Você está na página 1de 394

Supremo Tribunal Federal

Revista Trimestral de
Jurisprudência

Volume 196 – Número 1


Abril / Junho de 2006
Páginas 1 a 360
Diretoria-Geral
Sérgio José Américo Pedreira
Secretaria de Documentação
Altair Maria Damiani Costa
Coordenadoria de Divulgação de Jurisprudência
Nayse Hillesheim
Seção de Preparo de Publicações
Neiva Maria de Moura Ludwig
Seção de Padronização e Revisão
Kelly Patrícia Varjão de Moraes
Seção de Distribuição de Edições
Rogéria Ventura de Carvalho Paes Ribeiro
Diagramação: Joyce Pereira
Capa: Patrícia Weiss Martins de Lima
Edição: Supremo Tribunal Federal

(Supremo Tribunal Federal — Biblioteca Ministro Victor Nunes Leal)

Revista Trimestral de Jurisprudência / Supremo Tribunal Federal,


Coordenadoria de Divulgação de Jurisprudência. — ano 1,
n. 1 (abr./jun. 1957) -. – Brasília: Imprensa Nacional, 1957-
Trimestral
A partir de 2002 até março de 2005, foi editada pela
Editora Brasília Jurídica.
ISSN 0035-0540
1. Direito - Jurisprudência - Brasil. I. Supremo Tribunal
Federal (STF).
CDD 340.6

Solicita-se permuta. STF/CDJU Publicação e Distribuição:


Pídese canje. Anexo I, 2º andar Editora Brasília Jurídica Ltda.
On demande l'échange. Praça dos Três Poderes SDS, Bl. “O”, Lojas 9, 13 e 17
Si richiede lo scambio. 70175-900 – Brasília-DF Ed. Venâncio VI, 1º subsolo
We ask for exchange. rtj@stf.gov.br 70393-900 – Brasília-DF
Wir bitten um Austausch. Fone: (0xx61) 3217-3573 SAC: 0800-612020
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

Ministra ELLEN GRACIE Northfleet (14-12-2000), Presidente


Ministro GILMAR Ferreira MENDES (20-6-2002), Vice-Presidente
Ministro José Paulo SEPÚLVEDA PERTENCE (17-5-1989)
Ministro José CELSO DE MELLO Filho (17-8-1989)
Ministro MARCO AURÉLIO Mendes de Farias Mello (13-6-1990)
Ministro Antonio CEZAR PELUSO (25-6-2003)
Ministro CARLOS Augusto Ayres de Freitas BRITTO (25-6-2003)
Ministro JOAQUIM Benedito BARBOSA Gomes (25-6-2003)
Ministro EROS Roberto GRAU (30-6-2004)
Ministro Enrique RICARDO LEWANDOWSKI (9-3-2006)
COMISSÃO DE REGIMENTO

Ministra ELLEN GRACIE


Ministro GILMAR MENDES
Ministro EROS GRAU
Ministro CARLOS BRITTO – Suplente
COMISSÃO DE JURISPRUDÊNCIA

Ministro SEPÚLVEDA PERTENCE


Ministro JOAQUIM BARBOSA
COMISSÃO DE DOCUMENTAÇÃO

Ministro CELSO DE MELLO


Ministro MARCO AURÉLIO
Ministro CARLOS BRITTO
COMISSÃO DE COORDENAÇÃO

Ministra ELLEN GRACIE


Ministro CEZAR PELUSO
PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA

Doutor ANTONIO FERNANDO BARROS E SILVA DE SOUZA


COMPOSIÇÃO DAS TURMAS

PRIMEIRA TURMA

Ministro José Paulo SEPÚLVEDA PERTENCE, Presidente


Ministro MARCO AURÉLIO Mendes de Farias Mello
Ministro Antonio CEZAR PELUSO
Ministro CARLOS Augusto Ayres de Freitas BRITTO
Ministro Enrique RICARDO LEWANDOWSKI
SEGUNDA TURMA

Ministro José CELSO DE MELLO Filho, Presidente


Ministra ELLEN GRACIE Northfleet
Ministro GILMAR Ferreira MENDES
Ministro EROS Roberto GRAU
SUMÁRIO

Pág.
ACÓRDÃOS.............................................................................................1
ÍNDICE ALFABÉTICO............................................................................I
ÍNDICE NUMÉRICO...........................................................................XXIII
ACÓRDÃOS
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 106 — RO

Relator: O Sr. Ministro Carlos Velloso


Relator para o acórdão: O Sr. Ministro Gilmar Mendes
Requerente: Governador do Estado de Rondônia — Requerida: Assembléia Legis-
lativa do Estado de Rondônia
Ação direta de inconstitucionalidade. 2. Artigos 72, 73, 77 e 177 da
Constituição do Estado de Rondônia, e 30 e 34 das Disposições Transitórias.
3. Alegação de afronta aos artigos 2º; 22, II; 25; 41; 54, II, d; 61, § 1º; 84,
II; e 96, II, b, da Constituição Federal. 4. Criação e atribuições de Conselho
de Governo em conformidade com a Constituição Federal. Inconstitucio-
nalidade da inclusão do procurador-geral de Justiça e dos presidentes dos
Tribunais de Justiça e de Contas na composição do Conselho de Governo.
5. Competência do Tribunal de Justiça para criar e disciplinar seus
serviços auxiliares. 6. Inconstitucionalidade da estipulação de prazo
para que o Tribunal de Justiça envie projeto de lei dispondo sobre maté-
ria que lhe é privativa. 7. Invade a competência legislativa privativa da
União preceito que subordina a declaração de utilidade pública, para fins
de desapropriação, à prévia autorização legislativa. 8. Inconstitucionali-
dade formal da norma que dispõe sobre regime jurídico de servidor pú-
blico, matéria reservada à iniciativa do Presidente da República. 9. Ação
parcialmente procedente.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo
Tribunal Federal, em Sessão Plenária, na conformidade da ata do julgamento e das notas
taquigráficas, por unanimidade, declarar o prejuízo do pedido formulado quanto ao
4 R.T.J. — 196

artigo 30 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição do Estado


de Rondônia. Por maioria, julgar parcialmente procedente a ação para declarar a incons-
titucionalidade dos incisos III, IV e V do artigo 72.
Brasília, 10 de outubro de 2002 — Marco Aurélio, Presidente — Gilmar Mendes,
Relator para o acórdão.

RELATÓRIO
O Sr. Ministro Carlos Velloso: O Governador do Estado de Rondônia, com funda-
mento no art. 103, V, da Constituição Federal, propõe ação direta de inconstitucionali-
dade dos artigos 72, 73, 77 e 177 da Constituição do Estado de Rondônia, bem como
dos artigos 30 e 34 das Disposições Transitórias da citada Constituição estadual.
As normas impugnadas têm o seguinte teor:
Constituição do Estado de Rondônia:
“Art. 72. O Conselho de Governo é o órgão superior de consulta do Governador
do Estado, sob a sua presidência, e dele participam:
I - o Vice-Governador do Estado;
II - o Presidente da Assembléia Legislativa;
III - o Presidente do Tribunal de Justiça;
IV - o Procurador-Geral de Justiça;
V - o Presidente do Tribunal de Contas;
VI - os Líderes da maioria e da minoria, na Assembléia Legislativa;
VII - seis cidadãos brasileiros natos, com mais de trinta e cinco anos de idade,
de reputação ilibada, nomeados pelo Governador, sendo:
a) três de sua livre escolha;
b) três indicados pela Assembléia Legislativa.
Art. 73. Compete ao Conselho pronunciar-se sobre questões relevantes susci-
tadas pelo Governo Estadual, incluída a estabilidade das instituições e problemas
emergentes, de grave complexidade e implicações sociais.
Parágrafo único. Lei regulará a organização e o funcionamento do Conselho
de Governo.
(...)
Art. 77. Lei de iniciativa do Poder Judiciário disciplinará as atribuições,
direitos e deveres dos Escrivães Judiciais, Escrivães Judiciais Substitutos, Oficiais
de Justiça, Avaliadores, Distribuidores, Contadores e Depositários, cuja admissão
se dará por concurso público de títulos e provas.
Parágrafo único. O Tribunal de Justiça, dentro de cento e oitenta dias da
promulgação desta Constituição, enviará projeto de lei nesse sentido.
(...)
R.T.J. — 196 5

Art. 177. O Estado e os Municípios só poderão declarar de utilidade pública


e desapropriar bens imóveis mediante prévia autorização legislativa.”
Disposições Transitórias da Constituição do Estado de Rondônia:
“Art. 30. Os atuais Parlamentares Estaduais eleitos Vice-Prefeitos, se convo-
cados a exercer a função de Prefeito, não perderão o mandato parlamentar.
(...)
Art. 34. Os servidores e serventuários de que trata o art. 77 desta Constitui-
ção, que na data da instalação da Assembléia Estadual Constituinte contavam com
pelo menos dois anos contínuos de exercício e que não tenham sido admitidos na
forma do art. 37, inciso II da Constituição Federal, serão considerados efetivos no
cargo.”
Sustenta o autor, em síntese, o seguinte:
a) o artigo 177 da Constituição estadual, que condiciona o início do processo
expropriatório à prévia autorização do Poder Legislativo, afronta o art. 22, II, da CF,
dado que compete privativamente à União legislar acerca de desapropriação;
b) os artigos 72 e 73 da CE, que prevêem a criação de um Conselho de Governo,
afrontam os artigos 2º; 25; 61, § 1º; e 84, II, da CF, porquanto as atribuições definidas
constitucionalmente ao Conselho da República são inaplicáveis ao Conselho de Governo.
c) o artigo 77 da Constituição estadual e o artigo 34 das Disposições Transitórias
afrontam os artigos 2º, 25, 41 e 96, I, b, da Lei Maior, uma vez que ferem os princípios
da separação de Poderes e da iniciativa de leis quando torna efetivos servidores e serven-
tuários admitidos sem concurso público;
d) o art. 30 das Disposições Transitórias viola o artigo 54, II, d, da CF quando
prevê que os parlamentares estaduais, no exercício do cargo de Prefeito, não perdem seus
mandatos.
Solicitadas informações (fls. 29 e 32), o Presidente da Assembléia Legislativa
do Estado de Rondônia prestou-as (fls. 36/42), sustentando, em síntese, o seguinte:
a) inexistência de ofensa ao art. 22, II, da CF, porquanto “a norma questionada
de inconstitucionalidade (art. 177 CE), em momento algum fere o dispositivo constitu-
cional, sobre a competência privativa da União para legislar sobre desapropriação;
(...) não está legislando concorrentemente com a norma federal, pois os Estados-Mem-
bros podem legislar sobre questões específicas dentro de suas peculiaridades respei-
tando a Legislação Federal” (fl. 38);
b) inocorrência de violação à Constituição em relação à “aplicabilidade também
de um Conselho de Governo a nível estadual (arts. 72 e 73 da CE), inovado como órgão
opinativo e não deliberativo, como entidade de consulta do Senhor Governador do
Estado, com as mesmas atribuições dentro do contexto estadual, (...) não divergindo dos
dispositivos constitucionais federais, quanto a sua organicidade e funcionalidade” (fl. 39).
c) constitucionalidade do art. 77 da Constituição estadual e do art. 34 das Dispo-
sições Transitórias, mormente porque “a Constituição Estadual não pode tomar como
6 R.T.J. — 196

modelo obrigatório a ser servilmente copiado, cada dispositivo da Constituição Federal


(...) se a Constituição Estadual não pudesse organizar o Poder Público diferentemente
daquilo que é feito pela Constituição Federal, atendendo às peculiaridades de cada
Estado, obedecendo apenas aos princípios da Constituição Federal, ela nem mesmo
teria razão de existir” (fls. 40/41).
d) constitucionalidade do artigo 30 das Disposições Transitórias em face do
disposto no art. 5º, § 3º, do ADCT.
O ilustre Subprocurador-Geral da República no exercício das funções de
Advogado-Geral da União, Dr. Miguel Frauzino Pereira, às fls. 44/45, manifestou-se
pela improcedência da ação.
O eminente Procurador-Geral da República, Prof. Geraldo Brindeiro, opinou pela
parcial procedência da presente ação direta para declarar a inconstitucionalidade dos
arts. 72, 73, 77, parágrafo único, e 177 da Constituição do Estado de Rondônia, bem
como do art. 34 das Disposições Transitórias (fls. 46/52).
Instado a se manifestar (fls. 58 e 65), o Governador do Estado de Rondônia
informou que todos os dispositivos aqui impugnados permanecem em vigor; pede,
pois, o prosseguimento da presente ADI (fls. 68/69).
Autos conclusos em 14-5-2002.
É o relatório, do qual serão expedidas cópias aos excelentíssimos Senhores
Ministros.

VOTO
O Sr. Ministro Carlos Velloso (Relator): Examino as argüições de inconstituciona-
lidade.
I) Art. 177 da Constituição do Estado de Rondônia:
Desta forma deslindou a controvérsia, no ponto, o ilustre Procurador-Geral da
República, Prof. Geraldo Brindeiro:
“(...)
5. Assim dispõe o art. 177 da Constituição do Estado de Rondônia:
‘Art. 177 - O Estado e os Municípios só poderão declarar de utilidade
pública e desapropriar bens imóveis mediante prévia autorização legislativa.’
6. A toda evidência, tal norma é contrária à regra de competência privativa da
União para legislar sobre desapropriação, prevista no art. 22, II, da Constituição
Federal.
7. A desapropriação por utilidade pública encontra seu fundamento constitu-
cional no art. 5º, XXIV, ‘a lei estabelecerá o procedimento para desapropriação por
necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante justa e prévia
indenização em dinheiro, ressalvados os casos previstos nesta Constituição’.
R.T.J. — 196 7

8. Quanto ao procedimento para desapropriação por utilidade pública, é tra-


tado no Decreto-lei n. 3.365/41, recepcionado pela vigente ordem constitucional,
o qual, em seu art. 6º assevera que ‘a declaração de utilidade pública far-se-á por
decreto do Presidente da República, Governador, Interventor ou Prefeito’. E, no
seu art. 8º admite possa ser determinada pelo Poder Legislativo, cabendo, neste
caso, ao Executivo a prática dos atos necessários à sua efetivação.
9. Assim, revela-se formalmente inconstitucional o mencionado art. 177 da
Constituição do Estado de Rondônia, porquanto não compete ao constituinte
estadual dispor acerca de desapropriação, matéria de competência exclusiva da
União, quanto mais, afim de subordinar a declaração de utilidade pública para fins
de desapropriação à prévia autorização legislativa, de modo diverso ao previsto
em norma federal, a qual, como visto, estabelece que aquela modalidade de desa-
propriação possa fazer-se mediante decreto do Chefe do Poder Executivo local
sem necessidade de autorização do Poder Legislativo.
(...)” (fls. 47/48).
Correto o parecer.
A Constituição do Estado de Rondônia, art. 177, invadiu competência privativa
da União, dado que a esta, segundo o art. 22, II, da Constituição Federal, compete
legislar, privativamente, sobre desapropriação.
No julgamento da ADI 969-MC/DF, Relator o Ministro Moreira Alves, o Supremo
Tribunal Federal decidiu nesse sentido, vale dizer, no sentido da inconstitucionalidade de
preceito da Lei Orgânica do Distrito Federal, que fez depender as desapropriações de
prévia aprovação da Câmara Legislativa (RTJ 154/43).
Inconstitucional, portanto, o art. 177 da Constituição do Estado de Rondônia.
II) Artigos 72 e 73 da Constituição do Estado de Rondônia.
Assim o parecer do ilustre Procurador-Geral da República no ponto:
“(...)
10. Por sua vez, assim estabelecem os arts. 72 e 73 da Constituição do Estado
de Rondônia:
‘Art. 72 – O Conselho de Governo é o órgão superior de consulta do
Governador do Estado, sob a sua presidência, e dele participam:
I – O Vice-Governador do Estado;
II – O Presidente da Assembléia Legislativa;
III – O Presidente do Tribunal de Justiça;
IV – O Procurador-Geral de Justiça;
V – O Presidente do Tribunal de Contas;
VI – Os Líderes da Maioria e Minoria na Assembléia Legislativa;
VII – seis cidadãos brasileiros natos, com mais de trinta e cinco anos de
idade, de reputação ilibada, nomeados pelo Governador, sendo:
8 R.T.J. — 196

a) três de sua livre escolha;


b) três indicados pela Assembléia Legislativa.’
‘Art. 73 – Compete ao Conselho pronunciar-se sobre questões relevan-
tes suscitadas pelo Governo Estadual, incluída a estabilidade das institui-
ções e problemas emergentes, de grave complexidade e implicações sociais.
Parágrafo único – Lei regulará a organização e o funcionamento do
Conselho de Governo.’
11. Reside a questão em determinar se é válida a instituição, pelo constituinte
estadual, de um Conselho de Governo, à semelhança do Conselho da República,
de que tratam os arts. 89 e 90 da Constituição Federal.
12. A resposta é negativa, pois a iniciativa de leis acerca da criação de órgãos
da administração pública é privativa do Presidente da República, nos termos do
preceituado no art. 61, § 1º, II, e, da Constituição Federal, assim como também é de
sua competência reservada, o exercício, com o auxílio dos Ministros de Estado, da
direção superior da administração federal (art. 84, II, CF/88).
13. Ora, as normas de processo legislativo, inclusive as de iniciativa reservada
do Poder Executivo, são oponíveis ao constituinte do Estado-membro, que deve
observar o modelo de tripartição de poderes delineado na Constituição da Repú-
blica. Nesse sentido, copiosa a jurisprudência desse colendo Supremo Tribunal
Federal, exemplificada na ementa a seguir transcrita:
‘Criação de Conselho, dotado de diversificada composição e represen-
tatividade, destinado a orientar os órgãos de comunicação social do Estado,
suas fundações e entidades sujeitas a seu controle (artigos 238 e 239 da
Constituição do Rio Grande do Sul e Lei estadual n. 9.726-92).
Cautelar deferida, ante a premência do prazo assinado para a instalação
do Colegiado e a relevância da fundamentação jurídica do pedido, especial-
mente quanto as teses concernentes a separação dos Poderes e a exclusi-
vidade de iniciativa do Chefe do Executivo, bem como a competência privativa
deste para exercer a direção superior e dispor sobre a organização e o funcio-
namento da administração.’
(ADIMC n. 821/RS, Rel. Min. Octavio Gallotti, j. 5/2/93, DJ de 7/5/93)
14. Assim sendo, padecem de inconstitucionalidade formal os artigos em
referência, porque é vedado ao Poder Legislativo imiscuir-se na esfera de compe-
tência de outro Poder, como no caso, para dispor sobre a criação de um órgão de
consulta do Governador do Estado.
(...)” (fls. 48/50).
Correto o parecer também aqui.
A instituição, pelo constituinte estadual, do Conselho do Governo, violou o dis-
posto no art. 61, § 1º, II, e, que estabelece que são da iniciativa privativa do Presidente da
República as leis que disponham sobre criação e extinção de Ministérios e órgãos da
administração pública. Tem-se, no caso, norma de processo legislativo de observância
obrigatória por parte do constituinte estadual.
R.T.J. — 196 9

Quando do julgamento da ADI 821-MC/RS, Relator o Ministro Octavio Gallotti,


decidiu o Supremo Tribunal Federal:
“Ementa: Criação de Conselho, dotado de diversificada composição e
representatividade, destinado a orientar os órgãos de comunicação social do Estado,
suas fundações e entidades sujeitas a seu controle (artigos 238 e 239 da Constitui-
ção do Rio Grande do Sul e Lei estadual n. 9.726/92).
Cautelar deferida, ante a premência do prazo assinado para a instalação do
Colegiado e a relevância da fundamentação jurídica do pedido, especialmente
quanto às teses concernentes à separação dos Poderes e à exclusividade de inicia-
tiva do Chefe do Executivo, bem como a competência privativa deste para exercer
a direção superior e dispor sobre a organização e o funcionamento da administra-
ção.” (DJ de 7-5-93)
No mesmo sentido: ADI 2.364-MC/AL, Relator o Ministro Celso de Mello, DJ de
14-12-2001; ADI 1.962/RO, Relator o Ministro Ilmar Galvão, DJ de 1º-2-2002; ADI
676/RJ, Relator o Ministro Carlos Velloso, RTJ 162/849.
Reconheço a inconstitucionalidade dos artigos 72 e 73 da Constituição do Estado
de Rondônia.
III) Art. 77 e seu parágrafo único da Constituição do Estado de Rondônia.
Assim o parecer do Chefe do Ministério Público Federal:
“(...)
15. Quanto ao art. 77, e seu parágrafo único, da Constituição do Estado de
Rondônia, assim estão redigidos:
‘Art. 77 – Lei de iniciativa do Poder Judiciário disciplinará as atribui-
ções, direitos e deveres dos Escrivães Judiciais, Escrivães Judiciais Substi-
tutos, Oficiais de Justiça, Avaliadores, Distribuidores, Contadores e Depo-
sitários, cuja admissão se dará por concurso público de títulos de provas.
Parágrafo único – O Tribunal de Justiça, dentro de cento e oitenta dias
da promulgação desta Constituição, enviará projeto de lei nesse sentido.’
16. O art. 77, ao determinar que lei de iniciativa do Poder Judiciário disci-
plinará as atribuições, direitos e deveres dos Escrivães, dos Oficiais de Justiça,
Avaliadores, Distribuidores, Contadores e Depositários, não parece ofensiva à
ordem constitucional uma vez que, nos termos do art. 96, II, b, da Constituição
Federal, ‘compete aos Tribunais de Justiça a criação e a extinção de cargos e a
remuneração dos seus serviços auxiliares e dos juízos que lhes forem vinculados’;
assim como compete também privativamente aos Tribunais ‘organizar suas secre-
tarias e serviços auxiliares e os dos juízos que lhes forem vinculados, velando pelo
exercício da atividade correicional respectiva’, conforme preceitua o art. 96, I, b,
da Constituição da República.
17. Entretanto, o parágrafo único do art. 77, ao estipular um prazo para que o
Tribunal de Justiça envie projeto de lei dispondo sobre matéria que lhe é privativa,
parece invadir a seara de competência do Poder Judiciário, porquanto a avaliação
quanto ao momento e conveniência para deflagrar o processo legislativo de sua
iniciativa reservada é atividade discricionária daquele Poder.
(...)” (fls. 50/51).
10 R.T.J. — 196

Correto o entendimento do Ministério Público Federal.


Realmente, a norma do art. 77 da Constituição de Rondônia apresenta-se compatível
com o disposto no art. 96, II, b, da Constituição Federal.
Quanto ao parágrafo único do citado art. 77, o mesmo não pode ser dito. É que, ao
fixar prazo para que o Tribunal de Justiça envie projeto de lei dispondo sobre a matéria
que lhe é privativa, invade competência do Judiciário, dado que a este compete decidir
a respeito do “momento e conveniência para deflagrar o processo legislativo de sua
iniciativa reservada”.
Destarte, tenho como constitucional o art. 77 da Constituição de Rondônia e in-
constitucional o parágrafo único do mesmo art. 77.
IV) Artigos 30 e 34 das Disposições Transitórias da Constituição do Estado de
Rondônia.
Dispõe o art. 30:
“Art. 30. Os atuais Parlamentares Estaduais eleitos Vice-Prefeitos, se convo-
cados a exercer a função de Prefeito, não perderão o mandato parlamentar.”
Não era inconstitucional, já que seguia a linha do § 3º do art. 5º do ADCT da CF/88.
A esta altura, entretanto, a ação está prejudicada.
Quanto ao art. 34 das Disposições Transitórias da Constituição do Estado de Ron-
dônia, escreve o Ministério Público Federal:
“(...)
18. Já o art. 34, das Disposições Transitórias da Constituição do Estado de
Rondônia, possui o seguinte teor:
‘Art. 34 – Os servidores e serventuários de que trata o art. 77 desta
Constituição, que na data da instalação da Assembléia Estadual Constituinte
contavam pelo menos dois anos contínuos de exercício e que não tenham
sido admitidos na forma do artigo 37, II da Constituição Federal, serão con-
siderados efetivos no cargo.’
19. A norma em tela, ademais de dispor acerca de matéria atinente a regime
jurídico de servidores públicos, como é a estabilidade e efetividade do servidor,
cujo tratamento, na esfera federal é reservado à lei de iniciativa do Presidente da
República, em obediência ao disposto no art. 61, § 1º, II, c, da Constituição Federal,
contraria o disposto no art. 41 da Constituição da República, que confere estabili-
dade e efetividade apenas aos servidores que ingressaram no serviço público através
de concurso.
20. Não há falar de que norma acima transcrita apenas reiterou o disposto no
art. 19 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, pelo contrário, aquela
disposição estadual concedeu efetividade a servidores que, sem terem ingressado
no serviço público através de concurso, na data da instalação da Assembléia Esta-
dual Constituinte, contavam pelo menos dois anos contínuos no exercício das
mencionadas funções públicas, o que é diferente de estabilidade.
R.T.J. — 196 11

21. O art. 19 do ADCT concedeu estabilidade aos servidores públicos civis


da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, da administração
direta, autárquica e das fundações públicas, em exercício há pelo menos cinco
anos continuados, na data da promulgação da Constituição. E condicionou a sua
efetivação, no seu § 1º, à realização de concurso público.
(...)” (fl. 51).
Perfeito o entendimento.
Tem-se, no caso, inconstitucionalidade formal, já que atenta o art. 34 das Disposi-
ções Transitórias da Constituição de Rondônia contra o disposto no art. 61, § 1º, II, c, da
Constituição Federal. É que a norma impugnada diz respeito a regime jurídico de servi-
dores públicos, matéria reservada à iniciativa do Presidente da República. O processo
legislativo estadual não pode dispor de forma diferente.
O dispositivo da Constituição estadual viola, também, o estabelecido no art. 41 da
Constituição Federal, que confere estabilidade apenas a servidores que ingressaram no
serviço público mediante concurso. Ademais, o art. 34 das Disposições Transitórias da
Constituição de Rondônia contraria o art. 19 do ADCT da CF/88.
V) Conclusão.
De todo o exposto, julgo procedente, em parte, a ação, pelo que declaro a incons-
titucionalidade do art. 177, dos arts. 72 e 73, do parágrafo único do art. 77 e do art. 34,
todos da Constituição do Estado de Rondônia, este último das Disposições Transitórias.
No que toca ao art. 77 da Constituição de Rondônia, tenho-o como constitucional, e,
relativamente ao art. 30 das Disposições Transitórias da mesma Constituição, está a ação
prejudicada, motivo por que dela não conheço no ponto.

VOTO
O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Sr. Presidente, encaminho a divergência no sentido
de declarar a inconstitucionalidade parcial quanto à inclusão do Procurador-Geral de
Justiça e do Presidente do Tribunal de Contas. No mais, mantenho o texto e acompanho
o eminente Ministro Relator.

VOTO
A Sra. Ministra Ellen Gracie: Com a vênia do eminente Ministro Relator, acompanho
a divergência parcial apenas para excluir esses três integrantes do Conselho.

VOTO
O Sr. Ministro Maurício Corrêa: Sr. Presidente, também acompanho a divergência
no ponto e o eminente Ministro Relator em tudo, menos nesta parte.

VOTO
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Sr. Presidente, que mais não fosse, na esperança
de encontrar um dia algum espaço de autonomia dos Estados-Membros reconhecido
pelo Supremo Tribunal Federal, acompanho o eminente Ministro Gilmar Mendes.
12 R.T.J. — 196

VOTO
O Sr. Ministro Marco Aurélio (Presidente): Peço vênia aos colegas para, no caso,
manter íntegro o dispositivo.
Não vejo, de um lado, incompatibilidade maior em se ter a participação nesse
Conselho, como é o caso, do Presidente do Tribunal de Justiça, pois este, tal como o
Presidente da Assembléia, preside um Poder, e o Conselho tem como objetivo funcionar
em seu colegiado.
Também não me impressiona a problemática relativa ao envolvimento do Presi-
dente do Tribunal de Contas e do Procurador-Geral de Justiça. Há de se distinguir os
campos relativos às atuações específicas daquele alusivo à atividade a ser desenvolvida
pelo Conselho, que é a de simplesmente apoiar pronunciamento prévio de um órgão
colegiado.
Por outro lado, sem que a Corte se transforme em legislador positivo, mediante a
supressão de alguns incisos, no que prevêem certas pessoas para formar o Conselho, não
vislumbro como se possa alterar a composição do órgão.

EXTRATO DA ATA
ADI 106/RO — Relator: Ministro Carlos Velloso. Relator para o acórdão: Ministro
Gilmar Mendes. Requerente: Governador do Estado de Rondônia (Advogado: Pedro Origa
Neto). Requerida: Assembléia Legislativa do Estado de Rondônia.
Decisão: O Tribunal, por unanimidade, declarou o prejuízo do pedido formulado
quanto ao artigo 30 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constitui-
ção do Estado de Rondônia. Por maioria, julgou parcialmente procedente a ação para
declarar a inconstitucionalidade dos incisos III, IV e V do artigo 72, vencidos, em parte,
o Ministro Relator, que declarava a inconstitucionalidade de todo o dispositivo, e o
Presidente, Ministro Marco Aurélio, que declarava a sua constitucionalidade; do parágra-
fo único do artigo 77; e do artigo 177, todos da Constituição do Estado de Rondônia; e,
também, a inconstitucionalidade do artigo 34 do Ato das Disposições Transitórias da
Constituição do mesmo Estado. Relativamente ao artigo 73, o Tribunal, por maioria,
declarou a sua constitucionalidade, vencido o Relator, e, por unanimidade, também
declarou a constitucionalidade da cabeça do artigo 77, ambos da mesma Constituição
estadual. Redigirá o acórdão o Ministro Gilmar Mendes. Ausentes, justificadamente, os
Ministros Celso de Mello e Ilmar Galvão, e, neste julgamento, o Ministro Nelson Jobim.
Presidência do Ministro Marco Aurélio. Presentes à sessão os Ministros Moreira
Alves, Sydney Sanches, Sepúlveda Pertence, Carlos Velloso, Maurício Corrêa, Nelson
Jobim, Ellen Gracie e Gilmar Mendes. Procurador-Geral da República, Dr. Geraldo
Brindeiro.
Brasília, 10 de outubro de 2002 — Luiz Tomimatsu, Coordenador.
R.T.J. — 196 13

AÇÃO CÍVEL ORIGINÁRIA 261 — SP

Relator: O Sr. Ministro Marco Aurélio


Autora: União — Réu: Estado de São Paulo
Prescrição — Tributo. A prescrição incide com a passagem de
cinco anos do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lan-
çamento poderia ter sido efetuado — artigos 173 e 174 do Código
Tributário Nacional.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribu-
nal Federal, em Sessão Plenária, na conformidade da ata do julgamento e das notas
taquigráficas, por unanimidade, decretar a extinção do processo, declarar a prescrição e
condenar a União ao pagamento de honorários profissionais fixados em R$ 5.000,00
(cinco mil reais), tudo nos termos do voto do Relator.
Brasília, 10 de novembro de 2004 — Nelson Jobim, Presidente — Marco Aurélio,
Relator.

RELATÓRIO
O Sr. Ministro Marco Aurélio: A Fazenda Nacional propôs execução contra o
Estado de São Paulo, acostando certidão de dívida a revelar, como data da inscrição, o
dia 27 de maio de 1976. O documento consigna o vencimento dos tributos — imposto
de importação e imposto sobre produtos industrializados — em 16 de julho de 1969. À
folha 6-verso, pronunciou-se a Procuradoria da República perante o Juízo Federal,
aludindo à competência desta Corte. A declinação da competência deu-se em 20 de
fevereiro de 1978 (folha 9). O processo foi distribuído ao Ministro Djaci Falcão, que,
após a manifestação do Ministério Público Federal, determinou, em outubro de 1978, a
citação do devedor (folhas 13 e 14).
Aos autos veio a contestação de folhas 33 a 40, mediante a qual se argúi a prescri-
ção da ação em face da passagem de cinco anos contados da inscrição da dívida — o
vencimento do débito fiscal ocorrera em 16 de julho de 1969, havendo sido inscrita a
dívida em 27 de maio de 1976. Do vencimento do débito até a causa interruptiva da
prescrição — a ordem de citação (artigo 219, § 1º, do Código de Processo Civil) —,
teriam transcorrido mais de nove anos. Em passo seguinte, argumenta-se com a incons-
titucionalidade do acréscimo de 20% no débito fiscal, parcela que estaria reservada aos
Procuradores da Fazenda. Alega-se que à Fazenda não assistiria o direito de aumentar o
débito, conforme decidido por esta Corte no julgamento do Recurso Extraordinário n.
79.822, relatado, perante a Primeira Turma, pelo Ministro Aliomar Baleeiro. Aponta-se,
em vista da inexistência de remuneração dos Procuradores da União, a ofensa ao inciso
I do artigo 18 da Constituição Federal pretérita, ante a cobrança de taxa sem o serviço
correspondente. Discorre-se, ainda, sobre a impossibilidade de se classificar tal acréscimo
como taxa, tendo em conta a razão de ser dessa espécie de tributo. No mérito propriamente
dito, articula-se com a imunidade estabelecida na Constituição da República —
alínea a do inciso III do artigo 19 da Carta de 1969. Requer-se a improcedência do
14 R.T.J. — 196

pedido formulado e a condenação da autora ao pagamento das despesas processuais,


inclusive honorários advocatícios.
Em razões finais, a União informou não estar o imposto de importação sujeito à
imunidade, já que esta apenas beneficia o patrimônio, a renda ou os serviços. O réu não
teria provado o enquadramento da importação efetuada na isenção prevista no Decreto-
Lei n. 37/66, regulamentado pelo Decreto n. 62.898, de 25 de junho de 1968.
O Estado trouxe aos autos o arrazoado de folhas 79 a 81, reafirmando a ocorrência
da prescrição e os termos da contestação apresentada.
À folha 88, o Ministro Maurício Corrêa despachou, instando a autora, União Federal,
a manifestar-se sobre a seqüência da ação. Sem qualquer pronunciamento, os autos segui-
ram à Procuradoria-Geral da República, que emitiu o parecer de folhas 95 a 97, assim
sintetizado:
Ação Cível Originária. Execução Fiscal promovida contra o Estado-Membro
(sic). Dívida Ativa da União decorrente de IPI e imposto de importação. Alegada
em matéria de defesa a prescrição da ação executiva fiscal. Ocorrência. Citação do
devedor ocorrida após o exaurimento do lapso prescricional. Prescrição intercor-
rente. Superveniência. Inércia da parte interessada. Parecer pela improcedência da
ação.
Estes autos vieram-me conclusos em conseqüência da substituição prevista no
artigo 38, inciso I, do Regimento Interno da Corte. Recebendo-os em 12 de junho de
2003, neles lancei visto em 23 imediato (folha 99).
É o relatório.

VOTO
O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Quanto à competência, tenho-a como
revelada pelo fato de a ação envolver a Fazenda Nacional e o Estado de São Paulo.
Da Prescrição
A certidão de dívida ativa de folha 5 noticia haver ocorrido a inscrição em 27 de
maio de 1976, vencendo o tributo em 16 de julho de 1969. Levando-se em conta a data
do vencimento e a regra do inciso I do artigo 173 do Código Tributário Nacional —
segundo a qual o direito de a Fazenda Pública constituir o crédito tributário extingue-se
após cinco anos contados do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lança-
mento poderia ter sido efetuado —, tem-se que o termo inicial da prescrição, considerada
a cabeça do artigo 174 — a data da constituição definitiva do tributo —, verificou-se em
1970, ou seja, no exercício imediato àquele em que ocorrera o vencimento. Pois bem, a
determinação de citação deu-se somente em 1978, ou seja, passados oito anos. Daí a
prescrição haver incidido. Ainda que se abandone a regra especial do inciso I do artigo
174 do Código Tributário Nacional, adotando-se a retroação prevista no § 1º do artigo
219 do Código de Processo Civil, constata-se que a execução somente foi ajuizada em
julho de 1976 e, portanto, quando já transcorrido o qüinqüênio.
Concluo pela prescrição e declaro extinto o processo, com o julgamento de mérito.
R.T.J. — 196 15

EXTRATO DA ATA
ACO 261/SP — Relator: Ministro Marco Aurélio. Autora: União (Advogado:
Advogado-Geral da União). Réu: Estado de São Paulo.
Decisão: O Tribunal, por unanimidade, decretou a extinção do processo, declarou
a prescrição e condenou a União ao pagamento de honorários profissionais fixados em
R$ 5.000,00 (cinco mil reais), tudo nos termos do voto do Relator. Falou pelo réu o Dr.
Marcos Ribeiro de Barros, Procurador do Estado. Ausente, justificadamente, a Ministra
Ellen Gracie. Presidiu o julgamento o Ministro Nelson Jobim.
Presidência do Ministro Nelson Jobim. Presentes à sessão os Ministros Sepúlveda
Pertence, Celso de Mello, Carlos Velloso, Marco Aurélio, Gilmar Mendes, Cezar Peluso,
Carlos Britto, Joaquim Barbosa e Eros Grau. Vice-Procurador-Geral da República, Dr.
Antonio Fernando Barros e Silva de Souza.
Brasília, 10 de novembro de 2004 — Luiz Tomimatsu, Secretário.

AÇÃO CAUTELAR 349 — MT

Relator: O Sr. Ministro Carlos Britto


Requerente: Associação dos Notários e Registradores do Estado de Mato Grosso –
ANOREG/MT — Requeridos: Governador do Estado de Mato Grosso e Assembléia
Legislativa do Estado de Mato Grosso
Constitucional e Processual Civil. Processos objetivo e subjetivo.
Exceções individuais de suspeição contra Desembargadores de Tribunal
de Justiça perante o qual foi ajuizada representação de inconstitucionali-
dade. Lei estadual n. 8.033/2003, também impugnada perante o Supremo
Tribunal Federal, na ADI 3.151. Medida cautelar para suspender a eficá-
cia da referida lei até o julgamento da representação ou das exceções.
Nesta Suprema Corte, a ADI 3.151 tramita sob o impulso do art. 12
da Lei n. 9.868/99.
Descabimento da medida cautelar porque as exceções de suspeição
representam um instituto típico do processo subjetivo, que não se aplica às
ações diretas de inconstitucionalidade, pela sua natureza objetiva.
Ademais, a maioria dos Desembargadores repeliu a pecha que lhes
endereçou a excipiente, mas as exceções ainda não foram julgadas. Sendo
assim, a competência originária desta colenda Corte para apreciar a
questão de direito material, alojada nos autos da cautelar, somente será
estabelecida se — e quando — o Supremo Tribunal acolher as referidas
exceções. Precedentes.
Não-conhecimento do pedido cautelar.
16 R.T.J. — 196

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo
Tribunal Federal, por seu Tribunal Pleno, na conformidade da ata do julgamento e das
notas taquigráficas, por maioria de votos, não conhecer da ação cautelar, nos termos do
voto do Relator, vencido o Ministro Marco Aurélio em relação à preliminar de conheci-
mento.
Brasília, 16 de fevereiro de 2005 — Nelson Jobim, Presidente — Carlos Ayres
Britto, Relator.

RELATÓRIO
O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto: Trata-se de ação cautelar aparelhada com re-
querimento de medida liminar, tendo por objeto suspender a eficácia da Lei estadual n.
8.033, de 17-12-2003, até que se dê o julgamento definitivo da Ação Direta de Incons-
titucionalidade n. 29.473/2004, proposta perante o Tribunal de Justiça do Estado do
Mato Grosso. Alternativamente, a autora pede que tal suspensão de eficácia permaneça
até o julgamento do pedido de liminar na citada ação direta ou, em último caso, até a
decisão que for proferida nas exceções de suspeição apresentadas nos autos da mesma
ADI n. 29.473, que impugna dispositivos do referido ato normativo estadual.
2. Segundo a inicial, a mencionada Lei n. 8.033/2003 obriga os notários e registra-
dores de Mato Grosso a pagar ao FUNAJURIS (Fundo do Tribunal de Justiça daquele
Estado) a quantia de R$0,10 (dez centavos) relativamente a cada selo de autenticidade
confeccionado e distribuído pela Casa da Moeda do Brasil. Entretanto, esse valor teria
de ser reduzido por força do Contrato n. 30/2004/TJ, celebrado entre aquele Tribunal e
a Casa da Moeda.
3. De acordo com a requerente, esta medida cautelar se faz necessária em decorrên-
cia das suspeições opostas em face de todos os Desembargadores do Tribunal de Justiça
local, para efeito do julgamento da citada ADI n. 29.473/2004, de modo que, agora,
compete a esta excelsa Corte o exame das referidas exceções e, se acaso acolhidas, a
apreciação da própria ação direta.
4. A seu turno, as exceções de suspeição têm como justificativa o fato de que os
Desembargadores daquele Tribunal encaminharam a esta Suprema Corte memoriais e
pareceres jurídicos defendendo a higidez constitucional da mesma Lei n. 8.033/2003, a
qual foi também impugnada por meio da ADI 3.151, de minha relatoria, ajuizada pela
Anoreg/Brasil. Raciocina a excipiente que, assim procedendo, os exceptos demonstra-
ram não possuir a isenção necessária para julgar a ação direta estadual, que versa o
mesmo assunto.
5. Pelo despacho de fl. 302, o Ministro Nelson Jobim, Presidente desta Casa,
determinou a citação dos requeridos — Governador e Assembléia Legislativa do Estado
de Mato Grosso —, deixando para depois o exame do pedido de liminar.
6. Quanto aos demandados, defenderam-se eles com alegação de inépcia da peti-
ção inicial, bem como de inocorrência dos pressupostos autorizadores do manejo da
ação cautelar (fls. 450/457 e 462/476).
R.T.J. — 196 17

7. Pois bem, os autos me foram redistribuídos, na condição de Relator da ADI


3.151, e deles abri imediata vista ao ilustrado Procurador-Geral da República, Prof.
Cláudio Fonteles, que opinou pelo não-conhecimento da medida.
8. Já em data de 19-10-2004, a requerente fez juntar petição em que defende o
cabimento da exceção de suspeição nos processos de índole objetiva.
É o relatório.

VOTO
O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto (Relator): A título de voto, tenho como necessário
esclarecer que existem duas representações de inconstitucionalidade na esfera estadual
sobre o assunto, hoje confiadas ao mesmo Relator, por dependência. Na primeira delas —
15.275/2004 —, o pedido de liminar foi indeferido (fls. 515/520). Após esse indeferimento
é que a acionante houve por bem ajuizar a presente medida nesta Suprema Corte. Porém,
aqui já existe, conforme visto, a ADI 3.151. Ação que tramita sob o impulso do art. 12 da
Lei n. 9.868/99; sem medida cautelar, portanto.
11. Feito este esclarecimento, deparo-me com duas razões, autônomas, para não
conhecer da presente ação. A primeira vincula-se aos termos em que formulado o pedido,
ou seja, medida cautelar em exceção de suspeição. Pois importante é anotar que se trata
de exceções individuais, ainda não julgadas. E, de acordo com o último despacho, no
Tribunal de Justiça, a maioria dos Desembargadores repeliu a pecha que lhes endereçou
a excipiente, mas os respectivos autos ainda não foram remetidos a esta colenda Corte,
para análise desse específico incidente. Portanto, a rigor, ainda não foi estabelecida a
competência do Supremo Tribunal Federal para apreciar qualquer outra matéria ligada,
direta ou indiretamente, à questão de fundo, como é o caso deste pedido de suspensão da
eficácia da Lei estadual n. 8.033/2003. Tal competência somente será firmada se — e
quando — esta Suprema Corte acolher as referidas exceções. Confira-se, a propósito, o
acórdão proferido no MS 21.306, Relator Ministro Carlos Velloso, de cuja ementa realço
a seguinte passagem:
“No caso de ter sido oposta exceção de suspeição dos Juízes do Tribunal
local, reconhecendo a maioria dos membros do Tribunal a suspeição, firma-se a
competência do STF, na forma do art. 102, I, n, da Constituição. Todavia, se a
exceção de suspeição é recusada, ao STF incumbe julgar, originariamente, a exce-
ção de suspeição. Acolhendo o Supremo Tribunal a referida exceção de suspeição,
então estará configurada a competência originária da Corte Suprema para julgar o
mandado de segurança. Precedente da Corte: AO 146-3-AgR/RJ, Rel. Min.
Pertence, 25-2-92.”
12. A segunda razão para o não-conhecimento desta medida deflui da constatação
de que ela, na verdade, é ancilar da mencionada ação direta de inconstitucionalidade e
utiliza as exceções de suspeição como ponte para alcançar esse objetivo mais elevado.
Ou seja, um instituto do processo subjetivo a serviço de um processo objetivo.
13. Nesse contexto, bem oportunas me parecem as considerações do ínclito
Procurador-Geral da República, vocalizadas nos seguintes termos (fls. 699/700):
“Antes mesmo do exame do pedido de cautelar, V. Exa., em percuciente
manifestação – fls. 693-695 –, antecipadamente abriu vista dos autos à Procura-
doria-Geral da República.
18 R.T.J. — 196

Nessa esteira, não se pode perder o foco do tema central, qual seja neste
primeiro instante, o próprio cabimento da medida cautelar em análise.
Sob tal ótica, como premissa do raciocínio que se seguirá, fique, desde logo,
assentada a natureza amplamente acessória do procedimento cautelar, sempre ten-
dente a servir de suporte à causa principal, via de regra, de cognição exauriente.
Assim, a viabilidade da ação cautelar está atrelada, umbilicalmente, à
pertinência da demanda ordinária. No caso concreto, a presente cautelar pretende
dar guarida às exceções de suspeição opostas junto ao Tribunal de Justiça do Mato
Grosso.
Acontece, contudo, que tais exceções se dão, ao arrepio de sua intrínseca
natureza, no bojo de um processo de controle concentrado de constitucionalidade.
Esse hábitat é completamente estranho aos incidentes típicos do processo civil
ordinário. Não vicejam nesse campo, árido a expedientes desse jaez. Isso tem boa
explicação na perspectiva ontológica do controle de constitucionalidade, na sua
acepção abstrata, que resulta na dicção, sempre recorrente na doutrina e jurispru-
dência, de que, apesar de ser exercido por meio de uma ação, não ostenta uma
pretensão resistida, pelo que também se deflui não haver o revolvimento de inte-
resses concretos, fáticos, e ainda, não existir partes em lide.
A justificação do controle abstrato de normas cinge-se a um processo de
fiscalização da supremacia da ordem constitucional, prática que, levada aos instru-
mentos processuais aplicáveis à ação direta, dá-nos a notícia de que, como leciona
Clèmerson Merlin Clève, “(…)a argüição de suspeição revela-se incabível no âmbito
do processo objetivo de controle normativo abstrato de constituticionalidade”.
Em última análise, portanto, as exceções de suspeição são expedientes que, a
toda evidência, não frutificarão. Sem respaldo também se mostra, na mesma medida,
a pretensão cautelar ora deduzida, pois, como estabelecido acima, é acessória à
ação de cognição exauriente a que presta suporte.
O pensamento que ora deduzo é exatamente o mesmo que desenvolvi na
manifestação ofertada na AO 991, da relatoria do Eminente Ministro Carlos
Velloso. Tais considerações, note-se, foram encampadas naquela esfera, proferindo
Sua Excelência despacho que refutou a competência do Supremo Tribunal Federal
para examinar ação direta de inconstitucionalidade ajuizada junto ao Tribunal de
Justiça do Mato Grosso do Sul, ascendida à Corte por suposta suspeição e impedi-
mento dos desembargadores, dando como ilegítimos tais obstáculos em face justa-
mente da natureza específica do controle concreto de constitucionalidade – DJ de
24/10/2003.”
14. Merece acolhida esse bem lavrado parecer do Ministério Público Federal,
quando não bastasse o primeiro fundamento deste voto.
15. Ante o exposto, não conheço da presente ação cautelar e condeno a requerente
a pagar aos requeridos honorários advocatícios, que fixo em 10% (dez por cento) sobre
o valor da causa, tendo em vista que houve apresentação de defesa.
16. É como voto.
R.T.J. — 196 19

VOTO
O Sr. Ministro Eros Grau: Senhor Presidente, em princípio vou acompanhar o
Ministro Relator, mas gostaria de indagar o seguinte: ainda que eu já possa pressupor
qual será o resultado da suspeição, quando apreciada — porque já há um entendimento
pacífico da Corte —, a verdade é que, pelo que entendi, foi recusada a suspeição, mas o
processo ficou parado. É isso?
O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto (Relator): Ainda não veio.
O Sr. Ministro Eros Grau: O prazo era de dez dias para que viesse.
O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto (Relator): Mas não chegou. Aliás, eles rejeita-
ram a suspeição; cada um a rejeitou. O fato é que o Pleno do Tribunal de Justiça ainda
não remeteu os autos a esta Corte. É isso que interessa, não é?
O Sr. Ministro Eros Grau: Parece-me — estou levantando uma questão de ordem
agora — que, conforme o artigo 313 do Código de Processo Civil, em caso contrário, em
que não haja o reconhecimento, os autos deveriam ser enviados para cá.
Vou acompanhar o voto do eminente Ministro Relator, mas vou sugerir que Sua
Excelência tome uma providência com relação a essa afronta ao artigo 313 do CPC.
O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Ministro Relator, o pedido da ação
cautelar é que se conceda a suspensão liminar da lei ordinária, que seria outorgada
dentro dos autos da ADI, aqui ou lá. Agora, está-se pedindo isso na ação cautelar em
relação ao problema da suspeição.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Senhor Presidente, o objeto da cautelar é único, e ela
se mostra com eficácia substitutiva quanto a pedido que poderia ser veiculado no pró-
prio processo subjetivo. Articula-se, a meu ver até com certa incongruência, a suspeição
dos integrantes do Tribunal de Justiça quando lá foram ajuizadas, pelo próprio autor da
cautelar, as ações diretas. Agora — eu ponderaria, e meu voto será nesse sentido —, creio
que cumpre, no caso, declinar da competência para que o Tribunal de Justiça julgue a
cautelar como entender de direito, até para declarar o autor carecedor da ação.
O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Esse pedido foi objeto da ação?
O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Nesse caso, existe uma ação dentro do Supremo
Tribunal Federal.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Sim, mas não se pede; aí é outra coisa também.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Já decidimos, depois de uma longa discussão
sobre o cabimento da ADI estadual à luz de normas de reprodução — normas da Consti-
tuição estadual, que reproduzem necessariamente normas da Constituição Federal (Rcl
383, Moreira Alves, RTJ 144/404). A maioria a entendeu cabível, contra o meu voto.
Mas, depois, o Tribunal decidiu que a ADI federal — digamos assim —, proposta perante
o Supremo Tribunal, com base em parâmetro da Constituição Federal, suspende a
estadual, fundada em normas locais de reprodução compulsória (Rcl 425, Néri, DJ de
22-10-93, ADI-MC 2.361, 11-10-01, Maurício, DJ de 1º-8-2003).
O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Ministro Marco Aurélio, uma dúvida: o
pedido não é alternativo, porque todos eles pleiteiam um efeito suspensivo à lei ordinária.
O tempo do pedido é que se distingue para até o julgamento definitivo da ação direta do
20 R.T.J. — 196

Mato Grosso — nós substituindo o Mato Grosso, claro —, ou até o julgamento do pedido
da liminar na ADI do Mato Grosso, ou, ainda, até o julgamento da suspeição lá no Mato
Grosso. Ou seja, em todas as hipóteses, o pedido que temos de decidir é o que se fez lá.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Se, por acaso, estiver havendo, quanto à apreciação
desta ou daquela matéria, usurpação da competência do Supremo Tribunal Federal, que
se venha com a reclamação. Até dialogava com o Ministro Gilmar Mendes sobre estar-
mos acionando o artigo 12 da Lei n. 9.868/99. Meu receio é que agora se venha com mais
papéis, ou seja, com a formalização de ações, com a criação de outros processos para se
alcançar a medida acauteladora, quando o mais fácil seria peticionar no próprio processo,
em curso no Supremo Tribunal Federal ou onde estiver, já que a competência para a
cautelar é definida pelo juízo competente para a ação principal.
O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Como já lembrado pelo Ministro Sepúlveda Pertence,
o entendimento hoje dominante no Tribunal é no sentido de que, havendo essas ações
paralelas perante o Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal, ocorrerá a suspen-
são do processo no âmbito estadual; logo, não haveria sequer objeto. Talvez fosse um
julgamento da cautelar na ADI, no âmbito do Supremo Tribunal Federal.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Esta, não tem pedido de cautelar no Tribunal
de segundo grau.
O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Tem pedido de cautelar e foi convertida no artigo 12.

VOTO
O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Senhor Presidente, não conheço da ação.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Senhor Presidente, declino da competência para o


Tribunal de Justiça.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Senhor Presidente, o Tribunal deu-se por competente.
Então, julgo o autor carecedor da ação proposta.
O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Então, Vossa Excelência não conhece
da ação.

EXTRATO DA ATA
AC 349/MT — Relator: Ministro Carlos Britto. Requerente: Associação dos
Notários e Registradores do Estado de Mato Grosso – ANOREG/MT (Advogados:
Lafayette Garcia Novaes Sobrinho e outro). Requeridos: Governador do Estado de
Mato Grosso (Advogado: PGE/MT – Alexandre Apolonio Callejas) e Assembléia
Legislativa do Estado de Mato Grosso (Advogado: Alexandre de Sandro Nery Ferreira).
Decisão: O Tribunal, por maioria, não conheceu da ação cautelar, nos termos do
voto do Relator, vencido o Ministro Marco Aurélio em relação à preliminar de conheci-
mento. Falou pela requerente o Dr. Lafayette Garcia Novaes Sobrinho. Presidiu o julga-
mento o Ministro Nelson Jobim.
R.T.J. — 196 21

Presidência do Ministro Nelson Jobim. Presentes à sessão os Ministros Sepúlveda


Pertence, Celso de Mello, Carlos Velloso, Marco Aurélio, Ellen Gracie, Gilmar Mendes,
Cezar Peluso, Carlos Britto, Joaquim Barbosa e Eros Grau. Procurador-Geral da República,
Dr. Cláudio Lemos Fonteles.
Brasília, 16 de fevereiro de 2005 — Luiz Tomimatsu, Secretário.

QUESTÃO DE ORDEM NA AÇÃO CÍVEL ORIGINÁRIA 555 — DF

Relator: O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence


Autor: Distrito Federal — Ré: União
Supremo Tribunal Federal: competência originária (CF, art. 102,
I, f): ação proposta por uma unidade federada, o Distrito Federal, contra
a União, caso em que, à fixação da competência originária do Tribunal,
sempre bastou a qualidade das pessoas estatais envolvidas, entidades
políticas componentes da Federação, não obstante a estatura menor da
questão: precedentes.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo
Tribunal Federal, em Sessão Plenária, na conformidade da ata do julgamento e das notas
taquigráficas, por maioria de votos, resolver a questão de ordem no sentido da compe-
tência do Supremo Tribunal Federal, nos termos do voto do Relator.
Brasília, 4 de agosto de 2005 — Nelson Jobim, Presidente — Sepúlveda Pertence,
Relator.

RELATÓRIO
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Cuida-se de ação proposta pelo Distrito Federal
contra a União, com o objetivo de obter o ressarcimento de remunerações e encargos
sociais pagos pelo autor a servidora da Câmara Legislativa do Distrito Federal, no período
em que esteve cedida ao Ministério dos Transportes, para o exercício de cargo em
comissão.
O Ministério Público Federal — parecer do il. Subprocurador-Geral Wallace Bastos,
aprovado pelo então Procurador-Geral da República — opinou pelo não-seguimento da
ação, por incompetência originária do Supremo Tribunal.
Extrato do parecer (fls. 194/195):
“(...) a jurisprudência pacífica dessa Colenda Corte está assentada no sentido
de que a hipótese de competência constitucional do STF, prevista na alínea f do
inciso I do art. 102 da Carta da República está restrita a casos excepcionais, em que
estejam em discussão os princípios informativos do pacto federativo, não incidindo,
portanto, naquelas situações em que o objeto da demanda seja de cunho exclusiva-
mente patrimonial, como ocorre na espécie dos autos.
22 R.T.J. — 196

É ver como ficou decidido pelo Plenário do Colendo Supremo Tribunal


Federal, nos autos da Ação Cível Originária n. 359-8/SP, Relator Ministro Celso de
Mello, em Sessão de 04.08.93, publicado no DJ de 11.03.94, nas linhas do acórdão
cuja ementa é transcrita a seguir:
“Ação de execução movida por sociedade de economia mista contro-
lada pelo Estado de São Paulo contra o Estado do Maranhão – incompetên-
cia do STF – Inteligência do art. 102, i, f, da constituição – inexistência de
conflito federativo – pedido não conhecido.
– O art. 102, I, f, da Constituição confere ao STF a posição eminente de
Tribunal da Federação, atribuindo-lhe, nessa condição, o poder de dirimir as
controvérsias que, irrompendo no seio do Estado Federal, oponham as unidades
federadas umas às outras.
A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, na definição do alcance
dessa regra de competência originária da Corte, tem enfatizado o seu caráter
de absoluta excepcionalidade, restringindo a sua incidência às hipóteses de
litígios cuja potencialidade ofensiva revele-se apta a vulnerar os valores que
informam o princípio fundamental que rege, em nosso ordenamento jurídico,
o pacto da Federação.
Ausente qualquer situação que introduza a instabilidade no equilíbrio
federativo ou que ocasione a ruptura da harmonia que deve prevalecer nas
relações entre as entidades integrantes do Estado Federal, deixa de incidir,
ante a inocorrência dos seus pressupostos de atuação, a norma de competên-
cia prevista no art. 102, I, f, da Constituição.
Causas de conteúdo estritamente patrimonial, fundadas em títulos exe-
cutivos extrajudiciais, sem qualquer substrato político, não justificam se
instaure a competência do Supremo Tribunal Federal prevista no art. 102, I, f,
da Constituição, ainda que nelas figurem, como sujeitos da relação litigiosa,
em pessoa estatal e um ente dotado de paraestatalidade.”
Nesse passo, uma vez reconhecida, na espécie, a ausência de conflito inerente
à violação do pacto federativo, tem-se que essa Colenda Corte é absolutamente
incompetente para processar e julgar a presente Ação Cível Originária, à conside-
ração que não restou configurada a hipótese prevista pelo art. 102, I, f da Constitui-
ção Federal.
Incidência da Lei n. 8.038/90, art. 38.
Tais as considerações, é o parecer pelo não seguimento da ação cível originária
em comento.”
Em questão de ordem, submeto ao Tribunal a questão de sua competência originária
para o processo.
É o relatório.
R.T.J. — 196 23

VOTO
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Relator): A jurisprudência invocada no parecer
da Procuradoria-Geral é fruto do que já chamei de audaciosa redução teleológica na
inteligência da alínea f do art. 102, III, da Constituição, de modo a adstringir a sua
competência originária para causas cíveis em que entidades da Administração indireta
federal, estadual ou distrital contendam entre si ou com entidade política da Federação
diversa daquela a cuja estrutura se integrem àquelas nas quais, pelo objeto da ação ou a
natureza da questão envolvida, se reconheça “conflito federativo”.
Todos os precedentes que lastrearam dita orientação pretoriana são atinentes a
processos em que partes uma ou mais entidades da Administração indireta: confiram-se
tanto os casos em que — considerado o conteúdo da lide — se concluiu pela incompe-
tência do Tribunal (v.g., sob a Constituição vigente: ACO 396-QO, 28-3-90, RTJ 132/
109; ACO 417, 18-11-90, Pertence, RTJ 133/1059; ACO 359-QO, 4-8-93, Celso, RTJ 152/
366; Pet 1.286-AgR, 28-5-97, Ilmar, DJ de 29-5-98; ACO 509-AgR, 3-6-97, Velloso, RTJ
179/32; ACO 573-QO, Ilmar, RTJ 172/354; ACO 519-QO, 2-9-99, Néri, DJ de 28-4-00),
quanto aqueles outros nos quais — segundo o mesmo critério de ponderação das implica-
ções federativas do conflito —, o Supremo se declarou competente (v.g., ACO 477-QO, 18-
10-95, Moreira, RTJ 162/437 — domínio de terras devolutas disputado entre autarquia
federal e Estado-Membro; ACO 593-QO, 7-6-01, Néri, RTJ 182/420 — relativa a apro-
veitamento de potencial hidráulico; ACO 515-QO, 4-9-02, Ellen, RTJ 183/8 — atinente
a extensão da imunidade tributária recíproca à autarquia federal; ACO 730, 22-9-04,
Joaquim, DJ de 1º-10-04 — MS contra o Banco Central, a respeito do poder de CPI
estadual para requisitar quebra de sigilo bancário).
Ao contrário, quando o conflito se trava entre duas entidades políticas da Federa-
ção — União, Estado-membro e Distrito Federal —, o Tribunal tem invariavelmente
reconhecido a sua competência originária, independentemente da maior ou menor
relevância federativa do objeto ou das questões envolvidas na lide.
Assim, na ACO 447-QO, para rejeitar a preliminar de incompetência suscitada pela
PGR, o Tribunal, por votação unânime, acolheu o voto do Relator, em. Ministro Octavio
Galloti, para assentar, conforme a ementa — DJ de 14-5-93 e JSTF, Lex 177/5:
“Competência originária do Supremo Tribunal, anteriormente recusada por
não se caracterizar conflito federativo, em ação movida por empresa pública federal
(EBTU), contra o Distrito Federal.
Solução que não mais subsiste quando, liquidada a empresa, passa a União a
figurar formalmente como ré na relação processual (art. 102, I, f, da Constituição),
caso em que se impõe o reconhecimento da competência desta Corte.”
No voto condutor, frisou o Ministro Gallotti:
“O temperamento instituído pelo Tribunal em relação aos entes da adminis-
tração indireta, segundo a natureza da causa, não encontra lugar, em meu entender,
quando se passe a tratar de ação em que sejam formalmente partes, num pólo, a
União Federal e, no outro, algum Estado da Federação ou o Distrito Federal.
24 R.T.J. — 196

Nessa última hipótese, que é a dos autos (Autor o Distrito Federal e Ré a


própria União), julgo inarredável o reconhecimento da competência originária do
Supremo Tribunal, nos termos do art. 102, I, f, da Constituição.”
Na mesma trilha, a decisão — novamente contra o parecer do Ministério Público
Federal — do MS 22.042, 22-2-95, Relator o em. Ministro Moreira Alves, cujo voto
partiu da existência de conflito entre o órgão do Estado-Membro — o Ministério Público
do Estado de Roraima — e o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios, acerca
da competência para compor a lista tríplice de candidatos ao quinto do MP na composi-
ção inicial do Tribunal de Justiça daquela unidade federada, então recém-criada (RTJ
164/122).
Recordo finalmente a ACO 391, quando se reconheceu firmada a competência origi-
nária do Supremo Tribunal para conhecer de ação da imissão de posse proposta por socie-
dade de economia mista estadual contra particular, dadas a intervenção do Estado em
apoio da autora, de um lado, e, de outro, a oposição deduzida pela União, pretendendo-se
titular do domínio do imóvel (ACO 391, 2-10-96, Rel. vencido Velloso, DJ de 4-4-97).
Essa distinção da jurisprudência — que circunscreveu à esfera da Administração
indireta a interpretação redutora da sua competência originária — se não se extrai da
literalidade da alínea questionada, tem explicação histórica, bem recordada no parecer
do il. Procurador da República Paulo Gonet Branco, do qual partiu meu voto no primeiro
dos precedentes referidos (ACO 417-QO, RTJ 133/1059).
Com efeito.
A competência originária do Supremo, no ponto, se manteve restrita “às causas e
conflitos entre a União e os Estados, ou entre estes uns com os outros”, na primeira
Constituição da República (art. 59, I, c) até a Carta de 1967, que a estendeu às entidades
das respectivas administrações indiretas: a partir de então é que — sempre limitada ao
âmbito da inovação — surgiu a redução teleológica de sua literalidade na jurisprudên-
cia do Tribunal, seja para adstringir-lhe o alcance às hipóteses em que “a causa envol-
vesse entes localizados em unidades federadas diversas” (ACO 202, Xavier, RTJ 68/3),
seja — critério que domina mais recentemente —, àquelas nas quais a lide, por seu
objeto ou pela relevância dos temas jurídicos suscitados, possa “pôr em risco o
equilíbrio federativo”.
O caso, no entanto, é de ação proposta por uma unidade federada, o Distrito Federal,
contra a União, caso em que, repito, à fixação da competência originária do Tribunal
sempre bastou a qualidade das pessoas estatais envolvidas, entidades políticas compo-
nentes da Federação, não obstante a estatura menor da questão.
Esse o quadro, resolvo a questão de ordem no sentido de declarar a competência do
Supremo Tribunal: é o meu voto.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Senhor Presidente, o pano de fundo é único: a
cessão de certa servidora e a controvérsia quanto à responsabilidade pelo pagamento
dos vencimentos.
Ante esse aspecto e considerado o voto que proferi há pouco em reclamação voltada
não a obstaculizar a transposição do Rio São Francisco, mas a implementar trabalho de
conservação ambiental, peço vênia ao Relator para concluir pela incompetência da Corte.
R.T.J. — 196 25

VOTO
O Sr. Ministro Carlos Britto: Sr. Presidente, com a devida vênia do Ministro Relator,
acompanho a divergência apontada pelo Ministro Marco Aurélio.

EXTRATO DA ATA
ACO 555-QO/DF — Relator: Ministro Sepúlveda Pertence. Autor: Distrito Federal
(Advogada: PGDF – Maria Zuleika de Oliveira Rocha). Ré: União (Advogado: Advogado-
Geral da União).
Decisão: O Tribunal, por maioria, resolveu a questão de ordem no sentido da
competência do Supremo Tribunal Federal, nos termos do voto do Relator, vencidos os
Ministros Marco Aurélio e Carlos Britto. Ausentes, justificadamente, os Ministros Celso
de Mello e Carlos Velloso. Presidiu o julgamento o Ministro Nelson Jobim.
Presidência do Ministro Nelson Jobim. Presentes à sessão os Ministros Sepúlveda
Pertence, Marco Aurélio, Ellen Gracie, Gilmar Mendes, Cezar Peluso, Carlos Britto, Joa-
quim Barbosa e Eros Grau. Vice-Procurador-Geral da República, Dr. Roberto Monteiro
Gurgel Santos.
Brasília, 4 de agosto de 2005 — Luiz Tomimatsu, Secretário.

QUESTÃO DE ORDEM NA AÇÃO CÍVEL ORIGINÁRIA 684 — MG

Relator: O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence


Autores: Conselho Regional de Medicina de Minas Gerais e outro — Réu: Estado de
Minas Gerais — Litisconsorte Passivo: Fundação Educacional de Caratinga – FUNEC
Supremo Tribunal Federal: competência: ação civil pública em que
autarquia federal controverte com Estado-Membro sobre a competência
federal ou estadual para credenciar e autorizar o funcionamento de curso
de nível superior de entidade privada de ensino: litígio acerca de divisão
constitucional de competência entre a União e Estado-Membro, que atrai
a competência originária do STF (CF, art. 102, I, f ); precedente (ACO
593-QO, Néri da Silveira, DJ de 14-12-2001).

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribu-
nal Federal, em Sessão Plenária, na conformidade da ata do julgamento e das notas
taquigráficas, por maioria de votos, decidir a questão de ordem no sentido da competên-
cia originária do Supremo Tribunal Federal, nos termos do voto do Relator.
Brasília, 4 de agosto de 2005 — Nelson Jobim, Presidente — Sepúlveda Pertence,
Relator.
26 R.T.J. — 196

RELATÓRIO
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Cuida-se de ação civil pública ajuizada pelo
Conselho Regional de Medicina de Minas Gerais — entidade autárquica federal, o
Sindicato dos Médicos de Minas Gerais e a Associação Médica de Minas Gerais, com
pedido de tutela antecipada, no Juízo Federal de primeira instância daquela unidade da
Federação, com o objetivo de obter a nulidade do Decreto 42.178, de 20 de dezembro de
2001, DOE de 21-12-2001, pelo qual o Governador do Estado de Minas Gerais credenciou
a Faculdade de Medicina de Caratinga, mantida pela Fundação Educacional de Caratinga,
e autorizou o funcionamento do respectivo Curso de Medicina.
Funda-se o pedido na ilegalidade e na inconstitucionalidade do decreto estadual,
por afronta à Lei 9.394/96 (Lei de ‘Diretrizes e Bases da Educação Nacional’) e aos
artigos 22, XXIV, e 24, IX — regras que determinam a competência privativa da União
para estabelecer as diretrizes e bases da educação nacional e para legislar concorrente-
mente sobre educação — bem como ao artigo 211, todos da Constituição Federal.
O Juiz Federal da 21ª Vara de Minas Gerais, invocando o artigo 102, I, f, da Consti-
tuição Federal, declinou da competência para o Supremo Tribunal Federal (fls. 621/626).
Extrato da decisão de primeiro grau:
“(...) No caso em pauta, em face da suspensão cautelar da eficácia do art. 58,
caput e seus parágrafos (com exceção do § 3º), da Lei 9.649/98, na decisão profe-
rida na ADI 1.717/DF pelo Supremo Tribunal Federal, as entidades fiscalizadoras
de profissões, entre elas o Conselho Regional de Medicina, retornaram a condição
de autarquias federais, dotadas de personalidade jurídica de direito público, inte-
grantes, portanto, da administração indireta.
Consoante se percebe, são conflitantes os interesses da autarquia federal de
fiscalização do exercício profissional (CRM) e o interesse do Estado-Membro que
credenciou e autorizou o funcionamento do Curso de Medicina, a despeito de se
tratar de instituição de ensino superior mantida pela iniciativa privada e, nestas
condições, apto a desencadear um possível desequilíbrio no pacto federativo tendo
em vista as normas encartadas na Lei Fundamental acerca da repartição de compe-
tência entre a União, Estados e o Distrito Federal para a organização de seus siste-
mas de ensino e ainda a competência privativa da União para legislar sobre diretri-
zes e bases da educação nacional.
Não desconheço que a competência prevista no art. 102, I, f, da Constituição
restringe-se, segundo iterativos julgados da Suprema Corte, às hipóteses de litígios
cuja potencialidade ofensiva revele-se apta a ofender o pacto federativo.
Conquanto reconheça que a autarquia em questão, tenha sede e estrutura
regional de representação no território estadual respectivo, na hipótese dos autos,
todavia o tema em questão (organização dos respectivos sistemas de ensino) poderá
deflagrar um possível desequilíbrio no pacto federativo, tendo em vista o disposto
no art. 81 e 82 e respectivos parágrafos, ambos do Ato das Disposições Transitórias
do Estado de Minas Gerais nos quais – não é demasiado recordar – o Estado-
Membro sustenta a sua competência para credenciar e autorizar o funcionamento do
Curso de Medicina ao fundamento de que a Fundação mantenedora do estabeleci-
mento educacional integra o Sistema Estadual de Ensino, a despeito de se tratar de
instituição de ensino superior mantida pela iniciativa privada”.
R.T.J. — 196 27

Após invocar precedente do STF (ACO-QO 593, Néri da Silveira), no qual se deci-
diu pela competência deste Tribunal para “julgar demanda que comprometa o equilí-
brio federativo e ainda disponha a respeito de competências no âmbito federativo”,
continua o magistrado:
“No caso sob apreciação, a competência da Suprema Corte para conhecer e
julgar a questão se revela ainda mais evidente quando se verifica que os arts. 81 e
82, ambos do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição
do Estado de Minas Gerais, estão sendo alvo de controle concentrado de
constitucionalidade mediante a propositura da ADI 2.501-5, Rel. o Sr. Ministro
Moreira Alves, tendo o Tribunal conhecido parcialmente da ação relativamente
aos parágrafos primeiro e segundo do art. 81 e ao artigo 82, com exceção do
parágrafo terceiro, mas nesta parte, indeferido a medida cautelar, para suspender-
lhes a eficácia.
Diante deste quadro, o pano de fundo da presente ação — notadamente a
alegada impossibilidade de a instituição de ensino superior mantida pela iniciativa
privada permanecer sob a supervisão pedagógica do Conselho Estadual de Educação
(art. 82, parágrafo primeiro, inciso II, do Ato das Disposições Constitucionais Tran-
sitórias da Constituição do Estado de Minas Gerais — continua pendente de apre-
ciação pela Suprema Corte a recomendar o julgamento simultâneo e decisão uni-
forme dos feitos”.
A Procuradoria-Geral da República, em parecer do eminente Procurador-Geral
Cláudio Fonteles, opina pela devolução dos autos ao Juízo de origem, competente, no
seu entender, para a causa.
Lê-se no parecer (fls. 642/648):
“Manifestando-se acerca do alcance da norma prevista o artigo 102, inciso I,
alínea f, da Constituição Federal, este Excelso Pretório “tem enfatizado o seu
caráter de absoluta excepcionalidade, restringindo a sua incidência às hipóteses
de litígios cuja potencialidade ofensiva revele-se apta a vulnerar os valores que
informam o princípio fundamental que rege, em nosso ordenamento jurídico, o
pacto da Federação. Ausente qualquer situação que introduza a instabilidade no
equilíbrio federativo ou que ocasione a ruptura da harmonia que deve prevalecer
nas relações entre as entidades integrantes do Estado Federal, deixa de incidir, ante
a inocorrência dos seus pressupostos de atuação, a norma de competência prevista
no art. 102, I, f, da Constituição”. (STF – Tribunal Pleno – ACO 359 QO/SP.
Ministro-Relator: Celso de Mello, D.J. de 11.03.1994, p. 4110).
(...)
Depreende-se da análise dos autos que o âmago da discussão em apreço
circunscreve-se a possível usurpação de competência da União para “autorizar,
reconhecer, credenciar, supervisionar e avaliar, respectivamente, os cursos das ins-
tituições de educação superior”, criadas e mantidas pela iniciativa privada, conso-
ante preceituam os artigos 9º e 16, da Lei Federal n. 9394/96.
A despeito da regra jurídica supracitada, releva ressaltar que, eventual
usurpação da competência da União, como no presente caso, não tem o condão de
28 R.T.J. — 196

gerar instabilidade no equilíbrio do pacto federativo, como decidiu o Juízo a quo.


Existe, no ordenamento jurídico pátrio, meio adequado para resolver pendências
desta natureza – controle concentrado de constitucionalidade.
(...)
Neste contexto, afigura-se relevante trazer à colação decisão proferida por este
Excelso Pretório em caso análogo, cujo teor restou consignado nos seguintes termos:
“Decisão: Cabe verificar, preliminarmente, se a presente causa inclui-se,
ou não, na esfera de competência originária do Supremo Tribunal Federal,
especialmente em face da decisão, proferida pelo magistrado de primeira
instância, de que se subsume, a espécie ora em exame, à regra consubstanciada
no art. 102, I, f, da Constituição da República (fls. 270/271). Impõe-se ter
presente, neste ponto, considerada a norma inscrita no art. 102, I, f, da
Constituição, que essa regra de competência confere, ao Supremo Tribunal
Federal, a posição eminente de Tribunal da Federação, atribuindo, a esta
Corte, em tal condição institucional, o poder de dirimir as controvérsias,
que, ao irromperem no seio do Estado Federal, culminam, perigosamente,
por antagonizar as unidades federadas. Essa magna função jurídico-insti-
tucional da Suprema Corte impõe-lhe o gravíssimo dever de velar pela in-
tangibilidade do vínculo federativo e de zelar pelo equilíbrio harmonioso
das relações políticas entre as pessoas estatais que integram a Federação
brasileira. (...) É por tal razão que esse preceito constitucional somente
incide naquelas controvérsias que possam provocar situações caracteriza-
doras de conflito federativo (RTJ 132/109 - RTJ 132/120). O alcance dessa
regra de competência originária do Supremo Tribunal Federal foi claramente
exposto pelo eminente Ministro Sepúlveda Pertence, que, ao julgar a ACO
417/PA, destacou a ratio subjacente à norma constitucional em questão, assi-
nalando-lhe o caráter de absoluta excepcionalidade: “(...) a jurisprudência da
Corte traduz uma audaciosa redução do alcance literal da alínea questionada
da sua competência original: cuida-se, porém, de redução teleológica e siste-
maticamente bem fundamentada, tão-manifesta, em causas como esta, se
mostra a ausência dos fatores determinantes da excepcional competência
originária do STF para o deslinde jurisdicional dos conflitos federativos.”
(RTJ 133/1059-1062, 1062 - grifei)
(...)
A partir dessa orientação, mostra-se inequívoco que o preceito cons-
tante do art. 102, I, f, in fine, da Constituição revela-se inaplicável aos litígios,
que, desvestidos de qualquer projeção de caráter institucional, em nada afe-
tam as relações políticas entre as unidades federadas (RTJ 81/675, Rel. Min.
Leitão de Abreu - RTJ 95/485, Rel. Min. Xavier de Albuquerque), tal como
ocorre na espécie ora em exame. A diretriz jurisprudencial prevalecente no
Supremo Tribunal Federal, firmada a partir da exegese da regra inscrita no
art. 102, I, f, da Constituição, resultou de sucessivas decisões que não têm
reconhecido, na mera instauração de processos judiciais, a possibilidade
de ocorrência de conflito federativo, notadamente quando se tratar de causas
promovidas (a) por sociedade de economia mista federal contra entidade da
R.T.J. — 196 29

administração indireta de Estado-membro (RTJ 132/109, Rel. Min. Sydney


Sanches - RTJ 132/120, Rel. Min. Sydney Sanches), ou (b) por sociedade de
economia mista federal contra Estado-membro da Federação (RTJ 98/5, Rel.
Min. Leitão de Abreu), ou (c) por sociedade de economia mista, instituída
pelo Distrito Federal, contra Estado-membro (ACO 597-AgR/SC, Rel. Min.
Celso de Mello), ou (d) por Estado-membro contra sociedade de economia
mista federal (ACO 193/PE, Rel. Min. Djaci Falcão), ou (e) por autarquia
federal contra Estado-membro (RTJ 133/1059, Rel. Min. Sepúlveda Pertence
- ACO 482/RJ, Rel. Min. Carlos Velloso), ou (f) por empresa pública federal
contra o Distrito Federal (ACO 428/DF, Rel. Min. Carlos Velloso), ou, ainda,
(g) por Estado-membro contra autarquia federal (RTJ 62/563, Rel. Min. Bilac
Pinto - ACO 450/PE, Rel. Min. Sepúlveda Pertence), mesmo porque - conso-
ante tem sido sempre enfatizado - tais controvérsias não caracterizam, só
por si, “conflito de interesses capaz de pôr em risco a harmonia federativa”
(ACO 537/MG, Rel. Min. Nelson Jobim - grifei). (...)
(STF – ACO 641/AC. Ministro-Relator: Celso de Mello. DJ 19.12.2002,
p. 136, sem grifos no original).
Na esteira de tal entendimento, infere-se que a controvérsia em apreço não é
suficiente para atrair a competência desta Excelsa Corte para julgar o presente
feito. A discussão travada nos autos da ação civil pública não tem o condão de
colocar em risco a harmonia federativa, razão porque a presente ação cível originá-
ria não deve ser conhecida.”
Para que se decida sobre a competência, submeto o caso ao Plenário, em questão de
ordem.
É o relatório.

VOTO
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Relator): Não têm pertinência à espécie os
precedentes recordados no parecer da Procuradoria-Geral da República, nos quais o
Tribunal se declarou incompetente.
Assim, v.g., na ACO 417, Pertence, cuidava-se de mera ação de cobrança de contri-
buições previdenciárias movida pelo Iapas contra Estado-Membro; na ACO 597, Celso,
instituição financeira de economia mista questionava “a validade jurídica de opera-
ções de índole financeira e de conteúdo negocial e obrigacional”.
Para temas como esses, de cunho meramente patrimonial, é que entendo sustentável
a “redução teleológica” a que procedeu o Tribunal na dicção literal do art. 102, I, f, da
Constituição.
Ao contrário, não há como negar que é desta Corte a competência originária para
conhecer de causa em que pessoas jurídicas relacionadas naquele inciso litigam acerca
da divisão constitucional de competência entre a União e os Estados-Membros.
Nesse sentido, por exemplo, a afirmação da competência originária do Supremo na
ACO 593, 7-6-01, Relator o em. Ministro Néri da Silveira, que dizia “com as compe-
tências da União Federal e dos Estados, acerca do aproveitamento dos potenciais hidráu-
licos e da realização de obras atingindo rios de curso interestadual e ainda a respeito
30 R.T.J. — 196

da partição de competências, no âmbito federativo, sobre a proteção ambiental e os


embaraços que Estados possam opor a obras atinentes à geração de energia elétrica”.
Estou em que, igualmente, se impõe reconhecê-la na espécie, em que autarquia
federal controverte com Estado-Membro sobre a competência federal ou estadual para
credenciar e autorizar o funcionamento de curso de nível superior de entidade privada
de ensino.
Desnecessário demonstrar que, para o fim cogitado, não se reduz o risco de “conflito
federativo” à iminência de guerra civil ou similar; basta cuidar-se de controvérsia jurídica
relevante sobre a demarcação dos âmbitos materiais de competência dos entes que com-
põem a Federação.
Resolvo, pois, a questão de ordem no sentido de declarar a competência originária
do Supremo Tribunal para o caso: é o meu voto.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Senhor Presidente, reafirmo o caráter excepcional


da competência da Corte.
Não deixo de reconhecer que o Conselho Regional de Medicina de Minas Gerais
é uma autarquia corporativista. Todavia, esse fato — e estamos aqui diante de um conse-
lho regional e não de um conselho federal — não é suficiente para atrair a competência
do Supremo, no que ajuizada, pelo citado Conselho, ação civil pública contra o Estado
de Minas Gerais.
Por isso, peço vênia para subscrever o parecer da Procuradoria-Geral da República
e assentar a incompetência da Corte.

EXTRATO DA ATA
ACO 684-QO/MG — Relator: Ministro Sepúlveda Pertence. Autores: Conselho
Regional de Medicina de Minas Gerais e outro (Advogados: Paulo Neves de Carvalho e
outro, Silmara Nogueira Vidal e outro). Réu: Estado de Minas Gerais (Advogado: PGE/
MG – Roney Luiz Torres Alves da Silva). Litisconsorte Passivo: Fundação Educacional de
Caratinga – FUNEC (Advogado: Thales Rezende Coelho Alves).
Decisão: O Tribunal, por maioria, decidiu a questão de ordem no sentido da
competência originária do Supremo Tribunal Federal, nos termos do voto do Relator,
vencidos os Ministros Marco Aurélio e Carlos Britto. Ausentes, justificadamente, os
Ministros Celso de Mello e Carlos Velloso. Presidiu o julgamento o Ministro Nelson
Jobim.
Presidência do Ministro Nelson Jobim. Presentes à sessão os Ministros Sepúlveda
Pertence, Marco Aurélio, Ellen Gracie, Gilmar Mendes, Cezar Peluso, Carlos Britto, Joa-
quim Barbosa e Eros Grau. Vice-Procurador-Geral da República, Dr. Roberto Monteiro
Gurgel Santos.
Brasília, 4 de agosto de 2005 — Luiz Tomimatsu, Secretário.
R.T.J. — 196 31

AGRAVO REGIMENTAL NA AÇÃO CAUTELAR 700 — RO

Relator: O Sr. Ministro Carlos Britto


Agravante: Marcos Antônio Donadon — Agravado: Ministério Público do Estado
de Rondônia
Constitucional. Imunidade processual. CF, art. 53, § 3º, na redação da
EC 35/2001. Deputado estadual. Mandatos sucessivos. Efeito suspensivo a
recurso extraordinário. Liminar indeferida. Agravo regimental.
O Supremo Tribunal Federal, em várias oportunidades, firmou o
entendimento de que a Emenda Constitucional n. 35, publicada em 21-12-
2001, tem aplicabilidade imediata, por referir-se a imunidade processual,
apta a alcançar as situações em curso.
Referida emenda “suprimiu, para efeito de prosseguimento da
persecutio criminis, a necessidade de licença parlamentar, distinguindo,
ainda, entre delitos ocorridos antes e após a diplomação, para admitir,
somente quanto a estes últimos, a possibilidade de suspensão do curso da
ação penal” (Inq 1.637, Ministro Celso de Mello).
Em face desta orientação, carece de plausibilidade jurídica, para o
fim de atribuir-se efeito suspensivo a recurso extraordinário, a tese de que
a norma inscrita no atual § 3º do art. 53 da Magna Carta se aplica tam-
bém a crimes ocorridos após a diplomação de mandatos pretéritos.
Agravo regimental desprovido.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turma
do Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence, na
conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos,
conhecer do agravo regimental na ação cautelar, mas lhe negar provimento, nos termos
do voto do Relator.
Brasília, 19 de abril de 2005 — Sepúlveda Pertence, Presidente — Carlos Ayres
Britto, Relator.

RELATÓRIO
O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto: Trata-se de agravo regimental contra decisão
que indeferiu o requerimento de liminar, feito em ação cautelar; esta ajuizada com o
objetivo de imprimir efeito suspensivo ao RE 429.167, interposto pelo Deputado
estadual rondoniano Marcos Antônio Donadon.
2. Começo por esclarecer que o referido parlamentar responde a uma ação penal no
Tribunal de Justiça, por crimes contra a Administração Pública estadual, que ele teria
praticado quando exercia o cargo de Presidente da Assembléia Legislativa do Estado de
Rondônia. Crimes previstos nos artigos 288 e 312 do Código Penal (quadrilha ou bando
e peculato).
32 R.T.J. — 196

3. Ao oferecer a denúncia, em junho de 1999, o Procurador-Geral de Justiça solici-


tou autorização da mesma Assembléia para abertura do processo. Entretanto, com o
advento da Emenda Constitucional 35/2001, que alterou a redação do art. 53 da Magna
Carta, essa providência (licença da Assembléia) se tornou desnecessária e, em conseqüên-
cia, a denúncia foi recebida.
4. Ato contínuo, o processo foi suspenso, na forma do novel § 3º do art. 53 da Lex
Legum, conforme decisão da Casa Legislativa, acatada pela Relatora do feito. Inconfor-
mado, agravou regimentalmente o Procurador-Geral, ao fundamento de que todos os
supostos crimes foram cometidos antes da diplomação do réu, razão pela qual não poderia
este se beneficiar da chamada imunidade formal ou processual.
5. Essa tese jurídica — acrescento eu — foi aceita pelo Tribunal de Justiça, dando
ensejo ao recurso extraordinário acima referido, cujos autos se encontravam na Procura-
doria-Geral da República, à época em que proferi a decisão ora impugnada.
6. No recurso e nesta ação cautelar, o requerente — hoje cumprindo o terceiro
mandato — desenvolve o seguinte raciocínio, in verbis (fl. 06):
“ (...)
O texto da Constituição Federal faz alusão apenas a “(...) crime ocorrido após
a diplomação (...)”, não especificando que a referida “(...) diplomação (...)” haveria
de estar em curso, em mandato atual. Não há na letra da Carta Magna qualquer
restrição quanto a crimes ocorridos após a diplomação de mandatos pretéritos.
(...)”
7. Dito isso, anoto que o peticionário, ao requerer efeito suspensivo ao citado
apelo extremo, tem em mira “a imediata suspensão dos efeitos do julgado impugnado,
impedindo-se, por conseguinte, a tramitação do processo criminal contra o requerente,
até deliberação definitiva desse Egrégio Supremo Tribunal Federal no Recurso Extraor-
dinário”. Nada obstante, por entender ausente o requisito do fumus boni iuris, tive que
indeferir a liminar.
8. Pois bem, irresignado, o combativo parlamentar assestou o presente agravo
regimental. Neste, repisou os fundamentos da inicial, acrescidos de lições doutrinárias e
do argumento de que a eventual suspensão do processo não prejudicará a persecutio
criminis ao término do mandato, pois suspensa também estará a prescrição, na forma do
art. 53, § 5º, da Carta de Outubro.
10. O perigo da demora persiste, segundo o agravante, pois ele foi intimado para
comparecer à audiência de sumário de culpa, designada para o dia 27-4-2005. Observa
ele, ademais, que o processo penal está sendo conduzido, na origem, com inusitada
celeridade.
11. Por fim, como tenho por acertado o ponto de vista constante da decisão atacada,
submeto-a ao exame desta egrégia Turma, juntamente com o agravo regimental.
É o relatório.
R.T.J. — 196 33

VOTO
O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto (Relator): Atesto, inicialmente, que a decisão
agravada foi proferida em 30-3-2005, quando a urgência do pedido se media pela imi-
nência do interrogatório do requerente, marcado para o dia seguinte. Como o interroga-
tório já foi realizado, a inquietação do agravante volta-se para a audiência destinada à
oitiva das testemunhas de acusação, designada para o dia 27-4-2005.
14. Feito esse esclarecimento, transcrevo a parte nuclear da decisão agravada, in
verbis (fl. 107):
“11. Resta a aparência do bom direito, a ser extraída da dicção do art. 53, § 3º,
da Carta de Outubro, que tem o seguinte teor:
“Art. 53 (...)
§ 3º Recebida a denúncia contra Senador ou Deputado, por crime ocor-
rido após a diplomação, o Supremo Tribunal Federal dará ciência à Casa
respectiva, que, por iniciativa de partido político nela representado e pelo
voto da maioria de seus membros, poderá, até a decisão final, sustar o anda-
mento da ação.”
12. Ora, não me cabe fazer nenhum prejulgamento de mérito, neste passo.
Mas a primeira leitura que se faz do texto acima transcrito traz a idéia de que a
diplomação, no caso, é aquela que deu origem ao mandato atual do parlamentar,
numa relação de causa e conseqüência. Mandatos anteriores resultaram de
diplomações que já exauriram seus efeitos. Assim, fica difícil, à primeira vista,
projetar a imunidade processual de uma investidura para outra, transitando-se no
tempo sem respeitar os marcos fixados por duas manifestações distintas da vontade
popular. Afinal, um mandato não é continuação do outro.
13. Por isso é que a tese do recorrente merece maior reflexão, a ser feita
oportunamente nos autos do recurso extraordinário, se ultrapassada a fase do
conhecimento.
14. Não é caso, portanto, de liminar. É caso, sim, de dar-se vista ao Ministério
Público Federal, seja porque lá se encontram os autos principais, seja porque o
requerido, aqui, é o Ministério Público Estadual.”
15. Devo informar aos eminentes Pares que, neste ínterim, a douta Procuradoria-
Geral da República exarou parecer sobre a matéria, manifestando-se “pelo conhecimento
em parte do recurso e, nesta, pelo seu improvimento”.
16. Em face deste quadro, seria mais prático realizar, primeiramente, o exame do
apelo extremo, que poderia implicar o prejuízo deste agravo e, por extensão, da própria
cautelar, por perda de objeto. Mas o julgamento daquele recurso depende de pauta e de
outras formalidades que certamente não se cumprirão até o dia 27-4-2005. Então, para
não frustrar a expectativa da parte, trago a decisão combatida à elevada apreciação da
Turma. E desde já confirmo o meu entendimento de que não se faz presente um dos
requisitos necessários ao deferimento da cautelar, qual seja, o fumus boni iuris.
34 R.T.J. — 196

17. Bem ao contrário, os precedentes desta Casa de Justiça consagram tese jurídica
em colisão com a defendida pela parte acionante. Refiro-me aos julgamentos que tinham
como objeto a EC 35/2001, todos no sentido da aplicabilidade imediata das novas
regras, pelo seu cunho processual.
18. Neste passo, cabe citar, entre outras, a decisão proferida pelo Relator do Inquérito
1.637, Ministro Celso de Melo, da qual extraio o seguinte trecho (que passo a acolher no
seu exclusivo aspecto de Direito Processual):
“Torna-se relevante observar, neste ponto — considerado o princípio da
incidência imediata das normas constitucionais (Pontes de Miranda, Comentários
à Constituição de 1967 com a Emenda n. 1 de 1969, tomo VI/385 e 392, 2ª ed./2ª
tir., 1974, RT) —, que estas, salvo disposição em sentido contrário, alcançam,
desde logo, situações em curso (RTJ 143/306-307, Rel. Min. Celso de Mello), o
que legitima a pronta aplicabilidade da EC n. 35/2001, inclusive no que se refere
à desnecessidade da solicitação, por parte do Supremo Tribunal Federal, de prévia
licença, ainda que se cuide de fatos delituosos ocorridos anteriormente à promul-
gação da referida emenda constitucional, pois, conforme tem salientado a jurispru-
dência desta Suprema Corte, a aplicação de qualquer nova regra de direito consti-
tucional positivo rege-se pelo postulado da imediatidade eficacial.”
19. Disse, mais, Sua Excelência, em passagem que se identifica com o presente
caso, in verbis:
“A EC n. 35/2001, ao introduzir modificações no art. 53 da Carta da República,
suprimiu, para efeito de prosseguimento da persecutio criminis, a necessidade de
licença parlamentar, distinguindo, ainda, entre delitos ocorridos antes e após a
diplomação, para admitir, somente quanto a estes últimos, a possibilidade de sus-
pensão do curso da ação penal (CF, art. 53, §§ 3º a 5º).”
20. Pelo exposto, voto pelo desprovimento do agravo regimental.

EXTRATO DA ATA
AC 700-AgR/RO — Relator: Ministro Carlos Britto. Agravante: Marcos Antônio
Donadon (Advogados: Bruno Rodrigues e outro). Agravado: Ministério Público do
Estado de Rondônia.
Decisão: A Turma conheceu do agravo regimental na ação cautelar, mas lhe negou
provimento, nos termos do voto do Relator. Unânime. Não participou deste julgamento
o Ministro Marco Aurélio. Ausente, justificadamente, o Ministro Eros Grau.
Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à sessão os Ministros Marco
Aurélio, Cezar Peluso e Carlos Britto. Ausente, justificadamente, o Ministro Eros Grau.
Subprocurador-Geral da República, Dr. Eitel Santiago de Brito Pereira.
Brasília, 19 de abril de 2005 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.
R.T.J. — 196 35

EXTENSÃO NA EXTRADIÇÃO 900 — CONFEDERAÇÃO HELVÉTICA

Relator: O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence


Requerente: Governo da Suíça — Extraditando: Thomas Remmele
Extradição: extensão: deferimento em parte.
1. Deferimento com relação aos crimes de fraude comercial (Código
Penal suíço, art. 146), falsificação de documentos (Código Penal suíço,
art. 251) e falsificação de documento de identidade (Código Penal suíço,
art. 252), que atendem aos requisitos da dúplice tipicidade.
2. Indeferimento quanto aos delitos de desfalque, sob a modalidade
de apropriação de bem originário de contrato de leasing (Código Penal
suíço, art. 138, I), consumo sem pagar (Código Penal suíço, art. 149) e
infração grave contra as leis de trânsito por excesso de velocidade (Código
de Trânsito suíço, art. 90), que não encontram adequação típica no direito
brasileiro.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo
Tribunal Federal, em Sessão Plenária, na conformidade da ata do julgamento e das notas
taquigráficas, por unanimidade de votos, conceder o pedido de extensão na extradição,
restrita aos crimes de fraude comercial, falsificação de documentos e de falsificação de
documentos de identidade, tudo nos termos do Relator.
Brasília, 31 de agosto de 2005 — Nelson Jobim, Presidente — Sepúlveda Pertence,
Relator.

RELATÓRIO
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Em setembro de 2003, o Governo da Suíça,
fundado em ordem de prisão preventiva emitida pelo Juizado de Instrução Criminal,
Seção III, de Bern-Mittelland, datada de 19-8-2003, requereu a extradição de Thomas
Remmele para responder pelos crimes de desfalque (Código Penal suíço, artigo 138,
cifra I), fraude comercial (Código Penal suíço, art. 146, parágrafos 1, 2 e 3), falsificação
de documentos (Código Penal suíço, art. 251), falsificação de documento de identidade
(Código Penal suíço, art. 252) e infração contra as leis de trânsito por excesso de veloci-
dade (art. 27, parágrafo 1, e art. 90, cifra 2 SVG).
O pedido de extradição, julgado em 31-3-2004, foi deferido em parte, apenas no
tocante aos delitos de fraude comercial (art. 146 do Código Penal suíço), falsificação de
documentos (art. 251 do Código Penal suíço) e falsificação de documento de identidade
(art. 252 do Código Penal suíço).
Quanto às demais acusações — a de desfalque (art. 138, I, do Código Penal suíço)
e a de infração contra as leis de trânsito (artigo 90 do Código de Trânsito suíço) — a
extradição foi indeferida por falta de tipicidade penal no direito brasileiro.
36 R.T.J. — 196

Esta a ementa do acórdão (fl. 116):


“Extradição: requisito da dúplice tipicidade: atipicidade, no Brasil, de
fatos incriminados na legislação penal suíça.
1. Leasing: atipicidade penal, no Brasil, da não devolução do objeto do
leasing, na hipótese do inadimplemento do arrendatário.
2. Crimes de trânsito: atipicidade, no Brasil, do excesso de velocidade,
incriminado na Suíça.”
A extradição — conforme informação do Ministério da Justiça (fls. 127/129) —
veio finalmente a efetivar-se em 18-5-2004.
Em 29-3-2005, o Sr. Ministro da Justiça encaminhou ao Tribunal pedido do
Governo da Suíça, de extensão da extradição já deferida, para que se autorize responda
Thomas Remmele pelos delitos de fraude comercial (Código Penal suíço, art. 146, pará-
grafos 1 e 2) e falsificação de documentos de identidade (Código Penal suíço, art. 252),
cometidos entre dezembro de 2000 e março de 2001; desfalque (Código Penal suíço, art.
138, cifra 1), cometido a partir de 20 de outubro de 1998; consumo sem pagar (Código
Penal, art. 149), cometido do dia 1º ao dia 5 de outubro de 2000, e infração grave contra
as leis de trânsito (artigo 27, parágrafo 1, e art. 90, cifra 2 SVG), cometida no dia 9 de
setembro de 1999.
O pedido de extensão está acompanhado de documentação nos idiomas alemão e
português, constituída de mandado de captura suplementar, de 28 de janeiro de 2005,
emanado da Juíza de Instrução Criminal 4 de Bern-Mittelland, Suíça, que contém resumo
da exposição dos fatos e transcrições dos dispositivos do Código Penal suíço e da Lei de
trânsito aplicáveis (fls. 138/141), bem como de declaração de Thomas Remmele perante
o mencionado Juizado de Instrução Criminal, de que está de acordo “explicitamente e
por livre vontade” com o procedimento criminal pelos crimes que enumera, que não
foram objeto do julgamento do pedido de extradição de 31-3-2004 (fls. 142/143), entre
os quais estão os referidos no presente pedido de extensão.
Atento à jurisprudência assente do Tribunal que exige, para que tenha curso o
processo de extensão, que o extraditando seja interrogado a respeito dos fatos que o
motivam, para esse fim determinei a notificação do Governo da Suíça, que, por sua
embaixada no Brasil, encaminhou, por intermédio do Ministério das Relações Exteriores,
o interrogatório de Thomas Remmele (documento no original em alemão, acompanhado
de tradução), no qual se lê (fls. 174/175)).
“Tendo sido citado por carta escrita, comparece:
Remmele Thomas, nascido a 31.12.1969 em Berna, natural de Belp BE, filho
de Walter Erwin e Maria Margrit Aebischer, empregado, casado com De Faria
Kely Cristina, Hardstr. 57, 5432, Neuenhof
Verbal:
O representante do réu, advogado Dr. Iur. Patrick Stach, foi informado sobre
a data (da audiência), mas renuncia a estar presente.
Remmele Thomas deposita como réu:
R.T.J. — 196 37

Tomo conhecimento, que hoje vou ser interrogado novamente a pedido do


Brasil acerca dos factos contidos no mandado de prisão posterior do 28.01.2005 e
estou pronto a dar informações.
Confirmo todos os depoimentos dados perante os tribunais de instrução cri-
minal, particularmente aqueles feitos no dia 7 de outubro 2004 por ocasião do
interrogatório pormenorizado feito pela juíza de instrução.
Tomo conhecimento que tenho direito de chamar um advogado no Brasil
para o procedimento de extradição.
Com respeito a cifra 1, mandado de prisão posterior de 28.01.2005, fraude
comercial, respectivamente tentativa de fraude comercial, assim como falsifica-
ção de documentos em prejuízo da GE Capital Bank: o que você diz sobre isso?
Confirmo os factos, como são contidos no mandado de prisão posterior e
admito ter cometido aqueles delitos.
Com respeito a cifra 2 mandado de prisão posterior do 28.01.2005, desfalque
de um automóvel: o que você diz sobre isso?
Os factos como estão descritos no mandado de prisão posterior, estão
correctos. Comecei o leasing em Julho 1995. Vendi o automóvel em vez de o
devolver à firma de leasing. Eu sei que não devia ter feito isso.
Com respeito a cifra 3 mandado de prisãoposterior do 28.01.2005, consumo
sem pagar para a desvantagem do Hotel Steghof, Luzern: o que você diz sobre
isso?
É verdade que não paguei as contas do hotel na importância de CHF 650.00.
Com respeito a cifra 4 mandado de prisão posterior do 28.01.2005,
infracção grave contra as leis de trânsito: o que você diz sobre isso?
É verdade que guiei o automóvel com velocidade excessiva. Reconheço os
factos como foram descritos no mandado de prisão posterior.
Estou de acordo que eu seja perseguido judicialmente por causa destes delitos
e remeto-me à minha declaração do 07.10.2004 respeitante a este assunto.
Tomo conhecimento de que as infracções contra a lei de loteria e de AHV
mencionadas na declaração do 07.10.2004 não são mais prosseguidas pelas auto-
ridades suíças por causa do começo da prescrição.”
A Defensoria Pública da União, em defesa do extraditando, manifestou-se favora-
velmente à extensão (fls. 182/183).
O Ministério Público Federal — parecer do il. Procurador-Geral da República
Antonio Fernando de Souza — opinou pelo deferimento, em parte, do pedido (fls.
188/194).
É o relatório.
38 R.T.J. — 196

VOTO
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Relator): Colho do parecer do em. Procurador-
Geral da República:
“Ab initio, cumpre apontar que a jurisprudência do e. STF admite a extensão
da extradição de modo a abranger fatos anteriores ao pedido extradicional deferido.
Vale citar:
Despacho: “Decisão. Pedido de extensão de extradição - Interrogatório.
1. O Governo da Itália formaliza pedido de extensão da Extradição 716-5,
deferida parcialmente em 18 de novembro de 1997 (folha 146 a 163) e
executada no dia 16 de agosto de 2000 (folha 540), com a entrega do extra-
ditando Clemente Ferrara às autoridades policiais daquele País. 2. A Corte,
em entendimento reiterado - Questão de Ordem na Extradição n. 444, Questão
de Ordem na Extradição n. 462 e Extradição 840 - sobre o que versa o artigo
91, inciso I, da Lei 6.815/80, estabeleceu que o Estado requerente de extradi-
ção já concedida pode solicitar a extensão para a persecução penal pela
prática de delito diverso do que motivou o primeiro pedido desde que tenha
sido praticado em momento anterior ao deferimento do pleito (...)” ( Ext.
716 – extensão. Rel. Min. Marco Aurélio. DJ de 06/06/2005).
Se não bastasse, a hipótese é objeto do Tratado de Extradição firmado entre
o Brasil e a Suíça, previsto no seu artigo V:
“Art. V
A pessoa extraditada não poderá ser processada nem punida por qual-
quer delito perpetrado antes da extradição e diverso do que motivou o pedido,
salvo se o Estado requerido houver consentido em processos ulteriores (...)”.
Desta forma, o Ministério Público Federal opina pelo processamento do pleito.
Ultrapassada tal preliminar, verifica-se, da análise deste processo, que o Estado
requerente dispõe da competência jurisdicional para processar e julgar os delitos
imputados a Thomas Remmele, que é nacional Suíço (fls. 138) e naquele país teria
cometido os ilícitos penais de que é acusado, conforme informações constante a
fls. 138/143 (art. 78, inc. I, da Lei n. 6.815/80). Vislumbra-se, também, presentes
nos autos todos os documentos necessários ao pedido formal de extradição
elencados no art. 80 do Estatuto do Estrangeiro, traduzidos para o português, de
modo a permitir ao e. Supremo Tribunal Federal o exame seguro da legalidade da
pretensão extradicional.
Quanto ao requisito da dupla tipicidade (art. 77, inc. II, do Estatuto do Es-
trangeiro) há de se salientar que:
São imputados ao nacional suíço, em síntese, os seguintes fatos:
a) No dia 27 de 03 de 2001 o Banco GE Capital Bank Brugg denun-
ciou Dennler Tobias e Rosser Patrick por causa de fraude. As investigações
revelaram que Remmele Thomas tinha atuado com estes nomes e que tinha
submetido para o Banco GE Capital Bank Brugg 26 pedidos de financiamento
R.T.J. — 196 39

para fregueses fictícios para o financiamento de compras de automóveis. Em


anexo, tinha mandado cópias de documentos de motorista falsificados e
contratos de compra falsificados. O montante de crédito e a provisão de
comerciante, ele mandava creditar para contas estabelecidas em nome falso
(fls. 138/139). Consta a fls. 143 que os referidos fatos foram praticados entre
dezembro de 2000 a março de 2001.
b) Em 20/10/1998 Thomas Remmele não devolveu o automóvel da
marca BMW 325, Coupé à instituição financeira GE Capital Bank que havia
sido objeto de contrato de leasing (fls. 142). Consta a fls. 139 que o contrato
foi cancelado pelo fato do extraditando ter parado de pagar as mensalidades
a partir de agosto de 1998. Em processo civil ele foi condenado à devolver o
automóvel para a firma de leasing. Em vez de obedecer esta ordem, vendeu o
automóvel para terceiros.
c) Entre 01/10/2000 a 05/10/2000, Thomas Remmele pernoitou no
Hotel Steghof em Luzerna sem pagar a fatura de FR. 650.00 antes da sua
partida (fls. 139).
d) No dia 9/09/1999, Remmele Thomas andou na auto-estrada de
Oberbuchsiten com uma velocidade de 186 km/h, apesar do permitido ser
120 km/h (fls. 139).
Os fatos narrados na letra a correspondem, segundo a legislação penal suíça,
nos termos desta extradição, aos delitos de Fraude Comercial (art. 146 do Código
Penal Suíço), falsificação de documentos (art. 251 do Código Penal Suíço) e falsi-
ficação de documento de identidade (art. 252 do Código Penal Suíço), a seguir
narrados:
“Fraude comercial
Art. 146.
1. Quem intencionalmente a si ou a terceiros por meios ilícitos com fins
de enriquecimento, levar alguém astuciosamente por meios de opressão,
manobras, a realizar ou ajudar a atos enganosos e astuciosos dissimulados
sendo assim a vítima levada a uma conduta prejudicial de fatos ilícitos, pelo
qual causa prejuízos de enriquecimento a si e a terceiros será unido com
reclusão até cinco anos ou prisão.
2. atuando o autor com fins comerciais, será punido com reclusão até
dez anos ou prisão não inferior a três meses.
3. Fraude cometida e cuja vítima seja parente ou familiar, só será pro-
cessado depois de requerido.
Falsificação de documentos
Art. 251.
Quem intencionalmente, causar danos ilícitos sobre os bens ou direitos
de terceiros, com fins de tirar partido, falsifique ou com documento falsificado
a assinatura verdadeira ou de terceiros com fins de emitir um documento
40 R.T.J. — 196

falso, ou autenticar ou deixar autenticar um fato falso, um documento desta


espécie seja utilizado com fins fraudulentos será punido com reclusão até
cinco anos ou prisão.
2. Em casos especiais e de menos gravidade poderá ser reconhecida
com prisão ou multa.
Falsificação de documento de identidade
Art. 252.
Quem, com a intenção em facilitar o progresso de si mesmo, ou de um
outro, falsificar ou alterar documento de identidade, atestados, confirma-
ções, utiliza um tal documento para enganar, abusar documentos verídicos
mas não destinados a ele próprio para enganar é punido com prisão ou multa.
Perante a legislação penal brasileira, os acontecimentos descritos na letra a
retro como de Fraude Comercial (art. 146 do Código Penal Suíço) – consubstan-
ciados em 26 pedidos de financiamentos para fregueses fictícios junto à institui-
ção financeira para compra de automóveis (fls. 138/139) – encontram adequação
típica penal perante a legislação pátria ao crime de estelionato (art. 171 do CPB).
Já a utilização de documentos de motorista falsos (fls. 139) caracteriza, nos moldes
da lei Suíça, os delito de falsificação de documentos (art. 251 do Código Penal
Suíço) e falsificação de documento de identidade (art. 252 do Código Penal Suíço).
Esse fato, por sua vez, corresponde ao delito de falsificação de documento público
(art. 297 do Código Penal Brasileiro).
O fato narrado na letra b retro descrita - apropriação de bem originário de
contrato de leasing - que caracteriza o delito de desfalque (art. 138 cifra 1 do
Código Penal Suíço), a seguir transcrito, não possui adequação na legislação penal
pátria.
“Desfalque
Art. 138.
Quem se apropria de alguma coisa móvel estranha que lhe foi confiada,
para ilegalmente enriquecer a si próprio ou a outro, quem ilegalmente usa
bens que lhe foram confiados para sua própria vantagem ou a vantagem de
algum outro será punido com reclusão até cinco anos ou prisão.
O desfalque para o prejuízo de familiares ou parentes só é perseguido
por procuração”.
No direito penal brasileiro a falta de devolução pelo arrendatário do objeto
inerente ao contrato de leasing não caracteriza o delito de apropriação indébita
(art. 168 do Código Penal Brasileiro). Ad argumentandum, vale citar:
“RHC. Apropriação indébita. Leasing. Ação Penal. Trancamento.
1. (...).
2. A execução do inadimplemento do leasing deve ser feita sobre o
patrimônio do devedor e não por via de ação penal por apropriação indébita.
O entendimento pretoriano, a propósito da característica básica do leasing é
R.T.J. — 196 41

ser predominantemente uma operação financeira, onde a posse é deferida


com o pagamento das prestações. O bem, neste caso, é entregue não para
guarda, mas em decorrência do financiamento.
Difere a hipótese da alienação fiduciária porque nela, ao contrário do
leasing, o legislador, como exagerada garantia do credor, incluiu a figura do
depositário”.
3. Ordem concedida” (HC 17794/SP. Rel. Min. Fernando Gonçalves.
DJ de 18/02/2002).
O fato de o extraditando ter pernoitado no Hotel Steghof em Luzerna sem
pagar a fatura de FR. 650.00 antes da sua partida (fls. 139) é atípico nos moldes da
legislação brasileira. Isto porque, segundo o art. 176 do CP a ação típica, descrita
na segunda parte de tal dispositivo, exige a conduta de alguém se alojar em hotel
(pensão, pensionato, motel, albergue ou qualquer tipo de habitação que aceite
hóspede) sem dispor de recurso para efetuar o pagamento. O que não foi eviden-
ciado in casu.
A fraude dessa espécie de crime está consubstanciada no fato de o agente,
com seu comportamento, induzir a erro outra pessoa, apresentando-se como tendo
condições de efetuar o pagamento devido e usufruir da referida benesse.
Não ocorre crime, portanto, quando o consumidor dispõe de numerário sufi-
ciente para o pagamento, mas se recusa fazê-lo por qualquer razão. Segundo os
ensinamentos do saudoso professor Mirabete “A falta de recursos deve estar evi-
denciada, não podendo ser meramente presumida pela prática do comportamento
do agente em esquivar-se ao pagamento” (MIRABETE, Julio Fabbrini. Código
penal interpretado. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2005. p. 1648).
O crime de infração contra as leis de trânsito (artigo 90 do Código de Trânsito
Suíço) a seguir descrito, cometido, em tese, pelo ora extraditando por haver, “ no
dia 9/09/1999, dirigido na auto-estrada de Oberbuchsiten com uma velocidade de
186 km/h, apesar do permitido ser 120 km/h (fls. 139)” também não encontra
adequação típica penal nos moldes do direito pátrio.
“Art. 90 SVG
Infrações das regras de trânsito
1. Quem infringe as regras de trânsito desta lei ou dos regulamentos de
execução do conselho federal é punido com prisão ou multa.
2. Quem por causa de uma infração seria das regras de trânsito causa um
perigo sério para a segurança dos outros ou que é condizente à um tal perigo
é punido com detenção ou multa”.
Tendo em vista que o crime de fraude comercial (art. 146 do Código Penal
Suíço) ocorreu no período de dezembro de 2000 a março de 2001 (fls. 143) e que a
pena imposta a tal delito é de no máximo de 5 anos de reclusão (fls. 07) tem-se que
não ocorreu o advento do prazo prescricional, já que o artigo 70 do Código Penal
Suíço em vigor até 30/09/2002 prevê o lapso temporal de 10 anos. Prazo esse
aumentado para 15 anos após 1º/10/2002 (fls. 07).
42 R.T.J. — 196

Perante a legislação brasileira, tem-se que o crime de estelionato, cuja pena


máxima é de 5 anos de reclusão e multa prescreve em 12 anos (art. 109, inc.III do
CPB). Neste caso, não há que se falar no advento da prescrição.
O crime de falsificação de documentos (art. 251 do Código Penal Suíço) é
apenado com reclusão de até 5 anos ou prisão (fls. 07) e o de falsificação de
documento de identidade (art. 252 do Código Penal Suíço) é apenado com prisão
ou multa (fls. 08). O primeiro crime, igualmente ao delito de fraude comercial (art.
146 do Código Penal Suíço), prescreve em 10 anos (fls.07 – art. 70 do Código
penal Suíço em vigor até 30/09/2002. Prazo aumentado para 15 anos após 1º/10/
2002). O segundo, prescreve em 5 anos (fls. 07). Considerando que os fatos
caracterizadores, em tese, de tais delitos ocorreram no período de dezembro de
2000 a março de 2001 (fls. 143) , não há que se falar no advento da prescrição.
O mesmo se pode dizer em relação ao crime correspondente de falsificação de
documento público (art. 297 do Código Penal), cuja pena máxima é de 6 anos e a
prescrição somente se dá em doze anos (art. 109, inc. III, do CPB).
Conclui-se, portanto, que o pedido de extensão à extradição deve ser julgado
parcialmente procedente, sendo apenas concedido em relação aos crimes de Fraude
Comercial (art. 146 do Código Penal Suíço), falsificação de documentos (art. 251 do
Código Penal Suíço) e falsificação de documento de identidade (art. 252 do
Código Penal Suíço).
Ante o exposto, opina o Ministério Público Federal pela parcial procedência
do pedido de extensão.”
O parecer do Ministério Público Federal é irretocável, seja quanto à admissibilidade
da extensão, seja no tocante aos requisitos positivos e negativos da extradição, em
relação a cada uma das imputações objeto do pedido: acolho-o integralmente como
razão de decidir e, nos seus termos, defiro parcialmente a extensão do objeto da extradi-
ção: é o meu voto.

EXTRATO DA ATA
Ext 900 – Extensão/Confederação Helvética. Relator: Ministro Sepúlveda Pertence.
Requerente: Governo da Suíça (Advogados: J. J. Safe Carneiro e Tereza Safe Carneiro e
outra). Extraditando: Thomas Remmele (Advogado: DPU – Sérgio Alexandre Menezes
Habib).
Decisão: O Tribunal, por unanimidade, concedeu o pedido de extensão na extradi-
ção, restrita aos crimes de fraude comercial, falsificação de documentos e de falsificação
de documento de identidade, tudo nos termos do voto do Relator. Ausente, justificada-
mente, o Ministro Gilmar Mendes. Presidiu o julgamento o Ministro Nelson Jobim.
Presidência do Ministro Nelson Jobim. Presentes à sessão os Ministros Sepúlveda
Pertence, Celso de Mello, Carlos Velloso, Marco Aurélio, Ellen Gracie, Cezar Peluso,
Carlos Britto, Joaquim Barbosa e Eros Grau. Procurador-Geral da República, Dr. Anto-
nio Fernando Barros e Silva de Souza.
Brasília, 31 de agosto de 2005 — Luiz Tomimatsu, Secretário.
R.T.J. — 196 43

EXTRADIÇÃO 915 — ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA

Relator: O Sr. Ministro Gilmar Mendes


Requerente: Governo dos Estados Unidos da América — Extraditando: Ronald
Peter Eichberg Leeds
Extradição. 2. Tratado de Extradição entre o Brasil e os Estados
Unidos da América. 3. Processamento do pedido de acordo com a Lei n.
6.815, de 19 de agosto de 1980. 4. Atendimento dos requisitos formais. 5.
Configuração da dupla tipicidade, na lei norte-americana e na brasileira,
quanto aos crimes de fraude postal e fraude telegráfica. 6. Inocorrência
de prescrição. 7. Regime jurídico do processo de extradição no Direito
brasileiro. Descabida a análise quanto à autoria e à materialidade dos
crimes. Precedentes. 8. Extradição deferida parcialmente.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo
Tribunal Federal, em Sessão Plenária, sob a presidência do Ministro Nelson Jobim, na
conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos,
deferir, em parte, a extradição, nos termos do voto do Relator.
Brasília, 8 de setembro de 2005 — Nelson Jobim, Presidente — Gilmar Mendes,
Relator.

RELATÓRIO
O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Trata-se de pedido de extradição formulado pelo
Governo dos Estados Unidos da América, por via diplomática, com base no Tratado de
Extradição firmado pelos dois países em 13 de janeiro de 1961 e promulgado pelo
Decreto n. 55.750, de 11 de fevereiro de 1965, do nacional norte-americano Ronald
Peter Eichberg Leeds, encaminhado na forma do Aviso n. 354/MJ, de 4 de fevereiro de
2004, do Ministro da Justiça (fl. 02).
O Procurador-Geral da República, Dr. Claudio Fonteles, assim relata a controvérsia
(fls. 189-192):
“O Governo dos Estados Unidos da América formaliza e remete os documentos
justificativos - fls. 12 a 118 - do pedido de extradição de seu nacional Ronald Peter
Eichberg Leeds, tendo por fundamento os artigos 82 da Lei 6.815/80, e VIII do
Tratado de Extradição firmado entre o Brasil e o Governo Americano - Decreto n.
55.750/65.
2. A prisão preventiva do extraditando foi efetivada no dia 19 de novembro
de 2003 (fls. 35), encontrando-se atualmente recolhido nas dependências do presí-
dio ‘Adriano Marrey’, em Guarulhos , Estado de São Paulo (fls. 145).
3. O nacional norte-americano foi pronunciado (anexo b - fls. 87/100) por um
Grande Júri pelos seguintes delitos:
44 R.T.J. — 196

a) - Conspiração para Cometer Fraude Postal e Fraude Telegráfica -


entre jan/1998 e dez/1999, o ora extraditando Ronald P. E. Leeds, Don W.
Slater e Daniel Patton, conspiraram, confederaram e concordaram entre si e
com outras pessoas para cometer crimes contra os Estados Unidos, em violação
ao Título 18, Seção 371, do Código dos Estados Unidos (fls. 88);
b)- 8 acusações de Fraude Postal - entre jan/1998 e dez/99, o extradi-
tando e os acima nominados intencional e propositadamente arquitetaram
um esquema de artifício para fraudar, por intermédio de correspondência
postal, representações e promessas falsas e fraudulentas, sabendo todos falsos,
a fim de obter dinheiro ou propriedades por meio de pretextos, em violação ao
Título 18, Seção 1341 e 2, do Código dos Estados Unidos (fls. 89);
c) - 14 acusações de Fraude Telegráfica - entre jan/1998 e dez/99, o
extraditando e os acima nominados intencional e propositadamente arqui-
tetaram um esquema de artifício para fraudar, por intermédio de linha telefônica
ou telegráfica, representações e promessas falsas e fraudulentas, com o
conhecimento de serem todos falsos, visando obter dinheiro ou propriedades,
em violação ao Título 18, Seção 1343 e 2 do Código dos Estados Unidos (fls.
90/91);
d) - Transporte em Comércio Interestadual de Valores Mobiliários
Roubados - entre jan/88 e dez/99, o extraditando, Don W. Slater e Daniel
Patton, intencional e propositadamente arquitetaram um esquema artificioso
para fraudar e obter dinheiro ou propriedade por meio de pretextos, represen-
tações e promessa falsa e fraudulentas, com conhecimento de que os ditos
pretextos, representações eram falsos e fraudulentos na ocasião em que foram
feitos, em violação ao Título 18, Seção 2314 e 2. do Código dos Estados
Unidos. (fls. 97/98).
4. Às fls. 84/5 - anexo ‘a’ - localizam-se os dispositivos penais estrangeiros,
relativos aos crimes imputados ao extraditando:
‘Título 18 do Código dos Estados Unidos,
§ 371. Conspiração para cometer um delito ou fraudar os Estados
Unidos.
Se duas ou mais pessoas conspirarem seja para cometer qualquer delito
contra os Estados Unidos, seja para fraudar os Estados Unidos ou qualquer
órgão do mesmo, de qualquer forma ou com qualquer propósito, e uma ou
mais dentre estas pessoas realizam qualquer ato para afetar o objeto da cons-
piração, cada uma delas será multada segundo este título ou encarcerada por
até 5 anos ou ambos.
Título 18 do Código dos Estados Unidos,
§ 1341. Fraude e trapaças
Aquele que, tendo arquitetado ou com intenção de arquitetar qualquer
esquema ou artifício para fraudar, seja para obter dinheiro ou propriedade por
meio de pretextos, representações ou promessas falsas ou fraudulentas, seja
para vender, dispor, emprestar, trocar, alterar, dar, distribuir, suprir ou fornecer
ou adquirir para uso ilegal qualquer moeda, obrigação, valor mobiliário ou
R.T.J. — 196 45

outro artigo falsificado ou espúrio, qualquer coisa que represente, seja


sugerida ou apresentada como sendo tal artigo falsificado ou espúrio, com o
propósito de executar tal esquema ou artifício ou atentar fazê-lo, colocar em
qualquer agência do correio ou receptor autorizado de material postal, qual-
quer material ou coisa que seja para ser enviada ou entregue pelo Serviço
Postal (dos EUA) ou depositar ou fizer com que seja depositado qualquer
material ou coisa que seja para ser enviada ou entregue por qualquer serviço
comercial de transporte interestadual, ou pegar ou receber dos mesmos, qual-
quer deste material ou coisa, ou propositadamente fizer com que seja entre-
gue por correio ou tal transportadora de acordo com o endereço do mesmo,
ou no local em que é direcionado a ser entregue pela pessoa a quem é ende-
reçado tal material ou coisa, será multado segundo este título ou encarcerado
por no máximo 20 anos ou ambos. Se a violação afetar uma instituição finan-
ceira, tal pessoa será multada em até US$ 1.000.000,00 ou encarcerada por no
máximo 30 anos ou ambos.
Título 18 do Código dos Estados Unidos,
§ 1343. Fraude por Telégrafo, Rádio ou Televisão
Aquele que, tendo arquitetado ou com a intenção de arquitetar qual-
quer esquema ou artifício para fraudar ou para obter dinheiro ou propriedade
por meio de pretextos, representações ou promessas falsas ou fraudulentas
transmite ou faz com que seja transmitido por meio de comunicação de telé-
grafo, rádio ou televisão, em comércio exterior ou interestadual, qualquer
escrita, sinais, indicação, fotos, ou sons com o propósito de executar tal
esquema ou artifício será multado segundo este título ou encarcerado por no
máximo 20 anos ou ambos. Se a violação afetar uma instituição financeira,
tal pessoa será multada em no máximo US$1.000.000,00 e encarcerados por
até 30 anos ou ambos.
Título 18 do Código dos Estados Unidos,
§ 2314. Transporte de bens valores mobiliários, dinheiro roubados,
selos fiscais do estado fraudulentos ou artigos usados em falsificação
(...) Aquele que, tendo arquitetado ou com a intenção de arquitetar
qualquer esquema ou artifício para fraudar ou para obter dinheiro ou proprie-
dade por meio de pretextos, representações ou promessas falsas ou frau-
dulentas transporta ou faz com que seja transportado, ou induz qualquer
pessoa ou pessoas a viajarem ou a serem transportadas em comércio exterior,
ou interestadual com o propósito na execução ou ocultamento de um esque-
ma ou artifício para fraudar aquela pessoa ou pessoas de dinheiro ou propri-
edade com um valor igual ou superior a US$ 5.000,00; ... tal pessoa será
multada segundo este título ou encarcerada por no máximo 10 anos ou am-
bos.’
5. À fls. 79/82, o Procurador Adjunto dos Estados Unidos, John Luke Walker,
em ‘Declaração juramentada em apoio ao pedido de Extradição’, resume os fatos
constante do processo, concluindo por ‘atestar que as provas indicam que o extra-
ditando é culpado dos delitos pelos quais se busca a extradição.’ (fls. 82).
46 R.T.J. — 196

6. Encontra-se a fls. 102 - anexo ‘c’ -, o mandado de prisão, expedido em 15


de novembro de 2002, pelo Juiz do Distrito do Oeste e Louisiana, C. Michael Hill.
7. Consta, a fls. 104/116, declaração juramentada do Agente Especial do FBI,
Troy J. Chenevert, sobre os fatos apurados.
8. Acostado a fls. 164/166, o termo de interrogatório do extraditando, no
qual, em síntese, alega:
‘(...) Que, já foi processado em Londres no ano de 1998 por tentativa de
fraude. Que, mencionado delito é bem similar a este que o extraditando está
sendo processado atualmente. Que, em Londres, foi absolvido com as descul-
pas da Coroa. Que é contra sua extradição. (...) Que, deseja permanecer no
Brasil porque acredita que aqui é um território neutro (...). Que não quer ser
extraditado porque possui documentos aqui no Brasil que provam a sua
inocência. Esclarece, ainda, que tais documentos encontram-se em Brasília
em poder da Polícia Federal. Que, os fatos narrados na extradição, não são
verdadeiros (...)’. Prossegue narrando sua versão dos fatos, afirma que quem
praticou o delito do qual está sendo acusado foi o Sr. Helmut. (fls. 165/6).
9. A defesa prévia a cargo do advogado constituído encontra-se a fls. 172/
176. Sustenta a defesa a inocência do extraditando que poderá ser provada pelos
objetos apreendidos e que estão agora sob a guarda da Polícia Federal. Afirma que
foi o súdito americano julgado pelo mesmo delito perante a Justiça Inglesa, sendo
lá absolvido, não podendo, desta forma, ser julgado pelo mesmo delito por mais de
uma vez. Requer sejam trazidos aos autos as provas sob a guarda da Polícia Federal,
e ainda o envio pelo Governo Inglês das cópias do processo penal movido contra
o extraditando.”
O ilustre representante do Ministério Público Federal opina pelo deferimento par-
cial do pedido de extradição.
É o relatório.

VOTO
O Sr. Ministro Gilmar Mendes (Relator): Quanto aos aspectos formais da extradi-
ção, assim se manifesta a Procuradoria-Geral da República (fl. 193):
“10. O pedido extradicional está instruído com os documentos a que se refere
o art. IX, 2 do Tratado de Extradição entre o Brasil e os Estados Unidos, devida-
mente autenticados e traduzidos para a língua portuguesa, acompanhado dos ori-
ginais em inglês (fls. 12/117).
11. Da análise do presente pleito, verifica-se que o Estado requerente dispõe
da competência jurisdicional, para processar e julgar esses delitos imputados ao
extraditando, que é nacional norte-americano, e naquele país teria cometido os
ilícitos penais de que é acusado (art. 78, inc. I, da Lei n. 6.815/80).
12. O pedido vem instruído com a decisão de recebimento de denúncia -
indictment - (fls. 87/100) e o mandado de captura de 15.11.2002 (fls. 102) e os
demais documentos exigidos pela Lei n. 6.815/80 e pelo Tratado de Extradição
R.T.J. — 196 47

celebrados entre os dois países, havendo indicações seguras sobre o local, data,
natureza e circunstâncias dos fatos delituosos, bem como com cópia dos textos
legais pertinentes (fls. 12/118) de modo a permitir ao Supremo Tribunal Federal o
exame seguro da legalidade da pretensão extradicional.”
Na espécie, também não parece haver dúvida no tocante ao requisito da dupla
tipicidade, pelo menos quanto aos crimes igualmente tipificados no ordenamento jurí-
dico brasileiro. A propósito, anota a manifestação da Procuradoria-Geral da República
(fls. 193-195):
“13. Está satisfeita a exigência de dupla tipicidade, consoante o Direito do
Estado requerente e o brasileiro, ao menos no que diz respeito aos delitos de fraude
postal e fraude telegráfica (estelionato no Brasil).
14. Como visto, no item 3, retro, o extraditando e seus dois comparsas enga-
naram terceiros inocentes com astúcia, nas transações efetivadas, de forma a obter
o dinheiro deles, alegando que o dinheiro investido geraria lucros exorbitantes, a
fim de convencê-los a investir cada vez mais.
15. O fato de se tratar de fraude telegráfica e postal não descaracteriza o
estelionato, pois, o que é importante considerar aqui é que o tipo penal estrangeiro
(Título 18 Seção 1341 e 1343) contém todas as elementares do delito do
estelionato (art. 171 do CP). Neste ponto vale transcrever trecho do parecer do il.
colega, Edson Oliveira de Almeida, na Extradição n. 761:
‘Não, pois, há como acolher a alegação de que se trata de crime
falimentar. Na verdade, o extraditando e seus dois comparsas, operando em-
presas de fachada, praticaram uma série de estelionatos continuados, lesando
vários comerciantes, induzidos em erro pelo golpe aplicado. E, muito embora
a peculiaridade da lei norte-americana, o estelionato também deve ser tido
como caracterizado. O fato de se tratar de fraud by wire (fraude por fio,
rádio ou televisão) não tem, no caso, o relevo sustentado pela defesa. O
recurso da telecomunicação interestadual não é, no caso, elementar do tipo,
e sim mero instrumento de comunicação do meio ardiloso e fraudulento do
qual os acusados lançaram mão para induzir os fornecedores em erro, cau-
sando-lhes prejuízo patrimonial. A telecomunicação, cabe repetir, não é
elementar do tipo, figurando aí apenas como critério para fixação da
competência da Justiça Federal norte-americana. O que é importante consi-
derar é que, independentemente da forma com que os acusados se comunica-
ram com os lesados, o tipo penal estrangeiro (Título 18, Seção 1343 do
U.S.C.) contém todas as elementares do delito de estelionato.’ (Ext 761/EU,
DJ 12.05.00 p. 00020).
(...)
18. Contudo quanto aos crimes imputados ao extraditando de conspiração
para a fraude e de transporte de valores ilicitamente obtidos, não há, conforme
entendimento adotado na Ext. 761, correspondência típica na legislação pátria.
19. Na linha seguida no julgamento acima referido a conspiração poderia, em
tese, corresponder no Brasil, ao de quadrilha, mas este exige participação de mais
de três pessoas. Sucede que no caso em estudo há apenas a participação de três
pessoas.
48 R.T.J. — 196

20. Com referência ao delito do Título 18, Seção 2.314, do Código dos
Estados Unidos - transporte de valores ilicitamente obtidos -, observa-se que tam-
bém não há no direito brasileiro correspondência como crime autônomo, pois, no
Brasil é considerado transporte do próprio proveito do crime de estelionato e neste
absorvido, consoante dispõe ementa proferida na Extradição n. 761:
‘Ementa: Extradição. Dupla tipicidade prescrição. Crimes de fraude
(estelionato), de operação financeira ilegal (remessa ilegal de divisa), de
transporte de valores ilicitamente obtidos e de conspiração (quadrilha).
Estando preenchidos todos os requisitos legais e não ocorrendo qualquer das
hipóteses previstas no art. 75 da Lei n. 6.815, de 19.08.1980, modificada pela
Lei n 6.964, de 09.12.1981, defere-se a Extradição, quanto aos delitos de
fraude (estelionato, no Brasil) e de operação financeira ilegal (aqui, remessa
ilegal de divisas). Não, porém, quanto aos crimes de transporte de valores
ilicitamente obtidos e de conspiração, pois o primeiro, no Brasil, é conside-
rado transporte do próprio proveito do crime de estelionato e neste absorvi-
do. E o outro, o de conspiração, poderia, no Brasil, ser assemelhado ao de
quadrilha, se dela houvessem participado mais de três pessoas (art. 288 do
Código Penal), o que, no caso, não ocorreu. Inocorrência de prescrição, seja
pelo Direito norte-americano, seja pelo brasileiro. Deferimento parcial do
pedido de Extradição, nos termos do voto do Relator. Decisão unânime.’ (Ext
761/EU, Rel Min. Sydney Sanches, DJ. 12.05.00, p. 00020).”
No que se refere à prescrição, registra-se que as causas pelas quais o extraditando
está sendo acusado, no tocante às imputações com correspondência no Direito Penal
brasileiro, prescrevem em 12 anos. Considerando que os atos delituosos datam de 2001,
não há falar em ocorrência de lapso prescricional segundo o Direito brasileiro e o Direito
americano. Sobre este ponto, anotou a Procuradoria-Geral da República (fl. 194):
“16. E no que se refere a essas imputações, não ocorreu, ainda a prescrição da
pretensão punitiva, seja em face da legislação norte-americana (U.S.C Título 18 §
3282), seja pela brasileira, que prevê, para o crime do art. 171 do Código Penal a
prescrição em 12 anos (inc. III, art. 109, do CPB).
17. Pela legislação norte-americana, a prescrição só ocorre se a ação penal
não é instaurada ou não há o recebimento da denúncia dentro de cinco anos após
o fato delituoso (fls. 72). Uma vez proferida o indictment, cessa o curso da prescri-
ção. No caso, os fatos ocorreram entre janeiro de 1998 e dezembro de 1999 e a
decisão de recebimento da denúncia foi proferida em 15 de dezembro de 2003 (fls.
82), dentro, portanto, do prazo de cinco anos, previsto no referido Título 18, Seção
3282 do Código dos Estados Unidos, lembrando que, em face da revelia do extra-
ditando, o processo permanece suspenso.”
No que se refere à alegada inocência do extraditando, o parecer, com base em
precedente desta Corte, anota (fls. 195-196):
“21. Quanto à inocência alegada pelo extraditando vale lembrar que ‘o sistema
de contenciosidade limitada, que caracteriza o regime jurídico da extradição
passiva no direito positivo brasileiro, não permite qualquer indagação probatória
pertinente ao ilícito criminal, cuja persecução no exterior justificou o ajuizamento
e da demanda extradicional perante o Supremo Tribunal Federal’. (Ext 545-6, Rel.
Acórdão Min. Celso de Mello, DJ 13-2-98).
R.T.J. — 196 49

22. Ademais, conforme narra o Procurador Adjunto dos Estados Unidos, a


pronúncia acusou um esquema de fraude postal e telegráfica, bem como o transporte
de valores mobiliários roubados, que era realizado em conexão com o esquema de
fraude postal e telegráfica. O extraditando juntamente com Don W. Slater e Daniel
Patton obtiveram dinheiro de terceiros inocentes, alegando ser garantido que o
dinheiro investido geraria lucros exorbitantes num prazo muito curto.
23. O Agente Especial do FBI demonstrou em detalhes em sua declaração
juramentada que Ledds, juntamente com os dois outros co-réus fraudaram numerosos
investidores vítimas em milhões de dólares, convencendo os investidores que
poderiam investir em ‘debêntures’ e ‘notas bancárias de primeira linha’ na Europa
que gerariam retornos exorbitantes em um prazo muito curto. As ‘debêntures’ e
‘notas bancárias de primeira linha’ nas quais Leeds, Slater e Patton diziam que os
investidores estavam investindo não existiam. Eles nunca investiam o dinheiro na
maneira em que prometiam. Quando os investidores suspeitavam que os investi-
mentos eram uma fraude, Leeds, juntamente com os dois outros co-réus, diziam que
tinha havido vários problemas em recuperar o dinheiro, enquanto que, ao mesmo
tempo, tentavam convencer os investidores a investir mais dinheiro.”
Ajusta-se perfeitamente à hipótese o que se decidiu no julgamento da Ext 830-EUA,
Ellen Gracie, DJ de 27-6-03, no que interessa:
“(...) 3. A negativa quanto à prática dos crimes não configura matéria de
defesa na seara extradicional, por se tratar de tema ligado ao mérito das acusações,
o que não se coaduna com o sistema de contenciosidade limitada que caracteriza o
regime jurídico do processo de extradição no direito brasileiro. Precedente.”
Após afirmar que as demais alegações e diligências requeridas nos itens 8 e 9 do
seu parecer devem ser apresentadas à Justiça norte-americana, o Procurador-Geral da
República concluiu pelo deferimento parcial do pedido de extradição.
São diversos os precedentes no sentido de que a esta Corte somente cabe o exame
dos pressupostos e das condições da extradição; não há, portanto, manifestação sobre o
mérito do pedido, sobre a justiça ou a injustiça da condenação ou do processo no Estado
requerente, v.g. Ext 853/Paraguai, Maurício Corrêa, DJ de 5-9-03; Ext 768/República
do Peru, Ilmar Galvão, DJ de 16-6-00; Ext 773/República Federal da Alemanha,
Octavio Gallotti, DJ de 28-4-00; e Ext 669/EUA, Celso de Mello, DJ de 29-3-96,
dentre outros.
Dessa forma, presentes os requisitos legitimadores, o meu voto é no sentido de
deferir parcialmente o pedido de extradição.

