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Supremo Tribunal Federal

Revista Trimestral de
Jurisprudência

Volume 196 – Número 1


Abril / Junho de 2006
Páginas 1 a 360
Diretoria-Geral
Sérgio José Américo Pedreira
Secretaria de Documentação
Altair Maria Damiani Costa
Coordenadoria de Divulgação de Jurisprudência
Nayse Hillesheim
Seção de Preparo de Publicações
Neiva Maria de Moura Ludwig
Seção de Padronização e Revisão
Kelly Patrícia Varjão de Moraes
Seção de Distribuição de Edições
Rogéria Ventura de Carvalho Paes Ribeiro
Diagramação: Joyce Pereira
Capa: Patrícia Weiss Martins de Lima
Edição: Supremo Tribunal Federal

(Supremo Tribunal Federal — Biblioteca Ministro Victor Nunes Leal)

Revista Trimestral de Jurisprudência / Supremo Tribunal Federal,


Coordenadoria de Divulgação de Jurisprudência. — ano 1,
n. 1 (abr./jun. 1957) -. – Brasília: Imprensa Nacional, 1957-
Trimestral
A partir de 2002 até março de 2005, foi editada pela
Editora Brasília Jurídica.
ISSN 0035-0540
1. Direito - Jurisprudência - Brasil. I. Supremo Tribunal
Federal (STF).
CDD 340.6

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SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

Ministra ELLEN GRACIE Northfleet (14-12-2000), Presidente


Ministro GILMAR Ferreira MENDES (20-6-2002), Vice-Presidente
Ministro José Paulo SEPÚLVEDA PERTENCE (17-5-1989)
Ministro José CELSO DE MELLO Filho (17-8-1989)
Ministro MARCO AURÉLIO Mendes de Farias Mello (13-6-1990)
Ministro Antonio CEZAR PELUSO (25-6-2003)
Ministro CARLOS Augusto Ayres de Freitas BRITTO (25-6-2003)
Ministro JOAQUIM Benedito BARBOSA Gomes (25-6-2003)
Ministro EROS Roberto GRAU (30-6-2004)
Ministro Enrique RICARDO LEWANDOWSKI (9-3-2006)
COMISSÃO DE REGIMENTO

Ministra ELLEN GRACIE


Ministro GILMAR MENDES
Ministro EROS GRAU
Ministro CARLOS BRITTO – Suplente
COMISSÃO DE JURISPRUDÊNCIA

Ministro SEPÚLVEDA PERTENCE


Ministro JOAQUIM BARBOSA
COMISSÃO DE DOCUMENTAÇÃO

Ministro CELSO DE MELLO


Ministro MARCO AURÉLIO
Ministro CARLOS BRITTO
COMISSÃO DE COORDENAÇÃO

Ministra ELLEN GRACIE


Ministro CEZAR PELUSO
PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA

Doutor ANTONIO FERNANDO BARROS E SILVA DE SOUZA


COMPOSIÇÃO DAS TURMAS

PRIMEIRA TURMA

Ministro José Paulo SEPÚLVEDA PERTENCE, Presidente


Ministro MARCO AURÉLIO Mendes de Farias Mello
Ministro Antonio CEZAR PELUSO
Ministro CARLOS Augusto Ayres de Freitas BRITTO
Ministro Enrique RICARDO LEWANDOWSKI
SEGUNDA TURMA

Ministro José CELSO DE MELLO Filho, Presidente


Ministra ELLEN GRACIE Northfleet
Ministro GILMAR Ferreira MENDES
Ministro EROS Roberto GRAU
SUMÁRIO

Pág.
ACÓRDÃOS.............................................................................................1
ÍNDICE ALFABÉTICO............................................................................I
ÍNDICE NUMÉRICO...........................................................................XXIII
ACÓRDÃOS
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 106 — RO

Relator: O Sr. Ministro Carlos Velloso


Relator para o acórdão: O Sr. Ministro Gilmar Mendes
Requerente: Governador do Estado de Rondônia — Requerida: Assembléia Legis-
lativa do Estado de Rondônia
Ação direta de inconstitucionalidade. 2. Artigos 72, 73, 77 e 177 da
Constituição do Estado de Rondônia, e 30 e 34 das Disposições Transitórias.
3. Alegação de afronta aos artigos 2º; 22, II; 25; 41; 54, II, d; 61, § 1º; 84,
II; e 96, II, b, da Constituição Federal. 4. Criação e atribuições de Conselho
de Governo em conformidade com a Constituição Federal. Inconstitucio-
nalidade da inclusão do procurador-geral de Justiça e dos presidentes dos
Tribunais de Justiça e de Contas na composição do Conselho de Governo.
5. Competência do Tribunal de Justiça para criar e disciplinar seus
serviços auxiliares. 6. Inconstitucionalidade da estipulação de prazo
para que o Tribunal de Justiça envie projeto de lei dispondo sobre maté-
ria que lhe é privativa. 7. Invade a competência legislativa privativa da
União preceito que subordina a declaração de utilidade pública, para fins
de desapropriação, à prévia autorização legislativa. 8. Inconstitucionali-
dade formal da norma que dispõe sobre regime jurídico de servidor pú-
blico, matéria reservada à iniciativa do Presidente da República. 9. Ação
parcialmente procedente.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo
Tribunal Federal, em Sessão Plenária, na conformidade da ata do julgamento e das notas
taquigráficas, por unanimidade, declarar o prejuízo do pedido formulado quanto ao
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artigo 30 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição do Estado


de Rondônia. Por maioria, julgar parcialmente procedente a ação para declarar a incons-
titucionalidade dos incisos III, IV e V do artigo 72.
Brasília, 10 de outubro de 2002 — Marco Aurélio, Presidente — Gilmar Mendes,
Relator para o acórdão.

RELATÓRIO
O Sr. Ministro Carlos Velloso: O Governador do Estado de Rondônia, com funda-
mento no art. 103, V, da Constituição Federal, propõe ação direta de inconstitucionali-
dade dos artigos 72, 73, 77 e 177 da Constituição do Estado de Rondônia, bem como
dos artigos 30 e 34 das Disposições Transitórias da citada Constituição estadual.
As normas impugnadas têm o seguinte teor:
Constituição do Estado de Rondônia:
“Art. 72. O Conselho de Governo é o órgão superior de consulta do Governador
do Estado, sob a sua presidência, e dele participam:
I - o Vice-Governador do Estado;
II - o Presidente da Assembléia Legislativa;
III - o Presidente do Tribunal de Justiça;
IV - o Procurador-Geral de Justiça;
V - o Presidente do Tribunal de Contas;
VI - os Líderes da maioria e da minoria, na Assembléia Legislativa;
VII - seis cidadãos brasileiros natos, com mais de trinta e cinco anos de idade,
de reputação ilibada, nomeados pelo Governador, sendo:
a) três de sua livre escolha;
b) três indicados pela Assembléia Legislativa.
Art. 73. Compete ao Conselho pronunciar-se sobre questões relevantes susci-
tadas pelo Governo Estadual, incluída a estabilidade das instituições e problemas
emergentes, de grave complexidade e implicações sociais.
Parágrafo único. Lei regulará a organização e o funcionamento do Conselho
de Governo.
(...)
Art. 77. Lei de iniciativa do Poder Judiciário disciplinará as atribuições,
direitos e deveres dos Escrivães Judiciais, Escrivães Judiciais Substitutos, Oficiais
de Justiça, Avaliadores, Distribuidores, Contadores e Depositários, cuja admissão
se dará por concurso público de títulos e provas.
Parágrafo único. O Tribunal de Justiça, dentro de cento e oitenta dias da
promulgação desta Constituição, enviará projeto de lei nesse sentido.
(...)
R.T.J. — 196 5

Art. 177. O Estado e os Municípios só poderão declarar de utilidade pública


e desapropriar bens imóveis mediante prévia autorização legislativa.”
Disposições Transitórias da Constituição do Estado de Rondônia:
“Art. 30. Os atuais Parlamentares Estaduais eleitos Vice-Prefeitos, se convo-
cados a exercer a função de Prefeito, não perderão o mandato parlamentar.
(...)
Art. 34. Os servidores e serventuários de que trata o art. 77 desta Constitui-
ção, que na data da instalação da Assembléia Estadual Constituinte contavam com
pelo menos dois anos contínuos de exercício e que não tenham sido admitidos na
forma do art. 37, inciso II da Constituição Federal, serão considerados efetivos no
cargo.”
Sustenta o autor, em síntese, o seguinte:
a) o artigo 177 da Constituição estadual, que condiciona o início do processo
expropriatório à prévia autorização do Poder Legislativo, afronta o art. 22, II, da CF,
dado que compete privativamente à União legislar acerca de desapropriação;
b) os artigos 72 e 73 da CE, que prevêem a criação de um Conselho de Governo,
afrontam os artigos 2º; 25; 61, § 1º; e 84, II, da CF, porquanto as atribuições definidas
constitucionalmente ao Conselho da República são inaplicáveis ao Conselho de Governo.
c) o artigo 77 da Constituição estadual e o artigo 34 das Disposições Transitórias
afrontam os artigos 2º, 25, 41 e 96, I, b, da Lei Maior, uma vez que ferem os princípios
da separação de Poderes e da iniciativa de leis quando torna efetivos servidores e serven-
tuários admitidos sem concurso público;
d) o art. 30 das Disposições Transitórias viola o artigo 54, II, d, da CF quando
prevê que os parlamentares estaduais, no exercício do cargo de Prefeito, não perdem seus
mandatos.
Solicitadas informações (fls. 29 e 32), o Presidente da Assembléia Legislativa
do Estado de Rondônia prestou-as (fls. 36/42), sustentando, em síntese, o seguinte:
a) inexistência de ofensa ao art. 22, II, da CF, porquanto “a norma questionada
de inconstitucionalidade (art. 177 CE), em momento algum fere o dispositivo constitu-
cional, sobre a competência privativa da União para legislar sobre desapropriação;
(...) não está legislando concorrentemente com a norma federal, pois os Estados-Mem-
bros podem legislar sobre questões específicas dentro de suas peculiaridades respei-
tando a Legislação Federal” (fl. 38);
b) inocorrência de violação à Constituição em relação à “aplicabilidade também
de um Conselho de Governo a nível estadual (arts. 72 e 73 da CE), inovado como órgão
opinativo e não deliberativo, como entidade de consulta do Senhor Governador do
Estado, com as mesmas atribuições dentro do contexto estadual, (...) não divergindo dos
dispositivos constitucionais federais, quanto a sua organicidade e funcionalidade” (fl. 39).
c) constitucionalidade do art. 77 da Constituição estadual e do art. 34 das Dispo-
sições Transitórias, mormente porque “a Constituição Estadual não pode tomar como
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modelo obrigatório a ser servilmente copiado, cada dispositivo da Constituição Federal


(...) se a Constituição Estadual não pudesse organizar o Poder Público diferentemente
daquilo que é feito pela Constituição Federal, atendendo às peculiaridades de cada
Estado, obedecendo apenas aos princípios da Constituição Federal, ela nem mesmo
teria razão de existir” (fls. 40/41).
d) constitucionalidade do artigo 30 das Disposições Transitórias em face do
disposto no art. 5º, § 3º, do ADCT.
O ilustre Subprocurador-Geral da República no exercício das funções de
Advogado-Geral da União, Dr. Miguel Frauzino Pereira, às fls. 44/45, manifestou-se
pela improcedência da ação.
O eminente Procurador-Geral da República, Prof. Geraldo Brindeiro, opinou pela
parcial procedência da presente ação direta para declarar a inconstitucionalidade dos
arts. 72, 73, 77, parágrafo único, e 177 da Constituição do Estado de Rondônia, bem
como do art. 34 das Disposições Transitórias (fls. 46/52).
Instado a se manifestar (fls. 58 e 65), o Governador do Estado de Rondônia
informou que todos os dispositivos aqui impugnados permanecem em vigor; pede,
pois, o prosseguimento da presente ADI (fls. 68/69).
Autos conclusos em 14-5-2002.
É o relatório, do qual serão expedidas cópias aos excelentíssimos Senhores
Ministros.

VOTO
O Sr. Ministro Carlos Velloso (Relator): Examino as argüições de inconstituciona-
lidade.
I) Art. 177 da Constituição do Estado de Rondônia:
Desta forma deslindou a controvérsia, no ponto, o ilustre Procurador-Geral da
República, Prof. Geraldo Brindeiro:
“(...)
5. Assim dispõe o art. 177 da Constituição do Estado de Rondônia:
‘Art. 177 - O Estado e os Municípios só poderão declarar de utilidade
pública e desapropriar bens imóveis mediante prévia autorização legislativa.’
6. A toda evidência, tal norma é contrária à regra de competência privativa da
União para legislar sobre desapropriação, prevista no art. 22, II, da Constituição
Federal.
7. A desapropriação por utilidade pública encontra seu fundamento constitu-
cional no art. 5º, XXIV, ‘a lei estabelecerá o procedimento para desapropriação por
necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante justa e prévia
indenização em dinheiro, ressalvados os casos previstos nesta Constituição’.
R.T.J. — 196 7

8. Quanto ao procedimento para desapropriação por utilidade pública, é tra-


tado no Decreto-lei n. 3.365/41, recepcionado pela vigente ordem constitucional,
o qual, em seu art. 6º assevera que ‘a declaração de utilidade pública far-se-á por
decreto do Presidente da República, Governador, Interventor ou Prefeito’. E, no
seu art. 8º admite possa ser determinada pelo Poder Legislativo, cabendo, neste
caso, ao Executivo a prática dos atos necessários à sua efetivação.
9. Assim, revela-se formalmente inconstitucional o mencionado art. 177 da
Constituição do Estado de Rondônia, porquanto não compete ao constituinte
estadual dispor acerca de desapropriação, matéria de competência exclusiva da
União, quanto mais, afim de subordinar a declaração de utilidade pública para fins
de desapropriação à prévia autorização legislativa, de modo diverso ao previsto
em norma federal, a qual, como visto, estabelece que aquela modalidade de desa-
propriação possa fazer-se mediante decreto do Chefe do Poder Executivo local
sem necessidade de autorização do Poder Legislativo.
(...)” (fls. 47/48).
Correto o parecer.
A Constituição do Estado de Rondônia, art. 177, invadiu competência privativa
da União, dado que a esta, segundo o art. 22, II, da Constituição Federal, compete
legislar, privativamente, sobre desapropriação.
No julgamento da ADI 969-MC/DF, Relator o Ministro Moreira Alves, o Supremo
Tribunal Federal decidiu nesse sentido, vale dizer, no sentido da inconstitucionalidade de
preceito da Lei Orgânica do Distrito Federal, que fez depender as desapropriações de
prévia aprovação da Câmara Legislativa (RTJ 154/43).
Inconstitucional, portanto, o art. 177 da Constituição do Estado de Rondônia.
II) Artigos 72 e 73 da Constituição do Estado de Rondônia.
Assim o parecer do ilustre Procurador-Geral da República no ponto:
“(...)
10. Por sua vez, assim estabelecem os arts. 72 e 73 da Constituição do Estado
de Rondônia:
‘Art. 72 – O Conselho de Governo é o órgão superior de consulta do
Governador do Estado, sob a sua presidência, e dele participam:
I – O Vice-Governador do Estado;
II – O Presidente da Assembléia Legislativa;
III – O Presidente do Tribunal de Justiça;
IV – O Procurador-Geral de Justiça;
V – O Presidente do Tribunal de Contas;
VI – Os Líderes da Maioria e Minoria na Assembléia Legislativa;
VII – seis cidadãos brasileiros natos, com mais de trinta e cinco anos de
idade, de reputação ilibada, nomeados pelo Governador, sendo:
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a) três de sua livre escolha;


b) três indicados pela Assembléia Legislativa.’
‘Art. 73 – Compete ao Conselho pronunciar-se sobre questões relevan-
tes suscitadas pelo Governo Estadual, incluída a estabilidade das institui-
ções e problemas emergentes, de grave complexidade e implicações sociais.
Parágrafo único – Lei regulará a organização e o funcionamento do
Conselho de Governo.’
11. Reside a questão em determinar se é válida a instituição, pelo constituinte
estadual, de um Conselho de Governo, à semelhança do Conselho da República,
de que tratam os arts. 89 e 90 da Constituição Federal.
12. A resposta é negativa, pois a iniciativa de leis acerca da criação de órgãos
da administração pública é privativa do Presidente da República, nos termos do
preceituado no art. 61, § 1º, II, e, da Constituição Federal, assim como também é de
sua competência reservada, o exercício, com o auxílio dos Ministros de Estado, da
direção superior da administração federal (art. 84, II, CF/88).
13. Ora, as normas de processo legislativo, inclusive as de iniciativa reservada
do Poder Executivo, são oponíveis ao constituinte do Estado-membro, que deve
observar o modelo de tripartição de poderes delineado na Constituição da Repú-
blica. Nesse sentido, copiosa a jurisprudência desse colendo Supremo Tribunal
Federal, exemplificada na ementa a seguir transcrita:
‘Criação de Conselho, dotado de diversificada composição e represen-
tatividade, destinado a orientar os órgãos de comunicação social do Estado,
suas fundações e entidades sujeitas a seu controle (artigos 238 e 239 da
Constituição do Rio Grande do Sul e Lei estadual n. 9.726-92).
Cautelar deferida, ante a premência do prazo assinado para a instalação
do Colegiado e a relevância da fundamentação jurídica do pedido, especial-
mente quanto as teses concernentes a separação dos Poderes e a exclusi-
vidade de iniciativa do Chefe do Executivo, bem como a competência privativa
deste para exercer a direção superior e dispor sobre a organização e o funcio-
namento da administração.’
(ADIMC n. 821/RS, Rel. Min. Octavio Gallotti, j. 5/2/93, DJ de 7/5/93)
14. Assim sendo, padecem de inconstitucionalidade formal os artigos em
referência, porque é vedado ao Poder Legislativo imiscuir-se na esfera de compe-
tência de outro Poder, como no caso, para dispor sobre a criação de um órgão de
consulta do Governador do Estado.
(...)” (fls. 48/50).
Correto o parecer também aqui.
A instituição, pelo constituinte estadual, do Conselho do Governo, violou o dis-
posto no art. 61, § 1º, II, e, que estabelece que são da iniciativa privativa do Presidente da
República as leis que disponham sobre criação e extinção de Ministérios e órgãos da
administração pública. Tem-se, no caso, norma de processo legislativo de observância
obrigatória por parte do constituinte estadual.
R.T.J. — 196 9

Quando do julgamento da ADI 821-MC/RS, Relator o Ministro Octavio Gallotti,


decidiu o Supremo Tribunal Federal:
“Ementa: Criação de Conselho, dotado de diversificada composição e
representatividade, destinado a orientar os órgãos de comunicação social do Estado,
suas fundações e entidades sujeitas a seu controle (artigos 238 e 239 da Constitui-
ção do Rio Grande do Sul e Lei estadual n. 9.726/92).
Cautelar deferida, ante a premência do prazo assinado para a instalação do
Colegiado e a relevância da fundamentação jurídica do pedido, especialmente
quanto às teses concernentes à separação dos Poderes e à exclusividade de inicia-
tiva do Chefe do Executivo, bem como a competência privativa deste para exercer
a direção superior e dispor sobre a organização e o funcionamento da administra-
ção.” (DJ de 7-5-93)
No mesmo sentido: ADI 2.364-MC/AL, Relator o Ministro Celso de Mello, DJ de
14-12-2001; ADI 1.962/RO, Relator o Ministro Ilmar Galvão, DJ de 1º-2-2002; ADI
676/RJ, Relator o Ministro Carlos Velloso, RTJ 162/849.
Reconheço a inconstitucionalidade dos artigos 72 e 73 da Constituição do Estado
de Rondônia.
III) Art. 77 e seu parágrafo único da Constituição do Estado de Rondônia.
Assim o parecer do Chefe do Ministério Público Federal:
“(...)
15. Quanto ao art. 77, e seu parágrafo único, da Constituição do Estado de
Rondônia, assim estão redigidos:
‘Art. 77 – Lei de iniciativa do Poder Judiciário disciplinará as atribui-
ções, direitos e deveres dos Escrivães Judiciais, Escrivães Judiciais Substi-
tutos, Oficiais de Justiça, Avaliadores, Distribuidores, Contadores e Depo-
sitários, cuja admissão se dará por concurso público de títulos de provas.
Parágrafo único – O Tribunal de Justiça, dentro de cento e oitenta dias
da promulgação desta Constituição, enviará projeto de lei nesse sentido.’
16. O art. 77, ao determinar que lei de iniciativa do Poder Judiciário disci-
plinará as atribuições, direitos e deveres dos Escrivães, dos Oficiais de Justiça,
Avaliadores, Distribuidores, Contadores e Depositários, não parece ofensiva à
ordem constitucional uma vez que, nos termos do art. 96, II, b, da Constituição
Federal, ‘compete aos Tribunais de Justiça a criação e a extinção de cargos e a
remuneração dos seus serviços auxiliares e dos juízos que lhes forem vinculados’;
assim como compete também privativamente aos Tribunais ‘organizar suas secre-
tarias e serviços auxiliares e os dos juízos que lhes forem vinculados, velando pelo
exercício da atividade correicional respectiva’, conforme preceitua o art. 96, I, b,
da Constituição da República.
17. Entretanto, o parágrafo único do art. 77, ao estipular um prazo para que o
Tribunal de Justiça envie projeto de lei dispondo sobre matéria que lhe é privativa,
parece invadir a seara de competência do Poder Judiciário, porquanto a avaliação
quanto ao momento e conveniência para deflagrar o processo legislativo de sua
iniciativa reservada é atividade discricionária daquele Poder.
(...)” (fls. 50/51).
10 R.T.J. — 196

Correto o entendimento do Ministério Público Federal.


Realmente, a norma do art. 77 da Constituição de Rondônia apresenta-se compatível
com o disposto no art. 96, II, b, da Constituição Federal.
Quanto ao parágrafo único do citado art. 77, o mesmo não pode ser dito. É que, ao
fixar prazo para que o Tribunal de Justiça envie projeto de lei dispondo sobre a matéria
que lhe é privativa, invade competência do Judiciário, dado que a este compete decidir
a respeito do “momento e conveniência para deflagrar o processo legislativo de sua
iniciativa reservada”.
Destarte, tenho como constitucional o art. 77 da Constituição de Rondônia e in-
constitucional o parágrafo único do mesmo art. 77.
IV) Artigos 30 e 34 das Disposições Transitórias da Constituição do Estado de
Rondônia.
Dispõe o art. 30:
“Art. 30. Os atuais Parlamentares Estaduais eleitos Vice-Prefeitos, se convo-
cados a exercer a função de Prefeito, não perderão o mandato parlamentar.”
Não era inconstitucional, já que seguia a linha do § 3º do art. 5º do ADCT da CF/88.
A esta altura, entretanto, a ação está prejudicada.
Quanto ao art. 34 das Disposições Transitórias da Constituição do Estado de Ron-
dônia, escreve o Ministério Público Federal:
“(...)
18. Já o art. 34, das Disposições Transitórias da Constituição do Estado de
Rondônia, possui o seguinte teor:
‘Art. 34 – Os servidores e serventuários de que trata o art. 77 desta
Constituição, que na data da instalação da Assembléia Estadual Constituinte
contavam pelo menos dois anos contínuos de exercício e que não tenham
sido admitidos na forma do artigo 37, II da Constituição Federal, serão con-
siderados efetivos no cargo.’
19. A norma em tela, ademais de dispor acerca de matéria atinente a regime
jurídico de servidores públicos, como é a estabilidade e efetividade do servidor,
cujo tratamento, na esfera federal é reservado à lei de iniciativa do Presidente da
República, em obediência ao disposto no art. 61, § 1º, II, c, da Constituição Federal,
contraria o disposto no art. 41 da Constituição da República, que confere estabili-
dade e efetividade apenas aos servidores que ingressaram no serviço público através
de concurso.
20. Não há falar de que norma acima transcrita apenas reiterou o disposto no
art. 19 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, pelo contrário, aquela
disposição estadual concedeu efetividade a servidores que, sem terem ingressado
no serviço público através de concurso, na data da instalação da Assembléia Esta-
dual Constituinte, contavam pelo menos dois anos contínuos no exercício das
mencionadas funções públicas, o que é diferente de estabilidade.
R.T.J. — 196 11

21. O art. 19 do ADCT concedeu estabilidade aos servidores públicos civis


da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, da administração
direta, autárquica e das fundações públicas, em exercício há pelo menos cinco
anos continuados, na data da promulgação da Constituição. E condicionou a sua
efetivação, no seu § 1º, à realização de concurso público.
(...)” (fl. 51).
Perfeito o entendimento.
Tem-se, no caso, inconstitucionalidade formal, já que atenta o art. 34 das Disposi-
ções Transitórias da Constituição de Rondônia contra o disposto no art. 61, § 1º, II, c, da
Constituição Federal. É que a norma impugnada diz respeito a regime jurídico de servi-
dores públicos, matéria reservada à iniciativa do Presidente da República. O processo
legislativo estadual não pode dispor de forma diferente.
O dispositivo da Constituição estadual viola, também, o estabelecido no art. 41 da
Constituição Federal, que confere estabilidade apenas a servidores que ingressaram no
serviço público mediante concurso. Ademais, o art. 34 das Disposições Transitórias da
Constituição de Rondônia contraria o art. 19 do ADCT da CF/88.
V) Conclusão.
De todo o exposto, julgo procedente, em parte, a ação, pelo que declaro a incons-
titucionalidade do art. 177, dos arts. 72 e 73, do parágrafo único do art. 77 e do art. 34,
todos da Constituição do Estado de Rondônia, este último das Disposições Transitórias.
No que toca ao art. 77 da Constituição de Rondônia, tenho-o como constitucional, e,
relativamente ao art. 30 das Disposições Transitórias da mesma Constituição, está a ação
prejudicada, motivo por que dela não conheço no ponto.

VOTO
O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Sr. Presidente, encaminho a divergência no sentido
de declarar a inconstitucionalidade parcial quanto à inclusão do Procurador-Geral de
Justiça e do Presidente do Tribunal de Contas. No mais, mantenho o texto e acompanho
o eminente Ministro Relator.

VOTO
A Sra. Ministra Ellen Gracie: Com a vênia do eminente Ministro Relator, acompanho
a divergência parcial apenas para excluir esses três integrantes do Conselho.

VOTO
O Sr. Ministro Maurício Corrêa: Sr. Presidente, também acompanho a divergência
no ponto e o eminente Ministro Relator em tudo, menos nesta parte.

VOTO
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Sr. Presidente, que mais não fosse, na esperança
de encontrar um dia algum espaço de autonomia dos Estados-Membros reconhecido
pelo Supremo Tribunal Federal, acompanho o eminente Ministro Gilmar Mendes.
12 R.T.J. — 196

VOTO
O Sr. Ministro Marco Aurélio (Presidente): Peço vênia aos colegas para, no caso,
manter íntegro o dispositivo.
Não vejo, de um lado, incompatibilidade maior em se ter a participação nesse
Conselho, como é o caso, do Presidente do Tribunal de Justiça, pois este, tal como o
Presidente da Assembléia, preside um Poder, e o Conselho tem como objetivo funcionar
em seu colegiado.
Também não me impressiona a problemática relativa ao envolvimento do Presi-
dente do Tribunal de Contas e do Procurador-Geral de Justiça. Há de se distinguir os
campos relativos às atuações específicas daquele alusivo à atividade a ser desenvolvida
pelo Conselho, que é a de simplesmente apoiar pronunciamento prévio de um órgão
colegiado.
Por outro lado, sem que a Corte se transforme em legislador positivo, mediante a
supressão de alguns incisos, no que prevêem certas pessoas para formar o Conselho, não
vislumbro como se possa alterar a composição do órgão.

EXTRATO DA ATA
ADI 106/RO — Relator: Ministro Carlos Velloso. Relator para o acórdão: Ministro
Gilmar Mendes. Requerente: Governador do Estado de Rondônia (Advogado: Pedro Origa
Neto). Requerida: Assembléia Legislativa do Estado de Rondônia.
Decisão: O Tribunal, por unanimidade, declarou o prejuízo do pedido formulado
quanto ao artigo 30 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constitui-
ção do Estado de Rondônia. Por maioria, julgou parcialmente procedente a ação para
declarar a inconstitucionalidade dos incisos III, IV e V do artigo 72, vencidos, em parte,
o Ministro Relator, que declarava a inconstitucionalidade de todo o dispositivo, e o
Presidente, Ministro Marco Aurélio, que declarava a sua constitucionalidade; do parágra-
fo único do artigo 77; e do artigo 177, todos da Constituição do Estado de Rondônia; e,
também, a inconstitucionalidade do artigo 34 do Ato das Disposições Transitórias da
Constituição do mesmo Estado. Relativamente ao artigo 73, o Tribunal, por maioria,
declarou a sua constitucionalidade, vencido o Relator, e, por unanimidade, também
declarou a constitucionalidade da cabeça do artigo 77, ambos da mesma Constituição
estadual. Redigirá o acórdão o Ministro Gilmar Mendes. Ausentes, justificadamente, os
Ministros Celso de Mello e Ilmar Galvão, e, neste julgamento, o Ministro Nelson Jobim.
Presidência do Ministro Marco Aurélio. Presentes à sessão os Ministros Moreira
Alves, Sydney Sanches, Sepúlveda Pertence, Carlos Velloso, Maurício Corrêa, Nelson
Jobim, Ellen Gracie e Gilmar Mendes. Procurador-Geral da República, Dr. Geraldo
Brindeiro.
Brasília, 10 de outubro de 2002 — Luiz Tomimatsu, Coordenador.
R.T.J. — 196 13

AÇÃO CÍVEL ORIGINÁRIA 261 — SP

Relator: O Sr. Ministro Marco Aurélio


Autora: União — Réu: Estado de São Paulo
Prescrição — Tributo. A prescrição incide com a passagem de
cinco anos do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lan-
çamento poderia ter sido efetuado — artigos 173 e 174 do Código
Tributário Nacional.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribu-
nal Federal, em Sessão Plenária, na conformidade da ata do julgamento e das notas
taquigráficas, por unanimidade, decretar a extinção do processo, declarar a prescrição e
condenar a União ao pagamento de honorários profissionais fixados em R$ 5.000,00
(cinco mil reais), tudo nos termos do voto do Relator.
Brasília, 10 de novembro de 2004 — Nelson Jobim, Presidente — Marco Aurélio,
Relator.

