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EM DIREITO EMPRESARIAL
SESSÃO II
Organizadores
Assistente de pesquisa: GOMES, Lucas
Thevenard.
Professores: NEGRI, Sérgio Marcos Carvalho de
Ávila; SCHREIBER, Anderson; VIOLA, Rafael.
FRANCO, Paulo Fernando.
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Análise Econômica do Direito
SUMÁRIO
ROTEIRO DE ESTUDO....................................................................................... 5
1 Responsabilidade pré-contratual e proibição do comportamento
contraditório ........................................................................................................... 5
1.1 Introdução. Da boa-fé objetiva ....................................................................... 5
1.2 A função tríplice da boa-fé objetiva ............................................................... 5
1.2.1 Figuras parcelares da boa-fé objetiva ......................................................... 8
1.2.1.1 Venire contra factum proprium.................................................................. 9
1.2.1.1.1 Surrectio ................................................................................................. 11
1.2.1.1.2 Supressio ................................................................................................ 13
1.2.1.2 Tu Quoque................................................................................................. 15
1.2.1.3 Duty to mitigate the loss ............................................................................ 16
1.3 A fase pré-contratual ..................................................................................... 18
1.3.1 Delimitação do espaço das negociações: oferta e aceitação ..................... 18
1.3.2 Da oferta no direito brasileiro ................................................................... 18
1.4 Responsabilidade civil pré-contratual ......................................................... 19
1.4.1 Da responsabilidade civil............................................................................ 19
1.4.2 Da responsabilização civil na fase das tratativas ..................................... 20
1.4.3 Responsabilidade pré-contratual, inadimplemento do pré-contrato e
contrato compulsório ........................................................................................... 22
1.4.4 Responsabilidade pré-contratual e os deveres secundários .................... 22
1.5 A proibição de comportamento contraditório............................................. 25
1.5.1 A tutela da confiança .................................................................................. 27
1.5.2 Do venire contra factum proprium.............................................................. 28
1.5.3 A responsabilidade pré-contratual pela ruptura das tratativas: a
aplicação do “venire” na fase pré-contratual .................................................... 30
QUESTÕES DE AUTOMONITORAMENTO ................................................. 33
SUGESTÃO DE CASOS GERADORES .......................................................... 34
REFERÊNCIAS ................................................................................................... 37
Bibliográficas ........................................................................................................ 37
1 Utilizadas ........................................................................................................... 37
Eletrônicas ............................................................................................................ 38
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Análise Econômica do Direito
Jurisprudenciais ................................................................................................... 38
Legislativas ........................................................................................................... 38
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Análise Econômica do Direito
ROTEIRO DE ESTUDO
1 Responsabilidade pré-contratual e proibição do comportamento
contraditório
1.1 Introdução. Da boa-fé objetiva
Com a socialização do Direito Civil e consequente evolução da teoria
contratual, passou-se a adotar, também nas relações obrigacionais, uma visão
voltada principalmente à dimensão humana e social dos particulares.
Em função desta nova perspectiva, concebe-se, hoje, o contrato como um
instrumento a serviço da coletividade e do ser humano, de modo a contribuir para
seu desenvolvimento e dignidade.
A partir, principalmente, do reconhecimento dessa influência social
(costumes, moralidade, harmonia, tradição...) no direito, interesses e preocupações
de ordem coletiva começaram a se integrar ordenamento, fazendo com que
valores como equidade, boa-fé e segurança passassem a configurar a sistemática
jurídica e a servir de parâmetros interpretativos na concreção das leis.
Atualmente, encontra-se inserido como cláusula geral em nosso
ordenamento jurídico (art. 422,1 CC/2002) o princípio da boa-fé em sua feição
objetiva. Impositivo de standard de comportamento, a boa-fé objetiva representa
verdadeira expressão da solidariedade social no campo das relações privadas. À
autonomia privada, antes reconhecida como um dogma no contexto em que
vigorava o brocardo pacta sunt servanda, são acrescidos deveres impostos às
partes que, em quaisquer relações jurídicas, devem pautar-se na honestidade,
probidade e lealdade.
1
Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua
execução, os princípios de probidade e boa-fé.
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Análise Econômica do Direito
sua interpretação será efetivada mediante as diretrizes estabelecidas pelo princípio
da boa-fé objetiva. Exige-se, pois, que as cláusulas contratuais sejam interpretadas
tendo em vista a lealdade, a probidade e a honestidade entre as partes. O Código
Civil Brasileiro consagra expressamente essa função da boa-fé em seu artigo 113,
que estabelece que “os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a
boa-fé e os usos do lugar de sua celebração”.
Regis Fichtner Pereira classifica essa aplicação do princípio da boa-fé na
interpretação das normas incidentes sobre o caso concreto como uma
interpretação secundum legem, já que o princípio nesses casos serve apenas como
mais um dos elementos interpretativos da norma legal ou contratual.2
No que diz respeito à segunda função, tem-se a boa-fé como fonte de
deveres anexos à prestação principal. Entende-se que a exigência de as partes
agirem conforme os ditames da boa-fé objetiva na formação e execução contratual
implica, necessariamente, a existência de deveres anexos – também chamados de
deveres secundários, acessórios, instrumentais ou tutelares – implícitos ao
contrato. Esses deveres se destinam a estabelecer, para ambos os polos da relação
jurídica, um determinado padrão de conduta baseado em fatores como a
cooperação, confiança e lealdade entre as partes. Os principais deveres
secundários decorrentes da boa-fé objetiva consistem em deveres de correção, de
cuidado e segurança, de informação, de cooperação e de sigilo.
Na verdade, estes deveres anexos “variam de acordo com a relação jurídica
concreta da qual decorram, e a precisa identificação do seu conteúdo é, em
abstrato, inviável.”3
Como afirmam Gustavo Tepedino e Anderson Schreiber:
Com efeito, a boa-fé objetiva não pode ser aplicada da mesma forma
às relações de consumo e às relações mercantis ou societárias, pela
simples razão de que os standards de comportamento são distintos.