EXTRATO DA ATA
Ext 915/Estados Unidos da América — Relator: Ministro Gilmar Mendes. Reque-
rente: Governo dos Estados Unidos da América. Extraditando: Ronald Peter Eichberg
Leeds (Advogados: Moacir Anttonio Miguel e outra).
Decisão: O Tribunal, por unanimidade, deferiu, em parte, a extradição, nos termos
do voto do Relator. Ausentes, justificadamente, os Ministros Celso de Mello e Eros
Grau. Presidiu o julgamento o Ministro Nelson Jobim.
50 R.T.J. — 196

Presidência do Ministro Nelson Jobim. Presentes à sessão os Ministros Sepúlveda


Pertence, Carlos Velloso, Marco Aurélio, Ellen Gracie, Gilmar Mendes, Cezar Peluso,
Carlos Britto e Joaquim Barbosa. Vice-Procurador-Geral da República, Dr. Roberto
Monteiro Gurgel Santos.
Brasilia, 8 de setembro de 2005 — Luiz Tomimatsu, Secretário.

EXTRADIÇÃO 916 — REPÚBLICA ARGENTINA

Relator: O Sr. Ministro Carlos Britto


Requerente: Governo da República Argentina — Extraditando: Antenor Danilo
de Oliveira Batista ou Gringo
Extradição. Acusação de crime de homicídio em ocasião de roubo.
Comprovação de que o extraditando é brasileiro. Pedido prejudicado.
Aplicação do aforismo do aut dedere aut judicare.
Estando impossibilitado de atender ao pedido de cooperação inter-
nacional, deve o Brasil, nesses casos, assumir a obrigação de proceder
contra o extraditando de modo a evitar a impunidade do nacional que
delinqüiu alhures.
Extradição indeferida.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribu-
nal Federal, por seu Tribunal Pleno, sob a Presidência da Ministra Ellen Gracie, na
conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos,
indeferir a extradição, nos termos do voto do Relator.
Brasília, 19 de maio de 2005 — Ellen Gracie, Presidente — Carlos Ayres Britto,
Relator.

RELATÓRIO
O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto: Cuida-se de pedido de extradição feito pelo
Estado da Argentina, em desfavor do Antenor Danilo de Oliveira Batista. Pedido que se
fundamenta em processo penal por crime de “homicídio em ocasião de roubo” e que se
baseia no Tratado de Extradição firmado com o Brasil em 15 de novembro de 1961.
2. Pois bem, na forma dos artigos 76 e 82 da Lei n. 6.815/80, deferi o pedido de
prisão cautelar e determinei a expedição de mandado de captura, a ser cumprido pelo
Departamento de Polícia Federal (fl. 39).
3. De sua parte, o Ministro da Justiça, por meio do Aviso n. 3.464, informou que o
extraditando é brasileiro e atualmente cumpre pena de dez anos e seis meses no Presídio
de Santo Cristo, Estado do Rio Grande do Sul, por crime de roubo e extorsão (fl. 54).
R.T.J. — 196 51

4. Diante da contradição entre as informações extraídas da Nota Verbal (fl. 2), a


qual se refere a nacional argentino, e do ofício ministerial que aponta ser o extraditando
nacional brasileiro, solicitei informações ao Cartório de Registro Civil de Porto
Lucena/RS, bem como a manifestação do Estado-requerente (fl. 61), quedando silente
este último.
5. Prossigo no relato da quaestio juris que se contém nesta causa para anotar que,
recebidas as certidões de fls. 71 e 75, encaminhadas pelo Cartório de Porto Lucena,
dando conta de que o extraditando é brasileiro, remeti os autos à douta Procuradoria-
Geral da República para manifestação. Opinando o Parquet, então, pela prejudicialidade
do pedido extradicional, em razão da nacionalidade brasileira do extraditando. Mais:
com o fito de evitar a impunidade quanto ao crime cometido na Argentina, pugnou o
órgão ministerial público pela aplicação do artigo 88 do Código de Processo Penal
brasileiro.
É o relatório.

VOTO
O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto (Relator): Feito o relatório, passo ao voto.
8. Conforme visto, o pedido de extradição de Antenor Danilo de Oliveira Batista
não comporta deferimento.
9. Em verdade, da análise das certidões de fls. 71 e 75, verifica-se que o extraditando
nasceu no Estado do Rio Grande do Sul e é filho de Florentino José Batista e Adelina Paz
de Oliveira, ambos brasileiros.
10. Sob este visual das coisas, é preciso lembrar que o Brasil proíbe a extradição de
brasileiros, de forma terminante e solene, não só na lei ordinária como também no texto
constitucional. E o faz nos termos seguintes:
“Art. 5º (...)
LI - nenhum brasileiro será extraditado, salvo o naturalizado, em caso de
crime comum, praticado antes da naturalização, ou de comprovado envolvimento
em tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, na forma da lei;”
11. Noutra vertente, estando impossibilitado de atender ao pedido de cooperação
internacional, deve o Brasil, nesses casos, assumir a obrigação de proceder contra o
extraditando de modo a evitar a impunidade do nacional que delinqüiu alhures. Trata-se,
portanto, da efetivação do princípio universal do aut dedere aut judicare, segundo o
qual o Estado-requerido deve assumir a posição de guardião do interesse internacional
comum.
12. Nessa contextura, ante a inviabilidade do pedido extradicional, voto pelo seu
indeferimento. Voto, ainda, pela remessa de cópia dos autos para o douto Juízo da
Comarca de Santo Cristo, de modo que o brasileiro se exponha a processo criminal, nos
termos do artigo 88 do Código de Processo Penal brasileiro.
52 R.T.J. — 196

EXTRATO DA ATA
Ext 916/República Argentina. Relator: Ministro Carlos Britto. Requerente: Go-
verno da República Argentina. Extraditando: Antenor Danilo de Oliveira Batista ou
Gringo.
Decisão: O Tribunal, por unanimidade, indeferiu a extradição, nos termos do voto
do Relator. Ausentes, justificadamente, os Ministros Nelson Jobim (Presidente), Celso
de Mello e Gilmar Mendes. Presidiu o julgamento a Ministra Ellen Gracie (Vice-Presi-
dente).
Presidência da Ministra Ellen Gracie (Vice-Presidente). Presentes à sessão os Mi-
nistros Sepúlveda Pertence, Carlos Velloso, Marco Aurélio, Cezar Peluso, Carlos Britto,
Joaquim Barbosa e Eros Grau. Vice-Procurador-Geral da República, Dr. Antonio Fernando
Barros e Silva de Souza.
Brasília, 19 de maio de 2005 — Luiz Tomimatsu, Secretário.

EXTRADIÇÃO 923 — REPÚBLICA ITALIANA

Relator: O Sr. Ministro Carlos Velloso


Requerente: Governo da Itália — Extraditando: Fabio Franco
Constitucional. Penal. Extradição: Itália. Delitos: tráfico de entorpe-
centes, detenção de armas, receptação, formação de quadrilha finalizada
ao tráfico de substâncias entorpecentes. Homicídio e tentativa de homicídio.
I - Pedido de extradição instruído com os documentos exigidos pela
lei brasileira, Lei 6.815/80, art. 80, e pelo Tratado de Extradição Brasil—
Itália.
II - Fatos delituosos tipificados como crime na lei penal italiana e na
lei brasileira.
III - Inocorrência de prescrição, seja pela lei italiana, seja pela lei
penal brasileira.
IV - Extradição deferida.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribu-
nal Federal, em Sessão Plenária, na conformidade da ata do julgamento e das notas
taquigráficas, por unanimidade, deferir o pedido de extradição, nos termos do voto do
Relator. Ausente, justificadamente, o Ministro Carlos Britto.
Brasília, 31 de março de 2005 — Nelson Jobim, Presidente — Carlos Velloso,
Relator.
R.T.J. — 196 53

RELATÓRIO
O Sr. Ministro Carlos Velloso: O Sr. Ministro de Estado da Justiça encaminhou a
esta Corte, nos termos do art. 84 da Lei 6.815/80, alterada pela Lei 6.964/81, e do
Tratado de Extradição existente entre o Brasil e a Itália, os documentos justificadores e
formalizadores do pedido de extradição formulado pelo Governo da República Italiana
contra o nacional italiano Fábio Franco, que teve contra si expedidas três ordens de
prisão pelo Juiz de investigações preliminares junto ao Tribunal de Lecce, pelos crimes
de tráfico ilícito de substâncias entorpecentes, detenção de armas, receptação, formação
de quadrilha de cunho mafioso, formação de quadrilha finalizada ao tráfico ilícito de
substâncias entorpecentes, homicídio premeditado grave, tentativa de homicídio pre-
meditado grave e porte ilegal de armas em lugar público.
Nos autos da PPE 462 (fl. 13 do apenso), decretei a prisão preventiva do extraditando,
que foi efetivada em 3-2-2004 (fl. 26 do apenso).
À fl. 217, em atenção a requerimento formulado pela Interpol, autorizei a transfe-
rência do extraditando para o Presídio de Segurança Máxima de Presidente Bernardes,
tendo em conta a notícia de possível tentativa de resgate armado do extraditando.
Ao ser interrogado, às fls. 573-585, o extraditando negou o seu envolvimento nos
fatos ilícitos e declarou ter interesse em retornar à Itália para se defender das acusações.
Na defesa de fls. 573/585, o extraditando, preliminarmente, sustenta que a sua
custódia no Presídio de Segurança Máxima de Presidente Bernardes/SP, além de não
estar devidamente fundamentada, não observou o disposto na Lei 10.792/2003, que
regula o regime disciplinar diferenciado a que está sujeito. No mérito, concorda com o
pedido de extradição, desde que lhe sejam garantidas, em caso de condenação, a não-
aplicação de pena de morte ou de prisão perpétua e a exclusão do crime de “associação
mafiosa”, por não encontrar correspondente no direito brasileiro.
O Ministério Público Federal, às fls. 606-611, pelo parecer do eminente Procura-
dor-Geral, Professor Cláudio Fonteles, opina no sentido do deferimento do pedido de
extradição.
É o relatório.

VOTO
O Sr. Ministro Carlos Velloso (Relator): A República Italiana pede a extradição —
extradição instrutória — do nacional italiano Fabio Franco, contra quem foram expedidos
mandados de prisão, entre 2001 e 2003, pelo Juiz de Investigações Preliminares do
Tribunal de Lecce, pelos crimes de tráfico ilícito de substâncias entorpecentes, detenção
de armas, receptação, formação de quadrilha de cunho mafioso, formação de quadrilha
finalizada ao tráfico ilícito de substâncias entorpecentes, homicídio premeditado grave
e tentativa de homicídio grave premeditado (fls. 4-188). A Nota Verbal n. 61, à fl. 4, dá
notícia da expedição de três mandados de prisão pelo Juiz do Tribunal de Lecce, pelos
delitos mencionados.
Oficiando nos autos, às fls. 606-611, pronunciou-se o Procurador-Geral da Repú-
blica, Professor Cláudio Fonteles, pelo deferimento do pedido de extradição. Destaco do
seu parecer:
54 R.T.J. — 196

“(...)
6. Com efeito, o pedido do governo italiano reúne condições para ser deferido.
7. Preliminarmente, observe-se que foi respeitado o prazo de 40 (quarenta)
dias entre a comunicação da prisão preventiva e o requerimento formal de extradi-
ção, previsto no artigo XIII, item 4, do Tratado de Extradição celebrado entre o
Brasil e a Itália. A embaixada do país requerente foi formalmente cientificada da
efetivação da prisão preventiva para fins de extradição no dia 10.02.2004 (fl. 37 da
PPE n. 462, em apenso). O pleito de extradição, a seu turno, foi formulado no dia 10
de março de 2004 (fl. 4), portanto, rigorosamente dentro do prazo previsto no
tratado específico.
8. Ademais, é inegável que o estado requerente dispõe de competência
jurisdicional para processar e julgar os delitos imputados ao extraditando, que é
nacional italiano e naquele país teria cometido os ilícitos penais de que é acusado.
9. O pedido vem instruído com os decretos de prisão e os demais documentos
exigidos pela Lei n. 6.815/80 e pelo Tratado de Extradição celebrado entre os dois
países, havendo indicações seguras sobre o local, data, natureza e circunstâncias
dos fatos delituosos, com cópia dos textos legais pertinentes, todos traduzidos
para o português, de modo a permitir ao Supremo Tribunal Federal o exame seguro
da legalidade da pretensão extradicional (fls. 4-188).
10. Passemos a análise do contido em cada uma das ordens de prisão
expedidas pela justiça italiana.
11. Em 22 de novembro de 2001, o Juiz de investigações preliminares junto
ao Tribunal de Lecce ordenou a prisão do ora extraditando pelos crimes de tráfico
ilícito de substâncias entorpecentes (arts. 81 e 110 do CP Italiano, art. 73, § 1º e 80
do DPR n. 309/90), detenção de armas (art. 2 da Lei n. 895/67) e receptação (art.
648 do CP Italiano), por fatos ocorridos em novembro de 2001 (processo n. 9875/
01 RGIP, fls. 14-17). Os fatos tidos por criminosos estão devidamente descritos. Há
dupla tipicidade. O crime punido pelo art. 73, § 1º e 80 do DPR n. 309/90, qual
seja, ‘tráfico ilícito de substâncias entorpecentes’, encontra correspondente no
tipo penal brasileiro previsto no art. 12 da Lei n. 6368/76. O crime de ‘detenção de
armas’ tipificado pelo art. 2 da Lei n. 895/67, no ano de 2001, encontrava corres-
pondência no art. 10 da Lei n. 9437/97 e, atualmente, está previsto no art. 10 da Lei
n. 10826/2003. Por fim, a ‘receptação’, que trata o art. 648 do CP Italiano,
corresponde ao delito tipificado no art. 180 do CP. Em virtude dos fatos criminosos
terem sido cometidos recentemente, não se verifica a ocorrência de prescrição de
nenhum dos crimes antes mencionados, seja em face da legislação italiana, seja da
brasileira.
12. Em 10 de abril de 2003, o Juiz de investigações preliminares junto ao
Tribunal de Lecce determinou a prisão do extraditando pelos crimes formação de
quadrilha de cunho mafioso, formação de quadrilha finalizada ao tráfico ilícito de
substâncias entorpecentes e tráfico ilícito das mesmas substâncias, por fatos ocor-
ridos até março de 2003 (processo n. 2577/2003, fls. 47-72). Os fatos tidos por
criminosos estão devidamente descritos. Há dupla tipicidade. O crime punido pelo
art. 416 bis, e parágrafos, do Código Penal Italiano, qual seja, ‘associação armada
de tipo mafioso’, encontra correspondente no tipo genérico da lei brasileira (crime
R.T.J. — 196 55

de quadrilha ou bando - CP, art. 288, parágrafo único). O tipo insculpido no art. 74
do DPR n. 309/90 ‘formação de quadrilha finalizada ao tráfico ilícito de substân-
cias entorpecentes’, corresponde ao crime previsto no art. 14 da Lei n. 6368/76. Por
último, o crime punido pelo art. 73 do DPR n. 309/90, qual seja, ‘tráfico ilícito de
substâncias entorpecentes’, encontra correspondente no tipo penal brasileiro pre-
visto no art. 12 da Lei n. 6368/76. Em virtude dos fatos criminosos terem sido
cometidos recentemente, não se verifica a ocorrência de prescrição de nenhum dos
crimes antes mencionados, seja em face da legislação italiana, seja da brasileira.
13. Em 3 de novembro de 2003, o Juiz de investigações preliminares junto ao
Tribunal de Lecce ordenou a prisão do ora extraditando pelos crimes de homicídio
premeditado grave, tentativa de homicídio grave premeditado e porte ilegal de
armas em lugar público, fatos ocorridos em ocorridos em 24.08.2001, 31.08.2002
e 28.12.2002 (processo n. 2577/2003, fls. 117-159). Os fatos tidos por criminosos
estão devidamente descritos. Há dupla tipicidade. O crime punido pelo art. 575, do
Código Penal Italiano, qual seja, ‘homicídio’, inclusive nas formas qualificadas
(art. 577 do CP Italiano) equivale ao tipo de mesmo nome do CP brasileiro (art.
121). Por fim, o crime de ‘detenção de armas’ tipificado pelo art. 2 da Lei n. 895/67,
nos anos de 2001 e 2002, encontrava correspondência no art. 10 da Lei n. 9.437/97
e, atualmente, está previsto no art. 10 da Lei n. 10.826/2003. Em virtude dos fatos
criminosos terem sido cometidos recentemente, não se verifica a ocorrência de
prescrição de nenhum dos crimes antes mencionados, seja em face da legislação
italiana, seja da brasileira.
14. O pedido atende, assim, os requisitos legais para sua concessão, em con-
sonância com a jurisprudência desse Excelso Supremo Tribunal Federal:
‘Extradição. Governo da Itália. Prática do crime de associação armada
de tipo mafioso, previsto no art. 416-bis do Código Penal italiano.
Sendo o ilícito penal também punido pela legislação brasileira,
inexistindo no Brasil processo crime relativo ao mesmo fato e não se verifi-
cando a prescrição pelos ordenamentos jurídicos brasileiro e italiano, não há
óbice legal ao deferimento do pedido.
Extradição deferida.’ (Ext-782/IT, Relator, Min. Ilmar Galvão, DJ 13-
10-00, p. 9)
‘Extradição. Crimes de formação de quadrilha de cunho mafioso,
roubo, extorsão, de porte e de detenção ilegal de arma. Pedido que tem, por
um dos fundamentos, conduta que, à época, era definida no Brasil como
contravenção, só posteriormente criminalizada.
1. O crime específico de associação armada do tipo mafioso, previsto
na lei italiana, tem o seu correspondente genérico na lei brasileira, de quadrilha
ou bando (CP, art. 288). Atendido, também, o postulado da dupla tipicidade
com relação aos crimes de roubo e extorsão.
2. Crimes de detenção e de porte ilegal de arma. O art. 77, II da Lei de
Estrangeiros proíbe a extradição quando o fato não é considerado crime no
Brasil ou no Estado requerente, tornando-a inviável, portanto, por conduta
56 R.T.J. — 196

tipificada como contravenção. À época dos fatos - 1989 - a lei italiana previa
os crimes de detenção e de porte ilegal de arma, enquanto que no Brasil
apenas o porte ilegal de arma era previsto como contravenção. À época do
pedido de prisão preventiva para extradição e do pedido de extradição, já
vigia no Brasil a Lei n. 9.437, de 20.02.97, cujo art. 10 tipificou como crimes
as condutas de detenção e de porte ilegal de arma, porém, sujeitos ao período
de vacacio legis de seis meses, prorrogável (art. 20). Conflito de leis no
tempo em face da exigência de dupla tipicidade (art. 77, II da Lei de Estran-
geiros). Se a conduta não era considerada crime no Brasil, ao tempo da práti-
ca do ato, a extradição não pode ser deferida por este fundamento, porque é
subjacente ao disposto no citado art. 77, II, a idéia de que só é permitida a
extradição quando for possível, hipoteticamente, o processo criminal em
ambos os países (requerente e requerido). No Brasil é inviável tal processo
porque é axiomático no nosso direito que não há crime sem lei anterior que o
defina, nem pena sem prévia cominação legal, e, também, porque a lei penal
não retroagirá, salvo para beneficiar o réu (art. 5º, XXXIX e XL da Constitui-
ção). Ainda que assim não fosse, a extradição também não poderia ser conce-
dida por ter transcorrido o prazo prescricional, segundo a lei brasileira, visto
que é vedada a extradição quando estiver extinta a punibilidade pela prescri-
ção segundo a lei brasileira ou a do Estado requerente (art. 77, VI, da mesma
Lei).
3. Declarada a legalidade e julgado procedente, em parte, o pedido de
extradição, ressalvando-se que o extraditando não poderá responder processo
pelo crime de detenção e de porte ilegal de arma.’ (Ext-716/IT, Relator Min.
Mauricio Correa, DJ 20-02-98, p. 14).
‘Constitucional – Penal – Extradição – Prisão decretada pela Justiça
estrangeira – Elementos informativos – Lei 6.815, de 19.08.1980, art. 80 –
Extraditando casado com brasileira – Filho brasileiro – Acusação formulada
contra o extraditando – Indagações preliminares – Atos delituosos praticados
em território brasileiro e italiano – Concurso de jurisdições – Associação de
tipo mafioso – Cód. Penal italiano, art. 416, bis – Cód. Penal brasileiro, art.
288, crime de quadrilha ou bando
1. Mandado de prisão expedido pela Justiça italiana. Satisfeita a exi-
gência do art. 80 da Lei n. 6.815/1980, na redação da Lei n. 6.964/1981, não
cabe a Justiça Brasileira o exame dos elementos informativos em que se
baseou o Tribunal estrangeiro para formalizar a acusação e decretar a prisão
do extraditando. 2. O fato de o extraditando ser casado com brasileira e com
esta ter filho, nascido no Brasil, não afasta a extradição. Súmula 421-STF. 3.
Não é causa impeditiva da extradição o fato de a acusação formulada contra
o extraditando estar na fase de indagações preliminares. 4. Concurso de juris-
dições penais: atos delituosos praticados em território brasileiro e italiano:
prevalece a jurisdição penal italiana, dado que não existe, no Brasil, procedi-
mento penal-persecutório contra o extraditando. Precedentes do STF. 5. Cor-
respondência de tipificação: associação de tipo mafioso, Cód. Penal italiano,
R.T.J. — 196 57

art. 416, bis. Crime de quadrilha ou bando, art. 288 do CP. 6. Atendimento
das exigências do art. 80 da Lei n. 6.815/1980.’ (Ext-638/IT, Rel. Min.
Carlos Velloso, DJU 15.09.1995, p. 29506)
15. Ante o exposto, opina o Ministério Público Federal pela concessão do
pedido de extradição formulado pelo Governo da Itália, em desfavor do seu nacional
Fabio Franco.
(...).” (Fls. 607-611)
Correto o parecer do Ministério Público Federal.
A formalização do pedido de extradição se fez no prazo de 40 (quarenta) dias
previsto no art. XIII, item 4, do Tratado de Extradição celebrado entre o Brasil e a Itália.
Com efeito.
A embaixada da Itália foi formalmente comunicada da prisão do extraditando no
dia 10-2-2004 (fl. 37 da PPE 462, em apenso). O pedido de extradição foi formalizado
em 10-3-2004, no prazo, portanto, previsto no Tratado.
Os delitos imputados ao extraditando encontram tipificação no Direito Penal posi-
tivo brasileiro, como bem demonstrado no parecer do Ministério Público Federal.
Os delitos teriam ocorrido em novembro de 2001 (fls. 14-17) e até março de 2003
(fls. 47-72). Não há falar, portanto, em prescrição, seja pela lei italiana, seja pela lei
brasileira.
O pedido está instruído com os decretos de prisão e com os demais documentos
exigidos pela Lei 6.815/80, art. 80, e pelo Tratado de Extradição Brasil—Itália.
Do exposto, acolho o parecer do Ministério Público Federal e defiro o pedido de
extradição.

EXTRATO DA ATA
Ext 923/República Italiana — Relator: Ministro Carlos Velloso. Requerente: Governo
da Itália. Extraditando: Fabio Franco (Advogados: Antonio Benedito Barbosa e outros).
Decisão: O Tribunal, por unanimidade, deferiu o pedido de extradição, nos termos
do voto do Relator. Ausente, justificadamente, o Ministro Carlos Britto. Presidiu o
julgamento o Ministro Nelson Jobim.
Presidência do Ministro Nelson Jobim. Presentes à sessão os Ministros Sepúlveda
Pertence, Celso de Mello, Carlos Velloso, Marco Aurélio, Ellen Gracie, Gilmar Mendes,
Cezar Peluso, Joaquim Barbosa e Eros Grau. Vice-Procurador-Geral da República, Dr.
Antonio Fernando Barros e Silva de Souza.
Brasília, 31 de março de 2005 — Luiz Tomimatsu, Secretário.
58 R.T.J. — 196

QUESTÃO DE ORDEM NA AÇÃO CAUTELAR 929 — RJ

Relator: O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence


Requerente: Expresso Real Rio Ltda. — Requerido: Ministério Público do Estado
do Rio de Janeiro
1. Medida cautelar em recurso extraordinário: competência do Su-
premo Tribunal Federal para o julgamento de medidas cautelares de RE,
quando nela se oponha o recorrente à aplicação do art. 542, § 3º, do
Código de Processo Civil: incidência do disposto no parágrafo único do
art. 800 do Código de Processo Civil (“interposto o recurso, a medida
cautelar será requerida diretamente ao tribunal”): hipótese de medida
cautelar que visa a afastar óbice ao processamento do recurso na instância
a qua, diversa do problema do início da jurisdição cautelar do Supremo
para conceder efeito suspensivo ao RE: precedente (Pet. 2.222, 1ª T., 9-12-03,
Pertence, DJ de 12-3-04).
2. Recurso extraordinário: temperamentos impostos à incidência
do art. 542, § 3º, do Código de Processo Civil, entre outras hipóteses, na de
antecipação de tutela que possa tornar ineficaz o eventual provimento dos
recursos extraordinário ou especial.
3. Medida cautelar: deferimento: caso que — dados os termos da
antecipação de tutela, em particular, a injunção à autarquia de licitar de
imediato as linhas objeto da permissão questionada — é daqueles que
efetivamente não admitem a retenção do recurso extraordinário.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo
Tribunal Federal, em Sessão Plenária, na conformidade da ata do julgamento e das notas
taquigráficas, por unanimidade de votos, resolvendo questão de ordem, deferir a medida
cautelar para determinar o processamento do recurso extraordinário, a fim de que o
admita, ou não, a presidência do Tribunal a quo, como entender de direito, nos termos do
voto do Relator.
Brasília, 6 de setembro de 2005 — Sepúlveda Pertence, Presidente e Relator.

RELATÓRIO
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Em ação civil pública proposta pelo Ministério
Público contra o Departamento de Transportes Rodoviários do Estado do Rio de Janeiro
e a requerente — cujo pedido principal é a declaração de nulidade dos atos que prorro-
garam a permissão para explorar linhas de transporte coletivo intermunicipal (apenso 1,
fl. 63) —, o juízo de primeiro grau deferiu antecipação da tutela nos termos seguintes
(apenso 1, fls. 92/96):
R.T.J. — 196 59

“Da Tutela de Urgência Pretendida e do Despacho Liminar Positivo


Inicialmente, desnecessário se torna a oitiva prévia do Poder Público já que
o Detro prestou informações às fls. 68/69, dos autos 2003.001.101973-0, que
abragem a ora permissionária 2ª Ré.
Pretende o Ministério Público a antecipação dos efeitos da tutela final, nos
termos pormenorizadamente elencados no item III, número 1 e respectivos desdo-
bramentos, conforme disposto às fls. 28/29 de sua inicial.
Nas alíneas 1.1 e 1.2 do sobremencionado item, requer o autor primeiramente,
decisão judicial que obrigue o Detro-RJ à observância das Leis 8666/93 e 8987/95,
abstendo-se de delegar linhas regulares, serviços complementares, linhas requisi-
tadas e linhas especiais do serviço público de transporte coletivo intermunicipal
de passageiros por ônibus sem prévio procedimento licitatório e; em segundo
lugar, requer que o primeiro réu seja obrigado a suspender imediatamente as
delegações de serviço público de transportes de passageiros por ônibus que não
foram precedidas de licitação e que ainda não entraram em operação.
Nas quatro alíneas subseqüentes (1.3, 1.4, 1.5, e 1.6) do item em referência,
pugna pelo implemento de providências destinadas à deflagração do procedimento
licitatório para as 1.087 linhas intermunicipais de ônibus do Estado, inclusive
com a cominação de multa pela inobservância do preceito, o que se coadunava
com os termos em que originariamente havia sido proposta a demanda.
Finalmente, nos números 2, 3, 4, 5 e 6 do item III, desvela-se o pedido com
suas especificações e demais consectários.
Inicialmente, verifica esta magistrada que a pretensão antecipatória deduzida
nas alíneas 1.1 e 1.2 do item III, nada mas são do que exortações ao cumprimento,
pelo Detro-RJ, do princípio da obrigatoriedade de licitação prévia para delegação
de serviços públicos, consagrada constitucionalmente e na legislação regulamen-
tadora correlata, tanto que tais pretensões já foram acolhidas conforme decisão de
fls. 58, dos autos n. 2003.001.101973-0.
No que concerne às alíneas 1.3 e 1.6 do item III da exordial em exame observa-se
que estando o litisconsórcio limitado à empresa Expresso Real Rio Ltda e ao
Detro, em razão dos documentos acostados às fls. 32/74, entende esta Magistrada
estar presente a fumaça do bom direito, pois o contrato de adesão de fls. 61/68,
celebrado entre a Expresso Real Rio Ltda e o Detro-RJ, tendo por objeto a prorro-
gação de permissão de serviço pelo prazo de 15 anos, firmado em 19/05/1998,
afronta a Lei 8.666/93 e 8.987/95, diplomas especificadamente voltados ao esta-
belecimento de normas gerais sobre concessões e permissões de serviços públicos,
com aplicação a todos os entes federativos. Logo, apesar da plena vigência da Lei
8.666/93 em consonância do art. 175, caput, da Constituição da República, foi
celebrado em adesão sem licitação prévia, em 1998, com prorrogação de permissão
de serviço pelo prazo de 15 anos, sem permitir ao responsável pelo serviço o
exercício de seu juízo discricionário sobre a oportunidade e a conveniência de
prorrogar as permissões e/ou autorização em vigor, violando-se o princípio da
60 R.T.J. — 196

moralidade administrativa. Saliente-se que em representação por inconstituciona-


lidade n. 2002.007.00137, proposta pelo Exmo Sr. Procurador Geral de Justiça
perante o Órgão Especial do Egrégio Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro foi
concedida liminar pelo Eminente Des. Marlan Marinho para suspender, até deci-
são final, os efeitos da expressão “mantidas automaticamente, pelo prazo legal de
15 anos, prorrogável uma única vez, as atuais permissões e autorizações decorrentes
das disposições legais contidas no Decreto-lei 276 de 22 de julho de 1975, cuja
disciplina foi outorgada à autarquia criada pela Lei n. 1211, de 06 de novembro de
1987”, constante do artigo 6º; b) da expressão “da concessão” contida no artigo
32; c) do § 2º do artigo 45, todos da Lei Estadual n. 2831/97 do Estado do Rio de
Janeiro. Há aparente violação dos artigos 7º e 77, caput, e do inciso XXV, da
Constituição estadual e dos artigos 2º, 37 e 175 da Constituição Federal, vale
dizer; os princípios da moralidade administrativa (...)”.
Depreende-se do contrato de adesão n. 002/98 que apesar do mesmo em sua
cláusula 1ª declarar que o objeto do presente será também regido pela Lei 8.666/93,
manteve o Detro/RJ, automaticamente, por mais 15 anos, de acordo com cláusula
11ª, a prorrogação da permissão do serviço de transporte, que ainda pode ser pror-
rogável pelo mesmo período desde que a permissionária esteja executando os
serviços de forma satisfatória, em total afronta com os princípios da moralidade, da
legalidade e demais princípios que devem reger o atuar da Administração Pública,
além de vulnerar o espírito dos artigos 40, caput e parágrafo único e 42, § 2º, da Lei
Federal n. 8.987/95.
O periculum in mora restou também demonstrado eis que a ausência de lici-
tação, dentre outros gravames, causa grave prejuízo ao erário já que os valores que
deveriam ser arrecadados pelo Estado quando da adjudicação da linha à empresa
vencedora operada em licitação deixam de ingressar nos cofres públicos, sem falar
que os usuários dos serviços suportam o pagamento de tarifa e condições
questionáveis de prestação de serviço, pois a ausência de licitação impede a sele-
ção da empresa que atenda ao interesse público.
No que se refere ao perigo de dano inverso, na hipótese dos autos este não se
vislumbra, haja vista que o serviço continuará sendo prestado, não sendo a popu-
lação prejudicada, bem como não há direito subjetivo para o eventual vencedor do
certame à adjudicação do contrato, sendo que continuam mantidas as demais
cláusulas do contrato de adesão ora impugnado, no que se refere a ora permissionária,
estando suspensa a cláusula de vigência do mesmo e de transferência. Nesse passo,
não há risco de dano inverso para a atual permissionária que continuará a empreender
o transporte de passageiros, nos termos das cláusulas avençadas, podendo ainda
vir a comprovar a liceidade da avença que a habilita a tal mister.
Desse passo, defiro a liminar, para determinar:
1 - Que se abstenha o Detro de delegar linhas regulares, serviços complemen-
tares, linhas requisitadas e linhas especiais do serviço público de transporte cole-
tivo intermunicipal de passageiros por ônibus, sem que realize prévia licitação, a
partir da intimação da presente decisão;
R.T.J. — 196 61

2 - Suspendo, imediatamente, os efeitos das cláusulas 11ª e 12ª, do contrato


de adesão n. 002/98, por violar o art. 175, caput, da atual carta política e as Leis
8.666/93 e 8987/95, mantendo-se os demais termos de fls. 61 à 67, em razão da
necessidade da continuidade da prestação de serviço, determinando que o Detro
inicie o procedimento licitatório destinado à escolha dos novos delegatários do
serviço público de transporte coletivo no prazo de 180 dias, com a publicação dos
editais;
3 - Determino que o Detro deposite em cartório, no prazo de 120 (cento e
vinte) dias, minuta dos editais de licitação das linhas delegadas a 2ª Ré, descritas
às fls. 43, já que a Lei Federal não faz qualquer distinção entre linhas comple-
mentares, linhas regulares e especial. Impende observar que nos editais suso
mencionados deverá constar que as linhas licitadas encontram-se sub judice,
cientificando-se, destarte, os eventuais interessados em participar do certame;
4 - Que o Detro apresente a classificação final das propostas oferecidas no
certame licitatório no prazo de trinta dias após concluída a licitação;
5 - Fixo multa de R$20.000,00 caso seja descumprida a liminar, na forma do
art. 11, da Lei 7.347/1985;
6 - Tendo em vista a gravidade dos fatos narrados na inicial, que indicam
afronta ao princípio da moralidade administrativa e prejuízo ao erário, extraiam-se
peças ao Procurador Geral de Justiça e para a Promotoria de Justiça de Defesa da
Cidadania para que seja instaurado inquérito com a finalidade de se apurar conduta
do Sr. Luiz Armando de Mattos, Presidente do Detro à época da assinatura do
contrato de adesão, conforme fl. 68, bem como eventual improbidade administra-
tiva pelos agentes públicos que diretamente participaram da celebração do contrato
de adesão, bem como a conduta dos representantes legais da sociedade permissio-
nária;
7 - Citem-se os réus. Forneça o autor cópias da inicial para instrução do
mandado respectivo. Intime-se.
8 - Traslade-se para os presentes autos cópia das informações prestadas pelo
detro às fls. 68/69, dos autos 2003.001.101973-0.”
O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro negou provimento ao agravo da empresa
requerente, mantendo a antecipação da tutela (apenso 4, fl. 833).
Interposto recurso extraordinário, por pretendida violação dos arts. 93, IX; 37,
XXI, e 175 da Constituição, cuja retenção, no entanto, se determinou no Tribunal a quo,
com base no art. 542, § 3º, do Código de Processo Civil.
Donde, a “ação cautelar” proposta com vistas a que se determine o processamento
do RE, dado que a persistência da tutela antecipada poderá gerar à requerente danos de
impossível ou difícil reparação.
É o relatório.
62 R.T.J. — 196

VOTO
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Relator): Decidiu esta Turma (Pet 2.222, 9-12-03,
Pertence, DJ de 12-3-04):
“1. Medida cautelar em recurso extraordinário: competência do Supremo
Tribunal Federal para o julgamento de medidas cautelares de RE, quando nela se
oponha o recorrente à aplicação do art. 542, § 3º, do Código de Processo Civil:
incidência do disposto no parágrafo único do art. 800 do Código de Processo Civil
(“interposto o recurso, a medida cautelar será requerida diretamente ao tribunal”):
hipótese de medida cautelar que visa a afastar óbice ao processamento do recurso na
instância a qua, diversa do problema do início da jurisdição cautelar do Supremo
para conceder efeito suspensivo ao RE.
2. Medida cautelar: indeferimento: ausência de fumus boni juris: caso de
recurso extraordinário contra decisão concessiva de tutela antecipada em ação
civil pública, não cabível, por não se tratar de decisão definitiva: Código de Pro-
cesso Civil, art. 273, § 4º.”
Doutrina e jurisprudência, invocadas com pertinência na petição, têm imposto
temperamentos à incidência do art. 542, § 3º, do Código de Processo Civil, entre outras
hipóteses, na de antecipação de tutela que possa tornar ineficaz o eventual provimento
dos recursos extraordinário ou especial.
Valiosas, a respeito, as observações do Dr. Cândido Dinamarco, invocadas na
petição:
“(...) a preponderar sem abrandamento a norma agora trazida pelo Código de
Processo Civil, toda pretensão e toda resistência às tutelas jurisdicionais de urgên-
cia ficará confinada aos graus ordinários de jurisdição, sem possibilidade de acesso
ao Supremo Tribunal Federal ou ao Superior Tribunal de Justiça.
Sendo negada pelo Tribunal local uma tutela cautelar ou alguma antecipa-
ção de tutela (art. 273), os males do tempo inimigo, de que falava Carnelutti terão
campo livre para progredir e dificilmente chegará o momento em que os tribunais
de superposição pudessem ditar corretivos – porque o estado de retenção só cessará
quando o mérito já tiver sido julgado ou o processo extinto, situações em que as
medidas de urgência terão perdido a oportunidade.
Havendo sido concedida a tutela de urgência pelo tribunal local, a parte
atingida amargará os seus efeitos, também até quando o processo seja declarado
extinto com ou sem julgamento do mérito – tudo levando a crer que, também aí, o
pronunciamento do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça
já não terá a utilidade desejada.
Em ambas as hipóteses, o sistema terá falhado no cumprimento da suprema
promessa constitucional de tutela jurisdicional efetiva e tempestiva (art. 5º,
XXXV)”.
Sem adiantar qualquer juízo sobre a viabilidade do RE interposto, estou em que o
caso — dados os termos da antecipação de tutela, em particular, a injunção à autarquia
de licitar de imediato as linhas objeto da permissão questionada — é daqueles que
efetivamente não admitem a retenção do recurso extraordinário.
R.T.J. — 196 63

Esse o quadro, submeto à Turma, nos termos do art. 21, IV, RISTF, o deferimento de
medida cautelar para determinar o processamento do recurso extraordinário interposto
pela requerente, a fim de que o admita ou não a presidência do Tribunal a quo, como
entender de direito.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Senhor Presidente, a definição do instrumental


próprio a questionar o imediato processamento do recurso extraordinário ainda não
ocorreu, pelo menos de forma reiterada.
Tenho entendido que, se a situação concreta desafia a pronta seqüência do extraor-
dinário, e ele é retido na origem, cabível, em si, é a reclamação. Mas não estou longe,
também, de admitir uma ação cautelar para o Supremo Tribunal Federal examinar,
incontinente, se deve, ou não, ser processado o extraordinário.
Encontro certa dificuldade no que a Corte, interpretando o Código de Processo
Civil, assentou que, enquanto não ocorre o crivo do juízo primeiro de admissibilidade,
positivo ou negativo, admitindo, ou não, o enquadramento do extraordinário no permis-
sivo que lhe é pertinente, a competência para a cautelar é do Tribunal de origem.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presidente e Relator): Mas não no caso de
retenção.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Pois é. Por isso eu tenderia a assentar que, na reten-
ção, pode ocorrer, sim — devido a essa retenção —, a usurpação da competência do
Supremo, tornando-se irreversível o dano ao jurisdicionado.
Com ressalva quanto ao cabimento, em si, da cautelar, porque entendo mais con-
sentânea a reclamação, acompanho Vossa Excelência.

EXTRATO DA ATA
AC 929-QO/RJ — Relator: Ministro Sepúlveda Pertence. Requerente: Expresso
Real Rio Ltda. (Advogados: Marcus Eduardo Magalhães Fontes e outro). Requerido:
Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro.
Decisão: A Turma, resolvendo questão de ordem, deferiu a medida cautelar para
determinar o processamento do recurso extraordinário, a fim de que o admita, ou não, a
presidência do Tribunal a quo, como entender de direito, nos termos do voto do Relator.
Unânime. Não participou deste julgamento o Ministro Cezar Peluso.
Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à sessão os Ministros Marco
Aurélio, Cezar Peluso, Carlos Britto e Eros Grau. Subprocurador-Geral da República, Dr.
Francisco Xavier Pinheiro Filho.
Brasília, 6 de setembro de 2005 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.
64 R.T.J. — 196

EXTRADIÇÃO 947 — REPÚBLICA DO PARAGUAI

Relator: O Sr. Ministro Carlos Velloso


Requerente: Governo do Paraguai — Extraditando: Idelino Ramon Silvero ou
Idelino Ramon ou Idalino Ramón Silvero ou Fidelino Ramón Silvero
Constitucional. Penal. Extradição. Crime de sequestro. Código Penal
brasileiro, art. 159; Código Penal paraguaio, art. 126. Extraditando pro-
cessado por delito diverso pela Justiça brasileira. Lei 6.815/80, artigos 89,
90 e 67.
I - Fatos delituosos tipificados como crime na lei penal do Paraguai —
Código Penal, art. 126 — e na lei penal brasileira, Código Penal brasileiro,
art. 159. Satisfeita, destarte, a exigência da dupla tipicidade penal.
II - Pedido de extradição instruído com os documentos exigidos pelo
Estatuto dos Estrangeiros, Lei 6.815/80, art. 80.
III- Vigora, na ordem jurídica brasileira, em tema de extradição, o
sistema de contenciosidade limitada, art. 85, § 1º, da Lei 6.815/80. É dizer,
a defesa versará sobre a identidade da pessoa reclamada, defeito de for-
ma dos documentos apresentados ou ilegalidade da extradição, certo que
a constitucionalidade desse dispositivo legal — § 1º do art. 85 — foi reco-
nhecida pelo Supremo Tribunal Federal: Ext 669/EEUU, Ministro Celso
de Mello, RTJ 161/409; Ext 936/Itália, Ministro Carlos Velloso, Plenário,
24-2-2005.
IV - Inocorrência de prescrição, quer pela lei brasileira, quer pela
lei estrangeira.
V - Não impede a extradição a circunstância de ser o extraditando
casado com brasileira ou ter filho brasileiro. Súmula 421/STF.
VI - Extradição deferida, observando-se a ressalva inscrita no art.
89 c/c os arts. 67 e 90 da Lei 6.815/80.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo
Tribunal Federal, em Sessão Plenária, na conformidade da ata do julgamento e das notas
taquigráficas, por unanimidade de votos, deferir a extradição, nos termos do voto do
Relator.
Brasília, 14 de abril de 2005 — Nelson Jobim, Presidente — Carlos Velloso, Relator.

RELATÓRIO
O Sr. Ministro Carlos Velloso: O Sr. Ministro de Estado da Justiça encaminhou a
esta Corte, nos termos do art. 84 da Lei 6.815/80, alterada pela Lei 6.964/81, e do
Tratado de Extradição existente entre o Brasil e o Paraguai, os documentos justificadores
e formalizadores do pedido de extradição formulado pela República do Paraguai contra
o nacional paraguaio Idelino Ramon Silvero, que teve contra si expedida, em 11-11-
2003, ordem de prisão pelo Juiz Penal de Garantias da Cidade de Hernandarias, Circuns-
crição Judicial do Alto Paraná e Canindeyú-Paraguai, pelo crime de sequestro.
R.T.J. — 196 65

Nos autos da PPE 477 (fl. 60 do apenso), decretei a prisão preventiva de Idelino
Ramon Silvero, que foi efetivada em 21-8-2004 (fl. 76 do apenso).
À fl. 167, em atenção a requerimento formulado pela Interpol, autorizei a transfe-
rência do extraditando da Cadeia Pública de Cascavel/PR, tendo em conta a notícia de
possível tentativa de resgate armado do extraditando.
O extraditando encontra-se recolhido no Centro de Triagem de Curibita, conforme
comunicação à fl. 185.
Ao ser interrogado, às fls. 221-228, o extraditando negou a autoria do crime de
seqüestro. Afirma que não conhece pessoalmente a vítima, e que tudo decorre de perse-
guição política, uma vez que, por intermédio de sua agência de notícias, denunciava
uma rede de corrupção envolvendo grandes empresários e agentes políticos do Paraguai.
Esclarece, ainda, que também participava de movimentos políticos e sociais de oposi-
ção no seu país, tendo sido, inclusive, candidato a deputado. Por isso, teme sua morte,
caso seja entregue ao Governo do Paraguai.
O extraditando apresentou a defesa de fls. 231-237, sustentando que o pedido de
extradição não está em condições de ser atendido, dado que, além de possuir filha
brasileira sob sua guarda e dependência, não existe prova da sua participação no delito.
Aduz, ainda, tratar a espécie de perseguição política, sendo vedada a extradição, nos
termos do art. 77, VII, da Lei 6.815/80. Por fim, ressalta o não-atendimento do prazo
máximo para formalização do pedido de extradição (Lei 6.815/80, art. 82).
O Ministério Público Federal, às fls. 494-498, pelo parecer do eminente Procurador-
Geral, Professor Cláudio Fonteles, opina no sentido da concessão do pedido de extradição.
É o relatório.

VOTO
O Sr. Ministro Carlos Velloso (Relator): Trata-se de pedido de extradição instrutória,
requerido pelo Governo do Paraguai, do nacional paraguaio Idelino Ramon Silvero,
contra quem foi expedido mandado de prisão em 11-8-2003, pelo Juiz Penal de Garantias
da Cidade de Hernandárias, Circunscrição Judicial do Alto Paraná e Canindeyú, Paraguai,
sob a acusação da prática do crime de seqüestro — Código Penal do Paraguai, art. 126.
Oficiando no feito, pronunciou-se o Ministério Público Federal, pelo seu chefe, o
eminente Procurador-Geral da República, Professor Cláudio Fonteles, pelo deferimento
do pedido.
Destaco do parecer:
“(...)
5. No que tange aos aspectos legais concernentes ao presente pedido de
extradição, devem ser observadas as regras específicas dispostas no Acordo de
Extradição entre os Estados-Parte do Mercosul, Bolívia e Chile, promulgado no
Brasil pelo Decreto n. 4.975, de 30 de janeiro de 2004, e, subsidiariamente, as
normas da Lei Brasileira Geral de Extradição (Lei 6.815/80), muito embora o
Governo Paraguaio tenha fundamentado sua pretensão no antigo Tratado de
Extradição firmado entre Brasil e Paraguai, no ano de 1922.
66 R.T.J. — 196

6. Nessa perspectiva, cabe refutar, de início todos empecilhos levantados


pelo extraditando na sua defesa. Assim, o fato de Idelino Ramon Silvero ter um
filho brasileiro sob sua guarda e dependência econômica não tem relevância na
análise do pedido de extradição, consoante entendimento cristalizado pelo STF
(Ext 879, Ext 839, Ext 833 e Súmula 421). Outrossim, com relação à alegada
ausência de provas da participação do extraditando no evento criminoso, por se
revestir de questão meritória, extrapola o sistema da contenciosidade limitada (art.
85, § 1º da Lei 6.815/80), que caracteriza o regime jurídico da extradição passiva
no direito brasileiro, conforme entende a Suprema Corte (Ext 897 e Ext 866). Da
mesma forma, no que se refere à pretensa natureza política do delito em comento,
revelam-se insustentáveis os argumentos da defesa, ante a ausência elementos
concretos que denotem a conotação política do delito. Além do mais, prevê o
Tratado específico, no seu artigo 5º, § 1º e § 2º c, que a mera alegação de um fim ou
motivo político não implicará necessariamente na qualificação do delito como tal,
não sendo considerados delitos políticos, em nenhuma circunstância, os atos de
natureza terrorista que, por exemplo, impliquem na tomada de reféns ou seqüestro
de pessoas. Essa é a mesma orientação abraçada pela Lei 6.815/80, segundo dis-
ciplina contida no art. 77, § 3º, quando possibilita ao Supremo Tribunal Federal
deixar de considerar crimes políticos o seqüestro de pessoas. Por derradeiro, quanto
à suposta ofensa ao prazo máximo estabelecido no art. 82 da Lei 6.815/90, resta
superada a análise do tema, tendo em vista a regular formalização do pedido
extradicional.
7. Prosseguindo no exame da legalidade, é inegável que o Estado requerente
dispõe de competência jurisdicional para processar e julgar o delito imputado ao
extraditando, que é nacional paraguaio e naquele país teria cometido o ilícito
penal de que é acusado, estando, dessa forma, este caso, em perfeita consonância
com o disposto art. 78, I, da Lei n. 6.815/80 e art. 3º, a do Acordo Internacional.
8. O pedido vem instruído com o mandado de prisão e os demais documentos
exigidos pelo art. 80 da Lei 6.815/80 e pelo art.18, §§ 2º, 4º e 5º do Tratado,
havendo indicações seguras sobre o local, data, natureza e circunstâncias do fato
delituoso, com cópia dos textos legais pertinentes, todos traduzidos para o por-
tuguês, de modo a permitir ao Supremo Tribunal Federal o exame seguro da
legalidade da pretensão extradicional (fls. 74/137).
9. Encontra-se satisfeito, do mesmo modo, o requisito da dupla tipicidade,
estabelecido no art. 77, II, da Lei n. 6.815/80 e no art. 2º, § 1º, primeira parte, do
Tratado. Assim, o fato-crime imputado ao extraditando pelo Ministério Público do
Paraguai corresponde ao delito previsto no art. 159 do Código Penal brasileiro,
rubricado de ‘extorsão mediante seqüestro’.
10. Em atendimento ao disposto no art. 77, VI da Lei 6.815/80 e no art. 9º do
Tratado, cumpre salientar que não ocorreu a prescrição sob a análise da legislação
de ambos os Estados envolvidos. Nos termos do art. 109, I do Código Penal brasi-
leiro, o prazo prescricional para o presente caso é de 20 (vinte) anos, contados a
partir do dia em que se consumou o delito. O Código Penal paraguaio, por sua vez,
dispõe, no seu art. 102, § 1º, que os delitos puníveis com pena máxima cominada
entre 03 (três) e 15 (quinze) anos prescrevem em um tempo igual ao máximo da
R.T.J. — 196 67

pena privativa de liberdade imposta, ou seja, em 08 (oito) anos, no caso apreciado.


Portanto, diante dos prazos supra citados, conclui-se que a prescrição da pretensão
punitiva, seja nos termos da legislação brasileira ou paraguaia, ainda não se
verificou, uma vez que a consumação do delito ocorreu do dia 13 de julho 2003,
estendendo-se por mais 05 (cinco) dias, em face do caráter permanente do ilícito
criminoso (fls. 76).
11. Da mesma forma, revela-se realizada a exigência prevista no art. 2º, § 1º,
segunda parte, do Acordo de Extradição do Mercosul, cujo preceito determina que
somente darão causa à extradição os delitos puníveis em ambos os Estados com
pena privativa de liberdade de duração máxima não inferior a dois anos. Destarte,
impondo o Código Penal brasileiro a pena máxima de 15 (quinze) anos de reclu-
são, e a lei estrangeira a pena privativa de liberdade de até 08 (anos), por certo não
se considera a dita infração como de menor gravidade, razão que inspirou o óbice
demandado pelo Tratado.
12. Ao cabo, registre-se que o extraditando responde, no Brasil, a processo-
crime pela prática do delito de falsidade ideológica (art. 299 do Código Penal),
ficando condicionada a efetivação da extradição à discricionariedade do Governo
Brasileiro, nos termos do art.89 c/c arts. 90 e 67, todos da Lei 6.815/80.
13. Ante o exposto, o Ministério Público Federal, por meio do Procurador-
Geral da República, manifesta-se pela concessão da extradição do paraguaio
Idelino Ramon Silvero, nos termos do pedido do Governo da França, com ressalva
prevista no art. 89 c/c arts. 90 e 67, todos da Lei 6.815/80.
(...).” (Fls. 495-497)
Tenho como correto o parecer.
A extradição é de ser deferida.
A uma, porque não tem relevância o fato de o extraditando ser casado com brasileira
ou ter filho brasileiro. É o que estabelece a Súmula 421/STF: “Não impede a extradição a
circunstância de ser o extraditando casado com brasileira ou ter filho brasileiro”.
A duas, porque a alegação de inexistência de prova da participação do extraditando
nos fatos delituosos diz respeito ao mérito da questão, certo que vigora, na ordem jurídica
brasileira, em tema de extradição, o sistema de contenciosidade limitada, art. 85, § 1º, da
Lei 6.815/80. Na Ext 936/Itália, por mim relatada, decidiu o Supremo Tribunal Federal:
“Ementa: Constitucional. Penal. Extradição. Entorpecentes: tráfico. Lei
6.368/76, arts. 12 e 14. Sistema de contenciosidade limitada. Lei 6.815/80, art.
85, § 1º. Extraditando condenado pela Justiça brasileira pelos mesmos fatos.
I - Fatos delituosos tipificados como crime na lei penal italiana. Decreto do
Presidente da República, n. 309/1990, arts. 73, § 1º e § 6º, 80, § 2º; Código Penal,
arts. 56 e 112; artigo 74, § 1º, § 2º e § 3º, Decreto do Presidente da República n.
309/1990. Lei brasileira: Lei 6.368/76, arts. 12 e 14.
II - Pedido de extradição instruído com os documentos exigidos pelo Estatuto
dos Estrangeiros, Lei 6.815/80, art. 80.
68 R.T.J. — 196

III - Vigora, na ordem jurídica brasileira, em tema de extradição, o sistema de


contenciosidade limitada, art. 85, § 1º, da Lei 6.815/80. É dizer, a defesa versará
sobre a identidade da pessoa reclamada, defeito de forma dos documentos apresen-
tados ou ilegalidade da extradição, certo que a constitucionalidade desse disposi-
tivo legal — § 1º do art. 85 — foi reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal: Ext
669/EEUU, Ministro Celso de Mello (RTJ 161/409).
IV - Extraditando condenado pela Justiça brasileira pelos mesmos fatos: se,
pelos mesmos fatos em que se fundar o pedido extradicional, o extraditando tiver
sido condenado, a extradição será indeferida. É o que ocorre, no caso, relativamente
ao delito de tentativa de importação de 592 Kg de cocaína, em que o extraditando foi
condenado à pena de 9 (nove) anos de reclusão.
V - Extradição deferida, em parte, observando-se a ressalva inscrita no art. 89
c/c os arts. 67 e 90 da Lei 6.815/80.” (DJ de 18-3-2005)
A três, porque a alegação de que seria político o delito perde-se no vazio, sem
nenhum amparo na prova trazida aos autos, certo que o pedido está instruído com o
mandado de prisão e os demais documentos exigidos pelo art. 80 da Lei 6.815/80 e pelo
art. 18, § 2º, § 4º e § 5º, do Tratado de Extradição. Registre-se, também, que os fatos
imputados ao extraditando constituem crime na legislação penal paraguaia e no Brasil:
Código Penal do Paraguai, art. 126; Código Penal brasileiro, art. 159 — extorsão mediante
seqüestro. Está atendida, dessa forma, a exigência da dupla tipicidade penal.
A quatro, porque não há falar, no caso, em prescrição, quer pela lei paraguaia, quer
pela lei brasileira. No Brasil, art. 109, I, do Código Penal, a prescrição ocorreria em 20
(vinte) anos, contados do dia em que se consumou o delito. Na lei paraguaia, Código
Penal do Paraguai, art. 102, § 1º, a prescrição ocorreria em 8 (oito) anos. O delito, no caso,
teria se consumado em 13-7-2003.
Anote-se que o extraditando está sendo processado criminalmente, no Brasil, pela
prática do delito de falsidade ideológica — Código Penal brasileiro, art. 299. A efetiva-
ção da extradição fica condicionada, portanto, à discricionariedade do Governo do
Brasil, nos termos do art. 89, c/c os arts. 90 e 67, da Lei 6.815/1980. Reporto-me, no
ponto, ao decidido na Ext 936/Itália, de minha relatoria, cujo acórdão está mencionado
linhas atrás. Realmente, não impede a extradição o fato de o extraditando estar sendo
processado, ou ter sido condenado, no Brasil, por fato diverso. A execução da extradição,
nesses casos, rege-se pelo disposto nos arts. 89 c/c os arts. 67 e 90 da Lei 6.815/80.
Do exposto, defiro o pedido, com a ressalva do art. 89 c/c os arts. 67 e 90 da Lei
6.815/80.

VOTO
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Sr. Presidente, com referência a um trabalho
dos tempos de advocacia, quero deixar claro que continuo de acordo com a tese então
sustentada.
Mas, para o reconhecimento da extradição política disfarçada, é preciso trazer
prova consistente do que está por trás do alegado disfarce sob o manto da persecução de
crimes comuns.
R.T.J. — 196 69

No caso, atesta o eminente Relator, ficou-se no campo da mera alegação, no máximo,


no fato de que o extraditando teria tido atividades políticas como candidato de um dos
partidos da oposição, conseqüentemente já nos tempos de normalidade das instituições
paraguaias.
Assisti às últimas eleições paraguaias e nada vi a autorizar a ilação de que o sim-
ples fato de ser militante de um partido de oposição fosse bastante a evidenciar uma
extradition politique déguisée.
Acompanho o eminente Relator.

EXTRATO DA ATA
Ext 947/República do Paraguai — Relator: Ministro Carlos Velloso. Requerente:
Governo do Paraguai — Extraditando: Idelino Ramon Silvero ou Idelino Ramon ou
Idalino Ramón Silvero ou Fidelino Ramón Silvero (Advogado: Mauro Marcio Seadi
Filho).
Decisão: Por unanimidade, o Tribunal deferiu a extradição, nos termos do voto do
Relator. Falou pelo extraditando o Dr. Mauro Marcio Seadi Filho. Presidiu o julgamento
o Ministro Nelson Jobim.
Presidência do Ministro Nelson Jobim. Presentes à sessão os Ministros Sepúlveda
Pertence, Celso de Mello, Carlos Velloso, Marco Aurélio, Ellen Gracie, Gilmar Mendes,
Cezar Peluso, Carlos Britto, Joaquim Barbosa e Eros Grau. Vice-Procurador-Geral da
República, Dr. Antonio Fernando Barros e Silva de Souza.
Brasília, 14 de abril de 2005 — Luiz Tomimatsu, Secretário.

EXTRADIÇÃO 962 — REINO DA DINAMARCA

Relator: O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence


Requerente: Governo da Dinamarca — Extraditando: Claus Malmqvist
I - Extradição: tráfico internacional de substância entorpecente:
concorrência dos pressupostos positivos e negativos da extradição: defe-
rimento, condicionada a entrega do extraditando ao disposto no art. 89 c/c
o art. 67 da Lei 6.815/80.
II - Extradição: tráfico internacional de entorpecentes: competên-
cia internacional concorrente.
À vista da Convenção Única de Nova Yorque, de 1961 (art. 36, II, a,
I), e para efeitos extradicionais, cada uma das modalidades incriminadas,
no tipo misto alternativo de tráfico de entorpecentes, deve considerar-se
um delito distinto: donde, a competência da Dinamarca para julgar o
crime de importação para o seu território de droga remetida do Brasil,
sem prejuízo da jurisdição brasileira sobre a exportação ou tentativa de
exportação da mesma mercadoria. Precedentes.
70 R.T.J. — 196

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribu-
nal Federal, em Sessão Plenária, sob a Presidência da Ministra Ellen Gracie, na conformi-
dade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, deferir
o pedido de extradição, nos termos do voto do Relator.
Brasília, 20 de outubro de 2005 — Ellen Gracie, Presidente — Sepúlveda Pertence,
Relator.

RELATÓRIO
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: O Governo do Reino da Dinamarca, por sua
representação diplomática, requer a extradição do seu nacional Claus Malmqvist, contra
quem expedida ordem de prisão preventiva pelo Tribunal de Primeira Instância de Co-
penhague, por crimes consumado e tentado de tráfico internacional de substância entor-
pecente (art. 191 comb. com o art. 21 do Código Penal da Dinamarca).
2. O aviso do Sr. Ministro da Justiça que encaminha os respectivos documentos
justificativos e formalizadores aduz que o pedido de extradição tem base “na promessa
de reciprocidade de tratamento para casos análogos, a teor do art. 76 da Lei 6.815, de
19 de agosto de 1980, alterada pela Lei 6.964, de 9 de dezembro de 1981.” (fl. 2).
3. A nota verbal veio instruída com cópias, nos idiomas dinamarquês e português,
do decreto de prisão do extraditando e respectiva fundamentação e do teor das normas
penais do Reino da Dinamarca que capitulam os delitos a ele imputados (docs. fls. 7/16
(trad.); fls. 17/34).
4. O documento de fls. 5/6 está vertido em inglês.
5. A Exposição da Polícia de Copenhague, que acompanha a nota verbal, dá conta
dos fatos em razão dos quais o extraditando está sendo processado e lhe foi decretada a
prisão (trad. fls. 9/12):
“Foi decretado o mandado de prisão de Claus Malmqvist, à revelia, por meio
do despacho de 24 de novembro de 2004, promulgado pelo Tribunal de 1ª Instân-
cia de Copenhague, visando à sua extradição para a Dinamarca, onde está sob
acusação de
1. Tráfico de 13 toneladas de haxixe perpetrado no período entre 10 de julho
de 2003 e 1º de agosto de 2003, conjuntamente com uma série de cúmplices.
2. Tentativa de tráfico de 500 kg de cocaína no período de início de agosto
de 2004 a 15 de novembro de 2004, conjuntamente com uma série de cúmplices.
Quanto ao fundamento legal do processo, devo informar que a Polícia de
Copenhague, em cooperação com a Equipe Internacional da Polícia Nacional,
desde o início de 2004 tem feito uma investigação direcionada a Claus Malmqvist.
O fundamento para se iniciar a investigação foi que a polícia dinamarquesa, em
conexão com a investigação de um processo de tráfico de 3 toneladas de haxixe
para a Noruega, via Dinamarca, constatou que o Claus Malmqvist havia tido con-
tato com pessoas envolvidas neste tráfico. Tínhamos, ainda, obtido informações
R.T.J. — 196 71

das autoridades inglesas de que o Claus Malmqvist, juntamente com o cidadão


dinamarquês Bent Ole Engebretsen, tinha sido detido em 28 de dezembro de 2000
no Aeroporto da Cidade de Londres, onde tinham sido encontrados na posse de
divisas holandesas correspondendo a aproximadamente 1,2 milhão de coroas di-
namarquesas. Não tinham condições de explicar a origem do dinheiro, razão pela
qual a quantia foi temporariamente confiscada. Não tentaram, desde então, reaver
o dinheiro.
O Claus Malmqvist não tem residência na Dinamarca, mas tem vindo ao país
com freqüência. Durante as suas estadias, ele tem realizado uma série de encontros
de natureza conspiratória com pessoas conhecidas por narcotráfico. Isto reforçou a
suspeita de que o Claus Malmqvist atualmente estava envolvido em narcotráfico.
Em conexão com a investigação, foi constatado que o Claus Malmqvist
tinha contacto com a mulher dinamarquesa Bibi Jensen, nascida em 10.12.53, tal
como foi constatado que a respectiva mulher, em 2004, fez 6 transportes de dinheiro
totalizando uma quantia superior a 4 milhões de coroas dinamarquesas para o
Claus Malmqvist. Supõe-se que a atividade de transportadora de dinheiro de Bibi
Jensen vem de longa data.
Ao mesmo tempo em que a polícia estava fazendo a investigação direcionada a
Claus Malmqvist, tinha iniciado a investigação dos dois cidadãos dinamarqueses
Lars Petersen, nascido em 28 de agosto de 1975, e Jens Petersen, nascido em
23.04.1970, ambos suspeitos de tráfico de 13 toneladas de haxixe, em julho de
2003.
Em conexão com essa investigação, foi estabelecida a escuta dos locais de
escritório de Lars Petersen no endereço Ole Suhrs Gade n. 18, Copenhague K. O
estabelecimento da escuta de seu escritório mostrou-se um passo importantíssimo
na investigação, já que o Lars Petersen, de modo inequívoco, contou para terceiros,
no referido local, como ele e outros, por meio de um grande veleiro, tinham buscado
13 toneladas de haxixe na costa marroquina, após o qual ele tinha navegado para
a Dinamarca, onde o haxixe foi desembarcado por meio de um barco pesqueiro
local. Depois disso, o haxixe foi conduzido a um armazém e, posteriormente, dis-
tribuído a partir do mesmo armazém. O referido armazém já foi identificado pela
polícia, tal como foi constatado que o Lars Petersen alugou compartimentos de
armazenagem no local referido, como ele mesmo havia mencionado.
Durante a conversa sobre o tráfico de haxixe, mencionou-se repetidas vezes o
nome Claus, que posteriormente foi identificado como sendo o Claus Malmqvist.
Essa identificação ocorreu quando, por ocasião da referida escuta no local
mencionado, foi mencionada uma pessoa que saltou do apartamento de Claus em
Barcelona. Com a assistência da polícia espanhola foi possível esclarecer em mais
detalhes o referido episódio, já que se verificou que o Claus Malmqvist, no mês de
agosto de 2003, tinha sido indiciado de homicídio Pela polícia espanhola, porque
versava a suspeita de que dolosamente havia jogado a referida pessoa da janela de
seu apartamento.
72 R.T.J. — 196

Em conexão com a escuta dos locais de escritório de Lars Petersen, o Lars


Petersen também contou para os outros presentes que ele o Claus Malmqvist, já em
julho de 2003, estavam planejando o tráfico de um grande lote de cocaína. No
entanto, essa tentativa de tráfico foi temporariamente interrompida por causa do
processo penal movido contra ele pelas autoridades espanholas, fundamentado no
episódio supra mencionado.
Entretanto, continuaram os planos de tráfico de cocaína.
Assim sendo, o Lars Petersen alugou, em nome de terceiros, por um período
prolongado, uma casa de veraneio situada perto da costa da Zelândia do Norte,
Dinamarca. Tendo em vista as circunstâncias em conexão com a celebração do
contrato de aluguel, cotejadas com as informações que já havia sobre os planos de
tráfico de cocaína, é de se supor que a referida casa de veraneio deveria ser utilizada
em conexão com o desembarque do lote de cocaína.
Porém, por razões não esclarecidas, o referido local não foi utilizado.
Sem embargo, os planos de tráfico de cocaína continuaram. Em uma conver-
sação interceptada de 13 de julho de 2004, o Lars Petersen informou da seguinte
forma: “O barco com a cocaína está pronto, foi reformado por meio milhão de
coroas e ainda está à deriva no Caribe, esperando por sinal verde. Os colombianos
continuam a pressionar o Claus, porque só pensam em vender”.
De uma conversação interceptada de 22 de julho de 2004 consta, ainda, que
a cocaína deveria ser traficada para a Europa a partir da região Norte, o que a
polícia interpretou como sinal de que a cocaína deveria ser traficada para a Dina-
marca e, desse país, ser reexportada para outros países europeus ao Sul da Dinamarca.
Em 26 de julho de 2004, consta novamente de uma conversação interceptada
que deverá ser feito o tráfico de cocaína e que o Lars Petersen deveria comprar uma
parte do lote. Em conexão com essa conversação foi mencionado 500, que a partir
do contexto da conversação deve ser 500 kg, ou seja, a quantidade de droga que
havia planos de se traficar.
Por razões não esclarecidas, no final de agosto de 2004 termina o contacto
entre o Claus Malmqvist e o Lars Petersen.
Através do seguimento de Claus Malmqvist e da escuta de vários telefones
que o Claus Malmqvist utilizava para se comunicar com as pessoas que haviam
contribuído para as suas atividades criminosas, foi possível constatar, no período
subseqüente, que ele continuava a fazer encontros de índole conspiratória, tanto
na Dinamarca como na Alemanha.
Além disso, foi constatado que ele e um cúmplice, no dia 29 de setembro de
2004 de tarde, tinham feito sondagens na Ilha de Oro, no fiorde Isefjorden. Nenhuma
das respectivas pessoas tem ligação com a ilha. Deve-se supor que o objetivo da
estadia na ilha era examinar as possibilidades de fazer um desembarque do lote de
cocaína. O local deve ser considerado como muito adequado para esse propósito.
R.T.J. — 196 73

No tempo subseqüente, foi constatado através de escutas telefônicas, que o


Claus Malmqvist estava em contacto com uma pessoa chamada Santos. A respec-
tiva pessoa foi posteriormente identificada como sendo Francelino José Patrício
dos Santos, conhecido pelas autoridades portuguesas por tráfico de entorpecentes,
principalmente na forma de heroína e cocaína.
A partir do contexto das conversações, ficou inequívoco que algo estava por
acontecer.
Em uma conversa telefônica de 05 de outubro, o Claus Malmqvist falou com
o Santos que informou que estavam atrasados em uma semana, e que tinham que
ficar à deriva (no sentido marítimo).
Em 16 de outubro de 2004, o Claus Malmqvist teve novamente contato
telefônico com o Santos. Mais uma vez, falou-se de um transporte e que eles
(segundo a percepção da polícia, a tripulação) tinham decidido voltar atrás.
Estavam preocupados em navegar através da “passagem estreita” (segundo a per-
cepção da polícia, o Canal da Mancha, onde os transportes de drogas freqüente-
mente são desvendados pelas autoridades dos países em questão).
Consta de outra conversação de 27 de outubro de 2004, que havia um trans-
porte a caminho, mas que eles (segundo a percepção da polícia, a tripulação)
tinham decidido voltar atrás. A razão disso era o tempo, já que estava vindo pela
frente um grande furacão.
No início de novembro de 2004, o Claus Malmqvist lamentavelmente ficou
desconfiado de que a polícia tinha uma investigação intensiva voltada contra ele.
Das escutas consta claramente que o Claus Malmqvist e seus cúmplices tomaram
uma série de precauções para evitar serem detidos.
No momento, não tem sido possível constatar o que a descoberta da atual
investigação tem significado para o tráfico planejado, mas devemos considerar
provável que os planos apenas foram alterados ou eventualmente adiados por um
certo tempo, até o Claus Malmqvist sentir que a polícia desistiu o caso.
Nos próximos tempos será feita uma série de prisões dos cúmplices de Claus
Malmqvist na Dinamarca e espera-se que estas prisões resultem no desvendamento
das circunstâncias relacionadas com a tentativa de tráfico.”
6. No curso das férias forenses, em 20 de janeiro de 2005, foi decretada a prisão
preventiva do extraditando pelo Ministro Nelson Jobim, Presidente, comunicada a sua
efetivação em 31 do mesmo mês.
7. Em 1º de fevereiro me foram distribuídos os autos, quando deleguei ao Juízo da
Seção Judiciária do Rio de Janeiro, onde recolhido o extraditando, o respectivo interro-
gatório, realizado pelo MM. Juiz Federal Substituto Flávio Roberto de Souza, em 7 de
março de 2005, ao qual compareceu o interrogando acompanhado de seu advogado
Ricardo Carneiro Fortuna, presente intérprete da língua dinamarquesa.
8. Extrato do teor do Termo de Interrogatório — fls. 82/85:
74 R.T.J. — 196

“(...)
que acha que chegou ao Brasil no início do mês de dezembro de 2004; que a
sua mulher grávida mora aqui no Brasil; que não tem endereço na Dinamarca; que
morou muitos anos na Espanha; que tem endereço no Rio de Janeiro; que nos
últimos dois anos tem vindo ao Rio com freqüência; que quando não está aqui está
na Espanha; que em 2004 passou uma boa parte do ano na Dinamarca em razão de
doença de sua mãe; que foi vender a casa de sua mãe e instalá-la em um apartamento
na Dinamarca; que as acusações que lhe são feitas por tráfico de entorpecente são
falsas; que acha que a Polícia Dinamarquesa está fazendo confusão entre ele e
outra pessoa; que aos dezoito anos foi preso por uso de documento falso; que foi a
única vez preso; que não é consumidor nem dependente de produtos químicos;
que teve uma empresa de áudio-texto na Espanha; que teve participação de uma
empresa de construção na Espanha;que tem residência fixa em Andorra;que vive
das economias que fez; que veio para o Brasil com a idéia de continuar com a
empresa de construção que tinha na Espanha; que tem um apartamento na Rua
Prado Junior em Copacabana que é próprio; que é marceneiro, carpinteiro; que não
tem curso superior; que Bibi Jensen é mãe de um de seus melhores amigos, Carsten;
que acha que Bibi não tenha envolvimento com o tráfico; que Bibi nunca fez
transporte de dinheiro para o extraditando; que não conhece Lars Petersen; que
também desconhece Jens Petersen; que há uns quinze anos atrás esteve em
Marrocos; que fez uma viagem de ida e volta no mesmo dia; que tem um aparta-
mento próximo a Barcelona; que em agosto de 2003 uma pessoa tentou pular de
uma janela da varanda de seu apartamento; que já esteve na Zelândia do Norte
milhões de vezes; que Zelândia do Norte fica muito perto Copenhagen e ele conhece
muitas pessoas de lá; que tem família lá; que conhece Francelino José Patrício dos
Santos que é português; que Francelino tem um restaurante na região de Faro; que
o restaurante tem um nome mexicano; que nunca soube do envolvimento de Fran-
celino com o tráfico; que nunca transportou nem nunca consumiu haxixe nem
cocaína; que sabe que tem contra ele um processo na Dinamarca e é por esse fato
que ele está aqui; que nunca foi intimado para comparecer a esse processo; que foi
preso e retido no aeroporto de Londres; que ele estava junto com um amigo e o
amigo estava com uma quantia importante de dinheiro; que o extraditando estava
com uma pequena soma em dinheiro, mas na hora a Polícia juntou a soma toda e
ficou com o dinheiro, porque não tinham como explicar a origem do dinheiro; que
o dinheiro teria sido ganho em um torneio de gamão por seu amigo;que não tenta-
ram obter o dinheiro de volta porque foram aconselhados a fazer isso, porque
poderiam pegar 4(quatro)anos de prisão se o juiz não aceitasse a explicação dele;
que já teve outros passaportes além do que está apreendido em razão dos anteriores
terem vencido o prazo; que nunca teve passaporte emitido por outros países; que
nunca mudou de nome nem é conhecido por outro nome; que conhece Birger e
Carsten; que são seus conhecidos na Dinamarca; que um tem uma empresa de
construção na Dinamarca; que das pessoas mencionadas no processo as quais co-
nhece desconhece o envolvimento delas com tráfico de entorpecente. Às perguntas
do MPF, para esclarecimento, respondeu que não morava no endereço da Prado
R.T.J. — 196 75

Junior, que morava em um apartamento alugado na Av. Atlântica; que esse aparta-
mento pertence a seu amigo Jan; que tem um contrato de locação com Jan; que o
contrato está no nome do extraditando; que paga cinco mil de aluguel por mês;
que ele faz melhorias no apartamento e isso é abatido no valor do aluguel; que às
vezes paga em espécie o aluguel; que o extraditando e Jan têm intenção de montar
uma empresa de construção; que Jan é de fato proprietário desse apartamento; que
o apartamento tem aproximadamente 150 m; que o apartamento da Prado Junior
está vazio; que ele pode provar documentalmente as melhorias que fez no aparta-
mento de Jan; que acha que tem como provar essas melhorias; que tem conta no
Banco do Brasil; que não tem bens em conjunto com sua esposa; que se casou uma
semana depois de ser preso; que conhecia sua esposa há um ano mais ou menos;
que nunca transferiu bens ou dinheiro para sua esposa; que a conta no Banco do
Brasil não é conjunta; que sua esposa tem conta individual no Bradesco ou no
Unibanco, mas não tem certeza; que sua esposa trabalhava na Espanha fazendo
faxina e em lojas; que foi mais o desejo dele que eles voltassem para o Brasil.”
(...)
“Às perguntas da defesa, respondeu que: sua esposa está quase com sete
meses completos de gravidez; que sua mãe tem endereço fixo na Dinamarca; que
seu endereço na Dinamarca é da sua mãe; que toda sua correspondência vai para
esse endereço; que sua mãe sofreu um derrame cerebral que provocou paralisia na
metade do corpo e hoje vive em uma cadeira de rodas; que Claus é um nome
comum na Dinamarca e pode ser escrito por “c” ou por “k”; que seu sobrenome não
é comum; que seu nome não foi captado por escuta telefônica, mas escuta
ambiental; que entende que seu nome integral não foi mencionado em nenhum
momento nessas escutas; que prefere ficar calado em relação a pergunta do Juízo
no sentido de porque tem problemas com a Polícia da Dinamarca; que Zelândia do
Norte é a ilha onde fica Copenhagen; que como a Dinamarca é muito pequena tudo
fica muito perto e todo mundo se conhece; que as últimas vezes que esteve na
Dinamarca não teve contatos nem problemas com a polícia; que nunca recebeu
nenhuma intimação judicial ou policial.”
9. O Defensor constituído pelo extraditando apresentou defesa escrita (fls. 93/137),
na qual alegou preliminarmente a ausência de requisitos formais:
1 - falta de promessa formal de reciprocidade do Estado requerente, que, à
vista da ausência de tratado entre o Brasil e o Estado requerente, nos termos da Lei
6.815/80, é imprescindível ao deferimento do pedido de extradição; além de não
comprovação de que o governo dinamarquês, pelo seu direito interno, na inexis-
tência de tratado, possa oferecer a reciprocidade em tema de extradição;
2 - ausência de tradução de documentos oficiais de fls. 05/06, “em flagrante
cerceamento de defesa, que impede, inclusive o contraditório”;
3 - insuficiência da documentação, que não traz “as disposições legais
atinentes à prescrição”;
4 - falta de indicação precisa quanto ao local, data, natureza e circunstâncias
dos fatos tidos como criminosos.”
10. Segundo a Defesa, os elementos informativos constantes do mandado de prisão
são extremamente insatisfatórios, vagos, imprecisos e sem qualquer nexo: a responsa-
76 R.T.J. — 196

bilidade pelo tráfico de 13 toneladas de haxixe, no período de 10 de julho de 2003 a 1º


de agosto de 2003, e pela tentativa de tráfico de 500 kg de cocaína, no período de agosto
de 2004 a novembro de 2004, é imputada ao extraditando com base em suposições.
11. Aduz que os autos “não trouxeram nenhuma indicação precisa nem mesmo
acerca da identidade do extraditando” (fl. 120).
12. Quanto aos impedimentos materiais ao deferimento do pedido, sustenta a defesa
que há vedação intransponível no incisos III e V do art. 77 do mencionado diploma
legal, uma vez que o extraditando é objeto de inquérito policial instaurado no Brasil,
pela suposta prática do mesmo fato que originou o processo perante as autoridades
dinamarquesas e, em conseqüência, o mandado de prisão, donde a prevalência da com-
petência jurisdicional brasileira para julgar o crime imputado; ademais, o direito bra-
sileiro não admite que o nacional ou o estrangeiro seja processado duas vezes pelo
mesmo fato.
13. Afirma que, “segundo as informações contidas nos autos, ao tempo das supos-
tas infrações, as disposições penais não se encontravam em vigor, sendo que os fatos
são anteriores aos crimes imputados”.
14. Sustenta que o Estado requerente não assumiu os compromissos exigidos pelo
artigo 91 do Estatuto do Estrangeiro, para a entrega do extraditando1.
15. Ademais, alega que, “por estar respondendo processo no Brasil, em sendo
deferido o pleito, não poderá a extradição ser executada, o que somente é possível após
a conclusão do processo ou de eventual cumprimento da pena (EE, artigo 89)”.
16. Acrescenta que o extraditando possui ou possuirá esposa e filhos economica-
mente sob sua dependência.
17. A requerimento do Ministério Público, o Estado requerente foi instado a apresen-
tar cópia da legislação dinamarquesa que regula a prescrição penal dos crimes descritos no
mandado de prisão, bem como a informar “qual a redação do art. 191 do Código Penal
dinamarquês, antes do advento do Decreto-Lei n. 814, de 30-9-2003, ou ainda, qual
outra legislação daquele país previa a criminalização do tráfico de drogas, em período
anterior a julho/agosto de 2003.” (fls. 546/547).
18. O Governo do Reino da Dinamarca apresentou a documentação solicitada (fls.
572/576 e fls. 593/602).
19. O Ministério Público Federal, em parecer do em. Procurador-Geral da Repú-
blica Antônio Fernando de Souza, opinou pelo deferimento do pedido de extradição
(fls. 604/609).

1 “Lei 6.815/90, art. 91: Não será efetivada a entrega sem que o Estado requerente assuma o compro-
misso:
I - de não ser o extraditando preso nem processado por fatos anteriores ao pedido;
II - de computar o tempo de prisão que, no Brasil, foi imposta por força da extradição;
III - de comutar em pena privativa de liberdade a pena corporal ou de morte, ressalvados, quanto
à última, os casos em que a lei brasileira permitir a sua aplicação;
IV - de não ser o extraditando entregue, sem consentimento do Brasil, a outro Estado que o reclame; e
V - de não considerar qualquer motivo político para agravar a pena.”
R.T.J. — 196 77

20. Em 29-6-2005, o extraditando requereu a juntada de certidão de nascimento de


seu filho brasileiro e reiterou o pedido de relaxamento da prisão, por excesso de prazo.
21. Os autos vieram-me conclusos em 3-8-2005, após o decurso das férias forenses.
22. Em 30-8-2005, deferi requerimento da defesa de vista dos autos, por cinco dias
(fl. 639); o advogado do extraditando retirou o processo em 1º-9-2005, devolvendo-os
somente em 21-9-2005, após cobrança feita pela Secretaria do Tribunal (fl. 643).
23. No dia 22-9-2005, a defesa protocolou a petição de fls. 646/656, pela qual,
reiterando razões já deduzidas, pleiteia o indeferimento do pedido.
24. Enfatiza que, ao contrário do que consta do parecer do Ministério Público
Federal, “o extraditando já responde, no Brasil, a procedimentos que apuram fatos
idênticos, estando com prisão cautelar decretada e com bens imóveis sequestrados,
além de lhe terem apreendido bens e valores em ação de busca e apreensão em sua
residência” (fl. 655); para comprovação do alegado, junta certidão fornecida pela Dele-
gacia de Repressão a Entorpecentes, da Superintendência Regional no Rio de Janeiro —
Departamento de Polícia Federal (fl. 657).
25. Conforme informação prestada no dia 23-9-2005, por telefone, pelas Secretarias
da 2ª e da 5ª Vara da Justiça Federal e da Procuradoria da República, no Rio de Janeiro,
não foi oferecida denúncia contra o extraditando, sendo os autos do inquérito encami-
nhados ao Ministério Público Federal (certidão de fl. 657). Na mesma data, o Procurador
da República, a quem distribuído o inquérito, informou que não há data prevista para a
conclusão das investigações, que prosseguem.
26. É o relatório.

VOTO
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Relator): Estou em que concorrem os pressu-
postos positivos e negativos da extradição.
2. Analisa-os com precisão o em. Procurador-Geral da República — fl. 605:
“9. É inegável que o estado requerente dispõe de competência jurisdicional
para processar e julgar os delitos imputados ao extraditando, que é nacional dina-
marquês e naquele país teria cometido os ilícitos penais de que é acusado.
10. Ao contrário do que sustenta o extraditando, o pedido de extradição
encontra-se suficientemente instruído. A inexistência de tratado extradicional en-
tre os dois países não obsta a concessão do pleito se houver a promessa de recipro-
cidade (art. 76 da Lei n. 6.815/80). O documento de fls. 5/6, que acompanha a Nota
Verbal n. 50 (fls. 4), apesar de estar no idioma inglês, não deixa dúvidas do com-
promisso de reciprocidade firmado pelo governo dinamarquês: “The Ministry of
Justice can confirm that Danish authorities will be prepared to assist the authorities
in Brazil in a similar case.” (fls. 6), ou seja, “O Ministro da Justiça pode confirmar
que as autoridades dinamarquesas estarão preparadas para auxiliar as autoridades
brasileiras em caso similar.”
78 R.T.J. — 196

11. Não procede, igualmente, o argumento da defesa no sentido de que os


fundamentos da prisão são imprecisos e que não existe indicação segura quanto ao
local, data, natureza e circunstâncias dos fatos tidos por criminosos.
12. O pedido vem instruído com o decreto de prisão e os demais documentos
exigidos pela Lei n. 6.815/80, havendo indicações quanto ao local, data, natureza
e circunstâncias dos fatos delituosos, com cópia dos textos legais pertinentes,
todos traduzidos para o português, de modo a permitir ao Supremo Tribunal Fede-
ral o exame seguro da legalidade da pretensão extradicional.
13. Os fatos estão bem descritos no mandado de prisão expedido pela justiça
dinamarquesa:
(...).
14. A fundamentação do mandado de prisão segue-se a fls. 9/12, onde a
promotoria pública de Copenhague revela, com detalhes, a participação do extra-
ditando nos crimes a ele imputados.
15. O pedido de prisão lastreia-se em dois fatos assim definidos:
a) Tráfico de 13 toneladas de haxixe para a Dinamarca, entre 10 de
julho a 1º de agosto de 2003, crime previsto no art. 191 do Código Penal da
Dinamarca, com a redação do Decreto-Lei n. 779, de 16 de setembro de 2002
(fls. 573), que prevê pena de 6 (seis) anos a 10 (dez) anos de prisão;
b) Tentativa de tráfico de 500 Kg de cocaína para a Dinamarca, entre
agosto de 2004 e novembro de 2004, crime previsto no art. 191 do Código
Penal da Dinamarca, com a redação do Decreto-Lei n. 960, de 21 de setembro
de 2004, com as alterações introduzidas pelo art. 1º da Lei n. 218, de 31 de
março de 2004, pelo art. 1º da Lei n. 219, de 31 de março de 2004 e pelo art.
1º da Lei n. 352, de 19 de maio de 2004 (fls. 13), c/c o art. 21 do Código Penal
da Dinamarca, que prevê pena de 10 (dez) anos a 16 (dezesseis) anos de
prisão.
16. O crime de tráfico de entorpecentes punido pelo art. 191 do Código Penal
dinamarquês, nas sucessivas redações que lhe foram conferidas, encontra corres-
pondência no tipo penal descrito no art. 12 da Lei n. 6.368/76. O art. 21 do CP da
Dinamarca que trata da tentativa tem correspondência no art. 14, II, do CP brasilei-
ro. Caracterizada, pois, a dupla tipicidade necessária ao deferimento do pleito de
extradição.
17. Não procede, outrossim, o argumento do extraditando que os fatos são
anteriores à promulgação das normas penais incriminadoras. Como se demonstrou
acima, após o pedido de diligências do Ministério Público, os fatos ocorreram
posteriormente a criminalização das condutas, respeitando, assim, o princípio da
anterioridade penal.
18. Ademais, tendo em vista que os delitos ocorreram entre os meses de julho
e agosto de 2003 (tráfico), e entre agosto e novembro de 2004 (tentativa de tráfico),
não se verifica a ocorrência de prescrição, seja em face da legislação estrangeira
dinamarquesa, seja da brasileira. De acordo com o Estado requerente “o prazo de
prescrição para as infrações penais, que o Claus Malmqvist é indiciado de cometer
em 2003, é de 10 anos, cfr. o art. 93, n. 1, item 3, do Código Penal Dinamarquês.
R.T.J. — 196 79

Quanto às infrações penais cometidas em 2004, o prazo de prescrição é de 15 anos,


cfr. o art 93, n. 1, item 4, do mesmo diploma legal.” (fls. 588). No Brasil, a prescri-
ção penal dos crimes de tráfico de entorpecentes é de 20 (vinte) anos (art. 109, I, CP).
19. Também não procede o argumento da defesa no sentido de que está em
curso no Brasil processo contra o extraditando pelos mesmos fatos descritos no
pleito extradicional. A fundamentação do mandado de prisão expedido pela justi-
ça dinamarquesa (fls. 9/12) em nenhum momento faz referência a atividade de
tráfico no Brasil. Já o processo n. 2004.5101508828-8, em curso na 2ª Vara Federal
Criminal da Seção Judiciária do Rio de Janeiro, objetiva investigar Claus Mal-
mqvist, Jan Arthur Polack, Maria Goretti Pimentel Lima e outros em organização
criminosa voltada para o tráfico de entorpecentes, usando o Brasil como rota (fls.
295). Como se vê, o grupo de pessoas investigadas em ambos os processos, no
Brasil e na Dinamarca, são completamente distintos. Ademais, a investigação em
curso no Brasil abrange período posterior a janeiro de 2005, época distinta daquela
trazida no mandado de prisão expedido pela justiça dinamarquesa. O feito investi-
gatório em curso no Brasil não faz referência a quantidade exata de substância
entorpecente ao contrário do processo em curso na Dinamarca. Por tais razões, é de
se concluir que os fatos apurados são diversos, não sendo o caso, pois, de indeferi-
mento da extradição.
20. Encontrando-se o extraditando respondendo a processo criminal perante
à Justiça brasileira, por fato diverso do pedido de extradição, caberá ao Presidente
da República avaliar a conveniência de executar ou não o presente processo
extradicional e decidir sobre o que dispõem os artigos 86, 87 e 89 a 94 da Lei n.
6.815/80. Neste sentido, cabe transcrever trecho do acórdão relatado pelo eminente
Ministro Celso de Mello, que bem aprecia o tema:
“(...) A questão do adiamento da entrega extradicional — Inteligência
do art. 89 do Estatuto do Estrangeiro — A entrega do extraditando — que
esteja sendo processado criminalmente no Brasil, ou que haja sofrido conde-
nação penal imposta pela Justiça brasileira — depende, em princípio, da
conclusão do processo ou do cumprimento da pena privativa de liberdade,
exceto se o Presidente da República, com apoio em juízo discricionário, de
caráter eminentemente político, fundado em razões de oportunidade, conve-
niência e/ou utilidade, exercer, na condição de Chefe de Estado, a prerroga-
tiva excepcional que lhe permite determinar a imediata efetivação da ordem
extradicional (Estatuto do Estrangeiro, art. 89, caput, in fine). Precedentes.”
(Ext 811, Rel. Min. Celso de Mello, DJU 28.02.2003, p. 9).
21. Por fim, o fato de o extraditando ter companheira e filho brasileiros não
afasta a extradição, conforme ampla jurisprudência dessa Excelsa Corte, que se
encontra sumulada (Súmula 421).
3. De acrescentar-se a inconsistência da dúvida aventada acerca da identidade do
extraditando, que o seu próprio interrogatório desfaz.
4. Reclama consideração à parte a questão relativa ao inquérito policial em curso
no Brasil, no qual indiciado o extraditando.
5. Aduz a respeito o parecer da PGR que seriam diversos os fatos objeto de
persecução aqui e na Dinamarca.
80 R.T.J. — 196

6. Pretende a Defesa refutar a assertiva e demonstrar a identidade substancial dos


fatos com a certidão da Polícia Federal, na qual se lê — fl. 657:
“Certifico que o referido procedimento policial fora instaurado através de
Portaria, datada de 24.01.05, em razão do Ofício n. 41/2005 do Grupo de Investiga-
ções Sensíveis/CGPRE/DPF, com o escopo investigar Organização Criminosa vol-
tada principalmente para o tráfico de entorpecentes, condutas estas tipificadas nos
Art. 12 e 14 da Lei 6368/76, tendo em vista notícia de que Claus Malmqvist teria
traficado 13 toneladas de haxixe e tentado traficar cerca de 500 Kg de cocaína,
com destino a Europa, sendo em 31 de janeiro de 2005 indiciados Claus Mal-
mqvist, Passaporte Dinamarquês n. DNK 102042376, Jan Arthur Polack, RNE
W521357-L, Dirk Van’t Wout, Passaporte Holandês n. NLD M2478595 e Maria
Goreti Pimentel Lima, RG n. 3724998 IFP/RJ, como incursos nos Artigos 14 da Lei
6368/76 e Art. 1º, inciso I da Lei 9.613/98.”
7. É de ver, assim, que o inquérito policial no Brasil — não obstante instaurado a
partir da notícia dos mesmos fatos objeto do processo dinamarquês —, nele, visa a apurar
prismas diversos do mesmo episódio histórico global, quais sejam, os da “associação
para o tráfico de drogas” (Lei 6.368/76, art. 14) e de “lavagem de dinheiro” (Lei 9.613/
98, art. 1º).
8. A circunstância é decisiva: sabidamente, a tipicidade e a punibilidade dos delitos
de associação ilícita independem e não se confundem com as dos delitos-fim da organi-
zação, assim como é certo que o crime de “lavagem” se consuma onde praticadas a
ocultação ou a dissimulação de valores de origem criminosa e não no local da comissão
das infrações penais antecedentes.
9. Disso resulta, em tese, a competência internacional brasileira para a persecução
dos delitos aqui investigados, não obstante a descrição dos crimes de tráfico de drogas,
imputados na Dinamarca ao extraditando, não desvele qualquer circunstância de cone-
xão com o Brasil, que, assim, careceria, em princípio, de competência concorrente.
10. Na espécie — como esclarecido pela diligência a que procedeu meu gabinete —
o que existe é inquérito policial e não denúncia.
11. Certo, os precedentes do Tribunal, em caso de competência concorrente, ten-
dem a equiparar, para impedir a extradição, o curso de inquérito policial à pendência de
processo já instaurado (v.g., Ext. 630, 8-3-95, Maurício, RTJ 168/380; Ext. 695, 2-4-97,
Celso, RTJ 163/40; Ext. 777, 31-5-00, Moreira, RTJ 174/376).
12. Há, na espécie, entretanto, um dado que torna ociosa a excogitação a respeito:
é que se cuida de tráfico internacional de entorpecentes, em relação ao qual, nas circuns-
tâncias — conforme, aliás, a certidão da Polícia Federal em que se busca alicerçar a
defesa —, o Brasil não seria jamais o destino de uma importação de drogas, mas, quando
muito, ponto de partida ou de passagem de sua exportação para a Europa.
13. Ainda a ser assim — do que só se cogita para argumentar —, não se teria mais
que a hipótese de incidência da convenção de Nova Iorque, como deixei consignado,
por exemplo, na ementa da Ext 541, RTJ 145/428:
“À vista da Convenção Única de Nova Yorque, de 1961 (art. 36, II, a, I), e para
efeitos extradicionais, cada uma das modalidades incriminadas, no tipo misto al-
ternativo de tráfico de entorpecentes, deve considerar-se um delito distinto: donde,
R.T.J. — 196 81

a competência da Itália para julgar o crime de importação para o seu território de


droga remetida do Brasil, sem prejuízo da jurisdição brasileira sobre os momentos
antecedentes do mesmo episódio criminoso.”
14. Portanto, ainda quando houvesse, no Brasil — do que, como visto, não se
trata —, inquérito a respeito de fato concreto de exportação ou tentativa de exportação
de drogas para a Europa, o objeto do processo instaurado no Estado requerente, a Dina-
marca, é de importação, crime diverso, não absorvido pela exportação da mesma merca-
doria, conforme a Convenção Única de Nova Iorque.
15. Esse o quadro, o que se tem, na espécie — suposta, também para a hipótese, a
equivalência entre processo instaurado e inquérito policial em curso —, é a incidência
do art. n. 89 da Lei 6.815/80:
“Art. 89. Quando o extraditando estiver sendo processado, ou tiver sido con-
denado, no Brasil, por crime punível com pena privativa de liberdade, a extradição
será executada somente depois da conclusão do processo ou do cumprimento da
pena, ressalvado, entretanto, o disposto no artigo 67.
(...)
Art. 67. Desde que conveniente ao interesse nacional, a expulsão do estran-
geiro poderá efetivar-se, ainda que haja processo ou tenha ocorrido condenação.”
16. Nesses termos, defiro a extradição, cuja efetivação ficará submetida ao juízo
do Senhor Presidente da República: é o meu voto.

EXTRATO DA ATA
Ext 962/Reino da Dinamarca — Relator: Ministro Sepúlveda Pertence. Reque-
rente: Governo da Dinamarca. Extraditando: Claus Malmqvist (Advogados: Ricardo
Carneiro Fortuna e outros).
Decisão: O Tribunal, por unanimidade, deferiu o pedido de extradição, nos termos
do voto do Relator. Votou a Presidente. Ausentes, justificadamente, os Ministros Celso
de Mello, Gilmar Mendes, Cezar Peluso e, neste julgamento, o Ministro Nelson Jobim
(Presidente). Falou pelo extraditando o Dr. Francisco Queiroz Caputo Neto. Presidiu o
julgamento a Ministra Ellen Gracie (Vice-Presidente).
Presidência do Ministro Nelson Jobim. Presentes à sessão os Ministros Sepúlveda
Pertence, Carlos Velloso, Marco Aurélio, Ellen Gracie, Carlos Britto, Joaquim Barbosa e
Eros Grau. Vice-Procurador-Geral da República, Dr. Roberto Monteiro Gurgel Santos.
Brasília, 20 de outubro de 2005 — Luiz Tomimatsu, Secretário.
82 R.T.J. — 196

AGRAVO REGIMENTAL NA AÇÃO ORIGINÁRIA 1.153 — ES

Relator: O Sr. Ministro Carlos Velloso


Agravante: Associação dos Escrivães Judiciários do Estado do Espírito Santo –
AEJES — Agravados: Presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo e
Presidente da Assembléia Legislativa do Estado do Espírito Santo
Constitucional. Supremo Tribunal Federal: competência originária:
CF, art. 102, I, n.
I - Os pressupostos do impedimento e da suspeição, que gerariam a
competência do Supremo Tribunal, na forma do art. 102, I, n, da CF,
devem ser apreciados pelo Tribunal competente, em princípio, para o
julgamento da causa. Súmula 623/STF.
II - Agravo provido em parte.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo
Tribunal Federal, em Sessão Plenária, na conformidade da ata do julgamento e das notas
taquigráficas, por unanimidade, dar provimento, em parte, ao agravo regimental, nos
termos do voto do Relator. Ausentes, justificadamente, o Ministro Gilmar Mendes e,
neste julgamento, a Ministra Ellen Gracie e o Ministro Cezar Peluso.
Brasília, 31 de agosto de 2005 — Nelson Jobim, Presidente — Carlos Velloso,
Relator.

RELATÓRIO
O Sr. Ministro Carlos Velloso: Trata-se de agravo regimental, interposto pela Asso-
ciação dos Escrivães Judiciários do Estado do Espírito Santo – AEJES, da decisão
(fls. 81-87) que, diante da não-configuração da competência prevista no art. 102, I, n, da
Constituição Federal, negou seguimento ao pedido formulado na ação originária e
determinou o seu arquivamento.
Inicialmente, diz a agravante que a Assembléia Legislativa do Estado do Espírito
Santo, em sessão extraordinária, votou e aprovou o conteúdo da Mensagem n. 06/2005
(Projeto de Lei n. 009/2005), objeto do mandado de segurança, transformando-o na Lei
n. 7.971, de 4 de março de 2005 (DOE de 7-3-2005).
Sustenta, mais, a configuração da competência originária do Supremo Tribunal
Federal, porquanto o que define a competência prevista no art. 102, I, n, da Constituição
Federal é o fato de mais da metade dos membros do tribunal de origem estarem impedi-
dos ou serem direta ou indiretamente interessados no resultado da causa. Nesse contexto,
ressalta que “o impedimento de todos os membros do Colegiado do Egrégio Tribunal de
Justiça do Estado do Espírito Santo está eloqüente na Justificativa da proposta de Lei
n. 009/05, quando textualmente afirma Sua Excelência o Desembargador Presidente
que: o Tribunal Pleno, preocupado com a modernização do quadro administrativo do
Poder Judiciário estadual, optou, no momento, em estruturar melhor o Tribunal de
Justiça” (fls. 94-95).
R.T.J. — 196 83

Ao final, requer a agravante a reconsideração da decisão agravada ou, caso assim


não se entenda, o provimento do presente agravo regimental.
Às fls. 295-296 e 320, a agravante, com fundamento no art. 1º da Lei n. 10.173/
2001, na Resolução n. 277/2003/STF e no art. 5º, LXXVII, da Constituição Federal,
requer preferência na tramitação do feito.
Autos conclusos em 8-8-2005.
É o relatório.

VOTO
O Sr. Ministro Carlos Velloso (Relator): Segundo a agravante, a competência ori-
ginária do Supremo Tribunal Federal — CF, art. 102, I, n — ocorreria em razão de o
projeto de lei, que foi transformado em lei, ter sido de iniciativa do Tribunal de Justiça
do Estado. Assim, estariam os desembargadores impedidos.
A decisão agravada, ora sob exame, negou seguimento ao pedido, resumida referida
decisão na seguinte ementa:
“Ementa: Constitucional. Processual Civil. Mandado de segurança impe-
trado contra atos dos presidentes do Tribunal de Justiça e da Assembléia Legis-
lativa do Estado do Espírito Santo: competência originária do STF: CF, art.
102, I, n: inocorrência, pelo menos por enquanto. Negativa de seguimento do
pedido, arquivando-se os autos.” (Fl. 81)
A decisão é de ser mantida.
A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal orienta-se no sentido de que os
pressupostos do impedimento ou da suspeição, que gerariam a competência da Corte
Suprema, na forma do disposto no art. 102, I, n, da Constituição Federal, devem ser
apreciados pelo Tribunal competente, em princípio, para o julgamento da causa.
Na AO 176/MS, por mim relatada, decidiu o Supremo Tribunal Federal:
“Ementa: Constitucional. Competência originária do STF. Eleição de di-
rigentes de Tribunal. Mandado de segurança impetrado contra ato do Tribu-
nal de Justiça do Mato Grosso do Sul. CF, art. 102, I, n.
I - Mandado de segurança impetrado contra ato do Tribunal de Justiça que,
quebrando a regra da antigüidade, prevista no art. 102 da Loman, preencheu, por
eleição, o cargo de vice-presidente da Corte. A competência para o julgamento do
writ é do próprio Tribunal, dado que a competência para o julgamento de mandado
de segurança impetrado contra ato de Tribunal é do próprio Tribunal.
II - Os pressupostos do impedimento e da suspeição, impedimento e suspei-
ção que gerariam a competência do Supremo Tribunal Federal, na forma da alínea
n do inc. I do art. 102 da Constituição, devem ser apreciados pelo Tribunal compe-
tente, em princípio, para o julgamento da causa. Precedentes do STF.
III - A regra de competência inscrita no art. 102, I, n, da Constituição pressu-
põe, ademais, um procedimento de natureza jurisdicional no Tribunal de origem.
IV - Mandado de Segurança não conhecido. Remessa dos autos ao Tribunal
de Justiça do Mato Grosso do Sul.” (DJ de 18-6-1993)
84 R.T.J. — 196

Destaco do voto que proferi:


“(...)
Na decisão que proferi na AO n. 186-2/RJ, escrevi:
‘Os Tribunais têm competência originária para processar e julgar os
mandados de segurança contra os seus próprios atos, competência que deflui
da Constituição e da Lei Orgânica da Magistratura, Lei Complementar n. 35,
de 14-3-79 (CF, art. 102, I, d, art. 105, I, b, art. 108, I, c; Loman, art. 21, VI).
Julgando o MS n. 20.969 (AgR)/SP, por mim relatado, decidiu o
Supremo Tribunal Federal:
‘Ementa: Constitucional. Competência originária do Supremo
Tribunal Federal. Mandado de segurança impetrado contra ato do
Tribunal de Justiça de São Paulo.
I - Mandado de Segurança impetrado contra ato do Tribunal de
Justiça que mandou instaurar procedimento administrativo contra ma-
gistrado, afastando-o das suas funções. A competência para o julga-
mento do writ é do próprio Tribunal, por isso que não ocorrente, no
caso, a hipótese inscrita no art. 102, I, n, da Constituição.
II - A Constituição e a Loman desejam que os mandados de segu-
rança impetrados contra atos de tribunal sejam resolvidos, originaria-
mente, no âmbito do próprio Tribunal, com os recursos cabíveis. (CF,
art. 102, I, d, art. 105, I, b; art. 108, I, c; Loman, art. 21, VI).
III- Agravo Regimental improvido’.
Nos MM.SS. n. 21.036/SC e 21.193/DF, relatados pelo eminente Mi-
nistro Celso de Mello, outro não foi o entendimento da Corte Suprema.
A regra, portanto, é esta: a competência para o julgamento de mandado
de segurança impetrado contra atos de Tribunal é do próprio Tribunal.
A Constituição de 1988 introduziu norma de competência originária
do Supremo Tribunal, no art. 102, I, n, a dispor que compete ao Supremo
Tribunal processar e julgar, originariamente, ‘a ação em que todos os mem-
bros da magistratura sejam direta ou indiretamente interessados, e aquela em
que mais da metade dos membros do tribunal de origem estejam impedidos
ou sejam direta ou indiretamente interessados’.
A alínea n do inc. II do art. 102 da Constituição contempla três hipóte-
ses: a) todos os membros da magistratura sejam direta ou indiretamente inte-
ressados; b) mais da metade dos membros do tribunal de origem estejam
impedidos; c) mais da metade dos membros do tribunal indiretamente inte-
ressados.
O Supremo Tribunal Federal tem interpretado a disposição inscrita na
citada alínea n de modo a restringir a competência do Supremo Tribunal
Federal aos casos em que se torna efetivamente necessária a manifestação da
Corte Suprema como cúpula do Poder Judiciário brasileiro.
R.T.J. — 196 85

Assim é que, se não é objeto da causa uma vantagem ou um direito


peculiar, próprio da magistratura, mas vantagem ou direito de todos os
servidores públicos, não compete ao Supremo Tribunal Federal julgar, origi-
nariamente, a causa. Desta forma decidimos na AO n. 8-Questão de Ordem)/CE,
de que fui Relator (RTJ 138/3). Destaco do voto que então proferi:
‘No caso, a causa tem por objeto um direito ou vantagem que é
dos servidores públicos, de modo geral. A norma de competência do
art. 102, I, n, da Constituição tem caráter excepcional, motivo por que
deve ser interpretada restritivamente. Registre-se, por outro lado, que
uma interpretação ampliativa da citada norma de competência — art.
102, I, n — traria para a Corte Suprema milhares de ações relativas às
vantagens pecuniárias e ao próprio regime jurídico do pessoal da
União, pois essas vantagens e normas do regime jurídico dos servidores
públicos são extensivas, de regra, aos magistrados. O mesmo deve ser
dito em relação ao sistema tributário, pois os magistrados, como inte-
grantes da sociedade, são contribuintes de impostos, taxas e contribui-
ções’. (RTJ 138/10).
O decidido na AO n. 8/CE foi reiterado por ocasião do julgamento da
AO 38 (Questão de ordem), por mim relatada (RTJ 138/11).
Tem decidido, ademais, a Corte Suprema:
‘Competência. Mandado de Segurança impetrado originaria-
mente perante o Supremo Tribunal Federal (art. 102, I, n, da Constitui-
ção Federal). Pena de aposentadoria com vencimentos proporcionais
ao tempo de serviço aplicada a magistrado, por tribunal de Justiça
estadual, com base no artigo 93, VIII, e no art. 42, V, da LC n. 35/79
(Loman), em procedimento administrativo disciplinar. Inexistência de
impedimento ou interesse declarado pelos membros do Tribunal esta-
dual que aplicou a pena disciplinar. Remessa dos autos ao Tribunal de
Justiça do Estado do Mato Grosso, que é o competente para julgar,
originariamente, os mandados de segurança contra os seus atos e os de
seu Presidente (art. 21, VI, da mesma Lei Orgânica).’ (MS 21.016/MT,
Relator Ministro Paulo Brossard).
‘A manifestação administrativa não vincula a atuação jurisdicio-
nal do magistrado que o integra, de forma a configurar antecipação da
decisão a ser ainda proferida. Dados conjecturais, ou juízos de mera
probabilidade, ou suposições, ainda que fundadas, de infringência à
obrigação ético-jurídica de isenção pessoal e funcional não constitu-
em, por si sós, desde que desacompanhadas do formal reconhecimento
do estado de impedimento ou de suspeição, situações providas de ido-
neidade jurídico-processual suficiente para legitimar o exercício, pelo
Supremo Tribunal Federal, dessa sua especial competência originária’.
(MS n. 21.338/MS, Relator Ministro Celso de Mello). (As ementas dos
citados MMSS 21.016/MT e 21.338/MS estão no despacho do Ministro
Celso de Mello, proferido na AO 179/PA, DJ de 3-2-93).’
86 R.T.J. — 196

No MS n. 21.306-0/MT, de que fui Relator, decidiu o Supremo Tribunal


Federal:
‘Ementa: Constitucional. Competência originária do STF.
Mandado de segurança impetrado contra ato do Presidente do Tri-
bunal de Justiça do Estado do Mato Grosso. CF, art. 102, I, n.
I - Mandado de Segurança impetrado contra ato atribuído ao Pre-
sidente do Tribunal de Justiça que determinou a instauração de
sindicância administrativa contra magistrado. A competência para o
julgamento do writ é do próprio Tribunal, por isso que não ocorrente,
no caso, a hipótese inscrita no art. 102, I, n, da Constituição.
II - No caso de ter sido oposta exceção de suspeição dos Juízes do
Tribunal local, reconhecendo a maioria dos membros do Tribunal a
suspeição, firma-se a competência do STF, na forma do artigo 102, I, n,
da Constituição. Todavia, se a exceção de suspeição é recusada, ao STF
incumbe julgar, originariamente, a exceção de suspeição. Acolhendo o
Supremo Tribunal a referida exceção de suspeição, então estará confi-
gurada a competência originária da Corte Suprema para julgar o man-
dado de segurança. Precedente da Corte: AO 146-3(AgR)/RJ, Rel. Min.
Pertence, 25-2-92.
III - Mandado de Segurança não conhecido.’
O entendimento do Supremo Tribunal é, na verdade, no sentido de que
os pressupostos do impedimento ou da suspeição, impedimento ou suspei-
ção que geraria a competência do Supremo Tribunal, na forma da alínea n do
inc. I do art. 102 da Constituição, devem ser apreciados pelo Tribunal com-
petente, em princípio, para o julgamento da causa. É o que deflui do julga-
mento da AOE 8/MT e da AO n. 1/MT. Nesta última, assinalou o eminente
Ministro Célio Borja, Relator:
‘Realmente, antes de reunir-se o Colegiado, não há como avaliar
a ocorrência prevista na alínea n, inciso I, art. 102 da Carta Magna,
segundo o critério da aludida AOE n. 8’.
Nessa linha, registrou, com o brilho e a proficiência que lhe são próprios,
o nosso eminente colega, Ministro Celso de Mello, no despacho proferido na
AO n. 179/PA (DJ de 3-2-93):
‘Tendo em vista essa compreensão, resulta claro que o desloca-
mento de competência para o Supremo Tribunal Federal, com base no
art. 102, I, n, da Constituição só é de ser admitido nas hipóteses de
impedimento (CPC, art. 134) e de suspeição (CPC, art. 135), formal-
mente configuradas no Tribunal de origem, seja por ato pessoal de
espontânea afirmação dos seus próprios membros, seja por efeito de seu
reconhecimento no âmbito da correspondente exceção (CPC, art. 312).
Demais disso, é preciso ter presente que as hipóteses referidas na
norma constitucional supõem a natureza jurisdicional do ato impugnado.
R.T.J. — 196 87

O ato aqui questionado, contudo, emergiu de procedimento ad-


ministrativo instaurado no âmbito do Poder Judiciário. A decisão
impugnada reveste-se, por isso mesmo, de índole nitidamente adminis-
trativa. A participação de um número expressivo de desembargadores
em seu processo de formação não se revela apta a induzir, só por si, a
competência originária desta Corte, que supõe, para os fins e os efeitos
da alínea n do inciso I do artigo 102 da Constituição, a existência, atual
e concreta, de uma causa, vale dizer, de um procedimento de natureza
jurisdicional.
É por essa razão que este Tribunal, na interpretação criteriosa da
nova regra de competência, tem acentuado a inaplicabilidade da alínea
n referida a situações jurídicas que, como a exposta pelo impetrante,
ostentam caráter meramente administrativo:
‘(...) a Constituição atual — assim como a anterior — não
atribui ao Supremo Tribunal Federal competência para o processo
e julgamento de mandado de segurança contra ato administrativo
de qualquer Tribunal, e, mesmo na hipótese do art. 102, I, n, da
Constituição Federal de 1988, pressupõe que o processo jurisdi-
cional tenha origem noutro Tribunal, hipótese que aqui não ocor-
re’. (MS 20.937/DF, Rel. Ministro Sydney Sanches).
Tampouco razões de ordem prática, ainda que ditadas por motivo
de economia processual, podem legitimar o reconhecimento da com-
petência originária do Supremo Tribunal Federal, para o processo e
julgamento de causas que, ordinariamente, devem estar afetas ao seu
juízo natural. A mera possibilidade de um pronunciamento jurisdicio-
nal contrário aos seus interesses não autoriza a parte a agir per saltum,
suprimindo, dessa maneira, graus de jurisdição de observância neces-
sária’.
Assim exposta a jurisprudência firmada pelo Supremo Tribunal Federal,
força é concluir no sentido de que esta Corte não é competente para julgar,
originariamente, o mandado de segurança que está embutido na presente
AO 186-2/RJ.
(...).” (DJ de 18-6-93)
No MS 21.832-AgR/ES, de minha relatoria, outro não foi o decidido pelo Supremo
Tribunal:
“Ementa: Constitucional. Competência originária do STF. Mandado de
segurança contra ato do Presidente do Tribunal de Justiça do Espírito Santo.
CF, art. 102, I, n.
I - Os pressupostos do impedimento e da suspeição, impedimento e suspeição
que gerariam a competência do Supremo Tribunal Federal, na forma da alínea n do
inc. I do art. 102 da Constituição, devem ser apreciados pelo Tribunal competente,
em princípio, para o julgamento da causa. Precedentes do STF.
88 R.T.J. — 196

II - Agravo não provido.” (RTJ 158/858)


No mesmo sentido: MS 21.306/DF, AO 214/RR e MS 20.969/SP, por mim relatados,
DJ de 12-2-93, 16-6-95, RTJ 133/260, respectivamente; MS 21.193-AgR/DF, Ministro
Celso de Mello, RTJ 146/114; AO 146-AgR/RJ, Ministro Sepúlveda Pertence, DJ de 27-
3-92.
Essa jurisprudência acabou cristalizada na Súmula 623/STF a estabelecer que
“não gera por si só a competência originária do Supremo Tribunal Federal para co-
nhecer do mandado de segurança com base no art. 102, I, n, da Constituição, dirigir-se
o pedido contra deliberação administrativa do tribunal de origem, da qual haja parti-
cipado a maioria ou a totalidade de seus membros”.
Apenas num ponto o agravo merece provimento: a decisão agravada determinou o
arquivamento dos autos, na forma da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, com
a finalidade de impedir que a Corte Suprema acabe como órgão consultivo em questões
de competência. Mas, no caso, essa jurisprudência não teria aplicação, por isso que está
afirmado no meu voto, com base na jurisprudência da Casa, que é do Tribunal de Justiça
do Espírito Santo a competência para o processo e julgamento do pedido, a menos que,
na forma como preconizada na mesma jurisprudência, ocorram os pressupostos da com-
petência do art. 102, I, n.
Do exposto, dou provimento, em parte, ao agravo, para determinar a remessa dos
autos ao Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo.

EXTRATO DA ATA
AO 1.153-AgR/ES — Relator: Ministro Carlos Velloso. Agravante: Associação
dos Escrivães Judiciários do Estado do Espírito Santo – AEJES (Advogados: Raphael
Americano Câmara e outros e Carlos Alberto Baptista Filho). Agravados: Presidente do
Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo e Presidente da Assembléia Legislativa
do Estado do Espírito Santo.
Decisão: O Tribunal, por unanimidade, deu provimento, em parte, ao agravo regi-
mental, nos termos do voto do Relator. Ausentes, justificadamente, o Ministro Gilmar
Mendes e, neste julgamento, a Ministra Ellen Gracie e o Ministro Cezar Peluso. Presidiu
o julgamento o Ministro Nelson Jobim.
Presidência do Ministro Nelson Jobim. Presentes à sessão os Ministros Sepúlveda
Pertence, Celso de Mello, Carlos Velloso, Marco Aurélio, Ellen Gracie, Cezar Peluso,
Carlos Britto, Joaquim Barbosa e Eros Grau. Procurador-Geral da República, Dr. Antô-
nio Fernando Barros e Silva de Souza.
Brasília, 31 de agosto de 2005 — Luiz Tomimatsu, Secretário.
R.T.J. — 196 89

AÇÃO ORIGINÁRIA 1.158 — AM

Relator: O Sr. Ministro Carlos Britto


Embargante: Hapag Lloyd A.G — Embargada: Lojas Populares Ltda.
Questão de ordem em ação originária. Embargos infringentes inter-
postos no Tribunal de Justiça amazonense e remetidos ao Supremo Tribu-
nal Federal por efeito da letra n do inciso I do art. 102 da Magna Carta.
Impedimento do procurador substabelecido. Juízo natural.
Nos termos do parágrafo único (parte final) do art. 134 do CPC, é
defeso ao advogado pleitear no processo a fim de criar o impedimento do
Juiz. Com base neste dispositivo e no princípio constitucional do juízo
natural, o Plenário desta egrégia Corte declarou o impedimento de pro-
curador que obteve substabelecimento com o intuito de provocar a situa-
ção de suspeição e, assim, afastar a competência da Corte estadual para
julgamento de embargos de declaração. Tal aconteceu na AO 1.120-QO,
Relatora Ministra Ellen Gracie, caso similar ao presente, figurando
como substabelecido o mesmo causídico.
Questão de ordem que se resolve no mesmo sentido, com devolução
dos autos à origem, onde se facultará à parte interessada a contratação de
novo advogado.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribu-
nal Federal, por seu Tribunal Pleno, na conformidade da ata do julgamento e das notas
taquigráficas, por unanimidade de votos, conhecer como questão de ordem e determinar
o retorno dos autos ao tribunal de origem para apreciação da matéria, nos termos do voto
do Relator.
Brasília, 4 de agosto de 2005 — Nelson Jobim, Presidente — Carlos Ayres Britto,
Relator.

RELATÓRIO
O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto: Trata-se de embargos infringentes contra acór-
dão da Segunda Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Amazonas, que
negou, por maioria, provimento à Apelação n. 29700892-7. Ao fazê-lo, o acórdão em-
bargado confirmou sentença de procedência de ação indenizatória movida contra a
embargante, em decorrência de perda de mercadoria transportada por via marítima.
2. A maioria dos Desembargadores componentes daquela Corte estadual se deu por
impedida ou suspeita para julgar o recurso, cujo último Relator, por isso mesmo, deter-
minou a remessa dos autos ao Supremo Tribunal Federal, com base na letra n do inciso I
90 R.T.J. — 196

do art. 102 da Magna Carta (fls. 236/237). Quando isso aconteceu, os embargos já haviam
sido admitidos (fl. 206) e a embargada já havia apresentado suas contra-razões (fls. 211/213).
O despacho de remessa foi reiterado às fls. 336/337.
3. Sobreveio, então, o parecer da ilustrada Procuradoria-Geral da República, pelo
desprovimento do recurso (fls. 272/277). Entendeu o Ministério Público Federal que
não ocorreu a situação de caso fortuito ou força maior, alegada pela embargante para
justificar a perda, em alto mar, do produto transportado no Contêiner n. 207219-8, a
bordo do navio Frota Singapore.
É o relatório.

VOTO
O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto (Relator): Inicialmente, reafirmo que se cuida de
embargos infringentes interpostos no Tribunal de Justiça amazonense, remetidos a esta
egrégia Corte por efeito do disposto na letra n do inciso I do art. 102 da Magna Carta.
Portanto, não se aplicam ao caso as normas constantes dos artigos 333 e seguintes do
RISTF.
6. Outra informação importante é que o Supremo Tribunal Federal ainda não apre-
ciou, com esta moldura, o tema de fundo, ou seja, responsabilidade da empresa de nave-
gação pela perda da mercadoria transportada; empresa que alega caso fortuito ou força
maior resultante de uma borrasca em alto mar. O que já foi examinado à exaustão,
sobretudo no final do século passado e em sede de recurso extraordinário, diz respeito às
ações ajuizadas pelas seguradoras do ramo, bem como ao respectivo prazo de prescrição.
7. Muito bem. Feitos esses esclarecimentos e reexaminados os autos, vê-se que a
razão está com os votos que formaram a maioria no Tribunal de origem. Os documentos
de fls. 19/50 comprovam os fatos narrados na inicial. Daí o acerto com que se houve o
MM. Juiz de Direito, Ari Jorge Moutinho da Costa, ao sentenciar nos seguintes termos
(fls. 168/169):
“É fora de dúvida que a Autora firmou contrato de transporte com a
Requerida, através de seu representante legal, Expresso Mercantil Agência Marítima
Ltda, a fim de que as mercadorias descritas na inicial fossem transportadas de
Rotterdam para Manaus.
Ocorre que as aludidas mercadorias não chegaram ao seu destino, pois em 11
de janeiro de 1996, o container n. 207219-8, onde a carga estava acondicionada
caiu ao mar, provocando perda total.
Por outro lado, não se pode deixar de reconhecer a omissão injustificável da
Requerida em tomar providências tendentes que a carga fosse transportada com
absoluta segurança. Ademais, por sua conta e risco ela embarcou a mercadoria no
navio “Frota Singapore”, de propriedade da Transportadora Frota Amazônica S/
A. Não é crível que lhe passasse despercebida a possibilidade (quase se pode dizer
a probabilidade) de acontecimentos como o que se deu mesmo a fazer-se abstração
da hipótese, não devidamente comprovada da Borrasca em nível de mini-furação.
Subestimar o risco é uma forma de negligência ou de imprudência. A conclusão a
que se chega, destarte, é a de que se configurou, no caso, a culpa da Requerida.
R.T.J. — 196 91

É bem conhecida a lição de que o objetivo do contrato de transporte não é


apenas o fato material do transporte de uma pessoa ou de uma coisa ao seu destino.
O cumprimento do contrato envolve uma obrigação de resultado: a obrigação de
conduzir a pessoa ou coisa, sã e salva, ao lugar do destino.
Dentre as condições e cláusulas contratuais se compreendem o tempo decor-
rido desde o recebimento da carga, até a correspondente descarga, com segurança
e incolumidade.
A violação duma dessas cláusulas e condições implica em responsabilidade
civil.
No transporte de mercadorias, a responsabilidade do transportador é contra-
tual, não se fundando na culpa aquiliana.
Em suma, a responsabilidade civil, na esfera dos transportes, decorre do cha-
mado risco dos transportes.”
8. Na mesma linha foi exarado o voto condutor, na Corte estadual, da lavra do
Desembargador Ubirajara Francisco de Moraes, in verbis (fl. 192):
“Se a autora-apelada Lojas Populares Ltda., contratou o transporte de merca-
dorias de Rotterdam para Manaus com a empresa Hapag Lloyd A.G, emitido o
respectivo conhecimento (03.01.96) e acondicionada parte da carga constante de
950 caixas de leite em pó e condensado marca “Campo Verde” no container n.
207219-8, indubitavelmente tem de responder pelo inadimplemento contratual se
frustrada a missão, pouco importando que o encargo tenha sido transferido a um
terceiro, como ocorrido no caso – Frota Amazônica Singapore, ocorrendo o trans-
porte por conta e risco daquela.
Por não haver sido entregue a mercadoria e nem tendo sido pago o valor
correspondente da indenização, porque a apelada fora informada em 07.02.97 da
perda da carga em pleno Oceano Atlântico na ocorrência de um mini-furacão,
quando não apenas fora lançado ao mar o container, no qual continha a mercadoria
transportada, como ainda outros containers, alternativa outra não teve senão pro-
por a respectiva ação.”
9. Concluo, portanto — junto com os votos vencedores —, que a imprevidência
deve ser mesmo atribuída à ré, ora embargante. De outra forma, ter-se-ia de responsabilizar
Netuno, Deus dos mares, pela indomável tormenta que arrojou a preciosa carga nas
profundezas do Oceano Atlântico; que sacudiu um mar salgado há tantos séculos pelas
lágrimas de Portugal, na imagem poética de Fernando Pessoa, assim descrita:
“Por te cruzarmos, quantas mães choraram,
Quantos filhos em vão rezaram!
Quantas noivas ficaram por casar
Para que fosses nosso, ó mar!
Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.
Quem quer passar além do Bojador
92 R.T.J. — 196

Tem que passar além da dor.


Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o Céu.”
10. Ante esses fundamentos, rejeito os embargos infringentes.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Senhor Presidente, proponho que o Tribunal, apre-
ciando questão de ordem, assente que impedido estava o advogado, cuja atuação profis-
sional, ao que tudo indica, é incompatível com o ofício judicante no Estado do Amazo-
nas. O Tribunal já vinha atuando no processo, quando do credenciamento do causídico.
Assim percebi a situação.
O Sr. Ministro Carlos Britto (Relator): Sr. Presidente, adiro à proposta do Ministro
Marco Aurélio na questão de ordem, pois, na linha do que já decidimos, fazemos a
devolução para a Corte de origem.

EXTRATO DA ATA
AO 1.158/AM — Relator: Ministro Carlos Britto. Embargante: Hapag Lloyd A.G
(Advogados: Alonso Oliveira de Sousa e outro). Embargada: Lojas Populares Ltda. (Advo-
gados: Raimundo Paiva de Souza e outro).
Decisão: O Tribunal, por unanimidade, conheceu como questão de ordem e deter-
minou o retorno dos autos ao tribunal de origem para apreciação da matéria, nos termos
do voto do Relator. Ausentes, justificadamente, os Ministros Celso de Mello e Carlos
Velloso. Presidiu o julgamento o Ministro Nelson Jobim.
Presidência do Ministro Nelson Jobim. Presentes à sessão os Ministros Sepúlveda
Pertence, Marco Aurélio, Ellen Gracie, Gilmar Mendes, Cezar Peluso, Carlos Britto,
Joaquim Barbosa e Eros Grau. Vice-Procurador-Geral da República, Dr. Roberto Mon-
teiro Gurgel Santos.
Brasília, 4 de agosto de 2005 — Luiz Tomimatsu, Secretário.

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 1.266 — BA

Relator: O Sr. Ministro Eros Grau


Requerente: Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino –
CONFENEN — Requerida: Assembléia Legislativa do Estado da Bahia
Ação direta de inconstitucionalidade. Lei n. 6.584/94 do Estado da
Bahia. Adoção de material escolar e livros didáticos pelos estabelecimentos
particulares de ensino. Serviço público. Vício formal. Inexistência.
1. Os serviços de educação, seja os prestados pelo Estado, seja
os prestados por particulares, configuram serviço público não priva-
tivo, podendo ser prestados pelo setor privado independentemente de
concessão, permissão ou autorização.
R.T.J. — 196 93

2. Tratando-se de serviço público, incumbe às entidades educacionais


particulares, na sua prestação, rigorosamente acatar as normas gerais de
educação nacional e as dispostas pelo Estado-Membro, no exercício de
competência legislativa suplementar (§ 2º do art. 24 da Constituição do
Brasil).
3. Pedido de declaração de inconstitucionalidade julgado improce-
dente.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribu-
nal Federal, em Sessão Plenária, na conformidade da ata do julgamento e das notas
taquigráficas, por maioria de votos, julgar improcedente a ação, nos termos do voto do
Relator.
Brasília, 6 de abril de 2005 — Nelson Jobim, Presidente — Eros Grau, Relator.