RELATÓRIO
O Sr. Ministro Marco Aurélio: A Fazenda Nacional propôs execução contra o
Estado de São Paulo, acostando certidão de dívida a revelar, como data da inscrição, o
dia 27 de maio de 1976. O documento consigna o vencimento dos tributos — imposto
de importação e imposto sobre produtos industrializados — em 16 de julho de 1969. À
folha 6-verso, pronunciou-se a Procuradoria da República perante o Juízo Federal,
aludindo à competência desta Corte. A declinação da competência deu-se em 20 de
fevereiro de 1978 (folha 9). O processo foi distribuído ao Ministro Djaci Falcão, que,
após a manifestação do Ministério Público Federal, determinou, em outubro de 1978, a
citação do devedor (folhas 13 e 14).
Aos autos veio a contestação de folhas 33 a 40, mediante a qual se argúi a prescri-
ção da ação em face da passagem de cinco anos contados da inscrição da dívida — o
vencimento do débito fiscal ocorrera em 16 de julho de 1969, havendo sido inscrita a
dívida em 27 de maio de 1976. Do vencimento do débito até a causa interruptiva da
prescrição — a ordem de citação (artigo 219, § 1º, do Código de Processo Civil) —,
teriam transcorrido mais de nove anos. Em passo seguinte, argumenta-se com a incons-
titucionalidade do acréscimo de 20% no débito fiscal, parcela que estaria reservada aos
Procuradores da Fazenda. Alega-se que à Fazenda não assistiria o direito de aumentar o
débito, conforme decidido por esta Corte no julgamento do Recurso Extraordinário n.
79.822, relatado, perante a Primeira Turma, pelo Ministro Aliomar Baleeiro. Aponta-se,
em vista da inexistência de remuneração dos Procuradores da União, a ofensa ao inciso
I do artigo 18 da Constituição Federal pretérita, ante a cobrança de taxa sem o serviço
correspondente. Discorre-se, ainda, sobre a impossibilidade de se classificar tal acréscimo
como taxa, tendo em conta a razão de ser dessa espécie de tributo. No mérito propriamente
dito, articula-se com a imunidade estabelecida na Constituição da República —
alínea a do inciso III do artigo 19 da Carta de 1969. Requer-se a improcedência do
14 R.T.J. — 196

pedido formulado e a condenação da autora ao pagamento das despesas processuais,


inclusive honorários advocatícios.
Em razões finais, a União informou não estar o imposto de importação sujeito à
imunidade, já que esta apenas beneficia o patrimônio, a renda ou os serviços. O réu não
teria provado o enquadramento da importação efetuada na isenção prevista no Decreto-
Lei n. 37/66, regulamentado pelo Decreto n. 62.898, de 25 de junho de 1968.
O Estado trouxe aos autos o arrazoado de folhas 79 a 81, reafirmando a ocorrência
da prescrição e os termos da contestação apresentada.
À folha 88, o Ministro Maurício Corrêa despachou, instando a autora, União Federal,
a manifestar-se sobre a seqüência da ação. Sem qualquer pronunciamento, os autos segui-
ram à Procuradoria-Geral da República, que emitiu o parecer de folhas 95 a 97, assim
sintetizado:
Ação Cível Originária. Execução Fiscal promovida contra o Estado-Membro
(sic). Dívida Ativa da União decorrente de IPI e imposto de importação. Alegada
em matéria de defesa a prescrição da ação executiva fiscal. Ocorrência. Citação do
devedor ocorrida após o exaurimento do lapso prescricional. Prescrição intercor-
rente. Superveniência. Inércia da parte interessada. Parecer pela improcedência da
ação.
Estes autos vieram-me conclusos em conseqüência da substituição prevista no
artigo 38, inciso I, do Regimento Interno da Corte. Recebendo-os em 12 de junho de
2003, neles lancei visto em 23 imediato (folha 99).
É o relatório.

VOTO
O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Quanto à competência, tenho-a como
revelada pelo fato de a ação envolver a Fazenda Nacional e o Estado de São Paulo.
Da Prescrição
A certidão de dívida ativa de folha 5 noticia haver ocorrido a inscrição em 27 de
maio de 1976, vencendo o tributo em 16 de julho de 1969. Levando-se em conta a data
do vencimento e a regra do inciso I do artigo 173 do Código Tributário Nacional —
segundo a qual o direito de a Fazenda Pública constituir o crédito tributário extingue-se
após cinco anos contados do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lança-
mento poderia ter sido efetuado —, tem-se que o termo inicial da prescrição, considerada
a cabeça do artigo 174 — a data da constituição definitiva do tributo —, verificou-se em
1970, ou seja, no exercício imediato àquele em que ocorrera o vencimento. Pois bem, a
determinação de citação deu-se somente em 1978, ou seja, passados oito anos. Daí a
prescrição haver incidido. Ainda que se abandone a regra especial do inciso I do artigo
174 do Código Tributário Nacional, adotando-se a retroação prevista no § 1º do artigo
219 do Código de Processo Civil, constata-se que a execução somente foi ajuizada em
julho de 1976 e, portanto, quando já transcorrido o qüinqüênio.
Concluo pela prescrição e declaro extinto o processo, com o julgamento de mérito.
R.T.J. — 196 15

EXTRATO DA ATA
ACO 261/SP — Relator: Ministro Marco Aurélio. Autora: União (Advogado:
Advogado-Geral da União). Réu: Estado de São Paulo.
Decisão: O Tribunal, por unanimidade, decretou a extinção do processo, declarou
a prescrição e condenou a União ao pagamento de honorários profissionais fixados em
R$ 5.000,00 (cinco mil reais), tudo nos termos do voto do Relator. Falou pelo réu o Dr.
Marcos Ribeiro de Barros, Procurador do Estado. Ausente, justificadamente, a Ministra
Ellen Gracie. Presidiu o julgamento o Ministro Nelson Jobim.
Presidência do Ministro Nelson Jobim. Presentes à sessão os Ministros Sepúlveda
Pertence, Celso de Mello, Carlos Velloso, Marco Aurélio, Gilmar Mendes, Cezar Peluso,
Carlos Britto, Joaquim Barbosa e Eros Grau. Vice-Procurador-Geral da República, Dr.
Antonio Fernando Barros e Silva de Souza.
Brasília, 10 de novembro de 2004 — Luiz Tomimatsu, Secretário.

AÇÃO CAUTELAR 349 — MT

Relator: O Sr. Ministro Carlos Britto


Requerente: Associação dos Notários e Registradores do Estado de Mato Grosso –
ANOREG/MT — Requeridos: Governador do Estado de Mato Grosso e Assembléia
Legislativa do Estado de Mato Grosso
Constitucional e Processual Civil. Processos objetivo e subjetivo.
Exceções individuais de suspeição contra Desembargadores de Tribunal
de Justiça perante o qual foi ajuizada representação de inconstitucionali-
dade. Lei estadual n. 8.033/2003, também impugnada perante o Supremo
Tribunal Federal, na ADI 3.151. Medida cautelar para suspender a eficá-
cia da referida lei até o julgamento da representação ou das exceções.
Nesta Suprema Corte, a ADI 3.151 tramita sob o impulso do art. 12
da Lei n. 9.868/99.
Descabimento da medida cautelar porque as exceções de suspeição
representam um instituto típico do processo subjetivo, que não se aplica às
ações diretas de inconstitucionalidade, pela sua natureza objetiva.
Ademais, a maioria dos Desembargadores repeliu a pecha que lhes
endereçou a excipiente, mas as exceções ainda não foram julgadas. Sendo
assim, a competência originária desta colenda Corte para apreciar a
questão de direito material, alojada nos autos da cautelar, somente será
estabelecida se — e quando — o Supremo Tribunal acolher as referidas
exceções. Precedentes.
Não-conhecimento do pedido cautelar.
16 R.T.J. — 196

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo
Tribunal Federal, por seu Tribunal Pleno, na conformidade da ata do julgamento e das
notas taquigráficas, por maioria de votos, não conhecer da ação cautelar, nos termos do
voto do Relator, vencido o Ministro Marco Aurélio em relação à preliminar de conheci-
mento.
Brasília, 16 de fevereiro de 2005 — Nelson Jobim, Presidente — Carlos Ayres
Britto, Relator.

RELATÓRIO
O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto: Trata-se de ação cautelar aparelhada com re-
querimento de medida liminar, tendo por objeto suspender a eficácia da Lei estadual n.
8.033, de 17-12-2003, até que se dê o julgamento definitivo da Ação Direta de Incons-
titucionalidade n. 29.473/2004, proposta perante o Tribunal de Justiça do Estado do
Mato Grosso. Alternativamente, a autora pede que tal suspensão de eficácia permaneça
até o julgamento do pedido de liminar na citada ação direta ou, em último caso, até a
decisão que for proferida nas exceções de suspeição apresentadas nos autos da mesma
ADI n. 29.473, que impugna dispositivos do referido ato normativo estadual.
2. Segundo a inicial, a mencionada Lei n. 8.033/2003 obriga os notários e registra-
dores de Mato Grosso a pagar ao FUNAJURIS (Fundo do Tribunal de Justiça daquele
Estado) a quantia de R$0,10 (dez centavos) relativamente a cada selo de autenticidade
confeccionado e distribuído pela Casa da Moeda do Brasil. Entretanto, esse valor teria
de ser reduzido por força do Contrato n. 30/2004/TJ, celebrado entre aquele Tribunal e
a Casa da Moeda.
3. De acordo com a requerente, esta medida cautelar se faz necessária em decorrên-
cia das suspeições opostas em face de todos os Desembargadores do Tribunal de Justiça
local, para efeito do julgamento da citada ADI n. 29.473/2004, de modo que, agora,
compete a esta excelsa Corte o exame das referidas exceções e, se acaso acolhidas, a
apreciação da própria ação direta.
4. A seu turno, as exceções de suspeição têm como justificativa o fato de que os
Desembargadores daquele Tribunal encaminharam a esta Suprema Corte memoriais e
pareceres jurídicos defendendo a higidez constitucional da mesma Lei n. 8.033/2003, a
qual foi também impugnada por meio da ADI 3.151, de minha relatoria, ajuizada pela
Anoreg/Brasil. Raciocina a excipiente que, assim procedendo, os exceptos demonstra-
ram não possuir a isenção necessária para julgar a ação direta estadual, que versa o
mesmo assunto.
5. Pelo despacho de fl. 302, o Ministro Nelson Jobim, Presidente desta Casa,
determinou a citação dos requeridos — Governador e Assembléia Legislativa do Estado
de Mato Grosso —, deixando para depois o exame do pedido de liminar.
6. Quanto aos demandados, defenderam-se eles com alegação de inépcia da peti-
ção inicial, bem como de inocorrência dos pressupostos autorizadores do manejo da
ação cautelar (fls. 450/457 e 462/476).
R.T.J. — 196 17

7. Pois bem, os autos me foram redistribuídos, na condição de Relator da ADI


3.151, e deles abri imediata vista ao ilustrado Procurador-Geral da República, Prof.
Cláudio Fonteles, que opinou pelo não-conhecimento da medida.
8. Já em data de 19-10-2004, a requerente fez juntar petição em que defende o
cabimento da exceção de suspeição nos processos de índole objetiva.
É o relatório.

VOTO
O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto (Relator): A título de voto, tenho como necessário
esclarecer que existem duas representações de inconstitucionalidade na esfera estadual
sobre o assunto, hoje confiadas ao mesmo Relator, por dependência. Na primeira delas —
15.275/2004 —, o pedido de liminar foi indeferido (fls. 515/520). Após esse indeferimento
é que a acionante houve por bem ajuizar a presente medida nesta Suprema Corte. Porém,
aqui já existe, conforme visto, a ADI 3.151. Ação que tramita sob o impulso do art. 12 da
Lei n. 9.868/99; sem medida cautelar, portanto.
11. Feito este esclarecimento, deparo-me com duas razões, autônomas, para não
conhecer da presente ação. A primeira vincula-se aos termos em que formulado o pedido,
ou seja, medida cautelar em exceção de suspeição. Pois importante é anotar que se trata
de exceções individuais, ainda não julgadas. E, de acordo com o último despacho, no
Tribunal de Justiça, a maioria dos Desembargadores repeliu a pecha que lhes endereçou
a excipiente, mas os respectivos autos ainda não foram remetidos a esta colenda Corte,
para análise desse específico incidente. Portanto, a rigor, ainda não foi estabelecida a
competência do Supremo Tribunal Federal para apreciar qualquer outra matéria ligada,
direta ou indiretamente, à questão de fundo, como é o caso deste pedido de suspensão da
eficácia da Lei estadual n. 8.033/2003. Tal competência somente será firmada se — e
quando — esta Suprema Corte acolher as referidas exceções. Confira-se, a propósito, o
acórdão proferido no MS 21.306, Relator Ministro Carlos Velloso, de cuja ementa realço
a seguinte passagem:
“No caso de ter sido oposta exceção de suspeição dos Juízes do Tribunal
local, reconhecendo a maioria dos membros do Tribunal a suspeição, firma-se a
competência do STF, na forma do art. 102, I, n, da Constituição. Todavia, se a
exceção de suspeição é recusada, ao STF incumbe julgar, originariamente, a exce-
ção de suspeição. Acolhendo o Supremo Tribunal a referida exceção de suspeição,
então estará configurada a competência originária da Corte Suprema para julgar o
mandado de segurança. Precedente da Corte: AO 146-3-AgR/RJ, Rel. Min.
Pertence, 25-2-92.”
12. A segunda razão para o não-conhecimento desta medida deflui da constatação
de que ela, na verdade, é ancilar da mencionada ação direta de inconstitucionalidade e
utiliza as exceções de suspeição como ponte para alcançar esse objetivo mais elevado.
Ou seja, um instituto do processo subjetivo a serviço de um processo objetivo.
13. Nesse contexto, bem oportunas me parecem as considerações do ínclito
Procurador-Geral da República, vocalizadas nos seguintes termos (fls. 699/700):
“Antes mesmo do exame do pedido de cautelar, V. Exa., em percuciente
manifestação – fls. 693-695 –, antecipadamente abriu vista dos autos à Procura-
doria-Geral da República.
18 R.T.J. — 196

Nessa esteira, não se pode perder o foco do tema central, qual seja neste
primeiro instante, o próprio cabimento da medida cautelar em análise.
Sob tal ótica, como premissa do raciocínio que se seguirá, fique, desde logo,
assentada a natureza amplamente acessória do procedimento cautelar, sempre ten-
dente a servir de suporte à causa principal, via de regra, de cognição exauriente.
Assim, a viabilidade da ação cautelar está atrelada, umbilicalmente, à
pertinência da demanda ordinária. No caso concreto, a presente cautelar pretende
dar guarida às exceções de suspeição opostas junto ao Tribunal de Justiça do Mato
Grosso.
Acontece, contudo, que tais exceções se dão, ao arrepio de sua intrínseca
natureza, no bojo de um processo de controle concentrado de constitucionalidade.
Esse hábitat é completamente estranho aos incidentes típicos do processo civil
ordinário. Não vicejam nesse campo, árido a expedientes desse jaez. Isso tem boa
explicação na perspectiva ontológica do controle de constitucionalidade, na sua
acepção abstrata, que resulta na dicção, sempre recorrente na doutrina e jurispru-
dência, de que, apesar de ser exercido por meio de uma ação, não ostenta uma
pretensão resistida, pelo que também se deflui não haver o revolvimento de inte-
resses concretos, fáticos, e ainda, não existir partes em lide.
A justificação do controle abstrato de normas cinge-se a um processo de
fiscalização da supremacia da ordem constitucional, prática que, levada aos instru-
mentos processuais aplicáveis à ação direta, dá-nos a notícia de que, como leciona
Clèmerson Merlin Clève, “(…)a argüição de suspeição revela-se incabível no âmbito
do processo objetivo de controle normativo abstrato de constituticionalidade”.
Em última análise, portanto, as exceções de suspeição são expedientes que, a
toda evidência, não frutificarão. Sem respaldo também se mostra, na mesma medida,
a pretensão cautelar ora deduzida, pois, como estabelecido acima, é acessória à
ação de cognição exauriente a que presta suporte.
O pensamento que ora deduzo é exatamente o mesmo que desenvolvi na
manifestação ofertada na AO 991, da relatoria do Eminente Ministro Carlos
Velloso. Tais considerações, note-se, foram encampadas naquela esfera, proferindo
Sua Excelência despacho que refutou a competência do Supremo Tribunal Federal
para examinar ação direta de inconstitucionalidade ajuizada junto ao Tribunal de
Justiça do Mato Grosso do Sul, ascendida à Corte por suposta suspeição e impedi-
mento dos desembargadores, dando como ilegítimos tais obstáculos em face justa-
mente da natureza específica do controle concreto de constitucionalidade – DJ de
24/10/2003.”
14. Merece acolhida esse bem lavrado parecer do Ministério Público Federal,
quando não bastasse o primeiro fundamento deste voto.
15. Ante o exposto, não conheço da presente ação cautelar e condeno a requerente
a pagar aos requeridos honorários advocatícios, que fixo em 10% (dez por cento) sobre
o valor da causa, tendo em vista que houve apresentação de defesa.
16. É como voto.
R.T.J. — 196 19

VOTO
O Sr. Ministro Eros Grau: Senhor Presidente, em princípio vou acompanhar o
Ministro Relator, mas gostaria de indagar o seguinte: ainda que eu já possa pressupor
qual será o resultado da suspeição, quando apreciada — porque já há um entendimento
pacífico da Corte —, a verdade é que, pelo que entendi, foi recusada a suspeição, mas o
processo ficou parado. É isso?
O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto (Relator): Ainda não veio.
O Sr. Ministro Eros Grau: O prazo era de dez dias para que viesse.
O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto (Relator): Mas não chegou. Aliás, eles rejeita-
ram a suspeição; cada um a rejeitou. O fato é que o Pleno do Tribunal de Justiça ainda
não remeteu os autos a esta Corte. É isso que interessa, não é?
O Sr. Ministro Eros Grau: Parece-me — estou levantando uma questão de ordem
agora — que, conforme o artigo 313 do Código de Processo Civil, em caso contrário, em
que não haja o reconhecimento, os autos deveriam ser enviados para cá.
Vou acompanhar o voto do eminente Ministro Relator, mas vou sugerir que Sua
Excelência tome uma providência com relação a essa afronta ao artigo 313 do CPC.
O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Ministro Relator, o pedido da ação
cautelar é que se conceda a suspensão liminar da lei ordinária, que seria outorgada
dentro dos autos da ADI, aqui ou lá. Agora, está-se pedindo isso na ação cautelar em
relação ao problema da suspeição.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Senhor Presidente, o objeto da cautelar é único, e ela
se mostra com eficácia substitutiva quanto a pedido que poderia ser veiculado no pró-
prio processo subjetivo. Articula-se, a meu ver até com certa incongruência, a suspeição
dos integrantes do Tribunal de Justiça quando lá foram ajuizadas, pelo próprio autor da
cautelar, as ações diretas. Agora — eu ponderaria, e meu voto será nesse sentido —, creio
que cumpre, no caso, declinar da competência para que o Tribunal de Justiça julgue a
cautelar como entender de direito, até para declarar o autor carecedor da ação.
O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Esse pedido foi objeto da ação?
O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Nesse caso, existe uma ação dentro do Supremo
Tribunal Federal.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Sim, mas não se pede; aí é outra coisa também.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Já decidimos, depois de uma longa discussão
sobre o cabimento da ADI estadual à luz de normas de reprodução — normas da Consti-
tuição estadual, que reproduzem necessariamente normas da Constituição Federal (Rcl
383, Moreira Alves, RTJ 144/404). A maioria a entendeu cabível, contra o meu voto.
Mas, depois, o Tribunal decidiu que a ADI federal — digamos assim —, proposta perante
o Supremo Tribunal, com base em parâmetro da Constituição Federal, suspende a
estadual, fundada em normas locais de reprodução compulsória (Rcl 425, Néri, DJ de
22-10-93, ADI-MC 2.361, 11-10-01, Maurício, DJ de 1º-8-2003).
O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Ministro Marco Aurélio, uma dúvida: o
pedido não é alternativo, porque todos eles pleiteiam um efeito suspensivo à lei ordinária.
O tempo do pedido é que se distingue para até o julgamento definitivo da ação direta do
20 R.T.J. — 196

Mato Grosso — nós substituindo o Mato Grosso, claro —, ou até o julgamento do pedido
da liminar na ADI do Mato Grosso, ou, ainda, até o julgamento da suspeição lá no Mato
Grosso. Ou seja, em todas as hipóteses, o pedido que temos de decidir é o que se fez lá.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Se, por acaso, estiver havendo, quanto à apreciação
desta ou daquela matéria, usurpação da competência do Supremo Tribunal Federal, que
se venha com a reclamação. Até dialogava com o Ministro Gilmar Mendes sobre estar-
mos acionando o artigo 12 da Lei n. 9.868/99. Meu receio é que agora se venha com mais
papéis, ou seja, com a formalização de ações, com a criação de outros processos para se
alcançar a medida acauteladora, quando o mais fácil seria peticionar no próprio processo,
em curso no Supremo Tribunal Federal ou onde estiver, já que a competência para a
cautelar é definida pelo juízo competente para a ação principal.
O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Como já lembrado pelo Ministro Sepúlveda Pertence,
o entendimento hoje dominante no Tribunal é no sentido de que, havendo essas ações
paralelas perante o Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal, ocorrerá a suspen-
são do processo no âmbito estadual; logo, não haveria sequer objeto. Talvez fosse um
julgamento da cautelar na ADI, no âmbito do Supremo Tribunal Federal.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Esta, não tem pedido de cautelar no Tribunal
de segundo grau.
O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Tem pedido de cautelar e foi convertida no artigo 12.

VOTO
O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Senhor Presidente, não conheço da ação.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Senhor Presidente, declino da competência para o


Tribunal de Justiça.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Senhor Presidente, o Tribunal deu-se por competente.
Então, julgo o autor carecedor da ação proposta.
O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Então, Vossa Excelência não conhece
da ação.

EXTRATO DA ATA
AC 349/MT — Relator: Ministro Carlos Britto. Requerente: Associação dos
Notários e Registradores do Estado de Mato Grosso – ANOREG/MT (Advogados:
Lafayette Garcia Novaes Sobrinho e outro). Requeridos: Governador do Estado de
Mato Grosso (Advogado: PGE/MT – Alexandre Apolonio Callejas) e Assembléia
Legislativa do Estado de Mato Grosso (Advogado: Alexandre de Sandro Nery Ferreira).
Decisão: O Tribunal, por maioria, não conheceu da ação cautelar, nos termos do
voto do Relator, vencido o Ministro Marco Aurélio em relação à preliminar de conheci-
mento. Falou pela requerente o Dr. Lafayette Garcia Novaes Sobrinho. Presidiu o julga-
mento o Ministro Nelson Jobim.
R.T.J. — 196 21

Presidência do Ministro Nelson Jobim. Presentes à sessão os Ministros Sepúlveda


Pertence, Celso de Mello, Carlos Velloso, Marco Aurélio, Ellen Gracie, Gilmar Mendes,
Cezar Peluso, Carlos Britto, Joaquim Barbosa e Eros Grau. Procurador-Geral da República,
Dr. Cláudio Lemos Fonteles.
Brasília, 16 de fevereiro de 2005 — Luiz Tomimatsu, Secretário.

QUESTÃO DE ORDEM NA AÇÃO CÍVEL ORIGINÁRIA 555 — DF

Relator: O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence


Autor: Distrito Federal — Ré: União
Supremo Tribunal Federal: competência originária (CF, art. 102,
I, f): ação proposta por uma unidade federada, o Distrito Federal, contra
a União, caso em que, à fixação da competência originária do Tribunal,
sempre bastou a qualidade das pessoas estatais envolvidas, entidades
políticas componentes da Federação, não obstante a estatura menor da
questão: precedentes.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo
Tribunal Federal, em Sessão Plenária, na conformidade da ata do julgamento e das notas
taquigráficas, por maioria de votos, resolver a questão de ordem no sentido da compe-
tência do Supremo Tribunal Federal, nos termos do voto do Relator.
Brasília, 4 de agosto de 2005 — Nelson Jobim, Presidente — Sepúlveda Pertence,
Relator.

RELATÓRIO
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Cuida-se de ação proposta pelo Distrito Federal
contra a União, com o objetivo de obter o ressarcimento de remunerações e encargos
sociais pagos pelo autor a servidora da Câmara Legislativa do Distrito Federal, no período
em que esteve cedida ao Ministério dos Transportes, para o exercício de cargo em
comissão.
O Ministério Público Federal — parecer do il. Subprocurador-Geral Wallace Bastos,
aprovado pelo então Procurador-Geral da República — opinou pelo não-seguimento da
ação, por incompetência originária do Supremo Tribunal.
Extrato do parecer (fls. 194/195):
“(...) a jurisprudência pacífica dessa Colenda Corte está assentada no sentido
de que a hipótese de competência constitucional do STF, prevista na alínea f do
inciso I do art. 102 da Carta da República está restrita a casos excepcionais, em que
estejam em discussão os princípios informativos do pacto federativo, não incidindo,
portanto, naquelas situações em que o objeto da demanda seja de cunho exclusiva-
mente patrimonial, como ocorre na espécie dos autos.
22 R.T.J. — 196

É ver como ficou decidido pelo Plenário do Colendo Supremo Tribunal


Federal, nos autos da Ação Cível Originária n. 359-8/SP, Relator Ministro Celso de
Mello, em Sessão de 04.08.93, publicado no DJ de 11.03.94, nas linhas do acórdão
cuja ementa é transcrita a seguir:
“Ação de execução movida por sociedade de economia mista contro-
lada pelo Estado de São Paulo contra o Estado do Maranhão – incompetên-
cia do STF – Inteligência do art. 102, i, f, da constituição – inexistência de
conflito federativo – pedido não conhecido.
– O art. 102, I, f, da Constituição confere ao STF a posição eminente de
Tribunal da Federação, atribuindo-lhe, nessa condição, o poder de dirimir as
controvérsias que, irrompendo no seio do Estado Federal, oponham as unidades
federadas umas às outras.
A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, na definição do alcance
dessa regra de competência originária da Corte, tem enfatizado o seu caráter
de absoluta excepcionalidade, restringindo a sua incidência às hipóteses de
litígios cuja potencialidade ofensiva revele-se apta a vulnerar os valores que
informam o princípio fundamental que rege, em nosso ordenamento jurídico,
o pacto da Federação.
Ausente qualquer situação que introduza a instabilidade no equilíbrio
federativo ou que ocasione a ruptura da harmonia que deve prevalecer nas
relações entre as entidades integrantes do Estado Federal, deixa de incidir,
ante a inocorrência dos seus pressupostos de atuação, a norma de competên-
cia prevista no art. 102, I, f, da Constituição.
Causas de conteúdo estritamente patrimonial, fundadas em títulos exe-
cutivos extrajudiciais, sem qualquer substrato político, não justificam se
instaure a competência do Supremo Tribunal Federal prevista no art. 102, I, f,
da Constituição, ainda que nelas figurem, como sujeitos da relação litigiosa,
em pessoa estatal e um ente dotado de paraestatalidade.”
Nesse passo, uma vez reconhecida, na espécie, a ausência de conflito inerente
à violação do pacto federativo, tem-se que essa Colenda Corte é absolutamente
incompetente para processar e julgar a presente Ação Cível Originária, à conside-
ração que não restou configurada a hipótese prevista pelo art. 102, I, f da Constitui-
ção Federal.
Incidência da Lei n. 8.038/90, art. 38.
Tais as considerações, é o parecer pelo não seguimento da ação cível originária
em comento.”
Em questão de ordem, submeto ao Tribunal a questão de sua competência originária
para o processo.
É o relatório.
R.T.J. — 196 23

VOTO
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Relator): A jurisprudência invocada no parecer
da Procuradoria-Geral é fruto do que já chamei de audaciosa redução teleológica na
inteligência da alínea f do art. 102, III, da Constituição, de modo a adstringir a sua
competência originária para causas cíveis em que entidades da Administração indireta
federal, estadual ou distrital contendam entre si ou com entidade política da Federação
diversa daquela a cuja estrutura se integrem àquelas nas quais, pelo objeto da ação ou a
natureza da questão envolvida, se reconheça “conflito federativo”.
Todos os precedentes que lastrearam dita orientação pretoriana são atinentes a
processos em que partes uma ou mais entidades da Administração indireta: confiram-se
tanto os casos em que — considerado o conteúdo da lide — se concluiu pela incompe-
tência do Tribunal (v.g., sob a Constituição vigente: ACO 396-QO, 28-3-90, RTJ 132/
109; ACO 417, 18-11-90, Pertence, RTJ 133/1059; ACO 359-QO, 4-8-93, Celso, RTJ 152/
366; Pet 1.286-AgR, 28-5-97, Ilmar, DJ de 29-5-98; ACO 509-AgR, 3-6-97, Velloso, RTJ
179/32; ACO 573-QO, Ilmar, RTJ 172/354; ACO 519-QO, 2-9-99, Néri, DJ de 28-4-00),
quanto aqueles outros nos quais — segundo o mesmo critério de ponderação das implica-
ções federativas do conflito —, o Supremo se declarou competente (v.g., ACO 477-QO, 18-
10-95, Moreira, RTJ 162/437 — domínio de terras devolutas disputado entre autarquia
federal e Estado-Membro; ACO 593-QO, 7-6-01, Néri, RTJ 182/420 — relativa a apro-
veitamento de potencial hidráulico; ACO 515-QO, 4-9-02, Ellen, RTJ 183/8 — atinente
a extensão da imunidade tributária recíproca à autarquia federal; ACO 730, 22-9-04,
Joaquim, DJ de 1º-10-04 — MS contra o Banco Central, a respeito do poder de CPI
estadual para requisitar quebra de sigilo bancário).
Ao contrário, quando o conflito se trava entre duas entidades políticas da Federa-
ção — União, Estado-membro e Distrito Federal —, o Tribunal tem invariavelmente
reconhecido a sua competência originária, independentemente da maior ou menor
relevância federativa do objeto ou das questões envolvidas na lide.
Assim, na ACO 447-QO, para rejeitar a preliminar de incompetência suscitada pela
PGR, o Tribunal, por votação unânime, acolheu o voto do Relator, em. Ministro Octavio
Galloti, para assentar, conforme a ementa — DJ de 14-5-93 e JSTF, Lex 177/5:
“Competência originária do Supremo Tribunal, anteriormente recusada por
não se caracterizar conflito federativo, em ação movida por empresa pública federal
(EBTU), contra o Distrito Federal.
Solução que não mais subsiste quando, liquidada a empresa, passa a União a
figurar formalmente como ré na relação processual (art. 102, I, f, da Constituição),
caso em que se impõe o reconhecimento da competência desta Corte.”
No voto condutor, frisou o Ministro Gallotti:
“O temperamento instituído pelo Tribunal em relação aos entes da adminis-
tração indireta, segundo a natureza da causa, não encontra lugar, em meu entender,
quando se passe a tratar de ação em que sejam formalmente partes, num pólo, a
União Federal e, no outro, algum Estado da Federação ou o Distrito Federal.
24 R.T.J. — 196

Nessa última hipótese, que é a dos autos (Autor o Distrito Federal e Ré a


própria União), julgo inarredável o reconhecimento da competência originária do
Supremo Tribunal, nos termos do art. 102, I, f, da Constituição.”
Na mesma trilha, a decisão — novamente contra o parecer do Ministério Público
Federal — do MS 22.042, 22-2-95, Relator o em. Ministro Moreira Alves, cujo voto
partiu da existência de conflito entre o órgão do Estado-Membro — o Ministério Público
do Estado de Roraima — e o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios, acerca
da competência para compor a lista tríplice de candidatos ao quinto do MP na composi-
ção inicial do Tribunal de Justiça daquela unidade federada, então recém-criada (RTJ
164/122).
Recordo finalmente a ACO 391, quando se reconheceu firmada a competência origi-
nária do Supremo Tribunal para conhecer de ação da imissão de posse proposta por socie-
dade de economia mista estadual contra particular, dadas a intervenção do Estado em
apoio da autora, de um lado, e, de outro, a oposição deduzida pela União, pretendendo-se
titular do domínio do imóvel (ACO 391, 2-10-96, Rel. vencido Velloso, DJ de 4-4-97).
Essa distinção da jurisprudência — que circunscreveu à esfera da Administração
indireta a interpretação redutora da sua competência originária — se não se extrai da
literalidade da alínea questionada, tem explicação histórica, bem recordada no parecer
do il. Procurador da República Paulo Gonet Branco, do qual partiu meu voto no primeiro
dos precedentes referidos (ACO 417-QO, RTJ 133/1059).
Com efeito.
A competência originária do Supremo, no ponto, se manteve restrita “às causas e
conflitos entre a União e os Estados, ou entre estes uns com os outros”, na primeira
Constituição da República (art. 59, I, c) até a Carta de 1967, que a estendeu às entidades
das respectivas administrações indiretas: a partir de então é que — sempre limitada ao
âmbito da inovação — surgiu a redução teleológica de sua literalidade na jurisprudên-
cia do Tribunal, seja para adstringir-lhe o alcance às hipóteses em que “a causa envol-
vesse entes localizados em unidades federadas diversas” (ACO 202, Xavier, RTJ 68/3),
seja — critério que domina mais recentemente —, àquelas nas quais a lide, por seu
objeto ou pela relevância dos temas jurídicos suscitados, possa “pôr em risco o
equilíbrio federativo”.
O caso, no entanto, é de ação proposta por uma unidade federada, o Distrito Federal,
contra a União, caso em que, repito, à fixação da competência originária do Tribunal
sempre bastou a qualidade das pessoas estatais envolvidas, entidades políticas compo-
nentes da Federação, não obstante a estatura menor da questão.
Esse o quadro, resolvo a questão de ordem no sentido de declarar a competência do
Supremo Tribunal: é o meu voto.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Senhor Presidente, o pano de fundo é único: a
cessão de certa servidora e a controvérsia quanto à responsabilidade pelo pagamento
dos vencimentos.
Ante esse aspecto e considerado o voto que proferi há pouco em reclamação voltada
não a obstaculizar a transposição do Rio São Francisco, mas a implementar trabalho de
conservação ambiental, peço vênia ao Relator para concluir pela incompetência da Corte.
R.T.J. — 196 25

VOTO
O Sr. Ministro Carlos Britto: Sr. Presidente, com a devida vênia do Ministro Relator,
acompanho a divergência apontada pelo Ministro Marco Aurélio.