Assim, enquanto no exemplo da compra e venda de um automóvel
exige-se que o vendedor forneça ao comprador toda informação
relevante acerca do veículo e qualquer outro dado relacionado à
função social e econômica do contrato, a aquisição de controle de uma
determinada sociedade, por outro lado, envolve normalmente uma
avaliação dos custos, riscos e passivos da sociedade (due diligence)
2
PEREIRA, Regis Fichtner. A Responsabilidade Civil Pré-Contratual – Teoria Geral e
Responsabilidade pela Ruptura das Negociações Contratuais. Rio de Janeiro: Renovar, 2001.
3
SCHREIBER, Anderson. A Proibição de Comportamento Contraditório – Tutela da confiança e
venire contra factum proprium. Rio de Janeiro: Renovar, 2005. p. 82.
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Análise Econômica do Direito
pela própria empresa adquirente, o que, se não isenta o alienante do
seu dever de informação, reduz evidentemente a sua intensidade.4
4
TEPEDINO, Gustavo; SCHREIBER, Anderson. Os Efeitos da Constituição em relação à
Cláusula da Boa-fé no Código de Defesa do Consumidor e no Código Civil. In: Revista da
EMERJ. Rio de Janeiro: 2003, v. VI, pp. 139-151.
5
Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede
manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons
costumes.
6
SCHREIBER, Anderson. A Proibição de Comportamento Contraditório – Tutela da confiança e
venire contra factum proprium. Rio de Janeiro: Renovar, 2005. p. 114.
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Análise Econômica do Direito
abertura normativa conduz à inserção, no conteúdo eficacial dos
negócios jurídicos, de valores, usos e padrões de condutas enraizados
na sociedade, na medida em que a boa-fé gera deveres não previstos
nos instrumentos negociais, mas fundados em sua função.7
7
MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé no direito privado - Sistema e Tópica no processo
obrigacional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 342.
8
ROSENVALD, Cristiano Chaves de Farias e Nelson. Curso de Direito Civil. Direito dos
Contratos. V. 4. 9ª ed. Salvador: Editora Juspodium, 2013. p 167.
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Análise Econômica do Direito
Diante de tal exercício, foram sendo, gradativamente, destacadas situações típicas
para as quais se fazia como necessária a aplicação da boa-fé.
A vantagem de tal método é o reconhecimento de situações típicas que são
mais especializadas – individualizadas, diante do princípio geral, perfazendo-se
como espécies do gênero boa-fé objetiva, facilitando, assim, a sua aplicação aos
casos concretos, fornecendo, ao mesmo tempo, ao aplicador regras bem
delineadas e que conferem maior segurança jurídica.
Tais figuras são denominadas subprincípios ou figuras parcelares da boa-fé
objetiva, cuja finalidade é afastar o próprio abuso do direito.
9
MOTA PINTO, Paulo. Sobre a proibição do comportamento contraditório (venire contra factum
proprium) no direito civil. In: Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra –
Volume Comemorativo, 2003. p. 305.
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Análise Econômica do Direito
A vedação ao comportamento considerado como contraditório decorre do
controle ao exercício de direitos, função da boa-fé e assim explica Ruy Rosado de
Aguiar Júnior.10
10
JÚNIOR, Ruy Rosado de Aguiar. Extinção dos contratos por incumprimento do devedor. Rio de
Janeiro: AIDE, 2004. p. 251-252.
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Análise Econômica do Direito
factum proprium). 3. Recurso especial a que se nega provimento.
(STJ, Resp 1422466/DF, Relator Ministro Moura Ribeiro, Terceira
Turma, julgado em 03/02/2015, DJe 13/03/2015).
1.2.1.1.1 Surrectio
O subprincípio ora em análise dá origem a direito que não existe
juridicamente, mas que a prática reiterada de determinados atos faz gerar a
expectativa e a confiança. Ou seja, a surrectio inibe o comportamento
contraditório, caracterizando-se pelo surgimento de um direito pela conduta
reiterada que vai de encontro à postura anteriormente firmada, o que, pelo decurso
do tempo, desperta a legítima expectativa de que tal conduta se mantenha.11
É figura que se correlaciona diretamente com a da supressio, já que as
duas visam à modificação de uma situação jurídica pela expectativa legítima que é
criada pelo decurso do tempo. Enquanto a surrectio visa à criação de nova
circunstância de direito, a supressio tem por finalidade acarretar a perda do direito
subjetivo que não é exercido.
Encontramos no art. 330 do Código Civil de 2002 a fonte da surrectio: “o
pagamento reiteradamente feito em outro local faz presumir renúncia do credor
relativamente ao previsto no contrato”.
Cinco pressupostos são indicados por Marcelo Dickstein12 para a
configuração da surrectio, quais sejam: a) a conduta inicial reiterada – que deve
ser comissiva, indo de encontro à situação jurídica anteriormente combinada entre
as partes; b) a legítima confiança qualificada pelo decurso do tempo – havendo a
estabilização da relação jurídica e fazendo surgir o direito; c) um comportamento
contraditório que, posteriormente, irá frustrar as expectativas da outra parte, já que
vai de encontro com a conduta que é anteriormente adotada; d) o prejuízo
originado, já que a segunda conduta deve trazer algum tipo de diminuição da
situação da outra parte e; e) a identidade dos sujeitos – o sujeito ativo da conduta
inicial deve ser o mesmo que pratica a conduta posteriormente.
Os efeitos da surrectio são: a) a conduta reiterada e a confiança gerada
pelo decurso do tempo faz com que a relação jurídica existente se modifique,
11
DICKSTEIN, Marcelo. A boa-fé objetiva na modificação tácita da relação jurídica: surrectio e
suppressio. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p. 118.
12
DICKSTEIN, Marcelo. A boa-fé objetiva na modificação tácita da relação jurídica: surrectio e
suppressio. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p. 130.