RELATÓRIO
O Sr. Ministro Eros Grau: A Confederação Nacional dos Estabelecimentos de
Ensino – CONFENEN ajuizou ação direta, com pedido de medida cautelar, objetivando
a declaração de inconstitucionalidade da Lei n. 6.586/94 do Estado da Bahia.
2. O texto normativo impugnado tem o seguinte teor:
“Art. 1º A adoção de material escolar e de livros didáticos pelos estabeleci-
mentos particulares de ensino pré-escolar, de 1º e 2º graus obedecerá às normas
estatuídas por esta lei.
Art. 2º Para os efeitos desta Lei, considera-se material escolar todo aquele
item de uso exclusivo e restrito ao processo didático-pedagógico e que tenha por
finalidade o atendimento das necessidades individuais do educando durante a
aprendizagem.
Art. 3º Os estabelecimentos particulares de ensino pré-escolar, de 1º e 2º
graus divulgarão, durante o período de matrícula a lista de material escolar solici-
tado, acompanhada do respectivo plano de execução.
§ 1º Constará deste plano de execução, de forma detalhada e com referência
a cada unidade de aprendizagem do período letivo, a discriminação dos quantita-
tivos de cada item de material escolar, seguido da descrição da atividade didática
para o qual se destina, com seus respectivos objetivos e metodologia empregada.
§ 2º Será facultado aos pais ou, se for o caso, aos responsáveis pelo educando,
optar entre fornecimento integral do material escolar no início do período letivo
ou pela entrega parcial e parcelada, segundo os quantitativos de cada unidade de
aprendizagem, sendo que, neste caso, far-se-á a entrega com antecedência mínima
de 8 (oito) dias do início da unidade.
94 R.T.J. — 196

§ 3º Fica vedada, sob qualquer pretexto, a indicação pelo estabelecimento de


ensino, de preferência por marca ou modelo de qualquer item do material escolar.
§ 4º Fica proibido constar da lista de material escolar ou ainda, exigir do
educando, a qualquer título, material de consumo, de expediente ou de uso gené-
rico, tais como: papel-ofício, papel higiênico, fita adesiva, cartolina, estêncil e
tinta para mimeógrafo, verniz corretor, álcool, algodão, artigos de limpeza e higiene,
dentre outros.
Art. 4º A lista de material poderá sofrer alterações no decorrer do período
letivo, não podendo exceder a 30% (trinta por cento) do originalmente solicitado.
Parágrafo único. Todo material que exceder à cota fixada neste artigo, deverá
ser suplementado pelo estabelecimento de ensino que o exigir.
Art. 5º Fica vedada, sob qualquer modalidade, a cobrança de taxa de material
escolar.
Art. 6º Os títulos dos livros didáticos adotados pelos estabelecimentos parti-
culares de ensino só poderão ser substituídos após transcorrido o prazo de 4 (qua-
tro) anos, contado de sua adoção.
Art. 7º Fica proibido condicionar o comparecimento, a participação e a per-
manência do aluno nas atividades escolares, à aquisição e/ou fornecimento de
livro didático ou material escolar.
Art. 8º Os estabelecimentos particulares de ensino que descumprirem as nor-
mas da presente lei estarão sujeitos às penalidades fixadas no Código de Defesa do
Consumidor e na legislação correlata.
Art. 9º Esta Lei entra em vigor na data da sua publicação.
Art. 10. Revogam-se as disposições em contrário.”
3. A requerente aduz que a lei atacada afronta o disposto no artigo 22, inciso XXIV,
da Constituição do Brasil, segundo o qual cabe à União, privativamente, legislar sobre
diretrizes e bases da educação. Sustenta, ainda, violação ao artigo 209 da CB/88, ressal-
tando que desse dispositivo “emana de forma clara a liberdade do ensino pela iniciativa
privada, limitando a ação do Poder Público a estabelecer tão-somente currículo mínimo
obrigatório, autorização e avaliação de qualidade” e que as “peculiaridades de currículo
e desenvolvimento da atividade pedagógica são de competência exclusiva de cada
estabelecimento” [fl. 3].
4. Impugnando pontos específicos do texto normativo, ressalta que “pretende a lei
que os estabelecimentos de ensino justifiquem o pedido de material escolar, mediante
Plano de Execução. [...] Fácil é se concluir a inexiquibilidade da determinação, uma vez
que a escola deveria remeter para cada aluno, de acordo com sua série e grau, o planeja-
mento anual, mês a mês, dia a dia e correlacionando com material solicitado”, alega que
o artigo 4º “impede que as escolas comprem o material a preço de atacado e possam
colocar à disposição dos pais sem ônus de lucro”, e que “estabelecer o mesmo livro
didático para 4 (quatro) anos é no mínimo querer que a história pare no tempo e no
espaço”.
R.T.J. — 196 95

5. A medida cautelar foi indeferida em 26 de abril de 1995, sob o fundamento de


ausência de seus pressupostos [fls. 26/39].
6. A Assembléia Legislativa prestou informações, nas quais argüi a ausência de
procuração com poderes específicos. Sustenta que “o texto agredido em nada percorre a
temática reservada pelo constituinte ao Legislador da União” e que atuou em conformi-
dade com os artigos 23, inciso V, e 24, inciso IX, da Constituição de 1988 [fls. 21/24].
7. O Advogado-Geral da União, inicialmente, pugnou pela regularização do ins-
trumento de mandato, sob pena de extinção do feito. No mérito, manifestou-se pela
improcedência do pedido, ressaltando que a regra do artigo 22, inciso XXIV, da CB/88
não afasta a competência dos Estados-Membros para legislar sobre educação, e que a lei
atacada não impede a abertura e o funcionamento de estabelecimentos de ensino, não
havendo, assim, afronta ao artigo 209 da Constituição [fls. 45/49].
8. O Procurador-Geral da República, às fls. 51/54, opinou pela improcedência do
pedido. Destaca, no que se refere à irregularidade de representação processual, a orienta-
ção da Corte no sentido de não ser exigível, nas ações diretas em curso e nas quais tenha
havido apreciação de medida acauteladora, a outorga de poderes especiais e específicos
a advogados e procuradores de pessoas jurídicas de direito público. No mérito, adverte
que a competência da União é apenas para legislar sobre diretrizes e bases, que o artigo
24, inciso IX, da Constituição do Brasil assegura aos Estados-Membros, Distrito Federal
e União legislar concorrentemente sobre educação, cultura, ensino e desporto, e que, de
acordo com o artigo 211 da Constituição, o sistema de ensino será organizado em regime
de colaboração por todos os entes da federação.
É o relatório, do qual deverão ser extraídas cópias para envio aos Senhores Minis-
tros [RISTF, art. 172].

VOTO
O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): A Confenen objetiva a declaração de inconsti-
tucionalidade da Lei n. 6.586/94, que dispõe sobre a adoção de material escolar e de
livros didáticos pelos estabelecimentos de ensino, por afronta aos artigos 22, inciso
XXIV, e 209 da Constituição do Brasil.
2. Cumpre-me inicialmente afastar a preliminar de irregularidade de representação
processual da requerente, por falta de procuração com outorga de poderes específicos,
argüída pela Assembléia Legislativa do Estado da Bahia e pelo Advogado-Geral da
União.
3. Como ressaltou o Procurador-Geral da República, esta Corte, ao assentar o en-
tendimento de que, no instrumento de mandato, devem estar obrigatoriamente contidos
poderes específicos para impugnar determinato preceito via ação direta, excepcionou os
feitos nos quais tenha havido apreciação de medida acauteladora [ADI n. 2.187/QO,
Relator o Ministro Octavio Gallotti, DJ de 12-12-2003], o caso destes autos enqua-
drando-se naquela ressalva, rejeito a preliminar.
96 R.T.J. — 196

4. No que tange ao mérito, lembro ter afirmado, em outra ocasião1, que os serviços
de educação, seja os prestados pelo Estado, seja os prestados por particulares, configu-
ram serviço público não privativo, isto é, podem ser prestados pelo setor privado inde-
pendentemente de concessão, permissão ou autorização. São, porém, sem sombra de
dúvida, serviço público. O Estado-Membro detém competência concorrente para legis-
lar sobre a matéria, nos termos do disposto no artigo 24, IX, da Constituição. A lei
impugnada dispõe sobre material escolar e livros didáticos adotados pelos estabeleci-
mentos particulares de ensino.
5. O artigo 2092 da Constituição do Brasil afirma que o ensino é livre à iniciativa
privada, isso significando que o setor privado pode prestar esse serviço público inde-
pendentemente da obtenção de concessão ou permissão. Tratando-se contudo de serviço
público, incumbe às entidades educacionais particulares, na sua prestação, rigorosa-
mente acatar as normas gerais de educação nacional e as dispostas pelo Estado-Membro,
no exercício de competência legislativa suplementar (§ 2º do art. 24 da Constituição do
Brasil).
6. O texto assegura ao usuário do serviço prestado por estabelecimento particular
de ensino o conhecimento, durante o período de matrícula, do quantitativo de material
escolar a ser utilizado no ano letivo, com a justificativa da necessidade de cada item.
Veda a indicação de preferência por marca ou modelo de qualquer item; faculta aos pais
ou responsáveis pelo educando a entrega do material de uma só vez ou de forma parce-
lada, entre outras disposições de igual índole.
7. A lei em questão não se afastou do âmbito da competência concorrente dos
Estados-Membros fixada pela Constituição no artigo 24, inciso IX e seu § 2º. Outrossim,
enfatizo que a medida cautelar foi indeferida há dez anos, desde então produzindo
efeitos a Lei n. 6.586, de 1994.
Ante o exposto, julgo improcedente o pedido formulado na presente ação.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Presidente, vou reafirmar o que disse há dez anos,
quando apreciado o pedido de concessão de medida acauteladora. Tenho que não cabe
ao Estado-Membro disciplinar, relativamente ao ensino particular — não se cuida de
ensino público, do próprio Estado —, o material escolar e os livros didáticos a serem
adotados, nem adentrar o campo da disciplina da cobrança a ser feita aos estudantes.
Poderia vislumbrar o objetivo elogiável quanto ao acesso ao ensino principalmente
básico, mas o meio para ter-se a regência da matéria é que, a meu ver, e estou convencido
disso, surge impróprio. Trata-se de tema que não está na competência, em si — quer
quanto à comercialização, quer quanto à escolha do material escolar, dos livros didá-
ticos —, da unidade da Federação.

1 Vide o meu A Ordem Econômica na Constituição de 1988. 9. ed. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 108.
2 Art. 209. O ensino é livre à iniciativa privada, atendidas as seguintes condições:
I – cumprimento das normas gerais de educação nacional;
II – autorização e avaliação de qualidade pelo Poder Público.
R.T.J. — 196 97

Por isso, reafirmando o ponto de vista que formei quando do exame, há dez anos,
do pedido de concessão de medida liminar, peço vênia ao Relator para julgar procedente
o pleito formulado na inicial desta ação direta de inconstitucionalidade.

VOTO
O Sr. Ministro Carlos Britto: Senhor Presidente, acompanho o Relator, data venia
do ponto de vista do Ministro Marco Aurélio.
Quero deixar registrado que não tenho a educação enquanto modalidade de serviço
público. Com respeito à opinião do eminente Ministro Relator, entendo que o artigo 175
da Constituição deixa claro que serviço público é aquele titularizado pelo poder público,
ou seja, de senhorio exclusivo do poder público.
Sabemos que, em matéria de ensino, a Constituição chega a dizer que o ensino é
livre. Vejam: “liberdade” — é livre a iniciativa privada.
O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): O Ministro me concede um aparte?
O Sr. Ministro Carlos Britto: Pois não.
O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): É livre exatamente porque prescinde de concessão.
O Sr. Ministro Carlos Britto: Porque não é serviço público.
O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Exatamente por ser serviço público é que a
Constituição diz, depois, que é livre no sentido de que, apesar de ser serviço público, é
não privativo. Esse é o entendimento que se tem adotado atualmente.
O Sr. Ministro Carlos Britto: Entendo que não.
Saúde pública e educação são atividades ambivalentemente estatais e privadas, ou
seja, mistamente públicas e privadas, porque admitem as duas titularidades, os dois
senhorios. Data venia, excluo esses dois tipos de atividade da área dos serviços públicos
típicos.

VOTO
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Senhor Presidente, também eu, conforme o
Ministro Carlos Britto, embora respeitando como categoria doutrinária a classificação
do Ministro Eros Grau, entendo que, em termos constitucionais, o ensino privado não é
serviço público; é uma atividade privada, mas, porque imbricada com o direito à educa-
ção, sujeita a regulamentações públicas.
O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: Entendo que a Constituição caracteriza educação
e saúde como direitos fundamentais, prestacionais.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Por isso mesmo julgamos constitucional, con-
forme o voto do Ministro Moreira Alves, a disciplina de preços, dada a sua imbricação
com o direito à educação.
O Sr. Ministro Gilmar Mendes: De qualquer forma, não há um direito à educação
numa escola privada se não houver o pagamento.
98 R.T.J. — 196

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Se não houver o pagamento, sim; mas ele pode
estar sujeito a parâmetros normais, fixados em lei.
O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: A fundamentalidade desse direito é que leva à
legitimação da atuação do Estado, no sentido de disciplinar essa prestação.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Sem convertê-lo em serviço público.
O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: Claro. Temos de encontrar um meio termo aí.
O Sr. Ministro Gilmar Mendes: No caso, não é preciso chegar a esse resultado, porque
é comum o entendimento de que é passível de regulação a matéria por parte do Estado.
O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Na linha do pensamento dos Ministros Sepúl-
veda Pertence e Carlos Britto, o ensino e a saúde são mercadorias quando prestados pelo
setor privado; mas são serviços públicos quando prestados pelo Estado. Ou seja, uma
coisa consegue ser, ao mesmo tempo, em termos jurídicos, duas coisas.
O Sr. Ministro Carlos Britto: Acho que, do nosso ponto de vista, não se extrai essa
conclusão a que chegou Vossa Excelência.
O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Mas isso não é necessário para definir a questão.
Vamos deixar que ela se imponha.

EXTRATO DA ATA
ADI 1.266/BA — Relator: Ministro Eros Grau. Requerente: Confederação Nacional
dos Estabelecimentos de Ensino – CONFENEN (Advogado: Antonio Vitheab Botura).
Requerida: Assembléia Legislativa do Estado da Bahia.
Decisão: O Tribunal, por maioria, julgou improcedente a ação, nos termos do voto
do Relator, vencido o Ministro Marco Aurélio, que a julgava procedente. Votou o Presi-
dente, Ministro Nelson Jobim. Ausente, justificadamente, a Ministra Ellen Gracie.
Presidência do Ministro Nelson Jobim. Presentes à sessão os Ministros Sepúlveda
Pertence, Celso de Mello, Carlos Velloso, Marco Aurélio, Gilmar Mendes, Cezar Peluso,
Carlos Britto, Joaquim Barbosa e Eros Grau. Procurador-Geral da República, Dr. Cláudio
Lemos Fonteles.
Brasília, 6 de abril de 2005 — Luiz Tomimatsu, Secretário.

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO INQUÉRITO 1.608 — PA

Relator: O Sr. Ministro Marco Aurélio


Embargantes: Luiz Otávio Oliveira Campos e Alfredo Rodrigues Cabral —
Embargado: Ministério Público Federal
Denúncia — Recebimento — Definição da existência de crime conti-
nuado ou concurso material — Impropriedade. Na fase de recebimento da
denúncia, descabe fixar a configuração quer de concurso material, quer
de crime continuado.
R.T.J. — 196 99

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo
Tribunal Federal, em Sessão Plenária, na conformidade da ata do julgamento e das notas
taquigráficas, por unanimidade, rejeitar os embargos, nos termos do voto do Relator.
Brasília, 17 de novembro de 2004 — Nelson Jobim, Presidente — Marco Aurélio,
Relator.

RELATÓRIO
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Embargos de declaração interpostos contra o acórdão
de folhas 1758 a 1803, assim sintetizado:
Inquérito — Arquivamento — Manifestação do Ministério Público — É
irrecusável o pedido, formulado pelo Chefe do Ministério Público, o Procurador-
Geral da República, de arquivamento do inquérito.
Denúncia — Fase de recebimento, rejeição ou improcedência da acusa-
ção — Artigo 6º da Lei n. 8.038/90 — Ausência de resposta. Descabe observar, na
fase do artigo 6º da Lei n. 8.038/90, as regras dos artigos 261, 263 e 366 do Código
de Processo Penal. O silêncio do acusado, não apresentando resposta, muito embora
notificado, é tomado como estratégia. Recebida a denúncia, há de seguir-se a
citação para conhecimento, aí sim, da ação penal, com o atendimento das normas
instrumentais, inclusive das constantes — instrumental e material — do artigo 366
do Código de Processo Penal.
Denúncia — Artigos 19 da Lei n. 7.492/86 e 299 do Código Penal —
Duplicidade afastada pela maioria. Na dicção da ilustrada maioria, entendimen-
to em relação ao qual guardo reservas, na fase de recebimento, ou não, da denúncia,
não se há de afastar a duplicidade de acusação, tendo em conta os crimes de obter,
mediante fraude, financiamento em instituição financeira — artigo 19 da Lei n.
7.492/86 — e de falsidade ideológica — artigo 299 do Código Penal.
Denúncia — Duplicidade — Artigos 20 da Lei n. 7.492/86 e 299 do Código
Penal — Ambigüidade. O tipo do artigo 20 da Lei n. 7.492/86 não exige a ocor-
rência de fraude, deixando de ficar configurada, de início e para efeito de recebi-
mento da denúncia, duplicidade, considerada também a imputação da prática de
falsidade ideológica — artigo 299 do Código Penal.
Denúncia — Recebimento — Pressupostos. O recebimento da denúncia
prescinde de demonstração, pelo titular da ação penal, da procedência da acusa-
ção, sendo suficiente o respeito à forma prevista no artigo 41 do Código de Processo
Penal, o enquadramento dos fatos em tipo penal e os indícios da autoria. Tal
procedência é ônus do Ministério Público, que dele deve desincumbir-se na
tramitação da ação penal.
Alfredo Rodrigues Cabral e Luiz Otávio Oliveira Campos — em relação aos quais
o Plenário, por maioria, recebeu a denúncia pela prática dos delitos dos artigos 19 e 20
da Lei n. 7.492, de 16 de junho de 1986, e do artigo 299 do Código Penal — interpõem
os embargos de declaração de folhas 1813 a 1816. Transcrevem trechos da denúncia,
100 R.T.J. — 196

recebida sem ressalvas pelo Colegiado, e pretendem seja esclarecido “se respondem eles
à imputação de prática de 1, ou de 2, ou de 26 crimes de falsidade ideológica. E, na
hipótese de dizer que se trata da prática de mais de um crime, se se trata de concurso
material (CP, art. 69) ou de crime continuado (CP, art. 71)” (folha 1815).
O Ministério Público apresentou a impugnação de folhas 1823 a 1825. Salienta
não padecer de omissão o julgado, pois a autoridade judiciária, no momento do recebi-
mento da denúncia, limita-se à análise da materialidade do delito e da existência de
indícios da autoria, nos termos dos artigos 41 e 43 do Código de Processo Penal. Ressalta
que o exame da capitulação delituosa pode ser postergado para a oportunidade do
julgamento do mérito da ação. Aduz que a ausência de definição da hipótese da incidên-
cia do concurso de crimes não causa prejuízo à defesa, primeiro porque os réus se defen-
dem dos fatos contidos na denúncia e depois em razão da necessidade de, mesmo na
contagem do prazo prescricional, serem considerados os acréscimos decorrentes do con-
curso formal, material ou continuado, conforme disposição expressa do artigo 119 do
Código Penal.
É o relatório.

VOTO
O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Na interposição destes embargos, foram
atendidos os pressupostos de recorribilidade que lhe são inerentes. A peça, subscrita por
profissionais da advocacia regularmente credenciados (folhas 1389, 1413 e 1736), res-
tou protocolada no qüinqüídio. A publicação do acórdão atacado deu-se no Diário de 6
de agosto de 2004, sexta-feira (folha 1.804), vindo à balha o inconformismo em 10
imediato, terça-feira (folha 1813). Conheço.
Observe-se a fase em que ocorrido o pronunciamento deste Plenário. Descabe
adentrar a capitulação, a definição da existência de concurso material ou de crime con-
tinuado. O Colegiado manifestou-se quanto à denúncia ofertada, tendo-a como enqua-
drada no artigo 41 do Código de Processo Penal, não vislumbrando a incidência do
artigo 43 do referido Código. Vale frisar que até mesmo a classificação constante da peça
não é definitiva, sobrepondo-se a ela a narração dos fatos a ensejarem a defesa. Despro-
vejo os embargos declaratórios.

EXTRATO DA ATA
Inq 1.608-ED/PA — Relator: Ministro Marco Aurélio. Embargantes: Luiz Otávio
Oliveira Campos (Advogado: José Gerardo Grossi) e Alfredo Rodrigues Cabral (Advogados:
Roberta dos Anjos Moreira e outros, Washington Bolívar de Brito e outro). Embargado:
Ministério Público Federal.
Decisão: O Tribunal, por unanimidade, rejeitou os embargos, nos termos do voto
do Relator. Ausentes, justificadamente, o Ministro Sepúlveda Pertence e, neste julga-
mento, os Ministros Carlos Velloso e Gilmar Mendes. Presidiu o julgamento o Ministro
Nelson Jobim.
R.T.J. — 196 101

Presidência do Ministro Nelson Jobim. Presentes à sessão os Ministros Celso de


Mello, Carlos Velloso, Marco Aurélio, Ellen Gracie, Gilmar Mendes, Cezar Peluso, Carlos
Britto, Joaquim Barbosa e Eros Grau. Procurador-Geral da República, Dr. Cláudio Lemos
Fonteles.
Brasília, 17 de novembro de 2004 — Luiz Tomimatsu, Secretário.

INQUÉRITO 1.957 — PR

Relator: O Sr. Ministro Carlos Velloso


Autor: Ministério Público Federal — Indiciados: André Zacharow, Cássio Taniguchi,
Marina Klamas Taniguchi, Dinorah Botto Portugal Nogara, Sinval Zaidan Lobato Machado
ou Sinval Zaidane Lobato Machado, Margarita Elizabeth Pericás Sansone, Luciane Leiria
Taniguchi, Armando Franco Deboni, Cassio Chamecki, Ivo Mendes Lima e Sergio Abu-
Jamra Misael
Penal. Processual Penal. Ministério Público: investigação: inqúerito
policial. Crime de dispensa irregular de licitação. Lei 8.666/93, art. 24,
XIII, art. 89, art. 116.
I - A instauração de inquérito policial não é imprescindível à propo-
situra da ação penal pública, podendo o Ministério Público valer-se de
outros elementos de prova para formar sua convicção.
II - Não há impedimento para que o agente do Ministério Público
efetue a colheita de determinados depoimentos, quando, tendo conheci-
mento fático do indício de autoria e da materialidade do crime, tiver
notícia, diretamente, de algum fato que merecesse ser elucidado.
III - Convênios firmados: licitação dispensável: Lei 8.666/93, art.
24, XIII. Conduta atípica.
IV - Ação penal julgada improcedente relativamente ao crime do
art. 89 da Lei 8.666/93.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo
Tribunal Federal, em Sessão Plenária, na conformidade da ata do julgamento e das notas
taquigráficas, por maioria, rejeitar a questão de ordem suscitada pelo Ministro Marco
Aurélio a respeito da carta anônima, vencido Sua Excelência. No mérito, absolver todos
os acusados, nos termos do voto do Relator. Votou o Presidente, Ministro Nelson Jobim.
Falaram, pelo Ministério Público Federal, o Dr. Cláudio Lemos Fonteles, Procurador-
Geral da República, pelos indiciados Cássio Taniguchi e Marina Klamas Taniguchi, o
102 R.T.J. — 196

Dr. Renato Cardoso de Almeida Andrade e, pelo indiciado André Zacharow, o Dr. João
Ricardo Cunha de Almeida.
Brasília, 11 de maio de 2005 — Nelson Jobim, Presidente — Carlos Velloso,
Relator.

RELATÓRIO
O Sr. Ministro Carlos Velloso: O Ministério Público do Estado do Paraná ofereceu
denúncia contra André Zacharow, atualmente Deputado Federal, como incurso 3 vezes
no art. 89, caput, da Lei 8.666/93, c/c os arts. 29, 69 e 71 do Código Penal; Cássio
Taniguchi, então Prefeito de Curitiba/PR, como incurso 28 vezes no art. 89, caput, da
Lei 8.666/93, 5 vezes no art. 1º, II, e 53 vezes no inciso XIII do DL 201/67, c/c os arts. 29,
69 e 71 do Código Penal; Marina Klamas Taniguchi, como incursa 8 vezes no art. 89,
caput, da Lei 8.666/93, e 3 vezes no inciso II do art. 1º do DL 201/67, c/c os arts. 29, 69
e 71 do Código Penal; Dinorah Botto Portugal Nogara, como incursa 4 vezes no art.
89, caput, da Lei 8.666/93, c/c os arts. 29, 69 e 71 do Código Penal; Sinval Zaidan
Lobato Machado, como incurso 31 vezes no parágrafo único do art. 89 da Lei 8.666/93,
4 vezes no inciso II e 53 vezes no inciso XIII do art. 1º do DL 201/67, c/c os arts. 29, 69
e 71 do Código Penal; Margarita Elizabeth Pericas Sansone, como incursa 8 vezes no
art. 89, caput, da Lei 8.666/93, c/c os arts. 29, 69 e 71 do Código Penal; Luciane Leiria,
como incursa 1 vez no art. 89, caput, da Lei 8.666/93, c/c o art. 29 do Código Penal;
Armando Franco Deboni, como incurso 1 vez no art. 89, caput, da Lei 8.666/93, c/c o
art. 29 do Código Penal; Cassio Chamecki, como incurso 1 vez no art. 89, caput, da Lei
8.666/93, c/c o art. 29 do Código Penal; Ivo Mendes Lima, como incurso 1 vez no art.
89, caput, da Lei 8.666/93, c/c o art. 29 do Código Penal; Sergio Abu-Jamra Misael,
como incurso 4 vezes no art. 89, caput, da Lei 8.666/93, c/c os arts. 29, 69 e 71 do
Código Penal.

II
Segundo a denúncia, o então Prefeito de Curitiba, Cássio Taniguchi, no decorrer
dos exercícios de 1997/2001, em conluio com os demais acusados e com intenção de
burlar a Lei de Licitações para favorecer entidade privada, teria celebrado e autorizado
diretores a celebrar contratos e termos aditivos — disfarçados de convênios — com a
Fundação Instituto Tecnológico Industrial – FUNDACEN, sem o devido processo
licitatório e sem observar as formalidades pertinentes à dispensa.
Narra, ainda, a denúncia que o segundo acusado, mediante esse artifício, contratou
e pagou, por intermédio da Fundacen, polpudos salários a dezenas de correligionários
para servirem na administração pública, sem prévio concurso público, contrariando o
disposto no art. 37, II, da Constituição e 80, III, da Lei Orgânica do Município.
R.T.J. — 196 103

III
O Ministério Público do Estado do Paraná, às fls. 3527-3533, requereu, entre ou-
tras providências, a notificação dos acusados para oferecerem resposta, bem como o
afastamento do acusado Cássio Taniguchi do cargo de Prefeito do Município de Curitiba.
Às fls. 3540-3541, o ilustre Desembargador Oto Luiz Sponholz, Relator da denún-
cia-crime, determinou a notificação dos acusados, reservando-se para analisar o pedido
de afastamento quando do recebimento ou não da denúncia.

IV
Marina Klamas Taniguchi e Cássio Chamecki apresentaram a resposta de fls.
3622-3636, sustentando, em síntese:
a) atipicidade da conduta descrita na denúncia, porquanto a dispensa de licitação
para a contratação da Fundacen está amparada no art. 24, XIII, da Lei 8.666/93;
b) ausência do dolo necessário para caracterização do delito do art. 89, caput,
da Lei 8.666/93;
c) os valores pagos pela FAS à Fundacen decorreram da prestação dos servi-
ços contratados, razão porque não há falar em desvio de verbas públicas (DL 201/67,
art. 1º, II);
d) ausência de justa causa para a persecutio criminis, na medida em que a conduta
atribuída à denunciada não se ajusta ao tipo do art. 89 da Lei 8.666/93;

V
Cássio Taniguchi, Dinorah Botto Portugal Nogara, Armando Franco Deboni,
Ivo Mendes Lima e Sérgio Abu-Jamra Misael, às fls. 3640-3669, sustentam:
a) ilegitimidade passiva do acusado Cássio Taniguchi, em relação aos convênios
firmados entre a Fundacen e a Companhia de Desenvolvimento de Curitiba – CIC, a
Companhia de Habitação Popular de Curitiba – COHAB e aos contratos celebrados
com a Fundação Cultural de Curitiba – FCC e a Fundação de Ação Social – FAS,
certo que as duas primeiras são sociedades de economia mistas e as duas últimas são
fundações, todas elas dotadas de autonomia administrativa e financeira, representadas
juridicamente por seus presidentes;
b) ilegitimidade passiva da acusada Dinorah Botto Portugal Nogara, uma vez
que a conduta imputada — de ter solicitado urgência no encaminhamento de um aditivo
ao convênio celebrado com o Município de Curitiba — não configura crime; de igual
modo, a sua assinatura em aditivos ao convênio celebrado com a Fundacen também não
configura o tipo do art. 89 da Lei 8.666/93;
c) atipicidade das condutas atribuídas aos denunciados, tendo em vista que o
procedimento licitatório, no caso, não era obrigatório;
d) ausência do dolo necessário para caracterização do delito do art. 89, caput,
da Lei 8.666/93;
104 R.T.J. — 196

e) inexistência do crime tipificado nos incisos II e XII do art. 1º do DL 201/67,


porquanto não houve utilização indevida de recursos públicos em proveito próprio ou
alheio; ademais, “o denunciado Cássio Taniguchi jamais nomeou, admitiu ou designou
servidores, sem que estivessem presentes os requisitos legais” (fl. 3645);
f) ausência de justa causa para a ação penal, na medida em que a conduta
atribuída aos denunciados não se ajusta aos tipos penais imputados;
g) legalidade das condutas dos denunciados na celebração dos convênios;

VI
Na resposta de fls. 3966-3986, Margarita Elizabeth Pericás Sansone, então
Presidente da FAS, alega que não praticou qualquer ilícito, ao argumento de que o
contrato celebrado com a Fundacen está amparado no art. 24, XIII, da Lei 8.666/93,
tendo, inclusive, recebido parecer favorável da Consultoria Jurídica da Procuradoria-
Geral do Município de Curitiba.

VII
Luciene Leire Taniguchi, na resposta de fls. 4026-4056, sustenta:
a) falta de justa causa para ação penal, ante a ausência de elementos demonstra-
tivos da existência de infração penal e a ausência de prova da participação da denunciada
no ilícito penal;
b) atipicidade da conduta atribuída à denunciada, tendo em vista a desnecessi-
dade do processo licitatório para a celebração dos convênios;
c) irrelevância da conduta da denunciada para fins de extensão do prazo do
convênio, não só porque a sua manifestação não tinha qualquer poder vinculativo, mas
também porque havia cláusula impondo a renovação automática do convênio;
d) ausência do dolo necessário para caracterização do delito do art. 89, caput,
da Lei 8.666/93;

VIII
Sinval Zaidan Lobato Machado apresentou a resposta de fls. 4063-4092, aduzindo
que a Fundacen é uma instituição sem fins lucrativos, instituída por 2 associações, 28
empresas privadas industriais e 3 cidadãos, destinada ao ensino, à pesquisa e ao desen-
volvimento institucional, científico e tecnológico, de reconhecida reputação ético-profis-
sional, voltada exclusivamente para consecução de ações, serviços, obras, projetos, pro-
gramas que visem a assegurar melhores condições de vida às comunidades carentes da
Região Metropolitana de Curitiba. Sustenta, mais, em síntese, o seguinte:
a) configuração de hipótese de convênio, visto que não se tratava de contratação
de serviços, mas sim “da conjugação de esforços em busca do atendimento de interesses
comuns dos partícipes” (fl. 4084);
R.T.J. — 196 105

b) desnecessidade de licitação quanto aos contratos, não só pela ausência de


alternativas de contratação, mas também pela ausência de mercado concorrencial, já que
“só a contratada detinha a capacidade e meios necessários ao atendimento do que a
Administração Pública Municipal de Curitiba almejava alcançar por meio de dezenas
de programas que foram implementados” (fl. 4089);
c) inexistência de prejuízo ao erário municipal;
d) efetiva prestação dos serviços e obtenção dos respectivos resultados;
e) inépcia da denúncia, uma vez que não aponta as razões que determinariam
tratar-se de hipótese de contrato e não de convênio, como também porque a dispensa de
licitação implicaria vantagem para a Fundacem;

IX
O Sr. André Zacharow, Deputado Federal, na resposta de fls. 4395-4427, sustenta:
a) atipicidade das condutas atribuídas ao denunciado, visto que a hipótese em
discussão configura caso de convênio, prescindindo de procedimento licitatório; acres-
centa que, ainda que se entenda que a situação se amoldava à hipótese de contrato, as
condutas também seriam atípicas, dado que a contratação ocorreu junto a entidade
voltada à pesquisa e ao ensino, cuja licitação também é dispensável (Lei 8.666/93, art.
24, XIII);
b) ausência do dolo necessário para caracterização do delito do art. 89, caput,
da Lei 8.666/93;
c) falta de justa causa, tendo em vista a ausência de um suporte probatório mínimo
da culpabilidade do denunciado;
d) inépcia da denúncia em razão da imprecisão das imputações formuladas
contra o denunciado;

X
Os autos foram remetidos a esta Corte, em razão da eleição do acusado André
Zacharow ao cargo de Deputado Federal (fl. 4577).
O Ministério Público Federal, às fls. 4588-4591, ratificou a manifestação do Mi-
nistério Público do Estado do Paraná de fls. 4549-4570 e manifestou-se pelo recebimento
da denúncia.
André Zacharow, às fls. 4594-4597, salientando que, no caso, “o Ministério Pú-
blico do Paraná investiu-se de poderes de polícia, tendo instaurado e presidido verda-
deiro inquérito, dissimulado sob a denominação de procedimento administrativo, com
o único intuito de arrecadar pretensas provas para o oferecimento de denúncia”, e
tendo em vista o decidido pela Segunda Turma no RHC 81.326, Rel. Min. Jobim, reque-
reu novo pronunciamento do Ministério Público Federal.
O eminente Procurador-Geral da República, Prof. Claudio Fonteles, às fls. 4713-
4715, manifesta-se no sentido do recebimento da denúncia.
É o relatório, do qual serão expedidas cópias para os Exmos. Srs. Ministros.
106 R.T.J. — 196

VOTO
O Sr. Ministro Carlos Velloso (Relator): A denúncia atribui aos denunciados as
seguintes condutas típicas:
“(...)
1. Conforme consta dos autos, o 1º denunciado Cássio Taniguchi exerce o
cargo de Prefeito do Município de Curitiba/PR (reeleito para a gestão de 2001/
2004).
Nesta qualidade, no decorrer dos exercícios de 1997 a 2001, em doloso
conluio com alguns de seus auxiliares (Secretários, Diretores, Presidentes, Servi-
dores), o 1º denunciado Cássio Taniguchi, com a deliberada intenção de burlar a
Lei de Licitações para favorecer entidade privada, celebrou Contratos e aditivos,
dissimulados em Convênios, e autorizou diretores a celebrá-los, para prestação de
serviços, com a FUNDACEN-Fundação Instituto Tecnológico Industrial (institui-
ção privada, do Município de Araucária/PR), carreando-lhe vultuosos recursos pú-
blicos, sem prévia licitação (e sem o devido processo de dispensa, na maioria dos
casos), obrigatórias, nos casos adiante expostos. Concorreu dolosamente para a
consumação da ilegalidade, o denunciado Sinval Zaidan Lobato Machado, Con-
selheiro da Fundacen, beneficiando-a da indevida dispensa na celebração dos
contratos (convênios).
Os serviços prestados pela Fundacen em favor do Município de Curitiba,
resultaram de assinaturas de Termos de Convênios, Contratos e Aditivos que foram
firmados pelos denunciados (Prefeito, Diretores-Presidentes da Administração e o
Conselheiro da Fundacen) os quais em nenhum momento, precederam ao devido
processo licitatório, o que seria necessário, haja vista não se adequarem em casos
de dispensa, as características de contratos de prestação de serviços, contínuos e
regulares e as elevadas somas de recursos públicos despedidos, em favor de entidade
privada, especialmente nos exercícios de 1997 a 2001.
(...)
Consciente de que a situação não se amoldava à hipótese de Convênio, e
com vontade de evitar o processo licitatório, o denunciado Cássio Taniguchi fir-
mou esse Termo, intencionado em burlar a Lei de Licitações, simulando contrato
por convênio, tratando-se em verdade de prestação de serviços mediante pagamento
(contraprestação em dinheiro, e não mútua colaboração), com objeto vago, amplo,
indefinido, assim obrando para autorizar despesas (pagamentos mensais de recur-
sos sem quantificação) sem licitação, sequer formalizando processo de dispensa (§
único, art. 26, da Lei 8.666/93).
De comum acordo com o denunciado Cássio Taniguchi, para burlar a Lei de
Licitações, que celebrou verdadeiro contrato, disfarçado de convênio, sem licita-
ção e sem observar as formalidades pertinentes à dispensa, concorreram para o
crime, a denunciada Dinorah Botto Portugal Nogara, Secretária de Recursos Hu-
manos que, no processo interno n. 032.922, pelo Ofício n. 211/97, datado de 1º/4/
97, deu urgente encaminhamento à celebração do ilegal convênio que também
assinou (fls. 437/483 v. 2) e Sinval Zaidan Lobato Machado, postulando e assi-
nando a celebração direta do convênio/contrato, ciente de sua ilegalidade, para
assim beneficiar a Fundacen, da qual é Conselheiro.
R.T.J. — 196 107

2.2. Na seqüência, firmaram os denunciados, do mesmo modus operandi, os


seguintes aditivos, especialmente visando prorrogar o prazo original, artifício usa-
do para renovação ilegal da contratação direta:
2.2.1. ‘Termo Aditivo ao Convênio’ firmado entre o Município de Curitiba e
a Fundacen, datado de 28/5/97 (fls. 127 a 128, vol. 1; 299/300 ap. 2). O referido
aditivo tem por objetivo definir dentro das finalidades do Convênio originário a
realização de trabalhos e estudos a serem executados pela Fundação conforme
plano de trabalho. A Fundação deverá concluir as tarefas descritas no plano de
trabalho nos prazos pré-fixados, podendo os mesmos serem alterados nas hipóteses
previstas no contrato original, momento em que o Município acordará no prazo.
2.2.2. ‘Termo Aditivo ao Convênio’ firmado entre o Município de Curitiba e
a Fundacen, datado de 20/6/97 (fls. 129 a 130, vol. 1; 301/302, ap. 2). O referido
aditivo tem por objetivo incluir dentro das finalidades do Convênio originário a
realização de trabalhos e estudos a serem executados pela Fundação, com a
implantação, acompanhamento de metodologias e estudos especialidades,
junto aos projetos matriciais do Plano de Governo.
2.2.3. ‘Termo Aditivo ao Convênio’ firmado entre o Município de Curitiba e
a Fundacen, datado de 12/3/98 (fl. 131, vol. 1; 303 ap. 2). Fica prorrogado por mais
2 anos e 9 meses, o prazo de vigência do contrato, com encerramento em 31/12/
2000.
Além dos denunciados Cássio Taniguchi, Dinorah Botto Portugal Nogara (e
Sinval Zaidan Lobato Manchado, Conselheiro da Fundacen, que concorreu para o
crime, beneficiando-a da indevida prorrogação/contratação direta), que assinaram
esses Aditivos, teve participação neste último Termo Aditivo, em doloso conluio
para a realização da despesa sem licitação, e sem a observância das formalidades
pertinentes à dispensa, denunciada Luciane Leiria que, no processo interno n.
042.137 (fls. 421/435, v. 2), emitiu em data de 12/3/98, pelo Município de
Curitiba, parecer favorável à prorrogação do convênio (fl. 431). Absurdamente,
Luciane Leiria, desde 8/1/98, percebia salários pela Fundacen, contratada na fun-
ção de advogada (fls. 1138/1143 v. 5).
(...)
À esse ‘Convênio’, correspondeu o processo interno n. 065.549/2001 (fls.
484/578, vol. 2), iniciado pelo ofício 108/01-SGM, de 26/3/01, solicitando
lavratura do convênio, atendendo postulação de Sinval Zaidan, com informação
favorável do superintendente/SGM, Mario Lopes Filho, anexados vários documentos
relativos à Fundacen; Parecer de 27/3/01, de Geny Ihle, Consultora Jurídica do
Município aduzindo que a matéria é regida pelo art. 116, da Lei 8.666/93, e ‘que
não há impedimento legal à formalização e assinatura do Termo proposto, inde-
pendentemente de prévio procedimento licitatório’ e o ‘de acordo’, em data de 28/
3/2001, da Procuradoria Geral do Município.
Consciente de que a situação não se amoldava à hipótese de Convênio, e
com vontade de evitar o processo licitatório, o denunciado Cássio Taniguchi fir-
mou esse Termo, intencionado em burlar a Lei de Licitações, simulando contrato
por convênio, tratando-se em verdade de prestação de serviços mediante pagamento
(contraprestação em dinheiro, e não a mútua colaboração), com objeto vago, am-
plo, indefinido, assim obrando para autorizar despesas (pagamentos mensais de
108 R.T.J. — 196

recursos sem qualificação) sem licitação, e sem observar as formalidades pertinen-


tes à dispensa (§ único, art. 26, da Lei 8.666/93). Concorreu para o crime, o denun-
ciado Sinval Zaidan Lobato Machado, postulando pela renovação direta do con-
vênio/contrato, ciente de sua ilegalidade, para assim beneficiar a Fundacen, da
qual é Conselheiro.
(...)
2.4. Convênio firmado entre a Companhia de Desenvolvimento de Curitiba
– CIC e a Fundacen em 26/6/97 (fls. 140 a 144, vol. 1 e 354 a 358, ap. 2). Objeto:
Tem por escopo a realização pela Fundação, de estudos técnicos e prestação de
suporte aos projetos e atividades, tidos como de interesse mútuo para as partes,
abrangendo: desenvolvimento e a introdução de novas referências, métodos e
técnicas nos diversos projetos e atividades a serem executados; programas de for-
mação e capacitação de recursos humanos; estudos e pesquisas de interesse da
CIC. A Fundação executará estudos técnicos e prestará serviços à CIC. Prazos: o
prazo será de 1 (um) ano, iniciando a partir da data da assinatura do contrato,
podendo ser prorrogado, por igual período, através de Termo Aditivo, desde que as
partes se manifestem com 30 (tinta) dias de antecedência. Repasse de Recursos:
cabe a CIC efetuar o repasse de recursos para cobertura das despesas decorrentes do
presente convênio, mediante demonstrativo apresentado pela Fundacen, com 05
dias de antecedência. Sobre os valores a serem pagos pelos serviços prestados,
incluir 10% de taxa de administração. Encargos e Tributos: são de responsabilidade
da Fundação, todos os encargos sociais, previdenciários e trabalhistas, inclusive
seguro de acidente de trabalho, custos decorrentes da rescisão do Convênio e
todos os tributos, taxas e contribuições fiscais.
Autorizado pelo Prefeito Cássio Taniguchi, ora denunciado, e com ele
dolosamente conluiado para burlar a lei de licitação, consciente de que a situação
não se amoldava à hipótese de Convênio, e com vontade de evitar o processo
licitatório, firmou esse Termo, o Diretor Presidente da CIC, e ora denunciado
André Zacharow, simulando contrato por convênio, tratando-se em verdade de
prestação de serviços mediante pagamento (contraprestação em dinheiro, e não a
mútua colaboração), com objeto vago, amplo, indefinido, assim obrando para au-
torizar despesas (pagamentos mensais de recursos sem quantificação) sem licita-
ção, e sem observar as formalidades pertinentes à dispensa (§ único, art. 26, da Lei
8.666/93). Concorreu para o crime, o denunciado Sinval Zaidan Lobato Machado,
também firmando o Termo e postulando pela contração direta, ciente de sua ilega-
lidade, para assim beneficiar a Fundacen, da qual é Conselheiro (Sinval é, também,
membro do Conselho de Administração da CIC) (fls. 3469, vol. 17).
2.5. Na seqüência, os denunciados supracitados (Cássio Taniguchi, André
Zacharow e Sinval Zaidan Lobato Machado), do mesmo modus operandi, celebra-
ram os seguintes aditivos, especialmente visando prorrogar o prazo original, artifício
usado para renovação ilegal da contratação direta:
2.5.1. Instrumento Particular de Aditamento ao convênio firmado entre a
Companhia de Desenvolvimento de Curitiba – CIC e a Fundacen em 30/11/98
(fls. 145 e 146, vol. 1 e 359 e 360, ap. 2). Prorroga o prazo de vigência do convênio
original, alterando a cláusula quarta, que passa para 36 meses, contados da data da
sua assinatura;
R.T.J. — 196 109

2.5.2. Segundo Instrumento Particular de Aditamento ao contrato firmado


entre a Companhia de Desenvolvimento de Curitiba – CIC e a Fundacen em 14/8/
2000 (fls. 147 e 148, vol. 1 e 361 e 362, ap. 2). Prorroga o prazo de vigência do
convênio original, alterando a cláusula quarta, que passa para 60 meses, contados
da data da sua assinatura.
(...)
Portanto, o Prefeito de Curitiba, ora denunciado Cássio Taniguchi, em
conluio com alguns de seus auxiliares, autorizou pagamentos de volumosas quan-
tias (próximo de cinqüenta milhões de reais) de verbas dos contribuintes, à
Fundacen, para prestação de serviços que poderiam ser realizados pela própria
Administração Municipal, sem o devido processo licitatório, que afastou aludindo
ora ao art. 24, XIII, ora ao art. 116, da Lei de Licitação; ora afirmando se tratar de
hipótese de contratação direta, ora alegando desnecessidade de licitar; ora reco-
nhecendo tratar-se de prestação de serviços, ora que se tratava de mera cooperação
ou parceria; formalizou apenas um processo de dispensa de licitação, cônscio da
sua impropriedade, intencionado em favorecer a Fundacen sem publicidade à es-
ses atos (mesmo porque, utilizou boa parte dessas verbas, no pagamento de salários
de correligionários, contratados através da Fundacen, para prestarem serviços no
âmbito da Administração Municipal, consoante descreve-se a seguir).
(...)
Expressiva quantia das rendas entregues pelo Município à Fundacen, o
denunciado Cássio Taniguchi utilizou na contratação e admissão de pessoal, seus
correligionários, para prestarem serviços nos órgãos da Administração Municipal
de Curitiba, em burla ao art. 37, II, da Constituição da República, e da Lei Orgânica
Municipal (art. 80, II), ou seja, sem prévia aprovação em concurso público, e sem
que essa despesa fosse computada no limite de gasto total com pessoal. Vários
deles foram, posteriormente, ou mesmo anteriormente, nomeados pelo Prefeito em
cargos em comissão, conforme foram vagando.
(...).” (Fls. 3-24)

II
Em primeiro lugar, passo ao exame dos delitos atribuídos ao Sr. André Zacharow,
Deputado Federal, que tem prerrogativa de foro.
A denúncia imputa ao parlamentar, que à época era Diretor Presidente da Compa-
nhia de Desenvolvimento de Curitiba-CIC, a conduta de haver firmado Termo de Con-
vênio e dois aditamentos com a FUNDACEN – Fundação Instituto Tecnológico Indus-
trial, sem observância do procedimento licitatório, que seria imprescindível no caso.
Afirma a denúncia que a situação não se amoldava à hipótese de convênio, tratando-se,
na verdade, de prestação de serviços mediante pagamento, com objeto vago, amplo e
indefinido. Por isso, imputa ao acusado a prática do delito tipificado no art. 89, caput, da
Lei 8.666/93.
110 R.T.J. — 196

III
Abrindo o debate, examino a alegação de nulidade da ação, posta na petição de fls.
4594-4597, porque fundada em elementos ilegalmente colhidos pelo Ministério Público
do Estado do Paraná. Segundo o acusado, “o Ministério Público do Paraná investiu-se
de poderes de polícia, tendo instaurado e presidido verdadeiro inquérito, dissimulado
sob a denominação de procedimento administrativo, com o único intuito de arrecadar
pretensas provas para o oferecimento de denúncia em face de diversos cidadãos, dentre
os quais vários servidores públicos”. Acrescenta que o Ministério Público “não se
limitou a requisitar diligências investigatórias ou pedidos de informações, tendo, em
verdadeiro abuso de atribuições, instaurado a investigação com a deliberada intenção
de promover posterior ação penal”(fls. 4595-4596).
Não tem procedência o alegado.
Tenho sustentado que não cabe ao Ministério Público realizar diretamente inves-
tigações penais, mas requisitá-las à autoridade policial competente (CF, art. 144, § 1º e
§ 4º). A ele incumbe promover ação penal pública, na forma da lei, e bem assim o
inquérito civil e ação civil pública, não lhe cabendo fazer as vezes da Polícia Federal ou
da Polícia Civil (RE 205.473/AL, DJ de 19-3-99). De outra parte, tenho entendido
também, conforme jurisprudência firmada na Corte, que a instauração de inquérito poli-
cial não é imprescindível à propositura da ação penal pública, podendo o Ministério
Público valer-se de outros elementos de prova para formar sua convicção (HC 70.991,
Min. Moreira Alves; RE 233.072, Min. Jobim).
Certo é que, na hipótese, o Ministério Público do Estado do Paraná não realizou,
diretamente, as investigações, mesmo porque encaminhou à autoridade policial a de-
núncia anônima recebida, oportunidade em que formalmente requereu a abertura de
inquérito (fl. 37). Ademais, consta dos autos — fls. 154-155, 349-350 — que o Ministério
Público, no curso do inquérito, requisitou várias diligências à referida autoridade.
É certo que o Ministério Público colheu em seu gabinete alguns depoimentos (fls.
309-311, 362-365). Entretanto, conforme salientei no voto que proferi no HC 83.463/
RS, julgado pela Segunda Turma em 16-3-2004, não vejo impedimento para que o
Ministério Público efetue a colheita de determinados depoimentos, quando, tendo co-
nhecimento fático do indício de autoria e da materialidade do crime, tiver notícia, di-
retamente, de algum fato que merecesse ser elucidado. De qualquer sorte, ainda que
assim não se entenda, a denúncia está fundada em provas outras que justificam o
procedimento penal.

IV
Passo ao mérito, vale dizer, ao exame da imputação do crime de dispensa irregular
de licitação.
Assim dispõe o art. 89, caput, da Lei 8.666/93:
“Art. 89. Dispensar ou inexigir licitação fora das hipóteses previstas em lei,
ou deixar de observar as formalidades pertinentes à dispensa ou à inexigibilidade:
Pena — detenção, de 3 (três) a 5 (cinco) anos, e multa.
R.T.J. — 196 111

Parágrafo único. Na mesma pena incorre aquele que, tendo comprovadamente


concorrido para a consumação do ilegalidade, beneficiou-se da dispensa ou inexi-
gibilidade ilegal, para celebrar contrato com o Poder Público.”
Segundo a denúncia, o acusado, então Diretor Presidente da CIC – Companhia de
Desenvolvimento de Curitiba, teria assinado com a Fundacen um Convênio e dois
posteriores Termos Aditivos, quando, na verdade, se tratava de hipótese de contrato,
sendo imprescindível o procedimento licitatório.
Vejamos se, no caso, a licitação era obrigatória.
Estatui o art. 116 da Lei 8.666/93:
“Art. 116. Aplicam-se as disposições desta Lei, no que couber, aos convênios,
acordos, ajustes e outros instrumentos congêneres celebrados por órgãos e entida-
des da Administração.
§ 1º A celebração de convênio, acordo ou ajuste pelos órgãos ou entidades da
Administração Pública depende de prévia aprovação do competente plano de tra-
balho proposto pela organização interessada, o qual deverá conter, no mínimo, as
seguintes informações:
I - identificação do objeto a ser executado;
II- metas a serem atingidas;
III - etapas ou fase de execução;
IV - plano de aplicação dos recursos financeiros;
V - cronograma de desembolso;
VI - previsão de início e fim da execução do objeto, bem assim da conclusão
das etapas ou fases programadas;
(...).”
Leciona a professora Maria Sylvia Zanella Di Pietro (Temas Polêmicos sobre Lici-
tações e Contratos, Ed. Malheiros, p. 311) que, nos convênios, os partícipes têm compe-
tências institucionais comuns. O resultado pretendido insere-se dentro das atribuições
de cada um dos partícipes. Salienta que “outro indicador é a obtenção de um resultado
comum, ou seja, de um estudo, de um ato jurídico, de um projeto, de uma obra, de um
serviço técnico, de uma invenção etc. que serão usufruídos por todos os partícipes” e
que “em todas as hipóteses há mútua colaboração, que pode assumir várias formas,
como repasse de verbas, uso de equipamentos, de recurso humanos e matérias, de imó-
veis, de know-how e outros. Não se cogita de preço ou de remuneração”. E conclui: “os
contratos abrangidos pela Lei 8666 são necessariamente precedidos de licitação —
com as ressalvas da legais — no convênio não se cogita de licitação, pois não há
viabilidade de competição quando se trata de mútua colaboração”.
Está no Termo de Convênio celebrado entre a Companhia de Desenvolvimento de
Curitiba – CIC e a Fundação Instituto Tecnológico Industrial – FUNDACEN (fls. 4434-
4438):
112 R.T.J. — 196

“(...)
Cláusula primeira — do objeto
O presente Convênio tem por escopo a realização pela Fundação, de estudos
técnicos e prestação de suporte aos projetos e atividades, tidos como de interesse
mútuo para as partes, abrangendo:
• O desenvolvimento e a introdução de novas referências, métodos e técnicas
nos diversos projetos e atividades a serem executados;
• O desenvolvimento de programas de formação e capacitação de recursos
humanos;
• A realização de estudos e pesquisa de interesse da CIC.
Cláusula segunda
A Fundação executará estudos técnicos e prestará serviços à CIC, que forma-
lizará sua solicitação através de correspondência, firmada pelo seu Diretor Presi-
dente, para elaboração dos respectivos Termos Aditivos, baseando-se, para tal em
entendimentos prévios entre as partes.
Cláusula Terceira
Na execução dos serviços objeto deste Convênio, serão de atribuição e res-
ponsabilidade:
I – Da CIC:
a) coordenação do presente convênio;
b) fornecimento de dados técnicos relativos aos estudos e serviços a serem
desenvolvidos;
c) a designação de responsável para acompanhar a compatibilização dos
trabalhos referentes aos estudos e serviços integrantes do Plano de Ação supracitado,
e conseqüente orientação à Fundação;
d) a aprovação prévia da qualificação e da experiência dos profissionais a
serem alocados pela Fundação, na execução dos estudos e serviços;
e) a aprovação técnica dos estudos e serviços realizados pela Fundação, su-
gerindo alterações e recomendações quando necessário.
II – Da Fundação:
a) a designação de todo o pessoal técnico, administrativo e outros, especializado
ou não, necessário à execução dos estudos e serviços previstos e dos que venham a ser
acrescidos, dentre os funcionários de seu quadro próprio de pessoal ou contratados,
mediante prévia seleção na forma de lei;
b) a realização e coordenação dos serviços técnicos e administrativos relati-
vos aos trabalhos, assegurando a qualidade compatível com a natureza dos servi-
ços a executar;
c) assegurar a disponibilidade de materiais e equipamentos necessários à
execução dos estudos e serviços previstos;
R.T.J. — 196 113

d) as orientações e recomendações técnicas emitidas pela CIC, nos relatórios


relativos aos estudos e serviços realizados;
e) manter com a CIC todos os contatos técnicos e administrativos que se
fizerem necessários durante o desenvolvimento dos estudos e serviços objeto deste
Termo de Convênio.
Cláusula Quarta
O presente Convênio entrará em vigor a partir da data de sua assinatura e terá
duração de 01 (um) ano, podendo ser prorrogado, por igual período, através de
Termo Aditivo, desde que as partes se manifestem com antecedência mínima de 30
(trinta) dias.
(...)
Cláusula Quinta
Cabe a CIC efetuar mensalmente o repasse de recursos para cobertura das
despesas decorrentes do presente Convênio, mediante demonstrativo apresentado
pela Fundação, com 05 (cinco) dias úteis, no mínimo, de antecedência.
Parágrafo Único:
No demonstrativo financeiro deverão constar discriminadamente os valores
a serem pagos pelos serviços prestados, com o percentual de 10% (dez por cento) a
título de taxa de administração, calculada sobre os custos.
(...).”
Estabelece, por sua vez, o art. 4º do Estatuto Social da Companhia de Desenvolvi-
mento de Curitiba (fls. 4453-4466):
“(...)
Art. 4º A Sociedade tem como objetivos:
1. Executar a política de promoção em nível nacional e internacional e de-
senvolvimento dos setores industrial, comercial, de serviços e de turismo do Muni-
cípio de Curitiba;
2. Articular e fomentar as atividades turísticas do Município de Curitiba;
3. Implementar ações que assegurem o fomento dos setores produtivos do
Município, através de execução de atividades de atração, incentivo à criação,
preservação e ampliação de empreendimentos, bem como da implantação de pro-
gramas e projetos de estímulo à atividade econômica, e outros necessários ao seu
desenvolvimento;
4. Gerir mecanismos de natureza física, financeira e institucional que lhe
forem atribuídos;
5. Gerir as áreas industriais do Município de Curitiba, inclusive a Cidade
Industrial de Curitiba;
6. Adquirir e alienar por compra ou venda, locar, arrendar, ceder em
comodato bens móveis e imóveis;
114 R.T.J. — 196

7. Estabelecer convênios de cooperação nas áreas científica, tecnológica, de


promoção econômica, de gestão empresarial e profissionalização da mão-de-obra,
com instituições e entidades nacionais e internacionais.
8. Planejar, elaborar projetos e obras de engenharia civil, bem como executar
obras e todas as demais prestações de serviços voltados para o aumento das opor-
tunidades de mercado, assim como para assegurar o cumprimento dos objetivos
elencados nos itens anteriores.
§ 1º Para a consecução de seus objetivos, a Sociedade poderá exercer os
poderes que lhe forem delegados pelo Executivo Municipal, com autonomia para
planejar, disciplinar, fiscalizar, explorar e delegar a operação de serviços munici-
pais de utilidade pública, inclusive desapropriação de imóveis.
§ 2º A Sociedade poderá, sem prejuízo de seus objetivos fundamentais, operar
na execução da política de fomento ou exercer outras atividades que visem direta
ou indiretamente promover o desenvolvimento econômico social, obter novos
recursos e oferecer parâmetros para o estabelecimento e implementação de um
Sistema de Qualidade para indústria, comércio, serviços e turismo, visando aumento
de produtividade, competitividade e oportunidade de mercados, podendo, para tal
fim, alterar seu estatuto e/ou denominação social, por decisão da Assembléia Geral.
§ 3º A Sociedade poderá, de acordo com sua capacidade financeira, ampliar
e/ou aperfeiçoar a infra-estrutura existente nas áreas destinadas a ocupação econô-
mica.
§ 4º Poderá, ainda, a Sociedade, executar atividades concernentes ao apoio
tecnológico e ao estímulo à geração de empregos e à orientação às associações de
empresários na condução de seus interesses perante o Município de Curitiba.
(...).”
O Estatuto Social da Fundacen dispõe no seu art. 1º (fls. 247-253):
“(...)
Artigo 1º A ‘Fundação Instituto Tecnológico Industrial’, fundada aos vinte e
um dias do mês de julho do ano de mil novecentos e oitenta e oito, na cidade de
Curitiba, Capital do Estado do Paraná, com sede e foro na cidade de Araucária-PR,
na Rua Luiz Franceschi, n. 963, é uma Instituição de Educação, sem fins lucrativos,
mantida com a colaboração da Associação dos Empresários da Cidade Industrial
de Araucária, Associação das Empresas da Cidade Industrial de Curitiba, Empresas
e Pessoas Físicas, e tem por finalidade:
I - Oferecer formação profissionalizante, a fim de suprir as necessidades
das indústrias na Região Metropolitana de Curitiba.
II - Buscar atender a aspirações dos jovens para profissões definidas,
sem discriminações de ordem política, racial e confessional.
III - Contribuir para a elevação do nível educacional e cultural da po-
pulação jovem na sua área de geo-influência, principalmente nos campos
técnico-científico e técnico-profissional.
R.T.J. — 196 115

IV - Promover a integração sócio-empresa.


V - Estabelecer e manter serviços educacionais e culturais, bem como
serviços auxiliares de Assistência Social e Filantrópica.
VI - Promover a prestação de serviços técnicos às empresas e comunidade,
na sua área de atuação.
(...).”
Assim posta a matéria, estou em que, no caso, a licitação é dispensável. É que,
como se vê dos Estatutos linhas atrás reproduzidos, a Companhia de Desenvolvimento
de Curitiba – CIC e a Fundacen possuem objetivos institucionais comuns e, no caso,
além de o ajuste firmado tratar de mútua colaboração, está de acordo com as caracterís-
ticas das partes, com a finalidade de cunho social almejada, não havendo contraposição
de interesses, nem preço estipulado, o que, sem dúvida, configura hipótese de convênio.
Saliente-se, a propósito, que a legalidade do Convênio foi reconhecida pelo pró-
prio Ministério Público do Estado do Paraná em auditoria realizada na Fundacen, na
qual foram aprovadas as contas da Fundação (fls. 4429-4433):
“(...)
e) Convênios/Contratos
A Fundação mantém Convênios de Prestação de Serviços com instituições
públicas e privadas, com objetivos específicos e, para tanto cobra taxa de adminis-
tração de 10%, sobre o valor total auferido mensalmente.
Situação diferenciada ocorre com o Banco do Estado do Paraná S.A, Correio
e Sanepar que recolhem valores acima do estipulado. O excedente destina-se a
cobrir despesas da fundação com treinamentos direcionados aos Contínuos, con-
forme consta em Termo Contratual.
A Telepar e Telepar Celular, reembolsam os valores provenientes dos treina-
mentos realizados pela Fundacen.
A título de análise, verificamos os convênios firmados com as seguintes
instituições:
- Telepar Celular;
- Companhia de Saneamento do Paraná – Sanepar;
- Promoesporte;
- Companhia de Desenvolvimento de Curitiba;
- Fundação de Ação Social – FAS;
- Prefeitura Municipal de Pinhais.
Salientamos que os mesmos, encontram-se revestidos de todas as formalida-
des pertinentes e, respaldados pelo Estatuto Social da Fundação Instituto
Tecnológico Industrial, no que refere-se as suas finalidades, preceituado em seu
Artigo 1º.
(...).”
116 R.T.J. — 196

Não fora assim, convém registrar que o ajuste foi celebrado com instituição a que
se refere o art. 24, XIII, da Lei 8.666/93, em que a licitação é dispensável. Dispõe o
mencionado dispositivo:
‘Art. 24. É dispensável a licitação:
(...)
XIII - na contratação de instituição brasileira incubida regimental ou
estatutariamente da pesquisa, do ensino ou do desenvolvimento institucional, ou
de instituição dedicada à recuperação social do preso, desde que a contratada
detenha inquestionável reputação ético-profissional e não tenha fins lucrativos;”
Entendo, pois, que a Fundacen enquadra-se na citada disposição legal, na medida
em que é uma instituição brasileira, sem fins lucrativos, destinada ao ensino, à pesquisa
e ao desenvolvimento científico e tecnológico (art. 1º do Estatuto). De outra parte, os
documentos de fls. 569-594 (Volume 4) atestam a sua reputação, cumprindo destacar
que a referida instituição foi declarada de Utilidade Pública Federal pelo Ministério da
Justiça (fl. 287).
Posta a questão nesses termos, tem-se, no caso, conduta atípica relativamente ao
acusado, então Diretor Presidente da Companhia de Desenvolvimento de Curitiba –
CIC, André Zacharow, atualmente Deputado Federal. Julgo, pois, improcedente a acusa-
ção (Lei 8.038/90, art. 6º).

V
Os demais acusados estão, em substância, em situação igual, tendo em considera-
ção que as condutas referidas não se enquadram na tipicidade do art. 89, caput, da Lei
8.666/93. Julgo, por igual, improcedente a acusação contra os demais acusados.
É como voto.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Senhor Presidente, ouvi, de início, que tudo teria se
originado em um documento apócrifo, em uma carta anônima. Essa premissa procede?
O Sr. Ministro Carlos Velloso (Relator): É verdade.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Adianto o meu pensamento a respeito, para depois
chegar à problemática da investigação pelo Ministério Público, se for o caso.
Vivemos em um Estado Democrático de Direito e, no caso, a Carta da República só
prevê o sigilo quando ele é inerente à própria atividade profissional desenvolvida. Não
podemos imaginar a inauguração de uma época que se faça a partir do denuncismo
irresponsável. Não podemos imaginar uma verdadeira época de terror em que, a partir de
uma postura condenável, chegue-se à persecução criminal.
Se formos a diplomas, veremos que eles glosam, em si, a carta anônima. Temos a
Lei n. 8.112/90, relativa aos servidores públicos, a repudiar a denúncia anônima. Temos
a Lei de Improbidade em idêntico sentido. Temos, em si, resolução desta Corte, atinente
à Ouvidoria, colocando no lixo — e a expressão exata deve ser veiculada — cartas
R.T.J. — 196 117

anônimas, em que o denunciante não exerce um direito inerente à cidadania e deixa de


assumir responsabilidade que possa até mesmo, em um passo seguinte, improcedente a
imputação de crime, desaguar na denúncia caluniosa.
É a situação concreta. Se se chegar à declaração de não-configuração de crime,
quem responderá pela imputação? O Ministério Público? Então, teríamos de cogitar
dessa responsabilidade toda vez que julgado improcedente um pedido formulado pelo
Ministério Público, improcedente o que articulado em uma denúncia.
A meu ver, peca este processo pelo nascimento, em si, no que decorreu — repito —
de um ato a ser excomungado, ou seja, de uma denúncia anônima. É a primeira questão
a enfrentar, numa atuação até mesmo pedagógica. Outro dia, perante a Turma, em uma
discussão a respeito da matéria, formou-se maioria na colocação em plano secundário de
uma denúncia anônima formalizada contra dois magistrados — um de primeira e outro
de segunda instância. Indaguei até se partiríamos para a seqüência de um inquérito se
viesse à Corte carta anônima contra um de seus integrantes. E a resposta, para mim, é
desenganadamente negativa.
No caso, ficou esclarecido pelo Relator haver esse defeito inicial, que, para mim,
contamina todo o processo relativo ao inquérito, sem se chegar até mesmo à elucidação
de ser constitucional, ou não, a investigação promovida pelo Ministério Público, que é
parte da ação penal.
Levanto a questão de ordem quanto à inviabilidade da seqüência do próprio inqué-
rito, no que o elemento básico que desaguou na apuração de certos dados é uma carta
anônima.

VOTO
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Senhor Presidente, pergunto ao eminente Relator
sobre a essencialidade do ponto no caso concreto, porque pedi vista na Turma de um
habeas corpus em que se discute esse problema.
O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): É preciso examinar o caso. Qual é a
situação?
Senhor Ministro Sepúlveda Pertence, Vossa Excelência quer um esclarecimento?
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: O eminente Ministro Marco Aurélio aponta
uma prejudicial absoluta.
O Sr. Ministro Gilmar Mendes: A questão está sendo discutida na Turma e ainda
não houve conclusão.
O Sr. Ministro Carlos Britto: Nesse processo, assumi posição diferente da do emi-
nente Ministro Marco Aurélio.
O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): No processo da Primeira Turma?
O Sr. Ministro Carlos Britto: Sim. Entendi que pode haver investigação a partir de
uma denúncia anônima. Não pode haver é uma denúncia exclusivamente baseada numa
notitia criminis sem autoria, mas, como ponto de partida, a cidadania pode se manifestar,
sim, anonimamente.
118 R.T.J. — 196

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Não imagino denúncia anônima pelo Ministério
Público.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Preocupa-me levar os princípios nobilíssimos
às últimas conseqüências. Um telefonema anônimo comunicando haver um cadáver ou
um seqüestro, num determinado momento, impedirá — não falo da abertura formal de
inquérito — a ação imediata da polícia para verificar a informação?
O Sr. Ministro Carlos Britto: É um início de investigação.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Materialidade é uma coisa; imputação é algo
diverso. Se há um telefonema anônimo, sem a pessoa se identificar, para a delegacia
policial, comunicando que, em tal lugar, há um cadáver ou está havendo tráfico de
drogas, evidentemente a polícia tem de ir ao local.
O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): O texto da carta anônima está nos autos?
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Parece ser este o caso, embora não haja cadá-
ver: a denúncia é da existência de convênios ou contratos sem licitação.
O Sr. Ministro Carlos Velloso (Relator): Penso que poderíamos prosseguir no jul-
gamento. Vossa Excelência verificará a irrelevância da questão no caso concreto.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Não podemos ir ao mérito para depois voltar à
questão prejudicial.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Temos de examinar a carta.
O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): A carta está nos autos?
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Vossa Excelência proclama que o fato não é típico?
O Sr. Ministro Eros Grau: Senhor Ministro Carlos Velloso, permite-me uma obser-
vação?
Sem querer antecipar, parece-me claro — Vossa Excelência já o disse — que o caso
não é de inquérito criminal, mas de inquérito civil. Nitidamente, a meu ver, não há o fato
típico, porque as mesmas regras aplicáveis aos contratos se aplicam aos convênios.
Podia haver a licitação. O que me parece consubstanciar a razão da denúncia é ter-se
celebrado um contrato “guarda-chuva”, utilizado para se pagar alguns funcionários.
Mas esse não é um delito típico do art. 89. Parece-me claro, então, não se tratar de um
ilícito penal, mas sim de um ilícito administrativo, o que justificaria um inquérito civil
público.
O Sr. Ministro Carlos Velloso (Relator): Por isso eu gostaria de prosseguir.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Então, o que estamos fazendo, no Supremo, com
este processo? Vamos retificar a autuação e baixar à primeira instância.
O Sr. Ministro Cezar Peluso: Será aberto um procedimento investigatório a respeito
de um fato típico e baseado em documento ilícito, que não deveria gerar nenhuma
conseqüência jurídica.
O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Lembro-me de, logo no início, ter apare-
cido, aqui, aquele problema do fruto da árvore proibida, em que havia uma escuta tele-
fônica ilícita, e o Tribunal entendeu corretamente que a prova ilícita contaminava as
R.T.J. — 196 119

demais. No entanto, num determinado processo na Segunda Turma, recordo-me deste


problema: a polícia havia interceptado ilicitamente o telefone de um certo cidadão e
soube que, em tal dia, às tantas horas, seriam entregues uma partida grande de cocaína,
armas e outros. A polícia, com base naquela escuta telefônica ilícita, fez um flagrante e
encontrou vinte quilos de cocaína, tantas AR-15, etc. Lembro-me de estarmos discutindo,
na Segunda Turma, sobre as provas estarem contaminadas. Então eu disse que, se
levássemos às últimas conseqüências a tese, o Supremo Tribunal teria de determinar a
devolução da cocaína aos traficantes, porque o auto de apreensão era ato ilícito, uma vez
que estava contaminado. Por isso, é importante a preocupação do Ministro Sepúlveda
Pertence de não podermos radicalizar. É aquela coisa em processo penal: sejamos mini-
malistas, porque, se formularmos tese in abstracto fora do caso concreto, teremos proble-
mas, como já tivemos alguns dessa natureza. Neste caso, temos de examinar atentamente
a carta.
O Sr. Ministro Cezar Peluso: A tese que sustentamos na Turma não conduz a
nenhum desses resultados, pois significa apenas que a denúncia anônima pode desenca-
dear atividades de investigação. O que não pode é ser autuada como documento lícito
capaz de, ao gerar conseqüências jurídicas, dar origem a um procedimento formal de
investigação. Isto é, abrir-se inquérito com base em carta anônima. Isso não é possível.
O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Na experiência burocrática dos anos passados, é
conhecido o fato dos tais inquéritos, em Brasília, em que sempre aparecia uma carta
anônima. Em geral, um denunciante comparecia ao Ministério Público e produzia, de-
pois, essa carta anônima, a qual deflagrava todos os procedimentos de inquérito civil.
Isso é uma prática conhecida; conhecem-se até os autores intelectuais desse tipo de
prática. Hoje, alguns deles, inclusive, respondem a processo por extorsão.
O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Pelo que entendi do Ministro Cezar
Peluso, havendo a carta anônima, poder-se-ia tomar providências, e os seus resultados
iniciais estariam em causa?
O Sr. Ministro Cezar Peluso: Tomar providências de investigação para ver se en-
contra o cadáver receado pelo Ministro Sepúlveda Pertence. Se o encontrarem, começará
a investigação. Abrir, porém, inquérito baseado em carta anônima é dar valor jurídico a
um objeto que nem documento pode ser considerado e que a ordem jurídica define como
desvalor.
O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Ministro Cezar Peluso, observe que é
prática comum da polícia ter os seus informantes.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: O que essa carta anônima pode ter dito? Que
existia o contrato sem licitação? É como dizer que existia um cadáver em determinado
lugar.
O Sr. Ministro Carlos Velloso (Relator): É o cadáver, sem dúvida.
O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Temos o cadáver nos autos?
O Sr. Ministro Carlos Velloso (Relator): Conforme Vossa Excelência diz, as ques-
tões têm de ser postas e interpretadas — palavra que Vossa Excelência gosta de usar —
com minimalismo. No caso mencionado por Vossa Excelência, sustentei, também, essa
120 R.T.J. — 196

tese. Havia até um exemplo dado pelo Ministro Sydney Sanches: mediante intervenção
telefônica não autorizada, descobre-se um cadáver desaparecido de uma mulher; numa
das mãos desse cadáver há alguns cabelos; a mulher morrera lutando. Faz-se o exame de
DNA e localiza-se, então, o assassino. Poderiam, com base nisso, prosseguir as investiga-
ções? Claro que sim, observado o princípio da razoabilidade, da proporcionalidade.
O Sr. Ministro Carlos Britto: Há situações em que um cidadão indefeso não pode
assumir. Ele tem ciência.
O Sr. Ministro Carlos Velloso (Relator): No caso, por exemplo, da denúncia anônima
contra criminosos perigosos, contra, por exemplo, narcotraficantes. Deve ela ser tratada
com sigilo. Observamos, nesse caso, o princípio da proporcionalidade.
O Sr. Ministro Carlos Britto: Um telefonema anônimo nesse caso está correto.
O Sr. Ministro Gilmar Mendes: A questão, parece-me, está colocada de uma maneira
um tanto quanto — quer dizer, não conheço os autos — subvertida. Se houve esse
inquérito, a rigor, falando que há um ato publicado no diário oficial?
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: É o cadáver.
O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Não é isso?
O Ministro Cezar Peluso está sustentando que não se pode dizer que um inquérito
está sendo aberto com base nessa afirmação.
Agora, se se tem uma informação em administração ou alguém quer investigar um
fato que está no?
O Sr. Ministro Cezar Peluso: Penso que a grande preocupação do Tribunal é fixar
um princípio do qual não se extraia nenhuma conseqüência perigosa para os resultados
de investigações de ordem criminal e civil, é não permitir que uma denúncia anônima
possa ser...
O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Ganhe forma em figura de juízo.
O Sr. Ministro Cezar Peluso: Em figura de juízo para dar início a uma investigação
de caráter formal.
O Sr. Ministro Carlos Velloso (Relator): Concordo com esse entendimento.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: A minha curiosidade é porque, dado o caso, a
materialidade do crime seria a documentação de alguns contratos. E se discute se são
contratos ou convênios.
Não é a denúncia anônima que vai esclarecer essa dúvida.
O Sr. Ministro Carlos Britto: A fase da denúncia anônima está superada.
O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Cujo resumo é de publicação obrigatória no Diário
Oficial.
O Sr. Ministro Cezar Peluso: Mais um motivo para não ter havido denúncia
anônima; está publicado no Diário Oficial. Era só dizer: conforme publicação no
Diário tal.
O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Quero saber o que ocorreu com esse contrato ou
com esse convênio.
R.T.J. — 196 121

O Sr. Ministro Cezar Peluso: A polícia que investigue o que ocorreu. É claro. De
outro modo se proclamaria a irresponsabilidade total civil e penal: ninguém responde
por acusação falsa.
O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Não se pode intimar o sujeito com base
na carta anônima.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Sim, mas se pode verificar se existe o fato
material noticiado.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Senhor Presidente, entendo que, se o documento


inicial foi uma carta anônima, tem-se o prejuízo de tudo mais que foi levantado a partir
dessa carta anônima.

VOTO (Confirmação)
O Sr. Ministro Carlos Velloso (Relator): Senhor Presidente, também já deixei ex-
presso o meu pensamento. Com a vênia devida, rejeito.

VOTO
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Senhor Presidente, honestamente, teria de exa-
minar a carta, senão pedirei vista.
O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Então, vamos à carta.
O Sr. Ministro Carlos Velloso (Relator): Veja, Ministro Sepúlveda Pertence, o
exemplo do cadáver.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: O cadáver, aí, é o convênio ou o contrato.
O Sr. Ministro Carlos Velloso (Relator): Exatamente, papéis esses que existiam,
que podemos analisar e que foram analisados.
O Sr. Ministro Carlos Britto: Documentos oficiais.
O Sr. Ministro Carlos Velloso (Relator): Documentos oficiais.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Então é isso. E tais entidades da administração
de Curitiba estariam firmando contrato.
O Sr. Ministro Carlos Velloso (Relator): Convênio, mas, na verdade, estavam fir-
mando contrato. É o que se alega.
Essa é, em síntese, a questão.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: No máximo, é um parecer jurídico anônimo
sobre se é contrato ou convênio.
O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Mas esse é o conteúdo da carta?
O Sr. Ministro Carlos Velloso (Relator): Exato.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: No caso, rejeito a denúncia.
122 R.T.J. — 196

VOTO
O Sr. Ministro Eros Grau: Senhor Presidente, quero enfatizar que fico com o en-
tendimento da Primeira Turma, execrando o anonimato e a delação. Ela deixou bem
marcado isso e quero deixar, mais uma vez, bem marcado.
No caso concreto, o início, a apuração dos fatos independia da existência dessa
carta anônima.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Senhor Presidente, eu teria uma pergunta: o que vem
primeiro, a forma ou o conteúdo?

VOTO
O Sr. Ministro Carlos Britto: Senhor Presidente, rejeito, mas também enfatizando —
ao contrário do que disse o eminente Ministro Eros Grau — que, em princípio, não
abomino, não excomungo a delação, a denúncia anônima. Penso que ela pode se prestar,
sim, como instrumento de cidadania, colaboração dos particulares para com o Poder
Público, na apuração e desvendamento de atos ilícitos.
O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Em alguns casos, é inexigível conduta
diversa do denunciante.
O Sr. Ministro Carlos Britto: Pode ser, tudo depende do caso concreto.

VOTO
O Sr. Ministro Cezar Peluso: Senhor Presidente, também farei a ressalva, porque
acho importante deixar claro o meu ponto de vista, ainda que a questão seja considerada
prejudicada. Não abomino, nem excomungo o anonimato; quem o abomina e excomunga
é o ordenamento jurídico, para o qual o anonimato é um desvalor jurídico e, como tal,
não pode ser considerado para nenhum efeito.
Não descerei a considerações mais profundas a esse respeito, lembrando, por exem-
plo, o próprio Código Penal, em que a pena da denunciação caluniosa é agravada quando
o denunciante se valha do anonimato (art. 339, § 1º), mostrando sua reprovabilidade
máxima, a de ordem criminal, porque o anonimato é fonte presuntiva de crime e de total
irresponsabilidade. Não há nenhum motivo para que, em circunstâncias normais, o denun-
ciante não se identifique.
Porém, se há, no caso, elementos concretos que dariam o suporte ao início da
investigação, firmo o princípio, mas me abstenho de formular juízo de prejudicialidade
a esse respeito. Se há elementos que poderiam fundamentar o início do procedimento,
supero essa questão.

VOTO
O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Senhor Presidente, ressaltei, nos debates, que, na
linha do que destacado pelo Ministro Cezar Peluso, não vejo como valorar a denúncia
anônima a esse ponto.
R.T.J. — 196 123

Todavia, neste caso, do que a autoridade, eventualmente, a do Ministério Público


ou da polícia, foi informada? De que havia um contrato publicado no Diário Oficial.
Como sabemos, a lei de licitação determina que haja uma comunicação, pelo menos a
síntese da publicação ou o extrato do convênio ou do contrato —, o qual, a qualquer
tempo, poderá ser devidamente investigado, podendo ser objeto de ação popular, ou o
próprio autor popular pode pedir informações, pedir vista desses autos e tudo mais.

VOTO (S/ delação anônima)


O Sr. Ministro Celso de Mello: Sabemos, Senhor Presidente, que o veto constitu-
cional ao anonimato, nos termos em que enunciado (CF, art. 5º, IV, in fine), busca
impedir a consumação de abusos no exercício da liberdade de manifestação do pensa-
mento e na formulação de denúncias apócrifas, pois, ao exigir-se a identificação de seu
autor, visa-se, em última análise, com tal medida, a possibilitar que eventuais excessos
derivados de tal prática sejam tornados passíveis de responsabilização, a posteriori,
tanto na esfera civil quanto no âmbito penal, em ordem a submeter aquele que os
cometeu às conseqüências jurídicas de seu comportamento.
Essa cláusula de vedação — que jamais deverá ser interpretada como forma de
nulificação das liberdades do pensamento — surgiu, no sistema de direito constitucional
positivo brasileiro, com a primeira Constituição republicana, promulgada em 1891
(art. 72, § 12). Com tal proibição, o legislador constituinte, ao não permitir o anoni-
mato, objetivava inibir os abusos cometidos no exercício concreto da liberdade de
manifestação do pensamento, para, desse modo, viabilizar a adoção de medidas de
responsabilização daqueles que, no contexto da publicação de livros, jornais, panfletos
ou denúncias apócrifas, viessem a ofender o patrimônio moral das pessoas agravadas
pelos excessos praticados, consoante assinalado por eminentes intérpretes daquele
Estatuto Fundamental (João Barbalho, “Constituição Federal Brasileira — Co-
mentários”, p. 423, 2ª ed., 1924, F. Briguiet; Carlos Maximiliano, “Comentários à
Constituição Brasileira”, p. 713, item n. 440, 1918, Jacinto Ribeiro dos Santos Editor,
inter alia).
Vê-se, portanto, tal como observa Darcy Arruda Miranda (“Comentários à Lei
de Imprensa”, p. 128, item n. 79, 3ª ed., 1995, RT), que a proibição do anonimato tem
um só propósito, qual seja, o de permitir que o autor do escrito ou da publicação possa
expor-se às conseqüências jurídicas derivadas de seu comportamento abusivo.
Nisso consiste, portanto, a ratio subjacente à norma, que, inscrita no inciso IV do
art. 5º, da Constituição da República, proclama ser “livre a manifestação do pensamento,
sendo vedado o anonimato” (grifei).
Torna-se evidente, pois, Senhor Presidente, que a cláusula que proíbe o anonimato —
ao viabilizar, a posteriori, a responsabilização penal e/ou civil do ofensor — traduz
medida constitucional destinada a desestimular manifestações abusivas do pensa-
mento, de que possa decorrer gravame ao patrimônio moral das pessoas injustamente
desrespeitadas em sua esfera de dignidade, qualquer que seja o meio utilizado na
veiculação das imputações contumeliosas.
Esse entendimento é perfilhado por Alexandre de Moraes (“Constituição do Brasil
Interpretada”, p. 207, item n. 5.17, 2002, Atlas), Uadi Lammêgo Bulos (“Constituição
124 R.T.J. — 196

Federal Anotada”, p. 91, 4ª ed., 2002, Saraiva) e Celso Ribeiro Bastos/Ives Gandra
Martins (“Comentários à Constituição do Brasil”, vol. 2/43-44, 1989, Saraiva), dentre
outros eminentes autores, cujas lições enfatizam, a propósito do tema, que a proibição
do anonimato — por tornar necessário o conhecimento da autoria da comunicação
feita — visa a fazer efetiva, a posteriori, a responsabilidade penal e/ou civil daquele que
abusivamente exerceu a liberdade de expressão.
Lapidar, sob tal perspectiva, o magistério de José Afonso da Silva (“Curso de
Direito Constitucional Positivo”, p. 244, item n. 15.2, 20ª ed., 2002, Malheiros), que, ao
interpretar a razão de ser da cláusula constitucional consubstanciada no art. 5º, IV, in
fine, da Lei Fundamental, assim se manifesta:
“A liberdade de manifestação do pensamento tem seu ônus, tal como o de o
manifestante identificar-se, assumir claramente a autoria do produto do pensa-
mento manifestado, para, em sendo o caso, responder por eventuais danos a ter-
ceiros. Daí porque a Constituição veda o anonimato. A manifestação do pensa-
mento não raro atinge situações jurídicas de outras pessoas a que corre o direito,
também fundamental individual, de resposta. (...).” (Grifei)
É inquestionável, Senhor Presidente, que a delação anônima, notadamente quando
veicular a imputação de supostas práticas delituosas, pode fazer instaurar situações de
tensão dialética entre valores essenciais — igualmente protegidos pelo ordenamento
constitucional —, dando causa ao surgimento de verdadeiro estado de colisão de
direitos, caracterizado pelo confronto de liberdades revestidas de idêntica estatura
jurídica, a reclamar solução que, tal seja o contexto em que se delineie, torne possível
conferir primazia a uma das prerrogativas básicas em relação de antagonismo com deter-
minado interesse fundado em cláusula inscrita na própria Constituição.
O caso veiculado na presente questão de ordem suscitada pelo eminente Ministro
Marco Aurélio pode traduzir, eventualmente, a ocorrência, na espécie, de situação de
conflituosidade entre direitos básicos titularizados por sujeitos diversos.
Com efeito, há, de um lado, a norma constitucional, que, ao vedar o anonimato
(CF, art. 5º, IV), objetiva fazer preservar, no processo de livre expressão do pensamento,
a incolumidade dos direitos da personalidade (como a honra, a vida privada, a imagem
e a intimidade), buscando inibir, desse modo, delações de origem anônima e de conteúdo
abusivo. E existem, de outro, certos postulados básicos, igualmente consagrados pelo
texto da Constituição, vocacionados a conferir real efetividade à exigência de que os
comportamentos individuais, registrados no âmbito da coletividade, ajustem-se à lei e
mostrem-se compatíveis com padrões ético-jurídicos decorrentes do próprio sistema de
valores que a nossa Lei Fundamental consagra.
Assentadas tais premissas, Senhor Presidente, entendo que a superação dos anta-
gonismos existentes entre princípios constitucionais há de resultar da utilização, pelo
Supremo Tribunal Federal, de critérios que lhe permitam ponderar e avaliar, hic et
nunc, em função de determinado contexto e sob uma perspectiva axiológica concreta,
qual deva ser o direito a preponderar no caso, considerada a situação de conflito ocor-
rente, desde que, no entanto, a utilização do método da ponderação de bens e interesses
não importe em esvaziamento do conteúdo essencial dos direitos fundamentais, tal como
adverte o magistério da doutrina (Daniel Sarmento, “A Ponderação de Interesses na
Constituição Federal”, p. 193/203, “Conclusão”, itens n. 1 e 2, 2000, Lumen Juris; Luís
R.T.J. — 196 125

Roberto Barroso, “Temas de Direito Constitucional”, pp. 363/366, 2001, Renovar;


José Carlos Vieira de Andrade, “Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa
de 1976”, p. 220/224, item n. 2, 1987, Almedina; Fábio Henrique Podestá, “Direito à
Intimidade. Liberdade de Imprensa. Danos por Publicação de Notícias”, in “Consti-
tuição Federal de 1988 — Dez Anos (1988-1998)”, pp. 230/231, item n. 5, 1999, Edito-
ra Juarez de Oliveira; J. J. Gomes Canotilho, “Direito Constitucional”, p. 661, item n.
3, 5ª ed., 1991, Almedina; Edilsom Pereira de Farias, “Colisão de Direitos”, pp. 94/
101, item n. 8.3, 1996, Fabris Editor; Wilson Antônio Steinmetz, “Colisão de Direitos
Fundamentais e Princípio da Proporcionalidade”, pp. 139/172, 2001, Livraria do
Advogado Editora; Suzana de Toledo Barros, “O Princípio da Proporcionalidade e o
Controle de Constitucionalidade das Leis Restritivas de Direitos Fundamentais”, p.
216, “Conclusão”, 2ª ed., 2000, Brasília Jurídica).
Tenho para mim, portanto, Senhor Presidente, em face do contexto referido nesta
questão de ordem, que nada impedia, na espécie em exame, que o Poder Público, provo-
cado por denúncia anônima, adotasse medidas informais destinadas a apurar, previa-
mente, em averiguação sumária, “com prudência e discrição” (José Frederico Mar-
ques, “Elementos de Direito Processual Penal”, vol. I/147, item n. 71, 2ª ed., atualizada
por Eduardo Reale Ferrari, 2000, Millennium), a possível ocorrência de eventual situa-
ção de ilicitude penal, com o objetivo de viabilizar a ulterior instauração de procedi-
mento penal em torno da autoria e da materialidade dos fatos reputados criminosos,
desvinculando-se a investigação estatal (informatio delict), desse modo, da delação
formulada por autor desconhecido, considerada a relevante circunstância de que os
escritos anônimos — aos quais não se pode atribuir caráter oficial — não se qualificam,
por isso mesmo, como atos de natureza processual.
Disso resulta, pois, a impossibilidade de o Estado, tendo por único fundamento
causal a existência de tais peças apócrifas, dar início, somente com apoio nelas, à perse-
cutio criminis.
Daí a advertência consubstanciada em julgamento emanado da E. Corte Especial
do Superior Tribunal de Justiça, em que esse Alto Tribunal, ao pronunciar-se sobre o
tema em exame, deixou consignado, com absoluta correção, que o procedimento in-
vestigatório não pode ser instaurado com base, unicamente, em escrito anônimo, que
venha a constituir, ele próprio, a peça inaugural da investigação promovida pela Polí-
cia Judiciária ou pelo Ministério Público:
“Inquérito policial. Carta anônima. O Superior Tribunal de Justiça não pode
ordenar a instauração de inquérito policial, a respeito de autoridades sujeitas à sua
jurisdição penal, com base em carta anônima. Agravo regimental não provido.”
(Inq 355-AgR/RJ, Rel. Min. Ari Pargendler — grifei)
Vale referir, no ponto, o douto voto que o eminente Ministro Ari Pargendler,
Relator, proferiu no mencionado julgamento:
“O artigo 5º, item IV, da Constituição Federal garante a livre manifestação
do pensamento, mas veda o anonimato.
A carta anônima de fl. 3 e verso não pode, portanto, movimentar polícia e
justiça sem afrontar a aludida norma constitucional.” (Grifei)
126 R.T.J. — 196

É interessante observar que, na Itália, quer sob a égide do antigo Código de


Processo Penal de 1930, editado em pleno regime fascista (art. 141), quer sob o novo
estatuto processual penal promulgado em 1988 (arts. 240 e 333, n. 3), a legislação
processual peninsular contém disposições restritivas no que concerne aos “documenti
anonimi”, às “denunce anonime” ou aos “scritti anonime”, estabelecendo que os documen-
tos e escritos anônimos não podem ser formalmente incorporados ao processo, não se
qualificam como atos processuais e deles não se pode fazer qualquer uso processual,
salvo quando constituírem o próprio corpo de delito ou quando provierem do acusado.
Revela-se expressivo, sob tal aspecto, o que hoje dispõe o vigente Código de
Processo Penal italiano (1988), em seu art. 240, que tem o seguinte teor:
“240. Documenti anonimi. — 1. I documenti che contengono dichiarazioni
anonime non possono essere acquisiti né in alcun modo utilizzati salvo che
costituiscano corpo del reato o provengano comunque dall’imputato.”
Como já assinalado, o velho Código de Processo Penal fascista (1930) continha dispo-
sitivo que também vedava a formal recepção, em sede de persecutio criminis, de escritos
anônimos, determinando, quando se tratasse “di delazioni anonime” (art. 8º), a aplicação
da cláusula limitativa inscrita no art. 141 daquele antigo estatuto processual penal:
“141. Eliminazione degli scritti anonimi — Gli scritti anonimi non possono
essere uniti agli atti del procedimento, né può farsene alcun uso processuale, salvo
che costituiscano corpo del reato, ovvero provengano comunque dall’imputato.”
Cumpre referir, neste ponto, o valioso magistério expendido por Giovanni Leone
(“Il Codice di Procedura Penale Illustrato Articolo per Articolo”, sob a coordenação
de Ugo Conti, vol. I/562-564, itens n. 154-155, 1937, Società Editrice Libraria, Milano),
cujo entendimento, no tema, após reconhecer o desvalor e a ineficácia probante dos
escritos anônimos, desde que isoladamente considerados, admite, no entanto, quanto
a eles, a possibilidade de a autoridade pública, a partir de tais documentos e mediante
atos investigatórios destinados a conferir a verossimilhança de seu conteúdo, promo-
ver, então, em caso positivo, a formal instauração da pertinente persecutio criminis,
mantendo-se, desse modo, completa desvinculação desse procedimento estatal em re-
lação às peças apócrifas que forem encaminhadas aos agentes do Estado, salvo —
como anteriormente enfatizado — se os escritos anônimos constituírem o próprio
corpo de delito ou provierem do acusado.
Impende rememorar, bem por isso, na linha do que vem de ser exposto, a precisa
lição de José Frederico Marques (“Elementos de Direito Processual Penal”, vol. I/
147, item n. 71, 2ª ed., atualizada por Eduardo Reale Ferrari, 2000, Millennium):
“No direito pátrio, a lei penal considera crime a denunciação caluniosa ou a
comunicação falsa de crime (Código Penal, arts. 339 e 340), o que implica a exclu-
são do anonimato na notitia criminis, uma vez que é corolário dos preceitos legais
citados a perfeita individualização de quem faz a comunicação de crime, a fim de
que possa ser punido, no caso de atuar abusiva e ilicitamente.
Parece-nos, porém, que nada impede a prática de atos iniciais de investiga-
ção da autoridade policial, quando delação anônima lhe chega às mãos, uma vez
que a comunicação apresente informes de certa gravidade e contenha dados capa-
zes de possibilitar diligências específicas para a descoberta de alguma infração ou
R.T.J. — 196 127

seu autor. Se, no dizer de G. Leone, não se deve incluir o escrito anônimo entre os
atos processuais, não servindo ele de base à ação penal, e tampouco como fonte de
conhecimento do juiz, nada impede que, em determinadas hipóteses, a autoridade
policial, com prudência e discrição, dele se sirva para pesquisas prévias.
Cumpre-lhe, porém, assumir a responsabilidade da abertura das investigações,
como se o escrito anônimo não existisse, tudo se passando como se tivesse havido
notitia criminis inqualificada.” (Grifei)
Essa orientação — perfilhada por Jorge Ulisses Jacoby Fernandes (“Tomada de
Contas Especial”, p. 51, item n. 4.1.1.1.2, 2ª ed., 1998, Brasília Jurídica) — é também
admitida, em sede de persecução penal, por Fernando Capez (“Curso de Processo
Penal”, p. 77, item n. 10.13, 7ª ed., 2001, Saraiva):
“A delação anônima (notitia criminis inqualificada) não deve ser repelida de
plano, sendo incorreto considerá-la sempre inválida; contudo, requer cautela redo-
brada, por parte da autoridade policial, a qual deverá, antes de tudo, investigar a
verossimilhança das informações.” (Grifei)
Com idêntica percepção da matéria em exame, orienta-se o magistério de Julio
Fabbrini Mirabete (“Código de Processo Penal Interpretado”, p. 95, item n. 5.4, 7ª
ed., 2000, Atlas):
“(...) Não obstante o art. 5º, IV, da CF, que proíbe o anonimato na manifesta-
ção do pensamento, e de opiniões diversas, nada impede a notícia anônima do
crime (notitia criminis inqualificada), mas, nessa hipótese, constitui dever funcio-
nal da autoridade pública destinatária, preliminarmente, proceder com a máxima
cautela e discrição a investigações preliminares no sentido de apurar a verossimi-
lhança das informações recebidas. Somente com a certeza da existência de indícios
da ocorrência do ilícito é que deve instaurar o procedimento regular.” (Grifei)
Esse entendimento é também acolhido por Nelson Hungria (“Comentários ao
Código Penal”, vol. IX/466, item n. 178, 1958, Forense), cuja análise do tema — reali-
zada sob a égide da Constituição republicana de 1946, que expressamente não permi-
tia o anonimato (art. 141, § 5º), à semelhança do que se registra, presentemente, com a
vigente Lei Fundamental (art. 5º, IV, in fine) — enfatiza a imprescindibilidade da
investigação, ainda que motivada por delação anônima, desde que fundada em fatos
verossímeis:
“Segundo o § 1º do art. 339, ‘A pena é aumentada de sexta parte, se o agente
se serve de anonimato ou de nome suposto’. Explica-se: o indivíduo que se res-
guarda sob o anonimato ou nome suposto é mais perverso do que aquêle que age
sem dissimulação. Êle sabe que a autoridade pública não pode deixar de investi-
gar qualquer possível pista (salvo quando evidentemente inverossímil), ainda
quando indicada por uma carta anônima ou assinada com pseudônimo; e, por
isso mesmo, trata de esconder-se na sombra para dar o bote viperino. Assim, quando
descoberto, deve estar sujeito a um plus de pena.” (Grifei)
Essa mesma posição, Senhor Presidente, é igualmente perfilhada, dentre outros,
por Guilherme de Souza Nucci (“Código de Processo Penal Comentado”, p. 68, item n. 29,
2002, RT), Damásio E. de Jesus (“Código de Processo Penal Anotado”, p. 9, 18ª ed., 2002,
Saraiva), Giovanni Leone, (“Trattato di Diritto Processuale Penale”, vol. II/12-13,
128 R.T.J. — 196

item n. 1, 1961, Casa Editrice Dott. Eugenio Jovene, Napoli), Fernando da Costa
Tourinho Filho (“Código de Processo Penal Comentado”, vol. 1/34-35, 4ª ed., 1999,
Saraiva) e Romeu de Almeida Salles Junior (“Inquérito Policial e Ação Penal”, item
n. 17, p. 19-20, 7ª ed., 1998, Saraiva), cumprindo rememorar, ainda, por valiosa, a
lição de Rogério Lauria Tucci (“Persecução Penal, Prisão e Liberdade”, pp. 34/35,
item n. 6, 1980, Saraiva):
“Não deve haver qualquer dúvida, de resto, sobre que a notícia do crime
possa ser transmitida anonimamente à autoridade pública (...).
(...) constitui dever funcional da autoridade pública destinatária da notícia
do crime, especialmente a policial, proceder, com máxima cautela e discrição, a
uma investigação preambular no sentido de apurar a verossimilhança da infor-
mação, instaurando o inquérito somente em caso de verificação positiva. E isto,
como se a sua cognição fosse espontânea, ou seja, como quando se trate de notitia
criminis direta ou inqualificada (...).” (Grifei)
Esse entendimento também fundamentou julgamento que proferi, em sede mono-
crática, a propósito da questão pertinente aos escritos anônimos. Ao assim julgar,
proferi decisão que restou consubstanciada na seguinte ementa:
“Delação anônima. Comunicação de fatos graves que teriam sido pratica-
dos no âmbito da administração pública. Situações que se revestem, em tese, de
ilicitude (procedimentos licitatórios supostamente direcionados e alegado pa-
gamento de diárias exorbitantes). A questão da vedação constitucional do anoni-
mato (CF, art. 5º, IV, in fine), em face da necessidade ético-jurídica de investiga-
ção de condutas funcionais desviantes. Obrigação estatal, que, imposta pelo
dever de observância dos postulados da legalidade, da impessoalidade e da
moralidade administrativa (CF, art. 37, caput), torna inderrogável o encargo
de apurar comportamentos eventualmente lesivos ao interesse público. Razões
de interesse social em possível conflito com a exigência de proteção à incolumi-
dade moral das pessoas (CF, art. 5º, X). O direito público subjetivo do cidadão
ao fiel desempenho, pelos agentes estatais, do dever de probidade constituiria
uma limitação externa aos direitos da personalidade? Liberdades em antago-
nismo. Situação de tensão dialética entre princípios estruturantes da ordem
constitucional. Colisão de direitos que se resolve, em cada caso ocorrente, medi-
ante ponderação dos valores e interesses em conflito. Considerações doutrinárias.
Liminar indeferida.”
(MS 24.369-MC/DF, Rel. Min. Celso de Mello, in Informativo/STF n. 286/2002)
Cabe referir, ainda, que o E. Superior Tribunal de Justiça, ao apreciar a questão
da delação anônima, analisada em face do art. 5º, IV, in fine, da Constituição da Repú-
blica, já se pronunciou no sentido de considerá-la juridicamente possível, desde que o
Estado, ao agir em função de comunicações revestidas de caráter apócrifo, atue com
cautela, em ordem a evitar a consumação de situações que possam ferir, injustamente,
direitos de terceiros:
“Criminal. RHC. Notitia criminis anônima. Inquérito policial. Validade.
1. A delatio criminis anônima não constitui causa da ação penal que surgirá,
em sendo o caso, da investigação policial decorrente. Se colhidos elementos sufi-
cientes, haverá, então, ensejo para a denúncia. É bem verdade que a Constituição
R.T.J. — 196 129

Federal (art. 5º, IV) veda o anonimato na manifestação do pensamento, nada


impedindo, entretanto, mas, pelo contrário, sendo dever da autoridade policial
proceder à investigação, cercando-se, naturalmente, de cautela.
2. Recurso ordinário improvido.”
(RHC 7.329/GO, Rel. Min. Fernando Gonçalves — grifei)
“Constitucional, Processual Civil e Administrativo. Mandado de segurança.
(...). Processo administrativo desencadeado através de denúncia anônima. Validade.
Inteligência da cláusula final do inciso IV do art. 5º da Constituição Federal
(vedação do anonimato). (...). Recurso conhecido e improvido.”
(RMS 4.435/MT, Rel. Min. Adhemar Maciel — grifei)
“(...) Carta anônima, sequer referida na denúncia e que, quando muito, pro-
piciou investigações por parte do organismo policial, não se pode reputar de
ilícita. E certo que, isoladamente, não terá qualquer valor, mas também não se
pode tê-la como prejudicial a todas as outras validamente obtidas.”
(RHC 7.363/RJ, Rel. Min. Anselmo Santiago — grifei)
Vê-se, portanto, não obstante o caráter apócrifo da delação ora questionada, que,
tratando-se de revelação de fatos revestidos de aparente ilicitude penal, existia, efeti-
vamente, a possibilidade de o Estado adotar medidas destinadas a esclarecer, em
sumária e prévia apuração, a idoneidade das alegações que lhe foram transmitidas, desde
que verossímeis, em atendimento ao dever estatal de fazer prevalecer — consideradas
razões de interesse público — a observância do postulado jurídico da legalidade, que
impõe, à autoridade pública, a obrigação de apurar a verdade real em torno da materiali-
dade e autoria de eventos supostamente delituosos.
Tal como asseverado pelo eminente Relator, o Ministério Público adotou, na
espécie em análise, e no que concerne à carta anônima em questão, todas as cautelas ora
mencionadas neste voto, procedendo, em conseqüência, de acordo com a orientação
doutrinária e jurisprudencial que venho de expor.
Demais disso, cumpre acentuar que o Ministério Público, para formar a sua opinio
delicti, valeu-se, como referido pelo eminente Relator, de outros meios de informação,
de origem conhecida, que viabilizaram o ajuizamento, na espécie, da ação penal pública.
Não constitui demasia assinalar que o Ministério Público não depende, para
deduzir a pretensão punitiva do Estado, da prévia instauração de inquérito policial, eis
que o representante do Parquet pode formar a sua convicção com fundamento em
elementos obtidos “aliunde”.
Como se sabe, o magistério jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal, confir-
mando esse entendimento, tem acentuado ser dispensável, ao oferecimento da denún-
cia, a prévia instauração de inquérito policial, desde que seja evidente a materialidade
do fato alegadamente delituoso e estejam presentes indícios de sua autoria (AI
266.214-AgR/SP, Rel. Min. Sepúlveda Pertence — HC 63.213/SP, Rel. Min. Néri da
Silveira — HC 77.770/SC, Rel. Min. Néri da Silveira — RHC 62.300/RJ, Rel. Min.
Aldir Passarinho, v.g.):
130 R.T.J. — 196

“O oferecimento da denúncia não depende, necessariamente, de prévio in-


quérito policial. A defesa do acusado se faz em juízo, e não no inquérito policial,
que é meramente informativo (...).”
(RTJ 101/571, Rel. Min. Moreira Alves — grifei)
“Denúncia — Oferecimento sem a instauração de inquérito policial —
Admissibilidade, se a Promotoria dispõe de elementos suficientes para a forma-
lização de ação penal (...).”
(RT 756/481, Rel. Min. Moreira Alves — grifei)
“Habeas corpus — Ministério Público — Oferecimento de denúncia —
Desnecessidade de prévia instauração de inquérito policial — Existência de
elementos mínimos de informação que possibilitam o imediato ajuizamento da
ação penal — Inocorrência de situação de injusto constrangimento — Pedido
indeferido.
O inquérito policial não constitui pressuposto legitimador da válida instau-
ração, pelo Ministério Público, da persecutio criminis in judicio. Precedentes.
O Ministério Público, por isso mesmo, para oferecer denúncia, não depende
de prévias investigações penais promovidas pela Polícia Judiciária, desde que
disponha, para tanto, de elementos mínimos de informação, fundados em base
empírica idônea, sob pena de o desempenho da gravíssima prerrogativa de acusar
transformar-se em exercício irresponsável de poder, convertendo, o processo
penal, em inaceitável instrumento de arbítrio estatal. Precedentes.”
(HC 80.405/SP, Rel. Min. Celso de Mello)
A ratio subjacente a essa orientação — que também traduz a posição dominante
na jurisprudência dos Tribunais em geral (RT 664/336 — RT 716/502 — RT 738/557 —
RSTJ 65/157 — RSTJ 106/426, v.g.) — encontra apoio no próprio magistério da dou-
trina (Damásio E. de Jesus, “Código de Processo Penal Anotado”, p. 07, 17ª ed., 2000,
Saraiva; Fernando da Costa Tourinho Filho, “Código de Processo Penal Comentado”,
vol. I, p. 111, 4ª ed., 1999, Saraiva; Julio Fabbrini Mirabete, “Código de Processo
Penal Interpretado“, p. 111, item n. 12.1, 7ª ed., 2000, Atlas), cuja percepção do tema
põe em destaque que, “se está a parte privada ou o Ministério Público na posse de
todos os elementos, pode, sem necessidade de requerer a abertura do inquérito, ofere-
cer, desde logo, a sua queixa ou denúncia” (Eduardo Espínola Filho, “Código de
Processo Penal Brasileiro Anotado”, vol. I, p. 288, 2000, Bookseller — grifei).
É por essa razão que o Supremo Tribunal Federal, por mais de uma vez (RTJ 64/342),
já decidiu que “Não é essencial ao oferecimento da denúncia a instauração de inquérito
policial, desde que a peça acusatória esteja sustentada por documentos suficientes à
caracterização da materialidade do crime e de indícios suficientes da autoria” (RTJ
76/741, Rel. Min. Cunha Peixoto).
Encerro o meu voto, Senhor Presidente. E, ao fazê-lo, deixo assentadas as seguintes
conclusões:
(a) os escritos anônimos não podem justificar, só por si, desde que isolada-
mente considerados, a imediata instauração da persecutio criminis, eis que peças
R.T.J. — 196 131

apócrifas não podem ser incorporadas, formalmente, ao processo, salvo quando


tais documentos forem produzidos pelo acusado, ou, ainda, quando constituírem,
eles próprios, o corpo de delito (como sucede com bilhetes de resgate no delito de
extorsão mediante seqüestro, ou como ocorre com cartas que evidenciem a prática
de crimes contra a honra, ou que corporifiquem o delito de ameaça ou que materia-
lizem o crimen falsi, p. ex.);
(b) nada impede, contudo, que o Poder Público, provocado por delação
anônima (“disque-denúncia”, p. ex.), adote medidas informais destinadas a apu-
rar, previamente, em averiguação sumária, “com prudência e discrição”, a possível
ocorrência de eventual situação de ilicitude penal, desde que o faça com o objetivo
de conferir a verossimilhança dos fatos nela denunciados, em ordem a promover,
então, em caso positivo, a formal instauração da persecutio criminis, mantendo-se,
assim, completa desvinculação desse procedimento estatal em relação às peças
apócrifas; e
(c) o Ministério Público, de outro lado, independentemente da prévia ins-
tauração de inquérito policial, também pode formar a sua opinio delicti com
apoio em outros elementos de convicção que evidenciem a materialidade do fato
delituoso e a existência de indícios suficientes de sua autoria, desde que os dados
informativos que dão suporte à acusação penal não tenham, como único funda-
mento causal, documentos ou escritos anônimos.
Sendo assim, e consideradas as razões expostas, peço vênia, Senhor Presidente,
para acompanhar o douto voto proferido pelo eminente Relator, rejeitando, em conse-
qüência, a questão de ordem ora sob exame desta Suprema Corte.
É o meu voto.

VOTO (Revisão de Apartes)


O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Senhor Presidente, quero deixar clara a minha
posição, em três palavras. Primeiro, não vejo que a sede do problema seja o art. 5º, IV, que
trata de liberdade de expressão do pensamento.
Não obstante, não tenho dúvida alguma de que, nem como prova, nem mesmo
como elemento de informação da persecução penal, a delação anônima possa ter qual-
quer valia, isso em função de outros princípios constitucionais do processo.
Por outro lado, também reafirmo que a delação anônima não isenta a autoridade
que a tenha em mãos dos cuidados para apurar a sua verossimilhança ou a sua veracidade
e, em conseqüência, instaurar o procedimento formal.
Aliás, o art. 340 do Código Penal me fortalece essa convicção: se é causa especial
de aumento de pena, no crime de denunciação caluniosa, o ter-se valido o delator do
anonimato, é que a delação anônima pode, sim, dar margem à instauração de procedi-
mento investigativo.
Ela não é prova nem sequer informação confiável por si só: mas não escusa que a
autoridade policial se mantenha inerte.
132 R.T.J. — 196

O Sr. Ministro Celso de Mello: Ao contrário de Vossa Excelência, entendo que um


dos fundamentos que afastam a possibilidade de utilização da denúncia anônima
como ato formal de instauração do procedimento investigatório reside, precisamente,
como demonstrado em meu voto, no inciso IV do art. 5º da Constituição da República.
Impende reafirmar, bem por isso, na linha do voto que venho de proferir, a
asserção de que os escritos anônimos não podem justificar, só por si, desde que
isoladamente considerados, a imediata instauração da persecutio criminis, eis que
peças apócrifas não podem ser incorporadas, formalmente, ao processo, salvo quando
tais documentos forem produzidos pelo acusado, ou, ainda, quando constituírem, eles
próprios, o corpo de delito (como sucede com bilhetes de resgate no delito de extorsão
mediante seqüestro, ou como ocorre com cartas que evidenciem a prática de crimes
contra a honra, ou que corporifiquem o delito de ameaça ou que materializem o crimen
falsi, p. ex.).
Nada impede, contudo, que o Poder Público, Senhor Presidente, provocado por
delação anônima — tal como ressaltado por Nelson Hungria, na lição cuja passagem
reproduzi em meu voto — adote medidas informais destinadas a apurar, previamente,
em averiguação sumária, “com prudência e discrição”, a possível ocorrência de eventual
situação de ilicitude penal, desde que o faça com o objetivo de conferir a verossimi-
lhança dos fatos nela denunciados, em ordem a promover, então, em caso positivo, a
formal instauração da persecutio criminis, mantendo-se, assim, completa desvinculação
desse procedimento estatal em relação às peças apócrifas.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Eram comentários exatamente ao parágrafo do
art. 340 do Código Penal, do qual se extrai que, pelo menos no sistema penal, está
implícito que a delação anônima tem de dar margem à investigação, sim. Ela não pode é
servir de base para a condenação e nem mesmo para a denúncia. No caso, a própria
natureza da imputação de fato mostra que a denúncia anônima é equivalente à informação
de haver um cadáver ferido em determinado local.
Rejeito.
O Sr. Ministro Carlos Britto: A delação anônima contém apenas um elemento
informativo, não é produto de uma elaboração mental, como, sim, a manifestação do
pensamento de que trata o art. 5º, inciso IV.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Penso que concretamente é manifestação; ago-
ra, não é historicamente disso que se cogita no art. 5º, IV; não preciso dele, porém, para
desqualificar o papel anônimo como prova ou elemento de informação.

VOTO
O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): No caso concreto, as informações anôni-
mas davam conta da existência de alguns dados objetivos. Aqui há indicação de fatos
que foram examinados e deu-se prosseguimento à investigação.
Peço vênia ao Ministro Marco Aurélio, para acompanhar o voto do Ministro Relator.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: E o problema da investigação pelo Ministério Público?
R.T.J. — 196 133

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Houve inquérito policial e outras provas, não?
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Mas a partir de uma investigação do Ministério
Público. Primeiro, em relação à carta anônima, depois uma investigação procedida pelo
titular da ação penal.
O Sr. Ministro Carlos Velloso (Relator): Recebida a denúncia anônima pelo Minis-
tério Público, este a encaminhou à autoridade policial e requereu abertura de inquérito.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: E procedeu à inquérito civil para a defesa do
patrimônio público.
O Sr. Ministro Carlos Velloso (Relator): Temos, no caso, alegação de ofensa ao
patrimônio público, caso de inquérito civil. É possível, nesta hipótese, o inquérito civil.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Teria contornos de inquérito civil propriamente
dito, e, aí, posteriormente, houve adoção do instituto da prova emprestada. Seria a prova
ou, pelo menos, elemento do inquérito civil.
O Sr. Ministro Carlos Velloso (Relator): Ministro, tenha paciência! Aguarde um
pouco.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Apenas preciso, na condição de juiz, de informações
para formar convencimento sobre a matéria e, ao que tudo indica, acompanhar Vossa
Excelência. Nessa parte, sim, porque Vossa Excelência acaba de esclarecer que, diante
da carta anônima, requereu o Ministério Público a instauração do inquérito, que, na
visão do leigo — não é a minha —, não é o inquérito ministerial, é o policial, não é? E,
aí, paralelamente, houve, no âmbito do Ministério Público, o inquérito visando a colher
elementos para propositura da ação civil pública. E a Carta, no artigo 129, reserva ao
Ministério Público — aqui sim, nesse campo — a promoção do inquérito.
O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Ministro Marco Aurélio, o inquérito
ministerial é uma linguagem muito ajustada às posições eclesiásticas do nosso Procurador.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Depois que me defrontei com um “acórdão turmário”,
tudo é possível.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: E a sentença “varal”, de que também já ouvi
falar?

EXTRATO DA ATA
Inq 1.957/PR — Relator: Ministro Carlos Velloso. Autor: Ministério Público
Federal. Indiciados: André Zacharow (Advogados: João Ricardo Cunha de Almeida e
outro), Cássio Taniguchi (Advogados: Renato Cardoso de Almeida Andrade e outro),
Marina Klamas Taniguchi (Advogados: Renato Cardoso de Almeida Andrade e outro),
Dinorah Botto Portugal Nogara (Advogados: Louise Rainer Pereira Gionédis e outro),
Sinval Zaidan Lobato Machado ou Sinval Zaidane Lobato Machado (Advogados: Nilso
Romeu Sguarezi e outro), Margarita Elizabeth Pericás Sansone (Advogados: Leonardo
da Costa e outros), Luciane Leiria Taniguchi (Advogados: Luiz Antonio Câmara e outro),
Armando Franco Deboni (Advogados: Fernando O’reilly Cabral Barrionuevo e outro),
Cassio Chamecki (Advogados: Giovani Gionédis e outro), Ivo Mendes Lima (Advogados:
Vanessa Volpi Bellegard Palacios e outro), e Sergio Abu-Jamra Misael (Advogados:
Louise Rainer Pereira Gionédis e outro).
134 R.T.J. — 196

Decisão: O Tribunal, por maioria, rejeitou a questão de ordem suscitada pelo Mi-
nistro Marco Aurélio a respeito da carta anônima, vencido Sua Excelência. No mérito,
absolveu todos os acusados, nos termos do voto do Relator. Votou o Presidente, Minis-
tro Nelson Jobim. Falaram, pelo Ministério Público Federal, o Dr. Cláudio Lemos Fonteles,
Procurador-Geral da República, pelos indiciados Cássio Taniguchi e Marina Klamas
Taniguchi, o Dr. Renato Cardoso de Almeida Andrade e, pelo indiciado André Zacharow,
o Dr. João Ricardo Cunha de Almeida.
Presidência do Ministro Nelson Jobim. Presentes à sessão os Ministros Sepúlveda
Pertence, Celso de Mello, Carlos Velloso, Marco Aurélio, Ellen Gracie, Gilmar Mendes,
Cezar Peluso, Carlos Britto, Joaquim Barbosa e Eros Grau. Procurador-Geral da Repú-
blica, Dr. Cláudio Lemos Fonteles.
Brasília, 11 de maio de 2005 — Luiz Tomimatsu, Secretário.

RECLAMAÇÃO 2.190 — MA

Relator: O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence


Reclamante: Geraldo Hipólito da Silva — Reclamado: Juiz de Direito da 1ª Vara
Criminal da Comarca de Imperatriz
1. Reclamação: descumprimento de decisão proferida em habeas
corpus: legitimidade do reclamante, dado que a decisão tida por descum-
prida o alcançou.
2. Reclamação: procedência, em parte: desrespeito à autoridade
da decisão proferida no HC 71.551-6 (1ª T., 6-12-94, Celso de Mello, DJ
de 6-12-96).

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turma
do Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence, na
conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos,
julgar procedente, em parte, a reclamação, nos termos do voto do Relator.
Brasília, 23 de agosto de 2005 — Sepúlveda Pertence, Presidente e Relator.

RELATÓRIO
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Julgam-se, nesta assentada, as Reclamações
2.190 e 2.123 (em apenso).
R.T.J. — 196 135

Na primeira delas (Rcl 2.190), colhe-se a descrição dos fatos pelo il. patrono do
reclamante:
“Em 18 de outubro de 1993, perante o juízo reclamado, foi oferecida denún-
cia contra o reclamante e outros, autuada sob o n. 150/93 (Documento n. 1).
Houve desmembramento do feito, dando origem à autuação sob o n. 155/93
[onde o reclamante está sendo processado].
Tendo o MP, posteriormente, oferecido denúncia também contra Salvador
Rodrigues de Almeida e outros, foi ela autuada sob o n. 193/94 (Documento n. 2).
Como Salvador Rodrigues de Almeida era Prefeito Municipal de Imperatriz,
o Juiz que presidia o feito proferiu despacho, em 13 de abril de 1994, nos autos do
processo 193/94 (fls. 135/9), declinando da competência e determinando a remessa
dos autos dos três processos (150/93, 155/93 e 193/94), ao Tribunal de Justiça do
Estado do Maranhão (Documento n. 3).
(...)
A requerimento do Procurador-Geral de Justiça do Estado (Documento n. 5),
que ratificou a denúncia contra o então Prefeito Municipal, Salvador Rodrigues de
Almeida, o Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão decidiu, em 4 de maio de
1994, na Ação Penal n. 00089/94, ali instaurada, no sentido da sua competência
para julgar apenas o réu Salvador Rodrigues de Almeida, mandando que os demais
fossem julgados pelo Tribunal do Júri da Comarca (Documento n. 6).
Julgando o Habeas Corpus n. 71.551, em 6 de dezembro de 1994, esse
Supremo Tribunal Federal anulou aquela decisão do Tribunal de Justiça do Estado
do Maranhão, restando assim ementado o v. Acórdão:
‘Habeas corpus – Direito de defesa – Sustentação oral – Desrespeito –
Julgamento realizado sem prévia publicação da pauta respectiva —
Acórdão desprovido de fundamentação – Nulidade – Necessidade de reali-
zação de novo julgamento – Concessão de liberdade aos pacientes – Pedido
deferido.
É nulo o julgamento de causa penal, em Segunda instância, sem prévia
intimação, ou publicação da pauta, salvo em habeas corpus (Súmula 431/
STF).
A realização dos julgamentos pelo Poder Judiciário, além da exigência
constitucional de sua publicidade (CF, art. 93, IX), supõe, para efeito de sua
válida efetivação, a observância do postulado que assegura ao réu a garantia
da ampla defesa.
A sustentação oral constitui ato essencial à defesa. A injusta frustração
dessa prerrogativa qualifica-se como ato hostil ao ordenamento constitucional.
O desrespeito estatal ao direito do réu à sustentação oral atua como causa
geradora da própria invalidação formal dos julgamentos realizados pelos
Tribunais. Precedentes.’ (Rel. Min. Celso de Mello) (Documento n. 7).
Na conclusão do voto do Eminente Relator, ficou assim decidido:
136 R.T.J. — 196

‘(...) defiro o pedido de habeas corpus, para o efeito de anular o jul-


gamento ora impugnado, realizado na sessão de 4-5-94 (Ação Penal n.
00089/94 – Imperatriz – fl. 46), a fim de que outro venha a ser proferido pelo
E. Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão, publicando-se, previamente,
a pauta respectiva e dela sendo intimadas as partes, assegurando-se a todos os
sujeitos parciais da relação processual, inclusive aos ora pacientes, nos ter-
mos do Regimento Interno daquela Corte Judiciária (art. 281), o direito à
sustentação oral, expedindo-se, em favor dos que se acham privados de sua
liberdade individual, alvará de soltura, se por al não estiverem presos.
Como conseqüência desta decisão, ficam invalidados todos os atos pro-
cessuais, que, subseqüentes ao julgamento ora impugnado, tenham sido pra-
ticados em primeira ou em segunda instâncias’ (Documento n. 7 — p. 427).”
Não cumprida essa decisão, foi ajuizada a Reclamação 636, julgada prejudicada
por esta Primeira Turma, nos termos do voto que proferi, verbis (fls. 68/69):
“É induvidoso que se deixou de dar cumprimento — imediato, como se
impunha — à decisão do HC 71.551, do Supremo Tribunal.
Há, no entanto, fato superveniente que tornaria ociosa, hoje, a procedência
da reclamação.
Com efeito.
O julgamento de 4-5-94 que — por afronta à defesa dos interessados —, o
acórdão do HC 71.551 declarou nulo e cuja renovação determinou — teve por
objeto a questão de saber se, incluído entre os denunciados, mediante aditamento,
o então Prefeito do Município de Imperatriz — que sucedera à vítima, morta no
exercício do mandato em 6-10-93 — a competência originária do Tribunal de
Justiça para julgá-lo, por força do art. 29, VIII, da Constituição, seria de estender-se
aos co-réus, entre os quais, o reclamante.
Decidiu, então, o Tribunal de Justiça que não (aliás, o que não está em causa,
na conformidade da orientação do Supremo Tribunal, invocada pelo Ministério
Público — HC 69.325, 17-6-92, M. Aurélio, RTJ 143/925).
De qualquer sorte, a questão decidida tinha por pressuposto a atualidade da
competência do Tribunal de Justiça, para julgar o então Prefeito, por fato anterior
à assunção do mandato.
É competência, no entanto, que cessa com a investidura, posterior ao fato
criminoso, que a tenha determinado (...)
Por isso mesmo, extinto — é de supor que em 1º de janeiro de 1997 — o
mandato do Prefeito denunciado, os autos foram devolvidos ao Juízo de primeiro
grau, como informa o seu titular (fl. 115).
Esse fato extintivo da competência originária do Tribunal de Justiça para a
ação penal contra um dos co-réus — o único que a determinava, por prerrogativa
de função —, que é superveniente ao julgamento do HC 71.551, ocorrido em 6-12-
94 —, faz sem objeto a indagação sobre se, ao tempo, aquela competência atraía ou
não as ações penais contra os co-réus.
R.T.J. — 196 137

Logo, não faz sentido devolver a questão a uma nova decisão do Tribunal
local.
Esse o quadro, julgo prejudicada a reclamação, a fim de que prossigam os
diversos processos relativos ao mesmo homicídio, incluído aquele a que responde
o reclamante: é o meu voto.”
Comunicada a decisão, o Juiz de primeiro grau assim decidiu (Ação Penal 155 —
fl. 72):
“Considerando a decisão do STF acerca da Reclamação n. 636-1 Maranhão, de
4-12-01, julgando-a prejudicada, com a extinção do mandato do Prefeito Salvador
Rodrigues de Almeida, para restabelecer a competência do Tribunal do Júri desta
Comarca para julgamento (fls. 2.912 a 2.922) e já tendo transitado em julgado a
sentença de pronúncia, dê-se vista ao Ministério Público para libelo acusatório no
prazo legal”.
Oferecido o libelo em 18-7-02 (fls. 73/74), o Reclamante peticionou àquele Juízo,
para que, em cumprimento à decisão do HC 71.551, fossem repetidos todos os atos
posteriores a 4 de maio de 1994 (fls. 75/89), sob o fundamento de que, desde então, até
o julgamento da Rcl 636, em 4-12-01, aquele Juízo era incompetente.
Decidiu o Juiz de primeiro grau no sentido de que, julgada prejudicada a Rcl 636,
“a decisão do Habeas Corpus 71.551-6 deixou de existir e de produzir os efeitos de
nulidade do julgamento do TJ/MA e dos atos posteriores”, não havendo, pois, nulidade
a ser reconhecida (fls . 90/96).
Donde a primeira das reclamações, na qual se impugna esta decisão e a que dera
vista ao Ministério Público para o libelo, nestes termos:
“O Acórdão prolatado no HC 71.551 contém três decisões.
A primeira: anulou a decisão do Tribunal de Justiça e mandou fosse outra
proferida; por dois fundamentos, a saber, falta de fundamentação e ausência de
intimação das partes.
A segunda: em conseqüência da primeira, foi concedida liberdade aos paci-
entes.
A terceira, também por conseqüência da primeira: anular todos os atos pra-
ticados, em primeira e em segunda instâncias, em todos os processos, que tiverem
sido praticados posteriormente à decisão do TJMA, de 04.05.94. Logo, tudo
quanto se praticou a partir daquela data, não tem qualquer valor.
O Acórdão prolatado na Reclamação 636, ao julgá-la prejudicada, determi-
nou, em 04 de dezembro de 2001, o prosseguimento dos processos, afirmando, só
aí, a competência do Tribunal do Júri para julgar todos os acusados.
Esta última decisão do STF limitou-se a considerar desnecessária (...) a reali-
zação de novo julgamento no TJMA acerca da competência, tendo em conta a
superveniência da extinção do mandato de Salvador Rodrigues de Almeida, e, de
conseqüência, a afirmar a competência do Tribunal de Júri. Nada mais que isso.
Cingiu-se a julgar prejudicado apenas o pedido de renovação do julgamento na
Corte Estadual, e afirmar a competência do Tribunal do Júri.
138 R.T.J. — 196

Tal decisão, por essa razão, não modificou, em nada, aquela decisão proferi-
da no HC 71.551, nem no ponto em que concedeu a liberdade aos pacientes, nem
tampouco na parte que declarou nulos todos os atos processuais após o dia 04 de
maio de 1994. Ao julgar prejudicada a reclamação, o STF não revalidou os atos
processuais declarados nulos, nem podia fazê-lo, à evidência. Senão vejamos.
(...)
Com o julgamento da Reclamação 636, o Supremo Tribunal Federal dispen-
sou o TJMA de renovar o julgamento, em face de fato superveniente, e só aí (...)
afirmou a competência do Tribunal do Júri para julgar todos os réus, determinando
o prosseguimento de todos os processos.
A conclusão, óbvia, portanto, é a de que, enquanto não tinha sido julgada a
Reclamação 636, não se podia afirmar a competência do Tribunal do Júri. Enquanto
o STF não decidiu a Reclamação 636, os processos não poderiam ter tido seqüência
no juízo de primeiro grau, porque no HC 71.551, aquela decisão do TJMA já fora
declarada nula, bem assim todos os atos subseqüentes.”
Dentre os atos que defende devam ser anulados, aponta a decisão de pronúncia.
O Ministério Público Federal, em parecer do Il. Subprocurador-Geral da República
Wagner Natal Batista, opinou nestes termos:
“(...) Temos que ao contrário do que entende o reclamante a ordem concedida
não se aplicaria a ele e nem ao processo que responde por uma razão bem simples,
não foi ele parte no habeas corpus que foi impetrado pelos réus dos autos 193 e
não se referia aos autos 155. Os impetrantes do HC 71.551 como se pode ler às fls.
46 foram: Damião Benício dos Santos, Ronaldo Machado Arantes, Salvador
Rodrigues de Almeida, e Saulo Antônio Gomes.
Entretanto, mesmo que tal não ocorresse entendemos que a decisão tomada
na reclamação 636 de julgá-la prejudicada aqui também se justifica pelos mesmos
argumentos o que nos leva a manifestar pelo seu indeferimento.”

II

Por prevenção, foi-me distribuída a Rcl 2.123 — em apenso —, na qual o co-réu


Damião Benício dos Santos — paciente no HC 71.551 — requer seja anulado o processo
principal a partir da decisão proferida naquele habeas corpus.
Deferida a liminar, para sustar a realização do júri designado (fl. 318), oficiou o
então Procurador-Geral Cláudio Fonteles, pela improcedência da reclamação (fls. 336/
339, do apenso).
É o relatório.
R.T.J. — 196 139

VOTO
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Relator):
I

Malgrado o reclamante da Rcl 2.190 não tenha figurado como paciente no HC


71.551, a decisão nele proferida alcançou todos os co-réus das Ações Penais 150/96,
155/93 e 193/94.
Por isso, conheço da reclamação.
II

No mérito, estou convencido de que as reclamações procedem em parte.


Com o julgamento do HC 71.551 — em 6-12-94 —, foram invalidados não só o
julgamento do Tribunal local — realizado no dia 4-5-94 — mas também todos os atos
processuais subseqüentes “praticados em primeira ou em segunda instâncias” (fls. 58/59).
Determinou-se, ainda, a expedição de alvará de soltura para os réus que eventual-
mente estivessem presos, bem como a realização de novo julgamento pelo Tribunal de
Justiça.
Ocorre que, mesmo com o julgamento do HC 71.551, apenas os autos em que o
Prefeito era parte permaneceram no Tribunal local, continuando o curso das demais
ações penais no Juízo de primeiro grau, incluindo a prática de atos decisórios.
Estes atos, contudo, dependiam da solução da controvérsia relativa à competência
do Tribunal de Justiça, solucionada apenas em 1º de janeiro de 1997, com a extinção do
mandato do Prefeito, o que — tal como mencionado na Rcl 636 — fez sem objeto a
“indagação sobre se, ao tempo, aquela competência [por prerrogativa de função do
Prefeito] atraía ou não as ações penais contra os co-réus”.
É o que basta para — apesar de inexistente declaração formal do restabelecimento
da competência do Juízo de primeiro grau — considerar válidos os atos praticados após
a extinção do mandato do Prefeito, em 1º de janeiro de 1997, tendo em vista que, a partir
de então, manifesta a competência do Juízo local.
Daí, contudo, não resulta a validade dos atos decisórios praticados entre 4-5-94 e
1º-1-97, nem os que decorreram deles.
Certo, na parte dispositiva do voto-condutor que proferi na Rcl 636 — no que me
acompanhou a Turma —, determinei o prosseguimento dos “diversos processos relativos
ao mesmo homicídio, incluído aquele a que responde o reclamante”, não em razão de
suspensão deles pelo HC 71.551, mas por decisão nesse sentido do Juízo de primeiro
grau em 12 de abril de 1999 (fl. 92).
Entre 4-5-94 e 1º-1-97, pois, impedida estava a prática de quaisquer atos processuais
em relação não só ao reclamante mas também quanto a todos os co-réus.
III

Julgo, pois, em parte procedentes as reclamações, para anular os atos decisórios


praticados entre 4-5-94 e 1º-1-1997 e o que deles dependam, em relação aos reclamantes
e a todos os co-réus das Ações Penais 150/93, 193/94, 155/93, que ainda não tenham
140 R.T.J. — 196

sido julgados ou condenados com pena ainda não extinta, salvo quanto ao então Prefeito,
Salvador Rodrigues de Almeida, em relação ao qual, no período entre 4-5-94 e 1º-1-97,
nenhum ato foi praticado no Juízo local: é o meu voto.

VOTO
O Sr. Ministro Carlos Britto: Sr. Presidente, estão bem discriminadas, por esse
período, as diversas competências do juiz singular e do tribunal.
Acompanho Vossa Excelência.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Senhor Presidente, a decisão, no habeas corpus, foi
categórica quanto à incompetência do Juízo. Àquela altura, considerado o crime de um
prefeito — apenas para refletir e ver se percebi bem a situação —, havia o envolvimento
de atos judiciais de um juiz. Inobservado o que decidido pelo Tribunal, apresentou-se a
Reclamação n. 636-1/MA, para tornar prevalecente o pronunciamento da Turma. Essa
reclamação, tendo em conta um fato novo, ou seja, o término do mandato do prefeito, foi
declarada prejudicada. Indaga-se sobre a eficácia, a concretude do que assentado pela
Corte no Habeas Corpus n. 71.551-6/MA — o acórdão que se aponta como descumprido
refere-se a esse habeas corpus. Tal decisão continuou sendo olvidada até que veio a
cessar a competência do Tribunal de Justiça.
É possível simplesmente balizar-se, a esta altura, o que decidido no habeas e
entender-se que, no caso, o descumprimento seria bastante a gerar certos efeitos, efeitos
posteriores, quanto aos atos posteriores, ao término do mandato?
O Direito Processual é, acima de tudo, documentação e visa à liberdade, em seu
sentido maior, a poder-se contar com segurança jurídica quanto a atos a serem praticados.
O que se nota — e, pelo menos, na minha visão — é que incumbia atender-se ao
que decidido no habeas corpus e, aí, ter-se-ia o deslocamento do processo, desmembrado,
para o Tribunal de Justiça, o que não se verificou.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presidente e Relator): Mas não foi o que deci-
diu a Turma.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: No habeas?
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presidente e Relator): No habeas corpus, sim.
Mas, depois, julgou-se prejudicada a reclamação, porque entendeu a Turma que não
teria sentido devolver o caso ao Tribunal de Justiça, chamando todos os processos que
estavam em primeiro grau, dado que um fato superveniente ao habeas corpus, a extinção
do mandato, alterara inteiramente a equação jurídica.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Essa premissa realmente tem um peso maior, quer
dizer, a própria Turma que prolatara o acórdão no habeas veio, como que, a estabelecer
limites quanto a essa decisão, ao se pronunciar na reclamação. E, aí, lançou, como
fundamento da declaração de prejudicialidade, a cessação do mandato do prefeito que
estaria a gerar a competência do Tribunal.
Mas surge a problemática colocada — penso que numa ortodoxia maior — pelo
advogado da tribuna. Esse fundamento seria suficiente, por si só, a ter-se a legitimidade
dos atos praticados pelo Juízo sem que se observasse o acórdão do habeas corpus, e sem
que o Tribunal de Justiça, diante da cessação do mandato, viesse a declinar da compe-
tência?
R.T.J. — 196 141

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presidente e Relator): Ministro, mal ou bem,


foi o que decidiu esta Turma. A reclamação não é contra a decisão desta Turma; é contra
a decisão do outro juiz.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Vou ficar com uma premissa: a decisão proferida no
habeas foi definitiva, de eficácia imediata, não foi uma decisão condicionada. Incumbia
respeitá-la. O Tribunal sinalizou na reclamação, declarando o prejuízo — a competência
do Tribunal de Justiça teria cessado com o término do mandato do prefeito. Todavia, ao
pronunciar um simples prejuízo, em si, teria mitigado a eficácia do acórdão proferido no
habeas? Por mais que queira adentrar o campo do pragmatismo, entendo que cumpre
observar as balizas em jogo; cumpre observar que a decisão no habeas foi descumprida
e continuou a sê-lo. O processo-crime deveria ter sido deslocado para o Tribunal de
Justiça, e não o foi. O Tribunal de Justiça poderia, sim, com a cessação do mandato do
prefeito, declinar da competência para o Juízo, mas não o fez. Havendo permanecido o
processo, revelador da ação penal, em primeiro grau, essa permanência, a meu ver inici-
almente equivocada, ficou comprometida, até mesmo considerado o período — e a
decisão proferida pela Turma no habeas corpus — posterior à cessação do mandato.
Peço vênia para julgar procedente o pedido formulado na reclamação em maior
extensão, ou seja, tal como formulado na inicial da medida.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presidente e Relator): Sem nenhum amor pela
correção da decisão que proferi na reclamação, vejo-me constrangido a manter meu
voto, porque não estou julgando reclamação contra a decisão proferida por esta Turma
na reclamação anterior. Estou julgando reclamação contra decisão do juiz que obedeceu
à decisão desta Turma e releio o final do meu voto:
“Por isso mesmo, extinto — é de supor que em 1º de janeiro de 1997 — o
mandato do Prefeito denunciado, os autos foram devolvidos ao Juízo de primeiro
grau, como informa o seu titular.
Esse fato extintivo da competência originária do Tribunal de Justiça para a
ação penal contra um dos co-réus — o único que a determinava, por prerrogativa
de função —, que é superveniente ao julgamento do HC 71.551, ocorrido em 6-
12-94 —, faz sem objeto a indagação sobre se, ao tempo, aquela competência
atraía ou não as ações penais contra os co-réus.
Logo, não faz sentido devolver a questão a uma nova decisão do Tribunal
local.
Esse o quadro, julgo prejudicada a reclamação, a fim de que prossigam os
diversos processos relativos ao mesmo homicídio, incluído aquele a que responde
o reclamante: é o meu voto.”
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Na primeira instância?
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presidente e Relator): Sim. Onde eles estavam.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Agora, pergunto a Vossa Excelência, a retirada do
mundo jurídico dos atos primeiros, anteriores à cessação do mandato, não repercute
nesses atos subseqüentes?
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presidente e Relator): Salva-se alguma coisa.
142 R.T.J. — 196

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Senhor Presidente, o argumento de Vossa Excelên-


cia é irresistível. Realmente, a Turma, mesmo declarando prejudicada a reclamação, e
talvez tenha sido pedagógica, foi além para assentar, em que pese ao prejuízo, que a
competência seria, a partir de 1º de janeiro de 1997, do Juízo.
Acompanho Vossa Excelência.

EXTRATO DA ATA
Rcl 2.190/MA — Relator: Ministro Sepúlveda Pertence. Reclamante: Geraldo
Hipólito da Silva (Advogado: Ney Moura Teles). Reclamado: Juiz de Direito da 1ª Vara
Criminal da Comarca de Imperatriz.
Decisão: A Turma julgou procedente, em parte, a reclamação, nos termos do voto
do Relator. Unânime. Falou pelo reclamante o Dr. Ney Moura Teles.
Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à sessão os Ministros Marco
Aurélio, Cezar Peluso, Carlos Britto e Eros Grau. Subprocurador-Geral da República, Dr.
Eitel Santiago de Brito Pereira.
Brasília, 23 de agosto de 2005 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.

RECLAMAÇÃO 3.074 — MG

Relator: O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence


Reclamante: União — Reclamado: Juiz Federal substituto em exercício na 12ª Vara
da Seção Judiciária de Minas Gerais (Ação Civil Pública n. 2005.38.00.002238-0) —
Interessados: Estado de Minas Gerais, Ministério Público do Estado de Minas Gerais e
Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA
Reclamação: procedência: usurpação de competência originária
do Supremo Tribunal (CF, art. 102, I, f).
Ação civil pública em que o Estado de Minas Gerais, no interesse da
proteção ambiental do seu território, pretende impor exigências à atua-
ção do Ibama no licenciamento de obra federal — Projeto de Integração
do Rio São Francisco com Bacias Hidrográficas do Nordeste Setentrio-
nal: caso típico de existência de “conflito federativo”, em que o eventual
acolhimento da demanda acarretará reflexos diretos sobre o tempo de
implementação ou a própria viabilidade de um projeto de grande vulto
do governo da União.
Precedente: ACO 593-QO, 7-6-01, Néri da Silveira, RTJ 182/420.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo
Tribunal Federal, em Sessão Plenária, na conformidade da ata do julgamento e das notas
R.T.J. — 196 143

taquigráficas, por maioria de votos, conhecer e julgar procedente a reclamatória, avo-


cando o julgamento da Ação Civil Pública n. 2005.38.00.002238-0, da 12ª Vara da
Seção Judiciária de Minas Gerais.
Brasília, 4 de agosto de 2005 — Nelson Jobim, Presidente — Sepúlveda Pertence,
Relator.

RELATÓRIO
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Reclamação — com pedido de medida liminar —
contra o Juiz Federal Substituto em exercício na 12ª Vara da Seção Judiciária de Minas
Gerais, que, nos autos da Ação Civil Pública 2005.38.00.002238-0, deferiu liminar para
suspender a audiência pública que discutiria o EIA/RIMA do Projeto de Integração do
Rio São Francisco com Bacias Hidrográficas do Nordeste Setentrional.
São estes os fundamentos do ato reclamado:
“O Estado de Minas Gerais e o Ministério Público do Estado de Minas
Gerais ajuizaram ação civil pública, com pedido de liminar, em face do Instituto
Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis Ibama, visando
obter provimento ordenando que o réu complemente o EIA/RIMA do Projeto de
Integração do Rio São Francisco com Bacias Hidrográficas do Nordeste Setentrio-
nal, suspendendo o procedimento de licenciamento ambiental enquanto o relató-
rio não for integralizado com a descrição dos impactos ambientais que serão pro-
duzidos no Estado de Minas Gerais.
Como medida acautelatória requereram a suspensão da audiência pública
programada para o dia 25 de janeiro de 2005.
Afirmaram que, no desenvolvimento do Projeto de Integração do rio São
Francisco com Bacias hidrográficas do Nordeste Setentrional, a União, por inter-
médio do Ministério da Integração Nacional, determinou a realização do Estudo
de impacto Ambiental – EIA/RIMA. O estudo foi elaborado e encaminhado para
análise dos órgãos ambientais do Estado em 2 de setembro de 2004, nos termos do
art. 4º, § 1º, da Resolução Conama n. 237/1997.
Aduziram que os órgãos ambientais estaduais analisaram o EIA/RIMA, e,
posteriormente, fizeram uma série de questionamentos sobre seu conteúdo, elabo-
rando um relatório “no qual restou claro o entendimento de que o EIA/RIMA não
contemplou estudos dos impactos diretos na porção mineira da bacia do Rio São
Francisco, razão pela qual foi solicitada formalmente a revisão dos estudos”. Toda-
via, até o momento, o Ibama não apresentou resposta às ponderações feitas pelos
órgãos estaduais.
Acresceram que, não obstante existirem pendências no EIA/RIMA, a ré deter-
minou a realização de audiência pública em 25.1.2005, nos termos da Resolução
Conama n. 237/1997, para que o relatório fosse discutido. Entenderam que tal
iniciativa ofende a legislação em vigor, na medida em que o Ibama não está obede-
cendo ao procedimento previsto para a concessão da licença ambiental, ferindo os
interesses das comunidades envolvidas e suprimindo informações essenciais, na
medida em que o relatório não contempla os impactos ambientais que serão causa-
dos pela obra no Estado de Minas Gerais.
144 R.T.J. — 196

Juntaram documentos (fls. 24/112).


Entendo assistir razão aos requerentes.
Com efeito, o art. 5º, LV, da Constituição Federal, garante aos litigantes em
processo administrativo ou judicial o direito à ampla defesa e ao contraditório, ao
passo que o inciso LIV assegura que ninguém será privado de seus bens sem obser-
vância do devido processo legal.
A observância do devido processo legal se mostra mais necessária quando se
trata de interesses difusos, v.g., do direito de todos ao meio ambiente saudável,
visto que sua titularidade encontra-se dispersa no seio da sociedade.
(...)
In casu, o Estado de Minas Gerais, por seus órgãos ambientais Feam, IEF e
Igam, após analisar o EIA/RIMA, arrolou uma série de dúvidas, omissões e falhas
no Estudo de impacto ambiental, em especial, que:
a) o EIA/RIMA só abrangeu a região abaixo de Sobradinho, desconsiderando
a origem dos recursos hídricos que abastecem o reservatório, “como se caso fosse
um imenso açude”, não considerando as regiões que apresentam deficiência
hídrica do Alto, Médio e Sub-Médio do São Francisco.
b) não atentou para a qualidade das águas da parte mineira do São Francisco,
nem que a vazão a ser captada inviabilizaria futuros empreendimentos na região,
visto que, sem o projeto de transposição, já foram outorgados 335m³/s., e, com o
projeto, estas outorgas ultrapassarão a vazão limite de 360 m³/s.
c) desprezou as vazões inferiores a 4.0 l/s. entretanto, segundo os técnicos,
“tais consumos, tanto na calha do rio como nos seus afluentes, quando somados
são relevantes e não foram considerados no balanço hídrico apresentado no EIA”.
d) deixou de apresentar prognósticos confiáveis acerca do futuro aproveita-
mento hidrelétrico da bacia do São Francisco, de interesse vital para o desenvolvi-
mento do Estado de Minas Gerais.
e) omitiu-se acerca do tratamento adequado dos resíduos, não apresentou
proposta de melhoria da infra-estrutura sanitária nem da qualidade da água do rio.
(...)
Julgo que o procedimento adotado pelo Ibama não pode prosperar, na medi-
da em que está a autarquia sonegando ao povo mineiro, em especial aos residentes
na região da bacia do Rio São Francisco, informações essenciais sobre um projeto
que pode modificar sensivelmente suas vidas.
Naturalmente que as informações solicitadas pelo Estado devem ser presta-
das antes da realização da audiência pública, sob pena de tornar-se esta um mero
instrumento de divulgação do projeto. Ora, a audiência pública deve ser entendi-
da, de acordo com a melhor doutrina, como um instrumento de informação e con-
sulta, não de convencimento, propaganda ou proselitismo político, sendo um dos
instrumentos da participação popular na proteção do meio ambiente (CF/1988, art.
1º, parágrafo único e 225).
R.T.J. — 196 145

(...)
O direito afigura-me plausível, na medida em que o Ibama não vem obede-
cendo às determinações contidas na Resolução n. 237/1997 do Conama, se omi-
tindo de seu dever de responder aos questionamentos dos órgãos ambientais e
atropelando direitos, comungando do afã do Poder Executivo Federal de levar
adiante o Projeto de Integração do rio São Francisco com Bacias hidrográficas do
Nordeste Setentrional a qualquer custo, sem observar o princípio da prudência,
princípio este fundamental no trato das questões ambientais.
O perigo também é flagrante, na medida em que a audiência pública para
discussão do EIA/RIMA foi marcada para o dia 25 de janeiro de 2005, e realizada
esta, o projeto terá seu normal prosseguimento com a emissão do parecer técnico e
a concessão da licença, sem que os questionamentos do Estado de Minas Gerais
sejam respondidos. Anoto que as informações prestadas após a realização da audi-
ência pública serão inócuas, visto que a audiência é a oportunidade que todos os
cidadãos têm para fazer uma ampla discussão acerca dos impactos ambientais.
Um óbice à concessão da medida seria o disposto no art. 2º da Lei n. 8.437/
1992, que manda ouvir previamente o Poder Público antes da concessão de liminar
em ação civil pública.
Ocorre que estes autos vieram-me conclusos após as 16:00 horas do dia 21-1-
2005, sexta-feira, não havendo, pois, tempo hábil para observância do dispositivo,
considerando que a audiência pública está prevista para as 18 horas e 30 minutos
do dia 25 de janeiro, terça-feira.
(...)
Diante do exposto, nos termos do art. 12 da Lei n. 7.347/1985, concedo a
liminar e suspendo a realização da audiência pública designada para o dia 25 de
janeiro de 2005, às 18h30min, que tem por objetivo a discussão do EIA/RIMA do
Projeto de Integração do Rio São Francisco com Bacias Hidrográficas do Nordeste
Setentrional”.
Alega-se, em síntese, usurpação da competência do Supremo Tribunal Federal,
uma vez que se trataria de “discussão potencialmente lesiva aos valores que informam
o pacto federativo” (fl. 4).
O em. Ministro Nelson Jobim concedeu a liminar para cassar o ato reclamado. Eis
o teor da decisão:
“Da decisão.
O art. 102, I, f, da CF preceitua:
“Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a
guarda da Constituição, cabendo-lhe:
I - processar e julgar, originariamente:
f) as causas e os conflitos entre a União e os Estados, ou entre uns e
outros, inclusive as respectivas entidades da administração indireta.
(...)”
146 R.T.J. — 196

A matéria em questão configura-se em política governamental, que transcende


aos interesses locais do Estado de Minas Gerais.
Em razão da importância do tema e do evidente cunho político, que envolve
também os princípios informadores do pacto federativo, caracteriza-se a compe-
tência desta Corte.
Há precedentes nesse sentido:
“(...)
O art. 102, I, f, da Constituição confere ao STF a posição eminente de
Tribunal da Federação, atribuindo-lhe, nessa condição, o poder de dirimir as
controvérsias que, irrompendo no seio do Estado Federal, oponham as unida-
des federadas umas às outras. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal,
na definição do alcance dessa regra de competência originária da Corte, tem
enfatizado o seu caráter de absoluta excepcionalidade, restringindo a sua
incidência às hipóteses de litígios cuja potencialidade ofensiva revele-se
apta a vulnerar os valores que informam o princípio fundamental que rege,
em nosso ordenamento jurídico, o pacto da Federação. Ausente qualquer
situação que introduza a instabilidade no equilíbrio federativo ou que ocasione
a ruptura da harmonia que deve prevalecer nas relações entre as entidades
integrantes do Estado Federal, deixa de incidir, ante a inocorrência dos seus
pressupostos de atuação, a norma de competência prevista no art. 102, I, f, da
Constituição. Causas de conteúdo estritamente patrimonial, fundadas em
títulos executivos extrajudiciais, sem qualquer substrato político, não justi-
ficam se instaure a competência do Supremo Tribunal Federal prevista no art.
102, I, f, da Constituição, ainda que nelas figurem, como sujeitos da relação
litigiosa, uma pessoa estatal e um ente dotado de paraestatalidade.
(...)” (ACO 359-QO — Pleno — Relator Ministro Celso de Mello —
DJ de 11-3-94).
Ademais, o meio ambiente, bem que se pretende preservar na ação civil pú-
blica, não parece sofrer ameaça, diante da simples realização de audiência pública
marcada exatamente para “discussão do Relatório do Impacto Ambiental –
RIMA relativo ao Projeto de Integração do Rio São Francisco com Bacias
Hidrográficas do Nordeste Setentrional”.
Assim, ante a manifesta usurpação de competência desta Corte, defiro a
liminar para cassar a decisão proferida nos autos da Ação Civil Pública, até o
julgamento de mérito desta Reclamação.
Comunique-se, com urgência, por fac-símile, ao Juízo da 12ª Vara da Seção
Judiciária do Estado de Minas Gerais, ao Estado de Minas Gerais, à Gerência-
Executiva do Ibama em Minas Gerais, ao Ibama e à União.
Publique-se.”
Após a distribuição, os autos vieram-me conclusos. Determinei a manifestação do
Ministério Público, que opina pela improcedência da reclamação. Eis a ementa do
parecer da lavra do il. Procurador-Geral da República, Dr. Cláudio Fonteles:
R.T.J. — 196 147

“Reclamação. Usurpação da competência do Supremo Tribunal Federal.


Ação civil pública. Projeto de integração do rio São Francisco com bacias
hidrográficas do nordeste setentrional. Complementação dos estudos e análises
dos impactos ambientais na porção mineira da bacia do são francisco. I - Contro-
vérsia acerca de questões de ordem técnica. Ausência de conteúdo político a
ensejar a competência originária do STF no papel de Tribunal da Federação.
Precedentes. II - Impossibilidade de implementação de obras com tamanho vulto
sem a certeza de sua sustentabilidade. III - Os interesses dos autores da ACP não
destoam dos da União e demais Estados atingidos pelo projeto. IV - Existência de
inúmeros projetos ambientais que afetam mais de um Estado-Membro da Federa-
ção. A prevalecer a tese defendida pela reclamante, qualquer conflito acerca de
questões pontuais dos citados projetos deverá ser dirimido pelo Supremo Tribnal
Federal. Efeito multiplicador. V - Parecer pela improcedência.”
Dispensáveis as informações ante a juntada da inicial da ação civil pública e do
inteiro teor da decisão reclamada.
É o relatório.

VOTO
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Relator): O caso é de ação civil pública pelo
Estado de Minas Gerais e o seu Ministério Público contra o Ibama, autarquia da União,
mediante a qual se pede — fls. 16, 35:
“a) a condenação do Ibama a exigir complementação do EIA/RIMA do Pro-
jeto de Integração do Rio São Francisco com Bacias Hidrográficas do Nordeste
Setentrional, com estudos e análises ambientais detalhadas dos impactos na por-
ção mineira da bacia do rio São Francisco; e
b) a condenação do Ibama a não apreciar o pedido de licenciamento ambien-
tal do Projeto de Integração do Rio São Francisco com Bacias Hidrográficas do
Nordeste Setentrional enquanto o EIA/RIMA respectivo não for complementado
com estudos e análises ambientais detalhadas dos impactos na porção mineira da
bacia do Rio São Francisco e não houver regular audiência pública em Minas
Gerais para discussão do projeto.”
Estou, contudo, em que não cabe cogitar na espécie de dar aplicação à jurisprudên-
cia do Tribunal que — mediante redução teleológica do alcance literal do art. 102, I, f, da
Constituição da República — tem reclamado para firmar sua competência originária e
conhecer de ações entre um ente da Federação — a União, os Estados-Membros, os
Municípios ou o Distrito Federal — e pessoa jurídica integrante da administração indi-
reta de outro às hipóteses nas quais, dado o objetivo da demanda ou a natureza da
questão jurídica envolvida, se reconheça a existência de um “conflito federativo”.
Basta considerar que aqui — não obstante a pretensão se reduza a compelir a
autarquia a agir em determinado sentido ou inibir sua ação em outro — o eventual
acolhimento deles acarretará reflexos diretos sobre o tempo de implementação ou a
própria viabilidade de um projeto de grande vulto do governo da União.
148 R.T.J. — 196

Afigura-se pertinente, pois, mutatis mutandis, o decidido pela unanimidade do


Plenário acerca da ação proposta por autarquia federal — a Agência Nacional de Energia
Elétrica – ANEEL — contra o Estado de Minas Gerais, à vista de decreto estadual que
declarava determinada cachoeira “patrimônio paisagístico e turístico” e criava, em
torno dela, uma área de proteção ambiental.
O acórdão — que deu pela competência originária do Tribunal — recebeu a seguinte
ementa do Relator, em. Ministro Néri da Silveira — ACO 593-QO, 7-6-01, RTJ 182/420:
“Ação cível originária. Questão de ordem. 2. Ação declaratória negativa con-
tra a Lei n. 13.370, de 30 de novembro de 1999, editada pelo Estado de Minas
Gerais. Interferência no aproveitamento do potencial hidráulico existente em tre-
cho do Rio Jequitinhonha, localizado no Município de Itapebi/BA. 3. Parecer da
Procuradoria-Geral da República para que seja reconhecida a incompetência da
Corte. 4. Relevantes os aspectos da demanda, no que diz com o equilíbrio federa-
tivo e com as competências da União Federal e dos Estados, acerca do aproveita-
mento dos potenciais hidráulicos e da realização de obras atingindo rios de curso
interestadual e ainda a respeito da partição de competências, no âmbito federativo,
sobre a proteção ambiental e os embaraços que Estados possam opor a obras
atinentes à geração de energia elétrica. 5. Ação que deve ter curso no Supremo
Tribunal Federal, competente para dirimir conflitos que possam afetar o equilíbrio
federativo (art. 102, I, f, da Constituição). Questão de ordem que se resolve, afir-
mando a competência desta Corte, para o processo e julgamento da causa.”
Para seguir o Relator, aduzi — RTJ 182/435:
“Sr. Presidente, estou plenamente à vontade para acompanhar o eminente
Ministro Relator.
O Tribunal vem construindo, quase casuisticamente, o que chamei — em
precedente referido por S. Exa. — de uma redução teleológica de sua competência
originária para conhecer dos conflitos entre Estado-Membro e autarquia federal —
cuja interpretação literal atrairia para o Supremo Tribunal Federal causas patrimo-
niais absolutamente irrelevantes sob a perspectiva da Federação.
Por isso mesmo, continuo convencido do voto vencido que demos — V. Exa.,
o Ministro Relator e eu — no Agravo na Petição 1.286, que envolvia o exercício do
poder de polícia de uma autarquia federal sobre uma obra estadual. Talvez a pe-
quenez do caso concreto haja levado a maioria a concluir em sentido contrário.
Mas, a meu ver, a natureza daquele caso já envolvia a possibilidade de conflito
federativo suficiente para justificar a competência do Supremo Tribunal Federal.
No caso concreto, não tenho, quanto a isso, a menor dúvida. Discute-se não
apenas o domínio da União ou do Estado sobre o trecho do rio em que uma lei
mineira estabeleceu uma APA – Área de Proteção Ambiental, mas também a reper-
cussão dessa limitação ambiental sobre o aproveitamento do potencial hidrelétri-
co concedido pela União.
Acho que o caso é tipicamente de conflito federativo, muito mais grave, por
exemplo, do que aquele examinado na ACO 477, Relator o Ministro Moreira Alves,
em que se discutia apenas o domínio de terras devolutas.
R.T.J. — 196 149

Aqui, está em causa não apenas uma questão dominial, mas, o que é mais
relevante, uma questão de distribuição de competência: de um lado, da exploração
hidrelétrica de um rio que ultrapassa as fronteiras de Minas Gerais; e, de outro, da
competência de proteção ambiental outorgada ao Estado.
Concluo que a causa é típica do foro do Supremo Tribunal Federal e, por isso,
acompanho o eminente Ministro Relator.”
Situação em tudo assimilável à do precedente se apresenta no caso, em que o
Estado-Membro, no interesse da proteção ambiental de seu território, pretendeu impor
exigências à atuação do Ibama no licenciamento de obra federal.
Esse o quadro, julgo procedente a reclamação para avocar o conhecimento do
processo: é o meu voto.

VOTO
O Sr. Ministro Carlos Britto: Senhora Presidente, o voto do eminente Ministro
Sepúlveda Pertence retrata a invulgar competência de S. Exa. no dissecar a Constituição
e no trabalhar com a jurisprudência da nossa Casa de Justiça, mas me atenho ao objeto da
ação civil pública, a qual não é outra se não exigir do Ibama complementação dos
estudos e análises dos impactos ambientais na porção mineira da bacia do São Francisco,
vale dizer, para que o Ibama observe o devido processo legal na matéria que deita raízes
na Constituição, penso não se tratar sequer de discutir uma questão de direito material e
que o Estado de Minas nada mais faz além de exigir o cumprimento de uma condição
constitucionalmente prevista para o início da execução do projeto em foco. Ou seja, o
Estado de Minas não está a se opor a uma política pública, ao exercício de uma função
executiva do Governo Federal, nem sequer quanto aos meios de concreção da obra, no
caso. O que faz o Estado de Minas é se irresignar contra uma indevida condução, do
ponto de vista procedimental, porque diz respeito aos estudos e análises dos impactos
ambientais exatamente naquela porção mineira da bacia do São Francisco.
Circunscrito o objeto da pretensão mineira a esse aspecto procedimental, tenho
certa dificuldade em entender que essa reação, em última análise, está até não só prevista
na Constituição Federal, defender o meio ambiente, como na própria Constituição mi-
neira, artigo 9º, V, do diploma maior do Estado de Minas, estou a pensar que não se trata
de uma pretensão, com potencial suficiente para esgarçar o tecido federativo, para intro-
duzir, nas relações entre a União e o Estado irresignado, uma situação de perigosa ou
temerária desarmonia. Acho que o Estado de Minas nada mais faz do que fazer uso da sua
autonomia político-administrativa conferida pela Constituição Federal.
Os dois anéis de Saturno da Federação parecem-me ser a autonomia e a indissolu-
bilidade. O uso da autonomia, claro, tem limites, ele não pode extravasar certos diques
de modo a desembocar — vamos chamar assim — na enxurrada da desarmonia.
Não estou vendo, honestamente, neste caso, um conteúdo político tal, na questão
envolvente das duas partes, que ponha em sério risco o equilíbrio da Federação ou
implique uma frouxidão nos laços federativos. Prefiro dizer laços federativos porque a
nossa federação não foi constituída por um pacto, diferentemente da federação americana,
e como não houve esse pacto político na origem da Federação sempre prefiro falar de
laços e não de pacto.
150 R.T.J. — 196

Em última análise, é como penso. Peço todas as vênias deste mundo ao eminente
Relator, o meu Mestre Sepúlveda Pertence, para julgar improcedente a reclamação.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Senhora Presidenta, observo a ordem constitucional


que revela, em si, a competência dos juízes federais para processar e julgar causas em que
a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessadas na condição
de autoras, rés, assistentes ou oponentes, exceto — aí vem a exceção — as de falência, as
de acidentes do trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho.
Nesse preceito, tem-se a revelação do que se entende como juiz natural para esses
conflitos de interesse. É a regra que conduz aquele que se diga titular de um direito
substancial a ajuizar a ação correspondente na primeira instância da Justiça Federal.
E aí, uma vez julgada a ação, tem-se a previsão recursal, que pode alcançar, inclu-
sive, o Supremo Tribunal Federal, desde que surja acórdão conflitante com a Carta da
República e se enquadre o recurso extraordinário em um dos permissivos do inciso III do
artigo 102 da Constituição Federal.
É certo que, na competência originária do Supremo Tribunal Federal, temos a
alínea f do inciso I do artigo 102 da Lei Maior, a revelar:
Art. 102. (...)
I - processar e julgar, originariamente:
(...)
f) as causas e os conflitos entre a União e os Estados, a União e o Distrito
Federal, ou entre uns e outros, inclusive as respectivas entidades da administração
indireta;
(...)
Encerra o preceito, de forma linear, exceção ao princípio do juiz natural, retratado
no inciso I do artigo 109 da Constituição Federal?
O Supremo já respondeu a essa indagação. Assentou que somente se abre oportu-
nidade à observância da alínea f do inciso I do artigo 102 da Carta da República quando o
conflito a ser apreciado coloque em risco o pacto federativo, a relação ou laço federativo.
Ora, o preceito da citada alínea f encerra, na dicção da própria Corte, uma exceção.
E sabemos que toda norma que revele exceção somente pode ser interpretada de uma
forma: a estrita. É o que se contém na norma, nada mais.
Falou-se da tribuna — o Advogado-Geral da União consignou — que teríamos
aqui uma política governamental em curso e que haveria o risco de prejuízo do equilí-
brio orçamentário em jogo.
Será que Sua Excelência parte da premissa de que, deslocada a ação para esta
Corte, ela será fatalmente julgada improcedente? Risco quanto ao que previsto no orça-
mento, obstaculizados os trabalhos respectivos para a transposição do Rio, se não gasto
o numerário inserto nesse mesmo orçamento? Podemos presumir que, julgada a ação
civil pública na origem, é dado presumir que não se guardará a indispensável eqüidis-
tância? Não, não podemos presumir o excepcional, o extravagante, o teratológico. Não
podemos perceber a ação ajuizada como embasada em balizas políticas e voltada a
fustigar a política do governo central.
R.T.J. — 196 151

Se formos ao objeto da ação, vamos concluir que deveriam estar de braços dados,
Estados e União, na busca do fim colimado por essa mesma ação, que outro não é senão
a observância irrestrita da Carta da República quanto à preservação do meio ambiente.
O Estado de Minas Gerais e o Ministério Público de Minas Gerais, ao ajuizarem a
ação contra o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renová-
veis, buscaram, simplesmente, a realização de estudos de impacto ambiental, como pre-
visto na legislação de regência. Não se pretendeu obstaculizar os trabalhos voltados à
consagração da política governamental idealizada.
Trazer para o Supremo essa ação que foi ajuizada no foro próprio, na Justiça Federal,
na justiça especializada, para apreciar causas intentadas contra a União, a meu ver, é um
passo demasiadamente largo. Por isso, o Procurador-Geral da República, ao emitir parecer
na reclamação, preconizou a improcedência do pedido formalizado.
Ante o alcance dos termos da alínea f do inciso I do artigo 102 da Constituição
Federal, devemos mitigar o envolvimento no caso da União, porque podemos ter ação,
alcançada pelo preceito, a abranger Estados diversos. Revelou Sua Excelência que vários
conflitos, envolvendo os Estados, foram solucionados — e presumo que bem soluciona-
dos, muito embora haja uma confiança irrestrita no taco do Supremo Tribunal Federal —
pela Justiça Federal de primeira instância, com sucessivos recursos. E se referiu, Sua
Excelência, ao problema das usinas hidrelétricas de Porto Primavera, de Serra da Mesa,
de Lajeado, de Peixe Angical, de Barra Grande, de Corumbá e do gasoduto Urucu-Porto
Velho.
Reservo, Senhora Presidenta, a aplicação da alínea f do inciso I do artigo 102 da
Lei Maior a situações realmente excepcionais em que, ao primeiro exame, dado o colo-
rido político retratado na própria ação, surja conflito a ponto de colocar em risco o pacto
federativo.
Por isso, também peço vênia ao Relator e àqueles que o acompanharam para concluir
pela improcedência do pedido formulado, fazendo-o na esteira do voto proferido, com
percuciência — e sem demérito para os demais —, pelo Ministro Carlos Ayres Britto.

VOTO (Confirmação)
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Relator): Sra. Presidente, confesso que, ante a
decisão unânime na ACO 593, julguei desnecessárias maiores considerações: tratava-se,
no caso, de uma desavença de dimensões infinitamente menores daquilo agora trazido à
Mesa.
Participei, a partir da ACO 396/90, do início — pelo menos no regime constitucional
de hoje — dessa redução teleológica da cláusula de competência originária do Tribunal.
Hoje, porém, quando ouço falar na exigência de “conflito federativo”, parece que a
competência originária do Supremo Tribunal Federal está reduzida à iminência de uma
guerra de secessão.
Mas não está.
É preciso ir aos precedentes. Quando temos recusado a nossa competência? Na
ACO 396, Furnas cobrava tarifas da Cesp. Na ACO 417, da minha relatoria, o Iapas
cobrava contribuição previdenciária devida por um Estado. Na ACO 359, Relator o
152 R.T.J. — 196

Ministro Celso de Mello, o Banco do Estado de São Paulo executava um crédito seu
garantido por fiança do Estado do Maranhão. E assim por diante. A ACO 509, Relator o
Ministro Carlos Velloso, tratava da cobrança de uma fundação estadual contra fundação
federal.
Julgávamos, porém, já haver “conflito federativo”, quando uma autarquia federal
litigava com um Estado-Membro sob domínio de determinadas glebas de terras devolu-
tas: na ACO 519, Relator o Ministro Néri da Silveira, a União contendia com uma
autarquia estadual, o Iterpa, sobre a validade ou nulidade de títulos de terra por ela,
autarquia estadual, emitidos.
Tudo muito menor que a questão da integração da Bacia do Rio São Francisco com
a Bacia do Nordeste Setentrional, em que diversos Estados se opõem à obra ou a aspectos
ambientais dos estudos da obra.
Nela, porém, evidentemente, está em causa um imenso projeto governamental, que
não deve ficar sujeito, em cada unidade da Federação, a querelas locais.
Sou mineiro e, não distante do Rio São Francisco, agradeço ao Sergipe do Ministro
Carlos Britto o cuidado com as nossas águas.
Agora, quanto à imunidade tributária, à discussão de IPVA dos automóveis da ECT
e a outras questões tributárias muito menores, temos afirmado a nossa competência.
Desse modo, não posso, no caso concreto, com todas as vênias, ler, no art. 109, I, da
Constituição Federal, as exceções ali enumeradas — a competência da Justiça do Traba-
lho e a da Justiça Eleitoral —, como se a principal das exceções não fossem os conflitos
entre os membros da Federação e suas entidades auxiliares, ancilares, que a Constituição
antes reservara ao órgão de cúpula do Judiciário brasileiro, ao Tribunal da Federação.
Por isso, com todas as vênias, mantenho o meu voto.

VOTO (Confirmação)
O Sr. Ministro Carlos Britto: Sra. Presidente, quero apenas ponderar o seguinte: se
estivéssemos aqui a discutir o mérito da transposição em si, sem nenhuma dúvida eu
seguiria o voto tão bem elaborado do Ministro Sepúlveda Pertence. Entendo, porém,
que não se cuida de se contrapor à execução do projeto ou aos meios de sua execução.
Isso está fora de discussão.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Relator): Até porque, Ministro, um pedido
desses dificilmente passaria do despacho liminar do Relator, caso viesse aqui a discutir
se o projeto é bom ou mal.
O Sr. Ministro Carlos Britto: Concordo em boa parte. Agora, quando se fala em
desarmonia entre os entes federativos, de sorte a atrair a competência judicante do
Supremo Tribunal Federal, a minha interpretação é cum grano salis, sempre no contexto
federativo. Não basta o litígio entre entes da federação, porque a democracia significa
convivência entre os contrários. É natural irromper o litígio, ocasionalmente.
O pluralismo, que postula essa diferença inata entre as pessoas geográficas de
cunho federativo, também nos predispõe para aceitar com naturalidade esses conflitos
R.T.J. — 196 153

endofederativos — chamemos assim. É preciso saber se o conflito pontualmente irrom-


pido tem dimensão suficiente para prejudicar futuras relações entre os protagonistas e se
ele tem efeito irradiante, se ele repercute para além de si mesmo, de sorte a pressupor que
as futuras relações ficarão contaminadas.
O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Virou futurologia jurídica.
O Sr. Ministro Carlos Britto: Não tem nada de futurologia.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Relator): Data venia, na construção dessa nossa
jurisprudência, “conflito federativo” é um conflito jurídico. Para ameaças de guerras de
secessão, o remédio constitucional é a intervenção. Está-se discutindo, aqui, a decisão
de conflitos jurídicos que obviamente envolvem o ponto básico, o ponto nuclear de
qualquer estatuto federal, que é a discriminação das competências entre a União e suas
entidades menores e os Estados e as suas entidades menores.
O Sr. Ministro Carlos Britto: Não é todo conflito que atrai a competência do
Supremo. É preciso buscar um critério.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Relator): Evidentemente que não. A cobrança
de tarifas de Furnas à Cesp nós repelimos, e, a partir daí, também as querelas da mesma
dimensão.
O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Assim como a questão sobre as querelas patrimoniais,
a indenização.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Relator): Sim.
O Sr. Ministro Carlos Britto: Quando se fala em desarmonia, há de ser uma desar-
monia com uma força tal, com uma dimensão tal que nos leve a fazê-la preponderar sobre
a autonomia dos Estados-Membros. Então, no uso de sua autonomia de autogoverno, de
auto-administração, de autolegislação, o Estado-Membro pode se contrapor à União, e
nem por isso a competência judicante do Supremo estará atraída para dirimir o conflito.
É preciso, pois, encontrar em cada conflito essa dimensão, essa potencialidade para —
repito — esgarçar o tecido federativo, conturbar o clima de harmonia que deve presidir
as relações, volto a dizer, endofederativas.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Relator): Vossa Excelência já honrava a bancada
deste Tribunal quando entendemos que a querela entre o Bacen e a Receita do Distrito
Federal sobre o IPTU cobrado dos imóveis destinados aos seus diretores era um conflito
federativo, e afirmamos a nossa competência. Se isso é maior que a questão posta hoje ao
Tribunal, realmente já não sei dimensionar mais nada.
O Sr. Ministro Carlos Britto: De toda sorte, rendo, como de hábito, minhas home-
nagens a Vossa Excelência e peço vênia para persistir no meu voto.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Relator): E agradeço de novo a preocupação de
Sergipe com as sagradas águas do São Francisco mineiro.
O Sr. Ministro Carlos Britto: Sergipe abriu mão da quantidade para requintar na
qualidade; por isso, é um Estado pequeno, mas que cuida bem das águas do São Francisco.
154 R.T.J. — 196

VOTO
A Sra. Ministra Ellen Gracie: Senhor Presidente, peço vênia aos colegas que vota-
ram na divergência, para acompanhar o Relator.
Compreendo perfeitamente a preocupação externada pelo Ministro Carlos Britto,
quando Sua Excelência entende que a mera divergência a respeito do procedimento
administrativo a ser adotado — que, no caso somente levou em consideração águas à
jusante de Sobradinho — realmente não teria essa configuração de um conflito entre
entes federativos, já que a norma procedimental é de observância obrigatória. No
entanto, rendo-me às razões apresentadas pelo Ministro Sepúlveda Pertence, dada a
potencialidade efetiva desse conflito federativo e as dimensões da obra que se pretende
realizar.
Com vênia de Vossa Excelência e do Ministro Marco Aurélio, acompanho o emi-
nente Relator, para dar pela procedência da reclamação.

VOTO
O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Senhores Ministros, sinto-me habilitado
a votar, uma vez que examinei o tema longamente quando concedi a liminar, portanto,
mantenho a mesma posição e acompanho o voto do Ministro Relator.

EXTRATO DA ATA
Rcl 3.074/MG — Relator: Ministro Sepúlveda Pertence. Reclamante: União
(Advogado: Advogado-Geral da União). Reclamado: Juiz Federal Substituto em
exercício na 12ª Vara da Seção Judiciária de Minas Gerais (Ação Civil Pública n.
2005.38.00.002238-0). Interessados: Estado de Minas Gerais (Advogado: Advocacia
Geral do Estado/MG – Alberto Guimarães Andrade) e Ministério Público do Estado de
Minas Gerais, Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renová-
veis – IBAMA
Decisão: O Tribunal, por maioria, conheceu e julgou procedente a reclamatória,
avocando o julgamento da Ação Civil Pública n. 2005.38.00.002238-0, da 12ª Vara da
Seção Judiciária de Minas Gerais, vencidos os Ministros Carlos Britto e Marco Aurélio.
Votou o Presidente, Ministro Nelson Jobim. Ausentes, justificadamente, os Ministros
Celso de Mello e Carlos Velloso. Falaram, pela reclamante, o Dr. Álvaro Augusto Ribeiro
Costa e, pelo Estado de Minas Gerais, o Dr. Lysandro Norton Siqueira, Procurador do
Estado.
Presidência do Ministro Nelson Jobim. Presentes à sessão os Ministros Sepúlveda
Pertence, Marco Aurélio, Ellen Gracie, Gilmar Mendes, Cezar Peluso, Carlos Britto,
Joaquim Barbosa e Eros Grau. Vice-Procurador-Geral da República, Dr. Roberto Monteiro
Gurgel Santos.
Brasília, 4 de agosto de 2005 — Luiz Tomimatsu, Secretário.
R.T.J. — 196 155

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 3.332 — MA

Relator: O Sr. Ministro Eros Grau


Requerente: Procurador-Geral da República — Requeridos: Governador do Estado
do Maranhão e Assembléia Legislativa do Estado do Maranhão
Ação direta de inconstitucionalidade. Artigo 13 da Lei n. 8.032/03,
do Estado do Maranhão. Cargo público. Investidura por transposição.
Inconstitucionalidade.
1. O texto constitucional em vigor estabelece que a investidura em
cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso
público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a
complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalva-
das as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre no-
meação e exoneração. É inconstitucional a chamada investidura por
transposição.
2. Pedido de declaração de inconstitucionalidade julgado procedente.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo
Tribunal Federal, em Sessão Plenária, na conformidade da ata do julgamento e das notas
taquigráficas, por unanimidade de votos, julgar procedente a ação e declarar a inconsti-
tucionalidade do artigo 13 da Lei n. 8.032, de 10 de dezembro de 2003, do Estado do
Maranhão, nos termos do voto do Relator.
Brasília, 30 de junho de 2005 — Nelson Jobim, Presidente — Eros Grau, Relator.

RELATÓRIO
O Sr. Ministro Eros Grau: O Procurador-Geral da República ajuizou a presente ação
direta, com pedido de medida cautelar, na qual questiona a constitucionalidade do
artigo 13 da Lei Estadual n. 8.032, de 10 de dezembro de 2003, do Estado do Maranhão,
que reestrutura a administração dos serviços auxiliares do Poder Judiciário daquele
Estado-Membro e institui o Plano de Cargos, Carreiras e Vencimentos de seus servido-
res. O preceito impugnado possui a seguinte redação:
“Art. 13. Os atuais servidores do Poder Judiciário, efetivos ou estáveis, nome-
ados antes de 5 de outubro de 1988, serão enquadrados nos cargos constantes dos
anexos I a VIII, por transposição, por ato do presidente do Tribunal de Justiça,
respeitados o cargo de origem e a antiguidade.” (Fls. 2/3).
2. O requerente sustenta afronta ao disposto nos artigos 19 do Ato das Disposições
Constitucionais Transitórias e 37, inciso II, da Constituição do Brasil, por entender
incabível “a possibilidade de transposição de um cargo para outro sem a prestação de
concurso público” (fl. 3).
3. À fl 14 determinei a aplicação da regra prevista no artigo 12 da Lei n. 9.868/99.
156 R.T.J. — 196

4. A Assembléia Legislativa do Estado do Maranhão prestou informações (fls. 99/


103), afirmando que “não foi o dispositivo legal impugnado que incorreu em inconsti-
tucionalidade, mas sim, a Administração que se quedou inerte em romper as relações de
trabalho inconstitucionalmente firmadas”. Ressaltou que os servidores beneficiados
com o texto normativo atacado foram contratados entre 6 de outubro de 1983 e 5 de
outubro de 1988 e que a referida lei atende ao “princípio” da proporcionalidade, na
medida em que confere segurança a situações consolidadas pelo decurso do tempo.
5. O Advogado-Geral da União manifestou-se pela procedência do pedido formu-
lado, ressaltando que é pacífica a jurisprudência desta Corte no sentido de que, após a
promulgação da atual Constituição da República, já não se admite provimento de cargo
para o qual o servidor não fora previamente aprovado em concurso público, ressalvadas
as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exonera-
ção” (fls. 84/91).
6. O Procurador-Geral da República opinou pela inconstitucionalidade do artigo
13 da Lei n. 8.032, ratificando os termos da inicial (fls. 93/97).
É o relatório, do qual deverão ser extraídas cópias para envio aos Senhores Ministros
[RISTF, artigo 172].

VOTO
O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Discute-se nesta ação direta a constitucionali-
dade do artigo 13 da Lei n. 8032/2003, do Estado do Maranhão, que permite a transpo-
sição de servidores do Poder Judiciário local, nomeados antes da promulgação da atual
Constituição, para cargos constantes da mesma lei.
2. O texto constitucional em vigor estabelece que “a investidura em cargo ou
emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de
provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na
forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em
lei de livre nomeação e exoneração”1. O artigo 19 do Ato das Disposições Constitucio-
nais transitórias excepcionou esta regra, dispondo que
“Os servidores públicos civis da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios, da administração direta, autárquica e das fundações públicas, em
exercício na data da promulgação da Constituição, há pelo menos cinco anos
continuados, e que não tenham sido admitidos na forma regulada no art. 37, da
Constituição, são considerados estáveis no serviço público.”
3. O preceito impugnado, ao possibilitar o enquadramento de pessoas nomeadas
antes de 5 de outubro de 1988 — sem concurso público — em cargos integrantes da
carreira do Poder Judiciário do Estado do Maranhão, afrontou a orientação constitucio-
nal, já que o artigo 19 acima transcrito conferiu estabilidade no serviço público somente
aos que preencham seus requisitos.

1 Constituição do Brasil, artigo 37, inciso II.


R.T.J. — 196 157

4. Em julgamento recente, esta Corte proclamou a inconstitucionalidade de lei


estadual que ampliava a exceção constante de citado preceito transitório. Nessa oportu-
nidade ficou assentado que:
“Ação direta de inconstitucionalidade. Art. 28 e parágrafos do ADCT da
Carta de Minas Gerais. Estabilidade extraordinária. Art. 19 do ADCT da Carta
Federal.
A exigência de concurso público para a investidura em cargo garante o res-
peito a vários princípios constitucionais de direito administrativo, entre eles, o da
impessoalidade e o da isonomia. O constituinte, todavia, inseriu no art. 19 do
ADCT norma transitória criando uma estabilidade excepcional para servidores
não concursados da União, Estados, Distrito Federal e dos Municípios que, quan-
do da promulgação da Carta Federal, contassem com, no mínimo, cinco anos
ininterruptos de serviço público.
A jurisprudência desta Corte tem considerado inconstitucionais normas esta-
duais que ampliam a exceção à regra da exigência de concurso para o ingresso no
serviço público já estabelecida no ADCT Federal. Precedentes: ADI 498, Rel. Min.
Carlos Velloso (DJ de 9-8-1996) e ADI 208, Rel. Min. Moreira Alves (DJ de
19-12-2002), entre outros.
Ação direta de inconstitucionalidade cujo pedido se julga procedente”.
(ADI n. 100, Relatora a Ministra Ellen Gracie; DJ de 1º de outubro de 2004)
5. O argumento esgrimido pela Assembléia Legislativa maranhense, de que a in-
constitucionalidade não reside no ato normativo impugnado, mas na inércia da Admi-
nistração, que não pode prejudicar servidores com anos de dedicação ao Poder Judiciário,
não justifica o desacato à regra do concurso público.
Ante o exposto, julgo procedente o pedido formulado nesta ação direta e declaro a
inconstitucionalidade do artigo 13 da Lei n. 8.032/2003, do Estado do Maranhão.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Senhor Presidente, fico vencido no tocante não à
estabilidade daqueles que, à época da Carta, contavam com cinco anos de integração ao
serviço público, mas à efetividade em cargos. E, de qualquer forma, beneficia, também,
quem não havia completado ainda os cinco anos.

EXTRATO DA ATA
ADI 3.332/MA — Relator: Ministro Eros Grau. Requerente: Procurador-Geral da
República. Requeridos: Governador do Estado do Maranhão e Assembléia Legislativa
do Estado do Maranhão.
Decisão: O Tribunal, por unanimidade, julgou procedente a ação e declarou a
inconstitucionalidade do artigo 13 da Lei n. 8.032, de 10 de dezembro de 2003, do
Estado do Maranhão, nos termos do voto do Relator. Votou o Presidente, Ministro
Nelson Jobim. Ausentes, justificadamente, o Ministro Carlos Velloso e, neste julgamento,
o Ministro Sepúlveda Pertence.
158 R.T.J. — 196

Presidência do Ministro Nelson Jobim. Presentes à sessão os Ministros Sepúlveda


Pertence, Celso de Mello, Marco Aurélio, Ellen Gracie, Gilmar Mendes, Cezar Peluso,
Carlos Britto, Joaquim Barbosa e Eros Grau. Subprocurador-Geral da República, Dr.
Haroldo Ferraz da Nóbrega.
Brasília, 30 de junho de 2005 — Luiz Tomimatsu, Secretário.

AGRAVO REGIMENTAL NA RECLAMAÇÃO 3.366 — MG

Relator: O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence


Agravante: Massa Falida do Banco do Progresso S.A. — Agravados: Superior
Tribunal de Justiça (Medida Cautelar n. 8.851/MG), Presidente do Superior Tribunal de
Justiça (RE no Resp n. 501.401-/MG) — Interessados: Banco Central do Brasil e Maria
Cristina Diniz Silva
Reclamação: usurpação de competência (CF, art. 102, I, l): improce-
dência.
1. Medida cautelar ajuizada pela reclamante no Superior Tribunal de
Justiça, com o objetivo de obter o processamento de recursos extraordi-
nários, independentemente do pagamento de custas e despesas processuais,
bem como o sobrestamento de outros recursos.
2. Alegação de que a Corte Especial, ao indeferir o pedido de assis-
tência judiciária gratuita, e o Presidente do STJ — que, em face dessa
decisão, determinou o imediato preparo dos recursos extraordinários in-
terpostos — inviabilizaram a apreciação pelo Supremo Tribunal da
afronta a dispositivos constitucionais pelas instâncias ordinárias neles
suscitada.
3. Sem ter sido exarado o juízo de admissibilidade, o Superior Tri-
bunal de Justiça não esgotou sua prestação jurisdicional; não se pode
afirmar, portanto, que tenha obstado o processamento dos recursos extra-
ordinários dirigidos ao Supremo Tribunal, ou, em outras palavras, que
tenha usurpado a sua competência.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turma
do Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence, na
conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos,
negar provimento ao agravo regimental no reclamação, nos termos do voto do Relator.
Brasília, 11 de outubro de 2005 — Sepúlveda Pertence, Presidente e Relator.
R.T.J. — 196 159

RELATÓRIO
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Este o teor da decisão agravada:
“Decisão: Cuida-se de reclamação, com pedido de medida liminar, na qual a
reclamante — massa falida de banco privado — alega a usurpação da competência
do Supremo Tribunal Federal.
Aduz o reclamante que:
1) a instituição financeira estava autorizada a captar recursos junto a
terceiros — depositantes-correntistas — funcionando como depositário;
2) em função de prejuízos apurados ao longo do tempo, teve sua falência
decretada pela Juíza da 1ª Vara de Falências de Belo Horizonte em 1999;
3) em decorrência disso, cerca de quinhentos (500) depositantes-correntistas
acionaram o Poder Judiciário requerendo a restituição de seus valores depositados —
inferiores a vinte (20) salários mínimos —, através de formulários expedidos pelo
juízo falimentar, sem a participação de advogados;
4) os diversos pedidos de restituição foram acolhidos em primeira e segunda
instâncias, sob o fundamento, em suma, de que o depositante não é credor do
banco, pois não ocorre, no contrato de depósito, a transferência da propriedade do
dinheiro. Daí a obrigatoriedade na devolução dos valores aos correntistas;
5) o Banco Central do Brasil, invocando a condição de credor do Banco
Progresso S.A., impugnou todos os pedidos, alegando serem os depositários-
correntistas meros credores quirografários e, tendo em vista as decisões desfavorá-
veis ao seu pleito, interpôs diversos recursos especiais — nas peças apresentadas,
consta a interposição de RE simultâneo ao REsp (n. de origem 203.975-8-03), que
teve o seu seguimento negado, em decisão que transitou em julgado (fl. 536 do
apenso 3);
6) tendo em vista a relevância da matéria, apenas um dos recursos (n.
501.401) foi afetado à Segunda Seção do STJ, sendo determinado, ainda, o
sobrestamento dos demais até o julgamento do REsp mencionado;
7) com o provimento do REsp 501.401, por maioria, os demais recursos foram
decididos singularmente, antes mesmo da publicação do precedente apreciado na 2ª
Seção;
8) dessas decisões, foram interpostos agravos regimentais, “requerendo a
análise das questões ‘à luz do disposto nas normas constitucionais referidas na
sentença, no acórdão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais e neste Agravo (art.
170, II, III e V; art. 192 da Constituição)’”. Porém, os agravos foram desprovidos
por ambas as Turmas da 2ª Seção do STJ;
Daí a interposição, afirma, de cerca de quinhentos (500) recursos extraordi-
nários, nos quais se sustenta, em suma, contrariedade aos artigos 5º, XXII, XXXIV,
160 R.T.J. — 196

XXXV; 93, IX; 170, II, III, IV; e 192 da Constituição; bem como afronta à Súmula
4171 do STF e ao entendimento assentado no acórdão do RE 86.257 (Moreira,
RTJ 95/2-705).
Ajuizou, também, medida cautelar perante o STJ (n. 8.851), na qual pediu,
com apoio no inciso LXXIV do art. 5º da Constituição2, o processamento dos
recursos extraordinários interpostos independentemente do pagamento de custas e
despesas recursais, bem como o sobrestamento dos RREE interpostos, até o pro-
nunciamento do STF nos primeiros casos.
Para tanto, sustentou que a não-interposição de RREE pela massa falida
prejudicaria os depositantes-correntistas de pequenos valores, que não se fazem
representar por advogados, mas que a massa falida não possui condições de arcar
com as custas processuais de todos os recursos. Citam, no sentido da possibilidade
de reconhecimento do benefício da assistência judiciária gratuita à pessoa jurídica,
a Rcl 1.905-AgR-ED (Marco Aurélio, Pleno, DJ de 20-9-02).
Sobre a necessidade de sobrestamento dos RREE, argumentou que a não-
admissão destes ensejaria a interposição de cerca de quinhentos (500) agravos para
o STF, sendo necessária a formação do instrumento de cada um deles. Certo que a
recorrente não dispõe de recursos para tanto, conforme se depreende da sua condi-
ção de falida.
Afirma, então, que a Corte Especial do STJ, por maioria de votos, negou os
pedidos formulados na medida cautelar e que, antes mesmo da publicação deste
acórdão, o Presidente do STJ teria determinado “o imediato pagamento do preparo
referente ao Recurso Extraordinário no REsp n. 501.401/MG e em alguns outros”.
Daí — fl. 16:
“As decisões proferidas pela Corte Especial e pelo Presidente do Su-
perior Tribunal de Justiça inviabilizam que a afronta a dispositivos consti-
tucionais, reconhecidas em primeira e segunda instâncias, sejam aprecia-
das pelo Supremo Tribunal Federal, em evidente usurpação da competência
reservada à Corte Constitucional.
Em decorrência de obstáculo financeiro (custas processuais, porte de
retorno e despesas com a formação dos 500 instrumentos — 1500 volumes),
ficarão comprometidos, de forma irreversível, a ampla defesa e o acesso à
prestação jurisdicional.”
Pugna-se, portanto, pela concessão de liminar para: 1) determinar a suspen-
são das decisões do Presidente do STJ no RE no REsp 501.401 e da Corte Especial
na MC 8.851; 2) requisitar os autos do RE no REsp 501.401, nos termos do art. 158
do RISTF; 3) sobrestar os demais recursos extraordinários em processamento no
STJ, “consoante interpretação analógica do art. 321, § 5º, do RISTF” (fl. 18).

1 Súmula 417: ‘Pode ser objeto de restituição, na falência, dinheiro em poder do falido, recebido em
nome de outrem, ou do qual, por lei ou contrato, não tivesse ele a disponibilidade’.
2 ‘Art. 5º (...)
LXXIV - o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem
insuficiência de recursos;’
R.T.J. — 196 161

No mérito, pede pela procedência da reclamação, com a conseqüente cassa-


ção das decisões mencionadas, a fim de que seja concedido à reclamante o benefí-
cio da assistência judiciária, bem como que seja determinado o sobrestamento no
STJ dos demais recursos extraordinários que envolvam a mesma matéria.
Decido.
Em última análise, a caracterização da hipótese de cabimento da medida
constitucional utilizada (art. 102, I, l) está no indeferimento do pedido de reconhe-
cimento do benefício da assistência judiciária gratuita à reclamante.
Inegável que o fato da recorrente estar em processo de falência parece atrair,
a um primeiro exame, a aplicação da tese do precedente invocado, no sentido da
concessão do benefício da assistência judiciária à pessoa jurídica (Rcl 1.905-AgR-ED,
Marco Aurélio, Pleno, DJ de 20-9-02).
Pelo que se verifica dos documentos anexados aos autos, a reclamante so-
mente pleiteou o benefício nos embargos de declaração opostos do acórdão que
julgou o REsp — motivo pelo qual foi então rejeitado pela Seção (fl. 668 no
apenso 2).
Reiterou-o ao Vice-Presidente do STJ na petição do RE interposto (fls.
614 e ss. — apenso 2), com fim de eximir-se do pressuposto de admissibilidade
do preparo.
Ocorre que, com o julgamento da Medida Cautelar 8.851 ajuizada no STJ —
na qual o Banco Central e o Ministério Público Federal suscitaram a ilegitimidade
da massa falida para interpor o RE (fls. 73 e 88 — apenso 1) —, este pedido foi
decidido de forma desfavorável para a reclamante, tanto que o Presidente do STJ
determinou o recolhimento das custas do RE interposto no REsp 501.401 no prazo
de cinco (05) dias, para, daí, proceder ao exame da sua admissibilidade (fl. 46).
Essas decisões emanaram de quem com competência para tanto.
Imprescindível, destarte, o exame dos fundamentos do acórdão na MC 8.851
para a aferição da usurpação alegada, uma vez que a decisão do Presidente do STJ
apenas aplicou o que decidido na medida cautelar — ainda que a boa técnica
recomendasse aguardar a publicação do acórdão.
Ressalte-se que, quando a massa falida resolveu defender os interesses dos
depositários-correntistas, assumiu o risco de condenação nos ônus da sucumbência,
bem como o pagamento das custas processuais.
Nego seguimento ao pedido.”
Inconformada, a massa falida afirma que a decisão proferida é contraditória, incoerente
e injusta, “com grave risco de dano irreparável ou de difícil reparação” (fl. 82).
Sustenta, em suma:
a) o reconhecimento, na decisão agravada, do cabimento do pedido de assistência
judiciária, da impossibilidade de o Ministro Presidente do STJ determinar o imediato
recolhimento do preparo, e da ilegitimidade da massa falida para a interposição dos
recursos extraordinários em nome dos depositantes-correntistas;
162 R.T.J. — 196

b) a desnecessidade do inteiro teor do acórdão proferido pelo STJ no julgamento


da Medida Cautelar 8.851 para a aferição da usurpação de competência alegada, uma
vez que o próprio Presidente do STJ determinou o cumprimento da decisão sem que
fosse publicada. Ademais, com a superveniente inclusão do relatório, do voto vencedor
e da ementa da referida medida cautelar no sítio do STJ na internet — para efeito de
consulta antecipada (Ato/STJ n. 135) —, não subsistiria mais o óbice da impossibilidade
de aferição da usurpação da competência, devendo-se aplicar o disposto no art. 462 do
Código de Processo Civil3;
c) a concessão da assistência judiciária gratuita em prol de pessoa jurídica, mor-
mente por se tratar de massa falida; certo, ainda, que “somente passou a exercer defesa
ulterior dos Depositantes-Correntistas que tinham pleiteado a restituição em nome
próprio, sob pena de tais pequenos correntistas de quantias singelas não terem defesa
alguma, até porque formularam as restituições por formulário interno da própria 1ª
Vara de Falência de Belo Horizonte” (fl. 85);
d) a legitimidade da massa falida para interpor os recursos extraordinários em
nome dos depositantes-correntistas, pois “as habilitações manejadas pelos credores e
os pedidos de restituição de terceiros são incidentes do processo falimentar” (fl. 88),
daí “a massa falida, por expressa determinação da então Lei de Falências, tem além da
legitimidade, também o dever de tomar parte tanto das habilitações de crédito quanto
dos pedidos de restituição”, “em primeira instância e em grau de recurso”, com “o
propósito de assegurar as preferências e as garantias no processo falimentar” (fl. 89),
conforme dispõem a Constituição Federal (XXII, art. 5º) e a antiga Lei de Falências
(Decreto-Lei 7.661/45 — arts. 7º, §§ 2º; 76; 77, §§ 1º e 4º; 82; 83; 96; e 97).
Pugna, então, pela reconsideração da decisão agravada e mantida, pela submissão
do agravo ao Tribunal.
É o relatório.

VOTO
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Relator):

Ao contrário do que sustenta a agravante, em nenhum momento se reconheceu o


direito à concessão do benefício da assistência judiciária gratuita à massa falida, nem a
sua ilegitimidade para figurar nas ações de restituição ajuizadas pelos depositantes-
correntistas.

3 “Art. 462. Se, depois da propositura da ação, algum fato constitutivo, modificativo ou extintivo do
direito influir no julgamento da lide, caberá ao juiz tomá-lo em consideração, de ofício ou a requeri-
mento da parte, no momento de proferir a sentença.”
R.T.J. — 196 163

O que se afirmou foi a plausibilidade da tese levantada pela reclamante sobre a


desnecessidade de a pessoa jurídica em procedimento falimentar comprovar situação
inviabilizadora da assunção dos ônus decorrentes do ingresso em juízo, requisito
necessário para a concessão do benefício da gratuidade pleiteado por pessoa jurídica,
conforme assentado no julgamento da Rcl 1.905-AgR-ED (Marco Aurélio, Pleno, DJ
de 20-9-02).
E essa questão não foi examinada devido a ausência, na época em que apreciada a
reclamação, do inteiro teor da decisão da medida cautelar requerida ao STJ, onde se
pressupunha a análise do pedido de processamento dos recursos extraordinários inter-
postos independentemente do pagamento de custas e despesas recursais, bem como do
sobrestamento desses até manifestação do STF nos primeiros casos, além do argumento
do Banco Central do Brasil e da Procuradoria-Geral da República — em contraminuta e
parecer, respectivamente (fls. 73 e 88 do apenso 01) —, sobre a ilegitimidade da massa
falida para representar os depositantes-correntistas.
II

Entretanto, conforme ressaltado pelo recorrente, o motivo que impossibilitava o


exame da usurpação alegada não mais subsiste, seja pela disponibilidade do inteiro teor
da decisão proferida na Medida Cautelar 8.851 no sítio do Superior Tribunal de Justiça
na internet, a título de consulta antecipada (Ato-STJ n. 135) — posterior à decisão ora
agravada —, seja pela sua publicação no Diário da Justiça de 1º-8-2005, com embargos
de declaração opostos e pendentes de julgamento4.
Esta a sua ementa (fl. 97):
“Cautelar. Banco do Progresso S.A. Massa falida. Depósito bancário. Resti-
tuição. Recurso extraordinário. Sobrestamento. Preparo. Assistência judiciária.
1. A massa falida não está isenta do preparo recursal (Decreto-Lei n. 7.661/45,
art. 208), muito menos se interpostos os Recursos Extraordinários em favor dos
depositantes, ex-correntistas do Banco liquidado.
2. O benefício da assistência judiciária gratuita garante o livre acesso à justiça
(CF, art. 5º, XXXIV, a). Funciona em detrimento do Erário que deixa de arrecadar as
taxas judiciárias, razão pela qual é concedido, comprovada a insuficiência de
recursos, aos que não podem demandar judicialmente sem prejuízo de seu próprio
sustento se não favorecidos com o privilégio (CF, art. 5º, LXXVI, e Lei n. 1.060/50).
3. Sem justificativa o pedido para que se dê o imediato processamento e
admissão dos recursos extraordinários, por medida cautelar, ou o sobrestamento
dos que se seguirão.
4. Pedidos julgados improcedentes.”
Sobre a ilegitimidade aventada, acentuou o relator em seu voto:
“No particular, não se pode deixar de reconhecer que nem a Massa Falida
nem os beneficiados com a interposição dos Extraordinários, depositantes e
aplicadores no Banco do Progresso S.A., podem ser considerados hipossuficientes

4 Informação obtida no sítio do STJ na internet (http://www.stj.gov.br/webstj/processo/justica/


detalhe.asp?numreg=200401186270&pv=101000000000&tp=51).
164 R.T.J. — 196

econômica e juridicamente nos termos da Lei n. 1.060/50, a par de não demonstrado


carecerem eles de recursos, demonstração essa — insuficiência de recursos — que
é exigida nos textos constitucional e legal.
Isso, sem contar que Massa Falida está postulando em defesa de interesses
patrimoniais disponíveis de terceiros, seus ex-correntistas, contrários aos seus,
quando deveria salvaguardar o seu patrimônio, como consignado pelo Parquet em
seu parecer de fls. 87/88, e pelo Banco Central do Brasil que ressaltou, ‘o dinheiro
de que dispõe a Massa Falida é dos credores e seria um absurdo que fosse utilizado
para patrocinar interesse daqueles que pretendem simples restituição’ (fl. 74), o
que, de resto, também não se presta a fundamentar o pedido de assistência judici-
ária gratuita.”
De fato, apenas com a inversão da sucumbência no julgamento do recurso especial,
a massa falida do banco opôs embargos de declaração em nome dos autores dos pedidos
de restituição contra ela própria dirigidos (nos recursos especiais decididos singular-
mente, foi interposto agravo regimental).
Causa estranheza o fato de a massa falida postular em defesa de interesses patrimoniais
de terceiros, mormente quando não é autorizado a ninguém pleitear, em nome próprio,
direito alheio, excetuados os casos previstos em lei (Código de Processo Civil, art. 6º).
Ora, os dispositivos da Lei de Falência citados pela agravante dizem respeito ao
caráter incidental dos pedidos de restituição e das habilitações requeridas pelos credores
no processo de falência (arts. 76 e 82); à necessidade de participação da massa falida
nesses, em primeira instância e em grau de recurso (arts. 77, §§ 1º e 4º; 83; e 97); bem
como à universalidade do juízo falimentar (art. 7º, § 2º).
Por isso, aliás, a aplicação das normas da Lei 9.099/95 pelo juízo de origem, verbis:
“a) Inicialmente, importante assinalar que nas restituições, cujos valores não
ultrapassam 40 salários mínimos (valor originário), foi concedida gratuidade de
justiça, ao não ser exigido o preparo das custas prévias, tendo o Juízo, nesses casos,
adotado regra expressa que assim o autoriza, contida na Lei 9.099 de 1995, que é
de ordem pública, aplicável a todas as causas submetidas à Justiça, sendo certo que
dentro das exceções contidas na lei não se enquadram as ações de restituição. No
Juízo Falimentar, portanto, somente as ações específicas, de falência e concordata,
expressamente excluídas, dentre outras, é que não podem submeter-se às regras da
lei mencionada.
Importante também assinalar que, pelo mesmo motivo acima enfocado, e
adotando a Lei n. 9.099 de 1995 que é de ordem pública, as restituições cujos
valores não ultrapassam 20 salários mínimos (valor originário), foi permitido o
ajuizamento do pedido pelo próprio correntista/investidor, sem assistência de
advogado.
Tais medidas, que contaram com a anuência do Ministério Público, na quali-
dade de fiscal da lei, foram implementadas visando não só pôr em prática real, no
Juízo Falimentar, os dispositivos da Lei 9.099 de 1995, onde não conflita com o
Decreto-Lei 7.661 de 1945, mas também visando garantir direito constitucional,
de forma racional, de acesso à Justiça àqueles que possuíam e que reclamam por
pequenos recursos que depositaram na instituição financeira atualmente falida,
sem quaisquer ônus, que pudessem desestimular o ajuizamento da ação.”
R.T.J. — 196 165

Daí não se retira, contudo, a admissão de que a massa falida substituísse processual-
mente aqueles que ingressaram com ações contra o seu acervo, certo que não há, na lei
falimentar antiga (Decreto-Lei 7.761/45) e na atual (Lei 11.101/2005), previsão dessa legiti-
mação extraordinária.
III

Ademais, a usurpação de competência alegada teria ocorrido com as decisões pro-


feridas pela Corte Especial, ao negar o benefício da assistência judiciária gratuita, e pelo
Presidente do STJ, ao determinar o imediato preparo dos recursos extraordinários inter-
postos.
A regra é o pagamento dos valores relativos ao recurso no ato de sua interposição
(Código de Processo Civil, art. 511). De acordo com os documentos juntados aos autos,
o pedido de assistência judiciária gratuita já havia sido recusado quando do julgamento
dos embargos de declaração opostos ao recurso especial provido (fls. 666/671 — apenso 2).
Apresentado recurso extraordinário, foi requerida, também, medida liminar com o esco-
po de afastar a pena de deserção, já que interposto sem o recolhimento do preparo
exigido.
Ocorre que, como visto, a medida liminar foi indeferida, e, com apoio nessa deci-
são, o Presidente do STJ deu oportunidade ao recorrente para efetivar o preparo: daí a
reclamação sob exame.
Não houve, ressalte-se, nem era de ser emitido, qualquer juízo sobre a admissibili-
dade dos recursos extraordinários.
Pretender, então, que se conclua pela usurpação da competência do STF significa
antecipar o fundamento do juízo de admissibilidade a ser realizado pelo Presidente do
STJ, que pode se utilizar — juntamente com a decretação da deserção, ou não — de outro
fundamento para inadmitir o processamento do RE ou — ainda que esta hipótese seja
remota — conceder o benefício da assistência judiciária gratuita e admiti-lo, já que as
decisões que se alegam usurpadoras são procedentes de julgamento de medida liminar.
Portanto, sem ter sido exarado o juízo de admissibilidade, o Superior Tribunal de
Justiça não esgotou sua prestação jurisdicional; não se pode afirmar, portanto, que tenha
obstado o processamento dos recursos extraordinários dirigidos ao Supremo Tribunal,
ou, em outras palavras, que tenha usurpado a sua competência.
IV

De tudo, nego provimento ao agravo: é o meu voto.

EXTRATO DA ATA
Rcl 3.366-AgR/MG — Relator: Ministro Sepúlveda Pertence. Agravante: Massa
Falida do Banco do Progresso S.A. (Advogados: Sérgio Mourão Corrêa Lima e outro,
Bernardo Pimentel Souza e Tiago Pimentel Souza). Agravados: Superior Tribunal de
Justiça (Medida Cautelar n. 8.851/MG) e Presidente do Superior Tribunal de Justiça (RE
no Resp n. 501.401/MG). Interessados: Banco Central do Brasil (Advogados: Procurador-
Geral do Banco Central do Brasil) e Maria Cristina Diniz Silva.
166 R.T.J. — 196

Decisão: A Turma negou provimento ao agravo regimental na reclamação, nos


termos do voto do Relator. Unânime. Ausente, justificadamente, o Ministro Eros Grau.
Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à sessão os Ministros Marco
Aurélio, Cezar Peluso e Carlos Britto. Ausente, justificadamente, o Ministro Eros Grau.
Subprocuradora-Geral da República, Dra. Delza Curvello Rocha.
Brasília, 11 de outubro de 2005 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.

QUESTÃO DE ORDEM NA PETIÇÃO 3.515 — MS

Relator: O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence


Requerente: Procurador-Geral da República — Requerido: Vice-Presidente do
Tribunal Regional Federal da 3ª Região (Recursos Extraordinários nos Agravos de Ins-
trumento n. 2004.03.00.003087-1, 2004.03.00.003119-0 e 2004.03.00.003122-0) —
Interessados: Flávio Páscoa Teles de Menezes, Agropecuária Pedra Branca e outro e
Jeadir Silvestre de Carli e outro
1. Medida cautelar em recurso extraordinário: competência do
Supremo Tribunal Federal para o julgamento de medidas cautelares de
RE, quando nela se oponha o recorrente à aplicação do art. 542, § 3º, do
Código de Processo Civil: incidência do disposto no parágrafo único do
art. 800 do Código de Processo Civil: hipótese diversa do problema do
início da jurisdição cautelar do Supremo para conceder efeito suspensivo
ao RE: precedente (Pet 2.222, 1ª T., 9-12-03, Pertence, DJ de 12-3-04).
2. Recurso extraordinário: temperamentos impostos à incidência
do art. 542, § 3º, do Código de Processo Civil, entre outras hipóteses, na de
deferimento de liminar que possa tornar ineficaz o eventual provimento
dos recursos extraordinário ou especial.
3. Medida cautelar: deferimento: caso que — dados os termos da
liminar de reintegração de posse em propriedades rurais ocupadas por
indígenas, que irá alterar substancialmente a situação de fato, de modo a
modificar também a situação jurídica processual e a debilitar — no plano
da eficácia — a eventual decisão favorável à tese da recorrente — é da-
queles que efetivamente não admitem a retenção do recurso extraordinário.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turma
do Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence, na
conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos,
resolver questão de ordem e deferir a liminar, nos termos do voto do Relator.
Brasília, 27 de setembro de 2005 — Sepúlveda Pertence, Presidente e Relator.
R.T.J. — 196 167

RELATÓRIO
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Trata-se de petição para que se proceda ao
exame de admissibilidade dos recursos extraordinários interpostos contra os acórdãos
proferidos nos Agravos de Instrumento 2004.03.00003087-1, 2004.03.003119-0 e
2004.03.00.003122-0, em trâmite no Tribunal Regional Federal da 3ª Região.
Na origem, trata-se de ações de reintegração de posse contra indígenas da etnia
Guarani.
Deferida a liminar, o Ministério Público interpôs agravos de instrumento que
foram improvidos, determinando-se a retirada dos índios das áreas até então ocupadas.
Aos recursos extraordinários foi oposta a regra do art. 542, § 3º, do Código de
Processo Civil: daí a petição que pretende afastar a retenção dos recursos.
É o relatório.

VOTO
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Relator): O Ministério Público Federal
requereu a suspensão das medidas liminares deferidas nos autos de ações de reintegra-
ção de posse — as mesmas desta petição — que foi indeferida pelo em. Min. Nelson
Jobim (DJ de 4-8-05). Dessa decisão foi interposto agravo regimental, ainda não julgado.
Este é um dos casos que a vasta doutrina sobre direito processual — especialmente
quanto à sucinta redação do art. 103 do Código de Processo Civil — não trata de maneira
satisfatória.
De tudo, é suficiente para a não-incidência da conexão a competência e o escopo
das duas medidas: a suspensão da liminar é de competência do Presidente do Tribunal e
visa a suspender a eficácia da decisão liminar; esta petição é de livre distribuição —
excluído o próprio Presidente — e pretende afastar o sobrestamento do recurso extraor-
dinário.
Não há conexão.

II
Não é ortodoxo uma petição ter pedido referente a processos que, apesar de surgi-
rem do mesmo fato, são diferentes.
Esta petição se refere aos recursos extraordinários contra os acórdãos dos seguintes
agravos de instrumento: a) 2004.03.00.003087-1, em que é agravado Flávio Páscoa
Teles de Menezes; b) 2004.03.00.003119-0, agravados Agropecuária Pedra Branca e
outro; c) 2004.03.00.003122-0, agravados Jeadir Silvestre de Carli e outros.
A inicial não justifica a razão da heterodoxia processual. Nem precisaria: o pedido
de medida liminar e a reunião dos agravos no Tribunal a quo são variáveis suficientes à
reunião dos requerimentos nesta petição.
168 R.T.J. — 196

III
Conforme acentuei recentemente na AC 929-QO (6-9-05), na linha da Pet. 2.222
(9-12-03, Pertence, DJ de 2-3-04), tanto a doutrina quanto a jurisprudência têm imposto
temperamentos à incidência do art. 542, § 3º, do Código de Processo Civil.
Certo, nesses precedentes os casos versavam sobre tutelas antecipadas concedidas,
cuja subsistência poderia tornar ineficaz o eventual provimento dos recursos extraordi-
nários.
É a mesma preocupação que se apresenta: a liminar de reintegração nas proprieda-
des rurais ocupadas pelos indígenas irá alterar substancialmente a situação de fato, de
modo a modificar também a situação jurídica processual e a debilitar — no plano da
eficácia — a eventual decisão favorável à tese da recorrente.
Sem adiantar qualquer juízo sobre a viabilidade dos recursos extraordinários, estou
em que — dados os termos da liminar de reintegração de posse — o caso é daqueles que
efetivamente não admitem a retenção do recurso extraordinário.
Informalmente, meu gabinete foi informado de que as liminares foram revogadas.
A informação foi confirmada no sítio do TRF/3ª Região e importaria para a suspen-
são de liminar em curso. Para esta petição, contudo, pouco importa. O que se questiona
é a incidência ou não do comando processual de sobrestamento do recurso extraordiná-
rio interposto contra a decisão interlocutória: no caso, a decisão interlocutória — posi-
tiva ou negativa — confunde-se com o mérito da causa.
Esse o quadro, submeto à Turma (art. 21, IV, RISTF) o deferimento de medida
cautelar na petição para determinar o processamento dos recursos extraordinários inter-
postos pela requerente, a fim de que os admita ou não a presidência do Tribunal a quo,
como entender de direito.

EXTRATO DA ATA
Pet 3.515-QO/MS — Relator: Ministro Sepúlveda Pertence. Requerente: Procura-
dor-Geral da República. Requerido: Vice-Presidente do Tribunal Regional Federal da 3ª
Região (Recursos Extraordinários nos Agravos de Instrumento n. 2004.03.00.003087-1,
2004.03.00.003119-0 e 2004.03.00.003122-0). Interessados: Flávio Páscoa Teles de
Menezes (Advogado: Regis Eduardo Tortorella), Agropecuária Pedra Branca e outro (Advo-
gado: José Ipojucan Ferreira) e Jeadir Silvestre de Carli e outro (Advogado: Guiomar
Mário Pizzato).
Decisão: A Turma, resolvendo questão de ordem, deferiu a liminar, nos termos do
voto do Relator. Unânime.
Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à sessão os Ministros Marco
Aurélio, Cezar Peluso, Carlos Britto e Eros Grau. Subprocurador-Geral da República, Dr.
Wagner de Castro Mathias Netto.
Brasília, 27 de setembro de 2005 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.
R.T.J. — 196 169

CONFLITO DE COMPETÊNCIA 7.161 — RJ

Relator: O Sr. Ministro Marco Aurélio


Suscitante: Ministério Público Federal — Suscitados: Superior Tribunal de Justiça e
Tribunal Regional Federal da 2ª Região — Interessado: José Ricardo de Siqueira Regueira
Conflito negativo de competência – Tribunal Regional Federal versus
Superior Tribunal de Justiça. As decisões do Superior Tribunal de Justiça
obrigam os regionais federais, na definição da competência. Impossível é
o conflito de competência negativo consideradas Cortes que estão em pa-
tamares diversos.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo
Tribunal Federal, em Sessão Plenária, na conformidade da ata do julgamento e das notas
taquigráficas, por unanimidade de votos, não conhecer do conflito de competência,
determinando o retorno dos autos ao Tribunal Regional Federal da 2ª Região, nos termos
do voto do Relator.
Brasília, 23 de setembro de 2004 — Ellen Gracie, Presidente — Marco Aurélio,
Relator.

RELATÓRIO
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Mediante a decisão de folhas 99 a 102, o Relator a
quem distribuída a impetração declinou da competência para o Superior Tribunal de
Justiça. O Ministério Público Federal pronunciou-se, considerada a atuação da Corte
Superior, pelo não-conhecimento do habeas, consignando não estar em jogo, no inqué-
rito civil, a liberdade de ir e vir (folhas 154 a 162). O Órgão Especial do Superior
Tribunal de Justiça concluiu não lhe competir o julgamento do habeas, determinando o
retorno do processo ao Tribunal Regional Federal da 2ª Região, para proceder como
entender de direito (folhas 165 a 194). O Procurador Regional da República em atuação
no 2º Regional voltou a preconizar a devolução do processo ao Superior Tribunal de
Justiça, aludindo à incompetência absoluta da Corte Regional em face da edição da Lei
n. 10.628/2002, alterando o teor do artigo 84 do Código de Processo Penal. Então, o
novo Relator proclamou a existência de conflito negativo de competência.
O parecer da Procuradoria-Geral da República é pelo conhecimento do conflito e
solução, declarando-se competente o Superior Tribunal de Justiça para julgar o habeas
corpus (folhas 253 a 255).
É o relatório.

VOTO
O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): O quadro não revela conflito negativo de
competência. É que estão envolvidos o Tribunal Regional Federal e o Superior Tribunal
de Justiça. O que decidido por este último impõe-se ao primeiro. Concluo não conhecendo
do conflito e determinando a devolução do processo ao Tribunal Regional Federal da 2ª
Região.
170 R.T.J. — 196

EXTRATO DA ATA
CC 7.161/RJ — Relator: Ministro Marco Aurélio. Suscitante: Ministério Público
Federal. Suscitados: Superior Tribunal de Justiça e Tribunal Regional Federal da 2ª
Região. Interessado: José Ricardo de Siqueira Regueira (Advogados: Nelio Roberto
Seidl Machado e outro).
Decisão: O Tribunal, à unanimidade, não conheceu do conflito de competência,
determinando o retorno dos autos ao Tribunal Regional Federal da 2ª Região, nos ter-
mos do voto do Relator. Votou o Presidente. Ausentes, justificadamente, neste julga-
mento, os Ministros Cezar Peluso, Gilmar Mendes, Carlos Velloso, Sepúlveda Pertence
e Nelson Jobim, Presidente. Presidiu o julgamento a Ministra Ellen Gracie, Vice-Presi-
dente.
Presidência do Ministro Nelson Jobim. Presentes à sessão os Ministros Sepúlveda
Pertence, Celso de Mello, Carlos Velloso, Marco Aurélio, Ellen Gracie, Gilmar Mendes,
Cezar Peluso, Carlos Britto, Joaquim Barbosa e Eros Grau. Vice-Procurador-Geral da
República, Dr. Antonio Fernando Barros e Silva de Souza.
Brasília, 23 de setembro de 2004 — Luiz Tomimatsu, Secretário.

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO REGIMENTAL


NO MANDADO DE SEGURANÇA 23.605 — MG

Relator: O Sr. Ministro Eros Grau


Embargante: Edson José dos Santos — Embargado: Juiz Relator do Agravo de
Instrumento n. 1539997 do Juizado Especial de Contagem
Embargos de declaração. Agravo regimental em mandado de segu-
rança. Conversão em reclamação. Fungibilidade recursal. Impossibilidade.
Rejulgamento da causa nos embargos declaratórios. Impossibilidade, salvo
hipóteses excepcionais. Art. 535, I e II, do CPC. Via processual inadequada.
1. O princípio da fungibilidade recursal deve ser aplicado com par-
cimônia, sob pena de comprometer-se o sistema recursal previsto no Có-
digo de Processo Civil, principalmente quando há erro grosseiro na esco-
lha do recurso cabível.
2. Não há fungibilidade entre reclamação e mandado de segurança.
Trata-se de institutos processuais diversos, com ritos próprios em relação
aos demais recursos previstos no Código de Processo Civil.
3. Os embargos de declaração têm pressupostos certos [art. 535, I e
II, do CPC], de modo que não configuram via processual adequada à
rediscussão do mérito da causa. São admissíveis em caráter infringente
R.T.J. — 196 171

somente em hipóteses, excepcionais, de omissão do julgado ou erro mate-


rial manifesto. Precedente [RE n. 223.904-ED, Relatora a Ministra Ellen
Gracie, DJ de 18-2-2005].
4. Embargos de declaração rejeitados.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo
Tribunal Federal, em Sessão Plenária, na conformidade da ata do julgamento e das notas
taquigráficas, por unanimidade de votos, rejeitar os embargos declaratórios, nos termos
do voto do Relator.
Brasília, 21 de setembro de 2005 — Ellen Gracie, Presidente — Eros Grau, Relator.

RELATÓRIO
O Sr. Ministro Eros Grau: Trata-se de embargos de declaração opostos contra decisão
que negou provimento a agravo regimental em mandado de segurança. O acórdão recorrido
foi assim ementado:
“Agravo regimental em mandado de segurança. Decisão de Turma
Recursal que nega trânsito a recurso extraordinário. Usurpação da competência
do Supremo Tribunal Federal. Reclamação.
1. O Supremo Tribunal Federal não é competente para processar e julgar
mandado de segurança impetrado contra decisão proferida por Turma Recursal de
Juizado Especial.
2. A via adequada para impugnar decisão que, na origem, nega trânsito a
agravo de instrumento interposto para destrancar recurso extraordinário é a recla-
mação, fundada em usurpação da competência do Supremo Tribunal Federal.
Agravo regimental a que se nega provimento” [fl. 120].
2. O embargante invoca o princípio da fungibilidade recursal para justificar a
impetração de mandado de segurança em detrimento da reclamação prevista no Regi-
mento Interno desta Corte. Sustenta que o acórdão recorrido é omisso pois deixou de
fornecer a prestação jurisdicional, requerendo a manifestação da Turma quanto aos arts.
131, 165, 458, I a III, 496 e 535, I e II, do CPC; e art. 5º, XXXV, LIV, LV, da Constituição
do Brasil.
3. Protocolado o recurso junto ao Superior Tribunal de Justiça durante o período de
férias forenses, a petição deu entrada na Secretaria desta Corte em 12 de janeiro de 2005.
É o relatório.

VOTO
O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): O embargante reporta-se ao princípio da fungi-
bilidade recursal para que o mandado de segurança resulte convolado em reclamação, a
fim de que seja destrancado agravo de instrumento contra decisão denegatória de
recurso extraordinário.
172 R.T.J. — 196

2. O princípio, no entanto, deve ser aplicado com parcimônia, sob pena de compro-
meter-se o sistema recursal previsto no Código de Processo Civil, principalmente quando
há erro grosseiro na escolha da via recursal.
3. No presente caso, o embargante elegeu o mandado de segurança em detrimento
da reclamação. Trata-se de institutos processuais absolutamente diversos entre si, a co-
meçar da competência para julgamento, com ritos próprios em relação aos demais recur-
sos previstos no Código de Processo Civil, de modo que não vislumbro elementos que
possam ser considerados fungíveis à luz do ordenamento nacional.
4. Vê-se para logo inexistir qualquer omissão no acórdão de fls. 115/120, que
demonstrou de maneira fundamentada o erro perpetrado pelo embargante.
5. Os embargos de declaração têm pressupostos certos — artigo 535, incisos I e II,
do Código de Processo Civil — que não se verificam neste caso. Os presentes embargos
têm caráter infringente e refletem, tão-somente, o inconformismo do embargante com o
que foi decidido.
6. A jurisprudência desta Corte é firme no sentido de que os embargos de declara-
ção não configuram via processual adequada à rediscussão do mérito da causa, admiti-
dos em caráter infringente somente em hipóteses excepcionais de omissão do julgado ou
erro material manifesto:
“Recurso extraordinário. Embargos de declaração. Servidor público esta-
dual não estável. Demissão por conveniência administrativa. Contraditório e
ampla defesa. Necessidade. 1. Os embargos de declaração não constituem meio
processual cabível para reforma do julgado, não sendo possível atribuir-lhes
efeitos infringentes, salvo em situações excepcionais. 2. Supostas omissão e con-
trariedade que dissimulam nítida pretensão de rejulgamento da causa. 3. Não
se prestam os embargos declaratórios à uniformização de jurisprudência. 4.
Embargos de declaração rejeitados.” [RE n. 223.904-ED, Relatora a Ministra
Ellen Gracie, DJ de 8-2-2005 — grifei]
Ante o exposto, rejeito os embargos.

EXTRATO DA ATA
MS 23.605-AgR-ED/MG — Relator: Ministro Eros Grau. Embargante: Edson José
dos Santos (Advogado: João Romualdo Fernandes da Silva). Embargado: Juiz Relator
do Agravo de Instrumento n. 1539997 do Juizado Especial de Contagem.
Decisão: O Tribunal, por unanimidade, rejeitou os embargos declaratórios, nos
termos do voto do Relator. Ausentes, justificadamente, os Ministros Nelson Jobim
(Presidente) e Celso de Mello. Presidiu o julgamento a Ministra Ellen Gracie (Vice-
Presidente).
Presidência da Ministra Ellen Gracie (Vice-Presidente). Presentes à sessão os
Ministros Sepúlveda Pertence, Carlos Velloso, Marco Aurélio, Gilmar Mendes, Cezar
Peluso, Carlos Britto, Joaquim Barbosa e Eros Grau. Procurador-Geral da República,
Dr. Antônio Fernando Barros e Silva de Souza.
Brasília, 21 de setembro de 2005 — Luiz Tomimatsu, Secretário.
R.T.J. — 196 173

AGRAVO REGIMENTAL NO MANDADO DE SEGURANÇA 24.189 — DF

Relator: O Sr. Ministro Eros Grau


Agravante: Rodrigo Monteferrante Ricupero — Agravado: Primeiro Secretário da
Câmara dos Deputados
Agravo regimental. Mandado de segurança. Ato do Primeiro Secre-
tário da Câmara dos Deputados. Competência do STF. Art. 102, I, d, da CB/88.
Impossibilidade material do pedido. Direito líquido e certo. Ausência.
1. O Supremo Tribunal Federal é competente para julgar mandado
de segurança impetrado contra o Primeiro Secretário da Câmara dos
Deputados se o ato coator decorre de sua função na Mesa Diretora [art.
102, I, d, da CB/88 c/c o art. 19, I, do Regimento Interno da Câmara dos
Deputados]. Precedente [MS n. 24.099, Relator o Ministro Maurício Corrêa,
DJ de 2-8-2002].
2. Não há falar-se em direito líquido e certo a ser amparado por
mandado de segurança quando o pedido deduzido na inicial é impossível
de ser atendido pela autoridade coatora.
3. Agravo regimental improvido.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo
Tribunal Federal, em Sessão Plenária, na conformidade da ata do julgamento e das notas
taquigráficas, por unanimidade de votos, negar provimento ao agravo regimental, nos
termos do voto do Relator.
Brasília, 4 de agosto de 2005 — Nelson Jobim, Presidente — Eros Grau, Relator.

RELATÓRIO
O Sr. Ministro Eros Grau: Trata-se de agravo regimental contra decisão que negou
seguimento a mandado de segurança impetrado por Rodrigo Monteferrante Ricupero
contra ato do Primeiro Secretário da Câmara dos Deputados.
2. Em 24 de agosto de 2001, o impetrante, no intuito de instruir ação popular,
solicitou ao Presidente da Câmara dos Deputados que fornecesse relação das despesas
daquela Casa quanto a passagens aéreas e diárias, especificando os locais e finalidades
das viagens, bem como os nomes dos usuários dos bilhetes, desde 5 de outubro de 1988
[fl. 21].
3. O Gabinete da Presidência, via ofício GP – 3195/2001, informou que apenas o
Primeiro Secretário estaria autorizado a prestar as informações solicitadas [fl. 25].
4. O pedido foi encaminhado ao Primeiro Secretário da Câmara dos Deputados em
15 de outubro de 2001. Ante o silêncio da autoridade administrativa, foi impetrado o
174 R.T.J. — 196

presente writ, com fundamento no direito, dos cidadãos, de receber informações de


interesse geral dos órgãos públicos [art. 5º, XXXIII, da CB/88], na prestação de contas a
que estão obrigadas as entidades de direito público [art. 70, parágrafo único, da CB/88]
e no princípio da publicidade dos atos administrativos [art. 37, caput, da CB/88].
5. Requer a concessão da ordem a fim de que o Primeiro Secretário da Câmara dos
Deputados seja instado a fornecer os dados contábeis reclamados.
6. A autoridade coatora, em sua manifestação [fls. 43/49], afirma que as informa-
ções solicitadas pelo impetrante são impossíveis de serem coletadas, pois não há registro
do deslocamento dos parlamentares.
7. Cada congressista dispõe de um crédito junto às empresas aéreas, no limite de
cota mensal definida em legislação interna1 e variável de acordo com o Estado de origem
do parlamentar. As passagens são retiradas diretamente das empresas de transporte, obser-
vada a cota mensal.
8. A Procuradoria-Geral da República, em parecer [fls. 62/66], suscitou questão
preliminar pelo não-conhecimento do mandado de segurança, dada a existência de vício
na representação processual do impetrante, que teria juntado cópia reprográfica do
instrumento de procuração. Opinou pela ilegitimidade passiva do Primeiro Secretário
daquela Casa Legislativa, visto tratar-se de ato da Mesa da Câmara dos Deputados.
9. No mérito, opina pela denegação da ordem, eis que os documentos requeridos
pelo impetrante não têm existência física.
10. Superada a preliminar de não-conhecimento do mandado de segurança, visto
tratar-se de instrumento de mandato original, o então Relator, Ministro Nelson Jobim,
negou seguimento à impetração; isso porque o Primeiro Secretário da Câmara dos Depu-
tados não está incluído entre as autoridades que têm foro perante o Supremo Tribunal
Federal. Ademais, o pedido deduzido na inicial afigura-se impossível diante da forma
como são emitidos os bilhetes aéreos, conforme as informações prestadas pela autorida-
de coatora.
11. Contra essa decisão o impetrante interpõe agravo regimental cumulado com
pedido de uniformização de jurisprudência, trazendo aos autos o precedente do MS n.
24.099, Relator o Ministro Maurício Correa, em que esta Corte teria decidido pela sua
competência para julgar mandado de segurança contra ato do Primeiro Secretário da
Câmara dos Deputados. Requer seja julgado o incidente de uniformização de jurispru-
dência, bem como o provimento do agravo para o devido processamento do writ.
12. Em nova decisão monocrática, datada de 26 de abril de 2004 [fls. 81/88], o
Relator negou seguimento ao agravo, eis que o precedente colacionado, lido em seu
inteiro teor, não era suficiente para suscitar divergência de jurisprudência, reiterando o
quanto fora argumentado quanto à inexistência de direito líquido e certo do ora agravante.

1 Atualmente o Ato da Mesa n. 42/2000.


R.T.J. — 196 175

13. Dessa decisão foi interposto outro recurso de agravo, em que o impetrante
requer a reconsideração da decisão monocrática que negou seguimento ao regimental
anterior. Em caso de não-recebimento do agravo, pede o processamento da peça como
reclamação, afirmando que a autoridade do Plenário desta Corte foi violada pela decisão
monocrática proferida, ferindo o art. 317, § 2º, do RISTF.
14. Reconsiderei, à fl. 95, a decisão de fls. 81/88 para submeter à apreciação do
Plenário deste Tribunal o agravo regimental de fls. 76/79.
É o relatório.

VOTO
O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): O impetrante faz alusão ao MS n. 24.099 [Relator
o Ministro Maurício Corrêa, DJ de 2-8-2002], ajuizado por ele mesmo contra ato do
Primeiro Secretário da Mesa da Câmara dos Deputados, que teria proibido o acesso a
determinados documentos. Naquela oportunidade, foi reconhecida a competência deste
Tribunal para julgamento do writ:
“Agravo regimental em mandado de segurança. Competência do STF
para processar e julgar mandado de segurança contra ato do Primeiro Secre-
tário da Câmara dos Deputados. Ausência de prova pré-constituída do ato
coator. 1. Se o ato do Primeiro Secretário da Câmara dos Deputados decorre de
sua função na Mesa Diretora da Casa Legislativa, deve ser analisado pelo Supre-
mo Tribunal Federal, em virtude do disposto no artigo 102, I, d, da Constituição
Federal. 2. Hipótese de ilegitimidade passiva do Primeiro Secretário, visto que o
writ foi impetrado com fundamento em notícia veiculada por servidor da Casa
Legislativa de que a autoridade impetrada teria proibido ao impetrante o acesso a
documentos de seu interesse, inexistindo, assim, prova pré-constituída do ato
coator. 3. Não cabe ao STF baixar os autos em diligência para pedir informações, se
o impetrante teve oportunidade de requerer confirmação do ato impugnado à auto-
ridade impetrada. Entendimento da maioria. Agravo Regimental a que se nega pro-
vimento, extinguindo-se o processo sem julgamento do mérito”. [Grifei]
2. Assim como no precedente citado, cumpre verificar se a alegada coação, atribuída
ao Primeiro Secretário da Câmara dos Deputados, decorre ou não de sua função na Mesa
Diretora dessa Casa Legislativa.
3. O ato apontado como coator consiste na omissão de informações solicitadas
pelo impetrante, conforme petição de fls. 27/34.
4. O Regimento Interno da Câmara dos Deputados estabelece no art. 19, I, que cabe
ao Primeiro Secretário “receber convites, representações, petições e memoriais dirigidos
à Câmara”.
5. O preceito está inserido em capítulo que regulamenta as atribuições da Mesa
Diretora da Câmara dos Deputados, de modo que a competência para receber representa-
ções e petições não consubstancia atribuição comum a qualquer parlamentar, mas exclu-
siva do Primeiro Secretário. Como membro da Mesa Diretora, em nome desta o Primeiro
Secretário exerce essa atribuição. Entendo, pois, que este Tribunal é competente para
julgar o presente mandado de segurança.
176 R.T.J. — 196

6. Superada a questão preliminar, cumpre verificarmos se existe de fato direito


líquido e certo a sustentar a pretensão do impetrante. Conforme informou a Primeira
Secretaria da Câmara dos Deputados, não há registro dos deslocamentos dos congressis-
tas, sendo as passagens diretamente por eles recebidas das empresas aéreas.
7. A Primeira Secretaria informou ainda que, de acordo com o Ato n. 42/2000 da
Mesa da Câmara, os deputados fazem jus a um crédito junto às empresas aéreas, variável
de acordo com o Estado de origem do parlamentar, de modo que o fornecimento de
bilhetes é feito mediante entrega de requisição diretamente à empresa aérea previamente
cadastrada.
8. Seria efetivamente impossível, como observa a autoridade impetrada, a presta-
ção das informações pleiteadas, eis que a Câmara dos Deputados não mantém registro
dos destinos nem da relação nominal dos viajantes. Assim, seria absolutamente inócua a
concessão da segurança.
Ante o exposto, nego provimento ao agravo regimental.

EXTRATO DA ATA
MS 24.189-AgR/DF — Relator: Ministro Eros Grau. Agravante: Rodrigo Monte-
ferrante Ricupero (Advogado: Laércio José dos Santos). Agravado: Primeiro Secretário
da Câmara dos Deputados.
Decisão: O Tribunal, por unanimidade, negou provimento ao agravo regimental,
nos termos do voto do Relator. Ausentes, justificadamente, os Ministros Celso de Mello
e Carlos Velloso. Presidiu o julgamento o Ministro Nelson Jobim.
Presidência do Ministro Nelson Jobim. Presentes à sessão os Ministros Sepúlveda
Pertence, Marco Aurélio, Ellen Gracie, Gilmar Mendes, Cezar Peluso, Carlos Britto,
Joaquim Barbosa e Eros Grau. Vice-Procurador-Geral da República, Dr. Roberto Mon-
teiro Gurgel Santos.
Brasília, 4 de agosto de 2005 — Luiz Tomimatsu, Secretário.

MANDADO DE SEGURANÇA 24.511 — DF

Relator: O Sr. Ministro Marco Aurélio


Impetrantes: Márcia Valério e outro — Impetrado: Tribunal de Contas da União
Mandado de segurança — Pendência de recurso administrativo com
efeito suspensivo — Carência da ação. Uma vez pendente recurso admi-
nistrativo dotado de efeito suspensivo, como é o caso dos embargos decla-
ratórios contra decisão do Tribunal de Contas da União — artigo 32, II, e
34, § 2º, da Lei n. 8.443/92, mostra-se inadequada a impetração, a teor do
disposto no artigo 5º, inciso I, da Lei n. 1.535/51.
R.T.J. — 196 177

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo
Tribunal Federal, em Sessão Plenária, na conformidade da ata do julgamento e das notas
taquigráficas, por unanimidade de votos, não conhecer do mandado de segurança.
Brasília, 30 de outubro de 2003 — Maurício Corrêa, Presidente — Marco Aurélio,
Relator.

RELATÓRIO
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Com a longa inicial de folhas 2 a 45, os impetrantes
buscam demonstrar, a partir de diversas causas de pedir, a insubsistência de ato do
Tribunal de Contas da União que implicou a determinação de devolução de importâncias
recebidas a título de gratificação por serviços inerentes a concursos públicos promovidos
pelo Tribunal Regional do Trabalho da 13ª Região. No tocante aos fatos, asseguram haver
participado do trabalho realizado na Secretaria da Comissão dos Certames do 13º
Regional em concursos diversos, percebendo gratificação. Eis as preliminares suscitadas:
a) Do cerceio de defesa:
Os impetrantes não teriam sido cientificados da existência do processo no Tribunal
de Contas, circunstância que acabara por obstar a manifestação da defesa. Articulam
com o disposto na Lei Orgânica do Tribunal de Contas da União, mais precisamente no
§ 4º do artigo 53, aludindo, ainda, ao artigo 212 do Regimento Interno do Tribunal.
Também é feita referência à Lei nº 8.112/90, ressaltando-se a impossibilidade de a decisão
do Tribunal de Contas repercutir nos respectivos patrimônios.
b) Do abuso de poder:
A decisão proferida ultrapassara o parecer da auditoria que concluíra pela abertura
de tomada de contas, sendo imprópria a responsabilização dos servidores que não tive-
ram participação direta nos procedimentos a envolver dinheiro público.
c) Da prescrição:
Na espécie, restara extravasado o qüinqüênio. Evocam os impetrantes o disposto
no § 5º do artigo 37 da Constituição Federal e no Decreto n. 20.910/32, buscando apoio,
ainda, em formulações do Dasp.
d) Da litispendência:
A partir da definição de litispendência constante do Código de Processo Civil,
consignam o concurso de tal óbice. É que teria sido ajuizada ação popular sobre a mesma
matéria, verificando-se, ainda, a formulação de notícia-crime no Superior Tribunal de
Justiça. Por sua vez, o Ministério Público do Trabalho da 13ª Região ingressara com
representação perante o Tribunal de Contas da União, visando a idêntica providência,
interpondo, também, recurso ordinário em matéria administrativa junto ao Tribunal
Superior do Trabalho.
e) Da decadência:
178 R.T.J. — 196

Empolgam os impetrantes o instituto, asseverando-o adequado em se tratando de


ato do próprio Estado. O Tribunal Regional do Trabalho da 13ª Região placitara a
prestação de contas relativa aos concursos.
f) Da nulidade da decisão:
A pecha decorreria da falta de intervenção pessoal dos servidores no processo que
desaguou na decisão atacada.
À folha 25, os impetrantes pleitearam a concessão de liminar, passando a discorrer
sobre a existência de direito líquido e certo. Mencionam que se observaram as diretrizes
previstas na Lei n. 5.645/70, evocando a Lei Complementar n. 10/71 e o Decreto-Lei n.
1.341/74. Reportam-se à Resolução Administrativa do Tribunal Superior do Trabalho n.
73/91, referente à cobrança de taxa de inscrição para satisfazer as gratificações. A glosa
do pagamento estaria a discrepar da prestação dos serviços, do trabalho em horas extras
no período noturno, em sábados, domingos e feriados. Mais do que isso, ter-se-ia como
óbice à determinação de devolução o teor do artigo 45 da Lei n. 8.112/90, no que dispõe
que, “salvo por imposição legal, ou mandado judicial, nenhum desconto incidirá sobre
a remuneração ou provento”. Dizem, na inicial, da boa-fé que os impulsionou, uma vez
que prestaram serviços nos diversos concursos. O pedido é pela concessão da ordem para
o fim de fulminar o acórdão proferido pelo Tribunal de Contas da União, declarando-se
nulo o processo na integralidade ou a partir da primeira decisão, havida sem a citação
para apresentação de defesa, sucessivamente, pleiteiam a declaração de legalidade do
pagamento das gratificações, com a conseqüente devolução de importâncias porventura
descontadas. Para a hipótese de improcedência desses pedidos, requerem seja determi-
nada a compensação de valores devidos a título de horas extras. Com a inicial, vieram os
documentos de folhas 46 a 168.
À folha 172, o Ministro Maurício Corrêa, a quem sucedi na relatoria deste proces-
so, despachou, determinando fossem solicitadas informações ao Presidente do Tribunal
de Contas da União, diante das quais examinaria o pedido de concessão de liminar. O
Tribunal de Contas da União encaminhou a esta Corte manifestação da Consultoria
Jurídica, assim sintetizada (folha 177 à 195):
Mandado de segurança. Pedido de liminar inaudita altera pars para sustar os
efeitos dos Acórdãos TCU n. 151/2001 e 333/2002 — Plenário, e anular o processo
TC — 014.622/1997-1. Pagamento de “gratificação por encargo em concurso
público”, considerada irregular por esta Corte, porquanto desatendidos os elemen-
tos normativos próprios. Alegações dos Impetrantes no sentido das supostas ocor-
rências de ofensa aos princípios constitucionais da ampla defesa e do devido pro-
cesso legal, do abuso de poder, da prescrição, da litispendência, da conexão, da
decadência, da nulidade da decisão por ausência de partes, do mérito e da compen-
sação de verbas. Inexistência de suportes fáticos e jurídicos a sustentar a segurança
pretendida. Descabimento do pedido pela via mandamental, em razão da inexis-
tência de ameaça ou justo receio e de violação de direito; da inocuidade do pedido
e da falta de interesse processual para agir. Limites e efeitos objetivos concretos da
coisa julgada advinda das decisões em causa. Improcedência das alegações dos
Impetrantes.
R.T.J. — 196 179

Informa-se que os impetrantes ingressaram com embargos declaratórios na Corte,


verificando-se a hipótese do inciso I do artigo 5º da Lei n. 1.533/51. Segundo as razões
expendidas, não concorre em respaldo à impetração o justo receio de dano. A determina-
ção de ressarcimento estaria amparada no artigo 71, inciso IX, da Constituição Federal.
O julgado do Tribunal Superior do Trabalho apenas viabilizara a defesa em recurso
interposto em mandado de segurança. Noticia-se que a fase do contraditório será obser-
vada no processo de ressarcimento que o Tribunal Regional do Trabalho vier a abrir,
ressaltando-se que o Tribunal Regional do Trabalho já vem cumprindo a decisão, razão
pela qual não se teria o interesse processual para agir. Alude-se à independência dos
processos em curso, mostrando-se de todo improcedente a argüição de decadência, não
havendo os impetrantes sequer mencionado a legislação aplicável. Quanto à participa-
ção dos impetrantes, afirma-se que o Tribunal de Contas dirigiu a determinação aos
responsáveis pela gestão do Regional do Trabalho. Relativamente à boa-fé, assevera-se
que o dever de indenizar independe de culpa, estando amparada a exigibilidade no
artigo 46 da Lei n. 8.112/90. Às informações, juntaram-se os documentos de folhas 196
a 258.
À folha 260, o Ministro Maurício Corrêa indeferiu o pedido de concessão de
liminar, encaminhando o processo à Procuradoria-Geral da República, que emitiu o
parecer de folhas 265 a 278, pelo não-conhecimento da impetração, seja pela falta de
interesse processual dos impetrantes ante a interposição de recurso no âmbito adminis-
trativo, com o condão de suspender a decisão tida por ilegal, seja pelo exaurimento do
prazo decadencial, seja pela ilegitimidade passiva ad causam da Corte de Contas. Para
a hipótese de serem ultrapassadas tais preliminares, o parecer é pela concessão da ordem,
estando assim sintetizado:
Servidores do TRT da 13ª Região impugnam decisão do TCU que lhes teria
compelido a devolver valores recebidos de gratificação tida por irregular. Ato que
se dirige ao TRT. Autonomia do Tribunal trabalhista para que aprecie a questão,
buscando, por seus meios, o ressarcimento. Processo que teve como partes os
ordenadores da despesa, efetivos “condenados” pela decisão. Servidores atingidos
reflexamente. Preliminares de falta de interesse processual — por conta da
interposição de recurso com efeito suspensivo no TCU —, de decadência do direito
de ação, e ainda, de ilegitimidade passiva do TCU. No mérito, impõe-se a conclusão
pela concessão da ordem por conta de suposta ofensa ao devido processo legal.
Parecer pelo não-conhecimento do writ, e, no mérito, pela concessão da ordem
(folhas 265 a 278).
Lancei visto nos autos, declarando-me habilitado a votar em 28 de setembro de
2003 (folha 280).
É o relatório.

VOTO
O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator):
Da carência da impetração
Preceitua o inciso I do artigo 5º da Lei n. 1.533/51 que “não se dará mandado de
segurança quando se tratar de ato de que caiba recurso administrativo com efeito sus-
pensivo, independentemente de caução”. De acordo com as informações, os impetrantes
180 R.T.J. — 196

interpuseram embargos declaratórios contra a decisão impugnada mediante este mandado


de segurança, razão pela qual incide o óbice legal. Observe-se que, no caso, há de se
apreciar a oportunidade no mandado de segurança considerado o quadro em vigor na
data em que formalizado. Não fora isso, conforme consignado no item 16 do parecer do
Ministério Público Federal, os citados embargos declaratórios ainda pendem de
apreciação. Daí concluir serem os impetrantes carecedores da ação intentada. É que, a
teor do disposto no inciso II do artigo 32 da Lei n. 8.443/92, combinado com o artigo 34,
§ 2º, da citada lei, os embargos têm eficácia suspensiva. Vale frisar que tal eficácia diz
respeito ao ato, mostrando-se desinfluente, na espécie, a circunstância de os embargos
declaratórios haverem sido protocolizados apenas pelas quatro primeiras impetrantes,
ou seja, por Márcia Valério, Jandilma Medeiros de Souza, Carla Regina Fiúza e Silvana
de Araújo (folha 208).
É o meu voto.

VOTO (Aditamento)
O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Senhor Presidente, sei que essa é a termi-
nologia da Corte, mas continuo entendendo que ação é o ato de se caminhar até o
protocolo do Tribunal e se formalizar certo pedido.
Fica no voto a carência da ação proposta, porque, até para concluir pela carência,
tenho que ir à peça apresentada ao protocolo. Mas, não tem importância maior, é algo
que já está sedimentado na jurisprudência da Corte.
Deixo apenas a minha ressalva quanto ao não-conhecimento.

EXTRATO DA ATA
MS 24.511/DF — Relator: Ministro Marco Aurélio. Impetrantes: Márcia Valério e
outro (Advogados: Romeo Piazera Júnior e outro). Impetrado: Tribunal de Contas da
União.
Decisão: O Tribunal, por decisão unânime, não conheceu do mandado de segurança.
Ausentes, justificadamente, os Ministros Ellen Gracie, Joaquim Barbosa e, neste julga-
mento, Celso de Mello. Presidiu o julgamento o Ministro Maurício Corrêa.
Presidência do Ministro Maurício Corrêa. Presentes à sessão os Ministros Sepúlveda
Pertence, Celso de Mello, Carlos Velloso, Marco Aurélio, Nelson Jobim, Gilmar Mendes,
Cezar Peluso e Carlos Britto. Procurador-Geral da República, Dr. Haroldo Ferraz da
Nóbrega, substituto (Portaria PGR n. 683/2003).
Brasília, 30 de outubro de 2003 — Luiz Tomimatsu, Coordenador.
R.T.J. — 196 181

AGRAVO REGIMENTAL NO MANDADO DE SEGURANÇA 24.700 — SP

Relator: O Sr. Ministro Carlos Britto


Relator para o acórdão: O Sr. Ministro Marco Aurélio
Agravante: José Dias Marques dos Reis — Agravado: Colégio Recursal do Juizado
Especial de Americana
Competência — Negativa de seguimento a pedido versus declinação.
A regra específica do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal,
segundo a qual ao Relator é dado negar seguimento quando evidente a
incompetência do Tribunal — artigo 21, § 1º —, merece temperamento.
Ambígua a matéria, cumpre observar o instituto da declinação da compe-
tência, remetendo-se o processo ao órgão competente.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo
Tribunal Federal, em Sessão Plenária, na conformidade da ata do julgamento e das notas
taquigráficas, por maioria de votos, dar parcial provimento ao agravo para declinar a
competência ao Colégio Recursal do Juizado Especial de Americana/SP, vencidos, em
parte, os Ministros Carlos Britto, Relator, Celso de Mello e Ellen Gracie.
Brasília, 24 de junho de 2004 — Ellen Gracie, Presidente — Marco Aurélio, Relator
para o acórdão.

RELATÓRIO
O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto: Cuida-se de agravo regimental interposto contra
decisão que negou seguimento a mandado de segurança, vazada nos seguintes termos, in
verbis:
“Trata-se de mandado de segurança em que se alega a incompetência absoluta
do Juizado Especial de Americana para processar e julgar ação de indenização
cujo valor, incluídos os juros moratórios, exceda quarenta salários mínimos.
Esclarece o impetrante que, na defesa da sua tese, manejou todos os recursos
cabíveis, inclusive o especial. Não obtendo sucesso, e como já se encontra em fase
de execução a sentença condenatória, com penhora de seus bens, vale-se agora o
executado do presente mandamus, que deságua no pedido de “extinção do proces-
so 254/01 do Juizado Especial de Sumaré em razão da incompetência absoluta dos
juizados especiais para processarem causas com valor superior a 40 salários
mínimos”.
Observo, inicialmente, que não se juntou instrumento de mandato, falha que,
se fosse única, poderia ser prontamente corrigida. Pesam, também, razoáveis dúvidas
sobre o cabimento e a tempestividade deste writ (a penhora foi efetivada há mais de
dois anos). Dispenso-me, entretanto, de analisar tais questões porque outra — maior
e prejudicial a estas — merece o meu exame. Refiro-me à competência originária
desta colenda Corte. E como o assunto guarda identidade com o que foi decidido no
182 R.T.J. — 196

MS 24.697, de minha relatoria, repito o que ali escrevi, nos seguintes termos:
“À luz dos dispositivos constitucionais versantes sobre a competência
originária do Supremo Tribunal Federal, verifica-se que a autoridade aqui
apontada como coatora não é nenhuma daquelas enumeradas no artigo 102,
inciso I, letra d, da Carta Republicana de 1988. Ademais, registre-se que, nos
termos do artigo 21, inciso VI, da Lei Orgânica da Magistratura (LC n. 35/
79), compete privativamente aos tribunais julgar, originariamente, mandados
de segurança contra seus atos, os dos respectivos Presidentes e os de suas
Câmaras, Turmas ou Seções (cf. MS 24.516, Rel. Min. Sepúlveda Pertence,
DJ de 20-5-03; MS 24.672, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 31-10-03; MS
22.427, Rel. Min. Moreira Alves, DJ de 7-2-96; MS 22.428, Rel. Min. Néri da
Silveira, DJ de 7-2-96; entre outros).”
Na mesma linha, o Ministro Sepúlveda Pertence julgou o MS 24.708, em
11-11-2003, enfatizando que era caso de aplicação da novel Súmula 624/STF.
Impõe-se, portanto, a negativa de seguimento ao presente pedido, sem
indicação, todavia, de outro órgão ou autoridade judiciária competente para
processá-lo, na forma do art. 113, § 2º, do CPC, tendo em vista os limites impostos
pelo art. 21, § 1º, do RISTF, bem como o entendimento encampado pelo Supremo
Tribunal Federal no sentido de que tal indicação transformá-lo-ia indevidamente
“em órgão de orientação e consulta das partes, em tema de competência, quando
estas tiverem dúvida a respeito de tal matéria”, sem oportunidade de discussão do
tema perante outras instâncias (MS 24.672-MC, Ministro Celso de Mello).
Ante o exposto, nego seguimento ao pedido mandamental, ficando prejudi-
cado, em conseqüência, o exame da respectiva liminar.
(...)”
2. Inicialmente, o agravante aponta o equívoco da decisão recorrida quando
buscou fundamento na Súmula 624 desta colenda Corte. Diz o recorrente que “a súmula
refere-se a Tribunais e os colégios recursais não são Tribunais”. Aduz, também, que é
inadmissível que seja negado acesso ao Supremo Tribunal Federal, pois a lei não pode
excluir da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito.
3. À fl. 38, determinei o encaminhamento destes autos à douta Procuradoria-Geral
da República, a qual se manifestou pelo não-provimento do recurso.
É o relatório.

VOTO
O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto (Relator): Feito o relatório, passo ao voto.
4. É do teor seguinte o parecer exarado pela douta Procuradoria-Geral da República
(fls. 40/43):
“Trata-se de agravo regimental em mandado de segurança interposto por
José Dias Marques dos Reis contra a decisão de fls. 31/32 que, não vislumbrando
a competência originaria desta Excelsa Corte para julgar mandado de segurança
R.T.J. — 196 183

contra decisão proferida pelo Colégio Recursal do Juizado Especial de Americana,


Estado de São Paulo – artigo 102, inciso I, alínea d, da Constituição da República –
Vossa Excelência negou seguimento ao pedido formulado na inicial.
Visa o agravante, em síntese, à reconsideração da decisão agravada e, via de
conseqüência, à determinação do normal seguimento do feito. Alega que a decisão
atacada teria lhe ferido direito líquido e certo. Na sua concepção, o entendimento
firmado no enunciado contido na Súmula n. 624-STF não seria aplicável ao caso,
uma vez que os colégios recursais não poderiam ser concebidos como tribunais.
Sustenta que “pelo atual ordenamento jurídico [as decisões proferidas por Turmas
Recursais] não se subordinam a qualquer tribunal brasileiro. Constitucionalmente
porém suas decisões podem ser revistas pelo STF como no recurso extraordinário”.
Conclui, por fim, ser “inadmissível constitucionalmente que seja negado acesso
ao Supremo, pois a lei não pode excluir do judiciário apreciação de lesão a direito”.
Após o que, vieram os autos a este Parquet para manifestação.
Em que pese o entendimento firmado pelo agravante, depreende-se da análise
dos autos que razão não lhe assiste.
Manifestando-se recentemente em caso análogo – MS 24.672 MC / MG – a
sua Excelência o Ministro Celso de Mello proferiu decisão, cujo teor restou publi-
cado no Diário de Justiça de 31.10.2003, p. 38, nos seguintes termos:
“(...) Trata-se de mandado de segurança, com pedido de medida liminar,
impetrado contra decisão emanada de Juiz Relator, em atuação no âmbito de
Turma Recursal vinculada ao sistema dos Juizados Especiais.
Impõe-se reconhecer, desde logo, a evidente falta de competência do
Supremo Tribunal Federal, para, em sede originária, processar e julgar este
mandado de segurança.
Na realidade, não há como dar trânsito, nesta Corte, à presente ação
mandamental, eis que a causa em questão - considerada a qualidade da auto-
ridade ora impetrada - não se subsume às hipóteses taxativamente enuncia-
das no art. 102, I, d, da Constituição da República.
Com efeito, o Supremo Tribunal Federal, tendo em vista a regra consti-
tucional mencionada, não dispõe de competência originária para processar e
julgar mandados de segurança quando impetrados, seja contra deliberações
emanadas de Turmas Recursais de Juizado Especial, seja contra decisões
proferidas por Relatores que nelas atuam.
Não se pode perder de perspectiva, neste ponto, que a competência
originária do Supremo Tribunal Federal, por qualificar-se como um complexo
de atribuições jurisdicionais de extração essencialmente constitucional - e
ante o regime de direito estrito a que se acha submetida - não comporta a
possibilidade de ser estendida a situações que extravasem os rígidos limites
fixados em numerus clausus pelo rol exaustivo inscrito no art. 102, I, da Carta
Política, consoante adverte a doutrina (Manoel Gonçalves Ferreira Filho,
184 R.T.J. — 196

Comentários à Constituição Brasileira de 1988, vol. 2/217, 1992, Saraiva) e


proclama a jurisprudência desta própria Corte (RTJ 43/129 - RTJ 44/563 -
RTJ 50/72 - RTJ 53/776 - RTJ 159/28).
A ratio subjacente a esse entendimento, que acentua o caráter absolu-
tamente estrito da competência constitucional do STF, vincula-se à necessi-
dade de inibir indevidas ampliações descaracterizadoras da esfera de atribui-
ções institucionais desta Suprema Corte, conforme ressaltou, a propósito do
tema em questão, em voto vencedor, o saudoso Ministro Adalício Nogueira
(RTJ 39/56-59, 57).
Desse modo, e considerando a estrita dimensão constitucional em que
se projeta a competência originária do Supremo Tribunal Federal (RTJ 171/
101, Rel. Min. Celso de Mello), torna-se inviável reconhecer a possibilidade
de ampliação da esfera de atribuições jurisdicionais desta Corte, para, origi-
nariamente, apreciar mandado de segurança impetrado contra atos ou deci-
sões emanados de Turmas Recursais instituídas no âmbito dos Juizados Es-
peciais ou, a fortiori, contra deliberações dos Relatores que nelas atuam,
consoante tem acentuado esta Corte Suprema em sucessivos precedentes
específicos, em tudo aplicáveis ao caso ora em exame (MS 23.354/SP, Rel.
Min. Ilmar Galvão - MS 23.525/RS, Rel. Min. Celso de Mello - MS 23.826/
RJ, Rel. Min. Moreira Alves - MS 23.945/SP, Rel. Min. Sepúlveda Pertence
- MS 24.201/BA, Rel. Min. Sepúlveda Pertence - MS 24.295/PE, Rel. Min.
Nelson Jobim - MS 24.325/BA, Rel. Min. Maurício Corrêa - MS 24.340/RJ,
Rel. Min. Gilmar Mendes - MS 24.370/MS, Rel. Min. Sydney Sanches - MS
24.395/GO, Rel. Min. Sepúlveda Pertence - MS 24.668/BA, Rel. Min.
Carlos Britto - MS 24.669/PR, Rel. Min. Ellen Gracie, v.g.)”. (Sem grifos no
original)
Com efeito, não há como dar provimento ao presente recurso. Como bem
ressaltou o próprio agravante, em razão de haver previsão constitucional, as deci-
sões proferidas pelos Colégios Recursais podem ser objeto de recurso extraordiná-
rio. Todavia, por não encontrar amparo no texto constitucional, tal possibilidade
não pode ser estendida aos mandados de segurança impetrados contra atos ou
decisões proferidas pelas Turmas Recursais dos Juizados Especiais. As regras cons-
titucionais concernentes à competência originária do Supremo Tribunal Federal
são taxativas. A extensão de seu conteúdo para alcançar situações nelas não con-
templadas implicaria, por conseguinte, ofensa ao princípio constitucional da sepa-
ração dos Poderes, posto que o Poder Judiciário, in caso, estaria a agir como legis-
lador positivo.
De igual sorte, não há como acolher a tese do agravante, segundo a qual “é
inadmissível constitucionalmente que seja negado acesso ao Supremo, pois a lei
não pode excluir do judiciário apreciação de lesão a direito”
Em momento algum excluiu-se da apreciação do judiciário a ocorrência de
lesão ou ameaça de lesão ao direito do recorrente. Mas, ao contrário. De acordo
com o que restou decidido no despacho atacado, sua irresignação já foi objeto de
R.T.J. — 196 185

análise em outras oportunidades. O que se está a negar, com arrimo na ausência


de previsão constitucional, é o acesso irrestrito de questões destituídas de funda-
mento ao Supremo Tribunal Federal.
Ante o exposto, opino pelo não provimento do presente recurso.”
5. Correta a manifestação ministerial pública, no sentido da carência de razão ao
agravante. É que, relanceando os olhos para a decisão recorrida, é fácil depreender que o
writ não mereceu trânsito porque a autoridade impetrada não se encaixa no exaustivo rol
do artigo 102, inciso I, d, da Constituição Federal de 1988.
6. Com esses fundamentos, portanto, o meu voto nega provimento ao agravo e
mantém intacta a decisão recorrida.

VOTO
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Senhora Presidenta, há pouco ressalvei o entendi-
mento pessoal para não contrariar, no caso concreto, a óptica do Relator quanto à negativa
de seguimento ao pedido, indeferindo-o, portanto, liminarmente quando não competente
a Corte. Agora, estamos diante de uma situação em que a ambigüidade grassou até bem
pouco tempo. Isso no que se refere à impetração contra ato de Juizado Especial. O
Tribunal acabou admitindo a dualidade: competência respectiva para a ação constitucio-
nal de habeas corpus e incompetência quanto ao mandado de segurança.
Como o mandado de segurança está submetido, inclusive, a um prazo decadencial,
vou pedir vênia ao Relator e aos Colegas para concluir pela declinação da competência,
remetendo o processo ao autor do ato atacado na impetração.
Dou provimento parcial ao agravo não para admitir a competência do Supremo,
mas só para remeter o processo ao órgão competente.

VOTO
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Sra. Presidenta, peço vênia à maioria formada
para acompanhar o voto do Sr. Ministro Marco Aurélio, sobretudo no caso concreto em
que o Tribunal vacilava a respeito, quando da impetração da segurança.

VOTO
O Sr. Ministro Cezar Peluso: Sra. Presidenta, também ia fazer essa ressalva no feito
anterior. Não a fiz, mas acompanho o voto do eminente Ministro Marco Aurélio.

VOTO
A Sra. Ministra Ellen Gracie (Presidente): Peço vênia aos eminentes Colegas, tendo
em vista que a impetração é posterior à definição da competência desta Casa, para
acompanhar o eminente Ministro Relator e também negar provimento. Ainda assim, a
maioria permanece no sentido da decisão contrária, que é a de dar parcial provimento,
declinando competência ao Colégio Recursal do Juizado Especial da Comarca de Ame-
ricana São Paulo.
186 R.T.J. — 196

EXTRATO DA ATA
MS 24.700-AgR/SP — Relator: Ministro Carlos Britto. Relator para o acórdão:
Ministro Marco Aurélio. Agravante: José Dias Marques dos Reis (Advogada: Patricia
Galante Papareli Valero). Agravado: Colégio Recursal do Juizado Especial de Americana.
Decisão: O Tribunal, por maioria, deu parcial provimento ao agravo para declinar
a competência ao Colégio Recursal do Juizado Especial de Americana/SP, vencidos, em
parte, os Ministros Carlos Britto, Relator, Celso de Mello e Ellen Gracie. Redigirá o
acórdão o Ministro Marco Aurélio. Ausentes, justificadamente, os Ministros Nelson
Jobim, Presidente, Carlos Velloso e Gilmar Mendes. Presidiu o julgamento a Ministra
Ellen Gracie, Vice-Presidente.
Presidência da Ministra Ellen Gracie, Vice-Presidente. Presentes à sessão os Minis-
tros Sepúlveda Pertence, Celso de Mello, Marco Aurélio, Cezar Peluso, Carlos Britto e
Joaquim Barbosa. Vice-Procurador-Geral da República, Dr. Antonio Fernando Barros e
Silva de Souza.
Brasília, 24 de junho de 2004 — Luiz Tomimatsu, Coordenador.

MANDADO DE SEGURANÇA 24.749 — DF

Relator: O Sr. Ministro Marco Aurélio


Impetrantes: José Pascoal Costantini e outro — Impetrada: Comissão Parlamentar
Mista de Inquérito – CPI do Banestado
CPI — Ato de constrangimento — Fundamentação. A fundamentação
exigida das Comissões Parlamentares de Inquérito quanto à quebra de
sigilo bancário, fiscal, telefônico e telemático não ganha contornos exaus-
tivos equiparáveis à dos atos dos órgãos investidos do ofício judicante.
Requer-se que constem da deliberação as razões pelas quais veio a ser
determinada a medida.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo
Tribunal Federal, em Sessão Plenária, na conformidade da ata do julgamento e das notas
taquigráficas, por unanimidade, indeferir a ordem, nos termos do voto do Relator.
Brasília, 29 de setembro de 2004 — Nelson Jobim, Presidente — Marco Aurélio,
Relator.
R.T.J. — 196 187

RELATÓRIO
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Ao indeferir a medida acauteladora, assim resumi os
parâmetros deste processo, considerados a causa de pedir e o pedido:
Com a inicial de folhas 2 a 19, busca-se afastar ato da Comissão Parlamentar
Mista de Inquérito – CPMI do Banestado que implicou a determinação de quebra
de sigilo bancário, fiscal, telefônico e telemático dos impetrantes. Ressalta-se que,
diante da liminar deferida no Mandado de Segurança nº 24.702-9/DF, quando
glosados defeitos formais — incompetência para deliberar sobre a matéria e ausên-
cia de fundamentação —, a Comissão veio a submeter o tema ao Plenário, que
acabou deferindo a quebra, mas não de forma devidamente fundamentada. O vício
da motivação não teria sido sanado, deixando-se de aludir a aspectos que estariam
a revelar o comprometimento quer das pessoas jurídicas, quer das pessoas naturais
que figuram como impetrantes, não restando definidas a qualificação destes ou
mesmo os envolvimentos ocorridos. Ter-se-ia repetido prática apontada como ile-
gal no Mandado de Segurança n. 24.702, a esta altura prejudicado, considerada a
insubsistência declarada pela Comissão. Remetendo-se ao disposto na Lei n.
9.296/96, no que o artigo 4º, relativamente à interceptação de comunicação telefô-
nica, impõe a demonstração da necessidade, pleiteia-se a concessão de liminar que
resulte na suspensão da eficácia do ato, vindo-se, alfim, a fulminá-lo. Com a inicial,
juntaram-se os documentos de folhas 20 a 98.
À folha 101, despachei, ressaltando a indispensabilidade de as fotocópias
anexadas contarem com a autenticação. Deu-se o atendimento à exigência, confor-
me se verifica pelas peças e é registrado à folha 104.
A Comissão Parlamentar Mista de Inquérito – CPMI do Banestado não prestou
informações (folha 127).
A Procuradoria-Geral da República emitiu o parecer, de folhas 130 a 134, pelo
indeferimento da ordem. Eis a síntese da peça:
Mandado de segurança. Quebra de sigilo bancário, fiscal e telefônico por ato
da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito – CPI do Banestado. Alegada nulidade
do ato coator, por ausência de fundamentação, pela natureza do órgão que decidiu
e pela não votação da maioria absoluta na deliberação. Existência, na hipótese, de
adequado lastro para a decisão. Parecer pela denegação da ordem.
É o relatório.

VOTO
O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Valho-me, para indeferir a segurança, do
que tive oportunidade de consignar no pronunciamento de folhas 121 e 122:
A Comissão Parlamentar de Inquérito atua na fase simplesmente investigatória.
Vale dizer, tem como escopo levantar os dados concernentes a certos fatos, obje-
188 R.T.J. — 196

tivando, se for o caso, o encaminhamento das peças ao titular da ação penal. Parte,
assim, de elementos precários, longe ficando de revelar, ao primeiro exame, a
convicção a respeito da participação de cada qual. Medidas que visem à elucida-
ção dos acontecimentos hão de ser tomadas, é certo, de maneira segura, consciente,
sem, no entanto, partir-se para impor a robustez dos elementos autorizadores das
deliberações. Pois bem, é de se constatar que a CPMI do Banestado sopesou in-
formações constantes dos documentos amealhados, inclusive sobre contas das
pessoas jurídicas em certo banco em Nova Iorque, tudo levando a crer que os
administradores e sócios das pessoas jurídicas efetuaram remessas de valores sem
observância das normas legais. Eis o trecho respectivo:
Tudo isso configura indício de movimentação de recursos de forma
irregular, relacionado a evasão de divisas do Brasil. Além disso, alguns
sócios, diretores ou responsáveis pela administração das empresas também
apresentaram movimentação de recursos relacionada a remessa via CC-5, in-
clusive sendo objeto de fiscalização junto à Secretaria da Receita Federal,
conforme diversos Inquéritos Policiais abertos contra pessoas interpostas, cha-
madas de “laranjas”, na localidade de Foz do Iguaçu-PR (folha 119).
Mencionou-se movimentação de recursos junto a certa empresa fechada pela
Justiça americana, tendo em conta o fato de, além de haver atuado fora dos limites
da respectiva licença para agir no mercado, operar com dinheiro proveniente de
ações ligadas ao narcotráfico, à corrupção e ao caixa dois de empresas. As pessoas
jurídicas Atlas Distribuidora de Títulos e Valores Mobiliários, Indústrias de Jóias
Constantini Ltda., Silver Star – Metais Preciosos e Casa Ouro Velho Metais
Preciosos Ltda. teriam procedido à transferência de recursos.
A óptica encontra-se robustecida, valendo notar que em idêntico sentido é a mani-
festação da Procuradoria-Geral da República. Descabe pretender fundamentação exaus-
tiva, equiparável à exigida dos órgãos investidos do ofício judicante. Indefiro a ordem.

EXTRATO DA ATA
MS 24.749/DF — Relator: Ministro Marco Aurélio. Impetrantes: José Pascoal
Costantini e outro (Advogados: Miguel Reale Júnior e outro). Impetrada: Comissão
Parlamentar Mista de Inquérito – CPI do Banestado.
Decisão: O Tribunal, por unanimidade, indeferiu a ordem, nos termos do voto do
Relator. Ausente, justificadamente, a Ministra Ellen Gracie. Falou pelos impetrantes o
Dr. Luiz Guilherme Moreira Porto. Presidiu o julgamento o Ministro Nelson Jobim.
Presidência do Ministro Nelson Jobim. Presentes à sessão os Ministros Sepúlveda
Pertence, Celso de Mello, Carlos Velloso, Marco Aurélio, Gilmar Mendes, Cezar Peluso,
Carlos Britto, Joaquim Barbosa e Eros Grau. Procurador-Geral da República, Dr. Cláudio
Lemos Fonteles.
Brasília, 29 de setembro de 2004 — Luiz Tomimatsu, Secretário.
R.T.J. — 196 189

AGRAVO REGIMENTAL NO MANDADO DE SEGURANÇA 25.291 — DF

Relator: O Sr. Ministro Eros Grau


Agravantes: Maria Carmélia do Nascimento Braga e outro — Agravados: Presi-
dente do Tribunal de Contas da União e Diretor do Foro da Seção Judiciária Federal do
Estado do Ceará
Agravo regimental. Mandado de segurança. Petição inicial. Intimação
para saneamento de irregularidades. Art. 284 do CPC. Pedido de suspen-
são de acórdão do TCU diverso do que originou os atos coatores. Improvi-
mento.
1. O art. 284 do Código de Processo Civil determina a emenda da
petição inicial quando esta não preenche os requisitos dos arts. 282 e 283,
sob pena de indeferimento liminar caso não seja atendida a diligência no
prazo assinalado.
2. Não há falar-se em viabilidade do mandado de segurança que
pleiteia a suspensão de acórdão do TCU diverso do que originou o ato
coator.
3. Embora devidamente intimados a sanar a irregularidade do pe-
dido inicial, os agravantes insistiram na impugnação, cuja carência já
havia sido decretada no julgamento do MS n. 25.009, Relator o Ministro
Carlos Velloso, DJ de 29-4-2005.
4. Agravo regimental improvido.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo
Tribunal Federal, em Sessão Plenária, na conformidade da ata do julgamento e das notas
taquigráficas, por unanimidade de votos, negar provimento ao agravo regimental.
Brasília, 28 de setembro de 2005 — Nelson Jobim, Presidente — Eros Grau, Relator.

RELATÓRIO
O Sr. Ministro Eros Grau: Trata-se de agravo regimental interposto por Maria
Carmélia do Nascimento Braga e outros contra despacho que negou seguimento a
mandado de segurança.
2. A impetração subjacente dirige-se contra atos coatores do Ministro Presidente
do Tribunal de Contas da União e do Diretor do Foro Federal da Sessão Judiciária do
Ceará, que determinaram a suspensão do pagamento de vantagem pecuniária já incorpo-
rada a proventos de aposentadoria por força de sentença transitada em julgado.
3. Alertam para a similitude da impetração com o precedente do MS n. 25.009,
Relator o Ministro Carlos Velloso, em que foi concedida a ordem para suspender os
efeitos do Acórdão TCU n. 1.157/2004, restabelecendo o pagamento da parcela referente
à Unidade Referencial de Preços – URP, incorporada por força de sentença transitada em
julgado nos autos da Ação Ordinária n. 1.705/89.
190 R.T.J. — 196

4. Requerem, liminarmente, a suspensão dos efeitos do Acórdão TCU n. 1.157/2004,


concedida a segurança a final para reconhecer a legalidade da incorporação questionada.
5. Intimados os impetrantes da regularização de sua representação processual, jun-
taram os instrumentos originais de mandato às fls. 100/104.
6. Às fls. 111/112, no entanto, os impetrantes foram instados a esclarecer, com
precisão, qual acórdão do TCU seria objeto do presente writ, visto que a decisão daquela
Corte, em que os impetrantes figuram como interessados [fls. 35/38 e 116/119], é o
Acórdão TCU n. 1.237/2004, e o pedido deduzido na inicial trata da suspensão do
Acórdão TCU n. 1.157/2004, este relativo ao MS n. 25.009, em que o Ministro Relator
Carlos Velloso decretou a carência de ação dos ora impetrantes, pois não estavam
incluídos nominalmente naquela determinação do TCU.
7. Os impetrantes, no entanto, confirmaram o pedido com relação ao acórdão TCU
n. 1157/2004 [fls. 111/112].
8. Confirmado o pedido de concessão da ordem contra acórdão que não se dirigia
especificamente a qualquer das partes, as quais já haviam sido excluídas de outro writ
pelo mesmo motivo, neguei seguimento à impetração [fls. 136/137].
9. Em suas razões, os ora agravantes insistem em atacar o Acórdão TCU n.
1.157/2004, a fim de que seja dado provimento ao agravo regimental, seguindo-se o
regular processamento do mandado de segurança.
10. O Ministério Público Federal, em parecer de fls. 197/199, afirma que “uma vez
concedida a oportunidade aos impetrantes para sanarem defeitos na instrução processual e
não sendo efetuados os devidos reparos, é incensurável a decisão do Relator que, mono-
craticamente, extingue o processo sem julgamento do mérito.”
11. Ressalta, por fim, o descabimento do mandado de segurança, eis que se insurge
contra acórdão que não lesou direito líquido e certo dos impetrantes.
12. Às fls. 203/204 os impetrantes juntam manifestação informando o número dos
acórdãos do Tribunal de Contas da União em que figuram os agravantes.
É o relatório.

VOTO
O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): O pedido deduzido pelos impetrantes no man-
dado de segurança subjacente refere-se ao Acórdão TCU n. 1.157/2004, que foi objeto
do MS n. 25.009 [fls. 14/15].
2. Naquele julgamento não foi conhecido o writ com relação aos ora impetrantes1,
pois o mencionado acórdão diz respeito unicamente ao servidor Fernando Avelino de
Souza, conforme voto do eminente Relator, Ministro Carlos Velloso [DJ de 29-4-2005].

1 Maria Carmélia do Nascimento Braga, Odenildo Barbosa Ferreira, José Evandro Ribeiro Melo e
Expedita Alves de Albuquerque.
R.T.J. — 196 191

3. Já a documentação constante destes autos dá notícia de que os acórdãos exarados


pelo TCU com relação aos ora agravantes são os de n. 1.237/2004 [Maria Carmélia do
Nascimento Braga e Odenildo Barbosa Ferreira, fls. 35/38 e 116/119]; 1.238/2004 [José
Evandro Ribeiro, fls. 59/63] e 1.524/2003 [Expedita Alves de Albuquerque, fl. 78],
cujos regulares cumprimentos foram determinados pelo Diretor do Foro Federal da
Seção Judiciária do Ceará [fls. 34, 65/66, 85/86 e 115].
4. A prestação jurisdicional está adstrita ao que dispõem os arts. 128, 293 e 460 do
Código de Processo Civil. Assim, o juiz deve decidir a lide nos limites em que foi
proposta, interpretando os pedidos restritivamente, sendo vedada qualquer tipo de
decisão extra ou ultra petita, principalmente no rito próprio previsto para o mandado de
segurança, que exige prova pré-constituída.
5. Por outro lado, o art. 284 do Código de Processo Civil determina a emenda da
petição inicial quando esta não preencher os requisitos dos arts. 282 e 283, sob pena de
indeferimento liminar caso não seja atendida a diligência no prazo assinalado.
6. No presente caso, embora devidamente intimados a sanar as irregularidades do
pedido inicial, os agravantes insistiram na suspensão de acórdão diverso do que origi-
nou os atos coatores, cuja carência de ação foi decretada no julgamento do MS n.
25.009, Relator o Ministro Carlos Velloso, já transitado em julgado [DJ de 29-4-2005].
7. Neste sentido a jurisprudência desta Corte:
“Inicial — Documento — Decurso de prazo — Indeferimento. Deixando a
parte de sanar defeito ligado à inicial, uma vez intimada, impõe-se o indeferimento
liminar — artigo 284 do Código de Processo Civil” [MS n. 24.812, Relator o
Ministro Marco Aurélio, DJ de 18-3-2005].
8. Em que pese a manifestação dos agravantes às fls. 203/204, não há preceito legal
que permita o acolhimento da retificação do writ no atual estágio processual.
Nego provimento ao agravo regimental.

EXTRATO DA ATA
MS 25.291-AgR/DF — Relator: Ministro Eros Grau. Agravantes: Maria Carmélia
do Nascimento Braga e outro (Advogados: João Quevêdo Ferreira Lopes e outro). Agra-
vados: Presidente do Tribunal de Contas da União e Diretor do Foro da Seção Judiciária
Federal do Estado do Ceará.
Decisão: O Tribunal, por unanimidade, negou provimento ao agravo regimental,
nos termos do voto do Relator. Ausentes, justificadamente, os Ministros Carlos Velloso,
Ellen Gracie e Carlos Britto. Presidiu o julgamento o Ministro Nelson Jobim.
Presidência do Ministro Nelson Jobim. Presentes à sessão os Ministros Sepúlveda
Pertence, Celso de Mello, Marco Aurélio, Gilmar Mendes, Cezar Peluso, Joaquim Bar-
bosa e Eros Grau. Procurador-Geral da República, Dr. Antônio Fernando Barros e Silva
de Souza.
Brasília, 28 de setembro de 2005 — Luiz Tomimatsu, Secretário.
192 R.T.J. — 196

HABEAS CORPUS 80.801 — GO

Relator: O Sr. Ministro Marco Aurélio


Paciente: José Elias Attux — Impetrantes: Antônio Carlos de Almeida Castro e
outra — Coator: Superior Tribunal de Justiça
Falsidade ideológica — Autonomia. Constando da denúncia que,
mediante falsidade ideológica, logrou-se a obtenção de certidões negati-
vas de débitos sem quitação de dívidas, cumpre admitir a autonomia do
crime, no que desvinculado da sonegação fiscal.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo
Tribunal Federal, em Segunda Turma, na conformidade da ata do julgamento e das notas
taquigráficas, por unanimidade de votos, indeferir o habeas corpus.
Brasília, 29 de maio de 2001 — Néri da Silveira, Presidente — Marco Aurélio,
Relator.

RELATÓRIO
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Os advogados Antônio Carlos de Almeida Castro e
Camila Lafetá Sesana impetram este habeas corpus em benefício de José Elias Attux,
brasileiro, casado, engenheiro civil, residente e domiciliado à Rua C-263, n. 45, aparta-
mento 900, Setor Nova Suíça, Goiânia/GO, e representante da empresa de construção
civil Pavimax Construções Ltda. De acordo com a inicial, o Paciente foi denunciado
perante a 5ª Vara Federal de Goiânia, considerados os crimes de quadrilha ou bando,
falsidade ideológica, estelionato e advocacia administrativa, previstos, respectivamente,
nos artigos 288, 299, 171, § 3º, do Código Penal e artigo 3º, inciso III, da Lei n. 8.137, de
1990, presente o disposto no artigo 29 do referido Código. A ação inicialmente proposta
imputou a Antônio Paulo Rodrigues Carneiro, José Flávio Rodrigues, Mayone Vieira
Mota e Rosemary da Costa Ramos a prática do delito de quadrilha ou bando, isso em 9
de julho de 1999. Em 4 de novembro seguinte, a Procuradoria da República aditou a
denúncia, incluindo o ora Paciente e José Paes Júnior, alterando, também, a tipificação.
A todos os denunciados atribuiu-se a prática dos delitos de quadrilha ou bando, falsidade
ideológica, estelionato e advocacia administrativa. Recebida a denúncia em 10 de
novembro de 1999, o Paciente foi interrogado em 25 imediato, encontrando-se o proces-
so em fase de conclusão de prova testemunhal. Deu-se a impetração de habeas corpus,
indeferido pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região em 29 de março de 2000.
Seguiu-se idêntica medida, vindo o Superior Tribunal de Justiça, sob o ângulo do voto
do relator, Ministro José Arnaldo, a conceder parcialmente a ordem, para trancar, por
falta de justa causa, a ação penal relativamente ao delito de quadrilha ou bando.
Após discorrerem sobre a denúncia apresentada, asseveram os Impetrantes que as
imputações remanescentes consubstanciam crime-meio daquele que seria o crime-fim,
ou seja, a sonegação fiscal. A denúncia estaria a referir-se a conluio, a fim de regularizar-
se a situação de empresas perante a Receita Federal. Cooptados os contribuintes, o
primeiro denunciado, ou seja, Antônio Paulo Rodrigues Carneiro, “voltava à cena para
R.T.J. — 196 193

providenciar a suspensão irregular do débito, uma vez que não se estava em face de
nenhuma das situações previstas no CTN para que houvesse a suspensão. Para mascarar
a ilegalidade desse procedimento, o primeiro denunciado utilizava número de processos
verdadeiros, mas relativos a outras situações fiscais, que não a suspensão do débito”.
Consoante a denúncia, os denunciados “exigiam pagamento das empresas sob ameaça
de realização de fiscalização (...)”. Relativamente a este habeas corpus, imputou-se ao
Paciente:
Apurou-se que José Elias Attux, na qualidade de representante da empresa
Pavimax Ltda. e por intermédio de José Paes, sócio da empresa Interprise e conta-
dor da Pavimax, contratou Rosemary para solucionar o problema tributário da
empresa junto à Receita Federal.
(...)
Quatorze (14) débitos da empresa Pavimax Ltda. foram suspensos no
Contacor/PJ, sendo referentes ao PIS e Cofins, totalizando R$ 108.493,43, relati-
vos ao ano-calendário de 1996. Para justificar tal procedimento, o denunciado
Antônio Paulo utilizou o número do processo 10120.003342/98-74, que se refere a
lançamento de IRPF do contribuinte Dalvo da Silva Nascimento Júnior (fl. 234).
Esse procedimento fraudulento do denunciado Antônio Paulo teve por efeito
imediato evitar que tais débitos fossem cobrados pela Receita Federal, bem como
ensejou à Pavimax obtenção de certidões negativas de débitos, sem quitar suas
dívidas.
Os Impetrantes articulam com o princípio da consunção: o fisco não suportara
nenhum prejuízo, sendo que o crime-fim mostrara-se impossível, tendo em conta que a
empresa, jamais autuada por sonegação fiscal, obtivera, mediante confissão de dívida, o
parcelamento. Citam a boa doutrina — Oscar Stevenson, em “Concurso Aparente de
Normas Penais”, trabalho contido em Estudos de Direito e Processo Penal em Homenagem
a Nelson Hungria, Editora Forense. Aludem, mais, a parecer apresentado ao Superior
Tribunal de Justiça, no qual Rogério Lauria Tucci elucidara a matéria, para revelar a
insubsistência da denúncia. O Paciente estaria a responder por delitos que consubstancia-
riam, isto sim, meio para se chegar à sonegação fiscal, de resto, objetivo, em si, do que
apontado na denúncia e crime-fim que não se consumou. Requerem a concessão da
ordem para trancar a ação penal.
Solicitadas informações, veio aos autos a cópia do acórdão prolatado pelo Superior
Tribunal de Justiça, cuja ementa revela a impropriedade do princípio da consunção:
(...) eis que o crime-fim (sonegação fiscal) não se consumou, devendo o
agente responder pelos crimes antecedentes (falsidade ideológica, estelionato e
advocacia administrativa) (folha 32).
A Procuradoria-Geral da República emitiu o parecer de folha 49, no sentido do
indeferimento da ordem, ante a circunstância de a conclusão pretendida na inicial estar
na dependência “de profundo exame de fatos, o que implicaria a substituição da instrução
contraditória pela articulação unilateral”.
Estes autos voltaram-me conclusos em 23 de abril de 2001 (folha 50).
É o relatório.
194 R.T.J. — 196

VOTO
O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Consigno que todo julgamento ocorre à
luz de certa moldura fática, não sendo óbice ao exame do habeas a consideração de
dados contidos no ato impugnado, que devem ser necessariamente sopesados, não se
confundindo esse mister com o revolvimento de prova.
A tese desenvolvida na inicial é sedutora, e eu não estaria longe de sufragá-la, já
que apresenta contornos jurídicos da melhor qualidade, bem demonstrando a percuciên-
cia dos impetrantes. Ocorre que a denúncia, ao retratar a participação do paciente, noti-
ciou o resultado da prática delituosa, e que não alcançou a sonegação, em si. Mediante
o que se reputou como falsidade ideológica e estelionato, bem como advocacia adminis-
trativa, a empresa Pavimax, representada pelo paciente, obtivera “certidões negativas de
débitos sem quitar suas dívidas”. Assim, quanto a esse resultado concreto, ao menos ante
os parâmetros da denúncia, a dependerem de prova robusta, não subsiste o argumento de
que o fim buscado com o procedimento foi a sonegação. Incumbirá ao Ministério
Público a demonstração do que alegado, sendo despiciendo cogitar da inexistência de
sonegação, já que somente o fato de haver-se conseguido as certidões negativas de
débitos está, de início, a respaldar a denúncia.
Por tais razões, indefiro a ordem, cingindo-me, é certo, à causa de pedir e ao pedido
formulado na inicial.

VOTO
O Sr. Ministro Nelson Jobim: Sr. Presidente, se não fosse esse aspecto, ressaltado
pelo Ministro Relator, de que houve obtenção de uma certidão, criaria essa dificuldade,
porque, na verdade, quando se examina a legislação sobre crimes contra a ordem tribu-
tária, verifica-se que o delito só estará consumado com uma supressão na redução do
tributo, e elenca uma série de condutas para esse objetivo.
Nessas condutas está incluída a falsidade, mas como conduta, não como crime
autônomo, nem como crime antecedente.
Não há que se confundir crime antecedente com crime conseqüente, pois trata-se
do crime que se esgota em si mesmo, como é o caso de furto e, depois, receptação dolosa;
no caso da lavagem de dinheiro, é o crime de tráfico de drogas e, depois, o crime subse-
qüente da lavagem de dinheiro, mas que são autônomos.
Aqui, não há caso de autonomia. Seria a conduta pela qual se realizaria o crime.
A certidão sai fora do jogo, porque não seria crime de sonegação, nessa altura seria
um outro crime.
Poderia, eventualmente, transformar-se em tal.
Tendo em vista essas considerações, acompanho o voto do eminente Ministro
Relator.
R.T.J. — 196 195

VOTO
O Sr. Ministro Maurício Corrêa: Sr. Presidente, estou de acordo, inclusive, com os
esclarecimentos prestados pelo eminente Ministro Relator quanto ao cabimento do
habeas corpus, a despeito do parecer do Ministério Público, porque conhecer da ma-
téria de fato para chegar-se ao direito não tem nada a ver com o exame e valorização de
prova, na forma conceituada pela Súmula 279, desta Corte.
S. Exa. traz um dado intransponível, contudo, que é exatamente o que contém a
denúncia, cujo tema está nela delimitado, o que quer dizer que, em face disso, embora a
tese seja fascinante — li o memorial do ilustre Advogado, inclusive o parecer do Professor
Tucci —, mas tenho que, realmente, essa circunstância não permite se possa deferir o
pedido.
Acompanho o voto de S. Exa.

EXTRATO DA ATA
HC 80.801/GO — Relator: Ministro Marco Aurélio. Paciente: José Elias Attux.
Impetrantes: Antônio Carlos de Almeida Castro e outra. Coator: Superior Tribunal de
Justiça.
Decisão: Por unanimidade, a Turma indeferiu o habeas corpus. Falou, pelo paciente,
o Dr. Antonio Carlos de Almeida Castro. Ausente, justificadamente, neste julgamento, o
Ministro Celso de Mello.
Presidência do Ministro Néri da Silveira. Presentes à sessão os Ministros Marco
Aurélio, Maurício Corrêa e Nelson Jobim. Ausente, justificadamente, o Ministro Celso
de Mello. Subprocurador-Geral da República, Dr. João Batista de Almeida.
Brasília, 29 de maio de 2001 — Carlos Alberto Cantanhede, Coordenador.

HABEAS CORPUS 82.011 — PR

Relator: O Sr. Ministro Celso de Mello


Paciente: Júlio Cezar Salomão — Impetrante: Elias Mattar Assad — Coator:
Superior Tribunal de Justiça
Habeas corpus — Crime de responsabilidade praticado por prefeito
municipal e crime de peculato — Pretensão ao reconhecimento de hipótese
configuradora de continuidade delitiva — Indagação probatória em torno
dos elementos instrutórios — Inviabilidade na via sumaríssima do habeas
corpus — Pedido indeferido.
— O exame de aspectos fáticos relevantes — cuja análise supõe ampla
indagação probatória em torno dos elementos instrutórios produzidos ao
longo do processo penal de conhecimento — revela-se incabível na via
sumaríssima da ação de habeas corpus.
196 R.T.J. — 196

— A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal — desde que


ausente situação de certeza objetiva quanto aos fatos — tem advertido
revelar-se incompatível, com o âmbito estreito do habeas corpus, a
apreciação jurisdicional que importe em indagação probatória, ou em
análise aprofundada ou, ainda, em exame valorativo dos elementos
de fato existentes no processo penal de conhecimento. Precedentes.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo
Tribunal Federal, em Segunda Turma, na conformidade da ata do julgamento e das
notas taquigráficas, por unanimidade de votos, indeferir o pedido de habeas corpus.
Brasília, 8 de outubro de 2002 — Celso de Mello, Presidente e Relator.

RELATÓRIO
O Sr. Ministro Celso de Mello: O Ministério Público Federal, em parecer da lavra
do ilustre Subprocurador-Geral da República, Dr. Edson Oliveira de Almeida, assim
resumiu e apreciou a presente impetração (fls. 88/92):
“1. Resume a ementa HC n. 19.200-PR, denegado pela colenda Quinta
Turma do Superior Tribunal de Justiça (fl. 77):
‘Criminal. HC. Unificação de ações penais. Diversidade de condutas,
em tese, delituosas imputadas ao paciente. Feitos em momentos processuais
distintos. Crime continuado. Alegação não-demonstrada de pronto. Impro-
priedade do meio eleito. Ordem denegada.
I. Não há ilegalidade na decisão que não acolhe pedido de reunião de
processos instaurados contra o paciente, se evidenciado que a reunião dos
feitos criminais – os quais narram condutas, em tese, delituosas, ocorridas
desde 1993 até 2000 e que se encontram em momentos processuais distintos
– acarretaria grande tumulto no andamento das ações, o que inviabilizaria a
apuração dos fatos imputados ao paciente.
II. Não é recomendável, em princípio, a reunião de processos criminais,
a fim de não criar obstáculos ao desdobramento regular dos mesmos, ocasio-
nando dispêndio de tempo não razoável em detrimento da celeridade proces-
sual.
III. A via estreita do habeas corpus não se presta para a análise da
alegação de existência de continuidade delitiva entre as condutas imputadas
ao paciente, em razão da necessidade de dilação de fatos e provas, inviável
na via eleita.
IV. Ordem denegada.’
2. O presente writ, reiterando os argumentos já refutados pelo Superior Tri-
bunal de Justiça, busca a reunião das ações penais contra o paciente. Sustenta
incidir, in casu, a regra do art. 71, caput, do Código Penal (continuidade delitiva),
uma vez que todos os processos estão ‘ligados à administração pública’ (Decreto-
Lei 201/67), devendo prosseguirem em simultaneus processus.
R.T.J. — 196 197

3. São estes os fundamentos do acórdão recorrido (fl. 79):


‘Aduz-se, de outro lado, que todos os processos tratariam, em tese, de
apenas um delito, praticado em continuidade delitiva, razão pela qual todas
as ações penais deveriam ser reunidas.
Não vislumbro ilegalidade na decisão que não acolhe pedido de reu-
nião dos processos instaurados contra o paciente.
Segundo consta dos autos, ao paciente foram imputados diversos fatos
delituosos, que se encontram em momentos processuais diversos, alguns em
fases de interrogatórios, outras em fases de alegações finais e, ainda, outras
aguardam devolução de carta precatória, conforme se depreende da certidão
de fls. 378/384.
A reunião dos feitos criminais – os quais narram condutas, em tese,
delituosas, ocorridas desde 1993 até 2000 – acarretaria, efetivamente, grande
tumulto no andamento das ações, o que inviabilizaria a apuração dos fatos
imputados ao paciente. Assim, em princípio, não é recomendável a reunião
dos processos, a fim de não criar obstáculos ao desdobramento regular dos
mesmos.
Com efeito. O agrupamento das 27 ações penais, em detrimento da
celeridade processual, poderia tornar o andamento dos feitos lento e compli-
cado, ocasionando dispêndio de tempo não razoável.
(...)
Por outro lado, a via estreita do habeas corpus não se presta para a
análise da alegação de existência de continuidade delitiva entre as condutas
imputadas ao paciente, em razão da necessidade de fatos e provas, inviável
na via eleita.’
4. Consoante se extrai dos documentos apensados a estes autos, as ações
penais, que se encontram atualmente em curso perante o MM. Juízo de Direito da
comarca de Morretes-PR, foram instauradas em razão de fatos cometidos pelo
acusado na época em que era prefeito daquela municipalidade (1993-2000). São
dezenove processos em fases processuais distintas, em todas figurando o paciente
como incurso no Decreto-Lei 201/67. Tais as circunstâncias, consoante asseverou
o magistrado de primeiro grau, a pretendida reunião dos processos redundaria em
indesejável tumulto processual:
‘(...) tem-se que a Defesa adota a tese de que o réu, com desígnio único,
praticou os fatos imputados e, no caso, tal desígnio vem o de utilizar o di-
nheiro público indevidamente e em proveito pessoal e de terceiro.
Porém, a tese que se contrapõe a esta vem a ser a de que o réu praticou
os fatos imputados com desígnios diversos que não apenas e tão-somente
um, sendo o exercício do mandato e a utilização indevida do dinheiro públi-
co apenas meio pelo qual se utilizou para a prática dos fatos. Nesse caso,
haveria o desígnio para a prática dos fatos, alguns correlatos e semelhantes,
de forma repetida no tempo, sendo a utilização do dinheiro público o meio
para a efetiva consumação dos fatos.
198 R.T.J. — 196

Assim, as teses, contrapostas, devem merecer o adequado e devido


tratamento processual, qual seja, o de assegurar ao réu a ampla defesa, medi-
ante contraditório, para que possa produzir os elementos que venham susten-
tar a sua tese, para, ao final, ser oferecida a tutela jurisdicional invocada pelo
titular da ação penal proposta, o Ministério Público.
Logo, embora a questão invocada possa não se limitar apenas a uma
questão de execução penal, certamente, neste momento processual, ainda
não dispõe a jurisdição a totalidade dos elementos necessários para pronun-
ciar-se, definitivamente, em relação ao assunto, principalmente porque não
esgotadas todas as fases da seqüência processual.
Nesse passo, deverá a jurisdição conduzir a instrução processual e, no
momento de julgar a causa para o fim de decidir sobre a procedência, ou
não, da denúncia, analisar a questão da continuidade delitiva levantada
pela Defesa (em relação à qual o Ministério Público também formulará sua
posição e defenderá a tese que entender aplicável ao caso em julgamento), e
decidirá sobre as questões em relação a ela levantadas, oferecendo a tutela
jurisdicional a respeito.
Note-se, ainda, que, após a primeira decisão mediante sentença quanto
à procedência, ou não, da denúncia, nas decisões subsequentes, necessaria-
mente, o órgão jurisdicional deverá se pronunciar quanto aos reflexos da
primeira decisão em relação a segunda que irá ser prolatada e, portanto, sobre
os efeitos e conseqüências quanto à incidência, ou não, do dispositivo legal
que trata da continuidade delitiva, fazendo com que as decisões posteriores
se compatibilizem com as anteriores de modo coerente com a tese que for
considerada aplicável e cabível quando das respectivas sentenças.
(...)
De registrar, em arremate, que, em relação a cada fato, deverá ser proce-
dida análise quanto à ocorrência de mais de uma conseqüência jurídica a
gerar a incidência de mais de uma norma jurídica penal sancionatória, ou
não.
(fls. 85-86 / doc. apenso 1)
5. Por fim, o reconhecimento da continuidade delitiva, para fins de reunião
dos processos, demandaria o reexame da matéria de fato, para o que não se presta o
habeas corpus.
6. Isso posto, opino pelo indeferimento da ordem.” (Grifei)
É o relatório.

VOTO
O Sr. Ministro Celso de Mello (Relator): O ora paciente — que foi denunciado pela
suposta prática dos delitos inscritos no art. 1º, incisos I e V do Decreto-Lei n. 201/67
(crime de responsabilidade) e no art. 312 (crime de peculato), c/c os arts. 29, 69 e 70,
R.T.J. — 196 199

todos do CP — postula, na presente sede processual, seja reconhecida a configuração,


na espécie, da continuidade delitiva, assegurando-se-lhe “o direito de defesa em um
único processo — por crime continuado — cassando-se todas as denúncias subseqüentes
à mais antiga” (fl. 31).
Passo a apreciar o presente writ constitucional. E, ao fazê-lo, entendo assistir
plena razão à douta Procuradoria-Geral da República, quando enfatiza que o pleito
deduzido pela parte ora impetrante busca, na realidade, promover um efetivo reexame
dos elementos probatórios produzidos, contra o ora paciente, ao longo do processo
penal de conhecimento, o que se mostra inviável em sede de habeas corpus.
Cumpre ressaltar, neste ponto, que o ora impetrante formulou pedido “de avoca-
mento liminar de todos os processos (Autos n. 28/99, 29/99, 30/99, 31/99, 32/99, 33/99,
37/99, 38/99, 40/99, 41/99, 43/99, 44/99, 45/99, 02/2000, 09/2000, 10/2000, 20/2000,
21/2000, 22/2000 e seus apensos), todas da comarca de Morretes/PR, por se tratarem,
os referidos fatos, de um só crime continuado (...), pela necessidade para a própria
apreciação pela Corte (...)” (fl. 31 — grifei).
Vê-se, portanto, que a própria parte impetrante reconhece a necessidade de aprecia-
ção dos elementos de fato, para efeito de verificação, na espécie, da eventual ocorrência
da hipótese de continuidade delitiva.
Ocorre que o caráter sumaríssimo da via jurídico-processual do habeas corpus
não permite que se proceda, no âmbito estreito do writ constitucional, a qualquer
indagação de ordem probatória. Postulações que objetivem ingressar na análise, discus-
são e valoração da prova, como sucede na espécie, serão plenamente admissíveis na via
recursal ordinária, que possui espectro mais amplo (RTJ 109/540), ou, ainda, excepcio-
nalmente, na esfera revisional (RTJ 142/570). Jamais, porém, no âmbito da ação penal
de habeas corpus.
É que, como se sabe, a inadequação do remédio constitucional do habeas corpus,
para o efeito postulado pelo ora paciente, tem sido proclamada por esta Suprema Corte,
cuja advertência, no tema, vale rememorar:
“O habeas corpus, ante a natureza sumária que lhe tipifica a forma proces-
sual, não constitui meio jurídico adequado à revisão dos elementos de fato que
dão suporte aos julgados condenatórios e nem se qualifica como instrumento
destinado a reparar erros judiciários. Esta última finalidade tem, na ação de
revisão criminal — de espectro mais amplo, na medida em que admite e comporta
dilação probatória — a sede processual juridicamente apropriada.
A ação de habeas corpus, dentro desse contexto normativo, não é e nem deve
constituir sucedâneo do pedido de revisão criminal.”
(RTJ 151/554, Rel. Min. Celso de Mello)
Bem por isso, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal — desde que ausente
situação de certeza objetiva quanto aos fatos — tem assinalado não se mostrar compa-
tível, com o âmbito estreito do habeas corpus, a apreciação jurisdicional que importe
em indagação probatória, ou em análise aprofundada ou, ainda, em exame valorativo dos
elementos de fato existentes no processo penal de conhecimento (RTJ 165/877-878, Rel.
Min. Celso de Mello — RTJ 168/863-865, Rel. Min. Celso de Mello, v.g.).
200 R.T.J. — 196

Em suma: o exame da controvérsia, na perspectiva visada pelo impetrante, supõe,


tal como corretamente acentuado pela douta Procuradoria-Geral da República, a inter-
pretação do conjunto probatório emergente do processo penal de conhecimento, o que
constitui, como se sabe, matéria pré-excluída da via estreita do habeas corpus
(RTJ136/1221 — RTJ 137/198).
Sendo assim, pelas razões expostas, e considerando, ainda, o parecer da douta
Procuradoria-Geral da República, indefiro o pedido de habeas corpus.
É o meu voto.

EXTRATO DA ATA
HC 82.011/PR — Relator: Ministro Celso de Mello. Paciente: Júlio Cezar Salomão.
Impetrante: Elias Mattar Assad. Coator: Superior Tribunal de Justiça.
Decisão: A Turma, por votação unânime, indeferiu o pedido de habeas corpus, nos
termos do voto do Relator. Ausente, justificadamente, neste julgamento, o Ministro
Maurício Corrêa.
Presidência do Ministro Celso de Mello. Presentes à sessão os Ministros Carlos
Velloso, Nelson Jobim e Gilmar Mendes. Ausente, justificadamente, o Ministro Maurício
Corrêa. Subprocurador-Geral da República, Dr. Edinaldo de Holanda Borges.
Brasília, 8 de outubro de 2002 — Antonio Neto Brasil, Coordenador.

HABEAS CORPUS 83.040 — MT

Relator: O Sr. Ministro Marco Aurélio


Paciente: Sebastião Paz Lindoso — Impetrantes: Alberto Gonçalves e outro —
Coator: Superior Tribunal de Justiça
Habeas corpus — Causa de pedir — Julgamento. De início, a apre-
ciação do habeas corpus faz-se a partir das causas de pedir constantes da
inicial. O deferimento de ordem de ofício corre à conta da exceção e
pressupõe haver nos autos os elementos indispensáveis.
Prisão preventiva — Excepcionalidade. Ante o princípio constitucio-
nal da não-culpabilidade, a custódia acauteladora há de ser tomada como
exceção, cumprindo interpretar os preceitos que a regem de forma estri-
ta, reservando-a a situações em que a liberdade do acusado coloque em
risco os cidadãos.
Prisão preventiva — Clamor popular — Indignação da sociedade —
Perfil do Judiciário. O clamor social, a indignação da sociedade, o juízo
subjetivo desta quanto à respeitabilidade do Judiciário não respaldam a
prisão preventiva.
R.T.J. — 196 201

Prisão preventiva — Fundamentação — Periculosidade do agente e


instrução penal. A periculosidade do agente e a necessidade de se preser-
var campo propício à aplicação da lei penal, por não possuir residência
no distrito da culpa, servem de base para a prisão preventiva. Configura-
se a periculosidade quando o agente é flagrado na posse de grande quan-
tidade de substância entorpecente.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turma
do Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence, na
conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos,
indeferir o pedido de habeas corpus.
Brasília, 4 de novembro de 2003 — Sepúlveda Pertence, Presidente — Marco
Aurélio, Relator.

RELATÓRIO
O Sr. Ministro Marco Aurélio:Valho-me da síntese do caso constante da decisão de
folhas 56 a 58:
Com a inicial de folhas 2 a 11, busca-se demonstrar a ocorrência de constran-
gimento ilegal, no que, requerida a liberdade provisória sem caução, até aqui não
houve o acolhimento. Noticia-se que a 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça
do Estado de Mato Grosso indeferiu a ordem pleiteada em habeas. Protocolizada
idêntica medida no Superior Tribunal de Justiça, deu-se novo indeferimento. Insis-
te-se na assertiva de não se encontrar fundamentada a prisão cautelar, deixando-se
à margem o disposto no artigo 312 do Código de Processo Penal. Refuta-se a base
que estaria na prisão em flagrante verificada, asseverando-se que o estado de co-
moção social e de eventual indignação popular não serve a justificar a custódia
atacada. Afirma-se que a instrução estaria encerrada, não se podendo, assim, cogitar
da preservação de campo propício à aplicação da lei penal. Também se diz que o
fato de o paciente residir fora do distrito da culpa não é de molde a respaldar a
preventiva. Requer-se medida acauteladora que resulte na expedição de alvará de
soltura, tornando-se após definitiva a concessão da liberdade.
À folha 16, o Ministro Relator a quem sucedi, Maurício Corrêa, indeferiu o
pleito cautelar, ante a insuficiência de elementos nos autos — especialmente no
tocante ao pronunciamento do Superior Tribunal de Justiça — para o indispensá-
vel exame. Solicitaram-se informações por meio de ofício, que veio a ser reiterado.
O impetrante formulou novamente o pedido de deferimento da liminar (folhas
28 a 31), razão pela qual prolatei a seguinte decisão:
Habeas corpus — Instrução — Excesso de prazo — Elucidação.
1. Eis os esclarecimentos prestados pelo Gabinete:
O impetrante renova o pedido de concessão de medida liminar,
independentemente da juntada aos autos do acórdão prolatado pelo
Superior Tribunal de Justiça que configuraria o ato coator.
202 R.T.J. — 196

Argumenta a ocorrência de excesso de prazo da prisão provisória,


uma vez que o paciente se encontra preso desde 29 de janeiro de 2002
e que a inércia do Superior Tribunal de Justiça configura “duplo cons-
trangimento”.
Registre-se despacho de Vossa Excelência de 28 de junho passado,
determinando a reiteração do pedido de informações ao Superior Tribunal
de Justiça, solicitação esta que ainda não obteve resposta.
2. Ao que tudo indica, a questão alusiva ao excesso de prazo não foi
submetida ao Superior Tribunal de Justiça, tampouco encerra causa de pedir
deste habeas corpus. Nele será apreciado, no tocante à ilegalidade apontada,
o acerto ou desacerto do pronunciamento da Sexta Turma do referido Tribu-
nal. Constata-se que ainda não vieram aos autos as informações requeridas.
Indispensável é conhecerem-se os parâmetros da decisão proferida, porquanto
a concessão ou não da ordem será implementada a partir de convencimento
que se forme sobre a espécie. Cumpre salientar também que a medida com a
qual se busque o reconhecimento do excesso de prazo há de ser formalizada
perante o órgão competente — no caso, o Tribunal de Justiça de Mato Grosso.
3. Reitere-se, pela segunda vez, a solicitação de informações ao Superior
Tribunal de Justiça, sublinhando o silêncio até aqui notado e o fato de o
processo envolver réu preso.
4. Por ora, indefiro a liminar.
5. Publique-se.
Agora, o Gabinete informa:
O impetrante, anexando acórdão prolatado pelo Superior Tribunal
de Justiça, publicado hoje, requer seja reapreciada a liminar, “com a
conseqüente expedição de alvará de soltura em favor do paciente, que
se acha preso desde 29-1-2002, sem culpa formada”.
Em anexo, cópia da decisão proferida por Vossa Excelência em 9
de agosto de 2003.
Ao indeferir a medida acauteladora fiz ver:
2. Confundem-se os pleitos de concessão de liminar e o de julga-
mento definitivo deste habeas, ou seja, o de concessão da ordem. A
atuação monocrática revela-se, no que tange ao atendimento do pedido,
excepcional, porquanto envolvida matéria que é da competência do
Colegiado. Admito que possa haver a antecipação precária e efêmera,
via medida acauteladora, da prestação jurisdicional, mas, para que isso
ocorra, indispensável é que seja evidente o ato de constrangimento, isto
é, que surja, ao primeiro exame, a relevância do que articulado e o risco
de manter-se com plena eficácia o quadro. Assim não se verifica na
espécie quanto à única matéria versada nas razões do habeas, relativa à
insubsistência do decreto de prisão preventiva. Afastada a premissa do
clamor popular, da expectativa da sociedade no que tange à adoção de
rigor no campo da prática de delitos, constata-se que a prisão preventiva,
conforme ressaltado no acórdão do Superior Tribunal de Justiça, levou
R.T.J. — 196 203

em conta dados enquadráveis no artigo 312 do Código de Processo


Penal, mostrando-se com relevo a própria periculosidade daquele que é
acusado de tráfico de entorpecentes, preso em flagrante delito com
quantidade substancial de tóxico, e a aplicabilidade da lei penal, tendo
em vista não possuir o paciente residência no distrito da culpa. Há de
aguardar-se melhor crivo, que certamente será formalizado pelo Cole-
giado, ouvindo-se o fiscal da lei, o Ministério Público Federal. Vale
salientar que as informações solicitadas ao Superior Tribunal de Justiça
ainda não vieram aos autos.
A Procuradoria-Geral da República emitiu o parecer, de folhas 89 a 102, no sentido
do indeferimento da ordem. A peça consigna que não está em causa o excesso de prazo,
considerada a prisão, salientando que a instrução só não foi concluída pela necessidade
de inquirição por precatória de testemunha arrolada pela defesa. Remete ao Verbete
n. 697 que integra a Súmula da jurisprudência predominante desta Corte:
A proibição de liberdade provisória nos processos por crimes hediondos não
veda o relaxamento da prisão processual por excesso de prazo.
Os autos vieram-me para exame em 28 de outubro de 2003, sendo que neles lancei
visto em 30 imediato, designando como data de julgamento a de hoje — 4 de novembro
de 2003 — terça-feira, isso visando à ciência dos impetrantes, no que se lhes assiste o
direito à sustentação da tribuna.
É o relatório.

VOTO
O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Conforme consignado anteriormente, a
causa de pedir deste habeas corpus é única — a prisão cautelar não se encontra, segundo
o sustentado, devidamente fundamentada. Quanto à fundamentação do ato, mediante o
qual foi mantida a prisão do paciente, exclua-se o que revelado quanto à prática de crime
hediondo. A vedação de liberdade provisória contida no artigo 2º, inciso II, da Lei n.
8.072/90 há de ser conjugada com a possibilidade de o juiz, na sentença condenatória,
vir a decidir sobre a interposição de recurso em liberdade — § 2º do citado artigo. Da
mesma forma não vinga o que articulado em torno do clamor público, da repulsa da
sociedade, do crédito do Judiciário a ser preservado aos olhos desta última. São dados
estranhos ao arcabouço normativo de regência. Entrementes, verifica-se que se fez assentar
no ato — transcrito no acórdão do Superior Tribunal de Justiça, mais precisamente à
folha 50 — a circunstância de haver ocorrido o flagrante, sendo o paciente surpreendido
com grande quantidade de substância tóxica — cocaína —, aspecto a evidenciar a
periculosidade. Mais do que isso, ressaltou-se o fato de não ter residência no distrito da
culpa, aludindo-se à necessidade de se preservar campo propício à aplicação da lei
penal. Vê-se que a situação concreta revela custódia preventiva lastreada em ato devida-
mente fundamentado. A problemática do excesso de prazo há de ser veiculada no foro
próprio com a demonstração cabível. Indefiro a ordem.
204 R.T.J. — 196

EXTRATO DA ATA
HC 83.040/MT — Relator: Ministro Marco Aurélio. Paciente: Sebastião Paz
Lindoso. Impetrantes: Alberto Gonçalves e outro. Coator: Superior Tribunal de
Justiça.
Decisão: A Turma indeferiu o pedido de habeas corpus. Unânime.
Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à sessão os Ministros Marco
Aurélio, Cezar Peluso, Carlos Britto e Joaquim Barbosa. Compareceu à sessão a Ministra
Ellen Gracie para julgamento de processo a ela vinculado. Subprocurador-Geral da
República, Dr. Edson Oliveira de Almeida.
Brasília, 4 de novembro de 2003 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.

HABEAS CORPUS 83.509 — SP

Relator: O Sr. Ministro Marco Aurélio


Paciente: Washington José Inácio — Impetrante: PGE/SP – Waldir Francisco
Honorato Junior (Defensor Público) — Coator: Superior Tribunal de Justiça
Recurso — Parâmetros — Pena — Regime de cumprimento. No jul-
gamento de recurso da defesa, descabe considerar, em verdadeira atua-
ção supletiva, fato estranho à sentença, confirmando-a. Glosa da alusão,
no acórdão, à reincidência, quando o Juízo, ao impor o regime de cum-
primento da pena fechado, valeu-se, tão-somente, do sentimento de ser o
único capaz de reprimir o crime de roubo.
Pena — Cumprimento — Regime — Parâmetros. Excetuada a hipó-
tese de fixação da pena em quantitativo superior a oito anos e não se
tratando de reincidente, a determinação do regime de cumprimento da
pena é norteada, considerado o balizamento temporal, pelas circunstân-
cias judiciais. Inteligência dos §§ 2º e 3º do artigo 33 do Código Penal.
Mostra-se incongruente o estabelecimento da pena-base no mínimo pre-
visto para o tipo, ficando aquém dos oito anos, com a imposição do regime
fechado.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo
Tribunal Federal, em Primeira Turma, na conformidade da ata do julgamento e das notas
taquigráficas, por unanimidade de votos, deferir o pedido de habeas corpus, nos termos
do voto do Relator.
Brasília, 14 de outubro de 2003 — Marco Aurélio, Presidente e Relator.
R.T.J. — 196 205

RELATÓRIO
O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Valho-me do relato que fiz ao conceder a
medida acauteladora e determinar a transferência do paciente do regime fechado para o
semi-aberto:
O Procurador do Estado de São Paulo Dr. Waldir Francisco Honorato Júnior,
em exercício na Assistência Judiciária, impetra este habeas corpus em benefício
de Washington José Inácio. A inicial contém a notícia da condenação do paciente
como incurso nas penas do artigo 157, § 2º, incisos I e II, combinado com o artigo
70, cabeça, do Código Penal, havendo sido assentado o concurso de circunstâncias
judiciais favoráveis ao réu. Entrementes, teria sido imposto como regime de cum-
primento da pena o integralmente fechado. Articula-se com o desprezo às balizas
do artigo 33 do Código Penal, no que, excetuada a hipótese de a pena imposta ser
superior a oito anos, cumpria atentar para a norma estabelecida no § 3º do citado artigo:
A determinação do regime inicial de cumprimento da pena far-se-á com
observância dos critérios previstos no art. 59 deste Código.
Assevera-se que, para definir-se o regime de cumprimento da pena, como
previsto no inciso III do artigo 59 referido, é preciso considerar-se o que se contém
na cabeça desse dispositivo. Mencionam-se precedentes quanto à impossibilidade
de chegar-se ao regime fechado — STJ — HC n. 20.179/SP, Quinta Turma , Relator
Ministro Felix Fischer, DJ de 10 de junho de 2002; STJ — RHC n. 7.979/SP,
Relator Ministro Vicente Leal, DJ de 26 de novembro de 1998 e HC n. 75.379-5/SP,
por mim relatado, DJ de 6 de março de 1998. Requer-se a concessão de medida
acauteladora para vir o paciente a ser removido para o regime semi-aberto, decre-
tando-se, alfim, a insubsistência do regime mais gravoso imposto. Com a inicial,
vieram aos autos as peças de folhas 10 a 108.
Remetidos os autos à Procuradoria-Geral da República, deu-se a emissão do pare-
cer de folhas 126 a 132, pelo indeferimento da ordem. A peça encerra tese segundo a qual
a fixação da pena no mínimo legal não afasta a opção pelo regime fechado de acordo
com as circunstâncias avaliadas em concreto, notadamente os antecedentes desabona-
dores e a periculosidade, como necessário e suficiente à reprovação e prevenção do
crime. Os autos vieram-me conclusos em 2 de outubro de 2003, sendo que neles lancei
visto, declarando-me habilitado a votar, em 4 imediato, designando como data de julga-
mento a de hoje, isso com objetivo de dar ciência ao impetrante.
É o relatório.

VOTO
O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Reporto-me ao que tive oportunidade de
consignar para deferir a medida acauteladora:
Nota-se que o Juízo fixou a pena-base no mínimo previsto para o tipo, sina-
lizando, com isso, o caráter positivo das circunstâncias judiciais. De forma incon-
gruente, caminhou para a imposição do regime fechado e, aí, consignou que o fazia
“por ser este o único necessário e suficiente para a prevenção e repressão de delitos
206 R.T.J. — 196

como os em análise, que tanto terror têm causado na sociedade, ainda mais quando
seu autor ostenta personalidade voltada à delinqüência, como é o caso do imputado”
(folha 47). A apelação não frutificou, fazendo o Tribunal de Alçada Criminal alu-
são a precedentes, oportunidade na qual ressaltou que a tese da defesa seria
minoritária, porquanto sustentada apenas por mim e pelo Ministro Sepúlveda
Pertence. No habeas impetrado no Superior Tribunal de Justiça, confirmou-se a
óptica do julgamento revisional, proclamando-se:
Não há falar em regime semi-aberto se o fechado encontra fundamento,
na forma do artigo 59, no fato-crime perpetrado e na personalidade do
homem-autor.
Realmente, tem-se a relevância do que sustentado nessa impetração. A inter-
pretação sistemática dos textos penais de regência conduz ao abandono da pena,
em si, uma vez não ultrapassados os oito anos previstos na alínea b do § 2º do
artigo 33 da lei substancial, para ter-se como definidoras do regime as circuns-
tâncias judiciais. Ora, estas, porque positivas em benefício do condenado, não
influenciaram na fixação da pena, no que se ficou no mínimo previsto para o
tipo. Em passo seguinte, sob pena de lançar-se ao mundo jurídico um paradoxo,
não se podia assentar o início do cumprimento da pena em regime fechado. O
argumento utilizado pelo Juízo é exemplo claro e preciso de jurisprudência simbó-
lica, eis que voltada a atender a anseios da sociedade, muito embora em conflito
com a ordem jurídica vigente. Conforme ementa transcrita na inicial, decorrente de
julgamento procedido não no campo singular, mas por Colegiado desta Corte,
impunha-se o regime semi-aberto:
Pena — Cumprimento — Regime — Parâmetros. Excetuada a hipóte-
se de fixação da pena em quantitativo superior a oito anos e não se tratando de
reincidente, a determinação do regime de cumprimento da pena é norteada,
considerado o balizamento temporal, pelas circunstâncias judiciais.
Inteligência dos §§ 2º e 3º do artigo 33 do Código Penal. Exsurge incongru-
ente o estabelecimento da pena-base no mínimo previsto para o tipo, ficando
aquém dos oito anos, com a imposição do regime fechado. (HC n. 75.379-5/SP,
por mim relatado, DJ de 6 de março de 1998)
Ressalto que o Juízo, ao fundamentar a imposição do regime mais gravoso, estabe-
leceu:
(...) cujo cumprimento inicial dar-se-á em regime fechado, por ser este o único
necessário e suficiente para a prevenção e repressão de delitos como os em análise,
que tanto terror tem causado na sociedade, ainda mais quando seu autor ostenta
personalidade voltada à delinqüência, como é o caso do imputado.
O Tribunal de Alçada Criminal fez ver:
Quanto à obrigatoriedade de se conceder regime prisional menos severo
quando a pena base é fixada no mínimo legal, não se desconhece a jurisprudência
trazida pela defesa. É de notar, entretanto, que a questão não é pacífica no âmbito
do Supremo Tribunal Federal (aparentemente são os ministros Sepúlveda Pertence
e Marco Aurélio os defensores da tese da defesa), havendo decisões em contrário,
conforme se vê das seguintes ementas:
R.T.J. — 196 207

“Habeas corpus – Fixação de regime inicial de cumprimento de


pena – Crime de roubo qualificado (forma tentada) – Determinação de
regime fechado – Ato judicial devidamente fundamentado – Observância
do art. 33, § 3º, do Código Penal – Inexistência de injusto constrangimento –
Pedido indeferido. – Mesmo tratando-se de réu primário, condenado a pena
inferior a quatro (4) anos de reclusão, nada impede – especialmente nos casos
de assalto a mão armada – que o juízo sentenciante fixe regime prisional
fechado para o efeito de início de cumprimento da sanção penal imposta ao
condenado, desde que essa determinação conste de ato decisório plenamente
motivado. Precedentes. – Não cabe apreciar, no âmbito estreito da ação de
habeas corpus, a questão concernente à definição do regime penal, sempre
que a decisão depender da análise de provas complexas ou do exame de
elementos fáticos desprovidos da necessária liquidez. Precedentes.” (STF –
1ª Turma – HC n. 74.536-9/SP – Rel. Min. Celso de Mello – DJ 20-3-93, p. 5) –
Regime Inicial de Cumprimento – 1 – A primariedade e os bons antecedentes
não conferem ao sentenciado direito a regime menos severo como forma
inicial de cumprimento da pena. Ao dispor que “o condenado não reincidente,
cuja pena seja superior a quatro anos e não exceda a oito, poderá, desde o
princípio, cumpri-la em regime semi-aberto”, o art. 33, § 2º, b, do CP prevê
faculdade para o juiz sentenciante, que estabelecerá o regime inicial em
conformidade com o disposto no art. 59 do CP, isto é, “atendendo à culpabi-
lidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos
motivos, às circunstâncias e conseqüências do crime, bem como ao compor-
tamento da vítima”. (STF – 1ª Turma – HC 73.430 – GO, Rel. Min. Celso de
Mello, 23-4-96).
“Habeas corpus. Roubo qualificado. Condenação à pena de seis anos
de reclusão, em regime fechado. Pedido de transferência para regime semi-
aberto. — O Código Penal, ao estabelecer que o condenado cuja pena for
superior a quatro e não exceder a oito anos “pode cumpri-la em regime semi-
aberto, não cria um direito subjetivo público ao sentenciado quanto ao regi-
me inicial, podendo o Juiz, fundamentadamente, estabelecer outro regime
para o início do cumprimento da pena (art. 33, §§ 2º, b, e 3º). – Habeas -
corpus conhecido, mas indeferido.” (STF — 2ª Turma — HC n. 72.608-9/SP —
Rel. Min. Maurício Corrêa — DJ 20-10-95, p. 35258).
Habeas corpus. Roubo qualificado. Concurso de pessoas. Fixação da
pena. Regime de cumprimento da pena. 1. Não caracteriza constrangimento
ilegal a sentença que, reconhecendo a primariedade do réu e a inexistência
de antecedentes criminais, fixa a pena-base no mínimo legal e a aumenta
também no mínimo de um terço em razão das qualificadoras, mas estabelece
o regime fechado para o início do cumprimento da pena privativa da liberdade.
2. A norma do art. 33, § 2º b, do Código Penal, deve ser interpretada como
faculdade conferida ao juiz para aplicar ou não o regime semi-aberto. 3.
Habeas Corpus conhecido, mas indeferido.” (STF 2ª Turma – HC n.
72.373-0/SP Rel. Min. Maurício Corrêa – DJ 2-6-95, p. 16231).
208 R.T.J. — 196

“Regime de Cumprimento de Pena: Critérios. Reconhecendo serem


favoráveis as circunstâncias judiciais do art. 59 do CP já que a pena-base do
réu, primário e de bons antecedentes, fora fixado no mínimo legal, a Turma
por maioria de votos deferiu parcialmente a ordem para assegurar ao paciente
o regime semi-aberto de cumprimento da pena, nos termos do art. 33, § 2º, b,
do CP (“o condenado não reincidente, cuja pena seja superior a quatro anos
e não exceda a oito, poderá, desde o princípio, cumpri-la em regime semi-
aberto;”). Vencidos os Ministros Carlos Velloso e Maurício Corrêa que
desvinculavam a quantificação da pena-base da imposição do regime
prisional, considerando a periculosidade do agente e segurança da sociedade
fundamentos suficientes para a imposição do regime mais gravoso. HC
75.642/SP, Rel. Min. Marco Aurélio, 24.3.98.” (Internet, site do STF, Infor-
mativo n. 104).
“Admite-se a fixação do regime inicial fechado para o cumprimento da
pena, em face da periculosidade do agente que, mesmo sendo primário, pra-
tica o crime de roubo com duas qualificadoras (CP, art. 157, § 2º, I e II). Com
base nesse fundamento, o Tribunal, por maioria, indeferiu habeas corpus
impetrado contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, que
em sede de apelação asseverou o regime imposto ao réu. Vencido o Ministro
Sepúlveda Pertence, que deferia a ordem por entender que a gravidade do
delito, por si só, não justifica a imposição do regime mais gravoso ao paciente.
Precedente citado: HC 70.557/SP (RTJ 151/212). HC 76.405/SP, Rel. Min.
Moreira Alves, 3.3.98.” (Internet, Site do STF, Informativo n. 101). (folha
66 à 68).
Aí, em passo seguinte, apontou-se que o paciente seria tecnicamente reincidente,
circunstância não considerada na sentença que acabou por fixar a pena no mínimo legal,
tendo silenciado a acusação. Ora, incumbia ao Tribunal de Alçada julgar a apelação,
sopesando o inconformismo da defesa e a sentença tal como proferida, sendo-lhe defeso,
diante da inércia da acusação, levar em conta situação nela não retratada. Por isso, torno
definitiva a liminar, concedendo a ordem.

VOTO
O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: Sr. Presidente, acompanho o voto de V. Exa. por
entender que a fundamentação é extremamente pobre.

EXTRATO DA ATA
HC 83.509/SP — Relator: Ministro Marco Aurélio. Paciente: Washington José
Inácio. Impetrante: PGE/SP – Waldir Francisco Honorato Junior (Defensor Público).
Coator: Superior Tribunal de Justiça.
Decisão: A Turma deferiu o pedido de habeas corpus, nos termos do voto do
Relator. Unânime. Presidiu o julgamento o Ministro Marco Aurélio. Ausente, justifica-
damente, o Ministro Sepúlveda Pertence.
R.T.J. — 196 209

Presidência do Ministro Marco Aurélio. Presentes à sessão os Ministros Cezar


Peluso, Carlos Britto e Joaquim Barbosa. Ausente, justificadamente, o Ministro Sepúlveda
Pertence. Subprocuradora-Geral da República, Dra. Delza Curvello Rocha.
Brasília, 14 de outubro de 2003 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.

HABEAS CORPUS 83.575 — RJ

Relator: O Sr. Ministro Marco Aurélio


Paciente: Ivan da Silva Aguiar — Impetrante: DPE/RJ – Leonardo Rosa Melo da
Cunha — Coator: Superior Tribunal de Justiça
Continuidade delitiva — Crime consumado e crime tentado. Desin-
fluente, ante o disposto no artigo 71 do Código Penal, é o fato de, em
relação a delitos da mesma espécie — no caso, o homicídio —, haver as
figuras crime consumado e tentado.
Continuidade delitiva — Qualificadoras diversas. O enquadramento
de crimes da mesma espécie — na hipótese, o homicídio — consideradas
qualificadoras distintas não afasta o instituto da continuidade delitiva.
Crime doloso contra a vida — Pena — Dosimetria — Erro e correção —
Órgão. Verificado o erro na fixação da pena, no que não levada em conta a
continuidade delitiva, cumpre afastar do cenário jurídico o ato formalizado.
Aperfeiçoado o veredicto dos jurados, impõe-se o reconhecimento da
intangibilidade, voltando o processo ao Presidente do Tribunal do Júri
para a prolação de sentença a fixar a pena.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turma
do Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence, na
conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos,
deferir, em parte, o pedido de habeas corpus, nos termos do voto do Relator.
Brasília, 18 de novembro de 2003 — Sepúlveda Pertence, Presidente — Marco
Aurélio, Relator.

RELATÓRIO
O Sr. Ministro Marco Aurélio: O histórico contido na inicial mostra-se harmônico
com as peças a ela anexadas. O paciente veio a ser condenado em dois processos. No
primeiro — Processo n. 1995/05957-2 —, impôs-se-lhe a condenação a vinte e cinco
anos de reclusão por cometimento do crime previsto no artigo 121, § 2º, incisos II e IV,
sendo que, em relação a uma das práticas delituosas, houve a incidência do disposto no
210 R.T.J. — 196

artigo 14, inciso II, todos do Código Penal. Em síntese, foi considerado culpado pela
prática de homicídio consumado e homicídio tentado. No segundo processo — o de n.
2000/03970-1 —, deu-se a imposição da pena de trinta e quatro anos de reclusão, presentes
o artigo 121, § 2º, inciso I, e 121, § 2º, inciso V, duas vezes, combinado com o artigo 14,
inciso II, todos do Código Penal. Também aqui houve a consumação de homicídio e a
tentativa. Implementou-se a cumulação material. No processo de execução, pretendeu-se
ver reconhecida a continuidade delitiva. O Ministério Público manifestou-se de forma
contrária, apontando como único ponto de contato entre as condutas criminosas o em-
prego de arma de fogo, sendo diversos os móveis e o modo operacional relativos à
prática dos delitos. O Juízo da Vara de Execuções Penais indeferiu o pleito, adotando
como razões de decidir o que preconizado pelo Fiscal da lei. O paciente interpôs agravo
com alegado fundamento no artigo 197 da Lei de Execuções Penais, vindo a Terceira
Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro a desprovê-lo. No acórdão
proferido consignou-se a ausência dos requisitos referentes à continuidade delitiva. A
partir da mesma óptica, indeferiu-se a ordem em habeas corpus impetrado perante o
Superior Tribunal de Justiça. Proclamou-se não ser a via estreita da ação constitucional
o meio idôneo ao reconhecimento da continuidade. No habeas ora em exame sustenta-se
que o Juízo, o Tribunal de Justiça e o Superior Tribunal de Justiça não perceberam o
alcance do pedido. Este estaria ligado a cada conjunto de delitos por processo, jamais se
tendo cogitado da mesclagem dos crimes praticados, mesmo porque ter-se-ia o óbice
temporal, ou seja, a passagem de quase três anos entre a prática dos dois primeiros delitos
e o envolvimento nos que desaguaram na existência do Processo n. 2000/03970-1.
Então, passa-se a analisar a espécie, dizendo-se que no Processo n. 1995/05957-2 —
originariamente n. 3378/94, da 3ª Vara Criminal da Comarca da Capital do Estado do
Rio de Janeiro (Tribunal do Júri) —, houve o julgamento por dois crimes de homicídio
duplamente qualificados ocorridos em 19 de janeiro de 1991. Os fatos teriam acontecido
no interior do Melo Tênis Clube, por volta das duas horas e quinze minutos, ocasião em
que foram atingidas por disparos de arma de fogo duas pessoas, vindo uma delas a
falecer. Segundo a própria denúncia, mostraram-se presentes os requisitos próprios ao
instituto da continuidade delitiva, consignando o Ministério Público:
O crime foi cometido por motivo fútil simples — tumulto no interior do Melo
Tênis Clube. O crime foi cometido com emprego que dificultou a defesa da vítima —
tiros pelas costas. Nas mesmas circunstâncias de tempo e local, o denunciado (...)
efetuou disparos de arma de fogo.
Quanto aos fatos constantes no Processo n. 2000/03970-1, teriam ocorrido no dia
16 de março de 1988, ou seja, cerca de três anos antes, por volta das vinte e uma horas e
quarenta minutos, no mesmo local, “com identidade temporal e espacial das condutas
delitivas” (folha 8). As vítimas, indistintamente, foram alvo de disparos de arma de fogo,
havendo apenas divergência no que toca às qualificadoras. Assevera-se que as condi-
ções necessárias ao reconhecimento da continuidade — enumeradas no artigo 71 do
Código Penal — foram atendidas. Segundo o sustentado, as qualificadoras mostram-se
neutras relativamente à matéria. Ressalta-se, ainda, na inicial, que a espécie não exige
revolvimento de dados probatórios, sendo suficiente apenas que sejam consideradas as
denúncias e as sentenças condenatórias proferidas. Pleiteia-se a concessão da ordem
para implementar-se a continuidade, observada a pena maior fixada no Processo VEP n.
1995/05957-2 — quinze anos —, e aquela, também de reclusão, imposta mediante o
R.T.J. — 196 211

Processo n. 2000/03970-1 — de quatorze anos para cada um dos homicídios consu-


mados —, desprezando-se assim, no primeiro dos processos, os dez anos de reclusão
relativos à figura tentada e, no segundo, os seis anos impostos também quanto à tentativa
de homicídio. Com a inicial, vieram os documentos de folhas 19 a 94. A Procuradoria-
Geral da República opina no sentido do indeferimento do habeas, proclamando a impos-
sibilidade de reconhecer-se o nexo da continuidade. Eis a síntese do parecer (folha 100):
Com efeito, não há como reconhecer o nexo da continuidade. A primeira
condenação refere-se a dois crimes, um homicídio consumando e o outro homicí-
dio tentado, cometidos por motivo fútil, e resultantes de tumulto no interior de um
clube; a segunda remete a dois homicídios consumados e um tentado, cometidos
em co-autoria, com o propósito de vingança e de “queima de arquivo”. Sem falar
no interregno de três anos entre os fatos (HC 73.219/SP, Maurício Corrêa, DJ de
26-4-1996; HC 69.896/SP — do qual fui Relator — DJ de 2-4-1993).
É o relatório.

VOTO
O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Em primeiro lugar, observe-se a sucessivi-
dade de equívocos. Realmente, não se pleiteou a continuidade delitiva considerados os
crimes de ambos os processos. É certo que no requerimento formalizado, e que se encon-
tra a folhas 19 a 21, lançou-se:
O apenado foi condenado pelo 3º e 1º Tribunal de Júri da Comarca da Capital
por crimes dolosos contra a vida, com as seguintes capitulações respectivamente:
Art. 121, § 2º, II e IV e 121, § 2º, incisos II e IV, c/c o art. 14, II; art. 121, § 2º, incisos
I e V, duas vezes e art. 121, § 2º, inciso V c/c 14, II, na forma do 69, todos do Código
Penal.
Como já era de se esperar, não houve a observância da continuidade delitiva
do agente em ambos os processos, por mais que ficasse claro, apenas ad argumen-
tandum, nos autos que o acusado praticou mais de uma ação, in casu, mais de dois
crimes da mesma espécie e, pela condição de tempo, lugar e maneira de execução,
os crimes subseqüentes foram havidos como continuação do primeiro. Vale lem-
brar que a referida controvérsia sobre a espécie dos crimes não deve ser levada em
consideração, pois todos os crimes são de homicídio ou de tentativa, isto é, da
mesma espécie.
O trecho poderia — não fosse a totalidade do requerimento e, mais especificamente,
o fecho da peça — conduzir à óptica até aqui prevalecente, tomando-se o pedido como
a envolver continuidade delitiva única, ou seja, a englobar os crimes dos dois processos.
E o pedido mostrou-se claro e preciso (folha 21):
Desta forma, requer a defesa que, considerando todos os argumentos supra
citados, se reconheça a continuidade delitiva em cada um dos crimes que foram
expressamente enumerados.
212 R.T.J. — 196

A última cláusula diz respeito, iniludivelmente, não a cada um dos crimes em si —


porque aí não se teria como implementar a continuidade —, mas a cada um dos processos
versados. Então, a partir da visão conjunta dos processos, consignou-se que somente se
teria como elemento comum a utilização de arma de fogo — manifestação do Ministério
Público de folha 22, decisão do Juízo de folha 23, acórdão da Terceira Câmara Criminal
de folhas 25 e 26 e acórdão resultante do julgamento do habeas corpus no Superior
Tribunal de Justiça de folhas 42 a 45. Procede a insistência da Defensoria Pública do
Estado do Rio de Janeiro. Considerados os crimes constantes — de forma separada e,
portanto, em grupo individualizado —, de cada um dos processos, inafastável é a con-
clusão sobre a incidência do disposto no artigo 71 do Código Penal. No caso, restaram
observados os requisitos necessários à configuração da continuidade delitiva do paciente,
tendo em conta os crimes de cada um dos processos, separadamente, porquanto, median-
te mais de uma ação, praticaram-se dois ou mais crimes da mesma espécie, presentes
condições de tempo, lugar e maneira de execução.
Examine-se a espécie processo por processo.
Processo VEP n. 1995/05957-2
Na denúncia apresentada registrou-se (folha 47):
No dia 19 de janeiro de 1991, cerca das (02) duas horas e (15) quinze minutos,
no Melo Tênis Clube, Rua Caroem n. 171, nesta comarca, o denunciado, conscien-
te e voluntariamente, com dolo de matar, efetuou disparos de arma de fogo (tiros)
contra Luiz André Barbosa de Souza, atingindo-o e causando-lhe lesões, as quais,
por sua natureza e sede, deram causa a morte da vítima, conforme comprova o
laudo de exame cadavérico de fl. 29. O crime foi cometido por motivo fútil —
simples tumulto no interior do Melo Tênis Clube. O crime foi cometido com em-
prego de recurso que dificultou a defesa da vítima — tiros pelas costas. Nas mes-
mas circunstâncias de tempo e local, o denunciado, consciente e voluntariamente,
efetuou disparos de arma de fogo (tiros) contra Anderson Santana dos Anjos, atin-
gindo-o e causando-lhe lesões que o laudo positivará. Assim agindo, deu início ao
cometimento de um crime de homicídio, não consumado, por circunstâncias alheias
à sua vontade: pronto e eficaz socorro médico. O crime foi cometido por motivo
fútil — simples tumulto no interior do Melo Tênis Clube. O crime foi cometido
com emprego de recurso que dificultou a defesa da vítima — tiros pelas costas.
A sentença de pronúncia fez-se lastreada nessa acusação (folhas 49 a 53), vindo o
Tribunal do Júri a reconhecer a procedência do que imputado ao paciente. Ao prolatar a
sentença, o Presidente do Tribunal do Júri deixou de observar a continuidade delitiva,
empolgando o concurso material (folhas 54 a 56). Ante a incontroversa cumulação dos
requisitos previstos no artigo 71 do Código Penal, salta aos olhos, considerados os
crimes de homicídio — o primeiro consumado e o segundo tentado —, a erronia na
dosimetria da pena, a cargo, repita-se, não do Tribunal do Júri, mas do Juiz Presidente.
Processo n. 2000/03970-1
Eis como na denúncia foram apresentados os fatos (folha 64):
Consta dos inclusos procedimentos que no dia 16/03/88, cerca das 21:40h,
na Estrada Velha da Pavuna, em frente ao n. 3.556, nesta cidade, o denunciado,
consciente e voluntariamente, unido em concurso de ações e desígnios a terceiras
R.T.J. — 196 213

pessoas ainda não identificadas, com dolo de matar, fez disparos de arma de fogo
contra Mario Antonio Freitas Guimarães, Ézio da Cruz Bonfim e Osvaldo da
Costa Ferreira, atingindo-os e produzindo nos dois primeiros as lesões descritas
nos autos de exame cadavérico de fls. 24/26 e 29/30, ferimentos que por sua natu-
reza e sede deram causa a morte das vítimas, enquanto que a terceira vítima sofreu
as lesões descritas no boletim de atendimento médico de fls. 43, do IPM em apenso
e socorrida resistiu aos ferimentos, não logrando, desta forma, o denunciado atin-
gir sua intenção homicida por circunstâncias alheias à sua vontade.
Torpe, isto é vingança abjeta, foi o motivo para a execução da vítima Ezio da
Cruz Bonfim que se recusou a informar ao denunciado e a seus comparsas onde se
encontrava o seu irmão, de vulgo Limão, apontado na localidade como sendo
“traficante”.
As outras vítimas, Mário e Osvaldo porque acompanhavam Ézio representa-
vam perigo para a impunidade do grupo homicida e por isso foram alvejadas na
tradicional “queima de arquivo”, objetivando assegurar a impunidade do outro
crime.
Está assim o denunciado incurso nas sanções do artigo 121, § 2º inciso I e V,
duas vezes e 121, § 2º inciso V c/c 14, II, na forma do 69, todos do Código Penal.
Seguiu-se a sentença de pronúncia, a partir desses dados (folhas 66 a 70) e aí, ante
o veredicto dos jurados, impôs-se ao denunciado as seguintes penas: pelo homicídio de
Ézio Bonfim, quatorze anos de reclusão; pelo homicídio de Mário Guimarães, 14 anos
de reclusão e quanto ao homicídio tentado de Osvaldo Ferreira, seis anos e seis meses de
reclusão. As penas, em face do concurso material, totalizaram trinta e quatro anos e seis
meses de reclusão. Também aqui se deixou de observar o atendimento dos requisitos
enumerados no artigo 71 do Código Penal, não se verificando, nos pronunciamentos
seguintes, a correção de rumo, levando-se em conta a premissa improcedente segundo a
qual se estaria a pretender não o reconhecimento da continuidade em relação a cada
processo mencionado, mas a mesclagem dos crimes neles retratados, em que pese ao
interregno ocorrido entre o primeiro e o segundo grupos de delitos, ou seja, os quase três
anos. Quanto ao Processo n. 1995/05957-2, verifica-se, tendo em vista os crimes envol-
vidos, peculiaridade que não afasta a incidência do artigo 71 do Código Penal. O enqua-
dramento fez-se, nos dois crimes — o tentado e o consumado —, no artigo 121, conside-
radas idênticas qualificadoras — § 2º, incisos II e IV. O fato de o segundo crime, pratica-
do nas mesmas circunstâncias, não haver se consumado por motivo alheio à vontade do
paciente não afasta a conclusão de tratar-se de crime da mesma espécie, entendimento
este que decorre da ordem natural das coisas, não se deixando de falar em homicídio
quando ausente vítima fatal. Ganha o crime a adjetivação de tentado. Tanto se verifica o
crime de homicídio que o parágrafo único do artigo 14, ao versar sobre a pena ante a
tentativa, preceitua:
Salvo disposição em contrário, pune-se a tentativa com a pena correspondente
ao crime consumado, diminuída de um a dois terços.
Descabe interpretar preceitos de lei de modo a chegar-se ao prejuízo daquele a
quem objetiva a norma beneficiar — no caso, o acusado —, quer presente o instituto da
214 R.T.J. — 196

tentativa, quer o do crime continuado, inserindo-se restrição não contemplada e, portanto,


estranha ao texto normativo. O mesmo raciocínio há de se adotar quanto à variação de
qualificadoras. Desinfluente é o fato de o Processo n. 2000/03970-1 envolver dois
crimes consumados de homicídio com qualificadoras diversas — no primeiro, o inciso I
do § 2º do artigo 121, e, no segundo, o inciso V subseqüente — e um crime de homicídio
tentado, considerada a qualificadora do inciso V. Contenta-se o arcabouço normativo
que disciplina a continuidade com o que se entende como crimes da mesma espécie,
praticados sob condições de tempo, lugar, maneira de execução e outros semelhantes, e,
então, sobressai, no caso, a prática do homicídio, pouco importando a variação das
qualificadoras. Aliás, mesmo para a corrente que exige a coincidência de tipo legal, tem-se
que não é afastada quer a forma agravada, quer a qualificada, a consumada ou a tentada.
Com maior razão, se se considerar que são delitos de igual espécie os que se assemelham
pelos mesmos elementos objetivos e subjetivos, ainda que não estejam descritos no
mesmo texto de lei.
Por fim, assento que incumbia, separadamente, observado cada grupo de crimes,
implementar a continuidade delitiva, não afastando o instituto a discrepância conside-
radas quer as formas crime consumado e tentado, quer as qualificadoras, desde que
presentes homicídios, como se verifica no caso. Resta agora saber do desfecho desta
conclusão. Nota-se que o artigo 71 do Código Penal revela campo para a dosimetria da
pena. Preceitua a cabeça do dispositivo que se aplica a pena de um só dos crimes, se
idênticas, ou a mais grave, se diversas, aumentada, em qualquer caso, de um sexto a dois
terços, sendo que, pelo parágrafo único, nos crimes dolosos contra vítimas diferentes,
cometidos com violência ou grave ameaça a pessoa — espécie dos autos — poderá o
juiz, considerando a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade
do agente, bem como os motivos e as circunstâncias, aumentar a pena de um só dos
crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, até o triplo, observadas as regras do
parágrafo único dos artigos 70 e 75 do Código Penal. Vale dizer, não se tem critério
único para o implemento da dosimetria, aludindo os preceitos a certo balizamento quanto
ao acréscimo a ser efetuado. Descabe, no julgamento deste habeas, avançar e, no campo
da análise dos demais elementos envolvidos, fixar a majoração. Simplesmente lanço
que, no tocante aos crimes envolvidos no primeiro processo — Processo VEP n. 1995/
05957-2 —, deve-se levar em conta a maior pena aplicada, ou seja, os quinze anos
relativos ao homicídio consumado. No Processo VEP n. 2000/03970-1 há de considerar-
se a pena de quatorze anos relativa a um dos homicídios consumados, procedendo-se à
majoração considerado o disposto no parágrafo único do artigo 71 do Código Penal.
Assim, a concessão da ordem é parcial, não sendo fixada a pena final observada a conti-
nuidade delitiva em cada grupo de crimes versado acima. O erro não foi do corpo de
jurados, mas do Juiz Presidente do Tribunal do Júri ao implementar a dosimetria da pena.
Os processos nos quais condenado o paciente devem retornar à Presidência dos Tribu-
nais do Júri — Primeiro e Terceiro Tribunais do Júri da Comarca da Capital do Estado do
Rio de Janeiro — para efetuar-se, em cada qual, presente a incidência do artigo 71 do
Código Penal, a fixação da pena. Deixo de remeter a fixação à Vara de Execuções Penais,
porque não se está diante de hipótese de simples cumprimento de penas, mas de fixação
destas. É como voto na espécie.
R.T.J. — 196 215

VOTO
O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: Sr. Presidente, em princípio, imaginei tratar-se de
exame da continuidade delitiva em habeas corpus; mas vejo que, em realidade, o habeas
corpus trata-se de má aplicação da legislação penal.
Nesse sentido, acompanho o Sr. Ministro Relator.

VOTO
O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto: Senhor Presidente, faço minhas as palavras do
eminente Ministro Joaquim Barbosa, para acompanhar o voto do eminente Ministro
Relator.

EXTRATO DA ATA
HC 83.575/RJ — Relator: Ministro Marco Aurélio. Paciente: Ivan da Silva Aguiar.
Impetrante: DPE/RJ – Leonardo Rosa Melo da Cunha. Coator: Superior Tribunal de
Justiça.
Decisão: A Turma deferiu, em parte, o pedido de habeas corpus, nos termos do
voto do Relator. Unânime.
Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à sessão os Ministros Marco
Aurélio, Cezar Peluso, Carlos Britto e Joaquim Barbosa. Subprocurador-Geral da Repú-
blica, Dr. Paulo de Tarso Braz Lucas.
Brasília, 18 de novembro de 2003 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.

RECURSO EM HABEAS CORPUS 83.770 — SP

Relator: O Sr. Ministro Marco Aurélio


Recorrente: Manoel José da Silva — Recorrido: Superior Tribunal de Justiça
Defensoria Pública — Intimação pessoal — Vício — Articulação —
Oportunidade. Verificado o vício quanto à intimação pessoal da Defenso-
ria Pública, indispensável é que o defeito seja argüido na primeira opor-
tunidade que o órgão tiver para falar nos autos — artigos 564, inciso IV;
571, inciso VIII, e 572, inciso I, do Código de Processo Penal. Insubsistên-
cia jurídica, ante a preclusão, de articulada nulidade ocorrida por ausên-
cia de intimação pessoal do defensor público para sessão em que julgada
a apelação, diante do fato de, verificada a ciência específica do acórdão,
haver-se deixado transcorrer considerável lapso de tempo para vir-se,
em impetração, veicular o vício.
216 R.T.J. — 196

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turma
do Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence, na
conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por maioria de votos,
negar provimento ao recurso ordinário em habeas corpus.
Brasília, 16 de dezembro de 2003 — Sepúlveda Pertence, Presidente — Marco
Aurélio, Relator.

RELATÓRIO
O Sr. Ministro Marco Aurélio: O Superior Tribunal de Justiça denegou a ordem
impetrada em favor de Manoel José da Silva, ante fundamentos assim sintetizados
(folha 111):
Habeas corpus. Falta de intimação pessoal. Defensor público. Validade do
julgamento. Hipótese.
1. A falta de intimação pessoal do Defensor Público da inclusão do feito em
pauta e da data da sessão de julgamento do recurso induz a nulidade absoluta da
decisão, que, no entanto, é afastada quando, como na espécie, o mesmo Defensor
Público, subscritor das razões de apelação e da petição de habeas corpus onde é
pedida a declaração de nulidade, antes do trânsito em julgado do acórdão, foi dele
intimado, pessoalmente, somente impetrando a ordem após 3 (três) anos.
2. Ordem denegada.
Os embargos de declaração que se seguiram foram desprovidos pelo Colegiado
(folhas 132 a 138).
Daí o recurso ordinário de folhas 142 a 152, no qual se articula com ofensa aos
princípios do contraditório, da ampla defesa e da legalidade, porquanto, na oportunidade
do julgamento da apelação criminal, a Quarta Câmara do Tribunal de Alçada Criminal
do Estado de São Paulo deixou de intimar pessoalmente o defensor público quanto
à inclusão do processo em pauta e à data designada para o julgamento. Afirma-se que a
falta de intimação do defensor implica a nulidade absoluta do julgado, não havendo
falar-se em preclusão. Nesse passo, assevera-se que “a demora na impetração decorreu
das falhas do próprio Estado, pois o quadro de procuradores do Estado em atuação na
comarca de Ribeirão Preto não era suficiente para atender a demanda dos acusados que
necessitavam dos serviços da Assistência Judiciária” (folha 145). Evocam-se precedentes
jurisprudenciais desta Corte e do Superior Tribunal de Justiça.
O recurso foi admitido mediante a decisão de folha 155.
A Procuradoria-Geral da República, no parecer de folhas 165 a 168, preconiza o
desprovimento do recurso.
É o relatório.
R.T.J. — 196 217

VOTO
O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Na interposição deste recurso foram obser-
vados os pressupostos de recorribilidade que lhe são inerentes. A peça, subscrita por
defensor público, restou protocolada no prazo assinado em lei. A publicação do acórdão
impugnado deu-se no Diário de 16 de junho de 2003, segunda-feira (folha 139), ocorrendo
a manifestação do inconformismo em 26 imediato, quinta-feira (folha 142).
Observem-se as peculiaridades da espécie, segundo o voto condutor do julgamento
no Superior Tribunal de Justiça (folha 108):
Antes do trânsito em julgado do acórdão, em 7 de abril de 1998 (fl. 77), o
Defensor Público Valdir Francisco Honorato Júnior, subscritor das razões de apela-
ção (fls. 58/63) e, também, da petição inicial deste habeas corpus, foi dele
(acórdão) pessoalmente intimado (fls. 73), na data de 6 de março de 1998, somente
impetrando a presente ordem em 17 de agosto de 2001 (fls. 2), permanecendo
silente por tempo superior a 3 (três) anos, importando, nesta altura dos aconteci-
mentos, eventual declaração de nulidade em extinção da punibilidade pela ocor-
rência da prescrição.
Então, fez-se referência ao disposto no artigo 565 do Código de Processo Penal —
“nenhuma das partes poderá argüir nulidade a que haja dado causa, ou para que tenha
concorrido, ou referente a formalidade cuja observância só à parte contrária interesse”. O
inciso IV do artigo 564 do referido código contém a cominação de nulidade do processo
quando omitida formalidade que constitua elemento essencial do ato — característica
da intimação pessoal do defensor público, que consubstancia procedimento sem o qual
se mostra insubsistente o ato praticado. Ocorre que, a teor do disposto no artigo 572 do
mesmo código, “considerar-se-ão sanadas as nulidades se não forem argüidas em tempo
oportuno, de acordo com o disposto no artigo imediatamente anterior”. Neste, verifica-se
que, em se tratando de julgamento, deve o defeito ser veiculado tão logo ocorrido —
inciso VIII do artigo 571 do Código de Processo Penal. Pois bem, o defensor público que
vinha atuando no processo, por sinal o mesmo que impetrou o habeas, foi intimado
pessoalmente para ciência do acórdão proferido, em 6 de março de 1998 (folha 73).
Quedou silente e, passados três anos, procedeu a esta impetração. A preclusão salta aos
olhos. Desprovejo o recurso.

VOTO
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presidente): Fico fiel à jurisprudência do
Tribunal, que considera absoluta a nulidade do julgamento, se não intimado da pauta
o defensor público.
Por isso, dou provimento ao recurso.

EXTRATO DA ATA
RHC 83.770/SP — Relator: Ministro Marco Aurélio. Recorrente: Manoel José da
Silva (Advogados: PGE/SP – Waldir Francisco Honorato Junior (Assistente Judiciário).
Recorrido: Superior Tribunal de Justiça.
218 R.T.J. — 196

Decisão: Por maioria de votos, a Turma negou provimento ao recurso ordinário em


habeas corpus. Vencido o Ministro Sepúlveda Pertence, que lhe dava provimento. Fa-
lou pelo recorrente o Dr. Marcos Ribeiro de Barros.
Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à sessão os Ministros Marco
Aurélio, Cezar Peluso, Carlos Britto e Joaquim Barbosa. Subprocurador-Geral da Repú-
blica, Dr. Wagner de Castro Mathias Netto.
Brasília, 16 de dezembro de 2003 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.

HABEAS CORPUS 84.092 — CE

Relator: O Sr. Ministro Celso de Mello


Paciente: Terezinha de Jesus Bezerra — Impetrantes: Francisco Marcello Martins
Desidério e outro — Coator: Superior Tribunal de Justiça
Habeas corpus — Delito contra a ordem tributária — Sonegação
fiscal — Procedimento administrativo-tributário ainda em curso — Ajui-
zamento prematuro, pelo Ministério Público, da ação penal — Impossibi-
lidade — Ausência de justa causa para a válida instauração da persecutio
criminis — Invalidação do processo penal de conhecimento desde o ofere-
cimento da denúncia, inclusive — Pedido deferido.
— Tratando-se dos delitos contra a ordem tributária, tipificados no
art. 1º da Lei n. 8.137/90, a instauração da concernente persecução penal
depende da existência de decisão definitiva, proferida em sede de procedi-
mento administrativo, na qual se haja reconhecido a exigibilidade do cré-
dito tributário (an debeatur), além de definido o respectivo valor (quantum
debeatur), sob pena de, em inocorrendo essa condição objetiva de punibili-
dade, não se legitimar, por ausência de tipicidade penal, a válida formula-
ção de denúncia pelo Ministério Público. Precedentes.
— Enquanto não se constituir, definitivamente, em sede administra-
tiva, o crédito tributário, não se terá por caracterizado, no plano da tipi-
cidade penal, o crime contra a ordem tributária, tal como previsto no
art. 1º da Lei nº 8.137/90. Em conseqüência, e por ainda não se achar
configurada a própria criminalidade da conduta do agente, sequer é lícito
cogitar-se da fluência da prescrição penal, que somente se iniciará com a
consumação do delito (CP, art. 111, I). Precedentes.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo
Tribunal Federal, em Segunda Turma, na conformidade da ata do julgamento e das
notas taquigráficas, por unanimidade de votos, deferir o pedido de habeas corpus, nos
termos e para os efeitos indicados no voto do Relator. Ausente, justificadamente, o
Ministro Gilmar Mendes.
Brasília, 22 de junho de 2004 — Celso de Mello, Presidente e Relator.
R.T.J. — 196 219

RELATÓRIO
O Sr. Ministro Celso de Mello: Trata-se de habeas corpus impetrado contra
decisão emanada do E. Superior Tribunal de Justiça, que, em sede de idêntico processo,
denegou o writ constitucional à ora paciente, em acórdão assim ementado (fl. 162):
“Processo penal. Sonegação fiscal. Ação penal. Processo administrativo
fiscal. Exaurimento. Condição de procedibilidade. Inexistência. Denúncia. Rece-
bimento. Fundamentação.
O procedimento administrativo de apuração de débitos fiscais não constitui
condição de procedibilidade para a instauração da ação penal, à vista da inde-
pendência entre as instâncias civil, administrativa e criminal. (Precedentes).
‘O ato judicial que formaliza o recebimento da denúncia oferecida pelo Mi-
nistério Público não se qualifica e nem se equipara, para os fins a que se refere o art.
93, IX, da Constituição de 1988, a ato de caráter decisório. O juízo positivo de
admissibilidade da acusação penal não reclama, em conseqüência, qualquer fun-
damentação. Precedentes’ (STF — HC 70.763/DF, 1ª Turma, Rel. Min. Celso de
Mello, DJ de 23-9-94).
Ordem denegada.” (Grifei)
Postula-se, na presente sede processual, “o trancamento da Ação Penal n.
2002.81.00.016615-0” movida pelo Ministério Público Federal, na Seção Judiciária do
Estado do Ceará, contra a paciente Terezinha de Jesus Bezerra, que tramita na 11ª
Vara Federal de Fortaleza/CE (fls. 41 e 114 — grifei).
Os ora impetrantes formularam pedido de medida cautelar, que foi por mim
deferido (fls. 171/174).
O Ministério Público Federal, em parecer da lavra do ilustre Subprocurador-Geral
da República, Dr. Edson Oliveira de Almeida, assim se pronunciou na presente sede
processual (fl. 192):
“Tendo em vista o oferecimento da denúncia por crime contra a ordem tribu-
tária antes do encerramento do procedimento administrativo fiscal, em contrarie-
dade à orientação firmada pelo colendo Plenário no HC 81.611-DF, opino pelo
deferimento da ordem.” (Grifei)
É o relatório.

VOTO
O Sr. Ministro Celso de Mello (Relator): O Plenário do Supremo Tribunal Federal,
ao julgar o HC 81.611/DF, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, apreciou controvérsia em
tudo idêntica à que se registra na presente impetração, assentando o entendimento
segundo o qual, “(...) nos crimes do art. 1º da Lei 8.137/90, que são materiais ou de
resultado, a decisão definitiva do processo administrativo consubstancia uma condi-
ção objetiva de punibilidade, configurando-se como elemento essencial à exigibilidade
da obrigação tributária, cuja existência ou montante não se pode afirmar até que haja
o efeito preclusivo da decisão final em sede administrativa” (Informativo/STF n. 333,
de 2003 — grifei).
220 R.T.J. — 196

Essa mesma orientação vem de ser reiterada em julgamento efetuado pela Colenda
Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, que, ao apreciar o HC 83.414/RS, Rel.
Min. Joaquim Barbosa, proferiu decisão consubstanciada em acórdão assim ementado:
“Habeas corpus. Penal. Tributário. Crime de supressão de tributo (art. 1º
da Lei 8.137/1990). Natureza jurídica. Esgotamento da via administrativa.
Prescrição. Ordem concedida.
1. Na linha do julgamento do HC 81.611 (Rel. Min. Sepúlveda Pertence,
Plenário), os crimes definidos no art. 1º da Lei 8.137/1990 são materiais, somente
se consumando com o lançamento definitivo.
2. Se está pendente recurso administrativo que discute o débito tributário
perante as autoridades fazendárias, ainda não há crime, porquanto ‘tributo’ é
elemento normativo do tipo.
3. Em conseqüência, não há falar-se em início do lapso prescricional, que
somente se iniciará com a consumação do delito, nos termos do art. 111, I, do
Código Penal.” (Grifei)
O entendimento consagrado na decisão ora referida já havia sido observado por
essa mesma Colenda Primeira Turma, quando, ao julgar o AI 419.578/SP, Rel. Min.
Sepúlveda Pertence — e tendo presente situação idêntica à ora versada nesta sede
processual —, “(...) deferiu habeas corpus de ofício para anular, desde a denúncia,
inclusive, o processo instaurado contra condenado pela prática de crime contra a
ordem tributária, cuja denúncia fora recebida antes de emitida a decisão final quanto
ao crédito tributário em sede administrativa. Aplicou-se a orientação firmada pelo
Plenário no julgamento do HC 81.611/DF (...) no sentido de que, nos crimes do art. 1º
da Lei 8.137/90, a decisão definitiva do processo administrativo consubstancia uma
condição objetiva de punibilidade, não se podendo afirmar o montante da obrigação
tributária até que haja o efeito preclusivo da decisão final em sede administrativa”
(Informativo/STF 336, de 2004 — grifei).
Cabe registrar, finalmente, que essa diretriz jurisprudencial também encontra
suporte em decisão plenária, que, ao declarar improcedente ação direta de inconstitu-
cionalidade, ajuizada em face do art. 83 da Lei n. 9.430/96, restou consubstanciada em
acórdão assim ementado:
“Ação direta de inconstitucionalidade. 2. Art. 83 da Lei n. 9.430, de 27-12-
1996. 3. Argüição de violação ao art. 129, I, da Constituição. Notitia criminis
condicionada ‘à decisão final, na esfera administrativa, sobre a exigência fiscal do
crédito tributário’. 4. A norma impugnada tem como destinatários os agentes
fiscais, em nada afetando a atuação do Ministério Público. É obrigatória, para a
autoridade fiscal, a remessa da notitia criminis ao Ministério Público. 5. Decisão
que não afeta orientação fixada no HC 81.611. Crime de resultado. Antes de
constituído definitivamente o crédito tributário, não há justa causa para a ação
penal. O Ministério Público pode, entretanto, oferecer denúncia independente-
mente da comunicação, dita ‘representação tributária’, se, por outros meios, tem
conhecimento do lançamento definitivo. 6. Não configurada qualquer limitação
à atuação do Ministério Público para propositura da ação penal pública pela
prática de crimes contra a ordem tributária. 7. Improcedência da ação.”
R.T.J. — 196 221

(ADI 1.571/DF, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJ de 30-4-2004 — grifei)


Assentadas as premissas que se revelam necessárias à análise da presente impe-
tração, cabe esclarecer que, no caso ora em exame, a paciente foi denunciada por
suposta prática do crime tipificado no art. 1º, inciso I, da Lein. 8.137/90, sendo certo
que a formulação da acusação penal, pelo Ministério Público, antecipou-se à conclusão
do procedimento administrativo-fiscal, sem que se houvesse registrado, no entanto, na
esfera administrativa, a definitiva constituição do crédito tributário (fl. 110, item n. 6 da
denúncia), inexistindo, portanto, para efeito de legitimar-se a instauração da concer-
nente persecutio criminis, o necessário accertamento em torno do an debeatur e/ou do
quantum debeatur referentes ao tributo alegadamente devido.
A prematura instauração da persecução penal, portanto, no caso ora em exame,
traduz hipótese de ausência de justa causa, apta a ensejar — consideradas as premissas
em que se assentou, nesta Corte, o julgamento plenário do leading case — a imediata
extinção do processo penal condenatório instaurado contra Terezinha de Jesus Bezerra,
eis que, com o não-encerramento do procedimento fiscal, na esfera da Administração
Tributária, ainda não se registrou a configuração típica da conduta imputada à ora
paciente.
Cabe assinalar, neste ponto, por necessário, tendo em vista a plena liquidez dos
fatos — formulação prematura de acusação, por suposta prática de delito contra a
ordem tributária, tipificado no art. 1º, n. I, da Lei n. 8.137/90, antes de concluído o
procedimento administrativo-fiscal do lançamento tributário (consoante expressamente
reconhecido pelo próprio Ministério Público a fl.110, item n. 6) —, que se revela
processualmente viável, ainda que em sede de habeas corpus, reconhecer-se, para efeito
de extinção anômala do processo penal condenatório, a inocorrência de causa legitima-
dora da instauração da persecutio criminis, conforme tem admitido o magistério juris-
prudencial firmado por esta Suprema Corte.
Impende considerar, nos termos em que formulado este voto, e na linha de
reiterados pronunciamentos desta Suprema Corte (RT 594/458 — RT 747/597 — RT
749/565 — RT 753/507), que, “Em sede de habeas corpus, só é possível trancar ação
penal em situações especiais, como nos casos em que é evidente e inafastável a negativa
de autoria, quando o fato narrado não constitui crime, sequer em tese, e em situações
similares, onde pode ser dispensada a instrução criminal para a constatação de tais
fatos (...)” (RT 742/533, Rel. Min. Maurício Corrêa — grifei).
E é, precisamente, o que se registra na espécie ora em exame.
Cumpre registrar, finalmente, que essa orientação tem o prestigioso beneplácito
de Julio Fabbrini Mirabete (“Código de Processo Penal Interpretado”, pp. 1426/
1427, 7ª ed., 2000, Atlas), cuja autorizada lição, no tema, adverte:
“Também somente se justifica a concessão de habeas corpus, por falta de
justa causa para a ação penal, quando é ela evidente, ou seja, quando a ilegalidade
é evidenciada pela simples exposição dos fatos, com o reconhecimento de que há
imputação de fato atípico ou da ausência de qualquer elemento indiciário que
fundamente a acusação (...).” (Grifei)
222 R.T.J. — 196

Sendo assim, pelas razões expostas, tendo em consideração os precedentes acima


referidos e acolhendo, ainda, o parecer da douta Procuradoria-Geral da República, defiro
o presente pedido de habeas corpus, para determinar o imediato trancamento do
Processo-crime n. 2002.81.00.016615-0, ora em tramitação perante a 11ª Vara Federal
da Seção Judiciária do Estado do Ceará (fl. 114), com a conseqüente invalidação desse
procedimento penal, desde a denúncia, inclusive.
É o meu voto.

VOTO (Apartes)
A Sra. Ministra Ellen Gracie: Senhor Presidente, embora não convencida, curvo-me
à decisão plenária e acompanho Vossa Excelência.
Acredito que, nessas hipóteses, a persecução criminal desses delitos fica pratica-
mente inviabilizada neste País. O Ministério Público chegar ao conhecimento de que
houve um lançamento definitivo é algo totalmente etéreo, a não ser que tenha espiões
dentro da Receita Federal, visto ser a única hipótese que restou para o Ministério Público
atuar independentemente da conclusão do procedimento administrativo. Sabemos que
esses grandes devedores — sonegadores, vamos dizer de modo explícito — do fisco vão
utilizar todos os recursos administrativos disponíveis e mais alguns; os processos admi-
nistrativos já não são céleres — sabemos disso —, e vejo distanciarmos cada vez mais
uma possibilidade de efetiva persecução criminal. Digo isso porque acompanhei, no
Tribunal da 4ª Região — um dos primeiros tribunais a atuar de maneira muito incisiva
em relação a esse tipo de delito —, que o resultado de arrecadação de tributos federais em
toda a região do Paraná, de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul cresceu enormemente
a partir daí, pois a atuação da Justiça importou em efeito secundário. Além de coibir a
prática do delito, teve efeito persuasivo com relação a outros contribuintes que, talvez,
atuassem de maneira irregular, mas, vendo como a Justiça efetivamente funcionava e
dava uma resposta pronta a esse tipo de delito — colocando, muitas vezes, empresários
atrás das grades —, a própria arrecadação federal cresceu enormemente.
Inclino-me, naturalmente, à decisão do Plenário, mas espero que algum dia ainda
possamos revisar esse posicionamento.
O Sr. Ministro Carlos Velloso: Fica suspensa a prescrição.

EXTRATO DA ATA
HC 84.092/CE — Relator: Ministro Celso de Mello. Paciente: Terezinha de Jesus
Bezerra. Impetrantes: Francisco Marcello Martins Desidério e outro. Coator: Superior
Tribunal de Justiça.
Decisão: A Turma, por votação unânime, deferiu o pedido de habeas corpus, nos
termos e para os efeitos indicados no voto do Relator. Ausente, justificadamente, o
Ministro Gilmar Mendes.
R.T.J. — 196 223

Presidência do Ministro Celso de Mello. Presentes à sessão os Ministros Carlos


Velloso e Ellen Gracie. Ausente, justificadamente, o Ministro Gilmar Mendes. Subpro-
curador-Geral da República, Dr. Haroldo Ferraz da Nóbrega.
Brasília, 22 de junho de 2004 — Antonio Neto Brasil, Coordenador.

HABEAS CORPUS 84.253 — RO

Relator: O Sr. Ministro Celso de Mello


Paciente: Rosa Maria Nascimento Silva — Impetrante: Fábio Jorge Ângelo
Silva — Coator: Relator da Ação Penal n. 200000433985 do Superior Tribunal de
Justiça
Habeas corpus — Procedimento penal — Reconhecimento de que se
consumou, na espécie, a prescrição da pretensão punitiva do Estado —
Pedido, nesse sentido, formulado pelo próprio Ministério Público — Im-
possibilidade de o Parquet, por intermédio de novo representante e medi-
ante reinterpretação e nova qualificação dos mesmos fatos, chegar a con-
clusão diversa daquela que motivou o seu anterior pedido de extinção da
punibilidade — Situação que impede o prosseguimento da persecução
penal — Pedido deferido.
— O arquivamento judicial do inquérito ou das peças que consubs-
tanciam a notitia criminis, quando requerido pelo Ministério Público, por
ausência ou insuficiência de elementos informativos, não afasta a possibi-
lidade de aplicação do que dispõe o art. 18 do CPP, hipótese em que,
havendo notícia de provas substancialmente novas (Súmula 524/STF —
RTJ 91/831), legitimar-se-á a reabertura das investigações penais (RTJ
106/1108 — RTJ 134/720 — RT 570/429 — Inq 1.947/SP, Rel. Min. Celso
de Mello, v.g.).
— Inexistirá, contudo, essa possibilidade, se o Poder Judiciário, ao
reconhecer consumada a prescrição penal, houver declarado extinta a
punibilidade do indiciado/denunciado, pois, em tal caso, esse ato decisó-
rio revestir-se-á da autoridade da coisa julgada em sentido material,
inviabilizando, em conseqüência, o ulterior ajuizamento (ou prossegui-
mento) de ação penal contra aquele já beneficiado por tal decisão, ainda
que o Ministério Público, agindo por intermédio de novo representante e
mediante reinterpretação e nova qualificação dos mesmos fatos, chegue a
conclusão diversa daquela que motivou o seu anterior pleito de extinção
da punibilidade. Precedentes.
224 R.T.J. — 196

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo
Tribunal Federal, em Segunda Turma, na conformidade da ata do julgamento e das
notas taquigráficas, por unanimidade de votos, deferir o pedido de habeas corpus, nos
termos do voto do Relator.
Brasília, 26 de outubro de 2004 — Celso de Mello, Presidente e Relator.

RELATÓRIO
O Sr. Ministro Celso de Mello: Trata-se de habeas corpus, que, impetrado em
favor de Rosa Maria Nascimento Silva, insurge-se contra despacho emanado do emi-
nente Ministro Humberto Gomes de Barros, do E. Superior Tribunal de Justiça, que,
nos autos da Notícia Crime n. 168/RO, determinou a notificação da ora paciente, para
que esta apresentasse resposta a aditamento de denúncia oferecido pelo Ministério
Público Federal, nos autos daquele procedimento investigatório.
O Ministério Público Federal, em parecer da lavra do eminente Subprocurador-
Geral da República, Dr. Haroldo Ferraz da Nóbrega, assim sumariou e apreciou a
presente impetração (fls. 173/183):
“O impetrante apresenta habeas corpus, em favor de Rosa Maria Nascimento
Silva, Magistrada, apontando como autoridade coatora o Ministro Humberto Gomes
de Barros, por haver determinado a notificação da paciente para responder a adita-
mento à denúncia do Ministério Público Federal, em feito que já fora arquivado
pelo STJ, a pedido do próprio Ministério Público Federal.
Vê-se dos autos que, ao analisar a Notícia de Crime n. 168-STJ, a Represen-
tante do Ministério Público Federal, Dra. Delza Curvello Rocha, pediu o arquiva-
mento do feito com relação a Rosa Maria Nascimento Silva, por entender que a sua
conduta se subsumia no delito de prevaricação, à época já alcançado pela prescri-
ção, pelo decurso de prazo prescricional.
Tal pronunciamento foi acolhido pelo Relator do feito (NC 168-RO (2000/
0043398-5), Ministro Humberto de Barros.
Transcrevo a sua decisão:
‘Notícia Crime n. 168 - RO (2000/0043398-5)
Relator: Ministro Humberto Gomes de Barros
Noticiante: Ministério Público Federal
Noticiado: Bianca Cristina Nascimento Corcino Pinto
Advogado:Pedro Wanderley dos Santos e outros
Noticiado: Verônica Nascimento Silva
Advogado: Arlete Torres e outros
R.T.J. — 196 225

Noticiado: Rosa Maria Nascimento Silva


Advogados: Carlos Augusto Sobral Rolemberg
Arlete Torres e outros
Noticiado: Abilmar N C Pinto
Noticiado: Benjamin do Couto Ramos
Noticiado: Heraldo Froes Ramos
Noticiado: Pedro Pereira de Oliveira
Noticiado: Nelson Pereira da Silva
Decisão
Cuida-se de Notícia Crime instaurada a partir de cópias de peças ex-
traídas de autos da Justiça Federal de Rondônia, encaminhadas pela Procura-
doria da República daquele Estado, que noticiam a prática, em tese, de cri-
mes praticados por Juízes e funcionários do TRT da 14a Região, em face da
ilegal contratação e manutenção em cargos públicos, das servidoras Verônica
Nascimento Silva e Bianca Cristina Nascimento Corsino Pinto.
Consta dos autos que Verônica Nascimento Silva foi admitida no TRT
da 14a Região, em 12.08.1988, aos 14 anos de idade, sob o regime da CLT,
no cargo de Atendente de Trabalhos Judiciários, sendo lotada no Gabinete
de sua mãe, a Juíza Rosa Maria Nascimento e Silva, sendo que o vínculo
empregatício perdurou até 22.05.1997, quando foi exonerada do quadro de
pessoal.
O Tribunal de Contas da União apurou e concluiu que ela percebia
remuneração paga pelo TR T de 1993 a 1997, sem a respectiva contrapartida
laboral, pois cursava Ciências Biológicas-Modalidade Médica, na UNI-
Mauá, em Ribeirão Preto/SP. O TCU, no processo DC-0678-21-02-P, deter-
minou a devolução do dinheiro recebido ilegalmente.
Os autos relatam que a referida servidora ocupou funções comissiona-
das no Gabinete de sua mãe, exercendo a Chefia de Gabinete, concomitan-
temente ao tempo em que estudava em São Paulo, logicamente, com a
conivência de sua genitora.
Quanto a Bianca Cristina Nascimento Corcino Pinto, consta que foi
admitida pelo mesmo TRT, em 28.09.88, aos 12 anos de idade, sob o regime
da CLT, no cargo de Artífice, sendo também lotada no Gabinete da Juíza
Rosa Maria Nascimento Silva, sua tia. Apurou-se que a mesma também ocupou
cargos comissionados naquele Gabinete e que também não prestou serviços
ao Tribunal no período de janeiro de 1995 a 28 de fevereiro de 1996, pois era
aluna e freqüentava o curso de Direito da Universidade de Ribeirão Preto.
(conf. Decisão 678/2000- TCU).
Os autos noticiam que a juíza Rosa Maria Nascimento Silva exercia a
Presidência daquele TRT, quando sua filha e sobrinha, lotadas em seu gabi-
nete e exercendo função de confiança, encontravam-se estudando no Estado
de São Paulo.
226 R.T.J. — 196

O Ministério Público requereu várias diligências que foram deferidas e


cumpridas durante o curso do processo.
Após a conclusão das diligências, o Parquet Federal emitiu Parecer,
onde requer seja declarada a extinção da punibilidade com relação à Juíza,
quanto ao crime de prevaricação, tendo em conta a ocorrência da prescrição.
Decido:
Do parecer do Ministério Público que bem elucida os fatos e
tipifica as condutas dos envolvidos, extraem-se os seguintes trechos:
‘13. As irregularidades apontadas pelo Tribunal de Contas da
União, demonstram que desde o início da gestão da Juíza Rosa Maria
(1995) até 01 de março de 1996, tanto Verônica com Bianca encontra-
vam-se vinculadas ao seu Gabinete. Em verdade, a postura adotada
pela Juíza Rosa Maria Nascimento Silva demonstra que a mesma dei-
xou de praticar, indevidamente, ato de oficio, quando da não comuni-
cação da irregularidade funcional que presenciava em seu gabinete;
onde a satisfação de sentimento pessoal materializou-se no momento
em que manteve sob sua guarda, silêncio e proteção, filha e sobrinha
que se encontravam em situação funcional irregular, não por um dia,
mas por meses, inclusive durante o período em que exercia a presidên-
cia daquela Corte de Justiça.
14. A conduta descrita tipifica o crime previsto no art. 319 do
Código Penal Brasileiro, qual seja:
‘Art. 319. Retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de
oficio, ou praticá-lo o contra disposição expressa de lei, para satisfazer
interesse ou sentimento pessoal:
Pena-detenção de 3 (três) meses a 1 (um) ano, e multa’.
15. Ocorre que, referentemente à situação irregular de sua filha e de sua
sobrinha, a última vinculação ao gabinete da Juíza ocorreu em 01 de março
de 1996. Assim, a conduta típica em análise foi atingida pela prescrição eis
que o delito de prevaricação sujeita-se ao prazo prescricional de 04 (quatro)
anos, nos termos do art. 109, inciso V do Código Penal.
16. Evidencia-se, portanto, a extinção da punibilidade nos termos do
art. 107, inciso IV do Código Penal, acontecimento penalmente relevante,
que impede a reprimenda por parte do Estado, sem, contudo, influenciar na
restituição pecuniária a que o Estado, notadamente como conseqüência da
prática de atos de improbidade.
17. Pelo contexto, depreende-se que os fatos em questão são também
atos de improbidade que espelham a prática de condutas desonestas dentro
da administração pública, afastando-se da moralidade e dos deveres de boa
administração, conforme posicionamento do Ilustre Ministro do Superior
Tribunal de Justiça, relator do REsp n. 0269.683, quais sejam:
‘(...) tem-se que o ato de improbidade, a ensejar a aplicação da Lei
8429/92, não pode ser identificado tão somente como aquele que
inobserva algum ditame legal.
R.T.J. — 196 227

A incidência das sanções previstas na lei mencionada carece de


um plus, traduzido no evidente propósito de auferir vantagem, causando
dano ao erário, pela prática de ato desonesto dissociado da moralidade
e dos deveres de boa administração, lealdade boa fé’. (RESP n. o
269.683). (grifo nosso).
18. Por fim, é inconteste o fato de não existirem, em qualquer parte dos
autos, indícios de materialidade quanto às pessoas elencadas às fls. 02 desta
Notícia Crime, quais sejam: Abilmar N C. Pinto; Benjamim do Couto Ramos;
Pedro Pereira de Oliveira e Nelson Pereira de Oliveira; o que por si só já obsta
a existência de justa causa para a propositura de ação penal.
19. Ademais, conforme veio a esclarecer a Decisão 678/02 do Tribunal
de Contas da União, realmente existia a possibilidade de contratação pela
CLT, àquela época, de indivíduos com idade mínima de 12 anos. Portanto,
não há como cogitar a existência de ilegalidade nas contratações. Pode-se
apenas ponderar que tais contratações não estavam amparadas pelo manto da
razoabilidade, princípio que deve permear a administração pública.’ (fls.
1283/1284).
Fatos desta natureza causam indignação, tanto mais, porque tiveram
participação e conivência de agente político investido em função pública
relevante. Infelizmente, nada posso fazer, pois o juiz está adstrito aos ditames
da lei, que pelo decurso do tempo, limita o direito do Estado de punir os
infratores.
Acato o requerimento do Ministério Público Federal. Declaro extinta a
punibilidade em relação à Juíza Rosa Maria Nascimento Silva, quanto ao delito
de prevaricação, tendo em vista a ocorrência da prescrição (CP, 107, IV).
Publique-se. Intime-se.
Brasília (DF), 16 de setembro de 2002.
Ministro Humberto Gomes de Barros’ (autos, fls. 52/4).
Posteriormente, com base nos mesmos fatos, o Ministério Público Federal,
representado pelo Dr. José Roberto Figueiredo Santoro, entendeu que a paciente
cometera, não prevaricação, mas peculato, tipificado no art. 312 § 1º do Código
Penal (fls. 72/81).
Por isso, ofereceu aditamento à denúncia, que a paciente foi notificada a
responder.
Após a resposta da paciente, o Ministério Público Federal, segundo anotam
as informações, veio a opinar no sentido de
‘que deve ser mantida a decisão judicial de arquivamento do feito
também com relação aos acusados Heraldo Fróes Ramos e Rosa Maria Nasci-
mento Silva’ (autos, fls. 93).
228 R.T.J. — 196

A propósito, transcrevo o que disse o Ministério Público Federal, represen-


tado pelo Dr. Francisco Xavier Pinheiro Filho, ao analisar a resposta de Rosa
Maria Nascimento Silva:
‘28. No mais, em que pese o posicionamento do Ilustre Colega Subpro-
curador-Geral Dr. José Roberto Figueiredo Santoro, entendo que no presente
caso não seria cabível o aditamento à denúncia, devendo ser mantida a
decisão de arquivamento procedida a requerimento deste órgão ministerial,
pertinente aos noticiados Abilmar N. C. Pinto, Benjamim do Couto Ramos,
Heraldo Fróes Ramos, Pedro Pereira de Oliveira e Nelson Pereira de Oliveira
em razão de se ter reconhecido a inexistência de conduta delitiva e, em
relação à noticiada Rosa Maria Nascimento Silva, pela ocorrência da pres-
crição penal.
29. Isso porque, fazendo o cotejo entre o pedido de arquivamento e o
aditamento à denúncia, observa-se que ambos estão balizados nos mesmos
fatos, sendo diversas, apenas, as capitulações legais atribuídas, pois, enquanto
o pedido de arquivamento refere-se ao crime de prevaricação, o aditamento à
denúncia enquadra os acusados no delito de peculato.
30. Ocorre que a alteração da tipificação penal não tem o condão de
autorizar o desarquivamento da notícia crime e o oferecimento de aditamento
à denúncia com relação a alguns dos noticiados, uma vez que não foram
apresentadas novas provas.
31. A propósito, trago à baila julgamentos proferidos pelo Supremo
Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça acerca de arquivamento de
inquérito policial, que, pela semelhança da matéria, entendo aplicáveis ao
caso em exame:
‘Arquivamento de inquérito policial. Súmula 524. A simples alte-
ração da classificação legal dos fatos não legitima a instauração da
ação penal, depois de arquivado o inquérito por despacho do juiz, a
requerimento do Ministério Público. Somente a produção de novas
provas poderá autorizar o oferecimento de denúncia. Súmula 524.
Habeas corpus deferido’ (RHC n. 59734/SP, Rel. Min. Soarez Munoz,
1ª Turma, DJ 11-6-1982).
‘Arquivamento. Novo indiciamento requerido pelo Ministério
Público em relação ao mesmo delito, fundado em novas provas. Mate-
rial probatório constituído unicamente de elementos já versados no
feito anterior. Habeas corpus concedido para o trancamento do segundo
inquérito. Aplicação da Súmula 524’ (RT, 646/334).
‘Arquivado o inquérito ou as peças de informações a requerimento
do órgão do Ministério Público, não pode a ação penal ser iniciada sem
novas provas. Novas provas são aquelas que produzem alteração no
panorama probatório ‘dentro do qual foi concebido ou acolhido o pe-
dido de arquivamento, e não aquelas, apenas, formalmente novas. Inte-
ligência da Súmula 524 do STF’ (RSTJ).
R.T.J. — 196 229

32. Assim, observa-se que somente a existência de novos elementos de


prova ensejaria o desarquivamento da noticia crime e o aditamento à denúncia
para o fim de alterar a tipificação legal e incluir no pólo passivo os noticiados
que detém foro privilegiado, circunstância não verificada na espécie.
33. Dito isso, entendo que deva ser mantida a decisão judicial de
arquivamento do feito com relação também aos acusados Heraldo Fróes
Ramos e Rosa Maria Nascimento Silva. No que se refere ao acusado Oswaldo
Almeida Moura que seja declarada a extinção da punibilidade em razão do
seu falecimento.
34. Não obstante, requer o Ministério Público que os autos sejam reme-
tidos à instância a quo para prosseguimento do feito no que se refere às
denunciadas Bianca Cristina Nascimento Corcino Pinto e Verônica Nasci-
mento Silva, caso já não tenha ocorrido a prescrição da pretensão punitiva do
Estado.
Brasília, 18 de junho de 2004.
Francisco Xavier Pinheiro Filho
Subprocurador-Geral da República’ (autos, fls. 167/9).
Analiso apenas a situação de Rosa Maria Nascimento Silva, a paciente.
Opino no sentido da concessão do habeas corpus, pois entendo que a reaber-
tura do feito, com relação a ela, viola a Súmula 524-STF. No ponto, faço minhas as
palavras do Dr. Francisco Xavier Pinheiro Filho, já transcritas.
Não havia prova nova a justificar a reabertura do feito com relação a Rosa
Maria Nascimento Silva.
Opino, ante o exposto, no sentido da concessão do habeas corpus, para tran-
car, com relação a Rosa Maria Nascimento Silva, a ação penal n. 311/RO (2000/
0043398-5) (ver fls. 92/3).” (Grifei)
É o relatório.

VOTO
O Sr. Ministro Celso de Mello (Relator): Como se sabe, o arquivamento do
inquérito ou das peças que consubstanciam a notitia criminis, quando requerido pelo
Ministério Público, por ausência ou insuficiência de elementos informativos, não
afasta a possibilidade de aplicação do que dispõe o art. 18 do CPP, hipótese em que,
havendo notícia de provas substancialmente novas (Súmula 524/STF — RTJ 91/831),
legitimar-se-á a reabertura das investigações penais (RTJ 106/1108 — RTJ 134/720 —
RT 570/429 — Inq 1.947/SP, Rel. Min. Celso de Mello, v.g.).
O ato judicial que ordena o arquivamento do inquérito ou de peças de informação,
a pedido do Ministério Público, motivado pela ausência de opinio delicti derivada da
impossibilidade de o representante do Parquet identificar a existência de elementos
que lhe permitam reconhecer a ocorrência de prática delituosa, é insuscetível de recurso
230 R.T.J. — 196

(RT 422/316), embora essa decisão — por não se revestir da autoridade da coisa
julgada (RT 559/299-300 — RT 621/357 — RT 733/676) — não impeça a reabertura
das investigações penais, desde que (a) haja provas substancialmente novas (RTJ
91/831 — RT 540/393 — RT 674/356 — RT 710/353 — RT 760/654) e (b) não se
tenha consumado, ainda, a prescrição penal.
Se é certo, de um lado, que, nas circunstâncias previstas no art. 18 do CPP, a
decisão não faz coisa julgada material, não é menos exato, de outro, que tal ato decisó-
rio obstará novas investigações penais, se e quando o arquivamento houver sido deter-
minado com apoio na ausência de tipicidade penal da conduta atribuída ao agente ou,
como sucede no caso ora em exame, no reconhecimento da extinção da punibilidade do
suposto autor da infração delituosa.
Com efeito, o Supremo Tribunal Federal, enfatizando o aspecto ora realçado, já
decidiu que, em ocorrendo tal hipótese, torna-se inviável a reabertura de procedi-
mento investigatório já arquivado (RTJ 127/193, Rel. Min. Octavio Gallotti — RTJ
179/755, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, v.g.).
Nem se diga, para justificar-se o ajuizamento de ulterior ação penal (ou, como no
caso, a formalização de aditamento à denúncia), quando já declarada, judicialmente, a
pedido do Ministério Público, a extinção da punibilidade, que o órgão da acusação
penal, agindo por intermédio de novo representante e mediante reinterpretação e nova
qualificação dos fatos, tenha chegado a conclusão diversa daquela que motivou o seu
anterior pleito de reconhecimento da ocorrência de causa extintiva do jus puniendi do
Estado.
O comportamento do segundo representante do Ministério Público, tal como
registrado nestes autos, não tem, nem poderia ter, o condão de autorizar a instauração da
persecução penal em juízo, pois — consoante já decidiu o Supremo Tribunal Federal —
“A simples alteração da classificação legal dos fatos não legitima a instauração da
ação penal, depois de arquivado o inquérito por despacho do juiz, a requerimento do
Ministério Público” (RTJ 103/590, Rel. Min. Soares Muñoz — grifei).
Cumpre acentuar, ainda, por necessário, que essa mesma orientação reflete-se
no magistério da doutrina (Julio Fabbrini Mirabete, “Código de Processo Penal Inter-
pretado”, p. 124, item n. 18.1, 11ª ed., 2003, Atlas), valendo mencionar, a tal propósito,
a lição de Carlos Frederico Coelho Nogueira (“Comentários ao Código de Processo
Penal”, vol. I, p. 408, item n. 126, 2002, Edipro):
“Nas hipóteses em que o motivo do arquivamento foi a extinção da
punibilidade, não é aplicável o art. 18, dado que esse fenômeno é irreversível:
extinta a punibilidade, o Estado não recupera mais o jus puniendi. Além disso, a
decisão que declara extinta a punibilidade faz coisa julgada formal e material,
impedindo a reabertura do caso.” (Grifei)
Foi por essa razão que o Ministério Público Federal, em manifestação da lavra
do ilustre Subprocurador-Geral da República, Dr. Francisco Xavier Pinheiro Filho,
oferecida nos próprios autos da Ação Penal n. 311/RO, em trâmite perante o E. Superior
Tribunal de Justiça, em que a ora paciente figura como denunciada, assim se pronun-
ciou (fls. 167/169):
R.T.J. — 196 231

“No mais, em que pese o posicionamento do Ilustre Colega Subprocurador-


Geral Dr. José Roberto Figueiredo Santoro, entendo que no presente caso não seria
cabível o aditamento à denúncia, devendo ser mantida a decisão de arquivamento
procedida a requerimento deste órgão ministerial, pertinente aos noticiados
Abilmar N. C. Pinto, Benjamim do Couto Ramos, Heraldo Fróes Ramos, Pedro
Pereira de Oliveira e Nelson Pereira de Oliveira, em razão de se ter reconhecido
a inexistência de conduta delitiva e, em relação à noticiada Rosa Maria Nasci-
mento Silva, pela ocorrência da prescrição penal.
(...)
Isso porque, fazendo o cotejo entre o pedido de arquivamento e o aditamento
à denúncia, observa-se que ambos estão balizados nos mesmos fatos, sendo diver-
sas, apenas, as capitulações legais atribuídas, pois enquanto o pedido de arqui-
vamento refere-se ao crime de prevaricação, o aditamento à denúncia enquadra
os acusados no delito de peculato.
Ocorre que a alteração da tipificação penal não tem o condão de autorizar o
desarquivamento da notícia crime e o oferecimento de aditamento à denúncia com
relação a alguns dos noticiados (...).
A propósito, trago à baila julgamentos proferidos pelo Supremo Tribunal
Federal e Superior Tribunal de Justiça acerca de arquivamento de inquérito poli-
cial, que, pela semelhança da matéria, entendo aplicáveis ao caso em exame:
‘Arquivamento de inquérito policial. Súmula 524. A simples alteração
da classificação legal dos fatos não legitima a instauração da ação penal,
depois de arquivado o inquérito por despacho do juiz, a requerimento do
Ministério Público (...).’” (Grifei)
A declaração de extinção da punibilidade registrou-se, na presente causa, em
virtude de pedido formulado pelo ilustre representante do Ministério Público Federal,
com atuação perante o E. Superior Tribunal de Justiça, que reconheceu a impossibili-
dade jurídica de deduzir qualquer acusação penal contra a ora paciente, considerada
a ocorrência, no caso em exame, de causa extintiva do jus puniendi estatal pertinente
ao delito de prevaricação.
Eis, no ponto, a manifestação da ilustre Subprocuradora-Geral da República, Dra.
Delza Curvello Rocha, quando expressamente reconheceu, em relação à ora paciente,
nos autos da NC 168/RO, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, a consumação, na
espécie, da prescrição da pretensão punitiva do Estado (fls. 61/62):
“Ocorre que, referentemente à situação irregular de sua filha e de sua sobri-
nha, a última vinculação ao gabinete da Juíza ocorreu em 01 de março de 1996.
Assim, a conduta típica em análise foi atingida pela prescrição eis que o delito de
prevaricação sujeita-se ao prazo prescricional de 04 (quatro) anos, nos termos do
art. 109, inciso V do Código Penal.
232 R.T.J. — 196

Evidencia-se, portanto, a extinção da punibilidade nos termos do art. 107,


inciso IV do Código Penal, acontecimento penalmente relevante, que impede a
reprimenda penal por parte do Estado (...).
(...)
Ante o exposto, requer o Ministério Público Federal seja declarada a
extinção da punibilidade com relação à Juíza Rosa Maria Nascimento Silva,
quanto ao delito de prevaricação (...).” (Grifei)
Como precedentemente já enfatizado, o eminente Ministro Humberto Gomes de
Barros, autoridade ora apontada como coatora, deferiu esse pedido e declarou extinta
a punibilidade da paciente.
Não obstante tal situação, um outro Subprocurador-geral da República, discor-
dando daquela anterior promoção, e com fundamento em nova classificação jurídica
que deu aos mesmos fatos, deduziu acusação penal contra a ora paciente, imputando-lhe,
mediante aditamento à denúncia — embora presente o mesmo contexto fático e proba-
tório — a suposta prática de delito mais grave e diverso daquele que motivara o pedido
de extinção da punibilidade formulado em relação a Rosa Maria Nascimento Silva.
Ora, a decisão em causa, ao declarar extinta a punibilidade da paciente, a pedido
do Ministério Público, reveste-se da autoridade da coisa julgada em sentido material,
o que se revela bastante para inviabilizar, presentes os mesmos fatos, o ulterior prosse-
guimento da persecução penal contra a mesma pessoa já beneficiada por ato decisório
que reconhecera afetada, pela prescrição penal, a pretensão punitiva do Estado.
Revela-se de extrema pertinência, consideradas as circunstâncias do caso em
exame, a advertência constante do julgamento, pelo Supremo Tribunal Federal, do RHC
43.541/SP, quando o eminente Relator da causa, Ministro Oswaldo Trigueiro, assinalou,
com inteira propriedade, o que se segue (RTJ 40/111-114, 113):
“Ao argumento de que o Ministério Público, pelo primeiro Promotor que
examina o inquérito, não pode ter o arbítrio de pôr têrmo definitivo à ação penal,
respondeu o voto vencedor do Sr. Ministro Victor Nunes que, se o juiz defere o
pedido, o ato do Ministério Público fica em segundo plano, porque passa a existir,
com mais força, uma decisão judicial que reconheceu a inexistência do crime, ou
a falta de elementos para a ação penal.” (Grifei)
Cabe rememorar, nesta passagem, no mesmo sentido do texto, o valioso magis-
tério de Sérgio Marcos de Moraes Pitombo (“Inquérito Policial: Novas Tendências”,
pp. 23/27, item n. 7, 1986, Iasp/Cejup):
“Na verdade, o Poder Judiciário exara, ao arquivar, um juízo de suficiência,
ou categórico, sobre a questão penal. É ato de razão e de vontade (...).
Ao determinar o arquivamento de inquérito policial, decide sobre as provas
nele coligidas e consoante pedido motivado (‘as razões invocadas’, art. 28, do
Cód. de Proc. Penal), do Ministério Público. Verifica e declara, assim, que tais
indispensáveis meios de prova:
(...)
Em outras palavras, o arquivamento, como ato decisório, consiste em sen-
tença definitiva ou terminativa, consoante atinja ou não o mérito, a qual extingue
a fase procedimental da persecutio criminis.
R.T.J. — 196 233

As sentenças terminativas, como se há de perceber, apenas operam a coisa


julgada formal, coibindo o procedimento em curso.
Nada obsta, por conseguinte, que, em base de novas provas, ocorra o
desarquivamento (art. 18, do Cód. de Proc. Penal e Súmula n. 524, do Supremo
Tribunal Federal). O ato decisório anterior, sem força, portanto, material de coisa
julgada.
Já as definitivas, chegando ao mérito da causa penal, fazem coisa julgada
formal e material, ganhando autoridade absoluta, frente à inexistência de revisão,
ou rescisão pro-societate.
Mostram-se, quando o Juízo Penal, ao arquivar, declara que o fato não
existiu; reconhece que o evento não é infração penal; afirma a ocorrência de causa
de exclusão da antijuridicidade; ou revela a incidência de causa de extinção da
punibilidade.
(...)
Não poderia o Ministério Público, por isso, a pretexto de corrigir pretensos
erros, exumar inquéritos policiais arquivados, mediante sentença, que decidiu
pelo mérito. Não lhe é permitido cassar ato decisório judicial definitivo e firme.”
(Grifei)
Não foi por outra razão — consoante esclarece o eminente Ministro Humberto
Gomes de Barros, nas informações prestadas a esta Corte (fls. 92/93) — que o próprio
Ministério Público Federal, mesmo após o aditamento da denúncia contra a ora paci-
ente, por delito diverso daquele que motivou o pedido de extinção de sua punibilidade,
insistiu, ainda assim, no prevalecimento da anterior promoção do Parquet, já acolhida
por decisão materialmente transitada em julgado:
“a) Após noticia-crime que tramitou perante esta Corte, o Ministério Público
Federal manifestou-se às fls. 1278/1284 pela extinção da punibilidade em relação
à Juíza Rosa Maria Nascimento Silva e pelo arquivamento em relação às pessoas
dos Juízes Abilmar N. C. Pinto, Benjamim do Couto Ramos, Heraldo Fróes Ramos,
Pedro Pereira de Oliveira e Nelson Pereira de Oliveira, ante a inexistência de con-
duta delitiva;
b) Por decisão às fls. 1286/1288, acatei o requerimento do Ministério Público,
declarando extinta a punibilidade em relação à Juíza Rosa Maria Nascimento
Silva, quanto ao delito de prevaricação. Deferi, também, em complementação a
essa decisão, o arquivamento dos autos em relação às demais pessoas indicadas
pelo Ministério Público, tendo em vista a inexistência de conduta delitiva (fl.
1291);
c) Às fls. 1297, determinei que o Ministério Público requeresse o que de
direito com relação às noticiadas Bianca Cristina Nascimento Corcino Pinto e
Verônica Nascimento Silva;
234 R.T.J. — 196

d) Este entendeu por aditar a peça acusatória, denunciando: Rosa Maria do


Nascimento Silva, Verônica Nascimento Silva, Bianca Cristina Nascimento
Corcino Pinto, Heraldo Fróes Ramos e Oswaldo de Almeida Moura nas penas dos
artigos 312, § 1º c/c 29 ambos do Código Penal Brasileiro;
e) Ofertada a peça de acusação, ordenei a notificação dos denunciados para
oferecerem resposta no prazo de 15 dias (fl. 1320);
f) Foram apresentadas respostas por Heraldo Fróes Ramos (fls. 1339/1353),
Rosa Maria Nascimento Silva (fls. 1396/1410), Verônica Nascimento Silva (fls.
1412/1425), Bianca Cristina Nascimento Corsino Pinto (fls. 1452/1455) e à fl.
1449 foi juntada a certidão de óbito do acusado Oswaldo Almeida Moura;
g) Às fls. 1459/1472, o Ministério Público Federal ao manifestar-se sobre as
respostas dos acusados, entendeu que deve ser mantida a decisão judicial de arqui-
vamento do feito também com relação aos acusados Heraldo Fróes Ramos e Rosa
Maria Nascimento Silva e que deve ser declarada a extinção da punibilidade quan-
to ao acusado Oswaldo Almeida Moura em razão de seu falecimento; (...).” (Grifei)
Eis porque o eminente Subprocurador-Geral da República, Dr. Haroldo Ferraz
da Nóbrega, considerando todos os aspectos ora ressaltados, manifestou-se, nestes
autos, pelo integral deferimento do pedido de habeas corpus ora em julgamento (fls.
173/183).
Sendo assim, tendo em consideração as razões expostas, e acolhendo, ainda, o
parecer da douta Procuradoria-Geral da República (fls. 173/183), defiro o pedido de
habeas corpus e, em conseqüência, determino a imediata extinção, com relação à ora
paciente, Rosa Maria Nascimento Silva, do procedimento penal em curso, contra ela,
perante o E. Superior Tribunal de Justiça (Ação Penal n. 311/RO — fls. 92/93).
É o meu voto.

EXTRATO DA ATA
HC 84.253/RO — Relator: Ministro Celso de Mello. Paciente: Rosa Maria Nasci-
mento Silva. Impetrante: Fábio Jorge Ângelo Silva. Coator: Relator da Ação Penal n.
200000433985 do Superior Tribunal de Justiça.
Decisão: A Turma, por votação unânime, deferiu o pedido de habeas corpus, nos
termos do voto do Relator.
Presidência do Ministro Celso de Mello. Presentes à sessão os Ministros Carlos
Velloso, Ellen Gracie, Gilmar Mendes e Joaquim Barbosa. Subprocurador-Geral da Re-
pública, Dr. Paulo da Rocha Campos.
Brasília, 26 de outubro de 2004 — Carlos Alberto Cantanhede, Coordenador.
R.T.J. — 196 235

HABEAS CORPUS 84.424 — SP

Relator: O Sr. Ministro Carlos Britto


Paciente: Flávio Rodrigues Mendes ou Flavio Rodrigues Mendes — Impetrante:
Luiz Manoel Gomes Junior — Coator: Superior Tribunal de Justiça
Habeas corpus. Alegação de inexistência de lesão a bem juridica-
mente protegido, em ordem a justificar a pena fixada. Pedido de aplicação
do princípio da insignificância.
O princípio da insignificância, vetor interpretativo do tipo penal, é
de ser aplicado tendo em conta a realidade brasileira, de modo a evitar
que a proteção penal se restrinja aos bens patrimoniais mais valiosos,
ordinariamente pertencentes a uma pequena camada da população.
A aplicação criteriosa do postulado da insignificância contribui,
por um lado, para impedir que a atuação estatal vá além dos limites do
razoável no atendimento do interesse público. De outro lado, evita que
condutas atentatórias a bens juridicamente protegidos, possivelmente
toleradas pelo Estado, afetem a viabilidade da vida em sociedade.
O parâmetro para aplicação do princípio da insignificância, de sorte
a excluir a incriminação em caso de objeto material de baixo valor, não
pode ser exclusivamente o patrimônio da vítima ou o valor do salário
mínimo, pena de ensejar a ocorrência de situações absurdas e injustas.
No crime de furto, há que se distinguir entre infração de ínfimo e de
pequeno valor, para efeito de aplicação da insignificância. Não se discute
a incidência do princípio no tocante às infrações ínfimas, devendo-se,
entretanto, aplicar-se a figura do furto privilegiado em relação às de
pequeno valor.
Habeas corpus indeferido.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turma
do Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence, na
conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos,
indeferir o pedido de habeas corpus.
Brasília, 7 de dezembro de 2004 — Sepúlveda Pertence, Presidente — Carlos Ayres
Britto, Relator.

RELATÓRIO
O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto: Cuida-se de habeas corpus, substitutivo de
recurso ordinário, com pedido de liminar, impetrado contra decisão do Superior
Tribunal de Justiça, que, por meio de sua Quinta Turma, ao julgar o Habeas Corpus n.
30.358, por unanimidade, negou a ordem requerida, nos termos da ementa abaixo
transcrita:
236 R.T.J. — 196

“Penal e Processual Penal. Habeas corpus. Furto. Princípio da insignificância.


I - No caso de furto, para efeito da aplicação do princípio da insignificância, é
imprescindível a distinção entre ínfimo (ninharia) e pequeno valor. Este, ex vi legis,
implica eventualmente, em furto privilegiado; aquele, na atipia conglobante (dada
a mínima gravidade).
II – A interpretação deve considerar o bem jurídico tutelado e o tipo de
injusto.
Writ denegado.”
2. Os presentes autos registram que o ora paciente foi condenado, em razão do furto
de uma bicicleta avaliada em R$ 60,00 (sessenta reais), como incurso no caput do art.
155 do Código Penal, às penas de um ano e dois meses de reclusão em regime semi-
aberto e ao pagamento de onze dias-multa, com valor unitário mínimo, tendo sido a pena
privativa de liberdade substituída por duas restritivas de direitos, consistentes em pres-
tação pecuniária e prestação de serviços à comunidade (fls. 25/31).
3. Pois bem, alega o impetrante não ter havido lesão a bem jurídico protegido, de
modo a justificar a pena fixada, pelo que entende aplicáveis ao caso os princípios da
insignificância e da proporcionalidade, uma vez que o bem objeto de subtração possui
o valor de R$ 60,00 (sessenta reais) e foi recuperado, não havendo, nesses termos, ne-
nhum prejuízo à vítima. Daí pedir, liminarmente, a paralisação do feito originário e, no
mérito, o deferimento do writ para que seja trancada a ação penal.
4. Denegada a liminar e prestadas as informações (fls. 55/65 e 73/86), foram os
autos encaminhados ao Ministério Público Federal, que, adotando a fundamentação do
acórdão recorrido, opinou pela denegação do habeas corpus.
É o relatório.

VOTO
O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto (Relator): Quando do exame da medida liminar
requerida, analisei os fundamentos da impetração e decidi nos termos seguintes:
“Em que pesem os bem lançados argumentos do combativo impetrante, o
aresto impugnado traz fundamentos que, à primeira vista, seriam aptos a demons-
trar que, no caso em exame, não seria aplicável a invocada causa de exclusão da
tipicidade. Por outro lado, também não deve ser desconsiderada a referência da
sentença à reincidência e aos antecedentes do acusado, que, inclusive, “está sendo
processado pela prática de outro crime de furto” (fl. 26). Seja como for, veri-
fica-se do decreto condenatório que a pena aplicada de privação de liberdade
foi substituída por duas restritivas de direitos, consistentes no pagamento de
prestação pecuniária e na prestação de serviços à comunidade. Inexiste, portanto,
ameaça iminente de segregação do paciente, não sendo recomendável que nesse
juízo cautelar se antecipe a análise do mérito da impetração.
Nesse contexto, tenho por ausentes os pressupostos autorizadores da conces-
são da liminar pleiteada, razão pela qual a indefiro.”
R.T.J. — 196 237

7. Com efeito, segundo a maior parte da doutrina e da jurisprudência, trata-se o


princípio da insignificância de vetor interpretativo do tipo penal, tendo por escopo
restrição impeditiva da abrangência de condutas provocadoras de ínfima lesão ao bem
jurídico por ele tutelado.
8. Tal forma de interpretação é uma válida medida de política criminal, visando,
para além da descarceirização, ao descongestionamento da Justiça Penal, que deve se
ocupar apenas das infrações consideradas socialmente mais graves. Numa visão humani-
tária do Direito Penal, não deve o princípio da insignificância ser desprezado, nem
mesmo a pretexto de possível fomento da impunidade. Assim, em defesa da aplicação do
princípio, Fernando Célio de Brito Nogueira sustenta: “o que fomenta a impunidade e o
recrudescimento da criminalidade são muito mais a ausência de resposta estatal efetiva
aos grandes desmandos e ilicitudes da Nação, condutas que não raras vezes sangram
os cofres públicos e o bolso dos cidadãos que trabalham e pagam impostos, bem como
no não atendimento das necessidades básicas das pessoas.” (NOGUEIRA, Fernando
Célio de Brito. Os miseráveis e o princípio da insignificância. Boletim Ibccrim 116/7,
ano 10, jul. 2002.).
9. Ao tempo que se verificam patentes a necessidade e a utilidade do princípio da
insignificância, é imprescindível que sua aplicação se dê de maneira criteriosa, contri-
buindo, sempre tendo em conta a realidade brasileira, para evitar que a atuação estatal
vá além dos limites do razoável no atendimento do interesse público.
10. Nesses termos, como bem lembrou o eminente Relator do acórdão recorrido,
apesar de não se poder negar a relevância do princípio ora invocado, ele não pode ser
manejado no sentido de permitir que condutas atentatórias, possivelmente toleradas
pelo Estado, afetem a viabilidade da vida em sociedade.
11. In casu, verifica-se que a controvérsia se restringe a averiguar se o furto de uma
bicicleta, cujo valor é R$ 60,00 (sessenta reais), poderia ou não ser considerado como
infração de bagatela, a ponto de excluir a tipicidade da conduta do agente e, via de
conseqüência, o ius puniendi estatal.
12. Assim, apesar de o valor do veículo não ultrapassar o do salário mínimo vigente,
trata-se de bem penalmente protegido e significante. Se interpretássemos o tipo penal do
furto por meio do princípio da insignificância para excluir a incriminação em caso de
objeto material de baixo valor, seja quanto ao patrimônio da vítima, seja em face de um
parâmetro genérico e abstrato como o salário mínimo, poderíamos chegar a situações
absurdas; como a exclusão do crime quando a vítima fosse um milionário e o bem
furtado não lhe diminuísse sensivelmente o patrimônio. Por hipótese, poderíamos con-
siderar uma vítima cujo patrimônio se assemelhasse ao de Bill Gates; ocorrendo o furto
de um automóvel de propriedade dessa pessoa, não se pode dizer da ocorrência de
prejuízo significativo. Entretanto, em face da sociedade, tal conduta não poderia ser tida
como um indiferente penal.
13. Portanto, o critério para a utilização da insignificância não deve ser exclusiva-
mente a relação entre o objeto material do delito e o patrimônio da vítima no caso
concreto, pena de chegarmos a interpretações teratológicas.
238 R.T.J. — 196

14. Também no tocante ao salário mínimo vigente, não há como se reconhecer a


insignificância da conduta. Apesar de R$ 60,00 (sessenta reais) representarem aproxima-
damente um quarto do salário mínimo, não se pode dizer que, ordinariamente, alguém
que percebesse tal valor tenha condições de dispor da sua quarta parte para adquirir uma
bicicleta.
15. A esse respeito, cabe transcrever trecho do voto do Ministro Félix Fischer,
Relator do acórdão recorrido:
“(...)
Está claro, de pronto, para evitar temerária e inaceitável incerteza denotativa,
que a aplicação do princípio da insignificância deve sempre ser feita através de
interpretação referida ao bem jurídico (e não mera tabela de valores), atendendo
ao tipo de injusto. Não se deve, no entanto, atingir deliberada e gravemente a
segurança jurídica (cf. preocupação revelada por L. Régis Prado in Curso de Direito
Penal Brasileiro, vol. I, RT, 3a ed., p. 124). E não é só! Ainda que se reconheça —
como, de fato, creio ser certo — a sua observância mesmo nos casos de delitos
privilegiados e nas infrações de menor potencial lesivo, não como forma de julgar
contra legem, mas, isto sim, de reconhecer que abaixo de certo patamar de
desvalor, em grau, aí, ínfimo (ninharia), até a figura típica derivada pode não
incidir. Ainda assim, repito, o manejo desta causa de atipia conglobante não deve
contrastar, frontalmente, com outros princípios, v.g., como o da razoabilidade.
Primeiro, vale dizer, inclusive por óbvio, que o princípio da insignificância não
pode ter a finalidade de afrontar critérios axiológicos elementares. Asseverar-se
que devem ser penalmente toleradas subtrações de objetos não essenciais (de
pequeno, porém não ínfimo, valor) por pessoas, comparativamente (considerando-se a
nossa realidade), de classe privilegiada, tomando-se como referencial um — no
feito — questionável desvalor de resultado medido circunstancialmente pelo
julgador, data vênia, é de difícil aceitação em qualquer grau de conhecimento,
dado a manifesto desvio, aí, da finalidade das normas penais. Não se pode confun-
dir eventual reduzido juízo de censura penal (v.g. tipo privilegiado) com aceitação
ou tolerância do que, primo ictu oculi, não pode ser aceito ou tolerado. Se, aliás, o
descrito na imputatio facti devesse, ex hypothesis, merecer aprovação (pela via da
adequação social) ou tolerância da coletividade pela suposta mínima gravidade
(pela via da insignificância), a prática de furtos de pequenos objetos em supermer-
cados teria que ser considerada, mormente para integrantes de classes privilegia-
das, como uma espécie de(...) hobby (o furto seria penalmente típico, por assim
dizer, conforme a “perigosidade social” decorrente da classe social a que perten-
cesse o agente...). Tudo isto, tornando o prejuízo, mesmo reiterado, obrigatoria-
mente, suportável pelo sujeito passivo, porquanto, pela sistemática legal em vigor,
inexiste (afora o art. 155 do CP), em casos tais, proteção jurídica viável (ou, até,
teoricamente pertinente) contra tal agir. Vale, todavia, destacar que não se deve,
evidentemente, confundir esta situação com aquela em que se discute a possível
configuração de justificativa, ex vi, v.g., art. 24 do Código Penal. Tem mais! É,
lamentavelmente, inolvidável que os pobres e até os que se encontram em situação
de miséria, não poucas vezes, são, por igual, vítimas de furtos. Se já não bastasse
o referencial estranho para pequeno valor (considerado um salário mínimo, ou
seja, tudo o que, normalmente, um pobre tem, para efeito do § 2º do art. 155 do
R.T.J. — 196 239

CP), o princípio da insignificância, sob ótica elitista, levaria uma grande parte
da população a ficar sem proteção penal no que se refere aos furtos (decerto,
deveriam, então, reclamar nos juizados cíveis (...).
(...).” (Sublinhamos).
16. Nesse diapasão, para a utilização criteriosa do princípio da insignificância, há
que se ter em conta a realidade socioeconômica do País, devendo-se, portanto, fazer a
tropicalização das doutrinas e teorias estrangeiras de acordo com o perfil da sociedade
brasileira. Dessa forma, ainda que a quantia de R$ 60,00 (sessenta reais) seja um valor
relativamente baixo, considerando-se os padrões socioeconômicos do Brasil, não é de
ser tido como desprezível. Ademais, no emprego da insignificância, há que se distinguir
entre infração de ínfimo e de pequeno valor. No que se refere à primeira espécie,
indiscutível a possibilidade de sua aplicação, uma vez que não há como negar, em face
do princípio da fragmentariedade, a desnecessidade de se chamar o Direito Penal a
regular o fato ultima ratio. Já com respeito à infração de pequeno valor, aplica-se,
eventualmente, a figura do furto privilegiado (art. 155, § 2º, do Código Penal). Daí a
importância da diferenciação, pena de julgamento contra legem.
17. Considerando-se também a distinção acima, é de se concluir que a coisa
subtraída seria de pequeno valor, porém jamais de valor ínfimo ou desprezível, não
sendo possível que se aplique, in casu, o princípio da insignificância.
18. Não fosse o bastante, como ressaltei por ocasião do indeferimento da liminar, o
acusado é reincidente específico, em furto ao qual se aplicou pena privativa de liberdade
de 1 (um) ano e 2 (dois) meses de reclusão, substituída por duas penas restritivas de
direitos. Consistentes estas no pagamento de prestação pecuniária de valor equivalente
a um salário mínimo, em benefício de entidade assistencial, e prestação de serviços à
comunidade.
19. Por fim, ocorre que o paciente, enquanto cumpria a pena acima referida, foi
novamente condenado pela prática de outro crime de furto (processo já noticiado na
sentença — fl. 26), ensejando, nos termos das informações de fl. 83, a revogação do
benefício da substituição da pena privativa de liberdade. O que impede seja reconhecida
como procedente a alegada desproporcionalidade da pena originalmente aplicada e
posteriormente confirmada pelo Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo.
20. Com todas essas considerações, denego a ordem de habeas corpus.

EXTRATO DA ATA
HC 84.424/SP — Relator: Ministro Carlos Britto. Paciente: Flávio Rodrigues
Mendes ou Flavio Rodrigues Mendes. Impetrante: Luiz Manoel Gomes Junior. Coator:
Superior Tribunal de Justiça.
Decisão: A Turma indeferiu o pedido de habeas corpus. Unânime.
Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à sessão os Ministros Marco
Aurélio, Cezar Peluso, Carlos Britto e Eros Grau. Subprocurador-Geral da República, Dr.
Edson Oliveira de Almeida.
Brasília, 7 de dezembro de 2004 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.
240 R.T.J. — 196

HABEAS CORPUS 84.484 — SP

Relator: O Sr. Ministro Carlos Britto


Paciente: Eduardo Baptista Macedo — Impetrante: Osvaldo J. Pacheco — Coator:
Superior Tribunal de Justiça
Habeas corpus. Decretação da prisão de depositário judicial infiel.
Modalidade de segregação da liberdade que não decorre de uma relação
contratual, mas, sim, do munus publico assumido pelo depositário. Alega-
ções de que parte dos bens penhorados já foi desenvolvida e de que o paci-
ente já estava desligado da pessoa jurídica executada. Afirmações não
respaldadas pelos elementos dos autos. Impossibilidade de reexame da
matéria de fato.
O depositário judicial assume o munus publico de órgão auxiliar da
Justiça, pois a ele é confiada a guarda dos bens que garantirão a efetividade
da decisão a ser proferida no processo judicial. É o vínculo funcional
entre o Juízo e o depositário que permite, verificada a infidelidade, a
decretação da prisão deste último. Não se trata, portanto, de hipótese de
prisão contratual. É esta a natureza não-contratual do vínculo que faz
com que a medida de constrição de liberdade individual se enquadre na
ressalva constitucional do inciso LXVII do art. 5º da Constituição da Re-
pública.
As alegações de que parte dos bens já foi devolvida, bem assim de
que o depositário judicial já se havia desligado de sua empresa, são con-
trariadas pelos documentos dos autos, sendo inviável o reexame aprofun-
dado do acervo probatório em sede de habeas corpus.
Ordem denegada.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turma
do Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência do Ministro Marco Aurélio, na confor-
midade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos,
indeferir o pedido de habeas corpus.
Brasília, 30 de novembro de 2004 — Marco Aurélio, Presidente — Carlos Ayres
Britto, Relator.

RELATÓRIO
O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto: Cuida-se de habeas corpus contra a decretação
da prisão civil do paciente que, na qualidade de depositário judicial, teria agido com
infidelidade.
R.T.J. — 196 241

2. Interposto agravo de instrumento perante a Corte estadual, foi ele desprovido,


ao entendimento de que, “demonstrada a infidelidade do depositário, sem qualquer
escusa para seu comportamento, possível o decreto de sua prisão administrativa” (fl. 46).
Em momento posterior, pleiteou o paciente a substituição de parte dos bens penhorados
pelo equivalente em dinheiro, o que foi indeferido pelo juízo da Fazenda do Estado de
São Paulo e também pelo respectivo Tribunal de Justiça, em sede de outro recurso de
agravo de instrumento.
3. Tais decisões proferidas pela Corte local, em sede de agravo de instrumento,
ensejaram a impetração simultânea de dois writs no Superior Tribunal de Justiça, que, a
seu turno, indeferiu uma das impetrações (HC 31.151) e julgou prejudicada a outra (HC
30.279). Daí o presente writ, em que são reiterados os argumentos dos habeas corpus
anteriores. Em síntese, o habeas corpus pondera que há divergências acerca das caracte-
rísticas e da quantidade das betoneiras penhoradas. Ainda afirma que, apesar de terem
sido penhoradas 60 betoneiras, a responsabilidade do paciente estaria reduzida a apenas
20 máquinas, fato este que já teria sido reconhecido pela própria Corte estadual. Outra
alegação constante do mandamus refere-se à impossibilidade constitucional de se decre-
tar a prisão civil por dívida. Isso de parelha com a ponderação final de que o paciente se
desligara da empresa executada, não sendo possível efetuar a entrega dos referidos bens,
que, por serem fungíveis, tornariam incabível a prisão do depositário. A postulação,
dessarte, consiste na revogação da prisão decretada.
4. A seu turno, a douta Procuradoria-Geral da República, em parecer do Subprocura-
dor-Geral, Dr. Haroldo Ferraz da Nóbrega, opinou pela parcial concessão da ordem, a fim
de que do “decreto de prisão civil venha a constar o equivalente em dinheiro aos bens
penhorados, que não estão sendo apresentados, podendo o Magistrado determinar
redução proporcional do valor equivalente aos bens penhorados, pelas unidades
comprovadamente subtraídas do poder do paciente por ordem judicial” (fl. 293).
É o relatório.

VOTO
O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto (Relator): Feito o relatório, passo ao voto.
7. Consoante relatado, o impetrante invoca múltiplos fundamentos que impediriam
a prisão do paciente. Ao meu sentir, no entanto, todos eles devem ser rejeitados.
8. De se ver que o primeiro fundamento da impetração é o de que a responsabilidade
do paciente estaria limitada a 20 betoneiras (e não a 60, tal como consta do auto de
penhora). Tal circunstância já teria sido reconhecida pelo próprio Tribunal de Justiça do
Estado de São Paulo e autorizaria fosse efetivado um depósito em dinheiro equivalente a
20 máquinas. Tal alegação, entretanto, não encontra respaldo nos elementos constantes
dos autos.
9. De fato, o Desembargador Relator do agravo de instrumento interposto pelo
paciente chegou a anotar, quando da análise do pedido de medida liminar, que a respon-
sabilidade do depositário judicial parecia se limitar, no caso, a apenas 20 betoneiras (fl.
66). Essa afirmação, no entanto, foi por ele totalmente revista no julgamento de mérito
242 R.T.J. — 196

do mencionado agravo de instrumento, ocasião em que se consignou, após exame mais


aprofundado do caso, que nenhuma das máquinas penhoradas havia sido entregue pelo
paciente.
10. Eis o que afirmou, a propósito, o ilustrado Desembargador Relator (fl. 77):
“Ainda assim continuou ele” (o paciente) “a dizer que entregou alguns bens,
levando inclusive este relator a mencionar que sua responsabilidade estaria redu-
zida. Ledo engano. Os mandados de entrega de fls. 31 e 32 fazem menção a uma
marca determinada de betoneiras, não cuidando obviamente daquelas mencionadas
no auto de penhora de que cuida este recurso. O mandado de entrega copiado em
fls. 33, por outro lado, faz menção a betoneiras equipadas com motor elétrico, não
se cuidando daquelas penhoradas e de que cuida este recurso, pois aqui não se faz
menção a motor elétrico. E os demais mandados constantes destes autos foram
dirigidos a seu sócio Antonio, terceiro estranho ao processo. Como se percebe, o
agravante não entregou nenhuma das betoneiras penhoradas para garantia do
executivo fiscal de onde se extraiu este recurso de agravo de instrumento”. (Sem
destaque no original)
11. Presente essa moldura fática, delineada pela Corte estadual, não há, no presente
writ, quaisquer elementos que respaldem a alegação do paciente de que sua responsa-
bilidade teria sido reduzida pela anterior entrega, ao Poder Judiciário, de parte das máquinas
penhoradas. Na verdade, os documentos juntados pelo impetrante nada comprovam
sobre eventual entrega de parte dos bens onerados pela penhora, pois, dos cinco mandados
judiciais de entrega de bens arrematados que foram apresentados, apenas dois são ende-
reçados à pessoa do paciente (fls. 35/38). Demais disso, a descrição física das betoneiras,
constante desses mandados de entrega, não permite que se afirme, com segurança, que se
tratava daquelas máquinas especificadas no auto da penhora cujo depositário judicial é
o paciente (fl.17).
12. E não é só. Também a alegação de que o paciente teria se desligado da empresa
executada não encontra qualquer embasamento documental. Ao contrário disso, a alte-
ração de contrato social juntada pelo impetrante refere-se à Dimac Comercial Ltda.,
enquanto que a empresa executada no processo que culminou com a decretação da
prisão do paciente por infidelidade depositária é a Macan Mercantil Ltda.
13. Todas essas divergências impedem o acolhimento das alegações do impetrante.
É que, diante da impossibilidade de reexame aprofundado do acervo probatório em sede
de habeas corpus, a análise da controvérsia deve se ater aos documentos integrantes dos
autos. Estes, a seu turno, desautorizam as afirmações no sentido da redução da responsa-
bilidade do paciente e de seu desligamento da empresa executada.
14. Cumpre referir, por oportuno, que as discrepâncias a que venho me reportar,
existentes entre as alegações do impetrante e os documentos carreados aos autos, foram
bem anotadas pela douta Procuradoria-Geral da República, que, no ponto, assim se
pronunciou:
“O impetrante não comprova, na via sumária do habeas corpus, a ilegalidade
do decreto de custódia (...).
R.T.J. — 196 243

Observe-se que o acórdão no agravo de instrumento n. 336.394-5-0 (fls.


76/78) já demonstra algumas incongruências da inicial, pois também aqui o
impetrante mistura dados pertinentes à empresa Dimac Comercial LTDA (ver fls.
31, 33 e 36), Digon Mercantil Ltda (fls. 35), com a empresa Macan Mercantil Ltda
(fls. 39), esta sim objeto da execução, na qual houve a penhora, que gerou, ante a
não apresentação dos bens penhorados, a ordem de prisão civil”. (Sem destaques
no original)
15. Analiso, por fim, o fundamento quanto à inconstitucionalidade da prisão do
paciente.
16. Como se sabe, a constrição da liberdade do depositário judicial que age com
infidelidade não se qualifica como prisão derivada de interpretação extensiva de decreto
ou lei, de maneira a equiparar determinado tipo de contrato à figura do depósito contra-
tual, para daí se extrair a figura do depositário infiel e, com isso, justificar sua custódia
(cf. RE 228.325, Rel. Min. Pertence). Não se cuida, também, de depósito decorrente de
relação contratual, em que ainda se discute sobre o cabimento da “ação de depósito” e,
conseqüentemente, do cabimento da própria prisão civil, quando os bens depositados
são fungíveis, diante do que dispõe o art. 645 do Código Civil (antigo art. 1.280 do
código revogado).
17. Em verdade, o que embasa a legitimidade da prisão do depositário judicial
infiel é a circunstância de que, nessa modalidade de depósito necessário, o juiz confia ao
depositário a guarda de bens, penhorados, seqüestrados, arrestados, constituindo-se, por
isso, um vínculo derivado dessa ordem judicial — com o intuito, naturalmente, de
preservar os bens objeto da constrição.
18. Nesse contexto, diversamente do que ocorre no depósito contratual, o deposi-
tário judicial assume um munus publico, de órgão auxiliar da Justiça, motivo pelo qual
a utilização ou destinação do bem depositado sem a prévia autorização do Juízo carac-
teriza a infidelidade depositária, apta a ensejar prisão, independente de ação de depósito.
Esse é o entendimento sedimentado no Supremo Tribunal Federal a partir do RHC 55.271,
Rel. Min. Moreira Alves, assim ementado:
“Habeas corpus. Prisão civil do executado que não restituiu ao Juízo os bens
penhorados de que era depositário.
— Tratando-se de depósito de direito processual, em que o depositário é
auxiliar do Juízo da execução, a prisão civil é imposta no processo em que se
realizou o depósito, não se lhe aplicando as normas da ação de depósito, pois esta
visa apenas à tutela do depósito que não seja judicial.
Recurso ordinário a que se nega provimento.”
19. No mesmo sentido, os demais precedentes que deram origem à Súmula 619 do
STF (RHC 55.379; RHC 58.005; RE 86.311 e RE 88.884), além de julgados posteriores,
entre os quais se pode citar o RHC 80.035, de relatoria do eminente Ministro Celso de
Mello, cuja ementa é a seguinte:
“Habeas corpus — Prisão civil — Depositário judicial que, sem justo motivo,
deixa de restituir os bens penhorados — Infidelidade depositária caracterizada —
possibiliade de decretação da prisão civil no âmbito do processo de execução,
244 R.T.J. — 196

independentemente da propositura de ação de depósito — Inocorrência de


transgressão ao Pacto de São José da Costa Rica (Convenção Americana sobre
Direitos Humanos) — Recurso improvido.
Prisão civil, depositário judicial de bens penhorados e infidelidade de-
positária.
— O depositário judicial de bens penhorados, que é responsável por sua
guarda e conservação, tem o dever ético-jurídico de restituí-los, sempre que assim
for determinado pelo juízo da execução.
O desvio patrimonial dos bens penhorados, quando praticado pelo deposi-
tário judicial ex voluntate propria e sem autorização prévia do juízo da execução,
caracteriza situação configuradora de infidelidade depositária, apta a ensejar, por
si mesma, a possibilidade de decretação, no âmbito do processo de execução, da
prisão civil desse órgão auxiliar do juízo, independentemente da propositura da
ação de depósito. Precedentes.
A questão do depositário infiel e a Convenção Americana sobre Direitos
Humanos.
— A ordem constitucional vigente no Brasil — que confere ao Poder
legislativo explícita autorização para disciplinar e instituir a prisão civil relati-
vamente ao depositário infiel (art. 5º, LXVII) — não pode sofrer interpretação que
conduza ao reconhecimento de que o Estado brasileiro, mediante tratado ou con-
venção internacional, ter-se-ia interditado a prerrogativa de exercer, no plano
interno, a competência institucional que lhe foi outorgada, expressamente, pela
própria Constituição da República. Precedentes.
A Convenção Americana sobre Direitos Humanos, além de subordinar-se, no
plano hierárquico-normativo, à autoridade da Constituição da República, não
podendo, por isso mesmo, contrariar o que dispõe o art. 5º, LXVII, da Carta Política,
também não derrogou — por tratar-se de norma infraconstitucional de caráter
geral (lex generalis) — a legislação doméstica de natureza especial (lex apecialis),
que, no plano interno, disciplina a prisão civil do depositário infiel.”
20. É de se manter, portanto, a decretação da prisão do paciente, restando evidente
que o caso se enquadra perfeitamente na ressalva constitucional do inciso LXVII do art.
5º, in verbis: “não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo inadim-
plemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel”.
21. No caso vertente, diante da clareza do dispositivo constitucional, nem sequer
procede invocar o Pacto de São José da Costa Rica, até porque, conforme falado, não se
cuida de interpretação extensiva de determinado contrato em ordem a equipará-lo à
figura do depósito — como nas hipóteses de alienação fiduciária (HC 72.131) —, mas,
sim, da figura do depositário judicial infiel.
22. Desse modo, mesmo aqueles que, iguais a mim, são avessos à idéia da prisão
civil, admitem nesses casos tal medida, uma vez que expressamente autorizada pela
Carta Magna, que, com isso, também visa a resguardar a autoridade e a eficácia das
decisões judiciais, e, conseqüentemente, da própria Ordem constitucional.
R.T.J. — 196 245

23. Pelo exposto, não procede a alegação de que a prisão do paciente seria incons-
titucional, por se tratar, no caso, de prisão por dívida. Ao revés, manifesto que ela se
traduz unicamente em instrumento de coerção para o adimplemento da obrigação civil
por parte do depositário, o qual, é de se dizer, agiu com infidelidade em sua função de
auxiliar da Justiça.
24. Nesse panorama, não há que se falar em qualquer inconstitucionalidade da
prisão do paciente.
25. Refutadas que foram todas as alegações suscitadas pelo impetrante, resta-me
falar sobre a proposta da douta Procuradoria-Geral da República, no sentido da conces-
são parcial de ofício da ordem de habeas corpus para que figure, do decreto de prisão, o
valor do equivalente em dinheiro dos bens penhorados. Entendo, contudo, que tal pro-
posta não deve sequer ser apreciada por esta Casa Maior de Justiça, sob pena de se causar
prejuízo maior ao próprio paciente. É que eventual rejeição dessa medida (fundada,
aliás, na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que entende serem infungíveis os
bens submetidos à penhora — cf. HC 81.813), traria sérios prejuízos ao réu, uma vez que
o Juízo da Execução apenas não admitiu o depósito em dinheiro pelo paciente porque o
valor por ele oferecido equivalia somente a parte, e não à totalidade, das betoneiras
penhoradas.
26. Ante esse largo panorama, meu voto é pelo indeferimento da ordem.

VOTO
O Sr. Ministro Eros Grau: Senhor Presidente, vou acompanhar, em princípio, mas a
minha preocupação está em que essa construção, originária de um voto proferido pelo
Ministro Moreira Alves, dá-se dentro da execução fiscal, o que inúmeras vezes afronta a
capacidade de pleno exercício do direito de defesa pelo depositário.
No caso, não houve isso. Não quero examinar a matéria de fato, mas indagaria ao
Ministro Carlos Britto se o depositário pôde defender-se plenamente.
O Sr. Ministro Carlos Britto (Relator): Sim.
O Sr. Ministro Eros Grau: O grande problema é esse, sobretudo nas hipóteses em
que o depositário era empregado de uma determinada empresa, ou podia ser eventual-
mente até sócio minoritário e depois vai embora, ficando inteiramente desprotegido,
porque nem ao menos pode se defender dentro do processo.
O Sr. Ministro Carlos Britto (Relator): Mas, seguramente, não foi esse o caso.
O Sr. Ministro Eros Grau: A garantia do devido processo legal é inteiramente
adversa a essa construção.
O Sr. Ministro Carlos Britto (Relator): Ele teve oportunidade de se defender em
primeira instância e ainda manejou dois agravos de instrumento na Corte local.
O Sr. Ministro Eros Grau: Muito bem. A outra questão não entendi bem: a proposta
do Subprocurador-Geral da República é que ele possa substituir, já que os bens lhe
escaparam ou ele foi desatento, que ele possa pagar, é isso?
246 R.T.J. — 196

O Sr. Ministro Carlos Britto (Relator): Vou reler.


O Sr. Ministro Eros Grau: Vejo no final do parecer (fl. 293 do processo):
“O parecer é no sentido da parcial concessão da ordem, apenas para que do
decreto de prisão civil venha a constar o equivalente em dinheiro aos bens penho-
rados, que não estão sendo apresentados, podendo o Magistrado determinar redu-
ção proporcional do valor equivalente aos bens penhorados, pelas unidades
comprovadamente subtraídas do poder do paciente por ordem judicial.”
O Sr. Ministro Carlos Britto (Relator): O juiz não rejeitou isso. Apenas não aceitou
o depósito em dinheiro por considerá-lo insuficiente.
O Sr. Ministro Eros Grau: Mas agora o Subprocurador propõe que o depósito seja
total.
O Sr. Ministro Carlos Britto (Relator): Releio parte de meu voto:
“25. Refutadas que foram todas as alegações suscitadas pelo impetrante,
resta-me falar sobre a proposta da douta Procuradoria-Geral da República, no sen-
tido da concessão parcial de ofício da ordem de habeas corpus para que figure, do
decreto de prisão, o valor do equivalente em dinheiro dos bens penhorados. Entendo,
contudo, que tal proposta não deve sequer ser apreciada por esta Casa Maior de
Justiça, sob pena de se causar prejuízo maior ao próprio paciente. É que eventual
rejeição dessa medida (fundada, aliás, na jurisprudência do Supremo Tribunal
Federal, que entende serem infungíveis os bens submetidos à penhora — cf. HC
81.813) traria sérios prejuízos ao réu, uma vez que o Juízo da Execução apenas não
admitiu o depósito em dinheiro pelo paciente porque o valor por ele oferecido
equivalia somente a parte, e não à totalidade, das betoneiras penhoradas.”
O Sr. Ministro Marco Aurélio (Presidente): A contrario sensu, se a proposta fosse
suficiente, aceitaria.
O Sr. Ministro Carlos Britto (Relator): Aceitaria, passando por cima até da nossa
decisão quanto à infungibilidade. Quer dizer, o juiz foi mais generoso.
O Sr. Ministro Eros Grau: Parece-me que não. Perdoe-me. Em primeiro lugar, fica
demonstrado, provado por “a’ mais “b”, que, na verdade, esse é um expediente de chan-
tagem, ou seja, ou o sujeito paga ou vai preso. Então, na verdade, estamos — inclusive
na Súmula, e não vou me rebelar contra ela — sacramentando a ameaça da prisão como
um meio para obter a satisfação de crédito — mas vou deixar isso de lado —, o que me
parece inteiramente afrontoso aos princípios jurídicos.
No caso, estou entendendo o seguinte: parcial concessão para que, do decreto de
prisão, venha constar o equivalente em dinheiro aos bens penhorados, que não estão
sendo apresentados. Ou seja, eram sessenta, ele apresentou vinte, se pagar quarenta, sai
da cadeia. Penso que podemos deferir isso, pois é uma chance que ele tem de, pagando,
escapar da prisão.
O Sr. Ministro Marco Aurélio (Presidente): No Juízo, ele propôs o depósito, mas foi
insuficiente, e o próprio Juízo admitiu que, se a oferta cobrisse realmente o valor total
dos bens, aceitaria.
R.T.J. — 196 247

O Sr. Ministro Eros Grau: Parece que agora estamos com o problema da infungibi-
lidade. Qual é a conseqüência de se negar a concessão de ofício? Ele vai poder pagar lá
embaixo e sair da prisão?
O Sr. Ministro Carlos Britto (Relator): A qualquer momento ele pode se livrar da
prisão fazendo o depósito da quantia total.
O Sr. Ministro Marco Aurélio (Presidente): Uma decisão anterior do próprio Juízo.
Só refutou e manteve a prisão porque a proposta de depósito foi insuficiente.
O Sr. Ministro Carlos Britto (Relator): A proposta da Procuradoria já estava assegu-
rada pelo juízo da execução.
O Sr. Ministro Eros Grau: Acompanho V. Exa., mas deixo declarado que esse é um
expediente torpe de obrigar alguém a pagar sob pena de prisão.
O Sr. Ministro Marco Aurélio (Presidente): Também acompanho o voto do Relator,
tendo em conta o verbete da Súmula.

EXTRATO DA ATA
HC 84.484/SP — Relator: Ministro Carlos Britto. Paciente: Eduardo Baptista
Macedo. Impetrante: Osvaldo J. Pacheco. Coator: Superior Tribunal de Justiça.
Decisão: A Turma indeferiu o pedido de habeas corpus. Unânime. Presidiu o jul-
gamento o Ministro Marco Aurélio. Ausente, justificadamente, o Ministro Sepúlveda
Pertence.
Presidência do Ministro Marco Aurélio. Presentes à sessão os Ministros Cezar
Peluso, Carlos Britto e Eros Grau. Subprocurador-Geral da República, Dr. Wagner de
Castro Mathias Netto.
Brasília, 30 de novembro de 2004 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.

HABEAS CORPUS 84.500 — SP

Relator: O Sr. Ministro Gilmar Mendes


Paciente e Impetrante: Isaac Araújo Guimarães — Coator: Superior Tribunal de
Justiça
Habeas Corpus. 2. Alegação de violação ao princípio da não-culpa-
bilidade e intempestividade das razões de apelação da acusação. 3. Na
linha da jurisprudência ainda predominante no Tribunal, o princípio
constitucional da não-culpabilidade do réu não impede a efetivação ime-
diata da prisão, quando o recurso por ele interposto não possua efeito
suspensivo, como ocorre com o recurso extraordinário e o recurso especial. 4.
Precedentes citados: HC n. 80.939, Rel. Min. Ellen Gracie, DJ de 13-9-2002;
248 R.T.J. — 196

HC n. 81.685, Rel. Min. Néri da Silveira, DJ de 17-5-2002; e HC n. 77.128,


Rel. Min. Nelson Jobim, DJ de 18-5-2001. 5. Os documentos acostados aos
autos não fazem prova cabal acerca da data em que a acusação foi intima-
da da sentença condenatória. 6. Nas contra-razões da apelação, nada ale-
gou a defesa quanto à intempestividade. 7. Impossibilidade de análise da
matéria na sede estrita do habeas corpus. 8. Ordem denegada.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo
Tribunal Federal, em Segunda Turma, sob a Presidência do Ministro Carlos Velloso
(RISTF, art. 37, II), na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por
unanimidade de votos, indeferir a ordem.
Brasília, 23 de agosto de 2005 — Carlos Velloso, Presidente — Gilmar Mendes,
Relator.

RELATÓRIO
O Sr. Ministro Gilmar Mendes: O parecer da lavra da Subprocuradora-Geral da
República, Dra. Delza Curvello Rocha (fls. 119-123), assim resume a controvérsia:
“1. Versam os presentes autos sobre habeas corpus substitutivo, com pedido
liminar, impetrado em favor de Isaac Araújo Guimarães contra decisão prolatada
pela Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, que denegou ordem anterior-
mente impetrada, restando o acórdão assim ementado:
‘Processual Penal. Habeas corpus. Apelação criminal. Razões fora do
prazo.
A apresentação fora do prazo, pelo Ministério Público, das razões de
apelação, não tornam esta intempestiva. Trata-se de irregularidade que não
afeta a admissibilidade do recurso. (Precedentes do STJ e STF). Habeas
corpus denegado.’
2. Expressa a inicial, historiando os fatos que:
- o paciente foi denunciado como incurso no artigo 12 da Lei n. 6368/
76, sendo, a final, condenado pelo Juízo da 26ª Vara Criminal de São Paulo, à
seis meses de detenção e 20 dias-multa, por infração ao artigo 16 da referida lei;
- da decisão apelou o Ministério Público, sendo o recurso provido pelo
Tribunal de Justiça estadual, que condenou o paciente a três anos e cinqüenta
dias de reclusão, em regime fechado, determinado-se a expedição de mandado
de prisão;
- o paciente, então, interpôs recursos especial e extraordinário, inclusive
argüindo, no apelo especial, a intempestividade das razões do recurso de
apelação interposto pelo Ministério Público.
R.T.J. — 196 249

3. Alega o paciente: a) violação ao princípio constitucional da presunção de


inocência face a não ter ainda transitado em julgado a sentença condenatória; e, b)
constrangimento ilegal decorrente da reforma da sentença em razão de recurso
totalmente intempestivo interposto pelo Ministério Público.
4. Aduz que ainda não transitou em julgado para a defesa o acórdão
prolatado pelo Tribunal de Justiça paulista em razão de encontrarem-se ainda
pendentes de julgamento os recursos especial e extraordinário por ele interpostos,
em vista do que não poderia ter sido contra ele expedido o mandado de prisão.
Argumenta ainda que:
‘(...)
O recurso de apelação interposto pelo Ministério Público, o qual
redundou na reforma da sentença, é totalmente intempestivo, por força do
artigo 600 do Código de Processo Penal, à causa de irreparável constrangi-
mento ilegal ao paciente.
Segundo ordenamento processual penal em seus artigos 593, 600 e 798
parágrafo 5, disciplinam que o prazo para interposição do recurso é de 05
dias, e para as razões em 08 dias, a sentença publicada em 10.07.2000, porém
nobres julgadores o Representante do Ministério Público interpôs a apela-
ção em 27.09.2000 (doc.) data da ciência da sentença, tendo apresentado as
razões em 21.02.2001 (doc.), ou seja, 05 meses após interposição ou 150
dias, quando o prazo das razões seria de 08 dias, ou seja, até 05.10.2000.
Contudo Nobre Relator, ainda assim mesmo intempestiva as razões do
recurso, ele foi processado e julgado, prejudicialmente ao recorrente, vez que
gerou a exasperação de sua pena de 06 meses (artigo 16 da Lei 6.368./76)
para 03 anos de reclusão (artigo 12 da lei 6.368/76).
Coaduna o artigo 798 do Código de Processo Penal, que os prazos são
peremptórios não podendo assim ser restabelecidos ou devolvidos, desta
forma requer seja reconhecida a nulidade processual absoluta na forma do
artigo 563, do Código de Processo Penal, com a manutenção da decisão de
primeira instância reformada.
(...)’ (fls. 3/4)
5. Concluindo que as partes têm direitos e deveres iguais perante os órgãos
jurisdicionais, requer o impetrante, liminarmente, seja considerado intempestivo o
recurso interposto pelo Ministério Público Estadual, restabelecendo-se a sentença
de primeiro grau e, no mérito, a concessão da ordem com a mesma finalidade.” (fls.
119-121)
Indeferi o pedido de liminar (fls. 112-113).
O parecer do Parquet é pelo indeferimento do writ.
É o relatório.

VOTO
O Sr. Ministro Gilmar Mendes (Relator): O parecer da Procuradoria-Geral da
República (fls. 119-123) analisa a alegação de intempestividade das razões recursais da
acusação nos seguintes termos:
250 R.T.J. — 196

“11. Objetiva, pois, o paciente, seja declarada a intempestividade do recurso


interposto pelo Ministério Público Estadual, restabelecendo-se a sentença de pri-
meiro grau. Ocorre que, em razão da deficiência de instrução da ordem, não há
como se aferir a tempestividade, ou não, do recurso interposto pelo Ministério
Público, haja vista que consta dos autos apenas a sentença condenatória de fls. 65/70
e as razões do recurso interposto (fls. 71/74), não se tendo notícia, entretanto, da
data de intimação do Parquet, no que pertine à decisão condenatória.
12. Ademais, conforme se infere das contra-razões de apelação (fls. 75/79) o
ora paciente, então apelado, não se referiu à intempestividade do mencionado
recurso naquela peça processual.” (Fls. 122-123)
Tendo em vista os documentos acostados aos autos e os estreitos limites de cogni-
ção de matéria fático-probatória em sede de habeas corpus, não há plausibilidade jurídica
para que se presuma a extemporaneidade das razões da apelação interposta pela acusa-
ção. Destarte, não procede a alegação de sua intempestividade.
Quanto à violação ao princípio da não-culpabilidade, até o presente momento, a
jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é no sentido de que a interposição do
recurso especial e/ou recurso extraordinário não impede a prisão do condenado. O fun-
damento jurídico que baliza esse entendimento preconiza que os referidos meios proces-
suais são desprovidos de efeito suspensivo. Nesse sentido, são expressivos os preceden-
tes: HC n. 80.939, Rel. Min. Ellen Gracie, DJ de 13-9-2002; HC n. 81.685, Rel. Min. Néri
da Silveira, DJ de 17-5-2002; e HC n. 77.128, Rel. Min. Nelson Jobim, DJ de 18-5-2001.
Note-se que a Corte está reexaminando a constitucionalidade de exigência de
prisão para que o condenado possa apelar, no julgamento da Reclamação n. 2.391, o
qual se encontra suspenso em decorrência do pedido de vista da Ministra Ellen Gracie.
Desse modo, na linha ainda assente do Supremo Tribunal Federal e das circuns-
tâncias, também aqui não merece prosperar o pleito.
Nesses termos, meu voto é pelo indeferimento da ordem.

EXTRATO DA ATA
HC 84.500/SP — Relator: Ministro Gilmar Mendes. Paciente e Impetrante: Isaac
Araújo Guimarães (Advogados: Luiz Carlos da Silva ou Antonio Carlos Alves da Silva ou
Luis Carlos da Silva e outro). Coator: Superior Tribunal de Justiça.
Decisão: Indeferiu-se a ordem, decisão unânime. Ausente, justificadamente, neste
julgamento, o Ministro Celso de Mello. Presidiu este julgamento o Ministro Carlos
Velloso.
Presidência do Ministro Carlos Velloso. Presentes à sessão os Ministros Ellen
Gracie, Gilmar Mendes e Joaquim Barbosa. Ausente, justificadamente, o Ministro Celso
de Mello. Subprocurador-Geral da República, Dr. Geraldo Brindeiro.
Brasília, 23 de agosto de 2005 — Carlos Alberto Cantanhede, Coordenador.
R.T.J. — 196 251

HABEAS CORPUS 84.950 — SP

Relator: O Sr. Ministro Carlos Velloso


Paciente e Impetrante: Abdinaldo Gonçalves Medeiros — Coator: Superior
Tribunal de Justiça
Penal. Processual Penal. Habeas corpus. Condenação anulada. In-
competência absoluta. Extinção da punibilidade pela prescrição da ação
penal. Reformatio in pejus indireta.
I - Anulada a ação penal, a prescrição regula-se pela pena in abstrato,
e não pela pena concretizada na sentença anulada.
II - HC indeferido.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo
Tribunal Federal, em Segunda Turma, sob a Presidência do Ministro Celso de Mello, na
conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos,
indeferir o pedido de habeas corpus, nos termos do voto do Relator.
Brasília, 31 de maio de 2005 — Celso de Mello, Presidente — Carlos Velloso,
Relator.

RELATÓRIO
O Sr. Ministro Carlos Velloso: Trata-se de habeas corpus impetrado por Abdinaldo
Gonçalves Medeiros, em seu favor, da decisão da 5ª Turma do Egrégio Superior Tribunal
de Justiça que deferiu, em parte, pedido de habeas corpus, para anular a ação penal
contra ele instaurada, sem, contudo, reconhecer a superveniência da prescrição da pre-
tensão punitiva (HC 34.853/SP). O acórdão está assim ementado:
“Ementa: Criminal. HC. Roubo qualificado. Delito praticado em detrimento
da Caixa Econômica Federal. Incompetência absoluta. Competência da Justiça
Federal. Sentença transitada em julgado. Nulidade absoluta. Habeas corpus.
Revisão criminal. Fungibilidade. Cabimento. Matéria de ordem pública. Alega-
ção de prescrição da pretensão punitiva. Inocorrência. Ordem parcialmente con-
cedida.
I - Restando configurada a ofensa a bens e interesses da União, pois o crime
de roubo qualificado foi praticado em detrimento da Caixa Econômica Federal,
deve ser aplicada a regra do art. 109, inciso I, da Constituição Federal, da qual
sobressai a competência da Justiça Federal para o processo e julgamento do feito.
Precedentes.
II - Cabe habeas corpus contra sentença transitada em julgado, que se encon-
tra eivada de nulidade absoluta, por incompetência de juízo, tendo em vista tratar-se
de matéria de ordem pública. Precedentes.
252 R.T.J. — 196

III - Possuindo o habeas corpus e a revisão criminal a natureza de ação, nada


impede a aplicação do princípio da fungibilidade.
IV - Determinada a anulação da ação penal instaurada contra o paciente, por
incompetência absoluta, a prescrição será analisada a partir da pena em abstrato,
não se aplicando o princípio da ne reformatio in pejus.
V - Ordem concedida, para anular o processo criminal instaurado em desfavor
do paciente, a fim de que os autos sejam remetidos à Justiça Federal.” (Fl. 33)
Consta dos autos que o paciente foi condenado pela Justiça estadual à pena de 6
(seis) anos de reclusão, mais multa, como incurso no art. 157, § 2º, I e II, c/c o art. 70 do
Código Penal, porque, em 1º-12-1988, teria roubado uma agência da Caixa Econômica
Federal na cidade de São José do Rio Preto/SP, ocasião em que foi preso em flagrante. A
condenação foi agravada para 7 (sete) anos de reclusão, mais multa, pelo Tribunal de
Alçada de São Paulo.
Impetrado habeas corpus perante o STJ, foi ele deferido, em parte, para anular,
pelo vício da incompetência absoluta, a condenação a sete anos de reclusão. O Tribunal,
entretanto, não deferiu o pedido do paciente de, desde logo, declarar a prescrição, tendo
em vista a pena imposta no acórdão.
Sustenta, com fundamento no princípio do ne reformatio in pejus in indireta, a
impossibilidade de a nova sentença aplicar pena mais grave do que a imposta pela
decisão anulada. Por isso, requer a reforma do acórdão do STJ, a fim de que seja reconhe-
cida a ocorrência da prescrição, tendo em vista que decorridos mais de 12 (doze) anos da
data do crime.
Requisitadas informações, foram elas prestadas pelo eminente Ministro Presidente
do Superior Tribunal de Justiça, que encaminhou cópia do acórdão proferido pela 5ª
Turma daquele Tribunal (fls. 33-38).
O Ministério Público Federal, pelo parecer do ilustre Subprocurador-Geral da
República, Dr. Haroldo Ferraz da Nóbrega, oficiando às fls. 45-48, opina pelo indeferimento
da ordem.
É o relatório.

VOTO
O Sr. Ministro Carlos Velloso (Relator): Inviável a pretensão do paciente de declara-
ção da prescrição, tendo em vista a pena imposta no acórdão do Tribunal de Alçada de São
Paulo. É que, anulada a ação penal, a prescrição regula-se pela pena in abstrato e não pela
pena concretizada na sentença anulada. Assim decidiu esta Turma no julgamento do RHC
61.272/SP, Rel. Min. Néri da Silveira, cujo acórdão porta a seguinte ementa:
“Ementa: Habeas corpus. Extinção da punibilidade pela prescrição da ação
penal. Sentença anulada. Não é possível, antes de proferida nova decisão, decretar
a extinção da punibilidade pretendida, em face da pena que se concretizou na
decisão anulada, tendo em conta que, em novo julgamento, a pena não poderá
exceder à anterior. Antes de proferida a sentença, no caso, a prescrição há de con-
siderar a pena em abstrato. Inexistência de sentença condenatória. Na aplicação do
R.T.J. — 196 253

art. 110, e parágrafos, do Código Penal, a prescrição importa, tão só, na renúncia do
Estado à pretensão executória da pena. Habeas Corpus indeferido.” (DJ de 1º-6-84)
Destaco do voto do eminente Ministro:
“(...)
Não subsistindo, dessa sorte, condenação, não há falar em extinção da
punibilidade pela prescrição, em face da pena concretizada na sentença, o que
pressupõe apoio no art. 110, § 1º, do Código Penal, e na Súmula n. 146. A extinção
da punibilidade pela prescrição, in casu, a esta altura, somente se pode regular, nos
termos do art. 109 do mesmo diploma criminal, ou seja, pelo máximo da pena
privativa de liberdade cominada ao crime, o que, na espécie, seria de oito anos, a
teor do inciso IV do art. 109 em referência, pois, ao homicídio culposo (CP, art.
121, § 3º), comina-se pena de detenção de um a três anos. Ora, no caso, o fato, tido
como delito culposo, ocorreu a 29-11-1977 (fls. 16/17).
É certo, dessa maneira, que, se o paciente for condenado em novo julgamento,
a pena a impor-se não poderá exceder de um ano de detenção, como estava na
sentença, depois anulada. Bem anotou, no particular, a douta Procuradoria-Geral
da República à fl. 55:
‘3. Não há dúvida, segundo jurisprudência da Suprema Corte, que anu-
lada, em recurso do réu, sentença condenatória, não é possível em novo
julgamento, agravar a pena (v. HC 59.634/GO, Rel. Ministro Alfredo Buzaid,
RTJ 101/1.010; RHC 53.441/RJ, Relator Ministro Bilac Pinto, RTJ 74/654)’.
Não será, todavia, possível, a partir daí, concluir, como pretende o impetrante,
no sentido da imediata decretação da extinção da punibilidade pela prescrição da
ação penal, em face da pena imposta no julgamento anulado. Não há, a esta altura,
sentença condenatória. Se a nova sentença for condenatória — eis que poderá o
magistrado, após as provas produzidas pelo paciente, vir, até, a absolvê-lo, ad
exemplum, por insuficiência de provas —, a pena não há de exceder a um ano de
detenção, mas tal fato não autoriza, sem sentença, declarar a extinção da punibili-
dade, pela prescrição da ação penal, com base na pena concretizada na sentença
anulada. Releva sinalar que, na hipótese do art. 110, e seu parágrafo 1º, do Código
Penal, a prescrição importaria, tão somente, na renúncia do Estado à pretensão
executória e não à prescrição da ação penal (Código Penal, art. 110, § 2º), como
pleiteado.
Do exposto, indefiro o habeas corpus. (DJ de 1º-6-84)
Do exposto, indefiro o writ.

VOTO
O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: Ministro Carlos Velloso, pelo que me lembro, ele
foi condenado à pena de sete anos de reclusão, não é isso?
O Sr. Ministro Carlos Velloso (Relator): Ele foi condenado à pena de 6 anos mais
multa na primeira instância, depois ela foi agravada para 7 anos. O Tribunal anulou a
decisão porque foi proferida pela Justiça comum estadual quando a vítima era a Caixa
Econômica Federal. Ele deseja que, então, lhe seja reconhecida a prescrição pela pena
em concreto que foi anulada.
254 R.T.J. — 196

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: A minha pergunta é a seguinte: à luz dessa pena
que foi aplicada e cujo processo foi anulado, o crime estaria realmente prescrito?
O Sr. Ministro Carlos Velloso (Relator): Isso não interessa, porque sustento a tese
de que essa pena está anulada.
O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: Creio que é relevante isso, porque, se examinar-
mos a questão à luz dessa pena, se efetivamente o crime estiver prescrito, há a proibição
da reformatio in pejus!
O Sr. Ministro Carlos Velloso (Relator): Exatamente.
O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: Daí que não poderá sobrevir uma pena superior a
sete anos.
O Sr. Ministro Carlos Velloso (Relator): Penso que, neste caso, a pena a ser consi-
derada é a pena in abstracto. Por isso, indefiro o writ.
O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: Vou acompanhar, embora fazendo esta ressalva,
à luz da jurisprudência da Casa, de que — daí a pergunta que fiz — Vossa Excelência, na
verdade, não procedeu a esse exame da prescrição e indeferiu sob outro fundamento.
O Sr. Ministro Carlos Velloso (Relator): Aliás, estou também mencionando acór-
dão no sentido do meu voto, desta Turma, no HC n. 61.272, Relator Ministro Néri da
Silveira.
O Sr. Ministro Carlos Velloso (Relator): Eu conheço. Não me convenci, entretanto.

EXTRATO DA ATA
HC 84.950/SP — Relator: Ministro Carlos Velloso. Paciente e Impetrante: Abdi-
naldo Gonçalves Medeiros. Coator: Superior Tribunal de Justiça.
Decisão: A Turma, por votação unânime, indeferiu o pedido de habeas corpus, nos
termos do voto do Relator.
Presidência do Ministro Celso de Mello. Presentes à sessão os Ministros Carlos
Velloso, Ellen Gracie, Gilmar Mendes e Joaquim Barbosa. Compareceu à Turma o Mi-
nistro Nelson Jobim, Presidente do Tribunal, a fim de julgar processo a ele vinculado,
assumindo, nesta ocasião, a Presidência da Turma, de acordo com o art. 148, parágrafo
único, RISTF. Subprocurador-Geral da República, Dr. Francisco Adalberto da Nóbrega.
Brasília, 31 de maio de 2005 — Carlos Alberto Cantanhede, Coordenador.

RECURSO EM HABEAS CORPUS 84.986 — RS

Relator: O Sr. Ministro Carlos Britto


Recorrente: Eurico Gaspar do Amaral Silveira — Recorrido: Ministério Público
Militar
Recurso em habeas corpus. Crime de deserção. Alegação de que os
“mais de oito dias” exigidos para a consumação da infração significariam
nove dias de ausência.
R.T.J. — 196 255

O artigo 451, § 1o, do Código de Processo Penal Militar determina


que a contagem dos dias de ausência seja efetuada a partir da zero hora do
dia seguinte àquele em que for verificada a falta injustificada do militar.
Daí a conclusão de que a contagem se faz em horas e não em dias.
O paciente se ausentou desde o dia 3-8-2004 e retornou ao quartel às
23h55 do dia 12-8-2004. Tornou-se, assim, ausente à zero hora do dia 5-8-
2004 e desertor à zero hora do dia 12 do mesmo mês e ano.
Recurso ordinário desprovido.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turma
do Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence, na
conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos,
negar provimento ao recurso ordinário em habeas corpus.
Brasília, 12 de abril de 2005 — Sepúlveda Pertence, Presidente — Carlos Ayres
Britto, Relator.

RELATÓRIO
O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto: Trata-se de recurso ordinário, com pedido
liminar, substitutivo de habeas corpus originário, impetrado contra decisão denegatória
do mesmo writ no Superior Tribunal Militar.
2. Colhe-se dos autos que o recorrente foi preso no dia 12 de agosto de 2004, ao se
reapresentar voluntariamente à Organização Militar onde servia — a Bateria de Comando
19º Grupo de Artilharia de Campanha (Bia Cmdo/19º GAC) —, após ausência injustifi-
cada por mais de oito dias corridos.
3. Um dia após sua prisão (13-8-2004), o paciente aviou habeas corpus perante a
Corte castrense. Não obtendo êxito, contudo. O pedido liminar foi indeferido, e a ordem
denegada por decisão unânime, nos termos da seguinte ementa:
“Deserção
I – Na hipótese dos autos, o dia considerado, para a consumação do crime de
deserção, encontra respaldo nos arts. 451, § 1º e 452, do CPPM, estando a prisão do
Paciente em conformidade com o art. 5º, LXI, da Constituição Federal.
II – Habeas Corpus conhecido e denegado à míngua de amparo legal.
III – Decisão uniforme”.
4. É dessa decisão que está a recorrer o impetrante para o Supremo Tribunal Federal,
ao argumento de que não haveria justa causa para a ação penal, porquanto o paciente se
apresentou “antes do prazo fatal para que fosse caracterizada a deserção, visto que
este somente ocorreria a zero hora do dia 13 de agosto de 2004”. Logo, ao ver da
impetração, o crime não chegou a se consumar. E, para servir de base à sua alegação,
refere-se a acórdão proferido pelo Superior Tribunal de Justiça, da lavra do Ministro
256 R.T.J. — 196

Jorge Scartezzini. Decisum em que se fixou no entendimento de que o crime de deserção se


configura pela desautorizada ausência do militar, por mais de oito dias, de sua unidade
de serviço. Isso somente se concretiza no nono dia, contado como primeiro dia o da
ausência da referida unidade.
5. Com essas razões, requer o impetrante a concessão de medida liminar, com o fim
de colocar o paciente em liberdade, e, no mérito, o deferimento da ordem para efeito de
trancamento definitivo da ação penal.
6. Em contra-razões, o representante do Ministério Público Militar manifesta-se
pelo desprovimento do recurso (fls. 171/174).
7. Pois bem, no dia 19 de outubro de 2004, data em que recebi os autos, verifiquei
encontrar-se o pedido liminar prejudicado, em face da expedição de alvará de soltura do
paciente, o que foi cumprido no dia 10 de outubro de 2004.
8. Prestadas as informações (fls. 199/216), foram os autos encaminhados à douta
Procuradoria-Geral da República, manifestando-se esta pela denegação da ordem. Con-
fira-se (fls. 225/28):
“O impetrante, ora recorrente, sustenta que a deserção só se consumaria à zero
hora do dia 13 de agosto e que não teria cometido o delito, pois se apresentara às
23,55hs do dia 12 de agosto.
Argumenta o impetrante, com respaldo em acórdão do STJ, Relator o Min.
Jorge Scartezzini (RHC 9989/RS) que mais de oito dias significariam 09 dias (fls.
101).
Sustenta, porém, o STM que oito dias e mais um minuto já são mais de oito
dias.
Entendo que deve prevalecer a interpretação das Instituições e da Justiça
castrense, mesmo porque o dia em que se verifica a ausência do militar, nos termos
do § 1º do art. 451 do Código de Processo Penal Militar, já não é computado.
Além disso, se o militar tinha até oito dias para se apresentar, evitando, assim,
a consumação do crime, este já está consumado, evidentemente, a partir do primeiro
minuto do nono dia.
O parecer é pelo desprovimento do recurso”.
É o relatório.

VOTO
O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto (Relator): Feito o relatório, passo ao voto.
11. Observo, Sr. Presidente, que a questão reside no saber se o acusado, Sargento do
Exército, efetivamente incorreu no crime de deserção. Isso em face do art. 187 do Código
Penal Militar, que assim dispõe: “ausentar-se o militar, sem licença, da unidade em que
serve, ou do lugar em que deve permanecer, por mais de oito dias: Pena — detenção de
seis meses a dois anos; se oficial, a pena é agravada”.
12. Vê-se, por conseguinte, que a solução do caso passa pela correta contagem do
prazo de injustificada ausência do militar. E quanto a esse tema de contagem de prazo,
R.T.J. — 196 257

que diz o Código Penal Militar? Diz que: “a contagem dos dias de ausência, para efeito
de lavratura do termo de deserção, iniciar-se-á à zero hora do dia seguinte àquele em
que for verificada a falta injustificada do militar” (§ 1º do art. 451).
13. In casu, o recorrente se ausentou sem licença de sua Unidade desde o dia 3-8-
2004, reapresentando-se, voluntariamente, às 23h55 do dia 12-8-2004, quando foi preso
em flagrante, fato sobre o qual não há controvérsia.
14. O próprio paciente relata que faltou ao expediente no dia 3 de agosto de 2004,
pelo que passou à situação de ausente à zero hora do dia 4 de agosto desse ano, retornando,
todavia, à Unidade Militar respectiva no dia 12 de agosto de 2004, às 23h55 (fls. 163-
164). Donde sustentar a impetração que o delito só estaria consumado no dia 13-8-2004,
quando do perfazimento de mais de oito dias de ausência.
15. De se ver que esse entendimento se lastreia em decisão do STJ, na qual se lê que
a expressão “por mais”, contida na lei, designa superioridade e pode ser substituída pela
expressão “além disso”. Portanto, segundo o acórdão referido, “quando a lei determina
que se deva considerar desertor o militar que se ausente por mais de oito dias da
corporação, sem justificativa, conclui-se que mais de oito dias são, inexoravelmente,
nove dias em diante, vale dizer, o militar que se apresenta no nono dia, na realidade só
permaneceu ausente durante oito dias, já que no nono se apresentou”.
16. Não é esse o meu pensar. Data venia do entendimento contrário, tenho que
assiste razão à douta Procuradoria-Geral da República ao defender a prevalência da
interpretação fixada pelas Instituições e Justiça castrenses. Senão, veja-se: o § 1º do
artigo 451 do Código de Processo Penal Militar determina que a contagem dos dias de
ausência seja efetuada a partir da zero hora do dia seguinte àquele em que for verificada
a falta injustificada do militar. Logo, de fácil percepção que esse diploma legal estabe-
leceu em horas a regra de contagem de prazo. Não em dias completos.
17. Outra não é a compreensão do Superior Tribunal Militar (Embfe
1990.01.045909-5, Rel. Min. Cherubim Rosa Filho, DJ de 16-11-1990) e deste Supremo
Tribunal Federal, nos termos da seguinte ementa:
“Conversão de recurso em habeas corpus originário. Crime de deserção.
Contagem de prazo de oito dias para consumação do delito feita escorreitamente.
HC conhecido e indeferido”. (Recurso Criminal n. 1.441/SP, Relator Min.
Cordeiro Guerra, DJ 15-10-1982).
18. No caso agora trazido à colação, ficou assentado:
“verificada a ausência na Revista de 17 de novembro, o prazo para a sua carac-
terização se perfez na Revista do dia 18 de novembro —, e, computado esse dia no
prazo, os outros dias necessários à caracterização da deserção se completaram a 25 de
novembro. Ora, se a prisão do recorrente só ocorreu a 26, quando foi lavrado o termo,
tenho, para mim, que se consumou a deserção.”
19. Na espécie, como o recorrente se ausentou do quartel desde o dia 3-8-2004, a
contagem dos dias de afastamento se iniciou à zero hora do dia 4. Tornando-se ele
ausente à zero hora do dia 5 e desertor à zero hora do dia doze do mesmo mês e ano.
Como o retorno somente se deu às 23h55 do dia 12-8-2004, tenho por consumado o
crime de deserção.
20. Por todo o exposto, nego provimento ao recurso.
258 R.T.J. — 196

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Presidente, a pergunta que há de se fazer é se mais de


oito dias deságua, no caso, necessariamente, em nove dias completos, porque, a meu ver,
poder-se-ia cogitar apenas do período de graça se a apresentação houvesse ocorrido no
horário de expediente do nono dia. Mas o paciente apresentou-se ao término do nono
dia. Se tivesse comparecido para a revista no nono dia, sufragaria o entendimento do
Superior Tribunal de Justiça. Por isso acompanho o Relator.

EXTRATO DA ATA
RHC 84.986/RS — Relator: Ministro Carlos Britto. Recorrente: Eurico Gaspar do
Amaral Silveira (Advogado: Paulo Cesar Garcia Rosado). Recorrido: Ministério Público
Militar.
Decisão: A Turma negou provimento ao recurso ordinário em habeas corpus.
Unânime.
Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à sessão os Ministros Marco
Aurélio, Cezar Peluso, Carlos Britto e Eros Grau. Subprocuradora-Geral da República, Dra.
Delza Curvello Rocha.
Brasília, 12 de abril de 2005 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.

QUESTÃO DE ORDEM NO HABEAS CORPUS 85.298 — SP

Relator: O Sr. Ministro Marco Aurélio


Relator para o acórdão: O Sr. Ministro Carlos Britto
Paciente: Law Kin Chong — Impetrantes: Luiz Fernando Sá e Souza Pacheco e
outro — Coator: Superior Tribunal de Justiça
Habeas corpus. Questão de ordem. Pedido de medida liminar. Alegada
nulidade da prisão preventiva do paciente. Decreto de prisão cautelar
que se apóia na gravidade abstrata do delito supostamente praticado, na
necessidade de preservação da “credibilidade de um dos Poderes da
República”, no clamor popular e no poder econômico do acusado. Alegação
de excesso de prazo na conclusão do processo.
Pacífico o entendimento desta Casa de Justiça no sentido de não se
admitir invocação à abstrata gravidade do delito como fundamento de
prisão cautelar. Isso porque a gravidade do crime já é de ser considerada
quando da aplicação da pena (art. 59 do CP).
O clamor popular não é aceito por este Supremo Tribunal Federal
como justificador da prisão cautelar. É que a admissão desta medida, com
exclusivo apoio na indignação popular, tornaria o Poder Judiciário
refém de reações coletivas. Reações, estas, não raras vezes açodadas,
atécnicas e ditadas por mero impulso ou passionalidade momentânea.
Precedentes.
R.T.J. — 196 259

O Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do HC


80.717, fixou a tese de que o sério agravo à credibilidade das instituições
públicas pode servir de fundamento idôneo para fins de decretação de
prisão cautelar, considerando, sobretudo, a repercussão do caso concreto
na ordem pública.
O poder econômico do réu, por si só, não serve para justificar a
segregação cautelar, até mesmo para não se conferir tratamento penal
diferenciado, no ponto, às pessoas humildes em relação às mais abastadas
(caput do art. 5º da CF). Hipótese, contudo, que não se confunde com os
casos em que se comprova a intenção do acusado de fazer uso de suas
posses para quebrantar a ordem pública, comprometer a eficácia do pro-
cesso, dificultar a instrução criminal ou voltar a delinqüir. No caso, não se
está diante de prisão derivada da privilegiada situação econômica do
acusado. Trata-se, tão-somente, de impor a segregação ante o fundado
receio de que o referido poder econômico se transforme em um poderoso
meio de prossecução de práticas ilícitas.
Custódia cautelar justificada, também, em face dos fortes indícios
da existência de temível organização criminosa, com diversas ramifica-
ções e com possível ingerência em órgãos públicos — tudo a evidenciar que
a liberdade do acusado põe em sério risco a preservação da ordem pública.
Excesso de prazo inexistente, dada a verificação de término da ins-
trução criminal, encontrando-se os autos na fase do art. 499 do CPP. De-
mora na conclusão do feito imputável unicamente à conduta protelatória
da defesa, que não pode se beneficiar de tal situação, por ela mesma cau-
sada.
Questão de ordem que se resolve no sentido do indeferimento da
liminar.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turma
do Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence, na
conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por maioria de votos,
indeferir a medida liminar. Vencido, o Ministro Marco Aurélio, Relator.
Brasília, 29 de março de 2005 — Sepúlveda Pertence, Presidente — Carlos Ayres
Britto, Relator p/ o acórdão.

RELATÓRIO
O Sr. Ministro Marco Aurélio: A prisão preventiva do paciente foi decretada, em 1º
de junho de 2004, pelo Juízo da 5ª Vara Criminal de São Paulo. Ter-se-ia, como pano de
fundo, tentativa de corromper o deputado federal Luiz Antonio de Medeiros, Presidente
de Comissão Parlamentar de Inquérito instaurada para investigar fatos relacionados a
260 R.T.J. — 196

produtos industrializados – CPI da Pirataria. Ofertada a denúncia, imputou-se ao paciente


a prática de corrupção ativa e a de impedir ou tentar impedir o regular funcionamento de
comissão parlamentar de inquérito ou o livre exercício das atribuições de seus mem-
bros — artigo 333 do Código Penal e artigo 4º, inciso I, da Lei n. 1.579/52. Seguiu-se a
impetração de habeas no Tribunal Regional Federal da 3ª Região, indeferido, e no
Superior Tribunal de Justiça, que, por três votos a dois, negou a ordem.
Na inicial do habeas em mesa, ressalta-se que o Procurador-Geral da República
veio a provocar instauração de inquérito tendo em conta parâmetros a revelar o crime de
concussão. Então, afirma-se que o paciente pode passar da condição de sujeito ativo do
crime de corrupção ativa a vítima do crime de concussão. A seguir, evocando-se o que
decidido no Habeas Corpus n. 80.980/SP, relatado pelo Ministro Celso de Mello,
busca-se demonstrar a insubsistência dos fundamentos da preventiva. Menciona-se o
fato de que, ante um leque de tipos penais aventados no inquérito policial, o Ministério
Público acabou pinçando dois deles, delimitando os parâmetros objetivos da ação pe-
nal. São examinados, na inicial, os fundamentos da preventiva, salientando-se a imper-
tinência do que assentado. Ter-se-ia o envolvimento de suposições, com consideração
de fatos anteriores ao delito e de elementos próprios deste último. Aludindo-se ao
período de encarceramento — à data da impetração, em 16 de dezembro de 2004, con-
substanciado em 197 dias —, pleiteou-se a concessão de medida acauteladora, vindo-se,
alfim, a tornar definitiva, sob o ângulo da prisão preventiva, a liberdade do paciente.
Procedeu-se à juntada de cópia da ação penal, acompanhando a peça primeira desta
impetração os documentos de folhas 13 a 29.
O processo foi distribuído, por prevenção, ao Ministro Cezar Peluso, em virtude da
relatoria do Habeas Corpus n. 84.089/DF (folha 30). À folha 41, Sua Excelência apon-
tou a impropriedade da prevenção, reportando-se às circunstâncias do caso e registrando
que os Habeas Corpus n. 83.851/DF e 84.089/DF foram ajuizados em face de processo
em curso na Comissão Parlamentar de Inquérito, por sinal já arquivada.
Os impetrantes almejaram, no curso do recesso de dezembro, a apreciação da
liminar pela Presidência da Corte (folhas 44 e 45), procedendo à juntada do acórdão do
Superior Tribunal de Justiça. Mediante a peça de folhas 64 a 66, a Ministra Ellen Gracie,
no exercício da Presidência, indeferiu a liminar, ao fundamento de não se contar com
elementos suficientes “ao menos nesse momento” para infirmar a conclusão a que che-
gou o Ministro Hélio Quaglia Barbosa na ocasião do julgamento do habeas pela 6ª
Turma do Superior Tribunal de Justiça, decisão da qual se transcreve trecho em que se
destaca o poderio da organização que seria liderada pelo paciente, mencionando-se a
irrelevância de se tratar de organização criminosa ou não. Afastando o reflexo da instau-
ração, nesta Corte, do Inquérito n. 2.165, determinou Sua Excelência fossem solicitadas
informações ao Superior Tribunal de Justiça, a serem acompanhadas das notas taquigrá-
ficas, bem como, uma vez recebidas as peças, fosse colhido o parecer da Procuradoria-
Geral da República.
No dia 17 do corrente mês, deu entrada petição, insistindo os impetrantes, perante
o Ministro Cezar Peluso, na concessão da medida acauteladora. Sua Excelência reafir-
mou a óptica anterior quanto à inexistência da prevenção, o que ocasionou a redistribui-
ção do processo, que me veio concluso, já então com as informações do Superior Tribu-
nal de Justiça, em 24 de fevereiro de 2005.
É o relatório.
R.T.J. — 196 261

VOTO
O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Normalmente, quando me vem processo
distribuído com pronunciamento indeferitório de liminar da Presidência, submeto pedido
de evolução, para se deferir a medida acauteladora, ao Colegiado. Faço-o, reconheço,
dando ênfase maior à origem do ato a ser reexaminado. Assim procedo neste processo,
salientando a existência de determinação da remessa do processo, recebidas as peças, ao
Procurador-Geral da República.
Conforme consignado, em 17 de fevereiro de 2005, deu entrada petição reiterando
os impetrantes o pedido de concessão da ordem, no qual frisam encontrar-se o paciente
sob a custódia do Estado há 261 dias.
Hoje, o paciente, sem ter contra si culpa formada, tecnicamente primário, acha-se
preso, preventivamente, ante quadro dos mais nebulosos, há oito meses e vinte e cinco
dias. A par desse dado temporal relevante, ao primeiro exame e considerados precedentes
da Corte mencionados na inicial — Habeas Corpus n. 80.719/SP, Relator Ministro
Celso de Mello, e Habeas Corpus n. 72.368/DF, Relator Ministro Sepúlveda Pertence,
surge descompasso dos fundamentos da preventiva com a ordem jurídica em vigor. Não
servem a lastreá-la suposições, ilações que correm ao sabor da capacidade intuitiva de
cada qual; não servem a lastreá-la aspectos ligados à própria prática do crime que se
imputa, como se fosse o meio a ter-se apenação antecipada, sem se contar, no processo,
com elementos probatórios a serem coligidos por provocação do Ministério Público.
Como salientado na inicial, foram olvidadas essas premissas, com distanciamento da
jurisprudência da Corte. Observem-se os parâmetros do ato extremo de constrição (folha
147 do apenso I):
Estão presentes os pressupostos autorizadores da prisão preventiva, uma vez
que existe prova da materialidade de delito de corrupção ativa (art 333 do CP) e de
quadrilha ou bando (art 288 do CP), e do crime previsto no art 4º, inc. I da Lei n.
1.579/52, além de indícios suficientes de autoria destes delitos (fls. 05/54 e fls. 16/
62 e 166 dos autos n. 2004.61.81.3735-5 em apenso).
Além disso, constato presentes in casu os requisitos ensejadores da prisão
cautelar. Vejamos.
De início, impende ressaltar que a conduta criminosa irrogada é aterradora e
extremamente grave. Os requeridos, persistindo no intento de manterem sua ativi-
dade criminosa, animaram-se a tentar corromper servidor público federal, para que
permanecessem imunes à repressão estatal: revelam, assim, possuírem personalida-
des temerárias e audaciosas, incompatíveis com a vida comunitária, recomendando
sejam segregados cautelarmente para garantir a ordem pública.
Ademais, a conduta por eles desenvolvida abala a credibilidade de um dos
Poderes da República, já que os requeridos, pela prova produzida, ofereceram
vantagem patrimonial a Deputado Federal, presidente de Comissão Parlamentar de
Inquérito — uma das mais relevantes instâncias de investigação do Estado Brasi-
leiro —, objetivando que Law King Chong e seus familiares fossem beneficiados
no relatório final da aludida Comissão, o que sem dúvida põe em risco a ordem
pública.
262 R.T.J. — 196

Com efeito, a conduta dos requeridos, procurando ilicitamente interferir nos


trabalhos de CPI, gera intranqüilidade social e atinge a boa reputação de
prestigiado órgão do Poder Legislativo (artigo 58, § 3º, da Constituição Federal),
causando comoção popular, afigurando-se, neste contexto, necessária a decreta-
ção das prisões preventivas requeridas, como forma de acautelar o meio social.
Veja-se, a propósito, o seguinte precedente do E. Superior Tribunal de Justiça: “A
ordem pública resta ofendida quando a conduta provoca acentuado impacto na
sociedade, dado ofender significativamente os valores reclamados, traduzindo vi-
lania no comportamento” (RHC n. 3169-5, Rel. Min. Luiz Vicente Cernicchiaro —
DJ de 15-5-95, p. 13446).
Por outro lado, o poder econômico demonstrado pelo grupo criminoso —
tendo em vista o astronômico valor em dinheiro oferecido ao parlamentar — e seu
intuito de, através de meios escusos, arredar de suas atividades qualquer espécie de
investigação criminal, está a demonstrar que eventual instrução criminal restará
seriamente ameaçada, caso os requeridos permaneçam em liberdade e possam lançar
mão de seus estratagemas espúrios.
Especificamente quanto ao requerido Law, além de capitanear rede crimino-
sa em franca atividade, observo que ele figura como indiciado em inquéritos poli-
ciais (autos n. 2002.61.81.4250-0 e n. 97.0106034-2 – fls. 26/27 e 38/40), perante
esta Justiça Federal, denotando pendor para a prática de ilícitos, o que, somado a
seu estreito relacionamento com policiais estaduais e federais, além de outras auto-
ridades, como se dessume do conteúdo das gravações e documentos constantes
destes autos e dos autos em apenso, potencializa o risco à ordem pública e reforça
a necessidade da prisão ante tempus. Da mesma maneira, anoto que o requerido
Pedro Lindolfo registra antecedentes criminais, uma vez que há notícia de que
responde a outras ações penais (autos n. 95.0104133-6 e n. 2000.61.81.0831-2 —
fls. 28/37).
Como bem assentou o órgão ministerial, o prosseguimento da atuação crimi-
nosa do grupo e o fato de os principais artífices da corrupção, a despeito de inves-
tigados tanto pelo Poder Judiciário como pelo Poder Legislativo Nacional, insisti-
rem na prática criminosa, comprovam a absoluta necessidade da decretação da
prisão cautelar.
Pelo exposto, com fulcro no artigo 312 do Código de Processo Penal, para
garantir a ordem pública e por conveniência da instrução criminal, defiro o pedido
de fls. 02/04 e decreto a prisão preventiva de Law King Chong e Pedro Lindolfo
Sarlo.
Ante o quadro, a urgência que surge quanto à apreciação do pedido formulado
pelos impetrantes para que seja expedido alvará de soltura e tendo em conta tratar-se,
repito, de indeferimento de liminar implementado pela Presidência, trago o processo em
questão de ordem, votando no sentido de a Turma conceder a medida acautelatória,
expedindo-se alvará de soltura, a ser cumprido com as cautelas legais, ou seja, caso o
paciente não esteja sob a custódia do Estado por motivo diverso do revelado na preventiva
ora examinada, colhendo-se, a seguir, o parecer da Procuradoria-Geral da República.
R.T.J. — 196 263

EXTRATO DA ATA
HC 85.298-QO/SP — Relator: Ministro Marco Aurélio. Paciente: Law Kin Chong.
Impetrantes: Luiz Fernando Sá e Souza Pacheco e outro (Advogados: Maria Adelaide
Penafort Pinto Queirós e outro). Coator: Superior Tribunal de Justiça.
Decisão: Após os votos dos Ministros Marco Aurélio, Relator, e Eros Grau, deferindo
a medida liminar, pediu vista dos autos o Ministro Carlos Britto.
Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à sessão os Ministros Marco
Aurélio, Cezar Peluso, Carlos Britto e Eros Grau. Subprocurador-Geral da República, Dr.
Paulo de Tarso Braz Lucas.
Brasília, 1º de março de 2005 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.

PROPOSTA
O Sr. Ministro Carlos Britto: Sr. Presidente, estou com o voto pronto para ser lido,
porém, tendo em vista o súbito afastamento do Ministro Sepúlveda Pertence, consulto
aos demais pares e a Vossa Excelência se não seria interessante afetar o julgamento para o
Pleno na sessão de amanhã, uma vez que a nossa composição numérica está prejudicada.

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Presidente e Relator): Temos, na Turma, dois votos
proferidos pela concessão da ordem. A Turma, no momento do pregão, está composta
por quatro integrantes. Não sei como repercutirá esse deslocamento para o Pleno.
Por isso, peço vênia para me opor à proposta.

O Sr. Ministro Carlos Britto: Sr. Presidente, gostaria de ouvir os demais membros
quanto à proposta de deslocamento para o Pleno.
O Sr. Ministro Cezar Peluso: Eminente Ministro, qual é o motivo?
O Sr. Ministro Carlos Britto: Primeiro, o caso em si é bastante significativo, alcan-
çando junto a toda imprensa, opinião pública, uma repercussão fora do comum; segundo,
nossa composição numérica não está plena, íntegra. Mas, se Vossas Excelências entende-
rem, faço a leitura, sem nenhum constrangimento.
O Sr. Ministro Eros Grau: Eu diria a Vossa Excelência que, embora seja novo no
Tribunal, para mim todos os casos têm repercussão idêntica, porque o meu compromisso
é aplicar o direito. O fato de a imprensa tocar ou não no assunto, a mim não incomoda. Já
estou imune ao clamor público. Para mim, o que importa é o clamor da Constituição. Isso
em primeiro lugar.
Em segundo lugar, estou esperando muito o seu voto e as suas luzes, até para ver se
confirmo ou não o meu voto.
O Sr. Ministro Carlos Britto: Muito bem. Farei a leitura, mas não sem antes dizer a
Vossa Excelência que é preciso fugir dos extremos. Se a submissão ao clamor público é
de ser evitada, também ignorar completamente a opinião pública é algo a ser evitado.
Devemos procurar a virtude média de que falavam os romanos: in medius virtus, nem
tanto ao mar nem tanto à terra.
264 R.T.J. — 196

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Presidente e Relator): Vossa Excelência tem a pala-
vra dada pela Presidência. Vossa Excelência insiste na questão de ordem, quer que
consigne na ata dos trabalhos?
O Sr. Ministro Carlos Britto: Sim, quero que consigne.
O Sr. Ministro Cezar Peluso: Sr. Presidente, quero deixar declarada a razão por que
me oponho à transferência para o Plenário: não há nenhuma razão legal nem regimental
para isso. Todos os casos criminais são teoricamente suscetíveis de ocasionar repercus-
são pública, e, se tal critério, à falta de norma legal e regimental, fosse decisivo, todos os
casos, sobretudo os mencionados na mídia, deveriam ser transportados para o Plenário,
o que inviabilizaria seu funcionamento.
O Sr. Ministro Carlos Britto: Mas há, também, uma segunda razão: a composição
numérica da Turma não está íntegra.
O Sr. Ministro Marco Aurélio (Presidente e Relator): Ou bem temos quorum para
funcionar, ou não, e com a particularidade já referida.
Quando trouxe a questão de ordem, não houve proposta para o deslocamento,
tendo em conta a repercussão na mídia. Li o meu voto; o Ministro Eros Grau me acompa-
nhou; o Ministro Cezar Peluso aparteou; Vossa Excelência pediu vista. E, agora, com o
quorum regimental de funcionamento, vamos deslocar a conclusão do julgamento para
o Plenário e reiniciá-lo lá?
O Sr. Ministro Carlos Britto: Há certas matérias que exigem uma maior ponderação,
um critério de prudência ou conveniência maior.
O Sr. Ministro Marco Aurélio (Presidente e Relator): Não sei quais são as circuns-
tâncias, os critérios.
O Sr. Ministro Carlos Britto: Mas me rendo à decisão de Vossas Excelências, sem
nenhuma dúvida. Não faço cavalo de batalha, não é sangria desatada. Vamos prosseguir.
Apenas quero consignar que fiz a proposta, simplesmente para documentar a minha
postura.

VOTO (Vista)
O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto: Cuida-se de habeas corpus impetrado contra
decisão denegatória, também em habeas corpus, do egrégio Superior Tribunal de Justiça;
cujo respectivo acórdão ainda não foi publicado.
2. Postula-se neste writ seja expedido salvo-conduto em favor de Law Kin Chong,
preso desde 1º-6-2004, e que está sendo processado pelos crimes de corrupção ativa (CP,
art. 333) e de obstrução ao regular funcionamento de comissão parlamentar de inquérito
(Lei n. 1.579/52, art. 4º, inciso I).
3. Para tanto, veicula-se alegação de “falta de fundamentação válida do decreto
de prisão preventiva”. É que, segundo a impetração, o decreto prisional careceria de
base empírica idônea, não estaria apoiado em fatos concretos e teria apenas considerado,
ilegitimamente, a comoção popular relativa aos fatos delituosos, bem assim o “poder
econômico” do paciente.
R.T.J. — 196 265

4. Mais: estaria a reforçar a ilegitimidade da constrição da liberdade do paciente o


fato de haver sido instaurado inquérito contra o Deputado Federal Luiz Antonio de
Medeiros Neto, com vista a apurar as circunstâncias que envolveram as gravações de
conversas estabelecidas entre este último e o paciente; gravações que ensejaram a ação
penal instaurada contra Law Kin Chong.
5. Segundo a defesa, portanto, a abertura do mencionado inquérito (Inq 2.165)
tornaria temerária a manutenção da prisão de Law, uma vez que “o resultado da inves-
tigação pode transformar o ora paciente de réu de corrupção em vítima de extorsão”
(fl. 80).
6. Prossigo neste relato para consignar que a eminente Ministra Ellen Gracie, no
exercício da Presidência desta Casa, indeferiu o pedido de medida liminar. Todavia,
tendo em vista a formulação, pela defesa, de novo pleito cautelar, foram os autos trazidos
à apreciação desta colenda Primeira Turma pelo eminente Relator, Ministro Marco
Aurélio, que votou pelo deferimento da medida, por entender que há “descompasso dos
fundamentos da preventiva com a ordem jurídica em vigor”.
7. A seu turno, o eminente Ministro Eros Grau também votou pela concessão do
pleito cautelar, fundamentando seu voto, entretanto, no excesso de prazo da prisão, o
que importaria numa concessão de ordem de ofício, já que o excesso de prazo não foi
invocado pela defesa como razão ensejadora da ilegitimidade da prisão cautelar impugnada.
8. Em razão da complexidade do tema, pedi vista do processo para melhor exame
da questão. E devo anotar que os respectivos autos apenas ingressaram em meu gabinete
em 4-3, sexta-feira, às 18h20 (fl. 108). Autos que, na segunda-feira subseqüente, retorna-
ram à Secretaria Judiciária, para juntada de pedido de extensão, e que me vieram conclusos
definitivamente apenas em 7-3, às 16h. Daí por que trago o feito à apreciação na sessão
de hoje, 15-3. Esse, um breve relato da causa.
9. Bem vistas as coisas, percebe-se que o tema central do presente writ consiste em
saber se o decreto de prisão cautelar de Law Kin Chong encontra-se ou não devidamente
motivado. E a resposta a esse questionamento depende, assim penso, da transcrição dos
termos em que se assentou o ato questionado. Ato que, pela sua decisiva importância,
passo a ler em sua maior extensão:
“(...) Estão presentes os pressupostos autorizadores da prisão preventiva, uma
vez que existe prova da materialidade de delito de corrupção ativa (art. 333 do
CP) e de quadrilha ou bando (art. 288 do CP), e do crime previsto no art. 4º, inc. I da
Lei n. 1.579/52, além de indícios suficientes de autoria destes delitos (...).
Além disso, constato presentes in casu os requisitos ensejadores da prisão
cautelar. Vejamos.
De início, impende ressaltar que a conduta criminosa irrogada é aterradora e
extremamente grave. Os requeridos, persistindo no intento de manterem sua ativi-
dade criminosa, animaram-se a tentar corromper servidor público federal, para
que permanecessem imunes à repressão estatal: revelam, assim, possuírem perso-
nalidades temerárias e audaciosas, incompatíveis com a vida comunitária, reco-
mendando sejam segregados cautelarmente para garantir a ordem pública.
266 R.T.J. — 196

Ademais, a conduta por eles desenvolvida abala a credibilidade de um dos


Poderes da República, já que os requeridos, pela prova produzida, ofereceram
vantagem patrimonial a Deputado Federal, presidente de Comissão Parlamentar de
Inquérito — uma das mais relevantes instâncias de investigação do Estado Brasi-
leiro —, objetivando que Law Kin Chong e seus familiares fossem beneficiados no
relatório final da aludida Comissão, o que sem dúvida põe em risco a ordem pública.
Com efeito, a conduta dos requeridos, procurando ilicitamente interferir nos
trabalhos de CPI, gera intranqüilidade social e atinge a boa reputação do
prestigiado órgão do Poder Legislativo (artigo 58, § 3º da Constituição Federal),
causando comoção popular, afigurando-se, neste contexto, necessária a decreta-
ção das prisões preventivas requeridas, como forma de acautelar o meio social.
Veja-se, a propósito, o seguinte precedente do E. Superior Tribunal de Justiça: ‘A
ordem pública resta ofendida quando a conduta provoca acentuado impacto na
sociedade, dado ofender significativamente os valores reclamados, traduzindo vi-
lania no comportamento’ (RHC n. 3169-5, Rel. Min. Luiz Vicente Cernicchiaro —
DJ de 15-5-95, p. 13446).
Por outro lado, o poder econômico demonstrado pelo grupo criminoso —
tendo em vista o astronômico valor em dinheiro oferecido ao parlamentar — e seu
intuito de, através de meios escusos, arredar de suas atividades qualquer espécie
de investigação criminal, está a demonstrar que eventual instrução criminal resta-
rá seriamente ameaçada, caso os requeridos permaneçam em liberdade e possam
lançar mão de seus estratagemas espúrios.
Especificamente quando ao requerido Law, além de capitanear rede crimi-
nosa em franca atividade, observo que ele figura como indiciado em inquéritos
policiais (autos n. 2002.61.81.4250-0 e n. 97.0106034-2 – fls. 26/27 e 38/40),
perante esta Justiça Federal, denotando pendor para a prática de ilícitos, o que,
somado a seu estreito relacionamento com policiais estaduais e federais, além de
outras autoridades, como se dessume do conteúdo das gravações e documentos
constantes destes autos e dos autos em apenso, potencializa o risco à ordem
pública e reforça a necessidade da prisão ante tempus. Da mesma maneira, anoto
que o requerido Pedro Lindolfo registra antecedentes criminais, uma vez que há
notícias de que responde a outras ações penais (autos n. 95.0104133-6 e n.
2000.61.81.0831-2 — fls. 28/37).
Como bem assentou o órgão ministerial, o prosseguimento da atuação crimi-
nosa do grupo e o fato de os principais artífices da corrupção, a despeito de inves-
tigados tanto pelo Poder Judiciário como pelo Poder Legislativo Nacional, insisti-
rem na prática criminosa, comprovam a absoluta necessidade da decretação da
prisão cautelar (...)”. (Sem grifos no original)
10. Pois bem, a leitura do decreto de prisão questionado revela que ele se baseou
em múltiplos fundamentos. Com isso quero dizer que o reconhecimento de sua ilegali-
dade depende da recusa a cada uma de suas premissas, razão pela qual analisarei, separa-
damente, a validade dos diversos alicerces jurídicos da decisão guerreada.
R.T.J. — 196 267

11. Inicialmente, anoto que o magistrado ressalta a gravidade do delito praticado


pelo paciente, como razão legitimadora da segregação cautelar. Ora, quanto a esse aspecto,
é pacífica a jurisprudência desta Casa Maior da Justiça brasileira no sentido de não se
admitir a invocação à abstrata gravidade do delito como fundamento de prisão cautelar
(HCs 83.782, 85.020, 84.087, 81.613). Isso porque a gravidade do crime já é determinante
de uma maior apenação do condenado, não servindo para demonstrar a necessidade de que
se devem revestir as diversas modalidades de prisão cautelar.
12. É que, segundo a própria nomenclatura já antecipa, tais espécies de prisão
cumprem uma específica função cautelar, garantidora do regular andamento do processo
e da eficácia de eventual decisão condenatória no âmbito desse mesmo processo. A
gravidade do delito, genericamente considerada, em nada determina a necessidade da
medida, não servindo, portanto, como elemento válido para fins de segregação cautelar.
13. Cabe anotar que outro fundamento constante do ato impugnado se refere ao
eventual abalo à “credibilidade de um dos Poderes da República”, o que justificaria a
prisão, agora com supedâneo na garantia da ordem pública.1 Quanto a esse aspecto,
não posso deixar de mencionar a existência de precedente plenário, no qual se fixou a
tese de que o sério agravo à credibilidade das instituições públicas se qualifica, sim,
como fundamento idôneo para fins de decretação de prisão cautelar. Precedente plenário
que, ao vincular a credibilidade das instituições à idéia de ordem pública, vem respaldar,
no ponto, o ato questionado na presente impetração. Eis a ementa de tal decisum, profe-
rido no julgamento do rumoroso caso “Nicolau dos Santos Neto” (HC 80.717, Relatora
para o acórdão a Min. Ellen Gracie):
“A necessidade de se resguardar a ordem pública revela-se em conseqüência
dos graves prejuízos causados à credibilidade das instituições públicas”.
14. Não obstante a existência desse caso, apreciado pelo Pleno do Supremo Tribu-
nal Federal, também não posso deixar de reconhecer a existência de outras decisões em
sentido contrário. Decisões essas proferidas pelas egrégias Turmas desta Casa de Justiça
e que rechaçam a idéia de que eventual abalo ao prestígio das instituições poderia
legitimar a prisão cautelar dos acusados (HCs n. 82.909, 80.719, 84.662). Nesse sentido,
menciono a seguinte ementa, por ilustrativa (HC 82.797, Rel. Min. Sepúlveda Pertence):
“(...)
Prisão preventiva: motivação idônea.
O apelo à preservação da ‘credibilidade da justiça e da segurança pública’
não constitui motivação idônea para a prisão processual, que — dada a presunção
constitucional da inocência ou da não-culpabilidade — há de ter justificativa
cautelar e não pode substanciar antecipação da pena e de sua eventual função de
prevenção geral.”

1 CPP. Art. 312, caput: A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública,
da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei
penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria”.
268 R.T.J. — 196

15. Muito embora ainda não tenha formado um juízo definitivo a respeito do
vínculo funcional entre “preservação da credibilidade dos poderes públicos” e a ordem
pública, em si, o que se me afigura evidente é que a jurisprudência desta Casa ainda não
se cristalizou sobre o assunto, estando a patentear esta indefinição o fato de o mencio-
nado precedente plenário (HC 80.717) ainda carecer de incorporação aos decisórios das
Turmas deste Supremo Tribunal.
16. Esta anotação parece-me relevante, pois entendo não ser o caso de se afastar,
em sede de mera medida liminar (porque ainda não estamos a apreciar o mérito desta
impetração), um entendimento que foi fixado pelo Plenário desta colenda Corte. Demais
disso, a só existência do já referido acórdão plenário (HC 80.717) serve, nesta fase, para
esmaecer o requisito do fumus boni juris, indispensável ao acolhimento da pretensão
cautelar dos impetrantes. Entretanto, mesmo que se afaste, neste juízo liminar, o enten-
dimento do Plenário que se mostra desfavorável ao paciente, ou seja, ainda que se
entenda pela impossibilidade de segregação cautelar com apoio na credibilidade das
instituições públicas, mesmo assim restam no decreto fustigado outros fundamentos a
ser analisados.
17. Começo pela referência ao clamor popular. Este fundamento — agora sim livre
de dissenso — não tem sido aceito por esta Casa Maior da Justiça brasileira como
justificador da prisão cautelar. Devido a que, admitir esta medida com apoio exclusivo
em tal clamor, transformaria o Poder Judiciário em órgão de execução de vinganças
privadas, abrindo perigosos flancos para a excessiva influência da mídia (HCs 80.719,
81.613, 82.909 e 83.782).
18. Há, ainda, um outro alicerce jurídico no decreto de prisão impugnado, qual
seja, a referência ao indiscutível poder econômico do acusado, preso em flagrante com
dezenas de milhares de dólares, que correspondiam apenas à primeira parcela do valor
global da propina supostamente ajustada.
19. Cumpre salientar, neste lanço, que o poder econômico do réu, por si só, não
serve para justificar a segregação cautelar. Se tal ocorresse, ter-se-ia que conferir trata-
mento penal diferenciado às pessoas humildes em relação às mais abastadas, o que feriria
de morte o princípio da igualdade.
20. Seria diverso, contudo, se se comprovasse que o acusado tem intenção de fazer
uso de suas posses para quebrantar a ordem pública, comprometer a eficácia do processo,
dificultar a instrução criminal ou voltar a delinqüir. Meras conjecturas nesse sentido não
são aptas a legitimar a prisão cautelar do acusado, não sendo outro o entendimento do
Supremo Tribunal Federal no tema (HCs 80.719, 81.613, 82.909, 83.782).
21. Nesse largo panorama, tenho que os presentes autos estampam as razões pelas
quais se entendeu que o paciente, em liberdade, faria uso de suas riquezas para dar
continuidade a atividades delitivas. Não se trata, pois, de determinar a prisão de um
acusado pelo exclusivo fato de sua privilegiada situação econômica. Trata-se, isto sim,
de impor a segregação ante o fundado receio de que o referido poder econômico se
transforme em um poderoso meio de prossecução de práticas ilícitas.
R.T.J. — 196 269

22. Ora bem, não se pode obscurecer a realidade que salta dos próprios autos! E os
documentos que os instruem demonstram que o paciente parece mesmo haver optado
pelo tortuoso caminho das ilicitudes como estilo de vida e fonte habitual de recursos. E
foi exatamente na tentativa de preservar a continuidade de suas operações que ele,
paciente, foi flagrado no insólito papel de pessoalmente entregar elevado montante de
propina a deputado federal.
23. E não é só. A leitura das peças que instruem este processo sinaliza que o
pagamento de “valores” a servidores públicos não era uma prática novidadeira ao paci-
ente. Cito, a propósito, algumas passagens das fitas degravadas, que sugerem como o
pagamento de propinas se transformou numa rotina, destinada esta a assegurar o pros-
seguimento das atividades do acusado (transcrição de trechos da conversa estabelecida
entre o co-réu, Pedro Lindolfo, representante de Law, e Fernando, representante do depu-
tado Medeiros — fls. 61/62, apenso n. 1):
“F: Não. É que é negócio e que ele não tem noção da dimensão do cara do
outro lado, você está entendendo?
P: Do cara da primeira?
F: Não, que ele não tem noção da dimensão do outro lado.
P: Quem não tem noção, o deputado?
F: É, dessa dimensão (...). Sabe por quê?
P: Ele sabe que esse delegado tira uma estimativa de quinhentos mil por mês
a um milhão?
F: Não, não sabe.
P: E nem avisa, deixa aí.
F: Um milhão doutor? Mas escuta eu falar para o senhor. Eu falei, Deputado
(...)
P: Ele pensa pequeno (...)”
24. Em novo trecho, tem-se a seguinte passagem (fl. 63 — apenso n. 1):
“P: O deputado tá contando com esqueminha de quinhentos mil, seiscentos
mil, um milhão, não é por aí, não é por aí, cara.”
25. Mais adiante, outra passagem (fl. 67 — apenso n. 1):
“P: Fernando, nós vamos pôr no bolso 100, 200 mil (...) por mês, Fernando.
Eu tô jogando aberto. Não tô brincando, Fernando, Vocês estão pensando que nem
o Pingüim (...) Três mil, quatro mil.”
26. Mais um trecho que sugere altas propinas a agentes de polícia (fl. 68 —
apenso n. 1):
“P: É light o Ditura tem tudo (...) duro, ninguém toma em nome dele. Não é
aquele bobo do Artur que tava lá. O Artur ganha trinta (...) do chinês, quinhentos
reais do chinês, ô louco.”
27. Por fim, uma outra passagem (fl. 78 — apenso n. 1):
270 R.T.J. — 196

“P: Será que a CPI tem o poder pra tirar, pôr ele na rua? Tô te perguntando.
Não adianta vender fumaça para amanhecer com a boca cheia de formiga. O Silvio
pode soltar ele. Quem é o Silvio? É o cara que trabalha com você.
F: Procurador da República.
P: Procurador. O Silvio pode soltar se você pedir pra dizer que vai investigar
mais coisa dele”.
28. Em poucas palavras, estão presentes nos autos indícios suficientes de que, para
o paciente, o crime gera dinheiro e o dinheiro mantém o crime. É o poder econômico a
serviço da criminalidade, num lamentável círculo vicioso que se fecha com o pagamento
de propinas a agentes públicos. Demonstrado está, portanto, a meu juízo, que o poder
econômico do paciente tem sido usado por este como instrumento de continuidade de
suas atividades espúrias. Agiu bem o douto magistrado, atento aos elementos que
demonstravam como o dinheiro do réu fazia parte do modus operandi de suas atividades
suspeitas.
29. As coisas não estancam por aqui. Há um derradeiro fundamento no decreto
impugnado. Por sua relevância, permito-me reproduzir, uma vez mais, a seguinte passa-
gem da mencionada decisão:
“Especificamente quando ao requerido Law, além de capitanear rede crimi-
nosa em franca atividade, observo que ele figura como indiciado em inquéritos
policiais (autos n. 2002.61.81.4250-0 e n. 97.0106034-2 – fls. 26/27 e 38/40),
perante esta Justiça Federal, denotando pendor para a prática de ilícitos, o que,
somado a seu estrito relacionamento com policiais estaduais e federais, além de
outras autoridades, como se dessume do conteúdo das gravações e documentos
constantes destes autos e dos autos em apenso, potencializa o risco à ordem
pública e reforça a necessidade da prisão ante tempus”
30. Entendo que esses fundamentos também são suficientes para manter a prisão
do paciente, mormente se combinados aos elevados valores de que o réu parece dispor
para financiar suas atividades. Senão veja-se.
31. De saída, consigno que, muito embora a denúncia já oferecida contra o paciente
increpe, a este, a prática de apenas dois crimes (corrupção ativa e obstrução aos trabalhos
de comissão parlamentar de inquérito), isso não quer dizer que houve arquivamento em
relação aos demais fatos investigados. Ao contrário disso, o Juízo federal penal, quando
do recebimento da denúncia, expressamente determinou o desmembramento dos autos,
para que continuassem as apurações de outros eventuais delitos praticados por organiza-
ção criminosa supostamente liderada pelo paciente.
32. A complexidade do evento e o grande número de nomes e fatos mencionados
nas gravações apresentadas à Polícia Federal justificavam a adoção de tal medida. De
modo que se me afigura improcedente a alegação feita pela defesa de que o oferecimento
da denúncia tão-só pelos crimes do CP, art. 333, e da Lei n. 1.579/52, art. 4º, inciso I, teria
descartado a aludida existência de organização criminosa.
R.T.J. — 196 271

33. Acresce que uma leitura integral dos autos abona a assertiva do decreto, no
sentido de ser imperiosa a manutenção da prisão do acusado, tendo em vista a existên-
cia de numerosos indícios da configuração de uma temível organização criminosa, com
diversas ramificações e com possível ingerência em órgãos públicos.
34. Remarque-se, então, que isso não é mera conjectura. O decreto de prisão caute-
lar faz menção a um “estreito relacionamento com policiais estaduais e federais, além
de outras autoridades, como se dessume do conteúdo das gravações e documentos
constantes destes autos e dos autos em apenso”. E, de fato, o conteúdo dessas fitas está,
sim, a respaldar a alegação feita pelo magistrado. Basta uma análise das degravações
constantes das fls. 36 a 142 (apenso 1) para que se note as sucessivas referências a
membros ligados à Receita Federal, ao Exército, à Polícia Federal, à fiscalização fazen-
dária do Estado de São Paulo, a agentes da Agência Brasileira de Inteligência (ABIN) e
a membros do Ministério Público, do Legislativo e do Judiciário. São discutidos nomes
que devem ser indicados a assumir cargos públicos e esquemas sofisticados de propina.
Mais do que isso, vários trechos das degravações atestam que a vida dos envolvidos está
sempre a depender do sucesso das empreitadas. Veja-se, por exemplo, o seguinte trecho,
relativo ao valor que seria repassado ao Presidente da CPI da Pirataria (fl. 63 — apenso n. 1):
“P (representante de Law): Agora essa grana (...), depois eu morro, heim?”
35. E, ainda, outra passagem (fl. 78 — apenso n. 1):
“P: Será que a CPI tem o poder pra tirar, pôr ele na rua? Tô te perguntando.
Não adianta vender fumaça para amanhecer com a boca cheia de formiga (...)”.
36. É claro que não se está a atribuir a nota de definitividade a fatos ainda não
completamente apurados. O que se está a fazer é reconhecer que o conteúdo dessas fitas
e a menção a policiais federais, membros da Agência Brasileira de Inteligência, fiscais
tributários, delegados de polícia e até mesmo a parlamentares e magistrados se qualifi-
cam como elementos aptos a exigir que o réu permaneça na prisão, ante a forte possibi-
lidade de que volte a delinqüir. Na verdade, não se pode acreditar que um esquema, ao
que tudo indica bastante organizado, seja desmantelado de uma hora para a outra. Ainda
mais quando a prática de atividades ilícitas se transformou em verdadeiro meio de vida
do acusado. A probabilidade de que este volte a delinqüir é elevada e ressai dos próprios
elementos que instruem os autos.
37. Cumpre registrar que a prisão preventiva, por ser medida acautelatória, apóia-se
numa situação de necessidade (que faz as vezes do periculum in mora) e no fumus boni
juris, que significa serem plausíveis os receios do magistrado, quando da aferição da
necessidade da medida. Portanto, não é preciso haver uma condenação formal do paci-
ente em outros crimes para que seja desde logo determinada sua prisão cautelar.
38. Os autos dão conta da muito provável existência de uma organização criminosa
complexa, sofisticada mesmo, que, para garantir a continuidade de suas operações,
parece ter-se infiltrado em órgãos públicos mediante elevado e contínuo suborno.
39. Também há nos autos informações prestadas pelo serviço de inteligência da
Polícia Federal (Superintendência no Estado de São Paulo — fls. 904/908 — apenso
n. 4) sobre a possibilidade de membros ligados à organização do paciente estarem
arquitetando o assassinato de familiares do Deputado Federal que presidiu a CPI da
Pirataria.
272 R.T.J. — 196

40. Nada foi provado ainda, nem para tal fim se presta o habeas corpus. Apenas o
que se verifica é a real necessidade da segregação cautelar do paciente. E esta necessidade
não decorre de meras especulações, insista-se, porém, de elementos dos próprios autos,
que, embora não terminantemente comprovados, constituem fundamentos o bastante
para legitimar a prisão do acusado.
41. É de se pontuar que este Supremo Tribunal Federal, em casos como o destes
autos, tem entendido ser válida a decretação da prisão cautelar do réu, com apoio na
preservação da ordem pública, quando houver elementos concretos (e, no caso, os há)
que indiquem a probabilidade de o réu, em liberdade, voltar a delinqüir (HC 84.663).
Cite-se, no ponto, o HC 81.613, Rel. Min. Ilmar Galvão:
“No tocante à ordem pública e à coação das testemunhas, a decretação da
prisão preventiva é possível quando se verifique, por meio de fatos concretos que
respaldem a conclusão do magistrado, que a liberdade do acusado implica a
fundada suspeita de que poderá tornar a delinqüir, comprometendo a ordem
social, bem como que as testemunhas teriam justo receio de depor contra o
acusado. No caso, o decreto impugnado não se afastou desses parâmetros, afir-
mando a necessidade da segregação pelo último fundamento, estando a assertiva
corroborada por elementos dos autos que informam o temor das testemunhas em
relação ao acusado, cuja liberdade repercutiu de forma concreta no cotidiano dos
moradores da localidade, que se viram obrigados a mudar de endereço com receio
do réu. Habeas corpus indeferido.”
42. De outro lado, entendo que não há como conceder a ordem de habeas corpus
de ofício (já que não requerida por este fundamento), com apoio em eventual excesso
de prazo. Isso porque, consoante reconhecem os próprios impetrantes, já está encerrada
a instrução criminal, e os autos se encontram na fase do 499 do CPP. Como se sabe, é de
se considerar sanado eventual excesso de prazo quando concluída a instrução criminal,
tal como adverte reiterada jurisprudência desta Casa (RHC 80.569, HCs 80.984, 81.011,
83.159, 83.190 e 80.380, este último assim ementado):
“Habeas Corpus (...)
Excesso de prazo que está superado por já se haver encerrado a instrução
criminal, por se encontrar o processo na fase do artigo 499 do CPP. Precedentes do
STF” (Rel. Min. Moreira Alves).
43. Mais do que isso, petição apresentada pelo Ministério Público Federal ao juízo
da ação penal em 1º-3-2005 atesta que o Parquet já “apresentou as suas alegações
finais, atentando para o fato de haver réus presos e por não vislumbrar prejuízo para a
defesa”. Consta, ainda, da referida manifestação, que, “tendo em vista que a nobre
defesa insiste nas diligências pendentes, que ela própria requereu, o Parquet não se
opõe ao aguardo da conclusão das diligências, protestando por nova vista dos autos
para manifestação tão logo sejam concluídas”. Ou seja, se ainda não foram colhidas as
razões finais de ambas as partes, é porque se está aguardando a conclusão de perícias
cuja realização foi insistentemente requerida pela própria defesa do réu. Não pode,
portanto, o paciente beneficiar-se de tal situação por ele próprio ensejada. Sobremais, tal
como assinalado, não há que se falar em excesso de prazo quando já concluída a fase da
instrução criminal.
R.T.J. — 196 273

44. Finalmente, não é de se acolher a alegação de que a instauração de inquérito


contra o Deputado Federal Luiz Antonio de Medeiros Neto tornaria temerária a prisão do
paciente. Paciente que poderia deixar de ser autor de corrupção para se tornar vítima de
concussão (ao ver da defesa, repise-se).
45. Em boa verdade, essa afirmação é inconsistente, pois, em tese, todo acusado
que se encontra preso cautelarmente tem a possibilidade de, posteriormente, vir a ser
inocentado. Afinal é da natureza mesma da segregação cautelar (que não se constitui em
execução de pena) o fato de ela ser decretada em momento anterior ao do trânsito em
julgado da condenação, pelo que a contingência a que se encontra sujeito o paciente
não é distinta daquela que junge todo e qualquer preso cautelar.
46. E é exatamente de olhos postos em tal possibilidade que esta Suprema Corte
de Justiça tem exigido que a prisão cautelar seja apoiada em fundamentos idôneos,
baseados em dados empíricos, que ponham em evidência a necessidade da medida.
Requisitos que foram atendidos, à saciedade, no caso concreto.
47. Presente esta ampla moldura factual, considerando que se está a apreciar, agora,
simples pedido de medida liminar, e tendo em vista que não constam dos autos o inteiro
teor do acórdão impugnado (ainda não publicado), as informações atualizadas sobre a
fase em que se acha o processo penal instaurado contra o paciente, nem o pronunciamento
da douta Procuradoria-Geral da República, entendo de toda conveniência indeferir a
pretensão cautelar dos impetrantes, até porque revestida de caráter satisfativo.
48. Com essas razões, Senhor Presidente, eu peço vênia para divergir do eminente
Relator, Ministro Marco Aurélio, para indeferir o pedido de medida liminar.
49. É como voto.

VOTO (Retificação)
O Sr. Ministro Eros Grau: Sr. Presidente, o Ministro Carlos Britto trouxe elementos
bem precisos e de informação em relação ao fato de estar encerrada a instrução.
Eu, na sessão anterior, havia concedido a ordem, única e exclusivamente, em função
do excesso de prazo. Não havia acompanhado as razões centrais de Vossa Excelência, Sr.
Presidente. Mas, agora, diante dos esclarecimentos trazidos pelo Ministro Carlos Brito,
quero reajustar meu voto para, vencida a matéria de excesso de prazo, não conceder a
ordem.

EXTRATO DA ATA
HC 85.298-QO/SP — Relator: Ministro Marco Aurélio. Paciente: Law Kin Chong.
Impetrantes: Luiz Fernando Sá e Souza Pacheco e outro (Advogados: Maria Adelaide
Penafort Pinto Queirós e outro). Coator: Superior Tribunal de Justiça.
Decisão: Preliminarmente, por maioria de votos, a Turma rejeitou proposta do
Ministro Carlos Britto no sentido de afetar o julgamento desta questão de ordem ao
Tribunal Pleno. Prosseguindo o julgamento, após o voto do Ministro Carlos Britto
274 R.T.J. — 196

resolvendo a questão de ordem no sentido de indeferir a medida liminar e do reajuste de


voto do Ministro Eros Grau, prolatado na sessão do dia 1º passado, acompanhando o
voto de S. Exa., pediu vista dos autos o Ministro Cezar Peluso. Presidiu o julgamento o
Ministro Marco Aurélio. Não participou deste julgamento o Ministro Sepúlveda Pertence.
Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à sessão os Ministros Marco
Aurélio, Cezar Peluso, Carlos Britto e Eros Grau. Subprocuradora-Geral da República, Dra.
Delza Curvello Rocha.
Brasília, 15 de março de 2005 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.

VOTO (Vista)
O Sr. Ministro Cezar Peluso: 1. O impetrante encontra-se preso desde 1º de junho
de 2004, por força de decisão que lhe decretou a preventiva em autos nos quais se lhe
imputa a prática dos crimes de corrupção ativa (CP, art. 333) e obstrução ao regular
funcionamento de comissão parlamentar de inquérito (Lei n. 1.579/52, art. 4º, I).
2. O constrangimento ilegal adviria, na ótica dos impetrantes, da fundamentação
inválida da prisão preventiva.
3. A liminar foi indeferida pela Min. Ellen Gracie, no exercício da Presidência
desta Casa. Diante de novo pedido de concessão liminar, o Min. Marco Aurélio,
Relator, trouxe os autos à apreciação da Turma, votando no sentido da concessão da
cautelar, com expedição de alvará de soltura.
4. O Min. Carlos Britto votou pelo indeferimento da cautelar, no que foi seguido
pelo Min. Eros Grau.
5. Quanto à ausência de fundamentos para o decreto da prisão preventiva, vejo-me
forçado, tão-somente em sede do pedido de liminar, a acompanhar o voto do Min.
Carlos Britto. Entendo que a decisão encontra apoio em alguns elementos concretos.
Repelidos os fundamentos da gravidade do crime e do clamor público, como o fez Sua
Excelência, não vislumbro, porém, como a conduta do paciente possa ter “abalado a
credibilidade de um dos Poderes da República”, pela simples razão de que não era nem
é ele integrante de nenhum desses Poderes, bem diversamente do que se invocou no
precedente indicado e julgado pelo Plenário desta Corte — o caso “Nicolau dos Santos
Neto” (HC n. 80.717, Rel. Min. Ellen Gracie).
6. Não posso, todavia, deixar de aderir, pelo menos agora, em sede de juízo preliminar,
ao voto do Min. Carlos Britto, no que toca ao fundamento da necessidade da prisão
cautelar para a garantia da instrução criminal e para evitar a prática de novos crimes, já
que dos autos parecem constar elementos de certa consistência, capazes de sustentar tal
necessidade.
7. Finalmente, dúvida não há de que o excesso de prazo fulmina, assim a prisão
preventiva (HCs n. 83.534, 83.867, 84.181, Rel. Min. Marco Aurélio; HCs n. 84.662 e
85.400, Rel. Min. Eros Grau; HC n. 84.907, Rel. Min. Sepúlveda Pertence), como a
oriunda do flagrante (HC n. 83.579, Rel. Min. Marco Aurélio; HC n. 84.408, Rel. Min.
Sepúlveda Pertence), ou da pronúncia (HC n. 83.977, Rel. Min. Marco Aurélio, Rel. p/
o acórdão Min. Sepúlveda Pertence).
R.T.J. — 196 275

8. Mas, como ponderei no julgamento do HC n. 83.977 (Rel. Min. Marco Aurélio e


Rel. p/ o acórdão Min. Sepúlveda Pertence), “o Tribunal tem sempre relevado os excessos
de prazo quando já finda a instrução, estando os autos conclusos para sentença.”
9. Há sólida orientação da Corte no sentido de que “o encerramento da instrução
criminal supera o excesso de prazo para a prisão processual que antes se tivesse verifi-
cado” (HC n. 71.610, Plenário, Rel. Min. Sepúlveda Pertence). Daí, verificando-se que
o processo “já se acha em fase de alegações finais”, já não releva alegação de excesso de
prazo (HC n. 80.272, Rel. Min. Sepúlveda Pertence).
10. Também é verdade que o encerramento da instrução “não elide o que acaso se
caracterize pelo posterior e injustificado retardamento do término do processo” (RHC
n. 71.954, Rel. Min. Sepúlveda Pertence) e que “balizamento temporal referente à
prisão preventiva há de ser observado independentemente da fase em que se encontre o
processo, não sendo mitigado na etapa relativa às alegações finais” (HCs n. 83.579 e
83.534, Rel. Min. Marco Aurélio).
11. Este último entendimento, conforme ponderou o Min. Sepúlveda Pertence em
dezembro passado, no julgamento do HC n. 84.907, deve ser adotado perante especifi-
cidades do caso concreto, verbis:
“De outro lado, conforme temos entendido, o excesso de prazo prejudica o
eventual fundamento cautelar da prisão.
Certo, sobreveio a informação de que a instrução não se havia encerrado,
pois ainda havia diligência a ser realizada.
Somente outro pedido de informações, quiçá prestadas apenas no próximo
ano, possibilitaria afirmar que há não se está na fase das alegações finais (Código
de Processo Penal, art. 500), fato que, conforme ementa do precedente colacionado
pelos impetrantes, é ‘desinfluente’ para a configuração do excesso de prazo (HC
83.534, 1ª T., j. em 18-11-03, Marco Aurélio, DJ de 27-2-04).
Asseverei, contudo, naquela assentada, que:
‘O entendimento dominante no Tribunal é que, efetivamente encerrada
a instrução, não há mais falar em excesso de prazo. Nunca assumi compromis-
sos definitivos com a tese. Sempre me resguardei ao exame, caso a caso, da
existência de abuso, embora quando não haja prazo legal definido para a fase
processual adequada”.
No caso, a superação do prazo legal sobrepuja os temperamentos admissíveis
à luz de juízos de razoabilidade.
Esse o quadro, defiro o habeas corpus: é meu voto”.
12. O caso era aí de réu preso havia obra de um ano e três meses, e, não obstante a
possibilidade de o processo encontrar-se na fase de alegações finais e, portanto, com a
instrução encerrada, entendeu aquele ilustre Ministro que a extensão temporal da prisão
não cedia a juízo de razoabilidade.
13. Em outro caso, também apreciado nesta Turma há poucas semanas, ponderou o
Ministro Eros Grau:
276 R.T.J. — 196

“Nada obstante o entendimento majoritário desta Corte no sentido de que o


excesso de prazo resta superado com o encerramento da instrução criminal (HHCC
n. 80.830, Relator o Ministro Moreira Alves, DJ de 15-12-2000, e 780.272, Relator
o Ministro Sepúlveda Pertence, DJ de 2-2-2001), cumpre considerar as peculiari-
dades do caso sob exame (...).
(...)
Ademais, há — à margem do entendimento majoritário desta Corte — prece-
dente da lavra do Ministro Marco Aurélio no sentido de que ‘uma vez constatado
o excesso de prazo, impõe-se o relaxamento da prisão, sendo desinfluente o fato de
o processo achar-se na fase de alegações finais’ (HC n. 83.534, DJ de 27-2-2004).
Ora, se há reconhecimento de excesso de prazo na fase das alegações finais, com
maior razão esse reconhecimento há de ser afirmado em fase anterior, que, no caso
concreto, é a das diligências, sequer concluídas.
Ante o exposto, concedo a ordem para determinar o relaxamento da prisão
cautelar” (HC n. 85.400, j. em 22-2-2005, DJ de 11-3-2005).
14. Aqui, a instrução foi encerrada, já tendo o Ministério Público apresentado
alegações finais, de modo que não me parece, volto a insistir, em mero juízo preliminar,
seja caso de concessão da ordem, a cujo propósito reservo-me formular outro juízo no
julgamento definitivo.
15. Voto pelo indeferimento da liminar, com a vênia devida ao eminente Ministro
Relator.
O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Senhor Ministro Cezar Peluso, quanto à
base, em si, da prisão preventiva, Vossa Excelência subscreve o voto do Ministro Carlos
Ayres Britto, calcado no poder econômico do acusado, e não o faz no tocante ao alvo do
crime.
O Sr. Ministro Cezar Peluso: Aos demais fundamentos, não.
O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Isso seria?
O Sr. Ministro Cezar Peluso: Nem a gravidade do delito.
O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): A Instituição, a Comissão Parlamentar de
Inquérito – CPI?
O Sr. Ministro Cezar Peluso: Nem abalo às instituições etc.
O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Apenas a influência em relação às polícias
civil e militar e, também, a autoridades?
O Sr. Ministro Cezar Peluso: E garantia da instrução criminal, que, na verdade, está
praticamente encerrada.
O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Isso quanto ao excesso.
O Sr. Ministro Cezar Peluso: Sim, quanto ao excesso de prazo. Então, suponho que,
a esta altura, já deva ter sido proferida sentença. Veremos, em seguida, na instrução do
habeas corpus, o que sucedeu.
O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): No processo em que decretada a preventiva,
ele só responde pela tentativa de suborno.
R.T.J. — 196 277

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Está respondendo por crime de corrupção ativa e de
obstrução ao regular processamento da CPI (artigo 333 do Código Penal e artigo 4º, I, da
Lei n. 1.579/52).
O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): A obstrução encerrada com a tentativa de
suborno.

VOTO
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presidente): Peço vênia ao eminente Ministro
Marco Aurélio, para acompanhar o voto do Ministro Cezar Peluso, com todas as ressalvas
nele contidas, sobretudo, como Sua Excelência se referiu a voto meu, anterior, reser-
vando-me para o exame, em cada caso, do problema do excesso de prazo após a instru-
ção criminal.
Também jamais entendi que o encerramento da instrução possa deixar o acusado,
seja ele quem for, indeterminadamente sob prisão processual. Mas isso — demonstrou o
Ministro Cezar Peluso — dependeria do exame do estado do processo neste momento. E
o tempo, na complexidade de provas testemunhais requeridas na fase de diligências, não
soa, à primeira vista, como desarrazoado.
Por isso, neste juízo liminar, acompanho o Ministro Relator.

O Sr. Ministro Carlos Britto: Sr. Presidente, em verdade, penso que todos nós
vamos ter que refletir um pouco mais sobre esse marco temporal do encerramento da
instrução criminal.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presidente): Este é um problema a decidir caso
a caso. Na lei não há o célebre dogma dos 81 dias, que é a soma dos prazos do prossegui-
mento ordinário até o fim da instrução. Logo, não pode compreender as fases seguintes.
Agora, o que cabe, a meu ver, em qualquer prisão processual, é um juízo de razoabilidade
acerca da demora.
O Sr. Ministro Carlos Britto: É de razoabilidade.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presidente): Não se podem importar exemplos
mais tolerantes, como o dos países de primeiro mundo, nossas fontes habituais, onde, por
exemplo, o italiano é o do dobro da pena mínima cominada.
O Sr. Ministro Carlos Britto: Mas eu, assim, me pronuncio em consideração, sobre-
tudo, à positivação jurídica desse direito à razoável duração do processo na Constitui-
ção. Com a Emenda Constitucional n. 45 foi acrescentado o inciso LXXVIII ao artigo 5º,
que diz, exatamente, isto:
“LXXVIII - a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a
razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua
tramitação.”
O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Veja a que ponto nós chegamos: precisar
inserir, na Constituição Federal, que a prestação jurisdicional deve ocorrer dentro de um
lapso razoável.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presidente): Estou citando o direito comparado
e recordando, até, os julgamentos da Corte Européia de Direitos Humanos.
278 R.T.J. — 196

O Sr. Ministro Carlos Britto: Sim, mas eu dizia, Sr. Presidente, que esse novo
dispositivo, evidente que sugere um repensar jurisprudencial, tem o efeito mais do que
pedagógico — creio —, mas acompanhei atentamente os fundamentos.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presidente): O problema é que os anais juris-
prudenciais mais conspícuos, os da Corte Européia de Direitos Humanos, realmente, já
condenaram alguns países, mas, passados 6 anos, 8 anos de duração do processo, sem
decisão.
O Sr. Ministro Carlos Britto: É verdade. A “irrazoabilidade” termina se confundindo
com “abusividade” no aparelho judiciário, e é preciso coibir isso.

EXTRATO DA ATA
HC 85.298-QO/SP — Relator: Ministro Marco Aurélio. Relator para o acórdão:
Ministro Carlos Britto. Paciente: Law Kin Chong. Impetrantes: Luiz Fernando Sá e
Souza Pacheco e outro (Advogados: Maria Adelaide Penafort Pinto Queirós e outro).
Coator: Superior Tribunal de Justiça.
Decisão: Prosseguindo o julgamento, a Turma, por maioria de votos, indeferiu a
medida liminar. Vencido o Ministro Marco Aurélio, Relator. Relator para o acórdão, o
Ministro Carlos Britto.
Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à sessão os Ministros Marco
Aurélio, Cezar Peluso, Carlos Britto e Eros Grau. Subprocuradora-Geral da República, Dra.
Maria Caetana Cintra Santos.
Brasília, 29 de março de 2005 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.

HABEAS CORPUS 85.424 — PI

Relator: O Sr. Ministro Carlos Velloso


Paciente e Impetrante: Joaquim Matias Barbosa Melo — Coator: Superior Tribunal
de Justiça
Penal. Processual Penal. Habeas corpus. Denúncia: corrupção ativa.
Inépcia da denúncia. Falta de justa causa para a ação penal. Ofensa ao
princípio do promotor natural.
I - Desde que permitam o exercício do direito de defesa, as eventuais
omissões da denúncia quanto aos requisitos do art. 41 do CPP não impli-
cam necessariamente na sua inépcia, certo que podem ser supridas a todo
tempo, antes da sentença final (CPP, art. 569). Precedentes.
II - Nos crimes de autoria coletiva, a jurisprudência da Corte não
tem exigido a descrição pormenorizada da conduta de cada acusado.
R.T.J. — 196 279

III - A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal firmou-se no


sentido de que não se tranca a ação penal quando a conduta descrita na
denúncia configura, em tese, crime.
IV - No julgamento do HC 67.759/RJ, pelo Plenário, os Ministros
Paulo Brossard, Octavio Gallotti, Néri da Silveira e Moreira Alves adota-
ram posição de rejeição à existência do princípio do promotor natural.
Os Ministros Celso de Mello e Sydney Sanches admitiram a possibilidade
de instituição do princípio mediante lei. Assim, ficou rejeitado, no citado
julgamento, o princípio do promotor natural. HC 67.759/RJ, Ministro
Celso de Mello, RTJ 150/123.
V - HC indeferido.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo
Tribunal Federal, em Segunda Turma, na conformidade da ata do julgamento e das notas
taquigráficas, por unanimidade de votos, indeferir a ordem. Ausente, justificadamente,
neste julgamento, o Ministro Celso de Mello, Presidente.
Brasília, 23 de agosto de 2005 — Carlos Velloso, Presidente e Relator.

RELATÓRIO
O Sr. Ministro Carlos Velloso: Trata-se de habeas corpus impetrado por Joaquim
Matias Barbosa Melo, em seu favor, contra decisão do Eg. Superior Tribunal de Jus-
tiça, que, por sua Corte Especial, recebeu denúncia oferecida pelo Ministério Público,
imputando-lhe o crime de corrupção ativa (AP 331/PI).
Sustenta a impetração, em síntese, o seguinte:
a) inépcia da inicial, por não constar da denúncia a descrição das circunstâncias
em que teria o paciente cometido o delito, inobservando-se, assim, o art. 41 do Código
de Processo Penal;
b) ausência de justa causa para o prosseguimento da ação penal, dado não haver a
denúncia demonstrado quaisquer indícios de autoria e de materialidade do crime de
corrupção ativa;
c) ilegitimidade do membro do Ministério Público do Estado que “ofertou as
notas de singularidade que dão suporte à denúncia (...), em razão do impedimento
declarado” (fl. 25);
d) ofensa ao princípio do promotor natural.
Pede, ao final, a concessão do writ, para que se determine a exclusão do paciente de
quaisquer investigações e processos que envolvam os fatos citados na denúncia.
Indeferido o pedido de liminar e requisitadas informações, foram elas prestadas
pelo eminente Min. Edson Vidigal, que encaminhou os documentos de fls. 432-495.
280 R.T.J. — 196

O Ministério Público Federal, pelo parecer do ilustre Subprocurador-Geral da


República, Dr. Edson Oliveira de Almeida, oficiando às fls. 499-501, opina pelo indefe-
rimento da ordem.
É o relatório.