EXTRATO DA ATA
ACO 555-QO/DF — Relator: Ministro Sepúlveda Pertence. Autor: Distrito Federal
(Advogada: PGDF – Maria Zuleika de Oliveira Rocha). Ré: União (Advogado: Advogado-
Geral da União).
Decisão: O Tribunal, por maioria, resolveu a questão de ordem no sentido da
competência do Supremo Tribunal Federal, nos termos do voto do Relator, vencidos os
Ministros Marco Aurélio e Carlos Britto. Ausentes, justificadamente, os Ministros Celso
de Mello e Carlos Velloso. Presidiu o julgamento o Ministro Nelson Jobim.
Presidência do Ministro Nelson Jobim. Presentes à sessão os Ministros Sepúlveda
Pertence, Marco Aurélio, Ellen Gracie, Gilmar Mendes, Cezar Peluso, Carlos Britto, Joa-
quim Barbosa e Eros Grau. Vice-Procurador-Geral da República, Dr. Roberto Monteiro
Gurgel Santos.
Brasília, 4 de agosto de 2005 — Luiz Tomimatsu, Secretário.

QUESTÃO DE ORDEM NA AÇÃO CÍVEL ORIGINÁRIA 684 — MG

Relator: O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence


Autores: Conselho Regional de Medicina de Minas Gerais e outro — Réu: Estado de
Minas Gerais — Litisconsorte Passivo: Fundação Educacional de Caratinga – FUNEC
Supremo Tribunal Federal: competência: ação civil pública em que
autarquia federal controverte com Estado-Membro sobre a competência
federal ou estadual para credenciar e autorizar o funcionamento de curso
de nível superior de entidade privada de ensino: litígio acerca de divisão
constitucional de competência entre a União e Estado-Membro, que atrai
a competência originária do STF (CF, art. 102, I, f ); precedente (ACO
593-QO, Néri da Silveira, DJ de 14-12-2001).

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribu-
nal Federal, em Sessão Plenária, na conformidade da ata do julgamento e das notas
taquigráficas, por maioria de votos, decidir a questão de ordem no sentido da competên-
cia originária do Supremo Tribunal Federal, nos termos do voto do Relator.
Brasília, 4 de agosto de 2005 — Nelson Jobim, Presidente — Sepúlveda Pertence,
Relator.
26 R.T.J. — 196

RELATÓRIO
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Cuida-se de ação civil pública ajuizada pelo
Conselho Regional de Medicina de Minas Gerais — entidade autárquica federal, o
Sindicato dos Médicos de Minas Gerais e a Associação Médica de Minas Gerais, com
pedido de tutela antecipada, no Juízo Federal de primeira instância daquela unidade da
Federação, com o objetivo de obter a nulidade do Decreto 42.178, de 20 de dezembro de
2001, DOE de 21-12-2001, pelo qual o Governador do Estado de Minas Gerais credenciou
a Faculdade de Medicina de Caratinga, mantida pela Fundação Educacional de Caratinga,
e autorizou o funcionamento do respectivo Curso de Medicina.
Funda-se o pedido na ilegalidade e na inconstitucionalidade do decreto estadual,
por afronta à Lei 9.394/96 (Lei de ‘Diretrizes e Bases da Educação Nacional’) e aos
artigos 22, XXIV, e 24, IX — regras que determinam a competência privativa da União
para estabelecer as diretrizes e bases da educação nacional e para legislar concorrente-
mente sobre educação — bem como ao artigo 211, todos da Constituição Federal.
O Juiz Federal da 21ª Vara de Minas Gerais, invocando o artigo 102, I, f, da Consti-
tuição Federal, declinou da competência para o Supremo Tribunal Federal (fls. 621/626).
Extrato da decisão de primeiro grau:
“(...) No caso em pauta, em face da suspensão cautelar da eficácia do art. 58,
caput e seus parágrafos (com exceção do § 3º), da Lei 9.649/98, na decisão profe-
rida na ADI 1.717/DF pelo Supremo Tribunal Federal, as entidades fiscalizadoras
de profissões, entre elas o Conselho Regional de Medicina, retornaram a condição
de autarquias federais, dotadas de personalidade jurídica de direito público, inte-
grantes, portanto, da administração indireta.
Consoante se percebe, são conflitantes os interesses da autarquia federal de
fiscalização do exercício profissional (CRM) e o interesse do Estado-Membro que
credenciou e autorizou o funcionamento do Curso de Medicina, a despeito de se
tratar de instituição de ensino superior mantida pela iniciativa privada e, nestas
condições, apto a desencadear um possível desequilíbrio no pacto federativo tendo
em vista as normas encartadas na Lei Fundamental acerca da repartição de compe-
tência entre a União, Estados e o Distrito Federal para a organização de seus siste-
mas de ensino e ainda a competência privativa da União para legislar sobre diretri-
zes e bases da educação nacional.
Não desconheço que a competência prevista no art. 102, I, f, da Constituição
restringe-se, segundo iterativos julgados da Suprema Corte, às hipóteses de litígios
cuja potencialidade ofensiva revele-se apta a ofender o pacto federativo.
Conquanto reconheça que a autarquia em questão, tenha sede e estrutura
regional de representação no território estadual respectivo, na hipótese dos autos,
todavia o tema em questão (organização dos respectivos sistemas de ensino) poderá
deflagrar um possível desequilíbrio no pacto federativo, tendo em vista o disposto
no art. 81 e 82 e respectivos parágrafos, ambos do Ato das Disposições Transitórias
do Estado de Minas Gerais nos quais – não é demasiado recordar – o Estado-
Membro sustenta a sua competência para credenciar e autorizar o funcionamento do
Curso de Medicina ao fundamento de que a Fundação mantenedora do estabeleci-
mento educacional integra o Sistema Estadual de Ensino, a despeito de se tratar de
instituição de ensino superior mantida pela iniciativa privada”.
R.T.J. — 196 27

Após invocar precedente do STF (ACO-QO 593, Néri da Silveira), no qual se deci-
diu pela competência deste Tribunal para “julgar demanda que comprometa o equilí-
brio federativo e ainda disponha a respeito de competências no âmbito federativo”,
continua o magistrado:
“No caso sob apreciação, a competência da Suprema Corte para conhecer e
julgar a questão se revela ainda mais evidente quando se verifica que os arts. 81 e
82, ambos do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição
do Estado de Minas Gerais, estão sendo alvo de controle concentrado de
constitucionalidade mediante a propositura da ADI 2.501-5, Rel. o Sr. Ministro
Moreira Alves, tendo o Tribunal conhecido parcialmente da ação relativamente
aos parágrafos primeiro e segundo do art. 81 e ao artigo 82, com exceção do
parágrafo terceiro, mas nesta parte, indeferido a medida cautelar, para suspender-
lhes a eficácia.
Diante deste quadro, o pano de fundo da presente ação — notadamente a
alegada impossibilidade de a instituição de ensino superior mantida pela iniciativa
privada permanecer sob a supervisão pedagógica do Conselho Estadual de Educação
(art. 82, parágrafo primeiro, inciso II, do Ato das Disposições Constitucionais Tran-
sitórias da Constituição do Estado de Minas Gerais — continua pendente de apre-
ciação pela Suprema Corte a recomendar o julgamento simultâneo e decisão uni-
forme dos feitos”.
A Procuradoria-Geral da República, em parecer do eminente Procurador-Geral
Cláudio Fonteles, opina pela devolução dos autos ao Juízo de origem, competente, no
seu entender, para a causa.
Lê-se no parecer (fls. 642/648):
“Manifestando-se acerca do alcance da norma prevista o artigo 102, inciso I,
alínea f, da Constituição Federal, este Excelso Pretório “tem enfatizado o seu
caráter de absoluta excepcionalidade, restringindo a sua incidência às hipóteses
de litígios cuja potencialidade ofensiva revele-se apta a vulnerar os valores que
informam o princípio fundamental que rege, em nosso ordenamento jurídico, o
pacto da Federação. Ausente qualquer situação que introduza a instabilidade no
equilíbrio federativo ou que ocasione a ruptura da harmonia que deve prevalecer
nas relações entre as entidades integrantes do Estado Federal, deixa de incidir, ante
a inocorrência dos seus pressupostos de atuação, a norma de competência prevista
no art. 102, I, f, da Constituição”. (STF – Tribunal Pleno – ACO 359 QO/SP.
Ministro-Relator: Celso de Mello, D.J. de 11.03.1994, p. 4110).
(...)
Depreende-se da análise dos autos que o âmago da discussão em apreço
circunscreve-se a possível usurpação de competência da União para “autorizar,
reconhecer, credenciar, supervisionar e avaliar, respectivamente, os cursos das ins-
tituições de educação superior”, criadas e mantidas pela iniciativa privada, conso-
ante preceituam os artigos 9º e 16, da Lei Federal n. 9394/96.
A despeito da regra jurídica supracitada, releva ressaltar que, eventual
usurpação da competência da União, como no presente caso, não tem o condão de
28 R.T.J. — 196

gerar instabilidade no equilíbrio do pacto federativo, como decidiu o Juízo a quo.


Existe, no ordenamento jurídico pátrio, meio adequado para resolver pendências
desta natureza – controle concentrado de constitucionalidade.
(...)
Neste contexto, afigura-se relevante trazer à colação decisão proferida por este
Excelso Pretório em caso análogo, cujo teor restou consignado nos seguintes termos:
“Decisão: Cabe verificar, preliminarmente, se a presente causa inclui-se,
ou não, na esfera de competência originária do Supremo Tribunal Federal,
especialmente em face da decisão, proferida pelo magistrado de primeira
instância, de que se subsume, a espécie ora em exame, à regra consubstanciada
no art. 102, I, f, da Constituição da República (fls. 270/271). Impõe-se ter
presente, neste ponto, considerada a norma inscrita no art. 102, I, f, da
Constituição, que essa regra de competência confere, ao Supremo Tribunal
Federal, a posição eminente de Tribunal da Federação, atribuindo, a esta
Corte, em tal condição institucional, o poder de dirimir as controvérsias,
que, ao irromperem no seio do Estado Federal, culminam, perigosamente,
por antagonizar as unidades federadas. Essa magna função jurídico-insti-
tucional da Suprema Corte impõe-lhe o gravíssimo dever de velar pela in-
tangibilidade do vínculo federativo e de zelar pelo equilíbrio harmonioso
das relações políticas entre as pessoas estatais que integram a Federação
brasileira. (...) É por tal razão que esse preceito constitucional somente
incide naquelas controvérsias que possam provocar situações caracteriza-
doras de conflito federativo (RTJ 132/109 - RTJ 132/120). O alcance dessa
regra de competência originária do Supremo Tribunal Federal foi claramente
exposto pelo eminente Ministro Sepúlveda Pertence, que, ao julgar a ACO
417/PA, destacou a ratio subjacente à norma constitucional em questão, assi-
nalando-lhe o caráter de absoluta excepcionalidade: “(...) a jurisprudência da
Corte traduz uma audaciosa redução do alcance literal da alínea questionada
da sua competência original: cuida-se, porém, de redução teleológica e siste-
maticamente bem fundamentada, tão-manifesta, em causas como esta, se
mostra a ausência dos fatores determinantes da excepcional competência
originária do STF para o deslinde jurisdicional dos conflitos federativos.”
(RTJ 133/1059-1062, 1062 - grifei)
(...)
A partir dessa orientação, mostra-se inequívoco que o preceito cons-
tante do art. 102, I, f, in fine, da Constituição revela-se inaplicável aos litígios,
que, desvestidos de qualquer projeção de caráter institucional, em nada afe-
tam as relações políticas entre as unidades federadas (RTJ 81/675, Rel. Min.
Leitão de Abreu - RTJ 95/485, Rel. Min. Xavier de Albuquerque), tal como
ocorre na espécie ora em exame. A diretriz jurisprudencial prevalecente no
Supremo Tribunal Federal, firmada a partir da exegese da regra inscrita no
art. 102, I, f, da Constituição, resultou de sucessivas decisões que não têm
reconhecido, na mera instauração de processos judiciais, a possibilidade
de ocorrência de conflito federativo, notadamente quando se tratar de causas
promovidas (a) por sociedade de economia mista federal contra entidade da
R.T.J. — 196 29

administração indireta de Estado-membro (RTJ 132/109, Rel. Min. Sydney


Sanches - RTJ 132/120, Rel. Min. Sydney Sanches), ou (b) por sociedade de
economia mista federal contra Estado-membro da Federação (RTJ 98/5, Rel.
Min. Leitão de Abreu), ou (c) por sociedade de economia mista, instituída
pelo Distrito Federal, contra Estado-membro (ACO 597-AgR/SC, Rel. Min.
Celso de Mello), ou (d) por Estado-membro contra sociedade de economia
mista federal (ACO 193/PE, Rel. Min. Djaci Falcão), ou (e) por autarquia
federal contra Estado-membro (RTJ 133/1059, Rel. Min. Sepúlveda Pertence
- ACO 482/RJ, Rel. Min. Carlos Velloso), ou (f) por empresa pública federal
contra o Distrito Federal (ACO 428/DF, Rel. Min. Carlos Velloso), ou, ainda,
(g) por Estado-membro contra autarquia federal (RTJ 62/563, Rel. Min. Bilac
Pinto - ACO 450/PE, Rel. Min. Sepúlveda Pertence), mesmo porque - conso-
ante tem sido sempre enfatizado - tais controvérsias não caracterizam, só
por si, “conflito de interesses capaz de pôr em risco a harmonia federativa”
(ACO 537/MG, Rel. Min. Nelson Jobim - grifei). (...)
(STF – ACO 641/AC. Ministro-Relator: Celso de Mello. DJ 19.12.2002,
p. 136, sem grifos no original).
Na esteira de tal entendimento, infere-se que a controvérsia em apreço não é
suficiente para atrair a competência desta Excelsa Corte para julgar o presente
feito. A discussão travada nos autos da ação civil pública não tem o condão de
colocar em risco a harmonia federativa, razão porque a presente ação cível originá-
ria não deve ser conhecida.”
Para que se decida sobre a competência, submeto o caso ao Plenário, em questão de
ordem.
É o relatório.

VOTO
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Relator): Não têm pertinência à espécie os
precedentes recordados no parecer da Procuradoria-Geral da República, nos quais o
Tribunal se declarou incompetente.
Assim, v.g., na ACO 417, Pertence, cuidava-se de mera ação de cobrança de contri-
buições previdenciárias movida pelo Iapas contra Estado-Membro; na ACO 597, Celso,
instituição financeira de economia mista questionava “a validade jurídica de opera-
ções de índole financeira e de conteúdo negocial e obrigacional”.
Para temas como esses, de cunho meramente patrimonial, é que entendo sustentável
a “redução teleológica” a que procedeu o Tribunal na dicção literal do art. 102, I, f, da
Constituição.
Ao contrário, não há como negar que é desta Corte a competência originária para
conhecer de causa em que pessoas jurídicas relacionadas naquele inciso litigam acerca
da divisão constitucional de competência entre a União e os Estados-Membros.
Nesse sentido, por exemplo, a afirmação da competência originária do Supremo na
ACO 593, 7-6-01, Relator o em. Ministro Néri da Silveira, que dizia “com as compe-
tências da União Federal e dos Estados, acerca do aproveitamento dos potenciais hidráu-
licos e da realização de obras atingindo rios de curso interestadual e ainda a respeito
30 R.T.J. — 196

da partição de competências, no âmbito federativo, sobre a proteção ambiental e os


embaraços que Estados possam opor a obras atinentes à geração de energia elétrica”.
Estou em que, igualmente, se impõe reconhecê-la na espécie, em que autarquia
federal controverte com Estado-Membro sobre a competência federal ou estadual para
credenciar e autorizar o funcionamento de curso de nível superior de entidade privada
de ensino.
Desnecessário demonstrar que, para o fim cogitado, não se reduz o risco de “conflito
federativo” à iminência de guerra civil ou similar; basta cuidar-se de controvérsia jurídica
relevante sobre a demarcação dos âmbitos materiais de competência dos entes que com-
põem a Federação.
Resolvo, pois, a questão de ordem no sentido de declarar a competência originária
do Supremo Tribunal para o caso: é o meu voto.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Senhor Presidente, reafirmo o caráter excepcional


da competência da Corte.
Não deixo de reconhecer que o Conselho Regional de Medicina de Minas Gerais
é uma autarquia corporativista. Todavia, esse fato — e estamos aqui diante de um conse-
lho regional e não de um conselho federal — não é suficiente para atrair a competência
do Supremo, no que ajuizada, pelo citado Conselho, ação civil pública contra o Estado
de Minas Gerais.
Por isso, peço vênia para subscrever o parecer da Procuradoria-Geral da República
e assentar a incompetência da Corte.

EXTRATO DA ATA
ACO 684-QO/MG — Relator: Ministro Sepúlveda Pertence. Autores: Conselho
Regional de Medicina de Minas Gerais e outro (Advogados: Paulo Neves de Carvalho e
outro, Silmara Nogueira Vidal e outro). Réu: Estado de Minas Gerais (Advogado: PGE/
MG – Roney Luiz Torres Alves da Silva). Litisconsorte Passivo: Fundação Educacional de
Caratinga – FUNEC (Advogado: Thales Rezende Coelho Alves).
Decisão: O Tribunal, por maioria, decidiu a questão de ordem no sentido da
competência originária do Supremo Tribunal Federal, nos termos do voto do Relator,
vencidos os Ministros Marco Aurélio e Carlos Britto. Ausentes, justificadamente, os
Ministros Celso de Mello e Carlos Velloso. Presidiu o julgamento o Ministro Nelson
Jobim.
Presidência do Ministro Nelson Jobim. Presentes à sessão os Ministros Sepúlveda
Pertence, Marco Aurélio, Ellen Gracie, Gilmar Mendes, Cezar Peluso, Carlos Britto, Joa-
quim Barbosa e Eros Grau. Vice-Procurador-Geral da República, Dr. Roberto Monteiro
Gurgel Santos.
Brasília, 4 de agosto de 2005 — Luiz Tomimatsu, Secretário.
R.T.J. — 196 31

AGRAVO REGIMENTAL NA AÇÃO CAUTELAR 700 — RO

Relator: O Sr. Ministro Carlos Britto


Agravante: Marcos Antônio Donadon — Agravado: Ministério Público do Estado
de Rondônia
Constitucional. Imunidade processual. CF, art. 53, § 3º, na redação da
EC 35/2001. Deputado estadual. Mandatos sucessivos. Efeito suspensivo a
recurso extraordinário. Liminar indeferida. Agravo regimental.
O Supremo Tribunal Federal, em várias oportunidades, firmou o
entendimento de que a Emenda Constitucional n. 35, publicada em 21-12-
2001, tem aplicabilidade imediata, por referir-se a imunidade processual,
apta a alcançar as situações em curso.
Referida emenda “suprimiu, para efeito de prosseguimento da
persecutio criminis, a necessidade de licença parlamentar, distinguindo,
ainda, entre delitos ocorridos antes e após a diplomação, para admitir,
somente quanto a estes últimos, a possibilidade de suspensão do curso da
ação penal” (Inq 1.637, Ministro Celso de Mello).
Em face desta orientação, carece de plausibilidade jurídica, para o
fim de atribuir-se efeito suspensivo a recurso extraordinário, a tese de que
a norma inscrita no atual § 3º do art. 53 da Magna Carta se aplica tam-
bém a crimes ocorridos após a diplomação de mandatos pretéritos.
Agravo regimental desprovido.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turma
do Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence, na
conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos,
conhecer do agravo regimental na ação cautelar, mas lhe negar provimento, nos termos
do voto do Relator.
Brasília, 19 de abril de 2005 — Sepúlveda Pertence, Presidente — Carlos Ayres
Britto, Relator.

RELATÓRIO
O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto: Trata-se de agravo regimental contra decisão
que indeferiu o requerimento de liminar, feito em ação cautelar; esta ajuizada com o
objetivo de imprimir efeito suspensivo ao RE 429.167, interposto pelo Deputado
estadual rondoniano Marcos Antônio Donadon.
2. Começo por esclarecer que o referido parlamentar responde a uma ação penal no
Tribunal de Justiça, por crimes contra a Administração Pública estadual, que ele teria
praticado quando exercia o cargo de Presidente da Assembléia Legislativa do Estado de
Rondônia. Crimes previstos nos artigos 288 e 312 do Código Penal (quadrilha ou bando
e peculato).
32 R.T.J. — 196

3. Ao oferecer a denúncia, em junho de 1999, o Procurador-Geral de Justiça solici-


tou autorização da mesma Assembléia para abertura do processo. Entretanto, com o
advento da Emenda Constitucional 35/2001, que alterou a redação do art. 53 da Magna
Carta, essa providência (licença da Assembléia) se tornou desnecessária e, em conseqüên-
cia, a denúncia foi recebida.
4. Ato contínuo, o processo foi suspenso, na forma do novel § 3º do art. 53 da Lex
Legum, conforme decisão da Casa Legislativa, acatada pela Relatora do feito. Inconfor-
mado, agravou regimentalmente o Procurador-Geral, ao fundamento de que todos os
supostos crimes foram cometidos antes da diplomação do réu, razão pela qual não poderia
este se beneficiar da chamada imunidade formal ou processual.
5. Essa tese jurídica — acrescento eu — foi aceita pelo Tribunal de Justiça, dando
ensejo ao recurso extraordinário acima referido, cujos autos se encontravam na Procura-
doria-Geral da República, à época em que proferi a decisão ora impugnada.
6. No recurso e nesta ação cautelar, o requerente — hoje cumprindo o terceiro
mandato — desenvolve o seguinte raciocínio, in verbis (fl. 06):
“ (...)
O texto da Constituição Federal faz alusão apenas a “(...) crime ocorrido após
a diplomação (...)”, não especificando que a referida “(...) diplomação (...)” haveria
de estar em curso, em mandato atual. Não há na letra da Carta Magna qualquer
restrição quanto a crimes ocorridos após a diplomação de mandatos pretéritos.
(...)”
7. Dito isso, anoto que o peticionário, ao requerer efeito suspensivo ao citado
apelo extremo, tem em mira “a imediata suspensão dos efeitos do julgado impugnado,
impedindo-se, por conseguinte, a tramitação do processo criminal contra o requerente,
até deliberação definitiva desse Egrégio Supremo Tribunal Federal no Recurso Extraor-
dinário”. Nada obstante, por entender ausente o requisito do fumus boni iuris, tive que
indeferir a liminar.
8. Pois bem, irresignado, o combativo parlamentar assestou o presente agravo
regimental. Neste, repisou os fundamentos da inicial, acrescidos de lições doutrinárias e
do argumento de que a eventual suspensão do processo não prejudicará a persecutio
criminis ao término do mandato, pois suspensa também estará a prescrição, na forma do
art. 53, § 5º, da Carta de Outubro.
10. O perigo da demora persiste, segundo o agravante, pois ele foi intimado para
comparecer à audiência de sumário de culpa, designada para o dia 27-4-2005. Observa
ele, ademais, que o processo penal está sendo conduzido, na origem, com inusitada
celeridade.
11. Por fim, como tenho por acertado o ponto de vista constante da decisão atacada,
submeto-a ao exame desta egrégia Turma, juntamente com o agravo regimental.
É o relatório.
R.T.J. — 196 33

VOTO
O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto (Relator): Atesto, inicialmente, que a decisão
agravada foi proferida em 30-3-2005, quando a urgência do pedido se media pela imi-
nência do interrogatório do requerente, marcado para o dia seguinte. Como o interroga-
tório já foi realizado, a inquietação do agravante volta-se para a audiência destinada à
oitiva das testemunhas de acusação, designada para o dia 27-4-2005.
14. Feito esse esclarecimento, transcrevo a parte nuclear da decisão agravada, in
verbis (fl. 107):
“11. Resta a aparência do bom direito, a ser extraída da dicção do art. 53, § 3º,
da Carta de Outubro, que tem o seguinte teor:
“Art. 53 (...)
§ 3º Recebida a denúncia contra Senador ou Deputado, por crime ocor-
rido após a diplomação, o Supremo Tribunal Federal dará ciência à Casa
respectiva, que, por iniciativa de partido político nela representado e pelo
voto da maioria de seus membros, poderá, até a decisão final, sustar o anda-
mento da ação.”
12. Ora, não me cabe fazer nenhum prejulgamento de mérito, neste passo.
Mas a primeira leitura que se faz do texto acima transcrito traz a idéia de que a
diplomação, no caso, é aquela que deu origem ao mandato atual do parlamentar,
numa relação de causa e conseqüência. Mandatos anteriores resultaram de
diplomações que já exauriram seus efeitos. Assim, fica difícil, à primeira vista,
projetar a imunidade processual de uma investidura para outra, transitando-se no
tempo sem respeitar os marcos fixados por duas manifestações distintas da vontade
popular. Afinal, um mandato não é continuação do outro.
13. Por isso é que a tese do recorrente merece maior reflexão, a ser feita
oportunamente nos autos do recurso extraordinário, se ultrapassada a fase do
conhecimento.
14. Não é caso, portanto, de liminar. É caso, sim, de dar-se vista ao Ministério
Público Federal, seja porque lá se encontram os autos principais, seja porque o
requerido, aqui, é o Ministério Público Estadual.”
15. Devo informar aos eminentes Pares que, neste ínterim, a douta Procuradoria-
Geral da República exarou parecer sobre a matéria, manifestando-se “pelo conhecimento
em parte do recurso e, nesta, pelo seu improvimento”.
16. Em face deste quadro, seria mais prático realizar, primeiramente, o exame do
apelo extremo, que poderia implicar o prejuízo deste agravo e, por extensão, da própria
cautelar, por perda de objeto. Mas o julgamento daquele recurso depende de pauta e de
outras formalidades que certamente não se cumprirão até o dia 27-4-2005. Então, para
não frustrar a expectativa da parte, trago a decisão combatida à elevada apreciação da
Turma. E desde já confirmo o meu entendimento de que não se faz presente um dos
requisitos necessários ao deferimento da cautelar, qual seja, o fumus boni iuris.
34 R.T.J. — 196

17. Bem ao contrário, os precedentes desta Casa de Justiça consagram tese jurídica
em colisão com a defendida pela parte acionante. Refiro-me aos julgamentos que tinham
como objeto a EC 35/2001, todos no sentido da aplicabilidade imediata das novas
regras, pelo seu cunho processual.
18. Neste passo, cabe citar, entre outras, a decisão proferida pelo Relator do Inquérito
1.637, Ministro Celso de Melo, da qual extraio o seguinte trecho (que passo a acolher no
seu exclusivo aspecto de Direito Processual):
“Torna-se relevante observar, neste ponto — considerado o princípio da
incidência imediata das normas constitucionais (Pontes de Miranda, Comentários
à Constituição de 1967 com a Emenda n. 1 de 1969, tomo VI/385 e 392, 2ª ed./2ª
tir., 1974, RT) —, que estas, salvo disposição em sentido contrário, alcançam,
desde logo, situações em curso (RTJ 143/306-307, Rel. Min. Celso de Mello), o
que legitima a pronta aplicabilidade da EC n. 35/2001, inclusive no que se refere
à desnecessidade da solicitação, por parte do Supremo Tribunal Federal, de prévia
licença, ainda que se cuide de fatos delituosos ocorridos anteriormente à promul-
gação da referida emenda constitucional, pois, conforme tem salientado a jurispru-
dência desta Suprema Corte, a aplicação de qualquer nova regra de direito consti-
tucional positivo rege-se pelo postulado da imediatidade eficacial.”
19. Disse, mais, Sua Excelência, em passagem que se identifica com o presente
caso, in verbis:
“A EC n. 35/2001, ao introduzir modificações no art. 53 da Carta da República,
suprimiu, para efeito de prosseguimento da persecutio criminis, a necessidade de
licença parlamentar, distinguindo, ainda, entre delitos ocorridos antes e após a
diplomação, para admitir, somente quanto a estes últimos, a possibilidade de sus-
pensão do curso da ação penal (CF, art. 53, §§ 3º a 5º).”
20. Pelo exposto, voto pelo desprovimento do agravo regimental.

EXTRATO DA ATA
AC 700-AgR/RO — Relator: Ministro Carlos Britto. Agravante: Marcos Antônio
Donadon (Advogados: Bruno Rodrigues e outro). Agravado: Ministério Público do
Estado de Rondônia.
Decisão: A Turma conheceu do agravo regimental na ação cautelar, mas lhe negou
provimento, nos termos do voto do Relator. Unânime. Não participou deste julgamento
o Ministro Marco Aurélio. Ausente, justificadamente, o Ministro Eros Grau.
Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à sessão os Ministros Marco
Aurélio, Cezar Peluso e Carlos Britto. Ausente, justificadamente, o Ministro Eros Grau.
Subprocurador-Geral da República, Dr. Eitel Santiago de Brito Pereira.
Brasília, 19 de abril de 2005 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.
R.T.J. — 196 35

EXTENSÃO NA EXTRADIÇÃO 900 — CONFEDERAÇÃO HELVÉTICA

Relator: O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence


Requerente: Governo da Suíça — Extraditando: Thomas Remmele
Extradição: extensão: deferimento em parte.
1. Deferimento com relação aos crimes de fraude comercial (Código
Penal suíço, art. 146), falsificação de documentos (Código Penal suíço,
art. 251) e falsificação de documento de identidade (Código Penal suíço,
art. 252), que atendem aos requisitos da dúplice tipicidade.
2. Indeferimento quanto aos delitos de desfalque, sob a modalidade
de apropriação de bem originário de contrato de leasing (Código Penal
suíço, art. 138, I), consumo sem pagar (Código Penal suíço, art. 149) e
infração grave contra as leis de trânsito por excesso de velocidade (Código
de Trânsito suíço, art. 90), que não encontram adequação típica no direito
brasileiro.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo
Tribunal Federal, em Sessão Plenária, na conformidade da ata do julgamento e das notas
taquigráficas, por unanimidade de votos, conceder o pedido de extensão na extradição,
restrita aos crimes de fraude comercial, falsificação de documentos e de falsificação de
documentos de identidade, tudo nos termos do Relator.
Brasília, 31 de agosto de 2005 — Nelson Jobim, Presidente — Sepúlveda Pertence,
Relator.

