI, Fátima Nancy. Redescobrindo os juizados especiais. Coleção Repercussões do Novo CPC,
v. 7 – Juizados Especiais. REDONDO, Bruno Garcia et al (Coord.). Salvador, Juspodivm, 2015, p. 30: “A
Lei 9.099/95 veio sob o signo da simplicidade, da informalidade, da oralidade, da celeridade e da economia
processual, critérios, que a fazem diferenciada, distinta e sem nenhuma semelhança com a Justiça
Tradicional, tanto que, na parte Cível da referida Lei, sequer menciona eventual aplicação subsidiária do
Código de Processo Civil.”
107
254
BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Efetividade do processo e técnica processual. São Paulo:
Malheiros, 2010, p. 406.
255
Como faz Fernão Borba Franco em diferentes estudos dedicados à compreensão do processo
administrativo na teoria geral do processo. Para este autor, a teoria geral não significa que os institutos
devem ser idênticos, mas que as particularidades de cada ramo podem ser explicadas coerentemente, com
base em conceitos iguais. FRANCO, Fernão Borba. Processo Administrativo. Teoria Geral do Processo,
Imparcialidade e Coisa Julgada, p. 234.
256
MASCARO NASCIMENTO, Amauri. A subsidiariedade do direito processual comum no processo
trabalhista, p. 230-234: “o processo é meio de solução das lides e a sua estrutura fundamental é a mesma,
qualquer que seja a natureza da questão de direito material, civil, trabalhista, penal ou fiscal, embora
diferentes as suas notas características acidentais. O processo é concebido como relação jurídica e como tal
os seus elementos fundamentais são constantes”.
257
Provoca o autor: Se essa vinculação é, como se costuma sustentar, uma decorrência do princípio da
isonomia, deve o juiz com competência penal seguir a ratio decidendi dos julgados dos tribunais superiores?
GONÇALVES, Marcelo Barbi. Teoria Geral da Jurisdição, p. 360.
258
Como por exemplo, o estabelecimento de prazo para apresentação de alegações finais, ordem de
produção de provas. GONÇALVES, Marcelo Barbi. Teoria Geral da Jurisdição, p. 360.
108
Como visto, os debates sobre a influência que normas gerais exercem sobre
normas particulares ou especiais transcende a discussão sobre a relação entre o processo
arbitral e o processo comum. Mas é necessário reconhecer, de outro lado, que a relação
entre estas modalidades de processo pode e deve ser compreendida à luz desse tema.
Ainda que não seja comum que o debate seja enquadrado sob esta perspectiva, parece-me
fora de dúvidas que o processo arbitral deve ser compreendido como uma modalidade
específica de solução de controvérsias, regulado por lei própria, uma lei processual que
deve ser entendida como uma lei especial.
É uma lei especial porque seu objeto é específico e suas disposições se aplicam
apenas ao processo arbitral. É também especial porque seu conteúdo não é abrangente, ao
contrário, o legislador optou por regular pouquíssimos aspectos deste processo particular,
e fez isso justamente porque seria desnecessário repetir conceitos e provisões legais que
já se encontram positivadas nas normas processuais gerais do ordenamento brasileiro.
Seria uma redundância, que o legislador, corretamente, procurou evitar.
259
BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Sentença arbitral: questões de fato, conjunto probatório,
fundamentação e contraditório, p. 382. Em nota de rodapé, Bedaque menciona a posição de Vicenzo
Vigoriti (Em busca de um direito comum arbitral, p.13), segundo a qual o processo arbitral observa as
regras fundamentais dos juízos cíveis, bem como a de Edoardo Ricci (Lei de Arbitragem Brasileira, p.76),
para quem é evidente a incidência, no processo arbitral, das garantias inerentes ao devido processo legal.
Ob. Cit., p. 383.
260
Sem se referir explicitamente ao processo arbitral, mas com considerações que me parecem aplicáveis a
ele, Marcelo Barbi Gonçalves observa que o novo diploma é um código de processo civil, mas também um
locus onde tendências modernas da ciência processual foram consagradas, GONÇALVES, Marcelo Barbi.
Teoria Geral da Jurisdição, p. 358-359.
110
Ainda tomando por base o plano normativo, é possível encontrar a base legal
para estas aproximações. A despeito de a Lei de Arbitragem não se reportar às normas
gerais como fonte subsidiária – repetindo, nesse particular, diversas outras leis nacionais
sobre arbitragem261 – a norma processual geral brasileira contém dois dispositivos que
devem ser mencionados. O artigo 318, parágrafo único, segundo o qual o procedimento
comum aplica-se subsidiariamente aos demais procedimentos especiais e ao processo de
execução, e o artigo 1.046, § 2º, que ao regular as disposições transitórias, determina:
permanecem em vigor as disposições especiais dos procedimentos regulados em outras
leis, aos quais se aplicará supletivamente este Código.
261
Por exemplo, na Itália, cf. Codice di Procedura Civile, artigo 816; na Espanha, a Ley 60/2003, art. 25.
262
Processo que guarda, com relação ao processo civil, inúmeros traços comuns ou, como afirma
Dinamarco, verdadeira identidade, pois os litígios arbitrais serão os mesmos conduzidos sob os ditames
desse ramo processual específico. DINAMARCO, Cândido Rangel. A Arbitragem na Teoria Geral do
Processo, p. 17.
111
possível, no âmbito das arbitragens internas, é que esses parâmetros decorrem da Teoria
Geral do Processo e, concretamente, vários deles são corporificados e regulados pelas
normas processuais gerais ou, por outras palavras, pelo Código de Processo Civil.
263
GAJARDONI, Fernando da Fonseca. Aspectos fundamentais de processo arbitral e pontos de contato
com a jurisdição estatal. Revista de Processo, vol. 106/2002, pp. 189-216. p. 190. GRECO, Leonardo.
Instituições de Processo Civil, vol. 1. Introdução ao Direito Processual Civil, p 234.
264
Que Hermes Marcelo Huck qualifica como de aplicação subsidiária. HUCK, Hermes Marcelo. As táticas
de guerrilha na arbitragem, pp. 311-315.
265
BERALDO, Leonardo de Faria. O impacto do novo Código de Processo Civil na arbitragem, p. 176,
sustenta que apenas as regras de cunho processual devem ser aproveitadas sempre que possível e compatível
com o sistema arbitral.
266
PARENTE, Eduardo. Processo Arbitral e Sistema, p. 72-73.
112
267
Não apenas os de índole constitucional, como o contraditório e a ampla defesa, mas também aqueles
concebidos na legislação processual geral, como “os limites da sentença ao pedido da parte, ao debate
dialético das pretensões contrapostas, à investigação da verdade real, à motivação do julgado, à coisa
julgada etc.’, THEODORO Jr., Humberto. Arbitragem e Terceiros - Litisconsórcio fora do pacto arbitral -
Outras intervenções de terceiros, p. 247-248.
268
As afirmações de Humberto Theodoro foram feitas à luz do CPC/73, que continha esta previsão no então
artigo 272, parágrafo único. O sistema jurídico italiano, segundo Elio Fazzalari, parece exigir uma solução
para o caso de omissão total ou parcial na definição pelas partes e, subsidiariamente, pelos os árbitros, das
regras formais aplicáveis ao procedimento arbitral, hipótese em que, para o autor, serão analogicamente
aplicadas as regras do Código de Processo Civil italiano relativas ao processo ordinário de conhecimento,
em especial as relativas ao contraditório e que sejam compatíveis com a natureza privada do ofício do
árbitro e a carência de poder coercitivo. FAZZALARI, Elio. L’arbitrato. Torino, Utet, 1997, p. 56.
269
ARMELIN, Donaldo. Notas sobre sentença parcial e arbitragem. Revista de Arbitragem, p. 1-2.
113
dessa natureza”, ressalvado o notável processualista que “esse recurso ao processo civil
não constitui uma tentativa de ‘judicializar’ a arbitragem, mas sim em um adminículo
para um adequado tratamento das lacunas da Lei 9.307/96, resultantes de sua espartana
disciplina no tratamento do procedimento arbitral, explicável à luz da outorga aos
litigantes do poder de estabelecer o procedimento arbitral, mas insuficiente para as
implementar, quando essa outorga não é utilizada”270.
Por sua vez, José Rogério Cruz e Tucci observa, com razão, que ambos os
mecanismos compartilham de conceitos comuns e devem, por isso, adotar linguagem
técnica comum, sendo certo que a própria Lei de Arbitragem faz referência a inúmeros
institutos da dogmática processual, como por exemplo “causa de pedir271, pedido,
incompetência, impedimento, suspeição, revelia, depoimento pessoal, prova pericial,
livre convencimento, sentença, litigância de má-fé”272. Assim, mesmo reconhecendo que
a arbitragem “é regida por textos legais específicos: lei da arbitragem e, subsidiariamente,
regulamento das câmaras de arbitragem”, e ainda que afirme a não aplicação das normas
do CPC, Tucci excepciona admitindo sua aplicação a “algumas específicas situações”,
sem propriamente esclarecer quais273 274.
Nessa mesma ordem de ideias, Leonardo Greco faz coro à afirmação de que as
garantias processuais se aplicam ao processo arbitral, e vai além, aduzindo, com razão,
que a Lei de Arbitragem não regula os requisitos de todos os atos do procedimento
arbitral, daí porque, respeitadas as características próprias da arbitragem, o Código de
270
ARMELIN, Donaldo. Notas sobre sentença parcial e arbitragem. Revista de Arbitragem, p. 2.
271
A Lei de Arbitragem alude ao objeto da arbitragem, não propriamente à causa de pedir, mas é possível
compreender a expressão como alusiva à noção técnico-processual da causa de pedir, sobretudo porque
mencionada juntamente com a referência ao pedido da parte, cf. art. 7º. § 1º.
272
CRUZ e TUCCI, José Rogério. A linguagem jurídica exige precisão técnica: processo ou procedimento
arbitral? https://www.conjur.com.br/2021-jan-05/paradoxo-corte-linguagem-juridica-exige-precisao-
tecnica .
273
CRUZ e TUCCI, José Rogério. Ob. cit.
274
Ainda que adotem outras perspectivas e sustentem a inaplicabilidade de regras processuais específicas,
Eduardo Parente e Marcos Montoro acabam por admitir, em diversas passagens, o uso de normas
processuais comuns para regular o processo arbitral. Parente observa que o processo arbitral se vale do
direito processual, em primeiro plano com relação os princípios processuais, e que no que ele denomina de
‘comunicação entre os sistemas’, “em termos práticos, isso faz com que o árbitro busque respaldo no
sistema do processo estatal, quando não contraditório com o conteúdo inerente ao sistema arbitral”. Por
exemplo, no que diz respeito à sentença arbitral, que é prevista, mas não definida ou regulamentada na lei
de arbitragem, que apenas se limita a disciplinar o seu prazo e seus requisitos formais, mas “o conceito de
sentença, para o processo arbitral, é o estampado no processo estatal, no Código de Processo Civil”.
PARENTE, Eduardo. Processo arbitral e sistema, p. 68-69. Montoro, por sua vez, reconhece que certas
noções processuais decorrem do sistema, da “forma como o ordenamento processual brasileiro é ordenado”,
aludindo às ideias de singularidade, proibição da reformatio in pejus e fungibilidade. MONTORO, Marcos.
Flexibilidade do Procedimento Arbitral, p. 340.
114
Ainda que sob um enfoque mais geral, Flávio Yarshell manifesta as mesmas
preocupações com relação ao isolamento conceitual e à artificial proclamação da
autonomia do processo arbitral, observando que:
“O discurso da especialidade como forma de exclusão deve ser visto com rigor
no campo científico. Nesse âmbito, aquele discurso não pode jamais funcionar
como argumento de autoridade, como a limitar a interpretação do direito
processual apenas aos ‘especialistas’. O equilíbrio está no seguinte: nem
subsistemas indevidamente submetidos a regras gerais que a eles não se aplicam;
nem desvinculação mal justificada desses subsistemas a regras ‘gerais’. A
275
GRECO, Leonardo. Controle Jurisdicional da Arbitragem. Revista Brasileira de Arbitragem, p. 22.
276
FAZZALARI: “Il sistema pare, infine, esigere una chiusura per la ipotesi, non infrequente, in cui né le
parti né, in subordine, gli arbitri operino una previa scelta delle ‘forme’, oppure tale scelta sia stata parziale
o incompleta. In tal caso è da ritenere que vadano analogicamente applicate – in tutto o per colmare lacune
– le regole del codice di rito italiano, relativa al processo ordinario di cognizione: beninteso quelle che
attengano all’attuazione dell contraddittorio, e che siano compatibili vuoi con la natura privata dell’ufficio
dell’arbitro, cioè con la di lui carenza di poteri coattivi, vuoi, in caso di scelta incompleta, con le regole
stabilite dalle parti e/o dagli arbitri”. FAZZALARI, Elio. L’Arbitrato, p. 56.
277
No mesmo sentido, FOUCHARD, Philippe. Sugestões para aumentar a eficácia internacional das
sentenças arbitrais. Revista de Direito Bancário e do Mercado de Capitais, São Paulo, vol. 8, p. 331, abril,
2000. “39. A lei do país em cujo território se desenvolve a arbitragem - ou ao menos onde supostamente
deveria se desenvolver - proporciona um contexto jurídico à arbitragem, ou, para ser mais exato, a propõe,
já que a sua vocação é subsidiária. Somente na ausência de regras autônomas oriundas da convenção entre
as partes e da prática e sob a condição de que as partes não tenham designado outra lei é que a lei da sede
fornecerá as regras técnicas que permitirão o seu normal desenvolvimento. Esta, ao menos, a moderna
tendência das recentes leis e jurisprudência”, p. 339.
115
existência de regras especiais, por uma questão conceitual, não pode desnaturar
o sistema processual.
278
YARSHELL, Flávio Luiz. Curso de Direito Processual Civil, vol. I, p. 64.
116
para que do exame das suas características comuns se pudesse extrair o grau de
generalização para se conceber uma teoria geral.
Como já dito, no Brasil esse trabalho foi desenvolvido pelos Professores Antonio
Carlos de Araújo Cintra, Ada Pelegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco, cuja obra
fundamental vem sendo estudada como a base dessa teoria geral há algumas décadas. E
sua utilidade segue inquestionável. Para esses autores, a Teoria Geral do Processo é um
sistema de concretização de princípios elevados ao grau máximo de generalização útil e
condensados individualmente a partir do confronto dos diversos ramos do direito
processual. É uma teoria geral, informada por princípios próprios, aplicáveis aos seus
diferentes desdobramentos. No que diz respeito ao processo jurisdicional, regulam o
exercício de poder inerente à relação processual, com vistas ao atendimento de uma das
funções do Estado – e da jurisdição, em particular – que é o da pacificação social mediante
a solução dos conflitos.
6.1.Jurisdição.
Na teoria geral do processo, o estudo dos seus institutos fundamentais tem como
ponto de partida a Jurisdição. Em termos estritamente técnico, isso pode ser justificado
porque o processo é o instrumento de que se vale a Jurisdição para realizar suas atividades
e cumprir seus fins. Mas a razão desta centralidade da Jurisdição se relaciona, na verdade,
com a necessidade de se enfatizar a efetividade da tutela jurisdicional, a produção de
resultados decorrentes desta atividade, e a relevância de se ressaltar as finalidades (os
escopos) que, por meio do processo, a Jurisdição realiza279. Em sua acepção tradicional,
a jurisdição é função do Estado, pela qual ele se substitui aos particulares para, fazendo
cumprir o preceito jurídico pertinente a cada caso, eliminar os conflitos e buscar pacificar
as pessoas conflitantes280. Humberto Theodoro Júnior a define como atividade
secundária, instrumental, declarativa ou executiva, desinteressada e provocada. A função
jurisdicional atua diante de fatos já ocorridos, para subsumir a norma abstrata ao caso
concreto, produzindo uma lex specialis, voltada para o fato controvertido, e que se veste
da força de um verdadeiro comando (lei do caso concreto)281.
279
DINAMARCO, Cândido Rangel. A Instrumentalidade do Processo, p. 92-93. MARINONI vai além,
propondo o enquadramento do direito à efetividade da tutela jurisdicional na classificação funcional dos
direitos fundamentais. MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica processual e Tutela dos Direitos. 2ª ed. São
Paulo, Revista dos Tribunais, 2008, p. 144-147.
280
CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Candido Rangel.
Teoria geral do processo. 12ª. Ed, p. 23.
281
Essa função jurisdicional se distingue da função legislativa, na qual se estabelecem, em abstrato, normas
genéricas (lex generalis), com atuação em hipóteses consideradas em abstrato, para a criação de normas
para todos os fatos futuros que se adequarem à descrição contida na norma. Humberto Theodoro Jr.
Arbitragem e Terceiros - Litisconsórcio fora do pacto arbitral - Outras intervenções de terceiros, p. 230-
231.
282
APRIGLIANO, Ricardo de Carvalho. Arbitragem e Jurisdição no novo Código de Processo Civil, p.
241.
283
Para Leonardo Greco, os princípios informativos da jurisdição são a investidura, a indelegabilidade, a
aderência ao território, a inércia, a indeclinabilidade e a unidade. GRECO, Leonardo. Instituições de
processo civil. Vol. I, p. 119-128 e p. 537-571.
118
importantes objetivos que ela se propõe a realizar, que Dinamarco classifica em escopos
sociais, políticos e jurídicos284. Assim, a ideia clássica de que a jurisdição serve para
aplicar a lei aos casos concretos, a fazer justiça, não apenas deixa de constituir seu
objetivo único, como deixa de ser o mais importante.
284
DINAMARCO, A Instrumentalidade do Processo, p. 188-263.
285
Para um panorama geral das diferentes teorias em perspectiva crítica, ver GONÇALVES, Marcelo Barbi,
Teoria Geral da Jurisdição, capítulos um e dois, pp. 31-118.
286
Marcelo Barbi Gonçalves ressalta que também a ideia de inevitabilidade da jurisdição deve ser
revisitada, porque não mais se pode partir para a conclusão de que o acesso à justiça ocorre apenas através
do Poder Judiciário. Inúmeros serviços públicos de responsabilidade do Estado são delegados para a
iniciativa privada, de sorte que o indivíduo, para ter a sua necessidade satisfeita, deve se voltar para o
mercado. Assim é, por exemplo, no caso dos serviços de telecomunicações, transporte público e energia
elétrica, que têm seus conflitos resolvidos no âmbito de Agências Reguladoras ou mesmo instituições
privadas, como a Câmara de Comercialização de Energia Elétrica. Não há razão para que com a jurisdição
seja diferente. GONÇALVES, Marcelo Barbi. Teoria Geral da Jurisdição, p. 140.
287
NERY Jr, Nelson. Princípios do Processo Civil na Constituição Federal, p. 195.
288
Fernão Borba Franco bem explica que a ideia de lide é observada segundo diferentes intensidades nos
diversos tipos de processos. Observa, inicialmente, que “o conceito de lide não se resume à existência de
uma controvérsia; necessário que dessa controvérsia resulte uma pretensão, e que a essa pretensão resista
outro interessado no mesmo bem da vida. Fácil de ver, portanto, que a lide, no processo administrativo, é
elemento apenas acidental. No processo civil, entretanto, isso também ocorre, embora seja elemento de
frequência generalizada, e não ocorre no processo penal”. Nem por isso se justifica a compreensão destes
ramos do processo como categorias cientificamente autônomas e separadas, mas apenas que não é por essa
característica específica que se constata as suas bases comuns. FRANCO, Fernão Borba. Processo
Administrativo, Teoria Geral do Processo, Imparcialidade e Coisa Julgada, Teoria do Processo: panorama
mundial, p. 236.
119
traço característico da jurisdição, as críticas dizem respeito à falha desse critério para
explicar o que se passa nos processos de execução sem embargos do devedor, nos quais
pode não haver decisões de mérito e que, ademais, não tem esta aptidão para produzir
coisa julgada.
Sobre a coisa julgada, pode-se afirmar, ainda hoje, que ela constitui um traço
característico da atividade jurisdicional, ainda que também sujeita a variações na sua
regulação específica. No âmbito das decisões provenientes de órgãos administrativos,
mesmo considerando o elevado grau de estabilidade das decisões decorrentes de processo
administrativo, que não podem ser modificadas pela Administração e, em muitas
ocasiões, não podem nem sequer ser questionadas pela via judicial291, em seu sentido
289
ZUFELATO, Camilo. Reflexões Acerca da Sindicabilidade de Certas Decisões Administrativas e a
Noção de Inafastabilidade da Tutela Jurisdicional no Contexto Atual das Competências Estatais. 40 anos
da Teoria Geral do Processo no Brasil: passado, presente e futuro, p. 167.
290
Humberto Theodoro Jr. observa, com acerto, que a coisa julgada só assume verdadeira importância no
processo de conhecimento, sem o mesmo peso na tutela executiva. De outro lado, porque as decisões
administrativas em geral não são reexaminadas quanto à conveniência e oportunidade (quando do exercício
do poder discricionário), a definitividade das decisões judiciais não chega a ser exclusividade delas. Por
isso, para o autor, o traço distintivo da jurisdição, no confronto com as demais funções do Estado, se dá
quanto aos interesses. A administração age sempre no controle de interesses de que é titular. A relação
jurídica apreciada pela administração é relação sobre a qual incide interesse próprio, ainda que, como
alertam os estudiosos do processo administrativo, a autoridade julgadora deva, em qualquer caso, guardar
equidistância em relação aos interesses que julga. No caso da jurisdição, o julgador é necessariamente um
terceiro, não apenas equidistante, mas estranho à relação jurídica sob julgamento. Ou seja, é a terceiridade
(terzietá) do juiz que caracteriza a jurisdição. O Estado-Juiz é neutro sempre, até quando julga o Estado-
Administração em suas relações públicas ou privadas. THEODORO Jr, Humberto. Arbitragem e Terceiros
- Litisconsórcio fora do pacto arbitral - Outras intervenções de terceiros, p. 233-234.
291
Daí porque a doutrina administrativista fala em ‘coisa julgada administrativa’. BANDEIRA DE
MELLO, Celso Antonio. Curso de Direito Administrativo, 35ª ed. São Paulo, Malheiros, 2021, p. 377-379.
Fernão Borba Franco faz um contraponto, observando que há decisões que podem sim ser anuladas pela
120
própria Administração, mediante novo processo administrativo, no qual sejam igualmente asseguradas as
garantias processuais do jurisdicionado, além de ser possível o questionamento judicial de certos atos, pela
própria Administração. FRANCO, Fernão Borba. Processo Administrativo, Teoria Geral do Processo,
Imparcialidade e Coisa Julgada, Teoria do Processo: panorama mundial, p. 248.
292
ZUFELATO, Camilo. Reflexões Acerca da Sindicabilidade de Certas Decisões Administrativas e a
Noção de Inafastabilidade da Tutela Jurisdicional no Contexto Atual das Competências Estatais, p. 166-
200, p. 168.
293
WATANABE, Kazuo. GABBAY, Daniela Monteiro. Admissibilidade e adequação da arbitragem
coletiva como um mecanismo de acesso à justiça no mercado de capitais e seus aspectos procedimentais.
Revista Brasileira de Arbitragem, 2020, Volume 68, pp. 67 – 94, p. 72.
121
A jurisdição arbitral, privada por definição, é encampada pelo Estado, por ele
autorizada e estimulada, sob uma perspectiva de conferir aos jurisdicionados alternativas
à solução tipicamente estatal. O mesmo é feito, sobretudo a partir da Resolução 125 do
CNJ e, sucessivamente, pela edição da Lei de Mediação e do novo Código de Processo
Civil, quanto a meios não adjudicados de resolução de controvérsias. Compete ao Estado,
para fazer valer a promessa constitucional da inafastabilidade, apoiar e incentivar tais
soluções.
294
Camilo Zufelato examina o tema de determinados processos não estatais, como processos
administrativos perante o CADE e os Tribunais de Impostos e Taxas, Conselhos de Contribuintes e conclui,
à luz destas manifestações, que a utilização de outros meios para a solução de conflitos, que não o Judiciário,
não significa que houve violação à inafastabilidade da jurisdição. “Atualmente é possível afirmar que fora
do Poder Judiciário pode haver tutela jurisdicional adequada”. ZUFELATO, Camilo. Ob. cit., p. 166-200,
p. 180.
122
não se fazem todos presentes na atividade dos árbitros295. Assim, não obstante o árbitro
seja juiz de fato e de direito, suas atribuições se limitam à fase de conhecimento o que, de
outro lado, não exclui seus poderes para decidir questões cautelares ou de natureza
antecipatória, nem para determinar o cumprimento de suas decisões, provisórias ou
definitivas. O que se exclui é a possibilidade de atos de cumprimento forçado, pois
prevalece ainda hoje a percepção – fruto de conveniência legislativa, mais do que por
alguma razão ontológica – de que esta atividade é exclusiva da jurisdição estatal.
295
Gilberto Giusti relembra esta noção clássica e observa que a atividade jurisdicional do árbitro é limitada
aos elementos notio, vocatio e iudicium. O Árbitro e o Juiz: Da Função Jurisdicional do Árbitro e do Juiz.
Revista Brasileira de Arbitragem. Vol. II. São Paulo, 2005, p. 7 – 14, pág 12.
296
A origem contratual da arbitragem faz com que Pedro Baptista Martins pondere, com razão, que “a
cláusula compromissória nasce contratual para fazer desabrochar o processo arbitral. É o processo, o
exercício da jurisdição, a função teleológica primordial da cláusula de arbitragem. O exercício jurisdicional
é a essência da convenção.” MARTINS, Pedro A. Batista. Arbitragem e Intervenção voluntária de terceiros:
Uma Proposta. Revista de Arbitragem e Mediação, vol. 33, p. 245 – 269, p. 255.
297
DIDIER Jr, Fredie, Negócios Jurídicos Processuais Atípicos. Negócios Processuais, 3 ed., CABRAL,
Antonio do Passo; NOGUEIRA, Pedro Henrique (Coord.). Salvador, Editora Jus Podium, 2017, p. 119.
Ver GABARDO, Rodrigo Araujo. A Existência, Validade e Eficácia da Convenção de Arbitragem: Uma
contribuição para o estudo de sua natureza jurídica, Tese (Doutorado) - Faculdade de Direito da
Universidade de São Paulo, 2019. No Direito português, TEIXEIRA DE SOUSA, Miguel, Estudos sobre
o novo processo civil, 2ª ed., Lisboa, Lex, 1997, p. 193.
123
institucional, com três árbitros etc), custos elevados, nem sempre proporcionais aos
montantes em disputa.
No plano legal, não há propriamente uma solução301, mas pode haver uma saída.
Porque sendo a convenção de arbitragem uma exceção processual (CPC, art. 337, X)302,
a parte impecuniosa pode tentar a via judicial, na expectativa de que a parte contrária não
298
CASADO FILHO, Napoleão. Arbitragem e Acesso à Justiça: o novo paradigma do third party funding.
São Paulo, Saraiva, 2017, p. 81.
299
É o que se extrai dos Regulamentos do Centro de Arbitragem e Mediação da Câmara de Comércio
Brasil-Canadá (art. 12.10), da Câmara de Mediação e Arbitragem Empresarial – Brasil (art. 11.6), da
Câmara de Arbitragem do Mercado da B3 (art. 8.1.4), Câmara FGV de Mediação e Arbitragem (art. 15).
300
Como sustenta ZAKIA, José Victor Palazzi, Os efeitos da convenção arbitral e a parte sem recursos.
Revista Brasileira de Arbitragem. Vol. 68. São Paulo, 2020, pp. 11-41.
301
Diferentemente, o art. 816 septies do Código de Processo Civil Italiano estabelece que: “[...]se uma parte
não pagar a solicitação de adiantamento das custas arbitrais, a outra parte poderá fazê-lo. Se as partes
falharem em prover o adiantamento das custas arbitrais no prazo estabelecido pelos árbitros, elas não serão
mais vinculadas à convenção de arbitragem no tocante a disputa submetida à arbitragem”. No original:
Codice di Procedura Civile – “Art. 816-septies. (Anticipazione delle spese) Gli arbitri possono subordinare
la prosecuzione del procedimento al versamento anticipato delle spese prevedibili. Salvo diverso accordo
delle parti, gli arbitri determinano la misura dell'anticipazione a carico di ciascuna parte. Se una delle parti
non presta l'anticipazione richiestale, l'altra può anticipare la totalità delle spese. Se le parti non provvedono
all'anticipazione nel termine fissato dagli arbitri, non sono più vincolate alla convenzione di arbitrato con
riguardo alla controversia che ha dato origine al procedimento arbitrale”.
302
TALAMINI classifica a alegação de convenção de arbitragem como um impedimento processual,
distinguindo-a dos demais pressupostos processuais, por depender da iniciativa do réu. TALAMINI,
Eduardo. Convenção Arbitral: impedimento processual (e não pressuposto negativo de validade). 40 anos
da Teoria Geral do Processo no Brasil: passado, presente e futuro, pp. 238-249, p. 246.
124
303
BONDIOLI, Luiz Guilherme Aidar. Comentários ao Código de Processo Civil. BUENO, Cassio
Scarpinella (coord.). Vol. 2. São Paulo, Saraiva, 2017, p. 82.
304
Nesse sentido, ver: TJSP, Apelação Cível nº 1091775-75.2020.8.26.0100, Relator Carlos Dias Motta, j.
05/04/2021; TJSP, Apelação Cível nº 101009317.2014.8.26.0001, Relator Enio Zulani, j. 10.08.2016;
TJSP, Apelação Cível nº 1053037-31.2014.8.26.0002, Relator Alcides Leopoldo, j. 25.07.2019; TJSP,
Apelação Cível nº 1002077-20.2021.8.26.0457, Relator Jorge Tosta, j. 29.03.2022.
305
Sob a perspectiva da legislação trabalhista, Estevão Mallet afirma que “Se, a despeito do compromisso,
a parte não tem meios para suportar os correspondentes encargos, é inconcebível negar-lhe a possibilidade
de tutela. Seria o mesmo que reconhecer a licitude da denegação de acesso à justiça, por insuficiência de
meios econômicos, o que não se harmoniza com a garantia constitucional de proteção dos direitos
(Constituição, art. 5o, XXXV). Diante da incapacidade econômica de uma parte, ou a outra parte dispõe-se
a custear integralmente a arbitragem, para exigir o cumprimento da obrigação assumida no compromisso –
o que não está obrigada a fazer, advirta-se –, ou abre-se a oportunidade para ajuizamento de ação perante
os tribunais estaduais, como já decidiu o Bundesgerichthof, no célebre processo do encanador , em solução
que depois repercutiu, em alguma medida, em certos sistemas jurídicos”. MALLET, Estêvão. Arbitragem
em litígios trabalhistas individuais. Revista do Tribunal Superior do Trabalho, vol. 84. São Paulo, Lex
Magister, pp. 847-907, p. 851. BRITO, Cristiano Gomes de; CAMPOS, Sarah Couto. Os efeitos da
onerosidade excessiva decorrente da hipossuficiência financeira superveniente na arbitragem. Revista de
Direito Privado, vol. 88. São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, pp. 139-161, p. 148: “havendo
hipossuficiência financeira superveniente da parte e a parte adversa em não arcar com as despesas do
procedimento arbitral, restará ao hipossuficiente recorrer a tutela jurisdicional, em prestigio ao princípio do
amplo acesso à justiça”.
306
GABARDO, Rodrigo Araujo Gabardo. A Insuficiência de Recursos Financeiros na Instauração da
Arbitragem Comercial: efeitos no Direito Brasileiro a partir de uma perspectiva comparada. Dissertação
(Mestrado) - Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2014.
CABRAL, Thiago Dias Delfino. Impecuniosidade e Arbitragem: uma análise da ausência de recursos
financeiros para a instauração do procedimento arbitral. São Paulo, Quartier Latin, 2019.
307
Sobre financiamento de terceiros, ver CASADO FILHO, Napoleão. Arbitragem e Acesso à Justiça: o
novo paradigma do third party funding. São Paulo, Saraiva, 2017.
308
No direito alemão, ver WAGNER, Gerhard. Poor Parties and German Forums: Placing Arbitration under
the Sword of Damocles? Financial Capacity of the Parties – A condition for the validity of arbitration
agreements? LABES, Hubertus W. (org.). Frankurt am Main: Peter Lang, 2004. No direito francês,
Maximim Fontmichel, Le financement de l’arbitrage par une partie insolvable, L’argent dans l’arbitrage,
Walid Bem Hamida, Thomas Clay (Coord.). Issy-les-Moulineaux, Lextenso Éditions, 2013; e GAILLARD,
125
Ainda no plano da jurisdição, outro aspecto ilustra bem a aplicação dos conceitos
da teoria geral do processo à arbitragem e, simultaneamente, a necessidade de adaptações
e de respeito às peculiaridades do processo arbitral. Refiro-me à imparcialidade dos
julgadores.
Emmanuel. Impecuniosity of Parties and Its Effects on Arbitration: A French View. Financial Capacity of
the Parties – A condition for the validity of arbitration agreements?. No direito português, ver: JUDICE,
José Miguel. Anotação ao Acórdão 311/08 do Tribunal Constitucional. Revista Internacional de
Arbitragem e Conciliação, ano 2, Associação Portuguesa de Arbitragem, Coimbra, Almedina, 2009; e
BARROCAS, Manoel Pereira. Manual de Arbitragem, Coimbra, Almedina, 2010.
309
A Declaração Universal dos Direitos do Homem proclama a imparcialidade no artigo 10. Também a
Convenção Europeia dos Direitos Humanos aborda esse tema, no artigo 6º. Apenas para ilustrar, o direito
português assegura a imparcialidade do julgador no artigo 203 da Constituição da República Portuguesa,
ao passo que na Itália, a Constituição, no artigo 111, proclama : Ogni processo si svolge nel contraddittorio
tra le parti, in condizioni di parità, davanti a giudice terzo e imparziale. La legge ne assicura la ragionevole
durata.
126
legislação processual geral, o Código de Processo Civil, nos artigos 144 e 145. A lei
prescreve determinados vínculos e os qualifica como causas de impedimento e suspeição.
Os primeiros, de índole mais objetiva, os segundos, sobre vínculos subjetivos do julgador
com as partes, seus advogados ou com a própria causa.
Além do controle que o próprio julgador é chamado a fazer acerca de tais razões
que o impedem de atuar em determinadas causas, permite-se às partes que realizem esse
mesmo controle. As causas são distribuídas aleatoriamente entre os possíveis juízos
competentes (de um mesmo foro, ou de um mesmo tribunal), e permite-se às partes que
suscitem o impedimento ou a suspeição dos julgadores (art. 146). Se e quando isso é feito,
serão os próprios juízes os competentes para decidir sobre sua competência, examinando
as razões suscitadas pelas partes para decidir sobre sua própria remoção ou permanência
à frente da causa (art. 146, §1º.).
características. Ao julgador isento, pouco deve importar quem é a parte ou seu advogado,
porque a sua função é aplicar o direito aos fatos, nos limites das alegações e proposições
das partes.
No Brasil, a legislação arbitral dispõe que o árbitro será de confiança das partes
(art. 13). Determina também que ele deverá ser discreto, eficiente, além de ser imparcial
e independente (art. 13, §6º). Porque os árbitros são, em geral, indicados pelas partes,
porque são profissionais privados que atuam momentaneamente como julgadores, porque
a confiança só se estabelece em relação a pessoas que se conhece, as indicações dos
310
FAZZALARI, Elio. “Infatti, la parità fra i litiganti, contrassegno del contraditorio, implica
necessariamente la imparzialità del arbitro, come già del giudice, investito della controversia; quela parità
e la imparzialità interagiscono, la imparzialità consistendo, per l’arbitro como per il giudice, nella terzietà
rispetto al rapporto controverso e nella di lui equidistanza dalle parti, tanto nello svolgimento del processo
quanto in ordine alla pronuncia che lo conclude”. L’Arbitrato, p. 53-54.
311
Vale a ressalva de que nas hipóteses em que, diante de cláusulas compromissórias vazias, a parte pode
se valer da ação prevista no artigo 7º da Lei de Arbitragem e, como resultado, o julgador pode indicar o(s)
árbitro(s). Contudo, o exame mais recente dos julgamentos destas demandas indica que muitos juízes têm
optado por apontar instituições arbitrais, a partir de cujos regulamentos serão as próprias partes que
indicarão os árbitros.
128
árbitros recaem, em geral, sobre profissionais com quem as partes e seus advogados têm
algum tipo de contato. Nesta dinâmica, o requisito legal da confiança nos árbitros, que
absolutamente não se põe em relação aos juízes togados, deve ser aferido sob uma
perspectiva objetiva312. No modelo típico de nomeação de um tribunal arbitral, cada parte
nomeia um árbitro, que poderá nem mesmo ser conhecido da contraparte. Nem por isso,
esta terá o direito de, por esta circunstância, recusar a sua nomeação. Os motivos que
autorizam a recusa aos árbitros não se relacionam com conveniência, mas com hipóteses
em que se duvida da equidistância dos julgadores, com sua aptidão de atuar sem
influências indevidas, de se permitir influenciar igualmente pelos argumentos de todas as
partes.