VOTO
O Sr. Ministro Carlos Velloso (Relator): Os fatos delituosos estão assim descritos
na denúncia:
“(...)
1. Crimes praticados para garantir a impunidade do acusado Joaquim
Matias Barbosa Melo:
1.1. O Promotor João Mendes Benigno Filho e o servidor do Tribunal de
Justiça do Piauí Tiago de Melo Falcão, cumprindo determinação do Desembargador
Augusto Falcão Lopes, fizeram de tudo para obstar as investigações desencadeadas
para apurar crimes imputados ao empresário Joaquim Matias Barbosa Melo.
1.2. Benigno e Tiago, a mandado de Augusto Falcão, prometeram aos Pro-
motores José Eliardo de Sousa Cabral e Aristides Silva Pinheiro vantagens
indevidas (dinheiro), para que praticassem atos de ofício com infringência de seus
deveres funcionais, favorecendo o criminoso Joaquim Matias.
1.3. Possivelmente subornados por Joaquim Matias, Benigno, Tiago e
Augusto Falcão tentaram, mas não conseguiram aliciar Aristides e Eliardo.
1.4. Para atender a requerimento formulado pelo Promotor Eliardo, o Delega-
do Evaldo Dias de Farias, Titular do 1º Distrito Policial de Teresina, instaurou, em
17 de fevereiro de 1999, inquérito com o propósito de investigar a ocorrência de
crime previsto no artigo 10, da Lei n. 9.437/97, imputado a Joaquim Matias.
1.5. A Polícia já forcejava para elucidar, noutro procedimento, a subtração,
das dependências da Secretaria da Fazenda do Piauí, e o posterior sumiço dado a
treze procedimentos fiscais, instaurados contra a firma J. Matias Melo (Cagep
19.400.818–5).
1.6. No dia 8 de fevereiro de 1999, a Polícia prendeu em flagrante Paulo
Roberto de Oliveira. Na mesma data, realizando diligências, deteve Joaquim
Matias, que concorrera para as infrações praticadas por Paulo.
1.7. Por ocasião da detenção de Joaquim Matias, a Polícia encontrou, em seu
poder, a Pistola semi-automática, calibre 380, marca Glock, de fabricação austríaca
(n. CMW196) acompanhada de pente municiado de onze balas.
1.8. Já estava formalizada a prisão em flagrante de Paulo Roberto por crimes
contra a administração pública. Indiciou-se também Joaquim Matias como co-
autor. Além disso, abriu-se nova investigação para apurar o porte ilegal de arma de
fogo, praticado pelo acusado Joaquim Matias.
R.T.J. — 196 281

1.9. O certo é que existiam dois inquéritos. O primeiro iniciou-se pelo auto de
flagrante de Paulo Roberto. O segundo por Portaria, mediante requisição do Pro-
motor Eliardo, destinado este último a desvendar a infração do artigo 10, da Lei n.
9.437/97.
1.10. Logo que tomou conhecimento da captura de Joaquim Matias, o
Desembargador Augusto Falcão solicitou os préstimos do Promotor Benigno,
pedindo-lhe que fosse à Delegacia libertá-lo.
1.11. Benigno compareceu à Repartição policial por volta da meia-noite.
Procurou o Promotor Aristides Silva Pinheiro, designado para acompanhar a lavra-
tura do flagrante. Reservadamente, esclareceu ao seu colega que estava ali a pedi-
do do Desembargador Augusto Falcão, à época Presidente do TJ/PI. Indagou-lhe
sobre o que poderia fazer em favor de Joaquim Matias. Disse que o Desembargador
Augusto Falcão se entenderia com o então Procurador Geral de Justiça Antônio de
Pádua Linhares.
1.12. Aristides resistiu à indevida ingerência de Benigno, que agia em nome
de Augusto Falcão. Cumpriria rigorosamente as determinações superiores, sem
embaraçar as investigações dos fatos delituosos. Benigno desapontou-se. Queria
cumprir a ordem do Desembargador. Antes de se retirar do 1º Distrito Policial,
desentendeu-se com Aristides, na ocasião em que este discutia com o advogado
Marcos Vinícius Brito Araújo, o qual queria conversar a sós com Joaquim Matias.
1.13. Tiago Falcão Lopes, filho do Desembargador Augusto Falcão, também
compareceu à Delegacia. Preocupado com a situação de Joaquim Matias, tentou,
sem êxito, convencer o Promotor Aristides a soltá-lo.
1.14. Apesar da resistência do Promotor Aristides, as acusações contra Joaquim
Matias não prosperaram. Em favor dele impetrou-se habeas corpus, pedindo-se o
trancamento do inquérito, que se iniciara por porte ilegal de arma.
1.15. O acusado Samuel Mendes de Moraes, Juiz da 3ª Vara Criminal da
Comarca de Terezina, não era competente para julgar o habeas corpus, impetrado,
no dia 12 de fevereiro de 1999, em favor de Joaquim Matias, na 6ª Vara Criminal
da Capital do Piauí. No entanto, enquanto Eliardo e Aristides não aceitaram a
interferência do Desembargador Augusto Falcão, o Juiz Samuel fraquejou. Intro-
meteu-se no caso. Mandou chamar o escrivão, num dia de domingo (14/02/1999).
Requisitou os autos. Deferiu a ordem, encerrando a apuração em relação ao porte
ilegal de arma.
1.16. O Promotor Eliardo contou que o acusado Benigno, quando tentava
suborná-lo, garantiu-lhe que, nos processos do interesse do Desembargador
Augusto Falcão, ‘todos levavam alguma quantia’.
1.17. Assim, Samuel deixou-se influenciar, ou, então, aceitou vantagem
indevida, que Benigno, como preposto do Desembargador Augusto Falcão, já
fizera aos Promotores.
1.18. Com efeito, o Juiz Samuel deferiu habeas corpus e trancou o inquérito,
instaurado para apurar o ato delituoso imputado a Joaquim Matias (art. 10, da Lei
n. 9.437/97), em face dos fundamentos adiante transcritos:
282 R.T.J. — 196

‘(... ) no caso em tela judicial é bem de ver que autoridade administrativa


policial não se portou dentro dos limites que a lei lhe reserva. Houve, sem
dúvida, extrapolação de seus limites.
‘À uma, porque o paciente não foi encontrado com a respectiva arma,
pois, esta, se achava dentro de seu próprio carro, tendo os policiais, mediante
força, sem a devida autorização judicial, invadido o carro do paciente que, na
hipótese vertente, por interpretação extensiva por compreensão, assemelha-se
à casa do cidadão à qual conta com a proteção do que disposto no art. 5º,
inciso XI, da CF.
‘À duas, porque a prova, assim, obtida reveste-se de patente ilegalidade,
dando azo à eclosão da doutrina dos frutos da árvore venenosa, como bem
proclamada pela Corte Maior, enfatizando a ilicitude, por contaminação, das
provas decorrentes de tal provas decorrentes de tal procedimento.
‘À três, porque, nesta hipótese, o auto de prisão em flagrante não sub-
siste como peça legal, devendo, dessarte, ser assim declarada pois que prenhe
de irregularidades insanáveis, descaracterizando o próprio flagrante.
‘A atividade policial pode e deve ser efetivada, sim, porém, nos estritos
parâmetros que a lei lhe reserva. Caso inverso, não é de prevalecer.
‘Isto posto, considerando o que dos autos consta e tendo por escudo o
disposto no art. 153, §§ 9º e 15, da Carta Política, defiro o presente Habeas
Corpus requerido por Joaquim Matias Barbosa Filho, determinando, a um
só tempo, seja expedido em seu favor o competente Alvará de Soltura, se por
al não estiver preso, bem como seja, de imediato, trancado o respectivo inqu-
érito policial instaurado contra a sua pessoa (...)’
1.19. Foi absurda a aplicação extensiva da garantia expressa no inciso XI, do
artigo 5º, da Constituição, feita pelo Juiz para concluir pela ilegalidade da apreen-
são da arma. Equiparar o carro à casa de quem, como o indiciado, tinha domicílio
definido, afigura-se teratológico.
1.20. Também constitui desatino a invocação a preceitos constitucionais
(‘tendo por escudo o disposto no art. 153, §§ 9º e 15, da Carta Política’ - trecho do
decisório) absolutamente inaplicáveis e até inexistentes, como aconteceu (o artigo
153 da Constituição Federal trata de matéria tributária e nele não há os parágrafos
citados na sentença).
1.21. Acrescenta-se, outrossim, que os Tribunais sempre consideraram carac-
terizado o porte ilegal de arma quando o revólver municiado é apreendido dentro
do carro do agente, ou seja, em local facilmente acessível, que possibilita sua
pronta utilização.
1.22. Concedendo a ordem, o Juiz Samuel posicionou-se em desacordo com
a jurisprudência predominante. Além disso, esqueceu de cumprir o disposto no
Código de Processo Penal, que lhe obrigava a interpor de ofício recurso da sentença
(art. 574, I). Estava, desta forma, concorrendo para os crimes perpetrados para
garantir a impunidade de Joaquim Matias.
R.T.J. — 196 283

1.23. A incomum deliberação judicial ordenara apenas que terminassem as


pesquisas em relação ao porte ilegal de arma. A Polícia prosseguiu investigando
outros crimes contra a Administração. No final, remeteu os autos ao Ministério
Público, que denunciou Paulo Roberto e Joaquim Matias, na 6ª Vara Criminal de
Teresina/PI, pela prática dos delitos de peculato e corrupção, ativa e passiva.
1.24. Os fatos, contados na denúncia, cingiam-se aos crimes que culminaram
com o desaparecimento dos 13 processos fiscais de interesse da empresa de Joa-
quim Matias. Naqueles procedimentos, a firma dele aparecia como devedora de
tributos, que somavam em torno de R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais). Paulo
Roberto confessara o furto e incriminara Joaquim Matias. Existia, ainda, depoi-
mento de outro funcionário, João Luis Cardoso Figueiredo. Este recebeu proposta
de Paulo Roberto para que ficasse calado a respeito dos sumiços dos processos da
empresa J. Matias. Paulo ofereceu-lhe R$ 30.000,00 (trinta mil reais) e pediu,
inclusive, que apagasse do sistema de computação daquela Secretaria os mencio-
nados autos. Mas João Luis recusou a oferta e procurou logo o Procurador da
Fazenda Plínio Clerton Filho para contar o ocorrido.
1.25. Joaquim Matias possuía fortes laços de amizade com os poderosos do
Piauí. Habituado a corromper, contou novamente com a atuação do Promotor
Benigno e do Desembargador Augusto Falcão. Benigno, cumprindo a determina-
ção de Augusto Falcão, movimentou-se para impedir a apuração daqueles crimes.
Anunciou ao Promotor Eliardo que o Desembargador Augusto Falcão mandara lhe
pedir que ‘pegasse leve naquele processo, pois o menino era filho do velho Matias,
gente dele, eterno Diretor do DER’. Prometeu vantagem indevida a Eliardo para
que ele não denunciasse Joaquim Matias. Garantiu que ‘nesses negócios todos
levavam alguma quantia, disse isso, fazendo gestos nesse sentido;’.
1.26. Eliardo resistiu. Por isso, Joaquim Matias, Augusto Falcão e Benigno
escolheram outro caminho, o da impetração de outro habeas corpus, desta vez para
trancar a ação penal (nº 075/99) intentada no Juízo da 6ª Vara Criminal.
1.27. O Ministério Público acusou Paulo Roberto e Joaquim Matias de co-
meterem os crimes de peculato-furto e corrupção. Mas o empresário, com a ajuda
de Augusto Falcão, conseguiu novamente escapar das garras da Justiça. Corrom-
peu o Desembargador José Soares de Albuquerque, que, como se verá noutro
tópico da presente denúncia, envolveu-se, com o Desembargador Augusto Falcão,
noutros atos de corrupção e de tráfico de influência.
1.28. O Desembargador Soares de Albuquerque deferiu a liminar requerida
no writ (n. 99.000977-7). Mandou, portanto, trancar a mencionada ação penal em
relação à Joaquim Matias.
1.29. A decisão liminar foi, posteriormente, confirmada pela 2ª Câmara Espe-
cializada Criminal do TJ/PI, em 15/6/99. O Desembargador Soares de Albuquer-
que era o relator do processo. Configurou-se, assim, a estranha situação. Somente o
servidor Paulo Roberto, que fora peitado por Joaquim Matias, continuou respon-
dendo pelos crimes.
284 R.T.J. — 196

1.30. Joaquim Matias subornou o servidor. Depois corrompeu outras pessoas,


entre as quais os Desembargadores Augusto Falcão e Soares de Albuquerque,
logrando, assim, escapar ileso das infrações perpetradas no episódio da subtração
dos processos fiscais.
1.31. Para conseguir que a 2ª Câmara Especializada Criminal confirmasse
sua decisão, concedendo a ordem, o Desembargador Soares de Albuquerque ludi-
briou seus pares. A Procuradora de Justiça Rosimar Leite Carneiro confirmou tal
circunstância, relatando, em seu depoimento, o seguinte:
‘(...) o que foi dado conhecimento em plenário pelo Desembargador
relator era de que a denúncia se baseava nos inquéritos relativos à apuração
do crime de porte ilegal de armas; que não foi mencionada que essa denúncia
teria como base o crime de peculato-furto, que pelo menos a testemunha não
tomou conhecimento quando da exibição das peças por ocasião do julga-
mento na Câmara;(...)’
1.32. Soares de Albuquerque enganou os outros Desembargadores. Recebera
vantagem indevida e deu a entender que a ação penal escorava-se nos mesmos
fatos que ensejaram o trancamento da investigação do crime de porte ilegal de
arma, determinado na anterior decisão do Juiz Samuel.
1.33. Soares de Albuquerque sabia que a denúncia amparava-se em farta
prova e tratava de outros delitos, perpetrados por Paulo Roberto e Joaquim Matias.
Mesmo assim trancou a ação penal.
(...).” (Fls. 37-46)
A denúncia, por maioria, foi recebida pela Corte Especial do Eg. Superior Tribunal
de Justiça, tendo o eminente Ministro José Arnaldo da Fonseca, Relator, salientado em
seu voto:
“(...)
A denúncia imputa a alguns acusados o cometimento dos crimes qualificados
de corrupção passiva e tráfico de influência e, a outros, o de corrupção ativa, por
conta de três situações distintas, que peço licença para novamente citar:
I) infrações praticadas para garantir a impunidade de Joaquim Matias
Barbosa Melo (11º acusado);
II) crimes praticados para o fim de permitir o afastamento ou a perma-
nência de chefe do executivo do Município de Jerumenha, PI, em benefício
de Aderson Evelyn Soares Filho (16º acusado); e
III) crimes praticados para acobertar infrações cometidas por Amadeu
Campos de Carvalho Filho (12º acusado), Francisco Bernadone da Costa
Vale (13º acusado), Antônio dos Santos (14º acusado) e Ruberval Isidoro de
Oliveira (15º acusado).
Como se disse, as situações tidas por relevantes cingem-se ao desenrolar dos
três citados acontecimentos, por onde tanto defesa, quanto acusação, debatem com
vigor, respectivamente, a relevância penal e a inobservância de qualquer liame
possível de enquadramento penal, e neste último circunscrito à imputação contida
na peça acusatória.
R.T.J. — 196 285

Seguindo tais delineamentos e visualizando o conjunto dos autos, nos seus


dezenove volumes, mais apensos, a peça acusatória cumpre os ditames do art. 41
do Código de Processo Penal, pois os fatos apresentados configuram, em tese,
crime, sendo a narrativa acerca dos elementos objetivo e subjetivo potencialmente
válida para a persecução vindoura.
É bem verdade que os fatos envolveram atuações jurisdicionais que, grosso
modo, poderiam impedir a ação penal. Entretanto, a tomar pelos elementos
indiciários, o que se observa é que não se está a discutir as decisões em si, porquanto,
já transitadas, mas o que as gerou efetivamente, dentro de um plano de indepen-
dência exigida pela função judicante. Daí porque o substrato da denúncia ajusta-se
ao comando da norma processual sobredita. Pensar o contrário é admitir que o Juiz
jamais pode ser agente de crime no exercício de sua função, o que fere a consciência
mediana de qualquer cidadão.
O fato é que a peça de acusação traz, neste momento, logicidade, a ponto de
ser aceita.
(...)
É claro que algumas defesas tentam promover discussões aprofundadas acer-
ca do liame subjetivo e de elementos essenciais do crime de corrupção passiva,
ativa e tráfico de influência, como as sustentações orais demonstram, fazendo crer
que a denúncia seria inepta em virtude de não descrever minuciosamente a vanta-
gem percebida e a participação do denunciado por meio de conduta reconhecida-
mente direta. Contudo, a complexidade dos fatos, envolvendo interesses múlti-
plos inter-relacionados, reclama uma realidade de ação penal suscitada por de-
núncia fora dos rigorismos do art. 41, do CPP, por onde o procedimento
instrucional pudesse aclarar senão todas as nuances delituosas, pelo menos boa
parte delas. Ou então, ao final da instrução, venha permitir descortinar condutas
relevantes em torno de tipos penais próximos.
(...)
No tocante ao restrito ajustamento com a descrição típica, a polêmica é inca-
paz de sustar o prosseguimento processual, já que os denunciados se defendem dos
fatos e não da capitulação ofertada pelo Ministério Público. Eis precedente
esclarecedor da quinta turma:
‘Penal. Recurso Ordinário em Habeas Corpus. Arts. 297. § 1º, 299,
caput, e parágrafo único e 304, na forma do art. 69, todos do Código Penal.
Inépcia da denúncia.
I - Denúncia que apresenta narrativa que se ajusta ao modelo da conduta
proibida não é, em princípio, inepta porquanto permite a ampla defesa.
II - No processo penal, o réu se defende dos fatos articulados na denúncia,
e não da classificação jurídica atribuída pelo órgão acusador. (Precedentes).
286 R.T.J. — 196

III - A apreciação da tese de impossibilidade de concurso material,


entre os crimes capitulados na exordial acusatória, por possível incidência
do princípio da consunção, implicaria necessariamente em antecipação do
julgamento da própria ação penal, com a admissão de, pelo menos, um dos
delitos imputados à paciente, o que é inviável em sede de habeas corpus.
Recurso desprovido.’ (RHC 15.338/DF; Relator Ministro Félix Fischer,
DJ 21.06.2004)
Cabe reverenciar, ademais, que, não sendo a fase de firmar convencimento
prévio, tem-se em mente a previsão do art. 43 do Código de Processo Penal, segundo
o qual deve-se averiguar se os fatos narrados não constituem crime, se há causa de
extinção da punibilidade e se a legitimidade do proponente da ação penal foi
cumprida, sendo que, quanto a essa recomendação legal, o correto é prestigiar a
continuidade da persecutio criminis.
Daí porque tenho que, para se apurar a veracidade dos fatos e concluir ou pela
reprovação das condutas perpetradas ou por sua inadequação típica, é imperioso o
recebimento da denúncia e a incursão nas amarras da instrução criminal, pelo fato
de haver exposição típica e antijurídica alicerçadas por meios informativos idôneos
e suficientes à acusação e à defesa.
E essa apreensão inicial decorre do seguinte:
– Na primeira situação, conforme citado na denúncia, item 1.16, há
testemunho do promotor Eliardo de que os envolvidos levavam vantagem,
aliás, ‘todos levavam alguma quantia’ (fls. 1.745), indícios temperados pelo
fato de que o envolvido Joaquim Matias e beneficiário é sobrinho da ex-
mulher do Desembargador Augusto Falcão. Portanto, mesmo que a defesa
desminta o ocorrido, a situação reclama o embate probatório.
– Na segunda quadratura, o próprio beneficiário, mesmo que depois
viesse a desdizer o que havia falado, agora na condição de réu, assumiu a
existência dos fatos, consoante delineado no item 2.10 da denúncia, além do
que outros testemunhos, de pessoas próximas, atestam a possibilidade de sua
existência, a exemplo do que restou dito nos itens 2.9, 2.12 e 2.13.
(...)
– E, na terceira exposição, somado ao que se disse no item anterior,
parentes próximos dos Desembargadores Augusto Falcão e José Soares traba-
lhavam no escritório cujos advogados defendiam os réus beneficiados, além
do que, há o testemunho do Promotor Hosaias Matos, citado na peça inaugu-
ral, no item 3.7.
(...)
Portanto, tudo leva a crer na existência de intromissão indevida de autoridades
do Estado do Piauí, denominada na denúncia, com a participação de terceiros,
também indicados, sendo que, todos eles, pelas circunstâncias do caso, devem
também passar pela instrução criminal, à exceção de dois, contra os quais não
R.T.J. — 196 287

vislumbro uma conexão efetiva — Antônio de Pádua Ferreira Linhares e Ingrid


Barbosa. O primeiro porque apenas teve o nome citado indiretamente e, a segunda,
apesar de ser filha de um dos principais acusados, não sendo bacharela em direito,
não teria, em tese, porque se beneficiar do esquema. Ademais, se no curso da
instrução novos elementos surgirem acerca da participação dos excluídos, poderá
o Ministério Público proceder a regular aditamento.
Reconheça-se, por fim, que neste tipo de ambiente, no qual o crime é praticado
de forma muito sutil e algumas autoridades importantes ao as protagonistas, a
prova é de difícil obtenção, pois aqueles que se dispõem a ajudar muitas vezes
sofrem com os arbítrios dos poderosos. Nos autos, somente a título de exemplo,
pode-se citar a decisão de fl. 2622, verbis:
‘Diante dos fatos articulados na petição inicial de fls. 02 a 29, devida-
mente instruída com a documentação probatória de fls. 31 a 88, presentes se
encontram os pressupostos elencados no artigo 273 e seu inciso I do Código
de Processo Civil, daí porque concedo antecipação parcial da tutela preten-
dida no pedido inicial, para que seja entregue ao autor, a importância de R$
20.000,00 (vinte mil reais) como parte da indenização pelos danos causados
ao réu.
E, como sendo da essência do direito previsto na referida norma jurídica
e na presente decisão judicial, a efetiva e imediata execução da decisão, e
com fundamento no artigo 461, parágrafo 5º do mesmo Código de Processo
Civil, determinou o bloqueio no valor de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), em
qualquer agência bancária, em qualquer conta existente do réu, de qualquer
espécie.
Cumprida e efetivada a presente decisão, seja a parte requerida citada
para todos os termos da presente ação.’
O caso é bem ilustrativo, pois se tratava de ação de indenização por danos
morais, intentada pelo denunciado João Mendes Benigno Filho, contra o promotor
subscritor da representação ora sob exame, na qual, em sede de antecipação de
tutela, o Juiz da causa, numa única tacada, condena e manda executar, determinando
a penhora de numerário em conta corrente. E veja que o réu era um promotor de
justiça! Imagino o que não possa ter ocorrido às simples pessoas que de alguma
forma tentaram contribuir com as investigações!
A mesma situação pode ser presenciada nos processos 001.02.001359-1 e
001.01.0022448-5, noticiados pela petição nº 3.073, juntada por linha.
Portanto, o caso merece, sim, maiores aprofundamentos com a instrução
criminal.
Em conclusão, meu voto é no sentido de receber a denúncia tal como proposta
pelo Ministério Público Federal contra as pessoas arroladas e com a tipificação
legal declinada, com exceção de Antônio de Pádua Ferreira Linhares e Ingrid
Barbosa Soares de Albuquerque.
(...).” (Fls. 480-494)
288 R.T.J. — 196

Tenho como acertado o entendimento.


A denúncia imputa ao impetrante a prática do crime de corrupção ativa (CP, art.
333), em razão dos seguintes acontecimentos assim descritos no voto do eminente Mi-
nistro José Arnaldo da Fonseca:
“(...)
Na primeira das situações, são co-autores das condutas de corrupção passiva
e tráfico de influência Augusto Falcão Lopes, José Soares de Albuquerque, João
Mendes Benigno Filho, Tiago de Melo Falcão e Samuel Mendes de Moraes, res-
pectivamente, 1º, 2º, 4º, 5º e 10º denunciados, enquanto que autor da corrupção
ativa, o 11º denunciado. A situação fática deveu-se ao seguinte:
O denunciado Joaquim Matias (11º), empresário no Piauí, estava sendo in-
vestigado por suposto envolvimento no sumiço, da Secretaria de Fazenda Estadual,
de 13 (treze) procedimentos de apuração fiscal, que tinham por interessada empresa
de sua titularidade (J. Matias Melo).
O referido denunciado, após ser abordado por policiais que investigavam o
crime, foi detido com a posse de uma pistola glock de calibre 380, mais munição,
motivo pelo qual restou autuado em flagrante delito por porte ilegal de armas (art.
10, da Lei n. 9.437/97). Na delegacia, o promotor de justiça designado para acom-
panhar o flagrante do porte ilegal, Dr. Aristides Silva Pinheiro, recebeu a visita do
promotor João Mendes Benigno, 4º denunciado, que se dizia mandatário do
Desembargador Augusto Falcão, 1º denunciado. Na ocasião, segundo a denúncia,
o mandatário, acompanhado pelo filho do Desembargador, Tiago Falcão, 5º de-
nunciado, requereu da autoridade designada facilitações para ajudar o custodiado,
alertando que, qualquer problema porventura surgido, o desembargador mandante
resolveria com o Procurador-Geral de Justiça, Dr. Antônio de Pádua Linhares, 3º
denunciado. A proposta foi recusada de imediato, porém gerou enorme discussão
entre os proponentes e o promotor.
A situação do réu preso, então, mostrava-se em duas apurações: a do sumiço
dos autos dos procedimentos administrativos e a do porte ilegal.
Em seqüência, de acordo com a acusação, o investigado teve o inquérito de
porte trancado por decisão do Juiz Samuel Mendes de Moraes (10º denunciado),
em circunstâncias que permitiam supor ter havido a influência maquinada na
Delegacia e inicialmente rechaçada pelo promotor Aristides.
Noutro lado, iniciada ação penal perante a 6ª Vara Criminal de Teresina,
relativamente ao inquérito do extravio dos processos administrativos, a qual tinha
como acusados Paulo Roberto Oliveira e Joaquim Matias, foi ela também trancada
em relação a este último, por decisão liminar em sede de habeas corpus da lavra do
Desembargador José Soares de Albuquerque (2º denunciado). Levado o writ e a
pretensão trancativa a julgamento do órgão colegiado competente, foi confirmado o
deferimento liminar, contudo, pesadas suspeitas são levantadas, já que não houve
oitiva do parquet local, na condição de custos legis e os fatos narrados, na oportu-
nidade, pelo relator, corresponderiam à situação do porte ilegal de arma, cujo
R.T.J. — 196 289

inquérito já tinha sido trancado pelo Juiz Samuel, 10º denunciado. Por esse con-
texto, o processo penal iniciado perante o Juízo da 6ª Vara Criminal da Capital
continuou com um apenas dos denunciados, Paulo Roberto, sendo excluído o
nome de Joaquim Matias (...).” (Fls. 478-479)
Relativamente ao extravio dos processos administrativos fiscais instaurados con-
tra a empresa do impetrante, narra a denúncia que “Joaquim Matias possuía fortes laços
de amizade com os poderosos do Piauí. Habituado a corromper, contou novamente com
a atuação do Promotor Benigno e do Desembargador Augusto Falcão. Benigno, cum-
prindo a determinação de Augusto Falcão, movimentou-se para impedir a apuração
daqueles crimes. Anunciou ao Promotor Eliardo que o Desembargador Augusto Fal-
cão mandara lhe pedir que ‘pegasse leve naquele processo, pois o menino era filho do
velho Matias, gente dele, eterno Diretor do DER’. Prometeu vantagem indevida a Eliardo
para que ele não denunciasse Joaquim Matias. Garantiu que ‘nesses negócios todos
levavam alguma quantia, disse isso, fazendo gestos nesse sentido;”.
A propósito, registra o eminente Min. José Arnaldo da Fonseca, em seu voto, a
existência de testemunho do Promotor Eliardo afirmando que o acusado Benigno garan-
tiu-lhe, ao tentar suborná-lo, que, nos processos de interesse do ora impetrante, “todos
levavam alguma quantia”. Faz referência também ao fato de que o filho do Desembar-
gador Augusto Falcão trabalhava no escritório dos advogados que defendiam os réus
beneficiários e que o impetrante seria sobrinho da ex-mulher do impetrante.
A denúncia, está-se a ver, descreve conduta típica. É dizer, contém a exposição do
fato delituoso e a classificação do crime. Conforme salientou o parecer do Ministério
Público Federal, “há fortes indícios de autoria e suficiente narrativa do fato delituoso,
que tem apoio nos autos do inquérito, tudo reclamando apuração na sede própria, que
é a instrução criminal, sendo desnecessária a descrição minuciosa dos meios de execução
do delito, como pretende a defesa” (fl. 501).
Ressalte-se que as eventuais omissões da denúncia quanto aos requisitos do art. 41
do CPP — desde que permitam o exercício do direito de defesa — não implicam neces-
sariamente na sua inépcia, certo que podem ser supridas a todo tempo, antes da sentença
final, conforme dispõe o art. 569 do CPP. Assim decidiu esta Turma, quando do julga-
mento do HC 71.899/RJ, Rel. Min. Maurício Corrêa, portando o acórdão a seguinte
ementa:
“Ementa: Habeas corpus. Crime continuado de corrupção ativa em con-
curso de pessoas (arts. 333 e 29 e 71 do CP). Inépcia da denúncia. Crime multi-
tudinário ou de autoria conjunta ou coletiva. Documentos que devem acompa-
nhar a denúncia. Ilegitimidade de parte. Princípios da legalidade, obrigatorie-
dade, indivisibilidade e indisponibilidade da ação penal. Justa causa.
1. Não é inepta a denúncia por eventuais omissões quanto aos requisitos do
art. 41 do CPP — as quais podem ‘ser supridas a todo tempo, antes da sentença
final’ (art. 569 do CPP) —, desde que permita o exercício do direito de defesa.
2. Nos crimes de autoria coletiva, a denúncia pode narrar genericamente a
participação de cada agente, cuja conduta específica é apurada no curso do processo.
Precedentes.
(...).” (DJ de 2-6-95)
290 R.T.J. — 196

Ademais, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, nos crimes de autoria


coletiva, não tem exigido a descrição pormenorizada da conduta de cada acusado. Veja-se,
a propósito, o decidido pela 1ª Turma, no julgamento do HC 83.736/SP, Rel. p/ o
acórdão, Min. Carlos Britto:
“Ementa: Habeas corpus. Crime de responsabilidade. Autoria coletiva.
Denúncia tida por genérica. Alegação de inépcia da peça inicial acusatória e de
ofensa às garantias constitucionais do paciente.
A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, quanto aos delitos de autoria
coletiva, não tem exigido que a denúncia desça ao nível dos detalhes e se faça de
forma pormenorizada. Tal entendimento vem sendo abrandado, havendo decisões
no sentido de exigir-se, na denúncia, a descrição mínima da participação do acusado,
a fim de permitir-lhe o conhecimento do que de fato lhe está sendo imputado e,
assim, garantir o pleno exercício de seu direito de defesa (cf. os HCs 83.369, 80.219
e 80.549). Mesmo essa última orientação não dispensa o exame da validade da
denúncia sob a ótica de cada processo.
No caso, a peça acusatória preenche os requisitos minimamente necessários a
dar início à persecução penal, portando consigo elementos suficientes para que os
acusados conheçam os fatos que lhes estão sendo imputados e possam deles se
defender.
Habeas corpus indeferido.” (DJ de 18-6-2004)
No mesmo sentido decidiu esta Segunda Turma no julgamento do HC 82.246/RJ,
Relatora Min. Ellen Gracie:
“Habeas corpus. Estelionato. Art. 171, caput, do Código Penal.
1. O inquérito policial não é procedimento indispensável à propositura da
ação penal (RHC n. 58.743/ES, Min. Moreira Alves, DJ de 8-5-1981, e RHC n.
62.300/RJ, Min. Aldir Passarinho).
2. Denúncia que não é inepta, pois descreve de forma clara a conduta atribuída
aos pacientes, que, induzindo a vítima em erro, venderam a um falso seguro, omi-
tindo a existência de cláusulas que lhe eram prejudiciais, visando à obtenção de
vantagem ilícita, fato que incide na hipótese do art. 171, caput, do Código Penal.
Alegações que dependem de análise fático-probatória, que não se coaduna com o
rito angusto do habeas corpus.
3. Esta Corte já firmou o entendimento de que, em se tratando de crimes
societários ou de autoria coletiva, é suficiente, na denúncia, a descrição genérica
dos fatos, reservando-se à instrução processual a individualização da conduta de
cada acusado (HC n. 80.204/GO, Min. Maurício Corrêa, DJ de 6-10-2000, e HC n.
73.419/RJ, Min. Ilmar Galvão, DJ de 26-4-1996.
4. Habeas corpus indeferido.” (DJ de 14-11-2002)
Quanto à ausência de justa causa, a jurisprudência da Suprema Corte firmou-se no
sentido de que não se tranca a ação penal se a conduta descrita na denúncia configura,
em tese, crime, como ocorre na hipótese.
R.T.J. — 196 291

Foi esse o entendimento da Casa no RHC 56.693/DF, Rel. Min. Moreira Alves,
assim ementado o acórdão:
“Ementa: Habeas Corpus. Trancamento de ação penal por falta de justa causa.
— Se o fato descrito na denúncia constitui crime em tese, não é o habeas
corpus meio idôneo para trancar-se a ação penal por falta de justa causa que só
poderia ser apurada pelo exame aprofundado da prova.
Recurso ordinário a que se nega provimento.” (DJ de 11-12-78)
Não foi outro o decidido por esta Turma no RHC 61.145/SP, Rel. Min. Néri da
Silveira:
“Habeas corpus. Trancamento da ação penal. Falta de justa causa. Código
Penal, artigo 171. O habeas corpus não enseja o exame aprofundado de provas,
para se firmar, desde logo, se o réu é, ou não, inocente. Diante dos fatos descritos na
denúncia, não é possível, prima facie, recusar sua tipificação como ilícito criminal.
Se esses fatos são verdadeiros, ou não; se existiria, apenas, questão de direito civil,
somente será possível concluir, ultimada a colheita de provas, em instrução contra-
ditória. Recurso desprovido.” (DJ de 9-3-84, RTJ 113/1017)
Nesse mesmo sentido, decidiu esta Turma no HC 84.107/SC, de que fui Relator. O
acórdão porta a seguinte ementa:
“Ementa: Penal. Processual Penal. Habeas corpus. Trancamento da ação
penal. Calúnia. Imunidade penal do advogado.
I - A imunidade prevista no inciso I do art. 142 do Código Penal não abrange
a ofensa caracterizada como calúnia.
II - Denúncia que atende aos requisitos do art. 41 do Código de Processo
Penal.
III - A jurisprudência da Suprema Corte firmou-se no sentido de que não se
tranca a ação penal se a conduta descrita na denúncia configura, em tese, crime,
como ocorre na hipótese.
IV - HC indeferido.” (DJ de 18-6-2004)
No que toca à alegação de ilegalidade na designação dos Promotores de Justiça
José Eliardo de Sousa Cabral e Aristides Silva Pinto, melhor sorte não assiste à impetra-
ção, dado que tais atos encontram apoio no art. 10, IX, d e e, da Lei 8.625/93.
De igual modo, não há como acolher a alegação de ilegitimidade do Promotor de
Justiça que “ofertou as notas de singularidade que suporte a denúncia”. É que, como
bem assinalou o parecer do Ministério Público Federal, “o impetrante não logrou de-
monstrar que o promotor de justiça, cuja atuação questiona, tenha de alguma forma
contribuído para dar elementos de suporte à denúncia do Ministério Público Federal”
(fl. 501).
Esclareça-se, por fim, no que concerne à alegação de ofensa ao princípio do promotor
natural, que o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do HC 67.759/RJ, Relator o
Ministro Celso de Mello, não acolheu a tese. Os Ministros Paulo Brossard, Octavio
292 R.T.J. — 196

Gallotti, Néri da Silveira e Moreira Alves adotaram posição de rejeição à existência do


princípio do promotor natural. O Ministro Sydney Sanches reconheceu a possibilidade
de instituição do princípio do promotor natural mediante lei. O Relator, Ministro Celso
de Mello, votou no sentido da “necessidade da interpositio legislatoris para efeito de
atuação do princípio.” Assim, à posição dos Ministros que adotaram a tese de inexistir
o promotor natural — Brossard, Gallotti, Néri e Moreira Alves — agregou-se a dos
Ministros Celso de Mello e Sydney Sanches, a exigir lei para efeito de atuação do
princípio (RTJ 150/124).
Assim também decidiu esta Segunda Turma no julgamento do HC 83.463/RS, por
mim relatado, acórdão publicado em 4-6-2004.
Do exposto, indefiro a ordem.

EXTRATO DA ATA
HC 85.424/PI — Relator: Ministro Carlos Velloso. Paciente e Impetrante: Joaquim
Matias Barbosa Melo. Coator: Superior Tribunal de Justiça.
Decisão: Indeferiu-se a ordem, decisão unânime. Ausente, justificadamente, neste
julgamento, o Ministro Celso de Mello. Presidiu este julgamento o Ministro Carlos
Velloso.
Presidência do Ministro Carlos Velloso. Presentes à sessão os Ministros Ellen
Gracie, Gilmar Mendes e Joaquim Barbosa. Ausente, justificadamente, o Ministro Celso
de Mello. Subprocurador-Geral da República, Dr. Geraldo Brindeiro.
Brasília, 23 de agosto de 2005 — Carlos Alberto Cantanhede, Coordenador.

HABEAS CORPUS 85.438 — SP

Relator: O Sr. Ministro Gilmar Mendes


Paciente: Dagoberto Barbosa — Impetrante: Edison Blanes — Coator: Superior
Tribunal de Justiça
Habeas corpus. 2. Crime contra a Ordem Tributária. 3. Citação por
edital válida. 4. Decretação de revelia com defensor dativo devidamente
nomeado. 5. Defesa prévia regularmente apresentada. 6. Inexistência de
vício processual. 7. Ordem denegada.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo
Tribunal Federal, em Segunda Turma, sob a presidência do Ministro Celso de Mello, na
conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos,
indeferir o pedido de habeas corpus, nos termos do voto do Relator.
Brasília, 13 de setembro de 2005 — Celso de Mello, Presidente — Gilmar Mendes,
Relator.
R.T.J. — 196 293

RELATÓRIO
O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Trata-se de habeas corpus impetrado em favor de
Dagoberto Barbosa contra a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça que denegou
habeas corpus em decisão assim ementada:
“Processo penal. Citação editalícia. Interrogatório. Defensor constituído.
Intimação. Inexistência. Defensor dativo. Nomeação. Nulidade.
É válida a citação por edital quando esgotados todos os meios disponíveis
para a citação pessoal (arts. 361 e 362, do Código de Processo Penal).
Não é causa de nulidade a falta de intimação, para interrogatório judicial, de
advogado que acompanhou o cliente em depoimento realizado perante a autorida-
de policial, à vista da diversidade de procedimentos e da inexistência de mandato
para a causa.
Recurso a que se nega provimento.” (Fl. 387)
O paciente foi denunciado pela prática do crime contra a ordem tributária previsto
no art. 1º, I, da Lei 8.137, de 1990, c/c o art. 71 do Código Penal (crime continuado).
Sustenta-se, em breve síntese, a existência de nulidade do processo, por “vício em
sua citação e, por conseqüência, na decretação de sua revelia, e vício na nomeação de
defensora dativa”. A pretensão de declaração de nulidade foi rejeitada no juízo de ori-
gem, no Tribunal Regional Federal da Terceira Região, e no Superior Tribunal de Justiça.
Indeferi o pedido de liminar (fls. 375-376).
O parecer do Parquet é pelo indeferimento da ordem (fls. 400-402).
É o relatório.

VOTO
O Sr. Ministro Gilmar Mendes (Relator): Foram estas as razões do Superior Tribunal
de Justiça para a denegação da ordem ao paciente, verbis:
“Dentre todos os argumentos reunidos pelo recorrente, destaco a afirmativa
de que (fl. 314):
‘(...) o réu ficou cerca de cinco meses sem aparecer no local, em razão do
que, de fato, não poderia ser, como não o foi, encontrado naquele endereço.
Ou seja: o réu, por óbvio, não residia mais naquele local, pois, se assim não
fosse, não teria se ausentado por tanto tempo. E, se não mais residia naquele
local, o paciente, pelo fato de que não foi encontrado, não pode ser acusado
de ter tentado se ocultar da citação’
A afirmativa é elucidativa.
Dispõe o art. 361 do Código de Processo Penal que, se o réu não for encontrado,
será citado por edital, com prazo de 15 (quinze) dias.
294 R.T.J. — 196

Efetivamente, a despeito dos esforços do oficial de justiça, não se logrou


encontrar o recorrente, procurado que foi seguidas vezes no local que indicara
como sua residência e diligenciou também via telefônica, por intermédio de su-
posto procurador do réu, sem resultado.
Assim, nenhuma nulidade decorre da citação editalícia e da decretação da
revelia.
[...]
Não prospera, por igual, a argüição de nulidade à custa da não intimação do
advogado que acompanhara o recorrente, quase três anos antes da data do interro-
gatório, em depoimento que prestara perante a autoridade policial.
Com efeito, para além do tempo desde então decorrido, não há presumir que
estivesse encarregado do patrocínio da causa, tanto porque não fora citado, quanto
porque inexistente o mandato e a ação penal constitui processo judicial de nature-
za diversa do inquérito policial, este que, procedimento administrativo que é, não
está sujeito ao contraditório.
Releva transcrever, neste ponto, o acertado convencimento do acórdão im-
pugnado, a saber:
‘No tocante à alegação de nulidade na nomeação de defensora dativa
consigno a regularidade do ato, tendo em vista ser o interrogatório momento
apropriado à indicação de defensor, em face desta prescrição da lei processual
penal e também considerando que não há relação processual na fase do inqu-
érito policial, mesmo em hipóteses de juntada de procuração antes da
propositura da demanda penal sendo inexigível a intimação do defensor, no
caso dos autos sequer sendo esta a situação, tendo o então indiciado apenas
comparecido no ato do interrogatório policial acompanhado de advogado.’
[...]
Em que pese haver prometido, por intermédio de suposto procurador – o qual
inclusive manteve contato telefônico dom o oficial de justiça –, viabilizar a cita-
ção do acusado, não se logrou realizar a citação pessoal do réu que, no momento
oportuno, teve defensor regularmente nomeado.
Inexistentes, portanto, as nulidades indicadas.” (Fls. 391-394)
A Procuradoria-Geral da República, em parecer da lavra da Dra. Delza Curvello
Rocha, manifestou-se no seguinte sentido:
“Na espécie, não obstante o alegado pelo impetrante, observa-se que todos
os esforços foram empreendidos para que fosse procedida a citação pessoalmente,
entretanto, não tendo sido possível, houve a nomeação do defensor dativo que
ofereceu, satisfatoriamente, a defesa do paciente. Dessa forma, restou demonstrado
que a referida defesa evitou-lhe qualquer prejuízo.
Nesse sentido, veja-se julgado abaixo transcrito proveniente dessa Corte
Maior:
R.T.J. — 196 295

‘(...)
2. O Paciente foi citado por edital, por não ter sido localizado. Teve
decretada a revelia. Em conseqüência, foi-lhe nomeado defensor, indicado
pela OAB/SP, que teve efetiva atuação. Nenhum prejuízo sofreu o Paciente
por ter sido defendido por advogado dativo. O processo teve normal desen-
volvimento. Habeas indeferido.’ (HC 81.636/SP; Rel.: Min. Nelson Jobim;
Julgamento: 9-4-2002; Órgão Julgador: Segunda Turma; Publicação: DJ de
14-6-20002).
Assim, ausente a demonstração de prejuízo, a decisão do Colendo Superior
Tribunal de Justiça ajusta-se ao entendimento dessa Corte Maior não se constituindo
em ato ilegal ou abusivo que justifique o writ.” (Fls. 401-402)
Com efeito, o paciente foi devidamente citado por edital, após as tentativas de
citação pessoal, não havendo qualquer nulidade, e, conseqüentemente, a decretação da
revelia e a nomeação de defensor dativo ocorreram regularmente. Ademais, o defensor
dativo apresentou defesa prévia, não havendo que se falar em qualquer prejuízo para
defesa.
Nesses termos, o meu voto é pelo indeferimento do habeas corpus.

EXTRATO DA ATA
HC 85.438/SP — Relator: Ministro Gilmar Mendes. Paciente: Dagoberto Barbosa.
Impetrante: Edison Blanes. Coator: Superior Tribunal de Justiça.
Decisão: A Turma, por votação unânime, indeferiu o pedido de habeas corpus, nos
termos do voto do Relator. Ausentes, justificadamente, neste julgamento, os Ministros
Carlos Velloso e Ellen Gracie.
Presidência do Ministro Celso de Mello. Presentes à sessão os Ministros Gilmar
Mendes e Joaquim Barbosa. Ausentes, justificadamente, os Ministros Carlos Velloso e
Ellen Gracie. Subprocuradora-Geral da República, Dra. Maria Caetana Cintra Santos.
Brasília, 13 de setembro de 2005 — Carlos Alberto Cantanhede, Coordenador.

AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS 85.468 — SP

Relator: O Sr. Ministro Carlos Velloso


Agravante: Carlos Alberto da Costa Silva — Agravado: Relator do HC n. 84.265-8
do Supremo Tribunal Federal
Penal. Processual penal. Habeas corpus. Cabimento. Ato jurisdicional
de Ministro do STF.
I - A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é no sentido do
não-cabimento de habeas corpus contra atos jurisdicionais do Supremo
Tribunal Federal referentes a outros habeas corpus impetrados perante
296 R.T.J. — 196

este (Precedentes: HC 76.799/SP, Gallotti, DJ de 16-3-98; HC 82.010/MS,


Maurício Corrêa, DJ de 29-5-2002; HC 84.538/SP, Nelson Jobim, DJ de 2-
8-2004).
II - Recurso improvido.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo
Tribunal Federal, em Sessão Plenária, na conformidade da ata do julgamento e das notas
taquigráficas, por maioria, negar provimento ao agravo regimental, vencidos os Minis-
tros Marco Aurélio e Sepúlveda Pertence. Votou a Presidente. Impedido o Ministro
Joaquim Barbosa. Ausentes, justificadamente, os Ministros Nelson Jobim (Presidente),
Celso de Mello e Gilmar Mendes.
Brasília, 19 de maio de 2005 — Ellen Gracie, Presidente (no exercício da Presi-
dência) — Carlos Velloso, Relator.

RELATÓRIO
O Sr. Ministro Carlos Velloso: Trata-se de agravo regimental, interposto por
Carlos Alberto da Costa Silva, da decisão de fl. 42, que negou seguimento a pedido de
habeas corpus, tendo em vista a jurisprudência da Corte no sentido do não-cabimento
de habeas corpus contra atos jurisdicionais do Supremo Tribunal Federal referentes a
outros habeas corpus impetrados perante este.
Alega o recorrente que a decisão impugnada está equivocada, porquanto o presente
writ não se dirige contra ato jurisdicional de um Ministro do STF, mas sim “contra uma
decisão de índole francamente correicional-ordenatória (embora ilegalíssima e ar-
bitrária) do Min. Joaquim Barbosa que cassou uma liminar concedida pelo Eminen-
te Min. Marco Aurélio, em sede do remédio heróico e humanitário do habeas corpus”
(fl. 51).
Sustenta, ainda, a ilegalidade da decisão do eminente Min. Joaquim Barbosa que,
nos autos do HC 84.265, objeto desta impetração, revogou medida liminar anteriormente
concedida por outro Ministro da Corte e determinou a expedição de mandado de prisão.
Ao final, requer o agravante a reconsideração da decisão agravada ou, caso assim
não se entenda, o provimento do presente agravo regimental. Alternativamente, requer a
apreciação do pedido de fixação de fiança, requerido na inicial.
É o relatório.

VOTO
O Sr. Ministro Carlos Velloso (Relator): Assim a decisão agravada, ora sob exame:
“Decisão: Vistos. Trata-se de habeas corpus, com pedido de liminar,
impetrado em favor de Carlos Alberto da Costa Silva, apontando como coator o
R.T.J. — 196 297

eminente Ministro Joaquim Barbosa, que, nos autos do HC 84.265/SP, de sua


relatoria, revogou medida liminar anteriormente deferida pelo eminente Ministro
Marco Aurélio (RISTF, art. 38, I) e determinou a expedição de mandado de prisão
contra o paciente.
Sustenta a ilegalidade da decisão do eminente Ministro Joaquim Barbosa,
aos seguintes argumentos: a) a revogação de medida liminar concedida por outro
Ministro do STF somente é admitida nas hipóteses previstas nos arts. 21, IV e V, e
297 do RISTF; b) usurpação da competência do Procurador-Geral da República,
‘autoridade que teria prerrogativa de dar partida à revogação da liminar’ (fl. 05);
c) ofensa aos princípios do devido processo legal e da ampla defesa; d) falta de
fundamentação da decisão.
Pede a concessão de medida liminar, a fim de que o paciente seja colocado
em liberdade.
Autos conclusos em 4-2-2005.
Decido.
O pedido é inviável. É que, conforme anotou com precisão o Ministro
Moreira Alves, na decisão proferida no HC 81.078/SP, não cabe habeas corpus
contra atos jurisdicionais do Supremo Tribunal Federal referentes a outros habeas
corpus impetrados perante este.
Assim sendo, nego seguimento ao pedido (RISTF, art. 21, § 1º).” (Fl. 42)
Como se vê, pretende o impetrante, sob a alegação de que o presente writ não se
dirige contra ato jurisdicional de um Ministro do Supremo, que esta Corte conceda a
ordem para revogar a decisão do Min. Joaquim Barbosa que, nos autos do HC 84.265/SP,
de sua relatoria, revogou liminar anteriormente concedida por outro Ministro da Corte e
determinou a expedição de mandado de prisão.
Assim, o recurso não merece provimento, tendo em vista a jurisprudência desta
Corte que não admite a impetração de habeas corpus contra atos jurisdicionais do
Supremo Tribunal Federal referentes a outros habeas corpus impetrados perante este
(HC 76.799/SP, Gallotti, DJ de 16-3-98; HC 82.010/MS, Maurício Corrêa, DJ de 29-5-
2002; HC 84.538/SP, Nelson Jobim, DJ de 2-8-2004).
Do exposto, nego provimento ao agravo regimental.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Senhora Presidente, apenas um detalhe: no caso,


tivemos pronunciamento judicial definitivo na própria ação penal, e a discussão se trava
considerado título diverso, relacionado com a prisão que se mostrou temporária e depois
foi transmudada em preventiva. Por isso, penso que se deu o prejuízo do próprio agravo.
Não há, a esta altura, interesse e utilidade no manuseio do próprio habeas corpus impe-
trado.
Nesse primeiro passo, assento o prejuízo; no segundo, peço vênia para divergir e
entender que, enquanto houver um órgão acima daquele que formalizou o ato, cabível é,
contra esse ato, em tese — pouco importa o merecimento, não estamos aqui a perquirir o
298 R.T.J. — 196

acerto ou desacerto do ato, por enquanto —, a ação constitucional voltada à preservação


da liberdade de ir e vir. Admito, portanto, contra decisão de Relator, no Supremo Tribu-
nal Federal, atuando como porta-voz da Turma ou do Plenário, a impugnação a essa
decisão perante o próprio Plenário. Tratando-se de Relator que exerce atividade na
Turma, mostra-se pertinente, de início, sem aí perquirir-se ou adotar-se uma óptica rígida
quanto à adequação, o habeas corpus.
Por isso, se vencido na questão da prejudicialidade, provejo o agravo.

VOTO
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Sra. Presidente, no HC 69.138, Plenário, Relator
o Sr. Ministro Moreira Alves, nós conhecemos da impetração contra a decisão do Relator
que negara provimento a agravo para a subida de recurso extraordinário criminal, embora
nos limitando a averiguar a questão do cabimento do recurso extraordinário.
Indago ao Ministro Marco Aurélio se já há sentença condenando e decretando a
prisão.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Sim, sentença condenatória e, portanto, é diverso o
título em jogo no habeas corpus, considerada a liminar que proferi e que, retirada do
mundo jurídico pelo Relator, já não subsiste, ficou prejudicada. Como declararia o
prejuízo do próprio habeas, tendo em conta a condenação, faço-o relativamente ao
agravo, para a seqüência do habeas impetrado contra o indeferimento da liminar em
idêntica medida.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Sra. Presidente, também julgo prejudicado o
habeas corpus.

EXTRATO DA ATA
HC 85.468-AgR — Relator: Ministro Carlos Velloso. Agravante: Carlos Alberto
da Costa Silva (Advogados: Mário Gilberto de Oliveira e outro, Sérgio Alberto Frazão
do Couto e outro). Agravado: Relator do HC n. 84.265-8 do Supremo Tribunal Federal.
Decisão: O Tribunal, por maioria, negou provimento ao agravo regimental, venci-
dos os Ministros Marco Aurélio e Sepúlveda Pertence. Votou a Presidente. Impedido o
Ministro Joaquim Barbosa. Ausentes, justificadamente, os Ministros Nelson Jobim (Pre-
sidente), Celso de Mello e Gilmar Mendes. Presidiu o julgamento a Ministra Ellen
Gracie (Vice-Presidente).
Presidência da Ministra Ellen Gracie (Vice-Presidente). Presentes à sessão os Mi-
nistros Sepúlveda Pertence, Carlos Velloso, Marco Aurélio, Cezar Peluso, Carlos Britto,
Joaquim Barbosa e Eros Grau. Vice-Procurador-Geral da República, Dr. Antonio Fernando
Barros e Silva de Souza.
Brasília, 19 de maio de 2005 — Luiz Tomimatsu, Secretário.
R.T.J. — 196 299

RECURSO EM HABEAS CORPUS 85.512 — GO

Relator: O Sr. Ministro Carlos Velloso


Recorrente: Eduardo Guimarães Costa Filho — Recorrido: Ministério Público
Federal
Constitucional. Processo penal. Devido processo legal. Defesa: apre-
sentação de memoriais.
I - A apresentação de memoriais não constitui ato essencial à defesa.
É faculdade concedida às partes, que dela se utilizam ou não. Todavia, se
o Relator do habeas corpus defere pedido de vista do defensor, no qual esse
manifesta, expressamente, o desejo de apresentar memoriais, o julgamento
do writ antes da publicação do despacho e da retirada dos autos pelo
advogado, impedindo a possibilidade da apresentação dos memoriais,
constitui cerceamento de defesa.
II - Recurso provido, em parte.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tri-
bunal Federal, em Segunda Turma, sob a Presidência do Ministro Celso de Mello, na
conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos,
conhecer e dar provimento, em parte, ao recurso ordinário, nos termos do voto do Relator.
Brasília, 16 de agosto de 2005 — Celso de Mello, Presidente — Carlos Velloso,
Relator.

RELATÓRIO
O Sr. Ministro Carlos Velloso: Trata-se de recurso ordinário interposto por
Eduardo Guimarães Costa Filho contra acórdão da 5ª Turma do Eg. Superior Tribunal
de Justiça que indeferiu pedido de habeas corpus (HC 33.149/GO), em acórdão assim
ementado:
“Habeas corpus - Processual penal - Tráfico ilícito de entorpecentes - Prisão
em flagrante - Ausência de curador ao réu menor - Necessária a configuração do
efetivo prejuízo - Inocorrência - Liberdade provisória - Crime hediondo - Impos-
sibilidade - Desclassificação para o delito de uso de entorpecentes - Matéria não
examinada pelo tribunal local - Supressão de instância.
- A alegada nulidade da custódia, tendo em vista a falta de nomeação de
curador ao réu menor por ocasião da lavratura do auto de prisão em flagrante, deve
vir acompanhada da demonstração do efetivo prejuízo à defesa. No caso, isso
inocorre.
- Inviável a concessão de liberdade provisória ao acusado pela prática de
crime hediondo, conforme recente entendimento firmado pelo Supremo Tribunal
Federal, no Informativo 329, HC 83.468/ES, DJU de 11.11.2003, Rel. Ministro
Sepúlveda Pertence.
300 R.T.J. — 196

- O pedido de desclassificação do delito para uso de entorpecentes não foi


objeto de debate e decisão pelo Tribunal a quo, razão pela qual deixo de analisá-
lo, sob pena de indevida supressão de instância.
- Ordem conhecida em parte e, nessa parte, denegada, cassando a liminar
anteriormente deferida.” (Fl. 384)
Contra esse acórdão foram opostos embargos de declaração (fls. 387-394), em que
se sustenta a ocorrência de cerceamento de defesa, em virtude de o processo ter sido
julgado pela Turma quando ainda pendente de publicação o despacho que deferiu pedi-
do de vista formulado pelo recorrente. Os embargos foram rejeitados (fls. 399-403).
Nas razões, o recorrente, condenado pelo delito tipificado no art.12 da Lei 6.368/76,
reitera a argüição de nulidade do acórdão proferido pelo STJ, por cerceamento de defesa.
Sustenta, mais, em síntese, o seguinte:
a) inexistência de justa causa para a ação penal, tendo em vista que a conduta
descrita na denúncia configuraria o delito previsto no art. 16 da Lei de Tóxicos;
b) nulidade do auto de prisão em flagrante por ausência de nomeação de curador;
c) direito de responder ao processo em liberdade, dado que o delito do art. 16 da
Lei 6.368/76 não é considerado crime hediondo.
Requer o provimento do recurso para anular o v. acórdão recorrido, a fim de pro-
porcionar ao recorrente a “entrega de memorial — e eventual elaboração de sustenta-
ção oral — antes do novo/outro julgamento a ser designado posteriormente” (fl. 439) e,
no mérito, a reforma do acórdão recorrido, com a concessão do writ, na fundamentação
oferecida. Pede, ainda, liberdade provisória para responder ao processo e, alternativa-
mente, em caso de condenação, a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva
de direito.
Contra-razões do Ministério Público Federal às fls. 443-448.
Admitido o recurso, subiram os autos (fl. 450).
O Ministério Público Federal, pelo parecer da ilustre Subprocuradora-Geral da
República, Dra. Delza Curvello Rocha, opina no sentido do conhecimento do recurso, e,
no mérito, pela sua denegação (fls. 457-461).
É o relatório.

VOTO
O Sr. Ministro Carlos Velloso (Relator): Preliminarmente, examino a alegação de
cerceamento de defesa.
Extrai-se dos autos que o defensor do recorrente teve deferido, em 14-4-2005, o seu
pedido de vista dos autos para oferecimento de memoriais (fl. 377).
Ocorre, porém, que o writ foi levado a julgamento, na sessão de 11-5-2004, sem
que o despacho tivesse sido publicado no Diário de Justiça ou que, ao menos, o defensor
tivesse retirado os autos (fl. 383). O referido despacho somente foi publicado no Diário
de Justiça do dia 25-5-2004 (fl. 378).
R.T.J. — 196 301

Tenho me manifestado no sentido de que a sustentação oral não constitui ato


essencial à defesa. Assim decidiu o Supremo Tribunal no julgamento do HC 66.315/RJ,
Rel. Min. Moreira Alves (RTJ 127/894). No julgamento do HC 73.839/RJ, de que fui
Relator, decidimos:
“Ementa: Penal. Processual Penal. Habeas corpus. Sustentação oral. Sen-
tença condenatória e acórdão: motivação. Reconhecimento pessoal. Prova:
exame.
I - A sustentação oral é uma faculdade concedida às partes, que as utiliza ou
não. Não há falar em nulidade do julgamento, se o defensor do réu, apesar de
regularmente intimado, não comparece ao Tribunal, por motivo de força maior,
deixando, assim, de fazer sustentação oral. Prejuízo à defesa não demonstrado.
II - Acórdão suficientemente fundamentado.
III - Reconhecimento pessoal que, mesmo sem atender rigorosamente ao dis-
posto no art. 226 do CPP, não é de molde a ensejar a anulação da prova assim
obtida.
IV - O exame de prova é inviável nos estreitos limites do habeas corpus.
V - HC indeferido.” (DJ de 27-3-98)
Não foi outro o decidido no HC 69.429/RJ, também por mim relatado (RTJ 149/460).
De igual modo, os memoriais também não constituem peça essencial à defesa e
sequer são objeto de disciplina processual no tocante à sua juntada aos autos, conforme
já decidiu esta Corte no julgamento do HC 70.708/RS, Rel. Min. Moreira Alves (DJ de
4-3-94). A apresentação de memoriais é, pois, uma faculdade concedida às partes, que
dela se utilizam ou não.
Todavia, penso que, se o Relator defere pedido de vista do defensor, no qual esse
manifesta, expressamente, o desejo de apresentar memoriais, o julgamento do habeas
corpus, antes da publicação do despacho e da retirada dos autos pelo advogado, impe-
dindo a possibilidade da apresentação dos memoriais, constitui cerceamento de defesa.
Nesse sentido já decidiu esta Segunda Turma ao julgar os embargos de declaração
na Rcl 2.311/SP, Relatora a eminente Ministra Ellen Gracie. O acórdão porta a seguinte
ementa:
“Ementa: Processual Civil. Pedido de vista deferido. Julgamento. Embargos
de declaração recebidos.
1. Descompasso entre despacho que deferiu pedido de vista e apresentação
do feito em mesa para julgamento.
2. Muito embora a apresentação de memorial não seja considerada ato indis-
pensável à defesa e sequer receba disciplina processual própria, as peculiaridades
do caso levam ao recebimento dos embargos para o efeito de anular o julgamento.
3. Embargos acolhidos.” (DJ de 18-6-2004)
No julgamento do HC 78.097/SP, por mim relatado, decidiu esta Turma:
“Ementa: Constitucional. Processual Penal. Devido processo legal. Defesa:
sustentação oral.
302 R.T.J. — 196

I - A sustentação oral não constitui ato essencial à defesa. É faculdade conce-


dida às partes, que a utilizam ou não. Todavia, se o defensor manifesta, expressamente,
a vontade de fazer sustentação oral, deixando expresso que deseja utilizar-se da
faculdade que lhe concede a lei processual, o obstáculo, criado pelos serviços
burocráticos da Justiça, impedindo a ocorrência da sustentação oral requerida
constitui cerceamento de defesa, aplica maus tratos no princípio do devido processo
legal.
II - HC deferido.”(DJ de 6-8-99)
Do exposto, dou provimento ao recurso, para o fim de anular o julgamento, para
que outro se realize após o cumprimento do despacho que deferiu vista para elaboração
de memoriais.

EXTRATO DA ATA
RHC 85.512/GO — Relator: Ministro Carlos Velloso. Recorrente: Eduardo Guimarães
Costa Filho (Advogados: Oscar L. de Morais e outro). Recorrido: Ministério Público Federal.
Decisão: A Turma, por votação unânime, conheceu e deu provimento, em parte, ao
recurso ordinário, nos termos do voto do Relator.
Presidência do Ministro Celso de Mello. Presentes à sessão os Ministros Carlos
Velloso, Ellen Gracie, Gilmar Mendes e Joaquim Barbosa. Subprocurador-Geral da
República, Dr. Geraldo Brindeiro.
Brasília, 16 de agosto de 2005 — Carlos Alberto Cantanhede, Coordenador.

RECURSO EM HABEAS CORPUS 85.513 — RJ

Relator: O Sr. Ministro Carlos Velloso


Recorrente: George Dias Farah — Recorrido: Ministério Público Federal
Penal. Processual Penal. Crime contra a ordem tributária. Lei
8.137/90, art. 1º.
I - Condenação fundada em representação fiscal que demonstra que
o paciente teria omitido nas declarações de renda bens sem origem justi-
ficada, com a finalidade de burlar o fisco.
II - Falta justa causa para a ação penal pela prática do crime tipifi-
cado no art. 1º da Lei 8.137, de 1990, enquanto não constituído, em defini-
tivo, o crédito fiscal pelo lançamento. HC 81.611/DF, Ministro Sepúlveda
Pertence, Plenário, 10-12-2003.
III - No caso, o crédito fiscal já está constituído, visto que o procedi-
mento administrativo fiscal instaurado contra o paciente foi concluído
em 1994.
IV - HC indeferido.
R.T.J. — 196 303

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tri-
bunal Federal, em Segunda Turma, na conformidade da ata do julgamento e das notas
taquigráficas, por unanimidade de votos, negar provimento ao recurso. Ausentes, justi-
ficadamente, neste julgamento, os Ministros Celso de Mello, Presidente, e Joaquim
Barbosa.
Brasília, 4 de outubro de 2005 — Carlos Velloso, Presidente e Relator.

RELATÓRIO
O Sr. Ministro Carlos Velloso: Trata-se de recurso ordinário em habeas corpus
interposto por George Dias Farah do acórdão da 5ª Turma do Superior Tribunal de
Justiça que denegou o HC 29.602/RJ, em acórdão assim ementado:
“Penal e Processual Penal. Habeas corpus. Crime contra a ordem tributária.
Aplicação da Lei n. 8.137/90. Verificação do quantum devido. Independência das
instâncias.
I - Tendo os fatos descritos na exordial acusatória sido praticados sob a égide
da Lei n. 8.137/90 se mostra imperiosa a sua aplicação.
II - O procedimento administrativo de apuração de débitos não se constitui
em condição de procedibilidade para a instauração da ação penal, tendo em vista
a independência entre as instâncias civil, administrativa e criminal.(Precedentes).
Habeas corpus denegado.” (Fl. 142)
Sustenta o recorrente, condenado como incurso no art. 1º, I e II, da Lei 8.137/90,
inexistir justa causa para a ação penal, por não ter o Ministério Público apresentado
prova da prática dos delitos, nem demonstrado qual teria sido o valor do débito tributário.
Pede, ao final, a concessão da ordem, “desconstituindo, assim, aquela sentença
prolatada no Juízo Monocrático — Proc. 94.0036061-4; condenação parcialmente
ratificada pela E. 3ª Turma do TRF/2ª Região — Proc. 98.02.38693-6, decretando a
nulidade do V. Acórdão, proferido naquela Apelação Criminal (98.02.38693-6); bem
como a reforma da decisão do HC 29602/RJ” (fl. 162).
Contra-razões às fls. 172-174.
Admitido o recurso, subiram os autos (fl. 176).
O Ministério Público Federal, oficiando às fls. 214-216, pelo parecer do ilustre
Subprocurador-Geral da República, Dr. Edson Oliveira de Almeida, opina pelo despro-
vimento do recurso.
É o relatório.

VOTO
O Sr. Ministro Carlos Velloso (Relator): Destaco do parecer do Ministério Público
Federal, da lavra do ilustre Subprocurador-Geral da República, Dr. Edson Oliveira de
Almeida (fls. 214-216):
304 R.T.J. — 196

“(...)
2. O paciente foi condenado pela prática dos crimes previstos nos arts. 1º, I e
II e 3º, III da Lei n. 8.137/90 (sonegação fiscal e advocacia administrativa fiscal),
nas penas de 5 (cinco) anos de reclusão, em regime semi-aberto, e pagamento de
120 (cento e vinte dias-multa. O Tribunal Regional Federal da 3ª Região, dando
parcial provimento à apelação, declarou a prescrição do crime previsto no art. 3º,
III da Lei n. 8.137/90, tornando a pena definitiva em 3 (três) anos de reclusão e 60
(sessenta) dias-multa.
3. Contrapondo o acórdão e buscando a desconstituição da sentença
condenatória, diz o impetrante, em suma, que não cometeu crime contra a ordem
tributária, ‘tendo havido, apenas, uma simples omissão, sem que ocorresse qual-
quer lesão aos cofres públicos, também não tendo ocorrido supressão ou redução
de tributo, ou contribuição social e qualquer acessório (art. 1º, I e II, da Lei 8.137/
90), é evidente a falta de justa causa’. (fls. 155-162)
4. Nas contra-razões (fls. 172-174), o Ministério Público Federal opina pelo
desprovimento do recurso.
5. Não assiste razão ao recorrente.
6. A condenação está calcada na representação fiscal, que demostrou que o
paciente omitiu o pagamento do imposto de renda referente a rendimentos ingres-
sados em sua conta corrente, sem origem justificada e não constantes das declara-
ções de renda. Segundo a Receita Federal, no ano-base de 1991, houve omissão de
uma linha telefônica e de vários veículos adquiridos, em sua maioria, em leilões
judiciais, os quais eram posteriormente revendidos. As transações não foram
registradas no Detran com a finalidade de burlar o fisco.
Extrai-se da denúncia (fls. 105-107):
Solicitadas as cópias das declarações dos anos de 1988 a 1993, verifi-
cou-se que o ora denunciado omitiu declarações de bens prestando falsas
informações à autoridades fazendárias (em todos os anos citados exceto o de
1993, cujo procedimento ora está sendo feito).
O denunciado conforme documento anexo (doc. 2) é proprietário de
linha telefônica cuja existência nunca foi informada ao fisco.
Conforme se vê dos documentos ora anexados (doc. 3), o denunciado é
proprietário de vários veículos que compra, na maioria dos casos, em leilão
patrocinado por empresas seguradoras. Veja-se, por exemplo, que o denunciado
declara como sendo de sua propriedade veículo monza placa JX 7042 - ano
86 em cujo registro junto ao Detran consta como proprietário o Sr. Dirceu
Freire Henriques e não declara a compra do veículo santana placa na 9070 -
ano 90 a ele transferido em junho de 1990.
Por outro lado, vários veículos por ele adquiridos não foram ainda
transferidos para seu nome junto aos registros do Detran. O próprio denunciado
declara ser de sua propriedade tais veículos (conversa gravada via escuta
R.T.J. — 196 305

telefônica), sendo que assim procede para evitar o pagamento de impostos e


para dificultar a fiscalização tributária federal. O certo e evidente é que con-
victo de que jamais será molestado, desfila impunemente em seus veículos,
emprestando-os, quando lhe é conveniente, aos seus clientes. Segundo o que
se pode registrar em fita gravada, o denunciado exerce o comércio de compra
e venda de veículos sempre utilizando-se de artifícios no sentido de burlar a
fiscalização tributária. E ele mesmo afirma que somente possui as notas fis-
cais em seu próprio nome das compras de tais veículos, e que quando os
vende, passa diretamente do antigo dono para o novo comprador a proprie-
dade do veículo.
[...]
7. Ademais, quanto ao encerramento do procedimento administrativo, infor-
mações oriundas da Delegacia da Receita Federal em Campos de Goytacazes/RJ
dão conta que o ‘procedimento foi encerrado em 1994 gerando Auto de Infração -
IRPF, através do processo n. 10.725.001169/1994-28, o qual encontra-se arquiva-
do na Procuradoria Seccional da Fazenda Nacional em Campos/RJ.’ (fl. 208). Por-
tanto, se já encerrada a instância administrativa, não há discrepância com o en-
tendimento fixado pelo Plenário no HC 81.611-DF.
8. Isso posto, opino pelo desprovimento.
(...).” (Fls. 214-216)
Correto o entendimento.
Como bem demonstra o parecer do Ministério Público Federal, o recurso não é de
ser provido. A uma, porque a condenação está fundada em representação fiscal que
demonstra que o paciente teria omitido nas declarações de renda bens sem origem justi-
ficada, com a finalidade de burlar o fisco. A duas, porque, conforme se vê das informa-
ções prestadas pela Delegacia da Receita Federal em Campos de Goytacazes/RJ, o pro-
cedimento administrativo fiscal instaurado contra o paciente foi concluído em 1994.
Ante o exposto, nego provimento ao recurso.

EXTRATO DA ATA
RHC 85.513/DF — Relator: Ministro Carlos Velloso. Recorrente: George Dias
Farah (Advogado: Paulo César Saleme Eyer). Recorrido: Ministério Público Federal.
Decisão: Negou-se provimento, decisão unânime. Ausentes, justificadamente,
neste julgamento, os Ministros Celso de Mello e Joaquim Barbosa. Presidiu, este julga-
mento, o Ministro Carlos Velloso.
Presidência do Ministro Carlos Velloso. Presentes à sessão a Ministra Ellen Gracie
e os Ministros Gilmar Mendes e Joaquim Barbosa. Ausente, justificadamente, o Ministro
Celso de Mello. Subprocurador-Geral da República, Dr. Paulo da Rocha Campos.
Brasília, 4 de outubro de 2005 — Carlos Alberto Cantanhede, Coordenador.
306 R.T.J. — 196

HABEAS CORPUS 85.764 — RO

Relator: O Sr. Ministro Carlos Velloso


Paciente: Rubens Barth — Impetrante: Mauro Márcio Seadi Filho — Coator:
Superior Tribunal de Justiça
Penal. Processual Penal. Habeas corpus. Fuga do réu. Prisão preven-
tiva: fundamentação. Excesso de prazo.
I - Decreto de prisão preventiva concretamente fundamentado na
garantia da aplicação da lei penal.
II - A fuga do réu do distrito da culpa, por si só, justifica o decreto de
prisão preventiva.
III - Não caracterizado o excesso de prazo na instrução criminal, à
vista da complexidade do caso e do grande número de réus e testemunhas
a serem ouvidos.
IV - HC indeferido.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tri-
bunal Federal, em Segunda Turma, na conformidade da ata do julgamento e das notas
taquigráficas, por unanimidade de votos, indeferir a ordem. Ausente, justificadamente,
neste julgamento, o Ministro Celso de Mello, Presidente.
Brasília, 20 de setembro de 2005 — Carlos Velloso, Presidente e Relator.

RELATÓRIO
O Sr. Ministro Carlos Velloso: Trata-se de habeas corpus impetrado em favor de
Rubens Barth, da decisão da 6ª Turma do Eg. Superior Tribunal de Justiça que indeferiu
pedido de habeas corpus (HC 37.125/RO), em acórdão assim ementado:
“Processo penal. Habeas corpus. Prisão preventiva devidamente funda-
mentada. Excesso de prazo para o encerramento da instrução criminal. Existên-
cia de vários réus presos em comarcas distintas. Complexidade da causa. Enun-
ciado n. 64 da Súmula desta Corte. Ordem denegada.
1. Resta irretocável a decisão que decretou a prisão preventiva do paciente,
porque devidamente fundamentada.
2. Verificando-se que a demora para o encerramento da instrução criminal se
deu em função da existência de vários acusados, que se encontram foragidos ou
residindo em comarcas do interior, não há que se falar em violação à razoabilidade
para o fim da instrução criminal.
3. O retardamento da instrução criminal ocorreu devido ao embaraço ausado
pela própria defesa. Incidência do enunciado n. 64 desta Corte.
4. Ordem denegada.” (Fl. 62)
R.T.J. — 196 307

O paciente, denunciado pela prática dos delitos previstos nos arts. 12, caput e § 2º,
III, e 14 da Lei 6.368/76, e art. 6º da Lei 7.429/86, postula a revogação do decreto de
prisão preventiva expedido pelo Juízo da 1ª Vara de Delitos de Tóxicos da Comarca de
Porto Velho/RO.
Sustenta o impetrante que o paciente está sofrendo constrangimento ilegal, por-
quanto, além de ausentes os requisitos autorizadores da custódia preventiva, está preso
há mais de quinze meses, sem que a instrução tenha se encerrado. Afirma que a prisão
preventiva do paciente foi decretada para assegurar o seu interrogatório. Assim, já tendo
sido interrogado, não mais subsiste a motivação do decreto prisional.
Acrescenta, ainda, que o paciente possui residência fixa, ocupação lícita e família
constituída, sendo, portanto, desnecessária a sua prisão.
Pede a concessão da ordem, para que seja assegurado ao paciente o direito de
aguardar em liberdade o trânsito em julgado da Ação Penal 501.2001.004404-9 a que
responde perante a 1ª Vara de Delitos de Tóxicos e Entorpecentes de Porto Velho/RO.
Indeferida a medida liminar e requisitadas informações (fl. 54), foram elas pres-
tadas pelo eminente Ministro Edson Vidigal, Presidente do Eg. Superior Tribunal de
Justiça, que encaminhou cópia do acórdão proferido no HC 37.125/RO, aqui impugnado
(fls. 62-68).
O Ministério Público Federal, pelo parecer do ilustre Subprocurador-Geral da Repú-
blica, Dr. Haroldo Ferraz da Nóbrega, opina pelo indeferimento da ordem (fls. 82-91).
É o relatório.

VOTO
O Sr. Ministro Carlos Velloso (Relator): Insurge-se o impetrante contra acórdão da
6ª Turma do Eg. Superior Tribunal de Justiça que manteve a decisão do Juízo da 1ª Vara
de Delitos de Tóxico da Comarca de Porto Velho/RO que decretara a prisão do paciente.
Pede a concessão da ordem, para que o paciente seja colocado em liberdade, aos seguintes
argumentos: a) ilegalidade do decreto de prisão preventiva; b) excesso de prazo.
Sobre a alegação de ilegalidade do decreto de prisão preventiva, registrou o emi-
nente Min. Hélio Quaglia Barbosa, Relator do writ ora impugnado (HC 37.125/RO):
“(...)
1. Irresigna-se o impetrante, primeiramente, contra a decisão que decretou a
prisão preventiva do paciente.
Forçoso, pois, transcrever o excerto que interessa:
‘[...] Recebida a denúncia, neste Juízo veio a informação de que esse
acusado encontrava-se preso no sul do país, o que não se confirmou vindo a
informação negativa da polícia federal. Por não possuir endereço certo e
conhecido foi citado por edital conforme se observa às fls. 674 dos autos e
não compareceu ao interrogatório para hoje designado.
Assim sendo, nos termos do artigo 366 do CPP suspendo a tramitação
deste feito, bem como o decurso do prazo de prescrição.
308 R.T.J. — 196

Mesmo suspenso o decurso do prazo de prescrição este será mais um


feito que se eternizará no cartório, haja vista a total falta de interesse do
acusado em comparecer espontaneamente para prosseguir-se com a tramitação
processual.
Ora, o objetivo do Estado é dar a prestação jurisdicional, solucionando
os conflitos de interesses. Isso não será possível em razão da ausência do
acusado. Assim, para que tal não ocorra, necessária a prisão do acusado para
assegurar o efetivo cumprimento da Lei Penal.
Diante do exposto, com base no artigo 312 do CPP e para assegurar a
efetiva aplicação da lei penal, decreto a prisão preventiva do acusado Ruben
Barth, devendo ser expedido mandado de prisão e entregue à autoridade
policial para cumprimento.’ (fls. 43-44).
2. Como se vê, o réu, tendo sido citado por edital, se furtou à aplicação da lei
penal, subtraindo-se à ação da Justiça.
É pacífica a jurisprudência desta Corte no sentido de que a fuga do acusado
pode motivar a autorização do decreto de prisão preventiva, para o fim de garantir
a aplicação da lei penal (HC 25871/MS, Sexta Turma, Rel. Min. Hamilton Carva-
lhido, DJ de 30.06.2003; RHC 12344/PB, Quinta Turma, Rel. Min. Gilson Dipp,
DJ de 02.08.2004).
3. Outrossim, as informações prestadas pelo Tribunal de Justiça do Estado de
Rondônia dão conta de que o paciente se submete à apuração de delito praticado
por organização criminosa, envolvendo grandes quantidades de substâncias en-
torpecentes de uso não permitido, inclusive com transações em outros Estados da
Federação.
(...).” (Fls. 65-66)
Correto o entendimento.
Como bem demonstra o acórdão impugnado, a prisão preventiva do paciente encon-
tra-se concretamente fundamentada na garantia da aplicação da lei penal. O paciente, que
não foi localizado para citação, evadiu-se do distrito da culpa, sendo preso quase um ano
depois em outro Estado da Federação (Paraná), portando consigo arma de fogo e petre-
chos para fabricação de entorpecentes.
A propósito, registra o parecer do Ministério Público Federal, proferido perante
aquela Corte:
“(...)
(...) pela leitura do voto transcrito, datado de 08.10.2003, constata-se, de
forma clara, que o paciente não era apenas revel, mas sim foragido. É que o paciente,
ciente do processo e do decreto de prisão, recusava-se a se apresentar em juízo.
Demonstrava assim seu propósito de se furtar à execução da lei penal desde o
início. Necessária, portanto, é a manutenção prisão processual.
R.T.J. — 196 309

Tanto isso é verdade que a sua prisão preventiva somente foi efetivada e
10.01.2004 (fl. 100), ou seja, passados mais de 10 meses do decreto de prisão para
garantia da aplicação da lei penal (fls. 44-45) e passados três meses do acórdão
transcrito (fl. 90). Ressalta-se, aliás, que, quando do cumprimento da constrição
cautelar, também foi decretada a sua prisão em flagrante por porte ilegal de armas
e de petrechos para a fabricação de entorpecentes (fls. 100-102). Evidente, portanto,
seu desrespeito para com a Justiça, pois, além de continuar, ao que tudo indica, na
criminalidade, permaneceu evadido, mesmo sabendo do feito criminal e do decreto
de prisão.
(...).” (Fls. 71-72)
Esta Turma, no julgamento do HC 81.599/DF, por mim relatado, decidiu que a
evasão do réu, por si só, justifica a prisão preventiva:
“Ementa: Penal. Processual Penal. Prisão preventiva. Fuga do réu. Excesso
de prazo. Instrução criminal encerrada.
I - Decreto de prisão preventiva devidamente fundamentado.
II - A fuga do réu do distrito da culpa, por si só, justifica o decreto de prisão
preventiva.
III - A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal orienta-se no sentido de
que fica prejudicada a alegação de excesso de prazo da prisão, quando já concluída
a instrução criminal.
IV - Precedentes do Supremo Tribunal Federal.
V - HC indeferido.” (DJ de 29-8-2003)
No que toca à alegação de excesso de prazo, melhor sorte não assiste à impetração.
É que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é no sentido de que só se caracteriza
o excesso de prazo quando decorre ele de desídia ou negligência dos órgãos da Justiça.
Foi esse o entendimento manifestado por esta Turma no HC 84.493/SP, Rel. Min.
Joaquim Barbosa, tendo o acórdão recebido a seguinte ementa:
“Habeas corpus. Prisão preventiva. Alegação de excesso de prazo. Excesso
de prazo justificado pela complexidade da causa. Precedentes. Réus presos fora
da comarca. Defensores diversos, residentes fora da comarca. Contribuição da
defesa para a demora na conclusão da instrução. Ordem denegada.
O prazo para o término da instrução criminal deve ser cotejado levando-se
em conta a complexidade do feito, sob pena de se tornar inviável o processamento
da persecutio criminis em casos complexos, que envolvam o crime organizado.”
(DJ de 11-2-2005).
Na hipótese, tal como salientou o acórdão recorrido, não há falar em constrangi-
mento ilegal, dado que a complexidade do caso e a pluralidade de envolvidos — mais de
dez, sendo que alguns encontram-se foragidos e outros residem em comarcas do interior
de Rondônia — justificam o atraso na conclusão da instrução criminal. Ademais, regis-
tra, ainda, o acórdão do STJ que algumas das testemunhas arroladas pela defesa, apesar
de intimadas, não compareceram à audiência e que outras ainda não foram ouvidas, dada
a insuficiência de endereço. Não há falar, pois, em excesso de prazo.
Do exposto, indefiro o writ.
310 R.T.J. — 196

EXTRATO DA ATA
HC 85.764/RO — Relator: Ministro Carlos Velloso. Paciente: Rubens Barth. Im-
petrante: Mauro Márcio Seadi Filho. Coator: Superior Tribunal de Justiça.
Decisão: Indeferiu-se a ordem, decisão unânime. Falou, pelo paciente, o Dr. Mauro
Márcio Seadi Filho. Ausente, justificadamente, neste julgamento, o Ministro Celso de
Mello. Presidiu, este julgamento, o Ministro Carlos Velloso.
Presidência do Ministro Carlos Velloso. Presentes à sessão a Ministra Ellen Gracie
e os Ministros Gilmar Mendes e Joaquim Barbosa. Ausente, justificadamente, o Ministro
Celso de Mello. Subprocurador-Geral da República, Dr. Paulo da Rocha Campos.
Brasília, 20 de setembro de 2005 — Carlos Alberto Cantanhede, Coordenador.

HABEAS CORPUS 85.845 — BA

Relator: O Sr. Ministro Carlos Velloso


Paciente: Antônio Alves Serra — Impetrante: Marco Aurélio Lelis de Souza —
Coator: Superior Tribunal de Justiça
Penal. Processual Penal. Habeas corpus. Sustentação oral. Cercea-
mento de defesa.
I - O julgamento de habeas corpus independe de pauta ou de qual-
quer tipo de comunicação, cumprindo ao advogado acompanhar a colo-
cação do processo em mesa para julgamento (Súmula 431/STF).
II - A sustentação oral não é ato essencial da defesa. Precedentes.
III - HC indeferido.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tri-
bunal Federal, em Segunda Turma, na conformidade da ata do julgamento e das notas
taquigráficas, por unanimidade de votos, indeferir a ordem. Ausente, justificadamente,
neste julgamento, o Ministro Celso de Mello, Presidente.
Brasília, 23 de agosto de 2005 — Carlos Velloso, Presidente e Relator.

RELATÓRIO
O Sr. Ministro Carlos Velloso: Trata-se de habeas corpus impetrado em favor de
Antônio Alves Serra, da decisão da 5ª Turma do Eg. Superior Tribunal de Justiça que
indeferiu pedido de habeas corpus (HC 38.317/BA), em acórdão assim ementado:
R.T.J. — 196 311

“Habeas corpus. Prefeito. Denúncia. Art. 89 da Lei n. 8.666/93 (por dez


vezes) e art. 1º, inciso I, do Decreto-Lei n. 201/67 (por duas vezes), c.c. art. 69 do
Código Penal. Acusação recebida. Pedidos de adiamento da sessão de julgamento
indeferidos à mingua de motivos idôneos para justificá-los. Ausência de cercea-
mento de defesa.
1. O patrono do Prefeito, devidamente intimado, pediu adiamento do julga-
mento, alegando razões particulares. O pleito foi indeferido. No exato dia do julga-
mento, outro causídico atravessou petição, que nem sequer fora protocolizada,
informando ter havido substabelecimento e pleiteando adiamento da sessão para
nova vista dos autos a fim de viabilizar sua sustentação oral. Em preliminar, o
pedido foi rejeitado, culminando o acórdão com o recebimento da denúncia.
2. No caso em tela, inexistiu cerceamento de defesa, mas tão-somente a utili-
zação de estratagema dos causídicos do ora Paciente com a clara intenção de
postergar o julgamento, o que não foi tolerado pelo Tribunal a quo. Ausência de
demonstração de motivo idôneo para justificar os pedidos de adiamento.
3. Ordem denegada, tornando sem efeito a liminar anteriormente deferida”.
(Fl. 192)
Diz a impetração que o Eg. Tribunal de Justiça do Estado da Bahia recebeu denún-
cia oferecida contra o paciente, imputando-lhe a prática dos delitos previstos nos arts. 89
da Lei 8.666/93 e 1º, I, do DL 201/67, c/c o art. 69 do Código Penal.
Contra essa decisão, foi impetrado habeas corpus ao Superior Tribunal de Justiça,
de cujo acórdão ora se argúi a nulidade por cerceamento de defesa. Afirma o impetrante
que, embora tivesse requerido, não foi comunicado da data do julgamento do writ, o que
o impediu de realizar a sustentação oral.
Sustenta, ainda, que as decisões que indeferiram os pedidos de comunicação do
impetrante não estão devidamente fundamentadas e que o não-acolhimento do pedido
de sustentação oral constitui cerceamento do direito de defesa.
Pede a concessão da ordem, a fim de que seja declarada a nulidade do acórdão do
STJ, “com a realização de novo julgamento, determinando-se à autoridade coatora,
tão somente, a devida comunicação ao impetrante do dia do novo julgamento para que
mesmo possa exercer o seu munus perante o órgão colegiado” (fl. 22).
Indeferida a medida liminar e requisitadas informações (fl. 170), foram elas presta-
das pelo eminente Min. Edson Vidigal, Presidente do Eg. Superior Tribunal de Justiça,
que encaminhou cópia do acórdão impugnado, bem como do parecer do Ministério
Público Federal (fls. 191-218 e 228-256).
O Ministério Público Federal, oficiando às fls. 222-225, pelo parecer da ilustre
Subprocuradora-Geral da República, Dra. Cláudia Sampaio Marques, opina pelo indefe-
rimento da ordem.
É o relatório.
312 R.T.J. — 196

VOTO
O Sr. Ministro Carlos Velloso (Relator): Leio no parecer do Ministério Público
Federal, da lavra da ilustre Subprocuradora-Geral da República, Dra. Cláudia Sampaio
Marques (fls. 222-225):
“(...)
4. A assertiva de nulidade do julgamento do habeas corpus originário não
prospera.
5. Em face do caráter de urgência inerente ao processamento do remédio
heróico, a respectiva sessão de julgamento prescinde de qualquer forma de
cientificação, intimação ou de inclusão em pauta. Após a oferta do parecer minis-
terial, o pedido deve ser apreciado na primeira sessão do órgão julgador, indepen-
dentemente de comunicação, de intimação pessoal das partes e de seus procurado-
res ou de publicação de pauta na imprensa. É ler o disposto na Súmula n. 431 do
Supremo Tribunal Federal e no art. 664 do Código de Processo Penal:
‘Art. 664. Recebidas as informações, ou dispensadas, o habeas corpus
será julgado na primeira sessão, podendo, entretanto, adiar-se o julgamento
para a sessão seguinte.’
‘É nulo o julgamento de recurso criminal, na segunda instância, sem
prévia intimação ou publicação da pauta, salvo em habeas corpus.’
6. Nesse sentido, a jurisprudência dessa Suprema Corte:
‘Habeas corpus. Prisão civil. Prestações alimentícias. Inadimplemento.
(...)
Nos termos da Súmula n. 431 do STF, desnecessária a intimação ou
publicação de pauta para o julgamento do habeas corpus ou de seu recurso
ordinário (art. 664 do Código de Processo Penal e art. 31, parágrafo único da
Lei n. 8.038/90).
(...)’ (HC n. 83.000-5/RS, 2ª Turma, Rel. Ministra Ellen Gracie, in DJ de
1º-8-2003)
‘Habeas corpus. Homicídio. Intimação pessoal de defensor público
em qualquer processo e grau de jurisdição: pauta e acórdão do Superior
Tribunal de Justiça.
1. Ao defensor público do Estado foi concedida a prerrogativa de ser
intimado pessoalmente em qualquer processo e grau de jurisdição (artigo
128, I, da Lei Orgânica da Defensoria Pública – Lei Complementar n. 80, de
12.01.94).
Este direito, contudo, não cria obrigação ao Poder Judiciário de proceder
à intimação que a lei não prevê deva ser feita.
Assim, inexistindo previsão legal para intimação ou publicação de
pauta para o julgamento de habeas corpus (artigos 202 do RI/STF, 192 do
RI-STF, 664 do Código de Processo Penal e Súmula 431) não há nulidade a
ser declarada quando o defensor público não é intimado pessoalmente.
R.T.J. — 196 313

(...)’ (HC n. 80.104-8/RJ, 2ª Turma, Rel. Ministro Maurício Corrêa, in


DJ de 15-3-2002)
7. Não existe, portanto, o apontado cerceamento de defesa. Em razão da
celeridade e urgência do rito, o julgamento do habeas corpus independe de prévia
comunicação do patrono. O pedido formulado com o intento de produzir sustenta-
ção oral não tem previsão regimental ou legal, devendo o impetrante ficar atento
ao andamento da ordem e, pelos meios disponíveis, cientificar-se a respeito da data
do julgamento.
8. Ante o exposto, opina o Ministério Público Federal pelo indeferimento do
pedido de habeas corpus.
(...).” (Fls. 223-225)
Correto o entendimento.
Não há falar em cerceamento de defesa, dado que o julgamento de habeas corpus
independe de pauta ou de qualquer tipo de comunicação, cumprindo ao advogado
acompanhar a colocação do processo em mesa para julgamento (Súmula 431/STF). Nesse
sentido, aliás, a jurisprudência da Casa, de que são exemplos o HC 83.000/RS, Rel. Min.
Ellen Gracie, e o RHC 85.312/SC, por mim relatado:
“Ementa: Habeas corpus. Prisão civil. Prestações alimentícias. Inadim-
plemento.
1. Em face da natureza e da finalidade da prisão civil, que não se confunde
com a prisão decorrente de condenação criminal, não há nulidade em decreto
prisional que não fixa o regime de cumprimento da prisão decorrente do inadim-
plemento de prestações alimentícias em atraso.
2. Nos termos da Súmula n. 431 do STF, desnecessária a intimação ou pu-
blicação de pauta para o julgamento do habeas corpus ou de seu recurso ordinário
(art. 664 do Código de Processo Penal e art. 31, parágrafo único, da Lei n. 8.038/90).
3. O habeas corpus não é a via adequada ao exame das escusas de inadimple-
mento das prestações alimentícias, por alegada incapacidade financeira do ali-
mentante.
4. A ordem para pagamento de apenas três das últimas parcelas, ficando o
alimentante, no caso do não-cumprimento, sujeito à prisão civil, é consentânea
com a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Precedentes.
Ordem indeferida.” (HC 83.000/RS, Rel. Min. Ellen Gracie, DJ de 1º-8-2003)
“Ementa: Penal. Processual Penal. Habeas corpus. Delito de menor poten-
cial ofensivo julgado pela Justiça comum. Apelação julgada pela Turma
Recursal. Incompetência. Cerceamento de defesa. Sustentação oral.
I - Por conter questões novas, não apreciadas pelo Superior Tribunal de Jus-
tiça, o recurso, nessa parte, não pode ser conhecido, sob pena de supressão de
instância.
314 R.T.J. — 196

II - Compete ao Tribunal estadual de 2º grau e não à Turma Recursal o julga-


mento de processo referente a crime de menor potencial ofensivo julgado pela
Justiça comum.
III - O julgamento de habeas corpus independe de pauta ou de qualquer tipo
de comunicação, cumprindo ao advogado acompanhar a colocação do processo
em mesa para julgamento.
IV - Recurso conhecido parcialmente e, nessa parte, provido.” (RHC 85.312/SC,
Rel. Min. Carlos Velloso, DJ de 29-4-2005)
Ademais, a sustentação oral há de ser visualizada na sua exata dimensão: ela não
constitui ato essencial à defesa.
Veja-se, a propósito, o decidido por esta Corte no julgamento do HC 66.315/RJ,
Relator Min. Moreira Alves:
“Habeas corpus. Falecimento do patrono do réu, que não teve defensor para
fazer a sustentação oral.
Se é certo que o artigo 261 do Código de Processo Penal estabelece que
‘nenhum acusado ainda que ausente ou foragido, será processado e julgado sem
defensor’, também é certo que esse dispositivo tem de ser interpretado no sentido
de que, no período em que há ausência eventual de advogado constituído porque,
em casos como o presente, o Juiz ou o Tribunal não soube da ocorrência da morte
deste, só há falar de defesa — e, portanto, nulidade absoluta — se deveria ser
praticado ato essencial a ela e não o foi por ter falecido o patrono constituído.
Sustentação oral de recurso não é ato essencial à defesa, tanto assim que não
é necessária a constituição de advogado dativo para a sua prática, na falta do
patrono.
Habeas corpus indeferido.” (RTJ 127/894)
Do exposto, indefiro a ordem.

EXTRATO DA ATA
HC 85.845/BA — Relator: Ministro Carlos Velloso. Paciente: Antônio Alves Serra.
Impetrante: Marco Aurélio Lelis de Souza. Coator: Superior Tribunal de Justiça.
Decisão: Indeferiu-se a ordem, decisão unânime. Ausente, justificadamente, neste
julgamento, o Ministro Celso de Mello. Presidiu, este julgamento, o Ministro Carlos
Velloso.
Presidência do Ministro Carlos Velloso. Presentes à sessão a Ministra Ellen Gracie
e os Ministros Gilmar Mendes e Joaquim Barbosa. Ausente, justificadamente, o Ministro
Celso de Mello. Subprocurador-Geral da República, Dr. Geraldo Brindeiro.
Brasília, 23 de agosto de 2005 — Carlos Alberto Cantanhede, Coordenador.
R.T.J. — 196 315

HABEAS CORPUS 85.863 — MG

Relator: O Sr. Ministro Carlos Velloso


Paciente: Maria Aparecida Souza Pereira — Impetrantes: Tarcísio Maciel Chaves de
Mendonça e outro — Coatora: Primeira Turma Recursal do Juizado Especial Criminal da
Comarca de Belo Horizonte
Penal. Processual Penal. Habeas corpus. Queixa- crime. Procuração.
CPP, art. 44.
I - A procuração que acompanhou a queixa-crime atende à exigên-
cia do art. 44 do CPP, na medida em que confere os poderes da cláusula ad
judicia e os poderes especiais para oferecer a queixa, com a indicação do
nome do querelado e do fato criminoso.
II – HC indeferido.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tri-
bunal Federal, em Segunda Turma, na conformidade da ata do julgamento e das notas
taquigráficas, por unanimidade de votos, indeferir a ordem. Ausentes, justificadamente,
neste julgamento, os Ministros Celso de Mello, Presidente, e Joaquim Barbosa.
Brasília, 4 de outubro de 2005 — Carlos Velloso, Presidente e Relator.

RELATÓRIO
O Sr. Ministro Carlos Velloso: Trata-se de habeas corpus, impetrado em favor de
Maria Aparecida Souza Pereira, da decisão da Primeira Turma Recursal do Juizado
Especial Criminal da Comarca de Belo Horizonte que indeferiu pedido de habeas corpus
(HC 024.04.382.903-5), em acórdão assim ementado:
“Queixa – Procuração – Validade – Art. 44 do Código de Processo Penal –
Requisitos — Desnecessidade de descrição pormenorizada do fato criminoso.” (Fl. 76)
Alegam os impetrantes que a paciente está sofrendo constrangimento ilegal, por-
quanto a procuração outorgada para o oferecimento da queixa não preenchia os requisi-
tos do art. 44 do CPP. Tal requisito somente foi regularizado após o prazo decadencial
previsto em lei.
Pedem, ao final, a “extinção da punibilidade devido à decadência do direito de
ação” (fl. 05).
Indeferido o pedido de liminar e requisitadas informações (fl. 86), foram elas pres-
tadas pelo Presidente do I Tribunal do Júri de Belo Horizonte (fls. 92-112).
A ilustre Subprocuradora-Geral da República, Dra. Cláudia Sampaio Marques,
oficiando às fls. 116-120, opina pelo indeferimento da ordem.
É o relatório.
316 R.T.J. — 196

VOTO
O Sr. Ministro Carlos Velloso (Relator): Postulam os impetrantes o trancamento da
ação penal privada a que respondem perante o Juizado Especial Criminal de Belo Hori-
zonte, ao argumento de que a procuração outorgada para o oferecimento da queixa não
atendia ao disposto no art. 44 do Código de Processo Penal, e o aludido vício somente
foi sanado após o transcurso do prazo decadencial de seis meses.
A ordem é de ser indeferida.
Destaco do parecer do Ministério Público Federal, da lavra da ilustre Subprocura-
dora-Geral da República, Dra. Cláudia Sampaio Marques (fls. 116-120):
“(...)
4. O parecer do Ministério Público Federal é pelo indeferimento do writ.
5. Extrai-se dos autos que Miguel Batista Soares ofereceu queixa-crime con-
tra Mozart Batista Pereira e Maria Aparecida Souza Pereira, imputando-lhes a prá-
tica do delito previsto no art. 140, caput e § 2º, c/c o art. 29, ambos do Código
Penal. Segundo a inicial acusatória, em 03/02/2003, o querelante, funcionário da
Indústria de Tintas Alterosa Ltda, dirigiu-se à residência dos querelados para efetuar
a entrega do boleto mensal do condomínio, ocasião em que sofreu agressões físicas
e morais, desferidas, inclusive, na presença do filho menor dos querelados.
6. O Magistrado indeferiu o pedido de extinção da punibilidade por alegado
vício na representação processual do querelante, sanado após a fluência do prazo
decadencial. Inconformada, a defesa dos querelados impetrou habeas corpus, tendo
o Colegiado a quo denegado a ordem por entender que a procuração inicialmente
ofertada atendia às exigências do art. 44 do Código de Processo Penal. Sobre a
controvérsia, expôs a decisão impugnada (fls. 77/78):
‘Realmente, o que exige a lei, quanto ao fato criminoso, é que haja
menção na procuração, de maneira a não deixar dúvida quanto ao fato que
deve ser imputado ao (s) querelado (s).
É entendimento doutrinário e jurisprudencial dominante de que há
desnecessidade da descrição pormenorizada do fato criminoso.
O que se visa mesmo é estabelecer responsabilidades tanto em relação
ao mandante quanto ao mandatário, evitando-se, assim, excessos ou impro-
priedades de acusação.
Apesar de terem as il. Promotoras oficiantes requerido a complementa-
ção da procuração e de ter a MMª Juíza que dirigia o processo determinado a
intimação do advogado do querelante para que atendesse o requerido pelo
Ministério Público, a decisão sobre a regularidade ou não da procuração e
conseqüente extinção de punibilidade, só foi feita posteriormente pelo MM.
Juiz agora na condução do feito.
R.T.J. — 196 317

E, na referida decisão, S. Exa. considerou que ‘a exigência legal já


havia sido satisfatoriamente atendida pelo querelante quando da propositura
da queixa-crime, sendo desnecessária, por excessiva, a complementação
exigida pelo parquet’.
A meu sentir, o colega está com a razão.
Não se pode penalizar o querelante pela exigência ministerial, porque
a alegada ausência da menção ao fato criminoso não era procedente.
Consta da procuração inicialmente apresentada, além do nome do que-
relante e dos querelados, com suas respectivas qualificações: ‘pelo fato de ter
sido agredido por eles no dia 03 de fevereiro de 2003, no interior do prédio
da Rua Capivari, 585, Bairro Serra’.
Creio que é o quanto basta.
A pretendida complementação realmente foi apresentada depois de
transcorrido o prazo decadencial, mas ela era desnecessária. Como não houve
decisão em relação ao primeiro requerimento do Ministério Público nesse
sentido, o processo praticamente ficou sob a sua condução. Quando retomada
esta pelo MM. Juiz então designado para o Juizado Especial é que houve a
decisão.
Tenho, como já dito, que acertada foi a decisão. E que não pode o
querelante ser penalizado pelo descompasso processual ocorrido. A primeira
procuração satisfazia às exigências legais.’
7. Com efeito, não prospera a assertiva de defeito no instrumento de mandato,
por falta ou insuficiência de menção ao fato criminoso.
8. A teor do disposto no art. 44 do Código de Processo Penal, deve o instru-
mento de procuração conter o nome do querelado e a menção ao fato delituoso.
Não se faz necessário que conste do instrumento a narrativa ou a descrição porme-
norizada do episódio. O essencial é a identificação do fato criminoso e do seu
autor, repelindo a jurisprudência majoritária a exigência de descrição minuciosa,
como se sucede na denúncia ou na queixa.
9. A procuração que instruiu a queixa outorgou poderes aos advogados
‘para o foro em geral, todos os contidos na cláusula ad judicia, (...)
especialmente para ajuizar Queixa Crime contra Maria Aparecida Souza Pe-
reira, brasileira, casada, doméstica, CPF 033.701.988-60, C. de identidade
2.089.663 (SSP/MG), e contra Mozart Batista Pereira, CPF 045.342.808-82,
C.I. 4.252.689 (SSP/MG), residentes na Rua Capivari, 585/401, ou ingressar
como assistente de acusação representando o Outorgante, pelo fato de ter
sido agredido por eles no dia 03 de fevereiro de 2003, no interior do prédio
da Rua Capivari, 585, Bairro Serra, devendo os outorgantes ingressarem tam-
bém com ação cível por perdas e danos.’ (sic) (fl. 21)
10. Conforme se vê, esse instrumento basta para satisfazer as exigências pre-
vistas na lei processual. Indica o nome do querelante e dos querelados, outorga
318 R.T.J. — 196

poderes para o fim de promover queixa contra os pacientes e ainda faz menção (e
não ‘descrição’ ou ‘narrativa’) ao fato criminoso, atendendo ao escopo da norma,
que é a definição de responsabilidade do mandante e do mandatário por eventual
denunciação caluniosa no exercício do direito de queixa. Na verdade, a procuração,
inicialmente, não era falha.
11. Além disso, vícios ou irregularidades no instrumento de mandato, que se
relacionam com a legitimidade do representante da parte — o advogado por ela
constituído — e não com a legitimidade da própria parte, podem ser sanadas a
qualquer tempo, mesmo após o decurso do prazo decadencial, nos termos do art.
568 do Código de Processo Penal.
12. A respeito dos temas abordados, precedentes dessa Suprema Corte:
‘Habeas corpus. Ação penal privada: difamação. Nulidades. procuração.
Inépcia da inicial: narrativa genérica de tempo e lugar. Pedido de explica-
ções: negativa da autoria. Queixa recebida por decisão não fundamentada.
1. A procuração outorgada pelo ofendido com os poderes da cláusula
ad judicia e os poderes especiais para o oferecimento da queixa, da qual
consta o nome da querelada e a menção do fato criminoso, satisfaz as exi-
gências do art. 44 do CPP: mais não era necessário dizer; a lei não exige
‘narrativa’, ‘descrição’ nem ‘circunstanciação’ do fato típico. A eventual rati-
ficação da inicial pelo querelante após o prazo de 6 meses, não teria passado de
ato desnecessário e sem aptidão de produzir outros efeitos jurídicos.
(...)
5. Habeas corpus conhecido, mas indeferido.’
(HC n. 72.286-5/PR, 2ª Turma, Rel. Ministro Maurício Corrêa, in DJ
de 16-2-1996)
‘Ementa: I - Ação penal privada: crime de exercício arbitrário das pró-
prias razões (Código Penal, art. 345, parágrafo único): decadência: Código
de Processo Penal, art. 44.
1. O defeito da procuração outorgada pelas querelantes ao seu advoga-
do, para requerer abertura de inquérito policial, sem menção ao fato criminoso,
constitui hipótese de ilegitimidade do representante da parte, que, a teor do
art. 568 C.Pr.Pen., ‘poderá ser a todo o tempo sanada, mediante ratificação
dos atos processuais’ (RHC 65.879, Célio Borja);
2. Na espécie, a presença das querelantes em audiências realizadas de-
pois de findo o prazo decadencial basta a suprir o defeito da procuração.’ (HC
n. 84.397-2/DF, 1ª Turma, Rel. Ministro Sepúlveda Pertence, in DJ de 12-
11-2004)
13. Ante o exposto, opina o Ministério Público Federal pelo indeferimento
do pedido de habeas corpus.
(...).” (Fls. 117-120)
R.T.J. — 196 319

Correto o entendimento.
Como bem demonstra o parecer do Ministério Público Federal, inexiste o alegado
constrangimento. É que a procuração que acompanhou a queixa-crime atende à exigên-
cia do art. 44 do CPP, na medida em que confere os poderes da cláusula ad judicia e os
poderes especiais para oferecer a queixa, com a indicação do nome do querelado e do
fato criminoso. Nesse sentido a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, de que é
exemplo o HC 74.943/ES, Rel. Min. Ilmar Galvão:
“Ementa: Habeas Corpus. Crime de imprensa. Queixa-crime. Procura-
ção. Julgamento ultra petita.
1. A procuração que acompanhou a queixa atende à exigência do art. 44 do
Código de Processo Penal, porque contém o nome do querelado e a menção ao fato
criminoso, cumprindo a finalidade a que visa a norma, que é a de fixar eventual
responsabilidade por denunciação caluniosa no exercício do direito de queixa.
2. O acórdão que recebeu a queixa-crime para que a ação tenha normal pros-
seguimento examinou matéria que não fora objeto de apreciação pela sentença de
primeiro grau quando a rejeitou em face da ilegitimidade ativa das querelantes,
acabando por impor ao juiz o recebimento da opinio delicti.
3. Habeas Corpus deferido em parte.” (DJ de 9-5-97)
Conforme salientou o acórdão ora impugnado, a ratificação da procuração pelo
querelante, após o decurso do prazo de seis meses, não passou de ato desnecessário, não
produzindo outros efeitos jurídicos.
De qualquer sorte, ainda que assim não fosse, o defeito da procuração poderia ser
sanado a qualquer tempo, nos termos do que dispõe o art. 568 do CPP (HC 84.397/DF, 1ª
Turma, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 12-11-2004).
Do exposto, indefiro o writ.

EXTRATO DA ATA
HC 85.863/MG — Relator: Ministro Carlos Velloso. Paciente: Maria Aparecida
Souza Pereira. Impetrantes: Tarcísio Maciel Chaves de Mendonça e outro. Coatora:
Primeira Turma Recursal do Juizado Especial Criminal da Comarca de Belo Horizonte.
Decisão: Indeferiu-se a ordem, decisão unânime. Ausentes, justificadamente, neste
julgamento, os Ministros Celso de Mello e Joaquim Barbosa. Presidiu, este julgamento,
o Ministro Carlos Velloso.
Presidência do Ministro Carlos Velloso. Presentes à sessão a Ministra Ellen Gracie
e os Ministros Gilmar Mendes e Joaquim Barbosa. Ausente, justificadamente, o Ministro
Celso de Mello. Subprocurador-Geral da República, Dr. Paulo da Rocha Campos.
Brasília, 4 de outubro de 2005 — Carlos Alberto Cantanhede, Coordenador.
320 R.T.J. — 196

RECURSO EXTRAORDINÁRIO 199.293 — SP

Relator: O Sr. Ministro Marco Aurélio


Recorrente: Município de Santos — Recorrido: Procurador-Geral de Justiça do
Estado de São Paulo
Competência — Ação direta de inconstitucionalidade — Lei muni-
cipal contestada em face da Carta do Estado, no que repete preceito da
Constituição Federal. O § 2º do artigo 125 do Diploma Maior não contem-
pla exceção. A competência para julgar a ação direta de inconstituciona-
lidade é definida pela causa de pedir lançada na inicial. Em relação ao
conflito da norma atacada com a Lei Máxima do Estado, impõe-se con-
cluir pela competência do Tribunal de Justiça, pouco importando que o
preceito questionado mostre-se como mera repetição de dispositivo, de
adoção obrigatória, inserto na Carta da República. Precedentes: Recla-
mação n. 383/SP e Agravo Regimental na Reclamação n. 425, relatados
pelos Ministros Moreira Alves e Néri da Silveira, com acórdãos publica-
dos nos Diários de Justiça de 21 de maio de 1993 e 22 de outubro de 1993,
respectivamente.
Servidor público — Estabilidade versus efetivação. A regra do artigo
19 do Ato das Disposições Transitórias da Constituição de 1988, a revelar
direito dos servidores que, à época da promulgação da Carta, vinham
prestando serviços há mais de cinco anos, diz respeito à estabilidade. A
efetivação em cargo público não prescinde da aprovação em concurso.
Inconstitucionalidade de ato normativo — Controles difuso e con-
centrado de constitucionalidade — Comunicação à casa legislativa — Dis-
tinção. A comunicação da pecha de inconstitucionalidade proclamada
por Tribunal de Justiça pressupõe decisão definitiva preclusa na via re-
cursal e julgamento considerado o controle de constitucionalidade difuso.
Insubsistência constitucional de norma sobre a obrigatoriedade da notícia,
em se tratando de controle concentrado de constitucionalidade.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo
Tribunal Federal, em Sessão Plenária, na conformidade da ata do julgamento e das notas
taquigráficas, por unanimidade de votos, dar provimento, em parte, ao recurso e declarar
a inconstitucionalidade do § 3º do artigo 90 da Constituição do Estado de São Paulo,
nos termos do voto do Relator.
Brasília, 19 de maio de 2004 — Nelson Jobim, Presidente — Marco Aurélio, Relator.

RELATÓRIO
O Sr. Ministro Marco Aurélio: O Tribunal de origem rejeitou a preliminar de in-
competência do Órgão para o julgamento de ação direta de inconstitucionalidade pro-
R.T.J. — 196 321

posta pelo Procurador-Geral de Justiça, porquanto “o pedido é de declaração de incons-


titucionalidade de lei municipal face à Constituição paulista, sendo irrelevante que os
dispositivos tidos por vedados reproduzam texto da Carta Magna Nacional” (folha 194).
De outro modo, acolheu o pedido formulado na apelação para julgar procedente a ação,
declarando a inconstitucionalidade do artigo 5º, § 1º e § 2º, da Lei Complementar n. 22/91,
no que possibilita a investidura de professores subordinados ao regime jurídico da Con-
solidação das Leis do Trabalho em cargos públicos, sem a prévia realização de concurso
(folhas 192 a 203).
Protocolados embargos declaratórios, foram desprovidos, a uma só voz, pelo Cole-
giado. Eis como restou sintetizada a decisão:
Embargos de Declaração — ação direta de inconstitucionalidade — Omissão
em relação a dispositivo constitucional repetido pela CE — Inocorrência (sic) —
Juiz que encontrou motivo suficiente para fundar sua decisão — Falta de obrigação
de ater-se aos fundamentos indicados pelas partes — Artigo 535 CPC.
Embargos de Declaração — Ação Direta de Inconstitucionalidade — alega-
ção de que o momento é inadequado para comunicação à Câmara para a suspensão
da lei, diante da possibilidade de interposição de recurso extraordinário —
inadmissibilidade — obediência ao art. 90, § 3º, CE — a dúvida deve ter um caráter
objetivo — embargos rejeitados (folha 229).
O recurso extraordinário foi interposto com alegada base na alínea a do permissivo
constitucional, argüindo o Município a violência aos artigos 25, 29 e 125 do corpo
permanente da Carta Federal e 11 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.
Reafirma a preliminar de incompetência do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
para a apreciação da ação direta de inconstitucionalidade de lei municipal ante a Cons-
tituição da República, ao argumento de que os preceitos da Carta Estadual são mera
repetição de princípios insertos na Lei Maior. E assevera:
Da interpretação sistêmica de todos esses dispositivos, tem-se que a compe-
tência dos Tribunais de Justiça e, conseqüentemente, a legitimidade do Procurador
Geral de Justiça para a ação direta de inconstitucionalidade de leis municipais
cinge-se, tão-somente, para as situações em que a norma positiva municipal viola
a Carta Estadual em sua normatividade autônoma (...) (folha 247)
Noutro passo, sustenta que, no atual sistema de controle em tese da constituciona-
lidade das leis, não existe previsão de apreciação do confronto entre lei ou ato normati-
vo municipal e o Diploma Maior, defendendo, assim, a impossibilidade jurídica do
pedido, nos termos do artigo 267, inciso VI, do Código de Processo Civil.
O recorrente insurge-se ainda contra a decisão na parte em que determinada a
comunicação ao Legislativo municipal da inconstitucionalidade do artigo 5º, § 1º e § 2º,
da Lei Complementar n. 22/91, a fim de que fosse providenciada a suspensão da execução,
porquanto não revestida da coisa julgada material, uma vez não transitado em julgado o
aresto. Evoca os artigos 52, inciso X, da Constituição Federal e 20, inciso XIII, da Carta
Estadual, no que disciplinam que a suspensão da execução de lei declarada inconstitu-
cional só se fará após a decisão definitiva.
No mérito, defende a harmonia dos citados preceitos com a Carta Federal, tendo em
vista que objetivam a compatibilização com normas e cumprimento respectivo: o artigo
19 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, mediante o qual foi concedida
322 R.T.J. — 196

a estabilidade aos servidores públicos civis da União, Estados, Distrito Federal e Muni-
cípios admitidos de outra forma que não aquela prevista no artigo 37 da Lei Maior, mas
em exercício há, no mínimo, cinco anos continuados, e o artigo 39 do corpo permanente,
que versa sobre o regime jurídico único para os servidores.
Alude, alfim, ao princípio da segurança jurídica, aplicável na espécie, pois “os
efeitos remanescentes da lei declarada inconstitucional são tão evidentes e de difícil
solução, que se por acaso tal declaração tiver efeitos ex tunc, ou seja, não tendo as
opções efetuadas pelos servidores para o regime estatutário qualquer efeito, o caos estará
estabelecido no Município, tanto em relação à prestação de serviços públicos quanto em
relação às dívidas gigantescas que adviriam” (folha 260). Compara a situação municipal
com a eventual declaração de inconstitucionalidade do § 1º do artigo 243 da Lei Federal
n. 8.112/90 (folhas 238 a 262).
Não foram apresentadas contra-razões (certidão de folha 304).
O procedimento alusivo ao juízo primeiro de admissibilidade encontra-se con-
substanciado na peça de folhas 318 a 320.
Recebi estes autos em 15 de março de 1996 e determinei a remessa à Procuradoria-
Geral da República no dia 24 imediato, que exarou o parecer de folhas 329 a 335, pelo
não-conhecimento do recurso.
É o relatório.

VOTO
O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Os pressupostos gerais de recorribilidade
foram observados, valendo notar que o Tribunal Pleno, ao julgar a Reclamação n. 383/SP,
assentou a adequação do extraordinário quando exercido o controle de constitucionali-
dade concentrado pelo Tribunal de Justiça, isso visando a preservar a atividade do
Supremo Tribunal Federal como Guardião Maior da Carta da República. Cabe, dessarte,
analisar o enquadramento deste extraordinário no permissivo da alínea a do inciso III do
artigo 102 da Constituição Federal.
Quanto à competência para julgar a representação de inconstitucionalidade, define-a,
de forma linear, o § 2º do artigo 125 da Constituição Federal. O preceito não contempla
exceção. A competência para julgar a ação direta de inconstitucionalidade é determinada
pela causa de pedir lançada na inicial. A partir do momento em que se articula o conflito
da norma atacada com a Carta do Estado, impõe-se concluir pela competência do Tribunal
de Justiça, pouco importando que ocorra repetição de preceito de adoção obrigatória
inserto na Carta da República. Assim decidiu o Plenário ao apreciar a Reclamação n.
383/SP e o Agravo Regimental na Reclamação n. 425, relatados respectivamente pelos
Ministros Moreira Alves e Néri da Silveira, cujos acórdãos foram publicados nos Diários
da Justiça de 21 de maio de 1993 e 22 de outubro de 1993. Conforme consignado pela
Corte de origem, o pedido inicial teve lastro no conflito do artigo 5º e § 1º e § 2º da Lei
Complementar n. 22/91, do Município de Santos, não com a Constituição Federal, mas
com a Carta Estadual. Confira-se com o que se contém às folhas 192 e 193. Daí a impos-
sibilidade de cogitar-se, na espécie, de infringência aos artigos apontados nas razões do
extraordinário.
R.T.J. — 196 323

Relativamente ao tema de fundo, a Corte de origem explicitou o alcance das nor-


mas declaradas inconstitucionais. Teriam previsto tais dispositivos a efetivação de ser-
vidores contratados ou inscritos até 5 de outubro de 1988 em cargos públicos, sem a
prévia e necessária realização de concurso público. O fato motivara a declaração de
conflito das normas com os artigos 115, inciso II, e 18, § 1º, do Ato das Disposições
Constitucionais Transitórias e 144 do corpo permanente da Constituição do Estado de
São Paulo (folha 193).
Ora, não se pode vislumbrar nessa decisão desrespeito ao texto do artigo 19 do Ato
das Disposições Transitórias da Carta de 1988. Descabe confundir estabilidade com a
efetivação em cargo público. Aliás, o próprio § 1º do artigo 19 em comento elucida a
matéria, ao dispor que o tempo de serviço dos servidores referidos no artigo será contado
como título quando se submeterem a concurso para fins de efetivação, na forma da lei.
Portanto, a norma do artigo diz respeito à estabilidade, pressupondo esta, mesmo assim,
a prestação de serviços, à data em que promulgada a Carta, por mais de cinco anos. O que
decidido pela Corte de origem mostra-se consentâneo com a Carta Federal.
Por último, resta a problemática concernente à comunicação da declaração de
inconstitucionalidade à casa legislativa própria. No acórdão inicialmente proferido,
determinou-se a comunicação do teor da decisão à Câmara Municipal de Santos, para
que suspendesse a execução da lei, nos termos do artigo 90, § 3º, da Constituição do
Estado de São Paulo (folha 200).
Nos embargos declaratórios, suscitou-se o tema, tendo em conta a possibilidade de
interposição do extraordinário e, aí, o Colegiado consignou haver-se limitado a cumprir
o preceito da Constituição Estadual, in verbis:
5. Outrossim, quanto à comunicação à Câmara Municipal de Santos, limitou-se
o decisum a obedecer o disposto no art. 90, § 3º, da Constituição estadual, menci-
onado na parte dispositiva do acórdão (cf. fls. 200) (folha 230).
Assim, independentemente da preclusão maior, lançou-se ao mundo jurídico a
determinação de que fosse comunicado o Legislativo municipal sobre a inconstitucio-
nalidade declarada. Ora, tal decisão conflita com a ordem natural das coisas e, mais do
que isso, com o preceito do artigo 52, inciso X, da Constituição Federal, de observância
obrigatória nos Estados federados, por encerrar verdadeiro princípio, segundo o qual,
enquanto não fulminada em definitivo a lei, ante a pecha de inconstitucional, continua
ela sendo de observância obrigatória. No preceito da Constituição Federal, alude-se à
decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal. Tratando-se de hipótese em que a
competência para julgar originariamente a representação de inconstitucionalidade é do
Tribunal de Justiça, não cabe a comunicação à Casa Legislativa. Esse é o sistema que
decorre da Carta Federal. Declarada a inconstitucionalidade de ato normativo no abstrato,
em processo objetivo e não subjetivo, a decisão irradia-se. Vale dizer que fulminada fica
a lei, não cabendo providência voltada à suspensão. No caso, a Carta do Estado de São
Paulo conta com dois textos ligados à comunicação. O primeiro repete, com a adaptação
pertinente, o inciso X do artigo 52 da Constituição Federal:
324 R.T.J. — 196

Artigo 20. Compete exclusivamente, à Assembléia Legislativa:


I - (...)
XIII - suspender, no todo ou em parte, a execução de lei ou ato normativo
declarado inconstitucional em decisão irrecorrível do Tribunal de Justiça;”
Já o segundo versa especificamente o controle abstrato:
“artigo 90. São partes legítimas para propor ação de inconstitucionalidade
de lei ou ato normativo estaduais ou municipais, contestados em face desta Cons-
tituição ou por omissão de medida necessária para tornar efetiva norma ou princí-
pio desta Constituição, no âmbito de seu interesse:
I - (...)
§ 3º Declarada a inconstitucionalidade, a decisão será comunicada à Assem-
bléia Legislativa ou à Câmara Municipal interessada, para a suspensão da execução,
no todo ou em parte, da lei ou do ato normativo.”
Logo, surge discrepante do sistema concentrado, tal como regido na Carta Federal,
e até mesmo da ordem natural das coisas o § 3º do artigo 90 da Constituição do Estado
de São Paulo. Em síntese, a comunicação do que decidido não tem sequer objeto, por-
quanto não se suspende a execução de diploma legal que não mais existe.
No particular, conheço do extraordinário e o provejo para, declarada a inconstitu-
cionalidade do § 3º do artigo 90 da Constituição do Estado de São Paulo, reformar o
acórdão proferido pela Corte de origem e afastar a comunicação, à Câmara Municipal, da
decisão formalizada.

VOTO (Confirmação)
O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Senhor Presidente, o processo é objetivo.
Começamos a discutir a problemática referente à comunicação à Câmara Municipal da
pecha de inconstitucionalidade da lei. Notamos que, na Constituição do Estado de São
Paulo, há um dispositivo que repete o artigo 52, X, da Carta Federal, e há outro específico
alusivo à representação por inconstitucionalidade, prevendo, também nesse caso, a
comunicação. Quanto a este último, tenho-o como inconstitucional. Declaro a inconsti-
tucionalidade do § 3º do artigo 90 da Constituição do Estado de São Paulo. Por que o
faço? Porque, em se tratando de representação de inconstitucionalidade, a decisão pro-
ferida se exaure em si mesma. Possui eficácia que se irradia e, uma vez concluindo o
Tribunal pelo conflito, não se pode mais cogitar da existência da lei e, portanto, não
cabe comunicar à Câmara para que suspenda a execução do que não mais existe. Esse é
o sistema revelado na jurisprudência da Corte a respeito da matéria.
Então, conheço e provejo parcialmente o recurso, declarando a inconstitucionali-
dade do parágrafo 3º do artigo 90 da Constituição do Estado de São Paulo para que não
se dê a comunicação.
R.T.J. — 196 325

EXTRATO DA ATA
RE 199.293/SP — Relator: Ministro Marco Aurélio. Recorrente: Município de
Santos (Advogada: Ilza de Oliveira Joaquim). Recorrido: Procurador-Geral de Justiça do
Estado de São Paulo.
Decisão: Por unanimidade, a Turma deliberou afetar ao Plenário o julgamento do
feito. Ausentes, justificadamente, neste julgamento, os Ministros Celso de Mello e
Maurício Corrêa.
Decisão: O Tribunal, por unanimidade, deu provimento, em parte, ao recurso e
declarou a inconstitucionalidade do § 3º do artigo 90 da Constituição do Estado de São
Paulo, nos termos do voto do Relator. Votou o Presidente. Ausente, justificadamente, o
Ministro Joaquim Barbosa. Presidiu o julgamento o Ministro Nelson Jobim, Vice-Presi-
dente no exercício da Presidência.
Presidência do Ministro Nelson Jobim, Vice-Presidente no exercício da Presidência.
Presentes à sessão os Ministros Sepúlveda Pertence, Celso de Mello, Carlos Velloso,
Marco Aurélio, Ellen Gracie, Gilmar Mendes, Cezar Peluso e Carlos Britto. Procurador-
Geral da República, Dr. Cláudio Lemos Fonteles.
Brasília, 19 de maio de 2004 — Luiz Tomimatsu, Coordenador.

RECURSO EXTRAORDINÁRIO 264.848 — TO

Relator: O Sr. Ministro Carlos Britto


Recorrente: Estado do Tocantins — Recorrida: Maria Eugênia Adamoglu Jelincic
de Mendonça
Recurso extraordinário. Concurso público. Estrangeiro. Naturaliza-
ção. Requerimento formalizado antes da posse no cargo exitosamente dis-
putado mediante concurso público. Inexistência de ofensa à alínea b do
inciso II do artigo 12 da Magna Carta.
O requerimento de aquisição da nacionalidade brasileira, previsto
na alínea b do inciso II do art. 12 da Carta de Outubro, é suficiente para
viabilizar a posse no cargo triunfalmente disputado mediante concurso
público. Isto quando a pessoa requerente contar com quinze anos ininter-
ruptos de residência fixa no Brasil, sem condenação penal.
A Portaria de formal reconhecimento da naturalização, expedida
pelo Ministro de Estado da Justiça, é de caráter meramente declaratório.
Pelo que seus efeitos hão de retroagir à data do requerimento do interes-
sado.
Recurso extraordinário a que se nega provimento.
326 R.T.J. — 196

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turma
do Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence, na
conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos,
negar provimento ao recurso extraordinário, nos termos do voto do Relator.
Brasília, 29 de junho de 2005 — Sepúlveda Pertence, Presidente — Carlos Ayres
Britto, Relator.

RELATÓRIO
O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto: A chilena Maria Eugênia Adamoglu Jelincic
impetrou mandado de segurança contra ato que declarou nula a sua posse no cargo
efetivo de Enfermeira da Secretaria de Saúde do Estado de Tocantins.
2. Ao conceder a ordem, o Tribunal tocantinense o fez com base no juízo de que “a
estrangeira que comprova a residência fixa e ininterrupta no Brasil por mais de 15
anos, sem condenação penal, casada com brasileiro e possuindo filhos com este, tendo
requerido a regularização da cidadania brasileira, encontra-se amparada no permissivo
do art. 12, II, b, da Constituição Federal” (fl. 79). Donde o presente recurso extraordinário,
sob a invocação da alínea a do inciso III do art. 102 da Magna Carta e mediante o qual
se alega violação aos incisos I e II do art. 12 e inciso I do art. 37 da Constituição Federal.
3. Vê-se, então, que o Estado recorrente inadmite, nos quadros dos servidores
públicos efetivos, pessoa natural estrangeira que ainda não teve reconhecida a naciona-
lidade brasileira, embora formalmente requerida e permeada pela circunstância de con-
tar a requerente com mais de quinze anos de residência fixa no Brasil, sem condenação
penal. Por isso que postula a anulação da posse da ora recorrida no cargo de Enfermeira.
4. Em reforço de sua tese, o Estado de Tocantins invoca o teor das Súmulas 346 e
473 deste excelso Tribunal, com o objetivo de sustentar o poder-dever da Administração
Pública de anular os seus próprios atos, quando eivados de nulidade. Isto porque o
deferimento da inscrição no concurso e a assinatura do Termo de Posse da impetrante
não são suficientes (segundo alega) para caracterizar direito líquido e certo ao exercício
no respectivo cargo.
5. A seu turno, a douta Procuradoria-Geral da República, em parecer da lavra da
Dra. Sandra Cureau, opinou pelo desprovimento do recurso.
É o relatório.

VOTO
O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto (Relator): Conforme visto, a quaestio iuris aqui
discutida é a seguinte: saber se o requerimento de aquisição da nacionalidade brasileira
é suficiente para viabilizar a posse no cargo exitosamente disputado mediante concurso
público, nas situações em que a pessoa requerente contar com quinze anos de residência
fixa no Brasil, sem condenação penal.
8. Pois bem, minha resposta é afirmativa, a teor do seguinte dispositivo da Cons-
tituição Federal:
R.T.J. — 196 327

“Art. 12. São brasileiros:


(...)
II - naturalizados:
(...)
b) os estrangeiros de qualquer nacionalidade residentes na República
Federativa do Brasil há mais de quinze anos ininterruptos e sem condenação
penal, desde que requeiram a nacionalidade brasileira;”
(Sem destaques no original)
9. Com efeito, os requisitos que a Lei Republicana exige estão satisfeitos. A parte
recorrida não tem contra si nenhuma condenação penal, conta com residência fixa no
Brasil por mais de quinze ininterruptos anos e requereu, formalmente, sua naturalização
como cidadã brasileira. Nada mais é de se lhe exigir, conforme, aliás, preleciona José
Afonso da Silva, litteris:
“(...)
A Constituição prevê a aquisição da nacionalidade secundária, pelo processo
de naturalização, no art. 12, II. Não mais repete o texto do art. 69, IV e V, da
Constituição de 1891 (...)
(...)
A naturalização extraordinária prevista, expressamente, na Constituição é
a reconhecida aos estrangeiros de qualquer nacionalidade, residentes no Brasil
há mais de quinze anos ininterruptos e sem condenação penal, desde que requei-
ram a nacionalidade brasileira (...) É uma naturalização que se adquire pelo sim-
ples fato residência, no País, por quinze anos ininterruptos, sem condenação penal.
É justa, porque quem vive mais de quinze anos ininterruptos no País, com vida
digna, convivendo e colaborando com os brasileiros, merece essa consideração da
Constituição, que, no entanto, não quis impor-lhes uma naturalização tácita, res-
peitando sua condição de originário de outra pátria, mas facilitando-a com o mero
requerimento, simples manifestação de vontade. E isso é uma prerrogativa à qual
o interessado tem direito subjetivo, preenchidos os pressupostos: quinze anos de
residência ininterruptos e não condenação penal.
(...)”
(Sem destaques no original)
10. É certo que, no caso, a Portaria de formal reconhecimento da naturalização foi
publicada em 5-2-1999, ou seja, em data posterior à da investidura da recorrida no cargo
público de Enfermeira da Secretaria de Saúde do Estado recorrente. Mas não é menos
certo que essa portaria expedida pelo Ministro de Estado da Justiça é de caráter mera-
mente declaratório. Pelo que seus efeitos hão de retroagir à data do requerimento da
interessada, que foi de 28 de janeiro de 1998. Data, conforme visto, anterior à posse aqui
referida.
11. Tudo isso colocado, conheço do recurso, mas lhe nego provimento.
12. É como voto.
328 R.T.J. — 196

VOTO
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presidente): Creio que, a exigir-se a concessão
da naturalização na hipótese da alínea b, ficaria sem sentido a autonomia que lhe deu a
Constituição em relação à alínea a.
O Sr. Ministro Carlos Britto (Relator): Bem observado. Ou seja, opera a alínea b
automaticamente, e o formal reconhecimento da cidadania brasileira também opera
retroativamente.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presidente): Requerida e não satisfeitos os
requisitos, a decisão que a denegue terá efeitos ex tunc.

EXTRATO DA ATA
RE 264.848/TO — Relator: Ministro Carlos Britto. Recorrente: Estado do Tocantins
(Advogado: PGE/TO – Josué Pereira de Amorim). Recorrida: Maria Eugênia Adamoglu
Jelincic de Mendonça (Advogados: Luciano Ayres da Silva e outro e Maria de Lourdes M.
de Oliveira).
Decisão: A Turma negou provimento ao recurso extraordinário, nos termos do
voto do Relator. Unânime.
Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à sessão os Ministros Marco
Aurélio, Cezar Peluso, Carlos Britto e Eros Grau. Compareceu o Ministro Joaquim Barbosa
a fim de julgar processos a ele vinculados. Subprocurador-Geral da República, Dr. Edson
Oliveira de Almeida.
Brasília, 29 de junho de 2005 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.

RECURSO EXTRAORDINÁRIO 348.707 — RS

Relator: O Sr. Ministro Gilmar Mendes


Recorrente: União — Recorrido: Marcelo Pahim
Recurso extraordinário. 2. Acidente de trabalho. Competência da
Justiça Comum. 3. Precedentes. 4. Recurso extraordinário a que se dá
provimento.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo
Tribunal Federal, em Segunda Turma, sob a Presidência do Ministro Celso de Mello, na
conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos,
conhecer do recurso extraordinário e lhe dar provimento, nos termos do voto do Relator.
Brasília, 1º de fevereiro de 2005 — Celso de Mello, Presidente — Gilmar Mendes,
Relator.
R.T.J. — 196 329

RELATÓRIO
O Sr. Ministro Gilmar Mendes: O recorrido, Marcelo Pahim, foi vítima de acidente
de trabalho ao destrancar um elevador da Universidade Luterana do Brasil – ULBRA,
que, ao projetar-se sobre seu corpo, causou-lhe graves lesões no nervo ulnar direito.
Diagnosticada a necessidade de realização de microneurorrafia do nervo lesado,
bem como a ressecção de neuroma do referido nervo, o recorrido ajuizou ação em desfa-
vor da União para que lhe fosse assegurado o direito de se submeter à cirurgia necessária
ou que lhe fosse pago o montante referente à mencionada cirurgia e às despesas pós-
operatórias.
A sentença reconheceu a ilegitimidade passiva da União e indeferiu a petição
inicial (fl. 45).
O Tribunal de origem deu provimento à apelação, com base no art. 196 da Carta
Magna, em acórdão assim ementado (fl. 87):
“Administrativo. Sistema Único de Saúde. Ação cautelar.
Mesmo que a União entenda não mais lhe caber, desde a descentralização
política-administrativa ditada pela CR/88 e pela Lei Orgânica da Saúde, a execução
de serviços de atendimento individualizado, é inequívoco que não se pode eximir
do custeio desse atendimento, ainda que prestado prioritariamente pelo Municí-
pio e, supletivamente, pelo Estado.”
A recorrente interpôs recurso extraordinário de fls. 104/110 com fundamento no
art. 102, III, a, no qual sustenta violação ao artigo 109, I, da Carta Magna:
“Quanto ao requisito insculpido na alínea a do inciso III do artigo 102 da
Constituição Federal, verifica-se que a decisão do Tribunal a quo afrontou, repita-se,
o Inciso I, do artigo 109 da Constituição Federal.
Evidencia-se equivocada a interpretação dada na espécie em exame, uma vez
que a legislação aplicada, embasadora da decisão recorrida, é irrelevante para o
caso específico, pois que os pedidos da parte autora são decorrentes de acidente do
trabalho, sendo incompetente o Foro Federal para examinar e decidir matéria afeta
a Justiça Comum.
[...]
Ante o exposto, com base nas razões aqui expostas, a União requer o provi-
mento do presente Recurso Extraordinário, no sentido de modificar o Acórdão
atacado, por incompetência absoluta da Justiça Federal, nos moldes do inciso I, do
artigo 109 da Constituição vigente, com o que se estará fazendo justiça.”
O recorrido ofereceu contra-razões (fls. 113/120).
Admitido o recurso, dei vista à Procuradoria-Geral da República.
O Ministério Público Federal, em parecer do Subprocurador-Geral da República,
Geraldo Brindeiro, opinou pelo desprovimento do recurso (fls. 127/129).
É o relatório.
330 R.T.J. — 196

VOTO
O Sr. Ministro Gilmar Mendes (Relator): Como mencionado no relatório, a ação
proposta contra a União decorreu de acidente de trabalho verificado no âmbito de rela-
ção de emprego tipicamente privada.
Ora, da simples leitura do art. 109, I, da Constituição Federal, observa-se que não
compete à Justiça Federal o julgamento de causas de acidente de trabalho. Tal compe-
tência é da Justiça Comum, que deverá processar e julgar tais causas, conforme assentado
por esta Corte, nos seguintes julgamentos:
“Ementa: Constitucional. Previdenciário. Acidente do Trabalho. Ação
Acidentária. Compete à Justiça comum dos Estados processar e julgar as ações de
acidente de trabalho (CF, art. 109, inc. I). Recurso não conhecido.” (RE 176.532,
Plenário, Redator para o acórdão Nelson Jobim, DJ de 20-11-98).
“Ementa: Constitucional. Acidente de trabalho. Ação acidentária. Com-
petência para o seu julgamento. Constituição, art. 109, I.
I - Compete à Justiça comum dos Estados-Membros processar e julgar as
ações de acidente de trabalho. CF, art. 109, I.
II - Precedentes do STF.
III - Agravo não provido.” (RE 395.109-AgR, Rel. Carlos Velloso, 2ª T., DJ de
12-12-03).
Dessa orientação divergiu o acórdão recorrido.
Ademais, a invocação do disposto no artigo 196 da Constituição para fundamentar
a responsabilidade da União em semelhantes casos afigura-se inequivocamente abusiva,
especialmente se se tem como escopo obter reparação decorrente de mazelas causadas
por acidente laboral.
Assim, dou provimento ao recurso extraordinário.

