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Superior Tribunal de Justiça

AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 1.812.700 - PR (2020/0343472-4)

RELATOR : MINISTRO PRESIDENTE DO STJ


AGRAVANTE : SULETRON ENGENHARIA DE AUTOMOCAO LTDA
ADVOGADOS : NEUDI FERNANDES - PR025051
ELISA BORGES - PR096624
AGRAVADO : EDSON MEHL
ADVOGADOS : FERNANDO KUGLER VIEGAS - PR066531
LUCAS JARDEVESKI ALVES - PR070626

DECISÃO

Cuida-se de agravo apresentado por SULETRON ENGENHARIA DE


AUTOMOCAO LTDA contra a decisão que não admitiu seu recurso especial.

O apelo nobre, fundamentado no artigo 105, inciso III, alínea "a" da CF/88,
visa reformar acórdão proferido pelo TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO
PARANÁ, assim resumido:

APELAÇÃO CÍVEL. OBRIGAÇÃO DE FAZER COM PRECEITO


COMINATÓRIO C/C INDENIZAÇÃO. PROPOSTA COMERCIAL
DE EMPREITADA. INEXECUÇÃO DA OBRIGAÇÃO.
APLICABILIDADE DO CÓDIGO DE DEFESA DO
CONSUMIDOR E INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. DECISÃO
SANEADORA SEM INTERPOSIÇÃO DE RECURSO.
PRECLUSÃO CONSUMATIVA. INADIMPLEMENTO
ANTECIPADO (ART. 477/CC). AUSÊNCIA DE ELEMENTOS
PROBATÓRIOS À DEMONSTRAR A INTENÇÃO DE
INADIMPLIMENTO OU PRATICA DE ATO INCOMPATÍVEL
COM O CUMPRIMENTO DA OBRIGAÇÃO. POSSIBILIDADE DE
SE EXIGIR A EXECUÇÃO DO CONTRATO OU CONVERSÃO
DA OBRIGAÇÃO EM PERDAS E DANOS. SENTENÇA
MANTIDA. NEGATIVA DE PROVIMENTO.
1. Reconhecida a incidência do Código de Defesa do Consumidor e
determinada a inversão parcial do ônus da prova através de decisão
saneadora, sem impugnação mediante a interposição do recurso cabível,
opera-se a preclusão consumativa.
2. A tese do inadimplemento antecipado visa proteger a parte
prejudicada pelo descumprimento do contrato na hipótese em que, em
momento anterior ao termo, um dos contratantes manifesta
expressamente a sua intenção de inadimplir o contrato e/ou pratica ato
incompatível com o cumprimento da obrigação, revelando-se
desnecessário que o credor aguarde o advento do termo para que fique
caracterizado o inadimplemento. Não comprovada a ocorrência de
qualquer das situações mencionadas, não há que se falar em justificativa
para a inexecução do contrato.
2. Apelação Cível à que se conhece em parte à qual se nega
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provimento. (fl. 633)

Quanto à primeira controvérsia, pela alínea "a" do permissivo constitucional, a


parte recorrente alega a violação do art. 6º, VIII, do CDC, aduzindo ser indevida a inversão
do ônus da prova em favor do recorrido, trazendo os seguintes argumentos:

Neste sentido, rememore-se que o caso jurídico sob o qual se coloca a


presente discussão atinente à aplicação dos dispositivos de lei federal
que regem o instituto da inversão do ônus da prova, bem como a
rescisão de contrato operada pela Recorrente diante do inadimplemento
antecipado da Recorrida.
Trata-se do pano de fundo devidamente relatado pelo Tribunal a quo no
Acórdão que desproveu o recurso de apelação manejado pela
Recorrente, mantendo-se a inversão do ônus da prova em favor da
Recorrido, e deixando de considerar que a premissa fática consigna no
Acórdão recorrido torna evidente a aplicabilidade do art. 477, do Código
Civil, que autoriza a rescisão do contrato firmado entre as partes, diante
do anúncio, pelo contratante, do inadimplemento antecipado da avença.
Nesta toada, convém rememorar que dispôs o art. 6°, VIII, do Código de
Defesa do Consumidor, consigna que são direitos básicos do consumidor
"a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do
ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz,
for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as
regras ordinárias de experiências".
A partir do referido dispositivo constata-se que a intenção do legislador é
de viabilizar a modificação do ônus probatório apenas quando estiver
constatada, em caráter cumulativo, a verossimilhança das alegações e a
inequívoca hipossuficiência da parte postulante.
A partir da premissa fática constante do Acórdão vergastado,
identifica-se que muito embora se estabelecer entre as partes relação
consumerista, a inversão do ônus da prova foi autorizada indevidamente,
em ofensa ao supramencionado dispositivo, vez que é patente a
suficiência logística da parte Recorrida, que tão somente logrou êxito em
sua pretensão originária, diante do comando legal insculpido no art. 6°,
VIII, do referido dispositivo consumerista. (fls. 655/656)