312
ALVES, Rafael Francisco. Árbitro e Direito: o julgamento do mérito na arbitragem. 2018, p. 23: mesmo
que a parte não confie no árbitro, no plano subjetivo, ela só pode pretender a sua remoção se houver
elemento objetivo que impacte a confiança. E nesse caso, deve exercer seu direito de impugnar, nos termos
da Lei de Arbitragem. Caso contrário, estará vinculada a todos os árbitros, ‘conforme contrato que celebrará
com eles e com a sua contraparte’.
129
313
GAJARDONI, Fernando da Fonseca. Aspectos fundamentais de processo arbitral e pontos de contato
com a jurisdição estatal. Revista de Processo. Vol. 106. São Paulo, 2002, pp. 189-216. Quanto às exceções
de competência em razão da pessoa, diz que impedimento e suspensão seguem praticamente a
sistematização do CPC, p. 191.
314
Os Regulamentos do Centro de Arbitragem e Mediação da Câmara de Comércio Brasil-Canadá (no item
5.2, k) e da Câmara FGV de Mediação e Arbitragem (no art. 19, b), por exemplo, impedem a nomeação de
árbitro que tenha participado como mediador ou conciliador na controvérsia, antes da instituição da
arbitragem, salvo se as partes expressamente estabelecerem o contrário.
315
Por exemplo, the IBA Guidelines on Conflicts of Interest.
130
amplo de situações que podem gerar impedimentos ao árbitro ou, no mínimo, que
justificam que os árbitros revelem certas circunstâncias, para ciência das partes.
Por todas estas diferenças, cada modelo adota técnicas diferentes, voltadas,
porém, a um objetivo que compartilham, porque são métodos jurisdicionais de solução
de conflitos. Processo estatal e arbitral exigem julgadores isentos, relações republicanas
entre partes e julgadores, advogados e julgadores. Observados estes parâmetros, tanto um
como outro tipo de processo servirá para a obtenção de decisões isentas, que cheguem à
solução do caso sem interferências indevidas.
Como bem observa Humberto Theodoro Jr., “se para as partes o processo arbitral
é um instrumento de satisfação dos direitos privados, para o Estado, tal como a justiça
pública, é forma de realização do direito”317. Esta é uma percepção importante, porque o
Estado autoriza a jurisdição privada, insere-a em sua política pública de solução adequada
de controvérsias e, sobretudo por intermédio do Poder Judiciário, apoia o seu
desenvolvimento, mediante atos comissivos de cooperação e apoio (tutela provisória,
efetivação de cláusulas compromissórias vazias, cumprimento de sentenças arbitrais) e
atos omissivos, aqui entendidos como a postura de não interferência, de deferência quanto
aos resultados obtidos. Ao eleger a arbitragem, as partes escolhem um método não sujeito
a controle quanto ao mérito, de forma que, ao Judiciário, quando diante destas decisões
(em ações anulatórias, cumprimento de sentenças etc), não cabe realizar um exercício de
qual teria sido o produto final caso ele próprio tivesse proferido o julgamento.
316
ALVES, Rafael Francisco. Árbitro e Direito: o julgamento do mérito na arbitragem. 2018, p. 24.
317
THEODORO Jr., Humberto. Arbitragem e Terceiros - Litisconsórcio fora do pacto arbitral - Outras
intervenções de terceiros. Reflexões sobre Arbitragem in memoriam do Desembargador Cláudio Vianna
de Lima p. 244.
131
realizada, pelo seu modo de ser. Como afirma Carlos Alberto Salles, “considerando o
núcleo conceitual de jurisdição, juízes e árbitros exercem jurisdição, decidindo
imperativamente as causas que lhes são colocadas”318.
6.2. Ação.
Segundo uma conceituação que se pode dizer clássica, “ação é o poder de exigir
o exercício da atividade jurisdicional. Mediante o exercício da ação provoca-se a
jurisdição, que por sua vez se exerce mediante um complexo suceder de atos inerentes ao
processo”320. Sem prejuízo do detalhamento que será feito nos parágrafos subsequentes,
observa-se, já a partir desta definição, a sua plena aplicabilidade à arbitragem. Além de
se inserir na noção de Jurisdição, também a ação se dá e se faz presente no processo
arbitral.
318
SALLES, Carlos Alberto. Arbitragem em contratos administrativos. Forense, Rio de Janeiro, 2011, p.
90. Outra perspectiva do mesmo tema é trazida por Eduardo Parente, que discorre sobre a função pública
do processo arbitral, afirmando que ele também não pode servir para acobertar fraudes e colusão. A
confidencialidade do processo arbitral não pode servir para lesar terceiros, pois o processo arbitral não
tolera o processo simulado, a colusão processual. Nesse particular, em aplicação do artigo 129 do CPC, o
árbitro, diante dessa constatação, deve recusar-se a julgar a causa. PARENTE, Eduardo. Processo arbitral
e sistema. São Paulo, Atlas, 2012, p. 216.
319
GONÇALVES, Marcelo Barbi. Teoria Geral da Jurisdição. Salvador: Editora JusPodivm, 2020, p. 352.
Para Fernão Borba Franco, um traço elementar da grande maioria dos processos jurisdicionais é a existência
de um conflito de interesses, que faz com que algum dos interessados venha pleitear a intervenção do
Estado, que a presta porque lhe interessa a observância do direito material. Tais considerações são
integralmente aplicáveis ao processo arbitral, com a única ressalva de que o Estado fornece meios para a
solução do conflito de interesses, não promovendo diretamente a sua solução. FRANCO, Fernão Borba.
Processo Administrativo. Teoria Geral do Processo, Imparcialidade e Coisa Julgada, p. 234.
320
DINAMARCO, BADARÓ, LOPES. Teoria Geral do Processo, p. 309.
132
Em termos teóricos, afora este debate sobre a ação constituir ou não um direito
autônomo, debateu-se também, longamente, se a ação, não obstante autônoma, consistia
em um direito concreto, necessariamente atrelado à existência do direito material324, ou
se constituía um direito abstrato, que se exercita independentemente da titularidade de
algum direito material por parte do autor da demanda. A evolução destes debates
321
Na obra Teoria Geral do Processo, desde suas primeiras edições, os autores destacavam que tal conceito
reinou incontrastado, através de várias conceituações, as quais sempre resultavam em três consequências
inevitáveis: não há ação sem direito; não há direito sem ação; a ação segue a natureza do direito. Foi a teoria
de Savigny seguida, no Brasil, por João Monteiro, Teoria Geral do Processo p. 309
322
CHIOVENDA, Giuseppe. Istituzioni di Diritto Processuale Civile, vol.I, 2ª ed, Napoli, Jovene, 1960,
pp. 20-22.
323
Marcelo Barbi Gonçalves observa que as inquirições a respeito da natureza jurídica da ação eram, do
ponto de vista prático, irrelevantes: ser a ação autônoma ou imanente ao direito subjetivo, abstrata ou
concreta, dirigida contra o Estado, o juízo ou o réu, são discussões teóricas que não possuem repercussão
na entrega do bem da vida devido, GONÇALVES, Marcelo Barbi. Teoria Geral da Jurisdição. Salvador:
Editora JusPodivm, 2020, p. 351.
324
Ver CHIOVENDA, Giuseppe. Istituzioni di Diritto Processuale Civile, vol.I, 2ª ed, Napoli, Jovene,
1960, pp. 20-22, com referências à teoria de Adolf Wach da ação como direito concreto à tutela jurídica,
detido por quem tem razão. Também, LIEBMAN, Enrico Tullio. Manuale di Diritto Processuale Civile,
Vol. I. 5ª ed. Milano, Giufrè, 1992, p. 139-144.
133
Contudo, não obstante essa amplitude, exige-se, ainda assim, que a ação atenda
a requisitos mínimos e, acaso inobservados, a consequência será a rejeição da ação, a
extinção do processo sem que se realizem outros atos processuais e, sobretudo, sem que
325
LIEBMAN, Enrico Tullio. Manuale di Diritto Processuale Civile, p. 139-144.
326
Na obra Teoria Geral do Processo, os autores afirmam que “(...) o direito de ação independe da existência
efetiva do direito material invocado: não deixa de haver ação quando uma sentença justa nega a pretensão
do autor, ou quando uma sentença injusta a acolhe sem que exista na realidade o direito subjetivo material.
A demanda ajuizada pode ser até mesmo temerária, sendo suficiente, para caracterizar o direito de ação,
que o autor mencione um interesse seu, protegido em abstrato pelo direito. É com referência a esse direito
que o Estado está obrigado a exercer a função jurisdicional, proferindo uma decisão, que tanto poderá ser
favorável como desfavorável. Sendo a ação dirigida ao Estado, é este o sujeito passivo de tal direito”. Em
outro trecho, os autores explicam a aplicação desta ideia também ao processo penal, porque “se o Estado
não pode auto-executar a sua pretensão punitiva, deverá fazê-lo dirigindo-se a seus juízes, postulando a
atuação da vontade concreta da lei para a possível satisfação daquela. O direito de pedir o provimento
jurisdicional nada mais é senão a própria ação. Assim como a proibição da autodefesa criou o direito de
ação para os particulares (facultas exigendi), a proibição da auto-executoriedade do direito de punir fez
nascer o direito de agir para o Estado, Teoria Geral do Processo, p. 312 e p. 318.
327
Para Dinamarco, Badaró e Lopes, “a garantia constitucional da ação tem como objeto o direito ao
processo, assegurando às partes não somente a resposta do Estado, mas ainda o direito de sustentar as suas
razões, o direito ao contraditório, o direito de influir sobre a formação do convencimento do juiz - tudo
através daquilo que se denomina tradicionalmente devido processo legal (art.5º, inc. LIV). Daí resulta que
o direito de ação não é extremamente genérico, como muitos o configuram”, Teoria Geral do Processo, p.
271.
134
328
No processo penal, Gustavo Badaró destaca que o art. 395 do CPP não define o que seria “a condição
para o exercício da ação penal”, tendo a doutrina sumarizado que “a denúncia ou a queixa deve ser rejeitada
se (1) não descrever um fato aparentemente típico, (2) ou se já estiver extinta a punibilidade, (3) ou se quem
a ofertar não tiver legitimidade para tanto, ou (4) não houver prova da existência do crime imputado e
indícios de autoria da prática delitiva”. BADARÓ, Gustavo Henrique. As condições da ação penal. 40 anos
da Teoria Geral do Processo no Brasil: passado, presente e futuro, pp. 397-429, p. 425.
135
329
Nelson Nery Jr. observa, acertadamente, ser irrelevante que o CPC/15 deixou de ser referir às expressões
condições da ação e carência da ação, pois “porque categorias jurídicas teóricas prescindem da lei para
serem consideradas”. Elas permanecem existindo, fruto da construção doutrinária, que não é,
evidentemente, revogada por modificações legais, “de sorte que o CPC/2015, por não mais repetir as
expressões condições da ação e carência da ação, não revogou a teoria geral do direito processual civil, que
trata e considera as duas figuras”. NERY, Nelson Jr. Princípios do Processo na Constituição Federal, p.
75
330
Em termos mais estritamente processuais, no âmbito da doutrina que se dedica ao processo estatal, há
um ulterior debate, acerca do momento que deve ser aferido o atendimento às condições da ação. Em estudo
anterior, me filiei à teoria da asserção, que considera que as condições da ação devem ser verificadas a
partir da declaração contida na petição inicial. A investigação ulterior sobre estes elementos integra o mérito
da controvérsia, não sendo correto entender o sistema processual estatal como autorizador de que, mesmo
em estágio avançado do procedimento, inclusive após a instrução probatória, se possa extinguir o processo
sem resolução do mérito, pelo reconhecimento da falta de alguma condição da ação. APRIGLIANO,
Ricardo de Carvalho. Ordem Pública e Processo, p. 76-80.
331
Leonardo Greco define a ação como “o direito subjetivo público, autônomo e abstrato de exigir do
Estado a prestação jurisdicional sobre determinada demanda de direito material”. GRECO, Leonardo. A
Teoria da ação no processo civil. São Paulo: Dialética, 2003, 1ª ed. p. 9-14.
332
FICHTNER, MANNHEIMER, MONTEIRO. Teoria Geral da Arbitragem. p. 17: “não há nenhuma
dúvida de que também na arbitragem o jurisdicionado exercita o direito de ação”, que não é dirigido contra
o Estado, mas é dirigido aos árbitros, a quem a própria lei, “complementada posterior e concretamente pela
vontade das partes”, atribuiu o poder de julgar o mérito do conflito.
136
333
LUCON, Paulo Henrique dos Santos. Código de Processo Civil interpretado. Antonio Carlos Marcato
(coord). São Paulo, Atlas, 2022, p. 33.
137
próprio, que não obstante se refira a alguma relação jurídica material, tem seus requisitos
de existência, validade e eficácia verificados autonomamente.
Assim, para se aferir a legitimidade das partes do processo arbitral, será sempre
necessário recorrer à convenção de arbitragem, examiná-la, para se determinar se as
partes com ela consentiram, de forma expressa ou tácita. A falta de legitimidade das partes
no processo arbitral conduzirá, assim como ocorre no processo estatal, à extinção do
processo sem resolução do mérito334. Não obstante, não há previsões legais específicas
na Lei de Arbitragem acerca da ação, dos seus elementos, condições ou das consequências
do desatendimento a estes parâmetros.
Há, de outro lado, dispositivos na Lei de Arbitragem que atribuem aos árbitros a
competência para examinar questões relativas à existência, validade e eficácia da
convenção de arbitragem (art. 20). O eventual reconhecimento de que não estão presentes
estas condições resultará na extinção do processo arbitral por falta de jurisdição dos
árbitros, o que pode se dar, inclusive, por problemas relacionados às condições da ação
arbitral.
No aspecto subjetivo, pode ocorrer – e não raro estes temas são concretamente
debatidos – que a disputa verse sobre um conjunto de contratos, firmados entre diferentes
partes, sendo debatido se todos se vinculam à convenção de arbitragem. Isso se dá
também em relação a grupos de sociedades, quando a discussão se centra na vinculação
de outras pessoas jurídicas, em função da sua eventual participação na celebração ou
execução do contrato. Se há múltiplas partes da relação jurídica material, mas apenas
parte delas manifestou intenção de submeter litígios à arbitragem, a solução dependerá da
334
PARENTE, Eduardo. Processo arbitral e sistema, p. 159-160.
138
natureza do litisconsórcio a ser formado, que por sua vez dependerá do tipo de pretensão
a ser deduzida.
Ainda a propósito da ação, há dois comentários adicionais que devem ser feitos
neste tópico específico, acerca dos conceitos de litispendência e conexão.
Primeiro, quanto à noção teórica de litispendência. Como visto, pela via arbitral
também se exercita a ação. Se assim é, é necessário também reconhecer que a ação arbitral
também é classificada e examinada à luz dos seus elementos, que são as partes, a causa
de pedir e o pedido. Para diversas finalidades, é necessário classificar e identificar as
ações, o que se faz pela verificação destes seus elementos. A correta identificação da ação
tem finalidades internas ao processo, sobretudo no que diz respeito à estabilização da
demanda, à determinação dos seus limites e, em consequência, da resposta que o órgão
jurisdicional é obrigado a dar (que não pode deixar de examinar qualquer das pretensões
formuladas e, ao mesmo tempo, não pode extrapolar o âmbito destas mesmas pretensões,
tal qual trazidas pelas partes). E tem finalidades externas, para prevenir a repetição de
335
GRINOVER, Ada Pellegrini, observa que devem figurar no processo todos os que são titulares de um
mesmo direito subjetivo ou de uma só obrigação, sendo a obrigatoriedade do litisconsórcio definida não
pelo direito processual, mas pelo direito material em debate, que determina os titulares e os possíveis
afetados pela sentença. “É a estrutura interna da relação jurídica – um estado jurídico único – formada pela
ligação entre várias pessoas, que torna, senão impossível, ao menos ilegítima a formação de um processo
em que apenas uma ou algumas delas estejam presentes”. Parecer – Arbitragem e Litisconsórcio Necessário.
Revista Brasileira de Arbitragem. Vol. 10. São Paulo, 2006, p. 23.
336
GRINOVER, Ada Pellegrini. Parecer – Arbitragem e Litisconsórcio Necessário. Revista Brasileira de
Arbitragem. Vol. 10. São Paulo, 2006, p. 32.
139
demandas, durante ou após a sua tramitação e, se for o caso, para determinar a reunião
destas mesmas demandas.
Neste capítulo, em que se pretende, por assim dizer, a releitura das categorias
fundamentais da Teoria Geral do Processo, à luz da inserção do processo arbitral nela,
são destacados alguns destes aspectos, sob uma perspectiva mais geral. Aqui, importa
afirmar o compartilhamento da estrutura fundamental, e no que diz respeito à Ação, isso
significa que há ação na arbitragem, que ela deve ser compreendida à luz dos seus
elementos, que deve ser exercitada mediante o preenchimento de certos requisitos (ou
condições), e que a repetição total ou parcial da ação enseja os fenômenos da
litispendência, da conexão de causas. Significa também que, acaso julgado o mérito da
controvérsia, a repetição da mesma ação – por via arbitral ou judicial – será obstada pelo
fenômeno da coisa julgada. Pode haver particularidades no exame destas situações, mas
é inequívoco que se está sempre a falar das mesmas categorias teóricas, da mesma
estrutura, da mesma espinha dorsal.
337
NUNES, Thiago Marinho. Arbitragem e Demandas Paralelas: a visão do árbitro. 20 anos da Lei de
Arbitragem, pp. 343-362, 345-349.
140
estatal para lidar com processos paralelos parte de premissas próprias, que incluem a ideia
da unidade da Jurisdição, ainda que subdivida em órgãos, tribunais, juízos diferentes. Mas
se a litispendência envolve uma outra espécie de jurisdição, os problemas devem ser
resolvidos de outra forma, mediante o emprego de outras técnicas.
338
O Código de Processo Civil impõe ao juiz estatal a extinção do processo sem resolução de mérito, seja
quando a parte alega e o juiz acolhe a exceção de convenção de arbitragem (artigo 485, VII, parte inicial),
seja quando os próprios árbitros reconhecem a sua jurisdição (artigo 485, VII, parte final). Há aqui uma
previsão de que, ainda que o juiz não tenha examinado a preliminar de existência de convenção de
arbitragem, ele deverá extinguir a demanda ao ser comunicado de que os árbitros, enfrentando o tema da
arbitrabilidade da controvérsia, tenham decidido no sentido de possuírem jurisdição para a disputa. Os
árbitros não podem determinar aos juízes que extingam processos judiciais, mas a solução que decorre desta
parte final do artigo 485, VII é tal que, para dizer o mínimo, convida o juiz a extinguir o processo, baseado
na decisão tomada pelos árbitros.
141
arbitragem e (iii) o controle do processo arbitral que ocorre apenas depois da tramitação
do processo arbitral, controle que se exercita em relação à sentença arbitral, mediante a
predisposição de uma demanda judicial específica, para a desconstituição os efeitos da
sentença arbitral.
É certo que a Convenção de Nova Iorque contém disposição que autoriza o Poder
Judiciário a examinar, excepcionalmente, a controvérsia sobre a qual haja uma convenção
de arbitragem, nas hipóteses de evidente nulidade da convenção de arbitragem. Mas para
além de uma admissibilidade absolutamente excepcional desta válvula de escape, a
previsão está contida em norma sobre o reconhecimento e homologação de sentenças
arbitrais estrangeiras, o que torna no mínimo discutível que esta mesma solução possa ser
adotada no âmbito de arbitragens internas (ou domésticas)339. Assim, ao se examinar o
arcabouço normativo aplicável às arbitragens internas, observa-se que a única solução
proposta pelo legislador é a de instar o juiz estatal a recusar o exame da demanda,
permitindo o desenvolvimento do processo arbitral, o qual será objeto de controle por
meio de ação anulatória.
339
Esse tema se relaciona muito diretamente com o das medidas anti-arbitragem. A este respeito, ver
NUNES, Thiago Marinho, A Prática das Anti-Suit Injunctions no Procedimento Arbitral e seu recente
desenvolvimento no Direito Brasileiro. Revista Brasileira de Arbitragem, Vol. 5, 2005, pp. 15-51.
SILVEIRA, Gustavo Scheffer da. O papel do juiz no fortalecimento da arbitragem: efeito negativo da
competência-competência v. anti-suit injunctions. Revista Brasileira de Arbitragem. Vol. 60. São Paulo,
2018, pp. 44 – 58.
340
Conforme julgados mencionados na nota 3 ao artigo 503, em NEGRÃO, Theotônio, et. al, Código de
Processo Civil e legislação processual em vigor, 53ª ed., São Paulo, SairaivaJur, 2022, p. 580. Na doutrina,
TALAMINI, Eduardo. Coisa Julgada e sua revisão, São Paulo, Revista dos Tribunais, 2005, p. 155. Em
sentido contrário, defendendo a prevalência da primeira coisa julgada, ALVIM, Arruda. Manual de Direito
Processual Civil, 20ª. Ed. São Paulo, Thomson Reuters Brasil, 2021, p. 1262. Também, DINAMARCO.
Coisas Julgadas Conflitantes. Memorias de um Processualista, p. 113
341
STJ, 2ª Seção, CC n. 185.702, Ministro Marco Aurélio Bellizze, DJe de 17/03/2022
142
Ocorre que esta solução é tecnicamente imprópria, porque atribui aos órgãos
arbitrais uma natureza que não possuem, porquanto adota uma solução pensada para a
estrutura dos órgãos do Poder Judiciário para um órgão jurisdicional privado, que em
nenhuma circunstância pode ser considerado como integrante da estrutura do Estado. Na
realidade, a admissibilidade de Conflitos de Competência entre processos arbitrais e
judiciais decorre de uma má compreensão da própria noção de jurisdição privada.
Ainda que seja uma solução desejada pelo Estado, regulamentada por lei federal,
que corresponda a uma oferta de serviços jurisdicionais adicional, que compartilhe da
mesma estrutura conceitual fundamental que as demais manifestações de processo, fato é
que o processo arbitral se desenvolve fora do âmbito do Estado, de modo que não devem
ser a ele aplicáveis os mecanismos exclusivos de controle da atividade jurisdicional
estatal, de que são exemplos o Conflito de Competência, o Mandado de Segurança ou a
Reclamação. Aliás, vale o registro de que a possibilidade de escapar às Cortes judiciais
constitui, precipuamente, uma das vantagens e um dos objetivos da arbitragem, portanto,
um dos limites para a comunicação entre as regras processuais aplicáveis a um e outro
ramo.
O segundo comentário que merece ser feito diz respeito à conexão. Trata-se de
outro conceito teórico, pertencente à teoria geral do processo, que se aplica às suas
diferentes ramificações, ainda que com nuances. No âmbito da arbitragem, há dois planos
que podem ser examinados. O primeiro, mais relacionado ao processo arbitral
propriamente dito, que diz respeito ao próprio conceito. O segundo, pertinente ao
procedimento a ser adotado em caso de identificação da conexão entre duas causas.
342
STJ, 2ª Seção, Conflito de Competência nº 111.230, Rel.ª Min. Nancy Andrighi, j. 08.05.2013; STJ, 2ª
Seção, Conflito de Competência nº 146.939, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, j. 23.11.2016; STJ, 1ª
Seção, Conflito de Competência nº 139.519, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, j. 11.10.2017.
Reconhece o STJ que: “esta conclusão decorre do reconhecimento de que o Tribunal Arbitral, a despeito
de não compor organicamente o Poder Judiciário, deve ser compreendido na expressão “quaisquer
tribunais” a que a norma constitucional em questão (art. 105, I, d, CF) se refere, sobretudo, porque, tal como
o Judiciário, resolve o conflito de interesses em definitivo, com aplicação da ordem jurídica” (STJ, 2ª Seção,
Conflito de Competência nº 185.702, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, j. 04.03.2022).
143
343
Como já visto, a classificação dos conceitos aplicáveis ao processo em lógico-jurídicos e jurídico-
positivos é adotada por Fredie Didier, como forma de distinguir os elementos puramente teóricos, que
integram verdadeiramente a Teoria Geral do Processo, daqueles conceitos que são positivados e que
representam escolhas do legislador, mas que não necessariamente integram a natureza dos respectivos
institutos jurídicos. DIDIER, Fredie Jr., Sobre a Teoria Geral do Processo, p. 37-38.
144
Se causas conexas envolvem partes diferentes, sendo que apenas algumas delas
estão vinculadas à convenção de arbitragem, não é possível a reunião das causas. Porque
as partes vinculadas à convenção de arbitragem não podem renunciar a ela, isoladamente,
apenas porque é mais conveniente demandar perante tribunais estatais, mirando a conexão
de causas. Em contrapartida, partes não signatárias não podem ser obrigadas a litigar em
arbitragem. Assim, o resultado dessa equação será que as causas não serão reunidas,
correrão em separado e podem receber julgamentos contraditórios. Para contornar essa
dificuldade, tendo em vista a prejudicialidade que se estabelece entre as causas, os árbitros
podem determinar a suspensão do procedimento, à espera da decisão da causa
prejudicial344.
344
PARENTE admite a incidência do conceito processual da prejudicialidade e observa que, entre uma
demanda judicial e uma arbitral, não pode ser aplicada uma regra de conexão. Por isso é preciso definir
qual juízo deve aguardar a decisão do outro, sendo que o árbitro deve interpretar restritivamente pedidos
de suspensão do processo arbitral, para evitar litispendências criadas para impedir seu munus. PARENTE,
Eduardo. Processo arbitral e sistema, p. 194.
345
Octávio Fragata de Barros observa que, nesta hipótese, o problema se agrava, porque nos dois processos
a autoridade arbitral foi conferida pelas partes. Se há alguma ambiguidade que permite uma dupla
instauração, não é claro quem deva ter precedência sobre o outro. BARROS, Octávio Fragata de.
Litispendência arbitral. Concorrência de julgadores na arbitragem internacional: O Brasil e a
“litispendência arbitral”. Revista Brasileira de Arbitragem. Vol. 15. São Paulo, 2007, pp. 7-26, p 23-24.
346
GAILLARD reconhece a aplicabilidade da exceção de litispendência, caso se admita a primeira
representação da arbitragem, que identifica a jurisdição arbitral como integrada ao país da sede. Mas
ressalva que, sob a perspectivas das duas outras possíveis representações da arbitragem (multilocalizadora
e de uma ordem jurídica autônoma), entende que então não haverá lugar para uma exceção de
litispendência. GAILLARD, Emmanuel. Teoria Jurídica da arbitragem internacional, p. 78. Essa
circunstância se dá igualmente em caso de existência de litígios perante jurisdições estatais diferentes,
porque segundo o modelo processual brasileiro, a existência de uma demanda estrangeira não induz
litispendência com demanda promovida perante o Judiciário brasileiro, cf. CPC, art. 24.
145
Mas se não o fazem – e efetivamente esse tema não é objeto das convenções de
arbitragem, como regra – as noções teóricas da conexão terão aplicação ao processo
arbitral.
6.3.Defesa.
347
Regulamento da Câmara de Mercado de 26/10/2011, artigo 6.2 e seguintes. Regulamento da Câmara de
Mediação e Arbitragem de São Paulo, FIESP/CIESP, de 01/08/2013, artigo 4.1. Regulamento da Câmara
de Comércio Internacional CCI de 01/2021, art. 10.
348
DINAMARCO, BADARÓ e LOPES. Teoria Geral do Processo, p. 334. Em outro trecho, afirmam que
defesa é a faculdade de resistir à pretensão do autor, com a mesma relevância que a ação, Teoria Geral do
Processo, p. 70.
146
Se em relação à Ação foi dito que ela constitui um direito público subjetivo, que
o requerente exercita para compelir o Estado, direta ou indiretamente, a examinar o mérito
349
Tratando em termos mais gerais sobre a ampla defesa, Leonardo Greco pontua: “as partes ou os
interessados na administração da Justiça devem ter o direito de apresentar todas as alegações, propor e
produzir toda as provas que, a seu juízo, possam militar a favor do acolhimento da sua pretensão ou do não
acolhimento da postulação do seu adversário. Esse direito abrange tanto o direito à autodefesa quanto à
defesa técnica por um advogado habilitado, e também o direito a não ser prejudicado no seu exercício por
obstáculos alheios à sua vontade ou pela dificuldade de acesso às provas de suas alegações. GRECO,
Leonardo. Garantias Fundamentais do Processo: o processo justo. Disponível em
www.mundojurídico.adv.br, último acesso em 06/06/2022.
350
Ensina Heitor Sica que “tanto a ação quando a defesa são meios para atingimento de um fim, que é a
tutela jurisdicional, perseguida por autor e réu com oportunidades praticamente iguais”, constituindo a
defesa em ferramenta para atuação do Estado, com intuito de pacificação social e de afirmação do direito
objetivo”. SICA, Heitor Vitor Mendonça. Velhos e novos institutos fundamentais do direito processual
civil. 40 anos da Teoria Geral do Processo no Brasil, p. 443.
351
Leonardo Greco igualmente observa que a defesa do réu é um direito, que corresponde a um dever do
juiz, de assegurá-la da forma mais ampla possível. É um direito e um ônus. GRECO, Leonardo. Instituições
de Processo Civil, vol. 1. Introdução ao Direito Processual Civil. 5ª ed. Rio de Janeiro, Forense, 2015.
352
SILVA, Paula Costa e. O Processo e as situações jurídicas processuais. Teoria do Processo: panorama
doutrinário mundial, p. 771: “Também ainda numa primeira aproximação, detecta-se imediatamente uma
distinção entre, por um lado, as faculdades e os ónus, e, por outro, os deveres processuais. Enquanto aqueles
se apresentam como efémeros, estes impendem sobre os sujeitos adjectivos ao longo de todo o processo.
As faculdades e os ónus processuais têm existência breve no processo, constituem-se num dado momento,
para imediatamente se extinguirem. E extinguem-se ou decorrido o prazo para a prática do acto adjectivo
que legitimam ou praticado o acto que legitimam. Isto significa que estes dois tipos de situações, caso se
possam autonomizar, têm uma função muito específica no processo. Elas são constituídas para permitirem
o desenvolvimento de actividades conexas com a produção de um resultado final. Uma vez desenvolvida
essa actividade ou ultrapassado o prazo a ela destinado, tais situações extinguem-se. São situações a cuja
constituição preside uma finalidade específica dentro do processo”.
147
de uma pretensão, a defesa deve ser entendida como um direito público subjetivo de se
opor à ação, com igualdade de oportunidades353. Mas assim como ocorre em relação à
ação, a defesa, ou resposta, também exige o atendimento de certos requisitos. Não são
propriamente condições, nem são as mesmas condições da ação, mas requisitos de outra
ordem. O primeiro deles, o de ser apresentada no prazo estabelecido pelo órgão
jurisdicional. No caso do processo estatal, civil, penal, trabalhista, etc., estes prazos são
fixados na própria lei. No caso do processo arbitral, também este aspecto do procedimento
(o tempo do ato processual) é deixado à livre determinação das partes ou, omissas estas,
ao critério dos árbitros. Em termos práticos, em geral estes prazos são fixados (em dias
corridos, não úteis) consensualmente, no Termo de Arbitragem. Mas antes de ser firmado,
nas arbitragens institucionais, os regulamentos fixarão prazo para as primeiras
manifestações, tais como a de responder à instauração da arbitragem, recolher as custas
iniciais e designar árbitro.
353
DINAMARCO, BADARÓ E LOPES dizem que o réu também tem uma pretensão em face dos órgãos
jurisdicionais, a pretensão a que o pedido do autor seja rejeitado, a qual assume uma forma antitética à
pretensão do autor. Teoria Geral do Processo, p. 331.
354
A respeito, ver APRIGLIANO, Ricardo de Carvalho. Ordem Pública e Processo, p. 93-94.
148
Ainda neste tópico, um rápido comentário deve ser feito quanto à preclusão,
entendida como a perda da faculdade de prática de certos atos no processo, seja pelo
decurso do seu prazo, seja pelo exaurimento da oportunidade para praticá-lo356. Ainda
que modelos procedimentais não rígidos, ou largamente flexíveis, como é o caso típico
do processo arbitral, não adotem regras procedimentais específicas de preclusões rígidas,
o tema em si sempre é observado, o instituto da preclusão – como conceito processual
geral – é aplicável também ao processo arbitral357.
355
Como observa Gabrielle Kaufmann-Kohler, no panorama da arbitragem internacional as coisas se
colocam em patamares semelhantes. Decisões judiciais examinadas pela autora indicam que se busca aferir
se o réu teve efetiva ciência da existência do processo, não se eventuais formalidades quanto ao ato citatório
foram observadas. KAUFMANN-KOHLER, Gabrielle. Arbitration procedure: identifying and applying the
law governing the arbitration procedure. In: van den Berg, Albert Jan. Improving the efficiency of
arbitration agreements and awards: 40 years of application of the New York Convention. The Hague,
Kluwer Law International, 1999. p. 356-365, p. 363.
356
ALVIM, Arruda. Manual de Direito Processual Civil, 20ª. Ed., p. 727-728.
357
Sobre sistemas procedimentais rígidos e flexíveis, ver GAJARDONI, Fernando da Fonseca.
Flexibilidade procedimental: um novo enfoque para o estudo do procedimento em matéria processual. São
Paulo, Atlas, 2008.
149
358
Guilherme Setoguti Pereira também é da opinião de que no processo arbitral o réu tem o ônus de
responder, e que o tratamento do réu que não apresenta defesa deve ser o mesmo que é dado ao réu no
processo estatal, suportando os efeitos da sua inércia, que serão o de se presumir verdadeiras as alegações
feitas pelo autor. PEREIRA, Guilherme Setoguti, Curso de Arbitragem, p. 187.
359
O que significa que o requerido não pode apresentar uma contestação por negativa geral, limitando-se a
afirmar genericamente que os fatos alegados não são verdadeiros. “O ônus de impugnação específica exige
que o réu, além de manifestar-se precisamente sobre cada um dos fatos, expresse fundamentação em suas
alegações, ou seja, cumpre ao réu dizer como os fatos ocorreram e porque nega os fatos apresentados pelo
autor”. WAMBIER, Luis Rodrigues. TALAMINI, Eduardo. Curso Avançado de Processo Civil, vol. 2, 19ª.
Edição, São Paulo, Thomson Reuters Brasil, 2020, p. 147.
150
360
Guilherme Setoguti Pereira reconhece a incidência da revelia no processo arbitral, bem assim a aplicação
das exceções à presunção de veracidade dos fatos, contidas no artigo 345 do CPC. Sustenta, igualmente,
que o requerido revel pode participar do processo a qualquer momento, recebendo-o no estado em que se
encontra (CPC, art. 346), por força do contraditório e devido processo legal. PEREIRA, Guilherme
Setoguti, Curso de Arbitragem, p. 188.
151
6.4. Processo.
Não obstante não seja mais o núcleo central dos estudos da Teoria Geral do
Processo, justamente por sua natureza instrumental, é inegável a importância que o
processo tem na construção das bases teóricas da ciência processual. Como já dito, é
justamente quando se identifica a autonomia da relação que os litigantes estabelecem
quando em conflito, que passa a ser possível a construção de inúmeros conceitos teóricos,
amplamente aplicáveis e aplicados até hoje.
361
FAZZALARI, Elio. Istituzioni di Diritto Processuale, Padua, Cedam, 1975, p. 5-6; p. 23-24.
152
Para os fins deste estudo, acolho e adoto a ideia do processo como uma relação
jurídica, complexa, pela qual seus sujeitos assumem diferentes posições, ativas e passivas,
compostas essencialmente de ônus, direitos, deveres, poderes e faculdades. Esta relação,
que sem qualquer dúvida deve se desenvolver em contraditório, coloca estes sujeitos em
permanente interação, porque seus atos são estruturados em uma sequência ordenada – o
procedimento – de modo que a prática de um ato por um dos seus sujeitos faz surgir ônus,
poderes, deveres ou faculdades para os demais, em uma concatenação de atos que é
concebida em um sentido constante em direção ao julgamento da causa365. Relação
jurídica que é, ela tem seus sujeitos, seu objeto e seu objetivo, que não se confundem com
a relação de direito material que se encontra na base daquele processo366, nem se exaure
na noção de procedimento em contraditório367.
362
Contra, entendendo que as correntes se excluem, porque o processo como relação jurídica, pressupõe
uma predominância da figura do juiz (com o que não concordo), que não é compatível com a vertente
garantística da concepção de Fazzalari. NUNES, Dierle. BAHIA, Alexandre. PEDRON, Flávio Quinaud.
Teoria Geral do Processo, Salvador, JusPodivm, 2020, p. 239-244.
363
Para um panorama dessas correntes teóricas, ver ASSIS, Araken de. Processo Civil Brasileiro, volume
I: parte Geral: fundamentos e distribuição de conflitos. 2ª ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 2016.