EXTRATO DA ATA
RE 348.707/RS — Relator: Ministro Gilmar Mendes. Recorrente: União (Advo-
gado: Advogado-Geral da União). Recorrido: Marcelo Pahim (Advogado: Pedro Ro-
drigues Pereira).
Decisão: A Turma, por votação unânime, conheceu do recurso extraordinário e lhe
deu provimento, nos termos do voto do Relator.
Presidência do Ministro Celso de Mello. Presentes à sessão os Ministros Carlos
Velloso, Ellen Gracie, Gilmar Mendes e Joaquim Barbosa. Subprocurador-Geral da Re-
pública, Dr. Haroldo Ferraz da Nóbrega.
Brasília, 1º de fevereiro de 2005 — Carlos Alberto Cantanhede, Coordenador.
R.T.J. — 196 331

RECURSO EXTRAORDINÁRIO 398.407 — RJ

Relator: O Sr. Ministro Marco Aurélio


Recorrente: Estado do Rio de Janeiro — Recorrida: Gruta Rio Importação e
Exportação Ltda.
Recurso extraordinário — Devido processo legal — Viabilidade.
Caso a caso, o Supremo Tribunal Federal deve perquirir até que ponto o
que decidido pela Corte de origem revela inobservância ao devido pro-
cesso legal. Enfoque que se impõe no que o inciso LV do artigo 5º da
Constituição Federal remete, necessariamente, a normas estritamente le-
gais. Cabimento do extraordinário em hipóteses em que, mesmo diante de
embargos declaratórios o órgão de cúpula do Judiciário Trabalhista dei-
xou de examinar matéria de defesa. Não se coaduna com a missão precí-
pua do Supremo Tribunal Federal, de guardião maior da Carta Política
da República, alçar a dogma a assertiva segundo a qual a violência à Lei
Básica, suficiente a impulsionar o extraordinário, há de ser frontal e direta.
Dois princípios dos mais caros nas sociedades democráticas, e por isso
mesmo contemplados pela Carta de 1988, afastam esse enfoque, no que
remetem, sempre, ao exame do caso concreto, considerada a legislação
ordinária — os princípios da legalidade e do devido processo legal.
Embargos declaratórios — Omissão. Uma vez constatado o silêncio
sobre matéria de defesa, impõe-se o acolhimento dos declaratórios. Per-
sistindo o órgão julgador no vício de procedimento, tem-se a transgressão
ao devido processo legal no que encerra garantia assegurada, de forma
abrangente, pela Carta da República — artigo 5º, inciso LV.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo
Tribunal Federal, em Primeira Turma, na conformidade da ata do julgamento e das notas
taquigráficas, por unanimidade, conhecer do recurso extraordinário e lhe dar provimento,
nos termos do voto do Relator.
Brasília, 21 de setembro de 2004 — Marco Aurélio, Presidente e Relator.

RELATÓRIO
O Sr. Ministro Marco Aurélio: O Superior Tribunal de Justiça conheceu e proveu o
recurso especial, sintetizando o desfecho da controvérsia em ementa assim redigida
(folha 339):
Tributário. ICMS. Importação de peixe seco e salgado (bacalhau). Isenção.
Gatt. CTN, art. 98. Convênio 60/91. Decreto Legislativo n. 14/60. Decreto n.
48.911/60. Súmulas 71/STJ e 575/STF.
332 R.T.J. — 196

1. Sem embargo da legislação pretérita e posterior, editada pelo Estado do


Rio de Janeiro, persiste a aplicação da Súmula 71/STJ, “o bacalhau importado de
país signatário do Gatt é isento do ICM”.
2. Recurso provido.
O Estado do Rio de Janeiro interpôs embargos declaratórios, visando obter pro-
nunciamento à luz do disposto nos artigos 150, § 6º; 151, inciso III, e 155, inciso II e § 2º,
inciso XII, alínea g, da Constituição Federal, preceitos que teriam sido evocados nas
contra-razões do especial. Os embargos foram desprovidos, proclamando a Corte de
origem que “indemonstradas as restritas previsões legais, os embargos não são conhecidos”.
Em suma, assentou o Colegiado que os temas veiculados não guardariam adequação
com o recurso especial.
Daí o extraordinário que, trancado na origem, subiu por força de provimento dado
a agravo pelo meu antecessor, Ministro Maurício Corrêa. Aponta-se a transgressão do
devido processo legal e a ofensa ao inciso LV do artigo 5º da Lei Maior, argüindo-se a
nulidade do acórdão impugnado. Em passo seguinte, em pleito sucessivo, requer seja
conhecido e provido o recurso, reforçando “o v. acórdão recorrido, por violação aos
artigos 150, § 6º, 151, inciso III, e 155, inciso II e § 2º, inciso XII, alínea g, da Constituição
Federal”.
O parecer da Procuradoria-Geral da República é pelo desprovimento do recurso
(folha 398).
É o relatório.

VOTO
O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Na interposição deste recurso, foram aten-
didos os pressupostos gerais de recorribilidade. A peça, subscrita por procurador do
Estado, restou protocolada no prazo dobrado a que tem jus o recorrente.
Conheço do extraordinário. No mérito, observe-se que todo e qualquer órgão in-
vestido do ofício judicante tem competência para atuar no âmbito do controle difuso de
constitucionalidade. Na espécie, não se trata de conhecimento do especial por violação
da Carta da República, mas de apreciação da lide sem que o órgão julgador houvesse
emitido entendimento explícito sobre as matérias de defesa veiculadas e, como ressaltado
pelo Estado do Rio de Janeiro, nas contra-razões ao especial, versou-se a ultrapassagem
da jurisprudência ante os preceitos da Constituição de 1988. Incumbia ao Superior
Tribunal de Justiça adentrar o tema, decidindo como fosse de direito, e não proclamar a
ausência de conhecimento do recurso especial. Valho-me do que tenho sustentado a
respeito da transgressão do devido processo legal:
Recurso extraordinário — Princípios da legalidade e do devido processo
legal — Normas legais — Cabimento. A intangibilidade do preceito constitu-
cional que assegura o devido processo legal direciona ao exame da legislação
comum. Daí a insubsistência da tese de que a ofensa à Carta Política da República
R.T.J. — 196 333

suficiente a ensejar o conhecimento de extraordinário há de ser direta e frontal.


Caso a caso, compete ao Supremo Tribunal Federal apreciar a matéria, distinguindo
os recursos protelatórios daqueles em que versada, com procedência, a transgres-
são a texto constitucional, muito embora se torne necessário, até mesmo, partir-se
do que previsto na legislação comum. Entendimento diverso implica relegar à
inocuidade dois princípios básicos em um Estado Democrático de Direito: o da
legalidade e do devido processo legal, com a garantia da ampla defesa, sempre a
pressuporem a consideração de normas estritamente legais.
Nesse sentido, constata-se a existência de precedentes: Recursos Extraordinários
n. 158.215-4/RS, 154.159-8/PR, 158.655-9/PA, 198.016-8/RJ, 168.754-1/DF, 170.463-
2/DF, 184.104-4/PE, 194.946-5/RS, 162.309-8/PE, 179.276-1/PR, 223.230-6/SP e
215.624-8/MG.
Conheço e provejo o extraordinário para, declarando a nulidade do acórdão profe-
rido por força dos embargos declaratórios (folhas 347 a 350), determinar a baixa dos
autos à Corte de origem, a fim de que enfrente as razões apresentadas e, portanto, o fato
de a jurisprudência aludida no acórdão decorrente da apreciação do especial haver
ficado suplantada pela Constituição de 1988.

EXTRATO DA ATA
RE 398.407/RJ — Relator: Ministro Marco Aurélio. Recorrente: Estado do Rio de
Janeiro (Advogada: PGE/RJ – Marília Monzillo de Almeida Azevedo). Recorrida: Gruta
Rio Importação e Exportação Ltda (Advogados: José Oswaldo Corrêa e outro).
Decisão: A Turma conheceu do recurso extraordinário e lhe deu provimento, nos
termos do voto do Relator. Unânime. Presidiu o julgamento o Ministro Marco Aurélio.
Não participou deste julgamento o Ministro Sepúlveda Pertence.
Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à sessão os Ministros Marco
Aurélio, Cezar Peluso, Carlos Britto e Eros Grau. Subprocurador-Geral da República, Dr.
Wagner de Castro Mathias Netto.
Brasília, 21 de setembro de 2004 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.

RECURSO EXTRAORDINÁRIO 415.760 — SP

Relator: O Sr. Ministro Marco Aurélio


Relator para o acórdão: O Sr. Ministro Eros Grau
Recorrente: Pedro Amaral dos Santos — Recorrido: Estado de São Paulo
Recurso extraordinário. Constitucional. Administrativo. Prequestio-
namento. Magistrado. Processo administrativo e disponibilidade. Nuli-
dade. Impossibilidade.
334 R.T.J. — 196

1. Diz-se prequestionada a matéria quando a decisão impugnada


haja emitido juízo explícito a respeito do tema, inclusive mencionando o
dispositivo constitucional previamente suscitado nas razões do recurso
submetido à sua apreciação.
2. Omissão do acórdão a respeito da matéria constitucional. Im-
prescindibilidade da oposição dos embargos de declaração para suprir a
deficiência do julgado. Não-incidência, na hipótese, dos óbices das Súmulas
282 e 356 desta Corte.
3. Processo Administrativo precedido de sindicância, no qual foi
assegurado ao servidor o exercício da ampla defesa e do contraditório.
Nulidade. Inexistência.
Recurso extraordinário conhecido, mas não provido.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turma
do Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence, na
conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por maioria de votos,
conhecer do recurso extraordinário, mas negar-lhe provimento.
Brasília, 31 de maio de 2005 — Sepúlveda Pertence, Presidente — Eros Grau,
Relator para o acórdão.

RELATÓRIO
O Sr. Ministro Marco Aurélio: O acórdão impugnado mediante o extraordinário
implicou a improcedência do pedido de decretação de nulidade da decisão administra-
tiva por meio da qual se colocou o recorrente em disponibilidade, bem como da respec-
tiva reintegração aos quadros da magistratura paulista (folhas 259 a 261).
Os embargos de declaração a seguir protocolados foram desprovidos (folhas 272 a
275).
Nas razões do extraordinário de folhas 278 a 287, interposto com alegada base na
alínea a do permissivo constitucional, articula-se com a transgressão dos artigos 93,
inciso VII, 5º, inciso LVI, e 37 da Carta Federal. Aponta-se que inimizade entre o recor-
rente e outras duas pessoas — o Promotor Público local e o Presidente da Subseção da
Ordem dos Advogados do Brasil — gerou falsa notícia sobre conduta do recorrente —
prática de ato sexual dentro do Fórum —, o que culminou em abertura de sindicância
pela Corregedoria. Assevera-se que ambos prestaram depoimento no procedimento ad-
ministrativo instaurado, como testemunhas-chave, sem a presença do autor e do advogado
deste, o que tornaria ilícita a prova obtida, por inobservância ao contraditório, não
podendo servir de base para a condenação. Alega-se que a confissão da Escrivã-diretora —
com quem o recorrente haveria praticado o ato — não vale ao objetivo colimado, por-
quanto tal servidora, para beneficiar o marido, também servidor, teria interesse no afas-
tamento do magistrado. Por fim, entende-se violado o princípio da impessoalidade. A
suposta co-partícipe não sofrera qualquer punição administrativa. Afirma-se que, consi-
derada a existência de infração funcional cometida por dois servidores, a punição é ato
R.T.J. — 196 335

vinculado, não incidindo o poder discricionário de apenar apenas um deles, concluindo-se


que “o procedimento adotado contamina de nulidade o ato administrativo em sua integrali-
dade” (folha 286).
A Fazenda Pública do Estado de São Paulo apresentou as contra-razões de folhas
291 a 297, ressaltando a falta de prequestionamento, o envolvimento de matéria fática e
o acerto da decisão adotada pela Corte de origem.
O Juízo primeiro de admissibilidade obstou o trânsito do recurso, que foi processado
em razão do provimento dado a agravo, ocasião em que consignei:
Verifica-se que o agravante, atento à organicidade e à dinâmica do Direito,
especialmente quando a via de acesso é a sede extraordinária, protocolizou em-
bargos declaratórios. Pleiteou pronunciamento sobre matérias de defesa versadas,
não contido no acórdão embargado (folhas 265 a 268). Questionou a possibilidade
de considerar-se prova testemunhal colhida sem a presença do envolvido e do
defensor e não reiterada no processo administrativo. Mais do que isso, pretendeu a
emissão de entendimento sobre a valia de prova testemunhal de servidora envolvida
no episódio que provocou o respectivo afastamento do ofício judicante, sendo
colocado em disponibilidade com vencimentos proporcionais. Buscou o enfrenta-
mento do que foi alegado quanto ao fato de haver sido punido, o mesmo não
ocorrendo com a referida servidora. Pois bem, o Tribunal de Justiça do Estado de
São Paulo recusou-se a analisar os temas, consignando que os embargos declarató-
rios não se prestam à revisão do decidido, nem à substituição do fundamento do
ato atacado. Está-se diante de situação concreta em que, de duas, uma: ou se viabi-
liza, a partir dos parâmetros do devido processo legal, o exercício de defesa à
exaustão, procedendo o Estado-juiz à entrega da prestação jurisdicional de forma
completa como convém, ou se sela a sorte do agravante na instância de origem,
porquanto, ante a falta de prequestionamento, os temas articulados nos embargos
declaratórios não podem ser apreciados. Duas garantias constitucionais são muito
caras em um Estado que se diga Democrático. Refiro-me ao devido processo legal
e ao princípio da legalidade. Saber-se sobre a observância ou não dessas garantias
pressupõe o exame dos fatos retratados no acórdão proferido pela Corte de origem
e das razões do inconformismo, e, com isso, não se foge às balizas rígidas da
atuação em sede extraordinária. Daí a Segunda Turma haver admitido, em diversos
processos, o cabimento do extraordinário, uma vez em discussão tais princípios —
Recursos Extraordinários n. 154.159/PR, 158.215/RS, 158.655/PA, 170.463/DF e
223.230/SP. No Recurso Extraordinário n. 170.463/DF, por mim relatado, com
acórdão publicado no Diário da Justiça de 20 de março de 1998, restou consignado:
Defesa — Devido processo legal — Inciso LV do rol das garantias
constitucionais — Exame — Legislação comum. A intangibilidade do pre-
ceito constitucional que assegura o devido processo legal direciona ao exa-
me da legislação comum. Daí a insubsistência da tese no sentido de que a
violência à Carta Política da República, suficiente a ensejar o conhecimento
de extraordinário, há de ser direta e frontal. Caso a caso, compete ao Supremo
336 R.T.J. — 196

Tribunal Federal exercer crivo sobre a matéria, distinguindo os recursos


protelatórios daqueles em que versada, com procedência, a transgressão a
texto constitucional, muito embora torne-se necessário, até mesmo, partir-se
do que previsto na legislação comum. Entendimento diverso implica relegar
à inocuidade dois princípios básicos em um Estado Democrático de Direito:
o da legalidade e do devido processo legal, com a garantia da ampla defesa,
sempre a pressuporem a consideração de normas estritamente legais.
Embargos declaratórios — Omissão. Uma vez constatado o silêncio
sobre matéria de defesa, impõe-se o acolhimento dos declaratórios. Persistindo
o órgão julgador no vício de procedimento, tem-se a transgressão ao devido
processo legal no que encerra garantia assegurada, de forma abrangente, pela
Carta da República — artigo 5º, inciso LV.
3. Conheço deste agravo e o provejo, assentando, assim, o enquadramento do
extraordinário na alínea a do inciso III do artigo 102 da Constituição Federal.
Presente a economia e a celeridade processuais, converto estes autos em instru-
mento revelador do próprio recurso extraordinário, a ser julgado neles próprios —
artigo 544 do Código de Processo Civil.
A Procuradoria-Geral da República, no parecer de folhas 648 e 649, preconizou o
não-conhecimento do recurso.
É o relatório.

VOTO
O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Na interposição deste recurso, foram ob-
servados os pressupostos gerais de recorribilidade. Os documentos de folhas 52 e 288
evidenciam a regularidade da representação processual e do preparo. Quanto à oportuni-
dade, o acórdão relativo aos embargos de declaração foi veiculado no Diário de 15 de
janeiro de 2003, quarta-feira (folha 276), ocorrendo a manifestação do inconformismo
em 17 de fevereiro imediato, segunda-feira (folha 278), após o encerramento do período
de férias forenses, no prazo assinado em lei.
O móvel do pronunciamento constante do agravo não encontra guarida nas balizas
do recurso. É que o recorrente deixou de articular a transgressão do devido processo
legal, considerada a ausência de enfrentamento dos temas constantes dos embargos
declaratórios. No fecho do recurso, pleiteou-se não o reconhecimento do vício — no que
desprovidos os declaratórios sem análise especialmente quanto à unilateralidade da pena,
não alcançando servidora que teria participado do ato que serviu a disponibilidade —,
mas a reforma do que decidido. É certo que, nas razões do extraordinário, sustentou-se a
tese de que se tem prequestionado tema jurídico quando versado em embargos declara-
tórios, pouco importando emissão, ou não, de entendimento a respeito. Esse enfoque,
todavia, contraria a jurisprudência da Corte, conjugados os Verbetes n. 282 e 356 da
Súmula:
É inadmissível o recurso extraordinário, quando não ventilada, na decisão
recorrida, a questão federal suscitada.
R.T.J. — 196 337

O ponto omisso da decisão, sobre o qual não foram opostos embargos


declaratórios, não pode ser objeto de recurso extraordinário, por faltar o requisito
do prequestionamento.
A conjunção dos dois verbetes, explicitado o sentido do instituto do prequestiona-
mento, fez surgir o Verbete n. 211 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça:
Inadmissível recurso especial quanto à questão que, a despeito de oposição
de embargos declaratórios, não foi apreciada pelo Tribunal a quo.
Nunca é demais repetir que se diz prequestionado certo tema quando objeto de
debate e decisão prévios, isto é, quando o órgão julgador haja se manifestado expressa-
mente a respeito. Tal instituto visa ao cotejo indispensável a que se assevera enquadrado
o recurso de natureza extraordinária no permissivo que lhe é próprio, no caso, à violên-
cia à Carta da República. Se, interpostos declaratórios, são eles desprovidos, deixando-
se de proceder à entrega da prestação jurisdicional de forma completa, incumbe argüir a
ofensa ao devido processo legal e aí pedir-se o reconhecimento da nulidade, com retorno
do processo à origem para que se complemente, ainda em sede ordinária, o julgamento.
Entender-se de forma diversa, assentando a suficiência, para efeito de prequestionamento,
dos embargos declaratórios, seja qual for o resultado do julgamento, implica a transfe-
rência da apreciação desse recurso sui generis a órgão que não prolatou a decisão embar-
gada e que se mostra omissa, contraditória ou obscura.
Em síntese, ante a recusa da Corte de origem em apreciar principalmente o item
relativo à aplicação da pena administrativa ao recorrente, sem punir a servidora envolvida,
não há como adentrar pela vez primeira a matéria, cujo exame depende do conhecimento
do extraordinário e, aí, deve-se proceder a cotejo para afirmar-se a infrigência à Consti-
tuição Federal.
No mais, no que articulada a nulidade do processo administrativo, a ilicitude da prova,
o recurso esbarra na faticidade da matéria. O acórdão impugnado mediante extraordinário e
confirmado quando do julgamento dos declaratórios consigna que houve o contraditó-
rio, viabilizando-se a ampla defesa, e que o recorrente esteve assistido no processo
administrativo por renomado causídico. O exame do processo administrativo em que
envolvido o recorrente não poderia levar a conclusão diversa. Fez-se referência ao con-
junto probatório e, em momento algum, emitiu-se juízo sobre ilicitude de prova. Então,
não conheço do extraordinário.

VOTO
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presidente): Ministro Marco Aurélio, quanto
ao primeiro fundamento — com todo o respeito à douta opinião de Vossa Excelência e
à Súmula n. 211 do Colendo Superior Tribunal de Justiça —, o entendimento do plená-
rio do Supremo é visceralmente contrário, porque a Súmula n. 356 se contenta com que
a matéria tenha sido posta nos embargos de declaração. Para não citar precedentes da
Primeira Turma e da Segunda Turma — vencido Vossa Excelência —, cito a última
decisão plenária de que tenho notas: RE 219.934, de 14 de junho de 2000, Relator o
eminente Ministro Octávio Gallotti.
Tenho dúvidas, sim, quanto aos embargos de declaração na questão da indivisibi-
lidade do processo em recurso extraordinário.
338 R.T.J. — 196

Quanto ao problema do contraditório, Vossa Excelência o afasta porque a alega-


ção está contrariada por peremptória afirmação em contrário da decisão recorrida, em
matéria de fato. Esse fundamento me seria bastante.
Agora, quanto ao prequestionamento, não sei em que base, em que dispositivo
constitucional se fez, mas, ao que supus, ficou em aberto a matéria da punição do juiz
sem que se punisse o sujeito passivo da relação sexual.
O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Não posso definir se tão passivo.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presidente): Sim; quero apenas não deixar
passar em branco o primeiro fundamento do acórdão de Vossa Excelência, que é o da
Súmula n. 211 do Superior Tribunal de Justiça.
O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): E o Verbete de n. 282 desta Corte.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presidente): Sim, Ministro, mas essa nós interpre-
tamos — com todo o respeito à sua opinião, mas Vossa Excelência ficou solitário — em
combinação com a Súmula 356.
O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Por não estar convencido.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presidente): Sim, Ministro, respeito inteira-
mente o direito de Vossa Excelência — que não gosta do instituto da Súmula — de
continuar a entender nesse sentido.
O Sr. Ministro Eros Grau: Neste caso, Vossa Excelência está votando.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presidente): Não. Considero prequestionada a
matéria.
O Sr. Ministro Cezar Peluso: Com a mera apresentação dos embargos.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presidente): Sem verificar o que se articulou
nos embargos de declaração, fica difícil prosseguir no julgamento.
O Sr. Ministro Cezar Peluso: Por isso precisamos saber o que foi objeto dos embargos
de declaração.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: O Ministro Marco Aurélio não se preocupa
com isso porque, na decisão dos embargos de declaração, simplesmente se manteve o
Tribunal a quo no alegado silêncio anterior. Quanto a um dado, ofensa ao contraditório,
Sua Excelência mostra, depois, que o acórdão o negara fundamentadamente — dizendo
que o recorrente acompanhou todo o processo assistido por advogado.

VOTO (S/ Proposta)


O Sr. Ministro Eros Grau: Sr. Presidente, conheço do recurso.

VOTO (S/ Proposta)


O Sr. Ministro Carlos Britto: Sr. Presidente, conheço do recurso, data venia do
Ministro Marco Aurélio.
R.T.J. — 196 339

VOTO (S/ Proposta)


O Sr. Ministro Cezar Peluso: Sr. Presidente, data venia, tenho por prequestionado
o ponto.

PEDIDO DE VISTA
O Sr. Ministro Eros Grau: Sr. Presidente, é uma situação extremamente delicada.
Vou pedir vista.

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Senhor Presidente, apenas para ressaltar
mais uma vez: não houve emissão de entendimento, em si, quanto aos itens versados nos
embargos declaratórios.
Longe de mim insistir na tese da ausência do prequestionamento quando a Turma
já declarou prequestionada a matéria. Não se versou, no entanto, de forma específica,
sobre a produção de prova testemunhal sem a participação do réu e defensor, muito
embora aludindo-se ao processo de sindicância e remetendo-se ao processo administra-
tivo. Também não se emitiu entendimento acerca da valia, ou não, do depoimento da
servente que bisbilhotara pelo buraco da fechadura. Por último, não houve pronuncia-
mento no tocante à punição unilateral.

DEBATE
O Sr. Ministro Cezar Peluso: Sr. Presidente, também não quero antecipar nada, mas,
segundo o que foi lido pelo eminente Ministro Relator, os embargos declaratórios ti-
nham três pontos: primeiro, a audiência na sindicância sem respeito do contraditório;
segundo, o fato de ter sido considerado o depoimento da servente entre as provas que
fundamentaram a decisão administrativa; terceiro, o fato de a escrivã não ter sido punida.
Quanto aos dois primeiros, parece que o acórdão se manifestou textualmente.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presidente): Sem fazer menção explícita aos
dispositivos constitucionais, o acórdão respondeu que, no processo administrativo,
tudo correu sob o crivo do contraditório, porque não há ilicitude na bisbilhotice.
O Sr. Ministro Carlos Britto: O processo administrativo tem duas fases: a sindicân-
cia e o inquérito propriamente dito. A sindicância vale apenas como peça informativa da
instrução, mas, no inquérito, o contraditório foi observado pelo que se depreende.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presidente): É preciso verificar se as tais provas
colhidas apenas na sindicância basearam a decisão condenatória. É oportuno o pedido
de vista do Ministro Eros Grau.

EXTRATO DA ATA
RE 415.760/SP — Relator: Ministro Marco Aurélio. Recorrente: Pedro Amaral dos
Santos (Advogados: Adriana Lot Barreto Barbosa e outro). Recorrido: Estado de São
Paulo (Advogada: PGE/SP – Célia Almendra Rodrigues).
340 R.T.J. — 196

Decisão: Após o voto do Ministro Marco Aurélio, Relator, não conhecendo do


recurso extraordinário, pediu vista dos autos o Ministro Eros Grau. Falou pelo recorrente
o Dr. Anísio Ferreira Barbosa.
Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à sessão os Ministros Marco
Aurélio, Cezar Peluso, Carlos Britto e Eros Grau. Subprocuradora-Geral da República, Dra.
Maria Caetana Cintra Santos.
Brasilía, 26 de abril de 2005 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.

VOTO (Vista)
O Sr. Ministro Eros Grau: O Ministro Marco Aurélio, na sessão do dia 26-4-2005,
não conheceu do recurso extraordinário interposto por Pedro Amaral dos Santos. Isso
porque a matéria constitucional nele suscitada não estaria prequestionada e também
porque a controvérsia pertinente à nulidade do processo administrativo envolveria o
revolvimento do conjunto probatório, uma vez que a decisão nele proferida estaria
embasada em prova ilícita.
2. Sua Excelência esclareceu que, não tendo sido prequestionada a transgressão
dos artigos 93, VII; 5º, LVI, e 37 da Constituição, incidiria o óbice das Súmulas 282 e
356 desta Corte — sendo desprovidos os embargos de declaração na origem, a prestação
jurisdicional não foi entregue de forma completa.
3. Como segundo fundamento para o não-conhecimento do extraordinário, acen-
tuou que a declaração de nulidade do processo administrativo, sob o argumento de estar
esse embasado em prova ilícita, não prescinde do reexame do conjunto probatório.
4. Quanto aos fatos que deram ensejo à causa, Sua Excelência observou:
“(...) Aponta-se que inimizade entre o recorrente e outras duas pessoas — o
Promotor Público local e o Presidente da Subseção da Ordem dos Advogados do
Brasil — gerou falsa notícia sobre conduta do recorrente — prática de ato sexual
dentro do Fórum —, o que culminou em abertura de sindicância pela Corregedoria.
Assevera-se que ambos prestaram depoimento no procedimento administrativo
instaurado, como testemunha-chave, sem a presença do autor e do advogado deste,
o que tornaria ilícita a prova obtida, por inobservância ao contrário, não podendo
servir de base para a condenação. Alega-se que a confissão da Escrivã-diretora —
com quem o recorrente haveria praticado o ato — não vale ao objetivo colimado,
porquanto tal servidora, para beneficiar o marido, também servidor, teria interesse
no afastamento do magistrado. Por fim, entende-se violado o princípio da
impessoalidade. A suposta co-partícipe não sofrera qualquer punição administrati-
va. Afirma-se que, considerada a existência de infração funcional cometida por
dois servidores, a punição é ato vinculado, não incidindo o poder discricionário de
apenar apenas um deles, concluindo-se que “o procedimento adotado contamina
de nulidade o ato administrativo em sua integralidade” (folha 286).
5. Pedi vista dos autos. Passo a proferir o meu voto.
R.T.J. — 196 341

6. Quanto à questão pertinente à observância do requisito do prequestionamento,


observo que, julgado improcedente o pedido formulado na inicial, houve recurso de
apelação (fl. 182), no qual foi alegado violação dos artigos 2º; 5º, LV, LVI; 37 e 92, VII,
da Constituição do Brasil. O Tribunal de Justiça negou provimento ao recurso, mencio-
nando, expressamente, apenas o artigo 93, VIII, da Constituição. Foram então opostos
embargos de declaração visando ao suprimento da omissão do julgado, argüindo-se
vulneração dos artigos 5º, LV, LVI; 37 e 93, VII, da Constituição do Brasil. Daí o recurso
extraordinário, sob o argumento de violação do disposto nos artigos 5º, LV, LVI; 37; 93,
VII, CB.
7. Tenho, em coerência com a jurisprudência da Corte, como evidenciado o pre-
questionamento da matéria1. Conheço do recurso extraordinário.
8. Os preceitos constitucionais suscitados dizem respeito à inobservância do prin-
cípio da ampla defesa (CB, artigos 5º, LV, e 93, VIII). O recorrente não teria sido intima-
do para a audiência na qual ouvidas duas testemunhas, e, por isso, seria ilícita essa prova
(CB, artigo 5º, LVI). Daí a ilegalidade do ato que impôs ao recorrente a sanção de
disponibilidade (CB, artigo 37). Eis as alegações do recorrente (fl. 282):
“(...) Ocorre que, acolhendo integralmente o parecer do Ministério Público, a
autoridade administrativa condutora do Processo Administrativo não determinou
a oitiva no processo, sob o crivo do contraditório, das duas testemunhas-chave,
quais sejam, o Promotor de Justiça, Dr. Fernando Doubert e o Advogado Dr. Glauco
Luiz de Almeida, personagens principais dos fatos que culminaram com o decreto
disponibilidade do recorrente.
Assim, as informações trazidas pelas referidas pessoas na Sindicância realiza-
da a portas fechadas, sem a participação do autor e seu defensor, sem o crivo do
contraditório, jamais poderiam fazer convicção da culpa, daí emergindo de forma
clara e cristalina a violação da regra estatuída no art. 93, VII, da Constituição
Federal.
A ilegalidade é reconhecida pelo próprio órgão prolator do V. acórdão que
decretou a disponibilidade do autor, no momento em que confessa a utilização da
prova ilegal como fundamento da condenação, constando textualmente: ‘(...) a
prova é abundante e será examinada em sua plenitude, desde os depoimentos
colhidos na sindicância até as inquirições feitas já em diligência por determinação

1 Embargos de Declaração em Recurso Extraordinário n. 172.102, Relator o Ministro Maurício


Corrêa, DJ de 1º-7-96: “A jurisprudência desta Corte é no sentido de que, para fins de prequestiona-
mento da matéria constitucional, faz-se necessária a oposição de embargos de declaração pela apelada-
vencida, como se deu na espécie. Improcedência da alegação de ausência de prequestionamento dos
preceitos argüidos no extraordinário”.
RE n. 334.279, Relator o Ministro Sepúlveda Pertence, DJ de 20-8-2004: “Ementa: RE: Prequestiona-
mento: Súmula 356. O que, a teor da Súmula 356, se reputa carente de prequestionamento é o ponto
que, indevidamente omitido pelo acórdão, não foi objeto de embargos de declaração; mas, opostos
esses, se, não obstante, se recusa o Tribunal a suprir a omissão, por entendê-la inexistente, nada mais se
pode exigir da parte, permitindo-se-lhe, de logo, interpor recurso extraordinário sobre a matéria dos
embargos de declaração e não sobre a recusa, no julgamento deles, de manifestação sobre ela.
(...)”.
342 R.T.J. — 196

do relator. As declarações colhidas na sindicância pelo Sr. Juiz Auxiliar da Corre-


gedoria Geral da Justiça, em novembro de 1991, na Comarca de Mirassol a fls. 166
e seguintes. O primeiro depoimento é o do Promotor de Justiça Dr. Fernando José
Yamaguchi Dobert (...) (fl. 466).”
10. As alegações de cerceamento de defesa e de ofensa ao princípio do contraditório
decorrem da oitiva, na fase de sindicância, de duas testemunhas sem audiência da parte
demandada e, ainda, da circunstância de esses depoentes terem sido referidos na decisão
que impôs a sanção de disponibilidade ao magistrado, apesar de não terem prestado
declarações no processo administrativo.
11. Ora, o ato de decretação de disponibilidade do magistrado decorreu das con-
clusões do processo administrativo instaurado e não das provas colhidas na sindicância
que, no caso, constituiu mero procedimento informativo e inquisitório, para o qual não
se impõe, sob pena de nulidade, a observância do princípio do contraditório e da ampla
defesa (MS n. 21.726/RJ, Relator o Ministro Sepúlveda Pertence, DJ de 2-2-1994).
Ademais, como ressaltado pelo eminente Ministro Moreira Alves no MS n. 22.103/RS,
DJ de 24-11-1995, tendo sido a pena imposta em “decorrência de processo administra-
tivo disciplinar que se seguiu à sindicância, e pena essa imposta com base nas provas
colhidas no inquérito integrante desse processo, é despiciendo o exame dos alegados
defeitos que haveria na sindicância”.
12. Como destacado das alegações do recorrente, as duas testemunhas — o Promotor
de Justiça e o Advogado — foram ouvidas na fase da sindicância, mas, embora testemu-
nhas-chave, não prestaram declarações no processo administrativo disciplinar a ela su-
perveniente. Esse fato não autoriza a imputação de nulidade do processo, por cercea-
mento do direito de defesa e do contraditório, uma vez que nem a autoridade processante
requisitou essa prova, nem o indiciado protestou pela sua produção. Logo, insubsistente
a alegação de ofensa aos artigos 5º, LV; e 93, VIII (parte final), da Constituição do Brasil.
13. Incabível, por igual, a alegação de ilicitude da prova, tão-só em virtude de o
relator do processo administrativo disciplinar referir-se aos depoimentos por eles presta-
dos na fase inquisitorial. Como destacado pelo recorrente em suas razões extraordinárias,
o prolator do acórdão que decretou sua disponibilidade deixou assente que “a prova é
abundante e será examinada em sua plenitude, desde os depoimentos colhidos na sindi-
cância até as inquirições feitas já em diligência por determinação do relator (fl. 466)”.
Portanto, o relator do processo administrativo apenas examinava todas as provas dos
autos. Ademais, “a prova é abundante” e a decisão não teve como fundamento os depo-
imentos do Promotor de Justiça e do Advogado, fato que em tese poderia acarretar a
nulidade do processo e do julgamento administrativo. Aliás, esse pormenor sequer é
argüido pelo autor/recorrente. A ilicitude da prova somente anula o julgamento quando
nessa se embasa o decreto sancionador. Se, ao contrário, a condenação apóia-se em fatos
e provas suficientes, autônomas e independentes daqueles imputadas como viciadas,
não se decreta a nulidade do processo (RE n. 222.204/SP, Relator o Ministro Néri da
Silveira, DJ de 28-4-2000).
14. Não há como cogitar-se de nulidade ou de ilegalidade do procedimento sem
que se possa colher dos elementos do processo a conclusão de que o julgamento tomou
como base a prova colhida somente em sindicância.
R.T.J. — 196 343

Com esses fundamentos, peço vênia ao eminente Ministro Marco Aurélio para
conhecer do recurso extraordinário, mas negar-lhe provimento.

VOTO
O Sr. Ministro Carlos Britto: Peço vênia ao Ministro Marco Aurélio para acompanhar
a divergência, no ponto.

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Ministro Eros Grau, Vossa Excelência
conhece na parte alusiva à transgressão do devido processo legal? Seria essa a parte?
Porque, se conhecermos nessa parte, a conseqüência lógica será o provimento para deter-
minar, então, que os temas constantes dos embargos declaratórios sejam enfrentados.
Não conheci nessa parte por não haver pedido específico no recurso.
O Sr. Ministro Eros Grau: Vossa Excelência conheceria para esse efeito?
O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Não. Se o Tribunal conhecer por transgressão
do devido processo legal, na segunda fase vou divergir para prover. Surge esse problema.
Vejam essa parte do voto:
O móvel do pronunciamento constante do agravo não encontra guarida nas
balizas do recurso. É que o recorrente deixou de articular a transgressão do devido
processo legal, considerada a ausência de enfrentamento dos temas constantes dos
embargos declaratórios. No fecho do recurso, pleiteou-se não o reconhecimento do
vício — no que desprovidos os declaratórios sem análise especialmente quanto à
unilateralidade da pena, (...)
Foi punido o homem — depois dizem que somos machistas — e não a mulher.
O Sr. Ministro Eros Grau: O que temos de concreto é o seguinte, na minha visão: há
prequestionamento.
O Sr. Ministro Cezar Peluso: Doutro modo caímos no problema que levou à juris-
prudência de que basta ter sido suscitada a questão.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presidente): Quanto a isso, sim. Mas não é
fundamento do recurso, segundo o voto do Ministro Marco Aurélio.
O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Aqui, o grande problema é que não houve,
nas razões recursais, o pleito de reconhecimento da nulidade. E se pretende que o Tribu-
nal julgue a matéria, pela vez primeira, para saber se se pode punir apenas um dos que
tiveram desvio de conduta.
O Sr. Ministro Cezar Peluso: Mas isso não diz respeito a nenhuma matéria consti-
tucional.
O Sr. Ministro Carlos Britto: Em regra, essas alegações são de ordem infraconstitu-
cional. Ofensa ao devido processo legal.
O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Por isso é que eu disse:
Esse enfoque, todavia, contraria a jurisprudência da Corte, conjugados os
Verbetes n. 282 e 356 da Súmula:
(...)
344 R.T.J. — 196

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presidente): De qualquer maneira, não é funda-


mento do recurso.
O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Não é fundamento, como se a Corte de
origem tivesse julgado o tema, a controvérsia sob esse ângulo, e refutado a defesa; ela
não julgou, não adentrou a problemática tratada nos embargos de declaração.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presidente): Sim, mas os embargos de declara-
ção tocavam nisso.
O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Sim.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presidente): Então, data venia, entendo que
houve o prequestionamento.
O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Mas aí é para prover.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presidente): Houve o prequestionamento,
apenas não vejo a violação à Constituição.
O Sr. Ministro Cezar Peluso: Exatamente, por isso relembrei a jurisprudência. Se
não caímos naquele problema: devolver ao tribunal para que diga a mesma coisa e
voltem os autos.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presidente): Então, conhecido o recurso,
vencido, no ponto, o Ministro Marco Aurélio.
O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Senhor Presidente, se vencido quanto ao
problema do prequestionamento, vencido quanto à faticidade — penso que o Ministro
não lança como base do voto aspectos ligados ao campo fático —, provejo para que os
temas veiculados nos declaratórios sejam enfrentados pela Corte de origem.

EXTRATO DA ATA
RE 415.760/SP — Relator: Ministro Marco Aurélio. Relator para o acórdão:
Ministro Eros Grau. Recorrente: Pedro Amaral dos Santos (Advogados: Adriana Lot
Barreto Barbosa e outro). Recorrido: Estado de São Paulo (Advogados: PGE/SP – Célia
Almendra Rodrigues).
Decisão: Por maioria de votos, a Turma conheceu do recurso extraordinário, mas
lhe negou provimento; vencido o Ministro Marco Aurélio, Relator, que dele não
conhecia, mas, conhecido, lhe dava provimento. Relator para o acórdão o Ministro
Eros Grau.
Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à sessão os Ministros Marco
Aurélio, Cezar Peluso, Carlos Britto e Eros Grau. Subprocurador-Geral da República, Dr.
Eitel Santiago de Brito Pereira.
Brasília, 31 de maio de 2005 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.
R.T.J. — 196 345

RECURSO EXTRAORDINÁRIO 432.789 — SC

Relator: O Sr. Ministro Eros Grau


Recorrente: Coordenador do Procon do Município de Criciúma — Recorrido:
Banco do Brasil S.A.
Recurso extraordinário. Constitucional. Consumidor. Instituição
bancária. Atendimento ao público. Fila. Tempo de espera. Lei municipal.
Norma de interesse local. Legitimidade.
Lei Municipal n. 4.188/01. Banco. Atendimento ao público e tempo
máximo de espera na fila. Matéria que não se confunde com a atinente às
atividades-fim das instituições bancárias. Matéria de interesse local e de
proteção ao consumidor. Competência legislativa do Município.
Recurso extraordinário conhecido e provido.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turma
do Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence, na
conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos,
conhecer do recurso extraordinário e lhe dar provimento, nos termos do voto do Relator.
Brasília, 14 de junho de 2005 — Sepúlveda Pertence, Presidente — Eros Grau,
Relator.

RELATÓRIO
O Sr. Ministro Eros Grau: Trata-se de mandado de segurança preventivo impetrado
pelo Banco do Brasil S.A. contra atos do Prefeito e do Coordenador do Procon do
Município de Criciúma, objetivando que suas agências e seus postos de serviços bancá-
rios sejam desobrigados do cumprimento das exigências impostas pela Lei Municipal n.
4.188/01, que dispõe sobre o tempo de atendimento ao público nas agências bancárias
estabelecidas no Município de Criciúma.
2. O juízo de primeiro grau julgou improcedente o mandamus, sob o fundamento
de que “[a] lei municipal não coloca em xeque, sob ótica alguma, a normatização do
sistema financeiro nacional. Não trata de dinheiro, de movimentação de crédito, enfim,
de nada que diga respeito a finanças. Cuida do respeito à pessoa, da preservação da
dignidade (art. 1º, inc. III, da CF)”.
3. Interposto recurso de apelação, a Segunda Câmara de Direito Público do Tribunal
de Justiça do Estado de Santa Catarina deu provimento ao apelo, por entender que a
matéria referente ao “tempo de atendimento daqueles que comparecem a agência de
estabelecimento bancário é também matéria suscetível de ser disciplinada por legisla-
ção federal”, assim como aquela referente ao horário de funcionamento desses estabele-
cimentos.
346 R.T.J. — 196

4. Em sede extraordinária, o Coordenador do Procon do Município de Criciúma


alega que a decisão proferida pelo Tribunal a quo contrariou o preceito veiculado no
artigo 30, incisos I e II, da Constituição do Brasil.
5. O Ministério Público Federal, manifestando-se às fls. 232/238, opinou pelo
provimento do recurso.
É o relatório.

PRELIMINAR
O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Sr. Presidente, com relação à matéria preliminar
suscitada pela advogada do Banco do Brasil a respeito da prejudicialidade do extraordi-
nário — porque o recurso especial não teria sido conhecido —, recordo a jurisprudência
do Pleno, no sentido de que o acórdão, no recurso especial, só prejudica o extraordinário
se tiver sido julgado procedente.
De modo que passo ao mérito para afirmar que assiste razão ao recorrente.

VOTO
O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Assiste razão ao recorrente. O Município de
Criciúma exerceu competência que lhe foi atribuída pelo artigo 30, inciso I, da Consti-
tuição do Brasil ao legislar sobre o tempo de atendimento ao público nas agências
bancárias estabelecidas no respectivo território municipal.
2. O tema diz respeito a interesse local do Município, matéria que não se confunde
com a atinente às atividades-fim das instituições financeiras. Ademais, incluem-se no
âmbito dos assuntos de interesse local os relativos à proteção do consumidor. Vale
mesmo dizer: o Município está vinculado pelo dever de dispor sobre essa questão no
plano local.
3. A lei municipal não dispôs sobre política de crédito, câmbio, seguros e transfe-
rência de valores — artigo 22, inciso VII, da CB/88. Também não regulou a organização,
o funcionamento e as atribuições de instituições financeiras. Limita-se a impor regras
tendentes a assegurar adequadas condições de atendimento ao público na prestação de
serviços, por essas instituições, ao consumidor/cliente.
4. Não envolve transgressão da competência reservada ao Congresso Nacional
pelo artigo 48, inciso XIII, da Constituição do Brasil, para dispor sobre matéria financeira
e funcionamento de instituições financeiras. Também não diz respeito à estruturação do
sistema financeiro nacional, matéria que, nos termos do disposto no artigo 192 da CB/88,
há de ser regulada por lei complementar.
5. Esta Corte, ao pronunciar-se sobre matéria semelhante, assentou a competência
do Município, por se tratar de questão vinculada a interesse local, para legislar sobre o
atendimento ao público no interior de agências bancárias. Neste sentido o RE n.
312.050, Relator o Ministro Celso de Mello, DJ de 6-5-05; e o RE n. 208.383, Relator o
Ministro Néri da Silveira, DJ de 7-6-99.
Dou provimento ao recurso extraordinário.
R.T.J. — 196 347

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Senhor Presidente, temos dois temas em jogo. O
primeiro não se confunde com o horário de funcionamento das agências bancárias. Diz
respeito, isso sim, ao tempo de permanência do usuário dos serviços na fila, ou seja, à
adequação e eficácia da prestação dos serviços. Legislou-se, atentando para a demanda
no próprio município, a procura do estabelecimento bancário pelo munícipe, e se obser-
vou o princípio da proporcionalidade. Não posso comparar os bancos com a situação do
INSS, em que as filas são intermináveis, a pessoa tem de chegar de madrugada para,
talvez, naquele dia, de posse de uma senha, ser atendida. Aqui não, aqui estamos no
âmbito de uma atividade econômica que os dados apontam como altamente lucrativa, e
versou-se o período máximo de permanência na fila, de quinze minutos, devendo o
banco precatar-se, colocar, mesmo diante da automação dos serviços, gente para atender
aos munícipes.
O segundo dado — a meu ver também não está na área de atuação, em si, da União —
faz-se ligado à existência de sanitários na agência. É algo de razoabilidade maior, levando
em conta a envergadura, como eu disse, da própria atividade desenvolvida.
Por isso, ressaltando a clareza da sustentação, da tribuna, da Dra. Magda Mon-
tenegro, a quem muito prezo e lembro ainda o período em que Sua Excelência não
integrava o corpo jurídico do Banco, mas atuava em filial de agência aqui nesta Corte,
conheço do recurso e o provejo.

VOTO
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presidente): Na sustentação oral, a ilustre Ad-
vogada suscitou a incidência da Súmula 283. Mas, a mim me parece que não é o caso.
Para cogitar da aplicação da Lei 4.545, era primeiro fixar que a competência era federal.
Ora, mostrou bem o Ministro Relator que a competência da União para dispor sobre o
“funcionamento de instituições financeiras”, obviamente, não tem nada a ver com a
atenção e a celeridade devida ao cliente, com instalação de sanitários nas agências. Isto
é matéria de típico interesse local.
Recordo, além dos precedentes a que se refere o eminente Ministro Relator, deci-
são mais recente da Segunda Turma, no RE 240.406, Relator o Ministro Carlos Velloso,
de 25-11-2003, onde se julgou, também, ser da competência municipal, em nome da
segurança dos munícipes, a exigência de portas eletrônicas de vidro, à prova de bala etc.
Também não tenho dúvidas em acompanhar o voto do eminente Ministro Relator,
para dar provimento ao recurso.

EXTRATO DA ATA
RE 432.789/SC — Relator: Ministro Eros Grau. Recorrente: Coordenador do Procon
do Município de Criciúma (Advogados: Isolde Espíndola e outro). Recorrido: Banco do
Brasil S.A. (Advogados: Magda Montenegro e outro).
Decisão: A Turma conheceu do recurso extraordinário e lhe deu provimento, nos
termos do voto do Relator. Unânime. Falou pelo recorrido a Dra. Magda Montenegro.
348 R.T.J. — 196

Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à sessão os Ministros Marco


Aurélio, Cezar Peluso, Carlos Britto e Eros Grau. Subprocurador-Geral da República, Dr.
Edson Oliveira de Almeida.
Brasília, 14 de junho de 2005 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.

RECURSO EXTRAORDINÁRIO 433.233 — SC

Relator: O Sr. Ministro Gilmar Mendes


Recorrente: Estado de Santa Catarina — Recorridos: Henrique Ruiz Werminghoff
e outro
Recurso Extraordinário. 2. Servidor Público Estadual. Gratifica-
ção Complementar de Vencimento. Lei estadual n. 9.503, de 1994. 3. Base
de cálculo. Vinculação ao salário mínimo. Ofensa ao art. 7º, IV, da Cons-
tituição Federal. 4. Recurso Extraordinário conhecido e provido.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribu-
nal Federal, em Sessão Plenária, sob a Presidência do Ministro Nelson Jobim, na confor-
midade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos,
conhecer e dar provimento ao recurso extraordinário para indeferir a segurança, decla-
rando a inconstitucionalidade do § 6º do artigo 1º da Lei n. 9.503, de 8 de março de
1994, nos termos do voto do Relator.
Brasília, 30 de junho de 2005 — Nelson Jobim, Presidente — Gilmar Mendes,
Relator.

PROPOSTA DE REMESSA AO PLENO


O Sr. Ministro Gilmar Mendes (Relator): Sr. Presidente, proponho à Turma que se
afete o julgamento deste feito ao Plenário.

EXTRATO DA ATA
RE 433.233/SC — Relator: Ministro Gilmar Mendes. Recorrente: Estado de Santa
Catarina (Advogado: PGE/SC – Ivan S. Thiago de Carvalho). Recorridos: Henrique
Ruiz Werminghoff e outro (Advogados: Alexandre Trichez e outro).
Decisão: Por proposta do eminente Ministro Relator, acolhida pela Turma, afetou-se
o julgamento ao Tribunal Pleno. Compareceu à sessão o Dr. Loreno Weissheimer, repre-
sentante do recorrente. Ausente, justificadamente, neste julgamento, o Ministro Celso
de Mello. Presidiu este julgamento o Ministro Carlos Velloso.
R.T.J. — 196 349

Presidência do Ministro Celso de Mello. Presentes à sessão os Ministros Carlos


Velloso, Ellen Gracie, Gilmar Mendes e Joaquim Barbosa. Subprocurador-Geral da Re-
pública, Dr. Haroldo Ferraz da Nóbrega.
Brasília, 14 de dezembro de 2004 — Carlos Alberto Cantanhede, Coordenador.

RELATÓRIO
O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Trata-se de recurso extraordinário interposto com
fundamento no art. 102, III, a, da Constituição Federal contra acórdão assim ementado:
“Gratificação complementar de vencimento instituída pela Lei n. 9.503/94,
alterada pela Lei n. 9.860/95 — Base de cálculo inferior ao salário mínimo legal —
Impossibilidade — Segurança concedida.
Nos termos do § 6º do artigo 1º da Lei n. 9.504/94, a gratificação complementar
de vencimento deverá ser calculada sobre o vencimento do cargo efetivo, res-
peitado, porém, como valor mínimo para a base de cálculo o salário mínimo
vigente.” (Fl. 103)
No voto do Relator, restou consignado:
“A gratificação complementar de vencimento foi instituída pela Lei n.
9.503/94, destinada para os servidores civis, ativos e inativos, pertencentes aos
quadros de pessoal dos órgãos a Administração Direta, Fundação Catarinense de
Cultura, Fundação Catarinense de Educação Especial e Fundação Catarinense de
Desportos, correspondente a 90% (noventa por cento) do vencimento do cargo
efetivo.
Consoante o § 6º, do artigo 1º da referida lei, a base de cálculo sobre a qual
deve incidir a gratificação está limitada ao valor do salário mínimo nacionalmente
unificado.
A Lei estadual n. 9.860/95, por seu turno, através de seu artigo 3º, caput,
trouxe modificações à lei anterior, no que concerne ao percentual da verba
remuneratória em estudo, uma vez que o elevou para 120% (cento e vinte por
cento), não alterando, contudo, a regra constante no § 6º, do artigo 1º, da Lei n.
9.503/94, cuja redação estabelece:
‘A base de cálculo da Gratificação de que trata o caput deste artigo não
será inferior ao salário mínimo nacionalmente unificado’.
Assim sendo, continua válida e em pleno vigor a regra supracitada, imerecendo
guarida a alegação da douta autoridade impetrada de que a base de cálculo da
Gratificação Complementar de Vencimento é o valor do vencimento do cargo
efetivo, por força do caput, do art. 3º, da Lei n. 9.860/95, o que possibilitaria a
incidência da referida Gratificação sobre valor inferior ao salário mínimo nacio-
nalmente unificado.
350 R.T.J. — 196

Ademais, o referido dispositivo ao estabelecer como valor mínimo para a


base de cálculo da aludida gratificação, o salário mínimo nacionalmente unificado,
não caracterizada qualquer ofensa à Constituição Federal, pois de acordo com o
seu artigo 7º, IV, constitui direito dos trabalhadores urbanos e rurais, a percepção
de salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, a fim de atender as suas
necessidades vitais básicas e de sua família. Tal garantia foi estendida aos servido-
res públicos, por intermédio do artigo 39, § 3º da Magna Carta que, da mesma
forma, estabeleceu um parâmetro mínimo abaixo do qual não é permitido deixá-los.”
(Fls. 105/106)
Alega-se violação aos arts. 2º, 7º, IV, 25, 37, XIII, e 61, § 1º, II, a, da Carta Magna.
Sustenta-se a inconstitucionalidade do § 6º, art. 1º, da Lei estadual n. 9.503, de 1994.
Afirma-se, ainda, que “a hipótese dos autos caracteriza a vinculação ao salário mínimo
vedada pela Constituição, pois a cada alteração do seu valor, fica automaticamente
alterada, na mesma proporção, a Gratificação Complementar de Vencimentos” (fl. 121).
Em sessão de 14-12-2005, a 2ª Turma desta Corte acolheu minha proposta para
julgamento do feito pelo Plenário.
É o relatório.

VOTO
O Sr. Ministro Gilmar Mendes (Relator): O acórdão recorrido entendeu que a vin-
culação da base de cálculo da gratificação complementar de vencimento ao salário
mínimo não configuraria ofensa aos arts. 7º, IV, e 39, § 3º, da Constituição Federal.
Irrepreensíveis os argumentos do recorrente.
A decisão divergiu da orientação firmada por esta Corte, v.g., o RE 247.208, Rel.
Moreira Alves, lª T., DJ de 1º-6-01, assim ementado:
“Ementa: Recurso extraordinário. Servidor Público. Piso de vencimento.
Salário mínimo.
— O Plenário desta Corte, ao julgar os RREE 197.072 e 199.098, que trata-
ram de hipótese análoga à presente, firmou o entendimento de que o artigo 27, I, da
Constituição do Estado de Santa Catarina, para compatibilizar-se com os artigos 7º
IV, e 39, § 2º, da Carta Magna Federal, só pode ser entendido no sentido de que se
refere ele à remuneração total recebida pelo servidor e não apenas ao vencimento-
base.
Dessa orientação divergiu o acórdão recorrido.
Recurso extraordinário conhecido e provido.”
E, ainda, nos RREE 197.072, Rel. Marco Aurélio, DJ de 8-6-2001, e 199.098, Rel.
Ilmar Galvão, DJ de 18-5-2001, nos quais esta Corte mais uma vez firmou o entendimento
segundo o qual o dispositivo da Constituição catarinense, em face das normas dos arts.
7º, IV, e 39, § 2º (3º, com a redação da EC 19, de 1998), somente poderia ser entendido
como remuneração total do servidor, ou seja, vencimentos e vantagens.
R.T.J. — 196 351

Monocraticamente, em casos análogos, esta Corte tem decidido nesse mesmo sen-
tido, v.g., os RREE 433.248, Rel. Eros Grau (9-3-05), e 426.063, Rel. Marco Aurélio, DJ
de 6-8-04, destacando-se, neste último, o seguinte trecho da decisão:
“Salário mínimo — Vinculação — Inciso IV do artigo 7º da Constituição
Federal — Gratificação complementar de vencimentos — Recurso extraordi-
nário — Conhecimento e provimento.
(...)
O alcance do preceito outro não é senão evitar que o atrelamento do salário mínimo
a situações diversas acabem por inibir o legislador na necessária reposição do poder
aquisitivo da parcela, isso objetivando o atendimento ao que nele previsto. Ora, na
espécie, adotou-se, como base para cálculo da gratificação complementar de vencimentos,
fator vedado pela Carta da República.
2. Conheço deste extraordinário pela violência ao inciso IV do artigo 7º da
Constituição Federal e o provejo, na forma nele preconizada, ou seja, para, refor-
mando o acórdão proferido pela Corte de origem, denegar a segurança. Com isso,
ficam invertidos os ônus da sucumbência, a cujos efeitos ficam isentos os autores,
por serem beneficiários da assistência judiciária gratuita”.
Assim, conheço e dou provimento ao recurso extraordinário, para indeferir a segu-
rança, ficando declarada a inconstitucionalidade do § 6º do art. 1º da Lei n. 9.503, de 8
de março de 1994, do Estado de Santa Catarina.
Sem honorários (Súmula 512/STF).

EXTRATO DA ATA
RE 433.233/SC — Relator: Ministro Gilmar Mendes. Recorrente: Estado de Santa
Catarina (Advogado: PGE/SC – Ivan S. Thiago de Carvalho). Recorridos: Henrique
Ruiz Werminghoff e outro (Advogados: Alexandre Trichez e outro).
Decisão: O Tribunal, por unanimidade, conheceu e deu provimento ao recurso
extraordinário para indeferir a segurança, declarando a inconstitucionalidade do § 6º do
artigo 1º da Lei n. 9.503, de 8 de março de 1994, nos termos do voto do Relator. Votou
o Presidente, Ministro Nelson Jobim. Ausente, justificadamente, o Ministro Carlos
Velloso. Falou pelo recorrente o Dr. João Martins Neto, Procurador do Estado.
Presidência do Ministro Nelson Jobim. Presentes à sessão os Ministros Sepúlveda
Pertence, Celso de Mello, Marco Aurélio, Ellen Gracie, Gilmar Mendes, Cezar Peluso,
Carlos Britto, Joaquim Barbosa e Eros Grau. Subprocurador-Geral da República, Dr.
Haroldo Ferraz da Nóbrega.
Brasília, 30 de junho de 2005 — Luiz Tomimatsu, Secretário.
352 R.T.J. — 196

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO
AGRAVO DE INSTRUMENTO 498.494 — PR
Relator: O Sr. Ministro Gilmar Mendes
Embargante: Odebrecht Comércio e Indústria de Café Ltda. — Embargados: Caixa
Econômica Federal – CEF e União
Embargos de declaração em agravo de instrumento. 2. Decisão
monocrática do Relator. Embargos de declaração recebidos como agravo
regimental. 3. Recurso extraordinário. Protocolo ilegível. Súmula 288/STF.
Precedentes. 4. Certidões do Tribunal de origem. Exame. Tempestividade.
Impossibilidade. Competência do Tribunal ad quem. 5. Agravo regi-
mental a que se nega provimento.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo
Tribunal Federal, em Segunda Turma, sob a Presidência do Ministro Celso de Mello, na
conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, preliminarmente, por
unanimidade de votos, conhecer dos embargos de declaração como recurso de agravo e
a este negar provimento, nos termos do voto do Relator.
Brasília, 25 de outubro de 2005 — Celso de Mello, Presidente — Gilmar Mendes,
Relator.

RELATÓRIO
O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Ao apreciar o AI 498.494, proferi a seguinte decisão
(fl. 286):
“Decisão: Trata-se de agravo contra decisão que negou processamento a
recurso extraordinário fundado no art. 102, III, a, da Constituição Federal.
A agravante não trasladou as cópias exigidas pelo art. 544, § 1º, do Código
de Processo Civil, para a formação do instrumento de agravo (cópia da procuração
outorgada aos advogados da agravada).
Ademais, verifica-se, também, que a agravante não trasladou cópia da petição
do recurso extraordinário com o protocolo de interposição legível. Impossível,
portanto, a verificação da tempestividade do apelo extremo.
Esta Corte firmou entendimento segundo o qual a apresentação do protocolo
legível na petição do recurso extraordinário constitui elemento indispensável no
julgamento do agravo de instrumento, sendo o juízo sobre a tempestividade do
recurso uma preliminar ao exame do mérito. Nesse sentido, o AI 297.078-2-AgR, 1ª
T., Rel. Ilmar Galvão, DJ de 4-5-01, assim ementado:
“Ementa: Agravo de instrumento. Carimbo do protocolo na petição
de recurso extraordinário que se apresenta ilegível.
Hipótese de incidência da Súmula 288 desta Corte.
Agravo desprovido.”
Incidem, portanto, as Súmulas 288 e 639/STF.
Assim, não conheço do agravo (art. 557, caput, do CPC).”
R.T.J. — 196 353

A embargante, Odebrecht – Comércio e Industria de Café Ltda., opôs, por fax, os


Embargos de Declaração de fls. 291/300, e apresentou o original dentro do prazo estipu-
lado pela Lei 9.800, de 26 de maio de 1999, (fls. 303/312), nos quais sustenta:
“Todavia, depreende-se da petição de capa das razões do instrumento, que a
única parte agravada é a União, uma vez que a Caixa Econômica Federal – CEF,
desde a sentença de primeiro grau (peça juntada com a inicial do agravo de
instumento), havia sido excluída da relação processual, extinguindo-se o feito em
relação a esta Instituição Financeira (inciso VI do artigo 267 do Código de Processo
Civil).
[...]
No que tange à cópia da petição com protocolo de interposição ilegível, a
presente decisão merece ser aclarada para que haja manifestação expressa sobre
certidões que possibilitam a verificação de tempestividade da interposição do
recurso extraordinário pela Embargante.
Isto é, no verso da fl. 273 existe certificado de juntado do extraordinário, bem
como na fl. 332 há certificação da Secretaria do Tribunal a quo de tempestividade
do recurso interposto, conforme reiteradas decisões dessa Corte Suprema, a saber:
[...]
Neste contexto, a presente decisão insta ser aclarada em relação às certidões
de fls. 273 (verso) e 332, para possibilitar, se for o caso, a interposição de recurso
modificativo (Agravo regimental) da V. Decisão embargada.”
É o relatório.

VOTO
O Sr. Ministro Gilmar Mendes (Relator): Tendo em vista o princípio da economia
processual, recebo os embargos como agravo regimental e, desde logo, passo a apreciá-lo.
No que concerne à falta da cópia da procuração outorgada à agravada, razão assiste
à agravante.
Entretanto, quanto à apresentação do protocolo de forma ilegível, a agravante não
conseguiu afastar os fundamentos da decisão agravada, a qual foi proferida nos termos
da jurisprudência desta Corte, no sentido de que a apresentação do protocolo de interpo-
sição do apelo extremo de maneira ilegível, na formação do instrumento do agravo, atrai
a aplicação da Súmula n. 288 do STF (v.g., o AI 161.795-AgR, 1ª T., Rel. Ellen Gracie, DJ
de 15-3-02; e o AI 323.549-AgR, 2ª T., Rel. Celso de Mello, DJ de 28-9-01).
Ressalte-se que não procede a alegação de que a certidão emitida pelo Tribunal de
origem seria o suficiente para aferir a tempestividade do apelo extremo, visto que cabe
ao Tribunal ad quem o exame da tempestividade do recurso que há de julgar. Nesse
sentido, o AI 383.925-AgR, 1ª T., Rel. Moreira Alves, DJ de 21-6-02, assim ementado:
354 R.T.J. — 196

“Ementa: Agravo regimental.


— Sendo a tempestividade do recurso extraordinário pressuposto de ordem
pública de seu cabimento e, por isso, sendo necessário que exista no traslado a
peça que possibilite essa aferição, que compete a esta Corte e que é indispensável
para o provimento ou não do agravo de instrumento, a exigência dessa existência
é ínsita ao exame desse cabimento, razão por que se aplica o mesmo princípio que
inspirou a Súmula 288, independentemente de lei expressa nesse sentido.
— Inexistem, pois, as alegadas ofensas, por parte do despacho agravado, aos
dispositivos constitucionais invocados na petição deste agravo regimental.
Agravo a que se nega provimento.”
Também não procede a alegação de que é possível aferir a tempestividade do
recurso extraordinário considerando a data da sua juntada aos autos, tendo em vista que
é possível verificar que o último dia para interpor o apelo extremo seria 4-9-03, e a
certidão de fl. 215v é do dia 5-9-03. É, portanto, intempestivo o recurso nesta data.
Assim, nego provimento ao agravo regimental.

EXTRATO DA ATA
AI 498.494-ED/PR — Relator: Ministro Gilmar Mendes. Embargante: Odebrecht
Comércio e Indústria de Café Ltda. (Advogados: Romeu Saccani e outro). Embargados:
Caixa Econômica Federal – CEF (Advogados: Heloísa Sabedotti e outro) e União
(Advogado: PFN – Romulo Ponticelli Giorgi Júnior).
Decisão: A Turma, preliminarmente, por votação unânime, conheceu dos embargos de
declaração como recurso de agravo, a que, também por unanimidade, negou provimento, nos
termos do voto do Relator. Ausente, justificadamente, neste julgamento, o Ministro Carlos
Velloso.
Presidência do Ministro Celso de Mello. Presentes à sessão os Ministros Carlos
Velloso, Ellen Gracie, Gilmar Mendes e Joaquim Barbosa. Subprocuradora-Geral da
República, Dra. Maria Caetana Cintra Santos.
Brasília, 25 de outubro de 2005 — Carlos Alberto Cantanhede, Coordenador.

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO 530.658 — MG

Relator: O Sr. Ministro Gilmar Mendes


Agravante: Cinésio de Carvalho — Agravado: Ministério Público do Estado de
Minas Gerais
Agravo regimental em agravo de instrumento. 2. Agravo de ins-
trumento intempestivo. Litisconsórcio desfeito. Prazo em dobro. Não-
aplicação. 3. Agravo regimental a que se nega provimento.
R.T.J. — 196 355

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo
Tribunal Federal, em Segunda Turma, sob a Presidência do Ministro Celso de Mello, na
conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos,
negar provimento ao recurso de agravo, nos termos do voto do Relator.
Brasília, 25 de outubro de 2005 — Celso de Mello, Presidente — Gilmar Mendes,
Relator.

RELATÓRIO
O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Ao apreciar o AI 530.658, proferi a seguinte decisão
(fl. 445):
“Decisão: Trata-se de agravo de instrumento em matéria criminal contra de-
cisão que negou processamento a recurso extraordinário fundado no art. 102, III, a,
da Constituição Federal.
O prazo para a interposição do agravo de instrumento, em matéria criminal, é
de cinco dias (art. 28 da Lei n. 8.038, de 28 de maio de 1990). Verifica-se que a
decisão agravada foi publicada em 24-10-03 (fl. 428) e o agravo foi interposto em
4-11-03 (fl. 05). Portanto, o recurso é intempestivo.
Assim, não conheço do agravo de instrumento (art. 38 da Lei n. 8.038, de 28
de maio de 1990, c/c o art. 21, § 1º, do RISTF).”
O agravante, Cinésio de Carvalho, interpôs, por fax, o agravo regimental de fls.
449/450 e apresentou o original dentro do prazo estipulado pela Lei 9.800, de 26 de
maio de 1999 (fls. 454/455), no qual sustenta:
“2. Com a devida vênia, mister ressaltar que ao contrário do que posto no r.
decisório como único argumento para o não conhecimento do agravo, o mesmo
não foi protocolizado fora do prazo, mas sim dentro do prazo do art. 191 do CPC,
que prevê prazo em dobro para litisconsortes com procuradores distintos, como é o
caso da espécie em apreço.
3. Sendo assim, ao basear-se em argumento fálico para não conhecer o agravo,
com a devida vênia, o Judiciário que tem obrigação constitucional de dar por
inteiro a tutela jurisdicional, está negando vigência ao art. 5º, XXXV, LIV e LV da
CF/88.”
É o relatório.

VOTO
O Sr. Ministro Gilmar Mendes (Relator): Conforme se pode aferir nos autos, o
acórdão recorrido (fl. 295) foi proferido em relação aos réus: Delma Maria Ferreira,
Germânio Marcos de Carvalho, Cinésio de Carvalho e Celso Geraldo de Oliveira.
O recurso extraordinário foi interposto por Germânio Marcos de Carvalho e Cinésio
de Carvalho, por meio de um único procurador, qual seja, Dr. Raimundo Cândido Júnior.
À fl. 420, consta uma certidão do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, de
transcurso do prazo, sem interposição de recurso de qualquer natureza, com relação aos
demais réus.
356 R.T.J. — 196

Logo, a pretensão do agravante não subsiste em face da jurisprudência consolidada


desta Corte, segundo a qual não seria aplicável o art. 191 do CPC ao caso, posto que o
apelo extremo foi protocolado por dois dos co-réus, por meio de um único advogado.
Nesse sentido, o AI 447.913-AgR, 2ª T., Rel. Ellen Gracie, DJ de 2-12-03, assim
ementado:
“Agravo regimental e agravo de instrumento criminal. Intempestividade.
Dobra de prazo. Inviabilidade quando desfeito o listisconsórcio pelo trânsito
em julgado da decisão para uma das partes.
1. Recurso extraordinário interposto por apenas um de dois co-réus. O trânsito
em julgado da decisão em relação ao outro extingue o litisconsórcio e retira a base
lógica em que assentada a dobra de prazo para recurso, no caso, tanto para o agravo
contrário à decisão de inadmissão do RE quanto para o agravo regimental inter-
posto contra a decisão negativa de seguimento do AI.
2. Agravo regimental de que não se conhece por ser intempestivo.”
Assim, nego provimento ao agravo regimental.

EXTRATO DA ATA
AI 530.658-AgR/MG — Relator: Ministro Gilmar Mendes. Agravante: Cinésio de
Carvalho (Advogado: Raimundo Cândido Júnior). Agravado: Ministério Público do
Estado de Minas Gerais.
Decisão: A Turma, por votação unânime, negou provimento ao recurso de agravo,
nos termos do voto do Relator.
Presidência do Ministro Celso de Mello. Presentes à sessão os Ministros Carlos
Velloso, Ellen Gracie, Gilmar Mendes e Joaquim Barbosa. Subprocuradora-Geral da
República, Dra. Maria Caetana Cintra Santos.
Brasília, 25 de outubro de 2005 — Carlos Alberto Cantanhede, Coordenador.

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO REGIMENTAL NO


AGRAVO DE INSTRUMENTO 546.296 — MG
Relator: O Sr. Ministro Gilmar Mendes
Embargante: Fiat Automóveis S.A. — Embargado: Fauze Salomão Filho
Embargos de declaração em agravo regimental em agravo de ins-
trumento. 2. Multa aplicada em agravo regimental. Pagamento não com-
provado. Impossibilidade de conhecimento dos embargos. Art. 557, § 2º,
do CPC. 3. Embargos não conhecidos.
R.T.J. — 196 357

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Segunda Turma
do Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência do Ministro Celso de Mello, na confor-
midade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, não
conhecer os embargos de declaração, nos termos do voto do Relator.
Brasília, 25 de outubro de 2005 — Celso de Mello, Presidente — Gilmar Mendes,
Relator.

RELATÓRIO
O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Esta Turma, ao apreciar o agravo regimental no AI
546.296, proferiu o acórdão de fl. 89, assim ementado:
“Ementa: Agravo regimental em agravo de instrumento. 2. Turnos ininter-
ruptos de revezamento. Decisão em consonância com precedente desta Corte. RE
205.815, Nelson Jobim, Pleno, DJ de 2-10-98. 3. Cálculo de horas extras. Matéria
infraconstitucional. 4. Aplicação de multa de 1% (um por cento) sobre o valor da
causa. Caráter infundado do recurso. Posicionamento pacífico da Corte. 5. Agravo
regimental a que se nega provimento.”
A embargante, Fiat Automóveis S.A., opôs os embargos de declaração de fls. 92/95,
nos quais sustenta:
“1. Pede a embargante que a E. Turma se pronuncie quanto a relevantes
aspectos atinentes ao tema ‘horista. divisor 180’.
1.1. Segundo o disposto no art. 7º, item XIV, da Constituição da República,
está incluída entre os direitos sociais do trabalhador a garantia a ‘jornada de seis
horas para o trabalho realizado em turnos ininterruptos de revezamento.’
1.2. A Orientação de nº 275, do Tribunal Superior do Trabalho, declara que
‘Inexistindo instrumento coletivo fixando jornada diversa, o empregado submetido
a turno ininterrupto de revezamento faz jus ao pagamento das horas laboradas
além da 6ª, bem como ao respectivo adicional.’
1.3. Com relação ao empregado mensalista, a referida norma constitucional
revela-se auto-executável, pois, respeitado o valor do salário mensal contratual e
considerada a redução da jornada de oito para seis horas, divide-se aquele valor
por 180, encontrando-se assim o valor do ‘salário-hora normal, no caso de empre-
gado mensalista’ (art. 64 da Consolidação das Leis do Trabalho), para então calcu-
lar-se o valor das eventuais horas-extras.
[...]
1.5. 0 mesmo não acontece com o horista, cujo salário-hora normal é aquele
estipulado em seu contrato de trabalho e não pode ser alterado senão por força de
lei, desde que se preste obediência ao princípio constitucional da reserva legal (art.
5º, item II, da Lei Maior).
1.6. Respeitado o valor de seu ‘salário-hora normal’ e contratual, o horista
receberá a remuneração de eventuais horas extras com base nesse mesmo salário-
hora, mas com acréscimo de cinqüenta por cento (50%), garantido por disposição
do art. 7º, item XVI, da Lex Legum.”
É o relatório.
358 R.T.J. — 196

VOTO
O Sr. Ministro Gilmar Mendes (Relator): Esta Turma, ao julgar o agravo regimental,
aplicou multa de 1% sobre o valor da causa, com fundamento no art. 557, § 2º, do Código
de Processo Civil.
O citado dispositivo estabelece que fica “a interposição de qualquer outro recurso
condicionada ao depósito do respectivo valor”.
Entretanto, a agravante não comprovou o pagamento da multa imposta, o que
impossibilita o conhecimento dos embargos. Nesse sentido, o AI 539.465-AgR-ED, 1ª
T., Rel. Cezar Peluso, DJ de 23-9-05, assim ementado:
“Ementa: Recurso. Embargos de declaração. Multa aplicada em agravo regi-
mental. Depósito não efetuado. Não-satisfação da condição para interposição de
recurso. Embargos não conhecidos. Aplicação do art. 557, § 2º, do CPC. Não se
conhece do recurso quando não satisfeita uma das condições para sua interposição.”
Assim, não conheço dos embargos de declaração.

EXTRATO DA ATA
AI 546.296-AgR-ED/MG — Relator: Ministro Gilmar Mendes. Embargante: Fiat
Automóveis S.A. (Advogados: Hélio Carvalho Santana e outro). Embargado: Fauze
Salomão Filho (Advogado: Marcello Gomes Pereira).
Decisão: A Turma, por votação unânime, não conheceu dos embargos de declara-
ção, nos termos do voto do Relator. Ausente, justificadamente, neste julgamento, o
Ministro Carlos Velloso.
Presidência do Ministro Celso de Mello. Presentes à sessão os Ministros Carlos
Velloso, Ellen Gracie, Gilmar Mendes e Joaquim Barbosa. Subprocuradora-Geral da
República, Dra. Maria Caetana Cintra Santos.
Brasília, 25 de outubro de 2005 — Carlos Alberto Cantanhede, Coordenador.

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO 549.756 — SP

Relator: O Sr. Ministro Gilmar Mendes


Agravantes: Angela Regina de Andrade Cabezas e outro — Agravado: Estado de
São Paulo
Agravo regimental em agravo de instrumento. 2. Ausência de peças
obrigatórias à formação do instrumento (art. 544, § 1º, CPC). Cópia da
certidão de intimação do acórdão dos embargos de declaração e da pro-
curação outorgada ao subscritor da petição de agravo de instrumento. 3.
Ônus de fiscalização do agravante. 4. Agravo regimental a que se nega
provimento.
R.T.J. — 196 359

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo
Tribunal Federal, em Segunda Turma, sob a Presidência do Ministro Celso de Mello,
na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de
votos, negar provimento ao recurso de agravo, nos termos do voto do Relator.
Brasília, 25 de outubro de 2005 — Celso de Mello, Presidente — Gilmar Mendes,
Relator.

RELATÓRIO
O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Ao apreciar o AI 549.756, proferi a seguinte decisão
(fl. 215):
“Decisão: Trata-se de agravo contra decisão que negou processamento a
recurso extraordinário fundado no art. 102, III, a, da Constituição Federal.
Os agravantes não trasladaram cópias exigidas pelo art. 544, § 1º, do Código
de Processo Civil, para a formação do instrumento de agravo (cópia da certidão de
intimação do acórdão recorrido e da procuração outorgada ao subscritor da petição
de agravo).
Assim, não conheço do agravo (art. 557, caput, do CPC).”
Os agravantes, Angela Regina de Andrade Cabezas e outros, interpuseram agravo
regimental (fls. 222/224), no qual sustentam:
“Salvo melhor juízo, houve equívoco do Desembargador/Relator ao apreciar
os documentos do translado, uma vez que a certidão de intimação do acórdão
recorrido encontra-se encartada nos autos às fls. 311, como mencionado e destacado
na petição de interposição de recurso no item 10.
[...]
Da mesma forma Excelências, a procuração do subscritor do recurso — Dr.
Manoel José de Alencar Filho – OAB/SP 128.289 — também encontra-se nos
autos às fls 299/300, que se verifica do substabelecimento sem reserva de poderes
passado pela advogada anterior — Dra. Cintia Aoki —, como relacionado no item
2 da petição de interposição.”
É o relatório.

VOTO
O Sr. Ministro Gilmar Mendes (Relator): As agravantes não demonstraram o desa-
certo da decisão agravada.
Ao contrário do alegado, não consta nos autos a cópia da procuração outorgada ao
subscritor da petição de agravo instrumento. Além disso, cumpre ressaltar que a certidão
necessária para aferição da tempestividade do recurso extraordinário seria a certidão de
intimação do acórdão dos embargos de declaração, que também não consta nos autos.
360 R.T.J. — 196

Ressalta-se que as peças do instrumento de agravo devem ser apresentadas no


momento da interposição do recurso, conforme preceitua o art. 544, § 1º, do Código de
Processo Civil. A falta de qualquer das peças arroladas no dispositivo retro implica o seu
não-conhecimento.
Ademais, ambas as Turmas desta Corte têm decidido que o ônus de fiscalizar a
correta formação do instrumento é exclusivo do agravante (AgRAI’s 410.636, 2ª T., Rel.
Maurício Corrêa, DJ de 21-3-03; e 419.200, 1ª T., Rel. Moreira Alves, DJ de 28-3-03).
Assim, nego provimento ao agravo regimental.

EXTRATO DA ATA
AI 549.756-AgR/SP — Relator: Ministro Gilmar Mendes. Agravantes: Angela
Regina de Andrade Cabezas e outro (Advogados: Divino Pereira de Almeida e outro).
Agravado: Estado de São Paulo (Advogada: PGE/SP – Maria Beatriz de Biagi Barros).
Decisão: A Turma, por votação unânime, negou provimento ao recurso de agravo,
nos termos do voto do Relator.
Presidência do Ministro Celso de Mello. Presentes à sessão os Ministros Carlos
Velloso, Ellen Gracie, Gilmar Mendes e Joaquim Barbosa. Subprocuradora-Geral da
República, Dra. Maria Caetana Cintra Santos.
Brasília, 25 de outubro de 2005 — Carlos Alberto Cantanhede, Coordenador.
ÍNDICE ALFABÉTICO
A
Ct Ação direta de inconstitucionalidade. (...) Competência jurisdicional. RE
199.293 RTJ 196/320
PrSTF Ação direta de inconstitucionalidade. Medida cautelar: apreciação. Manda-
to. Poderes específicos: inexigibilidade. ADI 1.266 RTJ 196/92
PrCv Ação direta de inconstitucionalidade: natureza objetiva. (...) Exceção de
suspeição. AC 349 RTJ 196/15
Ct Ação direta estadual. (...) Controle concentrado de constitucionalidade. RE
199.293 RTJ 196/320
PrSTF Ação direta proposta no Estado-Membro e no STF. (...) Medida cautelar. AC
349 RTJ 196/15
PrPn Ação penal. Atipicidade da conduta. Convênio: licitação dispensável. Dis-
pensa irregular de licitação. Lei n. 8.666/93, art. 89. Inq 1.957 RTJ 196/101
PrPn Ação penal. Crime material contra a ordem tributária. Processo administrati-
vo pendente. Condição objetiva de punibilidade: inocorrência. Justa causa:
ausência. Prescrição: suspensão. Lei n. 8.137/90, art. 1º. HC 84.092 RTJ 196/
218
PrPn Ação penal. Incompetência absoluta. Sentença: anulação. Prescrição pela
pena concretizada: impossibilidade. HC 84.950 RTJ 196/251
PrPn Ação penal. Inquérito policial: prescindibilidade. Elemento de prova: pro-
cesso administrativo. Investigação pelo Ministério Público: inocorrência.
Inq 1.957 RTJ 196/101
PrPn Ação penal. Justa causa. Crime de deserção. Prazo: contagem em horas.
Código de Processo Penal Militar – CPPM, art. 451, § 1º. RHC 84.986 RTJ
196/254
IV Açã-Ato — ÍNDICE ALFABÉTICO

PrPn Ação penal. Justa causa. Crime material contra a ordem tributária. Procedi-
mento administrativo fiscal exaurido. Lei n. 8.137/90, arts. 1º, I e II, e 3º, III.
RHC 85.513 RTJ 196/302
Ct Acidente de trabalho. (...) Competência jurisdicional. RE 348.707 RTJ
196/328
PrPn Acórdão criminal. Regime prisional. Recurso exclusivo da defesa. Reinci-
dência. Fato estranho à sentença: descabimento. HC 83.509 RTJ 196/204
Ct ADCT da Constituição do Estado de Rondônia/89, art. 34: inconstituciona-
lidade. (...) Processo legislativo. ADI 106 RTJ 196/3
Adm ADCT da Constituição Federal/88, art. 19. (...) Cargo público. RE 199.293
RTJ 196/320
Adm ADCT da Constituição Federal/88, art. 19. (...) Servidor público estadual.
ADI 3.332 RTJ 196/155
PrCv Advogado único. (...) Litisconsórcio. AI 530.658-AgR RTJ 196/354
PrCv Agravo de instrumento. Decisão interlocutória: manutenção por TRF. Re-
curso extraordinário: retenção. Suspensão de liminar e petição: conexão
inocorrente. Pet 3.515-QO RTJ 196/166
PrCv Agravo de instrumento. Traslado deficiente. Data do protocolo: carimbo
ilegível. Tempestividade: prova. Súmula 288. AI 498.494-ED RTJ 196/352
PrCv Agravo de instrumento. Traslado deficiente. Procuração outorgada ao advo-
gado subscritor. Certidão de intimação. CPC/73, art. 544, § 1º. AI 549.756-
AgR RTJ 196/358
PrCv Agravo de instrumento: negativa de seguimento. (...) Mandado de segurança.
MS 23.605-AgR-ED RTJ 196/170
PrSTF Antecipação de tutela em ação civil pública. (...) Medida cautelar. AC 929-QO
RTJ 196/58
PrPn Aplicação da lei penal. (...) Prisão preventiva. HC 85.764 RTJ 196/306
Ct Aproveitamento de potencial hidráulico. (...) Competência originária. Rcl
3.074 RTJ 196/142
PrPn Arquivamento. (...) Inquérito policial. HC 84.253 RTJ 196/223
PrPn Atipicidade da conduta. (...) Ação penal. Inq 1.957 RTJ 196/101
Int Atipicidade no Brasil. (...) Extradição. Ext 900-extensão RTJ 196/35
Ct Ato do primeiro secretário da Câmara dos Deputados. (...) Competência
originária. MS 24.189-AgR RTJ 196/173
PrPn Ato jurisdicional do STF em outro HC. (...) Habeas corpus. HC 85.468-AgR
RTJ 196/295
ÍNDICE ALFABÉTICO — Ban-Cód V

B
Ct Banco: tempo máximo de espera na fila. (...) Competência legislativa. RE
432.789 RTJ 196/345
Adm Base de cálculo. (...) Gratificação. RE 433.233 RTJ 196/348
Pn Bem de pequeno valor. (...) Pena. HC 84.424 RTJ 196/235
Cv Bem penhorado: não-restituição. (...) Prisão civil. HC 84.484 RTJ 196/240
Int Brasileiro nato. (...) Extradição. Ext 916 RTJ 196/50

C
PrCv Carência da ação. (...) Mandado de segurança. MS 24.511 RTJ 196/176
Adm Cargo público. Concurso público: necessidade. Estabilidade “versus” efetiva-
ção. ADCT da Constituição Federal/88, art. 19. RE 199.293 RTJ 196/320
PrSTF Caso concreto: exame. (...) Recurso extraordinário. RE 398.407 RTJ 196/331
PrCv Certidão de intimação. (...) Agravo de instrumento. AI 549.756-AgR RTJ
196/358
PrSTF Certidão do tribunal de origem: insuficiência. (...) Recurso extraordinário.
AI 498.494-ED RTJ 196/352
Cv CF/88, art. 5º, LXVII. (...) Prisão civil. HC 84.484 RTJ 196/240
Adm CF/88, art. 12, II, “b”. (...) Concurso público. RE 264.848 RTJ 196/325
Ct CF/88, art. 30, I. (...) Competência legislativa. RE 432.789 RTJ 196/345
Adm CF/88, art. 37, II. (...) Servidor público estadual. ADI 3.332 RTJ 196/155
Ct CF/88, art. 53, § 3º, redação da EC n. 35/01. (...) Imunidade parlamentar. AC
700-AgR RTJ 196/31
Ct CF/88, art. 102, I, “d”. (...) Competência originária. MS 24.189-AgR RTJ
196/173
Ct CF/88, art. 102, I, “f”. (...) Competência originária. ACO 684-QO RTJ 196/25
Pn Circunstância judicial desfavorável: ausência. (...) Regime prisional. HC
83.509 RTJ 196/204
PrPn Citação-edital. Revelia. Defensor dativo: nomeação. Defesa prévia apresen-
tada. Nulidade inexistente. HC 85.438 RTJ 196/292
PrPn Clamor social e credibilidade do Judiciário. (...) Prisão preventiva. HC
83.040 RTJ 196/200
PrPn Código de Processo Penal Militar – CPPM, art. 451, § 1º. (...) Ação penal.
RHC 84.986 RTJ 196/254
VI Cód-Com — ÍNDICE ALFABÉTICO

Trbt Código Tributário Nacional – CTN, arts. 173 e 174. (...) Prescrição. ACO 261
RTJ 196/13
PrPn Coisa julgada material. (...) Inquérito policial. HC 84.253 RTJ 196/223
Ct Comissão Parlamentar de Inquérito – CPI. Poderes de investigação. Sigilo
fiscal, bancário, telefônico e telemático: quebra. Fundamentação exaustiva:
desnecessidade. CPI do Banestado. MS 24.749 RTJ 196/186
Ct Competência. (...) Tribunal de Justiça. ADI 106 RTJ 196/3
PrSTF Competência do STF. (...) Medida cautelar. Pet 3.515-QO RTJ 196/166
PrCv Competência do STF: inocorrência. (...) Competência jurisdicional. AO
1.158 RTJ 196/89
Ct Competência jurisdicional. Acidente de trabalho. RE 348.707 RTJ 196/328
Ct Competência jurisdicional. Tribunal de Justiça. Ação direta de inconsti-
tucionalidade. Lei municipal em face da Constituição estadual. Reprodução
de preceito da Constituição Federal. RE 199.293 RTJ 196/320
Ct Competência jurisdicional. Tribunal de Justiça. Impedimento ou suspeição
de mais da metade dos membros de tribunal de origem: não-apreciação.
Súmula 623. AO 1.153-AgR RTJ 196/82
PrCv Competência jurisdicional. Tribunal de Justiça estadual. Impedimento ou
suspeição de mais da metade dos membros de tribunal de origem: ausência.
Competência do STF: inocorrência. Princípio do juiz natural. CPC/73, art.
134, parágrafo único, segunda parte: aplicação analógica. AO 1.158 RTJ
196/89
PrSTF Competência jurisdicional. Turma Recursal de Juizado Especial. Mandado
de segurança. Declinação de competência. MS 24.700-AgR RTJ 196/181
Ct Competência legislativa. Município. Banco: tempo máximo de espera na
fila. Interesse local. CF/88, art. 30, I. RE 432.789 RTJ 196/345
Ct Competência legislativa. União Federal. Desapropriação. Constituição do
Estado de Rondônia/89, art. 177: inconstitucionalidade. ADI 106 RTJ 196/3
Ct Competência originária. Supremo Tribunal Federal – STF. Distrito Federal e
União Federal: entidades políticas. Conflito federativo. ACO 555-QO RTJ
196/21
Ct Competência originária. Supremo Tribunal Federal – STF. Estado-Membro
e autarquia federal. Conflito federativo. Aproveitamento de potencial
hidráulico. Rcl 3.074 RTJ 196/142
Ct Competência originária. Supremo Tribunal Federal – STF. Estado-Membro
e autarquia federal. Conflito federativo. Ensino superior: autorização. CF/
88, art. 102, I, “f”. ACO 684-QO RTJ 196/25
Ct Competência originária. Supremo Tribunal Federal – STF. Mandado de
segurança. Ato do primeiro secretário da Câmara dos Deputados. CF/88, art.
102, I, “d”. MS 24.189-AgR RTJ 196/173
ÍNDICE ALFABÉTICO — Com-Con VII

PrPn Complexidade da causa e pluralidade de réus. (...) Prisão preventiva. HC


85.764 RTJ 196/306
Ct Composição. (...) Conselho de Governo. ADI 106 RTJ 196/3
Ct Comunicação à Câmara Municipal: desnecessidade. (...) Controle concen-
trado de constitucionalidade. RE 199.293 RTJ 196/320
Ct Comunicação à Casa legislativa: distinção. (...) Controle de constitucionali-
dade. RE 199.293 RTJ 196/320
Ct Concessão, permissão ou autorização: desnecessidade. (...) Educação. ADI
1.266 RTJ 196/92
Adm Concurso público. Estrangeiro. Naturalização: requerimento anterior à posse.
CF/88, art. 12, II, “b”. RE 264.848 RTJ 196/325
Adm Concurso público: ausência. (...) Servidor público estadual. ADI 3.332 RTJ
196/155
Adm Concurso público: necessidade. (...) Cargo público. RE 199.293 RTJ 196/320
PrPn Condição objetiva de punibilidade: inocorrência. (...) Ação penal. HC
84.092 RTJ 196/218
Ct Conflito de competência. Tribunal Regional Federal – TRF e Superior
Tribunal de Justiça – STJ. Decisão do STJ: obrigatoriedade. CC 7.161 RTJ
196/169
Ct Conflito federativo. (...) Competência originária. ACO 555-QO RTJ 196/21 –
ACO 684-QO RTJ 196/25 – Rcl 3.074 RTJ 196/142
Ct Conselho de Governo. Composição. Constituição do Estado de Rondônia/89,
art. 72, III, IV e V: inconstitucionalidade. ADI 106 RTJ 196/3
Ct Conselho de Governo. Criação e atribuição. Constituição do Estado de
Rondônia/89, arts. 72 e 73. ADI 106 RTJ 196/3
Ct Constituição do Estado de Rondônia/89, arts. 72 e 73. (...) Conselho de
Governo. ADI 106 RTJ 196/3
Ct Constituição do Estado de Rondônia/89, art. 72, III, IV e V: inconstituciona-
lidade. (...) Conselho de Governo. ADI 106 RTJ 196/3
Ct Constituição do Estado de Rondônia/89, art. 77, parágrafo único: inconsti-
tucionalidade. (...) Processo legislativo. ADI 106 RTJ 196/3
Ct Constituição do Estado de Rondônia/89, art. 177: inconstitucionalidade.
(...) Competência legislativa. ADI 106 RTJ 196/3
Ct Constituição do Estado de São Paulo/89, art. 90, § 3º: inconstitucionalidade.
(...) Controle concentrado de constitucionalidade. RE 199.293 RTJ 196/320
Pn Continuidade delitiva: aplicabilidade. (...) Pena. HC 83.575 RTJ 196/209
VIII Con-Cre — ÍNDICE ALFABÉTICO

Ct Controle concentrado de constitucionalidade. Ação direta estadual. Comu-


nicação à Câmara Municipal: desnecessidade. Constituição do Estado de
São Paulo/89, art. 90, § 3º: inconstitucionalidade. RE 199.293 RTJ 196/320
Ct Controle de constitucionalidade. Difuso e concentrado. Comunicação à
Casa legislativa: distinção. RE 199.293 RTJ 196/320
Int Controle jurisdicional: limite. (...) Extradição. Ext 915 RTJ 196/43
Int Convenção Única de Nova Iorque. (...) Extradição. Ext 962 RTJ 196/69
PrPn Convênio: licitação dispensável. (...) Ação penal. Inq 1.957 RTJ 196/101
PrSTF Conversão em agravo regimental. (...) Embargos de declaração. AI 498.494-
ED RTJ 196/352
PrCv Conversão em reclamação. (...) Mandado de segurança. MS 23.605-AgR-ED
RTJ 196/170
Pn Correção pelo presidente do Júri. (...) Pena. HC 83.575 RTJ 196/209
Pn CP/40, art. 71. (...) Pena. HC 83.575 RTJ 196/209
PrCv CPC/73, art. 134, parágrafo único, segunda parte: aplicação analógica. (...)
Competência jurisdicional. AO 1.158 RTJ 196/89
PrCv CPC/73, art. 191. (...) Litisconsórcio. AI 530.658-AgR RTJ 196/354
PrSTF CPC/73, art. 542, § 3º: inaplicabilidade. (...) Medida cautelar. AC 929-QO
RTJ 196/58
PrSTF CPC/73, art. 542, § 3º: inaplicabilidade. (...) Recurso extraordinário. Pet
3.515-QO RTJ 196/166
PrSTF CPC/73, arts. 542, § 3º, e 800, parágrafo único. (...) Medida cautelar. Pet
3.515-QO RTJ 196/166
PrCv CPC/73, art. 544, § 1º. (...) Agravo de instrumento. AI 549.756-AgR RTJ
196/358
PrCv CPC/73, art. 557, § 2º. (...) Embargos de declaração. AI 546.296-AgR-ED
RTJ 196/356
Ct CPI do Banestado. (...) Comissão Parlamentar de Inquérito – CPI. MS
24.749 RTJ 196/186
PrPn CPP/41, art. 18. (...) Inquérito policial. HC 84.253 RTJ 196/223
PrPn CPP/41, art. 18: inaplicabilidade. (...) Inquérito policial. HC 84.253 RTJ
196/223
PrPn CPP/41, arts. 41 e 569. (...) Denúncia. HC 85.424 RTJ 196/278
PrPn CPP/41, art. 44. (...) Queixa. HC 85.863 RTJ 196/315
PrPn Credibilidade das instituições públicas. (...) Prisão preventiva. HC 85.298-QO
RTJ 196/258
ÍNDICE ALFABÉTICO — Cri-Den IX

Ct Criação e atribuição. (...) Conselho de Governo. ADI 106 RTJ 196/3


Ct Crime após diplomação. (...) Imunidade parlamentar. AC 700-AgR RTJ
196/31
Pn Crime autônomo. (...) Falsidade ideológica. HC 80.801 RTJ 196/192
PrPn Crime de autoria coletiva. (...) Denúncia. HC 85.424 RTJ 196/278
PrPn Crime de deserção. (...) Ação penal. RHC 84.986 RTJ 196/254
PrPn Crime de responsabilidade e peculato: continuidade delitiva. (...) Habeas
corpus. HC 82.011 RTJ 196/195
Pn Crime doloso contra a vida. (...) Pena. HC 83.575 RTJ 196/209
PrPn Crime material contra a ordem tributária. (...) Ação penal. HC 84.092 RTJ
196/218 – RHC 85.513 RTJ 196/302

D
PrCv Data do protocolo: carimbo ilegível. (...) Agravo de instrumento. AI
498.494-ED RTJ 196/352
PrSTF Decisão de relator. (...) Embargos de declaração. AI 498.494-ED RTJ 196/352
PrSTF Decisão do STF em “habeas corpus”: extensão. (...) Reclamação. Rcl 2.190
RTJ 196/134
Ct Decisão do STJ: obrigatoriedade. (...) Conflito de competência. CC 7.161
RTJ 196/169
PrCv Decisão interlocutória: manutenção por TRF. (...) Agravo de instrumento.
Pet 3.515-QO RTJ 196/166
PrSTF Declinação de competência. (...) Competência jurisdicional. MS 24.700-
AgR RTJ 196/181
PrPn Defensor dativo: nomeação. (...) Citação-edital. HC 85.438 RTJ 196/292
PrPn Defensor público. Intimação pessoal: ausência. Sessão de julgamento. Pre-
clusão temporal. RHC 83.770 RTJ 196/215
PrPn Defesa criminal. Memorial: ausência. Manifestação expressa do defensor.
Princípio do devido processo legal: ofensa. RHC 85.512 RTJ 196/299
PrPn Defesa prévia apresentada. (...) Citação-edital. HC 85.438 RTJ 196/292
PrPn Denúncia. Impropriedade. Existência de crime continuado ou concurso ma-
terial: definição. Inq 1.608-ED RTJ 196/98
PrPn Denúncia. Inépcia inocorrente. Crime de autoria coletiva. Individualização
da conduta: suficiência. HC 85.424 RTJ 196/278
PrPn Denúncia. Inépcia inocorrente. Descrição insuficiente do fato. Irregularidade
sanável. CPP/41, arts. 41 e 569. HC 85.424 RTJ 196/278
X ÍNDICE ALFABÉTICO — Dep-Eme

Cv Depositário judicial infiel. (...) Prisão civil. HC 84.484 RTJ 196/240


Cv Depósito necessário. (...) Prisão civil. HC 84.484 RTJ 196/240
Ct Deputado estadual. (...) Imunidade parlamentar. AC 700-AgR RTJ 196/31
Ct Desapropriação. (...) Competência legislativa. ADI 106 RTJ 196/3
PrPn Desarquivamento. (...) Inquérito policial. HC 84.253 RTJ 196/223
PrCv Descabimento. (...) Exceção de suspeição. AC 349 RTJ 196/15
PrPn Descabimento. (...) Habeas corpus. HC 85.468-AgR RTJ 196/295
PrSTF Descabimento. (...) Medida cautelar. AC 349 RTJ 196/15
PrPn Descrição insuficiente do fato. (...) Denúncia. HC 85.424 RTJ 196/278
PrPn Descrição suficiente do fato. (...) Queixa. HC 85.863 RTJ 196/315
Ct Difuso e concentrado. (...) Controle de constitucionalidade. RE 199.293
RTJ 196/320
PrPn Dispensa irregular de licitação. (...) Ação penal. Inq 1.957 RTJ 196/101
Adm Disponibilidade. (...) Processo administrativo. RE 415.760 RTJ 196/333
Ct Distrito Federal e União Federal: entidades políticas. (...) Competência origi-
nária. ACO 555-QO RTJ 196/21
Int Dupla tipicidade. (...) Extradição. Ext 900-extensão RTJ 196/35 – Ext 915
RTJ 196/43 – Ext 947 RTJ 196/64

E
Ct Educação. Serviço público não privativo. Concessão, permissão ou autori-
zação: desnecessidade. Norma geral e suplementar: obediência. ADI 1.266
RTJ 196/92
PrPn Elemento de prova: processo administrativo. (...) Ação penal. Inq 1.957 RTJ
196/101
PrSTF Embargos de declaração. Decisão de relator. Conversão em agravo regi-
mental. AI 498.494-ED RTJ 196/352
PrCv Embargos de declaração. Matéria de defesa não examinada. Princípio do
devido processo legal: ofensa. RE 398.407 RTJ 196/331
PrCv Embargos de declaração. Não-conhecimento. Multa em agravo regimental:
pagamento não comprovado. CPC/73, art. 557, § 2º. AI 546.296-AgR-ED
RTJ 196/356
PrSTF Embargos de declaração: omissão do acórdão. (...) Recurso extraordinário.
RE 415.760 RTJ 196/333
PrCv Emenda à inicial: ato coator diverso. (...) Mandado de segurança. MS
25.291-AgR RTJ 196/189
Ens-Ext — ÍNDICE ALFABÉTICO XI

Ct Ensino superior: autorização. (...) Competência originária. ACO 684-QO


RTJ 196/25
Int Entrega do extraditando. (...) Extradição. Ext 947 RTJ 196/64 – Ext 962 RTJ
196/69
Adm Estabilidade “versus” efetivação. (...) Cargo público. RE 199.293 RTJ
196/320
Ct Estado-Membro e autarquia federal. (...) Competência originária. ACO 684-
QO RTJ 196/25 – Rcl 3.074 RTJ 196/142
Adm Estrangeiro. (...) Concurso público. RE 264.848 RTJ 196/325
Int Exame de mérito: impossibilidade. (...) Extradição. Ext 915 RTJ 196/43
PrCv Exceção de suspeição. Descabimento. Ação direta de inconstitucionalida-
de: natureza objetiva. AC 349 RTJ 196/15
PrPn Excesso de prazo: inocorrência. (...) Prisão preventiva. HC 85.764 RTJ
196/306
PrPn Existência de crime continuado ou concurso material: definição. (...) Denúncia.
Inq 1.608-ED RTJ 196/98
Int Extensão. (...) Extradição. Ext 900-extensão RTJ 196/35
Int Extensão: indeferimento. (...) Extradição. Ext 900-extensão RTJ 196/35
PrPn Extinção da punibilidade. (...) Inquérito policial. HC 84.253 RTJ 196/223
Int Extorsão mediante seqüestro. (...) Extradição. Ext 947 RTJ 196/64
Int Extradição. Dupla tipicidade. Extorsão mediante seqüestro. Prescrição ino-
corrente. Tratado Brasil—Paraguai. Ext 947 RTJ 196/64
Int Extradição. Dupla tipicidade. Fraude postal, telegráfica e estelionato. Pres-
crição inocorrente. Tratado Brasil—Estados Unidos da América. Ext 915
RTJ 196/43
Int Extradição. Exame de mérito: impossibilidade. Controle jurisdicional: li-
mite. Ext 915 RTJ 196/43
Int Extradição. Extensão. Fato anterior ao pedido originário. Dupla tipicidade.
Falsificação de documento público. Tratado Brasil—Suíça. Ext 900-exten-
são RTJ 196/35
Int Extradição. Extensão: indeferimento. Fato anterior ao pedido originário. Ati-
picidade no Brasil. “Leasing”: não-devolução do objeto. Trânsito: excesso de
velocidade. Ext 900-extensão RTJ 196/35
Int Extradição. Filho brasileiro. Súmula 421. Ext 947 RTJ 196/64
Int Extradição. Importação e exportação de entorpecente: distinção. Conven-
ção Única de Nova Iorque. Ext 962 RTJ 196/69
XII ÍNDICE ALFABÉTICO — Ext-Gra

Int Extradição. Impossibilidade. Brasileiro nato. Ext 916 RTJ 196/50


Int Extradição. Inquérito policial no Brasil. Entrega do extraditando. Faculdade
do presidente da República. Lei n. 6.815/80, art. 89. Ext 962 RTJ 196/69
Int Extradição. Processo criminal no Brasil. Entrega do extraditando. Faculdade
do presidente da República. Lei n. 6.815/80, art. 89 c/c arts. 67 e 90. Ext 947
RTJ 196/64
Int Extradição. Tráfico de entorpecente, detenção de arma, receptação e homi-
cídio. Prescrição inocorrente. Tratado Brasil—Itália. Ext 923 RTJ 196/52

F
Int Faculdade do presidente da República. (...) Extradição. Ext 947 RTJ 196/64 –
Ext 962 RTJ 196/69
Pn Falsidade ideológica. Crime autônomo. Sonegação fiscal: desvinculação.
HC 80.801 RTJ 196/192
Int Falsificação de documento público. (...) Extradição. Ext 900-extensão RTJ
196/35
Int Fato anterior ao pedido originário. (...) Extradição. Ext 900-extensão RTJ
196/35
PrPn Fato estranho à sentença: descabimento. (...) Acórdão criminal. HC 83.509
RTJ 196/204
Int Filho brasileiro. (...) Extradição. Ext 947 RTJ 196/64
Int Fraude postal, telegráfica e estelionato. (...) Extradição. Ext 915 RTJ 196/43
PrPn Fuga do acusado. (...) Prisão preventiva. HC 85.764 RTJ 196/306
Ct Fundamentação exaustiva: desnecessidade. (...) Comissão Parlamentar de
Inquérito – CPI. MS 24.749 RTJ 196/186
PrPn Fundamentação insuficiente. (...) Prisão preventiva. HC 83.040 RTJ 196/200
PrPn Fundamentação suficiente. (...) Prisão preventiva. HC 83.040 RTJ 196/200 –
HC 85.298-QO RTJ 196/258 – HC 85.764 RTJ 196/306
PrCv Fungibilidade: impossibilidade. (...) Mandado de segurança. MS 23.605-
AgR-ED RTJ 196/170
Pn Furto. (...) Pena. HC 84.424 RTJ 196/235
Pn Furto. (...) Princípio da insignificância. HC 84.424 RTJ 196/235

G
Adm Gratificação. Servidor público estadual. Base de cálculo. Vinculação ao
salário mínimo. Lei estadual n. 9.503/94-SC, art. 1º, § 6º: inconstitucionali-
dade. RE 433.233 RTJ 196/348
Hab-Int — ÍNDICE ALFABÉTICO XIII

H
PrPn Habeas corpus. Descabimento. Ato jurisdicional do STF em outro HC. HC
85.468-AgR RTJ 196/295
PrPn Habeas corpus. Matéria de prova. Prefeito. Crime de responsabilidade e
peculato: continuidade delitiva. HC 82.011 RTJ 196/195
PrPn “Habeas corpus”. (...) Sustentação oral. HC 85.845 RTJ 196/310

I
Adm Ilicitude da prova: inocorrência. (...) Processo administrativo. RE 415.760
RTJ 196/333
PrCv Impedimento ou suspeição de mais da metade dos membros de tribunal de
origem: ausência. (...) Competência jurisdicional. AO 1.158 RTJ 196/89
Ct Impedimento ou suspeição de mais da metade dos membros de tribunal de
origem: não-apreciação. (...) Competência jurisdicional. AO 1.153-AgR RTJ
196/82
Int Importação e exportação de entorpecente: distinção. (...) Extradição. Ext
962 RTJ 196/69
Int Impossibilidade. (...) Extradição. Ext 916 RTJ 196/50
PrPn Impropriedade. (...) Denúncia. Inq 1.608-ED RTJ 196/98
Ct Imunidade parlamentar. Deputado estadual. Crime após diplomação. CF/88,
art. 53, § 3º, redação da EC n. 35/01. AC 700-AgR RTJ 196/31
PrPn Incompetência absoluta. (...) Ação penal. HC 84.950 RTJ 196/251
PrPn Individualização da conduta: suficiência. (...) Denúncia. HC 85.424 RTJ
196/278
PrPn Inépcia inocorrente. (...) Denúncia. HC 85.424 RTJ 196/278
Pn Infração: ínfimo e pequeno valor. (...) Princípio da insignificância. HC
84.424 RTJ 196/235
PrPn Inquérito policial. Arquivamento. Extinção da punibilidade. Coisa julgada
material. CPP/41, art. 18: inaplicabilidade. Súmula 524: inaplicabilidade.
HC 84.253 RTJ 196/223
PrPn Inquérito policial. Desarquivamento. Prova substancialmente nova. CPP/41,
art. 18. Súmula 524. HC 84.253 RTJ 196/223
Int Inquérito policial no Brasil. (...) Extradição. Ext 962 RTJ 196/69
PrPn Inquérito policial: prescindibilidade. (...) Ação penal. Inq 1.957 RTJ 196/101
Ct Interesse local. (...) Competência legislativa. RE 432.789 RTJ 196/345
PrPn Intimação: desnecessidade. (...) Sustentação oral. HC 85.845 RTJ 196/310
XIV ÍNDICE ALFABÉTICO — Int-Lei

PrPn Intimação pessoal: ausência. (...) Defensor público. RHC 83.770 RTJ 196/215
PrPn Investigação pelo Ministério Público: inocorrência. (...) Ação penal. Inq
1.957 RTJ 196/101
PrCv Irregularidade não sanada. (...) Mandado de segurança. MS 25.291-AgR
RTJ 196/189
PrPn Irregularidade sanável. (...) Denúncia. HC 85.424 RTJ 196/278

J
PrSTF Juízo de admissibilidade imediato. (...) Recurso extraordinário. Pet 3.515-QO
RTJ 196/166
PrSTF Juízo de admissibilidade não realizado. (...) Reclamação. Rcl 3.366-AgR
RTJ 196/158
PrPn Justa causa. (...) Ação penal. RHC 84.986 RTJ 196/254 – RHC 85.513 RTJ
196/302
PrPn Justa causa: ausência. (...) Ação penal. HC 84.092 RTJ 196/218

L
Int “Leasing”: não-devolução do objeto. (...) Extradição. Ext 900-extensão RTJ
196/35
PrSTF Legitimidade ativa. (...) Reclamação. Rcl 2.190 RTJ 196/134
Adm Lei estadual n. 8.032/03-MA, art. 13: inconstitucionalidade. (...) Servidor
público estadual. ADI 3.332 RTJ 196/155
Adm Lei estadual n. 9.503/94-SC, art. 1º, § 6º: inconstitucionalidade. (...) Gratifi-
cação. RE 433.233 RTJ 196/348
PrSTF Lei estadual: suspensão da eficácia. (...) Medida cautelar. AC 349 RTJ 196/15
Ct Lei municipal em face da Constituição estadual. (...) Competência jurisdicio-
nal. RE 199.293 RTJ 196/320
PrCv Lei n. 1.535/51, art. 5º, I. (...) Mandado de segurança. MS 24.511 RTJ 196/176
Int Lei n. 6.815/80, art. 89. (...) Extradição. Ext 962 RTJ 196/69
Int Lei n. 6.815/80, art. 89 c/c arts. 67 e 90. (...) Extradição. Ext 947 RTJ 196/64
PrPn Lei n. 8.137/90, art. 1º. (...) Ação penal. HC 84.092 RTJ 196/218
PrPn Lei n. 8.137/90, arts. 1º, I e II, e 3º, III. (...) Ação penal. RHC 85.513 RTJ
196/302
PrPn Lei n. 8.666/93, art. 89. (...) Ação penal. Inq 1.957 RTJ 196/101
Lei-Med — ÍNDICE ALFABÉTICO XV

PrPn Lei regulamentar: ausência. (...) Ministério Público. HC 85.424 RTJ 196/278
PrCv Litisconsórcio. Advogado único. Prazo em dobro: inaplicabilidade. CPC/73,
art. 191. AI 530.658-AgR RTJ 196/354

M
Adm Magistrado. (...) Processo administrativo. RE 415.760 RTJ 196/333
PrSTF Mandado de segurança. (...) Competência jurisdicional. MS 24.700-AgR
RTJ 196/181
Ct Mandado de segurança. (...) Competência originária. MS 24.189-AgR RTJ
196/173
PrCv Mandado de segurança. Conversão em reclamação. Fungibilidade: impos-
sibilidade. Recurso extraordinário inadmitido. Agravo de instrumento: ne-
gativa de seguimento. MS 23.605-AgR-ED RTJ 196/170
PrCv Mandado de segurança. Emenda à inicial: ato coator diverso. Irregularidade
não sanada. MS 25.291-AgR RTJ 196/189
PrCv Mandado de segurança. Pedido impossível. Parlamentar. Passagem aérea:
especificação de despesa. MS 24.189-AgR RTJ 196/173
PrCv Mandado de segurança. Recurso administrativo com efeito suspensivo.
Carência da ação. Lei n. 1.535/51, art. 5º, I. MS 24.511 RTJ 196/176
PrSTF Mandato. (...) Ação direta de inconstitucionalidade. ADI 1.266 RTJ 196/92
PrPn Manifestação expressa do defensor. (...) Defesa criminal. RHC 85.512 RTJ
196/299
PrCv Matéria de defesa não examinada. (...) Embargos de declaração. RE 398.407
RTJ 196/331
Ct Matéria de iniciativa do Executivo. (...) Processo legislativo. ADI 106 RTJ
196/3
PrPn Matéria de prova. (...) Habeas corpus. HC 82.011 RTJ 196/195
PrSTF Medida cautelar. Competência do STF. Recurso extraordinário retido: pro-
cessamento. CPC/73, arts. 542, § 3º, e 800, parágrafo único. Pet 3.515-QO
RTJ 196/166
PrSTF Medida cautelar. Descabimento. Ação direta proposta no Estado-Membro e
no STF. Lei estadual: suspensão da eficácia. AC 349 RTJ 196/15
PrSTF Medida cautelar. Recurso extraordinário: retenção. Antecipação de tutela
em ação civil pública. Processamento imediato. CPC/73, art. 542, § 3º:
inaplicabilidade. AC 929-QO RTJ 196/58
PrSTF Medida cautelar: apreciação. (...) Ação direta de inconstitucionalidade. ADI
1.266 RTJ 196/92
XVI ÍNDICE ALFABÉTICO — Mem-Per

PrPn Memorial: ausência. (...) Defesa criminal. RHC 85.512 RTJ 196/299
PrPn Ministério Público. Princípio do promotor natural. Lei regulamentar: ausên-
cia. HC 85.424 RTJ 196/278
PrCv Multa em agravo regimental: pagamento não comprovado. (...) Embargos de
declaração. AI 546.296-AgR-ED RTJ 196/356
Ct Município. (...) Competência legislativa. RE 432.789 RTJ 196/345

N
PrCv Não-conhecimento. (...) Embargos de declaração. AI 546.296-AgR-ED RTJ
196/356
Adm Naturalização: requerimento anterior à posse. (...) Concurso público. RE
264.848 RTJ 196/325
Adm Nomeação anterior à CF/88. (...) Servidor público estadual. ADI 3.332 RTJ
196/155
Ct Norma geral e suplementar: obediência. (...) Educação. ADI 1.266 RTJ 196/92
PrPn Nulidade inexistente. (...) Citação-edital. HC 85.438 RTJ 196/292

O
PrSTF Ofensa indireta. (...) Recurso extraordinário. RE 398.407 RTJ 196/331
PrPn Organização criminosa: indícios de existência. (...) Prisão preventiva. HC
85.298-QO RTJ 196/258

P
Pn Parâmetro de aplicação. (...) Princípio da insignificância. HC 84.424 RTJ
196/235
PrCv Parlamentar. (...) Mandado de segurança. MS 24.189-AgR RTJ 196/173
PrCv Passagem aérea: especificação de despesa. (...) Mandado de segurança. MS
24.189-AgR RTJ 196/173
PrCv Pedido impossível. (...) Mandado de segurança. MS 24.189-AgR RTJ 196/173
Pn Pena. Crime doloso contra a vida. Continuidade delitiva: aplicabilidade.
Sentença: erro. Correção pelo presidente do Júri. CP/40, art. 71. HC 83.575
RTJ 196/209
Pn Pena. Furto. Bem de pequeno valor. Princípio da insignificância. HC 84.424
RTJ 196/235
Pn Pena inferior a oito anos. (...) Regime prisional. HC 83.509 RTJ 196/204
PrPn Periculosidade do réu e aplicação da lei penal. (...) Prisão preventiva. HC
83.040 RTJ 196/200
Pod-Pri — ÍNDICE ALFABÉTICO XVII

Ct Poder constituinte estadual. (...) Processo legislativo. ADI 106 RTJ 196/3
PrPn Poder econômico do réu: instrumento de prossecução de práticas ilícitas. (...)
Prisão preventiva. HC 85.298-QO RTJ 196/258
Ct Poderes de investigação. (...) Comissão Parlamentar de Inquérito – CPI. MS
24.749 RTJ 196/186
PrSTF Poderes específicos: inexigibilidade. (...) Ação direta de inconstitucionalidade.
ADI 1.266 RTJ 196/92
Trbt Prazo. (...) Prescrição. ACO 261 RTJ 196/13
PrPn Prazo: contagem em horas. (...) Ação penal. RHC 84.986 RTJ 196/254
PrCv Prazo em dobro: inaplicabilidade. (...) Litisconsórcio. AI 530.658-AgR RTJ
196/354
Ct Prazo para envio ao Legislativo: fixação. (...) Processo legislativo. ADI 106
RTJ 196/3
PrPn Preclusão temporal. (...) Defensor público. RHC 83.770 RTJ 196/215
PrPn Prefeito. (...) Habeas corpus. HC 82.011 RTJ 196/195
PrSTF Prequestionamento. (...) Recurso extraordinário. RE 415.760 RTJ 196/333
Trbt Prescrição. Tributo. Prazo. Código Tributário Nacional – CTN, arts. 173 e
174. ACO 261 RTJ 196/13
Int Prescrição inocorrente. (...) Extradição. Ext 915 RTJ 196/43 – Ext 923 RTJ
196/52 – Ext 947 RTJ 196/64
PrPn Prescrição pela pena concretizada: impossibilidade. (...) Ação penal. HC
84.950 RTJ 196/251
PrPn Prescrição: suspensão. (...) Ação penal. HC 84.092 RTJ 196/218
Adm Princípio da ampla defesa e do contraditório. (...) Processo administrativo.
RE 415.760 RTJ 196/333
Pn Princípio da insignificância. Parâmetro de aplicação. Infração: ínfimo e
pequeno valor. Furto. HC 84.424 RTJ 196/235
Pn Princípio da insignificância. (...) Pena. HC 84.424 RTJ 196/235
PrPn Princípio da não-culpabilidade: ofensa inocorrente. (...) Prisão. HC 84.500
RTJ 196/247
PrSTF Princípio do devido processo legal. (...) Recurso extraordinário. RE
398.407 RTJ 196/331
PrPn Princípio do devido processo legal: ofensa. (...) Defesa criminal. RHC
85.512 RTJ 196/299
PrCv Princípio do devido processo legal: ofensa. (...) Embargos de declaração.
RE 398.407 RTJ 196/331
XVIII ÍNDICE ALFABÉTICO — Pri-Pro

PrCv Princípio do juiz natural. (...) Competência jurisdicional. AO 1.158 RTJ


196/89
PrPn Princípio do promotor natural. (...) Ministério Público. HC 85.424 RTJ
196/278
PrPn Prisão. Recurso sem efeito suspensivo. Princípio da não-culpabilidade:
ofensa inocorrente. HC 84.500 RTJ 196/247
Cv Prisão civil. Depositário judicial infiel. Depósito necessário. Bem penhorado:
não-restituição. CF/88, art. 5º, LXVII. Súmula 619. HC 84.484 RTJ 196/240
PrPn Prisão preventiva. Excesso de prazo: inocorrência. Complexidade da causa
e pluralidade de réus. HC 85.764 RTJ 196/306
PrPn Prisão preventiva. Fundamentação insuficiente. Clamor social e credibilida-
de do Judiciário. HC 83.040 RTJ 196/200
PrPn Prisão preventiva. Fundamentação suficiente. Aplicação da lei penal. Fuga
do acusado. HC 85.764 RTJ 196/306
PrPn Prisão preventiva. Fundamentação suficiente. Periculosidade do réu e apli-
cação da lei penal. HC 83.040 RTJ 196/200
PrPn Prisão preventiva. Fundamentação suficiente. Poder econômico do réu:
instrumento de prossecução de práticas ilícitas. Organização criminosa:
indícios de existência. Credibilidade das instituições públicas. HC 85.298-QO
RTJ 196/258
PrPn Procedimento administrativo fiscal exaurido. (...) Ação penal. RHC 85.513
RTJ 196/302
PrSTF Processamento imediato. (...) Medida cautelar. AC 929-QO RTJ 196/58
Adm Processo administrativo. Magistrado. Disponibilidade. Ilicitude da prova:
inocorrência. Princípio da ampla defesa e do contraditório. RE 415.760 RTJ
196/333
PrPn Processo administrativo pendente. (...) Ação penal. HC 84.092 RTJ 196/218
Int Processo criminal no Brasil. (...) Extradição. Ext 947 RTJ 196/64
Ct Processo legislativo. Poder constituinte estadual. Matéria de iniciativa do
Executivo. Servidor público: regime jurídico. ADCT da Constituição do
Estado de Rondônia/89, art. 34: inconstitucionalidade. ADI 106 RTJ 196/3
Ct Processo legislativo. Projeto de lei de iniciativa do Judiciário. Prazo para
envio ao Legislativo: fixação. Constituição do Estado de Rondônia/89, art.
77, parágrafo único: inconstitucionalidade. ADI 106 RTJ 196/3
PrCv Procuração outorgada ao advogado subscritor. (...) Agravo de instrumento.
AI 549.756-AgR RTJ 196/358
PrPn Procuração: requisitos. (...) Queixa. HC 85.863 RTJ 196/315
Pro-Rec — ÍNDICE ALFABÉTICO XIX

Ct Projeto de lei de iniciativa do Judiciário. (...) Processo legislativo. ADI 106


RTJ 196/3
PrPn Prova substancialmente nova. (...) Inquérito policial. HC 84.253 RTJ 196/223

Q
PrPn Queixa. Procuração: requisitos. Descrição suficiente do fato. CPP/41, art. 44.
HC 85.863 RTJ 196/315

R
PrSTF Reclamação. Legitimidade ativa. Decisão do STF em “habeas corpus”:
extensão. Rcl 2.190 RTJ 196/134
PrSTF Reclamação. Usurpação de competência do STF: inocorrência. Recurso
extraordinário. Juízo de admissibilidade não realizado. Rcl 3.366-AgR RTJ
196/158
PrCv Recurso administrativo com efeito suspensivo. (...) Mandado de segurança.
MS 24.511 RTJ 196/176
PrPn Recurso exclusivo da defesa. (...) Acórdão criminal. HC 83.509 RTJ 196/204
PrSTF Recurso extraordinário. Ofensa indireta. Caso concreto: exame. Princípio
do devido processo legal. RE 398.407 RTJ 196/331
PrSTF Recurso extraordinário. Prequestionamento. Embargos de declaração:
omissão do acórdão. Súmulas 282 e 356: inaplicabilidade. RE 415.760 RTJ
196/333
PrSTF Recurso extraordinário. (...) Reclamação. Rcl 3.366-AgR RTJ 196/158
PrSTF Recurso extraordinário. Retenção: afastamento. Juízo de admissibilidade
imediato. Reintegração de posse contra indígena. CPC/73, art. 542, § 3º:
inaplicabilidade. Pet 3.515-QO RTJ 196/166
PrSTF Recurso extraordinário. Tempestividade: verificação. Certidão do tribunal
de origem: insuficiência. AI 498.494-ED RTJ 196/352
PrCv Recurso extraordinário inadmitido. (...) Mandado de segurança. MS 23.605-
AgR-ED RTJ 196/170
PrCv Recurso extraordinário: retenção. (...) Agravo de instrumento. Pet 3.515-QO
RTJ 196/166
PrSTF Recurso extraordinário: retenção. (...) Medida cautelar. AC 929-QO RTJ
196/58
PrSTF Recurso extraordinário retido: processamento. (...) Medida cautelar. Pet
3.515-QO RTJ 196/166
PrPn Recurso sem efeito suspensivo. (...) Prisão. HC 84.500 RTJ 196/247
XX ÍNDICE ALFABÉTICO — Reg-Súm

Pn Regime inicial fechado: descabimento. (...) Regime prisional. HC 83.509


RTJ 196/204
PrPn Regime prisional. (...) Acórdão criminal. HC 83.509 RTJ 196/204
Pn Regime prisional. Roubo qualificado. Pena inferior a oito anos. Circunstân-
cia judicial desfavorável: ausência. Regime inicial fechado: descabimento.
HC 83.509 RTJ 196/204
PrPn Reincidência. (...) Acórdão criminal. HC 83.509 RTJ 196/204
PrSTF Reintegração de posse contra indígena. (...) Recurso extraordinário. Pet
3.515-QO RTJ 196/166
Ct Reprodução de preceito da Constituição Federal. (...) Competência jurisdicio-
nal. RE 199.293 RTJ 196/320
PrSTF Retenção: afastamento. (...) Recurso extraordinário. Pet 3.515-QO RTJ
196/166
PrPn Revelia. (...) Citação-edital. HC 85.438 RTJ 196/292
Pn Roubo qualificado. (...) Regime prisional. HC 83.509 RTJ 196/204

S
PrPn Sentença: anulação. (...) Ação penal. HC 84.950 RTJ 196/251
Pn Sentença: erro. (...) Pena. HC 83.575 RTJ 196/209
Ct Serviço auxiliar: criação. (...) Tribunal de Justiça. ADI 106 RTJ 196/3
Ct Serviço público não privativo. (...) Educação. ADI 1.266 RTJ 196/92
Adm Servidor público estadual. (...) Gratificação. RE 433.233 RTJ 196/348
Adm Servidor público estadual. Nomeação anterior à CF/88. Transposição de
cargo. Concurso público: ausência. CF/88, art. 37, II. ADCT da Constituição
Federal/88, art. 19. Lei estadual n. 8.032/03-MA, art. 13: inconstitucionalidade.
ADI 3.332 RTJ 196/155
Ct Servidor público: regime jurídico. (...) Processo legislativo. ADI 106 RTJ
196/3
PrPn Sessão de julgamento. (...) Defensor público. RHC 83.770 RTJ 196/215
Ct Sigilo fiscal, bancário, telefônico e telemático: quebra. (...) Comissão Parla-
mentar de Inquérito – CPI. MS 24.749 RTJ 196/186
Pn Sonegação fiscal: desvinculação. (...) Falsidade ideológica. HC 80.801 RTJ
196/192
PrCv Súmula 288. (...) Agravo de instrumento. AI 498.494-ED RTJ 196/352
Int Súmula 421. (...) Extradição. Ext 947 RTJ 196/64
Súm-Tri — ÍNDICE ALFABÉTICO XXI

PrPn Súmula 431. (...) Sustentação oral. HC 85.845 RTJ 196/310


PrPn Súmula 524. (...) Inquérito policial. HC 84.253 RTJ 196/223
PrPn Súmula 524: inaplicabilidade. (...) Inquérito policial. HC 84.253 RTJ 196/223
Cv Súmula 619. (...) Prisão civil. HC 84.484 RTJ 196/240
Ct Súmula 623. (...) Competência jurisdicional. AO 1.153-AgR RTJ 196/82
PrSTF Súmulas 282 e 356: inaplicabilidade. (...) Recurso extraordinário. RE
415.760 RTJ 196/333
Ct Supremo Tribunal Federal – STF. (...) Competência originária. ACO 555-QO
RTJ 196/21 – ACO 684-QO RTJ 196/25 – Rcl 3.074 RTJ 196/142 – MS
24.189-AgR RTJ 196/173
PrCv Suspensão de liminar e petição: conexão inocorrente. (...) Agravo de instru-
mento. Pet 3.515-QO RTJ 196/166
PrPn Sustentação oral. “Habeas corpus”. Intimação: desnecessidade. Súmula
431. HC 85.845 RTJ 196/310

T
PrCv Tempestividade: prova. (...) Agravo de instrumento. AI 498.494-ED RTJ
196/352
PrSTF Tempestividade: verificação. (...) Recurso extraordinário. AI 498.494-ED
RTJ 196/352
Int Tráfico de entorpecente, detenção de arma, receptação e homicídio. (...)
Extradição. Ext 923 RTJ 196/52
Int Trânsito: excesso de velocidade. (...) Extradição. Ext 900-extensão RTJ
196/35
Adm Transposição de cargo. (...) Servidor público estadual. ADI 3.332 RTJ 196/155
PrCv Traslado deficiente. (...) Agravo de instrumento. AI 498.494-ED RTJ 196/
352 – AI 549.756-AgR RTJ 196/358
Int Tratado Brasil—Estados Unidos da América. (...) Extradição. Ext 915 RTJ
196/43
Int Tratado Brasil—Itália. (...) Extradição. Ext 923 RTJ 196/52
Int Tratado Brasil—Paraguai. (...) Extradição. Ext 947 RTJ 196/64
Int Tratado Brasil—Suíça. (...) Extradição. Ext 900-extensão RTJ 196/35
Ct Tribunal de Justiça. Competência. Serviço auxiliar: criação. ADI 106 RTJ
196/3
Ct Tribunal de Justiça. (...) Competência jurisdicional. AO 1.153-AgR RTJ
196/82 – RE 199.293 RTJ 196/320
XXII ÍNDICE ALFABÉTICO — Tri-Vin

PrCv Tribunal de Justiça estadual. (...) Competência jurisdicional. AO 1.158 RTJ


196/89
Ct Tribunal Regional Federal – TRF e Superior Tribunal de Justiça – STJ. (...)
Conflito de competência. CC 7.161 RTJ 196/169
Trbt Tributo. (...) Prescrição. ACO 261 RTJ 196/13
PrSTF Turma Recursal de Juizado Especial. (...) Competência jurisdicional. MS
24.700-AgR RTJ 196/181

U
Ct União Federal. (...) Competência legislativa. ADI 106 RTJ 196/3
PrSTF Usurpação de competência do STF: inocorrência. (...) Reclamação. Rcl
3.366-AgR RTJ 196/158

V
Adm Vinculação ao salário mínimo. (...) Gratificação. RE 433.233 RTJ 196/348
ÍNDICE NUMÉRICO
ACÓRDÃOS

106 (ADI) Rel. p/ o ac.: Min. Gilmar Mendes................196/3


261 (ACO) Rel.: Min. Marco Aurélio.............................196/13
349 (AC) Rel.: Min. Carlos Britto................................196/15
555 (ACO-QO) Rel.: Min. Sepúlveda Pertence....................196/21
684 (ACO-QO) Rel.: Min. Sepúlveda Pertence....................196/25
700 (AC-AgR) Rel.: Min. Carlos Britto................................196/31
900 (Ext-Extensão) Rel.: Min. Sepúlveda Pertence....................196/35
915 (Ext) Rel.: Min. Gilmar Mendes............................196/43
916 (Ext) Rel.: Min. Carlos Britto................................196/50
923 (Ext) Rel.: Min. Carlos Velloso.............................196/52
929 (AC-QO) Rel.: Min. Sepúlveda Pertence....................196/58
947 (Ext) Rel.: Min. Carlos Velloso.............................196/64
962 (Ext) Rel.: Min. Sepúlveda Pertence....................196/69
1.153 (AO-AgR) Rel.: Min. Carlos Velloso............................ 196/82
1.158 (AO) Rel.: Min. Carlos Britto................................196/89
1.266 (ADI) Rel.: Min. Eros Grau..................................... 196/92
1.608 (Inq-ED) Rel.: Min. Marco Aurélio.............................196/98
1.957 (Inq) Rel.: Min. Carlos Velloso...........................196/101
2.190 (Rcl) Rel.: Min. Sepúlveda Pertence..................196/134
3.074 (Rcl) Rel.: Min. Sepúlveda Pertence..................196/142
3.332 (ADI) Rel.: Min. Eros Grau....................................196/155
3.366 (Rcl-AgR) Rel.: Min. Sepúlveda Pertence..................196/158
3.515 (Pet-QO) Rel.: Min. Sepúlveda Pertence..................196/166
7.161 (CC) Rel.: Min. Marco Aurélio...........................196/169
23.605 (MS-AgR-ED) Rel.: Min. Eros Grau................................... 196/170
24.189 (MS-AgR) Rel.: Min. Eros Grau................................... 196/173
24.511 (MS) Rel.: Min. Marco Aurélio.......................... 196/176
XXVI ÍNDICE NÚMERICO

24.700 (MS-AgR) Rel. p/ o ac.: Min. Marco Aurélio............ 196/181


24.749 (MS) Rel.: Min. Marco Aurélio...........................196/186
25.291 (MS-AgR) Rel.: Min. Eros Grau....................................196/189
80.801 (HC) Rel.: Min. Marco Aurélio...........................196/192
82.011 (HC) Rel.: Min. Celso de Mello..........................196/195
83.040 (HC) Rel.: Min. Marco Aurélio...........................196/200
83.509 (HC) Rel.: Min. Marco Aurélio...........................196/204
83.575 (HC) Rel.: Min. Marco Aurélio...........................196/209
83.770 (RHC) Rel.: Min. Marco Aurélio...........................196/215
84.092 (HC) Rel.: Min. Celso de Mello..........................196/218
84.253 (HC) Rel.: Min. Celso de Mello..........................196/223
84.424 (HC) Rel.: Min. Carlos Britto..............................196/235
84.484 (HC) Rel.: Min. Carlos Britto..............................196/240
84.500 (HC) Rel.: Min. Gilmar Mendes..........................196/247
84.950 (HC) Rel.: Min. Carlos Velloso...........................196/251
84.986 (RHC) Rel.: Min. Carlos Britto..............................196/254
85.298 (HC-QO) Rel. p/ o ac.: Min. Carlos Britto................196/258
85.424 (HC) Rel.: Min. Carlos Velloso.......................... 196/278
85.438 (HC) Rel.: Min. Gilmar Mendes..........................196/292
85.468 (HC-AgR) Rel.: Min. Carlos Velloso...........................196/295
85.512 (RHC) Rel.: Min. Carlos Velloso...........................196/299
85.513 (RHC) Rel.: Min. Carlos Velloso...........................196/302
85.764 (HC) Rel.: Min. Carlos Velloso.......................... 196/306
85.845 (HC) Rel.: Min. Carlos Velloso...........................196/310
85.863 (HC) Rel.: Min. Carlos Velloso...........................196/315
199.293 (RE) Rel.: Min. Marco Aurélio...........................196/320
264.848 (RE) Rel.: Min. Carlos Britto..............................196/325
348.707 (RE) Rel.: Min. Gilmar Mendes..........................196/328
398.407 (RE) Rel.: Min. Marco Aurélio...........................196/331
415.760 (RE) Rel. p/ o ac.: Min. Eros Grau......................196/333
432.789 (RE) Rel.: Min. Eros Grau....................................196/345
433.233 (RE) Rel.: Min. Gilmar Mendes..........................196/348
498.494 (AI-ED) Rel.: Min. Gilmar Mendes..........................196/352
530.658 (AI-AgR) Rel.: Min. Gilmar Mendes..........................196/354
546.296 (AI-AgR-ED) Rel.: Min. Gilmar Mendes..........................196/356
549.756 (AI-AgR) Rel.: Min. Gilmar Mendes..........................196/358

Você também pode gostar