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Ricardo de Carvalho Aprigliano

NORMAS PROCESSUAIS APLICÁVEIS À ARBITRAGEM


parâmetros para a aplicação das normas processuais gerais ao
processo arbitral

SÃO PAULO

USP

2022
2

Ricardo de Carvalho Aprigliano

NORMAS PROCESSUAIS APLICÁVEIS À ARBITRAGEM


parâmetros para a aplicação das normas processuais gerais ao
processo arbitral

Tese apresentada à
Congregação da Faculdade de
Direito da Universidade de
São Paulo para Concurso de
Livre-docência em Direito
Processual Civil

SÃO PAULO
USP
2022
SUMÁRIO

PARTE I. ......................................................................................................................... 1
INTRODUÇÃO. ............................................................................................................. 1
CAPÍTULO 1. A IDEIA DA AUTONOMIA DO PROCESSO ARBITRAL E SEU
ISOLAMENTO EM RELAÇÃO ÀS REGRAS DO PROCESSO ESTATAL. ...... 10
1. Quais as normas processuais aplicáveis à arbitragem doméstica? ................... 10
2. A regulação do processo arbitral na arbitragem internacional. ....................... 19
3. Conclusões parciais: nem o isolamento conceitual, nem a aplicação automática
das regras processuais gerais. Virtus in médium est. ................................................. 30
CAPÍTULO 2. A INSUFICIÊNCIA DA LEI DE ARBITRAGEM PARA
REGULAR O PROCESSO ARBITRAL. .................................................................. 37
1. Estrutura fundamental da Lei de Arbitragem....................................................... 37
1.1. Instauração da arbitragem. .............................................................................. 40
1.2. A indicação dos árbitros........................................................................................ 42
1.3. O procedimento arbitral. ...................................................................................... 44
1.4. Tutelas cautelares e de urgência........................................................................... 51
1.5. Sentença arbitral. .................................................................................................. 53
1.6. Homologação de sentenças arbitrais estrangeiras. ............................................. 56
2. A ausência de previsão legal específica na Lei de Arbitragem quanto aos
aspectos fundamentais do processo arbitral. ............................................................. 58
2.1 Demanda. ................................................................................................................. 58
2.2. Efeitos materiais e processuais da citação. .......................................................... 60
2.3. Representação das partes e dos procuradores. ................................................... 61
2.4. Deveres das partes e dos procuradores. .............................................................. 62
2.5. Valor da disputa. .................................................................................................. 63
2.6. Resposta. ................................................................................................................. 64
2.8 Disciplina geral da Prova. ...................................................................................... 66
2.9. Produção antecipada da Prova............................................................................. 67
2.10. Meios de prova. .................................................................................................... 68
2.11. Atos processuais e seu regime de efeitos. ........................................................... 70
2.12. Poderes dos árbitros. ........................................................................................... 71
2.13. Tutela Provisória. ................................................................................................ 72
2.14. Pronunciamentos dos árbitros............................................................................ 73
2.15. Coisa Julgada. ...................................................................................................... 75
4

3. Conclusões parciais. ................................................................................................. 75


PARTE II ...................................................................................................................... 78
CAPÍTULO 3. A ARBITRAGEM NA TEORIA GERAL DO PROCESSO .......... 78
1. A Teoria Geral do Processo em sua formulação original. .................................... 78
2. Novos parâmetros da Teoria Geral do Processo.................................................... 84
3. Normas processuais gerais como fonte subsidiária do processo arbitral no
direito brasileiro. .......................................................................................................... 90
4. Hipóteses e extensão da aplicação subsidiária do CPC a outros diplomas
processuais e a outras modalidades de processo. ....................................................... 99
5. A falta de remissão, na Lei de Arbitragem, ao Código de Processo Civil, não
determina a inaplicabilidade das suas regras ao processo arbitral, em caráter
subsidiário. De novo, a impropriedade técnica do isolamento conceitual do
processo arbitral. ........................................................................................................ 108
6. Institutos fundamentais da Teoria Geral do Processo aplicados ao processo
arbitral. ........................................................................................................................ 115
6.1. Jurisdição.................................................................................................... 117
6.2. Ação............................................................................................................ 131
6.3. Defesa. ........................................................................................................ 145
6.4. Processo........................................................................................................... 151
6.4.1. Distinção entre processo e procedimento. ....................................................... 157
6.4.2. Aplicações à arbitragem da distinção entre processo e procedimento. .............. 162
7. O falso dilema da processualização da arbitragem. ......................................... 166
CAPÍTULO 4. PRINCÍPIOS PROCESSUAIS APLICÁVEIS AO PROCESSO
ARBITRAL. ................................................................................................................ 175
1. Considerações Introdutórias. ............................................................................. 175
2. Os princípios processuais aplicáveis ao processo arbitral. ................................. 177
2.1. Inafastabilidade da tutela jurisdicional. ............................................................ 188
2.2. Devido processo legal. ...................................................................................... 192
2.3. Contraditório. .................................................................................................. 197
2.4. Ampla defesa. .................................................................................................. 206
2.5. Igualdade......................................................................................................... 208
2.6. Imparcialidade................................................................................................. 212
2.7. Juiz natural. .................................................................................................... 225
2.8. Fundamentação das decisões. ........................................................................... 228
2.9. Vedação às provas ilícitas. ................................................................................ 229
2.10. Duração razoável do processo. ........................................................................ 232
2.11. Publicidade. ................................................................................................... 233
3. Regras processuais (e não princípios), aplicáveis ao processo arbitral ............. 235
4. Visão crítica da noção de que os princípios processuais, juntamente com as
disposições da LARB, são suficientes para regular o processo arbitral. ............... 242
PARTE III ................................................................................................................... 246
CAPÍTULO 5. O MODO DE SER DO PROCESSO ARBITRAL, FRUTO DA
APLICAÇÃO DAS NORMAS PROCESSUAIS GERAIS AO PROCESSO
ARBITRAL. ................................................................................................................ 246
1. Introdução. .............................................................................................................. 246
2. Aplicações Práticas. ................................................................................................ 247
2.1 Demanda. ............................................................................................................... 247
2.2. Efeitos processuais e materiais da citação. ........................................................ 252
2.3. Representação das partes e dos procuradores. ................................................. 255
2.4. Idioma. .................................................................................................................. 257
2.5. Pluralidade de partes........................................................................................... 259
2.6. Resposta. ............................................................................................................... 261
2.7. Revelia. ................................................................................................................. 265
2.8. Preclusão. ............................................................................................................. 267
2.9. Disciplina geral da Prova .................................................................................... 273
2.10. Meios de prova. .................................................................................................. 279
2.11. Produção antecipada da Prova......................................................................... 284
2.12. A instrumentalidade das formas no processo arbitral. .................................. 289
2.13. Poderes dos árbitros. ......................................................................................... 290
2.14. Tutela Provisória. .............................................................................................. 293
2.15. Fundamentação das decisões arbitrais ............................................................ 296
2.16. Vinculação dos árbitros aos precedentes. ........................................................ 300
6. CONCLUSÕES....................................................................................................... 312
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ..................................................................... 318
1

PARTE I.

INTRODUÇÃO.

O marco legal da arbitragem no direito brasileiro é a Lei nº 9.307/1996. Desde a


sua edição, a prática arbitral brasileira se desenvolveu bastante e diversos estudos vêm
sendo produzidos a respeito. Há relevantes contribuições da doutrina para o
aperfeiçoamento do instituto, visando a sua adequada compreensão. Fruto de estudos
importantes é que hoje se reconhece, de forma amplamente majoritária, a natureza
jurisdicional da arbitragem1 2.

Trata-se de um marco teórico muito relevante, porque a partir dessa constatação,


diversos institutos da arbitragem passam a ser compreendidos, interpretados e aplicados.
Um segundo exemplo, diretamente decorrente do primeiro, é o reconhecimento da
natureza processual da arbitragem3. De fato, como método de solução de controvérsias,
regido por lei específica, cujo produto final é uma decisão com natureza e funcionalidade
de título executivo judicial, que é proferida por sujeitos imparciais, desvinculados das

1
CARNEIRO, Athos Gusmão. Arbitragem. Cláusula compromissória. Cognição e Imperium. Medidas
Cautelares e Antecipatórias. Civil Law e Common Law. Incompetência da Justiça Estatal. Revista
Brasileira de Arbitragem, São Paulo, 2004, vol. I, pp. 42-59, p. 45. CARMONA, Carlos Alberto.
Arbitragem e Processo; um comentário à Lei nº 9.307/96, 3ª ed. São Paulo, Atlas, 2009, p. 26.
APRIGLIANO, Ricardo de Carvalho. Jurisdição e arbitragem no Novo Código de Processo Civil. A
Reforma da Arbitragem, p.247-248. MELO, Leonardo Campos, BENEDUZI, Renato (coord). Rio de
Janeiro, Editora Forense, 2016, pp. 233-265, p. 244. GIUSTI, Gilberto. O árbitro e o juiz: da função
jurisdicional do árbitro e do juiz. Revista Brasileira de Arbitragem, São Paulo, 2005, vol. II, p. 7-14.
DINAMARCO, Cândido Rangel. A arbitragem na teoria geral do processo. São Paulo, Malheiros, 2013,
p. 24.
2
Por outro lado, negando peremptoriamente à arbitragem o caráter jurisdicional, em escrito de 2003, Teori
Zavascki assim entendia: “Nem se poderia, mediante lei ordinária, igualar ato privado com ato de jurisdição,
já que isso importaria rompimento do monopólio da função jurisdicional, que pertence ao Estado por força
da Constituição (art. 5°, XXXV)”. E, destarte, considera “inapropriada a inclusão da sentença arbitral entre
os títulos executivos judiciais”. Comentários ao Código de Processo Civil: vol. 8 (arts. 566 a 645: do
processo de execução), 2a. ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 2003, p. 165-185. Em seu Curso,
Marinoni, Arenhart e Mitidiero sustentam que a consideração da natureza jurisdicional da arbitragem
decorre de uma “primária falta de percepção da essência da jurisdição e do fundamento da arbitragem”. Por
sua origem contratual, por representar uma escolha que, não obstante legal e legítima, significa “abrir mão
de uma série de garantias constitucionais”, a arbitragem, para esses autores, não pode ser considerada
jurisdicional. MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo Curso
de Processo Civil. São Paulo, RT 2015, vol. I, p.174.
3
CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e processo: um comentário à Lei nº 9.307/96, p. 295.
DINAMARCO, Cândido Rangel. A arbitragem na teoria geral do processo. São Paulo, Malheiros, 2013,
p. 16-17. PARENTE, Eduardo . Processo Arbitral e Sistema, São Paulo, Atlas, 2012. MONTORO, Marcos.
Flexibilização do Procedimento Arbitral. Tese (doutorado) – Faculdade de Direito da Universidade de São
Paulo. São Paulo, 2010.
2

partes e do litígio, de quem se exige imparcialidade e independência, a aproximação do


processo arbitral com as demais modalidades de processo é inevitável.

Essa noção, também amplamente reconhecida na doutrina, requer, porém, novos


desenvolvimentos. Porque, não obstante se afirme, genericamente, que a arbitragem
constitui uma modalidade de processo, os estudos adotam como premissa e, de um modo
geral, encampam a ideia de que o processo arbitral é autônomo, que constitui um sistema
próprio, que é regido por lei própria e, em consequência, que a ele não devem ser
aplicadas as regras processuais contidas no Código de Processo Civil4.

Essa afirmação é normalmente feita a partir dos seguintes elementos. Primeiro,


que a arbitragem representa a escolha das partes em se afastar do Poder Judiciário,
submetendo o conflito a julgadores privados, daí porque a adoção de um mesmo modelo
de processo se revela incoerente e incompatível com a escolha feita. Segundo, que não
existe uma disposição na Lei de Arbitragem que preveja essa aplicação subsidiária ou
supletiva5. Terceiro, que existe uma regra específica que atribui às Partes o poder de
estabelecer o procedimento a ser observado e, subsidiariamente, que esse poder é
conferido aos árbitros, não havendo estipulação das partes acerca do procedimento (Art.
19, caput e § 1º). Assim, a regra de regência processual supletiva, no âmbito da Lei de
Arbitragem, é diversa. Não se recorre às normas processuais gerais, mas ao poder
atribuído às Partes e, nas suas omissões, aos árbitros6.

4
Sob diferentes enfoques e examinando diferentes aspectos do processo arbitral, sustentam a
inaplicabilidade das normas do Código de Processo Civil como fonte subsidiária do processo arbitral, entre
outros, AMARAL, Guilherme Rizzo. Arbitragem e Precedentes. Curso de Arbitragem. LEVY, Daniel e
SETOGUTI, Guilherme (coord.). São Paulo, Thomson Reuters Brasil, 2018, pp. 279-306, p. 288.
BARROCAS, Manoel. A razão por que não são aplicáveis à arbitragem nem os princípios nem o regime
legal do processo civil. Revista de Arbitragem e Mediação, São Paulo, 2017, vol. 52, pp. 369-374, p. 369.
5
WEBER, Ana Carolina Weber. Relembrando: no Brasil, o Código de Processo Civil não é
automaticamente aplicado a procedimentos arbitrais. Jusbrasil. Rio de Janeiro, dez/2016. Disponível em
https://processualistas.jusbrasil.com.br/artigos/416798898/relembrando-no-brasil-o-codigo-de-processo-
civil-nao-e-automaticamente-aplicado-a-procedimentos-arbitrais Acesso em 02.02.2022
6
Para Marcos Montoro, “e é errado concluir que, havendo omissão das regras eleitas pelas partes, aplicam-
se as regras do Código de Processo Civil. A doutrina tem defendido, com razão, que o CPC não se aplica
em caso de omissão das partes”, citando, em apoio deste entendimento, trabalhos de Carlos Alberto
Carmona e José Carlos Magalhães. MONTORO, Marcos. Flexibilização do Procedimento Arbitral. Tese
(doutorado), p. 115. Em outra passagem, observa que “antes de ser editada a Lei 9.307/96, os artigos 1.072
a 1.102 do CPC previam um procedimento suplementar a ser adotado na arbitragem, em caso de omissão
ou desacordo das partes”, modelo que não foi repetido na Lei de Arbitragem, p. 69.
3

Construção semelhante se observa no âmbito da arbitragem internacional, seja


porque os tratados internacionais e a Lei Modelo da UNCITRAL propõem modelos que
se afastam de leis nacionais, seja porque praticamente todas as legislações nacionais de
arbitragem repetem esse formato, de (i) não contemplar a aplicação de normas processuais
gerais e (ii) atribuir às partes a prerrogativa de regular o procedimento. No contexto da
arbitragem internacional discute-se bastante a relevância (ou não) da sede da arbitragem,
como fonte normativa para a incidência da lei processual que regulará o procedimento
arbitral (lex arbitri). Como será visto no próximo capítulo, também na arbitragem
internacional há debates sobre quais normas processuais devem ser aplicadas7. Ainda que
o campo da liberdade e autonomia das partes seja maior, o problema se repete, porque há
situações em que nem a lex arbitri, nem as partes regulam certos aspectos da relação
processual, fazendo surgir a necessidade de definir quais regras serão aplicadas.

No âmbito da arbitragem interna, também se costuma afirmar que as referências


feitas ao Código de Processo Civil são específicas, como por exemplo, nas hipóteses de
impedimento e suspeição dos árbitros, ou de litigância de má-fé, o que corresponde a
dizer que o legislador, de forma intencional, exclui a aplicação genérica do CPC como
fonte normativa subsidiária do processo arbitral8.

Um outro aspecto igualmente relevante diz respeito à própria lógica de se


estabelecer um método privado de solução jurisdicional de disputas. Afinal, se os sistemas
jurídicos autorizam as partes, no exercício da sua autonomia da vontade, a excluir certos
conflitos da apreciação do Poder Judiciário, não faz sentido que lhes sejam aplicáveis
justamente as regras do processo estatal, das quais decidiram se afastar no primeiro
momento. Assim, os temores de excessiva processualização da arbitragem são sempre
mencionados, e a sua efetiva ocorrência é vista com reservas. O que de pior poderia

7
BERMANN, George. Ascertaining the Parties’ Intentions in Arbitral Design. Penn State Law Review,
State College, 2009, vol. 113:4, pp. 1013-1029, p. 1025: “another obvious extrinsic source of party
intention—in addition to the law governing the contract as a whole, the law governing the arbitration
agreement, and the law of the place of arbitration—is the body of rules of arbitral procedure that the parties
may have adopted in their arbitration agreement. It seems fair to suppose that the parties, in incorporating
such rules into their arbitration agreement, mean for them to fill gaps in that agreement, subject to any
mandatory rules of law of the place of arbitration that may apply”.
8
MONTORO, Marcos. Flexibilização do Procedimento Arbitral, p. 115; ALVES, Rafael Francisco.
Árbitro e Direito: o julgamento do mérito na arbitragem, São Paulo, Almedina, 2018, p. 296; PARENTE,
Eduardo. Processo arbitral e sistema, p. 231.
4

acontecer com a arbitragem é a sua processualização, entendida aqui como a incorporação


de regras formais e de formalismos que são típicos do processo estatal9.

A não aplicação das normas do processo estatal e o objetivo de preservar a


simplificação e a flexibilidade do procedimento arbitral não excluem, de outro lado, a
ampla aceitação da aplicação dos princípios constitucionais do processo à arbitragem. A
própria Lei de Arbitragem cuida de esclarecer e enfatizar a sua natureza processual e a
obrigatoriedade de observância dos princípios processuais, afirmando no § 2º do artigo
21 que serão, sempre, respeitados no procedimento arbitral os princípios do
contraditório, da igualdade das partes, da imparcialidade do árbitro e de seu livre
convencimento.

A despeito dessa previsão, a compreensão predominante é a de que os princípios


processuais de índole constitucional se aplicam ao processo arbitral, sendo a explicitação
da Lei de Arbitragem feita mais por finalidade didática, eis que, independentemente dessa
disposição, a adequação do processo arbitral aos parâmetros constitucionais se impõe e
não poderia ser afastada10.

Temos, portanto, no estado atual da evolução doutrinária brasileira, a percepção


geral, a compreensão majoritária de que arbitragem é processo, regulado pelos princípios
processuais de índole constitucional, à qual não são aplicáveis as regras específicas que
regulam o processo estatal. Arbitragem é processo, mas é diferente, porque sua origem
consensual e a necessidade de afastar as rígidas regras do processo estatal redundam em
um sistema próprio, no qual prevalece a flexibilidade, sendo das Partes e dos árbitros a
prerrogativa de definir as regras aplicáveis ao procedimento arbitral11.

Contudo, respeitadas as vozes em sentido contrário, penso que tais conclusões


não são integralmente corretas, e sobretudo, não são suficientes para explicar o processo
arbitral como um todo, para estabelecer o modo como ele se desenvolve, os seus

9
José Carlos de Magalhães, em curto texto denominado “O risco da processualização da arbitragem”, alude
à invocação de preliminares e a tendência que advogados habituados aos processos judiciais teriam de
suscitar questões de natureza processual, ao invés de focar a discussão sobre o mérito dos conflitos. Texto
fornecido pelo autor, outrora publicado em http://www.jcmadvs.com.br/.
10
MONTORO, Marcos. Flexibilização do Procedimento Arbitral, p. 134-135; PARENTE, Eduardo.
Processo arbitral e sistema, p. 70.
11
MONTORO, Marcos. Flexibilização do Procedimento Arbitral, p. 74. Em notas, Montoro cita diversos
autores que ressaltam o caráter menos formal da arbitragem, sua natural flexibilidade, como um dos seus
elementos essenciais e uma de suas principais vantagens. PARENTE, Eduardo. Processo Arbitral e
Sistema, p. 50-51.
5

parâmetros. As regras contidas na lei de arbitragem, ainda que complementadas por


eventuais regras institucionais escolhidas pelas partes, por disposições das convenções de
arbitragem e mesmo pelo poder dos árbitros de regular o procedimento, não são
suficientes para estabelecer as normas fundamentais do processo arbitral12. E mesmo
quando se adicionam os princípios constitucionais do processo, ainda assim há um sem-
número de situações que não são propriamente reguladas por esse conjunto normativo.

Essa circunstância não diz respeito apenas a aspectos processuais. Como já tive
oportunidade de afirmar, a origem contratual da arbitragem e a ênfase da autonomia da
vontade não podem conduzir o intérprete a uma ideia de um “isolamento conceitual, a
exigir que se criem definições e explicações para toda e qualquer circunstância do
procedimento, para todo e qualquer instituto jurídico cuja aplicação se dê também no
âmbito do processo arbitral”13. Isso se aplica à noção de capacidade, que é utilizada como
parâmetro da lei de arbitragem, mas não é por ela conceituada ou definida, ou para a ideia
do contrato de adesão. No plano mais estritamente processual, isso pode ser ilustrado com
as manifestações principais do direito de ação e de defesa. Mais do que uma total omissão
na Lei de Arbitragem sobre a forma ou os requisitos da petição inicial ou da contestação
– o que poderia ser entendido como questão de mero procedimento, deixada à regulação
das partes e dos árbitros -, a lei de arbitragem nem mesmo contempla de forma direta o
exercício do direito de ação ou da defesa14. Ainda assim, ninguém desconhece ou nega
que, ainda que sob denominações diferentes, tais manifestações constituem, também no
processo arbitral, o modo com que se exercita o direito de demandar e de se defender. E,
como será visto no momento oportuno, também ao processo arbitral se aplicam - ainda
que com adaptações - as ideias da concentração da defesa, da impugnação específica dos

12
Fenômeno que também se observa no âmbito de arbitragens internacionais. BERMANN, George.
Ascertaining the Parties’ Intentions in Arbitral Design, p. 1026.: “incorporation of rules of arbitral
procedure in an agreement to arbitrate does not resolve all problems associated with determining arbitral
design. The rules themselves may not speak with sufficient clarity to all procedural issues”.
13
APRIGLIANO, Ricardo de Carvalho. Alocação de Custas e Despesas e a Condenação em Honorários
Advocatícios Sucumbenciais em Arbitragem. 20 anos da Lei de Arbitragem: Homenagem a Petrônio R.
Muniz. CARMONA, Carlos Alberto; LEMES, Selma Ferreira e MARTINS, Pedro Batista (coord.). São
Paulo, Atlas, 2017, pp. 667-688, p. 676.
14
De forma indireta, ao dispor sobre elementos obrigatórios do compromisso arbitral, é possível inferir que,
na arbitragem, haverá um litígio, com contornos especificados, e que será oportunamente submetido aos
árbitros. Mas não há qualquer referência ao modo de exercício destas posições jurídicas, além da omissão
completa quanto à forma, o tempo e o lugar da prática destes atos processuais.
6

fatos alegados, da preclusão etc15. E nenhum desses institutos é contemplado


expressamente na Lei de Arbitragem.

Sem propriamente refutar a ideia de que a arbitragem constitui um sistema


próprio de resolução de controvérsias, ou de desdizer a afirmação corrente de que
arbitragem é diferente, o que se pretende nessa tese é contextualizar essa independência,
no que diz respeito aos parâmetros e conceitos processuais que são aplicados ao processo
arbitral, à sua estrutura fundamental, à sua “espinha dorsal”16. E uma vez demonstrado
que as disposições da própria Lei de Arbitragem, interpretadas e aplicadas à luz dos
princípios constitucionais do processo, não são suficientes para regular o processo
arbitral, será necessário investigar como se dá a regulação do processo arbitral no
ordenamento brasileiro17.

15
Aprigliano e Yarshell: “Não obstante, parece fora de dúvida que o processo arbitral exige que o autor
apresente as alegações iniciais obedecendo aos elementos básicos que uma demanda brasileira deve ter, as
partes, a causa de pedir e o pedido. Ainda, admite-se sem percalços a ideia de que pode haver cumulação
de pedidos, e que eles podem ser organizados de forma simples (quando um pedido se soma ao outro, mas
ambos preservam sua independência), sucessiva (quando o acolhimento de um pedido é pressuposto para
o acolhimento do próximo), alternativa (quando o acolhimento de um pedido exclui o acolhimento de outro)
ou eventual (quando a rejeição de um pedido é pressuposto para o exame e acolhimento do próximo)”.
APRIGLIANO, Ricardo de Carvalho. YARSHELL, Flávio Luis. Honorários de Sucumbência e Honorários
Contratuais em Arbitragem. Arbitragem e Processo Homenagem ao Prof. Carlos Alberto Carmona.
MACHADO FILHO, José Augusto Bitencourt; QUINTANA, Guilherme Enrique Malosso; RAMOS,
Gustavo Gonzalez; BAQUEDANO, Luis Felipe Ferreira; BIOZA, Daniel Mendes, e PARIZOTTO, Pedro
Teixeira Mendes (coord), São Paulo, Quartier Latin, no prelo.
16
Sobre a qualificação da arbitragem como sistema, ver PARENTE, Eduardo. Processo Arbitral e Sistema,
p. 13.
17
No âmbito da arbitragem internacional esta questão é igualmente debatida, ainda que com perspectiva
um tanto diversa. Afinal, qual a efetiva relevância da lei processual da sede da arbitragem? Entre outros
estudos, que serão mencionados ao longo do trabalho, destaco inicialmente as ponderações de George
Bermann. “Certainly, in international arbitration, the law of arbitration at the place of arbitration is
considered to supply the rules governing the arbitral process itself. That is to say, the parties are deemed,
in designating an arbitral seat, to have submitted their arbitration as such to that body of law, including its
rules or presumptions as to arbitral design. Fortunately, most rules of the lex arbitri turn out to be default
rules only (that is, rules from which the parties may agree to derogate), and few of them are mandatory.
The parties remain free to structure their arbitration as they choose, with the lex arbitri supplying rules only
to the extent the parties fail to do so. BERMANN, George. Ascertaining the Parties’ Intentions in Arbitral
Design, p. 1018-1019.
7

Cortes metodológicos

A investigação aqui pretendida terá por objeto apenas e tão somente a arbitragem
interna (ou doméstica), entendida como o processo por via arbitral que tenha por objeto
a aplicação do direito brasileiro, em procedimentos com sede no Brasil e, portanto, sujeito
à legislação processual brasileira. Para fins referenciais, serão objeto de comentários tanto
a arbitragem internacional, como alguns exemplos de legislação arbitral de outros países,
sem que, dessas ilustrações, se pretenda extrair a projeção das ideias aqui propostas para
o âmbito da arbitragem internacional. Da mesma forma, em termos metodológicos, não
haverá capítulos ou tópicos dedicados à comparação jurídica do ordenamento brasileiro
com outros ordenamentos, mas esses serão utilizados esparsamente para ilustrar certos
aspectos da tese.

Plano da obra

Para tanto, o trabalho se desenvolve em três partes. A primeira, que abrange essa
Introdução e os dois capítulos iniciais. O primeiro deles é dedicado ao exame crítico
acerca da autonomia e do isolamento conceitual do processo arbitral. O segundo, que
compreende o exame da estrutura fundamental da Lei de Arbitragem, procurando
compreender como o legislador brasileiro concebeu a regulação própria do processo
arbitral e, em que medida, as lacunas e omissões podem ser completadas apenas com o
recurso à autonomia da vontade. São examinandas situações específicas e bastante
corriqueiras de uma disputa por arbitral, cujo regramento não pode ser explicado a partir
da autonomia da vontade, dos princípios e da regulação legal específica. As lacunas que
permanecem demonstram que a arbitragem, enquanto modalidade de processo
jurisdicional no ordenamento brasileiro, não pode ser compreendida apenas a partir da
autonomia das partes, da regulação proporcionada pela lei de arbitragem e regulamentos,
ou pelo poder dos árbitros de ditar as regras do procedimento.

Na segunda parte do trabalho, examina-se a relação que se estabelece entre


normas processuais gerais e especiais, os critérios interpretativos que são utilizados para
se estabelecer estas comunicações entre as disposições das leis especiais e das normas
gerais. Entre outros objetivos, está o de compreender o significado e as consequências da
dupla opção do legislador, de não contemplar o processo arbitral nas referências do artigo
8

15 do Código de Processo Civil, bem como excluir da Lei de Arbitragem qualquer


previsão sobre a aplicação subsidiária de outras normas.

Examina-se o processo arbitral à luz da Teoria Geral do Processo, o que


corresponde a um duplo objetivo. Por um ângulo, a partir do amplo reconhecimento
doutrinário de que a arbitragem constitui uma modalidade de processo, é necessário
inserir a arbitragem na Teoria Geral do Processo, examinar a aplicabilidade ao processo
arbitral das suas categorias fundamentais – jurisdição, ação, defesa e processo. Por outro
ângulo, procede-se a um reexame da própria Teoria Geral do Processo, agora à luz do
processo arbitral e do reconhecimento de que essa modalidade de solução jurisdicional
dos conflitos impõe adaptações a certos conceitos teóricos. Como é próprio de uma Teoria
Geral, seus institutos serão aplicados na máxima extensão possível, observadas as
peculiaridades de cada ramo ou subsistema ao qual se aplica a teoria geral.

Assim, procede-se, simultaneamente, ao exame das características processuais


centrais da arbitragem, demonstrando-se que o processo arbitral se insere na Teoria Geral
do Processo e que, justamente por isso, preserva suas características próprias, suas
particularidades. A colocação metodológica da arbitragem na Teoria Geral do Processo
permite a aplicação de conceitos e parâmetros processuais que são comuns com as demais
modalidades de processo, o que afasta qualquer cogitação de uma independência e de
uma autonomia conceituais que deixam sem resposta a maior parte das circunstâncias que
se observam concretamente nos processos arbitrais brasileiros.

Esse exercício das aproximações e distinções, dos elementos comuns e das


peculiaridades, é igualmente feito à luz dos princípios processuais aplicáveis ao processo
arbitral. A afirmação, correta, da sua ampla aplicabilidade ao processo arbitral, exige um
aprofundamento, também com o duplo objetivo de fornecer o enquadramento do processo
arbitral no contexto dessas garantias e compreender as muitas adaptações que tais
princípios sofrem no contexto do processo arbitral.

Ao longo de todo o desenvolvimento da tese, serão indicados os parâmetros do


processo arbitral que só podem ser estabelecidos mediante o recurso a fontes normativas
externas à própria Lei de Arbitragem. A tese examinará conceitos, institutos e parâmetros
processuais que, não obstante sejam comumente observados no processo arbitral, não têm
regulação adequada ou suficiente, seja no plano da própria lei, seja mediante o recurso
9

aos princípios processuais. O objetivo é demonstrar a aplicabilidade de noções


processuais que são externas à lei de arbitragem, indicar as aproximações e distinções
entre o processo arbitral e outras modalidades de processo jurisdicional.

A terceira parte da tese é dedicada ao exame de situações específicas verificadas


no processo arbitral, como forma de demonstrar a insuficiência da regulação que decorre
da combinação entre autonomia da vontade das partes e lei própria. Hipóteses concretas,
para cuja solução é necessário o recurso aos conceitos processuais inerentes à sua teoria
geral e, mais do que isso, a aplicação subsidiária de disposições legais concretas, situadas
no Código de Processo Civil, que corresponde ao diploma legal portador das normas
processuais gerais do sistema, aplicáveis como fonte normativa complementar das demais
normas processuais que regulam modalidades específicas de processos e procedimentos.

Ao fim e ao cabo, pretende-se demonstrar a aplicabilidade ao processo arbitral


de institutos processuais que decorrem das normas processuais gerais, do ordenamento
processual como um todo, reafirmando-se as características próprias do processo arbitral,
sua independência, mas não o seu isolamento.
10

CAPÍTULO 1. A IDEIA DA AUTONOMIA DO PROCESSO ARBITRAL E SEU


ISOLAMENTO EM RELAÇÃO ÀS REGRAS DO PROCESSO ESTATAL.

1. Quais as normas processuais aplicáveis à arbitragem doméstica? 2.


A regulação do processo arbitral na arbitragem internacional; 3.
Conclusões parciais: nem o isolamento conceitual, nem a aplicação
automática das regras processuais gerais. Virtus in médium est.

1. Quais as normas processuais aplicáveis à arbitragem doméstica?

O ponto de partida para as considerações que serão feitas ao longo desse trabalho
consiste na afirmação, relativamente generalizada, de que disposições do Código de
Processo Civil não se aplicam à arbitragem, e que as disposições da Lei de Arbitragem,
complementadas pelas regras fixadas pelas partes, pelos árbitros e pelos princípios
processuais, constituem o corpo normativo suficiente para regular o processo arbitral.
Trata-se de uma proclamação recorrentemente feita, em artigos jurídicos ou textos
acadêmicos, indicativos de uma tendência de se afirmar a autonomia da lei como o único
diploma legislativo que regula o processo arbitral. Como já dito, isso se deve
essencialmente a duas justificações, a de que a própria lei não remete a alguma outra
norma processual como fonte subsidiária18, e que o regime fixado no artigo 21 da Lei
determina que o procedimento será regido pelas convenções das partes e, em suas
omissões, por determinações dos árbitros.

Essas normas criam, portanto, um modelo amplamente apoiado na autonomia


das partes. A eles compete criar regras particulares para o seu procedimento, e naquilo
que não for estabelecido por elas, subsidiariamente terão aplicação as regras institucionais
que tiverem escolhido, ou as normas fixadas pelos árbitros. Não existiria, nessa
construção, espaço ainda reservado para a aplicação de outras normas positivas.

18
PEREIRA, Guilherme Setoguti J. Procedimento I. Curso de Arbitragem. LEVY, Daniel. PEREIRA,
Guilherme Setoguti J (coord.). São Paulo, Thomson Reuters Brasil, 2018, pp. 162-196, p. 174.
11

Ao se falar em doutrina sobre arbitragem no direito brasileiro, Carlos Alberto


Carmona é referência obrigatória. Além de ter elaborado tese acerca da jurisdicionalidade
da arbitragem ainda sob a vigência do CPC/7319, o autor foi um dos juristas que elaborou
o anteprojeto de lei que viria a ser convertido na Lei nº 9.307/1996. Ato contínuo, editou
obra de referência acerca da lei, em que apresenta considerações gerais e comentários
específicos a todos os seus artigos. Não há texto acadêmico no Brasil que deixe de
considerar as posições adotadas pelo professor Carlos Alberto Carmona.

Entre outras tantas contribuições relevantes, no tema especificamente sob


análise, o posicionamento de Carmona é no sentido da aplicabilidade dos princípios gerais
do processo, dado que a Lei de Arbitragem não possui norma que determine a aplicação
subsidiária da lei processual20. Mesmo a aplicação dos princípios gerais do processo à
arbitragem deverá sofrer os “temperamentos naturais que o processo deve sofrer quando
passa para o âmbito extrajudicial”21.

Na doutrina internacional, Manoel Barrocas igualmente se posiciona pela


inaplicabilidade das disposições do processo civil ao arbitral. Para o autor português, o
processo arbitral se assenta em princípios próprios, que não se confundem, ainda que
possam coincidir parcialmente, com aqueles do processo estatal. Predomina um menor
formalismo, o objetivo de permitir a execução da sentença arbitral onde quer que ele possa
ser executado, que, portanto, o processo arbitral “obedece, pois, a princípios e a práticas
distintas do processo nos tribunais estaduais”22. Mas Barrocas ressalva que o árbitro não
está impedido de usar certos conceitos “que a ciência ou a técnica processualista
elaboraram (caso julgado, litispendência etc.), mas isso não significa que lhe deva ser
aplicado o regime legal do processo civil relativo a esses institutos”23 e que a analogia
com o regime legal do processo civil pode ser útil, “como repositório de conceitos

19
CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem no Processo Civil Brasileiro. São Paulo, Malheiros, 1993.
20
CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e Processo, p. 292-293.
21
CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e Processo, p. 293.
22
BARROCAS, Manoel. A razão por que não são aplicáveis à arbitragem nem os princípios nem o regime
legal do processo civil. Revista de Arbitragem e Mediação. Vol. 52, São Paulo, 2017, pp. 369-374, p. 369.
23
BARROCAS, Manoel. A razão por que não são aplicáveis à arbitragem nem os princípios nem o regime
legal do processo civil, Revista de Arbitragem e Mediação, p. 370.
12

técnico-científicos e, eventualmente, como exercício analógico, não obrigatório para o


árbitro, na tarefa de preencher uma lacuna legal verificada num processo arbitral”24.

Essas considerações têm repercutido e encontram aceitação em importantes


trabalhos acadêmicos produzidos pela doutrina brasileira. Entre eles, destaco as obras de
Marcos Montoro, Eduardo Parente, Flávia Mange25, Rafael Francisco Alves26 e José
Emílio Nunes Pinto27. O mesmo pode ser dito em relação a muitos outros trabalhos,
notadamente artigos jurídicos de menor porte28 29.

Em comum, todos consideram que o regramento do procedimento, tal qual


estabelecido pelo artigo 21 da Lei de Arbitragem, exclui a remissão a alguma norma
processual externa à própria lei de arbitragem. Em reforço, observa-se que a prática
internacional foi afastando a incidência de normas processuais do local da arbitragem, e
que a importação de fórmulas, ritos e formalidades do processo estatal só traria prejuízos
ao processo arbitral. Marcos Montoro amplifica a ideia de que a flexibilidade do
procedimento arbitral importa em incompatibilidade quase absoluta com o modo de ser
do processo estatal, marcado por um procedimento rígido e por muitas fases e
formalidades que não têm razão de ser no processo arbitral.

A contribuição de Eduardo Parente para o debate é ainda mais intensa, porque o


autor propõe o enquadramento do processo arbitral como um sistema próprio,

24
BARROCAS, Manoel. A razão por que não são aplicáveis à arbitragem nem os princípios nem o regime
legal do processo civil. Revista de Arbitragem e Mediação, p. 370.
25
Flavia Mange considera que a lex arbitri engloba disposições que regulam a arbitragem em um
determinado país. Seu escopo é amplo, controla a arbitragem como um todo, dispõe sobre validade do
compromisso arbitral, atividades dos árbitros, arbitrabilidade, indicam princípios aplicáveis ao processo
arbitral. No Brasil, a lex arbitri é a Lei 9.307/1996. Para a autora, “muitas vezes, a lei de arbitragem é
considerada uma lei processual e, em alguns países, os dispositivos que regulam a arbitragem são parte
integrante do código de processo civil ou de regras procedimentais locais (rules of procedure), contribuindo
para a confusão entre os conceitos de lei de arbitragem e lei processual aplicável à arbitragem”, MANGE,
Flavia Foz. Processo Arbitral: aspectos transnacionais. São Paulo, Quartier Latin, 2013, p. 40-41.
26
ALVES, Rafael Francisco. Árbitro e Direito: o julgamento do mérito na arbitragem, São Paulo,
Almedina, 2018, p. 296: “as normas do Código de Processo Civil não são aplicáveis nem em caráter
subsidiário.
27
José Emilio Nunes Pinto afirma que apenas os parâmetros processuais são utilizados na arbitragem, sem
importar a aplicação direta da lei processual geral. PINTO, José Emílio Nunes. Anotações Práticas sobre a
Produção de Prova na Arbitragem. Revista Brasileira de Arbitragem. São Paulo, 2010, pp. 7-28.
28
SEREC, Fernando Eduardo. Provas na Arbitragem. 20 anos da Lei de Arbitragem: Homenagem a
Petrônio R. Muniz. CARMONA, Carlos Alberto; LEMES, Selma Ferreira e MARTINS, Pedro A. Batista
(coord.). São Paulo, Editora Atlas, 2017, pp. 286-304, p. 296.
29
WEBER, Ana Carolina Weber. Relembrando: no Brasil, o Código de Processo Civil não é
automaticamente aplicado a procedimentos arbitrais. Disponível em
https://processualistas.jusbrasil.com.br/artigos/416798898/relembrando-no-brasil-o-codigo-de-processo-
civil-nao-e-automaticamente-aplicado-a-procedimentos-arbitrais Acesso em 02.02.2022.
13

suficientemente autônomo, que apresenta características específicas que o distinguem de


outros sistemas (ou subsistemas), não obstante preserve certos pontos de contato e
compartilhe de alguns elementos com os demais subsistemas processuais, notadamente o
processo estatal. O processo arbitral utiliza princípios e conceitos do processo estatal, mas
tem características próprias. Parente observa que o processo arbitral tem em comum com
o estatal as grandes estruturas, que ele denomina ‘as chamadas fases processuais’, mas
ressalva o autor que em todas elas o processo arbitral tem um funcionamento próprio,
“peculiar maneira de agir”30.

Essas diferenças, para Parente, permitem enquadrar o processo arbitral como um


verdadeiro subsistema, à luz da construção teórica de Niklas Luhmann acerca da teoria
dos sistemas31. Luhmann afirma que “um sistema social, para ser assim considerado, deve
ser composto por um conjunto instrumental lógico, coerente e produzido pelo próprio
sistema”. Ele basta a si próprio, é autônomo, é capaz de produzir e regular seu conteúdo
instrumental funcional, independe de outros sistemas. Segundo essas concepções, o
sistema é autorreferencial, isto é, é regulado apenas por ele próprio, e não por outro
sistema. Isso lhe confere autonomia, que Luhmann chama de fechamento operacional32.

A partir dessas premissas, Eduardo Parente entende que o próprio direito


processual33, quando comparado com outros ramos (ou sistemas) deve ser entendido

30
PARENTE, Eduardo. Processo arbitral e sistema. p. 2.
31
A teoria dos sistemas é abrangente, antecede e ultrapassa os limites do direito. Aplica-se e é estudada em
diferentes ramos do conhecimento, como sociologia, filosofia, e inclusive no direito, seja na teoria geral,
seja em ramos específicos. O Autor qualifica o processo arbitral como um sistema, assim como o processo
de família, coletivo, do trabalho, o processo constitucional e dos Juizados Especiais. Da mesma forma, o
processo legislativo e o administrativo, entre outros. Identifica em todos eles as características que
permitem esse enquadramento, e não limita estas conclusões ao direito processual e seus ramos. Parente, à
luz das construções de Luhmann, entende que o direito privado é igualmente um sistema, sendo o direito
societário um subsistema deste. Estas conclusões estão diluídas ao longo de sua obra. A seguir, a indicação
de diferentes trechos, para melhor referência. PARENTE, Eduardo. Processo arbitral e sistema. “Embora
não tenhamos localizado estudo específico a respeito na literatura consultada, a nossa hipótese é de sua
aplicação ao direito processual”, p. 14. “No que nos interessa, para efeito do que estamos tratando sobre o
conceito de sistema da teoria em questão, é notório que o processo coletivo é dotado de um fechamento
operacional próprio, advindo de sua estrutura legal específica.” E sua abertura cognitiva se dá com sistemas
jurídico, político, econômico e social, p. 36. Também é um sistema os Juizados Especiais, “notadamente
em função de possuir regramento específico”. “No sistema dos juizados, tal qual ocorre lá (se referindo ao
processo arbitral), o juiz pode criar modos de trabalhar a prova, de colher a instrução, interrogando
livremente as partes, dialogando com elas, permitindo o diálogo entre elas ou delas com as testemunhas,
enfim, tudo sem as formas do processo clássico”, p. 37-38.
32
PARENTE, Eduardo. Processo Arbitral e Sistema, p. 13.
33
O processo é, para a teoria dos sistemas, “um importante meio de resolução e estabilização de conflitos
da sociedade” e por integrar o subsistema do direito, contém seus instrumentos próprios, portanto, contém
o fechamento operacional exigido por esta teoria para que ele, o processo, seja considerado um sistema. O
processo tem a autorreferência, mas ao mesmo tempo existe e serve para servir aos demais ramos do direito,
14

como um sistema, assim como diversos ramos do direito processual também podem ser
compreendidos como subsistemas, pois apresentam esse fechamento operacional. Por
exemplo, o processo constitucional, que “embora também integrante da teoria geral do
processo, tem um modelo de tratamento todo especial, a começar por disciplina legal
própria, do que resulta que ele possui um fechamento operacional – com instrumentos
bastante próprios – e abertura cognitiva, trocando influências com demais sistemas de
direito e com os sistemas político e social”34.

O processo arbitral é um sistema (ou subsistema) porque tem ferramental próprio


– a lei de arbitragem –, seu fechamento operacional consiste na sua ampla flexibilidade,
já que o processo arbitral não está “de forma nenhuma amarrado a limitações legais
rígidas, como o processo estatal”, orientado que é pelas diretrizes da Lei de Arbitragem,
marcadas pela autonomia da vontade e pela disposição diretiva do árbitro35.

Por força dessas premissas, Parente examina diversos aspectos do processo


arbitral, procurando demonstrar que os institutos aplicáveis a ele são dotados dessa dupla
caracterização: o fechamento operacional – o que lhes confere especificidade e autonomia
– e a abertura cognitiva, que permite a comunicação do processo arbitral com outros
subsistemas de processo ou de direito como um todo36.

A contribuição teórica da obra aqui brevemente resumida é relevante, e desde


então, vem sendo encampada por outros autores, que aludem às conclusões de Parente
para confirmar essa perspectiva de autonomia do processo arbitral37.

o que torna a sua abertura cognitiva particularmente ampla. PARENTE, Eduardo. Processo arbitral e
sistema. p. 26-27.
34
PARENTE, Eduardo. Processo arbitral e sistema, p. 34.
35
PARENTE, Eduardo. Processo arbitral e sistema, p. 44.
36
Ao testar o instituto da fraude de execução, Parente entende que, porque o processo arbitral é exercício
de jurisdição, ele não pode aceitar a prática de atos fraudulentos, que frustrem os resultados almejados pelo
processo e que o artigo 593 do CPC possui conteúdo principiológico. Afirma que “o que há é um conjunto
de regras e princípios, tanto de direto material quanto processual, assentados inclusive em firme construção
jurisprudencial superior e voltados a evitar um ato da parte que tente burlar o Estado no exercício da
jurisdição. PARENTE, Eduardo. Ob. Cit., p. 146-150. Sobre as atividades instrutórias, pondera que elas
são realizadas com grande flexibilidade, com “pouco ou nenhum limite”. A valoração da prova é feita nos
moldes do artigo 371 do CPC/73, por “abertura cognitiva”. O árbitro é o destinatário das provas, ele tem
primazia sobre as partes, e isso consiste em um princípio processual geral, aplicável igualmente ao processo
arbitral. Ob. Cit, p. 231.
37
WEBER, Ana. Relembrando: no Brasil, o Código de Processo Civil não é automaticamente aplicado a
procedimentos arbitrais. Disponível em
https://processualistas.jusbrasil.com.br/artigos/416798898/relembrando-no-brasil-o-codigo-de-processo-
civil-nao-e-automaticamente-aplicado-a-procedimentos-arbitrais. Acesso em 02.02.2022. ARAÚJO, Yuri
Maciel. Arbitragem e Devido Processo Legal, São Paulo, Almedina, 2021, p. 21-33.
15

Entretanto, parece-me que a qualificação de sistema, a partir da construção teoria


de Luhmann, é excessivamente ampla, a ponto de tornar possível que praticamente todo
e qualquer ramo do direito passe a ser entendido como um subsistema. E a exemplo do
que ocorre em relação aos princípios jurídicos (capítulo 4, supra), é de se questionar a
utilidade de um critério classificatório que permite considerar praticamente todo e
qualquer ramo do direito – que tenha como base algum corpo normativo específico -, um
sistema. Há dois fenômenos que devem ser examinados, portanto.

Primeiro, o critério classificatório em si. Segundo, as consequências que daí são


extraídas. Não penso que a questão se coloque em termos de aderir ou discordar do
critério classificatório, ou seja, de tomar posição se o processo arbitral é ou não um
sistema. Porque classificações são métodos de organização do objeto estudado, com
finalidade didática, para facilitar a compreensão e a correlação do que se classifica com
outros objetos, que serão iguais ou diferentes, à luz dessa mesma classificação. Parente
examina o processo arbitral sob a perspectiva de uma teoria específica, investigando se
ele pode ser considerado um sistema, segundo as ideias de Luhmann. Penso que a
compreensão do processo arbitral como um sistema seja uma das formas de examinar o
fenômeno, que não desqualifica ou desdiz outras38. A contribuição mais efetiva que se
extrai da obra de Parente diz respeito às consequências da classificação proposta.

E quanto a isso, a despeito de uma aparência de que as conclusões são diversas,


ao se examinar mais profundamente as considerações desenvolvidas, resulta que em

38
E mesmo a ideia de sistema foi desenvolvida por outros autores e é objeto de definições diversas.
Norberto Bobbio, por exemplo, define sistema a partir das ideias de unidade e coerência, esta compreendida
entre suas partes simples, e não do ordenamento jurídico como um conjunto. O sistema jurídico, para o
autor, não é um sistema dedutivo perfeito, e sim um sistema num sentido negativo, enquanto uma ordem
que exclui a incompatibilidade de suas partes simples, de modo que, em caso de incompatibilidade entre
duas normas, não ocorre a queda de todo o sistema, mas apenas de uma ou no máximo ambas as normas
incompatíveis. BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico. 2ª edição, Brasília, Edipro, 2014, p.
80. Na doutrina processual, Dinamarco considera que sistema “é um conjunto fechado de elementos
interligados e coordenados em vista de objetivos externos comuns, de modo que um atua sobre os demais
e assim reciprocamente, em uma interação funcional para a qual é indispensável a coerência entre todos.”
E “sistema processual é um conglomerado harmônico de órgãos, técnicas e institutos jurídicos regidos por
normas constitucionais e infraconstitucionais capazes de propiciar sua operacionalização segundo o
objetivo externo de solucionar conflitos.” DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito
processual civil. 8ª ed. São Paulo, Malheiros, 2016, p. 284.
16

inúmeras passagens há uma aproximação do processo arbitral com a teoria geral do


processo, a sua inserção é declaradamente feita39.

E nos institutos concretamente examinados, realça-se mais as linhas mestras


comuns, a espinha dorsal, do que as especificidades que tornam o processo arbitral
diferente40.

O mesmo pode ser observado na obra de Marcos Montoro. Sua tese de doutorado
perante a Faculdade de Direito da USP examinou o tema da flexibilidade do procedimento
arbitral. Para o autor, “é errado concluir que, havendo omissão das regras eleitas pelas
partes, aplicam-se as regras do Código de Processo Civil. A doutrina tem defendido, com
razão, que o CPC não se aplica em caso de omissão das partes”41. Também entende que
“não existe regra expressa nesse sentido, e nem há qualquer dispositivo do qual se possa,
implicitamente, afirmar a aplicação subsidiária do CPC na arbitragem”. Entre as fontes
objetivas das normas que regulam o procedimento arbitral, não se encontra a lei
processual42.

Especificamente no que toca às normas procedimentais, Montoro observa, com


razão, que não está prevista a aplicação do CPC quando as partes deixam de criar a regra
procedimental. A omissão é proposital pois, segundo o autor, “se constasse qualquer
referência à eventual aplicação subsidiária do CPC na arbitragem, isso estaria em conflito
com outros dispositivos da mesma Lei 9.307/96”, tais como os artigos que atribuem às
partes o poder de estabelecer as regras procedimentais (arts. 2, 11, 19 e 21), aos árbitros
e até mesmo ao juiz estatal, no contexto da ação baseada no artigo 7º. Tais disposições
seriam incompatíveis com uma regra que determinasse a aplicação supletiva do Código
de Processo Civil43.

Como o foco dos estudos de Montoro é o procedimento arbitral, bem se vê que


suas observações procuram afastar a importação das peculiaridades e do detalhamento

39
Por exemplo, quando Parente afirma que os princípios processuais gerais “são a base da teoria geral do
processo, que se mantém íntegros em todos os microssistemas apontados anteriormente, não obstante
existam peculiaridades em cada qual”. PARENTE, Eduardo. Processo arbitral e sistema. p. 39.
40
Ao tratar de processo e procedimento, Parente tece considerações e equipara tais noções tanto ao processo
arbitral como ao estatal, afirmando ainda que, neste particular, “o processo arbitral em nada se diferencia
da esfera judicial”. Processo arbitral é um processo, tanto quanto, ainda que tenha concretamente regras
diferentes, maior liberdade etc. PARENTE, Eduardo. Processo arbitral e sistema, p. 49.
41
MONTORO, Marcos. Flexibilização do Procedimento Arbitral, p. 115.
42
MONTORO, Marcos. Flexibilização do Procedimento Arbitral, p. 115.
43
MONTORO, Marcos. Flexibilização do Procedimento Arbitral, p. 116.
17

inerente ao procedimento do processo estatal, seja o comum, sejam os especiais, e nesse


ponto assiste razão ao autor. Todas essas obras, por outro lado, reconhecem a aplicação
dos princípios, dos conceitos e, em muitas passagens, de disposições legais específicas,
que não se pode dizer que correspondam a princípios positivados.

O processo arbitral é caracterizado pela apresentação de uma demanda pelo


requerente, pelo ônus de apresentar uma defesa (concentrada em uma única
oportunidade), pela ocorrência de preclusão, pela atribuição às partes de posições
jurídicas consistentes em poderes, deveres, faculdades, ônus. No processo arbitral se
fazem presentes categorias jurídicas que se voltam à admissibilidade do processo, se
aplicam as normas acerca do aproveitamento dos atos defeituosos que atingirem sua
finalidade, conceitos gerais sobre as provas, tais como os de ônus, presunções, máximas
de experiência etc44.

São apenas alguns poucos exemplos, extraídos das obras dos autores acima
mencionados, e que são aqui trazidos para demonstrar que, mesmo sob as premissas que
tais obras desenvolvem, ainda assim há um amplo campo de interação entre as normas
processuais gerais e a lei especial, um significativo conjunto de interações porque o
processo arbitral integra a Teoria Geral do Processo e compartilha das suas estruturas
fundamentais. E é por meio desse recurso aos conceitos processuais gerais, muitos dos
quais positivados na norma processual geral – o Código de Processo Civil – que se
complementam as noções do que regula o processo arbitral.

Ainda quando essas obras proclamam a não aplicação de normas do Código de


Processo Civil, o que verdadeiramente se constata é que todos afirmam a inaplicabilidade
do procedimento contemplado para o processo judicial, das disposições legais acerca da
forma, do tempo e do modo de realização de atos processuais, com o que não se pode
discordar45. O ponto é outro, contudo.

44
Para Eduardo Parente pressupostos são “todos os requisitos que o processo arbitral deve reunir para
chegar à decisão de mérito”. Existem pressupostos processuais arbitrais sem os quais o processo não poderá
chegar a bom termo, como por exemplo diante da falta de interesse processual, citando como exemplo a
obrigação condicional a termo que não se realizou; ou a impossibilidade jurídica do pedido, embora
destaque a maior liberdade das partes para sanar este vício; a ilegitimidade de parte, citando aqui a ausência
de convenção arbitral relativamente a quem não deveria ser parte. PARENTE, Eduardo. Processo arbitral
e sistema. p. 157/160.
45
Assim se pode compreender a afirmação de Manoel Barrocas, citada antes no corpo do texto. O árbitro
pode (e eu adiciono, deve) usar os conceitos “que a ciência ou a técnica processualista elaboraram (caso
julgado, litispendência etc)”, sem que esteja vinculado a aspectos procedimentais que sejam regulados pelo
18

Ao se examinar a forma como se realiza, como se desenvolve um processo


arbitral, identifica-se um mesmo modo de ser, um mesmo “jeito”, uma mesma tipologia.
Disso resulta que é impróprio considerar que a estrutura fundamental do processo arbitral
seja determinada pela própria Lei de Arbitragem ou, nas suas omissões, possa ser
determinada pelos árbitros. Nada disso é inverídico, apenas não é suficiente.

Além de Carmona, Parente e Montoro, outros autores também proclamam a


natureza processual da arbitragem, raciocinam sobre seus institutos à luz de um “olhar
processual”, com múltiplas associações com as categorias processuais inerentes ao
processo jurisdicional46 47. Isso corresponde a concluir, desde logo, que o processo estatal
e o processo arbitral compartilham de inúmeros elementos comuns, são “o mesmo bicho”,
ainda que de diferentes tamanhos, pelagens, cores e modos de ser. Trabalhos acadêmicos
e científicos sempre podem ser criticados por comparações frívolas, ou uso de metáforas
impróprias. Mas o elemento didático dessas comparações é fundamental para ajudar a
transmitir a ideia central, e nem constitui propriamente uma novidade no campo da
arbitragem48.

O capítulo três procurará demonstrar ou, mais precisamente, revelar, o fato de


que o processo arbitral, processo que é, deve ser considerado como integrante e
pertencente à teoria geral do processo, como mais um dos ramos ou tipos de processo,
que preservam a estrutura fundamental de todo e qualquer processo jurisdicional no
sistema jurídico brasileiro e, ao mesmo tempo, apresenta diversas peculiaridades,
particularidades. O processo arbitral não é tão diferente, a ponto de poder ser proclamado

Código de Processo Civil. Por exemplo, o prazo para a configuração da coisa julgada ou mesmo para o
exercício da demanda que pretenda a sua desconstituição não são seguidos no processo arbitral, mas ainda
assim, ele se vale da própria noção de coisa julgada, com os parâmetros que são concretamente
estabelecidos na norma processual geral.
46
Por exemplo, Pedro Martins ao analisar a produção de provas na arbitragem afirma que “aplica-se à
arbitragem a regra de que ninguém se exime do dever de colaborar com o Poder Judiciário [no caso, com
os árbitros] para o descobrimento da verdade (art. 339, CPC)” atual art. 378. .MARTINS, Pedro A. Batista,
Panorâmica sobre as provas na arbitragem, p. 2, http://batistamartins.com/panoramica-sobre-as-provas-
na-arbitragem-2/; Rafael Francisco Alves diz que não há um devido processo legal para a arbitragem e
outro para o processo estatal, porque a ordem constitucional de onde emanam os dois é única. Concorda,
portanto, com Cândido Rangel Dinamarco de que a arbitragem integra a teoria geral do processo. ALVES,
Rafael Francisco. O julgamento do mérito na arbitragem. São Paulo, Almedina, 2018, p. 104.
47
FARIA, Marcela Kolhbach de. Participação de Terceiros na Arbitragem. São Paulo, Quartier Latin,
2019, p. 39-42.
48
CARMONA, Carlos Alberto. Em torno do árbitro. Revista de Arbitragem e Mediação. Vol. 28, São
Paulo, 2011, p. 47-63, p. 61.
19

autônomo. E não é tão igual, a ponto de se submeter ao mesmo conjunto de regras


particulares.

Assim é que, a exemplo do que constatam Parente, Carmona e Montoro, parece-


me que o processo arbitral partilha de estruturas, de funcionalidades comuns aos demais
ramos do processo, o que não lhe retira a prerrogativa de ser diferente, mais flexível, com
predominância da autonomia da vontade das partes49. Minha discordância reside no fato
de que não me parece necessário proclamar a inaplicabilidade (subsidiária e excepcional)
das normas do Código de Processo Civil, para constatar essas peculiaridades, para afastar
o procedimento arbitral das formalidades inerentes ao procedimento judicial.

Assim, nas diferentes perspectivas que se apresentam, há múltiplos consensos.


E para os fins dessa tese, são eles que interessam mais. Essa identificação do
reconhecimento de que outros trabalhos acadêmicos acabam por admitir a natureza
processual da arbitragem, sua inserção nas mesmas categorias fundamentais, e a
aproximação com os institutos processuais próprios do processo jurisdicional (próximos,
mas não idênticos) é o que permite propor esta tese como um desenvolvimento dos
trabalhos que o antecederam, muito mais do que uma oposição ou proposição de
divergências.

2. A regulação do processo arbitral na arbitragem internacional.

Em certa medida, a discussão se põe nos mesmos termos, quando se trata


da arbitragem internacional. A partir de um contexto em que não se fala propriamente em
lex fori, ou na aplicação de normas integrantes de um único sistema jurídico, na
arbitragem se discutem as inúmeras leis que podem ser aplicáveis, assim como o grau de
independência que o processo arbitral pode ter em relação às leis nacionais que possam
ser aplicadas50.

49
A respeito da vontade essencial das partes a ser preservada pelos árbitros, ver: RICCI, Edoardo. Lei
Brasileira de Arbitragem: oito anos de reflexão – questões polêmicas. São Paulo, Revista dos Tribunais,
2004, p. 73-76.
50
Gary Born observa que há quatro possíveis campos para se determinar leis aplicáveis na arbitragem
internacional: (i) Lei material que regerá o mérito da disputa; (ii) Lei material que regerá a convenção de
20

O fenômeno da arbitragem internacional pode ser examinado a partir de


diferentes pontos de vista. Pode ser dito, por exemplo, que esse é o método por excelência
para a resolução de disputas de índole internacional, porque agentes que se propõem a
fazer negócios para além das suas próprias fronteiras não se sentem confortáveis em
submeter seus litígios às cortes nacionais dos países de suas contrapartes. Assim, o
desenvolvimento do comércio internacional tem como um dos seus pressupostos a
necessidade de um sistema de resolução de conflitos que outorgue segurança e
previsibilidade aos seus agentes51.

É também inegável que as partes, ao escolherem arbitragem, estão


automaticamente proclamando seu interesse em não se submeter a cortes nacionais, evitar
o litígio perante órgãos do Poder Judiciário. Essa premissa é importante para a calibragem
que deve ser feita entre a autonomia das partes e o conjunto de regras que cada estado
pretenda impor aos litígios sediados em seu território52.

Do ponto de vista teórico, há diferentes correntes que propõem diferentes


concepções acerca da natureza da arbitragem internacional, a depender do grau de
autonomia que se lhe queira emprestar53. Mas, paralelamente a essas discussões, fato é
que, de um modo geral, os países reconhecem e normatizam a arbitragem internacional
em seus respectivos sistemas jurídicos. Além disso, há tratados internacionais sobre o
tema, merecendo sempre destaque a Convenção de Nova Iorque para o reconhecimento e
execução de sentenças arbitrais estrangeiras, de 1958, por sua ampla difusão e
importância na circulação das sentenças proferidas no contexto das arbitragens
internacionais.

arbitragem; (iii) Lei processual aplicável ao procedimento arbitral; (iv) Regras de conflitos de lei. BORN,
Gary. International Arbitration: Law and Practice, 3rd Ed. New York, Kluwer Law International, 2021, p.
39-41.
51
DERAINS, Yves. Arbitragem Internacional: custo e duração. Revista de Arbitragem e Mediação. vol. 20,
São Paulo, 2009, pp. 175-184, p. 175-176.
52
PETROCHILOS, Georgios. Procedural Law in International Arbitration. New York, Oxford University
Press, 2010, p. 10: “For this and other reasons, no state would seem to have a sufficient and appropriate
connection, or jurisdictional title in international law terms, to be able to impose upon an international
arbitration whatever regulations it might consider appropriate”.
53
GAILLARD, Emanuel, Teoria jurídica da arbitragem internacional, tradução Natália Mizhari Lamas,
São Paulo, Atlas, 2014, p. 11-59. PAULSSON, Jan. The idea of arbitration, Oxford, Oxford University
Press, 2013, pp. 29-50.
21

No Brasil, a escolha do legislador não se deu pela distinção entre


arbitragens domésticas e internacionais, mas pela nacionalidade da sentença arbitral, que
por sua vez se aufere a partir do local da sua prolação (art.34, §U). Do ponto de vista do
nosso sistema normativo, uma sentença que tenha partes estrangeiras, cujo objeto seja um
contrato firmado e executado no exterior, regido pela lei material estrangeira, mas que
eleja o Brasil como o local de prolação da sentença arbitral será uma sentença arbitral
doméstica, constituirá título executivo e poderá ser objeto de cumprimento de sentença
no Brasil. Será uma arbitragem internacional quanto ao seu objeto e conteúdo, mas
produzirá uma sentença arbitral brasileira54. Disso decorrem alguns aspectos que
merecem breves considerações.

Neste exemplo específico, a lei processual aplicável à arbitragem será a


brasileira. Os parâmetros fundamentais desse processo arbitral serão aqueles da Lei
9.307/1996. A doutrina que se dedica ao estudo da arbitragem internacional debate acerca
das regras processuais aplicáveis ao processo arbitral e à relevância da lex arbitri do país
onde a arbitragem tenha sede, tanto nos denominados sistemas monistas, como o Brasil,
ou nos sistemas dualistas, como a França, Itália ou Portugal. Há diferentes visões,
perspectivas, mas de um modo geral, ainda hoje prevalece uma percepção acerca da
aplicabilidade da lei processual da sede, mesmo no âmbito das arbitragens internacionais
55 56
.

Um rápido parêntese se faz necessário, para explicar que as leis sobre


arbitragem costumam ter seu conteúdo dividido e classificado em duas partes. As normas
externas, que regulam a relação do processo arbitral com o Poder Judiciário do local da
sede, como por exemplo, para providências de indicação de árbitros, apoio na produção

54
Em teoria, é possível que uma sentença arbitral seja proferida no Brasil, em procedimento com sede em
outro país, o que tornaria esta decisão como uma sentença doméstica em mais de um sistema jurídico. A
hipótese, apesar de inusitada, é teoricamente possível e foi examinada por RICCI, Edoardo Flavio. A
sentença arbitral brasileira com nacionalidade de outros países. Lei de Arbitragem Brasileira: oito anos de
reflexão, questões polêmicas. São Paulo, Revista dos Tribunais, 2004, pp. 217-238.
55
BORN, Gary. Chapter. International Commercial Arbitration. 3rd ed. New York, Kluwer Law
International, 2021, p. 1725.
56
De outro lado, a concepção territorialista da arbitragem, como justificada apenas no ordenamento jurídico
da sede da arbitragem, pode ser entendida como uma concepção do passado, que não se aplica nem explica
o fenômeno da arbitragem internacional. O Protocolo de Genebra, de 24/09/1923, dispunha em seu artigo
2º. que: “O procedimento arbitral, incluindo a constituição do tribunal arbitral, é regido pela vontade das
partes e pela lei do país em cujo território ocorre a arbitragem”. Não só no âmbito dos tratados
internacionais, como nas legislações nacionais, é raro que se faça uma remissão explícita e expressa à lei
do país em que ocorre a arbitragem, porque se reconhece, a exemplo do que faz a CNY 1958, que outras
ordens jurídicas podem desempenhar um papel igualmente importante. A esse respeito, ver, entre outros,
GAILLARD, Emmanuel. Teoria Jurídica da arbitragem internacional, p. 84-86.
22

de provas, controle primário da validade da sentença arbitral (por meio das ações
anulatórias) e execução da sentença arbitral57. Para essas finalidades, a lex arbitri tende a
desempenhar um papel genericamente reconhecido, vinculando as partes às cortes
nacionais do país sede, porque não faria sentido, por exemplo, solicitar ao Judiciário de
um país apoio para a condução de uma testemunha em uma audiência que se realizasse
em outro país 58.

Por sua vez, as normas internas são aquelas que regulam o processo e o
procedimento arbitral, e quanto a elas, é mais debatida e menos nítida a importância da
lex arbitri, porque em geral, todas as legislações nacionais (assim como os tratados
internacionais) outorgam às partes e, na sua omissão, aos árbitros, a regulação do processo
arbitral59 60
. A partir dessas disposições, a doutrina se posiciona afirmando que a fonte
normativa das regras processuais aplicáveis reside nas próprias partes e, em segundo
plano, nos árbitros, sem necessidade de recurso a outras fontes normativas, sobretudo

57
Apoiada em doutrina de Dicey e Morris, entre outros, Isabela Lacreta estuda o tema pela classificação do
direito processual em sua função interna (regras que regulam o procedimento da arbitragem em si) e função
externa (regulam a relação entre a arbitragem e as cortes estatais). Às questões internas, aplica-se em regra
o regulamento escolhido pelas partes, corpos de regras que as partes criem ou soft laws. Essas regras são o
principal corpo normativo a reger seu processo arbitral, LACRETA, Isabela. A determinação do direito
aplicável à arbitragem. Tese (doutorado) – Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. São Paulo,
2021, p. 237.
58
Gabrielle Kaufmann-Kohler observa que mesmo as Cortes francesas reconhecem sua própria jurisdição
para as ações anulatórias de sentenças arbitrais proferidas na França. Segundo a autora: “This implies that,
whatever the foreign law governing the proceedings, the parties and the arbitrators must comply with
mandatory French rules of procedure as they are reflected in the grounds for setting aside awards. In other
words, even in France, the law of the place of arbitration submits the procedure before the arbitrators to
certain minimum requirements: a situation in which the end result is identical to the one found in many
jurisdictions applying the territorial principle.”. Informa que mesma posição é adotada na Suiça.
KAUFMANN-KOHLER, Gabrielle. Arbitration procedure: identifying and applying the law governing the
arbitration procedure. Improving the efficiency of arbitration agreements and awards: 40 years of
application of the New York Convention. VAN DEN BERG, Albert Jan. The Hague, Kluwer Law
International, 1999. p. 356-365, p. 342. Informa que mesma posição é adotada na Suiça: “Similarly, the
Swiss Supreme Court has recently stressed the same distinction, as well as the legal nature of the place or
seat: "By choosing a Swiss legal domicile [ein schweizerisches Rechtsdomizil] for the arbitral tribunal, the
parties manifestly intended to submit their dispute to Swiss arbitration law, not to provide for an exclusive
location for meetings among arbitrators at the place of arbitration .... [T]he determination of a given place
of arbitration is of significance to the extent that the award is deemed to be rendered at such place. It is
irrelevant that a hearing was effectively held or that the award was effectively issued there". Ob. cit., p.
345-346.
59
Não obstante, como as leis arbitrais são em geral enxutas, como a Lei de Arbitragem Brasileira, Isabela
Lacreta diz, com razão, que “serão raros os casos em que leis domésticas de arbitragem oferecerão regras
de organização do procedimento para uso das partes”. Para a função externa, aplicar-se-á sempre a
legislação processual vigente no foro. LACRETA, Isabela. A determinação do direito aplicável à
arbitragem, p. 238.
60
Por exemplo, a Lei Inglesa (English Arbitration Act) que em seu artigo 34 dispõe ser do tribunal a decisão
sobre todos os aspectos processuais e relacionados às provas. O CPC francês, cujo artigo 1464 estabelece
a prerrogativa do tribunal determinar o procedimento nas arbitragens domésticas, e o artigo 1590 na
arbitragem internacional. Também a Lei colombiana (Ley 1563 de 2012), o artigo 58.
23

àquelas que regulam os processos perante o Poder Judiciário do país sede. Como em geral
há a indicação de um regulamento institucional aplicável, serão as regras deste
regulamento as aplicáveis e, na omissão delas, os árbitros definirão o procedimento
arbitral61 62.

O tema é complexo, vem sendo longamente debatido no âmbito da


doutrina dedicada ao estudo da arbitragem internacional. O objetivo não é expor ou
aprofundar tais discussões, nem mesmo tomar posição definitiva sobre o assunto, mas
apenas o de destacar que, mesmo nessas divergências, admite-se, em alguma medida, o
recurso à normas processuais da sede da arbitragem (estejam inseridas na lex arbitri ou
em algum corpo normativo adicional)63.

A discussão sobre o papel da sede é tradicional no plano da arbitragem


internacional. E tem um certo componente histórico. Leis e tratados costumavam
explicitar o papel das normas processuais como fonte normativa, vinculado as arbitragens
internacionais à sede do procedimento. Essa opção gerava sérias críticas, porque retirava
a natureza verdadeiramente internacional das disputas, impondo às partes litigar sob
regras com as quais não tinham familiaridade, impondo-lhes, no mais das vezes,
exigências paroquiais, que foram concebidas para disputas internas perante o Poder
Judiciário.

Com o passar do tempo, dois fenômenos foram sendo observados.


Primeiro, a atualização e/ou edição de leis e regulamentos mais modernos, inspiradas na
Lei Modelo da Uncitral, na qual nem mesmo se faz referência explícita a leis do local da

61
Flavia Mange, com apoio em Albert Van den Berg, afirma que a escolha de algum regulamento pelas
partes em geral torna desnecessário o recurso às leis processuais do local da sede da arbitragem. MANGE,
Flavia Foz. Processo Arbitral: aspectos transnacionais, p. 67.
62
Para Redfern e Hunter, há uma grande diferença entre as previsões gerais da lei de arbitragem e as regras
procedimentais detalhadas (detailed procedural rules) que deverão ser adotadas ou adaptadas para a
condução justa e eficiente do procedimento. Sobre as regras institucionais, usam como exemplo as regras
da CCI ou LCIA e afirmam que elas fornecem uma regulação geral (an overall framework within which to
operate), mas que mesmo essas regras precisarão ser suplementadas por previsões mais detalhadas pelas
partes ou pelo tribunal arbitral, BLACAKBY, Nigel; PARTASIDES, Constatine; REDFERN, Alan and
HUNTER, Martin. Redfern and Hunter on International Arbitration. New York, Oxford University Press,
2015, p. 171. Pelas razões expostas neste trabalho, parece que o recurso a regras institucionais é, ainda
assim, insuficiente para a regulação integral do processo arbitral, uma vez que tais regulamentos são, de
um modo geral, sucintos. Ainda que, na arbitragem internacional, as escolhas das partes, as normas
institucionais e o poder supletivo dos árbitros tendam a equacionar a maior parte das questões, é de se
reconhecer que sempre haverá um campo no qual os árbitros deverão investigar se devem ou não aplicar
regras mandatórias previstas nas leis processuais do país da sede da arbitragem, ou nos países em que a
sentença será reconhecida e homologada.
63
LACRETA, Isabela. A determinação do direito aplicável à arbitragem, p. 55.
24

sede, adotando um modelo generalizado que outorga às partes tais poderes e, caso se
omitam, os atribuem aos árbitros64. Segundo, o reconhecimento de que a noção de sede é
mais bem compreendida como um conceito jurídico, não propriamente físico. É muito
comum que um procedimento arbitral se desenvolva com prática de atos em diferentes
locais, o que tomou uma proporção ainda maior por conta da pandemia da Covid-19, que
tornou virtuais todos os procedimentos. Assim, uma disputa entre partes da Espanha e do
Egito pode ter como sede Paris, Londres ou São Paulo, mas realizar atos que exijam
presença física em qualquer destes locais, ou mesmo em algum outro, ou pura e
simplesmente por videoconferências.

Se o local da arbitragem não é um conceito físico, mas jurídico, se as partes


em arbitragens internacionais desejam se afastar das cortes nacionais, afinal, qual a
relevância da lei processual da sede da arbitragem, para fins da sua regulação?

De um lado, afirma-se, não sem razão, que as partes ou árbitros, quando


escolhem a sede de uma arbitragem, não pode ser presumido que tenham querido se ligar
por qualquer das regras que aquele Estado estabelece como aplicáveis às suas
arbitragens65 Da mesma forma, também não se pode entender que os árbitros, no exercício
da sua função, defendam os interesses de uma ordem jurídica particular, mesmo porque
eles podem ser de diferentes ordens jurídicas, aplicando um direito material que nem
mesmo é o de suas jurisdições. A origem da jurisdição dos árbitros é contratual, e sua
ligação com as partes se faz para uma prestação de serviços, sui generis, mas que nem
por isso deixa de ser um serviço prestado, mediante remuneração. Esses elementos não
podem ser desprezados quando se raciocina acerca do papel da lei processual da sede, no
âmbito de uma arbitragem internacional66.

Mas essas considerações não desnaturam a circunstância de que, ao


escolherem a sede de um procedimento arbitral, essa escolha tem significados jurídicos,
e não apenas o de eleger um local com estrutura física para atos do procedimento, ou

64
Por exemplo, o Regulamento da CCI foi modificado em 1975, retirando referências a alguma lei nacional
processual aplicável à arbitragem (art. 15), como fonte do poder dos árbitros.
65
PETROCHILOS, Georgios. Procedural Law in International Arbitration. p. 16-17. George Bermann
observa que as partes escolhem a sede da arbitragem por muitas razoes, em nada relacionadas com as regras
processuais da sede. “There is little reason to assume that the parties, in selecting a lex arbitri, considered
every procedural prescription in the local law, however advisable it would have been for them to do so”.
BERMANN, George. Ascertaining the Parties’ Intentions in Arbitral Design, p. 1026.
66
PETROCHILOS, Georgios. Procedural Law in International Arbitration. p. 44.
25

localização geográfica estratégica. Ainda tomando por base a distinção entre normas
internas e externas da lex arbitri, o mínimo que se pode dizer é que as partes escolhem as
cortes nacionais que servirão de apoio para o processo arbitral e que realizarão o controle
primário da sentença, porque esta corte será a do país sede da arbitragem.

Mais do que isso, também as provisões da lex arbitri do tipo interno, que
regulam o processo arbitral, terão alguma aplicação à disputa. Assim, para muitos autores,
a escolha da sede pelas partes implica a sua submissão ao respectivo regramento legal
67 68
(legal framework, na terminologia adotada na arbitragem internacional) . Sob outra
perspectiva, Redfern e Hunter consideram que mesmo sob as modernas leis de
arbitragem, que se satisfazem em permitir que as partes decidam sobre suas próprias
regras processuais particulares, desde que sejam tratadas com igualdade, admite-se que
essas regras necessitam de sanção para serem efetivas, por isso, a lei relevante é a do local
ou da sede da arbitragem 69.

Mesmo que não se entenda que as partes escolhem sedes por conta da
atração de suas respectivas leis de arbitragem, ou do arcabouço legal processual geral
daquele país, e mesmo que se entenda que essa aplicação é absolutamente excepcional,
porque se limita ao controle dos elementos fundamentais de um processo justo, ainda
assim é de se reconhecer que será a partir dos parâmetros fixados nessa lei da sede da
arbitragem internacional que os árbitros exercerão seus poderes, competindo-lhes velar
pela validade da sentença arbitral e pela possibilidade do seu reconhecimento e execução
em outras jurisdições70.

67
BLACKABY, Nigel; PARTASIDES, Constatine; REDFERN, Alan and HUNTER, Martin. Redfern and
Hunter on International Arbitration. p. 173.
68
GREENBERG, Simon; KEE, Christopher; WEERAMANTRY, Romesh. International Commercial
Arbitration: An Asia-Pacific Perspective. Cambridge: Cambridge University Press, 2011, p. 58: “The lex
arbitri legitimises and provides a general legal framework for international arbitration. The relevant law
itself might be found in an independent statute on international arbitration or it might be a chapter in another
law, such as a civil procedure code or a law also governing domestic arbitration. However, the lex arbitri
of a given jurisdiction can also include other statutes and codes (even those not specifically dealing with
arbitration), and case law which relates to the basic legal framework of international arbitrations seated
there.” Apud LACRETA, Isabela. A determinação do direito aplicável à arbitragem, rodapé 783, p. 236.
69
Redfern e Hunter dizem que as leis modernas se satisfazem em permitir que as partes decidam sobre suas
próprias regras processuais particulares, desde que sejam tratadas com igualdade. Sob tais leis, é aceito que
as cortes devem intervir o mínimo necessário. Mesmo assim, regras necessitam de sanção para serem
efetivas, por isso, a lei relevante é a do local ou da sede da arbitragem, denominada lex arbitri.
BLACKABY, Nigel; PARTASIDES, Constatine; REDFERN, Alan and HUNTER, Martin. Redfern and
Hunter on International Arbitration. p. 156-157.
70
PETROCHILOS, Georgios. Procedural Law in International Arbitration, p. 42.
26

Do ponto de vista jurídico, portanto, quando partes latino-americanas


celebram convenção de arbitragem e decidem estabelecer a sede da disputa em Paris, tal
escolha significará que a lex arbitri será a francesa, que a própria arbitrabilidade do litígio
será definida segundo os parâmetros da lei francesa, que as Cortes Francesas serão as
competentes para medidas de apoio ou controle do processo arbitral. Essa deslocalização
das disputas surge porque as leis nacionais admitem tais disputas de índole internacional,
mesmo sem elementos de conexão com a própria ordem jurídica (fórum shopping) e
trazem como consequência a aplicabilidade das normas processuais da sede para regular
o processo arbitral.

Assim, em maior ou menor intensidade, reconhece-se a relevância da lei


processual da sede para governar os temas de natureza processual71 72. O sistema jurídico
da sede da arbitragem não é o único, mas também não se pode dizer que ele não se aplique
ou que não tenha relevância. Atualmente, parece fazer mais sentido a adoção da teoria
deslocalizadora, ou a concepção whestphaliana, segundo a qual as ordens jurídicas do
país da sede e dos países nos quais a sentença poderá vir a ser homologada e executada
desempenham papel relevante na regulação do processo arbitral73.

Esta parece ter sido a opção da Convenção de Nova Iorque. De um lado, o


artigo V, (1) (d) sugere a prevalência do acordo das partes sobre a lei do país em que a
arbitragem ocorreu. Adicionalmente, a partir da versão em inglês da Convenção, cujo
artigo V. (1) adota o termo may refuse, parcela relevante da doutrina entende que a
Convenção também consagra uma mera possibilidade de que se neguem efeitos a uma

71
BERMANN, George. Ascertaining the Parties’ Intentions in Arbitral Design, p. 1018-1019: “Certainly,
in international arbitration, the law of arbitration at the place of arbitration is considered to supply the rules
governing the arbitral process itself. That is to say, the parties are deemed, in designating an arbitral seat,
to have submitted their arbitration as such to that body of law, including its rules or presumptions as to
arbitral design. Fortunately, most rules of the lex arbitri turn out to be default rules only (that is, rules from
which the parties may agree to derogate), and few of them are mandatory. The parties remain free to
structure their arbitration as they choose, with the lex arbitri supplying rules only to the extent the parties
fail to do so.
72
BORN, Gary. International Commercial Arbitration, p. 1723.
73
Que, não obstante não ser a concepção adotada por Emmanuel Gaillard, é por ele explicada com
propriedade. GAILLARD, Emmanuel. Teoria Jurídica da arbitragem internacional, p. 26.
27

sentença arbitral anulada no país sede, tal qual previsto no item (1) (e) 74 75. Os tratados
internacionais acerca da arbitragem, editados ao longo das últimas décadas, vem
enfatizando a diminuição da relevância da lei da sede das arbitragens internacionais, mas
não ao ponto de eliminar a sua importância76. Assim, a lei da sede desempenha um papel
importante no que diz respeito às regras processuais de natureza mandatória, convivendo
harmonicamente com a autonomia das partes quanto aos demais aspectos do
procedimento77.

De outro lado, não obstante o peso de seus defensores, a teoria sobre uma
natureza verdadeiramente autônoma da arbitragem, integrante de uma ordem jurídica
arbitral desatrelada dos sistemas jurídicos dos Estados, parece não condizente com a
realidade. Primeiro porque a adoção das modernas leis nacionais e dos tratados
internacionais é suficiente para permitir o exercício da liberdade que caracteriza a
arbitragem internacional. Liberdade de escolher o regime jurídico aplicável, de realizar
atos materiais em quaisquer lugares, e de se valer do apoio de sistemas nacionais
favoráveis à arbitragem, quando isto se fizer necessário. Segundo, porque, no mínimo, é
preciso atrelar a arbitragem a algum sistema jurídico, para que incidam normas positivas
externas, definindo-se o local do controle primário da sentença arbitral78. Se a execução
futura da sentença arbitral pode se dar em mais de um país, isso significa que as sentenças

74
Segundo Gaillard, a CNY afasta a ideia de que a ordem jurídica da sede seja a única fonte de juridicidade
da sentença arbitral, o que explica porque sentenças podem ser reconhecidas em outros estados mesmo que
não tenha havido integral respeito às regras da sede sobre a convenção de arbitragem, a constituição do
tribunal arbitral ou o procedimento arbitral. Nesse modelo, espera-se que os Estados se abstenham de impor
seus modelos, sua visão da arbitragem, a outros Estados, Emmanuel Gaillard. Teoria Jurídica da
arbitragem internacional, p. 27. Contra, enfatizando a relevância da sede, BRAGUETTA, Adriana. A
Importância da Sede da Arbitragem – visão a partir do Brasil. Rio de Janeiro, Renovar, 2010, p. 183-185.
75
Contudo, Georgios Petrochilos considera que o artigo V,1,(e) opera de forma independente do artigo V,
1,(d), reconhecendo a prerrogativa do país da sede de assumir o controle do processo arbitral. Esta é, para
referido autor, uma forte demonstração contrária à ideia da absoluta desvinculação das leis nacionais e da
proeminência do país da sede de uma arbitragem de controlá-la. PETROCHILOS, Georgios. Procedural
Law in International Arbitration, p. 38.
76
Como por exemplo os Tratados da Convenção Europeia sobre Arbitragem Internacional, o Tratado de
Washington e a Convenção interamericana sobre arbitragem comercial de 1975. A respeito, ver STRAUBE,
Frederico José. A vinculação das partes e árbitros ao regulamento de arbitragem. 20 anos da Lei de
Arbitragem: Homenagem a Petrônio R. Muniz. CARMONA, Carlos Alberto; LEMES, Selma Ferreira e
MARTINS, Pedro Batista (coord.), p. 390.
77
MANGE, Flavia Foz. Processo Arbitral: aspectos transnacionais, p. 66-67.
78
E ainda que teoricamente possível que um contrato indique expressamente uma lex arbitri, mas aponte
outro país como sede, isto não se dá em termos práticos, sendo que a doutrina, de forma majoritária,
reconhece os inconvenientes desta escolha. Para Gary Born, “It bears emphasis that the choice of a foreign
procedural law is extremely unusual (and often ill-advised), as well as subject to doubts as to its validity”.
BORN, Gary. International Commercial Arbitration, p. 1723. Em todo caso, o mesmo autor observa que
não ocorre a substituição integral da lei processual da sede, mas da atuação conjunta e complementar desta
lei e da lei escolhida pelas partes. Ob. Cit., p. 1313-1314.
28

arbitrais serão nacionais para certas ordens jurídicas, e estrangeiras para outras. Não
houvesse essa inerente distinção, a própria razão da Convenção de Nova Iorque seria
questionável79.

De toda forma, o objetivo indireto de uma proposição de ampla autonomia


da ordem jurídica arbitral parece residir na tentativa de evitar que peculiaridades locais
do país da sede da arbitragem sejam um empecilho ao adequado desenvolvimento do
processo arbitral. Mas, como o próprio Gaillard reconhece, esse objetivo pode ser
alcançado mediante a escolha de sistemas jurídicos que, a partir de suas leis nacionais,
outorguem às partes ampla liberdade para regular o procedimento arbitral, característica
que pauta não apenas a Lei Modelo da UNCITRAL e todos os países que a adotaram
como parâmetro legislativo80, mas muitas outras leis nacionais81.

O que se objetiva, assim, é a adoção de um parâmetro legislativo (nacional


ou autônomo) que permita às partes e, subsidiariamente, aos árbitros, estabelecer os
parâmetros do procedimento arbitral. Como observa Gabriella Kaufmann-Kohler, se as
partes podem escolher a sede da arbitragem, como um conceito jurídico,
independentemente da realização de atos do procedimento naquele local, e se essa lei
assegura a liberdade às partes quanto à regulação do procedimento arbitral, isso é
suficiente para permitir que a arbitragem se desenvolva harmoniosamente82.

O parâmetro mínimo que se estabelece em arbitragens internacionais é o


da convivência entre dois princípios fundamentais: a autonomia das partes e o devido
processo legal (ou procedural fairness). Ainda Gabrielle Kaufmann-Kohler adverte, com
razão, que nem sempre é simples definir o exato conteúdo destes dois princípios, mas que
os árbitros encontram limites nos poderes de regular o procedimento tanto nas regras

79
GAILLARD, Emmanuel. Teoria Jurídica da arbitragem internacional, p. 32.
80
Na América do Sul, por exemplo. A Lei Modelo foi adotada por Argentina, Chile, Paraguai, Peru e
Venezuela.
81
Como a Inglaterra (Arbitration Act 1996), França (Code de procédure, artt. 1442-1527) e Itália (Codice
di procedura civil, artt. 806-840).
82
KAUFMANN-KOHLER, Identifying and Applying the Law Governing the Arbitration Procedure - the
role of the Law of the Place of Arbitration”, p. 336: “Se é aceito que a sede (jurídica) pode ser uma ficção,
assim, a questão da deslocalização torna-se sem objeto, porque deslocalização é, de fato, atingida, ainda
que indiretamente. Um dos maiores propósitos da deslocalização foi, como discutido em outra
oportunidade, o de eliminar os efeitos não desejados das peculiaridades da lei do local onde a arbitragem
ocorre. Por meio da escolha de uma sede da arbitragem fictícia em um local pró-arbitragem, esse objetivo
é completamente atingido”. Citado e traduzido em GAILLARD, Emmanuel. Teoria Jurídica da arbitragem
internacional, p. 89.
29

estabelecidas pelas partes, como nas regras da lei aplicável83. Há leis nacionais mais ou
menos detalhistas acerca dos aspectos do procedimento, e que adotam parâmetros
peculiares, sem que se possa entender que o mero fato de haver peculiaridades afasta tais
países de um padrão internacional ou retira tais países do universo de sedes possíveis84.

Em todos esses cenários, mesmo nas mais independentes concepções,


persiste a questão. Se as partes não exercitam integralmente a liberdade que as leis
nacionais e os tratados internacionais lhes conferem, se os árbitros igualmente não
regulam previamente algum aspecto do processo ou do procedimento arbitral e, nesse
cenário de omissão, surge controvérsia sobre a regra a ser aplicada, de qual critério ou
parâmetro devem os árbitros se valer para fixar a regra no caso concreto?

Veja-se, uma vez mais, a posição de Gabrielle Kaufmann-Kohler, que


entende que os árbitros se vinculam inclusive às disposições legais não mandatórias ou
suplementares do país da sede da arbitragem (seja ela a Lei Modelo, seja lei própria).
Como critério interpretativo, serão essas as normas que complementarão a regulação
derivada da autonomia da vontade das partes85. Também para Hedfern e Hunter, “once a
place of arbitration has been chosen, it brings with it its own law. If that law contains
provisions that are mandatory as far as arbitrations are concerned, those provisions must
be obeyed”86.

83
KAUFMANN-KOHLER, Gabrielle. Arbitration procedure: identifying and applying the law governing
the arbitration procedure. Improving the efficiency of arbitration agreements and awards: 40 years of
application of the New York Convention. p. 364.
84
A Inglaterra é um bom exemplo. A Lei de Arbitragem admite tribunais arbitrais com apenas dois árbitros,
o que seria inadmissível na maior parte dos demais países. Seu regime de custas obedece a regra de que
cada parte arca com suas próprias custas, diferente de um certo padrão internacional de “costs follow the
event”, a chamada american rule. Ainda assim, é reconhecidamente um dos centros internacionais mais
importantes.
85
KAUFMANN-KOHLER, Gabrielle: “In the event that the parties have made no use of their freedom, the
arbitrators have broad discretionary powers. Unlike the parties, however, they must apply the nonmandatory
or supplementary rules of the Model Law, which are all meant to implement the overriding due process
principle. Specifically, these supplementary rules require that the arbitrators accept amendments to the
claims or defences unless untimely, that they hold an oral hearing, if one party so requests ( except if the
parties have previously agreed to dispense with a hearing); that they give sufficient notice of any hearing
or meeting for inspection of goods, other property, or documents; that all pleadings, evidence (including
expert reports) and other information supplied by one party to the tribunal or on which the tribunal may
rely in making its decision be communicated to both parties; that a tribunal-appointed expert be made
available for questioning at a hearing and that party expert witnesses may be called on the same occasion,
if a party requests it." Ob. cit., p. 357-358.
86
BLACKABY, Nigel; PARTASIDES, Constatine; REDFERN, Alan and HUNTER, Martin. Redfern and
Hunter on International Arbitration. p. 176.
30

Assim como constatado em relação às arbitragens domésticas, também nas


arbitragens internacionais não antevejo antagonismo entre aqueles que proclamam a
mínima interferência das leis processuais locais sobre o processo arbitral, e a posição
sustentada neste trabalho. O objeto da análise talvez seja diferente. Porque partindo de
uma perspectiva macroscópica, é possível concordar que na arbitragem internacional não
devem ser impostas regras, formas ou padrões específicos de um sistema jurídico, mesmo
que esse sistema seja o do país sede do procedimento arbitral87. Mas conforme se analisa
as questões mais adentro, de forma microscópica, é também possível concluir, sem
desdizer a conclusão anterior, que haverá um núcleo mínimo que deve observar a lei
processual do local da sede, seja ela a lex arbitri propriamente dita, seja alguma norma
processual do mesmo sistema jurídico, cujas disposições complementem o núcleo
fundamental das disposições processuais que devam ser aplicadas a todo e qualquer
processo sob aquela jurisdição.

O paralelo quase exato que se pode fazer é com o controle da ordem


pública. Na arbitragem internacional, o parâmetro que se adota é muito mais específico.
Examina-se o conjunto de preceitos fundamentais para aquela ordem jurídica, à luz das
suas relações internacionais, sob uma perspectiva verdadeiramente internacional. Não há
espaço para o reconhecimento de violações à ordem pública a partir das lentes das
relações internas, das normas internas. Com a aplicação de normas processuais do país
sede ocorrerá o mesmo.

3. Conclusões parciais: nem o isolamento conceitual, nem a aplicação automática


das regras processuais gerais. Virtus in médium est.

Sobretudo no campo das arbitragens domésticas, parece inegável que o


processo estatal e processo arbitral têm diversas características em comum. São

87
Georgios Petrochilos, além de reiterar que a escolha da sede funciona como escolha do sistema legal
aplicável, o que ocorre sem prejuízo à prática de atos em diferentes locais ou mesmo a prolação da sentença
arbitral, que a função de supervisão das Cortes estatais da sede fica reservada às arbitragens governadas por
aquela lei, conclui que “a escolha da sede não corresponde à escolha de uma lei nacional. Ao escolher a
sede, as partes depositam sua confiança naquele sistema legal para prestar um serviço desinteressado e não
para impor sobre elas concepções legais que sejam próprias daquele sistema jurídico”. PETROCHILOS,
Georgios. Procedural Law in International Arbitration, p. 65.
31

mecanismos concebidos pelo Estado, regulados por normas positivas, por meio dos quais
se exercem poderes, faculdades, direitos e deveres, em relação complexa que é concebida
e estruturada para que, ao final, se produza decisão de mérito, por autoridade imparcial,
e que resolverá a crise jurídica submetida por meio dele. A liberdade pauta o processo
arbitral, sem que se possa prescindir da regulação que lhe impõe as linhas mestras, a
espinha dorsal.

Mas afinal, para além da liberdade das partes e do respeito a um parâmetro


genérico de um devido processo legal, como processo arbitral é regulado? Quais são suas
fontes normativas?

Uma consideração necessária a ser feita nessas páginas iniciais é a de que


a arbitragem, no Brasil, existe, se desenvolve e se organiza por conta e a partir da sua
respectiva lei, de n. 9.307/96. A arbitragem é um método jurisdicional de solução de
conflitos, que produz um título executivo judicial, pelo qual se aplica o direito ao caso
concreto, porque a lei assim determina88. No Brasil, árbitros são investidos de jurisdição
porque a lei assim determina. É evidente que a existência e o modo de ser do processo
arbitral estão muito ligados à autonomia da vontade, mas não é essa autonomia privada
que origina a arbitragem, e sim a lei nacional que permite o exercício dessa autonomia
privada para a eleição da arbitragem para dirimir certos tipos de conflito, com todas as
consequências que daí decorrem89.

Essa não é, igualmente, uma afirmação corrente, porque a doutrina enfatiza


a origem contratual da arbitragem e da jurisdição outorgada aos árbitros, o que é reforçado

88
Como afirma Humberto Theodoro Júnior, a despeito da vontade das partes ser a origem da arbitragem,
seu desenvolvimento e sua eficácia em moldes jurisdicionais depende mais da lei do que das partes.
THEODORO JR., Humberto. Arbitragem e Terceiros - Litisconsórcio fora do pacto arbitral - Outras
intervenções de terceiros. Reflexões sobre Arbitragem in memoriam do Desembargador Cláudio Vianna
de Lima, MARTINS, Pedro A. Batista e GARCEZ, José Maria Rossani (coord)., p. 244. Assim também:
ALVIM, Arruda. Sobre a natureza jurisdicional da arbitragem. Arbitragem: Estudo sobre a Lei 13.129 de
26/05/2015. CAHALI, Francisco José; RODOVALHO, Thiago e FREIRE, Alexandre (org.). São Paulo,
Saraiva, 2016, pp. 133-144, p. 134.
89
Há dois aspectos que podem ser simultaneamente observados. De um lado, como bem aponta Frederico
Straube, não costuma existir em países de índole democrática, qualquer dispositivo de ordem legal ou
mesmo constitucional que impeça o estado de delegar parte da sua autoridade jurisdicional a árbitros e
tribunais arbitrais, para que eles possam exercer função autenticamente jurisdicional, resolver conflitos que
são submetidos a eles por particulares que optaram por esse método. De outro lado, também Straube, com
apoio em Roque Caivano, afirma que se não houvesse lei autorizando arbitragem, mas as partes quisessem
atribuir a um terceiro o julgamento de uma causa, poderiam fazê-lo, mas não teriam qualquer apoio para a
efetivação da arbitragem ou para a execução da decisão, do que resulta a relevância da lei como fonte de
atribuição de jurisdicionalidade à arbitragem. STRAUBE, Frederico José. A vinculação das partes e árbitros
ao regulamento de arbitragem, p. 388.
32

pela previsão legal de que a sentença pode ser anulada caso decida fora dos limites da
convenção de arbitragem. Mas um exemplo permitirá compreender que, na realidade, é a
previsão legal que origina todo este estado de coisas.

Quando uma arbitragem se instaura e a parte requerida se opõe à sua


instauração, alegando falta de jurisdição dos árbitros, esse tema, diante da regra prevista
no artigo 8º. da lei (competência-competência), será primeiramente submetido ao exame
dos próprios árbitros. Uma decorrência legal da convenção de arbitragem, o seu chamado
efeito negativo, é que os órgãos do Poder Judiciário ficam proibidos de examinar a
questão, porque será dos árbitros tal atribuição90. Surgirá para os árbitros a necessidade
de um exame da admissibilidade do processo arbitral, uma questão preliminar, de
natureza processual, que poderá resultar em um juízo de que, de fato, os árbitros não têm
jurisdição para aquela disputa, em relação àquelas partes.

Proferirão sentença de natureza terminativa, extinguindo o processo sem


resolução de mérito91. Diante dessa situação, a pergunta que se coloca é: se as partes não
outorgaram jurisdição aos árbitros, como essa decisão pôde ser proferida? Qual a fonte
da autorização que árbitros têm para proferir sentenças que negam jurisdição arbitral? A
resposta está na própria Lei de Arbitragem. É dela que se extraem tais poderes, como uma
consequência indireta da competência-competência e da autonomia da convenção de
arbitragem. Como observa Rafael Francisco Alves, a Lei de Arbitragem adiciona um
núcleo de jurisdição mesmo sem a existência de consentimento92.

É claro que o consentimento é a base da arbitragem, tanto no que diz


respeito à vinculação à convenção de arbitragem, como à regulação do procedimento.
Mas, como o exemplo acima indica, nem tudo se resume ao consentimento, ou à liberdade
das partes. No processo arbitral incidem normas que completam essa autonomia, que
preenchem os espaços onde a liberdade não pode avançar ou, mesmo podendo,
concretamente não os preenche.

90
GUERRERO, Luis Fernando. Convenção de arbitragem e processo arbitral. São Paulo, Atlas, 2009, p.
123
91
Conforme leciona RICCI, trata-se de hipótese muito delicada, pois caso a decisão esteja errada, viola-se,
na opinião do autor, o direito de ação. RICCI, Edoardo Flavio. Lei Brasileira de Arbitragem: oito anos de
reflexão – questões polêmicas. São Paulo, Revista dos Tribunais, 2004, p. 79.
92
ALVES, Rafael Francisco. Árbitro e Direito: o julgamento do mérito na arbitragem. p. 21
33

E quanto ao processo estatal, a liberdade é menor, mas se faz igualmente


presente. Não obstante a disposição do artigo 200 do CPC seja tradicional em nosso
sistema jurídico, ou seja, que sempre houve espaço para atos de disposição privada no
contexto do processo estatal93, é inequívoco que a introdução dos artigos 190 e 191 ao
CPC/15 trouxe uma outra dimensão a essas noções94. Com esse arcabouço normativo,
institutos processuais vêm sendo revisitados, conceitos teóricos clássicos reformulados
ou adaptados, porque se reconhece que o processo, não obstante sua natureza pública e
as relevantes funções que desempenha, não é do Estado, ou do julgador. O processo é das
partes, que dele podem dispor em larga escala, de forma diretamente proporcional à
disponibilidade do direito material sob disputa.

Portanto, processo estatal e processo arbitral tem tais características em


comum. São mecanismos concebidos pelo Estado, regulados por normas positivas, por
meio dos quais se exercem poderes, faculdades, direitos e deveres, em relação complexa
que é concebida e estruturada para que, ao final, se produza decisão de mérito, por
autoridade imparcial, e que resolverá a crise jurídica submetida por meio dele. A liberdade
pauta o processo arbitral, sem que se possa prescindir da regulação que lhe impõe as
linhas mestras, a espinha dorsal. A liberdade é menor, mas se faz igualmente presente no
processo estatal.

Não se trata de tentar impor ao processo arbitral uma “normatividade


formal (e por vezes formalista) da lei que rege o processo oferecido pelo Estado para a
solução de litígios”95, mas de se reconhecer que o processo arbitral compartilha das

93
MOREIRA. José Carlos Barbosa. Convenções das partes sobre matéria processual. Temas de direito
processual, 3ª série, Saraiva: São Paulo, 1984, p. 89. GRECO, Leonardo. Os atos de disposição processual
– primeiras reflexões. Revista Quaestio Iuris, vol. 04, nº 01, pp.720-726.
94
Segundo Leonardo Greco, a tendência de expansão da autonomia privada no processo judicial se verifica
em diversos ordenamentos, como francês e italiano e brasileiro, “como uma consequência do
desmoronamento da crença na absoluta superioridade cognitiva e moral do Estado e dos seus agentes em
relação aos particulares, do reconhecimento de um dever recíproco de diálogo e cooperação que propicia
uma interação mais leal e fecunda entre os exercentes e os destinatários dos atos estatais, revigorando a
legitimidade daqueles e a confiança destes e da sociedade como um todo nos seus resultados”, GRECO,
Leonardo. A contratualização do processo e os chamados negócios jurídicos processuais. Texto-base da
apresentação sobre “Acordos das partes sobre matéria processual” nas XI Jornadas do Instituto Brasileiro
de Direito Processual. Porto de Galinhas, 2016. p. 2. Disponível em:
https://www.academia.edu/32987262/NEG%C3%93CIOS_JUR%C3%8DDICOS_PROCESSUAIS_6_do
cx . Acesso em 10.06.2022
95
Preocupação manifestada por Carlos Alberto Carmona na apresentação da obra de PARENTE, Eduardo.
Processo arbitral e sistema. São Paulo, Atlas, 2012, p. xiii.
34

mesmas estruturas fundamentais, de inúmeros conceitos lógico-jurídicos e, também, se


vale de conceitos jurídico-positivos, ou seja, de regras positivadas no Código de Processo
Civil, pois sem tais regras, não se consegue responder adequadamente aos problemas do
processo arbitral96. Ou, por outras palavras, não é necessário inventar a roda,
relativamente ao processo arbitral, pois basta o aproveitamento de estruturas já
concebidas, no plano teórico e no plano normativo, para outras modalidades de processo,
que são aplicáveis ao processo arbitral, ainda que com relevantes adaptações97.

A proposta de interpretação da lei de arbitragem que a isola das demais


normas de natureza processual do ordenamento, a par de apenas se justificar sob um
critério puramente literal (sob a consideração de que não existe previsão legal específica
na lei especial), impõe um conjunto de problemas interpretativos, ao invés de contribuir
para solucioná-los. De outro lado, sob uma perspectiva de interpretação teleológica e,
sobretudo, sistemática, o recurso às normas processuais gerais como fonte normativa
subsidiária ajuda a encontrar soluções que o processo arbitral, isoladamente, não é capaz
de proporcionar98.

Não obstante, há autorizadas vozes que procuram estabelecer uma


prudente distância entre o processo arbitral e o estatal, sob considerações de que haveria
um risco de importação de métodos e fórmulas, ou mesmo das formalidades do processo
estatal99. Não chego a considerar que esse temor seja injustificado, mas entendo que ele

96
Fredie Didier adota e explica as noções de conceitos lógico-jurídicos e jurídico-positivos, como uma das
formas de explicar a diferença entre as noções verdadeiramente teóricas, que estão na base da teoria geral
do processo (de toda e qualquer teoria, na verdade) e os conceitos que se corporificam em normas positivas.
Os conceitos jurídicos-positivos são estabelecidos na própria lei, explicam e definem certos institutos à luz
de cada ordenamento. Já os conceitos lógico-jurídicos são de índole principiológica, teórica, construídos
pela Filosofia do Direito com a pretensão de auxiliar a compreensão do fenômeno jurídico onde e quando
ele ocorra. DIDIER JR, Fredie. Sobre a Teoria Geral do Processo. Tese (Livre-docência) USP, 2011. p.
30.
97
PETROCHILOS, Georgios. Procedural Law in International Arbitration, p. 16: “arbitration statutes on
domestic arbitration (often contained in the respective Codes of Civil Procedure) contain rudiments of
regulation, relying for the general principles on the normal rules of judicial procedure. Domestic arbitration
purports to offer a simplified dispute resolution procedure, but there is no need to reinvent the wheel, nor
would one think it appropriate that the arbitration process may deviate from fundamental rules of court
procedure”.
98
José Roberto Castro Neves explica a interpretação pelo critério sistemático como aquela em que se a
harmonia da norma com o restante do ordenamento, “de forma que sua expressão seja coerente com o
sistema jurídico”. CASTRO NEVES, José Roberto. Uma Introdução ao Direito Civil. Rio de Janeiro, GZ,
2018, p. 38.
99
Na mesma apresentação à obra de Eduardo Parente, Carlos Alberto Carmona também pondera que
ninguém precisa isolar a arbitragem, porque não se deve esquecer que arbitragem é processo. “Os princípios
do processo estarão sempre presentes, tanto no processo estatal como no processo arbitral. A ideia do devido
processo legal e as garantias do processo formam a base dos dois sistemas. Mudam os métodos, mudam as
35

precisa ser qualificado, para que se possa saber exatamente o que se teme. Porque a
constatação de que o processo estatal é lento e formal poderia ser explicada pela previsão,
que é restrita ao próprio processo estatal, de um procedimento longamente regulado,
inclusive com muitas etapas recursais. O tema será aprofundado nos capítulos seguintes,
mas parece que toda vez que se expressa esse temor, os autores estão se referindo, na
verdade, ao procedimento do processo estatal, que, sabidamente, não se aplica ao
processo arbitral.

O ponto que permanece sem respostas nestas obras é como explicar a


utilização concreta das estruturas processuais do processo comum, dos seus conceitos
fundamentais, se esses mesmos conceitos e essa mesma estrutura não se limitam a noções
teóricas universais, mas decorrem de escolhas positivas do legislador de cada país. Logo,
se aplicamos ao processo arbitral estruturas e conceitos processuais que são positivados
no Código de Processo Civil, é hora de perder o receio de afirmar que há sim um campo
para sua aplicação subsidiária, e que esse fenômeno não corresponde, nem corresponderá,
a uma processualizacão indevida, ou à incorporação de formalidades do processo estatal
ou das suas idiossincrasias100.

Porque para além da exclusão quase absoluta que a própria Lei de


Arbitragem já cuida de fazer em relação ao procedimento, é de se reconhecer que há
espaços de liberdade para as partes regularem aspectos da relação processual em si,
aprimorando sempre o modelo referencial que, não obstante, ali permanecerá como o que
é, uma referência, como fonte normativa de aplicação subsidiária.

Pela análise feita nos tópicos acima, parece haver campo para ulteriores
investigações acerca da influência que as normas processuais gerais exercem sobre o
processo arbitral, bem como o quanto ele compartilha de estruturas e categorias comuns
às demais modalidades de processo.

Seja qual for o regime legal aplicável ao processo arbitral, tenha ele
natureza internacional ou se situe no âmbito de um único ordenamento jurídico, dúvida

formas, aumenta a flexibilidade, predomina a vontade dos litigantes. Mas os princípios estarão sempre
atuando”. Apresentação da obra Arbitragem e Sistema, de Eduardo Parente, p. xiv.
100
Flavia Mange também manifesta esse temor de processualização da arbitragem. “Conferindo ao tribunal
arbitral o poder subsidiário para estipular o procedimento, ante a omissão das partes em fazê-lo, a Lei de
Arbitragem exclui a aplicação supletiva do Código de Processo Civil (CPC). Evitou-se, portanto, a
processualização da arbitragem”, MANGE, Flavia Foz. Processo Arbitral: aspectos transnacionais, p. 32.
36

não há de que é possível submeter litígios à arbitragem porque leis nacionais e tratados
internacionais (incorporados aos sistemas jurídicos nacionais) assim o permitem, e dentro
dessa permissão, o campo para a atuação da autonomia da vontade é enorme. Partes
podem decidir não apenas se submetem certas relações jurídicas patrimoniais a esse
método, mas definir o seu âmbito, as diversas leis aplicáveis e, no que toca ao
procedimento, podem definir amplamente a sua feição.

Essa liberdade não desnatura o mecanismo, enquanto método jurisdicional


de solução de controvérsias, pelo qual se exercita poder e que se estabelece mediante uma
entidade complexa que é o processo, composto por múltiplas relações entre os seus
sujeitos, pautada pela observância de garantias processuais mínimas, inclusive
constitucionais101, que podem ser resumidas ao respeito ao contraditório, ampla defesa e
devido processo legal, e cujo resultado final será uma decisão vinculante,
preferencialmente que decida o mérito da controvérsia. Todas essas características, como
será aprofundado nos capítulos seguintes, correspondem à natureza processual da
arbitragem, e permitem – ou melhor dizendo impõem – a sua compreensão à luz de uma
estrutura processual fundamental que é compartilhada por todas as modalidades de
processo e, como tal, se vale não apenas de conceitos e parâmetros da Teoria Geral do
Processo (como será visto no capítulo três), como da referências especificamente
aplicáveis aos demais ramos do processo, tendo como origem comum normas processuais
gerais.

101
RICCI, Edoardo. Lei Brasileira de Arbitragem: oito anos de reflexão – questões polêmicas, p. 76-77.
37

CAPÍTULO 2. A INSUFICIÊNCIA DA LEI DE ARBITRAGEM PARA


REGULAR O PROCESSO ARBITRAL.

1. Estrutura fundamental da Lei de Arbitragem; 1.1. Instauração da


arbitragem; 1.2. A indicação dos árbitros; 1.3 O procedimento arbitral;
1.4. Tutelas cautelares e de urgência; 1.5. Sentença arbitral; 1.6.
Homologação de sentenças arbitrais estrangeiras. 2. A ausência de
previsão legal específica na Lei de Arbitragem quanto a aspectos
fundamentais do processo arbitral. 2.1 Demanda; 2.2. Efeitos materiais
e processuais da citação; 2.3. Representação das partes e dos
procuradores; 2.4. Deveres das partes e dos procuradores. 2.5. Valor da
disputa; 2.6. Resposta; 2.7. Revelia; 2.8. Disciplina geral da Prova; 2.9.
Produção antecipada da Prova; 2.10. Meios de Prova; 2.11. Atos
processuais e seu regime de efeitos; 2.12. Poderes dos árbitros; 2.13.
Tutela Provisória; 2.14. Pronunciamentos dos árbitros; 2.15. Coisa
Julgada; 3. Conclusões parciais.

1. Estrutura fundamental da Lei de Arbitragem

O exame do regime jurídico do processo arbitral passa necessariamente pela


explicitação das características centrais do instituto da arbitragem, tal qual regulado no
ordenamento brasileiro. Compreender a sua estrutura, inclusive os elementos regulados
pela legislação específica, revela-se necessário como etapa preliminar da investigação
aqui pretendida acerca do regime jurídico geral do processo arbitral. Afinal, como já
antecipado, prevalece o entendimento de que o processo arbitral é inteiramente regulado
pela própria lei de arbitragem, sendo que as próprias partes e os árbitros constituem a sua
fonte normativa supletiva.

Não se nega à Lei de Arbitragem a qualidade de lei especial, tampouco ao


Código de Processo Civil a qualidade de lei processual geral. Ainda assim, são
minoritárias as vozes que sustentam a aplicação das normas processuais gerais ao regime
38

especial do processo arbitral102 103


. Para compreender essas posições e, eventualmente,
desenvolver contrapontos, deve-se partir da explicação sobre a estrutura legal da
arbitragem tal qual estabelecida pela Lei nº 9.307/1996.

Em relação à sua estrutura, a LArb contém 44 artigos, divididos em sete


capítulos. Nela estão regulados os requisitos para utilização da arbitragem (Capítulo I),
as modalidades de sua contratação (Capítulo II), os requisitos e regime jurídico da atuação
dos árbitros (Capítulo III), determinados aspectos do procedimento arbitral (Capítulos IV,
IV-A e IV-B), os requisitos e a estrutura formal da sentença arbitral (Capítulo V), os
parâmetros para reconhecimento e execução de sentenças arbitrais estrangeiras (Capítulo
VI) e as disposições finais (Capítulo VII), em que indicam-se outras leis que foram
alteradas a partir da entrada em vigor da Lei de Arbitragem.

Trata-se de legislação enxuta, quando se observam outras leis nacionais104. Por


exemplo, a lei de arbitragem inglesa (Arbitration Act 1996) é composta de 110 Seções,
divididas em 4 partes105. Em Portugal, a Lei nº 63/11 também é mais ampla,
contemplando 62 artigos, distribuídos em 12 capítulos e dispondo, por exemplo, sobre
aspectos pormenorizados do procedimento arbitral, intervenção de terceiros e arbitragem
internacional106. Na França, o Código de Processo Civil contém um total de 86 artigos

102
De certa forma, pode-se dizer que os estudiosos de direito processual que se propuseram a examinar o
tema da arbitragem afirmam, sem maiores dificuldades, a aplicação subsidiária do Código de Processo
Civil, enquanto arcabouço normativo das regras processuais gerais, aplicáveis às demais modalidades de
processo. Assim, DINAMARCO, Cândido Rangel, A Arbitragem na Teoria Geral do Processo, p. 15 a 17;
GRECO, Leonardo. Controle Jurisdicional da Arbitragem. Revista Brasileira de Arbitragem. São Paulo,
2018, pp. 7-22, p. 22; THEODORO JR., Humberto. Arbitragem e Terceiros - Litisconsórcio fora do pacto
arbitral - Outras intervenções de terceiros. Reflexões sobre Arbitragem in memoriam do Desembargador
Cláudio Vianna de Lima, p. 248-249; ARMELIN, Donaldo. Notas sobre sentença parcial e arbitragem.
Revista de arbitragem: Doutrinas Essenciais Arbitragem e Mediação. São Paulo, 2014, vol. 3, pp. 699 –
730, p. 699-700.
103
Entre os estudiosos da arbitragem, essa constatação enfrenta maiores resistências, havendo a tendência
de negar tal aplicação. BARROCAS, Manoel. A razão por que não são aplicáveis à arbitragem nem os
princípios nem o regime legal do processo civil. Revista de Arbitragem e Mediação; MANGE, Flavia Foz.
Processo Arbitral: aspectos transnacionais, p. 81, 127; MAGALHÃES, José Carlos. Os deveres do árbitro.
20 anos da Lei de Arbitragem: Homenagem a Petrônio R. Muniz, p. 227-238.
104
Redfern and Hunter, tratando da estrutura das leis de arbitragem, exemplificam com os tópicos que as
lex arbitri normalmente regulam. São vários tópicos, como a definição e forma da convenção de arbitragem,
arbitrabilidade, constituição do tribunal arbitral, poder do Tribunal Arbitral de decidir sobre a própria
jurisdição. Entre os itens, destaco: “freedom to agree upon detailed rules of procedure, interim measures of
protection, statements of claim and defense, hearings, default proceedings, the form and validity of the
arbitration award”, p. 169. A lei brasileira é realmente mais enxuta que essa exemplificação. Se esses itens
existissem, a sua independência funcional em relação às normas processuais gerais seria mais consistente.
105
ARBITRATION Act 1996. 17 de junho de 1996. Disponível em:
https://www.legislation.gov.uk/ukpga/1996/23/contents Acesso em: 13 de junho de 2022
106
LEI n.º 63/2011. 14 de dezembro de 2011. Disponível em: https://dre.pt/dre/detalhe/lei/63-2011-145578.
Acesso em: 13 de junho de 2022.
39

sobre arbitragem, sendo 62 para as arbitragens domésticas e 24 para as internacionais107.


Na Itália, da mesma forma, são 51 artigos do Código de Processo Civil sobre arbitragem,
sendo 49 para as arbitragens domésticas e 2 para as internacionais108.

Em relação ao seu conteúdo, os elementos que me parecem centrais, que definem


o modelo adotado pelo legislador no que diz respeito à arbitragem, são os seguintes: (i)
ampla admissibilidade da arbitragem, contratada entre partes capazes, relativamente a
direitos patrimoniais disponíveis; (ii) ampla liberdade das partes na definição dos
contornos do processo arbitral, inclusive a escolha da lei aplicável tanto à questão de
mérito, quanto ao processo arbitral109; (iii) especial carga de eficácia da convenção de
arbitragem, que por seu aspecto positivo, importa a vinculação das partes à convenção e
a impossibilidade de sua resolução unilateral e, por seu aspecto negativo, a exclusão da
jurisdição estatal para conhecer dessas controvérsias110; (iv) a autonomia da convenção
de arbitragem em relação ao contrato ao qual se refere ou no qual está inserida, do que
resulta que mesmo as alegações de inexistência, nulidade e ineficácia do contrato ou da
convenção de arbitragem devem ser submetidos à cognição dos próprios árbitros,
admitido o controle do juízo estatal a posteriori; (v) aplicação ao processo arbitral da
regra da competência-competência, segundo a qual os árbitros serão sempre competentes
para examinar as alegações da sua própria incompetência, que é mais propriamente
definida como falta de jurisdição; (vi) ampla liberdade das partes para regular aspectos
do procedimento arbitral; (vii) equivalência funcional da sentença arbitral com a sentença
judicial, eis que qualificada como título executivo judicial, a exemplo das sentenças
judiciais de conhecimento, mas com o particular de que as sentenças arbitrais não estão
sujeitas a revisão quanto ao seu mérito ou a homologação judicial; por fim, (viii) a
inexigibilidade de duplo exequatur em relação à sentença arbitral estrangeira, a qual pode
ser submetida diretamente à homologação perante o Superior Tribunal de Justiça.

107
CODE de procédure civile. 13 de janeiro de 2011. Disponível em:
https://www.legifrance.gouv.fr/codes/texte_lc/LEGITEXT000006070716/. Acesso em: 13 de junho de
2022.
108
CODICE di procedura civile 2020. 31 de dezembro de 2019. Disponível em:
https://www.brocardi.it/codice-di-procedura-civile/. Acesso em: 13 de junho de 2022.
109
Com a ressalva de que as arbitragens envolvendo a Administração Pública serão sempre de direito,
vedada a adoção da equidade como critério de julgamento, conforme artigo 2º, § 3º.
110
Além de importar a execução específica da cláusula compromissória vazia, por meio de uma demanda
judicial específica, com procedimento abreviado e cognição sumária, prevista nos artigos 6º e 7º da LArb.
40

Ao longo dos próximos capítulos, diversos aspectos aqui destacados serão objeto
de maior desenvolvimento. Nessa etapa preliminar, parece-me oportuno enfatizar os
aspectos do processo arbitral, tal qual estabelecidos na Lei de Arbitragem, divididos em
subitens que seguem a estrutura proposta na própria Lei. Na sequência, serão abordados
inúmeros aspectos do processo arbitral que não podem ser adequadamente
compreendidos apenas com o recurso à legislação específica.

1.1.Instauração da arbitragem.

A arbitragem tem origem contratual, parte da celebração da convenção de


arbitragem por partes capazes, relativamente a direitos patrimoniais disponíveis. Como é
sabido, essa contratação pode se dar em momento anterior ao próprio litígio, pela
celebração de cláusula compromissória, que eleja a arbitragem para solucionar eventuais
futuros conflitos relativamente àquela relação jurídica. Ou pode ser contratada após o
surgimento do litígio, o que se faz por meio do compromisso arbitral111.

Como são espécies do gênero convenção de arbitragem, com pressupostos e


finalidades distintas, o processo arbitral que decorre de uma ou outra terá elementos
igualmente distintos e, sobretudo, o modo de ser iniciado diferente. Examinando a lei de
arbitragem a partir das disposições sobre a cláusula compromissória, tem-se que, uma vez
celebrada, é do seu conteúdo que se extrai a forma pela qual o litígio pode ser
efetivamente iniciado. Duas possibilidades se apresentam.

Primeiro, caso se trate de arbitragem institucional, dispõe o artigo 5º da Lei de


Arbitragem que a arbitragem será instituída e processada de acordo com as regras do
órgão arbitral ou da entidade especializada que tiver sido eleita pelas partes, sem prejuízo

111
DIDIER JR., Fredie e BOMFIM, Daniela Santos. A sub-rogação prevista no art. 786 do Código Civil e
a convenção de arbitragem celebrada pelo segurado. Revista de Direito Civil Contemporâneo. São Paulo,
Revista dos Tribunais, 2020; RICCI, Edoardo. Lei Brasileira de Arbitragem: oito anos de reflexão –
questões polêmicas; MARTINS, Pedro Batista. Apontamentos sobre a lei de arbitragem. Rio de Janeiro,
Forense, 2008; PITOMBO, Eleonora Coelho. Os efeitos da Convenção de Arbitragem – Adoção do
Princípio Kompetenz-Kompetenz no Brasil. Arbitragem: Estudos em Homenagem ao Prof. Guido
Fernando Silva Soares, in Memoriam. LEMOS, Selma Ferreira; CARMONA, Carlos Alberto e MARTINS,
Pedro Batista. São Paulo, Atlas, 2007, pp. 326-338, pág. 327; CARMONA, Carlos Alberto. Considerações
sobre a Cláusula Compromissória e a Eleição de Foro. Arbitragem: Estudos em Homenagem ao Prof. Guido
Fernando Silva Soares, in Memoriam, pp. 35-46; PINTO, José Emilio Nunes. Contrato de Adesão. Cláusula
Compromissória. Aplicação do Princípio da boa-fé. A convenção arbitral como elemento de equação
econômico-financeira do contrato. Revista de Arbitragem e Mediação. São Paulo, 2006, pp. 234 - 242.
41

de alguma combinação específica que as próprias partes tenham estabelecido nessa


mesma cláusula compromissória. Nas arbitragens institucionais, são os regulamentos das
respectivas instituições que estabelecem como o procedimento é iniciado e a sequência
dos atos que devem ser praticados.

Segundo, caso as partes apenas elejam a arbitragem, sem apontar uma instituição
arbitral cujas regras serão adotadas, estar-se-á diante de arbitragem ad hoc, incomum na
prática arbitral brasileira e, em geral, permeada por dificuldades para a sua efetivação e
desenvolvimento. Nos parágrafos seguintes, aspectos particulares das arbitragens ad hoc
serão destacados nas notas de rodapé, conforme se discorra sobre os aspectos do processo
arbitral. Como a maior parte dos casos corresponde a arbitragens institucionais, será essa
a modalidade analisada com maior aprofundamento.

Como breve ilustração, em geral o procedimento será constituído das seguintes


etapas. A parte requerente apresenta requerimento de instauração da arbitragem perante
o órgão arbitral institucional, obedecendo aos requisitos formais estabelecidos no
regulamento. Importante registrar que a Lei de Arbitragem não define ou estabelece
qualquer parâmetro para o início do processo arbitral, de forma que essa disciplina é
inteiramente regulada pelas instituições arbitrais112. Ato contínuo, a parte requerida é
notificada a se manifestar sobre o pedido de instauração, também nos termos e prazos
definidos no regulamento arbitral. Não há referência à noção legal de citação ou ao
estabelecimento de requisitos formais para a prática do ato de chamamento do requerido
a participar.

As Partes serão então convidadas a efetuar o adiantamento de custas e taxas do


processo arbitral, que em geral são fixadas pela instituição arbitral e publicadas
anteriormente. Tais valores compreendem o montante devido à própria instituição arbitral
e os honorários dos árbitros. Eventualmente, exige-se desde logo verbas adicionais, para
despesas futuras, tudo nos termos do respectivo regulamento113. Também aqui vale

112
Nas arbitragens ad hoc, o procedimento será iniciado nos termos do artigo 6º da Lei, com a notificação
de uma parte à outra, convocando-a para firmar o compromisso arbitral em dia e horário previamente
informados. A recusa da contraparte em instituir voluntariamente a arbitragem ad hoc, por meio da
celebração do compromisso arbitral, ensejará a propositura da ação judicial prevista no artigo 7º da Lei de
Arbitragem, que objetiva justamente a celebração do compromisso arbitral, o qual será imposto por força
de sentença caso a resistência persista.
113
Na arbitragem ad hoc, todo o regulamento do custeio do processo será estabelecido diretamente entre as
partes e os árbitros. E os honorários dos árbitros serão livremente pactuados também diretamente com as
partes.
42

registrar que a Lei de Arbitragem pouco diz a esse respeito, limitando-se a afirmar que os
honorários dos árbitros serão fixados no compromisso arbitral, o qual se constitui título
executivo extrajudicial e que, ausente a fixação dos honorários, o árbitro requererá ao
órgão do Poder Judiciário que seria competente para julgar, originariamente a causa,
que os fixe por sentença (art. 11, §U)114. Dispõe a lei, igualmente de forma genérica, que
os árbitros podem determinar adiantamento de verbas para despesas e diligências que
julgarem necessárias (art. 13 § 7º), sem explicitar a sua natureza ou finalidade. Da Lei de
Arbitragem se extrai, portanto, a noção mais geral de que a arbitragem constitui
modalidade de justiça privada, que os árbitros devem ter sua remuneração fixada e paga
no contexto de cada demanda, mas nenhum critério concreto é fornecido na Lei a esse
respeito.

1.2. A indicação dos árbitros.

Efetuado o pagamento das custas, por uma ou por todas as partes, o ato
procedimental subsequente será o convite às partes para nomearem árbitro(s), nos termos
do respectivo regulamento. A Lei de Arbitragem estabelece alguns poucos parâmetros a
respeito. Árbitros são pessoas físicas, capazes, que tenham a confiança das partes (art.
13)115. Devem ser nomeados em número ímpar, mas a Lei não define o critério dessa
nomeação. Atribui às partes o poder de estabelecer o processo de escolha dos árbitros, ou
adotar as regras de um órgão arbitral institucional ou entidade especializada. Nos órgãos

114
Na Arbitragem ad Hoc, toda a disciplina das custas e despesas do processo, bem como os honorários
dos árbitros, devem ser contemplados no Compromisso Arbitral. Isso inclui valores, momento e forma de
pagamento, consequências do não pagamento, bem como a disciplina a ser adotada na sentença sobre
reembolsos e condenações ao reembolso de honorários advocatícios contratuais e pagamento de honorários
de sucumbência.
115
A lei não diz explicitamente que árbitros são pessoas físicas, mas chega-se a esta conclusão - excluindo
qualquer cogitação de nomeação de pessoas jurídicas - pela previsão de que o árbitro é juiz de fato e de
direito (art. 18). Nesse sentido, Carmona, Carlos Alberto. Arbitragem e Processo, 3a. edição, p. 229 e p.
402. No direito italiano, em comentários ao art. 812 do CPC italiano ("non puè essere arbitro chi è privo,
in tutto o in parte, della capacità legale di agire”), os autores Giovanni Novelli e Stefano Petitti expõem
que no caso de arbitragem ritual (arbitrato rituale) os árbitros devem ser pessoas físicas, sendo nula a
cláusula compromissória que confere funções arbitrais a pessoas jurídicas. Todavia, pessoas jurídicas
poderiam assumir funções de árbitros livres (arbitri liberi), nas chamadas arbitragens impróprias (arbitrato
irrituale), em que os árbitros livres não desempenham função jurisdicional, ao contrário dos árbitros rituais.
NOVELLINI, Giovanni e PETITTI, Stefano. Codici di Procedura Civile – Annotato con la Giurisprudenza.
Milão, Giufrrè Editore, 2016, p. 2399.
43

institucionais, em geral, é previsto que cada parte faça a nomeação de um coárbitro e estes
procedam à nomeação do terceiro profissional, que funcionará como árbitro presidente.

Esta circunstância, muito comum na prática arbitral, não é definida na própria


lei. Ao contrário, o regime previsto pelo legislador chega a ser inusitado, pois prevê que
sendo nomeados vários árbitros, estes, por maioria, elegerão o presidente do tribunal
arbitral. Não havendo consenso, será designado presidente o mais idoso (art. 13, §3º).
Entretanto, não se extrai da Lei de que forma se pode chegar a essa situação, de nomeação
de vários árbitros, sem que suas posições no tribunal arbitral sejam antecipadamente
definidas.

A etapa procedimental de nomeação dos árbitros é o momento em que devem


ser verificadas as suas condições objetivas para atuar como julgadores. E aqui reside, ao
mesmo tempo, um dos pontos nos quais a Lei de Arbitragem faz expressa remissão a
disposições do Código de Processo Civil (como fonte de normas gerais aplicáveis ao
processo arbitral, nesse particular) e que revela não só a natureza jurisdicional da
arbitragem, como que o seu exercício se faz por meio do processo. Dispõe o artigo 14 que
estão impedidos de funcionar como árbitros as pessoas que tenham, com as partes ou
com o litígio que lhes for submetido, algumas das relações que caracterizam os casos de
impedimento ou suspeição de juízes, aplicando-se-lhes, no que couber, os mesmos
deveres e responsabilidades, conforme previsto no Código de Processo Civil.

Os atributos de imparcialidade e independência dos árbitros são aferidos,


segundo o regime da lei de arbitragem, a partir dos mesmos parâmetros aplicáveis aos
juízes togados, no que couber. É certo que o tema da imparcialidade e independência dos
árbitros é riquíssimo, sempre atual e comporta muitas perspectivas. Neste momento e para
os fins aqui pretendidos, importa apenas registrar que a Lei de Arbitragem regula o
conteúdo dos deveres dos árbitros, disciplina o dever de revelação, mas não regulamenta
a forma do seu exercício. Da lei, extrai-se apenas que os árbitros devem revelar, antes da
aceitação da função, qualquer fato que denote dúvida justificada quanto à sua
imparcialidade e independência (art. 14, §1º).

Como o fazem, a LArb não explica. Novamente, será necessário recorrer aos
regulamentos dos órgãos arbitrais, que em geral possuem formulários próprios,
questionários com um conjunto de informações que solicitam aos árbitros. Os árbitros
44

são, em geral, convidados a preencher esses questionários e a firmar termos de


independência e imparcialidade116. Inexistentes objeções das partes, ou julgadas
eventuais impugnações, as instituições arbitrais confirmam a nomeação dos árbitros. Essa
etapa do procedimento, prevista nos regulamentos, supre o requisito legal previsto no
artigo 19 da LArb, pois somente se considera instituída a arbitragem quando todos os
árbitros aceitarem o encargo. Nas arbitragens institucionais, “aceitar o encargo” decorre
da somatória de duas medidas. O árbitro aceita o encargo ao responder ao questionário de
inexistência de conflitos e, se for o caso, satisfazer o dever de revelação a que está
obrigado. A instituição arbitral, após a aceitação da nomeação pelas partes, declara essa
circunstância, configurando assim o requisito legal da instituição do processo arbitral117.

Mas quando se examina a disciplina legal prevista na LARb, não se extraem


essas mesmas conclusões, porque a lei se limita a indicar os requisitos que os árbitros
devem satisfazer, o que inclui o dever de revelar fatos que podem suscitar dúvidas
justificadas sobre sua aptidão para desempenhar a atividade, além de genericamente
contemplar uma “exceção de recusa do árbitro”. Essa noção se obtém a partir do artigo
15 e seu parágrafo único. A parte pode apresentar sua impugnação ao próprio árbitro, e
da utilização da locução “exceção” extrai-se que a matéria depende de provocação da
própria parte, sob pena de preclusão. Novamente, essa construção só é possível se nos
valermos de institutos processuais, cuja previsão ou regulação não se encontra na própria
lei de arbitragem.

1.3. O procedimento arbitral.

Na sequência lógica estabelecida pela LArb acerca do processo arbitral, uma vez
instituída a arbitragem, como resultado do efeito legal da aceitação do encargo pelos
árbitros, o procedimento arbitral perante os árbitros terá efetivamente início. A partir da
reforma da LArb operada em 2015, passou a ser expressamente contemplada na lei a

116
Nas arbitragens ad hoc, em que não existem questionários padronizados, os árbitros deverão prestar
eventuais informações por conta própria. Não há uma forma previamente estabelecida, mas a substância do
dever de prestar informações e declarar a inexistência de conflitos permanece inalterada.
117
Procedimento semelhante deveria ser adotado nas arbitragens ad hoc, mas, novamente, não há
parâmetros indicados na lei. Os questionamentos e questionários aos árbitros devem ser feitos antes da
nomeação propriamente dita. Uma vez realizada a indicação, e aceito o encargo pelo árbitro (ou pelo último
deles, no caso de tribunal trino, a arbitragem será considerada instituída, nos termos do artigo 19 da LArb).
45

possibilidade de as partes e os árbitros firmarem um adendo à convenção de arbitragem,


o qual, em termos práticos, corresponde ao termo de arbitragem, figura consagrada nos
regulamentos das instituições arbitrais.

Não obstante não se tratar de etapa obrigatória, fato é que se trata de prática
bastante difundida, tanto no universo das arbitragens internacionais como das arbitragens
domésticas118. Pelo Termo de Arbitragem, ou Ata de Missão, as Partes e o Tribunal
Arbitral complementam as disposições da convenção de arbitragem essencialmente para
regular diversos aspectos do procedimento arbitral e definir o calendário do
procedimento. Afinal, as convenções de arbitragem costumam ser bastante enxutas,
limitando-se a adotar a arbitragem como método e a eleger a instituição arbitral cujas
regras serão aplicadas. Em muitos casos, tais previsões são complementadas com
informações sobre número de árbitros, local onde se realizarão os atos do procedimento,
idioma. Em ocasiões mais raramente encontradas, podem ser adicionadas outras regras,
como algum método específico para eleição do(a) árbitro(a) presidente, regulação do foro
eleito para medidas de urgência e de apoio ao processo arbitral etc.

Após a celebração do termo de arbitragem, os atos processuais serão praticados


conforme o calendário previamente estabelecido. Essa forma de iniciar o processo arbitral
bem serve para demonstrar como a regulação legal é lacunosa, concebendo um
procedimento muito diferente do típico processo judicial, no qual são minudentemente
reguladas todas as etapas do procedimento, com normas acerca do modo, tempo e forma
dos atos processuais. Em contraposição, na LArb não se encontram normas sobre a forma
de apresentação da demanda, o seu prazo ou o seu conteúdo. Sem prejuízo de
comparações mais precisas com o processo judicial, que serão feitas mais adiante, fato é
que a demanda arbitral é proposta como uma etapa subsequente dos atos do procedimento,
em geral precedida por no mínimo duas manifestações prévias do autor, que são o
requerimento de instauração da arbitragem e o adendo à convenção de arbitragem (termo
de arbitragem). Mas tais manifestações não correspondem à petição inicial, a qual só vem

118
Nas arbitragens internacionais, costuma-se celebrar uma Ata de Missão e, simultaneamente, o Tribunal
Arbitral expede uma primeira decisão com outros aspectos do procedimento. Esta decisão – a Ordem
Processual 01 – é igualmente submetida às partes para revisão e comentários e, uma vez aprovada, é
expedida exclusivamente pelos árbitros. No Brasil, o conteúdo desta Ordem Processual 01 costuma ser
incluído nas disposições do Termo de Arbitragem, resultando em um único documento inicial que regula
em concreto os aspectos do processo e do procedimento arbitral.
46

a ser apresentada, em geral sob a denominação de alegações iniciais, após a constituição


do tribunal arbitral119.

O que ocorre, portanto, é a fragmentação de atos no processo arbitral, que no


processo estatal ocorrem de forma concentrada e em ordem diversa. O autor rompe a
inércia da jurisdição antes de propor a demanda, dirigindo sua manifestação preliminar
ao órgão arbitral institucional, mas antes ainda de serem conhecidas as pessoas que
funcionarão como julgadoras. Em etapa subsequente é que se escolhem os árbitros,
surgindo a partir daí a autoridade jurisdicional efetivamente encarregada de processar e
julgar a causa. E apenas em momento posterior é que a demanda será efetivamente
proposta, mediante a apresentação das alegações iniciais. E neste cenário
procedimentalmente diverso, deve-se registrar, por fim, que a demanda, mesmo
apresentada somente depois, estará em geral adstrita ao resumo das alegações e pedidos
já antecipados pela parte requerente no termo de arbitragem. Isso porque os regulamentos
arbitrais costumam dispor que a estabilização da demanda se dá a partir dos elementos
informados pelas partes até o termo de arbitragem120.

Assim, um processo arbitral típico terá partes antes de ser apresentada a


demanda, julgadores escolhidos pelas partes também antes da apresentação da demanda
e da determinação exata do objeto do processo. Terá uma apresentação preliminar da
causa de pedir e do pedido, com vinculação jurídica suficiente para determinar a
estabilização dessa mesma demanda e, apenas depois de todas essas etapas, ter-se-á
efetivamente a propositura da demanda, com a indicação detalhada dos fundamentos
fáticos e jurídicos pelos quais o autor (ou requerente) formula as suas pretensões em face
do réu (ou requerido).

119
DINAMARCO, Cândido Rangel. A Arbitragem na Teoria Geral do Processo, p. 19. Também, CRUZ
E TUCCI, José Rogério. A linguagem jurídica exige precisão técnica: processo ou procedimento arbitral?
Consultor Jurídico. 15 de janeiro de 2021. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2021-jan-
05/paradoxo-corte-linguagem-juridica-exige-precisao-tecnica Acesso em: 13 de junho de 2022.
120
Nas arbitragens ad hoc, sem semelhantes regras, a definição do momento em que ocorre a estabilização
da demanda competirá às partes ou, em sua omissão, aos árbitros. Nessas situações, com ainda maior razão,
será necessário invocar conceitos processuais gerais, para se admitir que é necessário fixar um momento a
partir do qual as partes não podem alterar a estrutura fundamental da demanda. Se este momento
corresponde ou não ao mesmo momento do procedimento estatal é uma segunda questão a ser enfrentada,
mas que não modifica o fato de que, no processo arbitral ad hoc, é de se admitir a própria ideia da
estabilização da demanda.
47

O procedimento arbitral, tal qual regulado na LArb, não disciplina a forma de


apresentação da demanda. Nem mesmo alude ou se refere à figura da petição inicial, de
alegações iniciais, de contestação, reconvenção, ou qualquer das figuras pelas quais são
conhecidas as manifestações das partes. Como consequência, também não regula prazos
para a prática desses atos.

De outro lado, determina a LArb que a parte que pretender arguir questões
relativas à competência, suspeição ou impedimento do árbitro ou dos árbitros, bem como
nulidade, invalidade ou ineficácia da convenção de arbitragem, deverá fazê-lo na
primeira oportunidade que tiver de se manifestar, após a instituição da arbitragem (art.
20)121. Trata-se de um dos dispositivos mais relevantes, porque dele se pode extrair outros
elementos que permitem a caracterização, em termos sistemáticos, da arbitragem como
processo.

Em primeiro lugar, porque contempla um ônus às partes de suscitar determinadas


questões de natureza processual na primeira oportunidade que tiverem. A lei não expressa
a consequência da omissão das partes, isto é, não é explícita em atribuir a preclusão como
a decorrência direta da não alegação dessas questões. Entretanto, e como será visto, é
amplamente reconhecido que ocorre a preclusão quanto a certas questões que a parte
poderia suscitar, notadamente no que diz respeito a certos motivos ensejadores de
eventual suspeição dos árbitros. Nesse sentido, como já dito, o parágrafo único do artigo
19 qualifica a impugnação ao árbitro como uma exceção processual, o que deve ser
compreendido como o conjunto de matérias que cabe à parte suscitar e que não pode ser
conhecida espontaneamente pelos julgadores. Ainda que para os temas relativos à
existência e validade da convenção de arbitragem se reconheça a ausência de preclusão,

121
Nas palavras de Paula Costa e Silva, “o incumprimento do dever de deduzir as pretensões perante tribunal
arbitral consubstancia impedimento processual insuprível ao conhecimento do mérito pelo tribunal não
arbitral; em termos tecnicamente precisos a violação da convenção de arbitragem assume-se como excepção
dilatória insuprível. No entanto, e para que este incumprimento seja relevante, é necessário que a parte que,
demandada perante tribunal estadual, pretenda litigar perante tribunal arbitral, alegue a violação da
convenção, ou seja, o incumprimento do dever de litigar perante este tipo de arbitral; a violação de
arbitragem constitui excepção dilatória insuprível não susceptível de conhecimento oficioso.” SILVA,
Paula Costa e. Perturbações no cumprimento dos negócios processuais: Convenções de Arbitragem, Pactos
de Jurisdição, Cláusulas Escalonadas e Outras Tantas Novelas Talvez Exemplares, Mas Que Se desejam
de Muito Entretenimento. Salvador, Juspodivm, 2020, p. 102-103.
48

fato é que também essas questões devem ser suscitadas pelas partes, ensejando assim a
possibilidade de seu exame pelos árbitros122.

Outra noção processual muito relevante que se extrai da norma acima citada é a
própria circunstância de que o processo arbitral pode ser concluído com decisão de
natureza processual, terminativa. Ainda que tal afirmação pareça óbvia, parece oportuno
observar que, na Lei de Arbitragem, não existem normas que disciplinem a extinção do
processo com ou sem resolução de mérito, como faz o Código de Processo Civil. Esse
dispositivo, ao cogitar da hipótese de alegação de questões de natureza preliminar, que
dizem respeito à própria admissibilidade da via processual eleita, é o que mais se
aproxima da categoria jurídica dos pressupostos de admissibilidade do julgamento do
mérito, bastante difundida no âmbito do processo estatal123.

Em reforço dessa estruturação, os parágrafos primeiro e segundo do mesmo


artigo 20 versam sobre o “envio das partes ao Poder Judiciário”, em caso de acolhimento
das preliminares, e sobre o regular prosseguimento da arbitragem, em caso da sua
rejeição. Pode-se concluir, portanto, que as noções de extinção do processo arbitral sem
resolução do mérito são extraídas do próprio sistema da lei de arbitragem. Contudo, há
poucas hipóteses contempladas na lei de arbitragem, comparativamente às do processo
estatal e claramente insuficientes para explicar todas as diferentes razões pelas quais o
processo arbitral pode vir a não receber julgamento quanto ao seu mérito. Basta pensar
na hipótese de não pagamento das custas processuais ou dos honorários dos árbitros,

122
Fernando Gajardoni, não obstante identificar preclusão para as alegações das partes, inclui entre as
exceções também as hipóteses de impedimento do árbitro, que podem ser invocadas depois. GAJARDONI,
Fernando da Fonseca. Aspectos fundamentais de processo arbitral e pontos de contato com a jurisdição
estatal. Revista de Processo. Vol. 106. São Paulo, 2002, pp. 189-216, p. 191, nota de rodapé 19.
123
ARMELIN, Donaldo. Notas sobre sentença parcial e arbitragem. Revista de Arbitragem e Mediação, p.
715: “Essa diferenciação resulta da circunstância da arbitragem, tal como sucede com o processo judicial,
apresentar duas áreas normalmente inconfundíveis: (a) aquela da denominada admissibilidade, constituída
pela implementação dos requisitos de formação da arbitragem e de seu regular processamento; e (b) a área
qualificada como o mérito da arbitragem, que está adstrita ao próprio litígio a ser solucionado por meio
dela”.
49

hipótese que não pode ser lida no artigo 20 acima citado, mas que igualmente conduzirá
à extinção do processo sem exame do mérito124 125.

Nessa apresentação panorâmica da estrutura do processo arbitral, a partir das


disposições da LArb, o artigo 21 assume função determinante. É a partir da sua redação
que a doutrina, de forma majoritária, considera que a disciplina processual da arbitragem
deve ser aferida a partir das suas próprias disposições, sem recurso às normas contidas no
Código de Processo Civil. Afinal, diz este artigo que as próprias partes regularão o
procedimento arbitral, podendo fazê-lo diretamente ou por intermédio da indicação de
regulamento de instituição arbitral. Por fim, na omissão das partes, serão os árbitros que
regularão o procedimento arbitral.

As disposições sobre o procedimento arbitral são complementadas com a


previsão de que os árbitros deferirão provas necessárias, aludindo o artigo 22 à tomada
do depoimento das partes, oitiva de testemunhas e realização de perícias e quaisquer
outras que os árbitros reputem adequadas. Os árbitros poderão determinar de ofício a
produção de tais provas. Dessa forma, também em relação às provas a lei de arbitragem
procura equiparar os árbitros aos juízes, assegurando-lhes poderes de ofício,
reconhecendo a amplitude da atividade probatória, a sua atipicidade126. Contudo, quanto
ao mais, há total omissão da lei, como será detalhado no tópico 2.8, abaixo.

124
Donaldo Armelin menciona outras hipóteses: “No capítulo referente à sentença na Lei 9.307/96 não há
referência expressa a um tipo de sentença que ponha fim ao processo sem decidir o mérito do litígio. Mas
induvidosamente existem decisões sobre a admissibilidade da arbitragem que, inexoravelmente produzem
a extinção desta. Assim, v.g., a decisão que inadmite a realização da arbitragem por ausência de
compromisso arbitral ou cláusula compromissória cheia; aquela que não reconhece a presença de um
conflito passível de arbitragem; a que reconhece a competência do Judiciário estatal para a dirimência do
conflito e outras provocam a extinção da arbitragem, deixando intocado o litígio por meio dela veiculado.
São, pois, sentenças diversas daquelas que decidem o mérito correspondente a tal litígio.” ARMELIN,
Donaldo. Notas sobre sentença parcial e arbitragem. Revista de Arbitragem e Mediação, p. 715.
125
Rafael Francisco Alves exemplifica outras hipóteses de sentenças terminativas: quando os árbitros
acolhem alguma preliminar processual, como a ausência de condições da ação ou presença de óbice
processual como a coisa julgada, ou ainda se as partes não recolherem as custas da arbitragem. ALVES,
Rafael Francisco. Sentença Arbitral. Curso de Arbitragem, pp. 255-278, p. 256.
126
SEREC, Fernando Eduardo. Provas na Arbitragem, p. 295. O autor observa que, no tocante às provas, o
modelo brasileiro seguiu o parâmetro da Lei Modelo da Uncitral, que trata a determinação da produção de
provas como parte da prerrogativa do tribunal arbitral de estabelecer regras do procedimento. E que,
diferentemente da lei brasileira, a Lei portuguesa remete expressamente à lei processual, ao determinar que
na arbitragem serão admitidos todos os meios de provas admitidos na lei processual. Ob. cit., p. 296.
50

Por fim, ainda no que diz respeito ao procedimento arbitral, a lei dispõe que os
árbitros devem levar em consideração o comportamento da parte que se recusa a prestar
depoimento pessoal, além de solicitar o auxílio do Poder Judiciário para a condução de
testemunha que desatende a convocação. Deste dispositivo, extrai-se nova reafirmação
da natureza jurisdicional da arbitragem, o que explica a possibilidade de um órgão
jurisdicional solicitar o apoio de outro para a prática de determinados atos. Ao árbitro,
que detém jurisdição, mas falta coerção, é assegurada a prerrogativa de solicitar apoio do
juiz togado, que para aquela disputa específica não detém jurisdição, mas preserva,
enquanto agente estatal, o poder de determinar a condução de testemunhas.

O dispositivo é também relevante, porque, de forma indireta, afirma a


possibilidade de ser sancionado o comportamento da parte que se recusa a colaborar,
negando-se a prestar seu depoimento. A Lei não se vale da mesma terminologia do
processo estatal, não denomina de confissão a consequência que pode ser imposta pelos
árbitros. Em qualquer caso, parece ser inequívoca a aproximação entre as regras do
processo arbitral e do processo estatal, inclusive, porque partem das mesmas premissas
gerais, de que a parte não pode ser obrigada a prestar declarações desfavoráveis a si, mas
que seu comportamento, em qualquer caso, será valorado pelo julgador no momento da
prolação da sentença.

Outro elemento de aproximação entre os tipos de processo se dá pelo § 3º do


artigo 22, segundo o qual a revelia da parte não impedirá que seja proferida a sentença
arbitral. Como será visto no momento oportuno, o legislador adotou terminologia
imprópria, pois não se trata propriamente de revelia. Em qualquer caso, pretendeu, com
razão, adicionar a previsão de que as partes não podem impedir o processamento e
julgamento da causa pelo mero fato de não comparecerem e não participarem do processo
arbitral. Por isso é que a doutrina corretamente observa que o legislador quis se referir,
na verdade, ao fenômeno processual da contumácia, entendida como o abandono da causa
por qualquer das partes127. Lido o dispositivo desse modo, ele se torna mais útil e
coerente, pois o seu objetivo é o de assegurar o desenvolvimento do processo e a prolação
de decisão ao final, independentemente da efetiva participação das partes.

127
ALVES, Rafael Francisco. O Devido Processo Legal na Arbitragem. Arbitragem no Brasil: aspectos
jurídicos relevantes. MACHADO, Rafael Bicca e JOBIM, Eduardo (coord.). São Paulo, Quartier Latin,
2008, pp. 382-416, p. 403. Ressalva, entretanto, que a necessidade de assegurar a igualdade e o contraditório
impõe que, no processo arbitral, a parte contumaz deva ser cientificada de todos os atos do procedimento.
51

De outro lado, é de se questionar se a noção processual da revelia se aplica ao


processo arbitral, entendida essa como a ausência de resposta do réu à pretensão do autor.
No processo estatal, a revelia faz surgir a presunção de veracidade dos fatos alegados pelo
autor, diante do não exercício do ônus de impugnação específica que é imposto ao réu,
por força da defesa. Mas omitindo-se a Lei de Arbitragem sobre esses aspectos, cabe
examinar se existe semelhante ônus no processo arbitral e se a ausência de defesa conduz
ao efeito processual da revelia128.

1.4. Tutelas cautelares e de urgência.

A Lei de Arbitragem disciplina, brevemente, as tutelas cautelares e de urgência.


Em sua redação original, o artigo 21, § 4º dispunha que os árbitros poderiam solicitar
medidas coercitivas ou cautelares, porventura necessárias, ao Poder Judiciário. Havia
certo debate sobre se os árbitros poderiam examinar e deferir as medidas, relegando ao
Poder Judiciário apenas a sua execução, ou se a própria competência para o seu
deferimento era transferida aos juízes estatais. Prevalecia a primeira hipótese,
reconhecendo-se que o modelo do processo arbitral brasileiro conferia ao árbitro poderes
amplos, inclusive para as medidas urgentes e cautelares129.

Em 2015, a reforma da LArb esclareceu esse tema, expressamente dispondo que


é dos árbitros a competência para o exame de pedidos de natureza urgente, antecipados
ou cautelares, admitindo-se que as partes se dirijam ao órgão do Poder Judiciário
enquanto não estiver constituído o Tribunal Arbitral. Ainda, que uma vez estabelecida a
jurisdição dos árbitros, estes deverão reexaminar a medida deferida, seja para mantê-la,
modificá-la ou revogá-la.

128
Guilherme Setoguti adere à posição de que a Lei de Arbitragem se refere, na verdade, ao fenômeno
processual da contumácia, e quanto à revelia propriamente dita, afirma: “Diante da ausência de regra na
Lei de Arbitragem, é recomendável recorrer, com as devidas adaptações, ao que estabelece o CPC a respeito
da revelia e de seus efeitos, não para que se apliquem aquelas regras à arbitragem, mas para que se veja a
ratio por trás delas e construa-se um raciocínio de como a revelia deve ser tratada nesse âmbito”, PEREIRA,
Guilherme Setoguti J. Procedimento I. Curso de Arbitragem, p. 186.
129
Escrevendo antes da Reforma da Lei de Arbitragem, em 2015, Fernando Gajardoni observava que há
basicamente três sistemas a respeito dos poderes dos árbitros para medidas de urgência: aquele no qual o
árbitro não tem poderes para ordenar estas medidas, como na Itália, Áustria e Alemanha; aquele em que
tanto o árbitro como o juiz as podem decretar, cabendo ao juiz executá-las (França, Suíça e Inglaterra) e,
por fim, aquele em que apenas o árbitro o pode fazer, como no Brasil. Aspectos fundamentais de processo
arbitral e pontos de contato com a jurisdição estatal. GAJARDONI, Fernando. Aspectos fundamentais de
processo arbitral e pontos de contato com a jurisdição estatal. Revista de Processo, p. 194.
52

Ocorre, contudo, que da legislação arbitral não se extraem regras ou explicações


sobre os fundamentos para a concessão dessas medidas, tampouco o procedimento a ser
adotado130. A única regra procedimental prevista é a que impõe ao requerente da medida
o ônus de instituir a arbitragem em até trinta dias após a sua concessão, sob pena de
cessação da eficácia da medida cautelar ou de urgência (art. 22-A). Aqui, a influência do
modelo processual estatal é clara, porque nele, já sob as regras do CPC/73, estabeleceu-
se o ônus da parte propor a ação principal em até trinta dias após a concessão de tutela
cautelar ou antecipada. Este modelo se repete no CPC/15, que igualmente contempla esse
prazo, sob pena de perda da eficácia da tutela concedida (art. 309, II)131.

Aplicam-se ao processo arbitral os requisitos quanto à probabilidade do direito


alegado e o perigo de inutilidade do provimento?132 E quanto à irreversibilidade, ela é
considerada um aspecto que impede a concessão de medidas urgentes? Ainda, o fato de a
Lei de Arbitragem se referir a medidas cautelares e de urgência deve ser entendido como
um modelo próprio ou coincidente com o modelo processual geral? A pergunta é
relevante, porque o Código de Processo Civil de 2015 contempla não apenas a tutela de
urgência e a cautelar – sob a denominação de tutela provisória – como contempla a tutela
da evidência, compreendida como a antecipação dos efeitos da tutela sem o requisito da

130
NEVES, Flávia Bittar; LOPES, Christian Sahb Batista. Medidas Cautelares em Arbitragem. 20 anos da
Lei de Arbitragem: Homenagem a Petrônio R. Muniz, pp. 451-472, p. 460.
131
A propósito dessa previsão, Eduardo Talamini é categórico ao afirmar que “é sempre de 30 dias o prazo
para a formulação do requerimento de instauração de arbitragem, para que fique preservada a eficácia da
medida urgente pré-arbitral – seja ela cautelar ou antecipada. Portanto, não se aplica o art. 303, § 1.º, I, do
CPC/2015, que, na hipótese de tutela antecipada antecedente, prevê que o pedido principal deve ser
formulado “em 15 (quinze) dias ou em outro prazo maior que o juiz fixar”). TALAMINI, Eduardo.
Arbitragem e a tutela provisória no Código de Processo Civil de 2015. Revista de Arbitragem e Mediação.
Vol. 46. São Paulo, 2015, p. 287-313, p. 302.
132
José Antonio Fichtner e André Luis Monteiro defendem a aplicação dos mesmos requisitos, os quais
devem ser buscados no processo civil brasileiro diante do silêncio da lei de arbitragem. Ressalvam, porém,
que isso não se dá pela aplicação do Código de Processo Civil, mas porque os requisitos da tutela provisória
integram o direito processual brasileiro. “Coincidentemente esses requisitos estão dispostos no estatuto
processual civil, mas poderiam não estar e ainda assim se aplicariam à arbitragem”, FICHTNER, José
Antonio e MONTEIRO, André Luis. Tutela provisória na arbitragem e Novo Código de Processo Civil:
tutela antecipada e tutela cautelar, tutela de urgência e tutela da evidência, tutela antecedente e tutela
incidental. 20 anos da Lei de Arbitragem: Homenagem a Petrônio R. Muniz, pp. 473-517, p. 483. Da mesma
forma, os autores sustentam que seja aplicável ao processo arbitral a noção de irreversibilidade fática da
medida, não porque esteja presente no CPC, “mas sim porque integra a própria natureza da tutela
provisória”. Ob. cit., p. 488. Em posição que parece mais correta, referindo-se explicitamente aos requisitos
do CPC, ALVES, Rafael Francisco. O Devido Processo Legal na Arbitragem. Arbitragem no Brasil:
aspectos jurídicos relevantes, p. 408.
53

urgência, baseada apenas na alta probabilidade do direito pleiteado. Aplica-se a tutela da


evidência ao processo arbitral? 133

Mesmo quando se consideram regulamentos de instituições arbitrais, não é


comum que haja previsões acerca dos requisitos para o exame e concessão de medidas de
urgência, ou mesmo sobre a distinção entre a natureza cautelar ou antecipada de tais
pedidos. Estas referências, que inexistem na lei de arbitragem, devem observar os
parâmetros fixados pela lei processual geral, ou podem as partes e o tribunal arbitral criar
parâmetros próprios, diante do silêncio da lei?134

1.5. Sentença arbitral.

Sem outras disposições sobre o processo ou o procedimento arbitral, a Lei de


Arbitragem regula a sentença arbitral com um grau de detalhamento maior do que se
observa em relação aos outros elementos do processo e do procedimento. Sem conceituar
ou definir o seu conteúdo, dispõe a lei sobre a possibilidade de sentenças parciais ou
finais, sobre a exigência da forma escrita e da assinatura pelos árbitros (ou pelo
presidente, ao menos), sobre a sua estrutura formal, que repete a estrutura da sentença
judicial, e agrega, como elementos obrigatórios, o local onde é proferida e a data da sua
prolação.

133
Em sentido positivo, FICHTNER, José Antonio e MONTEIRO, André Luis. Tutela provisória na
arbitragem e Novo Código de Processo Civil: tutela antecipada e tutela cautelar, tutela de urgência e tutela
da evidência, tutela antecedente e tutela incidental. 20 anos da Lei de Arbitragem: Homenagem a Petrônio
R. Muniz, p. 511.
134
Em perspectiva que me parece equivocada, porque reconhece a necessidade de utilização das normas
processuais gerais, mas, ao mesmo tempo, nega a aplicação do Código de Processo Civil diante desta
omissão específica, Eduardo Parente afirma que, na falta de disciplina sobre isso na própria lei de
arbitragem, o árbitro pode “buscar inspiração no instituto do processo estatal. Não por usar uma regra, ou
por migrar um conjunto de regras do esquema estatal para o arbitral. Mas sim porque ele utilizará um
instituto do processo estatal como forma de influenciar seu modo de disciplinar o procedimento, de decidir
determinada questão do processo, para cujo mérito só ele tem competência”, PARENTE, Eduardo.
Processo Arbitral e Sistema, p. 180. Se os requisitos constam de regras específicas, normatizadas e inseridas
na lei processual geral, e se a lei especial nada regula a respeito, o caminho interpretativo que me parece
adequado é o de reconhecer que, diante da omissão da lei, das partes e dos árbitros, o parâmetro normativo
a ser observado - sobretudo porque aqui se está a falar de regras processuais, do modo de ser da relação
complexa que se estabelece entre os seus sujeitos - é o da aplicação subsidiária das normas processuais
gerais.
54

A lei traz uma regra sobre a prevalência do voto majoritário ou do voto do


presidente em caso de ausência de acordo majoritário. Quanto aos tipos de julgamento,
dos artigos 20, 26 e 28 infere-se que a Lei de Arbitragem contempla a hipótese de extinção
do processo com ou sem resolução do mérito, e de sentença homologatória de transação
entre as partes. Tais modalidades são igualmente contempladas na lei processual geral, a
qual prevê mais hipóteses concretas, tanto para as sentenças terminativas, como para as
definitivas. Por exemplo, como já aludido, a extinção pelo não pagamento das custas do
processo, ou pelo reconhecimento de preliminares que não estão elencadas no artigo 20
da LArb. A extinção do processo com base nesses outros fundamentos não se encontra,
assim, expressamente prevista na lei especial, exigindo-se, também aqui, o recurso e o
apoio das normas processuais gerais.

Não obstante adote terminologia diversa para explicar fenômenos tipicamente


processuais, fato é que a Lei de Arbitragem, no particular das disposições sobre sentença,
parece repetir os parâmetros da legislação processual geral, indicando a sentença como
ato final do processo arbitral, que marca o término da jurisdição dos árbitros (art. 29).
Mas prevê a possibilidade de sentenças parciais, sem fornecer elementos para que se
compreenda quando uma determinada decisão pode ser considerada uma sentença parcial.

Outro exemplo de aproximação dos dois tipos de processos se dá com a figura


contemplada no artigo 30 da LArb, que autoriza às partes pedir aos árbitros que corrijam
erros materiais e esclareçam obscuridades, dúvidas, omissões e contradições da sentença
arbitral. Na praxe arbitral, essa figura é denominada pedido de esclarecimentos, mas suas
hipóteses de cabimento não deixam dúvida quanto à equiparação dessa figura aos
embargos de declaração do processo estatal135.

Assim, também no processo arbitral, que é irrecorrível quanto ao mérito e


consiste em instância única para a decisão da causa, admite-se que as partes pleiteiem
perante os próprios prolatores da decisão a sua complementação, seja para sanar
omissões, obscuridades ou contradições, ou para corrigir erros materiais. Terminologia
diferente para explicar fenômenos que são essencialmente os mesmos. E a constatação
definitiva da equiparação das sentenças se dá no artigo 31, que consagra a produção dos

135
BONDIOLI, Luis Guilherme Aidar. Embargos de Declaração e Arbitragem. Revista de Mediação e
Arbitragem. 2012, pp. 181-208; CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e processo, 3ª ed., p. 383.
55

mesmos efeitos pela sentença arbitral, relativamente à sentença proferida pelos órgãos do
Poder Judiciário.

Como antes afirmado, a natureza processual da arbitragem se extrai não apenas


da presença de julgadores estranhos ao litígio e equidistantes em relação às partes, mas
também do objetivo final de obtenção de uma decisão que aplique o direito ao caso
concreto, proferida mediante sentença, à qual se atribuem os mesmos efeitos da sentença
judicial. E porque esta sentença, em particular, não está sujeita à homologação ou revisão
quanto ao mérito, daí resulta que ao ser proferida, ou quando muito após a decisão sobre
os pedidos de esclarecimentos, a sentença arbitral transita imediatamente em julgado,
produzindo efeitos de forma imediata136.

O sistema processual permite a desconstituição de decisões acobertadas pela


coisa julgada, em hipóteses específicas, taxativamente previstas. No processo estatal, é
pela ação rescisória que se desconstituem as sentenças transitadas em julgado, nas
hipóteses contempladas no artigo 966 do CPC. No processo arbitral, o meio para a
desconstituição da sentença é a ação anulatória, prevista nos artigos 32 e 33 da LArb,
cujas hipóteses igualmente taxativas abrangem apenas questões de natureza formal137.

Diferentemente de muitos outros parâmetros processuais, quanto à


desconstituição da sentença arbitral, a lei foi específica e taxativa quanto às hipóteses de
cabimento, bem como em relação ao prazo decadencial para sua propositura. Previu o
procedimento ordinário para essa ação e atribuiu a competência para o seu exame ao juízo
estatal de primeiro grau. Como demanda cuja competência é do Poder Judiciário, ela será
processada segundo as regras do Código de Processo Civil. À Lei de Arbitragem cabe
contemplar a sua existência e as hipóteses de cabimento.

136
BARBOSA MOREIRA, José Carlos, La nuova legge brasiliana sull'arbitrato, Temas de Direito
Processual, Sexta Série, Saraiva, 1997, p. 283: “la scelta terminologica ha inteso certamente mettere in
risalto l'equiparazione tra gli effetti dei due atti, prendendo in considerazione soprattutto l'attribuzione
immediata alla decisione arbitrale di un'efficacia paragonabile a quella della pronuncia del giudice,
indipendentemente dall'omologazione”.
137
Em sentido contrário, com olhar ampliativo aos motivos de anulação de sentença arbitral elencados no
art. 32 da LArb, ver: RICCI, Edoardo. Lei Brasileira de Arbitragem: oito anos de reflexão – questões
polêmicas. São Paulo, Revista dos Tribunais, 2004, p. 39.
56

1.6. Homologação de sentenças arbitrais estrangeiras.

A Lei de Arbitragem regula, em seu capítulo final, o reconhecimento e a


execução de sentenças arbitrais estrangeiras. Ao tempo da sua edição, o Brasil ainda não
havia ratificado a Convenção de Nova Iorque de 1958, razão pela qual o legislador optou
por incorporar ao ordenamento nacional as mesmas regras. Não de forma exata ou em
tradução literal, os artigos 38 e 39 da LArb repetem, em larga medida, as disposições do
artigo V da CNY, o que permitiu, por assim dizer, uma antecipação da vigência da CNY
no ordenamento jurídico brasileiro. Em 2001, pelo Decreto 4.311/2002, o texto da
Convenção veio a ser finalmente ratificado e incorporado ao ordenamento.

A disciplina do reconhecimento e execução de sentenças estrangeiras é, portanto,


regulada pelos dois diplomas legais. Da lei, extrai-se que o critério para a definição da
sentença estrangeira é o local em que a sentença foi proferida. Como sabido, o legislador
brasileiro adotou um sistema monista, que contempla uma única modalidade de processo
arbitral, sem distinguir casos relacionados ao direito brasileiro ou ao comércio
internacional. A distinção feita diz respeito à nacionalidade da sentença. As sentenças
proferidas no território nacional são domésticas, têm seu regime de efeitos regulado nos
artigos 23 e seguintes. As sentenças proferidas fora do território nacional são consideradas
estrangeiras, e a produção dos seus efeitos está sujeita ao mecanismo da homologação de
sentenças estrangeiras, perante o Superior Tribunal de Justiça.

Essa demanda é parcialmente regulada na Lei nº 9.307/96 quando se definem os


motivos que podem ser suscitados pela parte, ou identificados pelo próprio STJ, para
negar a homologação (artigos 38 e 38), além de se impor os requisitos da petição inicial,
tal qual estabelecidos no Código de Processo Civil (art. 37). Mas sendo processada e
julgada no âmbito do Poder Judiciário, as normas que lhe são aplicáveis se encontram no
próprio CPC, no Regulamento Interno do STJ, além das disposições da própria LArb e
da Convenção de Nova Iorque (Decreto 4.311/2002).

À disciplina da Convenção de Nova Iorque, o legislador brasileiro houve por


bem acrescentar a disposição sobre a forma de citação, no processo arbitral que origina a
sentença homologanda, da parte residente no Brasil, para expressamente prevenir
alegações formais de nulidade da arbitragem por falta de citação por carta rogatória. A lei
brasileira considera não ofensiva à ordem pública nacional a efetivação da citação por
57

outros métodos, como definidos na convenção de arbitragem ou pela lei processual onde
se realizou a arbitragem (art. 39, §U)138.

Este tópico inicial, propositadamente panorâmico, tem por objetivo fornecer


uma visão geral da estrutura da Lei de Arbitragem. A medida se mostra necessária para
permitir o confronto à ideia da sua independência e autossuficiência como instrumento
que regula o processo arbitral no sistema brasileiro. Mesmo quando se adicionam as
observações comumente feitas de que à arbitragem são aplicáveis os princípios
processuais e que, na ausência de regras específicas, a fonte subsidiária é o próprio árbitro,
constata-se que há expressivas lacunas, que inúmeros aspectos estruturais do processo
arbitral não são explicados por essas fontes normativas.

No tópico seguinte, serão examinados diversos aspectos que compõem a


estrutura fundamental de um processo e que não são regulamentados de forma satisfatória
na Lei de Arbitragem. Assim, se a Lei de Arbitragem se revela omissa e insuficiente, a
forma de compreensão e efetivação do processo arbitral passa, necessariamente, pelo
recurso a elementos que são externos à lei. O que se objetiva com o presente capítulo é
desmistificar a ideia tão apregoada acerca da sua autossuficiência. Os parâmetros da lei
especial, mesmo complementados pelo recurso aos princípios processuais, ainda assim
geram um resultado que não fornece respostas a muitas situações. Apenas com o recurso
à teoria geral do processo e, em situações específicas, às previsões legais do Código de
Processo Civil, é que se poderá fornecer respostas seguras sobre o modo de ser do
processo arbitral.

138
STJ, Decisão Monocrática, Homologação de Decisão Estrangeira nº 002624, Rel. Min. Mauro Campbell
Marques, j. 05.03.2020. Alegação de nulidade da sentença arbitral estrangeira por não recebimento da
notificação inicial do procedimento arbitral. Notificação enviada para o endereço previsto no contrato. O
ônus de informar a alteração de endereço compete à parte. Não constatada qualquer irregularidade na
notificação inicial. Formalmente verificada. Revelia.
58

2. A ausência de previsão legal específica na Lei de Arbitragem quanto aos aspectos


fundamentais do processo arbitral.

Ainda adotando uma sequência procedimental típica, pela qual se realizam os


atos de um processo jurisdicional, neste tópico o que se pretende é identificar os aspectos
do processo arbitral que não são adequadamente regulados na própria Lei de Arbitragem.
Trata-se de um rol não exaustivo de aspectos relevantes do processo, que só podem ser
compreendidos mediante o recurso a conceitos processuais gerais próprios da sua teoria
geral e mediante a utilização de analogias e de aplicação subsidiária de dispositivos legais
contidos no Código de Processo Civil. São, portanto, exemplos de aspectos do processo
arbitral que contêm alguma regulamentação na legislação própria, mas que não
prescindem da complementação conceitual ou normativa, pois, tal qual regulados, não
possuem operabilidade. Nessa parte da tese, o objetivo é o de demonstrar a insuficiência
da Lei de Arbitragem como norma de regência do processo arbitral. A construção das
soluções processuais, mediante o recurso a elementos que são externos à Lei de
Arbitragem, será objeto do Capítulo 5.

2.1 Demanda.

O primeiro bloco de temas sobre os quais a Lei de Arbitragem é completamente


silente diz respeito à própria demanda. Afora as poucas disposições sobre a instauração
da arbitragem, a notificação ao requerido e o procedimento para indicação de árbitros, a
Lei de Arbitragem não contém outras regras a respeito. É certo que os processos arbitrais
seguem, em essência, a mesma estrutura e os mesmos parâmetros do processo estatal,
mas a investigação que aqui se pretende é a seguinte: essa repetição do padrão processual
se dá porque as partes assim escolhem, ou porque os parâmetros do processo estatal
devem ser seguidos?

Por não regular a apresentação de uma petição inicial ou prescrever a forma de


apresentação da demanda, a Lei de Arbitragem é completamente silente acerca dos
elementos da demanda, da possibilidade ou necessidade de formulação do pedido
segundo a estrutura do processo estatal (causa de pedir + pedido). Também nada diz sobre
59

a tipologia dos pedidos que podem ser formulados, se as hipóteses de cumulação de


pedidos são igualmente aceitas e, em caso positivo, se seguem parâmetros do processo
estatal139.

Em outras palavras, quando se afirma que o processo arbitral não é regido pelo
Código de Processo Civil, e que a liberdade das partes para regular o procedimento
arbitral é o princípio básico do processo arbitral, é possível daí extrair que, mediante
acordo entre as partes, ou por delegação de poderes aos árbitros, poder-se-ia, por exemplo,
haver um processo arbitral sem a identificação, desde logo, do demandante ou do
demandado? Seria possível a apresentação de alegações iniciais que não indicassem de
forma completa os fatos ou os fundamentos jurídicos da demanda? Poderia haver, no
processo arbitral, a formulação de um pedido declaratório, depois alterado para
condenatório? Ou a inclusão de outros requeridos após a nomeação dos árbitros e/ou
apresentação da resposta?

Enfim, seja mediante acordo entre as partes, seja mediante decisão dos árbitros,
há uma estrutura processual mínima que deve ser observada? Ou a omissão da Lei de
Arbitragem a esse respeito significa dizer que não existem tais parâmetros e, portanto,
que todos os exemplos acima poderiam ser concretamente observados no processo
arbitral?

Se se considerar uma arbitragem ad hoc, as lacunas se tornam ainda maiores.


Sendo a arbitragem decorrente de uma convenção de arbitragem, como regra não haverá
a regulação do modo de iniciar o processo arbitral na própria convenção. A LArb
determina que as partes interessadas podem submeter a solução de seus litígios ao juízo
arbitral mediante convenção de arbitragem, assim entendida a cláusula compromissória
e o compromisso arbitral (art. 3º), mas, não havendo acordo prévio sobre a forma de
instituir a arbitragem, a parte interessada manifestará à outra parte sua intenção de dar
início à arbitragem, em comunicação formal na qual convocará a contraparte a em dia,
hora e local certos, firmar o compromisso arbitral (art. 6º).

Não existem outros parâmetros sobre o conteúdo dessa comunicação inicial. É


certo que ela não equivale a uma petição inicial. De outro lado, porque há um convite à

139
ARMELIN, Donaldo. Notas sobre sentença parcial e arbitragem. Revista de Arbitragem e Mediação, p.
16: “embora não regradas pela Lei 9.307/96, as situações de cúmulos objetivos e subjetivos de pretensões
submetidas à arbitragem, não se constituem em figuras infensas ao seu processamento”.
60

contraparte para firmar compromisso arbitral, é razoável supor que o seu conteúdo
mínimo deverá ser a indicação da relação jurídica sobre a qual se convencionou a
arbitragem e a indicação abreviada do próprio conflito. Este é, aliás, o conteúdo exigido
para a demanda judicial a que alude o artigo 7º, §1º da Lei. Admitindo-se que o
demandado concorde com essa reunião, nela serão discutidos os termos do compromisso
arbitral, cujos elementos obrigatórios são previstos no artigo 10. Em essência, é
obrigatório qualificar as partes e os árbitros (ou apontar a entidade que procederá à sua
nomeação), a matéria objeto da arbitragem e o local de proferimento da sentença.

Dessa forma, não obstante a convenção de arbitragem ser um gênero, que


compreende duas hipóteses distintas – a cláusula compromissória e o compromisso
arbitral –, apenas quando há uma cláusula compromissória cheia é que se poderá iniciar
a arbitragem diretamente. Na cláusula vazia, ou bem a contraparte aceita a instauração da
arbitragem, hipótese em que as partes complementarão a convenção, firmando o
compromisso arbitral, ou então há uma negativa da contraparte, impondo-se a propositura
da demanda judicial para compelir a parte renitente a celebrar o compromisso arbitral,
sob pena de seus termos serem impostos por sentença.

A demanda arbitral, propriamente dita, não é contemplada na Lei de Arbitragem,


que apenas regula, parcialmente, as etapas anteriores à sua formulação. Apenas com o
recurso a elementos externos à Lei de Arbitragem é que será possível estabelecer o
conceito, estrutura e efeitos da demanda arbitral.

Como desdobramento desse cenário normativo, tampouco há alguma previsão


sobre a conexão de causas e possibilidade de consolidação de procedimentos arbitrais: o
próprio conceito processual de conexão ou continência pode ser aplicado ao processo
arbitral? E qual o fundamento para a eventual reunião de causas e consolidação de
procedimentos arbitrais?

2.2. Efeitos materiais e processuais da citação.

A Lei de Arbitragem igualmente não disciplina a forma de citação do requerido,


mas apenas se limita a contemplar uma comunicação de uma parte à outra, por via postal
ou outro meio de comunicação, para manifestação da intenção de dar início à arbitragem
61

(art. 6º). Como dito, nas arbitragens institucionais, essa forma é regulada nos respectivos
regulamentos das instituições. Também não se disciplinam os efeitos materiais ou
processuais da citação do requerido, exceto pela previsão da interrupção da prescrição,
que se dá com a instituição da arbitragem, mas retroagindo à data do requerimento de sua
instauração (art. 19, § 2º)140.

Contudo, a existência e a pendência de uma demanda de natureza jurisdicional


têm aptidão para produzir outros efeitos jurídicos, não contemplados na Lei de
Arbitragem. Seria possível, por exemplo, que as partes, no exercício da sua autonomia da
vontade, estabelecessem que a demanda arbitral não interrompe a prescrição, ou que não
torna litigiosa a coisa? Se a lei de arbitragem não afirma que a citação do requerido
constitui o devedor em mora, é razoável considerar que o tribunal arbitral pode adotar
outro marco temporal a partir do qual deverão incidir os juros de mora? Ainda, seria
possível autorizar as partes a se valer de uma segunda demanda, perante outra instituição
arbitral, ou mesmo pela via judicial, para repetir demanda arbitral em curso, afastando a
ideia geral da litispendência?

2.3. Representação das partes e dos procuradores.

Não obstante regular um método de solução de conflitos, a Lei nº 9.307/96 nada


dispõe sobre as partes, exceto para exigir que sejam capazes. Mas nada diz, por exemplo,
quanto à possibilidade de certos sujeitos com personalidade judiciária estatal (como
Condomínios, Massas Falidas e Espólios) atuarem também no processo arbitral, ou os
fundamentos legais para a atribuição de sua personalidade arbitral.

A lei é igualmente silente quanto à qualificação das partes do processo arbitral,


há dúvidas sobre como se dá a sua representação, em especial de cônjuges, da União,
Estados e Municípios. O mesmo se pode dizer quanto ao regime jurídico aplicável à
hipótese de incapacidade superveniente ou morte de alguma das partes (suspensão,
sucessão, habilitação etc).

Por sua vez, a Lei de Arbitragem não exige a representação das partes por
advogados, mas a admite. Em termos práticos, essa é a regra geral, amplamente

140
GRION, Rebato Stephan. Procedimento II. Curso de Arbitragem, pp. 197-217.
62

observada. Pela natureza técnica e em geral complexa das disputas, é extremamente


improvável que alguém não se faça representar por advogados em um processo arbitral.
Quando isso ocorre, quais os parâmetros para a outorga do mandato? É possível cogitar
de uma normativa específica, criada pelos árbitros, em desrespeito às normas processuais
gerais acerca dos poderes gerais para o foro, e dos poderes específicos, que devem ser
expressamente referidos? Qual o fundamento para, em termos práticos, exigirem-se
procurações com poderes específicos para firmar termo de arbitragem se a própria Lei de
Arbitragem nada dispõe a respeito?

2.4. Deveres das partes e dos procuradores.

Em seu artigo 27, a Lei de Arbitragem é expressa ao determinar que a sentença


trate da verba decorrente de litigância de má-fé, “se for o caso”141, do que se depreende
que são aplicáveis ao processo arbitral a tipificação das condutas das partes, tal qual
previstas no Código de Processo Civil142. Por essa previsão específica, é razoavelmente
aceita a ideia de que a litigância de má-fé é outro dos institutos ao qual a lei de arbitragem
faz remissão expressa às normas processuais gerais. Mesmo porque, tratando-se de
normas com natureza sancionatória, a sua tipificação é um requisito para a aplicação da
respectiva sanção.

Mas não existe idêntica previsão no que diz respeito aos deveres gerais das partes
e dos procuradores. Com efeito, a Lei de Arbitragem não regulamenta ou tipifica os

141
A redação completa do texto legal é a seguinte: “Art. 27. A sentença arbitral decidirá sobre a
responsabilidade das partes acerca das custas e despesas com a arbitragem, bem como sobre verba
decorrente de litigância de má-fé, se for o caso, respeitadas as disposições da convenção de arbitragem, se
houver”. A frase final, sobre o respeito às disposições da convenção de arbitragem, se houver, diz respeito
a todas as hipóteses ali tratadas, ou seja, à responsabilidade pelas custas e à litigância de má-fé? Nesta
interpretação, é possível cogitar de uma combinação sobre outras hipóteses que configurem litigância de
má-fé, ou em valores diferentes daqueles previstos na lei processual? Eduardo Parente parece concordar
que sim. Na falta de acordo sobre incidência e parâmetros, os árbitros regularão a questão. “Podem desenhar
a condenação por litigância de má-fé da forma como melhor entenderem”. PARENTE, Eduardo. Processo
Arbitral e Sistema, p. 297. Parece-me que os parâmetros devem ser aqueles fixados na lei, não podendo as
partes ampliar ou reduzir a tipificação dos comportamentos que configuram litigância de má-fé, dada a
natureza sancionatória da norma.
142
Fichtner, Mannheimer e Monteiro observam que a lei de arbitragem se omite quanto à qualificação das
condutas como de má-fé, daí porque podem ser usadas as regras do CPC como parâmetro aos árbitros, “sem
que isso importe em aplicação do estatuto processual civil na arbitragem e, muito menos, violação da lei
processual escolhida pelas partes”. FICHTNER, José Antonio; MANNHEIMER, Sergio Nelson;
MONTEIRO, André Luís. Teoria Geral da Arbitragem, p. 200. No mesmo sentido, propugnando pela
aplicação de pesadas multas para coibir tais práticas no âmbito do processo arbitral, Hermes Marcelo Huck,
As táticas de guerrilha na arbitragem, pp. 311-315, p. 315.
63

deveres das partes e de seus procuradores relativamente ao processo arbitral. Como se


sabe, na legislação processual há diversos deveres tipificados, sobretudo nos artigos 77 e
78. Sem essa remissão, é de se questionar se existem, relativamente ao processo arbitral,
deveres de cooperação, de expor os fatos conforme a verdade, de tratar com urbanidade
as demais partes e advogados, ou os deveres relativos às provas, como os de colaborar
para a descoberta da verdade, de não produzir provas ou praticar atos inúteis ou
desnecessários, ou mesmo algo corriqueiro como o dever de comportar-se
convenientemente em audiência.

Mesmo quando se levam em conta as regras institucionais, tais deveres não são
ordinariamente detalhados pelas instituições arbitrais. São situações que, examinada a
legislação arbitral isoladamente, restariam não reguladas, ou reguladas de forma
insuficiente.

2.5. Valor da disputa.

A Lei de Arbitragem também não exige ou sequer prevê a atribuição de um valor


à causa, os critérios para sua fixação ou as consequências da não indicação desse
parâmetro. Não obstante, tratando-se de método privado de solução de controvérsias, o
valor da disputa é, invariavelmente, utilizado como parâmetro para a fixação dos
honorários dos árbitros e das instituições arbitrais. A lei não fornece qualquer parâmetro
ou critério para essa quantificação.

Trata-se de um tema relevante quando se examina a arbitragem como um


negócio, porque se o valor da disputa é, em muitos casos, referência para a fixação das
taxas cobradas por instituições e árbitros, esses personagens têm interesse em realizar um
controle sobre a adequação do valor do litígio. Mas uma vez mais, pergunta-se, sob qual
parâmetro se pode fixar esse valor? Em demandas condenatórias, é razoável considerar
que o valor pretendido corresponda ao valor do litígio. Mas como aferir um critério
objetivamente válido em demandas declaratórias ou causas de rescisão de contratos?

Outro aspecto relevante diz respeito à atribuição dos ônus da sucumbência das
partes pela sentença arbitral. De forma indireta, esses temas se relacionam, porque não
raro, em situações de acolhimento parcial do pedido, a distribuição da responsabilidade
64

das partes pelos encargos financeiros do processo arbitral será feita considerando os
valores pretendidos, que devem, portanto, estar refletivos no valor da disputa143.
Relativamente aos honorários advocatícios, quando são fixados, é possível adotar os
critérios da norma processual, como o grau de zelo do profissional, lugar da prestação do
serviço e complexidade, na estimação dos valores?144

2.6. Resposta.

Também não se extraem da lei própria quaisquer parâmetros sobre a estrutura a


ser adotada para a resposta do requerido, o seu regime jurídico. No processo arbitral,
vigem as regras de concentração da defesa? Qual o ônus que se impõe ao requerido, no
que diz respeito aos fatos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito do autor? A
proposição de demanda pelo requerido é admitida? Os seus pressupostos são também o
de haver conexão com os fundamentos da causa de pedir da ação principal ou com os da
defesa?

É claro que a aplicação de princípios processuais à arbitragem permite concluir


que existe o direito de apresentar defesa, e talvez até se possa explicar a ideia de pedidos
reconvencionais como desdobramentos dos princípios do contraditório e da eficiência,
mas, ainda assim, seguem sem respostas as dúvidas sobre a extensão do ônus defensivo,
os efeitos da apresentação (ou não) da resposta, os impactos da iniciativa do requerido
sobre o objeto da prova etc.

143
Rafael Francisco Alves explica que a lei não indica critério para o rateio de custas e despesas, sendo que
o critério mais comum de se adotar é que custas e despesas tendem a seguir o resultado do julgamento no
mérito (costs follow the event), ALVES, Rafael Francisco. O Devido Processo Legal na Arbitragem.
Arbitragem no Brasil: aspectos jurídicos relevantes. p. 272.
144
Guilherme Setoguti entende que sim, porque, para a fixação dos honorários advocatícios pelos árbitros,
estes podem perfeitamente se valer da ratio que está à base do art. 85 do CPC. PEREIRA, Guilherme
Setoguti J. Procedimento I. Curso de Arbitragem, p. 174-175.
65

2.7. Revelia.
Se nos tópicos anteriores foram mencionadas situações não reguladas pela Lei
nº 9.307/96, no que diz respeito especificamente à revelia a questão se põe em termos
diferentes, porque ela é referida na lei, porém com sentido diverso do que se atribui a esse
conceito, tanto em termos teóricos, como no plano da legislação processual.

Em termos conceituais, a revelia é conduta que somente pode ser assumida pelo
réu, que consiste na ausência de qualquer das modalidades de resposta. E tem como efeito,
por força do ordenamento positivo, a presunção (relativa) de veracidade dos fatos
alegados pela contraparte, com reflexos na determinação dos pontos e questões que
constituem o objeto do processo e, em geral, com a abreviação do procedimento e a
prolação de decisão de mérito desfavorável ao revel.

Na Lei de Arbitragem, o artigo 22, § 3º, ao prever que a revelia da parte não
impedirá que seja proferida a sentença arbitral, adota uma expressão típica e com
significado técnico, mas atribui-lhe um efeito que não decorre da legislação processual
geral, criando, assim, uma potencial antinomia. O que a Lei de Arbitragem pretendeu
prevenir foi o desenvolvimento do processo arbitral nas hipóteses em que o réu não
comparecer ou deixar de participar do processo. Mas atribuiu a esse fenômeno – que a
doutrina processual qualifica como contumácia – o termo revelia, que assume outro
significado na legislação processual geral145.

Ao afirmar que a revelia não impede a prolação da sentença arbitral, a lei de


arbitragem produz dois efeitos aparentemente antagônicos. De um lado, permite que o
procedimento avance e siga até a prolação da sentença arbitral. De outro, por não prever
a consequência processual típica, é discutível se, no processo arbitral, incidem aqueles
efeitos, se se pode presumir a veracidade de fatos não contestados.

A esse arcabouço, pode-se adicionar a dúvida acerca da existência de um ônus


de impugnação específica quanto às alegações fáticas da contraparte, porque também
quanto a esse aspecto, não há regulação na Lei de Arbitragem. Podem as partes regular
de modo diferente esses aspectos? E na falta de combinação a respeito, pode ser aplicada
a disciplina contida no Código de Processo Civil?

145
MONTORO, Marcos. Flexibilidade do Procedimento Arbitral, p. 164.
66

2.8 Disciplina geral da Prova.

O tema do direito probatório é muito relevante no âmbito do direito processual,


dada a importância que o esclarecimento das questões fáticas assume para o deslinde das
controvérsias. Esta circunstância, comum a quase todas as modalidades de processo, faz
com que a regulação do processo estatal a esse respeito seja bastante extensa. A legislação
processual regula normas gerais, tais como o direito à prova, os poderes instrutórios de
ofício, as regras de distribuição do ônus da prova e sua função, seja como regra de
instrução, seja de julgamento. Dispõe também sobre o papel das presunções, a atipicidade
dos meios de prova, além de contemplar alguns meios de prova típicos.

A regulação da lei de arbitragem contempla, por assim dizer, o direito amplo à


produção probatória, que pode ser extraído da noção mais geral de igualdade das partes,
combinada com a previsão acerca do poder dos árbitros de determinar as provas que julgar
necessárias, inclusive de ofício (art. 22). Mas não existe qualquer regramento acerca de
aspectos fundamentais do direito probatório, tais como a definição de a quem compete o
ônus de provar os fatos, ou quais os critérios para se proceder à valoração das provas.

Da mesma forma, a determinação da pertinência das provas, examinadas à luz


do objeto do processo e dos fatos admitidos ou contestados não encontra qualquer
regulamentação na lei de arbitragem. O mesmo se pode dizer para a adoção, no processo
arbitral, de noções relevantes como a das presunções, indícios e das regras de experiência.
Sem previsão alguma sobre ônus da prova, como considerar que ao processo arbitral se
aplique essa técnica, seja como regra de instrução, seja como regra de julgamento?

Todos esses elementos, aplicados diuturnamente aos processos arbitrais, não se


extraem da lei de arbitragem e não podem ser corretamente compreendidos sem o recurso
aos parâmetros que se extraem de noções teóricas próprias da Teoria Geral do Processo e
que, em muitos casos, são complementados ou materializados por disposições legais
específicas contidas na lei processual geral. 146

146
Fernando Serec considera que também são plenamente utilizáveis na arbitragem as presunções e a
desnecessidade de prova, mencionadas no artigo 374 do CPC. Da mesma forma, os fatos notórios, os que
são afirmados por uma parte e confessados pela outra ou admitidos no curso do processo são todos conceitos
aplicáveis ao processo arbitral. SEREC, Fernando Eduardo. Provas na Arbitragem. 20 anos da Lei de
Arbitragem: Homenagem a Petrônio R. Muniz, p. 298.
67

2.9. Produção antecipada da Prova.

Fruto da discussão sobre a aplicação de normas processuais gerais ao processo


arbitral está a cogitação de utilização da produção autônoma da prova por meio de
processo arbitral. Com efeito, o CPC/15, em seus artigos 381 a 383, passou a contemplar
hipóteses de produção antecipada de prova sem natureza cautelar, não atrelados ao risco
de perecimento da prova. Estas novas figuras correspondem a um direito autônomo à
prova, ainda que não atrelados a algum direito litigioso, ou mesmo que não venham a ser
preparatórias de uma demanda futura. Duas cogitações surgem no que diz respeito ao
processo arbitral.

A primeira envolve saber se uma determinada relação jurídica, em relação à qual


se previu uma convenção de arbitragem, pode se valer de hipóteses de cabimento da
produção autônoma da prova, regulada no CPC, para determinar a admissibilidade de tais
medidas via processo arbitral. Em outras palavras, se as hipóteses de produção autônoma,
porque previstas na legislação relativa ao processo estatal, podem ser aplicadas ao
processo arbitral, cuja lei de regência nada diz a respeito.

A segunda, decorrente da primeira, envolve definir se a produção autônoma da


prova, relativamente a uma relação jurídica com previsão de cláusula compromissória,
pode ou não ser veiculada por meio do processo arbitral. Há quem considere que o direito
autônomo à prova, por não consistir verdadeiramente em um conflito, não se encontra
abrangido no conceito de litígio a que alude o artigo 1º da Lei de Arbitragem147. Outros
consideram que a ampliação da noção de conflito, que decorre do reconhecimento deste
direito autônomo à prova, corresponde a uma ressignificação da própria ideia de interesse
de agir, autorizando o manejo de demandas arbitrais para se atingir essa finalidade148. E

147
ZAKIA, José Victor Palazzi. VISCONTI, Gabriel Caetano. Produção antecipada de prova em arbitragem
e jurisdição. Revista de Arbitragem e Mediação. São Paulo, 2018, p. 195-211
148
YARSHELL, Flávio Luiz. Da produção antecipada da prova. Breves Comentários ao Novo Código de
Processo Civil. WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; DIDIER JR., Fredie; TALAMINI, Eduardo e
DANTAS, Bruno (coord.). São Paulo, Revista dos Tribunais, 2016, pp. 1149-1168, p. 1151; TALAMINI,
Eduardo. Produção antecipada de prova no Código de Processo Civil de 2015. São Paulo, Revista de
Processo, 2016, pp. 75-101, p. 81; ROSSONI, Igor Bimkowski, Produção antecipada de prova sem
requisito da urgência e juízo arbitral: breves considerações sobre a competência para a sua produção.
Processo societário III. São Paulo, Quartier Latin, 2018, pp. 307-319, p. 315-316. Concordando com a
autorização de utilização do procedimento arbitral para a produção antecipada de prova, remete-se o leitor
igualmente aos meus comentários ao art. 381, CPC/15 em: Aprigliano, Ricardo de Carvalho. Comentários
ao Código de Processo Civil, vol. VIII, tomo I, artigos 381 a 383, p. 278-279.
68

na medida em que as hipóteses de cabimento dessa demanda são previstas no CPC, este
diploma legal deve ser aplicado como fonte normativa deste processo arbitral específico.

Esse estudo não se debruçará sobre as especificidades deste debate específico,


mas o exemplo da produção autônoma de prova é útil para se compreender que, admitida
a sua utilização como meio de ampliar a produção de provas também nas relações
jurídicas com cláusulas compromissórias, será necessário recorrer a outra fonte normativa
para estruturar o respectivo processo, dada a insuficiência da lei de arbitragem também
neste particular.

2.10. Meios de prova.

Não obstante a referência a depoimentos pessoais, testemunhas e perícias, no


artigo 22 da Lei de Arbitragem, ela não cuida de nenhum outro aspecto de tais meios de
prova. Não há referência a outros meios de prova, mas da locução empregada nesse
dispositivo constata-se, sem dificuldades, que vige uma noção geral de amplitude dos
meios de prova149. Não há qualquer regramento acerca de prova documental ou inspeção,
que são meios de prova típicos da legislação processual geral.

E em relação a todos esses, previstos ou não, não há normas de natureza


procedimental, ou mesmo a regulação de elementos essenciais quanto ao tema. Tomemos
o exemplo do depoimento pessoal. A Lei de Arbitragem o contempla, com uma previsão
específica de que o desatendimento da convocação para prestar depoimento pessoal
autoriza o árbitro a levar em consideração o comportamento da parte faltosa (art. 22, §2º),
sem, contudo, qualificar esse comportamento ou prever a consequência exata para a falta
da parte à audiência. Também não chega a contemplar a pena de confissão. De outro lado,
regula a ausência ao depoimento, mas não o emprego de respostas evasivas, ou a recusa
em prestar certos esclarecimentos de fato. Isso significa que as partes podem regular de
modo diverso essas circunstâncias? Ou se deveria rejeitar a ideia de presunção de
veracidade de fatos alegados, diante da ausência da parte ou mesmo de seu depoimento
evasivo, diante da omissão da lei própria?

149
VERÇOSA, Fabiane. A produção de Provas. Curso de Arbitragem, pp. 219-251, p. 227-228.
69

Ainda, é de se perguntar se, no processo arbitral, o depoimento de uma parte


pode ser requerido por ela própria, ou apenas pela contraparte, se o objetivo desses
depoimentos é o de se obter a confissão, e até mesmo se pode ser aplicada ao processo
arbitral essa sanção processual.

Quanto às testemunhas, não se esclarece quem pode ser testemunha ou qual o


seu regime jurídico, ou se elas devem ou podem ser arroladas com antecedência. Inexiste
também regramento sobre a possibilidade de declarações escritas, se pode ou deve ser
apresentado rol das testemunhas antes da audiência, se as testemunhas devem ser
compromissadas e em que momento, se a contradita pode ser feita, em que momento e
sob quais fundamentos.

Nas arbitragens domésticas brasileiras, a contradita é amplamente aceita e


praticada. Consiste na manifestação de oposição à aceitação de certas testemunhas, sob o
fundamento de sua vinculação com as partes ou o caso e a ausência de distanciamento
necessário para o testemunho. A lei de arbitragem não regula essa figura e, por óbvio, não
disciplina a forma ou o prazo para a manifestação dessa oposição. A sua admissibilidade,
portanto, deve ser extraída do ordenamento jurídico como um todo, e a forma do seu
exercício, se não regulada em cada caso, tende a repetir o modelo do processo estatal, em
que a testemunha é contraditada imediatamente antes de iniciar o seu depoimento (CPC,
art. 457).

Tampouco há elementos sobre as provas periciais. Não há parâmetros sobre a


nomeação de peritos ser feita pelas partes ou pelo tribunal, sobre a permissão ou
obrigatoriedade de assistentes técnicos, sobre prazos ou ordem de produção da prova
técnica, sobre perícias multidisciplinares. Em relação a todos esses temas, a lei se limita
a uma regulação mínima quanto ao procedimento da produção dessas provas e é
igualmente omissa quanto ao seu conteúdo, bem como quanto à extensão do direito de
provar e suas eventuais limitações. Mas, na medida em que a lei de arbitragem assegura
o direito à prova e contempla suas modalidades, é necessário complementar tais
disposições para conferir concretude a tais comandos legais e garantir a sua
compatibilização com princípios processuais superiores, que informam o modo de ser do
processo arbitral.
70

Técnicas processuais como a de exibição de documentos, que não são reguladas


na lei de Arbitragem, podem ser igualmente empregadas? E em caso positivo, a sua
regulação será aquela estabelecida pelas próprias partes ou árbitro, ou serão aplicáveis os
parâmetros da legislação processual geral? Uma vez mais, a pergunta assume relevância,
porque a noção de um isolamento normativo da Lei de Arbitragem pode conduzir à
conclusão de que as partes, no exercício da autonomia da vontade, poderiam restringir a
possibilidade de solicitação de documentos umas das outras, amparadas na ideia de que
nenhum parâmetro processual geral deva ser seguido.

Em termos práticos, nas arbitragens regidas pelo direito brasileiro, todos esses
parâmetros são aplicados. A dinâmica do processo arbitral repete, em larga medida, o
modo de ser do processo estatal150. A questão fundamental segue a mesma. Se isso ocorre
em termos práticos e, ao mesmo tempo, prevalece a noção teórica da não aplicação das
normas processuais gerais ao processo arbitral, qual a explicação para a adoção desses
mesmos parâmetros?

2.11. Atos processuais e seu regime de efeitos.

Da mesma forma, a LArb é praticamente silente acerca da disciplina dos atos


praticados ao longo do procedimento arbitral. Não apenas prevê poucos atos, como não
regula a forma do seu exercício, o seu regime de efeitos, ou os prazos para a sua prática.

As omissões da lei de arbitragem se estendem à prática dos atos processuais, seja


quanto a requisitos de forma e tempo, seja quanto aos seus efeitos. Fenômenos
corriqueiros em qualquer processo, como a desistência, não podem ser compreendidos
apenas com o recurso à legislação específica. Nenhuma previsão sobre os efeitos da
desistência é extraída da lei de arbitragem. Mas soa igualmente óbvio que a parte autora
pode desistir da ação, ou que qualquer das partes podem desistir de alguma testemunha,
ou mesmo de uma parte dos seus pedidos. Ao se considerar natural que o efeito dessa
desistência seja, em certos casos, a produção imediata de efeitos, o que se está a fazer é

150
Tanto que há inclusive resistências à ideia de que a própria parte possa pedir seu depoimento pessoal,
uma vez que ele se destina a obter a confissão, o que, logicamente, exige que o depoimento seja requerido
pela contraparte. Esta noção, que me parece inapropriada e defasada para o processo estatal, com ainda
maior ênfase não tem razão de ser no processo arbitral, que não destoa dos parâmetros gerais do processo
estatal, mas deve se beneficiar do regramento mais lacunoso e flexível.
71

trazer para o processo arbitral o raciocínio típico do processo estatal, no qual esses efeitos
são previstos em lei (art. 200).

A lei de arbitragem igualmente não dispõe sobre situações que poderiam ensejar
a suspensão do processo. Sabido que o processo corresponde a uma relação jurídica, com
diferentes atores, e que fatores supervenientes podem afetar quaisquer deles, impactando
a marcha dos atos do procedimento, é de se admitir que podem ocorrer situações que
justifiquem a suspensão do processo. O exemplo mais nítido será o falecimento de um
dos árbitros. O artigo 16 cuida da hipótese do falecimento de um dos árbitros, mas não
dispõe sobre a suspensão do processo. Outras situações ainda podem ser cogitadas,
notadamente, a suspensão por prejudicialidade do objeto do processo relativamente a uma
outra demanda151.

2.12. Poderes dos árbitros.

Ao se examinar apenas a lei de arbitragem, há poucas disposições sobre a


extensão dos poderes dos árbitros, sobre seus deveres ou responsabilidades. Uma
disposição muito tradicional do direito processual brasileiro, como a de que “o juiz não
se exime de decidir sob a alegação de lacuna ou obscuridade do ordenamento jurídico”
(CPC, art. 140), que é claramente aplicável ao processo arbitral, não possui qualquer
disposição legal na própria lei de arbitragem. É certo que um princípio fundamental do
processo arbitral é a outorga de poderes aos árbitros, para definir todos os aspectos do
procedimento arbitral que não tenham sido definidos pelas próprias partes, mas essa
disposição não chega a esclarecer se tais poderes se exercem a partir de parâmetros
próprios, ou se devem ser adotadas as referências dos poderes dos julgadores, tal como
regulados nas normas processuais gerais152.

151
LUCON, Paulo Henrique dos Santos. Conexão entre demandas. 2ª ed. Brasília, Gazeta Jurídica, 2018,
p. 147-148.
152
Para Fernando Gajardoni, o árbitro pode fixar astreinte quando conceder alguma decisão urgente, assim
como, na sentença, não há óbice a que o árbitro aplique pena por litigância de má-fé, porque isso decorre
da sua função jurisdicional, e ao árbitro, “como juiz de fato e de direito da causa (art. 18 LARB) não se
podem negar os poderes inerentes à atividade jurisdicional, inclusive o de coibir abusos (atos atentatórios
à dignidade do juízo arbitral e abuso do direito de demandar)”, GAJARDONI, Fernando. Aspectos
fundamentais de processo arbitral e pontos de contato com a jurisdição estatal. Revista de Processo, p. 196.
72

Outro aspecto a ser considerado diz respeito aos deveres dos julgadores. Além
de respeitar os princípios processuais indicados no artigo 21, de tentar a conciliação153,
de agir com os predicados da imparcialidade, independência, discrição, competência e
diligência, o que mais pode ser exigido dos árbitros?

Por exemplo, se a lei de arbitragem diz que a sentença não pode decidir fora dos
limites da convenção de arbitragem, seria possível cogitar de uma decisão mais ampla
que o objeto do processo, mas dentro dos limites da convenção de arbitragem? Imagine-
se a hipótese de uma cláusula compromissória abrangente, a partir da qual uma parte
deduza um pedido condenatório. É possível que o árbitro, diante dos poderes de
determinar o procedimento, reconheça a nulidade de cláusulas abusivas, que ele pode vir
a conhecer por estarem dentro dos limites da convenção de arbitragem? Tal hipótese soa
aberrante, quando se considera a regra da correlação, que exige a adstrição da sentença
ao que constitui o objeto do pedido. Mas exceto por uma previsão indireta no artigo 26,
III, da Lei de Arbitragem, essa regra decorre de previsão do Código de Processo Civil
(art. 141). A ampla aceitação dessa noção processual tradicional em nosso ordenamento
corresponde, portanto, à aplicação, ainda que indireta ou “envergonhada”, de disposições
processuais gerais, que são e devem ser igualmente aplicáveis ao processo arbitral154.

2.13. Tutela Provisória.

Como já dito, a lei de arbitragem prevê a possibilidade de formulação de pedidos


de urgência (cautelares ou antecipados), cuja atribuição é dos árbitros, ressalvada a
possibilidade de a parte se dirigir ao Poder Judiciário enquanto não constituído o tribunal
arbitral155. Do ponto de vista processual, tal modalidade de tutela se justifica pela busca

153
Fernando Gajardoni sustenta que esta previsão legal é desnecessária, porque isso decorre dos poderes
deveres do julgador constantes do art. 125 do CPC/73 (que no CPC/2015 corresponde ao artigo 139), dada
a natureza jurisdicional da justiça arbitral. GAJARDONI, Fernando. Aspectos fundamentais de processo
arbitral e pontos de contato com a jurisdição estatal. Revista de Processo.
154
Sobre a demanda no processo arbitral, Eduardo Parente diz que se aplica o princípio da demanda no
processo arbitral, que é processo, exercício de jurisdição com matriz contratual e desempenho estatal de
poder delegado, sendo que aquele princípio integra a gama de macroestruturas e princípios da teoria geral
do processo. PARENTE, Eduardo. Arbitragem e Sistema, p. 170. “Quanto ao conteúdo, o princípio da
demanda no processo arbitral é o mesmo que disciplina o processo estatal”, reforçando que a demanda é o
roteiro que balizará a sentença. Ob. cit., p. 174.
155
A respeito desse tema, Eduardo Talamini destaca que “a existência de convenção arbitral não pode servir
de óbice à intervenção do Judiciário, sempre que arbitragem não estiver disponível ou não for apta a
proporcionar proteção plena e tempestiva. É precisamente o que ocorre quando, a despeito de
convencionada a arbitragem, surge a necessidade de uma tutela urgente antes mesmo de estar instalado o
73

da efetividade da tutela jurisdicional e da duração razoável do processo, valores


constitucionais que se aplicam a todas as modalidades de processo jurisdicional aplicados
no ordenamento brasileiro.

Mas se a lei que regula o processo arbitral não disciplina os requisitos para a sua
concessão, os ônus, deveres e faculdades processuais que decorrem da utilização dessa
técnica, a conclusão óbvia que daí decorre é que esses elementos são complementados,
no processo arbitral, pelas regras do processo estatal, pois este constitui a fonte normativa
que regula a agora denominada tutela provisória. As noções de probabilidade do direito,
risco ou perigo ao resultado útil do processo, irreversibilidade, são comuns ao processo
estatal, de forma que o instituto da tutela provisória só pode ser concebido com o apoio
da legislação processual geral156.

2.14. Pronunciamentos dos árbitros.

A lei de arbitragem regula com razoável detalhamento a sentença arbitral (art.


26) e admite a prolação de sentenças parciais (art. 23, §1º). Mas não conceitua tais
pronunciamentos, não disciplina hipóteses que admitam ou imponham a prolação de
sentenças. Também não regula de forma expressa a distinção entre sentenças terminativas
e definitivas, não obstante essa classificação possa ser extraída da lei, por vias indiretas
(tópico 1.5, acima).

Quanto aos demais provimentos, a lei de arbitragem alude à “decisão” em


diferentes passagens. A maioria delas se refere à própria sentença, nos artigos 24, 26, 29,
30 e 33. No artigo 39, decisão refere-se à sentença arbitral estrangeira. Em duas outras
passagens, a lei cogita de decisões sobre conteúdo interno e intermediário do processo: a
decisão sobre a arguição de suspeição ou impedimento do árbitro (art. 20, §2º) e a decisão
sobre tutela cautelar ou antecipada (art. 22-A, §U). Não há outros tipos, nem são
regulados os elementos ou efeitos destes provimentos do árbitro. É certo, de outro lado,

tribunal arbitral”. TALAMINI, Eduardo. Arbitragem e a tutela provisória no Código de Processo Civil de
2015. Revista de Arbitragem e Mediação, vol. 46/2015, p. 287-313, p. 291.
156
FICHTNER, José Antonio e MONTEIRO, André Luis. Tutela provisória na arbitragem e Novo Código
de Processo Civil: tutela antecipada e tutela cautelar, tutela de urgência e tutela da evidência, tutela
antecedente e tutela incidental, p. 474: é impossível negar que existe uma interação entre o sistema arbitral
e o sistema processual da sede da arbitragem no que diz respeito às medidas de urgência.
74

que em termos práticos os árbitros proferem decisões intermediárias, que podem


igualmente ser classificadas como meros despachos ou como decisões com conteúdo
decisório, que no processo estatal são denominadas decisões interlocutórias157.

A distinção entre os tipos de provimento, no processo estatal, tem uma razão de


ser que não se repete no processo arbitral, ao menos não nos mesmos termos. Qualificar
uma decisão como interlocutória ou não é relevante para aferir a recorribilidade imediata
da decisão e o regime da preclusão dessa mesma decisão, caso não haja recurso imediato
contra ela. No processo arbitral, esse problema não se põe nesses termos. É de se registrar,
porém, que o tema da preclusão se faz presente no processo arbitral, mesmo sem
regulação própria. Pois há situações em que a parte não poderá se insurgir sobre certos
aspectos do processo arbitral se a eles renunciou ou não manifestou objeção a tempo e
modo158. De toda forma, não há recorribilidade imediata de decisões no processo arbitral,
e mesmo ao seu final, a via de impugnação é a ação anulatória, restrita a vícios formais.

Distinguir os provimentos entre ordens processuais (a denominação usualmente


adotada para se referir a decisões interlocutórias, no processo arbitral) ou sentenças
parciais é relevante no processo arbitral, mas essa distinção não pode ser feita a partir das
disposições da lei de arbitragem. Apenas com o auxílio de fontes, conceitos e normas
positivas que lhe são externas é que será possível classificar um provimento de uma outra
forma. Das sentenças parciais cabe ação anulatória, o que revela a utilidade na correta
classificação dos tipos de provimento dos árbitros.

Para essa tarefa, será preciso recorrer aos conceitos lógico-jurídicos do direito
processual, os quais, por sua vez, não são pura e simplesmente universais, mas atrelados
ao modo de ser de cada sistema processual específico. O direito inglês poderá definir um
provimento como sentença, que no direito brasileiro venha a ser compreendido como uma
decisão interlocutória, de forma que, para a correta compreensão desse tema, será

157
Renato Stephan Grion, corretamente, associa as ordens processuais com conteúdo decisório às decisões
interlocutórias; as sem tal conteúdo, aos despachos. Da mesma forma, distingue as sentenças em
terminativas, se não apreciam o mérito, ou definitivas, se o enfrentam GRION, Rebato Stephan.
Procedimento II. Curso de Arbitragem, p. 216. No mesmo sentido, Marcos Montoro. Flexibilidade do
Procedimento Arbitral. p. 113.
158
Dois exemplos rápidos podem ser mencionados. Primeiro, a aceitação de certas circunstâncias reveladas
pelo árbitro, que não poderão ser depois invocadas como causa do seu impedimento ou suspeição. Segundo,
a declaração de que a parte está satisfeita com a condução do processo arbitral, que impedirá que,
posteriormente, sejam feitas alegações de violação ao devido processo legal acerca das etapas sobre as quais
incidiu aquela declaração.
75

inevitável o recurso a esses conceitos, informados à luz do ordenamento jurídico


brasileiro. Uma vez mais, constata-se a insuficiência da lei de arbitragem para regular o
processo arbitral.

2.15. Coisa Julgada.

A despeito de constituir uma noção fundamental para o processo e para a própria


ideia da jurisdição, a coisa julgada é um conceito lógico-jurídico cuja conformação legal
decorre do direito positivo. Não é possível compreender a exata definição da coisa
julgada, seus elementos e abrangência, sem recorrer aos parâmetros legais de determinado
ordenamento. E no direito brasileiro esses parâmetros, que constituem verdadeiras
normas processuais gerais, encontram-se no Código de Processo Civil. A Lei de
Arbitragem nada menciona a esse respeito. Isso pode significar que as partes ou os
árbitros poderiam desprezar a noção legal de coisa julgada e aplicar uma própria,
construída para o caso concreto? Ou que poderiam desprezar a existência de uma decisão
anterior (judicial ou arbitral), protegida pela coisa julgada, sob o argumento de que a
legislação específica nada dispõe a respeito?

3. Conclusões parciais.

As provocações feitas nos tópicos antecedentes tiveram como objetivo testar os


limites da construção teórica que, por assim dizer, isola o processo arbitral e centra a sua
regulação normativa na própria Lei de Arbitragem e na autonomia das partes. Diante de
diploma legal enxuto e lacunoso, quais seriam os parâmetros mínimos do processo
arbitral? Afinal, admitida como verdadeira a afirmação corrente de que o Código de
Processo Civil não se aplica ao processo arbitral, todas essas referências, acima citadas,
deixam de ser aplicáveis, do que decorre, como consequência lógica, que poderia haver
um processo arbitral sem demanda, ou em litispendência, ou ainda não sujeito à
estabilização dos seus elementos. Um processo que, negando a incidência de parâmetros
gerais da lei processual, deveria construir soluções próprias para todos os temas acima
exemplificados159.

159
Solução que não se reconhece nem mesmo sob a perspectiva mais radical de uma ordem jurídica arbitral
autônoma, desatrelada de ordenamentos jurídicos nacionais. Em sua importante obra, Teoria Jurídica da
76

Fato é que o processo arbitral corresponde a uma modalidade de processo,


conclusão que se extrai do exame da estrutura fundamental da Lei de Arbitragem
(conforme tópico 1 deste capítulo). Um processo com diversas especificidades. Assim
como outros tipos de processo, tem como ponto de partida uma legislação específica, na
qual certos aspectos da sua estrutura e funcionamento são regulados, e diversos outros
aspectos não o são.

Quando se estuda a teoria geral do processo, costuma-se apontar os seus


institutos fundamentais. Os professores Cândido Dinamarco, Ada Pelegrini Grinnover e
Antonio Carlos de Araújo Cintra propuseram um modelo que enfatiza a defesa como um
quarto instituto fundamental, ao lado da ação, da jurisdição e do processo160. Outros
autores desenvolvem seus estudos a partir da clássica divisão em jurisdição, ação e
processo161.

A teoria geral do processo corresponde à teoria do direito processual que


congrega os elementos fundamentais de todo e qualquer processo, “reduzidos à sua
máxima generalização útil”. Todo processo possui certas características, é baseado em
certos conceitos, que explicam a sua natureza processual, a sua função e estrutura. Essa
mesma teoria reconhece e trabalha com múltiplas variações e tipologias, porque o
processo tem amplitude suficiente para ser aplicado em diferentes espectros, para cumprir
diferentes funções. Todo esse amplo universo é processo, e o fato de haver relevantes
diferenças entre uns e outros não lhes retira a natureza processual ou essa base comum.

Reconhecem-se as diferenças, as especificidades que caracterizam o processo


arbitral e que devem ser ressaltadas e enaltecidas, porque constituem o modo pelo qual se
oferece uma solução jurisdicional que pretende evitar os males da excessiva

arbitragem internacional, GAILLARD expõe as diferentes representações da arbitragem e sustenta que,


em todas elas, a noção de litispendência se verifica, mesmo que a solução obtida seja diferente. A partir das
ideias de Gaillard, pode-se concluir que o conceito teórico de litispendência, como a repetição de demandas
submetidas a diferentes órgãos jurisdicionais (em um mesmo sistema jurídico ou em vários), pode ser tido
como uma noção geral processual, um conceito jurídico, que é reconhecido seja em processo judicial ou
arbitral, doméstico ou internacional. São, portanto, noções que são aplicáveis ao processo arbitral, ainda
que não tenham previsão em leis de arbitragem. Emmanuel Gaillard. Teoria Jurídica da arbitragem
internacional, p. 78.
160
A clássica obra Teoria Geral do Processo, originalmente editada em 1974, foi objeto de 32 edições,
sendo a última em 2021, já adaptada ao CPC/15. A partir da 33ª edição, a obra passou a ser editada pelos
professores Cândido Rangel Dinamarco, Gustavo Badaró e Bruno Vasconcelos Lopes.
161
ALVIM, Arruda. Manual de Direito Processual Civil, 18ª ed., São Paulo, Thomson Reuters Brasil, 2019.
MARQUES, José Frederico. Instituições de Processual Civil. Vol. 1. 2ª Ed. Rio de Janeiro, Forense, 1962,
p. 28-29.
77

regulamentação. O processo arbitral parte de uma fonte normativa própria e é, mais do


que qualquer outro processo, amplamente baseado na autonomia da vontade das partes162.
Nem por isso deixa de integrar a teoria geral do processo, de forma que seus institutos
são os mesmos, seus conceitos lógico-jurídicos são os mesmos.

É imperioso reconhecer que não pode haver um processo arbitral completo sem
o recurso a noções que são externas à Lei de Arbitragem. Como já afirmado, “se houvesse
a aplicação da Lei de Arbitragem, sem qualquer recurso a noções, conceitos e institutos
que lhes são exteriores, teríamos uma figura sem forma, um processo sem base, um
procedimento sem propósito”163. A questão não é tanto a de se discutir a autonomia do
processo arbitral, ou aceitar que se trata de método com suas peculiaridades, mas a de,
para assegurar essas diferenças, sustentar um isolamento conceitual que, no frigir dos
ovos, retira do processo arbitral a sua operabilidade, por lhe retirar a espinha dorsal, os
conceitos fundamentais nos quais qualquer manifestação de processo deve se basear.

Sem que se reconheça essa base comum, não é possível cogitar de um processo
arbitral operacional, isto é, capaz de se desenvolver e produzir os resultados que dele se
esperam. A Lei de Arbitragem, tomada isoladamente, é incapaz de proporcionar um
processo que atinja suas finalidades. Isso se dá porque o legislador especial cuidou,
naquele diploma, apenas dos aspectos essenciais deste ramo específico do direito
processual. Todos os demais aspectos devem ser extraídos das normas processuais gerais,
que são aplicáveis como fonte subsidiária, a despeito da ausência dessa previsão
específica na Lei de Arbitragem164.

162
KAUFMANN-KOHLER, Gabrielle. Arbitration procedure: identifying and applying the law governing
the arbitration procedure, p. 356: “As an experienced traveller would anticipate, a comparative review of
the contents of recent arbitration legislations and other relevant materials will reveal the existence of two
overriding principles. These principles are, first, the freedom or autonomy which authorizes the parties or
the arbitrators to shape the proceedings as they see fit and, second, the due process limitations set to this
freedom.”
163
APRIGLIANO, Ricardo de Carvalho. YARSHELL, Flávio Luis. Honorários de Sucumbência e
Honorários Contratuais em Arbitragem. Arbitragem e Processo Homenagem ao Prof. Carlos Alberto
Carmona. MACHADO FILHO, José Augusto Bitencourt; QUINTANA, Guilherme Enrique Malosso;
RAMOS, Gustavo Gonzalez; BAQUEDANO, Luis Felipe Ferreira; BIOZA, Daniel Mendes, e
PARIZOTTO, Pedro Teixeira Mendes (coord), São Paulo, Quartier Latin, no prelo.
164
ARMELIN, Donaldo. Notas sobre sentença parcial e arbitragem. Revista de arbitragem: Doutrinas
Essenciais Arbitragem e Mediação, p. 711: “Evidentemente, jurisdição e arbitragem apresentam
peculiaridades próprias e não intercambiáveis, mas, não obstante, permitem, em determinados institutos
comuns, a adoção, sob forma ancilar, dos subsídios do processo civil. É o que se pretende demonstrar no
concernente à denominada sentença parcial arbitral”,
78

PARTE II

CAPÍTULO 3. A ARBITRAGEM NA TEORIA GERAL DO PROCESSO

1. A Teoria Geral do Processo em sua formulação original; 2. Novos


parâmetros da Teoria Geral do Processo; 3. Normas processuais gerais
como fonte subsidiária do processo arbitral no direito brasileiro; 4.
Hipóteses e extensão da aplicação subsidiária do CPC a outros diplomas
processuais e a outras modalidades de processo; 5. A falta de remissão,
na Lei de Arbitragem, ao Código de Processo Civil, não determina a
inaplicabilidade das suas regras ao processo arbitral, em caráter
subsidiário. De novo, a impropriedade técnica do isolamento conceitual
do processo arbitral; 6. Institutos fundamentais da Teoria Geral do
Processo aplicados ao processo arbitral; 6.1. Jurisdição; 6.2. Ação; 6.3.
Defesa; 6.4. Processo; 6.4.1. Distinção entre processo e procedimento;
6.4.2. Aplicações à arbitragem da distinção entre processo e
procedimento.

1. A Teoria Geral do Processo em sua formulação original.

A ideia de uma teoria geral do processo é antiga, remonta ao período de


desenvolvimento do direito processual, enquanto disciplina científica. Sem pretender
realizar um exame histórico do desenvolvimento da ciência processual, vale apenas uma
brevíssima recapitulação, apenas para contextualizar o surgimento e o desenvolvimento
da teoria geral do processo.

É conhecida a sequência histórica que permitiu o surgimento do direito


processual como ramo autônomo do direito. Em meados do século XIX, na Alemanha,
travou-se intenso debate entre dois autores romanistas, Windscheid e Muther, acerca das
características da actio romana, fruto da qual constatou-se que havia uma separação entre
os conceitos de ação e direito165. A ação devia ser compreendida como um direito

165
COSTA, Susana Henriques da. Condições da ação. São Paulo, Quartier Latin, 2005, p. 20.
79

exercitado contra o Estado, diferente do direito à reparação da lesão que o titular exercia
(por meio da ação) contra a parte contrária166.

Anos depois, em 1868, surge a obra de Oskar von Bulow, na qual as bases
cientificas dessa distinção são definitivamente lançadas. A relação processual é
autônoma, possui requisitos e categorias próprias, que devem ser investigadas e
preenchidas independentemente da relação jurídica material que por ela é exercitada. A
partir dessas obras, estabelecem-se as premissas necessárias para compreender o direito
processual como uma disciplina autônoma, a partir da constatação de que se trata de uma
relação jurídica com sujeitos, pressupostos e caraterísticas diferentes da relação de direito
material que, por meio do processo, é submetida a julgamento167. A distinção entre o
direito material e o direito processual se torna mais e mais nítida a partir de então,
ocupando-se os estudiosos do direito processual de estabelecer e enfatizar tais distinções,
dedicando-se, entre meados do século XIX até meados do século XX, à construção teórica
dos institutos jurídicos fundamentais para a disciplina do direito processual168 169.

Nesse contexto histórico, das primeiras décadas após o “nascimento” do direito


processual enquanto disciplina científica própria, surgem as primeiras construções acerca
de uma teoria geral do processo, com o objetivo inicial de estabelecer bases comuns para
o desenvolvimento dos processos civil e penal. Como teoria geral, procurou-se conceber
conceitos teóricos e certos institutos com generalidade suficiente para acomodar as

166
DINAMARCO, Candido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil, vol. I, 8ª. ed., São Paulo,
Malheiros, 2016, p. 388.
167
DINAMARCO, Cândido Rangel, A Instrumentalidade do processo, 14ª. ed, p. 17-21.
168
Outra polêmica travada no início do século passado dizia respeito às características do ordenamento
jurídico e a função desempenhada pelo processo. A corrente dualista do ordenamento jurídico prevaleceu,
posto que mais correta, e compreende o ordenamento como composto por normas de direito material e
processual, que cumprem funções diversas, inconfundíveis. A norma material abstrata é, ordinariamente,
concretizada pelo seu cumprimento espontâneo. Acaso violada ou não satisfeita, é então necessário se valer
de outro mecanismo, posto pelo Estado à disposição dos interessados para obter judicialmente a satisfação
daquele mesmo direito. O principal representante dessa corrente de pensamento, Giuseppe Chiovenda,
sustentava que a ação constitui um direito autônomo, exercitável contra o Estado, a quem se pede que preste
a tutela jurisdicional. Este é um dos fundamentos teóricos centrais da ciência processual e da própria teoria
geral do processo, aceito pela generalidade dos estudiosos a partir de então. ARAUJO CINTRA, Antonio
Carlos. GRINOVER, Ada Pelegrini. DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo, 12ª. Ed.
São Paulo, Malheiros, 1996, p. 39.
169
Para Fredie Didier, a teoria geral do processo “é uma disciplina jurídica dedicada à elaboração, à
organização e à articulação dos conceitos jurídicos fundamentais (conceitos lógico-jurídicos) processuais”,
um excerto, uma teoria parcial em relação à Teoria Geral do Direito, mas ela pode ser compreendida como
uma teoria geral, pois os conceitos lógico-jurídicos que a compõem têm pretensão universal. DIDIER,
Fredie. Sobre a Teoria Geral do Processo. Tese (Livre-docência) USP, 2011, p. 54.
80

inúmeras diferenças entre o processo civil e o processo penal170. A própria ideia de


institutos comuns ao processo civil e penal foi objeto de críticas e de visões que a
negavam, mas no direito brasileiro, sobretudo a partir da inestimável contribuição de
Antonio Carlos de Araujo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco,
a ideia de uma teoria geral do processo recebeu relevante acolhida171.

Como condensação metodológica dos conceitos e institutos processuais, na sua


máxima generalização possível, a teoria geral do processo se ocupa do estudo dos
fenômenos essenciais do processo, que foram organizados pela doutrina em seus quatro
institutos fundamentais: jurisdição, ação, defesa e processo172. É sobre tais pilares
fundamentais que se estruturou a teoria geral do processo, e é quanto a esses institutos
que todos os demais elementos do processo jurisdicional se relacionam, se inserem, se
compreendem.

Assim, por exemplo, os conceitos de competência, decisão, prova, demanda,


admissibilidade, presunção, objeto litigioso, capacidade, cognição, que Fredie Didier
classifica como conceitos lógico-jurídicos processuais, e que compõem a Teoria Geral do
Processo. Esses conceitos servem a todas as espécies de processo, e não apenas ao

170
Em ensaio sobre a evolução da Teoria Geral do Processo, Heitor Sica recapitula os estudos principais
acerca do tema. Na Itália, Francesco Carnelutti inicialmente sustentava a unidade do direito processual,
mas em estudos posteriores, mudou de opinião e passou a negar a possibilidade destas bases comuns ao
processo civil e penal (nas obras Studi di diritto processuale e Lite e funzione processuale). Também Piero
Calamandrei produziu ensaios a respeito. SICA, Heitor Vitor Mendonça. Perspectivas atuais da teoria geral
do processo. Bases científicas para um renovado direito processual. CARNEIRO, Athos Gusmão;
CALMON, Petrônio Filho. (Org.) 2ªed. Salvador, Juspodivm, 2008, p.56. No Brasil, há textos relevantes
de José Frederico Marques, Luis Eulálio Bueno Vidigal, Rogério Lauria Tucci, além da obra seminal de
Ada Pelegrini Grinover, Antonio Carlos de Araújo Cintra e Cândido Rangel Dinamarco.
171
Afirmam os Autores que o direito processual é uno, porque é expressão do poder estatal igualmente uno,
que se exerce mediante a jurisdição. Mesmo a divisão entre civil e penal “corresponde apenas a exigências
pragmáticas relacionadas com o tipo de normas jurídico-substanciais a atuar”, sendo os principais conceitos
referentes ao direito processual (jurisdição, ação, defesa, processo, coisa julgada, recurso, preclusão,
competência, contraditório, juiz natural, duplo grau de jurisdição) comuns a esses ramos distintos, o que
autoriza a elaboração e uma teoria geral do processo. CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER,
Ada Pellegrini; DINAMARCO, Candido Rangel. Teoria geral do processo. 12ª. ed., p. 48. No mesmo
sentido, José Frederico Marques defendia o tratamento científico comum a esses ramos do direito, por
considerar a identidade dos processos civil e penal como instrumentos compositivos de litígios e pela
identidade de jurisdição. MARQUES, Frederico José. Instituições de direito processual civil, v. 1, p. 48-
57. Em contraposição a essa ideia, Rogério Lauria Tucci negava a possibilidade de uma teoria geral do
processo. TUCCI, Rogério Lauria. Jurisdição penal. Revista de processo, v.7, n.27, out-dez./1982, p.69-85,
p. 77.
172
Marcelo Barbi Gonçalves observa que a teoria geral do processo se propõe a coletar os elementos da
diversidade representada pelas variadas espécies de processo e reduzi-los à unidade, numa escalada que
principia com a sistematização de determinado ramo do Direito Processual e tende à universalização.
Também para o autor, a unidade de método não implica homogeneidade de soluções. GONÇALVES,
Marcelo Barbi. Teoria Geral da Jurisdição. Salvador, Juspodivm, 2020, p. 336.
81

processo jurisdicional”173. E para os fins que interessam a esse trabalho, é de se


reconhecer que todas essas noções integram a essência do processo arbitral, ainda que em
inúmeros aspectos haja particularidades.

Mas é da compreensão da arbitragem como uma modalidade ou ramo do


processo civil que se permitirá o enfrentamento de inúmeras situações que não são
cobertas pela lei específica ou pelo acordo das partes. Será com o recurso a essas
categorias teóricas, como por exemplo da demanda, da existência de pressupostos de
admissibilidade do processo, da preclusão, do litisconsórcio174, da coisa julgada etc., que
se conseguirá complementar e dar concretude aos parâmetros legais mínimos que a Lei
de Arbitragem estabelece175.

Não apenas pela tentativa de inserção da arbitragem, mas por conta do


continuado desenvolvimento da própria ciência processual, a Teoria Geral do Processo,
como construção teórica que é, segue sendo desenvolvida, segue em evolução176. Para
alguns autores, os desafios iniciais dessa teoria – de permitir a unificação do estudo do
processo civil e penal – foram superados, o que justifica que sua atenção se volte ao
desenvolvimento de novas fronteiras, de novos campos de atuação do direito

173
A partir destes exemplos, Fredie Didier considera que o fenômeno processual constitui um mínimo fático
comum a qualquer espécie de processo, sendo que a teoria geral de processo cuida do gênero. DIDIER,
Fredie. Sobre a Teoria Geral do Processo. Tese (Livre-docência) USP, 2011, p. 68.
174
Em estudo especificamente dedicado ao litisconsórcio fora do pacto arbitral, Humberto Theodoro Júnior
observa que “pouco importa, portanto, seja necessário ou facultativo. Sua formação só será admissível, de
forma cogente, entre os que celebraram a convenção arbitral”, de forma que, se o litisconsorte não aceita
se submeter, o árbitro tem que extinguir o processo e remeter as partes ao juízo estatal. Do ponto de vista
do processo arbitral, Theodoro Júnior observa, com razão, que lhe faltará condição de procedibilidade,
“porquanto ineficaz é o julgamento que, em qualquer processo, seja proferido sem a presença na relação
processual de litisconsorte necessário”. O aspecto interessante do ensaio é que estas categorias processuais,
de pluralidade de partes, de exigências (do direito material) de participação de todos os envolvidos, de
requisitos de procedibilidade do processo arbitral, são todas afirmadas pelo autor como uma circunstância
natural, como inerente ao tema objeto do seu artigo. Humberto Theodoro não discute, porque não é mesmo
o caso de discutir, a aplicação de todos esses conceitos processuais à arbitragem, porque é uma decorrência
óbvia e inerente à sua natureza processual, independentemente de previsões legais específicas.
THEODORO Jr, Humberto. Arbitragem e Terceiros - Litisconsórcio fora do pacto arbitral - Outras
intervenções de terceiros, p. 253.
175
FICHTNER, José Antonio; MANNHEIMER, Sergio Nelson; MONEIRO, André Luis. Teoria Geral da
Arbitragem, p. 62-63, aludem ao aspecto multidisciplinar da arbitragem, informada por princípios de direito
processual civil, internacional privado e direito privado, mas consideram ser adequado enquadrar a
arbitragem no Direito Processual Civil, “pois a disciplina processual é prevalente na arbitragem. Ao fim e
ao cabo, a arbitragem é sempre um método de resolução de conflitos”. E completam que, mesmo
reconhecendo sua autonomia científica, os institutos aplicáveis à arbitragem devem ser entendidos a partir
das noções da Teoria Geral do Processo, do Direito Privado e do Direito Internacional Privado.
176
YARSHELL, Flávio Luiz. O processo como instrumento de solução não adjudicada de conflitos: novas
perspectivas para o direito processual? Estudos em Homenagem a Cândido Rangel Dinamarco, p. 415-425.
YARSHELL, Flávio Luiz. Reafirmação e evolução da teoria geral do processo: projeções no ensino dessa
disciplina no curso de graduação da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, p. 143-149.
82

processual177. Para outros, mesmo esse primeiro desafio permanece atual, em virtude da
própria evolução do direito processual civil e do processual penal178. Em qualquer caso,
tais discussões apenas reafirmam a necessidade e a utilidade da Teoria Geral do Processo.

Ao se examinar as bases originais e tradicionais da teoria geral do processo,


sobretudo em confronto com as suas expansões e novas tendências, observa-se que o seu
foco original – como não poderia deixar de ser – foi na verdade o processo jurisdicional,
daí porque faz sentido se falar em teoria geral do processo jurisdicional. Em certa
medida, a construção original da Teoria Geral do Processo já continha essa delimitação,
o que, paradoxalmente, só se revelou com maior clareza após a expansão dessa mesma
teoria geral (conforme item 2, infra).

Afinal, compreensivelmente, a construção teórica originária da teoria geral do


processo e de seus institutos fundamentais não levou em consideração a existência de um
processo de índole privada, simplesmente porque, à época da formulação das grandes
linhas mestras do direito processual, a arbitragem não era uma realidade, seja no plano
internacional, seja no âmbito dos direitos internos179.

A doutrina do direito processual foi concebida sob a premissa de Estados fortes,


que concentram e monopolizam o exercício da atividade jurisdicional, vedando aos
cidadãos qualquer mecanismo de justiça própria, seja a justiça pelas próprias mãos, seja
a justiça privada, entendida como a solução adjudicada dos conflitos por autoridade não
integrante da estrutura do Estado.

Mas a evolução da própria concepção de Estado, a crescente complexidade das


relações humanas, sociais e comerciais, levaram à constatação de que, do ponto de vista
da resolução dos conflitos, não deve haver um monopólio do Estado e, ao contrário,
compete ao próprio Estado estimular outros métodos. Já há algum tempo, discute-se a
ideia de um sistema multiportas e extrajudicial de solução de conflitos, de incentivo
estatal à solução consensual dos litígios que lhe são submetidos. Tais tendências integram

177
Nesse sentido, Heitor Sica defende que a Teoria Geral do Processo não se esgota na unificação do
processo civil e penal e que ela assume novas dimensões, citando que “há muito tempo os autores não têm
dúvida alguma em incorporar no estudo da teoria geral do processo o processo trabalhista, eleitoral e
militar”, por exemplo. SICA, Heitor. Perspectivas atuais da "teoria geral do processo", p. 67.
178
GONÇALVES, Marcelo Barbi. Teoria Geral da Jurisdição, p. 358.
179
Sobre a evolução histórica da arbitragem, sobretudo a partir da primeira metade do século XX, ver
BONATO, Giovanni. Panorama da Arbitragem na França e na Itália. Perspectiva de Direito Comparado
com o Sistema Brasileiro. Revista Brasileira de Arbitragem. Vol. 43. São Paulo, 2014, pp. 59-92.
83

as ondas renovatórias identificadas no estudo de Mauro Cappelletti e Brian Garth, que


influenciaram o legislador brasileiro em múltiplas frentes, como por exemplo, (i) desde
a criação dos Juizados de Pequenas Causas, depois transformados em Juizados Especiais;
(ii) a concepção de soluções consensuais inclusive no âmbito do direito penal e
sancionatório, (iii) na instituição de uma política pública de solução adequada dos
conflitos, por meio da Resolução 125 do CNJ, editada em 2010. Mais recentemente, pela
edição da Lei de Mediação, em 2015, bem como do novo Código de Processo Civil,
também em 2015.

No âmbito específico da arbitragem, a edição da Lei nº 9.307/1996 é um marco


fundamental, ao qual se adicionou a incorporação da Convenção de Nova Iorque no
ordenamento brasileiro, por meio do Decreto º 4.311/2002 (pouco tempo depois da
declaração incidental da constitucionalidade da arbitragem, pelo Supremo Tribunal
Federal180). Após o seu crescimento e expansão relevantes, em 2015 também a legislação
arbitral foi revisada, incorporando-se lhe as principais construções doutrinárias e
jurisprudenciais consolidadas até então.

Com a afirmação, no plano legislativo, do caráter jurisdicional da arbitragem181,


a doutrina brasileira passou a gradativamente aceitar não apenas essa natureza
jurisdicional, como a própria inserção da arbitragem na teoria geral do processo182. Aliás,
parece mais natural identificar elementos da teoria geral do processo aplicáveis ao
processo jurisdicional arbitral, do que conceber a inserção de ramos não estatais e não
jurisdicionais, tais como os processos perante associações civis e partidos políticos, que
constituem outra das fronteiras que a teoria geral do processo procura superar183. Se é
possível identificar elementos típicos de um processo nos atos realizados no seio de uma

180
STF, Agravo Regimental na Sentença Estrangeira nº 5.206-7, Plenário, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, j.
12.12.2001.
181
APRIGLIANO, Ricardo de Carvalho. Jurisdição e Arbitragem no novo Código de Processo Civil, A
Reforma da Arbitragem, pp. 243-248.
182
Carlos Alberto de Salles, em mais de um estudo, chama a atenção para esse aspecto, da reformulação de
conceitos teóricos, à luz da inserção da arbitragem na Teoria Geral do Processo. SALLES, Carlos Alberto.
Processo: Procedimento Dotado de Normatividade - Uma Proposta de Unificação Conceitual. 40 anos da
Teoria Geral do Processo no Brasil: passado, presente e futuro. YARSHELL, Flávio Luiz e ZUFELATO,
Camilo (org.). São Paulo, Malheiros, 2013, p. 201 a 217.
183
A respeito desse ponto, Heitor Sica afirma que a inclusão da Teoria Geral do Processo aos processos não
estatais se justifica pela ideia de proteção dos direitos fundamentais dos cidadãos em face de outros
cidadãos, que corresponde a uma vertente dos direitos fundamentais, aplicáveis e observados também nas
relações privadas. Neste quadro, se transporta para as relações privadas a garantia do contraditório, por
exemplo, que deveria ser respeitada em qualquer processo, inclusive no âmbito privado, tal como previsto
para as hipóteses de exclusão de sócios e associais, previstas nos artigos 57 e 1.085 do Código Civil. SICA,
Heitor Vitor Mendonça. Perspectivas atuais da "teoria geral do processo", p. 74.
84

associação civil ou de uma pessoa jurídica, para o julgamento e a exclusão de seus


integrantes, com ainda maior razão se identificam tais elementos processuais na relação
jurídica que se estabelece por meio do processo arbitral.

Da mesma forma, se a legitimação do produto final da atividade legislativa ou


da administrativa se faz pela constatação de que ela se realiza mediante processo184, o
mesmo pode e deve ser dito em relação à decisão arbitral. É por meio de um processo,
cercado de garantias e compreendido como uma relação jurídica com sujeitos,
pressupostos e elementos próprios, que a arbitragem se desenvolve e se conclui,
produzindo ao final uma decisão com carga de eficácia e natureza em tudo equiparadas
às decisões proferidas nos processos jurisdicionais estatais185.

2. Novos parâmetros da Teoria Geral do Processo.

Como dito, o desenvolvimento inicial de uma teoria geral do processo teve por
objetivo compreender e estruturar categorias teóricas e conceitos comuns ao processo
civil e ao processo penal, o que se fez sem prejuízo do reconhecimento de diversas
diferenças na aplicação de institutos específicos186. Com a sua evolução, outros ramos do
processo estatal jurisdicional, como o trabalhista, tributário e o eleitoral, foram sendo
incorporados, mediante o reconhecimento de sua matriz comum e a percepção de
diferenças no trato de temas específicos. Por exemplo, na diferente ênfase da oralidade

184
O processo legislativo é também processo quando se focalizam certas características que lhe são
inerentes. Possui sujeitos, aos quais se reconhecem deveres, direitos, poderes e faculdades. Configura um
modo de exercício do poder, que se realiza mediante certas garantias e segundo um procedimento que é
permeado por contraditório. Tais características, comuns a outras manifestações de processo, permitem
compreendê-lo como mais do que mero procedimento, sujeitando-o aos influxos da teoria geral do processo.
185
Processo que é indispensável à noção de jurisdição, porque ela somente se exercita por ele, mas que
transcende a esta mesma ideia, já que há processo em métodos não jurisdicionais. Marcelo Barbi Gonçalves
observa que o processo é um remédio preventivo contra o abuso de poder, razão pela qual ocorre a difusão
dos esquemas processuais em várias atividades, GONÇALVES, Marcelo Barbi. Teoria Geral da
Jurisdição, p. 341.
186
Têm conformações diferentes no processo civil e no processo penal, entre outros exemplos, a admissão
da demanda, os limites à cognição, o ônus da prova, os meios de prova, os recursos, os efeitos recursais e
a coisa julgada. Mesmo diante desta substancial diferença entre os dois processos, em ambos a função
jurisdicional exercida pelo juiz é a mesma. GONÇALVES, Marcelo Barbi. Teoria Geral da Jurisdição, p.
346.
85

no processo do trabalho, ou na convivência mais acentuada de instâncias administrativas


prévias aos litígios judiciais no âmbito do processo tributário.

No Brasil, a partir da edição da obra Teoria Geral do Processo, em 1974, e das


suas sucessivas reedições, foram sendo construídas as bases comuns de todos os ramos
do processo, seja os de índole jurisdicional, como o processo do trabalho e eleitoral, seja
os não jurisdicionais, como o processo administrativo e o legislativo187. O que se
observou, portanto, foi a constatação de que o processo constitui um método de trabalho
e de exercício de poder que transcende a esfera estatal ou jurisdicional, podendo ser
aplicado, em boa medida, a estas outras modalidades de processo188.

É certo, de outro lado, que essas novas visões impactaram a própria teoria geral,
por meio da qual se identificam e sistematizam os elementos comuns a processos tão
diferentes entre si, como os processos legislativo, administrativo, jurisdicional estatal e
jurisdicional arbitral. O resultado dessa atividade, no plano teórico, é um exercício de
abstração, mas cuja evidente utilidade é a de permitir que as conquistas científicas de um
campo do conhecimento podem ser estendidas aos demais189. Exemplo típico dessa
situação é o reconhecimento de garantias processuais fundamentais do administrado, em
suas relações em face da Administração Pública190, bem como a necessidade de respeito
ao contraditório e outras garantias processuais em inquéritos civis e policiais e, de um
modo geral, nas atividades de investigação por agentes estatais191.

Mais do que um conjunto de formalidades para justificar a vontade do


administrador, ou para mascarar seus arbítrios, o processo administrativo, quando
compreendido à luz da teoria geral do processo, é a fonte de legitimação dos atos da

187
Quanto ao processo administrativo: FRANCO, Fernão Borba. Processo Administrativo. São Paulo:
Atlas, 2008; MOREIRA, Egon Bockmann. Processo Administrativo: Princípios Constitucionais, a Lei
9.784/1999 e o Código de Processo Civil/2015. São Paulo, Malheiros, 2017; ODETE, Medauar. A
processualidade no direito administrativo. São Paulo, Revista dos Tribunais, 2008.
188
GRINOVER, Ada Pellegrini. Ensaio sobre a processualidade. São Paulo, Gazeta Jurídica, p. 22.
189
GONÇALVES, Marcelo Barbi. Teoria Geral da Jurisdição, p. 336: “a consideração molecular das
categorias afins aos diversos ramos processuais possibilita um enriquecimento teórico recíproco, além de
incentivar propostas de lege ferenda que repliquem experiências bem-sucedidas de outros modelos”.
190
MARQUES, Floriano Peixoto de Azevedo Neto. Ensaio sobre o processo como disciplina do exercício
da atividade estatal. Teoria do Processo: Panorama Doutrinário Mundial, p. 261-285, p. 266.
191
YARSHELL, Flávio Luiz. O processo como instrumento de solução não adjudicada de conflitos: novas
perspectivas para o direito processual? Estudos em Homenagem a Cândido Rangel Dinamarco, p. 421.
86

Administração Pública, pautados por princípios superiores como os do contraditório,


impessoalidade, eficiência192.

A doutrina observa, com acerto, que na esfera administrativa, o manejo do


processo cumpre um triplo objetivo. Primeiro, de que o processo será apto a produzir o
resultado desejado pelo próprio Estado. Segundo, que pelo processo se assegure o respeito
aos direitos do cidadão e a observância das suas garantias individuais e, por fim, que
mediante a prática dos atos pelo processo se possibilite a fiscalização dos atos do
Estado”193.

O mesmo pode ser dito em relação ao processo legislativo, no qual se


desenvolvem um conjunto de atividades, que têm sujeitos diferentes, e cujo produto final
é a produção da norma legislativa. Há interesses, há conflito, que se desenvolve mediante
o atendimento a garantias de participação e do contraditório, ainda que o produto final da
atividade legislativa não seja uma decisão, nem se possa falar de atributos processuais
típicos como o da coisa julgada. Mas há, inequivocamente, exercício de poder, que se
legitima por meio da participação dos interessados.

Com atenuações, também em soluções não adjudicadas de conflitos se observam


muitos dos elementos da teoria geral do processo, assim como reconhece-se a relevância
de incorporar a essas soluções as garantias normalmente associadas ao processo, como o
contraditório, igualdade e, em termos mais gerais, o devido processo legal. Há situações
bastante heterogêneas, como os processos tendentes à realização das mediações e
conciliações, processos de dispute boards194, processos para a celebração de acordos de
leniência e colaboração premiada. Nessas figuras, identificam-se sujeitos diferentes, que
assumem posições jurídicas distintas, caracterizadas por direitos, deveres, poderes, ônus,
que realizam atos sucessivos e concatenados, cuja relação se dá (e deve se dar) em

192
Ainda para Floriano Peixoto de Azevedo Marques Neto, “embora existam vários os possíveis ‘devidos
processos legais’ (tantas quantas forem as manifestações do poder estatal previstas em lei), variando em
diversos regimes processuais, há um tronco comum, um vínculo único que os ligará naquilo que estou a
chamar de teoria geral do processo alargada”. Ensaio sobre o processo como disciplina do exercício da
atividade estatal. Teoria do Processo: Panorama Doutrinário Mundial. p. 268.
193
FRANCO, Fernão Borba. Processo Administrativo. Teoria Geral do Processo, Imparcialidade e Coisa
Julgada, p. 231.
194
Sobre um panorama geral dos Dispute Boards, ver FIGUEIREDO, Augusto Barros de. SALLA, Ricardo
Medina. Conceituação dos Dispute Boards, Manual de Dispute Boards. FIGUEIREDO, Augusto Barros
de. SALLA, Ricardo Medina. São Paulo, Quartier Latin, 2021, pp. 37-97. Na mesma obra coletiva,
APRIGLIANO, Ricardo de Carvalho. Natureza Jurídica, Eficácia e Obrigatoriedade da Cláusula de Dispute
Board, pp. 295-319.
87

contraditório, e que almejam uma determinada finalidade. Não há a figura de um terceiro,


imparcial, que tem a função de adjudicar o conflito. A mediação, conciliação e os dispute
boards se processam igualmente perante terceiros, que não adjudicam ou impõem
soluções, mas são também imparciais, que assumem determinados poderes e, no mínimo,
sujeitam os demais participantes a um núcleo mínimo de atividades iniciais, que variam
conforme o tipo de solução em questão. Acordos de colaboração premiada, de leniência,
transações celebradas no âmbito de inquéritos civis aportam soluções consensuais para
objetos de natureza penal ou sancionatória, o que representa uma certa contratualização
da Justiça Penal. Também nesses métodos não há adjudicação, ainda que a autoridade
jurisdicional seja chamada a homologar alguns desses acordos.

Em todos esses breves exemplos, verifica-se a legitimação do procedimento pelo


contraditório e a busca por soluções a conflitos entre as partes, o que aproxima essas
figuras, portanto, da sua caracterização como processo. E esses métodos, sem dúvida, se
beneficiarão com os aportes conceituais da teoria geral do processo.

Outro espectro dessa expansão diz respeito aos processos jurisdicionais


coletivos, aos processos estruturais e aos processos que dizem respeito à jurisdição
constitucional, como os de concentrado da constitucionalidade das leis. São modelos
processuais em que muitas das categorias e dos esquemas tradicionais do processo
individual sofrem relevante adaptação, sendo certo que nem todas elas são predispostas
na legislação, fazendo surgir inúmeros desafios interpretativos, que se realizam à luz dos
conceitos da teoria geral do processo195.

Mas o campo que enseja particular interesse para os fins dessa tese é o da teoria
geral do processo jurisdicional. Em que medida podem ser compreendidos em categorias
gerais o processo estatal e o arbitral? E em relação ao processo eleitoral, trabalhista,
tributário? Quão distinto é o processo dos Juizados Especiais, quando comparado ao
processo estatal comum? O processo que visa ao controle de constitucionalidade, ou os
processos estruturais, são tão independentes a ponto de justificar construções teóricas
próprias, sem o aproveitamento dos conceitos e parâmetros desenvolvidos para o processo
civil de índole individual?

195
VITORELLI, Edilson. O Devido Processo Legal Coletivo: dos direitos aos litígios coletivos, 2ª ed., São
Paulo, Thomson Reuters Brasil, 2019.
88

Esses são os desafios de uma moderna teoria geral do processo jurisdicional. E


como premissa necessária à constatação da inserção do processo arbitral no âmbito dessa
teoria, dois aspectos devem ser destacados: primeiro, que como será demonstrado no
tópico 6, infra, o processo arbitral compartilha com todos os demais tipos de processo
jurisdicional os seus elementos nucleares, compartilha a sua estrutura fundamental, têm
em comum uma mesma espinha dorsal; segundo, que nenhum ramo ou espécie de
processo, ainda que regulado por legislação própria, pode prescindir da aplicação de
noções processuais gerais, sendo essa, fundamentalmente, a razão de ser da teoria geral
do processo.

Nessa versão expandida da teoria geral do processo, que ultrapassa as fronteiras


de processos jurisdicionais, que abrange até mesmo atividades realizadas no âmbito
privado de associações, não se pode mais imaginar o estudo dos seus institutos apenas à
luz do processo jurisdicional, porque esse constitui apenas um dos seus tipos. Na
abstração e generalização possível, não se pode considerar que todos os seus conceitos se
apliquem, indistintamente, aos processos legislativo, administrativo e jurisdicional, assim
como é artificial imaginar que todos os institutos aplicados aos processos jurisdicionais
tenham igual conformação, tanto nas disputas em matéria civil, penal, trabalhista ou
eleitoral. E é artificial projetar que todos os institutos processuais aplicáveis ao processo
estatal sejam igualmente aplicáveis ao processo arbitral. O reconhecimento dessas
distinções, absolutamente imprescindível para o correto desenvolvimento de todas as
espécies de processo, não desdiz ou desnatura o fato de que possuem raízes comuns,
institutos comuns e de que há um compartilhamento de conceitos e parâmetros entre todos
eles.

A teoria geral capaz de estudar todas essas múltiplas aplicações do processo deve
ser necessariamente genérica e ampla, identificando seus mínimos divisores comuns. E a
partir dela se pode cogitar de especificações, de subtipos dessas teorias gerais, como por
exemplo, de uma teoria geral do processo jurisdicional196 197. Nessas especificações, será

196
A ciência pode ter objetos parciais, e várias dessas teorias parciais podem compor a teoria geral. Por
exemplo, a teoria do fato jurídico, teoria dos sujeitos de direito, que compõem a Teoria Geral do Direito.
Ou, no âmbito processual, a teoria dos fatos processuais, das capacidades, da prova etc, que compõem a
Teoria Geral do Processo. DIDIER, Fredie. Sobre a Teoria Geral do Processo, p. 24.
197
Ou outras ramificações dessa teoria, como a teoria geral do processo do exercício da atividade estatal,
denominação proposta por MARQUES, Floriano Peixoto de Azevedo, em Ensaio sobre o processo como
disciplina do exercício da atividade estatal, Teoria do processo: panorama mundial, p. 262.
89

possível identificar ulteriores categorias teóricas e institutos que, em uma condensação


igualmente geral, se observam em todos os tipos de processos jurisdicionais.

Estivéssemos no campo das ciências naturais, seria como compreender que


exista uma teoria geral cujo objeto é estudar os mamíferos (que abrangerá espécies tão
diferentes entre si como são os humanos, os bovinos e os golfinhos), outra teoria geral
que estuda apenas os bovinos ou os caninos, e ainda assim compreender que há tantas
raças de bovinos ou de cães que, ao se especificar o objeto desses estudos, se
compreendam sensíveis diferenças entre os objetos estudados.

No âmbito doutrinário, já se associou a arbitragem à figura de um ornitorrinco,


como uma alegoria para um objeto que se parece com vários outros, que têm elementos
de vários outros, mas que tem sua própria existência, seus elementos constitutivos e que
não se confundem com os demais objetos com os quais compartilha certos elementos198.
O ornitorrinco tem um bico parecido com o de um pato, mas não é um pato. Tem espinhos
semelhantes aos de um porco-espinho, mas não é um porco-espinho. A arbitragem
poderia ser assim compreendida, porque ela possui elementos e influências de diferentes
ramos do direito. Tem origem contratual, mas não se equipara nem se limita a ser um
contrato. É processada e julgada por terceiros imparciais, que não se confundem nem
desempenham o mesmo papel que os juízes togados (ao menos no sentido de que não se
inserem na estrutura estatal de solução de conflitos). Desenvolve-se mediante um
processo, mas nem por isso possui as etapas, formalidades ou procedimentos de um
processo estatal.

A alegoria é feliz, porque de fato há circunstâncias próprias da arbitragem. O


que ela erroneamente sugere é que a arbitragem seja tão diferente dos demais “animais”
que é impossível a sua equiparação ou correlações entre suas características e as dos seus
semelhantes. Porque os ornitorrincos, não obstante suas características específicas,
pertencem a categorias mais gerais. São mamíferos, ovíparos, carnívoros, de hábitos
noturnos, com cauda. Isso significa que é possível estudá-los em categorias teóricas e

198
Carlos Alberto Carmona se valeu da alegoria para afirmar que “a arbitragem é assim mesmo: parece
uma montagem composta pela superposição de contratos, processos, princípios, equidade, liberdade,
limitações, poderes e deveres, mas forma um todo muito particular e único, com vida própria e
características bem definidas. Pode parecer um conjunto estranho, mas é apenas diferente”. CARMONA,
Carlos Alberto. Em torno do árbitro, p. 25.
90

didáticas mais gerais, que permitem compreender semelhanças e diferenças com outras
espécies de animais.

Penso que é mais adequado imaginar que o processo arbitral e o processo estatal
pertencem a uma mesma espécie, ainda que apresentem características muito distintas
entre si. Nesse exercício de analogias, talvez se pudesse comparar o processo aos
cachorros. Há cachorros enormes, e há cachorros minúsculos. Alguns tem temperamento
dócil, outros são agressivos. Há cachorros gordos e delgados, velozes e lentos, ativos e
preguiçosos. Há cachorros que, treinados, auxiliam o pastoreio de animais, a guarda de
propriedades. Há cães guias, cães de adestramento, competições, corridas. Suas
características gerais são comuns. Todos são mamíferos, vertebrados, quadrúpedes, com
cauda. Mas há muitas diferenças entre eles, a exigir adaptações quanto ao ambiente mais
apropriado, modo de criação, alimentação, longevidade etc.

3. Normas processuais gerais como fonte subsidiária do processo arbitral no direito


brasileiro.

As normas jurídicas podem ser classificadas sob diferentes critérios, a partir de


diferentes perspectivas. Pelo critério hierárquico, as normas constitucionais compõem o
ápice da hierarquia das normas jurídicas, e mesmo entre elas, as cláusulas pétreas reúnem
o conjunto das normas fundamentais de uma dada ordem jurídica199. Mas em sistemas
codificados como o brasileiro, em que a lei assume importante papel como fonte dos
comandos jurídicos a serem observados pela sociedade, outras normas são produzidas,
em nível hierárquico inferior. Para os fins que interessam a este trabalho, tendo em vista
a previsão constitucional (art. 22, I), de que apenas leis federais podem ter por objeto o
direito processual, é sobre esse tipo de norma que compete fazer alguns comentários
preliminares200.

199
AFONSO da SILVA, Virgílio. Interpretação constitucional e sincretismo metodológico. Interpretação
constitucional. Virgílio Afonso da Silva (org). São Paulo, Malheiros, 2005, p. 122.
200
A respeito deste ponto, conquanto a disciplina do direito processual seja de competência privativa da
União, os demais entes federados regularam a adoção da arbitragem para resolver conflitos envolvendo a
Administração Pública local por meio de decretos, destacando-se os Decretos n°s 46.245/2018, do Estado
do Rio de Janeiro, 64.356/2019, do Estado de São Paulo, 59.963/2020, da Cidade de São Paulo. Ao
91

Antes, porém, ainda em um panorama mais geral, cumpre observar que sob certa
perspectiva teórica, o ordenamento jurídico deve ser completo e abrangente, o que
significa que, ao menos em tese, todas as relações jurídicas são, potencialmente, objeto
de regulação por meio da legislação. De outro lado, de forma mais aderente à realidade
das coisas, pode-se reconhecer que essa pretensão de completude é impossível de ser
atingida, porque o fenômeno da regulação do direito é incapaz de abranger absolutamente
todas as situações da vida sobre as quais o direito incide201. Parece mais razoável
compreender que a completude do ordenamento jurídico é uma utopia, porque a realidade
da vida cotidiana hodierna é muito dinâmica e é impossível ao legislador antever as
hipóteses de conflitos e as relações jurídicas que exijam regulamentação202. É uma corrida
que o legislador sempre perdeu, e sempre perderá. Disso decorre a relevância dos métodos
de interpretação do direito, para que do conjunto normativo existente, se encontrem as
soluções para situações específicas que a lei não conseguiu alcançar.

Isso se explica, sob outra perspectiva, pelo próprio método de produção


normativa dos países de direito codificado, porque as normas são concebidas como
preceitos gerais, abstratos, pensados para prever e regular situações futuras. Quando se
observam as normas que decorrem de decisões judiciais em países de common law,
constata-se que elas são produzidas a partir do exame de situações concretas, fáticas,
determinadas, e dessas situações se extraem razões determinantes (ratio decidendi) que,
futuramente, podem vir a ser utilizadas como critério decisório de outras situações
concretas, não idênticas, mas que possam se valer da fundamentação exarada no
julgamento anterior203. Daí porque se fala em precedente, que pode ser compreendido

comentar o Decreto fluminense, Fabiana Morais Braga Machado afirma “ser juridicamente adequada a
escolha de decreto como forma de disciplinar a aplicação da arbitragem”, uma vez que este reúne
“características de regulamento de execução (ao conferir as balizas para a melhor aplicação da regra
constante na Lei nº 13.129/2015, na forma do art. 84, IV, da Constituição da República) e de regulamento
de auto-organização administrativa (ao determinar o procedimento e as entidades que se sujeitarão à
arbitragem, na forma do art. 84, VI, a, também da Lei Maior). Consiste o referido diploma infralegal,
portanto, em uma emanação legítima do poder regulamentar do Estado”. MACHADO, Fabiana Morais
Braga. Arbitragem no Estado do Rio de Janeiro: breves comentários ao Decreto nº 46.245, de 19 de
fevereiro de 2018, Revista Brasileira de Arbitragem, vol. 58, 2018, p. 29.
201
MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito. 21ª. ed., Rio de Janeiro, Forense, 2017,
p. 37.
202
Norberto Bobbio observa que a completude do ordenamento é uma necessidade, uma condição
necessária para o funcionamento do sistema, mas o qualifica como um dogma. As lacunas, a analogia e os
princípios gerais do direito são métodos para concretamente se obter as soluções que o ordenamento não
for apto a fornecer por suas normas diretas. Teoria do Ordenamento Jurídico, 2ª ed,, p. 113-149.
203
BARROSO, Luiz Roberto. PETRONE, Patrícia Campos Mello. Trabalhando com uma nova lógica: a
ascensão dos precedentes no direito brasileiro. Revista da AGU. Brasília, AGU, ano 15, n. 3, jul./set. 2016,
p. 12.
92

como um julgamento anterior, de cujas razões se extraem fundamentos para iluminar


situações futuras204.

No sistema brasileiro, a lei é concebida para regular situações futuras e, não raro,
a realidade quotidiana supera a previsão legal, a fattispecie concebida pelo legislador,
exigindo do intérprete um trabalho de complementação. Esse trabalho de interpretação se
vale de diferentes técnicas hermenêuticas, sendo certo que a Lei de Introdução às Normas
do Direito Brasileiro é expressa ao proclamar que quando a lei for omissa, o juiz decidirá
o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito (Art. 4o).

Ao interpretar, é preciso realizar o trabalho de subsunção dos fatos à norma, o


que pressupõe identificar adequadamente a norma aplicável. E não sendo a subsunção
perfeita ou exata (como sói ocorrer em termos práticos), o intérprete deverá identificar se
está diante de hipóteses de omissão da norma, de existência de antinomia entre normas,
ou ainda se há normas não diretamente aplicáveis que possam ser utilizadas por
analogia205, de forma subsidiária ou supletiva206. Observo, ainda, que o método de
interpretação pode ser feito por diferentes critérios, tais como o literal, histórico,
teleológico e o sistemático. Todos esses métodos, combinados, permitem que se extraia
do ordenamento jurídico as respostas para todas as situações que exijam regulação. No
contexto de soluções adjudicadas, permitem ao julgador que aplique o direito ao caso
concreto, uma vez que lhe é vedado não decidir, sob o fundamento de não haver resposta
no ordenamento (non liquet)207.

A interpretação das normas jurídicas se beneficia igualmente de uma outra


classificação, que as distingue em normas gerais e normas especiais, ou particulares.
Segundo Vicente Rao, "a natureza das normas de direito objetivo também lhes mede os

204
Conceito que, no direito brasileiro, sobre uma importante adaptação, tendo em vista a produção de
julgados que já surgem com esta condição. Assim, CRAMER, Ronaldo. Precedentes judiciais: teoria e
dinâmica. Rio de Janeiro, Forense, 2016: “precedente é todo jugado de tribunal que, por forca da sua
condição originária ou de reconhecimento posterior, cria a norma jurídica a ser seguida, obrigatoriamente
ou não, em casos idênticos”, p. 86.
205
BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico, p. 142: Entende-se por analogia aquele
procedimento pelo qual se atribui a um caso não regulado a mesma disciplina de um caso regulado de
maneira similar, p. 142. CASTRO NEVES, José Roberto. Uma introdução ao Direito Civil , p. 14: “nos
casos em que não exista uma norma específica incidente, deve-se aplicar a regra que trata de situação
semelhante, na qual os mesmos valores estejam envolvidos. Trata-se de um exercício de lógica”.
206
Segundo Amauri Mascaro Nascimento, a subsidiariedade é uma técnica que se torna indispensável para
o bom desempenho da tutela jurisdicional. A subsidiariedade do direito processual comum no processo
trabalhista. Revista de Processo, p. 230-234.
207
MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito. 21ª. ed., p. 73.
93

limites qualitativos e quantitativos de sua aplicabilidade e as distingue em normas de


direito comum (também chamadas de direito regular, ou geral), normas de direito especial
(igualmente ditas de direito singular) e normas de caráter excepcional, restritivas de
direitos"208. O autor explica que "as normas de direito comum formam ramos do direito,
como o direito civil e o direito público interno", no qual se insere o direito processual209.
As expressões “direito comum” e “normas gerais” não são exatamente sinônimas, mas
referem-se a fenômenos assemelhados, de que há certos conjuntos de regras que servem
para disciplinar genericamente os respectivos campos de atuação e cuja abrangência
funciona como fonte de regulamentação de outros ramos do direito e como fonte
subsidiária de outros institutos jurídicos210. No âmbito do direito processual, escrevendo
a respeito do CPC/73, Barbosa Moreira observava que os ramos do direito processual não
diretamente regulados pelo processo civil “admitem como fontes subsidiárias as normas
processuais civis, desde que compatíveis com a índole especial de cada um daqueles tipos
de processos. Pode-se afirmar, portanto, que o direito processual civil assume no sistema
brasileiro o papel de direito processual civil comum”211.

Na estrutura formal das leis no ordenamento brasileiro, é também comum que as


principais normas codificadas tenham uma parte inicial dedicada a esses preceitos de
natureza geral, que serão aplicados a todo aquele conjunto normativo212. O Código Civil
tem seu primeiro livro dedicado à Parte Geral, seguindo-se outros livros dedicados a
ramos específicos, como o Direito de Família ou os Direitos Reais213. As normas desses
campos particulares são interpretadas de forma harmônica com as normas gerais. Um

208
RAO, Vicente. O Direito e a vida dos Direitos. 6ª. São Paulo, Revista dos Tribunais, 2004, pág. 234. E
acrescenta que “o direito comum constitui um sistema de princípios gerais destinados a impor-se
universalmente não só em todo o território do Estado, mas, ainda a toda as relações que nele se formam e a
todas as pessoas que destas relações participam”.
209
RAO, Vicente. O Direito e a vida dos Direitos, pág. 236. “Direito especial é o que disciplina, apenas,
certas particulares relações ou grupos de relações, ou se refere a determinadas pessoas e só a estas relações
e pessoas se aplica, constituindo, em certo sentido, exceção aos princípios gerais. O direito singular
corresponde a uma necessidade e a um modo de corrigir o direito geral e com este, por sua origem e
natureza, tem relação necessária”, p. 234-235.
210
Por exemplo, a Consolidação das Leis do Trabalho alude ao direito comum em duas situações. No artigo
8º, §U, que prevê a aplicação subsidiária do direito comum (material) às relações trabalhistas, e no artigo
769, que prevê a aplicação subsidiária do direito processual comum ao direito processual do trabalho.
211
BARBOSA MOREIRA, José Carlos. As Bases do Direito Processual Civil, Temas de Direito
Processual. São Paulo, Saraiva, 1977, p. 4.
212
Fredie Didier corretamente alerta que não pode ser confundida a teoria geral do processo com a parte
geral de um código. São duas dimensões diferentes, uma da linguagem do direito, outra da ciência do
direito. DIDIER Jr., Fredie. Sobre a Teoria Geral do Processo, p. 77.
213
CASTRO NEVES, José Roberto, Uma introdução ao Direito Civil, p. 44, ao tratar das normas do direito
civil, afirma a sua harmonia, aludindo à estrutura do Código Civil e ao fato desta lei iniciar com uma parte
geral, aplicável a todas as demais partes.
94

primeiro aspecto é que o objeto das normas gerais é disciplinar situações que ocorrem de
modo uniforme nas relações disciplinadas pelas normas especiais. Assim é, por exemplo,
nas regras sobre a capacidade dos agentes para a prática dos negócios jurídicos, que são
disciplinadas como normas gerais e são observadas nos diferentes tipos de negócios
jurídicos, sejam eles relativos ao direito de família, contratual ou empresarial.

Da mesma forma, os vícios dos negócios jurídicos, que são regulados como uma
disciplina geral, aplicável a todos os tipos e ramos específicos do direito. Um segundo
aspecto é que as normas especiais regulam atos ou negócios específicos de modo
particularizado, criando exceções ao regime geral (como por exemplo, a forma de certos
negócios jurídicos, como a aquisição de propriedade ou o casamento), de forma que
apenas terão validade os atos praticados segundo os preceitos da lei especial, que
derrogam a aplicação dos preceitos gerais. O mesmo ocorre quanto ao Código Penal, com
o Código de Processo Penal e, a partir da edição da Lei 13.105/2015, com o Código de
Processo Civil. A doutrina afirma a aplicação das suas regras gerais, contidas na primeira
parte do Código, não apenas às partes especiais do próprio Código, mas também à
legislação extravagante214.

Esse critério de interpretação das normas jurídicas, segundo o qual a lei especial
prevalece sobre a lei geral, explica porque, quanto ao ônus de alegação nas relações de
consumo, prevalece a regra do CDC, em detrimento da regra geral do CPC. Disso decorre
não apenas a possibilidade de inversão do ônus da prova (art. 6º, VIII), mas também a
influência, também sobre as atividades probatórias das partes, da previsão de
responsabilidade objetiva dos fornecedores pelo fato do produto (art. 12). Ou ainda,
porque o valor da causa das demandas em matéria locatícia obedece ao critério fixado na
Lei do Inquilinato, que neste particular derroga as regras gerais contidas no CPC215.

Importante observar que a comunicação entre normas gerais e especiais pauta


todos os ramos do direito, com constantes interações e influências recíprocas. A condição
de norma geral ou especial não é, como regra, definida pelo próprio legislador, mas objeto
de interpretação jurídica, levada a efeito pela doutrina e pela jurisprudência dos tribunais.
Assim, não é preciso que o Código Penal se proclame a norma geral para qualificar o
falso testemunho, em relação às normas processuais civis, penais ou trabalhistas. A

214
YARSHELL, Flávio Luiz. Curso de Direito Processual Civil, vol. 1, 2ª ed., p. 63.
215
Art. 58, III, da Lei do Inquilinato.
95

generalidade da norma contida no artigo 342 do Código Penal é que a torna, mercê desse
trabalho interpretativo, a norma geral a ser adotada por todos os demais ramos do direito,
independentemente de previsão legal ou remissão expressa das leis especiais.

No âmbito dos processos jurisdicionais, o Código de Processo Civil funciona


como lei geral, em torno da qual gravitam as demais normas processuais do
ordenamento216. Essas interações podem ser expressamente afirmadas, como por exemplo
quando o próprio CPC proclama sua aplicabilidade supletiva e subsidiária aos processos
administrativo, eleitoral e trabalhista (artigo 15), quando determina a aplicabilidade
subsidiária das regras do procedimento comum aos procedimentos especiais, sejam eles
regulados no próprio Código ou em leis extravagantes (art. 318, § U, art. 1.046, § 2º).
Também a Consolidação das Leis do Trabalho dispõe sobre a aplicação subsidiária das
normas do processo civil ao processo do trabalho, nos casos em que haja omissão das
normas especiais (art. 769). Mas podem também não o ser, como ocorre na Lei de
Arbitragem ou dos Juizados Especiais, e nem por isso desaparece a inter-relação entre
normas de natureza processual. Também como ilustração, mencione-se a Lei n º 8.245/91
(Lei do Inquilinato), que contém disposições de natureza processual, regula ações
específicas em matéria locatícia, nas quais se aplicam toda a estrutura, os conceitos e as
normas processuais gerais contempladas no Código de Processo Civil.

O artigo 15 do Código de Processo Civil refere-se aos processos eleitorais,


trabalhistas ou administrativos, proclamando a aplicação supletiva e subsidiária das suas
disposições na ausência de normas que regulem aqueles processos. Uma primeira e
necessária consideração é a de que esta função de diploma portador de normas gerais não
se limita aos três processos especiais ali referidos. A segunda é a que a relação entre
normas gerais e especiais se estabelece, por assim dizer, com elevada carga de deferência
em relação à norma especial, porque deve se levar em consideração não apenas o seu
conteúdo específico, mas a principiologia do subsistema ao qual as normas gerais podem
ter aplicação217. Flavio Yarshell observa que “eles [os subsistemas] se caracterizam por

216
Guilherme Rizzo Amaral aponta o CPC como “norma fundamental”, aplicável a todo o ordenamento
jurídico. AMARAL, Guilherme Rizzo. Comentários às alterações do novo CPC. São Paulo, Revista dos
Tribunais, 2015, p. 79.
217
RODRIGUES, Marcelo Abelha. Comentários ao Código de Processo Civil, volume 1 (arts. 1º a 317).
BUENO, Cassio Scarpinella (coord). São Paulo, Saraiva, 2017, p. 230.
96

regras próprias, concebidas para que o processo se ajuste às peculiaridades da situação


substancial. Essas regras, na medida em que são especiais, derrogam as gerais”218.

No mesmo sentido, preceitua Cândido Dinamarco que “Em face do disposto em


seus arts. 1º. e 15, o código de Processo Civil caracteriza-se como a matriz sistemática de
toda a ordem processual civil brasileira, à qual remontam todas as demais fontes – sendo
imperiosa a aplicação de suas normas como critérios interpretativos de todas estas”219.

Esta aplicação eventual de normas gerais aos processos e procedimentos


regulados por leis especiais pode se dar, nos termos do artigo 15 do CPC, de forma
supletiva ou subsidiária. Esses conceitos são semelhantes, porém não idênticos, e ainda
que conduzam ao mesmo resultado – o da aplicação da norma geral como fonte
integrativa – há de se pontuar estas distinções. A norma geral é supletivamente aplicada
nas situações em que haja lacuna na legislação especial, com o intuito de complementar,
suprir disposições da lei especial. No tópico subsequente, algumas destas situações serão
ilustradas. Já a aplicação subsidiária se faz como critério de reforço, de socorro, auxilio,
e tem aplicação diante da ausência de normas, isto é, pressupõe que a legislação especial
não regule aquela disposição específica.

Marcelo Abelha Rodrigues esclarece esta distinção a partir de um exemplo. As


normas do Código de Processo Civil acerca do impedimento e suspeição dos juízes são
supletivamente aplicadas à legislação trabalhista e à do processo administrativo, porque
esses diplomas possuem suas próprias regras, mas que não regulam de forma completa o
assunto. Estas mesmas normas, dos artigos 144 e 145 do CPC serão aplicadas
subsidiariamente ao processo eleitoral e ao processo coletivo, porque os respectivos
regramentos não possuem qualquer disposição a respeito220. Relativamente ao universo
do processo do trabalho, Estevão Mallet esclarece que as regras do CPC acerca da
vedação à arrematação por preço vil serão supletivamente aplicadas, porque a CLT (art.
888, § 1º) contém uma regra incompleta, que se limita a afirmar que a arrematação se
dará pelo maior lance221. Destas considerações, observa-se que a aplicação supletiva

218
YARSHELL, Flavio Luiz. Curso de Direito Processual Civil, vol. 1, 2ª ed., p. 63.
219
DINAMARCO, Cândido Rangel. Comentários ao Código de Processo Civil: das normas processuais
civis e da função jurisdicional. Vol. I. São Paulo, Saraiva, 2018, p. 147.
220
RODRIGUES, Marcelo Abelha. Comentários ao Código de Processo Civil, volume 1, p. 230.
221
MALLET, Estevão. Comentários ao Código de Processo Civil, volume 1, p. 230.
97

pressupõe uma lacuna parcial, ao passo que a subsidiária pressupõe a ausência absoluta
de regramento na legislação especial222.

Em termos concretos, a ideia da subsidiariedade de um conjunto normativo exige


a compreensão de outros conceitos, como a omissão e a antinomia. Para Amauri Mascaro
Nascimento, que analisou o tema à luz da subsidiariedade das normas do processo civil
ao processo do trabalho, a omissão corresponde ao silêncio da lei acerca de determinado
tema, e se constata se uma instituição ou uma regra de procedimento não é encontrada
nas normas processuais da lei especial. Mas nem por isso poderá ocorrer, de forma
automática, a aplicação subsidiária de outras normas. Porque será necessário averiguar se
as normas gerais não se colocam em antinomia com a tipologia do processo objeto da lei
especial. Impõe-se ao intérprete verificar se o preceito de cuja utilização cogita não é
incompatível com a forma e a essência do processo especial223, seja ele trabalhista –
objeto das preocupações do autor – seja ele arbitral. Haverá incompatibilidades entre os
modelos processuais que impossibilitam a aplicação subsidiária de certas normas, ainda
quando se esteja diante de omissões do legislador especial.

Um exemplo pode ilustrar o ponto. A Lei de Arbitragem não contém previsões


sobre recursos quanto ao mérito das decisões. Ao contrário, expressamente estabelece que
as decisões dos árbitros não estão sujeitas a reexame quanto ao mérito. Assim, não se
pode entender que haja omissão da legislação especial no tocante à regulação dos
recursos, porque o seu manejo é incompatível com a própria ideia do processo arbitral. O
mesmo poderia ser dito quanto a mecanismos próprios dos órgãos do Poder Judiciário,
como a Reclamação ou o Conflito de Competência224. Não se trata de mera omissão, mas

222
MARTINS, Serio Pinto. Teoria Geral do Processo, 5ª ed, São Paulo, Saraiva, 2020, p. 39.
223
NASCIMENTO, Amauri Mascaro. A subsidiariedade do direito processual comum no processo
trabalhista. Revista de Processo, p. 230-234: “Impõe-se ao intérprete verificar se o preceito de cuja
utilização cogita não é incompatível com a forma e a essência do processo trabalhista. É evidente que o
direito processual comum incompatível é imprestável e inaplicável até por simples intuição. A
jurisprudência orienta-se nesse sentido: "O direito comum é fonte subsidiária do direito trabalhista no que
não for incompatível com os princípios fundamentais deste ou com as normas do processo judiciário
trabalhista."
224
Especificamente em relação ao Conflito de Competência, conquanto o Superior Tribunal de Justiça tenha
firmado orientação pelo cabimento do incidente e de ser sua a competência para julgá-lo (STJ, Conflito de
Competência nº 111.230, 2ª Seção, Relª Min. Nancy Andrighi, J. 08.05.2013; STJ, Conflito de Competência
nº 146.939, 2ª Seção, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, J. 23.11.2016; STJ, Conflito de Competência nº
139.519, 1ª Seção, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, J. 11.10.2017), nomes relevantes da doutrina se
opõem a essa orientação, por considerá-la contrária ao princípio da competência-competência e à economia
processual e pelo fato do caráter privado da arbitragem, v.g., TALAMINI, Eduardo. Nota sobre o Conflito
de Competência entre Árbitro e Juiz Estatal. Revista Brasileira de Arbitragem. Vol. 15, n. 60. São Paulo,
2018, p. 36-43, out./dez. 2018; e PARENTE, Eduardo. Conflito de competência. Decisão liminar. Cláusula
arbitral entre Petrobrás e Agência Nacional do Petróleo. Direito público indisponível. Sociedade de
98

de previsões que não encontram guarida no modelo processual externo ao Judiciário,


cujos julgadores não integram a estrutura daquele Poder e cujo mecanismo de controle é
posterior à sentença, dedicado a aspectos da regularidade formal do processo arbitral225.

O que se deve verificar, portanto, é, em primeiro lugar, se existem omissões na


regulação do processo especial. Se isto, em relação a outros ramos e subtipos do processo,
envolve uma averiguação das respectivas previsões legais, no caso do processo arbitral,
o exercício ganha outros contornos. Porque as partes têm autonomia para estipular as
regras aplicáveis ao seu processo, autonomia que podem exercer diretamente ou mediante
a eleição de regulamento arbitral. Ausentes estas normas particulares, serão aplicadas as
normas especiais da própria Lei de Arbitragem, sem espaço para a invocação de normas
gerais226. Apenas se, ainda assim, não existirem normas particulares incidentes, é que se
cogitará da aplicação de normas gerais, mas mesmo neste caso, deve-se se existem normas
específicas nas leis processuais gerais e se estas normas são compatíveis com os
princípios gerais da legislação especial. Porque havendo incompatibilidade entre uma
regra expressa do processo comum e um princípio do processo arbitral, este será aplicado,
afastando-se a incidência da norma geral que seja incompatível com o processo
especial227.

economia mista. Alteração unilateral de contrato. Princípio da competência-competência. Divergência entre


juízo estatal e arbitral. Superior Tribunal de Justiça. Conflito de Competência nº 139.419/RJ. Rel. Min.
Napoleão Nunes Maia Filho, J. 09.04.2015. Revista Brasileira de Arbitragem, v. 47, 2015, p. 129-137, p.
133.
225
Nessa mesma linha, como informa Bruno Oppetit, de acordo com a Corte de Justiça da União Europeia
os Tribunais arbitrais em arbitragens internas são órgãos jurisdicionais, mas não integram a estrutura
jurisdicional estatal. OPPETIT, Bruno. Teoría del Arbitraje. Legis, 2006, p. 188.
226
Por exemplo, quando a lei de arbitragem determina que os árbitros devem tentar a conciliação das partes
(art. 21, § 4º). Não é necessário ou apropriado recorrer às normas gerais com conteúdo semelhante, porque
a regra específica prevalece. Em sentido contrário, considerando desnecessária a previsão quanto ao dever
de conciliar as partes, porque isso decorre dos poderes deveres do julgador constantes do CPC.
GAJARDONI, Fernando da Fonseca. Aspectos fundamentais de processo arbitral e pontos de contato com
a jurisdição estatal. Revista de Processo, vol. 106/2002, p. 189-216.
227
Considerações de idêntica natureza são feitas por Amauri Mascaro Nascimento, com apoio em lições de
Tostes Malta (Introdução ao Processo Trabalhista, Freitas Bastos, 1961, pág. 208) e Lamarca (Ação na
Justiça do Trabalho, Ed. Trab., 1968, pág. 28). O Autor então conclui: “Das observações acima
consideradas resultam as seguintes conclusões: 1. A regra da subsidiariedade deve ser entendida em
consonância com duas diferentes ordens de consideração, a primeira consiste na verificação da existência
de omissão da lei processual trabalhista, caso em que se impõe subsidiá-la, isto é, socorrer-se de outras
normas processuais em reforço, a segunda, complementar e relacionada com a primeira, reside na
constatação de que as regras do processo comum se adaptam às necessidades que o juiz visa atingir para a
prestação da tutela jurisdicional e não se contrapõe ao espírito que preside a relação jurídica processual
trabalhista. Presentes ambos os requisitos, a omissão e a compatibilidade, pode, validamente, ser aplicada,
ao processo trabalhista, norma do Direito Processual comum”. Amauri Mascaro Nascimento. A
subsidiariedade do direito processual comum no processo trabalhista. Revista de Processo, p. 230-234.
99

Esta ressalva é igualmente feita por Dinamarco, que proclama a aplicação de


normas processuais gerais de forma restrita e subsidiária228. Do mesmo modo, Yarshell
observa que as regras gerais serão aplicáveis se não houver norma especial regulando o
tema específico, aplicando-se a norma geral de forma subsidiária “porque, sem contrariar
a norma especial, apenas considera que o alcance da especialidade é limitado”229.

Estas considerações, feitas nesse tópico em caráter mais genérico, serão


concretamente aplicadas ao ensejo do exame de diferentes institutos processuais que são
aplicados ao processo arbitral, não obstante a ausência de previsão na legislação especial,
ou sua previsão incompleta (vide capítulo 5, infra).

4. Hipóteses e extensão da aplicação subsidiária do CPC a outros diplomas


processuais e a outras modalidades de processo.

Essas preocupações se manifestaram e se manifestam em relação a muitas outras


modalidades ou tipos de processo, os quais são igualmente abrangidos pela teoria geral
do processo e em relação aos quais se reconhece as suas especificidades. Ainda que não
tenha sido muito explorado pela doutrina que se dedica ao estudo do processo arbitral, o
tema não é novo no que diz respeito às demais modalidades de processo, tais como o
processo do trabalho, penal ou eleitoral, ou a procedimentos especiais relativos a ramos
específicos do direito civil, como nas relações locatícias, ou mesmo a processos sem
natureza jurisdicional, como o processo administrativo.

Nos parágrafos a seguir, será feita breve exposição acerca da inter-relação entre
tais modalidades ou tipos de processo, nos quais se observa, em maior ou menor medida,
o compartilhamento de conceitos comuns a todas as modalidades de processo, de
princípios processuais e em relação aos quais ocorre a aplicação de normas processuais
gerais, naquilo que não forem incompatíveis com normas processuais especiais contidas
em suas respectivas regulamentações.

228
DINAMARCO, Cândido Rangel. Comentários ao Código de Processo Civil: das normas processuais
civis e da função jurisdicional. Vol. I, p. 152.
229
YARSHELL, Flávio Luiz. Curso de Direito Processual Civil, vol. 1, 2ª ed., p. 63.
100

Quanto ao processo administrativo, a doutrina especializada reconhece a


inserção desta modalidade na teoria geral do processo, aduzindo a uma processualidade
do processo administrativo230. Não obstante a adoção da terminologia procedimento
administrativo entre os administrativistas, há tempos a doutrina reconhece a
impropriedade desta nomenclatura, eis que o fenômeno não se reduz a uma mera
concatenação de atos. Ao contrário, observa-se verdadeiro processo231, em relação ao qual
incidem princípios processuais de índole constitucional, como o contraditório, ampla
defesa, duração razoável232, além de princípios próprios em que a Administração Pública
pauta a sua atuação. A legislação específica acerca do processo administrativo no âmbito
da Administração Federal, Lei 9.784/1999, cuida de aspectos particulares dessa
modalidade de processo, que é utilizado tanto para fornecer aos administradores os
elementos necessários para a prática de atos administrativos, como para resolver conflitos
entre a Administração e os Administrados.

Sob uma perspectiva de uma processualidade ampla, entendida por Odete


Medauar como a processualidade associada ao exercício de qualquer poder estatal, e
considerando ainda a existência de um procedimento comparticipação dos interessados,
as “atuações interligadas dos sujeitos em simetria de poderes, faculdades, deveres e ônus,
portanto em esquema de contraditório”, a conclusão não pode ser outra senão a que
consagra o processo administrativo, como modalidade de processo, sujeita a um mesmo
arcabouço conceitual e a um conjunto de elementos comuns. Conclusões que se
harmonizam com o reconhecimento das peculiaridades deste ramo do processo.233 234.

230
A respeito, ver Odete Medaudar, Processualidade do processo administrativo.3ª. ed. Belo Horizonte,
Fórum, 2021. A colocação do processo administrativo na teoria geral do processo foi objeto das
preocupações de Fernão Borba Franco, Processo Administrativo. São Paulo, Atlas, 2008
231
FERRAZ, Sérgio. DALLARI, Adilson Abreu. Processo Administrativo, São Paulo, Malheiros, 2001, p.
30-35
232
Nelson Nery alude também aos princípios da duração razoável do processo, da proibição da prova obtida
ilicitamente e do duplo grau de jurisdição, “bem como todos os princípios fundamentais da administração
pública (legalidade, moralidade administrativa, eficiência, impessoalidade, publicidade, segurança jurídica,
confiança, boa-fé objetiva, proibição de venire contra factum proprium, proibição de atuação arbitrária
etc”. NERY Jr., Nelson. Princípios do Processo na Constituição Federal, p 253.
233
MEDAUAR, Odete, Processualidade do processo administrativo. 3ª. ed., p. 46-47.
234
A noção contemporânea de processo encontra sua absoluta aplicação na esfera administrativa, “com
todas as garantias inerentes ao devido processo constitucional que a ela se aplica”, ZUFELATO, Camilo.
Reflexões acerca da sindicabilidade de certas decisões administrativas e a noção de Inafastabilidade da
Tutela Jurisdicional no contexto atual das competências estatais. 40 anos da Teoria Geral do Processo no
Brasil: passado, presente e futuro, p. 167.
101

Sem prejuízo da regulação específica, nem por isso deixam de ser adotados os
parâmetros processuais gerais, de aplicação subsidiária. Por exemplo, e como antes dito,
quanto às hipóteses de impedimento e suspeição do administrador que julga processos
administrativos, que são especificamente prevista na Lei 9.784/99 mas que não excluem
as hipóteses dos artigos do Código de Processo Civil, que devem ser também
consideradas no processo administrativo, efetuando-se uma integração supletiva235.

Em sua última obra, Ada Pelegrini Grinover expandiu ainda mais a ideia de
processo, identificando seus elementos mesmo em métodos de trabalho que nem sequer
conduzem ou se concluem com uma decisão, como é o caso da mediação. Na mediação
se verifica um procedimento pautado pelo contraditório, permeado por garantias e
princípios comuns às soluções adjudicadas, a presença de relações variadas entre os seus
sujeitos, a existência de um terceiro, imparcial e equidistante em relação às partes,
conduzindo o processo e, por fim, a coincidência do escopo social de pacificação, como
objetivo final da mediação. Assim, ainda que a faceta do processo como exercício de
poder seja menos nítida na mediação – se é que ela existe – é a pacificação social que
permite considerá-la como uma modalidade de processo e, como tal, integrante da sua
teoria geral236.

Em relação aos processos de natureza jurisdicional, o processo penal se coloca


em situação peculiar, sendo intensos os debates sobre a possibilidade de enquadramento
dos processos civil e penal em um conjunto comum de categorias teóricas e o
compartilhamento de uma mesma teoria geral237. No plano legislativo, o artigo 3º. do CPP
alude à “interpretação extensiva e aplicação analógica, bem como ao suplemento dos
princípios gerais de direito” na interpretação da lei processual. E sendo a norma
processual civil mais ampla e detalhada, é de se admitir que ela possa servir como fonte

235
FRANCO, Fernão Borba. Processo Administrativo, p. 109. No mesmo sentido, BACELAR, Romeu
Felipe Filho, Processo Administrativo Disciplinar, p. 365, e NERY, Nelson Jr., Princípios do Processo
Civil na Constituição Federal, p. 102.
236
GRINOVER, Ada Pelegrini. Ensaio sobre a processualidade, p. 66. Contra, por entender que a
concepção de processo exige a figura de uma autoridade jurisdicional, seja ela judicial ou arbitral, CADIET,
Loic. Prolégomènes à une théorie générale du procès en droit français. Teoria do processo: panorama
mundial, pp. 481-506, p. 502.
237
GONÇALVES, Marcelo Barbi Gonçalves. Teoria Geral da Jurisdição, p. 360: “Como se percebe, se
era possível se questionar, à luz do diploma processual civil revogado, acerca da utilidade da Teoria Geral
do Processo como instrumento epistêmico, sob o novo código a indagação deve ser respondida
positivamente. Existem várias zonas friccionais onde, à vista do reconhecimento de que nos processos civil
e penal o juiz exerce a mesma função, é salutar um diálogo transversal a fim de que se formulem parâmetros
objetivos para novas alternativas de interpretação”.
102

normativa para essa interpretação extensiva e analógica. Por exemplo, ao admitir que as
hipóteses de impedimento e suspeição dos juízes no processo penal sejam examinadas
pela leitura combinada dos dispositivos específicos do Código de Processo Penal e do
Código de Processo Civil238.

Vale ainda observar que a norma processual penal se coloca, ela própria, como
a norma processual geral em relação aos processos penais especiais, notadamente o
processo penal militar239. Esse exemplo serve para demonstrar a inter-relação entre
normas de mesma natureza, contempladas no ordenamento brasileiro.

Quanto ao processo do trabalho, há uma dupla remissão na legislação, da qual


se extrai a aplicação subsidiária das normas do processo civil comum ao processo
trabalhista. A Consolidação das Leis do Trabalho, editada em 1943, reúne disposições de
natureza material e processual, e contém um dispositivo que expressamente dispõe sobre
a aplicação subsidiária das normas processuais comuns ao processo do trabalho (artigo
769). Já no Código de Processo Civil de 2015, em sua Parte Geral, o artigo 15, inserido
no Capítulo dedicado à aplicação das normas processuais, disciplina que na ausência de
normas que regulem processos eleitorais, trabalhistas ou administrativos, as disposições
deste Código lhes serão aplicadas supletiva e subsidiariamente240.

Antes ainda da edição do CPC/15, a extensão dessa aplicação subsidiária das


normas processuais gerais ao processo do trabalho foi bastante debatida, no âmbito da
doutrina processual trabalhista e da jurisprudência dos Tribunais desta Justiça
especializada. Destaco, pela relevância da sua contribuição teórica, texto já mencionado
de Amauri Mascaro Nascimento, escrito pouco após a edição do CPC/73, que se mantém

238
O Código de Processo Penal igualmente traz hipóteses de impedimento (art. 252), por razões de ordem
mais objetiva, e suspeição (art. 254), atrelada a aspectos subjetivos. No impedimento, a relação conflituosa
do juiz é diretamente com o feito, ao passo que, na suspeição, tal relação é direta com as partes. Mas as
hipóteses do CPC se agregam às do CPP, em aplicação integrada, porém subsidiária. LIMA, Renato
Brasileiro de. Manual de processo penal: volume único. 7ª. ed. Salvador, Juspodivm, 2019, p. 1144.
239
O que se extrai tanto do artigo 2º, parágrafo único, do Código de Processo Penal, como do artigo 3º, a,
do Código de Processo Penal Militar.
240
ARRUDA ALVIM, Manual de Direito Processual Civil, p. 52-53, reconhece essa relação entre as
normas, “haja vista ser o processo comum (abrangendo, desta forma, quer o processo civil, quer o processo
penal) fonte subsidiária do processo trabalhista (art. 769 CLT; art. 15 do CPC/15), sendo, portanto,
aplicável, sempre que não existir norma expressa, relativa ao processo trabalhista, dispondo relativamente
à matéria, e desde que não sejam contrariados os princípios consagrados pela CLT. Observa ainda o autor
que, de acordo com o artigo 889 da CLT, à execução trabalhista se aplicam as disposições constantes da
Lei de Execuções Fiscais, “aplicando-se as disposições contidas no Código de Processo Civil somente
naquilo que a referida lei for omissa, assim como não contrariar, por óbvio, os princípios norteadores do
processo trabalhista”.
103

atual e ajuda também a compreender as relações que devem ser estabelecidas entre
normas processuais gerais e as específicas do processo arbitral.

A subsidiariedade implica a transposição das regras e princípios de ordem


jurídica, elaborados em razão das necessidades próprias de algum setor jurídico, para
relações jurídicas reguladas por outros setores241. No que tange ao processo do trabalho,
objeto deste estudo específico, o autor observa que, “apesar das suas especificidades, a
questão trabalhista perante os tribunais, é igual às demais lides nos aspectos técnico-
processuais”. E isso se constata sem prejuízo da identificação das especificidades de cada
modalidade de processo, como por exemplo em relação à celeridade e oralidade, objeto
de maior ênfase no processo trabalhista. Em passagem que poderia ter sido escrita com
vistas ao processo arbitral, Mascaro Nascimento afirma que “o processo é meio de
solução das lides e a sua estrutura fundamental é a mesma, qualquer que seja a natureza
da questão de direito material, civil, trabalhista, penal ou fiscal, embora diferentes as suas
notas características acidentais. O processo é concebido como relação jurídica e como tal
os seus elementos fundamentais são constantes”242.

Após a edição do CPC/15, em vista da previsão do seu artigo 15, o tema ganhou
outros contornos. Pouco antes da entrada em vigor da nova legislação, o Tribunal Superior
do Trabalho editou a Instrução Normativa 39/2016, que dispõe sobre as normas do
Código de Processo Civil de 2015 aplicáveis e inaplicáveis ao Processo do Trabalho, de
forma não exaustiva. Quanto à forma, a técnica legislativa é no mínimo questionável, por
envolver a veiculação de conteúdo jurisdicional em normas de natureza administrativa.
Quanto ao seu conteúdo, aquele Tribunal reconheceu a compatibilidade de inúmeras
regras processuais específicas, proclamando sua aplicabilidade ao processo trabalhista,
como por exemplo as regras sobre tutela provisória, responsabilidade patrimonial e
fundamentação das decisões243.

241
Amauri Mascaro Nascimento. A subsidiariedade do direito processual comum no processo trabalhista.
Revista de Processo, p. 230-234.
242
Amauri Mascaro Nascimento. Ob. cit., p. 230-234.
243
Para o inteiro teor da Instrução Normativa, ver https://www.tst.jus.br/documents/10157/429ac88e-9b78-
41e5-ae28-
2a5f8a27f1fe#:~:text=INSTRU%C3%87%C3%83O%20NORMATIVA%20N%C2%BA%2039%2F2016
,Trabalho%2C%20de%20forma%20n%C3%A3o%20exaustiva. Na mesma norma, o TST afastou a
aplicação de certas regras processuais gerais que, em melhor análise, não se incompatibilizam com a
natureza do processo do trabalho. Destaco, em especial, a conclusão pela inaplicabilidade absoluta do artigo
190 do CPC, uma vez que, mesmo no âmbito das relações trabalhistas, haveria espaço para certos negócios
processuais, uma vez que os direitos em disputa são de natureza patrimonial. Da mesma forma, soa
104

Um dos temas desta possível intersecção entre as previsões normativas envolve,


também, a questão do impedimento e suspeição do juiz. A Consolidação das Leis do
Trabalho contempla apenas a hipótese de suspeição (CLT, art. 801), o que faz a doutrina
se dividir em três hipóteses. Uma, que sustenta a inexistência de hipóteses de
impedimento, diante da falta de previsão da lei especial. Outra, que propõe a aplicação
subsidiária do CPC às hipóteses de impedimento, em virtude da omissão da lei
trabalhista244. Por fim, a posição majoritária, que entende que a omissão da CLT com
relação às hipóteses de impedimento não impede a aplicação análoga das disposições do
CPC, as quais devem ser transportadas para o Direito Processual do Trabalho, em vista
da incompletude da legislação especial245.

O processo dos Juizados Especiais merece, igualmente, um comentário


particular. Em certa medida, há quem procure estabelecer, relativamente ao processo
arbitral, premissas parecidas com aquelas defendidas em relação aos Juizados Especiais,
para justificar a independência das respectivas fontes normativas e a inaplicabilidade dos
preceitos do Código de Processo Civil.

A exemplo do que ocorre com a Lei de Arbitragem, a Lei nº 9.099/1995 não


contém uma disposição expressa acerca da aplicação subsidiária das normas do processo
civil comum a este procedimento especial246. Há quatro alusões expressas ao CPC247,
além de referências à “legislação em vigor”248, do que decorre, para parte da doutrina e

aberrante a previsão do artigo 4º. § 2º, de que não se considera “decisão surpresa” a que, à luz do
ordenamento jurídico nacional e dos princípios que informam o Direito Processual do Trabalho, as partes
tinham obrigação de prever, concernente às condições da ação, aos pressupostos de admissibilidade de
recurso e aos pressupostos processuais, salvo disposição legal expressa em contrário. Salvo melhor juízo,
é justamente para essas situações que a lei, em obediência à garantia constitucional do contraditório, previu
a necessidade de submissão da questão previamente às partes, para evitar indevidas extinções do processo
sem resolução do mérito.
244
GIGLIO. Wagner et at. Direito Processual do Trabalho. 15ª Edição. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 202.
245
MALLET, Estevão. Comentários ao Código de Processo Civil, volume 1 (arts. 1º a 317), p. 259.
MASCARO NASCIMENTO, Amauri. Curso de Direito Processual do Trabalho. 22ª Edição. São Paulo:
Saraiva, 2007, p. 501. BRANCO, Ana Maria Castello. SAAD, Eduardo Gabriel. SAAD, José Eduardo
Duarte. Curso de Direito Processual do Trabalho. 5ª Ed. São Paulo, LTr, 2007, p. 540.
246
Razão pela qual, para Fátima Nancy Andrighi e Sidnei Beneti, pode-se “inferir, salvo situações especiais,
que buscou-se manter afastada a sua incidência, considerando a especialidade de que é revestida esta
Justiça.” ANDRIGHI, Fátima Nancy; BENETI, Sidnei. Juizados Especiais Cíveis e Criminais. Belo
Horizonte, Del Rey, 1996, p. 24.
247
A saber: (art. 2º.) competência para as causas outrora previstas para o procedimento sumário do CPC/73;
(art. 48) cabimento de embargos de declaração; (art. 52) execução da sentença conforme disposições do
CPC, observadas as adaptações estabelecidas neste mesmo artigo; (art. 53) execução de título executivo
extrajudicial de valores compatíveis com os Juizados, igualmente observadas adaptações contidas no
próprio artigo.
248
Por exemplo, quando a lei dispõe que a arguição de suspeição ou impedimento do Juiz não devem ser
feitas na contestação, mas que esta arguição “se processará na forma da legislação em vigor.”
105

da jurisprudência249, a inaplicabilidade de outras disposições, porque o processo dos


Juizados Especiais é regido por princípios próprios.

Entretanto, o fato de possuir princípios próprios, regras particulares ou mesmo


de dar conotações diferentes a princípios do processo civil não significa o abandono ou o
afastamento dos conceitos e da estrutura do processo jurisdicional tal qual concebido pelo
ordenamento brasileiro. A Lei nº 9.099/1995, de fato, regula o procedimento de forma
muito peculiar, com impactos na estruturação dos atos processuais, na sua forma e no
tempo da sua prática, mas ainda assim, compartilha com o processo comum a sua
estrutura fundamental, de uma demanda que é iniciada por iniciativa do autor, que é
julgada dentro dos limites do pedido formulado, com poderes do julgador, tanto de
impulso do procedimento, como de instrução do processo, e que termina idealmente por
sentença que resolve o mérito, aplicando o direito ao caso concreto. No plano recursal,
assegura-se o duplo grau, com recurso de fundamentação livre, apto à revisão tanto das
questões de fato como as de direito, o qual produz efeito devolutivo e, como regra, não
suspende a eficácia da decisão recorrida.

Há sensíveis diferenças quando se examinam os detalhes, mas no macro, os


fenômenos se assemelham. Ambos os processos são entidades complexas, que veiculam
relações jurídicas entre os mesmos sujeitos (autor, réu e julgador), com similitude de
posições jurídicas (ônus, poderes, deveres, faculdades) e que conduzem a decisões por
sujeitos imparciais, tendentes à imutabilidade dos seus efeitos. Também nessa situação
específica, compartilham da mesma espinha dorsal, da estrutura geral, ainda que
corporifiquem modelos procedimentais bastante diversos entre si. Por isso é que, salvo
melhor juízo, pode-se discutir o grau da autonomia e o alcance da subsidiariedade das
normas processuais gerais, mas não é correto considerar um isolamento conceitual ou a
suficiência da legislação especial para regular todos os aspectos do processo ou
procedimento dos Juizados Especiais.

249
Nesse sentido, é a redação do Enunciado 161 do Fórum Nacional de Juizados Especiais (FONAJE):
“Considerado o princípio da especialidade, o CPC/2015 somente terá aplicação ao Sistema dos Juizados
Especiais nos casos de expressa e específica remissão ou na hipótese de compatibilidade com os critérios
previstos no art. 2º da Lei 9.099/95”.
106

Sem pretensões de examinar a fundo as discussões que se estabelecem em


relação à autonomia do processo dos Juizados Especiais, parece oportuno ressaltar que o
fato de ser regulado por legislação própria ou ser informado por princípios particulares
não desnatura a sua consideração como mais uma das modalidades de processo no sistema
processual brasileiro, que pode e deve ser abrangido por uma teoria geral suficientemente
ampla que permita compreender e explicar as estruturas comuns, sem prejuízo das
especificidades de cada ramo ou modalidade de processo250.

Apenas para exemplificar, da Lei dos Juizados Especiais se extrai que naquela
modalidade de processo trabalha-se, igualmente, com as noções tipicamente processuais
de competência, de partes (e, por decorrência lógica, com a ideia de legitimidade de
partes), com provas, sua produção e valoração (inclusive com a possibilidade de
utilização de regras de experiência)251, litisconsórcio, publicidade, instrumentalidade das
formas, efeitos devolutivo e suspensivo dos recursos, possibilidade de extinção do
processo com ou sem julgamento de mérito, oposição do devedor à execução mediante
embargos, litigância de má-fé252. Nem todos os aspectos desses institutos processuais são
disciplinados na própria lei especial, o que também serve para demonstrar a inter-relação
entre os diplomas processuais e o indispensável recurso aos conceitos teóricos da teoria
geral do processo e, não raro, aos conceitos normativos positivados no Código de
Processo Civil.

Assim, nem o processo dos Juizados Especiais nem o processo arbitral são
imunes à aplicação subsidiária e excepcional dos preceitos contidos na legislação
processual geral253. Como afirma José Roberto dos Santos Bedaque, “ao interpretar as

250
Eduardo Parente atribui também aos Juizados Especiais a qualidade de um sistema próprio,
“notadamente em função de possuir regramento específico”, com especificidades legais quanto aos seus
princípios informativos. Para o autor, trata-se do exemplo mais característico de um sistema processual
próprio, separado do processo estatal. PARENTE, Eduardo. Processo arbitral e sistema, p. 38. Pelas razões
expostas ao longo desta tese, entendo ser mais adequado considerar também o processo dos Juizados
Especiais como integrante da teoria geral do processo, para, ao mesmo tempo, reconhecer sua estrutura
comum e as suas peculiaridades, as quais não dependem da proclamação de uma independência ou de um
isolamento que, ao fim e ao cabo, impedem o aproveitamento de conceitos processuais gerais e as
conquistas teóricas dos institutos comuns às várias modalidades de processo.
251
Também com disposições sobre depoimentos pessoais e de testemunhas, ampla produção probatória,
por provas típicas e atípicas.
252
Que são previstos na Lei 9.099/95, respectivamente, nos artigos 3º, 4º, 8º, 12, 27, 32, 41, 52, IX, , e 55.
253
ANDRIGHI, Fátima Nancy. Redescobrindo os juizados especiais. Coleção Repercussões do Novo CPC,
v. 7 – Juizados Especiais. REDONDO, Bruno Garcia et al (Coord.). Salvador, Juspodivm, 2015, p. 30: “A
Lei 9.099/95 veio sob o signo da simplicidade, da informalidade, da oralidade, da celeridade e da economia
processual, critérios, que a fazem diferenciada, distinta e sem nenhuma semelhança com a Justiça
Tradicional, tanto que, na parte Cível da referida Lei, sequer menciona eventual aplicação subsidiária do
Código de Processo Civil.”
107

regras de Direito, inclusive as de natureza processual, não pode o hermeneuta limitar-se


à análise dogmática, ignorando que o sistema de direito positivo é inspirado em
254 255
experiências que o antecedem e visa atingir determinados fins” . Mais do que
proclamar uma independência que não existe, o desafio da doutrina deve ser o de
estabelecer com segurança as balizas para que, desta aplicação subsidiária, não decorrem
distorções ou desrespeito às peculiaridades de cada ramo específico do processo.

A interação e a inter-relação entre diferentes tipos de processo constituem um


dos objetivos centrais da Teoria Geral do Processo. Como teoria que se pretende geral,
seu objeto consiste justamente na identificação de categorias processuais gerais, de
conceitos teóricos que se apliquem a diferentes ramos do processo. Tais generalizações
não excluem o reconhecimento das peculiaridades, e nem mesmo a constatação de que há
noções mais afeitas a um particular ramo, do que a outro, ou a princípios processuais que
assumem maior importância em um ramo do que em outro256. Marcelo Barbi Gonçalves,
em seu trabalho sobre uma nova Teoria Geral da Jurisdição, ilustra bem esse estado de
coisas ao comparar o processo civil e o penal. Referido autor retoma os debates sobre a
admissibilidade de uma teoria geral que abarque estes dois ramos do processo, para
concluir em sentido positivo, ilustrando com a aplicação de institutos previstos para o
processo civil, mas que devem ser igualmente aplicados ao processo penal. Dois
exemplos merecem registro. Primeiro, a reflexão sobre a extensão dos precedentes
vinculantes (art. 927, CPC) e do regime dos recursos repetitivos (art. 1.036, CPC) para o
processo penal257. Segundo, a possibilidade de celebração de negócios jurídicos
processuais no processo penal com base no art. 190 do Código de Processo Civil258. Estas
noções processuais são propostas pela legislação processual civil, sem previsão ou

254
BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Efetividade do processo e técnica processual. São Paulo:
Malheiros, 2010, p. 406.
255
Como faz Fernão Borba Franco em diferentes estudos dedicados à compreensão do processo
administrativo na teoria geral do processo. Para este autor, a teoria geral não significa que os institutos
devem ser idênticos, mas que as particularidades de cada ramo podem ser explicadas coerentemente, com
base em conceitos iguais. FRANCO, Fernão Borba. Processo Administrativo. Teoria Geral do Processo,
Imparcialidade e Coisa Julgada, p. 234.
256
MASCARO NASCIMENTO, Amauri. A subsidiariedade do direito processual comum no processo
trabalhista, p. 230-234: “o processo é meio de solução das lides e a sua estrutura fundamental é a mesma,
qualquer que seja a natureza da questão de direito material, civil, trabalhista, penal ou fiscal, embora
diferentes as suas notas características acidentais. O processo é concebido como relação jurídica e como tal
os seus elementos fundamentais são constantes”.
257
Provoca o autor: Se essa vinculação é, como se costuma sustentar, uma decorrência do princípio da
isonomia, deve o juiz com competência penal seguir a ratio decidendi dos julgados dos tribunais superiores?
GONÇALVES, Marcelo Barbi. Teoria Geral da Jurisdição, p. 360.
258
Como por exemplo, o estabelecimento de prazo para apresentação de alegações finais, ordem de
produção de provas. GONÇALVES, Marcelo Barbi. Teoria Geral da Jurisdição, p. 360.
108

remissão à legislação penal. Mas quando se examinam as premissas de sua aplicação ao


processo estatal civil, não se identificam razões que impeçam o transporte desses
institutos ao processo penal, onde teriam relevante função como mecanismos de
aprimoramento daquele ramo do processo.

5. A falta de remissão, na Lei de Arbitragem, ao Código de Processo Civil, não


determina a inaplicabilidade das suas regras ao processo arbitral, em caráter
subsidiário. De novo, a impropriedade técnica do isolamento conceitual do processo
arbitral.

Como visto, os debates sobre a influência que normas gerais exercem sobre
normas particulares ou especiais transcende a discussão sobre a relação entre o processo
arbitral e o processo comum. Mas é necessário reconhecer, de outro lado, que a relação
entre estas modalidades de processo pode e deve ser compreendida à luz desse tema.
Ainda que não seja comum que o debate seja enquadrado sob esta perspectiva, parece-me
fora de dúvidas que o processo arbitral deve ser compreendido como uma modalidade
específica de solução de controvérsias, regulado por lei própria, uma lei processual que
deve ser entendida como uma lei especial.

É uma lei especial porque seu objeto é específico e suas disposições se aplicam
apenas ao processo arbitral. É também especial porque seu conteúdo não é abrangente, ao
contrário, o legislador optou por regular pouquíssimos aspectos deste processo particular,
e fez isso justamente porque seria desnecessário repetir conceitos e provisões legais que
já se encontram positivadas nas normas processuais gerais do ordenamento brasileiro.
Seria uma redundância, que o legislador, corretamente, procurou evitar.

O fato de a Lei de Arbitragem não conter alguma remissão genérica à lei


processual geral não pode ser compreendido como a demonstração da inaplicabilidade
das normas gerais ao processo arbitral. Como já visto, esse isolamento gera inúmeras
perplexidades e deixa sem resposta múltiplas questões. De outro lado, como bem adverte
José Roberto Bedaque, “processo judicial e processo arbitral nada mais são do que
métodos legais de solução de controvérsias, um estatal, outro não. Ambos, porém, visam
ao mesmo fim, qual seja, atuar a vontade concreta da lei, eliminar os litígios e pacificar,
109

sempre com a efetiva participação dos interessados no resultado. Identificam-se, portanto,


pelos escopos jurídico, social e político”259.

Assim, processo arbitral e processo estatal compartilham os mesmos escopos, a


mesma estrutura fundamental, o mesmo modo de ser. Para tanto, a lei especial se limita a
regular os aspectos que são diretamente aplicados, cabendo ao intérprete a tarefa de
estabelecer, dentre as normas processuais gerais, quais podem vir a ser excepcionalmente
aplicadas ao processo arbitral, nas hipóteses de omissão das partes, dos árbitros, da
própria Lei de Arbitragem, e desde que observada a compatibilidade entre estas normas
e as características específicas do processo arbitral260.

No plano normativo, a partir da norma do artigo 16 do CPC, segundo a qual a


jurisdição civil é exercida pelos juízes e tribunais em todo o território nacional, conforme
as disposições deste Código, poder-se-ia cogitar de que os árbitros, excluídos da
referência neste dispositivo, exercem a jurisdição civil sem ser conforme as disposições
do Código. Mas creio que não é esta a interpretação que se deve conferir ao artigo. Da
leitura deste dispositivo, parece-me que o Código se proclama aplicável por juízes e
tribunais, mas não que outras formas de jurisdição não o devam aplicar ou estejam
proibidos de fazê-lo, em caráter subsidiário (e, no caso da arbitral, excepcional). Fosse
assim, por não constituírem a jurisdição civil, nem o processo administrativo nem o
processo penal ou do trabalho poderiam ser informados por regras do CPC. Mas como
visto, há múltiplas influências e relações entre as normas do Código de Processo Civil e
estas outras modalidades de processo, que não integram propriamente a jurisdição civil.
Não extraio, portanto, deste dispositivo, uma proclamação da exclusão de suas regras ao
processo arbitral, como fonte subsidiária.

259
BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Sentença arbitral: questões de fato, conjunto probatório,
fundamentação e contraditório, p. 382. Em nota de rodapé, Bedaque menciona a posição de Vicenzo
Vigoriti (Em busca de um direito comum arbitral, p.13), segundo a qual o processo arbitral observa as
regras fundamentais dos juízos cíveis, bem como a de Edoardo Ricci (Lei de Arbitragem Brasileira, p.76),
para quem é evidente a incidência, no processo arbitral, das garantias inerentes ao devido processo legal.
Ob. Cit., p. 383.
260
Sem se referir explicitamente ao processo arbitral, mas com considerações que me parecem aplicáveis a
ele, Marcelo Barbi Gonçalves observa que o novo diploma é um código de processo civil, mas também um
locus onde tendências modernas da ciência processual foram consagradas, GONÇALVES, Marcelo Barbi.
Teoria Geral da Jurisdição, p. 358-359.
110

Ainda tomando por base o plano normativo, é possível encontrar a base legal
para estas aproximações. A despeito de a Lei de Arbitragem não se reportar às normas
gerais como fonte subsidiária – repetindo, nesse particular, diversas outras leis nacionais
sobre arbitragem261 – a norma processual geral brasileira contém dois dispositivos que
devem ser mencionados. O artigo 318, parágrafo único, segundo o qual o procedimento
comum aplica-se subsidiariamente aos demais procedimentos especiais e ao processo de
execução, e o artigo 1.046, § 2º, que ao regular as disposições transitórias, determina:
permanecem em vigor as disposições especiais dos procedimentos regulados em outras
leis, aos quais se aplicará supletivamente este Código.

Não se pode reduzir a arbitragem a um mero procedimento especial, porque suas


características próprias exigem que se considere um verdadeiro processo, logo, uma outra
espécie de processo, ao lado do processo civil estatal, do processo do trabalho, penal
etc262. Nem por isso se deve excluir a compreensão do processo arbitral como portador
de um procedimento especial, pois a legislação própria contempla uma ampla liberdade
às partes para disciplinar o procedimento. Mas ainda que não se aceite a ideia de a
arbitragem, portadora de um procedimento especial, regulado fora do âmbito do Código
de Processo Civil, possa ter suas regras subsidiariamente aplicadas por força das
disposições acima mencionadas (arts. 318, §U e art. 1.046, §2º), cabe insistir em um
aspecto. Não se deve buscar exclusivamente na lei (seja a geral, seja a especial) algum
dispositivo que determine a sua aplicação subsidiária, ou proclame sua condição de norma
geral. A tarefa de identificar os pontos de contato e as inter-relações entre normas gerais
e especiais é, essencialmente, da doutrina, porque diz respeito à interpretação das normas
aplicáveis. Mesmo que se considere inaplicáveis os dispositivos acima referidos, ainda
assim o tema permanece, e ainda assim segue sendo necessário explicar o funcionamento
de inúmeros aspectos do processo arbitral, que não são objeto da lei específica nem podem
ser dessumidos da aplicação de princípios processuais.

Há, portanto, um vácuo. Aspectos essenciais do processo arbitral não são


previstos pela lei de arbitragem, pelos princípios processuais, pelas partes ou pelos
árbitros. Como eles se explicam? A quais parâmetros obedecem? A única resposta

261
Por exemplo, na Itália, cf. Codice di Procedura Civile, artigo 816; na Espanha, a Ley 60/2003, art. 25.
262
Processo que guarda, com relação ao processo civil, inúmeros traços comuns ou, como afirma
Dinamarco, verdadeira identidade, pois os litígios arbitrais serão os mesmos conduzidos sob os ditames
desse ramo processual específico. DINAMARCO, Cândido Rangel. A Arbitragem na Teoria Geral do
Processo, p. 17.
111

possível, no âmbito das arbitragens internas, é que esses parâmetros decorrem da Teoria
Geral do Processo e, concretamente, vários deles são corporificados e regulados pelas
normas processuais gerais ou, por outras palavras, pelo Código de Processo Civil.

Veja-se, por exemplo, a questão relativa ao conteúdo da defesa do requerido.


Qual a extensão da atividade defensiva, no processo arbitral? Na lei especial não existem
parâmetros que determinam ao réu o ônus de impugnação específica, ou a apresentação
da defesa em uma única oportunidade, sob pena de preclusão. Mas a doutrina sustenta, de
forma generalizada, a necessidade de o requerido invocar questões preliminares na
primeira oportunidade, bem como a ocorrência do ônus de impugnação específica, e tais
conclusões são alcançadas por meio da aplicação da analogia das regras do processo
263
estatal ao arbitral . O mesmo quanto à tipificação das condutas que configuram
litigância de má-fé. Apesar de a lei de arbitragem aludir a esta noção, não a qualifica nem
a tipifica. A melhor interpretação que se deve dar é que as regras específicas do processo
estatal são aplicadas ao processo arbitral, por um exercício de aplicação supletiva264.

Não se trata da aplicação ampla e generalizada das disposições do CPC, muito


ao contrário. Aplicam-se regras que versem sobre o processo, com exclusão de regras
sobre procedimento, eis que, quanto a elas, a lei de arbitragem não dá espaço a alguma
aplicação subsidiária de normas procedimentais do processo comum265. E aplicar-se-ão
regras específicas quando permanecerem as situações de omissão na regulamentação
própria (pelas partes, árbitros, regulamentos ou lei) e naquilo que forem compatíveis com
a natureza do processo arbitral.

Essas conclusões encontram amparo na doutrina processual que se dedicou ao


tema da relação entre o processo arbitral e o estatal. Como já observado, autores que se
dedicam a estudar a arbitragem recusam ou resistem a essa inter-relação, preferindo
enfatizar o caráter autônomo do processo arbitral e afastá-lo das regras processuais
gerais266. De outro lado, diversos estudiosos do direito processual reconhecem essas

263
GAJARDONI, Fernando da Fonseca. Aspectos fundamentais de processo arbitral e pontos de contato
com a jurisdição estatal. Revista de Processo, vol. 106/2002, pp. 189-216. p. 190. GRECO, Leonardo.
Instituições de Processo Civil, vol. 1. Introdução ao Direito Processual Civil, p 234.
264
Que Hermes Marcelo Huck qualifica como de aplicação subsidiária. HUCK, Hermes Marcelo. As táticas
de guerrilha na arbitragem, pp. 311-315.
265
BERALDO, Leonardo de Faria. O impacto do novo Código de Processo Civil na arbitragem, p. 176,
sustenta que apenas as regras de cunho processual devem ser aproveitadas sempre que possível e compatível
com o sistema arbitral.
266
PARENTE, Eduardo. Processo Arbitral e Sistema, p. 72-73.
112

influências, afirmando a possibilidade de recurso a conceitos e normas específicas do


processo estatal, naquilo que não forem incompatíveis com as normas e o modo de ser do
processo arbitral.

Não obstante a liberdade das partes de regular o procedimento, Humberto


Theodoro Júnior ressalva que o tribunal arbitral deve respeitar os princípios fundamentais
do processo267. Com apoio em Elio Fazzalari, propõe que no direito brasileiro as omissões
das partes ou dos árbitros sejam igualmente supridas pelas normas gerais do processo de
conhecimento traçadas no CPC, resultado a que se pode chegar a partir da interpretação
do parágrafo único do artigo 318 do CPC que, como visto, dispõe que o procedimento
comum aplica-se subsidiariamente aos demais procedimentos especiais e ao processo de
execução268.

Para Donaldo Armelin, a arbitragem constitui uma nova forma de solução de


litígios, de regulamentação muito mais enxuta, sendo necessário o recurso a normas do
processo civil como fonte subsidiária. Processo arbitral e processo estatal têm o mesmo
escopo e a mesma estrutura, “esta espelhada numa relação jurídica dinâmica e triangular,
vinculando os litigantes e aqueles dotados de poderes para decidir o conflito de
interesses”, mas ressalva que “enquanto o macrossistema processual é dotado de técnica
específica gerada pela decantação da experiência de mais de um século na solução de
conflitos, a arbitragem tem, no ordenamento jurídico sua disciplina legal confinada em
um diploma de pouco mais de 40 artigos, o que, à míngua de ajuste entre as partes
litigantes sobre questões nela não versadas, exige a adoção de um referencial para as suas
soluções”269. Daí porque, ausente acordo entre as partes sobre certos aspectos do litígio,
e omissa a lei específica, “mister se faz, então, o recurso ao macrossistema processual
adstrito ao Poder Judiciário, para fornecer elementos que favoreçam a solução de questões

267
Não apenas os de índole constitucional, como o contraditório e a ampla defesa, mas também aqueles
concebidos na legislação processual geral, como “os limites da sentença ao pedido da parte, ao debate
dialético das pretensões contrapostas, à investigação da verdade real, à motivação do julgado, à coisa
julgada etc.’, THEODORO Jr., Humberto. Arbitragem e Terceiros - Litisconsórcio fora do pacto arbitral -
Outras intervenções de terceiros, p. 247-248.
268
As afirmações de Humberto Theodoro foram feitas à luz do CPC/73, que continha esta previsão no então
artigo 272, parágrafo único. O sistema jurídico italiano, segundo Elio Fazzalari, parece exigir uma solução
para o caso de omissão total ou parcial na definição pelas partes e, subsidiariamente, pelos os árbitros, das
regras formais aplicáveis ao procedimento arbitral, hipótese em que, para o autor, serão analogicamente
aplicadas as regras do Código de Processo Civil italiano relativas ao processo ordinário de conhecimento,
em especial as relativas ao contraditório e que sejam compatíveis com a natureza privada do ofício do
árbitro e a carência de poder coercitivo. FAZZALARI, Elio. L’arbitrato. Torino, Utet, 1997, p. 56.
269
ARMELIN, Donaldo. Notas sobre sentença parcial e arbitragem. Revista de Arbitragem, p. 1-2.
113

dessa natureza”, ressalvado o notável processualista que “esse recurso ao processo civil
não constitui uma tentativa de ‘judicializar’ a arbitragem, mas sim em um adminículo
para um adequado tratamento das lacunas da Lei 9.307/96, resultantes de sua espartana
disciplina no tratamento do procedimento arbitral, explicável à luz da outorga aos
litigantes do poder de estabelecer o procedimento arbitral, mas insuficiente para as
implementar, quando essa outorga não é utilizada”270.

Por sua vez, José Rogério Cruz e Tucci observa, com razão, que ambos os
mecanismos compartilham de conceitos comuns e devem, por isso, adotar linguagem
técnica comum, sendo certo que a própria Lei de Arbitragem faz referência a inúmeros
institutos da dogmática processual, como por exemplo “causa de pedir271, pedido,
incompetência, impedimento, suspeição, revelia, depoimento pessoal, prova pericial,
livre convencimento, sentença, litigância de má-fé”272. Assim, mesmo reconhecendo que
a arbitragem “é regida por textos legais específicos: lei da arbitragem e, subsidiariamente,
regulamento das câmaras de arbitragem”, e ainda que afirme a não aplicação das normas
do CPC, Tucci excepciona admitindo sua aplicação a “algumas específicas situações”,
sem propriamente esclarecer quais273 274.

Nessa mesma ordem de ideias, Leonardo Greco faz coro à afirmação de que as
garantias processuais se aplicam ao processo arbitral, e vai além, aduzindo, com razão,
que a Lei de Arbitragem não regula os requisitos de todos os atos do procedimento
arbitral, daí porque, respeitadas as características próprias da arbitragem, o Código de

270
ARMELIN, Donaldo. Notas sobre sentença parcial e arbitragem. Revista de Arbitragem, p. 2.
271
A Lei de Arbitragem alude ao objeto da arbitragem, não propriamente à causa de pedir, mas é possível
compreender a expressão como alusiva à noção técnico-processual da causa de pedir, sobretudo porque
mencionada juntamente com a referência ao pedido da parte, cf. art. 7º. § 1º.
272
CRUZ e TUCCI, José Rogério. A linguagem jurídica exige precisão técnica: processo ou procedimento
arbitral? https://www.conjur.com.br/2021-jan-05/paradoxo-corte-linguagem-juridica-exige-precisao-
tecnica .
273
CRUZ e TUCCI, José Rogério. Ob. cit.
274
Ainda que adotem outras perspectivas e sustentem a inaplicabilidade de regras processuais específicas,
Eduardo Parente e Marcos Montoro acabam por admitir, em diversas passagens, o uso de normas
processuais comuns para regular o processo arbitral. Parente observa que o processo arbitral se vale do
direito processual, em primeiro plano com relação os princípios processuais, e que no que ele denomina de
‘comunicação entre os sistemas’, “em termos práticos, isso faz com que o árbitro busque respaldo no
sistema do processo estatal, quando não contraditório com o conteúdo inerente ao sistema arbitral”. Por
exemplo, no que diz respeito à sentença arbitral, que é prevista, mas não definida ou regulamentada na lei
de arbitragem, que apenas se limita a disciplinar o seu prazo e seus requisitos formais, mas “o conceito de
sentença, para o processo arbitral, é o estampado no processo estatal, no Código de Processo Civil”.
PARENTE, Eduardo. Processo arbitral e sistema, p. 68-69. Montoro, por sua vez, reconhece que certas
noções processuais decorrem do sistema, da “forma como o ordenamento processual brasileiro é ordenado”,
aludindo às ideias de singularidade, proibição da reformatio in pejus e fungibilidade. MONTORO, Marcos.
Flexibilidade do Procedimento Arbitral, p. 340.
114

Processo Civil, o Código Civil e o Código Penal devem ser considerados na


caracterização de vícios da arbitragem, como por exemplo, para nulidade da convenção
de arbitragem, nos casos de impedimentos do juiz, prevaricação, concussão e corrupção
passiva275.

De fato, e como já observado, as disposições das leis de arbitragem, ou dos


capítulos dos Códigos de Processo Civil que a regulamentam (em países como França e
Alemanha) não são, em geral, suficientes para disciplinar todos os seus aspectos. Assim
é que autores como Elio Fazzalari, sustentam que as normas concebidas para o processo
estatal, entendidas como normas processuais gerais por sua maior abrangência e escopo,
devem funcionar como fechamento do sistema, aplicando-se lhes para colmatar lacunas,
desde que compatíveis com a natureza e as características do processo arbitral276 277.

Ainda que sob um enfoque mais geral, Flávio Yarshell manifesta as mesmas
preocupações com relação ao isolamento conceitual e à artificial proclamação da
autonomia do processo arbitral, observando que:

“O discurso da especialidade como forma de exclusão deve ser visto com rigor
no campo científico. Nesse âmbito, aquele discurso não pode jamais funcionar
como argumento de autoridade, como a limitar a interpretação do direito
processual apenas aos ‘especialistas’. O equilíbrio está no seguinte: nem
subsistemas indevidamente submetidos a regras gerais que a eles não se aplicam;
nem desvinculação mal justificada desses subsistemas a regras ‘gerais’. A

275
GRECO, Leonardo. Controle Jurisdicional da Arbitragem. Revista Brasileira de Arbitragem, p. 22.
276
FAZZALARI: “Il sistema pare, infine, esigere una chiusura per la ipotesi, non infrequente, in cui né le
parti né, in subordine, gli arbitri operino una previa scelta delle ‘forme’, oppure tale scelta sia stata parziale
o incompleta. In tal caso è da ritenere que vadano analogicamente applicate – in tutto o per colmare lacune
– le regole del codice di rito italiano, relativa al processo ordinario di cognizione: beninteso quelle che
attengano all’attuazione dell contraddittorio, e che siano compatibili vuoi con la natura privata dell’ufficio
dell’arbitro, cioè con la di lui carenza di poteri coattivi, vuoi, in caso di scelta incompleta, con le regole
stabilite dalle parti e/o dagli arbitri”. FAZZALARI, Elio. L’Arbitrato, p. 56.
277
No mesmo sentido, FOUCHARD, Philippe. Sugestões para aumentar a eficácia internacional das
sentenças arbitrais. Revista de Direito Bancário e do Mercado de Capitais, São Paulo, vol. 8, p. 331, abril,
2000. “39. A lei do país em cujo território se desenvolve a arbitragem - ou ao menos onde supostamente
deveria se desenvolver - proporciona um contexto jurídico à arbitragem, ou, para ser mais exato, a propõe,
já que a sua vocação é subsidiária. Somente na ausência de regras autônomas oriundas da convenção entre
as partes e da prática e sob a condição de que as partes não tenham designado outra lei é que a lei da sede
fornecerá as regras técnicas que permitirão o seu normal desenvolvimento. Esta, ao menos, a moderna
tendência das recentes leis e jurisprudência”, p. 339.
115

existência de regras especiais, por uma questão conceitual, não pode desnaturar
o sistema processual.

No campo da arbitragem, a invocação da especialidade fez nascer a categoria


dos “arbitralistas”. Não há dúvida de que a arbitragem tem relevantes notas de
especialidade, que apartam o respectivo processo daquele que é instrumento da
jurisdição estatal. Basta dizer que se trata de instituto fundado na vontade das
partes, a gerar decisão cujo mérito não pode ser revisto pelo Poder Judiciário.
Contudo, não é possível interpretar a lei que a regula como se fosse um corpo de
normas desvinculado do exercício do poder conferido ao árbitro e como se esse
não estivesse sujeito ao modelo processual ‘geral’; até para que se determinem
os limites da especialidade e até onde ela derroga as regras gerais”278.

Em conclusão, é necessário reconhecer que o processo arbitral não pode ser


isolado do restante do ordenamento no qual se insere, porque, como visto, nenhuma lei
ou corpo normativo é autossuficiente ou capaz de regular inteiramente os fenômenos
jurídicos dos quais trata. A esse respeito, o capítulo 2, acima, procurou demonstrar como
a regulação específica do processo arbitral é incapaz de explicar a sua estrutura e de dar
resposta a inúmeras situações que concretamente se verificam. A liberdade das partes ou,
indiretamente, dos árbitros, de regular o procedimento arbitral não elimina a necessidade
de inter-relação entre o processo arbitral e normas que lhes são externas. Em outras
palavras, ao processo arbitral se aplica a mesma dinâmica de correlação entre normas de
processo especial e processo geral, o que significa dizer que a legislação arbitral
prevalecerá nas questões que diretamente regular, e que as normas processuais gerais
serão fonte subsidiária de regulação do processo arbitral, naquilo que não forem
incompatíveis com o modelo do processo arbitral.

6. Institutos fundamentais da Teoria Geral do Processo aplicados ao processo


arbitral.

A teoria geral do processo se funda, e também se justifica, a partir do estudo dos


seus institutos fundamentais, adiante examinados. Antes, observo apenas que a concepção
teórica de uma teoria geral não surge antes do seu objeto de estudo. Assim, foi preciso o
desenvolvimento de diversos institutos, aplicados a diferentes ramos do direito material,

278
YARSHELL, Flávio Luiz. Curso de Direito Processual Civil, vol. I, p. 64.
116

para que do exame das suas características comuns se pudesse extrair o grau de
generalização para se conceber uma teoria geral.

Como já dito, no Brasil esse trabalho foi desenvolvido pelos Professores Antonio
Carlos de Araújo Cintra, Ada Pelegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco, cuja obra
fundamental vem sendo estudada como a base dessa teoria geral há algumas décadas. E
sua utilidade segue inquestionável. Para esses autores, a Teoria Geral do Processo é um
sistema de concretização de princípios elevados ao grau máximo de generalização útil e
condensados individualmente a partir do confronto dos diversos ramos do direito
processual. É uma teoria geral, informada por princípios próprios, aplicáveis aos seus
diferentes desdobramentos. No que diz respeito ao processo jurisdicional, regulam o
exercício de poder inerente à relação processual, com vistas ao atendimento de uma das
funções do Estado – e da jurisdição, em particular – que é o da pacificação social mediante
a solução dos conflitos.

Os tópicos a seguir serão dedicados ao exame dos institutos fundamentais que


compõem a teoria geral do processo e, ao longo desta análise, procurarei expor não apenas
os elementos comuns e conceitos fundamentais que compõem esta teoria geral, como
também destacar as especificidades do processo arbitral. Porque o fato de a arbitragem
integrar a teoria geral do processo tem exatamente esse significado. A exemplo de muitos
outros ramos do processo, o arbitral deriva do tronco comum, compartilha de conceitos e
parâmetros gerais, e simultaneamente apresenta suas particularidades. É justamente a
existência destas especificidades que explica a teoria geral, que justifica sua razão de ser.
Porque é a partir das referências que se extraem dos elementos comuns que se pode
explicar e adaptar diversos institutos às respectivas ramificações. Assim,
exemplificativamente, é a partir do elemento comum da imparcialidade do julgador que
se pode compreender a atuação dos árbitros, o que não exclui nem desdiz o fato de que,
para esta autoridade jurisdicional em específico, o elemento confiança da parte assume
uma conotação que não se verifica quanto ao juiz estatal. Ou porque, não obstante a oferta
da tutela jurisdicional pelo Estado imponha que ele ofereça tais serviços gratuitamente,
em certas situações, essa mesma realidade não se projeta para a arbitragem, que constitui
uma modalidade de jurisdição privada, a cujos personagens não se pode impor ou exigir
algum tipo de gratuidade.
117

6.1.Jurisdição.

Na teoria geral do processo, o estudo dos seus institutos fundamentais tem como
ponto de partida a Jurisdição. Em termos estritamente técnico, isso pode ser justificado
porque o processo é o instrumento de que se vale a Jurisdição para realizar suas atividades
e cumprir seus fins. Mas a razão desta centralidade da Jurisdição se relaciona, na verdade,
com a necessidade de se enfatizar a efetividade da tutela jurisdicional, a produção de
resultados decorrentes desta atividade, e a relevância de se ressaltar as finalidades (os
escopos) que, por meio do processo, a Jurisdição realiza279. Em sua acepção tradicional,
a jurisdição é função do Estado, pela qual ele se substitui aos particulares para, fazendo
cumprir o preceito jurídico pertinente a cada caso, eliminar os conflitos e buscar pacificar
as pessoas conflitantes280. Humberto Theodoro Júnior a define como atividade
secundária, instrumental, declarativa ou executiva, desinteressada e provocada. A função
jurisdicional atua diante de fatos já ocorridos, para subsumir a norma abstrata ao caso
concreto, produzindo uma lex specialis, voltada para o fato controvertido, e que se veste
da força de um verdadeiro comando (lei do caso concreto)281.

Cândido Dinamarco realça a sua tríplice condição, de função, poder e atividade,


“que se realiza com a finalidade central de dar efetividade ao direito material, de pacificar
pessoas e grupos, e eliminar conflitos” 282 283. Entre outras tantas contribuições ao estudo
do direito processual, Dinamarco pôs em relevo a concepção do processo como
instrumento técnico, mas sobretudo ético, pelo qual se busca a efetivação dos direitos e a
pacificação, que constitui a finalidade central da jurisdição, o seu escopo magno.
Demonstra a impropriedade e a superação de uma noção da jurisdição que se restringe à
aplicação da vontade concreta da lei, ao pôr em relevo um conjunto mais amplo de

279
DINAMARCO, Cândido Rangel. A Instrumentalidade do Processo, p. 92-93. MARINONI vai além,
propondo o enquadramento do direito à efetividade da tutela jurisdicional na classificação funcional dos
direitos fundamentais. MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica processual e Tutela dos Direitos. 2ª ed. São
Paulo, Revista dos Tribunais, 2008, p. 144-147.
280
CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Candido Rangel.
Teoria geral do processo. 12ª. Ed, p. 23.
281
Essa função jurisdicional se distingue da função legislativa, na qual se estabelecem, em abstrato, normas
genéricas (lex generalis), com atuação em hipóteses consideradas em abstrato, para a criação de normas
para todos os fatos futuros que se adequarem à descrição contida na norma. Humberto Theodoro Jr.
Arbitragem e Terceiros - Litisconsórcio fora do pacto arbitral - Outras intervenções de terceiros, p. 230-
231.
282
APRIGLIANO, Ricardo de Carvalho. Arbitragem e Jurisdição no novo Código de Processo Civil, p.
241.
283
Para Leonardo Greco, os princípios informativos da jurisdição são a investidura, a indelegabilidade, a
aderência ao território, a inércia, a indeclinabilidade e a unidade. GRECO, Leonardo. Instituições de
processo civil. Vol. I, p. 119-128 e p. 537-571.
118

importantes objetivos que ela se propõe a realizar, que Dinamarco classifica em escopos
sociais, políticos e jurídicos284. Assim, a ideia clássica de que a jurisdição serve para
aplicar a lei aos casos concretos, a fazer justiça, não apenas deixa de constituir seu
objetivo único, como deixa de ser o mais importante.

Como tema originário e central do direito processual, a jurisdição foi objeto de


inúmeros estudos, que lhe realçam seus diferentes aspectos. E objeto de diversas críticas,
tendo a doutrina se dedicado, desde sempre, a compreender os contornos essenciais da
atividade jurisdicional, os elementos que lhe são essenciais285. Nestas visões, identificam-
se alguns dos seus traços característicos, como a substitutividade, a imperatividade, a
imutabilidade, a inafastabilidade, indelegabilidade e inércia. Mas em relação a muitos
destes aspectos, há relevantes críticas quanto à sua essencialidade para explicar e
caracterizar a jurisdição286. Estas críticas se avolumam e se atualizam, conforme se
expande a própria atividade jurisdicional287.

As críticas originais versavam sobre a impropriedade de definir a jurisdição


como função para a decisão de lides, porque esse conceito não tem o mesmo significado
no processo civil e penal, dado o seu traço verdadeiramente sociológico, não jurídico288.
Destacou-se, outrossim, a incompletude da ideia de sua natureza substitutiva, quando se
pensam aos processos necessários, porque não se trata de se substituir às partes que
falharam no cumprimento voluntário dos direitos. Aos que identificam na coisa julgada o

284
DINAMARCO, A Instrumentalidade do Processo, p. 188-263.
285
Para um panorama geral das diferentes teorias em perspectiva crítica, ver GONÇALVES, Marcelo Barbi,
Teoria Geral da Jurisdição, capítulos um e dois, pp. 31-118.
286
Marcelo Barbi Gonçalves ressalta que também a ideia de inevitabilidade da jurisdição deve ser
revisitada, porque não mais se pode partir para a conclusão de que o acesso à justiça ocorre apenas através
do Poder Judiciário. Inúmeros serviços públicos de responsabilidade do Estado são delegados para a
iniciativa privada, de sorte que o indivíduo, para ter a sua necessidade satisfeita, deve se voltar para o
mercado. Assim é, por exemplo, no caso dos serviços de telecomunicações, transporte público e energia
elétrica, que têm seus conflitos resolvidos no âmbito de Agências Reguladoras ou mesmo instituições
privadas, como a Câmara de Comercialização de Energia Elétrica. Não há razão para que com a jurisdição
seja diferente. GONÇALVES, Marcelo Barbi. Teoria Geral da Jurisdição, p. 140.
287
NERY Jr, Nelson. Princípios do Processo Civil na Constituição Federal, p. 195.
288
Fernão Borba Franco bem explica que a ideia de lide é observada segundo diferentes intensidades nos
diversos tipos de processos. Observa, inicialmente, que “o conceito de lide não se resume à existência de
uma controvérsia; necessário que dessa controvérsia resulte uma pretensão, e que a essa pretensão resista
outro interessado no mesmo bem da vida. Fácil de ver, portanto, que a lide, no processo administrativo, é
elemento apenas acidental. No processo civil, entretanto, isso também ocorre, embora seja elemento de
frequência generalizada, e não ocorre no processo penal”. Nem por isso se justifica a compreensão destes
ramos do processo como categorias cientificamente autônomas e separadas, mas apenas que não é por essa
característica específica que se constata as suas bases comuns. FRANCO, Fernão Borba. Processo
Administrativo, Teoria Geral do Processo, Imparcialidade e Coisa Julgada, Teoria do Processo: panorama
mundial, p. 236.
119

traço característico da jurisdição, as críticas dizem respeito à falha desse critério para
explicar o que se passa nos processos de execução sem embargos do devedor, nos quais
pode não haver decisões de mérito e que, ademais, não tem esta aptidão para produzir
coisa julgada.

Quando se examinam realidades como a da arbitragem, que significa o exercício


de atividade jurisdicional fora do âmbito dos órgãos estatais289, a existência de processos
de índole objetiva, que nem mesmo se formam com a tradicional triangularização da
relação processual, aos processos coletivos e à tendência mais recente a processos
estruturais, observa-se que as definições e conceitos originais da Jurisdição vão se
revelando inadequadas para explicar o fenômeno em sua inteireza. Ou melhor, as
características em geral atribuídas à jurisdição podem não se fazer presentes em todos os
casos, mas ainda assim se ter atividade jurisdicional. Os elementos que se revelam
constantes são a qualidade de terceiro do órgão julgador (terzietà), a aptidão para a
produção de efeitos definitivos e, como objetivo final, a pacificação social mediante a
eliminação do conflito290.

Sobre a coisa julgada, pode-se afirmar, ainda hoje, que ela constitui um traço
característico da atividade jurisdicional, ainda que também sujeita a variações na sua
regulação específica. No âmbito das decisões provenientes de órgãos administrativos,
mesmo considerando o elevado grau de estabilidade das decisões decorrentes de processo
administrativo, que não podem ser modificadas pela Administração e, em muitas
ocasiões, não podem nem sequer ser questionadas pela via judicial291, em seu sentido

289
ZUFELATO, Camilo. Reflexões Acerca da Sindicabilidade de Certas Decisões Administrativas e a
Noção de Inafastabilidade da Tutela Jurisdicional no Contexto Atual das Competências Estatais. 40 anos
da Teoria Geral do Processo no Brasil: passado, presente e futuro, p. 167.
290
Humberto Theodoro Jr. observa, com acerto, que a coisa julgada só assume verdadeira importância no
processo de conhecimento, sem o mesmo peso na tutela executiva. De outro lado, porque as decisões
administrativas em geral não são reexaminadas quanto à conveniência e oportunidade (quando do exercício
do poder discricionário), a definitividade das decisões judiciais não chega a ser exclusividade delas. Por
isso, para o autor, o traço distintivo da jurisdição, no confronto com as demais funções do Estado, se dá
quanto aos interesses. A administração age sempre no controle de interesses de que é titular. A relação
jurídica apreciada pela administração é relação sobre a qual incide interesse próprio, ainda que, como
alertam os estudiosos do processo administrativo, a autoridade julgadora deva, em qualquer caso, guardar
equidistância em relação aos interesses que julga. No caso da jurisdição, o julgador é necessariamente um
terceiro, não apenas equidistante, mas estranho à relação jurídica sob julgamento. Ou seja, é a terceiridade
(terzietá) do juiz que caracteriza a jurisdição. O Estado-Juiz é neutro sempre, até quando julga o Estado-
Administração em suas relações públicas ou privadas. THEODORO Jr, Humberto. Arbitragem e Terceiros
- Litisconsórcio fora do pacto arbitral - Outras intervenções de terceiros, p. 233-234.
291
Daí porque a doutrina administrativista fala em ‘coisa julgada administrativa’. BANDEIRA DE
MELLO, Celso Antonio. Curso de Direito Administrativo, 35ª ed. São Paulo, Malheiros, 2021, p. 377-379.
Fernão Borba Franco faz um contraponto, observando que há decisões que podem sim ser anuladas pela
120

técnico, permanece a constatação de que a coisa julgada material permanece um atributo


exclusivo das decisões 292.

A coisa julgada recebe tratamentos diferentes no âmbito do processo civil e


penal, porque neste último, ela varia conforme a eficácia da decisão relativamente aos
seus diferentes sujeitos. Não se admite a desconstituição da coisa julgada penal em
desfavor do acusado, ao passo que em seu favor é admitida a revisão criminal. No âmbito
do processo civil individual, a coisa julgada não se altera a depender do conteúdo do
julgamento ou da parte a quem ela aproveite, mas há regimes próprios no âmbito dos
processos coletivos, como a coisa julgada secundum eventum litis293. Fato é que, não
obstante estas variações, o fenômeno permanece o mesmo, e se aplica a todas as espécies
de processos. A qualidade que torna imutável e definitiva uma decisão não mais sujeita a
recurso é um atributo comum ao processo civil, penal, arbitral, trabalhista e
administrativo.

Outra perspectiva que o tema da Jurisdição apresenta diz respeito à sua


amplitude. No ordenamento jurídico brasileiro, a garantia da inafastabilidade da
jurisdição tem previsão constitucional, o que igualmente vem motivando sucessivos
estudos, para se compreender toda a sua extensão e significado. Sob o aspecto do amplo
acesso à Justiça que esta garantia constitucional veicula, há alguns desdobramentos, como
a estruturação do Poder Judiciário e das carreiras jurídicas públicas, a caracterização da
advocacia como essencial à administração da Justiça, também no plano constitucional
(art. 133), assim como a oferta de serviços jurídicos gratuitos, além da regulamentação
da prestação jurisdicional gratuita àqueles que não podem assumir os custos de um litígio
judicial sem prejuízo do seu próprio sustento.

própria Administração, mediante novo processo administrativo, no qual sejam igualmente asseguradas as
garantias processuais do jurisdicionado, além de ser possível o questionamento judicial de certos atos, pela
própria Administração. FRANCO, Fernão Borba. Processo Administrativo, Teoria Geral do Processo,
Imparcialidade e Coisa Julgada, Teoria do Processo: panorama mundial, p. 248.
292
ZUFELATO, Camilo. Reflexões Acerca da Sindicabilidade de Certas Decisões Administrativas e a
Noção de Inafastabilidade da Tutela Jurisdicional no Contexto Atual das Competências Estatais, p. 166-
200, p. 168.
293
WATANABE, Kazuo. GABBAY, Daniela Monteiro. Admissibilidade e adequação da arbitragem
coletiva como um mecanismo de acesso à justiça no mercado de capitais e seus aspectos procedimentais.
Revista Brasileira de Arbitragem, 2020, Volume 68, pp. 67 – 94, p. 72.
121

No mesmo contexto, sobretudo a partir do CPC/15, as diversas técnicas de


julgamento, como o recurso especial repetitivo, a repercussão geral do recurso
extraordinário, os incidentes de resolução de demandas repetitivas e de assunção de
competência. Com todas as dificuldades e com um sem número de percalços, tais técnicas
visam dar concretude ao comando constitucional de um amplo acesso à tutela
jurisdicional.

Além desse plano mais quantitativo, no aspecto qualitativo a inafastabilidade da


tutela jurisdicional impõe a oferta de outras opções de solução de conflitos, sejam
autocompositivos – como a mediação e a conciliação – sejam heterocompositivos, como
a arbitragem. Se a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a
direito, ela pode proporcionar às partes uma segunda modalidade de solução jurisdicional
dos conflitos, o que fez o legislador com a edição da Lei 9.307/96.

A jurisdição arbitral, privada por definição, é encampada pelo Estado, por ele
autorizada e estimulada, sob uma perspectiva de conferir aos jurisdicionados alternativas
à solução tipicamente estatal. O mesmo é feito, sobretudo a partir da Resolução 125 do
CNJ e, sucessivamente, pela edição da Lei de Mediação e do novo Código de Processo
Civil, quanto a meios não adjudicados de resolução de controvérsias. Compete ao Estado,
para fazer valer a promessa constitucional da inafastabilidade, apoiar e incentivar tais
soluções.

É claro que, sob o prisma teórico, a proclamação da arbitragem como método


jurisdicional importa certas mudanças nas clássicas definições e, como antecipado, a
observância de particularidades da jurisdição arbitral, que devem ser compreendidas
como legítimas manifestações dos vários ramos do direito processual. Por exemplo, cessa
a percepção de que apenas o Estado outorga justiça, em regime de monopólio294.
Modificam-se, portanto, ideias arraigadas como a de que a jurisdição sempre será
constituída pelas ideias de notio, vocatio, coertio, iudicium e executio, pois estes atributos

294
Camilo Zufelato examina o tema de determinados processos não estatais, como processos
administrativos perante o CADE e os Tribunais de Impostos e Taxas, Conselhos de Contribuintes e conclui,
à luz destas manifestações, que a utilização de outros meios para a solução de conflitos, que não o Judiciário,
não significa que houve violação à inafastabilidade da jurisdição. “Atualmente é possível afirmar que fora
do Poder Judiciário pode haver tutela jurisdicional adequada”. ZUFELATO, Camilo. Ob. cit., p. 166-200,
p. 180.
122

não se fazem todos presentes na atividade dos árbitros295. Assim, não obstante o árbitro
seja juiz de fato e de direito, suas atribuições se limitam à fase de conhecimento o que, de
outro lado, não exclui seus poderes para decidir questões cautelares ou de natureza
antecipatória, nem para determinar o cumprimento de suas decisões, provisórias ou
definitivas. O que se exclui é a possibilidade de atos de cumprimento forçado, pois
prevalece ainda hoje a percepção – fruto de conveniência legislativa, mais do que por
alguma razão ontológica – de que esta atividade é exclusiva da jurisdição estatal.

A jurisdição arbitral, cujos parâmetros são fixados por legislação


infraconstitucional e que se origina da convenção das partes296, se apresenta com
relevante diferença no que tange ao duplo grau e, de um modo geral, aos mecanismos de
controle da decisão arbitral. Diferentemente da jurisdição estatal ordinária, que assegura
de forma ampla a revisão das decisões quanto ao mérito em, no mínimo, dois sucessivos
graus de jurisdição, seja para as questões de fato, seja para as de direito, e contempla
ainda a possibilidade de desconstituição da decisão transitada em julgado, inclusive sobre
questões de fundo, a jurisdição arbitral restringe drasticamente tais controles. Exclui a
revisão quanto ao mérito e restringe a desconstituição da sentença arbitral apenas a
hipóteses de natureza processual, em prazo decadencial sensivelmente menor do que a
figura correlata do processo estatal.

Outro ponto em que o processo arbitral se distingue do estatal, como já


adiantado, diz respeito à gratuidade. Trata-se de jurisdição privada, que se origina em
uma convenção das partes, um negócio jurídico processual 297 que tem fundamentalmente
dois efeitos, o de impor a solução arbitral às partes contratantes, e de excluir a jurisdição
estatal acerca do mesmo objeto. Mas ao assim procederem, as partes optam por uma
modalidade jurisdicional que enseja custos, e a depender do formato adotado (arbitragem

295
Gilberto Giusti relembra esta noção clássica e observa que a atividade jurisdicional do árbitro é limitada
aos elementos notio, vocatio e iudicium. O Árbitro e o Juiz: Da Função Jurisdicional do Árbitro e do Juiz.
Revista Brasileira de Arbitragem. Vol. II. São Paulo, 2005, p. 7 – 14, pág 12.
296
A origem contratual da arbitragem faz com que Pedro Baptista Martins pondere, com razão, que “a
cláusula compromissória nasce contratual para fazer desabrochar o processo arbitral. É o processo, o
exercício da jurisdição, a função teleológica primordial da cláusula de arbitragem. O exercício jurisdicional
é a essência da convenção.” MARTINS, Pedro A. Batista. Arbitragem e Intervenção voluntária de terceiros:
Uma Proposta. Revista de Arbitragem e Mediação, vol. 33, p. 245 – 269, p. 255.
297
DIDIER Jr, Fredie, Negócios Jurídicos Processuais Atípicos. Negócios Processuais, 3 ed., CABRAL,
Antonio do Passo; NOGUEIRA, Pedro Henrique (Coord.). Salvador, Editora Jus Podium, 2017, p. 119.
Ver GABARDO, Rodrigo Araujo. A Existência, Validade e Eficácia da Convenção de Arbitragem: Uma
contribuição para o estudo de sua natureza jurídica, Tese (Doutorado) - Faculdade de Direito da
Universidade de São Paulo, 2019. No Direito português, TEIXEIRA DE SOUSA, Miguel, Estudos sobre
o novo processo civil, 2ª ed., Lisboa, Lex, 1997, p. 193.
123

institucional, com três árbitros etc), custos elevados, nem sempre proporcionais aos
montantes em disputa.

As obrigações do Estado de fornecer justiça gratuita não incluem a jurisdição


privada298, e esta não está obrigada a prestar serviços sem a correspondente remuneração.
Instituições arbitrais oferecem um serviço de natureza privada, cujos valores são, em
geral, públicos e publicizados. Além dos próprios serviços, funcionam como depositárias
dos honorários dos árbitros, que em geral são fixados segundo tabelas igualmente
publicizadas.

É certo, ainda, que em hipóteses de superveniente incapacidade financeira


das partes, e não havendo mecanismos que assegurem gratuidade, o resultado poderá ser
a suspensão ou, até mesmo, a extinção do procedimento arbitral299 e impossibilidade de
a parte acessar algum mecanismo de justiça300. A eficácia negativa da convenção de
arbitragem retira do Judiciário a jurisdição para examinar a matéria, ao passo que as
autoridades jurisdicionas do caso – os árbitros – não examinarão o pleito sem prévio
pagamento. Chega-se a um impasse, que para alguns, corresponde à ideia de negativa de
prestação jurisdicional, violadora da garantia da inafastabilidade.

No plano legal, não há propriamente uma solução301, mas pode haver uma saída.
Porque sendo a convenção de arbitragem uma exceção processual (CPC, art. 337, X)302,
a parte impecuniosa pode tentar a via judicial, na expectativa de que a parte contrária não

298
CASADO FILHO, Napoleão. Arbitragem e Acesso à Justiça: o novo paradigma do third party funding.
São Paulo, Saraiva, 2017, p. 81.
299
É o que se extrai dos Regulamentos do Centro de Arbitragem e Mediação da Câmara de Comércio
Brasil-Canadá (art. 12.10), da Câmara de Mediação e Arbitragem Empresarial – Brasil (art. 11.6), da
Câmara de Arbitragem do Mercado da B3 (art. 8.1.4), Câmara FGV de Mediação e Arbitragem (art. 15).
300
Como sustenta ZAKIA, José Victor Palazzi, Os efeitos da convenção arbitral e a parte sem recursos.
Revista Brasileira de Arbitragem. Vol. 68. São Paulo, 2020, pp. 11-41.
301
Diferentemente, o art. 816 septies do Código de Processo Civil Italiano estabelece que: “[...]se uma parte
não pagar a solicitação de adiantamento das custas arbitrais, a outra parte poderá fazê-lo. Se as partes
falharem em prover o adiantamento das custas arbitrais no prazo estabelecido pelos árbitros, elas não serão
mais vinculadas à convenção de arbitragem no tocante a disputa submetida à arbitragem”. No original:
Codice di Procedura Civile – “Art. 816-septies. (Anticipazione delle spese) Gli arbitri possono subordinare
la prosecuzione del procedimento al versamento anticipato delle spese prevedibili. Salvo diverso accordo
delle parti, gli arbitri determinano la misura dell'anticipazione a carico di ciascuna parte. Se una delle parti
non presta l'anticipazione richiestale, l'altra può anticipare la totalità delle spese. Se le parti non provvedono
all'anticipazione nel termine fissato dagli arbitri, non sono più vincolate alla convenzione di arbitrato con
riguardo alla controversia che ha dato origine al procedimento arbitrale”.
302
TALAMINI classifica a alegação de convenção de arbitragem como um impedimento processual,
distinguindo-a dos demais pressupostos processuais, por depender da iniciativa do réu. TALAMINI,
Eduardo. Convenção Arbitral: impedimento processual (e não pressuposto negativo de validade). 40 anos
da Teoria Geral do Processo no Brasil: passado, presente e futuro, pp. 238-249, p. 246.
124

suscite a existência da cláusula compromissória na contestação, o que terá como efeito


prático o retorno da jurisdição estatal para aquele conflito específico303. Mas esta saída
depende da colaboração da contraparte, o que é sempre improvável, em um cenário de
conflito. Se a convenção de arbitragem foi validamente contratada, o provável destino
desta demanda judicial será a sua extinção sem resolução de mérito (CPC, art. 485, VII)
304 305
.

Em sede doutrinária, discutem-se alternativas para flexibilizar os rigorosos


efeitos de uma convenção de arbitragem para as situações de impecuniosidade306.
Alternativas como o financiamento de terceiros, ou a modificação da convenção, para
reduzir o número de árbitros, ou mesmo para modificar a instituição administradora do
procedimento, sobretudo, para a conversão da arbitragem institucional em ad hoc307. Em
outros sistemas jurídicos, o tema já foi submetido aos Tribunais, com soluções
diferentes308. O objetivo não é o de aprofundar este tema específico, que possui nuances

303
BONDIOLI, Luiz Guilherme Aidar. Comentários ao Código de Processo Civil. BUENO, Cassio
Scarpinella (coord.). Vol. 2. São Paulo, Saraiva, 2017, p. 82.
304
Nesse sentido, ver: TJSP, Apelação Cível nº 1091775-75.2020.8.26.0100, Relator Carlos Dias Motta, j.
05/04/2021; TJSP, Apelação Cível nº 101009317.2014.8.26.0001, Relator Enio Zulani, j. 10.08.2016;
TJSP, Apelação Cível nº 1053037-31.2014.8.26.0002, Relator Alcides Leopoldo, j. 25.07.2019; TJSP,
Apelação Cível nº 1002077-20.2021.8.26.0457, Relator Jorge Tosta, j. 29.03.2022.
305
Sob a perspectiva da legislação trabalhista, Estevão Mallet afirma que “Se, a despeito do compromisso,
a parte não tem meios para suportar os correspondentes encargos, é inconcebível negar-lhe a possibilidade
de tutela. Seria o mesmo que reconhecer a licitude da denegação de acesso à justiça, por insuficiência de
meios econômicos, o que não se harmoniza com a garantia constitucional de proteção dos direitos
(Constituição, art. 5o, XXXV). Diante da incapacidade econômica de uma parte, ou a outra parte dispõe-se
a custear integralmente a arbitragem, para exigir o cumprimento da obrigação assumida no compromisso –
o que não está obrigada a fazer, advirta-se –, ou abre-se a oportunidade para ajuizamento de ação perante
os tribunais estaduais, como já decidiu o Bundesgerichthof, no célebre processo do encanador , em solução
que depois repercutiu, em alguma medida, em certos sistemas jurídicos”. MALLET, Estêvão. Arbitragem
em litígios trabalhistas individuais. Revista do Tribunal Superior do Trabalho, vol. 84. São Paulo, Lex
Magister, pp. 847-907, p. 851. BRITO, Cristiano Gomes de; CAMPOS, Sarah Couto. Os efeitos da
onerosidade excessiva decorrente da hipossuficiência financeira superveniente na arbitragem. Revista de
Direito Privado, vol. 88. São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, pp. 139-161, p. 148: “havendo
hipossuficiência financeira superveniente da parte e a parte adversa em não arcar com as despesas do
procedimento arbitral, restará ao hipossuficiente recorrer a tutela jurisdicional, em prestigio ao princípio do
amplo acesso à justiça”.
306
GABARDO, Rodrigo Araujo Gabardo. A Insuficiência de Recursos Financeiros na Instauração da
Arbitragem Comercial: efeitos no Direito Brasileiro a partir de uma perspectiva comparada. Dissertação
(Mestrado) - Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2014.
CABRAL, Thiago Dias Delfino. Impecuniosidade e Arbitragem: uma análise da ausência de recursos
financeiros para a instauração do procedimento arbitral. São Paulo, Quartier Latin, 2019.
307
Sobre financiamento de terceiros, ver CASADO FILHO, Napoleão. Arbitragem e Acesso à Justiça: o
novo paradigma do third party funding. São Paulo, Saraiva, 2017.
308
No direito alemão, ver WAGNER, Gerhard. Poor Parties and German Forums: Placing Arbitration under
the Sword of Damocles? Financial Capacity of the Parties – A condition for the validity of arbitration
agreements? LABES, Hubertus W. (org.). Frankurt am Main: Peter Lang, 2004. No direito francês,
Maximim Fontmichel, Le financement de l’arbitrage par une partie insolvable, L’argent dans l’arbitrage,
Walid Bem Hamida, Thomas Clay (Coord.). Issy-les-Moulineaux, Lextenso Éditions, 2013; e GAILLARD,
125

e complexidades teóricas próprias, mas apenas o de ilustrar o argumento de que o


processo arbitral integra e se insere no tema da inafastabilidade da tutela jurisdicional, do
acesso à justiça, mas que apresenta peculiaridades e soluções que nem sempre coincidirão
com aquelas previstas para os outros ramos do processo. Basta pensar na justiça penal,
que sendo de iniciativa do próprio Estado, no exercício de pretensões punitivas, é
essencialmente gratuita, ou no processo dos Juizados Especiais, gratuito em primeiro grau
de jurisdição (art. 54 da Lei 9.099/95), ou mesmo no processo do trabalho, que apenas a
partir da reforma trabalhista de 2017 passou a contemplar honorários de sucumbência.
Cada espécie de processo, cada ramificação da atividade jurisdicional produzirá respostas
diferentes e, a seu modo, todas dão cumprimento à garantia constitucional da
inafastabilidade da tutela jurisdicional.

Ainda no plano da jurisdição, outro aspecto ilustra bem a aplicação dos conceitos
da teoria geral do processo à arbitragem e, simultaneamente, a necessidade de adaptações
e de respeito às peculiaridades do processo arbitral. Refiro-me à imparcialidade dos
julgadores.

No plano jurisdicional, a imparcialidade constitui garantia fundamental,


reconhecida em diferentes ordenamentos jurídicos e também no plano internacional, pois
representa um elemento essencial à própria ideia de um processo justo309. No Brasil, a
imparcialidade decorre da garantia constitucional do devido processo legal, e no âmbito
do Poder Judiciário, o legislador constitucional previu um certo conjunto de garantias aos
magistrados, que são entendidas como meios para se assegurar sua independência e
imparcialidade (CF, art. 95). Assim, para a jurisdição estatal, aplicam-se as garantias de
inamovibilidade, irredutibilidade dos salários e vitaliciedade. Tais garantias são repetidas
e detalhadas no plano infraconstitucional, na Lei Orgânica da Magistratura (LC 35/1979,
art. 25). Além disso, a exigência de imparcialidade do julgador é contemplada na

Emmanuel. Impecuniosity of Parties and Its Effects on Arbitration: A French View. Financial Capacity of
the Parties – A condition for the validity of arbitration agreements?. No direito português, ver: JUDICE,
José Miguel. Anotação ao Acórdão 311/08 do Tribunal Constitucional. Revista Internacional de
Arbitragem e Conciliação, ano 2, Associação Portuguesa de Arbitragem, Coimbra, Almedina, 2009; e
BARROCAS, Manoel Pereira. Manual de Arbitragem, Coimbra, Almedina, 2010.
309
A Declaração Universal dos Direitos do Homem proclama a imparcialidade no artigo 10. Também a
Convenção Europeia dos Direitos Humanos aborda esse tema, no artigo 6º. Apenas para ilustrar, o direito
português assegura a imparcialidade do julgador no artigo 203 da Constituição da República Portuguesa,
ao passo que na Itália, a Constituição, no artigo 111, proclama : Ogni processo si svolge nel contraddittorio
tra le parti, in condizioni di parità, davanti a giudice terzo e imparziale. La legge ne assicura la ragionevole
durata.
126

legislação processual geral, o Código de Processo Civil, nos artigos 144 e 145. A lei
prescreve determinados vínculos e os qualifica como causas de impedimento e suspeição.
Os primeiros, de índole mais objetiva, os segundos, sobre vínculos subjetivos do julgador
com as partes, seus advogados ou com a própria causa.

Além do controle que o próprio julgador é chamado a fazer acerca de tais razões
que o impedem de atuar em determinadas causas, permite-se às partes que realizem esse
mesmo controle. As causas são distribuídas aleatoriamente entre os possíveis juízos
competentes (de um mesmo foro, ou de um mesmo tribunal), e permite-se às partes que
suscitem o impedimento ou a suspeição dos julgadores (art. 146). Se e quando isso é feito,
serão os próprios juízes os competentes para decidir sobre sua competência, examinando
as razões suscitadas pelas partes para decidir sobre sua própria remoção ou permanência
à frente da causa (art. 146, §1º.).

Porque o Poder Judiciário é composto de uma estrutura complexa, o eventual


acolhimento de uma impugnação ao julgador determina a remessa do processo a outro
julgador, com competência idêntica (seu “substituto legal”, nos termos do art. 146, §5º).
Impedido ou suspenso um integrante da turma julgadora, o recurso será julgado por outros
integrantes da mesma turma. Em primeiro grau, a causa será remetida a outro juiz do
mesmo juízo. A lei regula ainda as circunstâncias em que será decretada a nulidade de
atos praticados pelo juiz impedido ou suspeito. O que se observa, e o que se quer
demonstrar com esta ilustração, é que as soluções técnicas propostas pelo ordenamento
jurídico são, portanto, próprias da estrutura do Estado, específicas para a solução deste
problema no âmbito do Poder Judiciário. No plano mais geral, o que se observa é que o
conceito fundamental é o da imparcialidade dos julgadores, como premissa necessária
para a realização de um julgamento justo. No plano específico, estas ferramentas são
aquelas prescritas pelo ordenamento positivo para endereçar este tema no âmbito do
processo estatal.

O tema da imparcialidade dos julgadores é central, em todo e qualquer sistema


jurídico, em todo e qualquer ordenamento e tipo de processo jurisdicional. Não pode
haver verdadeiramente um processo justo se o julgador não mantiver equidistância e
desinteresse em relação ao desfecho da causa. Apesar de conflitos envolverem certos
litigantes, fato é que o julgador examina alegações e teses, aplica o direito à hipótese, sem
considerações particulares sobre quem são as partes, sua qualidade, atributos,
127

características. Ao julgador isento, pouco deve importar quem é a parte ou seu advogado,
porque a sua função é aplicar o direito aos fatos, nos limites das alegações e proposições
das partes.

Estes mesmos fundamentos teóricos estão na base das exigências de


imparcialidade dos árbitros. Se a imparcialidade é um pressuposto de um processo justo,
não pode ser outra a exigência no âmbito do processo arbitral310. Ocorre que as
peculiaridades da arbitragem impõem diversas mudanças no que diz respeito às técnicas
específicas para se garantir a imparcialidade e para controlar a sua efetiva observância.

Uma primeira distinção necessária diz respeito ao fato de que, na arbitragem, os


julgadores são escolhidos pelas partes, seja por métodos diretos de indicação dos
profissionais, seja por via indireta, pela eleição de instituição arbitral ou autoridade
nomeadora que, por sua vez, procederá à indicação311. Sustenta-se, ademais, que o direito
de nomear árbitros e influir na formação dos tribunais arbitrais constitui um dos direitos
mais importantes que as partes têm, quando se fala de arbitragem. E mesmo que isso não
ocorra em todas as oportunidades, é de se reconhecer que a prática arbitral nacional e
internacional efetivamente contempla essa dinâmica, que é valorizada pela comunidade
arbitral e que efetivamente apresenta vantagens. Se a arbitragem se funda na autonomia
da vontade, se foi concebida para ser uma solução extrajudicial dos conflitos, se ela se
aplica a disputas de natureza patrimonial e, em geral, a litígios com certa complexidade,
é de todo recomendável que o modelo normativo permita estas escolhas às partes.

No Brasil, a legislação arbitral dispõe que o árbitro será de confiança das partes
(art. 13). Determina também que ele deverá ser discreto, eficiente, além de ser imparcial
e independente (art. 13, §6º). Porque os árbitros são, em geral, indicados pelas partes,
porque são profissionais privados que atuam momentaneamente como julgadores, porque
a confiança só se estabelece em relação a pessoas que se conhece, as indicações dos

310
FAZZALARI, Elio. “Infatti, la parità fra i litiganti, contrassegno del contraditorio, implica
necessariamente la imparzialità del arbitro, come già del giudice, investito della controversia; quela parità
e la imparzialità interagiscono, la imparzialità consistendo, per l’arbitro como per il giudice, nella terzietà
rispetto al rapporto controverso e nella di lui equidistanza dalle parti, tanto nello svolgimento del processo
quanto in ordine alla pronuncia che lo conclude”. L’Arbitrato, p. 53-54.
311
Vale a ressalva de que nas hipóteses em que, diante de cláusulas compromissórias vazias, a parte pode
se valer da ação prevista no artigo 7º da Lei de Arbitragem e, como resultado, o julgador pode indicar o(s)
árbitro(s). Contudo, o exame mais recente dos julgamentos destas demandas indica que muitos juízes têm
optado por apontar instituições arbitrais, a partir de cujos regulamentos serão as próprias partes que
indicarão os árbitros.
128

árbitros recaem, em geral, sobre profissionais com quem as partes e seus advogados têm
algum tipo de contato. Nesta dinâmica, o requisito legal da confiança nos árbitros, que
absolutamente não se põe em relação aos juízes togados, deve ser aferido sob uma
perspectiva objetiva312. No modelo típico de nomeação de um tribunal arbitral, cada parte
nomeia um árbitro, que poderá nem mesmo ser conhecido da contraparte. Nem por isso,
esta terá o direito de, por esta circunstância, recusar a sua nomeação. Os motivos que
autorizam a recusa aos árbitros não se relacionam com conveniência, mas com hipóteses
em que se duvida da equidistância dos julgadores, com sua aptidão de atuar sem
influências indevidas, de se permitir influenciar igualmente pelos argumentos de todas as
partes.

A confirmação destes atributos dos árbitros, ou a sua demonstração, é realizada,


em termos práticos, pela apresentação de questionários de inexistência de impedimentos.
Porque a atividade do árbitro não é exclusiva, porque são, em geral, profissionais de
mercado – não raro do mesmo universo de atuação das partes e seus advogados - a solução
legal encontrada é a de impor aos árbitros um dever de revelar circunstâncias que possam
denotar dúvidas razoáveis sobre a sua independência e imparcialidade.

Diferentemente do juiz togado, em cujo favor milita uma presunção de


independência e imparcialidade, o árbitro deve demonstrar esses atributos. Tanto em
arbitragens ad hoc, como nas institucionais, os candidatos a árbitros devem responder a
questionários com informações básicas acerca de suas relações, seja no plano mais
objetivo – com o tema em debate, as questões jurídicas que compõem o objeto do
processo – seja no plano subjetivo – as relações com as partes e os advogados. Porque os
profissionais atuam na esfera privada, e podem ser completamente desconhecidos da
contraparte, não pode haver alguma presunção de imparcialidade e independência. Ela
precisa ser demonstrada, e neste contexto, a lei determina que os árbitros revelem fatos
que possam denotar dúvidas sobre estes atributos.

312
ALVES, Rafael Francisco. Árbitro e Direito: o julgamento do mérito na arbitragem. 2018, p. 23: mesmo
que a parte não confie no árbitro, no plano subjetivo, ela só pode pretender a sua remoção se houver
elemento objetivo que impacte a confiança. E nesse caso, deve exercer seu direito de impugnar, nos termos
da Lei de Arbitragem. Caso contrário, estará vinculada a todos os árbitros, ‘conforme contrato que celebrará
com eles e com a sua contraparte’.
129

A imparcialidade e a independência do árbitro são aferidas mediante correlação


entre as hipóteses aplicadas aos juízes togados, aplicadas no que couber313. A ressalva é
relevante, porque no processo arbitral nem todos os parâmetros específicos que são
previstos para o juiz estatal são aplicados. Há hipóteses simplesmente inaplicáveis, como
a que o julgador conheceu da causa em outro grau de jurisdição, “tendo proferido decisão”
(art. 144, II), e outras que são aplicadas, mas que não estão expressamente previstas nos
referidos dispositivos. Por exemplo, nas hipóteses em que o árbitro tenha participado
como mediador ou conciliador daquela controvérsia, antes da instauração do
procedimento arbitral.

Assim, não obstante esta tentativa de equiparação das hipóteses de impedimento


e suspeição, é de se reconhecer que as relações entre árbitros e advogados são
necessariamente diferentes das relações que se estabelecem entre juízes togados e
advogados. A aproximação entre tais atuações encontra limites na própria natureza das
funções desempenhados por juízes e árbitros. Os magistrados são lotados em determinado
juízo, sua atuação profissional exclusiva é a de julgar todas as causas que lhe são
distribuídas, daí porque não há nem pode haver restrições à repetição de causas com as
mesmas partes (basta pensar em litigantes repetitivos, como concessionárias de serviços
públicos, companhias telefônicas ou instituições financeiras), nem há propriamente uma
relação de confiança que se estabelece entre a figura do juiz e as partes.

No caso do processo arbitral, todas essas premissas se invertem. Árbitros não


são, mas estão árbitros, ocupam momentaneamente estas posições, caso a caso, tribunal
a tribunal. Integram o mesmo mercado, são diretamente remunerados por estes serviços.
Tudo isso torna necessário um sistema de controle de sua independência e imparcialidade
que é muito mais amplo e completo do que os juízes. Por isso é que regulamentos de
instituições arbitrais314 e, sobretudo, soft laws315, costumam prever um conjunto bem mais

313
GAJARDONI, Fernando da Fonseca. Aspectos fundamentais de processo arbitral e pontos de contato
com a jurisdição estatal. Revista de Processo. Vol. 106. São Paulo, 2002, pp. 189-216. Quanto às exceções
de competência em razão da pessoa, diz que impedimento e suspensão seguem praticamente a
sistematização do CPC, p. 191.
314
Os Regulamentos do Centro de Arbitragem e Mediação da Câmara de Comércio Brasil-Canadá (no item
5.2, k) e da Câmara FGV de Mediação e Arbitragem (no art. 19, b), por exemplo, impedem a nomeação de
árbitro que tenha participado como mediador ou conciliador na controvérsia, antes da instituição da
arbitragem, salvo se as partes expressamente estabelecerem o contrário.
315
Por exemplo, the IBA Guidelines on Conflicts of Interest.
130

amplo de situações que podem gerar impedimentos ao árbitro ou, no mínimo, que
justificam que os árbitros revelem certas circunstâncias, para ciência das partes.

Por todas estas diferenças, cada modelo adota técnicas diferentes, voltadas,
porém, a um objetivo que compartilham, porque são métodos jurisdicionais de solução
de conflitos. Processo estatal e arbitral exigem julgadores isentos, relações republicanas
entre partes e julgadores, advogados e julgadores. Observados estes parâmetros, tanto um
como outro tipo de processo servirá para a obtenção de decisões isentas, que cheguem à
solução do caso sem interferências indevidas.

No caso da arbitragem, não obstante se façam presentes os mesmos escopos e os


mesmos objetivos gerais da Jurisdição, é fato que a missão do árbitro se dá “perante as
partes, não necessariamente perante a Sociedade. Ao contrário do juiz, o árbitro não tem
o dever de resguardar a integridade ou a coerência da ordem jurídica e, assim, sua relação
com o direito parece ser distinta”316.

Como bem observa Humberto Theodoro Jr., “se para as partes o processo arbitral
é um instrumento de satisfação dos direitos privados, para o Estado, tal como a justiça
pública, é forma de realização do direito”317. Esta é uma percepção importante, porque o
Estado autoriza a jurisdição privada, insere-a em sua política pública de solução adequada
de controvérsias e, sobretudo por intermédio do Poder Judiciário, apoia o seu
desenvolvimento, mediante atos comissivos de cooperação e apoio (tutela provisória,
efetivação de cláusulas compromissórias vazias, cumprimento de sentenças arbitrais) e
atos omissivos, aqui entendidos como a postura de não interferência, de deferência quanto
aos resultados obtidos. Ao eleger a arbitragem, as partes escolhem um método não sujeito
a controle quanto ao mérito, de forma que, ao Judiciário, quando diante destas decisões
(em ações anulatórias, cumprimento de sentenças etc), não cabe realizar um exercício de
qual teria sido o produto final caso ele próprio tivesse proferido o julgamento.

Em conclusão, reafirma-se a natureza jurisdicional da atividade dos árbitros, não


apenas a partir das disposições legais especificas de sua lei especial, ou da qualificação
da sentença arbitral como título executivo judicial, mas pela própria natureza da atividade

316
ALVES, Rafael Francisco. Árbitro e Direito: o julgamento do mérito na arbitragem. 2018, p. 24.
317
THEODORO Jr., Humberto. Arbitragem e Terceiros - Litisconsórcio fora do pacto arbitral - Outras
intervenções de terceiros. Reflexões sobre Arbitragem in memoriam do Desembargador Cláudio Vianna
de Lima p. 244.
131

realizada, pelo seu modo de ser. Como afirma Carlos Alberto Salles, “considerando o
núcleo conceitual de jurisdição, juízes e árbitros exercem jurisdição, decidindo
imperativamente as causas que lhes são colocadas”318.

Ao se examinar o conteúdo essencial da atividade jurisdição, o que se observa é


que ela é essencialmente idêntica em todas as suas manifestações, cumpre o mesmo
objetivo, representa um modo de exercício de poder, seja pelos próprios agentes estatais,
seja por autoridades que detém jurisdição por uma mescla de autorização legal e escolha
das partes. Como poder, a jurisdição arbitral se manifesta pela perspectiva de imposição
do resultado e definitividade da decisão. Como função, ela visa os mesmos escopos que
todas as demais manifestações jurisdicionais. E como atividade, ela se desenvolve
mediante o processo, por julgadores imparciais que aplicam o direito ao caso concreto319.

6.2. Ação.

Segundo uma conceituação que se pode dizer clássica, “ação é o poder de exigir
o exercício da atividade jurisdicional. Mediante o exercício da ação provoca-se a
jurisdição, que por sua vez se exerce mediante um complexo suceder de atos inerentes ao
processo”320. Sem prejuízo do detalhamento que será feito nos parágrafos subsequentes,
observa-se, já a partir desta definição, a sua plena aplicabilidade à arbitragem. Além de
se inserir na noção de Jurisdição, também a ação se dá e se faz presente no processo
arbitral.

318
SALLES, Carlos Alberto. Arbitragem em contratos administrativos. Forense, Rio de Janeiro, 2011, p.
90. Outra perspectiva do mesmo tema é trazida por Eduardo Parente, que discorre sobre a função pública
do processo arbitral, afirmando que ele também não pode servir para acobertar fraudes e colusão. A
confidencialidade do processo arbitral não pode servir para lesar terceiros, pois o processo arbitral não
tolera o processo simulado, a colusão processual. Nesse particular, em aplicação do artigo 129 do CPC, o
árbitro, diante dessa constatação, deve recusar-se a julgar a causa. PARENTE, Eduardo. Processo arbitral
e sistema. São Paulo, Atlas, 2012, p. 216.
319
GONÇALVES, Marcelo Barbi. Teoria Geral da Jurisdição. Salvador: Editora JusPodivm, 2020, p. 352.
Para Fernão Borba Franco, um traço elementar da grande maioria dos processos jurisdicionais é a existência
de um conflito de interesses, que faz com que algum dos interessados venha pleitear a intervenção do
Estado, que a presta porque lhe interessa a observância do direito material. Tais considerações são
integralmente aplicáveis ao processo arbitral, com a única ressalva de que o Estado fornece meios para a
solução do conflito de interesses, não promovendo diretamente a sua solução. FRANCO, Fernão Borba.
Processo Administrativo. Teoria Geral do Processo, Imparcialidade e Coisa Julgada, p. 234.
320
DINAMARCO, BADARÓ, LOPES. Teoria Geral do Processo, p. 309.
132

O conceito teórico da ação foi longamente debatido, desde os momentos iniciais


do surgimento da ciência do direito processual. Em termos históricos, por muito tempo
não se distinguia a ação e o direito material que por ela era veiculado. Entendia-se que se
tratava de manifestações do mesmo fenômeno, sendo a ação, uma qualidade de todo
direito ou o próprio direito reagindo a uma violação321. Essa perspectiva passou a ser
superada a partir dos debates já referidos, inicialmente entre autores alemães, acerca da
existência de duas relações jurídicas distintas. Uma, de direito material, com seus sujeitos,
elementos, pressupostos. Outra, separado e independente, que tem natureza processual,
também com seus próprios sujeitos, elementos e pressupostos. Tais noções foram
desenvolvidas de forma relevante pela doutrina italiana do início do século XX, sobretudo
com as contribuições de Giuseppe Chiovenda322.

No Brasil, o debate também foi travado e constituiu um aspecto relevante da


denominada fase autonomista do direito processual, momento histórico do
desenvolvimento desta ciência, marcado pelo estudo (exacerbado) de seus institutos
específicos, com um enfoque interno, sem preocupações com a relação do direito
processual com os ramos do direito material aos quais o processo serve323. Exemplo típico
dessa perspectiva equivocada se observava no artigo 75 do Código Civil de 1916, vigente
até 2001, que prescrevia que a todo direito corresponde uma ação, que o assegura.

Em termos teóricos, afora este debate sobre a ação constituir ou não um direito
autônomo, debateu-se também, longamente, se a ação, não obstante autônoma, consistia
em um direito concreto, necessariamente atrelado à existência do direito material324, ou
se constituía um direito abstrato, que se exercita independentemente da titularidade de
algum direito material por parte do autor da demanda. A evolução destes debates

321
Na obra Teoria Geral do Processo, desde suas primeiras edições, os autores destacavam que tal conceito
reinou incontrastado, através de várias conceituações, as quais sempre resultavam em três consequências
inevitáveis: não há ação sem direito; não há direito sem ação; a ação segue a natureza do direito. Foi a teoria
de Savigny seguida, no Brasil, por João Monteiro, Teoria Geral do Processo p. 309
322
CHIOVENDA, Giuseppe. Istituzioni di Diritto Processuale Civile, vol.I, 2ª ed, Napoli, Jovene, 1960,
pp. 20-22.
323
Marcelo Barbi Gonçalves observa que as inquirições a respeito da natureza jurídica da ação eram, do
ponto de vista prático, irrelevantes: ser a ação autônoma ou imanente ao direito subjetivo, abstrata ou
concreta, dirigida contra o Estado, o juízo ou o réu, são discussões teóricas que não possuem repercussão
na entrega do bem da vida devido, GONÇALVES, Marcelo Barbi. Teoria Geral da Jurisdição. Salvador:
Editora JusPodivm, 2020, p. 351.
324
Ver CHIOVENDA, Giuseppe. Istituzioni di Diritto Processuale Civile, vol.I, 2ª ed, Napoli, Jovene,
1960, pp. 20-22, com referências à teoria de Adolf Wach da ação como direito concreto à tutela jurídica,
detido por quem tem razão. Também, LIEBMAN, Enrico Tullio. Manuale di Diritto Processuale Civile,
Vol. I. 5ª ed. Milano, Giufrè, 1992, p. 139-144.
133

conduziu a ciência processual brasileira, com marcante influência da doutrina italiana e,


em específico, de Enrico Tulio Liebman325, a acolher a denominada teoria eclética do
direito de ação. Eclética porque, ao mesmo tempo que exclui em absoluto a ideia de que
só tem o direito de ação quem é titular do direito material, de outro lado não acolhe uma
ideia de um direito completamente desprovido de requisitos, porque esta também não
reflete a realidade do modo de exercício do direito de ação.

Há uma gradação, uma escalada. A parte pode exercitar o direito de ação e


submeter sua pretensão ao Poder Judiciário326. Ao fazê-lo, rompe a inércia da jurisdição,
exercita seu direito de ação e faz surgir o processo. No Brasil, este direito tem conotação
muito ampla, pois consagrado na Constituição Federal, artigo 5º, XXXV. De fato, se é
garantida a inafastabilidade da tutela jurisdicional, se ela se exercita mediante o direito
de ação, é evidente que este direito assume feição constitucional, do que decorre não
apenas um conjunto de direitos (e medidas concretas por parte do Estado) relacionados
ao acesso, ao ingresso, como também um olhar sobre a efetividade desta tutela
jurisdicional, pela oferta de diferentes meios e técnicas processuais327. Neste contexto,
também a oferta de meios extrajudiciais de solução de conflitos pode ser entendida como
uma forma de o Estado dar cumprimento a esta garantia constitucional.

Contudo, não obstante essa amplitude, exige-se, ainda assim, que a ação atenda
a requisitos mínimos e, acaso inobservados, a consequência será a rejeição da ação, a
extinção do processo sem que se realizem outros atos processuais e, sobretudo, sem que

325
LIEBMAN, Enrico Tullio. Manuale di Diritto Processuale Civile, p. 139-144.
326
Na obra Teoria Geral do Processo, os autores afirmam que “(...) o direito de ação independe da existência
efetiva do direito material invocado: não deixa de haver ação quando uma sentença justa nega a pretensão
do autor, ou quando uma sentença injusta a acolhe sem que exista na realidade o direito subjetivo material.
A demanda ajuizada pode ser até mesmo temerária, sendo suficiente, para caracterizar o direito de ação,
que o autor mencione um interesse seu, protegido em abstrato pelo direito. É com referência a esse direito
que o Estado está obrigado a exercer a função jurisdicional, proferindo uma decisão, que tanto poderá ser
favorável como desfavorável. Sendo a ação dirigida ao Estado, é este o sujeito passivo de tal direito”. Em
outro trecho, os autores explicam a aplicação desta ideia também ao processo penal, porque “se o Estado
não pode auto-executar a sua pretensão punitiva, deverá fazê-lo dirigindo-se a seus juízes, postulando a
atuação da vontade concreta da lei para a possível satisfação daquela. O direito de pedir o provimento
jurisdicional nada mais é senão a própria ação. Assim como a proibição da autodefesa criou o direito de
ação para os particulares (facultas exigendi), a proibição da auto-executoriedade do direito de punir fez
nascer o direito de agir para o Estado, Teoria Geral do Processo, p. 312 e p. 318.
327
Para Dinamarco, Badaró e Lopes, “a garantia constitucional da ação tem como objeto o direito ao
processo, assegurando às partes não somente a resposta do Estado, mas ainda o direito de sustentar as suas
razões, o direito ao contraditório, o direito de influir sobre a formação do convencimento do juiz - tudo
através daquilo que se denomina tradicionalmente devido processo legal (art.5º, inc. LIV). Daí resulta que
o direito de ação não é extremamente genérico, como muitos o configuram”, Teoria Geral do Processo, p.
271.
134

o órgão jurisdicional profira decisão acerca do mérito da controvérsia. A doutrina se


refere a uma escalada de situações, sendo este o patamar mínimo. Porque mesmo quando
a ação é rejeitada liminarmente, pelo não atendimento de seus requisitos mínimos, ainda
assim houve ação, que obriga o órgão jurisdicional a dar uma resposta, a proferir uma
decisão de absolvição da instância, de extinção do processo sem julgamento do mérito.

Mas se certos requisitos são preenchidos, a resposta do órgão jurisdicional será


relacionada ao mérito da controvérsia, para definir qual dos litigantes é titular do direito
material em disputa. A sentença de mérito só pode chegar a ser proferida em ações que
preencham certos requisitos, que a doutrina denomina condições da ação, divididas em
legitimidade das partes e interesse processual. Estes elementos se ligam ao mérito da
controvérsia, constituem categorias intermediárias entre a ação – aqui entendida como o
direito autônomo de provocar a atividade jurisdicional – e o mérito.

Há ação quando ela é extinta sem resolução de mérito, antes ou depois da


convocação da parte requerida a participar, e também quando o mérito é examinado, seja
para rejeitar a pretensão do requerente, seja para acolhê-la (total ou parcialmente). Porque
a ação tem, necessariamente, estes elementos que constituem seus requisitos, disso
decorre que o exame quanto ao modo de exercício da ação se divide, necessariamente,
em duas etapas. Há uma etapa relacionada à admissibilidade do manejo da ação, à qual
se somam atividades de exame dos pressupostos de desenvolvimento válido e regular do
processo (ver item 6.4, infra). E superado esse juízo de admissibilidade, se poderá passar
ao exame do mérito das demandas.

No que diz respeito especificamente às condições da ação, cuida-se de conceitos


teóricos, que podem sofrer influências de regras positivas, mas que não dependem de
alguma previsão legal para que se considerem existentes328. Integram a essência da
própria noção teórica da ação, e como tal, exigirão sempre do julgador a análise do

328
No processo penal, Gustavo Badaró destaca que o art. 395 do CPP não define o que seria “a condição
para o exercício da ação penal”, tendo a doutrina sumarizado que “a denúncia ou a queixa deve ser rejeitada
se (1) não descrever um fato aparentemente típico, (2) ou se já estiver extinta a punibilidade, (3) ou se quem
a ofertar não tiver legitimidade para tanto, ou (4) não houver prova da existência do crime imputado e
indícios de autoria da prática delitiva”. BADARÓ, Gustavo Henrique. As condições da ação penal. 40 anos
da Teoria Geral do Processo no Brasil: passado, presente e futuro, pp. 397-429, p. 425.
135

atendimento a estes mesmos requisitos, como etapa necessária da análise em direção ao


mérito da controvérsia 329 330.

Todo este conjunto de conceitos processuais têm plena aplicação ao processo


arbitral. Também na arbitragem há o exercício da ação, que igualmente se constitui um
direito público de exigir a prestação jurisdicional sobre um dado direito material. A
pretensão não é exercitada em face do Estado, não nos termos em que a expressão é
usualmente adotada pela doutrina processual331. Mas esta noção, que foi construída e
pensada sob a perspectiva do monopólio da jurisdição estatal, pode ser lida de tal forma
que o Estado, mesmo quando não assegura o exercício do direito de ação por meio dos
seus órgãos, pode assegurá-lo pela previsão e regulamentação da atividade arbitral.
Cuida-se de um ajuste terminológico, mas em essência, este mesmo direito é exercitado
pelo requerente de uma ação arbitral. O direito de provocar uma atividade jurisdicional
que não é realizada diretamente pelo Poder Judiciário, mas que é autorizada e normatizada
pelo Estado, e que se realiza diretamente perante instituições privadas, no caso das
arbitragens institucionais, e pessoas que desempenham as funções jurisdicionais de
árbitros332.

A ação arbitral igualmente se exercita mediante o atendimento de certas


condições, as quais, acaso inexistentes, igualmente ensejam uma resposta do órgão
jurisdicional no sentido da inadmissibilidade da ação. Há, portanto, um duplo exame, uma

329
Nelson Nery Jr. observa, acertadamente, ser irrelevante que o CPC/15 deixou de ser referir às expressões
condições da ação e carência da ação, pois “porque categorias jurídicas teóricas prescindem da lei para
serem consideradas”. Elas permanecem existindo, fruto da construção doutrinária, que não é,
evidentemente, revogada por modificações legais, “de sorte que o CPC/2015, por não mais repetir as
expressões condições da ação e carência da ação, não revogou a teoria geral do direito processual civil, que
trata e considera as duas figuras”. NERY, Nelson Jr. Princípios do Processo na Constituição Federal, p.
75
330
Em termos mais estritamente processuais, no âmbito da doutrina que se dedica ao processo estatal, há
um ulterior debate, acerca do momento que deve ser aferido o atendimento às condições da ação. Em estudo
anterior, me filiei à teoria da asserção, que considera que as condições da ação devem ser verificadas a
partir da declaração contida na petição inicial. A investigação ulterior sobre estes elementos integra o mérito
da controvérsia, não sendo correto entender o sistema processual estatal como autorizador de que, mesmo
em estágio avançado do procedimento, inclusive após a instrução probatória, se possa extinguir o processo
sem resolução do mérito, pelo reconhecimento da falta de alguma condição da ação. APRIGLIANO,
Ricardo de Carvalho. Ordem Pública e Processo, p. 76-80.
331
Leonardo Greco define a ação como “o direito subjetivo público, autônomo e abstrato de exigir do
Estado a prestação jurisdicional sobre determinada demanda de direito material”. GRECO, Leonardo. A
Teoria da ação no processo civil. São Paulo: Dialética, 2003, 1ª ed. p. 9-14.
332
FICHTNER, MANNHEIMER, MONTEIRO. Teoria Geral da Arbitragem. p. 17: “não há nenhuma
dúvida de que também na arbitragem o jurisdicionado exercita o direito de ação”, que não é dirigido contra
o Estado, mas é dirigido aos árbitros, a quem a própria lei, “complementada posterior e concretamente pela
vontade das partes”, atribuiu o poder de julgar o mérito do conflito.
136

escala. Primeiro se averiguam os requisitos do manejo adequado da ação, juntamente com


os pressupostos de desenvolvimento válido e regular do processo, para depois se passar
ao exame do mérito da controvérsia. A ação que se exercita pela via arbitral adota,
portanto, a mesma base estrutural, os mesmos fundamentos que as demais manifestações
do processo. Também aqui há coincidência dos fenômenos, dos mecanismos para o seu
enfrentamento, da tipologia das decisões que encerram estes incidentes.

Trata-se, igualmente, de um direito autônomo, exercitado sem correlação direta


com a titularidade dos direitos materiais em discussão, mas que se exercita igualmente
mediante o atendimento de certas condições. E se as condições da ação são,
inequivocamente, uma ponte entre a ação e o mérito, porque são aferidas a partir dos
elementos concretos do caso, esta circunstância se faz ainda mais nítida no caso da
arbitragem. A legitimidade, por exemplo, caracteriza-se pela pertinência subjetiva das
partes do processo com a relação material subjacente, e necessariamente se afere à luz
das alegações de mérito feitas pelo autor da demanda. Assim, em uma relação contratual,
as partes do contrato serão os legitimados para discutir as obrigações dele decorrentes, ou
para a demanda que vise à rescisão ou revisão do contrato. Na dissolução do vínculo
conjugal, serão os cônjuges os legitimados ativos e passivos. Na ação penal, o Estado
incluirá no polo passivo a pessoa a quem se imputam a prática do(s) crime(s). Em termos
processuais, a legitimidade é tida por ordinária – quando o próprio titular do direito
material é a parte da relação processual – ou extraordinária, que se aplica em relação a
certas relações jurídicas, nas quais se admite que substitutos processuais atuem em nome
próprio, representando direitos alheios, de que é exemplo mais característico o Ministério
Público333.

No caso de relações jurídicas em que se tenha convencionado arbitragem, a


legitimidade das partes se vincula, de modo muito direto, à celebração da convenção de
arbitragem. Porque sendo um mecanismo opcional, dependente de consentimento, e se
referindo, ordinariamente, às relações de índole contratual, é no contrato que se afere a
pertinência subjetiva das partes para a correspondente disputa. A esta noção deve-se
agregar a consideração de que a convenção de arbitragem constitui negócio jurídico

333
LUCON, Paulo Henrique dos Santos. Código de Processo Civil interpretado. Antonio Carlos Marcato
(coord). São Paulo, Atlas, 2022, p. 33.
137

próprio, que não obstante se refira a alguma relação jurídica material, tem seus requisitos
de existência, validade e eficácia verificados autonomamente.

Assim, para se aferir a legitimidade das partes do processo arbitral, será sempre
necessário recorrer à convenção de arbitragem, examiná-la, para se determinar se as
partes com ela consentiram, de forma expressa ou tácita. A falta de legitimidade das partes
no processo arbitral conduzirá, assim como ocorre no processo estatal, à extinção do
processo sem resolução do mérito334. Não obstante, não há previsões legais específicas
na Lei de Arbitragem acerca da ação, dos seus elementos, condições ou das consequências
do desatendimento a estes parâmetros.

Há, de outro lado, dispositivos na Lei de Arbitragem que atribuem aos árbitros a
competência para examinar questões relativas à existência, validade e eficácia da
convenção de arbitragem (art. 20). O eventual reconhecimento de que não estão presentes
estas condições resultará na extinção do processo arbitral por falta de jurisdição dos
árbitros, o que pode se dar, inclusive, por problemas relacionados às condições da ação
arbitral.

Os problemas de ausência de jurisdição dos árbitros podem dizer respeito à


totalidade dos litigantes, ou a parte deles. Porque a arbitrabilidade se afere nos planos
subjetivo e objetivo, pode ser que a ação não reúna condições de prosseguir porque às
partes falta esta pertinência subjetiva com o litígio, ou porque a matéria objeto do
processo não foi contemplada na convenção de arbitragem que está na base da demanda
proposta.

No aspecto subjetivo, pode ocorrer – e não raro estes temas são concretamente
debatidos – que a disputa verse sobre um conjunto de contratos, firmados entre diferentes
partes, sendo debatido se todos se vinculam à convenção de arbitragem. Isso se dá
também em relação a grupos de sociedades, quando a discussão se centra na vinculação
de outras pessoas jurídicas, em função da sua eventual participação na celebração ou
execução do contrato. Se há múltiplas partes da relação jurídica material, mas apenas
parte delas manifestou intenção de submeter litígios à arbitragem, a solução dependerá da

334
PARENTE, Eduardo. Processo arbitral e sistema, p. 159-160.
138

natureza do litisconsórcio a ser formado, que por sua vez dependerá do tipo de pretensão
a ser deduzida.

Não há dúvidas quanto à aplicabilidade ao processo arbitral do litisconsórcio,


que igualmente se classifica em unitário ou não unitário, necessário ou facultativo. Este
tema, não obstante sua regulação no âmbito do processo, deriva diretamente do direito
material, no qual relações são estabelecidas com múltiplos sujeitos. Dessa forma,
independentemente das omissões na Lei de Arbitragem, aplicam-se ao processo arbitral
as regras (de processo, não de procedimento) relativas à necessidade de integração do
contraditório necessário335. Dessa forma, nos casos de litisconsórcio necessário, o litígio
somente poderá ser submetido à arbitragem se todos os litisconsortes manifestarem
consenso. Caso contrário, a convenção de arbitragem não poderá produzir seus efeitos,
devendo o árbitro “encerrar o procedimento sem julgamento de mérito, por falta de
integração da convenção de arbitragem. Proferirá sentença terminativa na esfera
arbitral, para que a lide possa ser resolvida pelo Poder Judiciário”336

Ainda a propósito da ação, há dois comentários adicionais que devem ser feitos
neste tópico específico, acerca dos conceitos de litispendência e conexão.

Primeiro, quanto à noção teórica de litispendência. Como visto, pela via arbitral
também se exercita a ação. Se assim é, é necessário também reconhecer que a ação arbitral
também é classificada e examinada à luz dos seus elementos, que são as partes, a causa
de pedir e o pedido. Para diversas finalidades, é necessário classificar e identificar as
ações, o que se faz pela verificação destes seus elementos. A correta identificação da ação
tem finalidades internas ao processo, sobretudo no que diz respeito à estabilização da
demanda, à determinação dos seus limites e, em consequência, da resposta que o órgão
jurisdicional é obrigado a dar (que não pode deixar de examinar qualquer das pretensões
formuladas e, ao mesmo tempo, não pode extrapolar o âmbito destas mesmas pretensões,
tal qual trazidas pelas partes). E tem finalidades externas, para prevenir a repetição de

335
GRINOVER, Ada Pellegrini, observa que devem figurar no processo todos os que são titulares de um
mesmo direito subjetivo ou de uma só obrigação, sendo a obrigatoriedade do litisconsórcio definida não
pelo direito processual, mas pelo direito material em debate, que determina os titulares e os possíveis
afetados pela sentença. “É a estrutura interna da relação jurídica – um estado jurídico único – formada pela
ligação entre várias pessoas, que torna, senão impossível, ao menos ilegítima a formação de um processo
em que apenas uma ou algumas delas estejam presentes”. Parecer – Arbitragem e Litisconsórcio Necessário.
Revista Brasileira de Arbitragem. Vol. 10. São Paulo, 2006, p. 23.
336
GRINOVER, Ada Pellegrini. Parecer – Arbitragem e Litisconsórcio Necessário. Revista Brasileira de
Arbitragem. Vol. 10. São Paulo, 2006, p. 32.
139

demandas, durante ou após a sua tramitação e, se for o caso, para determinar a reunião
destas mesmas demandas.

Como em todos os aspectos que permeiam a arbitragem, os fenômenos


processuais se repetem, mas as soluções específicas do processo arbitral podem ser
(muito) diferentes daquelas propostas para o processo estatal. O capítulo cinco será
dedicado ao exame mais aprofundado de diversos institutos processuais, para reafirmar
sua base comum e o pertencimento do processo arbitral à teoria geral do processo, e ao
mesmo tempo para esclarecer as diferenças no tratamento de várias destas questões.
Porque a aproximação dos conceitos, categorias e estruturas processuais não impõe um
tratamento idêntico, ou a importação de todas as regras do processo estatal para a
arbitragem. Como ramo próprio, o processo arbitral compartilha a estrutura fundamental,
mas responde diferentemente a muitas situações específicas. Os processos possuem
contornos parecidos, mas dentro das respectivas molduras, cada um observa
peculiaridades próprias.

Neste capítulo, em que se pretende, por assim dizer, a releitura das categorias
fundamentais da Teoria Geral do Processo, à luz da inserção do processo arbitral nela,
são destacados alguns destes aspectos, sob uma perspectiva mais geral. Aqui, importa
afirmar o compartilhamento da estrutura fundamental, e no que diz respeito à Ação, isso
significa que há ação na arbitragem, que ela deve ser compreendida à luz dos seus
elementos, que deve ser exercitada mediante o preenchimento de certos requisitos (ou
condições), e que a repetição total ou parcial da ação enseja os fenômenos da
litispendência, da conexão de causas. Significa também que, acaso julgado o mérito da
controvérsia, a repetição da mesma ação – por via arbitral ou judicial – será obstada pelo
fenômeno da coisa julgada. Pode haver particularidades no exame destas situações, mas
é inequívoco que se está sempre a falar das mesmas categorias teóricas, da mesma
estrutura, da mesma espinha dorsal.

O tema da litispendência pode acarretar uma circunstância particular quando


envolve o processo arbitral, porque pode ocorrer litispendência entre a jurisdição arbitral
e a estatal, nas hipóteses em que uma parte inicia um processo arbitral e, paralelamente,
a outra parte submete questão correlata à jurisdição estatal337. A técnica do processo

337
NUNES, Thiago Marinho. Arbitragem e Demandas Paralelas: a visão do árbitro. 20 anos da Lei de
Arbitragem, pp. 343-362, 345-349.
140

estatal para lidar com processos paralelos parte de premissas próprias, que incluem a ideia
da unidade da Jurisdição, ainda que subdivida em órgãos, tribunais, juízos diferentes. Mas
se a litispendência envolve uma outra espécie de jurisdição, os problemas devem ser
resolvidos de outra forma, mediante o emprego de outras técnicas.

Se o juízo estatal, mediante alegação da parte, reconhece a existência da


convenção de arbitragem, a solução legal será a de extinguir o processo proposto perante
a jurisdição estatal, sem resolução do mérito (CPC, art. 485, VII). Não há o
aproveitamento de atos processuais, não há remessa ao órgão competente (rodapé: Está
solução, aliás, é adotada mesmo no âmbito de dois processos submetidos à jurisdição
estatal. Refiro-me aos processos perante os Juizados Especiais, que não são remetidos à
justiça comum, mas igualmente extintos, conforme Lei 9.099/95, art. 51). O processo
proposto perante o Poder Judiciário deve ser extinto, sem prestar a tutela jurisdicional
completa, porque inexiste a jurisdição estatal para aquela disputa em concreto. A
jurisdição arbitral prevalecerá, sendo por ela processada e julgada a demanda.

De outro lado, se as duas demandas são admitidas pelas respectivas


jurisdições338, sob uma perspectiva estritamente teórica, o resultado deveria ser o de se
admitir essa tramitação em paralelo, ainda que esta solução contenha, em si, não poucos
inconvenientes. Por razões sistemáticas, mas com elevada dose de pragmatismo, a
solução que os diversos sistemas jurídicos adotam é a de proteger a jurisdição arbitral de
interferências das Cortes estatais. O Brasil, seguindo neste particular o parâmetro adotado
internacionalmente, encampou em sua legislação um conjunto de princípios e regras que
visam reduzir ao máximo o risco de interferências, que podem ser resumidas em três
pilares básicos: (i) a carga de eficácia da convenção de arbitragem, não suscetível de
resilição unilateral, que produz efeitos de vincular às partes à solução arbitral e proibir
que juízes togados examinem aquele mesma controvérsia, (ii) a prioridade cronológica
dos árbitros no exame das questões relacionadas à admissibilidade do processo arbitral, o
que inclui o exame das questões sobre existência, validade e eficácia da convenção de

338
O Código de Processo Civil impõe ao juiz estatal a extinção do processo sem resolução de mérito, seja
quando a parte alega e o juiz acolhe a exceção de convenção de arbitragem (artigo 485, VII, parte inicial),
seja quando os próprios árbitros reconhecem a sua jurisdição (artigo 485, VII, parte final). Há aqui uma
previsão de que, ainda que o juiz não tenha examinado a preliminar de existência de convenção de
arbitragem, ele deverá extinguir a demanda ao ser comunicado de que os árbitros, enfrentando o tema da
arbitrabilidade da controvérsia, tenham decidido no sentido de possuírem jurisdição para a disputa. Os
árbitros não podem determinar aos juízes que extingam processos judiciais, mas a solução que decorre desta
parte final do artigo 485, VII é tal que, para dizer o mínimo, convida o juiz a extinguir o processo, baseado
na decisão tomada pelos árbitros.
141

arbitragem e (iii) o controle do processo arbitral que ocorre apenas depois da tramitação
do processo arbitral, controle que se exercita em relação à sentença arbitral, mediante a
predisposição de uma demanda judicial específica, para a desconstituição os efeitos da
sentença arbitral.

É certo que a Convenção de Nova Iorque contém disposição que autoriza o Poder
Judiciário a examinar, excepcionalmente, a controvérsia sobre a qual haja uma convenção
de arbitragem, nas hipóteses de evidente nulidade da convenção de arbitragem. Mas para
além de uma admissibilidade absolutamente excepcional desta válvula de escape, a
previsão está contida em norma sobre o reconhecimento e homologação de sentenças
arbitrais estrangeiras, o que torna no mínimo discutível que esta mesma solução possa ser
adotada no âmbito de arbitragens internas (ou domésticas)339. Assim, ao se examinar o
arcabouço normativo aplicável às arbitragens internas, observa-se que a única solução
proposta pelo legislador é a de instar o juiz estatal a recusar o exame da demanda,
permitindo o desenvolvimento do processo arbitral, o qual será objeto de controle por
meio de ação anulatória.

E se as duas demandas correrem paralelamente, a questão que daí decorre dirá


respeito ao conflito jurídico de julgados, situação que o ordenamento processual civil
procura evitar, mas reconhece como uma realidade possível. E nestes casos, a solução
que prevalece no ordenamento jurídico brasileiro é a de prevalência da coisa julgada que
se forma posteriormente340.

As considerações acima feitas são estritamente teóricas, porque no Brasil, o


Superior Tribunal de Justiça adotou uma solução de compromisso, com nítido viés
pragmático, que foi a de admitir Conflito de Competência entre órgãos arbitrais e
judiciais, e (mais recentemente) até mesmo entre tribunais arbitrais distintos341, perante o

339
Esse tema se relaciona muito diretamente com o das medidas anti-arbitragem. A este respeito, ver
NUNES, Thiago Marinho, A Prática das Anti-Suit Injunctions no Procedimento Arbitral e seu recente
desenvolvimento no Direito Brasileiro. Revista Brasileira de Arbitragem, Vol. 5, 2005, pp. 15-51.
SILVEIRA, Gustavo Scheffer da. O papel do juiz no fortalecimento da arbitragem: efeito negativo da
competência-competência v. anti-suit injunctions. Revista Brasileira de Arbitragem. Vol. 60. São Paulo,
2018, pp. 44 – 58.
340
Conforme julgados mencionados na nota 3 ao artigo 503, em NEGRÃO, Theotônio, et. al, Código de
Processo Civil e legislação processual em vigor, 53ª ed., São Paulo, SairaivaJur, 2022, p. 580. Na doutrina,
TALAMINI, Eduardo. Coisa Julgada e sua revisão, São Paulo, Revista dos Tribunais, 2005, p. 155. Em
sentido contrário, defendendo a prevalência da primeira coisa julgada, ALVIM, Arruda. Manual de Direito
Processual Civil, 20ª. Ed. São Paulo, Thomson Reuters Brasil, 2021, p. 1262. Também, DINAMARCO.
Coisas Julgadas Conflitantes. Memorias de um Processualista, p. 113
341
STJ, 2ª Seção, CC n. 185.702, Ministro Marco Aurélio Bellizze, DJe de 17/03/2022
142

próprio STJ342. Aplicando, por analogia, as regras acerca do Conflito de Competência


entre órgãos de Justiças diferentes, o STJ atribuiu para si a competência de decidir quais
dos órgãos deve processar a demanda.

Ocorre que esta solução é tecnicamente imprópria, porque atribui aos órgãos
arbitrais uma natureza que não possuem, porquanto adota uma solução pensada para a
estrutura dos órgãos do Poder Judiciário para um órgão jurisdicional privado, que em
nenhuma circunstância pode ser considerado como integrante da estrutura do Estado. Na
realidade, a admissibilidade de Conflitos de Competência entre processos arbitrais e
judiciais decorre de uma má compreensão da própria noção de jurisdição privada.

Ainda que seja uma solução desejada pelo Estado, regulamentada por lei federal,
que corresponda a uma oferta de serviços jurisdicionais adicional, que compartilhe da
mesma estrutura conceitual fundamental que as demais manifestações de processo, fato é
que o processo arbitral se desenvolve fora do âmbito do Estado, de modo que não devem
ser a ele aplicáveis os mecanismos exclusivos de controle da atividade jurisdicional
estatal, de que são exemplos o Conflito de Competência, o Mandado de Segurança ou a
Reclamação. Aliás, vale o registro de que a possibilidade de escapar às Cortes judiciais
constitui, precipuamente, uma das vantagens e um dos objetivos da arbitragem, portanto,
um dos limites para a comunicação entre as regras processuais aplicáveis a um e outro
ramo.

O segundo comentário que merece ser feito diz respeito à conexão. Trata-se de
outro conceito teórico, pertencente à teoria geral do processo, que se aplica às suas
diferentes ramificações, ainda que com nuances. No âmbito da arbitragem, há dois planos
que podem ser examinados. O primeiro, mais relacionado ao processo arbitral
propriamente dito, que diz respeito ao próprio conceito. O segundo, pertinente ao
procedimento a ser adotado em caso de identificação da conexão entre duas causas.

342
STJ, 2ª Seção, Conflito de Competência nº 111.230, Rel.ª Min. Nancy Andrighi, j. 08.05.2013; STJ, 2ª
Seção, Conflito de Competência nº 146.939, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, j. 23.11.2016; STJ, 1ª
Seção, Conflito de Competência nº 139.519, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, j. 11.10.2017.
Reconhece o STJ que: “esta conclusão decorre do reconhecimento de que o Tribunal Arbitral, a despeito
de não compor organicamente o Poder Judiciário, deve ser compreendido na expressão “quaisquer
tribunais” a que a norma constitucional em questão (art. 105, I, d, CF) se refere, sobretudo, porque, tal como
o Judiciário, resolve o conflito de interesses em definitivo, com aplicação da ordem jurídica” (STJ, 2ª Seção,
Conflito de Competência nº 185.702, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, j. 04.03.2022).
143

Em termos conceituais, a conexão se estabelece quando há elementos em comum


entre duas causas distintas. As demandas não são idênticas, mas compartilham de um ou
mais elementos, que conduzem a uma certa sobreposição entre as causas. O conceito
lógico-jurídico aqui aplicável é o de que a conexão representa a parcial identidade entre
elementos de duas ações diferentes. No sistema processual brasileiro, este conceito foi
positivado, tornando-se um conceito jurídico-positivo343, pelo qual reputam-se conexas
duas causas quando lhes são comuns a causa de pedir ou o pedido (CPC, art. 54). A
identidade das partes, isoladamente, não constitui fator que caracteriza a conexão, no
ordenamento brasileiro.

A necessidade de classificar e identificar os elementos de uma demanda e, a


partir deles, identificar causas conexas, tem sua razão de ser na conveniência de se
promover a reunião de causas para julgamento conjunto, o que, por sua vez, é um
imperativo de eficiência e economia processual. Toda solução jurisdicional de conflitos
deve atender a estes postulados, inclusive na arbitragem. Ainda que seja um processo das
partes, que tenha origem contratual e tenha por finalidade, de forma mais nítida, a solução
do caso concreto para as partes envolvidas – sem uma preocupação sistêmica com a
administração da Justiça – a eficiência e a economia são valores que devem ser
perseguidos também no âmbito da jurisdição arbitral, porque, Jurisdição que é, tem os
mesmos escopos e atende a propósitos semelhantes. Ao se enfatizar a justiça do caso
concreto e a satisfação das partes contratantes da arbitragem, o objetivo de eficiência e
economia ficam até mais nítidos, porque não faz sentido que as partes escolham este
método extrajudicial com objetivos de obter uma decisão pior, mais demorada ou mais
custosa.

Assim é que, conceitualmente, também na arbitragem tem aplicação a ideia de


conexão e o objetivo mais geral de que, idealmente, causas com elementos em comum
serão mais bem julgadas se forem reunidas. Ocorre que a solução para esta situação
decorre do procedimento a ser fixado, e no caso particular da arbitragem, é também
condicionada à questão do consentimento das partes em se submeter à via arbitral.

343
Como já visto, a classificação dos conceitos aplicáveis ao processo em lógico-jurídicos e jurídico-
positivos é adotada por Fredie Didier, como forma de distinguir os elementos puramente teóricos, que
integram verdadeiramente a Teoria Geral do Processo, daqueles conceitos que são positivados e que
representam escolhas do legislador, mas que não necessariamente integram a natureza dos respectivos
institutos jurídicos. DIDIER, Fredie Jr., Sobre a Teoria Geral do Processo, p. 37-38.
144

Se causas conexas envolvem partes diferentes, sendo que apenas algumas delas
estão vinculadas à convenção de arbitragem, não é possível a reunião das causas. Porque
as partes vinculadas à convenção de arbitragem não podem renunciar a ela, isoladamente,
apenas porque é mais conveniente demandar perante tribunais estatais, mirando a conexão
de causas. Em contrapartida, partes não signatárias não podem ser obrigadas a litigar em
arbitragem. Assim, o resultado dessa equação será que as causas não serão reunidas,
correrão em separado e podem receber julgamentos contraditórios. Para contornar essa
dificuldade, tendo em vista a prejudicialidade que se estabelece entre as causas, os árbitros
podem determinar a suspensão do procedimento, à espera da decisão da causa
prejudicial344.

O mesmo resultado decorrerá das situações em que as duas causas conexas


tenham convenções de arbitragem perante instituições arbitrais diferentes. Na falta de
acordo para modificar o conteúdo de uma das convenções, não será possível impor a
reunião das demandas perante uma das instituições eleitas345.

O cenário se modifica se as convenções de arbitragem apontam a mesma


instituição como a administradora dos procedimentos arbitrais e submete ambas as
disputas ao mesmo regulamento, porque, a depender da instituição, a solução
procedimental pode ser dada no âmbito do Regulamento346. No Brasil, instituições
arbitrais como a Câmara do Mercado e a Câmara de Mediação e Arbitragem de São Paulo
– FIESP/CIESP contém disposições sobre conexão. Também a Câmara de Arbitragem da

344
PARENTE admite a incidência do conceito processual da prejudicialidade e observa que, entre uma
demanda judicial e uma arbitral, não pode ser aplicada uma regra de conexão. Por isso é preciso definir
qual juízo deve aguardar a decisão do outro, sendo que o árbitro deve interpretar restritivamente pedidos
de suspensão do processo arbitral, para evitar litispendências criadas para impedir seu munus. PARENTE,
Eduardo. Processo arbitral e sistema, p. 194.
345
Octávio Fragata de Barros observa que, nesta hipótese, o problema se agrava, porque nos dois processos
a autoridade arbitral foi conferida pelas partes. Se há alguma ambiguidade que permite uma dupla
instauração, não é claro quem deva ter precedência sobre o outro. BARROS, Octávio Fragata de.
Litispendência arbitral. Concorrência de julgadores na arbitragem internacional: O Brasil e a
“litispendência arbitral”. Revista Brasileira de Arbitragem. Vol. 15. São Paulo, 2007, pp. 7-26, p 23-24.
346
GAILLARD reconhece a aplicabilidade da exceção de litispendência, caso se admita a primeira
representação da arbitragem, que identifica a jurisdição arbitral como integrada ao país da sede. Mas
ressalva que, sob a perspectivas das duas outras possíveis representações da arbitragem (multilocalizadora
e de uma ordem jurídica autônoma), entende que então não haverá lugar para uma exceção de
litispendência. GAILLARD, Emmanuel. Teoria Jurídica da arbitragem internacional, p. 78. Essa
circunstância se dá igualmente em caso de existência de litígios perante jurisdições estatais diferentes,
porque segundo o modelo processual brasileiro, a existência de uma demanda estrangeira não induz
litispendência com demanda promovida perante o Judiciário brasileiro, cf. CPC, art. 24.
145

Câmara de Comércio Internacional – CCI – possui disposição semelhante. No âmbito


destas instituições, as causas poderão ser reunidas347.

A conexão é, assim, um conceito processual, um elemento que se pode dizer


inerente à própria ideia do processo jurisdicional. Mas seus contornos específicos são
fixados pela lei processual geral, que serão aplicáveis ao processo arbitral em virtude da
identidade das estruturas fundamentais dos respectivos processos. Não se quer com isso
dizer que não possa haver combinações diversas, fruto da autonomia da vontade das
partes. Ao menos em tese, seria possível que uma convenção de arbitragem vedasse a
conexão de causas, mesmo diante da existência de elementos comuns. As partes têm
liberdade para estruturar seu processo de modo diferente, porque o ideário de julgamentos
eficientes e que evitem contradição entre as decisões não é absoluto, mesmo no processo
estatal. No arbitral, as partes poderiam regular a conexão de forma diferente.

Mas se não o fazem – e efetivamente esse tema não é objeto das convenções de
arbitragem, como regra – as noções teóricas da conexão terão aplicação ao processo
arbitral.

6.3.Defesa.

A doutrina processual brasileira considera a defesa como uma categoria com


relevância equiparada à ação, o seu contraponto exato, que deve merecer, portanto,
mesmo tratamento sistemático. Afirma-se, com razão, que exceto pela iniciativa de
romper a inércia da jurisdição, não há diferenças relevantes entre as posições assumidas
pelos diferentes polos de uma relação jurídica processual348.

347
Regulamento da Câmara de Mercado de 26/10/2011, artigo 6.2 e seguintes. Regulamento da Câmara de
Mediação e Arbitragem de São Paulo, FIESP/CIESP, de 01/08/2013, artigo 4.1. Regulamento da Câmara
de Comércio Internacional CCI de 01/2021, art. 10.
348
DINAMARCO, BADARÓ e LOPES. Teoria Geral do Processo, p. 334. Em outro trecho, afirmam que
defesa é a faculdade de resistir à pretensão do autor, com a mesma relevância que a ação, Teoria Geral do
Processo, p. 70.
146

Adicionalmente, no Brasil a ampla defesa tem status constitucional, juntamente


com a garantia do contraditório349. Essa previsão reforça a ideia de que não pode haver
algum tipo de predomínio ou favorecimento ao autor/requerente. Assegura-se a igualdade
entre os litigantes, com idênticas oportunidades de influir no convencimento do
julgador350.

Não obstante o que se disse acima, se no plano mais geral, observado o


ordenamento como um todo, a defesa representa um direito fundamental dos litigantes,
em termos concretos, ela se constitui um ônus para o requerido, que pode optar por
comparecer e apresentar resposta, ou se omitir351. Esta é uma construção dogmática
necessária, porque se a tutela jurisdicional não pode ser negada a quem rompe a inércia
da Jurisdição, seria um contrassenso tornar esta mesma tutela dependente de alguma
reação ou da efetiva participação do réu. O que se assegura ao réu é a oportunidade de
responder aos termos de uma demanda, inclusive apresentando pleitos reconvencionais,
mas daí não decorre nem um dever de apresentar estas respostas, nem um direito que, não
exercitado, impeça o desenvolvimento do processo e a prolação da decisão352.

Se em relação à Ação foi dito que ela constitui um direito público subjetivo, que
o requerente exercita para compelir o Estado, direta ou indiretamente, a examinar o mérito

349
Tratando em termos mais gerais sobre a ampla defesa, Leonardo Greco pontua: “as partes ou os
interessados na administração da Justiça devem ter o direito de apresentar todas as alegações, propor e
produzir toda as provas que, a seu juízo, possam militar a favor do acolhimento da sua pretensão ou do não
acolhimento da postulação do seu adversário. Esse direito abrange tanto o direito à autodefesa quanto à
defesa técnica por um advogado habilitado, e também o direito a não ser prejudicado no seu exercício por
obstáculos alheios à sua vontade ou pela dificuldade de acesso às provas de suas alegações. GRECO,
Leonardo. Garantias Fundamentais do Processo: o processo justo. Disponível em
www.mundojurídico.adv.br, último acesso em 06/06/2022.
350
Ensina Heitor Sica que “tanto a ação quando a defesa são meios para atingimento de um fim, que é a
tutela jurisdicional, perseguida por autor e réu com oportunidades praticamente iguais”, constituindo a
defesa em ferramenta para atuação do Estado, com intuito de pacificação social e de afirmação do direito
objetivo”. SICA, Heitor Vitor Mendonça. Velhos e novos institutos fundamentais do direito processual
civil. 40 anos da Teoria Geral do Processo no Brasil, p. 443.
351
Leonardo Greco igualmente observa que a defesa do réu é um direito, que corresponde a um dever do
juiz, de assegurá-la da forma mais ampla possível. É um direito e um ônus. GRECO, Leonardo. Instituições
de Processo Civil, vol. 1. Introdução ao Direito Processual Civil. 5ª ed. Rio de Janeiro, Forense, 2015.
352
SILVA, Paula Costa e. O Processo e as situações jurídicas processuais. Teoria do Processo: panorama
doutrinário mundial, p. 771: “Também ainda numa primeira aproximação, detecta-se imediatamente uma
distinção entre, por um lado, as faculdades e os ónus, e, por outro, os deveres processuais. Enquanto aqueles
se apresentam como efémeros, estes impendem sobre os sujeitos adjectivos ao longo de todo o processo.
As faculdades e os ónus processuais têm existência breve no processo, constituem-se num dado momento,
para imediatamente se extinguirem. E extinguem-se ou decorrido o prazo para a prática do acto adjectivo
que legitimam ou praticado o acto que legitimam. Isto significa que estes dois tipos de situações, caso se
possam autonomizar, têm uma função muito específica no processo. Elas são constituídas para permitirem
o desenvolvimento de actividades conexas com a produção de um resultado final. Uma vez desenvolvida
essa actividade ou ultrapassado o prazo a ela destinado, tais situações extinguem-se. São situações a cuja
constituição preside uma finalidade específica dentro do processo”.
147

de uma pretensão, a defesa deve ser entendida como um direito público subjetivo de se
opor à ação, com igualdade de oportunidades353. Mas assim como ocorre em relação à
ação, a defesa, ou resposta, também exige o atendimento de certos requisitos. Não são
propriamente condições, nem são as mesmas condições da ação, mas requisitos de outra
ordem. O primeiro deles, o de ser apresentada no prazo estabelecido pelo órgão
jurisdicional. No caso do processo estatal, civil, penal, trabalhista, etc., estes prazos são
fixados na própria lei. No caso do processo arbitral, também este aspecto do procedimento
(o tempo do ato processual) é deixado à livre determinação das partes ou, omissas estas,
ao critério dos árbitros. Em termos práticos, em geral estes prazos são fixados (em dias
corridos, não úteis) consensualmente, no Termo de Arbitragem. Mas antes de ser firmado,
nas arbitragens institucionais, os regulamentos fixarão prazo para as primeiras
manifestações, tais como a de responder à instauração da arbitragem, recolher as custas
iniciais e designar árbitro.

Ao se abordar o tema da resposta do requerido, alguns aspectos merecem


comentários. Em primeiro lugar, a importância de se realizar adequadamente o ato de
convocação do requerido acerca dos termos da demanda, para que possa, querendo,
apresentar resposta. Seja qual for a modalidade de processo, a convocação adequada do
requerido é um tema crucial do processo, necessária para a triangularização da relação
processual, que constitui um requisito de existência do processo, relativamente ao réu.
Não por acaso, a doutrina sustenta a possibilidade de manejo de querella nulitatis pelo
réu, para declarar a inexistência de sentença proferida em relação processual da qual não
fez parte. No plano normativo brasileiro, a falta ou nulidade da citação é causa que
autoriza a apresentação de impugnação ao cumprimento da sentença, constituindo um
vício relativo à fase de conhecimento que não é absorvido pela coisa julgada354.

No processo arbitral, o tema possui importância equivalente, ainda que, em


termos procedimentais, as coisas se passem de modo muito diferente. Porque a parte
requerida não é propriamente citada, afinal a arbitragem é instaurada pela apresentação
de um requerimento inicial que, em regra, ainda não corresponde propriamente a uma
petição inicial. A parte requerente indica o resumo do conflito, antecipa o que pretende

353
DINAMARCO, BADARÓ E LOPES dizem que o réu também tem uma pretensão em face dos órgãos
jurisdicionais, a pretensão a que o pedido do autor seja rejeitado, a qual assume uma forma antitética à
pretensão do autor. Teoria Geral do Processo, p. 331.
354
A respeito, ver APRIGLIANO, Ricardo de Carvalho. Ordem Pública e Processo, p. 93-94.
148

com a instituição da arbitragem, mas a especificação da demanda ocorrerá somente em


momento posterior. A este respeito, remete-se o leitor para o capítulo cinco desta tese.
Neste momento, importa apenas ressaltar que, na arbitragem, dispensam-se em geral
maiores formalidades para o ato citatório, mira-se mais na substância, que consiste em
assegurar que a parte contrária tenha efetiva notícia da instauração da arbitragem355. Não
obstante a relevante diferença procedimental que possa haver, no processo arbitral é
igualmente necessário que a parte requerida tenha plena ciência da demanda que lhe é
proposta, e plena oportunidade de a ela se opor.

A defesa, garantia constitucional que se aplica a todo e qualquer processo, se


manifesta concretamente segundo diversos parâmetros, que se extraem do modelo
processual brasileiro, e que em geral são positivados nas normas do Código de Processo
Civil. A conformação exata do direito à defesa e os parâmetros que se observam no
processo arbitral são objeto de item próprio no capítulo cinco. Da mesma forma,
diretamente conectado ao tema da defesa, tem-se os institutos processuais da revelia e da
preclusão, igualmente desenvolvidos no capítulo cinco.

Ainda neste tópico, um rápido comentário deve ser feito quanto à preclusão,
entendida como a perda da faculdade de prática de certos atos no processo, seja pelo
decurso do seu prazo, seja pelo exaurimento da oportunidade para praticá-lo356. Ainda
que modelos procedimentais não rígidos, ou largamente flexíveis, como é o caso típico
do processo arbitral, não adotem regras procedimentais específicas de preclusões rígidas,
o tema em si sempre é observado, o instituto da preclusão – como conceito processual
geral – é aplicável também ao processo arbitral357.

Afora as hipóteses que a própria Lei de Arbitragem contempla, como a de


suscitar questões relativas à competência, suspeição ou impedimento dos árbitros, a
preclusão é uma decorrência do modelo processual brasileiro. Poder-se-ia admitir, em

355
Como observa Gabrielle Kaufmann-Kohler, no panorama da arbitragem internacional as coisas se
colocam em patamares semelhantes. Decisões judiciais examinadas pela autora indicam que se busca aferir
se o réu teve efetiva ciência da existência do processo, não se eventuais formalidades quanto ao ato citatório
foram observadas. KAUFMANN-KOHLER, Gabrielle. Arbitration procedure: identifying and applying the
law governing the arbitration procedure. In: van den Berg, Albert Jan. Improving the efficiency of
arbitration agreements and awards: 40 years of application of the New York Convention. The Hague,
Kluwer Law International, 1999. p. 356-365, p. 363.
356
ALVIM, Arruda. Manual de Direito Processual Civil, 20ª. Ed., p. 727-728.
357
Sobre sistemas procedimentais rígidos e flexíveis, ver GAJARDONI, Fernando da Fonseca.
Flexibilidade procedimental: um novo enfoque para o estudo do procedimento em matéria processual. São
Paulo, Atlas, 2008.
149

tese, uma convenção de arbitragem em que as partes autorizassem a apresentação da


demanda em etapas, a apresentação de argumentos de resposta ao longo de todo o
procedimento, ou outras variações de um modelo livre de preclusões, mas não é possível
excluir totalmente a preclusão, porque a tutela jurisdicional deve ser prestada em algum
momento, respeitado o contraditório, o que impõe o encerramento da apresentação de
submissões e argumentos, de forma a permitir a prolação da decisão. E se esta cogitação
é meramente teórica, o que se observa em termos práticos é praticamente a antítese desta
ideia, porque as partes costumam organizar procedimento mais rígido, com a fase
postulatória claramente demarcada, momento próprio para estabilização da demanda etc.

Uma decorrência desta ideia de preclusão é a de que a resposta do requerido deve


conter todos os argumentos em contraposição aos fundamentos da ação, aplicando-se ao
processo arbitral a regra da concentração dos atos da defesa, bem como o ônus de
impugnação específica dos fatos alegados pelo requerente358.

A esta conclusão se chega também em atenção a postulados de eficiência e


celeridade, porque o objeto da prova, em processos jurisdicionais, deve recair sobre as
alegações de fato sobre as quais pairem dúvidas acerca da sua ocorrência. Não há
fundamento racional, sob a perspectiva de um método jurisdicional de resolução de
conflitos, para investigar fatos sobre os quais não haja dúvidas razoáveis acerca da sua
ocorrência.

Por isso é que as noções processuais de ônus de impugnação específica e de


exclusão de fatos incontroversos do objeto da prova são plenamente aplicáveis ao
processo arbitral, como decorrência da sua própria natureza jurisdicional e da incidência
do princípio da economia e razoável duração do processo359.

358
Guilherme Setoguti Pereira também é da opinião de que no processo arbitral o réu tem o ônus de
responder, e que o tratamento do réu que não apresenta defesa deve ser o mesmo que é dado ao réu no
processo estatal, suportando os efeitos da sua inércia, que serão o de se presumir verdadeiras as alegações
feitas pelo autor. PEREIRA, Guilherme Setoguti, Curso de Arbitragem, p. 187.
359
O que significa que o requerido não pode apresentar uma contestação por negativa geral, limitando-se a
afirmar genericamente que os fatos alegados não são verdadeiros. “O ônus de impugnação específica exige
que o réu, além de manifestar-se precisamente sobre cada um dos fatos, expresse fundamentação em suas
alegações, ou seja, cumpre ao réu dizer como os fatos ocorreram e porque nega os fatos apresentados pelo
autor”. WAMBIER, Luis Rodrigues. TALAMINI, Eduardo. Curso Avançado de Processo Civil, vol. 2, 19ª.
Edição, São Paulo, Thomson Reuters Brasil, 2020, p. 147.
150

Também como decorrência lógica, é possível igualmente aplicar a ideia da


revelia ao processo arbitral360. Não no sentido que lhe emprega a própria Lei de
Arbitragem, no artigo 22, §3º, mas em seu sentido técnico, processualmente adequado,
correspondente à ausência de resposta do requerido. Como já dito (capítulo 1, item 2.7),
a LARB adota a noção de contumácia para assegurar que o processo arbitral seja
processado e receba julgamento, mesmo diante da ausência absoluta de qualquer das
partes. Isso se dá para impedir que a mera recusa de uma delas em participar impeça a
prolação da sentença.

Mas em termos técnicos, o fenômeno da revelia consiste na não apresentação de


defesa por parte do requerido. Nestes casos, a consequência processual deve ser a de
presunção (relativa) de veracidade dos fatos alegados pelo requerente, em virtude da
ausência de impugnação específica a estes mesmos fatos. A defesa é uma conduta
eventual do requerido, que quando não manifestada, faz surgir a revelia e, no mais das
vezes, os efeitos previstos na legislação processual. Como será visto no capítulo cinco,
reconhecer que da revelia decorre a presunção de veracidade dos fatos não impugnados
não corresponde ao imediato julgamento da causa nem ao acolhimento do pedido do
autor.

Em suma, por força da sua previsão constitucional e da sua semelhança


ontológica em relação à ação, a defesa igualmente integra as categorias fundamentais da
Teoria Geral do Processo, sendo os seus conceitos teóricos e parâmetros gerais são
igualmente aplicáveis no processo arbitral, não obstante o silêncio da legislação especial
a respeito. Das normas processuais gerais extrai-se todo o arcabouço das suas regras
processuais, a sua estrutura fundamental, como por exemplo a sua função no sistema
processual, sua tipologia, estrutura, o rol de matérias preliminares que por ela podem ser
suscitadas, o dever de o julgador examiná-las em caráter antecedente, relativamente ao
mérito.

360
Guilherme Setoguti Pereira reconhece a incidência da revelia no processo arbitral, bem assim a aplicação
das exceções à presunção de veracidade dos fatos, contidas no artigo 345 do CPC. Sustenta, igualmente,
que o requerido revel pode participar do processo a qualquer momento, recebendo-o no estado em que se
encontra (CPC, art. 346), por força do contraditório e devido processo legal. PEREIRA, Guilherme
Setoguti, Curso de Arbitragem, p. 188.
151

Exceto se de outro modo convencionado pelas partes, à defesa no processo


arbitral aplicam-se igualmente as noções de ônus de impugnação específica, de
concentração da defesa em um único ato, de preclusão (temporal, lógica e consumativa).

Não se cogita a aplicação, de outro lado, de disposições que versam sobre


aspectos do procedimento de apresentação da defesa em sede judicial, como por exemplo,
a possibilidade de indicação do réu legítimo e sua substituição no polo passivo (CPC, art.
338 e 339), a invocação de preliminares de competência relativa, capazes de determinar
a remessa a outro juízo (por evidente incompatibilidade com o processo arbitral).

6.4. Processo.

Não obstante não seja mais o núcleo central dos estudos da Teoria Geral do
Processo, justamente por sua natureza instrumental, é inegável a importância que o
processo tem na construção das bases teóricas da ciência processual. Como já dito, é
justamente quando se identifica a autonomia da relação que os litigantes estabelecem
quando em conflito, que passa a ser possível a construção de inúmeros conceitos teóricos,
amplamente aplicáveis e aplicados até hoje.

Há diferentes teorias acerca do processo, objeto de relevantes estudos por parte


da doutrina. Em suas concepções originais, elas foram desenvolvidas como contrapontos
umas às outras, como típica manifestação da fase autonomista do processo. Assim,
Fazzalari desenvolveu sua hipótese de o processo como uma espécie do gênero
procedimento, no qual há a participação dos interessados na formação do provimento
final, como forma de negar a teoria do processo como relação jurídica, que para Fazzalari,
correspondia a um empréstimo impróprio de noções advindas do direito privado361.

Mas o desenvolvimento da ciência processual permitiu constatar que tais


definições não necessariamente se excluem, servem, antes, como complementares. As
críticas feitas até hoje dizem respeito, na verdade, a uma questão de gradação, de
intensidade. A proposição de qualificar o processo como um procedimento que se
desenvolve em contraditório não chega propriamente a excluir aquela da relação jurídica,

361
FAZZALARI, Elio. Istituzioni di Diritto Processuale, Padua, Cedam, 1975, p. 5-6; p. 23-24.
152

mas apenas enfatiza outros aspectos do fenômeno362. O mesmo quando se define o


processo como uma situação complexa, ou como um feixe de situações, noções que
devem ser tidas como igualmente verdadeiras, mas nem por isso precisam ser
compreendidas como uma negação à ideia de uma relação jurídica processual363 364.

Para os fins deste estudo, acolho e adoto a ideia do processo como uma relação
jurídica, complexa, pela qual seus sujeitos assumem diferentes posições, ativas e passivas,
compostas essencialmente de ônus, direitos, deveres, poderes e faculdades. Esta relação,
que sem qualquer dúvida deve se desenvolver em contraditório, coloca estes sujeitos em
permanente interação, porque seus atos são estruturados em uma sequência ordenada – o
procedimento – de modo que a prática de um ato por um dos seus sujeitos faz surgir ônus,
poderes, deveres ou faculdades para os demais, em uma concatenação de atos que é
concebida em um sentido constante em direção ao julgamento da causa365. Relação
jurídica que é, ela tem seus sujeitos, seu objeto e seu objetivo, que não se confundem com
a relação de direito material que se encontra na base daquele processo366, nem se exaure
na noção de procedimento em contraditório367.

362
Contra, entendendo que as correntes se excluem, porque o processo como relação jurídica, pressupõe
uma predominância da figura do juiz (com o que não concordo), que não é compatível com a vertente
garantística da concepção de Fazzalari. NUNES, Dierle. BAHIA, Alexandre. PEDRON, Flávio Quinaud.
Teoria Geral do Processo, Salvador, JusPodivm, 2020, p. 239-244.
363
Para um panorama dessas correntes teóricas, ver ASSIS, Araken de. Processo Civil Brasileiro, volume
I: parte Geral: fundamentos e distribuição de conflitos. 2ª ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 2016.
364
SILVA, Paula Costa e. O Processo e as situações jurídicas processuais. Teoria do Processo: panorama
doutrinário mundial, pp. 769-808.
Para Fredie Didier, o procedimento é um ato-complexo de formação sucessiva, no qual vários atos o
compõem, relacionados entre si, que se sucedem no tempo. Diz que o processo é, inegavelmente,
procedimento, mas um procedimento animado pela existência de uma relação jurídica que se desenvolve
em contraditório. DIDIER, Fredie. O Juízo de Admissibilidade na Teoria Geral do Direito. Teoria do
Processo: panorama doutrinário mundial, pp. 287-318, p. 292-293.
365
A crítica de Carlos Alberto de Salles à concepção original do processo como relação jurídica se baseia
na premissa de que a conceituação pandectista do processo como relação jurídica processual exclui o
procedimento como integrante da própria definição de processo, observando que o processo, como relação
jurídica, não faria sentido sem o procedimento, de forma que o autor afirma que “é possível, porém, ter
procedimento sem processo, mas não o contrário”. SALLES, Carlos Alberto de. Processo: Procedimento
Dotado de Normatividade - Uma Proposta de Unificação Conceitual, p. 208. Penso que tais críticas podem
ser consideradas superadas à luz de uma moderna visão do processo como relação jurídica, mas que se
desenvolve em contraditório e se corporifica pelo procedimento. O problema de enfatizar o processo apenas
como o procedimento desenvolvido em contraditório é que esta noção falha em explicar todo o feixe de
posições ativas e passivas que se desenvolve por meio do processo.
366
Fredie Didier adere às posições da doutrina que se dedicou ao estudo da Teoria Geral do Processo,
ponderando que o processo, como relação jurídica, tem sempre um objeto, mas que não necessariamente
ele será constituído de uma lide, como se dá, por exemplo, no processo penal, ou em certas ações civis,
como a demanda para retificação de nome. DIDIER Jr, Fredie. Sobre a Teoria Geral do Processo, p. 106.
367
YARSHELL, Flávio Luiz. O processo como instrumento de solução não adjudicada de conflitos: novas
perspectivas para o direito processual? Estudos em Homenagem a Cândido Rangel Dinamarco, p. 419.
153

Nesta mesma linha, Leonardo Greco define processo “uma relação jurídica
complexa e dinâmica, composta de uma série de atos coordenados, praticados pelos
diversos sujeitos processuais em decorrência da multiplicidade de vínculos que os une no
seu curso, através dos quais se prepara e se exerce a função jurisdicional”368 Cuida-se da
prática sucessiva de atos, por seus diferentes personagens, mas que em seu conjunto,
constituem uma unidade teleológica, “que é a de contribuir para a efetivação do exercício
da jurisdição”369.

Não se nega que a definição mais abrangente de processo, que a Teoria Geral do
Processo procura estabelecer para conceituar, ao mesmo tempo, processos estatais e não
estatais, jurisdicionais e não jurisdicionais, deve se ater a elementos mais gerais370. O
processo é encarado menos sob a perspectiva de uma das suas espécies, a jurisdicional, e
mais pelo seu gênero, que corresponde a um mecanismo de solução de controvérsias. Por
controvérsias, pode-se entender tanto as que se estabelecem entre dois litigantes de um
processo jurisdicional, como entre acionistas ou associados de uma mesma entidade, entre
o Administrador e o administrado371. Estas relações se desenvolvem mais adequadamente
por meio do processo e pela compreensão da aplicabilidade dos conceitos teóricos e
parâmetros da Teoria Geral do Processo. Sobretudo, pela incidência de garantias

368
GRECO, Leonardo. Instituições de Processo Civil, vol. 1. Introdução ao Direito Processual Civil. 5ª
edição, Forense, Rio de Janeiro. p. 234.
369
GRECO, Leonardo. Instituições de Processo Civil, vol. 1. Introdução ao Direito Processual Civil. 5ª
edição, Forense, Rio de Janeiro. p. 230.
370
YARSHELL, Flávio Luiz. O processo como instrumento de solução não adjudicada de conflitos: novas
perspectivas para o direito processual?, p. 423: “[...] a concepção de processo – que nasceu confinada à
atividade jurisdicional contenciosa e que progressivamente se expandiu – hoje pode ser tida como
abrangente da busca de toda e qualquer solução de conflitos, adjudicada ou resultante de autocomposição,
mediante atividade realizada para a consecução de tal objetivo, regulada pela lei, ou eventualmente pela
vontade dos interessados (tal como se dá na arbitragem ou na jurisdição estatal, conforme regra do art. 190
do CPC)”. Também, GONÇALVES, Marcelo Barbi. Teoria Geral da Jurisdição, p. 342. Carlos Alberto de
Salles considera hoje “inegável a constatação de o processo não se restringir ao modo judicial de solução
de controvérsias. A tomada de decisão, mediante determinadas condições, significativas de um modo
específico de decidir, é traço presente também em procedimentos adjudicatórios privados, da
Administração Pública e até mesmo do Legislativo”. SALLES, Carlos Alberto de. Carlos Alberto de Salles.
Processo: Procedimento Dotado de Normatividade - Uma Proposta de Unificação Conceitual, p. 209.
371
ZUFELATO, Camilo. Reflexões Acerca da Sindicabilidade de Certas Decisões Administrativas e a
Noção de Inafastabilidade da Tutela Jurisdicional no Contexto Atual das Competências Estatais. 40 anos
da Teoria Geral do Processo no Brasil: passado, presente e futuro, p. 175-176: “o instituto do processo
tem aplicação a todas as formas de exercício das funções estatais, não só a do Poder Judiciário. No mesmo
sentido, sustentando o enquadramento do processo administrativo na Teoria Geral do Processo, MARQUES
Floriano Peixoto de Azevedo. Ensaio sobre o processo como disciplina do exercício da atividade estatal.
Teoria do processo: panorama mundial, p. 261-285.
154

constitucionais do processo, tais como os postulados do devido processo legal, da ampla


defesa e do contraditório”372.

Mas quando se pensa no processo jurisdicional – objeto desta tese – a sua


definição é, como propõe a doutrina, a de um instrumento do exercício da atividade
jurisdicional373. Vale para o processo estatal e para o processo arbitral a noção de processo
como exercício de poder, pelo qual as partes submetem seus conflitos a um terceiro,
equidistante e imparcial, que imporá uma solução adjudicada ao conflito de interesses que
lhe foi trazido, decisões que têm eficácias equivalentes, constituindo ambas, títulos
executivos judiciais.

A ideia do processo como uma relação jurídica, que é contemporânea ao próprio


surgimento da ciência processual, preserva sua atualidade, porque explica adequadamente
o complexo das situações em que se envolvem os seus sujeitos, em interações recíprocas,
das quais fazem surgir novas posições jurídicas, que exigem o exercício de novos poderes,
ou deveres, faculdades ou ônus374.

Mas para além de dizer que o processo é uma forma de exercício de poder, é
preciso especificar como, fundamentalmente quanto à arbitragem, se desenvolve esse
exercício de poder. E além de dizer que é uma relação jurídica, é preciso compreender os
contornos dessa relação jurídica. Para esta distinção, parece relevante recorrer novamente
à distinção que Fredie Didier faz entre os conceitos lógico-jurídicos e os jurídico-
positivos. Como construção teórica, o processo é uma relação jurídica. Mas o conteúdo
dessa relação jurídica depende de parâmetros do ordenamento positivo. No caso

372
PEREIRA, Guilherme Setoguti J. Procedimento I. Curso de Arbitragem. p. 177. Fredie Didier, não
obstante afirmar que, sob a perspectiva da teoria geral do direito, o contraditório não é essencial à existência
do processo, mas à sua validade, pondera que em países democráticos, é rara, quiçá inexistente, a
possibilidade de processo sem contraditório, ou seja, é inexistente a atuação estatal, ou privada - no
exercício de poder normativo - que não seja processual, que não se desenvolva como um procedimento em
contraditório. DIDIER, Fredier. Sobre a Teoria Geral do Processo, p. 63.
373
LOPES, João Batista. Curso de Direito Processual Civil. São Paulo, Atlas, 2005. p. 20
374
GRECO observa ainda que as posições jurídicas subjetivas, ativas e passivas, que a norma processual
atribui às partes, não são isoladas e suspensas, que existam por força e virtude próprias. Ao contrário, elas
têm raízes e fundamento no fato básico do processo, se justificam porque surgem e se exercitam no seio
desta relação mais ampla, da qual juridicamente dependem. “Essa relação mantém a sua identidade do início
ao fim, enquanto aquelas posições nascem e se extinguem na medida em que o processo segue o seu
caminho”, GRECO, Leonardo. Instituições de Processo Civil, vol. 1. Introdução ao Direito Processual
Civil, p. 232.
155

brasileiro, ele é determinado pelos parâmetros da Constituição Federal e das leis


processuais375.

Isso explica porque, no plano teórico, se pode dizer que o processo tem sujeitos,
e no plano concreto, é a legislação que estabelece os requisitos formais para a adequada
participação destes sujeitos, regulando, por exemplo, a capacidade de ser parte, de estar
em juízo e a capacidade postulatória. Ou porque esta relação, composta de ônus,
concretamente se desenvolve de modo tal que, uma vez praticado determinado ato,
considera-se exaurida a possibilidade de sua prática, vedando-se a sua repetição376.

Ao se projetar essas distinções no âmbito do processo arbitral, explica-se, com


maior facilidade, porque há o compartilhamento de estruturas fundamentais com o
processo estatal, e demais manifestações do processo, e ao mesmo tempo o
reconhecimento de características próprias desta relação jurídica, o tratamento específico
de diversos dos componentes desta mesma relação jurídica. Para seguir na mesma
ilustração, é possível entender por que o processo arbitral dispensa a representação por
advogados ou porque a preclusão se observa de forma menos intensa no procedimento
arbitral, dada a sua natural flexibilidade.

No processo arbitral, observa-se igualmente esta dinâmica, o desenvolvimento


de uma relação entre partes e árbitros, que se concatena em um procedimento,
caracterizado pelo exercício, pelos sujeitos do processo arbitral, da mesma tipologia de
posições jurídicas que a ciência processual identificou em relação às demais
manifestações de processo: poderes, deveres, faculdades e ônus, “todos exercidos em
cooperação e em contraditório, numa autêntica relação jurídica processual” 377 378

375
DIDIER Jr., Fredie. Sobre a Teoria Geral do Processo, p. 65.
376
CABRAL, Antônio do Passo. Nulidades no processo moderno: contraditório, proteção da confiança e
validade prima facie dos atos processuais. Rio de Janeiro, Forense, 2010. p. 56.
377
Cf. CRUZ e TUCCI, José Rogério. A linguagem jurídica exige precisão técnica: processo ou
procedimento arbitral? https://www.conjur.com.br/2021-jan-05/paradoxo-corte-linguagem-juridica-exige-
precisao-tecnica . Tucci invoca lições de Dinamarco, para então afirmar: “Daí a importância de dar "valor
à busca de uma linguagem adequada", compatível com a inserção da arbitragem no âmbito de uma ciência
propriamente dita, dotada de conceitos, estrutura e finalidade bem definidos”.
378
Natália Mizhari Lamas pondera que o legislador não se preocupou com o procedimento arbitral, mas
com o “fim esperado por aquela relação jurídica trilateral que passa a se estabelecer entre os sujeitos do
processo (a relação jurídico-processual, que, em conjunto com o procedimento, forma o processo arbitral)”.
LAMAS, Natália Mizhari. Introdução e Princípios aplicáveis à Arbitragem, Curso de Arbitragem, pp 27-
59, p. 41.
156

Tem-se, assim, que o processo arbitral mantém em relação ao processo estatal


características comuns, a sua estrutura fundamental, a sua razão de ser e sua finalidade.
São, ambos, formas de exercício de poder, que servem para a proteção das partes e para
a legitimação do seu resultado final, o provimento jurisdicional que decidirá acerca do
bem da vida sob disputa (ou, quando não houver condições para esse julgamento, o
provimento que extinguirá o processo sem exame do mérito)379.

Esta aproximação, ou melhor, esta constatação da natureza processual da


arbitragem, da sua inserção como um dos ramos deste tronco comum da ciência
processual, impõe igualmente a constatação da sua natureza de direito público380, porque
integrante de um método de solução de controvérsias implementado pelo Estado, com
vistas ao atendimento dos escopos da jurisdição. Não se trata de negar os amplos espaços
para a consensualidade, a liberdade das partes para regular o procedimento, ou mesmo a
possibilidade de estruturarem um processo muito diferente do parâmetro dos demais
processos, nem de reconhecer as normas do processo arbitral como de ordem pública381,
mas o de constatar que este processo, fundamentalmente livre, permanece submetido a
garantias processuais e possui, sim, aspectos que escapam à disponibilidade das partes.

A relação processual que se estabelece perante o juízo arbitral é, da mesma


forma, sujeita ao atendimento de certos requisitos, ou pressupostos. A categoria jurídica
dos pressupostos processuais integra o tronco comum que alimenta as diversas
ramificações do processo jurisdicional, sendo aplicável à arbitragem382.

379
GRINOVER, Ada Pellegrini. O processo em sua unidade. Vol. II, Rio de Janeiro, Forense, 1984. p. 60-
61: “se de um lado o processo não será um verdadeiro processo enquanto não proteger as partes, no sentido
de lhes dar a oportunidade de sustentarem suas razões, de produzirem sua defesa, de apresentarem suas
provas, de influírem sobre a formação do convencimento do juiz, de outro lado a resposta jurisdicional, por
sua vez, não será legítima, nem será resposta jurisdicional, enquanto não representar o coroamento de um
processo que obedeça a essas garantias. Quer quando se considere o processo sob o ponto de vista da ação,
movida pelo autor, e da defesa, oposta pelo réu; quer quando se o considere do ponto de vista do Estado,
como jurisdição (atividade e exercício de função), o devido processo legal tutela, de um lado, o direito
público subjetivo do autor e do réu, e, de outro lado, a própria jurisdição, legitimando-a.”
380
GRINOVER, Ada Pellegrini. Parecer – Arbitragem e Litisconsórcio Necessário, Revista Brasileira de
Arbitragem, Vol. III. São Paulo, 2006, pp. 7-38, p. 15.
381
Em sentido contrário, imputando ao árbitro o exercício de “verdadeira jurisdição estatal, razão por que
o processo arbitral não pertence ao direito privado, mas ao processual e, pois, ao direito público. Daí a
correta conclusão de que o processo arbitral é de ordem pública, não podendo, em nenhuma hipótese, ser
modificado por convenção das partes, salvo a autorização estrita da LArb 21 caput, relativa ao
procedimento”. NERY Jr., Nelson. Princípios do Processo na Constituição Federal, p. 202.
382
VALLE, Martim Della. Considerações sobre os Pressupostos Processuais em Arbitragens. Revista
Brasileira de Arbitragem. Volume 12, p. 7-30, p. 30: “quase todos os pressupostos processuais
reconhecidos tradicionalmente pela doutrina processual civil podem ser encontrados em alguma medida na
arbitragem. Entretanto, há especificidade no âmbito da arbitragem, e boa parte de seus efeitos pode ser
157

Como já dito, é inerente ao método de solução de conflitos a necessidade de


atendimento a um certo conjunto de requisitos, de forma que somente se julgará o mérito
da controvérsia se estes forem preenchidos, se forem cumpridas estas etapas prévias. O
processo arbitral terá, portanto, os seus próprios pressupostos de desenvolvimento válido
e regular, que constituirão categoria teórica preliminar, cuja presença (ou ausência, a
depender da situação) pode conduzir ao adiamento do exame do mérito, ou à sua recusa,
sendo certo que tais impeditivos poderão ser suscitados por iniciativa dos próprios
árbitros383.

Processos estatais e arbitrais não compartilham necessariamente das mesmas


hipóteses específicas, porque seus respectivos regramentos legais podem propor soluções
diversas384. Por exemplo, a situação já mencionada de dispensa de constituição de
advogados em sede arbitral. Ou a inexistência de hipóteses de incompetência relativa, que
poderiam conduzir à transferência da competência da causa para outro órgão arbitral385.
De outro lado, constituem impedimentos ao desenvolvimento do processo arbitral a
constatação de falta de jurisdição dos árbitros, ou da existência de litispendência ou coisa
julgada, ou ainda da nulidade ou mesmo inexistência de convocação do requerido para
participar do processo arbitral.

6.4.1. Distinção entre processo e procedimento.

Não obstante já se ter afirmado, em diversas passagens, a distinção conceitual


que se deve estabelecer entre processo e procedimento, bem assim que a Lei de
Arbitragem outorga às partes e aos árbitros ampla liberdade para regular este último,
penso ser necessário tecer considerações adicionais sobre esta relevante distinção, que
tem efeitos práticos importantes na regulação da arbitragem.

mitigada pelo comportamento das partes, decorrentes da sede contratual da arbitragem (ainda que possa ter
também caráter jurisdicional). De outra parte, há pressupostos processuais específicos na arbitragem, que
não possuem equivalente no processo civil (como o caso do prazo)”.
383
PARENTE, Eduardo. Processo arbitral e sistema, p. 157.
384
PARENTE, Eduardo. Processo arbitral e sistema, p. 157.
385
Fichtner, Mannheimer e Monteiro afirmam que a escolha da sede da arbitragem repercute, no âmbito
judicial, também como cláusula de eleição de foro judicial para as atividades de cooperação do Poder
Judiciário”, como por exemplo a tutela antecedente, ou a execução da sentença arbitral. Isso corresponde,
portanto, a conferir à sede da arbitragem o efeito processual de eleger um foro, atribuindo ao local escolhido
um conjunto de prerrogativas e a atração de efeitos relativos ao processo. FICHTNER, José Antonio;
MANNHEIMER, Sergio Nelson; MONTEIRO, André Luis. Teoria Geral da Arbitragem. p. 172.
158

O ponto de partida, na esteira do que se disse acima, é que na arbitragem, “existe,


tal qual no processo estatal, uma autêntica relação jurídica processual, e
consequentemente, um processo arbitral”386 . Esta relação complexa, organiza-se em
torno de um procedimento, entendido como o conjunto dos atos que são praticados, que
se realizam de forma sequencial, concatenada, de forma que um ato faz surgir a
oportunidade para o ato subsequente. Em um processo de natureza jurisdicional, o que se
observa, assim, é que o procedimento é composto pelos próprios atos processuais
concatenados, e o processo arbitral compreende este procedimento (atos processuais por
meio dos quais se exterioriza e se desenvolve) e a relação jurídica processual, que consiste
no vínculo jurídico que une os sujeitos processuais387.

Dessa mesma opinião compartilha José Rogério Cruz e Tucci, para quem o
processo arbitral se desenvolve por meio de um procedimento lógico e dinâmico, regido
pelos princípios constitucionais da imparcialidade, do contraditório e da isonomia, e por
normas procedimentais próprias, estabelecidas pela lei e pela vontade das partes. A
distinção entre processo e procedimento, clássica na doutrina processual – mas nem por
isso menos complexa – é assim explicada por Moacyr Amaral Santos:

“Processo é complexo de atividades que se desenvolvem tendo por finalidade a provisão


jurisdicional: é uma unidade, um todo, e é uma direção no movimento. É uma direção no
movimento para a provisão jurisdicional. Mas o processo não se move do mesmo modo
e com as mesmas formas em todos os casos; e ainda no curso do mesmo processo pode,
nas suas diversas fases, mudar o modo de mover ou a forma em que é movido o ato. Vale
dizer que, além do aspecto intrínseco do processo, como direção no movimento, se
oferece o seu aspecto exterior, como modo de mover e forma em que é movido o ato. Sob
aquele aspecto fala-se em processo, sob este fala-se em procedimento” 388.

386
PEREIRA, Guilherme Setoguti J. Procedimento I. Curso de Arbitragem, p. 163: afinal, na arbitragem
há sujeitos (partes e árbitros) que pratica atos coordenados em um procedimento, em que esses sujeitos
dispõem de deveres, poderes, faculdades, direitos, ônus, que caracterizam essa relação jurídica.
387
PEREIRA, Guilherme Setoguti J. Procedimento I. Curso de Arbitragem, p. 164.
388
SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras Linhas de Direito Processual Civil, vol. 2, 10ª. ed., São Paulo,
Saraiva, 1985, p. 84.
159

Cuida-se, como pondera Tucci, de um fluxo de atos coordenados, “que se vão


justapondo, num espaço ideal, ou procedimento”389. Para Leonardo Greco, o
procedimento é “o rito ou conjunto de requisitos extrínsecos que devem ser observados
para a prática dos atos de cada processo e a série ou modo de encadeamento desses atos
e os prazos em que devem ser praticados”. Ou, por outras palavras, processo é o conteúdo,
procedimento é a forma390.

Com variações no modo de explicar, muitos estudiosos do direito processual


procuraram distinguir o processo e o procedimento. Calmon de Passos observava que o
procedimento é uma noção formal, ao passo que o processo é uma noção teleológica391.
Nelson Nery Jr. afirma que o processo é o meio pelo qual se exercita o direito de ação, ao
passo que o procedimento é a forma pela qual se desenvolvem os atos em geral, incluídos
os atos processuais392. Pelo processo, os sujeitos exercitam posições jurídicas variadas,
como o de provocar a atividade jurisdicional, de exercitar a defesa, o direito à prova, o
atendimento a deveres de lealdade e cooperação, os ônus de arrolar testemunhas, de se
defender ou de recorrer. Todas estas noções, que dizem respeito à relação jurídica em si,
constituem elementos do processo, integram e explicam a relação jurídica que se
estabelece no âmbito do processo.

Mas estas posições jurídicas se realizam mediante a prática de atos no processo,


os quais tem uma forma determinada na lei, um modo de sua realização, o tempo para
serem praticados, e até mesmo o locam em que se executam. Estes elementos, que dão
corpo às noções antes expostas, constituem o procedimento que cada processo adota. Para
uma relação de direito do trabalho, concebe-se uma relação processual respectiva, com
sua própria concepção de quais são os direitos, deveres, poderes etc. E esta relação se
corporifica, se materializa, mediante um ou mais procedimentos. Por exemplo, para que
o direito à prova seja exercitado no processo do trabalho, as partes são autorizadas a trazer

389
CRUZ e TUCCI, José Rogério. A linguagem jurídica exige precisão técnica: processo ou procedimento
arbitral? https://www.conjur.com.br/2021-jan-05/paradoxo-corte-linguagem-juridica-exige-precisao-
tecnica
390
GRECO, Leonardo. Instituições de Processo Civil, vol. 1. Introdução ao Direito Processual Civil. 5ª ed.
Rio de Janeiro, Forense, 2015, p. 235.
391
CALMON DE PASSOS, José Joaquim. Comentários ao Código de Processo Civil, vol. III, Rio de
Janeiro, Forense, 1974, p.7. Cassio Scarpinella Bueno também identifica uma noção teleológica no
procedimento, porque a correlação dos atos processuais tem uma finalidade definida, que é a produção da
sentença ou a criação de condições de realização prática do direito reconhecido. BUENO, Cassio
Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil: teoria geral do direito processual civil, vol.
1. São Paulo, Saraiva, 2007, p. 447.
392
NERY Jr., Nelson. Princípios do Processo na Constituição Federal, p 254.
160

suas testemunhas diretamente à audiência, sem a exigência de prévia apresentação do seu


rol (CLT, art. 825). Esta é a regulação do procedimento da audiência no processo do
trabalho. No aspecto do seu conteúdo, ele assegura o direito à prova, contempla a prova
testemunhal como um dos seus meios de prova. No seu aspecto formal, ele autoriza que
a testemunha seja trazida diretamente.

A relação processual que se estabelece no processo civil estatal é também


composta pelas mesmas posições jurídicas, de assegurar o direito à prova, de contemplar
a prova testemunhal como um dos seus meios típicos. Mas ao regular o procedimento da
produção desta prova, o Código de Processo Civil exige que a parte apresente o rol das
testemunhas, antes da audiência, sob pena de preclusão da prova.

Dois ramos do processo, ambos caracterizados pelos mesmos elementos,


sujeitos, objetos, mas cada qual com a sua exteriorização de modo diverso.

No plano teórico, os sistemas processuais podem ser classificados, sob o ponto


de vista dos procedimentos que adotam, de duas maneiras: (i) o sistema de legalidade das
formas procedimentais e (ii) o sistema da liberdade. Segundo Fernando Gajardoni, no
segundo sistema não há uma ordem legal estabelecida para a prática dos atos processuais
nem disciplina legal quanto aos prazos, competindo aos sujeitos do processo (ora às partes
ora ao juiz) determinar a cada momento qual o ato processual praticado, bem como o
tempo para tanto. Gajardoni observa, ainda, que não há sistema totalmente puro, não
obstante os sistemas de processos estatais manifestem preferência pelo primeiro deles, o
sistema da legalidade. Escrevendo a propósito do CPC/15, afirma o autor que também
que esse sistema foi profundamente rompido na nova legislação, em especial com o artigo
139, VI e o artigo 190393.

De fato, quando se examina o sistema processual brasileiro, tal como proposto


pelo legislador de 2015, observa-se uma relevante mudança de paradigma, não apenas
para permitir maior flexibilidade do procedimento judicial, mas também para outorgar às
partes liberdades para disciplinar aspectos da relação jurídica propriamente dita. Não se
trata apenas de calendarizar o procedimento, fixar prazos maiores, mas o de convencionar
acerca de poderes, deveres, ônus. A doutrina vem se dedicando ao estudo dos negócios

393
GAJARDONI, Fernando da Fonseca et al. Processo de conhecimento e cumprimento de sentença.
Comentários ao CPC de 2015. Vol. 2, 2ª ed. São Paulo, Método, p. 863.
161

jurídicos processuais, ainda com poucos reflexos práticos e sem algum impacto
significativo na praxe forense. Mas ao menos no plano teórico, é possível afirmar que o
processo estatal é marcado por relevante espaço para o exercício da autonomia privada394,
com o real intuito de racionalizá-lo e não o de torná-lo menos eficiente.395

No âmbito do processo arbitral, com ainda maior razão. Dada a sua origem
contratual, o seu objeto adstrito a partes capazes e matérias patrimoniais disponíveis, e o
seu propósito de desviar-se da típica solução judicial dos conflitos, a arbitragem é o meio
propício para o exercício destas liberdades. A separação entre processo e procedimento
ganha contornos relevantes, porque o parâmetro legal que é proposto é o da ampla
flexibilidade do procedimento arbitral (LArb, art. 21, §1º)396. A Lei não se refere ao
processo arbitral, não porque pretendeu excluir a incidência de autonomia da vontade a
respeito das posições jurídicas ativas e passivas, mas porque, constituindo o processo uma
estrutura fundamental pela qual se exercita o poder, a sua flexibilidade é naturalmente
menor. E, em termos práticos, as partes em uma arbitragem sujeita ao ordenamento
brasileiro não costumam convencionar sobre aspectos da estrutura de sua relação jurídica,
mas quanto à sua forma, quanto ao tempo e à ordem dos atos que são praticados.

Os contornos que se estabelecem, portanto, dizem respeito à estrutura, a espinha


dorsal da relação jurídica processual, aproveitando-se as vantagens de um procedimento
praticamente não regulado para se estabelecer um procedimento customizado, adaptado
à realidade de cada conflito. Os limites desta comunicação entre os subsistemas se
estabelecem a partir da base principiológica da arbitragem, da percepção de que as partes
intentam se afastar do modo formal e detalhista de um procedimento estatal, enfatizando
um modo de ser da relação processual que é adaptada às especificidades do conflito.
Sustenta André Abbud que a liberdade procedimental é um valor caro à arbitragem, daí
porque, mesmo nas arbitragens institucionais, regulamentos deixam amplo espaço para
que árbitros e partes regulem os atos do procedimento em cada caso concreto. Prevalece

394
CABRAL, Antonio do Passo. Convenções processuais. Salvador, JusPodivm, 2016. NOGUEIRA, Pedro
Henrique. Sobre os Acordos de Procedimento no Processo Civil Brasileiro. Negócios Processuais,
CABRAL, Antonio do Passo; NOGUEIRA, Pedro Henrique (coord.). 2ª. ed, Salvador, Juspodivm, 2016,
pp. 93-104.
395
YARSHELL, Flávio Luiz. Convenção das partes em matéria processual: uma nova era? Negócios
processuais, pp. 75-92, p. 76.
396
BERALDO, Leonardo de Faria. O Impacto do novo Código de Processo Civil na Arbitragem. Revista
de Arbitragem e Mediação. Vol. 49, pp. 175-200, p. 176.
162

uma noção de que a arbitragem será tanto mais eficiente, quanto mais ela for adaptada a
cada caso concreto397.

6.4.2. Aplicações à arbitragem da distinção entre processo e procedimento.

Se o processo arbitral compartilha das estruturas do processo estatal, sempre que


as próprias partes não convencionarem em sentido diverso, e se o procedimento arbitral
é pouco regulado e naturalmente flexível, este estado de coisas se reflete na concatenação
dos atos que se realizam no âmbito do processo arbitral. Os parágrafos a seguir pretendem
ilustrar brevemente esta flexibilidade e estas marcantes diferenças.

Como visto no capítulo dois, ao se examinar a estrutura da lei de arbitragem,


observa-se que a parte interessada em iniciar um litígio, sobre o qual haja convencionado
a arbitragem, deve notificar à contraparte a respeito de sua intenção de iniciar o processo
arbitral. Mesmo nas arbitragens institucionais, os parâmetros deste ato são resumidos, não
se trata propriamente de uma petição inicial. Em termos procedimentais, portanto, o
processo estatal e o processo arbitral começam de modo muito diferente.

O início da arbitragem, mediante a apresentação do requerimento da sua


instauração, dá início a uma primeira fase, que pode ser considerada pré-arbitral, porque,
aos olhos da Lei, ainda não se pode considerá-la instituída398. Nesta fase, as partes trocam
manifestações sobre sua intenção de litigar, indicam o resumo de suas respectivas
pretensões, apontam o valor da disputa. A instituição arbitral porventura eleita se
encarrega desta interlocução, assume a obrigação de processar o caso, faz a cobrança
inicial das custas e honorários dos árbitros.

Antes ainda da apresentação da demanda, já existem as partes, e o resumo de


suas futuras alegações e pedidos. A sequência procedimental é a de indicação dos árbitros
pelas partes, nos termos de suas convenções de arbitragem e do regulamento eleito. No
modelo mais comum de nomeação dos árbitros, cada parte nomeará um profissional, os
quais nomearão o terceiro, que presidirá o painel. Todas essas etapas procedimentais
costumam ser reguladas nos respectivos regulamentos, prevendo-se, portanto, o modo,

397
ABBUD, André. O papel da Soft Law no desenvolvimento da arbitragem. 20 anos da lei de arbitragem:
homenagem a Petronio R Muniz, p. 8.
398
MONTORO, Marcos André Franco. Flexibilidade do Procedimento Arbitral. Tese, USP, 2010. p. 53.
163

lugar, a forma e o tempo a prática destes atos processuais. Em termos processuais, cada
ato produzirá determinados efeitos, corresponderá a declarações de vontade das partes,
que fará surgir outras posições jurídicas ativas ou passivas da contraparte, ou da
instituição arbitral.

Observa-se, portanto, que do ponto de vista procedimental, o processo arbitral é,


por assim dizer, invertido. Com o início do processo arbitral, tem-se as partes, ainda sem
uma demanda propriamente apresentada, e sem o órgão jurisdicional instituído. Diversos
atos são praticados nesta fase, alguns com conteúdo decisório, mas que são praticados
pela instituição arbitral escolhida, em caráter precário. Não há um paralelo possível com
o procedimento que se observa nos processos estatais, e nesta grande diferença reside
outra demonstração da autonomia destes ramos do processo.

Nomeados os árbitros, o procedimento avança, normalmente mediante a


assinatura de um adendo à convenção de arbitragem – o Termo de Arbitragem – no qual
são regulados consensualmente diversos aspectos do processo e do procedimento. E se
não ocorre a assinatura deste documento, os árbitros proferirão uma primeira decisão,
estabelecendo o conteúdo mínimo do procedimento, e o seu calendário.

O Termo de Arbitragem é o campo propício para o exercício da autonomia da


vontade, para a customização do processo e do procedimento para o objeto da disputa.
Poder-se-ia, por exemplo, estabelecer parâmetros para a apresentação do caso, em um ou
mais articulados, organizar um grau mínimo de preclusão para a prática dos atos
processuais, definir parâmetros mais livres para o exercício do direito de defesa
(dispensando-se, por exemplo, o requerido de concentrar sua defesa em um único ato) ou
regulando a inaplicabilidade da presunção de veracidade dos fatos não alegados. Poder-
se-ia definir outros parâmetros para a admissibilidade de depoimentos pessoais ou de
testemunhas, a dispensa do seu compromisso, o alargamento ou a restrição dos deveres
das partes, a dispensa quanto à comprovação de sua capacidade ou regularidade dos seus
atos constitutivos. Poder-se-ia definir uma sentença sem limitação de prazo, ou que
autorizasse os árbitros a recusar-se a julgar, caso não identificassem a solução adequada
para o caso (autorização do non liquet).
164

Todos estes exemplos, que parecem no mínimo inusitados, correspondem a


parâmetros processuais usualmente normatizados pelos sistemas jurídicos, e com o
brasileiro não é diferente. Mas são parâmetros processuais sobre os quais pode incidir a
autonomia da vontade, para permitir que as partes pactuem seu processo diferentemente.
Mas são meras hipóteses teóricas, e retóricas, que não se verificam em termos práticos.
A liberdade que as partes têm no âmbito do processo arbitral acaba se limitando a aspectos
do procedimento, sem impactar as posições jurídicas ativas e passivas que caracterizam a
relação jurídica processual.

Exemplos do que normalmente são pactuados nos Termos de Arbitragem são os


prazos, a ordem de produção das provas, a inclusão de meios atípicos de provas ou a
adaptação de certos meios de prova, como por exemplo, a apresentação de declarações
escritas de testemunhas, a permissão para o depoimento pessoal de mais de um
representante. Enfim, aspectos do procedimento, sobre os quais não pairam dúvidas
acerca da sua não regulação e da flexibilidade de que gozam as partes399.

Firmado o Termo de Arbitragem, nos termos do calendário ali proposto, as


partes, finalmente, apresentarão suas alegações iniciais, que correspondem à petição
inicial. Mas há uma diferença procedimental também relevante, que diz respeito à
estabilização da demanda. Em regra, os regulamentos institucionais prescrevem que a
demanda se estabiliza na assinatura do Termo de Arbitragem400. Temos, portanto, um
parâmetro processual típico da relação jurídica processual, que é a necessidade de
estabilização da demanda, que delimita os limites da atuação do órgão jurisdicional, mas
que procedimentalmente se opera de modo bem diverso. Na realidade, ocorre a
estabilização antes mesmo da apresentação da demanda propriamente dita. O que pode
ocorrer é tão somente o detalhamento das causas de pedir e pedidos já previamente
apresentados.

399
Renato Stephan Grion diz que a Lei de Arbitragem é econômica ao estipular regras sobre o
procedimento, e mesmo quando há estipulação de regras e prazos, eles são supletivos, aplicados se a
convenção de arbitragem ou o regulamento não preveem algo distinto, ou quando partes e árbitros não
estipulem regras específicas. GRION, Renato Stephan. Procedimento II. Curso de Arbitragem pp. 197-217,
p. 198
400
Regulamento de Arbitragem CAM-CCBC, art. 4.21. Regulamento de Arbitragem FIESP/CIESP, art.
5.3. Por sua vez, o Regulamento de Arbitragem da CAMARB prevê a estabilização com a apresentação das
alegações iniciais, art. 8.3.
165

Esta grande distinção entre as fases e etapas procedimentais dos dois tipos de
processo é igualmente ressaltada por Eduardo Parente, para quem o procedimento arbitral
começa antes do processo propriamente dito, eis que o procedimento começa na sua
instauração, ao passo que o processo só tem início após a aceitação do encargo pelos
árbitros401. Por fundamentos diferentes, Cândido Rangel Dinamarco chega à mesma
conclusão, afirmando que a demanda arbitral é consubstanciada com as Alegações
Iniciais e a partir dela se estabelece uma relação processual arbitral. “Só a demanda
institui a relação jurídica processual, muito embora a arbitragem já esteja instaurada
mediante a aceitação do encargo pelo árbitro ou pelos árbitros”, para então concluir que
não coincidem o momento de instauração da arbitragem e o da formação da relação
processual402.

Com o respeito que estes juristas merecem, entendo que não se deve distinguir
os momentos de início do processo e do procedimento arbitral. A exemplo do que ocorre
com todas as manifestações de processo, o início do processo – enquanto relação
processual – e do procedimento se dá ao mesmo tempo. E no caso da arbitragem, mesmo
antes da indicação dos árbitros, ou da apresentação da demanda, há o exercício de
posições jurídicas ativas e passivas pelas partes. Há ônus de responder, de nomear ou
impugnar árbitros, há deveres de recolher as custas, enfim, um conjunto de situações que
caracterizam o processo arbitral.

A distinção se dá no plano do procedimento, porque ele se desenvolve – por


vezes longamente – antes do surgimento do órgão jurisdicional. Neste particular, o
parâmetro do processo estatal – que é ademais decorrente de uma norma positiva, não
propriamente de um conceito teórico – é próprio daquele modelo, não se repete no
processo arbitral, por suas relevantes diferenças procedimentais. No processo estatal, o
ato de romper a inércia corresponde ao de apresentação da demanda, que enseja a
designação do órgão julgador, a formação da relação processual (que depois se completa
com a citação do réu) e o início do procedimento. No processo arbitral, o ato de romper
a inércia não corresponde ainda ao de apresentação da demanda, nem enseja
automaticamente a designação do árbitro, mas marca o início da relação processual e do
procedimento. A este respeito, remeto o leitor ao capítulo cinco, item 2.1.

401
PARENTE, Eduardo. Processo arbitral e sistema, p. 54.
402
DINAMARCO, Cândido Rangel. A arbitragem na Teoria Geral do Processo, p. 50.
166

Pois bem. Após a aceitação do encargo pelos árbitros e assinatura do termo de


arbitragem, o procedimento se “normaliza”, equiparando-se ao procedimento observado
nos processos estatais403: uma fase postulatória, em que se concentram as alegações
principais, a demanda e a resposta, seguida de uma fase instrutória composta por perícias
e audiências e, após o encerramento da fase de produção de provas, a fase decisória.

A sentença arbitral, que sob o prisma processual, corresponde ao ato decisório


final, que decide sobre o bem da vida e extingue o processo, pode ser objeto de pedido de
esclarecimentos, que correspondem à figura dos embargos de declaração do processo
estatal (por expressa equiparação legal). Acaso não apresentados, ou uma vez julgados,
ocorre o trânsito em julgado da sentença arbitral e produz-se a coisa julgada formal e
material.

7. O falso dilema da processualização da arbitragem.

Entre os autores que se propõem a examinar os aspectos processuais da


arbitragem, prevalece uma preocupação generalizada, de que a compreensão da
arbitragem como uma modalidade de processo possa impor ao seu modo de
funcionamento uma indevida ‘processualização’. É sempre oportuno lembrar que uma
das formas de explicar a escolha da arbitragem é justamente o interesse das partes em se
afastar do modelo estatal de solução de controvérsias.

Por isso, parece fazer pouco sentido a tentativa de aproximar estes dois
universos. Esta é uma possível justificativa para as sucessivas proclamações de que o
Código de Processo Civil não se aplica à arbitragem. Vislumbram-se apenas os riscos,
sem que desta aproximação se possa extrair vantagens para o desenvolvimento do
instituto404.

403
Renato Stephan Grion resume o iter processual que comumente se observa: requerimento de arbitragem,
resposta, indicação dos árbitros, termo de arbitragem, calendário do procedimento, alegações iniciais,
resposta/reconvenção, réplica, tréplica, produção de provas, audiência de instrução, alegações finais,
comprovação dos custos e sentença. GRION, Renato Stephan. Procedimento II. Curso de Arbitragem, p.
199.
404
MANGE, Flavia Foz. Processo Arbitral: aspectos transnacionais, p. 32: “Conferindo ao tribunal arbitral
o poder subsidiário para estipular o procedimento, ante a omissão das partes em fazê-lo, a Lei de Arbitragem
exclui a aplicação supletiva do Código de Processo Civil (CPC). Evitou-se, portanto, a processualização da
arbitragem”.
167

A preocupação não se limita aos autores brasileiros. Ao contrário, no universo


da arbitragem internacional, a separação entre a regulação processual local e os
parâmetros que devem ser adotados nas disputas internacionais é ainda mais necessária.
Por tais razões, vozes importantes do cenário arbitral internacional proclamam a
necessidade desta separação, para se evitar “um particularismo marcado e imposto por
regras arcaicas ou inadaptadas à arbitragem internacional”405.

Alerta-se, ainda, para uma certa tendência de se imitar o processo judicial por
“conservadorismo processual” e “por temor dos membros do tribunal arbitral de que, caso
não sigam as práticas das cortes locais, tornem sua sentença vulnerável à anulação pelas
cortes”406. Assim, pode ser deletéria à arbitragem “a utilização indevida das categorias e
dos conceitos que são próprios do processo judicial”, que ocorre, para Rafael Francisco
Alves, “quando se pretende transportar regras do Código de Processo Civil para o
processo arbitral”407. Montoro adere a este temor, por considerar que a adoção do CPC
“pode acarretar na importação das rígidas regras que disciplinam a preclusão”,
eliminando-se as vantagens de um modelo em que o procedimento é flexível e a preclusão
é atenuada408 409.

Todas as advertências acima são corretas, mas devem ser vistas em perspectiva.
O tema, me parece, não é o de negar a utilização de categorias teóricas do direito
processual, ou mesmo de negar que, em termos concretos, a estrutura de uma arbitragem
interna seja muito semelhante a um processo judicial. A questão relevante que se coloca
é se, ao compartilhar dessas estruturas e trabalhar sobre um mesmo arcabouço conceitual,
uma mesma espinha dorsal, o processo arbitral se torna mais suscetível de receber

405
FOUCHARD, Philippe. Sugestões para aumentar a eficácia internacional das sentenças arbitrais. Revista
de Direito Bancário e do Mercado de Capitais, São Paulo, vol. 8, p. 331, abril, 2000: “As coisas começam
a se estragar quando a lei nacional se pretende de aplicação imperativa e se agravam quando esta não se
limita a exigir o respeito aos princípios fundamentais ao devido processo legal, mas constituem a expressão
de um particularismo marcado e imposto por regras arcaicas ou inadaptadas à arbitragem internacional.”
406
Andrews, Neil. Arbitragem e Outros métodos de solução de conflitos. Brasil e Reino Unido, p. 41.
407
ALVES, Rafael Francisco. O Devido Processo Legal na Arbitragem. Arbitragem no Brasil: aspectos
jurídicos relevantes, Quartier Latin, pp. 382-416, p. 394.
408
MONTORO, Marcos. Flexibilização do Procedimento Arbitral, p. 119.
409
Na apresentação do livro de Rafael Franciso Alves, tive a oportunidade de assim me manifestar: “Para
afirmar a independência do processo arbitral e afastar os riscos da sua indevida processualização, não é
preciso radicalizar no sentido oposto, ao ponto de negar qualquer aplicação de parâmetros e princípios do
processo estatal ao processo arbitral. A premissa de que a Lei de Arbitragem não faz referência ao Código
de Processo Civil, não obstante verdadeira, acaba por dizer muito pouco. Múltiplos problemas precisam ser
resolvidos, cabendo à doutrina o trabalho de criar as pontes necessárias entre os diferentes ramos do
processo”. APRIGLIANO, Ricardo de Carvalho. Resenhas de Livros. Árbitro e Direito: o julgamento do
mérito na arbitragem, de Rafael Francisco Alves. Revista Brasileira de Arbitragem. Vol. 66, pp. 227-229,
p. 227.
168

problemas e deficiências dos processos estatais. E esta análise envolve uma rápida
consideração acerca destes problemas e deficiências.

Afinal, do que se tem medo? O processo estatal padece de muitos problemas,


sem dúvida. Há todo um conjunto de circunstâncias que decorrem do fato de ser um
serviço inserido na estrutura do Poder Público. Em termos estruturais, isso significa que,
ao processo judicial, se aportam problemas típicos e próprios do serviço público, com
suas carências, falta de infraestrutura e suas idiossincrasias. Faltam pessoas, materiais,
tecnologia, sobram processos e regulações burocráticas de toda ordem. Aqui temos o
primeiro alento, porque nada destas questões se transporta para a arbitragem.

Um segundo aspecto do processo judicial é que ele é concebido e regulado para


abranger toda a esfera de atuação do Poder Judiciário. A regulação legal deve ser
suficientemente ampla para compreender processos contenciosos e necessários, entre
particulares e que envolvem a Fazenda Pública (e aqui já se agregam diversas disposições
legais específicas destas partes), todas as relações de direito material, em Justiças
organizadas por especialidade etc. E mesmo quando se considera apenas a Justiça Comum
Estadual, que assume competência amplíssima (porque residual a todos os ramos
especializados), há uma regulação para o procedimento comum, regulações específicas
dos diversos procedimentos especiais, dentro e fora do Código de Processo Civil, além
das normas sobre o cumprimento das sentenças e as execuções de títulos extrajudiciais.
Isso sem falar em toda a disciplina recursal. Também quanto a isso, é de se reconhecer
que o processo arbitral corresponde a uma fatia mínima dessa ampla tipologia de conflitos
e respectivos regramentos.

Assim, quem projeta todas essas circunstâncias como de potencial ocorrência na


arbitragem, em decorrência da aplicação das normas processuais gerais, comete um
equívoco evidente, pois estabelece uma relação que, na verdade, não existe. Um processo
arbitral nunca será lento, burocrático e inefetivo como costumam ser os processos
judiciais, simplesmente porque eles se desenvolvem em ambientes diferentes. O medo,
portanto, se não é totalmente injustificado, é muito exagerado.

O processo arbitral não repete parâmetros desta ampla regulação, não é


detalhadamente normatizado. Ele tem por objeto um espectro diminuto da tipologia dos
conflitos, aqueles que se dão entre partes capazes, sobre direitos patrimoniais disponíveis.
169

Ele ocorre fora da estrutura do Poder Judiciário, livre, portanto, de todos os seus
inconvenientes.

Mas como visto nos tópicos anteriores, o processo arbitral é estruturado segundo
as mesmas categorias fundamentais e compartilha com o processo comum de conceitos
comuns, de categorias processuais e institutos jurídicos. Como tem sido dito, cuida-se de
uma espinha dorsal comum, não de seres idênticos, com as mesmíssimas características.
Processo estatal e processo arbitral podem pertencer à mesma categoria, à mesma espécie,
mas não são a mesma coisa. Renovando a alegoria antes utilizada, estamos diante de um
poodle e de um dogue alemão, ou de um beija-flor e de uma águia. O que não é aceitável
é sustentar uma autonomia e um isolamento tais que se possa dizer estarmos diante de um
poodle e de uma águia.

Assim, há duas constatações importantes. A primeira, é de que, sob o sentido


acima aludido, a processualização não é um mal. A segunda é de que o verdadeiro mal, e
nisso se concentra a proclamação dos temores da doutrina, consiste no risco de que o
procedimento arbitral seja pautado por detalhamentos, formalidades e burocracias410. A
discussão se desloca para o plano do procedimento. Dever-se-ia falar, assim, no risco da
procedimentalização da arbitragem. Mas também quanto a isso, como será visto, penso
se tratar de problema de mais fácil solução.

Tome-se, por exemplo, as preocupações externadas por José Carlos de


Magalhães, que fala em “processualização da arbitragem”, referindo-se à adoção de
medidas processuais típicas do Judiciário, “com sucessivos requerimentos sobre matéria
processual e invocação de preclusões”, que podem retirar o mérito da arbitragem e o foco
no mérito da disputa411. Carmona, com seu estilo próprio, observa ser comum que
advogados insistam em preclusões típicas do processo estatal, que pretendam o
desentranhamento de documentos por juntada intempestiva, que se pretenda a limitação
do número de testemunhas ou a ordem da sua inquirição, ou ainda, o afastamento de
depoentes suspeitos ou impedidos, “como se o simples fato de a testemunha

410
Carmona afirma: “A jurisdicionalização da arbitragem é um bem; a processualização da arbitragem é
um mal, que precisa ser combatido. O paladino deste combate será necessariamente o árbitro”. O conceito
está correto, desde que se entenda, ou se substitua a expressão processualização por procedimentalização.
CARMONA, Carlos Alberto. Em torno do árbitro. Revista de Arbitragem e Mediação, vol. 28. São Paulo,
2011, p. 47-63, jan-mar/2011, p. 51.
411
MAGALHÃES, José Carlos de. A Arbitragem e o Processo Judicial, Revista do Advogado, p. 65.
170

comprometer-se a dizer a verdade produzisse no espírito do julgador maior certeza sobre


a ocorrência do fato!)”412.

Todos os fenômenos acima aludidos dizem respeito a aspectos dos atos que são
praticados, na concatenação inerente ao procedimento arbitral. Tais atos se organizam
segundo alguma forma, são praticados de um certo modo, em certo tempo e lugar. É
inerente ao processo arbitral que tais elementos se façam presentes. A questão, entretanto,
é que nenhum dos parâmetros do processo estatal – e portanto, do Código de Processo
Civil – se aplicam ao processo arbitral porque, neste, o procedimento é livremente eleito
pelas partes.

A noção processual da preclusão se aplica, mas não os prazos que o CPC


porventura fixe para a prática de atos no âmbito dos processos judiciais, pois estes, na
arbitragem, são fixados pelos árbitros ou pelas partes. A noção processual de que
testemunhas são desinteressadas e devem dizer a verdade se aplica, mas não o prazo para
rol de testemunhas, ou o procedimento específico para a sua contradita, nem tampouco a
ordem da sua inquirição ou a forma de inquirir testemunhas. Ao aportar esses fenômenos
do processo, mas desprezar o procedimento, a arbitragem fica com o melhor dos dois
mundos. Um mundo em que a prova é lícita, legítima, mas produzida de modo mais
aderente à realidade da disputa. Um mundo em que o processo se desenvolve de forma
regular e em que, diante de alguma desconformidade, ela é desconsiderada ou superada,
com vistas ao julgamento do mérito.

O problema verdadeiro se dá quando ocorre uma indevida transposição de


aspectos de um procedimento que não decorre de acordo entre as partes nem dos
regulamentos, nem tampouco foi contemplado na Lei de Arbitragem. Assim, é
absolutamente impróprio transportar para o processo arbitral exigências quanto à forma,
tempo e lugar dos atos que são previstas para os processos judiciais. É disso que fala, com
razão, Carlos Alberto Carmona.

Muitos destes temas envolvem a preclusão, que será objeto de item próprio no
capítulo cinco. Como elemento inerente ao processo, a preclusão se aplica na arbitragem,
mas não do modo ou com o rigor que se observa no processo judicial. A distinção não é
conceitual, mas cultural, de sentido. Imagine-se que no termo de arbitragem as partes

412
CARMONA, Carlos Alberto. Em torno do Árbitro, p.53
171

estabeleceram que os atos processuais podem ser praticados até as 20h. E que no último
dia do prazo para resposta, a parte protocole a petição, por correio eletrônico, às 23h50.
Estritamente sob a perspectiva do ato processual, ocorreu uma irregularidade atrelada ao
tempo do ato. A consequência? Em pura teoria, seria dito que há intempestividade, que
há uma desconformidade entre a forma que o ato deveria ser praticado e aquela que ele
foi. O fenômeno é o da preclusão temporal, perda da oportunidade de praticar o ato pelo
decurso do seu tempo. Na prática, a consequência será nenhuma. Assim deveria ser no
processo judicial, aliás, por diversas razões sistemáticas. Estas mesmas razões,
enfatizadas no processo arbitral, conduzirão à desconsideração desta irregularidade, para
que a defesa seja normalmente considerada, os fatos sejam considerados controvertidos e
a causa seja normalmente processada, sem qualquer prejuízo ao requerido.

Não é que não ocorre a preclusão, apenas que, em termos procedimentais, ela
não é automaticamente decretada. Há preclusão, mas ela é observada com maior
flexibilidade, maior aderência aos propósitos do processo arbitral. Prazos podem ser
remanejados, oportunidades podem ser reabertas, preservando-se a possibilidade de as
partes demonstrarem seus casos413. Isso se dá porque, no mais das vezes, esses pequenos
retrocessos na marcha procedimental não acarretam prejuízos a ninguém, não impactam
o funcionamento geral do método, daí porque é possível e necessário encarar tais
circunstâncias com flexibilidade.

Do mesmo modo, admite-se mais amplamente o depoimento de testemunhas


que, sob o prisma estritamente legal, seriam consideradas impedidas ou suspeitas, não
porque o processo arbitral seja uma terra sem lei, mas porque o interesse na aferição dos
fatos prevalece, aplicando-se nas arbitragens com frequência muito maior a solução (do
CPC!) de ouvir tais pessoas na condição de informantes.

A partir de uma estrutura compartilhada, cada método dá soluções muito


diversas aos respectivos problemas. No processo judicial, há limitação do número de
testemunhas por razões sistêmicas. Seria inviável que cada demanda exigisse dias inteiros
para a audiência, daí porque o legislador cria um procedimento restritivo, que permite um

413
Aplicando justamente essa procedimentalização indevida, pelo empréstimo impróprio de parâmetros
procedimentais do processo estatal, o Tribunal de Justiça do Tocantins reputou adequada a conduta do
árbitro que, diante do atraso da parte à audiência, aplicou o prazo de tolerância de 15 minutos e, não
comparecendo a parte, aplicou-lhe pena de revelia. A ação anulatória, fundada no cerceamento de defesa,
foi rejeitada pelo referido Tribunal (TJTO, 1ª Câmara Cível, Apelação nº 0008648-83.2016.827.0000, Rel.
Des. Luiz Gadotti, j. 13.02.2019).
172

máximo de dez testemunhas. Nada disso faz qualquer sentido no processo arbitral.
Ademais, os respectivos procedimentos têm bases normativas diversas. O processo
judicial regula na própria lei o procedimento (detalhadamente), concebe um modelo
rígido, com poucas janelas de flexibilização. O processo arbitral outorga às partes e aos
414 415
árbitros a regulação, concebe um modelo flexível . Esta distinção, fundamental,
previne e protege a arbitragem dos males e das idiossincrasias do processo estatal.

Observa-se, portanto, que tais males e idiossincrasias não se situam no campo


do processo, da sua regulação ou da sua estrutura fundamental, e sim no campo do
procedimento. Não são as normas de processo que ameaçam a arbitragem, mas a
construção de um procedimento rígido, formal e anacrônico, o que pode se dar tanto pela
eleição integral do CPC como fonte normativa do processo arbitral, como por decisão dos
próprios árbitros416.

O que se tem, na verdade, é um risco inerente ao modelo procedimental flexível


da lei de arbitragem, em que se outorgam poderes aos árbitros para disciplinar o
procedimento. Afinal, quais os limites desta livre regulação?

Sob este aspecto, é preciso reconhecer que o compartilhamento das estruturas,


dos conceitos teóricos de processo e mesmo dos parâmetros legais gerais em matéria
processual, representa na verdade uma vantagem para o processo arbitral. É correto se
falar em jurisdicionalização da arbitragem, porque o reconhecimento desta natureza
jurisdicional coloca o processo arbitral em um patamar de proteção legal, em um regime
jurídico que lhe agrega ferramentas417. Mais do que isso, é oportuno se falar na

414
O que é feito propositadamente. André Abbud observa que os mecanismos de controle típicos das
normas jurídicas (hard law) podem ser contraprodutivos, podem abrir as portas para impugnações,
nulidades e outras sanções. Essa é uma das principais razões pelas quais as leis nacionais e os regulamentos
de arbitragem não costumam ditar regras e detalhes sobre o procedimento. Além de assegurar a observância
das balizas do devido processo legal, preveem algumas normas básicas para a formação do juízo arbitral e
o impulso do processo. ABBUD, André. O papel da Soft Law no desenvolvimento da arbitragem. 20 anos
da lei de arbitragem: homenagem a Petronio R Muniz., pp. 3-22, p. 15-16.
415
Nesse sentido: TJMT, 1ª Câmara Cível, Apelação nº 115478/2009, Rel. Des. João Ferreira Filho, j.
22.11.2011: “simples inversão da ordem de depoimento, bem como a presença do apelado na sala da
audiência durante a inquirição do representante da apelante, por si só, não fere os princípios do contraditório
e da ampla defesa, tampouco acarreta em nulidade da sentença, sobretudo quando não demonstrado
qualquer prejuízo pela singela inversão da ordem”.
416
Mesma observação é feita por José Renato Nalini, relativamente ao processo estatal: “Não tem sido as
normas de processo as responsáveis pelo aparente anquilosamento da Justiça, mas a inflexibilidade e o
anacronismo das normas de procedimento”. NALINI, José Renato. Processo e Procedimento - Distinção e
a celeridade da prestação jurisdicional. Revista dos Tribunais, vol 730, 1006, pp. 673-688, p. 5
417
Por exemplo, para proteger a parte que não foi adequadamente cientificada dos termos de um processo
arbitral, por errônea indicação do seu endereço. “Nulidade da citação por edital em procedimento arbitral.
173

processualização da arbitragem neste sentido positivo, porque será também vantajoso


para a arbitragem a incorporação destes parâmetros gerais, que lhe conferirão segurança
e previsibilidade418.

Porque se cada árbitro, cada tribunal arbitral, puder definir um modelo de


disputa, uma estrutura formal do litígio, aplicando regras particulares sem qualquer
relação com o modo de ser do processo em geral, teremos um campo fértil para
arbitrariedades e insegurança. A processualização, na medida certa, impõe aos árbitros a
observância destes parâmetros, a solução dos impasses a partir dos conceitos processuais
aplicados no ordenamento brasileiro. Em alguns casos, isso significará aplicar conceitos
específicos do Código de Processo Civil, mas, como tantas vezes já afirmado, em caráter
subsidiário e excepcional.

A processualização adequada atribui ao autor a iniciativa do processo, outorga


ao réu o ônus de se defender, exige das partes deveres de lealdade e cooperação, obriga o
julgador a julgar, nos limites dos pleitos formulados. É pela processualização da
arbitragem que se infere o regime de efeitos da sentença arbitral, que serão produzidos
até sua eventual desconstituição419. É a processualização que permite aplicar, com ainda
maior intensidade, todo o arcabouço conceitual e normativo acerca do aproveitamento
dos atos processuais, da desconsideração de irregularidades formais que não tenham
causado prejuízos. São as noções de preclusão e de flexibilidade procedimental que
permitem o gerenciamento dos casos de modo aderente à suas realidades, com foco na
solução do mérito e não nos temas processuais.

Mas é também mediante o recurso a noções processuais que se resolvem os


problemas de ausência de jurisdição, de desenvolvimento válido e regular do processo,

Requerido que nunca residiu no endereço informado à Câmara Arbitral. Revelia afastada para que se lhe
oportunize apresentação de defesa” TJPR, 11ª CC, Apel 0028574-29.2011.8.16.0001, j. 01.12.2017,
unânime.
418
Sobre a condição dos regulamentos das câmaras arbitrais como garantia adicional aos litigantes, ver
OPPETIT, Bruno. Elements pour une sociologie de l’arbitrage. L’année sociologique, vol. 27, p. 179-195,
1976, p. 192.
419
GRECO ensina que a revisão judicial de sentenças arbitrais deve ser de limitada possibilidade, para
manter a virtude essencial da arbitragem que é a solução imediata das controvérsias. “De outro modo, a
arbitragem ficaria reduzida a um mero prelúdio para mais um incômodo e demorado processo de revisão
judicial". GRECO, Leonardo. Controle Jurisdicional da Arbitragem. Revista Brasileira de Arbitragem,
2018, volume 57, pp. 7-22, p. 15.
174

do direito à prova, que se justifica porque o processo arbitral pode funcionar sob o regime
da publicidade restrita, quando e porque terceiros podem participar da relação processual
que se desenvolve na arbitragem. Nada disso representa um risco, nenhum desses
elementos, quando constatados, torna o processo arbitral ruim. São esses elementos que
permitem o próprio desenvolvimento do processo arbitral.

O fenômeno deve ser observado da mesma forma já ocorrida quanto ao processo


administrativo. Diante da dúvida se o enquadramento do processo administrativo na teoria
geral do processo poderia significar o seu engessamento, a perda da sua flexibilidade ou
o aumento da burocracia, Fernão Borba Franco observa, em afirmação que serve
igualmente ao processo arbitral, “não ser o caso de temer essa visão abrangente da
importância do processo ou suas consequências, pois o fato de ser o procedimento flexível
ou rígido depende de lei e não é possível transformar um no outro ou vice-versa
simplesmente pelo transplante, doutrinário ou jurisprudencial, de institutos”. 420

Temos, portanto, que o processo arbitral é estruturado segundo as categorias


fundamentais da Teoria Geral do Processo, compartilha com os demais ramos do processo
dos seus fundamentos, conceitos e da sua estrutura. Rejeita, porém, o procedimento
previsto para os processos judiciais, pois quanto a este aspecto, outorga às partes e aos
árbitros o poder de discipliná-lo421. Como dito antes, o modelo legal adotado pelo Brasil
preserva o melhor dos dois mundos, pois, pelos conceitos processuais e por sua teoria
geral, confere previsibilidade e segurança à arbitragem, ao mesmo tempo que lhe confere
ampla autonomia, ao deliberadamente excluir a regulação do procedimento arbitral pela
própria lei.

420
FRANCO, Fernão Borba. Processo Administrativo, Teoria Geral do Processo, Imparcialidade e Coisa
Julgada, Teoria do Processo: panorama doutrinário mundial, p. 233.
421
MONTORO, Marcos. Flexibilização do Procedimento Arbitral. p. 116
175

CAPÍTULO 4. PRINCÍPIOS PROCESSUAIS APLICÁVEIS AO PROCESSO


ARBITRAL.

1. Considerações Introdutórias; 2. Os princípios processuais aplicáveis


ao processo arbitral; 2.1 Inafastabilidade da tutela jurisdicional; 2.2
Devido Processo Legal; 2.3. Contraditório. 2.4. Ampla Defesa; 2.5.
Igualdade; 2.6. Imparcialidade; 2.7. Economia Processual; 2.8.
Vedação às provas ilícitas; 2.9. Juiz Natural; 2.10. Duração Razoável
do Processo; 2.11. Publicidade; 3. Regras processuais (não princípios)
aplicáveis ao processo arbitral; 4. Visão crítica da noção de que os
princípios processuais, juntamente com as disposições da LARB, são
suficientes para regular o processo arbitral.

1. Considerações Introdutórias.

É inegável a relevância do estudo dos princípios jurídicos, em relação a qualquer


ramo do direito, a qualquer assunto. No plano normativo, os princípios constituem o ponto
de partida, funcionam como guias, como parâmetros que devem ser seguidos pelas demais
normas integrantes do ordenamento. Se o Direito pudesse ser representado como um
edifício, os princípios constituiriam a sua fundação, o seu alicerce, sobre os quais se
erguem as demais estruturas normativas da sociedade. São normas de caráter mais
abstrato, nas quais as demais se inspiram e às quais devem obediência422.

Nas sociedades contemporâneas, sobretudo em sistemas jurídicos


constitucionais como o brasileiro, os princípios assumem uma conotação ainda mais
importante, porque deixam os livros e as teses, para integrar a ordem constitucional. A
Constituição Federal de 1988 é pródiga em princípios, elenca-os em um extenso rol de

422
AFONSO DA SILVA, José. Os princípios constitucionais fundamentais”, Revista do Tribunal Regional
Federal 1ª Região, Brasília, v. 6, n. 4, out/dez. 1994, p. 17-22, p. 18: “Os princípios são ordenações que se
irradiam e imantam os sistemas de normas, são – como observam Gomes Canotilho e Vital Moreira –
núcleos de condensações nos quais confluem valores e bens constitucionais. Mas, como disseram os
mesmos autores, os princípios, que começam por ser a base de normas jurídicas, podem estar positivamente
incorporados, transformando-se em normas-princípio e constituindo preceitos básicos da organização
constitucional”.
176

garantias individuais, do qual se extraem normas aplicáveis aos diferentes ramos do


direito. No plano processual, há inúmeros princípios positivados na Constituição, muitos
dos quais, objeto dos subtópicos abaixo.

Nem todo princípio é consagrado ou expresso em normas jurídicas positivas, e


nem todas as normas constitucionais têm características de princípios423. É necessário
distinguir tais figuras, não devendo a doutrina se contentar, ou se acomodar, com a ideia
de que a condição de princípio depende do status constitucional da norma. Nesse
exercício haveria um duplo risco, primeiro o de desprezar construções teóricas e conceitos
jurídicos que podem ser extraídos, sistematicamente, do ordenamento como um todo;
segundo, o de hiper inflacionar a ideia de princípio, extraindo de toda e qualquer previsão
constitucional algum princípio.

Em relação ao processo arbitral, tendo em vista a expressa previsão do artigo 21


da Lei de Arbitragem, não há dúvidas acerca da incidência dos princípios processuais. Ao
contrário, prevalece a ideia de que não se limitam aos quatro enumerados na própria lei,
porque a aplicação de princípios processuais de índole constitucional é uma imposição da
própria ordem constitucional, independentemente de previsões infraconstitucionais
específicas424 425.

A questão que se coloca é outra, na verdade. Como dito nos capítulos iniciais,
parte expressiva da doutrina que se dedica ao estudo do processo arbitral entende que o
seu arcabouço normativo decorre da combinação das regras fixadas pelas partes e pelos
árbitros, com apoio tão somente na estrutura normativa da própria Lei de Arbitragem e
nos princípios processuais, ou seja, que o recurso aos princípios é suficiente para, em
complementação às disposições específicas da Lei de Arbitragem, se extrair um regime
jurídico abrangente do processo arbitral426.

423
WAMBIER e TALAMINI, Curso Avançado de Processo Civil, p. 71-72.
424
DINAMARCO, Cândido Rangel. A Arbitragem na Teoria Geral do Processo, p.25.
425
Carlos Alberto Carmona, um dos coautores do anteprojeto de lei que veio a se converter na Lei 9.307/96,
ressalta como o legislador brasileiro extraiu, dentre os princípios gerais do processo, aqueles mais aptos a
garantir às partes um julgamento justo, dentre eles: princípio do contraditório, da igualdade, da
imparcialidade do árbitro e do livre convencimento CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e Processo,
p. 293.
426
FICHTNER, José A.; MANNHEIMER, Sergio N. e MONTEIRO, André L. Teoria Geral da
Arbitragem. Rio de Janeiro, Forense, 2019, p. 119 “Parece-nos plenamente possível, porém, a aplicação de
diversos princípios jurídicos na arbitragem – inclusive nesta nova roupagem dos princípios, com eficácia
normativa autônoma –, desde que se mantenham a preponderância e o respeito à autonomia privada e ao
devido processo legal. Em outras palavras, pode-se dizer que desde que a autonomia privada e o devido
177

Neste capítulo, serão examinados os princípios aplicáveis ao processo arbitral,


para realizar as aproximações do processo arbitral aos demais ramos do processo, nos
aspectos que têm em comum, e para ressaltar as diferenças na aplicação destes mesmos
princípios, relativamente aos pontos em que a natureza do processo arbitral difere dos
seus congêneres. Trata-se de revisitar os princípios do processo, com uma dupla
finalidade. A primeira é a de propor novos olhares sobre noções sedimentadas dos
princípios, examinados agora à luz do processo arbitral. A segunda é de analisar o
processo arbitral à luz destes mesmos princípios, para identificar possíveis equiparações,
similitudes e, sobretudo, para distinguir as peculiaridades do processo arbitral, que devem
ser observadas e respeitadas, mas nem por isso permitem a conclusão acerca de um
isolamento conceitual da arbitragem427. Ao final, será proposta uma visão crítica à ideia
da suficiência destes mesmos princípios para, ao lado das disposições da própria Lei de
Arbitragem, constituírem o arcabouço conceitual e normativo de que o processo arbitral
pode (e deve) se valer.

2. Os princípios processuais aplicáveis ao processo arbitral.

A conceituação de princípios pode ser feita a partir de duas construções teóricas


bem diferentes entre si, mas que não raro têm sido tratadas de forma conjunta. A primeira
delas qualifica como princípios normas com elevado componente axiológico, que
retratam parâmetros jurídicos, sociais e morais da sociedade, os seus pilares ou linhas
mestras, as suas verdades fundantes428. Princípios são assim qualificados por um critério

processo legal sejam fielmente observados, a aplicação de princípios jurídicos na arbitragem é saudável e
não representa “publicização” da arbitragem, mas apenas significa o enquadramento da disciplina arbitral
nas mais contemporâneas visões evolutivas do Direito.”
427
Para Dinamarco, a arbitragem contém um “autêntico processo civil no qual se exerce um verdadeiro
poder, a jurisdição, e que as atividades inerentes a esse exercício têm natureza inegavelmente processual”,
daí porque deve ser inserida na teoria geral do processo. Ainda, na medida em que a arbitragem se destina
a produzir efeitos sobre a esfera jurídica de sujeitos, mediante a prolação de decisões proferidas por outro,
é natural que as atividades desenvolvidas neste processo se submetam às garantias superiores que o processo
constitucional proporciona. DINAMARCO, Cândido Rangel. A Arbitragem na Teoria Geral do Processo,
p. 23.
428
REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. 25ª Ed., São Paulo, Saraiva, pp.285.: “Restringindo-
nos ao aspecto lógico da questão, podemos dizer que os princípios são "verdades fundantes" de um sistema
de conhecimento, como tais admitidas, por serem evidentes ou por terem sido comprovadas, mas também
por motivos de ordem prática de caráter operacional, isto é, como pressupostos exigidos pelas necessidades
da pesquisa e da praxis.”
178

de importância. A segunda delas qualifica e classifica os princípios não segundo alguma


escala axiológica, mas em função da estrutura normativa da norma.

A respeito do tema dos princípios, as referências a Ronald Dworkin e Robert


Alexy são praticamente obrigatórias. Na doutrina brasileira, Humberto Ávila também
desenvolveu importante obra429. Em todas elas, não obstante as relevantes diferenças,
propõe-se definições sobre princípios que dizem respeito à sua estrutura normativa.
Princípios são normas abstratas, que se aplicam na máxima extensão possível, mas que
se colocam, sempre, em um necessário exercício de ponderação, porque há conflito entre
princípios que devem ser resolvidos caso a caso, afastando-se um em detrimento de
outros, sem que qualquer deles possa ser excluído do sistema normativo430.

Para Dworkin, “a diferença entre princípios jurídicos e regras jurídicas é de


natureza lógica. Os dois conjuntos de padrões apontam para decisões particulares acerca
da obrigação jurídica em circunstâncias específicas, mas distinguem-se quanto à natureza
da orientação que oferecem. As regras são aplicáveis à maneira do tudo-ou-nada. Dados
os fatos que uma regra estipula, então ou a regra é válida, e neste caso a resposta que ela
fornece deve ser aceita, ou não é válida, e neste caso em nada contribui para a decisão”431.
Os princípios, ao contrário, não determinam absolutamente a decisão, mas somente
contêm fundamentos, os quais devem ser conjugados com outros fundamentos
provenientes de outros princípios. Daí a afirmação de que os princípios, ao contrário das
regras, possuem uma dimensão de peso ou importância.

429
Ávila, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 11ª ed. São
Paulo, Malheiros, 2010, p. 26. Ávila critica as construções de Dworkin e por Alexy, entendendo que tanto
os princípios como as regras comportam um exercício de ponderação, podendo ser aplicadas ou afastadas,
caso a caso. Segundo o raciocínio desenvolvido por Ávila, não se pode afirmar, a priori e antecipadamente,
que um determinado dispositivo constitucional contenha um princípio jurídico ou uma regra. Esta
qualificação depende de um trabalho de interpretação do referido dispositivo, para especificar “a
intensidade da relação entre o dispositivo interpretado e os fins e valores que lhe são, potencial e
axiologicamente, sobrejacentes”, do qual resultará, portanto, “a interpretação jurídica de um dispositivo
hipoteticamente formulado como regra ou como princípio”, p. 41-42. Porque a distinção entre regras e
princípios é sempre feita caso a caso, após o trabalho de interpretação, penso ser difícil a utilização concreta
da classificação proposta por Ávila.
430
ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Tradução de Virgílio Afonso da Silva da 5ª edição
alemã. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 93.
431
DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. São Paulo, Martins Fontes, 2002, p. 39. O seu conceito
de princípio consiste em “um padrão que deve ser observado, não porque vá promover ou assegurar uma
situação econômica, política ou social considerada desejável, mas porque é uma exigência de justiça ou
equidade ou alguma outra dimensão da moralidade”, p. 36.
179

Como é notório, Alexy desenvolve a ideia de princípios como mandamentos de


otimização, como “normas que estabelecem que algo deve ser realizado na maior medida
possível, diante das possibilidades fáticas e jurídicas existentes”. Os princípios “são
caracterizados por poderem ser satisfeitos em graus variados e pelo fato de que a medida
devida de sua satisfação não depende somente das possibilidades fáticas, mas também
das possibilidades jurídicas. O âmbito das possibilidades jurídicas é determinado pelos
princípios e regras colidentes”432. Já as regras, no pensamento de Alexy, se definem como
“normas que são sempre ou satisfeitas ou não satisfeitas. Se uma regra vale, então, deve
se fazer exatamente aquilo que ela exige; nem mais, nem menos433. Regras contêm,
portanto, determinações no âmbito daquilo que é fática e juridicamente possível. Isso
significa que a distinção entre regras e princípios é uma distinção qualitativa, e não uma
distinção de grau. Toda norma é ou uma regra ou um princípio” 434.

Nesta distinção, as regras expressam deveres e direitos definitivos e sua


aplicação se coloca sempre no plano da validade. Como afirma Virgílio Afonso da Silva,
a partir das lições de Alexy, “se uma regra é válida, então deve se realizar exatamente
aquilo que ela prescreve, nem mais, nem menos”. E se a regra não é válida, ela é afastada
do ordenamento jurídico. Com os princípios o raciocínio é diverso. Um princípio pode
ser momentaneamente afastado ou não aplicado, para ceder, diante de uma situação
concreta, à proeminência de outro princípio. Mas nem por isso deixa de ser válido, e
voltará a ser aplicado em diversas outras situações jurídicas concretas. Na linguagem de
Alexy, o grau de realização dos princípios pode variar, ao passo que, no tocante às regras,
elas sempre serão aplicadas em grau máximo.

Mas quando se examinam essas ideias, o que se observa é que “o conceito de


princípio, na teoria de Alexy, é um conceito que nada diz sobre a fundamentalidade da
norma”435. Seu critério distintivo se afasta da concepção clássica de que o princípio
constitui um mandamento de algo basilar em dado ordenamento jurídico. Nesta
concepção, o princípio pode ser um mandamento nuclear do sistema, mas pode também
não ser. O que define a configuração de uma norma como princípio é a sua estrutura

432
ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais, p. 90.
433
AFONSO DA SILVA, Virgílio. Princípios e regras: mitos e equívocos acerca de uma distinção. Revista
Latino-Americana de Estudos Constitucionais 1 (2003): pp. 607-630, p. 611.
434
ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais, p. 91.
435
AFONSO DA SILVA, Virgílio. Princípios e regras: mitos e equívocos acerca de uma distinção. Revista
Latino-Americana de Estudos Constitucionais 1 (2003): pp. 607-630, p. 611.
180

normativa, sua aptidão de ser aplicada de forma variada, com diferentes intensidades, e
ainda assim preservar a condição de norma jurídica. Assim, há princípios jurídicos na
acepção que Alexy empresta ao conceito que veiculam conteúdos que nada tem de
nuclear, que não expressam valores fundamentais ou relevantes da ordem jurídica.

Como as classificações das normas devem ser feitas com finalidades de auxiliar
a sua compreensão e aplicação, a classificação que leva em conta o aspecto axiológico da
norma preserva a sua utilidade, porque permite manejar estes conceitos tanto para a
interpretação como para a integração das normas jurídicas, além de facilitar o exercício
interpretativo dos conflitos normativos436. Por estas razões, esta tese adota a primeira
concepção, que parece descrever melhor o fenômeno que se observa quando se examinam
quais são os princípios processuais. Trata-se de uma construção teórica que pode se dizer
clássica, de situar os princípios na estrutura do ordenamento, como seu alicerce, a
fundação sobre a qual se constroem todas as demais estruturas437.

Princípios veiculam normas com conteúdo valorativo mais relevante, que pode
ser entendido como fundamental e fundante de um certo ordenamento. São seus
mandamentos nucleares, suas disposições fundamentais, e em geral, dos princípios se
extraem regras específicas e particulares, que dão concretude a eles, que implementam a
sua verificação nas situações concretas438. Por essa razão, regras apresentam um caráter
instrumental e menos fundamental439.

Em relação ao ordenamento brasileiro, há a particular circunstância de que os


princípios em geral, e os processuais em particular, encontram-se contemplados no
próprio texto constitucional, o que amplifica a sua aplicação e serve de parâmetro tanto
para o legislador, na edição de leis que concretizem aqueles princípios, como do
intérprete, que realiza a tarefa de subsunção à luz daqueles princípios440. E mesmo que

436
YARSHELL, Flávio Luiz. Curso de Direito Processual Civil, vol. I, 2ª ed., p. 86.
437
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo, 35ª. ed, São Paulo,
Malheiros, 2021, 46: Princípio é “mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição
fundamental que se irradia sobre diferentes normas, compondo-lhes o espírito e servindo de critério para
sua exata compreensão e inteligência delas, exatamente porque define a lógica e a racionalidade do sistema
normativo, conferindo-lhe a tônica que lhe dá sentido harmônico”.
438
CASTRO NEVES, José Roberto. Uma introdução ao Direito Civil, p. 17: “os princípios expressam
grandes vetores, de ampla aplicação, ao passo que as regras são, comumente, desdobramentos mais
específicos dos princípios, destinadas a regular uma situação particular”.
439
AFONSO DA SILVA, Virgílio. Princípios e regras: mitos e equívocos acerca de uma distinção. Revista
Latino-Americana de Estudos Constitucionais 1 (2003): pp. 607-630, p. 612.
440
DIDIER identifica três mudanças significativas na ciência do direito constitucional, com impactos sobre
a ciência processual: (i) o reconhecimento da força normativa da Constituição; (ii) a expansão e consagração
181

essa noção não seja suficiente para explicar todo o regramento do processo arbitral, ela
se faz presente, de modo que, nas arbitragens regidas pelo ordenamento jurídico
brasileiro, os princípios processuais terão sim um importante papel na regulação do
procedimento arbitral.

Afinal, o processo arbitral, enquanto modalidade de processo jurisdicional,


evidentemente se pauta pelo respeito aos princípios constitucionais do processo, porque
não pode haver processo jurisdicional no Brasil sem a observância destes parâmetros
constitucionais441. Este é um fenômeno que não se limita ao Brasil ou ao direito brasileiro.
De um modo geral, as legislações sobre arbitragem dos sistemas jurídicos conhecidos,
bem como os tratados internacionais, aludem a princípios jurídicos básicos, relacionados
ao due process of law, como parâmetros mínimos que devem ser observados442. Estes
parâmetros servem como fundamento para o controle primário de sentenças arbitrais,
realizado em geral perante o Poder Judiciário da sede do procedimento, e também como
fundamento para o controle secundário, nos juízos de homologação e reconhecimento de
sentenças arbitrais estrangeiras.

Dessa forma, o primeiro universo de onde se extraem os princípios aplicáveis ao


processo arbitral é a Constituição Federal443. Há certos princípios que inequivocamente
se aplicam ao processo arbitral, como o devido processo legal, o contraditório e a

dos direitos fundamentais e (iii) a expansão e desenvolvimento da jurisdição constitucional, com o


desenvolvimento de instrumentos processuais para a jurisdição constitucional, como a ADPF e a
Repercussão Geral do Recurso Extraordinário). “A Constituição Federal passa a ser examinada como o
mais importante capítulo do direito processual, fundamento para que todo o Direito Processual seja
construído”, Fredie Didier. Sobre a Teoria Geral do Processo, p. 148-149.
441
BEDAQUE afirma que, enquanto método de resolução de conflitos e pacificação, do mesmo modo que
o processo judicial, o processo arbitral se utiliza da ontologia para explicar a incidência das garantias
constitucionais. BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Sentença arbitral: questões de fato, conjunto
probatório, fundamentação e contraditório, p. 382.
442
GONÇALVES alude ao fato da equivalência funcional entre as justiças pública e privada, como um
fenômeno que vem ganhando crescente aceitação, e alude a julgamento da Corte de Estrasburgo, de 2008,
no caso Regent Company contra Ucrânia, no qual se declarou que as garantias processuais previstas no art.
6º da Convenção Europeia de Direitos Humanos (CEDU) têm aplicação direta na arbitragem.
GONÇALVES esclarece que a decisão também afirmou que o vocábulo “tribunal”, previsto no art. 6º, §
1º, da CEDU, não deve ser lido apenas como “órgão estatal”. “Por essa razão, respeitando as
particularidades da arbitragem, o árbitro possui o mesmo grau de vinculação que o juiz togado à CEDU.
Essa decisão é importante, porquanto consagra uma evolução no sentido de que o direito ao justo processo
se aplica diretamente na arbitragem, e não apenas indiretamente, através do controle de aplicação da CEDU
por parte do juiz togado competente para fiscalizar a validade da sentença arbitral, GONÇALVES, Marcelo
Barbi. Teoria Geral da Jurisdição, p. 151.
443
MONTORO, Marcos. Flexibilidade do Procedimento Arbitral. p. 194: “o direito processual
constitucional é método que também deve ser utilizado ao se estudar e ao se utilizar (criar, adaptar, aplicar)
o procedimento arbitral, (...) sem qualquer sombra de dúvida”. Para Montoro, as “as regras que regulam o
procedimento arbitral devem ser estudadas e utilizadas (construídas, aplicadas e adaptadas) à luz do que
prevê à Constituição Federal, ou seja, tendo em vista o direito processual constitucional”.
182

inafastabilidade da tutela jurisdicional444. E todos eles se aplicam com adaptações, diante


das peculiaridades do processo arbitral. Aliás, afirmar esta adaptação pode ser
compreendido como uma obviedade, sob certo sentido, porque é próprio dos princípios a
característica de serem conceitos abertos, mais fluidos, que se realizam de mais de uma
maneira e que tem aptidão para se adaptarem às situações particulares.

Assim é que a doutrina processual identifica muitos princípios processuais, tanto


aqueles expressa ou implicitamente contemplados na Constituição Federal, como outros,
relacionados ao modo de ser do processo, tal qual estabelecido pelo ordenamento.
Menciona-se o princípio da demanda, da correlação, da lealdade, da cooperação, do
impulso oficial, além dos princípios constitucionais do contraditório, ampla defesa,
devido processo legal etc.

Também na arbitragem isso ocorre. Se não há princípios constitucionais


especificamente atrelados à arbitragem, há aqueles que também a ela se aplicam, como o
princípio da autonomia privada, decorrência de uma noção mais geral de liberdade. Fala-
se, ainda, em princípio da competência-competência, da autonomia da cláusula
compromissória, entre outros. O excesso de princípios decorre não apenas de percepções
da doutrina, mas sobretudo do legislador. A Lei nº 9.307/96 menciona o livre
convencimento motivado como um dos princípios que serão sempre observados na
arbitragem. Contudo, como se verá, o livre convencimento motivado, ou persuasão
racional, constitui mera técnica utilizada pelo legislador, que se vincula à garantia da
fundamentação das decisões, mas não é, em si, uma garantia. Fora do universo da
arbitragem, basta pensar em decisões do tribunal do júri, que não obedecem a esses exatos
parâmetros (ainda que as demais decisões do processo, inclusive a decisão judicial que
aplica a pena, sejam motivadas).

444
Para BEDAQUE, os fins semelhantes entre o processo judicial e o processo arbitral faz com que a
aplicação das garantias constitucionais seja justificável. Assim, mecanismos como o contraditório e a
fundamentação da sentença seriam exigências do Estado de Direito, considerando que as Partes só teriam
escolhido a arbitragem em razão da efetiva aplicação das garantias do processo constitucional. Sendo
inaceitável a decisão ou ato em contrário. BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Sentença arbitral: questões
de fato, conjunto probatório, fundamentação e contraditório, p. 383.
183

Esta profusão de princípios vem sendo reconhecida pela doutrina. Virgílio


Afonso da Silva445, Nelson Nery Jr446. e Carlos Ari Sundfeld447, apenas para citar alguns
exemplos, expõem suas visões sobre os riscos deste fenômeno. Da obra Teoria Geral do
Processo, em suas sucessivas edições, os autores observam que há certas regras de grande
relevância, que caracterizam o modelo do processo brasileiro, mas que, à luz dos critérios
que qualificam os princípios processuais, não podem ser assim considerados.

Fato é que na arbitragem, à exceção do livre convencimento motivado, que não


pode ser entendido como um verdadeiro princípio, os demais princípios mencionados na
lei – devido processo legal, imparcialidade e igualdade - têm sim as características que
permitem considerá-los princípios e, ademais, são extraídos do texto constitucional. Mas
é possível identificar e classificar com princípios aplicáveis ao processo arbitral também
os princípios da ampla defesa, do contraditório, da inafastabilidade da tutela jurisdicional,
da economia processual e da vedação às provas ilícitas 448 449. Não obstante, há adaptações
relevantes em relação à compreensão geral que se tem deles quando se observa sua
incidência no processo estatal.

Além dos princípios expressamente contemplados na Constituição, há outros


princípios que são observados, como os princípios do juiz natural, da publicidade e da
duração razoável do processo (ver itens 2.7, 2.11 e 2.10 abaixo). Também quanto a estes,
é de se reconhecer a necessidade de adaptações destas normas principiológicas para o
processo arbitral, como será adiante visto.

Por fim, é de se reconhecer que há outros princípios que não têm aplicação ao
processo arbitral. O duplo grau de jurisdição é o exemplo mais nítido. Seja ele admitido
como princípio, seja, como sustenta a doutrina majoritária, como uma garantia, ele não é
observado no processo arbitral, e esta circunstância não retira do processo arbitral a sua

445
AFONSO DA SILVA, Virgílio. Interpretação constitucional, São Paulo, Malheiros, 2005: 115-143, p.
128.
446
NERY Jr., Nelson, Princípios do Processo na Constituição Federal, p. 48.: “Talvez o pecado mais sério
da doutrina hodierna seja o de tratar o tema mediante sincretismo, vale dizer, misturando-se as teorias que
se utilizam de critérios e parâmetros distintos uns dos outros”.
447
SUNDFELD, Carlos Ari. Princípio é preguiça? Direito Administrativo para Céticos, pp. 205-229.
448
Aludir à polêmica sobre a configuração dessa norma como princípio, mas aderir à ideia, dada a sua
relevância para o ordenamento como um todo. Tentar exemplificar com normas que detalham esse
princípio, para proibir ou autorizar comportamentos limítrofes.
449
FICHTNER, MANNHEIMER e MONTEIRO incluem a vedação de provas ilícitas entre os direitos e
garantias da Constituição que se aplicam ao processo arbitral, além da previsão expressa do art. 21, par. 2º.
Teoria Geral da Arbitragem, p. 150-151.
184

validade, sua natureza jurisdicional ou sua compreensão como processo regido pelos
princípios constitucionais (conforme capítulo 3, tópico 6.1). Da mesma forma, aspectos
que são normalmente associados à ideia da jurisdição, como características ou princípios,
tais com a investidura, indelegabilidade, aderência ao território e indeclinabilidade, não
se verificam em relação à jurisdição arbitral (conforme capítulo 3, tópico 6.1) 450.

Mas a este rol podem ser adicionadas outras construções que, não obstante
respeitáveis, não representam, sob a perspectiva desta tese, exemplos corretos de
451 452
verdadeiros princípios jurídicos. A observância da ordem pública ou aos bons
costumes, a vedação à revisão do mérito, a autonomia da cláusula compromissória ou
mesmo a competência-competência453, são exemplos do que se pode denominar de
inflação principiológica. Não porque não tenham relevância no estabelecimento de
limites e parâmetros ao processo jurisdicional, mas porque a sua compreensão como
princípios faz surgir o risco de uma excessiva permissividade para o afastamento de regras
concretas, ou para que a partir dessas ideias outros princípios sejam afastados, pelo
exercício típico de ponderação que é próprio do conflito entre princípios. Alguns deles,
ademais, não possuem o grau de generalidade ou a natureza fundante que caracteriza os
princípios. Ao contrário, são regras técnicas concebidas pelo legislador com base em

450
FICHTNER, MANNHEIMER e MONTEIRO. Teoria Geral da Arbitragem. p. 155.
451
FICHTNER, MANNHEIMER e MONTEIRO. Teoria Geral da Arbitragem. p. 156-157: “A nosso ver,
não é apenas o desrespeito ao princípio do contraditório, da igualdade das partes, da imparcialidade e do
livre convencimento que pode, a depender do caso, viciar a sentença arbitral, mas também o desrespeito a
todos os demais princípios aplicáveis à arbitragem cuja violação acabe representando, no caso concreto,
ofensa à ordem pública”.
452
ARMELIN igualmente alude à ordem pública como fator limitador da liberdade das partes em fixar as
regras aplicáveis à solução do litígio, no que tem razão. Também corretamente, não erige a ordem pública
a um princípio em si, porque a ordem pública é a técnica, o mecanismo de controle pelo qual se obsta a
produção de efeitos certos atos jurídicos que violem princípios jurídicos relevantes. A esse respeito, ver
APRIGLIANO, Ricardo de Carvalho, Ordem Pública e Processo, p. 65. Mas Donaldo Armelin parece ir
além quando sustenta que “também carece a liberdade das partes nessa área de poder para alterar as normas
procedimentais inseridas na própria Lei 9.307/96. Portanto, quanto a essas áreas do processo e do
procedimento arbitrais, a vontade das partes, que desfruta em relação a outras condições plenas de atuação,
há de se fletir a esses comandos expressamente insculpidos no diploma legal de regência.” Há poucas
normas procedimentais previstas na própria Lei, mas penso que não se possa afirmar que todas elas sejam
de observância obrigatória. O prazo para apresentação do pedido de esclarecimentos é exemplo típico, pois
os regulamentos institucionais preveem prazos maiores e em geral as partes ampliam o prazo indicado na
lei. ARMELIN, Donaldo. Notas sobre sentença parcial e arbitragem. Revista de Arbitragem, p. 12.
453
LAMAS, Natália Mizhari. Introdução e Princípios aplicáveis à Arbitragem. Curso de Arbitragem, 2018.
pp 27-59, p. 47-49. A autora também alude ao princípio da não denegação de justiça, que constitui um
princípio geral de direito que se aplica igualmente à arbitragem. p. 58.
185

juízos de conveniência, integram decisões políticas dos legisladores e não se traduzem


em elementos sobre os quais o sistema jurídico esteja alicerçado454.

Fato é que a doutrina processual trata como princípios muitos fenômenos


processuais que não passam de regras. Foram concebidas pelo legislador
infraconstitucional, definem o modo de ser do processo brasileiro, mas nem por isso
podem ser erigidas verdadeiramente à caracterização de princípio. Sob outra perspectiva,
são definidas como falsos princípios, porque veiculam normas tradicionais, difundidas e
que integram a estrutura do processo brasileiro, mas que poderiam ser suprimidas ou
modificadas, sem que daí resultasse uma modificação substancial do ordenamento em si.

Cândido Dinamarco refere-se a falsos princípios porque, na verdade, se


traduzem em regras técnicas que, não obstante sua relevância para o bom funcionamento
do processo, essas normas não têm, em si mesmas, os atributos próprios de um princípio.
Na verdade, são regras que decorrem de ideias expressas em princípios, mas elas mesmas
não são princípios constitucionais. É tradicional se referir a tais regras técnicas sob a
nomenclatura de princípios, o que também faz Dinamarco, mas sendo regras jurídicas, é
conveniente adotar outra terminologia, como forma de contribuir para a distinção de tais
regras em relação a princípios. Assim, para os efeitos desta tese, as expressões princípio
da demanda, princípio da correlação da sentença ao pedido, princípio do livre
convencimento motivado, princípio da oralidade, da lealdade, da convalidação e do
prejuízo serão substituídas e referidas como regras 455 (ver item 3 abaixo).

Voltando ao processo arbitral, não constituem verdadeiros princípios a


separabilidade, a autonomia da cláusula compromissória, ou a competência-competência.
Ou para um exemplo negativo, a vedação à prática de atos executivos pelos árbitros
igualmente não se constitui em um princípio. E no plano processual mais geral, também
não constituem princípios, mas regras, as normas sobre correlação entre pedido e
sentença, disponibilidade, dispositivo e flexibilidade procedimental456.

454
Como, aliás, ocorre quanto à competência-competência, na Itália e na Alemanha. O regramento deste
tema nestes países permite que os juízes togados examinem a competência dos árbitros, em caráter
prioritário, conforme artigos 819 do CPC italiano e 1.032 (2) da ZPO alemã.
455
FICHTNER, MANNHEIMER e MONTEIRO. Teoria Geral da Arbitragem, p. 188, qualificam como
princípios as normas sobre correlação entre pedido e sentença, disponibilidade, dispositivo e flexibilidade
procedimental.
456
Que constituem princípios, para FICHTNER, MANNHEIMER e MONTEIRO. Teoria Geral da
Arbitragem, p. 188.
186

A correta identificação das normas em princípios e regras tem uma importância


central na própria operabilidade do sistema. A distinção entre tais figuras é muito
relevante para o adequado tratamento dos problemas de conflito entre normas. E mais do
que conflito entre princípios, ou entre regras, o tema se revela particularmente sensível
quando se está diante de conflito entre princípios e regras.

No âmbito do processo estatal este problema é conhecido, e grave. Alguns


exemplos ilustram o ponto. Em primeiro lugar, a regra do artigo 334 do CPC, que
prescreve a designação de audiências de conciliação ou mediação no momento
procedimental que antecede a apresentação da defesa. Trata-se de letra morta do CPC, de
norma que nunca chegou a ser aplicada, sob a justificativa de que esta norma viola a
duração razoável do processo. Estas decisões correspondem a um juízo de ponderação
entre os valores propostos por diferentes normas. De um lado, a garantia constitucional
da duração razoável do processo, que pode ser entendida como um princípio jurídico,
segundo a concepção aqui adotada. De outro, a norma que impõe a tentativa de solução
amigável a todos os processos, como uma verdadeira política pública de solução adequada
de conflitos.

Não me parece correto compreender que o artigo 334 do CPC veicule um


princípio jurídico. A norma tem conteúdo específico, não é dotada de generalidade
suficiente. É certo que ela tem inspiração em outros princípios jurídicos, mas não é, ela
mesma, um princípio. Assim, o seu afastamento se põe em termos de eficácia. A regra
deveria deixar de ser aplicada se estivesse em conflito com outra regra jurídica. Mas, no
caso aqui examinado, as decisões colocam em confronto um princípio e uma regra, e por
atribuírem maior peso ao princípio, realizam uma ponderação entre as normas, da qual
resulta o afastamento da regra457. Em termos práticos, a política pública de solução
adequada de conflitos e estímulo aos métodos autocompositivos vem sendo sabotada pelo
Poder Judiciário.

457
ÁVILA, com razão, aponta para o equívoco da concepção doutrinária largamente difundida no sentido
de que descumprir um princípio é mais grave que descumprir uma regra. “Em geral, o correto é o contrário:
descumprir uma regra é mais grave que descumprir um princípio”. Prossegue o autor observando que
também é errado considerar que, diante de um conflito entre uma regra e um princípio (ainda que ambos
com status constitucional), deva prevalecer o princípio. Para o autor, “isso não é aceitável”. ÁVILA,
Humberto. Teoria dos Princípios, p. 90-91.
187

Outro exemplo emblemático. O legislador previu a incidência de uma


modalidade particular de honorários advocatícios, os de sucumbência, que são devidos
pela parte vencida ao advogado da parte vencedora, e cujas bases são objetivamente
fixadas na própria lei. O Código de Processo Civil estabeleceu regras para se aferir a base
de cálculo do valor em disputa (expressão econômica do litígio) e percentuais mínimos e
máximos que devem ser adotados. Também aqui, ao fixar tais regras jurídicas, o
legislador fez sua ponderação, levando em consideração os princípios jurídicos
pertinentes (para ilustração, pode-se falar em acesso à justiça, em boa-fé e até mesmo em
litigância responsável, que mesmo não podendo ser erigido a um princípio jurídico, é um
valor levado em consideração pelo legislador, e que se faz presente em diferentes regras
do Código). Esta ponderação, evidentemente, embute um juízo de conveniência, o qual
não pode, contudo, ser afastado pelo intérprete. Não se podem desprezar os parâmetros
fixados na lei, porque se trata de regra jurídica que, diante de eventual confronto com
outros princípios jurídicos, deve prevalecer.

Princípios jurídicos são inspirados em valores mais relevantes, mas o seu caráter
genérico e, com o perdão da redundância, principiológico, não permite que eles
prevaleçam e gerem o afastamento de regras jurídicas particulares. Não cabe ao julgador
– integrante dos quadros do Poder Judiciário ou privado – realizar juízos de conveniência
sobre as normas jurídicas, criando critérios próprios e particulares de julgamento e noções
personalíssimas de justiça. Esse método de interpretação de princípios e regras é fonte de
grande instabilidade e é um dos fatores responsáveis pela loteria judiciária a que nos
sujeitamos permanentemente458.

Do ponto de vista do conflito de normas, nos dois exemplos acima a solução


deveria ser diferente. Inspirado em diferentes princípios, o legislador fez as suas
ponderações, concluindo, no primeiro caso, que a designação de audiências no início dos
procedimentos comuns (excluindo, portanto, processos sob procedimentos especiais)
atenderia a certos princípios, ainda que às custas de outros. E no segundo, que os
parâmetros objetivos para a fixação dos honorários são os que melhor atendem aos valores
sob análise. Esta é a função do legislador, de editar normas gerais, coerentes e compatíveis

458
O que Humberto Ávila qualifica de decisionismo. Nas palavras do autor, “com a finalidade de combater
o formalismo, a doutrina redireciona a aplicação do ordenamento para os princípios, mas, ao fazê-lo sem
indicar critérios minimamente objetiváveis para sua aplicação, aumenta a injustiça por meio da
intensificação do decisionismo. ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios, p. 91.
188

com o ordenamento jurídico como um todo, sujeitas a controles difuso e concentrado de


constitucionalidade. Mas não sujeitas, em princípio, a um juízo de conveniência do
intérprete, que permita afastar regras porque, a juízo do julgador, elas não são adequadas
ou afrontam determinados princípios. Ao permitir que cada julgador realize as
ponderações que quiser, por esta classificação fluída de regras e princípios, o resultado é
a instabilidade jurídica. A técnica de classificação das normas e os métodos de solução
dos seus conflitos não servem, ou não deveriam servir, a tais propósitos.

A partir destas considerações, nos tópicos a seguir são elencados os diversos


princípios aplicáveis ao processo arbitral, isoladamente considerados. Nos limites
propostos por este trabalho, o que se pretende é tecer considerações centrais sobre cada
princípio, para em seguida examinar as eventuais adaptações que eles sofrem no tocante
ao processo arbitral. Esta metodologia será adotada em relação a todos os princípios
adiante enumerados.

2.1. Inafastabilidade da tutela jurisdicional.

O princípio da inafastabilidade da tutela jurisdicional, ou do acesso à justiça,


constitui garantia processual constitucional de grande relevância. Integra o rol de direitos
fundamentais e impõe ao Estado um conjunto amplo de políticas públicas, iniciativas
legislativas e executivas para a sua efetiva implementação.

Previsto na Constituição Federal de 1988, artigo 5º, XXXV, o texto normativo


alude ao Poder Judiciário, o que, por algum tempo e para certas parcelas da doutrina e
jurisprudência, representava a consagração do monopólio do Estado na administração da
Justiça. Mas é certo que, há tempos, a correta interpretação que se deu à garantia
constitucional é a de que não apenas diretamente por meio de órgãos estatais se assegura
o acesso à justiça459. Esta visão se reflete na própria denominação do princípio:
inafastabilidade da tutela jurisdicional.

459
Sobre o acesso à justiça, os Autores propõem uma leitura do artigo 5o, XXXV da CF que não se limita
ao Poder Judiciário, mas sim a toda forma de apreciação jurisdicional, o que inclui os árbitros. FICHTNER,
MANNHEIMER e MONTEIRO. Teoria Geral da Arbitragem,. p. 158-159.
189

Isso quer dizer que nenhuma lei, no ordenamento brasileiro, pode impedir que
as pessoas (entendidas aqui em sentido amplíssimo) possam pleitear perante alguma
autoridade jurisdicional a prevenção ou reparação de danos que aleguem sofrer. Tal
garantia, conforme a interpretação que se lhe deu ao longo do tempo, não se exaure na
mera previsão de órgãos do Poder Judiciário, ou no estabelecimento de competência
destes órgãos para todos os tipos de conflitos. O acesso à justiça consagra um amplo
conjunto de medidas, de normas e de posturas do Estado para, efetivamente, propiciar aos
cidadãos e à sociedade em geral (inclusive aos próprios entes da Administração, do
Legislativo e também do Judiciário) amplo e efetivo acesso à tutela jurisdicional.

A doutrina há tempos adverte para a magnitude desta garantia constitucional,


que se materializa na previsão constitucional de assistência judiciária gratuita, na criação
de Defensorias Públicas no âmbito da União e dos Estados, na edição de leis que
consagrem meios e facilitação à efetivação dos direitos, como a criação dos Juizados
Especiais ou a previsão de instrumentos processuais para a tutela dos direitos (direitos de
natureza coletiva, por exemplo). Tal compreensão se expandiu para contemplar não
apenas a reparação de direitos, mas a prevenção, mediante técnicas de tutela inibitória, e
para amplificar a efetividade destes direitos, por exemplo mediante as técnicas da tutela
de urgência e da evidência.

No âmbito do processo arbitral, a inafastabilidade se manifesta, em primeiro


lugar, pela compreensão de que ela se constitui uma segunda modalidade de tutela
jurisdicional, pela qual as partes podem optar. E sendo um mecanismo para o exercício
do acesso à justiça, as técnicas de que o processo arbitral deve ser munido devem ser tão
amplas quanto possível. Não por acaso, o legislador brasileiro expressamente atribuiu aos
árbitros o poder de conceder medidas de urgência, e por essa mesma razão, são eles os
competentes para medidas de produção antecipada da prova, porque, mesmo não se
caracterizando um conflito com a exata dimensão de uma demanda típica, cuida-se de
modalidade de exercício de direitos, visando o seu melhor aparelhamento ou até mesmo
a facilitação da conciliação entre as Partes (vide o capítulo cinco, item 2.11). Outro
conjunto de regras que se extrai do princípio da inafastabilidade abrange a especial carga
de eficácia da convenção de arbitragem, que possui efeitos positivo e negativo, para impor
190

seu cumprimento aos contratantes e excluir a matéria da apreciação do Poder


Judiciário460.

Mas no plano do processo arbitral, nem todo o instrumental deste princípio da


inafastabilidade se faz presente, ao menos não na mesma medida e intensidade que em
relação ao processo estatal. A garantia de um juiz natural, isto é, uma autoridade estatal
cuja competência tenha sido previamente estabelecida e que já esteja no exercício de suas
funções, antes do início do litígio ou da violação do direito, é uma característica que só
faz sentido nos processos sob a administração do Estado. Da mesma forma (e como já
visto no capítulo 3, item 6.1) a oferta de assistência judiciária gratuita ou a concessão de
benefícios de justiça gratuita (aqui incluídas as noções de abatimentos ou parcelamentos
das custas) não se compatibiliza com a arbitragem, porque ela é um mecanismo próprio
para disputas envolvendo diretos patrimoniais disponíveis, que exige manifestação de
vontade em geral incompatível com relações jurídicas desiguais e assimétricas. O campo
propício das disputas sob arbitragem são os contratos empresariais, as relações societárias
e outras com suficiente complexidade, e a premissa da própria escolha do método é a
plena ciência do conjunto de vantagens e desvantagens que a arbitral proporciona.

Não pode ser imposto ao Estado que custeie essa forma privada de administração
de justiça. Da mesma forma, os agentes privados que nele atuam não podem ser forçados
a atuar sem a correspondente contraprestação. Não há, portanto, gratuidade no âmbito do
processo arbitral.

No fértil campo da autonomia da vontade que permeia a arbitragem, há ainda


outras restrições que as partes podem fazer, que não podem ser consideradas como
violadoras da inafastabilidade da tutela jurisdicional. Relembre-se, a propósito, que a
norma constitucional determina que a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário
a lesão ou ameaça a direito. O destinatário principal do comando constitucional é o
legislador, ou o próprio Estado. Do princípio da inafastabilidade não se extrai que as
próprias partes não possam estabelecer restrições ao seu direito de demandar. Aliás, nem
mesmo o legislador é impedido em termos absolutos, porque para que o acesso à Justiça
se faça de modo racional e útil, as demandas devem reunir condições mínimas de

460
GUERRERO, Luis Fernando. Convenção de Arbitragem e processo arbitral. 4ª. Ed, São Paulo,
Almedina, 2022, p. 157-161.
191

procedibilidade. Prevalece, hoje, a ideia de que certas restrições ao acesso à justiça são
legítimas e não se incompatibilizam com a garantia constitucional461.

Quanto às partes, elas podem estabelecer cláusulas escalonadas, que imponham


a realização de etapas prévias de negociação, conciliação, mediação, ou mesmo a
instauração de dispute boards. Podem também fixar limitações a indenizações que
venham a ser fixadas, ou excluir determinados aspectos da relação jurídica da apreciação
do órgão jurisdicional, como a exclusão de lucros cessantes, prática muito comum no
universo dos contratos empresariais.

No que diz respeito à tutela de urgência, não obstante a previsão legal e a outorga
de tais poderes aos árbitros, em tese é possível que as partes excluam tais poderes dos
árbitros. Não podem excluir, em termos absolutos, a apreciação de questões urgentes de
alguma autoridade jurisdicional, mas podem atribuir a árbitros de emergência ou mesmo
ao poder Judiciário462.

De outro lado, prevalece a compreensão de que as partes não podem renunciar


previamente à futura ação anulatória da sentença arbitral, porque isso feriria o núcleo
fundamental da inafastabilidade da tutela jurisdicional463. Questão diversa é estabelecer
que a demanda anulatória seja proposta também mediante arbitragem, isto é, decidida por
árbitros, em substituição aos juízes togados. A hipótese requer maiores reflexões, mas
conta com relevantes fundamentos em seu favor464.

461
Como a exigência de prévio requerimento administrativo antes do beneficiário do INSS ingressar com
a ação judicial (STF, Tema 350, com repercussão geral).
462
CARRETEIRO, Mateus Aimoré. Tutelas de Urgência e Processo Arbitral. São Paulo: Editora Revista
dos Tribunais, 2017, p.208 e ss.
463
MONTORO, Marcos. Flexibilidade do Procedimento Arbitral, p. 199, alude às restrições que as partes,
voluntariamente, estabeleçam, como a limitação de montantes indenizatórios, ou a exclusão de competência
dos árbitros para tutela de urgência. E então afirma “as partes não podem inserir, na convenção arbitral ou
em qualquer outro documento, declaração de renúncia antecipada ao direito de apresentar a ação de
nulidade (anulação) da sentença arbitral prevista no art. 33 da Lei 9.307/96”, explicando que “Esse tipo de
previsão é contrário ao princípio constitucional da inafastabilidade da tutela jurisdicional, sendo, portanto,
inválido”.
464
ZONCO, Raul. Arbitragem, Jurisdição e Anulação de Sentenças Arbitrais: um estudo sobre o exercício
da pretensão anulatória pela via arbitral. São Paulo, Quartier Latin, 2022. Em especial, o capítulo 4, pp.
126-168.
192

2.2. Devido processo legal.

Com razão, a doutrina observa que o devido processo legal constitui o princípio
síntese que congrega e reúne diversos outros princípios, tais como o contraditório, a ampla
defesa, a imparcialidade etc. Trata-se de um princípio que serve de base para outros e para
inúmeras regras465. Sua origem remonta à Inglaterra, em 1.215, com a assinatura da
Magna Carta por parte do Rei João Sem Terra466. Desde então, o conceito foi sendo
continuamente ampliado e adaptado às inúmeras situações em que ele pode ter aplicação.
Ada Pellegrini Grinover, aludindo também à sua origem, afirma que a garantia do devido
processo legal “deve ser vista e entendida não apenas sob o enfoque individualista da
tutela de direitos subjetivos das partes, mas sobretudo como conjunto de garantias
objetivas do próprio processo, como fator que legitima o exercício da jurisdição, quer
estatal, quer arbitral”467.

Na ordem constitucional brasileira, a garantia foi consagrada no inciso LIV do


artigo 5º. e efetivamente representa um pilar fundamental do próprio Estado Democrático
de Direito. A atividade jurisdicional, que é realizada pelo Estado ou por particulares, por
permissão legislativa, só pode resultar de um processo justo, no qual os litigantes tenham
iguais oportunidades de participar, alegar, defender-se, provar suas alegações. A efetiva
influência sobre o julgador, a participação das partes no processo, constituem elementos
fundamentais, sem os quais não se pode conceber como válida essa atividade, seja ela
realizada no âmbito do próprio Estado, seja por arbitragem468.

O tema é importante e delicado. A compreensão adequada deste princípio deve


ser tal que resulte em um processo efetivamente justo, não apenas formalmente justo.
Porque pode haver respeito ao contraditório e possibilidade de alegar e provar, mas sem

465
NERY Jr., Nelson. Princípios do Processo na Constituição Federal, p. 32: “bastaria a norma
constitucional haver adotado o princípio do due process of law para que daí decorressem todas as
consequências processuais que garantiriam aos litigantes o direito a um processo e a uma sentença justa. É,
por assim dizer, o gênero do qual todos os demais princípios e regras constitucionais são espécies”.
466
NERY Jr., Nelson. Princípios do Processo na Constituição Federal, p. 33: “O primeiro ordenamento
que teria feito menção a este princípio foi a Magna Carta de João Sem Terra, do ano de 1215, quando se
referiu à law of the land (art. 39), sem, ainda, ter mencionado expressamente a locução devido processo
legal”.
467
GRINOVER, Ada Pellegrini. Parecer – Arbitragem e Litisconsórcio Necessário. Revista Brasileira de
Arbitragem, 2006, Vol. 10, p.9.
468
ALVES, Rafael Francisco. O Devido Processo Legal na Arbitragem. Arbitragem no Brasil: aspectos
jurídicos relevantes, Quartier Latin, pp. 382-416, p. 389: no âmbito judicial o devido processo legal é a
convergência de todos os demais princípios, que por trás desses princípios está o ideal de um julgamento
justo, que se entende por aquele que assegura iguais oportunidades de participação a todos os envolvidos,
pois processo é participação.
193

que ocorra efetiva análise dos argumentos desenvolvidos. Por exemplo, quando decisões
são proferidas minutos ou poucas horas depois de manifestações das partes nos autos.
Nesses casos, o julgador espera o cumprimento do prazo (uma réplica, por exemplo), para
instantes depois proferir julgamento antecipado. Esse tipo de situação é inaceitável,
representa mero arremedo de um processo efetivamente devido e justo.

Na arbitragem, como não poderia deixar de ser, o princípio tem plena


aplicação469. Aliás, cuida-se de um conceito difundido internacionalmente, constituindo
o due process um parâmetro de todo e qualquer processo. Inúmeras leis de arbitragem
aludem ao respeito ao devido processo legal – seja em termos expressos, seja de forma
indireta – e o mesmo se verifica em regulamentos das principais instituições arbitrais470.
A autonomia da vontade das partes, outro dos princípios fundamentais da arbitragem,
encontra seus limites justamente no respeito ao devido processo legal471, o qual se
concretiza, também no processo arbitral, por meio da observância de outros princípios,
tais como o contraditório, ampla defesa, imparcialidade, igualdade e a fundamentação das
decisões472.

Em termos concretos, nos processos em geral, o devido processo legal é


observado em diversas regras, seja de natureza processual, seja procedimental.
Evidentemente, o processo estatal é profícuo em regras específicas, ao passo que no
processo arbitral, a lei é propositadamente lacunosa, para permitir amplo espaço para a

469
CRUZ e TUCCI, José Rogério. As garantias constitucionais do processo civil no aniversário dos 30 anos
da Constituição federal. Revista do Advogado, AASP, vol.192/2011, pp. 83-91: “Destacada página da
história da liberdade, a garantia constitucional do devido processo legal deve ser uma realidade em todo o
desenrolar do processo judicial, arbitral ou administrativo, de sorte que ninguém seja privado de seus
direitos, a não ser que no procedimento em que este se materializa se constatem todas as formalidades e
exigências em lei previstas. A CF vigente assegurou, como se sabe, a todos os membros da coletividade um
processo que deve se desenrolar publicamente perante uma autoridade competente, com igual tratamento
dos sujeitos parciais, para que possam defender os seus direitos em contraditório, com todos os meios
inerentes e motivando-se os respectivos provimentos; tudo dentro de um lapso temporal razoável.” p. 84.
470
Por exemplo, o Regulamento de Arbitragem da Câmara de Comércio Internacional (CCI), nos artigos
11 (1) e 22(4), o Regulamento do London Court of International Arbitration (LCIA), nos artigos 14.1 e
14.2., e o Regulamento de Arbitragem do Centro de Arbitragem e Mediação da Câmara de Comércio Brasil
– Canadá, no artigo 7.8.
471
KAUFMANN-KOHLER: “It is no surprise that an overriding uniform principle will emerge from such
review, which is the principle of party autonomy (or, alternatively, arbitrator autonomy) in procedural
matters. But any autonomy, any freedom, has its limits. What are the limits here? Again, although the
terminology differs, the limits appear largely uniform: due process constitutes the limit.”, KAUFMANN-
KOHLER, Gabrielle. Arbitration procedure: identifying and applying the law governing the arbitration
procedure, p. 336.
472
Como afirma MONTORO, “como dizer que o princípio do devido processo legal não se aplicaria na
arbitragem, se todos esses seus aspectos se aplicam?”, MONTORO, Marcos. Flexibilidade do
Procedimento Arbitral, p. 221.
194

regulação do procedimento pelas próprias partes. Se no processo estatal o princípio se


concretiza em regras específicas, no arbitral ele se preserva com esta natureza
principiológica, que servirá de bússola para a atuação concreta das partes e para as
determinações do Tribunal Arbitral473.

As regras que determinam o procedimento arbitral estão previstas nos


regulamentos das instituições, mas, mais especificamente, são determinadas caso a caso,
porque mesmo os regulamentos são omissos e lacunosos. Como as partes, em geral,
também não estabelecem regras na convenção de arbitragem, disso resulta que, no mais
das vezes, será dos árbitros a tarefa de estabelecer tais regras e garantir a observância do
devido processo legal.

Assim, na falta de regras específicas sobre a citação da parte requerida, será da


instituição arbitral e dos árbitros a tarefa de determinar a realização de atos que permitam
a efetiva cientificação das partes acerca da existência do processo arbitral. E como já dito,
isso em geral redunda na cautela de que, relativamente à parte contumaz, todos os atos do
procedimento são notificados474. Na falta de regras detalhadas sobre a postulação em si,
ou sobre a defesa, será igualmente dos árbitros a tarefa de fixar parâmetros para o
adequado exercício das posições jurídicas pelas partes. No âmbito das provas, devem ser
asseguradas as possibilidades de sua produção e sua adequada valoração por ocasião do
julgamento, vedadas as provas obtidas por meios ilícitos. Nesse contexto, e como será
adiante visto, há diversas regras processuais importantes – tanto que tratadas por parcela
da doutrina como verdadeiros princípios – que devem ser observadas no processo arbitral,
como desdobramentos dos princípios do devido processo legal, da ampla defesa e do
contraditório. E serão aplicadas as regras concretamente previstas no Código de Processo

473
PARENTE observa que o conceito de devido processo arbitral não se sustenta sozinho, mas exige
complementação, preenchimento pela lei. Para o autor, no processo arbitral, esse conceito é preenchido
pelas suas próprias disposições. Eduardo Parente. Processo arbitral e sistema, p. 104. Entendo que mesmo
com a complementação possível das disposições legais, ainda assim há muitos campos em que a pouca
regulamentação legal exige ulteriores complementações. Que são feitas pelos próprios árbitros, mas
também mediante a aplicação de certas normas processuais gerais, que asseguram parâmetros para o
cumprimento do devido processo legal e que devem ser igualmente observadas no processo arbitral.
474
A doutrina, acertadamente, entende que não se aplica ao processo arbitral a regra procedimental fixada
no CPC, artigo 346, que determina que o processo corra contra a parte revel e que ela seja considerada
intimada de todos os atos, por mera ficção legal. Para Guilherme Setoguti Pereira, “a única maneira de se
respeitar o devido processo legal, o contraditório e o direito de defesa do réu revel é lhe enviar cópia de
todas as decisões e petições, cumprindo-se rigorosamente também em relação a ele, as regras de
comunicação adotadas no processo”. PEREIRA, Guilherme Setoguti J. Procedimento I. Curso de
Arbitragem, pp. 162-196, p. 189.
195

Civil, em aplicação subsidiária, porque afinal constituem normas processuais gerais, que
moldam todo e qualquer processo jurisdicional.

Preceitos como o de o julgador não pode se recusar a julgar a causa, alegando


omissão do ordenamento (CPC, art. 140 - vedação ao non liquet), ou que delimitam o
conteúdo da decisão aos limites do que foi pedido pelo autor (CPC, art. 141), ou ainda
que determinam o aproveitamento dos atos do processo se sua finalidade tiver sido
atingida (ainda que com desconformidades formais) (CPC, art. 283) são aplicáveis a todo
e qualquer processo e não podem ser entendidos como princípios jurídicos processuais,
eis que representam uma opção entre diferentes modelos possíveis. Não se pode pretender
aplicar exatamente estas regras, mas seguir negando a aplicação subsidiária (e
excepcional do Código de Processo Civil), nem tampouco pretender enquadrar tais
conteúdos como se fossem princípios processuais e, como tais, aplicáveis ao processo
arbitral. São mais específicos que princípios, possuem conteúdo pormenorizado, que
reflete escolhas políticas do legislador475.

De outro lado, a manifestação concreta do devido processo legal na arbitragem


sofrerá adaptações, pela natureza peculiar da arbitragem, como processo marcado por
maior liberdade e consensualidade. Com maior ênfase, as partes poderão realizar escolhas
quanto ao modo de ser do seu processo, renunciado a posições jurídicas processuais de
que seriam titulares, e isso não será – como regra geral – compreendido como uma
violação ao devido processo legal. Ao contrário, será a concretização do processo devido
daquela disputa particular.

475
Marcelo Lima Guerra define regras como normas “dotadas de uma estrutura fechada, nas quais à
previsão de um fato específico vem imputada uma consequência igualmente específica, ambos, fato típico
e consequência, descritos de forma o mais detalhada possível na própria norma”, ao passo que os princípios
se caracterizam por sua “estrutura aberta, nas quais não havia a indicação de um fato específico ao qual
seriam aplicadas, nem a determinação clara da consequência jurídica, e sim a positivação de um valor” O
autor então observa que “as regras distinguem-se dos princípios, sobretudo, quanto ao modo de aplicação.
Realmente, por serem normas fechadas, as regras aplicam-se na base do “tudo ou nada”, na base da mera
subsunção de situações concretas à descrição abstrata de fatos nelas contidas (a chamada subsunção do fato
na hipótese legal), extraindo-se, automaticamente, a consequência jurídica devida ao caso concreto. Já as
normas com estrutura de princípio aplicam-se não com base na subsunção – o que é virtualmente impossível
de ser realizado, dado o caráter aberto de tais normas - , mas sim por meio da ponderação. É que tais normas,
em sendo aplicadas diretamente, exigem do operador jurídico uma intensa atividade valorativa, no sentido
de escolher um entre vários caminhos que se revelam igualmente possíveis, à luz da respectiva norma.”
GUERRA, Marcelo Lima. Prisão Civil de depositário infiel e princípio da proporcionalidade. Revista de
Processo, nº 105, janeiro/março de 2.002, p. 35-36.
196

O equilíbrio entre o respeito à autonomia privada e o devido processo legal é um


campo em que podem se dar tentativas de processualizar a arbitragem. A má compreensão
sobre o conteúdo do devido processo legal no processo arbitral pode ser utilizada como
mecanismo para que partes derrotadas se voltem contra as sentenças, procurando sua
anulação por suposta violação ao devido processo legal. Por isso é importante que se
tenha clareza quanto à adaptação que tais garantias recebem no processo arbitral476.

Procedimentos específicos do processo estatal, peculiaridades das leis nacionais


(no contexto de arbitragens internacionais sediadas no Brasil), não devem ser entendidos
como integrantes do devido processo legal na arbitragem. Exemplo emblemático dessas
distorções se deu no caso em que o Judiciário considerou nulo o processo arbitral no qual
não se nomeou curador especial para a parte requerida que se manteve revel477. Da teoria
geral do processo, extrai-se o princípio do devido processo legal. Das normas processuais
gerais, podem ser extraídas regras sobre a estrutura fundamental do processo, a sua
espinha dorsal, mas as regras procedimentais próprias do processo estatal não são
aplicadas.

Outro campo em que se verifica o necessário equilíbrio entre a autonomia


privada e o devido processo legal é o probatório, porque as partes podem estabelecer
limitações às suas próprias prerrogativas de produzir provas. Podem fazê-lo no âmbito do
processo estatal, e com maior razão no processo arbitral. Tais escolhas devem ser
prestigiadas, reservando-se para situações verdadeiramente excepcionais a possibilidade
de afastar combinações particulares das partes, para permitir a produção de provas que
elas próprias excluíram478.

476
FICHTNER, MANNHEIMER e MONTEIRO. Teoria Geral da Arbitragem, p. 151, observam que “não
se pode, sob a justificativa de observância dos direitos e garantias constitucionais, ‘pretender publicizar a
arbitragem a ponto de comprometer sua autonomia privada das partes’.
477
TJ/PR, Agravo de Instrumento nº0002738-13.2018.8.16.0000, 11ª Câmara Cível, j. 18/07/2018: “(...)
Da mesma forma que o Código de Processo Civil faz menção a princípios básicos que devem ser respeitados
no âmbito dos processos judiciais, a Lei nº9.307/1996 prevê em seu art. 21, §2º que "Serão, sempre,
respeitados no procedimento arbitral os princípios do contraditório, da igualdade das partes, da
imparcialidade do árbitro e de seu livre convencimento". (...) Resta evidente que o direito ao contraditório
da parte agravante naquela demanda restou prejudicado, diante da revelia no processo arbitral, uma vez
que, realizada a citação por edital e não apresentada a resposta, necessariamente deveria ter sido observada
a regra do art. 9º, inc. II, do Código de Processo Civil de 1973 (vigente na época), com a nomeação de
curador especial para a defesa dos interesses dos réus revéis”.
478
FICHTNER, José Antonio; MANNHEIMER, Sergio Nelson; MONTEIRO, André Luís. Teoria Geral
da Arbitragem, p. 152, exemplificam com a limitação consensual de meios de prova. Se a convenção de
arbitragem contempla alguma restrição, os árbitros se vinculam e “não poderão invocar os princípios do
197

Outro aspecto inerente ao tema é que a violação ao devido processo legal


conduzirá à anulação da sentença arbitral somente se a gravidade do vício for tal que não
comporte aproveitamento. Irregularidades que tenham sido objeto de renúncia pelas
partes, ou mesmo de expressas declarações de que estão satisfeitas com a condução do
processo arbitral, gerarão preclusão contra alegações futuras de nulidades. Da mesma
forma, se elas não forem substanciais, mas irregularidades formais (ou desconformidades
em relação à vontade manifestada pelas partes) que não tenham gerado efetivos prejuízos,
serão igualmente desconsideradas479. Nesse aspecto, a ampla liberdade geralmente
concedida para que os árbitros disciplinem o procedimento servirá como escudo protetor
do processo arbitral, justamente porque em relação a muitos aspectos, não existe um
parâmetro prévio que deva necessariamente ser preenchido. Fato é que o devido processo
legal pode ser observado por muitos caminhos diferentes, não sendo a escolha de um ou
outro caminho, em si, fator que justifique a anulação do processo arbitral.

2.3. Contraditório.

Este princípio é também consagrado na ordem constitucional brasileira, em


sentido amplo, pois a norma se refere aos litigantes e aos acusados em geral e
expressamente menciona os processos judiciais e administrativos (CF, art. 5º., LV). A
necessidade de estender ao processo administrativo a garantia do contraditório tem razões
históricas, e representa um importante marco para a incorporação do processo
administrativo à teoria geral do processo480.

livre convencimento motivado, da igualdade e do contraditório para passar por cima daquilo que foi
definido de comum acordo pelas partes na arbitragem como manifestação da liberdade individual”.
479
BERMANN, George. A. Ascertaining the Parties’ Intentions in Arbitral Design. In Penn State Law
Review, vol. 113:4, p. 1013-1029, p. 1014.
480
Por processo administrativo, deve-se entender não apenas os procedimentos que se processam perante a
Administração, mas também inquéritos civis ou penais, que se processam sem uma autoridade jurisdicional
responsável, sem que se concluam com decisões por terceiros equidistantes. O fato de serem procedimentos
preparatórios de eventuais futuros processos não lhes retira a potencialidade de afetar a esfera de direitos
dos investigados, razão pela qual deve se assegurar o contraditório também nestes ambientes. A este
respeito, ver, FRANCO, Fernão Borba. Processo Administrativo, São Paulo, Atlas, 2008, pp. 77-84. Ao
discorrer sobre a valoração probatória das informações colhidas nos inquéritos, Susana Henrique da Costa
afirma que a ausência de contraditório diminui a força probatória, “mas não implica a total inaptidão das
peças de informação do inquérito para formação do convencimento do magistrado, sequer para a concessão
de tutelas de urgência. (...) Deve prevalecer, assim, o entendimento majoritário, que permite ao juiz apreciar
livremente a prova constante dos autos, inclusive o inquérito. A análise do magistrado, racional e motivada,
deverá considerar a importantíssima circunstância da implementação, ou não, do contraditório no curso do
procedimento administrativo e valorar, segundo este e outros critérios legais ou de experiência, o peso que
198

O contraditório corresponde ao princípio pelo qual todos aqueles que são


potencialmente afetados em suas esferas de direito por decisões decorrentes de processos
administrativos ou de natureza jurisdicional, devem ser necessariamente informados e a
eles deve ser assegurada a possibilidade de reação. Cuida-se de disposição tradicional em
nossa ordem jurídica481, cujo campo de aplicação vem sendo expandido, com razão. Não
basta, como outrora se compreendeu, assegurar o contraditório no âmbito do processo
penal482, ou do processo civil estatal. Cuida-se de garantia inerente a todo e qualquer
exercício de poder, e isso se dá tanto na esfera pública como na privada, tanto nos
processos de natureza jurisdicional, como os sem esse atributo. O contraditório é
elemento indissociável do próprio conceito de processo, é ele que “quando menos em
potência – que justifica a vinculação do destinatário ao ato de poder” 483. A participação
do Estado é apenas um dos elementos que justificam o respeito ao contraditório, mas ele
se observa também em procedimentos sob a responsabilidade de entidades privadas,
como no direito desportivo484 ou mesmo no seio de sociedades e associações.
Assembleias de acionistas de sociedades anônimas ou limitadas, de agremiações políticas
ou científicas, enfim, em todos esses campos deve ser sempre assegurada a ciência dos
fatos relevantes e a possibilidade de reação por parte dos interessados485.

Tal princípio é instrumental à própria ideia de Estado de Direito, à legitimação


do exercício do poder por parte daqueles que podem ser afetados por ele.

seus elementos de convicção terão no seu convencimento”. COSTA. Susana Henrique da. O contraditório
e a valoração dos elementos de prova. 40 anos da Teoria Geral do Processo no Brasil: passado, presente
e futuro, pp. 706-740, p. 738.
481
NERY Jr. afirma ser da tradição do direito constitucional brasileiro a adoção expressa da garantia ao
contraditório no texto da Constituição. O preceito encontrava-se previsto na CI/1824 179 VIII; CF/1891 72
§ 16; CF/1934 113 24; CF/1937 122 11; CF/1946 141 § 25;330 CF/1967 150 § 15; CF/1969 153 § 15.
NERY Jr., Nelson. Princípios do Processo na Constituição Federal. p 246.
482
AVENA, Norberto. Processo Penal. 13ª ed. Rio de Janeiro: Forense; Método, 2021, p. 27.
483
YARSHELL, Flávio Luiz. Curso de direito processual civil.2. ed. Vol. I. São Paulo, Marcial Pons, 2020,
p. 137.
484
Sobre contraditório, diz que tem previsão na CF e que por isso, que o princípio do contraditório aplica-
se em procedimentos não estatais. Exemplos, Justiça Desportiva, cuja observância do contraditório tem
previsão legal nos §§s 1º e 2º do art. 217 da Constituição Federal, e nos art. 49 e seguintes da Lei Pelé (nº
9.615/98). O caput do art. 52 e o § 3º do art. 53, ambos da Lei Pelé. MONTORO, Marcos. Flexibilidade
do Procedimento Arbitral, p. 151.
485
O mesmo para associações privadas, clubes etc. Tamanha importância do contraditório para o direito de
defesa que ele foi contemplado no artigo 507 do CC, p. 151. O mesmo no âmbito das sociedades, art. 1085
do Código Civil. Montoro afirma, com acerto, que “todos esses exemplos demonstram que o princípio do
contraditório e da ampla defesa são regras que devem ser respeitadas inclusive quando é exercido poder
dentro da sociedade civil, fora dos órgãos estatais. O mesmo ocorre na arbitragem”. MONTORO, Marcos.
Flexibilidade do Procedimento Arbitral, p. 151.
199

A relevância do contraditório é tal que a sua aplicação a todo e qualquer processo


jurisdicional é mandatória486 487
. Nesse aspecto, a previsão específica na Lei de
Arbitragem é, ao mesmo tempo, redundante e didática. Tem razão de ser no contexto
histórico da edição da Lei, que representou uma expressiva mudança, propondo o
(re)surgimento da arbitragem no Brasil e a afirmação contundente da sua
jurisdicionalidade. Esta ideia, hoje amplamente admitida pela doutrina, enfrentou muita
resistência, o que explica e justifica a previsão de que certos princípios processuais
deveriam ser sempre observados no processo arbitral488.

É certo, de outro lado, que a previsão de alguns princípios não significa a


exclusão de tantos outros. Como sempre ocorre quando o legislador infraconstitucional
mimetiza princípios constitucionais, a previsão tem essencialmente caráter didático.
Afinal, ainda que nenhum dos princípios processuais aplicáveis estivesse previsto na Lei
de Arbitragem, eles seriam aplicados mesmo assim. A colocação da arbitragem como
método jurisdicional de solução de controvérsias só pode se dar se inserida na ordem
constitucional brasileira, o que necessariamente atrai a aplicação dos princípios
processuais antes referidos.

Seja como for, na arbitragem o contraditório é duplamente previsto. Não pode


haver dúvidas da sua ampla incidência. Mas a compreensão do conteúdo do contraditório
impõe algumas ressalvas. Primeiro, como a doutrina adverte, o contraditório não exige a
reação da parte, mas apenas que ela seja cientificada dos atos do processo e que lhe seja
franqueada, adequadamente, tal possibilidade de reação. Daí porque fala-se em
bilateralidade da audiência como uma expressão mais apropriada para definir o conteúdo
do princípio do contraditório489.

486
O contraditório é amplamente assegurado no âmbito da arbitragem internacional e alguns diplomas
legais estrangeiros fazem expressa referência a este princípio. KAUFMANN-KOHLER menciona tal
previsão no Direito francês (artigo 1.502 do Código de Processo Civil) e no direito suíço (artigo 182 do
Swiss Private International Law Act. KAUFMANN-KOHLER, Gabrielle. Arbitration procedure:
identifying and applying the law governing the arbitration procedure. In: van den Berg, Albert Jan.
Improving the efficiency of arbitration agreements and awards: 40 years of application of the New York
Convention. The Hague: Kluwer Law International, 1999. p. 356-365, p. 359.
487
CRUZ e TUCCI, José Rogério. As garantias constitucionais do processo civil no aniversário dos 30 anos
da Constituição federal. Revista do Advogado, AASP, vol. 192/2011, pp. 83-91, p.85: o princípio
constitucional do contraditório corresponde a um postulado considerado eterno.
488
PEREIRA, Guilherme Setoguti J. Procedimento I. Curso de Arbitragem, pp. 162-196, p. 176.
489
Para NERY, no processo civil o contraditório não tem essa amplitude. É suficiente que seja dada
oportunidade aos litigantes para se fazerem ouvir no processo, por intermédio do contraditório recíproco,
da paridade de tratamento e da liberdade de discussão da causa. Tratando-se de direitos disponíveis, o réu,
por exemplo, pode deixar de apresentar contestação – revelia – sem que isto configure ofensa ao princípio
200

Isso explica inúmeros outros aspectos do procedimento previsto para os


processos estatais, como a exigência de requisitos para a citação judicial, a previsão de
citação por edital para réus em local incerto e não sabido, ou ainda a previsão de
nomeação de curador especial para réus citados por edital e que não apresentem defesa.
A própria ideia de revelia se insere nesse mesmo contexto, porque o que se exige é que o
réu seja cientificado dos termos da demanda que lhe é dirigida, mas, no processo civil,
admite-se que seu comportamento seja o de não apresentar resposta, o que não impacta a
validade do processo nem impede seu desenvolvimento.

O princípio do contraditório permanece o mesmo, mas será aplicado com


diferenças em outros ramos do processo. No penal, por exemplo, pelos valores em jogo,
não se admite a revelia do acusado, e o julgador pode até mesmo substituir a defesa, se
identificar falhas técnicas que ameacem justamente o correto exercício do contraditório e
da ampla defesa490. Admite-se ainda o depoimento do acusado como parte da defesa, ao
mesmo tempo em que se admite a recusa do acusado em depor, sem que desse
comportamento se possa extrair alguma consequência processual. Tais situações
correspondem a formas particulares de manifestação do contraditório no processo penal,
a especificidades de um princípio que, não obstante geral, pode sofrer tais adaptações a
depender do ramo do direito ao qual se aplique491.

Mesmo raciocínio se aplica ao processo arbitral492. O contraditório se faz


presente, é respeitado, mas assume peculiaridades. Como visto, não existem parâmetros
normativos sobre a citação ou a intimação das partes ou de seus procuradores, mas isso
não previne, e ao contrário, reforça a necessidade de ampla cientificação de todos os atos
do procedimento, inclusive às partes contumazes493. As regras procedimentais específicas

do contraditório. Deve-se, isto sim, dar a ele a oportunidade de ser ouvido, de apresentar sua contrariedade
ao pedido do autor. Essa oportunidade tem de ser real, efetiva, pois o princípio constitucional não se
contenta com o contraditório meramente formal. Por esta razão é mais apropriado falar-se em bilateralidade
da audiência, como princípio no processo civil. O réu deve ser, portanto, citado. Isto se verificando, mesmo
no caso de ele tornar-se revel, deixando de apresentar contestação, terá sido atendido o princípio
constitucional do contraditório. NERY Jr., Nelson. Princípios do Processo na Constituição Federal, p. 252
490
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal. 2ª Edição. Rio de Janeiro, Forense, 2021, p.
335.
491
MARCÃO, Renato. Curso de Processo Penal, p.72: “(...) ao contrário do que ocorre no direito
processual civil, em que vige o princípio da verdade formal e a revelia autoriza presumir verdadeiros os
fatos alegados pelo autor, no processo penal prevalece o interesse público, e a prestação jurisdicional busca
reconstruir a verdade real, empírica, e assim esclarecer, com a maior precisão possível, a maneira como os
fatos imputados verdadeiramente se deram.”
492
MONTORO, Marcos. Flexibilidade do Procedimento Arbitral, p. 154.
493
A citação, que é mais grave, também ocorre sem formalidades específicas. Montoro diz que “mais
importante do que a forma eventualmente escolhida pelas partes, o que efetivamente importa é verificar se
201

do processo estatal não terão aplicação no processo arbitral, porque quanto a elas, a norma
de regência determina que sejam as partes e, na sua omissão, os árbitros que definirão o
procedimento.

Não existe propriamente a hipótese de omissão dos árbitros, que devesse ser
resolvida mediante o recurso à legislação processual geral, como norma subsidiária. Não
em relação a particularidades do procedimento. Explico. Os árbitros sempre deverão fixar
os prazos para a prática dos atos que determinarem. Quando muito, os poucos prazos que
os regulamentos institucionais costumam prever serão observados, mas ainda assim,
quanto a todos os demais, não haverá uma regra subsidiária a ser aplicada. Também a
forma de intimação dos atos do procedimento deverá ser definida pelos árbitros,
preferencialmente em conjunto com as Partes.

Em termos concretos, será sempre necessário cuidado ao fixar prazos


específicos, que devem guardar proporção com a providência a ser tomada. Em
arbitragens internacionais, não é incomum que a audiência de instrução seja designada
com mais de um ano de antecedência, e sejam reservadas algumas semanas para a prática
do ato. Em casos menos complexos, dificilmente se poderá designar audiências com
menos de trinta dias, porque devem ser assegurados às partes e aos advogados os meios
para se preparar adequadamente. E da realidade dos casos se extrai a percepção de que,
não raro, a data da audiência é fixada em conjunto, no Termo de Arbitragem ou em
conferência especialmente designada para tanto e, quando o Tribunal Arbitral fixa a data
diretamente, é comum que as partes apresentem pedidos de adiamento.

A própria ideia do calendário processual, amplamente encampada no processo


arbitral e que inspirou a inclusão do artigo 191 do CPC, corresponde à concretização do
contraditório no processo arbitral. O mesmo pode ser dito com a maior liberdade para a
arguição de partes e testemunhas, a fluidez com que se realiza a comunicação entre
árbitros e advogados, a possibilidade de realização de acareações (hot tubing), não porque
se tenha constatado alguma inverdade que precise, a posteriori, ser revelada e retificada,
mas como uma providência a priori, para permitir a intensificação dos debates e o
exaurimento do tema sob análise. Aliás, a oitiva de peritos e testemunhas técnicas é

o objetivo foi alcançado, se a parte “demandada” teve real ciência da existência da arbitragem”. Outra
variável é que a parte não é convidada a apresentar sua defesa, mas apenas a se manifestar sobre a
instauração da arbitragem. A petição inicial e a defesa serão apresentadas depois. MONTORO, Marcos.
Flexibilidade do Procedimento Arbitral. p. 156.
202

prática comum no processo arbitral, pelas quais igualmente se intensifica a observância


do contraditório.

Outra manifestação do contraditório que assume peculiares no processo arbitral


diz respeito ao pedido de esclarecimentos em relação às decisões arbitrais, figura
equivalente aos embargos de declaração previstos quanto ao processo estatal. A Lei de
Arbitragem (art. 30) determina a manifestação da parte contrária, antes da decisão. Essa
circunstância não é prevista no processo estatal, no qual se observa o contraditório apenas
nas situações em que os embargos têm potencial modificativo da decisão recorrida494.

Enfim, fato é que o contraditório no processo arbitral é qualitativamente maior,


porque os árbitros são julgadores privados, interessados em prestar bons serviços, porque
a complexidade dos casos em geral exige que as oportunidades de reação sejam
asseguradas com propriedade e, sobretudo, porque se tratando de um princípio processual
cuja violação ameaça a higidez do processo como um todo, não vale a pena correr o risco
de violar direitos processuais das partes, se o contraponto é puramente uma questão de
reduzir (um pouco) o tempo total de duração do procedimento.

A estas considerações deve-se adicionar uma última, final.

O conteúdo do princípio do contraditório, sob uma perspectiva que pode se dizer


clássica, é composto das noções de informação e reação, mas a elas se agregou, nas
últimas décadas, a ideia de que o respeito ao contraditório igualmente contempla uma
maior participação do órgão julgador nessa dinâmica. Não basta que a informação de um
dos polos seja transmitida para o outro e lhe seja dada oportunidade de reação. O
contraditório é entendido sob uma perspectiva circular, abrangendo também a figura do
julgador.

Inúmeros sistemas jurídicos passaram a contemplar regras em seus códigos de


processo civil expressamente impondo ao julgador o dever de promover o debate sobre
fundamentos da disputa, antes de levá-los em consideração na decisão da causa. No
Brasil, a doutrina sustentava que essa exigência era um desdobramento do princípio do
contraditório, devia ser observada ainda que não houvesse previsão legal expressa no

494
MONTORO, Marcos. Flexibilidade do Procedimento Arbitral, p. 165-166.
203

Código de Processo Civil. A partir da edição do CPC/15, a questão se colocou em outros


termos, diante da inclusão dos artigos 7, 9 e 10.

Atualmente, ao menos no plano doutrinário, compreende-se que o julgador deve


promover o debate de questões sensíveis, e não pode decidir sobre algo de forma a
surpreender as partes495. Alguns entendem esse fenômeno sob o prisma de um princípio
ou dever de colaboração, que abrange o julgador, outros o enquadram no plano do
contraditório. Seja como for, no âmbito do processo estatal, deixou de ser possível ao juiz
– se é que um dia foi496 – levar em consideração fatos e fundamentos jurídicos sem
promover o debate entre as partes, antes.

Essa nova perspectiva conflita com a tradicional noção de que o juiz conhece a
lei, consagrada nas máximas damo tibi factum dabo tibi jus, ou iura novit curia. Discute-
se em que medida tais máximas seguem compatíveis com a nova compreensão deste
contraditório circular.

A mesma discussão se punha no plano do processo arbitral, antes mesmo da


edição do CPC/15. E há fundamentos específicos do processo arbitral para qualificar essa
discussão. Primeiro, que sendo o controle que se exerce sobre a sentença arbitral apenas
relativo aos aspectos formais, é justamente no respeito ao contraditório e ao devido
processo legal que reside o núcleo central de validade e higidez do processo arbitral. A
maior qualidade do contraditório, que sempre se fez presente no processo arbitral,
impunha, independentemente da previsão normativa para o processo estatal, a vedação a
decisões-surpresa497. Além disso, a origem contratual da jurisdição dos árbitros determina
que eles recebam autorização para desempenhar esta atividade jurisdicional dentro de
certos parâmetros, de certa moldura. Se as partes propõem certa qualificação jurídica à
sua demanda, há quem entenda que os julgadores não podem ampliar sua investigação,
mesmo dentro do ordenamento jurídico aplicável à disputa. Se a qualificação proposta

495
OLIVEIRA, Swarai Cervone de. Iura novit curia e contraditório no processo civil atual, Belo Horizonte,
D’Plácido, 2021, p. 95.
496
Calamandrei já afirmada: “nel processo il giudice non è mai solo. Il processo non è un monologo: è un
dialogo, una conversazione, uno scambio de proposte, di repliche. (...) In ciò consiste quel carattere, il più
prezioso e tipico del processo moderno, che è la dialetticità: che vuol dire che la volontà del giudice non è
mai sovrana assoluta, ma sempre condizionata (anche nel processo penale) alla volontà e al comportamento
delle parti, cioè all’iniziativa, allo stimolo, alla resistenza o all’acquiescenza di esse”. CALAMANDREI,
Piero. La Dialetticità del Processo. Processo e democrazia. Padova. Cedam, 1954, p. 679.
497
APRIGLIANO, Ricardo de Carvalho. Ordem Pública e Processo: o tratamento das questões de ordem
públicas no direito processual civil, p. 71-75.
204

pelas partes não conta com a aceitação dos árbitros, a alternativa seria a rejeição da
demanda, sendo vedada a utilização de argumentos que não foram suscitados pelas partes
ou debatidos entre elas.

O problema se torna mais crítico no processo arbitral porque a violação ao


contraditório não permite o aproveitamento do processo, nem é feita no âmbito de um
tribunal que, no limite, poderia julgar o mérito da causa novamente, ou no mínimo
devolver a causa para a instância inferior. Na arbitragem, o resultado será a anulação de
todo o processo, impondo às partes iniciar do zero uma nova disputa498.

De outro lado, autorizadas vozes entendem que a qualificação jurídica dos fatos
é uma atribuição inerente aos julgamentos de natureza jurisdicional, não podendo ser
objeto de restrição nem representando violação ao contraditório499. A vedação às decisões
surpresa diz respeito a outros elementos, sobretudo à consideração de elementos fáticos
que as partes não trouxeram ou não debateram adequadamente. Sustenta-se, ainda, que a
Lei de Arbitragem brasileira, a exemplo de muitas outras leis nacionais, não exige que o
árbitro tenha formação jurídica, não sendo razoável exigir que árbitros sem formação
jurídica conheçam o direito e possam, portanto, aplicar a qualificação jurídica que
acharem mais adequada, mesmo que diferente da qualificação proposta pelas partes. Não
podem, em qualquer caso, surpreender as partes500.

Nos limites do que é possível aprofundar a discussão nesse tópico, observo que
a evolução doutrinária sobre o significado e a extensão do princípio do contraditório
conduzem a uma ideia de verdadeira democratização do processo decisório. O processo
não pertence ao julgador, mas às partes. São elas as titulares dos direitos sob disputa, e

498
Mesmo porque semelhante fundamento nada diz com a validade da convenção de arbitragem, de forma
que as partes seguirão obrigadas a submeter seus conflitos por arbitragem.
499
CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e Processo Um Comentário à Lei nº9.307/96, 3ª. edição,
Editora Atlas, São Paulo, 2009, p. 371: “Nunca é demais lembrar que, quanto à decisão extra petita, esta
só acontece se o árbitro contemplar questão que não for trazida à discussão pelas partes, o que não ocorre
quando forem examinados os pedidos e aplicada norma diversa daquela invocada pelo (ou pelos)
contendentes, pois o árbitro – como o juiz togado – não está obrigado a usar os mesmos fundamentos legais
ou jurídicos invocados pelos litigantes.”
500
ALVES, Rafael Francisco. Árbitro e Direito: o julgamento do mérito na arbitragem. São Paulo,
Almedina, 2018, p. 133-135: “Dentro da comunicação principiológica que existe entre os processos judicial
e arbitral, o novo dispositivo também pode servir de baliza para a atuação do árbitro”. Tal dispositivo
reforça a previsibilidade, segurança jurídica e o contraditório, também relevantes para o processo arbitral.
Mas ressalva que quando o árbitro aplica o direito sem ter ouvido as partes previamente, não
necessariamente há violação ao devido processo legal. No mesmo sentido, FURTADO, Leonardo Mader.
Iura Novit Curia em Arbitragem e as Cortes Europeias, Revista Brasileira de Arbitragem, Volume 36,
2012, p. 27-55, p. 54.
205

que podem inclusive dispor sobre as regras processuais e procedimentais aplicáveis. Isso,
desde a edição do CPC/15, inclusive no processo estatal. Sob essa perspectiva é que se
desenvolvem as noções de deveres de prevenção, consulta, esclarecimento e auxílio, que
compõem essa atual perspectiva do contraditório. Difícil sustentar que o julgador possa
surpreender as partes, promovendo julgamento inesperado, aplicando fundamentos não
debatidos501. Continua sendo verdade que o julgador conhece o direito (e se ele não tem
formação jurídica, nem por isso é isento desse dever, que é conatural à função
desempenhada), e que ele pode aplicar qualificação jurídica diversa. O ponto é que ele
não pode fazer isso de surpresa, sem observar, antes, o contraditório502.

Ao fazê-lo, viola garantias constitucionais das partes e ameaça a higidez da


sentença, o que vale tanto para o juiz estatal, como para o árbitro. Na arbitragem, não é
preciso recorrer às regras do Código de Processo Civil porque, como dito, trata-se de
desdobramento do princípio constitucional do contraditório503. Assim, a vedação à
decisão surpresa, sendo uma decorrência direta do princípio constitucional do
contraditório, tem aplicação integral ao processo arbitral, e isso independentemente de
previsão legal infraconstitucional. Pode-se dizer, adicionalmente, que sob uma
perspectiva puramente teórica – e reconhecidamente ingênua - mesmo no âmbito do
processo estatal, é indiferente a previsão legal. Se tais dispositivos não tivessem sido
incluídos, a regra valeria do mesmo jeito, como, aliás, já se defendia antes do CPC/15504.

501
Sobre a necessidade de consultar as partes antes da sentença, CRUZ e TUCCI diz que essa justificativa
é plenamente aceitável nos domínios da arbitragem, que a nova regra legal contida no artigo 9º do Código
de Processo Civil encerra verdadeiro dever de consulta do árbitro, impondo ao tribunal em regime de franca
cooperação, conceder às partes a oportunidade de manifestação sobre qualquer questão de fato e de direito.
O árbitro deve abrir prazo para discussão pelas partes, evitando seja proferida uma decisão calcada em
fundamento surpresa, e se o fizer, acarreta nulidade da sentença por violação à garantia do contraditório
(artigos 32, VIII, artigo 21 parágrafo 2º da lei de arbitragem). CRUZ e TUCCI, José Rogério. Reflexões
sobre estrutura formal da sentença arbitral. 20 anos da lei de arbitragem: homenagem a Petronio R Muniz,
p. 581.
502
OLIVEIRA, Swarai Cervone de. Iura novit curia e contraditório no processo civil atual. São Paulo,
D’Plácido, 2021, p.288. Não obstante, Fabiane Verçosa aponta que, em sua opinião, seria um excesso
reputar nula uma sentença arbitral exclusivamente porque o árbitro não consultou as partes acerta de um
fundamento ‘novo’ em que baseará sua decisão, embora, naturalmente, tal consulta seja aconselhável e
preferível. VERÇOSA, Fabiane. “Dá-me os fatos, que lhe darei o direito”: Uma reflexão sobre o
contraditório e iura novit curia em arbitragem. Arbitragem e mediação: temas controvertidos. MUNIZ,
Joaquim de Paiva; VERÇOSA, Fabiane; PANTOJA, Fernanda Medina; ALMEIDA, Diogo de Assumpção
Rezende de (coords). Rio de Janeiro: Editora Forense, 2014, p. 10.
503
NERY Jr., Nelson. Princípios do Processo na Constituição Federal, p. 271: “nada obstante a proibição
de a decisão-surpresa ser decorrência natural do princípio constitucional do contraditório, inserido na
Constituição da maioria dos países democráticos, há Estados que explicitam aspectos processuais e
procedimentais dessa proibição em seus códigos de processo civil”.
504
Antes da edição do CPC/15, inúmeros autores propugnavam esta dimensão amplificada do contraditório.
Entre outros, veja-se BEDAQUE, José Roberto dos Santos, Efetividade do Processo e Técnica Processual,
206

Essa abordagem é bastante comum na prática arbitral brasileira. Por exemplo,


em discussões sobre inadimplemento contratual e a aplicação de cláusulas penais, não
obstante a dicção do artigo 413 do Código Civil sugerir que a redução equitativa da multa
pode ser aplicada de ofício pelo juiz, a conduta adequada a se tomar é a de os árbitros
suscitarem essa questão para que as partes debatam a respeito. Assim, o fato de não ter
sido deduzido o argumento pela parte a quem ele aproveita não impede que a regra
jurídica seja considerada pelo julgador, mas lhe impõe o dever de promover o debate,
antes de decidir. É evidente, de outro lado, que o respeito ao contraditório não autoriza o
julgador a se substituir as partes e suscitar argumentos que só elas podem fazer. Não basta
que suscite debate antes, o julgador deve se ater aos limites da disputa que lhe foram
submetidos, sem suscitar argumentos fáticos ou jurídicos cuja iniciativa seja das partes505.

2.4. Ampla defesa.

Apesar de ter conteúdo próprio, a ampla defesa é em geral tratada juntamente


com o princípio do contraditório. A Constituição Federal se refere a ambos no mesmo
inciso, mas nem por isso devem ser compreendidos como sinônimos. Ampla defesa se
dirige a todos os litigantes, não apenas a quem ocupa a posição formal de requerido.
Também não pode ser entendida como assegurada mediante o contraditório, porque pode
se dar que as partes tenham oportunidades formais de serem ouvidas, mas não se lhes
assegure efetivamente meios para demonstrar suas alegações.

Se o contraditório é satisfeito com a abertura de oportunidades para


manifestação, é a ampla defesa que permite que as partes se dirijam aos julgadores,
mesmo fora do calendário expressamente estabelecido. No processo estatal, é este
princípio que gera a edição de regras que garantem o direito de os advogados serem
recebidos por juízes, desembargadores, ministros, ou de realizarem sustentação oral no
julgamento de certos tipos de recursos. No processo penal, em termos concretos, a ampla

3ª Edição, São Paulo: Malheiros, 2010; MITIDIERO, Daniel. Colaboração no Processo Civil –
Pressupostos Sociais, Lógicos e Éticos, 2ª edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.
505
FICHTNER, MANNHEIMER e MONTEIRO. Teoria Geral da Arbitragem. p. 166, dizem que o árbitro
dialoga, informando, permitindo reação, esclarecendo dúvidas até mesmo em questões de ofício. Mas o
árbitro não pode suscitar questões que só as partes devem alegar, como compensação, novação, direito de
retenção, exceção de contrato não cumprido. E o contraditório pode servir para sanar nulidades, pois o
árbitro pode propiciar o exercício do contraditório, sanando os vícios, especialmente se forem relacionados
a violação ao direito de defesa.
207

defesa se manifesta mediante a autodefesa, que inclui o direito ao interrogatório, que é,


portanto, uma prerrogativa do próprio réu, mediante o direito à audiência, inclusive à
506 507
audiência preliminar de custódia (CPP, art. 310) . Manifesta-se igualmente pela
defesa técnica, tendo o Supremo Tribunal Federal sumulado a orientação de que no
processo penal, a falta da defesa constitui nulidade absoluta, mas a sua deficiência só o
anulará se houver prova de prejuízo para o réu508.

No processo arbitral o princípio é igualmente aplicável, independentemente de


menção na lei própria509. Uma demonstração eloquente deste princípio se dá nas regras
institucionais que vedam a formulação de pedidos se a parte não recolher os respectivos
custos com a própria instituição ou com o tribunal arbitral. Sendo um método privado de
solução de conflitos, apenas as partes que pagam as respectivas custas podem deduzir
suas pretensões, formulando pedidos. Mas evidentemente que essa regra procedimental
não proíbe – nem poderia – a parte de deduzir defesa e participar ativamente do
procedimento, independentemente de recolher parte das custas.

Mesmo quando há apenas a demanda principal, proposta pelo autor em face do


réu, os regulamentos institucionais em geral dispõem que as custas serão arcadas pelas
partes, igualmente. O requerido deve, nesse contexto, pagar parte das custas. Mas caso se
recuse a fazê-lo, o requerente será convidado a recolher as custas integrais, permitindo o
desenvolvimento do procedimento. O requerido exercitará a sua ampla defesa, sem óbices
de natureza econômica.

Outra demonstração pode ser extraída das regras sobre a intimação das partes.
Prevalece a noção de que as partes devem receber adequada notícia acerca da existência
do processo arbitral, porque a própria existência do processo relativamente ao requerido
depende do seu válido chamamento. Mas na falta de regras específicas, ou exigências
formais assemelhadas àquelas do procedimento estatal, o que se busca assegurar é que a
cientificação ocorra, ainda que por diferentes métodos510. No âmbito das sentenças

506
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal. 2ª Edição. Rio de Janeiro, Forense, 2021, p.
257.
507
AVENA, Norberto. Processo Penal. p. 29
508
GONÇALVES, Marcelo Barbi. Teoria Geral da Jurisdição, p. 346
509
GRINOVER, Ada Pellegrini. Parecer – Arbitragem e Litisconsórcio Necessário. Revista Brasileira de
Arbitragem, 2006, vol. 10, p.14-15.
510
O mesmo no âmbito da arbitragem internacional. Como afirma KAUFMANN-KOHLER: “Though there
is a consensus on the hard-core principle, the exact confines of due process may fluctuate from one legal
system to the other. A few illustrations will demonstrate the unanimity in certain areas and the divergences
208

arbitrais estrangeiras, como já observado, o legislador teve o cuidado de ressalvar que a


citação de parte brasileira poderia ser feita nos termos da convenção de arbitragem, sem
necessidade, portanto, de ser feita mediante expedição de carta rogatória. A exigência da
lei se resume a que se assegure à parte brasileira tempo hábil para o exercício do direito
de defesa (art. 39, §U).

2.5. Igualdade.

A igualdade é um princípio de tamanha magnitude que está previsto no caput do


artigo 5.º da Constituição: todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer
natureza. O inciso I inaugura o extenso rol de garantias fundamentais afirmando a
igualdade entre homens e mulheres. Não pode haver, portanto, âmbito das relações
jurídicas e sociais em que este princípio não deve ser buscado e aplicado.

Ao se cogitar da igualdade enquanto princípio jurídico, o que se deve ter em


mente é a busca por proporcionar a todos condições semelhantes, o que tradicionalmente
é compreendido sob dois ângulos: pessoas em condições igualitárias devem receber
tratamento igual; pessoas em condições desiguais devem receber tratamento desigual,
como forma de combater e eliminar as desigualdades antecedentes511.

No âmbito da teoria geral do processo, a igualdade é um princípio fundamental.


Se o processo é o mecanismo por meio do qual se exercita o poder, e nas suas modalidades
jurisdicionais, se por ele se obtém a solução de crises jurídicas e a aplicação do direito
aos casos concretos, o método ficaria seriamente ameaçado se não respeitasse a isonomia

in others. Let us start with the requirement of notice, which ls a generally accepted component of due
process. From a review of court decisions of all origins, it appears that courts consistently look to whether
the defendant had actual notice of the proceedings, not whether any technical service requirements were
met, and very rarely find that proper notice was not given. Only in extreme cases do they hold to the
contrary, such as when the defendant died before the request for arbitration was served!”. KAUFMANN-
KOHLER, Gabrielle. Arbitration procedure: identifying and applying the law governing the arbitration
procedure. In: van den Berg, Albert Jan. Improving the efficiency of arbitration agreements and awards:
40 years of application of the New York Convention. The Hague: Kluwer Law International, 1999. p. 356-
365, p. 363.
511
NERY Jr., Nelson. Princípios do Processo na Constituição Federal, p. 132: “por isso é que são
constitucionais dispositivos legais discriminadores, quando desigualam corretamente os desiguais, dando-
lhes tratamentos distintos; e são inconstitucionais os dispositivos legais discriminadores, quando
desigualam incorretamente os iguais, dando-lhes tratamentos distintos. Deve buscar-se na norma ou no
texto legal a razão da discriminação: se justa, o dispositivo é constitucional; se injusta, é inconstitucional”.
209

entre os participantes. Difícil cogitar de um processo justo em que as partes sejam tratadas
de forma desigual. O princípio da igualdade, nesse contexto, está na base de outros
princípios e de inúmeras regras processuais e procedimentais concretas. E para além desse
corpo normativo, é uma verdadeira bússola do julgador, que deve assegurar sempre a
igualdade de oportunidades e o equilíbrio no exercício das posições jurídicas processuais
(ativas e passivas) de que as partes sejam titulares512.

A igualdade está na base de importantes diferenças no modo de funcionamento


dos processos civil e penal, o que serve não apenas para ilustrar a aplicação concreta da
igualdade enquanto princípio, mas para reafirmar a incidência de princípios comuns aos
diferentes tipos de processos e que, concretamente, se manifestam de modo diverso.

No processo penal, vige o princípio da presunção de inocência (art. 5º, LVII,


CF), o qual, em termos concretos, produz um desequilíbrio estrutural no procedimento a
favor do réu. Alguns dispositivos do Código de Processo Penal estabelecem provisões em
favor do réu, como o art 386, que trata da sua absolvição, atrelada a diversas hipóteses de
falta de prova da existência do fato ou da participação do réu. O CPP contempla meios de
impugnação exclusivos da defesa, como a Revisão Criminal (art. 621, 623, CPP)513 e
considera a defesa técnica indisponível, autorizando-se, em situações excepcionais, a
destituição da defesa técnica e a substituição por novo defensor. No processo civil, em
que a igualdade é presumida, o sistema adota parâmetros diversos. Inexiste a autodefesa,
a parte não pode requerer seu próprio depoimento (CPC, art. 385514) nem há um direito
subjetivo a uma audiência, a qual será ou não designada a depender do quadro probatório
de cada caso. O réu participa do processo se quiser, sendo admitida a sua revelia515.

O Código de Processo Civil estabelece o dever de o magistrado tratar igualmente


as partes (art. 139, I). Há também regras que asseguram tratamentos diferenciados entre
os litigantes, mas que são compreendidas, quase sempre acertadamente, como uma

512
YARSHELL, Flávio Luiz. Curso de Direito Processual Civil. Vol. I, p. 157.
513
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal, p. 607-620.
514
Sobre críticas a este dispositivo e sobre a utilidade de se autorizar que a parte requeria o seu próprio
depoimento no processo civil estatal, ver APRIGLIANO, Ricardo de Carvalho. Comentários ao Código de
Processo Civil: das Provas, disposições gerais. Vol. VIII, tomo I, p. 293-295. Esta hipótese é admitida no
direito Português, conforme: AMARAL, Paulo Osternack. Prova por declarações de parte. São Paulo,
editora Juspodivm, 2022.
515
Marcelo Barbi Gonçalves sintetiza: no processo penal, a autodefesa é disponível e a defesa técnica é
indisponível, ao passo que processo civil não há direito à autodefesa e a defesa técnica é disponível.
GONÇALVES, Marcelo Barbi. Teoria Geral da Jurisdição, p. 345-346.
210

concretização do princípio da igualdade, pois procuram corrigir assimetrias do plano


material. As regras que fixam competência no domicílio do consumidor, do trabalhador,
da criança ou da mulher, são exemplos típicos destas situações. O mesmo quanto às regras
que determinam prioridade de tramitação dos procedimentos judiciais envolvendo idosos,
portadores de doença grave, vítimas de violência doméstica e familiar (CPC, art. 1.048).
Algumas das prerrogativas da Fazenda Pública em juízo certamente assim podem ser
consideradas, como a previsão de prazos em dobro ou o regime de pagamentos por
precatórios. Mais difícil compreender a remessa necessária como algo mais do que puro
e simples privilégio516.

No plano da arbitragem, a igualdade se impõe diante da sua magnitude, da sua


previsão constitucional e, como reforço, em vista da previsão específica na Lei de
Arbitragem (art. 21, §2º). É certo, porém, que o processo arbitral é, por assim dizer, um
palco natural para a verificação concreta da igualdade, porque sua origem serão relações
jurídicas marcadas por direitos disponíveis, de natureza patrimonial, firmadas entre partes
capazes. Mais do que isso, são relações contratuais, que versam sobre temas empresariais,
de que participam partes não apenas capazes, mas em geral aptas a compreender
plenamente as consequências da escolha pela arbitragem. Dessa potencial igualdade no
plano substancial tende a decorrer a igualdade no plano do processo.

Mas se esta é a situação ideal, e se ela se verifica muitas vezes, isso não quer
dizer que não haja espaço, no processo arbitral, para desigualdades, ou que os árbitros
nunca tenham que se preocupar com a equalização das forças entre os litigantes. Primeiro,
sob uma perspectiva mais teórica, o fato de a arbitragem exigir partes capazes e que o
objeto verse sobre direitos patrimoniais disponíveis não assegura, por si só, que todas as
relações submetidas à arbitragem estarão sempre marcadas por absoluta igualdade. Basta
pensar nos exemplos de sempre, de arbitragem em relações de consumo, ou relações de
trabalho. Ou nas relações, mesmo civis, que se celebram mediante contratos de adesão.

O ponto não se põe apenas do ponto de vista do consentimento, porque esse pode
ser manifestado de forma válida (adotando-se as formalidades do artigo 4º., da Lei de
Arbitragem, por exemplo), mas da equivalência de meios para a dedução das razões e
apresentação de provas, equivalência de assessoramento técnico. Mesmo em contratos

516
MOLLICA, Rogério. O Reexame Necessário, a Fazenda Pública e a Efetividade do Processo, Tese
(Doutorado). Faculdade Direito da Universidade de São Paulo, 2006, p. 32, 37, 38.
211

empresariais, não é incomum que uma parte predomine em relação à outra, impondo o
modo de ser da relação comercial, bem como da cláusula de resolução de controvérsias.

Assim, para muitas situações, será presumida a igualdade, devendo-se


estabelecer e manter tratamento igual aos litigantes, como forma de preservação desse
status de igualdade que eles já apresentavam. Mas essa não será uma regra absoluta, pois
haverá situações em que será necessário equilibrar posições assimétricas517.

Em termos práticos, não é incomum que partes participem de processos arbitrais


pela primeira vez, assim como advogados atuem em demandas arbitrais sem prévia
experiência. Se a contraparte é um litigante habitual em arbitragem, ou possui
assessoramento de profissionais especializados, o desequilíbrio entre os litigantes será
evidente. A autonomia privada permanecerá na base de todas essas escolhas: a escolha de
incluir convenção de arbitragem nos contratos, de contratar este ou aquele profissional,
cabendo a cada parte assumir as consequências destas escolhas. Mas isso não impede que,
em situações específicas, os árbitros minimizem tais desigualdades, assumindo uma
posição didática em relação a estes litigantes, para orientar acerca de nuances do processo
arbitral.

Porque no mais das vezes, os “novatos” no processo arbitral serão partes e


profissionais familiarizados com a dinâmica do contencioso judicial, e é justamente nessa
transposição, nessa migração dos ambientes, que residem os riscos da tão propalada
processualização da arbitragem. Compreender que arbitragem é processo, que se insere
no âmbito da sua teoria geral, que compartilha das estruturas fundamentais de todo e
qualquer processo, mas que se realiza com nuances e diferenças, é fundamental para evitar
o pior dos dois mundos. Competirá aos árbitros dirigir as partes nesta transição, e se isso
tiver por destinatário apenas um dos polos, esse comportamento dos árbitros não deverá
ser tido como violador da igualdade entre as partes. Ou, se se prefere, deverá ser admitido
como uma manifestação do tratamento desigual entre desiguais.

A atividade dos árbitros no tocante à garantia da igualdade abrange o controle


sobre a própria convenção de arbitragem, bem como sobre os atos do procedimento.
Quanto à convenção de arbitragem, admite-se o controle sobre a sua existência, validade

517
MONTORO, Marcos. Flexibilidade do Procedimento Arbitral. p. 172-173: “existindo desigualdades
materiais entre as partes, isso deve ser necessariamente levado em consideração quando forem criadas ou
adaptadas as regras procedimentais”.
212

e eficácia, sendo este o conteúdo central da regra da competência-competência (LArb,


art. 8º). Nestes planos, pode haver o controle também parcial da validade da convenção,
afastando, por exemplo, regras que imponham injustificados tratamentos desiguais entre
as partes518. Quanto ao procedimento arbitral, sendo ele em geral muito pouco regulado
pelas partes ou pelas instituições arbitrais cujos regulamentos são escolhidos, será dos
árbitros a tarefa de assegurar tratamento igualitário aos litigantes.

Um exemplo corriqueiro pode ilustrar o ponto. Na produção probatória, às vezes


ocorre uma assimetria muito grande na quantidade de testemunhas arroladas entre as
partes. Qual deve ser a medida da igualdade neste caso? Em primeiro lugar, as partes
devem ter iguais oportunidades de arrolar testemunhas, sem uma delimitação a priori que
limite escolhas por uma delas. Se o exercício concreto dessa prerrogativa resultar em
poucas testemunhas para uma parte e muitas para a outra, nem por isso terá havido
qualquer desequilíbrio. No contexto da audiência, as partes devem ter iguais
oportunidades de arguir as testemunhas. Novamente, a igualdade não se estabelece
outorgando-se certa quantidade de tempo para cada polo, mas assegurando que elas
possam inquirir as testemunhas em condições semelhantes, tanto as próprias, quanto as
da contraparte. O tempo efetivo que cada parte utilizará é o menos relevante, basta que as
oportunidades sejam equivalentes.

2.6. Imparcialidade.

A imparcialidade dos julgadores constitui outro dos princípios fundamentais


relacionados à Jurisdição e, por que não dizer, até mesmo ao Estado de Direito. Cuida-se
de garantia consagrada no plano internacional, aspecto inerente à própria condição de
julgar. Curiosamente, não é explicitamente prevista na Constituição Federal519. Nem por
isso se pode considerar que ele só se aplica ao processo arbitral porque a Lei de
Arbitragem o prevê de forma expressa. Como já dito, os princípios processuais

518
Rafael Francisco Alves afirma, acertadamente, que a autonomia privada não pode violar a igualdade, e
esse controle compete ao árbitro. Se ele pode controlar a validade da convenção como um todo, pode
controlar parcialmente, para afastar disposições que violem a igualdade, ALVES, Rafael Francisco. O
Devido Processo Legal na Arbitragem. Arbitragem no Brasil: aspectos jurídicos relevantes, Quartier Latin,
pp. 382-416, p. 390.
519
Mas que é prevista na Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica),
em seu artigo 8º, 1, tratado ao qual o Brasil aderiu (Decreto nº678 de 06/11/1992) e que possui status de
norma constitucional (artigo 5º, §3º, da CF/88) Também a Declaração Universal dos Direitos Humanos
assegura o direito a julgamentos imparciais (art. 10).
213

constitucionais são aplicados a todos os métodos de solução jurisdicional dos conflitos,


independentemente de sua previsão normativa expressa520.

A atividade jurisdicional, seja ela exercida por agentes do Estado, seja por
particulares, só pode ser considerada como adequadamente exercida se realizada por
julgador imparcial, independente521, e mediante um procedimento que assegure aos
litigantes adequada oportunidade de apresentar seus casos (alegar, provar, influenciar a
decisão)522. Esses elementos constituem o núcleo duro, a condensação dos princípios
fundamentais que todo e qualquer processo jurisdicional deve apresentar523.

Apesar de a origem do poder jurisdicional dos árbitros ser diferente, bem assim
os mecanismos para garantir a sua imparcialidade, a condição da imparcialidade e da
independência se faz presente no processo arbitral, tanto quanto no processo estatal524.
De fato, a imparcialidade é uma condição que deve ser verificada na atividade do
julgador, durante o processo e no momento de proferir a decisão. Significa a equidistância
e indiferença em relação aos litigantes, a necessidade de lhes assegurar igual oportunidade
de influenciar o convencimento do julgador525. Julgadores imparciais são aqueles sobre
os quais não pesa nenhuma causa de impedimento ou suspeição, nenhum vínculo com as

520
VAUGHN, Gustavo Favero. Arbitragem comercial e controle de constitucionalidade. Dissertação de
Mestrado, Universidade de São Paulo, 2021, p. 68: “A força normativa e a supremacia da Constituição
Federal são imperativos indissociáveis do processo arbitral e não estão ao dispor das partes, tampouco dos
árbitros, mesmo que a arbitragem seja um mecanismo privado de solução de conflitos. O dever de os
árbitros harmonizarem o direito aplicável com a Constituição advém de uma lógica sistemática do direito
brasileiro, que é inescapável aos players da arbitragem, ainda que o processo arbitral tenha suas
idiossincrasias e tenha um fechamento operacional diverso do processo estatal.”
521
BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Reflexões sobre a imparcialidade do juiz. Temas de direito
processual – sétima série. São Paulo; Saraiva, 2001, p. 19. Também, ARAÚJO, Yuri Maciel. Arbitragem
e Devido Processo Legal. São Paulo: Almedina, 2021. p. 41.
522
TROCKER, Nicolò. Processo civile e costituzione: problemi di diritto tedesco e italiano. Milano:
Giuffrè, 1974, pp. 114-115. ARAÚJO CINTRA, Antonio Carlos de. GRINOVER, Ada Pellegrini.
DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo, 22. ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 64.
523
Acertadamente, o Tribunal de Justiça do Distrito Federal reconheceu a falta de imparcialidade do árbitro
na seguinte situação: “Ainda que o contrato preveja a livre indicação do árbitro por ambas as partes
contratantes, a nomeação deve observar as regras de impedimento e suspeição do julgador previstas na
legislação processual. Árbitro que assinou o contrato como testemunha, atua como advogado do grupo
empresarial da parte e já expôs seu entendimento sobre a controvérsia. Cabimento da ação do art. 7º para
substituição do árbitro suspeito”. TJDFT, 3ª T.C., Apel 0010189-09.2016.8.07.0001, j. 22.03.2017,
unânime.
524
ELIAS, Carlos Eduardo Stefen. A imparcialidade dos árbitros. São Paulo: Almedina, 2021, p. 25.
525
CABRAL, Antonio do Passo. Il principio del contraddittorio come diritto d’influenza e dovere di
dibattito, in Rivista di diritto processuale, v. 2, 2005, p. 456.
214

partes ou com o tema sob julgamento que interfiram no seu processo decisório,
favorecendo uma das partes, em detrimento da outra526.

No processo arbitral, fala-se não apenas em imparcialidade, mas em


independência do árbitro, entendidos como fenômenos complementares, assim como em
competência, diligência e discrição (art. 13, § 6º). A imparcialidade diz respeito à
inexistência de fatores que possam influenciar a convicção do árbitro em relação às partes
e à disputa, a inexistência de pré-disposição (subjetiva) em relação ao argumento ou à
pessoa de uma das partes. Corresponde à equidistância do julgador em relação às partes
527
. A independência, por sua vez, qualifica a inexistência de um vínculo de subordinação
ou de relações pessoais, sociais, negociais ou financeiramente objetivadas528. Em suma,
enquanto a independência do árbitro qualifica a ausência de conexões próximas, a
imparcialidade diz respeito ao eventual prejulgamento do litígio, isto é, com uma
inclinação ou tendenciosidade que não se pode admitir, seja em relação a uma das partes,
seja em relação com a matéria em disputa529 530
. Evidentemente, não é toda e qualquer
relação – objetivamente falando – classificável como indicativa da perda da dependência:
é necessária uma análise – em certa medida subjetiva – a respeito da relevância dessa
relação531.

526
José Carlos Magalhães observa que toda atividade de julgar terceiros exige a imparcialidade, definindo-
a como o dever de não proceder com tendenciosidade em favor de uma das partes. MAGALHÃES, José
Carlos de. Os deveres do árbitro. pp. 227-238. 20 anos da lei de arbitragem: homenagem a Petronio R
Muniz, p. 227-228.
527
Para Antonio Pinto Leite, “a independência pode definir-se como a não exigência de relações, passadas
ou actuais, entre o árbitro e uma das partes, ou pessoas ou entidades em relação com esta, bem como a não
existência de interesses ou expectativas potenciais do árbitro em uma relação futura com a parte, ou pessoas
ou entidades em relação com esta, que possam constituir para o árbitro uma limitação (bias) com
foreseeable impact em uma decisão objectiva e de plena juridicidade, seja por poder tornar o árbitro
susceptível a ordens ou pressões, seja por poder estabelecer uma qualquer relação de constrangimento,
interesse ou motivação do árbitro com destino da causa.” LEITE, Antonio Pinto. Independência,
Imparcialidade e suspeição de Árbitro. Revista Brasileira de Arbitragem, p. 110.
528
DONAHEY, M. Scott. The independence and neutrality of arbitrators, in Journal of international
arbitration, v. 9, n. 4, 1992, p. 31. No mesmo sentido: BASTIDA, Bruno Manzanares. The independence
and impartiality of arbitrators in International commercial arbitration, in Revista e-mercatoria, v. 6, 2007,
p. 4.
529
PARK, William W. Arbitrator integrity: the transient and the permanent, in San Diego law review, v.
46, 2009, p. 635.
530
LEMES, Selma Maria Ferreira. Árbitro: princípios da independência e imparcialidade. São Paulo: LTr:
2001, p. 53. No mesmo sentido, BAPTISTA, Luiz Olavo. Arbitragem comercial e internacional, São Paulo:
Lex Magister, 2011, p. 165.
531
MARC, Henry. Affaire Tecnimont: de la défense de l’orthodixie, in Petites affiches, n. 215, 28 Octobre
2014, p. 9: “l’appréciation de l’indépendance de l’arbitre doit être de nature objective tempérée (de
subjectivisme)”. No mesmo sentido: KOCH, Christopher. Standards and procedures for disqualifying
arbitrators, in Journal of international arbitration, v. 20, n. 4, 2003, pp. 237-239.
215

Na doutrina brasileira, agrega-se sempre um comentário quando se fala da


imparcialidade do julgador: exige-se a sua imparcialidade, mas não a sua neutralidade,
porque esta característica seria impossível. Julgadores são pessoas, com formação, com
história, com opiniões e visões do mundo. A condição de neutralidade absoluta é
impossível, e talvez o fosse mesmo se julgamentos fossem realizados por máquinas (que,
afinal, são desenvolvidas por humanos)532 533. Na arbitragem internacional, a neutralidade
possível diz respeito à nacionalidade ou identidade cultural do árbitro, especialmente em
disputas entre partes provenientes de diferentes sistemas jurídicos534.

Em sentido amplo, porém, os julgadores não são totalmente neutros, mas


igualmente não podem imprimir suas visões particulares de mundo à aplicação do direito.
Os juízes togados são funcionários do Estado, realizam a atividade de distribuir Justiça
em nome do Estado. Ainda que o façam pessoalmente, não o fazem em caráter pessoal.
Toda atividade pública deve ser exercida sob o signo da impessoalidade535. Essa distinção
é relevante, porque não cabe ao julgador desprezar o direito aplicável à espécie, caso não

532
NUNES, Dierle e MARQUES, Ana Luiza Pinto Coelho. Inteligência Artificial e Direito Processual:
Vieses Algorítmicos e os Riscos de Atribuição de Função Decisória às Máquinas. Revista de Processo, v.
285/2018, p. 421/447, nov/2018. Segundo os autores: “Apesar de já existirem diversos estudos sobre os
vieses cognitivos, há muitas dificuldades ao lidar com o tema, porquanto muitos dos julgadores ainda se
consideram imparciais e não desenvolvem técnicas capazes de superar o enviesamento – as técnicas de
“desenviesamento” ou debiasing. O mesmo fenômeno pode ser verificado nas ferramentas de IA que,
conforme previamente exposto, são consideradas por muitos como isentas. Há, contudo, um agravante: as
decisões tomadas por humano são impugnáveis, pois é possível delimitar os fatores que ensejaram
determinada resposta e o próprio decisor deve ofertar o iter que o induziu a tal resposta (arts. 93, IX,
CF/1988 e 489 do CPC). Por outro lado, os algoritmos utilizados nas ferramentas de inteligência artificial
são obscuros para a maior parte da população – algumas vezes até para seus programadores – o que os
torna, de certa forma, inatacáveis. Em função disso, a atribuição de função decisória aos sistemas de
inteligência artificial torna-se especialmente problemática no âmbito do Direito, pp. 428-429.
533
Sem as ressalvas quanto à impessoalidade do julgador, Nelson Nery pondera que “não se pode exigir do
juiz, enquanto ser humano, neutralidade quanto às coisas da vida (neutralidade objetiva), pois é
absolutamente natural que decida de acordo com seus princípios éticos, religiosos, filosóficos, políticos e
culturais, advindos de sua formação como pessoa. A neutralidade que se lhe impõe é relativa às partes do
processo (neutralidade subjetiva) e não às teses, in abstracto, que se discutem no processo. NERY Jr,
Nelson. Princípios do Processo Civil na Constituição Federal, p. 178. Magalhães também ressalva que
imparcialidade não se confunde com neutralidade, pois o árbitro tem sua carga própria de formação,
conteúdo, cultura, religião etc. MAGALHÃES, José Carlos de. Os deveres do árbitro. pp. 227-238. 20 anos
da lei de arbitragem: homenagem a Petronio R Muniz, p. 227-228.
534
Nesse sentido: “[there is] greater degree of confidence... on all sides if there is no chance that one party
will get a better hearing because of some cultural or national identification between the party and the
arbitrator”. LANDAU, Toby. Composition and establishment of the tribunal, in American review of
international arbitration, v. 9, 1998, p. 73. No mesmo sentido: LALIVE, Pierre. On neutrality of the
arbitrator and of the place for arbitration, in REYMOND, Claude; BUCHER, Eugène (Ed.). Swiss essays
on international arbitration. Zurich: Schulthess Polygraphischer Verlag, 1984, p. 23.
535
DINAMARCO, BADARÓ e LOPES afirmam que a imparcialidade não implica ao julgador um dever
de ser ética ou axiologicamente neutro. “O juiz, embora escravo da lei como tradicionalmente se diz, tem
legítima liberdade para interpretar os textos desta e as concretas situações em julgamento, segundo os
valores da sociedade”, Teoria Geral do Processo, 32ª. Ed, p. 95.
216

goste ou concorde com as soluções preconizadas pelo ordenamento. Fosse permitido ao


julgador fazer isso, teríamos um grande grupo de justiceiros, empregados pelo Estado, e
não integrantes do Poder Judiciário. Na arbitragem, a perspectiva se modifica um pouco,
apenas porque árbitros não são servidores do Estado, não realizam sua função em nome
dele. Fazem-no por autorização legal, realizam a justiça em disputas privadas, e tem
igualmente a função de aplicar o ordenamento jurídico determinado pelas partes. O árbitro
deve aplicar o direito ao caso concreto, independentemente de suas preferências pessoais.

Julgamentos realizados segundo regras de direito sempre se realizam com


equidade, mas não se confundem com os julgamentos por equidade, em que se permite o
afastamento total das regras estritas de direito536. Nesta última situação, o espaço para as
visões pessoais dos julgadores se amplia, mas nem por isso o julgador pode perder os
atributos de imparcialidade e independência, ou, justamente por estas preferências e
visões de mundo, impedir ou prevenir a influência que uma das partes possa exercer sobre
seu julgamento, a ponto de favorecer a outra parte.

Estas considerações se aplicam a juízes e árbitros, sem diferenças relevantes. Há,


porém, aspectos do tema que assumem contornos bastante diferentes, quando se fala no
processo arbitral, comparativamente com o processo estatal.

No plano constitucional, determina o artigo 5º, XXXVII, que não haverá juiz ou
tribunal de exceção, preceito que corresponde ao princípio do juiz natural, do qual se
costuma extrair a ideia da imparcialidade. São conceitos complementares, porém
independentes. E o processo arbitral serve para demonstrar que a imparcialidade não
decorre nem depende do juiz natural, como será visto no tópico subsequente.

Para assegurar a imparcialidade e a independência dos juízes togados, a


Constituição Federal estabelece salvaguardas, tais como a previsão da existência e
composição dos órgãos do Poder Judiciário, sua independência em relação aos demais
poderes do Estado. No plano individual, os juízes são protegidos pela inamovibilidade,
irredutibilidade de salários e vitaliciedade, e seu ingresso se dá mediante concurso
público. Para o adequado desempenho de suas funções, juízes são funcionários exclusivos
do Estado, não podendo se dedicar a atividades empresariais, exceto ao magistério. São

536
Sobre este assunto, quanto ao processo arbitral, ver DELLA VALLE, Martim, Arbitragem e equidade:
uma abordagem internacional. Editora Atlas, São Paulo: 2012.
217

mecanismos tradicionais em nosso ordenamento jurídico, concebidos para conferir


proteção a estes específicos agentes do Estado, para cuja função devem ser blindados
quanto a pressões de toda ordem.

Esse instrumental imposto e garantido pela Constituição Federal aos juízes


estatais pretende assegurar que se mantenham imparciais e independentes, durante o
exercício das suas funções jurisdicionais. Da comparação com o processo arbitral, extrai-
se que em comum há apenas o dever de juízes e árbitros serem imparciais e independentes,
mas os mecanismos que se impõem e asseguram aos árbitros para tanto são
completamente diferentes. Também aqui se observa a identidade de propósitos e as linhas
gerais em comum, mas muitas especificidades em cada modelo, tudo a confirmar o
enquadramento destas modalidades na teoria geral do processo e a preservação de suas
características próprias. Como já observado em diferentes passagens ao longo deste
estudo, nem tudo que se aplica e funciona ao processo estatal se aplicará ao processo
arbitral, que nem por isso deixará de ser processo, ou de ser regido pelas mesmas
premissas e institutos fundamentais.

Árbitros são necessariamente profissionais do setor privado, quase sempre do


campo do direito. Exercem outras atividades e, quando escolhidos para um ou outro caso,
desempenham transitoriamente esta função jurisdicional. São escolhidos, aliás, por serem
conhecidos, por gozarem da confiança das partes. Árbitros possuem o que a doutrina
qualifica como capital simbólico, e para adquiri-lo, participam de comunidades
profissionais, acadêmicas, amplificam suas relações profissionais e, ao longo do tempo,
viabilizam-se para serem escolhidos para desempenhar a função de árbitros537. A
arbitragem é uma prestação de serviços, que, naturalmente, envolve prestadores e
tomadores desse mesmo serviço. Essa circunstância impõe uma dinâmica muito diferente
ao mercado profissional em que atuam árbitros e advogados. A credibilidade necessária
para a oferta desse serviço exige que os árbitros demonstrem seus atributos técnicos e
pessoais, que conheçam e se façam conhecer pelo mercado que se vale dos serviços dos
árbitros. Mas nada disso pode interferir na imparcialidade e independência que os árbitros
devem apresentar, desde o primeiro momento em que são cogitados para a função538.

537
AZALAY, Yves E GARTH, Bryant G. Dealing in virtue: international commercial arbitration and the
construction of a transnational legal order. Chicago: The University of Chicago Press, 1996, pp. 29 e 31.
538
A esse respeito, ELIAS, Carlos Eduardo Stefen. Imparcialidade do árbitro. São Paulo, Almedina, 2021;
DALMASO MARQUES, Ricardo Tadeu. O Dever de Revelação do Árbitro, São Paulo, Almedina, 2018 e
218

A seleção e a indicação de árbitros em geral são precedidas de contatos das partes


com os potenciais coárbitros. No cenário internacional, é comum que se realizem
entrevistas e há inclusive protocolos internacionais a este respeito539. Árbitros não devem
opinar sobre a matéria sob julgamento, não devem prometer resultados. A investigação é
lícita, os contatos prévios igualmente, mas feitos em ambiente de absoluta
institucionalidade, de lisura. Árbitros não “matam no peito”, não prometem nada. Quando
muito, informam sobre sua disponibilidade futura, para que a parte possa aferir se o nome
cogitado efetivamente reunirá condições de, naquele momento, dedicar-se ao estudo e
condução do caso para o qual será nomeado.

De outro lado, e pela mesma origem privada destas relações, temas como
inamovibilidade, irredutibilidade de vencimentos ou vitaliciedade simplesmente não se
põem. Da mesma forma, não sendo inseridos ou integrantes de qualquer órgão estatal,
não possuem, a priori, parcela alguma da jurisdição sob sua competência. Receberão
jurisdição e competência das partes, nos termos da convenção de arbitragem e nos limites
do pedido formulado nas demandas em concreto.

Em termos concretos, diz a lei que estão impedidos de funcionar como árbitros
as pessoas que tenham, com as partes ou com o litígio que lhes for submetido, algumas
das relações que caracterizam os casos de impedimento ou suspeição de juízes,
aplicando-se-lhes, no que couber, os mesmos deveres e responsabilidades, conforme
previsto no Código de Processo Civil (art. 14).

O dispositivo suscita algumas questões e realça a necessidade de cautela nas


adaptações entre as situações propostas aos juízes togados e aos árbitros. Relembre-se,
primeiro, que a Lei de Arbitragem constitui norma especial em relação ao Código de
Processo Civil, e é a lei especial que regula diretamente o tema da imparcialidade dos
árbitros. Por imperativos de interpretação normativa, disso resulta que a lei especial
prevalece sobre a geral. E dele, se extraem duas questões centrais. Primeiro, que o objeto
da investigação é concentrado nas relações dos árbitros com as partes ou com o litígio.
Esse ponto é relevante, porque o legislador, ao regular o processo arbitral, não se referiu
a relações entre os árbitros e os advogados. Segundo, que se aplicam causas de

LEMES, Selma Maria Ferreira. Árbitro, conflito de interesses e o contrato de investidura. 20 anos da Lei
de Arbitragem: Homenagem a Petrônio R. Muniz, pp. 271-290.
539
Guideline n. 1 do Chartered Institute of Arbitrators (CIArb) – Interview for Prospective Arbitrators.
https://www.ciarb.org/media/4185/guideline-1-interviews-for-prospective-arbitrators-2015.pdf
219

impedimento e suspeição do CPC aos árbitros, aplicando-se a eles, no que couber, os


mesmos deveres e as mesmas responsabilidades.

Sem pretender examinar em detalhes todos os aspectos desta disposição legal,


tendo em vista os propósitos e limites desta tese, observo que a norma, com acerto, faz a
ressalva de que as hipóteses se assemelham, no que couber. Da lei processual geral,
extrai-se a divisão entre causas de impedimento e suspeição dos juízes, distinção que a
lei de arbitragem não faz540. E se esta distinção tem alguma razão de ser no processo
estatal, no processo arbitral não existe diferença relevante541. As causas de impedimento
são de natureza mais objetiva, dizem respeito a ligações do julgador com as partes do
litígio ou com a matéria542. É até intuitivo que o juiz togado não pode atuar em causas
cujas partes sejam ele próprio, cônjuge, companheiro ou parente seu, ou em que ele tenha
atuado anteriormente, ou ainda se mantém relações com a parte (pessoa jurídica da qual
seja membro do corpo diretivo, instituição de ensino onde lecione)543. Não há observações

540
Rafael Francisco Alves entende que a imparcialidade não integra o núcleo do devido processo legal na
arbitragem, porque diz respeito à escolha dos árbitros pelas partes, se insere na sua autonomia privada, não
sendo proibido que as partes escolham um árbitro que se enquadre nas hipóteses de impedimento. ALVES,
Rafael Francisco Alves. O Devido Processo Legal na Arbitragem. Arbitragem no Brasil: aspectos jurídicos
relevantes, Quartier Latin, pp. 382-416, p. 283. Com apoio em Carlos Alberto Carmona, entende que
mesmo se o árbitro for parente de uma das partes, mas as duas aceitarem, a nomeação será válida. Ob. Cit.,
p. 397. O autor tem razão, mas é preciso fazer uma ressalva. As partes podem aceitar a nomeação de árbitros,
não obstante certas relações ou vínculos que tenham com as partes. Mas não podem renunciar à condição
de imparcialidade deste árbitro. Aceitaram sua nomeação se, não obstante tais vínculos, confiarem na sua
imparcialidade, que deve se fazer presente durante o processo. As Partes não podem aceitar um árbitro
imparcial, nem um árbitro pode aceitar o encargo sentindo-se ou sabendo-se parcial, porque o atributo da
imparcialidade escapa à disponibilidade das Partes.
541
No processo estatal, entende-se que os motivos de suspeição devem ser arguidos pela parte, sob pena de
preclusão, ao passo que o impedimento não se sujeita à preclusão. Da mesma forma, cabe ação rescisória
contra decisões proferidas por juízes impedidos, mas não por juízes impedidos. Por fim, no sistema recursal
do CPC, a decisão acerca do impedimento ou suspeição do julgador não é desafiada de modo imediato por
agravo, sujeitando-se ao regime de arguição de questões preliminares do recurso de apelação (cf. arts. 1.105
c/c 1.009, §1º)
542
CPC/15, Art. 144.
543
O CPC/15 adicionou uma hipótese que, em termos práticos, é de verificação quase impossível. Segundo
o art. 144, VIII do CPC, juízes cujos cônjuges, companheiros ou parentes, até terceiro grau, sejam
advogados, não podem julgar causas de partes que sejam clientes desses familiares. Até este ponto, a regra
é razoável, compreensível e de fácil apuração. Não é incomum, aliás, que julgadores já registrem esse tipo
de restrição nos sistemas de distribuição dos respectivos tribunais. Nenhum caso do escritório do parente
ou cônjuge chegará a ser distribuído ao julgador. O problema surge porque a lei configura impedimento
inclusive se a parte é representada por outro escritório de advocacia. Além de conceber uma regra não isenta
de certa presunção de má-fé, a sua verificação concreta é quase impossível. Juízes deverão saber e manter
atualizada a relação de clientes atendidos por seus parentes, para que possam informar seu impedimento
caso qualquer deles seja parte de demanda sob sua responsabilidade, mesmo que representado por outros
advogados. Para dizer o mínimo, o cumprimento da regra esbarra na impossibilidade que decorre da
confidencialidade da relação cliente-advogado. No processo judicial, propondo ao dispositivo uma
interpretação restritiva: ROQUE, Andre Vasconcelos. Breves Comentários ao Novo Código de Processo
Civil. WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; JÚNIOR, Fredie Didier; TALAMINI, Eduardo e DANTAS,
Bruno (coord.). Ed., São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, p. 472-473.
220

particularizadas em relação ao processo arbitral, porque também os árbitros não devem


manter relações de parentesco com as partes, ou interesse direto na solução do litígio.

As causas de suspeição, previstas no artigo 145 do CPC/15, são de ordem mais


subjetiva. Juízes não podem manter relações de amizade íntima ou inimizade com
qualquer das partes ou advogados, em causas em que tenham algum tipo de interesse. Os
temas relativos à suspeição são mais propícios para as comparações e enquadramento das
situações dos árbitros, mas as hipóteses propostas pela norma processual geral são
duplamente insatisfatórias. De um lado, não exaurem as múltiplas situações de conflito
que podem ser verificadas. A este respeito, o exame das listas de hipóteses
casuisticamente sugeridas nas IBA Guidelines on Party Representation bem demonstra as
inúmeras situações de potencial conflito que podem surgir. De outro lado, mesmo não se
admitindo amizade íntima ou inimizade entre árbitros e advogados, é de se reconhecer
que as relações entre tais profissionais se estabelecem de modo e em parâmetros
diferentes, não apenas autorizando, mas praticamente impondo que árbitros e advogados
se relacionem. Porque é desta confiança, que no mais das vezes decorrerá de contatos
profissionais ou acadêmicos prévios, que surgirá o incentivo para a indicação dos árbitros.
Se assim é, é evidente que o processo arbitral convive e admite outro parâmetro de
relacionamento entre julgadores e advogados. Repita-se. Não se admite ou tolera
relacionamentos íntimos, que possam impactar a independência do julgador. Mas é
esperado que haja um grau de relacionamento suficiente para justificar a escolha dos
profissionais que, por sua especialidade, experiência e por suas características humanas,
será considerado um julgador apropriado para aquele caso concreto.

Ademais, diante da autonomia da vontade que permeia o processo arbitral, é


possível que as partes, mesmo sabedoras de alguma relação mais próxima entre árbitro e
partes, ainda assim decidam pela indicação do profissional544. A renúncia a situações de
possível conflito é inerente à liberdade que caracteriza a arbitragem. Uma vez mais, a
locução “no que couber” do artigo 14 da Lei de Arbitragem é relevantíssima, devendo o
intérprete sempre ter em mente estas especificidades.

544
ELIAS, Carlos Eduardo Stefen. A imparcialidade do árbitro, p. 244.
221

Questão interessante é a de examinar duas disposições legais específicas do


Código de Processo Civil. A primeira, do artigo 144, §2º, que veda a criação de fato
superveniente a fim de caracterizar impedimento do juiz. A segunda, o § 2º do artigo 145,
de que será ilegítima a alegação de suspeição quando houver sido provocada por quem a
alega ou quando a parte que a alega houver praticado ato que signifique manifesta
aceitação do arguido. Não se pode dizer que a Lei de Arbitragem remeta a estes
dispositivos, porque só se refere às hipóteses de impedimento ou suspeição. Mas parece
difícil sustentar que tais regras não se apliquem ao processo arbitral, do que resultaria a
conclusão possível de que, na arbitragem, as partes poderiam criar causas supervenientes
de impedimento, ou se beneficiar de causas de suspeição que elas próprias causem.

Se isto não pode ocorrer no processo arbitral, mas se isso não decorre da
autorização expressa de aplicação do CPC contida no artigo 14 da Lei de Arbitragem,
qual a justificativa para a importação daquelas noções ao processo arbitral? Este é mais
um exemplo das situações reguladas por normas processuais gerais, cuja aplicação ao
processo especial é possível, diante da omissão do texto normativo especial. As normas
atuam de forma coordenada, funcionando a norma geral como um complemento da
regulação do processo especial545.

Em termos operacionais, porque árbitros não estão, a priori, lotados em um


órgão jurisdicional, a verificação da ausência de impedimentos se faz em cada caso
concreto, mediante o preenchimento de questionários, que as próprias partes podem
formular ou, mais comumente, são elaborados pelas instituições arbitrais. Além das
informações solicitadas, que podem variar de instituição para instituição, os árbitros têm
o dever de revelar circunstâncias que possam gerar dúvidas justificadas quanto à sua
independência e imparcialidade.

A lei brasileira se vale propositadamente de um conceito aberto, mas


objetivamente aferível, o da dúvida justificada. A doutrina vem se dedicando a estabelecer
os parâmetros desta regra, complementada pelas decisões dos tribunais. A aferição da
dúvida razoável é feita tanto do ponto de vista das partes envolvidas, quanto de um
terceiro, um observador objetivo dos aspectos do conflito. Em tempos recentes, talvez
fruto da expansão da arbitragem (que traz aspectos positivos e negativos), casos

545
BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico, 2ª ed., pp. 95-96.
222

emblemáticos foram enfrentados pelo Judiciário brasileiro, nem sempre com a melhor
compreensão das nuances do tema546 547.

É preciso ter clareza quanto a dois aspectos, que, a um só tempo, representam as


especificidades do processo arbitral e também demonstram a necessidade de interpretá-
lo à luz dos conceitos e parâmetros processuais da teoria geral do processo. O primeiro
aspecto é que a violação ao dever de revelação não é caraterizada, na Lei de Arbitragem,
como causa única e exclusiva para a anulação de sentenças arbitrais. Não obstante ser
claramente um dever dos árbitros, a sua violação não gera, ipso facto, alguma
consequência direta. Será preciso sempre verificar se, da não revelação de algum fato,
houve impactos na imparcialidade e independência do árbitro que violou o dever de
revelar. É muito perigosa a tendência que se observa de criar uma associação automática
entre tais figuras, porque o argumento passa a ser uma espécie de “bala de prata”, que
todo litigante perdedor tentará se valer, para impugnar decisões arbitrais. Para certas
finalidades estratégicas, ganhar ou perder a ação anulatória é o que menos importa, porque
a instabilidade se fará presente, ao menos durante os longos anos de tramitação desta
demanda548.

546
No caso da Apelação Cível nº 1076161-35.2017.8.26.0100, julgado em 08.09.2020, o Tribunal de Justiça
de São Paulo negou a anulação de sentença, no caso em que a árbitra deixou de revelar informações sobre
sua atuação em processo judicial em favor de uma das partes, reconhecendo, corretamente, que se tratava
de caso anterior, que o vínculo havia sido desfeito, que não havia percepção de honorários e que a
informação, pública, poderia ter sido buscada pela parte durante o tramite da arbitragem. Cheguei a emitir
parecer sobre o caso em sentido oposto, mas examinadas as circunstâncias concretas e tendo refletido mais
sobre o assunto, reputo ter sido correta a decisão pela manutenção da sentença arbitral.
547
Já no caso da Apelação Cível nº 1056400-47.2019.8.26.0100, julgado em 25.08.2020, o Tribunal de
Justiça de São Paulo erroneamente anulou sentença, considerando ter havido violação ao dever de revelação
consistente no fato de o árbitro presidente ter sido, após sua nomeação, indicado por uma das partes para
funcionar como árbitro em um segundo procedimento, cujo objeto não se relacionada com o primeiro. O
erro é duplo, porque considerou revelável um fato que, segundo parâmetros internacionais, nem precisaria
ser revelado, e reputou que a violação a este dever de revelação gerava, ipso facto, a anulação da sentença
arbitral.
548
Segundo Ricardo Dalmaso Marques: "Não se defende, por evidente, que a mera quebra do dever de
revelação isoladamente analisada ou uma quebra puramente subjetiva da confiança devam dar azo ao
afastamento do árbitro ou à invalidação da sentença arbitral. Não existe uma quebra de confiança per se ou
subjetivamente analisada que importe qualquer consequência tão extrema, até porque não se pretende dar
ainda mais armas para impugnações frívolas e outras táticas de guerrilha que se tem visto. Mas tampouco
se ignora que, tendo em vista a autoridade do dever de revelação para o processo arbitral, o peso que se dá
à sua violação é crucial também para a legitimidade de todo o sistema; de um lado, soluções muito extremas
podem incentivar ataques indevidos, e, de outro, propostas demasiadamente lenientes podem importar um
desapreço nocivo ao adequado exercício do dever de revelação." DALMASO MARQUES, Ricardo. O
dever de revelação do árbitro. Almedina, 2018, p. 281.
223

Ademais, a este tema se aplica a regra processual da instrumentalidade,


representada pelo brocardo pás de nullité sans grif. Nem toda violação ao dever de
revelação resultará em prejuízo para as partes. Basta pensar que se a violação aproveitar
ao vencedor da demanda, ele não tomará providências a respeito e, certamente, será
considerado carecedor da ação por falta de interesse processual, se o fizer. Mas essa lógica
se aplica também ao vencido, porque o fato da sucumbência não decorrerá
necessariamente desta violação ao dever de revelação. Será preciso averiguar se o fato
não revelado constituía, em princípio, causa de impedimento. Se não constituía antes, o
fato de não ter sido revelado não o converte em causa de impedimento depois. E mesmo
se constituía, poderá haver circunstâncias que demonstrem que, não obstante, o processo
transcorreu de modo regular e o fato não revelado não teve influência no julgamento da
demanda. O tema não comporta generalizações, e a mais perigosa delas é considerar que
a violação ao dever de revelação configura, sem outras investigações, imparcialidade dos
árbitros e consequente nulidade da sentença arbitral.

De toda sorte, a evolução a respeito dos parâmetros do que deve ou não ser
revelado é evidente. O Código de Processo Civil de 2015 propôs novos parâmetros que,
direta ou indiretamente, influenciam o modo de ser das revelações e das causas de
impedimento dos árbitros. As relações entre árbitros e advogados, que em linha de
princípio estão excluídas de aferição (porque o caput do artigo 14 se refere a árbitros e
partes), vem sendo objeto de escrutínio, porque quase sempre é destas relações que se
pode estabelecer algum questionamento sobre a independência dos árbitros. Basta pensar
em escritórios de advocacia que repetidamente nomeiam o mesmo árbitro, ainda que a
cada vez, para uma disputa diferente, de clientes diferentes. Não haverá relações com as
partes, mas o excesso de nomeações pode fazer surgir, para o árbitro, um fluxo relevante
de nomeações e remunerações, daí resultando impactos na sua capacidade de decidir de
forma isenta, pelo temor de desagradar os advogados que promovem sua nomeação.

Este problema se coloca, aliás, mesmo em nomeações isoladas. Há sérias críticas


ao método de nomeação dos árbitros pelas partes, pois há quem veja nesse modelo um
potencial risco à isenção dos árbitros. Não obstante a lei exija imparcialidade e
independência de todos os árbitros, independentemente da origem da sua nomeação ou
do papel que ocupam, pesquisas indicam, no plano internacional, que os árbitros
224

indicados pelas partes tendem a acolher os argumentos das partes que os nomearam. Disso
resulta, segundo certas vozes, que apenas o árbitro presidente é verdadeiramente isento549.

Não posso concordar com semelhante construção. Primeiro, porque generaliza


fenômenos que podem se verificar, mas são em proporção que não justifica a eliminação
de um dos importantes pilares da arbitragem, que consiste justamente no direito de as
partes escolherem seus julgadores. Segundo, porque o parâmetro legal não difere os
árbitros em relação à origem da sua nomeação, devendo todos ser e manter-se imparciais
e independentes durante todo o procedimento. Terceiro, porque a condução correta dos
casos e o estabelecimento de etapas de efetiva discussão e deliberação pelos árbitros
(tarefa que compete, sobretudo, ao presidente) são o mecanismo mais adequado para o
processo decisório. A dialética, o debate e as divergências são inerentes ao processo, e
muitas vezes, é justamente por meio delas que se alcançam decisões de qualidade. O voto
divergente é uma qualidade do processo arbitral, deve ser aceito e respeitado550.

O que é inaceitável é a conduta imparcial, o favorecimento, o viés em favor de


uma parte (porque o julgador conhece o advogado ou por qualquer outra razão), que turva
o processo decisório e impede que as partes tenham igual capacidade de influir no juízo
a ser feito sobre a causa. Mas este tema é universal, não exclusivo do processo arbitral, e
cada modalidade de processo deve buscar aprimorar seus mecanismos de controle,

549
Antonio Pinto Leite, em texto sobre a perspectiva da arbitragem internacional, observa que, em se
tratando do “papel de tradução cultural” do árbitro em um procedimento internacional, o coárbitro poderia
ter uma ligação com uma das Partes. Porém, no caso do árbitro presidente, essa ligação seria inadequada
mesmo quando pensamos que a imparcialidade exige dos árbitros decisões com base nos fatos e na
legislação aplicável. Para o doutrinador a não ligação cultural e nacional do Árbitro Presidente com uma
das partes assegura um processo equitativo, aceitável e de qualidade. LEITE, Antonio Pinto.
Independência, Imparcialidade e suspeição de Árbitro. Revista Brasileira de Arbitragem, p.114. Pelas
razões expostas no texto, ouso divergir desta posição, tanto nas arbitragens nacionais, como nas
internacionais.
550
BORN, Gary B., International Commercial Arbitration, 2ª edição, Kluwer Law International: 2014, p.
3052: “An almost inevitable consequence of the possibility of majority awards is the possibility of
“separate” or “dissenting” views by individual members of the arbitral tribunal. One mechanism for
indicating disagreement or dissent is for the arbitrator simply to decline to sign the award in question. Under
most modern arbitration legislation, this will not prevent the award from being final, or from being an
“award,” but will signify the arbitrator’s personal disagreement with his colleagues’ conclusions.
Nevertheless, consistent with the tradition of requiring reasoned awards, and often for reasons of
professional pride, some arbitrators wish to go further and explain the reasons for their dissent. This is
sometimes expressed in the form of a separate or dissenting statement or opinion, which is often annexed
to the tribunal’s award.
Notably, a dissenting or concurring opinion is not part of the award, nor is it another or independent award;
rather, it is merely a separate statement by the dissenting arbitrator, without any of the legal consequences
of an award. Separate, dissenting and concurring opinions are common in both litigation and arbitration in
some legal systems; they are somewhat less common in international commercial arbitration, particularly
in civil law regimes.”
225

sempre. Os danos reputacionais que um árbitro venal ou tendencioso sofrerá são uma das
ferramentas possíveis, e não obstante a confidencialidade que caracteriza os processos
arbitrais em geral, essas circunstâncias acabam sendo reveladas informalmente no âmbito
da comunidade profissional, encurtando a carreira de semelhantes profissionais.

2.7. Juiz natural.

O artigo 21, §2º da Lei de Arbitragem menciona o livre convencimento motivado


como quarto princípio a ser sempre observado no processo arbitral. A ele será dedicado
um dos tópicos seguintes. Como o princípio do juiz natural guarda estreita ligação com a
ideia da imparcialidade, reputo ser mais conveniente tratar deste princípio logo após o
tópico sobre imparcialidade.

Como dito, extrai-se o princípio do juiz natural das previsões constitucionais de


que não haverá juiz ou tribunal de exceção (art. 5º, XXXVII) e de que ninguém será
processado nem sentenciado senão pela autoridade competente (art. 5º, LIII). A doutrina
ressalta a sua importância como forma de garantir a imparcialidade dos juízes. Nelson
Nery ressalta três aspectos da garantia do juiz natural: primeiro, que não haverá juízo ou
tribunal ad hoc, o que significa dizer que os órgãos do Estado encarregados das atividades
jurisdicionais devem ser constituídos antes de ocorrer o fato a ser julgado, com atribuição
de competência abstrata e geral; segundo, que todos têm o direito de se submeter a
julgamento (civil ou penal) por juiz competente, pré-constituído na forma da lei e, por
fim, que o juiz competente deve ser imparcial551.

Estas são noções importantes, que permitem que se desenhe um quadro geral de
proteção dos cidadãos contra o abuso do poder do Estado, contra arbítrios. Daí porque a
própria Constituição Federal se encarrega de prever a existência e a competência das
várias espécies de Justiça (federal, estadual, comum, militar, do Trabalho etc) e dos seus
respectivos órgãos julgadores. Mas são regras pensadas para a estrutura do Estado, para

551
NERY Jr., Nelson. Princípios do processo civil na Constituição Federal, p. 166. O autor observa que o
Brasil adota o princípio do juiz natural desde a Constituição Imperial de 1824. Após discorrer sobre suas
características e elementos, Nery afirma, acertadamente, que a escolha pelas partes de um árbitro para
solucionar as lides existentes entre elas não ofende o princípio do juiz natural. ob. cit, p. 191.
226

o modelo de administração de Justiça que é prestado por órgãos estatais552. Estas


circunstâncias, de um lado, não podem ser replicadas fora da estrutura estatal e, de outro,
não impedem que haja atividade jurisdicional prestada por julgadores escolhidos pelas
partes.

Segundo a compreensão generalizada do princípio do juiz natural, a submissão


ao Poder Judiciário se dá de acordo com as regras legais, inclusive constitucionais, que
estabelecem quais são os órgãos encarregados dos julgamentos. Uma das formas de
controlar a autoridade do Estado e frear eventuais ímpetos não democráticos é a de
estabelecer, objetivamente, a existência, composição e competência dos órgãos
jurisdicionais, de forma anterior e antecedente aos conflitos que venham a ser julgados.
Assim, sabe-se de antemão quais as matérias de competência do Supremo Tribunal
Federal, ou de uma vara distrital da Justiça de um dos Estados brasileiros. As Partes,
diante de um conflito, observarão tais regras de competência e submeterão seus litígios
ao órgão adequado, não lhe sendo permitido escolher o tribunal, o juízo ou o julgador
para suas causas.

A exigência de atribuição do julgamento da causa a julgadores competentes e


imparciais se faz presente em todas as modalidades de processos jurisdicionais, mas na
arbitragem, afasta-se completamente da ideia de que o órgão julgador deve existir e estar
constituído antes mesmo do surgimento do litígio. Se esse cuidado se faz necessário no
processo estatal, no arbitral o tema se coloca em outros termos, porque o princípio deve
ser compatibilizado com a autonomia da vontade e com a concepção de que as partes
podem, na máxima extensão possível, escolher a pessoa dos(as) árbitros(as) que irão
julgá-las. Este é, aliás, um dos elementos que constituem o traço distintivo da arbitragem.
A escolha, pelas partes, dos seus julgadores se faz, no mais das vezes, segundo as regras
eleitas pelas próprias partes ou pelo regulamento da instituição arbitral escolhida. Em
todos esses cenários, a cronologia se inverte, comparando-se com o processo estatal.

552
Diferentemente, em Portugal, a Constituição reconhece a possibilidade de existirem tribunais arbitrais
(art. 209, II), mas a doutrina ressalva que isso não significa que eles integrem a estrutura jurisdicional dos
tribunais estaduais. Para Manoel Barrocas, tribunais arbitrais não são órgãos institucionalizados, mas
constituídos para dirimir um litígio particular, extinguindo-se logo após proferir a decisão. São órgãos
privados, constituído por pessoas privadas “que apenas dispõem de poderes transitórios dados pelas partes
e baseados na lei”, BARROCAS, Manoel. A razão por que não são aplicáveis à arbitragem nem os
princípios nem o regime legal do processo civil. Revista de Arbitragem e Mediação, vol. 52, pp. 369-374,
p. 369.
227

Na arbitragem, requerente e requerido formulam, resumidamente, as suas


pretensões recíprocas, antes do momento oportuno para a escolha dos árbitros. Nas
arbitragens institucionais, o que se conhece de antemão é a instituição que administrará o
procedimento. Os árbitros serão escolhidos depois e, quase sempre, a sua especialidade e
o conhecimento acerca da matéria sob disputa são elementos levados em consideração
para a escolha. Dito de forma simplificada, as regras do processo estatal vedam que as
partes escolham a figura dos seus julgadores, ao passo que as regras do processo arbitral
convidam as partes para que façam exatamente isso.

Nem por isso, contudo, se deve considerar que o processo arbitral se aproxime
da ideia de um tribunal de exceção. Afora a conotação negativa da expressão, o que se
pretende evitar aos proscrever juízos ou tribunais de exceção é o abuso, a tirania, a
opressão. A atividade jurisdicional é essencialmente desinteressada. Os julgadores não
podem querer que certo resultado se produza, e parte dos mecanismos instituídos para
evitar tais resultados é, no plano estatal, evitando a escolha dos julgadores pelos
jurisdicionados553. No processo arbitral, que se dedica a dirimir conflitos sobre direitos
disponíveis e, quase sempre, complexos, a liberdade assegurada às partes é a de excluir a
solução estatal para seus conflitos e, como corolário lógico, permitir a escolha dos
julgadores, que devem possuir, contudo, as mesmas características de equidistância e
imparcialidade.

A terzietá dos julgadores em relação às partes é pressuposto de todo e qualquer


método heterocompositivo. Na arbitragem, isso se preserva, mas se assegura a
possibilidade de escolha dos árbitros.

Portanto, o princípio do juiz natural se manifesta igualmente no processo arbitral,


não para impedir que julgadores sejam escolhidos após o surgimento do litígio, mas para
impor o respeito à competência dos árbitros, que recebem jurisdição delimitada na
convenção de arbitragem554. Nesse sentido já se posicionou o Superior Tribunal de
Justiça, entendendo “que o juízo arbitral não subtrai a garantia constitucional do juiz

553
Com a ressalva da possibilidade de eleição de foro para certas circunstâncias. Contudo, tal liberdade tem
incidência limitada às hipóteses de competência territorial e, portanto, relativa.
554
FICHTNER, MANHHEIMER e MONTEIRO. Teoria Geral da Arbitragem, p. 171.
228

natural, mas ao contrário, implica realizá-la, porquanto somente cabível por mútua
concessão entre as partes”555.

2.8. Fundamentação das decisões.

Situado no capítulo dedicado ao Poder Judiciário na Constituição Federal, mais


especificamente no artigo 93, IX, o princípio da fundamentação ou motivação não deve
ser entendido apenas como um dever inerente aos magistrados, ou relacionado aos
processos judiciais556. Pela fundamentação, as partes exercitam o controle sobre a
atividade do julgador, têm condições de aferir se seus argumentos foram levados em
consideração, se houve respeito ao contraditório. A fundamentação parametriza a
irresignação da parte, em determinados tipos de recursos, ditos de fundamentação
vinculada. Nos recursos de fundamentação livre, ela constitui o objeto específico da
crítica, não sendo admissível um recurso que deixe de invocar as razões específicas para
a reforma da decisão (CPC, art. 1.010, III)557. Quanto ao processo administrativo, o
próprio artigo 93, X, cuida de explicitar essa exigência. As decisões do processo arbitral
devem ser igualmente fundamentadas, por interpretação destes dispositivos
constitucionais. Ademais, há regra legal específica na Lei de Arbitragem, que exige que
a sentença tenha uma seção dedicada aos fundamentos, onde serão analisadas as questões
de fato e de direito. Ainda que com o emprego de outras palavras, a sentença arbitral
repete o modo estrutural da sentença judicial, acrescentando-se a exigência de indicação
do local e data da sua prolação, o que é relevante para a determinação da nacionalidade
da sentença (LArb, art. 34, §U).

Porque a fundamentação, no ordenamento brasileiro, tem matriz constitucional,


predomina a percepção de que nenhuma decisão de natureza jurisdicional pode ser

555
STJ, 1ª. Seção, MS 11.308/DF, Min. Luiz Fux, j. 09.04.2008, DJ 19.05.2008. Do acórdão, extrai-se que:
“A aplicação da Lei 9.307/96 e do artigo 267, inc. VII do CPC à matéria sub judice, afasta a jurisdição
estatal, in casu em obediência ao princípio do juiz natural (artigo 5º, LII da Constituição Federal de 1988).
É cediço que o juízo arbitral não subtrai a garantia constitucional do juiz natural, mas ao contrário, implica
realizá-la, porquanto somente cabível por mútua concessão entre as partes, inaplicável, por isso, de forma
coercitiva, tendo em vista que ambas as partes assumem o "risco" de serem derrotadas na arbitragem.”
556
FICHTNER, MANHHEIMER e MONTEIRO sustentam que, não obstante a localização do dispositivo
no capítulo sobre o Poder Judiciário, esse princípio constitucional se dirige a qualquer atividade decisória,
abrangendo a arbitragem. Teoria Geral da Arbitragem. p. 183.
557
ALVIM, Arruda: “Conquanto não se recorra de fundamentos, mas da conclusão, os fundamentos hão de
ser atacados também, como premissas do pedido de reforma da decisão”, Manual de Direito Processual
Civil, p. 1133.
229

proferida sem fundamentação. E esta constatação deve ser aplicada ao processo arbitral,
inclusive por conta da sua disposição legal específica. Mais do que isso, a fundamentação
se estende às decisões interlocutórias proferidas no processo arbitral 558.

Também por conta desta relevância, considera-se que a motivação integra a


noção de ordem pública internacional do Brasil, isto é, aquela exigida pelo ordenamento
brasileiro para o reconhecimento da eficácia de sentenças estrangeiras em território
nacional559. No âmbito das relações que o país estabelece com outros ordenamentos
jurídicos, mesmo se admitindo que possa haver sistemas que dispensam a motivação em
certos casos, o mínimo que a ordem jurídica brasileira tolera é a existência de decisões
com fundamentação enxuta, mas não será reconhecida no Brasil a decisão sem qualquer
fundamentação. Nem mesmo a eventual autorização das Partes para a prolação de
sentença imotivada supre esse requisito, que integra a noção de devido processo legal em
nosso ordenamento e escapa à disponibilidade das partes560.

No capítulo seguinte, que pretende examinar algumas aplicações práticas das


premissas estabelecidas nesta tese, será enfrentada a questão acerca da aplicabilidade, ao
processo arbitral, do artigo 489 do Código de Processo Civil.

2.9. Vedação às provas ilícitas.

Determina a Constituição Federal, no art. 5º, LVI, que são inadmissíveis, no


processo, as provas obtidas por meios ilícitos. Não há ressalvas ou especificações quanto
a tipos de processos. O comando é geral, nem se limita aos processos jurisdicionais, muito
menos ao processo penal ou civil estatal. O comando também não distingue ou limita
algum tipo de prova. Todas as provas ilícitas são vedadas.

558
FICHTNER, MANHHEIMER e MONTEIRO. Teoria Geral da Arbitragem, p. 182-183.
559
Sobre a distinção entre ordem pública interna e internacional, ver APRIGLIANO, Ricardo de Carvalho.
Ordem Pública e Processo, pp. 53-56. ALMEIDA, Ricardo Ramalho. Arbitragem Comercial Internacional
e Ordem Pública, Editora Renovar, São Paulo, 2005, pp. 25-28. MONTEIRO DE BARROS, Vera Cecília,
Homologação para o Reconhecimento ou Execução da Sentença Arbitral Estrangeira no Brasil: Exceção
de Ofensa à Ordem Pública, Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, 2013, pp. 34-54.
560
Contra, admitindo que as partes autorizem os árbitros a decidir a controvérsia sem motivação,
MAGALHÃES, José Carlos de. Os deveres do árbitro. 20 anos da lei de arbitragem: homenagem a
Petronio R Muniz, pp. 227-238, p. 233.
230

A inadmissibilidade das provas ilícitas, determinada pela norma constitucional,


deve assim ser compreendida como um princípio geral aplicável a todos os tipos de
processo, públicos ou privados, jurisdicionais ou não. A ilicitude diz respeito às fontes de
prova, aos meios de prova, e abrange tanto as provas materialmente ilícitas como as
processualmente ilícitas561. A prova ilícita deve ser desentranhada dos autos e
desconsiderada para todos os fins. Mais do que isso, os fatos revelados por provas ilícitas
não podem ser considerados pelo julgador no julgamento da demanda.

Estas considerações são aplicadas indistintamente ao processo estatal ou


arbitral562. Relativamente ao processo estatal, a regra que determina a admissibilidade de
“todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, ainda que não especificados
neste Código”, pode ser interpretada como a confirmação, a contrario sensu, da vedação
absoluta às provas ilícitas563. No processo arbitral, as disposições acerca das provas, no
artigo 22, não contém particularidades que permitam identificar alguma tomada de
posição a respeito. E como já afirmado em outras passagens, isso nem seria necessário,
pois tratando-se de comando fundamental do ordenamento jurídico brasileiro, sua
aplicação ao processo arbitral é inequívoca.

O tema se mostra de particular interesse para o processo arbitral, com alguma


casuística na arbitragem internacional e também em disputas no Brasil em que se
discutem os limites éticos da atuação das partes. A complexidade e o vulto de certos casos
parecem atrair condutas questionáveis, não sendo incomum as notícias sobre a gravação
clandestina de conversas, invasão de arquivos da contraparte ou mesmo dos árbitros. Os
sistemas jurídicos, de um modo geral, rejeitam semelhantes comportamentos, porque a
boa-fé é um princípio geral com natureza verdadeiramente transnacional.
Independentemente de previsões específicas, como a do direito brasileiro, fato é que as
provas ilícitas contrariam a noção mais geral de um devido processo e não são admitidas.

Mas a prescrição normativa e a aceitação generalizada da impossibilidade de uso


de provas ilícitas não eliminam a necessidade de, concretamente, examinar situações em
que o problema se põe. Em primeiro lugar, fora do plano da legalidade, mas talvez com

561
Remeto o leitor ao meu Comentários ao Código de Processo Civil: das Provas, disposições gerais. Vol.
VIII, tomo I, p. 96.
562
RICCI, Edoardo. Lei Brasileira de Arbitragem: oito anos de reflexão – questões polêmicas, p. 31.
563
APRIGLIANO, Ricardo de Carvalho, Comentários ao Código de Processo Civil: das Provas,
disposições gerais. Vol. VIII, tomo I, p. 76.
231

nuances relativas à moralidade da prova, situam-se as gravações realizadas pelos próprios


interlocutores, sem o conhecimento dos demais participantes. É razoavelmente comum
que provas dessa natureza se apresentem em procedimentos arbitrais. Elas são admitidas,
ainda que possa surgir controvérsias sobre a boa-fé da parte que registrou reuniões ou
conversas sem o conhecimento do interlocutor.

Mais graves são as situações de quebra de sigilo de correspondências, sobretudo


as eletrônicas. A obtenção indevida de dados mediante o acesso a e-mails ou a invasão de
servidores, por exemplo, são práticas das quais se conhece, sobretudo em arbitragens
internacionais de vulto564. Regra geral, estes elementos de prova deverão ser
desconsiderados e o tribunal arbitral, além de advertir as partes sobre a reprovabilidade
destas condutas, levarão esse fato em consideração no momento de proferir a sentença,
para fins da atribuição de responsabilidade pelos custos com o procedimento.

Por outro lado, o raciocínio comumente estabelecido para fins do processo


estatal, de que a vedação às provas ilícitas não é absoluta, porque valores igualmente
relevantes podem estar em jogo, a autorizar o típico trabalho de ponderação entre os
princípios, encontra menor espaço no processo arbitral, porque as disputas são, em geral,
sobre temas contratuais ou empresariais, e necessariamente sobre direitos patrimoniais
disponíveis. Não se pode fazer, para este tipo de disputa, raciocínios que normalmente se
explicam em relação de família ou com elevada carga de indisponibilidade. Assim, a
ponderação dos valores em conflito, no processo arbitral, tende a fazer prevalecer a
vedação às provas ilícitas.

Em qualquer caso, além da previsão constitucional já referida, penso que em


todos os processos de natureza jurisdicional devam ser observados os parâmetros trazidos
pelo Código de Processo Penal (art. 157), no qual se estabelece que as provas ilícitas
devem ser desentranhadas do processo e que a ilicitude se estende às provas derivadas da
prova ilícita565, o que representa a incorporação, ao plano legal brasileiro, do que se
costuma denominar “teoria dos frutos da árvore contaminada”566. Também aqui, não

564
Tais práticas podem consideradas como táticas de guerrilha que, como explica, Caio Campello de
Menezes, podem envolver métodos de controle de informação (telefones grampeados, contratação de
experts de tecnologia para acessar computadores etc.) e fraudes, entre outros. MENEZES, Caio Campello
de. Como Barrar as Táticas de Guerrilha em Arbitragens Internacionais?. Revista Brasileira de Arbitragem,
2015, vol. XII, pp. 82/107.
565
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal, p. 236-237.
566
APRIGLIANO, Ricardo de Carvalho. Comentários ao Código de Processo Civil, cit., p. 108.
232

obstante não haver a remissão expressa da Lei de Arbitragem a dispositivos do Código


de Processo Penal, salvo melhor juízo, é improvável que se construa para o processo
arbitral uma solução que proíba as provas ilícitas, mas excepcione a admissibilidade de
provas derivadas567. O núcleo duro das regras processuais aplicáveis ao processo arbitral
contempla semelhante proibição, ainda que regulada apenas no Código de Processo
Penal. Para esta finalidade específica, aquela disposição funciona como a norma geral,
aplicada aos processos regulados por leis especiais.

2.10. Duração razoável do processo.

A duração razoável do processo foi inserida como garantia constitucional por


meio da Emenda Constitucional 45/2004. Não obstante tenha status constitucional e seja
uma das garantias do mesmo art. 5º, o princípio tem sua razão de ser e seu campo de
atuação precípuo nas atividades do Estado, pois é a ele que compete estruturar-se e
promover iniciativas para que os processos judiciais se processem em tempo razoável.

Ao comentar a inclusão do inciso LXXVIII no artigo 5º pela EC 45/2004, José


Rogério Cruz e Tucci explica que “seguindo a mesma orientação que norteou as regras
dos arts. 5º, LV e 93, IX e X da CF/1988, no sentido de garantir, respectivamente, a ampla
defesa e o contraditório, a motivação das decisões e a publicidade do procedimento tanto
na esfera judicial quanto administrativa, o novo texto constitucional agora contempla a
garantia do processo, judicial e administrativo, sem dilações indevidas. Assegura,
outrossim, a implementação de meios que garantam a economia e a celeridade
processual”568.

O processo arbitral, por suas peculiaridades, por ser concebido para disputas
particularizadas, não deve ser pautado nos mesmos parâmetros. É claro que isso não
significa que não se deva imprimir a máxima eficiência possível ao procedimento arbitral,
mas apenas que o modo de realização daquele princípio se expressa por mecanismos
diferentes.

567
FIGUEIRA JR., Joel Dias. Arbitragem. 3ª Edição. Rio de Janeiro, Forense, 2019, p. 274.
568
CRUZ e TUCCI, José Rogério. Garantias Constitucionais da Duração Razoável e da Economia
Processual no Projeto do Código de Processo Civil. Revista de Processo. vol.192, 2011, p. 195.
233

A Lei de Arbitragem alude à noção de eficiência do árbitro, em dispositivo que


é anterior à Emenda Constitucional mas que pode ser a ela associado, constituindo-se uma
das formas com que, no processo arbitral, se busca assegurar sua razoável duração. Da
mesma forma, instituições arbitrais editam seus regulamentos procurando imprimir bom
ritmo aos procedimentos, contemplam um procedimento diferenciado para “arbitragens
expeditas” e costumam editar notas e roteiros com recomendações de adequado
gerenciamento dos casos, a serem seguidos pelos árbitros569. Mas essas circunstâncias se
explicam mais pela preocupação em prestar bons serviços, do que propriamente para
obedecer ao comando constitucional.

A eficiência do procedimento arbitral é um valor jurídico, um comando


normativo, que se inspira e dá cumprimento à razoável duração do processo, com todas
as adaptações e ressalvas porque o modo de sua implementação é completamente diverso
quando comparado ao processo estatal570.

2.11. Publicidade.

A publicidade configura a regra geral dos processos estatais, prevista na


Constituição não como uma garantia fundamental, mas como uma exigência da atuação
dos órgãos do Estado (CF, art. 5º. art. 93, IX). Mas no processo arbitral, ela é a exceção.
Apenas as arbitragens envolvendo a Administração Pública são necessariamente regidas
pelo princípio da publicidade, ao passo que todas as demais o serão se assim as partes
desejarem. O princípio da publicidade, na seara arbitral, cede diante do princípio da
autonomia da vontade, mesmo sendo aquele expressamente previsto no texto
constitucional, e este, inferido de outras disposições constitucionais571.

569
Nathália Lamas observa que o regulamento da CCI consagra a condução eficiente do processo, o que
faz a autora falar em princípio da eficiência. LAMAS, Natália Mizhari. Introdução e Princípios aplicáveis
à Arbitragem. Curso de Arbitragem, pp 27-59. Penso que, no contexto de um regulamento específico, tais
disposições preservem sua utilidade, mas nem por isso erigem o preceito à condição de um princípio do
processo arbitral.
570
Para Montoro, a celeridade, mesmo não prevista na Lei de Arbitragem, é uma baliza, uma garantia
mínima, “que deve ser respeitada quando se cria ou se adapta (modifica) regra procedimental arbitral”, p.
216. O dever de diligência do art. 13 é, indiretamente, a consagração da necessidade de observar a
celeridade. MONTORO, Marcos. Flexibilidade do Procedimento Arbitral, p. 217.
571
Como por exemplo a livre iniciativa e a liberdade negocial. Cândido Rangel Dinamarco diz que a
autonomia para escolher árbitros decorre (é filha) da liberdade negocial que emerge da ampla garantia
constitucional da liberdade, conforme art. 5º, caput, inciso II da CF. DINAMARCO, Cândido Rangel. A
Arbitragem na Teoria Geral do Processo, pp. 48/49.
234

Há, ademais, a previsão na Lei de Arbitragem de que o árbitro deverá agir com
discrição572. E esse dever se verifica, na verdade, mesmo nos casos em que prevaleça o
princípio da publicidade. Pode-se até dizer que a discrição é um atributo esperado também
dos juízes estatais, independentemente de previsão legal específica. Mas fato é que, no
processo arbitral, existe o comando normativo, que deve ser sempre observado.

Em tempos mais recentes, vem surgindo reivindicações de maior transparência


na arbitragem. O tema é importante, merece séria consideração, mas é preciso ponderar
bem os seus múltiplos aspectos, identificar corretamente o problema – se é que há algum
– e então propor soluções que resolvam este problema, ao invés de criar outros.

A confidencialidade da arbitragem é um parâmetro mundial. Na maior parte dos


sistemas, e na prática de diversos outros lugares, prevalece a escolha das partes por
processos que tramitam sob o signo da confidencialidade. Isto se dá por conveniência das
partes, considerando os temas sob disputa, que quase sempre correspondem a segredos
dos negócios, estratégias comerciais e informações que podem ser submetidas ao sigilo,
sem qualquer prejuízo, no plano mais geral, à publicidade que pauta os sistemas de
justiça573. Como já dito, ainda que compartilhe dos mesmos escopos, a jurisdição arbitral
é privada e enfatiza a solução do caso concreto, sem as mesmas preocupações com a
Administração da Justiça, o que é traço típico dos Estados.

Não se deve antever, no mero fato de as partes optarem por um procedimento


confidencial, alguma ilegalidade ou violação de preceitos de outra ordem, nem tampouco
presumir que esta escolha se paute por critérios ilegítimos ou inconfessáveis. De outro
lado, é possível e recomendável evoluir com o nível de transparência na arbitragem, o
que pode ser feito mediante os métodos corretos, como o de publicação da composição
dos tribunais arbitrais pelas instituições arbitrais, publicação (despersonalizada) das
decisões de comitês de impugnação aos árbitros e até mesmo a publicação (também
despersonalizada) das próprias decisões.

572
ALVES, Rafael Francisco. Árbitro e Direito: o julgamento do mérito na arbitragem. 2018, p. 25.
573
APRIGLIANO, Ricardo de Carvalho, JASPER, Caio Bianco. Visão crítica das decisões que afastam a
confidencialidade dos processos judiciais sobre matéria arbitral. Arbitragem e Poder Judiciário: estudos
sobre a interação entre as jurisdições arbitral e estatal. GIUSTI, Gilberto; BARALDI, Eliana; ALMEIDA
FILHO, Eduardo e VAUGHN, Gustavo. Editora Migalhas, obra ainda não publicada.
235

Outro aspecto é o da confidencialidade, ou publicidade, dos processos judiciais


sobre matéria arbitral. Em muitos países, ações que tenham por objeto matéria arbitral –
medidas de urgência, cumprimento de sentenças ou ações anulatórias – são submetidas
ao regime geral de publicidade dos processos judiciais. No Brasil, o legislador optou por
técnica diversa, englobando tais demandas nas hipóteses de processos sob
confidencialidade (CPC, art. 189, IV), solução que deve ser prestigiada. É possível adotar
outra solução, mas sendo esta a escolha do legislador, não cabe ao intérprete afastá-la,
por juízos de conveniência que ao intérprete não é dado fazer574.

3. Regras processuais (e não princípios), aplicáveis ao processo arbitral

Adicionalmente a todos os princípios acima mencionados, que com maiores ou


menores adaptações, são todos aplicáveis ao processo arbitral, deve ser mencionado outro
conjunto de normas, que são aplicáveis ao processo arbitral, mas não por constituírem
princípios do processo. Há, portanto, uma dupla finalidade nesta demonstração. Primeiro,
para esclarecer que, à luz das premissas fixadas nos tópicos iniciais deste capítulo, essas
normas não podem ser consideradas como verdadeiros princípios, não obstante a sua
constante referência como tal, e o enquadramento que assim é feito por parcela expressiva
da doutrina.

Essas considerações são feitas neste capítulo, porque são tópicos que, de um
modo geral, são sempre mencionados quando se examinam os princípios processuais.
Ainda que haja alguma oscilação nestes critérios classificatórios, predomina a ideia de
que são princípios575. Diante das premissas antes fixadas, tais normas devem ser
compreendidas como regras, ou falsos princípios, conforme a definição de Dinamarco,
Badaró e Lopes. Nem todos os princípios identificados pela doutrina, ou mesmo estas

574
Conforme NUNES, Thiago Marinho. Revisitando a confidencialidade na arbitragem. Migalhas.
Disponível em: https://www.migalhas.com.br/coluna/arbitragem-legal/344369/revisitando-a-
confidencialidade-na-arbitragem. Ver também BRAGA, Francisco Maia; FERREIRA, Olavo Augusto
Vianna Alves. TJ/SP viola, a um só tempo, a confidencialidade da arbitragem e a cláusula de reserva de
plenário. Migalhas. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/346636/tj-sp-viola-a-
confidencialidade-da-arbitragem-e-a-clausula . Último acesso em: 4.2.2022. Em sentido contrário, CRUZ
e TUCCI, José Rogério. Inconstitucionalidade do sigilo de processo judicial sobre arbitragem. Consultor
Jurídico. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2021-abr-13/paradoxo-corte-inconstitucionalidade-
sigilo-processo-judicial-arbitragem . Último acesso em: 9.2.2022.
575
Nesse sentido, veja-se FICHTNER, MANNHEIMER e MONTEIRO. Teoria Geral da Arbitragem.
FERREIRA, Olavo Augusto Vianna Alves et al. Lei de Arbitragem Comentada Artigo por Artigo. 2ª. Ed.
São Paulo: Juspodivm, 2021, p. 69-91.
236

regras que são erroneamente classificadas como princípios, merecem comentários


particulares, porque impertinentes com o tema aqui estudado. Mas para o processo
arbitral, é relevante fazer breves menções a algumas destas regras, como a do livre
convencimento (ou persuasão racional), inércia, oralidade, disponibilidade do direito
material, aproveitamento dos atos, correlação e economia processual576. Todos esses são
exemplos de normas inerentes à técnica processual, mas não constituem princípios
inerentes ao Estado de Direito, mas escolhas do legislador para definir o correto exercício
da jurisdição577.

Ao se examinar a exemplificação acima, difícil considerar que o processo


arbitral possa ser concebido sem o recurso a estas noções. Um processo que, a pretexto
de ser construído por regras fixadas pelas partes ou pelos árbitros, possa existir sem
observar a regra da inércia, que possa ter seus contornos definidos sem o respeito à regra
da disponibilidade, que possa ser decidido sem o recurso à técnica da persuasão racional
e que, ao final, possa prestar tutela jurisdicional sobre aspectos diferentes daqueles que
foram requeridos pelas partes.

A partir destes exemplos, talvez pareça óbvio que nenhum processo


jurisdicional, inclusive os arbitrais, pode ser estruturado e desenvolvido sem a utilização
destes marcos fundamentais. O processo arbitral segue a regra da demanda, que consiste
na atribuição da iniciativa de provocar o exercício da jurisdição, a quem esteja interessado
em pedir alguma tutela jurisdicional. Como um dos desdobramentos, deve haver
correspondência entre a demanda e o pedido (ne eat iudex ultra petita partium), que é
positivado em nosso ordenamento nos artigos 141 e 492 do Código de Processo Civil (a
Lei de Arbitragem apenas cuida de vedar decisões fora dos limites da convenção de
arbitragem, mas não cuida de regra alguma delimitando concretamente as decisões ao
conteúdo dos respectivos pedidos)578.

576
FICHTNER, MANNHEIMER e MONTEIRO. Teoria Geral da Arbitragem. p. 202, consideram a
economia processual um princípio do processo arbitral. Dele, derivam várias práticas, como a consolidação
de processos arbitrais, a concentração da defesa em uma única peça, pedidos recíprocos no mesmo processo
sem maiores formalidades, o gerenciamento do processo etc.
577
DINAMARCO, BADARÓ, LOPES. Teoria Geral do Processo, 32ª. Ed, p. 81: “os verdadeiros
princípios têm abrangência geral e universal, independentemente das espécies de litígios ou da natureza do
processo em que são tratados”.
578
Para Barbosa Moreira, aplica-se à sentença arbitral a disposição do art. 492, § U, que determina que a
sentença seja certa, ainda que decida relação jurídica condicional. Vale a ressalva de que o autor escreveu
a propósito do artigo 460 do CPC/73. BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Estrutura da Sentença Arbitral.
Revista de Processo, vol. 107, 2002, pp. 9-17.
237

O livre convencimento é proclamado como um princípio pela lei de arbitragem,


mas não reúne verdadeiramente os atributos de generalidade e abstração que caracterizam
os princípios. O conteúdo da norma deve ser compreendido como uma regra, que se
relaciona aos princípios da imparcialidade e do devido processo legal. Decisões devem
ser fundamentadas no sistema processual brasileiro, e o legislador infraconstitucional
adotou um dos possíveis critérios para a efetivação desse princípio, que é o de exigir que
os julgadores expliquem objetivamente as razões do seu convencimento.

Juízes e árbitros podem decidir de forma livre, sem estar vinculados a algum
sistema, a priori, de qualificação ou ranqueamento de provas ou argumentos. Mas exige-
se que o julgador “indique na decisão os elementos de prova que considerou e como esses
elementos influenciaram o teor da decisão”579.

Outra regra relevante no sistema processual brasileiro é a que confere ao autor


da demanda a prerrogativa de delimitar o objeto da sua pretensão e, com isso, fixar os
limites do provimento jurisdicional que será proferido. Há diferentes regras técnicas que
compõem essa noção mais geral, mas não penso que sejam caracterizadas pela
fundamentalidade própria dos princípios. São escolhas do legislador, que confere uma
feição particular ao modo de ser dos conflitos submetidos à apreciação jurisdicional.
Nesse contexto, o que comumente se denomina princípio da iniciativa da parte, ou
princípio dispositivo, corresponde, na verdade, à regra da iniciativa da parte, que por sua
vez determina a regra da correlação entre pedido e sentença. Não há tais previsões na lei
de arbitragem, mas nem por isso, pode se cogitar de um processo arbitral que, a pretexto
da autonomia das partes, possa autorizar que árbitros julguem fora dos limites do pedido,
ou que demandas arbitrais pudessem ser iniciadas por ato de ofício dos julgadores, e não
pela provocação do requerente.

A oralidade não pode ser compreendida como um verdadeiro princípio, porque


o ordenamento brasileiro contempla iniciativas e modos de sua realização, mas não a
proclama como um valor de tal relevância que deva ser observado como uma norma
verdadeiramente geral ou fundamental do sistema. Ao contrário, as iniciativas legislativas
priorizam um modelo com pouca oralidade. O processo estatal é essencialmente escrito,

579
FICHTNER, MANNHEIMER e MONTEIRO. Teoria Geral da Arbitragem. p. 197, qualificam o livre
convencimento como princípio. Considerando que na arbitragem “a aplicação do princípio do livre
convencimento motivado é plena, exigindo que o árbitro indique na decisão os elementos de prova que
considerou e como esses elementos influenciaram o teor da decisão”.
238

com previsão de alguns poucos atos processuais que se realizam sob o signo da oralidade.
A audiência de instrução é o exemplo mais emblemático, constitui, por assim dizer, uma
ilha de oralidade cercada por um mar de atos escritos que marcam o procedimento.

A construção teórica que procurou configurar a oralidade como um princípio


norteador dos processos, capitaneada na Itália por Giuseppe Chiovenda, desenvolveu a
ideia de um processo com características específicas, tais como a identidade física do juiz,
imediação e a irrecorribilidade das interlocutórias580. Acreditava-se que um processo que
concentrasse atos em uma fase oral, que aproximasse as partes do juiz, produziria
melhores resultados. Essa corrente inspirou a edição dos Juizados Especiais e
inegavelmente apresenta vantagens, mas que foram se perdendo conforme se abriam
exceções aos seus pilares mestres. No plano do processo estatal brasileiro, mesmo
considerando os Juizados Especiais, a oralidade claramente perdeu terreno581.

Mas o processo arbitral é um terreno mais fértil para que certos aspectos da
oralidade encontrem bom espaço de desenvolvimento. A flexibilidade do procedimento e
a necessidade de construção de decisões apropriadas a cada caso (o que, por sua vez, é
influenciado pelo fato de inexistirem recursos contra o mérito da decisão) conduzem à
intensificação dos debates, no contexto das audiências de instrução. Sem as limitações
procedimentais próprias do processo estatal, na arbitragem podem ser ouvidos mais de
um representante de cada parte, testemunhas em quantidade ilimitada, que são sempre
inquiridas diretamente pelos advogados, sem alguma intermediação dos árbitros.
Acareações e hot tubing são técnicas corriqueiras, além da apresentação do caso pelos
advogados, com utilização de recursos audiovisuais. Tudo contribui para a melhor
apreensão dos fatos em disputa pelos julgadores.

Pelas características do processo arbitral, também não ocorre de a prova ser


produzida perante um julgador, mas a decisão ser proferida por outro. A única hipótese

580
CHIOVENDA, Giuseppe. Relazione sul progetto di reforma del procedimento elaborato dalla
Comissione per il dopo guerra. Saggi di Diritto Processuale Civile, vol II, pp. 1-196, Milão, Giufrè, 1993.
581
WAMBIER, Luiz Rodrigues. TALAMINI, Eduardo. Curso Avançado de Processo Civil. Vol. I, 16ª Ed.,
p. 83-84: “Mais do que a simples forma verbal dos atos, com o princípio da oralidade busca-se um processo
célere, concentrado, em que o juiz possa decidir baseando-se em um contato seu recente e direto com as
provas colhidas no processo. Por isso, ele é tradicionalmente composto por outros subprincípios: a
identidade física do juiz, a imediação, a concentração dos atos processuais e a irrecorribilidade das
interlocutórias.”
239

seria a de falecimento do árbitro durante o procedimento, mas mesmo aqui, a lei permite
(sem impor) a renovação da produção probatória, a critério dos árbitros substitutos.

A regra do impulso oficial, que não constitui verdadeiramente um princípio, é


também observada no processo arbitral, com adaptações. Não existe uma disposição legal
específica que determine que o processo arbitral começa pela iniciativa das partes e se
desenvolve por atos do julgador, mas pode se dizer que o sistema processual brasileiro
adota o impulso oficial, com a colaboração das partes 582. A peculiaridade reside no fato
de que, no processo arbitral, a liberdade das partes em definir as regras do procedimento
faz com que, em tese, seja possível que as próprias partes fixem as principais etapas do
seu desenvolvimento. Não raro, os termos de arbitragem contemplam procedimentos com
todas as etapas da fase postulatória, com a audiência de instrução desde logo designada.
Mas ainda assim, para todas as demais etapas, e para os casos em que isso não é objeto
de convenção entre as partes, será dos árbitros a tarefa de impulsionar o procedimento,
porque seu dever fundamental é o de proferir a decisão de mérito, e isso exige que o
procedimento seja colocado em marcha.

A previsão de prazo para prolação da sentença arbitral, do artigo 12 da Lei de


Arbitragem, pode ser indiretamente entendida como uma normatização do impulso oficial
no processo arbitral. Da mesma forma, a determinação de que o árbitro haja com
competência e diligência (art. 13, § 6º) conduz à conclusão de que ele determina o
andamento do processo, que este dever se insere entre os deveres do árbitro.

Quanto à instrumentalidade, também não parece haver dúvidas acerca da sua


plena aplicação ao processo arbitral, mesmo que o conjunto de regras específicas a este
respeito esteja inserido no Código de Processo Civil, sem referência específica na lei de
arbitragem. A doutrina, de um modo geral, reconhece esta circunstância, inclusive os
autores que proclamam a independência e autonomia do processo arbitral em relação às
normas do processo estatal583.

O que se tem, desse conjunto acima referido de disposições de natureza


processual, é que elas não são princípios processuais, não estão previstos na Lei de

582
FICHTNER, MANNHEIMER e MONTEIRO. Teoria Geral da Arbitragem, p. 193.
583
ALVES, Rafael Francisco. O Devido Processo Legal na Arbitragem. Arbitragem no Brasil: aspectos
jurídicos relevantes, Quartier Latin, pp. 382-416, p. 392: “Todas essas ideias atinentes à instrumentalidade
das formas e do processo, expostas de modo sumário, podem também ser aplicadas ao processo arbitral.
Deve valer aqui o mesmo princípio de que não há nulidade sem prejuízo.”
240

Arbitragem, não são explicitamente contempladas nas regras normalmente produzidas


nos processos arbitrais584, mas ainda assim, são aplicadas ao processo arbitral. Mais do
que ser aplicadas, elas verdadeiramente moldam o modelo do processo arbitral,
exatamente como fazem quanto ao processo estatal.

O mesmo pode ser dito com as regras da concentração da defesa, com o ônus de
impugnação específica, com a exclusão do objeto da prova dos fatos incontroversos, com
as regras sobre ônus da prova. Nesse particular, pode ser feita a ressalva de que, em termos
teóricos, é possível que as partes convencionem de forma diferente, por exemplo,
regulando que a apresentação dos elementos da demanda e da defesa será feita de forma
fragmentada e escalonada585. A autonomia privada permite estas soluções. Mas nem por
isso se pode dizer que tais noções processuais gerais não tenham aplicação na arbitragem,
porque, no mais das vezes, as partes não fazem tais combinações, o que impõe que se
adote algum padrão de qual o modelo processual aplicado.

Luis Guilherme Bondioli traz outro exemplo que bem ilustra o que se procura
demonstrar. Escrevendo sobre o pedido de esclarecimentos, observa, com razão, que esta
manifestação tem aptidão de obstar o trânsito em julgado da sentença arbitral e
interromper o prazo para ulteriores impugnações à sentença, notadamente, para fins da
contagem do prazo decadencial para a ação anulatória. E que produz efeito devolutivo
limitado aos motivos da impugnação. É possível compreender que o efeito de obstar a
coisa julgada, suspender prazo para providências subsequentes ou mesmo a extensão da
devolutividade deste recurso específico (o único previsto na Lei de Arbitragem) sejam ou
decorram de algum princípio processual aplicável à arbitragem? Ou faz mais sentido
entender que essas características, previstas na norma geral acerca dos embargos de

584
Regulamentos de Instituições Arbitrais, Termos de Arbitragem e ordens processuais podem dispor sobre
regras sobre a delimitação dos pedidos e estabilização da demanda, e é comum que o façam. Mas é raro
que se prevejam regras sobre impulso oficial, sobre instrumentalidade e aproveitamento de atos processuais.
585
Guilherme Setoguti Pereira, após corretamente ponderar que a lei de arbitragem não propõe um modelo
procedimental rígido, mas flexível, observa que nestes modelos, o procedimento é adaptado pelo julgador
às circunstâncias do caso concreto e pela maior tolerância com o desrespeito a requisitos para a prática de
atos processuais. PEREIRA, Guilherme Setoguti J. Procedimento I, Curso de Arbitragem, pp. 162-196, p.
168/169. Estas considerações não infirmam o fato de que, ausente esta combinação, o procedimento arbitral
será informado pela regra da concentração da defesa, estabelecendo-se, a exemplo do que ocorre no
processo estatal, um momento preclusivo para a apresentação da resposta pelo requerido.
241

declaração (ou nas normas gerais sobre recursos), são igualmente aplicáveis ao processo
arbitral, por aplicação analógica e subsidiária daquelas mesmas normas? 586

Todas essas noções constituem-se regras de tamanha importância que não se


pode conceber um processo jurisdicional regido segundo as normas do direito brasileiro,
que não apresenta essa estrutura fundamental, essa espinha dorsal.

E este padrão, esta espinha dorsal, coincide com o padrão do processo estatal.
Padrão que tem previsão normativa específica no diploma legal que configura a lei geral
em matéria processual, no país, que é o Código de Processo Civil. Mesmo que decorrentes
de noções processuais antigas, de estruturas processuais que são originadas (e
compartilhadas) com outros sistemas jurídicos, fato é que elas se tornam aplicáveis
porque normas positivas as preveem. São raríssimas as hipóteses em que conceitos
processuais são aplicados, mesmo sem previsão legal (a fungibilidade recursal, no sistema
do CPC/73, era um exemplo)587, mas, no mais das vezes, é do direito positivo que se
extraem esses parâmetros. Por isso é que se tem dito, ao longo desta tese, que é incorreta
a noção de um isolamento conceitual do processo arbitral, sendo de se admitir não apenas
o recurso aos parâmetros e conceitos da Teoria Geral do Processo, como tronco comum
a tais ramos do processo, como, em caráter excepcional e subsidiário, a aplicação de
regras processuais contidas em outros diplomas legais, notadamente no Código de
Processo Civil.

586
BONDIOLI, Luis Guilherme. Embargos de Declaração e Arbitragem. Revista de Mediação e
Arbitragem. 2012, p. 197.
587
WAMBIER, Luiz Rodrigues e WAMBIER, Tereza Arruda Alvim. Tratado Jurisprudencial e
Doutrinário – Direito Processual Civil, vol. III, Editora Revista dos Tribunais, São Paulo, 2013, p. 212-
213: “É possível a fungibilidade entre quaisquer meios de impugnação? Sim. Não há qualquer razão para
que se deva restringir a incidência do princípio da fungibilidade ao manejo com recursos. (...) Este é, de
fato, um princípio cuja função e cujo alcance devem ser revisitados. Se habitualmente, restringe-se o âmbito
de incidência deste princípio à esfera dos recursos é porque havia previsão expressa a respeito do art. 810
do CPC/1939, uma vez que, já se sabia que o sistema recursal do Código revogado poderia gerar, como de
fato gerava, uma série de dúvidas, quanto a qual seria o recurso adequado. A sistemática recursal do Código
de Processo Civil de 1973, tornou mais simples a escolha do recurso. Ciente disso, o próprio legislador não
incluiu expressamente no Código o princípio da fungibilidade.”
242

4. Visão crítica da noção de que os princípios processuais, juntamente com as


disposições da LARB, são suficientes para regular o processo arbitral.

Não obstante a inegável relevância dos princípios como fonte normativa do


processo arbitral, como mecanismo de integração e interpretação das suas normas, do seu
regramento, é de se reconhecer que nem todas as circunstâncias e realidades do processo
arbitral se explicam a partir e com base nos princípios processuais. Da incidência dos
princípios processuais, em complementação às disposições específicas da Lei de
Arbitragem, não se pode extrair um regime jurídico abrangente do processo arbitral. É
necessário ir além, buscar em outras fontes o regramento da sua estrutura, porque nem os
princípios, nem a lei de arbitragem, oferecem esse panorama.

Os princípios não o fazem por seu caráter necessariamente genérico, por suas
normas abertas, por veicular conceitos jurídicos indeterminados. A Lei de Arbitragem
não o faz por sua natureza lacunosa, por sua estrutura enxuta, que se preocupa com
diversos aspectos da arbitragem, mas dedica pouca atenção à estrutura do processo
arbitral. Como o capítulo dois procurou demonstrar, apenas da leitura da Lei nº 9.307/96,
não se extraem elementos para compreender uma série de aspectos do processo arbitral.

Por exemplo, como o demandante veicula a sua pretensão, como o requerido se


defende, quais são os poderes do árbitro ou os limites da sua atuação, qual o regime de
efeitos dos atos que ali se praticam ou o grau de definitividade que a sentença arbitral
alcança.

Nem todos esses aspectos são resolvidos mediante o recurso à integração por
meio dos princípios. A estrutura da postulação e a da defesa podem ser compreendidas
apenas com o recurso à ideia do contraditório? Pode o árbitro estabelecer, livremente, os
aspectos nucleares da demanda arbitral, afastando-se do modelo legal brasileiro? A
litispendência poderia ser afastada, a pretexto da liberdade das partes? E quanto à coisa
julgada, seria possível desprezar alguma decisão definitiva judicial anterior, sob o
argumento da inexistência de previsão da coisa julgada no sistema da lei de arbitragem?

Fato é que a legislação infraconstitucional contém regras fundamentais, sem as


quais é impossível se cogitar de um processo devido. O exemplo já mencionado da
vedação ao A própria ideia de condições da ação e pressupostos processuais, os requisitos
da probabilidade do direito ou do perigo de dano. É preciso acatar um conceito muito
243

amplo de princípios processuais para compreender que todas estas noções decorram ou
correspondam a princípios. Elas decorrem, na verdade, dos preceitos normativos do
processo civil brasileiro, aplicados a todos os ramos do processo, e porque são previstos
no Código de Processo Civil, dispensam a lei especial de dispor acerca dos mesmos
temas.

É também de se questionar se o regime de ônus que as partes devem cumprir, os


deveres a que estão sujeitos, poderiam, a pretexto da liberdade das partes, ser livremente
fixados por elas, ou mesmo pelo árbitro. Poderia haver uma hipótese em que o árbitro, ao
regular o modo de apresentação das manifestações, dispensasse as partes dos seus ônus
probatórios, proclamando que toda a investigação dos fatos seria feita pelo próprio órgão
julgador? O exemplo é exagerado, mas bem ilustra o alcance potencial da propalada
autonomia da arbitragem. A resposta, evidentemente, é negativa. É conatural à própria
ideia de um processo a existência de uma contraposição de interesses, que coloca os
litigantes em posição de alegar e provar, de debater as razões em favor de suas respectivas
pretensões. Da mesma forma, não pode haver um processo sem preclusão, sem ônus, sem
a observância de deveres. Observe-se que no exemplo caricato acima, não ocorreria uma
ofensa à igualdade ou ao devido processo, porque a dispensa do cumprimento de deveres
processuais atingiria igualmente os litigantes. Ainda assim, examinada racionalmente a
hipótese, ela soa absurda.

Ainda nesta exemplificação, o direito à prova, que decorre dos princípios da


ampla defesa e do devido processo legal, entre outros, não pode ser materializado senão
mediante o respeito a parâmetros da legislação infraconstitucional. Testemunhas devem
ser isentas, devem aportar suas contribuições para o deslinde da controvérsia sem ostentar
interesses na causa, sem se confundir com as próprias partes. As partes devem ter
assegurada a possibilidade de impugnar as testemunhas impedidas ou suspeitas. Não
obstante a liberdade contratual e a flexibilidade do procedimento arbitral, fato é que o
controle desta qualidade das testemunhas se realizará à luz dos parâmetros das normas
processuais gerais, não sendo dado aos árbitros flexibilizar estes parâmetros, no sentido
de admitir testemunhas não isentas.
244

Trata-se de outro exemplo que pode parecer exagerado, mas a crença na


autonomia do processo arbitral pode desembocar em raciocínios de que todo e qualquer
meio de prova pode ser admitido, ou que a autonomia da vontade autorizaria até mesmo
a admissão de provas ilícitas no processo arbitral.

No plano da cognição exercida pelos árbitros, nem a lei nem os princípios


explicam os conceitos de cognição sumária ou exauriente, ou mesmo os instrumentos
técnicos do efeito devolutivo, que no processo arbitral se observa por ocasião do
julgamento do pedido de esclarecimentos. É possível compreender que o efeito de obstar
a coisa julgada, suspender prazo para providências subsequentes ou mesmo a extensão da
devolutividade deste recurso específico (o único previsto na Lei de Arbitragem) sejam ou
decorram de algum princípio processual aplicável à arbitragem? Ou faz mais sentido
entender que essas características, previstas na norma geral acerca dos embargos de
declaração (ou nas normas gerais sobre recursos), são igualmente aplicáveis ao processo
arbitral, por aplicação analógica e subsidiária daquelas mesmas normas? 588

A previsão legal do artigo 27 da Lei de Arbitragem, sobre a possibilidade de


condenação em litigância de má-fé, é outro exemplo da atividade necessariamente
integrativa que se deve fazer, porque não pode haver condenação a alguma pena sem
prévia lei que a defina, e da lei especial não se encontram nem as condutas tipificadas de
deslealdade processual, nem tampouco as penalidades. Não será a Constituição ou algum
conteúdo de princípio que permitirá construir essa ponte. Apenas mediante o recurso às
disposições específicas da lei processual é que se poderá dar operatividade à previsão do
artigo 27589.

Em suma, parece haver duas formas de justificar a ocorrência e a aplicação de


tantos e tantos parâmetros processuais à arbitragem, não obstante o absoluto silencio da
lei específica a seu respeito. A primeira é a de propor uma visão excessivamente ampliada
sobre a noção de princípios processuais, que faz com que praticamente todas as normas
possam ser alçadas à condição de princípios, reduzindo a relevância da distinção e
gerando grande instabilidade para os exercícios inerentes à interpretação dos conflitos de

588
BONDIOLI, Luis Guilherme. Embargos de Declaração e Arbitragem. Revista de Mediação e
Arbitragem. 2012, p. 197.
589
Sem razão, portanto, Eduardo Parente, quando afirma que os árbitros regularão a questão e que “podem
desenhar a condenação por litigância de má-fé da forma como melhor entenderem”. PARENTE, Eduardo.
Processo arbitral e sistema, p. 297.
245

normas. A segunda é a de se reconhecer o compartilhamento destes conceitos processuais,


que decorrem da teoria geral do processo, bem como a aplicação subsidiária (e
excepcional) das normas do Código de Processo Civil, que serão utilizadas se não houver
combinações particulares em sentido diverso e, ainda assim, apenas na medida da
compatibilidade entre estes dois modelos processuais,

Quando se proclama a utilização destes mesmos dispositivos como “fonte de


inspiração”, como “modelos que podem ser adotados”, mas não por aplicação direta das
disposições do CPC, o que se faz, na verdade, é propor um jogo de palavras que, ao fim
e ao cabo, acaba por admitir a aplicação subsidiária deste tipo de regra estruturante do
modelo processual, mas sem a plena consciência ou a coragem de afirmar que se trata,
sim, de aplicação de normas processuais gerais ao processo regulado por lei especial.
246

PARTE III

CAPÍTULO 5. O MODO DE SER DO PROCESSO ARBITRAL, FRUTO DA


APLICAÇÃO DAS NORMAS PROCESSUAIS GERAIS AO PROCESSO
ARBITRAL.

1. Introdução; 2. Aplicações práticas; 2.1 Demanda; 2.2. Efeitos


processuais e materiais da citação; 2.3. Representação das partes e dos
procuradores; 2.4. Idioma; 2.5. Pluralidade de partes; 2.6. Resposta;
2.7. Revelia; 2.8. Preclusão; 2.9 Disciplina geral da Prova; 2.10. Meios
de Prova; 2.11. Produção antecipada da Prova; 2.12. A
instrumentalidade das formas no processo arbitral; 2.13. Poderes dos
árbitros; 2.14. Tutela Provisória; 2.15. Fundamentação das decisões
arbitrais; 2.16. Vinculação dos árbitros aos precedentes; 2.17. Coisa
Julgada.

1. Introdução.

Nas duas primeiras partes desta tese, foram expostos os fundamentos teóricos
pelos quais se deve considerar o processo arbitral como inserido na teoria geral do
processo, cujas características gerais pertencem e se originam no tronco comum entre os
diferentes ramos do processo, bem assim que tal constatação não impacta o exercício da
autonomia da vontade das partes tampouco impede o reconhecimento de inúmeras
características peculiares deste ramo do processo. Como afirma Dinamarco, a inserção da
arbitragem na Teoria Geral do Processo serve para, ao mesmo tempo, respeitar as suas
peculiaridades e postular uma integração sistêmica apta a evitar que a arbitragem seja
vista como algo estranho ou assistemático. “A arbitragem é um processo especialíssimo,
mas sobretudo é um processo”590.

A parte final desta tese é dedicada ao exame em concreto de algumas situações


do processo arbitral, para aplicar as noções anteriormente desenvolvidas. É certo que
mesmo nos capítulos anteriores, estes exercícios de aproximação e distinção foram feitos.
Por exemplo, ao se examinarem os institutos fundamentais da Teoria Geral do Processo,
esta tese expôs os elementos aplicáveis ao processo arbitral, ao mesmo tempo em que

590
DINAMARCO, Cândido Rangel. A Arbitragem na Teoria Geral do Processo , p. 72.
247

destacou as diferenças quanto às técnicas adotadas e às soluções obtidas, em virtude das


peculiaridades do processo arbitral. Da mesma forma, ao destacar os princípios
processuais aplicáveis, em cada um deles se procurou destacar aspectos em que, na
arbitragem, tais princípios se manifestam de modo diferente.

Em continuação a esses exercícios, nos tópicos abaixo serão examinados


institutos processuais diferentes, também em rol não exaustivo das situações vivenciadas
no processo arbitral, para cuja solução é necessário recorrer aos conceitos extraídos da
Teoria Geral do Processo e, em diversas ocasiões, à aplicação de regras processuais
gerais, que compõem a estrutura do modelo processual jurisdicional brasileiro, daí porque
devem ser igualmente aplicadas no processo arbitral. Alguns tópicos consistem em breves
anotações sobre a forma de aplicação do respectivo tema no processo arbitral. Outros,
mais complexos, receberão maior atenção. O rol não se pretende exaustivo. São meras
ilustrações das muitas possibilidades práticas de aplicação desta relação de duplo vetor,
em que o processo geral molda o processo arbitral, e em que este impõe uma releitura dos
conceitos e características tradicionais da Teoria Geral do Processo.

2. Aplicações Práticas.

2.1 Demanda.

Como já objeto de diferentes passagens, no que diz respeito à demanda, há


marcantes diferenças entre os modelos processuais da arbitragem e do processo estatal.
A doutrina classifica como pré-arbitral a fase que ocorre a partir do pedido de instauração
da arbitragem, com a apresentação de requerimento pelo requerente, perante a instituição
arbitral ou diretamente perante a contraparte (LArb, art. 5º.), e que perdura até a aceitação
do encargo pelos árbitros591. Vale o registro de que nas arbitragens institucionais, os
regulamentos costumam prever um ato da própria instituição, confirmando os árbitros,
postergando, portanto, o momento da instituição da arbitragem. Isso se explica porque o

591
MONTORO, Marcos André Franco. Flexibilidade do Procedimento Arbitral. p. 53.
248

árbitro aceita o encargo ao responder ao questionário de independência e disponibilidade,


mas há etapas procedimentais subsequentes, de aceitação do árbitro pelas partes592.

De um modo geral, sustenta-se que o requerimento de instauração da arbitragem


dá início ao procedimento arbitral, mas ainda não ao processo arbitral. Este só surge após
a confirmação da nomeação dos árbitros. A partir deste evento, Eduardo Parente
considera que há juízo arbitral, o árbitro se torna juiz de fato e de direito, se equipara aos
funcionários públicos para efeitos da legislação penal e assume competência para
providências de urgência593. Essas etapas prévias do procedimento arbitral podem,
também, ser objeto de combinações entre as partes, para sua flexibilização594.

Cândido Dinamarco entende que apenas com a apresentação das alegações


iniciais, denominação para a petição inicial no processo arbitral, é que a demanda é
efetivamente apresentada. Até então, não há relação processual ou processo pendente e
“ainda não teve início o exercício da jurisdição”. Nessa fase os árbitros já possuem alguns
poderes, até mesmo de esclarecer certos aspectos e celebrar com as partes o Termo de
Arbitragem, “mas a demanda que rompe a inércia do juiz e vincula o futuro julgamento
aos seus três elementos constitutivos (partes, causa de pedir e pedido) ainda é um fato
futuro”595. Da mesma forma, Rafael Francisco Alves é da opinião de que o momento em
que os árbitros aceitam o encargo é o marco inicial do procedimento arbitral596.

Uma vez mais, é necessário examinar os pontos de contato entre o processo


arbitral e o processo estatal, o que se pode extrair da sua regulação específica, e então
estabelecer suas peculiaridades. Pela estrutura do processo arbitral, dá-se que, antes ainda
da apresentação da demanda, já existam as partes e o resumo de suas futuras alegações e
pedidos. Após essa troca inicial de manifestações, realizada sob a supervisão da

592
MARTINS, Pedro Batista. As três fases da arbitragem. Revista do Advogado, p. 87-93, p. 88, considera
que a fase pré-arbitral tem início ainda antes, quando é celebrada a convenção de arbitragem, estendendo-
se até a nomeação do Tribunal Arbitral.
593
PARENTE, Eduardo. Processo arbitral e sistema, p. 154.
594
MONTORO, Marcos. Flexibilização do Procedimento Arbitral. Tese, USP, 2010. p. 53.
595
DINAMARCO, Cândido Rangel. A arbitragem na Teoria Geral do Processo, p. 110. Essa posição
conduz a uma outra, sobre os efeitos substanciais e processuais da demanda arbitral, os quais são, para
Dinamarco, igualmente regidos, por aplicação subsidiária, pelo CPC, mas com adaptações às
especificidades do procedimento arbitral. Na arbitragem, esses efeitos incidem a partir de momento
anterior, isto é, desde quando se quebra a inércia do requerente, que requer a instauração do procedimento,
p. 140142.
596
ALVES, Rafael Francisco. Árbitro e Direito: o julgamento do mérito na arbitragem. 2018, p. 50: “Não
há arbitragem antes disso, há atos preparatórios para a nomeação do árbitro ou para a constituição do
tribunal arbitral e, consequentemente, para a instituição da arbitragem”, completando que isso é o que
separa a fase pré-arbitral da fase arbitral.
249

instituição arbitral, ou diretamente entre as partes na arbitragem ad hoc, a sequência


procedimental é a de indicação dos árbitros pelas partes, nos termos de suas convenções
de arbitragem ou do regulamento eleito. No modelo mais comum de nomeação dos
árbitros, cada parte nomeará um profissional, os quais nomearão o terceiro, que presidirá
o painel. Todas essas etapas procedimentais costumam ser reguladas nos respectivos
regulamentos, prevendo-se, portanto, o modo, o lugar, a forma e o tempo para a prática
desses atos processuais. Em termos processuais, cada ato produzirá determinados efeitos,
corresponderá a declarações de vontade das partes, que fará surgir outras posições
jurídicas ativas ou passivas da contraparte, ou da instituição arbitral.

Não raro, os regulamentos contemplam prazos pré-determinados para a


nomeação de árbitros, prescrevendo como consequência a perda do direito de indicação
de tais profissionais, o que será preenchido por nomeações da própria instituição597. Mas
quando se pensa no processo como uma relação jurídica complexa, um método de
resolução de conflitos no qual se observa o exercício de poder, quando se observa que os
sujeitos possuem diferentes posições, praticam atos concatenados, que disparam a prática
de outros atos sucessivos, que pelo processo há alternância de ônus, poderes, faculdades
etc., forçoso não reconhecer que se está, desde o momento inicial, diante de uma relação
processual. Ainda sem um órgão julgador, mas nem por isso despido de garantias
processuais, do exercício do contraditório e munido da finalidade de desenvolver-se em
direção à solução final.

Em termos processuais, portanto, o processo arbitral tem início com a


apresentação do requerimento de instauração da arbitragem, e dispara uma sequência
procedimental previamente estabelecida nos regulamentos das instituições arbitrais. É
certo que do ponto de vista procedimental, o processo arbitral é, por assim dizer,
invertido. Com o início do processo arbitral, tem-se as partes, ainda sem uma demanda
propriamente apresentada, e sem o órgão jurisdicional instituído. Diversos atos são
praticados nesta fase, alguns com conteúdo decisório, mas que são praticados pela
instituição arbitral escolhida, em caráter provisório. Não há um paralelo possível com o
procedimento que se observa nos processos estatais, e nesta grande diferença reside outra
demonstração da autonomia destes ramos do processo.

597
Regulamento do CAM-CCBC, art. 4.4. Regulamento da CAMARB, art. 4.6 do regulamento.
250

Entre outras consequências processuais, como se verá no item seguinte, os


efeitos processuais e materiais da instauração do processo ocorrem em diferentes
momentos. Todos se verificam, independentemente do silêncio da lei própria, mas o
momento em que se realizam varia, porque isso diz respeito ao procedimento arbitral, que
é, neste particular, distinto.

Quanto à estrutura da demanda arbitral, ela igualmente é composta pelos seus


três elementos característicos: partes, causa de pedir e pedido598. Estes elementos são
apresentados quando da apresentação das alegações iniciais, usualmente após a assinatura
do Termo de Arbitragem. Com os demais ramos do processo, há a identidade da sua
estrutura, porque o direito processual brasileiro adota a teoria das três eadem. Diferente
dos demais ramos, há o procedimento da sua apresentação, sobretudo o tempo da prática
deste ato processual.

Como já dito, para superar a fase de mera propositura de uma demanda, e poder
ser julgada quanto ao seu mérito, a demanda arbitral deve ter partes legítimas, a indicação
adequada dos fundamentos fáticos e jurídicos e a formulação de pedidos599. Sob o prisma
da autonomia da vontade, é de se admitir que as partes criem regras próprias, por exemplo,
para iniciar o procedimento com pedidos recíprocos de apresentação de documentos, ou
apresentação sumária das pretensões, reservando-se oportunidade para desenvolver e
complementar os pedidos em momento posterior600. A espinha dorsal do modelo

598
Yarshell destaca que os três elementos – partes, causa de pedir e pedido - não identificam a ação, quando
pensada de forma genérica e abstrata: como garantia constitucional incondicionada (que assegura o ingresso
em juízo), a ação ainda não guarda nexo com pessoas determinadas, fundamentos e objeto. Isso só ocorre
quando, concretamente, alguém exercita o direito de ação e, dessa forma, propõe uma demanda.
Examinando esse aspecto à luz do processo judicial, o autor afirma que demanda é o ato inaugural de todo
processo e meio pelo qual se invoca a tutela jurisdicional. YARSHELL. Flávio Luiz. Curso de Direito
Processual Civil. 1. ed, vol I, São Paulo, Marcial Pons, 2014, p. 276.
599
Montoro ressalva que mesmo na arbitragem decorrente de cláusulas vazias, os artigos 6º. e 7º da Lei de
Arbitragem não exigem a indicação completa da pretensão, nas notificações trocadas entre as partes. Nem
tampouco na petição inicial da demanda proposta com base no artigo 7º. Mesmo que o produto da ação seja
a determinação de um Compromisso Arbitral, seus elementos obrigatórios são apenas o da indicação da
matéria que será objeto da arbitragem, o que não corresponde a um pedido completo. Assim, em nenhum
trecho da Lei de Arbitragem se extrai a determinação de que a parte requerente formule o seu pedido de
forma completa. MONTORO, Marcos. Flexibilização do Procedimento Arbitral, p. 282.
600
O padrão apresentado pela lei de arbitragem internacional uruguaia é diferente do brasileiro, contendo a
lei mais elementos sobre o conteúdo da petição inicial: Ley N° 19636: Artigo 23. (Demanda y
contestación).- 1) Dentro del plazo convenido por las partes o determinado por el tribunal arbitral, el
demandante deberá exponer los hechos en que se funda la demanda, los puntos controvertidos y el objeto
de la demanda. El demandado deberá responder a los extremos expuestos en la demanda, a menos que las
partes hayan acordado otra cosa respecto de los elementos que la demanda y la contestación deban
necesariamente contener. Las partes podrán aportar, conjuntamente con sus escritos de demanda y de
contestación, todos los documentos que consideren pertinentes o hacer referencia a los documentos u otras
pruebas que hayan de diligenciarse.
251

processual brasileiro não contempla esta hipótese, mas a liberdade das partes no processo
arbitral (e não só nele), permite soluções como esta.

A questão que se coloca é outra. Inexistente tal combinação, qual será o padrão
considerado aceitável? O padrão é aquele que decorre dos conceitos e parâmetros do
direito processual, que são explicados à luz de conceitos teóricos da sua teoria geral, mas
também, muitas vezes, das regras positivadas. Por isso, é que a demanda arbitral conterá
os elementos que lhes são próprios, as partes, causa de pedir e os pedidos, por isso é que
ela será estruturada e examinada à luz da teoria da substanciação, acolhida no
ordenamento jurídico brasileiro601.

Os elementos da demanda a identificam, a isolam e a distinguem de outras


demandas. No processo arbitral, tais elementos serão úteis para a fixação dos limites da
decisão a ser proferida, para aferir a identidade total ou parcial da demanda com outra, o
que é necessário para fins de conexidade, litispendência ou coisa julgada.602

Os fundamentos da demanda são também divididos em jurídicos e fáticos, e a


causa de pedir se classifica e se subdivide em próxima e remota. Conceitos processuais
úteis para compreender os fenômenos que ocorrem também no processo arbitral, como o
da delimitação do objeto do processo e a sua estabilização. Nessa esteira, o pedido se
divide em mediato e imediato, sendo aquele relativo ao bem da vida pretendido, e este
relacionado ao tipo do provimento solicitado do órgão jurisdicional603. Também essas
categorias processuais têm importância, porque vinculam a atividade jurisdicional e,
acaso prestada tutela diferente da que foi pleiteada, faz surgir uma invalidade, passível de
desconstituição. A classificação tradicional dos pedidos formulados no processo de
conhecimento, que adota como critério o tipo de provimento pleiteado, contempla os
pedidos condenatórios, declaratórios e constitutivos604, categorias que se aplicam
igualmente no processo arbitral, sem qualquer distinção ou peculiaridade.

Por fim, no processo arbitral, os pedidos também devem ser certos e


determinados, para deles resultar uma sentença líquida. Na arbitragem, aliás, com ainda

601
ABDO, Helena Najar. Código de Processo Civil Interpretado, MARCATO, Antonio Carlos (coord), 1ª
ed, São Paulo, Atlas, 2022, p. 480.
602
DINAMARCO, BADARÓ e LOPES. Teoria Geral do Processo, p. 362.
603
CRUZ E TUCCI, José Rogério. Reflexões sobre a cumulação subsidiária de pedidos. Revista dos
Tribunais, vol. 786, Abr / 2001, p. 57.
604
GRECO, Leonardo. Instituições de Processo Civil, vol. 1, p. 185.
252

maior razão, eis que o julgamento final da causa exaure a jurisdição especificamente
atribuída aos árbitros. Pode haver a bifurcação do procedimento, por exemplo para que
uma sentença parcial sobre o an debeatur seja proferida, seguindo-se de liquidação do
quantum, perante os próprios árbitros. Mas se a sentença final não é líquida, surge um
problema porque não pode haver a liquidação na fase de cumprimento de sentença, dada
a natureza de cognição inerente às atividades de liquidação da sentença605.

O tema da formulação da demanda, seus elementos e seu procedimento têm


impacto direto em outro aspecto importante, que é o da sua estabilização. No plano
conceitual, como já afirmado, todo e qualquer processo deve ter o seu objeto estabilizado,
em algum momento, de modo a permitir que o órgão jurisdicional possa dar a resposta ao
pedido, acolhendo-o ou negando-o. Há diferentes modelos, com maior ou menor
flexibilidade606. O que não pode haver é um processo que nunca se estabilize.

No aspecto procedimental, a autonomia das partes permite que contratem a


estabilização em momento posterior do arco procedimental, derrogando, neste particular,
eventuais regras institucionais. Entretanto, ausente tal combinação, será preciso
identificar se há alguma regra no regulamento eleito, a qual será aplicada. Após o
momento da estabilização, não poderá ser modificada a causa de pedir, introduzida uma
nova, ou modificados os pedidos.

2.2. Efeitos processuais e materiais da citação.

Como visto, não existem parâmetros na legislação de arbitragem acerca de


efeitos processuais ou materiais que se produzem com a instauração da arbitragem, exceto
pela previsão do artigo 19, § 2º, que determina os termos para a interrupção da prescrição,
com a instituição da arbitragem, ou seja, após a nomeação dos árbitros, ressalvando a lei
que tais efeitos retroagem à data da instauração da arbitragem. A Lei de Arbitragem, fruto

605
APRIGLIANO, Ricardo de Carvalho. Código de Processo Civil Interpretado, MARCATO, Antonio
Carlos (coord), 1ª ed, São Paulo, Atlas, 2022, p. 1031
606
Sobre este ponto, os Regulamentos da Câmara de Conciliação, Mediação e Arbitragem Ciesp/Fiesp
(item 5.3.) e do Centro de Arbitragem e Mediação da Câmara de Comércio Brasil-Canadá (item 4.21), por
exemplo, elegem a assinatura do termo de arbitragem como o marco temporal para a estabilização da
demanda arbitral. O Regulamento da CAMARB, por sua vez, no item 8.3, estabelece que a estabilização
da demanda se dará com a apresentação das alegações iniciais.
253

da reforma de 2015, incorporou exatamente o critério existente para o processo judicial,


previsto no artigo 240, §1º do CPC607.

Ocorre que a norma processual geral é muito mais abrangente, porque em seu
caput determina que a citação válida induz litispendência, torna litigiosa a coisa e
constitui o devedor em mora. No processo judicial, portanto, a citação válida – ainda que
ordenada por juiz incompetente – produz efeitos processuais e materiais para as partes.
Caracteriza a litispendência, no sentido de que a demanda proposta, identificada por seus
elementos, produz efeitos sobre eventuais outras demandas idênticas ou com parcial
identidade. Torna litigiosa a coisa, o que significa impor um conjunto de restrições – ao
menos no plano processual - à sua titularidade, à cessão do objeto litigioso (CPC, art.
109).

Na sua redação original, não havia qualquer previsão na Lei de Arbitragem a


respeito destes efeitos608. Agora, o tema da prescrição foi endereçado, o que serviu para
contornar, ainda que parcialmente, dificuldades práticas relevantes até então
enfrentadas609. Mas a questão permanece. Quais efeitos são produzidos pela instauração
da arbitragem, ou pela sua instituição, quando os árbitros aceitam o encargo?

Como tem sido feito ao longo desta tese, há três possíveis caminhos
interpretativos para solucionar este ponto. Primeiro, o de se proclamar a independência
do microssistema arbitral, negar a aplicação de regras do CPC, e concluir que não se
produzem esstes efeitos, simplesmente por falta de previsão legal, ou que eles serão
produzidos a partir de construções das próprias partes ou, omissas estas, por decisão dos
árbitros. O tema da mora se resolverá à luz das regras do direito material, o que se resolve
mais facilmente, em vista da previsão do artigo 405 do Código Civil610. Ainda assim, será
preciso compreender que o conceito jurídico de citação, que é definido e aplicado no
contexto dos processos estatais (CPC, art. 238) é trazido para o processo arbitral com
modificações, porque, em termos procedimentais, o réu é notificado acerca da instauração

607
NUNES, Thiago Marinho. Arbitragem e interrupção da prescrição. A Reforma da Arbitragem, pp. 503-
533, p.507.
608
Escrevendo antes da reforma de 2015, Pedro Baptista Martins sustentava que a fase pré-arbitral, que se
inicia com a assinatura da convenção de arbitragem e vai até a constituição do tribunal arbitral, era fator
apto a interromper a prescrição. BATISTA MARTINS, Pedro A. As três fases da arbitragem. Revista do
Advogado, p. 87-93, p. 89.
609
NUNES, Thiago Marinho. Arbitragem e interrupção da prescrição. A Reforma da Arbitragem, p. 517-
518.
610
CC, art. 405. Contam-se os juros de mora desde a citação inicial.
254

da arbitragem, que como visto, não corresponde exatamente à propositura da demanda.


Mas, como antes defendido, se a relação processual arbitral tem início de modo invertido,
primeiro entre as partes, depois com a composição/integração do órgão jurisdicional, o
conceito processual da citação, de ato pelo qual o réu é convocado para integrar a relação
processual, é plenamente aplicável. O que não tem aplicação no processo arbitral são os
requisitos formais do ato de citação, porque quanto a isso, a liberdade das partes autoriza
que realizem o ato de comunicação por qualquer meio. Interessa que a parte seja
devidamente cientificada de que existe uma ação proposta contra ela, mas é impróprio
transportar para o procedimento desta cientificação os requisitos de forma, tempo ou lugar
que são pensados para outro tipo de processo 611.

Já em relação à litispendência, caso não se admita a sua ocorrência por falta de


referência a esse fenômeno na lei de arbitragem, a conclusão lógica terá que ser a de
admitir que simplesmente não existiria litispendência entre demandas judiciais e arbitrais,
por pertencerem a sistemas distintos. Por fim, mesmo proclamando-se o isolamento da
lei de arbitragem, parece difícil admitir que a instauração da arbitragem não tenha o
condão de tornar litigiosa a coisa sobre a qual as partes debatem.

Uma linha de raciocínio intermediária procurará nos princípios do processo a


explicação para estes fenômenos. Resta saber a quais princípios jurídicos podem ser
associados às ideias de constituição em mora, litispendência ou objeto litigioso.

O terceiro raciocínio, que parece mais adequado, completo e aderente à


realidade, é o de reconhecer que esses parâmetros, porque dizem respeito à relação
jurídica processual que se estabelece também na arbitragem, são também observados no
processo arbitral, ainda que sua previsão normativa esteja no Código de Processo Civil.
Não são regras de procedimento, mas, verdadeiramente, de processo. Dizem respeito às
posições jurídicas ativas e passivas das partes, aos seus poderes, direitos e deveres612 613.

611
ALVES, Rafael Francisco. O Devido Processo Legal na Arbitragem. Arbitragem no Brasil: aspectos
jurídicos relevantes, p. 400-401.
612
GAJARDONI, Fernando da Fonseca. Aspectos fundamentais de processo arbitral e pontos de contato
com a jurisdição estatal. Revista de Processo, vol. 106, pp. 189-216, p. 190: Considera-se instituída a
arbitragem quando os árbitros aceitam a nomeação, “gerando tal ato uma série de efeitos de natureza
processual (prevenção e litispendência) e material (interrupção da prescrição e constituição do devedor em
mora)”.
613
Para Thiago Marinho Nunes o paralelismo entre demandas arbitrais se resolve pela aplicação da regra
processual da prevenção. Para o autor, não se duvida do caráter processual da arbitragem, mas que, no
âmbito interno, os dispositivos do CPC não são aplicados à arbitragem. Para Thiago Nunes, “a aplicação
da regra processual da prevenção na arbitragem encontra guarida nos princípios da celeridade, da economia
255

Ao instaurar uma arbitragem, ou ter uma instaurada perante si, as partes passam a se
encontrar em um estado de litispendência, o que lhes cria restrições em relação a outras
demandas com mesmo objeto614. Ao ter contra si uma demanda de natureza jurisdicional
proposta, a parte passa a saber que um direito lhe é exigido, cumprindo assim o requisito
material da mora. Será a partir desta data que, acaso seja reconhecido o direito de crédito
contra aquela parte, este crédito sofrerá encargos. O mesmo quanto a tornar litigiosa a
coisa, porque as regras do Código de Processo Civil dizem respeito à condição de
titularidade da relação processual.

A adoção de critérios legais, previstos para os demais ramos do processo,


positivados na norma geral, impõe previsibilidade, segurança. Evita que, a pretexto de
uma liberdade regulamentar (quase) total, cada tribunal arbitral decida à sua maneira se e
quando ocorre litispendência ou mora. Daí porque, neste exemplo específico, há de se
entender que a aceitação do encargo pelos árbitros faz com que estes efeitos materiais e
processuais “da citação” se verifiquem também no processo arbitral, efeitos que
retroagem à data da instauração da arbitragem615.

2.3. Representação das partes e dos procuradores.

Sobre este tema, no capítulo dois, fiz as seguintes ponderações. Primeiro, a Lei
de Arbitragem não regula ou concede alguma autorização para que entidades sem
personalidade jurídica, como Condomínios, Massas Falidas e Espólios, possam também
atuar no processo arbitral. Também é silente quanto à representação arbitral de cônjuges,
da União, Estados e Municípios. Terceiro, a norma especial nada diz sobre a situação de
incapacidade superveniente ou morte de alguma das partes (suspensão, sucessão,
habilitação, etc).

processual e da eficiência, tão caros ao processo arbitral, evitando-se maiores dispêndios as partes, inclusive
a eventual suscitação do Poder Judiciário para dirimir tal tipo de questão”, NUNES, Thiago Marinho.
Arbitragem e demandas paralelas: visão do árbitro. 20 anos da Lei de Arbitragem, pp. 343-362, p. 35.
614
Guilherme Setoguti Pereira entende que a litispendência só passa a ocorrer após a aceitação do encargo
pelos árbitros. Entre a instauração da arbitragem e a aceitação do encargo pelos árbitros, há procedimento
arbitral, mas ainda não há processo arbitral. PEREIRA, Guilherme Setoguti J.. Procedimento I. Curso de
Arbitragem, p. 166. Pelas razões expostas no item anterior, discordo deste entendimento. A relação jurídica
processual, caracterizada por distintas posições jurídicas ativas e passivas tem início desde a instauração,
com a nuance procedimental de que ela se instaura antes ainda da existência do órgão jurisdicional.
615
GRION, Renato Stephan. Procedimento II, Curso de Arbitragem, p. 201.
256

Ainda, a Lei de arbitragem, por não contemplar a atuação dos advogados,


evidentemente não regula quais atos podem ou não ser praticados por eles. Em caso de
transação, é admissível uma petição assinada apenas pelos advogados? Poderia haver
renúncia ao direito sobre o qual se funda a demanda sem alguma autorização específica?
Por fim, qual o fundamento para, em termos práticos, exigirem-se procurações com
poderes específicos para firmar termo de arbitragem, se a própria Lei de Arbitragem nada
dispõe a respeito?

A forma mais adequada de responder a todas estas indagações parece ser a de


admitir a regulação destas posições jurídicas das partes a partir das normas processuais
gerais, porque elas são a emanação dos parâmetros do modelo processual brasileiro. Se
em outros ramos do processo, atribui-se personalidade judiciária a entes como
Condomínios e Massas Falidas, não há razão para exclui-las das demandas arbitrais. Nem,
tampouco, autorização para que elas participem por mera liberalidade dos árbitros. É
preciso mais do que isso, porque se deve demonstrar a regularidade da constituição e da
representação dessas entidades.

Mesmo raciocínio serve para aferir a regularidade dos atos praticados pelos
advogados. É evidente que o mandato constitui modalidade de contrato, norma de direito
material, que seria inevitavelmente aplicada em uma arbitragem em que se aplique o
direito brasileiro. Se são materiais as normas que, no CPC, regulam a extensão dos
poderes da cláusula ad juditia e ad juditia et extra, de toda forma elas se encontram
topologicamente no CPC, de forma que admitir sua aplicação importa admitir a aplicação
do Código de Processo Civil. O tema parece se circunscrever a um jogo de palavras, mas
é importante se valer destes exemplos de questões de menor complexidade, para
compreender com alguma naturalidade a aplicação destas normas, em caráter subsidiário,
às situações de índole processual que a lei de arbitragem não regula.

Há, contudo, uma particularidade do processo arbitral, no tocante à capacidade.


Porque podem celebrar convenção de arbitragem apenas as partes capazes, disso decorre
que, no processo arbitral, não basta ser um sujeito de direito, ou ter capacidade de ser
parte. É preciso ter capacidade de estar em juízo, atributo que só é conferido, pela lei civil,
257

a quem detém plena capacidade de contratar616. Essa circunstância exclui os incapazes,


ainda que representados por seus tutores ou curadores. Observe-se ainda que o requisito
da capacidade é aferido no momento da celebração da convenção de arbitragem, de forma
que a perda superveniente da capacidade não invalida a convenção, apenas adiciona
exigências quanto à representação da parte (agora incapaz) no processo arbitral.

Por fim, correlato ao tema da representação está o tema da sucessão das partes
ou dos procuradores. Independentemente da regulação específica – que é inexistente –
pode ocorrer de, no curso do procedimento, uma das partes vir a falecer, ou seus
advogados. São crises que podem ocorrer no curso do processo, que impõem a sua
suspensão617. Essas soluções, expressamente previstas para o processo estatal, se aplicam
subsidiariamente ao processo arbitral, eis que nem a legislação própria contém previsão,
nem se pode extrair uma solução concreta a partir dos princípios aplicáveis ao processo.

2.4. Idioma.

O idioma em que se praticam os atos processuais devem ser compreendidos


como elementos integrantes do procedimento, eis que relativos à forma do ato processual.
O modo com que o processo se desenvolve, o conjunto das características extrínsecas dos
atos do processo, como o tempo em que é praticado, a sua forma, o seu lugar, são
elementos característicos do procedimento. Por isso é que todas as regras positivas sobre
prazos, sobre a estrutura formal dos atos, seus requisitos, assim como o modo como
devem ser praticados, constituem elementos que pertencem ao procedimento618. O
idioma, portanto, porque constitui um dos elementos da forma do ato, integra esta
categoria jurídica que, na arbitragem, é deixada para a livre regulação das partes ou dos
árbitros.

616
DINAMARCO, Cândido Rangel. A Arbitragem na Teoria Geral do Processo p. 122: “São privados de
capacidade de serem partes no processo arbitral todos aqueles aos quais falte a capacidade de estar em juízo
segundo as regras do processo civil comum (casos de inarbitrabilidade subjetiva)”.
617
GRECO, Leonardo. Instituições de Processo Civil: Introdução ao Direito Processual Civil, vol. 1, 5ª
edição, Forense, Rio de Janeiro, p. 233.
618
GAJARDONI, Fernando da Fonseca. Flexibilidade procedimental, p. 38
258

Assim, a ampla liberdade que é assegurada às partes no processo arbitral inclui


a de escolherem o idioma que será utilizado no processo. Independentemente da sede da
arbitragem, da nacionalidade das partes ou dos árbitros, as partes podem definir que os
atos do processo sejam praticados em idioma estrangeiro619. Tal liberdade é própria do
processo arbitral, que, neste particular não repete nem se limita aos parâmetros do
processo estatal, no qual o idioma português é de observância obrigatória620.

O mesmo pode ser dito em relação aos documentos juntados pelas partes. Se no
processo estatal há regras que impõem a tradução juramentada de todos os documentos,
tal regra não tem aplicação no processo arbitral, cabendo às partes definir se aceitam
documentos sem tradução, com tradução livre ou juramentada.

Na realidade, como bem observa Carlos Alberto Carmona, mesmo no processo


estatal é possível se cogitar de um negócio jurídico processual pelo qual as partes pactuem
a admissão de documentos em língua estrangeira, sem tradução621. Da mesma forma,
depoimentos podem ser realizados em idioma diverso do idioma adotado no
procedimento, flexibilidade que acomoda melhor as situações práticas relativamente
corriqueiras, quando da oitiva de testemunhas ou representantes de partes que não
dominam o idioma oficial da arbitragem.

O que importa é que se respeitem os pilares fundamentais do processo arbitral,


que são a autonomia da vontade das partes e a observância dos parâmetros de um processo
justo. As nuances procedimentais do modelo estatal do processo não se projetam para o
processo arbitral, que se vale da sua flexibilidade para acomodar melhor os interesses das

619
Neil Andrews observa que determinar o idioma da arbitragem integra os amplos poderes que o árbitro
possui. ANDREWS, Neil. Arbitragem e Outros métodos de solução de conflitos. Brasil e Reino Unido.
tradução e comentários Luis Fernando Guerrero e André Monteiro, p. 252.
620
Carlos Alberto Carmona ressalta a obrigatoriedade de adoção do idioma português nos processos
judiciais, ao mesmo tempo que destaca a admissibilidade de documentos estrangeiros sem tradução,
conforme a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. Em relação à arbitragem, Carmona observa que
a lei de arbitragem não trata do idioma, relegando tal escolha à ampla autonomia da vontade das partes.
Carmona então observa, com razão, que tratando-se de uma arbitragem doméstica e não havendo conexão
com outras ordens jurídicas, deverá ser empregado o vernáculo. CARMONA, Carlos Alberto. A língua no
processo estatal e no processo arbitral um diálogo com Vincenzo Vigoriti. 20 anos da lei de arbitragem:
homenagem a Petronio R Muniz, p. 126-129. Eduardo Parente compartilha desse entendimento e ressalta
que o ordenamento espanhol adotou tal permissibilidade em regra expressa. PARENTE, Eduardo. Processo
arbitral e sistema, p. 108.
621
CARMONA, Carlos Alberto. A língua no processo estatal e no processo arbitral um diálogo com
Vincenzo Vigoriti. 20 anos da lei de arbitragem: homenagem a Petronio R Muniz, p. 127. Carmona então
observa que o artigo 190 do CPC pode ser utilizado para admissão de documentos em língua estrangeira e
a dispensa da sua tradução.
259

partes, sendo o idioma do procedimento apenas mais um exemplo desta distinção de


regramentos.

2.5. Pluralidade de partes.

É inerente ao processo a ideia de que mais de uma pessoa possa integrar o mesmo
polo da disputa. Decorre da própria ideia do processo como instrumento a serviço do
direito material, porque se as relações jurídicas são compostas por múltiplas partes, as
demandas que daí decorrem devem comportar igualmente esses sujeitos de direito. Diante
do silêncio da Lei de Arbitragem, a forma de viabilizar a participação dessas partes no
processo arbitral, garantindo a produção de efeitos e assegurando os direitos à adequada
participação de todos, é por meio da aplicação subsidiária das regras processuais gerais,
contidas no Código de Processo Civil.

A doutrina, de um modo geral, admite as mesmas categorias e tipologias do


litisconsórcio, bem como a aplicação do mesmo conjunto de normas, seja o formado no
processo estatal, seja no arbitral622. O litisconsórcio facultativo é figura que não desperta
maiores polêmicas. Todos os signatários da convenção de arbitragem podem participar
da relação processual, seja no polo ativo ou passivo. Terceiros, não vinculados
originalmente à convenção de arbitragem, ao pretenderem participar, manifestam seu
consentimento e adesão. Caso as partes signatárias aceitem esta participação, não há
maiores problemas.

As polêmicas se situam em relação ao litisconsórcio necessário. Em primeiro


lugar, como afirma Humberto Theodoro Júnior, cuida-se de “uma das figuras do processo
ordinário que deve refletir sobre o procedimento arbitral”623, porque é da sua natureza a
circunstância de se exigir a participação da parte na relação processual, como requisito
para a validade do processo e da decisão. A lei processual não cria propriamente hipóteses
de litisconsórcio necessário, mas meramente reflete, para fins processuais, um estado de
coisas que é uma “decorrência lógica da relação jurídica material deduzida em juízo”624.

622
MARTINS, Pedro Batista. Sentença arbitral parcial, coligação de contratos e litisconsórcio necessário.
20 anos da Lei de Arbitragem, p. 603-604.
623
THEODORO Jr., Humberto. Arbitragem e Terceiros - Litisconsórcio fora do pacto arbitral - Outras
intervenções de terceiros, p. 249.
624
THEODORO Jr., Humberto. Ob. cit., p. 249.
260

No mesmo sentido, Ada Pelegrini Grinover ensina que a obrigatoriedade do litisconsórcio


é definida não pelo direito processual, mas pelo direito material em debate, que determina
os titulares e os possíveis afetados pela sentença625.

Assim, se a pretensão do autor é a rescisão do contrato celebrado com duas


contrapartes, a demanda deve necessariamente ser proposta em face de todos os
participantes da relação contratual. Se o devedor pretende a declaração de nulidade do
contrato que origina um crédito contra si, deve incluir no polo passivo da demanda –
judicial ou arbitral – todos os credores solidários. Tal solução igualmente se aplica para
os casos em que há a pretensão de declaração da inexigibilidade da dívida. Na casuística
dos processos arbitrais, não raro se está diante de negócios plurissubjetivos, contratos
conexos. Não é propriamente o tipo do negócio que determina o litisconsórcio necessário,
mas a natureza da pretensão que é deduzida a partir destes negócios. Ao projetar efeitos
sobre mais de uma parte, todas aquelas potencialmente atingidas devem ser incluídas na
demanda, sob pena de invalidade do processo e da sentença626.

Por tal razão é que, nestas situações, se a relação jurídica não puder ser objeto
de decisão sem a participação de todos os seus sujeitos, há dois caminhos possíveis.
Primeiro, todos concordam com a arbitragem, sejam ou não signatários originais da
convenção de arbitragem. Segundo, alguns dos litisconsortes necessários não aceitam se
submeter à arbitragem, hipótese em que a única solução é a extinção do processo arbitral,
remetendo-se todos os titulares a um único litígio, perante o Judiciário627.

Há outra repercussão do litisconsórcio no plano do processo arbitral, relacionada


à indicação dos árbitros. Não obstante se reconheça que a possibilidade de indicar árbitros
é uma das vantagens centrais deste método, há situações em que isto não ocorre. Pode
não ocorrer se as partes pactuam cláusula vazia, que enseje a propositura da ação prevista

625
GRINOVER, Ada Pellegrini. Parecer – Arbitragem e Litisconsórcio Necessário. Revista Brasileira de
Arbitragem, 2006, vol. 10, p. 23: “É a estrutura interna da relação jurídica – um estado jurídico único –
formada pela ligação entre várias pessoas, que torna, senão impossível, ao menos ilegítima a formação de
um processo em que apenas uma ou algumas delas estejam presentes”.
626
No Resp 1519041, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, j. 01.09.2015, a 3ª Turma do STJ reconheceu o
acerto da sentença arbitral que, entendendo não ser hipótese de litisconsórcio necessário, limitou
subjetivamente a arbitragem às partes originais, recusando a integração de outra parte que, não obstante
participante de contrato coligado, não seria necessariamente atingida pelos efeitos da sentença arbitral.
627
DINAMARCO, Cândido Rangel. A Arbitragem na Teoria Geral do Processo, p. 128: “Não é lícito
estender os efeitos da cláusula a quem não a firmou, seria uma ilegítima extensão subjetiva da cláusula
arbitral”. THEODORO Jr., Humberto. Arbitragem e Terceiros - Litisconsórcio fora do pacto arbitral -
Outras intervenções de terceiros, p. 249.
261

no artigo 7º. da Lei de Arbitragem e, na própria sentença, o magistrado indique desde


logo a pessoa do(s) árbitro(s). Ou mesmo em arbitragens ad hoc que pactuem a indicação
de alguma autoridade nomeadora. Pode não ocorrer se as partes elegem regulamento que
atribui à própria instituição, ou a terceiros, a prerrogativa de nomear os árbitros.

Por fim, e esta é a hipótese mais comum, a indicação pode restar prejudicada
caso os integrantes do mesmo polo não cheguem a um consenso quanto ao nome do
profissional que devem indicar. Porque não pode haver tantos árbitros quantos forem as
partes, e porque em geral são previstos três árbitros, cada polo indica um nome comum.
Mas a presença de interesses contrapostos, por exemplo, pode impedir a eleição de um
mesmo profissional. A solução adotada por diversos regulamentos arbitrais é a de, nestes
casos, tornar a nomeação de todos os árbitros uma atribuição da própria instituição628.

Enfatiza-se, assim, uma perspectiva de igualdade, de paridade de armas,


retirando também do polo oposto a prerrogativa de nomear árbitros. Ainda que a solução
possa ser questionada, sob a perspectiva do polo que conseguiu indicar o seu próprio
profissional, é o modelo adotado por instituições arbitrais nacionais e estrangeiras629.

2.6. Resposta.

O único parâmetro que se extrai da Lei de Arbitragem a respeito da defesa é o


do artigo 20, que impõe à parte que pretender arguir questões relativas à competência,
suspeição ou impedimento do árbitro ou dos árbitros, bem como nulidade, invalidade ou
ineficácia da convenção de arbitragem, o dever de fazê-lo na primeira oportunidade que
tiver de se manifestar, após a instituição da arbitragem (Art. 20). Essa norma impõe,
quanto aos temas relativos ao árbitro, um momento que a doutrina considera preclusivo.
Já quanto às alegações relativas à convenção de arbitragem, entende-se que não se opera

628
No Brasil, a anulação de sentença arbitral pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, no julgamento da
Apelação 0002163-90.2013.8.26.0100, Rel. Gilberto dos Santos, 11a Câmara de Direito Empresarial, j.
03.07.2014 (caso Paranapanema) foi o catalisador da atualização dos diversos regulamentos das instituições
arbitrais brasileiras. Sobre este importante caso, ver, entre outros, FINKELSTEIN, Claudio. Flexibilidade
e Autonomia da Vontade em Arbitragem: aprendendo com os erros. Revista de Arbitragem e Mediação,
vol. 65, 2020, pp. 155-176, p. 167.
629
Por exemplo, Corte Internacional de Arbitragem da Câmara de Comércio Internacional (art. 12.8),
London Court of International Arbitration (art. 8.1), Centro de Arbitragem e Mediação da Câmara de
Comércio Brasil-Canadá (art. 4.16), Câmara de Conciliação, Mediação e Arbitragem Ciesp/Fiesp (art. 3.1),
Câmara FGV de Mediação e Arbitragem (art. 16, §1º),
262

a preclusão, em vista da natureza e relevância destes temas. Sobre preclusão, ver item 2.8
a seguir.

Quanto ao mais, a lei é completamente omissa. Da matriz constitucional do


processo brasileiro extrai-se, evidentemente, o direito à defesa, a necessidade de conferir
oportunidade ao requerido para se opor à pretensão que lhe é dirigida, e de apresentar
demandas contrárias, além de requerer e produzir as provas em amparo de suas posições
jurídicas. Assim, bastam os princípios processuais para assegurar um amplo conjunto de
posições ativas e passivas ao réu no processo arbitral.

O que nem a lei de arbitragem nem os princípios explicam, contudo, é como


concretamente se exercitam esses ônus, poderes, faculdades. É necessário, portanto,
recorrer a elementos que são externos à legislação especial, para completar o quadro
conceitual e normativo aplicável630. De se reconhecer, assim, que a defesa no processo
arbitral igualmente se divide e se classifica segundo as mesmas categorias teóricas
observadas quanto aos demais ramos do processo. Pode haver defesas processuais e de
mérito, defesas dilatórias ou peremptórias, defesas diretas – que se voltam contra o
fundamento do pedido deduzido - ou indiretas – que suscitam fatos impeditivos,
modificativos ou extintivos do direito do requerente631. E se concretamente estas defesas
são apresentadas, disso decorre o dever dos árbitros de examinar as questões preliminares
com antecedência em relação ao mérito, porque, a depender da conclusão obtida, pode
ser desnecessária a etapa relativa ao mérito632.

Da mesma forma, o conteúdo da defesa pode ser subdividido e classificado em


exceções e objeções processuais, sendo que as exceções consistem em matérias que
compete à parte suscitar, ao passo que as objeções abrangem matérias que os julgadores
podem conhecer de ofício. Como visto no capítulo dois, da estrutura fundamental da Lei
de Arbitragem se extraem também estes conceitos, porque as partes devem apresentar, na

630
DINAMARCO observa que a provisão do artigo 20 tem as duas partes como destinatários.
Especificamente sobre defesa, não há qualquer provisão específica. Contudo, dessa omissão não se extrai
nada, porque em qualquer caso, assegura-se ao réu apresentar atos defensivos fundados em razões de mérito
ou processuais, além de apresentar pedido reconvencional. Ou seja, projetam-se para o réu do processo
arbitral as mesmas alternativas de defesa asseguradas ao réu do processo estatal. DINAMARCO, Cândido
Rangel. A Arbitragem na Teoria Geral do Processo p. 148.
631
DINAMARCO, BADARÓ, LOPES, Teoria Geral do Processo, p. 335. Dinamarco ressalva que, além
de todas as defesas aplicadas ao processo estatal, há defesas inerentes à própria arbitragem, como a nulidade
da convenção de arbitragem. DINAMARCO, Cândido Rangel. A Arbitragem na Teoria Geral do Processo
p. 148-149.
632
No mesmo sentido, PARENTE, Eduardo. Processo arbitral e sistema, p. 181.
263

primeira oportunidade que tenham, questões relativas à inexistência, invalidade e


ineficácia da convenção de arbitragem, bem como à competência, suspeição ou
impedimento do árbitro ou dos árbitros.

Mas não só. Há diversas outras matérias que constituem preliminares ao mérito,
que constituem normas processuais gerais, cuja aplicação ao processo arbitral também
deve ser admitida. Refiro-me às preliminares que o réu deve suscitar antes de se defender
quanto ao mérito, contempladas no artigo 337 do Código de Processo Civil633. O rol de
matérias ali contempladas não pode ser lido como sendo de exclusiva alegação no
processo estatal, nem faria sentido excluir tais temas do processo arbitral, pela mera
proclamação de que o Código de Processo Civil não se aplica à arbitragem634.

Também no processo arbitral pode ocorrer a inexistência ou nulidade da


citação635, incompetência dos julgadores (que se revela em questões de arbitrabilidade),
a incorreção do valor da causa ou a inépcia da petição inicial, a litispendência, a coisa
julgada, a conexão, questões relativas à capacidade das partes ou à sua representação, a
falta de interesse ou a ilegitimidade das partes. Também não parece possível compreender
que todas estas matérias se apliquem ao processo arbitral por força de algum princípio
processual. Pense-se, por exemplo, na inépcia da petição inicial porque a narração dos
fatos não conduz logicamente à conclusão, ou porque lhe falte de causa de pedir ou
pedido. São regras específicas, quando muito, indiretamente decorrentes de um postulado
de eficiência da prestação jurisdicional, mas que correspondem a escolhas concretas do
legislador quanto ao modelo processual. A exigibilidade de pedidos certos e
determinados, por exemplo, é uma escolha do legislador brasileiro, mas é certo que um
sistema processual pode admitir outras regras a este respeito, que seriam igualmente
válidas. Assim, não é possível excluir, em termos absolutos, a incidência de regras

633
Da mesma forma, no direito português, cf. SILVA, Paula Costa e. Perturbações no cumprimento dos
negócios processuais: Convenções de Arbitragem, Pactos de Jurisdição, Cláusulas Escalonadas e Outras
Tantas Novelas Talvez Exemplares, Mas Que Se desejam de Muito Entretenimento. Salvador, Editora
Juspodivm, 2020, p. 102.
634
Parente igualmente observa que a defesa processual que pode ser feita no processo arbitral se assemelha
à do processo estatal, que todos os vícios processuais contemplados nos artigos 267 e 301 do CPC/73 podem
ser apontados no processo arbitral. PARENTE, Eduardo. Processo arbitral e sistema, p. 184.
635
Como no caso julgado pelo Tribunal de Justiça do Paraná, que considerou nulo o processo por falta de
citação pessoal de um dos cônjuges. “Nulidade de sentença arbitral. Violação dos princípios do
contraditório e ampla defesa (art. 19 da Lei de Arbitragem). Cônjuges que integram o polo passivo da lide.
A citação de um dos cônjuges acerca do procedimento arbitral não alcança o outro. Necessidade de citação
individual válida”. TJPR, 17ª CC, AI 0065017-30.2021.8.16.0000, j. 25.02.2022, unânime.
264

processuais do CPC à arbitragem, por um juízo de conveniência que, tecnicamente, não


se sustenta.

Os conceitos do direito processual aplicados à defesa também incluem as noções


de concentração da defesa636, ônus de impugnação específica dos fatos alegados, ônus da
prova quanto a fatos impeditivos, extintivos e modificativos do direito do autor.
Contempla a presunção de veracidade quanto aos fatos não impugnados e a sua exclusão
do objeto da prova. Abrange, ainda, a necessidade de conexão entre a demanda do autor
e a demanda reconvencional do réu, ou quando menos, de conexão entre os fundamentos
da defesa e os da reconvenção. É certo que as partes, no exercício da sua autonomia,
podem convencionar que a defesa seja dividida, que o requerido possa aportar novos
argumentos em etapa posterior, ou até mesmo afastar qualquer presunção de veracidade
sobre fatos não contestados. A liberdade de regular os parâmetros do seu processo
abrangem essas posições ativas e passivas. Mas ademais de ser muito improvável que
semelhantes combinações sejam feitas, fato é que, se não existirem, e diante de um
impasse entre as partes, o árbitro deve se valer dessas noções processuais gerais, que
servirão como seu guia, como o porto seguro de como lidar com os parâmetros do
processo arbitral, concretamente considerado.

Admite-se também na arbitragem, a despeito do silêncio da Lei, a contraposição


de pedidos apta a fazer com que cada um dos sujeitos figure na relação processual como
autor e como réu637. A essa figura costuma-se referir como reconvenção ou pedido
contraposto, distinção que é irrelevante na arbitragem, apesar de manter alguma
relevância no processo estatal. As duas expressões designam a formulação de pretensão
pelo requerido e podem ser tomadas como sinônimas638. Isto se dá, na verdade, porque o
processo estatal contempla diferentes procedimentos para a formulação de pedidos pelo
réu, conforme se trate de procedimento ordinário ou perante os Juizados Especiais. Mas
a regra processual que é comum a toda a tipologia dos processos é a da possibilidade de
o réu manifestar conduta meramente defensiva, ou também ofensiva, de um contra-
ataque. Há de se distinguir, portanto, entre a regra processual, aplicável também à
arbitragem, das regras procedimentais, que não se projetam para o processo arbitral.

636
PARENTE, Eduardo. Processo arbitral e sistema, p. 173.
637
DINAMARCO, Cândido Rangel. A Arbitragem na Teoria Geral do Processo p. 148/149.
638
GRION, Renato Stephan. Procedimento II. Curso de Arbitragem, p. 205.
265

Portanto, o silêncio da lei especial não implica a necessidade de regulação destes


aspectos, a cada caso, pelos árbitros. Ainda que possa haver acordos das partes sobre tais
parâmetros, fato é que, na falta de combinação diversa, serão aplicáveis as normas
processuais gerais para orientar a forma de atuação defensiva das partes no processo
arbitral.

2.7. Revelia.

Como visto no capítulo dois (item 2.7), a Lei nº 9.307/96 contempla a revelia,
mas em sentido diverso do que se atribui a este instituto, tanto em termos teóricos, como
no plano da legislação processual. Preocupa-se em impedir que qualquer das partes, por
recusar-se a participar da arbitragem, possa impedir o desenvolvimento do processo e a
prolação da decisão.

Ocorre que o conceito processual de revelia não é esse. Em termos sistemáticos,


é, ainda assim, possível aplicar a ideia da revelia ao processo arbitral639. Não no sentido
que lhe emprega a própria Lei de Arbitragem, no artigo 22, §3º, mas em seu sentido
técnico, processualmente adequado, correspondente à ausência de resposta do requerido.
Porque se a defesa se estrutura sob a premissa do ônus de impugnação específica, se a
atividade jurisdicional é pautada pela existência de efetiva controvérsia entre as partes, o
comportamento omissivo do réu, que deixa de se defender, deve produzir consequências
também no processo arbitral.

Como se sabe, o fenômeno da revelia consiste na não apresentação de defesa por


parte do requerido640. Nestes casos, a consequência processual deve ser a de presunção
(relativa) de veracidade dos fatos alegados pelo requerente, em virtude da ausência de
impugnação específica a estes mesmos fatos. A defesa é uma conduta eventual do

639
Guilherme Setoguti Pereira reconhece a incidência da revelia no processo arbitral, bem assim a aplicação
das exceções à presunção de veracidade dos fatos, contidas no artigo 345 do CPC. Sustenta, igualmente,
que o requerido revel pode participar do processo a qualquer momento, recebendo-o no estado em que se
encontra (CPC, art. 346), por força do contraditório e devido processo legal. PEREIRA, Guilherme Setoguti
J. Curso de Arbitragem, p. 188.
640
Ou sua apresentação fora dos ditames legais. GAJARDONI, Fernando da Fonseca. Código de Processo
Civil Interpretado, p. 559.
266

requerido, que quando não manifestada, faz surgir a revelia e, no mais das vezes, os
efeitos previstos na legislação processual.

Nesse sentido, Dinamarco sustenta que “é preciso pois transportar ao processo


arbitral – naturalmente com as necessárias adaptações ao seu sistema – o que a propósito
da revelia e do efeito da revelia dispõe o Código de Processo Civil”641. Nos dois
processos, igualmente jurisdicionais, que compartilham da mesma estrutura, da mesma
espinha dorsal, a consequência de um mesmo comportamento do réu deve ser a mesma.
Se a consequência processual da revelia é disciplinada relativamente ao processo estatal,
é daquelas regras que o processo arbitral se valerá, para disciplinar a questão no âmbito
da arbitragem.

Mas a presunção que se estabelece é apenas relativa, não gera como resultado
imediato que os árbitros simplesmente encerrem o processo e passem imediatamente ao
julgamento da causa. Não é essa a consequência procedimental prevista na legislação
própria, de forma que, ausente semelhante previsão, deve ter seguimento os atos do
procedimento, ainda que de forma abreviada. Na prática arbitral brasileira, não é
incomum a ocorrência de revelia, sobretudo em contratos de franquia. Algumas cautelas
costumam ser adotadas nestas situações. Primeiro, assegurar a tentativa de citação por
diferentes modos, inclusive mediante o recurso à notificação judicial (CPC, arts. 726 a
729). Segundo, realizar a intimação pessoal da parte ausente de todos os atos do
procedimento642. Terceiro, se a resposta não for apresentada, os árbitros tendem a analisar
com cuidado as alegações fáticas deduzidas pelo requerente, aliadas ao conjunto
probatório apresentado. Identificadas lacunas ou algum aspecto inverossímil, pode haver
a determinação de produção probatória, mesmo na ausência da contraparte.

Diferentemente dos juízes, que lidam com milhares de causas, árbitros cuidam
de acervos reduzidos, são remunerados para julgar as demandas de forma customizada, e
a sua própria reputação está atrelada à qualidade do julgamento que promovem. Assim,
podem – e não raro o fazem – ser exigentes quanto ao standard de prova necessário,

641
DINAMARCO, Cândido Rangel. A Arbitragem na Teoria Geral do Processo p. 153.
642
ALVES, Rafael Francisco. O Devido Processo Legal na Arbitragem. Arbitragem no Brasil: aspectos
jurídicos relevantes, Quartier Latin, pp. 382-416, p. 403.
267

inclusive rejeitando parcelas do pedido que, não obstante a ausência de contestação, ainda
assim não restem inequivocadamente demonstrados643 644.

2.8. Preclusão.

A preclusão é entendida como a perda da faculdade de prática de certos atos no


processo, seja pelo decurso do seu prazo, seja pelo exaurimento da oportunidade para
praticá-lo645. Suas classificações e seus desdobramentos relacionam-se com situações
diferentes, que ocorrem no contexto do processo, como o decurso de um prazo ou a prática
de um ato incompatível. Mas em termos mais conceituais, é necessário reconhecer que a
própria ideia de procedere, a natureza mesma do processo como instrumento de exercício
de poder e, no caso do processo jurisdicional, como mecanismo para a solução de
conflitos e aplicação do direito aos casos concretos, exige a aplicação de um método que
permita esse desenvolvimento. Nesse contexto, é possível reconhecer que a preclusão é
inerente à própria ideia de processo646.

Se, como afirma Arruda Alvim, o processo, “se constitui numa realidade jurídica
que nasce, para se desenvolver e morrer”647, ele deve ser dotado de técnicas que
conduzam a tal resultado. Todas as modalidades de processo se valem da preclusão, que
constitui, assim, um conceito teórico importante da sua teoria geral. O que se modifica,

643
MAGALHÃES, José Carlos de. A Arbitragem e o Processo Judicial. Revista do Advogado, vol. 87,
AASP, pp. 61-66, p. 64: “Se revelia houver, a decisão deve estar suportada na prova feita. Embora o mesmo
aconteça no processo judicial, em que, na apreciação dos efeitos da revelia, o juiz deve também examinar
a prova produzida pelo autor, na arbitragem a regra é a decisão sempre se fundar na prova ou na sua
ausência, e não nos efeitos legais decorrentes da revelia”. No mesmo sentido, entendendo que mesmo em
caso de revelia deve haver apreciação dos fundamentos de fato e de direito essenciais que justifiquem as
conclusões da sentença arbitral, sob pena de nulidade, ver: TJAL, 3ª Câmara Cível, Apelação cível nº
0081326-07.2007.8.02.0001, Rel. Des. Domingos de Araújo Lima Neto, j. 23.11.2018.
644
A esse respeito, os Regulamentos do Centro de Arbitragem e Mediação da Câmara de Comércio Brasil-
Canadá (art. 7.5.1), Câmara de Conciliação, Mediação e Arbitragem Ciesp/Fiesp (art. 10.7), Câmara FGV
de Mediação e Arbitragem (art. 26,§3°), por exemplo, impedem a prolação de sentença fundada apenas na
revelia da parte.
645
ALVIM, Arruda. Manual de Direito Processual Civil, p. 727-728. Fredie Didier observa que o conceito
original de preclusão equivalia à perda pela parte de uma faculdade processual, mas com o tempo, passou
a se admitir que ocorre perda não apenas de faculdades, mas de direitos, capacidades, competências, e que
essa noção abrange a preclusão para o órgão jurisdicional também. Para Didier, a preclusão deve então ser
entendida como perda de uma situação jurídica processual ativa, pouco importando qual seja o seu titular.
DIDIER, Fredie. Sobre a Teoria Geral do Processo, p. 36.
646
DIDIER, Fredie. Curso de Direito Processual Civil: introdução ao direito processual civil, parte geral
e processo de conhecimento. 22ªedição, Salvador, JusPodivm, 2020, p. 531: “não há processo sem
preclusão”.
647
ALVIM, Arruda. Manual de Direito Processual Civil, p. 707.
268

como será visto, é a gradação dessa preclusão, mas não pode haver processo dela
totalmente desprovido.

Porém, não obstante constitua um conceito processual fundamental, é no plano


do procedimento que a preclusão efetivamente incide. Procedimento entendido como a
exteriorização do processo, como a concatenação de sucessivos atos, como a sequência
que se observa, desde a sua instauração até o trânsito em julgado. A preclusão determina
esse ritmo, impele o procedimento avante, evita seus retrocessos. Há sistemas que
consagram modelos procedimentais rígidos, marcados por rigorosas etapas preclusivas.
Outros adotam modelos mais flexíveis.

Ainda que modelos procedimentais não rígidos, ou largamente flexíveis, como


é o caso típico do processo arbitral, não adotem regras procedimentais específicas de
preclusões rígidas, o tema em si sempre é observado, o instituto da preclusão – como
648 649
conceito processual geral – é aplicável também ao processo arbitral . Eduardo
Parente afirma que a preclusão “praticamente inexiste no processo arbitral”650. Pedro
Batista Martins aduz que “os princípios da informalidade e da economia afastam a
preclusão. Fala mais alto a verdade material e a pacificação do conflito”651. Penso que
essas perspectivas enfatizam, desproporcionalmente, a inegável flexibilidade do
procedimento arbitral, mas deixam de considerar que a sua natureza processual impõe
graus mínimos de preclusividade ao procedimento.

Primeiro, diga-se que a própria Lei de Arbitragem contempla etapas preclusivas,


como a de suscitar questões relativas à competência, suspeição ou impedimento dos
árbitros652, ou se insurgir contra o desatendimento do prazo para prolação da sentença.
Mais do que isso, a preclusão é uma decorrência do modelo processual brasileiro. Poder-
se-ia admitir, em tese, uma convenção de arbitragem em que as partes autorizassem a

648
DINAMARCO, Cândido Rangel. A Arbitragem na Teoria Geral do Processo p. 58-59. Não obstante a
lei de arbitragem não possuam uma disposição como a do artigo 278 do CPC, Dinamarco observa que isto
não significa que não haja preclusões no processo arbitral, especialmente a consumativa. “São imposições
do próprio sistema, que sequer no Código de Processo Civil são expressamente disciplinadas em profusão
e que também na arbitragem devem em alguma medida ser consideradas”.
649
Sobre sistemas procedimentais rígidos e flexíveis, ver GAJARDONI, Fernando Fonseca. Flexibilidade
procedimental: um novo enfoque para o estudo do procedimento em matéria processual. São Paulo, Atlas,
2008.
650
PARENTE, Eduardo. Processo arbitral e sistema, p. 121
651
MARTINS, Pedro A. Batista. Apontamentos sobre a Lei de Arbitragem, p. 227.
652
Na Apelação nº 0043510-54.2014.8.16.0001, Rel. Des. Leonel Cunha, j. 12.11.2019, a 5ª Câmara Cível
do TJPR reconheceu a preclusão da alegação de parcialidade do árbitro, uma vez que a parte não objetou a
sua nomeação após a apresentação de declaração de não impedimento e aceitação.
269

apresentação da demanda em etapas, a apresentação de argumentos de resposta ao longo


de todo o procedimento, ou outras variações de um modelo livre de preclusões, mas não
é possível excluir totalmente a preclusão, porque a tutela jurisdicional deve ser prestada
em algum momento, respeitado o contraditório, o que impõe o encerramento da
apresentação de submissões e argumentos, de forma a permitir a prolação da decisão. E
se essa cogitação é meramente teórica, o que se observa em termos práticos é praticamente
a antítese desta ideia, porque as partes costumam organizar procedimento mais rígido,
com a fase postulatória claramente demarcada, momento próprio para estabilização da
demanda etc.

No plano da legislação que rege a arbitragem, a preclusão é indiretamente


prevista no artigo 20, que conclama as partes a se manifestarem na primeira oportunidade
que tiverem sobre determinadas matérias, sendo que sobre parte delas – relativas aos
árbitros -, entende-se que incide a preclusão. Quanto às matérias atinentes à convenção
de arbitragem, prevalece o entendimento de que tais temas possuem elementos de ordem
pública, não suscetíveis à preclusão653.

Incide, portanto, a distinção igualmente observada nos demais ramos do


processo, entre matérias que, por sua relevância, escapam à preclusão, e matérias que
devem ser suscitadas pelas partes na primeira oportunidade, sob pena de não serem mais
passíveis de exame pelo órgão julgador. A preclusão não incide apenas quanto às
alegações relativas aos árbitros, mas em relação a todas as matérias que são juridicamente
classificadas como exceções, processuais ou de mérito. Se o rol de exceções processuais
é mais restrito, quanto ao mérito há um universo amplo de matérias que só podem ser
conhecidos pelo julgador se forem suscitados pelas partes654.

De outro lado, o que se classifica como objeção, também dividida em processual


e de mérito, pode ser examinado pelos árbitros mesmo que não sejam alegadas na primeira
oportunidade, e mesmo que nem sejam propostas pelas partes. No plano do processo, por
exemplo, escapam à preclusão as alegações sobre condições da ação e pressupostos
processuais655. Não se exclui, contudo, o dever dos árbitros de submeter tais questões a
debate com e entre as partes, em respeito ao princípio do contraditório.

653
PEREIRA, Guilherme Setoguti J. Procedimento I. Curso de arbitragem, p. 182.
654
APRIGLIANO, Ricardo de Carvalho. Ordem Pública e Processo, p. 121.
655
PARENTE, Eduardo. Processo arbitral e sistema, p. 186.
270

Ainda que o foco deste tópico seja debater a preclusão interna ao processo
arbitral, há um aspecto desse tema que merece registro. É que a inexistência de preclusão
quanto a certas matérias não pode servir para estimular ou absolver comportamentos
nítidos de reserva mental, em que a parte, mesmo podendo arguir questões diretamente
perante os árbitros, deixa de deduzir o argumento, para posteriormente suscitá-lo como
causa para tentar anular a sentença arbitral.

Alegações relacionadas à violação do dever de revelação, mesmo tendo por


objeto fatos públicos, que eram do conhecimento da parte, ou que poderiam ter sido
conhecidos pela parte ainda no trâmite do processo arbitral, são exemplos típicos deste
comportamento, que deve ser reprimido656. Do mesmo modo, a parte que não registra
alguma insurgência durante a tramitação do processo arbitral quanto a aspectos da prova,
contraditório ou outro aspecto do devido processo legal, não pode pretender suscitar tais
questões apenas após a prolação da sentença desfavorável657.

Mas afinal, qual o modelo do processo arbitral brasileiro, no que tange à


preclusão? Sem sombra de dúvida, é um modelo procedimental flexível, que permite ao
árbitro “a adaptação às exigências e conveniências de cada caso”658. Não havendo
fixação, a priori, de prazos na própria lei, nem nos regulamentos arbitrais (em regra), será
no caso concreto que o procedimento será estabelecido. Isso costuma representar a
fixação do calendário pelas próprias partes, em prazos compatíveis com a natureza e
complexidade das disputas.

Também não há uma ordem preestabelecida de realização das provas, assim


como se admite, com maior naturalidade, a reabertura da instrução probatória, sobretudo
por iniciativa dos árbitros. Portanto, não havendo na arbitragem as fases rígidas que
marcam o processo estatal, é mais aceita a ideia de que a preclusão possa ser mitigada,
“quando significar uma afronta aos princípios do contraditório e da igualdade”659. Porque
podem surgir situações em que a parte pretenda praticar um ato após o tempo

656
Segundo Antonio pinto Leite, constitui prática inaceitável a conduta da parte que se mantém omissa
quanto a um fato de seu conhecimento, deixando de invocá-lo perante os árbitros LEITE, Antonio Pinto.
Independência, Imparcialidade e suspeição de Árbitro. Revista Brasileira de Arbitragem, p. 118.
657
FOUCHARD, Philipe. Sugestões para aumentar a eficácia internacional das sentenças arbitrais. Revista
de Direito Bancário e do Mercado de Capitais, São Paulo, vol. 8, p. 331, abril, 2000, p. 333.
658
DINAMARCO, Cândido Rangel. A Arbitragem na Teoria Geral do Processo p. 56-57.
659
ALVES, Rafael Francisco. O Devido Processo Legal na Arbitragem. Arbitragem no Brasil: aspectos
jurídicos relevantes, p. 404.
271

ordinariamente fixado para tanto. Há que distinguir, porém, qual o tipo da preclusão e
qual a natureza da flexibilização pretendida.

Se o ato já foi praticado, não se permitirá a sua renovação, exceto em casos


excepcionais. Se ocorre contradição lógica entre o ato que se pretende praticar e outro, já
praticado, também será mais difícil superar a preclusão. Por exemplo, se o reconvinte,
que deixa de recolher as custas com o processo arbitral, manifesta-se desistindo dos
pedidos que fez, não pode essa mesma parte, em momento subsequente, informar a
obtenção de recursos, ou requerer que seus pedidos, já desconsiderados, voltem a compor
o objeto do processo 660.

Dinamarco alerta que a liberdade inerente ao processo arbitral não pode chegar
ao ponto de permitir prática de atos incompatíveis com atos praticados já pela parte, nem
deixar portas ilimitadamente abertas à repetição do exercício de faculdade processual já
exercida – preclusão consumativa661.

No que diz respeito à preclusão temporal, também há alguma gradação que deve
ser considerada. Em primeiro lugar, o desatendimento de um prazo peremptório, previsto
na lei ou fixado no calendário, tende a ensejar a pena de preclusão662. Pense-se no prazo
para resposta, especificação de provas ou pedido de esclarecimentos quanto à sentença
arbitral. É difícil considerar aceitável que estes atos venham a ser praticados no dia
seguinte, ou dias depois da data avençada. A previsibilidade e a segurança dos litigantes
ficariam muito ameaçadas se tais etapas do procedimento pudessem ser manipuladas
pelas partes. Existe uma expectativa de direito que se estabelece quando as partes fixam
o calendário, ou quando o tribunal arbitral fixa um prazo. Acaso se permita à parte que
desatendeu o ônus que apresente manifestações intempestivas, o devido processo legal e
a igualdade a que estão sujeitas as partes poderão ser afetados663. É claro, de outro lado,
que vale no processo arbitral a regra do processo estatal de que a pena de preclusão pode

660
DINAMARCO, Cândido Rangel. “Supressio”, Direito e Processo. Memorias de um Processualista,
São Paulo, Malheiros, 2021, p. 161-164.
661
DINAMARCO, Cândido Rangel. A arbitragem na teoria geral do processo, p. 60.
662
Guilherme Setoguti J Pereira igualmente assevera que os prazos fixados pelas próprias partes ou pelos
árbitros devem ser respeitados. Além disso, as partes não podem praticar atos incompatíveis com os já
praticados, o que corresponde à preclusão lógica, ou repetir atos já praticados (preclusão consumativa).
Quanto à última modalidade, exemplifica com a impossibilidade de o autor apresentar duas vezes as
alegações iniciais. PEREIRA, Guilherme Setoguti J. Curso de Arbitragem, p. 183-184.
663
ARAUJO, Yuri Maciel. Arbitragem e Devido Processo Legal, São Paulo, Almedina, 2021, p. 131.
272

ser relevada pelo julgador, se a parte provar que não praticou o ato por justa causa (CPC,
art. 223, parte final)

De outro lado, pode ocorrer de a parte pretender substituir uma testemunha, ou


apresentar documentos em fase ulterior do procedimento. Ou ainda, a juntada de
pareceres jurídicos com as alegações finais. Em situações mais extremas, a juntada destes
pareceres com o pedido de esclarecimentos da sentença arbitral. Tais atos, porque não
previstos no cronograma, devem ser tidos por intempestivos? No modelo flexível
proposto pelo processo arbitral, deve sempre ser ponderado se tais situações causam
algum tipo de prejuízo, e examinado com prudência a extensão do prejuízo causado à
parte em desfavor de quem a preclusão pode ser decretada. Como observa Rafael
Francisco Alves, “mais importante que a ordem e a higidez do procedimento é a igualdade
de participação das partes”664.

Dessa forma, se há antecedência suficiente para permitir à contraparte se


preparar para a audiência, e se a substituição da testemunha é justificada, não há razão
para indeferir o pedido. Veja-se que o indeferimento pode acarretar prejuízos ao direito à
prova da parte que arrola a testemunha, ao passo que o seu deferimento não acarreta
qualquer prejuízo à contraparte. Quando muito, diante da flexibilidade do procedimento,
os árbitros podem facultar à contraparte que emende o seu rol de testemunhas. Amplifica-
se o direito à prova, restaura-se a igualdade, sem que ninguém sofra prejuízo. O grande
termômetro será o contraditório665. Se a possibilidade de debate e contraprova servirem
para atenuar os inconvenientes decorrentes da perda da oportunidade para a prática de
algum ato, é de se permitir a sua prática.

Tem-se, assim, um modelo processual marcado por sensível flexibilidade


procedimental, que outorga às partes a prerrogativa de fixar a marcha do processo, mas
que não tolera a inexistência de preclusões. E como tem sido afirmado ao longo desta
tese, no caso de omissão das partes e diante de um impasse, os conceitos e parâmetros da
teoria geral do processo terão plena aplicação. Não se trata, no que diz respeito à
preclusão, de aplicar regras do Código de Processo Civil, porque elas, quando existem,

664
ALVES, Rafael Francisco. O Devido Processo Legal na Arbitragem. Arbitragem no Brasil: aspectos
jurídicos relevantes, Quartier Latin, pp. 382-416, p. 404.
665
ARAUJO, Yuri Maciel. Arbitragem e Devido Processo Legal, São Paulo, Almedina, 2021, p. 130.
273

dizem respeito ao procedimento judicial. Trata-se de aplicar estas noções processuais,


porque a arbitragem lida com os mesmos parâmetros666.

Em termos práticos, é razoavelmente difundida a prática de fazer constar nos


termos de arbitragem que caso qualquer das partes tenha conhecimento de que alguma
disposição ou exigência aplicável não foi cumprida, mas, mesmo assim, continue a atuar
no processo arbitral sem manifestar objeção em determinado prazo, será considerado que
a parte renunciou ao direito de formular objeção quanto àquele descumprimento.
Disposições semelhantes propõem um equilíbrio entre os deveres de lealdade, cooperação
e a garantia do devido processo legal, prevenindo que a parte guarde argumentos para
tentativa futura de anulação da sentença.

2.9. Disciplina geral da Prova

Os três próximos tópicos deste capítulo são dedicados ao tema das provas. Neste
primeiro, serão explorados seus aspectos gerais, a amplitude do direito à prova e a
possibilidade de limitações consensuais a certos meios de prova, o modo como ela se
realiza, sua compreensão, interpretação. Isso inclui temas como o ônus da prova, a
aplicabilidade de noções como a das presunções, máximas de experiência, etc. O segundo
se dedica a aspectos particulares de alguns dos meios de prova e, por fim, o terceiro
explora o tema, ainda relativamente novo, da produção autônoma da prova nas situações
em que se tenha eleito a arbitragem.

Pois bem. A regulação específica acerca das provas na legislação arbitral é


mínima667. Ao aludir à possibilidade de produção de certos meios de prova e permitir que
o próprio árbitro determine tais provas, o legislador consagra o direito à prova em si, e
deixa quase toda a regulação procedimental desse direito ao critério das partes e dos
árbitros. É previsto o procedimento para a prova oral, que será colhida em local, dia e

666
ARMELIN, Donaldo. Prescrição e Arbitragem. Revista de Arbitragem e Mediação, vol. 15, Out-dez
2007, pp. 65-79, p. 69: “a arbitragem apresenta, no seu conjunto, estrutura semelhante a do processo civil,
até porque ambos são instrumentos heterônimos de solução de conflitos, nos quais emerge a existência de
terceiro desinteressado ao qual se atribui autoridade suficiente para o deslinde do litígio. Além do mais,
ambos os sistemas são dotados da aptidão para produzir, mediante o seu resultado final, os mesmos efeitos
qualificados pela imutabilidade panprocessual inerente ao fenômeno da coisa julgada material”.
667
MARCATO, Ana Cândida Menezes. A influência do sistema probatório da arbitragem no regime da
prova pericial do novo CPC. FERREIRA, Direito Probatório, Vol. 5. William Santos; JOBIM, Marco
Félix. Coleção Grandes Temas do Novo CPC, 3ª edição, Juspodivm, 2018, pp. 1241 a 1254, p. 1245.
274

hora previamente comunicados, por escrito, exigindo a lei que isto seja reduzido a termo,
assinado pelo depoente, ou a seu rogo, e pelos árbitros (Art. 22, §1º). Disposições sobre
forma, tempo e lugar do ato, logo, disposições de natureza procedimental.

Do §2º do mesmo artigo 22 extrai-se, por via indireta, a previsão acerca da


valoração do depoimento pessoal, caso a parte se recuse a depor ou se valha de evasivas.
Em técnica melhor do que a prevista para o processo estatal, a lei determina que os
árbitros levem em consideração tais comportamentos.

Quanto ao mais, a lei especial é omissa. O panorama geral da prova na


arbitragem deve ser extraído, portanto, dos princípios processuais e dos conceitos teóricos
inerentes a esta disciplina. O direito amplo à prova é, hodiernamente, concebido como
uma manifestação do acesso à justiça, da inafastabilidade da tutela jurisdicional. Constitui
direito fundamental das partes, sob uma compreensão mais ampla do direito à obtenção
de tutela efetiva e tempestiva668. Não pode haver verdadeiramente uma tutela jurisdicional
– por juízes ou árbitros – se às partes é negada a possibilidade de amplamente
demonstrarem suas razões, por meio de provas lícitas, produzidas por meios típicos ou
atípicos. O princípio do contraditório também exerce papel relevante neste aspecto.

Na legislação estatal, esses princípios relativos à prova são concretizados em


dispositivos legais, como o artigo 369 do CPC669. Tais parâmetros se aplicam à
arbitragem, e neste particular, nem é preciso recorrer a uma aplicação subsidiária do CPC,
porque do próprio microssistema arbitral já se chega a essa mesma conclusão. O mesmo
poderia ser dito do processo estatal, que adotaria esses mesmos parâmetros, ainda que
inexistisse o artigo 369.

Também da lei se extrai a previsão de que os árbitros têm poderes instrutórios


de ofício. Trata-se de clara indicação do pertencimento do processo arbitral à teoria geral
do processo, da sua equiparação com a estrutura fundamental do processo jurisdicional

668
Até ao revel se assegura o direito de produzir provas, desde que se faça representar nos autos a tempo
de praticas os atos processuais indispensáveis a essa produção (CPC, art. 349). PEREIRA, Guilherme
Setoguti J. Procedimento I. Curso de Arbitragem, p. 189.
669
No direito italiano, os parâmetros essenciais do direito probatório, que PROTO PISANI qualifica como
princípios, são previstos no CPC: a disponibilidade da prova, o princípio da valoração da prova conforme
il prudente apprezzamento del giudice, o princípio do ônus da prova e o princípio que consagra o ônus de
impugnação específica, o qual não é positivado no direito italiano, mas que decorre de um ideal superior
de eficiência e economia. PROTO PISANI, Andrea. Allegazioni dei fatti e principio di non contestazione
nel processo civile. Teoria do processo: panorama mundial, pp. 89- 98, p. 97.
275

brasileiro. Nem faria sentido que o árbitro, juiz de fato e de direito, tivesse menores
poderes instrutórios que os juízes670. Tanto mais porque a sua decisão quanto ao mérito é
de instancia única, insuscetível de revisão, o que amplifica seus deveres de buscar a
solução mais adequada ao caso671. Esta constatação não se incompatibiliza com o fato de
que, em termos práticos, tanto árbitros quanto juízes togados tendem a utilizar seus
poderes instrutórios de forma residual672.

Antes de expor os parâmetros gerais que informam a disciplina das provas no


processo arbitral, é oportuno abrir este tópico com a ressalva, importante, de que a
especificidade do processo arbitral permite e aceita, com maior naturalidade, que as partes
pactuem limitações consensuais aos meios de prova. A liberdade de que gozam as partes,
a origem contratual da escolha da arbitragem, a aderência do procedimento aos conflitos
específicos, todos esses são fatores que autorizam as partes a, por exemplo, eleger um
processo no qual somente provas documentais possam ser produzidas. Ou que excluam
provas periciais, ou ainda, que limitem a quantidade de testemunhas673.

O processo arbitral é pautado por garantias constitucionais, entre as quais o


devido processo legal. Esse é um aspecto que escapa à disponibilidade das partes. Não
pode haver processo indevido. Mas a exclusão de um meio de prova ou a limitação de
certos aspectos da prova não equivale a uma ofensa ao devido processo legal674 675
.
Apenas em hipóteses muito excepcionais se atingirá o devido processo legal pelo (mero)
fato de as partes, no exercício de sua liberdade e autonomia da vontade, estabelecerem
tais restrições.

670
HUCK, Hermes Marcelo. AMADEO, Rodolfo da Costa Manso Real. Árbitro, juiz de fato e de direito.
Revista de Arbitragem e Mediação, vol. 40, 2014, pp 181-192, p. 184.
671
CARNEIRO, Paulo Cezar Pinheiro. Aspectos processuais da nova lei de arbitragem. Arbitragem: lei
brasileira e praxe internacional. CASELLA, Paulo B. coordenador, 2ª. ed, Sao Paulo, LTr, 1999, pp. 291-
315, p. 306.
672
FITCHNER, MANNHEIMER e MONTEIRO. Teoria Geral da Arbitragem. p. 192. Quanto ao processo
estatal, ver APRIGLIANO, Ricardo de Carvalho. Comentários ao Código de Processo Civil, vol. VIII,
tomo I, p. 116-120.
673
Sobre a natureza material ou processual das regras sobre provas, ver APRIGLIANO, Ricardo de
Carvalho. Comentários ao Código de Processo Civil, vol. VIII, tomo I, p. 47-51.
674
FIGUEIRA Jr., Joel Dias. Arbitragem. 3ª Ed. Rio de Janeiro, Forense, 2019, p. 276.
675
Com posição contrária às limitações probatórias, CARNEIRO, Paulo Cezar Pinheiro. Aspectos
processuais da nova lei de arbitragem. Arbitragem: lei brasileira e praxe internacional. CASELLA, Paulo
B. coordenador, 2ª. ed, Sao Paulo, LTr, 1999, pp. 291-315, P. 306.
276

Diante deste tipo de limitação na convenção de arbitragem, os árbitros se


vinculam. Há de se ter extremo cuidado ao pretender a realização de provas que foram
expressamente excluídas pelas partes ou requeridas em desconformidade com o que havia
sido previamente estabelecido676, porque o respeito aos parâmetros da convenção de
arbitragem tem patamar de proteção idêntico ao do devido processo legal677. Cenário
diverso é o de as partes pretenderem criar regras que impactem a igualdade ou o
contraditório, como as que cerceassem a manifestação sobre provas, ou criassem critérios
diferenciados para o deferimento de provas entre as partes678. As limitações recíprocas
serão admitidas, salvo hipóteses realmente excepcionais. Já a imposição de alguma
restrição que afete apenas uma das partes, ao contrário, deve ser, em linha de princípio,
havida como ilegítima.

Quanto à disciplina da prova em nosso sistema processual, é de se reconhecer a


presença de alguns parâmetros fundamentais. E todos eles são igualmente aplicados à
arbitragem, por este triplo exercício de interpretação e integração. São aplicados porque
a legislação própria consagra alguns desses aspectos. São aplicados porque eles são
decorrência de princípios processuais aplicáveis ao processo arbitral, como os da
inafastabilidade do controle jurisdicional, do contraditório, da duração razoável e
efetividade. Mas são também aplicados em virtude do aporte dos conceitos teóricos da
teoria geral do processo.

É a partir da teoria geral que se obtém respostas quanto à concentração dos


esforços probatórios sobre os fatos controvertidos, e que sejam pertinentes à solução da
disputa, que se estabelece a aplicação, a qualquer método de julgamento, das ideias de

676
A respeito do tema, ao julgar ação anulatória proposta com fundamento na alegação de preclusão do
direito de produção de prova, em razão do não cumprimento do cronograma estabelecido na Ata de Missão,
o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo reconheceu que: “No processo arbitral, como o procedimento
é estabelecido pelas próprias partes, a necessidade de respeitá-lo só aumenta. Isso porque não é necessário
que o julgador indague se o procedimento é adequado à resolução da controvérsia que deve resolver; as
próprias partes, ao determinar o procedimento, já responderam positivamente a essa indagação. Assim, se
o réu deixou de indicar nas alegações iniciais, de maneira fundamentada, quais as provas que pretendia
produzir, ocorreu a preclusão desse direito. Ao rejeitar a alegação de preclusão da produção probatória, a
sentença arbitral parcial (fls. 185-257) desrespeitou o cronograma de procedimento e, consequentemente,
a igualdade de partes, nos termos do art. 21, § 2º da Lei nº 9.307/96 .(TJSP; Apelação Cível 1066484-
54.2019.8.26.0053; Relator (a): Luís Francisco Aguilar Cortez; Órgão Julgador: 1ª Câmara de Direito
Público; Foro Central - Fazenda Pública/Acidentes - 16ª Vara da Fazenda Pública; Data do Julgamento:
27/04/2021; Data de Registro: 04/05/2021.
677
FICHTNER, MANNHEIMER e MONTEIRO. Teoria Geral da Arbitragem, p. 192.
678
ALVES, Rafael Francisco. Devido Processo Legal na Arbitragem, p. 405-406. O autor ressalva com
acordos sobre certas peculiaridades da produção de provas, como combinar que depoimento pessoal, a
inspeção ou oitiva de testemunhas seja realizada sem a participação das Partes, como “de uma testemunha
que se sinta constrangida pela presença de uma das partes, por ser antigo desafeto”.
277

máximas de experiência, de presunções679. Constitui também um conceito teórico não só


a própria noção de ônus da prova, como a sua construção específica, que atribui ao autor
o ônus de provar os fatos constitutivos do seu direito, e ao réu o ônus de provar fatos
impeditivos, extintivos e modificativos.

É fato que o legislador processual positivou todos estes parâmetros em artigos


específicos do CPC. São, todos eles, regras de natureza processual, que dizem respeito às
posições que as partes assumem no processo. Integram, assim, os fundamentos do
processo jurisdicional brasileiro, cujas regras são previstas em suas normas gerais.

O processo arbitral, ramo do direito processual que é, bebe nesta fonte comum,
se vale desses mesmos conceitos, e exatamente por isso, não é necessário ou
recomendável que os regule na legislação específica. A regulação própria só se justifica
para os temas que merecem disciplina diversa, destacada do tronco comum. Mas sendo
esses conceitos diretamente derivados dos princípios processuais, nesta disciplina
específica de disposições gerais sobre a prova, as soluções que se adotam no processo
arbitral são decorrência desses princípios e dessas noções gerais. Pode-se dizer que a
invocação subsidiária de normas específicas do CPC nem chega a ser necessária. Mas
vale aqui uma provocação. Se o parâmetro do modelo processual brasileiro se modificasse
(a exemplo do que ocorreu com a coisa julgada sobre questão prejudicial), seria possível
invocar apenas o conceito do ônus da prova, desatrelado do regramento positivo? Ou o
parâmetro, aplicável ao processo arbitral, se modificaria também?

Outra ressalva importante é que estes parâmetros gerais devem ser aplicados, na
falta de combinações particulares. A autonomia da vontade permite que as partes
disciplinem seu ônus de prova diferentemente, pactuem a modificação de algum
parâmetro, a inversão do ônus da prova, em termos gerais ou relativamente a algum
conjunto fático particular680. Mas inexistentes esses acordos, o ônus da prova competirá

679
Fernando Serec afirma, com razão, serem plenamente utilizáveis na arbitragem as presunções e a
desnecessidade de prova mencionados no artigo 374 do CPC. Os fatos notórios, os que são afirmados por
uma parte e confessados pela outra ou admitidos no curso do processo, são todos conceitos aplicáveis ao
processo arbitral. SEREC, Fernando Eduardo. Provas na arbitragem. 20 anos da lei de arbitragem:
homenagem a Petronio R Muniz, p. 298.
680
A este respeito, ver GODINHO, Robson. Negócios Processuais Sobre o Ônus da Prova no Novo Código
de Processo Civil, São Paulo, Revista dos Tribunais, 2015.
278

a quem alega, a quem a eventual não demonstração do respectivo fato possa prejudicar681
682
.

Não obstante o silêncio da lei, parece igualmente aplicável ao processo arbitral


a vedação do saber privado do julgador, porque esta noção processual decorre diretamente
da imparcialidade que deve presidir todas as atividades de julgamento683. Taruffo
considera que se trata de “um princípio geral existente em todos os sistemas
processuais"684. E como decorrência deste mesmo princípio, a contrario senso, admite-se
que o julgador leve em consideração os denominados fatos notórios, que são aqueles “que
entram na experiência comum da generalidade das pessoas de dado tempo e lugar, e
podem ser usados pelo juiz sem ofender a proibição de usar seu saber privado nos
julgamentos”. Serão fatos notórios aqueles conhecidos por uma pessoa média, de cultura,
média, ou de uma comunidade profissional específica685.

Há de se distinguir os fatos notórios das máximas de experiência. Aqueles são


específicos, são pontuais, dizem respeito a acontecimentos concretamente verificados.
Estas “não são fatos, são percepções e ilações que se extraem de fatos recorrentes, de
experiências reiteradas da vida”686.

O objeto da prova no processo arbitral se circunscreve ao conjunto fático


controvertido, cuja investigação assume relevância para o deslinde da controvérsia. Pode
haver também debates aprofundados sobre o direito aplicável, inclusive com a juntada de
pareceres e a inquirição dos experts em audiência. Não para, propriamente, provar a
ocorrência ou a existência do direito, mas para influenciar a interpretação que se deva dar
a essas questões de direito relevantes para o caso. No plano estritamente probatório, as
iniciativas das partes e dos árbitros se circunscrevem aos fatos controvertidos, de modo
que também terá aplicação ao processo arbitral a noção de que os fatos afirmados por uma

681
VERÇOSA, Fabiane. A produção de Provas. Curso de Arbitragem, pp. 219-251, p. 219: “Tal qual no
processo judicial, esta antiga máxima também vale para o procedimento arbitral”.
682
Em referência ao artigo 373, II, 2 parágrafo 1º, do CPC, que versa sobre a distribuição do ônus da prova,
CRUZ e TUCCI admite a aplicação da inversão do ônus da prova, para quem o tribunal terá de enfrentar
as peculiaridades da causa, declinando as razões que o convenceram a determinar a inversão do ônus
subjetivo da prova legal, distribuído nos incisos I e II do artigo 373 do Código de Processo Civil. CRUZ e
TUCCI, José Rogério. Reflexões sobre estrutura formal da sentença arbitral. 20 anos da lei de arbitragem:
homenagem a Petronio R Muniz, p. 579.
683
LAMAS, Natália Mizrahi. Introdução e Princípios aplicáveis à Arbitragem, Curso de Arbitragem, p. 42.
684
TARUFFO, Michele. A Prova, 1a ed., São Paulo, Marcial Pons, 2014, p. 140.
685
APRIGLIANO, Ricardo de Carvalho. Comentários ao Código de Processo Civil, vol. VIII, tomo I, p.
191-192.
686
APRIGLIANO, Ricardo de Carvalho. Ob. Cit, p. 215.
279

parte e admitidos pela outra serão tidos por incontroversos. Não são fatos notórios, são
fatos incontroversos. Mas o seu tratamento é o mesmo, ficam de fora das investigações
probatórias.

Dessas ponderações decorre outra. No plano doutrinário, as provas são


classificadas quanto ao seu momento, divididas em requerimento, admissibilidade,
produção e valoração. Exceto pelas provas documentais, que costumam ser desde logo
produzidas, sem um requerimento anterior à sua juntada aos autos, as demais provas
cumprem este itinerário. Os árbitros, juízes de fato e de direito, realizam esta mesma
atividade, e devem examinar a pertinência das provas, indeferindo, fundamentadamente,
provas que lhe pareçam desnecessárias687.

Todos esses parâmetros são utilizados no contexto da valoração das provas e no


julgamento de demandas arbitrais, não obstante não haver previsões específicas na Lei nº
9.307/96 e haver regramento específico a respeito no Código de Processo Civil. Pode-se
entender que esta aplicação decorre do compartilhamento dos conceitos teóricos gerais
da teoria geral do processo, ou que se trata de aplicação subsidiária das normas
processuais gerais a aspectos que não são regulados na norma especial, nem são com ela
incompatíveis. Seja como for, é inegável a aplicabilidade desses parâmetros, e é prudente
e saudável que assim seja, porque o método de julgamento de uma demanda arbitral não
pode ser atribuído livremente aos árbitros, a ponto de, sem prévia combinação entre as
partes, afastarem-se tais parâmetros conhecidos. Seria imprudente e fonte de profunda
insegurança jurídica se os árbitros, a pretexto da autonomia da arbitragem, decidissem
refutar todas essas construções teóricas e julgar segundo seus critérios discricionários (ou
arbitrários).

2.10. Meios de prova.

Meios de prova são os diversos instrumentos pelos quais a constatação sobre a


ocorrência ou inocorrência dos fatos chega até o sujeito que precisa formar sua
convicção688. Eles constituem um mecanismo interno ao processo, são os instrumentos de
que o processo se vale para que os elementos externos a ele (as pessoas, os documentos,

687
VERÇOSA, Fabiane. A produção de Provas. Curso de Arbitragem, pp. 219-251, p. 220.
688
WAMBIER e TALAMINI, Curso Avançado de Processo Civil, vol. 2, p. 249.
280

as coisas: as fontes de prova) sejam trazidos e possam ser utilizados para a compreensão
do que ocorreu, isto é, de como os fatos se deram689.

Há pouquíssima regulação sobre os meios de prova na lei de arbitragem. Afora


a previsão de alguns poucos meios típicos, há, como dito, apenas o procedimento a ser
adotado para a tomada do depoimento das partes e das testemunhas690. Todo o restante
do regramento legal depende de complementação. Aqui, é particularmente relevante
compreender as distinções que vêm sendo propostas, de identificar parâmetros
processuais que digam respeito à própria relação jurídica processual, e que formam a
estrutura do processo brasileiro, e distingui-los do detalhamento procedimental de como
cada ato processual deve ser praticado, do seu tempo, modo e lugar.

Não obstante siga sendo proclamada a inaplicabilidade das disposições


específicas do CPC às provas, fato é que mesmo entre os autores que se dedicaram ao
tema, há o reconhecimento de que padrões do processo estatal são aplicados,
compartilhados, aplicados691692. Razão assiste a Dinamarco, ao afirmar que, diante da
escassez de normas sobre provas, “devem ter-se por importadas ao processo arbitral,
ainda que cum grano salis, certas disposições, exigências e ressalvas presentes na
disciplina do processo civil comum, as quais, como normas gerais de processo, são de
aplicação subsidiária ao processo arbitral regido pela lei brasileira. Essa é também uma
consequência natural da inserção do microssistema da arbitragem no sistema do processo
civil comum”693.

689
APRIGLIANO, Ricardo de Carvalho. Comentários ao Código de Processo Civil, vol. VIII, tomo I, p.
41.
690
SEREC observa que o modelo brasileiro seguiu o parâmetro da Lei Modelo Uncitral, que trata a
determinação da produção de provas como parte da prerrogativa do tribunal arbitral de estabelecer regras
do procedimento, sem especificar todos os meios de prova. Ilustra com a Lei portuguesa, que determina a
aplicação, na arbitragem, de todos os meios de provas admitidos na lei processual. SEREC, Fernando
Eduardo. Provas na arbitragem. 20 anos da lei de arbitragem: homenagem a Petronio R Muniz, p. 295-296.
691
Por exemplo, SEREC afirma que a aplicação do CPC “é absolutamente subsidiária no processo arbitral”,
mas reconhece a aplicabilidade das regras sobre ônus da prova e da prova emprestada. SEREC, Fernando
Eduardo. Provas na arbitragem. 20 anos da lei de arbitragem: homenagem a Petronio R Muniz, p. 296.
692
MONTORO, Marcos. Flexibilização do Procedimento Arbitral, p. 293: Sobre o objeto da prova, “só
precisam ser provados os fatos, e entre esses somente os pertinentes, relevantes e controvertidos, sendo que
não precisam ser provados os fatos notórios e aqueles a respeito dos quais exista uma presunção legal em
favor de uma das partes”. (...) Essas conclusões, mais do que decorrentes do que consta do CPC, são
derivadas de um senso comum do que precisa ser objeto de prova em qualquer método heterocompositivo
de solução de controvérsias”.
693
DINAMARCO, Cândido Rangel. A Arbitragem na Teoria Geral do Processo p. 159-160.
281

Os exemplos do próprio Dinamarco bem ilustram o ponto. Como lidar com


testemunhas incapazes, suspeitas ou impedidas, sem o recurso às normas específicas do
Código de Processo Civil? Ou como justificar que a prova de um fato técnico seja
realizada sem o apoio de um perito ou, ainda pior, com apoio de profissionais cuja
especialidade não esteja relacionada à matéria técnica? Pela autonomia da arbitragem,
seria possível desconsiderar a regra segundo a qual o documento público faz prova não
só da sua formação, mas também dos fatos que o escrivão, o chefe da secretaria, o
tabelião ou o servidor declarar que ocorreram em sua presença?694

O que não se aplica, em hipótese alguma, são os detalhamentos procedimentais


acerca das provas, sobretudo as limitações que, pensadas para um sistema de justiça
estatal, com milhares de causas, não pode ser aplicado a processos individualizados,
concebidos para o aprofundamento das discussões e a busca por soluções mais aderentes
à realidade. Assim é que as testemunhas na arbitragem são tão obrigadas a dizer a verdade
como quaisquer outras, mas não estão limitadas a certas quantidades, nem aportam seus
depoimentos apenas oralmente, na própria audiência. Assim é que a audiência é um
direito assegurado às partes, que na arbitragem se amplifica, porque pode haver audiência
meramente para a apresentação do caso pelos advogados, sem alguma atividade
instrutória acoplada, além de poder ser realizada – e muitas vezes ser efetivamente –
durante dias ou semanas seguidas, o que evidentemente afasta qualquer construção acerca
de uma inexistente unicidade da audiência 695 696.

Porque o procedimento é flexível na arbitragem, é justamente no universo das


provas que esta liberdade se manifesta em sua máxima potência. A ordem e o modo de
sua produção são definidos pelas partes e pelos árbitros, sem parâmetros procedimentais
prévios. Veja-se alguns desses aspectos.

Quanto à prova oral, comecemos pelas testemunhas. O procedimento arbitral não


tem parâmetros pré-definidos quanto à quantidade de testemunhas, prazo para a sua

694
A esse respeito, ver NUNES, Thiago Marinho. A evolução do conceito de prova técnica na arbitragem.
https://www.migalhas.com.br/coluna/arbitragem-legal/349079/a-evolucao-do-conceito-de-prova-tecnica-
na-arbitragem acesso em 10.08.2021.
695
No contexto da arbitragem internacional, ver KAUFMANN-KOHLER, Gabrielle. Arbitration
procedure: identifying and applying the law governing the arbitration procedure. In: van den Berg, Albert
Jan. Improving the efficiency of arbitration agreements and awards: 40 years of application of the New
York Convention. The Hague: Kluwer Law International, 1999. p. 356-365, p. 363-364.
696
MONTORO, Marcos. Flexibilização do Procedimento Arbitral, p. 303.
282

indicação, limitações à sua substituição. Também não impõe apenas o modelo de


depoimentos orais. Na arbitragem, todos estes aspectos são regulados pelas partes e/ou
pelos árbitros. Admitem-se acareações, inquirições conjuntas, rodadas sucessivas de
questionamentos, a organização das testemunhas por bloco de temas, sem importar a parte
que as arrolou697 698. Admite-se depoimentos em outros idiomas, com ou sem tradução (a
depender do conhecimento dos árbitros sobre o idioma do depoimento). Arbitragens
puramente internas vêm convivendo cada vez mais com depoimentos escritos de
testemunhas, figura que não integra nossas tradições, mas que, bem utilizada, aprimora a
produção da prova, enfatiza a sua previsibilidade e reforça o contraditório. Da mesma
forma, admitem-se testemunhas técnicas, que não vivenciaram os fatos em disputa, mas
conhecem tecnicamente os temas acerca dos quais versam estes mesmos fatos.

Esta liberdade não impacta na estrutura fundamental da prova testemunhal.


Testemunhas são terceiros, desinteressados, que depõem sobre fatos que conhecem, sob
o compromisso de dizer a verdade. Terceiros são obrigados a atender a convocação dos
árbitros, porque, afinal, ninguém se exime do dever de colaborar para o descobrimento
da verdade699. Mas por faltar poder de coerção aos árbitros, a condução de testemunhas
necessita da cooperação de órgãos do Poder Judiciário700. O mesmo pode ser dito, em
rápido parênteses, quanto à exibição de documentos em poder de terceiros. A ordem pode
ser determinada diretamente pelos árbitros, mas eventuais atos materiais para a obtenção
dos documentos requererão o auxílio do Poder Judiciário701.

697
Outros exemplos são dados por Carmona. “Arbitration is different: os árbitros, dependendo da hipótese,
podem querer ouvir todas as testemunhas arroladas, em ordem que pode não coincidir com aquela
apresentada no Código de Processo Civil; por outro lado, a prática da arbitragem tem demonstrado que os
árbitros raramente afastam uma testemunha impedida ou suspeita, preferindo ouvi-la (como informante,
para usar a linguagem do Código!) e avaliar seu depoimento no momento de julgar”, CARMONA, Carlos
Alberto. Em torno do árbitro. Revista de Arbitragem e Mediação, vol. 28, 2011, p. 54.
698
Nesse sentido, o Tribunal de Justiça de São Paulo rejeitou a anulação de sentença arbitral, em cujo
procedimento foi ouvida testemunha sem prestar compromisso, sendo que a sentença foi fundamentada em
vasta prova e depoimento de outras testemunhas. TJSP, 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do
Tribunal, Apelação nº 1071071-80.2016.8.26.0100, Rel. Des. Fortes Barbosa, j. 24.10.2018.
699
Expressão que o artigo 378 do CPC adota, mas adiciona que esta colaboração se dá com o Poder
Judiciário. A exclusão desta parte é proposital, porque também em processos jurisdicionais extrajudiciais a
regra tem aplicação.
700
GIUSTI, Gilberto. O Árbitro e o Juiz: Da Função Jurisdicional do Árbitro e do Juiz. Revista Brasileira
de Arbitragem, Volume II, São Paulo, 2005, p. 7-14, p. 12.
701
Contra, não admitindo jurisdição do árbitro para determinar a um terceiro a apresentação de documentos,
PARENTE, Eduardo. Processo arbitral e sistema, p. 241.
283

Mesmo sendo obrigadas a comparecer, testemunhas podem se recusar a depor


sobre fatos protegidos por confidencialidade ou que lhe acarretem grave dano702. A
autonomia das partes não pode modificar esse estado de coisas. Pode admitir que pessoas
com relações mais próximas aos fatos da causa ou às partes sejam ouvidos, mas não
podem contratar que essas testemunhas faltem com o dever de dizer a verdade. E porque
a liberdade é grande, não raro se admitem depoimentos de pessoas com algum tipo de
ligação, na condição de informantes. Porque interessa à arbitragem, e aos árbitros em cada
caso concreto, a investigação aprofundada sobre os fatos da causa e, afinal, no frigir dos
ovos, importa mais a valoração que será feita a tais depoimentos, do que propriamente a
sua qualificação.

A liberdade procedimental permite que todas as testemunhas estejam presentes


na inquirição umas das outras. Mas em termos práticos, não é isso que ocorre. Repetem-
se os padrões do processo estatal, mesmo sem a aplicação subsidiária de alguma regra, e
ouvem-se as testemunhas separadamente703. O objetivo de obter a solução adequada do
caso explica tais cautelas, para que não haja indevida contaminação da colheita da prova
testemunhal.

O depoimento pessoal das partes, no processo arbitral, segue parâmetros


diferentes. Não só pela maior liberdade procedimental, mas pelos objetivos que podem
ser perseguidos em virtude dessa liberdade. No processo estatal, há um conflito entre um
direito à prova amplamente assegurado e as inúmeras restrições impostas pela lei para a
sua produção. A arbitragem não tem, por exemplo, dispositivo que só autoriza a parte a
requerer o depoimento da outra parte. Não trata o depoimento como um instrumento da
acusação, voltado para obter a confissão da contraparte704. Assim, sob uma perspectiva
mais ampla do direito à defesa e ao devido processo legal, é de se admitir o depoimento

702
Paulo Cezar Pinheiro Carneiro defende a aplicação subsidiária das regras do CPC no que tange ao
depoimento das partes e testemunhas. CARNEIRO, Paulo Cezar Pinheiro. Aspectos processuais da nova
lei de arbitragem. Arbitragem: lei brasileira e praxe internacional. CASELLA, Paulo B. coordenador, 2ª.
ed, Sao Paulo, LTr, 1999, pp. 291-315, p. 306.
703
VERÇOSA, Fabiane. A produção de Provas. Curso de Arbitragem. p. 238: enquanto uma testemunha é
ouvida, as demais não podem estar presentes; “esta regra é mesmo intuitiva, pois visa manter incólume a
imparcialidade da testemunha, a qual deve depor, com lisura, sobre os fatos de que tem conhecimento. Tal
regra aplica-se, a rigor, a qualquer processo, seja judicial seja arbitral”.
704
No mesmo sentido, ponderando que o depoimento pessoal não está atrelado à anacrônica pena de
confesso do processo estatal, PARENTE, Eduardo. Processo arbitral e sistema, p. 244-245.
284

pedido pela própria parte, como uma forma de aportar esclarecimentos fáticos
diretamente perante os julgadores, sob o crivo do contraditório705.

Quanto à valoração do depoimento pessoal, e como já dito, a Lei de Arbitragem


propõe técnica mais adequada, porque relativiza os efeitos da ausência da parte, ou de
respostas evasivas, determinando apenas que os árbitros levem em consideração este
comportamento, sem lhes prescrever uma consequência predeterminada na lei. Ademais,
essa consideração se aplica a ambas as partes, não apenas a quem se defende706.

2.11. Produção antecipada da Prova.

Se, em uma dada relação contratual, em relação a qual se pactuou uma


convenção de arbitragem, surgir a necessidade de produção antecipada da prova, sem o
requisito de urgência, qual o juízo competente para processar este incidente?

Quanto à prova fundada na urgência, o tema não suscita maiores polêmicas, pois
se insere na competência atribuída ao Judiciário, por força do artigo 22-A da Lei de
Arbitragem. O problema surge se a parte pretende a antecipação da prova com
fundamentos nos demais incisos do artigo 381 do CPC. Há essencialmente duas soluções,
com diferentes razões a justificar cada uma delas.

Primeira solução: a competência é do Poder Judiciário. Isso se justifica porque,


em primeiro lugar, na produção antecipada da prova, não há propriamente um litígio, mas
mero interesse no esclarecimento de fatos que podem orientar futura transação ou instruir
futura demanda. Se as partes podem contratar arbitragem para solucionar litígios relativos
a direitos patrimoniais disponíveis, é a própria Lei de Arbitragem que promove esta
exclusão707 708.

705
Defendo esta possibilidade mesmo no âmbito do processo estatal. Conforme APRIGLIANO, Ricardo
de Carvalho. Comentários, p. 293-295. Esta hipótese é admitida no direito português, conforme AMARAL,
Paulo Osternack. Prova por declarações de parte. São Paulo, editora Juspodivm, 2022, p. 53-60.
706
DINAMARCO, Cândido Rangel. A Arbitragem na Teoria Geral do Processo, p. 157.
707
ZAKIA, José Victor Palazzi e VISCONTI, Gabriel Caetano. Produção antecipada de prova em
arbitragem e jurisdição. Revista de Arbitragem e Mediação, v. 59, ano 2018, p. 195-211.
708
Didier, Braga e Oliveira enquadram a produção de prova antecipada como procedimento de jurisdição
voluntária. DIDIER JR, Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de direito
processual civil, v. II, 14ª. ed. Salvador, JusPodivm, 2019, p. 171.
285

Segundo, que tanto o procedimento da demanda para produção autônoma como


a sua conclusão não se compatibilizam com o processo arbitral. Isso porque neste
incidente não se admite defesa, recurso, nem ele é concluído com algum tipo de decisão.
Sem atividades verdadeiramente jurisdicionais, mas meramente preparatórias, não há
como atribuir à jurisdição dos árbitros semelhante atividade 709.

Terceiro, um argumento de ordem mais pragmática, de que os custos de um


procedimento arbitral tornam inviável esta atividade, considerando os gastos com a
instituição arbitral e o(s) árbitro(s). Afora tais óbices de ordem jurídica, pode haver um
de ordem contratual, que é justamente a abrangência da cláusula compromissória. A
depender da sua redação, pode ser excluída a jurisdição dos árbitros para estas atividades.

Segunda solução, à qual eu adiro, é que a jurisdição é dos árbitros. Em primeiro


lugar, porque se a atividade instrutória é instrumental e atrelada a uma certa relação
jurídica de direito material, e se quanto a esta relação, as partes excluíram a atuação do
Poder Judiciário, é de se considerar abrangida nesta exclusão as atividades de produção
antecipada de provas decorrentes daquela relação.

Como segundo argumento, observo que, admitida a competência do juiz estatal


para a produção antecipada da prova, o resultado será que, para aquela prova específica,
a forma da sua produção observará a legislação processual. Sendo uma perícia, ela será
produzida nos termos dos artigos 464 a 480 do CPC, perante a autoridade jurisdicional
estatal. Como afirmado em outra oportunidade, o direito à prova, que é amplamente
assegurado no ordenamento jurídico brasileiro, assume conotações e amplitudes diversas
nas jurisdições estatais e arbitrais. Assim, “a antecipação da prova não pode ser utilizada
como uma forma de excluir da parte o direito de produzir suas provas perante a autoridade
julgadora que escolheu”710. Também observei que:

“Ainda que se admita que não há propriamente um julgamento do caso, e que a


prova colhida de forma antecipada será depois apreciada e valorada pelo juiz ou
árbitro na demanda principal, é preciso notar que o procedimento para a colheita

709
MAZZOLA, Marcelo. TORRES, Rodrigo de Assis. A produção antecipada de prova no Judiciário viola
o juízo arbitral e a competência do árbitro? https://www.migalhas.com.br/amp/depeso/269294/a-producao-
antecipada-de-prova-no-judiciario-viola-o-juizo-arbitral-e-a-competencia-do-arbitro Último acesso em
12/06/2022.
710
APRIGLIANO, Ricardo de Carvalho. Comentários ao Código de Processo Civil, vol. VIII, tomo I, p.
263.
286

daquela prova é, em si, um direito atribuído à parte. Uma perícia, por exemplo,
pode ser realizada na arbitragem de formas muito diversas, a escolha do
profissional envolvido observará outros critérios. Pode ocorrer, e é comum que
ocorra, que o perito seja ouvido pelos árbitros em audiência, que seja perguntado
sobre suas conclusões, sobre a justificativa técnica de suas afirmações. Ao se
realizar esta prova de forma antecipada, perante o juiz estatal, retira-se da parte
todo esse conjunto de possibilidades. E no exemplo específico, não se pode nem
mesmo garantir que o perito judicial irá comparecer, meses ou anos depois, para
depor perante os árbitros”711.

Também não me parece adequado considerar que a arbitragem exija litígios, a


ponto de excluir a antecipação da prova, que decorra de um contrato com convenção de
arbitragem. Para além do escopo social de pacificação de conflitos, que pode ser obtido
pela (mera) produção antecipada de uma prova712, é de se reconhecer que o modelo
processual brasileiro reformulou a sua própria ideia de conflito, a ponto de permitir que
interesses meramente atrelados à produção de provas sejam deduzidos perante
autoridades jurisdicionais713. A ampliação da ideia de interesse de agir não pode ser
desprezada, ou apenas aplicada no contexto dos processos estatais714. Tanto mais porque
a autonomia da vontade é o traço característico da arbitragem, sendo claramente
admissível que as partes outorguem jurisdição aos árbitros para o processamento de
medidas de produção antecipada da prova715. Aliás, poder-se-ia até cogitar do inverso,
isto é, que a produção da prova se realizasse perante árbitros, ainda que os litígios quanto

711
APRIGLIANO, Ricardo de Carvalho. Comentários ao Código de Processo Civil, vol. VIII, tomo I, p.
264.
712
YARSHELL, Flávio Luiz. BECERRA, Eduardo de Carvalho. MARQUES, Fabio de Souza Rodrigues.
RODRIGUES, Viviane Siqueira. Produção antecipada de prova desvinculada da urgência na arbitragem:
réquiem. Processo Societário IV. YARSHELL, Flávio Luiz. PEREIRA, Guilherme Setoguti J. (coord).
Quartier Latin, 2021, p. 455-472.
713
Sobretudo, a partir das teses defendidas por YARSHELL, Flávio Luiz. Antecipação da prova sem o
requisito da urência e direito autônomo à prova. São Paulo, Malheiros, 2009. NEVES, Daniel Amorim
Assumpção. Ações Probatórias Autônomas. São Paulo, Saraiva, 2008.
714
APRIGLIANO, Ricardo de Carvalho. Comentários ao Código de Processo Civil, vol. VIII, tomo I, p.
249: “[o legislador] contempla a prova como um direito autônomo de tal magnitude que autoriza a utilização
do processo mesmo que não haja um litígio. (...) Diante do teor do art. 381, é inequívoco que a produção
da prova pode ser utilizada antes e independentemente de um litígio, de um direito violado ou de alguma
pretensão de natureza contenciosa”.
715
ROSSONI, Igor Bimkowski Rossoni. Produção antecipada de prova sem requisito de urgência e juízo
arbitral no direito societário: breves considerações sobre a competência para sua produção. Processo
Societário III. YARSHELL, Flávio Luiz. PEREIRA, Guilherme Setoguti J. (coord.). São Paulo, Quartier
Latin, 2018, p. 314-315.
287

à questão de fundo fossem atribuídos à jurisdição estatal. A liberdade das partes comporta
todas estas soluções.

A este respeito, recentemente, o BGH alemão, tribunal correspondente ao


Superior Tribunal de Justiça brasileiro, enfrentou questão semelhante, concluindo pela
inadmissibilidade de ação judicial para o procedimento autônomo da prova, tendo em
vista a existência de convenção de arbitragem 716.

Nos tribunais, denota-se uma tendência ao reconhecimento de que a produção


antecipada da prova, quando desprovida dos requisitos de urgência, insere-se na
jurisdição dos árbitros717 718. Há consistentes e reiteradas decisões do Tribunal de Justiça
a respeito. Em termos gerais, vem sendo reconhecido que a inocorrência de urgência
descaracteriza o caráter de medida cautelar, afasta a incidência do artigo 22-A da Lei de
Arbitragem, “De tal sorte que, à luz dos limites impostos à atuação do Poder Judiciário,
a admissibilidade de um procedimento de produção antecipada de provas prévio à
arbitragem depende do caráter de urgência”719.

O Superior Tribunal de Justiça já teve oportunidade de examinar essa questão e


encampou esta mesma interpretação, ao proclamar que mesmo tratando-se de ação de
produção de provas de forma autônoma, há que se observar, no caso concreto, a

716
BGH, Decisão da sétima câmara de direito civil. “Beschluss VII ZB 19/21”. Em
https://juris.bundesgerichtshof.de/cgi-
bin/rechtsprechung/document.py?Gericht=bgh&Art=en&Datum=Aktuell&Sort=3072&Seite=6&nr=1269
93&pos=203&anz=826
717
Em 2017, o Tribunal de Justiça se posicionou pela admissibilidade da produção antecipada de provas
perante o próprio Judiciário: TJSP, 34ª Câmara de Direito Privado, Apelação nº 1132027-
62.2016.8.26.0100, Rel. Des. Soares Levada, j. 27.09.2017.
718
Há diversos julgados, a partir de 2019 até 2022, excluindo a competência do Judiciário para as produções
antecipadas não fundadas em urgência. Por exemplo: TJSP, 26ª Câmara de Direito Privado, Agravo de
Instrumento nº 2119783-88.2019.8.26.0000, Rel. Des. Vianna Cotrim, j. 29.08.2019; TJSP, 1ª Câmara
Reservada de Direito Empresarial, Embargos de Declaração Cível nº 1125900-40.2018.8.26.0100/50000,
Rel. Des. Alexandre Lazzarini, j. 06.11.2019; TJSP, 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial, Apelação
Cível nº1004160-81.2019.8.26.0100, Rel. Des. Gilson Delgado Miranda, j. 11.12.2019; TJSP, 2ª Câmara
Reservada de Direito Empresarial, Apelação Cível nº 1016776-28.2018.8.26.0002, Rel. Des. Sérgio
Shimura, j. 06.10.2020.; TJSP, 34ª Câmara de Direito Privado, Apelação Cível nº 1099195-
97.2021.8.26.0100, Rel. Des. Gomes Varjão, j. 12.01.2022; TJSP, 3ª Câmara de Direito Privado, Apelação
Cível nº 1099475-68.2021.8.26.0100, Rel. Des. João Pazine Neto, j. 22.03.2022.
719
TJSP, 33ª Câmara de Direito Privado, Agravo de Instrumento nº 2162725-67.2021.8.26.0000, Rel. Des.
Ana Lúcia Romanhole Martucci, j. 07.02.2022; TJSP, 33ª Câmara de Direito Privado, Agravo de
Instrumento nº 2148165-23.2021.8.26.0000, Rel. Des. Ana Lúcia Romanhole Martucci, j. 07.02.2022.
288

presença de urgência para afastar a competência do Tribunal Arbitral e atribuí-la ao


Poder Judiciário720.

Portanto, observa-se que as especificidades do procedimento de produção de


prova, contempladas no CPC, não impedem o seu desenvolvimento perante os árbitros,
nem criam um processo legal indevido na arbitragem, por conta das previsões de que não
há defesa ou recurso. O que se exclui é a possibilidade de discutir a questão de fundo,
mas é claro que, por imperativos constitucionais atrelados ao contraditório e ampla
defesa, as partes poderão debater quaisquer aspectos da prova em si, desde o direito à sua
produção, até a forma como concretamente ela será produzida721.

É claro que esse problema apenas se coloca em relação a convenções de


arbitragem que não cheguem a disciplinar tal questão, de modo expresso. A autonomia
da vontade das partes autoriza que elas excluam a produção autônoma da prova da
jurisdição arbitral, ou que expressamente a incluam. Nas situações intermediárias é que o
problema interpretativo deverá ser dirimido. Aliás, talvez possa ser dito que, até que
instituições arbitrais regulem um procedimento mais adaptado à necessidade da produção
autônoma da prova, as cláusulas compromissórias deveriam excluir essa atribuição dos
árbitros722, ou regular, elas próprias, um procedimento para sua produção, por exemplo
perante árbitro único, valendo-se, por empréstimo, de regulamentos acerca do árbitro de
emergência, ou mesmo da arbitragem expedita.

720
STJ, Agravo em REsp nº 1759485 - SP (2020/0236971-3), Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, j.
29.04.2021.
721
APRIGLIANO, Ricardo de Carvalho. Comentários ao Código de Processo Civil, vol. VIII, tomo I, p.
273.
722
Não obstante entender que, “em princípio, as ações probatórias autônomas relativas a determinado litígio
estão abrangidas pela convenção arbitral para ele estipulada”, Eduardo Talamini elenca alguns
inconvenientes e hipóteses que podem recomendar a sua propositura perante o juízo estatal. Primeiro, se
“apenas a própria produção da prova permitirá ao requerente definir os exatos contornos de sua pretensão,
inclusive para saber se ela está efetivamente abrangida pela convenção arbitral”, ou se antecipa-se a
necessidade de medidas coercitivas “que apenas poderiam ser determinadas, em qualquer caso, pelo juiz
estatal” ou se a prova for “extremamente singela e de curta duração (por exemplo, ouvida de uma única
testemunha), de modo que seria desproporcional, por sua extrema onerosidade, complexidade e demora,
constituir um tribunal arbitral apenas para isso”. TALAMINI, Eduardo. Produção antecipada de prova no
Código de Processo Civil de 2015. In: Revista de processo, v. 260, ano 2016, p. 74-101, p. 84.
289

2.12. A instrumentalidade das formas no processo arbitral.

Outro aspecto em que há necessário recurso às regras do Código de Processo


Civil diz respeito às nulidades. Dinamarco observa, com razão, que é do sistema
processual comum que se extraem as regras de que, não havendo prejuízo, ou não sendo
alegado na primeira oportunidade, convalesce a irregularidade. Todo o processo arbitral,
a exemplo do judicial, está estruturado sob a lógica das nulidades não cominadas. Apenas
serão decretadas nulidades se o ato, irregular, não tiver atingido sua finalidade, não
produzir o resultado dele esperado. Se é desobediente, mas produziu o resultado, nada se
anula723. Segundo preceitua José Roberto Bedaque, o equilíbrio entre um modelo de
extremo formalismo ou total liberdade se faz de tal modo a se eliminar o formalismo inútil
e a se valorizar a finalidade do ato724.

Dessa forma, a regra do artigo 277 do Código de Processo Civil, segundo a qual
quando a lei prescrever determinada forma, o juiz considerará válido o ato se, realizado
de outro modo, lhe alcançar a finalidade, tem óbvia e plena aplicação ao processo
arbitral. Trata-se de norma de superdireito que consagra a instrumentalidade das
formas725. Se o processo estatal, mais formal e com procedimento mais rígido, aplica e se
beneficia desta regra, com maior razão o processo arbitral, concebido para, a partir da sua
flexibilidade procedimental, outorgar às partes a solução mais adequada à sua disputa726.

Essa é uma característica do modelo processual brasileiro que a doutrina não tem
dificuldade em aplicar ao processo arbitral, ainda que em negação à aplicabilidade de
normas processuais concretas não previstas na própria Lei de Arbitragem. A ideia do
máximo aproveitamento do ato jurídico pertence à teoria geral do direito, e inspira o
princípio processual da instrumentalidade. São parâmetros aplicáveis a todas as hipóteses
de processo, e até aos atos jurídicos em geral (ainda que, quanto aos atos jurídicos não

723
DINAMARCO, Cândido Rangel. A Arbitragem na Teoria Geral do Processo p. 116. PARENTE,
Eduardo Parente. Processo arbitral e sistema, p. 52
724
BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Efetividade do processo e técnica processual. São Paulo:
Malheiros, 2010, p. 423.
725
DINAMARCO, Cândido Rangel. A Arbitragem na Teoria Geral do Processo p. 116.
726
Rafael Francisco Alves também sustenta que todas essas ideias sobre instrumentalidade, previstas no
CPC, podem ser aplicadas ao processo arbitral. Sustenta que no processo arbitral se percorram as etapas
seguintes: a não observância de certa regra violou/ofendeu a igualdade de participação das partes? Se a
resposta é não, desconsidera-se o vício. Se a resposta é positiva, deve-se perguntar se houve prejuízo
material à parte. Sendo negativa a resposta, igualmente se desconsidera o vício. ALVES, Rafael Francisco.
O Devido Processo Legal na Arbitragem. Arbitragem no Brasil: aspectos jurídicos relevantes, Quartier
Latin, pp. 382-416, p. 393.
290

processuais, as premissas se modifiquem razoavelmente). Ainda assim, existe uma


regulação particular ao processo, um modo de ser, que não pode ser desprezado pelo
processo arbitral727.

Na arbitragem, essa premissa de que somente se anulam atos se houver prejuízo


tem ampla aplicabilidade. Serve para a prática de atos em desacordo com a lei, com o
regulamento ou até mesmo com a convenção de arbitragem. A força da autonomia da
vontade não pode ser tal, a ponto de autorizar a decretação de uma nulidade apenas porque
ocorreu desrespeito formal a algum aspecto estabelecido entre as partes. Seria um fetiche
à forma, ou à forma escolhida pelas partes, sem qualquer sentido prático ou razão de ser.
A interpretação correta é a quela que somente autoriza a decretação da nulidade do ato
processual em caso de sério prejuízo ao direito de defesa728.

2.13. Poderes dos árbitros.

Também quanto aos poderes dos árbitros, há elementos comuns, que permitem
a constatação da aproximação entre o processo arbitral e os demais ramos do direito
processual, assim como especificidades que caracterizam esta modalidade específica de
tutela jurisdicional. A Lei de Arbitragem proclama que o árbitro é juiz de fato e de direito,
que sua sentença não está sujeita à homologação ou revisão quanto ao mérito (art. 18),
confere a ele o poder de determinar medidas antecipadas e cautelares (art. 22-A), poderes
instrutórios de ofício (art. 22). No que tange ao desempenho da sua função, o árbitro tem
os deveres de imparcialidade, independência, competência, diligência e discrição (art.
13). E instrumental à imparcialidade e independência, o árbitro tem o dever de revelação
(Art. 14).

727
O modelo de legislação arbitral sucinto e lacunoso, que foi adotado pelo Brasil, não é repetido em outros
ordenamentos. A respeito deste temas, nas disposições sobre arbitragem constantes no Código de Processo
Civil argentino (art. 761), há uma disposição que expressamente contempla a aplicação subsidiária das
disposições sobre nulidades estabelecidas por aquele Código.
http://servicios.infoleg.gob.ar/infolegInternet/anexos/15000-19999/16547/texact.htm#21
728
FICHTNER, José Antonio. MANNHEIMER, Sergio Nelson. MONTEIRO, André Luis. Teoria Geral
da Arbitragem, p. 163.
291

Ainda, fruto do reconhecimento da natureza jurisdicional da arbitragem, a Lei nº


9.307/96 modificou o então CPC/73, para incluir a sentença arbitral no rol de títulos
executivos judiciais, status evidentemente mantido pelo CPC/15 (art. 515, VII). Confere
ainda ao árbitro amplos poderes de disciplinar o procedimento arbitral, suprindo todas as
omissões das partes (Art. 21, §1º).

Não obstante sua relevância, os poderes dos árbitros não se esgotam nesta
relação expressamente afirmada na lei própria.

Dinamarco afirma que o árbitro exerce todos os poderes ordinariamente


conferidos a um juiz, observados os limites da convenção, os da lei de arbitragem e os
elementos da demanda submetida ao árbitro. Por exemplo, os poderes-deveres de zelar
pela igualdade das partes, pela aplicação do contraditório efetivo e equilibrado, pela
celeridade, pela observância do devido processo legal, pelo dever de diligência, pelo
impulso processual e pelo poder de polícia das audiências729. Paula Costa e Silva alude
ao “dever de garantir a igualdade substancial das partes ao longo de todo o processo, o
dever de observar o contraditório, o dever de se declarar impedido verificadas
determinadas circunstâncias, o dever de administrar justiça, o dever de fundamentar as
decisões, o dever de cooperar para a justa composição do litígio, o dever de dirigir o
processo com vista ao célere e regular desenvolvimento da instância, o dever de ordenar
e realizar actividades instrutórias e o dever de adaptar a tramitação processual”730. São
todas condutas que o aproximam do seu congênere, o juiz togado, porque constituem
deveres inerentes à posição jurisdicional que ocupa.

Assim, para a efetivação de suas decisões e boa condução do caso, o árbitro pode
orientar as partes, adverti-las sobre comportamentos impróprios, determinar medidas
indutivas ou coercitivas para reforço das suas determinações, ainda que, diante de
eventual resistência da parte, não possa o árbitro impor o seu cumprimento ou tomar
medidas práticas para a sua efetivação731. Mas é inerente ao poder de decisão do árbitro

729
DINAMARCO, Cândido Rangel. A Arbitragem na Teoria Geral do Processo p. 49-50.
730
SILVA, Paula Costa e. O Processo e as situações jurídicas processuais. Teoria do Processo: panorama
doutrinário mundial, p. 783.
731
GAJARDONI, Fernando da Fonseca. Aspectos fundamentais de processo arbitral e pontos de contato
com a jurisdição estatal. Revista de Processo, vol. 106, p. 196. Nesse sentido: TJMG, 18ª Câmara Cível,
Embargos de Declaração nº 1.0024.13.357238-8/007, Rel. Des. Arnaldo Maciel, j. 28.06.2017; TJDFT, 4ª
Turma Cível, Agravo de Instrumento 20120020271314AGI, Rel. Des. Fernando Habibe, j. 28.01.2015.
292

a possibilidade de adotar medidas de execução indireta, que influenciem


psicologicamente o devedor e o faça cumprir os provimentos voluntariamente732.

Esses poderes dizem respeito às partes e abrangem comandos que lhes são
diretamente dirigidos. Por exemplo, no contexto da tutela provisória, árbitros podem
determinar a suspensão de determinadas condutas, de pagamentos, abstenções de
comportamentos. Podem bloquear a transferência de ações ou outros ativos, determinar a
averbação destas ordens. Quando a arbitragem tem por objeto contratos que configuram
títulos executivos extrajudiciais, os árbitros podem determinar a suspensão da execução
ou de certos atos executivos. Todo esse amplo espectro de poderes pode ensejar interações
com outro órgão jurisdicional, ou mesmo com órgãos públicos (Juntas Comerciais, por
exemplo) ou terceiros, estranhos ao processo arbitral. Pense-se em seguradoras, que
podem receber ordens para suspender processos de regulação de sinistros, ou instituições
financeiras, a quem podem ser dirigidas ordens de bloqueio na movimentação de contas
bancárias. Os terceiros podem ainda receber determinações de exibição de documentos,
que sejam incidentalmente requeridos no curso de demanda arbitral733. Diante de eventual
recusa, os árbitros não terão poder de coerção sobre os terceiros, daí porque a parte
interessada na sua produção terá que mover demanda judicial em face do terceiro (CPC,
art. 404). Relativamente à própria parte, a ordem de produção de documentos, se
desatendida, pode ensejar a presunção de veracidade da alegação fática que se pretendia
demonstrar com a apresentação do documento, do que decorre que, também no processo
arbitral, a exibição de documento constitui ônus da parte, que pode lhe acarretar uma
situação de desvantagem em caso de descumprimento 734.

Os poderes dos árbitros incluem o de advertir as partes sobre condutas


atentatórias ou sobre práticas que configurem litigância de má-fé. Há aqui outro ponto de
interação entre os dois modelos, uma janela de comunicação entre o sistema do processo
estatal e o do arbitral. Porque, não obstante prever expressamente a litigância de má-fé, a
Lei de Arbitragem não a define, não elenca as suas hipóteses nem estabelece as sanções.
Estes parâmetros são, necessariamente, os do Código de Processo Civil, porque a

732
DINAMARCO, Cândido Rangel. A Arbitragem na Teoria Geral do Processo p. 48.
733
Quanto ao tema, na arbitragem internacional, ver, OHLROGGE, Leonardo. BORCHARDT, Bernardo.
Aspectos Práticos sobre Pedidos de Exibição de Documentos em Arbitragens Internacionais à Luz das
Regras da IBA. Revista Brasileira de Arbitragem, Vol. 70, Abr-Jun/2021, pp. 46-78, p. 50.
734
PINTO, José Emilio Nunes. Anotações práticas sobre a produção da prova na arbitragem. Revista
Brasileira de Arbitragem, vol. 25, Jan-Mar 2010, p. 15. Também PESSOA, Fernando José Breda. A
Produção Probatória na Arbitragem, Revista Brasileira de Arbitragem, vol. 13, Jan-Mar/2007.
293

autonomia das partes não lhes autoriza a afastar preceitos que proclamam o exercício da
boa-fé e lealdade, nem permitem que elas criem um universo particular, regulando quais
condutas serão aceitas ou toleradas, regulando as punições que decorrerão dos
comportamentos desleais. A referência a ser obrigatoriamente adotada é a do Código de
Processo Civil, porque a natureza penal deste tipo de norma exige que se atenha a um
parâmetro de legalidade (nulla poena sine lege).

Mas, sobretudo, é de se reconhecer que, ao disciplinar o procedimento e ao


decidir sobre todos os aspectos do processo arbitral, o árbitro deve seguir parâmetros de
segurança, previsibilidade. Dos influxos da teoria geral do processo, o árbitro deve
organizar o processo arbitral à luz dos conceitos e parâmetros conhecidos, das conquistas
do direito processual, de sua teoria geral. Sem voluntarismos, sem “inventar a roda”, a
pretexto de uma autonomia que, ao fim e ao cabo, não diz respeito a essa estrutura
fundamental, à espinha dorsal do processo. Seguir parâmetros do processo não desdiz
nem retira das partes e dos árbitros a ampla possibilidade de regular o procedimento da
forma que melhor se adeque à disputa. São conceitos complementares, que se bem
manejados, outorgarão segurança, previsibilidade e adaptabilidade à solução dos conflitos
por meio da arbitragem.

2.14. Tutela Provisória.

Como já dito, a lei de arbitragem prevê a possibilidade de formulação de pedidos


de urgência (cautelares ou antecipados), cuja atribuição é dos árbitros, ressalvada a
possibilidade de a parte se dirigir ao Poder Judiciário enquanto não constituído o tribunal
arbitral. Do ponto de vista processual, tal modalidade de tutela se justifica pela busca da
efetividade da tutela jurisdicional e da duração razoável do processo, valores
constitucionais que se aplicam a todas as modalidades de processo jurisdicional aplicados
no ordenamento brasileiro.

Mas se a lei que regula o processo arbitral não disciplina os requisitos para a sua
concessão, os ônus, deveres e faculdades processuais que decorrem da utilização dessa
técnica, a conclusão óbvia que daí decorre é que estes elementos são complementados,
no processo arbitral, pelas regras do processo estatal, pois este constitui a fonte normativa
que regula a agora denominada tutela provisória. É da lei processual geral que se extraem
294

os parâmetros da probabilidade do direito, do risco ou perigo ao resultado útil do


processo, da irreversibilidade. O processo arbitral compartilha destas noções, que não
decorrem nem da sua própria lei, nem de princípios do processo. É o diploma legal do
CPC que explica a sua incidência ao processo arbitral735.

As disposições da Lei de Arbitragem acerca das tutelas cautelares e de urgência,


que são do texto original da lei, são outro campo que impõe a inter-relação do processo
arbitral e do estatal. Ainda que, do plano constitucional, se possa extrair a autorização
para medidas desta natureza, em atenção à efetividade da tutela, fato é que seus
parâmetros concretos só podem ser aplicados a partir das regras do Código de Processo
Civil brasileiro736.

São elas que estabelecem os requisitos para a concessão de decisões em sede de


tutela provisória, que delimitam as noções de probabilidade do direito, perigo de dano,
risco ao resultado útil do processo. Mais do que isso, é do sistema processual positivo que
se extrai a ideia da vedação à concessão de tais medidas em caso de irreversibilidade. Ou
que adicionam ao nosso modelo a ideia da tutela da evidência, que enfatiza a
probabilidade do dano e dispensa a demonstração da urgência.

Estas características da relação jurídica processual, que são observadas no


processo arbitral, não são nele previstas, o que não exclui sua aplicação. Nem há
incompatibilidade entre tais disposições e aquelas mais estritamente procedimentais que
a Lei de Arbitragem contempla, como a determinação de instauração da arbitragem em
até trinta dias após a efetivação da decisão que concedeu a medida pelo Poder
Judiciário737. Este parâmetro, aliás, adveio da legislação processual, e era defendido pela
doutrina antes mesmo da reforma da Lei de Arbitragem, ocorrida em 2015738.

A despeito de a disciplina da tutela provisória ser aquela do Código de Processo


Civil, há duas nuances no processo arbitral que merecem um rápido comentário. Em

735
FICHTNER e MONTEIRO reconhecem ser impossível negar que existe uma interação entre o sistema
arbitral e o sistema processual da sede da arbitragem no que diz respeito às medidas de urgência. Tutela
provisória na arbitragem e Novo Código de Processo Civil: tutela antecipada e tutela cautelar, tutela de
urgência e tutela da evidência, tutela antecedente e tutela incidental, p. 474.
736
Por exemplo, com a exigência de fundamentação adequada do árbitro para a manutenção, revisão ou
revogação da tutela provisória. CRUZ e TUCCI, José Rogério. Reflexões sobre estrutura formal da sentença
arbitral. 20 anos da lei de arbitragem: homenagem a Petronio R Muniz, p. 579.
737
GRION, Renato Stephan Grion. Procedimento II,. Curso de Arbitragem, p. 201.
738
ALVES, Rafael Francisco. O Devido Processo Legal na Arbitragem. Arbitragem no Brasil: aspectos
jurídicos relevantes, p. 409.
295

primeiro lugar, que as partes, no exercício da sua autonomia, podem eleger árbitros de
emergência739 e, simultaneamente, excluir a apreciação judicial sobre questões de
urgência.740 Tal escolha, que em termos práticos não é recomendada, pode ser feita, ao
menos em termos teóricos. As partes preservam o acesso à tutela jurisdicional, asseguram
o direito de uma resposta a questões urgentes, mas o fazem por um mecanismo que exclui
a apreciação do Poder Judiciário.

Em segundo lugar, que do ponto de vista dos árbitros, a atividade judicante


relacionada aos temas de urgência deve ser feita com grande prudência. Mesmo que, por
sua própria natureza, as decisões sejam precárias, possam ser revistas e devam ser revistas
(para confirmação ou revogação) no momento de proferir sentença, fato é que os árbitros
são a única autoridade jurisdicional a examinar o mérito da disputa, o que gera impactos
no modo como devem enfrentar pedidos que, em maior ou menor medida, correspondem
a uma antecipação deste mesmo julgamento.

O exame realizado deve ser efetivamente sumário, buscando o delicado


equilíbrio entre não prejulgar a causa e, de outro lado, garantir a efetividade da futura
decisão e a utilidade do processo arbitral. Mais do que isso, os árbitros devem responder
com presteza a pedidos desta natureza. Deferir ou indeferir, mas examinar. Esse é o
contexto com que autoridades jurisdicionais enfrentam o tema da urgência, lutam contra
os males do tempo no processo. Árbitros devem fazer igual, devem responder com a
brevidade possível, ainda que o façam com maiores cuidados, porque não podem
prejulgar e devem exercitar autocontenção quanto aos aspectos do mérito que ainda serão
aprofundados.

Essa advertência é válida tanto para a situação em que o tema da urgência é


trazido diretamente perante os árbitros, como nas hipóteses em que as partes pedem ao
Poder Judiciário medidas antecedentes. Instituída a arbitragem, será dos árbitros a
competência para manter, revogar ou modificar as decisões anteriormente concedidas. O

739
No âmbito internacional, a arbitragem de emergência está prevista nos regulamentos da Corte
Internacional de Arbitragem da Câmara de Comércio Internacional – CCI (art. 29 e anexo V), International
Centre for Dispute Resolution – ICDR (art. 6º) e da London Court of International Arbitration – LCIA (art.
9.º-B) entre outros. Já entre as câmaras nacionais, a arbitragem de emergência está prevista nos
regulamentos do CAM-CCBC (art. 4.14 e RA 44/2020), da Câmara do Mercado (art. 5.1), da CAMARB
(art. 9.4.) e da Câmara de Conciliação, Mediação e Arbitragem CIESP/FIESP (art. 13 e Resolução n°
4/2018).
740
TALAMINI, Eduardo. Arbitragem e a tutela provisória no Código de Processo Civil de 2015. Revista
de Arbitragem e Mediação, vol. 46/2015, p. 293-294.
296

fato de uma decisão judicial ter sido proferida não é, em si, fator de influência, mas mera
circunstância que o árbitro terá que enfrentar. Integram as suas atribuições a revisão,
manutenção ou modificação da decisão judicial anterior. Há, neste particular, um aparente
paradoxo, que decorre do sistema.

Juízes togados podem apreciar questões submetidas à arbitragem, nas situações


de urgência, antes da instituição do tribunal arbitral. Este, uma vez constituído, terá
poderes para revisar a decisão judicial, quanto ao seu mérito. Julgada a demanda arbitral,
os juízes togados podem voltar a conhecer da disputa arbitral, em sede de ação anulatória.
Aqui, o controle que juízes exercerão dirá respeito somente aos temas formais, às questões
processuais que autorizam essa ação, sem a possibilidade de revisarem as questões de
mérito enfrentadas pelos árbitros741.

2.15. Fundamentação das decisões arbitrais

Questão polêmica, que tem sido debatida pela doutrina arbitral, diz respeito à
aplicação dos parâmetros de fundamentação das decisões judiciais, estabelecidos pelos
parágrafos do artigo 489 do Código de Processo Civil. Inovação importante do CPC/15742,
o dispositivo, valendo-se de técnica legislativa incomum, dispõe no §1º não ser motivada
a decisão que incorrer nas hipóteses dos seus incisos e prescreve elementos que devem
constar da fundamentação, nos seus §§2º e 3º.

As adições foram comemoradas, porque explicitam critérios decisórios que, não


obstante até certo ponto óbvios, não eram observados na prática forense brasileira743.
Afirma-se, com razão, que o roteiro proposto pelo artigo 489 do CPC corresponde ao

741
DALLA, Humberto. MAZZOLA, Marcelo Mazzola: sendo vedado ao juiz analisar o mérito da sentença
arbitral, também não pode reexaminar o conteúdo da tutela deferida pelo árbitro. Manual de Mediação e
arbitragem, São Paulo, Saraiva Educação, 2019, p. 335.
742
Marcelo Barbi Gonçalves propõe a aplicação deste parâmetro de fundamentação ao processo penal:
“Para parcela da doutrina, o dever de motivação analítica das decisões judiciais (art. 489, § 1º, CPC) é uma
decorrência do direito fundamental consagrado no art. 93, IX, da CF. Assim, considerando que os
parâmetros estipulados no Código de Processo Civil têm como escopo assegurar uma sentença customizada
às particularidades do caso concreto, não devem eles serem trasladados quando o bem jurídico em jogo é a
liberdade?” GONÇALVES, Marcelo Barbi Gonçalves. Teoria Geral da Jurisdição. Salvador: Editora
JusPodivm, 2020, p. 359.
743
O artigo 489 não tem caráter inovativo, apenas explicita o conteúdo do dever de fundamentar, que consta
do art. 26 da LArb, de modo que ele também se aplica aos árbitros. TEMER, Sofia. Precedentes Judiciais
e Arbitragem: reflexões sobre a vinculação do árbitro e o cabimento da ação anulatória. Revista de
Processo, vol. 278, 2018, pp 523 – 543, p. 526.
297

standard de boa fundamentação, que uma decisão razoavelmente bem fundamentada não
incorreria no risco de ser considerada nula. Entretanto, a circunstância que precisa ser
percebida, declarada, é que esse estado de coisas era, e ainda é, meramente teórico. Muitas
decisões judiciais ainda hoje, passados vários anos de vigência da nova legislação,
seguem sem se preocupar em aprimorar o standard da fundamentação.

Pelo excesso de trabalho, pela necessidade de dar vazão à massa de processos,


possivelmente por excesso de confiança nas próprias habilidades, muitos julgadores
explicam pouco acerca de suas motivações, limitando-se mais a proclamar o argumento
vencedor, do que propriamente a confrontar os argumentos e a ponderar,
fundamentadamente, porque se acolhe uma versão em detrimento da outra. Em termos
quantitativos, as decisões são também enxutas, objetivas.

É até certo ponto compreensível que os operadores do direito que se formaram à


luz de um ordenamento relutem em aderir aos novos paradigmas, hesitem em adaptar suas
práticas aos novos parâmetros propostos pelo legislador. Isso, aliás, possivelmente
explica a baixa incidência de negócios jurídicos processuais no âmbito judicial, porque
ainda prevalece uma cultura do processo como instrumento do Estado, permeado por
normas cogentes, em que as partes se colocam em posição de inferioridade em relação ao
julgador. Não é o modelo que o CP/15 propõe, mas é como as coisas seguem, de um modo
geral, ocorrendo.

Sob esse prisma, é explicável por que razões o legislador precisa criar um roteiro
básico de como não fazer uma decisão, sancionando com nulidade o desatendimento
desses parâmetros. Mas porque, do ponto de vista da administração da justiça, seria
inviável a repetida anulação de processos por falta de fundamentação, o legislador criou
uma solução procedimental que minimiza, em muito, a própria eficácia da sua prescrição.
Identificada a nulidade, o tribunal poderá, em sede recursal, suprir o vício, decidindo
diretamente o mérito da questão e assim suprindo as falhas de fundamentação da instancia
inferior (CPC, art. 1.013, §3º, IV).

No plano recursal, por imperativos de economia e celeridade, o sistema brasileiro


vem ampliando as técnicas de julgamento do mérito diretamente pelo tribunal,
flexibilizando, por assim dizer, o duplo grau de jurisdição. Há razões sistêmicas e
sistemáticas para isso. Mas, em termos práticos, a regra funciona como um desincentivo
298

ao julgador de primeiro grau para que eleve o nível de fundamentação de suas decisões,
eis que, em qualquer caso, não terá que voltar a decidi-las. Em suma, tem-se que, no
processo estatal, o procedimento estabelecido para o tema da fundamentação é o de fixar
requisitos (que são de conteúdo, mas também de forma) para o ato processual sentença
admitir a recorribilidade por falta de fundamentação, permitir o reconhecimento da
nulidade em segundo grau e permitir que o tribunal passe diretamente ao exame das
questões sobre as quais se omitiu o juízo a quo. Disso resulta que não haverá a anulação
do processo, com perda de atos processuais praticados, mas meramente a substituição de
uma decisão não fundamentada por outra, fundamentada.

Ao se examinar a aplicabilidade deste dispositivo específico ao processo arbitral,


algumas etapas devem ser percorridas. Em primeiro lugar, a observação preliminar de
que raramente se deparará com esta situação em decisões arbitrais. Regra geral, as
sentenças arbitrais são quantitativa e qualitativamente mais bem fundamentadas que seus
congêneres judiciais744. Isso se explica porque os árbitros têm números
incomparavelmente inferiores de casos; porque prestam um serviço específico e
temporário pelo qual são remunerados caso a caso; porque a questão reputacional tem um
peso relevante na prática arbitral, seja na perspectiva de perpetuação da carreira, seja na
perspectiva de se evitar a anulação de decisões por semelhantes vícios processuais.

Não há uma base estatística segura para se extrair conclusões mais definitivas,
mas a casuística das ações anulatórias, acolhidas ou rejeitadas, indica que outros
fundamentos costumam ser invocados, não propriamente o de falhas no dever de
fundamentação. Sob esse prisma, poder-se-ia dizer que discutir a aplicação do artigo 489
do CPC à arbitragem é discutir um falso problema, eis que concretamente, dificilmente
haverá hipóteses em que as sentenças arbitrais não sigam o script de uma boa decisão, ou
que incorram nas falhas (relativamente básicas) elencadas neste dispositivo.

Sob uma perspectiva mais técnica, contudo, as ponderações são as seguintes. O


processo arbitral e o processo civil estatal, a exemplo de todas as demais ramificações de
processo, compartilham desta base comum, de índole constitucional, acerca da
fundamentação das decisões. O processo arbitral, enquanto ramo específico, regulado por

744
Circunstância que se explica pela responsabilidade envolvida no ato de julgar, como aponta
MAGALHÃES, José Carlos de. Os deveres do árbitro. 20 anos da lei de arbitragem: homenagem a
Petronio R Muniz, pp. 227-238, p. 233.
299

legislação especial, possui disciplina normativa própria, que igualmente exige o exame
das questões de fato e de direito. A norma especial não contém o grau de detalhamento
que é proposto pela norma geral, editada posteriormente, de forma que, seja pelo critério
da especialidade, seja pelo cronológico, é possível sim afirmar a aplicabilidade daquelas
exigências de fundamentação ao processo arbitral 745 746.

Porque não existe incompatibilidade ou redundância entre a norma especial e a


geral, eis que tratam de diferentes aspectos da fundamentação. Também as decisões
arbitrais devem indicar a relação entre o ato normativo invocado e a causa, deve explicar
o motivo concreto do emprego de conceitos jurídicos indeterminados, devem ser
específicos na fundamentação, evitando indicar motivos que se prestariam a fundamentar
qualquer outra decisão. Decisões arbitrais devem enfrentar todos os fundamentos
relevantes propostos pelas partes 747 e, por fim, se invocarem precedentes, devem aplicá-
lo concretamente, além de não poderem desprezar precedentes, sem proceder à distinção.
Sobre o tema da aplicação de precedentes pelo árbitro, veja-se o item 2.16, abaixo.

A questão é que, em termos práticos, é muito improvável que a decisão incorra


nestes equívocos, porque o nível de aprofundamento dos debates, nos processos arbitrais,
é muito maior, e as respostas dos julgadores tende a ser muito mais completa. Ademais,
há o pedido de esclarecimentos, como instrumento técnico à disposição das partes para
suprir tais omissões. Não manejado, é de se presumir a completude da decisão ou a sua
aceitação748.

745
CRUZ e TUCCI, José Rogério. Reflexões sobre estrutura formal da sentença arbitral. 20 anos da lei de
arbitragem: homenagem a Petronio R Muniz. p. 583, reputa aplicável ao processo arbitral a disposição do
art. 489, § 1º, do CPC.
746
Também FICHTNER, MANNHEIMER e MONTEIRO, “não exatamente por conta da incidência do
Código de Processo Civil na arbitragem - pois a legislação processual não se aplica, automática e
obrigatoriamente, no processo arbitral - mas porque essas exigências dão o correto contorno hodiernamente
vigente do princípio constitucional da motivação das decisões”. Teoria Geral da Arbitragem. p. 186.
747
STJ, Agravo em REsp nº 1.505.201 – GO, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 21.06.2019: sentenças
arbitrais com fundamentação concisa não configuram falta de fundamentação.
748
Consideram o manejo do pedido de esclarecimentos um pressuposto necessário para a propositura
posterior de ação anulatória, YARSHELL, Flávio Luiz. Ainda sobre o caráter subsidiário do controle
jurisdicional estatal da sentença arbitral. Revista de Arbitragem e Mediação, nº 50, p. 155, e FIGUEIRA
Jr., Joel. Arbitragem, 3ª ed, Rio de Janeiro, Forense, 2019, p. 414. Em sentido contrário, BEREZOWSKI,
Aluisio. Ação Anulatória de Sentença Arbitral: pressupostos e limites, p. 191. BERALDO, Leonardo de
Faria. Curso de Arbitragem, p. 446. PINTO, José Emilio Nunes. Anulação de sentença arbitral infra petita,
extra petita e ultra petita. Arbitragem no Brasil: aspectos jurídicos relevantes. JOBIN, Eduardo.
MACHADO, Rafael Bicca. São Paulo, Quartier Latin, 2008, p. 270-271.
300

Há uma variável desta questão, que suscita maiores preocupações, consistente


na alegação de cerceamento do direito de defesa por indeferimento de provas, ou por má
apreciação das provas produzidas. Quanto a este ponto, é necessário muita cautela no
exame, porque a impossibilidade de revisão do mérito das sentenças arbitrais retira do
Judiciário a possibilidade de uma (re)apreciação da prova. O juízo arbitral é soberano na
apreciação das provas produzidas, na sua valoração 749. Quanto ao peso que se dá a cada
elemento do conjunto probatório, estamos diante da própria atividade de julgamento, cujo
equívoco poderia redundar em hipótese de error in judicando. Não é possível, portanto,
processualizar este aspecto da decisão, para considerar um error in procedendo. Este
somente ocorrerá em hipóteses drásticas de evidente cerceamento ao direito de defesa,
como por exemplo se nenhuma prova requerida pela parte for deferida pelos árbitros.

2.16. Vinculação dos árbitros aos precedentes.

A vinculação dos árbitros aos precedentes constitui outro dos temas polêmicos,
aos quais a doutrina vem se dedicando nos últimos anos. No Brasil, há diversos trabalhos
monográficos sobre o tema, além de muitos artigos e ensaios750. Neste trabalho, o assunto
será explorado na medida da sua utilidade para o estabelecimento das correlações entre o
processo estatal e o processo arbitral, porque também quanto aos precedentes é possível
constatar elementos comuns, que comunicam estes ramos do processo (ou

749
Na jurisprudência, estes debates ocorrem com alguma frequência. Por exemplo, em ação anulatória
instaurada para questionar os critérios utilizados pela perícia produzida no âmbito arbitral, o TJMG rejeitou
o pedido, por considerar, acertadamente, que tal tema não cabia à apreciação judicial (TJMG, 13ª Câmara
Cível, Apelação Cível nº 1.0701.08.242747-0/003, Rel. Des. Luiz Carlos Gomes da Mata, j. 18.11.2010).
Da mesma forma, já se reconheceu que é parte do livre convencimento do árbitro valorar as provas
produzidas pelas partes da forma que entender mais pertinente (TJPR, 18ª Câmara Cível, Apelação cível nº
0006116-40.2019.8.16.0194, Rel. Des. Juiz de Direito Substituto em 2º Grau Luiz Henrique Miranda, j.
09.03.2022; TJSP, 25ª Câmara de Direito Privado, Apelação nº 9000084-58.2008.8.26.0100, Rel. Des.
Sebastião Flávio, j. 22.05.2014), bem como que é inaplicável o deferimento judicial de produção de novas
provas após a prolação da sentença arbitral (TJMG, 14ª Câmara Cível, Agravo de Instrumento nº
1.0024.09.516036-2/003, Rel. Des. Marco Aurelio Ferenzini, j. 12.03.2015; TJMG, Decisão Monocrática,
Agravo de Instrumento nº 1.0024.13.244670-9/007, Rel. Des. Sérgio André da Fonseca Xavier, j.
31.03.2015.
750
Assim, por exemplo: AMARAL, Guilherme Rizzo. Arbitragem e Precedentes. Curso de Arbitragem.
FIOVARANTI, Marcos Serra Netto. Arbitragem e os precedentes judiciais: observância, respeito ou
vinculação? Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2018. MARIANI, Rômulo Greff. Precedentes na arbitragem.
Belo Horizonte: Fórum, 2018. MARQUES, Ricardo Dalmaso. Inexistência de Vinculação do Árbitro às
Decisões e Súmulas Judiciais Vinculantes do Supremo Tribunal Federal. Revista Brasileira de Arbitragem,
Vol. 38, pp. 96-137.
301

microssistemas), e peculiaridades do processo arbitral, que explicam as diferenciações


com que o tema é tratado.

Em comum, o reconhecimento de que o ordenamento jurídico brasileiro


incorporou a própria ideia de precedentes vinculantes, para considerar como normas
jurídicas certas interpretações que os Tribunais Superiores fixam. Se as arbitragens são
de direito e o ordenamento brasileiro é o escolhido, não há razão para excluir estes
precedentes vinculantes do espectro de normas que devem ser consideradas, isto é: devem
estar no rol de fontes a serem utilizadas pelas partes e consideradas por quem irá prolatar
a decisão arbitral. A este respeito, aliás, pairam poucas dúvidas e polêmicas doutrinárias.

A questão se coloca quanto à etapa seguinte deste exercício. Afinal, qual a


consequência do desatendimento dos precedentes, no sistema do processo judicial, e no
sistema do processo arbitral? Sobre este aspecto as polêmicas se multiplicam, justificando
que ele seja aqui enfrentado.

Antes, vale fazer breves considerações sobre a própria noção de aplicabilidade


de precedentes. A evolução legislativa a este respeito é notável. Se o modelo proposto
pelo CPC/73 continha poucas disposições a este respeito, a partir da nova ordem
constitucional estabelecida em 1988, o cenário veio se modificando. Foram incorporados
ao sistema brasileiro a Súmula Vinculante, a Repercussão Geral do Recurso
Extraordinário, o “Recurso Especial repetitivo”, além da ideia de “jurisprudência
dominante”, com reflexo em inúmeras técnicas do processo estatal, como a outorga de
poderes ao relator para julgar monocraticamente recursos que se voltassem contra essa
jurisprudência dominante (por exemplo, o art. 557 do CPC/73).

O Código de Processo Civil de 2015 propôs um modelo ainda mais intenso no


que tange à observância das decisões dos tribunais. Introduziu alguns dispositivos legais,
dos quais se pode extrair uma proposta de um novo paradigma, mais alinhado com a
realidade de julgamentos repetitivos, litigiosidade de massa e atomização da justiça.
Determina que os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável,
íntegra e coerente (art. 926), além de estabelecer que os juízes e tribunais observarão
302

(art. 927) um extenso rol de tipos de decisões, produzidas tanto pelos tribunais aos quais
estão vinculados, quanto pelos Tribunais Superiores751.

Daí se observa que o modelo processual brasileiro se funda na lógica de que um


amplo conjunto de decisões, proferidas pelos Tribunais Superiores, constituem fonte
normativa, de forma que esta atividade transborda das estritas fronteiras dos processos
judiciais, porque são técnicas de produção normativa. Isso, não obstante realizada no seio
do Poder Judiciário e não obstante regulada (e criada) pelo Código de Processo Civil.
Com razão, Eduardo Talamini afirma que “os precedentes judiciais e a jurisprudência
consolidada, aí incluídas as decisões-quadro e súmulas vinculantes, constituem fonte do
ordenamento jurídico, ainda que ‘não autônoma’ 752 753.

Se o direito é composto de múltiplas fontes, entre as quais a jurisprudência


vinculante, se o árbitro se equipara ao juiz em sua atividade jurisdicional, porque exerce
função de origem privada, mas conteúdo público, também os árbitros estão obrigados a
observar estas normas, como integrantes do ordenamento754. No Brasil, nas arbitragens
de direito, aplica-se o direito brasileiro como um todo. O fato de árbitros estarem fora da
estrutura do Poder Judiciário não modifica esse estado de coisas. A produção normativa
do Poder Judiciário integra o ordenamento, sendo esta a razão da sua aplicabilidade na
arbitragem. Não é porque os árbitros não estão referidos no artigo 927 do CPC que estão
dispensados de observar decisões judiciais, como por exemplo as que o Supremo Tribunal
Federal profere em controle concentrado de constitucionalidade, ou as decisões

751
Guilherme Rizzo Amaral observa que, não obstante as críticas que se possam fazer a este artigo “não é
difícil perceber que se pretende introduzir entre nós um sistema de precedentes vinculantes”, notadamente
porque o caput fala que os tribunais observarão, dispositivo que lido em conjunto com o artigo 489, § 1,
VI, só pode conduzir à interpretação pela obrigatoriedade do precedente no processo judicial brasileiro.
AMARAL, Guilherme Rizzo. Arbitragem e Precedentes. Curso de Arbitragem. p. 283.
752
TALAMINI, Eduardo. Arbitragem e Precedentes: cinco premissas, conclusões, um epílogo (e um
vídeo). Informativo Justen, Pereira, Oliveira e Talamini, Curitiba, nº 138, agosto de 2018, disponível em
http://www.justen.com.br/informativo acesso em 12/06/2022: “os precedentes judiciais e a jurisprudência
consolidada, aí incluídas as decisões-quadro e súmulas vinculantes, constituem fonte do ordenamento
jurídico, ainda que ‘não autônoma’.
753
No mesmo sentido, ZANETI JR., Hermes. Comentários aos arts. 926 a 928. Comentários ao novo
Código de Processo Civil. CABRAL, Antonio do Passo; CRAMER, Ronaldo. Rio de Janeiro: Forense,
2015. p. 1305.
754
GRECO, Leonardo. Controle Jurisdicional da Arbitragem. Revista Brasileira de Arbitragem, 2018,
volume 57, pp. 7-22, p. 10. Isso, a despeito de Greco entender que jurisprudência e precedentes não são
fontes principais de direito, não geram normas ou direitos que antes deles não existiam. São fontes
complementares, são métodos de revelação de direito pré-existente que decorre em outra fonte formal, p.
8-9. Também, MARINONI, Luiz Guilherme. A Coisa Julgada sobre Questão diante da arbitragem.
Arbitragem e Direito Processual. MARINONI, Luiz Guilherme, LEITÃO, Cristina Bichels. São Paulo.
Thomson Reuters Brasil, 2021, pp. 307-323, p. 313.
303

consolidadas que geram a edição de súmulas vinculantes755. Semelhante conclusão afasta


o processo arbitral de um cenário de previsibilidade e segurança, que parecem ser alguns
dos predicados que público consumidor da arbitragem procura.

Em igual sentido, Fernando Gajardoni e André Vasconcelos Roque aduzem que


“a aplicação do direito brasileiro não se esgota no texto legal e deve o árbitro, sob pena
de promover interpretação peculiar – ou seja, contrária à isonomia e à segurança jurídica
–, observar os precedentes existentes sobre a questão submetida à sua apreciação”756.
Assim também Talamini, pois “se a arbitragem é de direito, cabe ao árbitro aplicar o
ordenamento em sua plenitude, observando-se todas as suas fontes”757 758.

Estabelecida essa premissa, resta examinar a questão sobre a consequência do


eventual desrespeito aos precedentes, por parte dos árbitros. Aqui as polêmicas se
intensificam. Resumidamente, há quem entenda não haver espaço em nosso ordenamento
jurídico para que se anule a decisão – e também há quem entenda de forma diversa.

Uma primeira visão considera que os mecanismos de controle da observância


dos precedentes no processo estatal não são transportados para a arbitragem, daí porque
não se pode cogitar da anulação de sentenças arbitrais proferidas em violação aos
precedentes759. O que os árbitros fazem quando não aplicam um precedente não é,
ontologicamente, diferente do que fazem quando não aplicam uma regra jurídica
positivada (por exemplo, na Lei das Sociedades Anônimas ou no Código Civil). O que

755
Em sentido contrário, MARQUES, Ricardo Dalmaso. Inexistência de Vinculação do Árbitro às Decisões
e Súmulas Judiciais Vinculantes do Supremo Tribunal Federal. Revista Brasileira de Arbitragem, Vol. 38,
pp. 96-137. PEREIRA, Michele Cristie. A Jurisprudência e a arbitragem. A Arbitragem na
Contemporaneidade. URBANO, Alexandre Figueiredo de Andrade e MAZIERO, Franco Giovanni
Mattedi. Belo Horizonte, Fórum, 2019, p. 144.
756
ROQUE, André Vasconcelos. Gajardoni, Fernando da Fonseca. A sentença arbitral deve seguir o
precedente judicial do novo CPC? https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/sentenca-arbitral-deve-
seguir-o-precedente-judicial-novo-cpc-07112016 Para Tucci: “Desse modo, assim como o juiz togado, o
árbitro não poderá se afastar da interpretação, acerca de determinado texto legal, que desponta consagrada
pelos tribunais pátrios. O precedente judicial, portanto, constitui valioso subsídio para que o árbitro, no
processo hermenêutico de subsunção, possa aplicar a lei ao caso concreto, cumprindo adequadamente a
missão que lhe foi outorgada pelas partes”. CRUZ e TUCCI, José Rogério. O árbitro e a observância do
precedente judicial https://www.conjur.com.br/2016-nov-01/paradoxo-corte-arbitro-observancia-
precedente-judicial Acesso em 22/11/2021
757
TALAMINI, Eduardo. Arbitragem e Precedentes: cinco premissas, conclusões, um epílogo (e um
vídeo). Informativo Justen, Pereira, Oliveira e Talamini, Curitiba, nº 138, agosto de 2018, disponível em
http://www.justen.com.br/informativo , p. 2.
758
Também, PUGLIESE, William Soares. Vinculação do árbitro ao direito: precedente não é mera regra
de procedimento. Arbitragem e Direito Processual, MARINONI, Luiz Guilherme, LEITÃO, Cristina
Bichels. São Paulo. Thomson Reuters Brasil, 2021, pp. 371-392, p. 385.
759
Nesse sentido, por exemplo: MARIANI, Rômulo Greff. Precedentes na arbitragem. Belo Horizonte:
Fórum, 2018.
304

ocorre é, no máximo, uma má aplicação do direito. Disso não decorre, por certo, que o
árbitro se encontre à margem do direito eleito, mas que ele apenas buscou fontes outras e
diversas, e a forma como as aplicou determinou uma conclusão diversa da que poderia
ter sido obtida em um processo estatal.760

Decisões injustas são indesejadas, evidentemente, mas o ordenamento jurídico


convive com esta possibilidade, tanto no processo estatal, quando no arbitral. A injustiça
que decorre do desrespeito a um precedente não é mais injusta do que o desrespeito à lei.
E situando-se, ambas estas atividades, no âmbito do mérito da causa, não ensejam a via
da ação anulatória, não se sujeitam a algum mecanismo de controle no âmbito da
arbitragem (ainda que possam ser controladas no processo estatal).

De outro lado, a corrente, que tem em comum a conclusão pela possibilidade de


anulação da sentença arbitral que desatenda os precedentes, se subdivide quanto aos
fundamentos para esta anulação. Um dos fundamentos, que me parece o mais frágil e
perigoso, é o de considerar que a sentença, ao desrespeitar um precedente, desrespeita o
próprio ordenamento jurídico e, nesta condição, corresponde a um julgamento fora deste
mesmo ordenamento, caracterizando a causa de anulação do art. 32, IV, de julgamento
fora dos limites da convenção de arbitragem761. O argumento é frágil, porque implica
constatar que todo julgamento errado, que deixe de aplicar corretamente qualquer norma
integrante do ordenamento jurídico brasileiro, corresponderá à negação do próprio
ordenamento. A interpretação sistemática do ordenamento processual exclui esta solução,
que terminaria por outorgar ao precedente um status superior à própria lei, na medida em

760
“Ocorre que quando tratamos de comparar a decisão do árbitro com o precedente ou jurisprudência
estatal, estamos no máximo discutindo por quem e como o Direito foi aplicado. Não se trata, portanto, de
aferir que o mero desvio da decisão estatal pretérita determina a conclusão clara e irrefutável de que o
árbitro simplesmente não aplicou o Direito à espécie. Isso ganha ainda mais relevo no Brasil, onde, apesar
das reformas implementadas, vigora um sistema ainda fortemente influenciado pelo civil law, ou seja,
baseado em Direito positivado ou mesmo composto de elementos não textuais, e que é posteriormente
interpretado/aplicado pelos julgadores.” MARIANI, Rômulo Greff. Precedentes na arbitragem. Belo
Horizonte: Fórum, 2018. p. 110. No mesmo sentido: CONCENÇÃO, Danilo Orenga. Os precedentes
judiciais e sua relação com a arbitragem. Dissertação (Mestrado), Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo. 2020. p. 112.
761
NASSER, Paulo Magalhães. Vinculações Arbitrais. Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2019, p. 158. LUCON,
Paulo Henrique dos Santos; BARIONI, Rodrigo; MEDEIROS NETO, Elias Marques de. A Causa de Pedir
das Ações Anulatórias de Sentença Arbitral. Revista de Arbitragem e Mediação, vol. 46, 2015, pp. 275-
276, p. 278. Também, LEITÃO, Cristina Bichels. O árbitro está vinculado aos precedentes? Arbitragem e
Direito Processual, MARINONI, Luiz Guilherme, LEITÃO, Cristina Bichels. São Paulo. Thomson Reuters
Brasil, 2021, pp. 325-346, p. 343.
305

que a violação ao precedente passa a ensejar a anulação da sentença, ao passo que o


mesmo não ocorre com a violação à lei.

O fundamento é também perigoso, porque permite uma abertura para


questionamento das decisões por questões atreladas ao mérito762. Todo o sistema arbitral
é estruturado segundo o parâmetro de que apenas erros formais são passíveis de controle.
Assim, todos os taxativos incisos do artigo 32 da Lei de Arbitragem devem ser
interpretados sob essa premissa, que decorre de regra legal expressa e que, ademais, tem
como inspiração uma noção de índole mais principiológica, relacionada à blindagem da
arbitragem em relação a ataques pela via judicial. A hipótese de julgamento fora dos
limites da convenção de arbitragem deve ser assim interpretada, restringindo-se ao
confronto formal dos limites da convenção versus a atividade realizada pelos árbitros.
Não por acaso, o exemplo típico da hipótese sob esse artigo é o dos julgamentos extra ou
ultra petita.

Propugna-se também a possibilidade de anulação porque o desrespeito aos


precedentes configura violação à ordem pública, assim como corresponde a uma violação
ao dever de fundamentar as decisões. Quanto ao primeiro aspecto, entendo que as razões
de ordem pública que justificam o controle da sentença arbitral são aquelas já
contempladas nos próprios incisos do art. 32 da Lei. Não há espaço ou justificativa
sistemática para uma interpretação ampliativa, ou para considerar que a violação à ordem
pública seja um inciso adicional do rol de causas para anulação763.

Sobre a fundamentação, dois comentários. Afora o que se disse, de que o


standard de fundamentação das decisões arbitrais é sensivelmente superior ao de suas
equivalentes judiciais, há de se reconhecer, igualmente, que as disputas submetidas à
arbitragem são essencialmente fáticas, envolvem relações comerciais complexas, muitas
vezes duradouras. Têm por objeto, além dos fatos, quase sempre a interpretação de
cláusulas contratuais e a subsunção das normas legais aplicadas a estes tipos contratuais.
Não há muito espaço para arbitragens puramente de direito, ou meras discussões de
‘teses’ no processo arbitral. Isso torna o problema, em si, de menor relevância.

762
TALAMINI, Eduardo. Arbitragem e Precedentes: cinco premissas, conclusões, um epílogo (e um
vídeo). Informativo Justen, Pereira, Oliveira e Talamini, Curitiba, nº 138, agosto de 2018, disponível em
http://www.justen.com.br/informativo acesso em 12/06/2022, p. 1.
763
APRIGLIANO, Ricardo de Carvalho. Ordem Pública e processo, p. 50.
306

Mas é evidente que pode haver aspectos da decisão que possam se relacionar
com interpretações e entendimentos fixados pelos Tribunais Superiores, em suas variadas
técnicas de formulação dos precedentes. Novamente, não há aqui particular distinção
entre as hipóteses de sentença que deixe de apreciar razões jurídicas ou normas legais
invocadas pelas partes764. Ademais, se, de forma fundamentada, o árbitro buscar no
direito brasileiro elementos que o façam chegar a uma conclusão diversa daquela
estabelecida pelos Tribunais estatais, nosso sistema não admite que tal julgado seja
anulado 765.

Para que se possa cogitar da anulação da sentença arbitral por falta de


fundamentação, a decisão deverá padecer de um vício absoluto de falta de
fundamentação, hipótese no mínimo incomum. Afinal, ainda que a decisão deixe de
aplicar o precedente, tendencialmente os árbitros irão fundamentar e deixar claro o
racional jurídico que embasa a sua decisão, que estará, quanto ao mais, amparada em
outras razões jurídicas e outros fundamentos normativos do próprio ordenamento. O que
mais provavelmente ocorrerá será a interpretação errônea do precedente, o seu
afastamento por razões interpretativas. Aliás, a decisão pode padecer de um erro de
julgamento seja porque deixou de aplicar um precedente, como porque aplicou o
precedente errado.

Estas circunstâncias são inerentes ao método de julgamento. Normas legais,


positivadas em leis e códigos, podem ser aplicadas por erro, ou deixar de ser aplicadas
por erro. Com os precedentes não é diferente, e todas estas atividades se inserem no
contexto do julgamento do mérito da controvérsia, atividade que, no processo arbitral,
não está sujeita a controle ou revisão.

764
TEMER, Sofia. Precedentes Judiciais e Arbitragem: reflexões sobre a vinculação do árbitro e o
cabimento da ação anulatória. Revista de Processo ,vol. 278, 2018, pp 523 – 543, p. 527. ROQUE, André
Vasconcelos. Gajardoni, Fernando da Fonseca. A sentença arbitral deve seguir o precedente judicial do
novo CPC? https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/sentenca-arbitral-deve-seguir-o-precedente-
judicial-novo-cpc-07112016 Acesso em 15/06/2022.
765
Mesmo no berço da common law se chegou a essa conclusão, como se verifica em decisão proferida
pela Court of Appeal for the Sixth Circuit: “Moreover, the very idea that an arbitral decision is not
appealable for legal error leads to the conclusion that the arbitrator is not necessarily bound by legal
holdings of this court. If an arbitrator relies on a colorable meaning of the words of the statute – as the
arbitrator did here – the fact that there is Sixth Circuit precedent to the contrary is not necessarily
determinative. Sixth Circuit holdings are binding in courts and on agencies whose decisions are appealable
to the Sixth Circuit, ultimately because of that appealability.”. Schafer v. Multiband Corp., 6th Cir. 2014.
307

Para além disso, os precedentes precisam ser invocados para que possam ser
examinados766. Não há omissão do julgador se ele deixa de considerar um argumento
jurídico que nem sequer foi trazido pelas partes. Ademais, é muito improvável que um
argumento relevante – a ponto de justificar uma alegação de grave omissão, que ensejaria
nulidade da decisão – deixe de ser invocado, para depois a parte invocar o aforismo iura
novit curia e pretender a consideração de um argumento (ou de uma norma legal) que
nem mesmo ela suscitou. E quando forem invocados, serão enfrentados, para se
determinar seu acolhimento, rejeição, sua superação ou a distinção das situações
submetidas à comparação767. Restaria uma hipótese absolutamente excepcional, de um
precedente relevante, determinando para o julgamento da causa, ser invocado pela parte
e ser absolutamente ignorado pelos árbitros. Esta hipótese equivale a dizer que o
fundamento jurídico central da tese da parte deixou de ser considerado. Em termos
práticos, absolutamente improvável que ocorra. Em termos teóricos, ter-se-ia uma
omissão tão grave que poderia conduzir à constatação de falta de motivação da sentença
arbitral768.

2.17. Coisa Julgada.

A Lei de Arbitragem também não se refere à coisa julgada. Não obstante a


relevância deste instituto, o legislador brasileiro optou por não regular a sua incidência
ou seus parâmetros na própria norma. Outros diplomas legais adotam postura diversa,
consagrando a coisa julgada em suas leis de arbitragem, como é o caso, por exemplo, da
Bélgica (Code Judiciaire, art. 1.705), Alemanha (ZPO, § 1.055), Áustria (ZPO, § 594) e
Portugal (LAV, art. 42)769. A Itália tem regulamentação particular, porque, não obstante
a sentença arbitral produza os mesmos efeitos que a sentença judicial (CPC, art. 824-bis),
a sua eficácia executiva exige homologação judicial (CPC, art. 825)770. Também

766
Contra, CRUZ e TUCCI, José Rogério. O árbitro e a observância do precedente judicial O árbitro e a
observância do precedente judicial https://www.conjur.com.br/2016-nov-01/paradoxo-corte-arbitro-
observancia-precedente-judicial Acesso em 22/11/2021 https://www.conjur.com.br/2016-nov-
01/paradoxo-corte-arbitro-observancia-precedente-judicial
767
Guilherme Rizzo Amaral entende que a decisão que afasta o precedente por considerá-lo errado equivale
a um julgamento por equidade, fora dos limites da convenção de arbitragem, passível, portanto, de anulação.
AMARAL, Guilherme Rizzo. Arbitragem e Precedentes. Curso de Arbitragem. pp. 279-306, p. 296.
768
AMARAL, Guilherme Rizzo. Ob. cit., p. 292.
769
Citados por GONÇALVES, Marcelo Barbi Gonçalves. Teoria Geral da Jurisdição. p. 138.
770
BONATO, Giovanni. Panorama da Arbitragem na França e na Itália. Perspectiva de Direito Comparado
com o Sistema Brasileiro. Revista Brasileira de Arbitragem, 2014, Vol. 43, pp. 59-92, p. 72.
308

consagram a coisa julgada na arbitragem os diplomas da França (CPC, art. 1.484),


Inglaterra (English Arbitratrion Act, art. 58) e Espanha (Ley de Arbitraje, art. 43) 771.

Não obstante esta omissão legislativa, na doutrina, há pouca controvérsia acerca


da ocorrência da coisa julgada no processo arbitral772, inclusive no plano internacional773.
A sentença arbitral, equiparada à sentença judicial em relação aos seus efeitos, é
equiparável também quanto à sua qualidade de tornar imutável o comando estabelecido
pela decisão, contra a qual não cabia mais qualquer recurso. Tem-se então, uma previsão
constitucional (genérica) que prevê a figura da coisa julgada, sem fixar-lhe os parâmetros.
A lei processual geral – o CPC – que regulamenta a sua incidência, fixa seus contornos.
E a lei especial, que é omissa a respeito.

Pelo exercício de integração e interpretação que vem sendo feito ao longo desta
tese, a conclusão que se chega é que estes parâmetros legais são aplicados ao processo
arbitral. Mais do que isso, especificamente em relação à coisa julgada, é até difícil
conceber espaço para a autonomia da vontade das partes, que permitisse, por exemplo, o
afastamento da eficácia preclusiva da coisa julgada, a renúncia à possibilidade de invocar
a existência da coisa julgada774, como fator impeditivo de novo exame da mesma causa775.

MAZZONETTO, Nathalia. Uma Análise Comparativa da Intervenção de Terceiros na Arbitragem sob a


Ótica dos Ordenamentos Jurídicos Italiano e Brasileiro. Revista Brasileira de Arbitragem., p. 44-59, p. 47.
771
Como informa NASCIMBENI, Asdrubal Franco. Cumprimento das decisões arbitrais: estudos para
aprimoramento do sistema. Rio de Janeiro. Lumen Juris, 2019. O autor endossa as opiniões de que a
sentença arbitral produz coisa julgada, não obstante o silêncio da LArb a respeito, p. 101.
772
Sustentam a sua ocorrência, entre outros. ARMELIN, Donaldo. Notas sobre sentença parcial e
arbitragem. Revista de Arbitragem, p. 19. GIUSTI, Gilberto. CATARUCCI, Douglas Depieri. Sentenças
arbitrais parciais: visão doutrinária e prática do tema nos últimos 20 anos. In: 20 Anos da lei de arbitragem.
p. 565.
773
BERMANN, George A. International Arbitration and Private International Law, The Hague Academy
of International Law, 2017, p. 456. CREMASCO, Suzana. BENTO, Daniel Freitas Drumond. VIANA,
Bruno Giannetti. Os limites da coisa julgada na arbitragem internacional. Arbitragem Comercial
Internacional e os 60 anos da Convenção de Nova Iorque. LEMES, Selma Ferreira. LOPES, Christian Sahb
Batista. São Paulo, Quartier Latin, pp. 181-196.
774
Ricardo Ranzolin admite que, por acordo entre as partes, uma decisão arbitral possa ser submetida a
uma nova arbitragem, sobre exatamente a mesma questão já julgada antes. Ainda, que as partes podem
submeter essa mesma questão ao Poder Judiciário, comprometendo-se a não suscitar a existência de coisa
julgada anterior. RANZOLIN, Ricardo. Controle Judicial da arbitragem. Rio de Janeiro, GZ Editora, p.
174.
775
Felipe Wladeck sustenta a possibilidade de as partes submeterem ao Judiciário uma demanda acobertada
pela coisa julgada formada em processo arbitral. WLADECK, Felipe Scribes. Impugnação da Sentença
Arbitral. Salvador, JusPodivm, 2014, p. 93. No mesmo sentido, ARIMA, Paula Aya Azevedo. Coisa
Julgada na arbitragem nacional. Arbitragem e Direito Processual, pp. 285-304, p. 296.
309

Por isso é que a doutrina, majoritariamente, reconhece a coisa julgada do (e no)


processo arbitral776. Dinamarco ressalta que “o laudo arbitral tem a plena capacidade de
proporcionar de modo integral a pacificação dos litigantes mediante a eliminação de
conflitos”777. Também Parente reconhece que à coisa julgada do processo arbitral
aplicam-se as noções da coisa julgada do processo estatal, reconhecendo seus efeitos
positivo e negativo e sua eficácia preclusiva778, o que vem sendo reconhecido, inclusive,
pela jurisprudência779. Dessa forma, a coisa julgada material no direito brasileiro, em
todas as espécies de processo, corresponde ao conceito que lhe dá o artigo 502 do CPC:
a autoridade que torna imutável e indiscutível a decisão de mérito não mais sujeita a
recurso.

Cuida-se de um conceito teórico, que integra a teoria geral do processo, mas que
é positivado em nosso ordenamento como uma das raras hipóteses em que um instituto
jurídico vem definido pela própria lei. Além da definição em si, das normas processuais
gerais extrai-se que a decisão de mérito tem força de lei nos limites da questão principal
expressamente decidida (CPC, art. 503).

Fruto da força julgada, impede-se a realização de novo julgamento acerca do


mesmo tema. Isso se aplica em todos os possíveis fluxos. A coisa julgada formada em
processo judicial impede o exame da questão em novo processo judicial ou arbitral,
repercute sobre quaisquer processos, inclusive o administrativo780. Se a coisa julgada se
forma na arbitragem, o mesmo se aplica. Não poderá haver uma segunda demanda arbitral

776
NERY Jr., Nelson. Princípios do Processo na Constituição Federal, p. 68: A segurança jurídica, trazida
pela coisa julgada material, é manifestação do estado democrático de direito (CF 1.º caput). Entre o justo
absoluto, utópico, e o justo possível, realizável, o sistema constitucional brasileiro, a exemplo do que ocorre
na maioria dos sistemas democráticos ocidentais, optou pelo segundo (justo possível), que é
consubstanciado na segurança jurídica da coisa julgada material. Descumprir-se a coisa julgada é negar o
próprio estado democrático de direito, fundamento da república brasileira.
777
DINAMARCO, Cândido Rangel. A Arbitragem na Teoria Geral do Processo p. 203.
778
PARENTE, Eduardo. Processo arbitral e sistema, p. 304.
779
TRF4, 3ª Turma, Apelação Cível nº 2002.04.01.0326555/RS, Rel. Juiz Federal Fernando Quadros da
Silva, j. 07.11.2006; TJSP, 26ª Câmara de Direito Privado, Apelação Cível nº 1048639-91.2021.8.26.0100,
Rel. Des. Vianna Cotrim, j. 16.09.2021; TJSP, 26ª Câmara de Direito Privado, Agravo Interno Cível nº
2124680-91.2021.8.26.0000/50001, Rel. Des. Vianna Cotrim, j. 16.09.2021; TJSP, 26ª Câmara de Direito
Privado, Agravo Interno Cível nº 2124680-91.2021.8.26.0000/50001, Rel. Des. Vianna Cotrim, j.
26.07.2021.
780
FRANCO, Fernão Borba. Processo Administrativo. Teoria Geral do Processo, Imparcialidade e Coisa
Julgada, p. 246.
310

ou judicial sobre o mesmo objeto, e demandas subsequentes terão que levar em


consideração o conteúdo do que foi decidido781.

Os parâmetros da legislação processual civil, que se estendem ao processo


arbitral, determinam ainda que certos conteúdos da decisão não fazem coisa julgada (art.
505) e, de outro lado, a partir da edição do CPC/15, passaram a disciplinar a coisa julgada
sobre questão prejudicial, que tenha sido expressa e incidentalmente decidida no
processo, desde que sobre ela tenha havido contraditório prévio e efetivo. Estes
parâmetros, introduzidos pelo §1º do artigo 503, não existiam no processo brasileiro ao
tempo da edição da Lei de Arbitragem. Cuida-se de um novo paradigma, inaugurado com
o CPC/15 que, inspirado em razões de efetividade, passou a abranger na imutabilidade
própria da coisa julgada a decisão sobre questão prejudicial, dispensando a parte do ônus
de propor ação declaratória incidental782.

No regime anterior, se a parte quisesse um pronunciamento definitivo e com


aptidão à imutabilidade, teria que se valer da ação declaratória incidental, que seria
julgada em conjunto com a ação principal, incidindo assim os efeitos da coisa julgada
sobre ambas as questões. No CPC/15, desapareceu a figura da declaratória incidental,
porque a parte pode tomar a iniciativa de propor o julgamento de uma questão incidental,
independentemente do ajuizamento de demanda própria.

Estas regras, previstas no Código de Processo Civil, são também aplicáveis à


arbitragem, porque a configuração da coisa julgada em nosso sistema é toda decorrente
do texto legal. No plano teórico, há mais de uma conformação possível à coisa julgada,
de forma que, à luz da Teoria Geral do Processo, mais de uma solução pode ser concebida.
Mas o instituto, concretamente verificado, é aquele que decorre das regras positivas, que
se projetam para a arbitragem. Tanto é assim que o modelo processual do CPC/73 não
abrangia a questão prejudicial como acobertada pela coisa julgada, exigindo ação
declaratória incidental, ao passo que o modelo do CPC/15 dispensa a declaratória
incidental e inclui, mediante certos requisitos, a questão prejudicial dentro do âmbito da

781
Nery Jr., Nelson. Princípios do Processo na Constituição Federal, p. 78; ALVIM, Arruda. Sobre a
natureza jurisdicional da arbitragem. Arbitragem: Estudo sobre a lei 13.129 de 26/05/2015. CAHALI,
Francisco José; RODOVALHO, Thiago e FREIRE, Alexandre (org.). São Paulo: Editora Saraiva, 2016,
pp. 133-144, p. 143. Para Marinoni, “seria um caos se um árbitro pudesse admitir a rediscussão de litígio
já definido no Judiciário ou mesmo rejulgá-lo”, MARINONI, Luiz Guilherme. A Coisa Julgada sobre
Questão diante da arbitragem, pp. 307-323, p. 315.
782
MARINONI, Luiz Guilherme. A Coisa Julgada sobre Questão diante da arbitragem, p. 315.
311

imutabilidade783. O conceito geral da coisa julgada permanece, mas o regramento positivo


modificou os seus parâmetros, que passam a ser aplicados também no processo arbitral.

Portanto, se há uma questão prejudicial, se ela é objeto de adequado contraditório


no processo arbitral e vem a ser decidida expressamente pelos árbitros, também sobre esta
questão incidirá a coisa julgada. Não há, nem pode haver, distinção quanto ao regime
jurídico da sentença judicial, com a única ressalva, possível, mas improvável, de que as
partes excluam esta possibilidade na convenção de arbitragem.

783
Se ocorreu ou não o trânsito em julgado sobre questão prejudicial, é circunstância que será proclamada
pelo julgador do caso subsequente, que terá que examinar se os requisitos para esta coisa julgada foram
efetivamente atendidos. ARRUDA ALVIM, Teresa. CORRÊA, Leonardo Peres. Algumas anotações acerca
da coisa julgada sobre questão prejudicial. Revista de Processo ,vol. 321, 2021, pp. 61 – 82, p. 68.
312

6. CONCLUSÕES

Do desenvolvimento dos capítulos precedentes, podem ser extraídas


algumas conclusões, que são resumidas abaixo.

1. É inequívoca a relevância da autonomia da vontade na conformação do


processo arbitral. Ela se observa e se manifesta tanto na escolha e delimitação da relação
jurídica que será submetida à arbitragem, como na definição de inúmeros outros aspectos
da disputa, inclusive as normas aplicáveis ao processo arbitral e ao mérito da controvérsia.
Não se disputa, outrossim, que as partes recebem, no sistema da Lei de Arbitragem, um
elevado grau de autonomia para regular os aspectos do procedimento, o que podem fazer
diretamente, por escolha de regulamentos e leis, ou por delegação aos árbitros.

2. Entretanto, é inadequada, posto que incompleta, a recorrente afirmação


da doutrina brasileira de que, adicionalmente à autonomia conferida às próprias partes,
ao processo arbitral se aplicam tão somente os princípios processuais constitucionais e os
preceitos da sua própria lei, como fontes normativas da regulação do processo arbitral.

3. A opção do legislador brasileiro por uma curta e objetiva


regulamentação da arbitragem enseja a necessidade da sua compreensão mediante o
auxílio a conceitos que lhe são exteriores. Com efeito, não se extrai da Lei de Arbitragem
os parâmetros mínimos do processo arbitral, a sua estrutura fundamental. Do exame da
legislação específica não é possível compreender os elementos essenciais da relação
jurídica processual que se dá mediante a arbitragem. Vista de modo isolado, a Lei de
Arbitragem não fornece respostas sobre aspectos essenciais de um processo jurisdicional,
causando perplexidades e suscitando dúvidas sobre a operabilidade do processo arbitral.

4. A Teoria Geral do Processo constitui o arcabouço teórico que explica o


processo arbitral, que lhe dá conteúdo, que lhe confere substância. Como condensação
metodológica de princípios e elementos comuns a todos os ramos do processo, a Teoria
Geral do Processo tem abrangência suficiente para, mediante a incorporação desta
modalidade especial de processo, aportar-lhe substratos conceituais que lhe dão
operabilidade. A insuficiência a que se aludiu anteriormente passa a ser complementada
313

por conceitos e parâmetros fundamentais, observados e aplicados a todos os tipos de


processo.

5. Afinal, a arbitragem constitui igualmente um método de solução de


controvérsias, que se realiza mediante um processo, conduzido por julgador imparcial, a
quem se outorga a condição de juiz de fato e de direito, que aplica o direito ao caso
concreto, nos limites da irresignação a ele submetida, cujo produto final é uma sentença,
um título executivo judicial. A constatação de que o processo arbitral constitui outra das
modalidades de processo jurisdicional, se de um lado permite o seu enquadramento e
exame à luz da Teoria Geral do Processo, de outro, impõe a revisitação de certos
parâmetros desta mesma teoria. Este duplo vetor, da inserção da arbitragem na Teoria
Geral do Processo e da compreensão desta levando também em consideração o processo
arbitral, constituíram a linha condutora da análise levada a efeito nesta tese.

6. Fruto destas premissas, concluiu-se também que o Código de Processo


Civil realiza, no sistema processual brasileiro, a função de norma processual geral,
utilizável como fonte normativa para suprir lacunas dos demais ramos do processo e de
microssistemas do processo civil, de que é um exemplo a própria arbitragem. É por meio
da comunicação entre as normas gerais e especiais, segundo os tradicionais critérios
interpretativos, que se confere coerência ao sistema e se buscam soluções para os
problemas que as leis especiais não são capazes de resolver sozinhas. A lei especial faz
com que prevaleçam, na sua interpretação, suas especificidades, particularidades e a
própria razão de ser que motivou a sua edição. A lei geral surge como complemento,
naquilo que a lei especial for omissa e desde que respeitadas a natureza da norma especial.

7. A integração entre normas gerais e especiais é uma decorrência da


interpretação do ordenamento jurídico, da relação entre as normas integrantes de um
mesmo sistema. Para essa finalidade, é indiferente que esta circunstância seja proclamada
ou admitida no próprio texto legal. Em termos concretos, o fato de a Lei de Arbitragem
não conter uma remissão geral ao Código de Processo Civil não corresponde a uma
proclamação da sua independência, ou da impossibilidade de se recorrer às normas
processuais gerais como fonte normativa supletiva ou subsidiária. O silêncio da Lei de
Arbitragem acerca da aplicabilidade subsidiária de normas processuais gerais não pode
ser interpretado como uma recusa a esta mesma aplicação.
314

8. A noção tradicional da Jurisdição, como um poder, função e atividade,


que se realiza para dar efetividade ao direito material, para pacificar com justiça, se aplica
igualmente à arbitragem. Observam-se também seus escopos e a sua estrutura
fundamental, seus elementos característicos. A natureza jurisdicional da arbitragem
impõe que seu julgamento se dê por terceiros imparciais, ressalta o seu caráter substitutivo
e a equiparação da sentença arbitral à sentença judicial, quanto aos seus efeitos e regime
de imutabilidade. Respeitam-se, de outro lado, as especificidades do processo arbitral, de
forma a se compreender que o compartilhamento de uma mesma estrutura e base
conceitual não exclui o reconhecimento das peculiaridades da arbitragem, como por
exemplo o fato de que os julgadores são escolhidos após o surgimento do litígio,
preferencialmente pelas próprias partes, ou que não há espaço para a gratuidade do
processo arbitral.

9. Da mesma forma, aplicam-se e observam-se os elementos conceituais e


teóricos da Ação e da Defesa, como fundamentos centrais do processo arbitral. É por meio
destes parâmetros que o processo arbitral se desenvolve, não obstante o silêncio da lei
própria de regência. O processo arbitral é igualmente entendido como uma relação
jurídica, com os mesmos elementos. As conquistas da ciência processual acerca das
posições jurídicas dos sujeitos dos processos – os ônus, poderes, deveres, faculdades etc
– se projetam igualmente para o processo arbitral, explicam o seu funcionamento e
condicionam o modo de ser de seus institutos.

10. Pelas mesmas razões, aplica-se ao processo arbitral a relevante


distinção que se dá entre processo e procedimento, com importantes reflexos na regulação
do processo arbitral, na compreensão do seu modo de ser. A partir desta distinção, é
possível compreender que o legislador pretendeu outorgar grande liberdade às partes para
disciplinar o procedimento arbitral, mas nem por isso concebeu ou projetou uma figura
completamente desassociada da estrutura de um processo jurisdicional, tal qual concebido
no ordenamento brasileiro.

11. O procedimento, que corresponde à faceta mais visível e palpável da


relação processual, que tem por objeto os aspectos formais dos atos processuais, o seu
modo, forma, tempo e lugar, não tem regulação na Lei de Arbitragem, justamente para
que as partes ou os árbitros estabeleçam tais contornos, adaptando o procedimento ao
litígio. Partes e árbitros, portanto, exercitam plena liberdade na regulação do
315

procedimento, mas o fazem sobre uma base conceitual comum às demais modalidades de
processo, sobretudo comum com o processo civil judicial.

12. Por força desta expressa previsão de liberdade das partes para
disciplinar o procedimento, observa-se que as hipóteses de aplicação subsidiária do
procedimento estatal ao procedimento arbitral são excepcionais, porque raramente haverá
alguma situação que não possa ser endereçada mediante o recurso aos critérios
integrativos da autonomia das partes, do poder regulamentador dos árbitros e da própria
lei de arbitragem. Por isso é que requisitos legais quanto à forma, tempo, modo ou lugar
de atos do processo estatal não se aplicam ao processo arbitral, e nessa circunstância
reside, como visto, a principal garantia de que a arbitragem não sofrerá os males de uma
excessiva ou indevida processualização.

13. O que se evita e se deve evitar é a procedimentalização da arbitragem,


mas o aporte destes conceitos e o compartilhamento de uma estrutura comum é, na
verdade, bem vindo, pois representa um vetor de segurança e previsibilidade para o
processo arbitral, indispensável para o adequado desenvolvimento da prática arbitral
brasileira. Ao trabalhar com os mesmos parâmetros, diminui-se o risco de voluntarismos,
da personalização de uma liberdade que, sem controle, pode resvalar para o arbítrio. Não
por acaso, tanto na prática brasileira, como na internacional, observa-se uma tendência a
certa padronização das condutas, o que é reforçado pela existência de diretrizes, soft laws,
códigos de conduta e mesmo da edição de normas pelas instituições de arbitragem,
complementares aos seus regulamentos. A liberdade e a autonomia são valores
fundamentais da arbitragem, mas não podem conduzir o intérprete ao isolamento.

14. Os princípios processuais são aplicados na arbitragem. Como


modalidade de prestação jurisdicional, ela se realiza mediante o processo, que se insere
no arcabouço conceitual e normativo proclamado pela ordem constitucional brasileira.
Também por este aspecto observa-se a plena inserção da arbitragem na Teoria Geral do
Processo, impondo a sua interpretação à luz dos princípios superiores que regem o modelo
processual brasileiro e, ao mesmo tempo, reconhecendo-se que estes mesmos princípios
serão observados na maior medida possível, mas com as adaptações inerentes a este
mecanismo privado de solução de controvérsias.
316

15. Ao examinar concretamente inúmeros princípios, o objetivo da tese foi


o de realizar as aproximações possíveis e reconhecer as distinções necessárias, exigidas
pelas peculiaridades da arbitragem. Preserva-se o núcleo central de um modelo
constitucional de processo, no qual se asseguram garantias fundamentais como o devido
processo legal, a igualdade, o contraditório etc, mas a cada manifestação destes
princípios, foram expostas as peculiaridades do processo arbitral, a partir das quais
soluções diferentes podem ser encontradas, sem desdizer ou desnaturar os princípios em
si.

16. Além de princípios processuais, cuja aplicabilidade decorre da própria


Constituição, há um relevante conjunto de conceitos, parâmetros e até regras processuais
fundamentais, que determinam a estrutura do processo brasileiro, mas que não constituem
princípios propriamente. São aplicados ao processo arbitral por força do
compartilhamento dessa estrutura comum, por força da necessidade de se observar uma
espinha dorsal de todo e qualquer processo jurisdicional. Mas não sendo previstos na Lei
de Arbitragem nem correspondendo a verdadeiros princípios, a sua aplicabilidade só se
explica por força da aplicação subsidiária de regras do Código de Processo Civil ao
processo arbitral.

17. A tese procurou demonstrar inúmeras situações específicas na quais


não se encontram soluções recorrendo-se à autonomia da vontade das partes e árbitros, às
disposições da Lei de Arbitragem ou aos princípios. Hipóteses concretas, em rol não
exaustivo, de situações que só podem ser adequadamente compreendidas mediante o
recurso a estas outras fontes normativas. O capítulo final da tese procurou dar resposta a
estas situações, expondo de que forma o processo arbitral se beneficia desta base
conceitual comum e em quais situações ele se vale de disposições legais específicas, cujo
aproveitamento, como dito, confere segurança e previsibilidade à arbitragem.

18. A aplicação subsidiária de normas específicas do Código de Processo


Civil será feita sempre de forma excepcional. As partes podem criar regras próprias,
podem se valer de regulamentos institucionais, podem eleger expressamente leis, guias,
diretrizes etc. Ausente esta regulação, será dos árbitros a tarefa de disciplinar o
procedimento, observados parâmetros obrigatórios existentes na Lei de Arbitragem e
observados os princípios processuais aplicáveis. Como a tese procurou demonstrar, nas
inúmeras situações em que todas estas fontes são, ainda assim, insuficientes, caberá o
317

recurso aos conceitos teóricos do processo, à estrutura comum aos diversos ramos ou
microssistemas, sabido que diversos destes parâmetros são positivados em regras
específicas do Código de Processo Civil. A aplicação é excepcional, porque só poderá
ocorrer em relação a aspectos em que houver compatibilidade do regramento do processo
estatal com o do processo arbitral.

19. A compreensão da inclusão do processo arbitral como uma das


modalidades de tutela jurisdicional, permite que, hoje, se possa reconhecer que a
arbitragem não perde qualquer dos seus traços característicos, da sua flexibilidade e das
suas vantagens, pelo fato de compartilhar os elementos comuns com demais modalidades
do processo. A integração entre as normas aplicáveis ao processo arbitral e as normas
processuais gerais se dará sempre mediante o respeito às especificidades do processo
arbitral, considerada a sua base principiológica, suas peculiaridades. Por este método,
busca-se preservar as vantagens de um modelo estruturado sobre parâmetros seguros, com
a liberdade de regular um procedimento, que se aparta do modelo formal e formalista do
processo judicial e é concretamente regulado do modo mais aderente possível à realidade
do conflito.
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