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Análise Econômica do Direito
havendo a aquisição de novos direitos e; b) o desestímulo da prática de conduta
contraditória.
Dizem os Enunciados de n. 37 e 363, da I e IV Jornada de Direito Civil
pelo Conselho da Justiça Federal, que a responsabilidade da parte que atua de
maneira contraditória será independente de culpa:
13
SOUZA, Wagner Mota Gomes de. A teoria dos atos próprios: esboço de uma teoria do
comportamento contraditório aplicada ao direito. Salvador, UFBA, 2006. P.74.
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Análise Econômica do Direito
Por fim, importante é o ressalte que ambas as figuras, tanto a supressio -
Verwiekung, como a surrectio - Erwirkung são derivadas do sistema alemão e
possuem suas denominações do direito português.14
1.2.1.1.2 Supressio
Ocorre da seguinte forma, a parte faz surgir a expectativa legítima de que
não exercerá mais algum de seus direitos, exercendo-o, no entanto, logo depois, o
que vai de encontro à confiança uma vez criada.
Tal conduta lesiona a boa-fé objetiva porque se caracteriza como
comportamento contraditório, baseado em uma omissão da parte que detém o
direito. “É a situação do direito que, não tendo sido, em certas circunstâncias,
exercido durante um determinado lapso de tempo, não possa mais sê-lo, de outra
forma, se contrariar a boa-fé.”15 Trata-se da espécie de venire contra factum
proprium omissiva, enquanto a surrectio é sua modalidade comissiva, conforme já
foi pincelado.
Traz consigo os mesmos pressupostos da surrectio, quais sejam, a) a
conduta inicial reiterada, agora em sua modalidade omissiva; b) a legítima
confiança justificada pelo decurso do tempo – aqui, a parte não exerce algum dos
seus direitos durante o decurso do tempo, gerando na outra parte a expectativa
legítima de que o mesmo não será mais exercido; c) um comportamento
contraditório que frustrará as expectativas da outra parte; d) existência de algum
prejuízo e; por fim, e) a identidade de sujeitos - as partes devem ser as mesmas
quando da prática da conduta inicial e da conduta contraditória.
Os efeitos da supressio, por sua vez, também são os mesmos mencionados
quando do tratamento da surrectio: a) a modificação da relação jurídica pela
prática de um comportamento reiterado - omissivo, gerando a perda de um direito
não mais praticado e; b) o desestímulo de prática de conduta contraditória,
levando à reparação do dano, bem como seu desfazimento, se possível for.
14
ROSENVALD, Cristiano Chaves de Farias e Nelson. Curso de direito civil – volume
1.Salvador: Editora Juspodivm, 2013. p. 713.
15
CORDEIRO, Antônio Manuel da Rocha e Menezes. Da boa-fé no direito civil. Coimbra:
Almedina, 2007. p. 797.
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Análise Econômica do Direito
REGRA DO ART. 514 DO CPC. ATENDIMENTO. AQUISIÇÃO
DE QUANTIDADE MÍNIMA DE PRODUTOS. INOBSERVÂNCIA
NO CURSO DA RELAÇÃO CONTRATUAL. TOLERÂNCIA DO
CREDOR. CLÁUSULA PENAL. INAPLICABILIDADE.
PRINCÍPIO DA BOA-FÉ OBJETIVA. INSTITUTO DA
SUPPRESSIO. INCIDÊNCIA. HONORÁRIO ADVOCATÍCIOS.
SÚMULA N° 7/STJ. 1. Trata-se de ação de cobrança de multa
prevista em contrato de promessa de compra e venda de combustíveis
e produtos derivados sob a alegação de que o posto de gasolina não
adquiriu a quantidade mínima prevista. (...) 3. Segundo o instituto da
suppressio, o não exercício de direito por seu titular, no curso da
relação contratual, gera para a outra parte, em virtude do princípio da
boa-fé objetiva, a legítima expectativa de que não mais se mostrava
sujeito ao cumprimento da obrigação, presente a possível deslealdade
no seu exercício posterior. 4. Hipótese em que a recorrente permitiu,
por quase toda a vigência do contrato, que a aquisição de produtos
pelo posto de gasolina ocorresse em patamar inferior ao pactuado,
apresentando-se desleal a exigência, ao fim da relação contratual, do
valor correspondente ao que não foi adquirido, com incidência de
multa. Assim, por força do instituto da suppressio, não há ofensa ao
art. 921 do Código Civil de 1916. (...) 6. Recurso especial não
provido. (STJ, REsp 1374830/SP, Relator Ministro Ricardo Villas
Bôas Cueva, Terceira Turma, Julgado em 23/06/2015, DJe
03/08/2015).
11-01-2011
Revista n° 2621/07.ITBPNF.P1.S1 – 6ª Secção
Azevedo Ramos (Relator)
Silva Salazar
Nuno Cameira
MARCAS. SINAL DISTINTIVO. IMITAÇÃO. CONFUSÃO.
CONCORRÊNCIA DESLEAL. BOA-FÉ. ABUSO DO DIREITO.
VENIRE CONTRA FACTUM PROPRIUM. PRINCÍPIO DA
CONFIANÇA. I – A marca é um sinal distintivo de produtos ou
serviços, visando individualizá-los, não só para assegurar clientela,
como para proteger o consumidor do risco de confusão ou associação
com marcas concorrentes. (...) III – A ré, sem oposição da autora, vem
explorando na cidade de Amarante, desde 1992, o seu estabelecimento
comercial de sapataria, sob a denominação “Sapataria C.......”, na
mesma rua em que a autora explora o seu, sob a denominação
“Sapataria C........” vendendo, igualmente, produtos de sapataria. IV –
A omissão, a inércia, fomentam a confiança na situação induzida pelo
comportamento omissivo, pelo que o exercício de direitos em
contradição é abusivo por violador do princípio da boa-fé suposto na
proibição do abuso do direito. V – A passividade da autora, não
reagindo ao uso de marca confundível com a sua, por uma empresa
concorrente, durante pelo menos onze anos, constitui tolerância de uso
de marca por esse concorrente, pelo que sendo tão dilatado o período
de violação do direito, depreende-se, razoavelmente, que pelo seu
silêncio contemporizou com uma situação a que agora, sem invocar
16
Supremo Tribunal de Justiça de Portugal, Disponível em: <http://www.stj.pt/ficheiros/jurisp-
sumarios/civel/sumarios-civel-2011.pdf >. Acesso em: 15 jan. 2017.