364
SILVA, Paula Costa e. O Processo e as situações jurídicas processuais. Teoria do Processo: panorama
doutrinário mundial, pp. 769-808.
Para Fredie Didier, o procedimento é um ato-complexo de formação sucessiva, no qual vários atos o
compõem, relacionados entre si, que se sucedem no tempo. Diz que o processo é, inegavelmente,
procedimento, mas um procedimento animado pela existência de uma relação jurídica que se desenvolve
em contraditório. DIDIER, Fredie. O Juízo de Admissibilidade na Teoria Geral do Direito. Teoria do
Processo: panorama doutrinário mundial, pp. 287-318, p. 292-293.
365
A crítica de Carlos Alberto de Salles à concepção original do processo como relação jurídica se baseia
na premissa de que a conceituação pandectista do processo como relação jurídica processual exclui o
procedimento como integrante da própria definição de processo, observando que o processo, como relação
jurídica, não faria sentido sem o procedimento, de forma que o autor afirma que “é possível, porém, ter
procedimento sem processo, mas não o contrário”. SALLES, Carlos Alberto de. Processo: Procedimento
Dotado de Normatividade - Uma Proposta de Unificação Conceitual, p. 208. Penso que tais críticas podem
ser consideradas superadas à luz de uma moderna visão do processo como relação jurídica, mas que se
desenvolve em contraditório e se corporifica pelo procedimento. O problema de enfatizar o processo apenas
como o procedimento desenvolvido em contraditório é que esta noção falha em explicar todo o feixe de
posições ativas e passivas que se desenvolve por meio do processo.
366
Fredie Didier adere às posições da doutrina que se dedicou ao estudo da Teoria Geral do Processo,
ponderando que o processo, como relação jurídica, tem sempre um objeto, mas que não necessariamente
ele será constituído de uma lide, como se dá, por exemplo, no processo penal, ou em certas ações civis,
como a demanda para retificação de nome. DIDIER Jr, Fredie. Sobre a Teoria Geral do Processo, p. 106.
367
YARSHELL, Flávio Luiz. O processo como instrumento de solução não adjudicada de conflitos: novas
perspectivas para o direito processual? Estudos em Homenagem a Cândido Rangel Dinamarco, p. 419.
153
Nesta mesma linha, Leonardo Greco define processo “uma relação jurídica
complexa e dinâmica, composta de uma série de atos coordenados, praticados pelos
diversos sujeitos processuais em decorrência da multiplicidade de vínculos que os une no
seu curso, através dos quais se prepara e se exerce a função jurisdicional”368 Cuida-se da
prática sucessiva de atos, por seus diferentes personagens, mas que em seu conjunto,
constituem uma unidade teleológica, “que é a de contribuir para a efetivação do exercício
da jurisdição”369.
Não se nega que a definição mais abrangente de processo, que a Teoria Geral do
Processo procura estabelecer para conceituar, ao mesmo tempo, processos estatais e não
estatais, jurisdicionais e não jurisdicionais, deve se ater a elementos mais gerais370. O
processo é encarado menos sob a perspectiva de uma das suas espécies, a jurisdicional, e
mais pelo seu gênero, que corresponde a um mecanismo de solução de controvérsias. Por
controvérsias, pode-se entender tanto as que se estabelecem entre dois litigantes de um
processo jurisdicional, como entre acionistas ou associados de uma mesma entidade, entre
o Administrador e o administrado371. Estas relações se desenvolvem mais adequadamente
por meio do processo e pela compreensão da aplicabilidade dos conceitos teóricos e
parâmetros da Teoria Geral do Processo. Sobretudo, pela incidência de garantias
368
GRECO, Leonardo. Instituições de Processo Civil, vol. 1. Introdução ao Direito Processual Civil. 5ª
edição, Forense, Rio de Janeiro. p. 234.
369
GRECO, Leonardo. Instituições de Processo Civil, vol. 1. Introdução ao Direito Processual Civil. 5ª
edição, Forense, Rio de Janeiro. p. 230.
370
YARSHELL, Flávio Luiz. O processo como instrumento de solução não adjudicada de conflitos: novas
perspectivas para o direito processual?, p. 423: “[...] a concepção de processo – que nasceu confinada à
atividade jurisdicional contenciosa e que progressivamente se expandiu – hoje pode ser tida como
abrangente da busca de toda e qualquer solução de conflitos, adjudicada ou resultante de autocomposição,
mediante atividade realizada para a consecução de tal objetivo, regulada pela lei, ou eventualmente pela
vontade dos interessados (tal como se dá na arbitragem ou na jurisdição estatal, conforme regra do art. 190
do CPC)”. Também, GONÇALVES, Marcelo Barbi. Teoria Geral da Jurisdição, p. 342. Carlos Alberto de
Salles considera hoje “inegável a constatação de o processo não se restringir ao modo judicial de solução
de controvérsias. A tomada de decisão, mediante determinadas condições, significativas de um modo
específico de decidir, é traço presente também em procedimentos adjudicatórios privados, da
Administração Pública e até mesmo do Legislativo”. SALLES, Carlos Alberto de. Carlos Alberto de Salles.
Processo: Procedimento Dotado de Normatividade - Uma Proposta de Unificação Conceitual, p. 209.
371
ZUFELATO, Camilo. Reflexões Acerca da Sindicabilidade de Certas Decisões Administrativas e a
Noção de Inafastabilidade da Tutela Jurisdicional no Contexto Atual das Competências Estatais. 40 anos
da Teoria Geral do Processo no Brasil: passado, presente e futuro, p. 175-176: “o instituto do processo
tem aplicação a todas as formas de exercício das funções estatais, não só a do Poder Judiciário. No mesmo
sentido, sustentando o enquadramento do processo administrativo na Teoria Geral do Processo, MARQUES
Floriano Peixoto de Azevedo. Ensaio sobre o processo como disciplina do exercício da atividade estatal.
Teoria do processo: panorama mundial, p. 261-285.
154
Mas para além de dizer que o processo é uma forma de exercício de poder, é
preciso especificar como, fundamentalmente quanto à arbitragem, se desenvolve esse
exercício de poder. E além de dizer que é uma relação jurídica, é preciso compreender os
contornos dessa relação jurídica. Para esta distinção, parece relevante recorrer novamente
à distinção que Fredie Didier faz entre os conceitos lógico-jurídicos e os jurídico-
positivos. Como construção teórica, o processo é uma relação jurídica. Mas o conteúdo
dessa relação jurídica depende de parâmetros do ordenamento positivo. No caso
372
PEREIRA, Guilherme Setoguti J. Procedimento I. Curso de Arbitragem. p. 177. Fredie Didier, não
obstante afirmar que, sob a perspectiva da teoria geral do direito, o contraditório não é essencial à existência
do processo, mas à sua validade, pondera que em países democráticos, é rara, quiçá inexistente, a
possibilidade de processo sem contraditório, ou seja, é inexistente a atuação estatal, ou privada - no
exercício de poder normativo - que não seja processual, que não se desenvolva como um procedimento em
contraditório. DIDIER, Fredier. Sobre a Teoria Geral do Processo, p. 63.
373
LOPES, João Batista. Curso de Direito Processual Civil. São Paulo, Atlas, 2005. p. 20
374
GRECO observa ainda que as posições jurídicas subjetivas, ativas e passivas, que a norma processual
atribui às partes, não são isoladas e suspensas, que existam por força e virtude próprias. Ao contrário, elas
têm raízes e fundamento no fato básico do processo, se justificam porque surgem e se exercitam no seio
desta relação mais ampla, da qual juridicamente dependem. “Essa relação mantém a sua identidade do início
ao fim, enquanto aquelas posições nascem e se extinguem na medida em que o processo segue o seu
caminho”, GRECO, Leonardo. Instituições de Processo Civil, vol. 1. Introdução ao Direito Processual
Civil, p. 232.
155
Isso explica porque, no plano teórico, se pode dizer que o processo tem sujeitos,
e no plano concreto, é a legislação que estabelece os requisitos formais para a adequada
participação destes sujeitos, regulando, por exemplo, a capacidade de ser parte, de estar
em juízo e a capacidade postulatória. Ou porque esta relação, composta de ônus,
concretamente se desenvolve de modo tal que, uma vez praticado determinado ato,
considera-se exaurida a possibilidade de sua prática, vedando-se a sua repetição376.
375
DIDIER Jr., Fredie. Sobre a Teoria Geral do Processo, p. 65.
376
CABRAL, Antônio do Passo. Nulidades no processo moderno: contraditório, proteção da confiança e
validade prima facie dos atos processuais. Rio de Janeiro, Forense, 2010. p. 56.
377
Cf. CRUZ e TUCCI, José Rogério. A linguagem jurídica exige precisão técnica: processo ou
procedimento arbitral? https://www.conjur.com.br/2021-jan-05/paradoxo-corte-linguagem-juridica-exige-
precisao-tecnica . Tucci invoca lições de Dinamarco, para então afirmar: “Daí a importância de dar "valor
à busca de uma linguagem adequada", compatível com a inserção da arbitragem no âmbito de uma ciência
propriamente dita, dotada de conceitos, estrutura e finalidade bem definidos”.
378
Natália Mizhari Lamas pondera que o legislador não se preocupou com o procedimento arbitral, mas
com o “fim esperado por aquela relação jurídica trilateral que passa a se estabelecer entre os sujeitos do
processo (a relação jurídico-processual, que, em conjunto com o procedimento, forma o processo arbitral)”.
LAMAS, Natália Mizhari. Introdução e Princípios aplicáveis à Arbitragem, Curso de Arbitragem, pp 27-
59, p. 41.
156
379
GRINOVER, Ada Pellegrini. O processo em sua unidade. Vol. II, Rio de Janeiro, Forense, 1984. p. 60-
61: “se de um lado o processo não será um verdadeiro processo enquanto não proteger as partes, no sentido
de lhes dar a oportunidade de sustentarem suas razões, de produzirem sua defesa, de apresentarem suas
provas, de influírem sobre a formação do convencimento do juiz, de outro lado a resposta jurisdicional, por
sua vez, não será legítima, nem será resposta jurisdicional, enquanto não representar o coroamento de um
processo que obedeça a essas garantias. Quer quando se considere o processo sob o ponto de vista da ação,
movida pelo autor, e da defesa, oposta pelo réu; quer quando se o considere do ponto de vista do Estado,
como jurisdição (atividade e exercício de função), o devido processo legal tutela, de um lado, o direito
público subjetivo do autor e do réu, e, de outro lado, a própria jurisdição, legitimando-a.”
380
GRINOVER, Ada Pellegrini. Parecer – Arbitragem e Litisconsórcio Necessário, Revista Brasileira de
Arbitragem, Vol. III. São Paulo, 2006, pp. 7-38, p. 15.
381
Em sentido contrário, imputando ao árbitro o exercício de “verdadeira jurisdição estatal, razão por que
o processo arbitral não pertence ao direito privado, mas ao processual e, pois, ao direito público. Daí a
correta conclusão de que o processo arbitral é de ordem pública, não podendo, em nenhuma hipótese, ser
modificado por convenção das partes, salvo a autorização estrita da LArb 21 caput, relativa ao
procedimento”. NERY Jr., Nelson. Princípios do Processo na Constituição Federal, p. 202.
382
VALLE, Martim Della. Considerações sobre os Pressupostos Processuais em Arbitragens. Revista
Brasileira de Arbitragem. Volume 12, p. 7-30, p. 30: “quase todos os pressupostos processuais
reconhecidos tradicionalmente pela doutrina processual civil podem ser encontrados em alguma medida na
arbitragem. Entretanto, há especificidade no âmbito da arbitragem, e boa parte de seus efeitos pode ser
157
mitigada pelo comportamento das partes, decorrentes da sede contratual da arbitragem (ainda que possa ter
também caráter jurisdicional). De outra parte, há pressupostos processuais específicos na arbitragem, que
não possuem equivalente no processo civil (como o caso do prazo)”.
383
PARENTE, Eduardo. Processo arbitral e sistema, p. 157.
384
PARENTE, Eduardo. Processo arbitral e sistema, p. 157.
385
Fichtner, Mannheimer e Monteiro afirmam que a escolha da sede da arbitragem repercute, no âmbito
judicial, também como cláusula de eleição de foro judicial para as atividades de cooperação do Poder
Judiciário”, como por exemplo a tutela antecedente, ou a execução da sentença arbitral. Isso corresponde,
portanto, a conferir à sede da arbitragem o efeito processual de eleger um foro, atribuindo ao local escolhido
um conjunto de prerrogativas e a atração de efeitos relativos ao processo. FICHTNER, José Antonio;
MANNHEIMER, Sergio Nelson; MONTEIRO, André Luis. Teoria Geral da Arbitragem. p. 172.
158
Dessa mesma opinião compartilha José Rogério Cruz e Tucci, para quem o
processo arbitral se desenvolve por meio de um procedimento lógico e dinâmico, regido
pelos princípios constitucionais da imparcialidade, do contraditório e da isonomia, e por
normas procedimentais próprias, estabelecidas pela lei e pela vontade das partes. A
distinção entre processo e procedimento, clássica na doutrina processual – mas nem por
isso menos complexa – é assim explicada por Moacyr Amaral Santos:
386
PEREIRA, Guilherme Setoguti J. Procedimento I. Curso de Arbitragem, p. 163: afinal, na arbitragem
há sujeitos (partes e árbitros) que pratica atos coordenados em um procedimento, em que esses sujeitos
dispõem de deveres, poderes, faculdades, direitos, ônus, que caracterizam essa relação jurídica.
387
PEREIRA, Guilherme Setoguti J. Procedimento I. Curso de Arbitragem, p. 164.
388
SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras Linhas de Direito Processual Civil, vol. 2, 10ª. ed., São Paulo,
Saraiva, 1985, p. 84.
159
389
CRUZ e TUCCI, José Rogério. A linguagem jurídica exige precisão técnica: processo ou procedimento
arbitral? https://www.conjur.com.br/2021-jan-05/paradoxo-corte-linguagem-juridica-exige-precisao-
tecnica
390
GRECO, Leonardo. Instituições de Processo Civil, vol. 1. Introdução ao Direito Processual Civil. 5ª ed.
Rio de Janeiro, Forense, 2015, p. 235.
391
CALMON DE PASSOS, José Joaquim. Comentários ao Código de Processo Civil, vol. III, Rio de
Janeiro, Forense, 1974, p.7. Cassio Scarpinella Bueno também identifica uma noção teleológica no
procedimento, porque a correlação dos atos processuais tem uma finalidade definida, que é a produção da
sentença ou a criação de condições de realização prática do direito reconhecido. BUENO, Cassio
Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil: teoria geral do direito processual civil, vol.
1. São Paulo, Saraiva, 2007, p. 447.
392
NERY Jr., Nelson. Princípios do Processo na Constituição Federal, p 254.
160
393
GAJARDONI, Fernando da Fonseca et al. Processo de conhecimento e cumprimento de sentença.
Comentários ao CPC de 2015. Vol. 2, 2ª ed. São Paulo, Método, p. 863.
161
jurídicos processuais, ainda com poucos reflexos práticos e sem algum impacto
significativo na praxe forense. Mas ao menos no plano teórico, é possível afirmar que o
processo estatal é marcado por relevante espaço para o exercício da autonomia privada394,
com o real intuito de racionalizá-lo e não o de torná-lo menos eficiente.395
No âmbito do processo arbitral, com ainda maior razão. Dada a sua origem
contratual, o seu objeto adstrito a partes capazes e matérias patrimoniais disponíveis, e o
seu propósito de desviar-se da típica solução judicial dos conflitos, a arbitragem é o meio
propício para o exercício destas liberdades. A separação entre processo e procedimento
ganha contornos relevantes, porque o parâmetro legal que é proposto é o da ampla
flexibilidade do procedimento arbitral (LArb, art. 21, §1º)396. A Lei não se refere ao
processo arbitral, não porque pretendeu excluir a incidência de autonomia da vontade a
respeito das posições jurídicas ativas e passivas, mas porque, constituindo o processo uma
estrutura fundamental pela qual se exercita o poder, a sua flexibilidade é naturalmente
menor. E, em termos práticos, as partes em uma arbitragem sujeita ao ordenamento
brasileiro não costumam convencionar sobre aspectos da estrutura de sua relação jurídica,
mas quanto à sua forma, quanto ao tempo e à ordem dos atos que são praticados.
394
CABRAL, Antonio do Passo. Convenções processuais. Salvador, JusPodivm, 2016. NOGUEIRA, Pedro
Henrique. Sobre os Acordos de Procedimento no Processo Civil Brasileiro. Negócios Processuais,
CABRAL, Antonio do Passo; NOGUEIRA, Pedro Henrique (coord.). 2ª. ed, Salvador, Juspodivm, 2016,
pp. 93-104.
395
YARSHELL, Flávio Luiz. Convenção das partes em matéria processual: uma nova era? Negócios
processuais, pp. 75-92, p. 76.
396
BERALDO, Leonardo de Faria. O Impacto do novo Código de Processo Civil na Arbitragem. Revista
de Arbitragem e Mediação. Vol. 49, pp. 175-200, p. 176.
162
uma noção de que a arbitragem será tanto mais eficiente, quanto mais ela for adaptada a
cada caso concreto397.
397
ABBUD, André. O papel da Soft Law no desenvolvimento da arbitragem. 20 anos da lei de arbitragem:
homenagem a Petronio R Muniz, p. 8.
398
MONTORO, Marcos André Franco. Flexibilidade do Procedimento Arbitral. Tese, USP, 2010. p. 53.
163
lugar, a forma e o tempo a prática destes atos processuais. Em termos processuais, cada
ato produzirá determinados efeitos, corresponderá a declarações de vontade das partes,
que fará surgir outras posições jurídicas ativas ou passivas da contraparte, ou da
instituição arbitral.
399
Renato Stephan Grion diz que a Lei de Arbitragem é econômica ao estipular regras sobre o
procedimento, e mesmo quando há estipulação de regras e prazos, eles são supletivos, aplicados se a
convenção de arbitragem ou o regulamento não preveem algo distinto, ou quando partes e árbitros não
estipulem regras específicas. GRION, Renato Stephan. Procedimento II. Curso de Arbitragem pp. 197-217,
p. 198
400
Regulamento de Arbitragem CAM-CCBC, art. 4.21. Regulamento de Arbitragem FIESP/CIESP, art.
5.3. Por sua vez, o Regulamento de Arbitragem da CAMARB prevê a estabilização com a apresentação das
alegações iniciais, art. 8.3.
165
Esta grande distinção entre as fases e etapas procedimentais dos dois tipos de
processo é igualmente ressaltada por Eduardo Parente, para quem o procedimento arbitral
começa antes do processo propriamente dito, eis que o procedimento começa na sua
instauração, ao passo que o processo só tem início após a aceitação do encargo pelos
árbitros401. Por fundamentos diferentes, Cândido Rangel Dinamarco chega à mesma
conclusão, afirmando que a demanda arbitral é consubstanciada com as Alegações
Iniciais e a partir dela se estabelece uma relação processual arbitral. “Só a demanda
institui a relação jurídica processual, muito embora a arbitragem já esteja instaurada
mediante a aceitação do encargo pelo árbitro ou pelos árbitros”, para então concluir que
não coincidem o momento de instauração da arbitragem e o da formação da relação
processual402.
Com o respeito que estes juristas merecem, entendo que não se deve distinguir
os momentos de início do processo e do procedimento arbitral. A exemplo do que ocorre
com todas as manifestações de processo, o início do processo – enquanto relação
processual – e do procedimento se dá ao mesmo tempo. E no caso da arbitragem, mesmo
antes da indicação dos árbitros, ou da apresentação da demanda, há o exercício de
posições jurídicas ativas e passivas pelas partes. Há ônus de responder, de nomear ou
impugnar árbitros, há deveres de recolher as custas, enfim, um conjunto de situações que
caracterizam o processo arbitral.
401
PARENTE, Eduardo. Processo arbitral e sistema, p. 54.
402
DINAMARCO, Cândido Rangel. A arbitragem na Teoria Geral do Processo, p. 50.
166
Por isso, parece fazer pouco sentido a tentativa de aproximar estes dois
universos. Esta é uma possível justificativa para as sucessivas proclamações de que o
Código de Processo Civil não se aplica à arbitragem. Vislumbram-se apenas os riscos,
sem que desta aproximação se possa extrair vantagens para o desenvolvimento do
instituto404.
403
Renato Stephan Grion resume o iter processual que comumente se observa: requerimento de arbitragem,
resposta, indicação dos árbitros, termo de arbitragem, calendário do procedimento, alegações iniciais,
resposta/reconvenção, réplica, tréplica, produção de provas, audiência de instrução, alegações finais,
comprovação dos custos e sentença. GRION, Renato Stephan. Procedimento II. Curso de Arbitragem, p.
199.
404
MANGE, Flavia Foz. Processo Arbitral: aspectos transnacionais, p. 32: “Conferindo ao tribunal arbitral
o poder subsidiário para estipular o procedimento, ante a omissão das partes em fazê-lo, a Lei de Arbitragem
exclui a aplicação supletiva do Código de Processo Civil (CPC). Evitou-se, portanto, a processualização da
arbitragem”.
167
Alerta-se, ainda, para uma certa tendência de se imitar o processo judicial por
“conservadorismo processual” e “por temor dos membros do tribunal arbitral de que, caso
não sigam as práticas das cortes locais, tornem sua sentença vulnerável à anulação pelas
cortes”406. Assim, pode ser deletéria à arbitragem “a utilização indevida das categorias e
dos conceitos que são próprios do processo judicial”, que ocorre, para Rafael Francisco
Alves, “quando se pretende transportar regras do Código de Processo Civil para o
processo arbitral”407. Montoro adere a este temor, por considerar que a adoção do CPC
“pode acarretar na importação das rígidas regras que disciplinam a preclusão”,
eliminando-se as vantagens de um modelo em que o procedimento é flexível e a preclusão
é atenuada408 409.
Todas as advertências acima são corretas, mas devem ser vistas em perspectiva.
O tema, me parece, não é o de negar a utilização de categorias teóricas do direito
processual, ou mesmo de negar que, em termos concretos, a estrutura de uma arbitragem
interna seja muito semelhante a um processo judicial. A questão relevante que se coloca
é se, ao compartilhar dessas estruturas e trabalhar sobre um mesmo arcabouço conceitual,
uma mesma espinha dorsal, o processo arbitral se torna mais suscetível de receber
405
FOUCHARD, Philippe. Sugestões para aumentar a eficácia internacional das sentenças arbitrais. Revista
de Direito Bancário e do Mercado de Capitais, São Paulo, vol. 8, p. 331, abril, 2000: “As coisas começam
a se estragar quando a lei nacional se pretende de aplicação imperativa e se agravam quando esta não se
limita a exigir o respeito aos princípios fundamentais ao devido processo legal, mas constituem a expressão
de um particularismo marcado e imposto por regras arcaicas ou inadaptadas à arbitragem internacional.”
406
Andrews, Neil. Arbitragem e Outros métodos de solução de conflitos. Brasil e Reino Unido, p. 41.
407
ALVES, Rafael Francisco. O Devido Processo Legal na Arbitragem. Arbitragem no Brasil: aspectos
jurídicos relevantes, Quartier Latin, pp. 382-416, p. 394.
408
MONTORO, Marcos. Flexibilização do Procedimento Arbitral, p. 119.
409
Na apresentação do livro de Rafael Franciso Alves, tive a oportunidade de assim me manifestar: “Para
afirmar a independência do processo arbitral e afastar os riscos da sua indevida processualização, não é
preciso radicalizar no sentido oposto, ao ponto de negar qualquer aplicação de parâmetros e princípios do
processo estatal ao processo arbitral. A premissa de que a Lei de Arbitragem não faz referência ao Código
de Processo Civil, não obstante verdadeira, acaba por dizer muito pouco. Múltiplos problemas precisam ser
resolvidos, cabendo à doutrina o trabalho de criar as pontes necessárias entre os diferentes ramos do
processo”. APRIGLIANO, Ricardo de Carvalho. Resenhas de Livros. Árbitro e Direito: o julgamento do
mérito na arbitragem, de Rafael Francisco Alves. Revista Brasileira de Arbitragem. Vol. 66, pp. 227-229,
p. 227.
168
problemas e deficiências dos processos estatais. E esta análise envolve uma rápida
consideração acerca destes problemas e deficiências.
Ele ocorre fora da estrutura do Poder Judiciário, livre, portanto, de todos os seus
inconvenientes.
Mas como visto nos tópicos anteriores, o processo arbitral é estruturado segundo
as mesmas categorias fundamentais e compartilha com o processo comum de conceitos
comuns, de categorias processuais e institutos jurídicos. Como tem sido dito, cuida-se de
uma espinha dorsal comum, não de seres idênticos, com as mesmíssimas características.
Processo estatal e processo arbitral podem pertencer à mesma categoria, à mesma espécie,
mas não são a mesma coisa. Renovando a alegoria antes utilizada, estamos diante de um
poodle e de um dogue alemão, ou de um beija-flor e de uma águia. O que não é aceitável
é sustentar uma autonomia e um isolamento tais que se possa dizer estarmos diante de um
poodle e de uma águia.
410
Carmona afirma: “A jurisdicionalização da arbitragem é um bem; a processualização da arbitragem é
um mal, que precisa ser combatido. O paladino deste combate será necessariamente o árbitro”. O conceito
está correto, desde que se entenda, ou se substitua a expressão processualização por procedimentalização.
CARMONA, Carlos Alberto. Em torno do árbitro. Revista de Arbitragem e Mediação, vol. 28. São Paulo,
2011, p. 47-63, jan-mar/2011, p. 51.
411
MAGALHÃES, José Carlos de. A Arbitragem e o Processo Judicial, Revista do Advogado, p. 65.
170
Todos os fenômenos acima aludidos dizem respeito a aspectos dos atos que são
praticados, na concatenação inerente ao procedimento arbitral. Tais atos se organizam
segundo alguma forma, são praticados de um certo modo, em certo tempo e lugar. É
inerente ao processo arbitral que tais elementos se façam presentes. A questão, entretanto,
é que nenhum dos parâmetros do processo estatal – e portanto, do Código de Processo
Civil – se aplicam ao processo arbitral porque, neste, o procedimento é livremente eleito
pelas partes.
Muitos destes temas envolvem a preclusão, que será objeto de item próprio no
capítulo cinco. Como elemento inerente ao processo, a preclusão se aplica na arbitragem,
mas não do modo ou com o rigor que se observa no processo judicial. A distinção não é
conceitual, mas cultural, de sentido. Imagine-se que no termo de arbitragem as partes
412
CARMONA, Carlos Alberto. Em torno do Árbitro, p.53
171
estabeleceram que os atos processuais podem ser praticados até as 20h. E que no último
dia do prazo para resposta, a parte protocole a petição, por correio eletrônico, às 23h50.
Estritamente sob a perspectiva do ato processual, ocorreu uma irregularidade atrelada ao
tempo do ato. A consequência? Em pura teoria, seria dito que há intempestividade, que
há uma desconformidade entre a forma que o ato deveria ser praticado e aquela que ele
foi. O fenômeno é o da preclusão temporal, perda da oportunidade de praticar o ato pelo
decurso do seu tempo. Na prática, a consequência será nenhuma. Assim deveria ser no
processo judicial, aliás, por diversas razões sistemáticas. Estas mesmas razões,
enfatizadas no processo arbitral, conduzirão à desconsideração desta irregularidade, para
que a defesa seja normalmente considerada, os fatos sejam considerados controvertidos e
a causa seja normalmente processada, sem qualquer prejuízo ao requerido.
Não é que não ocorre a preclusão, apenas que, em termos procedimentais, ela
não é automaticamente decretada. Há preclusão, mas ela é observada com maior
flexibilidade, maior aderência aos propósitos do processo arbitral. Prazos podem ser
remanejados, oportunidades podem ser reabertas, preservando-se a possibilidade de as
partes demonstrarem seus casos413. Isso se dá porque, no mais das vezes, esses pequenos
retrocessos na marcha procedimental não acarretam prejuízos a ninguém, não impactam
o funcionamento geral do método, daí porque é possível e necessário encarar tais
circunstâncias com flexibilidade.
413
Aplicando justamente essa procedimentalização indevida, pelo empréstimo impróprio de parâmetros
procedimentais do processo estatal, o Tribunal de Justiça do Tocantins reputou adequada a conduta do
árbitro que, diante do atraso da parte à audiência, aplicou o prazo de tolerância de 15 minutos e, não
comparecendo a parte, aplicou-lhe pena de revelia. A ação anulatória, fundada no cerceamento de defesa,
foi rejeitada pelo referido Tribunal (TJTO, 1ª Câmara Cível, Apelação nº 0008648-83.2016.827.0000, Rel.
Des. Luiz Gadotti, j. 13.02.2019).
172
máximo de dez testemunhas. Nada disso faz qualquer sentido no processo arbitral.
Ademais, os respectivos procedimentos têm bases normativas diversas. O processo
judicial regula na própria lei o procedimento (detalhadamente), concebe um modelo
rígido, com poucas janelas de flexibilização. O processo arbitral outorga às partes e aos
414 415
árbitros a regulação, concebe um modelo flexível . Esta distinção, fundamental,
previne e protege a arbitragem dos males e das idiossincrasias do processo estatal.
414
O que é feito propositadamente. André Abbud observa que os mecanismos de controle típicos das
normas jurídicas (hard law) podem ser contraprodutivos, podem abrir as portas para impugnações,
nulidades e outras sanções. Essa é uma das principais razões pelas quais as leis nacionais e os regulamentos
de arbitragem não costumam ditar regras e detalhes sobre o procedimento. Além de assegurar a observância
das balizas do devido processo legal, preveem algumas normas básicas para a formação do juízo arbitral e
o impulso do processo. ABBUD, André. O papel da Soft Law no desenvolvimento da arbitragem. 20 anos
da lei de arbitragem: homenagem a Petronio R Muniz., pp. 3-22, p. 15-16.
415
Nesse sentido: TJMT, 1ª Câmara Cível, Apelação nº 115478/2009, Rel. Des. João Ferreira Filho, j.
22.11.2011: “simples inversão da ordem de depoimento, bem como a presença do apelado na sala da
audiência durante a inquirição do representante da apelante, por si só, não fere os princípios do contraditório
e da ampla defesa, tampouco acarreta em nulidade da sentença, sobretudo quando não demonstrado
qualquer prejuízo pela singela inversão da ordem”.
416
Mesma observação é feita por José Renato Nalini, relativamente ao processo estatal: “Não tem sido as
normas de processo as responsáveis pelo aparente anquilosamento da Justiça, mas a inflexibilidade e o
anacronismo das normas de procedimento”. NALINI, José Renato. Processo e Procedimento - Distinção e
a celeridade da prestação jurisdicional. Revista dos Tribunais, vol 730, 1006, pp. 673-688, p. 5
417
Por exemplo, para proteger a parte que não foi adequadamente cientificada dos termos de um processo
arbitral, por errônea indicação do seu endereço. “Nulidade da citação por edital em procedimento arbitral.
173
Requerido que nunca residiu no endereço informado à Câmara Arbitral. Revelia afastada para que se lhe
oportunize apresentação de defesa” TJPR, 11ª CC, Apel 0028574-29.2011.8.16.0001, j. 01.12.2017,
unânime.
418
Sobre a condição dos regulamentos das câmaras arbitrais como garantia adicional aos litigantes, ver
OPPETIT, Bruno. Elements pour une sociologie de l’arbitrage. L’année sociologique, vol. 27, p. 179-195,
1976, p. 192.
419
GRECO ensina que a revisão judicial de sentenças arbitrais deve ser de limitada possibilidade, para
manter a virtude essencial da arbitragem que é a solução imediata das controvérsias. “De outro modo, a
arbitragem ficaria reduzida a um mero prelúdio para mais um incômodo e demorado processo de revisão
judicial". GRECO, Leonardo. Controle Jurisdicional da Arbitragem. Revista Brasileira de Arbitragem,
2018, volume 57, pp. 7-22, p. 15.
174
do direito à prova, que se justifica porque o processo arbitral pode funcionar sob o regime
da publicidade restrita, quando e porque terceiros podem participar da relação processual
que se desenvolve na arbitragem. Nada disso representa um risco, nenhum desses
elementos, quando constatados, torna o processo arbitral ruim. São esses elementos que
permitem o próprio desenvolvimento do processo arbitral.
420
FRANCO, Fernão Borba. Processo Administrativo, Teoria Geral do Processo, Imparcialidade e Coisa
Julgada, Teoria do Processo: panorama doutrinário mundial, p. 233.
421
MONTORO, Marcos. Flexibilização do Procedimento Arbitral. p. 116
175
1. Considerações Introdutórias.
422
AFONSO DA SILVA, José. Os princípios constitucionais fundamentais”, Revista do Tribunal Regional
Federal 1ª Região, Brasília, v. 6, n. 4, out/dez. 1994, p. 17-22, p. 18: “Os princípios são ordenações que se
irradiam e imantam os sistemas de normas, são – como observam Gomes Canotilho e Vital Moreira –
núcleos de condensações nos quais confluem valores e bens constitucionais. Mas, como disseram os
mesmos autores, os princípios, que começam por ser a base de normas jurídicas, podem estar positivamente
incorporados, transformando-se em normas-princípio e constituindo preceitos básicos da organização
constitucional”.
176
A questão que se coloca é outra, na verdade. Como dito nos capítulos iniciais,
parte expressiva da doutrina que se dedica ao estudo do processo arbitral entende que o
seu arcabouço normativo decorre da combinação das regras fixadas pelas partes e pelos
árbitros, com apoio tão somente na estrutura normativa da própria Lei de Arbitragem e
nos princípios processuais, ou seja, que o recurso aos princípios é suficiente para, em
complementação às disposições específicas da Lei de Arbitragem, se extrair um regime
jurídico abrangente do processo arbitral426.
423
WAMBIER e TALAMINI, Curso Avançado de Processo Civil, p. 71-72.
424
DINAMARCO, Cândido Rangel. A Arbitragem na Teoria Geral do Processo, p.25.
425
Carlos Alberto Carmona, um dos coautores do anteprojeto de lei que veio a se converter na Lei 9.307/96,
ressalta como o legislador brasileiro extraiu, dentre os princípios gerais do processo, aqueles mais aptos a
garantir às partes um julgamento justo, dentre eles: princípio do contraditório, da igualdade, da
imparcialidade do árbitro e do livre convencimento CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e Processo,
p. 293.
426
FICHTNER, José A.; MANNHEIMER, Sergio N. e MONTEIRO, André L. Teoria Geral da
Arbitragem. Rio de Janeiro, Forense, 2019, p. 119 “Parece-nos plenamente possível, porém, a aplicação de
diversos princípios jurídicos na arbitragem – inclusive nesta nova roupagem dos princípios, com eficácia
normativa autônoma –, desde que se mantenham a preponderância e o respeito à autonomia privada e ao
devido processo legal. Em outras palavras, pode-se dizer que desde que a autonomia privada e o devido
177
processo legal sejam fielmente observados, a aplicação de princípios jurídicos na arbitragem é saudável e
não representa “publicização” da arbitragem, mas apenas significa o enquadramento da disciplina arbitral
nas mais contemporâneas visões evolutivas do Direito.”
427
Para Dinamarco, a arbitragem contém um “autêntico processo civil no qual se exerce um verdadeiro
poder, a jurisdição, e que as atividades inerentes a esse exercício têm natureza inegavelmente processual”,
daí porque deve ser inserida na teoria geral do processo. Ainda, na medida em que a arbitragem se destina
a produzir efeitos sobre a esfera jurídica de sujeitos, mediante a prolação de decisões proferidas por outro,
é natural que as atividades desenvolvidas neste processo se submetam às garantias superiores que o processo
constitucional proporciona. DINAMARCO, Cândido Rangel. A Arbitragem na Teoria Geral do Processo,
p. 23.
428
REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. 25ª Ed., São Paulo, Saraiva, pp.285.: “Restringindo-
nos ao aspecto lógico da questão, podemos dizer que os princípios são "verdades fundantes" de um sistema
de conhecimento, como tais admitidas, por serem evidentes ou por terem sido comprovadas, mas também
por motivos de ordem prática de caráter operacional, isto é, como pressupostos exigidos pelas necessidades
da pesquisa e da praxis.”
178
429
Ávila, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 11ª ed. São
Paulo, Malheiros, 2010, p. 26. Ávila critica as construções de Dworkin e por Alexy, entendendo que tanto
os princípios como as regras comportam um exercício de ponderação, podendo ser aplicadas ou afastadas,
caso a caso. Segundo o raciocínio desenvolvido por Ávila, não se pode afirmar, a priori e antecipadamente,
que um determinado dispositivo constitucional contenha um princípio jurídico ou uma regra. Esta
qualificação depende de um trabalho de interpretação do referido dispositivo, para especificar “a
intensidade da relação entre o dispositivo interpretado e os fins e valores que lhe são, potencial e
axiologicamente, sobrejacentes”, do qual resultará, portanto, “a interpretação jurídica de um dispositivo
hipoteticamente formulado como regra ou como princípio”, p. 41-42. Porque a distinção entre regras e
princípios é sempre feita caso a caso, após o trabalho de interpretação, penso ser difícil a utilização concreta
da classificação proposta por Ávila.