RELATÓRIO
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Em setembro de 2003, o Governo da Suíça,
fundado em ordem de prisão preventiva emitida pelo Juizado de Instrução Criminal,
Seção III, de Bern-Mittelland, datada de 19-8-2003, requereu a extradição de Thomas
Remmele para responder pelos crimes de desfalque (Código Penal suíço, artigo 138,
cifra I), fraude comercial (Código Penal suíço, art. 146, parágrafos 1, 2 e 3), falsificação
de documentos (Código Penal suíço, art. 251), falsificação de documento de identidade
(Código Penal suíço, art. 252) e infração contra as leis de trânsito por excesso de veloci-
dade (art. 27, parágrafo 1, e art. 90, cifra 2 SVG).
O pedido de extradição, julgado em 31-3-2004, foi deferido em parte, apenas no
tocante aos delitos de fraude comercial (art. 146 do Código Penal suíço), falsificação de
documentos (art. 251 do Código Penal suíço) e falsificação de documento de identidade
(art. 252 do Código Penal suíço).
Quanto às demais acusações — a de desfalque (art. 138, I, do Código Penal suíço)
e a de infração contra as leis de trânsito (artigo 90 do Código de Trânsito suíço) — a
extradição foi indeferida por falta de tipicidade penal no direito brasileiro.
36 R.T.J. — 196

Esta a ementa do acórdão (fl. 116):


“Extradição: requisito da dúplice tipicidade: atipicidade, no Brasil, de
fatos incriminados na legislação penal suíça.
1. Leasing: atipicidade penal, no Brasil, da não devolução do objeto do
leasing, na hipótese do inadimplemento do arrendatário.
2. Crimes de trânsito: atipicidade, no Brasil, do excesso de velocidade,
incriminado na Suíça.”
A extradição — conforme informação do Ministério da Justiça (fls. 127/129) —
veio finalmente a efetivar-se em 18-5-2004.
Em 29-3-2005, o Sr. Ministro da Justiça encaminhou ao Tribunal pedido do
Governo da Suíça, de extensão da extradição já deferida, para que se autorize responda
Thomas Remmele pelos delitos de fraude comercial (Código Penal suíço, art. 146, pará-
grafos 1 e 2) e falsificação de documentos de identidade (Código Penal suíço, art. 252),
cometidos entre dezembro de 2000 e março de 2001; desfalque (Código Penal suíço, art.
138, cifra 1), cometido a partir de 20 de outubro de 1998; consumo sem pagar (Código
Penal, art. 149), cometido do dia 1º ao dia 5 de outubro de 2000, e infração grave contra
as leis de trânsito (artigo 27, parágrafo 1, e art. 90, cifra 2 SVG), cometida no dia 9 de
setembro de 1999.
O pedido de extensão está acompanhado de documentação nos idiomas alemão e
português, constituída de mandado de captura suplementar, de 28 de janeiro de 2005,
emanado da Juíza de Instrução Criminal 4 de Bern-Mittelland, Suíça, que contém resumo
da exposição dos fatos e transcrições dos dispositivos do Código Penal suíço e da Lei de
trânsito aplicáveis (fls. 138/141), bem como de declaração de Thomas Remmele perante
o mencionado Juizado de Instrução Criminal, de que está de acordo “explicitamente e
por livre vontade” com o procedimento criminal pelos crimes que enumera, que não
foram objeto do julgamento do pedido de extradição de 31-3-2004 (fls. 142/143), entre
os quais estão os referidos no presente pedido de extensão.
Atento à jurisprudência assente do Tribunal que exige, para que tenha curso o
processo de extensão, que o extraditando seja interrogado a respeito dos fatos que o
motivam, para esse fim determinei a notificação do Governo da Suíça, que, por sua
embaixada no Brasil, encaminhou, por intermédio do Ministério das Relações Exteriores,
o interrogatório de Thomas Remmele (documento no original em alemão, acompanhado
de tradução), no qual se lê (fls. 174/175)).
“Tendo sido citado por carta escrita, comparece:
Remmele Thomas, nascido a 31.12.1969 em Berna, natural de Belp BE, filho
de Walter Erwin e Maria Margrit Aebischer, empregado, casado com De Faria
Kely Cristina, Hardstr. 57, 5432, Neuenhof
Verbal:
O representante do réu, advogado Dr. Iur. Patrick Stach, foi informado sobre
a data (da audiência), mas renuncia a estar presente.
Remmele Thomas deposita como réu:
R.T.J. — 196 37

Tomo conhecimento, que hoje vou ser interrogado novamente a pedido do


Brasil acerca dos factos contidos no mandado de prisão posterior do 28.01.2005 e
estou pronto a dar informações.
Confirmo todos os depoimentos dados perante os tribunais de instrução cri-
minal, particularmente aqueles feitos no dia 7 de outubro 2004 por ocasião do
interrogatório pormenorizado feito pela juíza de instrução.
Tomo conhecimento que tenho direito de chamar um advogado no Brasil
para o procedimento de extradição.
Com respeito a cifra 1, mandado de prisão posterior de 28.01.2005, fraude
comercial, respectivamente tentativa de fraude comercial, assim como falsifica-
ção de documentos em prejuízo da GE Capital Bank: o que você diz sobre isso?
Confirmo os factos, como são contidos no mandado de prisão posterior e
admito ter cometido aqueles delitos.
Com respeito a cifra 2 mandado de prisão posterior do 28.01.2005, desfalque
de um automóvel: o que você diz sobre isso?
Os factos como estão descritos no mandado de prisão posterior, estão
correctos. Comecei o leasing em Julho 1995. Vendi o automóvel em vez de o
devolver à firma de leasing. Eu sei que não devia ter feito isso.
Com respeito a cifra 3 mandado de prisãoposterior do 28.01.2005, consumo
sem pagar para a desvantagem do Hotel Steghof, Luzern: o que você diz sobre
isso?
É verdade que não paguei as contas do hotel na importância de CHF 650.00.
Com respeito a cifra 4 mandado de prisão posterior do 28.01.2005,
infracção grave contra as leis de trânsito: o que você diz sobre isso?
É verdade que guiei o automóvel com velocidade excessiva. Reconheço os
factos como foram descritos no mandado de prisão posterior.
Estou de acordo que eu seja perseguido judicialmente por causa destes delitos
e remeto-me à minha declaração do 07.10.2004 respeitante a este assunto.
Tomo conhecimento de que as infracções contra a lei de loteria e de AHV
mencionadas na declaração do 07.10.2004 não são mais prosseguidas pelas auto-
ridades suíças por causa do começo da prescrição.”
A Defensoria Pública da União, em defesa do extraditando, manifestou-se favora-
velmente à extensão (fls. 182/183).
O Ministério Público Federal — parecer do il. Procurador-Geral da República
Antonio Fernando de Souza — opinou pelo deferimento, em parte, do pedido (fls.
188/194).
É o relatório.
38 R.T.J. — 196

VOTO
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Relator): Colho do parecer do em. Procurador-
Geral da República:
“Ab initio, cumpre apontar que a jurisprudência do e. STF admite a extensão
da extradição de modo a abranger fatos anteriores ao pedido extradicional deferido.
Vale citar:
Despacho: “Decisão. Pedido de extensão de extradição - Interrogatório.
1. O Governo da Itália formaliza pedido de extensão da Extradição 716-5,
deferida parcialmente em 18 de novembro de 1997 (folha 146 a 163) e
executada no dia 16 de agosto de 2000 (folha 540), com a entrega do extra-
ditando Clemente Ferrara às autoridades policiais daquele País. 2. A Corte,
em entendimento reiterado - Questão de Ordem na Extradição n. 444, Questão
de Ordem na Extradição n. 462 e Extradição 840 - sobre o que versa o artigo
91, inciso I, da Lei 6.815/80, estabeleceu que o Estado requerente de extradi-
ção já concedida pode solicitar a extensão para a persecução penal pela
prática de delito diverso do que motivou o primeiro pedido desde que tenha
sido praticado em momento anterior ao deferimento do pleito (...)” ( Ext.
716 – extensão. Rel. Min. Marco Aurélio. DJ de 06/06/2005).
Se não bastasse, a hipótese é objeto do Tratado de Extradição firmado entre
o Brasil e a Suíça, previsto no seu artigo V:
“Art. V
A pessoa extraditada não poderá ser processada nem punida por qual-
quer delito perpetrado antes da extradição e diverso do que motivou o pedido,
salvo se o Estado requerido houver consentido em processos ulteriores (...)”.
Desta forma, o Ministério Público Federal opina pelo processamento do pleito.
Ultrapassada tal preliminar, verifica-se, da análise deste processo, que o Estado
requerente dispõe da competência jurisdicional para processar e julgar os delitos
imputados a Thomas Remmele, que é nacional Suíço (fls. 138) e naquele país teria
cometido os ilícitos penais de que é acusado, conforme informações constante a
fls. 138/143 (art. 78, inc. I, da Lei n. 6.815/80). Vislumbra-se, também, presentes
nos autos todos os documentos necessários ao pedido formal de extradição
elencados no art. 80 do Estatuto do Estrangeiro, traduzidos para o português, de
modo a permitir ao e. Supremo Tribunal Federal o exame seguro da legalidade da
pretensão extradicional.
Quanto ao requisito da dupla tipicidade (art. 77, inc. II, do Estatuto do Es-
trangeiro) há de se salientar que:
São imputados ao nacional suíço, em síntese, os seguintes fatos:
a) No dia 27 de 03 de 2001 o Banco GE Capital Bank Brugg denun-
ciou Dennler Tobias e Rosser Patrick por causa de fraude. As investigações
revelaram que Remmele Thomas tinha atuado com estes nomes e que tinha
submetido para o Banco GE Capital Bank Brugg 26 pedidos de financiamento
R.T.J. — 196 39

para fregueses fictícios para o financiamento de compras de automóveis. Em


anexo, tinha mandado cópias de documentos de motorista falsificados e
contratos de compra falsificados. O montante de crédito e a provisão de
comerciante, ele mandava creditar para contas estabelecidas em nome falso
(fls. 138/139). Consta a fls. 143 que os referidos fatos foram praticados entre
dezembro de 2000 a março de 2001.
b) Em 20/10/1998 Thomas Remmele não devolveu o automóvel da
marca BMW 325, Coupé à instituição financeira GE Capital Bank que havia
sido objeto de contrato de leasing (fls. 142). Consta a fls. 139 que o contrato
foi cancelado pelo fato do extraditando ter parado de pagar as mensalidades
a partir de agosto de 1998. Em processo civil ele foi condenado à devolver o
automóvel para a firma de leasing. Em vez de obedecer esta ordem, vendeu o
automóvel para terceiros.
c) Entre 01/10/2000 a 05/10/2000, Thomas Remmele pernoitou no
Hotel Steghof em Luzerna sem pagar a fatura de FR. 650.00 antes da sua
partida (fls. 139).
d) No dia 9/09/1999, Remmele Thomas andou na auto-estrada de
Oberbuchsiten com uma velocidade de 186 km/h, apesar do permitido ser
120 km/h (fls. 139).
Os fatos narrados na letra a correspondem, segundo a legislação penal suíça,
nos termos desta extradição, aos delitos de Fraude Comercial (art. 146 do Código
Penal Suíço), falsificação de documentos (art. 251 do Código Penal Suíço) e falsi-
ficação de documento de identidade (art. 252 do Código Penal Suíço), a seguir
narrados:
“Fraude comercial
Art. 146.
1. Quem intencionalmente a si ou a terceiros por meios ilícitos com fins
de enriquecimento, levar alguém astuciosamente por meios de opressão,
manobras, a realizar ou ajudar a atos enganosos e astuciosos dissimulados
sendo assim a vítima levada a uma conduta prejudicial de fatos ilícitos, pelo
qual causa prejuízos de enriquecimento a si e a terceiros será unido com
reclusão até cinco anos ou prisão.
2. atuando o autor com fins comerciais, será punido com reclusão até
dez anos ou prisão não inferior a três meses.
3. Fraude cometida e cuja vítima seja parente ou familiar, só será pro-
cessado depois de requerido.
Falsificação de documentos
Art. 251.
Quem intencionalmente, causar danos ilícitos sobre os bens ou direitos
de terceiros, com fins de tirar partido, falsifique ou com documento falsificado
a assinatura verdadeira ou de terceiros com fins de emitir um documento
40 R.T.J. — 196

falso, ou autenticar ou deixar autenticar um fato falso, um documento desta


espécie seja utilizado com fins fraudulentos será punido com reclusão até
cinco anos ou prisão.
2. Em casos especiais e de menos gravidade poderá ser reconhecida
com prisão ou multa.
Falsificação de documento de identidade
Art. 252.
Quem, com a intenção em facilitar o progresso de si mesmo, ou de um
outro, falsificar ou alterar documento de identidade, atestados, confirma-
ções, utiliza um tal documento para enganar, abusar documentos verídicos
mas não destinados a ele próprio para enganar é punido com prisão ou multa.
Perante a legislação penal brasileira, os acontecimentos descritos na letra a
retro como de Fraude Comercial (art. 146 do Código Penal Suíço) – consubstan-
ciados em 26 pedidos de financiamentos para fregueses fictícios junto à institui-
ção financeira para compra de automóveis (fls. 138/139) – encontram adequação
típica penal perante a legislação pátria ao crime de estelionato (art. 171 do CPB).
Já a utilização de documentos de motorista falsos (fls. 139) caracteriza, nos moldes
da lei Suíça, os delito de falsificação de documentos (art. 251 do Código Penal
Suíço) e falsificação de documento de identidade (art. 252 do Código Penal Suíço).
Esse fato, por sua vez, corresponde ao delito de falsificação de documento público
(art. 297 do Código Penal Brasileiro).
O fato narrado na letra b retro descrita - apropriação de bem originário de
contrato de leasing - que caracteriza o delito de desfalque (art. 138 cifra 1 do
Código Penal Suíço), a seguir transcrito, não possui adequação na legislação penal
pátria.
“Desfalque
Art. 138.
Quem se apropria de alguma coisa móvel estranha que lhe foi confiada,
para ilegalmente enriquecer a si próprio ou a outro, quem ilegalmente usa
bens que lhe foram confiados para sua própria vantagem ou a vantagem de
algum outro será punido com reclusão até cinco anos ou prisão.
O desfalque para o prejuízo de familiares ou parentes só é perseguido
por procuração”.
No direito penal brasileiro a falta de devolução pelo arrendatário do objeto
inerente ao contrato de leasing não caracteriza o delito de apropriação indébita
(art. 168 do Código Penal Brasileiro). Ad argumentandum, vale citar:
“RHC. Apropriação indébita. Leasing. Ação Penal. Trancamento.
1. (...).
2. A execução do inadimplemento do leasing deve ser feita sobre o
patrimônio do devedor e não por via de ação penal por apropriação indébita.
O entendimento pretoriano, a propósito da característica básica do leasing é
R.T.J. — 196 41

ser predominantemente uma operação financeira, onde a posse é deferida


com o pagamento das prestações. O bem, neste caso, é entregue não para
guarda, mas em decorrência do financiamento.
Difere a hipótese da alienação fiduciária porque nela, ao contrário do
leasing, o legislador, como exagerada garantia do credor, incluiu a figura do
depositário”.
3. Ordem concedida” (HC 17794/SP. Rel. Min. Fernando Gonçalves.
DJ de 18/02/2002).
O fato de o extraditando ter pernoitado no Hotel Steghof em Luzerna sem
pagar a fatura de FR. 650.00 antes da sua partida (fls. 139) é atípico nos moldes da
legislação brasileira. Isto porque, segundo o art. 176 do CP a ação típica, descrita
na segunda parte de tal dispositivo, exige a conduta de alguém se alojar em hotel
(pensão, pensionato, motel, albergue ou qualquer tipo de habitação que aceite
hóspede) sem dispor de recurso para efetuar o pagamento. O que não foi eviden-
ciado in casu.
A fraude dessa espécie de crime está consubstanciada no fato de o agente,
com seu comportamento, induzir a erro outra pessoa, apresentando-se como tendo
condições de efetuar o pagamento devido e usufruir da referida benesse.
Não ocorre crime, portanto, quando o consumidor dispõe de numerário sufi-
ciente para o pagamento, mas se recusa fazê-lo por qualquer razão. Segundo os
ensinamentos do saudoso professor Mirabete “A falta de recursos deve estar evi-
denciada, não podendo ser meramente presumida pela prática do comportamento
do agente em esquivar-se ao pagamento” (MIRABETE, Julio Fabbrini. Código
penal interpretado. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2005. p. 1648).
O crime de infração contra as leis de trânsito (artigo 90 do Código de Trânsito
Suíço) a seguir descrito, cometido, em tese, pelo ora extraditando por haver, “ no
dia 9/09/1999, dirigido na auto-estrada de Oberbuchsiten com uma velocidade de
186 km/h, apesar do permitido ser 120 km/h (fls. 139)” também não encontra
adequação típica penal nos moldes do direito pátrio.
“Art. 90 SVG
Infrações das regras de trânsito
1. Quem infringe as regras de trânsito desta lei ou dos regulamentos de
execução do conselho federal é punido com prisão ou multa.
2. Quem por causa de uma infração seria das regras de trânsito causa um
perigo sério para a segurança dos outros ou que é condizente à um tal perigo
é punido com detenção ou multa”.
Tendo em vista que o crime de fraude comercial (art. 146 do Código Penal
Suíço) ocorreu no período de dezembro de 2000 a março de 2001 (fls. 143) e que a
pena imposta a tal delito é de no máximo de 5 anos de reclusão (fls. 07) tem-se que
não ocorreu o advento do prazo prescricional, já que o artigo 70 do Código Penal
Suíço em vigor até 30/09/2002 prevê o lapso temporal de 10 anos. Prazo esse
aumentado para 15 anos após 1º/10/2002 (fls. 07).
42 R.T.J. — 196

Perante a legislação brasileira, tem-se que o crime de estelionato, cuja pena


máxima é de 5 anos de reclusão e multa prescreve em 12 anos (art. 109, inc.III do
CPB). Neste caso, não há que se falar no advento da prescrição.
O crime de falsificação de documentos (art. 251 do Código Penal Suíço) é
apenado com reclusão de até 5 anos ou prisão (fls. 07) e o de falsificação de
documento de identidade (art. 252 do Código Penal Suíço) é apenado com prisão
ou multa (fls. 08). O primeiro crime, igualmente ao delito de fraude comercial (art.
146 do Código Penal Suíço), prescreve em 10 anos (fls.07 – art. 70 do Código
penal Suíço em vigor até 30/09/2002. Prazo aumentado para 15 anos após 1º/10/
2002). O segundo, prescreve em 5 anos (fls. 07). Considerando que os fatos
caracterizadores, em tese, de tais delitos ocorreram no período de dezembro de
2000 a março de 2001 (fls. 143) , não há que se falar no advento da prescrição.
O mesmo se pode dizer em relação ao crime correspondente de falsificação de
documento público (art. 297 do Código Penal), cuja pena máxima é de 6 anos e a
prescrição somente se dá em doze anos (art. 109, inc. III, do CPB).
Conclui-se, portanto, que o pedido de extensão à extradição deve ser julgado
parcialmente procedente, sendo apenas concedido em relação aos crimes de Fraude
Comercial (art. 146 do Código Penal Suíço), falsificação de documentos (art. 251 do
Código Penal Suíço) e falsificação de documento de identidade (art. 252 do
Código Penal Suíço).
Ante o exposto, opina o Ministério Público Federal pela parcial procedência
do pedido de extensão.”
O parecer do Ministério Público Federal é irretocável, seja quanto à admissibilidade
da extensão, seja no tocante aos requisitos positivos e negativos da extradição, em
relação a cada uma das imputações objeto do pedido: acolho-o integralmente como
razão de decidir e, nos seus termos, defiro parcialmente a extensão do objeto da extradi-
ção: é o meu voto.

EXTRATO DA ATA
Ext 900 – Extensão/Confederação Helvética. Relator: Ministro Sepúlveda Pertence.
Requerente: Governo da Suíça (Advogados: J. J. Safe Carneiro e Tereza Safe Carneiro e
outra). Extraditando: Thomas Remmele (Advogado: DPU – Sérgio Alexandre Menezes
Habib).
Decisão: O Tribunal, por unanimidade, concedeu o pedido de extensão na extradi-
ção, restrita aos crimes de fraude comercial, falsificação de documentos e de falsificação
de documento de identidade, tudo nos termos do voto do Relator. Ausente, justificada-
mente, o Ministro Gilmar Mendes. Presidiu o julgamento o Ministro Nelson Jobim.
Presidência do Ministro Nelson Jobim. Presentes à sessão os Ministros Sepúlveda
Pertence, Celso de Mello, Carlos Velloso, Marco Aurélio, Ellen Gracie, Cezar Peluso,
Carlos Britto, Joaquim Barbosa e Eros Grau. Procurador-Geral da República, Dr. Anto-
nio Fernando Barros e Silva de Souza.
Brasília, 31 de agosto de 2005 — Luiz Tomimatsu, Secretário.
R.T.J. — 196 43

EXTRADIÇÃO 915 — ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA

Relator: O Sr. Ministro Gilmar Mendes


Requerente: Governo dos Estados Unidos da América — Extraditando: Ronald
Peter Eichberg Leeds
Extradição. 2. Tratado de Extradição entre o Brasil e os Estados
Unidos da América. 3. Processamento do pedido de acordo com a Lei n.
6.815, de 19 de agosto de 1980. 4. Atendimento dos requisitos formais. 5.
Configuração da dupla tipicidade, na lei norte-americana e na brasileira,
quanto aos crimes de fraude postal e fraude telegráfica. 6. Inocorrência
de prescrição. 7. Regime jurídico do processo de extradição no Direito
brasileiro. Descabida a análise quanto à autoria e à materialidade dos
crimes. Precedentes. 8. Extradição deferida parcialmente.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo
Tribunal Federal, em Sessão Plenária, sob a presidência do Ministro Nelson Jobim, na
conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos,
deferir, em parte, a extradição, nos termos do voto do Relator.
Brasília, 8 de setembro de 2005 — Nelson Jobim, Presidente — Gilmar Mendes,
Relator.

RELATÓRIO
O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Trata-se de pedido de extradição formulado pelo
Governo dos Estados Unidos da América, por via diplomática, com base no Tratado de
Extradição firmado pelos dois países em 13 de janeiro de 1961 e promulgado pelo
Decreto n. 55.750, de 11 de fevereiro de 1965, do nacional norte-americano Ronald
Peter Eichberg Leeds, encaminhado na forma do Aviso n. 354/MJ, de 4 de fevereiro de
2004, do Ministro da Justiça (fl. 02).
O Procurador-Geral da República, Dr. Claudio Fonteles, assim relata a controvérsia
(fls. 189-192):
“O Governo dos Estados Unidos da América formaliza e remete os documentos
justificativos - fls. 12 a 118 - do pedido de extradição de seu nacional Ronald Peter
Eichberg Leeds, tendo por fundamento os artigos 82 da Lei 6.815/80, e VIII do
Tratado de Extradição firmado entre o Brasil e o Governo Americano - Decreto n.
55.750/65.
2. A prisão preventiva do extraditando foi efetivada no dia 19 de novembro
de 2003 (fls. 35), encontrando-se atualmente recolhido nas dependências do presí-
dio ‘Adriano Marrey’, em Guarulhos , Estado de São Paulo (fls. 145).
3. O nacional norte-americano foi pronunciado (anexo b - fls. 87/100) por um
Grande Júri pelos seguintes delitos:
44 R.T.J. — 196

a) - Conspiração para Cometer Fraude Postal e Fraude Telegráfica -


entre jan/1998 e dez/1999, o ora extraditando Ronald P. E. Leeds, Don W.
Slater e Daniel Patton, conspiraram, confederaram e concordaram entre si e
com outras pessoas para cometer crimes contra os Estados Unidos, em violação
ao Título 18, Seção 371, do Código dos Estados Unidos (fls. 88);
b)- 8 acusações de Fraude Postal - entre jan/1998 e dez/99, o extradi-
tando e os acima nominados intencional e propositadamente arquitetaram
um esquema de artifício para fraudar, por intermédio de correspondência
postal, representações e promessas falsas e fraudulentas, sabendo todos falsos,
a fim de obter dinheiro ou propriedades por meio de pretextos, em violação ao
Título 18, Seção 1341 e 2, do Código dos Estados Unidos (fls. 89);
c) - 14 acusações de Fraude Telegráfica - entre jan/1998 e dez/99, o
extraditando e os acima nominados intencional e propositadamente arqui-
tetaram um esquema de artifício para fraudar, por intermédio de linha telefônica
ou telegráfica, representações e promessas falsas e fraudulentas, com o
conhecimento de serem todos falsos, visando obter dinheiro ou propriedades,
em violação ao Título 18, Seção 1343 e 2 do Código dos Estados Unidos (fls.
90/91);
d) - Transporte em Comércio Interestadual de Valores Mobiliários
Roubados - entre jan/88 e dez/99, o extraditando, Don W. Slater e Daniel
Patton, intencional e propositadamente arquitetaram um esquema artificioso
para fraudar e obter dinheiro ou propriedade por meio de pretextos, represen-
tações e promessa falsa e fraudulentas, com conhecimento de que os ditos
pretextos, representações eram falsos e fraudulentos na ocasião em que foram
feitos, em violação ao Título 18, Seção 2314 e 2. do Código dos Estados
Unidos. (fls. 97/98).
4. Às fls. 84/5 - anexo ‘a’ - localizam-se os dispositivos penais estrangeiros,
relativos aos crimes imputados ao extraditando:
‘Título 18 do Código dos Estados Unidos,
§ 371. Conspiração para cometer um delito ou fraudar os Estados
Unidos.
Se duas ou mais pessoas conspirarem seja para cometer qualquer delito
contra os Estados Unidos, seja para fraudar os Estados Unidos ou qualquer
órgão do mesmo, de qualquer forma ou com qualquer propósito, e uma ou
mais dentre estas pessoas realizam qualquer ato para afetar o objeto da cons-
piração, cada uma delas será multada segundo este título ou encarcerada por
até 5 anos ou ambos.
Título 18 do Código dos Estados Unidos,
§ 1341. Fraude e trapaças
Aquele que, tendo arquitetado ou com intenção de arquitetar qualquer
esquema ou artifício para fraudar, seja para obter dinheiro ou propriedade por
meio de pretextos, representações ou promessas falsas ou fraudulentas, seja
para vender, dispor, emprestar, trocar, alterar, dar, distribuir, suprir ou fornecer
ou adquirir para uso ilegal qualquer moeda, obrigação, valor mobiliário ou
R.T.J. — 196 45

outro artigo falsificado ou espúrio, qualquer coisa que represente, seja


sugerida ou apresentada como sendo tal artigo falsificado ou espúrio, com o
propósito de executar tal esquema ou artifício ou atentar fazê-lo, colocar em
qualquer agência do correio ou receptor autorizado de material postal, qual-
quer material ou coisa que seja para ser enviada ou entregue pelo Serviço
Postal (dos EUA) ou depositar ou fizer com que seja depositado qualquer
material ou coisa que seja para ser enviada ou entregue por qualquer serviço
comercial de transporte interestadual, ou pegar ou receber dos mesmos, qual-
quer deste material ou coisa, ou propositadamente fizer com que seja entre-
gue por correio ou tal transportadora de acordo com o endereço do mesmo,
ou no local em que é direcionado a ser entregue pela pessoa a quem é ende-
reçado tal material ou coisa, será multado segundo este título ou encarcerado
por no máximo 20 anos ou ambos. Se a violação afetar uma instituição finan-
ceira, tal pessoa será multada em até US$ 1.000.000,00 ou encarcerada por no
máximo 30 anos ou ambos.
Título 18 do Código dos Estados Unidos,
§ 1343. Fraude por Telégrafo, Rádio ou Televisão
Aquele que, tendo arquitetado ou com a intenção de arquitetar qual-
quer esquema ou artifício para fraudar ou para obter dinheiro ou propriedade
por meio de pretextos, representações ou promessas falsas ou fraudulentas
transmite ou faz com que seja transmitido por meio de comunicação de telé-
grafo, rádio ou televisão, em comércio exterior ou interestadual, qualquer
escrita, sinais, indicação, fotos, ou sons com o propósito de executar tal
esquema ou artifício será multado segundo este título ou encarcerado por no
máximo 20 anos ou ambos. Se a violação afetar uma instituição financeira,
tal pessoa será multada em no máximo US$1.000.000,00 e encarcerados por
até 30 anos ou ambos.
Título 18 do Código dos Estados Unidos,
§ 2314. Transporte de bens valores mobiliários, dinheiro roubados,
selos fiscais do estado fraudulentos ou artigos usados em falsificação
(...) Aquele que, tendo arquitetado ou com a intenção de arquitetar
qualquer esquema ou artifício para fraudar ou para obter dinheiro ou proprie-
dade por meio de pretextos, representações ou promessas falsas ou frau-
dulentas transporta ou faz com que seja transportado, ou induz qualquer
pessoa ou pessoas a viajarem ou a serem transportadas em comércio exterior,
ou interestadual com o propósito na execução ou ocultamento de um esque-
ma ou artifício para fraudar aquela pessoa ou pessoas de dinheiro ou propri-
edade com um valor igual ou superior a US$ 5.000,00; ... tal pessoa será
multada segundo este título ou encarcerada por no máximo 10 anos ou am-
bos.’
5. À fls. 79/82, o Procurador Adjunto dos Estados Unidos, John Luke Walker,
em ‘Declaração juramentada em apoio ao pedido de Extradição’, resume os fatos
constante do processo, concluindo por ‘atestar que as provas indicam que o extra-
ditando é culpado dos delitos pelos quais se busca a extradição.’ (fls. 82).
46 R.T.J. — 196

6. Encontra-se a fls. 102 - anexo ‘c’ -, o mandado de prisão, expedido em 15


de novembro de 2002, pelo Juiz do Distrito do Oeste e Louisiana, C. Michael Hill.
7. Consta, a fls. 104/116, declaração juramentada do Agente Especial do FBI,
Troy J. Chenevert, sobre os fatos apurados.
8. Acostado a fls. 164/166, o termo de interrogatório do extraditando, no
qual, em síntese, alega:
‘(...) Que, já foi processado em Londres no ano de 1998 por tentativa de
fraude. Que, mencionado delito é bem similar a este que o extraditando está
sendo processado atualmente. Que, em Londres, foi absolvido com as descul-
pas da Coroa. Que é contra sua extradição. (...) Que, deseja permanecer no
Brasil porque acredita que aqui é um território neutro (...). Que não quer ser
extraditado porque possui documentos aqui no Brasil que provam a sua
inocência. Esclarece, ainda, que tais documentos encontram-se em Brasília
em poder da Polícia Federal. Que, os fatos narrados na extradição, não são
verdadeiros (...)’. Prossegue narrando sua versão dos fatos, afirma que quem
praticou o delito do qual está sendo acusado foi o Sr. Helmut. (fls. 165/6).
9. A defesa prévia a cargo do advogado constituído encontra-se a fls. 172/
176. Sustenta a defesa a inocência do extraditando que poderá ser provada pelos
objetos apreendidos e que estão agora sob a guarda da Polícia Federal. Afirma que
foi o súdito americano julgado pelo mesmo delito perante a Justiça Inglesa, sendo
lá absolvido, não podendo, desta forma, ser julgado pelo mesmo delito por mais de
uma vez. Requer sejam trazidos aos autos as provas sob a guarda da Polícia Federal,
e ainda o envio pelo Governo Inglês das cópias do processo penal movido contra
o extraditando.”
O ilustre representante do Ministério Público Federal opina pelo deferimento par-
cial do pedido de extradição.
É o relatório.

