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Poder Judiciário do Estado do Rio de Janeiro


Décima Sexta Câmara Cível

Agravo de Instrumento n.º: 0048003-20.2019.8.19.0000


Agravante: Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro
Agravadas: Arazi S À R L, em Recuperação Judicial e outras
Desembargador Eduardo Gusmão Alves de Brito Neto

ACÓRDÃO

Agravo de Instrumento. Direito Empresarial. Recuperação


Judicial. Grupo Constellation. Recurso interposto pelo
Ministério Público contra a decisão que homologou o
Plano de Recuperação judicial. Pretensão de anulação de
cláusulas alegadamente abusivas.
1. Na forma do artigo 142, § 3º-B, da Lei 11.101, com a
redação dada pela Lei 14.112, a alienação de bens da
recuperanda está condicionada à prévia aprovação do juiz
ou à aprovação pela Assembleia Geral dos Credores ou à
expressa previsão no plano de recuperação judicial.
2. Em todo caso, a aprovação deve se dar
individualizamente, a teor do caput do artigo 66 (com
exceção daqueles previamente autorizados), donde a
ilicitude da cláusula que atribua às recuperandas a livre
disposição de seu patrimônio
3. Lógica que se aplica à cláusula 6.5.1 que, também de
modo inaceitavelmente genérico, previu a possibilidade de
as devedoras realizarem, sem o crivo do juiz e dos
credores, operações societárias de reorganização da
empresa (fusão, cisão e incorporação).
4. Disposição posta em tese que desvirtua a própria lógica
do controle judicial, que dá aos credores, compartes dessa
empreitada de soerguimento, muitas vezes com grande
sacrifício de seus próprios créditos, a garantia de que
serão pagos na forma e no prazo consensualmente
ajustados no plano, sob pena de convolação da
recuperação judicial em falência.

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EDUARDO GUSMAO ALVES DE BRITO NETO:16585 Assinado em 24/06/2021 20:23:12


Local: GAB. DES EDUARDO GUSMAO ALVES DE BRITO NETO
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5. O prazo de dois anos previsto no artigo 61 da Lei 11.101,


já com a redação dada pela Lei 14.112, não pode ser objeto
de transação entre credores e devedoras, seja para reduzi-
lo ou ampliá-lo, ficando as obrigações ajustadas no PRJ
sujeita à supervisão judicial, independentemente de
eventual período de carência.
6. Plano de recuperação que é confeccionado com base
nas circunstâncias de mercado vigentes no momento em
que protocolado o pedido de recuperação, havendo nele
previsão de receitas e despesas que podem não se
concretizar a depender do sempre incerto futuro, do que a
pandemia é o mais perfeito e acabado exemplo.
7. Nada de absurdo ou manifestamente ilegal existe,
destarte, na previsão pelos próprios credores de que
tenham, eles próprios, a oportunidade de aprovar uma
nova alternativa de pagamento.
8. Provimento parcial do recurso para anular as cláusulas
3.10, 6.5.1 e 7.3.

Vistos, relatados e discutidos estes autos do Agravo de


Instrumento nº 0048003-20.2019.8.19.0000, em que é agravante Ministério
Público do Estado do Rio de Janeiro e agravadas Arazi S À R L, em Recuperação
Judicial e outras.

ACORDAM os Desembargadores da Décima Sexta Câmara Cível


do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, por maioria, em dar parcial
provimento ao recurso, nos termos do voto do relator.

VOTO

Adoto o Relatório de fls. 145/149.

Pois bem, em relação às cláusulas 3.5.2.1, 6.7, 6.9 e 7.3, a questão


foi bem apreciada pelo eminente Desembargador Lindolpho Morais Marinho, em

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voto que obteve a concordância dos demais integrantes desta Câmara Cível, razão
pela qual peço vênia para transcrevê-lo parcialmente:

“A cláusula 3.5.2.1 dispõe que os credores dos Bonds 2024 que


optarem por participar do Rights Offering Novos Recursos Bonds 2024
expressamente desistem e renunciam a quaisquer objeções, recursos,
incidentes, ou outras medidas, presentes ou futuras, que de alguma
maneira se oponham à votação, homologação, validade ou eficácia
deste plano.