430
ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Tradução de Virgílio Afonso da Silva da 5ª edição
alemã. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 93.
431
DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. São Paulo, Martins Fontes, 2002, p. 39. O seu conceito
de princípio consiste em “um padrão que deve ser observado, não porque vá promover ou assegurar uma
situação econômica, política ou social considerada desejável, mas porque é uma exigência de justiça ou
equidade ou alguma outra dimensão da moralidade”, p. 36.
179
432
ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais, p. 90.
433
AFONSO DA SILVA, Virgílio. Princípios e regras: mitos e equívocos acerca de uma distinção. Revista
Latino-Americana de Estudos Constitucionais 1 (2003): pp. 607-630, p. 611.
434
ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais, p. 91.
435
AFONSO DA SILVA, Virgílio. Princípios e regras: mitos e equívocos acerca de uma distinção. Revista
Latino-Americana de Estudos Constitucionais 1 (2003): pp. 607-630, p. 611.
180
normativa, sua aptidão de ser aplicada de forma variada, com diferentes intensidades, e
ainda assim preservar a condição de norma jurídica. Assim, há princípios jurídicos na
acepção que Alexy empresta ao conceito que veiculam conteúdos que nada tem de
nuclear, que não expressam valores fundamentais ou relevantes da ordem jurídica.
Como as classificações das normas devem ser feitas com finalidades de auxiliar
a sua compreensão e aplicação, a classificação que leva em conta o aspecto axiológico da
norma preserva a sua utilidade, porque permite manejar estes conceitos tanto para a
interpretação como para a integração das normas jurídicas, além de facilitar o exercício
interpretativo dos conflitos normativos436. Por estas razões, esta tese adota a primeira
concepção, que parece descrever melhor o fenômeno que se observa quando se examinam
quais são os princípios processuais. Trata-se de uma construção teórica que pode se dizer
clássica, de situar os princípios na estrutura do ordenamento, como seu alicerce, a
fundação sobre a qual se constroem todas as demais estruturas437.
Princípios veiculam normas com conteúdo valorativo mais relevante, que pode
ser entendido como fundamental e fundante de um certo ordenamento. São seus
mandamentos nucleares, suas disposições fundamentais, e em geral, dos princípios se
extraem regras específicas e particulares, que dão concretude a eles, que implementam a
sua verificação nas situações concretas438. Por essa razão, regras apresentam um caráter
instrumental e menos fundamental439.
436
YARSHELL, Flávio Luiz. Curso de Direito Processual Civil, vol. I, 2ª ed., p. 86.
437
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo, 35ª. ed, São Paulo,
Malheiros, 2021, 46: Princípio é “mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição
fundamental que se irradia sobre diferentes normas, compondo-lhes o espírito e servindo de critério para
sua exata compreensão e inteligência delas, exatamente porque define a lógica e a racionalidade do sistema
normativo, conferindo-lhe a tônica que lhe dá sentido harmônico”.
438
CASTRO NEVES, José Roberto. Uma introdução ao Direito Civil, p. 17: “os princípios expressam
grandes vetores, de ampla aplicação, ao passo que as regras são, comumente, desdobramentos mais
específicos dos princípios, destinadas a regular uma situação particular”.
439
AFONSO DA SILVA, Virgílio. Princípios e regras: mitos e equívocos acerca de uma distinção. Revista
Latino-Americana de Estudos Constitucionais 1 (2003): pp. 607-630, p. 612.
440
DIDIER identifica três mudanças significativas na ciência do direito constitucional, com impactos sobre
a ciência processual: (i) o reconhecimento da força normativa da Constituição; (ii) a expansão e consagração
181
essa noção não seja suficiente para explicar todo o regramento do processo arbitral, ela
se faz presente, de modo que, nas arbitragens regidas pelo ordenamento jurídico
brasileiro, os princípios processuais terão sim um importante papel na regulação do
procedimento arbitral.
444
Para BEDAQUE, os fins semelhantes entre o processo judicial e o processo arbitral faz com que a
aplicação das garantias constitucionais seja justificável. Assim, mecanismos como o contraditório e a
fundamentação da sentença seriam exigências do Estado de Direito, considerando que as Partes só teriam
escolhido a arbitragem em razão da efetiva aplicação das garantias do processo constitucional. Sendo
inaceitável a decisão ou ato em contrário. BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Sentença arbitral: questões
de fato, conjunto probatório, fundamentação e contraditório, p. 383.
183
Por fim, é de se reconhecer que há outros princípios que não têm aplicação ao
processo arbitral. O duplo grau de jurisdição é o exemplo mais nítido. Seja ele admitido
como princípio, seja, como sustenta a doutrina majoritária, como uma garantia, ele não é
observado no processo arbitral, e esta circunstância não retira do processo arbitral a sua
445
AFONSO DA SILVA, Virgílio. Interpretação constitucional, São Paulo, Malheiros, 2005: 115-143, p.
128.
446
NERY Jr., Nelson, Princípios do Processo na Constituição Federal, p. 48.: “Talvez o pecado mais sério
da doutrina hodierna seja o de tratar o tema mediante sincretismo, vale dizer, misturando-se as teorias que
se utilizam de critérios e parâmetros distintos uns dos outros”.
447
SUNDFELD, Carlos Ari. Princípio é preguiça? Direito Administrativo para Céticos, pp. 205-229.
448
Aludir à polêmica sobre a configuração dessa norma como princípio, mas aderir à ideia, dada a sua
relevância para o ordenamento como um todo. Tentar exemplificar com normas que detalham esse
princípio, para proibir ou autorizar comportamentos limítrofes.
449
FICHTNER, MANNHEIMER e MONTEIRO incluem a vedação de provas ilícitas entre os direitos e
garantias da Constituição que se aplicam ao processo arbitral, além da previsão expressa do art. 21, par. 2º.
Teoria Geral da Arbitragem, p. 150-151.
184
validade, sua natureza jurisdicional ou sua compreensão como processo regido pelos
princípios constitucionais (conforme capítulo 3, tópico 6.1). Da mesma forma, aspectos
que são normalmente associados à ideia da jurisdição, como características ou princípios,
tais com a investidura, indelegabilidade, aderência ao território e indeclinabilidade, não
se verificam em relação à jurisdição arbitral (conforme capítulo 3, tópico 6.1) 450.
Mas a este rol podem ser adicionadas outras construções que, não obstante
respeitáveis, não representam, sob a perspectiva desta tese, exemplos corretos de
451 452
verdadeiros princípios jurídicos. A observância da ordem pública ou aos bons
costumes, a vedação à revisão do mérito, a autonomia da cláusula compromissória ou
mesmo a competência-competência453, são exemplos do que se pode denominar de
inflação principiológica. Não porque não tenham relevância no estabelecimento de
limites e parâmetros ao processo jurisdicional, mas porque a sua compreensão como
princípios faz surgir o risco de uma excessiva permissividade para o afastamento de regras
concretas, ou para que a partir dessas ideias outros princípios sejam afastados, pelo
exercício típico de ponderação que é próprio do conflito entre princípios. Alguns deles,
ademais, não possuem o grau de generalidade ou a natureza fundante que caracteriza os
princípios. Ao contrário, são regras técnicas concebidas pelo legislador com base em
450
FICHTNER, MANNHEIMER e MONTEIRO. Teoria Geral da Arbitragem. p. 155.
451
FICHTNER, MANNHEIMER e MONTEIRO. Teoria Geral da Arbitragem. p. 156-157: “A nosso ver,
não é apenas o desrespeito ao princípio do contraditório, da igualdade das partes, da imparcialidade e do
livre convencimento que pode, a depender do caso, viciar a sentença arbitral, mas também o desrespeito a
todos os demais princípios aplicáveis à arbitragem cuja violação acabe representando, no caso concreto,
ofensa à ordem pública”.
452
ARMELIN igualmente alude à ordem pública como fator limitador da liberdade das partes em fixar as
regras aplicáveis à solução do litígio, no que tem razão. Também corretamente, não erige a ordem pública
a um princípio em si, porque a ordem pública é a técnica, o mecanismo de controle pelo qual se obsta a
produção de efeitos certos atos jurídicos que violem princípios jurídicos relevantes. A esse respeito, ver
APRIGLIANO, Ricardo de Carvalho, Ordem Pública e Processo, p. 65. Mas Donaldo Armelin parece ir
além quando sustenta que “também carece a liberdade das partes nessa área de poder para alterar as normas
procedimentais inseridas na própria Lei 9.307/96. Portanto, quanto a essas áreas do processo e do
procedimento arbitrais, a vontade das partes, que desfruta em relação a outras condições plenas de atuação,
há de se fletir a esses comandos expressamente insculpidos no diploma legal de regência.” Há poucas
normas procedimentais previstas na própria Lei, mas penso que não se possa afirmar que todas elas sejam
de observância obrigatória. O prazo para apresentação do pedido de esclarecimentos é exemplo típico, pois
os regulamentos institucionais preveem prazos maiores e em geral as partes ampliam o prazo indicado na
lei. ARMELIN, Donaldo. Notas sobre sentença parcial e arbitragem. Revista de Arbitragem, p. 12.
453
LAMAS, Natália Mizhari. Introdução e Princípios aplicáveis à Arbitragem. Curso de Arbitragem, 2018.
pp 27-59, p. 47-49. A autora também alude ao princípio da não denegação de justiça, que constitui um
princípio geral de direito que se aplica igualmente à arbitragem. p. 58.
185
454
Como, aliás, ocorre quanto à competência-competência, na Itália e na Alemanha. O regramento deste
tema nestes países permite que os juízes togados examinem a competência dos árbitros, em caráter
prioritário, conforme artigos 819 do CPC italiano e 1.032 (2) da ZPO alemã.
455
FICHTNER, MANNHEIMER e MONTEIRO. Teoria Geral da Arbitragem, p. 188, qualificam como
princípios as normas sobre correlação entre pedido e sentença, disponibilidade, dispositivo e flexibilidade
procedimental.
456
Que constituem princípios, para FICHTNER, MANNHEIMER e MONTEIRO. Teoria Geral da
Arbitragem, p. 188.
186
457
ÁVILA, com razão, aponta para o equívoco da concepção doutrinária largamente difundida no sentido
de que descumprir um princípio é mais grave que descumprir uma regra. “Em geral, o correto é o contrário:
descumprir uma regra é mais grave que descumprir um princípio”. Prossegue o autor observando que
também é errado considerar que, diante de um conflito entre uma regra e um princípio (ainda que ambos
com status constitucional), deva prevalecer o princípio. Para o autor, “isso não é aceitável”. ÁVILA,
Humberto. Teoria dos Princípios, p. 90-91.
187
Princípios jurídicos são inspirados em valores mais relevantes, mas o seu caráter
genérico e, com o perdão da redundância, principiológico, não permite que eles
prevaleçam e gerem o afastamento de regras jurídicas particulares. Não cabe ao julgador
– integrante dos quadros do Poder Judiciário ou privado – realizar juízos de conveniência
sobre as normas jurídicas, criando critérios próprios e particulares de julgamento e noções
personalíssimas de justiça. Esse método de interpretação de princípios e regras é fonte de
grande instabilidade e é um dos fatores responsáveis pela loteria judiciária a que nos
sujeitamos permanentemente458.
458
O que Humberto Ávila qualifica de decisionismo. Nas palavras do autor, “com a finalidade de combater
o formalismo, a doutrina redireciona a aplicação do ordenamento para os princípios, mas, ao fazê-lo sem
indicar critérios minimamente objetiváveis para sua aplicação, aumenta a injustiça por meio da
intensificação do decisionismo. ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios, p. 91.
188
459
Sobre o acesso à justiça, os Autores propõem uma leitura do artigo 5o, XXXV da CF que não se limita
ao Poder Judiciário, mas sim a toda forma de apreciação jurisdicional, o que inclui os árbitros. FICHTNER,
MANNHEIMER e MONTEIRO. Teoria Geral da Arbitragem,. p. 158-159.
189
Isso quer dizer que nenhuma lei, no ordenamento brasileiro, pode impedir que
as pessoas (entendidas aqui em sentido amplíssimo) possam pleitear perante alguma
autoridade jurisdicional a prevenção ou reparação de danos que aleguem sofrer. Tal
garantia, conforme a interpretação que se lhe deu ao longo do tempo, não se exaure na
mera previsão de órgãos do Poder Judiciário, ou no estabelecimento de competência
destes órgãos para todos os tipos de conflitos. O acesso à justiça consagra um amplo
conjunto de medidas, de normas e de posturas do Estado para, efetivamente, propiciar aos
cidadãos e à sociedade em geral (inclusive aos próprios entes da Administração, do
Legislativo e também do Judiciário) amplo e efetivo acesso à tutela jurisdicional.
Não pode ser imposto ao Estado que custeie essa forma privada de administração
de justiça. Da mesma forma, os agentes privados que nele atuam não podem ser forçados
a atuar sem a correspondente contraprestação. Não há, portanto, gratuidade no âmbito do
processo arbitral.
460
GUERRERO, Luis Fernando. Convenção de Arbitragem e processo arbitral. 4ª. Ed, São Paulo,
Almedina, 2022, p. 157-161.
191
procedibilidade. Prevalece, hoje, a ideia de que certas restrições ao acesso à justiça são
legítimas e não se incompatibilizam com a garantia constitucional461.
No que diz respeito à tutela de urgência, não obstante a previsão legal e a outorga
de tais poderes aos árbitros, em tese é possível que as partes excluam tais poderes dos
árbitros. Não podem excluir, em termos absolutos, a apreciação de questões urgentes de
alguma autoridade jurisdicional, mas podem atribuir a árbitros de emergência ou mesmo
ao poder Judiciário462.
461
Como a exigência de prévio requerimento administrativo antes do beneficiário do INSS ingressar com
a ação judicial (STF, Tema 350, com repercussão geral).
462
CARRETEIRO, Mateus Aimoré. Tutelas de Urgência e Processo Arbitral. São Paulo: Editora Revista
dos Tribunais, 2017, p.208 e ss.
463
MONTORO, Marcos. Flexibilidade do Procedimento Arbitral, p. 199, alude às restrições que as partes,
voluntariamente, estabeleçam, como a limitação de montantes indenizatórios, ou a exclusão de competência
dos árbitros para tutela de urgência. E então afirma “as partes não podem inserir, na convenção arbitral ou
em qualquer outro documento, declaração de renúncia antecipada ao direito de apresentar a ação de
nulidade (anulação) da sentença arbitral prevista no art. 33 da Lei 9.307/96”, explicando que “Esse tipo de
previsão é contrário ao princípio constitucional da inafastabilidade da tutela jurisdicional, sendo, portanto,
inválido”.
464
ZONCO, Raul. Arbitragem, Jurisdição e Anulação de Sentenças Arbitrais: um estudo sobre o exercício
da pretensão anulatória pela via arbitral. São Paulo, Quartier Latin, 2022. Em especial, o capítulo 4, pp.
126-168.
192
Com razão, a doutrina observa que o devido processo legal constitui o princípio
síntese que congrega e reúne diversos outros princípios, tais como o contraditório, a ampla
defesa, a imparcialidade etc. Trata-se de um princípio que serve de base para outros e para
inúmeras regras465. Sua origem remonta à Inglaterra, em 1.215, com a assinatura da
Magna Carta por parte do Rei João Sem Terra466. Desde então, o conceito foi sendo
continuamente ampliado e adaptado às inúmeras situações em que ele pode ter aplicação.
Ada Pellegrini Grinover, aludindo também à sua origem, afirma que a garantia do devido
processo legal “deve ser vista e entendida não apenas sob o enfoque individualista da
tutela de direitos subjetivos das partes, mas sobretudo como conjunto de garantias
objetivas do próprio processo, como fator que legitima o exercício da jurisdição, quer
estatal, quer arbitral”467.
465
NERY Jr., Nelson. Princípios do Processo na Constituição Federal, p. 32: “bastaria a norma
constitucional haver adotado o princípio do due process of law para que daí decorressem todas as
consequências processuais que garantiriam aos litigantes o direito a um processo e a uma sentença justa. É,
por assim dizer, o gênero do qual todos os demais princípios e regras constitucionais são espécies”.
466
NERY Jr., Nelson. Princípios do Processo na Constituição Federal, p. 33: “O primeiro ordenamento
que teria feito menção a este princípio foi a Magna Carta de João Sem Terra, do ano de 1215, quando se
referiu à law of the land (art. 39), sem, ainda, ter mencionado expressamente a locução devido processo
legal”.
467
GRINOVER, Ada Pellegrini. Parecer – Arbitragem e Litisconsórcio Necessário. Revista Brasileira de
Arbitragem, 2006, Vol. 10, p.9.
468
ALVES, Rafael Francisco. O Devido Processo Legal na Arbitragem. Arbitragem no Brasil: aspectos
jurídicos relevantes, Quartier Latin, pp. 382-416, p. 389: no âmbito judicial o devido processo legal é a
convergência de todos os demais princípios, que por trás desses princípios está o ideal de um julgamento
justo, que se entende por aquele que assegura iguais oportunidades de participação a todos os envolvidos,
pois processo é participação.
193
que ocorra efetiva análise dos argumentos desenvolvidos. Por exemplo, quando decisões
são proferidas minutos ou poucas horas depois de manifestações das partes nos autos.
Nesses casos, o julgador espera o cumprimento do prazo (uma réplica, por exemplo), para
instantes depois proferir julgamento antecipado. Esse tipo de situação é inaceitável,
representa mero arremedo de um processo efetivamente devido e justo.
469
CRUZ e TUCCI, José Rogério. As garantias constitucionais do processo civil no aniversário dos 30 anos
da Constituição federal. Revista do Advogado, AASP, vol.192/2011, pp. 83-91: “Destacada página da
história da liberdade, a garantia constitucional do devido processo legal deve ser uma realidade em todo o
desenrolar do processo judicial, arbitral ou administrativo, de sorte que ninguém seja privado de seus
direitos, a não ser que no procedimento em que este se materializa se constatem todas as formalidades e
exigências em lei previstas. A CF vigente assegurou, como se sabe, a todos os membros da coletividade um
processo que deve se desenrolar publicamente perante uma autoridade competente, com igual tratamento
dos sujeitos parciais, para que possam defender os seus direitos em contraditório, com todos os meios
inerentes e motivando-se os respectivos provimentos; tudo dentro de um lapso temporal razoável.” p. 84.
470
Por exemplo, o Regulamento de Arbitragem da Câmara de Comércio Internacional (CCI), nos artigos
11 (1) e 22(4), o Regulamento do London Court of International Arbitration (LCIA), nos artigos 14.1 e
14.2., e o Regulamento de Arbitragem do Centro de Arbitragem e Mediação da Câmara de Comércio Brasil
– Canadá, no artigo 7.8.
471
KAUFMANN-KOHLER: “It is no surprise that an overriding uniform principle will emerge from such
review, which is the principle of party autonomy (or, alternatively, arbitrator autonomy) in procedural
matters. But any autonomy, any freedom, has its limits. What are the limits here? Again, although the
terminology differs, the limits appear largely uniform: due process constitutes the limit.”, KAUFMANN-
KOHLER, Gabrielle. Arbitration procedure: identifying and applying the law governing the arbitration
procedure, p. 336.
472
Como afirma MONTORO, “como dizer que o princípio do devido processo legal não se aplicaria na
arbitragem, se todos esses seus aspectos se aplicam?”, MONTORO, Marcos. Flexibilidade do
Procedimento Arbitral, p. 221.
194
473
PARENTE observa que o conceito de devido processo arbitral não se sustenta sozinho, mas exige
complementação, preenchimento pela lei. Para o autor, no processo arbitral, esse conceito é preenchido
pelas suas próprias disposições. Eduardo Parente. Processo arbitral e sistema, p. 104. Entendo que mesmo
com a complementação possível das disposições legais, ainda assim há muitos campos em que a pouca
regulamentação legal exige ulteriores complementações. Que são feitas pelos próprios árbitros, mas
também mediante a aplicação de certas normas processuais gerais, que asseguram parâmetros para o
cumprimento do devido processo legal e que devem ser igualmente observadas no processo arbitral.
474
A doutrina, acertadamente, entende que não se aplica ao processo arbitral a regra procedimental fixada
no CPC, artigo 346, que determina que o processo corra contra a parte revel e que ela seja considerada
intimada de todos os atos, por mera ficção legal. Para Guilherme Setoguti Pereira, “a única maneira de se
respeitar o devido processo legal, o contraditório e o direito de defesa do réu revel é lhe enviar cópia de
todas as decisões e petições, cumprindo-se rigorosamente também em relação a ele, as regras de
comunicação adotadas no processo”. PEREIRA, Guilherme Setoguti J. Procedimento I. Curso de
Arbitragem, pp. 162-196, p. 189.
195
Civil, em aplicação subsidiária, porque afinal constituem normas processuais gerais, que
moldam todo e qualquer processo jurisdicional.
475
Marcelo Lima Guerra define regras como normas “dotadas de uma estrutura fechada, nas quais à
previsão de um fato específico vem imputada uma consequência igualmente específica, ambos, fato típico
e consequência, descritos de forma o mais detalhada possível na própria norma”, ao passo que os princípios
se caracterizam por sua “estrutura aberta, nas quais não havia a indicação de um fato específico ao qual
seriam aplicadas, nem a determinação clara da consequência jurídica, e sim a positivação de um valor” O
autor então observa que “as regras distinguem-se dos princípios, sobretudo, quanto ao modo de aplicação.
Realmente, por serem normas fechadas, as regras aplicam-se na base do “tudo ou nada”, na base da mera
subsunção de situações concretas à descrição abstrata de fatos nelas contidas (a chamada subsunção do fato
na hipótese legal), extraindo-se, automaticamente, a consequência jurídica devida ao caso concreto. Já as
normas com estrutura de princípio aplicam-se não com base na subsunção – o que é virtualmente impossível
de ser realizado, dado o caráter aberto de tais normas - , mas sim por meio da ponderação. É que tais normas,
em sendo aplicadas diretamente, exigem do operador jurídico uma intensa atividade valorativa, no sentido
de escolher um entre vários caminhos que se revelam igualmente possíveis, à luz da respectiva norma.”
GUERRA, Marcelo Lima. Prisão Civil de depositário infiel e princípio da proporcionalidade. Revista de
Processo, nº 105, janeiro/março de 2.002, p. 35-36.
196
476
FICHTNER, MANNHEIMER e MONTEIRO. Teoria Geral da Arbitragem, p. 151, observam que “não
se pode, sob a justificativa de observância dos direitos e garantias constitucionais, ‘pretender publicizar a
arbitragem a ponto de comprometer sua autonomia privada das partes’.
477
TJ/PR, Agravo de Instrumento nº0002738-13.2018.8.16.0000, 11ª Câmara Cível, j. 18/07/2018: “(...)
Da mesma forma que o Código de Processo Civil faz menção a princípios básicos que devem ser respeitados
no âmbito dos processos judiciais, a Lei nº9.307/1996 prevê em seu art. 21, §2º que "Serão, sempre,
respeitados no procedimento arbitral os princípios do contraditório, da igualdade das partes, da
imparcialidade do árbitro e de seu livre convencimento". (...) Resta evidente que o direito ao contraditório
da parte agravante naquela demanda restou prejudicado, diante da revelia no processo arbitral, uma vez
que, realizada a citação por edital e não apresentada a resposta, necessariamente deveria ter sido observada
a regra do art. 9º, inc. II, do Código de Processo Civil de 1973 (vigente na época), com a nomeação de
curador especial para a defesa dos interesses dos réus revéis”.
478
FICHTNER, José Antonio; MANNHEIMER, Sergio Nelson; MONTEIRO, André Luís. Teoria Geral
da Arbitragem, p. 152, exemplificam com a limitação consensual de meios de prova. Se a convenção de
arbitragem contempla alguma restrição, os árbitros se vinculam e “não poderão invocar os princípios do
197
2.3. Contraditório.
livre convencimento motivado, da igualdade e do contraditório para passar por cima daquilo que foi
definido de comum acordo pelas partes na arbitragem como manifestação da liberdade individual”.
479
BERMANN, George. A. Ascertaining the Parties’ Intentions in Arbitral Design. In Penn State Law
Review, vol. 113:4, p. 1013-1029, p. 1014.
480
Por processo administrativo, deve-se entender não apenas os procedimentos que se processam perante a
Administração, mas também inquéritos civis ou penais, que se processam sem uma autoridade jurisdicional
responsável, sem que se concluam com decisões por terceiros equidistantes. O fato de serem procedimentos
preparatórios de eventuais futuros processos não lhes retira a potencialidade de afetar a esfera de direitos
dos investigados, razão pela qual deve se assegurar o contraditório também nestes ambientes. A este
respeito, ver, FRANCO, Fernão Borba. Processo Administrativo, São Paulo, Atlas, 2008, pp. 77-84. Ao
discorrer sobre a valoração probatória das informações colhidas nos inquéritos, Susana Henrique da Costa
afirma que a ausência de contraditório diminui a força probatória, “mas não implica a total inaptidão das
peças de informação do inquérito para formação do convencimento do magistrado, sequer para a concessão
de tutelas de urgência. (...) Deve prevalecer, assim, o entendimento majoritário, que permite ao juiz apreciar
livremente a prova constante dos autos, inclusive o inquérito. A análise do magistrado, racional e motivada,
deverá considerar a importantíssima circunstância da implementação, ou não, do contraditório no curso do
procedimento administrativo e valorar, segundo este e outros critérios legais ou de experiência, o peso que
198
seus elementos de convicção terão no seu convencimento”. COSTA. Susana Henrique da. O contraditório
e a valoração dos elementos de prova. 40 anos da Teoria Geral do Processo no Brasil: passado, presente
e futuro, pp. 706-740, p. 738.
481
NERY Jr. afirma ser da tradição do direito constitucional brasileiro a adoção expressa da garantia ao
contraditório no texto da Constituição. O preceito encontrava-se previsto na CI/1824 179 VIII; CF/1891 72
§ 16; CF/1934 113 24; CF/1937 122 11; CF/1946 141 § 25;330 CF/1967 150 § 15; CF/1969 153 § 15.
NERY Jr., Nelson. Princípios do Processo na Constituição Federal. p 246.
482
AVENA, Norberto. Processo Penal. 13ª ed. Rio de Janeiro: Forense; Método, 2021, p. 27.
483
YARSHELL, Flávio Luiz. Curso de direito processual civil.2. ed. Vol. I. São Paulo, Marcial Pons, 2020,
p. 137.
484
Sobre contraditório, diz que tem previsão na CF e que por isso, que o princípio do contraditório aplica-
se em procedimentos não estatais. Exemplos, Justiça Desportiva, cuja observância do contraditório tem
previsão legal nos §§s 1º e 2º do art. 217 da Constituição Federal, e nos art. 49 e seguintes da Lei Pelé (nº
9.615/98). O caput do art. 52 e o § 3º do art. 53, ambos da Lei Pelé. MONTORO, Marcos. Flexibilidade
do Procedimento Arbitral, p. 151.
485
O mesmo para associações privadas, clubes etc. Tamanha importância do contraditório para o direito de
defesa que ele foi contemplado no artigo 507 do CC, p. 151. O mesmo no âmbito das sociedades, art. 1085
do Código Civil. Montoro afirma, com acerto, que “todos esses exemplos demonstram que o princípio do
contraditório e da ampla defesa são regras que devem ser respeitadas inclusive quando é exercido poder
dentro da sociedade civil, fora dos órgãos estatais. O mesmo ocorre na arbitragem”. MONTORO, Marcos.
Flexibilidade do Procedimento Arbitral, p. 151.
199
486
O contraditório é amplamente assegurado no âmbito da arbitragem internacional e alguns diplomas
legais estrangeiros fazem expressa referência a este princípio. KAUFMANN-KOHLER menciona tal
previsão no Direito francês (artigo 1.502 do Código de Processo Civil) e no direito suíço (artigo 182 do
Swiss Private International Law Act. KAUFMANN-KOHLER, Gabrielle. Arbitration procedure:
identifying and applying the law governing the arbitration procedure. In: van den Berg, Albert Jan.
Improving the efficiency of arbitration agreements and awards: 40 years of application of the New York
Convention. The Hague: Kluwer Law International, 1999. p. 356-365, p. 359.
487
CRUZ e TUCCI, José Rogério. As garantias constitucionais do processo civil no aniversário dos 30 anos
da Constituição federal. Revista do Advogado, AASP, vol. 192/2011, pp. 83-91, p.85: o princípio
constitucional do contraditório corresponde a um postulado considerado eterno.
488
PEREIRA, Guilherme Setoguti J. Procedimento I. Curso de Arbitragem, pp. 162-196, p. 176.
489
Para NERY, no processo civil o contraditório não tem essa amplitude. É suficiente que seja dada
oportunidade aos litigantes para se fazerem ouvir no processo, por intermédio do contraditório recíproco,
da paridade de tratamento e da liberdade de discussão da causa. Tratando-se de direitos disponíveis, o réu,
por exemplo, pode deixar de apresentar contestação – revelia – sem que isto configure ofensa ao princípio
200
do contraditório. Deve-se, isto sim, dar a ele a oportunidade de ser ouvido, de apresentar sua contrariedade
ao pedido do autor. Essa oportunidade tem de ser real, efetiva, pois o princípio constitucional não se
contenta com o contraditório meramente formal. Por esta razão é mais apropriado falar-se em bilateralidade
da audiência, como princípio no processo civil. O réu deve ser, portanto, citado. Isto se verificando, mesmo
no caso de ele tornar-se revel, deixando de apresentar contestação, terá sido atendido o princípio
constitucional do contraditório. NERY Jr., Nelson. Princípios do Processo na Constituição Federal, p. 252
490
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal. 2ª Edição. Rio de Janeiro, Forense, 2021, p.
335.
491
MARCÃO, Renato. Curso de Processo Penal, p.72: “(...) ao contrário do que ocorre no direito
processual civil, em que vige o princípio da verdade formal e a revelia autoriza presumir verdadeiros os
fatos alegados pelo autor, no processo penal prevalece o interesse público, e a prestação jurisdicional busca
reconstruir a verdade real, empírica, e assim esclarecer, com a maior precisão possível, a maneira como os
fatos imputados verdadeiramente se deram.”
492
MONTORO, Marcos. Flexibilidade do Procedimento Arbitral, p. 154.
493
A citação, que é mais grave, também ocorre sem formalidades específicas. Montoro diz que “mais
importante do que a forma eventualmente escolhida pelas partes, o que efetivamente importa é verificar se
201
do processo estatal não terão aplicação no processo arbitral, porque quanto a elas, a norma
de regência determina que sejam as partes e, na sua omissão, os árbitros que definirão o
procedimento.
Não existe propriamente a hipótese de omissão dos árbitros, que devesse ser
resolvida mediante o recurso à legislação processual geral, como norma subsidiária. Não
em relação a particularidades do procedimento. Explico. Os árbitros sempre deverão fixar
os prazos para a prática dos atos que determinarem. Quando muito, os poucos prazos que
os regulamentos institucionais costumam prever serão observados, mas ainda assim,
quanto a todos os demais, não haverá uma regra subsidiária a ser aplicada. Também a
forma de intimação dos atos do procedimento deverá ser definida pelos árbitros,
preferencialmente em conjunto com as Partes.
o objetivo foi alcançado, se a parte “demandada” teve real ciência da existência da arbitragem”. Outra
variável é que a parte não é convidada a apresentar sua defesa, mas apenas a se manifestar sobre a
instauração da arbitragem. A petição inicial e a defesa serão apresentadas depois. MONTORO, Marcos.
Flexibilidade do Procedimento Arbitral. p. 156.
202
494
MONTORO, Marcos. Flexibilidade do Procedimento Arbitral, p. 165-166.
203
Essa nova perspectiva conflita com a tradicional noção de que o juiz conhece a
lei, consagrada nas máximas damo tibi factum dabo tibi jus, ou iura novit curia. Discute-
se em que medida tais máximas seguem compatíveis com a nova compreensão deste
contraditório circular.
495
OLIVEIRA, Swarai Cervone de. Iura novit curia e contraditório no processo civil atual, Belo Horizonte,
D’Plácido, 2021, p. 95.
496
Calamandrei já afirmada: “nel processo il giudice non è mai solo. Il processo non è un monologo: è un
dialogo, una conversazione, uno scambio de proposte, di repliche. (...) In ciò consiste quel carattere, il più
prezioso e tipico del processo moderno, che è la dialetticità: che vuol dire che la volontà del giudice non è
mai sovrana assoluta, ma sempre condizionata (anche nel processo penale) alla volontà e al comportamento
delle parti, cioè all’iniziativa, allo stimolo, alla resistenza o all’acquiescenza di esse”. CALAMANDREI,
Piero. La Dialetticità del Processo. Processo e democrazia. Padova. Cedam, 1954, p. 679.
497
APRIGLIANO, Ricardo de Carvalho. Ordem Pública e Processo: o tratamento das questões de ordem
públicas no direito processual civil, p. 71-75.
204
pelas partes não conta com a aceitação dos árbitros, a alternativa seria a rejeição da
demanda, sendo vedada a utilização de argumentos que não foram suscitados pelas partes
ou debatidos entre elas.
De outro lado, autorizadas vozes entendem que a qualificação jurídica dos fatos
é uma atribuição inerente aos julgamentos de natureza jurisdicional, não podendo ser
objeto de restrição nem representando violação ao contraditório499. A vedação às decisões
surpresa diz respeito a outros elementos, sobretudo à consideração de elementos fáticos
que as partes não trouxeram ou não debateram adequadamente. Sustenta-se, ainda, que a
Lei de Arbitragem brasileira, a exemplo de muitas outras leis nacionais, não exige que o
árbitro tenha formação jurídica, não sendo razoável exigir que árbitros sem formação
jurídica conheçam o direito e possam, portanto, aplicar a qualificação jurídica que
acharem mais adequada, mesmo que diferente da qualificação proposta pelas partes. Não
podem, em qualquer caso, surpreender as partes500.
Nos limites do que é possível aprofundar a discussão nesse tópico, observo que
a evolução doutrinária sobre o significado e a extensão do princípio do contraditório
conduzem a uma ideia de verdadeira democratização do processo decisório. O processo
não pertence ao julgador, mas às partes. São elas as titulares dos direitos sob disputa, e
498
Mesmo porque semelhante fundamento nada diz com a validade da convenção de arbitragem, de forma
que as partes seguirão obrigadas a submeter seus conflitos por arbitragem.
499
CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e Processo Um Comentário à Lei nº9.307/96, 3ª. edição,
Editora Atlas, São Paulo, 2009, p. 371: “Nunca é demais lembrar que, quanto à decisão extra petita, esta
só acontece se o árbitro contemplar questão que não for trazida à discussão pelas partes, o que não ocorre
quando forem examinados os pedidos e aplicada norma diversa daquela invocada pelo (ou pelos)
contendentes, pois o árbitro – como o juiz togado – não está obrigado a usar os mesmos fundamentos legais
ou jurídicos invocados pelos litigantes.”
500
ALVES, Rafael Francisco. Árbitro e Direito: o julgamento do mérito na arbitragem. São Paulo,
Almedina, 2018, p. 133-135: “Dentro da comunicação principiológica que existe entre os processos judicial
e arbitral, o novo dispositivo também pode servir de baliza para a atuação do árbitro”. Tal dispositivo
reforça a previsibilidade, segurança jurídica e o contraditório, também relevantes para o processo arbitral.
Mas ressalva que quando o árbitro aplica o direito sem ter ouvido as partes previamente, não
necessariamente há violação ao devido processo legal. No mesmo sentido, FURTADO, Leonardo Mader.
Iura Novit Curia em Arbitragem e as Cortes Europeias, Revista Brasileira de Arbitragem, Volume 36,
2012, p. 27-55, p. 54.
205
que podem inclusive dispor sobre as regras processuais e procedimentais aplicáveis. Isso,
desde a edição do CPC/15, inclusive no processo estatal. Sob essa perspectiva é que se
desenvolvem as noções de deveres de prevenção, consulta, esclarecimento e auxílio, que
compõem essa atual perspectiva do contraditório. Difícil sustentar que o julgador possa
surpreender as partes, promovendo julgamento inesperado, aplicando fundamentos não
debatidos501. Continua sendo verdade que o julgador conhece o direito (e se ele não tem
formação jurídica, nem por isso é isento desse dever, que é conatural à função
desempenhada), e que ele pode aplicar qualificação jurídica diversa. O ponto é que ele
não pode fazer isso de surpresa, sem observar, antes, o contraditório502.
501
Sobre a necessidade de consultar as partes antes da sentença, CRUZ e TUCCI diz que essa justificativa
é plenamente aceitável nos domínios da arbitragem, que a nova regra legal contida no artigo 9º do Código
de Processo Civil encerra verdadeiro dever de consulta do árbitro, impondo ao tribunal em regime de franca
cooperação, conceder às partes a oportunidade de manifestação sobre qualquer questão de fato e de direito.
O árbitro deve abrir prazo para discussão pelas partes, evitando seja proferida uma decisão calcada em
fundamento surpresa, e se o fizer, acarreta nulidade da sentença por violação à garantia do contraditório
(artigos 32, VIII, artigo 21 parágrafo 2º da lei de arbitragem). CRUZ e TUCCI, José Rogério. Reflexões
sobre estrutura formal da sentença arbitral. 20 anos da lei de arbitragem: homenagem a Petronio R Muniz,
p. 581.
502
OLIVEIRA, Swarai Cervone de. Iura novit curia e contraditório no processo civil atual. São Paulo,
D’Plácido, 2021, p.288. Não obstante, Fabiane Verçosa aponta que, em sua opinião, seria um excesso
reputar nula uma sentença arbitral exclusivamente porque o árbitro não consultou as partes acerta de um
fundamento ‘novo’ em que baseará sua decisão, embora, naturalmente, tal consulta seja aconselhável e
preferível. VERÇOSA, Fabiane. “Dá-me os fatos, que lhe darei o direito”: Uma reflexão sobre o
contraditório e iura novit curia em arbitragem. Arbitragem e mediação: temas controvertidos. MUNIZ,
Joaquim de Paiva; VERÇOSA, Fabiane; PANTOJA, Fernanda Medina; ALMEIDA, Diogo de Assumpção
Rezende de (coords). Rio de Janeiro: Editora Forense, 2014, p. 10.
503
NERY Jr., Nelson. Princípios do Processo na Constituição Federal, p. 271: “nada obstante a proibição
de a decisão-surpresa ser decorrência natural do princípio constitucional do contraditório, inserido na
Constituição da maioria dos países democráticos, há Estados que explicitam aspectos processuais e
procedimentais dessa proibição em seus códigos de processo civil”.
504
Antes da edição do CPC/15, inúmeros autores propugnavam esta dimensão amplificada do contraditório.
Entre outros, veja-se BEDAQUE, José Roberto dos Santos, Efetividade do Processo e Técnica Processual,
206
3ª Edição, São Paulo: Malheiros, 2010; MITIDIERO, Daniel. Colaboração no Processo Civil –
Pressupostos Sociais, Lógicos e Éticos, 2ª edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.
505
FICHTNER, MANNHEIMER e MONTEIRO. Teoria Geral da Arbitragem. p. 166, dizem que o árbitro
dialoga, informando, permitindo reação, esclarecendo dúvidas até mesmo em questões de ofício. Mas o
árbitro não pode suscitar questões que só as partes devem alegar, como compensação, novação, direito de
retenção, exceção de contrato não cumprido. E o contraditório pode servir para sanar nulidades, pois o
árbitro pode propiciar o exercício do contraditório, sanando os vícios, especialmente se forem relacionados
a violação ao direito de defesa.
207
Outra demonstração pode ser extraída das regras sobre a intimação das partes.
Prevalece a noção de que as partes devem receber adequada notícia acerca da existência
do processo arbitral, porque a própria existência do processo relativamente ao requerido
depende do seu válido chamamento. Mas na falta de regras específicas, ou exigências
formais assemelhadas àquelas do procedimento estatal, o que se busca assegurar é que a
cientificação ocorra, ainda que por diferentes métodos510. No âmbito das sentenças
506
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal. 2ª Edição. Rio de Janeiro, Forense, 2021, p.
257.
507
AVENA, Norberto. Processo Penal. p. 29
508
GONÇALVES, Marcelo Barbi. Teoria Geral da Jurisdição, p. 346
509
GRINOVER, Ada Pellegrini. Parecer – Arbitragem e Litisconsórcio Necessário. Revista Brasileira de
Arbitragem, 2006, vol. 10, p.14-15.
510
O mesmo no âmbito da arbitragem internacional. Como afirma KAUFMANN-KOHLER: “Though there
is a consensus on the hard-core principle, the exact confines of due process may fluctuate from one legal
system to the other. A few illustrations will demonstrate the unanimity in certain areas and the divergences
208
2.5. Igualdade.
in others. Let us start with the requirement of notice, which ls a generally accepted component of due
process. From a review of court decisions of all origins, it appears that courts consistently look to whether
the defendant had actual notice of the proceedings, not whether any technical service requirements were
met, and very rarely find that proper notice was not given. Only in extreme cases do they hold to the
contrary, such as when the defendant died before the request for arbitration was served!”. KAUFMANN-
KOHLER, Gabrielle. Arbitration procedure: identifying and applying the law governing the arbitration
procedure. In: van den Berg, Albert Jan. Improving the efficiency of arbitration agreements and awards:
40 years of application of the New York Convention. The Hague: Kluwer Law International, 1999. p. 356-
365, p. 363.
511
NERY Jr., Nelson. Princípios do Processo na Constituição Federal, p. 132: “por isso é que são
constitucionais dispositivos legais discriminadores, quando desigualam corretamente os desiguais, dando-
lhes tratamentos distintos; e são inconstitucionais os dispositivos legais discriminadores, quando
desigualam incorretamente os iguais, dando-lhes tratamentos distintos. Deve buscar-se na norma ou no
texto legal a razão da discriminação: se justa, o dispositivo é constitucional; se injusta, é inconstitucional”.
209
entre os participantes. Difícil cogitar de um processo justo em que as partes sejam tratadas
de forma desigual. O princípio da igualdade, nesse contexto, está na base de outros
princípios e de inúmeras regras processuais e procedimentais concretas. E para além desse
corpo normativo, é uma verdadeira bússola do julgador, que deve assegurar sempre a
igualdade de oportunidades e o equilíbrio no exercício das posições jurídicas processuais
(ativas e passivas) de que as partes sejam titulares512.
512
YARSHELL, Flávio Luiz. Curso de Direito Processual Civil. Vol. I, p. 157.
513
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal, p. 607-620.
514
Sobre críticas a este dispositivo e sobre a utilidade de se autorizar que a parte requeria o seu próprio
depoimento no processo civil estatal, ver APRIGLIANO, Ricardo de Carvalho. Comentários ao Código de
Processo Civil: das Provas, disposições gerais. Vol. VIII, tomo I, p. 293-295. Esta hipótese é admitida no
direito Português, conforme: AMARAL, Paulo Osternack. Prova por declarações de parte. São Paulo,
editora Juspodivm, 2022.
515
Marcelo Barbi Gonçalves sintetiza: no processo penal, a autodefesa é disponível e a defesa técnica é
indisponível, ao passo que processo civil não há direito à autodefesa e a defesa técnica é disponível.
GONÇALVES, Marcelo Barbi. Teoria Geral da Jurisdição, p. 345-346.
210
Mas se esta é a situação ideal, e se ela se verifica muitas vezes, isso não quer
dizer que não haja espaço, no processo arbitral, para desigualdades, ou que os árbitros
nunca tenham que se preocupar com a equalização das forças entre os litigantes. Primeiro,
sob uma perspectiva mais teórica, o fato de a arbitragem exigir partes capazes e que o
objeto verse sobre direitos patrimoniais disponíveis não assegura, por si só, que todas as
relações submetidas à arbitragem estarão sempre marcadas por absoluta igualdade. Basta
pensar nos exemplos de sempre, de arbitragem em relações de consumo, ou relações de
trabalho. Ou nas relações, mesmo civis, que se celebram mediante contratos de adesão.
O ponto não se põe apenas do ponto de vista do consentimento, porque esse pode
ser manifestado de forma válida (adotando-se as formalidades do artigo 4º., da Lei de
Arbitragem, por exemplo), mas da equivalência de meios para a dedução das razões e
apresentação de provas, equivalência de assessoramento técnico. Mesmo em contratos
516
MOLLICA, Rogério. O Reexame Necessário, a Fazenda Pública e a Efetividade do Processo, Tese
(Doutorado). Faculdade Direito da Universidade de São Paulo, 2006, p. 32, 37, 38.
211
empresariais, não é incomum que uma parte predomine em relação à outra, impondo o
modo de ser da relação comercial, bem como da cláusula de resolução de controvérsias.
517
MONTORO, Marcos. Flexibilidade do Procedimento Arbitral. p. 172-173: “existindo desigualdades
materiais entre as partes, isso deve ser necessariamente levado em consideração quando forem criadas ou
adaptadas as regras procedimentais”.
212
2.6. Imparcialidade.
518
Rafael Francisco Alves afirma, acertadamente, que a autonomia privada não pode violar a igualdade, e
esse controle compete ao árbitro. Se ele pode controlar a validade da convenção como um todo, pode
controlar parcialmente, para afastar disposições que violem a igualdade, ALVES, Rafael Francisco. O
Devido Processo Legal na Arbitragem. Arbitragem no Brasil: aspectos jurídicos relevantes, Quartier Latin,
pp. 382-416, p. 390.
519
Mas que é prevista na Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica),
em seu artigo 8º, 1, tratado ao qual o Brasil aderiu (Decreto nº678 de 06/11/1992) e que possui status de
norma constitucional (artigo 5º, §3º, da CF/88) Também a Declaração Universal dos Direitos Humanos
assegura o direito a julgamentos imparciais (art. 10).
213
A atividade jurisdicional, seja ela exercida por agentes do Estado, seja por
particulares, só pode ser considerada como adequadamente exercida se realizada por
julgador imparcial, independente521, e mediante um procedimento que assegure aos
litigantes adequada oportunidade de apresentar seus casos (alegar, provar, influenciar a
decisão)522. Esses elementos constituem o núcleo duro, a condensação dos princípios
fundamentais que todo e qualquer processo jurisdicional deve apresentar523.
Apesar de a origem do poder jurisdicional dos árbitros ser diferente, bem assim
os mecanismos para garantir a sua imparcialidade, a condição da imparcialidade e da
independência se faz presente no processo arbitral, tanto quanto no processo estatal524.
De fato, a imparcialidade é uma condição que deve ser verificada na atividade do
julgador, durante o processo e no momento de proferir a decisão. Significa a equidistância
e indiferença em relação aos litigantes, a necessidade de lhes assegurar igual oportunidade
de influenciar o convencimento do julgador525. Julgadores imparciais são aqueles sobre
os quais não pesa nenhuma causa de impedimento ou suspeição, nenhum vínculo com as
520
VAUGHN, Gustavo Favero. Arbitragem comercial e controle de constitucionalidade. Dissertação de
Mestrado, Universidade de São Paulo, 2021, p. 68: “A força normativa e a supremacia da Constituição
Federal são imperativos indissociáveis do processo arbitral e não estão ao dispor das partes, tampouco dos
árbitros, mesmo que a arbitragem seja um mecanismo privado de solução de conflitos. O dever de os
árbitros harmonizarem o direito aplicável com a Constituição advém de uma lógica sistemática do direito
brasileiro, que é inescapável aos players da arbitragem, ainda que o processo arbitral tenha suas
idiossincrasias e tenha um fechamento operacional diverso do processo estatal.”
521
BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Reflexões sobre a imparcialidade do juiz. Temas de direito
processual – sétima série. São Paulo; Saraiva, 2001, p. 19. Também, ARAÚJO, Yuri Maciel. Arbitragem
e Devido Processo Legal. São Paulo: Almedina, 2021. p. 41.
522
TROCKER, Nicolò. Processo civile e costituzione: problemi di diritto tedesco e italiano. Milano:
Giuffrè, 1974, pp. 114-115. ARAÚJO CINTRA, Antonio Carlos de. GRINOVER, Ada Pellegrini.
DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo, 22. ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 64.
523
Acertadamente, o Tribunal de Justiça do Distrito Federal reconheceu a falta de imparcialidade do árbitro
na seguinte situação: “Ainda que o contrato preveja a livre indicação do árbitro por ambas as partes
contratantes, a nomeação deve observar as regras de impedimento e suspeição do julgador previstas na
legislação processual. Árbitro que assinou o contrato como testemunha, atua como advogado do grupo
empresarial da parte e já expôs seu entendimento sobre a controvérsia. Cabimento da ação do art. 7º para
substituição do árbitro suspeito”. TJDFT, 3ª T.C., Apel 0010189-09.2016.8.07.0001, j. 22.03.2017,
unânime.
524
ELIAS, Carlos Eduardo Stefen. A imparcialidade dos árbitros. São Paulo: Almedina, 2021, p. 25.
525
CABRAL, Antonio do Passo. Il principio del contraddittorio come diritto d’influenza e dovere di
dibattito, in Rivista di diritto processuale, v. 2, 2005, p. 456.
214
partes ou com o tema sob julgamento que interfiram no seu processo decisório,
favorecendo uma das partes, em detrimento da outra526.
526
José Carlos Magalhães observa que toda atividade de julgar terceiros exige a imparcialidade, definindo-
a como o dever de não proceder com tendenciosidade em favor de uma das partes. MAGALHÃES, José
Carlos de. Os deveres do árbitro. pp. 227-238. 20 anos da lei de arbitragem: homenagem a Petronio R
Muniz, p. 227-228.
527
Para Antonio Pinto Leite, “a independência pode definir-se como a não exigência de relações, passadas
ou actuais, entre o árbitro e uma das partes, ou pessoas ou entidades em relação com esta, bem como a não
existência de interesses ou expectativas potenciais do árbitro em uma relação futura com a parte, ou pessoas
ou entidades em relação com esta, que possam constituir para o árbitro uma limitação (bias) com
foreseeable impact em uma decisão objectiva e de plena juridicidade, seja por poder tornar o árbitro
susceptível a ordens ou pressões, seja por poder estabelecer uma qualquer relação de constrangimento,
interesse ou motivação do árbitro com destino da causa.” LEITE, Antonio Pinto. Independência,
Imparcialidade e suspeição de Árbitro. Revista Brasileira de Arbitragem, p. 110.
528
DONAHEY, M. Scott. The independence and neutrality of arbitrators, in Journal of international
arbitration, v. 9, n. 4, 1992, p. 31. No mesmo sentido: BASTIDA, Bruno Manzanares. The independence
and impartiality of arbitrators in International commercial arbitration, in Revista e-mercatoria, v. 6, 2007,
p. 4.
529
PARK, William W. Arbitrator integrity: the transient and the permanent, in San Diego law review, v.
46, 2009, p. 635.
530
LEMES, Selma Maria Ferreira. Árbitro: princípios da independência e imparcialidade. São Paulo: LTr:
2001, p. 53. No mesmo sentido, BAPTISTA, Luiz Olavo. Arbitragem comercial e internacional, São Paulo:
Lex Magister, 2011, p. 165.
531
MARC, Henry. Affaire Tecnimont: de la défense de l’orthodixie, in Petites affiches, n. 215, 28 Octobre
2014, p. 9: “l’appréciation de l’indépendance de l’arbitre doit être de nature objective tempérée (de
subjectivisme)”. No mesmo sentido: KOCH, Christopher. Standards and procedures for disqualifying
arbitrators, in Journal of international arbitration, v. 20, n. 4, 2003, pp. 237-239.
215
532
NUNES, Dierle e MARQUES, Ana Luiza Pinto Coelho. Inteligência Artificial e Direito Processual:
Vieses Algorítmicos e os Riscos de Atribuição de Função Decisória às Máquinas. Revista de Processo, v.
285/2018, p. 421/447, nov/2018. Segundo os autores: “Apesar de já existirem diversos estudos sobre os
vieses cognitivos, há muitas dificuldades ao lidar com o tema, porquanto muitos dos julgadores ainda se
consideram imparciais e não desenvolvem técnicas capazes de superar o enviesamento – as técnicas de
“desenviesamento” ou debiasing. O mesmo fenômeno pode ser verificado nas ferramentas de IA que,
conforme previamente exposto, são consideradas por muitos como isentas. Há, contudo, um agravante: as
decisões tomadas por humano são impugnáveis, pois é possível delimitar os fatores que ensejaram
determinada resposta e o próprio decisor deve ofertar o iter que o induziu a tal resposta (arts. 93, IX,
CF/1988 e 489 do CPC). Por outro lado, os algoritmos utilizados nas ferramentas de inteligência artificial
são obscuros para a maior parte da população – algumas vezes até para seus programadores – o que os
torna, de certa forma, inatacáveis. Em função disso, a atribuição de função decisória aos sistemas de
inteligência artificial torna-se especialmente problemática no âmbito do Direito, pp. 428-429.
533
Sem as ressalvas quanto à impessoalidade do julgador, Nelson Nery pondera que “não se pode exigir do
juiz, enquanto ser humano, neutralidade quanto às coisas da vida (neutralidade objetiva), pois é
absolutamente natural que decida de acordo com seus princípios éticos, religiosos, filosóficos, políticos e
culturais, advindos de sua formação como pessoa. A neutralidade que se lhe impõe é relativa às partes do
processo (neutralidade subjetiva) e não às teses, in abstracto, que se discutem no processo. NERY Jr,
Nelson. Princípios do Processo Civil na Constituição Federal, p. 178. Magalhães também ressalva que
imparcialidade não se confunde com neutralidade, pois o árbitro tem sua carga própria de formação,
conteúdo, cultura, religião etc. MAGALHÃES, José Carlos de. Os deveres do árbitro. pp. 227-238. 20 anos
da lei de arbitragem: homenagem a Petronio R Muniz, p. 227-228.
534
Nesse sentido: “[there is] greater degree of confidence... on all sides if there is no chance that one party
will get a better hearing because of some cultural or national identification between the party and the
arbitrator”. LANDAU, Toby. Composition and establishment of the tribunal, in American review of
international arbitration, v. 9, 1998, p. 73. No mesmo sentido: LALIVE, Pierre. On neutrality of the
arbitrator and of the place for arbitration, in REYMOND, Claude; BUCHER, Eugène (Ed.). Swiss essays
on international arbitration. Zurich: Schulthess Polygraphischer Verlag, 1984, p. 23.
535
DINAMARCO, BADARÓ e LOPES afirmam que a imparcialidade não implica ao julgador um dever
de ser ética ou axiologicamente neutro. “O juiz, embora escravo da lei como tradicionalmente se diz, tem
legítima liberdade para interpretar os textos desta e as concretas situações em julgamento, segundo os
valores da sociedade”, Teoria Geral do Processo, 32ª. Ed, p. 95.
216
No plano constitucional, determina o artigo 5º, XXXVII, que não haverá juiz ou
tribunal de exceção, preceito que corresponde ao princípio do juiz natural, do qual se
costuma extrair a ideia da imparcialidade. São conceitos complementares, porém
independentes. E o processo arbitral serve para demonstrar que a imparcialidade não
decorre nem depende do juiz natural, como será visto no tópico subsequente.
536
Sobre este assunto, quanto ao processo arbitral, ver DELLA VALLE, Martim, Arbitragem e equidade:
uma abordagem internacional. Editora Atlas, São Paulo: 2012.
217
537
AZALAY, Yves E GARTH, Bryant G. Dealing in virtue: international commercial arbitration and the
construction of a transnational legal order. Chicago: The University of Chicago Press, 1996, pp. 29 e 31.
538
A esse respeito, ELIAS, Carlos Eduardo Stefen. Imparcialidade do árbitro. São Paulo, Almedina, 2021;
DALMASO MARQUES, Ricardo Tadeu. O Dever de Revelação do Árbitro, São Paulo, Almedina, 2018 e
218
De outro lado, e pela mesma origem privada destas relações, temas como
inamovibilidade, irredutibilidade de vencimentos ou vitaliciedade simplesmente não se
põem. Da mesma forma, não sendo inseridos ou integrantes de qualquer órgão estatal,
não possuem, a priori, parcela alguma da jurisdição sob sua competência. Receberão
jurisdição e competência das partes, nos termos da convenção de arbitragem e nos limites
do pedido formulado nas demandas em concreto.
Em termos concretos, diz a lei que estão impedidos de funcionar como árbitros
as pessoas que tenham, com as partes ou com o litígio que lhes for submetido, algumas
das relações que caracterizam os casos de impedimento ou suspeição de juízes,
aplicando-se-lhes, no que couber, os mesmos deveres e responsabilidades, conforme
previsto no Código de Processo Civil (art. 14).
LEMES, Selma Maria Ferreira. Árbitro, conflito de interesses e o contrato de investidura. 20 anos da Lei
de Arbitragem: Homenagem a Petrônio R. Muniz, pp. 271-290.
539
Guideline n. 1 do Chartered Institute of Arbitrators (CIArb) – Interview for Prospective Arbitrators.
https://www.ciarb.org/media/4185/guideline-1-interviews-for-prospective-arbitrators-2015.pdf
219
540
Rafael Francisco Alves entende que a imparcialidade não integra o núcleo do devido processo legal na
arbitragem, porque diz respeito à escolha dos árbitros pelas partes, se insere na sua autonomia privada, não
sendo proibido que as partes escolham um árbitro que se enquadre nas hipóteses de impedimento. ALVES,
Rafael Francisco Alves. O Devido Processo Legal na Arbitragem. Arbitragem no Brasil: aspectos jurídicos
relevantes, Quartier Latin, pp. 382-416, p. 283. Com apoio em Carlos Alberto Carmona, entende que
mesmo se o árbitro for parente de uma das partes, mas as duas aceitarem, a nomeação será válida. Ob. Cit.,
p. 397. O autor tem razão, mas é preciso fazer uma ressalva. As partes podem aceitar a nomeação de árbitros,
não obstante certas relações ou vínculos que tenham com as partes. Mas não podem renunciar à condição
de imparcialidade deste árbitro. Aceitaram sua nomeação se, não obstante tais vínculos, confiarem na sua
imparcialidade, que deve se fazer presente durante o processo. As Partes não podem aceitar um árbitro
imparcial, nem um árbitro pode aceitar o encargo sentindo-se ou sabendo-se parcial, porque o atributo da
imparcialidade escapa à disponibilidade das Partes.
541
No processo estatal, entende-se que os motivos de suspeição devem ser arguidos pela parte, sob pena de
preclusão, ao passo que o impedimento não se sujeita à preclusão. Da mesma forma, cabe ação rescisória
contra decisões proferidas por juízes impedidos, mas não por juízes impedidos. Por fim, no sistema recursal
do CPC, a decisão acerca do impedimento ou suspeição do julgador não é desafiada de modo imediato por
agravo, sujeitando-se ao regime de arguição de questões preliminares do recurso de apelação (cf. arts. 1.105
c/c 1.009, §1º)
542
CPC/15, Art. 144.
543
O CPC/15 adicionou uma hipótese que, em termos práticos, é de verificação quase impossível. Segundo
o art. 144, VIII do CPC, juízes cujos cônjuges, companheiros ou parentes, até terceiro grau, sejam
advogados, não podem julgar causas de partes que sejam clientes desses familiares. Até este ponto, a regra
é razoável, compreensível e de fácil apuração. Não é incomum, aliás, que julgadores já registrem esse tipo
de restrição nos sistemas de distribuição dos respectivos tribunais. Nenhum caso do escritório do parente
ou cônjuge chegará a ser distribuído ao julgador. O problema surge porque a lei configura impedimento
inclusive se a parte é representada por outro escritório de advocacia. Além de conceber uma regra não isenta
de certa presunção de má-fé, a sua verificação concreta é quase impossível. Juízes deverão saber e manter
atualizada a relação de clientes atendidos por seus parentes, para que possam informar seu impedimento
caso qualquer deles seja parte de demanda sob sua responsabilidade, mesmo que representado por outros
advogados. Para dizer o mínimo, o cumprimento da regra esbarra na impossibilidade que decorre da
confidencialidade da relação cliente-advogado. No processo judicial, propondo ao dispositivo uma
interpretação restritiva: ROQUE, Andre Vasconcelos. Breves Comentários ao Novo Código de Processo
Civil. WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; JÚNIOR, Fredie Didier; TALAMINI, Eduardo e DANTAS,
Bruno (coord.). Ed., São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, p. 472-473.
220
544
ELIAS, Carlos Eduardo Stefen. A imparcialidade do árbitro, p. 244.
221
Se isto não pode ocorrer no processo arbitral, mas se isso não decorre da
autorização expressa de aplicação do CPC contida no artigo 14 da Lei de Arbitragem,
qual a justificativa para a importação daquelas noções ao processo arbitral? Este é mais
um exemplo das situações reguladas por normas processuais gerais, cuja aplicação ao
processo especial é possível, diante da omissão do texto normativo especial. As normas
atuam de forma coordenada, funcionando a norma geral como um complemento da
regulação do processo especial545.
545
BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico, 2ª ed., pp. 95-96.
222
emblemáticos foram enfrentados pelo Judiciário brasileiro, nem sempre com a melhor
compreensão das nuances do tema546 547.
546
No caso da Apelação Cível nº 1076161-35.2017.8.26.0100, julgado em 08.09.2020, o Tribunal de Justiça
de São Paulo negou a anulação de sentença, no caso em que a árbitra deixou de revelar informações sobre
sua atuação em processo judicial em favor de uma das partes, reconhecendo, corretamente, que se tratava
de caso anterior, que o vínculo havia sido desfeito, que não havia percepção de honorários e que a
informação, pública, poderia ter sido buscada pela parte durante o tramite da arbitragem. Cheguei a emitir
parecer sobre o caso em sentido oposto, mas examinadas as circunstâncias concretas e tendo refletido mais
sobre o assunto, reputo ter sido correta a decisão pela manutenção da sentença arbitral.
547
Já no caso da Apelação Cível nº 1056400-47.2019.8.26.0100, julgado em 25.08.2020, o Tribunal de
Justiça de São Paulo erroneamente anulou sentença, considerando ter havido violação ao dever de revelação
consistente no fato de o árbitro presidente ter sido, após sua nomeação, indicado por uma das partes para
funcionar como árbitro em um segundo procedimento, cujo objeto não se relacionada com o primeiro. O
erro é duplo, porque considerou revelável um fato que, segundo parâmetros internacionais, nem precisaria
ser revelado, e reputou que a violação a este dever de revelação gerava, ipso facto, a anulação da sentença
arbitral.
548
Segundo Ricardo Dalmaso Marques: "Não se defende, por evidente, que a mera quebra do dever de
revelação isoladamente analisada ou uma quebra puramente subjetiva da confiança devam dar azo ao
afastamento do árbitro ou à invalidação da sentença arbitral. Não existe uma quebra de confiança per se ou
subjetivamente analisada que importe qualquer consequência tão extrema, até porque não se pretende dar
ainda mais armas para impugnações frívolas e outras táticas de guerrilha que se tem visto. Mas tampouco
se ignora que, tendo em vista a autoridade do dever de revelação para o processo arbitral, o peso que se dá
à sua violação é crucial também para a legitimidade de todo o sistema; de um lado, soluções muito extremas
podem incentivar ataques indevidos, e, de outro, propostas demasiadamente lenientes podem importar um
desapreço nocivo ao adequado exercício do dever de revelação." DALMASO MARQUES, Ricardo. O
dever de revelação do árbitro. Almedina, 2018, p. 281.
223
De toda sorte, a evolução a respeito dos parâmetros do que deve ou não ser
revelado é evidente. O Código de Processo Civil de 2015 propôs novos parâmetros que,
direta ou indiretamente, influenciam o modo de ser das revelações e das causas de
impedimento dos árbitros. As relações entre árbitros e advogados, que em linha de
princípio estão excluídas de aferição (porque o caput do artigo 14 se refere a árbitros e
partes), vem sendo objeto de escrutínio, porque quase sempre é destas relações que se
pode estabelecer algum questionamento sobre a independência dos árbitros. Basta pensar
em escritórios de advocacia que repetidamente nomeiam o mesmo árbitro, ainda que a
cada vez, para uma disputa diferente, de clientes diferentes. Não haverá relações com as
partes, mas o excesso de nomeações pode fazer surgir, para o árbitro, um fluxo relevante
de nomeações e remunerações, daí resultando impactos na sua capacidade de decidir de
forma isenta, pelo temor de desagradar os advogados que promovem sua nomeação.
indicados pelas partes tendem a acolher os argumentos das partes que os nomearam. Disso
resulta, segundo certas vozes, que apenas o árbitro presidente é verdadeiramente isento549.
549
Antonio Pinto Leite, em texto sobre a perspectiva da arbitragem internacional, observa que, em se
tratando do “papel de tradução cultural” do árbitro em um procedimento internacional, o coárbitro poderia
ter uma ligação com uma das Partes. Porém, no caso do árbitro presidente, essa ligação seria inadequada
mesmo quando pensamos que a imparcialidade exige dos árbitros decisões com base nos fatos e na
legislação aplicável. Para o doutrinador a não ligação cultural e nacional do Árbitro Presidente com uma
das partes assegura um processo equitativo, aceitável e de qualidade. LEITE, Antonio Pinto.
Independência, Imparcialidade e suspeição de Árbitro. Revista Brasileira de Arbitragem, p.114. Pelas
razões expostas no texto, ouso divergir desta posição, tanto nas arbitragens nacionais, como nas
internacionais.
550
BORN, Gary B., International Commercial Arbitration, 2ª edição, Kluwer Law International: 2014, p.
3052: “An almost inevitable consequence of the possibility of majority awards is the possibility of
“separate” or “dissenting” views by individual members of the arbitral tribunal. One mechanism for
indicating disagreement or dissent is for the arbitrator simply to decline to sign the award in question. Under
most modern arbitration legislation, this will not prevent the award from being final, or from being an
“award,” but will signify the arbitrator’s personal disagreement with his colleagues’ conclusions.
Nevertheless, consistent with the tradition of requiring reasoned awards, and often for reasons of
professional pride, some arbitrators wish to go further and explain the reasons for their dissent. This is
sometimes expressed in the form of a separate or dissenting statement or opinion, which is often annexed
to the tribunal’s award.
Notably, a dissenting or concurring opinion is not part of the award, nor is it another or independent award;
rather, it is merely a separate statement by the dissenting arbitrator, without any of the legal consequences
of an award. Separate, dissenting and concurring opinions are common in both litigation and arbitration in
some legal systems; they are somewhat less common in international commercial arbitration, particularly
in civil law regimes.”
225
sempre. Os danos reputacionais que um árbitro venal ou tendencioso sofrerá são uma das
ferramentas possíveis, e não obstante a confidencialidade que caracteriza os processos
arbitrais em geral, essas circunstâncias acabam sendo reveladas informalmente no âmbito
da comunidade profissional, encurtando a carreira de semelhantes profissionais.
Estas são noções importantes, que permitem que se desenhe um quadro geral de
proteção dos cidadãos contra o abuso do poder do Estado, contra arbítrios. Daí porque a
própria Constituição Federal se encarrega de prever a existência e a competência das
várias espécies de Justiça (federal, estadual, comum, militar, do Trabalho etc) e dos seus
respectivos órgãos julgadores. Mas são regras pensadas para a estrutura do Estado, para
551
NERY Jr., Nelson. Princípios do processo civil na Constituição Federal, p. 166. O autor observa que o
Brasil adota o princípio do juiz natural desde a Constituição Imperial de 1824. Após discorrer sobre suas
características e elementos, Nery afirma, acertadamente, que a escolha pelas partes de um árbitro para
solucionar as lides existentes entre elas não ofende o princípio do juiz natural. ob. cit, p. 191.
226
552
Diferentemente, em Portugal, a Constituição reconhece a possibilidade de existirem tribunais arbitrais
(art. 209, II), mas a doutrina ressalva que isso não significa que eles integrem a estrutura jurisdicional dos
tribunais estaduais. Para Manoel Barrocas, tribunais arbitrais não são órgãos institucionalizados, mas
constituídos para dirimir um litígio particular, extinguindo-se logo após proferir a decisão. São órgãos
privados, constituído por pessoas privadas “que apenas dispõem de poderes transitórios dados pelas partes
e baseados na lei”, BARROCAS, Manoel. A razão por que não são aplicáveis à arbitragem nem os
princípios nem o regime legal do processo civil. Revista de Arbitragem e Mediação, vol. 52, pp. 369-374,
p. 369.
227
Nem por isso, contudo, se deve considerar que o processo arbitral se aproxime
da ideia de um tribunal de exceção. Afora a conotação negativa da expressão, o que se
pretende evitar aos proscrever juízos ou tribunais de exceção é o abuso, a tirania, a
opressão. A atividade jurisdicional é essencialmente desinteressada. Os julgadores não
podem querer que certo resultado se produza, e parte dos mecanismos instituídos para
evitar tais resultados é, no plano estatal, evitando a escolha dos julgadores pelos
jurisdicionados553. No processo arbitral, que se dedica a dirimir conflitos sobre direitos
disponíveis e, quase sempre, complexos, a liberdade assegurada às partes é a de excluir a
solução estatal para seus conflitos e, como corolário lógico, permitir a escolha dos
julgadores, que devem possuir, contudo, as mesmas características de equidistância e
imparcialidade.
553
Com a ressalva da possibilidade de eleição de foro para certas circunstâncias. Contudo, tal liberdade tem
incidência limitada às hipóteses de competência territorial e, portanto, relativa.
554
FICHTNER, MANHHEIMER e MONTEIRO. Teoria Geral da Arbitragem, p. 171.
228
natural, mas ao contrário, implica realizá-la, porquanto somente cabível por mútua
concessão entre as partes”555.
555
STJ, 1ª. Seção, MS 11.308/DF, Min. Luiz Fux, j. 09.04.2008, DJ 19.05.2008. Do acórdão, extrai-se que:
“A aplicação da Lei 9.307/96 e do artigo 267, inc. VII do CPC à matéria sub judice, afasta a jurisdição
estatal, in casu em obediência ao princípio do juiz natural (artigo 5º, LII da Constituição Federal de 1988).
É cediço que o juízo arbitral não subtrai a garantia constitucional do juiz natural, mas ao contrário, implica
realizá-la, porquanto somente cabível por mútua concessão entre as partes, inaplicável, por isso, de forma
coercitiva, tendo em vista que ambas as partes assumem o "risco" de serem derrotadas na arbitragem.”
556
FICHTNER, MANHHEIMER e MONTEIRO sustentam que, não obstante a localização do dispositivo
no capítulo sobre o Poder Judiciário, esse princípio constitucional se dirige a qualquer atividade decisória,
abrangendo a arbitragem. Teoria Geral da Arbitragem. p. 183.
557
ALVIM, Arruda: “Conquanto não se recorra de fundamentos, mas da conclusão, os fundamentos hão de
ser atacados também, como premissas do pedido de reforma da decisão”, Manual de Direito Processual
Civil, p. 1133.
229
proferida sem fundamentação. E esta constatação deve ser aplicada ao processo arbitral,
inclusive por conta da sua disposição legal específica. Mais do que isso, a fundamentação
se estende às decisões interlocutórias proferidas no processo arbitral 558.
558
FICHTNER, MANHHEIMER e MONTEIRO. Teoria Geral da Arbitragem, p. 182-183.
559
Sobre a distinção entre ordem pública interna e internacional, ver APRIGLIANO, Ricardo de Carvalho.
Ordem Pública e Processo, pp. 53-56. ALMEIDA, Ricardo Ramalho. Arbitragem Comercial Internacional
e Ordem Pública, Editora Renovar, São Paulo, 2005, pp. 25-28. MONTEIRO DE BARROS, Vera Cecília,
Homologação para o Reconhecimento ou Execução da Sentença Arbitral Estrangeira no Brasil: Exceção
de Ofensa à Ordem Pública, Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, 2013, pp. 34-54.
560
Contra, admitindo que as partes autorizem os árbitros a decidir a controvérsia sem motivação,
MAGALHÃES, José Carlos de. Os deveres do árbitro. 20 anos da lei de arbitragem: homenagem a
Petronio R Muniz, pp. 227-238, p. 233.
230
561
Remeto o leitor ao meu Comentários ao Código de Processo Civil: das Provas, disposições gerais. Vol.
VIII, tomo I, p. 96.
562
RICCI, Edoardo. Lei Brasileira de Arbitragem: oito anos de reflexão – questões polêmicas, p. 31.
563
APRIGLIANO, Ricardo de Carvalho, Comentários ao Código de Processo Civil: das Provas,
disposições gerais. Vol. VIII, tomo I, p. 76.
231
564
Tais práticas podem consideradas como táticas de guerrilha que, como explica, Caio Campello de
Menezes, podem envolver métodos de controle de informação (telefones grampeados, contratação de
experts de tecnologia para acessar computadores etc.) e fraudes, entre outros. MENEZES, Caio Campello
de. Como Barrar as Táticas de Guerrilha em Arbitragens Internacionais?. Revista Brasileira de Arbitragem,
2015, vol. XII, pp. 82/107.
565
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal, p. 236-237.
566
APRIGLIANO, Ricardo de Carvalho. Comentários ao Código de Processo Civil, cit., p. 108.
232
O processo arbitral, por suas peculiaridades, por ser concebido para disputas
particularizadas, não deve ser pautado nos mesmos parâmetros. É claro que isso não
significa que não se deva imprimir a máxima eficiência possível ao procedimento arbitral,
mas apenas que o modo de realização daquele princípio se expressa por mecanismos
diferentes.