Quanto à segunda controvérsia, pela alínea "a" do permissivo constitucional,


alega violação do art. 477 do CC, aduz que deve ser reconhecida a legalidade na rescisão do
contrato por inadimplemento antecipado do recorrido, trazendo os seguintes argumentos:

Neste sentido, rememore-se que o caso jurídico sob o qual se coloca a


presente discussão atinente à aplicação dos dispositivos de lei federal
que regem o instituto da inversão do ônus da prova, bem como a
rescisão de contrato operada pela Recorrente diante do inadimplemento
antecipado da Recorrida.
Trata-se do pano de fundo devidamente relatado pelo Tribunal a quo no
Acórdão que desproveu o recurso de apelação manejado pela
Recorrente, mantendo-se a inversão do ônus da prova em favor da
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Recorrido, e deixando de considerar que a premissa fática consigna no
Acórdão recorrido torna evidente a aplicabilidade do art. 477, do Código
Civil, que autoriza a rescisão do contrato firmado entre as partes, diante
do anúncio, pelo contratante, do inadimplemento antecipado da avença.
[...]
Igualmente, muito embora tivesse o Tribunal a quo também fixado tal
premissa fática, atinente ao inequívoco inadimplemento antecipado
operado pela Recorrida, ainda assim, deixou e observar o Acórdão a
aplicação do art. 477, do Código Civil, que respalda a rescisão preliminar
do contrato de prestação de serviços firmado pela Recorrente,
incorrendo em evidente ilegalidade na interpretação da lei, que é clara
em sua prescrição (fls. 656/656)

É, no essencial, o relatório. Decido.

Quanto à primeira controvérsia, na espécie, o acórdão recorrido assim decidiu:

No que diz respeito à questão relativa à aplicação do Código de Defesa


do Consumidor, observa-se que pela decisão saneadora, restou
reconhecida a sua incidência nos autos, por se tratar de relação de
consumo e, especificamente, empregou a inversão do ônus da prova,
com esteio no artigo 6º, VIII, do CDC, destacando que a requerida
“elabora e executa diariamente contratos, restando caracterizada a
hipossuficiência probatório do requerente”. Denota-se que, contra a
referida decisão a parte requerida quedou-se inerte, insurgindo-se contra
a regra de distribuição do ônus probatório somente por intermédio do
presente recurso, via que se revela inadequada.
Isso porque, considerando que a requerida, mesmo após tomar
conhecimento da decisão que reconheceu a aplicabilidade do CDC, em
especial a incidência da regra de inversão do ônus da prova, permaneceu
silente, deixando de interpor o recurso cabível para questionar o
pronunciamento judicial, qual seja, o agravo de instrumento, na forma do
art. 1.015, XI, do CPC, operou-se a preclusão consumativa, na forma do
art. 507, do CPC
[...]
Não fosse por isso, é extreme de dúvidas que a relação jurídica,
decorrente do contrato de empreitada pactuado entre as partes, é típica
de consumo, não restando óbice, portanto, à aplicação das regras
consumeristas, na medida em que a apelante, enquadrando-se no
conceito de fornecedor (art. 3º, CDC), assume as obrigações de
fornecimento de equipamentos e instalação de sistema de alarme de
incêndio em imóvel de propriedade do recorrido, consumidor (art. 2º
CDC).
Ademais, como constou na decisão referida, ao contrário do alegado
pela requerida, não se vislumbra que o serviço tenha sido adquirido com
o intuito único de fomentar a atividade comercial desenvolvida pelo
autor, uma vez que “a celebração do contrato objeto da demanda pelo
requerente visa resguardar o patrimônio deste, por meio da prevenção de

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incêndio em sua propriedade, e não a busca de lucros, fato que
caracteriza a destinação final do serviço” (mov. 60.1).
No que diz respeito à inversão do ônus probatório, verifica-se que, após
a oposição de embargos de declaração pela requerida, objetivando a
reforma da decisão saneadora, o juízo a quo reconheceu a existência de
erro material corrigível de ofício e complementou a decisão,
estabelecendo que a inversão do ônus da prova se revela necessária
apenas para imputar à requerida 'a comprovação da parcela de
responsabilidade de cada uma das partes no descumprimento do
contrato', mantendo, porém, a regra estática quanto aos demais pontos,
de modo que cabe à autora comprovar 'a obrigação do requerido de
prestar o serviço, os termos em que contratado e a ocorrência de danos',
e à requerida comprovar a ocorrência de descumprimento anterior do
contrato pelo consumidor, o que corresponde a fato extintivo do direito
do autor, na forma do artigo 373, inciso II, do CPC (mov. 72.1).
Diante disso, sequer há interesse da ré neste ponto, de modo a não
merecer conhecimento a questão relativa a incidência do Código de
Defesa do Consumidor, porque preclusa a possibilidade de impugnada, e
quanto a inversão do ônus da prova, por ausência de interesse recursal.
(fls. 634/635)

Aplicável, portanto, o óbice da Súmula n. 284/STF, uma vez que as razões


recursais delineadas no especial estão dissociadas dos fundamentos utilizados no aresto
impugnado, tendo em vista que a parte recorrente não impugnou, de forma específica, os seus
fundamentos, o que atrai a aplicação, por conseguinte, do referido enunciado: “É inadmissível o
recurso extraordinário, quando a deficiência na sua fundamentação não permitir a exata
compreensão da controvérsia”.

Nesse sentido, esta Corte Superior de Justiça já se manifestou na linha de que,


“não atacado o fundamento do aresto recorrido, evidente deficiência nas razões do apelo
nobre, o que inviabiliza a sua análise por este Sodalício, ante o óbice do Enunciado n. 284 da
Súmula do Supremo Tribunal Federal”. (AgRg no AREsp n. 1.200.796/PE, relator Ministro
Jorge Mussi, Quinta Turma, DJe de 24/8/2018.)

Confiram-se ainda os seguintes julgados: AgInt no Resp 1.811.491/SP, relatora


Ministra Regina Helena Costa, Primeira Turma, DJe de 19/11/2019; AgInt no AREsp
1637445/SP, relator Ministro Moura Ribeiro, Terceira Turma, DJe de 13/8/2020; AgInt no
AREsp 1647046/PR, relator Ministro Marco Buzzi, Quarta Turma, DJe de 27/8/2020; e
AgRg nos EDcl no REsp n. 1.477.669/SC, relator Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Sexta
Turma, DJe de 2/5/2018.

Quanto à segunda controvérsia, na espécie, o Tribunal de origem se manifestou


nos seguintes termos:

Restou incontroverso nos autos que as partes celebraram contrato de


empreitada global, tendo por objeto o fornecimento de equipamentos e a
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instalação de sistema de alarme de incêndio, pelo preço fixo de R$
89.700,00, em treze parcelas de R$ 6.900,00 cada, com vencimento da
primeira em 25/07/2015 (mov. 1.10), bem como que houve inexecução
da obrigação, de modo que cinge-se a controvérsia quanto à legitimidade
da recursa da requerida em cumprir o contrato, em razão do alegado
inadimplemento do pagamento pelo autor.
A propósito, vislumbra-se que, nos termos da proposta comercial aceita
pela parte autora, a primeira parcela deveria ser adimplida através de
cheque a ser entregue no ato da assinatura do contrato, ou seja, em
01/07/2015, com data para 25/07/2015 (mov. 1.10). Em que pese o autor
tenha emitido o primeiro cheque pré-datado para 08/08/2015, vê-se que o
título foi entregue em 22/07/2015, ou seja, antes, da data estipulada para
o vencimento da primeira parcela, e que a requerida aceitou recebe-lo e
compensá-lo em data futura, de modo que não há que se falar em
inadimplemento do autor quanto à entrega do cheque em pagamento.
Ocorre que, mesmo após o recebimento do cheque, a parte requerida,
sem apresenta-lo para compensação, notificou o autor em 12/08/2015,
afirmando que “transcorrido o prazo superior a 30 (trinta) dias da
emissão da proposta nenhum pagamento foi compensado, assim como
nenhum equipamento foi fornecido conforme se verifica da própria
proposta comercial”, e informando que “não tem mais interesse em dar
continuidade na proposta firmada” (mov. 26.4/26.5).
A requerida visa justificar a rescisão unilateral do contrato no fundado
receio de inadimplemento do apelado, sob os argumentos de que o autor
realizou reiterados pedidos de postergação da compensação do cheque e
de que os seus funcionários foram informados que o apelado é devedor
contumaz, o que, com base na teoria do inadimplemento antecipado,
autorizaria a recusa no cumprimento da prestação, ensejando a
improcedência da presente demanda. Porém, conforme já reconhecido
pela sentença a quo, não se vislumbra que a requerida tenha feito prova
suficiente de tal alegação.
[...]
Na hipótese dos autos, porém, analisando os elementos de prova
produzidos pela parte requerida, não é possível afirmar que se esteja
diante de situação de inadimplemento antecipado, pois, não se verifica
que o requerente tenha manifestado expressamente a sua intenção de
não adimplir o contrato ou que tenha praticado atos incompatíveis ou que
tornem impossível o cumprimento da obrigação, de modo a justificar a
recusa da requerida em executar o serviço contratado.
Isso porque, inobstante a requerida sustente que o autor realizou
reiterados pedidos de postergação da compensação do cheque, em razão
do que, em conjunto com ‘boatos’ de que o autor é devedor contumaz,
vislumbrou risco de inadimplemento do contrato, não produziu prova
suficiente nesse sentido. Ora, verifica-se que a ré sequer apresentou o
cheque para compensação, cuja devolução em razão da ausência de
fundos poderia comprovar o alegado inadimplemento, mas, pelo
contrário, o requerente acostou à petição inicial extrato bancário
revelando que, à data de compensação, havia fundos em valor suficiente
para saldar o título (mov. 1.9).
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Além disso, não há qualquer elemento nos autos capaz de comprovar
que o autor, de fato, teve a intenção de postergar ou deixar de efetuar o
pagamento do preço acordado na proposta comercial, sendo que as
alegações do informante e da testemunha no sentido de que foram
contratados pelo autor para a execução de serviços e não receberam a
contraprestação, e dos funcionários da ré de que tomaram conhecimento
que o autor deixava de adimplir as suas obrigações de forma contumaz,
não se revela suficiente para, por si só e de forma isolada, legitimar a
resilição unilateral do contrato sem indenização do prejuízo causado. (fls.
637/638)

Assim, incide o óbice da Súmula n. 7 do STJ (“A pretensão de simples reexame


de prova não enseja recurso especial”), uma vez que o acolhimento da pretensão recursal
demandaria o reexame do acervo fático-probatório juntado aos autos.

Nesse sentido: “O recurso especial não será cabível quando a análise da


pretensão recursal exigir o reexame do quadro fático-probatório, sendo vedada a modificação
das premissas fáticas firmadas nas instâncias ordinárias na via eleita (Súmula n. 7/STJ)”. (AgRg
no REsp 1.773.075/SP, relator Ministro Felix Fischer, Quinta Turma, DJe 7/3/2019.)

Confiram-se ainda os seguintes precedentes: AgInt no AREsp 1.679.153/SP,


relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, DJe de 1/9/2020; AgInt no REsp
1.846.908/RJ, relator Ministro Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma, DJe de 31/8/2020;
AgInt no AREsp 1.581.363/RN, relator Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe de
21/8/2020; e AgInt nos EDcl no REsp 1.848.786/SP, relator Ministro Benedito Gonçalves,
Primeira Turma, DJe de 3/8/2020.

Ante o exposto, com base no art. 21-E, V, do Regimento Interno do Superior


Tribunal de Justiça, conheço do agravo para não conhecer do recurso especial.

Nos termos do art. 85, § 11, do Código de Processo Civil, majoro os


honorários de advogado em desfavor da parte recorrente em 15% sobre o valor já arbitrado
nas instâncias de origem, observados, se aplicáveis, os limites percentuais previstos nos §§ 2º e
3º do referido dispositivo legal, bem como eventual concessão de justiça gratuita.

Publique-se. Intimem-se.

Brasília, 09 de março de 2021.

MINISTRO HUMBERTO MARTINS


Presidente

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