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Resumo: Analisam-se, neste artigo, de forma sin- Abstract: The article analyzes synthetically the
tética, os principais aspectos da boa-fé objetiva. main aspects of the objective good faith. There is a
Discute-se sua natureza jurídica, como standard discussion about its legal status as a legal standard
jurídico de comportamento e, sobretudo, como of behavior and, above all, as a general principle of
princípio geral do Direito, introduzido, inicialmente, law, introduced initially in the Consumer Protection
no Código de Defesa do Consumidor e, depois, no Code and then in the Civil Code. That principle is
Código Civil. Tal princípio se exterioriza na forma de externalized in the form of general clause, with
cláusula geral, com conteúdo indeterminado (care- undetermined content (valuation needs filling).
cedor de preenchimento valorativo). O juiz ocupa The judge plays a central role in implementing the
um lugar central na aplicação da cláusula geral da general clause of good faith, which is presented to
boa-fé, que se apresenta para ele como uma máxi- him as a maxim (or criterion) of decision, extracted
ma (ou critério) de decisão, extraída do ordenamen- from the law. In the sequence, are examined
to jurídico. Na sequência, são examinadas, de modo synthetically the various functions of objective
resumido, as diversas funções da boa-fé objetiva, good faith, based on authorized doctrine with
com base em abalizada doutrina, com gênese no its genesis in German law, namely: (i) function of
Direito alemão, a saber: (i) função de informação axiological information of legal order, (ii) function
axiológica do ordenamento jurídico, (ii) função de of interpretation of legal norms, and mainly of
interpretação de normas jurídicas e, principalmente, the contract, (iii) function of integration contract,
do contrato, (iii) função de integração do contrato, complementing and realizing the contractual
complementando e concretizando a relação contra- relationship (good faith as a source of protective
tual (boa-fé como fonte de deveres de proteção, os duties, the so-called attachment duties of conduct),
chamados deveres anexos de conduta), e (iv) função and (iv ) function of limitation of the exercise of
de limitação do exercício de direitos subjetivos ou subjective rights or legal positions, or control and
de posições jurídicas, ou de controle e limitação de limitation of conducts (current denomination in
condutas (denominação atual na doutrina germâ- the German doctrine). Finally, emphasis is placed
nica). Por fim, dá-se ênfase à boa-fé como critério on good faith as a general criterion for control of
geral de controle do conteúdo do contrato, máxime the content of the contract, mainly of consumer
dos contratos de consumo. Nesta modalidade de contracts. In this type of contract, that criterion is in
contratos, esse critério encontra-se no art. 51, IV, the article 51, IV, of the Consumer Protection Code,
do CDC, ao lado de critérios de controle específicos alongside specific control criterions (and closed)
(e fechados) previstos no mesmo artigo. foreseen in this article.
Palavras-chave: Código Civil – Código de Defesa Keywords: Civil Code – Consumer Protection
do Consumidor – Boa-fé objetiva – Cláusula geral Code – Objective good faith – General clause
– Conceito indeterminado – Interpretação e inte- – Undetermined concept – Interpretation and
gração do contrato – Deveres anexos – Contratos integration of the contract – Consumer contracts –
de consumo – Cláusulas abusivas – Controle de Unfair terms – Contract content control.
conteúdo do contrato.
1. Introdução
Princípio de suma importância no sistema do Código de Defesa do Consumidor,
máxime em matéria contratual, é o da boa-fé, na sua manifestação objetiva. Este
princípio está positivado nos arts. 4.º, III, e 51, IV, do CDC. No primeiro dispositi-
vo, aparece como um princípio normativo, como uma “norma-objetivo”, que intro-
duz um dos fins perseguidos pelo sistema, que é a lealdade, a honestidade, a probi-
dade, a cooperação, a proteção da confiança nas relações de consumo. Seriam desle-
ais, por exemplo, as práticas comerciais enganosas e, de regra, as práticas comer-
ciais agressivas. Como tal, ela informa ou conforma todas as regras do CDC, as
quais, por isso, devem ser interpretadas sempre de acordo com o fim estabelecido
por esse princípio.
Está-se falando da boa-fé no seu sentido objetivo, como uma norma de compor-
tamento ético-jurídico, que estabelece um critério diretivo ou de valoração da con-
duta. É, sem dúvida, um dos aspectos mais intensos da aplicação do princípio da
boa-fé, tendo o seu campo de desenvolvimento, por excelência, no direito das obri-
gações e dos contratos. Por isso, também é conhecida como boa-fé contratual (CC,
Zanellato, Marco Antonio. Boa-fé objetiva: formas de expressão e aplicações.
Revista de Direito do Consumidor. vol. 100. ano 24. p. 141-194. São Paulo: Ed. RT, jul.-ago. 2015.
Desafios Atuais do Direito do Consumidor 189
os quais cada vez mais se inter-relacionam, chegando ao mesmo fim com doutrinas
ou teorias que se assemelham ou que migraram de um sistema para o outro.
Na linha de desenvolvimento dessa nova tendência do Direito dos contratos, é
importante não perder de vista que a boa-fé objetiva assume um papel de destaque,
por ser essencialmente ética ou estabelecer comportamentos éticos para as partes
contratantes, como assinalado linhas atrás. Ela se aplica às atividades empresariais
para impor limites ao exercício da livre iniciativa (= a exercício de posições econô-
mico-jurídicas) e, assim, prevenir práticas comerciais desleais no mercado de con-
sumo, normalmente traduzidas em condutas enganosas e agressivas. Deve, assim,
essa regra de conduta ético-jurídica, ser observada pelas empresas no exercício de
suas atividades econômicas, em respeito aos direitos dos consumidores, derivados
da Constituição da República e do Código de Defesa do Consumidor, como bem
assinala Newton De Lucca, em obra a respeito da ética geral e da ética empresarial:
“(...) principalmente após a Constituição da República, em outubro de 1988, e
do Código de Defesa do Consumidor, em setembro de 1990, não se pode conceber
mais a atividade empresarial desvinculada de uma preocupação efetiva com sua
conduta ética perante o consumidor a partir de princípios e regras estabelecidos
tanto na primeira quanto no segundo”.131
Enfim, não há mais espaço para o exercício da liberdade contratual absoluta,
sem limites, mediante a invocação da autonomia privada e da livre iniciativa, tida
esta como fundamento da ordem econômica (art. 170 da CF), porque ela encontra
limites no princípio constitucional da defesa do consumidor (art. 170, V) e nas
regras e princípios estampados no Código de Defesa do Consumidor, entre os quais
se insere o princípio da boa-fé objetiva, como já visto neste trabalho, princípio su-
premo do direito contratual, que deve presidir as relações entre fornecedores e
consumidores, evitando o abuso do poder contratual (= poder econômico) da par-
te mais forte, de molde a procurar estabelecer-se o devido equilíbrio entre as pres-
tações das partes e, assim, tornar o contrato o menos injusto quanto possível para
a parte mais fraca ou vulnerável, representada pela figura do consumidor.
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