567
FIGUEIRA JR., Joel Dias. Arbitragem. 3ª Edição. Rio de Janeiro, Forense, 2019, p. 274.
568
CRUZ e TUCCI, José Rogério. Garantias Constitucionais da Duração Razoável e da Economia
Processual no Projeto do Código de Processo Civil. Revista de Processo. vol.192, 2011, p. 195.
233
2.11. Publicidade.
569
Nathália Lamas observa que o regulamento da CCI consagra a condução eficiente do processo, o que
faz a autora falar em princípio da eficiência. LAMAS, Natália Mizhari. Introdução e Princípios aplicáveis
à Arbitragem. Curso de Arbitragem, pp 27-59. Penso que, no contexto de um regulamento específico, tais
disposições preservem sua utilidade, mas nem por isso erigem o preceito à condição de um princípio do
processo arbitral.
570
Para Montoro, a celeridade, mesmo não prevista na Lei de Arbitragem, é uma baliza, uma garantia
mínima, “que deve ser respeitada quando se cria ou se adapta (modifica) regra procedimental arbitral”, p.
216. O dever de diligência do art. 13 é, indiretamente, a consagração da necessidade de observar a
celeridade. MONTORO, Marcos. Flexibilidade do Procedimento Arbitral, p. 217.
571
Como por exemplo a livre iniciativa e a liberdade negocial. Cândido Rangel Dinamarco diz que a
autonomia para escolher árbitros decorre (é filha) da liberdade negocial que emerge da ampla garantia
constitucional da liberdade, conforme art. 5º, caput, inciso II da CF. DINAMARCO, Cândido Rangel. A
Arbitragem na Teoria Geral do Processo, pp. 48/49.
234
Há, ademais, a previsão na Lei de Arbitragem de que o árbitro deverá agir com
discrição572. E esse dever se verifica, na verdade, mesmo nos casos em que prevaleça o
princípio da publicidade. Pode-se até dizer que a discrição é um atributo esperado também
dos juízes estatais, independentemente de previsão legal específica. Mas fato é que, no
processo arbitral, existe o comando normativo, que deve ser sempre observado.
572
ALVES, Rafael Francisco. Árbitro e Direito: o julgamento do mérito na arbitragem. 2018, p. 25.
573
APRIGLIANO, Ricardo de Carvalho, JASPER, Caio Bianco. Visão crítica das decisões que afastam a
confidencialidade dos processos judiciais sobre matéria arbitral. Arbitragem e Poder Judiciário: estudos
sobre a interação entre as jurisdições arbitral e estatal. GIUSTI, Gilberto; BARALDI, Eliana; ALMEIDA
FILHO, Eduardo e VAUGHN, Gustavo. Editora Migalhas, obra ainda não publicada.
235
Essas considerações são feitas neste capítulo, porque são tópicos que, de um
modo geral, são sempre mencionados quando se examinam os princípios processuais.
Ainda que haja alguma oscilação nestes critérios classificatórios, predomina a ideia de
que são princípios575. Diante das premissas antes fixadas, tais normas devem ser
compreendidas como regras, ou falsos princípios, conforme a definição de Dinamarco,
Badaró e Lopes. Nem todos os princípios identificados pela doutrina, ou mesmo estas
574
Conforme NUNES, Thiago Marinho. Revisitando a confidencialidade na arbitragem. Migalhas.
Disponível em: https://www.migalhas.com.br/coluna/arbitragem-legal/344369/revisitando-a-
confidencialidade-na-arbitragem. Ver também BRAGA, Francisco Maia; FERREIRA, Olavo Augusto
Vianna Alves. TJ/SP viola, a um só tempo, a confidencialidade da arbitragem e a cláusula de reserva de
plenário. Migalhas. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/346636/tj-sp-viola-a-
confidencialidade-da-arbitragem-e-a-clausula . Último acesso em: 4.2.2022. Em sentido contrário, CRUZ
e TUCCI, José Rogério. Inconstitucionalidade do sigilo de processo judicial sobre arbitragem. Consultor
Jurídico. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2021-abr-13/paradoxo-corte-inconstitucionalidade-
sigilo-processo-judicial-arbitragem . Último acesso em: 9.2.2022.
575
Nesse sentido, veja-se FICHTNER, MANNHEIMER e MONTEIRO. Teoria Geral da Arbitragem.
FERREIRA, Olavo Augusto Vianna Alves et al. Lei de Arbitragem Comentada Artigo por Artigo. 2ª. Ed.
São Paulo: Juspodivm, 2021, p. 69-91.
236
576
FICHTNER, MANNHEIMER e MONTEIRO. Teoria Geral da Arbitragem. p. 202, consideram a
economia processual um princípio do processo arbitral. Dele, derivam várias práticas, como a consolidação
de processos arbitrais, a concentração da defesa em uma única peça, pedidos recíprocos no mesmo processo
sem maiores formalidades, o gerenciamento do processo etc.
577
DINAMARCO, BADARÓ, LOPES. Teoria Geral do Processo, 32ª. Ed, p. 81: “os verdadeiros
princípios têm abrangência geral e universal, independentemente das espécies de litígios ou da natureza do
processo em que são tratados”.
578
Para Barbosa Moreira, aplica-se à sentença arbitral a disposição do art. 492, § U, que determina que a
sentença seja certa, ainda que decida relação jurídica condicional. Vale a ressalva de que o autor escreveu
a propósito do artigo 460 do CPC/73. BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Estrutura da Sentença Arbitral.
Revista de Processo, vol. 107, 2002, pp. 9-17.
237
Juízes e árbitros podem decidir de forma livre, sem estar vinculados a algum
sistema, a priori, de qualificação ou ranqueamento de provas ou argumentos. Mas exige-
se que o julgador “indique na decisão os elementos de prova que considerou e como esses
elementos influenciaram o teor da decisão”579.
579
FICHTNER, MANNHEIMER e MONTEIRO. Teoria Geral da Arbitragem. p. 197, qualificam o livre
convencimento como princípio. Considerando que na arbitragem “a aplicação do princípio do livre
convencimento motivado é plena, exigindo que o árbitro indique na decisão os elementos de prova que
considerou e como esses elementos influenciaram o teor da decisão”.
238
com previsão de alguns poucos atos processuais que se realizam sob o signo da oralidade.
A audiência de instrução é o exemplo mais emblemático, constitui, por assim dizer, uma
ilha de oralidade cercada por um mar de atos escritos que marcam o procedimento.
Mas o processo arbitral é um terreno mais fértil para que certos aspectos da
oralidade encontrem bom espaço de desenvolvimento. A flexibilidade do procedimento e
a necessidade de construção de decisões apropriadas a cada caso (o que, por sua vez, é
influenciado pelo fato de inexistirem recursos contra o mérito da decisão) conduzem à
intensificação dos debates, no contexto das audiências de instrução. Sem as limitações
procedimentais próprias do processo estatal, na arbitragem podem ser ouvidos mais de
um representante de cada parte, testemunhas em quantidade ilimitada, que são sempre
inquiridas diretamente pelos advogados, sem alguma intermediação dos árbitros.
Acareações e hot tubing são técnicas corriqueiras, além da apresentação do caso pelos
advogados, com utilização de recursos audiovisuais. Tudo contribui para a melhor
apreensão dos fatos em disputa pelos julgadores.
580
CHIOVENDA, Giuseppe. Relazione sul progetto di reforma del procedimento elaborato dalla
Comissione per il dopo guerra. Saggi di Diritto Processuale Civile, vol II, pp. 1-196, Milão, Giufrè, 1993.
581
WAMBIER, Luiz Rodrigues. TALAMINI, Eduardo. Curso Avançado de Processo Civil. Vol. I, 16ª Ed.,
p. 83-84: “Mais do que a simples forma verbal dos atos, com o princípio da oralidade busca-se um processo
célere, concentrado, em que o juiz possa decidir baseando-se em um contato seu recente e direto com as
provas colhidas no processo. Por isso, ele é tradicionalmente composto por outros subprincípios: a
identidade física do juiz, a imediação, a concentração dos atos processuais e a irrecorribilidade das
interlocutórias.”
239
seria a de falecimento do árbitro durante o procedimento, mas mesmo aqui, a lei permite
(sem impor) a renovação da produção probatória, a critério dos árbitros substitutos.
582
FICHTNER, MANNHEIMER e MONTEIRO. Teoria Geral da Arbitragem, p. 193.
583
ALVES, Rafael Francisco. O Devido Processo Legal na Arbitragem. Arbitragem no Brasil: aspectos
jurídicos relevantes, Quartier Latin, pp. 382-416, p. 392: “Todas essas ideias atinentes à instrumentalidade
das formas e do processo, expostas de modo sumário, podem também ser aplicadas ao processo arbitral.
Deve valer aqui o mesmo princípio de que não há nulidade sem prejuízo.”
240
O mesmo pode ser dito com as regras da concentração da defesa, com o ônus de
impugnação específica, com a exclusão do objeto da prova dos fatos incontroversos, com
as regras sobre ônus da prova. Nesse particular, pode ser feita a ressalva de que, em termos
teóricos, é possível que as partes convencionem de forma diferente, por exemplo,
regulando que a apresentação dos elementos da demanda e da defesa será feita de forma
fragmentada e escalonada585. A autonomia privada permite estas soluções. Mas nem por
isso se pode dizer que tais noções processuais gerais não tenham aplicação na arbitragem,
porque, no mais das vezes, as partes não fazem tais combinações, o que impõe que se
adote algum padrão de qual o modelo processual aplicado.
Luis Guilherme Bondioli traz outro exemplo que bem ilustra o que se procura
demonstrar. Escrevendo sobre o pedido de esclarecimentos, observa, com razão, que esta
manifestação tem aptidão de obstar o trânsito em julgado da sentença arbitral e
interromper o prazo para ulteriores impugnações à sentença, notadamente, para fins da
contagem do prazo decadencial para a ação anulatória. E que produz efeito devolutivo
limitado aos motivos da impugnação. É possível compreender que o efeito de obstar a
coisa julgada, suspender prazo para providências subsequentes ou mesmo a extensão da
devolutividade deste recurso específico (o único previsto na Lei de Arbitragem) sejam ou
decorram de algum princípio processual aplicável à arbitragem? Ou faz mais sentido
entender que essas características, previstas na norma geral acerca dos embargos de
584
Regulamentos de Instituições Arbitrais, Termos de Arbitragem e ordens processuais podem dispor sobre
regras sobre a delimitação dos pedidos e estabilização da demanda, e é comum que o façam. Mas é raro
que se prevejam regras sobre impulso oficial, sobre instrumentalidade e aproveitamento de atos processuais.
585
Guilherme Setoguti Pereira, após corretamente ponderar que a lei de arbitragem não propõe um modelo
procedimental rígido, mas flexível, observa que nestes modelos, o procedimento é adaptado pelo julgador
às circunstâncias do caso concreto e pela maior tolerância com o desrespeito a requisitos para a prática de
atos processuais. PEREIRA, Guilherme Setoguti J. Procedimento I, Curso de Arbitragem, pp. 162-196, p.
168/169. Estas considerações não infirmam o fato de que, ausente esta combinação, o procedimento arbitral
será informado pela regra da concentração da defesa, estabelecendo-se, a exemplo do que ocorre no
processo estatal, um momento preclusivo para a apresentação da resposta pelo requerido.
241
declaração (ou nas normas gerais sobre recursos), são igualmente aplicáveis ao processo
arbitral, por aplicação analógica e subsidiária daquelas mesmas normas? 586
E este padrão, esta espinha dorsal, coincide com o padrão do processo estatal.
Padrão que tem previsão normativa específica no diploma legal que configura a lei geral
em matéria processual, no país, que é o Código de Processo Civil. Mesmo que decorrentes
de noções processuais antigas, de estruturas processuais que são originadas (e
compartilhadas) com outros sistemas jurídicos, fato é que elas se tornam aplicáveis
porque normas positivas as preveem. São raríssimas as hipóteses em que conceitos
processuais são aplicados, mesmo sem previsão legal (a fungibilidade recursal, no sistema
do CPC/73, era um exemplo)587, mas, no mais das vezes, é do direito positivo que se
extraem esses parâmetros. Por isso é que se tem dito, ao longo desta tese, que é incorreta
a noção de um isolamento conceitual do processo arbitral, sendo de se admitir não apenas
o recurso aos parâmetros e conceitos da Teoria Geral do Processo, como tronco comum
a tais ramos do processo, como, em caráter excepcional e subsidiário, a aplicação de
regras processuais contidas em outros diplomas legais, notadamente no Código de
Processo Civil.
586
BONDIOLI, Luis Guilherme. Embargos de Declaração e Arbitragem. Revista de Mediação e
Arbitragem. 2012, p. 197.
587
WAMBIER, Luiz Rodrigues e WAMBIER, Tereza Arruda Alvim. Tratado Jurisprudencial e
Doutrinário – Direito Processual Civil, vol. III, Editora Revista dos Tribunais, São Paulo, 2013, p. 212-
213: “É possível a fungibilidade entre quaisquer meios de impugnação? Sim. Não há qualquer razão para
que se deva restringir a incidência do princípio da fungibilidade ao manejo com recursos. (...) Este é, de
fato, um princípio cuja função e cujo alcance devem ser revisitados. Se habitualmente, restringe-se o âmbito
de incidência deste princípio à esfera dos recursos é porque havia previsão expressa a respeito do art. 810
do CPC/1939, uma vez que, já se sabia que o sistema recursal do Código revogado poderia gerar, como de
fato gerava, uma série de dúvidas, quanto a qual seria o recurso adequado. A sistemática recursal do Código
de Processo Civil de 1973, tornou mais simples a escolha do recurso. Ciente disso, o próprio legislador não
incluiu expressamente no Código o princípio da fungibilidade.”
242
Os princípios não o fazem por seu caráter necessariamente genérico, por suas
normas abertas, por veicular conceitos jurídicos indeterminados. A Lei de Arbitragem
não o faz por sua natureza lacunosa, por sua estrutura enxuta, que se preocupa com
diversos aspectos da arbitragem, mas dedica pouca atenção à estrutura do processo
arbitral. Como o capítulo dois procurou demonstrar, apenas da leitura da Lei nº 9.307/96,
não se extraem elementos para compreender uma série de aspectos do processo arbitral.
Nem todos esses aspectos são resolvidos mediante o recurso à integração por
meio dos princípios. A estrutura da postulação e a da defesa podem ser compreendidas
apenas com o recurso à ideia do contraditório? Pode o árbitro estabelecer, livremente, os
aspectos nucleares da demanda arbitral, afastando-se do modelo legal brasileiro? A
litispendência poderia ser afastada, a pretexto da liberdade das partes? E quanto à coisa
julgada, seria possível desprezar alguma decisão definitiva judicial anterior, sob o
argumento da inexistência de previsão da coisa julgada no sistema da lei de arbitragem?
amplo de princípios processuais para compreender que todas estas noções decorram ou
correspondam a princípios. Elas decorrem, na verdade, dos preceitos normativos do
processo civil brasileiro, aplicados a todos os ramos do processo, e porque são previstos
no Código de Processo Civil, dispensam a lei especial de dispor acerca dos mesmos
temas.
588
BONDIOLI, Luis Guilherme. Embargos de Declaração e Arbitragem. Revista de Mediação e
Arbitragem. 2012, p. 197.
589
Sem razão, portanto, Eduardo Parente, quando afirma que os árbitros regularão a questão e que “podem
desenhar a condenação por litigância de má-fé da forma como melhor entenderem”. PARENTE, Eduardo.
Processo arbitral e sistema, p. 297.
245
PARTE III
1. Introdução.
Nas duas primeiras partes desta tese, foram expostos os fundamentos teóricos
pelos quais se deve considerar o processo arbitral como inserido na teoria geral do
processo, cujas características gerais pertencem e se originam no tronco comum entre os
diferentes ramos do processo, bem assim que tal constatação não impacta o exercício da
autonomia da vontade das partes tampouco impede o reconhecimento de inúmeras
características peculiares deste ramo do processo. Como afirma Dinamarco, a inserção da
arbitragem na Teoria Geral do Processo serve para, ao mesmo tempo, respeitar as suas
peculiaridades e postular uma integração sistêmica apta a evitar que a arbitragem seja
vista como algo estranho ou assistemático. “A arbitragem é um processo especialíssimo,
mas sobretudo é um processo”590.
590
DINAMARCO, Cândido Rangel. A Arbitragem na Teoria Geral do Processo , p. 72.
247
2. Aplicações Práticas.
2.1 Demanda.
591
MONTORO, Marcos André Franco. Flexibilidade do Procedimento Arbitral. p. 53.
248
592
MARTINS, Pedro Batista. As três fases da arbitragem. Revista do Advogado, p. 87-93, p. 88, considera
que a fase pré-arbitral tem início ainda antes, quando é celebrada a convenção de arbitragem, estendendo-
se até a nomeação do Tribunal Arbitral.
593
PARENTE, Eduardo. Processo arbitral e sistema, p. 154.
594
MONTORO, Marcos. Flexibilização do Procedimento Arbitral. Tese, USP, 2010. p. 53.
595
DINAMARCO, Cândido Rangel. A arbitragem na Teoria Geral do Processo, p. 110. Essa posição
conduz a uma outra, sobre os efeitos substanciais e processuais da demanda arbitral, os quais são, para
Dinamarco, igualmente regidos, por aplicação subsidiária, pelo CPC, mas com adaptações às
especificidades do procedimento arbitral. Na arbitragem, esses efeitos incidem a partir de momento
anterior, isto é, desde quando se quebra a inércia do requerente, que requer a instauração do procedimento,
p. 140142.
596
ALVES, Rafael Francisco. Árbitro e Direito: o julgamento do mérito na arbitragem. 2018, p. 50: “Não
há arbitragem antes disso, há atos preparatórios para a nomeação do árbitro ou para a constituição do
tribunal arbitral e, consequentemente, para a instituição da arbitragem”, completando que isso é o que
separa a fase pré-arbitral da fase arbitral.
249
597
Regulamento do CAM-CCBC, art. 4.4. Regulamento da CAMARB, art. 4.6 do regulamento.
250
Como já dito, para superar a fase de mera propositura de uma demanda, e poder
ser julgada quanto ao seu mérito, a demanda arbitral deve ter partes legítimas, a indicação
adequada dos fundamentos fáticos e jurídicos e a formulação de pedidos599. Sob o prisma
da autonomia da vontade, é de se admitir que as partes criem regras próprias, por exemplo,
para iniciar o procedimento com pedidos recíprocos de apresentação de documentos, ou
apresentação sumária das pretensões, reservando-se oportunidade para desenvolver e
complementar os pedidos em momento posterior600. A espinha dorsal do modelo
598
Yarshell destaca que os três elementos – partes, causa de pedir e pedido - não identificam a ação, quando
pensada de forma genérica e abstrata: como garantia constitucional incondicionada (que assegura o ingresso
em juízo), a ação ainda não guarda nexo com pessoas determinadas, fundamentos e objeto. Isso só ocorre
quando, concretamente, alguém exercita o direito de ação e, dessa forma, propõe uma demanda.
Examinando esse aspecto à luz do processo judicial, o autor afirma que demanda é o ato inaugural de todo
processo e meio pelo qual se invoca a tutela jurisdicional. YARSHELL. Flávio Luiz. Curso de Direito
Processual Civil. 1. ed, vol I, São Paulo, Marcial Pons, 2014, p. 276.
599
Montoro ressalva que mesmo na arbitragem decorrente de cláusulas vazias, os artigos 6º. e 7º da Lei de
Arbitragem não exigem a indicação completa da pretensão, nas notificações trocadas entre as partes. Nem
tampouco na petição inicial da demanda proposta com base no artigo 7º. Mesmo que o produto da ação seja
a determinação de um Compromisso Arbitral, seus elementos obrigatórios são apenas o da indicação da
matéria que será objeto da arbitragem, o que não corresponde a um pedido completo. Assim, em nenhum
trecho da Lei de Arbitragem se extrai a determinação de que a parte requerente formule o seu pedido de
forma completa. MONTORO, Marcos. Flexibilização do Procedimento Arbitral, p. 282.
600
O padrão apresentado pela lei de arbitragem internacional uruguaia é diferente do brasileiro, contendo a
lei mais elementos sobre o conteúdo da petição inicial: Ley N° 19636: Artigo 23. (Demanda y
contestación).- 1) Dentro del plazo convenido por las partes o determinado por el tribunal arbitral, el
demandante deberá exponer los hechos en que se funda la demanda, los puntos controvertidos y el objeto
de la demanda. El demandado deberá responder a los extremos expuestos en la demanda, a menos que las
partes hayan acordado otra cosa respecto de los elementos que la demanda y la contestación deban
necesariamente contener. Las partes podrán aportar, conjuntamente con sus escritos de demanda y de
contestación, todos los documentos que consideren pertinentes o hacer referencia a los documentos u otras
pruebas que hayan de diligenciarse.
251
processual brasileiro não contempla esta hipótese, mas a liberdade das partes no processo
arbitral (e não só nele), permite soluções como esta.
A questão que se coloca é outra. Inexistente tal combinação, qual será o padrão
considerado aceitável? O padrão é aquele que decorre dos conceitos e parâmetros do
direito processual, que são explicados à luz de conceitos teóricos da sua teoria geral, mas
também, muitas vezes, das regras positivadas. Por isso, é que a demanda arbitral conterá
os elementos que lhes são próprios, as partes, causa de pedir e os pedidos, por isso é que
ela será estruturada e examinada à luz da teoria da substanciação, acolhida no
ordenamento jurídico brasileiro601.
601
ABDO, Helena Najar. Código de Processo Civil Interpretado, MARCATO, Antonio Carlos (coord), 1ª
ed, São Paulo, Atlas, 2022, p. 480.
602
DINAMARCO, BADARÓ e LOPES. Teoria Geral do Processo, p. 362.
603
CRUZ E TUCCI, José Rogério. Reflexões sobre a cumulação subsidiária de pedidos. Revista dos
Tribunais, vol. 786, Abr / 2001, p. 57.
604
GRECO, Leonardo. Instituições de Processo Civil, vol. 1, p. 185.
252
maior razão, eis que o julgamento final da causa exaure a jurisdição especificamente
atribuída aos árbitros. Pode haver a bifurcação do procedimento, por exemplo para que
uma sentença parcial sobre o an debeatur seja proferida, seguindo-se de liquidação do
quantum, perante os próprios árbitros. Mas se a sentença final não é líquida, surge um
problema porque não pode haver a liquidação na fase de cumprimento de sentença, dada
a natureza de cognição inerente às atividades de liquidação da sentença605.
605
APRIGLIANO, Ricardo de Carvalho. Código de Processo Civil Interpretado, MARCATO, Antonio
Carlos (coord), 1ª ed, São Paulo, Atlas, 2022, p. 1031
606
Sobre este ponto, os Regulamentos da Câmara de Conciliação, Mediação e Arbitragem Ciesp/Fiesp
(item 5.3.) e do Centro de Arbitragem e Mediação da Câmara de Comércio Brasil-Canadá (item 4.21), por
exemplo, elegem a assinatura do termo de arbitragem como o marco temporal para a estabilização da
demanda arbitral. O Regulamento da CAMARB, por sua vez, no item 8.3, estabelece que a estabilização
da demanda se dará com a apresentação das alegações iniciais.
253
Ocorre que a norma processual geral é muito mais abrangente, porque em seu
caput determina que a citação válida induz litispendência, torna litigiosa a coisa e
constitui o devedor em mora. No processo judicial, portanto, a citação válida – ainda que
ordenada por juiz incompetente – produz efeitos processuais e materiais para as partes.
Caracteriza a litispendência, no sentido de que a demanda proposta, identificada por seus
elementos, produz efeitos sobre eventuais outras demandas idênticas ou com parcial
identidade. Torna litigiosa a coisa, o que significa impor um conjunto de restrições – ao
menos no plano processual - à sua titularidade, à cessão do objeto litigioso (CPC, art.
109).
Como tem sido feito ao longo desta tese, há três possíveis caminhos
interpretativos para solucionar este ponto. Primeiro, o de se proclamar a independência
do microssistema arbitral, negar a aplicação de regras do CPC, e concluir que não se
produzem esstes efeitos, simplesmente por falta de previsão legal, ou que eles serão
produzidos a partir de construções das próprias partes ou, omissas estas, por decisão dos
árbitros. O tema da mora se resolverá à luz das regras do direito material, o que se resolve
mais facilmente, em vista da previsão do artigo 405 do Código Civil610. Ainda assim, será
preciso compreender que o conceito jurídico de citação, que é definido e aplicado no
contexto dos processos estatais (CPC, art. 238) é trazido para o processo arbitral com
modificações, porque, em termos procedimentais, o réu é notificado acerca da instauração
607
NUNES, Thiago Marinho. Arbitragem e interrupção da prescrição. A Reforma da Arbitragem, pp. 503-
533, p.507.
608
Escrevendo antes da reforma de 2015, Pedro Baptista Martins sustentava que a fase pré-arbitral, que se
inicia com a assinatura da convenção de arbitragem e vai até a constituição do tribunal arbitral, era fator
apto a interromper a prescrição. BATISTA MARTINS, Pedro A. As três fases da arbitragem. Revista do
Advogado, p. 87-93, p. 89.
609
NUNES, Thiago Marinho. Arbitragem e interrupção da prescrição. A Reforma da Arbitragem, p. 517-
518.
610
CC, art. 405. Contam-se os juros de mora desde a citação inicial.
254
611
ALVES, Rafael Francisco. O Devido Processo Legal na Arbitragem. Arbitragem no Brasil: aspectos
jurídicos relevantes, p. 400-401.
612
GAJARDONI, Fernando da Fonseca. Aspectos fundamentais de processo arbitral e pontos de contato
com a jurisdição estatal. Revista de Processo, vol. 106, pp. 189-216, p. 190: Considera-se instituída a
arbitragem quando os árbitros aceitam a nomeação, “gerando tal ato uma série de efeitos de natureza
processual (prevenção e litispendência) e material (interrupção da prescrição e constituição do devedor em
mora)”.
613
Para Thiago Marinho Nunes o paralelismo entre demandas arbitrais se resolve pela aplicação da regra
processual da prevenção. Para o autor, não se duvida do caráter processual da arbitragem, mas que, no
âmbito interno, os dispositivos do CPC não são aplicados à arbitragem. Para Thiago Nunes, “a aplicação
da regra processual da prevenção na arbitragem encontra guarida nos princípios da celeridade, da economia
255
Ao instaurar uma arbitragem, ou ter uma instaurada perante si, as partes passam a se
encontrar em um estado de litispendência, o que lhes cria restrições em relação a outras
demandas com mesmo objeto614. Ao ter contra si uma demanda de natureza jurisdicional
proposta, a parte passa a saber que um direito lhe é exigido, cumprindo assim o requisito
material da mora. Será a partir desta data que, acaso seja reconhecido o direito de crédito
contra aquela parte, este crédito sofrerá encargos. O mesmo quanto a tornar litigiosa a
coisa, porque as regras do Código de Processo Civil dizem respeito à condição de
titularidade da relação processual.
Sobre este tema, no capítulo dois, fiz as seguintes ponderações. Primeiro, a Lei
de Arbitragem não regula ou concede alguma autorização para que entidades sem
personalidade jurídica, como Condomínios, Massas Falidas e Espólios, possam também
atuar no processo arbitral. Também é silente quanto à representação arbitral de cônjuges,
da União, Estados e Municípios. Terceiro, a norma especial nada diz sobre a situação de
incapacidade superveniente ou morte de alguma das partes (suspensão, sucessão,
habilitação, etc).
processual e da eficiência, tão caros ao processo arbitral, evitando-se maiores dispêndios as partes, inclusive
a eventual suscitação do Poder Judiciário para dirimir tal tipo de questão”, NUNES, Thiago Marinho.
Arbitragem e demandas paralelas: visão do árbitro. 20 anos da Lei de Arbitragem, pp. 343-362, p. 35.
614
Guilherme Setoguti Pereira entende que a litispendência só passa a ocorrer após a aceitação do encargo
pelos árbitros. Entre a instauração da arbitragem e a aceitação do encargo pelos árbitros, há procedimento
arbitral, mas ainda não há processo arbitral. PEREIRA, Guilherme Setoguti J.. Procedimento I. Curso de
Arbitragem, p. 166. Pelas razões expostas no item anterior, discordo deste entendimento. A relação jurídica
processual, caracterizada por distintas posições jurídicas ativas e passivas tem início desde a instauração,
com a nuance procedimental de que ela se instaura antes ainda da existência do órgão jurisdicional.
615
GRION, Renato Stephan. Procedimento II, Curso de Arbitragem, p. 201.
256
Mesmo raciocínio serve para aferir a regularidade dos atos praticados pelos
advogados. É evidente que o mandato constitui modalidade de contrato, norma de direito
material, que seria inevitavelmente aplicada em uma arbitragem em que se aplique o
direito brasileiro. Se são materiais as normas que, no CPC, regulam a extensão dos
poderes da cláusula ad juditia e ad juditia et extra, de toda forma elas se encontram
topologicamente no CPC, de forma que admitir sua aplicação importa admitir a aplicação
do Código de Processo Civil. O tema parece se circunscrever a um jogo de palavras, mas
é importante se valer destes exemplos de questões de menor complexidade, para
compreender com alguma naturalidade a aplicação destas normas, em caráter subsidiário,
às situações de índole processual que a lei de arbitragem não regula.
Por fim, correlato ao tema da representação está o tema da sucessão das partes
ou dos procuradores. Independentemente da regulação específica – que é inexistente –
pode ocorrer de, no curso do procedimento, uma das partes vir a falecer, ou seus
advogados. São crises que podem ocorrer no curso do processo, que impõem a sua
suspensão617. Essas soluções, expressamente previstas para o processo estatal, se aplicam
subsidiariamente ao processo arbitral, eis que nem a legislação própria contém previsão,
nem se pode extrair uma solução concreta a partir dos princípios aplicáveis ao processo.
2.4. Idioma.
616
DINAMARCO, Cândido Rangel. A Arbitragem na Teoria Geral do Processo p. 122: “São privados de
capacidade de serem partes no processo arbitral todos aqueles aos quais falte a capacidade de estar em juízo
segundo as regras do processo civil comum (casos de inarbitrabilidade subjetiva)”.
617
GRECO, Leonardo. Instituições de Processo Civil: Introdução ao Direito Processual Civil, vol. 1, 5ª
edição, Forense, Rio de Janeiro, p. 233.
618
GAJARDONI, Fernando da Fonseca. Flexibilidade procedimental, p. 38
258
O mesmo pode ser dito em relação aos documentos juntados pelas partes. Se no
processo estatal há regras que impõem a tradução juramentada de todos os documentos,
tal regra não tem aplicação no processo arbitral, cabendo às partes definir se aceitam
documentos sem tradução, com tradução livre ou juramentada.
619
Neil Andrews observa que determinar o idioma da arbitragem integra os amplos poderes que o árbitro
possui. ANDREWS, Neil. Arbitragem e Outros métodos de solução de conflitos. Brasil e Reino Unido.
tradução e comentários Luis Fernando Guerrero e André Monteiro, p. 252.
620
Carlos Alberto Carmona ressalta a obrigatoriedade de adoção do idioma português nos processos
judiciais, ao mesmo tempo que destaca a admissibilidade de documentos estrangeiros sem tradução,
conforme a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. Em relação à arbitragem, Carmona observa que
a lei de arbitragem não trata do idioma, relegando tal escolha à ampla autonomia da vontade das partes.
Carmona então observa, com razão, que tratando-se de uma arbitragem doméstica e não havendo conexão
com outras ordens jurídicas, deverá ser empregado o vernáculo. CARMONA, Carlos Alberto. A língua no
processo estatal e no processo arbitral um diálogo com Vincenzo Vigoriti. 20 anos da lei de arbitragem:
homenagem a Petronio R Muniz, p. 126-129. Eduardo Parente compartilha desse entendimento e ressalta
que o ordenamento espanhol adotou tal permissibilidade em regra expressa. PARENTE, Eduardo. Processo
arbitral e sistema, p. 108.
621
CARMONA, Carlos Alberto. A língua no processo estatal e no processo arbitral um diálogo com
Vincenzo Vigoriti. 20 anos da lei de arbitragem: homenagem a Petronio R Muniz, p. 127. Carmona então
observa que o artigo 190 do CPC pode ser utilizado para admissão de documentos em língua estrangeira e
a dispensa da sua tradução.
259
É inerente ao processo a ideia de que mais de uma pessoa possa integrar o mesmo
polo da disputa. Decorre da própria ideia do processo como instrumento a serviço do
direito material, porque se as relações jurídicas são compostas por múltiplas partes, as
demandas que daí decorrem devem comportar igualmente esses sujeitos de direito. Diante
do silêncio da Lei de Arbitragem, a forma de viabilizar a participação dessas partes no
processo arbitral, garantindo a produção de efeitos e assegurando os direitos à adequada
participação de todos, é por meio da aplicação subsidiária das regras processuais gerais,
contidas no Código de Processo Civil.
622
MARTINS, Pedro Batista. Sentença arbitral parcial, coligação de contratos e litisconsórcio necessário.
20 anos da Lei de Arbitragem, p. 603-604.
623
THEODORO Jr., Humberto. Arbitragem e Terceiros - Litisconsórcio fora do pacto arbitral - Outras
intervenções de terceiros, p. 249.
624
THEODORO Jr., Humberto. Ob. cit., p. 249.
260
Por tal razão é que, nestas situações, se a relação jurídica não puder ser objeto
de decisão sem a participação de todos os seus sujeitos, há dois caminhos possíveis.
Primeiro, todos concordam com a arbitragem, sejam ou não signatários originais da
convenção de arbitragem. Segundo, alguns dos litisconsortes necessários não aceitam se
submeter à arbitragem, hipótese em que a única solução é a extinção do processo arbitral,
remetendo-se todos os titulares a um único litígio, perante o Judiciário627.
625
GRINOVER, Ada Pellegrini. Parecer – Arbitragem e Litisconsórcio Necessário. Revista Brasileira de
Arbitragem, 2006, vol. 10, p. 23: “É a estrutura interna da relação jurídica – um estado jurídico único –
formada pela ligação entre várias pessoas, que torna, senão impossível, ao menos ilegítima a formação de
um processo em que apenas uma ou algumas delas estejam presentes”.
626
No Resp 1519041, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, j. 01.09.2015, a 3ª Turma do STJ reconheceu o
acerto da sentença arbitral que, entendendo não ser hipótese de litisconsórcio necessário, limitou
subjetivamente a arbitragem às partes originais, recusando a integração de outra parte que, não obstante
participante de contrato coligado, não seria necessariamente atingida pelos efeitos da sentença arbitral.
627
DINAMARCO, Cândido Rangel. A Arbitragem na Teoria Geral do Processo, p. 128: “Não é lícito
estender os efeitos da cláusula a quem não a firmou, seria uma ilegítima extensão subjetiva da cláusula
arbitral”. THEODORO Jr., Humberto. Arbitragem e Terceiros - Litisconsórcio fora do pacto arbitral -
Outras intervenções de terceiros, p. 249.
261
Por fim, e esta é a hipótese mais comum, a indicação pode restar prejudicada
caso os integrantes do mesmo polo não cheguem a um consenso quanto ao nome do
profissional que devem indicar. Porque não pode haver tantos árbitros quantos forem as
partes, e porque em geral são previstos três árbitros, cada polo indica um nome comum.
Mas a presença de interesses contrapostos, por exemplo, pode impedir a eleição de um
mesmo profissional. A solução adotada por diversos regulamentos arbitrais é a de, nestes
casos, tornar a nomeação de todos os árbitros uma atribuição da própria instituição628.
2.6. Resposta.
628
No Brasil, a anulação de sentença arbitral pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, no julgamento da
Apelação 0002163-90.2013.8.26.0100, Rel. Gilberto dos Santos, 11a Câmara de Direito Empresarial, j.
03.07.2014 (caso Paranapanema) foi o catalisador da atualização dos diversos regulamentos das instituições
arbitrais brasileiras. Sobre este importante caso, ver, entre outros, FINKELSTEIN, Claudio. Flexibilidade
e Autonomia da Vontade em Arbitragem: aprendendo com os erros. Revista de Arbitragem e Mediação,
vol. 65, 2020, pp. 155-176, p. 167.
629
Por exemplo, Corte Internacional de Arbitragem da Câmara de Comércio Internacional (art. 12.8),
London Court of International Arbitration (art. 8.1), Centro de Arbitragem e Mediação da Câmara de
Comércio Brasil-Canadá (art. 4.16), Câmara de Conciliação, Mediação e Arbitragem Ciesp/Fiesp (art. 3.1),
Câmara FGV de Mediação e Arbitragem (art. 16, §1º),
262
a preclusão, em vista da natureza e relevância destes temas. Sobre preclusão, ver item 2.8
a seguir.
630
DINAMARCO observa que a provisão do artigo 20 tem as duas partes como destinatários.
Especificamente sobre defesa, não há qualquer provisão específica. Contudo, dessa omissão não se extrai
nada, porque em qualquer caso, assegura-se ao réu apresentar atos defensivos fundados em razões de mérito
ou processuais, além de apresentar pedido reconvencional. Ou seja, projetam-se para o réu do processo
arbitral as mesmas alternativas de defesa asseguradas ao réu do processo estatal. DINAMARCO, Cândido
Rangel. A Arbitragem na Teoria Geral do Processo p. 148.
631
DINAMARCO, BADARÓ, LOPES, Teoria Geral do Processo, p. 335. Dinamarco ressalva que, além
de todas as defesas aplicadas ao processo estatal, há defesas inerentes à própria arbitragem, como a nulidade
da convenção de arbitragem. DINAMARCO, Cândido Rangel. A Arbitragem na Teoria Geral do Processo
p. 148-149.
632
No mesmo sentido, PARENTE, Eduardo. Processo arbitral e sistema, p. 181.
263
Mas não só. Há diversas outras matérias que constituem preliminares ao mérito,
que constituem normas processuais gerais, cuja aplicação ao processo arbitral também
deve ser admitida. Refiro-me às preliminares que o réu deve suscitar antes de se defender
quanto ao mérito, contempladas no artigo 337 do Código de Processo Civil633. O rol de
matérias ali contempladas não pode ser lido como sendo de exclusiva alegação no
processo estatal, nem faria sentido excluir tais temas do processo arbitral, pela mera
proclamação de que o Código de Processo Civil não se aplica à arbitragem634.
633
Da mesma forma, no direito português, cf. SILVA, Paula Costa e. Perturbações no cumprimento dos
negócios processuais: Convenções de Arbitragem, Pactos de Jurisdição, Cláusulas Escalonadas e Outras
Tantas Novelas Talvez Exemplares, Mas Que Se desejam de Muito Entretenimento. Salvador, Editora
Juspodivm, 2020, p. 102.
634
Parente igualmente observa que a defesa processual que pode ser feita no processo arbitral se assemelha
à do processo estatal, que todos os vícios processuais contemplados nos artigos 267 e 301 do CPC/73 podem
ser apontados no processo arbitral. PARENTE, Eduardo. Processo arbitral e sistema, p. 184.
635
Como no caso julgado pelo Tribunal de Justiça do Paraná, que considerou nulo o processo por falta de
citação pessoal de um dos cônjuges. “Nulidade de sentença arbitral. Violação dos princípios do
contraditório e ampla defesa (art. 19 da Lei de Arbitragem). Cônjuges que integram o polo passivo da lide.
A citação de um dos cônjuges acerca do procedimento arbitral não alcança o outro. Necessidade de citação
individual válida”. TJPR, 17ª CC, AI 0065017-30.2021.8.16.0000, j. 25.02.2022, unânime.
264
636
PARENTE, Eduardo. Processo arbitral e sistema, p. 173.
637
DINAMARCO, Cândido Rangel. A Arbitragem na Teoria Geral do Processo p. 148/149.
638
GRION, Renato Stephan. Procedimento II. Curso de Arbitragem, p. 205.
265
2.7. Revelia.
Como visto no capítulo dois (item 2.7), a Lei nº 9.307/96 contempla a revelia,
mas em sentido diverso do que se atribui a este instituto, tanto em termos teóricos, como
no plano da legislação processual. Preocupa-se em impedir que qualquer das partes, por
recusar-se a participar da arbitragem, possa impedir o desenvolvimento do processo e a
prolação da decisão.
639
Guilherme Setoguti Pereira reconhece a incidência da revelia no processo arbitral, bem assim a aplicação
das exceções à presunção de veracidade dos fatos, contidas no artigo 345 do CPC. Sustenta, igualmente,
que o requerido revel pode participar do processo a qualquer momento, recebendo-o no estado em que se
encontra (CPC, art. 346), por força do contraditório e devido processo legal. PEREIRA, Guilherme Setoguti
J. Curso de Arbitragem, p. 188.
640
Ou sua apresentação fora dos ditames legais. GAJARDONI, Fernando da Fonseca. Código de Processo
Civil Interpretado, p. 559.
266
requerido, que quando não manifestada, faz surgir a revelia e, no mais das vezes, os
efeitos previstos na legislação processual.
Mas a presunção que se estabelece é apenas relativa, não gera como resultado
imediato que os árbitros simplesmente encerrem o processo e passem imediatamente ao
julgamento da causa. Não é essa a consequência procedimental prevista na legislação
própria, de forma que, ausente semelhante previsão, deve ter seguimento os atos do
procedimento, ainda que de forma abreviada. Na prática arbitral brasileira, não é
incomum a ocorrência de revelia, sobretudo em contratos de franquia. Algumas cautelas
costumam ser adotadas nestas situações. Primeiro, assegurar a tentativa de citação por
diferentes modos, inclusive mediante o recurso à notificação judicial (CPC, arts. 726 a
729). Segundo, realizar a intimação pessoal da parte ausente de todos os atos do
procedimento642. Terceiro, se a resposta não for apresentada, os árbitros tendem a analisar
com cuidado as alegações fáticas deduzidas pelo requerente, aliadas ao conjunto
probatório apresentado. Identificadas lacunas ou algum aspecto inverossímil, pode haver
a determinação de produção probatória, mesmo na ausência da contraparte.
Diferentemente dos juízes, que lidam com milhares de causas, árbitros cuidam
de acervos reduzidos, são remunerados para julgar as demandas de forma customizada, e
a sua própria reputação está atrelada à qualidade do julgamento que promovem. Assim,
podem – e não raro o fazem – ser exigentes quanto ao standard de prova necessário,
641
DINAMARCO, Cândido Rangel. A Arbitragem na Teoria Geral do Processo p. 153.
642
ALVES, Rafael Francisco. O Devido Processo Legal na Arbitragem. Arbitragem no Brasil: aspectos
jurídicos relevantes, Quartier Latin, pp. 382-416, p. 403.
267
inclusive rejeitando parcelas do pedido que, não obstante a ausência de contestação, ainda
assim não restem inequivocadamente demonstrados643 644.
2.8. Preclusão.
Se, como afirma Arruda Alvim, o processo, “se constitui numa realidade jurídica
que nasce, para se desenvolver e morrer”647, ele deve ser dotado de técnicas que
conduzam a tal resultado. Todas as modalidades de processo se valem da preclusão, que
constitui, assim, um conceito teórico importante da sua teoria geral. O que se modifica,
643
MAGALHÃES, José Carlos de. A Arbitragem e o Processo Judicial. Revista do Advogado, vol. 87,
AASP, pp. 61-66, p. 64: “Se revelia houver, a decisão deve estar suportada na prova feita. Embora o mesmo
aconteça no processo judicial, em que, na apreciação dos efeitos da revelia, o juiz deve também examinar
a prova produzida pelo autor, na arbitragem a regra é a decisão sempre se fundar na prova ou na sua
ausência, e não nos efeitos legais decorrentes da revelia”. No mesmo sentido, entendendo que mesmo em
caso de revelia deve haver apreciação dos fundamentos de fato e de direito essenciais que justifiquem as
conclusões da sentença arbitral, sob pena de nulidade, ver: TJAL, 3ª Câmara Cível, Apelação cível nº
0081326-07.2007.8.02.0001, Rel. Des. Domingos de Araújo Lima Neto, j. 23.11.2018.
644
A esse respeito, os Regulamentos do Centro de Arbitragem e Mediação da Câmara de Comércio Brasil-
Canadá (art. 7.5.1), Câmara de Conciliação, Mediação e Arbitragem Ciesp/Fiesp (art. 10.7), Câmara FGV
de Mediação e Arbitragem (art. 26,§3°), por exemplo, impedem a prolação de sentença fundada apenas na
revelia da parte.
645
ALVIM, Arruda. Manual de Direito Processual Civil, p. 727-728. Fredie Didier observa que o conceito
original de preclusão equivalia à perda pela parte de uma faculdade processual, mas com o tempo, passou
a se admitir que ocorre perda não apenas de faculdades, mas de direitos, capacidades, competências, e que
essa noção abrange a preclusão para o órgão jurisdicional também. Para Didier, a preclusão deve então ser
entendida como perda de uma situação jurídica processual ativa, pouco importando qual seja o seu titular.
DIDIER, Fredie. Sobre a Teoria Geral do Processo, p. 36.
646
DIDIER, Fredie. Curso de Direito Processual Civil: introdução ao direito processual civil, parte geral
e processo de conhecimento. 22ªedição, Salvador, JusPodivm, 2020, p. 531: “não há processo sem
preclusão”.
647
ALVIM, Arruda. Manual de Direito Processual Civil, p. 707.
268
como será visto, é a gradação dessa preclusão, mas não pode haver processo dela
totalmente desprovido.
648
DINAMARCO, Cândido Rangel. A Arbitragem na Teoria Geral do Processo p. 58-59. Não obstante a
lei de arbitragem não possuam uma disposição como a do artigo 278 do CPC, Dinamarco observa que isto
não significa que não haja preclusões no processo arbitral, especialmente a consumativa. “São imposições
do próprio sistema, que sequer no Código de Processo Civil são expressamente disciplinadas em profusão
e que também na arbitragem devem em alguma medida ser consideradas”.
649
Sobre sistemas procedimentais rígidos e flexíveis, ver GAJARDONI, Fernando Fonseca. Flexibilidade
procedimental: um novo enfoque para o estudo do procedimento em matéria processual. São Paulo, Atlas,
2008.
650
PARENTE, Eduardo. Processo arbitral e sistema, p. 121
651
MARTINS, Pedro A. Batista. Apontamentos sobre a Lei de Arbitragem, p. 227.
652
Na Apelação nº 0043510-54.2014.8.16.0001, Rel. Des. Leonel Cunha, j. 12.11.2019, a 5ª Câmara Cível
do TJPR reconheceu a preclusão da alegação de parcialidade do árbitro, uma vez que a parte não objetou a
sua nomeação após a apresentação de declaração de não impedimento e aceitação.
269
653
PEREIRA, Guilherme Setoguti J. Procedimento I. Curso de arbitragem, p. 182.
654
APRIGLIANO, Ricardo de Carvalho. Ordem Pública e Processo, p. 121.
655
PARENTE, Eduardo. Processo arbitral e sistema, p. 186.
270
Ainda que o foco deste tópico seja debater a preclusão interna ao processo
arbitral, há um aspecto desse tema que merece registro. É que a inexistência de preclusão
quanto a certas matérias não pode servir para estimular ou absolver comportamentos
nítidos de reserva mental, em que a parte, mesmo podendo arguir questões diretamente
perante os árbitros, deixa de deduzir o argumento, para posteriormente suscitá-lo como
causa para tentar anular a sentença arbitral.
656
Segundo Antonio pinto Leite, constitui prática inaceitável a conduta da parte que se mantém omissa
quanto a um fato de seu conhecimento, deixando de invocá-lo perante os árbitros LEITE, Antonio Pinto.
Independência, Imparcialidade e suspeição de Árbitro. Revista Brasileira de Arbitragem, p. 118.
657
FOUCHARD, Philipe. Sugestões para aumentar a eficácia internacional das sentenças arbitrais. Revista
de Direito Bancário e do Mercado de Capitais, São Paulo, vol. 8, p. 331, abril, 2000, p. 333.
658
DINAMARCO, Cândido Rangel. A Arbitragem na Teoria Geral do Processo p. 56-57.
659
ALVES, Rafael Francisco. O Devido Processo Legal na Arbitragem. Arbitragem no Brasil: aspectos
jurídicos relevantes, p. 404.
271
ordinariamente fixado para tanto. Há que distinguir, porém, qual o tipo da preclusão e
qual a natureza da flexibilização pretendida.
Dinamarco alerta que a liberdade inerente ao processo arbitral não pode chegar
ao ponto de permitir prática de atos incompatíveis com atos praticados já pela parte, nem
deixar portas ilimitadamente abertas à repetição do exercício de faculdade processual já
exercida – preclusão consumativa661.
No que diz respeito à preclusão temporal, também há alguma gradação que deve
ser considerada. Em primeiro lugar, o desatendimento de um prazo peremptório, previsto
na lei ou fixado no calendário, tende a ensejar a pena de preclusão662. Pense-se no prazo
para resposta, especificação de provas ou pedido de esclarecimentos quanto à sentença
arbitral. É difícil considerar aceitável que estes atos venham a ser praticados no dia
seguinte, ou dias depois da data avençada. A previsibilidade e a segurança dos litigantes
ficariam muito ameaçadas se tais etapas do procedimento pudessem ser manipuladas
pelas partes. Existe uma expectativa de direito que se estabelece quando as partes fixam
o calendário, ou quando o tribunal arbitral fixa um prazo. Acaso se permita à parte que
desatendeu o ônus que apresente manifestações intempestivas, o devido processo legal e
a igualdade a que estão sujeitas as partes poderão ser afetados663. É claro, de outro lado,
que vale no processo arbitral a regra do processo estatal de que a pena de preclusão pode
660
DINAMARCO, Cândido Rangel. “Supressio”, Direito e Processo. Memorias de um Processualista,
São Paulo, Malheiros, 2021, p. 161-164.
661
DINAMARCO, Cândido Rangel. A arbitragem na teoria geral do processo, p. 60.
662
Guilherme Setoguti J Pereira igualmente assevera que os prazos fixados pelas próprias partes ou pelos
árbitros devem ser respeitados. Além disso, as partes não podem praticar atos incompatíveis com os já
praticados, o que corresponde à preclusão lógica, ou repetir atos já praticados (preclusão consumativa).
Quanto à última modalidade, exemplifica com a impossibilidade de o autor apresentar duas vezes as
alegações iniciais. PEREIRA, Guilherme Setoguti J. Curso de Arbitragem, p. 183-184.
663
ARAUJO, Yuri Maciel. Arbitragem e Devido Processo Legal, São Paulo, Almedina, 2021, p. 131.
272
ser relevada pelo julgador, se a parte provar que não praticou o ato por justa causa (CPC,
art. 223, parte final)
664
ALVES, Rafael Francisco. O Devido Processo Legal na Arbitragem. Arbitragem no Brasil: aspectos
jurídicos relevantes, Quartier Latin, pp. 382-416, p. 404.
665
ARAUJO, Yuri Maciel. Arbitragem e Devido Processo Legal, São Paulo, Almedina, 2021, p. 130.
273
Os três próximos tópicos deste capítulo são dedicados ao tema das provas. Neste
primeiro, serão explorados seus aspectos gerais, a amplitude do direito à prova e a
possibilidade de limitações consensuais a certos meios de prova, o modo como ela se
realiza, sua compreensão, interpretação. Isso inclui temas como o ônus da prova, a
aplicabilidade de noções como a das presunções, máximas de experiência, etc. O segundo
se dedica a aspectos particulares de alguns dos meios de prova e, por fim, o terceiro
explora o tema, ainda relativamente novo, da produção autônoma da prova nas situações
em que se tenha eleito a arbitragem.
666
ARMELIN, Donaldo. Prescrição e Arbitragem. Revista de Arbitragem e Mediação, vol. 15, Out-dez
2007, pp. 65-79, p. 69: “a arbitragem apresenta, no seu conjunto, estrutura semelhante a do processo civil,
até porque ambos são instrumentos heterônimos de solução de conflitos, nos quais emerge a existência de
terceiro desinteressado ao qual se atribui autoridade suficiente para o deslinde do litígio. Além do mais,
ambos os sistemas são dotados da aptidão para produzir, mediante o seu resultado final, os mesmos efeitos
qualificados pela imutabilidade panprocessual inerente ao fenômeno da coisa julgada material”.
667
MARCATO, Ana Cândida Menezes. A influência do sistema probatório da arbitragem no regime da
prova pericial do novo CPC. FERREIRA, Direito Probatório, Vol. 5. William Santos; JOBIM, Marco
Félix. Coleção Grandes Temas do Novo CPC, 3ª edição, Juspodivm, 2018, pp. 1241 a 1254, p. 1245.
274
hora previamente comunicados, por escrito, exigindo a lei que isto seja reduzido a termo,
assinado pelo depoente, ou a seu rogo, e pelos árbitros (Art. 22, §1º). Disposições sobre
forma, tempo e lugar do ato, logo, disposições de natureza procedimental.
668
Até ao revel se assegura o direito de produzir provas, desde que se faça representar nos autos a tempo
de praticas os atos processuais indispensáveis a essa produção (CPC, art. 349). PEREIRA, Guilherme
Setoguti J. Procedimento I. Curso de Arbitragem, p. 189.
669
No direito italiano, os parâmetros essenciais do direito probatório, que PROTO PISANI qualifica como
princípios, são previstos no CPC: a disponibilidade da prova, o princípio da valoração da prova conforme
il prudente apprezzamento del giudice, o princípio do ônus da prova e o princípio que consagra o ônus de
impugnação específica, o qual não é positivado no direito italiano, mas que decorre de um ideal superior
de eficiência e economia. PROTO PISANI, Andrea. Allegazioni dei fatti e principio di non contestazione
nel processo civile. Teoria do processo: panorama mundial, pp. 89- 98, p. 97.
275
brasileiro. Nem faria sentido que o árbitro, juiz de fato e de direito, tivesse menores
poderes instrutórios que os juízes670. Tanto mais porque a sua decisão quanto ao mérito é
de instancia única, insuscetível de revisão, o que amplifica seus deveres de buscar a
solução mais adequada ao caso671. Esta constatação não se incompatibiliza com o fato de
que, em termos práticos, tanto árbitros quanto juízes togados tendem a utilizar seus
poderes instrutórios de forma residual672.
670
HUCK, Hermes Marcelo. AMADEO, Rodolfo da Costa Manso Real. Árbitro, juiz de fato e de direito.
Revista de Arbitragem e Mediação, vol. 40, 2014, pp 181-192, p. 184.
671
CARNEIRO, Paulo Cezar Pinheiro. Aspectos processuais da nova lei de arbitragem. Arbitragem: lei
brasileira e praxe internacional. CASELLA, Paulo B. coordenador, 2ª. ed, Sao Paulo, LTr, 1999, pp. 291-
315, p. 306.
672
FITCHNER, MANNHEIMER e MONTEIRO. Teoria Geral da Arbitragem. p. 192. Quanto ao processo
estatal, ver APRIGLIANO, Ricardo de Carvalho. Comentários ao Código de Processo Civil, vol. VIII,
tomo I, p. 116-120.
673
Sobre a natureza material ou processual das regras sobre provas, ver APRIGLIANO, Ricardo de
Carvalho. Comentários ao Código de Processo Civil, vol. VIII, tomo I, p. 47-51.
674
FIGUEIRA Jr., Joel Dias. Arbitragem. 3ª Ed. Rio de Janeiro, Forense, 2019, p. 276.
675
Com posição contrária às limitações probatórias, CARNEIRO, Paulo Cezar Pinheiro. Aspectos
processuais da nova lei de arbitragem. Arbitragem: lei brasileira e praxe internacional. CASELLA, Paulo
B. coordenador, 2ª. ed, Sao Paulo, LTr, 1999, pp. 291-315, P. 306.
276
676
A respeito do tema, ao julgar ação anulatória proposta com fundamento na alegação de preclusão do
direito de produção de prova, em razão do não cumprimento do cronograma estabelecido na Ata de Missão,
o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo reconheceu que: “No processo arbitral, como o procedimento
é estabelecido pelas próprias partes, a necessidade de respeitá-lo só aumenta. Isso porque não é necessário
que o julgador indague se o procedimento é adequado à resolução da controvérsia que deve resolver; as
próprias partes, ao determinar o procedimento, já responderam positivamente a essa indagação. Assim, se
o réu deixou de indicar nas alegações iniciais, de maneira fundamentada, quais as provas que pretendia
produzir, ocorreu a preclusão desse direito. Ao rejeitar a alegação de preclusão da produção probatória, a
sentença arbitral parcial (fls. 185-257) desrespeitou o cronograma de procedimento e, consequentemente,
a igualdade de partes, nos termos do art. 21, § 2º da Lei nº 9.307/96 .(TJSP; Apelação Cível 1066484-
54.2019.8.26.0053; Relator (a): Luís Francisco Aguilar Cortez; Órgão Julgador: 1ª Câmara de Direito
Público; Foro Central - Fazenda Pública/Acidentes - 16ª Vara da Fazenda Pública; Data do Julgamento:
27/04/2021; Data de Registro: 04/05/2021.
677
FICHTNER, MANNHEIMER e MONTEIRO. Teoria Geral da Arbitragem, p. 192.
678
ALVES, Rafael Francisco. Devido Processo Legal na Arbitragem, p. 405-406. O autor ressalva com
acordos sobre certas peculiaridades da produção de provas, como combinar que depoimento pessoal, a
inspeção ou oitiva de testemunhas seja realizada sem a participação das Partes, como “de uma testemunha
que se sinta constrangida pela presença de uma das partes, por ser antigo desafeto”.
277
O processo arbitral, ramo do direito processual que é, bebe nesta fonte comum,
se vale desses mesmos conceitos, e exatamente por isso, não é necessário ou
recomendável que os regule na legislação específica. A regulação própria só se justifica
para os temas que merecem disciplina diversa, destacada do tronco comum. Mas sendo
esses conceitos diretamente derivados dos princípios processuais, nesta disciplina
específica de disposições gerais sobre a prova, as soluções que se adotam no processo
arbitral são decorrência desses princípios e dessas noções gerais. Pode-se dizer que a
invocação subsidiária de normas específicas do CPC nem chega a ser necessária. Mas
vale aqui uma provocação. Se o parâmetro do modelo processual brasileiro se modificasse
(a exemplo do que ocorreu com a coisa julgada sobre questão prejudicial), seria possível
invocar apenas o conceito do ônus da prova, desatrelado do regramento positivo? Ou o
parâmetro, aplicável ao processo arbitral, se modificaria também?
Outra ressalva importante é que estes parâmetros gerais devem ser aplicados, na
falta de combinações particulares. A autonomia da vontade permite que as partes
disciplinem seu ônus de prova diferentemente, pactuem a modificação de algum
parâmetro, a inversão do ônus da prova, em termos gerais ou relativamente a algum
conjunto fático particular680. Mas inexistentes esses acordos, o ônus da prova competirá
679
Fernando Serec afirma, com razão, serem plenamente utilizáveis na arbitragem as presunções e a
desnecessidade de prova mencionados no artigo 374 do CPC. Os fatos notórios, os que são afirmados por
uma parte e confessados pela outra ou admitidos no curso do processo, são todos conceitos aplicáveis ao
processo arbitral. SEREC, Fernando Eduardo. Provas na arbitragem. 20 anos da lei de arbitragem:
homenagem a Petronio R Muniz, p. 298.
680
A este respeito, ver GODINHO, Robson. Negócios Processuais Sobre o Ônus da Prova no Novo Código
de Processo Civil, São Paulo, Revista dos Tribunais, 2015.
278
a quem alega, a quem a eventual não demonstração do respectivo fato possa prejudicar681
682
.
681
VERÇOSA, Fabiane. A produção de Provas. Curso de Arbitragem, pp. 219-251, p. 219: “Tal qual no
processo judicial, esta antiga máxima também vale para o procedimento arbitral”.
682
Em referência ao artigo 373, II, 2 parágrafo 1º, do CPC, que versa sobre a distribuição do ônus da prova,
CRUZ e TUCCI admite a aplicação da inversão do ônus da prova, para quem o tribunal terá de enfrentar
as peculiaridades da causa, declinando as razões que o convenceram a determinar a inversão do ônus
subjetivo da prova legal, distribuído nos incisos I e II do artigo 373 do Código de Processo Civil. CRUZ e
TUCCI, José Rogério. Reflexões sobre estrutura formal da sentença arbitral. 20 anos da lei de arbitragem:
homenagem a Petronio R Muniz, p. 579.
683
LAMAS, Natália Mizrahi. Introdução e Princípios aplicáveis à Arbitragem, Curso de Arbitragem, p. 42.
684
TARUFFO, Michele. A Prova, 1a ed., São Paulo, Marcial Pons, 2014, p. 140.
685
APRIGLIANO, Ricardo de Carvalho. Comentários ao Código de Processo Civil, vol. VIII, tomo I, p.
191-192.
686
APRIGLIANO, Ricardo de Carvalho. Ob. Cit, p. 215.
279
parte e admitidos pela outra serão tidos por incontroversos. Não são fatos notórios, são
fatos incontroversos. Mas o seu tratamento é o mesmo, ficam de fora das investigações
probatórias.
687
VERÇOSA, Fabiane. A produção de Provas. Curso de Arbitragem, pp. 219-251, p. 220.
688
WAMBIER e TALAMINI, Curso Avançado de Processo Civil, vol. 2, p. 249.
280
as coisas: as fontes de prova) sejam trazidos e possam ser utilizados para a compreensão
do que ocorreu, isto é, de como os fatos se deram689.
689
APRIGLIANO, Ricardo de Carvalho. Comentários ao Código de Processo Civil, vol. VIII, tomo I, p.
41.
690
SEREC observa que o modelo brasileiro seguiu o parâmetro da Lei Modelo Uncitral, que trata a
determinação da produção de provas como parte da prerrogativa do tribunal arbitral de estabelecer regras
do procedimento, sem especificar todos os meios de prova. Ilustra com a Lei portuguesa, que determina a
aplicação, na arbitragem, de todos os meios de provas admitidos na lei processual. SEREC, Fernando
Eduardo. Provas na arbitragem. 20 anos da lei de arbitragem: homenagem a Petronio R Muniz, p. 295-296.
691
Por exemplo, SEREC afirma que a aplicação do CPC “é absolutamente subsidiária no processo arbitral”,
mas reconhece a aplicabilidade das regras sobre ônus da prova e da prova emprestada. SEREC, Fernando
Eduardo. Provas na arbitragem. 20 anos da lei de arbitragem: homenagem a Petronio R Muniz, p. 296.
692
MONTORO, Marcos. Flexibilização do Procedimento Arbitral, p. 293: Sobre o objeto da prova, “só
precisam ser provados os fatos, e entre esses somente os pertinentes, relevantes e controvertidos, sendo que
não precisam ser provados os fatos notórios e aqueles a respeito dos quais exista uma presunção legal em
favor de uma das partes”. (...) Essas conclusões, mais do que decorrentes do que consta do CPC, são
derivadas de um senso comum do que precisa ser objeto de prova em qualquer método heterocompositivo
de solução de controvérsias”.
693
DINAMARCO, Cândido Rangel. A Arbitragem na Teoria Geral do Processo p. 159-160.
281
694
A esse respeito, ver NUNES, Thiago Marinho. A evolução do conceito de prova técnica na arbitragem.
https://www.migalhas.com.br/coluna/arbitragem-legal/349079/a-evolucao-do-conceito-de-prova-tecnica-
na-arbitragem acesso em 10.08.2021.
695
No contexto da arbitragem internacional, ver KAUFMANN-KOHLER, Gabrielle. Arbitration
procedure: identifying and applying the law governing the arbitration procedure. In: van den Berg, Albert
Jan. Improving the efficiency of arbitration agreements and awards: 40 years of application of the New
York Convention. The Hague: Kluwer Law International, 1999. p. 356-365, p. 363-364.
696
MONTORO, Marcos. Flexibilização do Procedimento Arbitral, p. 303.
282
697
Outros exemplos são dados por Carmona. “Arbitration is different: os árbitros, dependendo da hipótese,
podem querer ouvir todas as testemunhas arroladas, em ordem que pode não coincidir com aquela
apresentada no Código de Processo Civil; por outro lado, a prática da arbitragem tem demonstrado que os
árbitros raramente afastam uma testemunha impedida ou suspeita, preferindo ouvi-la (como informante,
para usar a linguagem do Código!) e avaliar seu depoimento no momento de julgar”, CARMONA, Carlos
Alberto. Em torno do árbitro. Revista de Arbitragem e Mediação, vol. 28, 2011, p. 54.
698
Nesse sentido, o Tribunal de Justiça de São Paulo rejeitou a anulação de sentença arbitral, em cujo
procedimento foi ouvida testemunha sem prestar compromisso, sendo que a sentença foi fundamentada em
vasta prova e depoimento de outras testemunhas. TJSP, 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do
Tribunal, Apelação nº 1071071-80.2016.8.26.0100, Rel. Des. Fortes Barbosa, j. 24.10.2018.
699
Expressão que o artigo 378 do CPC adota, mas adiciona que esta colaboração se dá com o Poder
Judiciário. A exclusão desta parte é proposital, porque também em processos jurisdicionais extrajudiciais a
regra tem aplicação.
700
GIUSTI, Gilberto. O Árbitro e o Juiz: Da Função Jurisdicional do Árbitro e do Juiz. Revista Brasileira
de Arbitragem, Volume II, São Paulo, 2005, p. 7-14, p. 12.
701
Contra, não admitindo jurisdição do árbitro para determinar a um terceiro a apresentação de documentos,
PARENTE, Eduardo. Processo arbitral e sistema, p. 241.
283
702
Paulo Cezar Pinheiro Carneiro defende a aplicação subsidiária das regras do CPC no que tange ao
depoimento das partes e testemunhas. CARNEIRO, Paulo Cezar Pinheiro. Aspectos processuais da nova
lei de arbitragem. Arbitragem: lei brasileira e praxe internacional. CASELLA, Paulo B. coordenador, 2ª.
ed, Sao Paulo, LTr, 1999, pp. 291-315, p. 306.
703
VERÇOSA, Fabiane. A produção de Provas. Curso de Arbitragem. p. 238: enquanto uma testemunha é
ouvida, as demais não podem estar presentes; “esta regra é mesmo intuitiva, pois visa manter incólume a
imparcialidade da testemunha, a qual deve depor, com lisura, sobre os fatos de que tem conhecimento. Tal
regra aplica-se, a rigor, a qualquer processo, seja judicial seja arbitral”.
704
No mesmo sentido, ponderando que o depoimento pessoal não está atrelado à anacrônica pena de
confesso do processo estatal, PARENTE, Eduardo. Processo arbitral e sistema, p. 244-245.
284
pedido pela própria parte, como uma forma de aportar esclarecimentos fáticos
diretamente perante os julgadores, sob o crivo do contraditório705.
Quanto à prova fundada na urgência, o tema não suscita maiores polêmicas, pois
se insere na competência atribuída ao Judiciário, por força do artigo 22-A da Lei de
Arbitragem. O problema surge se a parte pretende a antecipação da prova com
fundamentos nos demais incisos do artigo 381 do CPC. Há essencialmente duas soluções,
com diferentes razões a justificar cada uma delas.
705
Defendo esta possibilidade mesmo no âmbito do processo estatal. Conforme APRIGLIANO, Ricardo
de Carvalho. Comentários, p. 293-295. Esta hipótese é admitida no direito português, conforme AMARAL,
Paulo Osternack. Prova por declarações de parte. São Paulo, editora Juspodivm, 2022, p. 53-60.
706
DINAMARCO, Cândido Rangel. A Arbitragem na Teoria Geral do Processo, p. 157.
707
ZAKIA, José Victor Palazzi e VISCONTI, Gabriel Caetano. Produção antecipada de prova em
arbitragem e jurisdição. Revista de Arbitragem e Mediação, v. 59, ano 2018, p. 195-211.
708
Didier, Braga e Oliveira enquadram a produção de prova antecipada como procedimento de jurisdição
voluntária. DIDIER JR, Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de direito
processual civil, v. II, 14ª. ed. Salvador, JusPodivm, 2019, p. 171.
285
709
MAZZOLA, Marcelo. TORRES, Rodrigo de Assis. A produção antecipada de prova no Judiciário viola
o juízo arbitral e a competência do árbitro? https://www.migalhas.com.br/amp/depeso/269294/a-producao-
antecipada-de-prova-no-judiciario-viola-o-juizo-arbitral-e-a-competencia-do-arbitro Último acesso em
12/06/2022.
710
APRIGLIANO, Ricardo de Carvalho. Comentários ao Código de Processo Civil, vol. VIII, tomo I, p.
263.
286
daquela prova é, em si, um direito atribuído à parte. Uma perícia, por exemplo,
pode ser realizada na arbitragem de formas muito diversas, a escolha do
profissional envolvido observará outros critérios. Pode ocorrer, e é comum que
ocorra, que o perito seja ouvido pelos árbitros em audiência, que seja perguntado
sobre suas conclusões, sobre a justificativa técnica de suas afirmações. Ao se
realizar esta prova de forma antecipada, perante o juiz estatal, retira-se da parte
todo esse conjunto de possibilidades. E no exemplo específico, não se pode nem
mesmo garantir que o perito judicial irá comparecer, meses ou anos depois, para
depor perante os árbitros”711.
711
APRIGLIANO, Ricardo de Carvalho. Comentários ao Código de Processo Civil, vol. VIII, tomo I, p.
264.
712
YARSHELL, Flávio Luiz. BECERRA, Eduardo de Carvalho. MARQUES, Fabio de Souza Rodrigues.
RODRIGUES, Viviane Siqueira. Produção antecipada de prova desvinculada da urgência na arbitragem:
réquiem. Processo Societário IV. YARSHELL, Flávio Luiz. PEREIRA, Guilherme Setoguti J. (coord).
Quartier Latin, 2021, p. 455-472.
713
Sobretudo, a partir das teses defendidas por YARSHELL, Flávio Luiz. Antecipação da prova sem o
requisito da urência e direito autônomo à prova. São Paulo, Malheiros, 2009. NEVES, Daniel Amorim
Assumpção. Ações Probatórias Autônomas. São Paulo, Saraiva, 2008.
714
APRIGLIANO, Ricardo de Carvalho. Comentários ao Código de Processo Civil, vol. VIII, tomo I, p.
249: “[o legislador] contempla a prova como um direito autônomo de tal magnitude que autoriza a utilização
do processo mesmo que não haja um litígio. (...) Diante do teor do art. 381, é inequívoco que a produção
da prova pode ser utilizada antes e independentemente de um litígio, de um direito violado ou de alguma
pretensão de natureza contenciosa”.
715
ROSSONI, Igor Bimkowski Rossoni. Produção antecipada de prova sem requisito de urgência e juízo
arbitral no direito societário: breves considerações sobre a competência para sua produção. Processo
Societário III. YARSHELL, Flávio Luiz. PEREIRA, Guilherme Setoguti J. (coord.). São Paulo, Quartier
Latin, 2018, p. 314-315.
287
à questão de fundo fossem atribuídos à jurisdição estatal. A liberdade das partes comporta
todas estas soluções.
716
BGH, Decisão da sétima câmara de direito civil. “Beschluss VII ZB 19/21”. Em
https://juris.bundesgerichtshof.de/cgi-
bin/rechtsprechung/document.py?Gericht=bgh&Art=en&Datum=Aktuell&Sort=3072&Seite=6&nr=1269
93&pos=203&anz=826
717
Em 2017, o Tribunal de Justiça se posicionou pela admissibilidade da produção antecipada de provas
perante o próprio Judiciário: TJSP, 34ª Câmara de Direito Privado, Apelação nº 1132027-
62.2016.8.26.0100, Rel. Des. Soares Levada, j. 27.09.2017.
718
Há diversos julgados, a partir de 2019 até 2022, excluindo a competência do Judiciário para as produções
antecipadas não fundadas em urgência. Por exemplo: TJSP, 26ª Câmara de Direito Privado, Agravo de
Instrumento nº 2119783-88.2019.8.26.0000, Rel. Des. Vianna Cotrim, j. 29.08.2019; TJSP, 1ª Câmara
Reservada de Direito Empresarial, Embargos de Declaração Cível nº 1125900-40.2018.8.26.0100/50000,
Rel. Des. Alexandre Lazzarini, j. 06.11.2019; TJSP, 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial, Apelação
Cível nº1004160-81.2019.8.26.0100, Rel. Des. Gilson Delgado Miranda, j. 11.12.2019; TJSP, 2ª Câmara
Reservada de Direito Empresarial, Apelação Cível nº 1016776-28.2018.8.26.0002, Rel. Des. Sérgio
Shimura, j. 06.10.2020.; TJSP, 34ª Câmara de Direito Privado, Apelação Cível nº 1099195-
97.2021.8.26.0100, Rel. Des. Gomes Varjão, j. 12.01.2022; TJSP, 3ª Câmara de Direito Privado, Apelação
Cível nº 1099475-68.2021.8.26.0100, Rel. Des. João Pazine Neto, j. 22.03.2022.
719
TJSP, 33ª Câmara de Direito Privado, Agravo de Instrumento nº 2162725-67.2021.8.26.0000, Rel. Des.
Ana Lúcia Romanhole Martucci, j. 07.02.2022; TJSP, 33ª Câmara de Direito Privado, Agravo de
Instrumento nº 2148165-23.2021.8.26.0000, Rel. Des. Ana Lúcia Romanhole Martucci, j. 07.02.2022.
288
720
STJ, Agravo em REsp nº 1759485 - SP (2020/0236971-3), Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, j.
29.04.2021.
721
APRIGLIANO, Ricardo de Carvalho. Comentários ao Código de Processo Civil, vol. VIII, tomo I, p.
273.
722
Não obstante entender que, “em princípio, as ações probatórias autônomas relativas a determinado litígio
estão abrangidas pela convenção arbitral para ele estipulada”, Eduardo Talamini elenca alguns
inconvenientes e hipóteses que podem recomendar a sua propositura perante o juízo estatal. Primeiro, se
“apenas a própria produção da prova permitirá ao requerente definir os exatos contornos de sua pretensão,
inclusive para saber se ela está efetivamente abrangida pela convenção arbitral”, ou se antecipa-se a
necessidade de medidas coercitivas “que apenas poderiam ser determinadas, em qualquer caso, pelo juiz
estatal” ou se a prova for “extremamente singela e de curta duração (por exemplo, ouvida de uma única
testemunha), de modo que seria desproporcional, por sua extrema onerosidade, complexidade e demora,
constituir um tribunal arbitral apenas para isso”. TALAMINI, Eduardo. Produção antecipada de prova no
Código de Processo Civil de 2015. In: Revista de processo, v. 260, ano 2016, p. 74-101, p. 84.
289
Dessa forma, a regra do artigo 277 do Código de Processo Civil, segundo a qual
quando a lei prescrever determinada forma, o juiz considerará válido o ato se, realizado
de outro modo, lhe alcançar a finalidade, tem óbvia e plena aplicação ao processo
arbitral. Trata-se de norma de superdireito que consagra a instrumentalidade das
formas725. Se o processo estatal, mais formal e com procedimento mais rígido, aplica e se
beneficia desta regra, com maior razão o processo arbitral, concebido para, a partir da sua
flexibilidade procedimental, outorgar às partes a solução mais adequada à sua disputa726.
Essa é uma característica do modelo processual brasileiro que a doutrina não tem
dificuldade em aplicar ao processo arbitral, ainda que em negação à aplicabilidade de
normas processuais concretas não previstas na própria Lei de Arbitragem. A ideia do
máximo aproveitamento do ato jurídico pertence à teoria geral do direito, e inspira o
princípio processual da instrumentalidade. São parâmetros aplicáveis a todas as hipóteses
de processo, e até aos atos jurídicos em geral (ainda que, quanto aos atos jurídicos não
723
DINAMARCO, Cândido Rangel. A Arbitragem na Teoria Geral do Processo p. 116. PARENTE,
Eduardo Parente. Processo arbitral e sistema, p. 52
724
BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Efetividade do processo e técnica processual. São Paulo:
Malheiros, 2010, p. 423.
725
DINAMARCO, Cândido Rangel. A Arbitragem na Teoria Geral do Processo p. 116.
726
Rafael Francisco Alves também sustenta que todas essas ideias sobre instrumentalidade, previstas no
CPC, podem ser aplicadas ao processo arbitral. Sustenta que no processo arbitral se percorram as etapas
seguintes: a não observância de certa regra violou/ofendeu a igualdade de participação das partes? Se a
resposta é não, desconsidera-se o vício. Se a resposta é positiva, deve-se perguntar se houve prejuízo
material à parte. Sendo negativa a resposta, igualmente se desconsidera o vício. ALVES, Rafael Francisco.
O Devido Processo Legal na Arbitragem. Arbitragem no Brasil: aspectos jurídicos relevantes, Quartier
Latin, pp. 382-416, p. 393.
290
Também quanto aos poderes dos árbitros, há elementos comuns, que permitem
a constatação da aproximação entre o processo arbitral e os demais ramos do direito
processual, assim como especificidades que caracterizam esta modalidade específica de
tutela jurisdicional. A Lei de Arbitragem proclama que o árbitro é juiz de fato e de direito,
que sua sentença não está sujeita à homologação ou revisão quanto ao mérito (art. 18),
confere a ele o poder de determinar medidas antecipadas e cautelares (art. 22-A), poderes
instrutórios de ofício (art. 22). No que tange ao desempenho da sua função, o árbitro tem
os deveres de imparcialidade, independência, competência, diligência e discrição (art.
13). E instrumental à imparcialidade e independência, o árbitro tem o dever de revelação
(Art. 14).
727
O modelo de legislação arbitral sucinto e lacunoso, que foi adotado pelo Brasil, não é repetido em outros
ordenamentos. A respeito deste temas, nas disposições sobre arbitragem constantes no Código de Processo
Civil argentino (art. 761), há uma disposição que expressamente contempla a aplicação subsidiária das
disposições sobre nulidades estabelecidas por aquele Código.
http://servicios.infoleg.gob.ar/infolegInternet/anexos/15000-19999/16547/texact.htm#21
728
FICHTNER, José Antonio. MANNHEIMER, Sergio Nelson. MONTEIRO, André Luis. Teoria Geral
da Arbitragem, p. 163.
291
Não obstante sua relevância, os poderes dos árbitros não se esgotam nesta
relação expressamente afirmada na lei própria.
Assim, para a efetivação de suas decisões e boa condução do caso, o árbitro pode
orientar as partes, adverti-las sobre comportamentos impróprios, determinar medidas
indutivas ou coercitivas para reforço das suas determinações, ainda que, diante de
eventual resistência da parte, não possa o árbitro impor o seu cumprimento ou tomar
medidas práticas para a sua efetivação731. Mas é inerente ao poder de decisão do árbitro
729
DINAMARCO, Cândido Rangel. A Arbitragem na Teoria Geral do Processo p. 49-50.
730
SILVA, Paula Costa e. O Processo e as situações jurídicas processuais. Teoria do Processo: panorama
doutrinário mundial, p. 783.
731
GAJARDONI, Fernando da Fonseca. Aspectos fundamentais de processo arbitral e pontos de contato
com a jurisdição estatal. Revista de Processo, vol. 106, p. 196. Nesse sentido: TJMG, 18ª Câmara Cível,
Embargos de Declaração nº 1.0024.13.357238-8/007, Rel. Des. Arnaldo Maciel, j. 28.06.2017; TJDFT, 4ª
Turma Cível, Agravo de Instrumento 20120020271314AGI, Rel. Des. Fernando Habibe, j. 28.01.2015.
292
Esses poderes dizem respeito às partes e abrangem comandos que lhes são
diretamente dirigidos. Por exemplo, no contexto da tutela provisória, árbitros podem
determinar a suspensão de determinadas condutas, de pagamentos, abstenções de
comportamentos. Podem bloquear a transferência de ações ou outros ativos, determinar a
averbação destas ordens. Quando a arbitragem tem por objeto contratos que configuram
títulos executivos extrajudiciais, os árbitros podem determinar a suspensão da execução
ou de certos atos executivos. Todo esse amplo espectro de poderes pode ensejar interações
com outro órgão jurisdicional, ou mesmo com órgãos públicos (Juntas Comerciais, por
exemplo) ou terceiros, estranhos ao processo arbitral. Pense-se em seguradoras, que
podem receber ordens para suspender processos de regulação de sinistros, ou instituições
financeiras, a quem podem ser dirigidas ordens de bloqueio na movimentação de contas
bancárias. Os terceiros podem ainda receber determinações de exibição de documentos,
que sejam incidentalmente requeridos no curso de demanda arbitral733. Diante de eventual
recusa, os árbitros não terão poder de coerção sobre os terceiros, daí porque a parte
interessada na sua produção terá que mover demanda judicial em face do terceiro (CPC,
art. 404). Relativamente à própria parte, a ordem de produção de documentos, se
desatendida, pode ensejar a presunção de veracidade da alegação fática que se pretendia
demonstrar com a apresentação do documento, do que decorre que, também no processo
arbitral, a exibição de documento constitui ônus da parte, que pode lhe acarretar uma
situação de desvantagem em caso de descumprimento 734.
732
DINAMARCO, Cândido Rangel. A Arbitragem na Teoria Geral do Processo p. 48.
733
Quanto ao tema, na arbitragem internacional, ver, OHLROGGE, Leonardo. BORCHARDT, Bernardo.
Aspectos Práticos sobre Pedidos de Exibição de Documentos em Arbitragens Internacionais à Luz das
Regras da IBA. Revista Brasileira de Arbitragem, Vol. 70, Abr-Jun/2021, pp. 46-78, p. 50.
734
PINTO, José Emilio Nunes. Anotações práticas sobre a produção da prova na arbitragem. Revista
Brasileira de Arbitragem, vol. 25, Jan-Mar 2010, p. 15. Também PESSOA, Fernando José Breda. A
Produção Probatória na Arbitragem, Revista Brasileira de Arbitragem, vol. 13, Jan-Mar/2007.
293
autonomia das partes não lhes autoriza a afastar preceitos que proclamam o exercício da
boa-fé e lealdade, nem permitem que elas criem um universo particular, regulando quais
condutas serão aceitas ou toleradas, regulando as punições que decorrerão dos
comportamentos desleais. A referência a ser obrigatoriamente adotada é a do Código de
Processo Civil, porque a natureza penal deste tipo de norma exige que se atenha a um
parâmetro de legalidade (nulla poena sine lege).
Mas se a lei que regula o processo arbitral não disciplina os requisitos para a sua
concessão, os ônus, deveres e faculdades processuais que decorrem da utilização dessa
técnica, a conclusão óbvia que daí decorre é que estes elementos são complementados,
no processo arbitral, pelas regras do processo estatal, pois este constitui a fonte normativa
que regula a agora denominada tutela provisória. É da lei processual geral que se extraem
294
735
FICHTNER e MONTEIRO reconhecem ser impossível negar que existe uma interação entre o sistema
arbitral e o sistema processual da sede da arbitragem no que diz respeito às medidas de urgência. Tutela
provisória na arbitragem e Novo Código de Processo Civil: tutela antecipada e tutela cautelar, tutela de
urgência e tutela da evidência, tutela antecedente e tutela incidental, p. 474.
736
Por exemplo, com a exigência de fundamentação adequada do árbitro para a manutenção, revisão ou
revogação da tutela provisória. CRUZ e TUCCI, José Rogério. Reflexões sobre estrutura formal da sentença
arbitral. 20 anos da lei de arbitragem: homenagem a Petronio R Muniz, p. 579.
737
GRION, Renato Stephan Grion. Procedimento II,. Curso de Arbitragem, p. 201.
738
ALVES, Rafael Francisco. O Devido Processo Legal na Arbitragem. Arbitragem no Brasil: aspectos
jurídicos relevantes, p. 409.
295
primeiro lugar, que as partes, no exercício da sua autonomia, podem eleger árbitros de
emergência739 e, simultaneamente, excluir a apreciação judicial sobre questões de
urgência.740 Tal escolha, que em termos práticos não é recomendada, pode ser feita, ao
menos em termos teóricos. As partes preservam o acesso à tutela jurisdicional, asseguram
o direito de uma resposta a questões urgentes, mas o fazem por um mecanismo que exclui
a apreciação do Poder Judiciário.
739
No âmbito internacional, a arbitragem de emergência está prevista nos regulamentos da Corte
Internacional de Arbitragem da Câmara de Comércio Internacional – CCI (art. 29 e anexo V), International
Centre for Dispute Resolution – ICDR (art. 6º) e da London Court of International Arbitration – LCIA (art.
9.º-B) entre outros. Já entre as câmaras nacionais, a arbitragem de emergência está prevista nos
regulamentos do CAM-CCBC (art. 4.14 e RA 44/2020), da Câmara do Mercado (art. 5.1), da CAMARB
(art. 9.4.) e da Câmara de Conciliação, Mediação e Arbitragem CIESP/FIESP (art. 13 e Resolução n°
4/2018).
740
TALAMINI, Eduardo. Arbitragem e a tutela provisória no Código de Processo Civil de 2015. Revista
de Arbitragem e Mediação, vol. 46/2015, p. 293-294.
296
fato de uma decisão judicial ter sido proferida não é, em si, fator de influência, mas mera
circunstância que o árbitro terá que enfrentar. Integram as suas atribuições a revisão,
manutenção ou modificação da decisão judicial anterior. Há, neste particular, um aparente
paradoxo, que decorre do sistema.
Questão polêmica, que tem sido debatida pela doutrina arbitral, diz respeito à
aplicação dos parâmetros de fundamentação das decisões judiciais, estabelecidos pelos
parágrafos do artigo 489 do Código de Processo Civil. Inovação importante do CPC/15742,
o dispositivo, valendo-se de técnica legislativa incomum, dispõe no §1º não ser motivada
a decisão que incorrer nas hipóteses dos seus incisos e prescreve elementos que devem
constar da fundamentação, nos seus §§2º e 3º.
741
DALLA, Humberto. MAZZOLA, Marcelo Mazzola: sendo vedado ao juiz analisar o mérito da sentença
arbitral, também não pode reexaminar o conteúdo da tutela deferida pelo árbitro. Manual de Mediação e
arbitragem, São Paulo, Saraiva Educação, 2019, p. 335.
742
Marcelo Barbi Gonçalves propõe a aplicação deste parâmetro de fundamentação ao processo penal:
“Para parcela da doutrina, o dever de motivação analítica das decisões judiciais (art. 489, § 1º, CPC) é uma
decorrência do direito fundamental consagrado no art. 93, IX, da CF. Assim, considerando que os
parâmetros estipulados no Código de Processo Civil têm como escopo assegurar uma sentença customizada
às particularidades do caso concreto, não devem eles serem trasladados quando o bem jurídico em jogo é a
liberdade?” GONÇALVES, Marcelo Barbi Gonçalves. Teoria Geral da Jurisdição. Salvador: Editora
JusPodivm, 2020, p. 359.
743
O artigo 489 não tem caráter inovativo, apenas explicita o conteúdo do dever de fundamentar, que consta
do art. 26 da LArb, de modo que ele também se aplica aos árbitros. TEMER, Sofia. Precedentes Judiciais
e Arbitragem: reflexões sobre a vinculação do árbitro e o cabimento da ação anulatória. Revista de
Processo, vol. 278, 2018, pp 523 – 543, p. 526.
297
standard de boa fundamentação, que uma decisão razoavelmente bem fundamentada não
incorreria no risco de ser considerada nula. Entretanto, a circunstância que precisa ser
percebida, declarada, é que esse estado de coisas era, e ainda é, meramente teórico. Muitas
decisões judiciais ainda hoje, passados vários anos de vigência da nova legislação,
seguem sem se preocupar em aprimorar o standard da fundamentação.
Sob esse prisma, é explicável por que razões o legislador precisa criar um roteiro
básico de como não fazer uma decisão, sancionando com nulidade o desatendimento
desses parâmetros. Mas porque, do ponto de vista da administração da justiça, seria
inviável a repetida anulação de processos por falta de fundamentação, o legislador criou
uma solução procedimental que minimiza, em muito, a própria eficácia da sua prescrição.
Identificada a nulidade, o tribunal poderá, em sede recursal, suprir o vício, decidindo
diretamente o mérito da questão e assim suprindo as falhas de fundamentação da instancia
inferior (CPC, art. 1.013, §3º, IV).
ao julgador de primeiro grau para que eleve o nível de fundamentação de suas decisões,
eis que, em qualquer caso, não terá que voltar a decidi-las. Em suma, tem-se que, no
processo estatal, o procedimento estabelecido para o tema da fundamentação é o de fixar
requisitos (que são de conteúdo, mas também de forma) para o ato processual sentença
admitir a recorribilidade por falta de fundamentação, permitir o reconhecimento da
nulidade em segundo grau e permitir que o tribunal passe diretamente ao exame das
questões sobre as quais se omitiu o juízo a quo. Disso resulta que não haverá a anulação
do processo, com perda de atos processuais praticados, mas meramente a substituição de
uma decisão não fundamentada por outra, fundamentada.
Não há uma base estatística segura para se extrair conclusões mais definitivas,
mas a casuística das ações anulatórias, acolhidas ou rejeitadas, indica que outros
fundamentos costumam ser invocados, não propriamente o de falhas no dever de
fundamentação. Sob esse prisma, poder-se-ia dizer que discutir a aplicação do artigo 489
do CPC à arbitragem é discutir um falso problema, eis que concretamente, dificilmente
haverá hipóteses em que as sentenças arbitrais não sigam o script de uma boa decisão, ou
que incorram nas falhas (relativamente básicas) elencadas neste dispositivo.
744
Circunstância que se explica pela responsabilidade envolvida no ato de julgar, como aponta
MAGALHÃES, José Carlos de. Os deveres do árbitro. 20 anos da lei de arbitragem: homenagem a
Petronio R Muniz, pp. 227-238, p. 233.
299
legislação especial, possui disciplina normativa própria, que igualmente exige o exame
das questões de fato e de direito. A norma especial não contém o grau de detalhamento
que é proposto pela norma geral, editada posteriormente, de forma que, seja pelo critério
da especialidade, seja pelo cronológico, é possível sim afirmar a aplicabilidade daquelas
exigências de fundamentação ao processo arbitral 745 746.
745
CRUZ e TUCCI, José Rogério. Reflexões sobre estrutura formal da sentença arbitral. 20 anos da lei de
arbitragem: homenagem a Petronio R Muniz. p. 583, reputa aplicável ao processo arbitral a disposição do
art. 489, § 1º, do CPC.
746
Também FICHTNER, MANNHEIMER e MONTEIRO, “não exatamente por conta da incidência do
Código de Processo Civil na arbitragem - pois a legislação processual não se aplica, automática e
obrigatoriamente, no processo arbitral - mas porque essas exigências dão o correto contorno hodiernamente
vigente do princípio constitucional da motivação das decisões”. Teoria Geral da Arbitragem. p. 186.
747
STJ, Agravo em REsp nº 1.505.201 – GO, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 21.06.2019: sentenças
arbitrais com fundamentação concisa não configuram falta de fundamentação.
748
Consideram o manejo do pedido de esclarecimentos um pressuposto necessário para a propositura
posterior de ação anulatória, YARSHELL, Flávio Luiz. Ainda sobre o caráter subsidiário do controle
jurisdicional estatal da sentença arbitral. Revista de Arbitragem e Mediação, nº 50, p. 155, e FIGUEIRA
Jr., Joel. Arbitragem, 3ª ed, Rio de Janeiro, Forense, 2019, p. 414. Em sentido contrário, BEREZOWSKI,
Aluisio. Ação Anulatória de Sentença Arbitral: pressupostos e limites, p. 191. BERALDO, Leonardo de
Faria. Curso de Arbitragem, p. 446. PINTO, José Emilio Nunes. Anulação de sentença arbitral infra petita,
extra petita e ultra petita. Arbitragem no Brasil: aspectos jurídicos relevantes. JOBIN, Eduardo.
MACHADO, Rafael Bicca. São Paulo, Quartier Latin, 2008, p. 270-271.
300
A vinculação dos árbitros aos precedentes constitui outro dos temas polêmicos,
aos quais a doutrina vem se dedicando nos últimos anos. No Brasil, há diversos trabalhos
monográficos sobre o tema, além de muitos artigos e ensaios750. Neste trabalho, o assunto
será explorado na medida da sua utilidade para o estabelecimento das correlações entre o
processo estatal e o processo arbitral, porque também quanto aos precedentes é possível
constatar elementos comuns, que comunicam estes ramos do processo (ou
749
Na jurisprudência, estes debates ocorrem com alguma frequência. Por exemplo, em ação anulatória
instaurada para questionar os critérios utilizados pela perícia produzida no âmbito arbitral, o TJMG rejeitou
o pedido, por considerar, acertadamente, que tal tema não cabia à apreciação judicial (TJMG, 13ª Câmara
Cível, Apelação Cível nº 1.0701.08.242747-0/003, Rel. Des. Luiz Carlos Gomes da Mata, j. 18.11.2010).
Da mesma forma, já se reconheceu que é parte do livre convencimento do árbitro valorar as provas
produzidas pelas partes da forma que entender mais pertinente (TJPR, 18ª Câmara Cível, Apelação cível nº
0006116-40.2019.8.16.0194, Rel. Des. Juiz de Direito Substituto em 2º Grau Luiz Henrique Miranda, j.
09.03.2022; TJSP, 25ª Câmara de Direito Privado, Apelação nº 9000084-58.2008.8.26.0100, Rel. Des.
Sebastião Flávio, j. 22.05.2014), bem como que é inaplicável o deferimento judicial de produção de novas
provas após a prolação da sentença arbitral (TJMG, 14ª Câmara Cível, Agravo de Instrumento nº
1.0024.09.516036-2/003, Rel. Des. Marco Aurelio Ferenzini, j. 12.03.2015; TJMG, Decisão Monocrática,
Agravo de Instrumento nº 1.0024.13.244670-9/007, Rel. Des. Sérgio André da Fonseca Xavier, j.
31.03.2015.
750
Assim, por exemplo: AMARAL, Guilherme Rizzo. Arbitragem e Precedentes. Curso de Arbitragem.
FIOVARANTI, Marcos Serra Netto. Arbitragem e os precedentes judiciais: observância, respeito ou
vinculação? Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2018. MARIANI, Rômulo Greff. Precedentes na arbitragem.
Belo Horizonte: Fórum, 2018. MARQUES, Ricardo Dalmaso. Inexistência de Vinculação do Árbitro às
Decisões e Súmulas Judiciais Vinculantes do Supremo Tribunal Federal. Revista Brasileira de Arbitragem,
Vol. 38, pp. 96-137.
301
(art. 927) um extenso rol de tipos de decisões, produzidas tanto pelos tribunais aos quais
estão vinculados, quanto pelos Tribunais Superiores751.
751
Guilherme Rizzo Amaral observa que, não obstante as críticas que se possam fazer a este artigo “não é
difícil perceber que se pretende introduzir entre nós um sistema de precedentes vinculantes”, notadamente
porque o caput fala que os tribunais observarão, dispositivo que lido em conjunto com o artigo 489, § 1,
VI, só pode conduzir à interpretação pela obrigatoriedade do precedente no processo judicial brasileiro.
AMARAL, Guilherme Rizzo. Arbitragem e Precedentes. Curso de Arbitragem. p. 283.
752
TALAMINI, Eduardo. Arbitragem e Precedentes: cinco premissas, conclusões, um epílogo (e um
vídeo). Informativo Justen, Pereira, Oliveira e Talamini, Curitiba, nº 138, agosto de 2018, disponível em
http://www.justen.com.br/informativo acesso em 12/06/2022: “os precedentes judiciais e a jurisprudência
consolidada, aí incluídas as decisões-quadro e súmulas vinculantes, constituem fonte do ordenamento
jurídico, ainda que ‘não autônoma’.
753
No mesmo sentido, ZANETI JR., Hermes. Comentários aos arts. 926 a 928. Comentários ao novo
Código de Processo Civil. CABRAL, Antonio do Passo; CRAMER, Ronaldo. Rio de Janeiro: Forense,
2015. p. 1305.
754
GRECO, Leonardo. Controle Jurisdicional da Arbitragem. Revista Brasileira de Arbitragem, 2018,
volume 57, pp. 7-22, p. 10. Isso, a despeito de Greco entender que jurisprudência e precedentes não são
fontes principais de direito, não geram normas ou direitos que antes deles não existiam. São fontes
complementares, são métodos de revelação de direito pré-existente que decorre em outra fonte formal, p.
8-9. Também, MARINONI, Luiz Guilherme. A Coisa Julgada sobre Questão diante da arbitragem.
Arbitragem e Direito Processual. MARINONI, Luiz Guilherme, LEITÃO, Cristina Bichels. São Paulo.
Thomson Reuters Brasil, 2021, pp. 307-323, p. 313.
303
755
Em sentido contrário, MARQUES, Ricardo Dalmaso. Inexistência de Vinculação do Árbitro às Decisões
e Súmulas Judiciais Vinculantes do Supremo Tribunal Federal. Revista Brasileira de Arbitragem, Vol. 38,
pp. 96-137. PEREIRA, Michele Cristie. A Jurisprudência e a arbitragem. A Arbitragem na
Contemporaneidade. URBANO, Alexandre Figueiredo de Andrade e MAZIERO, Franco Giovanni
Mattedi. Belo Horizonte, Fórum, 2019, p. 144.
756
ROQUE, André Vasconcelos. Gajardoni, Fernando da Fonseca. A sentença arbitral deve seguir o
precedente judicial do novo CPC? https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/sentenca-arbitral-deve-
seguir-o-precedente-judicial-novo-cpc-07112016 Para Tucci: “Desse modo, assim como o juiz togado, o
árbitro não poderá se afastar da interpretação, acerca de determinado texto legal, que desponta consagrada
pelos tribunais pátrios. O precedente judicial, portanto, constitui valioso subsídio para que o árbitro, no
processo hermenêutico de subsunção, possa aplicar a lei ao caso concreto, cumprindo adequadamente a
missão que lhe foi outorgada pelas partes”. CRUZ e TUCCI, José Rogério. O árbitro e a observância do
precedente judicial https://www.conjur.com.br/2016-nov-01/paradoxo-corte-arbitro-observancia-
precedente-judicial Acesso em 22/11/2021
757
TALAMINI, Eduardo. Arbitragem e Precedentes: cinco premissas, conclusões, um epílogo (e um
vídeo). Informativo Justen, Pereira, Oliveira e Talamini, Curitiba, nº 138, agosto de 2018, disponível em
http://www.justen.com.br/informativo , p. 2.
758
Também, PUGLIESE, William Soares. Vinculação do árbitro ao direito: precedente não é mera regra
de procedimento. Arbitragem e Direito Processual, MARINONI, Luiz Guilherme, LEITÃO, Cristina
Bichels. São Paulo. Thomson Reuters Brasil, 2021, pp. 371-392, p. 385.
759
Nesse sentido, por exemplo: MARIANI, Rômulo Greff. Precedentes na arbitragem. Belo Horizonte:
Fórum, 2018.
304
ocorre é, no máximo, uma má aplicação do direito. Disso não decorre, por certo, que o
árbitro se encontre à margem do direito eleito, mas que ele apenas buscou fontes outras e
diversas, e a forma como as aplicou determinou uma conclusão diversa da que poderia
ter sido obtida em um processo estatal.760
760
“Ocorre que quando tratamos de comparar a decisão do árbitro com o precedente ou jurisprudência
estatal, estamos no máximo discutindo por quem e como o Direito foi aplicado. Não se trata, portanto, de
aferir que o mero desvio da decisão estatal pretérita determina a conclusão clara e irrefutável de que o
árbitro simplesmente não aplicou o Direito à espécie. Isso ganha ainda mais relevo no Brasil, onde, apesar
das reformas implementadas, vigora um sistema ainda fortemente influenciado pelo civil law, ou seja,
baseado em Direito positivado ou mesmo composto de elementos não textuais, e que é posteriormente
interpretado/aplicado pelos julgadores.” MARIANI, Rômulo Greff. Precedentes na arbitragem. Belo
Horizonte: Fórum, 2018. p. 110. No mesmo sentido: CONCENÇÃO, Danilo Orenga. Os precedentes
judiciais e sua relação com a arbitragem. Dissertação (Mestrado), Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo. 2020. p. 112.
761
NASSER, Paulo Magalhães. Vinculações Arbitrais. Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2019, p. 158. LUCON,
Paulo Henrique dos Santos; BARIONI, Rodrigo; MEDEIROS NETO, Elias Marques de. A Causa de Pedir
das Ações Anulatórias de Sentença Arbitral. Revista de Arbitragem e Mediação, vol. 46, 2015, pp. 275-
276, p. 278. Também, LEITÃO, Cristina Bichels. O árbitro está vinculado aos precedentes? Arbitragem e
Direito Processual, MARINONI, Luiz Guilherme, LEITÃO, Cristina Bichels. São Paulo. Thomson Reuters
Brasil, 2021, pp. 325-346, p. 343.
305
762
TALAMINI, Eduardo. Arbitragem e Precedentes: cinco premissas, conclusões, um epílogo (e um
vídeo). Informativo Justen, Pereira, Oliveira e Talamini, Curitiba, nº 138, agosto de 2018, disponível em
http://www.justen.com.br/informativo acesso em 12/06/2022, p. 1.
763
APRIGLIANO, Ricardo de Carvalho. Ordem Pública e processo, p. 50.
306
Mas é evidente que pode haver aspectos da decisão que possam se relacionar
com interpretações e entendimentos fixados pelos Tribunais Superiores, em suas variadas
técnicas de formulação dos precedentes. Novamente, não há aqui particular distinção
entre as hipóteses de sentença que deixe de apreciar razões jurídicas ou normas legais
invocadas pelas partes764. Ademais, se, de forma fundamentada, o árbitro buscar no
direito brasileiro elementos que o façam chegar a uma conclusão diversa daquela
estabelecida pelos Tribunais estatais, nosso sistema não admite que tal julgado seja
anulado 765.
764
TEMER, Sofia. Precedentes Judiciais e Arbitragem: reflexões sobre a vinculação do árbitro e o
cabimento da ação anulatória. Revista de Processo ,vol. 278, 2018, pp 523 – 543, p. 527. ROQUE, André
Vasconcelos. Gajardoni, Fernando da Fonseca. A sentença arbitral deve seguir o precedente judicial do
novo CPC? https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/sentenca-arbitral-deve-seguir-o-precedente-
judicial-novo-cpc-07112016 Acesso em 15/06/2022.
765
Mesmo no berço da common law se chegou a essa conclusão, como se verifica em decisão proferida
pela Court of Appeal for the Sixth Circuit: “Moreover, the very idea that an arbitral decision is not
appealable for legal error leads to the conclusion that the arbitrator is not necessarily bound by legal
holdings of this court. If an arbitrator relies on a colorable meaning of the words of the statute – as the
arbitrator did here – the fact that there is Sixth Circuit precedent to the contrary is not necessarily
determinative. Sixth Circuit holdings are binding in courts and on agencies whose decisions are appealable
to the Sixth Circuit, ultimately because of that appealability.”. Schafer v. Multiband Corp., 6th Cir. 2014.
307
Para além disso, os precedentes precisam ser invocados para que possam ser
examinados766. Não há omissão do julgador se ele deixa de considerar um argumento
jurídico que nem sequer foi trazido pelas partes. Ademais, é muito improvável que um
argumento relevante – a ponto de justificar uma alegação de grave omissão, que ensejaria
nulidade da decisão – deixe de ser invocado, para depois a parte invocar o aforismo iura
novit curia e pretender a consideração de um argumento (ou de uma norma legal) que
nem mesmo ela suscitou. E quando forem invocados, serão enfrentados, para se
determinar seu acolhimento, rejeição, sua superação ou a distinção das situações
submetidas à comparação767. Restaria uma hipótese absolutamente excepcional, de um
precedente relevante, determinando para o julgamento da causa, ser invocado pela parte
e ser absolutamente ignorado pelos árbitros. Esta hipótese equivale a dizer que o
fundamento jurídico central da tese da parte deixou de ser considerado. Em termos
práticos, absolutamente improvável que ocorra. Em termos teóricos, ter-se-ia uma
omissão tão grave que poderia conduzir à constatação de falta de motivação da sentença
arbitral768.
766
Contra, CRUZ e TUCCI, José Rogério. O árbitro e a observância do precedente judicial O árbitro e a
observância do precedente judicial https://www.conjur.com.br/2016-nov-01/paradoxo-corte-arbitro-
observancia-precedente-judicial Acesso em 22/11/2021 https://www.conjur.com.br/2016-nov-
01/paradoxo-corte-arbitro-observancia-precedente-judicial
767
Guilherme Rizzo Amaral entende que a decisão que afasta o precedente por considerá-lo errado equivale
a um julgamento por equidade, fora dos limites da convenção de arbitragem, passível, portanto, de anulação.
AMARAL, Guilherme Rizzo. Arbitragem e Precedentes. Curso de Arbitragem. pp. 279-306, p. 296.
768
AMARAL, Guilherme Rizzo. Ob. cit., p. 292.
769
Citados por GONÇALVES, Marcelo Barbi Gonçalves. Teoria Geral da Jurisdição. p. 138.
770
BONATO, Giovanni. Panorama da Arbitragem na França e na Itália. Perspectiva de Direito Comparado
com o Sistema Brasileiro. Revista Brasileira de Arbitragem, 2014, Vol. 43, pp. 59-92, p. 72.
308
Pelo exercício de integração e interpretação que vem sendo feito ao longo desta
tese, a conclusão que se chega é que estes parâmetros legais são aplicados ao processo
arbitral. Mais do que isso, especificamente em relação à coisa julgada, é até difícil
conceber espaço para a autonomia da vontade das partes, que permitisse, por exemplo, o
afastamento da eficácia preclusiva da coisa julgada, a renúncia à possibilidade de invocar
a existência da coisa julgada774, como fator impeditivo de novo exame da mesma causa775.
Cuida-se de um conceito teórico, que integra a teoria geral do processo, mas que
é positivado em nosso ordenamento como uma das raras hipóteses em que um instituto
jurídico vem definido pela própria lei. Além da definição em si, das normas processuais
gerais extrai-se que a decisão de mérito tem força de lei nos limites da questão principal
expressamente decidida (CPC, art. 503).
776
NERY Jr., Nelson. Princípios do Processo na Constituição Federal, p. 68: A segurança jurídica, trazida
pela coisa julgada material, é manifestação do estado democrático de direito (CF 1.º caput). Entre o justo
absoluto, utópico, e o justo possível, realizável, o sistema constitucional brasileiro, a exemplo do que ocorre
na maioria dos sistemas democráticos ocidentais, optou pelo segundo (justo possível), que é
consubstanciado na segurança jurídica da coisa julgada material. Descumprir-se a coisa julgada é negar o
próprio estado democrático de direito, fundamento da república brasileira.
777
DINAMARCO, Cândido Rangel. A Arbitragem na Teoria Geral do Processo p. 203.
778
PARENTE, Eduardo. Processo arbitral e sistema, p. 304.
779
TRF4, 3ª Turma, Apelação Cível nº 2002.04.01.0326555/RS, Rel. Juiz Federal Fernando Quadros da
Silva, j. 07.11.2006; TJSP, 26ª Câmara de Direito Privado, Apelação Cível nº 1048639-91.2021.8.26.0100,
Rel. Des. Vianna Cotrim, j. 16.09.2021; TJSP, 26ª Câmara de Direito Privado, Agravo Interno Cível nº
2124680-91.2021.8.26.0000/50001, Rel. Des. Vianna Cotrim, j. 16.09.2021; TJSP, 26ª Câmara de Direito
Privado, Agravo Interno Cível nº 2124680-91.2021.8.26.0000/50001, Rel. Des. Vianna Cotrim, j.
26.07.2021.
780
FRANCO, Fernão Borba. Processo Administrativo. Teoria Geral do Processo, Imparcialidade e Coisa
Julgada, p. 246.
310
781
Nery Jr., Nelson. Princípios do Processo na Constituição Federal, p. 78; ALVIM, Arruda. Sobre a
natureza jurisdicional da arbitragem. Arbitragem: Estudo sobre a lei 13.129 de 26/05/2015. CAHALI,
Francisco José; RODOVALHO, Thiago e FREIRE, Alexandre (org.). São Paulo: Editora Saraiva, 2016,
pp. 133-144, p. 143. Para Marinoni, “seria um caos se um árbitro pudesse admitir a rediscussão de litígio
já definido no Judiciário ou mesmo rejulgá-lo”, MARINONI, Luiz Guilherme. A Coisa Julgada sobre
Questão diante da arbitragem, pp. 307-323, p. 315.
782
MARINONI, Luiz Guilherme. A Coisa Julgada sobre Questão diante da arbitragem, p. 315.
311
783
Se ocorreu ou não o trânsito em julgado sobre questão prejudicial, é circunstância que será proclamada
pelo julgador do caso subsequente, que terá que examinar se os requisitos para esta coisa julgada foram
efetivamente atendidos. ARRUDA ALVIM, Teresa. CORRÊA, Leonardo Peres. Algumas anotações acerca
da coisa julgada sobre questão prejudicial. Revista de Processo ,vol. 321, 2021, pp. 61 – 82, p. 68.
312
6. CONCLUSÕES
procedimento, mas o fazem sobre uma base conceitual comum às demais modalidades de
processo, sobretudo comum com o processo civil judicial.
12. Por força desta expressa previsão de liberdade das partes para
disciplinar o procedimento, observa-se que as hipóteses de aplicação subsidiária do
procedimento estatal ao procedimento arbitral são excepcionais, porque raramente haverá
alguma situação que não possa ser endereçada mediante o recurso aos critérios
integrativos da autonomia das partes, do poder regulamentador dos árbitros e da própria
lei de arbitragem. Por isso é que requisitos legais quanto à forma, tempo, modo ou lugar
de atos do processo estatal não se aplicam ao processo arbitral, e nessa circunstância
reside, como visto, a principal garantia de que a arbitragem não sofrerá os males de uma
excessiva ou indevida processualização.
recurso aos conceitos teóricos do processo, à estrutura comum aos diversos ramos ou
microssistemas, sabido que diversos destes parâmetros são positivados em regras
específicas do Código de Processo Civil. A aplicação é excepcional, porque só poderá
ocorrer em relação a aspectos em que houver compatibilidade do regramento do processo
estatal com o do processo arbitral.
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