A legalidade da referida cláusula foi objeto de apreciação no Agravo de


Instrumento 0041255-69.2019.8.19.0000, da relatoria do Exmo. Des.
Eduardo Gusmão Alves de Brito Neto, que a declarou nula, nos
seguintes termos:

Agravo de Instrumento. Recuperação judicial. Recurso manejado


contra a decisão homologatória do plano. Preliminar de não
conhecimento do recurso. Fundos de investimentos e a forma de
votação para os fins do artigo 45 da Lei 11.101. Rejeição do plano e
alegado abuso de direito. Cram Down e seus limites diante das
garantias reais.
1- Como regra, têm os credores direito a um tratamento igualitário,
tanto no que toca à forma de satisfação de seus créditos quanto ao
direito de participar como credor colaborador.
2- Eventuais diferenças de tratamento, a serem submetidas à
assembleia, devem ser fundadas em critérios objetivos, ligados à
essencialidade do credor, o que impede a diferenciação entre
credores em situações objetivamente idênticas.
3- Ao agravarem a condição do credor que não aderisse ao Rights
Offering, ao mesmo tempo em que atribuíam à adesão o efeito
equivalente à renúncia ao direito de recorrer contra o plano,
construíram as recuperandas instrumento de coerção artificial, e
como tal ilícito, na medida em que impuseram diferença de
tratamento entre iguais, considerando que a qualidade de credor
colaborador legitima tratamento favorecido apenas e nos limites da
colaboração.
4- Fundos de investimentos têm a natureza de condomínios
despersonalizados. Seus interesses não se confundem com os de
seus gestores, como deixa claro a legislação de regência, que
admite, mesmo em hipótese de descredenciamento ou falência do
gestor, a eleição pela coletividade de nova instituição para seguir
com a administração dos investimentos. Como pluralidade, não há
fundamento jurídico para a contagem do voto dos gestores como
sendo único, para os fins do artigo 45 da Lei 11.101, também porque
a tanto se opõe o artigo 78, § 3º, da Instrução Normativa nº 5555 da
CVM.

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5- São legítimas as subclasses criadas com critérios objetivos, e


desde que inexistente entre elas desequilíbrio injustificável de
tratamento.
6- Para todos os fins, compartilhar uma garantia, diluindo-a entre
vários credores até então quirografários, equivale a sua supressão, a
exigir a concordância dos respectivos titulares, na forma do artigo 50,
§ 1º, da LRF.
7- Jurisprudência do STJ, em particular o REsp 1.532.943, que não
deixa clara a diferença entre aprovação pela maioria da classe de
supressão das garantias e aprovação pela maioria dos detentores da
própria garantia. Entendimento do relator de que, ante a letra do
artigo 50, § 1º, a extensão ao credor dissidente da perda da garantia
somente é de ser admitida na segunda hipótese, em que a maioria
dos titulares a ela anuiu.
8- Cram Down que, sob pena de afronta ao artigo 50, § 1º, da LRE,
não pode ser utilizado para impor a credores eventualmente
compondo 2/3 da classe a perda de garantias.
9- Substituição da garantia que precisa ser aprovada pelos credores
na proporção de seus créditos, dada a desnecessidade de sua
concordância ¿por cabeça¿.
10- Maioria dos credores dos Bonds 2024 que concordou, segundo
este critério, com o compartilhamento das garantias. Inexistência de
óbice, no caso concreto, e mesmo à luz do artigo 50, § 1º, ao Cram
Down.
11- Recurso parcialmente provido apenas para declarar a nulidade
da cláusula do plano que restringe o recurso do credor dissidente e
consolidar a liminar no que toca ao dever de dar publicidade às
cláusulas econômicas do plano.
(TJ/RJ, 41255-69.2019.8.19.0000 - AGRAVO DE INSTRUMENTO
Des(a). EDUARDO GUSMÃO ALVES DE BRITO NETO -
Julgamento: 22/10/2019 - DÉCIMA SEXTA CÂMARA CÍVEL).