VOTO
O Sr. Ministro Gilmar Mendes (Relator): Quanto aos aspectos formais da extradi-
ção, assim se manifesta a Procuradoria-Geral da República (fl. 193):
“10. O pedido extradicional está instruído com os documentos a que se refere
o art. IX, 2 do Tratado de Extradição entre o Brasil e os Estados Unidos, devida-
mente autenticados e traduzidos para a língua portuguesa, acompanhado dos ori-
ginais em inglês (fls. 12/117).
11. Da análise do presente pleito, verifica-se que o Estado requerente dispõe
da competência jurisdicional, para processar e julgar esses delitos imputados ao
extraditando, que é nacional norte-americano, e naquele país teria cometido os
ilícitos penais de que é acusado (art. 78, inc. I, da Lei n. 6.815/80).
12. O pedido vem instruído com a decisão de recebimento de denúncia -
indictment - (fls. 87/100) e o mandado de captura de 15.11.2002 (fls. 102) e os
demais documentos exigidos pela Lei n. 6.815/80 e pelo Tratado de Extradição
R.T.J. — 196 47

celebrados entre os dois países, havendo indicações seguras sobre o local, data,
natureza e circunstâncias dos fatos delituosos, bem como com cópia dos textos
legais pertinentes (fls. 12/118) de modo a permitir ao Supremo Tribunal Federal o
exame seguro da legalidade da pretensão extradicional.”
Na espécie, também não parece haver dúvida no tocante ao requisito da dupla
tipicidade, pelo menos quanto aos crimes igualmente tipificados no ordenamento jurí-
dico brasileiro. A propósito, anota a manifestação da Procuradoria-Geral da República
(fls. 193-195):
“13. Está satisfeita a exigência de dupla tipicidade, consoante o Direito do
Estado requerente e o brasileiro, ao menos no que diz respeito aos delitos de fraude
postal e fraude telegráfica (estelionato no Brasil).
14. Como visto, no item 3, retro, o extraditando e seus dois comparsas enga-
naram terceiros inocentes com astúcia, nas transações efetivadas, de forma a obter
o dinheiro deles, alegando que o dinheiro investido geraria lucros exorbitantes, a
fim de convencê-los a investir cada vez mais.
15. O fato de se tratar de fraude telegráfica e postal não descaracteriza o
estelionato, pois, o que é importante considerar aqui é que o tipo penal estrangeiro
(Título 18 Seção 1341 e 1343) contém todas as elementares do delito do
estelionato (art. 171 do CP). Neste ponto vale transcrever trecho do parecer do il.
colega, Edson Oliveira de Almeida, na Extradição n. 761:
‘Não, pois, há como acolher a alegação de que se trata de crime
falimentar. Na verdade, o extraditando e seus dois comparsas, operando em-
presas de fachada, praticaram uma série de estelionatos continuados, lesando
vários comerciantes, induzidos em erro pelo golpe aplicado. E, muito embora
a peculiaridade da lei norte-americana, o estelionato também deve ser tido
como caracterizado. O fato de se tratar de fraud by wire (fraude por fio,
rádio ou televisão) não tem, no caso, o relevo sustentado pela defesa. O
recurso da telecomunicação interestadual não é, no caso, elementar do tipo,
e sim mero instrumento de comunicação do meio ardiloso e fraudulento do
qual os acusados lançaram mão para induzir os fornecedores em erro, cau-
sando-lhes prejuízo patrimonial. A telecomunicação, cabe repetir, não é
elementar do tipo, figurando aí apenas como critério para fixação da
competência da Justiça Federal norte-americana. O que é importante consi-
derar é que, independentemente da forma com que os acusados se comunica-
ram com os lesados, o tipo penal estrangeiro (Título 18, Seção 1343 do
U.S.C.) contém todas as elementares do delito de estelionato.’ (Ext 761/EU,
DJ 12.05.00 p. 00020).
(...)
18. Contudo quanto aos crimes imputados ao extraditando de conspiração
para a fraude e de transporte de valores ilicitamente obtidos, não há, conforme
entendimento adotado na Ext. 761, correspondência típica na legislação pátria.
19. Na linha seguida no julgamento acima referido a conspiração poderia, em
tese, corresponder no Brasil, ao de quadrilha, mas este exige participação de mais
de três pessoas. Sucede que no caso em estudo há apenas a participação de três
pessoas.
48 R.T.J. — 196

20. Com referência ao delito do Título 18, Seção 2.314, do Código dos
Estados Unidos - transporte de valores ilicitamente obtidos -, observa-se que tam-
bém não há no direito brasileiro correspondência como crime autônomo, pois, no
Brasil é considerado transporte do próprio proveito do crime de estelionato e neste
absorvido, consoante dispõe ementa proferida na Extradição n. 761:
‘Ementa: Extradição. Dupla tipicidade prescrição. Crimes de fraude
(estelionato), de operação financeira ilegal (remessa ilegal de divisa), de
transporte de valores ilicitamente obtidos e de conspiração (quadrilha).
Estando preenchidos todos os requisitos legais e não ocorrendo qualquer das
hipóteses previstas no art. 75 da Lei n. 6.815, de 19.08.1980, modificada pela
Lei n 6.964, de 09.12.1981, defere-se a Extradição, quanto aos delitos de
fraude (estelionato, no Brasil) e de operação financeira ilegal (aqui, remessa
ilegal de divisas). Não, porém, quanto aos crimes de transporte de valores
ilicitamente obtidos e de conspiração, pois o primeiro, no Brasil, é conside-
rado transporte do próprio proveito do crime de estelionato e neste absorvi-
do. E o outro, o de conspiração, poderia, no Brasil, ser assemelhado ao de
quadrilha, se dela houvessem participado mais de três pessoas (art. 288 do
Código Penal), o que, no caso, não ocorreu. Inocorrência de prescrição, seja
pelo Direito norte-americano, seja pelo brasileiro. Deferimento parcial do
pedido de Extradição, nos termos do voto do Relator. Decisão unânime.’ (Ext
761/EU, Rel Min. Sydney Sanches, DJ. 12.05.00, p. 00020).”
No que se refere à prescrição, registra-se que as causas pelas quais o extraditando
está sendo acusado, no tocante às imputações com correspondência no Direito Penal
brasileiro, prescrevem em 12 anos. Considerando que os atos delituosos datam de 2001,
não há falar em ocorrência de lapso prescricional segundo o Direito brasileiro e o Direito
americano. Sobre este ponto, anotou a Procuradoria-Geral da República (fl. 194):
“16. E no que se refere a essas imputações, não ocorreu, ainda a prescrição da
pretensão punitiva, seja em face da legislação norte-americana (U.S.C Título 18 §
3282), seja pela brasileira, que prevê, para o crime do art. 171 do Código Penal a
prescrição em 12 anos (inc. III, art. 109, do CPB).
17. Pela legislação norte-americana, a prescrição só ocorre se a ação penal
não é instaurada ou não há o recebimento da denúncia dentro de cinco anos após
o fato delituoso (fls. 72). Uma vez proferida o indictment, cessa o curso da prescri-
ção. No caso, os fatos ocorreram entre janeiro de 1998 e dezembro de 1999 e a
decisão de recebimento da denúncia foi proferida em 15 de dezembro de 2003 (fls.
82), dentro, portanto, do prazo de cinco anos, previsto no referido Título 18, Seção
3282 do Código dos Estados Unidos, lembrando que, em face da revelia do extra-
ditando, o processo permanece suspenso.”
No que se refere à alegada inocência do extraditando, o parecer, com base em
precedente desta Corte, anota (fls. 195-196):
“21. Quanto à inocência alegada pelo extraditando vale lembrar que ‘o sistema
de contenciosidade limitada, que caracteriza o regime jurídico da extradição
passiva no direito positivo brasileiro, não permite qualquer indagação probatória
pertinente ao ilícito criminal, cuja persecução no exterior justificou o ajuizamento
e da demanda extradicional perante o Supremo Tribunal Federal’. (Ext 545-6, Rel.
Acórdão Min. Celso de Mello, DJ 13-2-98).
R.T.J. — 196 49

22. Ademais, conforme narra o Procurador Adjunto dos Estados Unidos, a


pronúncia acusou um esquema de fraude postal e telegráfica, bem como o transporte
de valores mobiliários roubados, que era realizado em conexão com o esquema de
fraude postal e telegráfica. O extraditando juntamente com Don W. Slater e Daniel
Patton obtiveram dinheiro de terceiros inocentes, alegando ser garantido que o
dinheiro investido geraria lucros exorbitantes num prazo muito curto.
23. O Agente Especial do FBI demonstrou em detalhes em sua declaração
juramentada que Ledds, juntamente com os dois outros co-réus fraudaram numerosos
investidores vítimas em milhões de dólares, convencendo os investidores que
poderiam investir em ‘debêntures’ e ‘notas bancárias de primeira linha’ na Europa
que gerariam retornos exorbitantes em um prazo muito curto. As ‘debêntures’ e
‘notas bancárias de primeira linha’ nas quais Leeds, Slater e Patton diziam que os
investidores estavam investindo não existiam. Eles nunca investiam o dinheiro na
maneira em que prometiam. Quando os investidores suspeitavam que os investi-
mentos eram uma fraude, Leeds, juntamente com os dois outros co-réus, diziam que
tinha havido vários problemas em recuperar o dinheiro, enquanto que, ao mesmo
tempo, tentavam convencer os investidores a investir mais dinheiro.”
Ajusta-se perfeitamente à hipótese o que se decidiu no julgamento da Ext 830-EUA,
Ellen Gracie, DJ de 27-6-03, no que interessa:
“(...) 3. A negativa quanto à prática dos crimes não configura matéria de
defesa na seara extradicional, por se tratar de tema ligado ao mérito das acusações,
o que não se coaduna com o sistema de contenciosidade limitada que caracteriza o
regime jurídico do processo de extradição no direito brasileiro. Precedente.”
Após afirmar que as demais alegações e diligências requeridas nos itens 8 e 9 do
seu parecer devem ser apresentadas à Justiça norte-americana, o Procurador-Geral da
República concluiu pelo deferimento parcial do pedido de extradição.
São diversos os precedentes no sentido de que a esta Corte somente cabe o exame
dos pressupostos e das condições da extradição; não há, portanto, manifestação sobre o
mérito do pedido, sobre a justiça ou a injustiça da condenação ou do processo no Estado
requerente, v.g. Ext 853/Paraguai, Maurício Corrêa, DJ de 5-9-03; Ext 768/República
do Peru, Ilmar Galvão, DJ de 16-6-00; Ext 773/República Federal da Alemanha,
Octavio Gallotti, DJ de 28-4-00; e Ext 669/EUA, Celso de Mello, DJ de 29-3-96,
dentre outros.
Dessa forma, presentes os requisitos legitimadores, o meu voto é no sentido de
deferir parcialmente o pedido de extradição.

EXTRATO DA ATA
Ext 915/Estados Unidos da América — Relator: Ministro Gilmar Mendes. Reque-
rente: Governo dos Estados Unidos da América. Extraditando: Ronald Peter Eichberg
Leeds (Advogados: Moacir Anttonio Miguel e outra).
Decisão: O Tribunal, por unanimidade, deferiu, em parte, a extradição, nos termos
do voto do Relator. Ausentes, justificadamente, os Ministros Celso de Mello e Eros
Grau. Presidiu o julgamento o Ministro Nelson Jobim.
50 R.T.J. — 196

Presidência do Ministro Nelson Jobim. Presentes à sessão os Ministros Sepúlveda


Pertence, Carlos Velloso, Marco Aurélio, Ellen Gracie, Gilmar Mendes, Cezar Peluso,
Carlos Britto e Joaquim Barbosa. Vice-Procurador-Geral da República, Dr. Roberto
Monteiro Gurgel Santos.
Brasilia, 8 de setembro de 2005 — Luiz Tomimatsu, Secretário.

EXTRADIÇÃO 916 — REPÚBLICA ARGENTINA

Relator: O Sr. Ministro Carlos Britto


Requerente: Governo da República Argentina — Extraditando: Antenor Danilo
de Oliveira Batista ou Gringo
Extradição. Acusação de crime de homicídio em ocasião de roubo.
Comprovação de que o extraditando é brasileiro. Pedido prejudicado.
Aplicação do aforismo do aut dedere aut judicare.
Estando impossibilitado de atender ao pedido de cooperação inter-
nacional, deve o Brasil, nesses casos, assumir a obrigação de proceder
contra o extraditando de modo a evitar a impunidade do nacional que
delinqüiu alhures.
Extradição indeferida.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribu-
nal Federal, por seu Tribunal Pleno, sob a Presidência da Ministra Ellen Gracie, na
conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos,
indeferir a extradição, nos termos do voto do Relator.
Brasília, 19 de maio de 2005 — Ellen Gracie, Presidente — Carlos Ayres Britto,
Relator.

RELATÓRIO
O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto: Cuida-se de pedido de extradição feito pelo
Estado da Argentina, em desfavor do Antenor Danilo de Oliveira Batista. Pedido que se
fundamenta em processo penal por crime de “homicídio em ocasião de roubo” e que se
baseia no Tratado de Extradição firmado com o Brasil em 15 de novembro de 1961.
2. Pois bem, na forma dos artigos 76 e 82 da Lei n. 6.815/80, deferi o pedido de
prisão cautelar e determinei a expedição de mandado de captura, a ser cumprido pelo
Departamento de Polícia Federal (fl. 39).
3. De sua parte, o Ministro da Justiça, por meio do Aviso n. 3.464, informou que o
extraditando é brasileiro e atualmente cumpre pena de dez anos e seis meses no Presídio
de Santo Cristo, Estado do Rio Grande do Sul, por crime de roubo e extorsão (fl. 54).
R.T.J. — 196 51

4. Diante da contradição entre as informações extraídas da Nota Verbal (fl. 2), a


qual se refere a nacional argentino, e do ofício ministerial que aponta ser o extraditando
nacional brasileiro, solicitei informações ao Cartório de Registro Civil de Porto
Lucena/RS, bem como a manifestação do Estado-requerente (fl. 61), quedando silente
este último.
5. Prossigo no relato da quaestio juris que se contém nesta causa para anotar que,
recebidas as certidões de fls. 71 e 75, encaminhadas pelo Cartório de Porto Lucena,
dando conta de que o extraditando é brasileiro, remeti os autos à douta Procuradoria-
Geral da República para manifestação. Opinando o Parquet, então, pela prejudicialidade
do pedido extradicional, em razão da nacionalidade brasileira do extraditando. Mais:
com o fito de evitar a impunidade quanto ao crime cometido na Argentina, pugnou o
órgão ministerial público pela aplicação do artigo 88 do Código de Processo Penal
brasileiro.
É o relatório.

VOTO
O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto (Relator): Feito o relatório, passo ao voto.
8. Conforme visto, o pedido de extradição de Antenor Danilo de Oliveira Batista
não comporta deferimento.
9. Em verdade, da análise das certidões de fls. 71 e 75, verifica-se que o extraditando
nasceu no Estado do Rio Grande do Sul e é filho de Florentino José Batista e Adelina Paz
de Oliveira, ambos brasileiros.
10. Sob este visual das coisas, é preciso lembrar que o Brasil proíbe a extradição de
brasileiros, de forma terminante e solene, não só na lei ordinária como também no texto
constitucional. E o faz nos termos seguintes:
“Art. 5º (...)
LI - nenhum brasileiro será extraditado, salvo o naturalizado, em caso de
crime comum, praticado antes da naturalização, ou de comprovado envolvimento
em tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, na forma da lei;”
11. Noutra vertente, estando impossibilitado de atender ao pedido de cooperação
internacional, deve o Brasil, nesses casos, assumir a obrigação de proceder contra o
extraditando de modo a evitar a impunidade do nacional que delinqüiu alhures. Trata-se,
portanto, da efetivação do princípio universal do aut dedere aut judicare, segundo o
qual o Estado-requerido deve assumir a posição de guardião do interesse internacional
comum.
12. Nessa contextura, ante a inviabilidade do pedido extradicional, voto pelo seu
indeferimento. Voto, ainda, pela remessa de cópia dos autos para o douto Juízo da
Comarca de Santo Cristo, de modo que o brasileiro se exponha a processo criminal, nos
termos do artigo 88 do Código de Processo Penal brasileiro.
52 R.T.J. — 196

EXTRATO DA ATA
Ext 916/República Argentina. Relator: Ministro Carlos Britto. Requerente: Go-
verno da República Argentina. Extraditando: Antenor Danilo de Oliveira Batista ou
Gringo.
Decisão: O Tribunal, por unanimidade, indeferiu a extradição, nos termos do voto
do Relator. Ausentes, justificadamente, os Ministros Nelson Jobim (Presidente), Celso
de Mello e Gilmar Mendes. Presidiu o julgamento a Ministra Ellen Gracie (Vice-Presi-
dente).
Presidência da Ministra Ellen Gracie (Vice-Presidente). Presentes à sessão os Mi-
nistros Sepúlveda Pertence, Carlos Velloso, Marco Aurélio, Cezar Peluso, Carlos Britto,
Joaquim Barbosa e Eros Grau. Vice-Procurador-Geral da República, Dr. Antonio Fernando
Barros e Silva de Souza.
Brasília, 19 de maio de 2005 — Luiz Tomimatsu, Secretário.

EXTRADIÇÃO 923 — REPÚBLICA ITALIANA

Relator: O Sr. Ministro Carlos Velloso


Requerente: Governo da Itália — Extraditando: Fabio Franco
Constitucional. Penal. Extradição: Itália. Delitos: tráfico de entorpe-
centes, detenção de armas, receptação, formação de quadrilha finalizada
ao tráfico de substâncias entorpecentes. Homicídio e tentativa de homicídio.
I - Pedido de extradição instruído com os documentos exigidos pela
lei brasileira, Lei 6.815/80, art. 80, e pelo Tratado de Extradição Brasil—
Itália.
II - Fatos delituosos tipificados como crime na lei penal italiana e na
lei brasileira.
III - Inocorrência de prescrição, seja pela lei italiana, seja pela lei
penal brasileira.
IV - Extradição deferida.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribu-
nal Federal, em Sessão Plenária, na conformidade da ata do julgamento e das notas
taquigráficas, por unanimidade, deferir o pedido de extradição, nos termos do voto do
Relator. Ausente, justificadamente, o Ministro Carlos Britto.
Brasília, 31 de março de 2005 — Nelson Jobim, Presidente — Carlos Velloso,
Relator.
R.T.J. — 196 53

RELATÓRIO
O Sr. Ministro Carlos Velloso: O Sr. Ministro de Estado da Justiça encaminhou a
esta Corte, nos termos do art. 84 da Lei 6.815/80, alterada pela Lei 6.964/81, e do
Tratado de Extradição existente entre o Brasil e a Itália, os documentos justificadores e
formalizadores do pedido de extradição formulado pelo Governo da República Italiana
contra o nacional italiano Fábio Franco, que teve contra si expedidas três ordens de
prisão pelo Juiz de investigações preliminares junto ao Tribunal de Lecce, pelos crimes
de tráfico ilícito de substâncias entorpecentes, detenção de armas, receptação, formação
de quadrilha de cunho mafioso, formação de quadrilha finalizada ao tráfico ilícito de
substâncias entorpecentes, homicídio premeditado grave, tentativa de homicídio pre-
meditado grave e porte ilegal de armas em lugar público.
Nos autos da PPE 462 (fl. 13 do apenso), decretei a prisão preventiva do extraditando,
que foi efetivada em 3-2-2004 (fl. 26 do apenso).
À fl. 217, em atenção a requerimento formulado pela Interpol, autorizei a transfe-
rência do extraditando para o Presídio de Segurança Máxima de Presidente Bernardes,
tendo em conta a notícia de possível tentativa de resgate armado do extraditando.
Ao ser interrogado, às fls. 573-585, o extraditando negou o seu envolvimento nos
fatos ilícitos e declarou ter interesse em retornar à Itália para se defender das acusações.
Na defesa de fls. 573/585, o extraditando, preliminarmente, sustenta que a sua
custódia no Presídio de Segurança Máxima de Presidente Bernardes/SP, além de não
estar devidamente fundamentada, não observou o disposto na Lei 10.792/2003, que
regula o regime disciplinar diferenciado a que está sujeito. No mérito, concorda com o
pedido de extradição, desde que lhe sejam garantidas, em caso de condenação, a não-
aplicação de pena de morte ou de prisão perpétua e a exclusão do crime de “associação
mafiosa”, por não encontrar correspondente no direito brasileiro.
O Ministério Público Federal, às fls. 606-611, pelo parecer do eminente Procura-
dor-Geral, Professor Cláudio Fonteles, opina no sentido do deferimento do pedido de
extradição.
É o relatório.

VOTO
O Sr. Ministro Carlos Velloso (Relator): A República Italiana pede a extradição —
extradição instrutória — do nacional italiano Fabio Franco, contra quem foram expedidos
mandados de prisão, entre 2001 e 2003, pelo Juiz de Investigações Preliminares do
Tribunal de Lecce, pelos crimes de tráfico ilícito de substâncias entorpecentes, detenção
de armas, receptação, formação de quadrilha de cunho mafioso, formação de quadrilha
finalizada ao tráfico ilícito de substâncias entorpecentes, homicídio premeditado grave
e tentativa de homicídio grave premeditado (fls. 4-188). A Nota Verbal n. 61, à fl. 4, dá
notícia da expedição de três mandados de prisão pelo Juiz do Tribunal de Lecce, pelos
delitos mencionados.
Oficiando nos autos, às fls. 606-611, pronunciou-se o Procurador-Geral da Repú-
blica, Professor Cláudio Fonteles, pelo deferimento do pedido de extradição. Destaco do
seu parecer:
54 R.T.J. — 196

“(...)
6. Com efeito, o pedido do governo italiano reúne condições para ser deferido.
7. Preliminarmente, observe-se que foi respeitado o prazo de 40 (quarenta)
dias entre a comunicação da prisão preventiva e o requerimento formal de extradi-
ção, previsto no artigo XIII, item 4, do Tratado de Extradição celebrado entre o
Brasil e a Itália. A embaixada do país requerente foi formalmente cientificada da
efetivação da prisão preventiva para fins de extradição no dia 10.02.2004 (fl. 37 da
PPE n. 462, em apenso). O pleito de extradição, a seu turno, foi formulado no dia 10
de março de 2004 (fl. 4), portanto, rigorosamente dentro do prazo previsto no
tratado específico.
8. Ademais, é inegável que o estado requerente dispõe de competência
jurisdicional para processar e julgar os delitos imputados ao extraditando, que é
nacional italiano e naquele país teria cometido os ilícitos penais de que é acusado.
9. O pedido vem instruído com os decretos de prisão e os demais documentos
exigidos pela Lei n. 6.815/80 e pelo Tratado de Extradição celebrado entre os dois
países, havendo indicações seguras sobre o local, data, natureza e circunstâncias
dos fatos delituosos, com cópia dos textos legais pertinentes, todos traduzidos
para o português, de modo a permitir ao Supremo Tribunal Federal o exame seguro
da legalidade da pretensão extradicional (fls. 4-188).
10. Passemos a análise do contido em cada uma das ordens de prisão
expedidas pela justiça italiana.
11. Em 22 de novembro de 2001, o Juiz de investigações preliminares junto
ao Tribunal de Lecce ordenou a prisão do ora extraditando pelos crimes de tráfico
ilícito de substâncias entorpecentes (arts. 81 e 110 do CP Italiano, art. 73, § 1º e 80
do DPR n. 309/90), detenção de armas (art. 2 da Lei n. 895/67) e receptação (art.
648 do CP Italiano), por fatos ocorridos em novembro de 2001 (processo n. 9875/
01 RGIP, fls. 14-17). Os fatos tidos por criminosos estão devidamente descritos. Há
dupla tipicidade. O crime punido pelo art. 73, § 1º e 80 do DPR n. 309/90, qual
seja, ‘tráfico ilícito de substâncias entorpecentes’, encontra correspondente no
tipo penal brasileiro previsto no art. 12 da Lei n. 6368/76. O crime de ‘detenção de
armas’ tipificado pelo art. 2 da Lei n. 895/67, no ano de 2001, encontrava corres-
pondência no art. 10 da Lei n. 9437/97 e, atualmente, está previsto no art. 10 da Lei
n. 10826/2003. Por fim, a ‘receptação’, que trata o art. 648 do CP Italiano,
corresponde ao delito tipificado no art. 180 do CP. Em virtude dos fatos criminosos
terem sido cometidos recentemente, não se verifica a ocorrência de prescrição de
nenhum dos crimes antes mencionados, seja em face da legislação italiana, seja da
brasileira.
12. Em 10 de abril de 2003, o Juiz de investigações preliminares junto ao
Tribunal de Lecce determinou a prisão do extraditando pelos crimes formação de
quadrilha de cunho mafioso, formação de quadrilha finalizada ao tráfico ilícito de
substâncias entorpecentes e tráfico ilícito das mesmas substâncias, por fatos ocor-
ridos até março de 2003 (processo n. 2577/2003, fls. 47-72). Os fatos tidos por
criminosos estão devidamente descritos. Há dupla tipicidade. O crime punido pelo
art. 416 bis, e parágrafos, do Código Penal Italiano, qual seja, ‘associação armada
de tipo mafioso’, encontra correspondente no tipo genérico da lei brasileira (crime
R.T.J. — 196 55

de quadrilha ou bando - CP, art. 288, parágrafo único). O tipo insculpido no art. 74
do DPR n. 309/90 ‘formação de quadrilha finalizada ao tráfico ilícito de substân-
cias entorpecentes’, corresponde ao crime previsto no art. 14 da Lei n. 6368/76. Por
último, o crime punido pelo art. 73 do DPR n. 309/90, qual seja, ‘tráfico ilícito de
substâncias entorpecentes’, encontra correspondente no tipo penal brasileiro pre-
visto no art. 12 da Lei n. 6368/76. Em virtude dos fatos criminosos terem sido
cometidos recentemente, não se verifica a ocorrência de prescrição de nenhum dos
crimes antes mencionados, seja em face da legislação italiana, seja da brasileira.
13. Em 3 de novembro de 2003, o Juiz de investigações preliminares junto ao
Tribunal de Lecce ordenou a prisão do ora extraditando pelos crimes de homicídio
premeditado grave, tentativa de homicídio grave premeditado e porte ilegal de
armas em lugar público, fatos ocorridos em ocorridos em 24.08.2001, 31.08.2002
e 28.12.2002 (processo n. 2577/2003, fls. 117-159). Os fatos tidos por criminosos
estão devidamente descritos. Há dupla tipicidade. O crime punido pelo art. 575, do
Código Penal Italiano, qual seja, ‘homicídio’, inclusive nas formas qualificadas
(art. 577 do CP Italiano) equivale ao tipo de mesmo nome do CP brasileiro (art.
121). Por fim, o crime de ‘detenção de armas’ tipificado pelo art. 2 da Lei n. 895/67,
nos anos de 2001 e 2002, encontrava correspondência no art. 10 da Lei n. 9.437/97
e, atualmente, está previsto no art. 10 da Lei n. 10.826/2003. Em virtude dos fatos
criminosos terem sido cometidos recentemente, não se verifica a ocorrência de
prescrição de nenhum dos crimes antes mencionados, seja em face da legislação
italiana, seja da brasileira.
14. O pedido atende, assim, os requisitos legais para sua concessão, em con-
sonância com a jurisprudência desse Excelso Supremo Tribunal Federal:
‘Extradição. Governo da Itália. Prática do crime de associação armada
de tipo mafioso, previsto no art. 416-bis do Código Penal italiano.
Sendo o ilícito penal também punido pela legislação brasileira,
inexistindo no Brasil processo crime relativo ao mesmo fato e não se verifi-
cando a prescrição pelos ordenamentos jurídicos brasileiro e italiano, não há
óbice legal ao deferimento do pedido.
Extradição deferida.’ (Ext-782/IT, Relator, Min. Ilmar Galvão, DJ 13-
10-00, p. 9)
‘Extradição. Crimes de formação de quadrilha de cunho mafioso,
roubo, extorsão, de porte e de detenção ilegal de arma. Pedido que tem, por
um dos fundamentos, conduta que, à época, era definida no Brasil como
contravenção, só posteriormente criminalizada.
1. O crime específico de associação armada do tipo mafioso, previsto
na lei italiana, tem o seu correspondente genérico na lei brasileira, de quadrilha
ou bando (CP, art. 288). Atendido, também, o postulado da dupla tipicidade
com relação aos crimes de roubo e extorsão.
2. Crimes de detenção e de porte ilegal de arma. O art. 77, II da Lei de
Estrangeiros proíbe a extradição quando o fato não é considerado crime no
Brasil ou no Estado requerente, tornando-a inviável, portanto, por conduta
56 R.T.J. — 196

tipificada como contravenção. À época dos fatos - 1989 - a lei italiana previa
os crimes de detenção e de porte ilegal de arma, enquanto que no Brasil
apenas o porte ilegal de arma era previsto como contravenção. À época do
pedido de prisão preventiva para extradição e do pedido de extradição, já
vigia no Brasil a Lei n. 9.437, de 20.02.97, cujo art. 10 tipificou como crimes
as condutas de detenção e de porte ilegal de arma, porém, sujeitos ao período
de vacacio legis de seis meses, prorrogável (art. 20). Conflito de leis no
tempo em face da exigência de dupla tipicidade (art. 77, II da Lei de Estran-
geiros). Se a conduta não era considerada crime no Brasil, ao tempo da práti-
ca do ato, a extradição não pode ser deferida por este fundamento, porque é
subjacente ao disposto no citado art. 77, II, a idéia de que só é permitida a
extradição quando for possível, hipoteticamente, o processo criminal em
ambos os países (requerente e requerido). No Brasil é inviável tal processo
porque é axiomático no nosso direito que não há crime sem lei anterior que o
defina, nem pena sem prévia cominação legal, e, também, porque a lei penal
não retroagirá, salvo para beneficiar o réu (art. 5º, XXXIX e XL da Constitui-
ção). Ainda que assim não fosse, a extradição também não poderia ser conce-
dida por ter transcorrido o prazo prescricional, segundo a lei brasileira, visto
que é vedada a extradição quando estiver extinta a punibilidade pela prescri-
ção segundo a lei brasileira ou a do Estado requerente (art. 77, VI, da mesma
Lei).
3. Declarada a legalidade e julgado procedente, em parte, o pedido de
extradição, ressalvando-se que o extraditando não poderá responder processo
pelo crime de detenção e de porte ilegal de arma.’ (Ext-716/IT, Relator Min.
Mauricio Correa, DJ 20-02-98, p. 14).
‘Constitucional – Penal – Extradição – Prisão decretada pela Justiça
estrangeira – Elementos informativos – Lei 6.815, de 19.08.1980, art. 80 –
Extraditando casado com brasileira – Filho brasileiro – Acusação formulada
contra o extraditando – Indagações preliminares – Atos delituosos praticados
em território brasileiro e italiano – Concurso de jurisdições – Associação de
tipo mafioso – Cód. Penal italiano, art. 416, bis – Cód. Penal brasileiro, art.
288, crime de quadrilha ou bando
1. Mandado de prisão expedido pela Justiça italiana. Satisfeita a exi-
gência do art. 80 da Lei n. 6.815/1980, na redação da Lei n. 6.964/1981, não
cabe a Justiça Brasileira o exame dos elementos informativos em que se
baseou o Tribunal estrangeiro para formalizar a acusação e decretar a prisão
do extraditando. 2. O fato de o extraditando ser casado com brasileira e com
esta ter filho, nascido no Brasil, não afasta a extradição. Súmula 421-STF. 3.
Não é causa impeditiva da extradição o fato de a acusação formulada contra
o extraditando estar na fase de indagações preliminares. 4. Concurso de juris-
dições penais: atos delituosos praticados em território brasileiro e italiano:
prevalece a jurisdição penal italiana, dado que não existe, no Brasil, procedi-
mento penal-persecutório contra o extraditando. Precedentes do STF. 5. Cor-
respondência de tipificação: associação de tipo mafioso, Cód. Penal italiano,
R.T.J. — 196 57

art. 416, bis. Crime de quadrilha ou bando, art. 288 do CP. 6. Atendimento
das exigências do art. 80 da Lei n. 6.815/1980.’ (Ext-638/IT, Rel. Min.
Carlos Velloso, DJU 15.09.1995, p. 29506)
15. Ante o exposto, opina o Ministério Público Federal pela concessão do
pedido de extradição formulado pelo Governo da Itália, em desfavor do seu nacional
Fabio Franco.
(...).” (Fls. 607-611)
Correto o parecer do Ministério Público Federal.
A formalização do pedido de extradição se fez no prazo de 40 (quarenta) dias
previsto no art. XIII, item 4, do Tratado de Extradição celebrado entre o Brasil e a Itália.
Com efeito.
A embaixada da Itália foi formalmente comunicada da prisão do extraditando no
dia 10-2-2004 (fl. 37 da PPE 462, em apenso). O pedido de extradição foi formalizado
em 10-3-2004, no prazo, portanto, previsto no Tratado.
Os delitos imputados ao extraditando encontram tipificação no Direito Penal posi-
tivo brasileiro, como bem demonstrado no parecer do Ministério Público Federal.
Os delitos teriam ocorrido em novembro de 2001 (fls. 14-17) e até março de 2003
(fls. 47-72). Não há falar, portanto, em prescrição, seja pela lei italiana, seja pela lei
brasileira.
O pedido está instruído com os decretos de prisão e com os demais documentos
exigidos pela Lei 6.815/80, art. 80, e pelo Tratado de Extradição Brasil—Itália.
Do exposto, acolho o parecer do Ministério Público Federal e defiro o pedido de
extradição.