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Análise Econômica do Direito
quaisquer circunstâncias relevantes supervenientes pretende obstar,
em desconsideração pela expectativa e confiança adquiridas pela ré
em que tal direito não seria exercido. VI – A atuação da autora, atento
o objetivo que visa a ação, ao fim de largos anos de inércia, aparece à
luz da boa-fé e do fim social e econômico do direito que pretende
exercer, como violadora do princípio da segurança, pelo não deve ser
atendida, não na modalidade de venire contra factum proprium, mas
na modalidade da supressio do direito da autora que assim deverá ser
penalizada pela sua injustificada passividade, durante pelo menos
onze anos. (grifo nosso)
1.2.1.2 Tu Quoque
A expressão tu quoque faz referência ao famoso ditado de Júlio César a
Brutus, “tu quoque, Brutus, fili mili”, que tem por significado: Até tu Brutus, filho
meu!
É verificado o subprincípio quando uma das partes adota um
comportamento que viola norma jurídica e, posteriormente, tenta obter alguma
vantagem ou benefício da situação.17 Impede que alguma das partes exija
comportamento, o qual ela mesma tenha violado, buscando se beneficiar de
alguma maneira.
É incluído por alguns autores como subespécie do venire contra factum
proprium, pela identidade apresentada com o instituto – incoerência e contradição
de comportamentos.
Um dos exemplos do tu quoque é a exceptio non adimplenti contractus –
exceção do contrato não cumprido, quando não se permite ao contratante
inadimplente de suas obrigações exigir o cumprimento das prestações da outra
parte, conforme o art. 476, do Código Civil de 2002.18
Seu fim é manter o sinalagma contratual, repelindo o desequilíbrio de
direitos e deveres anexos entre as partes de uma mesma relação contratual.
17
“(...) aquele que venha a adquirir uma posição jurídica indevidamente obtida, pois oriunda de
violação de uma norma, não poderia exercê-la”(SOUZA, Wagner Mota Alves de. A teoria dos
atos próprios – da proibição de venire contra factum proprium. Salvador: Jus Podium, 2008. P.
89).
18
Art. 476. Nos contratos bilaterais, nenhum dos contratantes, antes de cumprida a sua obrigação,
pode exigir o implemento da do outro.
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Análise Econômica do Direito
NOS BROCARDOS LATINOS ‘TU QUOQUE’ E ‘VENIRE
CONTRA FACTUM PROPRIUM’. 1. A assinatura de próprio punho
do emitente é requisito de existência e validade de nota promissória.
[...] 3. Inexistência de lei dispondo sobre a validade da assinatura
escaneada no Direito brasileiro. 4. Caso concreto, porém, em que a
assinatura irregular escaneada foi aposta pelo próprio emitente. 5.
Vício que não pode ser invocado por quem lhe deu causa. 6.
Aplicação da ‘teoria dos atos próprios’, como concreção do princípio
da boa-fé objetiva, sintetizada nos brocardos latinos ‘tu quoque’ e
‘venire contra factum proprium’, segundo a qual ninguém é lícito
fazer valer um direito em contradição com a sua conduta anterior ou
posterior interpretada objetivamente, segundo a lei, os bons costumes
e a boa-fé. 7. Doutrina e jurisprudência acerca do tema. 8. RECURSO
ESPECIAL DESPROVIDO. (STJ, REsp 1192678/PR, Relator
Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, Julgado em
13/11/2012, DJe 26/11/2012).
10.01.2008
Revista n°. 4322/07 – 7ª Secção
Ferreira de Sousa (relator)
Armindo Luís
Pires da Rosa
CONTRATO PROMESSA. CÔNJUGE. SUCESSÃO MORTIS
CAUSA. ABUSO DO DIREITO. TU QUOQUE. VENIRE CONTRA
FACTUM PROPRIUM. I – O contrato-promessa pode ter como objeto
a efetivação de um ou mais atos jurídicos unilaterais. II – O contrato
celebrado entre os cônjuges, não levado a cabo em convenção
antenupcial, em que cada um renuncia à herança do outro é nulo. III –
Sendo igualmente nulo o contrato-promessa, não inserto em tal
convenção, em que cada um deles promete vir a repudiar, quando o
outro morrer, a herança deste. IV – Aquele que outorga com o
cônjuge, em contrato-promessa, no sentido de cada um deles,
reciprocamente, se obrigar a repudiar a herança do outro quando ele
morrer, coloca-se em terreno ilícito, não podendo a sua sucessora
legitimamente – atenta a figura do tu quoque – invocar o abuso do
direito contra o cônjuge sobrevivo que se recusa a levar a cabo o
prometido repúdio. V – Em qualquer caso, esta recusa, sem prova de
outros fatos interessantes, não integra a figura do venire contra factum
proprium. (grifo nosso)
19
Supremo Tribunal de Justiça de Portugal. Disponível em: <http://www.stj.pt/ficheiros/jurisp-
sumarios/civel/sumarios-civel-2008.pdf >. Acesso em: 15 jan. 2017.
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Análise Econômica do Direito
sua conduta pelos valores de probidade e lealdade. A duty to mitigate the loss é
nomeada pelo direito anglo-americano e tem como significado o dever de mitigar
o próprio prejuízo.
O credor deve mitigar a própria perda, ou seja, é obrigado pelo princípio
da boa-fé a buscar a satisfação do próprio direito em um intervalo de tempo que
seja razoável. Sua omissão acaba por gerar ao devedor uma onerosidade
excessiva. Podemos entender, então, que a faculdade que dispõe o credor de ir em
busca de seus próprios direitos não permite que o mesmo aja de maneira a agravar
a prestação a ser suportada pelo devedor.
Isso o que veicula o Enunciado n° 169, da III Jornada de Direito Civil pelo
Conselho de Justiça Federal: “O princípio da boa-fé objetiva deve levar o credor a
evitar o agravamento do próprio prejuízo.”
A duty to mitigate the loss – que não atinge o núcleo da obrigação
principal, mas sim aos deveres de lealdade e cooperação, também encontra lugar
na Convenção de Viena, em seu art. 77, que afirma:
20
OLIVEIRA, Marcelo Leal de Lima. A aurora na formação dos contratos: a oferta e a aceitação
do clássico ao pós-moderno. In: Revista de Direito Privado, n. 15, jul./set. 2003. p. 247.
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Análise Econômica do Direito
CC/2002) que “a proposta do contrato obriga o proponente, se o contrário não
resultar dos termos dela, da natureza do negócio ou das circunstâncias do caso”.
À vista deste dispositivo, observa Martins-Costa que a responsabilidade
pré-contratual poderia ser dividida em duas seções: a “fase da oferta” e a “fase das
negociações”.21
Na fase das negociações preliminares, os deveres que poderão incidir
sobre os interessados decorrem da boa-fé, que traçará os lindes do vínculo
obrigacional entre as partes aferido no caso concreto.
O Código de Defesa do Consumidor ampliou ainda mais os efeitos da
oferta no âmbito das relações de consumo. Estabelece o art. 35 do referido
diploma legal que o fornecedor de produtos ou serviços não pode deixar de
cumprir o que tiver sido estabelecido na oferta, seja formal, seja por mera
publicidade ou apresentação do produto. Apenas o fato de existir a oferta confere
ao consumidor o direito de escolher entre as seguintes opções: (1) exigir o
cumprimento forçado da obrigação, nos termos como foi ofertado; (2) aceitar
outro produto ou prestação de serviço equivalente; (3) rescindir o contrato, com
direito à restituição da quantia eventualmente antecipada, monetariamente
atualizada, e a perdas e danos.22
21
MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé no direito privado - Sistema e Tópica no processo
obrigacional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 510.
22
PEREIRA, Regis Fichtner. A Responsabilidade Civil Pré-Contratual – Teoria Geral e
Responsabilidade pela Ruptura das Negociações Contratuais. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p.
49.
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Análise Econômica do Direito
de responsabilidade civil diferem entre si. As diferenças, portanto, decorrem do
fato de se definir se o contato que gerou a produção do dano se deu na esfera de
uma prévia relação contratual, ou seja, se uma das partes havia se obrigado
voluntariamente a prestar em favor da outra, ou se o dano foi decorrente da
simples conduta do agente em sociedade, sem que houvesse vínculo jurídico entre
causador e vítima. No caso da responsabilidade civil contratual, as consequências
jurídicas não se limitam à hipótese de não cumprimento das obrigações
expressamente estabelecidas nas cláusulas do contrato, mas abrangem, ainda, os
deveres anexos decorrentes do princípio da boa-fé.
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Análise Econômica do Direito
Procura-se, assim, como forma de tutela da confiança, que as expectativas
legítimas criadas não só quanto à eficácia e à validade do negócio jurídico a ser
estabelecido, mas como também à sua efetiva celebração, não sejam frustradas.
A tutela da confiança, sob a modalidade de proibição ao comportamento
contraditório (nemo potest venire contra factum proprium), é o fundamento da
responsabilidade pré-contratual. Como afirma Anderson Schreiber,
23
SCHREIBER, Anderson. A Proibição de Comportamento Contraditório – Tutela da confiança e
venire contra factum proprium. Rio de Janeiro: Renovar, 2005. p. 240.
24
PEREIRA, Regis Fichtner. A Responsabilidade Civil Pré-Contratual – Teoria Geral e
Responsabilidade pela Ruptura das Negociações Contratuais. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p.
102.
_______________________________________________________________ 21
Análise Econômica do Direito
1.4.3 Responsabilidade pré-contratual, inadimplemento do pré-contrato e
contrato compulsório
Cabe destacar que a figura da responsabilidade pré-contratual não se
confunde com a consequência do inadimplemento do pré-contrato, contrato
preliminar ou promessa de contrato. Desta, resulta a própria responsabilidade
contratual, tendo em vista o não cumprimento de uma obrigação principal, qual
seja, via de regra, o dever de contrair o contrato principal. Tal figura contratual é
tida como um acordo de vontades que visa à conclusão de um segundo contrato,
chamado contrato principal ou definitivo, o qual, por si só, já é um contrato. Não
dá margem, portanto, à culpa in contrahendo, pois esta opera numa situação de
inexistência do vínculo contratual, no espaço das “tratativas”.
Outra figura presente no ordenamento que cabe ser ressaltada é o contrato
compulsório. Previsto, de maneira especial no Código de Defesa do Consumidor,
em seu art. 39, II, instituto que proíbe o fornecedor de produtos ou serviços a
“recusar atendimento às demandas dos consumidores, na exata medida de suas
disponibilidades de estoque, e, ainda, de conformidade com os usos e bons
costumes”. Nesse sentido, também o contrato compulsório não se confunde com a
responsabilidade pré-contratual, pois enquanto esta cuida das hipóteses em que
das negociações surjam danos, aquele trata das situações em que a determinadas
pessoas, dadas algumas circunstâncias, não é facultado o direito de recusar a
realização do contrato.
_______________________________________________________________ 22
Análise Econômica do Direito
O dever de informação e esclarecimento visa à necessidade de se prestar
esclarecimentos satisfatórios para que a outra parte manifeste o seu consentimento
sem incorrer em erro. Tal dever apareceu em nosso ordenamento disciplinado,
primeiramente, pelo Código de Defesa do Consumidor e, nos informa que a
celebração de um contrato na base de falsas indicações ou de informação
deficiente, independentemente da aplicação do regime próprio dos vícios da
vontade, implica o dever de indenizar, por culpa na fase anterior à formação dos
contratos (culpa in contrahendo).
O segundo dever anexo mencionado é o dever de cooperação e lealdade
entre as futuras partes do contrato. Este dever exige que as partes somente iniciem
e deem continuidade às negociações para a formação do contrato, quando tenham
um interesse legítimo no objeto deste contrato e possuam, ainda, condições legais
e econômicas para estabelecê-lo. Caracterizam-se como hipóteses de deslealdade
pré-contratual, e, por conseguinte, geradoras do dever de indenizar, aquelas em
que o indivíduo, de modo injustificado, abandona as negociações em curso, ou
quando de forma condenável, a parte faça desembocar o processo em contrato
nulo.
Segundo Antonio Manoel da Rocha e Menezes Cordeiro:
25
CORDEIRO, Antonio Manoel da Rocha e Menezes. Da Boa-Fé no Direito Civil. Coimbra:
Livraria Almedina, 2001. pp. 551-552.
_______________________________________________________________ 23
Análise Econômica do Direito
Como último dever anexo mencionado, tem-se o dever de segredo ou
sigilo. Este visa a assegurar que as informações obtidas pelas partes durante as
negociações se mantenham protegidas. Age, pois, contra as diretrizes traçadas
pela boa-fé aquele que se utiliza das informações a que teve acesso durante a fase
das tratativas para outras finalidades, obtendo proveito indevidamente. Configura-
se, nesses casos, a violação ao princípio da boa-fé, pois age abusivamente a parte
que faz uso de informações que lhe foram confiadas tão somente pelo fato de a
outra parte confiar que o contrato seria realizado.
Como já mencionado, os deveres violados não são deveres principais, que
só se concretizam com o contrato formado, mas deveres instrumentais,
decorrentes da boa-fé objetiva como mandamento de atenção à legítima confiança
despertada no futuro contratante e de tutela aos seus interesses. Assim, o seu não
cumprimento caracterizará a violação ao princípio geral da boa-fé, que além
desses deveres específicos, dita regras gerais de conduta, baseadas na lealdade e
confiança entre as partes, que também devem ser observadas, sob pena de
responsabilização.
Observa Judith Martins-Costa:
26
MARTINS-COSTA, Judith. A boa fé no direito privado - Sistema e Tópica no processo
obrigacional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 504.
_______________________________________________________________ 24
Análise Econômica do Direito
consubstanciando quebra de confiança, se tomados em conjunto
(venire contra factum proprium).27
Com efeito, não resta dúvida que a teoria da proibição do venire contra
factum proprium possui grande relevância para o estudo da responsabilidade pré-
contratual pelo rompimento das tratativas, conforme será visto a seguir.
27
NEGREIROS, Teresa. Teoria do Contrato: Novos Paradigmas. Rio de Janeiro: Renovar, 2002.
p. 142.
28
MARTINS-COSTA, Judith. Os avatares do Abuso do direito e o rumo indicado pela Boa-Fé.
Disponível em:
<http://www.fd.ul.pt/Portals/0/Docs/Institutos/ICJ/LusCommune/CostaJudith.pdf>. Acesso em: 29
jul. 2010.
_______________________________________________________________ 25
Análise Econômica do Direito
Quanto à sua redução dogmática, Antonio Manoel da Rocha Cordeiro
esclarece que a proibição do comportamento contraditório dispõe de duas teorias
principais: a teoria da confiança e a teoria negocial.29
De acordo com a teoria da confiança, o venire contra factum proprium
reforça, antes de tudo, a confiança nas relações jurídicas. Assente na boa-fé, tal
teoria estabelece que o princípio não se confunde com uma proibição de dolo, pois
existem, no ordenamento, outros comandos que tratam desta proibição.
Já a teoria negocial não considera o ato contraditório propriamente como o
fator relevante do princípio. Vê o factum proprium, isto é, a primeira conduta
adotada pelo indivíduo como o que, de fato, fundamenta a proibição do venire.
Segundo essa teoria não há a necessidade de recorrer à boa-fé ou à confiança para
se estabelecerem as bases do instituto, pois “(o comportamento inicial) é, antes do
mais, uma actuação do agente, ao qual, depois, se pede a este que se atenha. Trata-
se dum evidente acto jurídico”.30
Diante destas duas vertentes, coloca o autor que nas hipóteses em que é
criada uma situação de confiança, e o Direito não forneça dogmaticamente uma
solução, o apelo à boa-fé e à tutela da confiança se mostrará de tamanha
necessidade.
Atualmente tem-se que o princípio segundo o qual nemo potest venire
contra factum proprium encontra seu fundamento na cláusula geral da boa-fé,
mais especificamente como expressão da tutela da confiança.
Tido como um abuso de direito por violação à boa-fé, o princípio da
proibição ao comportamento contraditório estabelece uma regra geral de conduta,
segundo a qual o agente fica adstrito a não contradizer o que primeiro fez e disse.
O comportamento contraditório configura-se abusivo, no sentido em que, embora
aparentemente amparado pela lei, torna-se ilícito quando analisado conjuntamente
com o comportamento anterior. A incoerência da conduta rompe a confiança
despertada em outrem, ferindo, assim, os preceitos derivados da boa-fé objetiva.31
29
CORDEIRO, Antonio Manoel da Rocha e Menezes. Tratado de Direito Civil Português – Parte
Geral. V. I. Coimbra: Livraria Almedina, 2000.
30
CORDEIRO, Antonio Manoel da Rocha e Menezes. Tratado de Direito Civil Português – Parte
Geral. V. I. Coimbra: Livraria Almedina, 2000. p. 252.
31
Em julgado recente, o TJRJ reconheceu a existência de venire contra factum proprium na
condura de plano de saúde que, a despeito de ter fornecido no passado certo medicamento para
tratamento de câncer a paciente, recusou-se, anos depois, a fazê-lo, alegando em seu favor
ausência de previsão legal a respeito e o própiro contrato de prestação de serviços celebrado.
_______________________________________________________________ 26
Análise Econômica do Direito
A falta de regulamentação positiva do nemo potest venire contra factum
proprium permite sua adequação casuística, deixando a cargo do julgador a
melhor aplicação possível. Todavia, não obstante a inexistência de tal previsão
legal específica, este princípio encontra fundamentado na Constituição Federal
Brasileira, notadamente no art. 3º, inciso I,32 que consagra a solidariedade social.33
36
SCHREIBER, Anderson. A proibição de comportamento contraditório – Tutela da Confiança e
Venire Contra Factum Proprium. Rio de Janeiro: Renovar, 2005. p. 124.
_______________________________________________________________ 28
Análise Econômica do Direito
expectativas depositadas na celebração do contrato; a adoção de determinadas
condutas tendo em vista o factum proprium; etc.
A confiança deve, ainda, ser legítima, no sentido de derivar-se tão-somente
da conduta inicial adotada por outrem.
Nesse sentido, destaca Anderson Schreiber que
37
SCHREIBER, Anderson. A proibição de comportamento contraditório – Tutela da Confiança e
Venire Contra Factum Proprium. Rio de Janeiro: Renovar, 2005. p. 137.
_______________________________________________________________ 29
Análise Econômica do Direito
Nos casos em que, excepcionalmente, a conduta contraditória não puder ser
impedida, o dano resultante de sua configuração ensejará o direito à indenização
por parte do prejudicado.
Cumpre ressaltar que, diferentemente do que ocorre na hipótese de ato
ilícito em sentido estrito, sobre o prejudicado pelo comportamento contraditório
não recairá o ônus de demonstrar a culpa ou o dolo do agente. A simples
configuração de um venire contra factum proprium basta como prova da
abusividade e, por conseguinte, enseja a reparação do dano causado. Como
ressalta Anderson Schreiber:
38
SCHREIBER, Anderson. A proibição de comportamento contraditório – Tutela da Confiança e
Venire Contra Factum Proprium. Rio de Janeiro: Renovar, 2005. p. 158.
_______________________________________________________________ 30
Análise Econômica do Direito
O fundamento de que somente se pode responsabilizar alguém quando há,
propriamente, um vínculo formalmente estabelecido não se coaduna com os
parâmetros axiológicos atuais e, por conseguinte, apresenta-se extremamente
dogmático e superficial, dissente da realidade. Nesse sentido, cabe destacar as
palavras de Judith Martins-Costa:
39
MARTINS-COSTA, Judith. A boa fé no direito privado – Sistema e Tópica no processo
obrigacional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 483.
_______________________________________________________________ 31
Análise Econômica do Direito
se pautará nos parâmetros da probidade. Segundo Martins-Costa, para que se
produza a confiança
40
MARTINS-COSTA, Judith. A boa fé no direito privado – Sistema e Tópica no processo
obrigacional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 484.
_______________________________________________________________ 32
Análise Econômica do Direito
em terceiros, de que o sentido objetivo daquele comportamento inicial seria
mantido, e não contrariado”.41
Ocorre, assim, a responsabilização civil daquele que pratica
comportamento contraditório, rompendo intempestivamente com as negociações
preliminares.
Por fim, é necessário destacar que a aplicação do venire, nesses casos, não
deve funcionar como um instrumento de coação, obrigando aquele que frustrou as
expectativas alheias a contratar. Desse modo, excepcionalmente nessas hipóteses,
atribui-se ao princípio tão-somente o efeito reparatório, gerando, mediante a
responsabilização pré-contratual daquele que rompeu com as tratativas, o dever de
indenizar.42
QUESTÕES DE AUTOMONITORAMENTO
1. Após ler a apostila, você é capaz de resumir os casos geradores, identificando
as partes envolvidas, os problemas atinentes e as possíveis soluções cabíveis?
2. Como se caracteriza a fase que antecede a celebração do contrato?
3. Qual a natureza da responsabilidade civil na fase das tratativas e sob qual(is)
fundamento(s) se dá sua aplicação?
4. Quais são os requisitos básicos para que se configure a responsabilidade pré-
contratual e qual a importância destes requisitos?
5. Em que diferem a responsabilidade pré-contratual, o inadimplemento do pré-
contrato e o contrato compulsório?
6. Quais são os deveres implícitos ao contrato que vinculam as partes na fase das
negociações preliminares?
7. Em que consiste o princípio da proibição ao comportamento contraditório e
como é possível sua aplicação no Direito brasileiro?
8. Quais são os pressupostos para a aplicação desse princípio (nemo potest venire
contra factum proprium)?
9. Sob qual fundamento se dá a responsabilização pela ruptura das tratativas?
10. Quais são seus pressupostos de aplicação?
41
SCHREIBER, Anderson. A proibição de comportamento contraditório – Tutela da Confiança e
Venire Contra Factum Proprium. Rio de Janeiro: Renovar, 2005. p. 90.
42
SCHREIBER, Anderson. A proibição de comportamento contraditório – Tutela da Confiança e
Venire Contra Factum Proprium. Rio de Janeiro: Renovar, 2005.
_______________________________________________________________ 33
Análise Econômica do Direito
11. Pense e descreva, mentalmente, alternativas para a solução dos casos
geradores.
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Análise Econômica do Direito
a) Poderia a sociedade empresária, após a distribuição de sementes, deixar de
celebrar o contrato com Severino?
b) A distribuição de sementes pela empresa e a aceitação do agricultor
configurariam algum tipo de contrato?
c) Haveria, entre Severino e a CEIA, algo que os vinculasse? Em caso positivo,
qual seria a natureza desse vínculo e o fundamento que legitima essa vinculação?
d) O fato de Severino ter efetuado algumas despesas por acreditar que a CEIA iria
adquirir a safra de tomates teria alguma relevância?
e) Imagine agora que, assim como no caso descrito, desde 1998, a empresa vinha
distribuindo sementes de tomate e, em seguida, celebrado o contrato de compra e
venda do produto. Todavia, no ano de 2001, a CEIA não efetuou tal distribuição.
Mesmo assim, Severino, pensando que, também nesse ano, venderia tomates à
empresa, fez, por conta própria, a compra das sementes e o plantio do produto.
Essa circunstância altera sua linha de raciocínio referente ao caso?
CASO 2
Carlos Frederico, proprietário de um posto de gasolina, decidiu mudar de
ramo e vender seu posto. Assim, após anunciar sua intenção de venda em jornal
de grande circulação, foi procurado por Pedro Eduardo, com quem iniciou
algumas negociações pertinentes à realização de um contrato de compra e venda.
Carlos mostrou seu estabelecimento, bem como os rendimentos que
poderiam ser alcançados frente a uma boa condução do negócio. Pedro ficou
muito animado e parecia realmente interessado em fechar o acordo. O
proprietário, então, esclareceu que o pagamento poderia ser feito em 10 vezes,
com o adiantamento apenas de um sinal de R$ 150.000,00. Pedro achou o valor
bastante condizente com suas possibilidades e pediu que Carlos tomasse as
providências necessárias à celebração de um contrato. Combinou de ligar na
semana seguinte para marcar um novo encontro.
Confiando de que o contrato seria celebrado, Carlos Frederico, então,
contratou um advogado para encarregar-se das formalidades necessárias para a
transferência do bem. Queria que tudo fosse feito dentro da lei. Antes de firmar a
avença, porém, Pedro Eduardo comunicou sua desistência em realizar o negócio.
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Análise Econômica do Direito
Inconformado, Carlos Frederico ajuizou uma ação de indenização contra
Pedro, pretendendo o ressarcimento das despesas que teve ao contratar o
advogado para confeccionar o contrato.
Pedro Eduardo, por sua vez, sustentou que a ação era totalmente
desarrazoada. Havia descoberto que Carlos não era o único proprietário do posto
de gasolina, o que modificava toda a situação em torno do negócio. Assim,
existindo outros titulares das cotas sociais da sociedade, Pedro não mais possuía o
interesse de adquirir o bem.
Considerando os fatos narrados, analise as perguntas abaixo:
a) Já existia vínculo contratual entre Carlos Frederico e Pedro Eduardo? Em caso
positivo, poderia Carlos pleitear o adimplemento do contrato? Em caso negativo,
haveria qualquer tipo de vinculação entre eles?
b) Teria razão Carlos Frederico em cobrar judicialmente as despesas que teve em
virtude de sua confiança no fato de que o contrato seria realizado? Se sim, sob
qual(is) fundamento(s)?
c) A omissão de Carlos Frederico em relação à existência de outros sócios
modifica a situação inicial? Em que sentido?
d) Imagine agora que Carlos Frederico é realmente o único proprietário do posto.
A desistência de Pedro teria repercussões diversas? Quais?
CASO 3
Determinada sociedade empresária brasileira do ramo de hotéis, com sede
no Rio de Janeiro, explora o Hotel X' que é o único empreendimento empresarial
de sua propriedade. Esta sociedade empresária está em negociação para vender o
Hotel X' a Hotéis Incríveis S/A. Todavia, a adquirente condiciona a celebração do
negócio jurídico ao cumprimento da seguinte exigência contratual:
"Desde já fica ciente a alienante que estará impedida de explorar, seja como
proprietária, seja a qualquer outro título, hotéis na cidade do Rio de Janeiro, pelo
prazo de 10 (dez) anos".
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Análise Econômica do Direito
REFERÊNCIAS
Bibliográficas
1 Utilizadas
CORDEIRO, Antonio Manoel da Rocha e Menezes. Da Boa-Fé no direito civil.
Coimbra: Livraria Almedina, 2001.
___________. Tratado de Direito Civil Português – Parte Geral. V. I. Coimbra:
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jurídica: surrectio e suppressio. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p. 118–130.
JÚNIOR, Ruy Rosado de Aguiar. Extinção dos contratos por incumprimento do
devedor. Rio de Janeiro: AIDE, 2004. p. 251-252.
MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé no direito privado - Sistema e Tópica no
processo obrigacional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000.
MOTA PINTO, Paulo. Sobre a proibição do comportamento contraditório
(venire contra factum proprium) no direito civil. In: Boletim da Faculdade de
Direito da Universidade de Coimbra – Volume Comemorativo, 2003. p. 305.
NEGREIROS, Teresa. Teoria do Contrato: Novos Paradigmas. Rio de Janeiro:
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OLIVEIRA, Marcelo Leal de Lima. A aurora na formação dos contratos: a oferta
e a aceitação do clássico ao pós-moderno. In: Revista de Direito Privado, n. 15,
jul./set. 2003, p. 247.
PEREIRA, Regis Fichtner. A Responsabilidade Civil Pré-Contratual – Teoria
geral e responsabilidade pela ruptura das negociações contratuais. Rio de Janeiro:
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ROSENVALD, Cristiano Chaves de Farias e Nelson. Curso de direito civil –
volume 1.Salvador: Editora Juspodivm, 2013. p. 713.
ROSENVALD, Cristiano Chaves de Farias e Nelson. Curso de Direito Civil.
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da confiança e venire contra factum proprium. Rio de Janeiro: Renovar, 2005.
SOUZA, Wagner Mota Alves de. A teoria dos atos próprios – da proibição de
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Eletrônicas
MARTINS-COSTA, Judith. Os avatares do Abuso do direito e o rumo indicado
pela Boa-Fé. Disponível em:
<http://www.fd.ul.pt/Portals/0/Docs/Institutos/ICJ/LusCommune/CostaJudith.pd>
Acesso em: 29 jul. 2010.
SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE PORTUGAL. Disponível em:
<http://www.stj.pt/ficheiros/jurisp-sumarios/civel/sumarios-civel-2011.pdf>.
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Legislativas
BRASIL. Código Civil de 2002.
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