Desta forma, já tendo manifestação judicial sobre o tema, não pode o


mesmo ser objeto de nova apreciação judicial, nos termos do art. 505 do
CPC.

Salvo melhor juízo, esta cláusula já foi invalidada pela decisão em


destaque.

(...)

A Cláusula 6.7, que disciplina a quitação dispõe que ressalvado o


disposto na Cláusula 6.12 abaixo, os pagamentos realizados na forma
estabelecida neste Plano acarretarão, quando realizados em sua
totalidade (cumprimento integral deste Plano), de forma automática e
independentemente de qualquer formalidade adicional, a quitação plena,
irrevogável e irretratável, de todos os Créditos Concursais de qualquer
tipo e natureza contra as Recuperandas e seus controladores e

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garantidores, inclusive juros, correção monetária, penalidades, multas e


indenizações. Com a ocorrência da quitação, os Credores Concursais
serão considerados como tendo quitado, liberado e/ou renunciado
integralmente a todos e quaisquer Créditos, e não mais poderão
reclamá-los, contra as Recuperandas, controladas, subsidiárias, afiliadas
e coligadas e outras sociedades pertencentes ao mesmo grupo
societário e econômico, e seus diretores, conselheiros, acionistas,
sócios, agentes, Joint Provisional Liquidators, funcionários,
representantes, fiadores, avalistas, garantidores, sucessores e Credores
Sub-rogatário e Credores Cessionários a qualquer título.

A Cláusula 6.9 referente à isenção de responsabilidade e renúncia das


partes isentas dispõe que ressalvado o disposto na Cláusula 6.12 abaixo
e quando do cumprimento das obrigações previstas neste Plano, os
Credores Concursais expressamente reconhecem e isentam as Partes
Isentas, as quais tenham agido em conformidade com as leis e normas
aplicáveis, de toda e qualquer responsabilidade pelos atos praticados e
obrigações relacionadas ou em conexão com a Recuperação Judicial
e/ou os Procedimentos Auxiliares, incluindo a preparação da
Recuperação Judicial e/ou dos Procedimentos Auxiliares e a negociação
e documentação do Plano, contratadas antes e/ou no curso da
Recuperação Judicial, conferindo às Partes Isentas quitação ampla,
rasa, geral, irrevogável e irretratável de todos os direitos e pretensões
materiais ou morais porventura decorrentes dos referidos atos a
qualquer título na medida em que tais liberações sejam permitidas pela
lei aplicável (exceto pelo cumprimento dos termos deste Plano, do
Acordo de Apoio ao Plano e, a partir da Data de Fechamento, dos Novos
Instrumentos de Reestruturação, os quais permanecem integralmente
exigíveis contra todas as partes aplicáveis, de acordo com seus
respectivos termos). Ressalvado o disposto na Cláusula 6.12 abaixo e
quando do cumprimento das obrigações previstas neste Plano, os
Credores Concursais expressa e irrevogavelmente renunciarão, na
medida do permitido pela lei aplicável, a quaisquer reivindicações, ações
ou direitos de ajuizar, promover ou reivindicar, judicial ou
extrajudicialmente, a qualquer título e sem reservas ou ressalvas, a
compensação por danos e/ou outras ações ou medidas contra as Partes
Isentas em relação aos atos praticados e obrigações assumidas pelas
Partes Isentas no âmbito da Recuperação Judicial, desde que a sua
atuação tenha se dado dentro dos limites das leis aplicáveis (exceto pelo
cumprimento dos termos deste Plano, do Acordo de Apoio ao Plano e
dos Novos Instrumentos de Reestruturação, como se fossem eficazes a
partir da presente data, os quais permanecem integralmente exigíveis
contra todas as partes aplicáveis, de acordo com seus respectivos
termos). A Aprovação do Plano igualmente representa a concordância

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dos Credores Concursais com o pagamento dos custos dos Joint


Provisional Liquidators, nos termos do Term Sheet.

Segundo o alegado pelo Ministério Público, a referida cláusula 6.7 viola


o disposto no § 1º do art. 49 da LRF, assim como o Verbete Sumular de
n.º 581 do STJ.

O citado artigo dispõe que os credores do devedor em recuperação


judicial conservam seus direitos e privilégios contra os coobrigados,
fiadores e obrigados de regresso.

Não me parece haver qualquer irregularidade na referida cláusula, que


foi aprovada por quase todos os credores, já que a lei, ao disciplinar que
os credores conservam seus direitos e privilégios em relação aos
coobrigados, fiadores e obrigados de regresso, não impede que
renunciem a este direito.

A Súmula 581 do STJ não impede o prosseguimento das ações contra


os credores solidários, mas também, como no caso, não impede a
(renúncia) remissão ora contratada.

Não custa ressaltar que o parágrafo primeiro do art. 49 da LFR permite


que o plano de recuperação discipline as obrigações anteriores à
recuperação judicial de forma diversa das condições originariamente
contratadas ou definidas em lei.

Trata-se de uma garantia estabelecida em favor do credor, que pode ser


objeto de disposição pelo seu titular, inclusive de renúncia, como ocorreu
no caso em tela.

Em caso análogo, a STJ reconheceu a possibilidade de supressão de


garantias reais e fidejussórias estabelecida no Plano de Recuperação
Judicial: (...) REsp 1700487/MT – Relator Ministro Marco Aurélio Bellizze
– Terceira Turma – Data do julgamento: 02/04/2019)

No que se refere à pretensão do Ministério Público de restringir a


eficácia da cláusula apenas aos credores que votaram em seu favor, não
lhe assiste razão, tendo em vista que as disposições aprovadas no
Plano de Recuperação Judicial se aplicam a todos os credores.

Ademais, pelo que consta dos autos apenas dois credores se opuseram
ao plano, a PIMCO e um credor fornecedor, que não interpuseram
recursos impugnando a disposição em análise, como lhes faculta o § 2º
do art. 59 da LRF.

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É necessário lembrar que a lei atribui soberania a AGC, para deliberar


sobre o PRJ, na forma dos artigos 58 e 59 da LRF.

Assevere-se que o PRJ não parece ter sofrido objeção de qualquer


credor na forma do artigo 55 da LRF, além de haver sido aprovado pela
AGC.

Diante das circunstâncias legais acima, resta que, aprovado o plano de


recuperação como tal, os créditos foram novados. Em consequência, o
plano obriga imediatamente todos os credores e o devedor, e as
garantias diante das cláusulas em exame estão suprimidas em virtude
da cláusula em questão expressa e específica.

Comungando com o texto jurisprudencial recente do E STJ acima


expresso, tem-se a decisão do eminente Des. Sérgio Lúcio de Oliveira e
Cruz deste TJRJ, a saber: (...) (47459-81.2009.8.19.0000 - AGRAVO DE
INSTRUMENTO Des(a). SÉRGIO LÚCIO DE OLIVEIRA E CRUZ -
Julgamento: 26/01/2010 - DÉCIMA QUINTA CÂMARA CÍVEL)

Além disso, existem os textos judiciais do E STJ, REsp 1.314.209, 3ª


Turma, j. 22/5/2012, v.v Relator Min. Nancy Andrighi; E TJPE, AI
0213439-0, 4ª Câmara Cível, j. 22/02/2010, v.v Rel. Des. Jones
Figueiredo Alves, todos no mesmo sentido (in Recuperação Judicial de
Empresas, Luiz Roberto Ayoub e Cassia Cavalli, p. 263, Ed. Forense).

Quanto à Súmula 581 diz ela: A recuperação judicial do devedor


principal não impede o prosseguimento das ações e execuções
ajuizadas contra terceiros devedores solidários ou coobrigados em geral,
por garantia cambial, real ou fidejussória.

Em contraposição, tem-se o artigo 364 do Código Civil que diz: “ Art.


364. A novação extingue os acessórios e garantias da dívida sempre
que não houver estipulação em contrário”.

O artigo estabelece que a extinção das garantias se dá com a novação,


a partir da regra de que o acessório segue o principal.

Cumprem-se, assim, as disposições do artigo 50 da LRF que prescreve


que a cada meio de recuperação judicial (dentre outros) observa-se a
cada caso a legislação pertinente. Neste caso de novação observou-se o
artigo 364 do Código Civil sem oposição.

Observa-se que as decisões judiciais estão ainda em conflito diante de


questões relativas às quais a lei não gerou disposição alguma.

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Nas circunstâncias, há que ser aplicado ao caso o princípio do interesse


da preservação da empresa que se contrapõe aos interesses dos
credores e de quem quer que seja.

Em vista destas considerações, hei por bem negar provimento a este


pedido, inclusive mantidas as cláusulas, reconsiderada a decisão que
concedeu a tutela antecipada.

(...)

A Cláusula 7.3 dispõe sobre o encerramento da Recuperação Judicial


nos seguintes termos: uma vez homologado o Plano de Recuperação
Judicial, os Credores Concursais concordam que as Recuperandas
poderão dispensar a supervisão pelo prazo de 2 (dois) anos prevista nos
artigos 61 e 63 da LRF, devendo o processo ser extinto o mais
rapidamente possível após a Data de Fechamento Alienação Ativos
FPSO, momento em que as medidas de reestruturação previstas na
Cláusula 3 acima já terão sido implementadas.

A supervisão do cumprimento do Plano de Recuperação é uma das


atribuições do juiz no processo de soerguimento da empresa. A referida
cláusula, de forma expressa, afasta a possibilidade do juiz de
supervisionar o cumprimento das disposições do Plano de Recuperação,
permitindo, ainda, que as Recuperandas, durante o período mencionado
no art. 61 da LRF, fiquem imune a qualquer fiscalização, seja judicial,
seja de seus credores.

Esta cláusula trata de encerramento da recuperação, parecendo existir


nela uma interpretação equivocada do prazo de dois anos previsto nos
artigos 61 e 63 da LRF.

Afirma ela que os credores concursais e as recuperandas concordam em


dispensar a supervisão pelo prazo de dois anos previsto nos artigos 61 e
63 LRF.

Ora, pela locução das disposições legais a respeito do cumprimento das


obrigações assumidas no Plano de Recuperação pelas recuperandas, o
prazo de dois anos é prazo de fiscalização judicial.

E se assim é, a questão constitui-se de interesse público por se tratar de


norma de procedimento, não sendo possível nem permitido às partes
equipará-las ou delas dispor dessa forma.

Esse prazo de dois anos é aquele no qual as recuperandas devem


cumprir as suas obrigações para o período, não lhes sendo possível

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arrostá-lo, mesmo porque não se tem notícia de carência para o início do


adimplemento das obrigações, cujo prazo de encerramento teria o seu
termo inicial a partir do termo final da carência.

E se as agravadas desejam, como alertado na cláusula, extinguir o


processo o mais rápido possível em virtude do estigma da “em
recuperação”, devem cumprir o mais rápido suas obrigações.

Cumpre ressaltar que se existem obrigações cujos termos finais vão


para além dos referidos dois anos, o estigma em recuperação continua,
sendo que, neste caso, a falência ou a execução será procedida pelo
credor interessado cujo crédito não foi adimplido, mesmo porque ele
além do crédito é portador de um título judicial executivo, relativo à
sentença de homologação e encerramento da recuperação.

Sendo assim, a jurisprudência já decidiu que não cumpridas as


obrigações demarcadas para o período de dois anos a recuperação não
pode ser encerrada como já decidiu a jurisprudência pelo texto do
acórdão da eminente Desembargadora Elisabete Filizzola deste ETJRJ
no AI 0022722-04.2015.8.19.0000, 2ª Câmara Cível, j. 19/8/2015.

Assim, neste item também dou provimento ao agravo em questão para


declarar a nulidade da cláusula em foco.

A divergência, então, foi aberta em relação às cláusulas 3.10, 6.5.1


e 7.1, sendo certo que, no que toca às duas primeiras, este Relator designado
manifestou-se pela anulação, enquanto nesta última votou pela validade, seguindo
em via oposta àquela do Relator natural, que validava as primeiras e anulava a
última.

No que concerne à cláusula 3.10, que autoriza a alienação ou


oneração de ativos das Recuperandas independentemente de autorização do juízo
empresarial ou dos credores, assiste razão ao Parquet, na medida reproduz norma
claramente contrária à lei.

É verdade que, no processo de recuperação judicial, as sociedades


em soerguimento não perdem sua autonomia patrimonial e negocial, donde não há
regra que impeça, absolutamente, a alienação ou a oneração de bens integrantes
do ativo, seja para fins de recapitalização, seja para fins de investimento, tudo com
o escopo de dar cumprimento do plano e, mais importante, prosseguir com a
atividade produtiva.

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Entretanto, a disposição do patrimônio não é livre e, antes, deve ser


feita em harmonia com a LFR, sendo exatamente nesse ponto que o plano de
recuperação judicial aprovado vulnera as diretrizes traçadas pela Lei 11.101. Isso
porque, a teor do que orientam os artigos 66 e 142, após a distribuição do
pedido de recuperação judicial, o devedor não poderá alienar ou onerar bens
ou direitos de seu ativo não circulante, inclusive para os fins previstos no art.
67 desta Lei, salvo mediante autorização do juiz, depois de ouvido o Comitê
de Credores, se houver, com exceção daqueles previamente autorizados no
plano de recuperação judicial.

Ao julgar o REsp 1.783.068 a 3ª Turma do STJ reafirmou que a


alienação de bens do ativo permanente no curso da recuperação deve vir
precedida de autorização judicial:

“A recuperação judicial não implica, em regra, o afastamento do


devedor ou dos administradores da condução da atividade empresarial.
Esses continuam à frente da sociedade sob fiscalização do
administrador judicial e do Comitê de Credores (quando houver),
conforme disposto na norma do artigo 64, caput, da lei 11.101/05.
Vale dizer, os atos e negócios sociais permaneceram sendo
geridos pela empresa durante o processo de soerguimento, exceto
verificada alguma das causas de afastamento ou destituição previstas
nos incisos do dispositivo legal retro mencionado.
A única rescisão que a LERF impõe ao devedor diz respeito à
impossibilidade, sob determinadas condições, de alienar ou onerar bens
ou direitos de seu ativo permanente. É o que estabelece o artigo 66 da
Lei em questão”

O artigo 66, porém, sofreu recente influência da nova redação dada


ao artigo 142 da lei 11.101. No capítulo V, Seção X, portanto dentro da disciplina
da Falência, a Lei 14.112 passou a prever que a alienação de bens possa ser
aprovada pela assembleia-geral de credores ou decorrer de disposição do plano
de recuperação judicial ou ser aprovada pelo juiz.

Embora encontrada em capítulo dedicado à Falência, a regra do


artigo 142, § 3º, B, cuidou expressamente da recuperação prevendo uma
alternativa à autorização judicial, qual seja, a expressa previsão no plano. Tenho,

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contudo, em um primeiro encontro com a matéria, que a autorização pelo plano


deve ser expressa e específica, também porque não foi revogado o artigo 66.

E isto não existe na cláusula impugnada, que pretende atribuir


apenas às recuperandas o poder, sem controle, de dispor dos bens integrantes do
patrimônio e que servem de garantia dos atuais credores. Tenho, portanto, que
tem razão o agravante quanto a pretender a invalidação da cláusula ou, quando
menos, que ela seja interpretada em consonância com o artigo 66 da Lei 11.101,
valendo ressaltar que, a princípio, a anulação não traz quaisquer prejuízos às
recuperandas, que, caso desejem alienar ou onerar bens e direitos do seu ativo
permanente, poderão requerer tais providências ao juízo, exatamente nos termos
da lei de regência.

Em relação à cláusula 6.5.1, a lógica é semelhante àquela aplicada


para tornar nula a disposição do PRJ que permite a livre alienação de bens das
devedoras, porque, aqui, mais uma vez, houve uma autorização genérica para a
realização de operações societárias que, como bem se sabe, são capazes de
repercutir na esfera de interesse dos credores.

Não fosse o bastante, admitir a reorganização da empresa por meio


de cisão, fusão ou incorporação sem qualquer análise em concreto da nocividade
dessas operações desvirtua a própria lógica do controle judicial, que é o que dá
aos credores, compartes dessa empreitada de soerguimento, muitas vezes com
grande sacrifício de seus próprios créditos, a garantia de que serão pagos na
forma e no prazo consensualmente previstos no plano, sob pena de convolação da
recuperação judicial em falência.

Por fim, no que diz respeito à cláusula 7.1, não me parece que o
texto acordado conflita com a norma contida no artigo 73 da Lei 11.101, que trata
das hipóteses de convolação da recuperação judicial em falência. Nada na leitura
da referida cláusula permite concluir que estejam os credores obrigados a novo
conclave para que possam fazer uso do direito que lhes assegura o inciso IV do
referido dispositivo legal, tampouco se extrai, com a devida vênia do entendimento
contrário, que o “Poder Judiciário esteja impedido de exercer a supervisão judicial
do PRJ”.

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Da cláusula, o que se lê é que a caracterização do descumprimento


do plano se dará após o envio de notificação pelo credor prejudicado à respectiva
devedora, quando esta passará a ter, então, o prazo de 90 dias, contados da
notificação, para sanar o problema apontado, findo o qual poderão as
Recuperandas requerer ao juízo falimentar a convocação de nova AGC
visando a deliberar sobre a medida mais adequada à preservação da
empresa. Em outras palavras, do ajuste sequer se extrai que esteja o juízo natural
obrigado a convocar nova assembleia, ou mesmo os credores a aceitá-la, mas
apenas a previsão de um rito próprio, consensualmente ajustado, para
caracterização do descumprimento do plano, o que, evidentemente, não encontra
óbice na LFR.

Pontue-se que o plano de recuperação é confeccionado com base


nas circunstâncias de mercado vigentes no momento em que protocolado o pedido
de recuperação. Há nele, portanto, previsão de receitas e despesas que podem
não se concretizar a depender do sempre incerto futuro, do que a pandemia é o
mais perfeito e acabado exemplo. Nada de absurdo ou manifestamente ilegal
existe, destarte, na previsão pelos próprios credores de que tenham, eles próprios,
a oportunidade de aprovar uma nova alternativa de pagamento.

Meu voto, destarte, é no sentido de se dar parcial provimento ao


recurso para anular as cláusulas 3.10, 6.5.1 e 7.3.

Rio de Janeiro, 4 de maio de 2021.

EDUARDO GUSMÃO ALVES DE BRITO NETO


Desembargador Relator

0048003-20.2019.8.19.0000 – AI – EMPRESARIAL – plano de recuperação – Constellation (voto vencedor) AN


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