EXTRATO DA ATA
Ext 923/República Italiana — Relator: Ministro Carlos Velloso. Requerente: Governo
da Itália. Extraditando: Fabio Franco (Advogados: Antonio Benedito Barbosa e outros).
Decisão: O Tribunal, por unanimidade, deferiu o pedido de extradição, nos termos
do voto do Relator. Ausente, justificadamente, o Ministro Carlos Britto. Presidiu o
julgamento o Ministro Nelson Jobim.
Presidência do Ministro Nelson Jobim. Presentes à sessão os Ministros Sepúlveda
Pertence, Celso de Mello, Carlos Velloso, Marco Aurélio, Ellen Gracie, Gilmar Mendes,
Cezar Peluso, Joaquim Barbosa e Eros Grau. Vice-Procurador-Geral da República, Dr.
Antonio Fernando Barros e Silva de Souza.
Brasília, 31 de março de 2005 — Luiz Tomimatsu, Secretário.
58 R.T.J. — 196

QUESTÃO DE ORDEM NA AÇÃO CAUTELAR 929 — RJ

Relator: O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence


Requerente: Expresso Real Rio Ltda. — Requerido: Ministério Público do Estado
do Rio de Janeiro
1. Medida cautelar em recurso extraordinário: competência do Su-
premo Tribunal Federal para o julgamento de medidas cautelares de RE,
quando nela se oponha o recorrente à aplicação do art. 542, § 3º, do
Código de Processo Civil: incidência do disposto no parágrafo único do
art. 800 do Código de Processo Civil (“interposto o recurso, a medida
cautelar será requerida diretamente ao tribunal”): hipótese de medida
cautelar que visa a afastar óbice ao processamento do recurso na instância
a qua, diversa do problema do início da jurisdição cautelar do Supremo
para conceder efeito suspensivo ao RE: precedente (Pet. 2.222, 1ª T., 9-12-03,
Pertence, DJ de 12-3-04).
2. Recurso extraordinário: temperamentos impostos à incidência
do art. 542, § 3º, do Código de Processo Civil, entre outras hipóteses, na de
antecipação de tutela que possa tornar ineficaz o eventual provimento dos
recursos extraordinário ou especial.
3. Medida cautelar: deferimento: caso que — dados os termos da
antecipação de tutela, em particular, a injunção à autarquia de licitar de
imediato as linhas objeto da permissão questionada — é daqueles que
efetivamente não admitem a retenção do recurso extraordinário.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo
Tribunal Federal, em Sessão Plenária, na conformidade da ata do julgamento e das notas
taquigráficas, por unanimidade de votos, resolvendo questão de ordem, deferir a medida
cautelar para determinar o processamento do recurso extraordinário, a fim de que o
admita, ou não, a presidência do Tribunal a quo, como entender de direito, nos termos do
voto do Relator.
Brasília, 6 de setembro de 2005 — Sepúlveda Pertence, Presidente e Relator.

RELATÓRIO
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Em ação civil pública proposta pelo Ministério
Público contra o Departamento de Transportes Rodoviários do Estado do Rio de Janeiro
e a requerente — cujo pedido principal é a declaração de nulidade dos atos que prorro-
garam a permissão para explorar linhas de transporte coletivo intermunicipal (apenso 1,
fl. 63) —, o juízo de primeiro grau deferiu antecipação da tutela nos termos seguintes
(apenso 1, fls. 92/96):
R.T.J. — 196 59

“Da Tutela de Urgência Pretendida e do Despacho Liminar Positivo


Inicialmente, desnecessário se torna a oitiva prévia do Poder Público já que
o Detro prestou informações às fls. 68/69, dos autos 2003.001.101973-0, que
abragem a ora permissionária 2ª Ré.
Pretende o Ministério Público a antecipação dos efeitos da tutela final, nos
termos pormenorizadamente elencados no item III, número 1 e respectivos desdo-
bramentos, conforme disposto às fls. 28/29 de sua inicial.
Nas alíneas 1.1 e 1.2 do sobremencionado item, requer o autor primeiramente,
decisão judicial que obrigue o Detro-RJ à observância das Leis 8666/93 e 8987/95,
abstendo-se de delegar linhas regulares, serviços complementares, linhas requisi-
tadas e linhas especiais do serviço público de transporte coletivo intermunicipal
de passageiros por ônibus sem prévio procedimento licitatório e; em segundo
lugar, requer que o primeiro réu seja obrigado a suspender imediatamente as
delegações de serviço público de transportes de passageiros por ônibus que não
foram precedidas de licitação e que ainda não entraram em operação.
Nas quatro alíneas subseqüentes (1.3, 1.4, 1.5, e 1.6) do item em referência,
pugna pelo implemento de providências destinadas à deflagração do procedimento
licitatório para as 1.087 linhas intermunicipais de ônibus do Estado, inclusive
com a cominação de multa pela inobservância do preceito, o que se coadunava
com os termos em que originariamente havia sido proposta a demanda.
Finalmente, nos números 2, 3, 4, 5 e 6 do item III, desvela-se o pedido com
suas especificações e demais consectários.
Inicialmente, verifica esta magistrada que a pretensão antecipatória deduzida
nas alíneas 1.1 e 1.2 do item III, nada mas são do que exortações ao cumprimento,
pelo Detro-RJ, do princípio da obrigatoriedade de licitação prévia para delegação
de serviços públicos, consagrada constitucionalmente e na legislação regulamen-
tadora correlata, tanto que tais pretensões já foram acolhidas conforme decisão de
fls. 58, dos autos n. 2003.001.101973-0.
No que concerne às alíneas 1.3 e 1.6 do item III da exordial em exame observa-se
que estando o litisconsórcio limitado à empresa Expresso Real Rio Ltda e ao
Detro, em razão dos documentos acostados às fls. 32/74, entende esta Magistrada
estar presente a fumaça do bom direito, pois o contrato de adesão de fls. 61/68,
celebrado entre a Expresso Real Rio Ltda e o Detro-RJ, tendo por objeto a prorro-
gação de permissão de serviço pelo prazo de 15 anos, firmado em 19/05/1998,
afronta a Lei 8.666/93 e 8.987/95, diplomas especificadamente voltados ao esta-
belecimento de normas gerais sobre concessões e permissões de serviços públicos,
com aplicação a todos os entes federativos. Logo, apesar da plena vigência da Lei
8.666/93 em consonância do art. 175, caput, da Constituição da República, foi
celebrado em adesão sem licitação prévia, em 1998, com prorrogação de permissão
de serviço pelo prazo de 15 anos, sem permitir ao responsável pelo serviço o
exercício de seu juízo discricionário sobre a oportunidade e a conveniência de
prorrogar as permissões e/ou autorização em vigor, violando-se o princípio da
60 R.T.J. — 196

moralidade administrativa. Saliente-se que em representação por inconstituciona-


lidade n. 2002.007.00137, proposta pelo Exmo Sr. Procurador Geral de Justiça
perante o Órgão Especial do Egrégio Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro foi
concedida liminar pelo Eminente Des. Marlan Marinho para suspender, até deci-
são final, os efeitos da expressão “mantidas automaticamente, pelo prazo legal de
15 anos, prorrogável uma única vez, as atuais permissões e autorizações decorrentes
das disposições legais contidas no Decreto-lei 276 de 22 de julho de 1975, cuja
disciplina foi outorgada à autarquia criada pela Lei n. 1211, de 06 de novembro de
1987”, constante do artigo 6º; b) da expressão “da concessão” contida no artigo
32; c) do § 2º do artigo 45, todos da Lei Estadual n. 2831/97 do Estado do Rio de
Janeiro. Há aparente violação dos artigos 7º e 77, caput, e do inciso XXV, da
Constituição estadual e dos artigos 2º, 37 e 175 da Constituição Federal, vale
dizer; os princípios da moralidade administrativa (...)”.
Depreende-se do contrato de adesão n. 002/98 que apesar do mesmo em sua
cláusula 1ª declarar que o objeto do presente será também regido pela Lei 8.666/93,
manteve o Detro/RJ, automaticamente, por mais 15 anos, de acordo com cláusula
11ª, a prorrogação da permissão do serviço de transporte, que ainda pode ser pror-
rogável pelo mesmo período desde que a permissionária esteja executando os
serviços de forma satisfatória, em total afronta com os princípios da moralidade, da
legalidade e demais princípios que devem reger o atuar da Administração Pública,
além de vulnerar o espírito dos artigos 40, caput e parágrafo único e 42, § 2º, da Lei
Federal n. 8.987/95.
O periculum in mora restou também demonstrado eis que a ausência de lici-
tação, dentre outros gravames, causa grave prejuízo ao erário já que os valores que
deveriam ser arrecadados pelo Estado quando da adjudicação da linha à empresa
vencedora operada em licitação deixam de ingressar nos cofres públicos, sem falar
que os usuários dos serviços suportam o pagamento de tarifa e condições
questionáveis de prestação de serviço, pois a ausência de licitação impede a sele-
ção da empresa que atenda ao interesse público.
No que se refere ao perigo de dano inverso, na hipótese dos autos este não se
vislumbra, haja vista que o serviço continuará sendo prestado, não sendo a popu-
lação prejudicada, bem como não há direito subjetivo para o eventual vencedor do
certame à adjudicação do contrato, sendo que continuam mantidas as demais
cláusulas do contrato de adesão ora impugnado, no que se refere a ora permissionária,
estando suspensa a cláusula de vigência do mesmo e de transferência. Nesse passo,
não há risco de dano inverso para a atual permissionária que continuará a empreender
o transporte de passageiros, nos termos das cláusulas avençadas, podendo ainda
vir a comprovar a liceidade da avença que a habilita a tal mister.
Desse passo, defiro a liminar, para determinar:
1 - Que se abstenha o Detro de delegar linhas regulares, serviços complemen-
tares, linhas requisitadas e linhas especiais do serviço público de transporte cole-
tivo intermunicipal de passageiros por ônibus, sem que realize prévia licitação, a
partir da intimação da presente decisão;
R.T.J. — 196 61

2 - Suspendo, imediatamente, os efeitos das cláusulas 11ª e 12ª, do contrato


de adesão n. 002/98, por violar o art. 175, caput, da atual carta política e as Leis
8.666/93 e 8987/95, mantendo-se os demais termos de fls. 61 à 67, em razão da
necessidade da continuidade da prestação de serviço, determinando que o Detro
inicie o procedimento licitatório destinado à escolha dos novos delegatários do
serviço público de transporte coletivo no prazo de 180 dias, com a publicação dos
editais;
3 - Determino que o Detro deposite em cartório, no prazo de 120 (cento e
vinte) dias, minuta dos editais de licitação das linhas delegadas a 2ª Ré, descritas
às fls. 43, já que a Lei Federal não faz qualquer distinção entre linhas comple-
mentares, linhas regulares e especial. Impende observar que nos editais suso
mencionados deverá constar que as linhas licitadas encontram-se sub judice,
cientificando-se, destarte, os eventuais interessados em participar do certame;
4 - Que o Detro apresente a classificação final das propostas oferecidas no
certame licitatório no prazo de trinta dias após concluída a licitação;
5 - Fixo multa de R$20.000,00 caso seja descumprida a liminar, na forma do
art. 11, da Lei 7.347/1985;
6 - Tendo em vista a gravidade dos fatos narrados na inicial, que indicam
afronta ao princípio da moralidade administrativa e prejuízo ao erário, extraiam-se
peças ao Procurador Geral de Justiça e para a Promotoria de Justiça de Defesa da
Cidadania para que seja instaurado inquérito com a finalidade de se apurar conduta
do Sr. Luiz Armando de Mattos, Presidente do Detro à época da assinatura do
contrato de adesão, conforme fl. 68, bem como eventual improbidade administra-
tiva pelos agentes públicos que diretamente participaram da celebração do contrato
de adesão, bem como a conduta dos representantes legais da sociedade permissio-
nária;
7 - Citem-se os réus. Forneça o autor cópias da inicial para instrução do
mandado respectivo. Intime-se.
8 - Traslade-se para os presentes autos cópia das informações prestadas pelo
detro às fls. 68/69, dos autos 2003.001.101973-0.”
O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro negou provimento ao agravo da empresa
requerente, mantendo a antecipação da tutela (apenso 4, fl. 833).
Interposto recurso extraordinário, por pretendida violação dos arts. 93, IX; 37,
XXI, e 175 da Constituição, cuja retenção, no entanto, se determinou no Tribunal a quo,
com base no art. 542, § 3º, do Código de Processo Civil.
Donde, a “ação cautelar” proposta com vistas a que se determine o processamento
do RE, dado que a persistência da tutela antecipada poderá gerar à requerente danos de
impossível ou difícil reparação.
É o relatório.
62 R.T.J. — 196

VOTO
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Relator): Decidiu esta Turma (Pet 2.222, 9-12-03,
Pertence, DJ de 12-3-04):
“1. Medida cautelar em recurso extraordinário: competência do Supremo
Tribunal Federal para o julgamento de medidas cautelares de RE, quando nela se
oponha o recorrente à aplicação do art. 542, § 3º, do Código de Processo Civil:
incidência do disposto no parágrafo único do art. 800 do Código de Processo Civil
(“interposto o recurso, a medida cautelar será requerida diretamente ao tribunal”):
hipótese de medida cautelar que visa a afastar óbice ao processamento do recurso na
instância a qua, diversa do problema do início da jurisdição cautelar do Supremo
para conceder efeito suspensivo ao RE.
2. Medida cautelar: indeferimento: ausência de fumus boni juris: caso de
recurso extraordinário contra decisão concessiva de tutela antecipada em ação
civil pública, não cabível, por não se tratar de decisão definitiva: Código de Pro-
cesso Civil, art. 273, § 4º.”
Doutrina e jurisprudência, invocadas com pertinência na petição, têm imposto
temperamentos à incidência do art. 542, § 3º, do Código de Processo Civil, entre outras
hipóteses, na de antecipação de tutela que possa tornar ineficaz o eventual provimento
dos recursos extraordinário ou especial.
Valiosas, a respeito, as observações do Dr. Cândido Dinamarco, invocadas na
petição:
“(...) a preponderar sem abrandamento a norma agora trazida pelo Código de
Processo Civil, toda pretensão e toda resistência às tutelas jurisdicionais de urgên-
cia ficará confinada aos graus ordinários de jurisdição, sem possibilidade de acesso
ao Supremo Tribunal Federal ou ao Superior Tribunal de Justiça.
Sendo negada pelo Tribunal local uma tutela cautelar ou alguma antecipa-
ção de tutela (art. 273), os males do tempo inimigo, de que falava Carnelutti terão
campo livre para progredir e dificilmente chegará o momento em que os tribunais
de superposição pudessem ditar corretivos – porque o estado de retenção só cessará
quando o mérito já tiver sido julgado ou o processo extinto, situações em que as
medidas de urgência terão perdido a oportunidade.
Havendo sido concedida a tutela de urgência pelo tribunal local, a parte
atingida amargará os seus efeitos, também até quando o processo seja declarado
extinto com ou sem julgamento do mérito – tudo levando a crer que, também aí, o
pronunciamento do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça
já não terá a utilidade desejada.
Em ambas as hipóteses, o sistema terá falhado no cumprimento da suprema
promessa constitucional de tutela jurisdicional efetiva e tempestiva (art. 5º,
XXXV)”.
Sem adiantar qualquer juízo sobre a viabilidade do RE interposto, estou em que o
caso — dados os termos da antecipação de tutela, em particular, a injunção à autarquia
de licitar de imediato as linhas objeto da permissão questionada — é daqueles que
efetivamente não admitem a retenção do recurso extraordinário.
R.T.J. — 196 63

Esse o quadro, submeto à Turma, nos termos do art. 21, IV, RISTF, o deferimento de
medida cautelar para determinar o processamento do recurso extraordinário interposto
pela requerente, a fim de que o admita ou não a presidência do Tribunal a quo, como
entender de direito.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Senhor Presidente, a definição do instrumental


próprio a questionar o imediato processamento do recurso extraordinário ainda não
ocorreu, pelo menos de forma reiterada.
Tenho entendido que, se a situação concreta desafia a pronta seqüência do extraor-
dinário, e ele é retido na origem, cabível, em si, é a reclamação. Mas não estou longe,
também, de admitir uma ação cautelar para o Supremo Tribunal Federal examinar,
incontinente, se deve, ou não, ser processado o extraordinário.
Encontro certa dificuldade no que a Corte, interpretando o Código de Processo
Civil, assentou que, enquanto não ocorre o crivo do juízo primeiro de admissibilidade,
positivo ou negativo, admitindo, ou não, o enquadramento do extraordinário no permis-
sivo que lhe é pertinente, a competência para a cautelar é do Tribunal de origem.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presidente e Relator): Mas não no caso de
retenção.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Pois é. Por isso eu tenderia a assentar que, na reten-
ção, pode ocorrer, sim — devido a essa retenção —, a usurpação da competência do
Supremo, tornando-se irreversível o dano ao jurisdicionado.
Com ressalva quanto ao cabimento, em si, da cautelar, porque entendo mais con-
sentânea a reclamação, acompanho Vossa Excelência.

EXTRATO DA ATA
AC 929-QO/RJ — Relator: Ministro Sepúlveda Pertence. Requerente: Expresso
Real Rio Ltda. (Advogados: Marcus Eduardo Magalhães Fontes e outro). Requerido:
Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro.
Decisão: A Turma, resolvendo questão de ordem, deferiu a medida cautelar para
determinar o processamento do recurso extraordinário, a fim de que o admita, ou não, a
presidência do Tribunal a quo, como entender de direito, nos termos do voto do Relator.
Unânime. Não participou deste julgamento o Ministro Cezar Peluso.
Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à sessão os Ministros Marco
Aurélio, Cezar Peluso, Carlos Britto e Eros Grau. Subprocurador-Geral da República, Dr.
Francisco Xavier Pinheiro Filho.
Brasília, 6 de setembro de 2005 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.
64 R.T.J. — 196

EXTRADIÇÃO 947 — REPÚBLICA DO PARAGUAI

Relator: O Sr. Ministro Carlos Velloso


Requerente: Governo do Paraguai — Extraditando: Idelino Ramon Silvero ou
Idelino Ramon ou Idalino Ramón Silvero ou Fidelino Ramón Silvero
Constitucional. Penal. Extradição. Crime de sequestro. Código Penal
brasileiro, art. 159; Código Penal paraguaio, art. 126. Extraditando pro-
cessado por delito diverso pela Justiça brasileira. Lei 6.815/80, artigos 89,
90 e 67.
I - Fatos delituosos tipificados como crime na lei penal do Paraguai —
Código Penal, art. 126 — e na lei penal brasileira, Código Penal brasileiro,
art. 159. Satisfeita, destarte, a exigência da dupla tipicidade penal.
II - Pedido de extradição instruído com os documentos exigidos pelo
Estatuto dos Estrangeiros, Lei 6.815/80, art. 80.
III- Vigora, na ordem jurídica brasileira, em tema de extradição, o
sistema de contenciosidade limitada, art. 85, § 1º, da Lei 6.815/80. É dizer,
a defesa versará sobre a identidade da pessoa reclamada, defeito de for-
ma dos documentos apresentados ou ilegalidade da extradição, certo que
a constitucionalidade desse dispositivo legal — § 1º do art. 85 — foi reco-
nhecida pelo Supremo Tribunal Federal: Ext 669/EEUU, Ministro Celso
de Mello, RTJ 161/409; Ext 936/Itália, Ministro Carlos Velloso, Plenário,
24-2-2005.
IV - Inocorrência de prescrição, quer pela lei brasileira, quer pela
lei estrangeira.
V - Não impede a extradição a circunstância de ser o extraditando
casado com brasileira ou ter filho brasileiro. Súmula 421/STF.
VI - Extradição deferida, observando-se a ressalva inscrita no art.
89 c/c os arts. 67 e 90 da Lei 6.815/80.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo
Tribunal Federal, em Sessão Plenária, na conformidade da ata do julgamento e das notas
taquigráficas, por unanimidade de votos, deferir a extradição, nos termos do voto do
Relator.
Brasília, 14 de abril de 2005 — Nelson Jobim, Presidente — Carlos Velloso, Relator.

RELATÓRIO
O Sr. Ministro Carlos Velloso: O Sr. Ministro de Estado da Justiça encaminhou a
esta Corte, nos termos do art. 84 da Lei 6.815/80, alterada pela Lei 6.964/81, e do
Tratado de Extradição existente entre o Brasil e o Paraguai, os documentos justificadores
e formalizadores do pedido de extradição formulado pela República do Paraguai contra
o nacional paraguaio Idelino Ramon Silvero, que teve contra si expedida, em 11-11-
2003, ordem de prisão pelo Juiz Penal de Garantias da Cidade de Hernandarias, Circuns-
crição Judicial do Alto Paraná e Canindeyú-Paraguai, pelo crime de sequestro.
R.T.J. — 196 65

Nos autos da PPE 477 (fl. 60 do apenso), decretei a prisão preventiva de Idelino
Ramon Silvero, que foi efetivada em 21-8-2004 (fl. 76 do apenso).
À fl. 167, em atenção a requerimento formulado pela Interpol, autorizei a transfe-
rência do extraditando da Cadeia Pública de Cascavel/PR, tendo em conta a notícia de
possível tentativa de resgate armado do extraditando.
O extraditando encontra-se recolhido no Centro de Triagem de Curibita, conforme
comunicação à fl. 185.
Ao ser interrogado, às fls. 221-228, o extraditando negou a autoria do crime de
seqüestro. Afirma que não conhece pessoalmente a vítima, e que tudo decorre de perse-
guição política, uma vez que, por intermédio de sua agência de notícias, denunciava
uma rede de corrupção envolvendo grandes empresários e agentes políticos do Paraguai.
Esclarece, ainda, que também participava de movimentos políticos e sociais de oposi-
ção no seu país, tendo sido, inclusive, candidato a deputado. Por isso, teme sua morte,
caso seja entregue ao Governo do Paraguai.
O extraditando apresentou a defesa de fls. 231-237, sustentando que o pedido de
extradição não está em condições de ser atendido, dado que, além de possuir filha
brasileira sob sua guarda e dependência, não existe prova da sua participação no delito.
Aduz, ainda, tratar a espécie de perseguição política, sendo vedada a extradição, nos
termos do art. 77, VII, da Lei 6.815/80. Por fim, ressalta o não-atendimento do prazo
máximo para formalização do pedido de extradição (Lei 6.815/80, art. 82).
O Ministério Público Federal, às fls. 494-498, pelo parecer do eminente Procurador-
Geral, Professor Cláudio Fonteles, opina no sentido da concessão do pedido de extradição.
É o relatório.

VOTO
O Sr. Ministro Carlos Velloso (Relator): Trata-se de pedido de extradição instrutória,
requerido pelo Governo do Paraguai, do nacional paraguaio Idelino Ramon Silvero,
contra quem foi expedido mandado de prisão em 11-8-2003, pelo Juiz Penal de Garantias
da Cidade de Hernandárias, Circunscrição Judicial do Alto Paraná e Canindeyú, Paraguai,
sob a acusação da prática do crime de seqüestro — Código Penal do Paraguai, art. 126.
Oficiando no feito, pronunciou-se o Ministério Público Federal, pelo seu chefe, o
eminente Procurador-Geral da República, Professor Cláudio Fonteles, pelo deferimento
do pedido.
Destaco do parecer:
“(...)
5. No que tange aos aspectos legais concernentes ao presente pedido de
extradição, devem ser observadas as regras específicas dispostas no Acordo de
Extradição entre os Estados-Parte do Mercosul, Bolívia e Chile, promulgado no
Brasil pelo Decreto n. 4.975, de 30 de janeiro de 2004, e, subsidiariamente, as
normas da Lei Brasileira Geral de Extradição (Lei 6.815/80), muito embora o
Governo Paraguaio tenha fundamentado sua pretensão no antigo Tratado de
Extradição firmado entre Brasil e Paraguai, no ano de 1922.
66 R.T.J. — 196

6. Nessa perspectiva, cabe refutar, de início todos empecilhos levantados


pelo extraditando na sua defesa. Assim, o fato de Idelino Ramon Silvero ter um
filho brasileiro sob sua guarda e dependência econômica não tem relevância na
análise do pedido de extradição, consoante entendimento cristalizado pelo STF
(Ext 879, Ext 839, Ext 833 e Súmula 421). Outrossim, com relação à alegada
ausência de provas da participação do extraditando no evento criminoso, por se
revestir de questão meritória, extrapola o sistema da contenciosidade limitada (art.
85, § 1º da Lei 6.815/80), que caracteriza o regime jurídico da extradição passiva
no direito brasileiro, conforme entende a Suprema Corte (Ext 897 e Ext 866). Da
mesma forma, no que se refere à pretensa natureza política do delito em comento,
revelam-se insustentáveis os argumentos da defesa, ante a ausência elementos
concretos que denotem a conotação política do delito. Além do mais, prevê o
Tratado específico, no seu artigo 5º, § 1º e § 2º c, que a mera alegação de um fim ou
motivo político não implicará necessariamente na qualificação do delito como tal,
não sendo considerados delitos políticos, em nenhuma circunstância, os atos de
natureza terrorista que, por exemplo, impliquem na tomada de reféns ou seqüestro
de pessoas. Essa é a mesma orientação abraçada pela Lei 6.815/80, segundo dis-
ciplina contida no art. 77, § 3º, quando possibilita ao Supremo Tribunal Federal
deixar de considerar crimes políticos o seqüestro de pessoas. Por derradeiro, quanto
à suposta ofensa ao prazo máximo estabelecido no art. 82 da Lei 6.815/90, resta
superada a análise do tema, tendo em vista a regular formalização do pedido
extradicional.
7. Prosseguindo no exame da legalidade, é inegável que o Estado requerente
dispõe de competência jurisdicional para processar e julgar o delito imputado ao
extraditando, que é nacional paraguaio e naquele país teria cometido o ilícito
penal de que é acusado, estando, dessa forma, este caso, em perfeita consonância
com o disposto art. 78, I, da Lei n. 6.815/80 e art. 3º, a do Acordo Internacional.
8. O pedido vem instruído com o mandado de prisão e os demais documentos
exigidos pelo art. 80 da Lei 6.815/80 e pelo art.18, §§ 2º, 4º e 5º do Tratado,
havendo indicações seguras sobre o local, data, natureza e circunstâncias do fato
delituoso, com cópia dos textos legais pertinentes, todos traduzidos para o por-
tuguês, de modo a permitir ao Supremo Tribunal Federal o exame seguro da
legalidade da pretensão extradicional (fls. 74/137).
9. Encontra-se satisfeito, do mesmo modo, o requisito da dupla tipicidade,
estabelecido no art. 77, II, da Lei n. 6.815/80 e no art. 2º, § 1º, primeira parte, do
Tratado. Assim, o fato-crime imputado ao extraditando pelo Ministério Público do
Paraguai corresponde ao delito previsto no art. 159 do Código Penal brasileiro,
rubricado de ‘extorsão mediante seqüestro’.
10. Em atendimento ao disposto no art. 77, VI da Lei 6.815/80 e no art. 9º do
Tratado, cumpre salientar que não ocorreu a prescrição sob a análise da legislação
de ambos os Estados envolvidos. Nos termos do art. 109, I do Código Penal brasi-
leiro, o prazo prescricional para o presente caso é de 20 (vinte) anos, contados a
partir do dia em que se consumou o delito. O Código Penal paraguaio, por sua vez,
dispõe, no seu art. 102, § 1º, que os delitos puníveis com pena máxima cominada
entre 03 (três) e 15 (quinze) anos prescrevem em um tempo igual ao máximo da
R.T.J. — 196 67

pena privativa de liberdade imposta, ou seja, em 08 (oito) anos, no caso apreciado.


Portanto, diante dos prazos supra citados, conclui-se que a prescrição da pretensão
punitiva, seja nos termos da legislação brasileira ou paraguaia, ainda não se
verificou, uma vez que a consumação do delito ocorreu do dia 13 de julho 2003,
estendendo-se por mais 05 (cinco) dias, em face do caráter permanente do ilícito
criminoso (fls. 76).
11. Da mesma forma, revela-se realizada a exigência prevista no art. 2º, § 1º,
segunda parte, do Acordo de Extradição do Mercosul, cujo preceito determina que
somente darão causa à extradição os delitos puníveis em ambos os Estados com
pena privativa de liberdade de duração máxima não inferior a dois anos. Destarte,
impondo o Código Penal brasileiro a pena máxima de 15 (quinze) anos de reclu-
são, e a lei estrangeira a pena privativa de liberdade de até 08 (anos), por certo não
se considera a dita infração como de menor gravidade, razão que inspirou o óbice
demandado pelo Tratado.
12. Ao cabo, registre-se que o extraditando responde, no Brasil, a processo-
crime pela prática do delito de falsidade ideológica (art. 299 do Código Penal),
ficando condicionada a efetivação da extradição à discricionariedade do Governo
Brasileiro, nos termos do art.89 c/c arts. 90 e 67, todos da Lei 6.815/80.
13. Ante o exposto, o Ministério Público Federal, por meio do Procurador-
Geral da República, manifesta-se pela concessão da extradição do paraguaio
Idelino Ramon Silvero, nos termos do pedido do Governo da França, com ressalva
prevista no art. 89 c/c arts. 90 e 67, todos da Lei 6.815/80.
(...).” (Fls. 495-497)
Tenho como correto o parecer.
A extradição é de ser deferida.
A uma, porque não tem relevância o fato de o extraditando ser casado com brasileira
ou ter filho brasileiro. É o que estabelece a Súmula 421/STF: “Não impede a extradição a
circunstância de ser o extraditando casado com brasileira ou ter filho brasileiro”.
A duas, porque a alegação de inexistência de prova da participação do extraditando
nos fatos delituosos diz respeito ao mérito da questão, certo que vigora, na ordem jurídica
brasileira, em tema de extradição, o sistema de contenciosidade limitada, art. 85, § 1º, da
Lei 6.815/80. Na Ext 936/Itália, por mim relatada, decidiu o Supremo Tribunal Federal:
“Ementa: Constitucional. Penal. Extradição. Entorpecentes: tráfico. Lei
6.368/76, arts. 12 e 14. Sistema de contenciosidade limitada. Lei 6.815/80, art.
85, § 1º. Extraditando condenado pela Justiça brasileira pelos mesmos fatos.
I - Fatos delituosos tipificados como crime na lei penal italiana. Decreto do
Presidente da República, n. 309/1990, arts. 73, § 1º e § 6º, 80, § 2º; Código Penal,
arts. 56 e 112; artigo 74, § 1º, § 2º e § 3º, Decreto do Presidente da República n.
309/1990. Lei brasileira: Lei 6.368/76, arts. 12 e 14.
II - Pedido de extradição instruído com os documentos exigidos pelo Estatuto
dos Estrangeiros, Lei 6.815/80, art. 80.
68 R.T.J. — 196

III - Vigora, na ordem jurídica brasileira, em tema de extradição, o sistema de


contenciosidade limitada, art. 85, § 1º, da Lei 6.815/80. É dizer, a defesa versará
sobre a identidade da pessoa reclamada, defeito de forma dos documentos apresen-
tados ou ilegalidade da extradição, certo que a constitucionalidade desse disposi-
tivo legal — § 1º do art. 85 — foi reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal: Ext
669/EEUU, Ministro Celso de Mello (RTJ 161/409).
IV - Extraditando condenado pela Justiça brasileira pelos mesmos fatos: se,
pelos mesmos fatos em que se fundar o pedido extradicional, o extraditando tiver
sido condenado, a extradição será indeferida. É o que ocorre, no caso, relativamente
ao delito de tentativa de importação de 592 Kg de cocaína, em que o extraditando foi
condenado à pena de 9 (nove) anos de reclusão.
V - Extradição deferida, em parte, observando-se a ressalva inscrita no art. 89
c/c os arts. 67 e 90 da Lei 6.815/80.” (DJ de 18-3-2005)
A três, porque a alegação de que seria político o delito perde-se no vazio, sem
nenhum amparo na prova trazida aos autos, certo que o pedido está instruído com o
mandado de prisão e os demais documentos exigidos pelo art. 80 da Lei 6.815/80 e pelo
art. 18, § 2º, § 4º e § 5º, do Tratado de Extradição. Registre-se, também, que os fatos
imputados ao extraditando constituem crime na legislação penal paraguaia e no Brasil:
Código Penal do Paraguai, art. 126; Código Penal brasileiro, art. 159 — extorsão mediante
seqüestro. Está atendida, dessa forma, a exigência da dupla tipicidade penal.
A quatro, porque não há falar, no caso, em prescrição, quer pela lei paraguaia, quer
pela lei brasileira. No Brasil, art. 109, I, do Código Penal, a prescrição ocorreria em 20
(vinte) anos, contados do dia em que se consumou o delito. Na lei paraguaia, Código
Penal do Paraguai, art. 102, § 1º, a prescrição ocorreria em 8 (oito) anos. O delito, no caso,
teria se consumado em 13-7-2003.
Anote-se que o extraditando está sendo processado criminalmente, no Brasil, pela
prática do delito de falsidade ideológica — Código Penal brasileiro, art. 299. A efetiva-
ção da extradição fica condicionada, portanto, à discricionariedade do Governo do
Brasil, nos termos do art. 89, c/c os arts. 90 e 67, da Lei 6.815/1980. Reporto-me, no
ponto, ao decidido na Ext 936/Itália, de minha relatoria, cujo acórdão está mencionado
linhas atrás. Realmente, não impede a extradição o fato de o extraditando estar sendo
processado, ou ter sido condenado, no Brasil, por fato diverso. A execução da extradição,
nesses casos, rege-se pelo disposto nos arts. 89 c/c os arts. 67 e 90 da Lei 6.815/80.
Do exposto, defiro o pedido, com a ressalva do art. 89 c/c os arts. 67 e 90 da Lei
6.815/80.

VOTO
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Sr. Presidente, com referência a um trabalho
dos tempos de advocacia, quero deixar claro que continuo de acordo com a tese então
sustentada.
Mas, para o reconhecimento da extradição política disfarçada, é preciso trazer
prova consistente do que está por trás do alegado disfarce sob o manto da persecução de
crimes comuns.
R.T.J. — 196 69

No caso, atesta o eminente Relator, ficou-se no campo da mera alegação, no máximo,


no fato de que o extraditando teria tido atividades políticas como candidato de um dos
partidos da oposição, conseqüentemente já nos tempos de normalidade das instituições
paraguaias.
Assisti às últimas eleições paraguaias e nada vi a autorizar a ilação de que o sim-
ples fato de ser militante de um partido de oposição fosse bastante a evidenciar uma
extradition politique déguisée.
Acompanho o eminente Relator.

EXTRATO DA ATA
Ext 947/República do Paraguai — Relator: Ministro Carlos Velloso. Requerente:
Governo do Paraguai — Extraditando: Idelino Ramon Silvero ou Idelino Ramon ou
Idalino Ramón Silvero ou Fidelino Ramón Silvero (Advogado: Mauro Marcio Seadi
Filho).
Decisão: Por unanimidade, o Tribunal deferiu a extradição, nos termos do voto do
Relator. Falou pelo extraditando o Dr. Mauro Marcio Seadi Filho. Presidiu o julgamento
o Ministro Nelson Jobim.
Presidência do Ministro Nelson Jobim. Presentes à sessão os Ministros Sepúlveda
Pertence, Celso de Mello, Carlos Velloso, Marco Aurélio, Ellen Gracie, Gilmar Mendes,
Cezar Peluso, Carlos Britto, Joaquim Barbosa e Eros Grau. Vice-Procurador-Geral da
República, Dr. Antonio Fernando Barros e Silva de Souza.
Brasília, 14 de abril de 2005 — Luiz Tomimatsu, Secretário.

EXTRADIÇÃO 962 — REINO DA DINAMARCA

Relator: O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence


Requerente: Governo da Dinamarca — Extraditando: Claus Malmqvist
I - Extradição: tráfico internacional de substância entorpecente:
concorrência dos pressupostos positivos e negativos da extradição: defe-
rimento, condicionada a entrega do extraditando ao disposto no art. 89 c/c
o art. 67 da Lei 6.815/80.
II - Extradição: tráfico internacional de entorpecentes: competên-
cia internacional concorrente.
À vista da Convenção Única de Nova Yorque, de 1961 (art. 36, II, a,
I), e para efeitos extradicionais, cada uma das modalidades incriminadas,
no tipo misto alternativo de tráfico de entorpecentes, deve considerar-se
um delito distinto: donde, a competência da Dinamarca para julgar o
crime de importação para o seu território de droga remetida do Brasil,
sem prejuízo da jurisdição brasileira sobre a exportação ou tentativa de
exportação da mesma mercadoria. Precedentes.
70 R.T.J. — 196

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribu-
nal Federal, em Sessão Plenária, sob a Presidência da Ministra Ellen Gracie, na conformi-
dade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, deferir
o pedido de extradição, nos termos do voto do Relator.
Brasília, 20 de outubro de 2005 — Ellen Gracie, Presidente — Sepúlveda Pertence,
Relator.

RELATÓRIO
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: O Governo do Reino da Dinamarca, por sua
representação diplomática, requer a extradição do seu nacional Claus Malmqvist, contra
quem expedida ordem de prisão preventiva pelo Tribunal de Primeira Instância de Co-
penhague, por crimes consumado e tentado de tráfico internacional de substância entor-
pecente (art. 191 comb. com o art. 21 do Código Penal da Dinamarca).
2. O aviso do Sr. Ministro da Justiça que encaminha os respectivos documentos
justificativos e formalizadores aduz que o pedido de extradição tem base “na promessa
de reciprocidade de tratamento para casos análogos, a teor do art. 76 da Lei 6.815, de
19 de agosto de 1980, alterada pela Lei 6.964, de 9 de dezembro de 1981.” (fl. 2).
3. A nota verbal veio instruída com cópias, nos idiomas dinamarquês e português,
do decreto de prisão do extraditando e respectiva fundamentação e do teor das normas
penais do Reino da Dinamarca que capitulam os delitos a ele imputados (docs. fls. 7/16
(trad.); fls. 17/34).
4. O documento de fls. 5/6 está vertido em inglês.
5. A Exposição da Polícia de Copenhague, que acompanha a nota verbal, dá conta
dos fatos em razão dos quais o extraditando está sendo processado e lhe foi decretada a
prisão (trad. fls. 9/12):
“Foi decretado o mandado de prisão de Claus Malmqvist, à revelia, por meio
do despacho de 24 de novembro de 2004, promulgado pelo Tribunal de 1ª Instân-
cia de Copenhague, visando à sua extradição para a Dinamarca, onde está sob
acusação de
1. Tráfico de 13 toneladas de haxixe perpetrado no período entre 10 de julho
de 2003 e 1º de agosto de 2003, conjuntamente com uma série de cúmplices.
2. Tentativa de tráfico de 500 kg de cocaína no período de início de agosto
de 2004 a 15 de novembro de 2004, conjuntamente com uma série de cúmplices.
Quanto ao fundamento legal do processo, devo informar que a Polícia de
Copenhague, em cooperação com a Equipe Internacional da Polícia Nacional,
desde o início de 2004 tem feito uma investigação direcionada a Claus Malmqvist.
O fundamento para se iniciar a investigação foi que a polícia dinamarquesa, em
conexão com a investigação de um processo de tráfico de 3 toneladas de haxixe
para a Noruega, via Dinamarca, constatou que o Claus Malmqvist havia tido con-
tato com pessoas envolvidas neste tráfico. Tínhamos, ainda, obtido informações
R.T.J. — 196 71

das autoridades inglesas de que o Claus Malmqvist, juntamente com o cidadão


dinamarquês Bent Ole Engebretsen, tinha sido detido em 28 de dezembro de 2000
no Aeroporto da Cidade de Londres, onde tinham sido encontrados na posse de
divisas holandesas correspondendo a aproximadamente 1,2 milhão de coroas di-
namarquesas. Não tinham condições de explicar a origem do dinheiro, razão pela
qual a quantia foi temporariamente confiscada. Não tentaram, desde então, reaver
o dinheiro.
O Claus Malmqvist não tem residência na Dinamarca, mas tem vindo ao país
com freqüência. Durante as suas estadias, ele tem realizado uma série de encontros
de natureza conspiratória com pessoas conhecidas por narcotráfico. Isto reforçou a
suspeita de que o Claus Malmqvist atualmente estava envolvido em narcotráfico.
Em conexão com a investigação, foi constatado que o Claus Malmqvist
tinha contacto com a mulher dinamarquesa Bibi Jensen, nascida em 10.12.53, tal
como foi constatado que a respectiva mulher, em 2004, fez 6 transportes de dinheiro
totalizando uma quantia superior a 4 milhões de coroas dinamarquesas para o
Claus Malmqvist. Supõe-se que a atividade de transportadora de dinheiro de Bibi
Jensen vem de longa data.
Ao mesmo tempo em que a polícia estava fazendo a investigação direcionada a
Claus Malmqvist, tinha iniciado a investigação dos dois cidadãos dinamarqueses
Lars Petersen, nascido em 28 de agosto de 1975, e Jens Petersen, nascido em
23.04.1970, ambos suspeitos de tráfico de 13 toneladas de haxixe, em julho de
2003.
Em conexão com essa investigação, foi estabelecida a escuta dos locais de
escritório de Lars Petersen no endereço Ole Suhrs Gade n. 18, Copenhague K. O
estabelecimento da escuta de seu escritório mostrou-se um passo importantíssimo
na investigação, já que o Lars Petersen, de modo inequívoco, contou para terceiros,
no referido local, como ele e outros, por meio de um grande veleiro, tinham buscado
13 toneladas de haxixe na costa marroquina, após o qual ele tinha navegado para
a Dinamarca, onde o haxixe foi desembarcado por meio de um barco pesqueiro
local. Depois disso, o haxixe foi conduzido a um armazém e, posteriormente, dis-
tribuído a partir do mesmo armazém. O referido armazém já foi identificado pela
polícia, tal como foi constatado que o Lars Petersen alugou compartimentos de
armazenagem no local referido, como ele mesmo havia mencionado.
Durante a conversa sobre o tráfico de haxixe, mencionou-se repetidas vezes o
nome Claus, que posteriormente foi identificado como sendo o Claus Malmqvist.
Essa identificação ocorreu quando, por ocasião da referida escuta no local
mencionado, foi mencionada uma pessoa que saltou do apartamento de Claus em
Barcelona. Com a assistência da polícia espanhola foi possível esclarecer em mais
detalhes o referido episódio, já que se verificou que o Claus Malmqvist, no mês de
agosto de 2003, tinha sido indiciado de homicídio Pela polícia espanhola, porque
versava a suspeita de que dolosamente havia jogado a referida pessoa da janela de
seu apartamento.
72 R.T.J. — 196

Em conexão com a escuta dos locais de escritório de Lars Petersen, o Lars


Petersen também contou para os outros presentes que ele o Claus Malmqvist, já em
julho de 2003, estavam planejando o tráfico de um grande lote de cocaína. No
entanto, essa tentativa de tráfico foi temporariamente interrompida por causa do
processo penal movido contra ele pelas autoridades espanholas, fundamentado no
episódio supra mencionado.
Entretanto, continuaram os planos de tráfico de cocaína.
Assim sendo, o Lars Petersen alugou, em nome de terceiros, por um período
prolongado, uma casa de veraneio situada perto da costa da Zelândia do Norte,
Dinamarca. Tendo em vista as circunstâncias em conexão com a celebração do
contrato de aluguel, cotejadas com as informações que já havia sobre os planos de
tráfico de cocaína, é de se supor que a referida casa de veraneio deveria ser utilizada
em conexão com o desembarque do lote de cocaína.
Porém, por razões não esclarecidas, o referido local não foi utilizado.
Sem embargo, os planos de tráfico de cocaína continuaram. Em uma conver-
sação interceptada de 13 de julho de 2004, o Lars Petersen informou da seguinte
forma: “O barco com a cocaína está pronto, foi reformado por meio milhão de
coroas e ainda está à deriva no Caribe, esperando por sinal verde. Os colombianos
continuam a pressionar o Claus, porque só pensam em vender”.
De uma conversação interceptada de 22 de julho de 2004 consta, ainda, que
a cocaína deveria ser traficada para a Europa a partir da região Norte, o que a
polícia interpretou como sinal de que a cocaína deveria ser traficada para a Dina-
marca e, desse país, ser reexportada para outros países europeus ao Sul da Dinamarca.
Em 26 de julho de 2004, consta novamente de uma conversação interceptada
que deverá ser feito o tráfico de cocaína e que o Lars Petersen deveria comprar uma
parte do lote. Em conexão com essa conversação foi mencionado 500, que a partir
do contexto da conversação deve ser 500 kg, ou seja, a quantidade de droga que
havia planos de se traficar.
Por razões não esclarecidas, no final de agosto de 2004 termina o contacto
entre o Claus Malmqvist e o Lars Petersen.
Através do seguimento de Claus Malmqvist e da escuta de vários telefones
que o Claus Malmqvist utilizava para se comunicar com as pessoas que haviam
contribuído para as suas atividades criminosas, foi possível constatar, no período
subseqüente, que ele continuava a fazer encontros de índole conspiratória, tanto
na Dinamarca como na Alemanha.
Além disso, foi constatado que ele e um cúmplice, no dia 29 de setembro de
2004 de tarde, tinham feito sondagens na Ilha de Oro, no fiorde Isefjorden. Nenhuma
das respectivas pessoas tem ligação com a ilha. Deve-se supor que o objetivo da
estadia na ilha era examinar as possibilidades de fazer um desembarque do lote de
cocaína. O local deve ser considerado como muito adequado para esse propósito.
R.T.J. — 196 73

No tempo subseqüente, foi constatado através de escutas telefônicas, que o


Claus Malmqvist estava em contacto com uma pessoa chamada Santos. A respec-
tiva pessoa foi posteriormente identificada como sendo Francelino José Patrício
dos Santos, conhecido pelas autoridades portuguesas por tráfico de entorpecentes,
principalmente na forma de heroína e cocaína.
A partir do contexto das conversações, ficou inequívoco que algo estava por
acontecer.
Em uma conversa telefônica de 05 de outubro, o Claus Malmqvist falou com
o Santos que informou que estavam atrasados em uma semana, e que tinham que
ficar à deriva (no sentido marítimo).
Em 16 de outubro de 2004, o Claus Malmqvist teve novamente contato
telefônico com o Santos. Mais uma vez, falou-se de um transporte e que eles
(segundo a percepção da polícia, a tripulação) tinham decidido voltar atrás.
Estavam preocupados em navegar através da “passagem estreita” (segundo a per-
cepção da polícia, o Canal da Mancha, onde os transportes de drogas freqüente-
mente são desvendados pelas autoridades dos países em questão).
Consta de outra conversação de 27 de outubro de 2004, que havia um trans-
porte a caminho, mas que eles (segundo a percepção da polícia, a tripulação)
tinham decidido voltar atrás. A razão disso era o tempo, já que estava vindo pela
frente um grande furacão.
No início de novembro de 2004, o Claus Malmqvist lamentavelmente ficou
desconfiado de que a polícia tinha uma investigação intensiva voltada contra ele.
Das escutas consta claramente que o Claus Malmqvist e seus cúmplices tomaram
uma série de precauções para evitar serem detidos.
No momento, não tem sido possível constatar o que a descoberta da atual
investigação tem significado para o tráfico planejado, mas devemos considerar
provável que os planos apenas foram alterados ou eventualmente adiados por um
certo tempo, até o Claus Malmqvist sentir que a polícia desistiu o caso.
Nos próximos tempos será feita uma série de prisões dos cúmplices de Claus
Malmqvist na Dinamarca e espera-se que estas prisões resultem no desvendamento
das circunstâncias relacionadas com a tentativa de tráfico.”
6. No curso das férias forenses, em 20 de janeiro de 2005, foi decretada a prisão
preventiva do extraditando pelo Ministro Nelson Jobim, Presidente, comunicada a sua
efetivação em 31 do mesmo mês.
7. Em 1º de fevereiro me foram distribuídos os autos, quando deleguei ao Juízo da
Seção Judiciária do Rio de Janeiro, onde recolhido o extraditando, o respectivo interro-
gatório, realizado pelo MM. Juiz Federal Substituto Flávio Roberto de Souza, em 7 de
março de 2005, ao qual compareceu o interrogando acompanhado de seu advogado
Ricardo Carneiro Fortuna, presente intérprete da língua dinamarquesa.
8. Extrato do teor do Termo de Interrogatório — fls. 82/85:
74 R.T.J. — 196

“(...)
que acha que chegou ao Brasil no início do mês de dezembro de 2004; que a
sua mulher grávida mora aqui no Brasil; que não tem endereço na Dinamarca; que
morou muitos anos na Espanha; que tem endereço no Rio de Janeiro; que nos
últimos dois anos tem vindo ao Rio com freqüência; que quando não está aqui está
na Espanha; que em 2004 passou uma boa parte do ano na Dinamarca em razão de
doença de sua mãe; que foi vender a casa de sua mãe e instalá-la em um apartamento
na Dinamarca; que as acusações que lhe são feitas por tráfico de entorpecente são
falsas; que acha que a Polícia Dinamarquesa está fazendo confusão entre ele e
outra pessoa; que aos dezoito anos foi preso por uso de documento falso; que foi a
única vez preso; que não é consumidor nem dependente de produtos químicos;
que teve uma empresa de áudio-texto na Espanha; que teve participação de uma
empresa de construção na Espanha;que tem residência fixa em Andorra;que vive
das economias que fez; que veio para o Brasil com a idéia de continuar com a
empresa de construção que tinha na Espanha; que tem um apartamento na Rua
Prado Junior em Copacabana que é próprio; que é marceneiro, carpinteiro; que não
tem curso superior; que Bibi Jensen é mãe de um de seus melhores amigos, Carsten;
que acha que Bibi não tenha envolvimento com o tráfico; que Bibi nunca fez
transporte de dinheiro para o extraditando; que não conhece Lars Petersen; que
também desconhece Jens Petersen; que há uns quinze anos atrás esteve em
Marrocos; que fez uma viagem de ida e volta no mesmo dia; que tem um aparta-
mento próximo a Barcelona; que em agosto de 2003 uma pessoa tentou pular de
uma janela da varanda de seu apartamento; que já esteve na Zelândia do Norte
milhões de vezes; que Zelândia do Norte fica muito perto Copenhagen e ele conhece
muitas pessoas de lá; que tem família lá; que conhece Francelino José Patrício dos
Santos que é português; que Francelino tem um restaurante na região de Faro; que
o restaurante tem um nome mexicano; que nunca soube do envolvimento de Fran-
celino com o tráfico; que nunca transportou nem nunca consumiu haxixe nem
cocaína; que sabe que tem contra ele um processo na Dinamarca e é por esse fato
que ele está aqui; que nunca foi intimado para comparecer a esse processo; que foi
preso e retido no aeroporto de Londres; que ele estava junto com um amigo e o
amigo estava com uma quantia importante de dinheiro; que o extraditando estava
com uma pequena soma em dinheiro, mas na hora a Polícia juntou a soma toda e
ficou com o dinheiro, porque não tinham como explicar a origem do dinheiro; que
o dinheiro teria sido ganho em um torneio de gamão por seu amigo;que não tenta-
ram obter o dinheiro de volta porque foram aconselhados a fazer isso, porque
poderiam pegar 4(quatro)anos de prisão se o juiz não aceitasse a explicação dele;
que já teve outros passaportes além do que está apreendido em razão dos anteriores
terem vencido o prazo; que nunca teve passaporte emitido por outros países; que
nunca mudou de nome nem é conhecido por outro nome; que conhece Birger e
Carsten; que são seus conhecidos na Dinamarca; que um tem uma empresa de
construção na Dinamarca; que das pessoas mencionadas no processo as quais co-
nhece desconhece o envolvimento delas com tráfico de entorpecente. Às perguntas
do MPF, para esclarecimento, respondeu que não morava no endereço da Prado
R.T.J. — 196 75

Junior, que morava em um apartamento alugado na Av. Atlântica; que esse aparta-
mento pertence a seu amigo Jan; que tem um contrato de locação com Jan; que o
contrato está no nome do extraditando; que paga cinco mil de aluguel por mês;
que ele faz melhorias no apartamento e isso é abatido no valor do aluguel; que às
vezes paga em espécie o aluguel; que o extraditando e Jan têm intenção de montar
uma empresa de construção; que Jan é de fato proprietário desse apartamento; que
o apartamento tem aproximadamente 150 m; que o apartamento da Prado Junior
está vazio; que ele pode provar documentalmente as melhorias que fez no aparta-
mento de Jan; que acha que tem como provar essas melhorias; que tem conta no
Banco do Brasil; que não tem bens em conjunto com sua esposa; que se casou uma
semana depois de ser preso; que conhecia sua esposa há um ano mais ou menos;
que nunca transferiu bens ou dinheiro para sua esposa; que a conta no Banco do
Brasil não é conjunta; que sua esposa tem conta individual no Bradesco ou no
Unibanco, mas não tem certeza; que sua esposa trabalhava na Espanha fazendo
faxina e em lojas; que foi mais o desejo dele que eles voltassem para o Brasil.”
(...)
“Às perguntas da defesa, respondeu que: sua esposa está quase com sete
meses completos de gravidez; que sua mãe tem endereço fixo na Dinamarca; que
seu endereço na Dinamarca é da sua mãe; que toda sua correspondência vai para
esse endereço; que sua mãe sofreu um derrame cerebral que provocou paralisia na
metade do corpo e hoje vive em uma cadeira de rodas; que Claus é um nome
comum na Dinamarca e pode ser escrito por “c” ou por “k”; que seu sobrenome não
é comum; que seu nome não foi captado por escuta telefônica, mas escuta
ambiental; que entende que seu nome integral não foi mencionado em nenhum
momento nessas escutas; que prefere ficar calado em relação a pergunta do Juízo
no sentido de porque tem problemas com a Polícia da Dinamarca; que Zelândia do
Norte é a ilha onde fica Copenhagen; que como a Dinamarca é muito pequena tudo
fica muito perto e todo mundo se conhece; que as últimas vezes que esteve na
Dinamarca não teve contatos nem problemas com a polícia; que nunca recebeu
nenhuma intimação judicial ou policial.”
9. O Defensor constituído pelo extraditando apresentou defesa escrita (fls. 93/137),
na qual alegou preliminarmente a ausência de requisitos formais:
1 - falta de promessa formal de reciprocidade do Estado requerente, que, à
vista da ausência de tratado entre o Brasil e o Estado requerente, nos termos da Lei
6.815/80, é imprescindível ao deferimento do pedido de extradição; além de não
comprovação de que o governo dinamarquês, pelo seu direito interno, na inexis-
tência de tratado, possa oferecer a reciprocidade em tema de extradição;
2 - ausência de tradução de documentos oficiais de fls. 05/06, “em flagrante
cerceamento de defesa, que impede, inclusive o contraditório”;
3 - insuficiência da documentação, que não traz “as disposições legais
atinentes à prescrição”;
4 - falta de indicação precisa quanto ao local, data, natureza e circunstâncias
dos fatos tidos como criminosos.”
10. Segundo a Defesa, os elementos informativos constantes do mandado de prisão
são extremamente insatisfatórios, vagos, imprecisos e sem qualquer nexo: a responsa-
76 R.T.J. — 196

bilidade pelo tráfico de 13 toneladas de haxixe, no período de 10 de julho de 2003 a 1º


de agosto de 2003, e pela tentativa de tráfico de 500 kg de cocaína, no período de agosto
de 2004 a novembro de 2004, é imputada ao extraditando com base em suposições.
11. Aduz que os autos “não trouxeram nenhuma indicação precisa nem mesmo
acerca da identidade do extraditando” (fl. 120).
12. Quanto aos impedimentos materiais ao deferimento do pedido, sustenta a defesa
que há vedação intransponível no incisos III e V do art. 77 do mencionado diploma
legal, uma vez que o extraditando é objeto de inquérito policial instaurado no Brasil,
pela suposta prática do mesmo fato que originou o processo perante as autoridades
dinamarquesas e, em conseqüência, o mandado de prisão, donde a prevalência da com-
petência jurisdicional brasileira para julgar o crime imputado; ademais, o direito bra-
sileiro não admite que o nacional ou o estrangeiro seja processado duas vezes pelo
mesmo fato.
13. Afirma que, “segundo as informações contidas nos autos, ao tempo das supos-
tas infrações, as disposições penais não se encontravam em vigor, sendo que os fatos
são anteriores aos crimes imputados”.
14. Sustenta que o Estado requerente não assumiu os compromissos exigidos pelo
artigo 91 do Estatuto do Estrangeiro, para a entrega do extraditando1.
15. Ademais, alega que, “por estar respondendo processo no Brasil, em sendo
deferido o pleito, não poderá a extradição ser executada, o que somente é possível após
a conclusão do processo ou de eventual cumprimento da pena (EE, artigo 89)”.
16. Acrescenta que o extraditando possui ou possuirá esposa e filhos economica-
mente sob sua dependência.
17. A requerimento do Ministério Público, o Estado requerente foi instado a apresen-
tar cópia da legislação dinamarquesa que regula a prescrição penal dos crimes descritos no
mandado de prisão, bem como a informar “qual a redação do art. 191 do Código Penal
dinamarquês, antes do advento do Decreto-Lei n. 814, de 30-9-2003, ou ainda, qual
outra legislação daquele país previa a criminalização do tráfico de drogas, em período
anterior a julho/agosto de 2003.” (fls. 546/547).
18. O Governo do Reino da Dinamarca apresentou a documentação solicitada (fls.
572/576 e fls. 593/602).
19. O Ministério Público Federal, em parecer do em. Procurador-Geral da Repú-
blica Antônio Fernando de Souza, opinou pelo deferimento do pedido de extradição
(fls. 604/609).

1 “Lei 6.815/90, art. 91: Não será efetivada a entrega sem que o Estado requerente assuma o compro-
misso:
I - de não ser o extraditando preso nem processado por fatos anteriores ao pedido;
II - de computar o tempo de prisão que, no Brasil, foi imposta por força da extradição;
III - de comutar em pena privativa de liberdade a pena corporal ou de morte, ressalvados, quanto
à última, os casos em que a lei brasileira permitir a sua aplicação;
IV - de não ser o extraditando entregue, sem consentimento do Brasil, a outro Estado que o reclame; e
V - de não considerar qualquer motivo político para agravar a pena.”
R.T.J. — 196 77

20. Em 29-6-2005, o extraditando requereu a juntada de certidão de nascimento de


seu filho brasileiro e reiterou o pedido de relaxamento da prisão, por excesso de prazo.
21. Os autos vieram-me conclusos em 3-8-2005, após o decurso das férias forenses.
22. Em 30-8-2005, deferi requerimento da defesa de vista dos autos, por cinco dias
(fl. 639); o advogado do extraditando retirou o processo em 1º-9-2005, devolvendo-os
somente em 21-9-2005, após cobrança feita pela Secretaria do Tribunal (fl. 643).
23. No dia 22-9-2005, a defesa protocolou a petição de fls. 646/656, pela qual,
reiterando razões já deduzidas, pleiteia o indeferimento do pedido.
24. Enfatiza que, ao contrário do que consta do parecer do Ministério Público
Federal, “o extraditando já responde, no Brasil, a procedimentos que apuram fatos
idênticos, estando com prisão cautelar decretada e com bens imóveis sequestrados,
além de lhe terem apreendido bens e valores em ação de busca e apreensão em sua
residência” (fl. 655); para comprovação do alegado, junta certidão fornecida pela Dele-
gacia de Repressão a Entorpecentes, da Superintendência Regional no Rio de Janeiro —
Departamento de Polícia Federal (fl. 657).
25. Conforme informação prestada no dia 23-9-2005, por telefone, pelas Secretarias
da 2ª e da 5ª Vara da Justiça Federal e da Procuradoria da República, no Rio de Janeiro,
não foi oferecida denúncia contra o extraditando, sendo os autos do inquérito encami-
nhados ao Ministério Público Federal (certidão de fl. 657). Na mesma data, o Procurador
da República, a quem distribuído o inquérito, informou que não há data prevista para a
conclusão das investigações, que prosseguem.
26. É o relatório.

VOTO
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Relator): Estou em que concorrem os pressu-
postos positivos e negativos da extradição.
2. Analisa-os com precisão o em. Procurador-Geral da República — fl. 605:
“9. É inegável que o estado requerente dispõe de competência jurisdicional
para processar e julgar os delitos imputados ao extraditando, que é nacional dina-
marquês e naquele país teria cometido os ilícitos penais de que é acusado.
10. Ao contrário do que sustenta o extraditando, o pedido de extradição
encontra-se suficientemente instruído. A inexistência de tratado extradicional en-
tre os dois países não obsta a concessão do pleito se houver a promessa de recipro-
cidade (art. 76 da Lei n. 6.815/80). O documento de fls. 5/6, que acompanha a Nota
Verbal n. 50 (fls. 4), apesar de estar no idioma inglês, não deixa dúvidas do com-
promisso de reciprocidade firmado pelo governo dinamarquês: “The Ministry of
Justice can confirm that Danish authorities will be prepared to assist the authorities
in Brazil in a similar case.” (fls. 6), ou seja, “O Ministro da Justiça pode confirmar
que as autoridades dinamarquesas estarão preparadas para auxiliar as autoridades
brasileiras em caso similar.”
78 R.T.J. — 196

11. Não procede, igualmente, o argumento da defesa no sentido de que os


fundamentos da prisão são imprecisos e que não existe indicação segura quanto ao
local, data, natureza e circunstâncias dos fatos tidos por criminosos.
12. O pedido vem instruído com o decreto de prisão e os demais documentos
exigidos pela Lei n. 6.815/80, havendo indicações quanto ao local, data, natureza
e circunstâncias dos fatos delituosos, com cópia dos textos legais pertinentes,
todos traduzidos para o português, de modo a permitir ao Supremo Tribunal Fede-
ral o exame seguro da legalidade da pretensão extradicional.
13. Os fatos estão bem descritos no mandado de prisão expedido pela justiça
dinamarquesa:
(...).
14. A fundamentação do mandado de prisão segue-se a fls. 9/12, onde a
promotoria pública de Copenhague revela, com detalhes, a participação do extra-
ditando nos crimes a ele imputados.
15. O pedido de prisão lastreia-se em dois fatos assim definidos:
a) Tráfico de 13 toneladas de haxixe para a Dinamarca, entre 10 de
julho a 1º de agosto de 2003, crime previsto no art. 191 do Código Penal da
Dinamarca, com a redação do Decreto-Lei n. 779, de 16 de setembro de 2002
(fls. 573), que prevê pena de 6 (seis) anos a 10 (dez) anos de prisão;
b) Tentativa de tráfico de 500 Kg de cocaína para a Dinamarca, entre
agosto de 2004 e novembro de 2004, crime previsto no art. 191 do Código
Penal da Dinamarca, com a redação do Decreto-Lei n. 960, de 21 de setembro
de 2004, com as alterações introduzidas pelo art. 1º da Lei n. 218, de 31 de
março de 2004, pelo art. 1º da Lei n. 219, de 31 de março de 2004 e pelo art.
1º da Lei n. 352, de 19 de maio de 2004 (fls. 13), c/c o art. 21 do Código Penal
da Dinamarca, que prevê pena de 10 (dez) anos a 16 (dezesseis) anos de
prisão.
16. O crime de tráfico de entorpecentes punido pelo art. 191 do Código Penal
dinamarquês, nas sucessivas redações que lhe foram conferidas, encontra corres-
pondência no tipo penal descrito no art. 12 da Lei n. 6.368/76. O art. 21 do CP da
Dinamarca que trata da tentativa tem correspondência no art. 14, II, do CP brasilei-
ro. Caracterizada, pois, a dupla tipicidade necessária ao deferimento do pleito de
extradição.
17. Não procede, outrossim, o argumento do extraditando que os fatos são
anteriores à promulgação das normas penais incriminadoras. Como se demonstrou
acima, após o pedido de diligências do Ministério Público, os fatos ocorreram
posteriormente a criminalização das condutas, respeitando, assim, o princípio da
anterioridade penal.
18. Ademais, tendo em vista que os delitos ocorreram entre os meses de julho
e agosto de 2003 (tráfico), e entre agosto e novembro de 2004 (tentativa de tráfico),
não se verifica a ocorrência de prescrição, seja em face da legislação estrangeira
dinamarquesa, seja da brasileira. De acordo com o Estado requerente “o prazo de
prescrição para as infrações penais, que o Claus Malmqvist é indiciado de cometer
em 2003, é de 10 anos, cfr. o art. 93, n. 1, item 3, do Código Penal Dinamarquês.
R.T.J. — 196 79

Quanto às infrações penais cometidas em 2004, o prazo de prescrição é de 15 anos,


cfr. o art 93, n. 1, item 4, do mesmo diploma legal.” (fls. 588). No Brasil, a prescri-
ção penal dos crimes de tráfico de entorpecentes é de 20 (vinte) anos (art. 109, I, CP).
19. Também não procede o argumento da defesa no sentido de que está em
curso no Brasil processo contra o extraditando pelos mesmos fatos descritos no
pleito extradicional. A fundamentação do mandado de prisão expedido pela justi-
ça dinamarquesa (fls. 9/12) em nenhum momento faz referência a atividade de
tráfico no Brasil. Já o processo n. 2004.5101508828-8, em curso na 2ª Vara Federal
Criminal da Seção Judiciária do Rio de Janeiro, objetiva investigar Claus Mal-
mqvist, Jan Arthur Polack, Maria Goretti Pimentel Lima e outros em organização
criminosa voltada para o tráfico de entorpecentes, usando o Brasil como rota (fls.
295). Como se vê, o grupo de pessoas investigadas em ambos os processos, no
Brasil e na Dinamarca, são completamente distintos. Ademais, a investigação em
curso no Brasil abrange período posterior a janeiro de 2005, época distinta daquela
trazida no mandado de prisão expedido pela justiça dinamarquesa. O feito investi-
gatório em curso no Brasil não faz referência a quantidade exata de substância
entorpecente ao contrário do processo em curso na Dinamarca. Por tais razões, é de
se concluir que os fatos apurados são diversos, não sendo o caso, pois, de indeferi-
mento da extradição.
20. Encontrando-se o extraditando respondendo a processo criminal perante
à Justiça brasileira, por fato diverso do pedido de extradição, caberá ao Presidente
da República avaliar a conveniência de executar ou não o presente processo
extradicional e decidir sobre o que dispõem os artigos 86, 87 e 89 a 94 da Lei n.
6.815/80. Neste sentido, cabe transcrever trecho do acórdão relatado pelo eminente
Ministro Celso de Mello, que bem aprecia o tema:
“(...) A questão do adiamento da entrega extradicional — Inteligência
do art. 89 do Estatuto do Estrangeiro — A entrega do extraditando — que
esteja sendo processado criminalmente no Brasil, ou que haja sofrido conde-
nação penal imposta pela Justiça brasileira — depende, em princípio, da
conclusão do processo ou do cumprimento da pena privativa de liberdade,
exceto se o Presidente da República, com apoio em juízo discricionário, de
caráter eminentemente político, fundado em razões de oportunidade, conve-
niência e/ou utilidade, exercer, na condição de Chefe de Estado, a prerroga-
tiva excepcional que lhe permite determinar a imediata efetivação da ordem
extradicional (Estatuto do Estrangeiro, art. 89, caput, in fine). Precedentes.”
(Ext 811, Rel. Min. Celso de Mello, DJU 28.02.2003, p. 9).
21. Por fim, o fato de o extraditando ter companheira e filho brasileiros não
afasta a extradição, conforme ampla jurisprudência dessa Excelsa Corte, que se
encontra sumulada (Súmula 421).
3. De acrescentar-se a inconsistência da dúvida aventada acerca da identidade do
extraditando, que o seu próprio interrogatório desfaz.
4. Reclama consideração à parte a questão relativa ao inquérito policial em curso
no Brasil, no qual indiciado o extraditando.
5. Aduz a respeito o parecer da PGR que seriam diversos os fatos objeto de
persecução aqui e na Dinamarca.
80 R.T.J. — 196

6. Pretende a Defesa refutar a assertiva e demonstrar a identidade substancial dos


fatos com a certidão da Polícia Federal, na qual se lê — fl. 657:
“Certifico que o referido procedimento policial fora instaurado através de
Portaria, datada de 24.01.05, em razão do Ofício n. 41/2005 do Grupo de Investiga-
ções Sensíveis/CGPRE/DPF, com o escopo investigar Organização Criminosa vol-
tada principalmente para o tráfico de entorpecentes, condutas estas tipificadas nos
Art. 12 e 14 da Lei 6368/76, tendo em vista notícia de que Claus Malmqvist teria
traficado 13 toneladas de haxixe e tentado traficar cerca de 500 Kg de cocaína,
com destino a Europa, sendo em 31 de janeiro de 2005 indiciados Claus Mal-
mqvist, Passaporte Dinamarquês n. DNK 102042376, Jan Arthur Polack, RNE
W521357-L, Dirk Van’t Wout, Passaporte Holandês n. NLD M2478595 e Maria
Goreti Pimentel Lima, RG n. 3724998 IFP/RJ, como incursos nos Artigos 14 da Lei
6368/76 e Art. 1º, inciso I da Lei 9.613/98.”
7. É de ver, assim, que o inquérito policial no Brasil — não obstante instaurado a
partir da notícia dos mesmos fatos objeto do processo dinamarquês —, nele, visa a apurar
prismas diversos do mesmo episódio histórico global, quais sejam, os da “associação
para o tráfico de drogas” (Lei 6.368/76, art. 14) e de “lavagem de dinheiro” (Lei 9.613/
98, art. 1º).
8. A circunstância é decisiva: sabidamente, a tipicidade e a punibilidade dos delitos
de associação ilícita independem e não se confundem com as dos delitos-fim da organi-
zação, assim como é certo que o crime de “lavagem” se consuma onde praticadas a
ocultação ou a dissimulação de valores de origem criminosa e não no local da comissão
das infrações penais antecedentes.
9. Disso resulta, em tese, a competência internacional brasileira para a persecução
dos delitos aqui investigados, não obstante a descrição dos crimes de tráfico de drogas,
imputados na Dinamarca ao extraditando, não desvele qualquer circunstância de cone-
xão com o Brasil, que, assim, careceria, em princípio, de competência concorrente.
10. Na espécie — como esclarecido pela diligência a que procedeu meu gabinete —
o que existe é inquérito policial e não denúncia.
11. Certo, os precedentes do Tribunal, em caso de competência concorrente, ten-
dem a equiparar, para impedir a extradição, o curso de inquérito policial à pendência de
processo já instaurado (v.g., Ext. 630, 8-3-95, Maurício, RTJ 168/380; Ext. 695, 2-4-97,
Celso, RTJ 163/40; Ext. 777, 31-5-00, Moreira, RTJ 174/376).
12. Há, na espécie, entretanto, um dado que torna ociosa a excogitação a respeito:
é que se cuida de tráfico internacional de entorpecentes, em relação ao qual, nas circuns-
tâncias — conforme, aliás, a certidão da Polícia Federal em que se busca alicerçar a
defesa —, o Brasil não seria jamais o destino de uma importação de drogas, mas, quando
muito, ponto de partida ou de passagem de sua exportação para a Europa.
13. Ainda a ser assim — do que só se cogita para argumentar —, não se teria mais
que a hipótese de incidência da convenção de Nova Iorque, como deixei consignado,
por exemplo, na ementa da Ext 541, RTJ 145/428:
“À vista da Convenção Única de Nova Yorque, de 1961 (art. 36, II, a, I), e para
efeitos extradicionais, cada uma das modalidades incriminadas, no tipo misto al-
ternativo de tráfico de entorpecentes, deve considerar-se um delito distinto: donde,
R.T.J. — 196 81

a competência da Itália para julgar o crime de importação para o seu território de


droga remetida do Brasil, sem prejuízo da jurisdição brasileira sobre os momentos
antecedentes do mesmo episódio criminoso.”
14. Portanto, ainda quando houvesse, no Brasil — do que, como visto, não se
trata —, inquérito a respeito de fato concreto de exportação ou tentativa de exportação
de drogas para a Europa, o objeto do processo instaurado no Estado requerente, a Dina-
marca, é de importação, crime diverso, não absorvido pela exportação da mesma merca-
doria, conforme a Convenção Única de Nova Iorque.
15. Esse o quadro, o que se tem, na espécie — suposta, também para a hipótese, a
equivalência entre processo instaurado e inquérito policial em curso —, é a incidência
do art. n. 89 da Lei 6.815/80:
“Art. 89. Quando o extraditando estiver sendo processado, ou tiver sido con-
denado, no Brasil, por crime punível com pena privativa de liberdade, a extradição
será executada somente depois da conclusão do processo ou do cumprimento da
pena, ressalvado, entretanto, o disposto no artigo 67.
(...)
Art. 67. Desde que conveniente ao interesse nacional, a expulsão do estran-
geiro poderá efetivar-se, ainda que haja processo ou tenha ocorrido condenação.”
16. Nesses termos, defiro a extradição, cuja efetivação ficará submetida ao juízo
do Senhor Presidente da República: é o meu voto.

EXTRATO DA ATA
Ext 962/Reino da Dinamarca — Relator: Ministro Sepúlveda Pertence. Reque-
rente: Governo da Dinamarca. Extraditando: Claus Malmqvist (Advogados: Ricardo
Carneiro Fortuna e outros).
Decisão: O Tribunal, por unanimidade, deferiu o pedido de extradição, nos termos
do voto do Relator. Votou a Presidente. Ausentes, justificadamente, os Ministros Celso
de Mello, Gilmar Mendes, Cezar Peluso e, neste julgamento, o Ministro Nelson Jobim
(Presidente). Falou pelo extraditando o Dr. Francisco Queiroz Caputo Neto. Presidiu o
julgamento a Ministra Ellen Gracie (Vice-Presidente).
Presidência do Ministro Nelson Jobim. Presentes à sessão os Ministros Sepúlveda
Pertence, Carlos Velloso, Marco Aurélio, Ellen Gracie, Carlos Britto, Joaquim Barbosa e
Eros Grau. Vice-Procurador-Geral da República, Dr. Roberto Monteiro Gurgel Santos.
Brasília, 20 de outubro de 2005 — Luiz Tomimatsu, Secretário.
82 R.T.J. — 196

AGRAVO REGIMENTAL NA AÇÃO ORIGINÁRIA 1.153 — ES

Relator: O Sr. Ministro Carlos Velloso


Agravante: Associação dos Escrivães Judiciários do Estado do Espírito Santo –
AEJES — Agravados: Presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo e
Presidente da Assembléia Legislativa do Estado do Espírito Santo
Constitucional. Supremo Tribunal Federal: competência originária:
CF, art. 102, I, n.
I - Os pressupostos do impedimento e da suspeição, que gerariam a
competência do Supremo Tribunal, na forma do art. 102, I, n, da CF,
devem ser apreciados pelo Tribunal competente, em princípio, para o
julgamento da causa. Súmula 623/STF.
II - Agravo provido em parte.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo
Tribunal Federal, em Sessão Plenária, na conformidade da ata do julgamento e das notas
taquigráficas, por unanimidade, dar provimento, em parte, ao agravo regimental, nos
termos do voto do Relator. Ausentes, justificadamente, o Ministro Gilmar Mendes e,
neste julgamento, a Ministra Ellen Gracie e o Ministro Cezar Peluso.
Brasília, 31 de agosto de 2005 — Nelson Jobim, Presidente — Carlos Velloso,
Relator.

RELATÓRIO
O Sr. Ministro Carlos Velloso: Trata-se de agravo regimental, interposto pela Asso-
ciação dos Escrivães Judiciários do Estado do Espírito Santo – AEJES, da decisão
(fls. 81-87) que, diante da não-configuração da competência prevista no art. 102, I, n, da
Constituição Federal, negou seguimento ao pedido formulado na ação originária e
determinou o seu arquivamento.
Inicialmente, diz a agravante que a Assembléia Legislativa do Estado do Espírito
Santo, em sessão extraordinária, votou e aprovou o conteúdo da Mensagem n. 06/2005
(Projeto de Lei n. 009/2005), objeto do mandado de segurança, transformando-o na Lei
n. 7.971, de 4 de março de 2005 (DOE de 7-3-2005).
Sustenta, mais, a configuração da competência originária do Supremo Tribunal
Federal, porquanto o que define a competência prevista no art. 102, I, n, da Constituição
Federal é o fato de mais da metade dos membros do tribunal de origem estarem impedi-
dos ou serem direta ou indiretamente interessados no resultado da causa. Nesse contexto,
ressalta que “o impedimento de todos os membros do Colegiado do Egrégio Tribunal de
Justiça do Estado do Espírito Santo está eloqüente na Justificativa da proposta de Lei
n. 009/05, quando textualmente afirma Sua Excelência o Desembargador Presidente
que: o Tribunal Pleno, preocupado com a modernização do quadro administrativo do
Poder Judiciário estadual, optou, no momento, em estruturar melhor o Tribunal de
Justiça” (fls. 94-95).
R.T.J. — 196 83

Ao final, requer a agravante a reconsideração da decisão agravada ou, caso assim


não se entenda, o provimento do presente agravo regimental.
Às fls. 295-296 e 320, a agravante, com fundamento no art. 1º da Lei n. 10.173/
2001, na Resolução n. 277/2003/STF e no art. 5º, LXXVII, da Constituição Federal,
requer preferência na tramitação do feito.
Autos conclusos em 8-8-2005.
É o relatório.

VOTO
O Sr. Ministro Carlos Velloso (Relator): Segundo a agravante, a competência ori-
ginária do Supremo Tribunal Federal — CF, art. 102, I, n — ocorreria em razão de o
projeto de lei, que foi transformado em lei, ter sido de iniciativa do Tribunal de Justiça
do Estado. Assim, estariam os desembargadores impedidos.
A decisão agravada, ora sob exame, negou seguimento ao pedido, resumida referida
decisão na seguinte ementa:
“Ementa: Constitucional. Processual Civil. Mandado de segurança impe-
trado contra atos dos presidentes do Tribunal de Justiça e da Assembléia Legis-
lativa do Estado do Espírito Santo: competência originária do STF: CF, art.
102, I, n: inocorrência, pelo menos por enquanto. Negativa de seguimento do
pedido, arquivando-se os autos.” (Fl. 81)
A decisão é de ser mantida.
A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal orienta-se no sentido de que os
pressupostos do impedimento ou da suspeição, que gerariam a competência da Corte
Suprema, na forma do disposto no art. 102, I, n, da Constituição Federal, devem ser
apreciados pelo Tribunal competente, em princípio, para o julgamento da causa.
Na AO 176/MS, por mim relatada, decidiu o Supremo Tribunal Federal:
“Ementa: Constitucional. Competência originária do STF. Eleição de di-
rigentes de Tribunal. Mandado de segurança impetrado contra ato do Tribu-
nal de Justiça do Mato Grosso do Sul. CF, art. 102, I, n.
I - Mandado de segurança impetrado contra ato do Tribunal de Justiça que,
quebrando a regra da antigüidade, prevista no art. 102 da Loman, preencheu, por
eleição, o cargo de vice-presidente da Corte. A competência para o julgamento do
writ é do próprio Tribunal, dado que a competência para o julgamento de mandado
de segurança impetrado contra ato de Tribunal é do próprio Tribunal.
II - Os pressupostos do impedimento e da suspeição, impedimento e suspei-
ção que gerariam a competência do Supremo Tribunal Federal, na forma da alínea
n do inc. I do art. 102 da Constituição, devem ser apreciados pelo Tribunal compe-
tente, em princípio, para o julgamento da causa. Precedentes do STF.
III - A regra de competência inscrita no art. 102, I, n, da Constituição pressu-
põe, ademais, um procedimento de natureza jurisdicional no Tribunal de origem.
IV - Mandado de Segurança não conhecido. Remessa dos autos ao Tribunal
de Justiça do Mato Grosso do Sul.” (DJ de 18-6-1993)
84 R.T.J. — 196

Destaco do voto que proferi:


“(...)
Na decisão que proferi na AO n. 186-2/RJ, escrevi:
‘Os Tribunais têm competência originária para processar e julgar os
mandados de segurança contra os seus próprios atos, competência que deflui
da Constituição e da Lei Orgânica da Magistratura, Lei Complementar n. 35,
de 14-3-79 (CF, art. 102, I, d, art. 105, I, b, art. 108, I, c; Loman, art. 21, VI).
Julgando o MS n. 20.969 (AgR)/SP, por mim relatado, decidiu o
Supremo Tribunal Federal:
‘Ementa: Constitucional. Competência originária do Supremo
Tribunal Federal. Mandado de segurança impetrado contra ato do
Tribunal de Justiça de São Paulo.
I - Mandado de Segurança impetrado contra ato do Tribunal de
Justiça que mandou instaurar procedimento administrativo contra ma-
gistrado, afastando-o das suas funções. A competência para o julga-
mento do writ é do próprio Tribunal, por isso que não ocorrente, no
caso, a hipótese inscrita no art. 102, I, n, da Constituição.
II - A Constituição e a Loman desejam que os mandados de segu-
rança impetrados contra atos de tribunal sejam resolvidos, originaria-
mente, no âmbito do próprio Tribunal, com os recursos cabíveis. (CF,
art. 102, I, d, art. 105, I, b; art. 108, I, c; Loman, art. 21, VI).
III- Agravo Regimental improvido’.
Nos MM.SS. n. 21.036/SC e 21.193/DF, relatados pelo eminente Mi-
nistro Celso de Mello, outro não foi o entendimento da Corte Suprema.
A regra, portanto, é esta: a competência para o julgamento de mandado
de segurança impetrado contra atos de Tribunal é do próprio Tribunal.
A Constituição de 1988 introduziu norma de competência originária
do Supremo Tribunal, no art. 102, I, n, a dispor que compete ao Supremo
Tribunal processar e julgar, originariamente, ‘a ação em que todos os mem-
bros da magistratura sejam direta ou indiretamente interessados, e aquela em
que mais da metade dos membros do tribunal de origem estejam impedidos
ou sejam direta ou indiretamente interessados’.
A alínea n do inc. II do art. 102 da Constituição contempla três hipóte-
ses: a) todos os membros da magistratura sejam direta ou indiretamente inte-
ressados; b) mais da metade dos membros do tribunal de origem estejam
impedidos; c) mais da metade dos membros do tribunal indiretamente inte-
ressados.
O Supremo Tribunal Federal tem interpretado a disposição inscrita na
citada alínea n de modo a restringir a competência do Supremo Tribunal
Federal aos casos em que se torna efetivamente necessária a manifestação da
Corte Suprema como cúpula do Poder Judiciário brasileiro.
R.T.J. — 196 85

Assim é que, se não é objeto da causa uma vantagem ou um direito


peculiar, próprio da magistratura, mas vantagem ou direito de todos os
servidores públicos, não compete ao Supremo Tribunal Federal julgar, origi-
nariamente, a causa. Desta forma decidimos na AO n. 8-Questão de Ordem)/CE,
de que fui Relator (RTJ 138/3). Destaco do voto que então proferi:
‘No caso, a causa tem por objeto um direito ou vantagem que é
dos servidores públicos, de modo geral. A norma de competência do
art. 102, I, n, da Constituição tem caráter excepcional, motivo por que
deve ser interpretada restritivamente. Registre-se, por outro lado, que
uma interpretação ampliativa da citada norma de competência — art.
102, I, n — traria para a Corte Suprema milhares de ações relativas às
vantagens pecuniárias e ao próprio regime jurídico do pessoal da
União, pois essas vantagens e normas do regime jurídico dos servidores
públicos são extensivas, de regra, aos magistrados. O mesmo deve ser
dito em relação ao sistema tributário, pois os magistrados, como inte-
grantes da sociedade, são contribuintes de impostos, taxas e contribui-
ções’. (RTJ 138/10).
O decidido na AO n. 8/CE foi reiterado por ocasião do julgamento da
AO 38 (Questão de ordem), por mim relatada (RTJ 138/11).
Tem decidido, ademais, a Corte Suprema:
‘Competência. Mandado de Segurança impetrado originaria-
mente perante o Supremo Tribunal Federal (art. 102, I, n, da Constitui-
ção Federal). Pena de aposentadoria com vencimentos proporcionais
ao tempo de serviço aplicada a magistrado, por tribunal de Justiça
estadual, com base no artigo 93, VIII, e no art. 42, V, da LC n. 35/79
(Loman), em procedimento administrativo disciplinar. Inexistência de
impedimento ou interesse declarado pelos membros do Tribunal esta-
dual que aplicou a pena disciplinar. Remessa dos autos ao Tribunal de
Justiça do Estado do Mato Grosso, que é o competente para julgar,
originariamente, os mandados de segurança contra os seus atos e os de
seu Presidente (art. 21, VI, da mesma Lei Orgânica).’ (MS 21.016/MT,
Relator Ministro Paulo Brossard).
‘A manifestação administrativa não vincula a atuação jurisdicio-
nal do magistrado que o integra, de forma a configurar antecipação da
decisão a ser ainda proferida. Dados conjecturais, ou juízos de mera
probabilidade, ou suposições, ainda que fundadas, de infringência à
obrigação ético-jurídica de isenção pessoal e funcional não constitu-
em, por si sós, desde que desacompanhadas do formal reconhecimento
do estado de impedimento ou de suspeição, situações providas de ido-
neidade jurídico-processual suficiente para legitimar o exercício, pelo
Supremo Tribunal Federal, dessa sua especial competência originária’.
(MS n. 21.338/MS, Relator Ministro Celso de Mello). (As ementas dos
citados MMSS 21.016/MT e 21.338/MS estão no despacho do Ministro
Celso de Mello, proferido na AO 179/PA, DJ de 3-2-93).’
86 R.T.J. — 196

No MS n. 21.306-0/MT, de que fui Relator, decidiu o Supremo Tribunal


Federal:
‘Ementa: Constitucional. Competência originária do STF.
Mandado de segurança impetrado contra ato do Presidente do Tri-
bunal de Justiça do Estado do Mato Grosso. CF, art. 102, I, n.
I - Mandado de Segurança impetrado contra ato atribuído ao Pre-
sidente do Tribunal de Justiça que determinou a instauração de
sindicância administrativa contra magistrado. A competência para o
julgamento do writ é do próprio Tribunal, por isso que não ocorrente,
no caso, a hipótese inscrita no art. 102, I, n, da Constituição.
II - No caso de ter sido oposta exceção de suspeição dos Juízes do
Tribunal local, reconhecendo a maioria dos membros do Tribunal a
suspeição, firma-se a competência do STF, na forma do artigo 102, I, n,
da Constituição. Todavia, se a exceção de suspeição é recusada, ao STF
incumbe julgar, originariamente, a exceção de suspeição. Acolhendo o
Supremo Tribunal a referida exceção de suspeição, então estará confi-
gurada a competência originária da Corte Suprema para julgar o man-
dado de segurança. Precedente da Corte: AO 146-3(AgR)/RJ, Rel. Min.
Pertence, 25-2-92.
III - Mandado de Segurança não conhecido.’
O entendimento do Supremo Tribunal é, na verdade, no sentido de que
os pressupostos do impedimento ou da suspeição, impedimento ou suspei-
ção que geraria a competência do Supremo Tribunal, na forma da alínea n do
inc. I do art. 102 da Constituição, devem ser apreciados pelo Tribunal com-
petente, em princípio, para o julgamento da causa. É o que deflui do julga-
mento da AOE 8/MT e da AO n. 1/MT. Nesta última, assinalou o eminente
Ministro Célio Borja, Relator:
‘Realmente, antes de reunir-se o Colegiado, não há como avaliar
a ocorrência prevista na alínea n, inciso I, art. 102 da Carta Magna,
segundo o critério da aludida AOE n. 8’.
Nessa linha, registrou, com o brilho e a proficiência que lhe são próprios,
o nosso eminente colega, Ministro Celso de Mello, no despacho proferido na
AO n. 179/PA (DJ de 3-2-93):
‘Tendo em vista essa compreensão, resulta claro que o desloca-
mento de competência para o Supremo Tribunal Federal, com base no
art. 102, I, n, da Constituição só é de ser admitido nas hipóteses de
impedimento (CPC, art. 134) e de suspeição (CPC, art. 135), formal-
mente configuradas no Tribunal de origem, seja por ato pessoal de
espontânea afirmação dos seus próprios membros, seja por efeito de seu
reconhecimento no âmbito da correspondente exceção (CPC, art. 312).
Demais disso, é preciso ter presente que as hipóteses referidas na
norma constitucional supõem a natureza jurisdicional do ato impugnado.
R.T.J. — 196 87

O ato aqui questionado, contudo, emergiu de procedimento ad-


ministrativo instaurado no âmbito do Poder Judiciário. A decisão
impugnada reveste-se, por isso mesmo, de índole nitidamente adminis-
trativa. A participação de um número expressivo de desembargadores
em seu processo de formação não se revela apta a induzir, só por si, a
competência originária desta Corte, que supõe, para os fins e os efeitos
da alínea n do inciso I do artigo 102 da Constituição, a existência, atual
e concreta, de uma causa, vale dizer, de um procedimento de natureza
jurisdicional.
É por essa razão que este Tribunal, na interpretação criteriosa da
nova regra de competência, tem acentuado a inaplicabilidade da alínea
n referida a situações jurídicas que, como a exposta pelo impetrante,
ostentam caráter meramente administrativo:
‘(...) a Constituição atual — assim como a anterior — não
atribui ao Supremo Tribunal Federal competência para o processo
e julgamento de mandado de segurança contra ato administrativo
de qualquer Tribunal, e, mesmo na hipótese do art. 102, I, n, da
Constituição Federal de 1988, pressupõe que o processo jurisdi-
cional tenha origem noutro Tribunal, hipótese que aqui não ocor-
re’. (MS 20.937/DF, Rel. Ministro Sydney Sanches).
Tampouco razões de ordem prática, ainda que ditadas por motivo
de economia processual, podem legitimar o reconhecimento da com-
petência originária do Supremo Tribunal Federal, para o processo e
julgamento de causas que, ordinariamente, devem estar afetas ao seu
juízo natural. A mera possibilidade de um pronunciamento jurisdicio-
nal contrário aos seus interesses não autoriza a parte a agir per saltum,
suprimindo, dessa maneira, graus de jurisdição de observância neces-
sária’.
Assim exposta a jurisprudência firmada pelo Supremo Tribunal Federal,
força é concluir no sentido de que esta Corte não é competente para julgar,
originariamente, o mandado de segurança que está embutido na presente
AO 186-2/RJ.
(...).” (DJ de 18-6-93)
No MS 21.832-AgR/ES, de minha relatoria, outro não foi o decidido pelo Supremo
Tribunal:
“Ementa: Constitucional. Competência originária do STF. Mandado de
segurança contra ato do Presidente do Tribunal de Justiça do Espírito Santo.
CF, art. 102, I, n.
I - Os pressupostos do impedimento e da suspeição, impedimento e suspeição
que gerariam a competência do Supremo Tribunal Federal, na forma da alínea n do
inc. I do art. 102 da Constituição, devem ser apreciados pelo Tribunal competente,
em princípio, para o julgamento da causa. Precedentes do STF.
88 R.T.J. — 196

II - Agravo não provido.” (RTJ 158/858)


No mesmo sentido: