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Supremo Tribunal Federal

Revista Trimestral de
Jurisprudência

Volume 197 – Número 3


Julho / Setembro de 2006
Páginas 725 a 1116
Diretoria-Geral
Sérgio José Américo Pedreira
Secretaria de Documentação
Altair Maria Damiani Costa
Coordenadoria de Divulgação de Jurisprudência
Nayse Hillesheim

Seção de Preparo de Publicações


Neiva Maria de Moura Ludwig
Seção de Padronização e Revisão
Kelly Patrícia Varjão de Moraes
Seção de Distribuição de Edições
Margarida Caetano de Miranda

Diagramação: Cláudia Marques de Oliveira


Capa: Patrícia Weiss Martins de Lima
Edição: Supremo Tribunal Federal

(Supremo Tribunal Federal — Biblioteca Ministro Victor Nunes Leal)

Revista Trimestral de Jurisprudência / Supremo Tribunal Federal,


Coordenadoria de Divulgação de Jurisprudência. — ano 1,
n. 1 (abr./jun. 1957) -. – Brasília: Imprensa Nacional, 1957-
Trimestral
A partir de 2002 até março de 2005, foi editada pela
Editora Brasília Jurídica.
ISSN 0035-0540
1. Direito - Jurisprudência - Brasil. I. Supremo Tribunal
Federal (STF).
CDD 340.6

Solicita-se permuta. STF/CDJU


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SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

Ministra ELLEN GRACIE Northfleet (14-12-2000), Presidente


Ministro GILMAR Ferreira MENDES (20-6-2002), Vice-Presidente
Ministro José Paulo SEPÚLVEDA PERTENCE (17-5-1989)
Ministro José CELSO DE MELLO Filho (17-8-1989)
Ministro MARCO AURÉLIO Mendes de Farias Mello (13-6-1990)
Ministro Antonio CEZAR PELUSO (25-6-2003)
Ministro CARLOS Augusto Ayres de Freitas BRITTO (25-6-2003)
Ministro JOAQUIM Benedito BARBOSA Gomes (25-6-2003)
Ministro EROS Roberto GRAU (30-6-2004)
Ministro Enrique RICARDO LEWANDOWSKI (9-3-2006)
Ministra CÁRMEN LÚCIA Antunes Rocha (21-6-2006)

COMISSÃO DE REGIMENTO

Ministro SEPÚLVEDA PERTENCE


Ministro GILMAR MENDES
Ministra CÁRMEN LÚCIA
Ministro EROS GRAU – Suplente

COMISSÃO DE JURISPRUDÊNCIA

Ministro MARCO AURÉLIO


Ministro CEZAR PELUSO
Ministro JOAQUIM BARBOSA

COMISSÃO DE DOCUMENTAÇÃO

Ministro CELSO DE MELLO


Ministro CARLOS BRITTO
Ministro RICARDO LEWANDOWSKI

COMISSÃO DE COORDENAÇÃO

Ministro GILMAR MENDES


Ministro CEZAR PELUSO
Ministro EROS GRAU

PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA

Doutor ANTONIO FERNANDO BARROS E SILVA DE SOUZA


COMPOSIÇÃO DAS TURMAS

PRIMEIRA TURMA

Ministro José Paulo SEPÚLVEDA PERTENCE, Presidente


Ministro MARCO AURÉLIO Mendes de Farias Mello
Ministro CARLOS Augusto Ayres de Freitas BRITTO
Ministro Enrique RICARDO LEWANDOWSKI
Ministra CÁRMEN LÚCIA Antunes Rocha
SEGUNDA TURMA

Ministro José CELSO DE MELLO Filho, Presidente


Ministro GILMAR Ferreira MENDES
Ministro Antonio CEZAR PELUSO
Ministro JOAQUIM Benedito BARBOSA Gomes
Ministro EROS Roberto GRAU
SUMÁRIO

Pág.
ACÓRDÃOS ................................................................................................ 725
ÍNDICE ALFABÉTICO ........................................................................... 1065
ÍNDICE NUMÉRICO ............................................................................... 1111
ACÓRDÃOS
AÇÃO CÍVEL ORIGINÁRIA 756 — SP

Relator: O Sr. Ministro Carlos Britto


Autor: Ministério Público do Estado de São Paulo — Interessado: Fernando
Antonio Ramos Gonçalves
Constitucional. Conflito negativo de atribuições. Ministério Público
Federal e Ministério Público Estadual. Representação destinada à apura-
ção de supostas irregularidades na privatização do sistema de transporte
ferroviário nacional. Incompetência do Supremo Tribunal Federal.
De acordo com a letra d do inciso I do art. 105 da Magna Carta,
compete ao Superior Tribunal de Justiça processar e julgar originaria-
mente os conflitos entre juízes vinculados a tribunais diversos.
No caso, transparece um virtual conflito de jurisdição entre os
juízos federal e estadual perante os quais funcionam os órgãos do
Parquet ora em divergência. Tal situação impõe uma interpretação ex-
tensiva do dispositivo constitucional acima referido, de sorte a fixar a
competência daquela Corte Superior para solucionar o dissenso instaurado
nos presentes autos. Precedente: Pet 1.503, Relator Ministro Maurício
Corrêa.
Conflito de atribuições não conhecido.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tri-
bunal Federal, por seu Tribunal Pleno, sob a Presidência do Ministro Nelson Jobim, na
conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de
votos, remeter os autos ao Superior Tribunal de Justiça, para que decida a matéria, nos
termos do voto do Relator.
Brasília, 4 de agosto de 2005 — Carlos Ayres Britto, Relator.
728 R.T.J. — 197

RELATÓRIO
O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto: Trata-se de conflito de atribuições entre o
Ministério Público Federal e o Ministério Público do Estado de São Paulo.
2. Tudo começou com a representação feita pelo cidadão Fernando Antônio Ramos
Gonçalves, em agosto de 1998, ao Ministério Público Federal. Disse o representante
que, após a privatização do sistema de transporte ferroviário nacional, operado pela
Rede Ferroviária Federal S.A., o serviço correspondente foi transferido às empresas
privadas mediante concessão. Para esse fim foram leiloadas as seis malhas ferroviárias
então existentes. Entretanto, as empresas concessionárias não vêm cumprindo os ter-
mos dos respectivos contratos, o que resulta em prejuízo e má qualidade do serviço
público. O próprio Ministério dos Transportes — aduz o representante — modificou o
objeto da licitação, em afronta às Leis n. 8.666/93 e 8.987/95.
3. Pois bem, a digna Procuradora da República a quem foi distribuído o expediente,
Dra. Fernanda Teixeira S. D. Taubemblatt, entendeu descabida a intervenção do Minis-
tério Público Federal, no caso, por se tratar “de atos de empresas privadas, que não
perdem tal identidade pelo fato de serem concessionárias de serviço público.” Dessa
forma, citando dispositivos da Lei Complementar n. 75/93, Sua Excelência determinou
o envio do feito ao Ministério Público do Estado de São Paulo.
4. Deu-se então que o Parquet estadual discordou de tal entendimento, pela palavra
do Promotor de Justiça da Cidadania, Dr. Fernando Capez, segundo quem há “notório
interesse da União no deslinde da questão”. Para ele, cabe ao poder concedente fisca-
lizar os atos praticados pelas empresas concessionárias, aplicando-lhes, se for o caso, as
penalidades previstas na lei e nos contratos.
5. Na mesma linha posicionou-se o Procurador-Geral de Justiça, Dr. Rodrigo
César Rebello Pinho, que focalizou a questão na “inércia do poder concedente no que
diz respeito à fiscalização do serviço concedido, de competência da União (CF, artigo
21, 12, d), e cuja qualidade — segundo se alega — estaria comprometida justamente em
razão da suposta complacência do Poder Público com as empresas prestadoras.” Por
isso — concluiu o ilustrado Procurador —, deverá o Ministério Público Federal prosse-
guir nas investigações.
6. Criado, assim, o impasse, aquela eminente autoridade determinou a remessa
dos autos a esta egrégia Corte, para resolvê-lo, nos termos do art. 102, inciso I, letra f, da
Magna Carta. Considerou Sua Excelência, enfim, que subjaz um conflito entre a União
e o Estado bandeirante, por estar em causa “o exercício de deveres institucionais não-
concorrentes”.
7. Mas este não é o pensamento do douto Procurador-Geral da República, Dr.
Cláudio Fonteles, a quem enviei os autos assim que os recebi. Para ele, o conflito de
atribuições não deve ser conhecido “no âmbito do Supremo Tribunal Federal, encami-
nhando os autos ao Procurador-Geral da República para seu exame e decisão”. Ou
seja, de acordo com a manifestação de fls. 1.036/1.040, o incidente ora noticiado encer-
ra matéria interna corporis do Ministério Público, que desconhece hierarquia entre as
esferas federal e estadual. Em suma, o raciocínio aqui desenvolvido é o seguinte: “no
espaço em que se controverte, onde não há pedido formalizado em juízo; onde não há
partes, por qualquer perspectiva, o chamamento do Poder Judiciário é injurídico”.
R.T.J. — 197 729

Daí o pedido para que se devolva o feito ao mesmo digno parecerista, que entende estar
investido da necessária competência para resolver o “incidente”, como ele próprio o
chama.
É o relatório.

VOTO
O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto (Relator): Como visto no relatório, o Ministério
Público Federal e o Ministério Público do Estado de São Paulo dissentem quanto à
competência para processar representação feita por cidadão brasileiro, em que se alega
descumprimento dos contratos de concessão resultantes da privatização do sistema de
transporte ferroviário nacional.
10. Convém esclarecer que, até agora, não houve manifestação do Poder Judiciá-
rio no caso, que pudesse caracterizar conflito de jurisdição.
11. Dito isso, relembro que os autos vieram a esta egrégia Corte ante a invocação
do art. 102, inciso I, letra f, da Magna Carta, assim legendado:
“Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda
da Constituição, cabendo-lhe:
I - processar e julgar, originariamente:
(...)
f) as causas e os conflitos entre a União e os Estados, a União e o Distrito
Federal, ou entre uns e outros, inclusive as respectivas entidades da administração
indireta;
(...)”
12. É bom lembrar que, na sessão do dia 3-10-2002, o Plenário desta egrégia Corte
teve oportunidade de apreciar caso semelhante, em que se antagonizavam o Ministério
Público Federal e o Ministério Público de Minas Gerais. Tratava-se da Petição 1.503,
Relator Ministro Maurício Corrêa. O pano de fundo era uma suposta falsificação de
guias de contribuição previdenciária. Decidiu-se, então, pela remessa dos autos ao
Superior Tribunal de Justiça, por força de acórdão assim ementado:
“Conflito negativo de atribuições. Ministério Público Federal e Estadual.
Denúncia. Falsificação de guias de contribuição previdenciária. Ausência de
conflito federativo. Incompetência desta corte.
Conflito de atribuições entre o Ministério Público Federal e o Estadual.
Empresa privada. Falsificação de guias de recolhimento de contribuições previ-
denciárias devidas à autarquia federal. Apuração do fato delituoso. Dissenso quan-
to ao órgão do Parquet competente para apresentar denúncia.
A competência originária do Supremo Tribunal Federal, a que alude a letra
f do inciso I do artigo 102 da Constituição, restringe-se aos conflitos de atribui-
ções entre entes federados que possam, potencialmente, comprometer a harmonia
do pacto federativo. Exegese restritiva do preceito ditada pela jurisprudência da
Corte. Ausência, no caso concreto, de divergência capaz de promover o desequi-
líbrio do sistema federal.
730 R.T.J. — 197

Presença de virtual conflito de jurisdição entre os juízos federal e estadual


perante os quais funcionam os órgãos do Parquet em dissensão. Interpretação
analógica do artigo 105, I, d, da Carta da República, para fixar a competência do
Superior Tribunal de Justiça a fim de que julgue a controvérsia.
Conflito de atribuições não conhecido.”
13. No seu voto, o ínclito Relator desenvolveu o seguinte raciocínio:
“(...)
7. A função institucional reservada a esta Corte, por sua magnitude, destina-
se exclusivamente a preservar o vínculo federativo e a garantir a simetria das
relações políticas entre as pessoas que integram a Federação, não sendo possível
dela valer-se, contudo, para a solução de toda e qualquer controvérsia entre a
União e os Estados, ou destes entre si. Por essa razão, o Tribunal tem repelido a
aplicação do dispositivo às situações que não apresentam conteúdo político grave
e relevante, capaz de pôr em risco a harmonia da Federação (ACO 359, Celso de
Mello, DJ de 11-3-94; ACO 433, Célio Borja, DJ de 28-2-91 e ACO 450, Pertence,
DJ de 12-4-93, v.g.).
8. No caso concreto, não estão configurados os requisitos que justificam a
atuação originária desta Corte. Com efeito, a controvérsia não fere questão de
ordem política nem traduz interesses contrapostos capazes, ainda que de forma
potencial, de vulnerar os valores que informam o pacto federativo. Na verdade,
cuida-se de mero dissenso jurídico, de natureza exegética, entre membros do
Ministério Público, acerca da amplitude da competência da Justiça Federal para
apreciar hipótese de conduta criminal em que envolvida autarquia federal, espe-
cificamente no que, por essa razão, implica exclusão da competência ordinária da
Justiça Comum.
9. Embora inexista, a meu juízo, pressuposto necessário para o reconheci-
mento da competência desta Corte, é certo que a matéria não pode ficar sem
solução, sob pena de evidente negativa de prestação jurisdicional, excluindo-se
da apreciação do Poder Judiciário a constatação de lesão de direito, em especial
de natureza criminal.
10. Na hipótese, porém, a negativa dos órgãos envolvidos decorreu do en-
tendimento de que os ramos do Judiciário em que atuam não seriam competentes
para julgar a conduta delitiva em fase de apuração. Como dito, a Justiça não foi
instada a manifestar-se sobre a sua própria competência. O Procurador da Repú-
blica não submeteu sua posição ao juízo federal, em tese competente, nem o
Promotor de Justiça o fez em face do Juiz de Direito que, ao menos em princípio,
poderia conhecer da questão.
11. Na busca de solução para o problema, cogitei inicialmente da submissão
dos entendimentos contrapostos ao Poder Judiciário, em primeiro grau de jurisdi-
ção, de forma que, se os juízes estadual e federal igualmente declinassem de suas
respectivas competências, aí sim haveria conflito negativo de jurisdição passível
de ser dirimido pelo Superior Tribunal de Justiça (CF, artigo 105, I, d).
R.T.J. — 197 731

12. Acolhida eventualmente a competência por algum desses órgãos judi-


ciais, e remanescendo a recusa do Ministério Público respectivo em atuar no feito,
por decisão de seu titular, estaria configurado o conflito de atribuições a ser
dirimido pelo Superior Tribunal de Justiça (CF, artigo 105, I, g). Este Tribunal,
porém, após debates sobre a questão, optou por interpretar extensivamente a alí-
nea d do inciso I do artigo 105 da Constituição Federal, determinando a remessa
dos autos àquela Corte de Justiça, proposta que contou com o meu assentimento.
13. Com efeito, do conflito de atribuições instaurado poderia resultar, em
caso de provocação dos juízos estadual e federal, um conflito de jurisdição cujo
deslinde competiria ao Superior Tribunal de Justiça. Há, na verdade, uma virtual
colisão de competência jurisdicional, circunstância que permite ampliação
exegética do disposto no artigo 105, inciso I, letra d, da Carta da República.
14. A competência do Superior Tribunal de Justiça advém de sua atribuição
jurisdicional para sanar o possível conflito decorrente do caso concreto. Na trilha
do jargão ‘quem pode o mais pode o menos’ tem-se como salutar que o STJ diga,
desde logo, o juízo competente e, assim, o órgão do Parquet responsável pela
persecução penal.
15. Em face do exposto, evidenciada a não-ocorrência de conflito federati-
vo e, por isso mesmo, incompetente esta Corte para dirimir a desavença, o proces-
so deve ser remetido ao Superior Tribunal de Justiça para que julgue o conflito
como entender de direito.”
14. Muito bem. Esta é a última palavra da Suprema Corte sobre o assunto. Devo
dizer, entretanto, que o Superior Tribunal de Justiça pensa diferentemente e não aceita
a sua competência para decidir casos tais. Aferrando-se ao disposto no art. 105, inciso
I, alínea g, da Carta de Outubro, aquela Corte Superior não conheceu, entre outros, dos
Conflitos de Atribuições n. 98 e 126 (inquéritos para apurar desvios de recursos do
Sistema Único de Saúde); 115 (inquérito para apurar irregularidades havidas no ambiente
do trabalho); e, mais recentemente, 155 (representação formulada contra prefeito).
15. Em todos os casos a tônica foi a mesma, estampada, exemplificativamente, no
julgamento do último conflito de atribuição — o de número 155 —, relatado pelo
Ministro José Arnaldo da Fonseca, em 13-10-2004, de que resultou a seguinte ementa:
“Conflito de atribuição. Penal. Ministério Público Federal e Ministério
Público Estadual. Representação formulada contra prefeito. Não-enquadra-
mento no art. 105, I, g, da Constituição Federal. Não-conhecimento.
Nos termos do disposto na alínea g, inciso I do art. 105 da Carta Magna, ao
STJ compete processar e julgar ‘os conflitos de atribuições entre autoridades
administrativas e judiciárias da União ou entre autoridades judiciárias de um
Estado e administrativas de outro ou do Distrito Federal, ou entre as deste e da
União’.
Afastada a competência desta Corte na espécie, resultante do conflito susci-
tado entre o Ministério Público Federal e o Ministério Público Estadual, por não
se enquadrar em quaisquer das hipóteses mencionadas.
Precedente.
Conflito não conhecido.”
732 R.T.J. — 197

16. Já se vê, eminentes Ministros, que a matéria é polêmica e não encontra uma
solução linear nas disposições constitucionais que traçam as competências do Supremo
Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça.
17. Por outro lado, é relativamente parcimoniosa a produção doutrinária sobre o
tema. Dele se ocuparam, com maior ou menor profundidade, Sérgio Demoro Hamilton,
Hugo Nigro Mazzilli e o então Procurador da República Cláudio Lemos Fonteles, hoje
à frente do Ministério Público Federal. A maioria dos estudos foi feita sob a égide da
Ordem Constitucional pretérita e também não deságua numa solução única. Mais re-
centemente temos Paulo Cezar Pinheiro Carneiro e Eugênio Pacelli de Oliveira. Este
último, no seu Curso de Processo Penal (2ª edição, 2003, Editora DelRey) faz um
apanhado das soluções possíveis e manifesta a sua concordância com o entendimento
desta Suprema Corte, expresso no julgamento da Pet 1.503.
18. Transcrevo as suas palavras (pp. 39/40):
“Na primeira hipótese — conflito entre Ministério Público Federal e
Estadual — também não se pode aceitar a competência do Procurador-Geral da
República para a solução do conflito, uma vez que não ocupa ele qualquer posição
(administrativa, funcional ou operacional) hierarquicamente superior aos procu-
radores-gerais de Justiça dos Estados.
Assim, a solução do problema, aparentemente insolúvel, tanto para uma,
quanto para outra hipótese, poderia ser aquela preconizada por Paulo Cezar Pi-
nheiro Carneiro (O Ministério Público no processo civil e penal. 1999, p. 213),
no sentido da aplicação do disposto no art. 102, f, da Constituição Federal, atribu-
indo-se ao Supremo Tribunal Federal a solução da pendenga. O dissenso, assim,
constituiria uma causa e envolveria órgãos integrantes da União e dos Estados,
resolvendo-se entre estes o conflito.
Outra solução possível, por meio de recurso eminentemente analógico, art.
105, I, d, CF, diante da ausência de norma aplicável, seria a fixação da competên-
cia no Superior Tribunal de Justiça, que é o órgão da jurisdição competente para
a solução de conflito entre a Justiça estadual e a Justiça Federal de primeira instân-
cia. Assim, como os membros do Ministério Público atuam perante esses órgãos,
a competência do Superior Tribunal de Justiça seria logicamente a mais adequa-
da. Ficamos com essa última, mais coerente com a preservação do sistema de
solução de conflitos de jurisdição, tendo em vista que a matéria, embora discutida
ao nível de conflito entre membros do Ministério Público, é, efetivamente, de
definição da jurisdição.
De se registrar que em decisão recente o Pleno da Suprema Corte veio a
sufragar esse entendimento, que sustentávamos desde a primeira edição deste
Curso, consoante se vê no julgamento da Pet 1503/MG, em acórdão relatado pelo
eminente Min. Maurício Corrêa, publicado no DJ de 14.11.2002, vol. 2091, p. 59,
constando da ementa exatamente a mesma fundamentação:
‘(...) Presença de virtual conflito de jurisdição entre os juízos federal e
estadual perante os quais funcionam os órgãos do parquet em dissensão.
Interpretação analógica do artigo 105, I, d, da Carta da República, para fixar
a competência do Superior Tribunal de Justiça, a fim de que julgue a contro-
vérsia.’
R.T.J. — 197 733

19. Pois bem, Senhor Presidente. Feito esse giro sobre o assunto, volto ao ponto de
partida, para alinhar o meu pensamento à orientação traçada por esta colenda Corte ao
julgar a multicitada Petição 1.503. Afinal, há que se dar uma solução ao caso. Se não
existe a dicção literal do texto normativo, dê-se-lhe a interpretação que melhor se afine
com o espírito da Lei Maior. O conflito imediato é de atribuições, não se pode negar,
mas ele encerra, nas dobras do processo, um conflito potencial de jurisdição. Lembremo-
nos, uma vez mais, de Carlos Drummond de Andrade: “sob a pele das palavras há
cifras e códigos”.
20. Ante o exposto, não conheço do conflito. Em conseqüência, declino da com-
petência para o Superior Tribunal de Justiça, ao qual deverão os autos ser oportuna-
mente remetidos.
21. É como voto.

EXTRATO DA ATA
ACO 756/SP — Relator: Ministro Carlos Britto. Autor: Ministério Público do
Estado de São Paulo. Interessado: Fernando Antonio Ramos Gonçalves.
Decisão: O Tribunal, por unanimidade, decidiu remeter os autos para o Superior
Tribunal de Justiça, para que decida a matéria, nos termos do voto do Relator. Ausentes,
justificadamente, os Ministros Celso de Mello e Carlos Velloso. Presidiu o julgamento
o Ministro Nelson Jobim.
Presidência do Ministro Nelson Jobim. Presentes à sessão os Ministros Sepúlveda
Pertence, Marco Aurélio, Ellen Gracie, Gilmar Mendes, Cezar Peluso, Carlos Britto,
Joaquim Barbosa e Eros Grau. Vice-Procurador-Geral da República, Dr. Roberto
Monteiro Gurgel Santos.
Brasília, 4 de agosto de 2005 — Luiz Tomimatsu, Secretário.

EXTRADIÇÃO 917 — REPÚBLICA FRANCESA

Relator: O Sr. Ministro Celso de Mello


Requerente: Governo da França — Extraditando: Jean-Pierre Bourg
Extradição passiva de caráter executório — Condenação pela prática
dos delitos de estupro e atentado violento ao pudor — Concordância do
extraditando — Circunstância que não dispensa o controle de legalidade
do pedido extradicional — Necessidade de respeito aos direitos básicos
do súdito estrangeiro — Observância, na espécie, dos critérios da dupla
tipicidade e da dupla punibilidade — Pretendida discussão sobre a prova
penal produzida perante Tribunal do Estado requerente — Inadmissibi-
lidade — Sistema de contenciosidade limitada — Atendimento, no caso,
dos pressupostos e requisitos necessários ao acolhimento do pleito ex-
tradicional — Extradição deferida.
734 R.T.J. — 197

Extradição — Concordância do extraditando — Circunstância que


não dispensa o controle de legalidade do pedido extradicional, a ser efetuado
pelo Supremo Tribunal Federal.
— O desejo de ser extraditado, ainda que manifestado, de modo
inequívoco, pelo próprio súdito estrangeiro, não basta, só por si, para
dispensar as formalidades inerentes ao processo extradicional, posto que
este representa garantia indisponível instituída em favor do extraditando.
Precedentes.
Extradição e respeito aos direitos humanos: paradigma ético-jurídico
cuja observância condiciona o deferimento do pedido extradicional.
— A essencialidade da cooperação internacional na repressão penal
aos delitos comuns não exonera o Estado brasileiro — e, em particular, o
Supremo Tribunal Federal — de velar pelo respeito aos direitos funda-
mentais do súdito estrangeiro que venha a sofrer, em nosso País, processo
extradicional instaurado por iniciativa de qualquer Estado estrangeiro.
O extraditando assume, no processo extradicional, a condição in-
disponível de sujeito de direitos, cuja intangibilidade há de ser preservada
pelo Estado a que foi dirigido o pedido de extradição (o Brasil, no caso).
Precedentes: RTJ 134/56-58 — RTJ 177/485-488.
Processo extradicional e sistema de contenciosidade limitada: inad-
missibilidade de discussão sobre a prova penal produzida perante o Tri-
bunal do Estado requerente.
— A ação de extradição passiva não confere, ao Supremo Tribunal
Federal, qualquer poder de indagação sobre o mérito da pretensão
deduzida pelo Estado requerente ou sobre o contexto probatório em que a
postulação extradicional se apóia.
— O sistema de contenciosidade limitada, que caracteriza o regime
jurídico da extradição passiva no direito positivo brasileiro (RTJ 140/
436 — RTJ 160/105 — RTJ 161/409-411 — RTJ 170/746-747 — RTJ
183/42-43), não permite o exame do substrato probatório pertinente ao
delito cuja persecução penal, no exterior, justificou o ajuizamento da
demanda extradicional perante o Supremo Tribunal Federal.
— A análise, pelo Supremo Tribunal Federal, de aspectos materiais
concernentes à própria substância do ilícito penal revela-se possível,
ainda que em bases excepcionais, desde que se mostre indispensável à
solução de controvérsia pertinente (a) à ocorrência de prescrição penal,
(b) à observância do princípio da dupla tipicidade ou (c) à configuração
eventualmente política tanto do delito atribuído ao extraditando quanto
das razões que levaram o Estado estrangeiro a requerer a extradição de
determinada pessoa ao Governo brasileiro. Hipóteses não verificadas no
presente caso.
Extradição e revelia perante Tribunal Estrangeiro.
R.T.J. — 197 735

— A decretação da revelia do extraditando, por órgão competente


do Estado requerente, não constitui, só por si, motivo bastante para justi-
ficar a recusa de extradição. O fato de o extraditando haver sido julgado
in absentia por seu juiz natural, em processo no qual lhe foram assegura-
das as garantias básicas que assistem a qualquer acusado, não atua como
causa obstativa do deferimento do pedido extradicional. Precedentes.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo
Tribunal Federal, em Sessão Plenária, sob a Presidência da Ministra Ellen Gracie
(RISTF, art. 37, I), na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por
unanimidade de votos, deferir o pedido de extradição, nos termos do voto do Relator.
Ausentes, justificadamente, os Ministros Nelson Jobim (Presidente) e Carlos Velloso.
Brasília, 25 de maio de 2005 — Celso de Mello, Relator.

RELATÓRIO
O Sr. Ministro Celso de Mello: O Ministério Público Federal, em parecer da lavra
do eminente Procurador-Geral da República, Dr. Claudio Fonteles, assim resumiu e
apreciou o pedido de extradição, que se reveste de caráter executório, formulado pelo
Governo da República Francesa (fls. 145/149):
“A República Francesa formaliza pedido de extradição do Sr. Jean-Pierre
Bourg, divorciado, comerciante, nascido em Tullins/França, no dia 12.02.1946,
filho de Emile Bourg e Josette Chenavas, condenado a 18 (dezoito) anos de
reclusão, por sentença pronunciada em 27 de janeiro de 2003, pelo Tribunal do
Júri do Circulo do Isère/França, pela prática de crimes de estupro e atentado
violento ao pudor, cometidos contra sua filha Rachel Bourg (fl. 29).
2. O pedido de extradição foi formalizado com base na promessa de recipro-
cidade de tratamento para casos análogos (Nota verbal n. 54 – fl. 5), tendo sido
decretada sua prisão preventiva para fins da extradição (fl. 31 e fl. 103), estando
atualmente recolhido no presídio Ari Franco/SEAP/RJ (fl. 102).
3. No interrogatório realizado no dia 28 de março de 2005 (fls.116/121), o
extraditando negou o seu envolvimento nos fatos ilícitos a ele imputados, afir-
mando que ‘deseja retornar à França para provar sua inocência; que foi interrogado
em território francês; que confirma tudo que foi dito quando foi interrogado na
França; que afirma ‘minha ex-mulher e sua filha montaram essa história para me
destruir’; que há vinte e um anos mora com uma mulher que ama, com a qual teve
um filho; que se amam muito; que tiveram um filho chamado Pierre, e desde
então a ex-mulher se tornou diabólica e sua filha também ficou contrariada, porque
imaginava ser a única herdeira; (...) que sua filha Rachel não tem qualquer sinal de
anormalidade, e que uma pessoa estuprada pelo pai seria indubitavelmente trau-
matizada; que Rachel procurou sua irmã Laurance na Monpelier, após a perda do
filho desta, sendo que ambas combinaram uma união de esforços para destruir o
736 R.T.J. — 197

interrogando; que nesta época a mais velha tinha 32 anos e a mais nova tinha 26,
e ambas combinaram procurar um juiz para dizer que o denunciado as tinha
violado; (...) que sua filha foi ao Canadá porque naquele país há associações de
vítimas de estupros cometidos por ascendentes; (...) que lá aprendeu todas as
características que apresentam as vítimas dos aludidos crimes; que ela é uma
moça muito inteligente; que ela retornou para a França com todo este conheci-
mento e levando um diário enorme, todo ele escrito com a mesma letra; que neste
diário ela redigiu e inventou toda a história deste estupro; (...) que não foi feito
exame de corpo de delito na vítima; que sua esposa era prostituta enquanto foi
casada com o interrogando, e o interrogado não sabia; (...) que nunca havia sido
vítima de denuncia de estupros anteriormente; que a polícia fez um levantamento
da vida escolar de sua filha, tendo ouvido as pessoas da escola por onde passou, e
apurou que tudo era normal.’
4. Em sua defesa a fls. 126/127, o extraditando afirma que quer retornar à
França para provar que é inocente, porque não estuprou a filha e os fatos narra-
dos são montagem da ex-mulher e da filha para o destruir, desde que vive com
outra mulher e tem um filho.
5. O pedido extradicional da República Francesa reúne condições para ser
deferido.
6. Preliminarmente, observe-se que o processo extradicional é de caráter
especial, sem dilação probatória, desta forma, não cabe no processo de extradi-
ção passiva analisar sobre a inocência do requerente. Por outro lado, mesmo
com a concordância do extraditando em retornar a seu país, não haveria a possibi-
lidade de renúncia ao procedimento extradicional, não dispensando o controle da
legalidade do pedido.
7. Como se sabe, ao estado requerente incumbe a obrigação de produzir,
dentre outros elementos, aqueles que constituem os documentos indispensáveis à
própria instauração do juízo extradicional, em razão da exigência estabelecida
pelo art. 80, caput, da Lei n. 6.815/80.
8. Com efeito, no caso, foi exposto o episódio motivador da postulação.
Vem instruído com a sentença condenatória e os demais documentos exigidos
pela Lei n. 6.815/80, havendo indicações sobre o local, data, natureza e circuns-
tâncias do fato delituoso, com cópia dos textos legais pertinentes, todos em por-
tuguês, de modo a permitir ao Supremo Tribunal Federal o exame seguro da
legalidade da pretensão extradicional .
9. Vale lembrar que a Lei 6.815/80, arts 91 e ss, estabelece dentre os requisitos
formais exigidos para o pedido extradicional a existência de título penal con-
denatório ou de mandado de prisão emanados de juiz, tribunal ou autoridade
competente do Estado estrangeiro.
10. No caso presente, a extradição fundou seu pedido na sentença condena-
tória (fl. 28), instruído com mandado de prisão expedido por autoridade judiciá-
ria francesa competente (fl. 31).
R.T.J. — 197 737

11. Também se faz presente o requisito da dupla tipicidade, uma vez que os
fatos atribuídos ao extraditando são igualmente puníveis na lei penal brasileira
(estupro e atentado violento ao pudor).
12. Segundo consubstanciado nos autos, o extraditando foi condenado a
18 anos de reclusão pela prática dos crimes de estupro por ascendente contra
menor de 15 anos e crimes de estupro por ascendente (fl. 32), nas penas dos artigos
222-23 e 222-24, 222-44, 222-45, 222-47, 131-26, 131-27 e 131-31 do Código
Penal Francês e 332 do antigo Código Penal em vigor na época dos fatos, vistos os
artigos 627 a 641 do Código de Processo Penal Francês (fl. 29), porque:
‘Atendendo que o processo é tido por legítimo e que os elementos
recolhidos vieram provar que Bourg Jean-Pierre é culpado de ter em
Vinay, Grenoble, Varces, Tullins Paris e através de todo o território nacional:
‘— entre 1986 e 19 de Outubro de 1989, cometido actos de penetra-
ção sexual, por constrangimento, ameaça ou surpresa, sobre a pessoa de
Rachel Bourg, menor de 15 anos, nascida em 20.10.1974, em relação à qual
ele era ascendente natural;
— entre 20 de Outubro de 1989 e 1993, cometido actos de penetração
sexual, por violência, constrangimento, ameaça ou surpresa, sobre a pessoa
de Rachel Bourg, em relação à qual ele era ascendente natural;’
13. Segundo as leis brasileira e francesa não restam prescritos os delitos em
questão (fls. 87; 52; 54).
14. Considerando que a pena foi aplicada globalmente, para a prescrição
conta-se a pena mínima aplicada a cada um dos crimes, conforme consta na deci-
são da Extradição 774-2, Relatora Ministra Ellen Gracie, verbis:
‘(...)
O trânsito em julgado ocorreu em 11.10.89.
A pena de 8 anos e 3 meses de reclusão foi aplicada globalmente aos 5
crimes referidos, não havendo na cópia da sentença o quantum fixado para
cada delito. O crime de disparo de arma de fogo foi anistiado e o crime de
posse e porte ilegal de armas foi colocado a salvo da extradição por ser, na
época dos fatos (novembro/86), considerado contravenção pela nossa legis-
lação. Diante da iliquidez da pena global aplicada aos crimes, pela exclu-
são destes 02 (dois) últimos e em face de não existir na sentença aplicação
individualizada de pena, passo, a exemplo do que fez o Dr. Edson no pare-
cer, a examinar a prescrição levando em conta a pena mínima cominada
aos crimes pela legislação italiana.
(...)’
15. Ante o exposto, opina o Ministério Público Federal pela concessão do
pedido de extradição formulado pela República Francesa, em desfavor de Jean-
Pierre Bourg.” (Grifei)
É o relatório.
738 R.T.J. — 197

VOTO
O Sr. Ministro Celso de Mello (Relator): Este pedido de extradição reveste-se de
caráter executório, eis que se apóia em condenação decretada, pela Justiça da República
Francesa, contra o ora extraditando, “(...) para a execução de uma pena de 18 anos de
reclusão criminal pronunciada em 27 de janeiro de 2003 pelo Tribunal de Grenoble,
por fatos de violação de menor (...)” (fl. 08 — grifei).
Cabe-me assinalar, desde logo, que o ora extraditando, em manifestação for-
mal produzida por intermédio de Advogado regularmente constituído (fl. 115),
concorda, integralmente, com o imediato deferimento deste pedido de extradição
(fls. 126/127).
Impõe-se referir, neste ponto, por necessário, que a circunstância de o extradi-
tando concordar com o pedido extradicional não basta, por si só, para viabilizar o
acolhimento do pleito deduzido pelo Estado estrangeiro interessado.
É preciso ter em consideração, presente o contexto em referência, que “O simples
desejo manifestado pelo extraditando não se revela apto a flexibilizar as regras do
procedimento extradicional” (Ext 872/Argentina, Rel. Min. Gilmar Mendes).
Esse entendimento nada mais reflete senão a orientação jurisprudencial que o
Supremo Tribunal Federal firmou no sentido de não assumir relevo jurídico, só por si,
a eventual concordância do súdito estrangeiro com o pedido de extradição contra ele
dirigido, pelo fato de que o processo extradicional representa garantia indisponível
instituída em favor do próprio extraditando (RTJ 177/566-567, Rel. Min. Nelson
Jobim, Pleno — Ext 751/Alemanha, Rel. Min. Nelson Jobim):
“O controle jurisdicional, pelo Excelso Pretório, do pedido de extradição
deduzido pelo Estado estrangeiro traduz indeclinável exigência de ordem
constitucional e poderosa garantia — de que nem mesmo o extraditando pode
dispor – contra ações eventualmente arbitrárias do próprio Estado.”
(RTJ 132/139, Rel. Min. Celso de Mello)
“Extradição — Concordância do extraditando — Circunstância que não
dispensa o controle de legalidade do pedido extradicional, a ser efetuado pelo
Supremo Tribunal Federal.
— O desejo de ser extraditado, ainda que manifestado, de modo inequívoco,
pelo próprio súdito estrangeiro, não basta, só por si, para dispensar as formali-
dades inerentes ao processo extradicional, posto que este representa garantia
indisponível instituída em favor do extraditando. Precedentes.(...).”
(Ext 909/Estado de Israel, Rel. Min. Celso de Mello)
Passo, em conseqüência, a apreciar este pedido extradicional. E, ao fazê-lo, assinalo
que o pleito extradicional em questão observa as condições e satisfaz as exigências
impostas pelo Estatuto do Estrangeiro e pelo Tratado de Extradição firmado entre o
Governo da República Federativa do Brasil e o Governo da República Francesa.
Com efeito, o exame dos autos evidencia que inexiste qualquer obstáculo legal
ao deferimento deste pedido de extradição relativamente à prática dos crimes de
estupro e atentado violento ao pudor, pois, em relação a essas espécies delituosas,
R.T.J. — 197 739

acham-se atendidos os princípios da dupla tipicidade e da dupla punibilidade, além


de satisfeitos todos os demais requisitos e condições a que alude o art. 78 do Estatuto
do Estrangeiro, inocorrendo, ainda, quanto às infrações mencionadas, qualquer dos
fatores de vedação inscritos no art. 77 desse mesmo diploma legislativo.
Cumpre destacar, por necessário, que o extraditando informou, quando do seu
interrogatório, “(...) que conhece o conteúdo do processo que contra si correu na
França; que não esteve presente no curso desse processo e se considera inocente; que
deseja retornar à França para provar a sua inocência (...)” (fl. 117 — grifei).
Impõe-se observar que a mera circunstância de o extraditando haver sido julgado
in absentia por órgão competente no Estado requerente não atua, por si só, como causa
obstativa do atendimento do pedido extradicional. É que esse aspecto de ordem formal
configura incidente do processo penal condenatório instaurado na República
Francesa — matéria sobre a qual o Supremo Tribunal Federal não dispõe de qualquer
poder de indagação (RTJ 73/11 — RTJ 140/436).
Demais disso, impende destacar que a própria jurisprudência do Supremo Tribunal
Federal — pronunciando-se a respeito da questão concernente à decretação da reve-
lia do acusado pela Justiça do Estado requerente — tem assinalado que esse motivo
não constitui obstáculo ao deferimento do pedido extradicional:
“O processo de extradição não comporta defesa baseada em questões rela-
tivas a nulidade da decretação da revelia e a negativa de autoria, que devem ser
discutidas perante a Justiça do Estado requerente. Se as provas documentais reve-
lam a participação do extraditando, a sua veracidade, ou não, constitui contro-
vérsia afeta ao próprio mérito da persecutio criminis, que não pode ser debatida
no juízo da extradição.”
(Ext 604/Espanha, Rel. Min. Ilmar Galvão)
“Tendo sido o extraditando processado, julgado e condenado, pela Justiça
portuguesa, a revelia, por se encontrar ‘ausente em parte incerta’, não se caracteri-
zou hipótese de falta de defesa, podendo, ademais, apresentá-la, se requerer novo
julgamento, segundo a legislação do Estado requerente, mais favorável, no ponto,
que a brasileira.
O fato de o Governo português, após a condenação, haver descoberto o
endereço do extraditando, no Brasil, não afeta a anterior decretação da revelia.
Não compete à Justiça brasileira, no processo de extradição, decidir sobre o
acerto ou desacerto da Justiça portuguesa, na interpretação e aplicação de sua
legislação.”
(Ext 565/Portugal, Rel. Min. Sydney Sanches)
“Não compete à Justiça brasileira julgar do acerto ou desacerto da disciplina
que o legislador suíço aplicou para o reconhecimento da revelia ou das sanções
processuais dela decorrentes, do mesmo modo apreciar fundamentação do julga-
do condenatório, ou do acerto ou desacerto da individualização da pena aplica-
da.”
(RTJ 116/17, Rel. Min. Cordeiro Guerra)
740 R.T.J. — 197

Impõe-se afastar, de outro lado, por incabível, a pretendida análise do quadro


probatório concernente à acusação penal deduzida, pelas autoridades francesas, contra
o ora extraditando.
Como se sabe, o modelo extradicional vigente no Brasil — que consagra o
sistema de contenciosidade limitada, fundado em norma legal (Estatuto do Estran-
geiro, art. 85, § 1º) reputada compatível com o texto da Constituição da República (RTJ
105/4-5 — RTJ 160/433-434 — RTJ 161/409-411 — RTJ 183/42-43) — não autoriza
que se renove, no âmbito da ação de extradição passiva promovida perante o Supremo
Tribunal Federal, o litígio penal que lhe deu origem, nem que se efetive o reexame do
quadro probatório ou a discussão sobre o mérito da acusação ou da condenação emana-
das de órgão competente do Estado estrangeiro (RTJ 170/746-747).
Nenhum relevo tem, para o sistema extradicional vigente no Brasil, a pretendida
discussão probatória sobre os elementos de convicção concernentes ao alegado
envolvimento do extraditando nas práticas criminosas a ele imputadas (RTJ 160/105,
Rel. Min. Celso de Mello).
É que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem reiteradamente assi-
nalado que a ação de extradição passiva não confere, a esta Corte, qualquer poder de
indagação sobre o mérito da pretensão deduzida pelo Estado requerente ou sobre o
contexto probatório em que a postulação extradicional se apóia, sempre enfatizando,
a tal propósito, que:
“O juízo de delibação, subjacente ao pronunciamento do Supremo Tribunal
Federal na apreciação da ação de extradição passiva, não confere poder algum a
esta Corte Suprema para rever ou reexaminar os procedimentos judiciais instaura-
dos perante o Estado estrangeiro, incluindo-se nessa vedação até mesmo a própria
sentença penal condenatória deles resultante. Inexiste, portanto, no processo
extradicional regido pelo ordenamento positivo brasileiro, a possibilidade de o
Supremo Tribunal Federal emitir qualquer juízo de revisão.”
(RTJ 140/436, Rel. Min. Celso de Mello)
É preciso ter presente que o modelo extradicional vigente no direito brasileiro
qualifica-se como sistema de controle limitado, com predominância da atividade juris-
dicional, que permite, ao Supremo Tribunal Federal, exercer fiscalização concernente
à legalidade meramente extrínseca do pedido de extradição formulado pelo Estado
estrangeiro, ressalvadas, no entanto, as hipóteses (inocorrentes na espécie) de ofensa
aos direitos básicos da pessoa humana, sempre passíveis da máxima proteção a ser
constitucionalmente dispensada por esta Suprema Corte, consoante reconhecido pela
jurisprudência deste Tribunal (RTJ 134/56-58 — RTJ 177/485-488).
Isso significa, na perspectiva do modelo extradicional vigente no ordenamento
jurídico brasileiro, em cujo âmbito não se admite a possibilidade de revisão material
da acusação penal ou da condenação criminal emanadas do Estado requerente, que o
Estatuto do Estrangeiro, ao consagrar o sistema de contenciosidade limitada (RTJ
178/7), circunscreve o thema decidendum, nas ações de extradição passiva, à análise dos
pressupostos (art. 77) e das condições (art. 78) inerentes ao pedido formulado pelo
Estado estrangeiro, consoante proclama iterativa jurisprudência firmada pelo Su-
premo Tribunal Federal (RTJ 161/409-411, Rel. Min. Celso de Mello, v.g.).
R.T.J. — 197 741

É por tal razão que esta Corte Suprema, com apoio em autorizado magistério
doutrinário (José Frederico Marques, “Tratado de Direito Penal”, vol. I/319, 2ª ed.,
1964, Saraiva; Mirtô Fraga, “O Novo Estatuto do Estrangeiro Comentado”, p. 336,
1985, Forense; Yussef Said Cahali, “Estatuto do Estrangeiro”, p. 374, 1984, Saraiva;
José Francisco Rezek, “Direito Internacional Público — Curso Elementar”, p. 204,
item n. 118, 1989, Saraiva; Negi Calixto, “A propósito da extradição: a impossibilidade
de o STF apreciar o mérito no processo de extradição. Indisponibilidade do controle
jurisdicional na extradição”, in “Revista de Informação Legislativa”, vol. 109/163,
v.g.) —, tem advertido que “a justiça ou injustiça, a procedência ou improcedência
da acusação escapam ao exame do Tribunal” (Ext 183/Suíça, Rel. Min. Edgard Costa).
De outro lado, e no que concerne à prescrição penal pertinente aos crimes imputa-
dos ao ora extraditando, cabe esclarecer, referentemente a tais delitos, praticados no
período compreendido entre 1986 e 1993, que ainda não se verificou, quanto a eles, a
prescrição penal, quer segundo a lei francesa, quer conforme o direito brasileiro.
Essa é a razão pela qual a douta Procuradoria-Geral da República, ao enfatizar a
inocorrência da prescrição penal no caso em exame, asseverou (fl. 148):
“13. Segundo as leis brasileira e francesa não restam prescritos os delitos
em questão (fls. 87; 52; 54).
14. Considerando que a pena foi aplicada globalmente, para a prescrição
conta-se a pena mínima aplicada a cada um dos crimes, conforme consta na decisão
da Extradição 774-2, Relatora Ministra Ellen Gracie, verbis:
‘(...)
O trânsito em julgado ocorreu em 11-10-89.
A pena de 8 anos e 3 meses de reclusão foi aplicada globalmente aos 5
crimes referidos, não havendo na cópia da sentença o quantum fixado para
cada delito. O crime de disparo de arma de fogo foi anistiado e o crime de
posse e porte ilegal de armas foi colocado a salvo da extradição por ser, na
época dos fatos (novembro/86), considerado contravenção pela nossa legis-
lação. Diante da iliquidez da pena global aplicada aos crimes, pela exclusão
destes 02 (dois) últimos e em face de não existir na sentença aplicação indi-
vidualizada de pena, passo, a exemplo do que fez o Dr. Edson no parecer, a
examinar a prescrição levando em conta a pena mínima cominada aos crimes
pela legislação italiana.
(...)’”
De outro lado, cumpre ressaltar que não se registra, no caso, qualquer concurso
de jurisdição penal entre o Estado brasileiro e a República Francesa, uma vez que,
sendo inaplicável a legislação penal doméstica, incide, na espécie, sem qualquer restri-
ção, o ordenamento punitivo vigente no Estado requerente. É que se aplica à espécie o
princípio da territorialidade da lei penal francesa, pois foi no âmbito de validade espa-
cial do ordenamento positivo vigente no Estado requerente que se praticaram as trans-
gressões delituosas apontadas neste processo extradicional.
742 R.T.J. — 197

Sendo assim, em face das razões expostas, e acolhendo, ainda, o douto parecer
do eminente Procurador-Geral da República, defiro, integralmente, sem qualquer res-
trição, o pedido de extradição formulado pela República Francesa.
É o meu voto.

EXTRATO DA ATA
Ext 917/República Francesa — Relator: Ministro Celso de Mello. Requerente:
Governo da França. Extraditando: Jean-Pierre Bourg.
Decisão: O Tribunal, à unanimidade, deferiu o pedido de extradição, nos termos
do voto do Relator. Ausentes, justificadamente, os Ministros Nelson Jobim (Presidente) e
Carlos Velloso. Presidiu o julgamento a Ministra Ellen Gracie (Vice-Presidente).
Presidência da Ministra Ellen Gracie, Vice-Presidente. Presentes à sessão os
Ministros Sepúlveda Pertence, Celso de Mello, Marco Aurélio, Gilmar Mendes, Cezar
Peluso, Carlos Britto, Joaquim Barbosa e Eros Grau.Vice-Procurador-Geral da República,
Dr. Antônio Fernando Barros e Silva de Souza.
Brasília, 25 de maio de 2005 — Luiz Tomimatsu, Secretário.

EXTRADIÇÃO 972 — REPÚBLICA ARGENTINA

Relator: O Sr. Ministro Carlos Britto


Requerente: Governo da República Argentina — Extraditando: Luis Reynaldo
Mercante
Extradição instrutória. Acusação de crime de homicídio em ocasião
de roubo. Alegações de defesa no sentido de que o extraditando quis prati-
car delito menos grave. Existência de filhos nascidos no Brasil.
Não é dado ao Supremo Tribunal Federal entrar no mérito da
questão para, valorando as provas atinentes ao elemento subjetivo do
tipo, concluir pela real intenção do agente quando da prática do crime.
Tal conduta, absolutamente incompatível com o juízo de cognoscibili-
dade estrita que rege as ações extradicionais (§ 1º do art. 85 da Lei n.
6.815/80), atenta contra a própria soberania do Estado requerente, pois
permite que um país reavalie fatos ocorridos no estrangeiro, em ordem a
reformar a própria acusação ali apresentada. Precedentes (Exts 853,
866, 897, 936 e 947).
A circunstância de o extraditando possuir filho brasileiro não im-
pede a entrega extradicional, nos termos de enunciado sumular desta
R.T.J. — 197 743

Suprema Corte (Súmula 421/STF). Enunciado este cuja compatibilidade


com a Constituição Federal de 88 foi reafirmada pelo Plenário do Supremo
Tribunal Federal (Ext 839, Rel. Min. Celso de Mello).
Pedido deferido.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tri-
bunal Federal, por seu Tribunal Pleno, na conformidade da ata do julgamento e das
notas taquigráficas, por unanimidade de votos, deferir o pedido de extradição, nos
termos do voto do Relator.
Brasília, 1º de setembro de 2005 — Nelson Jobim, Presidente — Carlos Ayres
Britto, Relator.

RELATÓRIO
O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto: Trata-se de pedido extradicional, formulado
pelo Governo da Argentina, com fundamento no Tratado de Extradição Brasil/Argentina
(Decreto n. 62.979, de 11-7-1968). Pedido que tem por objeto a entrega de Luis
Reynaldo Mercante, nacional argentino, que está sendo processado, naquele país, pelo
crime de “instigador de homicídio em ocasião de roubo”.
2. A prisão cautelar do extraditando, decretada pelo ilustrado Ministro Ilmar
Galvão (arts. 76 e 82 da Lei n. 6.815/80), somente se efetivou em 27-2-2005. Logo,
mais de dois anos após a expedição do mandado de captura.
3. Tendo em vista que a prisão do estrangeiro reclamado se deu no Estado da
Bahia, deleguei à Justiça Federal daquela unidade da Federação a competência para o
interrogatório do extraditando. Na ocasião, José Reynaldo Mercante negou a veracidade
dos fatos que lhe são imputados na Argentina. Também lhe foi nomeada Defensora
Pública da União, que ofereceu peça de defesa e pugnou pelo indeferimento do pedido.
Isso sob a afirmação de que “o acusado quis praticar crime menos grave, qual seja,
furto (...)”. Desse modo, e como a pena mínima cominada ao delito de furto é de um ano
de reclusão, insuscetível a entrega extradicional, nos termos do inciso IV do art. 77 do
Estatuto do Estrangeiro (“Art. 77. Não se concederá a extradição — IV quando a lei
brasileira impuser ao crime pena de prisão igual ou inferior a 1 (um) ano”).
4. A seu turno, também o extraditando, agora em causa própria, apresentou sua
defesa, na qual postulou o indeferimento da extradição, por não haver participado do
crime e por ser pai de filha brasileira.
5. Enfim, anoto que o Ministério Público Federal opinou “pela procedência do
pedido de extradição”.
É o relatório.

VOTO
O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto (Relator): Feito o relatório, passo ao voto. E
começo por dizer que a instrução do processo atende plenamente às exigências do art. 80
744 R.T.J. — 197

da Lei n. 6.815/80, bem como às do artigo IV do Tratado Bilateral de Extradição Brasil/


Argentina. Também está preenchido o requisito da dupla tipicidade, uma vez que o
extraditando é acusado de participar do crime de “instigador de homicídio em ocasião
de roubo” (Código Penal Argentino, art. 165 c/c o art. 45), delito que corresponde, com
precisão, ao de latrocínio (§ 3º do art. 157 do Código Penal Brasileiro).
9. De outro lado, tanto pela legislação brasileira como pela lei Argentina, subsiste
a pretensão punitiva quanto ao crime atribuído ao extraditando. Crime este ocorrido em
6-3-2002. Ora, segundo a legislação do Estado requerente, o delito de “homicídio em
ocasião de roubo” prescreve em 15 anos (Código Penal argentino, art. 62, § 1º). Já pelo
Ordenamento brasileiro, a prescrição do crime de latrocínio se dá em 20 anos (CPB, art.
157, § 3º, in fine, c/c o art. 109, inciso I). Não há, pois, que se falar em prescrição da
pretensão punitiva, dado que o crime foi cometido no ano de 2002. Além do que não
incide na espécie nenhum dos óbices do art. 77 do Estatuto do Estrangeiro.
10. Prossigo no voto para pontuar que também não procedem os fundamentos
levantados pela defesa como empecilho ao deferimento da extradição. É que não se
revela prestimosa a assertiva de que o “acusado quis praticar crime menos grave”.
11. Para encampar tal afirmação, necessário seria que esta Suprema Corte entrasse
no próprio mérito da questão para, valorando as provas atinentes ao elemento subjetivo
do tipo, concluir pela real intenção do agente quando da prática do delito. Tal conduta,
absolutamente incompatível com o juízo de cognoscibilidade estrita que rege as ações
extradicionais (§1º do art. 85 da Lei n. 6.815/801), atentaria contra a própria soberania
do Estado requerente, pois implicaria autorização para que um país reavaliasse fatos
ocorridos no estrangeiro, em ordem a reformar a própria acusação que ali foi apresentada.
12. Em boa verdade, este meu entendimento, que rechaça análises meritórias em
sede extradicional, tem o respaldo de firme jurisprudência desta Casa de Justiça (Exts
853, 866, 897, 936 e 947).
13. Finalmente, cabe-me assinalar que a alegação de o extraditando possuir filha
brasileira não impede a extradição, nos termos de enunciado sumular desta Suprema
Corte (Súmula 421/STF). Enunciado sumular cuja compatibilidade com a Constituição
de 88 foi reafirmada pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento da Ext
839, Rel. Min. Celso de Mello, in verbis:
“Extradição — Inocorrência de fatos impeditivos — Satisfação das
condições necessárias ao atendimento do pleito extradicional — Existência
de família brasileira (união estável), notadamente de filho com nacionalidade
Brasileira originária — Situação que não impede a extradição — Compatibi-
lidade da Súmula 421/STF com a vigente Constituição da República — Pedido
de extradição deferido.
— Não impede a extradição o fato de o súdito estrangeiro ser casado ou
viver em união estável com pessoa de nacionalidade brasileira, ainda que com
esta possua filho brasileiro.

1 Art. 85, § 1º: “A defesa versará sobre a identidade da pessoa reclamada, defeito de forma dos
documentos apresentados ou ilegalidade da extradição”.
R.T.J. — 197 745

— A Súmula 421/STF revela-se compatível com a vigente Constituição da


República, pois, em tema de cooperação internacional na repressão a atos de
criminalidade comum, a existência de vínculos conjugais e/ou familiares com
pessoas de nacionalidade brasileira não se qualifica como causa obstativa da
extradição. Precedentes.”
15. Por tudo quanto posto, meu voto acolhe o parecer da ilustrada Procuradoria-
Geral da República e defere o pedido de extradição.
16. É o meu voto.

EXTRATO DA ATA
Ext 972/República Argentina. Relator: Ministro Carlos Britto. Requerente: Governo
da República Argentina. Extraditando: Luis Reynaldo Mercante (Advogada: Defensoria
Pública da União).
Decisão: O Tribunal, por unanimidade, deferiu o pedido de extradição, nos ter-
mos do voto do Relator. Ausentes, justificadamente, o Ministro Carlos Velloso e, neste
julgamento, o Ministro Gilmar Mendes. Presidiu o julgamento o Ministro Nelson
Jobim.
Presidência do Ministro Nelson Jobim. Presentes à sessão os Ministros Sepúlveda
Pertence, Celso de Mello, Marco Aurélio, Ellen Gracie, Gilmar Mendes, Cezar Peluso,
Carlos Britto, Joaquim Barbosa e Eros Grau. Procurador-Geral da República, Dr. Antonio
Fernando Barros e Silva de Souza.
Brasília, 1º de setembro 2005 — Luiz Tomimatsu, Secretário.

AGRAVO REGIMENTAL NA AÇÃO ORIGINÁRIA 1.122 — SC

Relator: O Sr. Ministro Carlos Velloso


Apelante: Estado de Santa Catarina — Apelados: Espólio de Eugênio Trompowsky
Taulois Filho e Espólio de Euclydes de Cerqueira Cintra
Constitucional. Supremo Tribunal: competência originária: CF, art.
102, I, n.
I - No caso, não se tem pretensão em torno de uma vantagem espe-
cífica da magistratura, mas, simplesmente, uma demanda em que se
discute se é possível a conversão em pecúnia de vantagem que teria sido
adquirida anteriormente à Loman. Não se discute, portanto, se, em face
da Loman, tem o magistrado direito à licença-prêmio. Não ocorre, pois,
no caso, a competência originária do Supremo Tribunal inscrita no art.
102, I, n.
II - Agravo não provido.
746 R.T.J. — 197

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo
Tribunal Federal, em Sessão Plenária, sob a Presidência do Ministro Nelson Jobim, na
conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade,
negar provimento ao agravo regimental, nos termos do voto do Relator. Ausentes,
justificadamente, os Ministros Sepúlveda Pertence, Celso de Mello, Gilmar Mendes e,
neste julgamento, o Ministro Carlos Britto.
Brasília, 24 de novembro de 2005 — Carlos Velloso, Relator.

RELATÓRIO
O Sr. Ministro Carlos Velloso: Trata-se de agravo regimental, interposto pelo Estado
de Santa Catarina, da decisão (fls. 444-449) que, diante da não-configuração da com-
petência prevista no art. 102, I, n, da Constituição Federal, e da não-incidência da
Súmula 731/STF, determinou o retorno dos autos ao eg. Tribunal de Justiça do Estado
de Santa Catarina.
Inicialmente, diz o agravante que o caso dos autos é peculiar, uma vez que as
licenças-prêmio reclamadas referem-se a períodos anteriores à Loman e também à ob-
tenção de período aquisitivo (1970-1980) na vigência da LC 35/79, sendo certo que
está em discussão a própria existência ou não do direito a tais licenças (fl. 454).
Sustenta, mais, que saber se os magistrados possuem ou não o direito à licença-
prêmio referente ao regime anterior à Loman, ou seja, se há direito adquirido à licença-
prêmio “conquistada” por magistrado, perante a Loman, é questão que interessa e atinge
a todos os magistrados brasileiros e não apenas aos interessados, sendo aplicável, pois,
a Súmula 731/STF (fl. 457).
Ao final, requer o agravante a reconsideração da decisão agravada ou, caso assim
não se entenda, o provimento do presente agravo regimental.
Autos conclusos em 6-10-2005 e mandados à Mesa em 17-10-2005.
É o relatório.

VOTO
O Sr. Ministro Carlos Velloso (Relator): Assim a decisão agravada, ora sob exame:
“(...)
Destaco do parecer do hoje ilustre Procurador-Geral da República, Dr. Antonio
Fernando de Souza:
‘(...)
21. O STF reserva a incidência da letra n, do inciso I, do art. 102, da
CF/88, à controvérsia sobre vantagens específicas da magistratura. No caso
em questão, como visto, não se discute sobre a existência ou não do direito
à licença-prêmio em face da Loman, mas sobre a possibilidade de conversão
R.T.J. — 197 747

em pecúnia do direito já adquirido ao benefício, conversão esta de interesse


não só da magistratura, mas de qualquer servidor que, aposentado, não possa
mais gozar da benesse.
22. Não se está tratando de matéria de interesse de toda magistratura, e
sim de situação específica de ex-magistrados (dois) que buscam indeniza-
ção pelo não-gozo de benefício conquistado anteriormente à entrada em
vigor da Loman.
23. Nessas circunstâncias, a própria Suprema Corte já manifestou enten-
dimento, por seus julgadores, no sentido da não-caracterização do caso à
hipótese de competência originária do STF. Assim nos autos, dentre outros,
do AI n. 264.590/SC e da RCL n. 904/SC, Relator o Ministro Marco Aurélio,
e do AI n. 498.790/SC, Relator o mesmo da presente, Ministro Carlos
Velloso:
‘(...) Sob o ângulo da competência, atente-se, em primeiro lugar,
para a natureza do preceito da alínea n do inciso I do artigo 102 da
Constituição Federal. Ao revelar a competência desta Corte para jul-
gar ação em que todos os membros da magistratura sejam, direta ou
indiretamente, interessados e aquela em que mais da metade dos mem-
bros do tribunal de origem estejam impedidos, ou seja, direta ou indi-
retamente interessados, o texto constitucional encerra exceção. Con-
forme proclamado por esta Corte, a norma é merecedora de interpreta-
ção única, ou seja, a estrita, não sendo dado nela incluir hipótese não
contemplada. Ora, o julgamento procedido pela Corte de origem, pelo
Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina, e o foi a uma só voz,
diz respeito a situação residual de magistrado aposentado que deixara de
gozar períodos de licença ligados a datas anteriores à edição da Lei
Orgânica da Magistratura Nacional. O direito em jogo possui peculi-
aridades, sobressaindo o óbice criado pelo Estado ao gozo da licença,
o espaço de tempo a ele relativo e a insubsistência do direito com a
vinda à balha da Lei Orgânica da Magistratura Nacional. Portanto, dis-
crepa das premissas do acórdão proferido a alegação de violência ao
preceito da citada alínea. Impossível é dizer do interesse direto ou
indireto de todos os membros da magistratura; impossível é assentar
que mais da metade dos membros do Tribunal de origem estivesse
impedida ou fosse direta ou indiretamente interessada no desfecho da
demanda (...).’ (AI n. 264.590/SC, DJ de 1º-5-00, p. 19)
‘(...) Ora, no caso dos autos, o Tribunal de Justiça de Santa Cata-
rina defrontou-se com mandado de segurança em que requerida a con-
versão em pecúnia de períodos de licença-prêmio adquiridos em data
anterior à Loman. Editada esta em 1979 e tendo-se presente ainda que
a ausência do gozo da referida licença corre à conta da excepciona-
lidade, conclui-se pelo não-enquadramento da hipótese, ao menos
neste primeiro exame e para o fim da concessão de medida acauteladora,
no preceito da alínea n do inciso I do artigo 102, em que se prevê a
748 R.T.J. — 197

competência do Supremo Tribunal Federal para julgar ‘a ação em que


todos membros da magistratura sejam direta ou indiretamente interes-
sados, e aquela em que mais da metade dos membros do tribunal de
origem estejam impedidos, ou sejam direta ou indiretamente interes-
sados (...).’ (RCL n. 904/SC, DJ de 17-9-98, p. 26)
‘(...)
A decisão é de ser mantida. Destaco da decisão agravada, profe-
rida pela Vice-Presidência do Eg. Tribunal de Justiça do Estado de
Santa Catarina: ‘(...) Não se mostra ocorrente, inicialmente, a hipótese
do art. 102, I, n, da CF, se se trata de pleito formulado por magistrado
aposentado e não ação declaratória que tivesse reflexos sobre toda a
magistratura. O disposto no art. 65, § 2º, da Loman, além de tratar de
matéria infraconstitucional, infensa à instância extraordinária, trata
da concessão de adicionais ou vantagens pecuniárias, e não do paga-
mento de indenização por licença não gozada (...).’’ (AI n. 498.790
AgR/SC, DJ de 21-6-2004, p. 11)
Por certo que eventual direito à conversão do benefício deverá ser
analisado com especial cautela, principalmente se confirmadas as informa-
ções trazidas pelo Estado de Santa Catarina, no sentido de que os períodos
relativos às licenças-prêmio não-gozadas foram já averbados para fins de
aposentadoria, circunstância que importaria, sem dúvida, no exercício de
direito excludente daquele reclamado nos autos e que, portanto, geraria o
reconhecimento da improcedência da pretensão dos autores. Tal exame
deverá ser feito, no entanto, ante as conclusões do presente, pela Corte
Estadual competente, e não por essa Suprema Corte.
Por tais razões, manifesta-se o Ministério Público Federal pela declaração
de incompetência desse Supremo Tribunal Federal para o julgamento do
feito.
(...).’ (Fls. 440-442)
Correto o parecer.
Não se tem, no caso, pretensão em torno de uma vantagem específica da
magistratura, mas, simplesmente, uma demanda em que se discute se é possível a
conversão em pecúnia de vantagem que teria sido adquirida anteriormente à
Loman. Não ocorre, aqui, portanto, a hipótese da Súmula 731/STF.
Do exposto, não reconheço, no caso, a competência originária do Supremo
Tribunal Federal (CF, art. 102, I, n), e determino o retorno dos autos ao Egrégio
Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina.
(...).” (Fls. 446-449)
Claro ficou, portanto, que não se tem, no caso, pretensão em torno de uma vantagem
específica da magistratura, mas, simplesmente, uma demanda em que se discute se é
possível a conversão em pecúnia de vantagem que teria sido adquirida anteriormente à
Loman. Não ocorre, portanto, no caso, a hipótese da Súmula 731/STF.
Nego provimento ao agravo.
R.T.J. — 197 749

EXTRATO DA ATA
AO 1.122-AgR/SC — Relator: Ministro Carlos Velloso. Apelante: Estado de Santa
Catarina (Advogados: PGE-SC – Osmar José Nora e outro). Apelados: Espólio de Eugênio
Trompowsky Taulois Filho (Advogados: Luiz Alberto de Cerqueira Cintra e outro) e
Espólio de Euclydes de Cerqueira Cintra (Advogados: Carolina Viegas de Cerqueira
Cintra de Vincenzi e outro).
Decisão: O Tribunal, por unanimidade, negou provimento ao agravo regimental,
nos termos do voto do Relator. Ausentes, justificadamente, os Ministros Sepúlveda
Pertence, Celso de Mello, Gilmar Mendes e, neste julgamento, o Ministro Carlos Britto.
Presidiu o julgamento o Ministro Nelson Jobim.
Presidência do Ministro Nelson Jobim . Presentes à sessão os Ministros Carlos
Velloso, Marco Aurélio, Ellen Gracie, Cezar Peluso, Carlos Britto, Joaquim Barbosa e
Eros Grau. Vice-Procurador-Geral da República, Dr. Roberto Monteiro Gurgel Santos.
Brasília, 24 de novembro de 2005 — Luiz Tomimatsu, Secretário.

RECLAMAÇÃO 1.865 — PI

Relator: O Sr. Ministro Carlos Britto


Reclamantes: Estado do Piauí e outro — Reclamado: Juiz de Direito da 2ª Vara dos
Feitos da Fazenda Pública da Comarca de Teresina — Interessados: Segisnando Messias
Ramos de Alencar e outros
Constitucional. Reclamação. Preservação da autoridade das decisões
do STF. Cassados os efeitos da segurança concedida pelo Tribunal de
Justiça do Piauí, formularam os impetrantes um novo pedido de equipa-
ração remuneratória junto à 2ª Vara da Fazenda Pública de Teresina,
com a mesma causa de pedir do RE 216.647/PI. Caso em que se evidencia
o desrespeito ao decidido pela Corte Suprema no mencionado apelo ex-
tremo. Reclamação procedente.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turma
do Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence, na
conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos,
julgar procedente a reclamação, nos termos do voto do Relator.
Brasília, 7 de junho de 2005 — Carlos Ayres Britto, Relator.

RELATÓRIO
O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto: O Estado do Piauí ajuíza a presente reclamação,
com pedido de medida liminar. E o faz para impugnar o decisum proferido pelo MM.
750 R.T.J. — 197

Juízo de Direito da 2a Vara da Fazenda Pública da Comarca de Teresina, que julgou


procedente a pretensão deduzida nos autos do Mandado de Segurança n. 001.00.9702-1.
2. O reclamante sustenta que o ato judicial sob censura concedeu paridade
remuneratória dos ora impetrantes com os de outros servidores do Detran/PI. Estes, a seu
turno, tiveram deferida a equiparação de seus vencimentos com os de Procuradores do
Estado de 4ª Classe. Donde a alegação de que o ato reclamado atenta contra a autoridade
da decisão tomada no RE 216.647, em que ficou assentado que os interessados não
faziam jus à mencionada igualdade remuneratória.
3. Prossigo neste relato para dizer que o meu ilustre antecessor, o Ministro Ilmar
Galvão, deferiu a medida liminar requestada para suspender o andamento do referido
writ (MS 001.00.9702-1), até o julgamento final desta reclamatória.
4. De sua parte, a douta Procuradoria-Geral da República se manifestou pela proce-
dência da reclamação.
É o relatório.

VOTO
O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto (Relator): Conforme visto, o objeto desta recla-
mação é o decisum do MM. Juiz de Direito da 2a Vara da Fazenda Pública da Comarca de
Teresina, que, segundo o autor, ofendeu o julgado proferido no RE 216.647, Rel. Min.
Ilmar Galvão.
7. Fixado, então, o objeto da causa, começo por anotar que, em 1994, Segisnando
Messias Ramos de Alencar, Eulino Gomes da Silva, José Francisco Benício de Macedo
e outros Assistentes Jurídicos Autárquicos impetraram um mandado de segurança contra
ato do Secretário de Estado de Administração do Piauí e do Diretor-Geral do Detran (MS
1.500/94). Ação constitucional pela qual os impetrantes postularam, com êxito, parida-
de remuneratória com os Procuradores daquele Estado.
8. Pois bem, em face dessa decisão proferida pela Corte de Justiça estadual, inter-
pôs o Estado do Piauí o RE 216.647, fundamentado em que este STF entendeu inexistir
direito à igualdade remuneratória entre os servidores do quadro de Assistente Jurídico
Autárquico do Departamento de Trânsito piauiense (aí incluídos os interessados) e os
Procuradores de Estado. Confira-se:
“Servidores do quadro de assistente jurídico autárquico lotados no
Detran do Estado do Piauí. Acórdão que lhes reconheceu igualdade de trata-
mento remuneratório nos níveis fixados para o cargo de procurador do Estado,
com base em isonomia.
Direito inexistente, posto que, segundo assentado pelo Supremo Tribunal
Federal, não cabe ao Poder Judiciário, que não tem função legislativa, aumentar
vencimentos de servidores públicos sob fundamento em isonomia (Súmula 339),
além de importar em vinculação a índices e critérios de uma categoria a outra.
Acórdão recorrido que, por haver dissentido dessa orientação, não merece
subsistir.
Recurso conhecido e provido.”
(RE 216.647, Relator Min. Ilmar Galvão)
R.T.J. — 197 751

9. Deu-se que, em setembro de 2000, Segisnando Messias Ramos de Alencar,


Eulino Gomes da Silva e José Francisco Benício de Macedo impetraram um novo
mandamus (o de número 9.702/00), pelo qual novamente postularam a pretendida
equiparação estipendiária. Sucedendo que, desta feita, os interessados elegeram como
paradigma outros Assistentes Jurídicos do Detran/PI que tiveram reconhecido, pelo
egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Piauí, o direito à equiparação vencimental
com os Procuradores do Estado1. Direito, aliás, que a Corte piauiense também conce-
deu aos interessados desta reclamação, mas que foi desconfirmado pelo Supremo Tribu-
nal Federal no julgamento do RE 216.647.
10. Bem vistas as coisas, então, resta evidente que a causa de pedir do MS 1.500/94
é idêntica àquela existente nos autos do MS 9.702/00. Como também não há dúvida de
que os impetrantes da ação mandamental também figuraram no pólo ativo daquele writ.
Sendo assim, não tenho como deixar de concluir que a concessão da segurança
requestada no MS 9.702/00, em trâmite na 2ª Vara da Fenda Pública de Teresina, afron-
ta o decidido no citado RE 216.647.
11. Por outro lado, observo que o caso tratado nesta reclamação se assemelha ao
debatido no julgamento da Rcl 644, Rel. Min. Carlos Velloso. Ocasião em que esta
Casa de Justiça assim decidiu:
“Constitucional. Reclamação. Preservação da autoridade das decisões do
STF. I - Suspensos os efeitos das seguranças concedidas pelo Tribunal de Justiça
do Estado do Piauí, foram os impetrantes com igual pedido junto ao Juízo da
Fazenda Pública da 1ª Vara, de Teresina, PI, com a mesma causa de pedir
embasadora das seguranças cujas decisões foram suspensas pelo Presidente
do Supremo Tribunal Federal. Caso em que tem-se afronta ao decidido pela
Corte Suprema. CF, art. 102, I, l. II - Reclamação julgada procedente.”
12. Nessa ampla moldura, o meu voto julga procedente a reclamação para cassar a
decisão sob censura e determinar a extinção do MS 001.00.009702-1, em trâmite na 2ª
Vara da Fazenda Pública da Comarca de Teresina.
13. É como voto.

EXTRATO DA ATA
Rcl 1.865/PI — Relator: Ministro Carlos Britto. Reclamantes: Estado do Piauí e
outro (Advogados: PGE-PI – João Emilio Falcão Costa Neto e outros). Reclamado: Juiz
de Direito da 2ª Vara dos Feitos da Fazenda Pública da Comarca de Teresina. Interessados:
Segisnando Messias Ramos de Alencar e outros (Advogado: Raimundo Uchoa de Castro).
Decisão: A Turma julgou procedente a reclamação, nos termos do voto do
Relator. Unânime. Não participou deste julgamento o Ministro Eros Grau.

1 Esse acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Piauí que reconheceu o direito à equiparação dos
Assistentes Jurídicos lotados no Detran/PI, também foi reformado pelo Supremo Tribunal Federal no
julgamento do RE 223.452, em 5-4-05.
752 R.T.J. — 197

Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à sessão os Ministros Marco


Aurélio, Cezar Peluso, Carlos Britto e Eros Grau. Subprocurador-Geral da República,
Dr. Paulo de Tarso Braz Lucas.
Brasília, 7 de junho de 2005 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO REGIMENTAL NA


AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 2.618 — PR
(ADI 2.618-AgR na RTJ 197/1)

Relator: O Sr. Ministro Carlos Velloso


Relator para o acórdão: O Sr. Ministro Gilmar Mendes
Agravante: Partido Social Liberal – PSL — Agravado: Corregedor-Geral da Justiça
do Estado do Paraná
Agravo regimental em ação direta de inconstitucionalidade. 2.
Partido político. 3. Legitimidade ativa. Aferição no momento da sua
propositura. 4. Perda superveniente de representação parlamentar.
Não-desqualificação para permanecer no pólo ativo da relação proces-
sual. 5. Objetividade e indisponibilidade da ação. 6. Agravo provido.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tri-
bunal Federal, em Sessão Plenária, sob a Presidência do Ministro Nelson Jobim, na
conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por maioria de votos, dar
provimento ao agravo, no sentido de reconhecer que a perda superveniente de represen-
tação parlamentar não desqualifica o partido político como legitimado ativo para a pro-
positura da ação direta de inconstitucionalidade.
Brasília, 12 de agosto de 2004 — Gilmar Mendes, Relator para o acórdão.

RELATÓRIO
O Sr. Ministro Carlos Velloso: Trata-se de agravo regimental, com pedido de
reconsideração, fundado no art. 39 da Lei 8.038/90, c/c o art. 317 do RISTF, interposto
pelo Partido Social Liberal – PSL, da decisão (fls. 309/310) que negou seguimento à
ação direta de inconstitucionalidade, ao argumento de que “a perda superveniente da
representação no Congresso Nacional implica perda da legitimidade ativa para a
ação direta de inconstitucionalidade”.
Sustenta o agravante, em síntese, que a perda superveniente da bancada parlamentar
no Congresso Nacional é corolário lógico da implementação da chamada “cláusula de
barreira” na atual legislatura (Lei 9.096/95, art. 57). Ademais, grandes temas
R.T.J. — 197 753

constitucionais propostos pelo partido em comento ainda se encontram pendentes de


julgamento (36 ADIs), certo que desqualificar a legitimidade ativa do partido político
para prosseguir nas ações diretas já ajuizadas afrontaria os princípios do direito adqui-
rido e da razoabilidade.
Ao final, requer a reconsideração da decisão agravada ou, caso assim não entenda,
seja o presente agravo submetido a julgamento do Plenário. Subsidiariamente, pede,
em face dos princípios da indisponibilidade e da economia processual, que seja aplicado,
em face da ausência de preceito legal específico, por analogia, o disposto no art. 9º da
Lei 4.717/65.
É o relatório.

VOTO
Ementa: Constitucional. Ação Direta de Inconstitucionalidade. Partido
político: perda da representação parlamentar: legitimidade ativa: descarac-
terização. CF, art. 103, VIII.
I - A perda superveniente da representação parlamentar descaracteriza a
legitimidade ativa do partido político para prosseguir na ação direta de inconsti-
tucionalidade. CF, art. 103, VIII. Extinção do processo. Precedentes do STF.
II - Agravo não provido.
O Sr. Ministro Carlos Velloso (Relator): Em caso idêntico, ADI 2.735-AgR/RJ,
Relator o Ministro Celso de Mello, agravante o ora Partido Social Liberal – PSL, deci-
diu o Supremo Tribunal Federal:
Ementa: Ação Direta de Inconstitucionalidade — Partido político que,
no curso do processo, vem a perder a representação parlamentar no Congresso
nacional — Fato superveniente que descaracteriza a legitimidade ativa da
agremiação partidária (CF, art. 103, VIII) — Matéria de ordem pública —
Possibilidade de reconhecimento ex-officio pelo Relator da causa — Ação
direta de que não se conhece — Recurso de agravo improvido.
— A perda superveniente da bancada legislativa no Congresso Nacional
descaracteriza a legitimidade ativa do partido político para prosseguir no pro-
cesso de controle abstrato de constitucionalidade, eis que, para esse efeito, não
basta a mera existência jurídica da agremiação partidária, sobre quem incide o
ônus de manter, ao longo da causa, representação parlamentar em qualquer das
Câmaras que integram o Poder Legislativo da União.
— A extinção anômala do processo de fiscalização normativa abstrata,
motivada pela perda superveniente de bancada parlamentar, não importa em
ofensa aos postulados da indisponibilidade do interesse público e da inafastabi-
lidade da prestação jurisdicional, eis que inexiste, em favor do partido político
que perdeu a qualidade para agir, direito de permanecer no pólo ativo da relação
processual, não obstante atendesse, quando do ajuizamento da ação direta, ao que
determina o art. 103, VIII, da Constituição da República.” (DJ de 9-5-2003)
754 R.T.J. — 197

No mesmo sentido: ADI 2.735-AgR/RJ, Relator o Ministro Maurício Corrêa, DJ


de 19-3-2003.
Forte nos precedentes, nego provimento ao agravo.

VOTO
O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Sr. Presidente, essa questão já foi objeto de discussão
no precedente mencionado pelo eminente Ministro Carlos Velloso.
Naquela oportunidade, eu sustentava o desconforto com a solução e lembrava a
necessidade de, talvez, discutirmos uma alternativa. Cheguei a aventar, por analogia, o
disposto no artigo 5º, § 3º, da Lei da Ação Civil Pública (Lei n. 7.347/1985) e no artigo
9º da Lei da Ação Popular (Lei n. 4.717/1965), que prevêem a possibilidade de o
Ministério Público assumir o processo no caso de desistência ou abandono da ação.
Posteriormente, o Ministro Sepúlveda Pertence suscitou questão de ordem em
outro caso no qual se discutia a perda superveniente de legitimidade do requerente da
ação em hipótese de julgamento já iniciado (ADI n. 2.054-QO, DJ de 28-3-2003,
Relator Ministro Ilmar Galvão).
Desde então, pus-me a refletir sobre o assunto e tenho a forte impressão de que,
tendo em vista a objetividade do processo, e mesmo a indisponibilidade que marca a
Ação Direta de Inconstitucionalidade, a aferição da legitimidade há de se fazer tão-
somente no momento da propositura da ação.
Creio que o Tribunal avançaria muito se afastasse a preliminar de ilegitimidade e
reconhecesse a necessidade de prosseguimento dessas ações.
Parece-me, assim, necessária a reanálise da controvérsia à luz dessas considerações.

VOTO (Confirmação)
O Sr. Ministro Carlos Velloso (Relator): Sr. Presidente, mantenho-me fiel à juris-
prudência da Casa.
Com a vênia devida ao Sr. Ministro Gilmar Mendes, mantenho o meu voto.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Senhor Presidente, quando apreciada a matéria, fui
voz isolada no Plenário. Sustentei — com a mania, para alguns, de processualista —
que a aferição da legitimidade ocorre considerada a data em que proposta a ação,
principalmente em processo no qual não se tem o envolvimento de direito subjetivo, de
um interesse propriamente dito deste ou daquele cidadão, desta ou daquela pessoa
natural, desta ou daquela pessoa jurídica. O que reclama a Carta da República para que
se conclua pela legitimidade — vou utilizar uma nomenclatura da Corte — do reque-
rente? Que o requerente, partido político, à data da propositura da ação direta de
inconstitucionalidade, tenha representante em uma das Casas Legislativas. À época em
que proposta esta ação, havia essa representação, ou seja, estava viabilizada a atuação
do partido político, pois bastava que ele contasse com um representante numa das
Casas do Congresso, detendo, portanto, mandato. Ora, a perda posterior do mandato,
pela não-reeleição ou pela não-eleição de outros filiados ao partido, é suficiente a
R.T.J. — 197 755

prejudicar um processo que está em curso, um processo, como ressaltado pelo Ministro
Gilmar Mendes, de natureza objetiva? A meu ver, não.
Senhor Presidente, continuo convencido de que é preciso evoluir, dada até mesmo a
natureza do processo e a necessidade de mantermos vivo, com eficácia, o próprio sistema.
O Sr. Ministro Carlos Velloso (Relator): Sr. Presidente, justamente porque estamos
diante de um processo objetivo em que não há partes, no qual visa-se à defesa da ordem
jurídico-constitucional, permitir que um partido sem representação no Congresso, que
tinha uma precária representação quando do ajuizamento da ação e que veio a perder
essa representação, continue com legitimação ativa para a ação direta de inconstitucio-
nalidade, não me parece adequado.
Quero dizer, Sr. Presidente — e o eminente Ministro Gilmar Mendes me corrigirá,
dado que S. Exa. é um expert na jurisdição constitucional alemã —, que legitimação
para a causa com apenas um parlamentar é sui generis, não conhecida na jurisdição
constitucional européia. Não é verdade, eminente Ministro?
O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Faço a idéia de 1/3.
O Sr. Ministro Carlos Velloso (Relator): Exato. Quer dizer, no Brasil, faculta-se a
esses pequenos partidos...
O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Ministro, talvez não haja nos sistemas civilizados,
hoje, tamanha facilidade para mudar de partido, portanto, para produzir esse resultado
como no sistema brasileiro.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Poderia ocorrer, inclusive, o prejuízo, na dicção da
maioria, da legitimidade até pela mudança de partido. O que a Carta requer é a observân-
cia da representação parlamentar no ajuizamento da ação.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Neste caso, há um fato curioso: esse partido
recuperou, com vantagens, a sua representação.
O Sr. Ministro Carlos Britto: É o que eu ia alegar. O partido recuperou.
O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Precisamos examinar primeiro a questão
prejudicial.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Apenas para que se veja como isso é mutável.
O Sr. Ministro Carlos Velloso (Relator): Depois vamos verificar se é possível read-
quirir a capacidade postulatória.
Então, eminente Ministro, permitir que um partido que veio a perder a representa-
ção continue com capacidade postulatória no processo objetivo, defendendo a ordem
jurídico-constitucional, quando muitas vezes se sabe que não é esse, na verdade, o seu
propósito, não seria adequado.
De maneira que, com a vênia dos eminentes Ministros Gilmar Mendes e Marco
Aurélio, mantenho o meu voto.

VOTO
O Sr. Ministro Eros Grau: Senhor Presidente, com a devida vênia ao Ministro Carlos
Velloso, acompanho o entendimento dos Ministros Gilmar Mendes e Marco Aurélio.
756 R.T.J. — 197

VOTO
O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: Sr. Presidente, também peço vênia ao Ministro
Carlos Velloso, mas entendo que, exatamente por se tratar de processo de natureza
objetiva, a aferição da capacidade postulatória há de se dar no momento da propositura.
A meu ver, torna-se irrelevante a perda da representação no Congresso daí em diante.
Por essa razão, acompanho a divergência.

VOTO
O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto: Senhor Presidente, mesmo reconhecendo que o
partido, ao decair de representação no Congresso Nacional, deixa de fazer aquela ponte
institucional entre ele, partido, e o povo, porque, em última análise, a razão de ser dessa
legitimidade processual é o fato de o partido representar a população, mesmo assim,
entendo que é da natureza do processo de jurisdição concentrada aferir a legitimidade
ad causam ativa no momento da propositura da ação.
Fico um pouco, do ponto de vista pessoal, constrangido em me manifestar pela
dissidência, porque entendo que o sistema de controle concentrado de jurisdição não
tem primazia sobre o controle difuso e estaria reforçando, com essa minha decisão, o
controle concentrado.
Pelos fundamentos expendidos pelos eminentes Ministros que se posicionaram
pela dissidência, peço vênia também ao eminente Relator para dissentir do seu abaliza-
do voto.

VOTO
O Sr. Ministro Cezar Peluso: Sr. Presidente, partindo do pressuposto de que não há
possibilidade de submeter este processo, vamos dizer, sui generis, aos princípios legais
e dogmáticos do chamado processo subjetivo, não vejo como, neste caso, negar, porque
é disso que se trata, a continuidade do processo objetivo, para que o Tribunal exerça
função diferenciada daquela que, sob o título de jurisdição estrita, exerce nos processos
subjetivos, em que se julga caso concreto de lide, e, hipoteticamente, a existência, ou
não, de direito subjetivo. Neste caso, a Corte exerce função político-constitucional
tendente à defesa do ordenamento jurídico. No processo subjetivo tradicional, eviden-
temente não se pode prescindir da subsistência de legitimação no curso de todo o
processo, assim porque o processo subjetivo tradicional depende, não apenas da inicia-
tiva da parte na sua instauração, mas, no próprio impulso processual, não obstante o
caráter oficioso com que o juiz pode agir, também depende, quanto a alguns atos, da
iniciativa do autor. Em segundo lugar, nos casos em que há perda superveniente de
legitimação ativa ad causam no processo subjetivo tradicional, a explicação, vamos
dizer, pré-jurídica, é de que terá havido, por efeito da legislação ou por efeito de algum
fato já previsto na legislação, a perda de contato daquele primitivo autor com o direito
subjetivo objeto do processo.
Neste caso, perda da representação parlamentar daquele que toma a iniciativa da
ação não altera nem exclui o dever do Tribunal de se pronunciar sobre a questão político-
R.T.J. — 197 757

constitucional que lhe foi submetida. Em outras palavras, entendo que, para efeito da
ação direta de inconstitucionalidade, a legitimação deve ser aferida apenas para efeito
da incoação do processo, tanto assim, que este processo, por ser objetivo e por estar
ligado exatamente ao exercício de jurisdição especial da Corte Suprema, não depende,
na sua continuidade, de nenhum ato do autor, bastando ver que, se o autor ficasse
absolutamente imóvel durante toda a causa, após a sua propositura, a Corte não estaria
desobrigada de julgá-la.
De modo que a extinção superveniente da representação parlamentar do partido
político, no caso, a mim me parece também, com o devido respeito, que não é causa
suficiente para desvestir o Tribunal do dever de apreciar a questão da constitucionalidade
que interessa ao ordenamento jurídico, e sem nenhum reflexo, pelo menos próximo,
quanto a direito subjetivo.
Também vou pedir vênia ao eminente Ministro Relator para acompanhar a dissi-
dência.

VOTO
(Sobre perda superveniente de bancada parlamentar)
O Sr. Ministro Celso de Mello: O Partido Social Liberal – PSL ajuizou a presente
ação direta de inconstitucionalidade.
Ocorre, no entanto, como é notório (CPC, art. 334, I), que essa agremiação parti-
dária não mais possui representação parlamentar em qualquer das Casas do Congresso
Nacional, considerada a data do início da presente legislatura (1º-2-2003).
A inexistência de bancada parlamentar em qualquer das Casas que compõem o
Poder Legislativo da União suscita algumas reflexões em torno do alcance da regra
inscrita no art. 103, VIII, da Constituição, que outorga, aos Partidos Políticos com
representação no Congresso Nacional, legitimidade ativa para a instauração do processo
objetivo de controle normativo abstrato.
Ao julgar a ADI 2.060/RJ, Rel. Min. Celso de Mello, tive o ensejo de acentuar que a
análise do tema concernente a quem pode ativar a jurisdição constitucional do Supremo
Tribunal Federal, mediante ação direta, revela que o sistema de direito constitucional
positivo brasileiro optou por uma solução intermediária. Nem consagrou a legitimidade
exclusiva do Procurador-Geral da República, verdadeiro dominus litis, que detinha,
nos regimes constitucionais anteriores, o monopólio da ação direta por ele ajuizável
discricionariamente (RTJ 48/156 — RTJ 59/333 — RTJ 98/3 — RTJ 100/1 —
RTJ 100/954 — RTJ 100/1013), nem ampliou a legitimação para agir em sede de
controle normativo abstrato. Entre a legitimidade exclusiva, de um lado, e a legitimi-
dade universal, de outro, o constituinte optou pelo critério da legitimidade restrita e
concorrente, partilhando, entre diversos órgãos, agentes ou instituições, a qualidade
para agir em sede jurisdicional concentrada (CF/88, art.103).
A Constituição da República, ao dispor sobre o sistema de fiscalização normativa
abstrata, outorgou legitimidade ativa aos partidos políticos com representação no
Congresso Nacional (art.103, VIII), conferindo-lhes o poder de promover, perante o
Supremo Tribunal Federal, a pertinente ação direta de inconstitucionalidade.
758 R.T.J. — 197

Na realidade, os partidos políticos com representação em qualquer das Casas do


Congresso Nacional acham-se incluídos, para efeito de ativação da jurisdição constitu-
cional concentrada do Supremo Tribunal Federal, no rol taxativo dos órgãos e institui-
ções que possuem legitimação ativa universal, gozando, em conseqüência, da ampla
prerrogativa de questionarem a validade jurídico-constitucional de leis emanadas do
Poder Público, independentemente do conteúdo material desses atos estatais e sem as
restrições decorrentes do vínculo objetivo da pertinência temática (RTJ 158/441, Rel.
Min. Celso de Mello — RTJ 169/486, Rel. Min. Maurício Corrêa).
Vê-se, desse modo, consoante enfatiza a jurisprudência do Supremo Tribunal
Federal (RTJ 153/765, Rel. Min. Celso de Mello), que, para efeito de reconhecimento da
legitimidade ativa da agremiação partidária, em sede de controle normativo abstrato,
impõe-se tenha ela representação parlamentar no Congresso Nacional, qualquer que
seja o número de seus representantes.
Daí a observação constante do voto proferido pelo eminente Ministro Paulo
Brossard, quando do julgamento da ADI 138/RJ, Rel. Min. Sydney Sanches (RTJ 133/
1020-1021):
“O fato é que qualquer partido político, tendo representação parlamentar,
não importa o número, está legalmente qualificado para ajuizar a ação direta.
Trata-se de uma inovação interessante e importante, porque dá ao partido político
um papel da mais alta relevância, colocando-o lado a lado do Procurador-Geral ou
da Mesa da Câmara, da Mesa da Assembléia, do Presidente da República.” (Grifei)
Isso significa, portanto, que a ausência de representação parlamentar em qualquer
das Casas legislativas atua como fator de descaracterização da legitimidade ativa do
partido político, para fazer instaurar o processo de fiscalização concentrada de
constitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal (ADI 2.070/DF, Relator Min.
Maurício Corrêa) ou para nele prosseguir, justificando-se, em função dessa específica
circunstância, a declaração de carência da ação direta ajuizada pela agremiação partidária:
“Ação direta ajuizada por Partido sem representação no Congresso Nacional.
Indeferimento liminar do pedido, por falta de legitimidade ativa do Requerente,
nos termos do art. 103, VIII, da Constituição, decretando-se a extinção do processo,
sem julgamento do mérito (art. 267, VI, do CPC).”
(ADI 65/DF, Rel. Min. Octavio Gallotti — grifei)
Cabe assinalar, neste ponto, por relevante, que a inclusão dos partidos políticos
no rol inscrito no art. 103 da Constituição da República também objetivou legitimar a
ação das minorias parlamentares que neles atuam, dando sentido, conseqüência e
efetividade ao direito de oposição reconhecido aos grupos partidários que não ostentam
posição hegemônica no âmbito da instituição legislativa, permitindo-lhes, desse modo,
uma vez atendida a exigência de representação parlamentar em qualquer das Casas do
Congresso Nacional, o exercício do poder extraordinário de ativação da jurisdição cons-
titucional de controle in abstracto do Supremo Tribunal Federal.
É certo que, no plano do direito constitucional comparado, diversamente do que
estabelece o ordenamento positivo brasileiro, o poder de agir em sede de fiscalização
normativa abstrata foi outorgado, não aos partidos políticos, mas a determinado número
R.T.J. — 197 759

de parlamentares, independentemente de pertencerem à mesma agremiação partidária,


conforme dispõem, por exemplo, as Constituições da República Federal da Alemanha
(Lei Fundamental de Bonn, de 1949, art. 93 (1), 2º: 1/3 dos membros do “Bundestag”),
do Chile (1981, art. 82, §§ 2º, 3º e 5º: 1/4 dos membros de qualquer das casas do Congresso),
da Espanha (1978, art. 162, n. 1 (a): 50 Deputados ou 50 Senadores), de Portugal (1976,
redação dada pela 4ª Revisão Constitucional, art. 281, n. 2, f: 1/10 dos Deputados à
Assembléia da República), da Áustria (1920, redação dada por sucessivas leis consti-
tucionais de atualização, art. 140 (1): 1/3 dos membros do “Nationalrat”, Conselho
Nacional, ou 1/3 dos integrantes do “Bundesrat”, Conselho Federal), do Peru (1993, art.
203, n. 4: 25% dos membros do Congresso unicameral), de Cabo Verde (1992, art. 303:
1/4 dos deputados à Assembléia Nacional), da Federação Russa (1993, art. 125, n. 2: 1/5
dos membros de qualquer das Casas do Parlamento — Conselho da Federação e Duma)
e da Romênia (1991, art. 144 (a) e (b): 50 Deputados ou 25 Senadores).
O que se revela fundamental, no entanto, presente o modelo consagrado na Cons-
tituição de 1988, é que se garantiu, no sistema institucional brasileiro, a participação
efetiva dos partidos políticos no processo de fiscalização abstrata de constitucionalidade,
desde que as agremiações partidárias disponham de representação parlamentar em
qualquer das Casas legislativas.
O alto significado político-jurídico dessa participação institucional das agremia-
ções partidárias, no plano do controle normativo abstrato, foi bem destacado no douto
magistério expendido por Clèmerson Merlin Clève (“A Fiscalização Abstrata da
Constitucionalidade no Direito Brasileiro”, pp. 171/172, 2ª ed., 2000, RT):
“Por outro lado, a legitimidade ativa dos partidos vem contribuir para o
aprimoramento do Estado Democrático de Direito, uma vez que fortalece o direito
de oposição. Ora, a maioria não é todo o Parlamento. Há as minorias ali representadas
que, devidamente articuladas, formam o bloco de oposição. Cabe a esta, a oposição,
propor modelos políticos alternativos e, mais do que isso, provocar a ação
fiscalizadora do Parlamento. Sabe-se dos efeitos que essas atuações produzem,
mormente no contexto de uma sociedade plural que admite, sem maiores restri-
ções, a liberdade de imprensa. A Constituição de 1988 preocupou-se com o direito
de oposição, a começar quando inscreve entre os fundamentos da república o
pluralismo político (art. 1º da CF).
(...)
O poder da oposição não pode ser subestimado porque, se a oposição, de
qualquer modo, não colhe êxito no âmbito estritamente parlamentar, pode provocar
a atuação do Supremo Tribunal Federal em ação direta de inconstitucionalidade
ante a legitimação conferida pelo art. 103 da CF aos partidos políticos com repre-
sentação no Congresso Nacional.” (Grifei)
No caso ora em exame, o processo de controle normativo abstrato foi instaurado
por iniciativa de agremiação partidária, que, à época do ajuizamento da presente ação
direta de inconstitucionalidade, dispunha de representação parlamentar na Câmara dos
Deputados.
Ocorre, no entanto, que o Partido Social Liberal (PSL) não mais possui representação
parlamentar em qualquer das Casas do Congresso Nacional, desatendendo, desse modo,
760 R.T.J. — 197

em virtude da perda superveniente de sua bancada legislativa, a exigência inscrita no


art. 103, VIII, da Constituição.
Impende ressaltar, neste ponto, que as condições da ação — dentre as quais se
inclui a legitimidade para agir — devem estar presentes, não apenas no momento do
ajuizamento da ação, mas, também, durante o transcurso do processo.
Na realidade, a jurisprudência firmada por esta Suprema Corte (RTJ 112/1404)
reconhece ao Juiz a possibilidade de considerar, até mesmo ex officio (CPC, art. 267,
§ 3º, c/c o art. 462), a ocorrência de qualquer fato superveniente que possa influir no
julgamento da causa ou que possa descaracterizar os requisitos de admissibilidade da
própria ação.
A invocação dessa diretriz processual, ainda que específica dos processos subje-
tivos — em cujo âmbito se instauram controvérsias de índole concreta e de caráter
individual — não se revela estranha ao processo objetivo de controle concentrado de
constitucionalidade, notadamente quando neste se evidenciar matéria de ordem pública,
como a questão pertinente à legitimatio ad causam.
Como se sabe — e tal como assinala Clèmerson Merlin Clève (“A Fiscalização
Abstrata da Constitucionalidade no Direito Brasileiro”, pp. 141/145, item n. 3.2.2, 2ª
ed., 2000, RT) — a ação direta de inconstitucionalidade qualifica-se como “verdadeira
ação” que faz instaurar “um processo objetivo”, destinado a viabilizar a intangibilidade
da ordem constitucional, nele não se permitindo “a tutela de situações subjetivas”,
posto “inocorrerem interesses concretos em jogo”.
Embora o processo de fiscalização abstrata de constitucionalidade ostente inques-
tionável perfil objetivo (Clèmerson Merlin Clève, “A Fiscalização Abstrata da Cons-
titucionalidade no Direito Brasileiro”, pp. 141/145, item n. 3.2.2, 2ª ed., 2000, RT;
Gilmar Ferreira Mendes, “Jurisdição Constitucional”, p. 129/130, 2ª ed., 1998, Saraiva;
Nagib Slaibi Filho, “Ação Declaratória de Constitucionalidade”, p. 106, 2ª ed., 1995,
Forense) — entendimento este que encontra apoio na própria jurisprudência do Supremo
Tribunal Federal (RTJ 113/22 — RTJ 131/1001 — RTJ 136/467 — RTJ 164/506-
507) —, não se mostra de todo impossível a aplicação, a essa categoria especial de
causa, das normas concernentes aos processos de índole subjetiva (ADI 459/SC, Rel.
Min. Celso de Mello), legitimando-se, em conseqüência, ainda que em caráter excepci-
onal, a invocação do princípio da subsidiariedade.
Daí a advertência do magistério doutrinário, segundo o qual os princípios inerentes
ao processo subjetivo somente devem ser aplicados ao processo objetivo desde que
observada “apurada dose de cautela” (Clèmerson Merlin Clève, “A Fiscalização Abs-
trata da Constitucionalidade no Direito Brasileiro”, pp. 144/145, item n. 3.2.2, 2ª ed.,
2000, RT).
Desse modo, e sob tal perspectiva, o postulado da subsidiariedade — embora não
encontre vigência irrestrita no âmbito do processo objetivo de fiscalização abstrata
(ADI 1.350/RO, Rel. Min. Celso de Mello) — legitima a aplicação, às ações diretas de
inconstitucionalidade, das diretrizes que regem as situações pertinentes ao reconheci-
mento da legitimidade ativa ad causam para a válida instauração, e para o seu regular
prosseguimento, do processo de controle normativo abstrato.
R.T.J. — 197 761

É que essa particular — e essencial — condição de admissibilidade da ação direta


acha-se definida no próprio texto constitucional, qualificando-se, por isso mesmo, a
Carta Política, como a verdadeira sedes materiae, razão pela qual se mostra possível a
invocação, em caráter supletivo, das normas, que, não obstante inerentes ao processo
subjetivo, regulam a questão concernente à legitimidade ativa para a instauração, e
ulterior prosseguimento, do processo de controle concentrado de constitucionalidade.
Impõe-se advertir, portanto, que a perda superveniente de representação parla-
mentar no Congresso Nacional tem efeito desqualificador da legitimidade ativa do
partido político para o processo de fiscalização abstrata de constitucionalidade (ADI
1.063/DF, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 25-6-2001), não obstante a agremiação
partidária, quando do ajuizamento da ação direta, atendesse, plenamente, ao que deter-
mina o art. 103, VIII, da Constituição, consoante enfatizado, por esta Suprema Corte, em
decisão assim ementada:
“Ação direta de inconstitucionalidade. Partido político que, no curso do
processo, vem a perder a representação parlamentar no Congresso Nacional.
Fato superveniente que descaracteriza a legitimidade ativa da agremiação par-
tidária (CF, art. 103, VIII). Matéria de Ordem Pública. Possibilidade de reco-
nhecimento ex officio pelo Relator da causa. Ação direta de que não se conhece.
A perda superveniente da bancada parlamentar no Congresso Nacional
desqualifica a legitimidade ativa do partido político para prosseguir no processo
de ação direta de inconstitucionalidade.
— O Partido Político com representação no Congresso Nacional dispõe de
legitimidade ativa para a instauração do processo de fiscalização abstrata de
constitucionalidade (CF, art. 103, VIII), podendo ajuizar, perante o Supremo
Tribunal Federal, a pertinente ação direta de inconstitucionalidade, qualquer que
seja o número de representantes da agremiação partidária nas Casas do Poder
Legislativo da União.
— A perda superveniente de representação parlamentar no Congresso Nacional
tem efeito desqualificador da legitimidade ativa do Partido Político para o pro-
cesso de controle normativo abstrato, não obstante a agremiação partidária, quando
do ajuizamento da ação direta de inconstitucionalidade, atendesse, plenamente,
ao que determina o art. 103, VIII, da Constituição.”
(ADI 2.060/RJ, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 26-4-2000)
O Partido Social Liberal (PSL) não mais possui qualquer representação parlamentar
no Congresso Nacional. Tal circunstância, por si só, basta para inviabilizar o trânsito,
nesta Corte, da ação direta por ele ajuizada, eis que se tornou ilegítima a parte que a
promove, nada podendo justificar a permanência, no pólo ativo da relação processual,
de quem não mais satisfaz a exigência constante do art. 103, VIII, da Constituição.
A posse de representação parlamentar em qualquer das Casas do Congresso
Nacional configura situação legitimante e necessária, tanto para a instauração, por
iniciativa de partido político, do processo de fiscalização abstrata de constitucionali-
dade, quanto para o prosseguimento da causa perante o Supremo Tribunal Federal.
Inexistente, originariamente, essa situação, ou, como se registra no caso, configu-
rada a ausência de tal condição, em virtude da perda superveniente da bancada parla-
762 R.T.J. — 197

mentar no Congresso Nacional, impõe-se a declaração de carência da ação direta de


inconstitucionalidade, porque inocorrente uma das condições da ação: a legitimidade
ativa ad causam do partido político, que só se configura com a representação parlamentar
em qualquer das Casas do Congresso Nacional.
Impende referir, neste ponto, a lição de Nelson Nery Júnior (“Revista de Processo”,
vol. 42/201), para quem “As condições da ação, vale dizer, as condições para que seja
proferida sentença sobre a questão de fundo (mérito), devem vir preenchidas quando
da propositura da ação e devem subsistir até o momento da prolação da sentença.
Presentes quando da propositura, mas eventualmente ausentes no momento da
prolação da sentença, é vedado ao juiz pronunciar-se sobre o mérito, já que o autor
não tem mais direito de ver a lide decidida” (grifei).
Corretíssima, portanto, a decisão proferida pelo eminente Ministro Carlos
Velloso, motivo pelo qual — e considerando as razões ora expostas — nego provimento
ao presente recurso de agravo.
É o meu voto.

VOTO
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Sr. Presidente, saudoso Ministro desta Casa,
desde que chegou à cadeira de decano, costumava acompanhar o ameaçado de ficar
sozinho: entendia ele ser um dever de gentileza elementar do decano. O douto voto do
Ministro Celso de Mello, no caso, dispensa-me do constrangimento. O eminente Ministro
Carlos Velloso já não está só.
O abandono da jurisprudência, neste caso, já fora por mim praticamente anunciado.
Ao votar na questão de ordem que suscitei na ADI 2.054, já confessara certa inquietação
para alinhar-me aos precedentes do Tribunal, no sentido do voto agora proferido pelo
eminente Relator, dizia, “dado o caráter objetivo do processo do controle abstrato de
normas do qual decorreu — antes que o explicitasse a Lei 9.868 —, a impossibilidade
de desistência da ação direta”.
Por isso, naquele caso, ADI 2.054, como recordava o Ministro Gilmar Mendes,
chegamos a um primeiro passo. Não poderia — como não pode o autor desistir — o fato
superveniente ao início do julgamento trancar a ação direta.
Mas, na verdade — e os votos aqui proferidos na divergência, hoje, acabaram de
convencer-me —, não vejo porque distinguir se há ou não início de julgamento. Se não
cabe a desistência, é porque, realmente, a legitimatio ad causam, a qualidade para pro-
vocar a jurisdição constitucional objetiva, existe, ou não existe, e há de ser verificada no
momento da propositura da demanda. Proposta a demanda, há uma questão constitucional
a ser decidida por uma jurisdição política, a jurisdição constitucional concentrada do
Supremo Tribunal Federal.
O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto: Excelência, a própria Constituição preceitua
que a legitimidade é para propor; não exatamente para impulsionar. Demais disso, como
nos cabe, precipuamente, a guarda da Constituição, nenhuma oportunidade deve ser
perdida, uma vez deflagrada, para o Tribunal sair em possível socorro da Magna Carta.
O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto: Mesmo que se extinga.
R.T.J. — 197 763

O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto: O processo já existe.


O Sr. Ministro Cezar Peluso: Ministro, V. Exa. me permite? Até tomando por base
a Lei n. 9.868, não consigo perceber a necessidade da permanência do autor, porque a
Lei n. 9.868 nem prevê segunda intervenção necessária do autor no processo.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Há a faculdade da sustentação oral na sessão de
hoje, nada mais.
O Sr. Ministro Eros Grau: V. Exa. me permite uma observação, um paralelo? Na
ação popular proposta por fulano, se este, depois, vier a perder os direitos políticos, a
ação há de prosseguir.
Quero fazer uma observação impertinente, e talvez seja muito impertinente, porque
sou muito novo nesta Corte: tudo isso aconteceu porque esta ação foi proposta em 28 de
fevereiro de 2000 e só agora estamos julgando este processo.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: O caso concreto traz ainda um fator a mais de
convencimento: na extrema mobilidade das representações parlamentares dos partidos
políticos brasileiros, este partido, que perdera o seu único representante, hoje tem vários.
Então, ao negar provimento ao agravo, criaríamos uma situação kafkiana, pois este
mesmo partido poderia voltar a propor a mesma demanda.
Tudo isso mostra a pouca importância que se há de dar à subsistência dos requisitos
da legitimação, uma vez já submetida idoneamente a questão constitucional ao julga-
mento do Supremo Tribunal.
Peço vênia ao eminente Ministro Carlos Velloso e ao Ministro Celso de Mello para
dar provimento ao agravo.

VOTO
O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Também acompanho a divergência ini-
ciada pelo Ministro Gilmar Mendes, mas nos estritos limites do voto do Ministro Cezar
Peluso.
Tenho imensa dificuldade de teorizar sobre realidades. Lembro aos Colegas que,
hoje, no Tribunal, dentre as 3.182 ações diretas de inconstitucionalidade, há 641 ações
ajuizadas por partidos políticos.
Em relação à afilação erudita do Ministro Celso de Mello, no sentido de que a ação
direta de inconstitucionalidade se destina à proteção de situações, lembro que não se
aplica absolutamente ao caso, porque, aqui, não se trata de uma ação direta de
inconstitucionalidade no sentido daqueles fundamentos elencados por Vossa Excelência.
Trata-se, isso sim, de um partido político que emprestou a uma determinada entidade a
sua bandeira para efeito de deduzir as suas pretensões no que diz respeito aos interesses
da corporação.

VOTO (Aditamento)
O Sr. Ministro Carlos Velloso (Relator): Sr. Presidente, proponho ao Tribunal seja
declarada extinta a ação por estar prejudicada. Ela tem por objeto o inciso XV do art. 37
da Constituição Federal, conforme o eminente Ministro-Presidente já esclareceu.
764 R.T.J. — 197

Na verdade, ataca-se o dispositivo que estabelecia a fixação do subsídio dos


Ministros do Supremo Tribunal Federal por lei de iniciativa conjunta.
A Emenda Constitucional n. 41/2003 alterou a sistemática, acrescentando o inciso
XV ao art. 48: a fixação do subsídio dos Ministros do Supremo Tribunal Federal será
fixada com observância do disposto no art. 96, II, letra b.
Declaro extinta a ação, porque prejudicada.

EXTRATO DA ATA
ADI 2.618-AgR-AgR/PR — Relator: Ministro Carlos Velloso. Relator para o
acórdão: Ministro Gilmar Mendes. Agravante: Partido Social Liberal – PSL (Advogado:
Wladimir Sérgio Reale). Agravado: Corregedor-Geral da Justiça do Estado do Paraná.
Decisão: O Tribunal, por maioria, deu provimento ao agravo, no sentido de
reconhecer que a perda superveniente de representação parlamentar não desqualifica o
partido político como legitimado ativo para a propositura da ação direta de inconstitu-
cionalidade, vencidos os Ministros Carlos Velloso, Relator, e Celso de Mello. Votou o
Presidente, Ministro Nelson Jobim. Redigirá o acórdão o Ministro Gilmar Mendes. Au-
sente, justificadamente, a Ministra Ellen Gracie.
Presidência do Ministro Nelson Jobim. Presentes à sessão os Ministros Sepúlveda
Pertence, Celso de Mello, Carlos Velloso, Marco Aurélio, Gilmar Mendes, Cezar Peluso,
Carlos Britto, Joaquim Barbosa e Eros Grau. Procurador-Geral da República, Dr. Cláudio
Lemos Fonteles.
Brasília, 12 de agosto 2004 — Luiz Tomimatsu, Secretário.

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 2.819 — RJ

Relator: O Sr. Ministro Eros Grau


Requerente: Governadora do Estado do Rio de Janeiro — Requerida: Assembléia
Legislativa do Estado do Rio de Janeiro
Ação direta de inconstitucionalidade. Lei n. 3.687/02 do Estado do
Rio de Janeiro. Obrigatoriedade de divulgação de informações identifi-
cando os veículos apreendidos pelas polícias militar e civil. Vício de
iniciativa. Inconstitucionalidade formal.
1. O Pleno desta Corte pacificou jurisprudência no sentido de que os
Estados-Membros devem obediência às regras de iniciativa legislativa
reservada, fixadas constitucionalmente.
2. A gestão da segurança pública, como parte integrante da Admi-
nistração Pública, é atribuição privativa do Governador de Estado.
3. O artigo 1º da Lei n. 3.687/02 do Estado do Rio de Janeiro possui
caráter informativo.
4. Pedido de declaração de inconstitucionalidade acolhido em parte.
R.T.J. — 197 765

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo
Tribunal Federal, em Sessão Plenária, na conformidade da ata do julgamento e das
notas taquigráficas, por unanimidade, julgar parcialmente procedente a ação e declarar
a inconstitucionalidade do artigo 2º da Lei n. 3.867, de 24 de junho de 2002, do
Estado do Rio de Janeiro, nos termos do voto do Relator.
Brasília, 6 de abril de 2005 — Nelson Jobim, Presidente — Eros Grau, Relator.

RELATÓRIO
O Sr. Ministro Eros Grau: A Governadora do Estado do Rio de Janeiro, com funda-
mento no inciso V do artigo 103 da Constituição do Brasil, propõe a presente ação
direta, em que é pleiteada a declaração de inconstitucionalidade da Lei estadual n.
3.867, cujo teor é o seguinte:
“Lei n. 3.867, de 24 de junho de 2002:
Determina a obrigatoriedade da divulgação dos veículos apreendidos
pelas polícias militar e civil.
Art. 1º O Poder Executivo divulgará, pelo Diário Oficial e pela Internet,
através de site próprio, em periodicidade não superior a 15 (quinze) dias, infor-
mações sobre os veículos apreendidos, que tenham sido roubados ou furtados.
§ 1º As informações a que se refere o caput deste artigo deverão contemplar,
sempre que possível, o modelo, a cor predominante, o ano de fabricação e os
números do chassi e da placa dos veículos.
§ 2º Deverão ser instalados terminais eletrônicos de consulta em local de
fácil visualização e de acesso público.
§ 3º A primeira divulgação conterá as informações referentes aos veículos
apreendidos nos 60 (sessenta) dias anteriores a sua publicação.
Art. 2º Os veículos não reclamados por seus proprietários ou companhias
seguradoras no período de 3 (três) anos, contados da publicação a que se refere o
Artigo 1º, serão levados a hasta pública, repartindo-se o produto do leilão, igual-
mente, entre o Estado e o município do emplacamento do veículo.
§ 1º Quando o veículo apreendido houver sido emplacado em outro Estado
da União, ou não for possível a identificação do local de emplacamento, o produto
do leilão será repartido, igualmente, entre o Estado e o município onde ocorreu a
apreensão.
§ 2º A parte do leilão a que se refere o caput deste artigo, pertencente ao
Estado, destina-se a suprir as despesas decorrentes da aplicação da presente Lei.
Art. 3º Esta Lei entrará em vigor na data de sua publicação, revogando-se as
disposições em contrário.”
2. Sustenta que a referida lei está acoimada de graves vícios, pois, ao envolver
questões relativas a trânsito e transporte, viola o artigo 22, inciso XI, da Constituição,
dado que usurpa a competência privativa do legislador federal. Alega, ainda, que há
766 R.T.J. — 197

afronta ao inciso II do artigo 22, pois, ao estabelecer procedimentos expropriatórios, a


requerida deixou de observar a necessidade de projeto de lei proposto pelo “Chefe do
Executivo Federal”.
3. Afirma que o inciso I do mesmo artigo 22 também está sendo infringido, visto
que a lei hostilizada, em seu artigo 2º, ingressa na seara processual, dispondo de forma
diversa sobre procedimento já regulado pelo artigo 1231 do Código de Processo Penal.
4. Por fim, aduz que o artigo 3282 do Código de Trânsito Brasileiro prevê
destinação diversa para o produto da alienação de veículos apreendidos ou removidos a
qualquer título, o que serve para reforçar a percepção de que a lei, além de violar dispo-
sitivos constitucionais, vai de encontro à legislação federal que lhe é hierarquicamente
superior.
5. A Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro, nas informações prestadas,
sustenta que a lei impugnada, embora se refira à obrigatoriedade de divulgação de lista
de veículos apreendidos pelas polícias civil e militar, em nenhum de seus artigos dispõe,
propriamente, sobre trânsito e transporte. Ademais, alega que não há ofensa aos incisos
I e II do artigo 22 da Constituição, dado que, em momento algum, a lei dispõe sobre
desapropriação, nem sobre questões relativas a procedimento judicial (fls. 24/28).
6. O Advogado-Geral da União manifesta-se no sentido de que restou patente a
violação ao inciso I do artigo 22 da Constituição do Brasil, por ser da competência
privativa da União legislar sobre direito processual penal. Contudo, com relação aos
demais preceitos constitucionais tidos por infringidos, requer a improcedência da ação,
defendendo que a lei não dispõe sobre desapropriação; não versa sobre questões relativas
a trânsito e transporte; não trata da mesma matéria prevista no artigo 328 do Código de
Trânsito Brasileiro (fls. 30/35).
7. O Procurador-Geral da República opina pela procedência da ação direta de
inconstitucionalidade, sustentando que a lei estadual em questão avançou sobre o espaço
reservado à atuação do Chefe do Poder Executivo, bem como invadiu a competência
privativa da União ao legislar sobre matéria de direito processual (fls. 37/43).
É o relatório, do qual deverão ser extraídas cópias para envio aos Senhores Ministros
(RISTF, artigo 172).

VOTO
O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Impugna-se na presente ação a Lei n. 3.867, do
Estado do Rio de Janeiro, que determina a obrigatoriedade da divulgação de informações

1 Art. 123. Fora dos casos previstos nos artigos anteriores, se dentro no prazo de 90 (noventa) dias, a
contar da data em que transitar em julgado a sentença final, condenatória ou absolutória, os objetos
apreendidos não forem reclamados ou não pertencerem ao réu, serão vendidos em leilão, depositando-se
o saldo à disposição do juízo de ausentes.
2 Art. 328. Os veículos apreendidos ou removidos a qualquer título e os animais não reclamados por
seus proprietários, dentro do prazo de noventa dias, serão levados à hasta pública, deduzindo-se, do
valor arrecadado, o montante da dívida relativa a multas, tributos e encargos legais, e o restante, se
houver, depositado à conta do ex-proprietário, na forma da lei.
R.T.J. — 197 767

identificando os veículos apreendidos pelas polícias militar e civil. A requerente alega que
o referido ato legislativo viola os incisos I, II e XI do artigo 22 da Constituição do Brasil.
2. A lei ora impugnada, ao obrigar o Poder Executivo Estadual a divulgar informa-
ções a respeito de veículos apreendidos, em razão de roubos ou furtos, não versa sobre
matéria relativa a trânsito ou transporte (CB/88, art. 22, XI), mas sim, sobre segurança
pública.
3. O Procurador-Geral da República bem observou que, verbis:
“ [...] A mencionada lei, em seu art. 1º, ao obrigar o Poder Executivo a divulgar,
por meio do Diário Oficial e da internet, informações sobre os veículos apreendidos
pelas polícias militar e civil, que tenham sido roubados ou furtados, não parece
tratar acerca de trânsito, transporte ou sobre outras matérias de competência
legislativa exclusiva da União Federal, mas sobre segurança pública.
A Constituição reservou o Capítulo II, do Título V, “Da Defesa do Estado e das
Instituições Democráticas”, determinando ser a segurança pública dever do Estado,
direito e responsabilidade de todos, exercida para a preservação da ordem pública e
da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através das polícias federal, rodoviária
federal, ferroviária federal, civis, militares e corpos de bombeiros militares.
Quanto às polícias militares e civis, a Constituição, no § 6º, do art. 144, as
subordina expressamente aos Governadores dos Estado. E, no § 7º, do mesmo
artigo, estabelece que a lei disciplinará a organização e o funcionamento dos
órgãos responsáveis pela segurança pública, de maneira a garantir a eficiência de
suas atividades.” (fl. 39).
4. Esta Corte, no julgamento da ADI n. 882, Relator o Ministro Maurício Corrêa,
DJ de 23-4-2004, assentou, verbis:
“[...] ao cuidar de Segurança Pública, a Constituição não garante autonomia
de espécie alguma às polícias militares, aos corpos de bombeiros militares e às
polícias civis. Antes deixa claro que essas corporações subordinam-se aos Gover-
nadores dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios (CF, artigo 144, § 6º).
[...] a organização policial compõe a estrutura institucional do Estado, sendo
parte integrante da Administração Pública. Está, por essa razão, subordinada ao
governador (CF, artigo 144, § 6º), a quem foi assegurada, constitucionalmente, a
direção superior da Administração Pública do Estado.” (Grifo nosso)
5. O artigo 144 da Constituição de 19881 dispõe que a segurança pública deve ser
exercida através da polícia federal; da polícia rodoviária federal; das polícias civis e das
polícias militares e corpos de bombeiros militares. Em seu artigo 6º determina que as
polícias militares, bem como as polícias civis, subordinam-se aos Governadores dos
Estados.

1 Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para
a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes
órgãos:
I - polícia federal;
II - polícia rodoviária federal;
768 R.T.J. — 197

6. Os preceitos estabelecidos nos artigos 84, VI, a e 61, § 1º, II, b, da Constituição
do Brasil2 evidenciam ser da competência privativa do Chefe do Poder Executivo Federal
a organização administrativa federal.
7. A interpretação conjunta dessas regras e o entendimento firmado em precedente
deste Tribunal (ADI n. 882), de que a segurança pública está abrangida no conceito de
“organização administrativa”, conduzem à conclusão de que a gestão da segurança
pública, na esfera estatal, é atribuição privativa do Governador de Estado. Dessa forma,
resta claro que a lei estadual ora impugnada avançou sobre o espaço reservado à atuação
do Chefe do Poder Executivo Estadual.
8. A Constituição do Brasil, ao conferir aos Estados-Membros a capacidade de
auto-organização e de autogoverno (artigo 25, caput), impõe a obrigatória observância
de vários princípios, entre os quais o pertinente ao processo legislativo, de modo que o
legislador estadual não pode validamente dispor sobre as matérias reservadas à iniciativa
privativa do Chefe do Executivo.
9. O Pleno desta Corte pacificou jurisprudência no sentido de que os Estados-
Membros devem obediência às regras de iniciativa legislativa reservada, fixadas consti-
tucionalmente, sob pena de violação do modelo de harmônica tripartição de poderes,
consagrado pelo constituinte originário (ADI n. 805, Relator o Ministro Sepúlveda
Pertence, DJ de 12-3-99; ADI n. 645, Relator o Ministro Ilmar Galvão, DJ de 13-12-96;

III - polícia ferroviária federal;


IV - polícias civis;
V - polícias militares e corpos de bombeiros militares.
[...]
§ 6º As polícias militares e corpos de bombeiros militares, forças auxiliares e reserva do Exército,
subordinam-se, juntamente com as polícias civis, aos Governadores dos Estados, do Distrito Federal e
dos Territórios.
[...]
2 Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República:
[...]
VI - dispor, mediante decreto, sobre:
a) organização e funcionamento da administração federal, quando não implicar aumento de
despesa nem criação ou extinção de órgãos públicos;
[...]
Art. 61. A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou comissão da
Câmara dos Deputados, do Senado Federal ou do Congresso Nacional, ao Presidente da República, ao
Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais Superiores, ao Procurador-Geral da República e aos cida-
dãos, na forma e nos casos previstos nesta Constituição.
§ 1º São de iniciativa privativa do Presidente da República as leis que:
[...]
II - disponham sobre:
[...]
b) organização administrativa e judiciária, matéria tributária e orçamentária, serviços públicos e
pessoal da administração dos Territórios;
[...]
R.T.J. — 197 769

ADI n. 665, Relator o Ministro Sydney Sanches, DJ de 6-9-95; e ADI n. 227, Relator o
Ministro Maurício Corrêa, DJ de 18-5-2001).
Tendo em vista que a flagrante inconstitucionalidade formal dispensa a análise
das demais alegações de afronta à Constituição, inclusive a relativa ao fato de que o
artigo 2º da lei avança sobre matéria de expropriação (artigo 22, II da CB), julgo proce-
dente a ação direta para declarar a inconstitucionalidade da Lei n. 3.867, do Estado do
Rio de Janeiro.

O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Na verdade, o art. 1º é decorrente da


regra do art. 2º. Por isso eles determinam a notificação. Diz o art. 2º que os veículos não
reclamados por seus proprietários serão levados à hasta pública. Essa é a razão pela qual
faz-se a notificação. A regra principal, portanto, é a do art. 2º. O art. 1º é meramente para
dar execução ao que consta da hasta pública.
Ministro Eros Grau, Vossa Excelência julga procedente a ação?
O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Julgo procedente.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Vossa Excelência acha que essa matéria é de
trânsito?
O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): A matéria é regulada pelo Código de Trânsito.
Com relação à matéria do art. 1º, está certo o Ministro Jobim.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Porque o veículo passa das mãos do agente que o
furtou ou roubou para as mãos da polícia e, posteriormente, à hasta pública.
O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): O art. 2º é matéria que já está regulada pelo
Código Brasileiro de Trânsito.
O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Estou com muita dificuldade de vislumbrar a
inconstitucionalidade do art. 1º.
O Sr. Ministro Carlos Britto: Também. Eu salvaria o art. 1º.
O Sr. Ministro Gilmar Mendes: É matéria de caráter procedimental.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: A lei federal prevê a perda da propriedade do
veículo depois de um certo prazo da apreensão. Até aí eu vou. Agora, o art. 1º cuida de
um puro dever de informação ao cidadão de que algo de sua propriedade foi apreendido
e está em poder do Estado.
O Sr. Ministro Carlos Britto: O Estado democrático é informativo por excelência e
deve primar pela excelência da informação. Nada melhor do que divulgar amplamente.
O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Como é que ficamos com o vício de compe-
tência?
O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Não há vício de iniciativa interna. O Legislativo
não está impedido de dispor sobre isso.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Não é matéria de trânsito. É matéria de polícia:
informar uma atividade policial, a apreensão de um veículo, para conhecimento do seu
770 R.T.J. — 197

eventual proprietário, até porque sujeito a prazo para reclamação, sob pena de perda
dessa propriedade.
O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Perdoem-me. Este art. 1º, na verdade, dispõe
sobre matéria de segurança pública.
O Sr. Ministro Gilmar Mendes: De administração em geral.
O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Refiro-me à ADI n. 882, Relator o Ministro
Maurício Corrêa. Se nós entendermos que aí se trata de segurança pública, aplicar-se-ia.
A organização policial compõe a estrutura institucional do Estado, sendo parte
integrante da Administração Pública.
Não tenho nada contra salvar-se esse art. 1º pelo sentido de informação que ele tem.
O Sr. Ministro Gilmar Mendes: É uma norma de procedimento administrativo tão-
somente no que diz respeito a essas apreensões.
O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Vossa Excelência reduz, então, a decla-
ração de inconstitucionalidade ao art. 2º?
O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Ao art. 2º. Evoluo nesse sentido.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Tenho dúvidas quanto ao artigo 2º, porque, no
parecer, evoca-se o Código de Processo Penal, que dispõe, entretanto, sobre matéria
diversa — o perdimento de bens.
No caso, o que se verifica é, até mesmo, uma previsão, objetivando evitar ônus para
o serviço público quanto à manutenção de bens não procurados num espaço de tempo
que, para mim, é razoável, de três anos, em se tratando de bem móvel.
O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Está regulado no art. 328 do Código de Trânsito:
“Art. 328. Os veículos apreendidos ou removidos a qualquer título e os ani-
mais não reclamados por seus proprietários, dentro do prazo de noventa dias, serão
levados à hasta pública, deduzindo-se, do valor arrecadado, o montante da dívida
relativa a multas, tributos e encargos legais, e o restante, se houver, depositado à
conta do ex-proprietário, na forma da lei.”
É matéria já regulada.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Presidente, não vejo competência exclusiva da


União para legislar sobre a matéria. Penso que, aqui, tem-se até mesmo um prazo bem
mais razoável do que o previsto no Código Nacional de Trânsito. Nada impede que o
Estado avance para colar, à situação do cidadão, uma segurança maior. E foi o que houve
ao dispor, quanto à alienação, apenas passados três anos.
Peço vênia para, diante dessa ambigüidade, declarar constitucional o preceito.

DEBATE
O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): No Código de Trânsito, há alguma
disciplina sobre o resultado do leilão?
O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Há, no art. 328:
R.T.J. — 197 771

“Art. 328. Os veículos apreendidos ou removidos a qualquer título e os ani-


mais não reclamados por seus proprietários, dentro do prazo de noventa dias, serão
levados à hasta pública, deduzindo-se, do valor arrecadado, o montante da dívida
relativa a multas, tributos e encargos legais, e o restante, se houver, depositado à
conta do ex-proprietário, na forma da lei.”
O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Mas, aqui na lei estadual, distribui entre
o Estado e o Município.
O Sr. Ministro Cezar Peluso: V. Exa. me permite? Estou tendo dificuldade enorme
para enxergar nisso matéria de trânsito.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Não é matéria de trânsito.
O Sr. Ministro Cezar Peluso: O que o art. 328 do Código de Trânsito regulamenta
são as conseqüências sancionatórias de apreensão e remoção de veículos por qualquer
causa, mas em razão do trânsito, não pelo fato de ter sido roubado ou furtado, que é o
objeto do art. 1º. Aqui, é outra coisa. Penso que não é problema de trânsito.
O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Ministro Cezar Peluso, já superamos a questão
do trânsito.
O Sr. Ministro Cezar Peluso: A meu ver, é inconstitucional, porque determina a perda
da propriedade. O fundamento é diferente. Não há nada com trânsito.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Há, na lei estadual, a criação de hipótese de
perda da propriedade: isso é Direito Civil.
O Sr. Ministro Cezar Peluso: Exatamente. O meu fundamento, com o devido res-
peito, é outro.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: É levado à hasta pública e dividido o produto
entre o Estado e o Município.
O Sr. Ministro Gilmar Mendes: E do bem que foi recuperado exatamente pela
polícia.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: O Código de Trânsito não prevê a perda da
propriedade; apenas permite a auto-execução da dívida.
O Sr. Ministro Cezar Peluso: O Ministro Sepúlveda Pertence tem razão. É um caso
análogo ao de usucapião, ou melhor, é caso de expropriação.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Presidente, evoluo quanto ao § 2º.
O Sr. Ministro Carlos Britto: Não há como salvar o 2º.
O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Não há como.
O Sr. Ministro Cezar Peluso: Só estou fazendo ressalva quanto ao fundamento da
procedência.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: O art. 2º estabelece uma hipótese de perda de
propriedade.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Presidente, evoluo quanto ao § 2º, tendo em conta a
previsão de perda da propriedade.
O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): É o art. 2º, então.
772 R.T.J. — 197

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Artigo 2º. Não é o parágrafo.


Quanto ao § 1º, julgo improcedente o pedido. Entendo que não pode o Estado-
Membro legislar sobre a matéria, ou seja, sobre a perda da propriedade pela passagem do
tempo.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Perfeito. A ofensa, aí, é à competência da
União para legislar sobre Direito Civil e não sobre trânsito.
O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Então, manteríamos o art. 1º?
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Nesse sentido é o meu voto também.
O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Todos de acordo? O Relator também
evolui?
O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Sim.

VOTO (Retificação)
O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Anteriormente afirmei que todo o texto da lei
n. 3.867, do Estado do Rio de Janeiro, seria inconstitucional. Entretanto, evoluo no
tocante ao artigo 1º do ato impugnado, reduzindo a declaração de inconstitucionalidade
aos artigos 2º e 3º.

EXTRATO DA ATA
ADI 2.819/RJ — Relator: Ministro Eros Grau. Requerente: Governadora do Estado
do Rio de Janeiro. Requerida: Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro.
Decisão: O Tribunal, por unanimidade, julgou parcialmente procedente a ação, e
declarou a inconstitucionalidade do artigo 2º da Lei 3.867, de 24 de junho de 2002, do
Estado do Rio de Janeiro, nos termos do voto do Relator. Votou o Presidente, Ministro
Nelson Jobim. Ausente, justificadamente, a Ministra Ellen Gracie.
Presidência do Ministro Nelson Jobim. Presentes à sessão os Ministros Sepúlveda
Pertence, Celso de Mello, Carlos Velloso, Marco Aurélio, Gilmar Mendes, Cezar Peluso,
Carlos Britto, Joaquim Barbosa e Eros Grau. Procurador-Geral da República, Dr. Cláudio
Lemos Fonteles.
Brasília, 6 de abril de 2005 — Luiz Tomimatsu, Secretário.

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 2.925 — DF

Relatora: A Sra. Ministra Ellen Gracie


Relator para o acórdão: O Sr. Ministro Marco Aurélio
Requerente: Confederação Nacional do Transporte – CNT — Requeridos: Presidente
da República e Congresso Nacional
R.T.J. — 197 773

Processo objetivo — Ação direta de inconstitucionalidade — Lei or-


çamentária. Mostra-se adequado o controle concentrado de constituciona-
lidade quando a lei orçamentária revela contornos abstratos e autônomos,
em abandono ao campo da eficácia concreta.
Lei orçamentária — Contribuição de intervenção no domínio eco-
nômico — Importação e comercialização de petróleo e derivados, gás natural
e derivados e álcool combustível — CIDE — Destinação artigo 177, § 4º, da
Constituição Federal. É inconstitucional interpretação da Lei Orçamen-
tária n. 10.640, de 14 de janeiro de 2003, que implique abertura de crédito
suplementar em rubrica estranha à destinação do que arrecadado a partir
do disposto no § 4º do artigo 177 da Constituição Federal, ante a natureza
exaustiva das alíneas a, b e c do inciso II do citado parágrafo.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo
Tribunal Federal, em Sessão Plenária, na conformidade da ata do julgamento e das notas
taquigráficas, por maioria de votos, conhecer da ação, vencida a Ministra Ellen Gracie,
Relatora.
O Tribunal, por maioria de votos, julgou procedente em parte a ação para dar
interpretação conforme a Constituição, no sentido de que a abertura de crédito suple-
mentar deve ser destinada às três finalidades enumeradas no artigo 177, § 4º, inciso II,
alíneas a, b e c, da Carta Federal, vencida a Ministra Ellen Gracie, Relatora, e os Minis-
tros Joaquim Barbosa, Nelson Jobim e Sepúlveda Pertence.
Brasília, 19 de dezembro de 2003 — Maurício Corrêa, Presidente — Marco Aurélio,
Relator para o acórdão.

RELATÓRIO
A Sra. Ministra Ellen Gracie: Adoto, como relatório, o constante do parecer da
lavra do ilustre Procurador-Geral da República, Dr. Cláudio Lemos Fonteles, que assim
expôs o presente caso (fls. 281/285):
“Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade, com pedido de liminar,
ajuizada pela Confederação Nacional do Transporte – CNT em face do art. 4º, I, a,
b, c e d, da Lei 10.640, de 14 de janeiro de 2003 – Lei Orçamentária Anual da
União, que estima e fixa a despesa da União para o exercício de 2003.
O texto impugnado assim está disposto:
‘Art. 4º Fica o Poder Executivo autorizado a abrir créditos suplemen-
tares, observados os limites e condições estabelecidos neste artigo e desde
que demonstrada, em anexo específico do decreto de abertura, a compatibili-
dade das alterações promovidas na programação orçamentária com a meta de
resultado primário estabelecida no Anexo de Metas Fiscais da Lei de Diretrizes
Orçamentárias 2003, para suplementação de dotações consignadas:
I - a cada subtítulo, até o limite de dez por cento do respectivo valor,
mediante a utilização de recursos provenientes de:
774 R.T.J. — 197

a) anulação parcial de dotações, limitada a dez por cento do valor do


subtítulo objeto da anulação, ressalvado o disposto no § 2º deste artigo;
b) reserva de contingência, inclusive de fundos e de órgãos e entidades
das Administrações direta e indireta, observado o disposto no parágrafo úni-
co do art. 8º da Lei de Responsabilidade Fiscal, e no § 6º deste artigo;
c) excesso de arrecadação de receitas diretamente arrecadadas, desde
que para alocação nos mesmos subtítulos em que os recursos dessas fontes
foram originalmente programados, observado o disposto no parágrafo único
do art. 8º da Lei de Responsabilidade Fiscal; e
d) até dez por cento do excesso de arrecadação;’
Sustenta-se, em síntese, que a previsão de suplementação de créditos, con-
tida nos dispositivos impugnados da Lei Orçamentária Anual – LOA – não pode-
ria atingir a destinação de recursos da Contribuição de Intervenção no Domínio
Econômico – Cide – instituída pela Lei 10.336/01. Isso contraria o disposto no
artigo 177, § 4º, II, da Constituição Federal, que é taxativo, segundo as alegações
da requerente: ‘A lei que instituir contribuição de intervenção no domínio
econômico relativa às atividades de importação ou comercialização de petróleo
e seus derivados, gás natural e seus derivados e álcool combustível deverá atender
aos seguintes requisitos: II – os recursos arrecadados serão destinados: a) ao
pagamento de subsídios a preços ou transporte de álcool combustível, gás
natural e seus derivados e derivados de petróleo; b) ao financiamento de projetos
ambientais relacionados com a indústria do petróleo e do gás; c) ao financia-
mento de programas de infra-estrutura de transportes.’
Assim, a CNT pretende que a receita da Cide – Combustíveis seja arrecadada
conforme sua expressa destinação constitucional e, ainda, em liminar, pleiteia que
o Poder Executivo deixe de aplicar os 10% (dez por cento), previstos na LOA, dos
créditos suplementares com recursos oriundos da arrecadação da Cide.”
A ação foi distribuída durante o recesso da Corte (julho/2003) e, por isso, recebeu
do Senhor Ministro Presidente o despacho inicial (fl. 187), no qual S. Exa. determinou a
adoção do rito do art. 12 da Lei n. 9.868/99. Entre as fls. 196 e 201 estão as informações
do Congresso Nacional. Entre as fls. 205 e 222 estão aquelas encaminhadas pela Presi-
dência da República. Vieram elas acompanhadas de informações fornecidas pela
Consultoria Jurídica do Ministério de Minas e Energia (fls. 224/228), de Parecer da
Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (fls. 229/233) e de Nota Técnica do Ministério
do Planejamento, Orçamento e Gestão (fls. 237/265).
Ouvida a Advocacia Geral da União, pleiteou seu ilustre Chefe, Ministro Álvaro
Augusto Ribeiro Costa, o não-conhecimento da ação ou, caso conhecida, sua improce-
dência (fls. 267/274).
O eminente Procurador-Geral da República, Dr. Cláudio Fonteles, no parecer de
fls. 281/285, opinou “pelo indeferimento da cautelar, e, por conseguinte, pela improce-
dência do pedido”.
É o relatório. Distribuam-se cópias aos Senhores Ministros.
R.T.J. — 197 775

EXPLICAÇÃO
A Sra. Ministra Ellen Gracie (Relatora): Sr. Presidente, quero deixar registrado
que, nesta Casa, usualmente, temos o privilégio de encontrar e receber trabalhos da
mais alta qualidade. No entanto, preciso assinalar que particularmente este caso revela
um Advogado — os Colegas puderam ver da tribuna e pelos memoriais recebidos —
extremamente aplicado, de uma correção e precisão lógica de argumentação realmen-
te notável.
Faço esse registro de louvor ao jovem Advogado.

VOTO
A Sra. Ministra Ellen Gracie (Relatora): 1. A tese sustentada na presente ação direta
fundamenta-se na necessidade da definição de uma interpretação constitucionalmente
válida das espécies de abertura de crédito suplementar autorizadas pelo art. 4º, I, da Lei
Orçamentária Anual vigente, de modo a impedir a ocorrência de restrições nas destina-
ções reservadas aos recursos obtidos pela cobrança da Cide – Combustíveis, previstas no
art. 177, § 4º, II, da CF como o financiamento de programas de infra-estrutura de trans-
porte (alínea c).
Segundo a Confederação autora, a leitura dos preceitos impugnados compatível
com o referido dispositivo constitucional é a que (1) afasta o limite de dez por cento na
suplementação de valores de cada dotação da Cide com recursos da reserva de contin-
gência ou do excesso de arrecadação da própria Contribuição em exame, e que (2) obsta
a anulação parcial de dotação ou a utilização de reserva de contingência e de excesso de
arrecadação, todas relativas à receita da Cide, para atender ou reforçar dotações outras
que não aquelas apontadas pelo art. 177, § 4º, II, da Carta Magna.
Para ilustrar a necessidade de tal provimento, afirma o autor que o Quadro 11 anexo
ao Diploma atacado, demonstrativo das fontes de recursos por grupos de despesa,1
sinaliza que cerca de 40% (quarenta por cento) da estimativa de receita da Cide em 2003
foi enquadrada como reserva de contingência, não tendo sido tal parcela endereçada,
assim, a nenhuma das finalidades constitucionais referidas. Desse modo, conclui, se
aplicados os preceitos contestados, grande parte desse montante não deverá ser utiliza-
do nas destinações do art. 177, § 4º, II, da CF, viabilizando, ademais, o gasto desses
recursos em outras despesas públicas.
2. Não obstante o brilhantismo dos argumentos acima expendidos e o desvelo
demonstrado no confronto do caso em exame com a jurisprudência da Corte que tem

1 Quadro 11 – Demonstrativo das fontes de recursos por grupo de despesa R$ 1,00


LDO, art. 10º, § 1º, inciso X Recursos de todas as fontes
Código Fonte Total Grupos de Despesa/Valor
111 Contribuição de Intervenção 10.775.502.643 Pessoal e Encargos Sociais 462.078.400
no Domínio Econômico – Juros e Encargos da Dívida 494.197.622
Combustíveis Outras Despesas Correntes 1.406.982.596
Investimentos 2.947.770.411
Inversões Financeiras 554.446.369
Amortização da Dívida 669.729.521
Reserva de Contingência 4.240.297.724
776 R.T.J. — 197

reconhecido a ausência de abstração, generalidade e impessoalidade nas regras de natu-


reza orçamentária, entendo, na mesma linha do Procurador-Geral, estar-se diante de ato
formalmente legal, de efeito concreto, portador de normas individuais de autorização.
Além dos precedentes trazidos pela autora, que identificaram, como normas de
efeito concreto, comandos de lei orçamentária que destinaram determinada soma
pecuniária ou porcentagem da receita prevista a uma certa finalidade/despesa — ADI
1.640, Rel. Min. Sydney Sanches, DJ de 3-4-98, ADI 2.057, Rel. Min. Maurício Corrêa,
DJ de 31-3-2000 e ADI 2.100, Red. p/ o ac. Min. Nelson Jobim, DJ de 1º-6-2001 —
aponto outros julgados nos quais reafirmou-se, do mesmo modo, o entendimento de que
as disposições constantes de lei orçamentária anual, ou de emenda a esta, constituem
atos de efeito concreto, insuscetíveis de controle abstrato de constitucionalidade, por
estarem ligadas a uma situação de caráter individual e específica.
Assim decidiu este Plenário, por exemplo, na ADI 2.484, DJ de 14-11-2003, ao
examinar artigo de lei de diretrizes orçamentárias (art. 64 da Lei 10.266/01) que continha
as instruções ou comandos necessários para o preparo das estimativas de receitas que
deveriam constar no projeto de orçamento de 2002. O eminente Relator, Ministro Carlos
Velloso, assim sintetizou a decisão proferida:
“Constitucional. Ação direta de inconstitucionalidade. Lei com efeito
concreto. Lei de diretrizes orçamentárias: Lei 10.266, de 2001.
I - Leis com efeitos concretos, assim atos administrativos em sentido material:
não se admite o seu controle em abstrato, ou no controle concentrado de constitu-
cionalidade.
II - Lei de diretrizes orçamentárias, que tem objeto determinado e destinatá-
rios certos, assim sem generalidade abstrata, é lei de efeitos concretos, que não está
sujeita à fiscalização jurisdicional no controle concentrado.
III - Precedentes do Supremo Tribunal Federal.
IV - Ação direta de inconstitucionalidade não conhecida.”
Já na ADI 1.716, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 27-3-982, impugnou-se dispo-
sitivo que destinava à amortização da dívida pública as receitas porventura obtidas pelas
entidades da Administração indireta a título de participações, dividendos, superavit fi-
nanceiro ou disponibilidades do exercício anterior não comprometidas como restos a
pagar. Ressaltou o eminente Relator, em seu voto, que os atos de legislação orçamentária,
sejam aqueles de conformação original de orçamento anual de despesa, sejam os de alte-
ração dela, no curso do exercício, “são exemplo paradigmais de leis formais, isto é, de
atos administrativos de autorização, por definição, de efeitos concretos e limitados
que, por isso, o Supremo Tribunal tem subtraído da esfera objetiva do controle abstrato
de constitucionalidade de leis e atos normativos.” (Destaquei)
No presente caso, da mesma forma, tem-se um ato específico de autorização emanado
do Poder Legislativo conferindo ao Executivo a oportunidade de abertura de créditos
suplementares, valendo-se de dotações previamente fixadas na LOA destinadas a este
2 ADI 1.716, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 27-3-98:
“I - Medida Provisória: limites materiais à sua utilização: autorizações legislativas reclamadas pela
Constituição para a prática de atos políticos ou administrativos do Poder Executivo e, de modo especial,
as que dizem com o orçamento da despesa e suas alterações no curso do exercício: considerações gerais.
R.T.J. — 197 777

exato propósito (reserva de contingência). O que a requerente pretende fazer passar


como sendo “regra-matriz”, geral e abstrata, regulatória de toda e qualquer abertura de
crédito suplementar, nada mais representa do que as limitações, restrições e condições
impostas pelo Poder Legislativo à abertura das suplementações necessárias. Em suma,
são atos que, não obstante sua forma de lei, caracterizam-se como normas individuais de
autorização que tornam viável a alteração do orçamento da despesa no curso do exercício.
Por isso que, como afirmado nas informações do Congresso Nacional, “os dispositivos
impugnados para serem aplicados, dependem do confronto de anexo específico de
eventual decreto de abertura de créditos suplementares com o anexo de metas fiscais da
LDO/2003”.
Essa manifestação vem reforçada pelo argumento trazido pela Advocacia-Geral da
União para quem o dispositivo do art. 4º da Lei n. 10.640, mesmo se considerado “norma
de estrutura” no dizer de Bobbio, citado na inicial, ou “regra matriz de todas as movi-
mentações intra-orçamentárias de recursos”, deve incidir sobre as situações abrangidas
pela lei e tem, portanto, destinação específica, inviabilizando o controle concentrado.
Assim sendo, faltam ao ato impugnado os requisitos de abstração e generalidade
necessários à deflagração, nesta Corte, da fiscalização concentrada de constitucionali-
dade pela via da ação direta.
3. Além disso, o acolhimento da pretensão da requerente equivaleria ao reconheci-
mento de uma incompatibilidade entre contribuição — espécie tributária caracterizada
pela finalidade de sua instituição e não pela destinação da respectiva cobrança — e a
sistemática da abertura de créditos suplementares, destinados ao reforço das dotações
orçamentárias que se revelaram insuficientes durante o exercício financeiro. Entretanto,
conforme ressaltado pelo Chefe do Ministério Público Federal, o art. 165, § 8º, da CF não
parece transparecer tal incompatibilidade ao permitir, excepcionalmente, porém sem
distinção de receitas, a abertura de créditos suplementares no orçamento anual da União.
Ressalte-se que a limitação de 10% do respectivo valor a ser suplementado exprime,
exatamente, o sentido de exceção conferido pela Carta Magna à possibilidade de aber-
tura dos créditos suplementares.
Outrossim, a declaração parcial de inconstitucionalidade almejada pela autora, ao
permitir, favoravelmente, a possibilidade de suplementação das dotações referentes à
receita da Cide, ao mesmo tempo em que afasta o teto restritivo de 10% do valor a ser
suplementado, modificaria o sentido e o alcance da autorização concedida pelo
Legislativo por meio da presente lei formal.
Em situações como a presente, esta Casa, em homenagem ao princípio basilar da
separação de Poderes, não tem vacilado em considerar juridicamente impossível tal
pretensão. Dentre os vários precedentes, cito a ADI 896, DJ de 16-2-96, cuja ementa, da
lavra do eminente Min. Moreira Alves, está assim redigida:

II - Ação direta de inconstitucionalidade, entretanto, inadmissível, não obstante a plausibilidade da


argüição dirigida contra a MP 1.600/97, dado que, na jurisprudência do STF, só se consideram objeto
idôneo do controle abstrato de constitucionalidade os atos normativos dotados de generalidade, o que
exclui os que, malgrado sua forma de lei, veiculam atos de efeito concreto, como sucede com as normas
individuais de autorização que conformam originalmente o orçamento da despesa ou viabilizam sua
alteração no curso do exercício.
III - Ação de inconstitucionalidade: normas gerais e normas individuais: caracterização.”
778 R.T.J. — 197

“(...)
Não só a Corte está restrita a examinar os dispositivos ou expressões deles
cuja inconstitucionalidade for argüida, mas também não pode ela declarar
inconstitucionalidade parcial que mude o sentido e o alcance da norma impugna-
da (quando isso ocorre, a declaração de inconstitucionalidade tem de alcançar
todo o dispositivo), porquanto, se assim não fosse, a Corte se transformaria em
legislador positivo, uma vez que, com a supressão da expressão atacada, estaria
modificando o sentido e o alcance da norma impugnada. E o controle de
constitucionalidade dos atos normativos pelo Poder Judiciário só lhe permite agir
como legislador negativo.
Em conseqüência, se uma das alternativas necessárias ao julgamento da pre-
sente ação direta de inconstitucionalidade (a procedência dessa ação) não pode ser
acolhida por esta Corte, por não poder ela atuar como legislador positivo, o pedido
de declaração de inconstitucionalidade como posto não atende a uma das condi-
ções da ação direta que é a da sua possibilidade jurídica.
(...)”
Assim, por todas essas razões, não conheço da presente ação direta.

VOTO
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Senhor Presidente, apenas um aspecto que estimo
ressaltar. Na hipótese, não se discute, quer receita, quer destinação de uma receita, con-
siderada a discrição na elaboração da lei orçamentária. Quando o Tribunal proclamou
não convir o controle concentrado relativamente à lei orçamentária, fê-lo a partir da
premissa de que esta teria ficado no âmbito da opção política. Aqui, não é isso o que
ocorre. Argumenta-se que se acabou por lançar mão, muito embora de forma limitada, de
recursos que a própria Carta Federal revela com destinação específica. Busca-se, justa-
mente, a guarda da Constituição pelo Supremo Tribunal Federal, no que a lei orçamen-
tária estaria a conflitar, de modo frontal, com texto nela contido, mais precisamente com
o disposto no artigo 177, § 4º. Se entendermos caber a generalização, afastando por
completo a possibilidade do controle concentrado, desde que o ato impugnado seja lei
orçamentária, terminaremos por colocar a lei orçamentária acima da Carta da República.
Por isso, a meu ver, há que se distinguir caso a caso.
Não elogiei, no início de meu voto, o ilustre advogado, Dr. Luiz Alberto Bettiol,
que assomou à tribuna. Devo fazê-lo agora, porque é um ato de justiça, já que produziu
uma belíssima sustentação, a partir, a meu ver, de uma peça técnica que merece ser
considerada por esta Corte, de autoria do renomado jurista Marco Aurélio Grecco.

VOTO
O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Sr. Presidente, em trabalhos doutrinários, tenho
manifestado reservas em relação a essa jurisprudência, genericamente quanto a esse
caráter do ato de efeito concreto, especialmente em relação às leis, porque sabemos,
inclusive, a partir das próprias reflexões em termos de teoria geral, que podemos produzir
leis aparentemente genéricas destinadas à aplicação a um único caso. Creio haver
R.T.J. — 197 779

hipótese na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. E a doutrina, hoje, é rica nessa


discussão sobre as chamadas leis casuísticas. De modo que poderemos chegar a
distorções significativas, a partir dessa perspectiva.
Em se tratando de lei orçamentária, com maior razão, porque, se atentarmos para
aquilo que está no texto, veremos que ele não guarda qualquer relação — como já
destacado pelo Ministro Marco Aurélio — com as normas típicas de caráter orçamentário.
Ao contrário, está dotado de generalidade e abstração, é claro que gravada pela tempo-
ralidade, como não poderia deixar de ser em matéria de lei orçamentária. Penso que é
uma oportunidade para o Tribunal, talvez, rediscutir esse tema.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: É preciso, pelo menos, fazer algum distinguo,
senão, estamos dando uma carta de indenidade a toda a legislação orçamentária.
O Sr. Ministro Gilmar Mendes: E poderá até se estimular, no futuro, a se colocar na
lei orçamentária.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Não lanço a primeira pedra porque estou vendo
precedentes, aqui, em que eu mesmo compartilhei dessa orientação. Mas, realmente, nos
últimos tempos, ela me tem inquietado.
O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Encaminharia o meu voto no sentido de admitirmos,
sim, a ação direta.

DEBATES
O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto: Senhor Presidente, ainda a título de comentário
prévio, para confirmar as preocupações dos eminentes Ministros que me antecederam, a
lei orçamentária é para a Administração Pública, logo abaixo da Constituição, a lei mais
importante, até porque o descumprimento dela implica crime de responsabilidade. Está
no art. 85, inciso VI. Imunizar a lei orçamentária contra o controle abstrato acho um
pouco temerário, também, ou seja, vamos blindar a lei orçamentária contra o controle
objetivo de constitucionalidade.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Passa a ser um bill de indenidade.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Segundo a argumentação do autor — e, aqui,
nada cabe adiantar quanto à sua procedência ou não —, na verdade, por esse dispositivo
impugnado da lei orçamentária — que, em contrário, se pretende ser um ato concreto —
dá-se autorização para, durante um ano, alterar a destinação dada a determinado tributo,
a Cide, pela própria Constituição.
O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto: Na Constituição, tinha destinação compulsória.
Com toda vênia à eminente Ministra Ellen Gracie, manifesto esta minha vontade.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Seria tornar a nossa Carta da República flexível,
passível de modificação por uma lei orçamentária.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Estou vendo um dos precedentes: autorização
para destinar parte da arrecadação da CPMF a cobrir débitos do Ministério da Saúde
com o FAT — não conhecemos da ADI (o que me dá um certo remorso, diante do que
veio a suceder posteriormente).
780 R.T.J. — 197

O Sr. Ministro Maurício Corrêa (Presidente): Ministro Pertence, quer dizer que V. Exa.
está alterando um pouco aquele entendimento, que sempre gosta de citar, de Kelsen, o
do menino e a missa?
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Não, aqui há uma norma autorizativa de que o
Presidente da República, com a única limitação da temporariedade da própria lei orça-
mentária, dela utilize quantas vezes, à sua discrição, parecer necessária.
O Sr. Ministro Maurício Corrêa (Presidente): Acho que, aqui, a hipótese, realmente,
não se enquadra.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Recordo a distinção de Kelsen, na Teoria Geral
das Normas. Se o pai ordena: “todos os meus filhos vão hoje à missa” tem-se um ato
concreto; ao contrário, se determina: o meu filho Antônio vai visitar o avô todos os
domingos, há norma abstrata, embora dirigida a uma única pessoa. É o exemplo que
costumo dar sempre. Aqui, realmente, o destinatário é o executor do orçamento; mas a
norma pode reger um número indeterminado de condutas...
O Sr. Ministro Maurício Corrêa (Presidente): Ministra Ellen Gracie, veja V. Exa.
que estamos vivendo novos tempos, então é preciso ter cuidado.
A Sra. Ministra Ellen Gracie (Relatora): V. Exas. estão revisitando a jurisprudência
assentada. Vejo, analisando o caso concreto que temos na bancada, que esses dispositivos,
para serem eventualmente aplicados, essas limitações colocadas pela legislação, depen-
dem, necessariamente, do confronto com um anexo específico da lei orçamentária.
Portanto, mais concreto do que isso, dificilmente se encontrará.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Não, prescinde, porque preceitua o dispositivo a
utilização de uma forma genérica, abstrata.
O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto: O artigo impugnado não estima receita nem
fixa despesa, não abre crédito e confere uma competência sub conditionis, acho que tem
esses caracteres, sim, da lei em sentido material, ou seja, lei genérica, impessoal e abstrata.

VOTO
O Sr. Ministro Cezar Peluso: Sr. Presidente, com o devido respeito, também acho
que é norma típica, de caráter geral e abstrato. Não é o fato de estar dirigida a sujeito
determinado, como seu destinatário, que descaracteriza a abstração e a generalidade da
norma. A norma constitucional que, por exemplo, no regime anterior, dava competência
ao Supremo Tribunal Federal e, portanto, a destinatário específico, para editar preceitos
regimentais com força de lei, era norma geral e abstrata. Concreta é a norma que prevê
uma ação historicamente determinada. Não é o caso.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Assim — V. Exa. me permite — temos julgado,
por exemplo, em relação, àquelas normas da LDO, que se esgotam na ação de encami-
nhar o projeto de lei orçamentária. Aí, continuo a entender que, realmente, é uma típica
norma concreta.
O Sr. Ministro Cezar Peluso: É uma ação historicamente determinada. O caso, aqui,
parece-me de norma de competência, isto é, de norma que dá a certo sujeito o poder de
caráter geral para praticar uma série de atos, os quais é que serão concretos.
R.T.J. — 197 781

Como norma típica de competência, guarda todas as características de norma geral


e abstrata, razão por que, com o devido respeito, também conheço do mérito da ação.

VOTO (Explicação)
O Sr. Ministro Carlos Britto: A abstratividade, diz a teoria toda do Direito, implica
uma renovação, não digo perene, porque, aqui, está limitada por um ano, mas uma
renovação duradoura entre a hipótese de incidência da norma e a sua conseqüência. E
me parece que, neste caso, o Ministro Sepúlveda Pertence colocou muito bem em evi-
dência, durante um ano inteiro o Presidente da República fica autorizado a aplicar e
reaplicar a lei a seu talante, claro que observados aqueles limites e condições. Acho que
a abstratividade está presente, também.
O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Na verdade, o conceito de controle abstrato — pelo
menos o desenvolvido no Direito europeu —, que contrapõe-se ao chamado controle
concreto, diz respeito simplesmente à se postulação de proteção a uma posição jurídico-
positiva. Tão-somente isso! Não está associado sequer a esse caráter genérico e abstrato.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Não, aí é o problema de que — como o Tribunal
construiu — o ato normativo deve ter, ele próprio, um certo grau de abstração.
O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Sim, mas estou dizendo, o nome controle abstrato
está associado, propriamente, a essa contraposição com o chamado controle concreto.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: É mais de distinção entre a norma geral e a
norma concreta na teoria kelseniana.
O Sr. Ministro Carlos Britto: Lourival Vilanova diria que o descritor e o prescritor
da norma se co-implicam duradouramente, um atrai o outro. O descritor é o antecedente
da norma, é a hipótese de incidência, e o prescritor é o conseqüente da norma.

VOTO
O Sr. Ministro Carlos Velloso: Sr. Presidente, de regra, quando se trata da LDO –
Lei de Diretrizes Orçamentárias, tem-se o efeito concreto. Aliás, o precedente da minha
lavra diz respeito a essa lei.
Com todo o respeito à eminente Relatora, cujos votos temos o costume de acompa-
nhar, no caso ressai o caráter de abstração da norma objeto da causa.
No ponto, também peço licença a S. Exa. para conhecer da ação.

VOTO
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Sr. Presidente, também fico na linha do voto do
Ministro Celso de Mello. O voto da eminente Relatora, não há dúvida, é ortodoxamente
fiel à jurisprudência que se vinha construindo, mas que, conforme já disse, me causa
desconforto em certas hipóteses.
Neste caso, reconheço a generalidade da norma de autorização absolutamente
abstrata, que permite ao Presidente da República, dadas certas condições de fato, criar
créditos suplementares, segundo o que se pretende, contrariando diretamente uma norma
782 R.T.J. — 197

constitucional. Esta, com relação a certa contribuição, impõe a aplicação total do produto
de sua arrecadação, nas suas finalidades constitucionais.
Na jurisprudência do Tribunal, creio, mesmo em norma de LDO — exemplo típico
de norma concreta que se esgota com o ato que se destina a regrar, isto é, a elaboração do
projeto do orçamento anual —, numa das poucas aberturas — pelo menos as minhas
anotações consignam —, admitimos a ação direta, em parte.
Refiro-me à ADI 2.108, em que conhecemos com relação a uma norma da LDO,
porque vinculava a execução orçamentária mensal à receita líquida. Era uma norma de
vigência temporária, mas pareceu-nos geral e, portanto, susceptível do controle direto
de constitucionalidade. Assim também parece no caso concreto, ainda sem me aventurar
a anunciar critérios gerais de orientação da jurisprudência.
Peço vênia à eminente Relatora para conhecer da ação direta.

VOTO
O Sr. Ministro Maurício Corrêa (Presidente): Também peço vênia à Ministra Ellen
Gracie, porque não vejo, na norma ora em exame, aqueles pressupostos estabelecidos na
nossa jurisprudência, especificamente para dizer que se trata de uma norma de efeito
concreto, tendo em vista a sua carga de abstração.

EXTRATO DA ATA
ADI 2.925/DF — Relatora: Ministra Ellen Gracie. Relator para o acórdão: Ministro
Marco Aurélio. Requerente: Confederação Nacional do Transporte – CNT (Advogados:
Luiz Alberto Bettiol e outro). Requeridos: Presidente da República e Congresso Nacional.
Decisão: O Tribunal, por maioria, conheceu da ação, vencida a Ministra Ellen
Gracie, Relatora, que não a conhecia. Votou o Presidente, Ministro Maurício Corrêa.
Quanto ao mérito da questão, o julgamento foi adiado. Ausente, justificadamente, neste
julgamento, o Ministro Nelson Jobim. Falou pela requerente o Dr. Luiz Alberto Bettiol.
Presidência do Ministro Maurício Corrêa. Presentes à sessão os Ministros Sepúlveda
Pertence, Celso de Mello, Carlos Velloso, Marco Aurélio, Nelson Jobim, Ellen Gracie,
Gilmar Mendes, Cezar Peluso, Carlos Britto e Joaquim Barbosa. Procurador-Geral da
República, Dr. Cláudio Lemos Fonteles.
Brasília, 11 de dezembro de 2003 — Luiz Tomimatsu, Coordenador.

VOTO
A Sra. Ministra Ellen Gracie (Relatora): 1. Superadas as questões preliminares
apreciadas na Sessão Plenária de 11-12-2003, passo, agora, ao exame de mérito da pre-
sente ação direta de inconstitucionalidade.
Ao impugnar as alíneas a, b, c e d do inciso I do art. 4º da Lei Orçamentária vigente
(Lei n. 10.640/03), opõe-se a requerente, fundamentalmente, à incidência de dois
comandos distintos do mecanismo de abertura de créditos suplementares, no que diz
respeito aos recursos da Cide/Combustíveis.
R.T.J. — 197 783

O primeiro deles é o que impõe, na abertura do crédito adicional, um limite máximo


de dez por cento do valor de cada um dos subtítulos a serem eventualmente suplementados,
mediante a utilização, no caso em exame, da reserva de contingência ou do excesso de
arrecadação da própria contribuição mencionada (art. 4º, I, b e c, da Lei n. 10.640/03).
Já o segundo comando contestado permitiria, de acordo com a autora, a anulação
parcial de dotações ou a utilização da reserva de contingência e do excesso de arrecada-
ção — todos relativos às receitas da Cide/Combustíveis — para atender ou reforçar
dotações outras que não traduzam as finalidades previstas no art. 177, § 4º, II, da Carta
Magna (art. 4º, I, a, b, c e d, da Lei n. 10.640/03).
2. Analiso, neste tópico, a alegação de que o referido teto de dez por cento na
suplementação das rubricas próprias da Cide/Combustíveis, previsto na Lei Orçamentária
anual, afrontaria a destinação específica e vinculada conferida a esta receita pela Cons-
tituição Federal.
Para tanto, se faz necessária uma investigação do sentido e do alcance dessa limitação.
O crédito suplementar é uma das espécies de créditos adicionais e tem por finalida-
de única o reforço de despesas que, apesar de existentes, mostraram-se insuficientemente
dotadas. Ao contrário dos créditos especiais e extraordinários, os créditos suplementares
podem ser abertos por decreto, até uma certa importância e durante o exercício, por
meio de uma autorização específica inserida na própria lei orçamentária anual que fixe
determinado percentual incidente sobre a receita arrecadada.
Tal medida, prevista no art. 7º, I, da Lei n. 4.320, de 17-3-641, e respaldada pelo art.
165, § 8º, da CF, “busca agilizar os procedimentos administrativos, desburocratizando
o relacionamento entre o Executivo e o Legislativo” (James Giacomoni, Orçamento
Público, 5ª ed., São Paulo: Atlas, 1994, p. 221).
Trata-se, portanto, de um salutar mecanismo de pré-autorização legislativa que
confere ao Poder Executivo um maior desembaraço na suplementação de dotações que
tenham se mostrado insuficientes no curso do exercício. Tal chancela, entretanto, não
poderia ser absoluta e irrestrita, sob pena de violação ao princípio da legalidade em
matéria orçamentária que, segundo lição de José Afonso da Silva, possui o mesmo fun-
damento do princípio da legalidade geral, “segundo o qual a Administração se subordi-
na aos ditames da lei”2, numa clara referência ao disposto no art. 37, caput, da Carta
Magna.
Essa restrição se compatibiliza integralmente com o comando disposto no art.
167, V, da CF, que veda “a abertura de crédito suplementar ou especial sem prévia
autorização legislativa e sem a indicação dos recursos correspondentes”.

1 Lei n. 4.320, de 17-3-1964, que estatui normas gerais de direito financeiro para elaboração e
controle dos orçamentos e balanços da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal:
“Art. 7º A Lei de Orçamento poderá conter autorização ao Executivo para:
I - abrir créditos suplementares até determinada importância, obedecidas as disposições do art. 43;”
2 Curso de Direito Constitucional Positivo. 21. ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 720.
784 R.T.J. — 197

No caso em exame, ainda que compreensível a insatisfação da requerente com os


critérios políticos adotados pelo Poder Público que redundaram na destinação de cerca
de 40% (quarenta por cento) da receita da Cide/Combustíveis à reserva de contingên-
cia3, mostra-se incompatível com toda esta sistemática a tese de que o Poder Executivo
poderia se valer, apenas mediante a edição de decretos, dos quatro bilhões de reais
correspondentes àquela reserva — ainda que exclusivamente para o reforço de quaisquer
das rubricas constantes do grupo de despesas da Cide/Combustíveis — como se fosse um
cheque em branco passado pelo Poder Legislativo por meio da Lei Orçamentária anual,
sem limitação percentual alguma e, principalmente, sem uma autorização legislativa do
Congresso Nacional específica e circunstancialmente vinculada à necessidade da
suplementação.
Não obstante, tal limitação não traz consigo a possibilidade de desvio de finali-
dade ou de restrição na aplicação dos recursos da contribuição em tela. Isso porque os
créditos suplementares, assim como os especiais, podem ser propostos, no limite das
disponibilidades de recursos, mediante a apresentação de justificativa da necessidade e
o envio de projeto de lei ao Poder Legislativo, que então concederá ou negará a autori-
zação legislativa solicitada.4 Em obra coordenada por Flávio da Cruz, (Comentários à
Lei n. 4.320, São Paulo: Atlas, 2. ed., 2001, p. 85), essa dupla possibilidade foi assim
destacada:
“Nos créditos especiais, para cada caso, o processo deve ser iniciado pela
justificativa da necessidade e posterior remessa de projeto de lei ao Poder
Legislativo que concederá ou negará a autorização.
Um crédito suplementar pode estar enquadrado em dois rituais: (1º) seguir o
mesmo procedimento dos créditos especiais; (2º) utilizar prerrogativa específica
contida na própria lei orçamentária anual que estabeleça determinado percentual
incidente sobre a receita arrecadada como livremente suplementável pelo Poder
Executivo.
Além da autorização legislativa, cabe sempre uma regulamentação própria
do Poder Executivo em qualquer dos casos de abertura de créditos adicionais. O ato
normativo próprio é um decreto que obrigatoriamente deve citar em seu preâmbulo
o número e a data da lei anterior que autorizou a modificação. Não é demais
lembrar que esta interfere na vontade popular de alocar recursos, inicialmente
contida na lei orçamentária anual.”

3 Quadro 11 — Demonstrativo das fontes de recursos por grupo de despesa R$ 1,00


LDO, art. 10º, § 1º, inciso X Recursos de todas as fontes
Código Fonte Total Grupos de Despesa/Valor
111 Contribuição de Intervenção 10.775.502.643 Pessoal e Encargos Sociais 462.078.400
no Domínio Econômico – Juros e Encargos da Dívida 494.197.622
Combustíveis Outras Despesas Correntes 1.406.982.596
Investimentos 2.947.770.411
Inversões Financeiras 554.446.369
Amortização da Dívida 669.729.521
Reserva de Contingência 4.240.297.724

4 Art. 42 da Lei n. 4.320/64: “Os créditos suplementares e especiais serão autorizados por lei e abertos
por decreto executivo.”
R.T.J. — 197 785

É exemplo de utilização, pelo Executivo, desta modalidade de abertura de crédito


suplementar sem as limitações previstas na Lei Orçamentária a recente edição das Leis
10.811, de 12-12-2003, que “abre aos Orçamentos Fiscal e da Seguridade Social da
União, em favor dos Ministérios da Previdência Social, do Trabalho e Emprego e da
Assistência Social, crédito suplementar no valor global de R$ 230.475.440,00, para
reforço de dotações constantes da Lei Orçamentária vigente” e 10.813, da mesma data,
que “abre ao Orçamento Fiscal da União, em favor do Ministério de Minas e Energia,
crédito suplementar no valor de R$ 18.000.000,00, para reforço de dotação constante
da Lei Orçamentária vigente, e dá outras providências”.
3. Também não procede a alegação de que recursos provenientes de anulação
parcial de dotação, reserva de contingência e excesso de arrecadação da Cide/Combus-
tíveis poderia vir a ser utilizado em outras destinações que não as determinadas pelo art.
177, § 4º, II, da CF. É que os dispositivos impugnados determinam, explicitamente, a
observância do art. 8º, parágrafo único, da Lei Complementar n. 101/2000 (Lei de Res-
ponsabilidade Fiscal), segundo o qual “os recursos legalmente vinculados a finalidade
específica serão utilizados exclusivamente para atender ao objeto de sua vinculação,
ainda que em exercício diverso daquele em que ocorrer o ingresso”. Esse dispositivo,
até mesmo pela sua natureza integrativa, já que pertencente a uma lei complementar, traz
a conformação genérica e necessária entre o sistema orçamentário e as receitas obtidas
mediante a cobrança das contribuições, cujo produto não pode ser destinado senão às
finalidades que legitimaram a sua cobrança.
Portanto, se as dotações de reserva de contingência e de excesso de arrecadação
relativas às receitas da Cide/Combustíveis podem ser completamente exauridas nas
finalidades constitucionais desta contribuição por meio da abertura de créditos suple-
mentares após autorização legislativa específica para cada necessidade e, ainda, se pre-
sente determinação legal expressa no sentido de que os recursos vinculados dessa con-
tribuição somente sejam destinados às suas finalidades próprias, não restou violado o
art. 177, § 4º, II, da Constituição Federal.
Nesse sentido, manifestou-se a Secretaria de Orçamento Federal do Ministério do
Planejamento, Orçamento e Gestão por meio da Nota Técnica n. 07, encaminhada em
25-7-2003 pelo Sr. Secretário de Orçamento Federal, João Bernardo de Azevedo
Bringel, que assim asseverou (fls. 238/239):
“Como observado nos artigos retrotranscritos, fica o Poder Executivo previa-
mente autorizado a proceder as suplementações necessárias por intermédio de
decreto, desde que respeitados os limites previstos nesses artigos e, conforme des-
tacado no próprio texto da LOA, se observado o parágrafo único do art. 8º da Lei de
Responsabilidade Fiscal, que dispõe que os recursos legalmente vinculados a fina-
lidade específica serão utilizados exclusivamente para atender ao objeto de sua
vinculação, ainda que em exercício diverso daquele em que ocorrer o ingresso.
Essa autorização dada ao Poder Executivo não significa que as programa-
ções constantes na LOA não possam ser alteradas além dos limites constantes
nesses artigos. As suplementações e cancelamentos que excedam esses limites, ou
a criação de programações novas, que caracterizam os créditos especiais, podem
ser realizados, desde que com a chancela do Poder Legislativo. Nesses casos, as
alterações somente se processarão após a aprovação pela Casa Legislativa de pro-
jeto de lei de crédito suplementar ou especial encaminhado pelo Poder Executivo.
786 R.T.J. — 197

Assim, as autorizações para a abertura de créditos suplementares por meio de


decreto, contidas na LOA 2003, não constituem limitação para a abertura de crédi-
tos por intermédio de projetos de lei, os quais, havendo disponibilidade de recur-
sos, podem ser propostos pelo Poder Executivo independentemente dos limites
fixados nas referidas autorizações. As leis específicas de abertura de créditos ampa-
ram-se nos arts. 41 e 43 da Lei n. 4.320, de 17 de março de 1964.
Entretanto, mesmo nesses casos, permanece a necessidade de se respeitar a
vinculação legal das receitas, nos termos do parágrafo único do art. 8º da Lei de
Responsabilidade Fiscal, a qual, por ser uma lei complementar, tem prevalência
sobre qualquer lei ordinária de abertura de crédito.
Para assegurar o cumprimento desse dispositivo, esta Secretaria editou a Por-
taria SOF n. 1, de 19 de fevereiro de 2001, que alterou a classificação orçamentária
por fontes de recursos, criando o indicador de grupos de fontes, de forma a garantir
a identificação da receita vinculada, bem como de sua aplicação, nos exercícios
subseqüentes.
Assim, permanecem identificadas e vinculadas, independentemente do exer-
cício financeiro de sua arrecadação, não apenas as receitas da Cide – Combustí-
veis, mas toda e qualquer receita vinculada a finalidade específica, que somente
poderá ser legalmente aplicada no objeto de sua vinculação.”
Ainda sem reprovar o protesto da autora quanto à decisão política tomada, que
alocou significativa parcela da receita da Cide/Combustíveis na reserva de contingên-
cia, aflora como escopo da presente ação, ao meu ver, a pretensão de compelir o Poder
Executivo a utilizar, de forma indeclinável, aquele montante contingenciado por meio
da abertura de créditos suplementares. Além de adentrar na seara das opções de política
governamental e de desvirtuar radicalmente a finalidade deste instrumento orçamentá-
rio que, como demonstrado, não é incompatível com as finalidades constitucionais da
espécie tributária contribuição, principalmente após a vigência do art. 8º, parágrafo
único, da Lei Complementar 101/2000 (LRF), tal intento busca uma providência de
natureza mandamental não encontrável na ação direta de inconstitucionalidade.
Além disso, se, como visto, o contingenciamento realizado não traduz, efetivamente,
a ocorrência do desvio de finalidade na aplicação dos recursos da contribuição em debate,
busca a requerente provimento preventivo ou cautelar para afastar inconstitucionalidade
ou ilegalidade hipoteticamente considerada, que somente virá a ocorrer se os recursos da
Cide/Combustíveis forem, de fato, utilizados nas movimentações intra-orçamentárias em
outras finalidades que não as previstas do art. 177, § 4º, II, da Constituição.
Por essas razões, julgo improcedente o pedido formulado nesta ação direta de
inconstitucionalidade.

VOTO (Incidências)
A Sra. Ministra Ellen Gracie (Relatora): Sr. Presidente, iniciei o julgamento desta
ação na assentada em que propunha o seu não-conhecimento, tecendo elogios à atuação
do jovem Advogado que, brilhantemente, defende esta causa; renovo, aqui, essas home-
nagens, porque, realmente, o trabalho de Sua Excelência é brilhante, extremamente bem
desenvolvido e apresentado de maneira muito inteligente.
R.T.J. — 197 787

VOTO (Aditamento)
A Sra. Ministra Ellen Gracie (Relatora): Sr. Presidente, nessa hipótese, creio que o
eminente Advogado já deu a solução: disse que iria, então, bater às portas do Ministério
Público para pedir as providências correspondentes.
Por essas razões, especialmente pela natureza mandamental que entrevejo colocada
nesta ação, eficácia que não se encontra na ação direta de inconstitucionalidade, por este
caráter — digamos — preventivo de tentar evitar que o Governo dê “um mau passo” na
questão da aplicação desses recursos, julgo improcedente o pedido formulado nesta
ação direta de inconstitucionalidade.

VOTO
O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: Sr. Presidente, eu desafiaria as pessoas com um
mínimo conhecimento de Direito comparado a vislumbrar a possibilidade de uma Corte
constitucional conceder o que se pleiteia nesta Ação Direta de Inconstitucionalidade. A
meu ver, é desconhecer completamente toda a evolução das relações entre Legislativo e
Judiciário nestes duzentos anos. Parece-me bastante exótico.
Por isso, acompanho a Relatora.

VOTO
O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto: Senhor Presidente, pelo artigo 177, § 4º, da
Constituição Federal, todo o produto da arrecadação da Cide está vinculado a três fina-
lidades.
Se a eminente Relatora, no seu voto, deu à lei uma interpretação conforme esse
artigo, impedindo o risco de os recursos ficarem alocados em reserva de contingência,
que é uma dotação inespecífica, afastando este risco de uma aplicabilidade “tredestinada”,
ou seja, mesmo que, no exercício futuro, os recursos, ainda que sob reserva de contingência,
ficarão presos a essas três finalidades.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Ministro, a norma é expressa a viabilizar a utilização
desses recursos no campo dos créditos suplementares, e sem uma especificação. Eis a
disposição contrária à Carta. Estou com um memorial e não encontrei pedido para se
afastar o contingenciamento, que decorre da frustração de receita.
O Sr. Ministro Nelson Jobim: Veja o que estabelece a referência específica ao
artigo 8º, parágrafo único, da Lei de Responsabilidade Fiscal.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Não posso interpretar a Constituição a partir da
legislação ordinária.
O Sr. Ministro Nelson Jobim: Estou interpretando o artigo 4º da Lei Orçamentária
Anual da União, lei ordinária, que diz:
“Art. 4º Fica o Poder Executivo autorizado a abrir créditos suplementares,
observados os limites e condições estabelecidos neste artigo e desde que de-
monstrada, em anexo específico do decreto de abertura, a compatibilidade das
alterações promovidas na programação orçamentária com a meta de resultado
primário estabelecida no Anexo de Metas Fiscais da Lei de Diretrizes Orçamentárias
2003, para suplementação de dotações consignadas:
788 R.T.J. — 197

I - a cada subtítulo, até o limite de dez por cento do respectivo valor, mediante
a utilização de recursos provenientes de:
a) anulação parcial de dotações, limitada a dez por cento do valor do subtítulo
objeto da anulação, ressalvado o disposto no § 2º deste artigo;
b) reserva de contingência, inclusive de fundos e de órgãos e entidades das
Administrações direta e indireta, observado o disposto no parágrafo único do art.
8º da Lei de Responsabilidade Fiscal, e no § 6º deste artigo;
c) excesso de arrecadação de receitas diretamente arrecadadas, desde que
para alocação nos mesmos subtítulos em que os recursos dessas fontes foram origi-
nalmente programados, observado o disposto no parágrafo único do art. 8º da Lei
de Responsabilidade Fiscal; e
d) até dez por cento do excesso de arrecadação;”
De onde vêm os recursos em que fica autorizada a suplementação do crédito? Está
limitada essa suplementação a dez por cento de cada subtítulo. De onde vêm os recursos?
Primeiro, da anulação parcial de dotações, que se aplica a qualquer outra hipótese. De
reserva de contingência. À reserva de contingência no orçamento, poderá o Poder
Executivo suplementar crédito, utilizando dez por cento daquilo que já está reservado
em contingência. Ou seja, tem-se no orçamento o lançamento de uma reserva de contin-
gência, a Lei está autorizando, no artigo 4º, que poderá se utilizar para complementar até
dez por cento de subtítulos de verbas oriundas da reserva de contingência existente. E
diz mais, inclusive de fundos e órgãos da administração direta e indireta, observado —
quando do uso da reserva de contingência — o disposto no parágrafo único do art. 8º da
Lei de Responsabilidade Fiscal.
“Artigo 8º (...)
Parágrafo único. Os recursos legalmente vinculados a finalidade específica
serão utilizados exclusivamente para atender ao objeto de sua vinculação, ainda
que em exercício diverso daquele em que ocorrer o ingresso.”
Ou seja, se fosse lançar para a suplementação de verbas, no limite de dez por cento
de cada subtítulo, na reserva de contingência, e nela, se consignar verbas da Cide, só
pode ser destinada suplementação exclusivamente à Cide.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Todos estamos de acordo com a supremacia da Carta
da República. Agora, se existe tanta dúvida, a ponto de se ajuizar a ação direta de
inconstitucionalidade, evidentemente, precisamos partir, a fim de evitar controvérsias
futuras, para a interpretação conforme e proclamar que não pode haver a utilização,
como crédito suplementar, dessa rubrica que tem destinação peremptória, categórica, em
texto exaustivo na Carta da República.
O Sr. Ministro Nelson Jobim: Sugiro que se diga exclusivamente que, para
suplementação de créditos autorizados pelo artigo 4º da Lei, as origens das alíneas d —
excesso de arrecadação, caso da Cide — enfim, todas as fontes só podem ser as destinadas
referidas na Lei.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Compreendo. Vossa Excelência, perquirindo o
alcance da legislação que dispôs a respeito desse tema, do emprego de verbas, assenta
que ela respeita o texto da Carta. Agora, as dúvidas são muito grandes. Para mim, por
R.T.J. — 197 789

exemplo, temos, como ressaltou a Relatora, uma carta em branco que viabiliza a utilização,
quer a parcela esteja contingenciada ou não, em outro campo. Essa utilização em outro
campo é glosada pela Constituição.
O Sr. Ministro Nelson Jobim: Entendo que não, mas, em todo caso, não tem problema.
O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto: Parece-me que, do voto da Relatora, a
vinculação à Constituição fica assegurada. Foi uma interpretação conforme.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Se todos estamos de acordo com a premissa básica,
que é a cláusula fechada da Carta da República, por que não julgar em definitivo para
emprestar a interpretação conforme, afastando, portanto, do cenário jurídico outro
enfoque?
O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto: Eminente Ministra Relatora, Vossa Excelência
deu à lei impugnada uma interpretação conforme a Constituição, de sorte a preservar a
intocabilidade?
A Sra. Ministra Ellen Gracie (Relatora): Não, Ministro Carlos Britto. Não vejo
como acatar o pedido desta ação de inconstitucionalidade porque, muito embora inteli-
gentemente formulado, na realidade o que se procura é uma ordem que o Judiciário dê ao
Executivo para que gaste o valor “x” em tal finalidade.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Não adentramos essa seara.
A Sra. Ministra Ellen Gracie (Relatora): Fiz questão de ler a informação da Secretaria
de Orçamento Federal, e ela está dizendo exatamente isso, que seria a interpretação
conforme, que não há nenhuma intenção, e que a legislação, inclusive de responsabili-
dade fiscal, não permite.
O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto: Senhor Presidente, como não se trata de uma
interpretação conforme, peço vênia à Ministra Relatora, reconhecendo o brilho do voto
proferido, porém sou pela procedência da ação, mas apenas em relação à Cide/Combus-
tíveis.

VOTO
O Sr. Ministro Cezar Peluso: Sr. Presidente, acho que estamos todos de acordo. A
eminente Ministra Relatora invoca a Lei de Responsabilidade Fiscal para dizer que a
Constituição vai ser cumprida.
Sr. Presidente, o meu voto é no sentido de dar liberdade ao Governo para não
invocar outra interpretação qualquer como pretexto para deixar de cumprir a Constituição,
isto é, afasto todas as interpretações que dêem ao Governo um pretexto para não cumprir
a Constituição. Segundo meu raciocínio, a Constituição exige que os recursos sejam
aplicados nas três finalidades. O que entra na reserva é o saldo da aplicação dos recursos
nas três finalidades constitucionais. Ora, o art. 4º, § 1º, pode servir de escusa para o
Governo limitar até o teto de dez por cento a aplicação desse excesso ou desse saldo em
qualquer das três finalidades. Aí, a minha leitura é de que tal limite não subsiste e que,
portanto, o Governo tem a respeito liberdade política. Não vinculo, não amarro o Governo.
Mas não lhe reconheço poder de invocar aquele limite para dizer: “eu não aplico,
porque estou impedido”. Ele pode não aplicar, mas apenas se por ato político não o
queira fazer.
Essa é a minha interpretação e, com o devido respeito, julgo procedente a ação.
790 R.T.J. — 197

VOTO
O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Sr. Presidente, é uma matéria altamente complexa e
realmente delicada. Agora, impressiona-me o argumento aqui mencionado e, agora,
enfatizado pelo Ministro Peluso quanto à possibilidade de, por via dessa interpretação,
negar-se aplicação, e de forma reiterada, a recursos que são obtidos mediante estrita
vinculação. Isso, de fato, sensibiliza-me. Nessa linha da interpretação conforme — já
enunciada pelo Ministro Carlos Britto e, agora, precisada pelo Ministro Cezar Peluso —,
parece-me razoável a formulação feita.
Acompanho a manifestação, com as vênias à Ministra Ellen Gracie.

VOTO
O Sr. Ministro Nelson Jobim: Sr. Presidente, o art. 4º autoriza o Executivo a abrir
créditos suplementares. Abertura de créditos, quando decorrente de qualquer origem, é
autorizada especificamente por leis especiais, ou seja, são chamados créditos especiais,
conforme foi exposto pela Ministra Relatora.
Aqui, a lei orçamentária autorizou que fossem abertos créditos suplementares pelo
Executivo mediante decreto, ou seja, independente de lei específica, uma autorização,
uma delegação legislativa, para suplementação de dotações consignadas. Temos, no
orçamento, uma série de dotações consignadas nos valores específicos do orçamento.
Fica o Executivo autorizado a suplementar crédito nas várias dotações existentes que
estão explicitadas na Lei Orçamentária. E diz que a cada subtítulo relativo às dotações,
essa suplementação só pode ser feita até o limite de dez por cento. Então, está autorizado
o Executivo, a cada subtítulo, por força dessa lei, a abrir crédito suplementar até o limite
de dez por cento a cada subtítulo. Mas de onde tirar o dinheiro para abrir os dez por
cento? Porque temos no orçamento a previsão da receita e a previsão de despesa. Então,
como diz ele: qual é a possibilidade que tem o Executivo? A primeira possibilidade é a
anulação parcial, na alínea a, de dotações, limitada a dez por cento do subtítulo objeto.
Então, se temos um subtítulo com “x”, e temos previstas dotações, estas poderão ser trans-
postas, ou seja, você anula determinadas dotações para abrir créditos suplementares a fim
de aumentar aquele subtítulo. É uma espécie de transposição orçamentária em que você
anula aquela parcela da dotação — diz a lei — até o limite de dez por cento — para
transpô-la já para a suplementação. É uma primeira hipótese de suplementação até o
limite de dez por cento.
A segunda: cada dotação tem uma reserva de contingência. Está lançada no orça-
mento, dentro do subtítulo da arrecadação — na lei das dotações —, a reserva de contin-
gência que diz que poderá, para suplementar até o limite de dez por cento, usar desses
valores já consignados na reserva de contingência.
Diz a Lei n. 10.640/2003, artigo 4º, inciso I, letra b:
“reserva de contingência, inclusive de fundos e de órgãos e entidades das
Administrações direta e indireta, observado o disposto no parágrafo único do artigo
8º da Lei de Responsabilidade Fiscal, (...)”
Ele só pode lançar mão das reservas de contingência constantes da lei orçamentária
para os fins específicos. Se aquela reserva é de contingência da Cide, só pode ser usada
R.T.J. — 197 791

para a suplementação orçamentária da destinação da Cide. A reserva de contingência


não é o dinheiro que vai para reserva, está tirando da reserva de contingência para
suplementar os cinco por cento.
A terceira hipótese de origem dos valores do futuro:
“c) excesso de arrecadação de receitas diretamente arrecadadas, desde que
para alocação nos mesmos subtítulos em que os recursos dessas fontes foram
originalmente programados” — temos um excesso de arrecadação decorrente de
receitas diretamente arrecadadas, e esta alocação, dos cinco por cento, terá de estar
vinculada a esta origem — “observado o disposto no parágrafo único do art. 8º da
Lei de Responsabilidade Fiscal; (...)”
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Vossa Excelência tem em mãos esse preceito do
artigo 8º da Lei de Responsabilidade Fiscal?
O Sr. Ministro Nelson Jobim: O parágrafo único do artigo 8º diz o seguinte:
“Art. 8º (...)
Parágrafo único. Os recursos legalmente vinculados à finalidade específica
serão utilizados exclusivamente para atender ao objeto de sua vinculação, ainda
que em exercício diverso daquele em que ocorrer o ingresso.”
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Mesmo no caso de excesso?
O Sr. Ministro Nelson Jobim: Claro. Havendo excesso de arrecadação, o Executivo
não pode gastar. Só poderá fazê-lo havendo a autorização orçamentária, ou seja, havendo
excesso de arrecadação, há necessidade da remessa, ao Poder Legislativo, de um crédito
especial para destinar aqueles valores. Está-se dizendo aqui que o Executivo está auto-
rizado, para o crédito suplementar, até o limite de dez por cento, de lançar mão do
excesso de arrecadação, mas, se ele vem dessa fonte, só pode ser destinado para a
suplementação dessa fonte. Essa é a regra normal.
O Sr. Ministro Cezar Peluso: Vossa Excelência me está criando uma dúvida ao
dizer que não se pode gastar o excesso de arrecadação, salvo com autorização da Lei
Orçamentária. Vossa Excelência estaria sustentando que a Lei Orçamentária possa obstar a
eficácia da norma constitucional, que prescreve devam os recursos ser aplicados?
O Sr. Ministro Nelson Jobim: Não é isso. Vamos falar sobre o orçamento. Não há
possibilidade, pela norma constitucional, de o Executivo lançar mão de despesas sem
autorização orçamentária. Há necessidade da autorização orçamentária, inclusive das
destinadas.
O Sr. Ministro Cezar Peluso: Salvo aquelas já pré-destinadas pela Constituição.
O Sr. Ministro Nelson Jobim: Uma coisa é destinação, ou seja, toda a arrecadação
dessa origem destina-se à Cide. Agora, a despesa deve estar autorizada pelo orçamento.
Não há possibilidade de o Executivo fazer despesas sob o argumento de que essa receita
é originária da Cide e gastá-las na Cide. Tem que haver autorização legislativa. Esse é o
sistema da norma constitucional relativa ao orçamento.
O Sr. Ministro Cezar Peluso: Estou de acordo. Mas Vossa Excelência, também, não
concorda com que, se houver limitação, ou falta de autorização, a norma constitucional
se torna letra morta?
792 R.T.J. — 197

O Sr. Ministro Nelson Jobim: Estou mostrando o sistema do orçamento. Veja o que
se passa: para efeito de raciocínio, vamos admitir que houve um excesso de arrecadação
“x” das verbas originárias da Cide. O que está autorizado? Que isso seja gasto, por
crédito suplementar, mediante decreto, até o limite de dez por cento. Temos autorização
para crédito suplementar, mediante decreto, até o limite de dez por cento; se houver um
excesso de arrecadação que ultrapasse esse limite — o Executivo pode, mediante decreto,
suplementar até o limite de dez por cento —, sobre o excedente terá que haver projeto de
lei especial para crédito especial, considerando o excesso de arrecadação. Efetivamente,
ele não pode gastar para outro fim sem que o Legislativo autorize no excedente de dez
por cento. Se essa arrecadação preenche os dez por cento, tudo bem. Agora, se ela excede,
o Executivo, mediante decreto, destina o limite até os dez por cento para o subtítulo
especial do investimento da Cide, e os outros excedentes, ele não pode gastar senão
autorizado pelo Congresso, pelo crédito especial. Ou seja, o fato de ter arrecadado de
fonte específica não autoriza despesa se não houver autorização orçamentária específica,
que é a norma orçamentária típica. É isso o que se passa.
Então, temos duas saídas: se houver a necessidade de uma suplementação de dez
por cento, onde buscará esses recursos para suplementá-los? Poderá buscá-los na anula-
ção parcial, na reserva de contingência existente, que é despesa para não pagar, e poderá
buscar o recurso no excesso de arrecadação, mas este está vinculado à sua origem. Se ele
é um excesso decorrente de receita vinculada, terá que lançar um subtítulo respectivo,
não pode destinar outro subtítulo. É isso o que está dito. Não há a criação de uma reserva
de contingência nova, mas, sim, a fonte para a suplementação até o limite de dez por
cento. Agora, se a necessidade do limite ultrapassar a dez por cento, ele usará decreto
para os dez por cento e terá que usar lei especial para o excedente.
Então, não vejo nenhuma possibilidade de interpretação diversa, porque essa é a
técnica orçamentária. Aqui, visa-se tentar romper o superavit primário, que se pretende
com orçamento, através da abertura da possibilidade da necessidade do investimento.
Por isso a Ministra Ellen Gracie referiu que a pretensão última disso é a tentativa
mandamental, que os Senhores perceberam e não concordaram, de que Supremo vá
determinar ao Executivo essa forma de execução extra-orçamentária.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Senhor Presidente, não haveria a discussão que
agora se trava sem o descompasso quanto à interpretação do ato atacado. Não teríamos a
presença, nesta assentada, do próprio Advogado-Geral da União, uma vez que a Advo-
cacia-Geral da União está assoberbada — tenho certeza disso —, se o ato normativo,
realmente, já atendesse ao dispositivo constitucional.
A norma primária, categórica, peremptória, exaustiva, relativa aos recursos arreca-
dados com a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico, ligada às atividades
de importação, comercialização de petróleo e seus derivados, gás natural e seus deriva-
dos e álcool combustível, dispõe:
Art. 177 (...)
§ 4º (...)
II - os recursos arrecadados serão destinados:
R.T.J. — 197 793

a) ao pagamento de subsídios a preços ou transporte de álcool combustível,


gás natural e seus derivados e derivados de petróleo;
b) ao financiamento de projetos ambientais relacionados com a indústria do
petróleo e do gás;
c) ao financiamento de programas de infra-estrutura de transportes.
Tem-se uma cláusula fechada.
Dispositivos atacados: artigo 4º da Lei n. 10.640, Lei Orçamentária Anual da
União, e, em boa hora, o Supremo excepcionou a jurisprudência, até então assentada,
para admitir o controle concentrado contra Lei Orçamentária, já que envolvido texto
abstrato a desafiar, portanto, o controle concentrado.
Art. 4º Fica o Poder Executivo autorizado a abrir créditos suplementares,
observados os limites e condições estabelecidos neste artigo e desde que demons-
trada, em anexo específico do decreto de abertura, a compatibilidade das altera-
ções promovidas na programação orçamentária com a meta de resultado primário
estabelecida no Anexo de Metas Fiscais da Lei de Diretrizes Orçamentárias 2003,
para suplementação de dotações consignadas:
I - a cada subtítulo, até o limite de dez por cento do respectivo valor, mediante
a utilização de recursos provenientes de:
a) anulação parcial de dotações, limitada a dez por cento do valor do
subtítulo objeto da anulação, ressalvado o disposto no § 2º deste artigo;
b) reserva de contingência, inclusive de fundos e de órgãos e entidades
das Administrações direta e indireta, observado o disposto no parágrafo único
do art. 8º da Lei de Responsabilidade Fiscal, e no § 6º deste artigo;
c) excesso de arrecadação de receitas diretamente arrecadadas, desde
que para alocação nos mesmos subtítulos em que os recursos dessas fontes
foram originalmente programados, observado o disposto no parágrafo único
do art. 8º da Lei de Responsabilidade Fiscal; e
d) até dez por cento do excesso de arrecadação;
Há realmente, Senhor Presidente, uma referência, nas alíneas b e c, ao artigo 8º da
Lei de Responsabilidade Fiscal, e surge a discussão quanto à óptica que prevalecerá na
interpretação desse dispositivo, à luz da Carta da República. Observo a reserva mental.
Uma coisa é discutir-se no campo jurisdicional e outra é caminhar-se para a implemen-
tação de uma certa política governamental.
Faço justiça, pelo menos, considerada a síntese do pedido da Confederação Nacional
do Transporte, contida em memorial, à proficiência do ilustre advogado Dr. Luiz Alberto
Bettiol e também a esse constitucionalista, tributarista, que é meu xará, Marco Aurélio
Greco.
O que se pleiteia nesta ação direta de inconstitucionalidade? Liberação de valores
contingenciados? Creio que não. A não ser que não conste do memorial que recebi
pleito nesse sentido contido na inicial. O que se pede em relação ao artigo 4ª, inciso I,
alíneas b e c, da Lei n. 10.640, de 2003, é a aplicação conforme a Carta. E em que
sentido? Para chegar-se sem redução de texto à aplicação, isto é, do teto de dez por cento
794 R.T.J. — 197

para suplementação de créditos com recurso de reserva de contingência e de excesso de


arrecadação para as dotações vinculadas aos recursos da Cide/Combustíveis, ex vi do
artigo 177, § 2º, da Constituição Federal, no que concerne à alínea a do inciso I do artigo
4º da Lei n. 10.640: suplementação com recursos provenientes de anulação de dotações;
a declaração de inconstitucional, sem redução de texto; a aplicação desse dispositivo
para anular dotações já vinculadas aos recursos da Cide/Combustíveis, com o objetivo
de atender ou reforçar dotações outras, que não aquelas especificadas no artigo 177, § 4º,
II, da Constituição Federal.
Relativamente à alínea b do inciso I do artigo 4º da Lei n. 10.640: suplementação
com recurso de reserva de contingência; inconstitucional, sem redução de texto; a apli-
cação desse dispositivo para remanejar os recursos que vierem a compor a reserva de
contingência da Cide/Combustíveis, com o objetivo de atender ou reforçar dotações
outras, que não aquelas vinculadas pelo artigo 177, § 4º, inciso II, da Constituição
Federal.
Pertinente à alínea c do inciso I do artigo 4º da Lei n. 10.640, de 2003: suplemen-
tação com recursos decorrentes de excesso de arrecadação da Cide/Combustíveis;
inconstitucional, sem redução de texto; a aplicação desse dispositivo, para aproveitar
o excesso de arrecadação da contribuição em questão, para atender ou reforçar dotações
outras, que não aquelas vinculadas pelo artigo 177, § 4º, inciso II, da Constituição
Federal.
O Sr. Ministro Nelson Jobim: Ministro Marco Aurélio, Vossa Excelência me
permite? Só para lembrá-lo que estamos escutando, aqui, assunto que diz respeito à Cide
que, ao fim e ao cabo, é uma questão das empreiteiras nacionais que têm uma longa
história no País.
Na verdade, esse é um dispositivo muito genérico. Está envolvendo o quê? A
saúde. Há verbas destinadas à saúde, então, vamos só dizer que é da Cide, nos interesses
das empreiteiras nacionais? Vamos discutir uma norma geral ou uma ação direta de
inconstitucionalidade para um caso concreto?
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Reservo-me à análise dessa matéria quando vier a
ação direta de inconstitucionalidade específica.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Ministro, data venia, de ação direta de
inconstitucionalidade de uma lei orçamentária que não fala em Cide.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Estou diante de um pedido específico.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Não pode haver desvio do excesso de arreca-
dação de receitas vinculadas à saúde, por exemplo. Isso não é o problema. O que está em
causa é a constitucionalidade do artigo 4º, em que não existe a palavra “Cide”.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Existe uma previsão abrangente, e a própria Advo-
cacia-Geral da União admitiu poder alcançar essa contribuição.
O Sr. Ministro Nelson Jobim: Esta ADI é um mandado de segurança preventivo?
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Ela tem cara de mandado de segurança
preventivo.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Senhor Presidente, não sei por que estamos a discutir,
há tanto tempo, se a lei é clara no sentido da observância do que se contém na Carta.
Imagine: se nós, os senhores advogados, os senhores pareceristas temos dúvidas quanto
R.T.J. — 197 795

ao alcance dessa lei, o que se dirá em relação àqueles titulares de uma política governa-
mental em curso? Qual será a tendência, principalmente em uma época em que se fala
tanto em Fome Zero?
O Sr. Ministro Nelson Jobim: Começou o preconceito, o juízo preconceituoso.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Não, não há preconceito. O que há é a constatação
da realidade, de um histórico. Cada governo que chegou ao Poder nos últimos anos
trouxe o plano milagroso para consertar o Brasil — com c e com s — e a sociedade
brasileira viveu, nos últimos trinta anos, em sobressaltos.
Se nós, onze, que costumamos lidar tanto com a Carta da República, estamos aqui
a divergir quanto ao alcance do ato atacado, indaga-se: se concordamos que a nossa
Constituição Federal continua rígida, como Lei Suprema do País, por que não homena-
gear, explicitando, na espécie, que o dispositivo impugnado não alcança essa rubrica
que tem destinação exclusiva pela Carta da República?
O Sr. Ministro Nelson Jobim: Então, Vossa Excelência dá provimento ao mandado
de segurança preventivo, ajuizado pela Confederação Nacional do Trabalho, em favor
das empreiteiras nacionais?
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Não é mandado de segurança preventivo, não é ação
direta de inconstitucionalidade por omissão; não temos, aqui, uma ação mandamental.
Senhor Presidente, não posso subestimar inteligências. Admito haver um descom-
passo de enfoque, relativamente ao alcance dessa lei. De um lado, sustentando-se que ela
ofende, como está, considerada uma certa ambigüidade, o que se contém na Constituição
Federal; de outro lado, dando-se à Carta da República, conforme trecho lido da tribuna
pelo Dr. Luiz Alberto Bettiol, uma interpretação que a torna flexível, que abre a alínea,
que seria a d, do inciso II do § 4º do artigo 177 dessa mesma Carta para, simplesmente,
ter-se uma carta em branco, visando à atuação no campo político, pelo Governo, no
emprego de verba destinada de forma peremptória, e bem destinada, diria eu. Não tenho,
na definição, preconceito quanto a empreiteiras.
O Sr. Ministro Nelson Jobim: Não tenho preconceito, tenho história.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Todos nós temos histórias.
O Sr. Ministro Nelson Jobim: Veja as CPIs e Vossa Excelência vai verificar muito a
participação das CPIs, principalmente da famosa CPI do Orçamento.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Senhor Presidente, então, há um descompasso.
Estamos aqui num processo — já perquiri o alcance do ato normativo —, não estamos
sequer indagando o alcance da Carta da República, porque os dez Ministros presentes —
Vossa Excelência, ainda, não se manifestou — concordam com o alcance do artigo 177,
§ 4º, inciso II, dessa mesma Carta, mas há sérias dúvidas, e o Tribunal está dividido,
quanto ao alcance do ato normativo atacado. Não tenho nenhuma dúvida. O que eu digo
é que o amanhã, se a decisão não for no sentido da procedência do pedido formulado na
inicial, revelará o emprego dessa contribuição, do arrecadado a título dessa contribuição
do artigo 177, § 4º, em áreas diversas, tendo em conta — repito — a ambigüidade da lei
atacada.
Peço vênia para acompanhar a divergência dos Ministros Carlos Britto, Gilmar
Mendes, Cezar Peluso e julgar procedente o pedido, nos termos em que formulado,
assentando que não há pedido quanto ao contingenciamento.
796 R.T.J. — 197

EXPLICAÇÃO
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Senhor Presidente, não deduzi meu raciocínio em
vista apenas do sustentado e esclarecido da tribuna. Quando, na assentada anterior, disse
do cabimento da Ação Direta de Inconstitucionalidade, já tinha convencimento formado
sobre a procedência, isso com base no relatório da nobre Relatora, Ministra Ellen Gracie,
e, também, nos memoriais apresentados pelas partes, inclusive pela própria União. Agora,
torno a dizer que a União e a requerente, a Confederação, pensam de uma única forma:
que não pode haver desvio de valores arrecadados a partir da norma do § 4º do artigo 177
da Constituição Federal. A dúvida está no alcance dessa lei. Para um certo segmento,
tem-se que ela viabiliza a utilização, como crédito suplementar, do que arrecadado a tal
título e, para outro segmento, não. Acredita-se que teremos uma fidelidade maior no
campo da execução dessa lei, até mesmo não a observando no que é inconstitucional.

VOTO
O Sr. Ministro Carlos Velloso: Sr. Presidente, o Código Tributário Nacional, no
artigo 4º, inciso II, estabelece que “a natureza jurídica específica do tributo é determinada
pelo fato gerador da respectiva obrigação, sendo irrelevantes para qualificá-la: II - a
destinação legal do produto da sua arrecadação.”
Esse dispositivo tem aplicação, às inteiras, no que concerne aos impostos, às taxas
e às contribuições de melhoria (CF, art. 145, I, II, III). Todavia, quanto às contribuições
parafiscais — que se desdobram em 1) contribuições sociais de seguridade social (CF,
art. 149, art. 195); 2) contribuições sociais de seguridade social decorrente de novas
fontes (CF, 149, art. 195, § 4º) e 3) contribuições sociais gerais, como, por exemplo, o
salário-educação (CF, art. 212, § 5º), e as contribuições do sistema “S” (CF, art. 240) —
e bem assim às contribuições parafiscais especiais, vale dizer 1) às contribuições de
intervenção (CF, art. 149) e 2) às contribuições corporativas (CF, art. 149), quanto a essas
contribuições, a sua característica está justamente na sua finalidade, ou na destinação do
produto de sua arrecadação. É dizer, o elemento essencial para a identificação dessas
espécies tributárias é a destinação do produto de sua arrecadação.
Bem por isso, Sr. Presidente, no que toca à contribuição objeto de nossas cogita-
ções, estabelece o art. 177, § 4º, inciso II, da Constituição Federal:
“Art. 177 (...)
§ 4º A lei que instituir contribuição de intervenção no domínio econômico
relativa às atividades de importação ou comercialização de petróleo e seus de-
rivados, gás natural e seus derivados e álcool combustível deverá atender aos seguintes
requisitos:
II - os recursos arrecadados serão destinados:
a) ao pagamento de subsídios a preços ou transporte de álcool combustível,
gás natural e seus derivados e derivados de petróleo;
b) ao financiamento de projetos ambientais relacionados com a indústria do
petróleo e do gás;
c) ao financiamento de programas de infra-estrutura de transportes.”
R.T.J. — 197 797

Sr. Presidente, expressamente a Constituição estabelece a destinação do produto


da arrecadação da Cide. Estamos todos de acordo em que a destinação dessa contribuição
não pode ser desviada, porque não há como escapar do comando constitucional, art.
177, § 4º, inciso II. Mas o que ouvi dos debates e das manifestações dos advogados é que
o desvio está ocorrendo.
A interpretação preconizada, a começar pelo Ministro Carlos Britto, parece-me
razoável. Evidentemente que não estou mandando o Governo gastar. A realização de
despesas depende de políticas públicas. O que digo é que o Governo não pode gastar o
produto da arrecadação da Cide fora do que estabelece a Constituição Federal, art. 177,
§ 4º, II. Noutras palavras, o Governo somente poderá gastar o produto da arrecadação da
mencionada contribuição no que está estabelecido na Constituição, art. 177, § 4º, II.
Como cidadão, penso que o Governo deveria, de há muito, estar gastando a Cide
na manutenção das nossas rodovias, que estão acabando. Se o Governo deixar que a
nossa teia rodoviária se acabe — e parece que o Governo não liga para o assunto, pois as
estradas estão cada vez mais estragadas —, vai ter que gastar muito mais. É preciso
pensar na segurança das pessoas que utilizam as nossas estradas, é preciso pensar no
transporte de cargas, é preciso compreender que rodovias estragadas aumentam os preços
dos fretes, assim aumentam os preços dos gêneros de primeira necessidade e o sacrifica-
do, em conseqüência, é o povo.
É assim que penso como cidadão, cidadão que utiliza as nossas tão mal cuidadas
rodovias.
O Sr. Ministro Nelson Jobim: Ministro, apenas quero lembrar que o inciso II do
artigo 167 da Constituição diz, claramente:
“Art. 167. São vedados:
II - a realização de despesas ou a assunção de obrigações diretas que excedam
os créditos orçamentários ou adicionais:”
Ou seja, o excesso de arrecadação não autoriza a despesa, se não tiver autorização
orçamentária específica.
O Sr. Ministro Cezar Peluso: Vossa Excelência me permite? Teríamos de dizer que
essa autorização pode ser dada sem nenhuma restrição, mediante lei.
O Sr. Ministro Nelson Jobim: Não. Aqui há uma autorização para um crédito suple-
mentar de dez por cento e o que exceder a esse valor, no eventual excesso de arrecadação,
só com lei especial. Ou seja, não há autorização de despesa. O fato de existir a receita não
autoriza a despesa.
O Sr. Ministro Cezar Peluso: É exatamente isso. E quando essa despesa for autori-
zada, ela terá de ser vinculada constitucionalmente.
O Sr. Ministro Nelson Jobim: Mas isso está dito na lei.
O Sr. Ministro Cezar Peluso: Diante da dúvida surgida, estamos deixando claro.
O Sr. Ministro Nelson Jobim: Toda a discussão aqui é para atender uma pretensão
que está na lei. Uma pretensão específica, relativa; quer uma declaração de inconstituciona-
lidade para a Cide, para a vinculação aos transportes, para a vinculação a receita às
empreiteiras nacionais. É isso que se está querendo. Só. Eu gostaria de pensar um dia,
talvez, num orçamento para o sistema “s”; na aplicação das receitas orçamentárias do
sistema “s”. Seria interessante se discutir isso um dia.
798 R.T.J. — 197

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Vou pedir vênia ao eminente Ministro Carlos Velloso,
para me valer do aparte do eminente Ministro Nelson Jobim e fazer duas observações: o
problema que me chamou a atenção, aqui, foi a objeção já esboçada pelo Ministro
Sepúlveda Pertence, no sentido de que há dificuldade de ordem teórica para compatibi-
lizar o pedido com o propósito de transformá-lo em ação de caráter mandamental, para
defender resultado prático específico que interessa a grupo determinado. E invoco o
eminente Ministro Gilmar Mendes, para notar que estamos em sede de controle abstrato
de constitucionalidade, de modo que nossa função consiste em dizer que, diante de
pedido que não se subordina às regras particulares do processo subjetivo, isto é, nenhuma
das normas processuais que regulam o processo de caráter subjetivo (como, por exemplo,
a de adstrição ao pedido, adstrição à causa de pedir, etc.), essas normas são inaplicáveis
nesta ação, em que a cidadania tem direito de exigir da Corte a interpretação de uma
norma perante todo o texto constitucional. E, portanto, com base nessa premissa assen-
tada em memorável julgamento, podemos analisar o pedido, ainda que com alguma
especificidade em relação a um grupo de sujeitos, abstraindo essa especificidade e
tomando-o como pedido de análise da norma em caráter geral e, portanto, aproveitável
a toda espécie de contribuição que tem predestinação constitucional, para dar a essa
norma caráter geral, e não, restrito ao caso do artigo 177.
O Sr. Ministro Carlos Velloso: Ministro, mesmo no processo objetivo não podemos
sair do pedido.
O Sr. Ministro Cezar Peluso: Mas o pedido é só de interpretação da norma do artigo
4º perante a Constituição.
O Sr. Ministro Carlos Velloso: O pedido é com relação à Cide, artigo 177, § 4º,
inciso II, e nós não podemos, mesmo no processo objetivo, nos afastar do pedido. No
mais, estou inteiramente de acordo com Vossa Excelência, mas, em relação ao pedido,
nós não podemos nos afastar, repito.
O Sr Ministro Cezar Peluso: Do pedido, não. A autora quer que se examine a
questão perante o artigo 177.
O Sr. Ministro Carlos Velloso: Exatamente, Ministro. O artigo 177 é expresso. O
pedido é com relação à Cide. No momento em que for proposta uma ação relativamente
a qualquer outra contribuição, então vamos nos manifestar. E há entendimento, neste
Tribunal, que seriam vinculantes os fundamentos com relação a todas as outras. Eu não
estou de acordo. Penso que apenas o dispositivo vincula. Mas a questão é interessante e,
brevemente, vamos ouvir o nosso eminente Colega, Ministro Gilmar Mendes, que,
certamente, sustentará que os fundamentos também são vinculantes. E quem sabe não
vamos concordar?
Vou encerrar o meu voto, pondo-me de acordo com a divergência, evidentemente
com o maior respeito e com a vênia devida à eminente Ministra Relatora. Penso que a
previsão de suplementação de créditos, contida nos dispositivos impugnados da Lei
Orçamentária Anual, não pode atingir a destinação da Cide, instituída pela Lei n.
10.336, de 2001. É dizer, a destinação a ser observada é a do artigo 177, § 4º, inciso II.
Volto a repetir, não estou dizendo que o Governo deve gastar, isso é um ato político, não
pode é desvincular o produto da arrecadação daquilo que está expressamente estabele-
cido na Constituição.
Com essas breves considerações, pedindo mais uma vez vênia à eminente Ministra
Relatora, acompanho a divergência.
R.T.J. — 197 799

VOTO (Aditamento)
O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Sr. Presidente, na verdade, é até uma infelicidade
que tenhamos de debater esse tema, e a Ministra Ellen Gracie trouxe isso, exatamente,
por revelação de responsabilidade, não deixar que isso entrasse no exercício findo e,
depois, tivéssemos, aí, a questão da discussão sobre os efeitos e tudo mais, e o eventual
exaurimento de eficácia da norma. Mas estamos a ver que o tema é assaz complexo, é um
daqueles casos em que, talvez, devêssemos nos valer da fórmula da Lei n. 9.868 e realizar
algo como ou uma audiência pública ou até a designação de um debate entre experts.
Acho que era um típico caso para que pudéssemos analisar a repercussão não só nesse
caso, mas em outros. A ambigüidade existe na medida em que o texto é bastante genérico,
e o pedido é exatamente de uma exclusão. Mas, de fato, se produz no próprio texto
constitucional, temos a experiência com a CPMF — claro que, aqui, com destinação à
seguridade e, obviamente, como esta é muito carente e não há essa discussão sobre se, de
fato, foram destinados os vinte ou trinta bilhões, se houve excesso de arrecadação, aqui
ou acolá —, e esse é um tema que marca o drama dessa nossa opção em ter de julgar isso
na última sessão do último dia do ano judiciário, e nós todos estamos impedidos, moral
e juridicamente, de pedir vista sem assumir a responsabilidade.
Eu, também, tive a impressão, e, também, o Ministro Carlos Britto, diante de algumas
considerações e obter dicta feitas pela Ministra Ellen Gracie, ficamos com a impressão
de que ela se encaminhava para uma interpretação conforme, especialmente em face das
considerações sobre um eventual “cheque em branco” que se dava ao Executivo.
De modo que, reconhecendo a delicadeza do tema e registrando a necessidade de
uma eventual rediscussão em outro contexto, eu, também, não vejo como afastar, agora,
a colocação feita ou resumida de maneira bastante precisa pelo Ministro Carlos Velloso,
assentando que o texto constitucional é impositivo. Agora não obriga a um dispêndio,
isso continua submetido às regras orçamentárias, claro que, portanto, terá de haver a
deliberação legislativa.

VOTO
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Sr. Presidente, começo por informar ao Ministro
Nelson Jobim que sou filho de empreiteiro, embora um modesto empreiteiro.
Serei absolutamente breve, e os meus problemas são de princípio, de compromisso
com essa que é a nossa empreitada fundamental, o controle abstrato de normas.
Ninguém duvida, a meu ver, os dez Ministros presentes, que o artigo 177, § 4º,
inciso II, da Constituição, criou uma vinculação de receita iniludível, que alcança todo
o montante arrecadado a título da Cide. Como de resto é da essência das contribuições,
qual mostrou o Professor Carlos Velloso. Ninguém duvida também de que, em função
das regras básicas do processo orçamentário constitucional, essa vinculação não obriga
a despender, em cada exercício, toda a arrecadação desta contribuição ou de outras
receitas vinculadas. O dispêndio depende da dotação orçamentária.
Todo controle de constitucionalidade de normas parte — perdoem-me o lugar
comum — da interpretação da norma questionada. E, a partir daí, o Tribunal pode encon-
trar-se entre as duas hipóteses de uma alternativa: ou a interpretação é inequívoca —
quanto uma interpretação pode ser inequívoca, mas ao Tribunal parecer inequívoca — e,
800 R.T.J. — 197

aí, cabe-lhe dizer: essa interpretação inequívoca é constitucional ou é inconstitucional; ou


o Tribunal reconhece a equivocidade do texto ou da norma, melhor dizendo, sujeita ao seu
controle. Não qualquer dúvida subjetiva, por mais eminente que seja o sujeito da dúvida,
mas uma ambigüidade nascida do próprio texto da norma e aí, sim — e só aí —, é que cabe
cogitar de uma “interpretação conforme”, na medida em que ela envolve também a decla-
ração de inconstitucionalidade sem redução do texto, de todas as outras interpretações a
que o preceito pudesse dar lugar.
Confesso, Sr. Presidente, que não vejo, nas alíneas do artigo 4º da Lei Orçamen-
tária, esta ambigüidade, capaz de autorizar o recurso à “interpretação conforme”. A
interpretação está feita, e a fez a eminente Relatora, mas não é o dispositivo do tipo de
declaração de inconstitucionalidade parcial, a que se tem dado o nome de “interpretação
conforme”.
Trata-se de norma geral, por isso mesmo conhecemos da ação direta. Nada tem de
específico dessa contribuição, a Cide: dirige-se tanto a receitas desvinculadas, quanto a
receitas vinculadas conforme a Constituição.
E nela não vejo possibilidade de interpretação que leve à autorização de um
desvio das destinações predeterminadas às receitas vinculadas, como são as receitas das
contribuições; e não vejo, primeiro, dada a natureza mesma do crédito suplementar, no
Direito Constitucional orçamentário; segundo, pela vinculação explícita do próprio
artigo 4º, à observância do artigo 8º, § 2º da Lei de Responsabilidade Fiscal, que torna
absolutamente inequívoco que o crédito suplementar só pode destinar verbas vinculadas
ao objeto de sua vinculação.
Por isso, sem questionar a interpretação que é praticamente unânime no Tribunal,
acompanho a eminente Relatora.

VOTO (Aditamento)
O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto: Senhor Presidente, exatamente porque a lei
impugnada não faz a distinção entre receitas de destinação obrigatória e receitas de
destinação livre, mais do que comportar uma certa ambigüidade, ela comporta uma
ambigüidade certa, o que é mais grave.

VOTO (Aditamento)
O Sr. Ministro Nelson Jobim: Sr. Presidente, só gostaria de lembrar ao grupo que
está acompanhando a divergência que, na folha 32 da inicial, pede seja afastada, em
relação às dotações vinculadas aos recursos oriundos da arrecadação, a aplicação do
artigo 4º, inciso I, letras b e c, isto é, do teto de dez por cento da abertura de crédito. Está
pedindo o afastamento dos dez por cento.
Não é tão simples, como se diria, o número I do pedido: seja afastada, em relação às
dotações vinculadas aos recursos oriundos da Cide (Fonte 111), a aplicação do artigo 4º,
inciso I, alíneas b e c da referida Lei, isto é, do teto de dez por cento para abertura de
créditos suplementares com recursos oriundos. Está se dizendo, aqui, que, se oriundos da
Cide, não teria limites à abertura do crédito suplementar.
R.T.J. — 197 801

VOTO
O Sr. Ministro Maurício Corrêa (Presidente): Examinando o ato impugnado, veri-
fica-se uma disposição que, ao meu juízo, afronta inegavelmente o artigo 177, § 4º, II da
Constituição Federal. Até porque quem se responsabiliza por fazer lei orçamentária não
somos nós, mas o Congresso Nacional. Ele deveria ter tido o cuidado de saber se estaria
a norma compatibilizada ou não com o que determina a regra constitucional.
Diante de tudo já devidamente explicitado, não tenho outra alternativa senão também
entender que, na melhor das hipóteses, resta — conforme disse com muita propriedade o
Ministro Carlos Velloso — uma ambigüidade entre o texto impugnado e a norma consti-
tucional. Só isso, a meu ver, justificaria o julgamento pela procedência da ação.
Acompanho a divergência do Ministro Carlos Britto, com todas as vênias à Ministra
Ellen Gracie e aos que a acompanharam.

EXTRATO DA ATA
ADI 2.925/DF — Relatora: Ministra Ellen Gracie. Relator para o acórdão: Ministro
Marco Aurélio. Requerente: Confederação Nacional do Transporte – CNT (Advogados:
Luiz Alberto Bettiol e outro) Requeridos: Presidente da República e Congresso Nacional.
Decisão: O Tribunal, por maioria, julgou procedente, em parte, a ação, para dar
interpretação conforme a Constituição, no sentido de que a abertura de crédito suple-
mentar deve ser destinada às três finalidades enumeradas no artigo 177, § 4º, inciso II,
alíneas a, b e c, da Carta Federal, vencidos a Ministra Ellen Gracie, Relatora, e os Ministros
Joaquim Barbosa, Nelson Jobim e Sepúlveda Pertence. Votou o Presidente, Ministro
Maurício Corrêa. Redigirá o acórdão o Ministro Marco Aurélio. Ausente, justificada-
mente, o Ministro Celso de Mello.
Presidência do Ministro Maurício Corrêa. Presentes à sessão os Ministros
Sepúlveda Pertence, Carlos Velloso, Marco Aurélio, Nelson Jobim, Ellen Gracie, Gilmar
Mendes, Cezar Peluso, Carlos Britto e Joaquim Barbosa. Procurador-Geral da República,
Dr. Haroldo Ferraz da Nóbrega (Portaria PGR n. 769/2003).
Brasília, 19 de dezembro de 2003 — Luiz Tomimatsu, Coordenador.

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 3.051 — MG

Relator: O Sr. Ministro Carlos Britto


Requerente: Procurador-Geral da República — Requerida: Assembléia Legislativa
do Estado de Minas Gerais
Ação direta de inconstitucionalidade. Emenda Constitucional n. 52,
de 28 de dezembro de 2001, do Estado de Minas Gerais. Ato normativo que
extingue o cargo de carcereiro na estrutura da Polícia Civil.
802 R.T.J. — 197

O diploma legislativo sob censura, de iniciativa do parlamento


mineiro, dispõe sobre a criação e o provimento de cargos da Administra-
ção Direta. Violação às alíneas a e c do inciso II do § 1º do art. 61 da
Constituição Federal. De outra parte, a norma judicial sub judice, ao possi-
bilitar o preenchimento de cargo permanente sem a necessidade de
concurso público, destoa do inciso II do artigo 37 da Magna Lei. Proce-
dência da alegação de vício formal de inconstitucionalidade.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo
Tribunal Federal, por seu Tribunal Pleno, sob a Presidência do Ministro Nelson Jobim,
na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de
votos, julgar procedente a ação e declarar a inconstitucionalidade da Emenda Constitu-
cional n. 52, de 28 de dezembro de 2001, do Estado de Minas Gerais, que acrescentou o
artigo 110 ao Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição do
mesmo Estado, nos termos do voto do Relator. Votou o Presidente.
Brasília, 30 de junho de 2005 — Carlos Ayres Britto, Relator.

RELATÓRIO
O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto: De ação direta de inconstitucionalidade é que se
cuida. Ação, essa, que tem por objeto a Emenda Constitucional n. 52, de 28 de dezembro
de 2001, do Estado de Minas Gerais, que “acrescenta ao Ato das Disposições Constitu-
cionais Transitórias da Constituição do Estado dispositivos referentes à extinção do
cargo de carcereiro na estrutura da Polícia Civil”.
2. Os dispositivos sob censura têm a seguinte legenda:
“Art. 1º Fica acrescido ao Ato das Disposições Constitucionais Transitórias
da Constituição do Estado o seguinte art. 110:
‘Art. 110. Fica extinto, na estrutura da Polícia Civil, o cargo de Carce-
reiro, com suas respectivas classes, passando seus ocupantes na data de
publicação da emenda que instituiu este artigo a ocupar o cargo de Detetive,
mantidas as vagas existentes no quadro de detetives.
§ 1º Os ocupantes do cargo de Carcereiro a que se refere o caput deste
artigo ingressarão na classe inicial do cargo de Detetive, independentemente
da classe ocupada na carreira de Carcereiro.
§ 2º Os servidores de que trata este artigo farão jus à progressão na
carreira por merecimento e antiguidade.
§ 3º Até o integral cumprimento da Lei n. 13.720, de 27 de setembro de
2000, cabem aos ocupantes do cargo de Detetive as atribuições previstas no
art. 78 da Lei n. 5.406, de 16 de dezembro de 1969.
§ 4º Fica o Poder Executivo autorizado a promover o ajuste e o equilí-
brio do número de cargos na série de classes de Detetive.’
Art. 2º. Essa emenda à Constituição entra em vigor na data de sua publicação.”
R.T.J. — 197 803

3. Pois bem, sustenta o requerente que o diploma normativo em xeque descumpre


a obrigatoriedade do concurso para o provimento dos cargos públicos efetivos (inciso II
do art. 37 da CF). Acrescentando que, ao dispor sobre a transformação de cargos de
carcereiros em detetives, de modo a possibilitar a investidura daqueles servidores em
cargos diversos daqueles para os quais foram originariamente nomeados, a Emenda
estadual n. 52/01 incidiu em vício de inconstitucionalidade formal, porquanto o projeto
que deu origem ao pré-falado ato normativo não foi de autoria do Chefe do Poder
Executivo (inciso II do § 1º do art. 61 da CF). Mais: pontuou que “as normas de processo
legislativo, inclusive as regras de iniciativa reservada, como as previstas no art. 61, §
1º, inciso II do Texto Maior, são de observância compulsória pelos Estados-Membros,
sob pena o ferir o modelo de tripartição de Poderes — art. 2º, da CF — definido pelo
constituinte originário” (CF, art. 2º).
4. A seu turno, a autoridade presentante da Assembléia Legislativa mineira defen-
deu a validade constitucional do texto normativo em foco. Ao fazê-lo, argumentou que
“não há que se falar no caso sob exame em ofensa ao disposto no art. 37, II, da Constitui-
ção da República, porque a preterição da regra do concurso público dá-se em razão de
incontroversa afinidade de atribuições entre os cargos de Carcereiro e de Detetive”.
De par com isso, forcejou por afastar o alegado vício de iniciativa, sustentando que os
dispositivos magnos tidos por violados cuidam tão-somente da iniciativa de leis com-
plementares e ordinárias. Não da propositura de emendas constitucionais.
5. Com vistas dos autos, o nobre Advogado-Geral da União manifestou-se pela
procedência do pedido. Para tanto, sustentou que a emenda constitucional em estudo
padece do vício de iniciativa, por dispor sobre matéria da competência privativa do
Chefe do Poder Executivo.
6. Outro não foi o entendimento do Ministério Público Federal, pugnando pela
declaração de inconstitucionalidade do diploma normativo hostilizado (fls. 101/106).
É o relatório.

VOTO
O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto (Relator): Consoante noticiado, a pretensão
deduzida pelo requerente alicerça-se em duas teses jurídicas distintas. A primeira, de que
o texto normativo adversado padece de vício formal de inconstitucionalidade. A segunda,
de que a norma estadual sub judice, ao possibilitar o preenchimento de cargo permanente
sem a necessidade de concurso público, destoa do inciso II do artigo 37 da Magna Lei.
9. Realmente, o § 1º do art. 61 da Lex Legum confere ao Chefe do Poder Executivo
a privativa competência de iniciar os processos de elaboração de diplomas legislativos
que disponham sobre a criação de cargos, funções ou empregos públicos na Administração
Direta e autárquica, ou aumento de sua remuneração, bem como leis que digam respeito
a servidores públicos da União e dos Territórios, seu regime jurídico, provimento de
cargos, estabilidade e aposentadoria (inciso II, a e c, do art. 61).
10. Daqui se infere que a Carta-cidadã, ao instituir a cláusula de reserva de iniciativa
para o Chefe do Poder Executivo, interditou idêntico mister a qualquer membro ou
colegiado dos outros dois Poderes; pouco importando a natureza do ato legislativo a ser
formalmente iniciado nas instâncias parlamentares. É que a prerrogativa outorgada ao
804 R.T.J. — 197

Chefe do Poder Executivo, na matéria, faz parte do próprio esquema do Princípio da


Separação dos Poderes, de modo a se impor à rigorosa observância das demais pessoas
federadas. Daí a firme jurisprudência deste STF, tão bem retratada nos seguintes processos:
ADI 250, Rel. Min. Ilmar Galvão; ADI 843, Rel. Min. Ilmar Galvão; ADI 227, Rel. Min.
Maurício Corrêa; ADI 774, Rel. Min. Sepúlveda Pertence; ADI 665, Rel. Sydney
Sanches, entre outras.
11. Bem vistas as coisas, então, a tese aqui debatida se encaixa nas hipóteses
listadas pelas alíneas a e c do inciso II do § 1º do artigo 61 da Carta-cidadã. Quero dizer:
resta evidente que a Emenda n. 52/01, da Constituição do Estado de Minas Gerais,
dispôs sobre a criação e o provimento de cargos da Administração Pública Direta, sem
que ela proviesse da necessária iniciativa do Chefe do Poder Executivo mineiro.
12. Nesse diapasão, a emenda em foco padece mesmo do vício mortal da incons-
titucionalidade formal.
13. Quanto à questão da sanidade material do diploma em xeque, melhor sorte não
lhe assiste. Explico. Da leitura dos dispositivos impugnados, infere-se que eles autorizam
a transferência de servidores ocupantes de cargo de carcereiro para o cargo de detetive da
Polícia Civil. E esse tipo de movimentação funcional caracteriza provimento derivado
de cargo efetivo, com inobservância, porém, da necessária regra constitucional. Tudo na
contramão da serena jurisprudência desta nossa Corte de Justiça, de que servem de
amostra os seguintes arestos:
“Concurso público (CF, art. 37, II): violação de sua exigência — que já não
mais se limita à primeira investidura em cargos público — por norma de constituição
estadual que admite a transferência de servidor de um para outro dos poderes do
Estado.”
(ADI 1.329, Rel. Min. Sepúlveda Pertence)
“(...)
Conforme sedimentada jurisprudência deste Supremo Tribunal, a vigente
ordem constitucional não mais tolera a transferência ou o aproveitamento como
formas de investidura que importem no ingresso de cargo ou emprego público sem
a devida realização de concurso público de provas ou de provas e títulos.
(...)”
(ADI 2.689, Rel. Min. Ellen Gracie)
“(...)
A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal não tem transigido com a
necessidade de observância, pelo Poder Público, do postulado constitucional do
concurso público, eis que a investidura em cargos ou em emprego público —
ressalvadas as nomeações para cargos em comissão — não prescinde da prévia
aprovação do candidato naquele certame. Precedentes.
(...)”
(ADI 1.254-MC, Rel. Min. Celso de Mello)
14. É certo que, no julgamento das ADIs 1.591, Rel. Octavio Gallotti, e 2.713, Rel.
Min. Ellen Gracie, este colendo Tribunal entendeu que o aproveitamento de ocupantes
R.T.J. — 197 805

de cargos extintos nos recém-criados não viola a exigência da prévia aprovação em


concurso público, “desde que haja uma completa identidade substancial entre os car-
gos em exame, além de compatibilidade funcional e remuneratória e equivalência dos
requisitos exigidos em concurso”. Sucede que, à luz dos textos normativos hostilizados,
resta patenteado que o cargo efetivo de carcereiro em nada se identifica com o de deteti-
ve. Valendo ressaltar que a disparidade de funções desses cargos públicos tem o seu formal
reconhecimento na própria Emenda n. 52/01, in verbis: “até o integral cumprimento da
Lei n. 13.720, de 27 de setembro de 2000, cabem aos ocupantes do cargo de Detetive as
atribuições previstas no art. 78 da Lei n. 5.406, de 16 de dezembro de 19691”.
15. Com estes fundamentos, voto pela declaração de inconstitucionalidade da
Emenda n. 52, de 28 de dezembro de 2001, do Estado de Minas Gerais.

EXTRATO DA ATA
ADI 3.051/MG — Relator: Ministro Carlos Britto. Requerente: Procurador-Geral
da República. Requerida: Assembléia Legislativa do Estado de Minas Gerais.
Decisão: O Tribunal, por unanimidade, julgou procedente a ação e declarou a
inconstitucionalidade da Emenda Constitucional n. 52, de 28 de dezembro de 2001, do
Estado de Minas Gerais, que acrescentou o artigo 110 ao Ato das Disposições Constitu-
cionais Transitórias da Constituição do mesmo estado, nos termos do voto do Relator.
Votou o Presidente, Ministro Nelson Jobim. Ausentes, justificadamente, o Ministro
Carlos Velloso e, neste julgamento, o Ministro Sepúlveda Pertence.
Presidência do Ministro Nelson Jobim. Presentes à sessão os Ministros Sepúlveda
Pertence, Celso de Mello, Marco Aurélio, Ellen Gracie, Gilmar Mendes, Cezar Peluso,
Carlos Britto, Joaquim Barbosa e Eros Grau. Subprocurador-Geral da República, Dr.
Haroldo Ferraz da Nóbrega.
Brasília, 30 de junho de 2005 — Luiz Tomimatsu, Secretário.

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 3.085 — CE

Relator: O Sr. Ministro Eros Grau


Requerente: Associação dos Magistrados Brasileiros – AMB — Requeridos:
Governador do Estado do Ceará e Assembléia Legislativa do Estado do Ceará
Questão de ordem. Ação direta de incontitucionalidade. Artigo 253
da Lei n. 12.342/94 do Estado do Ceará. Magistrados. Férias coletivas. EC
45/04. Prejudicialidade.

1 Art. 78 da Lei n. 5.406/69 — O Carcereiro é o servidor policial de classe singular que tem a seu cargo
o recolhimento, movimentação, disciplina e vigilância de presos nas cadeias públicas, guarda de
valores e pertences de detentos, escrituração dos livros de registros das carceragens e cuidados com a
limpeza das celas e adjacências.
806 R.T.J. — 197

1. A EC 45/04, ao vedar as férias coletivas nos juízos e tribunais de


segundo grau, revogou os atos normativos inferiores que a elas se referiam,
sendo pacífico o entendimento, desta Corte, no sentido de não ser cabível
a ação direta contra ato revogado.
2. Pedido de declaração de inconstitucionalidade prejudicado.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo
Tribunal Federal, em Sessão Plenária, sob a Presidência do Ministro Nelson Jobim, na
conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade, julgar
prejudicada a ação, nos termos do voto do Relator.
Brasília, 17 de fevereiro de 2005 — Eros Grau, Relator.

RELATÓRIO
O Sr. Ministro Eros Grau: A Associação dos Magistrados Brasileiros – AMB, com
fundamento no artigo 103, inciso IX, da Constituição do Brasil, propõe ação direta de
inconstitucionalidade contra o artigo 253 da Lei Estadual do Ceará n. 12.342 — Código
de Divisão e de Organização Judiciária —, de 28 de julho de 1994, cujo teor é o seguinte:
“Art. 253. Os magistrados, nos períodos de férias coletivas, não poderão
ausentar-se de suas comarcas senão para lugar de onde lhes seja possível voltar às
suas funções dentro de 48 horas, e (sic) sem antes comunicar à Presidência do
Tribunal a ausência e onde devam ser encontrados”.
2. A requerente alega que o preceito impugnado padece de inconstitucionalidade
formal e material. Sustenta que vários dispositivos da Constituição do Brasil são infrin-
gidos, ao argumento de que: (i) o preceito dispõe a propósito de matéria de competência
que estaria reservada ao Estatuto da Magistratura, (ii) contraria as prerrogativas constitu-
cionalmente asseguradas aos magistrados e (iii) afronta o direito fundamental de ir e vir.
3. Afirma haver contrariedade entre o preceito hostilizado e o artigo 931, caput, e inciso
VII, da Constituição do Brasil, dado que, ao dispor sobre os deveres dos magistrados, o artigo
253 da Lei n. 12.342 tratou de matéria constitucionalmente reservada à lei complementar.
4. Aponta, ainda, violação direta aos artigos 1º, 5º, caput, e inciso XV, visto que os
juízes cearenses não poderiam exercer plenamente o direito fundamental de que são
titulares todos os cidadãos da República Federativa do Brasil, qual seja, o de livre
locomoção.
5. Destaca precedentes desta Corte nos quais restou assentado que o preceito
normativo que condiciona a ausência do magistrado da comarca a prévia autorização
configura inconstitucionalidade formal (ADI 2.753/CE, Ministro Carlos Velloso, DJ de
11-4-2003; ADI 2.880-MC/MA, Ministro Gilmar Mendes, DJ de 1º-8-2003).

1 Art. 93. Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da
Magistratura, observados os seguintes princípios:
[...]
VII - o juiz titular residirá na respectiva comarca.
R.T.J. — 197 807

6. Aduz que, não obstante exista a inconstitucionalidade formal, o preceito está


também eivado de dissonância material em relação à Constituição. Assevera que os
direitos fundamentais dos magistrados à dignidade da pessoa humana e à liberdade de
locomoção foram violados. Prossegue ressaltando que a restrição concernente às férias não
é imposta a qualquer dos servidores públicos.
7. Nas informações apresentadas pela Assembléia Legislativa do Estado do Ceará
(fls. 91/93), assim como naquelas trazidas aos autos pelo Governador (fls. 130/134), foi
sustentado, em resumo, a impropriedade de quaisquer dados a serem oferecidos pelo
órgão legiferante estadual ou pelo chefe do Poder Executivo, pois trata-se de preceito de
iniciativa exclusiva do Tribunal de Justiça daquele Estado.
8. O Advogado-Geral da União manifestou-se destacando que o direito a férias
[artigo 7º, inciso XVII, CB/88] é extensivo aos magistrados e que a Loman — Lei Com-
plementar n. 35 —- concede 60 (sessenta) dias de férias a todos os magistrados, cabendo
à lei ordinária dispor tão-somente a respeito dos períodos de gozo. Requereu a procedência
da ação, ao fundamento de que o texto normativo hostilizado impôs restrições às férias
dos magistrados, sustentando que tais limitações seriam desprovidas de amparo legal
(fls. 136/143).
9. Por fim, salienta que, consoante a jurisprudência deste Tribunal a propósito da
questão em análise, a regulamentação da matéria estaria reservada exclusivamente à lei
complementar. Entende que a inconstitucionalidade do artigo guerreado é patente.
10. O Procurador-Geral da República, no parecer de fls. 151/153, opinou pela
procedência da presente ação, porquanto não caberia à lei ordinária estadual limitar a
liberdade do magistrado de usufruir dos seus períodos de férias. Concluiu que a Lei n.
12.342 usurpou competência outorgada ao Estatuto da Magistratura, incorrendo em
flagrante inconstitucionalidade formal em face do artigo 93, caput, e inciso VII, da
Constituição do Brasil.
É o relatório, do qual deverão ser extraídas cópias para envio aos Senhores Ministros
(RISTF, artigo 172).

VOTO
O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): A Associação dos Magistrados Brasileiros –
AMB propõe ação direta, objetivando a declaração de inconstitucionalidade do art. 253
da Lei cearense n. 12.342, de 28 de julho de 1994.
2. O preceito impugnado dispunha sobre as férias coletivas dos magistrados do
Estado do Ceará. A EC 45/04, ao vedar as férias coletivas nos juízos e tribunais de
segundo grau, revogou os atos normativos inferiores que a elas se referiam, sendo pací-
fico o entendimento desta Corte no sentido de não ser cabível a ação direta contra ato
revogado.
Julgo prejudicado o pedido.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Senhor Presidente, faço uma ponderação: a regra
somente é aplicável ao Tribunal de Justiça e ao Judiciário do Estado do Ceará, e tivemos
a abolição das férias coletivas.
808 R.T.J. — 197

O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Levanto a questão de ordem para saber se
prejudicou ou não.
O Sr. Ministro Marco Aurélio:Vossa Excelência conclui?
O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Creio não ter prejudicado.

DEBATES (Sobre questão de ordem)


O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): O texto decorrente da emenda diz (lê
Emenda Constitucional n. 45):
“Art. 93
XII - a atividade jurisdicional será ininterrupta, sendo vedado férias coletivas
nos juízos e tribunais de segundo grau, funcionando, nos dias em que não houver
expediente forense normal, juízes em plantão permanente;”
A regra da Lei cearense diz (lê art. 253 da Lei cearense n. 12.342):
“Art. 253. Os magistrados, nos períodos de férias coletivas...”
Ou seja, o âmbito temporal da aplicação da norma seria o de férias coletivas. Norma
estranha, porque nas férias precisa-se pedir licença; fora das férias, não precisa, pode sair.
A regra é realmente curiosa.
Ministro Eros Grau, creio que o âmbito temporal de vigência da norma desapareceu
com a mudança da regra constitucional, que dizia haver férias coletivas; estava proibindo
o deslocamento das férias coletivas. Estas não existem mais, essa norma perdeu o seu
âmbito de aplicação.
O Sr. Ministro Cezar Peluso: São férias coletivas?
O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Aqui diz claramente. Não sei se é a essa
regra, porque estou lendo a reprodução da inicial.
O Sr. Ministro Carlos Britto: Esse pressuposto de aplicabilidade da lei agora
impugnada já não existe. Está prejudicado.
O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Não sei se está prejudicado. Insisto no meu
argumento por prudência. A norma constitucional não aboliu o direito de férias do
magistrado, somente vedou a prática de férias coletivas.
O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Ministro, essa regra poderia ser aplicada
em férias individuais? Não, porque ela se refere a férias coletivas.
O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Como disse, queria insistir por prudência.
Vossas Excelências me convenceram.
O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Deixemos para a Loman.
Aliás, quero dizer aos Colegas que, na pauta escolhida de hoje, o tema da magistra-
tura, essas discussões nos auxiliam para a elaboração de urgência de um projeto de Lei
Orgânica da Magistratura Nacional. Essa vivência do caso concreto nos mostra que há
muita coisa a ser tratada a respeito do exercício da magistratura.
R.T.J. — 197 809

EXTRATO DA ATA
ADI 3.085/CE — Relator: Ministro Eros Grau. Requerente: Associação dos
Magistrados Brasileiros – AMB (Advogados: Alberto Pavie Ribeiro e outro). Requeridos:
Governador do Estado do Ceará e Assembléia Legislativa do Estado do Ceará.
Decisão: O Tribunal, por unanimidade, julgou prejudicada a ação. Votou o Presidente,
Ministro Nelson Jobim. Ausentes, justificadamente, os Ministros Sepúlveda Pertence e
Carlos Velloso.
Presidência do Ministro Nelson Jobim. Presentes à sessão os Ministros Celso de
Mello, Marco Aurélio, Ellen Gracie, Gilmar Mendes, Cezar Peluso, Carlos Britto, Joaquim
Barbosa e Eros Grau. Vice-Procurador-Geral da República, Dr. Antonio Fernando Barros e
Silva de Souza.
Brasília, 17 de fevereiro de 2005 — Luiz Tomimatsu, Secretário.

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 3.098 — SP

Relator: O Sr. Ministro Carlos Velloso


Requerente: Governador do Estado de São Paulo — Requerida: Assembléia
Legislativa do Estado de São Paulo
Constitucional. Educação. Lei de Diretrizes e Bases da Educação.
Lei 9.394, de 1996. Competência legislativa concorrente: CF, art. 24.
Competência estadual concorrente não-cumulativa ou suplementar e
competência concorrente estadual cumulativa.
I. O art. 24 da CF compreende competência estadual concorrente não-
cumulativa ou suplementar (art. 24, § 2º) e competência estadual concor-
rente cumulativa (art. 24, § 3º). Na primeira hipótese, existente a lei federal
de normas gerais (art. 24, § 1º), poderão os Estados e o DF, no uso da
competência suplementar, preencher os vazios da lei federal de normas
gerais, a fim de afeiçoá-la às peculiaridades locais (art. 24, § 2º); na segunda
hipótese, poderão os Estados e o DF, inexistente a lei federal de normas
gerais, exercer a competência legislativa plena “para atender a suas
peculiaridades” (art. 24, § 3º). Sobrevindo a lei federal de normas gerais,
suspende esta a eficácia da lei estadual no que lhe for contrária (art. 24, § 4º).
II. A Lei 10.860, de 31-8-2001, do Estado de São Paulo foi além da
competência estadual concorrente não-cumulativa e da cumulativa, pelo
que afrontou a Constituição Federal, art. 22, XXIV, e art. 24, IX, § 2º e § 3º.
III. Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente, decla-
rada a inconstitucionalidade da Lei 10.860/2001 do Estado de São Paulo.
810 R.T.J. — 197

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribu-
nal Federal, em Sessão Plenária, sob a Presidência do Ministro Nelson Jobim, na confor-
midade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade, julgar proce-
dente a ação, para declarar a inconstitucionalidade da Lei n. 10.860, de 31 de agosto de
2001, do Estado de São Paulo, nos termos do voto do Relator. Votou o Presidente,
Ministro Nelson Jobim. Ausentes, justificadamente, os Ministros Sepúlveda Pertence,
Celso de Mello e Gilmar Mendes.
Brasília, 24 de novembro de 2005 — Carlos Velloso, Relator.

RELATÓRIO
O Sr. Ministro Carlos Velloso: O Governador do Estado de São Paulo, com funda-
mento no art. 103, V, da Constituição Federal, propõe ação direta de inconstitucionalida-
de, com pedido de suspensão cautelar, em face da Lei 10.860, de 31-8-2001, do Estado de
São Paulo, que “estabelece requisitos para criação, autorização de funcionamento, ava-
liação e reconhecimento dos cursos de graduação na área da saúde, das instituições
públicas e privadas de educação superior e adota outras providências” (fl. 10).
Sustenta o autor, em síntese, o seguinte:
a) afronta aos arts. 22, XXIV, e 24, IX, § 1º e § 2º, da Constituição Federal, dado que
a lei impugnada, ao prescrever requisitos para criação, avaliação e reconhecimento de
cursos de graduação, invadiu competência privativa da União para legislar sobre diretri-
zes e bases da educação nacional, extrapolou a competência concorrente ao estabelecer
normas gerais de educação, bem como violou o princípio federativo (fls. 05-06);
b) contrariedade ao art. 209 da CF, porquanto as instituições privadas de ensino
possuem a garantia constitucional da livre iniciativa, atendidas as condições previstas
nos incisos desse artigo (fl. 06);
Solicitaram-se informações na forma do art. 12 da Lei 9.868/99 (fl. 14). O Presidente
da Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo, às fls. 21-39, sustenta, em síntese:
a) inocorrência de afronta ao princípio federativo, uma vez que a competência
legislativa concorrente do Estado de São Paulo para legislar sobre normas específicas
voltadas à educação está em conformidade com o art. 22, XXIV, da CF (fl. 25);
b) ausência de violação à competência concorrente, dado que a proteção e a defesa
da saúde é atribuição de todos os Estados-Membros, restando à União legislar sobre
normas gerais (fl. 25);
c) inexistência de ofensa à competência privativa da União para legislar sobre
diretrizes e bases da educação nacional, visto que “as regras específicas sobre educa-
ção são de alçada dos Estados-Membros” (fl. 26);
d) ausência de contrariedade ao art. 209 da CF, porquanto a lei impugnada, “ao
estabelecer requisitos para criação, autorização de funcionamento, avaliação e re-
conhecimento dos cursos de graduação na área de saúde, manifesta a preocupação de
conjugar a liberdade do particular com as exigências do Estado quanto ao aspecto
educacional” (fl. 28).
R.T.J. — 197 811

O eminente Advogado-Geral da União, Dr. Álvaro Augusto Ribeiro Costa, às fls.


41-48, manifestou-se no sentido de que a lei impugnada “(...) afrontou as diretrizes
gerais fixadas pela Lei Federal em comento, ingressando em campo legislativo da
competência exclusiva da União, extrapolando, também, os limites de sua competência
suplementar, prevista no art. 24, § 1º, da Constituição Federal” (fl. 46), o que também
evidencia violação ao art. 209 da mesma Carta.
O então Procurador-Geral da República, Prof. Claudio Fonteles, às fls. 50-55, opi-
nou pela procedência do pedido de declaração de inconstitucionalidade da Lei 10.860,
de 31 de agosto de 2001, do Estado de São Paulo.
Em 29-3-2005, tendo em vista a condição do Advogado-Geral da União de curador
da norma impugnada, determinei o retorno dos autos à Advocacia-Geral da União (fls.
57-59).
O ilustre Advogado-Geral da União, Dr. Álvaro Augusto Ribeiro Costa, entendendo
que “o presente caso encerra hipótese em que se admite que o Advogado-Geral da
União não defenda a lei impugnada, pois existe precedente da Suprema Corte no
sentido de sua inconstitucionalidade, qual seja, a ADI MC n. 1.399, Relator Min. Maurício
Corrêa” (fls. 63-64), reitera os termos da petição de fls. 41-48, manifestando-se pela
inconstitucionalidade da norma questionada, e requer, desde já, o regular prossegui-
mento do feito (fls. 61-64).
É o relatório, do qual serão expedidas cópias aos Exmos. Srs. Ministros.

VOTO
O Sr. Ministro Carlos Velloso (Relator): O Governador do Estado de São Paulo
aforou esta ação direta de inconstitucionalidade objetivando a declaração de inconstitu-
cionalidade da Lei 10.860, de 31-8-2001, daquele Estado. Sustenta o autor que a Assem-
bléia Legislativa, ao dispor sobre requisitos para criação, autorização de funcionamento,
avaliação e reconhecimento dos cursos de graduação na área de saúde, das instituições
públicas e privadas de educação superior, usurpou a competência privativa da União
para legislar sobre “diretrizes e bases da educação nacional”, conforme disposto nos
arts. 22, XXIV, e 24, IX e §§ 1º e 2º, da Constituição Federal. A lei objeto da causa
violaria, também, o art. 209 da mesma Carta.
A Constituição Federal, art. 22, XXIV, estabelece que compete privativamente à
União legislar sobre diretrizes e bases da educação nacional. E, no art. 24, IX, prescreve
competir à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre
educação, cultura, ensino e desporto.
Estamos, pois, no caso, no campo da legislação concorrente entre a União, os
Estados e o Distrito Federal.
Quando do julgamento das ADIs 927-MC/RS e 933-MC/GO, ambas de minha
Relatoria, examinei a questão da legislação de diretrizes e normas gerais de competência
da União. Examinamos, nas mencionadas ADIs 927-MC/RS e 933-MC/GO, a competên-
cia privativa da União para legislar sobre normas gerais de licitação: CF, art. 22, XXVII.
812 R.T.J. — 197

Destaco do voto que proferi na ADI 927-MC/RS:


“(...)
A Constituição de 1988, ao inscrever, no inc. XXVII do art. 22, a disposição
acima indicada, pôs fim à discussão a respeito de ser possível, ou não, à União
legislar a respeito do tema, dado que corrente da doutrina sustentava que ‘nenhum
dispositivo constitucional autorizava a União a impor normas de licitação a sujeitos
alheios a sua órbita’. (Celso Antônio Bandeira de Mello, ‘Elementos de Direito
Administrativo’, Malheiros, 4ª ed., 1992, p. 177, nota 1). A CF/88, repito, pôs fim
à discussão, ao estabelecer a competência da União para expedir normas gerais de
licitação e contratação (art. 22, XXVII).
Registre-se, entretanto, que a competência da União é restrita a normas gerais
de licitação e contratação. Isso quer dizer que os Estados e os Municípios também
têm competência para legislar a respeito do tema: a União expedirá as normas
gerais e os Estados e Municípios expedirão as normas específicas. Leciona, a pro-
pósito, Marçal Justen Filho: ‘como dito, apenas as normas ‘gerais’ são de obrigató-
ria observância para as demais esferas de governo, que ficam liberadas para regular
diversamente o restante.’ (Comentários à Lei de Licitações e Contratos Adminis-
trativos’, Ed. Aide, Rio, 1993, p. 13).
A formulação do conceito de ‘normas gerais’ é tarefa tormentosa, registra
Marçal Justen Filho, a dizer que ‘o conceito de ‘normas gerais’ tem sido objeto das
maiores disputas. No campo tributário (mais do que em qualquer outro), a questão
foi longamente debatida e objeto de controvérsias judiciárias, sem que resultasse
uma posição pacífica na doutrina e na jurisprudência. Inexistindo um conceito
normativo preciso para a expressão, ela se presta às mais diversas interpretações’.
(Ob. e loc. cits.). A formulação do conceito de ‘normas gerais’ é tanto mais complexa
quando se tem presente o conceito de lei em sentido material — norma geral,
abstrata. Ora, se a lei, em sentido material, é norma geral, como seria a lei de
‘normas gerais’ referida na Constituição? Penso que essas ‘normas gerais’ devem
apresentar generalidade maior do que apresentam, de regra, as leis. Penso que
‘norma geral’, tal como posta na Constituição, tem o sentido de diretriz, de princípio
geral. A norma geral federal, melhor será dizer nacional, seria a moldura do quadro
a ser pintado pelos Estados e pelos Municípios no âmbito de suas competências.
Com propriedade, registra a professora Alice Gonzalez Borges que as ‘normas
gerais’, leis nacionais, ‘são necessariamente de caráter mais genérico e abstrato
do que as normas locais. Constituem normas de leis, direito sobre direito, determi-
nam parâmetros, com maior nível de generalidade e abstração, estabelecidos
para que sejam desenvolvidos pela ação normativa subseqüente das ordens fede-
rais’, pelo que ‘não são normas gerais as que se ocupem de detalhamentos, porme-
nores, minúcias, de modo que nada deixam à criação própria do legislador a
quem se destinam, exaurindo o assunto de que tratam’. Depois de considerações
outras, no sentido da caracterização de ‘norma geral’, conclui: ‘são normas gerais
as que se contenham no mínimo indispensável ao cumprimento dos preceitos
fundamentais, abrindo espaço para que o legislador possa abordar aspectos
diferentes, diversificados, sem desrespeito a seus comandos genéricos, básicos.’
(Alice Gonzalez Borges, ‘Normas Gerais nas Licitações e Contratos administrativos’,
RDP 96/81).
R.T.J. — 197 813

Cuidando especificamente do tema, em trabalho que escreveu a respeito do


DL 2.300/86, Celso Antônio Bandeira de Mello esclareceu que ‘normas que esta-
belecem particularizadas definições, que minudenciam condições específicas
para licitar ou para contratar, que definem valores, prazos e requisitos de pu-
blicidade, que arrolam exaustivamente modalidades licitatórias e casos de dis-
pensa, que regulam registros cadastrais, que assinalam com minúcia o iter e o
regime procedimental, os recursos cabíveis, os prazos de interposição, que arro-
lam documentos exigíveis de licitantes, que preestabelecem cláusulas obrigatórias
de contratos, que dispõem até sobre encargos administrativos da administração
contratante no acompanhamento da execução da avença, que regulam penali-
dades administrativas, inclusive quanto aos tipos e casos em que cabem, eviden-
tissimamente sobre não serem de Direito Financeiro, menos ainda serão normas
gerais, salvo no sentido de que toda norma — por sê-lo — é geral’. E acrescenta o
ilustre administrativista: ‘Se isto fosse norma geral, estaria apagada a distinção
constitucional entre norma, simplesmente, e norma geral (...)’ (‘Licitações’, RDP
83/16).
Posta assim a questão, examinemos os dispositivos da Lei 8.666, de 21-6-93,
acoimados de inconstitucionais.
(...).”
Em trabalho de doutrina que escrevi — “Lei Complementar Tributária”, Revista de
Direito Administrativo, vol. 235, pp. 117 e seguintes —, cuidei do tema “a competência
legislativa concorrente da União, Estados e Distrito Federal”, CF, art. 24. Registrei, com
base no magistério de Tércio Sampaio Ferraz Júnior — “Normas Gerais e Competência
Concorrente — Uma exegese do art. 24 da Constituição Federal”, Revista Trimestral de
Direito Público, 7/16 — e de Manoel Gonçalves Ferreira Filho — Comentários à CF de
1988, Saraiva, 2ª ed., I/182-183 —, que a regra de competência legislativa, entre as
entidades federativas brasileiras, é a horizontal. É dizer, cada entidade política labora
em área reservada: União, art. 22; Estados, art. 25, § 1º; Distrito Federal, art. 32, § 1º;
Municípios, art. 30. Consagra a Constituição, entretanto, na competência concorrente,
regra de competência legislativa vertical, nas modalidades não-cumulativa e cumulativa.
Quando duas entidades políticas — União e Estados — têm competência para legislar
sobre uma mesma matéria, tem-se competência concorrente, que pode ser cumulativa e
não-cumulativa. É cumulativa, quando os entes políticos legislam sobre a mesma matéria,
sem limitações. A não-cumulativa ocorre, por exemplo, quando à União reserva-se a
competência para expedir normas gerais e aos Estados a competência para preencher os
vazios da lei federal, assim uma competência de complementação.
A competência concorrente, conforme já dito, é não-cumulativa e cumulativa.
Dispõem os §§ 1º, 2º, 3º e 4º do art. 24 da CF:
‘Art. 24. (...)
§ 1º No âmbito da legislação concorrente, a competência da União limitar-se-á
a estabelecer normas gerais.
§ 2º A competência da União para legislar sobre normas gerais não exclui a
competência suplementar dos Estados.
814 R.T.J. — 197

§ 3º Inexistindo lei federal sobre normas gerais, os Estados exercerão a com-


petência legislativa plena, para atender a suas peculiaridades.
§ 4º A superveniência de lei federal sobre normas gerais suspende a eficácia
da lei estadual, no que lhe for contrário.’
A competência concorrente não-cumulativa está nos §§ 1º e 2º; a cumulativa, nos
§§ 3º e 4º.
Com efeito.
Esclareça-se, primeiro que tudo, que a competência da União é para editar normas
gerais (§ 1º). Essa competência, entretanto, não exclui a competência suplementar dos
Estados (§ 2º). Tem-se, na hipótese do § 2º, competência para o preenchimento de vazios
da lei federal, assim competência concorrente vertical, não-cumulativa. As normas ge-
rais da União existem e a legislação estadual simplesmente as suplementará em termos
de regulamentação. Essa competência é atribuída também aos Municípios, art. 30, II.
Já a competência do § 3º tem natureza diversa. Ensina Tércio Sampaio Ferraz
Júnior: “O § 3º regula o caso de inexistência de lei federal sobre normas gerais, ou seja,
de lacuna. A Constituição Federal, ocorrendo a mencionada inexistência, autoriza o
Estado federado a preenchê-la, isto é, a legislar sobre normas gerais, mas apenas para
atender a suas peculiaridades. O Estado, assim, passa a exercer uma competência
legislativa plena, mas com função colmatadora de lacuna, vale dizer, apenas na
medida necessária para exercer sua competência própria de legislador sobre normas
particulares. Ele pode, pois, legislar sobre normas gerais naquilo em que elas constituem
condições de possibilidade para a legislação própria sobre normas particulares. Tais
normas gerais estaduais com função colmatadora por isso mesmo só podem ser gerais
quanto ao conteúdo, mas não quanto aos destinatários: só obrigam nos limites da
autonomia estadual” (ob. e loc. cits.).
Na Lei Fundamental de Bonn, há 14 casos em que pode ocorrer a legislação con-
corrente, dispondo os Estados dessa competência legislativa desde e à medida que a
Federação não faça uso da sua faculdade legislativa (art 72, I).
Assim, aos Estados a Constituição conferiu competência para legislar à medida
que a Federação não dispuser dos poderes legislativos constitucionais a ela conferidos.
Na competência concorrente, no sistema constitucional alemão, o direito federal afasta
o direito estadual.
Na competência concorrente do § 3º do art. 24 da Constituição do Brasil, tem-se
que o direito federal também afasta o direito estadual (§ 4º). Inexistindo lei federal sobre
normas gerais, exercerão os Estados competência legislativa plena, a fim de preencher a
lacuna, ou seja, a falta da lei federal. Assim o farão, entretanto, para atender a suas
peculiaridades (§ 3º). Sobrevindo a lei federal de normas gerais, suspende esta a eficácia
da lei estadual no que esta compreender princípios, normas gerais e no que contiver,
também, particularidades incompatíveis com a norma geral federal. É o caso, portanto,
do direito federal afastando o direito estadual. Inspira-se a Constituição, no ponto, no
constitucionalismo alemão, art. 72, inciso I, da Lei Fundamental de Bonn. Quando do
julgamento, no Supremo Tribunal, da Reclamação 383/SP, em junho de 1992, foi esse o
entendimento que sustentei (RTJ 147/404).
R.T.J. — 197 815

Posta assim a questão, indaga-se até que ponto seria legítimo ao Estado-Membro,
utilizando-se da competência concorrente, editar normas legais.
Feita a distinção retropreconizada, no sentido de que a competência concorrente
do art. 24 da Constituição compreende competência concorrente não-cumulativa ou
suplementar (§ 2º) e competência concorrente cumulativa (§ 3º), temos o seguinte: pode-
rão os Estados-Membros: 1º) presente a lei de normas gerais, no uso da competência
suplementar, preencher os vazios daquela lei de normas gerais, a fim de afeiçoá-la às
peculiaridades locais (art. 24, § 2º); 2º) poderão os Estados, em princípio, inexistente a
lei federal de normas gerais, exercer a competência legislativa plena “para atender a
suas peculiaridades” (art. 24, § 3º).
Em suma: o art. 24 da CF compreende competência estadual concorrente não-
cumulativa ou suplementar (§ 2º) e competência estadual concorrente cumulativa (§ 3º).
No primeiro caso, existente a lei federal de normas gerais, poderão os Estados e o DF, no
uso da competência suplementar (§ 2º), preencher os vazios de lei federal de normas
gerais, a fim de afeiçoá-la às peculiaridades locais (CF, art. 24, § 2º); no segundo caso,
poderão os Estados e o DF, inexistente a lei federal de normas gerais, exercer a compe-
tência legislativa plena “para atender a suas peculiaridades” (CF, art. 24, § 3º), obser-
vando-se o disposto no § 4º do citado art. 24, CF.
Isso posto, examinemos a questão.
A Lei 9.394, de 1996, Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Título IV,
regula a organização da Educação Nacional. O art. 8º estabelece que “a União, os Esta-
dos, o Distrito Federal e os Municípios organizarão, em regime de colaboração, os
respectivos sistemas de ensino”. Prescreve, a seguir, o art. 10 da citada Lei 9.394/96:
“Art. 10. Os Estados incumbir-se-ão de:
I - organizar, manter e desenvolver os órgãos e instituições oficiais dos seus
sistemas de ensino;
II - definir, com os Municípios, formas de colaboração na oferta do ensino
fundamental, as quais devem assegurar a distribuição proporcional das responsa-
bilidades, de acordo com a população a ser atendida e os recursos financeiros
disponíveis em cada uma dessas esferas do Poder Público;
III - elaborar e executar políticas e planos educacionais, em consonância com
as diretrizes e planos nacionais de educação, integrando e coordenando as suas
ações e as dos seus Municípios;
IV - autorizar, reconhecer, credenciar, supervisionar e avaliar, respectiva-
mente, os cursos das instituições de educação superior e os estabelecimentos do
seu sistema de ensino;
V - baixar normas complementares para o seu sistema de ensino;
VI - assegurar o ensino fundamental e oferecer, com prioridade, o ensino
médio;
VII - assumir o transporte escolar dos alunos da rede estadual.
Parágrafo único. Ao Distrito Federal aplicar-se-ão as competências referentes
aos Estados e aos Municípios.”
816 R.T.J. — 197

Com propriedade, escreveu o então Procurador-Geral da República:


“(...)
12. Afere-se que aos Estados compete autorizar, reconhecer, credenciar,
supervisionar e avaliar, respectivamente, os cursos das instituições de educação
superior e os estabelecimentos do seu sistema de ensino. Essa competência, frise-se,
abrange somente as instituições de educação superior e os estabelecimentos do seu
sistema de ensino, que, conforme o art. 17 da mesma lei compreende:
‘a) as instituições de ensino mantidas, respectivamente, pelo Poder
Público estadual;
b) as instituições de educação superior mantidas pelo Poder Público
municipal;
c) as instituições de ensino fundamental e médio criadas e mantidas
pela iniciativa privada;
d) os órgãos de educação estaduais.’
13. A autorização, reconhecimento, credenciamento, supervisão e avaliação
das instituições públicas federais e das instituições privadas de educação superior
é de competência da União, consoante o disposto no art. 9º da Lei 9.394/96:
‘Art. 9º A União incumbir-se-á de:
I - elaborar o Plano Nacional de Educação, em colaboração com os
Estados, o Distrito Federal e os Municípios;
II - organizar, manter e desenvolver os órgãos e instituições oficiais do
sistema federal de ensino e o dos Territórios;
III - prestar assistência técnica e financeira aos Estados, ao Distrito
Federal e aos Municípios para o desenvolvimento de seus sistemas de ensino
e o atendimento prioritário à escolaridade obrigatória, exercendo sua função
redistributiva e supletiva;
IV - estabelecer, em colaboração com os Estados, o Distrito Federal e os
Municípios, competências e diretrizes para a educação infantil, o ensino
fundamental e o ensino médio, que nortearão os currículos e seus conteúdos
mínimos, de modo a assegurar formação básica comum;
V - coletar, analisar, e disseminar informações sobre a educação:
VI - assegurar processo nacional de avaliação do rendimento escolar no
ensino fundamental, médio e superior, em colaboração com os sistemas de
ensino, objetivando a definição de prioridades e a melhoria da qualidade do
ensino;
VII - baixar normas gerais sobre cursos de graduação e pós-graduação:
VIII - assegurar processo nacional de avaliação das instituições de edu-
cação superior, com a cooperação dos sistemas que tiverem responsabilidade
sobre este nível de ensino;
R.T.J. — 197 817

IX - autorizar, reconhecer, credenciar, supervisionar e avaliar, res-


pectivamente, os cursos das instituições de educação superior e os estabele-
cimentos do seu sistema de ensino.’ (ênfases acrescidas)
14. De acordo com o art. 16 da Lei n. 9.394/96, o sistema federal de ensino
compreende:
‘a) as instituições de ensino mantidas pela União;
b) as instituições de educação superior criadas e mantidas pela iniciativa
privada;
c) os órgãos federais de educação.’
(...).” (Fls. 53-55)
E conclui:
“(...)
15. A lei estadual impugnada dispõe sobre processos de criação, autorização
de funcionamento, acompanhamento, avaliação e reconhecimento dos cursos de
graduação na área da saúde das instituições de educação superior, públicas e
privadas. Estas, no entanto, não pertencem ao sistema de ensino dos Estados, mas
sim, da União, como demonstrado. Portanto, não poderia o Estado de São Paulo
estabelecer critérios para criação e autorização de funcionamento de cursos, por
exemplo, de instituições as quais não pertencem ao seu sistema de ensino. Com
efeito, houve, no presente caso, usurpação da competência privativa da União para
legislar sobre regras gerais de educação, especificamente sobre criação, autorização
de funcionamento, avaliação e reconhecimento dos cursos de graduação das institui-
ções privadas de educação superior.
16. Dessa forma, conclui-se que a Lei n. 10.860, de 31 de agosto de 2001, do
Estado de São Paulo, padece de inconstitucionalidade formal, por afronta ao art.
22, inciso XXIV, da Constituição da República.
(...).” (Fl. 55)
Correto o entendimento.
A lei estadual foi além da competência concorrente suplementar (CF, art. 24, § 2º).
Tendo ela sido editada quando já existente a lei de diretrizes e bases federal, afrontou ela
a Lei Maior, porque, indo além da competência concorrente estadual, causou ofensa ao
art. 22, XXIV, e art. 24, IX, § 2º e § 3º, da Constituição Federal.
Do exposto, julgo procedente a ação e declaro a inconstitucionalidade da Lei
10.860, de 31-8-2001, do Estado de São Paulo.

VOTO
O Sr. Ministro Eros Grau: Senhor Presidente, estou plenamente de acordo com o
voto do eminente Relator. Mas quero só ressalvar que — isso não foi sequer mencionado
no voto do Ministro Carlos Velloso — não me comprometo com o argumento da ofensa
à livre iniciativa. No caso da educação, estamos diante de serviço público, não tem nada
a ver com livre iniciativa.
818 R.T.J. — 197

O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Na verdade, a lei estadual pretende


submeter todos os cursos de graduação de saúde públicos ou privados ao juízo do
Conselho Estadual, ou seja, nas escolas de formação houve uma espécie de reserva de
mercado paulista em relação à autorização da formação desses cursos, entrando exata-
mente no sistema. Criaria uma situação curiosa: as universidades federais estariam
sujeitas à autorização do Conselho de Saúde.

VOTO
O Sr. Ministro Carlos Britto: Senhor Presidente, só gostaria de acrescentar um
fundamento ao excelente voto do Ministro Carlos Velloso.
Quando a Constituição habilita os Estados e o Distrito Federal a legislar concor-
rentemente com a União em matéria de educação, quero crer, Senhor Relator, que isso se
justifica pelo fato de que os Estados, o Distrito Federal e até os Municípios são autoriza-
dos pela Constituição, até diria, são obrigados a manter sistemas próprios de ensino.
Então, para a mantença desses sistemas próprios de ensino, é natural o Estado lançar mão
de sua competência legislativa concorrente.
Agora, para os que entendem que ensino faz parte de atividades franqueadas à
iniciativa privada — penso assim, data venia do pensamento do Ministro Eros Grau.
O Sr. Ministro Eros Grau: Mas ainda vai me acompanhar.
O Sr. Ministro Carlos Britto: Quem sabe, com o tempo.
Aí, a lei em xeque torna-se ainda mais ofensiva da Constituição, porque o art. 209
diz:
“O ensino é livre à iniciativa privada, (...)”
E entre as condições que a Constituição estabelece, vem uma muito clara:
“I - cumprimento das normas gerais da educação nacional;”
Vale dizer, a iniciativa privada, em tema de educação, vincula-se a uma legislação
expressamente nacional.
Repito:
“O ensino é livre à iniciativa privada, atendidas as seguintes condições:
I - cumprimento das normas gerais da educação nacional;”
Como que a excluir os Estados da competência legiferante para conformar a ativi-
dade da iniciativa privada em tema de ensino.
Acompanho o voto de Sua Excelência o Ministro Carlos Velloso.

EXTRATO DA ATA
ADI 3.098/SP — Relator: Ministro Carlos Velloso. Requerente: Governador do
Estado de São Paulo (Advogado: PGE/SP – Elival da Silva Ramos). Requerida: Assem-
bléia Legislativa do Estado de São Paulo.
R.T.J. — 197 819

Decisão: O Tribunal, por unanimidade, julgou procedente a ação para declarar a


inconstitucionalidade da Lei n. 10.860, de 31 de agosto de 2001, do Estado de São
Paulo, nos termos do voto do Relator. Votou o Presidente, Ministro Nelson Jobim.
Ausentes, justificadamente, os Ministros Sepúlveda Pertence, Celso de Mello e Gilmar
Mendes.
Presidência do Ministro Nelson Jobim. Presentes à sessão os Ministros Carlos
Velloso, Marco Aurélio, Ellen Gracie, Cezar Peluso, Carlos Britto, Joaquim Barbosa e
Eros Grau. Vice-Procurador-Geral da República, Dr. Roberto Monteiro Gurgel Santos.
Brasília, 24 de novembro de 2005 — Luiz Tomimatsu, Secretário.

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 3.151 — MT

Relator: O Sr. Ministro Carlos Britto


Requerente: Associação dos Notários e Registradores do Brasil – ANOREG/BR —
Requeridos: Governador do Estado de Mato Grosso e Assembléia Legislativa do Estado
de Mato Grosso
Ação direta de inconstitucionalidade. Lei n. 8.033/2003, do Estado
de Mato Grosso, que instituiu o selo de controle dos atos dos serviços
notariais e de registro, para implantação do sistema de controle das ativi-
dades dos notários e dos registradores, bem como para obtenção de maior
segurança jurídica quanto à autenticidade dos respectivos atos.
I - Iniciativa: embora não privativamente, compete ao Tribunal de
Justiça deflagrar o processo de elaboração de leis que disponham sobre a
instituição do selo de controle administrativo dos atos dos serviços
notariais e de registro (alínea d do inciso II do art. 96 c/c § 1º do art. 236
da Carta Federal).
II - Regime jurídico dos serviços notariais e de registro: a) trata-se de
atividades jurídicas próprias do Estado, e não simplesmente de atividades
materiais, cuja prestação é traspassada para os particulares mediante
delegação. Traspassada, não por conduto dos mecanismos da concessão
ou da permissão, normados pelo caput do art. 175 da Constituição como
instrumentos contratuais de privatização do exercício dessa atividade
material (não jurídica) em que se constituem os serviços públicos; b) a
delegação que lhes timbra a funcionalidade não se traduz, por nenhuma
forma, em cláusulas contratuais; c) a sua delegação somente pode recair
sobre pessoa natural, e não sobre uma empresa ou pessoa mercantil, visto
que de empresa ou pessoa mercantil é que versa a Magna Carta Federal
em tema de concessão ou permissão de serviço público; d) para se tornar
delegatária do Poder Público, tal pessoa natural há de ganhar habilitação
em concurso público de provas e títulos, não por adjudicação em processo
820 R.T.J. — 197

licitatório, regrado pela Constituição como antecedente necessário do


contrato de concessão ou de permissão para o desempenho de serviço
público; e) são atividades estatais cujo exercício privado jaz sob a exclu-
siva fiscalização do Poder Judiciário, e não sob órgão ou entidade do
Poder Executivo, sabido que por órgão ou entidade do Poder Executivo é
que se dá a imediata fiscalização das empresas concessionárias ou per-
missionárias de serviços públicos. Por órgãos do Poder Judiciário é que
se marca a presença do Estado para conferir certeza e liquidez jurídica às
relações interpartes, com esta conhecida diferença: o modo usual de atuação
do Poder Judiciário se dá sob o signo da contenciosidade, enquanto o
invariável modo de atuação das serventias extraforenses não adentra
essa delicada esfera da litigiosidade entre sujeitos de direito; f) as atividades
notariais e de registro não se inscrevem no âmbito das remuneráveis por
tarifa ou preço público, mas no círculo das que se pautam por uma tabela
de emolumentos, jungidos estes a normas gerais que se editam por lei
necessariamente federal.
III - Taxa em razão do poder de polícia: a Lei mato-grossense n.
8.033/2003 instituiu taxa em razão do exercício do poder de polícia. Poder
que assiste aos órgãos diretivos do Judiciário, notadamente no plano da
vigilância da orientação e da correição da atividade em causa, a teor do
§ 1º do art. 236 da Carta-cidadã. É constitucional a destinação do produto
da arrecadação da taxa de fiscalização da atividade notarial e de registro
a órgão público e ao próprio Poder Judiciário. Inexistência de desrespeito
ao inciso IV do art. 150; aos incisos I, II e III do art. 155; ao inciso III do
art. 156 e ao inciso III do art. 153, todos da Constituição da Republicana
de 1988.
IV - Percepção integral dos emolumentos: a tese de que o art. 28 da
Lei federal n. 8.935/94 (Lei dos Cartórios) confere aos notários e registra-
dores o direito subjetivo de receberem integralmente os emolumentos
fixados em lei jaz circunscrita às fronteiras do cotejo entre normas sub-
constitucionais. Assim, por se constituir em confronto que só é direto no
plano infraconstitucional mesmo, insuscetível se torna para autorizar o
manejo de um tipo de ação de controle de constitucionalidade que não
admite intercalação normativa entre o diploma impugnado e a da Cons-
tituição República.
V - Competência legislativa e registros públicos: o § 1º do art. 2º do
diploma legislativo em estudo cria um requisito de validade dos atos de
criação, preservação, modificação e extinção de direitos e obrigações.
Imiscuindo-se, ipso facto, na competência legislativa que a Carta Federal
outorgou à União (CF, inciso XXV, art. 22).
Ação julgada parcialmente procedente, para declarar a inconstitu-
cionalidade, tão-somente, do § 1º do art. 2º da Lei n. 8.033/03, do Estado
de Mato Grosso.
R.T.J. — 197 821

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribu-
nal Federal, por seu Tribunal Pleno, na conformidade da ata do julgamento e das notas
taquigráficas, por maioria de votos, julgar constitucional a ação no que diz respeito à
iniciativa do Tribunal de Justiça na proposição da lei, considerando-a, embora não
privativa, do próprio Tribunal, vencido o Ministro Marco Aurélio. No mérito, também
por maioria, julgar procedente, em parte, a ação, dando pela inconstitucionalidade do
§ 1º do artigo 2º da Lei n. 8.033, de 17 de dezembro de 2003, do Estado de Mato Grosso,
vencidos o Ministro Eros Grau, que a julgava procedente somente no aspecto material,
e o Ministro Marco Aurélio, que a julgava procedente em toda a sua extensão, tanto no
aspecto formal como no material. Votou o Presidente, Ministro Nelson Jobim.
Brasília, 8 de junho de 2005 — Nelson Jobim, Presidente — Carlos Ayres Britto,
Relator.

RELATÓRIO
O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto: Com fundamento no inciso IX do art. 103 da
Constituição Federal de 1988, a ANOREG – Associação dos Notários e Registradores do
Brasil ajuíza a presente ação direta de inconstitucionalidade. E o faz para impugnar o
artigo 1º, com seus §§ 1º e 2º; o art. 2º, com seus §§ 1º e 2º, além do inteiro teor do art. 7º,
todos da Lei n. 8.033, de 17 de dezembro de 2003, do Estado de Mato Grosso.
2. Os dispositivos sob suspeita de inconstitucionalidade estão assim legendados:
“Art. 1º Fica instituído o Selo de Controle dos atos dos Serviços Notariais e
de Registro, para implantação do sistema de controle das atividades dos notários e
dos registradores, bem como para obtenção de maior segurança jurídica quanto à
autenticidade dos respectivos atos.
§ 1º O valor de cada selo de controle corresponde a R$ 0,10 (dez centavos de
real) e não será repassado ao usuário.
§ 2º O valor do selo de controle será reajustado na mesma proporção da
recomposição dos valores dos emolumentos dos serviços notariais.
Art. 2º Cada ato notarial ou de registro praticado receberá selo de controle,
que será utilizado seqüencialmente, da seguinte forma:
a) o número de selos deverá corresponder à quantidade de atos praticados
num único documento;
b) quando um documento possuir mais de uma folha e constituir um só ato, o
selo será colocado onde houver a assinatura do servidor responsável pelo ato;
c) quando um documento possuir mais de uma folha e vários atos, os selos
correspondentes aos atos poderão ser distribuídos pelo documento.
§ 1º A não-utilização do selo de controle, de acordo com as regras fixadas
nesta lei, acarretará a invalidade do ato.
§ 2º As cópias dos documentos expedidos e destinados ao arquivo da
serventia deverão conter o número de série dos respectivos selos de controle.
822 R.T.J. — 197

(...)
Art. 7º Além daqueles já previstos em lei, constituem recursos do Fundo de
Apoio ao Judiciário – FUNAJURIS, os valores provenientes do fornecimento dos
selos de controle dos serviços notariais e de registro, e até 20% (vinte por cento) do
total dos emolumentos cobrados em razão das atividades do serviço notarial e
registral, previstos nas tabelas constantes da Lei n. 7.550, de 03 de dezembro de
2001, e alterações posteriores.
(...)”
3. Já no tocante aos dispositivos constitucionais que se tem por violados, são
eles os artigos 5º, XXXVI; 19, II; 22, XXV; 150, IV; 153, III; 155, I, II e III; 156, III; e
236, § 1º.
4. Nessa marcha batida, é que a autora declina os fundamentos jurídicos da sua
pretensão de ver julgada procedente a ação direta, sustentando, inicialmente, que os
dispositivos censurados instituíram “impostos incidindo sobre a prestação dos serviços
notariais e registrais, erigindo como base de cálculo a remuneração bruta auferida
pelos notários e registradores em razão daquela prestação de serviços públicos”, e
acrescentando que é direito subjetivo dos notários e registradores a percepção integral
dos emolumentos, direito, esse, assegurado pelo art. 236, §§ 1º a 3º, da Lex Legum, bem
como pelo art. 28 da Lei federal n. 8.935, de 18 de novembro de 1994. Firme em tais
premissas, a requerente argumenta que, ao “determinar a apropriação, de parte ou do
todo, dos emolumentos percebidos pelos notários e registradores em razão da respectiva
prestação de serviços”, a Lei estadual n. 8.033/03 feriu o direito adquirido dos associa-
dos dela, autora da presente ação direta.
5. Não é tudo. A requerente segue em frente para dizer que o art. 155 da Carta
Republicana de 1988 outorgou competência aos Estados-Membros apenas para instituí-
rem tributos incidentes sobre: a) a transmissão causa mortis e a doação de quaisquer
bens ou direitos; b) as operações relativas à circulação de mercadorias e sobre a prestação
de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e c) a propriedade de veículos
automotores. Daí concluir que “não há previsão constitucional para que o Estado de
Mato Grosso crie impostos incidentes sobre os serviços notariais, de registro e a respec-
tiva remuneração bruta auferida pelos notários e registradores em decorrência do
pagamento direto dos usuários, em contraprestação desses serviços”.
6. À derradeira, a autora enxerga vício de inconstitucionalidade formal no parágrafo
1º do art. 2º da Lei estadual em foco, por disciplinar matéria da competência legiferante
privativa da União: registros públicos (arts. 19, II; 22, XXV, e 236, § 1º, da CF).
7. Prossigo no relatório para averbar que solicitei informações aos requeridos, mas
apenas o Governador do Estado de Mato Grosso atendeu ao chamado. Em seu arrazoado,
o Chefe do Poder Executivo rechaça a tese esgrimida na inicial e, ao fazê-lo, Sua Exce-
lência salienta que:
“(...)
A lei claramente menciona que o objeto é controle dos atos notariais e auten-
ticidade dos mesmos, não significa a criação de imposto ou emolumentos, mas,
tão-somente estabelecer certeza e autenticidade dos atos notariais, onde, sem o
devido selo ficaria faltando o principal efeito, qual seja, a validade do ato notarial.
R.T.J. — 197 823

Assim, cabe diferenciar o tributo denominado taxa, a qual se caracteriza por


apresentar na hipótese da norma, a descrição de um fato revelador de uma atividade
estatal, direta e especificamente dirigida ao contribuinte.
No caso em concreto estamos diante de um tributo, na modalidade de taxa,
pela utilização efetiva e potencial do uso do serviço cartorial, o qual, para validar
o ato necessário possuir o selo no documento que for expedir.
(...)”
8. Mais adiante, o primeiro requerido ainda argumenta que:
“(...)
Outro argumento do autor da Adin em apreço, se refere ao disposto no art.
236 e §§ da Constituição Federal que trata dos serviços notariais e de registro os
quais são exercidos em caráter privado mediante delegação do Poder Público e a
lei iria regular os emolumentos aos atos praticados pelos respectivos serviços.
A Lei estadual n. 8.033/2003 não regulou emolumentos sobre valores a se-
rem cobrados dos atos prestados diretamente ao contribuinte que venha necessitar
dos serviços, porém, estabeleceu a necessidade de selo de autenticação e controle
dos atos o que compete ao Poder Judiciário local assim proceder.
(...)”
9. A título de arremate, o requerido pondera que a Lei federal n. 8.935/94, que
regula os serviços notariais e de registro, o faz de forma geral, identicamente aos coman-
dos da Lei n. 10.169, de 29 de dezembro de 2000. Sendo assim, a União apenas instituiu
normas gerais sobre tais serviços, autorizando que os Estados e o Distrito Federal fixas-
sem o valor dos emolumentos quanto aos atos praticados pelas respectivas serventias
extraforenses de serviços notariais e de registro.
10. Digo mais: em 5-5-2004, adotei a ritualística prevista no artigo 12 da Lei n.
9.868/99. Daí por que abri vistas dos autos, sucessivamente, ao Advogado-Geral da
União e ao Procurador-Geral da República.
11. Enfim, consigno que, às fls. 211/220, o nobre Advogado-Geral da União se
manifestou, defendendo a procedência da ação direta de inconstitucionalidade tão-somente
quanto ao § 1º do art. 2º do diploma legal em estudo, por afronta aos arts. 22, inciso XXV,
e 236, § 1º, todos da Norma Normarum republicana. Convergentemente, o douto
Procurador-Geral da República se posicionou pela procedência parcial da presente
ação, para o fim de se declarar a inconstitucionalidade do mesmo § 1º do art. 2º da Lei
mato-grossense n. 8.033/2003.
É o relatório.

VOTO
O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto (Relator): Reconheço, de pronto, a legitimidade
ativa da Anoreg. Por isso que acedo ao pensar jurisprudencial desta Suprema Corte,
notadamente quanto ao decidido na ADI 1.751, Relator Min. Moreira Alves. Além disso,
entendo satisfeito o requisito da pertinência entre as finalidades institucionais da
acionante e o centrado objeto desta actio.
824 R.T.J. — 197

14. Passando ao exame de mérito da quaestio, começo por dizer que a sua correta
solução passa pela análise da natureza e do regime jurídico dos tais “serviços de regis-
tros públicos, cartorários e notariais”, que a Lei Maior da República sintetizou sob o
nome de “serviços notariais e de registro” (art. 236, cabeça e § 2º). Quero dizer, a formu-
lação de qualquer juízo de validade ou de invalidade dos dispositivos legais postos em
xeque deve ser precedida de um cuidadoso exame do tratamento constitucional conferido
às atividades notariais e de registro (registro “público” já é adjetivação feita pelo inciso
XXV do art. 22 da Constituição, versante sobre a competência legislativa que a União
detém com privatividade).
15. Com este propósito, pontuo que as atividades em foco deixaram de figurar no
rol dos serviços públicos que são próprios da União (incisos XI e XII do art. 21, especifi-
camente) — como também não foram listadas na competência material dos Estados, ou
dos Municípios (arts. 25 e 30, respectivamente). Nada obstante, é a Constituição mesma
que vai tratar do tema já no seu derradeiro título permanente (o de número IX), sob a
denominação de “Disposições Gerais”, para estatuir o seguinte:
“Art. 236. Os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado,
por delegação do Poder Público.
§ 1º Lei regulará as atividades, disciplinará a responsabilidade civil e criminal
dos notários, dos oficiais de registro e de seus prepostos, e definirá a fiscalização de
seus atos pelo Poder Judiciário.
§ 2º Lei federal estabelecerá normas gerais para fixação de emolumentos
relativos aos atos praticados pelos serviços notariais e de registro.
§ 3º O ingresso na atividade notarial e de registro depende de concurso
público de provas e títulos, não se permitindo que qualquer serventia fique vaga,
sem abertura de concurso de provimento ou de remoção, por mais de seis meses.”
16. Vai além a regração constitucional-federal sobre a matéria, porque o “Ato das
Disposições Constitucionais Transitórias” também dispõe sobre o mesmo assunto, nos
seguintes termos:
“Art. 32. O disposto no art. 236 não se aplica aos serviços notariais e de
registro que já tenham sido oficializados pelo poder público, respeitando-se o
direito de seus servidores”.
17. Pois bem, daqui se infere que, tirante os serviços notariais e de registro já
oficializados até o dia 5 de outubro de 1988, todos os outros têm o seu regime jurídico
fixado pela parte permanente da Constituição Federal. Mais precisamente, os demais
serviços notariais e de registro têm o seu regime jurídico centralmente estabelecido pelo
art. 236 da Lei Republicana. Um regime jurídico, além do mais, que pensamos melhor se
delinear pela comparação inicial com o regime igualmente constitucional dos serviços
públicos, versados estes, basicamente, no art. 175 da Lei Maior1. Por isso que, do con-
fronto entre as duas categorias de atividades públicas, temos para nós que os traços
principais dos serviços notariais e de registro sejam os seguintes:

1 “Art. 175. Incumbe ao poder público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou
permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos.
Parágrafo único. A lei disporá sobre:
R.T.J. — 197 825

I - serviços notariais e de registro são atividades próprias do Poder Público,


pela clara razão de que, se não o fossem, nenhum sentido haveria para a remissão
que a Lei Maior expressamente faz ao instituto da delegação a pessoas privadas.
É dizer: atividades de senhorio público, por certo, porém obrigatoriamente
exercidas em caráter privado (CF, art. 236, caput). Não facultativamente, como se
dá, agora sim, com a prestação dos serviços públicos, desde que a opção pela via
privada (que é uma via indireta) se dê por força de lei de cada pessoa federada que
titularize tais serviços;
II - cuida-se de atividades jurídicas do Estado, e não simplesmente materiais,
cuja prestação é traspassada para os particulares mediante delegação (já foi assina-
lado e não por conduto dos mecanismos da concessão ou da permissão, normados
pelo caput do art. 175 da Constituição como instrumentos contratuais de privati-
zação do exercício dessa atividade material (não jurídica) em que se constituem os
serviços públicos;
III - a delegação que lhes timbra a funcionalidade não se traduz, por nenhuma
forma, em cláusulas contratuais. Ao revés, exprime-se em estatuições unilateral-
mente ditadas pelo Estado, valendo-se este de comandos veiculados por leis e
respectivos atos regulamentares. Mais ainda, trata-se de delegação que somente
pode recair sobre pessoa natural, e não sobre uma “empresa” ou pessoa mercantil,
visto que de empresa ou pessoa mercantil é que versa a Magna Carta Federal em
tema de concessão ou permissão de serviço público;
IV - para se tornar delegatária do Poder Público, tal pessoa natural há de
ganhar habilitação em concurso público de provas e títulos e não por adjudicação
em processo licitatório, regrado pela Constituição como antecedente necessário
do contrato de concessão ou de permissão para o desempenho de serviço público;
V - está-se a lidar com atividades estatais cujo exercício privado jaz sob a
exclusiva fiscalização do Poder Judiciário, e não sob órgão ou entidade do Poder
Executivo, sabido que é por órgão ou entidade do Poder Executivo que se dá a
imediata fiscalização das empresas concessionárias ou permissionárias de serviços
públicos. Reversamente, por órgãos do Poder Judiciário é que se marca a presença
do Estado para conferir certeza e liquidez jurídica às relações interpartes, com esta
conhecida diferença: o modo usual de atuação do Poder Judiciário se dá sob o
signo da contenciosidade, enquanto o invariável modo de atuação das serventias
extraforenses não adentra essa delicada esfera da litigiosidade entre sujeitos de
direito;
VI - enfim, as atividades notariais e de registro não se inscrevem no âmbito
das remuneráveis por “tarifa” ou “preço público”, mas no círculo das que se pautam
por uma tabela de emolumentos, jungidos estes a normas gerais que se editam por

I - o regime das empresas concessionárias e permissionárias de serviços públicos, o caráter especial


de seu contrato e de sua prorrogação, bem como as condições de caducidade, fiscalização e rescisão da
concessão ou permissão;
II - os direitos dos usuários;
III - política tarifária;
IV - a obrigação de manter serviço adequado”.
826 R.T.J. — 197

lei necessariamente federal — características de todo destoantes, repise-se, daque-


las que são inerentes ao regime dos serviços públicos.
18. Numa frase, então, serviços notariais e de registro são típicas atividades esta-
tais, mas não são serviços públicos, propriamente. Inscrevem-se, isto sim, entre as ativi-
dades tidas como função pública lato sensu, a exemplo das funções de legislação,
diplomacia, defesa nacional, segurança pública, trânsito, controle externo e tantos
outros cometimentos que, nem por ser de exclusivo domínio estatal, passam a se confundir
com serviço público2.
19. Diga-se mais: se os serviços notariais e de registro não têm a natureza nem o
regime jurídico dos serviços públicos, o mesmo é de ser dito quanto à natureza e ao
regime normativo dos cargos públicos efetivos. A identidade, aqui, é tão-somente quanto
à exigência constitucional da aprovação em concurso público de provas e títulos
como pré-requisito de investidura na função, obedecida a ordem descendente de
classificação. É que, se não existe cargo público efetivo sem uma específica função
estatal, pode haver uma específica função estatal desapegada de um cargo público. Do
lado de fora dele, portanto, tal como se dá com a função de jurado, ou a de mesário e
fiscal eleitoral, verbi gratia.
20. Deveras, se o cargo público efetivo é provido por nomeação, toda serventia
cartorária extrajudicial tem na delegação a sua inafastável forma de investidura; se o
exercício dos cargos públicos efetivos é remunerado diretamente pelos cofres do Estado,
o exercício das atividades notariais e de registro é pago pelas pessoas naturais ou pelas
pessoas coletivas que deles se utilizem; se ao conjunto dos titulares de cargo efetivo se
aplica um estatuto ou regime jurídico-funcional comum, ditado por lei de cada qual das
pessoas federadas a que o servidor se vincule, o que recai sobre cada um dos titulares de
serventia extrajudicial é um ato unilateral de delegação de atividades, expedido de
conformidade com lei específica de cada Estado-Membro ou do Distrito Federal, respei-
tadas as normas gerais que se veiculem por lei da União acerca dos registros públicos e
da fixação dos sobreditos emolumentos (inciso XXV do art. 223 e §§ 1º e 2º do art. 236
da Carta de Outubro, um pouco mais acima transcritos); se as pessoas investidas em
cargo público efetivo se estabilizam no serviço do Estado, vencido com êxito o que se
denomina de “estágio probatório”, e ainda são aquinhoadas com aposentadoria do tipo
estatutário, pensão igualmente estatutária para seus dependentes econômicos, possibili-
dade de greve, direito à sindicalização do tipo profissional (não da espécie econômica)
e mais uma cláusula constitucional de irredutibilidade de ganhos incorporáveis aos

2 Como deflui da segura doutrina de Celso Antônio Bandeira de Mello (ver Curso de Direito
Administrativo, Malheiros Editores, 15ª ed. pp. 611/620), dois elementos se combinam para a
conceituação do serviço público: a) um elemento formal, que é o seu regime de Direito Público, a
significar sua regência por normas consagradoras tanto de prerrogativas quanto de encargos ou sujei-
ções especiais; b) um elemento material, traduzido na efetiva ou na potencial oferta de comodidades ou
utilidades materiais aos respectivos usuários, préstimos, esses, tão específicos quanto divisíveis.
3 “Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:
(...)
XXV - registros públicos;
(...)”
R.T.J. — 197 827

respectivos vencimentos ou subsídios, nada disso é extensível aos titulares de


serventia extraforense, jungidos que ficam os notários aos termos de uma delegação
administrativa que passa ao largo do estatuto jurídico de cada qual dos conjuntos de
servidores da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. Se nenhum
titular de cargo efetivo pode assalariar terceiro para o contínuo desempenho das funções
que lhe são próprias, é precisamente isso o que normalmente faz o titular da serventia
extraforense; postando-se, então, como típico empregador perante os empregados que
fica autorizado a contratar para o bom funcionamento da unidade administrativa de que
for delegatário. Enfim, as marcantes diferenciações pululam a partir do próprio texto da
Magna Carta Federal, permitindo-nos a serena enunciação de que as atividades notariais
e de registro nem se traduzem em serviços públicos tampouco em cargos públicos efetivos.
21. Em palavras outras, assim como o inquérito policial não é processo judicial
nem processo administrativo investigatório, mas inquérito policial mesmo (logo, um
tertium genus); assim como o Distrito Federal não é Estado-Membro nem Município,
mas tão-somente o próprio Distrito Federal; assim como os serviços forenses não são
outra coisa senão serviços forenses em sua peculiar ontologia ou autonomia entitativa,
assim como o processo de conta não é processo legislativo, nem jurisdicional, nem
mesmo administrativo, assim também os serviços notariais e de registro são serviços
notariais e de registro, simplesmente, e não qualquer outra atividade estatal.
22. Certo é, contudo, que a jurisprudência deste STF tem os serviços notariais e de
registro como espécie de serviço público. Atividade estatal, sim, porém da modalidade
serviço público. Em desabono, portanto, da qualificação jurídica aqui empreendida4.
Nada obstante, quer sob a categorização de atividade estatal não-constitutiva de serviço
público (este o nosso pessoal entendimento), quer debaixo dessa outra categorização
cognoscitiva (segundo os precedentes deste STF), é do meu pensar que o instrumento
normativo sob censura não criou uma modalidade de imposto, apenas instituiu taxa em
razão do exercício do poder de polícia5, poder que assiste aos órgãos diretivos do
Judiciário, notadamente no plano da vigilância, da orientação e da correição da ativida-
de em causa, a teor do § 1º do art. 236 da Constituição Federal6.
23. No fluxo dessa compreensão das coisas, anoto que tema semelhante ao presente
já foi enfrentado nesta Excelsa Corte de justiça. Refiro-me à ADI 2.129-MC, Relator
Min. Nelson Jobim, em cujo corpo a maioria do Plenário7 indeferiu o pedido de medida
liminar então formulado. Eis uma ilustrativa passagem desse voto condutor:

4 Veja-se, à guisa de ilustração, o que restou decidido no RE 209.354, Relator Min. Carlos Velloso;
ADI 865-MC, Relator Min. Celso de Mello; ADI 1.709, Relator Min. Maurício Correa; ADI 1.378,
Relator Min. Celso de Mello; e ADI 1.778, Relator Min. Nelson Jobim; entre outras.
5 Assim definido pelo art. 78 do Código Tributário Nacional: “Considera-se poder de polícia atividade
da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a
prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene,
à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas
dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranqüilidade pública ou ao respeito à
propriedade e aos direitos individuais ou coletivos”.
6 Vencido o eminente Ministro Marco Aurélio.
7 Vencido o eminente Ministro Marco Aurélio.
828 R.T.J. — 197

“(...)
A Lei 2.049/99 destinou 3% dos emolumentos percebidos pelas serventias
extrajudiciais ao “Fundo Especial para Instalação, Desenvolvimento e Aperfeiçoa-
mento dos Atividades dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais” (fl. 31).
Compete à Administração Pública delimitar o exercício dos direitos indivi-
duais em prol do interesse público.
Ela o faz via seu poder de polícia.
O exercício desse poder é exatamente um dos fatos geradores de taxas (art.
145, II, CF e 77/78 do CTN).
(...)”
24. Neste lanço, calha ainda abrir um parêntese para consignar que este egrégio
Tribunal vem admitindo a destinação de parte da arrecadação dos emolumentos a órgão
público e ao próprio Poder Judiciário. Daí a seguinte parte do voto proferido pelo Min.
Carlos Velloso na ADI 1.145:
“(...)
Na ADI 2.059/PR, Relator o Ministro Nelson Jobim, ficou esclarecido que é
possível a destinação do produto da arrecadação da taxa para órgão público não
estranho aos serviços notariais. Se essa destinação ‘é para o próprio Poder Judiciário’,
esclareceu o Ministro Moreira Alves, ‘não há dúvida de que é possível’, pois não se
trata, como ocorre, por exemplo, com a Caixa de Assistência da OAB, de pessoa
jurídica de direito privado’. O Supremo Tribunal Federal, no julgamento da men-
cionada ADI 2.059/PR, decidiu pela regularidade da destinação do produto da
arrecadação da taxa a órgão público. Naquele caso, ao próprio Poder Judiciário.
(...)”
25. Ora bem, se é assim — vale repetir —, se tem a natureza de taxa de polícia o
tributo instituído pela Lei mato-grossense aqui impugnada (art. 7º), penso inexistir a
alegada violação aos incisos I, II e III do art. 155 e ao inciso III do art. 156, todos da
Constituição Republicana de 1988.
26. Nessa vertente subsuntiva, ainda me parece carecedora de fundamento a peti-
ção de ingresso, no trecho em que afirma o desrespeito ao inciso III do artigo 153 da
Magna Lei — dispositivo constitucional, esse, que atribui à União a competência para
instituir impostos sobre renda e proventos de qualquer natureza. E assim me posiciono
porque, segundo anotei um pouco mais acima, o tributo instituído pela Lei n. 8.033, do
Estado de Mato Grosso, possui natureza jurídica de taxa e, por isso mesmo, não se confun-
de com imposto.
27. Sigo na formatação deste voto para lembrar que a requerente desta ação cons-
titucional também argumenta que o art. 28 da Lei n. 8.935/94 (Lei dos Cartórios) confere
aos notários e registradores o direito subjetivo de receberem integralmente os emolu-
mentos fixados em lei. Donde o reclamo de que, ao determinar a apropriação de parcela
desses emolumentos, o diploma legal aqui impugnado afrontou o disposto no inciso
XXXVI do art. 5º da Constituição Federal.
R.T.J. — 197 829

28. Assim não se me afigura — ainda uma vez devo dizê-lo —, pois esse outro
questionamento jaz circunscrito às fronteiras do cotejo entre normas subconstitucio-
nais, que, por se constituir em confronto que só é direto no plano infraconstitucional
mesmo, insuscetível se torna para autorizar o manejo de um tipo de ação de controle de
constitucionalidade que não admite intercalação normativa entre o diploma impugnado
e a Constituição da República. Aliás, não foi outra a conclusão a que chegou o Ministro
Nelson Jobim no julgamento da medida cautelar que se continha na pré-falada ADI
2.129. Confira-se:
“(...)
Poder-se-ia dizer que — e a inicial não o faz —, no presente caso, não estariam
os titulares das serventias percebendo o valor integral dos emolumentos, como
determina a lei federal (Lei 8.935/94, art. 28).
Mas esse enfoque importa no confronto da lei estadual com a lei federal.
Nada com a Constituição.
(...)”
(Destaques nesta transcrição)
29. Já no tocante à suposta violação ao inciso IV do art. 150 da Constituição
Federal de 1988, observo que o art. 7º do instrumento normativo ora combatido previu
que “constituem recursos do Fundo de Apoio ao Judiciário — FUNAJURIS os valores
provenientes do fornecimento dos selos de controle dos serviços notariais e de registro,
e até 20% (vinte por cento) do total dos emolumentos cobrados em razão das atividades
do serviço notarial e registral, previstos nas tabelas constantes da Lei n. 7.550, de 03 de
dezembro de 2001, e alterações posteriores”. É dizer: além daqueles já previstos em lei,
os recursos do Fundo de Apoio ao Judiciário – FUNAJURIS são constituídos por duas
parcelas distintas:
a) os valores provenientes do fornecimento dos selos de controle dos servi-
ços notariais e de registro; e
b) até 20% (vinte por cento) do total dos emolumentos cobrados em razão
das atividades do serviço notarial e registral.
30. A seu turno, o art. 8º da Lei n. 8.033/03 assim dispõe:
“(...)
Art. 8º A Corregedoria-Geral de Justiça criará 03 (três) categorias de serviços
notariais assim constituídas:
I - serventias pequenas e deficitárias;
II - serventias médias;
III - serventias grandes.
Parágrafo único. As serventias pequenas e deficitárias são isentas do paga-
mento do disposto no art. 7º, que serão cobradas das outras categorias, através de
valores progressivos.
(...)”
830 R.T.J. — 197

31. Dessas transcrições normativas, o que se lê me parece claro: a taxa instituída


pelo art. 7º do diploma legal posto em xeque observou a exata proporção da capacidade
contributiva das respectivas serventias. Tratou desigualmente os desiguais, em meticulosa
proporção, o que me impede de enxergar a alegada ofensa ao inciso IV do art. 150 da
Magna Carta de 1988.
32. Passo, agora, a examinar a tese de que o legislador de Mato Grosso usurpou a
competência legiferante que é privativa da União para dispor sobre registros públicos.
Ao fazê-lo, tenho como fundamentado o inconformismo da autora, no ponto. É que, ao
instituir o selo de controle dos atos dos serviços notariais e de registro, a Lei estadual
n. 8.033/03 o fez como requisito de validade dos atos de criação, preservação, modi-
ficação e extinção de direitos e obrigações (§ 1º do art. 2º). Imiscuindo-se, ipso facto,
na competência legislativa que a Lex Legum outorgou à União, com privatividade (CF,
art. 22, inciso XXV).
33. Veja-se, a esse propósito, que não foi outro o entendimento adotado por este
Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADI 1.752-MC, Relator Min. Marco Aurélio:
“Emolumentos — Autenticação de atos notariais — Veículo de criação —
Provimento da corregedoria. Ao primeiro exame, surge a relevância do pedido
de suspensão e o risco de manter-se com plena eficácia provimentos de corregedoria
criando, de forma onerosa, selo de autenticação a constar, necessariamente, de
todo e qualquer ato notarial. Conflito dos Provimentos 23/97, de 25 de junho de
1997, e 31/97, de 17 de julho de 1997, com a Carta Política da República. Liminar
passível de concessão”.
34. Nessa contextura, julgo parcialmente procedente o pedido da presente ação
direta, para declarar a inconstitucionalidade do § 1º do art. 2º da Lei mato-grossense n.
8.033, de 17 de dezembro de 2003.
35. É como voto.

VOTO (Explicação)
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Realmente, a nossa jurisprudência chegaria a
tais excessos de cerimônia. Mas, na verdade, de uma lei, seja ela federal, municipal ou
estadual, que prescreve caber a integralidade dos emolumentos aos titulares, pode-se
tirar a ilegitimidade de um tributo? Por isso é que eu disse: coitado do imposto de renda.
Quanto à interpretação da lei federal, não há dúvida de que temos de passar por ela
para chegarmos à inconstitucionalidade. A lei federal, efetivamente, preceitua que os
emolumentos são integralmente percebidos pelo titular. Outra coisa é a incidência ou
não de tributos.

VOTO
O Sr. Ministro Carlos Britto (Relator): Também declaro inconstitucional a expres-
são “os valores provenientes do fornecimento dos selos de controle de serviços notariais
e de registro”, constante do artigo 7º do mencionado diploma legal.
O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Qual é?
R.T.J. — 197 831

O Sr. Ministro Carlos Britto (Relator): É o artigo 7º.


O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Que é o fundo.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: É um pouco difícil para acompanhar. O que é salvo,
então, em seu voto?
O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): É só o § 1º.
O Sr. Ministro Carlos Britto (Relator): Entendo que a taxa instituída é constitu-
cional e a sua destinação também.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Vossa Excelência não enfrentou o problema da
iniciativa, não é?
O Sr. Ministro Carlos Britto (Relator): Enfrentei.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Vossa Excelência entende que o Presidente do
Tribunal teria a iniciativa da lei?
O Sr. Ministro Carlos Britto (Relator): Isso constou da impugnação?
O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): De quem foi a iniciativa? Consta da
folha 2 da inicial que a iniciativa é do Presidente do Tribunal de Justiça.
O Sr. Ministro Carlos Britto (Relator): Penso que a iniciativa está correta.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Como?
O Sr. Ministro Carlos Britto (Relator): Vou ver a Constituição.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Essa previsão nem existe no tocante ao Supremo
Tribunal Federal.
O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Não tem previsão para isso.
O Sr. Ministro Carlos Britto (Relator): Para iniciar o processo legislativo nessa
matéria?
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Sim.
O Sr. Ministro Carlos Britto (Relator): Esse tema foi enfrentado anteriormente pelo
Supremo Tribunal Federal?
O Sr. Ministro Marco Aurélio: É algo que discrepa, a mais não poder, da Carta da
República.
O Sr. Ministro Carlos Britto (Relator): Mas aí é uma interpretação que Vossa Exce-
lência está dando.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Não. Estou tendo presente o disposto no artigo 96 e
a prática quanto à iniciativa de projetos. Jamais me defrontei com um caso, um processo
objetivo sobre iniciativa do Judiciário para criar taxa. Pelo menos, nesses quinze anos
que aqui estou.
O Sr. Ministro Carlos Britto (Relator): Mas taxa em função de uma atividade que
compete ao Poder Judiciário.
O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: Não foi objeto de impugnação.
O Sr. Ministro Carlos Britto (Relator): Não vi se foi objeto de impugnação.
832 R.T.J. — 197

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: Isso não é relevante.


O Sr. Ministro Carlos Britto (Relator): Sei que a causa de pedir é aberta. Agora, não
enfrentei essa questão por não me lembrar de existir.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Se tem de organizar o serviço, pode instituir a
taxa.
O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Taxa para organização de serviço.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Senhor Presidente, a terceirização de serviço
envolve o seu custeio. Se entendemos que a taxa é legítima e custeia o serviço que tem
de ser organizado por lei de iniciativa do Poder Judiciário...
O Sr. Ministro Carlos Velloso: Isso não seria privativo do Chefe do Executivo?
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Não é privativo do Executivo.
O Sr. Ministro Carlos Velloso: Se não é privativo do Chefe do Executivo e se trata
de serviço próprio do Poder Judiciário, a quem cabe organizar e fiscalizar, implícita está
a faculdade de criar o crédito remunerador.
O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Essa análise tem importância no caso
concreto específico, tendo em vista a reforma estabelecida no Poder Judiciário, Emenda
n. 45, que atribui todas as taxas e emolumentos ao serviço judiciário.
O Sr. Ministro Carlos Velloso: Perfeito.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Tem-se o resultado da aplicação de uma lei.
O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Mas, aí, o problema da iniciativa é que
está exatamente vinculado à necessidade do financiamento do serviço.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: A organização do serviço. Como se organiza o
serviço, que entendemos ser legítimo custear mediante taxa, se não se tem a iniciativa
para instituir a fonte do custeio, que é a taxa?
O Sr. Ministro Eros Grau: Penso haver uma questão preliminar. Há ou não há taxa?
No meu modo de ver, não há taxa.
O Sr. Ministro Carlos Velloso: Ministro, isso é questão de mérito.
O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Isso é questão de mérito, vamos discutir
o problema da iniciativa.
O Sr. Ministro Eros Grau: Não é questão de mérito, por uma razão muito simples: se
não houver taxa, não será necessário discutirmos a questão da iniciativa.
O Sr. Ministro Carlos Britto (Relator): Mas essa questão precede.
O Sr. Ministro Eros Grau: Eu aguardo.
O Sr. Ministro Gilmar Mendes: É uma questão que ficou obscura porque as taxas
judiciárias certamente têm sido alteradas.
O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Não. Todas de iniciativa do governador.
Não é o primeiro caso de iniciativa que me lembro de ter examinado.
O Sr. Ministro Gilmar Mendes: No âmbito federal, não houve alteração de taxa
judiciária?
R.T.J. — 197 833

O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Todas as discussões da Anoreg sempre


foram em relação à própria cobrança e não à iniciativa, tanto é que esse caso ela não
menciona.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: No máximo, o Tribunal admitiu o reajuste, a reposi-
ção do poder aquisitivo, e não a criação em si.
O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Em outra situação. Agora, estamos exa-
minando se cabe ao Poder Judiciário a organização, inclusive, mais ainda no caso con-
creto, considerando a reforma constitucional que estabeleceu, enfim, todas as taxas e
emolumentos.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Penso que o caso não é de iniciativa privativa
do Poder Judiciário, evidentemente. Mas é um poder de iniciativa implícito do Tribunal
de propor lei sobre a organização dos seus serviços. Ou, então, ela não é legítima. Se o
argumento básico para considerá-la legítima — abstração feita do problema da inicia-
tiva — é que vai custear um serviço de polícia administrativa do Judiciário, então se
deve entender que, no poder de iniciar o processo legislativo de organização desse
serviço de fiscalização, está implícito o de propor a fonte de seu custeio, que é essa taxa.
O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Mesmo porque, se raciocinarmos da
forma contrária, o próprio governador não teria o mínimo interesse nesse assunto. O
interesse do governador manifestar-se-ia no veto à lei, isso é implícito.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Isso é o poder implícito. É a clássica hipótese
de poder implícito: deu-se iniciativa para a proposta de organização do serviço e, nisso,
tem-se que dar a da proposta dos meios necessários à manutenção do serviço.
A Sra. Ministra Ellen Gracie: Senão essa organização em funcionamento ficaria na
dependência da boa vontade de outro Poder.
O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Vossa Excelência afasta a tese e julga
inconstitucional somente o § 1º do art. 2º?
O Sr. Ministro Carlos Britto (Relator): Perfeito. E, no art. 7º, as insinuações.
O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Além daqueles está previsto que constituem
recursos do Fundo os valores provenientes do fornecimento dos selos. Por que isso?
O Sr. Ministro Carlos Britto (Relator): “(...) os valores provenientes do fornecimento
dos selos de controle dos serviços notariais e de registro, (...)” (Lê parte do art. 7º)
O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Vossa Excelência julgou inconstitucional
o selo?
O Sr. Ministro Carlos Britto (Relator): Julgo inconstitucional o selo, sim.
O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Mas o selo é um dos meios de se exercer
uma das taxas.
O Sr. Ministro Carlos Britto (Relator): Porque o selo foi instituído como condição
de validade aos atos jurídicos.
O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Se entendi, Vossa Excelência está julgando só o § 2º.
O Sr. Ministro Carlos Britto (Relator): Não.
834 R.T.J. — 197

O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): É a não-utilização do selo que acarreta a


nulidade. Mas podemos declarar inconstitucional não o problema do selo, porque o selo
é uma das formas de cobrar a taxa, é um tipo de taxa, é a forma de fiscalização da taxa.
Julgamos inconstitucional só a condição de validade, mas não o selo.
O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Não vejo invalidade no ato.
O Sr. Ministro Carlos Britto (Relator): Mas restaria um problema: e o recolhimento
para o Poder Judiciário?
O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): É um problema de controle, aí, haverá
problemas administrativos. Vejam, uma coisa é o Tribunal determinar que seja posto o
selo, outra é dizer que, não aposto o selo, há invalidade. O errado é dizer que é inválido,
agora, poderá criar uma ação administrativa, então só fica o § 1º.
O Sr. Ministro Carlos Britto (Relator): Concordo, só fica o § 1º.

VOTO
O Sr. Ministro Eros Grau: Senhor Presidente, peço vênia para divergir do Ministro
Carlos Britto.
O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Mas é fundamento ou é conclusão?
O Sr. Ministro Eros Grau: Vou fundamentar a minha conclusão. Tratar-se-ia de
“taxa” pelo “exercício do poder de polícia”. Sucede que o poder de polícia limita ou
disciplina “direito, interesse, ou liberdade,” quer dizer, incide sobre atividade de par-
ticulares. Nas atividades notariais — há serviços exercidos por delegação do Poder
Público, serviços fiscalizados nos termos do § 1º do art. 236. Não há “direito, interesse,
ou liberdade,” porém, atividade pública, função pública, não sujeita à ação do chamado
poder de polícia. Insisto: poder de polícia limita ou disciplina “direito, interesse, ou
liberdade”. No caso, há dever-poder a ser exercido pelos agentes dos serviços notariais e
de registro.
Portanto, não vejo lugar para o exercício do chamado poder de polícia. Por conse-
qüência, não vejo a possibilidade de se cobrar taxa que remunere “o exercício do poder
de polícia”.
O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): A fiscalização não poderá ser cobrada?
O Sr. Ministro Eros Grau: A fiscalização é outra, é a fiscalização interna das
corregedorias.
O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Não se cobra nada?
O Sr. Ministro Eros Grau: É remunerada por imposto. Não é adequada ao conceito
do poder de polícia.
Julgo procedente a ação.
O Sr. Ministro Carlos Britto (Relator): Senhor Presidente, só para não perder a
oportunidade. Marcelo Caetano diz, sobre o “poder de polícia”, que os serviços de
polícia são os que vigiam as atividades para fazer observar as restrições legais impostas
à liberdade, no intuito de evitar que se produzam, ampliem ou generalizem danos sociais.
R.T.J. — 197 835

Ora, o Poder Judiciário, em relação às serventias, faz o quê? Uma tríplice atividade
de vigilância, de orientação e de correição, a justificar, a meu modo, a incidência da taxa,
conceitualmente.
O Sr. Ministro Eros Grau: As mesmas razões a não justificarem que se dê autentici-
dade ao que já é autêntico não podem justificar que o chamado poder de polícia, ativi-
dade que limita ou restringe a liberdade de privados, seja aplicado à atuação interna do
próprio Poder Público.
Esse é o fundamento do meu voto.

VOTO
O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: Senhor Presidente, peço vênia ao Ministro Eros
Grau. Entendo que há, sim, exercício do poder de polícia.
Acompanho o Relator, fazendo, no entanto, ressalva com relação aos fundamentos.
Tenho algumas reservas a respeito de certos conceitos.
Acompanho, na conclusão, para declarar a inconstitucionalidade do § 1º do art. 2º.

VOTO
A Sra. Ministra Ellen Gracie: Senhor Presidente, também acompanho o Relator,
com a vênia do Ministro Eros Grau.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Senhor Presidente, devo reconhecer que a origem
desta lei — que eu possa assim enquadrar — está na autonomia financeira mitigada do
Judiciário. Isso está consignado, com todas as letras, no artigo 7º do diploma, ao aludir-se
que “os valores provenientes do fornecimento dos selos de controle dos serviços
notariais e de registro,” como, também, “até 20% (vinte por cento) do total dos
emolumentos cobrados em razão das atividades do serviço notarial”, serão destinados
ao Fundo de Apoio ao Judiciário – FUNAJURIS. Para mim, essa destinação já seria
suficiente para concluir pela inconstitucionalidade do diploma.
Reafirmo que o Judiciário deve funcionar a partir do respectivo orçamento. Bus-
quem-se recursos para a atividade da máquina judiciária. Insisto todavia que, no caso,
acabou-se tendo aporte de recursos para o denominado apoio ao Judiciário — e ele,
realmente, precisa de apoio, de verbas para se reestruturar, mas elas devem decorrer, em
si, dos impostos, já que até mesmo o direito de petição, pela Carta da República, é
gratuito. Há de se considerar ainda o problema da iniciativa.
Pela vez primeira, vejo o Tribunal caminhar no sentido de entender que, no
preceito exaustivo do artigo 96, quanto à iniciativa de leis, na referência à alteração da
organização e da divisão judiciária, tem-se a iniciativa para propor projeto visando ao
surgimento, no cenário jurídico, de exações.
A meu ver, é uma interpretação que transborda os limites da interpretação
integrativa, que elastece, como já disse, a mais não poder, o que se contém no inciso II do
artigo 96 da Carta da República.
836 R.T.J. — 197

Salvo falha de memória, passados tantos anos da vigência da Constituição Federal,


é a primeira vez que deparo com a matéria: uma ação direta de inconstitucionalidade
atacando lei resultante de iniciativa do Judiciário para chegar-se a verbas necessárias ao
apoio — como está no artigo 7º da lei em comento — ao próprio Judiciário.
Não me recordo, quer enquadre as parcelas a revelarem taxa ou qualquer outro
tributo, de um precedente desta Corte assentando que, considerada a alteração da
organização e da divisão judiciária, tenha-se iniciativa para alcançar recursos para o
Judiciário.
O sistema, na minha opinião, estará solapado a partir do momento em que a Suprema
Corte dê essa interpretação à alínea d do inciso II do artigo 96 da Constituição Federal.
Há mais, entretanto. Disse o Ministro Eros Grau, e a meu ver com percuciência, que,
em um primeiro passo, criou-se um selo objetivando colar uma autenticidade, para mim
simplesmente formal, a atos que gozam da presunção de autenticidade. O selo não é
satisfeito, conforme está na própria lei, pelo usuário do serviço, portanto, ele não se
coloca no âmbito do que se entende por emolumentos. Não se coloca, portanto, no
âmbito das normas gerais federais que regem a matéria, os emolumentos em si.
O § 1º é categórico:
§ 1º O valor de cada selo de controle corresponde a R$ 0,10 (dez centavos de
real) e não será repassado ao usuário.
O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Mas integra a natureza das taxas.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Que selo é esse? Qual é a origem da cobrança? A que
visa essa cobrança? Funcionamento dos Cartórios de Notas, dos Cartórios de Registro?
Não. O denominado apoio ao Poder Judiciário, carente de orçamento!
Não posso, Senhor Presidente, potencializar o aspecto formal em detrimento do
fundo. Não posso olvidar que, em Direito, o meio justifica o fim, mas não o fim, o meio.
Estou certo de não gozarem os titulares de muitos Cartórios, considerado um ato falho da
Constituinte — reputo o que se contém no artigo 236 como decorrente de um ato falho —, de
simpatia maior no que se propaga auferirem esses titulares de cartórios quantias vulto-
sas. Mas essa circunstância, esse argumento é metajurídico. Não é um argumento legal,
não é um argumento constitucional que autorize, em si, ter-se fatiado o que percebido
pelos titulares. Não há uma divisão na lei federal, muito menos para atribuir-se alguma
coisa ao Poder Judiciário, do que percebido por esses titulares, considerados os
emolumentos que podem cobrar. Tem-se o artigo 7º, e aí o Judiciário como que se torna
um verdadeiro sócio do titular, minoritário é certo, mas um sócio do titular do Cartório,
ao prever-se, sem se mencionar inclusive a que título, participação no que percebido
pelo titular do cartório em termos de emolumentos. Segundo a legislação de regência,
vinte por cento, quase um quarto, serão dedicados ao famigerado — e assim o tenho —
FUNAJURIS – Fundo de Apoio ao Judiciário. E eu teria até dificuldades em definir a
personalidade desse fundo.
O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Um fundo meramente contábil, não tem
personalidade jurídica.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: É decorrência da quadra vivida, é um fundo fantasma.
O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Não, ele existe. São verbas orçamentárias.
R.T.J. — 197 837

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Não há parâmetros rígidos quanto à atuação desse
Fundo, quanto à prestação de contas por esse Fundo.
Lamento que o Judiciário tenha chegado a essa quadra que o leva a caminhar no
sentido de um verdadeiro, para mim, com a devida vênia dos Colegas, drible aos
parâmetros constitucionais. O Judiciário, se ele não pode atuar a partir do orçamento,
deve ser fechado para balanço, como o próprio Estado. O Judiciário deve atuar a partir,
repito, do orçamento, cujas balizas são rígidas.
Peço vênia, Senhor Presidente, ao Relator, muito embora perceba que o objetivo
de Sua Excelência é o melhor possível, para entender que a lei, que já nasceu com um
vício inafastável, o de iniciativa, porque não reconheço a iniciativa do Judiciário para
encaminhamento de projeto objetivando alcançar recursos, conflita com a Lei Funda-
mental.
Assim, julgo procedente o pedido formulado.

VOTO
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Senhor Presidente, também acompanho o voto
do eminente Relator. Dado o tom apodítico com que contestada a iniciativa legislativa
do Tribunal de Justiça, neste caso, apenas como já adiantara durante a discussão — e,
agora, acaba de mostrar com precisão o Ministro Celso de Mello —, o caso me parece um
exemplo escolar de poder implícito. A iniciativa legislativa do Judiciário é restrita, não
há dúvida, mas lhe é concedida não em termos de racionalidade do processo legislativo,
mas como instrumento de sua independência. E de nada vale dar-lhe a iniciativa para
propor a própria organização judiciária, se não se lhe dá a iniciativa para propor o
custeio necessário a essa organização.
Por isso, entendo que o caso é, sim, de iniciativa, ainda que não exclusiva, do
Poder Judiciário.
No mais, reporto-me aos votos proferidos em casos similares, na ADI n. 2.059/PR,
da qual Vossa Excelência foi Relator, e mesmo na ADI n. 2.159, em que houve um
problema que me reservei para análise melhor, porque se colocava o produto dessa taxa
de polícia, não genericamente num fundo de apoio ao Poder Judiciário, mas, lembra-se
Vossa Excelência, num fundo de financiamento de custeio dos Juizados Especiais.
Aqui, não, é um fundo genérico, dir-se-á — daí a intervenção do Advogado da tribuna —
não ser integralmente destinado ao serviço de policiamento. É outro problema sobre o
qual já tive oportunidade de expender considerações neste Tribunal: a taxa é um preço
político; a sua destinação não a desfigura e nada exige limitá-la ao financiamento exclu-
sivo da atividade de fiscalização que a legitima.
São essas as minhas breves considerações.
O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Haveria dificuldade de fazer esta precisão. O Ministro
Nelson Jobim falou do fundo contábil. A rigor, aqui se faz encontro de contas.
O que se poderia discutir, mas aparentemente a questão não veio a termo — e a
Corte já se pronunciou sobre isso naquele célebre acórdão do Ministro Moreira Alves —,
é quanto à eventual desproporcionalidade de uma taxa.
838 R.T.J. — 197

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: É verdade.


O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Se não correspondesse a uma contraprestação.
O Sr. Ministro Carlos Britto (Relator): A própria lei estabeleceu uma gradação
quanto a isso.
O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Isso é pertinente, e o Tribunal fixou orientação
nesse sentido.

VOTO
O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Também acompanho o Relator e chamo
a atenção do Tribunal, com as considerações feitas, que esses fundos instituídos em
alguns Tribunais de Justiça — e grande parte deles estão criando essa modalidade de
fundos — são, todos eles, rubricas orçamentárias, criados por lei e destinados exclusiva-
mente a determinados tipos de investimentos. Não se pode, inclusive, destinar esses
fundos ao pagamento de pessoal. A sua destinação é exatamente suprir o Judiciário de
uma série de carências que o sistema de arrecadação não atende. É um sistema inteligente
no sentido de uma solução financeira para as carências que encontramos no sistema
judiciário nacional, considerando exatamente o problema dos recursos.

EXTRATO DA ATA
ADI 3.151/MT — Relator: Ministro Carlos Britto. Requerente: Associação dos No-
tários e Registradores do Brasil – ANOREG/BR (Advogados: Antônio Carlos Mendes e
outro). Requeridos: Governador do Estado de Mato Grosso e Assembléia Legislativa do
Estado de Mato Grosso (Advogados: Roberto Quiroga Mosquera e outros).
Decisão: O Tribunal, por maioria, julgou constitucional a ação no que diz respeito
à iniciativa do Tribunal de Justiça na proposição da lei, considerando-a, embora não
privativa, do próprio Tribunal, vencido o Ministro Marco Aurélio. No mérito, também
por maioria, o Tribunal julgou procedente, em parte, a ação, dando pela inconstituciona-
lidade do § 1º do artigo 2º da Lei n. 8.033, de 17 de dezembro de 2003, do Estado de
Mato Grosso, vencidos o Ministro Eros Grau, que a julgava procedente somente no
aspecto material, e o Ministro Marco Aurélio, que a julgava procedente em toda a sua
extensão, tanto no aspecto formal como no material. Votou o Presidente, Ministro
Nelson Jobim. Ausente, justificadamente, o Ministro Cezar Peluso. Falou pela requerida,
Assembléia Legislativa do Estado de Mato Grosso, o Dr. Roberto Quiroga Mosquera.
Presidência do Ministro Nelson Jobim. Presentes à sessão os Ministros Sepúlveda
Pertence, Celso de Mello, Carlos Velloso, Marco Aurélio, Ellen Gracie, Gilmar Mendes,
Carlos Britto, Joaquim Barbosa e Eros Grau. Vice-Procurador-Geral da República, Dr.
Antonio Fernando Barros e Silva de Souza.
Brasília, 8 de junho de 2005 — Luiz Tomimatsu, Secretário.
R.T.J. — 197 839

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 3.367 — DF

Relator: O Sr. Ministro Cezar Peluso


Requerente: Associação dos Magistrados Brasileiros – AMB — Requerido:
Congresso Nacional
1. Ação. Condição. Interesse processual, ou de agir. Caracterização.
Ação direta de inconstitucionalidade. Propositura antes da publicação ofi-
cial da Emenda Constitucional n. 45/2004. Publicação superveniente, an-
tes do julgamento da causa. Suficiência. Carência da ação não configura-
da. Preliminar repelida. Inteligência do art. 267, VI, do CPC. Devendo as
condições da ação coexistir à data da sentença, considera-se presente o
interesse processual, ou de agir, em ação direta de inconstitucionalidade
de Emenda Constitucional que só foi publicada, oficialmente, no curso do
processo, mas antes da sentença.
2. Inconstitucionalidade. Ação direta. Emenda Constitucional n. 45/
2004. Poder Judiciário. Conselho Nacional de Justiça. Instituição e disci-
plina. Natureza meramente administrativa. Órgão interno de controle ad-
ministrativo, financeiro e disciplinar da magistratura. Constitucionalidade
reconhecida. Separação e independência dos Poderes. História, significa-
do e alcance concreto do princípio. Ofensa a cláusula constitucional imu-
tável (cláusula pétrea). Inexistência. Subsistência do núcleo político do
princípio, mediante preservação da função jurisdicional, típica do Judi-
ciário, e das condições materiais do seu exercício imparcial e indepen-
dente. Precedentes e Súmula 649. Inaplicabilidade ao caso. Interpretação
dos arts. 2º e 60, § 4º, III, da CF. Ação julgada improcedente. Votos vencidos.
São constitucionais as normas que, introduzidas pela Emenda Constitu-
cional n. 45, de 8 de dezembro de 2004, instituem e disciplinam o Conselho
Nacional de Justiça, como órgão administrativo do Poder Judiciário
nacional.
3. Poder Judiciário. Caráter nacional. Regime orgânico unitário.
Controle administrativo, financeiro e disciplinar. Órgão interno ou externo.
Conselho de Justiça. Criação por Estado-Membro. Inadmissibilidade. Falta
de competência constitucional. Os Estados-membros carecem de compe-
tência constitucional para instituir, como órgão interno ou externo do
Judiciário, conselho destinado ao controle da atividade administrativa,
financeira ou disciplinar da respectiva Justiça.
4. Poder Judiciário. Conselho Nacional de Justiça. Órgão de natureza
exclusivamente administrativa. Atribuições de controle da atividade admi-
nistrativa, financeira e disciplinar da magistratura. Competência relativa
apenas aos órgãos e juízes situados, hierarquicamente, abaixo do Supremo
Tribunal Federal. Preeminência deste, como órgão máximo do Poder Judi-
ciário, sobre o Conselho, cujos atos e decisões estão sujeitos a seu controle
jurisdicional. Inteligência dos art. 102, caput, inc. I, letra r, e 103-B, § 4º,
da CF. O Conselho Nacional de Justiça não tem nenhuma competência
840 R.T.J. — 197

sobre o Supremo Tribunal Federal e seus Ministros, sendo este o órgão


máximo do Poder Judiciário nacional, a que aquele está sujeito.
5. Poder Judiciário. Conselho Nacional de Justiça. Competência.
Magistratura. Magistrado vitalício. Cargo. Perda mediante decisão admi-
nistrativa. Previsão em texto aprovado pela Câmara dos Deputados e cons-
tante do Projeto que resultou na Emenda Constitucional n. 45/2004. Su-
pressão pelo Senado Federal. Reapreciação pela Câmara. Desnecessidade.
Subsistência do sentido normativo do texto residual aprovado e promulgado
(art. 103-B, § 4º, III). Expressão que, ademais, ofenderia o disposto no art.
95, I, parte final, da CF. Ofensa ao art. 60, § 2º, da CF. Não-ocorrência.
Argüição repelida. Precedentes. Não precisa ser reapreciada pela Câmara
dos Deputados expressão suprimida pelo Senado Federal em texto de pro-
jeto que, na redação remanescente, aprovada em ambas as Casas do Con-
gresso, não perdeu sentido normativo.
6. Poder Judiciário. Conselho Nacional de Justiça. Membro. Advo-
gados e cidadãos. Exercício do mandato. Atividades incompatíveis com
tal exercício. Proibição não constante das normas da Emenda Consti-
tucional n. 45/2004. Pendência de projeto tendente a torná-la expressa,
mediante acréscimo de § 8º ao art. 103-B da CF. Irrelevância. Ofensa ao
princípio da isonomia. Não-ocorrência. Impedimentos já previstos à con-
jugação dos arts. 95, parágrafo único, e 128, § 5º, II, da CF. Ação direta
de inconstitucionalidade. Pedido aditado. Improcedência. Nenhum dos
advogados ou cidadãos membros do Conselho Nacional de Justiça pode,
durante o exercício do mandato, exercer atividades incompatíveis com
essa condição, tais como exercer outro cargo ou função, salvo uma de
magistério, dedicar-se a atividade político-partidária e exercer a advo-
cacia no território nacional.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo
Tribunal Federal, em Sessão Plenária, na conformidade da ata do julgamento e das
notas taquigráficas, por unanimidade, afastar o vício formal de inconstitucionalidade da
Emenda Constitucional n. 45/2004, como também não conhecer da ação quanto ao § 8º
do artigo 125. E, no mérito, por maioria, julgar totalmente improcedente a ação, venci-
dos o Ministro Marco Aurélio, que a julgava integralmente procedente; a Ministra Ellen
Gracie e o Ministro Carlos Velloso, que julgavam parcialmente procedente a ação para
declarar a inconstitucionalidade dos incisos X, XI, XII e XIII do artigo 103-B, acrescen-
tado pela emenda constitucional; e o Ministro Sepúlveda Pertence, que a julgava proce-
dente em menor extensão, dando pela inconstitucionalidade somente do inciso XIII do
caput do artigo 103-B. Votou o Presidente, Ministro Nelson Jobim. Falaram, pela reque-
rente, o Dr. Alberto Pavie Ribeiro; pela Advocacia-Geral da União, o Dr. Álvaro Augusto
Ribeiro Costa e, pelo Ministério Público Federal, o Dr. Cláudio Lemos Fonteles, Procura-
dor-Geral da República.
Brasília, 13 de abril de 2005 — Nelson Jobim, Presidente — Cezar Peluso, Relator.
R.T.J. — 197 841

RELATÓRIO
O Sr. Ministro Cezar Peluso: Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade com
pedido de liminar, movida pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) e voltada
contra os arts. 1º e 2º da Emenda Constitucional n. 45/2004, nos textos que, exteriorizando
normas relativas ao Conselho Nacional de Justiça, são os seguintes:
“art. 103-B. O Conselho Nacional de Justiça compõe-se de quinze membros
com mais de trinta e cinco e menos de sessenta e seis anos de idade, com mandato
de dois anos, admitida uma recondução, sendo:
I - um Ministro do Supremo Tribunal Federal, indicado pelo respectivo tribunal;
II - um Ministro do Superior Tribunal de Justiça, indicado pelo respectivo
tribunal;
III - um Ministro do Tribunal Superior do Trabalho, indicado pelo respectivo
tribunal;
IV - um desembargador de Tribunal de Justiça, indicado pelo Supremo
Tribunal Federal;
V - um juiz estadual, indicado pelo Supremo Tribunal Federal;
VI - um juiz de Tribunal Regional Federal, indicado pelo Superior Tribunal
de Justiça;
VII - um juiz federal, indicado pelo Superior Tribunal de Justiça;
VIII - um juiz de Tribunal Regional do Trabalho, indicado pelo Tribunal
Superior do Trabalho;
IX - um juiz do trabalho, indicado pelo Tribunal Superior do Trabalho;
X - um membro do Ministério Público da União, indicado pelo Procurador-
Geral da República;
XI - um membro do Ministério Público estadual, escolhido pelo Procurador-
Geral da República dentre os nomes indicados pelo órgão competente de cada
instituição estadual;
XII - dois advogados, indicados pelo Conselho Federal da Ordem dos Advo-
gados do Brasil;
XIII - dois cidadãos, de notável saber jurídico e reputação ilibada, indicados
um pela Câmara dos Deputados e outro pelo Senado Federal.
§ 1º O conselho será presidido pelo Ministro do Supremo Tribunal Federal,
que votará em caso de empate, ficando excluído da distribuição de processos
naquele tribunal.
§ 2º Os membros do Conselho serão nomeados pelo Presidente da República,
depois de aprovada a escolha pela maioria absoluta do Senado Federal.
§ 3º Não efetuadas, no prazo legal, as indicações previstas neste artigo, caberá
a escolha ao Supremo Tribunal Federal.
§ 4º Compete ao Conselho o controle da atuação administrativa e financeira
842 R.T.J. — 197

do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes, cabendo-


lhe, além de outras atribuições que lhe forem conferidas pelo Estatuto da Magistra-
tura:
I - zelar pela autonomia do Poder Judiciário e pelo cumprimento do Estatuto
da Magistratura, podendo expedir atos regulamentares, no âmbito de sua compe-
tência, ou recomendar providências;
II - zelar pela observância do art. 37 e apreciar, de ofício ou mediante provo-
cação, a legalidade dos atos administrativos praticados por membros ou órgãos do
Poder Judiciário, podendo desconstituí-los, revê-los ou fixar prazo para que se
adotem as providências necessárias ao exato cumprimento da lei, sem prejuízo da
competência do Tribunal de Contas da União;
III - receber e conhecer das reclamações contra membros ou órgãos do Poder
Judiciário, inclusive contra seus serviços auxiliares, serventias e órgãos prestadores
de serviços notariais e de registro que atuem por delegação do poder público ou
oficializados, sem prejuízo da competência disciplinar e correicional dos tribu-
nais, podendo avocar processos disciplinares em curso e determinar a remoção, a
disponibilidade ou a aposentadoria com subsídios ou proventos proporcionais ao
tempo de serviço e aplicar outras sanções administrativas, assegurada ampla defesa;
IV - representar ao Ministério Público, no caso de crime contra a administração
pública ou de abuso de autoridade;
V - rever, de ofício ou mediante provocação, os processos disciplinares de
juízes e membros de tribunais julgados há menos de um ano;
VI - elaborar semestralmente relatório estatístico sobre processos e sentenças
prolatadas, por unidade da Federação, nos diferentes órgãos do Poder Judiciário;
VII - elaborar relatório anual, propondo as providências que julgar necessárias,
sobre a situação do Poder Judiciário no País e as atividades do Conselho, o qual
deve integrar mensagem do Presidente do Supremo Tribunal Federal a ser remetida
ao Congresso Nacional, por ocasião da abertura da sessão legislativa.
§ 5º O Ministro do Superior Tribunal de Justiça exercerá a função de Minis-
tro-Corregedor e ficará excluído da distribuição de processos no Tribunal, compe-
tindo-lhe, além das atribuições que lhe forem conferidas pelo Estatuto da Magis-
tratura, as seguintes:
I - receber as reclamações e denúncias, de qualquer interessado, relativas aos
magistrados e aos serviços judiciários;
II - exercer funções executivas do Conselho, de inspeção e de correição geral;
III - requisitar e designar magistrados, delegando-lhes atribuições, e requisi-
tar servidores de juízos ou tribunais, inclusive nos Estados, Distrito Federal e
Territórios.
§ 6º Junto ao Conselho oficiarão o Procurador-Geral da República e o Presi-
dente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil.
§ 7º A União, inclusive no Distrito Federal e nos Territórios, criará ouvidorias
de justiça, competentes para receber reclamações e denúncias de qualquer interes-
R.T.J. — 197 843

sado contra membros ou órgãos do Poder Judiciário, ou contra seus serviços auxi-
liares, representando diretamente ao Conselho Nacional de Justiça.”
“Art. 52. (...)
II - processar e julgar os Ministros do Supremo Tribunal Federal, os membros
do Conselho Nacional de Justiça e do Conselho Nacional do Ministério Público,
o Procurador-Geral da República e o Advogado-Geral da união nos crimes de
responsabilidade;” (grifo nosso)
“Art. 92. (...)
1-A — o Conselho Nacional de Justiça;
§ 1º O Supremo Tribunal Federal, o Conselho Nacional de Justiça e os Tribu-
nais Superiores têm sede na Capital Federal.” (grifos nossos)
Art. 93. (...)
VIII - o ato de remoção, disponibilidade e aposentadoria do magistrado, por
interesse público, fundar-se-á em decisão por voto da maioria absoluta do respec-
tivo tribunal ou do Conselho Nacional de Justiça, assegurada ampla defesa;”
(grifo nosso)
Art. 102. (...)
r) as ações contra o Conselho Nacional de Justiça e contra o Conselho
Nacional do Ministério Público. (grifo nosso)
Art. 125. (...)
§ 8º Os Tribunais de Justiça criarão ouvidorias de justiça, competentes para
receber reclamações e denúncias de qualquer interessado contra membros ou ór-
gão do Poder Judiciário, ou contra seus serviços auxiliares, representando direta-
mente ao Conselho Nacional de Justiça”. (grifos nossos)
Os fundamentos jurídicos do pedido podem ser reduzidos a dois argumentos subs-
tanciais: a instituição do Conselho Nacional de Justiça implicaria “(a) tanto inegável
violação ao princípio da separação e da independência dos poderes (art. 2º da Cons-
tituição Federal), de que são corolários o auto-governo dos Tribunais e a sua autono-
mia administrativa, financeira e orçamentária (artigos 96, 99 e parágrafos, e 168 da
Constituição Federal, (b) como ainda a ofensa ao pacto federativo (artigos 18, 25 e
125), na medida em que submeteu os órgãos do Poder Judiciário dos Estados a uma
supervisão administrativa, orçamentária, financeira e disciplinar por órgão da União
Federal” (fl. 05).
Mas consta outro, tendente agora à decretação conjunta de inconstitucionalidade
específica do art. 103-B, § 4º, inc. III, objeto da mesma Emenda: sua redação final não teria
sido submetida “à discussão e votação nas duas casas do Congresso Nacional, mas
apenas do Senado Federal, daí resultando a ofensa ao § 2º, do art. 60, da CF” (fl. 06).
Em caráter liminar, aduzindo serem sólidos tais fundamentos e estar-se diante da
“excepcional urgência” de que fala o art. 10, § 3º, da Lei n. 9.868/99, a autora pediu a
imediata suspensão da “vigência dos dispositivos impugnados nesta ação, especial-
mente o art. 103-B”, até o julgamento definitivo da causa (fls. 43-46).
844 R.T.J. — 197

Entendendo tratar-se de matéria relevante e de “especial significado para a ordem


social e a segurança jurídica”, o Exmo. Sr. Presidente do Tribunal, a quem o feito foi
remetido durante as férias (art. 13, inc. VIII, do RISTF), determinou o processamento da
ação nos termos do art. 12 da Lei n. 9.868/99 (fl. 125).
Sobrevieram, então, as informações prestadas pelo Congresso (fls. 145-159), que
respondeu a cada um dos argumentos da inicial e opinou pela total improcedência dos
pedidos. De igual modo manifestaram-se a Advocacia-Geral da União e a Procurado-
ria-Geral da República (fls. 161-187 e 189-195). A primeira argüiu, em caráter preliminar,
impossibilidade jurídica do pedido, uma vez que, à data da propositura da ação, a
Emenda Constitucional impugnada não havia sido ainda publicada no Diário Oficial
(fls. 164-167).
É o relatório.

VOTO
O Sr. Ministro Cezar Peluso (Relator): 1. Examino a preliminar.
Argúi a Advocacia-Geral da União que os pedidos seriam “juridicamente impossí-
veis”, porque deduzidos antes da publicação oficial da Emenda, coisa proibida no sistema
de controle de constitucionalidade. Pede, em conseqüência, a extinção do processo, sem
julgamento do mérito.
Não obstante tenha razão o Advogado-Geral quanto à inadmissibilidade de con-
trole de constitucionalidade em caráter preventivo, ao caso não quadra a conseqüência.
Posto que, à data de propositura da ação, a Emenda Constitucional n. 45/2004 não
houvesse sido deveras publicada, foi-o pouco tempo depois, o que torna agora cognos-
cíveis os pedidos. A publicação superveniente da Emenda remediou a carência original
da ação.
A rigor, o vício processual imputado pela Advocacia-Geral ligava-se à suposta
falta de interesse de agir, e não à impossibilidade jurídica dos pedidos. É que não se
estava diante de inviabilidade teórica absoluta dos pedidos, nem doutra espécie de
improcedência prima facie, que são as explicações últimas da falta de possibilidade
jurídica como uma das causas da chamada carência da ação. Tratar-se-ia, quando muito,
de caso de desnecessidade da tutela jurisdicional, já que os textos impugnados ainda
não tinham obtido existência jurídica. Mas, com a publicação subseqüente da Emenda,
despontou pleno e nítido o interesse processual.
Tem razão, ainda, o Advogado-Geral, quando afirma não serem as regras processuais
meras formalidades, mas, sim, garantias do Estado democrático de direito (fl. 166). Equi-
voca-se, no entanto, ao tirar daí necessidade de extinção anômala do processo. Repug-
naria ao sistema processual o decreto de carência. A falta de interesse de agir é posta
como causa de trancamento do processo, porque a solução evita dispêndio inútil de
tempo e energias na condução de uma causa insuscetível de produzir resultado prático ao
autor. Não é este o caso, entretanto, pois a publicação da Emenda extirpou qualquer
dúvida sobre a necessidade e a adequação dos pedidos. Fosse agora extinto o processo,
a AMB retornaria de imediato a este juízo, com demanda idêntica, e ter-se-iam, então,
perdido tempo e esforços, em dano da parte e do ofício jurisdicional, em contraste aberto
com os propósitos que norteiam a construção dogmática das condições da ação. A res-
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peito, merece lembrada a advertência de Liebman: “as formas são necessárias, mas o
formalismo é uma deformação”.1 E é bom não esquecer que as condições da ação devem
coexistir ao tempo da decisão da causa.2
Rejeito a preliminar.
2. O tema nuclear da causa, a criação do Conselho Nacional de Justiça, órgão
supostamente destinado a controle externo do Poder Judiciário, foi e continua sendo
objeto de amplos debates nas mais diversas instâncias da sociedade brasileira3. Dada a
natureza mesma do assunto, em cujas entranhas situam-se matrizes fundamentais da
nossa ordem jurídico-constitucional, que, com graves reflexos nas ações cotidianas, vão
desde a divisão e o equilíbrio entre os Poderes até a estrutura e a independência do Poder
Judiciário, não admira haja despertado e ainda desperte discussões fervorosas no ambi-
ente político, no domínio acadêmico e, sobretudo, no seio da magistratura, da advocacia
e, até, do Ministério Público.
Eu próprio jamais escondi oposição viva, menos à necessidade da ressurreição ou
criação de um órgão incumbido do controle nacional da magistratura, do que ao perfil
que se projetava ao Conselho e às prioridades de uma reforma que, a meu sentir, andava
ao largo das duas mais candentes frustrações do sistema: a marginalização histórica das
classes desfavorecidas no acesso à Jurisdição e a morosidade atávica dos processos. Não
renuncio às minhas reservas cívicas nem me retrato das críticas pré-jurídicas à extensão
e à heterogeneidade da composição do Conselho. Mas isso não podia impedir-me, como
meus sentimentos e predileções pessoais não me impediram nunca, em quatro lustros de
ofício jurisdicional, de, atento à velha observação de Cardozo, ter “aberto os ouvidos
sacerdotais ao apelo de outras vozes”, ciente de que “as palavras mágicas e as
encantações são tão fatais à nossa ciência quanto a quaisquer outras”.4 Julgo a causa
perante a Constituição da República.
3. O argumento radical da autora vem da regra da separação, com os corolários da
independência e harmonia entre os três Poderes da República (art. 2º da Constituição
Federal). Segundo a AMB, a instituição de órgão funcionalmente voltado ao “controle
da atuação administrativa e financeira” do Judiciário e do “cumprimento dos deveres
funcionais” dos magistrados, mas composto por membros na origem alheios ao mesmo
Poder — dois dos quais indicados pelo Legislativo —, violaria a dita cláusula pétrea da
separação dos Poderes, em cujo ventre reside a garantia da independência do Judiciário.
Essa postura da autora já desvela toda a preocupação — muito legítima, diga-se —
de que o advento do Conselho Nacional de Justiça traduza sério risco à independência
do Poder Judiciário, no exercício de sua função típica, a jurisdicional. É que, apenas para
adiantar o que me parece o ponto nevrálgico da causa, ninguém tem dúvida de que não

1 Manual de direito processual civil. Trad. DINAMARCO, Cândido Rangel. 2. ed. Rio de Janeiro:
Forense, 1986, v. 1, p. 258.
2 Cf., por todos, DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. São Paulo:
Malheiros, 2001, v. 3, p. 143.
3 Veja-se SADEK, Maria Tereza. Controle externo do poder judiciário. In: Reforma do judiciário. São
Paulo: Fundação Konrad Adenauer, 2001, passim.
4 CARDOZO, Benjamin N. A Natureza do processo e a evolução do Direito. Trad. Lêda Boechat
Rodrigues. São Paulo: Nacional de Direito, 1956. p. 144.
846 R.T.J. — 197

pode a independência do Judiciário, seja a externa, assim considerada a da instituição


perante os demais Poderes e órgãos de pressão, seja a interna, a dos magistrados entre si,
estar sob nenhum risco próximo nem remoto, porque, em resguardo da ordem jurídica e,
ao cabo, da liberdade do povo, tal predicado constitui a fonte, o substrato e o suporte de
todas as condições indispensáveis a que a atividade judicante seja exercida com a im-
parcialidade do tertius, sem a qual já se não concebe a jurisdição em nenhum Estado
civilizado e, muito menos, no Estado democrático de direito.
Retomarei logo mais o tema, bastando-me por ora reavivar esta inconcussa verdade
político-jurídica: é na exata medida em que aparece como nítida e absolutamente neces-
sária a garantir a imparcialidade jurisdicional, que a independência do Judiciário e da
magistratura guarda singular relevo no quadro da separação dos Poderes e, nesses limites,
é posta a salvo pela Constituição da República. De modo que todo ato, ainda quando de
cunho normativo de qualquer escalão, que tenda a romper o equilíbrio constitucional
em que se apóia esse atributo elementar da função típica do Poder Judiciário, tem de ser
prontamente repelido pelo Supremo Tribunal Federal, como guardião de sua inteireza e
efetividade.
A independência suporta, na sua feição constitucional, teores diversos de autono-
mia administrativa, financeira e disciplinar. Na verdade, ela só pode ser considerada
invulnerável, como predicado essencial do sistema da separação, quando concreta redu-
ção de seu âmbito primitivo importe em dano do equilíbrio e da estabilidade entre os
Poderes, transferência de prerrogativas a outro deles, ainda que não chegue a caracterizar
submissão política. Ou, no que concerne ao Judiciário, quando outra forma de supressão
de atribuições degrade ou estreite a imparcialidade jurisdicional. Fora dessas hipóteses,
nada obsta a que o constituinte reformador lhe redesenhe a configuração histórica, me-
diante reorganização orgânica e redistribuição de competências no âmbito da estrutura
interna do Judiciário, sem perda nem deterioração das condições materiais de isenção e
imparcialidade dos juízes.
4. À luz permanente dessa idéia, analiso a alegação de que a criação do Conselho
Nacional de Justiça, com a estrutura e as competências outorgadas pela Emenda n. 45/
2004, atentaria, mais que contra a norma do art. 2º da Carta, contra o autêntico sistema
constitucional da separação dos Poderes. Nisso convém remontar, embora brevemente,
às raízes históricas e à evolução da doutrina política que o inspira e explica. 5
Apesar de ter adquirido consagração com a obra clássica de Montesquieu, a teoria
da separação dos Poderes tem antecedentes antigos. Já Aristóteles, na Política, defendia
a idéia de que a concentração do poder político nas mãos de um só homem, “sujeito a
todas as possíveis desordens e afeições da mente humana”, era inconveniente6, e, com
tal aviso, distinguia as funções do Estado em deliberante, executiva e judiciária.7

5 CAMPILONGO, Celso Fernandes. (Afirma cuidar-se de um dos conceitos mais complexos da teoria
constitucional Política, sistema jurídico e decisão judicial. São Paulo: Max Limonad, 2002. p. 30).
6 Livro III, Capítulo XI. In: Aristóteles. São Paulo: Nova Cultural, 1999. pp. 230-234.
7 LOEWENSTEIN, Karl. Teoría de la constitución. Trad. Alfredo Gallego Anabitarte. Barcelona: Edi-
torial Ariel, 1976. p. 57.
R.T.J. — 197 847

Foi na Era Moderna, entretanto, que a divisão do exercício do poder principiou a


tomar corpo, sobretudo no sulco da evolução política por que passou a Inglaterra até a
edição do Bill of Rights, em 1689. Baseado na realidade inglesa do tempo, Locke formu-
lou a primeira construção sistemática de uma teoria da separação de Poderes, dividindo-os
em Legislativo, Executivo e Federativo.8 Ao primeiro competiria elaborar as leis que
disciplinariam o uso da força na comunidade civil; ao segundo, aplicar as leis aos mem-
bros da comunidade; e ao terceiro, o desempenho da função de relacionamento com
outros Estados. Não aparece, na obra do autor, o Poder Judiciário como corpo indepen-
dente dos demais.9
Apesar de reputar diversas em si as funções representadas de cada um desses Poderes,
Locke entendia que o Executivo e o Federativo deveriam ser exercidos pela mesma
pessoa. E subordinava-os ambos ao Poder Legislativo, considerado supremo, sujeito
apenas ao Poder do próprio povo. Essencial, para ele, seria a separação entre os compo-
nentes do Legislativo e do Executivo:
“(...) como pode ser muito grande para a fragilidade humana a tentação de
ascender ao poder, não convém que as mesmas pessoas que detêm o poder de
legislar tenham também em suas mãos o poder de executar as leis, pois elas pode-
riam se (sic) isentar da obediência às leis que fizeram, e adequar a lei a sua vontade
(...)”.10
Conquanto ainda estivessem algo distantes da fórmula clássica da tripartição dos
Poderes, cunhada ao depois por Montesquieu, essas teorizações já continham in nuce a
idéia da necessária divisão funcional do poder político, porque não ficasse depositado
em mãos únicas. Partiam da percepção empírica, mas sábia, de que o poder tende a
desvios — a qual foi mais tarde sintetizada na máxima de Lord Acton (“todo poder
corrompe”) —, e tinham em vista ideal político muito claro: evitar, em nome da preser-
vação da liberdade, os excessos, abusos e inconvenientes do poder ilimitado; a arbitra-
riedade estatal, enfim.
Foi o que norteou Montesquieu. Ao propor a divisão das funções do Estado em
legislativa, administrativa e jurisdicional, assim justificou a atribuição de cada uma a
órgãos diferentes:
“La liberté politique, dans un citoyen, est cette tranquillite d’esprit qui
provient de l’ opinion que chacun a de sa sùreté; et, pour qu’on ait cette liberté, il
faut que le gouvernement soit tel qu’un citoyen ne puisse pas craindre un autre
citoyen.
Lorsque dans la même personne ou dans le même corps de magistrature la
puissance législative est réunie à la puissance exécutrice, il n’y a point de liberté,
parce qu’on peut craindre que le même monarque ou le même sénat ne fasse des
lois tyranniques pour les exécuter tyranniquement.

8 Segundo tratado sobre o governo civil, XII, XIII e XIV. In Segundo tratado sobre o governo civil
e outros escritos. Petrópolis: Vozes, 1994. pp. 170-186.
9 GOUGH, J. W. Introdução ao Segundo tratado sobre o governo civil e outros escritos. cit., p. 30.
10 Ob. cit., p. 170.
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Il n’y a point encore de liberté si la puissance de juger n’est pas séparée de la


puissance législative et de l’exécutrice. Si elle étoit jointe à la puissance législative,
le pouvoir sur la vie et la liberté des citoyens seroit arbitraire; car le juge seroit
législateur. Si elle étoit jointe à la puissance exécutrice, le juge pourroit avoir la
force d’un oppresseur.
Tout seroit perdu si le même homme, ou le même corps des principaux, ou
des nobles, ou du peuple, exerçoient ces trois pouvoirs: celui de faire des lois, celui
d’exécuter les résolutions publiques, et celui de juger les crimes ou les différends
des particuliers”.11
(“A liberdade política em um cidadão é aquela tranqüilidade de espírito que
provém da convicção que cada um tem da sua segurança. Para ter-se essa liberdade,
precisa que o Governo seja tal que cada cidadão não possa temer outro.
Quando, na mesma pessoa ou no mesmo corpo de Magistratura, o Poder
Legislativo é reunido ao Executivo, não há liberdade. Porque pode temer-se que o
mesmo Monarca ou o mesmo Senado faça leis tirânicas para executá-las tiranica-
mente.
Também não haverá liberdade se o Poder de Julgar não estiver separado do
Legislativo e do Executivo. Se estivesse junto com o Legislativo, o poder sobre a
vida e a liberdade dos cidadãos seria arbitrário: pois o Juiz seria Legislador. Se
estivesse junto com o Executivo, o Juiz poderia ter a força de um opressor.
Estaria tudo perdido se um mesmo homem, ou um mesmo corpo de principais
(sic) ou de nobres, ou do Povo, exercesse estes três poderes: o de fazer as leis; o de
executar as resoluções públicas; e o de julgar os crimes ou as demandas dos parti-
culares”)12
Dessa velha lição, vê-se que, ao arquitetar sua clássica teoria, Montesquieu era
movido de um só ânimo: repartir o exercício do poder entre pessoas distintas, a fim de
impedir que sua concentração comprometesse a liberdade dos cidadãos. Contra os intui-
tivos abusos a que leva o poder incondicionado, sustentou a fórmula da tripartição das
funções públicas, como mecanismo de limitação do poder e, conseqüentemente, garan-
tia da liberdade individual. Nas palavras de Loewenstein: “la libertad es el telos ideoló-
gico de la teoría de la separación de poderes”13.
A síntese de Montesquieu é mais bem compreendida quando vista como proposi-
ção elementar, que era, de uma teoria política, antes que de teoria propriamente jurídica.
O autor tinha os olhos postos na realidade política francesa, dentro da qual era ardoroso
defensor do liberalismo na luta contra o absolutismo monárquico do Ancien Régime14,
segundo a moldura do conflito clássico entre liberdade e autoridade. Seu propósito
original estava, assim, em combater o poder absoluto, menos que em preconizar uma

11 De l’esprit des lois. Paris: Garnier Freres, s. d., p. 143.


12 O espírito das leis. Trad. Pedro Vieira Mota, 5. ed. São Paulo: Saraiva, 1998. pp. 167-168.
13 Teoría de la constitución, cit., p. 55.
14 RIBEIRO, Hélcio. Justiça e democracia — judicialização da política e controle externo da magis-
tratura. Porto Alegre: Síntese, 2001. p. 65.
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técnica de organização racional das funções públicas. A idéia da tripartição dos poderes
foi, portanto, o método lucubrado para a consecução de um fim maior: limitar o poder
político.
Com a aparentemente exclusiva exceção de Passerin D’ Entrèves15, é o que sem-
pre professaram os estudiosos. Como afirma Otto Bachof: “el sentido de la división de
poderes es impedir la concentración de poder y, con ello, un posible abuso del
mismo”16.
No mesmo sentido, ouça-se Carré de Malberg:
“Et d’ailleurs, toute la démonstration de Montesquieu tourne autour de cette
idée principale: assurer la liberte des citoyens, em leus fournissant par la
séparation des pouvoirs la garantie que chacun de ceux-ci sera exercé légalement.
(...) Seule, en effet, la séparation des pouvoirs peut fournir aux gouvernés une
garantie sérieuse et une protection efficace”.17
(“Aliás, toda a argumentação de Montesquieu gira em torno desta idéia prin-
cipal: assegurar a liberdade dos cidadãos, dispensando-lhes, por meio da separa-
ção dos poderes, a garantia de que cada um deles será exercido legalmente. (...)
Portanto, somente a separação dos poderes pode dar aos governados uma garantia
séria e uma proteção eficaz”).
Também, Hans Kelsen:
“A significação histórica do princípio chamado ‘separação de poderes’ en-
contra-se precisamente no fato de que ele opera antes contra uma concentração que
a favor de uma separação de poderes”.18
Mais enfáticos são Zaffaroni e Tércio Sampaio Ferraz Júnior. O primeiro
acentua:
“(...) as palavras de Montesquieu são muito mais claras se forem consideradas
como provindas de um sociólogo e não como texto dogmático, porque parte ele do
reconhecimento de um fenômeno humano que não pode ser esquecido na medida
em que se conserve um mínimo de contacto com a realidade: todo poder induz ao
abuso.
(...)
Entendendo Montesquieu sociológica e politicamente – e não jurídica ou
formalmente – não resta dúvida de que ele quer significar que o poder deve estar
distribuído entre órgãos ou corpos, com capacidade de regerem-se de forma autô-
noma com relação a outros órgãos ou corpos, de modo que se elida a tendência
‘natural’ ao abuso”19.
15 The notion of the state — an introduction to political theory. Oxford: Oxford University, 1967. p. 121.
16 Jueces y constitución. Trad. Rodrigo Bercovitz Rodríguez-Cano. Madrid: Civitas, 1985. p. 58.
17 Contribution a la théorie générale de l’état. Paris: Sirey, 1922. t. II, p. 7.
18 Teoria geral do direito e do estado. Trad. Luís Carlos Borges. São Paulo: Martins Fontes/Universi-
dade de Brasília, 1990. p. 274.
19 Poder judiciário — crises, acertos e desacertos. Trad. Juarez Tavares. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1995. pp. 81-83.
850 R.T.J. — 197

Remata o segundo:
“Montesquieu, na verdade, via na divisão dos poderes muito mais um preceito
de arte política do que um princípio jurídico. Ou seja, não se tratava de um princípio
para a organização do sistema estatal e de distribuição de competências, mas um
meio de se evitar o despotismo real. (...) Nesse sentido, o princípio não era de
separação de poderes, mas de inibição de um pelo outro de forma recíproca”.20
A matriz histórica da separação dos Poderes há de ser, pois, reconduzida, no con-
texto da causa, ao alcance de instrumento político que lhe emprestava o autor que a
consagrou como teoria: conter o poder, para garantir a liberdade. É essa a razão por que,
em coerência com seus pressupostos teóricos e objetivos práticos, Montesquieu jamais
defendeu a idéia de uma separação absoluta e rígida entre os órgãos incumbidos de cada
uma das funções estatais. Antes, chegou a fazer referência a mecanismos de relaciona-
mento mútuo entre os Poderes, a fim, precisamente, de lhes prevenir abusos no exercício.
Contra a natural tendência de expansão do poder, era mister a criação de instrumentos
que garantissem a subsistência do esquema tripartite de funções, impedindo que os
representantes de uma delas se sobrepusessem aos demais. Doutro modo, o poder
incontido sacrificaria a liberdade. E exemplo significativo de relações dessa espécie,
colhido à obra do grande pensador francês, é a intervenção do Executivo no processo
legislativo mediante o veto.21
Discorrendo sobre o pensamento de Montesquieu, Carré de Malberg realça-lhe
essa idéia:
“La doctrine de Montesquieu se rattache donc essentiellement au système de
l’ ‘État de droit’. Cependant, par la force des choses, cette doctrine, bien que visant
principalement à sauvegarder la liberté civile, implique aussi certaines dispositions
à prendre, em vue d’ assurer la liberté des autorités publiques elles-mêmes, dans
leurs rapports les unes avec les autres, en tant qu’il s’agit, pour chacune d’elles, de
l’exercice du pouvoir qui lui est spécialement attribué. C’est là un nouvel aspect,
fort important, du sujet. En effet, la division des compétences et la spécialisation
des fonctions ne saurient, à elles seules, suffire à réaliser la limtation des pouvoirs:
pour que cette limitation se trouve assurée, il faut, en outre, qu’aucun des trois
ordres de titulaires des pouvoirs ne possède ou ne puisse acquérir de supériorité,
qui lui permettrait de dominer les deux autres et qui, par lá même, pourrait peu à
peu dégénérer en omnipotence. Et pour cela, il est indispensable que les titulaires
des trois pouvoirs soient, non seulement investis de compétences distinctes et
séparées, mais encore rendus, par leur constitution organique, indépendants et
comme égaux les uns vis-à-vis des autres. Ce n’est qu’à cette condition qu’ils
pourront effectivement se limiter et s’arrêter entre eux”.22

20 O judiciário frente à divisão dos poderes: um princípio em decadência? In: Revista trimestral de
direito público, vol. 9, 1995. p. 41. No mesmo sentido, veja-se Cunha Ferraz, Anna Cândida. Conflito
entre poderes — o poder congressual de sustar atos normativos do poder executivo. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 1994. p. 16.
21 Cf. FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de direito constitucional. 24. ed. São Paulo:
Saraiva, 1997. p. 133.
22 Ob. cit., p. 8.
R.T.J. — 197 851

(“A doutrina de Montesquieu liga-se, portanto, essencialmente ao sistema do


‘Estado de direito’. Entretanto, pela força das coisas, essa doutrina, embora vise
principalmente a salvaguardar a liberdade civil, implica também certas disposi-
ções por tomar, no intuito de assegurar a liberdade das autoridades públicas elas
mesmas, nas relações umas com as outras, quanto se trate, para cada qual, do exer-
cício do poder que lhe é especialmente atribuído. Aí está novo aspecto, extrema-
mente importante, do tema. A divisão das competências e a especialização das
funções não seriam deveras, sozinhas, suficientes para realizar a limitação dos
poderes: para que tal limitação seja garantida, é preciso, além disso, que nenhuma
das três ordens de titulares dos poderes possua ou possa adquirir superioridade que
lhe permita dominar os outros dois e que, conseqüentemente, poderia pouco a
pouco degenerar em onipotência. E, para isso, é indispensável que os titulares dos
três poderes sejam, não somente investidos de competências distintas e separadas,
mas também feitos, por sua constituição orgânica, independentes e iguais uns
frente aos outros. É somente nessa condição que eles poderão efetivamente limitar-se
e deter-se entre si”).
Recuperada a ratio que orientou Montesquieu, qual seja, garantir a liberdade civil
por meio da contenção do poder político, não admira nem surpreende não tenha ele
proposto separação absoluta entre as funções públicas, até porque relações recíprocas
entre os Poderes são, do ponto de vista funcional, imprescindíveis à economia do pró-
prio sistema, pois também tendem a prevenir que as necessidades concretas de seu exer-
cício sirvam de pretexto a que um se avantaje aos outros. Observa Zaffaroni:
“Não há em Montesquieu qualquer expressão que exclua a possibilidade dos
controles recíprocos, nem que afirme uma absurda compartimentalização que acabe
em algo parecido com ‘três governos’ e, menos ainda, que não reconheça que no
exercício de suas funções próprias esses órgãos não devam assumir funções de
outra natureza.”23
Nada disso é novidade. Mas há, aqui, toda a pertinência em relembrá-lo, porque tal
pensamento, não apenas seduziu, mas guiou, na talvez mais bem sucedida simplificação
orgânico-funcional e aplicação histórica da teoria, seus mais agudos comentadores e
responsáveis pela difusão do sistema nas modernas constituições ocidentais: Alexander
Hamilton, James Madison e John Jay.
Vale a pena rever como se pronunciaram os “Founders” nos panfletários artigos
federalistas:
“Portanto, visto que estes fatos foram o norte de Montesquieu para estabelecer
o princípio de que se trata, podemos concluir que, quando ele estabeleceu ‘que não
há liberdade todas as vezes que a mesma pessoa ou a mesma corporação legisla e
executa ao mesmo tempo, ou por outras palavras, quando o poder de julgar não
está bem distinto e separado do Legislativo e Executivo’, não quis proscrever
toda a ação parcial, ou toda a influência dos diferentes poderes uns sobre os
outros; o que quis dizer, segundo se colige das suas expressões, e ainda melhor
dos exemplos que lhe serviram de regra, foi que, quando dois poderes, em toda a

23 Ob. cit., pp. 82-83.


852 R.T.J. — 197

sua plenitude, se acham concentrados numa só mão, todos os princípios de um


governo livre ficam subvertidos”.24
E, mais adiante, concluem:
“Fica provado no capítulo antecedente que o axioma político que se examina
não exige a separação absoluta dos três poderes; demonstrar-se-á agora que sem
uma tal ligação que dê a cada um deles o direito constitucional de fiscalizar os
outros, o grau de separação, essencial à existência de um governo livre, não pode
na prática ser eficazmente mantido”.25
Esse conjunto de idéias foi o substrato teórico que governou os federalistas na
engenharia do esquema de contenções e compensações que, figuradas nos “checks and
balances”, concretizaram a mais curial resposta política à necessidade da existência de
expedientes de controle mútuo entre os Poderes, para que nenhum transpusesse seus
limites institucionais. Sem descurar o dogma da separação entre as funções, que as quer
independentes e bem definidas, sublinharam toda a importância dos instrumentos de
fiscalização recíproca, como peças essenciais na engrenagem da divisão e do equilíbrio
entre elas, a serviço da resistência à intrusão e à tirania. A respeito dessa configuração
prática, notava Cooley, ainda no século XIX:
“This arrangement gives each department a certain independence, which
operates as a restraint upon such action of the others as might encroach on the
rights and liberties of the people, and makes it possible to establish and enforce
guaranties against attempts at tyranny. We thus have the checks and balances of
government, which are supposed to be essential to free institutions”.26
(“Esse arranjo confere a cada poder certa independência, que opera como um
freio à ação dos outros que possa interferir nos direitos e liberdades das pessoas, e
torna possível o estabelecimento e implementação de garantias contra tentativas
de tirania. Temos, assim, freios e contrapesos de governo, que se reputam essenciais
a instituições livres”).
Com tal roupagem, a receita política de Montesquieu, acolhida já na Declaração
de Direitos da Virgínia, em 1776, incorporou-se em boa parte das Constituições ociden-
tais, a principiar pela americana. E sua menção na Declaração dos Direitos do Homem e
do Cidadão, de 1789, contribuiu decisivamente para a transformar em dogma da teoria
constitucional.27
Isso, é óbvio, não significa que se lhe tenham manifestado de modo homogêneo
as configurações históricas nos textos constitucionais, como se fossem adaptações
mecânicas de um modelo de contornos acabados. Ajustando-se às tradições culturais,

24 O federalista. Trad. Hiltomar Martins Oliveira. Belo Horizonte: Líder, 2003. pp. 299-300. Grifos
nossos.
25 Ob. cit., p. 305. Grifos nossos.
26 COOLEY, Thomas M. General principles of constitutional law. 2. ed. Boston: Little, Brown and
Company, 1891. p. 41 (reimpressão de 1998).
27 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 18. ed. São Paulo: Malheiros,
2000. p. 113.
R.T.J. — 197 853

à realidade política e ao próprio arcabouço institucional de cada país, o grau de auto-


nomia dos Poderes e os mecanismos possíveis de controle recíproco variam muito em
cada um dos sistemas jurídico-constitucionais que adotam o postulado político da sepa-
ração, oscilando, especialmente, entre os modelos integrados à tradição do constitucio-
nalismo francês e do norte-americano. E é natural que assim seja. Afinal, como diz Otto
Bachof, “no existe ningún esquema patenteado de división de poderes que pueda fun-
cionar en todas las épocas y bajo los más diversos supuestos sociales”.28
Mas a afirmação do princípio como ingrediente axiomático da definição e da estru-
tura dos Estados democráticos, essa sobrevive às diferenças sociais e aos rumos da evo-
lução política, a despeito das variações que lhe determinam tais vicissitudes históricas.
4. Diante dessas premissas, é preciso, então, apurar as feições particulares que
tomou o princípio em nossa Constituição Federal. Como pontua Hesse29, a identificação
do conteúdo desse postulado histórico não pode prescindir da análise da configuração e
dos contornos que lhe dá a ordem jurídica concreta de certo Estado. De modo que só o
exame da sua concreta disposição na ordem jurídica vigente permitirá aferir se a institui-
ção do Conselho Nacional de Justiça insulta, ou não, o sistema positivo da separação e
independência dos Poderes. Já o tinha advertido o Min. Gilmar Mendes, quando ainda
ocupava o cargo de Advogado-Geral da União:
“(...) o contraste entre a norma questionada e o parâmetro constitucional da
divisão de poderes é uma operação de índole normativa e valorativa, que, por isso,
deve levar em conta não uma concepção abstrata do princípio de divisão de pode-
res, mas seu conteúdo efetivo na ordem constitucional positiva” (apud ADI n. 135,
voto do Relator Min. Octavio Gallotti, DJ de 15-8-97).
Ninguém tampouco tem dúvidas acerca da superior importância atribuída pela
Constituição Federal às normas da separação dos Poderes, em conformidade, aliás, com
nossa tradição republicana. Já no art. 2º, estatui: “são Poderes da União, independentes
e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”. E logo o sublima a
cláusula irremovível, vedando, no art. 60, § 4º, inc. III, seja “objeto de deliberação a
proposta de emenda tendente a abolir: (...) III - a separação dos Poderes”. Donde se tem
logo por indiscutível que o princípio da separação e independência dos Poderes integra
a ordem constitucional positiva, em plano sobranceiro. E, nessa perspectiva, cada um
deles tem sua organização regulada em capítulo distinto no Título IV: arts. 44 a 75
(Legislativo), arts. 76 a 91 (Executivo) e arts. 92 a 135 (Judiciário).
Ora, é o confronto analítico dos preceitos relativos à organização e ao funciona-
mento de cada uma dessas funções públicas que permite extrair o conteúdo e a extensão
de que se reveste a teoria da separação em nosso sistema jurídico-constitucional. Noutras
palavras, é seu tratamento normativo, por todo o corpo constitucional, que nos dá o
sentido e os limites dos predicados da independência e da harmonia, previstos no art. 2º.
E o que se lhe vê é que o constituinte desenhou a estrutura institucional dos
Poderes de modo a garantir-lhes a independência no exercício das funções típicas,

28 Ob. cit., p. 58.


29 HESSE, Konrad. Elementos de direito constitucional da República Federal da Alemanha. Trad.
Luís Afonso Heck. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1998. p. 368.
854 R.T.J. — 197

mediante previsão de alto grau de autonomia orgânica, administrativa e financeira. Mas


tempera-o com a prescrição doutras atribuições, muitas das quais de controle recíproco,
e cujo conjunto forma, com as regras primárias, verdadeiro sistema de integração e
cooperação, preordenado a assegurar equilíbrio dinâmico entre os órgãos, em benefício
do escopo último, que é a garantia da liberdade.
Esse quadro normativo constitui expressão natural do princípio na arquitetura
política dos freios e contrapesos. À Constituição repugna-lhe toda exegese que reduza a
independência dos Poderes a termos absolutos, os quais, aliás de todo estranhos aos
teóricos de sua fórmula, seriam contraditórios com a idéia que a concebeu como instru-
mento político-liberal.
Confirma-o rápido percurso pelo texto constitucional. Não são poucos os institutos
cuja disciplina revela ostensiva existência de mecanismos predispostos ao controle
mútuo entre os Poderes e, até, ao desempenho anômalo, por um deles, de função típica de
outro. Basta mencionar o veto (art. 66, § 1º, e 84, inc. V), o impeachment (arts. 52, 85 e
86), o controle de constitucionalidade das leis (arts. 102, I, letra a, e 103), as medidas
provisórias (art. 62), as leis delegadas (art. 68), o poder conferido ao Legislativo de sustar
atos normativos do Executivo (art. 49, inc. V), bem como de lhe fiscalizar e controlar os
atos (inc. X), o controle das contas públicas pelo Congresso Nacional e pelo Tribunal de
Contas (arts. 70, 71, cc. 49, inc. IX), o Conselho da República (art. 89), o poder do
Presidente da República de conceder indulto e comutar penas (art. 84, inc. XII), etc. Não
menos significativa é a previsão do procedimento de elaboração conjunta do orçamento
de cada Poder, por meio da lei de diretrizes orçamentárias e da própria lei orçamentária
(arts. 48, inc. II, 99, 165 a 168).
No que concerne à vida orgânica do Judiciário, merece atenção especial a com-
petência do Executivo para nomear parte dos membros do Poder, como se dá com
integrantes da Justiça Eleitoral (arts. 119, inc. II, e 120, inc. III), dos Tribunais Regionais
Federais, dos Tribunais estaduais e do Distrito Federal, por via do chamado quinto
constitucional (art. 94), e dos próprios Ministros desta Casa, cuja investidura depende
ainda de aprovação do Senado (art. 101, parágrafo único).
Todos esses exemplos provam, ad rem, que a incorporação privilegiada do princí-
pio da separação na ordem constitucional não significa de modo algum que a distribui-
ção primária das funções típicas e a independência formal dos Poderes excluam regras
doutro teor, que, suposto excepcionais na aparência, tendem, no fundo, a reafirmar a
natureza unitária das funções estatais, a cuja repartição orgânica é imanente a vocação
conjunta de instrumentos da liberdade e da cidadania. Tal arrumação normativa está
longe de fraturar ou empobrecer o núcleo político e jurídico do sistema, que só estará
mortalmente ferido lá onde se caracterizar, à luz de sua inspiração primordial, usurpação
de funções típicas ou aniquilamento prático da autonomia de cada Poder. É essa, de
certo modo, a opinião comum dos constitucionalistas pátrios.30
E, ao propósito, nossa experiência constitucional em nada destoa do que se verifica
alhures. Reconhece, em caráter geral, William Prillaman que:

30 SILVA, José Afonso da. Ob. cit., pp. 113-115. FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Ob. cit., p.
133. BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. 22. ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 166.
R.T.J. — 197 855

“(...) no branch or agent of government in a separation of powers system is


completely ‘independent’ from the other branches. Courts rely on other branches
of government for their budgets and enforcement of their rulings; the judicial
nomination process often depends on executive nomination and legislative
approval; and appointees may be subject to legislative impeachment. Thus, no
judiciary is completely removed from the affairs of the more political departments
of government”.31
“[(...) nenhum ramo ou agente de governo, em um sistema de separação de
poderes, é completamente ‘independente’ dos outros. As cortes dependem de
outros setores do governo tanto para aprovação de seus orçamentos, como para o
cumprimento de suas decisões; o processo de nomeação judicial freqüentemente
depende de nomeação do Executivo e aprovação do Legislativo; e os indicados
podem ainda ser submetidos ao impeachment legislativo. Assim, nenhum Judiciário
está completamente afastado dos assuntos dos ramos mais políticos do governo”].
Sob o prisma constitucional brasileiro do sistema da separação dos Poderes, não se
vê a priori como possa ofendê-lo a criação do Conselho Nacional de Justiça. À luz da
estrutura que lhe deu a Emenda Constitucional n. 45/2004, trata-se de órgão próprio do
Poder Judiciário (art. 92, I-A), composto, na maioria, por membros desse mesmo Poder
(art. 103-B), nomeados sem interferência direta dos outros Poderes, dos quais o
Legislativo apenas indica, fora de seus quadros e, pois, sem laivos de representação
orgânica, dois dos quinze membros.
Brandida como argumento exemplar e capital da pretensa inconstitucionalidade
do Conselho, tal indicação em si, em que qualquer crítico desapaixonado enxergaria,
quando muito, mera representação simbólica da instância legislativa, não pode equi-
parar-se a nenhuma forma de intromissão incompatível com a idéia política e o perfil
constitucional da separação e independência dos Poderes. O preceito que a estabelece
não inova coisa alguma na ordem constitucional, em cujo contexto guarda, com rui-
dosa clareza, menor extensão lógica e índice muito mais modesto de participação
doutro Poder no processo de escolha de membros do Poder Judiciário, do que, por
exemplo, o velhíssimo modelo do art. 101, parágrafo único, da Constituição da Repú-
blica, o qual defere ao Chefe do Executivo competência exclusiva para nomear todos
os integrantes desta Casa! Têm, nesse claro sentido, sabor apenas didático, as observa-
ções de Antonio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido
Rangel Dinamarco, de que:
“ (...) prevalece entre nós, quanto ao Supremo Tribunal Federal e aos tribu-
nais superiores federais, o sistema de nomeação dos magistrados pelo Executivo,
com aprovação do Senado Federal. É por isso que a independência do Judiciário,
absoluta quanto ao exercício de suas funções, não o é no que respeita à constitui-
ção dos tribunais.”32
Seria, deveras, fraqueza de espírito insistir na demonstração do absurdo lógico-
jurídico que estaria em dar, sob pretexto de usurpação de poderes, pela inconstitucio-

31 The judiciary and democratic decay in Latin America: declining confidence in the rule of law.
Westport: Praeger, 2000. p. 16.
32 Teoria geral do processo. 21. ed. São Paulo: Malheiros, p. 172.
856 R.T.J. — 197

nalidade da criação do Conselho, sem antes reconhecê-la, com maiores e mais conspícu-
as razões, ao processo de nomeação de todos os Ministros do Supremo Tribunal Federal.
A fortiori, essa conclusão óbvia não apenas decepa a objeção de inconstitucio-
nalidade específica a título de injúria ao sistema da separação e independência dos
Poderes, mas, sobretudo, é prova suficiente de que a não há nenhuma, ainda quando
genérica, por conta dessa mesma causa material, nas regras de composição, escolha e
nomeação dos membros do Conselho. Donde vem, logo, o erro de o tomar por órgão de
controle externo.
Talvez ocorra a alguém que, na prática, essa composição híbrida poderia compro-
meter a independência interna e externa do Judiciário. A objeção não é forte, porque os
naturais desvios que, imputáveis à falibilidade humana, já alimentavam, durante os
trabalhos preparatórios da Constituição americana, o ceticismo calvinista em relação
aos riscos de facciosidade do parlamento, são inerentes a todas as instituições, por aca-
badas e perfeitas que se considerem. Mas, se escusa reforço à resposta, é sobremodo
importante notar que o Conselho não julga causa alguma, nem dispõe de nenhuma
atribuição, de nenhuma competência, cujo exercício fosse capaz de interferir no desem-
penho da função típica do Judiciário, a jurisdicional. Pesa-lhe, antes, abrangente dever
constitucional de “zelar pela autonomia” do Poder (art. 103-B, § 4º, inc. I). E não seria
lógico nem sensato levantar suspeitas de que, sem atribuição jurisdicional, possa com-
prometer independência que jamais se negou a órgãos jurisdicionais integrados por
juízes cuja nomeação compete ao Poder Executivo, com ou sem colaboração do
Legislativo.
Será caso, no entanto, de indagar se tal risco não adviria da própria natureza das
competências destinadas ao Conselho, como órgão nacional de controle da atuação
administrativa e financeira do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcio-
nais dos magistrados.
Aqui, a dúvida é de menor tomo. Com auxílio dos Tribunais de Contas, o Legislativo
sempre deteve o poder superior de fiscalização dos órgãos jurisdicionais quanto às
atividades de ordem orçamentária, financeira e contábil (arts. 70 e 71 da Constituição da
República), sem que esse, sim, autêntico controle externo do Judiciário fosse tido, alguma
feita e com seriedade, por incompatível com o sistema da separação e independência dos
Poderes, senão como peça da mecânica dos freios e contrapesos. E esse quadro propõe
ainda um dilema: ou o poder de controle intermediário da atuação administrativa e finan-
ceira do Judiciário, atribuído ao Conselho Nacional de Justiça, não afronta a indepen-
dência do Poder, ou será forçoso admitir que o Judiciário nunca foi, entre nós, Poder
independente!
Igual coisa pode dizer-se de imediato sobre a competência de controle do cumpri-
mento dos deveres funcionais dos juízes. Ou a atribuição em si, a este ou àquele órgão,
não trinca nem devora a independência do Poder, ou se há de confessar que este nunca
tenha sido verdadeiramente autônomo ou independente. A outorga dessa particular
competência ao Conselho não instaura, como novíssima das novidades, o regime
censório interno, a que, sob a ação das corregedorias, sempre estiveram sujeitos, em
especial, os magistrados dos graus inferiores, senão que, suprindo uma das mais notórias
deficiências orgânicas do Poder, capacita a entidade a exercer essa mesma competência
R.T.J. — 197 857

disciplinar, agora no plano nacional, sobre todos os juízes hierarquicamente situados


abaixo desta Suprema Corte.33 Como se percebe sem grandes ginásticas de dialética,
deu-se apenas dimensão nacional a um poder funcional necessário a todos os ramos do
governo, e cujo exercício atém-se, como não podia deixar de ser, às prescrições constitu-
cionais e às normas subalternas da Lei Orgânica da Magistratura e do futuro Estatuto,
emanadas todas do Poder Legislativo, segundo os princípios e as regras fundamentais da
independência e da harmonia dos Poderes.
5. E é o momento de recobrar a questão crucial da causa e que está em saber se, de
qualquer outro modo, direto ou indireto, em maior ou menor grau, a criação, a composi-
ção e as atribuições do Conselho põem em risco, mínimo que seja, o exercício das
funções jurisdicionais, como razão mesma da existência do Poder Judiciário. É que,
como o sabe toda a gente, as exigências e as preocupações de tutela cabal da sua
autonomia se radicam na necessidade de preservação das garantias indispensáveis ao
desempenho imparcial daquelas funções. No dizer de Mauro Cappelletti:
“a independência dos juízes frente ao executivo, longe de representar um
valor fim em si mesmo, não é ela própria senão um valor instrumental. É difícil não
compartilhar da opinião de Giovani Pugliese – que é, aliás, também a da nossa
Corte Constitucional – quando afirma, exatamente, que a independência não é
senão o meio dirigido a salvaguardar outro valor – conexo certamente, mas diverso
e bem mais importante do que o primeiro – ou seja, a imparcialidade do juiz. O
valor ‘final’ – a ‘essência’ ou a ‘natureza’, por assim dizer – da função judiciária é,
portanto, que a decisão seja tomada por um terceiro imparcial, tertius super partes,
depois que as partes tenham tido a possibilidade de apresentar e defender o seu
caso (...).”34
É o que reconhece o ex-magistrado Luis Flávio Gomes, em referência à obra de
Ibañez:
“concebemos a independência judicial desse modo, ‘não como um fim em si
mesmo, senão como um meio, um conceito instrumental em relação à imparciali-
dade, a serviço da idéia de que o juiz deve sempre atuar como terceiro na composição
dos interesses em conflito, com a lei como ponto de referência indiscutível”.35

33 Os Ministros do Supremo, órgão máximo do Judiciário brasileiro e guardião último da Constituição


Federal, não estão, nem poderiam estar, como é óbvio, sujeitos ao poder disciplinar do Conselho, cujos
atos e decisões, sempre de natureza administrativa, é que são passíveis de controle jurisdicional desta
Corte (art. 102, inciso I, letra r, introduzido pela Emenda). O que dispõe a Emenda, no art. 103-B, § 4º,
não os apanha, como se percebe sem muito esforço. Sérgio Bermudes achou necessário dissipar dúvidas
a respeito, as quais, aliás, nem seriam razoáveis: “Excluem-se da incidência desse § 4º apenas os
ministros do Supremo Tribunal Federal... A submissão dos ministros do Supremo Tribunal Federal ao
Conselho Nacional de Justiça perturbaria a ordem constitucional, inclusive pela possibilidade de
repercutir, de algum modo, nos julgamentos do órgão supremo do Poder Judiciário” (A reforma do
poder judiciário pela emenda constitucional n. 45. Rio de Janeiro: Forense, 2005. p. 137). Sobre o
ponto, cf. ainda infra, n. 12.
34 Juízes irresponsáveis? Trad. Carlos Alberto Àlvaro de Oliveira. Porto Alegre: Sergio Antonio
Fabris, 1989. p. 32.
35 A dimensão da magistratura no estado constitucional e democrático de direito. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 1997. p. 42.
858 R.T.J. — 197

Está nisto, no valor político supremo da imparcialidade dos juízes e tribunais, o


critério decisivo da estima da compatibilidade do Conselho Nacional de Justiça com
todas as provisões constitucionais de um Judiciário independente. E, de tal ângulo, não
vejo em que este sofra com aquele.
Como já referi, são duas, em suma, as ordens de atribuições conferidas ao Conselho
pela Emenda Constitucional n. 45/2004: (a) o controle da atividade administrativa e
financeira do Judiciário, e (b) o controle ético-disciplinar de seus membros.
A primeira não atinge o autogoverno do Judiciário. Da totalidade das competências
privativas dos tribunais, objeto do disposto no art. 96 da Constituição da República,
nenhuma lhes foi castrada a esses órgãos, que continuarão a exercê-las todas com pleni-
tude e exclusividade, elaborando os regimentos internos, elegendo os corpos diretivos,
organizando as secretarias e serviços auxiliares, concedendo licenças, férias e outros
afastamentos a seus membros, provendo os cargos de juiz de carreira, assim como os
necessários à administração da justiça, etc, sem terem perdido o poder de elaborar e
encaminhar as respectivas propostas orçamentárias.
O que tampouco deve ser esquecido é que também nesse campo se manifesta o
caráter não absoluto da independência constitucional do Poder. Afora as limitações con-
cernentes à elaboração dos orçamentos, a criação ou extinção dos tribunais, a alteração
do número de seus membros, a modificação da organização e da divisão judiciárias, bem
como a criação de cargos e a remuneração dos serviços auxiliares e dos juízos vincula-
dos ao Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais Superiores e aos Tribunais de Justiça
também dependem da aprovação do Poder Legislativo (art. 96, inc. II), o que demonstra,
mais uma vez, que:
“as garantias do art. 96 da Constituição visam essencialmente a estabelecer a
independência do Poder Judiciário em relação aos demais Poderes. Mas se é abso-
luta essa independência no que respeita ao desempenho de suas funções, não se
pode dizer o mesmo no tocante à organização do Poder Judiciário, a qual depende
freqüentemente do Poder Executivo ou do Legislativo, quando não de ambos”36.
De modo que, sem profanar os limites constitucionais da independência do Judi-
ciário, agiu dentro de sua competência reformadora o poder constituinte derivado, ao
outorgar ao Conselho Nacional de Justiça o proeminente papel de fiscal das atividades
administrativa e financeira daquele Poder. A bem da verdade, mais que encargo de
controle, o Conselho recebeu aí uma alta função política de aprimoramento do
autogoverno do Judiciário, cujas estruturas burocráticas dispersas inviabilizam o esboço
de uma estratégia político-institucional de âmbito nacional. São antigos os anseios da
sociedade pela instituição de um órgão superior, capaz de formular diagnósticos, tecer
críticas construtivas e elaborar programas que, nos limites de suas responsabilidades
constitucionais, dêem respostas dinâmicas e eficazes aos múltiplos problemas comuns
em que se desdobra a crise do Poder. Como bem acentuou José Eduardo Faria:
“(...) como o Judiciário tem diferentes braços especializados organizados em
diferentes instâncias, é natural que cada um deles e cada uma delas sinta-se tentado

36 ARAÚJO CINTRA, Antônio Carlos de; GRINOVER, Ada Pellegrini; Dinamarco, Cândido Rangel.
Ob. e loc. cit..
R.T.J. — 197 859

a definir seu próprio programa de ação, o que, obviamente, torna de fundamental


importância a criação de um órgão representativo de todos esses braços e instâncias
capazes de atuar numa dimensão de política-domínio, responsabilizando-se pela
uniformização dos diferentes programas ‘parcialmente contraditórios’ e ‘parcial-
mente compatíveis’ sob a forma de uma estratégia global da instituição”.37
Ao Conselho atribuiu-se esse reclamado papel de órgão formulador de uma
indeclinável política judiciária nacional.
6. A segunda modalidade de atribuições do Conselho diz respeito ao controle “do
cumprimento dos deveres funcionais dos juízes” (art. 103-B, § 4º). E tampouco parece-me
hostil à imparcialidade jurisdicional.
Representa expressiva conquista do Estado democrático de direito a consciência
de que mecanismos de responsabilização dos juízes por inobservância das obrigações
funcionais são também imprescindíveis à boa prestação jurisdicional. Na síntese feliz de
Juan Montero Aroca38, a responsabilidade judicial é a outra face da moeda da indepen-
dência, a sua contrapartida. E a necessidade, que o Programa de Desenvolvimento da
ONU (PNUD) já enfatizou39, de se coordenarem ambas essas exigências, põe-nos, como
bem o percebeu o saudoso Mauro Cappelletti, diante de “um problema de equilíbrio
entre o valor de garantia e instrumental da independência, externa e interna, dos
juízes, e o outro valor moderno (mas também antigo, como se viu) do dever democrático
de prestar contas”40. E uma enorme dificuldade para se atingir tão sutil equilíbrio é
fenômeno observado em toda a América Latina, como mostra William Prillaman.41
Entre nós, é coisa notória que os atuais instrumentos orgânicos de controle ético-
disciplinar dos juízes, porque praticamente circunscritos às corregedorias, não são de
todo eficientes, sobretudo nos graus superiores de jurisdição, como já o admitiram com
louvável sinceridade os próprios magistrados, em conhecido estudo de Maria Tereza
Sadek42. Realidade algo semelhante encontra-se nos demais países latino-americanos43.
Perante esse quadro de relativa inoperância dos órgãos internos a que se confinava
o controle dos deveres funcionais dos magistrados, não havia nem há por onde deixar de
curvar-se ao cautério de Nicoló Trocker: “o privilégio da substancial irresponsabili-
dade do magistrado não pode constituir o preço que a coletividade é chamada a pagar,
em troca da independência dos seus juízes”44. Nem ao aviso de Lima Lopes:

37 O poder judiciário no Brasil: paradoxos, desafios e alternativas. Brasília: Conselho da Justiça


Federal, 1995. p. 71.
38 Independencia y responsabilidad del juez. Madrid: Civitas, 1990. p. 91.
39 Judicial independence in transitional country. United Nations Development Programme. Oslo:
Governance Centre, 2003. p. 27.
40 Ob. cit., p. 33.
41 Ob. cit., p. 19.
42 Ob. cit., esp. pp. 118 e 126.
43 Ob. cit., p. 21.
44 La responsabilità del giudice. Rivista trimestrale di diritto e procedura civile. 1982. p. 1285, apud
CAPPELLETTI, Mauro. Ob. cit., p. 33.
860 R.T.J. — 197

“o Poder Judiciário não pode ser independente, no sentido de irresponsável,


ou não prestar contas à sociedade, aos cidadãos, no que diz respeito à máquina
judicial. Se quisermos livrar os juízes do controle dos cartórios, dos lobbies, das
pressões corporativas, é preciso colocá-los ombreados com a cidadania”.45
Tem-se, portanto, de reconhecer, como imperativo do regime republicano e da
própria inteireza e serventia da função, a necessidade de convívio permanente entre a
independência jurisdicional e instrumentos de responsabilização dos juízes que não
sejam apenas formais, mas que cumpram, com efetividade, o elevado papel que se lhes
predica. Para isso, é preciso, com reta consciência e grandeza de espírito, desvestirem-se
os juízes de preconceitos corporativos e outras posturas irracionais, como a que vê na
imunidade absoluta e no máximo isolamento do Poder Judiciário condições sine qua
non para a subsistência de sua imparcialidade. Como pondera o jurista norte-americano
Owen Fiss:
“It is simply not true that the more insularity the better, for a judiciary that is
insulated from the popularly controlled institutions of government – the legislative
and the executive branches – has the power to interfere with the actions or decisions
of those institutions, and thus has the power to frustrate the will of the people. (…)
We are thereby confronted with a dilemma. Independence is assumed to be one of
the cardinal virtues of the judiciary, but it must be acknowledged that too much
independence may be a bad thing. We want to insulate the judiciary from the more
popularly controlled institutions, but should recognize at the same time some
elements of political control should remain”.46
(“Simplesmente não é verdade que, quanto maior o isolamento, melhor,
porque um Judiciário que está isolado das instituições governamentais sujeitas a
controle popular - o Legislativo e o Executivo - tem o poder de interferir nas ações
ou decisões dessas instituições e, assim, o poder de frustrar a vontade popular. (...)
Estamos, portanto, diante de um dilema. A independência é tida como uma das
virtudes cardinais do Judiciário, mas deve-se reconhecer que muita independência
pode ser uma coisa negativa. Nós queremos isolar o Judiciário das instituições
sujeitas a maior controle popular, mas deveríamos admitir, ao mesmo tempo, que
alguns elementos de controle político deveriam remanescer”).
Longe, pois, de conspirar contra a independência judicial, a criação de um órgão
com poderes de controle nacional dos deveres funcionais dos magistrados responde a
uma imperfeição contingente do Poder, no contexto do sistema republicano de governo.
Afinal, “regime republicano é regime de responsabilidade. Os agentes públicos respon-
dem por seus atos”47. E os mesmos riscos teóricos de desvios pontuais, que se invocam
em nome de justas preocupações, esses já existiam no estado precedente de coisas, em
que podiam errar, e decerto em alguns casos erraram, os órgãos corregedores.

45 LIMA LOPES, José Reinaldo de. Crise da norma jurídica e reforma do judiciário. In: Faria, José
Eduardo (org). Direitos humanos, direitos sociais e justiça. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 76.
46 The right degree of independence. In: Transitions to democracy in Latin America: the role of
judiciary, 1993. p. 56, apud PRILLAMAN, William. Ob. cit., p. 17. Há recente tradução desse ensaio
de Owen Fiss no Brasil, na obra Um novo processo civil — estudos norte-americanos sobre jurisdição,
constituição e sociedade. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004.
47 ATALIBA, Geraldo. República e constituição. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2001. p. 65.
R.T.J. — 197 861

Nem embaraça a conclusão o fato de que tenham assento e voz, no Conselho,


membros alheios ao corpo da magistratura. Bem pode ser que tal presença seja capaz de
erradicar um dos mais evidentes males dos velhos organismos de controle, em qualquer
país do mundo: o corporativismo, essa moléstia institucional que obscurece os procedi-
mentos investigativos, debilita as medidas sancionatórias e desprestigia o Poder.
Uma das mais graves degenerações suscetíveis de acometer os modernos apara-
tos judiciários é, segundo a observação incontestável de Mauro Cappelletti, a “mono-
polização da responsabilidade disciplinar em mãos da própria magistratura e, con-
seqüentemente, na sua degeneração em instrumento de controle puramente corpora-
tivo, isolado da sociedade”. O perigo com que se defronta é o “‘isolamento’ da magis-
tratura, a sua transformação num corps séparé, destacado do resto do sistema estatal
e da sociedade em geral”48. Igual opinião sustenta William Prillaman: “(...) an inde-
pendent judiciary can degenerate not only into a politicized bureaucracy but also into
an insular, unaccountable one”49.
E desse perigo não se isenta nem desvencilha o País. Do exame comparativo de
diversos sistemas judiciários, conclui Lima Lopes que
“o Brasil é, nesta série de exemplos, um caso único, como se vê, em que
independência e autonomia estão mais próximas do sistema do antigo regime de
patrimonialidade dos cargos, de exclusivismo corporativo até, do que de democra-
cia propriamente dita. Aqui talvez se esteja confundindo, no debate atual, autono-
mia do Poder Judiciário com capacidade de isolamento. É da maior importância,
hoje, não confundir autonomia e independência do Judiciário com seu isolamento
social”.50
A presença, aliás minoritária e com mandatos pessoais de duração limitada, de
membros não pertencentes aos quadros da magistratura, aparece como um dos remédios
contra o mal. A respeito, é bom ouvir de novo Mauro Cappelletti:
“a arma talvez mais freqüentemente utilizada para combater essa degenera-
ção consiste em incluir membros ‘laicos’ nos órgãos investidos do poder discipli-
nar, mais uma vez na tentativa de encontrar razoável equilíbrio entre o valor da
independência e o de certo grau de união, que em verdade nunca deveria faltar
completamente, do judiciário com o resto do body politic”.51
Uma persistente conexão entre o Judiciário e o corpo político é, ademais, impor-
tante fator de legitimação social e democrática — não falo aqui do mito do deficit de
legitimação democrática, mas de outra coisa — que não deve ser subestimado por arro-
gância da magistratura, pois, como nota Boaventura Sousa Santos, “a democratização
da administração da justiça é uma dimensão fundamental da democratização da vida

48 Ob. cit., pp. 73 e 75. Mesma opinião foi expressa pelo autor no ensaio Who watches the watchmen?
In: American journal of comparative law, v. 31, 1983. pp. 48 e 50.
49 Ob. cit., p. 16.
50 LIMA LOPES, José Reinaldo de. Ob. cit., p. 80.
51 Ob. cit., pp. 75-76.
862 R.T.J. — 197

social, económica e política”, cuja abertura deve, como ideal, incluir “o maior
envolvimento e participação dos cidadãos, individualmente ou em grupos organizados,
na administração da justiça”52.
De modo que, num juízo objetivo e sereno, como convém à matéria e ao interesse
público, a composição do Conselho — cujo modelo não pode deixar de ser “pluralístico
e democrático”53 — estende uma ponte entre o Judiciário e a sociedade, de um lado
permitindo oxigenação da estrutura burocrática do Poder e, de outro, respondendo às
críticas severas, posto nem sempre de todo justas para com a instituição, que lhe vinham
de fora e de dentro, como ecos da opinião pública. De fora, Dalmo de Abreu Dallari
pregava:
“(...) é necessário estabelecer um sistema de controle. É oportuno lembrar
aqui a atitude de Thomas Jefferson, que defendeu com firmeza a independência
dos juízes e tribunais, mas admitiu que tinha medo do corporativismo dos magis-
trados, o que pode significar não só uma comunhão de interesses, mas também um
relacionamento afetivo. Daí a conveniência de um órgão controlador, integrado,
em sua maioria, por magistrados, mas também por profissionais de outras áreas
jurídicas, como se tem feito para compor bancas examinadoras de concursos de
ingresso na magistratura. Não se pode esquecer que o Poder Judiciário exerce
poder público, age em nome do povo, embora seus membros não sejam escolhidos
por meio de eleição popular. Por isso é necessário um controle democrático de seu
desempenho, que assegure a obediência às regras legais e a prevalência do inte-
resse público, mantendo o requisito fundamental, que é a garantia da indepen-
dência dos juízes”.54
De dentro, o ilustre Min. Celso de Mello era só mais sutil:
“Estou cada vez mais convencido da necessidade de controle externo sobre
o Poder Judiciário. Fiscalização e responsabilidade são princípios do modelo re-
publicano. A fiscalização externa não compromete o princípio da separação dos
Poderes. Ela não quer dizer que se vá exercer censura sobre o pensamento dos
magistrados. A independência dos juízes deve ser preservada. Mas ela não é uma
finalidade em si própria. É preciso ter juízes independentes para se poder ter cida-
dãos livres”.55
“O Judiciário só pode enfraquecer se seus membros falharem gravemente no
desempenho das suas funções. Os magistrados devem se expor democraticamente
à crítica social. Nenhum Poder da República está acima da Constituição, nem pode
pretender que sua fisionomia institucional não possa ser redesenhada”.56

52 Pela mão de Alice — o social e o político na pós-modernidade. 9. ed. São Paulo: Cortez, 1995.
p. 177.
53 ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Ob. cit., p. 130.
54 “Juízes independentes, judiciário sob controle social”. In: Revista da associação dos magistrados
do Estado do Rio de Janeiro, ano 2, n. 8, p. 33. Grifos nossos.
55 Entrevista concedida ao jornal Folha de São Paulo, em 11-4-99.
56 Entrevista concedida ao jornal Folha de São Paulo, em 19-3-99.
R.T.J. — 197 863

“(...) entendo que a discussão em torno da fiscalização externa torna-se


essencial até mesmo para conferir legitimidade político-social à atividade do
magistrado e evitar que abusos funcionais, que situações de ilicitude que ocorrem
lamentavelmente na intimidade dos corpos judiciários continuem a ocorrer. É
preciso fiscalizar”.57
O real temor gerado pela presença de não-magistrados no Conselho Nacional de
Justiça está em que sua fiscalização ético-disciplinar, num plano de superposição, trans-
ponha os horizontes constitucionais e legais, transformando-se em instrumento de do-
minação política da magistratura. Não se deve baratear tão válida preocupação de que
um controle arbitrário corrompa as condições e garantias de imparcialidade dos juízes e,
como tal, desnature a Jurisdição. Mas não se deve tampouco sobreestimá-la nem ceder a
puras fantasias, como se não dispusesse o sistema de mecanismos aptos de defesa, com
força bastante para neutralizar riscos teóricos.
Nesse passo, vale a pena chamar a atenção para o fato de que a própria Emenda
Constitucional n. 45/2004 contém provisões adequadas a garantir que o exercício do
poder disciplinar se paute por critérios de rigorosa legalidade. Relembre-se, ainda uma
vez, que a maioria qualificada de membros do Conselho é formada de juízes e, pois, de
pessoas insuspeitas à magistratura, aprovadas e experimentadas no ofício de aplicar a
lei. Donde é lícito crer que tal maioria constitua o primeiro elemento regulador da
retidão e da legitimidade do uso do poder de controle atribuído ao órgão. Acresça-se-lhe
a circunstância, não menos significativa, de que a função de Ministro-Corregedor é
destinada ao Ministro representante do Superior Tribunal de Justiça (art. 103-B, § 5º).
Mas até a minoria, composta por não-magistrados, é tida, sob vigorosa presunção
hominis, por afeita às atividades jurisdicionais, não só no caso manifesto dos represen-
tantes do Ministério Público e da advocacia, senão também no dos dois cidadãos que,
indicados pelo Legislativo, devam, à moda dos candidatos a esta Corte (art. 101 da
Constituição da República), possuir “notável saber jurídico e reputação ilibada”. Que
outros requisitos se poderiam pedir aos membros não-magistrados, como garantia de
vivência jurídica, de compromisso com a autonomia do Poder e de fidelidade à lei?
Ao depois, a participação de juízes de hierarquia inferior em decisões disciplinares
sobre atos de juízes de categoria superior não rompe nenhum princípio nem regra cons-
titucional imutável, porque não encerra nem supõe atribuição de competência monocrá-
tica cujo exercício subverta relações hierárquicas. É que o caso retrata apenas competên-
cia destinada a formar a vontade coletiva de órgão colegiado, ao qual é adjudicado o
poder de decidir. A argüição da autora, aqui, nasce de erro de perspectiva, porque não
atina com o fato de que a relação hierárquica, pressuposta ao poder de decidir, se estrutu-
ra entre o órgão superior, o Conselho, e o juiz subordinado, cuja conduta é objeto do
julgamento, não entre este e o juiz ou juízes integrantes do Conselho, os quais só podem
ser considerados de hierarquia inferior sob outro ponto de vista. A competência de
decidir e o conteúdo da decisão são juridicamente imputados ao órgão, não a cada uma
das pessoas que o compõem. A relação hierárquica correspondente forma-se no nível

57 Apud SADEK, Maria Tereza. Ob. cit., p. 132.


864 R.T.J. — 197

decisório (eficácia da decisão), entre órgão superior e magistrado que lhe está sujeito, o
que nada tem a ver com o tipo de subordinação que se dá noutro plano, o dos degraus da
carreira.
7. Entre os membros laicos, cuja previsão dá caráter heterogêneo à composição do
Conselho Nacional de Justiça, constam dois representantes do Ministério Público e dois
advogados, todos indicados pelos pares (art. 103-B, incs. XI e XII). Por mais que forcejasse,
não encontrei nenhuma razão de índole constitucional que lhes pudera vetar a participa-
ção no Conselho.
Pressuposto agora que a instituição do Conselho não apenas simboliza mas tam-
bém opera ligeira abertura das portas do Judiciário para que representantes da sociedade
tomem parte no controle administrativo-financeiro e ético-disciplinar da atuação do
Poder, robustecendo-lhe o caráter republicano e democrático, nada mais natural que os
dois setores sociais, cujos misteres estão mais próximos das atividades profissionais da
magistratura, a advocacia e o Ministério Público, integrem o Conselho responsável por
esse mesmo controle.
Não é à toa que ambas as profissões são objeto de normas da Constituição da
República, no âmbito do capítulo reservado à disciplina das “funções essenciais à Jus-
tiça”. De acordo com o art. 127, “o Ministério Público é instituição permanente, essen-
cial à função jurisdicional do Estado”. E o art. 133 reputa o advogado “indispensável
à administração da justiça”.
Esses cânones não se limitam a refletir ou reafirmar, no mais alto escalão nomo-
lógico, certos truísmos ligados aos papéis da advocacia e do Ministério Público, como,
v. g., que suas iniciativas técnicas desencadeiam o exercício da função jurisdicional, cuja
inércia é garantia da imparcialidade que a caracteriza como monopólio e obrigação do
Estado. Ou que, como órgãos dotados de capacidade postulatória, legitimem esse mesmo
exercício, dando concreção a todos os princípios inerentes à cláusula do justo processo
da lei (due process of law).
Aqueles preceitos vão além, porque concebem e proclamam, como ingredientes da
própria ordem jurídico-constitucional, a dignidade e a relevância da advocacia e do
Ministério Público na condição de funções essenciais da Justiça, e cujos titulares são,
como tais, merecedores de garantias, como a inviolabilidade relativa dos atos e manifes-
tações emanados no exercício da profissão de advogado (art. 133), e as prerrogativas e
vedações análogas às dos juízes, relativamente aos membros do Ministério Público (art.
128, § 5º). Eis o fundamento da previsão de participação da Ordem dos Advogados em
todas as fases do concurso de ingresso na carreira da magistratura (art. 93, I).
Tudo isso comprova a decisiva responsabilidade que, ao lado da magistratura,
pesa, já no plano constitucional originário, à advocacia e ao Ministério Público, quanto
ao correto desenvolvimento da atividade estatal que, atribuída como função típica ao
Poder Judiciário no quadro da separação dos Poderes, constitui a própria razão de ser das
três categorias profissionais. De modo que, pelo menos no nível teórico, e é esse o que
sobreleva na causa, os rumos dos interesses institucionais não podem deixar de convergir
para o mesmo propósito político: o aprimoramento da atividade jurisdicional.
É, pois, compreensível e conforme, não contrário, aos princípios que, presumindo-se
ambas as instituições aptas e interessadas em oferecer contribuições valiosas ao
R.T.J. — 197 865

aperfeiçoamento da função jurisdicional, a advocacia e o Ministério Público ganhem


posto e dever de cooperação no seio do órgão agora predestinado ao controle nacional
da atuação administrativo-financeira e ético-funcional do Judiciário.
Por fim, se o instituto que atende pelo nome de quinto constitucional, enquanto
integração de membros não pertencentes à carreira da magistratura em órgãos jurisdicio-
nais, encarregados do exercício da função típica do Judiciário, não ofende o princípio da
separação e independência dos Poderes, então não pode ofendê-la a fortiori a mera
incorporação de terceiros em órgão judiciário carente de competência jurisdicional.
8. Terão sido essas, desconfio, algumas das razões que levaram o Min. Sepúlveda
Pertence, no bojo dos votos proferidos no julgamento das ADIs n. 98 e n. 183, a susten-
tar que eventual presença de representante da Ordem dos Advogados do Brasil, em
conselho dotado de atribuições similares às do órgão criado pela Emenda Constitucio-
nal n. 45/2004, poderia amparar-se na “definição constitucional da advocacia como
função essencial à Justiça”. E, em entrevista à imprensa, a deixar clara sua posição
favorável à “abertura para integrantes da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e do
Ministério Público”, de conselho destinado a “formular políticas e uniformizar critérios
administrativos para o setor”58.
E por coincidência, mais ou menos na mesma época, também o Min. Carlos
Velloso se pronunciou publicamente pela criação de um Conselho Nacional da Magis-
tratura que contasse com a participação de representantes “do Ministério Público, além
de membros da OAB e de outras instituições idôneas”.59
Não fora impróprio, eu até diria que já não devem agora sentir-se lá confortáveis os
advogados e os membros do Ministério Público, porque, com o assento dos seus repre-
sentantes no Conselho, se despem da cômoda posição de observadores críticos para se
converterem em co-responsáveis formais pelos rumos do Judiciário.
9. A autora deduz ainda outro argumento que se prestaria a demonstrar a inconsti-
tucionalidade do Conselho, cuja instituição violaria o pacto federativo, “ao submeter o
poder judiciário dos estados membros à supervisão administrativa e disciplinar do
conselho nacional de justiça” (fl. 30).
Também aqui não lhe dou razão.
O pacto federativo não se desenha nem expressa, em relação ao Poder Judiciário,
de forma normativa idêntica à que atua sobre os demais Poderes da República. Porque a
Jurisdição, como manifestação da unidade do poder soberano do Estado, tampouco
pode deixar de ser una e indivisível, é doutrina assente que o Poder Judiciário tem caráter
nacional, não existindo, senão por metáforas e metonímias, “Judiciários estaduais” ao
lado de um “Judiciário federal”.
A divisão da estrutura judiciária brasileira, sob tradicional, mas equívoca deno-
minação, em Justiças, é só o resultado da repartição racional do trabalho da mesma natu-
reza entre distintos órgãos jurisdicionais. O fenômeno é corriqueiro, de distribuição de

58 Entrevista concedida ao Jornal de Brasília, em 22-9-1995.


59 Entrevista concedida ao Jornal do Brasil, em 26-12-1994.
866 R.T.J. — 197

competências pela malha de órgãos especializados, que, não obstante portadores de


esferas próprias de atribuições jurisdicionais e administrativas, integram um único e
mesmo Poder. Nesse sentido, fala-se em Justiça Federal e Estadual, tal como se fala em
Justiça Comum, Militar, Trabalhista, Eleitoral, etc., sem que com essa nomenclatura
ambígua se enganem hoje os operadores jurídicos.
Na verdade, desde João Mendes Júnior, cuja opinião foi recordada por Castro
Nunes60, sabe-se que:
“O Poder Judiciário, delegação da soberania nacional, implica a idéia de
unidade e totalidade da fôrça, que são as notas características da idéia de sobera-
nia. O Poder Judiciário, em suma, quer pelos juízes da União, quer pelos juízes dos
Estados, aplica leis nacionais para garantir os direitos individuais; o Poder Judi-
ciário não é federal, nem estadual, é eminentemente nacional, quer se manifestando
nas jurisdições estaduais, quer se aplicando ao cível, quer se aplicando ao crime,
quer decidindo em superior, quer decidindo em inferior instância.61
Desenvolvendo a idéia, asseveram Antonio Carlos de Araújo Cintra, Ada
Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco:
“O Poder Judiciário é uno, assim como una é a sua função precípua — a
jurisdição — por apresentar sempre o mesmo conteúdo e a mesma finalidade. Por
outro lado, a eficácia espacial da lei a ser aplicada pelo Judiciário deve coincidir
em princípio com os limites espaciais da competência deste, em obediência ao
princípio una lex, una jurisdictio. Daí decorre a unidade funcional do Poder Judi-
ciário.
É tradicional a assertiva, na doutrina pátria, de que o Poder Judiciário não é
federal nem estadual, mas nacional. É um único e mesmo poder que se positiva
através de vários órgãos estatais – estes, sim, federais e estaduais.
(...)
(...) fala a Constituição das diversas Justiças, através das quais se exercerá a
função jurisdicional. A jurisdição é uma só, ela não é nem federal nem estadual:
como expressão do poder estatal, que é uno, ela é eminentemente nacional e não
comporta divisões. No entanto, para a divisão racional do trabalho é conveniente
que se instituam organismos distintos, outorgando-se a cada um deles um setor da
grande ‘massa de causas’ que precisam ser processadas no país. Atende-se, para
essa distribuição de competência, a critérios de diversas ordens: às vezes, é a natu-
reza da relação jurídica material controvertida que irá determinar a atribuição de
dados processos a dada Justiça; outras, é a qualidade das pessoas figurantes como
partes; mas é invariavelmente o interesse público que inspira tudo isso (o Estado
faz a divisão das Justiças, com vistas à melhor atuação da função jurisdicional)”.62

60 Teoria e prática do poder judiciário. Rio de Janeiro: Forense, 1943. p. 77.


61 ALMEIDA JÚNIOR, João Mendes de. Direito judiciário brasileiro. 5. ed. Rio de Janeiro: Freitas
Bastos, 1960. p. 47. Grifos do original.
62 Ob. cit., pp. 166 e 184. Grifos do original.
R.T.J. — 197 867

Negar a unicidade do Poder Judiciário importaria desconhecer o unitário tratamento


orgânico que, em termos gerais, lhe dá a Constituição da República. Uma única lei
nacional, um único estatuto, rege todos os membros da magistratura, independentemente
da qualidade e da denominação da Justiça em que exerçam a função (Lei Complementar
n. 35, de 14-3-1979; art. 93, caput, da CF). A todos aplicam-se as mesmas garantias e
restrições, concebidas em defesa da independência e da imparcialidade. Códigos nacio-
nais disciplinam o método de exercício da atividade jurisdicional, em substituição aos
códigos de processo estaduais. Por força do sistema recursal, uma mesma causa pode
tramitar da mais longínqua comarca do interior do País até os tribunais de superposição,
passando por órgãos judiciários das várias unidades federadas. E, para não alargar a
enumeração de coisas tão conhecidas, relembre-se que a União retém a competência
privativa para legislar sobre direito processual (art. 22, inc. I).
Nesse diagrama constitucional, nunca se ouviu sustentar que as particularidades
concretas da organização da estrutura judiciária violassem o pacto federativo. E não se
ouviu, porque perceptível sua natureza nacional e unitária, embora decomposta e
ramificada, por exigências de racionalização, em múltiplos órgãos dotados de sedes e de
âmbitos distintos de competência. Não se descobre, pois, sob esse ângulo, por que a
instituição do Conselho Nacional de Justiça não se ajustaria à organização constitucional
do Poder.
Não se quer com isso afirmar que o princípio federativo não tenha repercussão na
fisionomia constitucional do Judiciário. Sua consideração mais evidente parece estar à
raiz da norma que delega aos Estados-Membros competência exclusiva para organizar
sua Justiça, responsável pelo julgamento das causas respeitantes a cada unidade
federada (art. 125). Toca-lhes, assim, definir a competência residual de seus tribunais,
distribuí-la entre os vários órgãos de grau inferior, bem como administrá-la na forma
prevista no art. 96, coisa que revela que a estrutura judiciária tem um dos braços situados
nas Justiças estaduais. Mas a criação do Conselho Nacional de Justiça em nada altera
esse quadro, nem desfigura doutro modo o pacto federativo.
Ademais, o Conselho reúne as características palpáveis de órgão federal, represen-
tativo do Estado unitário, formado pela associação das unidades federadas, mas não de
órgão da União.
O Conselho não é concebido nem estruturado como órgão da União, e, sim, do
Poder Judiciário nacional, donde ser irrelevante que seu orçamento seja federal, pois a
origem da fonte de custeio não transmuda a natureza nem a relação de pertinência do
órgão no plano da separação dos Poderes, que é o plano onde se situa o critério de sua
taxinomia, que nada tem com outro plano classificatório, o das unidades da federação. A
inicial, aqui, incide noutro erro de ótica, pois não vê o plano lógico em que está o critério
de divisão dos órgãos do mesmo Poder, só enxergando o que discerne entre as entidades
elementares da federação. E é tão impróprio quanto supor que o Supremo Tribunal
Federal e o Superior Tribunal de Justiça, por exemplo, não pudessem julgar recursos
interpostos em causas da competência de órgãos jurisdicionais estaduais, ou de interesse
de municípios, porque o custeio de ambos corre à conta do orçamento da União.
Daí não ser lícito estabelecer comparações do Conselho com os Executivos e
Legislativos estaduais e municipais, porque estes não constituem Poderes nacionais,
868 R.T.J. — 197

senão que se situam, definem e qualificam dentro das respectivas camadas da federação.
E tampouco se pode imaginar, como pretende a inicial, que haveria supervisão adminis-
trativa, orçamentária, financeira e disciplinar dos órgãos judiciários estaduais por órgão
da União. O Conselho, repita-se, não é órgão da União.
Sua composição reverencia e contempla as duas esferas federativas dotadas de
Justiças, a União e os Estados-Membros, os quais contam ali com representantes das
respectivas magistraturas (art.103-B, incs. I a IX). Além disso, a indicação de um cidadão
pelo Senado Federal exprime, de certa maneira, senão a vontade, pelo menos forma
indireta de participação dos Estados (art. 103-B, inc. XIII). Não vejo, pois, como cogitar
de violação ao princípio federativo.
Não é, como tentei demonstrar, imutável o conteúdo concreto da forma federativa.
As relações de subordinação vigentes na estrutura do Judiciário, dado seu caráter nacional,
como o reconhece a autora (item 51 da inicial), podem ser ampliadas e desdobradas pelo
constituinte reformador, desde que tal reconfiguração não rompa o núcleo essencial das
atribuições do Poder em favor de outro. E foram redefinidas pela Emenda n. 45, sem
usurpação de atribuições por outro Poder nem sacrifício da independência. A redução
das autonomias internas, atribuídas a cada tribunal, não contradiz, sob nenhum aspecto,
o sistema de separação e independência dos Poderes. A Corte cansou-se de proclamar
que não são absolutas nem plenas as autonomias estaduais, circunscritas pela Constitui-
ção (art. 25), porque, se o fossem, seriam soberanias. E o Conselho não tem competência
para organizar nem reorganizar as Justiças estaduais.
E é só órgão que ocupa, na estrutura do Poder Judiciário, posição hierárquica
superior à do Conselho da Justiça Federal e à do Conselho Superior da Justiça do Traba-
lho, no sentido de que tem competência para rever os atos deste e daquele. Ora, está nisso
o princípio capaz de resolver, em concreto, os conflitos aparentes de competência.
Por outro lado, a competência do Conselho para expedir atos regulamentares desti-
na-se, por definição mesma de regulamento heterônomo, a fixar diretrizes para execução
dos seus próprios atos, praticados nos limites de seus poderes constitucionais, como
consta, aliás, do art. 103-B, § 4º, I, em que se lê: “no âmbito de sua competência”. A
mesma coisa é de se dizer a respeito do poder de iniciativa de propostas ao Congresso
Nacional (art. 103-B, § 4º, inc. VII).
Como consectário do princípio da unidade do Judiciário como Poder nacional, o
Conselho recebeu ainda competência de reexame dos atos administrativos dos órgãos
judiciais inferiores, ou seja, o poder de controle interno da constitucionalidade e da
legitimidade desses atos. Ora, tal competência em nada conflita com as competências de
controle exterior e posterior, atribuídas ao Legislativo e aos tribunais de contas. E o
argumento vale para todos os atos de autogoverno, cujo poder não é subtraído, mas cujo
exercício é submetido a processo de aperfeiçoamento mediante revisão eventual de
órgão superior.
E, por fechar, neste tópico, o conjunto de respostas aos argumentos pontuais da
demandante, nada mais insuspeito e apropriado do que transcrever opinião do então juiz
Luis Flávio Gomes, em monografia de cerrada crítica a propostas de composição seme-
lhante à do Conselho:
R.T.J. — 197 869

“O que está faltando na estrutura do Poder Judiciário brasileiro é a criação de


um Conselho Nacional de Magistratura, que deve encarregar-se, precipuamente,
de duas tarefas: do controle disciplinar de todos os juízes do país (esse controle
seria originário em relação aos juízes de tribunais e em grau de recurso em relação
aos juízes de primeiro grau), bem como da qualidade do juiz e do serviço prestado
por todos os órgãos jurisdicionais. Seria ainda da sua competência a supervisão
dos atos administrativos praticados pelos Tribunais bem como os de gestão orça-
mentária. Por ser um órgão idealizado para unificar a política judicial em todo país,
é evidente que ainda lhe caberia encarregar-se da atividade correicional (fiscaliza-
ção), sem prejuízo da exercida pelos Órgãos censórios já existentes nos vários
setores da Justiça;
(...)
O Judiciário necessita de um órgão nacional de controle, que receba as recla-
mações contra as atividades administrativas dos juízes e tribunais, assim como
contra a qualidade do serviço judicial prestado, excluindo-se a estrita atividade
jurisdicional que já está sujeita ao controle recursal. Os Tribunais devem controlar
os juízes e o Conselho Nacional deve controlar diretamente os Tribunais e indire-
tamente todos os juízes, mas sempre no que diz respeito ao âmbito administrativo
e disciplinar.
(...)
O que desejamos é um eficiente, criterioso e sobretudo transparente controle
interno, de responsabilidade das corregedorias e tribunais assim como do Conselho
Nacional. Se uma questão disciplinar de um juiz não encontra um justo equaciona-
mento nos tribunais, que continuarão normalmente com sua atividade censória,
será possível corrigir eventualmente falha perante o Conselho Nacional da Magis-
tratura”.63
É antiga, aliás, em nosso sistema político-constitucional, a existência de órgãos
federais a que se comete o papel de representar, arbitrar ou proteger os mais insignes
interesses das unidades federadas, como é o caso do Senado (art. 46) e, até, desta Suprema
Corte, com competência para o julgamento de conflitos que envolvam a “União e os
Estados, a União e o Distrito Federal, ou entre uns e outros” (art. 102, inc. I, f).
A esse paradigma pode também reconduzir-se a instituição do Conselho, que, sob
a rubrica das atribuições inerentes ao poder de controle da atuação administrativa e
financeira do Judiciário (art. 103-B, § 4º), assume o dever jurídico de diagnosticar pro-
blemas, planejar políticas e formular projetos, com vistas ao aprimoramento da organi-
zação judiciária e da prestação jurisdicional em todos os níveis, como exigência da
própria feição difusa da estrutura do Poder nas teias do pacto federativo. Como já acen-
tuamos, somente um órgão de dimensão nacional e de competências centralizadas pode,
sob tais aspectos, responder aos desafios da modernidade e às deficiências oriundas de
visões e práticas fragmentárias na administração do Poder.
O Conselho não anula, antes reafirma o princípio federativo.
63 A questão do controle externo do poder judiciário. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993. pp. 36,
37 e 38, n. 5.
870 R.T.J. — 197

10. A autora invoca ainda, em socorro de sua pretensão, algumas decisões da Corte
em ações diretas de inconstitucionalidade dirigidas à criação de conselhos estaduais de
“controle externo” dos órgãos judiciários. De fato, chamado a avaliar a legitimidade
constitucional de órgãos desse tipo, rejeitou-a sempre o Supremo Tribunal Federal, cuja
invariável jurisprudência ao propósito consolidou-se na Súmula 649 (“é inconstitucional
a criação, por Constituição Estadual, de órgão de controle administrativo do Poder
Judiciário do qual participem representantes de outros Poderes ou entidades”).
Análise cuidadosa e, sobretudo, desinteressada mostra, todavia, que os precedentes
não se ajustam nem se aplicam ao caso. Em todos eles, era substancialmente diversa a
situação posta ao julgamento da Corte. Em primeiro lugar, os conselhos criados por leis
dos Estados da Paraíba, de Mato Grosso, de Sergipe, do Ceará e do Pará, objetos daqueles
precedentes, figuravam autênticos órgãos externos ao Poder Judiciário, concebidos e
disciplinados em posições marginais à sua estrutura orgânico-burocrática. Aliás, no caso
decidido na ADI n. 197, o art. 115 da Constituição do Estado de Sergipe preceituava,
literalmente, que o conselho era “órgão de controle externo”, e era-o em substância.
Nenhuma das composições desses colegiados contava tampouco com presença majori-
tária de membros pertencentes às magistraturas estaduais. A representação dos juízes era
ali, em todos os conselhos, apenas equiparada, quando não inferior ao número de mem-
bros advindos doutros setores sociais (cf. ADI n. 197, Relator Min. Octavio Gallotti, DJ
de 25-5-90; ADI n. 251, Relator Min. Aldir Passarinho, DJ de 2-4-93; ADI n. 135,
Relator Min. Octavio Gallotti, DJ de 15-8-97; ADI n. 98, Relator Min. Sepúlveda
Pertence, DJ de 31-10-97, ADI n. 137, Relator Min. Moreira Alves, DJ de 3-10-97).
Ora, não é esse o caso do Conselho Nacional de Justiça, que se define como órgão
interno do Judiciário e, em sua formação, apresenta maioria qualificada (três quintos) de
membros da magistratura (arts. 92, 1-A e 103-B). Desses caracteres vem-lhe a natureza de
órgão de controle interno, conduzido pelo próprio Judiciário, conquanto democratizado
na composição por meio da participação minoritária de representantes das áreas profis-
sionais afins.
Os conselhos criados pelos Estados da Paraíba, de Mato Grosso e do Pará,
compunham-nos, ainda, membros originais do Legislativo estadual (deputados), cuja
presença não deixava nenhuma dúvida quanto à forma de interferência direta doutro
Poder. No Conselho Nacional de Justiça, dois dos quinze membros são apenas indicados
pelo Poder Legislativo, mas escolhidos fora de seus quadros de agentes e políticos,
dentre os cidadãos, sem nenhum vestígio de representação nem de interferência orgânica.
É, pois, notável a distância que medeia entre uma coisa e outra.
Ao depois, e está aqui verdade jurídica que se deve antecipar e proclamar com toda
a clareza, os Estados-Membros carecem de competência constitucional para instituir
conselhos, internos ou externos, destinados a controle de atividade administrativa,
financeira ou disciplinar das respectivas Justiças, porque a autonomia necessária para o
fazer seria incompatível com o regime jurídico-constitucional do Poder Judiciário, cuja
unidade reflete a da soberania nacional.
O Poder Judiciário é nacional e, nessa condição, rege-se por princípios unitários
enunciados pela Constituição, a qual lhe predefine ainda toda a estrutura orgânica, sem
prejuízo das competências que delega a cada um dos grandes ramos nela previstos. Seu
funcionamento obedece, em todos os níveis, a leis processuais uniformes, editadas ex-
R.T.J. — 197 871

clusivamente pela União (art. 22, inc. I), e seus membros, os magistrados, assujeitam-se
a um único regime jurídico-funcional (art. 93, caput).
De modo que eventual poder de criação de conselho estadual, ordenado ao controle
administrativo-financeiro e disciplinar da divisão orgânica do Poder, atribuída com
fisionomia uniforme às unidades federadas, violentaria a Constituição da República,
porque lhe desfiguraria o regime unitário, ao supor competência de controles díspares da
instituição, mediante órgãos estaduais, cuja diversidade e proliferação, isso sim, meteriam
em risco o pacto federativo.
Ora, tal vício de inconstitucionalidade, que já mareava a criação daqueles
esdrúxulos órgãos estaduais, não guarda nenhuma pertinência com a hipótese. O Con-
selho Nacional de Justiça é órgão judiciário de âmbito nacional, com atribuições para
atuar de maneira unitária e estratégica sobre todas as estruturas orgânicas do Poder.
E colhe-se outro dado fundamental, que remarca e exaspera a profunda diferença
entre aqueles precedentes e este caso. O juízo de constitucionalidade das normas
instituidoras dos conselhos fez-se, é óbvio, à luz da arquitetura que assumia o princípio
da separação dos Poderes, à época, na Constituição da República, cujas regras, escusaria
dizê-lo, não podiam ceder a leis subalternas. No mais profundo daqueles julgamentos,
realizado na ADI n. 98, relatada pelo Min. Sepúlveda Pertence, foi reconhecido o fato,
aqui já sobrelevado, de que:
“o princípio da separação e independência dos Poderes, malgrado constitua
um dos signos distintivos fundamentais do Estado de Direito, não possui fórmula
universal apriorística: a tripartição das funções estatais entre três órgãos ou con-
juntos diferenciados de órgãos, de um lado, e, tão importante quanto essa divisão
funcional básica, o equilíbrio entre os Poderes mediante o jogo recíproco dos
freios e contrapesos, presentes ambos em todas elas, apresentam-se em cada formu-
lação positiva do princípio com distintos caracteres e proporções”.
Sob tal luz, reputou-se que a criação do conselho estadual feria o postulado da
tripartição dos Poderes, tal como desenhado pelo conjunto das normas constitucionais
então vigentes.
Ora, a Emenda Constitucional n. 45, de 2004, como produto do exercício de com-
petência de que não dispunham nem dispõem os legisladores estaduais, operou, em
resposta a uma singular necessidade sociopolítica de aperfeiçoamento do Judiciário,
mais uma adaptação histórica na formulação positiva do princípio da separação, sem
vulnerar-lhe a cláusula constitucional que proíbe a espoliação do cerne das atribuições
de um Poder em benefício de outro.
De modo que, por muitas e boas razões, não faz senso chamar este caso singular a
contas com jurisprudência fundada noutros pressupostos constitucionais.
12. Ao cabo desta já longa argumentação sobre o objeto central da demanda, não
tenho a mais tênue dúvida acerca da constitucionalidade das normas impugnadas. Devo
confessar, porém, que, durante as esforçadas meditações em que, sobre o tema, pus à
prova a minha consciência, foi outra a razão decisiva que, em remate, me seduziu e
convenceu. E essa poderosa razão diz com a regra do art. 102, inc. l, letra r, que,
introduzida na Constituição da República pela Emenda Constitucional n. 45, comete ao
Supremo Tribunal Federal competência para, julgando ações, rever os atos praticados
872 R.T.J. — 197

pelo Conselho Nacional de Justiça. Entre parênteses, noto que, ao tempo dos conselhos
estaduais fulminados, não havia, aliás, no sistema, nem se justificava então que houvesse,
nenhuma regra análoga, o que só reforça e agrava a radical impertinência dos precedentes
invocados.
Toda a estrutura lógico-jurídica do raciocínio do meu voto reduz-se à tentativa de,
submetendo as normas da Emenda a estreito confronto com os princípios e regras que
disciplinam e formam nosso sistema constitucional de separação de poderes, entendido
nas perspectivas históricas e políticas de garantia da liberdade dos cidadãos contra os
riscos institucionais do arbítrio e da prepotência, estimar se de algum modo não compro-
metiam, em última instância, a independência e a imparcialidade dos juízes, sem as
quais ninguém pode realizar seu projeto histórico de convivência ética, nem se concebe
Estado Democrático de Direito. Afinal, na sabatina obrigatória perante o Senado da
República, já havia eu professado, não apenas a título de opinião de cidadão, senão
também como firme convicção jurídica, que me opunha a toda proposta que pusesse em
risco, direto ou indireto, próximo ou remoto, a garantia constitucional da independência
e da imparcialidade dos juízes, parecendo-me discutíveis todas as demais.
Dissiparam-se-me as hesitações quando, não podendo deixar de reconhecer, na
ratio iuris da criação do Conselho, a necessidade sociopolítica de um órgão nacional de
controle das atividades judiciárias, visto como um de muitos instrumentos hábeis de
reforma, já não experimentei nenhum receio racional de que sua estruturação, nos termos
da Emenda, pudesse descambar, sem reparo nem remédio, para excessos esporádicos,
mas passíveis de alimentar um clima de insuportável intimidação.
E já não experimentei porque, para além de todos os mecanismos intrínsecos de
resguardo da autonomia do Poder Judiciário, pressupostos alguns na Emenda e previstos
outros na precedente ordem constitucional, a cujo respeito terá sido longo o discurso do
meu voto, dei com a competência, atribuída a esta Corte, de revisão da constitucionali-
dade e da legitimidade dos atos do Conselho Nacional de Justiça. Está aí, nessa nobre
responsabilidade que o constituinte derivado depositou nos ombros desta Casa, a garan-
tia última e específica que a obriga, como órgão supremo do Poder Judiciário e guardião
da Constituição da República, a velar pela independência e imparcialidade dos juízes,
aos quais já não sobra pretexto para se arrecearem de coisa alguma. Ninguém pode, aliás,
alimentar nenhuma dúvida a respeito da posição constitucional de superioridade ab-
soluta desta Corte, como órgão supremo do Judiciário e, como tal, armado de preemi-
nência hierárquica sobre o Conselho, cujos atos e decisões, todos de natureza só admi-
nistrativa, estão sujeitos a seu incontrastável controle jurisdicional. É o que logo notou
a doutrina:
“Não bastasse a natureza do STF que, na estrutura do estado brasileiro, se põe
acima de qualquer outro órgão administrativo ou judiciário, incumbido da guarda
da Constituição (art. 102, caput), a Emenda entregou a ele o controle jurisdicional
das decisões do Conselho Nacional de Justiça, conferindo-lhe competência para as
ações contra o órgão, mediante a adoção da alínea r do inciso I do art. 102 da
Constituição. Controlador do CNJ, não pode o Supremo ser, de nenhum modo,
controlado por ele”.64

64 BERMUDES, Sérgio. A reforma do Judiciário pela emenda constitucional n. 45. Ob. cit., p. 137.
R.T.J. — 197 873

E essa tranqüilidade final do meu convencimento mostrou ainda quão inútil era o
alvitre de recorrer ao expediente técnico-jurídico de redução teleológica do alcance da
Emenda, para, contornando dificuldades observadas alhures,65 sugerir interpretação que
privasse os membros laicos do Conselho Nacional de Justiça de votar em matéria ético-
disciplinar dos magistrados. O Supremo Tribunal Federal é o fiador da independência e
da imparcialidade dos juízes, em defesa da ordem jurídica e da liberdade dos cidadãos.
13. O último tópico da inicial impugna o disposto no art. 103-B, § 4º, inc. III, que,
também introduzido pela Emenda Constitucional n. 45/2004, se ressentiria de inconsti-
tucionalidade formal, uma vez que a expressão “perda do cargo”, contida no texto
vindo da Câmara dos Deputados, foi suprimida ao texto aprovado no Senado Federal. O
argumento é de que a norma decotada deveria ser submetida à reapreciação da Câmara,
em atenção ao art. 60, § 2º, da Constituição da República.
A Advocacia-Geral da União e a Procuradoria-Geral da República invocaram, com
muita propriedade, precedentes da Corte que demonstram não padecer de inconstituciona-
lidade o dispositivo. Este Tribunal, deveras, já assentou:
“Proposta de emenda que, votada e aprovada na Câmara dos Deputados,
sofreu alteração no Senado Federal, tendo sido promulgada sem que tivesse
retornado à Casa iniciadora para nova votação quanto à parte objeto de modificação.
Inexistência de ofensa ao art. 60, § 2º, da Constituição Federal no tocante à supres-
são, no Senado Federal, da expressão “observado o disposto no § 6º do art. 195 da
Constituição Federal”, que constava do texto aprovado pela Câmara dos Deputados
em 2 (dois) turnos de votação, tendo em vista que essa alteração não importou em
mudança substancial do sentido do texto (Precedente: ADC n. 3, Relator Min.
Nelson Jobim)” (ADI n. 2.666, Relatora Min. Ellen Gracie, DJ de 6-12-2002).
“Quanto à alteração ocorrida na Câmara dos Deputados, relativa à su-
pressão das palavras ‘ou restabelecê-la’, em seguida ao verbo ‘reduzir’, no § 1º
do novo art. 75, sem que a proposta tivesse retornado ao Senado para nova
apreciação, tenho que esse aspecto não importou ofensa ao art. 60, § 2º, da
Carta Magna. Como amplamente debatido no julgamento liminar, a possibilidade
de restabelecimento da alíquota original tinha caráter autônomo em relação à
possibilidade da sua redução, não tendo a supressão daquela importado em modi-
ficação substancial do sentido da norma aprovada e promulgada. O que importa,
no caso, é que o texto promulgado foi devidamente aprovado por ambas as
Casas, nos termos exigidos pelo § 2º do art. 60 da Constituição” (ADI n. 2.031,
Relatora Min. Ellen Gracie, DJ de 17-10-03. Grifos nossos).
Dos mesmos autos consta decisão do então Relator, Min. Octavio Gallotti, à apre-
ciação do pedido liminar, nestes termos:
“Aprovada a proposta pelo Senado Federal, foi ela, na Câmara, objeto, entre
outros, de dois destaques de votação em separado (DVS’s), de cuja aprovação

65 Na Itália, onde a competência disciplinar do Consiglio Superiore della Magistratura é reservada a


uma das suas Seções, foi preciso conferir a esse órgão, investido do poder censório, natureza
jurisdicional, para viabilizar aos magistrados recurso às sessões reunidas da Cassação, contra as decisões
tomadas em tal matéria (cf. TORRENTE, Andrea. Verbete Consiglio Superiore della magistratura. In:
Enciclopedia del diritto. Milano: Giuffrè, 1961, v. IX, p. 337, n. 9).
874 R.T.J. — 197

redundaram as alterações mencionadas no relatório que precede este voto, a saber:


a supressão do verbo ‘restabelecer’ no § 2º, e a eliminação da oração final do § 3º
do novo art. 75 do ADCT (...).
Foram, porém, destaques meramente supressivos, que não comprometem
a aprovação do remanescente, solenemente promulgado em sessão conjunta das
duas casas do Congresso. Essa a tradição do processo legislativo, que remonta à
própria gênese do regime político em vigor, como se depreende do texto do art.
29 do Regimento Interno da Assembléia Nacional Constituinte de 1987/8, que
vedou a apresentação de emendas em segundo turno de votação, ‘salvo as
supressivas’, claramente a indicar que não invalida, a aprovação destas, a
subsistência do texto aprovado em primeiro turno” (ADI n. 2.031, Relator Min.
Octavio Gallotti, DJ de 28-6-02. Grifos nossos).
No caso, a norma tachada de inconstitucional estabelece uma série de competências
do Conselho Nacional de Justiça, cada uma das quais dotada de independência
semasiológica e normativa. Amputada, no Senado, a expressão “perda do cargo”, o
texto residual, aprovado em ambas as Casas do Congresso, manteve intacto o sentido
nomológico, dada sua perceptível autonomia semântica. É o que basta por repelir a
argüição de ofensa ao art. 60, § 2º, da Constituição Federal.
De todo modo, como reconhece a própria autora, a inclusão do poder de ordenar
perda do cargo de magistrado vitalício, dentre as atribuições do Conselho Nacional de
Justiça, essa é que poderia encher-se de vistosa inconstitucionalidade, perante o art. 95,
inc. I, da Constituição da República, que restringe, taxativamente, as hipóteses em que
pode dar-se a perda.
Nada valeria tornar a submeter a locução suprimida ao escrutínio da Câmara dos
Deputados, se eventual norma resultante da aprovação estaria fadada a ser tida por
inconstitucional, como bem alvitrou o parecer da PGR:
“(...) a supressão da expressão ‘perda do cargo’ não comprometeu a aprova-
ção do remanescente, vale dizer, do conteúdo temático do texto normativo, posto
que (sic), reconheceu-o a própria inicial, a expressão até então existente era ‘fla-
grantemente inconstitucional’, por indispor-se até mesmo ante a literalidade do
artigo 95, I parte final, da Constituição Federal, daí porque a supressão preserva o
conjunto remanescente, para trilharmos o correto pensamento do Min. Octávio
Gallotti” (fls. 194).
14. A autora formulou, ainda, aditamento à petição inicial, para acrescer funda-
mento à pretensão. Encontra-se pendente de apreciação, na Câmara dos Deputados,
proposta de acréscimo de mais um parágrafo ao art. 103-B da Constituição, com o se-
guinte teor:
“§ 8º É vedado ao membro do Conselho, referido nos incisos XII e XIII,
durante o exercício do mandato:
a) exercer outro cargo ou função, salvo uma de magistério;
b) dedicar-se a atividade político-partidária;
c) exercer, em todo o território nacional, a advocacia”
R.T.J. — 197 875

Segundo a AMB, a falta de norma semelhante no corpo da Emenda Constitucional


n. 45/2004 significaria que as vedações propostas não se aplicariam aos advogados e
cidadãos integrantes do Conselho Nacional de Justiça, daí resultando tratamento desi-
gual entre seus membros, o que seria inconciliável com a Constituição da República (fls.
130-132).
O raciocínio da autora, mais uma vez, não conduz a declaração de inconstituciona-
lidade do Conselho Nacional de Justiça. A pendência da proposta voltada a incorporar
aqueles impedimentos à ordem constitucional não implica que lhes não estejam sujeitos
os advogados e cidadãos integrantes do Conselho. Basta juízo analógico baseado nos
arts. 95, parágrafo único, e 128, § 5º, inc. II, da Constituição Federal, para tirar-se a limpo
que ninguém pode desempenhar atividades incompatíveis com a função de membro do
Conselho, tais como as previstas naquele projeto e independentemente de sua conver-
são em regra constitucional específica. Da ausência desta não se infere inconstituciona-
lidade daquele, por insulto ao princípio isonômico.
15. Diante de todo o exposto, não conheço do pedido declaratório de inconstitucio-
nalidade do art. 125, § 8º, haja vista a inexistência de tal dispositivo no texto da Emenda
Constitucional n. 45/2004 afinal promulgado, e, em relação aos demais, julgo improce-
dente a ação.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Presidente, a forma — que realmente não deve ser
exacerbada — revela meio para alcançar-se a realização do direito substancial. Mais do
que isso, penso que a forma, colocada no cenário jurídico mediante preceitos imperativos,
é, acima de tudo, liberdade, em seu sentido maior; é a revelação do que pode, ou não,
ocorrer, em se tratando de jurisdição.
No caso dos autos, do meu ponto de vista, houve a propositura de uma ação direta
de inconstitucionalidade — perdoem-me a expressão — temporã. Temporã porque o ato
normativo impugnado, a emenda constitucional, não existia quando dessa mesma
propositura. Não estava aperfeiçoado o processo legislativo, que desaguaria, após a
propositura da ação direta de inconstitucionalidade, em um ato normativo abstrato autô-
nomo; em um ato normativo passível de ataque, uma vez promulgada a emenda.
O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Ministro, Vossa Excelência me permite?
Lembro que a própria emenda já dava efeito da promulgação. O artigo 5º determinava
um prazo para a instalação do Conselho a contar da data da promulgação, não da publi-
cação.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Sim. Pelo que percebi — pode ser que eu esteja
partindo de uma premissa equivocada, e peço esclarecimento do Relator —, teria havido
o ajuizamento antes da promulgação.
O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Não. Foi antes da publicação. Houve a
promulgação, mas, antes da publicação da ementa, ocorreu o ajuizamento.
O Sr. Ministro Cezar Peluso (Relator): Há uma petição de aditamento.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Não há uma petição de aditamento posteriormente.
876 R.T.J. — 197

O Sr. Ministro Cezar Peluso (Relator): Não invoquei isso por motivo de reforço;
substancialmente não há o que acrescentar.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Presidente, tendo em conta o afastamento da premissa
de que teria havido a propositura da ação direta de inconstitucionalidade antes da pro-
mulgação, contento-me com a peça trazida, no caso, pela Associação dos Magistrados
Brasileiros, aditando a inicial, uma vez publicada a própria emenda.
Não divirjo do Relator.
O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Sr. Presidente, nós já temos — creio que a partir do
Mandado de Segurança n. 20.257 — aceito a discussão sobre a questão do controle de
cláusulas pétreas em relação até a propostas de emendas.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Aí teremos de ver qual é o pedido: se ataca a
tramitação da emenda, eu a admitiria. Até na ação direta de inconstitucionalidade, aco-
lheria o pedido para tornar prevalecente o texto do artigo 60 da Lei Fundamental, a
revelar que não pode haver a tramitação de proposta de emenda para abolir uma das
garantias, uma das cláusulas pétreas constantes do § 4º do mesmo artigo.
O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Na verdade, o mandado de segurança é
para proteger o parlamentar de não ser obrigado a votar.
O Sr. Ministro Gilmar Mendes: De qualquer sorte, é um controle de constituciona-
lidade.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: É a única hipótese brasileira de controle pre-
ventivo de constitucionalidade.
O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Exatamente. Nós, inclusive, em julgamento recente,
relatoria do Ministro Carlos Velloso, não julgamos prejudicado o mandado de segurança,
mas prosseguimos no julgamento após a aprovação da emenda constitucional. Já há essa
exceção no regime. No caso específico, portanto, já havia a promulgação — Vossa
Excelência lembrou bem — com força normativa. Dentro do quadro de costume consti-
tucional afirma-se até mesmo que é da promulgação que se afere a vigência da emenda,
só que aqui não houve a coincidência entre a promulgação e a publicação.
Também acompanho o voto do Relator nesse passo.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Senhor Presidente, apenas para deixar bem claro:
admito o processo objetivo, o controle concentrado de constitucionalidade contra simples
tramitação de proposta de emenda constitucional, mas é preciso que o pedido se
direcione a fulminar o que está em tramitação numa das Casas do Legislativo.

VOTO (Sobre preliminar)


O Sr. Ministro Carlos Britto: Sr. Presidente, também quero dar o meu testemunho
intelectual de que o papel da promulgação é atestar a existência de um ato jurídico. Ou
seja, a promulgação significa o seguinte: o ordenamento jurídico foi inovado; há uma
novidade substancial no ordenamento jurídico. Um novo espécime normativo já existe.
Portanto, no particular, endosso o ponto de vista do eminente Relator.
R.T.J. — 197 877

VOTO
O Sr. Ministro Eros Grau: A separação dos Poderes, como observei em texto de
doutrina1, constitui um dos mitos mais eficazes do Estado liberal, coroado na afirmação,
inscrita no art. 16 da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, de que
“qualquer sociedade em que não esteja assegurada a garantia dos direitos, nem
estabelecida a separação dos poderes, não tem Constituição”.
Trata-se de uma idéia dominante; ainda hoje a doutrina da separação dos Poderes
mostra-se como idéia dominante, enunciada como “lei eterna”2.
Essa doutrina chega até nós a partir da exposição de Montesquieu, e não pela via
da postulação norte-americana dos freios e contrapesos. De resto, mesmo a prioridade de
Montesquieu na sua formulação merece questionamentos, seja desde a ponderação de
antecedentes remotos, em Aristóteles, seja na sua enunciação por Bolinbroke e na con-
tribuição de Locke.
2. John Locke, no Segundo Tratado sobre o governo, propõe uma efetiva separa-
ção entre Poderes Executivo, Legislativo e Federativo. O primeiro compreende a execu-
ção das leis naturais da sociedade, dentro dos seus limites, com relação a todos que a ela
pertencem. O Poder Federativo, a gestão de segurança e do interesse do público fora
dela, juntamente com todos quantos poderão receber benefício ou sofrer dano por ela
causado. O Poder Legislativo é o que tem o direito de estabelecer como se deverá utilizar
a força da comunidade no sentido da preservação dela própria e de seus membros.
Segundo Locke, é conveniente que os Poderes Legislativo e Executivo fiquem
separados. Mas dificilmente podem separar-se e colocar-se ao mesmo tempo em mãos de
pessoas distintas os Poderes Executivo e Federativo: ambos exigindo a força da sociedade
para seu exercício, é quase impraticável colocar-se a força do Estado em mãos distintas e
não subordinadas; além disso — transcrevo palavras de Locke —, na colocação destes
poderes em mãos de pessoas que possam agir separadamente, a força do público ficaria
sob comandos diferentes, o que poderia provocar, em qualquer ocasião, desordem e
ruína.
Para logo se vê, destarte, que, no pensamento de Locke, surge perfeitamente
delineado o princípio da separação dos Poderes. De toda sorte, observa-se que, embora
visualize três tipos de poder, a separação que surge como conveniente e viável é a que
se operaria entre o Legislativo, de um lado, e o Executivo e o Federativo, de outro. O que
Locke propõe é uma separação dual — e não tríplice — entre os três Poderes que
descreve.
3. Montesquieu jamais propôs a separação dos Poderes. Sua exposição encontra-se
no capítulo VI do Livro IX de O espírito das leis. As idéias que coloca inicialmente,
neste capítulo, a sumariam: “Há, em cada Estado, três espécies de poderes: o Poder
Legislativo, o Poder Executivo das coisas que dependem do direito das gentes, e o
Executivo das que dependem do direito civil. Pelo primeiro, o príncipe ou magistrado

1 O direito posto e o direito pressuposto, 5. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2003. pp. 225 e ss.
2 Cf. MARX e ENGLES, A ideologia alemã, 5. ed. trad. de José Carlos Bruni e Marco Aurélio
Nogueira, São Paulo: Hucitec, 1986. p. 72.
878 R.T.J. — 197

faz leis por certo tempo ou para sempre e corrige ou ab-roga as que estão feitas. Pelo
segundo, estabelece a segurança, previne as invasões. Pelo terceiro, pune os crimes ou
julga as querelas dos indivíduos. Chamaremos este último o poder de julgar e, o outro,
simplesmente, o Poder Executivo do Estado. A liberdade política num cidadão é esta
tranqüilidade de espírito que provém da opinião que cada um possui de sua segurança:
e, para que se tenha esta liberdade, cumpre que o governo seja de tal modo, que um
cidadão não possa temer outro cidadão. Quando na mesma pessoa ou no mesmo corpo de
magistratura o Poder Legislativo está reunido ao Poder Executivo, não existe liberdade,
pois pode-se temer que o mesmo monarca ou o mesmo Senado apenas estabeleçam leis
tirânicas para executá-las tiranicamente.
Não haverá também liberdade se o poder de julgar não estiver separado do Poder
Legislativo e do Executivo. Se estivesse ligado ao Poder Legislativo, o poder sobre a
vida e a liberdade dos cidadãos seria arbitrário, pois o juiz seria legislador. Se estivesse
ligado ao Poder Executivo, o juiz poderia ter a força de um opressor. Tudo estaria
perdido se o mesmo homem ou o mesmo corpo dos principais, ou dos nobres, ou do
povo, exercesse esses três poderes: o de fazer leis, o de executar as resoluções públicas e
o de julgar os crimes ou as divergências dos indivíduos”.
É certo, ademais, que Montesquieu não sustenta a impenetrabilidade, um pelos
outros, dos Poderes que refere. Assim, por um lado afirma que: “apesar de que, em geral,
o poder de julgar não deva estar ligado a nenhuma parte do Legislativo, isso está sujeito
a três exceções, baseadas no interesse particular de quem deve ser julgado”. Por outro
lado, distinguindo entre faculdade de estatuir — o direito de ordenar por si mesmo, ou
de corrigir o que foi ordenado por outrem — e faculdade de impedir — o direito de
anular uma resolução tomada por qualquer outro (isto é, poder de veto) —, entende deva
esta última estar atribuída ao Poder Executivo, em relação às funções do Legislativo;
com isso, o Poder Executivo faz parte do Legislativo, em virtude do direito de veto: “Se
o Poder Executivo não tem o direito de vetar os empreendimentos do campo Legislativo,
este último seria despótico porque, como pode atribuir a si próprio todo o poder que
possa imaginar, destruiria todos os demais poderes”. “O Poder Executivo, como disse-
mos, deve participar da legislação através do direito de veto, sem o quê seria despojado
de suas prerrogativas”.
O que importa verificar, inicialmente, na construção de Montesquieu, é o fato de
que não cogita de uma efetiva separação de Poderes, mas sim de uma distinção entre
eles, que, não obstante, devem atuar em clima de equilíbrio. Isso fica bastante nítido na
análise de outro trecho de sua obra: “Eis, assim, a constituição fundamental do governo
de que falamos. O corpo legislativo sendo composto de duas partes, uma paralisará a
outra por sua mútua faculdade de impedir. Todas as duas serão paralisadas pelo Poder
Executivo, que o será, por sua vez, pelo Poder Legislativo. Estes três poderes deveriam
formar uma pausa ou uma inação. Mas como, pelo movimento necessário das coisas, eles
são obrigados a caminhar, serão forçados a caminhar de acordo”.
De outra parte, importa enfatizar que, já da sua exposição, resulta a distinção entre
Poderes Executivo e Legislativo, de um lado, e funções executiva e legislativa, de outro.
Segundo Montesquieu, o Poder Executivo deve estar dotado de funções executivas e —
pela titularidade da faculdade de impedir (poder de veto) — também de parcela das
R.T.J. — 197 879

funções legislativas. Da mesma forma, entende deva o Poder Legislativo, em casos ex-
cepcionais, estar dotado de funções jurisdicionais.
4. O alinhamento procedido, das colocações de Locke e de Montesquieu, permite-
nos verificar que o primeiro propõe uma separação dual entre três Poderes — o Legisla-
tivo, de um lado, e o Executivo e o Federativo, de outro — e o segundo sugere não a
divisão ou separação, mas o equilíbrio entre três Poderes distintos — o Legislativo, o
Executivo e o Judiciário.
Mais ainda: de modo bastante nítido na exposição de Montesquieu — o que está
implícito na postulação de Locke —, visualizamos a necessidade de distinguir entre
poderes e funções. Para que o equilíbrio a perseguir seja logrado, impõe-se, v.g., que o
Poder Executivo exercite parcelas de função não executiva — mas legislativa.
A Constituição do Brasil afirma que o Legislativo, o Executivo e o Judiciário são
Poderes independentes e harmônicos entre si — artigo 2º —, ainda que o § 4º do seu
artigo 60 mencione “separação dos Poderes”. O vocábulo “separação” nesse parágrafo
indica, no entanto, sem qualquer dúvida, independência e harmonia entre eles e não
cisão entre os Poderes.
A construção teórica de Montesquieu merece, contudo, não apenas ser descrita,
porém ser também analisada desde a perspectiva crítica.
5. Detenho-me, inicialmente, sobre dois textos de Charles Eisenmann3, nos quais
encontra Althusser4 os fundamentos da assertiva de que a “separação dos poderes” não
passa de um mito.
Montesquieu, como vimos, além de jamais ter cogitado de uma efetiva separação
dos Poderes, na verdade enuncia a moderação entre eles como divisão dos poderes entre
as potências e a limitação ou moderação das pretensões de uma potência pelo poder das
outras. Daí por que, como observa Althusser5, a “separação dos poderes” não passa da
divisão ponderada do poder entre potências determinadas: o rei, a nobreza e o “povo”.
Eu gostaria de avançar nesta análise crítica da exposição de Montesquieu, mas não
vou maçar a Corte com essas considerações.
O mínimo, no entanto, há de ser dito. O ponto de partida de Montesquieu no Livro
IX de O espírito das leis é a liberdade: “Encontra-se a liberdade política unicamente nos
Estados moderados. Porém ela nem sempre existe nos Estados moderados: só existe
nesses últimos quando não se abusa do poder; mas a experiência eterna mostra que todo
homem que tem poder é tentado a abusar dele; vai até onde encontra limites (...). Para que
não se possa abusar do poder é preciso que, pela disposição das coisas, o poder freie o
poder”. Ora, se a liberdade só pode existir nos Estados moderados nos quais ninguém
abuse do poder, a divisão dos Poderes encerra em si a virtude, precisamente, do equilíbrio.

3 “L’esprit des lois et la séparation des pouvoirs”. Cahiers de philosophie politique (Montesquieu).
Bruxelles, Éditions Oupia, 1985. (pp. 3-34) e “La pensée constitutionnelle de Montesquieu”. Cahiers
de philosophie politique (Montesquieu). Bruxelles, Éditions Oupia, 1985. pp. 35-66.
4 Montesquieu — La politique et l’histoire. 6. ed. Paris, PUF, 1985.
5 Ob. cit., p. 104.
880 R.T.J. — 197

Esse equilíbrio é que Althusser6 visualiza na divisão dos poderes entre as potências — o
que importa que, nos Estados moderados, o poder não seja absoluto, porque, mercê
daquele equilíbrio, controlado7.
Daí a indagação que se introduz: a quem beneficia o equilíbrio que provém da
divisão dos Poderes? Ou, em outros termos, quem controla o poder? A resposta a tais
perguntas dá-nos Althusser na afirmação de que Montesquieu fazia da nobreza a
beneficiária de tal equilíbrio — a nobreza controlava o poder.
A aplicação da teoria, contudo, na praxis política, finda por demonstrar que não
apenas quando Executivo e Legislativo estejam controlados pela mesma classe ou fra-
ção hegemônica a divisão dos Poderes é, no seu funcionamento, inexistente; pois —
observa Poulantzas8 —, mesmo quando são grupos diferentes os que os controlam, a
unidade do poder institucionalizado se mantém no lugar predominante onde se reflete a
classe ou fração hegemônica. Diz o próprio Montesquieu: “Assim, em Veneza, ao Grande
Conselho cabe a legislação; aos pregandi, a execução; aos guaranties, o poder de julgar.
Mas o mal é que esses tribunais diferentes são formados por magistrados do mesmo
corpo, o que quase faz com que componham um mesmo poder” (grifei).
6. O que nos tem faltado é reflexão a respeito do Estado. Para compreendê-lo seria
conveniente recorrermos a Hegel9: o Estado político, diz ele, divide-se nas seguintes
diferenças substanciais: a) o poder de definir e estabelecer o universal — poder
legislativo; b) a subsunção dos domínios particulares e dos casos individuais sob o
universal — poder de governo; c) a subjetividade como decisão suprema da vontade —
poder do príncipe. Neste último, os diferentes poderes são reunidos em uma unidade
individual e, por conseqüência, este poder é a suma e a base do todo. Mas o Estado
político, erigido sobre a Constituição racional — racional na medida em que, continua
Hegel10, o Estado determina e distribui sua atividade entre vários poderes, porém de
modo que cada um deles seja, em si mesmo, a totalidade, ou seja, um todo individual
único — o Estado político, dizia eu, é uma totalidade. Ensina, em passos sucessivos, o
velho Hegel:
“O princípio da divisão dos poderes contém, com efeito, o momento essencial
da diferença, da racionalidade real. Ora, o entendimento abstrato apreende-o de um
modo que implica, por um lado, a determinação errônea da autonomia absoluta
dos poderes uns com relação aos outros, e, por outro lado, um procedimento unila-
teral que consiste em tomar seu relacionamento mútuo como algo negativo, como
uma restrição recíproca. Esse modo de ver encerra uma hostilidade, um temor, de
cada qual em face do outro; cada um aparece como um mal para o outro e o

6 Ob. cit., pp. 103-104


7 Vide Michel Miaille, El Estado del Derecho, trad. de Jean Hennequin, Universidad Autônoma de
Puebla, Puebla: 1985. p. 200.
8 Pouvoir politique et classes sociales, vol. II, Maspero, Paris: 1968. p. 135.
9 Principes de la philosophie du droit ou droit naturel et science de l’Etat en abrégé, seconde édition,
Librairie Philosophique J. Vrin, Paris: 1993. par. 273, p. 283.
10 Idem, par. 272, p. 280.
R.T.J. — 197 881

determina a opor-se a ele, o que certamente leva a um equilíbrio geral de contrapesos,


mas de modo algum a uma unidade viva” 11;
“(...) saibamos que nem sempre aquilo que espontaneamente vem à mente, ou
aquilo que mais impressiona, é o essencial. É assim, é verdade, que devem ser
distinguidos os poderes do Estado, mas cada um deles deve constituir um todo
nele próprio, e conter nele os outros momentos. Quando se fala da diversidade de
eficácia dos poderes, de sua ação e de sua eficiência, é necessário evitar incorrer no
enorme erro de considerar as coisas como se cada poder estivesse supostamente lá
abstratamente, por ele próprio, quando os diferentes poderes supostamente se dife-
renciam apenas enquanto momentos do conceito”12.
Disse-o, de modo diverso, Carlos Maximiliano13, ao afirmar que “[c]omo no corpo
do homem, não há no Estado isolamento de órgãos, e, sim, especialização de funções”.
7. Devo deixar um outro aspecto, neste ponto, bem vincado. Também em texto de
doutrina14 observei ser necessário distinguirmos o discurso que trata do direito no plano
das abstrações daquele que dele cogita como realidade(s) concreta(s). É que não existe,
concretamente, o direito; apenas existem, concretamente, os direitos.
O direito não é uma simples representação da realidade social, externa a ela, mas,
sim, um nível funcional do todo social. Produto cultural é, sempre, fruto de uma determi-
nada cultura. Por isso não pode ser concebido como um fenômeno universal e atemporal.
Lembro Aristóteles15 em A Política: “il n’est pas possible, en effet, que les mêmes lois
soient bonnes pour toutes les démocraties, s’il est vrai qu’il existe plusieurs espèces de
chacun de ces régimes, et non pas uniquement une seule démocratie ou une seule
oligarchie”.
8. Precisamente por isso não há um modelo universal de “separação” ou harmonia
e equilíbrio entre os Poderes, a cada sociedade política correspondendo um modelo
particular e específico seu.
O modelo brasileiro de harmonia e independência entre os Poderes é desenhado
pela Constituição do Brasil, a Emenda Constitucional n. 45 tendo a ele incorporado o
controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e do cumprimento
dos deveres funcionais dos juízes. Esse controle em verdade não é externo. Diz com
acuidade Sergio Bermudes em ensaio há poucos dias publicado16: “A instituição do
Conselho Nacional de Justiça constitui vitória da ampla corrente, a que me filiei, contrária
ao controle externo do Poder Judiciário”. Disse-o também recentemente Gilberto
Bercovici17, professor do Largo de São Francisco: “Como podemos perceber, toda

11 Idem, par. 272, observação, p. 282.


12 Idem, par. 272, adendo, p. 280.
13 Comentários à Constituição brasileira. 3. ed. Porto Alegre: Livraria do Globo, 1929. p. 304.
14 O direito posto e o direito pressuposto, cit., pp. 19 e ss.
15 Trad. J. Tricot, J. Vrin, Paris, 1982 [IV, 1, 1289 a 20-25].
16 A reforma do Judiciário pela Emenda Constitucional n. 45. Rio de Janeiro: Forense, 2005. p. 132.
17 “O controle externo do Judiciário e a soberania popular”, in Reforma do Judiciário [org. André
Ramos Tavares et alii], São Paulo: Método, 2005. p. 190.
882 R.T.J. — 197

polêmica gerada sobre o ‘controle externo’ do Poder Judiciário e do Ministério Público


não faz nenhum sentido. [...] no nosso caso não foi criado nenhum controle externo real”.
A ADI questiona a presença de membros, no Conselho Nacional de Justiça, indica-
dos pelo Senado Federal e pela Câmara dos Deputados, além de dois indicados pelo
Ministério Público e dos dois advogados indicados pelo Conselho Federal da OAB.
Não visualizo, contudo, na presença dos dois primeiros, ingerência de um Poder —
o Legislativo — em outro — o Judiciário. A admitir-se, apenas para efeito de argumenta-
ção, que esses dois membros do colegiado representassem o Senado e a Câmara, dar-se-ia
aqui, no controle a ser exercido pelo Conselho Nacional de Justiça, algo semelhante à
ampla fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial e ao
“controle externo” exercidos pelo Congresso Nacional em relação aos órgãos do Poder
Judiciário. É inquestionável a constitucionalidade dessa fiscalização e desse controle,
que se compõem harmoniosamente no modelo brasileiro de harmonia e independência
entre os Poderes. A sermos coerentes, ao admitirmos fosse inconstitucional a presença de
membros indicados pelo Senado e pela Câmara dos Deputados no Conselho Nacional de
Justiça, haveríamos de incisivamente afirmar a inconstitucionalidade daquela fiscaliza-
ção e daquele controle, o que está fora de qualquer cogitação. É o quanto basta.
Quanto à presença, no colegiado, de dois membros do Ministério Público e dos
dois advogados indicados pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil,
limito-me a observar que o Ministério Público “é instituição permanente, essencial à
função jurisdicional” (CB, artigo 127) e a aludir ao fato de que a Constituição do Brasil
confere atribuições de extrema relevância à OAB, a propósito bastando ressaltar o dis-
posto no inciso VIII do artigo 103 da Constituição que confere legitimidade ao Conselho
Federal da Ordem dos Advogados do Brasil para a propositura da ação direta de
inconstitucionalidade, bem assim a definição do advogado como essencial à promoção
da Justiça, ao qual é assegurada inviolabilidade no que tange aos seus atos e manifesta-
ções no exercício da profissão.
De mais a mais, como anota ainda Sergio Bermudes18, os conselheiros indicados
pelos tribunais, pela OAB e pelo Ministério Público “não representarão os órgãos de
origem. Sem qualquer subordinação a eles, exercerão, autonomamente, as suas funções,
com toda independência”. O mesmo há de ser dito em relação aos dois cidadãos de
notável saber jurídico e reputação ilibada indicados um pela Câmara dos Deputados e o
outro pelo Senado Federal. Eles não representarão, no colegiado, a Câmara e o Senado,
evidentemente. Tal como nenhum de nós, membros desta Corte, a ela aportados por
indicação do Presidente da República, após aprovação de seus nomes pelo Senado
Federal, representa, em nosso colegiado, este ou aquele.
9. Força é, na análise do modelo brasileiro de harmonia e equilíbrio entre os
Poderes — e essa recomendação faço a mim mesmo, sem desejar ensiná-la aos meus
pares; limito-me a chamar a atenção de todos para este ponto —, força é, nesta análise,
seguindo as anotações de Hegel, não incorrermos no enorme erro de considerar as coisas

18 Ob. cit., pp. 132-133.


R.T.J. — 197 883

como se cada Poder estivesse supostamente lá abstratamente, por ele próprio, quando os
diferentes Poderes supostamente se diferenciam apenas enquanto momentos do conceito.
10. De resto — e este ponto é de fundamental importância — ao Conselho Nacional
de Justiça não é atribuída competência nenhuma que permita a sua interferência na
independência funcional do magistrado. Cabe a ele exclusivamente o “controle da atua-
ção administrativa e financeira do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcio-
nais dos juízes”, nada mais do que isso. Sua presença, como órgão do Poder Judiciário, no
modelo brasileiro de harmonia e equilíbrio entre os Poderes, não conformará nem infor-
mará — nem mesmo afetará — o dever-poder de decidir conforme a Constituição e as leis
que vinculam os membros da magistratura. O controle que exercerá está adstrito ao
plano “da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e do cumprimento dos
deveres funcionais dos juízes”. Embora órgão integrante do Poder Judiciário — razão
pela qual desempenha autêntico controle interno —, não exerce função jurisdicional.
11. Há mais, todavia, a ser considerado.
É que esta Corte é um tribunal político. Político, sim, no sentido de que provê a
viabilidade da polis. Cumpre-nos compreender a singularidade de cada situação no
âmbito da polis, isto é, do Estado. Por isso, não estamos aqui para sacrificar a realidade
em benefício de doutrinas. Não interpretamos apenas textos normativos mas também a
realidade, de modo que o significado da Constituição é produzido, pelo intérprete,
contemporaneamente à realidade.
A Constituição é a ordem jurídica fundamental de uma sociedade em um determi-
nado momento histórico e, como ela é um dinamismo, é contemporânea à realidade. Daí
por que tenho afirmado que não existe a Constituição de 1988. O que hoje realmente há,
aqui e agora, é a Constituição do Brasil, tal como hoje, aqui e agora, ela é interpretada/
aplicada por esta Corte.
12. Ademais, o discurso da ordem abrange o lugar da racionalidade [a Constitui-
ção, a lei] e o lugar do imaginário social como controle da disciplina das condutas
humanas e de sua sujeição ao poder19. De modo que não se justifica a alienação do
intérprete à realidade social, constituída também pelas aspirações da sociedade.
Frustrar a existência efetiva do Conselho Nacional de Justiça, a pretexto de in-
compatibilidade da presença, nele, de membros indicados pelo Senado Federal e pela
Câmara dos Deputados, bem assim pelo Ministério Público e pelo Conselho Federal da
OAB, frustrar sua existência efetiva, dizia, a pretexto de incompatibilidade dessa presença
com a doutrina da “separação dos Poderes”, isso não se justifica. O confronto com o
imaginário social e as expectativas que nutre, neste momento, sem que uma razão cons-
titucional definitiva houvesse a justificá-lo — e, se ela houvesse, eu estaria pronto, sem
qualquer temor, a enfrentar as reações que haveria de provocar —, confronto dessa
ordem, sem que uma razão constitucional definitiva houvesse a justificá-lo, repito, com-
prometeria a força normativa da Constituição. A Constituição então produzida por esta
Corte, na interpretação da Emenda n. 45, afrontaria a natureza singular do presente.

19 Cf. MARÍ, Enrique. Papeles de filosofia. Buenos Aires: Biblos, 1993. pp. 219 e ss.
884 R.T.J. — 197

Lembro, neste passo, as conhecidas observações de Konrad Hesse20: “Em síntese,


pode-se afirmar: a Constituição jurídica está condicionada pela realidade histórica. Ela
não pode ser separada da realidade concreta do seu tempo. A pretensão de eficácia da
Constituição somente pode ser realizada se se levar em conta essa realidade. (...) Consta-
tam-se os limites da força normativa da Constituição quando a ordenação constitucional
não mais se baseia na natureza singular do presente (individuelle Beschaffenheit der
Gegenwart)”.
A esta Corte — não havendo razão constitucional definitiva a justificá-lo [e, no
caso, não há mesmo] — não é dado o poder de, interpretando-a de modo a privilegiar a
particularidade dos interesses da magistratura, produzir uma Constituição escrita adversa
às expectativas da sociedade e ao interesse geral. Fazendo-o, isso não apenas comprome-
teria a força normativa da Constituição mas também a efetividade da atuação do Poder
Judiciário, que sairia desse episódio bastante machucado.
13. Quanto à alegada violação do pacto federativo, improcede. Note-se, à vista do
disposto no artigo 92 da Constituição, que os Tribunais e Juízes dos Estados-Membros,
do Distrito Federal e dos Territórios são órgãos do Poder Judiciário (inciso VII), compo-
nentes de um mesmo todo, de essência nacional, junto com o Supremo Tribunal Federal
(inciso I), o Superior Tribunal de Justiça (inciso II), os Tribunais Regionais Federais
(inciso III), os Tribunais e Juízes do Trabalho (inciso IV), os Tribunais e Juízes Eleitorais
(inciso V) e os Tribunais e Juízes Militares (inciso VI). Bem por isso, a Constituição
refere-se a todos esses órgãos como “categorias da estrutura judiciária nacional”.
A Constituição do Brasil confere distintos tratamentos aos três Poderes. Quanto ao
Legislativo e ao Executivo, cogita exclusivamente do que respeita à esfera federal, o
Congresso Nacional (arts. 44 e seguintes) e a Presidência da República (arts. 76 e
seguintes). Já no que concerne ao Poder Judiciário, no entanto, ela abarca todas as
esferas e áreas de jurisdição.
Daí a unidade do Judiciário, que há de ser concebido como Judiciário Nacional21,
excepcionando algumas exigências da Federação.

20 A força normativa da Constituição, tradução de Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sergio
Antonio Fabris Editor, 1991. p. 24.
21 Esse caráter, nacional, do Poder Judiciário, tem sido afirmado pelo Supremo Tribunal Federal. José
Néri da Silveira, em palestra proferida nesta Corte (“Aspectos institucionais e estruturais do Poder
Judiciário brasileiro”, in Salvio de Figueiredo Teixeira [coord.] O Judiciário e a Constituição, São Paulo,
Saraiva, 1994, pp. 3 e 9), tomando o “(...) poder judiciário como a pedra angular do edifício federal”,
afirma que “Na guarda desse princípio, contido no art. 99 da Lei Maior, que respeita à independência
do Poder Judiciário e afirma seu caráter nacional, o Supremo Tribunal Federal tem adotado providências
concretas no que respeita à fixação de vencimentos da magistratura federal (o que se estende também
à esfera dos Estados-Membros) (...) Bem de reconhecer, assim, é, nessa importante competência, que se
proclama não apenas o caráter nacional do Poder Judiciário, mas a atribuição a seu órgão de cúpula
de iniciativa privativa, em nome do Poder a que se destina a normatividade prevista, para que, em lei
complementar, se tracem disciplinas conducentes, inequivocamente, à uniformidade de tratamento da
magistratura nacional e à unidade do Poder Judiciário, em torno de princípios e valores fundamentais,
na busca dos interesses maiores da instituição judiciária” (grifei). Lê-se também, no voto do Ministro
Moreira Alves em decisão do STF [Representação n. 1.155/DF]: “(...) após a Constituição de 1891,
já observava, apesar de nossa federação estar no nascedouro, que o Poder Judiciário, mesmo nela,
R.T.J. — 197 885

14. Tem-se, destarte, que o Poder Judiciário compreende a magistratura federal e a


magistratura estadual, a Constituição do Brasil outorgando a todos os juízes, estaduais
e federais, as mesmas garantias [vitaliciedade, inamovibilidade, irredutibilidade de
vencimentos], os mesmos direitos, as mesmas vedações e as mesmas vantagens. Em
suma, a Constituição consagra igualdade de tratamento a todos os membros do Poder
Judiciário, o que, ademais, se impõe em benefício da sua autonomia e independência.
Não há ofensa, no caso, ao pacto federativo.
15. Por fim, no que tange à inconstitucionalidade formal apontada na ADI, as
informações prestadas pelo Senado Federal espancam a questão.
Sendo assim, acompanho o Ministro Relator, não conhecendo da ação quanto ao §
8º do art. 125, inexistente na EC n. 45/04, julgando improcedente a ADI com relação aos
demais preceitos impugnados.

VOTO
O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: Considero três os principais argumentos apresen-
tados.
O primeiro deles — de que a criação do Conselho Nacional de Justiça violaria a
separação de Poderes — não impressiona.
Como já reiterado diversas vezes por esta Corte — e o Ministro Sepúlveda Pertence
tem insistido nesse ponto —, não existe um conceito apriorístico de separação de Poderes.
É apenas na positivação desse princípio na Constituição que se pode visualizá-lo concre-
tamente.
Noutras palavras, o conceito de separação de Poderes foi ao longo do tempo se
adaptando a circunstâncias e necessidades históricas, de sorte que não é admissível
extrair a visão que dele se tinha há 300 anos e simplesmente aplicá-la às necessidades
atuais.
Todos sabemos que vêm de John Locke e Montesquieu as bases teóricas mais
sólidas sobre esse tema. Mas a pergunta que faço é a seguinte: as idéias poderosas desses
homens iluminados, idéias que forjaram as formas de organização político-social sob as
quais até hoje somos governados, devem ser seguidas em sua pureza original?

apresentava característica diversa dos demais Poderes do Estado: tinha caráter nacional. Esta concep-
ção — O Poder Judiciário emana da soberania nacional — foi inequivocadamente acolhida pela
Emenda Constitucional n. 1/69, onde se declara, no título concernente à Organização Nacional, que
o Poder Judiciário, ao contrário do que ocorre com relação ao Poder Executivo e ao Poder Legisla-
tivo, é constituído não só pelos Tribunais e juízes federais mas também pelos Tribunais e juízes estaduais
(...) [...] Com isso (...) quis a Constituição acentuar que o Poder Judiciário é nacional por emanar da
soberania nacional, mas não excluiu, porque a pressupõe nas normas sobre esse Poder, a separação, no
âmbito funcional, no administrativo, entre o Poder Judiciário da União e os Poderes Judiciários dos
Estados-Membros” (in RTJ 108/486 (1984))21. No mesmo sentido, a observação de Galeno Lacerda
(“O juiz e a Justiça no Brasil”, in O Judiciário e a Constituição, cit., p. 127): “(...) apesar de existir um
Poder Judiciário Federal, ao lado dos Estaduais, a verdade é que essa distinção também se mostra
artificial, uma vez que os Juizes e Tribunais dos Estados-Membros aplicam também a legislação federal
em cerca de 99% de suas decisões. Por isso, seria mais próprio falar, no Brasil, em Justiça unitária
nacional. A verdade é que permanece nas instituições brasileiras a predominância do Poder Central,
reminiscência, talvez, do Estado monárquico originário”.
886 R.T.J. — 197

Creio que não.


Note-se, apenas à guisa de exemplo, como as idéias de Locke hoje podem parecer
parcialmente superadas. Para ele, por exemplo, em nenhuma hipótese o Poder Legislativo
podia ser delegado, de maneira alguma. Dizia Locke:
“Fourthly, the legislative cannot transfer the power of making laws to any
other hands; for it being but a delegated power from the people, they who have it
cannot pass it over to others. The people alone can appoint the form of the
commonwealth, which is by constituting the legislative and appointing in whose
hands that shall be. And when the people have said, we will submit to rules and be
governed by laws made by such men, and in such forms, nobody else can say other
men shall make laws for them; nor can the people be bound by any laws but such
as are enacted by those whom they have chosen and authorized to make laws for
them. The power of the legislative, being derived from the people by a positive
voluntary grant and institution, can be no other than what the positive grant
conveyed, which being to make laws, and not to make legislators, the legislative
can have no power to transfer their authority of making laws and place it in other
hands.”1
A previsão, hoje universal, de formas variadas de produção normativa por outros
órgãos que não o Legislativo, é prova de que estamos distantes da visão lockeana de
separação de Poderes.
Com isso quero dizer que separação de Poderes não implica uma “estanquização”
absoluta de um Poder em relação a outro. Há mais de dois séculos, James Madison,
herdeiro teórico de Locke e Montesquieu, ressaltava a necessidade de se “desmitologizar”
a interpretação que se fez de Montesquieu e, recorrendo à própria fonte, afirmava:
“Pode-se claramente inferir que, quando ele [Montesquieu] afirmou que ‘não
haverá liberdade onde os poderes Legislativo e Executivo estiverem concentrados
na mesma pessoa ou conjunto de magistrados’ ou, ‘se o poder de julgar não estiver
separado dos poderes Legislativo e Executivo’, não quis dizer que não haveria
‘representação parcial’ de um poder em outro ou ‘controle’ mútuo dos respectivos
atos. A verdadeira interpretação, como se deduz de suas palavras e, ainda mais
concludentemente, como ilustrada pelo exemplo ante seus olhos, não pode ser
outra senão esta: que onde ‘todo’ o poder de um dos ramos é concentrado nas

1 Em tradução livre: “Em quarto lugar, o legislativo não pode transferir o poder de elaborar as leis
para outras mãos; pois, em se tratando de um poder delegado do povo, aqueles que o recebem não
podem entregá-lo a outrem. Somente o povo pode determinar a forma de organização da comunidade
(Estado), mediante a instituição de um legislativo e a indicação daqueles em cujas mãos essa atribui-
ção repousará. E, uma vez que o povo disse, nós nos submeteremos às leis e seremos governados pelas
leis elaboradas por esses homens (na forma por eles determinada), então ninguém mais pode dizer que
outros homens farão leis por eles; tampouco pode o povo vincular-se a outras leis que não sejam
aquelas votadas por aqueles que ele escolheu e autorizou a fazer leis em seu nome. O poder do
legislativo, sendo derivado do povo através de uma outorga voluntária e positiva, não pode ser outro
senão o contido na outorga concedida, que é o de fazer leis e não legisladores, daí segue que o
legislativo não pode dispor do poder de transferir a sua autoridade de fazer as leis, colocando-a em
outras mãos.” (V. John Locke, Second Treatise of Civil Government, Section 141, 1690.)
R.T.J. — 197 887

mesmas mãos que enfeixam ‘todo’ o poder de outro ramo, os princípios fundamen-
tais de uma constituição livre estarão subvertidos.”2
Do ponto de vista prático-institucional, portanto, não há como se falar numa divisão
estanque entre os Poderes. Isso é certo, pois a própria Constituição prevê a participação de
um Poder na composição de órgãos de outro Poder. Veja-se, por exemplo, a composição
do Conselho da República (art. 89) e do Conselho de Defesa Nacional (art. 91) — o
primeiro contém, inclusive, representantes da sociedade civil. Também o presidente
desta Corte (art. 52, parágrafo único) preside o Senado no julgamento de crimes de
responsabilidade. E mais: quanto à participação de pessoas estranhas ao Judiciário, para
que exemplo mais ilustrativo da evolução desses conceitos do que a fantástica inova-
ção, por muitos louvada, oferecida pelo Direito brasileiro, a Justiça Eleitoral? Nela
atuam, como se sabe, em função jurisdicional, e não administrativa ou financeira, advo-
gados militantes, portanto profissionais que representam interesses que nem sempre
coincidem com o interesse público.
Seria a Justiça Eleitoral, em conseqüência dessa presença de “estranhos”, intrinse-
camente inconstitucional?
Em realidade, Senhor Presidente, a expressão “separação de Poderes”, nos dias
atuais, para que se capte com precisão seu sentido verdadeiro, há de ser entendida como
dispersão/difusão de Poderes. Valho-me, a esse propósito, das palavras de Robert
Jackson, célebre ex-juiz da Corte Suprema dos Estados Unidos da América, em caso de
grande importância:
“While the Constitution diffuses power the better to secure liberty, it also
contemplates that practice will integrate the dispersed powers into a workable
government. It enjoins upon its branches separatedness but interdependence,
autonomy but reciprocity.”3
Longe estamos, portanto, da visão que pugna por uma separação radical dos Poderes,
sem nenhum mecanismo de interpenetração.
É preciso lembrar, ademais, que a composição do Conselho Nacional de Justiça é
largamente dominada por membros do Judiciário. E isso é bastante sintomático, pois
impede, como já antecipado por Hamilton, que “todo” o poder de um dos ramos “seja
concentrado nas mesmas mãos que enfeixam ‘todo’ o poder de outro ramo”.
Argumenta também a requerente que a criação do Conselho Nacional de Justiça
violaria o Pacto Federativo.
Não se pode deixar de lembrar que, no Brasil, o Poder Judiciário tem caráter nacional:
sua estrutura e sua disciplina normativa básica estão contidas já no texto da Constituição
Federal. Este estabelece claros limites e parâmetros para atuação da Justiça estadual, ainda
que esta não esteja submetida à União. Diante desse quadro, não se pode concluir senão

2 HAMILTON, Alexander et al. O Federalista. Brasília: UnB, 1984. pp. 394-395.


3 Em tradução livre: “Ao mesmo tempo em que a Constituição dilui o poder para melhor assegurar a
liberdade, ela também não negligencia (o fato de) que a prática fará dos poderes dispersos uma
máquina governamental funcional. Aos poderes ela impõe separação com interdependência, autono-
mia com reciprocidade”. (V. voto de R. Jackson no caso “Youngstown Sheet & Tube Co. v. Sawyer”,
343 US 579, 1952.)
888 R.T.J. — 197

que o novo Conselho Nacional de Justiça seria um consectário lógico da disciplina que a
Constituição Federal dá ao Poder Judiciário. O Conselho Nacional de Justiça foi criado por
uma norma constitucional e sua atuação estará jungida à Constituição. É exclusivamente
no parâmetro estabelecido pela Constituição que se dará sua atuação.
Por último, a requerente lembra o rechaço, por várias decisões desta Corte, da
criação de Conselhos de Justiça no âmbito dos estados.
Tal argumento é falho, por duas razões básicas, a saber: (i) precedentes não são
eternos e (ii) tais precedentes surgiram numa época em que não havia um modelo federal
de Conselho. Naquele tempo, compartimentar o Poder Judiciário seria ilegítimo. Hoje,
estamos a tratar de um Conselho criado por emenda constitucional, expressamente
disposto no Texto de 1988 e aplicável a todo o Poder Judiciário, no âmbito federal e no
estadual. E — infelizmente —, ainda que se admita o controle de constitucionalidade de
emendas, elas gozam, por sua própria natureza, de forte presunção de constitucionalidade.
Para mim, no caso em tela, tal presunção não pode ser afastada.
Por essas razões, julgo improcedente o pedido e declaro a constitucionalidade da
norma ora atacada.

VOTO (Aditamento)
O Sr. Ministro Carlos Britto: Sr. Presidente, também trouxe um voto escrito, porém
não vou fazer a respectiva leitura porque, diante do magistral voto do Ministro Cezar
Peluso, não tenho nada a dizer praticamente. Se eu for acrescentar, será uma demasia; se
eu for retirar, vai fazer falta.
Apenas quero ponderar que, realmente, o Judiciário é singularmente de âmbito
nacional. Tanto assim que, quando a Constituição Federal, no art. 44, fala do Poder
Legislativo, o discurso é completamente diferente:
“Art. 44. O Poder Legislativo é exercido pelo Congresso Nacional, que se
compõe da Câmara dos Deputados e do Senado Federal.”
Ou seja, nenhum órgão estadual comparece no art. 44. Quando a Constituição vai
definir o Poder Executivo, no art. 76, também o discurso é completamente diferente do
art. 92, diz assim:
“Art. 76. O Poder Executivo é exercido pelo Presidente da República, auxi-
liado pelos Ministros de Estado.”
Pronto. Nenhum outro ente, nenhum órgão de nenhum outro ente federativo
comparece. Entretanto, como tantas vezes dito aqui, a propósito do art. 92, o que diz a
Constituição? O Poder Judiciário é constituído pelos seguintes órgãos, e nessa
nominata, nessa relação inclui o Judiciário dos Estados e do Distrito Federal.
De outra parte, Sr. Presidente, a idéia de controle externo é conceitualmente cons-
titucional. A Constituição diz o que é controle externo: é quando um Poder interfere no
âmbito doméstico do outro. E, nesse caso, não existe isso porque o Conselho Nacional
de Justiça é órgão do próprio Poder Judiciário; é órgão interno ao Poder Judiciário.
Então, o conceito constitucional de controle externo não se aplica ao Conselho Nacional
de Justiça.
R.T.J. — 197 889

Já defendi esse ponto de vista desde a minha argüição pública perante a CCJ do
Senado Federal e, no que toca à questão formal — vou concluir —, também a minha
opinião não é ad hoc, não é de ocasião. Minha tese de doutorado, simplesmente, coincide
inteiramente com o ponto de vista do Ministro Cezar Peluso. Leio a tese:
Aprovado que seja o dispositivo na segunda votação, o que sucede? A Casa que o
aprovou faz a remessa de todo o dossiê para outra Casa Legislativa, e as coisas se repetem
como se a aprovação naquela primeira Casa nem existisse, do que se conclui ficar a
segunda Casa também completamente livre para rediscutir o assunto. Daí que, havendo
deliberação final, deliberação de segundo turno na segunda Casa, coincidente com a
deliberação final na primeira Casa Legislativa, a proposta de emenda é tida por aprovada
quanto ao dispositivo em tela. Caso contrário, ou seja, se a votação final da segunda
Casa — que foi o caso, aqui — concluir pela desaprovação do que foi decidido na última
votação da primeira Casa Legislativa — caso igual —, o dispositivo cai por terra, morre
nos estertores de um simples projeto, pois não chega a se transmutar em Direito Positivo.
Então, na verdade, não tinha sentido fazer voltar o projeto para a Câmara, porque
só se volta o projeto para outra Casa quando há possibilidade de re-arrumar o consenso.
No caso, foi muito mais do que modificar o projeto: o projeto foi rejeitado no particular.
Então, não há nenhum sentido de fazer retornar a matéria para a Câmara dos Deputados.
O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): A Câmara não iria examinar a rejeição do
Senado. O Senado não votou; acabou. No processo de votação de emenda constitucional,
é esse o sistema. Já no outro, é outro problema. Mas, aqui, no caso, também não voltaria.
O Sr. Ministro Carlos Britto: Então, não fazia nenhum sentido retornar o processo
à Câmara e, portanto, não padece a Emenda Constitucional n. 45 do vício formal apon-
tado pela ADI.
Com essas palavras, acompanho o eminente Relator.

VOTO
O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Sr. Presidente, somente gostaria de ressaltar que
essa prática que se tornou algo corrente entre nós, da impugnação das emendas constitu-
cionais, que tem sido objeto de tanta discussão no direito comparado, é quase uma
singularidade brasileira. Veja Vossa Excelência que todos nós, que nos ocupamos deste
tema doutrinário ou teoricamente, ficamos encantados com a questão do controle de
constitucionalidade das normas constitucionais.
E, no plano do direito comparado, encontramos, aqui ou acolá, um ou outro exemplo
de exame perante as Cortes constitucionais de uma questão como esta.
No Brasil, estamos a ver, diante, inclusive, da pletora de emendas constitucionais
e, também, da abertura das chamadas cláusulas pétreas, hoje, quase que um ofício recor-
rente em termos de controle de constitucionalidade de emendas constitucionais. Sabe-
mos que não é uma atividade lítero-poético-recreativa desta Corte. Em muitos casos, o
Tribunal tem examinado para declarar a inconstitucionalidade de emendas constitucio-
nais num quadro de absoluta normalidade, como ocorreu, recentemente, no caso da
Previdência Social. Desde 1926, a emenda ou a reforma à Constituição de 1891. Portanto,
é um dado importante do ponto de vista teórico e dogmático.
890 R.T.J. — 197

No que diz respeito à questão trazida, já demonstrou, à saciedade, o Ministro Cezar


Peluso que — a despeito do brilho da impugnação e da relevância da questão — parece
que a questão, de fato, não se enquadra na idéia de uma violação de separação de
poderes. Demonstrou-o bem ao dizer que este não é um dado teórico, mas é um dado que
há de ser concretizado e tratado dogmaticamente. Em outra assentada já tive oportunidade
de ressaltar que esta doutrina se desenvolveu entre nós a partir da atividade do próprio
Supremo Tribunal Federal, e citei notável voto do Ministro Castro Nunes na Represen-
tação n. 94, quando ele enfrentava a questão dos princípios sensíveis e dizia:
“(...) Os casos de intervenção pré-figurados nessa enumeração” — referindo-se
aos princípios sensíveis — “se enunciam por declarações de princípios, compor-
tando o que possa comportar cada um desses princípios como dados doutrinários,
que são conhecidos na exposição do direito público. E por isso mesmo ficou
reservado o seu exame, do ponto de vista do conteúdo e da extensão e da sua
correlação com outras disposições constitucionais, ao controle judicial a cargo do
Supremo Tribunal Federal. Quero dizer com estas palavras” — dizia Castro Nunes —
“que a enumeração é limitativa como enumeração. (...) A enumeração é taxativa, é
limitativa, é restritiva, e não pode ser ampliada a outros casos pelo Supremo Tribu-
nal.” [Tese que, certamente, subscreveríamos em relação às cláusulas pétreas]
“Mas cada um desses princípios é dado doutrinário que tem de ser examinado no
seu conteúdo e delimitado na sua extensão. Daí decorre que a interpretação é
restritiva apenas no sentido de limitada aos princípios enumerados; não o exame
de cada um, que não está nem poderá estar limitado, comportando necessariamente
a exploração do conteúdo e fixação das características pelas quais se defina cada
qual deles, nisso consistindo a delimitação do que possa ser consentindo ou proibido
aos Estados.”
Lembram-se todos de que o debate aqui se travava em torno da possibilidade ou
não da adoção do regime parlamentarista pelo Estado-Membro, questão que envolveu o
Rio Grande do Sul e, também, o Estado do Ceará.
“Essa orientação, consagrada pelo Supremo Tribunal Federal para os chama-
dos princípios sensíveis, há de aplicar-se à concretização das cláusulas pétreas. A
exata delimitação da extensão das cláusulas pétreas é, sem dúvida, tarefa magna
das Cortes Supremas.
É o estudo da ordem constitucional no seu contexto normativo e nas suas
relações de interdependência que permite identificar as disposições essenciais
para a preservação do princípio de divisão de poderes ou da forma federativa de
Estado em um determinado sistema. Tal como ensina Canotilho, a limitação do
poder de revisão não pode divorciar-se das conexões de sentido captadas do texto
constitucional, fazendo-se mister que os limites materiais operem como verdadeiros
limites textuais implícitos.
Destarte, um juízo mais ou menos seguro sobre a legitimidade de proposta de
emenda em face do princípio da divisão de poderes, da forma federativa do Estado
ou dos direitos e garantias individuais exige, preliminarmente, a identificação do
conteúdo dessas categorias na ordem constitucional.”
Como já demonstrou o Ministro Cezar Peluso. Caberia, aqui, analisar:
R.T.J. — 197 891

“no caso concreto, se houve um excesso do poder constituinte derivado, com


violação à separação dos Poderes, cláusula pétrea prevista no art. 60, § 4º, III, da
Constituição.
Em primeiro lugar, quero registrar que não vejo no Conselho Nacional da
Magistratura o que poderia ser considerado um órgão de controle externo do Judi-
ciário.
Trata-se de órgão criado dentro do próprio Poder Judiciário. E essa vinculação,
na condição de órgão do Judiciário, não é” — a meu ver — “apenas nominal.
Primeiro porque a maioria dos membros do Conselho tem origem no próprio
Judiciário”(...)
“Por outro lado, cabe lembrar que os atos do Conselho serão objeto” — como
foi aqui largamente destacado — “de controle do próprio Poder Judiciário. A
propósito, a própria Emenda 45, ao acrescentar a alínea r ao art. 102 da Constitui-
ção, prevê como competência do Supremo Tribunal Federal processar e julgar
originariamente as ações contra o” — referido — “Conselho”(...)
“Lembro, ainda, que há uma emenda parlamentar, que retornou ao exame da
Câmara,” — mas isso já foi objeto de consideração do Ministro Cezar Peluso — “no
sentido de impor aos membros do Conselho as mesmas restrições e impedimentos
constitucionais que são impostos aos juízes.” — o Ministro Cezar Peluso demons-
trou que, de fato, esta emenda seria até dispensável porque isto se extrai da sistemá-
tica do texto constitucional — “Acredito que esta é, em verdade, uma limitação
implícita que pode ser extraída do texto em vigor.”(...)
Penso, também, que:
“não há como falar em controle externo, ou mesmo em ‘colegiado estranho
ao Judiciário’, tendo em vista que o Conselho integra o próprio Judiciário, que se
em sua composição os membros com origem no próprio Judiciário constituem
maioria, e que os atos do Conselho são objeto de total controle pelo Supremo
Tribunal Federal.
Em síntese, não vislumbro na disciplina constitucional relativa ao Con-
selho, uma relativização ilegítima ao princípio da separação dos Poderes. Ao
contrário, ao estabelecer um mecanismo bastante equilibrado e prudente de con-
trole do Judiciário, considero que a Emenda fortalece o princípio da separação
de poderes em uma dimensão específica, que se relaciona” — como também aqui
já foi destacado — “ao princípio republicano.
De fato, não parece compatível com o ideal republicano a existência de
Poderes sem controle, ou ainda, em órgãos não sujeitos a risco. Tal regra sempre foi
bem mais clara em relação aos Poderes Legislativo e Executivo.
O Conselho Nacional da Magistratura, por certo, não constitui um mecanismo
radical de controle dos atos” — internos — “do Judiciário. Ao contrário, conforme já
foi acentuado, trata-se de órgão cuja moldura constitucional certamente não per-
mitirá atos que alcancem os elementos centrais que conferem a necessária indepen-
dência e autonomia à atividade judicial.”
892 R.T.J. — 197

No mais, no que diz respeito à violação do pacto federativo, não vislumbro


qualquer violação pelas razões também aqui já enunciadas.
De modo que acompanho, com prazer, o voto emitido pelo eminente Ministro
Cezar Peluso.

VOTO
A Sra. Ministra Ellen Gracie: Senhor Presidente, eu acompanho o eminente Relator
quando ele não conhece da ação relativamente ao § 8º do art. 125, porque inexistente.
Também acompanho Sua Excelência para afastar o vício formal que foi alegado, que é
aquele de irregularidade na tramitação do projeto de emenda.
De fato, no tocante à alegação de irregularidade na tramitação do projeto de emenda
que teria dado causa à inconstitucionalidade formal do art. 103-B, § 4º, III, inserido no
texto constitucional, verifico que este dispositivo, ao ser apreciado pelo Senado Federal,
atribuía, originariamente, ao Conselho Nacional de Justiça a competência de avocar
processos disciplinares em curso e determinar, dentre outras sanções administrativas, a
perda do cargo de magistrado. Prosseguindo-se o trâmite legislativo, com a votação, em
dois turnos, pelo Senado Federal, tal prerrogativa foi suprimida.
Entendo não ter havido, com esta supressão, matéria que deixou de ser apreciada
pela Câmara dos Deputados. O dispositivo, na parte em questão, tratava, ao chegar ao
Senado, e continuou tratando, após as deliberações nesta Casa, do controle, pelo Conse-
lho, do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes (caput do art. 103-B, § 4). Ade-
mais, não faria sentido algum devolver à Câmara dos Deputados a apreciação de supressão
que, tudo indica, evitou o surgimento de inconstitucionalidade consubstanciada na
ofensa à exigência de decisão judicial transitada em julgado para a perda de cargo
público.
A jurisprudência da Casa, ao enfrentar casos análogos, firmou o entendimento de
que as emendas supressivas, quando não tragam alterações substanciais no sentido do
texto enviado pela Câmara dos Deputados, não possuem o condão de provocar a
inconstitucionalidade formal da emenda daí advinda. Neste sentido, a ADC n. 3, Relator
Min. Nelson Jobim; a ADI n. 2.031-MC, Relator Min. Octavio Gallotti; e a ADI n. 2.666,
Relatora Min. Ellen Gracie.
Afasto, dessa forma, o vício formal alegado.
No entanto, com todas as vênias, divirjo de Sua Excelência e da maioria já formada
com relação ao mérito.
2 - Prescreve o artigo 2º da Constituição Federal que “são Poderes da União,
independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”. Trata-se
do princípio da separação e independência dos Poderes. O art. 60, § 4º, III, da Carta
Magna, por sua vez, estabelece limitação material à atividade do constituinte reformador
ao enunciar que “não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a
abolir a separação dos Poderes”.
Além desta separação genérica, em sentido amplo, que torna os Poderes da União
recíproca e isonomicamente independentes, há em nosso sistema constitucional aquilo
R.T.J. — 197 893

que chamo de independência qualificada do Poder Judiciário, ínsita à natureza


especialíssima da função desempenhada por este organismo estatal. Trata-se de um dos
mecanismos existentes na defesa do Estado contra o próprio Estado, manifestação do
sistema de freios e contrapesos adotado, concretamente, em nosso atual modelo de Estado
Democrático de Direito.
Neste quadro, revela-se a figura de um Estado-juiz, destacado e autônomo, capaz
de julgar com imparcialidade os conflitos de interesses envolvendo as demais facetas do
Poder estatal, por meio de membros que encontram (1) na forma de acesso não-eletivo,
mas por qualificação verificada em concurso público, (2) na vitaliciedade, (3) na
inamovibilidade e (4) na irredutibilidade de salários a imunidade a todo e qualquer tipo
de influência sobre a atuação judicante.
Mas este princípio da independência do Judiciário, corolário do postulado da
separação dos Poderes (CF, art. 2º), não possui em seu âmbito de proteção apenas os
agentes que personificam o referido Poder. A sua estrutura — essencialmente representada
pelos Tribunais — é igualmente resguardada de eventuais interferências. Em outras
palavras, a autonomia administrativa, financeira e orçamentária dos Tribunais é regra
constitucional de preservação do autogoverno do Judiciário como Poder do Estado.
Destaco, nesse sentido, trecho de voto de meu ilustre antecessor, Ministro Octavio
Gallotti, proferido no julgamento da ADI 135, DJ de 15-8-97, verbis:
“Ilusória se revela, em meu entendimento, a pretensão de distinguir entre
funções judicantes (ou atividades-fim) e funções administrativas (ou atividades-
meio), dos Juízos e Tribunais, com o fito de procurar estabelecer limites de
permissibilidades à ingerência de outros órgãos na atuação do Poder Judiciário,
como condição indispensável ao exercício da democracia.
(...)
Mostram, todavia, a ciência do Direito Constitucional e a observação histó-
rica dos costumes políticos, que a independência de um Poder é inseparável da
autonomia administrativa e da segurança proporcionada pela conquista da gestão
autônoma dos meios postos pelo Estado à sua disposição, para garantir a adminis-
tração e a distribuição da Justiça, papel destinado pela Constituição à responsabi-
lidade de um Poder Judiciário nacional. Não à de outros órgãos e entidades, que a
ele não pertençam, como se estabelece no dispositivo impugnado.”
3 - Fixadas estas premissas, passo à análise do caso sob julgamento, no qual se
discute a constitucionalidade da criação, por emenda constitucional, de mais um órgão
do Poder Judiciário — o Conselho Nacional de Justiça — (art. 92, I-A, inserido no texto
constitucional pelo art. 1º da EC n. 45/04) incumbido não só do controle da atuação
administrativa e financeira do Poder Judiciário como também do cumprimento dos de-
veres funcionais dos juízes, podendo, para estes fins, dentre outras ações, expedir atos
regulamentares, apreciar e desconstituir atos administrativos, avocar processos discipli-
nares em curso, aplicar sanções administrativas e apresentar representações criminais
perante o Ministério Público. Note-se que a expressão “controle”, utilizada para definir
a finalidade-chave do referido Conselho (art. 103-B, § 4º), não está adstrita ao sentido de
fiscalização, monitoramento ou acompanhamento, tendo alcançado, conforme as com-
petências acima apontadas, as acepções “exercer ação restritiva sobre”, “conter” ou
“regular”, todas presentes no Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa.
894 R.T.J. — 197

Diante do surgimento de órgão que, como se viu, possui indiscutível força


interventiva sobre a atuação financeira, administrativa e funcional no âmbito do Poder
Judiciário, composto não apenas por membros deste Poder mas também por representantes
dos Ministérios Públicos Estaduais e Federal, por advogados e por cidadãos indicados
pelo Poder Legislativo Federal, cumpre verificar se tal inovação, gerada pelo exercício
do poder constituinte de reforma, não desnaturou o modelo brasileiro de separação e
independência dos Poderes desenhado pela atual Constituição Federal e por ela protegido
na forma de cláusula pétrea.
O eminente Ministro Sepúlveda Pertence, no julgamento de mérito da ADI 98,
ocorrido em 7-8-97, bem equacionou o problema da busca pelas verdadeiras balizas a
serem observadas na averiguação de ofensa ao princípio da separação dos Poderes.
Aduziu Sua Excelência, naquela ocasião, em seu voto de Relator:
“À identificação dos signos característicos de um sistema de positivação do
princípio menos importará talvez a divisão tripartite das funções jurídicas do
Estado — vale dizer a separação dos Poderes, cujas linhas básicas são mais ou
menos constantes — do que o mecanismo dos freios e contrapesos que, delimitando
as interferências permitidas a um na área da função própria de outro, permitem, em
contraposição, apurar a dimensão real da independência de cada um dos Poderes,
no modelo considerado.”
Assim procedendo no presente caso, considero indevida a participação de membros
do Ministério Público, advogados e cidadãos indicados pela Câmara dos Deputados e
Senado Federal em órgão incrustado, pela própria Emenda Constitucional n. 45/04, na
organização do Poder Judiciário, que se junta, nos termos do art. 92 da Carta Magna, ao
Supremo Tribunal Federal, ao Superior Tribunal de Justiça e aos Tribunais e juízes da
Justiça Federal, do Trabalho, Militar, Eleitoral, dos Estados e do Distrito Federal e
Territórios.
Levando-se em conta a competência não somente gerencial mas também invasiva
do Conselho recém-criado, e por se tratar de órgão do Judiciário que tem como campo de
atuação, ainda que despojado de função jurisdicional, o funcionamento do próprio
Judiciário, a participação daqueles que não são membros deste Poder choca-se frontal-
mente com a já referida independência qualificada do Poder Judiciário, que se desdobra
nas garantias de independência no exercício da judicatura e na autonomia administrativa,
financeira e orçamentária dos Tribunais, tudo para que, no sistema de freios e contrapesos
existente, esta parcela do poder estatal (Estado-juiz) tenha a mais absoluta isenção na
realização de atividade que representa a própria submissão do Estado Democrático de
Direito às decisões judiciais contra si proferidas. Quanto ao tema, assim asseverou o
Ministro Célio Borja, no julgamento do pedido de medida liminar da já citada ADI 98:
“(...) o princípio da independência do Poder Judiciário é fundamental para a
prestação jurisdicional; é uma garantia de todos os jurisdicionados. Não é uma
garantia pessoal do magistrado, é de toda a sociedade, de toda a comunidade, de
todos aqueles que estão submetidos ao poder dos juízes. Por isso, quer-se o juiz
isento e independente; não pode ele ser pressionado por nenhum dos outros Poderes
do Estado, nem mesmo pelo seu superior hierárquico.”
R.T.J. — 197 895

Não se nega a relevância constitucional da Advocacia e do Ministério Público,


sendo certo que advogados e membros do Parquet atuam, em suas atividades, como
partícipes essenciais à função jurisdicional do Estado. Todavia, além de não integrarem
propriamente o Poder Judiciário, a presença destes atores no Conselho atenta contra a
missão constitucional primeira de suas respectivas instituições, que é a busca pela reali-
zação da Justiça. A persecução deste objetivo não tem lugar dentro da própria estrutura
judiciária, mas em salutar contraponto dialético entre representantes das duas institui-
ções. Cada uma delas tem orientação finalística própria. Por isso é salutar à democracia
que continuem independentes entre si e complementares na sua atuação convergente à
realização da Justiça.
No tocante aos dois cidadãos indicados, respectivamente, pela Câmara dos Depu-
tados e pelo Senado Federal, não creio que esta participação indireta do Poder Legisla-
tivo no Conselho Nacional de Justiça (repita-se: órgão do Poder Judiciário) seja menos
ofensiva ao princípio da separação dos Poderes do que seria a presença direta, naquele
órgão, de parlamentares das referidas Casas legiferantes. Na essência, tem-se, por inter-
postas pessoas, presente a ingerência, no Judiciário, de um outro Poder.
Não me impressiona, por outro lado, a proporção quantitativa prevista para o
Conselho, que reservou seis vagas para a participação dos membros aqui discutidos en-
quanto foram criados nove cargos para os representantes do Judiciário. Tratando-se de
órgão colegiado, todos os integrantes possuem fundamental importância nas decisões a
serem tomadas, além da possibilidade de regulamentação, pelo próprio Conselho, do
exercício de competências monocráticas.
Por essas razões, entendo que a participação, no Conselho Nacional de Justiça, dos
membros elencados nos incisos X, XI, XII e XIII do art. 103-B, inserido pela EC n. 45/04,
ofende os artigos 2º e 60, § 4º, III, da Constituição Federal.
4 - No tocante às alegações de que o Conselho Nacional de Justiça representaria
ofensa ao pacto federativo, por interferir na auto-organização dos Estados-Membros, e,
ainda, que invadiria a competência dos Tribunais, ressalto que a configuração básica do
Judiciário brasileiro possui fortes contornos de unicidade, pois, as Justiças estaduais não
são Poderes Judiciários estanques e paralelos, mas órgãos de um único Poder Judiciário,
conforme dispõe o art. 92 da Constituição Federal. Assim, além destas, têm-se os Tribu-
nais Superiores, os Tribunais e juízes das Justiças especializadas e, agora, o Conselho
Nacional de Justiça. Além disso, todos os membros deste Poder possuem iguais prerroga-
tivas e deveres, dispostos, em suas linhas básicas, nos artigos 93 e 95 da Carta Magna e,
ainda, na Lei Orgânica da Magistratura Nacional (LC n. 35/79).
Por outro lado, note-se que a noção de federalismo, assim como a da separação e
independência dos Poderes, deve ser enxergada levando-se em conta a realidade brasi-
leira, com suas adaptações e acomodações ocorridas ao longo de nossa história. Veja-se,
por exemplo, que, diversamente dos Poderes Executivo e Legislativo, estruturados nas
três esferas da Federação, o Poder Judiciário não possui representação municipal.
Por fim, entendo que nada impede que o poder constituinte reformador, no exercí-
cio de suas prerrogativas, crie novo órgão de superposição, de âmbito nacional, no qual
serão tratados problemas comuns a todo o Judiciário brasileiro e ao qual, pessoalmente,
vejo como órgão central do pensamento e do planejamento estratégico indispensável
para a adaptação do Poder às exigências atuais da sociedade brasileira.
896 R.T.J. — 197

5 - Ante todo o exposto, julgo procedente, em parte, o pedido formulado e declaro


a inconstitucionalidade dos incisos X, XI, XII e XIII do art. 103-B da Constituição
Federal, tal como inserido pela Emenda n. 45, de 2004 (“X — um membro do Ministério
Público da União, indicado pelo Procurador-Geral da República”; “XI — um membro
do Ministério Público estadual, escolhido pelo Procurador-Geral da República dentre
os nomes indicados pelo órgão competente de cada instituição estadual”; “XII — dois
advogados, indicados pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil”;
“XIII — dois cidadãos, de notável saber jurídico e reputação ilibada, indicados um pela
Câmara dos Deputados e outro pelo Senado Federal”).
É como voto.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Senhor Presidente, quanto ao voto do Relator, so-
mente me cabe — já que temos convencimentos antagônicos sobre a matéria — registrar
que confirma o princípio da imprevisibilidade, e diria da tríplice imprevisibilidade, da
tríplice imprevisão, muito embora, com os avanços da medicina, tenhamos a dupla, e
não mais a tríplice imprevisão.
Acompanho Sua Excelência e, assim, não discordo integralmente do que Sua Ex-
celência veiculou. Faço-o quanto ao objeto, em si, da ação direta de inconstitucionali-
dade, no que veio a ser atacado dispositivo que não foi alvo da promulgação; faço-o,
também, considerado o vício de forma, já que ocorreu, no Senado da República, a poda
da atribuição do próprio Conselho, afastando-se a cláusula que lhe outorgava a possibi-
lidade de declarar a perda do cargo, sem o prejuízo do remanescente. Vale dizer, o que
resultou como norma do crivo do Senado Federal passou pelo crivo da Câmara dos
Deputados.
Senhor Presidente, continuamos a acreditar que poderemos ter, no Brasil, mediante
novos diplomas e novas leis, dias melhores, a retomada do desenvolvimento, o abandono
da estagnação. Repito o que tenho dito: precisamos, no Brasil, de homens, cidadãos,
especialmente homens públicos, que observem — é esse o preço que se paga por se viver
em um Estado Democrático de Direito — a ordem jurídica.
Aponta-se, e se dá uma esperança vã à sociedade brasileira, o Conselho Nacional de
Justiça como solução para os problemas do Judiciário, não se perquirindo, em si, a origem
desses problemas, partindo-se quase do pressuposto de que o Judiciário nacional é com-
posto por pessoas que, costumeiramente, adentram o campo do desvio de conduta; que o
Poder Judiciário nacional não possui, considerado o poder constituinte originário — e
aqui estamos a defrontar com emenda decorrente do poder constituinte derivado — orga-
nização própria para corrigir atos que discrepem do arcabouço normativo de regência,
quer na área administrativa, quer na área jurisdicional.
Criou-se o Conselho composto de membros da magistratura, de membros do Mi-
nistério Público federal e estadual, de advogados e de cidadãos. Não sei nem mesmo,
Senhor Presidente — afastados aqueles que já têm uma qualificação —, como deverei
dirigir-me aos integrantes desse Conselho, principalmente àqueles que não se mostrem
egressos da magistratura nacional. Fez-se inserir esse Conselho como órgão integrante
do Poder Judiciário. Quando nos referimos a órgãos integrantes do Poder Judiciário, ima-
ginamos jurisdição. Imaginamos algo que é inerente à soberania do Estado, à atuação
R.T.J. — 197 897

deste ao dirimir conflitos de interesse, de modo a restabelecer a paz social, momentane-


amente abalada por um certo conflito de interesses. Todavia, o fato de o Conselho
integrar, sob o ângulo formal e desprezado o princípio da realidade, o Judiciário, está a
revelar a alteração ocorrida quanto ao artigo 92 da Lei Fundamental. Introduziu-se,
quase que para ombrear — não é o que ocorre na realidade, tendo em conta o próprio teor
da Emenda Constitucional n. 45 — com o órgão previsto no primeiro inciso do artigo 92
da Constituição Federal, o inciso I-A, prevendo a integração, no Judiciário nacional, do
Conselho de Justiça.
Tem-se, quanto à competência desse Conselho Nacional de Justiça, uma abran-
gência que eu diria, segundo o artigo 103-B, § 4º, da Constituição, ímpar.
Vem-nos do § 4º, inciso I, que a ele incumbe “zelar pela autonomia do Poder
Judiciário”. A autonomia do Poder Judiciário não será fruto da existência de um órgão
que atue ao lado do próprio Poder Judiciário, exercendo influência implícita nesse
Poder, já que não podemos ser ingênuos a ponto de acreditar que a atividade a ser
desenvolvida pelo Conselho Nacional de Justiça não repercutirá no ofício judicante,
exercido por seres humanos, e circunstâncias externas, como salientado por Barbosa
Moreira, acabam por repercutir na formalização de decisões.
E prossegue o § 4º aludido, a revelar que cumpre ao Conselho expedir atos regula-
mentares:
“II - zelar pela observância do art. 37” — da Lei Fundamental, pedagogica-
mente, que anuncia os princípios regedores da Administração Pública — “e apre-
ciar, de ofício ou mediante provocação,” — e aí se verifica que terá o Conselho um
poder maior do que o próprio poder do Judiciário, que é um órgão inerte, depende
de provocação — “a legalidade dos atos administrativos praticados por membros
ou órgãos do Poder Judiciário, podendo desconstituí-los, revê-los ou fixar prazo
para que se adotem as providências necessárias ao exato cumprimento da lei, sem
prejuízo da competência do Tribunal de Contas da União;
III - receber e conhecer das reclamações contra membros ou órgãos do Poder
Judiciário,(...) podendo” — aqui se adentrou até o campo da utilização de um
vocábulo que tinha caído em desgraça — “avocar processos disciplinares em curso
e determinar a remoção, a disponibilidade ou a aposentadoria com subsídios ou
proventos proporcionais ao tempo de serviço e aplicar outras sanções administra-
tivas, assegurada ampla defesa;”
Mais ainda:
“V - rever, de ofício ou mediante provocação, os processos disciplinares de
juízes e membros de Tribunais julgados há menos de um ano;”
Apreciará como que uma rescisória — a realidade está na normatização exacerbada,
na ausência de adoção de postura exemplar pelo Estado que sirva de norte ao cidadão —,
uma verdadeira rescisória submetida, é certo, a um prazo decadencial menor do que o
prazo da rescisória instrumental, da rescisória jurisdicional, da rescisória ação prevista
no próprio Código de Processo Civil:
“VI - elaborar semestralmente relatório estatístico sobre processos e sentenças
prolatadas, por unidade da Federação, nos diferentes órgãos do Poder Judiciário;
898 R.T.J. — 197

VII - elaborar relatório anual, propondo as providências que julgar necessárias,


(...) o qual deve integrar” — vejam os senhores o poder desse Conselho, a impor-
tância emprestada a ele — “mensagem do Presidente do Supremo Tribunal Federal a
ser remetida ao Congresso Nacional, por ocasião da abertura da sessão legislativa.”
Pouco importa a óptica do Supremo Tribunal Federal sobre esse relatório, já que
não se prevê a revisão obrigatória do que decidido administrativamente pelo Conselho.
Prevê-se que atuará nesse Conselho o Ministério Público e a Ordem dos Advogados
do Brasil:
“§ 6º Junto ao Conselho oficiarão o Procurador-Geral da República e o Presi-
dente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil”.
Fico aqui a me questionar: quanto ao Ministério Público, não tenho a menor dúvida,
ele oficiará como fiscal da lei. E o Presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advo-
gados do Brasil? Conselheiro? Um futuro Conselheiro da República? Ou quem ele
indicar? Indicação direta para nomeação, sem a passagem pelo crivo do Judiciário, para
compor esse mesmo Conselho?
Há a problemática da composição — a maioria é realmente de magistrados. Mas
essa circunstância, a meu ver, não afasta o vício quanto ao todo revelado pelo próprio
Conselho. Não é o fato de se imaginar até — e não imagino — espírito de corpo, que
servirá à conclusão de que pouco importa a participação de seis membros estranhos à
magistratura: primeiro porque não presumo o excepcional, o extravagante, o teratológico,
que é o espírito de corpo, principalmente se se trata de um órgão criado para consertar,
com “s” e com “c”, a magistratura nacional. Presumo, sim, o que normalmente ocorre e,
portanto, a atuação eqüidistante, considerados os fatos e as normas incidentes no caso.
Verifico, contudo, no artigo 103-B, que, após se aludir aos componentes egressos
da magistratura — e esses componentes já têm títulos, qualificações, o que não acontece
com os demais, por isso me referi à adoção do pomposo título “Conselheiro” —, previu-se:
“X - um membro do Ministério Público da União, indicado pelo Procurador-
Geral da República;
XI - um membro do Ministério Público estadual, escolhido pelo Procurador-
Geral da República dentre os nomes indicados pelo órgão competente de cada
instituição estadual;
XII - dois advogados, indicados pelo Conselho Federal da Ordem dos Advo-
gados do Brasil;
XIII - dois cidadãos, de notável saber jurídico” — esperemos que haja a
escolha considerada essa qualidade — “e reputação ilibada, indicados um pela
Câmara dos Deputados e outro pelo Senado Federal.”
Ilações me ocorrem: a primeira é de termos um superórgão — vou dizer por que
entendo haver surgido um superórgão administrativo — que não terá — ainda bem —
jurisdição, ou seja, o ofício judicante, jurisdicional propriamente dito.
Examine-se a problemática do quinto, previsto em nossa Lei Fundamental consi-
derado o poder constituinte que se teve como originário e que, na verdade, mostrou-se
um poder constituinte derivado, já que houve previsão da Assembléia Constituinte e
R.T.J. — 197 899

não ocorreu no Brasil uma revolução propriamente dita, uma virada de mesa ou o
desmembramento, com o surgimento de uma outra nação, de fatia territorial.
Verificamos que, relativamente ao quinto — a revelar a escolha de certas pessoas
para integrarem tribunal —, há participação, nessa escolha, do próprio tribunal, por-
quanto se tem a confecção de lista sêxtupla e a redução dessa lista pelo tribunal. No
tocante ao Conselho, não haverá essa triagem. A indicação é direta, cabendo ao Órgão de
origem.
Há mais, entretanto. Se pararmos, haveremos de admitir que entre os componentes
do Conselho egressos da magistratura será possível contar-se com pessoas que, na ori-
gem, tenham saído da classe dos advogados e do Ministério Público. E aí se constata, até
mesmo, a possibilidade de uma sobreposição. Contudo, além da integração de advogados
e de membros do Ministério Público — que afinal são indispensáveis à administração da
Justiça, e não chego a estender a previsão constitucional à área administrativa —, tem-se a
participação de cidadãos que votarão no campo administrativo, considerada a extensão
das atribuições do Conselho previstas na própria Emenda Constitucional, e com o detalhe
da alternatividade: a existência de mandato com a possibilidade de uma única
recondução.
Dir-se-á: tudo que o Conselho vier a decidir estará sujeito ao crivo do Supremo
Tribunal Federal. Também pudera, se não ocorresse assim, talvez fosse mais interessante
fecharmos para balanço, porque aí estaria rasgada a própria Constituição quanto ao livre
acesso ao Judiciário; acesso daqueles que se sintam prejudicados por uma deliberação
do próprio Conselho.
Outra implicação que vejo, Presidente — e um dia ainda teremos realmente, no
Brasil, uma federação —, diz respeito ao pacto federativo. Uma coisa é ter-se o Judiciário
organizado em patamares; o Judiciário contando com o gênero “justiça federal”, para
julgar a partir do aspecto ligado à pessoa e à matéria; e tribunais de justiça, tribunais
regionais federais, tribunais superiores; um tribunal de cassação, que tem na nomencla-
tura o vocábulo “superior”, mas que não é, a rigor, um tribunal que atue na área extraor-
dinária — refiro-me ao Superior Tribunal Militar —, além do Superior Tribunal de
Justiça, do Tribunal Superior Eleitoral e do Supremo Tribunal Federal. Outra diversa é
cogitar-se, potencializando-se a mais não poder a nomenclatura em detrimento do fundo,
de um órgão que formalmente está integrado ao Judiciário e que passará a exercer —
mesmo existente a Federação, o pacto federativo — crivo quanto à atuação administra-
tiva de um dos Poderes da Federação.
Presidente, preceitua o artigo 25, proclamado como decorrente da competência
originária, que:
“Os Estados organizam-se e regem-se pelas Constituições e leis que adota-
rem, observados os princípios desta Constituição”.
Esses princípios não podem ser dissociados do artigo 1º da nossa Lei Fundamental,
a revelar que:
‘A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos
Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático
de Direito e tem como fundamentos (...)’
900 R.T.J. — 197

E aí seguem-se os incisos. Mais do que isso, no artigo 125, na redação primitiva da


Carta, decorrente, portanto, do poder constituinte que se teve e se tem como originário,
está disposto que:
“Os Estados organizarão sua Justiça, observados os princípios estabelecidos
nesta Constituição”.
É uma cláusula muito consentânea com uma federação. E se pararmos para perceber
o sistema constitucional, vamos ver que as unidades gozam de prerrogativa que é o
autogoverno. Autogoverno quanto ao Executivo, à administração em si, considerado
esse Poder, que não vejo como superior ao Poder Judiciário, e a recíproca é verdadeira;
autogoverno referente à administração e à economia interna do Legislativo; e autogo-
verno, também, referente ao Judiciário. Dir-se-á que, em relação a este último, ocorre a
proteção, o fechamento de olhos quanto a desvios de conduta. Conta-se, porém, com as
ações, tem-se a possibilidade de uma decisão administrativa vir a ser impugnada perante
o Judiciário propriamente dito. O Conselho somente integra o Judiciário porque se
potencializou o aspecto formal em detrimento do conteúdo, porquanto não consigo
imaginar órgão compondo o Judiciário que não exerça o ofício judicante propriamente
dito.
Constata-se o envolvimento de cláusula pétrea. Não vou colocar em discussão se é
cláusula pétrea aquela que estampe direito ou garantia individual, em que pese ao bom
vernáculo do § 4º do artigo 60 da Constituição Federal. Mas a Federação, o sufrágio
universal, a separação dos Poderes, não podemos admitir, por maior que seja a
criatividade, por mais fortes que sejam as circunstâncias reinantes, que estejam fora do
que se entende como algo a revelar previsões pétreas. Além da enunciação do artigo 2º
da Constituição Federal, da separação de Poderes — os Poderes são independentes e
harmônicos —, em relação ao Judiciário, há a norma do artigo 99, que resultou do poder
constituinte originário. O que nos vem dessa norma?
“Ao Poder Judiciário é assegurada autonomia administrativa e financeira”.
Parece que, quando da elaboração da emenda — porque não me consta que tenha
sido alterado esse artigo —, as assessorias não contaram com a computação, não perce-
beram o antagonismo em se admitir, a um só tempo, o Conselho com o poder, inclusive,
de avocar processos que estejam correndo ou já estejam findos em certo tribunal e o artigo
99, a prever — repito — que ao Poder Judiciário é assegurada autonomia “administrativa”.
Senhor Presidente, o princípio do terceiro excluído revela que uma coisa é ou não
é. Não há campo para o meio-termo. Ou bem se tem a autonomia administrativa tal como
estabelecida no artigo 99 da Lei Fundamental, ou não se tem. Pela emenda, a verdadeira
e concreta autonomia administrativa passa a ser do recente Órgão, criado como uma
panacéia para todos os males do Judiciário. Esperança vã, impossível de frutificar, porque
a quadra vivida não decorre do que se pretendeu glosar com a existência desse
famigerado Conselho Nacional de Justiça.
Imagino os Poderes no mesmo patamar: o Judiciário, o Executivo e o Legislativo.
Como não concebo um conselho nacional do Executivo, como não concebo um conselho
nacional do Legislativo, com as atribuições previstas no artigo 103-B decorrente da
Emenda, não concebo também, por mais que me esforce, um conselho nacional do
Judiciário — e se disse de Justiça —, mas acaba sendo do Judiciário, porque esse Conselho,
R.T.J. — 197 901

não sei nem se há exceção relativamente ao Supremo Tribunal Federal, considerada a


parte administrativa, exercerá, atuará em relação a todos os tribunais do País.
Senhor Presidente, há de se dar ao artigo 60 da Constituição Federal — apesar de,
passados dezessete anos da vigência da Carta, já termos mais de cinqüenta emendas
constitucionais — algum sentido, e tal artigo revela que a Constituição Federal é rígida;
rigidez que deságua na supremacia. A Lei Maior somente pode ser alterada, observadas
as balizas desse artigo 60, quanto à iniciativa da proposta de emenda; à impossibilidade
de tramitação da emenda em determinadas situações: intervenção federal, estado de
defesa, estado de sítio; à tramitação da emenda no sistema bicameral — ao contrário do
que ocorreu com a revisão constitucional; aos dois turnos de votação, e há previsão de
quórum específico para ter-se a matéria como aprovada. Mais do que isso. Preceitua o
§ 4º do artigo 60 que:
“Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:
I - a forma federativa de Estado;
(...)”
E aqui tem-se desrespeitada essa previsão, porque, retirada a autonomia de um dos
Poderes do Estado na área administrativa, estará prejudicada a forma federativa.
A partir dessa mesma Constituição, como ressaltado da tribuna pelo ilustre e profi-
ciente advogado que atua em nome da Associação dos Magistrados Brasileiros — Dr.
Alberto Pavie Ribeiro —, decidiu esta Corte no sentido de que conselho com participa-
ção heterogênea vulnera o princípio da separação dos Poderes; fê-lo no julgamento da
Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 135-3/PB, relatada pelo Ministro Octavio
Gallotti, cuja cadeira foi muito bem ocupada pela Ministra Ellen Gracie, que citou uma
passagem do voto de Sua Excelência. Decidiu-se de idêntica forma no julgamento da
Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 137-0/PA, relatada pelo Ministro Moreira
Alves, quando Sua Excelência fez consignar:
“Ação direta de inconstitucionalidade. Conselho Estadual de Justiça inte-
grado por membros da magistratura estadual, autoridades pertencentes aos outros
Poderes,” — e aqui não me consta que tenha sido glosada a norma tendo em conta
o plural “outros Poderes” — “advogados e representantes de cartórios de notas de
registro e de serventuários da Justiça.”
E disse Sua Excelência:
“A criação, pela Constituição do Estado, de Conselho Estadual de Justiça
com essa composição e destinado à fiscalização e ao acompanhamento do desem-
penho dos órgãos do Poder Judiciário é inconstitucional, por ofensa ao princípio
da separação dos Poderes (art. 2º da Constituição Federal),” — e que até aqui não
foi alterado por qualquer emenda, pelo menos na forma direta, quanto ao que nele
contido — “de que são corolários o autogoverno dos Tribunais” — artigo 99 por
mim citado — “e a sua autonomia administrativa, financeira e orçamentária (arts.
96, 99 e parágrafos, e 168 da Carta Magna).
Ação direta que se julga procedente, para declarar a inconstitucionalidade
dos artigos 176 e 177 da parte permanente da Constituição do Estado do Pará, bem
como a do artigo 9º e seu parágrafo único do Ato das Disposições Transitórias
dessa mesma Constituição.”
902 R.T.J. — 197

Atrevo-me a citar — com risco de haver a formalização de embargos declaratórios


orais — acórdão da lavra do Ministro Sepúlveda Pertence, alusivo à Ação Direta de
Inconstitucionalidade n. 98-5/MT. Para tanto, lanço mão de algo criado por Sua Exce-
lência, de absoluto sucesso quanto à publicidade das decisões do Supremo Tribunal
Federal, o informativo:
“No mesmo julgamento, por ofensa ao princípio da separação dos Poderes
(CF, art. 2º), o Tribunal declarou a inconstitucionalidade dos artigos 121, 122 e
123 da Constituição do Estado de Mato Grosso, que criavam o Conselho Estadual
de Justiça — composto pelo Presidente do Tribunal de Justiça, pelo Corregedor-
Geral da Justiça, por um representante da Assembléia Legislativa do Estado, pelo
Presidente da OAB/MT, pelo Procurador-Geral de Justiça, pelo Procurador-Geral do
Estado, pelo Procurador-Geral da Defensoria Pública e pelo Secretário de Justiça —, e
davam-lhe atribuições de consulta e de fiscalização nos assuntos relacionados com
o desenvolvimento da estrutura do Poder Judiciário, do Ministério Público, da
Defensoria Pública e da Procuradoria-Geral do Estado. Precedentes citados: ADIn
135/PB (v. Informativo 54); ADIn137-MC/PA (DJ de 21-3-97). ADIn 98/MT,
Relator Min. Sepúlveda Pertence, 7-8-97.” (Informativo n. 78).
O Tribunal, mesmo a sacramentar o que aponto, muito embora não haja definição
legal, como jurisprudência, editou verbete que passou a integrar a Súmula e, talvez neste
julgamento, esteja ele sendo alvo de cancelamento:
“É inconstitucional a criação, por Constituição Estadual,” — e seria in-
constitucional também, a meu ver, por Constituição Federal, as premissas são
idênticas — “de órgão de controle administrativo do Poder Judiciário do qual
participem representantes de outros Poderes ou entidades.”
Esse verbete foi aprovado em Sessão Plenária de 24 de setembro de 2003 e publi-
cado, para conhecimento ficto de todos, no Diário da Justiça de 9 de outubro de 2003.
Não tenho como me afastar da Constituição Federal, que, infelizmente, no Brasil,
não é amada como deveria ser. Não tenho como ignorar que a Lei Fundamental veio à
balha consubstanciando um grande sistema. Não tenho como colocar em segundo plano
que o poder de emenda não é um poder originário que tudo pode, mas deve ser exercido
nos moldes das normas — não sei mais se são perenes, mas deveriam ser — da Constitui-
ção Federal.
Peço vênia aos Ministros Relator, Joaquim Barbosa, Eros Grau, Carlos Ayres Britto
e Gilmar Mendes para reafirmar o que, sem a toga, externei quando o Supremo Tribunal
Federal resolveu levar ao Congresso o ponto de vista institucional sobre o tema, a partir
da mesma Constituição, que não foi alterada nesse meio tempo.
Com o aditamento quanto ao pacto federativo, considerada a organização dos
Estados, reafirmo o convencimento exteriorizado na Sessão Administrativa — e que
revelou ser o da maioria — e declaro a inconstitucionalidade da Emenda Constitucional
n. 45, no que versado o Conselho Nacional de Justiça, com a abrangência de atuação
prevista e a composição constante do artigo 103-B analisado.
É como voto.
R.T.J. — 197 903

VOTO
O Sr. Ministro Carlos Velloso: Sr. Presidente, há mais de dez anos, tenho cuidado
e escrito a respeito do tema, a Reforma do Poder Judiciário. Em 1986, antes, portanto, da
Constituição de 1988, em palestra que proferi na Escola de Magistratura de Porto Ale-
gre, cuidei do tema do Conselho, sempre, entretanto, advertindo que ele há de ser tratado
sob o prisma do direito público.
Cito Geraldo Ataliba, hoje mencionado com tanta justiça neste julgamento. Ele
dizia que a formação do jurista brasileiro, infelizmente, é de direito privado. Uma lástima.
Questões eminentemente de direito público, como a que estamos examinando, não
são tratadas como tal. Caem no desvio: não se sabe se está-se falando em direito privado
ou em direito público. O Conselho Nacional da Magistratura, por exemplo, é uma dessas
questões. São invocados os conselhos da magistratura europeus. O Ministro Sepúlveda
Pertence, em conferências e nos seus votos, já advertiu muitas vezes que os Judiciários
europeus não são poderes políticos. O Judiciário francês não é um poder político. O
Judiciário italiano, também não, não obstante tratar-se de uma Justiça respeitável. E
justamente por não ser um poder político, nasceu lá a questão do direito alternativo. O
juiz, não podendo realizar o que é fundamental, básico — ajustar a lei à Constituição —,
criou o direito alternativo, do qual o juiz brasileiro não precisa.
É possível, na Europa continental, existirem conselhos da magistratura, indicados
os seus membros pelo Congresso Nacional, mesmo porque — é outra questão — os
países europeus adotam como sistema de governo o parlamentarismo, em que há a pre-
dominância do parlamento. No sistema parlamentar puro, constituição rígida não deve-
ria existir, e isso ocorre na Inglaterra, onde é adotado sistema parlamentar puro. O parla-
mento compreende a consciência da nação e, nesse sistema, ele pode tudo. Já se disse,
pitorescamente, que o Parlamento inglês pode tudo, só não pode transformar homem em
mulher.
Mas, Sr. Presidente, esses conselhos da magistratura foram criados na Europa com
uma finalidade: conferir independência à magistratura.
O Dr. Saulo Ramos, homem perspicaz, notável advogado, escreveu um artigo re-
centemente, em que mostra como a idéia de conselho surgiu no Brasil. Um advogado
entrou no gabinete de um juiz, com este teve um “bate-boca” e saiu falando, a partir daí,
que o Judiciário precisava de um conselho; e a coisa pegou. A idéia nasceu na França. O
eminente Ministro Eros Grau, professor visitante da Sorbonne, sabe que o Judiciário
francês não é essas coisas.
O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Cuidado, porque eles ficam no direito de
dizer a mesma coisa. Cuidado com essas comparações, Ministro.
O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: A frase é da Embaixada do Brasil, Ministro Carlos
Velloso.
O Sr. Ministro Carlos Velloso: O eminente Ministro Joaquim Barbosa poderá até
invocar o depoimento do notável Chapus.
O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: O Professor Chapus não escreve sobre essas maté-
rias; há outros ilustres doutrinadores que o fazem.
904 R.T.J. — 197

O Sr. Ministro Carlos Velloso: Mas, talvez, tenha escrito sim, porque a matéria é
mais de Direito Administrativo, Ministro.
O Sr. Ministro Eros Grau: Ninguém vai citar o Garapon?
O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: Garapon, Favoreu e vários outros.
O Sr. Ministro Carlos Velloso: Fiquemos, então, com o Garapon, que se parece com
o “Guarapan” mineiro.
Esclareço que a minha formação, em termos culturais, é francesa, como é a do
Ministro Sepúlveda Pertence, meu colega do ginásio.
Hoje, a França evoluiu. Perceberam que um conselho integrado de não-magistrados
não prestava bons serviços. Hoje, na França, quando as questões dizem respeito aos
magistrados, não vota quem não é magistrado. Vejam como evoluíram. Mas, como eu
disse, no Brasil, a formação não é de direito público, infelizmente. Geraldo Ataliba dizia
isso; Dalmo de Abreu Dallari vive a dizer isso. É preciso dizer isso, para que possam as
nossas faculdades desenvolver mais os estudos de Direito Constitucional, de Teoria
Geral do Direito Público.
O Judiciário brasileiro tem como padrão o norte-americano, que é o Judiciário mais
eficiente do mundo e que é poder político. E por que poder político? Porque é um
Judiciário de um sistema de governo presidencial, no qual a separação entre os Poderes
há de ser nítida, existindo a independência entre uns e outros, realizando o Judiciário o
controle de constitucionalidade das leis.
O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Ministro Carlos Velloso, Vossa Exce-
lência me permite?
O Sr. Ministro Carlos Velloso: Pois não.
O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Discutimos, no Plenário, as agências. Na
questão dos Estados Unidos, as agências são órgãos que fiscalizam e exercem funções em
vários Poderes. Ou seja, o conceito da divisão de Poderes dos Estados Unidos é completa-
mente diverso do nosso. Tem, inclusive, Poder quase judicial e Poder Legislativo.
O Sr. Ministro Carlos Velloso: Esta é uma afirmativa que não encontra apoio na
realidade.
O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Quem fez essa afirmativa foi o Ministro
Vitor Nunes Leal, não eu.
O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: Ministro Carlos Velloso, detesto cabotinismo,
mas tive oportunidade de escrever um artigo sobre “agências reguladoras” em que mostro
precisamente isso: como a concepção de separação de Poderes dos Estados Unidos
evoluiu.
O Sr. Ministro Carlos Velloso: Ministro, as agências reguladoras, que, aliás, estamos
a copiar, dizem respeito a questões técnicas atinentes a serviços; agência reguladora quanto
à água; agência para regular e disciplinar, por exemplo, serviços de telefones, energia
elétrica, etc.; questões técnicas. Estamos cuidando aqui de questão política no seu mais
alto sentido. Não estamos cuidando de regulamentação de serviços. Pode ser até que haja
quem queira fazer do Poder Judiciário brasileiro um mero serviço. Um administrador já
disse que é como se fosse um serviço, tipo INSS; mas não é, e não o será.
R.T.J. — 197 905

Vou buscar uma frase do Juiz Holmes, da Suprema Corte norte-americana, quando
se referiu à famosa frase de Marshall que o poder de tributar envolve o poder de destruir.
E Holmes disse cem anos depois: envolve sim, se inexistente a Suprema Corte.
Tenho muita esperança na mesma Suprema Corte, que jamais vai permitir que o
Judiciário brasileiro, poder político, seja transformado em mero serviço. A Justiça brasi-
leira tem história. Tem, também, detratores, inimigos ocultos. É que o juiz agrada e
desagrada. A sentença tem sempre um vencido. E quando desagrada a certos políticos, é
um Deus nos acuda.
Sr. Presidente, Alexis de Tocqueville escreveu duas obras extraordinárias. Uma, na
juventude, A Democracia na América, escrita entre 1835 e 1840; outra, obra da maturi-
dade, O Antigo Regime e a Revolução, de 1856. Tocqueville, em A Democracia na
América, estudou o Judiciário norte-americano, registrando que este ocupava lugar de
destaque no sistema constitucional e na sociedade, exercendo controle sobre os demais
Poderes. Outro francês ilustre que escreveu sobre o Judiciário americano, Edouard
Laboulaye — Do Poder Judiciário, in A Constituição dos Estados Unidos, 1866, tradu-
ção de Lenine Nequete, Ajuris, 4-13 —, analisando as diferenças entre a Justiça francesa
e a Justiça americana, deixou expresso que, “onde, porém, começa a diferença, onde os
Estados Unidos fizeram uma verdadeira revolução, foi quando intuíram que a justiça
deveria fazer-se também um poder político”. Se a França tivesse procedido dessa forma,
acrescenta Laboulaye, certamente que não teria feito as revoluções sangrentas que fez.
Voltemos ao tema do presidencialismo. Neste, os Poderes são independentes; a
separação entre eles é nítida. E tanto deve ser assim que a Constituição brasileira de
1988, a mais democrática das Constituições que tivemos — aliás, ela costuma pagar um
alto preço justamente por isso —, estabelece, como limitação constitucional ao poder
constituinte derivado (artigo 60, § 4º, inciso III), o que os constitucionalistas brasileiros
estimam denominar de “cláusula pétrea”:
“Art. 60. (...).
§ 4º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:
III - a separação dos Poderes;”
O Poder é excelentemente fiscalizado pelo Poder. Montesquieu foi citado aqui
várias vezes, e é dele a afirmativa no sentido de que o poder detém o poder. Por isso, os
americanos criaram a doutrina dos checks and balances (freios e contrapesos): certas
funções, que são próprias de um Poder, são exercidas por outro Poder. E, justamente
nisso, nessa interação de funções, ocorre a fiscalização de um Poder sobre o outro.
Exemplifiquemos: os Juízes do Supremo Tribunal Federal são julgados, nos crimes
de responsabilidade, pelo Senado Federal; o Presidente da República concede indulto e
comuta penas; os Juízes das altas Cortes são nomeados pelo Presidente da República
após aprovação pelo Senado; os atos dos Poderes Legislativo, Executivo e do próprio
Judiciário são apreciados e julgados pelo Poder Judiciário, sob o ponto de vista da
legalidade e da constitucionalidade; o Executivo participa do processo legislativo, seja
mediante a iniciativa legislativa, seja mediante o veto, as medidas provisórias e as leis
delegadas; o Legislativo julga o Chefe do Executivo e os Ministros de Estado mediante
o impeachment; a gestão dos Poderes, de todos eles, submete-se à fiscalização do Tribu-
nal de Contas. É a doutrina dos freios e contrapesos.
906 R.T.J. — 197

Sr. Presidente, estou em que a instituição de um conselho da magistratura, principal-


mente para efetivar o controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário
e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes e servidores, é necessária. Aliás, em
1986, disse isso e venho dizendo que é necessária a instituição de um conselho.
Peço licença para ler trecho de artigo que escrevi a pedido do eminente Professor
Barbosa Moreira a respeito do tema:
“Sempre reclamei a instituição de um conselho nacional da magistratura, que
realizaria um controle de qualidade do Judiciário, porque reconhecemos que o
Judiciário tem os seus problemas, problemas que precisam ser equacionados e
eliminados. É dever dos juízes, dos advogados e dos juristas propugnar por um
Judiciário melhor, por um Judiciário mais transparente. É preciso, portanto, insti-
tuir o controle de qualidade da justiça, mediante a criação do conselho nacional da
magistratura, junto ao Supremo Tribunal Federal, ao qual caberia, principalmente,
supervisionar a administração superior do Judiciário; fiscalizar o andamento dos
serviços judiciários; tornar efetiva e pronta a prestação jurisdicional, mediante a
investigação e o exame das causas de emperramento da máquina judiciária, formu-
lando propostas e soluções, afastando o juiz ou o servidor desidioso, punindo
magistrados e servidores de má conduta. O conselho da magistratura, cujas deci-
sões poderiam ser revistas jurisdicionalmente pelo Supremo Tribunal Federal,
seria presidido pelo Presidente do Supremo Tribunal Federal e integrado por quatro
ministros representantes dos Tribunais Superiores (STJ, TSE, TST, STM); por dois
desembargadores que representariam os tribunais estaduais; por um juiz represen-
tante dos Tribunais Regionais Federais; e por um juiz representante dos Tribunais
Regionais do Trabalho. Junto ao conselho, oficiaria o Procurador-Geral da Repú-
blica e o Presidente do Conselho Federal da OAB.”
No que concerne à composição do conselho, deixei expressa a minha opinião no
sentido de que vinha aceitando a participação dos representantes da OAB no conselho,
tendo em vista a sua respeitabilidade e por ser ela guardiã da ordem jurídica, guardiã da
liberdade. Reformulei, entretanto, a minha opinião, tendo em linha de conta a natureza
da advocacia, que se realiza no postular, requerer e exigir, junto aos tribunais, o reconhe-
cimento de direitos e o cumprimento de obrigações. Ademais, é forçoso reconhecer que
o advogado ficaria proibido de exercer a advocacia enquanto membro do Conselho, o
que configuraria situação constrangedora. A menos que se mandasse para lá alguém que
não exercesse a advocacia.
De outro lado, a própria OAB entende que a intromissão de estranhos na adminis-
tração de órgão que tem por missão a guarda de direitos não é salutar, tanto que não
admite que suas contas sejam fiscalizadas pelo Tribunal de Contas da União.
Quanto ao Ministério Público, sua presença será imprescindível, mas na condição
de custos legis, fiscal da lei e da Constituição.
E no que toca a participação de políticos, a indicação de pessoas pela Câmara dos
Deputados e pelo Senado Federal terá, invariavelmente, conotação político-partidária.
Adotei posição contrária, porque penso que essa participação serviria para enfraquecer o
Judiciário, com prejuízo para o regime democrático, certo que os prejudicados direta-
mente seriam os advogados.
R.T.J. — 197 907

Na sessão administrativa do Supremo Tribunal Federal, em que o tema foi ventilado,


comecei meu voto dizendo que, se fosse proposto um conselho para fiscalizar a adminis-
tração do Parlamento, com a participação de pessoas estranhas a este, o Parlamento
certamente teria dignidade de recusá-lo, pois ali há pessoas capazes sob o ponto de vista
profissional e moral para administrá-lo.
O mesmo devemos afirmar. Os magistrados somos capazes de administrar a nossa
casa. Fazendo-o, saberemos afastar juízes tardinheiros e punir os que não honrarem a
toga. Só precisamos de meios para isso, meios que há muito pedimos e que somente o
Congresso Nacional poderá nos dar.
Sempre preconizei a existência, no Conselho, de um Corregedor. Escrevi que o
Corregedor, o investigador da justiça, enquanto Corregedor, não teria função judicante
porque ficaria em tempo integral por conta do Conselho. Os membros do Conselho e o
Corregedor teriam mandato determinado de três anos, por exemplo. O Corregedor, nas
correições e nas investigações, poderia requisitar juízes e membros do Ministério Público,
federais ou estaduais. Assim, por exemplo, diante de denúncias ou representações contra
órgãos jurisdicionais de certa região do País, requisitaria juízes e representantes do
Ministério Público de outras regiões que o auxiliariam nas investigações. O Corregedor
seria o órgão executivo do Conselho. O Conselho, assim composto, poderia, respeitando
a independência da magistratura, realizar o que denomino de controle de qualidade da
magistratura e dos serviços da Justiça.
Mas, Sr. Presidente, o Conselho instituído pela Emenda 45 não me parece, na sua
feição institucional, ilegítimo sob o ponto de vista constitucional. Mas deram-lhe tantas
atribuições — e atribuições pequenas, atribuições que devem ser exercidas pelos juízes
corregedores —, que um eminente magistrado gaúcho, o Desembargador Vladimir Passos
de Freitas, um juiz que respeito, escreveu:
O Sr. Ministro Cezar Peluso (Relator): Ministro Carlos Velloso, ele é de Santos.
O Sr. Ministro Carlos Velloso: Sim, conterrâneo de Vossa Excelência. Com a sua
costumeira argúcia, registrou o Desembargador Vladimir Passos de Freitas, ao discorrer
sobre a competência do Conselho, que:
“A esse compete originariamente, ou de forma supletiva, o controle discipli-
nar dos magistrados. De todas as atribuições do novo órgão, esta certamente é a
mais complexa. O Conselho terá competência para receber e conhecer das reclama-
ções contra membros ou órgãos do Poder Judiciário, inclusive contra os prestadores
dos serviços notariais e de registros. O dispositivo é preocupante. Atuam, no Brasil,
cerca de doze mil juízes e um número enorme desconhecido de funcionários do
foro judicial e do extrajudicial. O gigantismo do Judiciário brasileiro vai gerar um
grande número de representações, se não for criado uma estrutura moderna e efici-
ente, o Conselho Nacional de Justiça corre o risco de cair no descrédito, de cair no
ridículo - como dizia há pouco o eminente Ministro Sepúlveda Pertence, com a sua
argúcia, o Supremo vai, as prebendas vão avolumar-se nesta Casa.”
O Sr. Ministro Carlos Britto: Vossa Excelência me permite um aparte?
O Sr. Ministro Carlos Velloso: Com todo o prazer.
908 R.T.J. — 197

O Sr. Ministro Carlos Britto: Em obra editada, agora em 2003, pela editora RT,
página 35, o mesmo eminente Magistrado Vladimir Passos de Freitas diz o seguinte — o
que me parece uma grande e justa preocupação dele com corporativismo do Judiciário:
“As infrações administrativas praticadas por um magistrado de segunda ins-
tância devem ser apuradas no próprio tribunal onde ele exerce as suas funções. A
apuração nem sempre é fácil. A convivência durante anos, a aproximação das
famílias, a solidariedade nos momentos difíceis de vida, tudo isso cria vínculos
fortes. É exigir demais, ainda que não seja impossível, que um colega investigue a
falta funcional praticada por outro.” — e arremata o eminente Desembargador —
“Disso resulta que pouco se faz em tal sentido.”
O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): A observação, Ministro, é de que a
correição horizontal é quase inexistente; a vertical pode dar exemplos, os quais são
estatísticos.
O Sr. Ministro Carlos Velloso: Quer dizer, Ministro Carlos Britto, que Vossa Exce-
lência acaba entendendo que essas questões devem ser examinadas pelo Conselho?
O Sr. Ministro Carlos Britto: Concorrentemente, como, aliás, diz a Emenda.
O Sr. Ministro Carlos Velloso: Aliás, é o que escrevi em 1986. Penso assim tam-
bém. Em 1986, cheguei a dizer isso, falando até que somos capazes de punir os juízes
tardinheiros.
Eminente Colega e Ministro Carlos Britto, o que me parece que não tem legitimi-
dade constitucional não é isso, mas, sim, o que está na sua composição, conforme, aliás,
decidiu o Supremo Tribunal Federal, em sessão administrativa, pelo voto dos Senhores
Ministros.
O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Ministro, Vossa Excelência me permite?
Acho que, na sessão administrativa, não se julgou a constitucionalidade de pre-
tensão, mas, sim, a conveniência política do envio. Essa foi a posição do Ministro Cezar
Peluso. Numa sessão administrativa, não se submeteu isso, Ministro, mas, sim, a conve-
niência.
O Sr. Ministro Carlos Velloso: Quando o Presidente do Supremo Tribunal Federal
pediu a posição da Casa, que seria levada ao Congresso, os Ministros se manifestaram
expressamente. E a maioria condenou a existência de estranhos no Conselho.
O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Posição em relação à situação da conve-
niência.
O Sr. Ministro Carlos Velloso: Nenhum Ministro do Supremo Tribunal Federal,
data venia, deixaria de pensar, primeiro, naquilo que ele tem, por expressa determinação
constitucional, a guarda da Constituição. Somos os guardiões da Constituição.
O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Mas não na sessão administrativa, não
foi esse o objeto da discussão.
O Sr. Ministro Carlos Velloso: Ora, um ou outro talvez possa dizer que não pensou
na Constituição. Certo é que não podemos deixar de considerá-la, jamais. Na sessão
administrativa convocada pela Presidência, os Srs. Ministros Maurício Corrêa, eu
R.T.J. — 197 909

próprio, Marco Aurélio, Ellen Gracie, Gilmar Mendes e Cezar Peluso votamos contra
a inclusão, no Conselho, dos não-magistrados, representantes do Senado, da Câmara,
dos advogados e dos membros do Ministério Público. Seis Ministros, portanto. A estes
votos acresceu, em parte, o voto do Ministro Sepúlveda Pertence, que inadmitia os
representantes do Senado e da Câmara, mas admitia os advogados e membros do Ministé-
rio Público. Sete Ministros, portanto, não admitiam os representantes da Câmara e do
Senado.
O Sr. Ministro Cezar Peluso (Relator): Vossa Excelência me permite?
É importante esclarecer a posição de cada qual, mas, até, suporia desnecessário tal
esclarecimento, porque, embora não queira generalizar o meu pensamento, imagino que
nenhum Ministro do Supremo, chamado a manifestar-se, administrativamente, sobre
uma questão a ser submetida à votação do Congresso Nacional, daria uma opinião que
não fosse puramente política ou de cidadão e antecipar com um prejulgamento uma ação
de inconstitucionalidade.
Quando dei minha opinião e, de certo modo, reafirmei hoje o meu ponto de vista,
de que do ponto de vista de conveniência não me agrada realmente a participação nem
de membros da advocacia, do Ministério Público, dentre o cidadão, na estrutura do
Conselho, não significava que a questão, do ponto de vista constitucional, não fosse
outra.
O Sr. Ministro Carlos Velloso: Perfeito, Ministro Cezar Peluso. É o que o Ministro
Marco Aurélio diz, o juiz costuma evoluir.
O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Ninguém evoluiu, permanece a mesma
posição.
O Sr. Ministro Cezar Peluso (Relator): Não. Ninguém evoluiu. Eu não evolui nada.
Eu continuo com a minha convicção.
O Sr. Ministro Carlos Velloso: Ou pode involuir também. Ou pode ser convertido.
Saulo foi convertido. Felizmente, não caminhei na estrada de Damasco.
Sr. Presidente, quanto aos representantes da política partidária — os indicados
pelo Senado e pela Câmara terão essa característica —, não admito no Conselho. A uma,
em nome da separação dos Poderes, que constitui cláusula pétrea (CF, art. 60, § 4º, III). É
que ter-se-á, com a indicação de representantes de um Poder para fiscalizar outro Poder,
ingerência de um Poder em outro Poder, com maus-tratos na cláusula pétrea da separação
dos Poderes. Essa participação, portanto, é inconstitucional. A EC 45, no ponto, feriu de
morte a cláusula pétrea da separação dos Poderes. A duas, porque a participação de
representantes da política partidária na administração da Justiça causará danos ao Poder
Judiciário e à independência deste, com ofensa, destarte, ao disposto no artigo 2º da
Constituição Federal. A política partidária deve estar distante da Justiça por expressa
recomendação constitucional: CF, art. 95, parágrafo único, III.
No tocante aos advogados e membros do Ministério Público, não obstante o res-
peito que lhes decido, respeito, admiração e estima, reporto-me ao que foi dito linhas
atrás: a natureza da advocacia se realiza em postular, requerer e exigir o advogado, junto
aos juízes e tribunais, o reconhecimento de direito e o cumprimento de obrigações.
Ademais, é forçoso reconhecer que o advogado ficaria proibido de exercer a advocacia
910 R.T.J. — 197

enquanto membro do Conselho, o que configuraria situação constrangedora. E estaria


ele incurso na “quarentena” dos juízes? E quanto aos membros do Ministério Público,
sua presença será imprescindível, mas no papel do Ministério Público, na condição,
pois, de custos legis, fiscal da lei e da Constituição.
A inclusão dos representantes da OAB e do Ministério Público no Conselho ofende
o disposto no art. 60, § 4º, III, e o disposto no art. 2º da Constituição Federal.
Sr. Presidente, com a licença do eminente Ministro Cezar Peluso, que respeito,
estimo e admiro, e dos Srs. Ministros que o acompanharam, subscrevo o voto da eminente
Ministra Ellen Gracie, pelo que julgo procedente, em parte, a ação. Declaro, em conseqüên-
cia, a inconstitucionalidade dos incisos X a XIII do art. 103-B, introduzidos pela EC 45,
de 2004.
É como voto.

VOTO
O Sr. Ministro Celso de Mello: É justo e necessário que se reconheça o voto
magnífico, erudito e luminoso que o eminente Ministro Cezar Peluso proferiu no exame
de questão impregnada da mais elevada importância e revestida de tão expressiva
significação para o processo de aperfeiçoamento institucional do sistema judiciário
brasileiro, como o é o tema pertinente à previsão, pela EC 45/2004, do Conselho
Nacional de Justiça.
Sabemos todos que o constituinte brasileiro, ao elaborar a Constituição que nos
rege, mostrou-se atento e sensível à experiência histórica das sociedades políticas e fez
consagrar, na Carta da República que promulgou, fiel à nossa própria tradição constitu-
cional, um princípio revestido de fundamentalidade marcante no plano das relações
institucionais entre os órgãos da soberania nacional.
Refiro-me ao princípio da separação de Poderes, cuja razão de ser — na visão
permanentemente atual de José Antônio Pimenta Bueno, Marquês de São Vicente
(“Direito Público Brasileiro e Análise da Constituição do Império”, pp. 32/33, itens
ns. 27/28, 1958, reedição do Ministério da Justiça, Rio de Janeiro) — apóia-se na neces-
sidade de preservar os direitos dos cidadãos e de inibir, mediante controles interorgâ-
nicos recíprocos, “o espírito usurpador do poder”, conforme advertia, já no final do
século XVIII (1787/1788), James Madison, em texto lapidar constante de “O Federa-
lista” (n. 47 e 48, 1984, Editora UnB), reiterando, no ponto, observação feita, em 1690,
por John Locke (“Segundo Tratado sobre o Governo”, pp. 89/92, itens n. 141/144,
1963, Ibrasa), tal como pude acentuar em decisão proferida nesta Suprema Corte,
quando do julgamento da ADI 2.213/DF, Relator Min. Celso de Mello (RTJ 190/
139-143, 152-164).
A Constituição da República, ao dispor sobre a configuração institucional do
Estado, proclama que os Poderes da República são “independentes e harmônicos entre
si” (CF, art. 2º). Não obstante esse grau de autonomia, os Poderes do Estado — que, na
realidade, são interindependentes — devem manter convívio harmonioso em suas rela-
ções institucionais, para que, do respeito recíproco entre as diversas instâncias de po-
der, possa resultar, como normalmente tem ocorrido no presente momento histórico,
R.T.J. — 197 911

uma prática governamental cujo paradigma constante resida no respeito consciente aos
grandes princípios proclamados pela Constituição.
A harmonia entre os Poderes da República qualifica-se como valor constitucional
a ser permanentemente preservado e cultivado. Mais do que mero rito institucional, o
convívio harmonioso — e reciprocamente respeitoso — entre os poderes do Estado
traduz indeclinável obrigação constitucional que a todos se impõe.
Sabemos que nenhum dos Poderes situa-se acima da Constituição. E sabemos,
ainda, que o justo equilíbrio político entre os Poderes do Estado decorre do convívio
harmonioso que deve pautar as suas relações institucionais.
A importância da divisão funcional do poder e a necessidade de preservação da
integridade das garantias dos Juízes — garantias que devem ser vistas muito mais
como formas de proteção dos próprios cidadãos —, considerada a estrutura institucio-
nal em que se organiza o aparelho de Estado, assumem significativo relevo político,
histórico e social, pois não há, na história das sociedades políticas, qualquer registro de
um Povo, que, despojado de um Judiciário independente, tenha conseguido preservar os
seus direitos e conservar a sua própria liberdade.
Sob essa perspectiva, e no contexto histórico em que hoje vive o nosso País,
situado entre o seu passado e o seu futuro, impulsionado pelos desafios da liberdade e
confrontado pela necessidade de impedir que os postulados da República, da Federação
e da divisão funcional do poder sejam afetados e comprometidos em sua eficácia e em
seu objetivo, torna-se imperioso reconhecer uma realidade política que se revela es-
sencial à compreensão de nosso mecanismo de governo.
E essa realidade, analisada a partir da necessidade de aperfeiçoamento dos me-
canismos de controles institucionais recíprocos entre os poderes do Estado, fundados
em um plano de estrita horizontalidade, concerne ao estabelecimento de um modelo
eficaz e transparente, viabilizador da supervisão das atividades financeiras e do con-
trole da gestão orçamentária do Poder Judiciário, bem assim de fiscalização disciplinar
dos magistrados que descumpram os seus deveres funcionais, tais como previstos pela
EC 45/2004, ao definir o âmbito de competência institucional do Conselho Nacional
de Justiça.
A questão da fiscalização externa dos atos dos magistrados, quando desvestidos
de conteúdo jurisdicional, projeta-se como um dos tópicos mais relevantes, expressivos
e sensíveis da agenda — só em parte agora concretizada — de reformulação institu-
cional do Poder Judiciário.
Sempre entendi essencial e plenamente compatível com a idéia republicana —
que possui extração constitucional — a necessidade de instaurar-se, em nosso País, um
sistema destinado a viabilizar a instituição de modelo vocacionado a conferir efetividade
ao processo de fiscalização social dos atos não-jurisdicionais emanados dos membros
e órgãos do Poder Judiciário.
Cheguei a propor, por isso mesmo, em 22-5-1997, quando de minha posse na Presi-
dência deste E. Supremo Tribunal Federal, a extensão do mecanismo do impeachment,
hoje restrito aos membros da Suprema Corte brasileira (CF, art. 52, II), a todos os magis-
trados, assinalando, então, que os Juízes do nosso mais alto Tribunal judiciário têm
912 R.T.J. — 197

estado sujeitos, historicamente, a uma modalidade de fiscalização político-administra-


tiva que representa a forma mais radical de controle externo, porque instaurável,
perante órgão de outro Poder da República (o Senado Federal, no caso), por iniciativa de
qualquer cidadão (Lei n. 1.079/50, art. 41).
A circunstância de os Ministros do Supremo Tribunal Federal, nas infrações po-
lítico-administrativas (“crimes de responsabilidade”), haverem sido submetidos, desde
a nossa primeira Constituição republicana (1891), à jurisdição política do Senado
Federal, órgão integrante do Poder Legislativo, jamais interferiu nem afetou a inde-
pendência pessoal e a liberdade funcional dos magistrados que compõem a Corte
Suprema brasileira.
Vê-se, desse modo, a partir de nossa própria experiência institucional, que a idéia
de fiscalização social e externa revela-se imanente ao sistema da Constituição, por
traduzir mecanismo compatível com o postulado republicano.
Cumpre relembrar, neste ponto, o conhecido magistério, sempre irrepreensível,
do douto e saudoso Geraldo Ataliba (“República e Constituição”, p. 38, item n. 9,
1985, RT), para quem:
“A simples menção ao termo república já evoca um universo de conceitos,
intimamente relacionados entre si, sugerindo a noção do princípio jurídico que a
expressão quer designar. Dentre tais conceitos, o de responsabilidade é essencial.”
(Grifei)
Na realidade, o sistema democrático e o modelo republicano não admitem, nem
podem tolerar a existência de regimes de governo sem a correspondente noção de fisca-
lização e de responsabilidade.
Nenhuma instituição da República está acima da Constituição, nem pode preten-
der-se excluída da crítica social ou do alcance da fiscalização da coletividade.
Tenho, por isso mesmo, por plenamente válida, quer no plano formal, quer no
âmbito material, a previsão, pela EC 45/2004, do Conselho Nacional de Justiça, consi-
derando, não só as razões que venho de referir, mas apoiando-me, ainda, nas precisas
observações feitas pelo eminente Professor Alexandre de Moraes (“Direito Constitucio-
nal”, pp. 471/475, 17ª ed., 2005, Atlas) a propósito do Conselho Nacional de Justiça,
investido, legitimamente, de competência para efetivar o controle de atuação admi-
nistrativa e financeira do Poder Judiciário e para promover a fiscalização do cumpri-
mento, pelos magistrados, de seus deveres funcionais:
“A EC n. 45/04 estabeleceu, como órgão do Poder Judiciário, o Conselho
Nacional de Justiça, com sede na Capital Federal, porém sem funções jurisdicio-
nais, pois, como lembram Garcia de Enterría e Fernandez Tomás-Ramón, ‘a relação
entre o Direito e o Juiz é direta, sem que nenhum outro sujeito ou órgão possa
intervir no momento de tomar suas decisões.
(...)
Não se trata (...) de um verdadeiro controle externo ao Poder Judiciário, nem
tampouco de última instância controladora da magistratura nacional, uma vez que
sempre haverá a possibilidade de impugnação das decisões tomadas pelo Conselho
Nacional de Justiça, cuja competência para o processo e julgamento de eventuais
R.T.J. — 197 913

ações propostas será sempre do Supremo Tribunal Federal, nos termos do art. 102,
I, r, da Constituição Federal.
(...)
Dessa forma, independentemente do posicionamento político sobre a con-
veniência ou não da criação e existência desse órgão de controle central do Poder
Judiciário, três importantes pontos caracterizadores do Conselho Nacional de Jus-
tiça afastam a possibilidade de declaração de sua inconstitucionalidade, por inter-
ferência na Separação de Poderes (CF, art. 60; §4º, III): ser órgão integrante do
Poder Judiciário, sua composição apresentar maioria absoluta de membros do
Poder Judiciário e possibilidade de controle de suas decisões pelo órgão de cúpula
do Poder Judiciário (STF).
Essas três marcantes características garantem a constitucionalidade do Con-
selho Nacional de Justiça, além de reforçarem e centralizarem na força do Supremo
Tribunal Federal todo o ordenamento jurídico-constitucional brasileiro, tornando-o,
não só a cúpula jurisdicional do Poder Judiciário brasileiro, como tradicionalmente
estabelecido, mas também, a partir da EC n. 45/04, sua cúpula administrativa,
financeira e disciplinar, pois todas as decisões do Conselho Nacional de Justiça
sobre o controle da atuação administrativa e financeira dos diversos tribunais e
sobre a atuação funcional dos magistrados serão passíveis de controle jurisdicional
pelo STF (CF, art. 102, I, r), que fixará o último posicionamento.” (Grifei)
Concluo o meu voto, Senhor Presidente. E, ao fazê-lo, acompanho, integralmente,
por seus próprios fundamentos, o magnífico voto proferido pelo eminente Ministro
Cezar Peluso, para também reconhecer, seja no plano formal, seja no âmbito material,
a plena validade jurídico-constitucional do Conselho Nacional de Justiça, eis que a
sua previsão, nos termos estabelecidos pela EC 45/2004, não desrespeitou nem impor-
tou em transgressão aos postulados maiores — como o princípio republicano, o prin-
cípio da Federação e o princípio da separação de Poderes — fundados na Constitui-
ção da República.
Com estas considerações, Senhor Presidente, peço vênia para julgar improce-
dente a presente ação direta de inconstitucionalidade.
É o meu voto.

VOTO
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Sr. Presidente, começo por aquilo que, até aqui,
é unânime: afasto a argüição de inconstitucionalidade formal.
No processo bicameral brasileiro de emendas à Constituição, não se tem, ao contrário
do que ocorre no processo legislativo ordinário, a prevalência da Casa de origem. Por
isso, não havia por que devolver à Câmara dos Deputados a emenda meramente
supressiva, aprovada pelo Senado, de parte de dispositivo vindo da Câmara.
Na questão de inconstitucionalidade material, no entanto, apesar da hora, e de ser
tão do meu gosto acompanhar as lições do eminente Ministro Cezar Peluso, no caso, não
o poderei fazer, o que me obriga, sem pretensão de ombrear-lhe o voto formalmente
antológico, a expor as razões do meu dissenso parcial.
914 R.T.J. — 197

Começo pedindo licença para recordar o voto que proferi, acompanhado pela
unanimidade do Plenário, na ADIn 98, de 7 de agosto de 1997 (RTJ 188/394): cuida-
va-se, então, da criação, pela Constituição do Estado de Mato Grosso, de um conselho
de formação heterogênea reunindo magistrados e membros dos dois outros Poderes,
além do Presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, para a fiscalização administrativa
do Poder Judiciário.
Então, aduzi:
“O tema — depois de diversos julgamentos liminares de suspensão cautelar
de dispositivos semelhantes (v.g., ADIn 98-MC/MT, C. Mello, 18-10-89; ADIn
137-MC/PA, Moreira, 13-11-89; ADIn 197-MC/SE, Sanches, 25-5-90, ADIn
251-MC/CE, Passarinho, 20-4-90, RTJ 149/3) — foi enfrentado, em decisão defi-
nitiva, na ADIn 135/PB, Relator o eminente Ministro Octavio Gallotti, cuja ementa
consigna:
‘Criação, pela Constituição do Estado da Paraíba (art. 147 e seus parágrafos),
de Conselho Estadual de Justiça, composto por dois desembargadores, um repre-
sentante da Assembléia Legislativa, o Procurador-Geral da Justiça, o Procurador-
Geral do Estado e o Presidente da Seccional da OAB, como órgão da atividade
administrativa e do desempenho dos deveres funcionais do Poder Judiciário.
Inconstitucionalidade dos dispositivos, declarada perante o princípio da se-
paração dos Poderes — art. 2º da Constituição Federal — de que são corolários o
auto-governo dos Tribunais e a sua autonomia administrativa, financeira e orça-
mentária (artigos 96, 99, e parágrafos e 168 da Carta da República).
Ação direta julgada procedente’.
Essa é também a convicção a que cheguei, depois de longa reflexão e alguma
leitura sobre a experiência européia com instituições similares.
De logo, não me impressiona que, na Europa, sejam nações democráticas as
que têm criado tais órgãos e, quase sempre, no momento mesmo em que, vencidas
as suas experiências autoritárias, retomaram a democracia.
Não há dúvida de que o princípio da separação e independência dos Poderes —
instrumento que é da limitação do poder estatal — constitui um dos traços caracte-
rísticos do Estado Democrático de Direito.
Mas, como há pouco assinalava neste mesmo voto, é princípio que se reveste,
no tempo e no espaço, de formulações distintas nos múltiplos ordenamentos posi-
tivos que, não obstante a diversidade, são fiéis aos seus pontos essenciais.
Por isso, quando erigido, no ordenamento brasileiro, em princípio constitu-
cional de observância compulsória pelos Estados-Membros, o que a este se há de
impor como padrão não são concepções abstratas ou experiências concretas de
outros países, mas sim o modelo brasileiro vigente de separação e independência
dos Poderes, como concebido e desenvolvido na Constituição da República.”
Faço aqui um parêntese na transcrição, para recordar que, nesta Casa, o grande
Orozimbo Nonato, ao votar na Rp 94, já o assinalara (cf. Edgard Costa — Os Grandes
Julgamentos do Supremo Tribunal Federal, 1964, 2/136, 175):
R.T.J. — 197 915

“Só de maravilha — dizia o grande Juiz — haverá regime de características


rígidas que denunciam em fisionomia ostensiva a adoção de um tipo determinado
e puro de governo.”
Para acentuar, pouco depois:
“O que interessa é o padrão adotado na Constituição nacional, e não o consa-
grado em leis políticas de outros povos ou preconizado por este ou aquele doutor.”
Prossegui eu no meu voto na ADIn 98:
“À identificação dos signos característicos de um sistema de positivação do
princípio menos importará talvez a divisão tripartite das funções jurídicas do Esta-
do — vale dizer a separação dos Poderes, cujas linhas básicas são mais ou menos
constantes — do que o mecanismo dos freios e contrapesos — que, delimitando as
interferências permitidas a um na área da função própria de outro, permitem, em
contraposição, apurar a dimensão real da independência de cada um dos Poderes,
no modelo considerado.
Ora, pelo menos na formulação do constitucionalismo republicano brasileiro,
como assinalou no precedente o Ministro Gallotti — o autogoverno do Judiciário
e sua autonomia administrativa —, além de espaços variáveis de autonomia finan-
ceira e orçamentária — têm sido reputados corolários da independência do Poder.
Naquele caso, para acompanhar o voto do Relator, observei que, a meu ver, a
pregação, no Brasil, a título de controle externo do Judiciário, do transplante da
experiência européia dos conselhos superiores da magistratura, tem decorrido,
quando não de má-fé, de uma leitura distorcida do significado da instituição nos
países que a tem admitido.
É certo, assinalei, que, a partir da Constituição republicana da Itália, se vêm
difundindo, em quase toda a Europa continental” — com exceção notável da
Alemanha a que não foi fiel, hoje, o eminente Ministro Gilmar Mendes —, “órgãos
do tipo do Conselho Superior da Magistratura italiano, composto de magistrados
e de representantes de outros Poderes, encarregados da disciplina e de certas tarefas
de administração da Justiça, particularmente as que dissessem com a própria carreira
judicial.
Sigo convencido de que não é apenas o fato de serem regimes parlamenta-
ristas — onde menos rígido o dogma da separação dos Poderes — o que explica
que não se lhes tenha oposto o princípio da independência do Judiciário.
A explicação é antes histórica de que sistemática, e se liga ao preconceito
antijudiciarista da Revolução Francesa, racionalizado e sublimado por uma leitura
radical do princípio da separação dos Poderes que implicou atribuir ao Executivo —
especificamente aos Ministros da Justiça — todo o governo do sistema judiciário
(cf., v.g., Luis Mosquera, El Poder Judicial y la Constitución em La Constitución
Española de 1978 (direção de Predieri e García de Enterría), pp. 721, 723).
Essa completa dependência administrativa dos Tribunais ao Ministro da Justiça
durou até os processos europeus de democratização do segundo pós-guerra das
últimas décadas: a Itália conhecia um Conselho Superior da Magistratura desde
916 R.T.J. — 197

1907, mas com funções consultivas, despido, até 1946, de qualquer poder
decisório (Mortati, Instituzioni di Diritto Pubblico, 8ª ed., Padova, 1969, II/1161).
Por isso mesmo, também anotei no precedente, debalde se procurará na lite-
ratura européia a caracterização de tais Conselhos como órgãos do chamado “con-
trole externo” do Poder Judiciário: muito ao contrário — porque historicamente a
sua instituição tenha representado a superação, ainda que parcial, dos tempos de
completa submissão da administração da Justiça e sobretudo da carreira judicial ao
Executivo — toda a ênfase dos escritores recai no seu papel de garante da indepen-
dência da magistratura.
Com efeito.
Na Itália, que tem a respeito a experiência mais relevante — onde dois terços
da composição do CSM (e a totalidade da sua seção disciplinar) são de magistrados
eleitos pelos diversos escalões da estrutura judiciária e na qual o Governo não tem
representantes — é freqüente — malgrado um pouco de exagero, dada a parcela
significativa de funções que a própria Constituição reservou ao Ministro da Justiça
(art. 110) — a identificação do Conselho como órgão de autogoverno ou de auto-
nomia da magistratura (Mortati, op. cit., p. 1.165; Ceretti, Diritto Costituzionele
Italiano, 1958, p. 269; Crisafulli e Paladin, Comentario breve alla Costituzione,
Padova, 1990, art. 104 ss., p. 649 ss; Spagna Musso, Diritto Costituzionale, 4ª ed.,
Padova, 1992, p. 613).
Em Portugal, porque a composição atual dá prevalência aos membros desig-
nados pelo Presidente e pela Assembléia da República sobre os magistrados eleitos
por seus pares, Canotilho e Vital Moreira , (Constituição (...) Anotada, 2ª ed., art.
223, p. 345; Canotilho, Direito Constitucional, 5ª ed., p. 777), negam ao Conselho
o título de órgão de autogoverno da magistratura; reconhecem-lhe, não obstante, a
função essencial de “garantir a autonomia dos juízes dos tribunais judiciais,
tornando-os independentes do Governo e da administração”.
O mesmo se dá na Espanha, a propósito do Consejo General del Poder
Judicial, composto do Presidente do Tribunal Supremo e de vinte membros
nomeados pelo Rei, doze entre magistrados, quatro propostos pelo Congresso de
Deputados e quatro pelo Senado (Const., art. 122; Luis Mosquera, ob. cit., p.
727; Tomas e Valiente, Poder Judicial e Tribunal Constitucional em Escritos
sobre y desde el Tribunal Constituional, Madri, 1993, p. 63; J.F. López Aguilar,
La Justicia y sus Problemas en la Constitución, Madrid, 1996, p. 114: não sendo,
por sua composição, um órgão de autogoverno — mas uma “fórmula de
autogobierno parcial”, na dicção de Sanches Agesta (Sistema Político de La
Const. Española, Madri, 1994, p. 389) — o Conselho é, no entanto, órgão da
independência do Poder Judiciário, na medida em que desvinculou do Governo
os setores mais relevantes da administração da Justiça — “el núcleo duro del
gobierno interno, de la magistratura” — segundo López Aguilar — vale dizer,
da carreira judicial e da disciplina dos magistrados.
Na França mesmo, malgré tout — superadas, com a reforma de 1994, as
vicissitudes do autoritarismo gaullista — ao Conseil Supérieur de la Magistrature
se volta a emprestar a função de “assegurar a independência dos magistrados”
(cf. DM. Duverger; Le Système politique français, PUF, 1996, p. 430).
R.T.J. — 197 917

Tudo isso vem só a propósito de reafirmar que, num prisma tão delicado da
arquitetura constitucional como o do regime de Poderes, não é possível transplantar
instituições de outras plagas sem atenção à diversidade entre o seu significado na
origem e o que assumiria aqui.
Na Europa, como visto, os conselhos superiores da magistratura representa-
ram um avanço significativo no sentido da independência do Judiciário, na medida
em que nada lhe tomaram do poder de administrar-se, de que nunca dispuseram,
mas, ao contrário, transferiram a colegiados onde a magistratura tem presença rele-
vante, quando não majoritária, poderes de governo judicial que historicamente
eram reservados ao Executivo.
Ao contrário, a mesma instituição traduziria retrocesso e violência constitu-
cional, onde, como sucede no Brasil, a idéia da independência do Judiciário está
extensamente imbricada com os predicados de autogoverno crescentemente ou-
torgados aos Tribunais.
Na mesma linha de raciocínio, há um último ponto a sublinhar: em todos os
países que têm instituído os conselhos de formação heterogênea para o governo do
Judiciário — com a única exceção, que passou a adotar o princípio da unidade
jurisdicional (Const. de 1978, art. 117, 5) —, à magistratura judicial — por moti-
vos históricos similares aos já recordados —, jamais se entregou nem o controle da
legalidade da administração, nem muito menos o de constitucionalidade das leis.
Quanto aos órgãos da jurisdição constitucional, é significativo notar que
mesmo onde — como sucede na Espanha (Tomas y Valiente, Los Jueces y la
Constitución, ob. cit., p. 86) — e em Portugal (Canotilho e Vital Moreira, ob. Cit.,
art. 212º, II/323) — o Tribunal Constitucional exerce jurisdição e se reputa inte-
grante do Poder Judiciário, é dele próprio o seu governo e a ninguém ocorreria
submeter os seus juízes ao poder disciplinar dos Conselhos Superiores.”
Entre parênteses, assinalo que, para a minha felicidade, o próprio voto condutor do
Ministro Cezar Peluso deixou explícito que os Juízes deste Tribunal não estão submeti-
dos a esta magistratura censória, que a Emenda Constitucional n. 45 criou — não por
glória nem orgulho desta Casa, mas pela incompatibilidade de suas funções com o
controle de um órgão administrativo do Poder Judiciário, como é o Conselho Nacional.
Mas isso não resolve tudo como terá resolvido em Portugal e na Espanha.
É que — continuava eu na ADIn 98:
“No sistema brasileiro, todo órgão judiciário é juiz da legalidade da adminis-
tração e da constitucionalidade das leis.
É um dado a mais para evidenciar o trauma que representaria ao modelo
positivo brasileiro de independência do Judiciário, que tem um dos seus pilares no
autogoverno, a introdução em Estado-Membro de um órgão de administração e
disciplina em cuja heterogênea formação se abrissem flancos à intromissão dos
outros Poderes.”
Mudam, essencialmente, as coisas quando se cuida, hoje, não da validade de uma
Constituição Estadual, mas, sim, de uma emenda à Constituição da República? O emi-
nente Ministro Cezar Peluso pretende que sim. Chegou a afirmar, se não me engano, que
918 R.T.J. — 197

a invocação desses precedentes relativos aos Conselhos Estaduais sustentados pelas


Constituições de 1989, ao caso presente, é de impertinência radical. Lamento — quiçá,
temerariamente — dissentir de Sua Excelência no ponto.
O núcleo essencial do princípio fundamental da separação e independência dos
Poderes — sempre conforme a modelagem que lhe deu a Constituição brasileira — não
se altera, segundo funcione ele, conforme os precedentes, como limitação à autonomia
constitucional dos Estados-Membros ou, como agora se cogita, como limitação material
ao poder de emenda da própria Constituição Federal.
Na demarcação desse núcleo essencial do princípio de separação e independência
dos Poderes, seja como limitação à autonomia constitucional do Estado-Membro, seja
como cláusula pétrea, tem papel do maior relevo o mecanismo positivo, conforme a
Constituição, dos pesos e contrapesos.
O notável Laurence Tribe escreveu:
“It is the institutional interdependence rather than functional independence
that best summarizes the American idea of protecting liberty by fragmenting
power” (American Constitutional Law, 1ª edição, 1978, p.17)
Por isso mesmo é que o Tribunal tem repudiado qualquer ensaio, pelas Constitui-
ções — Estaduais — e o mesmo, a meu ver, se aplicaria em relação às emendas constitu-
cionais à Carta da República — de criação de novos pesos e contrapesos, sem correspon-
dência no modelo positivo do regime de Poderes.
Recordo, alguns: autorização legislativa para exonerar Secretário de Estado, ADIn
221/PB, Moreira Alves; a convocação do Governador para explicações, por dois terços
da Assembléia Legislativa, ADIn 111/BA, Carlos Madeira; a submissão do nome do
Procurador-Geral de Justiça, Chefe do Ministério Público Estadual, à aprovação da
Assembléia Legislativa, ADIn 452, Maurício, e ADIn 1.288/AP, Pertence.
E, talvez, o tópico mais expressivo: a imposição aos Estados-Membros, no silêncio
da Constituição de 1988 — ao contrário do que ocorria nas Cartas de 67 e 69 —, dos
traços fundamentais do processo legislativo federal, no que imbricado com a indepen-
dência e separação dos Poderes (v.g., MC ADIn 822, Pertence; ADIn 2.434, Pertence,
RTJ 179/204).
O Sr. Ministro Carlos Britto: Vossa Excelência me permite um aparte?
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Com todo o prazer.
O Sr. Ministro Carlos Britto: Como, no bojo da Emenda Constitucional n. 45, o
Conselho Nacional de Justiça é órgão do próprio Poder Judiciário, interno a ele, creio
que não há de se falar de mais um mecanismo de freios e contrapesos, porque não se trata,
aqui, de penetração de um Poder no outro.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Como verá Vossa Excelência, é órgão do Poder
Judiciário em que alguns dos seus componentes, para serem reconduzidos, tem de voltar
às águas lustrais de sua origem parlamentar.
O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Vossa Excelência não odeia o Parlamento?
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Não, pelo contrário.
R.T.J. — 197 919

O Sr. Ministro Carlos Britto: É porque todos nós passamos pelo crivo do Parlamento
para chegarmos aqui.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Sim, chegarei lá também.
Postas essas premissas, devo reconhecer que a fórmula adotada na Emenda Consti-
tucional 45, de 2004, foi bem mais suave do que a que se temia há alguns anos. Anos em
que — costumo insistir —, com todas as ressalvas de que a idéia de controle externo se
dirigia a fiscalização administrativa, a idéia de sua criação só vinha à tona quando uma
decisão judicial, particularmente uma decisão deste Tribunal, desagradava a esta ou
aquela corrente política. Tenho em meus guardados — não rasgo papéis, mas também
não os encontro — dois artigos exemplares; um, de um caríssimo amigo meu, hoje
Presidente Nacional do partido no poder, que entendia reacionária, formalista e elitista
determinada decisão do Supremo. E terminava o seu artigo: por essas e outras é inadiável
o controle externo do Poder Judiciário. Na mesma semana e na mesma página do grande
jornal paulista, um outro homem público, e ilustre — que infelizmente não poderia
arrolar entre os meus amigos — considerava outra decisão do Supremo “jurássica”,
populista, “esquerdóide”. E último período, se não era idêntico, substancialmente vinha
o mesmo pensamento: por essas e por outras é preciso instituir o controle externo do
Poder Judiciário.
Repito, a Emenda Constitucional 45 foi bem mais sutil, bem mais suave.
Por isso, na criação em si mesma do Conselho Nacional de Justiça, eu não vejo
inconstitucionalidade e, nesse ponto, me dispenso de maiores considerações subscre-
vendo as do eminente Ministro Relator.
Nem vejo ofensa à Federação. O paradigma, aqui também, é a Federação “à brasi-
leira”, é preciso frisar. E aqui já se disse o bastante, particularmente nos votos dos
Ministros Cezar Peluso e Ellen Gracie, mediante a invocação do dogma da unicidade
nacional do Poder Judiciário — enfatizado desde João Mendes, passando por Castro
Nunes e, hoje, uma virtual unanimidade doutrinária — que deixa marcas no modelo
positivo brasileiro, particularmente no art. 93, onde se prevê, por lei complementar de
iniciativa do Supremo Tribunal Federal, um estatuto único da Magistratura Nacional.
Assim, não vejo inconstitucionalidade na criação do Conselho e fico feliz de não
divisá-la. Desde quando Presidente deste Tribunal, de 1995 a 1997 — e dispus-me a
voltar ao que sempre gostei de fazer, ser um agitador da idéia de reforma judiciária —,
preguei a necessidade de um órgão central e nacional de planejamento, de administração
superior e controle disciplinar supletivo da Magistratura.
Mas, não passo, daí, a entender integralmente constitucional o novo art. 103-B da
Constituição, objeto nuclear da argüição.
É que nele se criou uma forma nova de ingerência do Poder Legislativo na compo-
sição de um órgão formalmente inserido na estrutura nacional do Poder Judiciário, com
imensos poderes, aqui corretamente já chamados, hoje, de “poderes de superposição” a
todo o exercício do autogoverno do Judiciário Federal e também do Judiciário dos
Estados-Membros. Refiro-me à indicação de dois membros do Conselho Nacional de
Justiça, um, pelo Senado; outro, pela Câmara dos Deputados.
Por motivos que votos que me antecederam já expuseram com eloqüência, não dou
relevo a que sejam esses dois cidadãos minoria na composição do colegiado, nem me
920 R.T.J. — 197

impressiona que se tenha inserido o Conselho Nacional de Justiça, no art. 92, entre os
órgãos do Poder Judiciário.
É certo, já se disse, em contrário, que a indicação desses dois cidadãos pelas Casas
do Congresso Nacional à nomeação do Presidente da República não os faz representantes
dos Poderes partícipes de sua investidura: seriam eles, uma vez indicados pelo Congresso
e nomeados pelo Presidente da República, integrantes de um organismo do Poder Ju-
diciário, tanto quanto o somos nós, Juízes do Supremo Tribunal, os dos Tribunais
Superiores e os dos Tribunais Federais em geral.
Mas, com relação ao Conselho Nacional de Justiça, permitam-me, o argumento
substantiva um paralogismo. Basta considerar que, ao contrário do que sucede no Con-
selho Superior da Itália, modelo preferido dos pregoeiros do controle externo, estes dois
cidadãos, providos pela indicação das Casas do Congresso e nomeação do Presidente da
República, têm mandato e são reconduzíveis, fórmula que já se tem já suficientemente
criticada a propósito, por exemplo, do Tribunal Constitucional Português, que vem, há
poucos anos, de aboli-la. E, no entanto, se introduz no Brasil um órgão — repito — de
superposição aos poderes de autogoverno do Judiciário, com membros não só escolhidos
mas também reconduzíveis pela vontade das Casas do Parlamento.
Por isso, Sr. Presidente, julgo inconstitucional, em parte, o art. 103, b, conforme a
Emenda Constitucional n. 45, de 2004, para declarar a invalidez de seu inciso XIII.
Dissentindo, agora, da esmagada minoria, não penso o mesmo com relação aos
incisos X, XI e XII, que prevêem a participação, neste Conselho, de membros do Minis-
tério Público e de advogados indicados pelo Conselho Federal da Ordem dos Advoga-
dos do Brasil.
Parece óbvio, a essa altura da discussão, que nem para mim nem para os votos que
têm dado pela procedência da ação, em maior ou menor extensão, o respeito devido ao
núcleo irredutível do princípio — homenageio o Ministro Cezar Peluso —, não implica
a imutabilidade de todo o regime de poderes da Constituição, muito menos implicam na
sua “estanqueização”, com licença do Ministro Joaquim Barbosa para compartilhar do
neologismo.
Ministério Público e Advocacia por disposição constitucional inédita no Brasil, e
creio que sem similares estrangeiros (salvo onde, como na Itália, no que toca ao Minis-
tério Público, os seus membros integram a mesma carreira da magistratura judicante; em
Portugal também, todos se chamam “magistrados”, mas as carreiras são diferentes — são
aqui consideradas, repito, instituições que exercem função essencial à jurisdição).
E mais, são, por força do art. 94 da Lei Fundamental, órgãos parciais de composição
de todos os Tribunais da República, salvo o Supremo Tribunal Federal e os Tribunais
Eleitorais.
Esta inclusão de advogados e agentes do Ministério Público, escolhidos por seus
órgãos respectivos, na composição do Conselho Nacional de Justiça, apenas concretiza
e reforça esse papel de instituições essenciais à Justiça e, portanto, co-responsáveis pelo
bom funcionamento do serviço judiciário. Apenas concretiza e reforça esse papel, sem
desnaturar o Conselho, nem ofender o dogma da independência dos Poderes.
Nesses termos julgo parcialmente procedente a ação direta.
R.T.J. — 197 921

VOTO
O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Senhores Ministros, acompanho esse
debate da formação do Conselho, órgão de fiscalização do Poder Judiciário, há muito
tempo.
Junto com outros, fui derrotado em 1987, na Assembléia Nacional Constituinte,
quando se propôs um desenho de Conselho. Naquele tempo, remeti à lei complementar
o projeto de emenda apresentado pelo então Senador Maurício Corrêa. Em 1993, fizemos
um desenho desse Conselho Nacional de Justiça, cujos poderes e competência são exa-
tamente os aprovados na Emenda Constitucional n. 45. Lembro que toda vez que íamos
debater o assunto da reforma do Poder Judiciário, até o final do século passado, só
sentavam à Mesa as corporações, as representações da magistratura, as dos advogados e
as do Ministério Público. Como essas corporações eram extraordinariamente divididas,
não se sentava só a Associação dos Magistrados Brasileiros para discutir a reforma —
porque os juízes trabalhistas e federais entendiam que essa Associação representava o
interesse dos juízes estaduais —, sentavam, então, as três associações. Sentavam também
a Associação dos Juízes Militares, da Magistratura Militar. Do lado do Ministério Público,
sentava a antiga Conamp, representativa do Ministério Público estadual, e a representa-
ção dos Procuradores da República, que, na época, tinha uma conotação de serem tam-
bém advogados. Durante a Constituinte, inclusive, houve um conflito grande porque a
Associação do Ministério Público estadual pretendia excluir — como, de resto, foi
excluído — a possibilidade de serem advogados da União também, o que era rechaçado
pelo então presidente.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Com uma ligeira prevaricação então do Procura-
dor-Geral, que era eu.
O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Com uma ligeira prevaricação do Ministro
Sepúlveda Pertence, e com a oposição do então Presidente da Associação dos Procura-
dores da República, hoje eminente Ministro Advogado-Geral da União, que, atendendo
a reclames da sua base, pretendia a manutenção da Advocacia centrada no Ministério
Público, com aquela solução que havia antes.
Mas dessa discussão sempre participaram, exclusivamente, as corporações. Com
toda essa celeuma, os juízes conflitantes com o Ministério Público, porque este queria
atrelar a sua remuneração à dos juízes e os juízes não queriam, pois entendiam que, com
isso, não teriam o aumento na sua remuneração — estou falando sobre história, não sobre
questões axiomáticas ou dogmáticas. Os advogados, por sua vez, a mesma coisa. A OAB
sentava à Mesa, mas só representava advogados não especialistas, portanto, tinha que
sentar a Associação dos Advogados Trabalhistas; tinha que sentar aquela complexa
associação — “n” associações que tínhamos naquela advocacia de Estado, toda ela
partilhada entre autarquias, Consultoria-Geral da República, etc., mas tudo voltado às
corporações.
Assisti, durante todos esses anos, ao debate real que se travava naqueles fóruns,
exatamente o debate do espaço de cada uma dessas corporações no controle do Poder
Judiciário. Muito pouco se debatia sobre celeridade, sobre eficiência, mas debatiam-se
os conflitos entre os espaços de cada um. Os advogados querendo ampliar o quinto cons-
titucional, e os juízes querendo destruí-lo. Os advogados pretendendo que os membros do
922 R.T.J. — 197

quinto do Tribunal de Alçada fossem promovidos na vaga de juízes, e os juízes queren-


do na vaga de advogados. O resultado é que esses magistrados indicados pelo quinto
constitucional na Alçada não eram uma coisa nem outra. Não eram juízes para os juízes
de carreira, e não eram advogados para os advogados. Tudo isso levou sempre a um
desenho e a um modelo autônomo-corporativo de isolamento, na linguagem de
Cappelleti, que era exatamente a absolutização da independência, isolando o Poder
Judiciário do resto da organização estatal e da sociedade.
Quando chegamos ao ano 2000, o Poder Judiciário passou a ser uma preocupação
nacional; não era mais mera preocupação das categorias ou de juristas acadêmicos. Por
quê? Qual a razão de se debater muito sobre a necessidade de um órgão que tem duas
funções? Uma, a principal, sob o meu ponto de vista, é exatamente a função da formula-
ção de uma política nacional do Poder Judiciário. Isso decorrente do isolamento absoluto
dos 96 tribunais que compõem a estrutura brasileira de hoje — reduzidos, agora, a 93,
tendo em vista a extinção dos tribunais de alçada. Tínhamos 24 Tribunais Regionais do
Trabalho; 27 Tribunais para Justiça na função de Justiça estadual, incluindo o DF; temos
5 Tribunais Regionais Federais; o Supremo Tribunal Federal; o Superior Tribunal de
Justiça.
Vejam a curiosidade: até a magistratura de carreira e as associações começavam a
negar a possibilidade do Conselho da Justiça Federal ter capacidade correcional, ou
capacidade de montar uma estrutura ou a inexistência junto à Justiça do Trabalho deste
órgão, que dava consistência.
Na verdade, o que se passa hoje, por essa insularização e isolamento entre os
próprios tribunais — que os parlamentares na Câmara — como aconteceu comigo, à
época — recebiam, durante a discussão da lei orçamentária, a vista dos vários Presiden-
tes dos Tribunais do Trabalho pretendendo turbinar as suas pretensões de receita. Eles
disputavam entre si: a Justiça Federal tentando tirar dinheiro da Justiça do Trabalho; a
Justiça do Trabalho tentando tirar dinheiro entre si. Por quê? Porque não havia nenhuma
formulação de uma política nacional do Poder Judiciário. Tanto não temos que uma das
situações mais invisíveis e não conhecidas no sistema judiciário nacional é exatamente
a folha de pagamento de cada tribunal.
Quando tivemos de debater a discussão em relação aos projetos de lei da Magistra-
tura Nacional — inclusive para discutir situações, hoje, da Magistratura estadual —,
nunca conseguimos obter nenhuma transparência sobre a composição remuneratória em
cada Estado federado. E observem mais: quando se estabeleceu tudo isso, sempre se teve
essa questão como um discurso da independência e autonomia financeira e orçamentária
dos tribunais. Será que foi por graça, Ministro Sepúlveda Pertence, que, de uns anos para
cá, a partir principalmente de 1988, os tribunais passaram a imprimir eles mesmos a sua
folha de pagamento?
Creio que o aparte feito pelo Ministro Carlos Britto, na leitura de uma manifestação
do Desembargador Vladimir Passos de Freitas, mostra exatamente porque a sociedade
brasileira, por meio do Congresso Nacional, resolveu instituir um órgão não só funda-
mental de formulação de políticas mas também um órgão supletivo da questão disciplinar.
Como disse o próprio Desembargador, tendo em vista a sua experiência como, hoje,
Presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, é difícil se ver a correição hori-
zontal, é muito fácil se ver a correição vertical; mas nem sempre. Por isso creio que a
R.T.J. — 197 923

presença de dois membros do Conselho, oriundos do Congresso Nacional, um do Sena-


do e outro da Câmara, mostra que estamos revertendo ou virando a curva do isolamento,
porque se o Conselho fosse integrado apenas por magistrados, advogados e promotores,
teríamos ainda a manutenção de um sistema corporativo e de isolamento. A presença de
dois membros externos ao sistema judicial possibilita, fundamentalmente, inclusive, o
constrangimento em relação às decisões que possam ser tomadas.
O Sr. Ministro Carlos Britto: Vossa Excelência me permite em abono de sua tese?
Vem da Portaria um fundamento até mesmo técnico para o seu ponto de vista.
O aproveitamento dos cidadãos no Conselho homenageia um princípio que é
fundamento da República: a cidadania (inciso II do artigo 1º da Constituição). A cidadania
se faz representar no nosso Conselho e, certamente, nos ajudará a fazer dele — com
licença do Ministro Sepúlveda Pertence, digo com todo o respeito — não um Judiciário
do b, mas um Judiciário do “bom”, maior transparência e visibilidade.
O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Ministro Carlos Britto, ouvi com satisfa-
ção o voto do Ministro Cezar Peluso, especialmente porque, de nós todos, é quem tem
mais experiência na Magistratura de carreira. Senti-me confortado, pois recebi diversas
acusações ao defender as minhas posições favoráveis a este Conselho. E, pelo voto do
Ministro Cezar Peluso, vê-se que estamos virando a curva para sairmos do modelo
autonômico corporativo de isolamento e entrarmos no modelo em função dos consumi-
dores. Defende-se tanto o Código de Defesa do Consumidor, a grande bandeira, mas o
grande consumidor dos trabalhos do Judiciário não tem nenhuma presença dentro do
Judiciário, no sentido de verificar a transparência de suas ações.
Não vou me estender, tenho o voto por escrito, depois o juntarei, que nada mais é
do que a reprodução de um parecer que dei em 1980 e em 1993, no Congresso Nacional,
quando da revisão constitucional, para mostrar exatamente que estamos avançando, e
este avanço significa que a transparência e a responsabilidade social do Poder Judiciário
têm de ser implantadas, e o Brasil avança nesse sentido. Dizer que estamos importando
os modelos europeus distorcidamente, não! Estamos verificando que o nosso modelo de
isolamento está ultrapassado. Por quê? Por obra do próprio sistema judiciário, que tem
um mecanismo brutal de isolamento no que diz respeito à sua responsabilidade social,
quer pela eficiência e pelos resultados de prestação dos serviços, como, também, pelos
atos disciplinares.
Observem que o texto da Emenda Constitucional n. 45 foi rico nesse sentido,
porque não só manteve as estruturas correcionais internas dos tribunais na área federal
como também instituiu o poder correcional para o Conselho da Justiça Federal, para o,
até então inexistente, Conselho da Justiça do Trabalho e, ainda, o Conselho Nacional de
Justiça, que teria exatamente essa função.
Vejam, a curiosidade demonstra claramente, as próprias corporações não se enten-
dem: a Associação Nacional dos Magistrados Trabalhistas apóia a criação do Conselho
inclusive mais amplo, com muito mais transparência social, que não há espaço político
para se obter essa transparência. A Associação dos Juízes Federais tem posição no sentido
de levantar a necessidade da manutenção do Conselho. Portanto, diga-se desde logo:
que a Associação dos Magistrados Brasileiros, quando entra com esta ação, na verdade,
ao fim e ao cabo, está na demanda da Justiça Estadual. E esse é o grande fundamento, ou
924 R.T.J. — 197

seja, por meio de um discurso do pacto federativo, como se o Brasil tivesse, se a União
nacional tivesse sido formada por uma decisão de Estados soberanos anteriores. Foi a
União, foi o Estado unitário que resolveu criar os Estados federados, e o fez por questões
políticas, não por modelos acadêmicos; resolveu criar, exatamente, porque a República
precisava destruir o Estado unitário do Império, pois a República não tinha, na verdade,
nenhum apelo popular. Era necessário romper o poder político central do Rio de Janeiro —
tenho repetido isso “n” vezes. Mas vou prosseguir nessa linha e dizer que, com imensa
satisfação, Ministro Cezar Peluso, cumprimento Vossa Excelência pela absoluta precisão
do voto em toda a sua extensão, e o acompanho completamente.

EXTRATO DA ATA
ADI 3.367/DF — Relator: Ministro Cezar Peluso. Requerente: Associação dos
Magistrados Brasileiros – AMB (Advogados: Alberto Pavie Ribeiro e outro). Requerido:
Congresso Nacional.
Decisão: O Tribunal, por unanimidade, afastou o vício formal de inconstituciona-
lidade da Emenda Constitucional n. 45/2004, como também não conheceu da ação
quanto ao § 8º do artigo 125. No mérito, o Tribunal, por maioria, julgou totalmente
improcedente a ação, vencidos o Ministro Marco Aurélio, que a julgava integralmente
procedente; a Ministra Ellen Gracie e o Ministro Carlos Velloso, que julgavam parcial-
mente procedente a ação para declarar a inconstitucionalidade dos incisos X, XI, XII e
XIII do artigo 103-B, acrescentado pela emenda constitucional; e o Ministro Sepúlveda
Pertence, que a julgava procedente, em menor extensão, dando pela inconstitucionali-
dade somente do inciso XIII do caput do artigo 103-B. Votou o Presidente, Ministro
Nelson Jobim. Falaram, pela requerente, o Dr. Alberto Pavie Ribeiro; pela Advocacia-
Geral da União, o Dr. Álvaro Augusto Ribeiro Costa; e, pelo Ministério Público Federal,
o Dr. Cláudio Lemos Fonteles, Procurador-Geral da República.
Presidência do Ministro Nelson Jobim. Presentes à sessão os Ministros Sepúlveda
Pertence, Celso de Mello, Carlos Velloso, Marco Aurélio, Ellen Gracie, Gilmar Mendes,
Cezar Peluso, Carlos Britto, Joaquim Barbosa e Eros Grau. Procurador-Geral da República,
Dr. Cláudio Lemos Fonteles.
Brasília, 13 de abril de 2005 — Luiz tomimatsu, Secretário.

MANDADO DE SEGURANÇA 23.780 — MA

Relator: O Sr. Ministro Joaquim Barbosa


Impetrante: Terezinha de Jesus Cunha Belfort — Impetrados: Tribunal de Contas
da União e Presidente do Tribunal Regional do Trabalho da 16ª Região
Mandado de segurança. Nepotismo. Cargo em comissão. Impossibi-
lidade. Princípio da moralidade administrativa.
R.T.J. — 197 925

Servidora pública da Secretaria de Educação nomeada para cargo


em comissão no Tribunal Regional do Trabalho da 16ª Região à época
em que o vice-presidente do Tribunal era parente seu. Impossibilidade.
A proibição do preenchimento de cargos em comissão por cônjuges
e parentes de servidores públicos é medida que homenageia e concretiza o
princípio da moralidade administrativa, o qual deve nortear toda a Ad-
ministração Pública, em qualquer esfera do poder.
Mandado de segurança denegado.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribu-
nal Federal, em Sessão Plenária, sob a Presidência do Ministro Nelson Jobim, na confor-
midade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos,
denegar a segurança, nos termos do voto do Relator.
Brasília, 28 de setembro de 2005 — Nelson Jobim, Presidente — Joaquim Barbosa,
Relator.

RELATÓRIO
O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: Trata-se de mandado de segurança, com pedido
de medida liminar, impetrado por Terezinha de Jesus Cunha Belfort contra o Plenário
do Tribunal de Contas da União e o Juiz Presidente do Tribunal Regional do Trabalho
da 16ª Região, visando à anulação de ato que a exonerou de cargo em comissão e,
conseqüentemente, à reintegração ao cargo.
A impetrante, servidora pública da Secretaria Estadual de Educação, afirma que foi
colocada à disposição do Tribunal Regional do Trabalho da 16ª Região em 1989 e vem
exercendo cargos de confiança naquela Corte desde então.
Relata que, em 1994, foi nomeada para exercer o cargo em comissão DAS 5 da
Secretaria de Coordenação do Programa de Assistência ao Servidor (Pró-Social), originá-
rio de vaga criada por lei referente à Diretoria de Secretaria da Junta de Conciliação e
Julgamento de Barra do Corda/MA, por meio do ATO GP 123, de 13-10-1994. Após
denúncia feita ao Tribunal de Contas da União, a nomeação foi considerada ilegal, por
ser a servidora irmã do vice-presidente do TRT da 16ª Região, situação que viola o
disposto no art. 10 da Lei 9.421/1996 e na Decisão 118/1994 do órgão pleno da Corte de
Contas.
Alega que o Tribunal de Contas da União exorbitou dos limites de sua competência
funcional ao erigir à categoria de norma legal a Decisão 118/1994 de seu órgão pleno,
considerando ilegal, à luz da referida decisão, a nomeação da impetrante.
Sustenta ter direito líquido e certo a permanecer no cargo enquanto não ocorrerem
razões legais para a exoneração.
Requer, assim, a declaração de nulidade do ato que a exonerou, bem como sua
reintegração ao TRT da 16ª Região, com a percepção inclusive dos vencimentos que lhe
foram suprimidos desde a edição do ato de exoneração.
926 R.T.J. — 197

A liminar foi indeferida por meu ilustre antecessor (fl. 113).


Nas informações, o TRT da 16ª Região sustenta, preliminarmente, a ilegitimidade
passiva do TCU e a conseqüente incompetência do STF para o julgamento do mandado
de segurança, visto que os efeitos da tutela jurisdicional postulada se limitam ao âmbito
daquele Tribunal Regional.
Afirma que não praticou nenhum ato ilegal, pois agiu no estrito cumprimento de
seu dever legal, em obediência à determinação do TCU.
A Corte de Contas, por seu turno, sustenta preliminarmente sua ilegitimidade ad
causam e a conseqüente incompetência do STF para julgar o processo, visto que a
decisão do TCU não possui caráter coercitivo. Afirma que o pedido formulado é juridi-
camente impossível, por não encontrar amparo no ordenamento legal, em razão de os
ocupantes de cargos em comissão serem exoneráveis a qualquer tempo. Acrescenta ainda
que os atos do TRT da 16ª Região demonstram a “tentativa de burlar a Decisão n. 118/
94/TCU/Plenário, o que caracteriza, obviamente, nítida violação dos princípios da
moralidade e impessoalidade. Com isso, os atos praticados são ilegais” (fl. 140).
O Ministério Público Federal, no parecer de fls. 160-167, opina pela denegação da
ordem, argumentando que inexiste ilegalidade na deliberação do TCU que justifique a
concessão da segurança. Segundo afirma, a última nomeação da impetrante, considerada
ilegal pelo TCU, ocorreu em 13-10-1994, portanto em data posterior à Decisão 118/
1994-TCU, publicada no Diário Oficial da União de 28-3-1994, a qual proíbe a
contratação de cônjuges ou parentes consangüíneos ou afins, até terceiro grau, de juízes
em atividade ou aposentados há menos de cinco anos, para funções gratificadas ou de
gabinete e cargos em comissão, em todos os órgãos da Justiça Trabalhista. Ademais,
entende que esta é medida que efetiva o princípio da moralidade administrativa, inserido
no art. 37 da Constituição Federal de 1988.
É o relatório.

VOTO
O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Senhor Presidente, preliminarmente,
entendo que o Tribunal de Contas da União é parte legítima para figurar no pólo passivo
do presente mandado de segurança, uma vez que o ato que julgou ilegal a nomeação da
impetrante para o cargo em comissão que ela ocupava não é meramente recomendatório,
e sim vinculante, de modo que não há margem de apreciação ao administrador.
A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal considera atraída sua competência
em casos como o presente, em que a decisão da Corte de Contas é mais que simplesmente
recomendatória (v.g., MS 23.665, Relator Min. Maurício Corrêa).
É o STF, pois, competente para apreciar o caso.
No mérito, examinando os autos, verifico que o ato impugnado não padece de
nenhum vício passível de anulação.
Inicialmente é preciso destacar que a impetrante é servidora da Secretaria Estadual
de Educação e foi colocada à disposição do TRT da 16ª Região em agosto de 1989, para
R.T.J. — 197 927

exercer cargo em comissão. Noutras palavras, sempre ocupou naquela Corte cargos em
comissão, o último deles como diretora da Secretaria de Coordenação do Programa de
Assistência aos Servidores (Pró-Social), cuja nomeação ocorreu em 13-10-1994. Esse
ato do TRT da 16ª Região foi julgado ilegal pelo TCU por ter sido constatada a existência
de grau de parentesco entre a impetrante e o vice-presidente daquele Tribunal Regional à
época da nomeação.
Ressalte-se que a nomeação da impetrante para o cargo em comissão ocorreu em
data posterior à Decisão 118/1994 do Tribunal de Contas da União, publicada no Diário
Oficial da União de 28-3-1994, aplicável a todo e qualquer órgão da Justiça Trabalhista
e que veda a nomeação, para cargos em comissão, de cônjuges ou parentes consangüíneos
ou afins, até o terceiro grau, de juízes em atividade ou aposentados há menos de cinco
anos, exceto em se tratando de servidor titular de cargo público de provimento efetivo
de juízo ou tribunal (v. fls. 91-95).
É importante mencionar que, conforme se extrai das informações prestadas pelo
TRT da 16ª Região (fls. 123-124), ocorreu uma sucessão de exonerações e nomeações da
impetrante, o que demonstra uma possível tentativa de burla à Lei 8.432/1992, que veda
a nomeação de parentes para cargos em comissão, e à supracitada Decisão 118/1994 do
TCU. Confiram-se as sucessivas alterações na situação funcional da impetrante, descritas
pelo TRT da 16ª Região a fls. 123-124:
“7. Nomeada para exercer o cargo em comissão, DAS 5, da Secretaria de
Coordenação do Programa de Assistência ao Servidor – Pró-Social, através do Ato
G.P n. 091 de 24.06.1993. A Diretoria da referida Secretaria foi originada pela
Resolução Administrativa n.049/93, na vaga criada pela Lei n. 8432/92, referente
à Diretoria de Secretaria da Junta de Conciliação e Julgamento de Santa Inês/MA.
8. Exonerada do cargo em comissão de Diretora da Secretaria de Coordena-
ção do programa de Assistência ao Servidor – Pró-Social, por meio do item 1 do
Ato G. P n. 123 de 13.10.1994.
9. Nomeada para exercer cargo em comissão, DAS 5, da Secretaria de Coordena-
ção do Programa de Assistência ao Servidor – Pró-Social, através do item 2 do Ato G. P
n. 123 de 13.10.1994. A Diretoria da referida Secretaria foi originada ela Resolução
Administrativa n. 112/94, na vaga criada pela Lei n. 7729/89, referente à Diretoria de
Secretaria da Junta de Conciliação e Julgamento de Barra do Corda/MA.”
Como se vê, a legislação anterior à nomeação da impetrante para os cargos em
comissão por ela ocupados já vedava expressamente o preenchimento desses cargos por
pessoas que tivessem relação de parentesco com os juízes do Tribunal. Assim, não há
nenhum dispositivo legal que ampare o pretendido direito da impetrante.
Ademais, vale observar que a proibição do preenchimento de cargos em comissão
por cônjuges e parentes de servidores públicos é medida que homenageia e concretiza o
princípio da moralidade administrativa, o qual deve nortear toda a Administração Pública
em qualquer esfera do Poder.
Do exposto, voto pela denegação da segurança.
928 R.T.J. — 197

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Senhor Presidente, acompanho o voto do Relator.


No caso concreto, a impetrante teria sido requisitada de um órgão diverso, estranho
ao Judiciário, e, então, nomeada para o exercício da função comissionada. Essa situação
é apanhada.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: A ressalva da lei refere-se apenas ao cargo
efetivo do quadro de cada tribunal.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Do quadro do próprio órgão.
O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): A lei veda, na parte final, mesmo sendo
do quadro efetivo, que exerça funções sob o comando e cria impugnações.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Sim, no gabinete do próprio parente.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Agora, quanto aos demais cargos em comissão,
permite, se for servidora efetiva do quadro do tribunal, não do Poder Executivo.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Servidor efetivo do quadro do tribunal, porque,
senão, a fraude estaria encampada.
O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Aí, não tem problema. Aqui é Secretaria
Estadual de Educação.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Pois é, Secretaria Estadual de Educação. Nem
era funcionária da União.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Certo julgamento, no Plenário, custou-me uma
inimizade perpétua.
O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): A título de curiosidade, esse tema foi susci-
tado pela Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho – ANAMATRA
perante o Conselho Nacional de Justiça, em relação ao exame da vedação, com base na
moralidade administrativa, da nomeação de parentes. Aí, examinamos, inclusive, a legis-
lação. Temos uma legislação federal resolvida, com essa lei de 1996, mas temos problemas
ainda remanescentes, porque se entendeu que aqueles que tinham sido nomeados anterior-
mente tinham atos jurídicos perfeitos e continuavam tendo assegurados os seus direitos
subseqüentes. Aliás, há uma ação direta de inconstitucionalidade — que pretendo que a
Ministra Ellen Gracie traga logo, porque já está pronta, poderemos votar esse ano — contra
uma resolução do TST, na qual este sustenta que eram vedadas as nomeações futuras. Ou seja,
o Ministro Sepúlveda Pertence, quando elaborou o projeto, queria preservar o entendimento
do TST de todas as nomeações anteriores serem pré-constituídas.
O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Não foi só o TST, vários tribunais ado-
taram o mesmo procedimento.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Senhor Presidente, indefiro a segurança.

EXTRATO DA ATA
MS 23.780/MA — Relator: Ministro Joaquim Barbosa. Impetrante: Terezinha de
Jesus Cunha Belfort (Advogados: Pedro Leonel Pinto de Carvalho e outros). Impetra-
dos: Tribunal de Contas da União e Presidente do Tribunal Regional do Trabalho da 16ª
Região.
R.T.J. — 197 929

Decisão: O Tribunal, por unanimidade, denegou a segurança, nos termos do voto


do Relator. Ausentes, justificadamente, os Ministros Carlos Velloso, Ellen Gracie e
Carlos Britto. Presidiu o julgamento Ministro Nelson Jobim.
Presidência do Ministro Nelson Jobim. Presentes à sessão os Ministros Sepúlveda
Pertence, Celso de Mello, Marco Aurélio, Gilmar Mendes, Cezar Peluso, Joaquim
Barbosa e Eros Grau. Procurador-Geral da República, Dr. Antonio Fernando Barros e
Silva de Souza.
Brasília, 28 de setembro de 2005 — Luiz Tomimatsu, Secretário.

MANDADO DE SEGURANÇA 24.519 — DF

Relator: O Sr. Ministro Eros Grau


Impetrante: Emilson Caputo Delfino Silva — Impetrado: Tribunal de Contas da
União
Mandado de segurança. Processo administrativo. Regimento Interno
do Tribunal de Contas da União. Afastamento de outros preceitos legais.
Impossibilidade. Constitucional. Autonomia das instituições de pesquisa
científica e tecnológica [art. 207, caput e § 2º, da CB/88]. Legitimidade de
suas resoluções. Função regulamentar. Obrigação de retorno do beneficiá-
rio de bolsa de estudos no exterior com financiamento público imediata-
mente após o período de concessão. Regresso após onze anos. Afastamento
da responsabilidade de ressarcimento do erário. Impossibilidade.
1. Embora caiba ao Tribunal de Contas da União a elaboração de
seu regimento interno [art. 1º, X, da Lei n. 8.443/92], os procedimentos
nele estabelecidos não afastam a aplicação dos preceitos legais referentes
ao processo administrativo, notadamente a garantia processual prevista
no art. 3º, III, da Lei n. 9.784/99. Precedente [MS n. 23.550, Relator para
o acórdão o Ministro Sepulveda Pertence, DJ de 31-10-2001].
2. O beneficiário de bolsa de estudos no exterior, às expensas do
Poder Público, não pode alegar o desconhecimento de obrigação prevista
em ato normativo do órgão provedor.
3. A legitimidade das resoluções do CNPq bem como das demais
instituições de pesquisa científica e tecnológica decorre da autonomia
conferida pelo artigo 207, caput e § 2º, da Constituição do Brasil.
4. O retorno do impetrante ao Brasil onze anos após o encerramento
do benefício não afasta — ante a existência de preceito regulamentar que
determinava o regresso imediatamente após o término do período de con-
cessão da bolsa, sob pena de devolução integral dos valores recebidos —
sua responsabilidade pelo ressarcimento do erário.
5. Segurança denegada.
930 R.T.J. — 197

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribu-
nal Federal, em Sessão Plenária, na conformidade da ata do julgamento e das notas
taquigráficas, por unanimidade de votos, denegar a segurança, nos termos do voto do
Relator.
Brasília, 28 de setembro de 2005 — Nelson Jobim, Presidente — Eros Grau,
Relator.

RELATÓRIO
O Sr. Ministro Eros Grau: Trata-se de mandado de segurança impetrado por Emilson
Caputo Delfino Silva contra ato do Tribunal de Contas da União consubstanciado nos
Acórdãos de n. 231/2001, 163/2002 e 562/2003.
2. O impetrante obteve, junto ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientí-
fico e Tecnológico – CNPq, em 1988, bolsa de estudos, com duração de 24 meses, para
custear cursos de mestrado e doutorado na Universidade de Illinois, Estados Unidos.
3. Em razão de alterações no projeto de estudos e mudança de orientador, requereu
e obteve, em 1990, a prorrogação de sua bolsa por mais doze meses. Posteriormente
solicitou a renovação do auxílio por mais nove meses, o que foi indeferido, levando-o a
aceitar um emprego junto àquela Universidade para concluir o curso de doutorado.
4. Não obstante as notificações enviadas pelo órgão de fomento à pesquisa para
que retornasse imediatamente ao Brasil [fls. 84, 85 e 91/92], o impetrante permaneceu
em território estrangeiro por mais onze anos após o término do curso de doutorado, em
desacordo com as Resoluções do CNPq vigentes à época, cujos termos foram por ele
ratificados quando da assinatura do termo de concessão de bolsa.
5. O TCU condenou-o a devolver ao erário a quantia despendida pelo CNPq para
custeio de seus estudos1 [Decisão n. 231/2001], atualizada monetariamente e acrescida de
juros de mora a contar de 6-8-99, data de ciência da notificação a ele enviada. Foi
interposto pedido de reexame [fls. 98/108], ao qual foi negado provimento [Acórdão
TCU n. 163/2002].
6. Ao tomar conhecimento de que as análises preliminares da Secretaria de Recursos
do TCU sugeriam o não-acolhimento do recurso, o impetrante decidiu retornar ao País.
Em 18-2-2003, encaminhou ao TCU declaração informando seu retorno ao Brasil e sua
contratação como professor da Universidade Católica de Brasília em tempo integral [fls.
15/17]. O relator do processo não conheceu do documento e determinou a sua devolução
ao impetrante. Contra essa decisão foi interposto recurso de agravo, sobrevindo o
Acórdão TCU n. 562/2003, que manteve os termos do acórdão anterior [fl. 18].
7. O impetrante alega que a decisão do relator, que recusou a juntada de documentos,
ainda que respaldada no Regimento Interno daquela Corte, é ilegal, vez que contraria o
disposto nos artigos 397 e 462 do CPC, bem como o artigo 31 da Lei n. 8.443/92.

1 Apurada em R$103.985,52.
R.T.J. — 197 931

Assevera que o documento a ser juntado prejudica a decisão do TCU, pois comprova o
retorno do impetrante ao País após a conclusão do curso de doutorado.
8. Acrescenta que o instrumento de concessão da bolsa e as Resoluções do CNPq
não previam prazo para retorno, podendo, a qualquer tempo, cumprir “a obrigação,
procurando aplicar, no País, os conhecimentos que adquiriu no exterior” [fl. 9]. Segundo
o impetrante, em um de seus recursos administrativos, “o retorno a que se refere a norma
pode ser entendido em sentido amplo, significando não somente o retorno para fixar
residência no País como também todo e qualquer retorno ao Brasil, mesmo que a passeio
ou por um período curto” [fl. 166].
9. Requer a concessão da ordem, a fim de que lhe seja assegurada ampla defesa em
todas as etapas do processo administrativo instaurado perante o TCU, reconhecendo-se
a ilegalidade dos acórdãos proferidos por aquela Corte. Ante o seu retorno ao País e
contratação como professor da Universidade Católica de Brasília, requer o arquivamento
dos autos por perda de objeto, ficando desobrigado de ressarcimento aos cofres públicos.
10. O Ministro Nelson Jobim, Relator do feito à época, deferiu a medida liminar
para suspender o julgamento da decisão impugnada, sem prejuízo de posterior análise
do fumus boni iuris [fls. 26/29].
11. Em sua manifestação [fls. 35/48], o TCU afirma que não houve qualquer ilega-
lidade no ato que indeferiu a juntada de documentos, visto que os princípios do contra-
ditório e da ampla defesa devem ser exercidos de acordo com as regras processuais.
Acrescenta que o impetrante interpôs agravo contra o indeferimento e que o colegiado,
ao apreciar o recurso, teria tomado conhecimento do documento, considerando-o
irrelevante para alterar o deslinde da tomada de contas, conforme a íntegra do Acórdão
TCU n. 562/2003 [fls. 134/141].
12. Assevera que o impetrante deveria ter retornado ao Brasil após o término do
curso de doutorado, e não onze anos depois, de modo que a interpretação das resoluções
do CNPq deve pautar-se pela razoabilidade e proporcionalidade.
13. O Procurador-Geral da República, em parecer de fls. 239/243, opinou pelo
indeferimento do writ. Argumenta que o impetrante somente retornou ao País onze anos
após a defesa de sua tese, embora tivesse conhecimento, à época da concessão do bene-
fício, de que deveria retornar ao Brasil ao fim do período de concessão da bolsa, sob pena
de ressarcimento dos recursos recebidos, nos termos da Resolução Normativa CNPq n.
05/87.
14. Por fim, alega que o retorno do bolsista muito tempo depois do término dos
estudos ou a sua permanência no País por curto período de tempo não atenderia ao
interesse público nem justificaria o auxílio financeiro concedido às expensas do erário
para mantê-lo no exterior.
É o relatório.

VOTO
O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): O impetrante insurge-se contra ato do Tribunal
de Contas da União – TCU que indeferiu a juntada de documento em processo admi-
932 R.T.J. — 197

nistrativo, determinando o ressarcimento de valores despendidos pelo CNPq a título de


bolsa auxílio para cursos de mestrado e doutorado no exterior.
2. Inicialmente cumpre analisarmos a alegação de ofensa aos princípios do contra-
ditório e da ampla defesa na condução do processo administrativo.
3. O impetrante utilizou-se de todas as oportunidades que lhe foram franqueadas
para atuar no procedimento instaurado perante o TCU. Uma vez citado, apresentou
defesa administrativa. Condenado a devolver os recursos despendidos para o financia-
mento de sua bolsa de estudos, formalizou pedido de reconsideração, apreciado por
aquela Corte. Requereu, ainda, a juntada de novos documentos, que foi indeferida.
Contra essa decisão interpôs recurso de agravo, apreciado e rejeitado, sob o argumento
de que lhe seria defeso apresentar documentos novos naquele momento processual.
4. À fl. 211, o Acórdão TCU n. 562/2003 assevera: “ainda que os novos elementos
apresentados pudessem ser conhecidos, eles não teriam o condão de modificar o
Acórdão recorrido, uma vez que o retorno do bolsista só ocorreu mais de 11 anos após
o término da concessão da bolsa e cerca de 10 anos após a defesa de sua tese.”
5. A Corte de Contas respalda sua decisão no art. 160, § 1º, de seu Regimento
Interno, que admite a juntada de documentos novos até o término da instrução do pro-
cesso administrativo2 .
6. Este preceito, no entanto, viola o disposto no art. 3º, III, da Lei n. 9.784/99, que
confere ao administrado o direito de apresentar documentos antes da decisão, devendo
serem eles considerados pelo órgão competente3. O preceito contrariaria, ainda, a pró-
pria Lei Orgânica do Tribunal de Contas da União, cujo art. 31 estabelece:
“Art. 31. Em todas as etapas do processo de julgamento de contas será asse-
gurado ao responsável ou interessado ampla defesa.”
7. Embora caiba ao Tribunal de Contas da União a elaboração de seu regimento
interno [art. 1º, X, da Lei n. 8.443/92], os procedimentos nele estabelecidos não podem
afastar a aplicação dos preceitos legais referentes ao processo administrativo, notada-
mente a garantia processual prevista no art. 3º, III, da Lei n. 9.784/99.
8. Neste sentido, a jurisprudência desta Corte, destacando-se o MS n. 23.550,
Relator para o acórdão o Ministro Sepúlveda Pertence, DJ de 31-10-2001:

2 “Art. 160. As alegações de defesa e as razões de justificativa serão admitidas dentro do prazo
determinado na citação ou na audiência.
§ 1º Desde a constituição do processo até o término da etapa de instrução, é facultada à parte a
juntada de documentos novos.
§ 2º Considera-se terminada a etapa de instrução do processo no momento em que o titular da
unidade técnica emitir seu parecer conclusivo, sem prejuízo do disposto no § 3º do art. 157.
§ 3º O disposto no § 1º não prejudica o direito da parte de distribuir, após a inclusão do processo em
pauta, memorial aos ministros, auditores e ao representante do Ministério Público.”
3 “Art. 3º O administrado tem os seguintes direitos perante a Administração, sem prejuízo de outros que
lhe sejam assegurados:
[...]
III - formular alegações e apresentar documentos antes da decisão, os quais serão objeto de
consideração pelo órgão competente;”
R.T.J. — 197 933

“nada exclui os procedimentos do Tribunal de Contas da aplicação subsidiária


da lei geral de processo administrativo federal (Lei 9.784/99), que assegura aos
administrados, entre outros, o direito a “ter ciência da tramitação dos processos
administrativos em que tenha a condição de interessado, ter vista dos autos (art. 3º,
II), formular alegações e apresentar documentos antes da decisão, os quais serão
objeto de consideração pelo órgão competente”.”
9. Note-se que, no âmbito judicial, o próprio Código de Processo Civil prevê, nos
arts. 397 e 462, a possibilidade da juntada de novos documentos quando destinados à
comprovação de fatos posteriores que possam influir no julgamento da lide.
10. Não há falar-se, ademais, em litigância de má-fé ou tumulto processual da parte
do impetrante, eis que o fato noticiado no documento que pretende seja conhecido por
aquela Corte, sua contratação como professor universitário, efetivamente ocorreu durante
o curso do procedimento administrativo, cumprindo o aprecie o órgão julgador.
11. Assim, à luz da legislação aplicável ao processo administrativo instaurado no
âmbito federal [art. 3º, III, da Lei n. 9.784/99] e da Lei Orgânica do Tribunal de Contas da
União [art. 31 da Lei n. 8.443/92], ambas conferindo concreção ao princípio da ampla
defesa previsto no art. 5º, LV, da Constituição do Brasil, a autoridade coatora não poderia
furtar-se ao exame e ponderação do documento juntado pelo impetrante.
12. No entanto, se a questão processual administrativa fosse superada, o impetrante
não teria o mesmo êxito em sua pretensão.
13. Tal como afirmado pelo TCU e corroborado pelo Procurador-Geral da República,
a Resolução Executiva CNPq n. 114/81 determinava que o regresso do bolsista deveria
ocorrer ao final do período de concessão do benefício4, a fim de que os conhecimentos
adquiridos fossem aplicados no País. Ademais, o item 5.7 da Resolução Normativa n. 05/
87 previa o ressarcimento dos recursos concedidos em caso de não efetivada a volta do
bolsista após o encerramento do benefício5. Os prazos de concessão das bolsas, por sua
vez, estavam previstos no item 4.0 da Resolução Normativa n. 05/87.
14. O impetrante não poderia alegar o desconhecimento dos textos normativos,
pois ao solicitar a concessão da bolsa “declarou expressamente que conhecia e concor-
dava ‘com as condições gerais para a concessão de colaborações financeiras não
reembolsáveis, fixadas por resolução executiva do Presidente do CNPq’”, como consig-
nou o Acórdão TCU n. 562/2003 [fl. 209].

4 “Resolução Executiva n. 141/81:


3. Obrigações do beneficiário:
[...]
3.6. Nos casos de bolsas no exterior, regressar ao Brasil findo o prazo correspondente e aplicar seus
conhecimentos em benefício do País” [fl. 53 — grifei].
5 “Resolução Normativa n. 005/87:
5.0 - Condições, Prioridades e Obrigações do Bolsista:
[...]
5.7 - Após o encerramento da bolsa, o bolsista é obrigado a retornar ao País, sob pena de
ressarcimento integral dos gastos decorrentes da concessão.” [fl. 59 — grifei].
934 R.T.J. — 197

15. A legalidade desses preceitos decorre da autonomia conferida às instituições


de pesquisa científica e tecnológica pelo artigo 207, caput e § 2º, da Constituição do
Brasil. O CNPq os estabelece no exercício de função regulamentar6.
16. O CNPq tem por missão institucional fomentar o desenvolvimento científico e
tecnológico nacional, mediante a promoção de diversos incentivos à atividade acadê-
mica. O custeio de bolsas de estudo no exterior é justificável na medida em que ao País
sejam acrescidos os frutos resultantes do aprimoramento técnico-científico dos nacio-
nais beneficiados. Daí por que não se admite que o beneficiário de recursos públicos para
o custeio de seus estudos no exterior lá fixe residência, buscando colocação no mercado de
trabalho, sem compensar a sociedade brasileira, que financiou a sua formação.
17. Transcrevo o seguinte trecho do Acórdão TCU n. 562/2003: “Após a negativa
de nova prorrogação de prazo, o recorrente permaneceu nos Estados Unidos por sua
conta e risco para concluir seu curso, o que poderia ser encarado até como um fato
positivo, caso ele tivesse retornado ao País após a defesa de tese, cumprindo as obriga-
ções assumidas quando da concessão da bolsa.” [fl. 210].
18. Não há, destarte, fundamento nenhum que justifique o entendimento de que a
obrigação de retorno do beneficiário ao País, findo o período de concessão da bolsa,
poderia ocorrer a qualquer tempo. Interpretação dessa ordem não presta acatamento ao
interesse público, de modo que o retorno do impetrante ao Brasil onze anos após o
encerramento do benefício não afasta a responsabilidade de ressarcimento do erário.
Ante o exposto, concedo parcialmente a segurança postulada no presente writ para
anular o Acórdão TCU n. 562/2003, a fim de que o Tribunal de Contas da União ex-
pressamente conheça do documento juntado pelo impetrante no procedimento adminis-
trativo TC n. 011.090/200-6, apreciando o seu conteúdo.

VOTO
O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Estou concedendo parcialmente a segurança,
para o fim de que o Tribunal de Contas expressamente conheça do documento juntado
pelo impetrante.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Mas ele não assentou que não tem reflexo na decisão?
O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Não tem reflexo, não examinaram; tanto
é que examinaram o documento.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: No agravo, ele examinou.
O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Sim, examinou no agravo.
O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Ele julgou irrelevante, mas indeferiu a juntada.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Quer dizer, ele vai reafirmar.
O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Dá na mesma.
O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Então, vamos simplesmente negar a segurança,
negar plenamente, ficando cassada a liminar.
6 Vide meu O direito posto e o direito pressuposto, 6ª ed., Malheiros Editores, São Paulo, 2005, pp.
240 e ss.
R.T.J. — 197 935

EXTRATO DA ATA
MS 24.519/DF — Relator: Ministro Eros Grau. Impetrante: Emilson Caputo Delfino
Silva (Advogado: Walter da Costa Porto). Impetrado: Tribunal de Contas da União.
Decisão: O Tribunal, por unanimidade, denegou a segurança e cassou a liminar
concedida, nos termos do voto do Relator. Ausentes, justificadamente, os Ministros Carlos
Velloso, Ellen Gracie e Carlos Britto. Presidiu o julgamento o Ministro Nelson Jobim.
Presidência do Ministro Nelson Jobim. Presentes à sessão os Ministros Sepúlveda
Pertence, Celso de Mello, Marco Aurélio, Gilmar Mendes, Cezar Peluso, Joaquim
Barbosa e Eros Grau. Procurador-Geral da República, Dr. Antonio Fernando Barros e
Silva de Souza.
Brasília, 28 de setembro de 2005 — Luiz Tomimatsu, Secretário.

MANDADO DE SEGURANÇA 25.200 — DF

Relator: O Sr. Ministro Carlos Britto


Impetrante: Tarcísio Soares de Morais — Impetrado: Tribunal de Contas da União
Administrativo. Mandado de segurança. Servidores requisitados. Re-
torno ao órgão de origem. Inexistência de direito subjetivo à permanência
do ato requisitório.
A requisição é ato endo-administrativo, do qual não exsurge direito
subjetivo aos servidores cedidos de permanecerem indefinidamente em
tal situação. Prevalência da limitação temporal estabelecida no art. 4º da
Lei n. 6.999/82. Precedentes (MS 25.195, MS 25.230, MS 25.198).
Ordem denegada.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo
Tribunal Federal, por seu Tribunal Pleno, sob a Presidência da Ministra Ellen Gracie
(Vice-Presidente), na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por
unanimidade de votos, indeferir a segurança, nos termos do voto do Relator.
Brasília, 21 de setembro de 2005 — Ellen Gracie, Presidente — Carlos Ayres
Britto, Relator.

RELATÓRIO
O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto: Trata-se de mandado de segurança, com pedido
de liminar, impetrado contra ato do Tribunal de Contas da União. Mandado pelo qual o
impetrante ataca o teor do Acórdão n. 2.060/2004, confirmatório de decisão que deter-
minou ao Tribunal Regional Eleitoral da Paraíba que promovesse o levantamento dos
936 R.T.J. — 197

servidores requisitados e o retorno daqueles cujo prazo de permanência no órgão esti-


vesse em desacordo com o previsto na Lei n. 6.999/82.
2. Pois bem, alega o impetrante que o processo de contas agrediu os postulados do
due process of law, do contraditório e da ampla defesa (CF/88, art. 5º, incisos LIV e LV).
Mais: que “a Presidência do TRE/PB só veio a emitir o ofício circular informando da
devolução em face da existência de um processo administrativo oriundo do TCU, que
impõe a devolução sob pena de multa, sem que qualquer dos servidores requisitados
enquadrados no caso em disceptação tivesse sido notificado para apresentar tese de
defesa”. Convém repetir: segundo o autor, o TCU, “na contra-mão da lei, doutrina e
jurisprudência, desrespeitou os princípios básicos de ampla defesa e contraditório,
impossibilitando aos servidores do TRE/PB vista aos autos para defesa, impingindo-
lhes uma devolução obrigatória, sem que tivessem acessos aos motivos da decisão”.
3. Diante de todo esse quadro factual, o que pede o acionante é a suspensão dos
efeitos da ordem que se contém no referido Acórdão n. 2.060/2004 do TCU, com vistas
a impedir o retorno dele, acionante, ao órgão de origem. No mérito, requer a concessão
da segurança para que sejam anulados os atos decisórios do Processo Administrativo n.
011.992/2002-6, do qual originou a decisão impugnada.
4. Na seqüência, indeferi a liminar pleiteada e solicitei informações à autoridade
coatora, a qual se manifestou nos termos da seguinte ementa:
“Mandado de Segurança, com pedido de liminar, em face dos Acórdãos do
Plenário/TCU n.s 521/2003 e 2.060/2004, que deteminaram o retorno aos órgãos
de origem de todos os servidores requisitados pelo Tribunal Regional Eleitoral da
Paraíba — TRE/PB cujos prazos de permanência no órgão estivessem em desacordo
com a Lei n. 6.999/1982.
Ausência de interesse processual por parte do impetrante, conduzindo, assim, à
extinção do processo, sem julgamento de mérito (art. 267, inc. VI, CPC), uma vez
que não restou demonstrado conflito de interesses entre as partes, tampouco
nenhum prejuízo à Impetrante. Precedentes do TRF 1ª Região e do STJ.
Ausência de ofensa, pelo TCU, dos princípios do devido processo legal, do
contraditório e da ampla defesa, tendo este órgãos agido dentro de sua competência
constitucional e legal. Precedentes do STF.
Impossibilidade de resolução de tribunal superior contrariar dispositivo ex-
presso de lei federal, ante o princípio da hierarquia da leis. Entendimento pacífico
do STJ.
Impossibilidade de invocar-se princípios gerais e abstratos para justificar a
desobediência a texto expresso de lei, ao qual deve se submeter todo administrador
público. Precedentesdo STJ e do STF.
A recente convocação de servidores concursados, em 20.1.2005, para toma-
rem posse no TRE/PB, em decorrência dos cargos criados pela Lei n. 10.842/04,
soçobra eventuais argumentos de carência de pessoal a justificar a manutençaão de
servidores requisitados em desacordo com Lei n. 6.999/1982.
R.T.J. — 197 937

Inexistência de direito de permanência de sevidor requisitado no órgãos para


o qual foi cedido. Precedentes do TRF 1ª Região e do STJ.
Não-cabimento da liminar ante a ausência do fumus boni juris e do periculum
in mora.
Denegação da segurança, diante da ilegalidade da situação do impetrante
junto ao TRE/PB e da ausência de direito em permanecer cedida ao Órgão.”
5. Estando os autos devidamente instruídos, abri vista à Procuradoria-Geral da
República, pronunciando-se esta pela denegação da ordem.
É o relatório.

VOTO
O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto (Relator): 7. Consoante relatado, a controvérsia
jurídica a ser equacionada no presente writ consiste em saber se houve afronta ao devido
processo legal, por efeito da decisão que determinou o retorno dos servidores requisitados
aos seus órgãos de origem.
8. Pois bem, ao indeferir a medida liminar despachei (fls. 96/97):
“Assim retratada a questão, anoto inicialmente que, do cotejo entre a decisão
da Corte de Contas e as alegações do impetrante, bem como da leitura dos docu-
mentos constantes dos autos, não constato, de plano, a ocorrência do pressuposto
relativo ao fumus bonis iuris, necessário à concessão da medida liminar. Razão por
que a indefiro.
Quanto à questão relativa ao conhecimento do mandamus, deixo-a para
melhor exame quando do julgamento do mérito, considerando, sobretudo, que a
requisição se me afigura um mecanismo jurídico endo-administrativo, insusce-
tível, a princípio, de gerar direitos subjetivos aos servidores envolvidos”.
(Sem destaques no original)
9. Deveras, o juízo que proferi em sede cautelar se confirma após a apreciação das
informações e do parecer da Procuradoria-Geral da República, do qual se retira o seguinte
trecho (fls. 163/171):
“(...)
O próprio cabimento do presente mandamus é severamente questionável.
Isso porque, do que se extrai do pronunciamento do TCU, restou apreciada uma
relação administrativa adstrita à Administração do Tribunal Regional Eleitoral da
Paraíba, sem reflexos imediatos sobre o plexo de direitos dos servidores. A Corte
de Contas crivou um comportamento, uma política, da gestão administrativa do
Tribunal Eleitoral, dando-o por ilegal. Censurou, com precisão, a prática maciça
identificada no âmbito do TRE/PB, que se vale da remoção para compor seus
quadros funcionais, em detrimento do provimento de cargos públicos, instrumentos
regulares para a consecução de tarefas usuais e permanentes do Poder Judiciário
Eleitoral.
938 R.T.J. — 197

Assim, a censura limitou-se ao âmbito da Administração Pública, sem resvalar


no plexo de direitos subjetivos. (...)”.
10. Como se não bastasse, este Supremo Tribunal Federal já teve oportunidade de
se manifestar em outros mandados de segurança que retratam situações idênticas. E outra
não foi a conclusão dos Ministros Relatores, acompanhados à unanimidade pelos
demais Ministros. Confira-se a seguinte ementa:
“Mandado de segurança. Tribunal de Contas da União. Interesse proces-
sual do impetrante. Ofensa ao princípio da ampla defesa e do contraditório.
Inocorrência. Servidores requisitados. Limitação temporal. Art. 4º da Lei n.
6.999/82. Resolução n. 21.413 do Tribunal Superior Eleitoral. Direito adquirido.
Inocorrência. Hierarquia entre as normas.
1. Há interesse processual do servidor público na impetração de mandado de
segurança quando o ato do Tribunal de Contas da União afeta diretamente as suas
relações jurídicas. Precedente (MS n. 25.209, Relator o Ministro Carlos Britto, DJ
de 4-3-05).
2. O Tribunal de Contas da União, ao julgar a legalidade da concessão de
aposentadoria, exercita o controle externo atribuído pela Constituição, que não
está jungido ao contraditório. Precedentes (MS n. 24.784, Relator o Ministro
Carlos Velloso, DJ de 19-5-04 e RE n. 163.301, Relator o Ministro Sepúlveda
Pertence, DJ de 28-11-97).
3. A requisição de servidores públicos para serventias eleitorais justifica-se
pelo acúmulo ocasional de serviço verificado no órgão cujo quadro funcional não
esteja totalmente estruturado ou em número suficiente. Trata-se de procedimento
emergencial, que reclama utilização parcimoniosa, sem a finalidade de eternizar o
vínculo dos requisitados com o órgão para o qual foram cedidos. Daí a limitação
temporal prevista no caput do art. 4º da Lei n. 6.999/82.
4. Por força da hierarquia entre as normas, a resolução do TSE que prorroga o
prazo de requisição de servidores, em divergência com o art. 4º da Lei n. 6.999/82,
não pode prevalecer. Não há falar-se, pois, em direito adquirido e permanência do
servidor no órgão eleitoral.
5. Segurança denegada”. (MS 25.195, Relator Ministro Eros Grau).
11. É o que me basta para, confirmando o despacho denegatório da liminar, indeferir,
no mérito, o mandado de segurança. Até porque o TRE da Paraíba passou a dispor de
candidatos aprovados em concurso público, de sorte a poder compor os seus quadros
funcionais em caráter permanente. O que, por certo, influiu na sua decisão de não recorrer
(o TRE) do acórdão de contas que determinou o retorno do impetrante ao órgão de origem.
12. É como voto.

EXTRATO DA ATA
MS 25.200/DF — Relator: Ministro Carlos Britto. Impetrante: Tarcísio Soares de
Morais (Advogados: Stanislaw Costa Eloy e outro). Impetrado: Tribunal de Contas da
União.
R.T.J. — 197 939

Decisão: O Tribunal, por unanimidade, indeferiu a segurança, nos termos do voto


do Relator. Ausentes, justificadamente, os Ministros Nelson Jobim (Presidente) e Celso de
Mello. Presidiu o julgamento a Ministra Ellen Gracie (Vice-Presidente).
Presidência da Ministra Ellen Gracie (Vice-Presidente). Presentes à sessão os
Ministros Sepúlveda Pertence, Carlos Velloso, Marco Aurélio, Gilmar Mendes, Cezar
Peluso, Carlos Britto, Joaquim Barbosa e Eros Grau. Procurador-Geral da República, Dr.
Antonio Fernando Barros e Silva de Souza.
Brasília, 21 de setembro de 2005 — Luiz Tomimatsu, Secretário.

MANDADO DE SEGURANÇA 25.256 — PB

Relator: O Sr. Ministro Carlos Velloso


Impetrantes: Maria José dos Santos Clarindo e outro — Impetrado: Tribunal de
Contas da União — Litisconsorte passivo: Superintendente de Recuros Humanos da
Universidade Federal da Paraíba – UFPB
Constitucional. Administrativo. Pensão. TCU: julgamento da legali-
dade: contraditório. Decadência.
I - O Tribunal de Contas, no julgamento da legalidade da concessão
de aposentadoria ou pensão, exercita o controle externo que lhe atribui a
Constituição Federal, art. 71, III, no qual não está jungido a um processo
contraditório ou contestatório.
II - Precedentes do Supremo Tribunal: MS 24.859/DF e MS 24.784/
PB, Ministro Carlos Velloso, DJ de 27-8-2004 e de 25-6-2004.
III - Inaplicabilidade, no caso, da decadência do art. 54 da Lei 9.784/
1999.
IV - A acumulação de pensões somente é permitida quando se tratar
de cargos, funções ou empregos acumuláveis na atividade, na forma per-
mitida pela Constituição. RE 163.204/SP, Ministro Carlos Velloso, DJ de
31-3-1995.
V - MS indeferido.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo
Tribunal Federal, em Sessão Plenária, na conformidade da ata do julgamento e das notas
taquigráficas, por unanimidade, indeferir o mandado de segurança, vencido na preliminar
o Ministro Marco Aurélio, que declarava a decadência do pedido. Votou o Presidente.
Ausentes, justificadamente, a Ministra Ellen Gracie e, neste julgamento, os Ministros
940 R.T.J. — 197

Nelson Jobim (Presidente), Cezar Peluso e Eros Grau. Presidiu o julgamento o Ministro
Sepúlveda Pertence (art. 37, inc. I, do RISTF).
Brasília, 10 de novembro de 2005 — Nelson Jobim, Presidente — Carlos Velloso,
Relator.

RELATÓRIO
O Sr. Ministro Carlos Velloso: Trata-se de mandado de segurança impetrado origi-
nariamente perante a 2ª Vara Federal da Seção Judiciária da Paraíba por Maria José dos
Santos Clarindo e Rayênia Edja de Morais Clarindo, ambas pensionistas do ex-servidor
Cirilo Luiz Clarindo, contra ato do Tribunal de Contas da União, consubstanciado no
Acórdão 2.102/2003-TCU-2ª Câmara, proferido nos autos do Processo TC 003.436/
2003-5, que, considerando ilegal a acumulação de aposentadorias relativas a cargos
inacumuláveis na atividade, negou registro ao ato de aposentação do ex-servidor e
determinou à Universidade Federal da Paraíba – UFPB que suspendesse o pagamento
dos benefícios recebidos pelas impetrantes, bem como lhes orientasse acerca da possibi-
lidade de opção entre eles.
Dizem as impetrantes que o instituidor das pensões, o Sr. Cirilo Luiz Clarindo,
falecido em 12-2-1999, possuía dois vínculos funcionais distintos com a UFPB. O pri-
meiro referia-se à aposentadoria no cargo de Auxiliar Operacional de Serviços Diversos,
ocorrida em 27-12-1979. O segundo em decorrência de haver sido novamente contratado
pela mesma instituição, agora para o cargo de Assistente de Administração, no qual se
aposentou compulsoriamente em 9-8-1994.
Sustentam, mais, em síntese, o seguinte:
a) ausência de acumulação de pensões, porquanto não há obstáculo legal ou cons-
titucional que vede aos servidores públicos inativos exercerem novos cargos, empregos
ou funções no serviço público. Assim, “quisesse a Constituição vedar acumulação de
proventos da inatividade com remuneração outras da atividade, no setor público, tê-
lo-ia feito de modo explícito” (fl. 08);
b) ofensa ao art. 5º, LV, da Constituição Federal, dado que a autoridade coatora
determinou, sem o devido processo legal, o cancelamento das pensões percebidas pelas
impetrantes;
c) ocorrência da decadência para a Administração “impugnar a validade de ato
administrativo de que decorram efeitos favoráveis aos destinatários” (fl. 14), uma vez
que decorridos mais de cinco anos;
d) existência do fumus boni juris e do periculum in mora, consubstanciados no
fato de estar “provada a lesão grave e permanente do seu direito, caso haja o
desfazimento do ato administrativo de concessão de sua pensão e a suspensão do
pagamento de seus proventos” (fl. 18).
Ao final, requerem as impetrantes, liminarmente, que se conserve “o ato adminis-
trativo perfeito e acabado (concessão da pensão) com o devido pagamento dos
proventos” (fl. 18). No mérito, pedem seja declarado nulo o ato impugnado, a fim de que
seja restabelecido o pagamento do benefício.
R.T.J. — 197 941

Às fls. 109-115, o MM. Juiz Federal Alexandre Costa de Luna Freire informa que as
impetrantes haviam, anteriormente, impetrado idêntico mandado de segurança e que
esse foi extinto, sem julgamento de mérito, dada a ilegitimidade passiva do Superinten-
dente de Recursos Humanos da UFPB. Nesse contexto, decide declinar da competência
para o Supremo Tribunal Federal, que detém “a competência originária para processar
e julgar Mandado de Segurança impetrado contra ato do Tribunal de Contas da
União” (fl. 113).
Requisitadas informações (fl. 124), o Presidente do Tribunal de Contas da União as
prestou (fls. 131-168), sustentando, em síntese, o seguinte:
a) intempestividade da impetração, uma vez que restou superado o prazo decadencial
previsto no art. 18 da Lei 1.533/51;
b) inexistência de direito líquido e certo das impetrantes, mormente porque a
acumulação de aposentadorias decorrentes de cargos não-acumuláveis na atividade é
vedada constitucionalmente;
c) inocorrência do instituto da decadência administrativa, ante a inaplicabilidade
do art. 54 da Lei 9.784/99 aos processos em que o Tribunal de Contas da União exerce a
sua competência constitucional de controle externo;
d) observância do devido processo legal, dado que o “não-chamamento ao processo
de servidor de órgão destinatário de determinação proferida pelo TCU não configura
violação ao contraditório e à ampla defesa” (fl. 144);
e) não-cabimento do pedido de liminar, porquanto ausente a plausibilidade do
direito alegado.
Em 10-3-2005, indeferi o pedido de liminar (fls. 170-172).
A Procuradoria-Geral da República, em parecer lavrado pelo então Procurador-Geral
da República, Prof. Claudio Fonteles, opina pela denegação da ordem (fls. 174-180).
É o relatório.

VOTO
O Sr. Ministro Carlos Velloso (Relator): A preliminar de decadência do direito
à impetração não procede, bem assinala o Ministério Público Federal, por isso que
“cuida-se de pagamento de proventos de aposentadoria, o que configura uma obriga-
ção de trato sucessivo. Assim, o prazo de 120 dias para impetração do mandamus se
renova periodicamente” (fl. 176).
Também não há falar em decadência da Administração para anular o ato. É que o
prazo decadencial, no caso, seria contado a partir da decisão do Tribunal de Contas da
União, já que o ato de aposentadoria é um ato complexo que somente se aperfeiçoa com
o registro perante a Corte de Contas: RE 195.861/ES, Ministro Marco Aurélio, DJ de 17-
10-1997; MS 23.665/DF, Ministro Maurício Corrêa, DJ de 20-9-2002.
Vamos ao mérito.
Oficiou, no ponto, o Ministério Público Federal, pelo seu chefe, o eminente
Procurador-Geral, Prof. Claudio Fonteles:
942 R.T.J. — 197

“(...)
15. Independentemente de questionamentos sobre a validade da acumulação
dos cargos antes da Constituição de 1988 e da edição do estatuto dos servidores
públicos, Lei n. 8.112/90, que instituiu o regime jurídico único, é certo que com a
vigência dessas normas tornou-se ilegal o exercício contemporâneo de tais cargos.
Assim, quedou-se prejudicado o argumento do impetrante de que seria admissível
a cumulação dos proventos com esteio no parágrafo 4º do artigo 99 da Constitui-
ção de 1967.
16. Dessa forma, verifica-se que houve acumulação irregular de proventos/
remuneração pelo menos entre 01.02.1980 e a data da Segunda aposentação, no
cargo de Assistente de Administração, à 09.08.1994, e, posteriormente, percepção
simultânea de proventos de duas aposentadorias.
17. Contudo, quando levado a registro no Tribunal de Contas da União o ato
de aposentadoria do de cujus no cargo de Assistente de Administração, verificou-
se que já era ele aposentado, com proventos integrais, como Auxiliar Operacional
de Serviços Diversos (Operador de Caldeira) da Universidade da Paraíba. Consta-
tada, pois a acumulação indevida de aposentadorias, foi recusado o registro do ato
de aposentação no cargo em que foi admitido posteriormente, e, consequentemente,
das pensões das impetrantes, decisão contra a qual ora se insurge.
18. A acumulação de cargos públicos, exceto nos casos previstos pela Cons-
tituição, de proventos de aposentadoria decorrentes desses cargos, bem como a
acumulação irregular de proventos/remuneração são vedadas nos termos do art.
37, inciso XVI, e do 40, § 6º, todos da Constituição Federal. Vejamos:
‘Art. 37 (...)
XVI - é vedada a acumulação remunerada de cargos públicos, exceto,
quando houver compatibilidade de horários, observado em qualquer caso o
disposto no inciso XI.
a) a de dois cargos de professor;
b) a de um cargo de professor com outro técnico ou científico;
c) a de dois cargos ou empregos privativos de profissionais de saúde,
com profissões regulamentadas;
(...)
Art. 40 (...)
§ 6º - Ressalvadas as aposentadorias decorrentes dos cargos acumulá-
veis na forma desta Constituição, é vedada a percepção de mais de uma
aposentadoria à conta do regime de previdência previsto neste artigo.’
19. Destarte, não se pode cogitar a possibilidade de exercício simultâneo dos
cargos de Auxiliar Operacional de Serviços Diversos e Assistente de Administra-
ção, e, conforme o disposto nos artigos constitucionais transcritos, o mesmo não
pode ocorrer quanto a acumulação de pensões.
R.T.J. — 197 943

20. Já na Constituição Federal pretérita (art. 99, caput) não se permitia a acu-
mulação de cargos no serviço público, excetuadas apenas as hipóteses previstas nos
incisos e parágrafos do art. 99 da Constituição Federal de 1967, com a redação que
lhe conferiu a EC n. 1/1969. E, ainda que admitida a cumulação excepcional, com
base nesse regime, que alega o impetrante, esta teria sido expressamente revogada
pela nova ordem constitucional.
21. De outra banda, no que concerne ao alegado desrespeito ao princípio da
ampla defesa no processo administrativo, não tem ele, em sede de controle realizado
pela Corte de Contas, os contornos que pretende imprimir-lhe o impetrante. Certo,
pois o contrário resultaria na total impossibilidade daquele órgão de executar as
tarefas que lhe foram confiadas pelo Poder Constituinte.
22. Assim, na medida em que decisões tomadas na Corte de Contas – como é
o caso presente – podem se dirigir a autoridades administrativas, é perfeitamente
cabível que o terceiro não participante do processo perante aquele Tribunal seja
atingido pelos reflexos de suas decisões, sem que isso demande a manifestação nos
autos de todos os possíveis atingidos.
23. Assim, não está caracterizada a ofensa à ampla defesa. É essa a linha
adotada por esse Egrégio Tribunal, consoante se verifica da ementa a seguir
colacionada:
‘Ementa: Constitucional. Administrativo. Servidor público. Gratifica-
ção incorporada: sua absorção, por lei que majorou vencimentos: inexis-
tência de ofensa a direito adquirido ou ao princípio da irredutibilidade de
vencimentos. Tribunal de contas: julgamento da legalidade de aposentado-
rias: contraditório.
I. - Gratificação incorporada, por força de lei. Sua absorção, por lei
posterior que majorou vencimentos: inexistência de ofensa aos princípios do
direito adquirido ou da irredutibilidade de vencimentos, na forma da juris-
prudência do STF.
II. - Precedentes do STF.
III. - O Tribunal de Contas, no julgamento da legalidade de concessão
de aposentadoria, exercita o controle externo que lhe atribui a Constitui-
ção, no qual não está jungido a um processo contraditório ou contestatório.
IV. - Mandado de Segurança indeferido.’ (MS 24784 – DF – TP –
Relator Min. Carlos Velloso – DJU 25.06.2004 – p.6 – sem ênfase no
original)
24. Destarte, o Ministério Público Federal opina pela denegação da ordem.
Correto o parecer.
A acumulação de aposentadorias somente é admitida se lícita a acumulação dos
cargos na atividade. O mesmo deve ser dito relativamente às pensões. No julgamento do
RE 163.204/SP, por mim relatado, decidiu o Supremo Tribunal Federal:
“Ementa: Constitucional. Administrativo. Servidor público. Proventos e
vencimentos: acumulação. CF, art. 37, XVI, XVII.
944 R.T.J. — 197

I - A acumulação de proventos e vencimentos somente é permitida quando se


tratar de cargos, funções ou empregos acumuláveis na atividade, na forma permitida
pela Constituição. CF, art. 37, XVI, XVII; art. 95, parágrafo único, I. Na vigência da
Constituição de 1946, art. 185, que continha norma igual à que está inscrita no art.
37, XVI, CF/88, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal era no sentido da
impossibilidade da acumulação de proventos com vencimentos, salvo se os cargos
de que decorrem essas remunerações fossem acumuláveis.
II - Precedentes do STF: RE 81.729/SP, ERE 68.480, MS 19.902, RE
77.237/SP, RE 76.241/RJ.
III - RE conhecido e provido.” (DJ de 31-3-1995)
Na verdade, não são acumuláveis os cargos de Auxiliar Operacional de Serviços e
Assistente de Administração (CF, art. 37, XVI, a, b, c; art. 40, § 6º).
Não há falar, também, que teria o Tribunal de Contas praticado ofensa ao direito de
defesa das impetrantes. É que o Tribunal de Contas, no julgamento da legalidade de
concessão de aposentadoria ou pensão, exercita o controle externo que lhe atribui a
Constituição Federal, art. 71, III, no qual não está jungido a um processo contraditório.
Assim decidiu o Supremo Tribunal no julgamento do MS 24.859/DF, por mim relatado,
cujo acórdão porta a seguinte ementa:
“Constitucional. Administrativo. Pensão. TCU: julgamento da legalidade:
contraditório. Pensão: dependência econômica.
I - O Tribunal de Contas, no julgamento da legalidade de concessão de apo-
sentadoria ou pensão, exercita o controle externo que lhe atribui a Constituição
Federal, art. 71, III, no qual não está jungindo a um processo contraditório ou
contestatório. Precedentes do STF.
II - Inaplicabilidade, no caso, da decadência do art. 54 da Lei 9.784/99.
III - Concessão da pensão julgada ilegal pelo TCU, por isso que, à data do
óbito do instituidor, a impetrante não era sua dependente econômica.
IV - MS indeferido.” (DJ de 27-8-2004)
No mesmo sentido o decidido no MS 24.784/PB, também de minha Relatoria (DJ
de 25-6-2004).
Do voto que proferi por ocasião do julgamento deste último, MS 24.784/PB,
destaco:
“(...)
Não há falar, ademais, em definitividade do ato de concessão da aposentado-
ria ainda não apreciado quanto a sua legalidade, pelo Tribunal de Contas. No RE
163.301/AM, o eminente Relator, Ministro Sepúlveda Pertence, dissertou a respeito,
presente, também, o ato do Tribunal de Contas que revisa seus próprios julgamen-
tos afirmativos da legalidade da concessão de aposentadoria. S. Exa anotou que
‘essa possibilidade de revisão pelo Tribunal de Contas de suas decisões relativas a
aposentadorias e pensões está subjacente à doutrina da Súmula 6, como está claro
no primoroso voto do saudoso Ministro Victor Nunes, no principal dos leading
cases que a suportam (RMS 8.657, de 6-9-61, Victor Nunes, RTJ 20/69).’
R.T.J. — 197 945

No primeiro caso — julgamento do ato de aposentadoria quanto a sua lega-


lidade — constitui decisão de controle externo, certo que, na SS 514-AgR/AM,
anotou o eminente Relator, Ministro Octavio Gallotti:
‘(...)
Considerar que o Tribunal de Contas, quer no exercício da atividade
administrativa de rever os atos de seu Presidente, quer no desempenho da
competência constitucional para o julgamento da legalidade da concessão
de aposentadorias (ou ainda na aferição da regularidade de outras despesas),
esteja jungido a um processo contraditório ou contencioso, é submeter o
controle externo, a cargo daquela Corte, a um enfraquecimento absoluta-
mente incompatível com o papel que vem sendo historicamente desempe-
nhado pela Instituição, desde os albores da República.
Mais grave, ainda, é supor que, para reprimir ilegalidades de ordem das
que resolveu coibir, esteja o Tribunal de Contas limitado à possibilidade de
provocar o Poder Judiciário, ao invés de reservar-se este ao controle judicial
do ato, quando instado pelo prejudicado (não antecipadamente pela Corte
de Contas).
É, portanto, de manifesta plausibilidade a sustentação de grave lesão à
ordem administrativa, que se apresenta como virtualmente subvertida, na
espécie em julgamento.
Entendo que essa ameaça justifica, por si só, a subsistência da sus-
pensão de segurança, independente de reavaliação dos efeitos financeiros,
ao sabor dos incidentes da execução, e das cautelas nele adotadas pelo Tribu-
nal Estadual.
(...).’ (RTJ 150/402)
É dizer, em casos como este — julgamento da legalidade de aposentadorias —
não há falar em contraditório.
(...).”
Do exposto, indefiro o writ.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Senhor Presidente, só tenho uma dúvida quanto à deca-
dência. Admito que, mesmo em se tratando de uma relação jurídica que se desdobre em
prestações sucessivas, pode haver a decadência, como também pode incidir a prescrição.
O Sr. Ministro Carlos Velloso (Relator): Quando se ataca o fundo de direito, sem
dúvida nenhuma, reconheço também.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: O que eu indagaria seria isso.
O Sr. Ministro Carlos Velloso (Relator): Mas aí são as prestações de trato sucessivo.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Houve um ato comissivo do Tribunal de Contas da
União. A impetrante foi cientificada desse ato e somente protocolou o mandado de
segurança em data posterior aos cento e vinte dias alusivos ao prazo decadencial. Se a
situação concreta é essa, penso que incidiu a decadência.
946 R.T.J. — 197

O Sr. Ministro Carlos Velloso (Relator): Se se trata do fundo de direito, reconhece-se


a decadência.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Só afasto, quando se trata de simples ato omissivo.
O Sr. Ministro Carlos Velloso (Relator): Quando se trata de fundo de direito.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Se há um ato concreto que alcança um direito, e o
titular é cientificado desse ato concreto, pouco importa que, se não houvesse, no caso, a
glosa, ter-se-iam prestações sucessivas sendo satisfeitas.
Aqui, penso que houve um ato concreto, e a impetração ocorreu mais de cento e
vinte dias depois da ciência desse mesmo ato.
Por isso, concluiria pela decadência.

VOTO (Explicação)
O Sr. Ministro Carlos Velloso (Relator): Desde os meus primeiros tempos no Tribu-
nal Federal de Recursos que sustento que a disposição de cento e vinte dias é arbitrária.
A Constituição não fala isso. Cedi, mas confesso que — e já fiz essa declaração mais de
uma vez — só reconheço a decadência quando ela se apresenta escancaradamente. Faço
vistas grossas à decadência, que considero arbitrária frente ao disposto no art. 5º, inciso
LXIX, da Constituição Federal.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presidente): Há uma controvérsia: mandaram
optar, continuaram pagando, e, não sei quando, houve a interrupção do pagamento.
Nesse ponto, o direito da impetrante foi atingido.
O Sr. Ministro Carlos Velloso (Relator): O Ministro Eros Grau também tem enten-
dimento igual ao meu, segundo penso.
O Sr. Ministro Gilmar Mendes: De qualquer forma, só para deixar claro, tenho posi-
ção contrária em relação a isso. Vejo isso em vários textos, inclusive de Teotônio Negrão.
O Sr. Ministro Carlos Velloso (Relator): Deve-se observar, apenas, o prazo de
prescrição. O mandado de segurança é ação como outra qualquer, mas com status de
ação constitucional. A Constituição não exige os cento e vinte dias.
Quando ingressei nesta Corte, fiz a declaração de que me curvaria à jurisprudência,
pois se trata da jurisprudência da Suprema Corte.
O Sr. Ministro Carlos Britto: Mas incomoda.
O Sr. Ministro Carlos Velloso (Relator): Incomoda. Então, confesso que faço sem-
pre vistas grossas a essa questão. Se é flagrante, eu a reconheço.
De qualquer forma, no caso, há a dúvida, pelo menos.
O Sr. Ministro Gilmar Mendes: De qualquer sorte, é bom ressaltar que o mandado
de segurança, o mandado de injunção, o habeas data e outras garantias processuais
constitucionais são típicas garantias institucionais, daí poder o legislador, sim, definir
esse conteúdo, desde que não o faça de maneira abusiva. Até mesmo, o intuito aqui,
creio, é dar nobreza ao instituto. Se se trata de um remédio, como se diz, heróico, há de ser
manejado dentro também de um tempo razoável.
R.T.J. — 197 947

O Sr. Ministro Carlos Velloso (Relator): Não a considero um remédio heróico, mas
uma ação, com status constitucional. Todas as ações têm proteção constitucional, mas o
mandado de segurança tem status constitucional especial. Trata-se de uma garantia
constitucional expressa.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Senhor Presidente, mantenho a conclusão sobre a


decadência, porque o objeto do mandado de segurança é o acórdão, em si, do Tribunal
de Contas.
No caso, o insurgimento é em relação à opção, que foi determinada no acórdão do
Tribunal de Contas da União, do qual tomou ciência a impetrante em período anterior
aos cento e vinte dias que antecederam à impetração.
Por isso, concluo pela decadência. Vencido nessa parte, acompanho o Relator e
indefiro a ordem.

EXTRATO DA ATA
MS 25.256/PA — Relator: Ministro Carlos Velloso. Impetrantes: Maria José dos
Santos Clarindo e outro (Advogados: Emerson Moreira de Oliveira e outro). Impetrado:
Tribunal de Contas da União. Litisconsorte Passivo: Superintendente de Recursos Humanos
da Universidade Federal da Paraíba – UFPB (Advogado: Procuradoria-Geral Federal).
Decisão: O Tribunal, por unanimidade, indeferiu o mandado de segurança, vencido
na preliminar o Ministro Marco Aurélio, que declarava a decadência do pedido. Votou
o Presidente. Ausentes, justificadamente, a Ministra Ellen Gracie e, neste julgamento, os
Ministros Nelson Jobim (Presidente), Cezar Peluso e Eros Grau. Presidiu o julgamento o
Ministro Sepúlveda Pertence (art. 37, inc. I, do RISTF).
Presidência do Ministro Nelson Jobim. Presentes à sessão os Ministros Sepúlveda
Pertence, Celso de Mello, Carlos Velloso, Marco Aurélio, Gilmar Mendes, Cezar Peluso,
Carlos Britto, Joaquim Barbosa e Eros Grau. Procurador-Geral da República, Dr.
Antonio Fernando Barros e Silva de Souza.
Brasília, 10 de novembro 2005 — Luiz Tomimatsu, Secretário.

MANDADO DE SEGURANÇA 25.360 — DF

Relator : O Sr. Ministro Eros Grau


Impetrante: Aufer Agropecuária S.A. — Impetrado: Presidente da República
Constitucional. Agrário. Mandado de segurança. Desapropriação.
Reforma agrária. Notificação do proprietário. Aviso de recebimento. Assi-
natura. Empregado com poderes outorgados por procuração. Dilação
probatória. Impossibilidade de apreciação em mandado de segurança.
948 R.T.J. — 197

Esbulho possessório posterior à vistoria. Inaplicabilidade do art. 2º, § 6º,


da Lei n. 8.629/93. Composição na ação de reintegração de posse. Desca-
racterização da invasão. Produtividade do imóvel. Dilação probatória.
Apreciação em mandado de segurança. Impossibilidade.
1. Reputa-se válida a notificação prevista no art. 2º, § 2º, da Lei n.
8.629/93, quando o aviso de recebimento é assinado por empregado com
poderes outorgados por instrumento de mandato.
2. A impossibilidade de dilação probatória em mandado de segu-
rança torna insuscetível de apreciação, ante a documentação juntada
pela impetrante, a questão relativa à assinatura do aviso de recebimento
da notificação ao proprietário do imóvel. Precedente [MS n. 22.645,
Relator o Ministro Néri da Silveira, DJ de 24-8-2001].
3. O esbulho possessório que impede a desapropriação [art. 2º, § 6º,
da Lei n. 8.629/93, na redação dada pela Medida Provisória n. 2.183/01],
deve ser significativo e anterior à vistoria do imóvel, a ponto de alterar os
graus de utilização da terra e de eficiência em sua exploração, compro-
metendo os índices fixados em lei. Precedente [MS n. 23.759, Relator o
Ministro Celso de Mello, DJ de 22-8-2003].
4. A composição das partes em ação de reintegração de posse, com a
ocupação área ínfima do imóvel pelos trabalhadores rurais em regime de
comodato, não justifica a improdutividade da gleba. Precedente [MS n.
23.857, Relatora a Ministra Ellen Gracie, DJ de 13-6-2003].
5. A impossibilidade de dilação probatória em mandado de segu-
rança torna insuscetível de apreciação a questão relativa à produtividade
do imóvel rural. Precedente [MS n. 24.518, Relator o Ministro Carlos
Velloso, DJ de 30-4-2004 e MS n. 25.351, Relator o Ministro Eros Grau, DJ
de 16-9-2005].
6. Segurança denegada.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribu-
nal Federal, em Sessão Plenária, na conformidade da ata do julgamento e das notas
taquigráficas, por unanimidade de votos, denegar a segurança, nos termos do voto do
Relator.
Brasília, 27 de outubro de 2005 — Ellen Gracie, Presidente — Eros Grau, Relator.

RELATÓRIO
O Sr. Ministro Eros Grau: Trata-se de mandado de segurança impetrado por Aufer
Agropecuária S.A. contra decreto do Presidente da República, de 13 de janeiro de 2005,
que declarou de interesse social para fins de reforma agrária o imóvel rural denominado
“Fazendas Berro D’Água e outras”, localizado no Município de Coromandel/MG.
R.T.J. — 197 949

2. A impetrante sustenta a nulidade do decreto expropriatório ante a ausência de


notificação prévia para a realização de vistoria pelo Incra, em ofensa ao art. 2º, § 2º, da
Lei n. 8.629/93. Segundo a inicial [fl. 11], houve notificação para a realização da visto-
ria, a qual não pôde ser realizada em virtude de barreiras formadas nas proximidades do
imóvel, tendo sido efetuada dias depois.
3. Alega a existência de invasão do imóvel por movimento social de trabalhadores
rurais, ocorrida após a realização da vistoria, o que, à luz do art. 2º, § 6º, da Lei n. 8.629/93,
impediria a continuidade do procedimento expropriatório.
4. Às fls. 233/236, no entanto, traz aos autos ata de audiência de conciliação nos
autos da ação de reintegração de posse movida pelos arrendatários das glebas, na qual as
partes acordam a permanência dos rurícolas em regime de comodato, numa área de 10 ha
a 15 ha, até o mês de agosto de 2006.
5. Requer, liminarmente, a suspensão dos efeitos do decreto expropriatório, conce-
dendo-se a segurança a final para a sua total anulação.
6. À fl. 607, determinou-se a intimação da autoridade impetrada para prestar infor-
mações no prazo previsto no art. 7º, I, da Lei n. 1.533/51.
7. O Presidente da República, por meio da Advocacia-Geral da União [fls. 612/
653], informa que a impetrante foi notificada por via postal, com aviso de recebimento
assinado por empregado com poderes outorgados em instrumento de mandato.
8. Sustenta que a ocupação de área ínfima do imóvel por trabalhadores rurais, além
de posterior à vistoria realizada pelo Incra, perdeu o caráter de invasão por força de
acordo celebrado entre as partes na ação de reintegração de posse.
9. Ausentes o fumus boni iuris e o periculum in mora, foi indeferida a medida
liminar [fls. 766/768], determinando-se a remessa dos autos à Procuradoria-Geral da
República.
10. Em seu parecer [fls. 770/772], o Procurador-Geral da República opina pela
denegação da ordem, vez que a documentação acostada aos autos não é suficiente para
invalidar a notificação prévia da vistoria.
11. Afirma que o aviso de recebimento juntado à fl. 718 certifica a existência de
instrumento de procuração arquivado no Centro de Distribuição Domiciliária – CDD de
São José do Rio Preto, o que tornaria controvertidos os fatos alegados pela impetrante,
afastando a liquidez e certeza necessárias à concessão da segurança.
12. Quanto à invasão do imóvel por movimento social de trabalhadores rurais,
reitera a argumentação expendida pelo Presidente da República.
É o relatório.

VOTO
O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): O debate que se trava no âmbito do presente
mandado de segurança gira em torno da assinatura no aviso de recebimento da notifica-
ção de vistoria do Incra e da invasão do imóvel por movimento social de trabalhadores
rurais.
950 R.T.J. — 197

2. Segundo as informações prestadas pela autoridade coatora, a impetrante foi


regularmente notificada por via postal. O aviso de recebimento foi assinado por empre-
gado com poderes outorgados em instrumento de mandato arquivado no Centro de
Distribuição Domiciliária [CDD] dos Correios de São José do Rio Preto, sede da
impetrante.
3. A questão poderia ser dirimida mediante a expedição de uma declaração da
agência postal quanto à existência, ou não, de instrumento de mandato arquivado no
CDD, o que, no entanto, reclamaria dilação probatória inadmissível em sede manda-
mental. Nesse sentido, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, em especial no
MS n. 22.645, Relator o Ministro Néri da Silveira, DJ de 24-8-2001.
4. Quanto ao esbulho perpetrado por movimento social de trabalhadores rurais, o
Laudo Agronômico de Fiscalização dá conta de que a vistoria realizada pelo Incra
ocorreu entre 27 e 30 de novembro de 2002 [fls. 156 e 729], ao passo que as invasões
noticiadas pela impetrante datam de 16 e 18 de março de 2004.
5. A jurisprudência desta Corte é firme no sentido de que a vedação prevista no § 6º
do art. 2º da Lei n. 8.629/93, “alcança apenas as hipóteses em que a vistoria ainda não
tenha sido realizada ou quando feitos os trabalhos durante ou após a ocupação” [MS n.
24.136, Relator o Ministro Mauricio Correa, DJ de 8-11-2002].
6. O esbulho possessório, portanto, deve ser significativo e anterior à vistoria, a
ponto de alterar os graus de utilização da terra e de eficiência em sua exploração, com-
prometendo os índices fixados em lei [MS n. 23.759, Relator o Ministro Celso de Mello,
DJ de 22-8-2003].
7. De todo modo, ainda que assim não fosse, segundo se lê no termo de audiência
na ação de reintegração de posse juntado pela impetrante [fls. 233/236], os trabalhado-
res rurais ocupariam área entre 10 ha e 15 ha, em regime de comodato, até o mês de
agosto de 2006. Isso descaracteriza a invasão, restando não justificada qualquer
improdutividade, dada a ínfima área de ocupação em relação a imóvel rural de 2.123,91
ha. Nesse sentido, MS n. 23.857, Relatora a Ministra Ellen Gracie, DJ de13-6-2003.
8. Por fim, a impossibilidade de dilação probatória em mandado de segurança torna
insuscetível de apreciação a questão relativa à produtividade do imóvel rural, conforme
precedente do MS n. 24.518, Relator o Ministro Carlos Velloso, DJ de 30-4-2004 e
recente julgado desta Corte, por mim relatado na Sessão Plenária do último dia 17 de
agosto, MS n. 25.351.
Denego a ordem postulada no presente mandado de segurança para manter os
efeitos do decreto do Presidente da República, de 13 de janeiro de 2005.

VOTO
A Sra. Ministra Ellen Gracie (Presidente): Também acompanho o Relator. Verifico,
das informações prestadas pela Advocacia-Geral da União, que, no caso, a falada invasão
é posterior à vistoria, portanto, nenhum efeito poderia ter sobre o seu resultado e que a
empresa foi, sim, notificada por alguém que se apresentava com uma procuração dela.
De modo que acompanho o voto do Ministro Relator.
R.T.J. — 197 951

EXTRATO DA ATA
MS 25.360/DF — Relator : Ministro Eros Grau. Impetrante: Aufer Agropecuária
S.A. (Advogados: José Roberto Bruno Polotto e outro). Impetrado: Presidente da Repú-
blica (Advogado: Advogado-Geral da União).
Decisão: O Tribunal, por unanimidade, denegou a ordem, nos termos do voto do
Relator. Votou a Presidente. Ausentes, justificadamente, os Ministros Nelson Jobim
(Presidente), Celso de Mello, Carlos Velloso e Cezar Peluso. Presidiu o julgamento a
Ministra Ellen Gracie (Vice-Presidente).
Presidência da Ministra Ellen Gracie (Vice-Presidente). Presentes à sessão os
Ministros Sepúlveda Pertence, Marco Aurélio, Gilmar Mendes, Carlos Britto, Joaquim
Barbosa e Eros Grau. Procurador-Geral da República, Dr. Antonio Fernando Barros e
Silva de Souza.
Brasília, 27 de outubro de 2005 — Luiz Tomimatsu, Secretário.

HABEAS CORPUS 80.240 — RR

Relator: O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence


Paciente: Jerônimo Pereira da Silva — Impetrantes: Ela Wiecko Volkmer de
Castilho e outra — Coator : Presidente da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI para
Investigar a ocupação de Terras Públicas na Região Amazônica)
I - Habeas corpus: cabimento, em caráter preventivo, quando se
questiona da legitimidade da intimação para depor em comissões parla-
mentares de inquérito: precedentes (v.g. Plenário, HC 71.193, 6-4-94,
Pertence, DJ de 23-3-01; HC 71.261, 11-5-94, Pertence, RTJ 160/521; HC
71.039, 7-4-94, Brossard, RTJ 169/511).
II - STF: competência originária: habeas corpus contra ameaça
imputada a Senador ou Deputado Federal (CF, art. 102, I, alíneas i e c),
incluída a que decorra de ato praticado pelo congressista na qualidade de
Presidente de Comissão Parlamentar de Inquérito: precedentes.
III - Comissão Parlamentar de Inquérito: conforme o art. 58, § 3º, da
Constituição, as comissões parlamentares de inquérito detêm o poder ins-
trutório das autoridades judiciais — e não maior que o dessas —, de modo
que a elas se poderão opor os mesmos limites formais e susbstanciais
oponíveis aos juízes, dentre os quais os derivados de direitos e garantias
constitucionais.
IV - Comissão Parlamentar de Inquérito: intimação de indígena para
prestar depoimento na condição de testemunha, fora do seu habitat: viola-
ção às normas constitucionais que conferem proteção específica aos povos
indígenas (CF, arts. 215 , 216 e 231).
952 R.T.J. — 197

1. A convocação de um índio para prestar depoimento em local diverso


de suas terras constrange a sua liberdade de locomoção, na medida em que
é vedada pela Constituição da República a remoção dos grupos indígenas
de suas terras, salvo exceções nela previstas (CF/88, artigo 231, § 5º).
2. A tutela constitucional do grupo indígena, que visa a proteger,
além da posse e usufruto das terras originariamente dos índios, a respec-
tiva identidade cultural, se estende ao indivíduo que o compõe, quanto à
remoção de suas terras, que é sempre ato de opção, de vontade própria,
não podendo se apresentar como imposição, salvo hipóteses excepcionais.
3. Ademais, o depoimento do índio, que não incorporou ou compre-
ende as práticas e modos de existência comuns ao homem branco pode
ocasionar o cometimento pelo silvícola de ato ilícito, passível de compro-
metimento do seu status libertatis.
4. Donde a necessidade de adoção de cautelas tendentes a assegurar
que não haja agressão aos seus usos, costumes e tradições.
V - Deferimento do habeas corpus, para tornar sem efeito a intima-
ção, sem prejuízo da audiência do paciente com as cautelas indicadas na
impetração.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribu-
nal Federal, em Sessão Plenária, na conformidade da ata do julgamento e das notas
taquigráficas, por unanimidade de votos, deferir o pedido formulado no habeas corpus,
nos termos do voto do Relator.
Brasília, 20 de junho de 2001 — Marco Aurélio, Presidente — Sepúlveda Pertence,
Relator.

RELATÓRIO
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Habeas corpus preventivo impetrado em favor
de Jerônimo Pereira da Silva, índio macuxi da Aldeia de Maturuca, TI Raposa Serra do
Sul, Estado de Roraima, apontando-se como ameaça de coação a sua intimação para
prestar depoimento à CPI destinada a investigar a ocupação de terras públicas na Região
Amazônica, em audiência a ser realizada em Boa Vista, na sede da Assembléia
Legislativa daquele Estado.
Essa a fundamentação e o conseqüente pedido de habeas corpus formulados pela
ilustre Subprocuradora-Geral da República Ela Wiecko de Castilho e Procuradora Regi-
onal da República, Deborah Duprat de Britto Pereira, na qualidade de integrantes da 6ª
Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal:
“O art. 218 do CPP, de aplicação no âmbito das Comissões Parlamentares de
Inquérito, autoriza a condução coercitiva da testemunha faltosa, o que evidencia a
possibilidade concreta de o paciente vir a sofrer coação em sua liberdade de loco-
moção.
R.T.J. — 197 953

O ato coator, por seu turno, reveste-se de flagrante ilegalidade, na medida em


que afronta os dispositivos constitucionais que conferem proteção específica aos
povos indígenas (artigos 231, 215 e 216), como se verá.
II - Do ato Coator
A Constituição de 1988 representa uma clivagem em relação a todo o sistema
constitucional pretérito, ao reconhecer o Estado brasileiro como pluriétnico, e não
mais pautado em pretendidas homogeneidades, garantidas ora por uma perspectiva
de assimilação, mediante a qual instala-se, sub-repticiamente, na alma dos diferen-
tes grupos étnicos, novos gostos e hábitos, corrompendo-os e levando-os a renega-
rem a si próprios, eliminando o específico de sua identidade, ora submetendo-os
forçadamente a uma invisibilidade.
Se se trata de novo padrão a ser necessariamente observado, e não de meros
arquétipos platônicos, impõe-se estabelecer a exata compreensão do novel valor
que irá pautar as condutas dos diversos atores sociais.
À vista desta comunidade nacional, a qual, a despeito da procura de um
destino comum, orienta-se pelo respeito à heterogeneidade da regulamentação
ritual da vida, assegurando aos seus diferentes grupos formadores os modos próprios
de criar, fazer e viver (art. 216, II, CF), bem como os de se auto-referirem e concebe-
rem os demais (ib, I) avultam em significado os princípios da liberdade e da igual-
dade.
Liberdade como essência do próprio homem, que lhe permite instaurar novos
processos, escolhendo fins e elegendo os meios necessários para a sua realização.
É a consciência de sua determinação a nota específica do homem. A igualdade, por
seu turno, pressupõe a alteridade. Não houvesse o ego e o alter seria impensável a
alternativa binária básica entre identidade e diferença. Mas, para que haja igualdade
na alteridade, impõe-se não só respeito, mas compreensão dos códigos e valores
que orientam o outro, sem fundar-lhes em uma lógica que lhes é estranha, porque
do ego. Comunicação e identidade, assim, são termos que se exigem e se comple-
mentam, pois a compreensão do outro dá-se necessariamente num relacionamento
dialógico, mantida obstinadamente viva a não identidade de um com o outro.
Dentre esses grupos étnicos, mereceram especial atenção do legislador cons-
tituinte os povos indígenas, certamente em razão do seu caráter originário na for-
mação da nação brasileira. Foi-lhes assegurada a ocupação das terras tradicional-
mente ocupadas na constatação de que as mesmas seriam indispensáveis à sua
existência física e cultural.
A autonomia dos povos indígenas, contudo, não se esgota no reconhecimento
de um território no qual permaneçam, nem tampouco a ele se limita. Equivocada
seria a leitura que se fizesse exclusivamente a partir do artigo 231 da Constituição,
a pretender que o reconhecimento dos seus usos, costumes e tradições se desse
apenas no âmbito do território que lhes foi outorgado, por ser este o objeto especí-
fico de regulação do dispositivo invocado. Evidencia o artigo 216 da CF que,
enquanto grupo formador da sociedade brasileira, os índios têm direito, em suas
relações com os demais segmentos constituintes desta nação, a deles exigir obser-
vância aos seus modos de criar, fazer e viver (inciso II) e, muito mais, fazer-lhes ver
954 R.T.J. — 197

como a eles - índios - se representam os modos de criar, fazer e viver desta sociedade
que integram, de modo diferenciado (inciso II).
Resulta desta análise que, a par de lhes reconhecer o direito a uma existência
diferenciada, a Constituição outorgou aos próprios índios o direito a dizer em que
consiste esta diferença. Categorizar, como vinha fazendo o legislador a partir de
sua própria perspectiva, os índios como “aculturados” ou “selvagens” revela pre-
conceito etnocentrista e não mais encontra guarida no texto constitucional, na
medida em que, ao admitir-se como multiétnica a sociedade brasileira, nega-se a
possibilidade de que um de seus grupos formadores venha a dizer o que são ou
como são os demais, por tal atitude importar em domínio de um único segmento
étnico, o que antagoniza, em absoluto, com a própria noção de multi ou plurietni-
cidade.
Ademais, ter contato com uma sociedade não significa necessariamente com-
partilhar a pauta valorativa que a orienta.
É nessa perspectiva que se revela a ilegitimidade do ato coator.
Primeiramente, por impor ao índio que saia de seu território e compareça
para depor a uma Comissão Parlamentar de Inquérito, quando o texto constitucio-
nal lhe assegura a permanência em suas terras. Longe de representar um confina-
mento, é certo que a saída de um índio de suas terras é sempre um ato de opção, de
vontade própria, não podendo se apresentar como uma imposição, salvo hipóteses
excepcionalíssimas de cometimento de delitos ou situações de risco para a própria
comunidade. A propósito, o § 5º do art. 231 da CF.
Ademais, indispensável se faz a adoção de cautelas tendentes a assegurar que
não haja agressão aos seus usos, costumes e tradições. Não há como se desconhecer
que a inquirição de uma testemunha se faz segundo códigos próprios de quem
interroga, códigos esses não necessariamente compartilhados pelo depoente. Por
outro lado, tudo aquilo que é dito também o é sob uma ótica diferenciada de vida,
o que reclama correta tradução e compreensão. Tanto mais se revela necessária a
cautela quando é certo que o depoente está passível de responsabilidade criminal
por falso testemunho.
Desta forma, a oitiva de um índio, para o fim declinado no ato coator, deve
dar-se:
a) na área indígena onde se encontra o índio, em dia e hora previamente
acordados com a comunidade;
b) com a presença de representante da funai e de um antropólogo com
conhecimento desta mesma comunidade.
Ressalte-se, por último, para que não pairem dúvidas, que o paciente é Presi-
dente do Conselho Indígena de Roraima, organização exclusivamente formada
por índios, o que não altera, como antes ressaltado, em absolutamente nada o
direito que lhe assiste.
III - Do Pedido
Em razão da ameaça concreta de constrangimento à liberdade de locomoção
do paciente, requer-se a concessão da ordem para:
R.T.J. — 197 955

a) liminarmente lhe ser assegurado o não comparecimento à audiência


designada para o dia 20/6/00, às 14h00, no Edifício da Assembléia Legisla-
tiva do Estado de Roraima, em Boa Vista;
b) garantir que a sua inquirição se dê na área indígena que habita, com
as cautelas antes declinadas.”
Deferi a liminar para assegurar ao paciente o não-comparecimento à audiência.
Após reiterada a solicitação de informações, prestou-as pela CPI o seu Presidente,
nobre Deputado Luciano Castro, nestes termos:
“Senhor Ministro,
Com relação ao Habeas Corpus n. 80.240, pedimos venia a Vossa Excelên-
cia por não havermos prestado as informações solicitadas através do Ofício n.
1183, de 20 de junho de 2000, pois entendemos que não tendo tomado as atitudes
temidas pelo Sr. Jerônimo Pereira da Silva não seria necessária providência.
Esta Comissão Parlamentar de Inquérito decidiu em Reunião realizada dia 6
de junho do corrente, conforme Ata anexa, ouvir o Sr. Jerônimo Pereira da Silva na
condição de testemunha. Consultada a legislação e não encontrando nenhum óbi-
ce explícito que a impedisse, marcamos a oitiva para ser realizada no dia 20 de
junho último, na Assembléia Legislativa do Estado de Roraima, uma vez que a
Comissão lá realizaria algumas reuniões, e o Sr. Jerônimo ser Presidente do Conse-
lho Indígena daquele Estado. Todavia, no dia da reunião tomamos conhecimento
que o convocado havia impetrado “Habeas Corpus” no Supremo Tribunal Federal.
Lida a petição, por prudência resolvemos não levar o caso ao ponto da condução
coercitiva e, também, não voltamos até o momento a intimar o Sr. Jerônimo, até por
aguardar qual seria o posicionamento dessa egrégia Corte sobre a convocação de
indígenas para prestar depoimento, na condição de testemunha, às Comissões Par-
lamentares de Inquérito.”
Opinou pelo deferimento da ordem o em. Procurador-Geral da República Geraldo
Brindeiro.
É o relatório.

VOTO
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Relator):
I
Conheço do pedido.
Firmou-se no Tribunal a admissibilidade do habeas corpus que é de sua competên-
cia originária (vg, HC 32.678, 5-8-53, Mário Guimarães, RFor. 151/375; HC 71.261, 11-
5-94, Pertence, RTJ 160/522; HC 71.039, 7-4-94, Brossard, RTJ 169/511 etc) — quando
se questiona da legitimidade da intimação para depor em comissões parlamentares de
inquérito (vg., Plenário, HC 71.193, 6-4-94, Pertence, DJ de 23-3-01; HC 71.261, 11-5-
94, Pertence, RTJ 160/521; HC 71.039, 7-4-94, Brossard, RTJ 169/511).
No HC 71.193, consignei na ementa — DJ de 23-3-2001:
956 R.T.J. — 197

“Habeas corpus: cabimento em caráter preventivo, contra ameaça de cons-


trangimento à liberdade de locomoção, materializado na intimação do paciente
para depor em CPI, que contém em si a possibilidade de condução coercitiva da
testemunha que se recusa a comparecer, como no caso se pretende ser direito seu”.
II
No mérito, depois de expor os fundamentos da impetração, opinou nestes termos o
Senhor Procurador-Geral da República:
“12. O ato de intimar determinada pessoa para prestar depoimento em Co-
missão Parlamentar de Inquérito não constitui, só por si, motivo suficiente que
possa evidenciar, quanto a ela, a ocorrência de ameaça ao seu status libertatis, uma
vez que é necessário para que se legitime o acesso à proteção jurisdicional do
Estado a comprovação de situação de ofensa, direta ou indireta, atual ou iminente,
a direitos ou a garantias assegurados pela ordem jurídica e correlacionados com a
liberdade de locomoção (nesse sentido: HCML n. 80427PE, Relator Min. Celso de
Mello, in DJ de 13.09.2000, pág. 21).
13. Eis que, conforme o artigo 58, § 3º, da Constituição Federal, as Comis-
sões Parlamentares de Inquérito detêm o poder instrutório das autoridades judici-
ais, nem maior, nem menor que o dessas, de modo que às Comissões podem opor-
se os mesmos limites formais e materiais oponíveis aos juízes, dentre os quais os
derivados de direitos e garantias previstos no ordenamento (nesse sentido: HC n.
79.244/DF, Tribunal Pleno, Relator Min. Sepúlveda Pertence, in DJ de
24.03.2000, pág. 38).
14. No caso dos indígenas, muito embora a legislação pátria não disponha
expressamente sobre limites para a sua intimação ou inquirição, tais atos devem
pautar-se por cautelas de modo a não violarem as normas constitucionais
protetivas deste grupo étnico.
15. Como bem observaram as impetrantes, a legislação anterior continha refe-
rências expressas à integração ou assimilação inevitável do silvícola, no entanto,
com o advento da atual Carta Magna sobreveio nova mentalidade que assegura
espaço para uma interação entre esses povos e a sociedade, protegendo, inclusive, a
diversidade cultural dos povos indígenas, cujos valores passaram a ser objeto de
tutela constitucional, nos termos do que dispõe os artigos 215, 216 e 231.
16. Deste modo, a convocação de um índio para prestar depoimento em local
diverso de suas terras coage a sua liberdade de locomoção, na medida em que,
sendo vedada pela Constituição da República a remoção dos grupos indígenas de
suas terras, salvo exceções nela previstas (CF/88, artigo 231, § 5º), deve-se tal
direito ser estendido não só ao grupo, mas ao indivíduo que o compõe, uma vez
que tal norma visa a proteger não só a posse e o usufruto das terras originariamente
dos índios, mas a identidade cultural do grupo indígena, que deslocado a perderia.
17. Assim, deve-se estender a tutela constitucional de proteção do grupo
indígena quanto à remoção de suas terras, expondo-o a influência de uma cultura
dominadora, ao componente deste grupo, ainda mais quando este pode ser condu-
R.T.J. — 197 957

zido coercitivamente, se não cumprir o ato de intimação, e, por não ser integrado a
uma nova diversidade cultural, sujeitar-se aos malefícios de um choque de interes-
ses e valores.
18. Claro que se deve observar que tal direito de permanência na terra não é
absoluto, uma vez que não só limitado pelas exceções previstas no § 5º do artigo
231 da Lei Maior, mas por direitos e garantias constitucionais outros em conflito,
como seria o caso da prisão em flagrante ou por ordem escrita fundamentada (CF/
88, art. 5º, LXI).
19. De outro lado, cabe evidenciar que o colhimento de depoimento de ín-
dio, que não incorporou ou compreende as práticas e modos de existência comuns
ao ‘homem branco’, sem as devidas cautelas, ocasionaria, muito provavelmente,
em virtude do conflito entre as identidades culturais e do desconhecimento da lei,
o cometimento pelo silvícola de ato ilícito, passível de comprometimento do seu
status libertatis, dentre ele o crime de desobediência, desacato, ou, como observado
pelas impetrantes, a própria infração de falso testemunho. E, como conseqüência,
o ato de intimação para depor também estaria maculado pela pecha de ameaçador
ao direito de ir e vir, o que também dá ensejo à presente tutela jurídica.
Ante o exposto, opina o Ministério Público Federal pelo deferimento do
pedido, para que seja assegurado ao paciente prestar depoimento na área indígena
onde se encontra e com as devidas cautelas, de modo a não ocorrer agressão aos
seus usos, costumes e tradições.”
O parecer é irretocável.
Na mesma linha, José Afonso da Silva1, a meu ver, situou com precisão o reconhe-
cimento constitucional da identidade cultural das comunidades indígenas.
“O art. 231” — assinala o mestre — “reconhece a organização social, costumes,
línguas, crenças e tradições dos índios, com o que reconhece a existência de minorias
nacionais e institui normas de proteção de sua singularidade étnica, especialmente de
suas línguas, costumes e usos. A propósito, a Constituição fala em populações indíge-
nas (art. 22, XIV) e comunidades indígenas ou dos índios (art. 232), certamente como
comunidades culturais, que se revelam na identidade étnica, não propriamente como
comunidade de origem que se vincula ao conceito de raça natural, fundado no fator
biológico, hoje superado, dada a ‘impossibilidade prática de achar um critério que
defina a pureza da raça’. Nem é comunidade nacional que não é redutível a fatores
particulares ou parciais, porque se integra de todos, enquanto realização do princípio
do Estado nacional, traduzindo, no nosso caso, a unidade comunitária dos brasileiros
que envolve a todos.”
E depois de definir o sentido étnico com o qual cabe referir-se a nações indígenas,
conclui:
“Enfim, o sentido de pertinência a uma comunidade indígena é que identifica
o índio. A dizer, é índio quem se sente índio. Essa auto-identificação, que se funda

1 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. Malheiros, 19. ed. pp. 826 ss.
958 R.T.J. — 197

no sentimento de pertinência a uma comunidade indígena, e a manutenção dessa


identidade étnica, fundada na continuidade histórica do passado pré-colombiano
que reproduz a mesma cultura, constituem o critério fundamental para a identifica-
ção do índio brasileiro. Essa permanência em si mesma, embora interagindo um
grupo com outros, é que lhe dá a continuidade étnica identificadora. Ora, a Cons-
tituição assume essa concepção, p. ex., no art. 231, § 1º, ao ter as terras ocupadas
pelos índios como ‘necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos,
costumes e tradições’. A identidade étnica perdura nessa reprodução cultural, que
não é estática; não se pode ter cultura estática. Os índios, como qualquer comuni-
dade étnica, não param no tempo. A evolução pode ser mais rápida ou mais lenta,
mas sempre haverá mudanças e, assim, a cultura indígena, como qualquer outra, é
constantemente reproduzida, não igual a si mesma. Nenhuma cultura é isolada.
Está sempre em contacto com outras formas culturais. A reprodução cultural não
destrói a identidade cultural da comunidade, identidade que se mantém em res-
posta a outros grupos com os quais dita comunidade interage. Eventuais transfor-
mações decorrentes do viver e do conviver das comunidades não descaracterizam
a identidade cultural. Tampouco a descaracteriza a adoção de instrumentos novos
ou de novos utensílios, porque são mudanças dentro da mesma identidade étnica.”
Essas considerações da impetração, do parecer e do doutrinador insigne bastam a
alicerçar a construção pleiteada.
Defiro o habeas corpus para tornar sem efeito a intimação, sem prejuízo da audiência
do paciente com as cautelas indicadas na petição: é o meu voto.

EXTRATO DA ATA
HC 80.240/RR — Relator: Ministro Sepúlveda Pertence. Paciente: Jerônimo
Pereira da Silva. Impetrantes: Ela Wiecko Volkmer de Castilho e outra. Coator: Presi-
dente da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI para Investigar a ocupação de Terras
Públicas na Região Amazônica).
Decisão: Após o voto do Ministro Sepúlveda Pertence (Relator), deferindo o habeas
corpus, no que foi acompanhado pelos Ministros Ellen Gracie, Maurício Corrêa e Ilmar
Galvão, pediu vista dos autos o Ministro Marco Aurélio. Ausentes, justificadamente, os
Ministros Moreira Alves, Celso de Mello e Nelson Jobim.
Presidência do Ministro Carlos Velloso. Presentes à sessão os Ministros Néri da
Silveira, Sydney Sanches, Sepúlveda Pertence, Marco Aurélio, Ilmar Galvão, Maurício
Corrêa e Ellen Gracie. Vice-Procurador-Geral da República, Dr. Haroldo Ferraz da
Nóbrega.
Brasília, 19 de abril de 2001 — Luiz Tomimatsu, Coordenador.

VOTO (Vista)
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Este habeas corpus tem como objeto ato da Comissão
Parlamentar de Inquérito destinada a investigar a ocupação de terras públicas na Região
Amazônica que implicou a intimação do Paciente, indígena, para comparecer perante a
Comissão como testemunha. A inicial, redigida com insuplantável esmero, busca reve-
R.T.J. — 197 959

lar o direito do Paciente de ser ouvido na área indígena, em dia e hora previamente
acordados, com a presença de representante da Fundação Nacional do Índio – FUNAI e
de um antropólogo com conhecimento da vida na comunidade.
Na sessão em que começado o julgamento, o Ministro Sepúlveda Pertence pronun-
ciou-se pela concessão do habeas, reportando-se não só ao parecer da Procuradoria-
Geral da República em tal sentido, como também à lição de José Afonso da Silva sobre
o alcance do artigo 231 do Diploma Básico. Entende Sua Excelência que o trato da
matéria sob o ângulo constitucional obstaculiza a mencionada intimação.
Estão em jogo valores diversos e que, portanto, hão de ser sopesados. De um lado,
consoante a regra geral decorrente do § 3º do artigo 58 da Constituição Federal, as
comissões parlamentares de inquérito têm poderes de investigação, podendo intimar
aqueles que surjam como envolvidos em fatos a serem objeto de apuração. De outro,
observa-se o tratamento especial conferido aos índios. A Carta preserva a organização
social, os costumes, as línguas, as crenças e tradições dos índios, consideradas as pecu-
liaridades reinantes, objetivando o respeito à cultura indígena. Há de extrair-se da Carta
Política a maior eficácia possível, ante o fim colimado. Procede a conclusão da inicial,
em que se enfatiza: “a saída de um índio de suas terras é sempre um ato de opção, de
vontade própria, não podendo se apresentar como uma imposição, salvo hipóteses
excepcionalíssimas de cometimento de delitos ou situações de risco para a própria
comunidade”. Retorno ao início deste voto. Contrapondo os valores em questão, so-
bressai o relativo à preservação dos costumes indígenas. E aí transparece em segundo
plano o referente à audição de pessoas no âmbito da casa em que instalada a comissão
parlamentar de inquérito, sem que isso implique prejuízo para a atividade desta. Con-
tando as comissões com melhor estrutura, podem muito bem proceder a tal audição na
região em que situada a comunidade indígena, cabendo as precauções aventadas na
inicial. Isso não resulta no esvaziamento da importância de tal comissão, mas na
racionalidade do desenvolvimento dos trabalhos em harmonia com o texto constitucio-
nal. Em síntese, o poder de investigação encerrado no preceito da Carta abrange, é certo,
o de intimar pessoas para comparecimento ao local designado, sem, no entanto, importar
em ato impositivo, em se tratando da audição de indígena. Aliás, os veículos de comuni-
cação têm revelado o deslocamento, em diligência, de membros de comissões parlamen-
tares de inquérito, o que se dirá quando isso decorre da própria norma constitucional.
Acompanho o Ministro Sepúlveda Pertence, deferindo o habeas corpus nos termos em
que pleiteado.

EXTRATO DA ATA
HC 80.240/RR — Relator: Ministro Sepúlveda Pertence. Paciente: Jerônimo
Pereira da Silva. Impetrantes: Ela Wiecko Volkmer de Castilho e outra. Coator: Presi-
dente da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI para Investigar a ocupação de Terras
Públicas na Região Amazônica).
Decisão: Por unanimidade, o Tribunal deferiu o pedido formulado no habeas
corpus, nos termos do voto do Relator. Votou o Presidente, o Ministro Marco Aurélio.
Eximiram-se de votar os Ministros Nelson Jobim e Moreira Alves, por não terem assistido
ao relatório. Ausente, justificadamente, a Ministra Ellen Gracie (que proferira voto na
assentada anterior).
960 R.T.J. — 197

Presidência do Ministro Marco Aurélio. Presentes à sessão os Ministros Moreira


Alves, Néri da Silveira, Sydney Sanches, Sepúlveda Pertence, Celso de Mello, Carlos
Velloso, Ilmar Galvão, Maurício Corrêa e Nelson Jobim. Procurador-Geral da República,
Dr. Geraldo Brindeiro.
Brasília, 20 de junho de 2001 — Luiz Tomimatsu, Coordenador.

RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS 80.967 — GO

Relator: O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence


Recorrente: Francisco Alves Neto — Recorrido: Ministério Público Federal
Recurso ordinário ou habeas corpus substitutivo: inexigibilidade de
prequestionamento explícito do fundamento de incompetência do órgão
prolator da decisão questionada.
1. O órgão jurisdicional que decide sobre o mérito de uma impetra-
ção de habeas corpus afirma, ainda que implicitamente, a sua competên-
cia para conhecer do pedido: por isso, a alegação de sua incompetência
pode ser suscitada em recurso ordinário ou impetração dele substitutiva,
porquanto independem de prequestionamento.
2. RHC provido para que o STJ — malgrado não haja o acórdão da
Câmara do Tribunal local afirmado explicitamente a sua competência —
decida do pedido fundado na incompetência o órgão a quo.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turma
do Supremo Tribunal Federal, na conformidade da ata do julgamento e das notas
taquigráficas, por unanimidade de votos, dar provimento, em parte, ao recurso ordinário
em habeas corpus, nos termos do voto do Relator.
Brasília, 12 de junho de 2001 — Moreira Alves, Presidente — Sepúlveda Pertence,
Relator.

RELATÓRIO
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Na petição de habeas corpus endereçada ao
Superior Tribunal de Justiça, relata o impetrante:
“O paciente está processado em três ações penais, independentes e sem cir-
cunstância de similitude.
Em razão destas três ações penais, teve sua prisão preventiva decretada em
todos os processos que responde.
R.T.J. — 197 961

Indignado com sua prisão, impetrou um habeas corpus contra um dos decretos,
especificamente no decreto oriundo da ação penal de n. 1.390/98, que tramitam na
comarca de Anicuns, no qual figura como vítima Vicente Lourenço de Carvalho.
Recebeu este Habeas Corpus o n. 9800253432.
Posteriormente, impetrou ordem de habeas corpus contra o decreto de prisão
preventiva oriundo dos autos de ação Penal de n. 1377/98, também da Comarca de
Anicuns, em que figura como vítima Olício Antônio do Couto, portanto ação
penal da que originou az primeira ordem de habeas corpus. Este Habeas Corpus
tomou o número 9800490710.
Em seguida, foi impetrada nova ordem de habeas corpus de número
9800496998, em que figura como vítima Vicente Lourenço de Carvalho e que
versa sobre a supra referida ação penal de n. 1390/98.
Por fim foi impetrada a quarta ordem de habeas corpus, registrada sob o n.
9800497498, originária dos autos de ação penal de n. 1395/98, que tem como
vítima Rafael Gonçalves de Miranda.
Com este último habeas corpus fecha-se o círculo necessário a demonstração
das irregularidades graves e plenamente comprovadas documentalmente.
Em um processo repleto de elementos políticos (o paciente foi prefeito do
município de Anicuns, seu irmão é atualmente prefeito e seu outro irmão fora
presidente da Câmara de Vereadores), inferiu-se a fraude (dolosa ou culposa, pouco
importa) na distribuição dos processos perante o Egrégio Tribunal de Justiça de
Goiás.
É que o primeiro habeas corpus impetrado nenhuma relação possui com o
segundo e o quarto, da mesma forma que o terceiro não possui nenhuma relação
com o segundo, portanto não poderia o Setor de Distribuição ter se valido da
prevenção em processos diferentes, oriundos de causas diferentes, para justificar a
ausência de distribuição.”
O que se questiona, portanto, sob a alegação de contrariedade da garantia do juiz
natural, é a distribuição do segundo habeas corpus requerido ao Tribunal de Justiça do
Estado de Goiás — HC 9800490710 — a pretexto de inexistente prevenção do Relator
ou da Câmara a que anteriormente distribuída a impetração em favor do mesmo paciente,
mas com objeto diverso: a prisão preventiva decretada em processo diverso por homicí-
dio distinto do que lhe é imputado no primeiro.
Informou ao STJ o Presidente do Tribunal local, nestes termos — fl. 116:
“A impetração argúi vício na distribuição, por prevenção, do Habeas Corpus
n. 9800490710, sob o fundamento de que este processo não guarda qualquer rela-
ção com o de n. 9800253432, da mesma espécie, vínculo indicado como
motivador do ato.
Observo que a questão não foi suscitada neste Tribunal de Justiça, não sendo,
portanto, objeto de decisão. O acórdão proferido no processo do mencionado
Habeas Corpus, que registra a denegação da ordem pleiteada, não alude à questão,
como se vê da fotocópia anexa.
962 R.T.J. — 197

O Habeas Corpus indicado para efeito da distribuição, por prevenção, ora


impugnada é, na verdade, relativa a outro processo criminal, embora os decretos de
prisão preventiva e os pedidos de Habeas Corpus tenham os mesmos fundamentos.”
O STJ não conheceu do pedido, por acórdão da lavra do il. Ministro Fernando
Gonçalves, assim ementado — fl. 135:
“1. Se a matéria suscitada na impetração não foi decidida pelo Tribunal de
origem, não merece conhecimento o pedido manejado contra acórdão proferido
em outro habeas corpus, sob pena de supressão de instância. Precedentes desta
Corte.
2. Impetração não conhecida.”
Donde, o recurso ordinário a insistir na nulidade do julgamento impugnado por
ausência da prevenção alegada.
O parecer do MPF, da autoria do il. Subprocurador-Geral Edinaldo Borges, aduz —
fl. 152:
“O Egrégio Superior Tribunal de Justiça, por equívoco, não conheceu da
espécie, ao fundamento de que não havia sido objeto de julgamento pelo Tribunal
de origem, com isto proclamando o necessário escalonamento jurisdicional.
À evidência, a matéria argüida não poderia ter sido decidida naquela instân-
cia, já que o ato emanara do próprio Tribunal do qual se recorre.
Entretanto, a análise revela que o deslinde da questão não pode ser submetido
ao crivo da via expedita, já que envolvida a espécie em matéria de fato, onde sobeja
um intrincado emaranhado de crimes, cuja relação é de difícil entendimento sem o
contraditório. Nesse Colendo Supremo Tribunal Federal já se estabeleceu que o
conhecimento de habeas corpus torna preventa a competência do Relator para todos
os recursos posteriores (HC 61.469, DJ de 2.03.84, cit. por Damásio de Jesus).
A diversidade de recursos e o número de crimes perpetrados pelo paciente
inviabilizam o julgamento da espécie através da via eleita, que não se compadece
com o exame de matéria de fato.
Ante o exposto, o alvitre é no sentido do indeferimento do pleito.”
É o relatório.

VOTO
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Relator): Não posso endossar a fundamentação
do acórdão questionado.
O órgão jurisdicional que decide sobre o mérito de uma impetração de habeas
corpus afirma, ainda que implicitamente, a sua competência para conhecer do pedido.
E, por isso, a alegação de sua incompetência pode ser suscitada em recurso ordiná-
rio ou impetração dele substitutivo, porquanto independem de prequestionamento.
Nem me convenci — aí, ao contrário do parecer da PGR — de que a questão
envolva controvérsia de fato insuscetível de deslinde no processo de habeas corpus: não
bastassem, no ponto, as informações, a simples leitura dos decretos de prisão preventiva
R.T.J. — 197 963

questionados pelas sucessivas impetrações faz induvidoso que efetivamente se cuida de


episódios de homicídio distintos, posto imputados os três ao paciente.
Da questão de fundo — a existência ou não de prevenção e a eventual nulidade em
conseqüência do julgamento do segundo habeas corpus — não cabe cuidar aqui, antes
que a respeito decida o Superior Tribunal de Justiça.
Por isso, dou provimento parcial ao recurso para cassar o acórdão do STJ a fim de
que — afastado o fundamento por que não se conheceu do pedido — dele decida aquela
Alta Corte como entender de direito: é o meu voto.

EXTRATO DA ATA
RHC 80.967/GO — Relator: Ministro Sepúlveda Pertence. Recorrente: Francisco
Alves Neto (Advogados: Luís Alexandre Rassi e outros). Recorrido: Ministério Público
Federal.
Decisão: A Turma deu provimento, em parte, ao recurso ordinário em habeas
corpus, nos termos do voto do Relator. Unânime. Falou pelo recorrente o Dr. Luís
Alexandre Rassi.
Presidência do Ministro Moreira Alves. Presentes à sessão os Ministros Sydney
Sanches, Sepúlveda Pertence, Ilmar Galvão e Ellen Gracie. Subprocurador-Geral da Re-
pública, Dr.Wagner Natal Batista.
Brasília, 12 de junho de 2001 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.

HABEAS CORPUS 84.301 — SP

Relator: O Sr. Ministro Joaquim Barbosa


Paciente e Impetrante: João Carlos da Rocha Mattos. Coator: Superior Tribunal de
Justiça
Habeas corpus. “Operação anaconda”. Inépcia da denúncia. Alega-
ções de nulidade quanto às provas obtidas por meio ilícito.
Interceptação telefônica. Importante instrumento de investigação e
apuração de ilícitos. Art. 5º da Lei 9.296/1996: prazo de 15 dias prorrogável
uma única vez por igual período. Subsistência dos pressupostos que condu-
ziram à decretação da interceptação telefônica. Decisões fundamentadas e
razoáveis.
A prova pericial deverá servir de base à sentença, o que não se
aplica ao recebimento da denúncia.
Incompetência absoluta do Tribunal Regional Federal da 3ª Região
para julgar os fatos imputados ao paciente, dada a suposta participação de
subprocurador da República, o que determinaria a competência do Superior
Tribunal de Justiça (art. 105, I, a, da Constituição).
964 R.T.J. — 197

Ainda não houve o oferecimento de denúncia contra o subprocura-


dor da República, de modo que não há como deslocar a competência para
o Superior Tribunal de Justiça.
Violação do devido processo legal. Desmembramento dos autos.
A regra do art. 79 do Código de Processo Penal — competência por
conexão ou continência — é abrandada pelo teor do art. 80 do Código de
Processo Penal, que faculta a separação dos autos quando se tratar de
fatos distintos, como ocorre nos caso concreto.
Violação do princípio da ampla defesa. Impedimento do paciente de
presenciar a sessão do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, que rece-
beu a denúncia.
Não há, nos autos, prova de incidente dessa natureza. De qualquer
forma, ao magistrado é facultado o uso do poder de polícia, nos termos do
art. 251 do Código de Processo Penal. A norma aplicável à espécie deter-
mina a intimação pessoal, devidamente efetuada, no caso, tendo o procu-
rador presenciado a sessão e, inclusive, feito sustentação oral.
Alegações de parcialidade da desembargadora relatora da ação penal
e de nulidade do acórdão que recebeu a denúncia. Descabimento. Ato pro-
cessual devidamente fundamentado.
A fundamentação do acórdão em fatos concretos afasta a alegação
de ausência de requisitos legais para a prisão preventiva.
Direito de transferência do paciente para local adequado, em virtude
de sua prerrogativa de ser recolhido apenas em prisão especial.
A causa de pedir não foi apreciada pelo Superior Tribunal de Justiça,
de sorte que seu exame pelo Supremo Tribunal Federal acarretaria su-
pressão de instância.
Habeas corpus conhecido em parte e, nessa parte, indeferido.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribu-
nal Federal, em Segunda Turma, sob a Presidência do Ministro Carlo Velloso, na confor-
midade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos,
denegar a ordem, nos termos do voto do Relator.
Brasília, 9 de novembro de 2004 — Carlo Velloso, Presidente — Joaquim Barbosa,
Relator.

RELATÓRIO
O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: Trata-se de habeas corpus impetrado pelo pró-
prio paciente, João Carlos da Rocha Mattos, tendo por autoridade coatora a Quinta
Turma do Superior Tribunal de Justiça, a qual denegou a ordem pleiteada no HC 33.176,
em acórdão cuja ementa tem o seguinte teor (fl. 169):
R.T.J. — 197 965

“Habeas corpus. Incompetência do TRF/3ª Região para processar e julgar


as pessoas alvo da “operação anaconda” por nela envolvido subprocurador-
geral da República. Nulidades: desconexão instrumental entre a denúncia e a
decisão que a acolheu; da sessão de julgamento por ausente o réu; pré-julgamento
no receber a peça de acusação. Ilicitude da prova. Ilegalidade da prisão preven-
tiva. Clamor público. Improcedência.
1. Prematura a previsão de conexão ou continência, a depender de novos
fatos e do avanço das investigações. Ademais, a conexão nem sempre impõe a
junção dos processos (STF, Inq. 1887-GO - Rel. Min. Ellen Gracie).
2. Nulidades improcedentes: sintonia da peça de acusação do paciente que se
fez representar por advogado, sustentando oralmente a defesa; em linear exame da
denúncia, inclusive para a decretação da custódia, não adiantou o aresto o mérito,
mas apresentou a motivação adequada; prova colhida com autorização judicial
devidamente justificada.
3. Prisão preventiva fundada, à exaustão, nos requisitos do art. 312, CPP,
presentes no caso.
4. Não foi o clamor público o motivo da segregação cautelar.
Denegação da ordem.”
O paciente, juiz federal, fora denunciado, juntamente com terceiras pessoas, ao
Tribunal Regional Federal da 3ª Região, como incurso nas sanções dos arts. 299; 312;
319; 317, caput, e 288, todos do Código Penal. Em sessão do Órgão Especial, o Tribunal
decidiu, por unanimidade, pelo recebimento da denúncia oferecida pelo Ministério
Público Federal. Em face desse acórdão, impetrou-se habeas corpus ao Superior Tribu-
nal de Justiça, que denegou a ordem pleiteada. É justamente contra essa decisão que se
impetra o presente writ.
O impetrante/paciente apresenta oito causas de pedir, a seguir relatadas.
Primeiramente, o paciente sustenta a incompetência absoluta do Tribunal Regional
Federal da 3ª Região para julgar o caso, dada a suposta participação de subprocurador da
República nos fatos investigados, o que, por força do art. 105, I, a, da Constituição
federal, implicaria a competência originária do Superior Tribunal de Justiça.
Aponta, ainda, violação do princípio do devido processo legal, ante o desmembra-
mento dos fatos apurados na “Operação Anaconda”, com o oferecimento de diversas
denúncias em vez da formação de uma única peça acusatória.
Na seqüência, alega violação do princípio da ampla defesa. Argumenta que fora
impedido de presenciar a sessão em que o Tribunal Regional Federal da 3ª Região
recebeu a denúncia oferecida.
Fundamenta o pedido, ainda, em suposta parcialidade da desembargadora relatora
da ação penal; na alegada nulidade do acórdão que recebeu a denúncia, dado o excesso
de motivação nele contida; em supostas ilegalidades na interceptação telefônica que
serviu de base para o oferecimento da denúncia pelo Ministério Público Federal e na
apontada ausência dos requisitos legais para a decretação da prisão preventiva.
Por fim, sustenta que tem direito de ser transferido para local adequado, em virtude
de sua prerrogativa de ser recolhido apenas em prisão especial.
966 R.T.J. — 197

Atuando por substituição (RISTF, art. 38, I), o Ministro Celso de Mello, antes
mesmo de apreciar a liminar, solicitou as informações à autoridade coatora, especial-
mente porque o acórdão atacado ainda não havia sido publicado (fls. 70-71).
Em petição de 26 de maio de 2004, o impetrante requereu a imediata apreciação do
pedido, uma vez que a suposta ilegalidade já perduraria por mais de trinta dias (fls. 76-
85). Indeferi tal pedido, determinando que se cumprisse a decisão do Ministro Celso de
Mello (fls. 164).
As informações foram prestadas (fls. 169-194). Indeferi, então, o pedido de liminar,
por não vislumbrar, naquela oportunidade, o requisito da verossimilhança das alegações
(fl. 196). Na mesma oportunidade, solicitei ao Tribunal Regional Federal da 3ª Região
informações sobre o andamento do processo em que o paciente figura como réu. Por fim,
em 22 de junho de 2004, as informações solicitadas foram prestadas pela desembargadora
relatora no Tribunal Regional Federal (fls. 250-278).
Em petição de 02 de agosto de 2004, o impetrante suscitou questão de ordem,
alegando prevenção da Primeira Turma para o julgamento do habeas corpus. Apto a
julgar a impetração desde aquele dia, deixei de submetê-la a julgamento nas últimas
sessões da Turma em virtude da questão de ordem suscitada pelo impetrante/paciente ao
presidente desta Corte, Ministro Nelson Jobim, que, resolvendo-a nos autos do HC
84.263, também de minha relatoria, determinou o julgamento do habeas corpus por esta
Segunda Turma. Dessa decisão, foi interposto agravo para o Pleno, que manteve, por
maioria, a decisão do presidente.
Solucionada a questão de ordem, preparei o feito para julgamento na sessão de 19
de outubro, mas, novamente, a defesa apresentou pedido de adiamento do julgamento
(Petição 110.098), desta vez para a sessão de 26 de outubro. Em 25 de outubro, a defesa
requereu novo adiamento (Petição 113.173), agora para a sessão de 09 de novembro.
Deferi o adiamento requerido, com o intuito de possibilitar a sustentação oral pela
advogada do paciente.
A Procuradoria-Geral da República opina pela denegação da ordem (fls. 198-212).
É o relatório.

VOTO
O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): A presente impetração traz oito causas
de pedir, as quais passarei a apreciar, uma a uma.
Inicio pela tese da ilicitude das interceptações telefônicas realizadas, dado seu
caráter prejudicial à análise de todas as demais causas de pedir.
Ilegalidades na interceptação telefônica
O impetrante alega que as interceptações telefônicas realizadas durante a fase pré-
processual, as quais deram ensejo às denúncias oferecidas pelo Ministério Público Fede-
ral, são ilegais, especialmente porque determinadas por autoridade incompetente, reali-
zadas em desrespeito ao prazo imposto pelo art. 5º da Lei 9.296/1996 e não degravadas
por peritos.
R.T.J. — 197 967

Inicialmente, o paciente alega incompetência do Juízo Federal de Alagoas para


investigar magistrados de São Paulo.
As investigações foram iniciadas na Justiça Federal de Alagoas em virtude das
suspeitas de envolvimento de policiais federais em atividades criminosas. Diante da
descoberta de possível envolvimento de magistrados, o procedimento investigatório foi
imediatamente encaminhado ao Juízo competente — no caso, o Tribunal Regional
Federal da 3ª Região —, onde as investigações tiveram prosseguimento, com aproveita-
mento das provas até então produzidas, exatamente como deveria ocorrer.
Note-se que o acórdão do Tribunal Regional Federal da 3ª Região é preciso a esse
respeito, razão por que extraio dele trecho que me parece elucidativo:
“Iniciaram-se as apurações referentes à ‘Operação Anaconda’, em Alagoas,
tendo como juízo condutor do inquérito, especialmente para fins de autorização
de interceptações telefônicas, a 4ª Vara Federal de Maceió, à época competente,
porque lá se desenvolviam as ações investigadas pela Diretoria de Inteligência da
Polícia Federal, a partir da suspeita de envolvimento de policiais federais, aposen-
tados e da ativa, em práticas delituosas, mais especificamente, de que Jorge Luiz
Bezerra da Silva, delegado aposentado, estaria corrompendo policiais federais e
outras pessoas para obter vantagens em inquéritos instaurados na Superintendên-
cia Regional do Departamento de Polícia Federal no Estado de Alagoas.” (Apenso
3, fl. 90)
Há um expressivo precedente da Corte — o HC 81.260, de Relatoria do Ministro
Sepúlveda Pertence —, cuja conclusão foi pela viabilidade da prova produzida em medida
cautelar preparatória, ainda que autorizada em foro distinto daquele competente para a
ação principal. Transcrevo o trecho da ementa pertinente ao caso concreto:
“2. Quando, no entanto, a interceptação telefônica constituir medida caute-
lar preventiva, ainda no curso das investigações criminais, a mesma norma de
competência há de ser entendida e aplicada com temperamentos, para não resultar
em absurdos patentes: aí, o ponto de partida à determinação da competência para
a ordem judicial de interceptação — não podendo ser o fato imputado, que só a
denúncia, eventual e futura, precisará —, haverá de ser o fato suspeitado, objeto
dos procedimentos investigatórios em curso.”
Além disso, o paciente alega serem nulas as escutas telefônicas, em virtude do
excesso de prazo ocorrido. Argumenta que o art. 5º da Lei 9.296/1996 estabelece o
limite de duração de 15 dias, prorrogável uma única vez, por igual período.
A redação do referido dispositivo legal é a seguinte:
“Art. 5º A decisão será fundamentada, sob pena de nulidade, indicando tam-
bém a forma de execução de diligência, que não poderá exceder o prazo de quinze
dias, renovável por igual período de tempo uma vez comprovada a indispensabili-
dade do meio de prova.”
Entendo, no entanto, que essa aparente limitação do prazo para realização das
interceptações telefônicas não constitui óbice à renovação do pedido de interceptação
telefônica por mais de uma vez.
968 R.T.J. — 197

Isso porque, se persistirem os pressupostos que conduziram à decretação da


interceptação telefônica e forem as prorrogações devidamente fundamentadas pelo ma-
gistrado, não há obstáculos para a renovação, nem ficam maculadas como ilícitas as
provas derivadas da interceptação.
Há forte posicionamento da doutrina nesse sentido. Luiz Flávio Gomes, por exem-
plo, assim se manifesta sobre o tema:
“A interceptação telefônica é medida excepcional e tem por fundamento a
sua necessidade para a obtenção de uma prova. O fundamental, assim, não é tanto
a duração da medida, senão a demonstração inequívoca da sua indispensabilidade.
Enquanto indispensável, enquanto necessária, pode ser autorizada. A lei não limi-
tou o número de vezes, apenas exige a evidenciação da indispensabilidade. É o
prudente arbítrio do Juiz que está em jogo. Mais tecnicamente falando: é a
proporcionalidade. No instante em que se perceber que a interceptação já não tem
sentido, desaparece a proporcionalidade. Logo, já não pode ser renovada. E se for,
é nula.” (Gomes, Luiz Flávio; Cervini, Raul. Interceptação telefônica. RT, p. 219)
Vicente Greco Filho, por seu turno, afirma o seguinte:
“[...] a lei não limita o número de prorrogações possíveis, devendo entender-
se, então, que serão tantas quantas necessárias à investigação, mesmo porque 30
dias pode ser prazo muito exíguo.” (GRECO FILHO, Vicente. Interceptação telefô-
nica. São Paulo: Saraiva, 1996. p. 31)
Cito, ainda, Luiz Francisco Torquato Avolio:
“É criticável a limitação, pois desde que permaneçam os pressupostos para a
concessão inicial da medida, esta poderia ser renovada perante o juiz, em períodos
iguais e sucessivos, indeterminadamente, como previu o Projeto Miro Teixeira.
Não é o prazo que importa, mas a correta limitação da finalidade da interceptação.
Imagine-se um crime de lavagem de dinheiro, com remessa ilegal de capitais para
o exterior, que pode ser praticado ao longo de meses, ou o próprio tráfico de
drogas, que envolve operações sucessivas, até ‘fechar’ o cartel.
Daí que, como também entendem Luiz Flávio Gomes e Antonio Scarance
Fernandes, poderá o juiz, com base no princípio da proporcionalidade, renovar a
duração da interceptação tantas vezes quantas se fizerem necessárias.” (AVOLIO,
Luiz Francisco Torquato. Provas ilícitas: interceptações telefônicas ambientais e
gravações clandestinas. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 189)
A questão há de ser examinada pelo ângulo da razoabilidade. Uma autorização
judicial com o restrito prazo de 30 dias (na hipótese de se admitir uma única renovação)
não teria efetividade alguma em nosso país. Em primeiro lugar, porque existe todo um
trâmite a ser superado a fim de que a decisão jurisdicional seja cumprida a contento.
Além disso, há de se considerar que as interceptações telefônicas foram autorizadas para
investigação de organização criminosa extremamente complexa, que envolve, entre
outros, magistrados e policiais federais. A investigação, denominada “Operação Ana-
conda”, apurou o cometimento de diversos ilícitos penais, alguns deles de extrema
complexidade.
R.T.J. — 197 969

Não seria razoável, portanto, a limitação das escutas telefônicas a apenas 30 dias,
pois, pelo que consta dos autos, todas as prorrogações foram devidamente fundamentadas
e feitas dentro do prazo, presentes, à época, todos os requisitos que as autorizavam.
Entendimento contrário levaria à total ineficácia da medida, que, atualmente, se apre-
senta como importante instrumento de investigação e apuração de ilícitos.
Aliás, por ocasião do julgamento do HC 83.515, de relatoria do eminente presidente
desta Corte, Ministro Nelson Jobim, o Pleno abraçou a tese da viabilidade de múltiplas
renovações das autorizações de interceptação pelo prazo de 15 dias.
Por fim, o paciente alega que todo o material coletado deveria ter sido degravado
por peritos oficiais, conforme exige o art. 159, caput, do Código de Processo Penal.
Tenho que esse argumento também não se aplica ao caso concreto.
Ora, toda a atividade investigativa pertinente à “Operação Anaconda” foi realizada
pelo setor de inteligência da Polícia Federal, e não há nos autos notícia da completa
degravação das fitas. Note-se que o que deu ensejo às denúncias do Ministério Público
Federal foram os relatórios da Polícia Federal (Apenso 2) e que, efetivamente, a prova
pericial deverá servir de base à sentença, o que, sabidamente, não se aplica ao recebi-
mento da denúncia.
Assim, a prova produzida mostra-se perfeitamente válida, apta, portanto, a embasar
a denúncia oferecida pelo Ministério Público Federal.
Incompetência absoluta do Tribunal Regional Federal da 3ª Região
O paciente/impetrante alega que há, nos fatos apurados na “Operação Anaconda”,
efetiva participação de subprocurador da República. Assim, por força do art. 105, I, a, da
Constituição Federal, o foro competente para julgar originariamente o paciente e seus
co-réus seria o Superior Tribunal de Justiça. Em decorrência disso, o recebimento da
denúncia pelo Tribunal Regional Federal da 3ª Região, Juízo absolutamente incompe-
tente, seria nulo.
Rejeito essa primeira tese, pelo simples fato de o Ministério Público Federal não
ter oferecido denúncia contra a pessoa detentora de foro por prerrogativa de função. Ora,
se até o momento não houve acusação formal contra o subprocurador da República,
ainda que existam indícios de sua participação nos fatos delituosos — o que não está em
discussão nesta oportunidade —, não há como deslocar a competência do Tribunal
Regional Federal da 3ª Região para o Superior Tribunal de Justiça.
Eventualmente, caso venha a ser oferecida denúncia contra o referido subprocura-
dor, efetivamente se poderá discutir a necessidade de um único processo perante o
Superior Tribunal de Justiça.
Violação do princípio da ampla defesa
O paciente argumenta que, em virtude de ter sido impedido de assistir à sessão
em que o Tribunal Regional Federal da 3ª Região recebeu a denúncia, teria ocorrido
violação do princípio da ampla defesa, uma vez que lhe foi suprimido o direito da
autodefesa.
Também rejeito essa causa de pedir.
970 R.T.J. — 197

Em primeiro lugar, porque não há nos autos nenhuma peça de informação que
venha a comprovar a veracidade da alegação do paciente. A rigor, os únicos documentos
referentes ao registro da sessão são a certidão de julgamento, o relatório e o voto da
desembargadora relatora (Apenso 3). No mais, as minuciosas informações prestadas pelo
Tribunal Regional Federal da 3ª Região não registram nenhum incidente dessa natureza
(retirada do paciente do local em que se realizou a aludida sessão extraordinária).
De qualquer forma, ainda que se admitisse a veracidade da alegação, tenho que a
desembargadora relatora, ao determinar que o paciente (e os demais denunciados) não
poderiam participar daquele ato processual, apenas exerceu seu poder de polícia, ex-
pressamente previsto no art. 251 do Código de Processo Penal.
Ressalte-se, ainda, que a exigência da lei diz respeito à intimação pessoal do
denunciado, determinação que foi efetivamente cumprida. E mais: presente o defensor
do paciente na ocasião, inclusive tendo ele feito uso da prerrogativa de sustentar oral-
mente, não há que se falar em prejuízo para o paciente.
Indevido desmembramento dos fatos em diferentes denúncias
O paciente alega violação do princípio do devido processo legal, ante o desmem-
bramento dos fatos apurados na “Operação Anaconda”, com o oferecimento de diversas
denúncias em vez de uma única peça acusatória.
Rejeito também essa causa de pedir, e o faço porque a reunião de feitos, por força
de conexão, nem sempre é obrigatória.
A regra do art. 79 do Código de Processo Penal, que determina, como regra geral,
um único processo para fatos conexos ou continentes, é abrandada justamente no artigo
subseqüente, cuja redação é a seguinte:
“Art. 80. Será facultativa a separação dos processos quando tiverem sido
praticadas em circunstâncias de tempo ou de lugar diferentes, ou quando, pelo
excessivo número de acusados e para não prolongar a prisão provisória, ou por
outro motivo relevante, o juiz reputar conveniente a separação.”
Ora, parece-me que, além de se tratar de fatos distintos (o que implica dizer que não
há risco de decisões conflitantes), há evidente benefício para o paciente e todos os
demais réus. A particularização da acusação, nessas circunstâncias, confere maior agili-
dade ao trâmite do processo e garante ao acusado a melhor compreensão dos fatos que
lhe são atribuídos.
Parcialidade da desembargadora relatora da ação penal
Nulidade do acórdão que recebeu a denúncia
O paciente/impetrante alega que a desembargadora relatora, por razões de índole
subjetiva, teria prejulgado a denúncia. Isso teria ficado evidente em seu voto, o qual
conteria profunda análise dos fatos, imprópria naquela oportunidade processual. Além
disso, argumenta que indícios colhidos após o oferecimento da denúncia foram usados
para motivar o recebimento desta.
Rejeito essa causa de pedir, por considerar que o extenso voto da desembargadora
relatora é plenamente justificável, dada a pluralidade de denunciados e o conseqüente
número de questões suscitadas nas respostas por eles oferecidas, as quais foram todas
examinadas.
R.T.J. — 197 971

Importante ressaltar, também, que se trata de ação penal de competência originária


de tribunal, regida pela Lei 8.038/1990. Com isso, quero dizer que a simples decisão
“recebo a denúncia. Citem-se.” não se mostra adequada, a exemplo do que ocorre nos
inquéritos de competência desta Casa.
Há, ainda, o argumento do paciente de que, em sua motivação, a desembargadora
relatora fez uso de elementos coligidos no inquérito, mas posteriormente ao oferecimento
da denúncia.
Tenho que tal raciocínio não procede, pelo fato de que a atividade investigativa da
Polícia Judiciária não se esgota após o oferecimento da denúncia. Basta lembrarmos que
o inquérito policial, por se tratar de peça prescindível, pode ser concluído formalmente
após o oferecimento da denúncia.
Ilegalidade da prisão preventiva do paciente
O paciente/impetrante alega que o acórdão em que o Tribunal Regional Federal da
3ª Região decretou a prisão cautelar (fls. 241 a 242) está pautado apenas no clamor
popular, dada a inexistência de fatos concretos autorizadores, nos termos do art. 312 do
Código de Processo Penal, da custódia preventiva do paciente.
Não acolho também essa causa de pedir. Entendo que o referido acórdão está
devidamente fundado em fatos concretos, que justificam a medida excepcional de
prisão processual do paciente.
Os requisitos de indício de autoria e de prova da materialidade delitiva mostram-se
presentes tanto nas comunicações telefônicas interceptadas como nas medidas cautelares
de busca e apreensão. Saliente-se, ainda, que o recebimento da denúncia, por exigir um
mínimo probatório (denominado “justa causa” na doutrina), também reforça a existência
de indícios de autoria e prova da materialidade delitiva.
Quanto ao requisito da necessidade de prisão, em oposição à regra da liberdade do
acusado, entendo que há fatos concretos que a justifiquem. Destaco dois deles. O primeiro
corresponde à apreensão, na residência da ex-esposa do paciente, de quantia superior a
meio milhão de dólares, dinheiro que possibilitaria ao paciente, além da corrupção de
autoridades e testemunhas, a tranqüila fuga do País, inviabilizando a aplicação da lei
penal. Além disso, há notícia de que o paciente determinara a destruição de material
probatório de fatos correlatos à sua atuação na qualidade de magistrado federal. Tudo
isso reforça a necessidade da prisão, para o fim de assegurar a tranqüila instrução
probatória.
Direito à transferência do paciente para local adequado
O paciente, juiz federal, alega fazer jus a ser recolhido apenas em prisão especial.
De fato, a Loman assim o determina em seu art. 33, III.
Ocorre, porém, que essa causa de pedir não foi apreciada pelo Superior Tribunal de
Justiça, de sorte que seu conhecimento e julgamento implicariam subtração de instância
jurisdicional.
Registre-se que o próprio paciente impetrou habeas corpus ao Superior Tribunal
de Justiça, justamente para questionar a presente causa de pedir, conforme notícia do
sítio daquele Tribunal datada de 27-7-2004.
Por conseguinte, não conheço dessa causa de pedir.
972 R.T.J. — 197

De todo o exposto, conheço parcialmente do habeas corpus e, na parte conhecida,


denego a ordem pleiteada.

VOTO
O Sr. Ministro Carlos Velloso (Presidente): Antes de proferir o meu voto, quero
registrar que ficou claro não existir procuração nos autos autorgada ao ilustre advogado,
Dr. Osmar Tognolo. Portanto, não é advogado, neste habeas corpus, o Dr. Osmar
Tognolo, meu cunhado.
Assim, não me considero impedido, tendo em vista a informação posta da tribuna,
no sentido de que seria juntado aos autos substabelecimento que a ser conferido àquele
ilustre advogado. O impedimento, no caso, não é do juiz, e, sim, do advogado, segundo
os dados postos da tribuna pela ilustre Advogada: o substabelecimento seria ou será
conferido ao ilustre advogado Osmar Tognolo.
Esclarecida a questão, acompanho o voto do eminente Ministro Relator. Denego a
ordem.

EXTRATO DA ATA
HC 84.301/SP — Relator: Ministro Joaquim Barbosa. Paciente e Impetrante:
João Carlos da Rocha Mattos (Advogada: Daniela Pellin). Coator: Superior Tribunal
de Justiça.
Decisão: A Turma, por unanimidade, denegou a ordem, nos termos do voto do
Relator. Falou, pelo paciente, a Dra. Daniela Pellin. Ausentes, justificadamente, neste
julgamento, os Ministros Celso de Mello e Ellen Gracie. Presidiu este julgamento o
Ministro Carlos Velloso.
Presidência do Ministro Carlos Velloso. Presentes à sessão os Ministros Gilmar
Mendes e Joaquim Barbosa. Ausentes, justificadamente, os Ministros Celso de Mello e
Ellen Gracie. Subprocurador-Geral da República, Dr. Haroldo Ferraz da Nóbrega.
Brasília, 9 de novembro de 2004 — Carlos Alberto Cantanhede, Coordenador.

RECURSO EM HABEAS CORPUS 84.404 — SP

Relator: O Sr. Ministro Carlos Britto


Recorrente: Ronan Maria Pinto — Recorrido: Superior Tribunal de Justiça
Recurso em habeas corpus. Writ originário indeferido pelo Superior
Tribunal de Justiça. Alegado constrangimento ilegal do acórdão da Corte
estadual que, ao anular denúncia contra o paciente, consignou a possibi-
lidade de nova peça acusatória calçada em investigação realizada pelo
Ministério Público. Incidente relativo à juntada de informações pelo
Procurador-Geral de Justiça, independentemente de solicitação.
R.T.J. — 197 973

O habeas corpus é ação mandamental voltada à proteção da liber-


dade de locomoção. Diante da envergadura do direito a que visa resguar-
dar, não pode haver óbice à anexação de quaisquer documentos que pos-
sam auxiliar na formação do convencimento do julgador quanto à ocor-
rência ou não do constrangimento ilegal suscitado. Tal moldura ganha
maior relevo quando as informações juntadas são prestadas por autori-
dade pública e, mais ainda, quando essa autoridade é membro do Minis-
tério Público, instituição juridicamente vinculada ao seu invencível papel
de custos iuris (caput do art. 127 da CF).
Questionável o interesse do paciente em impugnar acórdão deferi-
tório da ordem que anulou a denúncia até então existente, apenas fazendo
menção à possibilidade de renovação da pretensão. É que aí restaria, tão-
somente, mera discussão acadêmica sobre os poderes investigatórios do
Ministério Público, sendo certo não ser esta a oportunidade apropriada
para travá-la.
Independentemente da possibilidade de a nova peça acusatória
embasar-se em dados colhidos numa Comissão Parlamentar de Inquérito,
a notícia de uma nova denúncia, nem sequer apreciada, faz com que desa-
pareça qualquer resquício do constrangimento ilegal, tal como original-
mente suscitado. É que, estando a segunda inicial acusatória ainda pen-
dente de exame pelas instâncias ordinárias, não é possível a esta colenda
Corte se antecipar ao juízo da respectiva validade, pena de inadmissível
supressão de instância.
Recurso desprovido.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turma
do Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence, na
conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por maioria de votos,
conhecer do recurso ordinário em habeas corpus; vencido nesta parte, o Ministro Eros
Grau. Por unanimidade, negou-lhe provimento, nos termos do voto do Relator.
Brasília, 29 de março de 2005 — Sepúlveda Pertence, Presidente — Carlos Ayres
Britto, Relator.

RELATÓRIO
O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto: Cuida-se de recurso em habeas corpus
impetrado em favor de Ronan Maria Pinto, denunciado juntamente com outras cinco
pessoas, por formação de quadrilha voltada para a prática de crimes contra a Administração
Pública do Município de Santo André, especialmente o crime de concussão contra em-
presários do setor de transportes coletivos, contratados pela Municipalidade.
2. A denúncia inicialmente oferecida foi impugnada em writ impetrado no Tribu-
nal de Justiça do Estado de São Paulo. Naquela ocasião, sustentou-se constrangimento
974 R.T.J. — 197

ilegal decorrente do recebimento da inicial acusatória, porque baseada em procedimento


investigativo da Promotoria de Santo André/SP; ou seja, com fundamento em elementos
colhidos por efeito de investigação pelo Ministério Público.
3. Embora confirmando a possibilidade de denúncia com esteio em investigação
dos membros do Parquet, a Corte estadual deferiu a ordem, anulando a inicial
acusatória, “ressalvado o eventual oferecimento de outra, desde que, precedentemente,
sejam observadas as garantias legais neste acórdão explicitadas, vale dizer, a oitiva do
investigado-paciente, facultando-se à defesa tudo aquilo que lhe permite o Código de
Processo Penal quando trata do inquérito policial” (fl. 164).
4. Não satisfeito, o impetrante ingressou com nova impetração, agora no Superior
Tribunal de Justiça, asseverando que o aresto impugnado, quando admite a possibilidade
de investigação criminal realizada pelo Ministério Público, incorre em constrangimento
ilegal.
5. Esse novo writ restou indeferido, havendo o egrégio Superior Tribunal de Justiça
afastado a existência do alegado constrangimento ilegal, especialmente porque, no
caso, não se verificara excesso por parte do Parquet, que agira nos limites de suas
atribuições (fls. 373/379). Daí o presente recurso ordinário, no qual o recorrente insiste
na tese da impossibilidade do recebimento de denúncia baseada exclusivamente em
investigação realizada pelo Ministério Público Federal, o que, no entender dele, recor-
rente, implicaria usurpação da competência constitucional da Polícia Civil.
6. Às fls. 419/848, o nobre Procurador-Geral da Justiça do Estado de São Paulo,
Dr. Rodrigo César Rebello Pinto, protocolou manifestação em que veio a esclarecer, in
verbis:
“(...)
Convém destacar, em primeiro lugar, que após a ‘anulação’ da primeira de-
núncia ofertada, foram juntadas cópias de todos os documentos colhidos pela
Comissão Parlamentar de Inquérito, instalada no âmbito da Câmara Municipal de
Santo André, que apurou os mesmos fatos que foram objeto do procedimento
investigatório do Ministério Público (autos n. 94/2002). Aliás, estes depoimentos
apenas confirmaram aquilo que foi investigado no âmbito criminal.
Com base nestas novas peças de informações e nas diligências anteriores rea-
lizadas, foi oferecida uma nova denúncia (em anexo apresento cópia de uma certi-
dão da 1ª Vara Criminal da Comarca de Santo André). Friso, neste ponto, que esta
denúncia foi oferecida fundada, também, nos documentos ofertados pela CPI da
Câmara Municipal de Santo André, denominada ‘CPI do Sistema de Transportes’.
Dessa forma, fica prejudicada a análise do presente recurso interposto por
Renan, que, na verdade, se originou no habeas corpus formulado perante o Tribu-
nal de Justiça do Estado e que tinha como objeto a primeira denúncia, que efetiva-
mente foi ‘anulada’. De fato, a segunda ação penal intentada com fundamento,
inclusive, em novas peças de informação não foi ainda analisada por nenhuma das
instâncias anteriores.
(...)
R.T.J. — 197 975

Sabedor do debate que existe em nossos Tribunais e, especialmente, no


Colendo Supremo Tribunal Federal sobre a licitude das diligências investigatórias
realizadas pelo Ministério Público, ressalto que a opinio delicti dos Promotores de
Justiça que ofereceram uma segunda denúncia contra o recorrente Renan e os
outros imputados não se baseia unicamente no procedimento administrativo ins-
taurado por eles, mas também em peças de informações remetidas por um outro
órgão público (Câmara Municipal de Santo André). Nestas condições, não se sus-
tenta, isto é, fica prejudicado qualquer questionamento do recorrente sobre a regu-
laridade da ação penal agora em curso perante o Juízo de Direito da Comarca de
Santo André.
(...)”
7. A douta Procuradoria-Geral da República, em parecer do eminente Subprocurador-
Geral, Dr. Haroldo Ferraz da Nóbrega, reportando-se à manifestação do Procurador-Geral
do Ministério Público paulista, invoca o prejuízo da impetração. Na hipótese de enten-
dimento diverso, opina pelo desprovimento do recurso, com a confirmação do acórdão
impugnado, por seus próprios fundamentos.
8. Avanço neste relato para informar que, por meio da Petição n. 102.185, o recor-
rente pediu o desentranhamento dos documentos juntados pelo titular do Ministério
Público paulistano.
9. Já na assentada de 5-10-2004, esta egrégia Turma houve por bem deferir vista do
feito aos impetrantes, ficando os autos à disposição na Secretaria.
10. Em seguida, os impetrantes protocolaram a Petição n. 109.926. Nela, desistem
do pedido de desentranhamento dos documentos apresentados pelo Procurador-Geral
do Ministério Público de São Paulo, mas passando a afirmar que a juntada de tais provas
documentais afrontaria o princípio do contraditório. Asseveram que a manifestação da
citada autoridade “não corresponde à realidade, de sorte a restar classificado que o
Parquet paulista, lamentavelmente, age com inescondível má-fe” (fl. 871). Mais: pros-
seguem os representantes do paciente, afirmando que a segunda denúncia nada mais
seria do que cópia da primeira, não havendo na nova peça acusatória menção aos
documentos encaminhados pela CPI Municipal. E, ressaltando que a segunda denúncia
ainda não foi recebida até a presente data, afirmam que o vício de origem do procedi-
mento investigativo do Ministério Público atingiria tanto a denúncia antiga quanto a
nova. Daí pedirem a suspensão do feito até que a questão da competência investigativa
do Ministério Público seja apreciada pelo Plenário do STF.
É o relatório.

VOTO
O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto (Relator): Feito o relatório, passo ao voto. Antes,
contudo, entendo oportunas algumas considerações sobre a impetração.
13. Como visto, cuida-se de recurso ordinário em habeas corpus, sendo que nem
na impetração originária, nem no presente feito — todos subscritos pelo nobre
impetrante — houve solicitação de sustentação oral. Esse pedido foi feito, pela primeira
976 R.T.J. — 197

vez, na Petição n. 102.187, que somente chegou ao meu gabinete às 15h28, do dia
28-9-2004; portanto, quando já iniciada a Seção da Turma em que o feito foi apresen-
tado. É dizer também que a solicitação foi apresentada por uma das advogadas com
procuração nos autos, que, mesmo constando seu nome na autuação do feito, insistiu
para que o julgamento fosse adiado.
14. Pois bem, acolhido o pleito, o que me cabia era trazer os autos na sessão seguinte
(5-10-2004), o que efetivamente fiz. E, embora ciente da data do julgamento, os
impetrantes atravessaram nova petição (fls. 859/860) nesse mesmo dia 5 de outubro,
requerendo o adiamento do julgamento e a intimação para sustentação oral. Mais: um
dos impetrantes chegou a subir à tribuna para requerer vista dos autos, postulando apre-
ciar os documentos encaminhados pelo ilustrado Procurador-Geral da Justiça de São
Paulo.
15. O curioso é que a manifestação do Titular do Parquet paulista, protocolada em
2-9-2004, foi apensada aos autos no dia seguinte (certidão de fl. 849), havendo o parecer
da douta Procuradoria-Geral da República, datado de 16-9-2004, se reportando ao seu
conteúdo. Logo, bem vistas as coisas, é patente que os impetrantes tiveram tempo razoável
para apreciar os documentos, ou, ao menos, solicitar vista dos autos para fazê-lo. Toda-
via, preferiram requerer a vista na própria Turma, exatamente no dia em que o feito era
trazido pela segunda vez a julgamento. Deu-se, então, por mais uma vez, o acatamento da
solicitação dos impetrantes, adiando-se o julgamento do feito. Frise-se que o retarda-
mento na apreciação do pedido já havia sido censurado pelos próprios impetrantes,
quando reclamaram de “incompreensível delonga” na apresentação do parecer (fl. 852).
16. Muito bem. Após todas essas considerações, trago novamente o feito para
apreciação da Turma, examinando, agora sim, as questões suscitadas pelo impetrante
nas petições apresentadas.
17. De início, afasto qualquer ilegalidade na juntada das informações prestadas
pelo nobre Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo (Petição n. 102.185). É
que, sendo o habeas corpus ação mandamental, voltada à proteção da liberdade de
locomoção, não há óbice legal à anexação de quaisquer documentos úteis na formação
do convencimento do julgador quanto à ocorrência ou não do constrangimento ilegal
suscitado; especialmente quando tais informações são prestadas por uma autoridade
pública e, mais ainda, como no caso, pelo representante do Ministério Público, instância
juridicamente vinculada ao seu invencível papel de custos iuris (caput do art. 127 da
CF). Aliás, é nesse sentido a lição de Rogério Lauria Tucci, que, em sua obra Direitos e
Garantias Individuais no Processo Penal Brasileiro, discorre sobre o papel dos
partícipes da ação mandamental, in verbis:
“(...)
(...) nas outras espécies de ação penal — de conhecimento, declaratória
(como a de habeas corpus preventivo), ou constitutiva (e.g. revisão criminal); e de
execução -, é, por igual, parte em sentido processual o investigado, indiciado,
acusado, ou condenado(...). Já o Ministério Público, por sua vez, nelas atua, pre-
ponderantemente, como órgão opinante, isto é, custos legis; todavia, com a mesma
incumbência de ‘defesa da ordem jurídica’ e dos interesses social e individual
R.T.J. — 197 977

(indisponível) do peticionário ou paciente, e a possibilidade, que temos como


inarredável de assumir a qualificação de parte em sentido processual (...).” (in
Direitos e Garantias Individuais no Processo Penal Brasileiro; ed. RT; 2ª edição,
p. 154)
18. Por outra vertente, nunca é demais recordar ser pacífico na doutrina e na juris-
prudência que, nos processos de habeas corpus, não há espaço para falar-se em “acusa-
ção” ou “contraditório” (cf. RHC 68.201, DJ de 12-10-90; HC 80.022, DJ de 16-3-2000,
entre outros).
19. Passo, então, a apreciar o pedido, tal como requerido na inicial.
20. Já seria questionável o interesse do paciente em impugnar acórdão deferitório
da ordem, que anulou a denúncia até então existente, apenas fazendo menção a uma
eventual renovação da pretensão, desde que respeitadas as condições impostas pela
própria decisão. Restaria, tão-somente, mera discussão acadêmica sobre os poderes in-
vestigatórios do Ministério Público, sendo certo não ser o habeas corpus o mecanismo
apropriado para travá-la. Nada obstante, independentemente da controvérsia acerca do
embasamento ou não da nova peça acusatória nos dados colhidos numa Comissão Par-
lamentar de Inquérito, a notícia de uma nova denúncia, nem sequer apreciada, faz com
que desapareça qualquer resquício do constrangimento ilegal, tal como originariamente
suscitado. É que, segundo enfatizam os impetrantes, estando a segunda inicial acusató-
ria ainda pendente de exame pelas instâncias ordinárias, não é possível a esta colenda
Corte antecipar-se ao juízo de sua validade, sob pena de inadmissível supressão de
instância.
21. Em palavras outras, a análise da aptidão da nova denúncia — inclusive se é mera
reprodução da primeira acusação, ou se está adensada ou não por outros elementos — deve
ser feita pela instância competente. Quero dizer: penso não ser permitida ao Supremo
Tribunal Federal a avaliação per saltum dos pressupostos de validade daquela anunciada
peça acusatória, sob pena de usurpação da competência do Juízo natural da causa. Até
porque esse Juízo natural ficaria adstrito à decisão desta colenda Corte, hipótese em que
poderia ocorrer prejuízo ao próprio paciente, se por acaso fosse considerada legítima a
inicial acusatória.
22. Por todo o exposto, conheço do recurso em habeas corpus e o desprovejo.
23. É como voto.

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Presidente): Aproveitou-se o recurso para atacar a


segunda denúncia, quando o habeas corpus julgado pelo Superior Tribunal de Justiça
ficou restrito à primeira, já anulada.
O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto (Relator): Exatamente.
Agora, devo dizer que, hoje, às 15h28, portanto depois de iniciada esta sessão, foi
requerido por outro advogado, que não o impetrante, o adiamento do julgamento.
Anoto que o próprio impetrante reconhece, na petição, que o trâmite do feito teria
demorado na Procuradoria-Geral da República — prova de que haveria tempo suficiente
para solicitar a sustentação oral com antecedência. Por outro lado, o advogado que faria
978 R.T.J. — 197

a sustentação oral é o próprio impetrante, que poderia tê-la solicitado anteriormente


quando da impetração. Por fim, o pedido de adiamento é sine die, não havendo, a meu
juízo e diante da reclamação da demora, justificativa para se aguardar ainda mais o
julgamento do writ.
O Sr. Ministro Marco Aurélio (Presidente): Mas o processo criminal não está preju-
dicado; está em curso.
O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto (Relator): Está em curso, com todos os recursos
processuais cabíveis.
O Sr. Ministro Marco Aurélio (Presidente): Sim, mas não haveria prejuízo no adia-
mento para a Justiça, para o Judiciário, para o Ministério Público.
O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto (Relator): No fundo, entendo como manifesta-
mente protelatório.
O Sr. Ministro Marco Aurélio (Presidente): Vossa Excelência coloca a matéria à
Turma?
O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto (Relator): Coloco.
O Sr. Ministro Marco Aurélio (Presidente): Ministro Cezar Peluso, houve um
pedido no sentido de se adiar a apreciação desse recurso ordinário. Se houvesse uma
liminar suspendendo a tramitação da ação penal, muito bem. Mas não há. A ação penal
prossegue normalmente.
O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto (Relator): A segunda ação penal, porque a
primeira foi anulada.
O Sr. Ministro Marco Aurélio (Presidente): Ministro Carlos Britto, como juiz, sem-
pre adotei essa prática de acolher pedido de adiamento. Quando há a presença de dois
advogados com interesses antagônicos, condiciono-o realmente à audição do advogado
da parte contrária. Mas aqui é habeas corpus apreciado em grau de recurso. Não haveria
prejuízo para quem quer que seja.
O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto (Relator): Creio que, como a segunda denúncia
ainda não foi objeto de nenhuma impugnação, não haveria nenhum prejuízo em jul-
garmos.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: (Presidente): Mas aí estamos indo ao julgamento do
próprio recurso para definirmos o adiamento, ou não, da apreciação. Eu ficaria na primeira
parte, adiando o julgamento.

VOTO (Sobre proposta de adiamento)


O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto (Relator): Senhor Presidente, mantenho minha
posição. Não adiaria o julgamento.

EXTRATO DA ATA
RHC 84.404/SP — Relator: Ministro Carlos Britto. Recorrente: Ronan Maria Pinto
(Advogados: Rogério Lauria Tucci, Elaine Mateus da Silva e outra e Thaisa Prisco
Rodrigues Costa). Recorrido: Superior Tribunal de Justiça.
R.T.J. — 197 979

Decisão: Por maioria de votos, a Turma, preliminarmente, decidiu adiar o julga-


mento do presente recurso ordinário em habeas corpus. Vencido o Ministro Carlos
Britto, Relator. Presidiu o julgamento o Ministro Marco Aurélio. Não participaram deste
julgamento os Ministros Sepúlveda Pertence e Eros Grau. 1ª Turma, 28-9-2004.
Decisão: A Turma decidiu suspender o julgamento do presente habeas corpus e
deferir o pedido de vista dos autos, pelo prazo de 10 (dez) dias, feito pelo Dr. Rogério
Lauria Tucci, advogado do recorrente, ficando o mesmo intimado, desde logo, desta
decisão. Unânime. 1ª. Turma, 5-10-2004.
Decisão: Após o voto do Ministro Carlos Britto, Relator, negando provimento ao
recurso ordinário em habeas corpus, pediu vista dos autos o Ministro Eros Grau. Fala-
ram, pelo paciente, o Dr. Rogério Lauria Tucci e, pelo Ministério Público Federal, a Dra.
Delza Curvello Rocha, Subprocuradora-Geral da República.
Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à sessão os Ministros Marco
Aurélio, Cezar Peluso, Carlos Britto e Eros Grau. Subprocuradora-Geral da República,
Dra. Delza Curvello Rocha.
Brasília, 26 de outubro de 2004 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.

DEBATE
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Senhor Presidente, há a questão da juntada. Ficaria
com a última parte do voto de Sua Excelência, o Relator, segundo a qual não se tem, no
habeas corpus, nem acusação, nem contraditório propriamente dito.
Creio que os documentos foram trazidos pelo titular da ação penal e, consoante a
manifestação da Subprocuradora-Geral da República, este habeas faz-se ainda dirigido
contra o que seria a ação penal.
O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto (Relator): Não existe, ainda, ação penal. Não há
processo penal instaurado.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Não. Quanto à primeira denúncia, chegou a ser
recebida.
O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto (Relator): Quanto à primeira, sim. A segunda foi
anulada.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Foi anulada. Entretanto, pelo que percebi — aí
gostaria de contar com um esclarecimento do Relator —, a impetração está dirigida
contra esse primeiro processo, em que houve a declaração de insubsistência da denúncia;
assim não se tem objeto. Agora, de qualquer forma, a mim pelo menos causa espécie
admitir o que seria a fase de instrução no próprio habeas corpus, com a participação do
titular da ação penal, a ofertar documentos, muito embora eles tenham sido trazidos por
interposta pessoa, pelo órgão do Ministério Público Federal.
O Sr. Rogério Lauria Tucci (Advogado): Com a devida vênia, uma questão de fato.
Também foi endereçada e protocolizada em direção ao Ministro Relator.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Pelo próprio Procurador de Justiça?
O Sr. Rogério Lauria Tucci (Advogado): Pelo próprio Procurador, ele mandou dois
expedientes.
980 R.T.J. — 197

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Pelo titular da ação penal, enquanto tal, já que ele
não oficia como fiscal da lei no Supremo Tribunal Federal.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Ministro, qual é o objeto desta impetração?
O Sr. Ministro Cezar Peluso: V. Exa. me permite? Era exatamente isso que ia
perguntar. Parece-me que se trata de habeas corpus de caráter preventivo. Não li os
termos, porque não tenho cópia da petição inicial.
O Sr. Advogado: Sr. Presidente, uma questão de fato. Exatamente isso, a segunda
denúncia tem a mesma origem, viciada, que a primeira.
O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto (Relator): Quanto a isso é preciso deixar que o
juiz natural se pronuncie, se é ou não ação.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: A impetração formalizada, tal como originariamente,
está voltada contra a primeira ou a segunda denúncia?
O Sr. Rogério Lauria Tucci (Advogado): A primeira impetração abrange as duas
situações com uma tese: de que o Ministério Público investigou, só exclusivamente, e
que não pode investigar exclusivamente.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Objetivamente, qual é o alvo da impetração?
O Sr. Rogério Lauria Tucci (Advogado): Como o Tribunal considerou nulo o
procedimento, ele continua sendo nulo, e que seja considerado nulo, também, em relação
ao prosseguimento.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Então, está voltada contra a segunda denúncia?
O Sr. Rogério Lauria Tucci (Advogado): É isso. Com caráter preventivo, é óbvio.
O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto (Relator): Digo que a segunda denúncia não foi
nem recebida. Não há ação propriamente dita.
O Sr. Ministro Cezar Peluso: V. Exa. poderia me esclarecer mais uma coisa? Aliás,
o ilustre Advogado pode esclarecer, porque se trata de matéria de fato, se, eventualmen-
te, seja o caso. O habeas corpus foi impetrado quanto à ressalva contida no acórdão de
que poderia ser oferecida nova denúncia?
O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto (Relator): Perfeito. Agora, disse o acórdão, “com
as cautelas de praxe”.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presidente): Realmente, contra a própria res-
salva que possa ser oferecida nova denúncia, aí fica difícil.
O Sr. Rogério Lauria Tucci: Não é propriamente contra a ressalva, é a tese da
investigação.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presidente): Isso foi levado ao Tribunal de
Justiça de São Paulo?
O Sr. Rogério Lauria Tucci (Advogado): Foi levado. Inclusive o recurso procura
mostrar exatamente o equívoco no STJ, porque o acórdão de lá dá a entender que o
Ministério Público não exorbitou, como foi falado no relatório. Não é este o ponto, e,
sim, se ele pode ou não continuar fazendo essa investigação. Exatamente esse o termo do
habeas corpus.
R.T.J. — 197 981

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Sob a minha óptica, a ressalva não estaria a desafiar
impetração. Poderia o Ministério Público, conforme previsto no Código de Processo
Penal, ofertar nova denúncia com base em outros fatos, outros elementos.
O Sr. Rogério Lauria Tucci (Advogado): Foi impetrado exatamente com essa fina-
lidade, deve ser textual. Não me lembro bem dos termos. Foi impetrado contra esta parte
do acórdão e permitiu que o Ministério Público continuasse investigando. O que ele
quis evitar, obstar é a sua investigação, exclusivamente. Exatamente, é preventivo.
O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto (Relator): O Ministério Público oferta uma
segunda denúncia e se diz embasado em novos elementos de convicção, em novos
elementos probatórios colhidos exatamente junto à Comissão Parlamentar de Inquérito,
que se abriu lá no Município de Santo André. Só que isso não foi apreciado, não quero
suprimir instância, reservo a causa para o seu juízo natural — para a instância competente.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Não se teria sequer uma impetração preventiva, mas
a partir da premissa não do que normalmente deveria ocorrer, considerada a glosa do
Tribunal de Justiça de São Paulo, quanto à primeira denúncia alicerçada em investiga-
ção do Ministério Público, e sim presumindo-se o excepcional: que o Ministério Público
viria a propor a ação penal a partir das investigações por si feitas.
O Sr. Rogério Lauria Tucci (Advogado): Uma questão de fato, Excelência. Quando
o habeas corpus foi impetrado, já havia a segunda denúncia, ela é de dois anos atrás, 25
de fevereiro de 2003.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Daí eu ter perguntado: qual o alvo da impetração, o
pano de fundo?
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presidente): Bem, o eminente Relator julga
prejudicado?
O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto (Relator): Eu não conheço.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Temos de conhecer.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presidente): Não conhecer? É um recurso
contra decisão denegatória do STJ. Temos que conhecer do recurso.
O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto (Relator): Acho que não é caso de habeas
corpus.
Então, acato a sugestão de V. Exa. e nego provimento.

EXTRATO DA ATA
RHC 84.404/SP — Relator: Ministro Carlos Britto. Recorrente: Ronan Maria Pinto
(Advogados: Rogério Lauria Tucci, Elaine Mateus da Silva e outra e Thaisa Prisco
Rodrigues Costa). Recorrido: Superior Tribunal de Justiça.
Decisão: Renovado o pedido de vista do Ministro Eros Grau, de acordo com o art.
1º, § 1º, in fine, da Resolução n. 278/2003. Primeira Turma, 7-12-2004.
Decisão: Adiado o julgamento por indicação do Ministro Eros Grau.
982 R.T.J. — 197

Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à sessão os Ministros Marco


Aurélio, Cezar Peluso, Carlos Britto e Eros Grau. Subprocurador-Geral da República, Dr.
Edson Oliveira de Almeida.
Brasília, 1º de fevereiro de 2005 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.

VOTO (Vista)
O Sr. Ministro Eros Grau: Após o voto do Ministro Carlos Britto, proferido na
Sessão de 26-10-04, negando provimento ao recurso, pedi vista dos autos e agora os
trago em mesa.
2. O impetrante ajuizou habeas corpus no Tribunal de Justiça de São Paulo,
objetivando anular a denúncia oferecida contra o paciente, sob a alegação de que a
investigação fora empreendida exclusivamente por membros do Parquet estadual; sus-
tentou, ademais, que os promotores não observaram as mínimas garantias processuais
dos investigados.
3. A Corte paulista rejeitou a tese de ilegalidade das investigações e acolheu o
segundo fundamento da impetração para anular a denúncia, sem prejuízo de que outra
fosse apresentada.
4. Insatisfeito, o paciente impetrou novo habeas corpus, desta feita nesta Corte,
que declinou da competência para o STJ.
5. O Tribunal a quo denegou a ordem, advindo este recurso ordinário pelo qual o
impetrante insiste na ilegalidade dos poderes investigatórios do Ministério Público.
6. Para facilitar a compreensão, cumpre situar, cronologicamente, os acontecimen-
tos: a primeira denúncia, oferecida em junho/2002, foi recebida em 29-7-02 (fls. 99/110)
e anulada pelo TJ/SP em 5-11-02, em acórdão que ensejou a impetração de outro HC
diretamente neste Tribunal, em 25-9-03. Como visto antes, o Ministro Carlos Britto
declinou da competência para o STJ (fl. 406), onde o writ foi indeferido em 18-12-03 e
agora volta ao STF em forma de RHC, concluso ao Relator em 8-6-04. A segunda
denúncia, equivocadamente datada de 25-2-02 (há certidão atestando que a data correta
é 25-2-03 — fls. 894/906 e 907), não foi recebida, conforme certidão acostada pelo
impetrante. Importante registrar que ela foi apresentada entre a decisão que anulou a
primeira (em 5-11-02) e a impetração de HC nesta Corte, em 25-9-03.
7. As razões expostas no HC impetrado nesta Corte visaram impugnar a primeira
denúncia com o fito de anular a segunda, oferecida sete meses antes da impetração.
Está clara a intenção de suprimir a competência do Tribunal paulista, que já explicitara
entendimento sobre o tema. Não vislumbrando êxito naquela Corte, o impetrante pegou
atalho para o Supremo Tribunal Federal, na perspectiva de melhor sorte, pois sabedor da
controvérsia aqui instaurada sobre a matéria, sem atentar, no entanto, que o STJ é o órgão
competente para julgar ato de tribunal estadual.
8. Pretende agora a declaração de ilegalidade do procedimento administrativo
atribuído ao Ministério Público estadual, a fim de que se anule também a segunda
denúncia, ao argumento de haver identidade entre esta e a primeira, com ressalva da
existência de mínimas dessemelhanças entre ambas, que, explicitadas em legenda, sig-
R.T.J. — 197 983

nificam que o amarelo representa acréscimos e omissões; o laranja aponta diferenças e o


verde demonstra exclusividade da investigação feita pelo Ministério Público (fl. 880).
9. Mesmo que se pudesse conhecer e prover este recurso, os efeitos da decisão
jamais poderiam ser projetados sobre a segunda denúncia, para anulá-la, até porque há
afirmação nos autos de que ela está instruída com documentos oriundos da CPI instaurada
na Câmara Municipal de Santo André para apurar fatos relacionados ao recebimento de
propina no âmbito da municipalidade, o que, a princípio, a distinguiria da primeira peça
acusatória anulada. Foi por essa razão que o Ministério Público Federal suscitou, em
preliminar, a prejudicialidade do recurso “(...) que passou a ser um exercício num vácuo,
ante o oferecimento de nova denúncia ‘intentada, inclusive, com novas peças de infor-
mação’”. (Fl. 418)
10. Por fim, um fundamento que reputo definitivo: não vejo como impedir que o
Ministério Público exerça a função de acusar, o que, em última análise, é o objeto
deste recurso. Além disso, inexistindo decisão de recebimento da denúncia, eventual
ato coator somente poderia ser imputado ao Parquet e não à Justiça paulista, como se
pretende.
11. A hipótese é de prejudicialidade preexistente. Quando da impetração de HC
nesta Corte, o Ministério Público oferecera, sete meses antes, nova denúncia, ainda não
recebida. Desse modo, insisto, mesmo que se pudesse contornar o óbice do conhecimento
e prover o recurso, a decisão seria inócua, pois não poderia projetar-se sobre ato sequer
apreciado pela Justiça paulista.
Ante o exposto, não conheço do recurso.

EXTRATO DA ATA
RHC 84.404/SP — Relator: Ministro Carlos Britto. Recorrente: Ronan Maria Pinto
(Advogados: Rogério Lauria Tucci, Elaine Mateus da Silva e outra e Thaisa Prisco
Rodrigues Costa). Recorrido: Superior Tribunal de Justiça.
Decisão: Prosseguindo o julgamento, após o voto do Ministro Eros Grau não
conhecendo do recurso ordinário em habeas corpus, pediu vista dos autos o Ministro
Cezar Peluso.
Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à sessão os Ministros Marco
Aurélio, Cezar Peluso, Carlos Britto e Eros Grau. Subprocurador-Geral da República, Dr.
Eitel Santiago de Brito Pereira.
Brasília, 8 de março de 2005 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.

VOTO (Vista)
O Sr. Ministro Cezar Peluso: 1. O presente recurso tem origem em habeas corpus
impetrado perante o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo e no qual se alegou
constrangimento ilegal que estaria sofrendo o ora recorrente, entre outras pessoas, em
virtude de recebimento de denúncia baseada em procedimento administrativo da Pro-
motoria de Santo André/SP. O writ foi deferido pela Corte estadual, que, anulando a
decisão de recebimento da denúncia, dispôs: “ressalvado o eventual oferecimento de
984 R.T.J. — 197

outra, desde que, precedentemente sejam observadas as garantias legais neste acórdão
explicitadas, vale dizer, a oitiva do investigado-paciente, facultando-se à defesa tudo
aquilo que lhe permite o Código de Processo Penal quando tratado inquérito policial”
(fl. 164).
2. Segundo o recorrente, a admissão indireta, pela decisão do TJSP, da investiga-
ção criminal realizada pelo Ministério Público — ainda que anulado o ato de recebi-
mento da denúncia —, estaria a causar-lhe constrangimento ilegal, donde a nova
impetração de ordem ao Superior Tribunal de Justiça, que a indeferiu sob argumento de
ausência de coação ilegal à míngua de excesso na atividade do Ministério Público (fls.
373/379).
3. Contra tal decisão, o recorrente “insiste na tese da impossibilidade do recebi-
mento de denúncia baseada exclusivamente em investigação realizada pelo Ministério
Público Federal, o que, no entender dele, recorrente, implicaria usurpação da compe-
tência constitucional da Polícia Civil” (fl. 2 do relatório do Ministro Relator).
4. Os Ministros Carlos Britto, Relator, e Eros Grau votam pela denegação.
5. Acompanho-os na essência.
6. Observo desde logo, como de passagem o fez o ilustre Ministro Relator, ser
duvidosa a presença de interesse recursal, perante esta Corte, e a própria existência
teórica de constragimento, na impetração originária perante o Superior Tribunal de
Justiça.
7. O habeas é remédio constitucional contra constrangimento ilegal. Sua aptidão
supõe, portanto, a descrição de situação objetiva capaz de tipificar coação ou ameaça à
liberdade de locomoção do paciente. E “a providência solicitada deve propiciar ao
interessado um resultado prático” (GRINOVER, Ada Pellegrini; GOMES FILHO,
Antonio Magalhães. FERNANDES, Antonio Scarance. Recursos no processo penal. 3
ed. São Paulo: RT, 2001, p. 350).
8. Ora, não havia, como não há, descrição alguma de ato que, suscetível de carac-
terizar coação ou ameaça à liberdade de locomoção do ora recorrente, pudera justificar-
lhe o pedido no Superior Tribunal de Justiça, pois que a decisão de recebimento da
denúncia havia sido anulada no habeas impetrado perante a Corte estadual.
9. Não há dúvida de que pode o writ ser também proposto com caráter preventivo,
quando “houver uma prisão atual ou simples ameaça, mesmo que remota, de restrição
ao direito de liberdade física de alguém” (GRINOVER, Ada Pellegrini [et al], op. cit.
p. 350). No caso, não há, todavia, sequer ameaça, já que a decisão do Tribunal de Justiça
do Estado de São Paulo aventou mera possibilidade (de atualização futura e incerta) de
o Ministério Público, cumpridas certas exigências, oferecer nova denúncia.
10. Ora, a alusão do acórdão, sob forma de ressalva, é à simples possibilidade
factual de oferecimento de denúncia, sem nenhuma garantia, que seria demasiada, de
eventual recebimento. Nada acrescenta nem subtrai em termos jurídicos.
11. Ou seja, o presente recurso mais se afeiçoa à idéia de consulta, pois submete à
Corte, não a alegação da existência de situação concreta atual ou potencialmente danosa
à liberdade física do paciente, senão mera hipótese, sobre cujo desfecho, é óbvio, não
cumpre à Corte antecipar-se, até porque pode vir a ser inócuo.
R.T.J. — 197 985

12. Conforme esclarecido na primeira sessão e sublinhado pelos Ministros Carlos


Britto e Eros Grau, não se cuida, aqui, do exame de segunda denúncia, mas apenas da
denúncia feita e não recebida, por força da concessão da ordem. Em suma, não há cons-
trangimento ilegal por remediar pela via do habeas corpus, nem, conseqüentemente, por
meio de recurso ordinário constitucional. O Superior Tribunal de Justiça não deveria ter
conhecido do pedido, por falta de um de seus requisitos de aptidão!
13. Por tais razões, acompanho os votos dos Ministros que me antecederam, para
negar provimento ao recurso.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: No caso, Relator, tratar-se-ia, então, de uma impetra-
ção, ajuizada no Superior Tribunal de Justiça, de contornos preventivos, para se obstacu-
lizar o recebimento de uma segunda denúncia, no que poderia vir à balha, assentada a
investigação promovida pelo Ministério Público? Seria isso. O receio é que se receba essa
segunda denúncia a partir de uma investigação promovida pelo Ministério Público?
O Sr. Ministro Cezar Peluso: Não. O receio é que se leve a sério a ressalva do
Tribunal, que, tirada ou mantida, não altera nada em termos decisórios. Uma segunda
denúncia poderá ser oferecida de qualquer maneira, com ou sem essa ressalva, e, recebida,
ou não.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Se houver algum vício, haverá oportunidade para
nova impetração e o ataque por parte da defesa.
Presidente, muito embora compreendendo o zelo elogiável do patrono do recor-
rente, acompanho o Relator, no caso, desprovendo o recurso.

EXTRATO DA ATA
RHC 84.404/SP — Relator: Ministro Carlos Britto. Recorrente: Ronan Maria Pinto
(Advogados: Rogério Lauria Tucci, Elaine Mateus da Silva e outra e Thaisa Prisco
Rodrigues Costa). Recorrido: Superior Tribunal de Justiça.
Decisão: Adiada a continuação do julgamento para o próximo dia 29 de março.
Presidiu o julgamento o Ministro Marco Aurélio. Não participou deste julgamento o
Ministro Sepúlveda Pertence. Primeira Turma, 15-3-2005.
Decisão: Prosseguindo o julgamento, a Turma, por maioria de votos, conheceu do
recurso ordinário em habeas corpus; vencido, nesta parte, o Ministro Eros Grau. Por
unanimidade, negou-lhe provimento, nos termos do voto do Relator.
Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à sessão os Ministros Marco
Aurélio, Cezar Peluso, Carlos Britto e Eros Grau. Subprocuradora-Geral da República,
Dra. Maria Caetana Cintra Santos.
Brasília, 29 de março de 2005 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.
986 R.T.J. — 197

HABEAS CORPUS 84.560 — PR

Relator: O Sr. Ministro Eros Grau


Paciente: Marco Antonio Germano de Souza — Impetrante: Bruno Augusto
Gonçalves Vianna — Coator: Relator do HC n. 47.471 do Superior Tribunal de Justiça
Habeas corpus. Júri. Quesitos. Redação deficiente e inversão: inocor-
rência. Ausência de protesto em ata. Negativa de prestação jurisdicional:
improcedência.
1. Apesar de impertinente a indagação, no primeiro quesito, de que
o paciente promoveu asfixia, por estrangulamento, de sua esposa, fazendo
uso de objeto semelhante a uma corda, não é correta a afirmação de que
os quesitos das circunstâncias agravantes antecederam aos das circuns-
tâncias atenuantes, até porque, além de a potencialidade lesiva do objeto,
nas circunstâncias, ser a de causar asfixia, os jurados responderam nega-
tivamente ao quesito genérico das atenuantes.
2. Tendo o juiz explicitado aos jurados o significado da adjetivação
penal “motivo torpe” e indagado se necessitavam de mais esclarecimentos,
sem que nenhum deles tenha se manifestado, é de concluir-se que o Conselho
de Sentença não foi levado a erro ou perplexidade. Matéria, ademais,
preclusa por falta de protesto em ata.
3. O acórdão proferido na apelação não foi omisso quanto às teses
deduzidas nas razões recursais, uma vez que foram efetivamente exami-
nadas tanto nele quanto nos respectivos embargos de declaração.
Ordem denegada.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turma
do Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence, na
conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por maioria de votos,
indeferir o pedido de habeas corpus.
Brasília, 13 de setembro de 2005 — Sepúlveda Pertence, Presidente — Eros Grau,
Relator.

RELATÓRIO
O Sr. Ministro Eros Grau: Trata-se de habeas corpus substitutivo de recurso ordiná-
rio em que é apontada como coatora a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, que
denegou o HC n. 31.665, assim ementado:
“Processo Penal — Homicídio — Júri — Formulação de Quesitos — Nuli-
dade — Inocorrência.
— Conforme firme jurisprudência desta Corte, eventual irregularidade na
formulação dos quesitos no procedimento do Tribunal do Júri devem ser argüidas
[sic] no momento oportuno, antes do julgamento, sob pena de preclusão.
— Ordem denegada.”
R.T.J. — 197 987

2. O paciente foi condenado a 16 anos de reclusão, em regime integralmente fechado,


pela prática dos crimes tipificados nos artigos 121, § 2º, I e III, e 347 c/c os artigos 61, II,
e, e 69, todos do Código Penal, por ter assassinado sua esposa, por asfixia, utilizando-se
de objeto semelhante a uma corda, além de cometer fraude processual ao alterar o estado
das coisas, de modo a dificultar o trabalho da perícia.
3. O impetrante alega que o 1º e o 3º quesito foram redigidos de forma defeituosa,
o que causou perplexidade e dificultou a compreensão dos jurados.
4. Quanto ao primeiro quesito1, sustenta que nele está explicitada — além da
materialidade e autoria — a qualificadora do meio cruel, que, a teor da regra estabelecida
na Súmula 162/STF, deveria constar de quesito autônomo e posterior aos quesitos da
defesa.
5. No que tange ao 3º quesito — “O réu praticou o fato por motivo torpe?” — o
impetrante afirma que o Tribunal estadual omitiu-se em relação ao argumento nos
termos do qual o juiz deveria esclarecer o significado da expressão, vez que é de difícil
compreensão até para profissionais do direito, o que não impede seja a matéria examinada
neste HC, vez que se trata de nulidade absoluta.
6. Anota, por fim, que o Tribunal a quo, na esteira do TJ/PR, “limitou-se a rechaçar
a nulidade apontada sob o argumento de que os jurados não pediram esclarecimentos,
bem como, a ausência de impugnação pela defesa”. Argumenta que a decisão nesse
sentido não torna preclusa a matéria, por se tratar de nulidade absoluta.
7. Requer a concessão da ordem para anular o julgamento do Tribunal do Júri;
alternativamente, para anular o julgamento da apelação e determinar que outro se realize
com a análise dos argumentos da defesa.
8. O Ministério Público Federal é pela denegação da ordem.
É o relatório.

VOTO
O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): O pedido formulado nesta impetração é alterna-
tivo: visa ao reconhecimento das nulidades e conseqüente anulação da decisão do Júri
ou do acórdão da apelação, por omissão, a fim de que as teses deduzidas nas razões
recursais sejam efetivamente apreciadas em novo julgamento.
2. O primeiro quesito tem a seguinte redação:
“1º Quesito: No dia 24 de novembro de 2004, em horário ignorado, nas
dependências da suíte do apartamento n. 404, situado no 4º Andar, do Edifício
Copenhague, localizado na rua Goiás, n. 1.914, nesta cidade e Comarca, o réu
Marco Antônio Germano de Souza, fazendo uso de um objeto semelhante a uma

1 1º Quesito: No dia 24 de novembro de 1994, em horário ignorado, nas dependências da suíte do


apartamento n. 404, situando no 4º andar, do Edifício Copenhague, localizado na Rua Goiás, n. 1.914,
nesta cidade e Comarca, o réu Marco Antônio Germano de Souza, fazendo uso do objeto semelhante a
uma corda, promoveu asfixia por estrangulamento de sua esposa, ora vítima Rosiani Gonçalves da
Silva, produzindo-lhe, assim, os ferimentos descritos no Laudo de Exame Cadavérico de fls. 31/34?
988 R.T.J. — 197

corda, promoveu asfixia por estrangulamento de sua esposa, ora vítima, Rosiane
Gonçalves da Silva, produzindo-lhe, assim, os ferimentos descritos no Laudo de
Exame Cadavérico de fls. 31/34?”
3. Segundo o impetrante, o fato de constar no primeiro quesito a expressão “pro-
moveu asfixia por estrangulamento”, configura constrangimento ilegal, nos termos da
Súmula 162/STF2.
4. A alegação é improcedente. O Juiz descreveu o objeto utilizado na prática do
crime como sendo uma corda ou algo semelhante, cuja potencialidade, obviamente,
seria a de causar asfixia por estrangulamento. Apesar de a inserção desses termos no
quesito relativo ao fato principal ser inconveniente, não é correta a afirmação de que a
circunstância agravante (rectius: qualificadora) antecedeu aos quesitos correspondentes
às circunstâncias atenuantes. A indagação relativa à asfixia foi respondida afirmativa-
mente, no 4º quesito, assim redigido:
“O réu ao tirar a vida da vítima, com o emprego de uma corda, colocando-a
em torno de seu pescoço, passando a apertá-lo, veio a proporcionar desta forma,
atroz, desnecessário e exagerado sofrimento físico, agiu com emprego de asfixia?”
5. O inciso III do artigo 484 do CPP dispõe que “o juiz formulará, sempre, um
quesito sobre a existência de circunstâncias atenuantes, ou alegadas”. Se afirmativa a
resposta, formulará questionário a respeito, segundo a regra do inciso IV do artigo citado.
A hipótese do inciso III refere-se a quesito genérico, cuja afirmação leva à formulação de
quesito(s) específico(s). Os jurados responderam negativamente ao serem indagados se
existiam circunstâncias atenuantes, de modo que não cabe ao impetrante alegar nulidade
por inversão dos quesitos.
6. De igual modo, não prospera a alegação de perplexidade decorrente do uso da
adjetivação penal “motivo torpe” desacompanhada da explicação de seu significado em
linguagem acessível à compreensão dos jurados. A transcrição do seguinte trecho da ata
de julgamento infirma o argumento:
“Concluído os debates, o Doutor Juiz indagou dos jurados se estavam habili-
tados a julgar a causa ou se precisavam de maiores esclarecimentos, tendo recebido
resposta de que estavam habilitados e, como tal, não precisavam de maiores escla-
recimentos. Em seguida, lendo os quesitos e explicando a significação legal de
cada um [grifei], o Doutor Juiz indagou das partes se tinham requerimento ou
reclamação a fazer. Não havendo nenhum pedido, o Doutor Juiz anunciou que iria
proceder ao julgamento.”
7. Tem-se, destarte, que os jurados compreenderam o significado dos quesitos e as
partes, provocadas pelo Juiz, silenciaram a respeito.
8. A jurisprudência desta Corte é firme no sentido de que a apelação contra sentença
do júri deve restringir-se à matéria impugnada em ata (cf., entre outros, os HHCC n.
75.905, Sydney Sanches; 81.890, Nelson Jobim; 81.906, Carlos Velloso, e 83.107, Celso
de Mello).

2 É absoluta a nulidade do julgamento pelo júri, quando os quesitos da defesa não precedem aos das
circunstâncias agravantes.
R.T.J. — 197 989

9. A regra cede quando “o silêncio das parte, durante o julgamento, sobre a apre-
sentação de quesito complexo ou de formulação irregular (...), por sua gravidade, é
passível de conduzir o Conselho de Sentença a erro ou perplexidade sobre o fato sujeito
a decisão” (RTJ 80/450).
10. Essa não é a hipótese dos autos.
11. Finalmente, ao contrário do que se alega, o acórdão proferido na apelação não
é omisso quanto às teses deduzidas nas razões recursais, porquanto reproduz trecho da
ata de julgamento — já transcrito acima — que revela os esclarecimentos necessários
feitos pelo Juiz, concluindo em seguida:
“Vê-se, portanto, que os senhores jurados não pediram qualquer esclareci-
mento a respeito dos fatos e dos quesitos, o que mostra a inexistência de confusão
ou perplexidade por parte daqueles julgadores, o que afasta a tese da defesa, defen-
dida no recurso.
Ademais, vale lembrar que a defesa também não se opôs à formulação dos
quesitos no momento da leitura.
Segundo a orientação jurisprudencial, não se anula o julgamento em razão
da formulação de quesitos, quando após a sua leitura os jurados não pedem escla-
recimentos e nem as partes fazem qualquer reclamação a respeito dos mesmos.”
Denego a ordem.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Senhor Presidente, no primeiro quesito formulado,


extravasou-se, a meu ver, o que lhe seria próprio, considerado o libelo. Partiu-se para a
análise da própria qualificadora, o motivo cruel.
A conseqüência — principalmente considerando-se que os jurados não são letrados,
necessariamente, em Direito — de uma resposta positiva quanto ao primeiro quesito, na
forma em que lançado, seria a resposta logo após, também positiva, à qualificadora,
porque já a teriam admitido quando da resposta ao primeiro quesito, já que houve
referência ao meio, em si, utilizado e que revela, por si só, a crueldade.
Essa junção constitui uma nulidade absoluta não sanada pela passagem do tempo,
pela ausência de impugnação no momento da formulação dos quesitos? Para mim, sim,
porque implica, na cabeça dos próprios jurados, confusão sobre os fatos, o desrespeito à
ordem prevista dos quesitos no artigo 484 do Código de Processo Penal, a ponto de se
chegar — não haveria, sequer, necessidade do quesito quanto à qualificadora — à con-
clusão sobre ao dolo potencializado do acusado.
Há uma outra alegação — não sei se foi enfrentada, pelo menos não percebi no
voto do ilustre Relator, talvez o tenha sido na primeira parte — quanto à recorribilidade
ao Tribunal de Justiça e à circunstância de, no julgamento do recurso de apelação inter-
posto, não haver o órgão emitido entendimento explícito a respeito do motivo torpe. O
órgão teria aludido às limitações do recurso apenas sob o ângulo da autoria. Não teria
examinado explicitamente acerca da qualificadora “motivo torpe”.
A persistir esse aspecto, pelo menos assim entendo, não terá havido, realmente, a
entrega da prestação jurisdicional como cabia, devidamente aperfeiçoada. Peço vênia
990 R.T.J. — 197

para, também sob esse ângulo, se vencido quanto à nulidade do Júri, concluir que cabe
conceder a ordem para tornar insubsistente o acórdão proferido por força da apelação
interposta pela defesa, a fim de que as matérias nela versadas sejam devidamente anali-
sadas, decidindo o órgão como entender de direito.
Então, sucessivamente, se não acolhido o primeiro pedido, voto, também, favora-
velmente ao segundo formulado na inicial do habeas corpus.

VOTO (Confirmação)
O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Sr. Presidente, apenas para esclarecer, com a
devida vênia do Ministro Marco Aurélio: quanto ao primeiro argumento, seria o mesmo
que indagar se “fulano”, utilizando-se de uma arma de fogo, provocou lesões que culmi-
naram com a morte da vítima. A questão é única e exclusivamente de identificação do
instrumento usado.
Com relação à segunda parte, li no final do meu voto: efetivamente, não houve a
negação de prestação jurisdicional.
Por isso, mantenho o meu voto e indefiro o pedido de habeas corpus.

VOTO
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presidente): A omissão estaria em não ter sido
considerado o quê?
O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): A questão do motivo torpe. Mas no próprio
acórdão lê-se:
“Vê-se, portanto, que os senhores jurados não pediram qualquer esclareci-
mento a respeito dos fatos e dos quesitos, o que mostra a inexistência de confusão
ou perplexidade por parte daqueles julgadores, o que afasta a tese da defesa, defen-
dida no recurso.”
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presidente): Bem ou mal, respondeu-se.
O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): A perplexidade seria sobre o motivo torpe
exatamente.
O Sr. Bruno Augusto Gonçalves Vianna (Advogado): Sr. Presidente, um esclareci-
mento de fato? Essa questão, Ministro Eros Grau, diz respeito à quesitação. A segunda
causa de pedir da impetração diz respeito à ausência de apreciação de tese da defesa na
apelação, depois do julgamento pelo Tribunal do Júri.
O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): No acórdão foi examinada a matéria.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Há, realmente, trecho abrangente, linear, com refe-
rência ao segundo tópico da apelação — das provas contrárias à tese da acusação. Não
tenho a explicitação. Vale, de início, lembrar que, nas decisões do tribunal do júri, não
cabe ao Tribunal, em grau de recurso, fazer qualquer valoração das provas. Não sei se
seria quanto à autoria, a imputação em si, ou a problemática do motivo torpe. Logo a
seguir, sinalizando a que esse trecho diria respeito, há referência expressa a essa última
autoria.
R.T.J. — 197 991

O Sr. Bruno Augusto Gonçalves Vianna (Advogado): Sr. Presidente, um esclareci-


mento de fato? Foi dito, foram três teses na apelação. O segundo tópico da apelação diz
respeito à questão da autoria e materialidade e não do motivo torpe.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presidente): O argumento de V. Exa., na
apelação, sobre motivo torpe foi de nulidade do quesito ou de contrariedade à prova?
O Sr. Bruno Augusto Gonçalves Vianna (Advogado): A primeira tese foi nulidade
do quesito, a segunda foi contrariedade à prova pela letra d do artigo 593.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presidente): Vou suspender o julgamento e
pedir vista em mesa.

VOTO
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presidente): Peço vênia ao eminente Relator
para não subscrever a afirmação apodítica de que a falta de protesto na sessão do Júri
sana a nulidade decorrente dos vícios do questionário.
Ao contrário, essa causa de nulidade decorreu de lei posterior ao Código de Processo
Penal e não foi incluída no rol daquelas nulidades sanáveis pela falta de argüição no
momento previsto.
Não obstante, não creio que o questionário, no caso, padeça de nulidade alguma. É
habilidosa a tese de que a menção à asfixia no primeiro quesito, relativo à autoria e à
materialidade, o tornaria complexo, de modo a traduzir resposta afirmativa o prejulga-
mento da qualificadora do uso da asfixia, como modo cruel de execução do crime. Uma
dificuldade praticamente insolúvel.
O primeiro quesito tem que dizer como o réu teria causado as lesões sofridas pela
vítima. E, no caso, não poderia dizer outra coisa, senão aludir à asfixia.
Acresce que, adotando a tese mais liberal na inteligência do § 2º, III, do art.121 do
Código Penal, o quesito sobre a qualificadora não se limitou ao dado objetivo de ter sido
o homicídio tratado mediante asfixia: ao contrário, referiu-se à asfixia, sim, mas para
indagar se, em conseqüência, fora infligido sofrimento anormal à vítima.
O Sr. Ministro Carlos Britto: Já em outro quesito.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presidente): Sim. Impressionou-me, por outro
lado, a alegação de nulidade por omissão do acórdão que repeliu a apelação da defesa. É
fato, no acórdão que julgou inicialmente a apelação, efetivamente não há menção a ter
o reconhecimento do motivo torpe contrariado a prova dos autos. Houve, então, embar-
gos de declaração suscitando esse problema, em cujo julgamento o Tribunal, mal ou
bem, entendeu que não lhe cabia, a propósito, valorar a prova. Assim, houve exame do
tema e motivação.
Caberia indagar, aqui, do acerto da afirmação pelo acórdão dos embargos de decla-
ração de que não lhe competia fazer nenhuma avaliação da prova? Eu poderia chegar a
tanto, se a resposta não fosse proporcional à da apelação. Depois de longas razões para
sustentar contrariedade à prova quanto à materialidade e à autoria — afinal de contas,
era um caso em que se controvertia sobre a existência de homicídio ou suicídio —, eis o
que se contém, na apelação, quanto ao motivo torpe.
992 R.T.J. — 197

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Não haveria decisão contrária, manifestamente...


O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presidente): Sim. Termina a apelação:
“Não bastando, o mesmo se diga sobre a qualificadora do motivo torpe.
Segundo o festejado criminalista Julio Fabbrini Mirabete, o reconhecimento de
qualificadoras deve atender aos mesmos requisitos de inexistência de prova con-
trária nos autos, ou ainda a inexistência de prova favorável à decisão (...)”
Cita Mirabete e o Superior de Justiça, para concluir:
“Como se dessume a partir da análise das provas, não existe prova alguma
que permita o reconhecimento de motivo torpe.”
Reclamar religiosamente que o acórdão se debruce sobre uma alegação assim in-
consistente, numa apelação de caráter excepcional — em que se há de demonstrar a falta
completa de apoio na prova para a resposta a um dos quesitos —, evidentemente é levar
longe demais a garantia da prestação jurisdicional. Ela foi dada à altura, no ponto —
repito, no ponto; no mais, a apelação é denotada e feita com extremo zelo —, mas, no
ponto, a apelação nada disse e conseqüentemente nada teria a dizer a respeito do Tribunal.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Contudo, não analisou a existência de uma decisão,
pelo corpo de jurados, manifestamente contrária à prova dos autos quanto ao motivo
torpe.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presidente): Não, na realidade, são dezenas de
páginas.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Não incumbia ao Colegiado examinar se essa con-
clusão quanto ao motivo torpe estaria a conflitar com os elementos probatórios do
processo?
O Sr. Ministro Cezar Peluso: Eu não disse que foi prova contrária; foi falta de
prova.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Longe de mim conferir uma abrangência maior à
apelação contra decisão do Tribunal do Júri. Não confiro.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presidente): Não, a alegação é de falta de
motivação; mas motivação existe. O tema foi provocado em embargos de declaração, e
o Tribunal entendeu que não lhe cabia valorar a prova a respeito. E realmente, como se
viu, a apelação se limita a afirmar que não há prova do motivo torpe.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Está, mas ele assentou então que haveria duas cor-
rentes plausíveis?
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presidente): Ele disse que não poderia valorar
a prova para saber do acerto da decisão dos jurados. E na apelação se diz que não há
prova do motivo torpe.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Sim, mas ele apreciou se essa conclusão estaria
conflitando?
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presidente): O Tribunal disse que não lhe cabia
apreciar a questão.
R.T.J. — 197 993

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Mas aí caberia apreciar para definir se a conclusão
dos jurados seria, ou não, manifestamente contrária à prova dos autos.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presidente): Não. Afirma-se apenas que não há
prova da torpeza do motivo, sem justificar a assertiva.
O Sr. Ministro Cezar Peluso: Não, é por falta de prova.
O Sr. Ministro Carlos Britto: Não é prova contrária.
O Sr. Ministro Cezar Peluso: Não é prova contrária; é textualmente. Ele disse que
havia falta de prova da qualificadora do motivo torpe.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presidente): É apelação do veredicto do júri,
limitada e vinculada a uma motivação específica.
Por isso, denego a ordem.

EXTRATO DA ATA
HC 84.560/PR — Relator: Ministro Eros Grau. Paciente: Marco Antonio Germano
de Souza. Impetrante: Bruno Augusto Gonçalves Vianna. Coator: Superior Tribunal de
Justiça.
Decisão: A Turma, por maioria de votos, indeferiu o pedido de habeas corpus;
vencido o Ministro Marco Aurélio, que o deferia. Falou pelo paciente o Dr. Bruno
Augusto Gonçalves Vianna.
Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à sessão os Ministros Marco
Aurélio, Cezar Peluso, Carlos Britto e Eros Grau. Subprocuradora-Geral da República,
Dra. Delza Curvello Rocha.
Brasília, 13 de setembro de 2005 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.

HABEAS CORPUS 85.064 — SP

Relator: O Sr. Ministro Joaquim Barbosa


Relator para o acórdão: O Sr. Ministro Gilmar Mendes
Paciente: Sérgio Salgado Ivahy Badaró — Impetrante: Ordem dos Advogados do
Brasil (Advogados: Alberto Zacharias Toron e outro). Coator: Superior Tribunal de
Justiça
1. Falsidade ideológica. 2. Petição de advogado, dirigida ao Juiz,
contendo a retratação de testemunha registrada em cartório, não é consi-
derada documento idôneo para os fins de reconhecimento do tipo penal
previsto no art. 299 do Código Penal. 3. Ausência de dano relevante pro-
vocado pela declaração, tendo em vista a confirmação inicial do depoi-
mento. 4. Ocorrência de constrangimento ilegal. 5. O escrito submetido à
994 R.T.J. — 197

verificação não constitui o falsum intelectual. Precedente aplicado: RHC


n. 43.396/RS, Rel. Min. Evandro Lins e Silva, DJ de 22-8-1966. 6. Falta de
justa causa para a ação penal. Superação da tese de que a investigação
adequada para averiguar a procedência ou não da acusação deve ser
realizada no curso da ação penal. Precedentes citados: HC n. 71.622/MT,
Rel. Min. Carlos Velloso, DJ de 8-9-1995; RHC n. 81.034/SP, Relator Min.
Sydney Sanches, DJ de 10-5-2002; HC n. 81.256/SP, Rel. Min. Néri da
Silveira, DJ de 14-12-2001. 7. No caso concreto, o depoimento inicialmente
prestado pela testemunha foi confirmado em momento posterior, perante
juízo competente. A declaração ofertada com o suposto auxílio do paciente
não pode ser considerada documento para os fins penais do art. 299 do
CP. 8. Recurso de habeas corpus provido.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribu-
nal Federal, em Segunda Turma, sob a Presidência do Ministro Carlos Velloso (RISTF,
art. 37, II), na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por maioria
de votos, deferir o pedido de habeas corpus, nos termos do voto do Ministro Gilmar
Mendes.
Brasília, 13 de dezembro de 2005 — Carlos Velloso, Presidente — Gilmar Mendes,
Relator para o acórdão.

RELATÓRIO
O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: A Ordem dos Advogados do Brasil impetra
habeas corpus, sem pedido de liminar, em favor de Sérgio Salgado Ivahy Badaró,
advogado, denunciado por “ter inserido declaração falsa num documento particular,
com o fim de alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante” (fl. 04).
Contra o recebimento da denúncia foi impetrado habeas corpus ao Tribunal de
Justiça de São Paulo, cuja 1ª Câmara Criminal denegou a ordem, com fundamento na
inaplicabilidade à hipótese do precedente firmado no RHC 43.396 (Rel. Min. Evandro
Lins e Silva, Primeira Turma, j. 22-8-1966). Em face dessa decisão, foi impetrado novo
habeas corpus, agora ao Superior Tribunal de Justiça, cujo pedido também foi
denegado.
Solicitei informações, que foram devidamente prestadas e acompanhadas do inteiro
teor do acórdão atacado, cujo fundamento central é, na espécie, a imprescindibilidade
do “cotejo minucioso da matéria fático-probatória” (fl. 114) para a demonstração da
atipicidade alegada, o que impediria o trancamento da ação penal por falta de justa
causa.
O acórdão do Superior Tribunal de Justiça tem a seguinte ementa:
“Processual Penal. Habeas corpus. Art. 299 do CPP. Trancamento da ação
penal. Justa causa. Atipicidade da conduta. Ausência de potencialidade lesiva.
I - O trancamento da ação penal por falta de justa causa, somente é possível em
sede de habeas corpus, se demonstrado, de plano, v.g., a atipicidade da conduta, a
R.T.J. — 197 995

incidência de causa de extinção de punibilidade, ou ainda a total ausência de


indícios de autoria, ou de prova da materialidade do delito, hipóteses não consta-
tadas, prima facie, na espécie. (Precedentes).
II - Não é a via eleita adequada para se trancar a ação penal, se para a
constatação da alegada atipicidade da conduta por ausência de potencialidade
lesiva faz-se imprescindível o cotejo minucioso de matéria fático-probatória, o
que é vedado em habeas corpus. (Precedentes).
Writ denegado.” (Fl. 71)
Leio, Senhor Presidente, a denúncia, para maior elucidação dos fatos:
“Consta dos autos do inquérito policial registrado sob o n. 150/99 que, no
dia 03 de fevereiro de 1999, nas dependências do Fórum desta Comarca, durante o
horário de expediente forense, Sérgio Salgado Ivahy Badaró, qualificado a folhas
48, inseriu declaração falsa em documento particular, com o fim de alterar a verdade
sobre fato juridicamente relevante.
Apurou-se que em 21 de outubro de 1995, José Roberto da Costa praticou um
crime de homicídio nesta Comarca, havendo desferido vários disparos de arma de
fogo contra Dulce Helena Freitas dos Santos Lima, causando-lhe a morte.
A conduta criminosa de José Roberto foi presenciada por César Augusto
Castilho, e relatada à autoridade policial. Segundo César, quando dos fatos, ele
passava pela Avenida Santos Dumont, no sentido Aparecida – Guaratinguetá, e na
altura da empresa ‘JT Esquadrias’ avistou uma mulher de porte médio, com cerca
de quarenta anos de idade, morena, alta e cabelos castanhos, perto do portão de
uma residência; onde também havia um veículo Fiat Uno, da cor bege, estacionado
em sentido oposto.
Prosseguindo, César informou ter presenciado o momento em que um ho-
mem de porte médio, moreno, de barba e cabelos castanhos curtos, desembarcou
do automóvel e, de arma em punho, desferiu vários disparos contra a referida
mulher.
César comunicou os fatos à autoridade policial, e no dia 25 de outubro de
1995, após depor como testemunha perante a mesma autoridade, procedeu ao
reconhecimento fotográfico de José Roberto da Costa como sendo o autor dos
disparos.
Ao ser ouvido em Juízo, em 02 de janeiro de 1996, na fase de instrução da
ação penal proposta contra José Roberto da Costa, César reiterou a versão acima
descrita, tornando a proceder ao reconhecimento do acusado, agora de forma pes-
soal, a despeito das alterações que apontou, no que se refere à fisionomia de José
Roberto.
Ocorre que após esta data, mais precisamente no ano de 1998, César veio a
tornar-se amigo de Sheila Aparecida Costa, filha do acusado José Roberto da Costa,
por força de relacionamento decorrente da circunstância de ambos serem alunos da
mesma turma do curso universitário, e ela o auxiliar na realização de trabalhos, de
várias disciplinas, mesmo ciente da existência do processo crime e da contribuição
de César para a obtenção da verdade.
996 R.T.J. — 197

Tal fato chegou ao conhecimento do indiciado Sérgio, que elaborou uma


declaração, na qual César se dizia em dúvida acerca do reconhecimento de José
Roberto da Costa como o autor dos disparos que causaram os ferimentos que
levaram Dulce Helena à morte, e onde César afirmava que a autoridade policial lhe
exibiu uma fotografia tamanho 3x4, garantindo ser a pessoa retratada o autor do
crime, acrescentando que, somente devido à insistência da mesma autoridade, ele
procedeu ao reconhecimento pessoal de José Roberto da Costa.
Constava também da dita declaração que, em juízo, César tornou a proceder
ao reconhecimento de José Roberto da Costa como o autor dos disparos, por temor.
Finalizava o documento, afirmando que: ‘aquela pessoa reconhecida, que
mais tarde vim a saber chamar-se José Roberto da Costa, era realmente semelhante
ao indivíduo que efetuou os disparos, mas, em sã consciência, eu não posso afir-
mar que são a mesma pessoa’.” (Fls. 60-62 — Grifos originais)
A Procuradoria-Geral da República opina pela denegação da ordem, em parecer
cuja conclusão é a seguinte:
“16. Por fim, cabe ressaltar que o crime do artigo 299 é formal, ou seja,
consuma-se com a mera prática do ato, devidamente demonstrada na denúncia,
com um fim específico ‘de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade
sobre fato juridicamente relevante’, o que também ficou bastante claro na peça
acusatória.” (Fl. 132)
É o relatório.

VOTO
O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): No julgamento do RHC 43.396 (Rel.
Min. Evandro Lins e Silva, Primeira Turma, j. 22-8-1966), efetivamente decidiu-se que
“a retratação de uma testemunha, e por esta assinada, não é documento penalmente
protegido”.
Na ocasião, partiu o Ministro Relator da premissa de que o documento não era
“idôneo a produzir dano”, para concluir que “o fato, em si, descrito na denúncia não
constitui crime em tese”, tendo Sua Excelência examinado inclusive a informação cons-
tante da denúncia de que o signatário da petição se mostrava inibido e acanhado.
Tratava-se de hipótese análoga à presente, em que o paciente também era advogado.
Mas acredito que as semelhanças daquele precedente não se estendem às circunstâncias
deste caso.
O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo entendeu, ao indeferir a ordem em
favor do ora paciente (fl. 70), que basta a ocorrência de dano potencial causado pelo
documento assinado por orientação do paciente para justificar o prosseguimento da
ação penal.
Em linha semelhante, o Superior Tribunal de Justiça afirmou ser inviável o
trancamento da ação penal sem a demonstração de plano da atipicidade da conduta. Cito
trecho da ementa:
R.T.J. — 197 997

“II - Não é a via eleita adequada para se trancar a ação penal, se para a
constatação da alegada atipicidade da conduta por ausência de potencialidade
lesiva faz-se imprescindível o cotejo minucioso de matéria fático-probatória, o
que é vedado em habeas corpus.” (Fl. 114)
Entendo que a conclusão do Superior Tribunal de Justiça é correta, considerando
as circunstâncias do caso.
Com efeito, conforme consta da denúncia, o ora paciente teria orientado a testemunha
César Augusto Castilho a firmar a declaração em causa após ter tido conhecimento de
que este se tornara amigo de Sheila Aparecida Costa, filha do indiciado por homicídio,
José Roberto da Costa.
Na denúncia, relata-se:
“Tal documento foi obtido mediante pressão psicológica exercida sobre
César, por conta da já referida amizade com Sheila, tanto que no momento em que
Maria Lúcia dos Santos Costa (esposa de José Roberto da Costa) apresentou a
referida declaração ao Tabelião de Notas, a fim de que a firma do seu subscritor
fosse reconhecida, a cartorária Juliana Ribeiro dos Santos (coincidentemente noiva
de César) notou a divergência entre as assinaturas constantes dá declaração e da
ficha que permanecesse arquivada no cartório, negando-se a realizar o ato; sendo
necessário que o próprio César comparecesse pessoalmente ao Cartório e confir-
masse a autenticidade do documento.
Sabedora de que César nunca havia manifestado qualquer dúvida acerca do
reconhecimento de José Roberto da Costa como o autor do crime de homicídio,
Juliana revelou suas suspeitas ao órgão do Ministério Público desta Comarca, o
que ensejou a requisição da instauração do presente procedimento apuratório.”
(Fl. 118)
Consta que a testemunha confirmou em juízo a versão inicial de seu depoimento,
contrária à da declaração, e, a respeito dessa, afirmou que não compreendia bem os
termos técnicos e que o ora paciente lhe dissera que a declaração não alteraria o teor do
depoimento. Nesse sentido, destaca a denúncia que o ora paciente, “advogado crimina-
lista experiente e professor de curso de Direito”, ainda que soubesse da possibilidade de
nova audiência da testemunha, pretendeu criar dúvida na mente dos jurados acerca da
autoria do crime de homicídio.
Como se vê, a denúncia contém elementos adicionais indicativos da impossibili-
dade de redução das circunstâncias do caso aos limites do precedente firmado no RHC
43.396 e, no meu entender, que não indicam a manifesta atipicidade da conduta descrita.
Ainda que se concluísse pela inaplicabilidade do art. 299 do Código Penal à
espécie, restaria ao juízo competente a qualificação jurídica dos fatos narrados na de-
núncia, conforme jurisprudência desta Corte, e isso também obstaria o deferimento da
ordem (cf. RHC 64.999, Rel. Min. Moreira Alves, Primeira Turma, j. 11-9-1987, e HC
68.720, Rel. Min. Celso de Mello, Primeira Turma, j. 10-12-1991).
Por esse aspecto, considero irrelevante para o caso a argumentação do impetrante
referente à ausência de dano, pois não se pode afirmar de plano a atipicidade sem que se
aprofunde o exame dos fatos narrados na denúncia. Em conseqüência, indefiro a ordem.
998 R.T.J. — 197

EXTRATO DA ATA
HC 85.064/SP — Relator: Ministro Joaquim Barbosa. Paciente: Sérgio Salgado
Ivahy Badaró. Impetrante: Ordem dos Advogados do Brasil (Advogados: Alberto
Zacharias Toron e outro). Coator: Superior Tribunal de Justiça.
Decisão: Após o voto do Ministro Relator, indeferindo a ordem, pediu vista o
Ministro Gilmar Mendes. Falou, pelo paciente, o Dr. Alberto Zacharias Toron. Ausentes,
justificadamente, neste julgamento, os Ministros Celso de Mello e Ellen Gracie. Presidiu
este julgamento o Ministro Carlos Velloso.
Presidência do Ministro Carlos Velloso. Presentes à sessão os Ministros Gilmar
Mendes e Joaquim Barbosa. Subprocuradora-Geral da República, Dra. Sandra Verônica
Cureau.
Brasília, 21 de junho de 2005 — Carlos Alberto Cantanhede, Coordenador.

VOTO (Vista)
O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Em sessão do dia 21-6-2005, o Min. Joaquim
Barbosa, Relator do presente habeas corpus, proferiu voto pelo indeferimento do writ.
Apenas para rememorar o caso, vale mencionar que, na espécie, o paciente, Sérgio
Salgado Ivahy Badaró, advogado, foi denunciado pela suposta prática do crime de
falsidade ideológica (CP, art. 299).
Originariamente, impetrou-se habeas corpus ao Tribunal de Justiça de São Paulo
contra o recebimento da denúncia. A ordem foi denegada pelo TJSP sob o fundamento
de que o precedente RHC n. 43.396/RS, Rel. Min. Evandro Lins e Silva, 1ª T., DJ de 22-
8-1966, seria inaplicável à espécie. Em face dessa decisão, novo habeas corpus foi
impetrado ao Superior Tribunal de Justiça, cujo pedido também foi denegado. O presente
habeas corpus, impetrado pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), em favor de
Sérgio Salgado Ivahy Badaró, insurge-se contra essa decisão do STJ, que foi ementada
nos seguintes termos:
“Processual Penal. Habeas Corpus. Art. 299 do CP. Trancamento da ação
penal. Justa causa. Atipicidade da conduta. Ausência de potencialidade lesiva.
I - O trancamento da ação penal por falta de justa causa, somente é possível
em sede de habeas corpus, se demonstrado, de plano, v.g. a atipicidade da condu-
ta, a incidência de causa de extinção de punibilidade, ou ainda a total ausência de
indícios de autoria, ou de prova da materialidade do delito, hipóteses não consta-
tadas, prima facie, na espécie. (Precedentes).
II - Não é a via eleita adequada para se trancar a ação penal, se para a
constatação da alegada atipicidade da conduta por ausência de potencialidade
lesiva faz-se imprescindível o cotejo minucioso de matéria fático-probatória, o
que é vedado em habeas corpus. (Precedentes).
Writ denegado.” (fl. 71)
A impetrante apresenta como fundamento principal o fato de que trata de decla-
ração unilateral não ofertada, portanto, perante o competente juízo. Conseqüentemente,
R.T.J. — 197 999

esse ato declaratório não possuiria, por si só, valor probante em matéria penal. Por fim,
em que pese a consideração de que a declaração constou de documento registrado em
cartório, a impetração sustenta que ela não poderia ter sido considerada como documento
apto para a procedência do pedido de persecução penal com fulcro no art. 299 do CP,
uma vez que não acarretou qualquer dano para a instrução criminal.
Alega-se, também, ser o presente caso absolutamente idêntico ao apreciado julga-
mento do RHC n. 43.396/RS, Rel. Min. Evandro Lins e Silva, 1ª T., DJ de 22-8-1966.
Nesse precedente, o então Relator entendeu que o documento não era “idôneo a produ-
zir dano” e que “o fato, em si, descrito na denúncia não constitui crime em tese”, ainda
que, segundo informação da denúncia, o signatário da petição estivesse inibido e
acanhado. Ao final, decidiu-se que “a retratação de uma testemunha, e por esta assinada,
não é documento penalmente protegido”, se o documento não é idôneo a produzir dano.
Sob esse fundamento, a impetração requer o trancamento da ação penal por falta de
justa causa.
No presente caso, o Ilustre Ministro Relator sustentou que a denúncia conteria ele-
mentos adicionais indicativos da impossibilidade de redução das circunstâncias deste
caso aos limites firmados no precedente invocado. Dessa maneira, a partir da denúncia
apresentada, não seria possível caracterizar a manifesta atipicidade da conduta descrita.
Outrossim, o voto do Relator assumiu premissa de que, ainda que se concluísse
pela inaplicabilidade do art. 299 do Código Penal à espécie, competiria ao juízo ordinário
a qualificação dos fatos narrados na denúncia, bem como a ocorrência ou não de dano.
Assim, consoante jurisprudência desta Corte, a presente ordem não poderia nem sequer
ser conhecida uma vez que “não se pode afirmar de plano a atipicidade sem que se
aprofunde o exame dos fatos narrados na denúncia”.
No RHC n. 43.396/RS, o paciente também era advogado. Eis o teor da ementa
desse precedente:
“Falsidade ideológica. Petição de advogado, dirigida ao Juiz, contendo a
retratação de uma testemunha e por esta assinada, não é documento penalmente
protegido. O escrito submetido à verificação não constitui o falsum intelectual.
Falta de justa causa para a ação penal. Recurso de habeas corpus provido.”
Neste HC n. 85.064/SP, cabe destacar que a declaração prestada por César Augusto
Castilho foi reconhecida em cartório. Trata-se de documento público, que, à primeira
vista, seria apto, portanto, para o reconhecimento da tipicidade prevista no art. 299 do
Código Penal, in verbis:
“Art. 299. Omitir em documento público ou particular, declaração que dele
devia constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que
devia ser escrita, com o fim de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a
verdade sobre fato juridicamente relevante”.
Entretanto, vale destacar que, posteriormente, em juízo, César confirmou a versão
inicial de seu depoimento, contrária à da declaração prestada, e a respeito desta, afirmou
que não compreendia bem os termos técnicos dela constantes e que o ora paciente lhe
assegurara que tal declaração não alteraria o depoimento já prestado.
1000 R.T.J. — 197

O Superior Tribunal de Justiça afirmou ser inviável o trancamento da ação penal


sem a demonstração, de plano, da atipicidade da conduta. É dizer, ao menos em tese, a
conduta descrita na denúncia configuraria crime.
Nesse sentido, o Eminente Relator, Min. Joaquim Barbosa, asseverou que a inves-
tigação adequada para averiguar a procedência ou a improcedência da acusação deveria
ser realizada no curso da ação penal, desde que garantido ao acusado o direito à ampla
defesa, ao contraditório e ao devido processo legal, conforme construção jurisprudencial
consolidada neste Tribunal.
Para sustentar tal tese, arrolou os seguintes precedentes:
“Penal. Processual Penal. Habeas corpus. Ação penal: trancamento por
falta de justa causa. I - Não é de se trancar a ação penal se a conduta descrita na
denúncia configura, em tese, crime. II - Precedentes do Supremo Tribunal Federal.
III - HC indeferido.” (HC n. 71.622/MT, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ de 8-9-1995)
“Direito Penal e Processual Penal. Estelionato. Habeas corpus. Alega-
ções: a) de inépcia da denúncia; b) de falta de fundamentação da decisão que a
recebeu; c) de atipicidade dos fatos imputados; d) de falta de justa causa para a
ação penal. Alegações repelidas. 1. A denúncia preenche os requisitos legais e está
apoiada nos elementos informativos obtidos no inquérito policial. 2. O ato impu-
tado é o descrito, em tese, na lei penal, não podendo, pois, ser considerado atípico.
3. Há, enfim, justa causa para a ação penal, que, então, não deve ser trancada,
relegando-se para a instrução a melhor apuração dos fatos. 4. Ao receber a denúncia,
o magistrado, implicitamente, considerou-a apoiada nos autos do Inquérito e de
conformidade com o art. 43 do Código de Processo Penal, não se lhe podendo
exigir maior explicitação, quanto aos fundamentos de tal decisão. 5. Recurso
ordinário improvido.” (RHC n. 81.034/SP, Rel. Min. Sydney Sanches; DJ de
10-5-2002)
“Habeas corpus. 2. Pretendido trancamento de ação penal, por falta de justa
causa. 3. Não é possível, em habeas corpus, reexaminar os fatos e as provas, desde
logo, indicadas na denúncia, que não se entremostra inadequada, sem qualquer
juízo aqui a formular-se sobre o mérito da acusação, matéria que será objeto da
decisão final, após a instrução do feito. 4. Habeas corpus indeferido.” (HC n.
81.256/SP, Rel. Min. Néri da Silveira, DJ de 14-12-2001)
No caso concreto, porém, a denúncia descreveu a conduta imposta ao paciente da
seguinte maneira:
“Ocorre que após esta data, mais precisamente no ano de 1998, César veio a
tornar-se amigo de Sheila Aparecida Costa, filha do acusado José Roberto da Costa,
por força de relacionamento decorrente da circunstância de ambos serem alunos da
mesma turma do curso universitário, e ela o auxiliar na realização de trabalhos, de
várias disciplinas, mesmo ciente da existência do processo crime e da contribuição
de César para a obtenção da verdade.
Tal fato chegou ao conhecimento do indiciado Sérgio, que elaborou uma
declaração, na qual César se dizia em dúvida acerca do reconhecimento de José
Roberto da Costa como autor dos disparos que causaram os ferimentos que levaram
Dulce Helena à morte, e onde César afirmava que a autoridade policial lhe exibiu
uma fotografia tamanho 3X4, garantindo ser a pessoa retratada o autor do crime,
R.T.J. — 197 1001

acrescentando que, somente devido à insistência da mesma autoridade, ele proce-


deu ao reconhecimento pessoal de José Roberto da Costa.
Constava também da dita declaração que, em juízo, César tornou a proceder
ao reconhecimento de José Roberto da Costa como o autor dos disparos, por temor.
Finalizava o documento, afirmando que: ‘aquela pessoa reconhecida, que
mais tarde vim a saber chamar-se José Roberto da Costa, era realmente semelhan-
te ao indivíduo que efetuou os disparos, mas, em sã consciência, eu não posso
afirmar que são a mesma pessoa’.
Tal documento foi obtido mediante pressão psicológica exercida sobre
César, por conta da já referida amizade com Sheila, tanto que no momento em que
Maria Lúcia dos Santos Costa (esposa de José Roberto da Costa) apresentou a
referida declaração ao Tabelião de Notas, a fim de que a firma do seu subscritor
fosse reconhecida, a cartorária Juliana Ribeiro dos Santos (coincidentemente noiva
de César) notou a divergência entre as assinaturas constantes da declaração e da
ficha que permanece arquivada no cartório, negando-se a realizar o ato; sendo
necessário que o próprio César comparecesse pessoalmente ao Cartório e confir-
masse a autenticidade do documento.
Sabedora de que César nunca havia manifestado qualquer dúvida acerca do
reconhecimento de José Roberto da Costa como o autor do crime de homicídio,
Juliana revelou suas suspeitas ao órgão do Ministério Público desta Comarca, o
que ensejou a requisição da instauração do presente procedimento apuratório.
Novamente intimado a comparecer perante autoridade policial, César prefe-
riu permanecer calado, ao tomar conhecimento das declarações de Juliana, mas
depois, em outra data, confirmou a versão contida na declaração particular.
Contudo, em 14 de julho de 1999, desta feita acompanhado por seu genitor,
César compareceu ao gabinete do Dr. José Benedito Moreira, Promotor de Justiça
desta Comarca, e perante testemunhas e na presença de um advogado, espontanea-
mente confirmou ter sido José Roberto da Costa quem desferiu cinco tiros contra a
pessoa de Dulce Helena Freitas dos Santos Lima, César reiterou a mesma versão em
juízo, durante o depoimento prestado no Plenário do Tribunal do Júri, tendo acres-
centado: ‘Lembro-me de uma declaração que eu assinei para o Dr. Sérgio Badaró,
o qual levou-a até mim, mas eu não compreendi bem os termos técnicos e por ele
me foi dito que aquilo não alterava o meu depoimento’.
Todavia, em sede inquisitorial, o indiciado Sérgio havia afirmado que proce-
deu à juntada da declaração firmada por César aos autos do processo, em decorrên-
cia do fato da acusação não haver insistido na sua oitiva em plenário, razão pela
qual, não fosse daquela forma, ele não teria meios de fazer com que a nova versão
de César chegasse ao conhecimento do Egrégio Tribunal do Júri.
Tal versão não revela a verdade do ocorrido. A alteração da assinatura de
César bem demonstra que era sua intenção frustrar o reconhecimento da firma aposta
no documento, por força do constrangimento ao qual estava sendo submetido por
haver deposto contra o genitor da amiga Sheila, constrangimento este que se tor-
nou maior quando ele teve que comparecer pessoalmente em Cartório, sendo obri-
gado a confirmar a versão mentirosa perante a própria noiva.
1002 R.T.J. — 197

De igual modo, o indiciado Sérgio, advogado criminalista experiente e pro-


fessor do curso de Direito de estabelecimento de ensino em nível superior, possuía
plena ciência da possibilidade da testemunha César ser novamente ouvida pela
Autoridade Judicial, sem que fosse necessária a lavratura de qualquer declaração,
pois tal providência é legalmente facultada ao magistrado, conforme consta nos
artigos 156, 209 e 807, todos do Código de Processo Penal.
Porém, em verdade, o indiciado Sérgio nunca pretendeu que houvesse uma
nova oitiva de César, tanto que na referida declaração constava que ‘se fosse nova-
mente intimado a depor, retificaria os depoimentos anteriores nos termos da pre-
sente declaração’, ou seja, a finalidade do indiciado Sérgio era criar dúvida acerca
da autoria do crime de homicídio na mente dos jurados, de modo a beneficiar o seu
cliente José Roberto da Costa, pois ele não acreditava que César fosse novamente
ouvido em juízo, já que a testemunha não havia sido arrolada no libelo crime
acusatório apresentado pelo representante do Ministério Público; fato este que faria
com que a versão constante da declaração fosse a final, definitiva, possibilitando-lhe
postular a aplicação do princípio do in dubio pro reo, em favor do acusado José
Roberto.”. (Fls. 61/62)
No precedente RHC n. 43.396/RS, este Tribunal entendeu que o documento —
petição de advogado, dirigida ao juiz, contendo a retratação de uma testemunha e por
esta assinada — não era idôneo a produzir dano e que o fato descrito na denúncia não
constituía crime em tese. Decidiu-se, portanto, que a retratação de testemunha, ainda que
assinada por ela, não seria documento penalmente protegido “se o documento não é
idôneo a produzir dano”.
Conforme assinalou o saudoso Min. Evandro Lins e Silva:
“O documento assinado pela testemunha, e redigido pelo paciente, foi sub-
metido ao juiz, prontificando-se a testemunha a confirmá-lo. Cabia ao Juiz chamar
o depoente, inclusive porque, na conformidade do § 3º do art. 342 do Código
Penal, o falso testemunho deixa de ser punível, se antes da sentença o agente se
retrata e declara a verdade.
A petição da testemunha era inócua, como meio de prova, pois estava sujeita
à verificação do magistrado, e é noção comezinha que o dano é pressuposto da
falsidade.
Se o documento não é idôneo a produzir dano, não se pode falar em crime de
falsum. O prejuízo que o documento ocasiona ou pode ocasionar é condição de
existência do crime. Esse prejuízo deve ser sério, de modo a causar um verdadeiro
mal que a sociedade não pode admitir (...).
Além disso, o dano deve emergir diretamente do documento, o que não ocorria
na hipótese.”
No Habeas Corpus ora em apreço, a situação não pode ser tida como absolutamente
distinta pelo simples fato de que o documento — declaração prestada pela testemunha
César Augusto Castilho — tenha sido registrada em cartório. Ademais, é de se ressaltar
que, posteriormente, em juízo, César confirmou a versão inicial de seu depoimento,
contrária à declaração prestada no documento.
R.T.J. — 197 1003

Assim, na linha do precedente firmado no RHC n. 43.396/RS, é de se reconhecer a


ocorrência de constrangimento ilegal nos presentes autos. Tendo em vista a confirmação
inicial do depoimento de César (inequivocamente contrário à declaração prestada no
documento), o teor constante do documento registrado é inócuo para o convencimento
do magistrado acerca da autoria ou da materialidade delitiva.
Diante da ausência de diferenças significativas entre os casos e caracterizada a
inexistência de dano relevante, a declaração ofertada não pode ser considerada
documento para os fins de reconhecimento do tipo penal previsto no art. 299 do
Código Penal.
Assim sendo, com base nos fundamentos ora expendidos, divirjo do entendimento
constante do voto do Ilustre Ministro Relator.
Meu voto, portanto, Senhor Presidente, é pelo deferimento da ordem.

EXTRATO DA ATA
HC 85.064/SP — Relator: Ministro Joaquim Barbosa. Paciente: Sérgio Salgado
Ivahy Badaró. Impetrante: Ordem dos Advogados do Brasil (Advogados: Alberto
Zacharias Toron e outro). Coator: Superior Tribunal de Justiça.
Decisão: Prosseguindo no julgamento, após o voto do Ministro Gilmar Mendes,
deferindo a ordem, pediu vista o Ministro Carlos Velloso. Declarou-se impedido o
Ministro Celso de Mello. Ausente, justificadamente, neste julgamento, a Ministra Ellen
Gracie. Presidiu este julgamento o Ministro Carlos Velloso.
Presidência do Ministro Celso de Mello. Presentes à sessão os Ministros Carlos
Velloso, Gilmar Mendes e Joaquim Barbosa. Ausente, justificadamente, a Ministra Ellen
Gracie. Subprocuradora-geral da República, Dra. Maria Caetana Cintra Santos.
Brasília, 6 de dezembro de 2005 — Carlos Alberto Cantanhede, Coordenador.

VOTO (Vista)
O Sr. Ministro Carlos Velloso: Trata-se de habeas corpus impetrado em favor de
Sérgio Salgado Ivahy Badaró, contra acórdão da 5ª Turma do Eg. Superior Tribunal de
Justiça, que denegou pedido de habeas corpus em que se postulava o trancamento da
ação penal por falta de justa causa, por considerar imprescindível para a constatação da
atipicidade de conduta o exame da matéria fática probatória.
Consta dos autos que o paciente foi denunciado pelo crime de falsidade ideológica
(art. 299 do Código Penal). Sustenta a impetração tratar-se de conduta atípica, porquanto
a declaração firmada pela testemunha e juntada pelo paciente, mesmo podendo ser
considerada falsa, não é concebida como documento para fins penais. Aduz, assim, ser o
presente caso idêntico ao RHC 43.396/RS (Rel. Min. Evandro Lins e Silva, DJ de 22-8-
1966).
Além disso, alega que, para a configuração do delito imputado ao paciente, neces-
sária se faz a presença de dois requisitos, quais sejam, a aptidão do documento para
provar fato juridicamente relevante e a auto-suficiência deste para fazer a prova, o que
não ocorre no caso.
1004 R.T.J. — 197

Na sessão em que teve início o julgamento, o eminente Ministro Joaquim Barbosa,


Relator, votou pelo indeferimento da ordem. Após o voto do eminente Min. Gilmar
Mendes, deferindo o habeas corpus, pedi vista dos autos.
Trago os autos, a fim de retomarmos o julgamento do habeas corpus.
Passo a votar.
O paciente teria elaborado declaração em que César Augusto Castilho “se dizia
em dúvida acerca do reconhecimento de José Roberto da Costa como o autor dos
disparos que causaram os ferimentos que levaram Dulce Helena à morte e onde César
afirmava que a autoridade policial lhe exibiu uma fotografia tamanho 3x4, garan-
tindo ser a pessoa retratada o autor do crime, acrescentando que, somente devido à
insistência da mesma autoridade, ele procedeu ao reconhecimento pessoal de José
Roberto da Costa”.
Todavia, a testemunha, em Juízo, confirmou a versão inicial de seu depoimento,
contrária à da declaração.
Por isso, o eminente Ministro Gilmar Mendes votou pelo trancamento da ação
penal. Disse S. Exa.: “Assim, na linha do precedente firmado no RHC 43.396/RS, é de se
reconhecer a ocorrência de constrangimento ilegal nos autos. Tendo em vista a confir-
mação inicial do depoimento de César (inequivocamente contrário à declaração pres-
tada no documento), o teor constante do documento registrado é inócuo para o conven-
cimento do magistrado acerca da autoria ou da materialidade delitiva”.
Na verdade, não há falar, no caso, em potencialidade do efeito danoso, que é
característica do delito de falsidade ideológica.
Assim decidiu esta Turma, no HC 84.440/SP, de minha relatoria, portando o
acórdão a seguinte ementa:
“Ementa: Penal. Processual Penal. Habeas corpus. Uso de documento falso.
Falsidade ideológica. Justa causa. Denúncia.
I - Impossibilidade de ser atribuído aos pacientes o delito de uso de documento
falso, a menos que fosse possível a invocação da responsabilidade objetiva, inad-
missível no Direito Penal brasileiro.
II - Para caracterização do delito de falsidade ideológica, exige-se, ao menos,
que se verifique a potencialidade do efeito danoso, que, no caso, não ficou eviden-
ciada.
III - HC deferido.” (DJ de 8-4-2005)
Do exposto, peço vênia ao eminente Ministro Relator para acompanhar o voto do
não menos eminente Ministro Gilmar Mendes.

EXTRATO DA ATA
HC 85.064/SP — Relator: Ministro Joaquim Barbosa. Paciente: Sérgio Salgado
Ivahy Badaró. Impetrante: Ordem dos Advogados do Brasil (Advogados: Alberto
Zacharias Toron e outro). Coator: Superior Tribunal de Justiça.
Decisão: A Turma, por maioria, deferiu o pedido de habeas corpus, nos termos
do voto do Ministro Gilmar Mendes, vencido o Ministro Relator. Relator para o
R.T.J. — 197 1005

acórdão o Ministro Gilmar Mendes. Declarou-se impedido o Ministro Celso de Mello.


Presidiu este julgamento o Ministro Carlos Velloso. Não votou a Ministra Ellen Gracie.
Presidência do Ministro Celso de Mello. Presentes à sessão os Ministros Carlos
Velloso, Ellen Gracie, Gilmar Mendes e Joaquim Barbosa. Subprocuradora-Geral da
República, Dra. Sandra Verônica Cureau.
Brasília, 13 de dezembro de 2005 — Carlos Alberto Cantanhede, Coordenador.

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO HABEAS CORPUS 85.838 — RS

Relator: O Sr. Ministro Celso de Mello


Embargante: Augusto Paulo Baratto ou Augusto Paulo Barato — Embargado:
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul
Habeas corpus — Embargos de declaração recebidos como recurso
de agravo — Habeas corpus impetrado contra ato do Tribunal de Justiça
do Estado do Rio Grande do Sul — Tribunal que, na organização judiciária
brasileira, não se qualifica como Tribunal Superior — Ausência de compe-
tência originária do Supremo Tribunal Federal para apreciar o presente
habeas corpus — Recurso improvido.
— Após o advento da EC n. 22/1999, não mais compete ao Supremo
Tribunal Federal processar e julgar, originariamente, habeas corpus
impetrado contra ato emanado de Tribunal que não se qualifica, constitu-
cionalmente, como Tribunal Superior.
— A locução constitucional “Tribunais Superiores” abrange, na or-
ganização judiciária brasileira, apenas o Tribunal Superior Eleitoral, o
Superior Tribunal de Justiça, o Tribunal Superior do Trabalho e o Supe-
rior Tribunal Militar.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tri-
bunal Federal, em Segunda Turma, na conformidade da ata do julgamento e das notas
taquigráficas, preliminarmente, por votação unânime, conhecer dos embargos de decla-
ração como recurso de agravo. E, também por unanimidade, a este negou provimento,
nos termos do voto do Relator.
Brasília, 31 de maio de 2005 — Celso de Mello, Presidente e Relator.

RELATÓRIO
O Sr. Ministro Celso de Mello: Trata-se de embargos de declaração opostos a
decisão monocrática, que, com fundamento no art. 102, I, i, da Constituição, na redação
1006 R.T.J. — 197

dada pela EC n. 22/99, reconheceu a absoluta falta de competência originária desta


Suprema Corte para o julgamento de habeas corpus impetrado contra ato emanado de
Tribunal de Justiça, ordenando, em conseqüência, a remessa dos autos ao E. Superior
Tribunal de Justiça.
Inconformada com esse ato decisório, a parte ora recorrente opõe os presentes
embargos de declaração (fls. 129/133), nos quais sustenta a ocorrência do vício da
contradição.
Submeto, à apreciação desta Colenda Turma, os presentes embargos declaratórios.
É o relatório.

VOTO
O Sr. Ministro Celso de Mello (Relator): Conheço, preliminarmente, dos embargos
de declaração como recurso de agravo, na linha da orientação jurisprudencial prevalecente
nesta Suprema Corte (RTJ 145/664 — RTJ 153/834 — AI 243.159-ED/DF, Rel. Min.
Néri da Silveira — AI 243.832-ED/MG, Rel. Min. Moreira Alves, v.g.).
O recurso em questão deve ser improvido, por não assistir razão à parte ora recor-
rente.
É que o Tribunal apontado como coator não se qualifica, constitucionalmente,
como Tribunal Superior.
Não custa relembrar, neste ponto, que a locução constitucional “Tribunais Supe-
riores” abrange, na organização judiciária brasileira, apenas o Tribunal Superior Elei-
toral, o Superior Tribunal de Justiça, o Tribunal Superior do Trabalho e o Superior
Tribunal Militar.
Desse modo, e considerando o que dispõe a norma inscrita no art. 102, I, i, da Carta
da República, na redação que lhe deu a EC n. 22/99, torna-se evidente a absoluta falta
de competência originária desta Suprema Corte, para processar e julgar a presente ação
de habeas corpus.
Sendo assim, em face das razões expostas, nego provimento a este recurso de
agravo e determino a remessa destes autos ao E. Superior Tribunal de Justiça.
É o meu voto.

EXTRATO DA ATA
HC 85.838-ED/RS — Relator: Ministro Celso de Mello. Embargante: Augusto
Paulo Baratto ou Augusto Paulo Barato (Advogado: Waldir de Oliveira Moreira).
Embargado: Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul.
Decisão: A Turma, preliminarmente, por votação unânime, conheceu dos embargos
de declaração como recurso de agravo. E, também por unanimidade, a este negou provi-
mento, nos termos do voto do Relator.
Presidência do Ministro Celso de Mello. Presentes à sessão os Ministros Carlos
Velloso, Ellen Gracie, Gilmar Mendes e Joaquim Barbosa. Compareceu à Turma o
R.T.J. — 197 1007

Ministro Nelson Jobim, Presidente do Tribunal, a fim de julgar processo a ele vinculado,
assumindo, nesta ocasião, a Presidência da Turma, de acordo com o art. 148, parágrafo
único, RISTF. Subprocurador-Geral da República, Dr. Francisco Adalberto da Nóbrega.
Brasília, 31 maio de 2005 — Carlos Alberto Cantanhede, Coordenador.

HABEAS CORPUS 86.049 — SP

Relator: O Sr. Ministro Eros Grau


Paciente: Maria Cecília Telloli — Impetrantes: Mário de Oliveira Filho e outro —
Coator: Colégio Recursal Criminal da Comarca de São Paulo
Habeas corpus. Crime de injúria. Decadência: inocorrência. Com-
plexidade da matéria. Submissão ao rito ordinário: não-obrigatoriedade.
Ausência de justa causa: improcedência.
1. Crime de injúria. Ofensas irrogadas entre os dias 11 de fevereiro
e 3 de abril de 2004. Queixa-crime oferecida em 17-6-2004, com arrimo
em degravação providenciada pelos querelantes. Alegação de decadência,
fundada em que o laudo oficial de degravação do conteúdo das fitas pas-
sou a integrar os autos somente em 25-10-2004, após o transcurso do
prazo decadencial de seis meses. Improcedência: o § 1º artigo 77 da Lei n.
9.099/95 dispensa, no momento do oferecimento da acusação, a prova
pericial comprobatória da materialidade delitiva, bastando a presença
de prova equivalente.
2. O reconhecimento de complexidade da matéria não significa, ne-
cessariamente, submissão ao rito ordinário, notadamente quando o Juiz
afirma que a controvérsia pode ser dirimida no rito estabelecido pela Lei
n. 9.099/95.
3. É improcedente a alegação de falta de justa causa para a ação penal
quando evidenciada, pelas degravações, a prática, em tese, do crime de
injúria.
Ordem denegada.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turma
do Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence, na
conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos,
indeferir o pedido de habeas corpus.
Brasília, 27 de setembro de 2005 — Sepúlveda Pertence, Presidente —Eros Grau,
Relator.
1008 R.T.J. — 197

RELATÓRIO
O Sr. Ministro Eros Grau: Atribui-se ao Colégio Recursal Criminal de São Paulo
constrangimento ilegal por ter denegado habeas corpus em que a paciente sustentou (i)
a extinção da punibilidade, pela decadência do direito de queixa, (ii) a ausência de justa
causa para a ação penal e, (iii) considerada a complexidade do caso, a submissão do
processo ao rito ordinário.
2. A paciente está respondendo penalmente pela suposta prática do crime de injúria
(CP, art. 40).
3. Quanto ao primeiro fundamento da impetração — decadência do direito de
queixa —, os impetrantes afirmam que os fatos pretensamente ofensivos ocorreram em
duas oportunidades: 11 de fevereiro e 3 de abril de 2004. A queixa-crime foi protocolada
em 17 de junho de 2004, mas somente passou a ter “alicerce jurídico de fundo fático em
25 de outubro de 2004”, quando foi providenciado o laudo oficial, vez que o laudo feito
antes por perito particular não teria sido aceito pelo Ministério Público. Daí o transcurso
de lapso superior a seis meses entre fevereiro e outubro, do que resulta a extinção da
punibilidade pela decadência do direito de queixa.
4. No que tange à falta de justa causa, sustentam inexistir indícios da autoria nas
fitas transcritas e juntadas aos autos.
5. O último argumento diz com a necessidade de submissão do caso ao rito ordinário,
na forma do artigo 77, § 3º, da Lei n. 9.099/95, dada a complexidade da matéria, reconhe-
cida pelo juiz de primeira instância, ao consignar: “fica decidido desde logo que a ação
penal seguirá — aliás, como vem sendo feito, o rito especial da Lei 9.099/95, pese a
complexidade fática do caso”.
6. Os impetrantes formulam pedido alternativo, no sentido de que seja decretada a
extinção da punibilidade, pela decadência, ou de que seja determinada a observância do
rito ordinário.
7. O Ministério Público Federal manifesta-se pela denegação da ordem.
É o relatório.

VOTO
O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Adoto como razão de decidir o consignado no
parecer da lavra do Subprocurador-Geral da República Edson Oliveira de Almeida:
“3. Os impetrantes entendem ter ocorrido decadência, pois a inicial teria sido
instruída com laudo pericial particular e, somente após decorrido o prazo
decadencial, é que foi juntado aos autos a perícia oficial. Aduzem, ainda, que a
complexidade do caso exige a adoção do rito ordinário.
4. Não assiste razão a eles.
5. Não há constrangimento ilegal algum advindo da adoção do rito especial
da Lei 9099/95 no caso em apreço. Como dispõe o § 3º do artigo 771 da referida
1 Seção III
Do Procedimento Sumaríssimo
R.T.J. — 197 1009

lei, a remessa de peças ao juízo comum somente será procedida se a complexidade


e as circunstâncias do caso recomendarem a adoção do procedimento previsto no
CPP. Tal providência, como prevê o dispositivo, cabe ao juiz, que, no caso em
apreço, decidiu fundamentadamente pela inexigibilidade da adoção do procedi-
mento comum:
‘(...)
2 - Com efeito, fica decidido desde logo que a ação penal seguirá –
como aliás vem sendo feito – o rito especial da Lei 9099/95, pese a comple-
xidade fática do caso.
Enganam-se data vênia aqueles que supõem estreitamento da ampla
defesa na adoção desse rito especial, marcado predominantemente pela
celeridade, simplicidade e informalidade, entre outros atributos (artigo 2º da
referida Lei).
Muito ao contrário, esse rito especial, preconizado como modelo no
projeto do novo Código de Processo Penal, traz algumas inovações extrema-
mente benéficas ao direito de defesa, como, por exemplo, a própria defesa
preliminar, o interrogatório ao final da instrução, etc.
Nem se alegue que a ausência de algumas incidências procedimentais
do rito ordinário, não previstas no rito do Jecrim – como, por exemplo, os
artigos 499 e 500 do CPP – seria capaz de trazer algum prejuízo à Defesa.
Assim é que, ocorrendo qualquer uma das hipóteses ali retratadas, o
Juiz poderá excepcionalmente, converter o julgamento em diligência e orde-
nar a produção da prova que se fizer necessária. Também, no mesmo
diapasão, poderá conceder às partes prazo para alegações finais escritas.
Aplicam-se, igualmente, as regras da emendatio libelli e mutatio
libelli, tratadas, às expressas, no CPP, pois não se abdica, mesmo no Jecrim,
do princípio da simetria entre acusação e sentença.

Art. 77. Na ação penal de iniciativa pública, quando não houver aplicação de pena, pela ausência
do autor do fato, ou pela não ocorrência da hipótese prevista no art. 76 desta Lei, o Ministério Público
oferecerá ao Juiz, de imediato, denúncia oral, se não houver necessidade de diligências imprescindí-
veis.
§ 1º Para o oferecimento da denúncia, que será elaborada com base no termo de ocorrência referido
no art. 69 desta Lei, com dispensa do inquérito policial, prescindir-se-á do exame do corpo de delito
quando a materialidade do crime estiver aferida por boletim médico ou prova equivalente.
§ 2º Se a complexidade ou circunstâncias do caso não permitirem a formulação da denúncia, o
Ministério Público poderá requerer ao Juiz o encaminhamento das peças existentes, na forma do
parágrafo único do art. 66 desta Lei.
§ 3º Na ação penal de iniciativa do ofendido poderá ser oferecida queixa oral, cabendo ao Juiz
verificar se a complexidade e as circunstâncias do caso determinam a adoção das providências previstas
no parágrafo único do art. 66 desta Lei.
Art. 66.
(...)
Parágrafo único. Não encontrando o acusado para ser citado, o Juiz encaminhará as peças existentes
ao Juízo comum para adoção do procedimento previsto em lei.
1010 R.T.J. — 197

Por tudo isso é que se adota, com pequenas alterações – as quais, a meu
ver, mais reforçam a ampla defesa – o rito do Jecrim.’
6. Descabe razão aos Impetrantes também no que se refere à alegada deca-
dência pela apresentação do laudo dos peritos oficiais realizado após o prazo de
seis meses. O parágrafo 1º do mesmo art. 77 dispensa, no momento do oferecimento
da acusação, a prova pericial comprobatória da materialidade delitiva, bastando a
presença de ‘prova equivalente’. Comentando o artigo em questão lecionam Ada
Pellegrini Grinover et alii2:
‘A Lei 9.099/95 também expressamente dispensa o exame de corpo de
delito, para oferecimento da denúncia, quando a materialidade do crime
estiver aferida por boletim médico ou prova equivalente.
Note-se bem que a dispensa da prova pericial comprobatória da mate-
rialidade delitiva é restrita ao momento do oferecimento da acusação. Não
estão revogados os arts. 158 e 564, III, b, CPP, que prevêem a indispensabili-
dade do exame do corpo de delito, sob pena de nulidade do processo, nas
infrações que deixam vestígios. Desse modo, embora possa o MP servir-se
inicialmente do boletim médico ou prova equivalente, será necessária a rea-
lização do exame e a juntada do laudo aos autos, antes da sentença final.’
7. Há, inclusive, entendimento no sentido de que o exame de corpo de delito
pode ser dispensado até mesmo para efeito de sentença, caso os elementos
probatórios da prova equivalente ou do boletim médico não tenham sido contesta-
dos pela defesa, assim como não o foram no caso em apreço: HC 79.264-MG,
relator Min. Sydney Sanches, DJU de 25.02.2000.”
2. Por fim, não prospera a alegação de falta de justa causa fundada na indefinição
quanto à autoria, porquanto as degravações revelam ser a paciente autora das expressões
injuriosas.
Denego a ordem.

EXTRATO DA ATA
HC 86.049/SP — Relator: Ministro Eros Grau. Paciente: Maria Cecília Telloli.
Impetrantes: Mário de Oliveira Filho e outro. Coator: Colégio Recursal Criminal da
Comarca de São Paulo.
Decisão: A Turma indeferiu o pedido de habeas corpus. Unânime. Não participou
deste julgamento o Ministro Marco Aurélio.
Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à sessão os Ministros Marco
Aurélio, Cezar Peluso, Carlos Britto e Eros Grau. Subprocurador-Geral da República, Dr.
Wagner de Castro Mathias Netto.
Brasília, 27 de setembro de 2005 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.

2 Juizados especiais criminais: comentários à Lei 9.099, de 26-9-1995. 4. ed. São Paulo: Ed. Revista
dos Tribunais, 2002.
R.T.J. — 197 1011

RECURSO EM HABEAS CORPUS 86.072 — PR

Relator: O Sr. Ministro Eros Grau


Recorrente: Roberto Berger — Recorrido: Ministério Público Federal
Recurso ordinário em habeas corpus. Não-recolhimento de contri-
buição previdenciária. Ausência de dolo específico. Abolitio criminis.
Inocorrência. Dificuldade financeira. Matéria probatória.
1. O artigo 3º da Lei n. 9.983/2000 apenas transmudou a base legal
da imputação do crime da alínea d do artigo 95 da Lei n. 8.212/1991 para
o artigo 168-A do Código Penal, sem alterar o elemento subjetivo do tipo,
que é o dolo genérico. Daí a improcedência da alegação de abolitio
criminis ao argumento de que a lei mencionada teria alterado o elemento
subjetivo, passando a exigir o animus rem sibi habendi.
2. A pretensão visando o reconhecimento de inexigibilidade de
conduta diversa, traduzida na impossibilidade de proceder-se ao reco-
lhimento das contribuições previdenciárias, devido a dificuldades finan-
ceiras, não pode ser examinada em habeas corpus, por demandar reexame
das provas coligidas na ação penal.
Recurso ordinário em habeas corpus a que se nega provimento.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turma
do Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence, na
conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos,
negar provimento ao recurso ordinário em habeas corpus.
Brasília, 16 de agosto de 2005 — Sepúlveda Pertence, Presidente — Eros Grau,
Relator.

RELATÓRIO
O Sr. Ministro Eros Grau: Trata-se de recurso ordinário contra acórdão do Superior
Tribunal de Justiça, assim ementado:
“Habeas corpus. Processual Penal. Crime de apropriação indébita de con-
tribuição previdenciária. Advento da Lei n. 9.983/2000. Inclusão do art. 168-A
no Código Penal. Dolo específico. Animus rem sibi habendi. Comprovação des-
necessária. Inexigibilidade de conduta diversa. Dilação do conjunto probatório.
Impropriedade. Alegação de inépcia da denúncia e nulidade da dosimetria da
pena aplicada. Impossibilidade de exame em razão da deficiente instrução do
feito pela parte interessada. Abolitio criminis. Não ocorrência. Precedentes do
STJ.
1. O crime previsto no art. 95, alínea d, da Lei n. 8.212/1991, revogado com
o advento da Lei n. 9.983/2000, que tipificou a mesma conduta no art. 168-A, do
Código Penal, consuma-se com o simples não-recolhimento das contribuições
previdenciárias descontadas dos empregados no prazo legal.
1012 R.T.J. — 197

2. O dolo do crime de apropriação indébita de contribuição previdenciária é


a vontade de não repassar à previdência as contribuições recolhidas, dentro do
prazo e das formas legais, não se exigindo o animus rem sibi habendi, sendo,
portanto, descabida a exigência de se demonstrar o especial fim de agir ou o dolo
específico de fraudar a Previdência Social, como elemento essencial do tipo penal.
3. O Tribunal a quo, soberano na análise das circunstâncias fáticas da causa,
afastou o argumento da inexigibilidade de conduta diversa, em virtude das difi-
culdades financeiras enfrentadas pela empresa. Sendo assim, entender de modo
diverso demandaria o reexame do conjunto probatório dos autos, o que é vedado
nesta via mandamental.
4. Quanto às alegações de inépcia da denúncia e de nulidade da dosimetria
da pena imposta ao ora paciente, tem-se, também, que não há como, na hipótese,
apreciar tais vicissitudes, porque, consoante se depreende da acurada leitura dos
autos, o feito foi deficientemente instruído pela parte interessada, consubstanciado
na falta de juntada da cópia da peça inicial acusatória e da sentença penal conde-
natória.
5. O art. 3º, da Lei n. 9.983/2000, não descriminalizou o delito tipificado no art.
95, alínea d, da Lei n. 8.212/1991, porquanto o tipo penal – ‘deixar de recolher’ –
não sofreu qualquer alteração substancial com o advento da nova legislação. Resta,
portanto, afastada a tese de abolitio criminis pois a figura penal permaneceu intacta,
em essência, no período de vigência das Leis n. 8.137/1990 e 8.212/1991.
6. Precedentes do STJ.
7. Ordem parcialmente concedida e, nessa parte, denegada.”
2. O recorrente foi condenado a 3 (três) anos e 15 (quinze) dias de reclusão pela
prática do crime tipificado no artigo 168-A, I, c/c o artigo 71, ambos do Código Penal,
por não recolher contribuições previdenciárias no período de maio de 1994 a julho de
1995. Aduz que a Lei vigente à época dos fatos (Lei n. 8.212/91) não exigia o dolo
específico de apropriar-se o empregador das referidas contribuições, ao contrário da Lei
n. 9.983/2000, que, ao tipificar a mesma conduta no artigo 168-A do Código Penal,
passou a requerê-lo (dolo específico), sendo, portanto, lei benéfica cuja retroação deve
operar para abolir a conduta delituosa, tendo em vista que o recorrente não agiu com o
animus rem sibi habendi.
3. Sustenta, de outra parte, que deixou de recolher as contribuições não com o
interesse de apropriar-se delas indevidamente, “mas por dificuldades financeiras da
empresa, face a elevada carga tributária, e as constantes retrações da economia, e seus
efeitos na desestabilização do meio comercial”. Defende o exame da prova pré-consti-
tuída em habeas corpus, nos limites da descrição do fato, a fim de demonstrar força
maior para não repassar as contribuições ao INSS.
4. Requer a reforma do acórdão impugnado a fim de que seja concedida a ordem.
Alternativamente, a absolvição por inconsistência da acusação.
5. Contra-razões (fls. 352/359).
6. O Ministério Público Federal opina pelo não-provimento.
É o relatório.
R.T.J. — 197 1013

VOTO
O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Damásio Evangelista de Jesus1 observa, a res-
peito do artigo 168-A do Código Penal, com a redação dada pela Lei n. 9.983/00, que
“Assemelhando-se à alínea d do art. 95 da Lei n. 8.212, de 24 de julho de 1991,
revogada, dela difere porque a atual expressão ‘no prazo legal’ é de melhor compleição
técnica”. Extrai-se desta assertiva que os elementos constitutivos do tipo são idênticos,
decorrendo daí a improcedência da pretensão de atipicidade, ao argumento de que a Lei
n. 8.212/81 não previa o animus rem sibi habendi e a Lei n. 9.983/00 passou a exigi-lo,
de modo que o recorrente deveria ser beneficiado com a retroação desta última.
2. Pertinente, no ponto, a manifestação da PGR, ancorada em precedentes desta
Corte, no sentido de que “o art. 3º da Lei 9.983/2000 apenas transmudou a base legal de
imputação para o Código Penal, continuando a sua natureza especial em relação à apro-
priação indébita simples, prevista no art. 168 do CP”. (Despacho do Ministro Marco
Aurélio no RE n. 408.363/SC, DJ de 28-4-2005, e decisão da Segunda Turma, no HC n.
84.021/SC, Relator o Ministro Celso de Mello, acórdão não publicado.
3. O elemento subjetivo do crime de apropriação indébita previdenciária, tanto na
lei revogada quando na revogadora, é o dolo genérico. A simples ausência de repasse das
contribuições é bastante a configurar o delito, não se exigindo a finalidade específica de
apropriar-se o réu da receita previdenciária (cf., a propósito, o HC n. 76.978-1, 2ª Turma,
sendo Relator o Ministro Maurício Corrêa, DJ de 19-2-99, e o HC n. 84.589, 2ª Turma,
sendo Relator o Ministro Carlos Velloso).
4. No que tange à alegação de que a empresa não efetuou o repasse em virtude de
dificuldades financeiras, bem assim a inconsistência da prova, tais questões são
insuscetíveis de exame no rito estreito do habeas corpus, ainda que se trate de prova pré-
constituída, como afirmado nas razões recursais. O recorrente pretende que esta Corte
examine certidão de 1.389 protestos de títulos (fl. 294); certidão descritiva de todos os
protestos (fls. 328/424); balanços contábeis de 1993 a 1996 (fls. 295/316); balanço
contábil de 1997 (fls. 425/430); empréstimos e financiamentos relacionados nos passivos
circulantes ou de curto prazo e nos passivos exigíveis de longo prazo, nos balanços de
1993 a 1997; declaração de inatividade da empresa desde 6-11-1998 (fl. 431); sentença
que decreta a falência da empresa (fls. 317/323); relação dos bens da empresa que foram
penhorados; interrogatórios e provas testemunhais.
5. Ora, para chegar-se a entendimento contrário ao que chegou o Juiz de primeira
instância, é imprescindível reexaminar-se o complexo acervo probatório que ele teve
por insuficiente para afastar a conduta delituosa, o que não é possível em habeas corpus,
restando, a tanto, a via da apelação e a revisional.
Nego provimento ao RHC.

1 Código Penal Anotado. 12. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 623.
1014 R.T.J. — 197

VOTO
O Sr. Ministro Carlos Britto: Sr. Presidente, gostei dessa tese de que não basta pré-
constituir a prova; quando se tratar de matéria extremamente complexa como esta, a via
do habeas corpus se torna inadequada.
Acompanho o Relator.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Senhor Presidente, eis a premissa básica do tipo:
efetuou-se um pagamento, procedendo-se a desconto, e deixou-se de recolher. Por isso é
que o Supremo sempre resistiu à discussão da saúde, ou não, da empresa para, não
efetuado o recolhimento, ter-se como configurado, ou não, o tipo penal.
Reconheço que, considerada a ordem natural das coisas, às vezes só se conta com
o numerário para se satisfazer o salário, não para depois recolher a contribuição ao
Instituto Nacional do Seguro Social. Mas, formalmente, satisfaz-se o salário na totalidade
e aponta-se, no recibo, que parte é retida para recolhimento.
Ante as balizas da norma penal, acompanho o Relator, desprovendo o recurso.

EXTRATO DA ATA
RHC 86.072/PR — Relator: Ministro Eros Grau. Recorrente: Roberto Berger
(Advogados: Sebastião José Lessa e outro). Recorrido: Ministério Público Federal.
Decisão: A Turma negou provimento ao recurso ordinário em habeas corpus.
Unânime.
Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à sessão os Ministros Marco
Aurélio, Cezar Peluso, Carlos Britto e Eros Grau. Subprocurador-Geral da República, Dr.
Paulo de Tarso Braz Lucas.
Brasília, 16 de agosto de 2005 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.

HABEAS CORPUS 86.093 — SP

Relator: O Sr. Ministro Eros Grau


Paciente: Dorival Franco de Godoy Neto ou Dorival Franco de Godoi Neto —
Impetrante: PGE/SP – Patrícia Helena Massa Arzabe (Assistência Judiciária) — Coator:
Superior Tribunal de Justiça
Habeas corpus. Falta grave. Perda dos dias remidos.
O Pleno desta Corte reafirmou o entendimento de que a prática de
falta grave implica a perda dos dias remidos pelo trabalho.
Ordem denegada.
R.T.J. — 197 1015

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turma
do Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence, na
conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por maioria de votos,
indeferir o pedido de habeas corpus.
Brasília, 23 de agosto de 2005 — Sepúlveda Pertence, Presidente — Eros Grau,
Relator.

RELATÓRIO
O Sr. Ministro Eros Grau: A Procuradora do Estado de São Paulo, Patrícia Helena
Massa Arzabe, atuando como Defensora Pública, impetra habeas corpus, com pedido
de liminar, contra ato do Superior Tribunal de Justiça consubstanciado na decisão que
deu provimento a recurso especial, interposto pelo Ministério Público, para decretar a
perda dos dias remidos do paciente em virtude de falta grave durante o cumprimento da
pena.
2. Alega:
(i) que o artigo 118 da LEP dispõe que “A execução da pena privativa de liberdade
ficará sujeita à forma regressiva, com a transferência para qualquer dos regimes mais
rigorosos (...)”, de modo que não impõe, mas possibilita, descaracterizando, assim, a
perda do direito como efeito automático da norma;
(ii) que o STJ desrespeitou direito adquirido, conforme previsto no artigo 129 e
seu parágrafo único da LEP1;
(iii) que, se considerada a natureza jurídica da perda dos dias remidos como efeito
automático da aplicação de sanção disciplinar, há afronta ao preceito da Constituição do
Brasil que ampara o direito ao trabalho como garantia fundamental; se a natureza for de
pena acessória, haverá necessidade de motivação, na forma prevista no artigo 57 da LEP2;
(iv) por fim, argumenta ser “irracional e irrazoável que, tomados dois apenados
sancionados por falta grave num mesmo contexto, aquele que não se dispôs a trabalho
algum sofra apenas a sanção administrativa e o outro que, diligentemente, trabalhou
seguidamente por três anos — contando com um de remição de pena por trabalho, e está
próximo de expiar a pena remanescente, receba, além da sanção administrativa, a perda
da totalidade da pena cumprida pelo trabalho”.
3. Requer a concessão da ordem para cassar o acórdão do STJ, a fim de que seja
restabelecido o direito do paciente aos dias remidos pelo trabalho.

1 Art. 129. A autoridade administrativa encaminhará mensalmente ao Juízo da Execução cópia do


registro de todos os condenados que estejam trabalhando e dos dias de trabalho de cada um deles.
Parágrafo Único. Ao condenado dar-se-á relação de seus dias remidos.
2 Art. 57. Na aplicação das sanções disciplinares, levar-se-ão em conta a natureza, os motivos, as
circunstâncias e as conseqüências do fato, bem como a pessoa do faltoso e seu tempo de prisão.
1016 R.T.J. — 197

4. A liminar foi indeferida.


5. O parecer do Ministério Público Federal é pelo indeferimento do pedido.
É o relatório.
VOTO (Antecipação)
O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Sr. Presidente, não obstante a bela sustentação da
Defensora Pública, Dra. Patrícia Helena Massa Arzabe — que foi minha aluna no Curso de
Bacharelado e no Curso de Pós-Graduação, na Faculdade de Direito do Largo de São
Francisco, muito me alegra ver o desempenho da função, pela doutora —, denego a ordem.

VOTO
O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): O Pleno desta Corte reafirmou, recentemente
(em 23-6-2005), o entendimento de que a prática de falta grave implica a perda dos dias
remidos pelo trabalho, afastando, desse modo, a alegação de ofensa a direito adquirido
(RE n. 452.994, Relator originário o Ministro Marco Aurélio, sendo Relator para o
acórdão o Ministro Sepúlveda Pertence). Na ocasião, o Ministro Marco Aurélio votou
pela inconstitucionalidade do artigo 127 da Lei de Execuções Penais, por entender que
os dias remidos integram o patrimônio do preso. Prevaleceu, contudo, o fundamento do
voto divergente do Ministro Sepúlveda Pertence, no sentido de que na hipótese não há
direito adquirido, já que a condição para conquistá-lo é o não-cometimento de falta
grave durante o cumprimento da pena.
2. Cumpre enfatizar que o direito à remição subordina-se à condição e ao termo, de
modo que a subtração de 1/3 da pena por dia trabalhado somente se incorpora ao
patrimônio jurídico do condenado ao final do cumprimento da reprimenda, caso não
cometa falta grave. É o que ocorre, v.g., com o livramento condicional, que está sujeito
à condição resolutiva. O que há, na verdade, é mera expectativa de direito. Trata-se de
medida de política criminal voltada à reinserção do indivíduo na sociedade e à abreviação
do cumprimento de sua pena.
3. Por outro lado, não há consistência jurídica na alegação de desproporcionali-
dade, à consideração de que a punição alcançaria, de igual modo, os presos que não se
sujeitaram ao trabalho e aqueles que laboraram. A razão é simples: a norma extraída do
artigo 127 é dirigida, de forma isonômica, somente àqueles que têm expectativa de remir
a pena pelos dias já trabalhados.
4. Por fim, em se tratando de perspectiva de direito, como já salientado, a perda dos
dias remidos não ofende o preceito constitucional relativo à dignidade do trabalho, eis
que o direito à redução da pena é condicionado à abstinência de falta grave.
Denego a ordem.
VOTO
O Sr. Ministro Carlos Britto: Sr. Presidente, também registro e consigno o excelente
desempenho da Defensora Pública, Dra. Patrícia Helena Massa Arzabe, mas continuo me
alinhando à jurisprudência da Casa, agora confirmada no voto do Ministro Relator.
Denego a ordem.
R.T.J. — 197 1017

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Senhor Presidente, temos o envolvimento de dois


institutos: o da regressão, quanto ao regime de cumprimento da pena, e o da remição,
considerados os dias trabalhados e, portanto, o que se contém no artigo 126 da Lei de
Execução Penal.
Causa-me certa perplexidade a notícia de que o Juízo examinou-os tendo em conta
as peculiaridades do caso. A decisão foi impugnada mediante recurso, e o Tribunal local
confirmou o que decidido. Manuseou o Ministério Público o recurso especial que,
sabidamente, revela uma via muito estreita para ter-se a reapreciação da matéria, mor-
mente quando esse reexame se faz a partir das balizas constantes do acórdão impugnado,
sendo defeso a substituição das premissas fáticas.
Qual teria sido a base para concluir-se, diante do exame — repito — das peculiari-
dades do caso, nas duas instâncias, pelo enquadramento do recurso especial em um dos
permissivos do inciso III do artigo 105 da Constituição Federal? Simplesmente a juris-
prudência, entendendo-se que o enfoque é linear quanto à regressão, pouco importando
as particularidades do caso no tocante à perda dos dias remidos? Esse dado causa-me
perplexidade.
Não vislumbro, em situação concreta na qual se decide não caber a regressão rela-
tivamente ao regime de cumprimento da pena, como chegar-se à admissibilidade do
especial, ao conhecimento desse mesmo especial e provimento, para reformar-se o que
decidido pelo Tribunal de origem, em confirmação do pronunciamento primeiro do Juízo.
Por isso, penso que o caso apresenta, sim, dados que não são aqueles que serviram
ao Plenário para concluir que se mostra harmônico com a Lei Fundamental o artigo 127
da Lei de Execução Penal.
Não há a menor dúvida, Senhor Presidente, de que a ordem jurídica revela que a
remição e também a regressão serão declaradas e objetos de crivo pelo Juízo da execução.
Isso ocorreu, no caso, ouvido o Ministério Público. Não se tem uma automaticidade
maior, como que se batendo carimbo e generalizando-se as hipóteses. Há de haver,
realmente, o julgamento, sob pena de se cometer até mesmo injustiça, igualizando-se
situações diversas, considerado o envolvimento na prática, rotulada como falta grave, e
a própria pessoa do condenado, que está a cumprir a pena.
Senhor Presidente, sem rediscutir a constitucionalidade — não posso fazê-lo no
âmbito da Turma — do mencionado artigo 127 e, também, do artigo que cogita da
regressão, peço vênia para conceder a ordem e entender que, havendo sido sopesadas as
circunstâncias que envolviam o paciente, o cometimento da falta grave, não poderia o
Superior Tribunal de Justiça, como que afastando as premissas do acórdão impugnado
mediante o especial, dele conhecer e o prover para, no caso, determinar a regressão e
também a perda dos dias remidos.
Concedo a ordem.
O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Sr. Presidente, se me permite uma observação:
nesse habeas corpus a questão da admissibilidade do especial não foi cogitada. Esta a
observação que gostaria de fazer. A concessão seria, então, de ofício.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Concedo a ordem, de ofício.
1018 R.T.J. — 197

VOTO
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presidente): Peço vênia ao eminente Ministro
Marco Aurélio para acompanhar o voto do Relator.
Declarada a inconstitucionalidade do artigo 127 da Lei de Execução Penal e,
então, repelidos pelo Plenário os argumentos expostos, agora, com tanto brilho, pela
ilustre Defensora Pública do Estado de São Paulo, não vejo como rever ementa que diz
violado, exatamente a validade do mesmo artigo 127, que declaramos constitucional no
RE n. 452.994.
O Sr. Ministro Marco Aurélio:A premissa do acórdão de origem foi a inconstituciona-
lidade do artigo 127?
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presidente): Não, apenas se aplicou o artigo 127.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Aqui, digo do Tribunal de Justiça.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presidente): Isso não sei. Tenho a ementa trans-
crita no parecer, na qual se dá por violado o artigo 127, que, no que preceitua a comissão
de falta grave implica a perda dos dias remidos, foi declarada constitucional pelo Plenário.
Com todas as vênias, indefiro o habeas corpus.

EXTRATO DA ATA
HC 86.093/SP — Relator: Ministro Eros Grau. Paciente: Dorival Franco de Godoy
Neto ou Dorival Franco de Godoi Neto. Impetrante: PGE/SP – Patrícia Helena Massa
Arzabe (Assistência Judiciária). Coator: Superior Tribunal de Justiça.
Decisão: Por maioria de votos, a Turma indeferiu o pedido de habeas corpus;
vencido o Ministro Marco Aurélio, que o deferia, de ofício. Falou pelo paciente a Dra.
Patrícia Helena Massa Arzabe, Procuradora do Estado de São Paulo.
Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à sessão os Ministros Marco
Aurélio, Cezar Peluso, Carlos Britto e Eros Grau. Subprocurador-Geral da República, Dr.
Eitel Santiago de Brito Pereira.
Brasília, 23 de agosto 2005 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.

HABEAS CORPUS 86.160 — SP

Relator: O Sr. Ministro Eros Grau


Paciente: Walmir José Castro da Rocha — Impetrantes: Antônio Sérgio Altieri de
Moraes Pitombo e outro — Coator: Superior Tribunal de Justiça
Habeas corpus. Depositário fiel de bens penhorados para garantia
da execução. Contrato de venda das cotas da sociedade. Transferência do
encargo ao adquirente: impossibilidade. Omissão do juiz em apreciar o
pedido de desoneração. Intimação por edital sem o esgotamento de esforços
para a intimação pessoal. Defeito formal. Invalidade.
R.T.J. — 197 1019

1. O encargo de depositário fiel de bens penhorados para garantia


da execução não é transferível, por ato de livre disposição das partes, ao
adquirente das cotas da sociedade comercial pertencentes ao paciente. A
omissão do juiz em decidir sobre o pedido de exoneração, fundado na dita
transferência, não desonera o paciente, que dispunha de outros meios
para obter o pronunciamento judicial.
2. A circunstância de o paciente encontrar-se em férias no Sul do
País, certificada pelo oficial de justiça quando da intimação pessoal para
a entrega dos bens sob depósito, não justifica a intimação por edital, que,
além disso, está em desacordo com a regra do artigo 225 do CPC, na
medida em que o nome do paciente foi grafado incorretamente.
Ordem concedida, em parte.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turma
do Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence, na
conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos,
deferir o pedido de habeas corpus, nos termos do voto do Relator.
Brasília, 23 de agosto de 2005 — Sepúlveda Pertence, Presidente — Eros Grau,
Relator.
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Eros Grau: Adoto como relatório a parte expositiva do parecer da
Subprocuradora-Geral da República Cláudia Sampaio Marques:
“1. Trata-se de Habeas Corpus impetrado em benefício de Walmir José Castro
da Rocha contra acórdão da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, que
denegou a ordem requerida nos termos da seguinte ementa (fl. 729):
‘Prisão Civil. Depositário infiel. Penhora. Citação por edital.
I – Não é ilegal o decreto de prisão civil de depositário judicial que não
apresenta os bens dados em penhora quando requerido pelo Juízo, nem paga
o equivalente em dinheiro.
II – A transferência das cotas sociais da empresa não desobriga o depo-
sitário, uma vez que o encargo não é transferível por ato de disposição da
parte.
III – Em princípio, a prisão civil só deve ser decretada depois da comu-
nicação pessoal do depositário. Contudo, demonstrada a má-fé na sua escusa,
pode a intimação ser feita via edital.
IV – Ordem de habeas corpus denegada.’
2. Segundo consta da inicial, Bradesco Seguros S.A. propôs ação de execução
contra a Transportadora Volta Redonda S.A., visando receber valor relativo a notas
de seguro devolvidas por falta de pagamento. Em setembro de 1988 e fevereiro de
1994 foram lavrados atos de penhora em que o paciente figurava como fiel depo-
sitário, porquanto sócio da empresa Rocha S.A. Participações, detentora de 96,8%
1020 R.T.J. — 197

das ações ordinárias e preferenciais da Transportadora Volta Redonda S.A. Em


março de 1999, a empresa Rocha S.A. Participações alienou toda sua participação
acionária na Transportadora Volta Redonda S.A. a Clayton Souza Pereira, que se
obrigou a substituir todas as garantias reais e pessoais já ofertadas, inclusive as de
depositário fiel. Em janeiro de 2000, o paciente notificou extrajudicialmente o
comprador e atual administrador da Transportadora Volta Redonda S/A e ainda
requereu em juízo sua dispensa da condição de depositário fiel, sem, contudo, ter
havido decisão judicial a respeito.
3. Em virtude da exeqüente não ter promovido o regular andamento da ação,
o MM. Juiz de primeiro grau decretou a extinção do feito. A sentença foi objeto de
apelo, que veio a ser provido, dando-se prosseguimento à ação de execução. O Juiz
determinou a intimação do paciente para apresentação dos bens penhorados, sem
antes, mais uma vez, analisar qualquer documento constante dos autos. Pelo fato
de não ter sido encontrado, houve a citação por edital do paciente. Conforme a
defesa, Walmir José Castro da Rocha não pôde se manifestar nos autos da execução
pelos seguintes motivos: (a) não ser sócio da Transportadora Volta Redonda S/A
desde 25 de março de 1999, (b) ter celebrado contrato que determinava a substi-
tuição das garantias e da condição de depositário fiel e (c) a nulidade da citação
porque o edital publicado no Diário Oficial não continha o nome e a qualificação
da parte requerida.
4. Malgrado todas essas circunstâncias, em novembro de 2002, o Juízo
decretou a prisão civil do paciente, que ao tomar conhecimento da ordem, tão-
somente em agosto de 2004, reiterou o fato de não ostentar mais, desde 1999, a
condição de depositário dos bens e requereu fosse expedido contramandado de
prisão. Indeferida a pretensão, ajuizou a defesa habeas corpus perante o I Tribunal
de Alçada Criminal do Estado de São Paulo. Sem obter êxito, impetrou novo
remédio heróico, tendo o Superior Tribunal de Justiça denegado a ordem por en-
tender que cabia ao paciente, uma vez nomeado depositário judicial, a obrigação
de zelar pelos bens e apresentá-los quando requerido, sendo improcedente a alega-
ção de que vendeu as cotas da empresa e, por isso, os bens penhorados não mais se
encontravam sob sua guarda.
5. Assim postos os fatos, alegam os impetrantes constrangimento ilegal que
decorre, primeiro, da manutenção da ordem de prisão civil sem justa causa, pois
desconsidera ato jurídico perfeito e exige obrigação impossível. Dizem que o
paciente não é acionista da empresa responsável pela garantia da execução desde
1999, quando transferiu a participação acionária da Transportadora Volta Redonda
S/A ao comprador Clayton Souza Pereira, com expressa ressalva de substituição de
todas as garantias, inclusive as de depositário fiel dos bens, não tendo, obviamente,
como entregá-los ao Juízo da execução.
6. Aduzem a inexistência de fundamento para a ordem de prisão, pois se trata
de medida desproporcional e inócua ao seu fim específico e ao próprio escopo da
execução civil, no caso, compelir o paciente, suposto devedor, ao adimplemento
de uma obrigação assumida quando por ela não tem qualquer responsabilidade
desde 1999.
R.T.J. — 197 1021

7. Sustentam, também, nulidade da ordem de prisão por contrariedade ao


devido processo legal e ao contraditório. Afirmam que o paciente jamais foi
pessoalmente intimado para apresentação dos bens nomeados à penhora e o pró-
prio edital de intimação, do qual não consta o nome completo e sua qualificação,
não possibilitou que tomasse ciência do andamento do feito.
8. Argumentam, por fim, em torno da inconstitucionalidade da atacada medida
coercitiva por afronta ao princípio da dignidade da pessoa humana e a disposições
de tratados internacionais.
9. Esperam o deferimento da ordem para que, reconhecida a ausência de justa
causa, a nulidade e a inconstitucionalidade a prisão civil decretada contra o
paciente, seja ordenada a imediata expedição de contramandado de prisão em seu
favor (fls. 02/03).”
2. Deferi a liminar para suspender a execução da medida constritiva até o julga-
mento final do presente writ (fls. 701/702).
3. A PGR é pela denegação da ordem, fundada em que a exoneração do encargo de
depositário fiel não é ato de disposição das partes, mas do juiz. Adverte, ademais, quanto
à possibilidade de fraude contra credor.
É o relatório.

VOTO
O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): A penhora dos bens foi formalizada em 1995,
ficando o paciente como depositário fiel. Em 1999, o paciente vendeu suas cotas da
sociedade, fazendo inserir no contrato cláusula1 dispondo sobre a substituição das ga-
rantias, inclusive a de fiel depositário. Em janeiro de 2000, notificou o adquirente das
ações a que prestasse conta dos bens penhorados. Ato contínuo peticionou ao Juiz da
execução requerendo sua dispensa do encargo.
2. Embora a exoneração da condição de fiel depositário não seja ato de livre
disponibilidade das partes, há, no caso concreto, uma particularidade que torna a prisão
civil abusiva: refiro-me ao fato de o Juiz da execução não ter decidido a propósito da
manifestação formulada pelo paciente, visando a desonerar-se. O Juiz deveria intimar o
exeqüente para anuir ou não em relação ao pedido, ou até mesmo indeferi-lo sumaria-
mente; jamais poderia ser omisso, abstendo-se de decidir.
3. Ademais, não foram observadas as formalidades legais indispensáveis a regular
intimação por edital. Com efeito, o oficial de justiça certificou ter deixado de intimar o

1 Cláusula 8ª — O Comprador presta à vendedora as seguintes declarações e garantias, que afirma


serem exatas, fiéis e corretas:
a) Da substituição das garantias:
O Comprador obriga-se a substituir todas as garantias pessoais, reais e penhoras que tenha sido
prestadas, pelos vendedores, pelos diretores, gerentes e/ou administradores da sociedade e respectivos
cônjuges, em favor da sociedade, inclusive as de depositários fiéis onde constem, de forma a desonerar,
completamente, os antigos acionistas e diretores, no prazo de 90 dias a partir da assinatura do presente
instrumento, prorrogáveis por mais 30 dias caso exista a necessidade.
1022 R.T.J. — 197

paciente em virtude de não tê-lo encontrado em seu endereço, tendo obtido a informação
de que se encontrava em férias no Sul do País.
4. Ora, a circunstância de alguém não ter sido encontrado em seu endereço porque
passa férias em outro lugar não justifica, por si só, a expedição de edital, porquanto não
foram esgotados todos os meios para a intimação pessoal. Ainda que não fosse assim, o
edital não está em conformidade com o disposto no artigo 225 do CPC, que exige os
nomes do autor e do réu, bem como seus respectivos domicílios ou residências. Na
espécie, o nome do paciente foi grafado incorretamente: consta Walmir José da Rocha,
quando deveria constar Walmir José Castro da Rocha.
Concedo a ordem para determinar que se expeça contramandado de prisão.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Ministro Eros Grau, Vossa Excelência não quer ficar
só nessa segunda causa de pedir? Porque, quanto à primeira, tenho sérias dúvidas sobre
se ele teria se desobrigado; logo ele, que era detentor das quotas e as alienou, desconhe-
cendo a própria figura de depositário fiel, e, depois, notificou o comprador para substi-
tuir a garantia. Requereu ao Juízo algo que não poderia ser deferido mesmo, que seria o
afastamento da qualidade do depositário fiel. Agora, o problema do edital é seriíssimo.
O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): É, o problema do edital é muito sério.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Porque ele poderia ter atacado o ato omissivo, até,
do Juiz ao não apreciar o pedido.
O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Pois é, mas ele atacou isso.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: O ato omissivo?
O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Ele se refere ao ato omissivo.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presidente): Não. Ele o ataca agora.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Ataca agora, via habeas corpus.
O Sr. Ministro Carlos Britto: Ele não atacou em termos.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Veja, Vossa Excelência: ele era o depositário fiel.
Alienou as quotas, recebeu; posteriormente, pretendeu ver a assunção da qualidade de
depositário pela empresa cobradora.
O Sr. Ministro Carlos Britto: Não há direito potestativo para sub-rogar por ato
contratual.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Envolvendo o Juízo?
O Sr. Ministro Carlos Britto: É, envolvendo, ou não, o juízo da parte. É pelo segundo
fundamento.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Concedo, Presidente, a partir do vício do edital, e
consigno que o que argumentado...
O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Perdão, quero deixar claro: não foram as quotas
que foram penhoradas, mas bens dessa sociedade.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: E, quando alienou a sociedade, ele deixou esses
bens.
R.T.J. — 197 1023

O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Ele vendeu as quotas.


O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presidente): Sim, claro. Ele foi depositário
porque era o controlador da empresa devedora.
O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): A mim pareceu, num determinado momento,
que o Ministro Marco Aurélio supunha que as quotas é que haviam sido penhoradas.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presidente): Não, não são as quotas.
O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Eram bens, um caminhão.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Quando alienou as quotas, ele esqueceu a qualidade
de depositário e deixou os bens.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presidente): Prefiro, também, não me com-
prometer com a primeira tese, porque me parece difícil de sustentar que o depositário
judicial possa se liberar do encargo por decurso de prazo, quando ele nem provocou o
Juízo pelas vias adequadas para que decidisse, antes de ser preso, obviamente.
O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Antes?
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presidente): Antes do decreto de prisão. Ele
ficou com essa situação indefinida, e isso não libera ninguém do encargo do depósito.
O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Antes do decreto de prisão ele requereu ao Juiz.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presidente): Sim, requereu ao juiz que o dis-
pensasse; o Juiz nem disse sim ou não. Ora, ele aí teria meios de tentar suprir a omissão
do Juízo; agora, reconhecermos que ele se liberou pela omissão do Juízo é que não é
admissível.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Só se pudermos transformar o próprio Juiz em depo-
sitário fiel.
O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Aqui é uma execução de dívida civil. Mas o que
ocorre, especialmente nas situações de execução de dívida fiscal, é que se torna extrema-
mente difícil para o depositário defender-se.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Ministro, ele era o titular da empresa.
O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Não quero me referir a esse caso.
Vou evoluir no sentido de acolher a sua observação. Só quero fazer uma observação
a respeito da dificuldade que o depositário enfrenta, sobretudo nos casos de execução de
dívida fiscal, em função de uma posição antiga do Supremo Tribunal Federal. Em regra
o depositário não tem meios para se defender. Se ele quiser fazer uma prova, por exem-
plo, de que foi desapossado dos bens por fato estranho à sua vontade, não tem como fazer
essa prova.
Com essa observação — nem é o caso, porque aqui não se trata de dívida fiscal —,
vou evoluir no sentido de conceder a ordem, ancorando a concessão da ordem especifi-
camente no defeito da intimação por edital.
O Sr. Ministro Carlos Britto: O que é suficiente.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presidente): Que ele decida com o Juiz.
1024 R.T.J. — 197

EXTRATO DA ATA
HC 86.160/SP — Relator: Ministro Eros Grau. Paciente: Walmir José Castro da
Rocha. Impetrantes: Antônio Sérgio Altieri de Moraes Pitombo e outro. Coator: Superior
Tribunal de Justiça.
Decisão: A Turma deferiu o pedido de habeas corpus, nos termos do voto do
Relator. Unânime.
Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à sessão os Ministros Marco
Aurélio, Cezar Peluso, Carlos Britto e Eros Grau. Subprocurador-Geral da República, Dr.
Eitel Santiago de Brito Pereira.
Brasília, 23 de agosto de 2005 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.

RECURSO EXTRAORDINÁRIO 356.711 — PR

Relator: O Sr. Ministro Gilmar Mendes


Recorrente: Administração dos Portos de Paranaguá e Antonina – APPA —
Recorrido: Josué Rodrigues Gonçalves
Recurso Extraordinário. 2. APPA. Natureza Autárquica. 3. Execução
por precatório. 4. Art. 173. Inaplicabilidade. 5. Recurso extraordinário
conhecido e provido.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribu-
nal Federal, em Segunda Turma, sob a Presidência do Ministro Celso de Mello, na
conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por maioria de votos,
conhecer e dar provimento ao recurso extraordinário, nos termos do voto do Relator.
Brasília, 6 de dezembro de 2005 — Celso de Mello, Presidente — Gilmar Mendes,
Relator.

RELATÓRIO
O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Trata-se de recurso extraordinário interposto com
fundamento no art. 102, III, a, da Constituição Federal, contra acórdão, assim ementado
(fl. 352):
“Autarquia que exerce atividade econômica — Nova redação do art. 173,
§ 1º, da Constituição Federal — Emenda Constitucional n. 19 — Execução direta.
Autarquia que exerce ampla atividade econômica, inclusive em área qua não
se identifica com o serviço e muito menos é de interesse público, como acontece
atualmente com a Administração dos Portos de Paranaguá, sujeita-se ao regime
R.T.J. — 197 1025

próprio das empresas privadas, inclusive quanto às obrigações trabalhistas (art.


173, § 1º, da Constituição Federal), não havendo razão alguma para gozar do
privilégio da execução através de precatório.
Entendimento que se mantém, mesmo após a promulgação da Emenda Cons-
titucional n. 19.
Recurso não conhecido.”
Em seu recurso, a Administração dos Portos de Paranaguá e Antonina – APPA
alega violação aos artigos 100 e 173, § 1º, da Carta Magna. A recorrente sustenta ser
entidade autárquica que desenvolve atividade econômica, em regime de exclusividade
e, portanto, pode se beneficiar do regime de pagamento de suas obrigações através de
precatório judicial.
O Subprocurador-Geral da República, Dr. Roberto Monteiro Gurgel Santos, em seu
parecer de fls. 401-402, opinou pelo não-conhecimento do recurso, sob o argumento de
que a ofensa à Constituição seria reflexa.
É o relatório.

VOTO
O Sr. Ministro Gilmar Mendes (Relator): O acórdão recorrido, seguindo a orienta-
ção jurisprudencial n. 87 do SDI, entendeu que a recorrente, apesar de ser autarquia,
exerce atividade econômica e sujeita-se ao regime próprio das empresas privadas, de
acordo com o disposto no artigo 173, § 1º, da Constituição Federal, que ora transcrevo:
“Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração
direta da atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária
aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme
definidos em lei.
§ 1º A empresa pública, a sociedade de economia mista e outras entidades
que explorem atividade econômica sujeitam-se ao regime jurídico próprio das
empresas privadas, inclusive quanto às obrigações trabalhistas e tributárias.”
O Supremo Tribunal Federal firmou entendimento segundo o qual a execução
contra empresa pública que preste serviço público deve ser realizada por meio de
precatório. Nesse sentido, no julgamento do RE 220.906, Relator Maurício Corrêa, DJ
de 14-11-02, o Plenário desta Corte decidiu que a execução contra a Empresa Brasileira
de Correios e Telégrafos – ECT seria submetida ao regime de precatório.
Em seu voto, o Relator consignou:
“[...]
7. Note-se que as empresas prestadoras de serviço público operam em setor
próprio do Estado, no qual só podem atuar em decorrência de ato dele emanado.
Assim, o fato de as empresas públicas, de as sociedades de economia mista e de
outras entidades que explorem atividade econômica estarem sujeitas ao regime
jurídico das empresas privadas não significa que a elas sejam equiparadas sem
1026 R.T.J. — 197

qualquer restrição. Veja-se, por exemplo, que, em face da norma constitucional, as


empresas públicas somente podem admitir servidores mediante concurso público,
vedada a acumulação de cargos. No entanto, tais limitações não se aplicam às
empresas privadas.
8. Há ainda que se indagar quanto ao alcance da expressão ‘que explorem
atividade econômica (...)’, contida no artigo 173, § 1º, da Constituição Federal.
Preleciona José Afonso da Silva, in Curso de Direito Constitucional Positivo, 12ª
Edição, Revista, 1996, pp. 732 e seguintes, que o tema da atuação do Estado no
domínio econômico exige prévia distinção entre serviços públicos, especialmente
os de conteúdo econômico e social, e atividades econômicas. Enquanto a atividade
econômica se desenvolve no regime da livre iniciativa, sob a orientação de admi-
nistradores privados, o serviço público, dada sua natureza estatal, sujeita-se ao
regime jurídico do direito público.
9. Conclui o eminente jurista que ‘a exploração dos serviços públicos por
empresa estatal não se subordina às limitações do art. 173, que nada tem com eles,
sendo certo que a empresa estatal prestadora daqueles e outros serviços públicos
pode assumir formas diversas, não necessariamente sob o regime jurídico próprio
das empresas privadas’, já que somente por lei e não pela via contratual os serviços
são outorgados às estatais (CF, artigo 37, XIX). Assim, não se aplicam às empresas
públicas, às sociedades de economia mista e a outras entidades estatais ou
paraestatais que explorem serviços públicos a restrição contida no artigo 173, § 1º,
da Constituição Federal, isto é, a submissão ao regime jurídico próprio das em-
presas privadas, inclusive quanto às obrigações trabalhistas e tributárias, nem a
vedação do gozo de privilégios fiscais não extensivos às do setor privado (CF,
artigo 173, § 2º).
10. A interferência do Estado na ordem econômica está consagrada nos artigos
173 e 174 da Constituição Federal: o próprio Estado, em casos excepcionais, atua
empresarialmente no setor, mediante pessoas jurídicas instituídas por lei para tal
fim; o Estado, como agente normativo e regulador, fiscaliza, incentiva e planeja a
atividade econômica.
11. Desse modo, os princípios gerais que informam a distribuição de atividades
entre o Estado e a iniciativa privada resultam dos princípios da participação estatal
na economia e da subsidiariedade, em seus aspectos suplementar e complementar
à iniciativa privada.
12. Em obediência a esses princípios, a atividade econômica estatal exsurge
nos serviços públicos, nos serviços públicos econômicos e nos de interesse geral,
donde a possibilidade de o Estado (CF, artigo 173) monopolizar os serviços públicos
específicos, os de interesse geral e ainda os econômicos, por motivo de segurança
nacional ou relevante interesse coletivo. Vê-se, pois, que a legitimidade da partici-
pação do Estado na economia se fundamenta em três conceitos fundamentais:
segurança nacional, serviço público econômico e interesse público.
13. A Constituição Federal, em seu artigo 173, cuida da exploração direta de
atividade econômica pelo Estado. A respeito da matéria, escreveu o constituciona-
lista Celso Ribeiro Bastos que ‘por tais atividades deve entender-se toda função
R.T.J. — 197 1027

voltada à produção de bens e serviços, que possam ser vendidos no mercado,


ressalvada aquela porção das referidas atividades que a própria Constituição já
reservou como próprias do Estado, por tê-las definido como serviço público nos
termos dos incisos XI e XII do artigo 21 do Texto Constitucional. Ou, então,
quando forem reservadas a título de monopólio da União (CF, art. 177). Tal cir-
cunstância é que justifica a inserção da cláusula ‘ressalvados os casos previstos
nesta Constituição’ (Comentários à Constituição do Brasil, 7º v, p. 75).
14. Assim, a exploração de atividade econômica pela ECT – Empresa Bra-
sileira de Correios e Telégrafos não importa sujeição ao regime jurídico das empresas
privadas, pois sua participação neste cenário está ressalvada pela primeira parte do
artigo 173 da Constituição Federal (‘Ressalvados os casos previstos nesta Consti-
tuição (...)’), por se tratar de serviço público mantido pela União Federal, pois seu
orçamento, elaborado de acordo com as diretrizes fixadas pela Lei n. 4.320/64 e
com as normas estabelecidas pela Lei n. 9.473/97 (Lei de Diretrizes Orçamentári-
as), é previamente aprovado pelo Ministério do Planejamento e Orçamento —
Secretaria de Coordenação e Controle das Empresas Estatais, sendo sua receita
constituída de subsídio do Tesouro Nacional, conforme extrato do Diário Oficial
da União, acostado à contracapa destes autos. Logo, são impenhoráveis seus bens
por pertencerem à entidade estatal mantenedora.”
No mesmo sentido, o RE 172.816, Pleno, Relator Paulo Brossard, DJ de 13-5-94,
no qual esta Corte decidiu que a norma do art. 173, § 1º, da Constituição Federal “apli-
ca-se às entidades públicas que exercem atividade econômica em regime de concorrên-
cia, não tendo aplicação às sociedades de economia mista ou empresas públicas que,
embora exercendo atividade econômica, gozam de exclusividade.”
No presente caso, a recorrente é uma autarquia, presta serviço público e recebe
recursos estaduais, conforme dispõem os artigos 1º e 5º, II, do Regulamento da APPA
(Decreto estadual n. 7.447, de 21 de novembro de 1990). Dessa forma, também não seria
aplicável o disposto no art. 173, § 1º, da Constituição Federal.
Ademais, a EC n. 19, de 4 de junho de 1998, alterou o citado artigo, reforçando o
entendimento da impossibilidade de sua aplicação às autarquias:
“Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração
direta da atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária
aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme
definidos em lei.
§ 1º A lei estabelecerá o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade
de economia mista e de suas subsidiárias que explorem atividade econômica de
produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços, dispondo sobre:
I - sua função social e formas de fiscalização pelo Estado e pela sociedade;
II - a sujeição ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive
quanto aos direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributários;
III - licitação e contratação de obras, serviços compras e alienações, observa-
dos os princípios da administração pública;
IV - a constituição e o funcionamento dos conselhos de administração e
fiscal, com a participação de acionistas minoritários;
1028 R.T.J. — 197

V - os mandatos, a avaliação de desempenho e a responsabilidade dos admi-


nistradores.”
Assim, conheço e dou provimento ao recurso extraordinário, para determinar que a
execução seja submetida ao regime de precatório.

EXTRATO DA ATA
RE 356.711/PR — Relator: Ministro Gilmar Mendes. Recorrente: Administração
dos Portos de Paranaguá e Antonina – APPA (Advogados: Almir Hoffmann e outro).
Recorrido: Josué Rodrigues Gonçalves (Advogados: José Tôrres das Neves e outro).
Decisão: Depois dos votos dos Ministros Relator e Joaquim Barbosa, conhecendo
do recurso extraordinário e lhe dando provimento, o julgamento foi suspenso em virtude
do pedido de vista do Ministro Carlos Velloso. Falou, pelo recorrido, o Dr. José Tôrres
das Neves. Ausente, justificadamente, neste julgamento, a Ministra Ellen Gracie.
Presidência do Ministro Celso de Mello. Presentes à sessão os Ministros Carlos
Velloso, Ellen Gracie, Gilmar Mendes e Joaquim Barbosa. Subprocuradora-Geral da
República, Dra. Maria Caetana Cintra Santos.
Brasília, 22 de novembro de 2005 — Carlos Alberto Cantanhede, Coordenador.

VOTO (Vista)
O Sr. Ministro Carlos Velloso: A Subseção I Especializada em Dissídios Individuais
do eg. Tribunal Superior do Trabalho, às fls. 352-356, decidiu pela sujeição de autarquia
estadual que exerce atividade econômica ao regime próprio das empresas privadas, nos
termos do art. 173, § 1º, da Constituição Federal, devendo a execução de seus débitos
trabalhistas ser feita diretamente, conforme previsto na Consolidação das Leis do Traba-
lho, e não por precatório.
Daí o recurso extraordinário interposto pela Administração dos Portos de
Paranaguá e Antonina – APPA, às fls. 361-368, fundado no art. 102, III, a, da Constitui-
ção Federal, com alegação de ofensa aos arts. 100 e 173, § 1º, da mesma Carta, sustentando,
em síntese, ser autarquia que desenvolve atividade econômica em regime de exclusivi-
dade, motivo por que suas obrigações devem ser pagas por precatório judicial, nos
termos da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (RE 172.816/RJ, Plenário, Mi-
nistro Paulo Brossard, RTJ 153/337).
Inadmitido o recurso (fl. 384), subiram os autos em virtude do provimento do
agravo de instrumento em apenso.
A Procuradoria-Geral da República, em parecer lavrado pelo ilustre Subprocura-
dor-Geral da República Roberto Monteiro Gurgel Santos, opinou pelo não-conheci-
mento do recurso (fls. 401-402).
Na Sessão de 22-11-2005, o eminente Relator, Ministro Gilmar Mendes, conheceu
do recurso e deu-lhe provimento, no que foi acompanhado pelo eminente Ministro
Joaquim Barbosa (certidão de fl. 405).
Pedi vista dos autos, que me foram encaminhados em 23-11-2005.
R.T.J. — 197 1029

Em 3-12-2005, mandei os autos à Mesa, a fim de retomarmos o julgamento do


recurso.
Passo a votar.
No RE 424.227/SC, por mim relatado, decidiu o Supremo Tribunal Federal:
“Ementa: Constitucional. Tributário. ECT – Empresa Brasileira de
Correios e Telégrafos: imunidade tributária recíproca: CF, art. 150, VI, a. Em-
presa pública que exerce atividade econômica e empresa pública prestadora de
serviço público: distinção. Taxas: imunidade recíproca: inexistência.
I - As empresas públicas prestadoras de serviço público distinguem-se das
que exercem atividade econômica. A ECT – Empresa Brasileira de Correios e
Telégrafos é prestadora de serviço público de prestação obrigatória e exclusiva do
Estado, motivo por que está abrangida pela imunidade tributária recíproca: CF, art.
22, X; CF, art. 150, VI, a. Precedentes do STF: RE 424.227/SC, 407.099/RS,
354.897/RS, 356.122/RS e 398.630/SP, Ministro Carlos Velloso, 2ª Turma.
II - A imunidade tributária recíproca — CF, art. 150, VI, a — somente é
aplicável a impostos, não alcançando as taxas.
III - RE conhecido e improvido.” (DJ de 10-9-2004)
Assim o voto que proferi no citado RE 424.227/SC:
“(...)
No julgamento do RE 407.099/RS, por mim relatado, decidiu o Supremo
Tribunal Federal, por sua 2ª Turma:
‘Ementa: Constitucional. Tributário. Empresa Brasileira de Cor-
reios e Telégrafos: imunidade tributária recíproca: CF, art. 150, VI, a.
Empresa pública que exerce atividade econômica e empresa pública
prestadora de serviço público: distinção.
I - As empresas públicas prestadoras de serviço público distinguem-se
das que exercem atividade econômica. A Empresa Brasileira de Correios e
Telégrafos é prestadora de serviço público de prestação obrigatória e exclu-
siva do Estado, motivo por que está abrangida pela imunidade tributária
recíproca: CF, art. 150, VI, a.
II - RE conhecido em parte e, nessa parte, provido.’ (DJ de 6-8-2004)
No meu voto, disse eu:
‘A Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos – ECT opôs embargos
à execução que lhe move o Município de São Borja. Sustenta que está
abrangida pela imunidade tributária relativamente aos impostos municipais
que lhe estão sendo cobrados, por isso que é prestadora de serviço público
postal.
O TRF/4ª Região não lhe deu razão, por ser ela uma empresa pública.
Daí o RE, CF, art. 102, III, a e b, com alegação de ofensa aos arts. 5º, XI;
21, X; 22, V; 150, I, VI, a; 173 e 175 da mesma Carta.
1030 R.T.J. — 197

Primeiro que tudo, afasta-se a invocação do art. 102, III, b, por isso que
não ocorreu, no caso, declaração de inconstitucionalidade de lei. O Tribunal
simplesmente decidiu que o DL 509/69, art. 12, não foi recebido pela CF/88,
no ponto.
Afasta-se, também, a alegação de ofensa aos arts. 5º, XI; 21, X; 22, V; e
150, I, da Constituição, porque não foram prequestionados, incidindo as
Súmulas 282 e 356-STF.
Examinemos o recurso no que diz respeito à imunidade tributária do
art. 150, VI, a, CF.
No que concerne à distinção que deve ser feita relativamente às empre-
sas públicas que exercem atividade empresarial das empresas públicas
prestadoras de serviço, reporto-me ao voto que proferi por ocasião do julga-
mento do RE 230.072/RS:
‘(...)
Srs. Ministros, o meu entendimento, que vem de longe, mencio-
nado, aliás, pelo eminente Ministro Sepúlveda Pertence, é no sentido
de distinguir empresa pública que presta serviço público de empresa
pública que exerce atividade econômica, atividade empresarial, con-
correndo com empresas privadas. A primeira, sempre sustentei, tem
natureza jurídica de autarquia. O Supremo Tribunal Federal, quando a
lei e a Constituição não distinguiam fundação privada de fundação
pública, fez a distinção, decidindo que a fundação pública equiparava-
se à autarquia. Hoje, a Constituição, adotando aquele entendimento,
distingue fundação de direito público de fundação de direito privado.
O art. 37, § 6º, da CF, quando cuida da responsabilidade objetiva
do Poder Público, é expresso no estabelecer:
‘§ 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito
privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos da-
nos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, asse-
gurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de
dolo ou culpa’.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Sr. Ministro, se V. Exa. traz
esse artigo à discussão, então, teremos de concluir que uma simples
concessionária de serviço público, condenada, só vai pagar por preca-
tório. Nesse dispositivo estão incluídas as concessionárias, ninguém
discute.
O Sr. Ministro Carlos Velloso (Presidente): Sr. Ministro, estou
apenas apresentando um indicativo no sentido de que é possível dis-
tinguir empresa prestadora de serviço público de empresa que exerce
atividade empresarial. Veja que a Constituição, no ponto, empresta
tratamento especial às pessoas jurídicas de direito privado que prestam
serviço público.
R.T.J. — 197 1031

O RE 220.907/RO, de que sou Relator, está na pauta da 2ª Turma


desde 7-5-98, aguardando o julgamento de recursos extraordinários
idênticos remetidos à apreciação do Plenário, como este RE de que ora
cuidamos.
Naquele RE 220.907/RO, proferi o seguinte voto:
‘É preciso distinguir as empresas públicas que exploram
atividade econômica, que se sujeitam ao regime jurídico próprio
das empresas privadas, inclusive quanto às obrigações trabalhis-
tas e tributárias (CF, art. 173, § 1º), daquelas empresas públicas
prestadoras de serviços públicos, cuja natureza jurídica é de
autarquia, às quais não tem aplicação o disposto no § 1º do art.
173 da Constituição, sujeitando-se tais empresas prestadoras de
serviço público, inclusive, à responsabilidade objetiva (CF, art.
37, § 6º).
Em votos que tenho proferido, nesta Corte, tenho discutido
o tema. Assim o fiz, por exemplo, no julgamento da medida
cautelar havida na ADIn 1.552/DF (Plenário, 17-4-97). Decidi-
mos, então:
‘Ementa: Constitucional. Advogados. Advogado-empre-
gado. Empresas públicas e sociedades de economia mista. Medi-
da Provisória 1.522-2, de 1996, artigo 3º. Lei 8.906/94, arts. 18 a
21. CF, art, 173, § 1º.
I - As empresas públicas, as sociedades de economia mista e
outras entidades que explorem atividades econômicas em senti-
do estrito, sem monopólio, estão sujeitas ao regime próprio das
empresas privadas, inclusive quanto às obrigações trabalhistas e
tributárias. CF, art. 173, § 1º.
II - Suspensão parcial da eficácia das expressões ‘às empresas
públicas e às sociedades de economia mista’, sem redução do
texto, mediante a aplicação da técnica da interpretação confor-
me: não-aplicabilidade às empresas públicas e às sociedades de
economia mista que explorem atividade econômica, em sentido
estrito, sem monopólio.
III - Cautelar deferida.’
Destaco do voto que proferi no citado julgamento:
‘(...)
Tem-se, portanto, na Lei 8.906, de 1994, a disciplina da
relação de emprego do advogado. É dizer, a Lei 8.906, de 1994,
constitui, nos pontos referidos no Cap. V, Tít. I, arts. 18 a 21, a
legislação trabalhista dos advogados-empregados.
Indaga-se: essa legislação poderia ser excepcionada em re-
lação aos advogados-empregados das empresas públicas e socie-
1032 R.T.J. — 197

dades de economia mista que exploram atividade econômica sem


monopólio?
Penso que não, tendo em linha de conta a disposição inscrita
no § 1º do art. 173 da Constituição Federal.
Vou mais longe: ela não terá aplicação, também, relativa-
mente aos advogados-empregados de qualquer outra entidade
estatal que explore atividade econômica, sem monopólio.
É que a Constituição Federal, no § 1º do art. 173, dispõe:
‘Art. 173.
§ 1º A empresa pública, a sociedade de economia mista e
outras entidades que explorem atividade econômica sujeitam-se
ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive
quanto às obrigações trabalhistas e tributárias.’
É dizer, as empresas públicas, as sociedades de economia
mista e quaisquer outras entidades que explorem atividade eco-
nômica, sem monopólio, sujeitam-se à legislação trabalhista das
empresas privadas, dado que o fazem em concorrência com essas.
Se ocorrer monopólio, não há concorrência. Então, a ressalva será
válida.
Ora, se todas as empresas privadas estão sujeitas às normas
trabalhistas inscritas no Capítulo V do Título I da Lei 8.906, de
1994 — Estatuto da Advocacia —, às empresas públicas, sociedades
de economia mista e outras entidades que explorem atividade
econômica, sem monopólio, terá aplicação essa mesma legislação.
Posta assim a questão, estou em que à frase — ‘às empresas
públicas e às sociedades de economia mista’ — deve-se emprestar
interpretação conforme à Constituição, assim: as mencionadas
expressões não têm aplicação ‘às empresas públicas e às sociedades
de economia mista’ que explorem atividade econômica, sem
monopólio.
É certo que as empresas públicas e sociedades de economia
mista são instituídas para a exploração de atividade econômica,
em sentido estrito, dado que elas são os instrumentos da interven-
ção do Estado no domínio econômico. Pode existir, entretanto,
empresa pública ou sociedade de economia mista prestadora de
serviço público. Essa distinção, no regime da CF/67, poderia ser
feita, e nós por ela propugnamos em trabalho de doutrina (conf.
nosso ‘Responsabilidade e Controle das Empresas Estatais’, em
Temas de Direito Público, Del Rey Ed., p. 490), na linha, aliás, do
magistério de Celso Antônio Bandeira de Mello (‘Natureza es-
sencial das sociedades mistas e empresas públicas’, RDP 71/
111; Prestação de serviços públicos e administração indireta,
1973, pp. 101 e ss.) e Eros Roberto Grau (‘Elementos de Direito
R.T.J. — 197 1033

Econômico’, RT, 1981). Esse último autor, escrevendo sobre o


tema, já sob o pálio da CF/88, leciona:
‘Da mesma forma, no § 1º do art. 173 a expressão conota
atividade econômica em sentido estrito: determina fiquem sujeitas
ao regime próprio das empresas privadas, inclusive quanto às
obrigações trabalhistas e tributárias, a empresa pública, a socie-
dade de economia mista e outras entidades que atuem no campo
da atividade econômica em sentido estrito; o preceito à toda evi-
dência, não alcança empresa pública, sociedade de economia
mista e entidades (estatais) que prestam serviço público’. (Eros
Roberto Grau, A ordem econômica na Constituição de 1988 —
interpretação e crítica, Ed. RT, 2ª ed., 1991, p. 140).’
Nos votos que proferi por ocasião do julgamento da ADIn
348/MG, dos RREE 172.816/RJ e 153.523/RS e da ADin 449/
DF, deixei claro o meu pensamento a respeito do tema.
Neste voto, estou deixando expresso o que ficara implícito
no raciocínio desenvolvido nos votos acima indicados.
É que a disposição inscrita no art. 173, caput, da Constitui-
ção, contém ressalva: ‘Ressalvados os casos previstos nesta
Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo
Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da
segurança nacional ou a relevante interesse coletivo; conforme
definidos em lei’. Quer dizer, o artigo 173 da CF está cuidando da
hipótese em que o Estado esteja na condição de agente empresa-
rial, isto é, esteja explorando, diretamente, atividade econômica
em concorrência com a iniciativa privada. Os parágrafos, então,
do citado art. 173, aplicam-se com observância do comando
constante do caput. Se não houver concorrência — existindo
monopólio, CF, art. 177 —, não haverá aplicação do disposto no
§ 1º do mencionado art. 173. É que, conforme linhas atrás regis-
trado, o que quer a Constituição é que o Estado-empresário não
tenha privilégios em relação aos particulares. Se houver monopó-
lio, não há concorrência; não havendo concorrência, desaparece
a finalidade do disposto no § 1º do art. 173.
Impõe-se, então, a suspensão parcial da eficácia das expres-
sões impugnadas, sem redução do texto. É dizer, referentemente
às empresas públicas e sociedades de economia mista que explo-
rem atividade econômica, em sentido estrito, não monopolistas,
as mencionadas expressões não têm aplicação.
(...)’
No caso, tem-se uma empresa pública prestadora de ser-
viço público — a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos –
ECT —, o serviço postal (CF, art. 21, X). Além de não estar,
portanto, equiparada às empresas privadas, integram o conceito
de fazenda pública.
1034 R.T.J. — 197

Assim, os seus bens não podem ser penhorados, estando ela


sujeita à execução própria das pessoas públicas: CF, art. 100.
Nesse sentido, aliás, o decidido pelo Supremo Tribunal Federal,
no RE 100.433/RJ, Relator o Ministro Sydney Sanches (RTJ 113/
786). No RE 204.653/RS, o eminente Relator, Ministro Maurício
Corrêa, negou seguimento ao recurso extraordinário, sustentando
a impenhorabilidade dos bens da ECT (DJ de 25-2-98).
(...).’
Conheço do recurso e dou-lhe provimento.
(...).’ (DJ de 19-12-2002)
As reformas constitucionais que sobrevieram, Emendas Constitucio-
nais 6/95, 7/95, 8/95, 9/95, 19/98, 33/2001 e 42/2003, não alteram o enten-
dimento.
Com efeito.
A atuação estatal na economia, CF, arts. 173, 174 e 177, ocorrerá: 1)
mediante a exploração estatal de atividade econômica (CF, arts. 173 e 177),
que será: 1.1. necessária (CF, art. 173); 1.1.1. quando o exigir a segurança
nacional, ou 1.1.2. ou o interesse coletivo relevante, tanto um quanto outro
definidos em lei. Os instrumentos de participação do Estado na economia
serão: a) as empresas públicas; b) as sociedades de economia mista; c) outras
entidades estatais ou paraestatais, vale dizer, as subsidiárias (CF, art. 37, XIX
e XX; art. 173, §§ 1º, 2º e 3º). Ocorrerá, ainda, a atuação estatal na economia:
2) com monopólio: CF, art. 177, incidindo, basicamente, em três áreas: petró-
leo, gás natural e minério ou minerais nucleares.
A intervenção do Estado no domínio econômico dar-se-á (CF, art.
174): figurando o Estado como agente normativo e regulador da atividade
econômica, na forma da lei, fiscalizando, incentivando e planejando. Os
instrumentos dessa intervenção são as agências reguladoras.
Valem, no ponto, as lições de José Afonso da Silva (Curso de Direito
Constitucional Positivo, Malheiros, 23ª ed., pp. 779 e seguintes) e Celso
Antônio Bandeira de Mello (Curso de Direito Administrativo, Malheiros,
17ª ed., pp. 619 e segs).
Visualizada a questão do modo acima — fazendo-se a distinção entre
empresa pública como instrumento da participação do Estado na economia e
empresa pública prestadora de serviço público —, não tenho dúvida em
afirmar que a ECT está abrangida pela imunidade tributária recíproca (CF,
art. 150, VI, a), ainda mais se considerarmos que presta ela serviço público de
prestação obrigatória e exclusiva do Estado, que é o serviço postal, CF, art.
21, X (Celso Antônio Bandeira de Mello, ob. cit., p. 636).
Dir-se-á que a Constituição Federal, no § 3º do art. 150, estabelecendo
que a imunidade do art. 150, VI, a, não se aplica: a) ao patrimônio, à renda e
aos serviços relacionados com a exploração de atividades econômicas
R.T.J. — 197 1035

regidas pelas normas aplicáveis a empreendimentos privados; b) ou em que


haja contraprestação ou pagamento de preços ou tarifas pelo usuário; c) nem
exonera o promitente comprador da obrigação de pagar imposto relativa-
mente ao bem imóvel, à ECT não se aplicaria a imunidade mencionada, por
isso que cobra ela preço ou tarifa do usuário.
A questão não pode ser entendida dessa forma. É que o § 3º do art. 150
tem como destinatário entidade estatal que explore atividade econômica
regida pelas normas aplicáveis a empreendimentos privados, ou em que haja
contraprestação ou pagamento de preços ou tarifas pelo usuário. No caso,
tem aplicação a hipótese inscrita no § 2º do mesmo art. 150.
A professora Raquel Discacciati Bello, da UFMG, em interessante tra-
balho de doutrina — ‘Imunidade Tributária das Empresas Prestadoras de
Serviços Públicos’, in Rev. de Inf. Legislativa 132/183 —, registra que
‘pode-se afirmar, a título de conclusão, que às empresas estatais prestadoras
de serviços públicos não se aplica a vedação do art. 150, § 3º, mas, sim, a
imunidade recíproca, conforme interpretação sistemática do inciso I, letra a,
do mesmo artigo. Na mesma linha, Bandeira de Mello (Curso de Dir. Adm., 7ª
ed., 1995, p. 116), Ataliba (Curso de Dir. Trib., coordenação de Geraldo
Ataliba, São Paulo, RT, 1978), Adilson Dallari (‘Imunidade de Estatal Dele-
gada de Serviço Público’, Rev. de Dir. Trib. 65, 1995, pp. 22-41), Eros
Roberto Grau (‘Empresas Estatais ou Estado Empresário’, in Curso de Direito
Administrativo, coordenação de Celso Antônio Bandeira de Mello, São Paulo,
RT, 1986, pp. 105-107), dentre outros.’
Roque Carrazza não destoa desse entendimento ao lecionar ‘que as
empresas públicas e as sociedades de economia mista, quando delegatárias
de serviços públicos ou de atos de polícia, são tão imunes aos impostos
quanto as próprias pessoas políticas, a elas se aplicando, destarte, o princípio
da imunidade recíproca’, por isso que ‘são a longa manus das pessoas políti-
cas que, por meio de lei, as criam e lhes apontam os objetivos públicos a
alcançar.’ (Roque Carrazza, Curso de Dir. Const. Tributário, Malheiros Ed.,
19ª ed., 2003, p. 652).
No que concerne à ECT, a lição de Ives Gandra Martins é no sentido de
estar ela abrangida pela imunidade tributária do art. 150, VI, a, da CF. Escreve
Ives Gandra Martins: ‘Em conclusão e em interpretação sistemática da Cons-
tituição e do tipo de serviços prestados pela consulente, no que diz respeito
aos serviços privativos, exclusivos, próprios ou monopolizados, nitidamente,
a imunidade os abrange, sendo seu regime jurídico pertinente àquele da
Administração Direta. Colocadas tais premissas, entendo que a natureza jurí-
dica dos serviços postais é de serviços públicos próprios da União, em regime
de exclusividade, assim como o patrimônio da empresa é patrimônio da
União.’ (Ives Gandra da Silva Martins, ‘Imunidade Tributária dos Correios e
Telégrafos’, Revista Jurídica 288/32, 38).
Vale repetir o que linhas atrás afirmamos: o serviço público prestado
pela ECT — serviço postal — é serviço público de prestação obrigatória e
exclusiva do Estado: CF, art. 21, X.
1036 R.T.J. — 197

A questão, portanto, não está no afirmar se o DL 509, de 20-3-69, artigo


12, teria sido recebido ou não pela CF/88. A questão está, sim, no afirmar que
a ECT está abrangida pela imunidade tributária do art. 150, VI, a, da CF.
Do exposto, conheço em parte do recurso e, na parte conhecida, lhe dou
provimento.’
Acontece que, no caso, tem-se cobrança de taxa e não de imposto, certo que,
como bem ressaltou, no primeiro grau, o ilustre Juiz Jorge Antônio Maurique, ‘(...)
a imunidade prevista no art. 150, VI, a, somente é aplicável a impostos, não alcan-
çando as taxas.’
Não tem aplicação, portanto, no caso, a imunidade tributária recíproca: CF,
art. 150, VI, a.
A outra questão posta — inocorrência do fato imponível da taxa — não foi
prequestionada.
Do exposto, conheço do recurso e lhe nego provimento.
(...).”
Reafirmo o que foi dito linhas atrás: as reformas constitucionais que sobrevieram,
Emendas Constitucionais 6/95, 7/95, 8/95, 19/98, 33/2001 e 42/2003, não alteram o
entendimento.
No RE 172.816/RJ, Relator o Ministro Paulo Brossard, o Supremo Tribunal Federal
deixou expresso que o serviço de docas tem natureza pública (RTJ 153/337). É o que
está disposto no art. 21, XII, f.
Do exposto, adiro ao voto do eminente Ministro Relator, pelo que conheço do
recurso e dou-lhe provimento.

VOTO (Confirmação)
O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: Senhor Presidente, eu o faço não sem uma certa
perplexidade, porque o decreto que rege a autarquia diz expressamente que ela tem por
objeto a exploração comercial e industrial dos portos, o que indicaria o figurino jurídico
da empresa pública ou da sociedade de economia mista. Mas pode ser uma mera impre-
cisão.
O Sr. Ministro Gilmar Mendes: (Relator): O problema aqui é que é o modelo orça-
mentário. Só se admite a execução por conta do perfil orçamentário fora desse modelo
dos precatórios.
O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: Mantenho meu voto, acompanhando o voto do
Ministro Relator.

EXTRATO DA ATA
RE 356.711/PR — Relator: Ministro Gilmar Mendes. Recorrente: Administração
dos Portos de Paranaguá e Antonina – APPA (Advogados: Almir Hoffmann e outro).
Recorrido: Josué Rodrigues Gonçalves (Advogados: José Tôrres das Neves e outro).
R.T.J. — 197 1037

Decisão: A Turma, por votação majoritária, conheceu e deu provimento ao recurso


extraordinário, nos termos do voto do Ministro Relator, vencido o Ministro Presidente,
que dele conhecia, mas lhe negava provimento. Ausente, justificadamente, neste julga-
mento, a Ministra Ellen Gracie.
Presidência do Ministro Celso de Mello. Presentes à sessão os Ministros Carlos
Velloso, Gilmar Mendes e Joaquim Barbosa. Ausente, justificadamente, a Ministra Ellen
Gracie. Subprocuradora-Geral da República, Dra. Sandra Verônica Cureau.
Brasília, 6 de dezembro de 2005 — Carlos Alberto Cantanhede, Coordenador.

RECURSO EXTRAORDINÁRIO 372.503 — SP

Relator: O Sr. Ministro Gilmar Mendes


Recorrente: Estado de São Paulo — Recorridos: Daisi Perroni Gentil e outro
Recurso extraordinário. 2. Servidor público inativo. GATA, GASS e
GAAF — Gratificações criadas pela Lei Complementar n. 738, de 21 de
dezembro de 1993. 3. Alegação de ofensa ao art. 4º, § 4º (redação anterior
à EC n. 20), da Carta Magna. Inexistência. Precedente da 1ª Turma. 4.
Recurso extraordinário que se nega provimento.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribu-
nal Federal, em Segunda Turma, sob a Presidência do Ministro Carlos Velloso (RISTF,
art. 37, II), na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimi-
dade de votos, conhecer do recurso e lhe negar provimento.
Brasília, 29 de novembro de 2005 — Carlos Velloso, Presidente — Gilmar Mendes,
Relator.

RELATÓRIO
O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Trata-se de recurso extraordinário interposto com
fundamento no art. 102, III, a, da Constituição Federal, contra acórdão assim ementado
(fl. 199):
“Servidores inativos – Percepção das gratificações de atividades técnico-
administrativas (GATA), administrativa da saúde (GAAS) e administrativa fazen-
dária (GAAF) instituídas pela LC n. 738/93 – Possibilidade – Aplicação do disposto
no art. 40, § 4º, da Constituição Federal e 126, § 4º, da CE – Recursos providos.”
O Estado de São Paulo interpôs recurso extraordinário de fls. 254-263, no qual
sustenta:
“Como se verifica dos autos, a questio juris diz respeito à perfeita exege do
parágrafo 4º do artigo 40 da Carta Federal (atual parágrafo 8º).
1038 R.T.J. — 197

Os recorridos tiveram seu pleito acolhido pelo v. acórdão ora combatido, que
determinou a aplicabilidade aos mesmos, servidores públicos aposentados de di-
versas Secretarias do Estado, das Gratificações conhecidas como GATA, GAAS e
GAAF, no mês de junho de 1993.
Entenderam os ínclitos julgadores que tal solução emana da aplicação da
referida disposição constitucional e da imperatividade de igualdade remunerató-
ria absoluta entre os ativos e inativos.
Entende, todavia, a Fazenda do Estado de São Paulo, que essa igualdade
remuneratória deve atentar para a natureza jurídica da vantagem e à situação do
servidor individualmente considerado.
[...]
Laboram em equívoco os demandantes ao considerarem que as gratificações
em tela constituem aumento disfarçado de vencimentos.
[...]
Vantagens com tal característica possuem natureza de gratificação de serviço
e são de todo incompatíveis com a inatividade, ressalvada expressa determinação
legal, que no caso não se fez presente.
Constata-se que os autores, ora recorridos, extraem do dispositivo constitu-
cional invocado um conteúdo abrangente que ele não possui.
O tratamento isonômico entre pessoal ativo e inativo deve respeitar a compa-
tibilidade das situações jurídicas que ostentam servidores ativos e inativos.
Violar-se-ia o princípio da isonomia caso se concedesse a quem já se encon-
tra afastado das condições adversas de trabalho as gratificações destinadas à com-
pensação desse ônus.
No caso sub judice, a própria lei instituidora das Gratificações GATA, GAAS
e GAAF preexcluiu sua extensão aos aposentados (art. 16 da LC n. 738/93), desti-
nando o benefício somente àqueles que desempenham suas atividades em condi-
ções anormais e nas unidades que especifica.
Assim, dada a qualidade de inativos dos recorridos, não fazem jus ao recebi-
mento das gratificações pretendidas, que se prestam, exclusivamente, a compensar
o exercício profissional em condições adversas.
O Ministério Público Federal, em parecer de fls. 313-319, da lavra da Subprocura-
dora-Geral da República, Dra. Maria Caetana Cintra Santos, manifestou-se pelo despro-
vimento do recurso, cujo fundamento restou assim ementado:
“Constitucional. Administrativo. Artigo 40, § 8º, da CF/88. Extensão aos
inativos de vantagens concedidas a servidores em atividade. Natureza jurídica
das gratificações. Imprescindibilidade do prévio exame da legislação infracons-
titucional e do conjunto fático-probatório.
1 – Inviável proceder-se ao exame da possibilidade de extensão de gratifica-
ções, instituídas em legislação de âmbito local, em que estão caracterizadas as
atividades alcançadas pelo acréscimo remuneratório.
R.T.J. — 197 1039

2 – Estende-se aos inativos, a vantagem de caráter geral concedida aos servi-


dores em atividade.
3 – Precedentes do Supremo Tribunal Federal.
4 – Parecer pelo não conhecimento do apelo e, no mérito, pelo seu improvi-
mento.”
É o relatório.

VOTO
O Sr. Ministro Gilmar Mendes (Relator): A controvérsia trazida nestes autos refere-se
à concessão ou não das gratificações GATA (Gratificação de Atividade Técnico-Admi-
nistrativa), GAAS (Gratificação de Atividade Administrativa de Saúde) e GAAF (Gratifi-
cação de Atividade Administrativa Fazendária) a servidores inativos, criadas pela Lei
Complementar do Estado de São Paulo n. 738, de 21 de dezembro de 1993.
A citada lei estabeleceu que as gratificações (GATA, GASS e GAAF) não são
cumulativas; e que o servidor não perderá o direito à percepção quando se afastar em
virtude de férias, licença-prêmio, gala, nojo, júri, licença para tratamento de saúde, faltas
abonadas e outros afastamentos que a lei considere como efetivo exercício para todos os
efeitos legais. Além disso, sobre os seus valores incidiriam os “descontos previdenciári-
os e de assistência médica”.
Esta Corte, por sua 1ª Turma, tem afirmado que as gratificações instituídas pela Lei
Complementar n. 738, de 1993, não passam de vantagens deferidas de forma geral a
todos os servidores lotados na Secretaria da Saúde e nas autarquias a ela vinculadas.
Neste sentido o RE 231.427, 1ª T., Relator Ilmar Galvão, DJ de 23-4-99, verbis:
“Ementa: Estado de São Paulo. Servidores inativos da Secretaria de Saúde.
Acórdão que lhes deferiu as gratificações das Leis Complementares n. 674/92 e
738/93. Alegada ofensa ao art. 40, § 4ª, da Constituição.
Vantagens funcionais que, no primeiro caso, foram estendidas aos inativos
pela LC n. 803/95; e, no segundo, contemplou, indistintamente, todos os servidores
ligados à área de saúde. Fundamento, de natureza infraconstitucional, que se revelou
suficiente para sustentar o acórdão recorrido.
Recurso não conhecido.”
Em seu voto, o Relator consignou:
“No que concerne à gratificação da LC n. 738/93, é de ver-se que foram
contemplados com ela, indistintamente, todos os servidores estaduais ligados à
área de saúde, não sendo outro o entendimento que se colhe do texto do artigo
primeiro do referido diploma legal, onde está dito que a gratificação foi instituída
para os
‘(...) integrantes das classes pertencentes ao Plano Geral de Cargos,
Vencimentos e Salários instituído pela Lei Complementar n. 712, de 12 de
abril de 1993, que se encontrem em efetivo exercício em unidades da Secre-
taria da Saúde, do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Uni-
1040 R.T.J. — 197

versidade de São Paulo, no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina


de Ribeirão Preto, no Instituto de Assistência Médica ao Servidor Público
Estadual – IAMSPE, e na Superintendência de Controle de Endemias –
SUCEN’.
Na verdade, a LC n. 738/93 instituiu novo Plano de Cargos para todo o
pessoal das Secretarias e Autarquias do Estado de São Paulo, podendo-se dizer,
diante do texto de seu artigo 7º, v. g., que foram nele incluídas todas as categorias
funcionais, desde as mais modestas, como a de Agente de Ofício e Manutenção, até
as de nível superior.
A gratificação, nesse caso, não passa de vantagem remuneratória deferida, de
forma geral, a todas as classes de servidores lotados na Secretaria da Saúde e nas
autarquias a ela vinculadas, não configurando gratificação de serviço, que con-
templa servidores que trabalham em condições anormais de segurança, de salubri-
dade ou de horário, nem gratificação pessoal, deferida a servidores sujeitos a encar-
gos pessoais especificados em lei. Tampouco se trata de vantagem que tenha por
pressuposto requisito que, forçosamente, somente na atividade, a partir de determi-
nado momento projetado no futuro, possa vir a ser preenchido. Significou, na
verdade, uma revisão geral da remuneração dos servidores em atividade, havendo,
por isso, nos termos da norma do art. 40, § 4º, da Constituição, de ser estendida aos
inativos oriundos dos mesmos órgãos ou entidades, condição cujo atendimento,
por parte dos recorridos, não é controvertida nos autos.”
Portanto, verifica-se que as gratificações foram criadas para todos os servidores
ativos, em valor fixo, e sofrendo incidência de contribuição previdenciária. Dessa forma,
deve ser observado o disposto no artigo 40, § 8º, da Constituição Federal (com a redação
da EC n. 20, de 15 de dezembro de 1998), tendo em vista a ocorrência de uma alteração
geral na remuneração dos servidores em atividade, que deveria ter sido estendida aos
servidores aposentados.
Dessa orientação não divergiu o acórdão recorrido.
É relevante notar que a discussão é anterior à Emenda Constitucional n. 41, de 19
de dezembro de 2003, que alterou a redação do § 8º do art. 40 do texto constitucional.
Assim, nego provimento ao recurso.

EXTRATO DA ATA
RE 372.503/SP — Relator: Ministro Gilmar Mendes. Recorrente: Estado de São
Paulo (Advogada: PGE/SP – Cristina Maura Rodrigues Sanches Marçal Ferreira). Recor-
ridos: Daisi Perroni Gentil e outro (Advogados: Maria Aparecida Dias Pereira e outro).
Decisão: A Turma, por unanimidade, conheceu do recurso e lhe negou provimento.
Ausente, justificadamente, neste julgamento, o Ministro Celso de Mello. Presidiu este
julgamento o Ministro Carlos Velloso.
Presidência do Ministro Carlos Velloso. Presentes à sessão os Ministros Ellen
Gracie, Gilmar Mendes e Joaquim Barbosa. Ausente, justificadamente, o Ministro Celso
de Mello. Subprocurador-Geral da República, Dr. Haroldo Ferraz da Nóbrega.
Brasília, 29 de novembro de 2005 — Carlos Alberto Cantanhede, Coordenador.
R.T.J. — 197 1041

RECURSO EXTRAORDINÁRIO 407.190 — RS

Relator: O Sr. Ministro Marco Aurélio


Recorrente: Instituto Nacional do Seguro Social – INSS — Recorridos: Calçados
Pôr-do-Sol Ltda. e outro
Tributo — Regência — Artigo 146, inciso III, da Constituição Fe-
deral — Natureza. O princípio revelado no inciso III do artigo 146 da
Constituição Federal há de ser considerado em face da natureza exem-
plificativa do texto, na referência a certas matérias.
Multa — Tributo — Disciplina. Cumpre à legislação complementar
dispor sobre os parâmetros da aplicação da multa, tal como ocorre no
artigo 106 do Código Tributário Nacional.
Multa — Contribuição social — Restrição Temporal — Artigo 35 da
Lei n. 8.212/91. Conflita com a Carta da República — artigo 146, inciso
III — a expressão “para os fatos geradores ocorridos a partir de 1º de
abril de 1977”, constante do artigo 35 da Lei n. 8.212/91, com a redação
decorrente da Lei n. 9.528/97, ante o envolvimento de matéria cuja disci-
plina é reservada à lei complementar.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribu-
nal Federal, em Sessão Plenária, na conformidade da ata do julgamento e das notas
taquigráficas, por unanimidade, conhecer e negar provimento ao recurso, declarando a
inconstitucionalidade da expressão “para os fatos geradores ocorridos a partir de 1º de
abril de 1997”, constante do caput do artigo 35 da Lei n. 8.212, de 24 de julho de 1991,
com a redação dada pela Lei n. 9.528, de 10 de dezembro de 1997.
Brasília, 27 de outubro de 2004 — Nelson Jobim, Presidente — Marco Aurélio,
Relator.

RELATÓRIO
O Sr. Ministro Marco Aurélio: O Tribunal Regional Federal da 4ª Região aco-
lheu parcialmente pedido formulado em apelação, ante fundamentos assim sinteti-
zados (folha 70):
Tributário. Embargos à execução fiscal. Art. 135, III, do CTN. Sócio-gerente.
Responsabilidade tributária. Limites. Atos dolosos ou culposos. Inadimplemento
de tributo. Ausência de índole infracional. Multa. Redução. Art. 106, inc. II, alí-
nea c, CTN. Retroatividade da lei menos gravosa. Art. 35 da Lei 8.212/91. Reda-
ção dada pela Lei 9.528/97. Taxa Selic. Lei 9.065/95, art. 13. CF/88, art. 192, § 3º.
CTN, art. 161, § 1º. TR/TRD.
1. Nos termos dos precedentes do Superior Tribunal de Justiça acerca do
alcance do art. 135, III, do CTN, a responsabilidade tributária do sócio-gerente,
administrador, diretor ou equivalente pelo débito fiscal objeto de execução está
1042 R.T.J. — 197

condicionada à comprovação da prática de atos com excesso de poderes ou infra-


ção à lei, eivados de dolo ou culpa, destituído de índole infracional o mero
inadimplemento do tributo.
2. Ainda não definitivamente julgado o ato fiscal e tendo sobrevindo lei
penalizadora menos gravosa (Lei 9.258/97), é de ser aplicado o princípio da benig-
nidade, como alvitrado no art. 106, II, c, do CTN, reduzindo a multa infligida ao
contribuinte.
3. A taxa Selic, que possui natureza mista, englobando correção monetária e
juros, tem incidência sobre os débitos em execução fiscal, por força de expressa
disposição legal — Lei 9.065/95, art. 13. Sua aplicação não constitui afronta ao
art. 192, § 3º, da CF/88, o qual não é auto-aplicável, segundo decisão do Supremo
Tribunal Federal, dirigindo-se ao mercado financeiro, e não aos débitos fiscais.
4. Embora adote posição no sentido de inadmitir a incidência, a qualquer
título, da TR/TRD no período anterior ao surgimento da Lei n. 8218/91, observo
que a substituição do índice pelo INPC trará prejuízo ao contribuinte, porquanto
este apresentou variação maior no período, o que conspira contra seu interesse.
Mantida a aplicação da TR/TRD. Precedentes desta Corte.
Os embargos de declaração que se seguiram foram acolhidos pelo Colegiado, para
que fosse juntado aos autos o inteiro teor do acórdão proferido na Argüição de
Inconstitucionalidade na Apelação Cível n. 1998.04.01.020236-8/RS, no qual se decla-
rou a inconstitucionalidade da expressão “para os fatos geradores ocorridos a partir de 1º
de abril de 1997”, constante do artigo 35, cabeça, da Lei n. 8.212/91, com a redação da
Lei n. 9.528/97.
No extraordinário de folhas 115 a 127, interposto com alegada base na alínea b do
permissivo constitucional, o Instituto Nacional do Seguro Social defende a harmonia,
com a Carta, da expressão contida no preceito referido, no que introduz limite temporal
para a redução da multa. Aduz que a norma do artigo 35 da Lei n. 8.212/91, com a
redação da Lei n. 9.528/97, não está em conflito com o disposto no artigo 106, inciso II,
alínea c, do Código Tributário Nacional, não havendo falar-se em ofensa ao artigo 146,
inciso III, alínea b, do Diploma Fundamental. O recorrente sustenta que, procedendo-se
a “uma detida análise da questão da hierarquia das normas jurídicas (...)” chega-se à “(...)
conclusão que (sic) não há no Sistema Constitucional Brasileiro diferença hierárquica
entre as leis complementares e as leis ordinárias” (folha 119). Salienta que as “leis
ordinárias não extraem seu fundamento de validade das leis complementares, mas da
Constituição Federal” (folha 120). Seguindo tal raciocínio, argumenta que, “para verifi-
carmos a aplicabilidade da restrição imposta pela Lei n. 9.528/97 para a redução das
multas moratórias para o pagamento de contribuições previdenciárias, não podemos
dizer que há norma de hierarquia superior que a invalide, mas devemos analisar se tal
restrição encontra-se dentro de seu âmbito material” (folha 122). Ressalta que “a restri-
ção imposta pela Lei n. 9.528/97 para que a redução das multas moratórias se desse
apenas para os fatos geradores ocorridos a partir de abril de 1997 não é matéria reservada
ao legislador complementar. Dirige-se especificamente às contribuições previdenciárias
e encontra seu fundamento de validade no texto Constitucional, que outorga à União
competência para criar, aumentar e até mesmo reduzir os tributos, e respectivos
R.T.J. — 197 1043

consectários, de sua competência” (folha 123). Alude ao artigo 144 do Código Tributá-
rio Nacional e afirma que o preceito, ao referir-se ao lançamento, vincula-se à data da
ocorrência do fato gerador e à lei então vigente, mesmo que já tenha sido modificada ou
revogada. Dessa forma, entende que a Lei n. 9.528/97 não poderia atingir os débitos
anteriores “não só porque expressamente previsto em seu corpo, mas também, porque
aplicava-se a lei do tempo da ocorrência do fato gerador” (folha 123). Assevera, ainda,
serem diferentes a retroatividade benigna da lei penal e a da lei tributária, a última não
embasada na Constituição Federal. Salienta que apenas é obrigatória a aplicação retro-
ativa da lei tributária no caso do artigo 106, inciso I, do Código Tributário Nacional.
Conclui ser possível e compatível a coexistência dos artigos 35 da Lei n. 8.212/91, com
a redação da Lei n. 9.528/97, e 106, inciso II, alínea c, do Código Tributário Nacional,
“já que a obrigatoriedade da retroatividade da lei tributária somente se dá no caso do
inciso I, do mesmo artigo, quando expressamente é imposta” (folha 126).
Os recorridos apresentaram as contra-razões de folhas 150 a 156, ressaltando estar a
conclusão adotada pela Corte de origem em harmonia com o “direito objetivo vigente”. O
procedimento atinente ao juízo primeiro de admissibilidade está à folha 161.
A Procuradoria-Geral da República, no parecer de folha 172, preconiza o não-
conhecimento do recurso. Refere-se ao parecer exarado no Recurso Extraordinário n.
399.705, assim resumido (folha 173):
Recurso extraordinário. Questões de índole infraconstitucional. Não conhe-
cimento. No mérito. Matéria reservada à lei complementar não pode ser regulada
por lei ordinária. Improvimento do apelo.
1 - “(...) é pacífica a jurisprudência do STF, no sentido de não admitir em RE,
alegação de ofensa indireta à CF, por má interpretação e/ou aplicação e mesmo
inobservância de normas infraconstitucionais.”
2 - Determina o art. 106, II, c, do Código Tributário Nacional, que a aplicação
retroativa da norma mais benéfica sempre que resultar em redução da penalidade
cominada. O art. 35 da Lei n. 8.212/91, modificado pela Lei n. 9.528/97, por sua
vez, restringe a aludida retroatividade benigna, com a expressão “a partir de 1º de
abril de 1997”. A limitação assim posta fere o sistema constitucional, por se tratar
de regra sobre matéria reservada à Lei Complementar, não podendo ser modificada
mediante Lei Ordinária.
3 - Recurso que não comporta conhecimento. No mérito, pelo improvimento.
É o relatório.

VOTO
O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Na interposição deste recurso, foram ob-
servados os pressupostos gerais de recorribilidade. A peça, subscrita por procuradora
federal, foi protocolada no prazo dobrado a que tem jus o recorrente. A publicação do
acórdão atinente aos embargos de declaração deu-se no Diário de 7 de maio de 2003,
quarta-feira (folha 81), ocorrendo a manifestação do inconformismo em 2 de junho
imediato, segunda-feira (folha 115).
1044 R.T.J. — 197

Quanto ao óbice apontado pela Procuradoria-Geral da República, de que se tem


ofensa indireta à Constituição Federal pela errônea interpretação ou aplicação de nor-
mas legais, atente-se para a ementa do acórdão da Corte de origem relativo à Argüição de
Inconstitucionalidade na Apelação Cível n. 1998.04.01.020236 (folha 66):
Constitucional. Normas gerais de Direito Tributário. Aplicação de penali-
dade mais benigna.
1. Conflito existente entre lei ordinária que limita temporariamente a aplica-
ção retroativa de penalidade mais benigna e lei complementar que estabelece a
aplicação a ato não definitivamente julgado. Divergência doutrinária quanto à
existência ou não relativamente à hierarquia.
2. Sempre que uma lei ordinária discrepar de normas gerais de direito tribu-
tário, a incompatibilidade se resolve a favor do texto integrado em lei complemen-
tar ou com força de lei complementar, reconhecendo-se, no caso, vício de
inconstitucionalidade, porque a lei ordinária invadiu competência reservada,
constitucionalmente, à lei complementar.
3. A Constituição não fixou o conceito de “normas gerais de direito tributá-
rio”, enumerando, exemplificativamente algumas delas no art. 146, sendo certo
que nem todas as normas contidas no Código Tributário Nacional podem ser tidas
como tais, ainda que inscritas no Livro II deste. Necessidade, portanto, de análise
caso a caso do dispositivo.
4. São, contudo, “normas gerais” aquelas que, simultaneamente, estabele-
cem os princípios, os fundamentos, as diretrizes, os critérios básicos, conformado-
res das leis que complementarão a regência da matéria e que possam ser aplicadas
uniformemente em todo o País, indiferentemente de regiões ou localidades. Inter-
pretação da expressão constante em diversos artigos constitucionais e abrangendo
vários campos do Direito (Administrativo, Tributário, Financeiro, Ambiental, Ur-
banístico, etc).
5. Hipótese em que o art. 106 do CTN fixa os princípios, as diretrizes, os
critérios de aplicação da penalidade mais benigna e, portanto, é “norma geral de
direito tributário, critério básico a ser aplicado uniformemente, garantia mínima
do contribuinte, que não pode ser alterada por mera lei ordinária”. Legislação
ordinária que invadiu, desta forma, competência reservada à lei complementar —
art. 146, III, b, CF — e, assim, somente passível de alteração por outra lei comple-
mentar.
A partir dessa síntese, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região proclamou,
incidentalmente, a inconstitucionalidade do artigo 35, cabeça, da Lei n. 8.212/91, na
redação dada pela Lei n. 9.528/97, quanto à expressão “para os fatos geradores ocorridos
a partir de 1º de abril de 1997” (folha 93). Constata-se que a glosa decorreu da regência,
por norma ordinária, de matéria própria à norma complementar, considerando-se que o
artigo 106 do Código Tributário Nacional, recebido com natureza de diploma comple-
mentar, impõe a aplicação de nova norma a fato pretérito, quando cominada penalidade
menos severa que a prevista na lei vigente ao tempo de sua prática. O recurso veio
interposto pela alínea b do inciso III do artigo 102 da Constituição Federal, no que se
R.T.J. — 197 1045

concluiu, na origem, pela inconstitucionalidade do ato normativo, apenas cumprindo


definir não o conflito, em si, entre a Lei n. 8.212/91, na nova redação, e o disposto no
Código Tributário Nacional, mas a invasão, pela lei ordinária, de campo reservado a lei
complementar.
No mais, observe-se o fato de consubstanciar garantia constitucional a irretroativi-
dade da lei penal, exceto para beneficiar o réu. O preceito do inciso XL do artigo 5º da
Constituição Federal há de ser tomado a partir de óptica teleológica, não se devendo
potencializar o fato de se aludir a réu e de se ter o emprego da expressão “lei penal”.
Cumpre o empréstimo da maior eficácia possível a textos constitucionais que tratem de
garantia para o cidadão. Daí a melhor doutrina — Roque Antonio Carrazza — entender
o disposto no inciso em comento como a albergar toda e qualquer lei que encerre pena,
ainda que de multa, pouco importando o envolvimento, ou não, de réu, de procedimento
a revelar ação penal — Curso de Direito Constitucional Tributário, Malheiros, São
Paulo, 2001, pp. 306/307, doutrina citada, no acórdão relativo ao julgamento da apela-
ção, pelo relator, juiz Luiz Carlos de Castro Lugon. Esse enfoque, todavia, não é indis-
pensável a chegar-se ao desprovimento do recurso do Instituto. A conclusão da Corte de
origem quanto a ter-se norma que verse sobre pena tributária de multa é inafastável. O
artigo 146, inciso III, da Constituição Federal, ao dispor competir à lei complementar
estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, mostra-se exemplificati-
vo, na referência que se segue a certos temas nas alíneas. Isso decorre do fato de as alíneas
estarem antecedidas de texto contendo o vocábulo “especialmente”, evidenciando-se, é
de repetir, a clara natureza exemplificativa. A multa tributária diz respeito à seara das
normas gerais, porquanto há de ser imposta de forma linear no território nacional, não se
fazendo com especificidade limitadora geograficamente. O legislador ordinário, ao pro-
ceder, como fez, à disciplina da matéria, limitando no tempo o benefício que estampou
a redução da multa, adentrou, sem dúvida alguma, o trato de norma geral tributária,
conflitando a regência — por lei ordinária — com o teor do artigo 146, III, b, da Consti-
tuição Federal. Em última análise, a lei ordinária acabou limitando a regra da lei comple-
mentar que, sob o ângulo retroativo, surge abrangente. Daí a inconstitucionalidade
declarada pela Corte de origem.
Por tais razões, conheço e desprovejo o recurso interposto, declarando a inconsti-
tucionalidade da expressão “para os fatos geradores ocorridos a partir de 1º de abril de
1997”, constante do artigo 35 da Lei n. 8.212/91, com a redação imprimida pela Lei n.
9.528/97.

O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Ministro Marco Aurélio, trata-se do


artigo 35 da Lei n. 8.212/91, com a redação “para os fatos geradores ocorridos a partir 1º
de abril de 1987” dada pela Lei n. 9.528, de 10 de dezembro de 1997. Correto? Ocorre
que o dispositivo do artigo 35, hoje, tem nova redação dada pela Lei n. 9.876, de 26 de
novembro de 1999:
“Art. 35. Sobre as contribuições sociais em atraso, arrecadadas pelo INSS,
incidirá multa de mora, que não poderá ser relevada, nos seguintes termos:”
A regra do artigo 35, que restringia a partir de 1º de abril de 1977, foi alterada pela
redação dada pela Lei n. 9.876, de 26 de novembro de 1999. Mas, no caso, estamos
1046 R.T.J. — 197

perante uma situação concreta, em que provavelmente exige-se multa com base na reda-
ção anterior. Deve ser uma situação dessa natureza. Então, temos que resolver o caso
concreto e reconhecer o direito.
O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Declarada a inconstitucionalidade da norma.
O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Para efeitos da norma, porque a norma já
não existe.
O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Incidental, mas tem sido utilizada a técnica
de declaração incidental, com certa redação.
O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Para esse efeito, em relação aos fatos da
causa, porque a norma não mais existe.
O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Só não teremos a comunicação ao Senado
Federal, porque ela tem o objetivo de suspender a execução da norma. Vossa Excelência
tem toda razão.
O Sr. Ministro Carlos Velloso (Relator): Ministro Marco Aurélio, a lei veio apenar
mais severamente?
O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Menos severamente, mas limitou a dimi-
nuição da pena. E aí, o Tribunal de origem proclamou — e eu agora já endosso — que,
ao fazê-lo, o legislador ordinário atuou em campo reservado à lei complementar e alte-
rou o próprio Código Tributário Nacional que tem uma norma linear revelando que a lei
mais benéfica, sob o ângulo da multa, é retroativa.
O Sr. Ministro Carlos Velloso: De fato, o Código Tributário Nacional, no artigo
106, II, c, regula a aplicação da lei a caso pretérito. Uma das hipóteses é justamente
quando deixa de definir como infração ou “quando lhe comine penalidade menos severa
que a prevista na lei vigente ao tempo da sua prática”.
O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Vossa Excelência não entende que essa
norma do Código Tributário Nacional é complementar?
O Sr. Ministro Carlos Velloso: Sem dúvida.
O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Aí surge o questionamento: poderia uma
norma de patamar inferior, uma norma ordinária propriamente dita, não no sentido leigo,
alterar e restringir?
O Sr. Ministro Carlos Velloso: Daquilo que é norma geral, não poderia.
O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Essa premissa da decisão da Corte de
origem é a do meu voto.
O Sr. Ministro Carlos Velloso: A minha dúvida é se a colisão com norma geral
tributária se resolve no campo da legalidade. Poder-se-ia falar em inconstitucionalidade?
O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Não, Excelência. Veja: aqui, estamos dis-
cutindo se o legislador ordinário invadiu o campo reservado, pela Carta da República,
ao legislador complementar. O conflito é com o artigo 146 da Constituição Federal.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: É o contraste substancial entre a norma com-
plementar e a norma ordinária, que tratou de matéria reservada à lei complementar.
R.T.J. — 197 1047

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Vamos esquecer o Código Tributário Na-
cional. Não houvesse o Código Tributário Nacional e viesse essa norma, mas sob o
cunho ordinário, não estaria a conflitar com o artigo 146 da Constituição Federal, no que
exige lei complementar? Estaria.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Assentada que a norma é de hierarquia comple-
mentar, exige lei complementar, pouco importa até se lhe fosse idêntica a lei ordinária:
haveria a inconstitucionalidade formal.
O Sr. Ministro Carlos Britto: Invasão de campo reservado à lei complementar. Só
por curiosidade, Sr. Presidente, todos sabemos — desde, pelo menos, Souto Maior
Borges e Geraldo Ataliba, também — que Geraldo se retratou depois da monografia de
Souto Maior, quando afirmou que não havia uma hierarquia entre as leis.
O Sr. Ministro Carlos Velloso: Em seu primeiro livro, Geraldo fala na superioridade
hierárquica. Depois da monografia, que se tornou livro, do professor Souto Maior
Borges, Ataliba se retratou, dizendo que se rendia ao mestre Souto Maior Borges. Mas há
um tipo de lei complementar com hierarquia superior: aquele, por exemplo, do artigo 59,
parágrafo único, da Constituição, que regula o fazimento de leis ordinárias e até de lei
complementar.
Se os meus Colegas, que votam antes de mim, estiverem de acordo, anteciparia o
pedido de vista; e prometeria trazê-lo...
O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Não prometa. Depende da organização
da pauta.
O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Só teremos espaço daqui a dois anos para
o reingresso desse processo.
O Sr. Ministro Carlos Velloso (Relator): Sr. Presidente, está bem.
O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Vossa Excelência pede vista?
O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Não, não. Se pudesse eu trazer em breve...
O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Acompanha o voto do Relator?
O Sr. Ministro Carlos Velloso: Acompanho o Relator.
O Sr. Ministro Carlos Britto: Deixemos assentado o seguinte: não se trata, tecnica-
mente, de hierarquia entre lei complementar e lei ordinária. Apenas a lei complementar
tem seu regime jurídico definido pelo seu processo de elaboração diferenciado e por um
campo material de incidência previamente reservado pela Constituição.
Entretanto, em matéria de tecnologia legislativa, há uma ascendência da lei com-
plementar, segundo o parágrafo único do artigo 59.
O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Tanto que a lei ordinária não pode revogar
a complementar.
O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Evidente que não.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Isso nos levaria à ilegalidade. Na técnica do
recurso extraordinário, se formos cogitar da incompatibilidade material, isso nos levaria
a não poder examinar o problema, porque o vício é de ilegalidade. Agora, há vício de
inconstitucionalidade se se conclui que a matéria é de reserva de lei complementar. Aí a
inconstitucionalidade independe do conteúdo da lei ordinária.
1048 R.T.J. — 197

O Sr. Ministro Carlos Velloso (Relator): De inconstitucionalidade formal.


O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Mesmo que materialmente não seja
contrária.

EXTRATO DA ATA
RE 407.190/RS — Relator: Ministro Marco Aurélio. Recorrente: Instituto Nacional
do Seguro Social – INSS (Advogada: Jaqueline Maggioni Piazza). Recorridos: Calçados
Pôr-do-sol Ltda. e outro (Advogados: Erli Terezinha dos Santos e outro).
Decisão: O Tribunal, por unanimidade, conheceu e negou provimento ao recurso,
declarando a inconstitucionalidade da expressão “para os fatos geradores ocorridos a
partir de 1º de abril de 1997”, constante do caput do artigo 35 da Lei n. 8.212, de 24 de
julho de 1991, com a redação dada pela Lei n. 9.528, de 10 de dezembro de 1997. Votou
o Presidente, Ministro Nelson Jobim. Ausentes, justificadamente, o Ministro Celso de
Mello e, neste julgamento, o Ministro Eros Grau.
Presidência do Ministro Nelson Jobim. Presentes à sessão os Ministros Sepúlveda
Pertence, Carlos Velloso, Marco Aurélio, Ellen Gracie, Gilmar Mendes, Cezar Peluso,
Carlos Britto, Joaquim Barbosa e Eros Grau. Procurador-Geral da República, Dr. Cláudio
Lemos Fonteles.
Brasília, 27 de outubro de 2004 — Luiz Tomimatsu, Secretário.

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO 414.828 — SC

Relator: O Sr. Ministro Celso de Mello


Agravante: Instituto Nacional do Seguro Social – INSS — Agravada: Erica Farias
Muller ou Erica Muller Farias
Recurso extraordinário — Benefício previdenciário da pensão por
morte — Revisão (Lei n. 9.032/95) — Debate em torno da ocorrência, no
caso concreto, de situação que pode caracterizar, ou não, a existência, na
espécie, de direito adquirido — Hipótese regida pelo art. 6º da Lei de
Introdução ao Código Civil (LICC) — Contencioso de mera legalidade —
Configuração, quando muito, de ofensa reflexa ao texto constitucional —
Inviabilidade do recurso extraordinário — Recurso improvido.
— A necessidade de constatação, em cada caso ocorrente, da confi-
guração, ou não, do direito adquirido, do ato jurídico perfeito e da coisa
julgada faz instaurar contencioso de mera legalidade, desvestido, por isso
mesmo, de qualificação constitucional, eis que reside, na lei (LICC, art.
6º) — e nesta, tão-somente — a “sedes materiae” pertinente ao delineamento
conceitual dos requisitos caracterizadores de tais institutos. Precedentes.
R.T.J. — 197 1049

— A decisão judicial que reconhece caracterizada, ou não, no caso


concreto, a ocorrência do direito adquirido, do ato jurídico perfeito e/ou
da coisa julgada, independentemente da controvérsia de direito intertem-
poral, regida por norma de sobredireito (CF, art. 5º, XXXVI), projeta-se
em domínio revestido de caráter eminentemente infraconstitucional, não
viabilizando, desse modo, por incabível, o acesso à via recursal extraordi-
nária. Precedentes.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tri-
bunal Federal, em Segunda Turma, na conformidade da ata do julgamento e das notas
taquigráficas, por unanimidade de votos, negar provimento ao recurso de agravo, nos
termos do voto do Relator. Ausente, justificadamente, neste julgamento, o Ministro
Gilmar Mendes.
Brasília, 14 de junho de 2005 — Celso de Mello, Presidente e Relator.

RELATÓRIO
O Sr. Ministro Celso de Mello: Trata-se de recurso de agravo, tempestivamente
interposto, contra decisão que não conheceu do recurso extraordinário deduzido pela
parte ora recorrente.
Eis o teor da decisão, que, por mim proferida, sofreu a interposição do presente
recurso de agravo:
“A parte ora recorrente, ao deduzir o presente apelo extremo, sustentou que
o Tribunal a quo teria transgredido preceitos inscritos na Constituição da Repú-
blica.
O exame da presente causa, no entanto, evidencia que o recurso extraordiná-
rio não se mostra processualmente viável, eis que a controvérsia nele suscitada
traduz situação configuradora de ofensa meramente reflexa ao texto da Consti-
tuição.
Com efeito, a suposta ofensa ao texto constitucional, acaso existente, apre-
sentar-se-ia por via reflexa, eis que a sua constatação reclamaria — para que se
configurasse — a formulação de juízo prévio de legalidade, fundado na alegada
vulneração e infringência de diplomas de ordem meramente legal (Lei n. 8.213/91
e Lei n. 9.032/95). Não se tratando, pois, de conflito direto e frontal com o texto da
Constituição, como exigido pela jurisprudência da Corte (RTJ 120/912, Relator
Min. Sydney Sanches — RTJ 132/455, Relator Min. Celso de Mello), torna-se
inviável o trânsito do presente recurso extraordinário.
Impõe-se registrar, finalmente, que o entendimento exposto nesta decisão
tem sido observado em julgamentos proferidos no âmbito do Supremo Tribunal
Federal, nos quais se tem reconhecido que a matéria versada na presente causa foi
examinada pelo Tribunal recorrido com fundamento em legislação simplesmente
ordinária (AI 531.029/RS, Relator Min. Cezar Peluso — RE 400.087/AL, Relator
1050 R.T.J. — 197

Min. Carlos Britto — RE 437.384-AgR/RS, Relator Min. Carlos Velloso — RE


442.295/PR, Relator Min. Celso de Mello, v.g.), em ordem a afastar, por tal razão,
a possibilidade de conhecimento do apelo extremo, considerada a existência, na
espécie, de contencioso de mera legalidade.
Sendo assim, pelas razões expostas, não conheço do presente recurso extra-
ordinário.
(...)
Ministro Celso de Mello
Relator”
Inconformada com esse ato decisório, a parte ora agravante interpõe o presente
recurso, postulando o conhecimento e o provimento do recurso extraordinário que de-
duziu (fls. 100/114).
Por não me convencer das razões expostas, submeto, à apreciação desta Colenda
Turma, o presente recurso de agravo.
É o relatório.

VOTO
O Sr. Ministro Celso de Mello (Relator): Não assiste razão à parte ora recorrente,
eis que a decisão agravada ajusta-se, com integral fidelidade, à diretriz jurisprudencial
que a colenda Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal firmou na matéria ora em
exame.
A compreensão do tema ora em exame — versando, especificamente, a controvér-
sia em causa (revisão de benefício de pensão por morte, na forma da Lei n. 9.032/95) —
foi reafirmada em julgamento colegiado proferido por esta Colenda Segunda Turma
do Supremo Tribunal Federal (RE 437.384-AgR/RS, Rel. Min. Carlos Velloso):
“Constitucional. Recurso extraordinário. Ofensa à Constituição.
I - A questão constitucional invocada no recurso — CF, art. 5º, XXXVI —
não foi apreciada e decidida no acórdão recorrido, incidindo as Súmulas 282 e
356-STF.
II - A verificação, no caso concreto, da existência, ou não, do direito adqui-
rido situa-se no campo infraconstitucional.
III - Agravo não provido.”
Cabe referir, no ponto, a fundamentação constante do douto voto que o emi-
nente Ministro Carlos Velloso, como Relator, proferiu no julgamento da causa ora
mencionada:
“A questão constitucional que autoriza a admissão do recurso extraordiná-
rio é aquela que foi expressamente decidida no acórdão atacado. Quer dizer, a
questão constitucional há de ter sido posta à decisão da Corte e por esta decidida.
Caso verificada omissão no julgado, cumpria ao recorrente, mediante embargos de
declaração, provocar o Tribunal a quo a enfrentar a questão do art. 5º, XXXVI, da
Constituição Federal, o que não fez. Ausente, assim, o necessário prequestiona-
mento do tema.
R.T.J. — 197 1051

Ademais, o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada encon-


tram proteção em dois níveis: em nível infraconstitucional, na Lei de Introdução
ao Código Civil, art. 6º, e em nível constitucional, art. 5º, XXXVI, CF. Todavia, o
conceito de tais institutos não se encontra na Constituição, art. 5º, XXXVI, mas na
lei ordinária, art. 6º da LICC. Assim, a decisão que dá pela ocorrência, ou não, no
caso concreto, de tais institutos situa-se no contencioso de direito comum, que não
autoriza a admissão do RE.” (Grifei)
Impende assinalar que a espécie em análise registra situação idêntica à que
resulta do precedente ora mencionado, o que torna evidente a impossibilidade de aco-
lher-se, no caso, a postulação recursal deduzida pelo INSS.
Cumpre ter presente, a propósito do fundamento invocado pela entidade autár-
quica ora recorrente, que, em tema de direito adquirido — tanto quanto em referência
à coisa julgada e ao ato jurídico perfeito —, a jurisprudência assentada pelo Supremo
Tribunal Federal (AI 238.589-AgR/SP, Rel. Min. Moreira Alves — AI 368.091-AgR/SP,
Rel. Min. Carlos Velloso — RE 292.766-AgR/CE, Rel. Min. Maurício Corrêa) firmou
orientação, reiterada em diversos julgamentos, no sentido de que “Saber, independen-
temente de questão de direito intertemporal, se foi violado, ou não, direito que se
adquiriu pelo preenchimento da hipótese de incidência de uma lei é matéria que se
resolve no terreno da legalidade, e não da constitucionalidade” (AI 254.540-AgR/PE,
Rel. Min. Moreira Alves — grifei).
Vale rememorar, neste ponto, por relevante, que essa diretriz jurisprudencial
tem prevalecido em sucessivos julgamentos proferidos por esta Suprema Corte, cabendo
referir, a esse propósito, decisão, que, emanada da Colenda Primeira Turma do Su-
premo Tribunal Federal, está assim ementada:
“O sistema constitucional brasileiro, em cláusula de salvaguarda, impõe
que se respeite o direito adquirido (CF,art. 5º, XXXVI). A Constituição da Repú-
blica, no entanto, não apresenta qualquer definição de direito adquirido, pois,
em nosso ordenamento positivo, o conceito de direito adquirido representa ma-
téria de caráter meramente legal.
Não se pode confundir, desse modo, a noção conceitual de direito adquirido
(tema da legislação ordinária) com o princípio inerente à proteção das situações
definitivamente consolidadas (matéria de extração constitucional), pois é apenas
a tutela do direito adquirido que ostenta natureza constitucional, a partir da
norma de sobredireito inscrita no art. 5º, XXXVI, da Carta Política.
Tendo-se presente o contexto normativo que vigora no Brasil, é na lei — e
nesta, somente — que repousa o delineamento dos requisitos concernentes à ca-
racterização do significado da expressão direito adquirido.
É ao legislador comum, portanto — sempre a partir de uma livre opção
doutrinária feita dentre as diversas correntes teóricas que buscam determinar o
sentido conceitual desse instituto — que compete definir os elementos essenciais
à configuração do perfil e da noção mesma de direito adquirido.
Cabe ter presente, por isso mesmo, a ampla discussão, que, travada entre os
adeptos da teoria subjetiva e os seguidores da teoria objetiva, influenciou, deci-
1052 R.T.J. — 197

sivamente, o legislador ordinário brasileiro na elaboração da Lei de Introdução


ao Código Civil (LICC), pois, como se sabe, a LICC de 1916 (que entrou em vigor
em 1917) consagrou a doutrina sustentada pelos subjetivistas (art. 3º), enquanto a
LICC de 1942, em seu texto, prestigiou a teoria formulada pelos objetivistas (art.
6º), muito embora o legislador, com a edição da Lei n. 3.238/57, que alterou a
redação do art. 6º da LICC/42, houvesse retomado os cânones inspiradores da
formulação doutrinária de índole subjetivista que prevaleceu, sob a égide dos
princípios tradicionais, na vigência da primeira Lei de Introdução ao Código
Civil (1916).
Em suma: se é certo que a proteção ao direito adquirido reveste-se de qua-
lificação constitucional, consagrada que foi em norma de sobredireito que disci-
plina os conflitos das leis no tempo (CF, art. 5º, XXXVI), não é menos exato —
considerados os dados concretos de nossa própria experiência jurídica — que a
positivação do conceito normativo de direito adquirido, ainda que veiculável
em sede constitucional, submete-se, no entanto, de lege lata, ao plano estrito da
atividade legislativa comum.”
(RTJ 171/275-277, Relator Min. Celso de Mello)
Essa mesma percepção do tema tem sido observada pela Colenda Segunda Turma
desta Corte, cujos julgamentos — reafirmando tal diretriz jurisprudencial (AI 368.091-
AgR/SP, Rel. Min. Carlos Velloso — AI 372.638-AgR/PA, Rel. Min. Carlos Velloso —
AI 437.139-AgR/RJ, Rel. Min. Carlos Velloso, v.g.) — têm enfatizado, sobre a matéria
em questão, que “o conceito (...) de direito adquirido não está na Constituição, está na
Lei de Introdução (...)” (AI 367.261-AgR/SC, Rel. Min. Carlos Velloso — grifei):
“A verificação, no caso concreto, da ocorrência, ou não, de violação ao
direito adquirido, ao ato jurídico perfeito e à coisa julgada situa-se no campo
infraconstitucional.”
(AI 418.766-AgR/GO, Rel. Min. Carlos Velloso, 2ª Turma — grifei)
Não constitui demasia assinalar, neste ponto, que o pensamento jurisprudencial
desta Suprema Corte, que se consolidou em torno da qualificação meramente legal
pertinente ao direito adquirido (como se vem de demonstrar), é igualmente extensível,
por identidade de razões, à coisa julgada e ao ato jurídico perfeito (eis que também
inexiste, quanto a estes institutos, um conceito normativo fundado no texto da própria
Constituição), o que permite reconhecer, em tais hipóteses, a inocorrência de
contencioso de constitucionalidade, circunstância esta que provoca, como imediata
conseqüência de ordem processual, a incognoscibilidade do recurso extraordinário
(RTJ 158/327 — RTJ 182/746, v.g.):
“— A discussão em torno da integridade da coisa julgada, por reclamar
análise prévia e necessária dos requisitos legais, que, em nosso sistema jurídico,
conformam o fenômeno processual da res judicata, torna incabível o recurso
extraordinário.
É que, em tal hipótese, a indagação em torno do que dispõe o art. 5º, XXXVI,
da Constituição — por supor o exame, in concreto, dos limites subjetivos (CPC,
art. 472) e/ou objetivos (CPC, arts. 468, 469, 470 e 474) da coisa julgada — traduz
R.T.J. — 197 1053

matéria revestida de índole infraconstitucional, podendo caracterizar situação de


eventual conflito indireto com o texto da Carta Política (RTJ 182/746), circuns-
tância que pré-exclui a possibilidade de adequada utilização do recurso extraor-
dinário. Precedentes.”
(AI 452.174-AgR/GO, Rel. Min. Celso de Mello)
“— A questão pertinente à definição formal dos limites objetivos da res
judicata submete-se ao domínio normativo da lei ordinária, não se revestindo, em
conseqüência, da estatura constitucional necessária à interposição do recurso
extraordinário.”
(RTJ 161/284, Relator Min. Celso de Mello)
“(...) A coisa julgada é instituto de direito processual. O § 3º do artigo 153
da Constituição da República é norma dirigida a legislador ordinário, vedando-
lhe que edite lei que ofenda a coisa julgada.”
(RTJ 112/1270, Relator Min. Alfredo Buzaid — grifei)
Cumpre ressaltar, ainda, na linha do que se vem acentuando a respeito do direito
adquirido e da coisa julgada, que também a alegação de ofensa ao princípio da
intangibilidade do ato jurídico perfeito, só por si, não basta para viabilizar o acesso à
via recursal extraordinária, eis que o exame desse tema situa-se, em regra, no plano
infraconstitucional (AI 351.286-AgR/RJ, Rel. Min. Celso de Mello), podendo, quando
muito, dar ensejo a simples ocorrência de conflito meramente indireto com o texto da
Carta Política.
É por essa razão que o Supremo Tribunal Federal, ao pronunciar-se sobre essa
específica questão, tem enfatizado que a verificação sobre “se o ato jurídico devidamente
aperfeiçoado foi, ou não, observado é também questão que se situa exclusivamente no
terreno infraconstitucional” (AI 254.540-AgR/PE, Rel. Min. Moreira Alves — AI
282.423-AgR/PR, Rel. Min. Octavio Gallotti, v.g. — grifei).
Em suma: a necessidade de constatação, em cada caso ocorrente, da configura-
ção, ou não, do direito adquirido, do ato jurídico perfeito e da coisa julgada faz instau-
rar contencioso de mera legalidade, desvestido, por isso mesmo, de qualificação cons-
titucional, eis que reside, na lei (LICC, art. 6º) — e nesta, tão-somente — a sedes
materiae pertinente ao delineamento conceitual dos requisitos caracterizadores de tais
institutos.
Desse modo, a decisão judicial que reconhece caracterizada, ou não, no caso
concreto, a ocorrência do direito adquirido, do ato jurídico perfeito e/ou da coisa
julgada, independentemente da controvérsia de direito intertemporal, regida por norma
de sobredireito (CF, art. 5º, XXXVI), projeta-se em domínio revestido de caráter emi-
nentemente infraconstitucional, não viabilizando, por incabível, o acesso à via recursal
extraordinária.
O que resulta claro, portanto, do caso ora em exame, Senhores Ministros, é que
a situação de ofensa meramente reflexa ao texto constitucional, ainda que eventual-
mente ocorrente na espécie, não bastará, só por si, para viabilizar o acesso à via
recursal extraordinária, consoante reiteradas advertências fundadas em julgamentos
emanados do Supremo Tribunal Federal (RTJ 120/912, Rel. Min. Sydney Sanches —
RTJ 132/455, Rel. Min. Celso de Mello, v.g.).
1054 R.T.J. — 197

Sendo assim, em face das razões expostas, nego provimento ao presente recurso
de agravo, mantendo, em conseqüência, por seus próprios fundamentos, a decisão ora
agravada.
É o meu voto.

EXTRATO DA ATA
RE 414.828-AgR/SC — Relator: Ministro Celso de Mello. Agravante: Instituto
Nacional do Seguro Social – INSS (Advogado: Luysien Coelho Marques Silveira).
Agravada: Erica Farias Muller ou Erica Muller Farias (Advogado: Márcio Timotheo
Lenzi).
Decisão: A Turma, por votação unânime, negou provimento ao recurso de agravo,
nos termos do voto do Relator. Ausente, justificadamente, neste julgamento, o Ministro
Gilmar Mendes.
Presidência do Ministro Celso de Mello. Presentes à sessão os Ministros Carlos
Velloso, Ellen Gracie e Joaquim Barbosa. Ausente, justificadamente, o Ministro Gilmar
Mendes. Subprocuradora-Geral da República, Dra. Sandra Verônica Cureau.
Brasília, 14 de junho de 2005 — Carlos Alberto Cantanhede, Coordenador.

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO 463.210 — SP

Relator: O Sr. Ministro Carlos Velloso


Agravante: Município de Santo André — Agravado: Ministério Público do Estado
de São Paulo
Constitucional. Atendimento em creche e pré-escola.
I - Sendo a educação um direito fundamental assegurado em várias
normas constitucionais e ordinárias, a sua não-observância pela Admi-
nistração Pública enseja sua proteção pelo Poder Judiciário.
II - Agravo não provido.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tri-
bunal Federal, em Segunda Turma, sob a Presidência do Ministro Celso de Mello, na
conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos,
negar provimento ao recurso de agravo, nos termos do voto do Relator. Ausente,
justificadamente, neste julgamento, a Ministra Ellen Gracie.
Brasília, 6 de dezembro de 2005 — Carlos Velloso, Relator.
R.T.J. — 197 1055

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Carlos Velloso: Trata-se de agravo regimental, interposto pelo


Município de Santo André, da decisão que negou seguimento ao recurso extraordinário
(fls. 194-200), ao entendimento de ser responsabilidade do Município disponibilizar
vagas em creches para crianças de zero a seis anos de idade.
Sustenta o agravante, em síntese, o seguinte:
a) indevida ingerência do Judiciário no poder discricionário do Executivo, ao
obrigar as matrículas das crianças em creches;
b) a questão em debate envolve aspectos de orçamento e disponibilidade de Erário.
É o relatório.

VOTO
O Sr. Ministro Carlos Velloso (Relator): Assim a decisão agravada, por mim
proferida:
“(...)
Em caso semelhante, RE 402.024/SP, proferi a seguinte decisão:
‘O acórdão recorrido decidiu:
‘(...)
A matéria debatida nestes autos diz respeito à obrigação da
municipalidade em disponibilizar ou não vagas em creches para crianças
de zero a seis anos de idade.
Sustenta a apelante que tal obrigação não existe para ela, pois a
Constituição Federal, em seus arts. 208 e 211, lhe impôs apenas a entrega
do ensino fundamental e não a da educação infantil.
A tese da municipalidade-apelante, a partir da Emenda Constitu-
cional n. 14/96, perdeu todo o seu sabor acadêmico, já que, com sua
promulgação, ficou assentado no § 2º do art. 211 da CF, que ‘os muni-
cípios atuarão prioritariamente no ensino fundamental e na educa-
ção infantil.’
Então, se a CF impôs ao Município prover com prioridade o ensino
fundamental e a educação infantil é porque lhe ordenou o dever de
observar com primazia essas áreas educacionais, sendo que, por educa-
ção infantil, há de se entender o ensino de crianças de zero a seis anos
de idade, quer com o rótulo de creche ou de pré-escola.
Aliás, isso é o que está expresso no inciso IV do art. 54 do ECA,
que acentuou o dever do Estado em assegurar às crianças de zero a seis
anos de idade ‘atendimento em creche e pré-escola.’
(...).’ (Fls. 93/94)
1056 R.T.J. — 197

Nos embargos de declaração, pretendeu o Município o prequestiona-


mento dos artigos 2º; 206, caput e inciso VII; 208, I e VII, e seus parágrafos;
e 249; todos da CF (fls. 97-98).
Sustenta-se, no RE, ofensa aos arts. 2º; 165; 169; 206, I, VI e VII; 208,
I e II, redação da EC 14; e 211, § 2º, primeira parte; todos da CF.
Primeiro que tudo, verifica-se o não-prequestionamento das questões
constitucionais dos arts. 165 e 169 e dos incisos I e VI do art. 206. Esclareça-se
que a interposição dos embargos de declaração, vale dizer, a sua simples
interposição, realiza o prequestionamento de questões que vinham sendo
debatidas e que o acórdão se omitiu. É o que deflui das Súmulas 282 e 356,
do Supremo Tribunal.
Examinemos o recurso.
Destaco do parecer do ilustre Subprocurador-Geral Prof. Geraldo
Brindeiro:
‘(...)
11. Conquanto tenha entendido o E. Desembargador Denser de
Sá que a admissibilidade do apelo extremo se restringiria ao art. 211, §
2º é forçoso reconhecer que também o art. 208 foi prequestionado,
como se verifica do decisum do Tribunal a quo: ‘Sustenta a apelante
que tal obrigação não existe para ela, pois a Constituição Federal, em
seus arts. 208 e 211, lhe impôs apenas a entrega do ensino fundamental
e não o de educação infantil. A tese da municipalidade-apelante, a
partir da Emenda Constitucional n. 14/96, perdeu todo o seu saber
acadêmico, já que com sua promulgação, ficou assentado no § 2º, do
art. 211, da Constituição Federal que ‘os municípios atuarão prioritaria-
mente no ensino fundamental e na educação infantil.’
12. É induvidoso que a questão em tela é normatizada por normas
infraconstitucionais, como a Lei 9.424, de 24 de dezembro de 1996 e a
Lei 9.394 de 20-12-96, cujo desrespeito não enseja recurso extraordi-
nário, uma vez que a ofensa porventura ocorrente dar-se-ia de maneira
reflexa à Constituição Federal, o que inviabiliza o conhecimento do
recurso extraordinário, como assentado em pacífica jurisprudência do
E. Supremo Tribunal Federal:
Agravo Regimental no Recurso Extraordinário n. 347.205 -
São Paulo, Relator Ministro Maurício Corrêa, DJ de 11-4-2003.
‘Agravo regimental em recurso extraordinário matéria
afeta à norma infraconstitucional. Ofensa indireta à Constitui-
ção e reexame de provas. Impossibilidade de conhecimento do
extraordinário. Para que o recurso extraordinário possa ser co-
nhecido a vulneração à norma constitucional há de ser direta e
frontal e não a que exige o prévio exame da legislação ordinária
e reexame de provas. Agravo regimental não provido.’
R.T.J. — 197 1057

13. No mérito, improcedente afigura-se a alegação de ofensa ao


art. 208 da Constituição, porque somente o ensino fundamental seria
de observância obrigatória pelo Estado; bem como a apontada vulne-
ração ao art. 211, § 2º, da Constituição, ao argumento de que seria
atuação do Município prioritária quanto ao ensino fundamental, que
viria em primeiro lugar no texto, e em segundo plano estaria a educa-
ção infantil.
14. Ora, o acórdão recorrido não contrariou tais disposições e sim
acolheu-as, uma vez que o art. 208, IV, da Constituição expressamente
estabelece que ‘o dever do Estado com a Educação será efetivado me-
diante a garantia de atendimento em creche e pré-escola às crianças de
zero a seis anos de idade’.
15. Por sua vez, o art. 211 determina que ‘a União, os Estados, o
Distrito Federal e os Municípios organizarão em regime de colabora-
ção seus sistemas de ensino’ e em seu parágrafo 2º esclarece que a
atuação dos municípios dá-se prioritariamente no ensino fundamental
e na educação infantil. Como visto, não houve violação a esse disposi-
tivo, mas sua concretização.
16. Quanto à alegada ofensa ao princípio da separação de poderes,
entendo não haver restado configurada, uma vez que a educação, nos
termos do art. 205, caput, da Constituição da República ‘é direito de
todos e dever do Estado e da família’. Prescreve, ainda, o art. 227 da
Constituição que ‘é dever da família, da sociedade e do Estado assegu-
rar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à
vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização,
à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e
comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência,
discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.’.
17. Nesse passo, sendo a educação um direito fundamental asse-
gurado em várias normas constitucionais e ordinárias, a sua não-obser-
vância pela administração pública enseja sua proteção pelo Poder Ju-
diciário.
18. Ante o exposto, e pelas razões aduzidas, o parecer é pelo não-
conhecimento do presente recurso extraordinário.
(...).’ (Fls. 164-166)
O RE é, na verdade, inviável.
A uma, porque, com a edição da EC 14, de 1996, ficou estabelecido que
‘os municípios atuarão prioritariamente no ensino fundamental e na educa-
ção infantil’ (CF, art. 211, § 2º, com a EC 14/96).
A duas, não há falar haja o acórdão contrariado o disposto no art. 2º da
CF. É que cabe ao Judiciário fazer valer, no conflito de interesses, a vontade
concreta da lei e da Constituição. Se assim procede, estando num dos pólos
da ação o Estado, o fato de o Judiciário decidir contra a pretensão deste não
implica, evidentemente, ofensa ao princípio da separação dos Poderes, con-
1058 R.T.J. — 197

vindo esclarecer que, conforme lição de Balladore Palieri, constitui caracte-


rística do Estado de Direito sujeitar-se o Estado à Jurisdição.
Finalmente, esclareça-se que o acórdão, para julgar procedente a ação,
utilizou-se de mais de um fundamento suficiente. É que o acórdão invocou,
também, o art. 54, IV, do ECA. Trata-se de disposição infraconstitucional, que
não autoriza a interposição do recurso extraordinário, porque integra o
contencioso de direito comum, certo que o recorrente não atacou o funda-
mento infraconstitucional mediante recurso especial. No recurso especial, que
não foi admitido, limitou-se o recorrente a alegar ofensa ao art. 535, II, CPC.
Incide, no caso, portanto, a Súmula 283-STF.
Aliás, em caso similar, AI 410.646-AgR/SP, agravante o Município de
Santo André, Relator o Ministro Nelson Jobim, decidiu o Supremo Tribunal
Federal:
‘Ementa: Ação civil pública. Garantia de vaga em creche para
menor. Ausência de prequestionamento (Súmula 282 e 356). Funda-
mento do acórdão recorrido não afastado (Súmula 283). Regimental
não provido.’ (DJ de 19-9-2003)
Em outros casos similares, RE 411.518/SP e RE 401.673/SP, recorrente
o Município de Santo André, Relator o Ministro Marco Aurélio, aos recursos
foi negado seguimento, em 3-3-2004 e 26-3-2004, respectivamente.
Do exposto, nego seguimento ao recurso.’
Do exposto, reportando-me ao precedente mencionado, nego seguimento ao
recurso.
(...).” (Fls. 195-200)
A decisão, está-se a ver, é de ser mantida, por seus próprios fundamentos.
Nego provimento ao agravo.

EXTRATO DA ATA
RE 463.210-AgR/SP — Relator: Ministro Carlos Velloso. Agravante: Município
de Santo André (Advogada: Monica Maria Hernandes de Abreu Vicente). Agravado:
Ministério Público do Estado de São Paulo.
Decisão: A Turma, por votação unânime, negou provimento ao recurso de agravo,
nos termos do voto do Relator. Ausente, justificadamente, neste julgamento, a Ministra
Ellen Gracie.
Presidência do Ministro Celso de Mello. Presentes à sessão os Ministros Carlos
Velloso, Gilmar Mendes e Joaquim Barbosa. Ausente, justificadamente, a Ministra Ellen
Gracie. Subprocuradora-Geral da República, Dra. Maria Caetana Cintra Santos.
Brasília, 6 de dezembro de 2005 — Carlos Alberto Cantanhede, Coordenador.
R.T.J. — 197 1059

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO 529.942 — RS

Relator: O Sr. Ministro Celso de Mello


Agravante: União — Agravado: Ricardo Reischak
Agravo de instrumento — Matéria trabalhista — Aplicação de enun-
ciado do Tribunal Superior do Trabalho — Ausência de ofensa direta à
Constituição — Recurso improvido.
— O recurso de revista, no âmbito do processo trabalhista, qualifica-se
como típico recurso de natureza extraordinária, estritamente vocacio-
nado à resolução de questões de direito. O recurso de revista — conside-
rada a natureza extraordinária de que se reveste — não se destina a
corrigir a má apreciação da prova ou a eventual injustiça da decisão.
Doutrina. Precedentes.
O debate em torno da aferição dos pressupostos de admissibilidade
do recurso de revista, notadamente quando o exame de tais requisitos
formais apoiar-se em enunciados sumulares do Tribunal Superior do
Trabalho, não viabiliza o acesso à via recursal extraordinária, por envol-
ver discussão pertinente a tema de caráter eminentemente infraconstitucio-
nal (RTJ 175/363). Precedentes.
— Situações de ofensa meramente reflexa ao texto da Constituição
não viabilizam o acesso à via recursal extraordinária, cuja utilização
supõe a necessária ocorrência de conflito imediato com o ordenamento
constitucional. Precedentes.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tri-
bunal Federal, em Segunda Turma, na conformidade da ata do julgamento e das notas
taquigráficas, por unanimidade de votos, negar provimento ao recurso de agravo, nos
termos do voto do Relator. Ausente, justificadamente, neste julgamento, o Ministro
Joaquim Barbosa.
Brasília, 12 de abril de 2005 — Celso de Mello, Presidente e Relator.

RELATÓRIO
O Sr. Ministro Celso de Mello: Trata-se de recurso de agravo, que, tempestivamente
interposto, insurge-se contra ato decisório que negou provimento ao agravo de instru-
mento deduzido pela parte ora recorrente.
Eis o teor da decisão, que, por mim proferida, sofreu a interposição do presente
recurso de agravo (fls. 122/123):
“A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, em matéria trabalhista,
firmou orientação no sentido de que o debate em torno da aferição dos pressupostos
de admissibilidade do recurso de revista, notadamente quando o exame de tais
1060 R.T.J. — 197

requisitos formais apoiar-se em enunciados sumulares do Tribunal Superior do


Trabalho, não viabiliza o acesso à via recursal extraordinária, por referir-se a
tema de caráter eminentemente infraconstitucional (AI 116.132/SP, Rel. Min.
Rafael Mayer — AI 145.985-AgR/PR, Rel. Min. Celso de Mello — AI 158.011-
AgR/SC, Rel. Min. Celso de Mello — AI 161.882/SP, Rel. Min. Celso de Mello —
AI 175.681-AgR/SP, Rel. Min. Ilmar Galvão — AI 249.675/RS, Rel. Min.
Sepúlveda Pertence — AI 266.463/DF, Rel. Min. Maurício Corrêa — RE
220.918/PI, Rel. Min. Néri da Silveira).
Esta Corte, de outro lado, deixou assentado, ainda em sede processual tra-
balhista, que, em princípio, as alegações de desrespeito aos postulados da legali-
dade, da motivação dos atos decisórios, do contraditório, do devido processo le-
gal, dos limites da coisa julgada e da prestação jurisdicional podem configurar,
quando muito, situações caracterizadoras de ofensa meramente reflexa ao texto da
Constituição (AI 158.928-AgR/PR, Rel. Min. Sydney Sanches — AI 165.054/SP,
Rel. Min. Celso de Mello — AI 174.473/MG, Rel. Min. Celso de Mello – AI
182.811/SP, Rel. Min. Celso de Mello — AI 188.762-AgR/PR, Rel. Min. Sydney
Sanches — RE 236.333/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, v.g.), hipóteses em que
também não se revela cabível o recurso extraordinário.
A espécie ora em exame não foge aos padrões acima mencionados, refletindo,
por isso mesmo, possível situação de ofensa indireta às prescrições da Carta Polí-
tica, circunstância essa que impede — como precedentemente já enfatizado — o
próprio conhecimento do recurso extraordinário (RTJ 120/912, Rel. Min. Sydney
Sanches — RTJ 132/455, Rel. Min. Celso de Mello).
Sendo assim, e pelas razões expostas, nego provimento ao presente agravo
de instrumento, eis que se revela inviável o recurso extraordinário a que ele se
refere.
(...)
Ministro Celso de Mello
Relator”
Inconformada com esse ato decisório, a parte ora agravante interpõe o presente
recurso, postulando o provimento do agravo de instrumento que deduziu, em ordem a
permitir o regular processamento do recurso extraordinário, obstado pela Presidência do
Tribunal de origem (fls. 126/133).
Por não me convencer das razões expostas, submeto, à apreciação desta Colenda
Turma, o presente recurso de agravo.
É o relatório.

VOTO
O Sr. Ministro Celso de Mello (Relator): A pretensão recursal da parte ora agravante
revela-se inacolhível. É que o debate em torno da aferição dos pressupostos de
admissibilidade do recurso de revista, notadamente quando o exame de tais requisitos
formais apoiar-se, como no caso, em enunciados sumulares do Tribunal Superior do
R.T.J. — 197 1061

Trabalho, não viabiliza o acesso à via recursal extraordinária, por envolver discussão
pertinente a tema de caráter eminentemente infraconstitucional.
Esse entendimento acha-se consagrado na jurisprudência do Supremo Tribunal
Federal (AI 116.132/SP, Rel. Min. Rafael Mayer — AI 214.536-AgR/MG, Rel. Min.
Sydney Sanches — AI 250.040-AgR/SP, Rel. Min. Ilmar Galvão, v.g.):
“Temas de direito processual, como aqueles pertinentes ao exame dos pres-
supostos especiais de admissibilidade do recurso de revista (Enunciado 266 da
Súmula/TST), não se revestem de estatura constitucional, subtraindo-se, em con-
seqüência, ao estrito domínio temático do recurso extraordinário.
A decisão que nega seguimento a recurso de revista, desde que fundada em
razões de ordem processual, não importa em ofensa ao postulado constitucional
que consagra a garantia da amplitude de defesa (CF, art. 5º, LV).”
(AI 158.011-AgR/SC, Rel. Min. Celso de Mello)
De outro lado, e ainda em sede processual trabalhista, cabe ter presente que o
Supremo Tribunal Federal deixou assentado que, em regra, as alegações de desrespeito
aos postulados da legalidade, da motivação dos atos decisórios, do contraditório, do
devido processo legal, dos limites da coisa julgada e da prestação jurisdicional podem
configurar, quando muito, situações caracterizadoras de ofensa meramente reflexa ao
texto da Constituição, hipóteses em que também não se revelará cabível o recurso
extraordinário (AI 165.054/SP, Rel. Min. Celso de Mello — AI 174.473/MG, Rel. Min.
Celso de Mello — AI 182.811/SP, Rel. Min. Celso de Mello — AI 188.762-AgR/PR,
Rel. Min. Sydney Sanches — RE 236.333/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, v.g.).
Impende acentuar, ainda, por necessário, que o recurso de revista, no âmbito do
processo trabalhista, qualifica-se como típico recurso de natureza extraordinária, estri-
tamente vocacionado à resolução de questões de direito, consoante enfatiza o magisté-
rio da doutrina (Manoel Antônio Teixeira Filho, “Sistema dos Recursos Trabalhistas”,
p. 254, 5ª ed., 1991, LTr; Arnaldo Süssekind, Délio Maranhão e Segadas Vianna —
c/ participação de João de Lima Teixeira Filho, “Instituições de Direito do Traba-
lho”, vol. 2/1218, item n. 13-D, 13ª ed., 1993, LTr; Carlos Alberto Barata Silva, “Re-
curso de Revista”, in “Processo de Trabalho — Estudos em memória de Coqueijo
Costa”, p. 285, 1989, LTr; José Alberto Couto Maciel, “Recurso de Revista”, pp. 22/
24, 1991, LTr, v.g.).
O recurso de revista, portanto, considerada a natureza extraordinária de que se
reveste, não se destina a corrigir a má apreciação da prova ou a eventual injustiça da
decisão.
O juízo negativo de admissibilidade que eventualmente incida sobre essa modali-
dade excepcional de recurso trabalhista, desde que fundado em razões de ordem mera-
mente processual, não se qualifica — ante a inexistência de tema de direito constitucional
positivo — como causa de ativação da competência recursal extraordinária do Supremo
Tribunal Federal.
Cabe também enfatizar, no que se refere à alegada ofensa ao princípio da lega-
lidade, que o Supremo Tribunal Federal, por mais de uma vez, já acentuou que o
procedimento hermenêutico do Tribunal inferior — que, ao examinar o quadro normativo
1062 R.T.J. — 197

positivado pelo Estado, dele extrai a interpretação dos diversos diplomas legais que o
compõem, para, em razão da inteligência e do sentido exegético que lhes der, obter os
elementos necessários à exata composição da lide — não transgride, diretamente, o
princípio da legalidade (AI 161.396-AgR/SP, Rel. Min. Celso de Mello — AI 192.995-
AgR/PE, Rel. Min. Carlos Velloso).
É por essa razão — ausência de conflito imediato com o texto da Constituição —
que a jurisprudência desta Corte vem enfatizando que “A boa ou má interpretação de
norma infraconstitucional não enseja o recurso extraordinário, sob color de ofensa ao
princípio da legalidade (CF, art. 5º, II)” (RTJ 144/962, Rel. Min. Carlos Velloso —
grifei):
“E é pacífica a jurisprudência do STF, no sentido de não admitir, em RE,
alegação de ofensa indireta à Constituição Federal, por má interpretação de
normas infraconstitucionais (...).”
(AI 153.310-AgR/RS, Rel. Min. Sydney Sanches — grifei)
“A alegação de ofensa ao princípio da legalidade, inscrito no art. 5º, II, da
Constituição da República, não autoriza, só por si, o acesso à via recursal extraor-
dinária, pelo fato de tal alegação tornar indispensável, para efeito de sua consta-
tação, o exame prévio do ordenamento positivo de caráter infraconstitucional,
dando ensejo, em tal situação, à possibilidade de reconhecimento de hipótese de
mera transgressão indireta ao texto da Carta Política. Precedentes.”
(RTJ 189/336-337, Rel. Min. Celso de Mello)
Não foi por outro motivo que o eminente Ministro Moreira Alves, Relator, ao
apreciar o tema pertinente ao postulado da legalidade, em conexão com o emprego do
recurso extraordinário, assim se pronunciou:
“A alegação de ofensa ao artigo 5º, II, da Constituição, por implicar o exa-
me prévio da legislação infraconstitucional, é alegação de infringência indireta
ou reflexa à Carta Magna, não dando margem, assim, ao cabimento do recurso
extraordinário.”
(AI 339.607/MG, Rel. Min. Moreira Alves — grifei)
Quanto à alegação de transgressão ao postulado constitucional da autoridade da
coisa julgada, cabe ter presente a diretriz jurisprudencial prevalecente no Supremo
Tribunal Federal, cuja orientação, no tema, tem enfatizado que a indagação pertinente
aos limites objetivos da res judicata traduz controvérsia “que não se alça ao plano
constitucional do desrespeito ao princípio de observância da coisa julgada, mas se
restringe ao plano infraconstitucional, configurando-se, no máximo, ofensa reflexa à
Constituição, o que não dá margem ao cabimento do recurso extraordinário” (RE
233.929/MG, Rel. Min. Moreira Alves — grifei).
Daí recente decisão desta Suprema Corte, que, em julgamento sobre a questão ora
em análise, reiterou esse mesmo entendimento jurisprudencial:
“Recurso extraordinário — Postulado constitucional da coisa julgada —
Alegação de ofensa direta — Inocorrência — Limites objetivos — Tema de Direito
Processual — Matéria infraconstitucional — Violação oblíqua à Constituição —
Recurso de agravo improvido.
R.T.J. — 197 1063

— Se a discussão em torno da integridade da coisa julgada reclamar análise


prévia e necessária dos requisitos legais, que, em nosso sistema jurídico, confor-
mam o fenômeno processual da res judicata, revelar-se-á incabível o recurso ex-
traordinário, eis que, em tal hipótese, a indagação em torno do que dispõe o art. 5º,
XXXVI, da Constituição — por supor o exame, in concreto, dos limites subjetivos
(CPC, art. 472) e/ou objetivos (CPC, arts. 468, 469, 470 e 474) da coisa julgada —
traduzirá matéria revestida de caráter infraconstitucional, podendo configurar,
quando muito, situação de conflito indireto com o texto da Carta Política, cir-
cunstância essa que torna inviável o acesso à via recursal extraordinária. Prece-
dentes.”
(RE 220.517-AgR/SP, Rel. Min. Celso de Mello, 2ª Turma)
Mostra-se relevante acentuar que essa orientação tem sido observada em sucessi-
vas decisões proferidas no âmbito desta Suprema Corte (AI 268.312-AgR/MG, Rel.
Min. Maurício Corrêa — AI 330.077-AgR/RS, Rel. Min. Celso de Mello — AI
338.927-AgR/RS, Rel. Min. Ellen Gracie — AI 360.269-AgR/SP, Rel. Min. Nelson
Jobim).
Sendo esse o contexto em que proferida a decisão em causa, não vejo como dele
inferir o pretendido reconhecimento de ofensa direta ao que dispõe o art. 5º, XXXVI, da
Carta Política, pois — insista-se — a discussão em torno da definição dos limites subje-
tivos ou objetivos pertinentes à coisa julgada qualifica-se como controvérsia impreg-
nada de natureza eminentemente infraconstitucional, podendo configurar, “no máximo,
ofensa reflexa à Constituição, o que não dá margem a recurso extraordinário” (RTJ
158/327, Relator Min. Moreira Alves — grifei).
Sendo assim, e pelas razões expostas, nego provimento ao presente recurso de
agravo.
É o meu voto.

EXTRATO DA ATA
AI 529.942-AgR/RS — Relator: Ministro Celso de Mello. Agravante: União
(Advogado: Advogado-Geral da União). Agravado: Ricardo Reischak (Advogados:
Ricardo Reischak e outro).
Decisão: A Turma, por votação unânime, negou provimento ao recurso de agravo,
nos termos do voto do Relator. Ausente, justificadamente, neste julgamento, o Ministro
Joaquim Barbosa.
Presidência do Ministro Celso de Mello. Presentes à sessão os Ministros Carlos
Velloso, Ellen Gracie, Gilmar Mendes e Joaquim Barbosa. Compareceu à Turma o Mi-
nistro Nelson Jobim, Presidente do Tribunal, a fim de julgar processo a ele vinculado,
assumindo, nesta ocasião, a Presidência da Turma, de acordo com o art. 148, parágrafo
único, RISTF. Subprocurador-Geral da República, Dr. Francisco Adalberto Nóbrega.
Brasília, 12 de abril de 2005 — Carlos Alberto Cantanhede, Coordenador.
ÍNDICE ALFABÉTICO
A
Int “Abolitio criminis”: inocorrência. (...) Extradição. Ext 925 RTJ 197/18
PrCv Ação de interesse da magistratura: não-configuração. (...) Competência
jurisdicional. AO 1.122-AgR RTJ 197/815
Adm Ação declaratória em curso: irrelevância. (...) Desapropriação. MS 25.006
RTJ 197/522
PrSTF Ação direta de inconstitucionalidade. Descabimento. Ato regulamentar.
ADI 2.618-AgR RTJ 197/204
PrSTF Ação direta de inconstitucionalidade. Emenda à inicial: excepcionalidade.
Lei impugnada: inversão de sentido. Atuação do STF como legislador posi-
tivo: impossibilidade. ADI 1.949-MC RTJ 197/70
Ct Ação direta de inconstitucionalidade. Legitimidade ativa. Partido político.
Perda superveniente da representação no Congresso Nacional. ADI 2.618-
AgR-AgR RTJ 197/822
PrSTF Ação direta de inconstitucionalidade. Não-conhecimento. Proposta de
emenda constitucional. ADI 3.367 RTJ 197/909
PrSTF Ação direta de inconstitucionalidade. Prejudicialidade. Revogação
superveniente da norma impugnada. Emenda Constitucional n. 45/04. ADI
3.085 RTJ 197/875
PrSTF Ação direta de inconstitucionalidade. Propositura. Publicação da norma
impugnada antes do acórdão. Carência da ação: inocorrência. CPC/73, art.
267, VI. ADI 3.367 RTJ 197/909
PrSTF Ação direta de inconstitucionalidade. Suspensão cautelar: eficácia. Lei
primitiva idêntica. ADI 1.949-MC RTJ 197/70
Ct Ação direta: descabimento. (...) Controle concentrado de constitucionali-
dade. ADI 2.938 RTJ 197/452
1068 Açã-Açó — ÍNDICE ALFABÉTICO

Ct Ação originária especial. Objeto restrito. Ressarcimento por danos morais:


descabimento. ADCT da Constituição Federal/88, art. 9º. AOE 16 RTJ 197/3
PrCv Ação originária especial e ação em curso na Justiça Federal. (...)
Litispendência. AOE 16 RTJ 197/3
PrPn Ação penal. Anulação a partir das alegações finais. Prejuízo à defesa. CPP/
41, art. 384: ofensa. HC 86.276 RTJ 197/630
PrPn Ação penal. Conexão. Reunião de processos: faculdade do juiz. CPP/41, art.
80. HC 84.301 RTJ 197/1033
PrPn Ação penal. Procedimento especial. Crime de imprensa. Juizado Especial:
incompetência. Lei de Imprensa. Lei n. 9.099/95, art. 61. HC 86.102 RTJ
197/626
PrPn Ação penal. Programa de Recuperação Fiscal – REFIS. Inclusão antes do
recebimento da denúncia: desnecessidade. Suspensão da pretensão punitiva.
Lei n. 9.964/2000, art. 15. RE 409.730 RTJ 197/672
PrPn Ação penal. Trancamento: descabimento. Justa causa. HC 84.738 RTJ
197/618
PrPn Ação penal privada. Injúria. Complexidade da matéria. Rito: decisão do
juiz. Lei n. 9.099/95, art. 77, § 3º. HC 86.049 RTJ 197/1077
Ct Ação popular. Competência originária do STF: ausência. Ato do presidente
da República. Pet 3.422-AgR RTJ 197/499
PrSTF Ação popular. Negativa de seguimento. Remessa dos autos ao juízo compe-
tente: impossibilidade. Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal –
RISTF, art. 21, § 1º. CPC/73, art. 113, § 2º: inaplicabilidade. Pet 3.422-AgR
RTJ 197/499
PrSTF Ação rescisória. Acórdão de Turma do STF. Recurso extraordinário
inadmitido. Agravo de instrumento: negativa de seguimento. Decisão de
mérito: inexistência. Competência originária do STF: ausência. AR 1.848-
AgR RTJ 197/67
PrSTF Ação rescisória: cabimento e aplicação da Súmula 343. (...) Recurso extraor-
dinário. AI 460.868-AgR RTJ 197/716
Ct Acidente de trabalho. (...) Competência jurisdicional. CC 7.204 RTJ 197/236
PrPn Acórdão criminal. Acusação e condenação: identidade. Princípio da corre-
lação: ofensa inocorrente. HC 83.658 RTJ 197/557
PrPn Acórdão criminal. Decisão do STJ. Nulidade. Pressuposto fático equivocado:
morte do paciente. HC 84.870 RTJ 197/625
PrPn Acórdão criminal. Nulidade. “Habeas corpus”: concessão de ofício. HC
81.319 RTJ 197/267
PrSTF Acórdão de Turma do STF. (...) Ação rescisória. AR 1.848-AgR RTJ 197/67
ÍNDICE ALFABÉTICO — Acu-Alí 1069

Adm Acumulação. (...) Proventos. MS 24.742 RTJ 197/515


PrPn Acusação e condenação: identidade. (...) Acórdão criminal. HC 83.658 RTJ
197/557
PrPn Acusado: ausência. (...) Denúncia. HC 84.301 RTJ 197/1033
Ct ADCT da Constituição Federal/88, art. 9º. (...) Ação originária especial.
AOE 16 RTJ 197/3
Ct ADCT da Constituição Federal/88, art. 9º. (...) Militar. AOE 16 RTJ 197/3
Ct ADCT da Constituição Federal/88, art. 29, § 3º. (...) Ministério Público
estadual. ADI 2.836 RTJ 197/446
Adm Adicional de insalubridade. (...) Servidor público. RE 255.827 RTJ 197/360
Pn Advogado. (...) Imunidade judiciária. RHC 80.429 RTJ 197/262
Adm Agência reguladora de serviço público. Conselho superior: exoneração.
Assembléia Legislativa: aprovação. Demissão “ad nutum”. Justa causa:
necessidade. ADI 1.949-MC RTJ 197/70
Adm Agência reguladora de serviço público. Natureza autárquica. ADI 1.949-MC
RTJ 197/70
PrPn Agravante e atenuante: inversão de ordem inocorrente. (...) Júri. HC 84.560
RTJ 197/1056
PrCv Agravo. Inovação temática. Decisão agravada e petição recursal. Divórcio
ideológico. AI 536.030-AgR RTJ 197/721
PrCv Agravo. Razões. Decisão agravada: ausência de impugnação. AI 536.030-
AgR RTJ 197/721
PrSTF Agravo de instrumento: negativa de seguimento. (...) Ação rescisória. AR
1.848-AgR RTJ 197/67
PrSTF Agravo: necessidade. (...) Recurso extraordinário. RE 426.183-AgR RTJ
197/698
PrCv Agravo regimental. Caráter abusivo. Litigância de má-fé. Multa. CPC/73,
art. 557, § 2º. AI 268.866-AgR-ED-ED-AgR RTJ 197/363
PrCv Agravo regimental. Descabimento. Decisão do Plenário ou Turma do STF.
AI 268.866-AgR-ED-ED-AgR RTJ 197/363
PrCv Agravo regimental. Intempestividade. Interposição fora do prazo. AI
179.337-AgR RTJ 197/356
Cv Alienação fiduciária em garantia. (...) Prisão civil. HC 81.319 RTJ 197/267
Cv Alienação parcial do bem. (...) Prisão civil. HC 83.416 RTJ 197/294
Trbt Alíquota: alteração. (...) Imposto Territorial Rural – ITR. RE 448.558 RTJ
197/712
1070 Ame-Ass — ÍNDICE ALFABÉTICO

Ct Ameaça à liberdade de locomoção. (...) Comissão Parlamentar de Inquérito –


CPI. HC 80.240 RTJ 197/1021
PrPn Ameaça à liberdade de locomoção: ausência. (...) Habeas corpus. HC
83.966-AgR RTJ 197/587
Ct Animal submetido a crueldade. (...) Meio ambiente. ADI 2.514 RTJ 197/442
Ct Anistia. Concessão. Congresso Nacional e chefe do Executivo: competência.
Juízo de oportunidade e conveniência. Controle judicial. Lei n. 8.985/95. ADI
1.231 RTJ 197/413
Pn Antecedentes: irrelevância. (...) Pena-base. HC 83.658 RTJ 197/557
PrPn Anulação a partir das alegações finais. (...) Ação penal. HC 86.276 RTJ
197/630
Adm Anulação pelo TCU. (...) Cargo público. MS 23.780 RTJ 197/994
PrPn Apelação criminal. Tempestividade: prova. Certidão: ausência de data. HC
70.119 RTJ 197/255
PrPn Apelação criminal. Tese examinada. Omissão inocorrente. HC 84.560 RTJ
197/1056
Adm Aplicação no mesmo exercício financeiro: impossibilidade. (...) Fundo de
Participação dos Municípios. MS 24.151 RTJ 197/253
Adm Aposentadoria. Ato administrativo complexo. Registro no TCU: necessidade.
Decadência administrativa: inocorrência. MS 25.256 RTJ 197/1009
Adm Aposentadoria. (...) Servidor público estadual. RE 255.827 RTJ 197/360
Adm Aposentadoria. Servidor público municipal. Cargo em comissão. Tempo de
serviço na administração pública e na iniciativa privada: contagem recíproca.
Tempo mínimo de serviço na administração pública. CF/88, art. 40, § 2º,
redação original: ofensa inocorrente. RE 229.348 RTJ 197/358
Ct Aposentadoria: julgamento de legalidade. (...) Tribunal de Contas da União –
TCU. MS 24.742 RTJ 197/515 – MS 25.256 RTJ 197/1009
Adm Aposentadoria posterior em cargo civil. (...) Proventos. MS 24.742 RTJ
197/515
Adm Ascensão funcional. (...) Ato administrativo. RE 442.683 RTJ 197/700
Adm Assembléia Legislativa: aprovação. (...) Agência reguladora de serviço
público. ADI 1.949-MC RTJ 197/70
PrPn Assinatura do MP: falta. (...) Instrução criminal. HC 70.231 RTJ 197/543
PrPn Assinatura do termo de compromisso: desobrigação. (...) Testemunha. HC
83.703 RTJ 197/318
Adm Assistente jurídico autárquico do Detran. (...) Vencimentos. Rcl 1.865 RTJ
197/819
ÍNDICE ALFABÉTICO — Ass-Aut 1071

Adm Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho – ANAMATRA:


ilegitimidade ativa. (...) Subsídio. AO 1.230-AgR RTJ 197/407
Pn Atentado violento ao pudor. (...) Regime prisional. RHC 86.807 RTJ 197/344
Adm Ato administrativo. Ascensão funcional. Desconstituição: limite temporal.
Estabilidade da situação criada administrativamente. Princípio da segurança
jurídica. RE 442.683 RTJ 197/700
PrCv Ato administrativo. (...) Competência jurisdicional. AO 1.160-AgR RTJ
197/396
Adm Ato administrativo complexo. (...) Aposentadoria. MS 25.256 RTJ 197/1009
PrCv Ato administrativo impositivo. (...) Mandado de segurança. MS 23.780 RTJ
197/994
Ct Ato de Tribunal de Justiça. (...) Competência originária. HC 85.838-ED RTJ
197/1075
PrPn Ato descisório anterior: nulidade. (...) Competência criminal. Rcl 2.123 RTJ
197/428
Ct Ato do presidente da República. (...) Ação popular. Pet 3.422-AgR RTJ
197/499
Ct Ato do superintendente regional do Incra. (...) Competência originária. MS
25.271-AgR RTJ 197/534
Ct Ato: invalidade por ausência de selo. (...) Competência legislativa. ADI
3.151 RTJ 197/889
Cv Ato jurídico perfeito. (...) Caderneta de poupança. RE 393.021-AgR RTJ
197/660
Trbt Ato jurídico perfeito: ofensa inocorrente. (...) Contrato. RE 247.593-AgR
RTJ 197/634
PrSTF Ato regulamentar. (...) Ação direta de inconstitucionalidade. ADI 2.618-
AgR RTJ 197/204
Ct Atribuição de Município. (...) Educação infantil. RE 463.210-AgR RTJ
197/1124
PrSTF Atuação do STF como legislador positivo: impossibilidade. (...) Ação direta
de inconstitucionalidade. ADI 1.949-MC RTJ 197/70
PrPn Audiência. (...) Instrução criminal. HC 70.231 RTJ 197/543
Adm Autarquia. Execução por precatório. CF/88, art. 173: inaplicabilidade. RE
356.711 RTJ 197/1094
Adm Autonomia municipal: ofensa. (...) Professor. ADI 3.114 RTJ 197/488
PrPn Autor: identificação por testemunha e perícia grafotécnica. (...) Habeas
corpus. HC 83.658 RTJ 197/557
1072 Aut-Car — ÍNDICE ALFABÉTICO

PrPn Autoridade coatora. (...) Habeas corpus. HC 83.966-AgR RTJ 197/587


PrPn Autoridade competente: TRF. (...) Interceptação telefônica. HC 84.301 RTJ
197/1033
Adm Autorização. (...) Poder Executivo. ADI 2.751 RTJ 197/226

B
Ct Banco: porta eletrônica. (...) Competência legislativa. AI 347.717-AgR RTJ
197/645
Trbt Bem destinado a uso próprio. (...) Imposto sobre Produtos Industrializados –
IPI. RE 255.682-AgR RTJ 197/636
Adm Beneficiário de bolsa de estudo no exterior. (...) Servidor público. MS 24.519
RTJ 197/999
PrCv Benefício fiscal para o Estado de destino. (...) Embargos de declaração. RE
338.681-AgR-ED RTJ 197/642
PrCv Benefício previdenciário: restabelecimento de pagamento. (...) Tutela ante-
cipada. Rcl 1.013 RTJ 197/389
Pn Bilateralidade: inaplicabilidade. (...) Corrupção ativa. HC 83.658 RTJ 197/557
Ct Briga de galos. (...) Meio ambiente. ADI 2.514 RTJ 197/442

C
Ct Cabimento. (...) Controle concentrado de constitucionalidade. ADI 2.925
RTJ 197/842
PrSTF Cabimento. (...) Reclamação. Rcl 1.013 RTJ 197/389
Cv Caderneta de poupança. Contrato de depósito. Ato jurídico perfeito. Lei
nova: inaplicabilidade. RE 393.021-AgR RTJ 197/660
Ct Câmara dos Deputados: aprovação. (...) Processo legislativo. ADI 3.367 RTJ
197/909
PrCv Caráter abusivo. (...) Agravo regimental. AI 268.866-AgR-ED-ED-AgR RTJ
197/363
PrCv Caráter infringente. (...) Embargos de declaração. HC 82.770-ED RTJ
197/553
PrSTF Carência da ação: inocorrência. (...) Ação direta de inconstitucionalidade.
ADI 3.367 RTJ 197/909
Adm Cargo em comissão. (...) Aposentadoria. RE 229.348 RTJ 197/358
Ct Cargo ou função de confiança: exercício na própria instituição. (...) Ministério
Público estadual. ADI 2.836 RTJ 197/446
ÍNDICE ALFABÉTICO — Car-CF/ 1073

Adm Cargo público. Extinção. Servidor público: aproveitamento. Concurso


público: ausência. Identidade dos cargos: inocorrência. Emenda Consti-
tucional estadual n. 52/01/MG: inconstitucionalidade. ADI 3.051 RTJ
197/871
Adm Cargo público. Provimento em comissão. Anulação pelo TCU. Nepotismo.
Princípio da moralidade. MS 23.780 RTJ 197/994
Ct Cargo público: extinção. (...) Processo legislativo. ADI 3.051 RTJ 197/871
Ct “Cassação”: alcance da expressão. (...) Militar. AOE 16 RTJ 197/3
Trbt Celebração anterior à lei instituidora. (...) Contrato. RE 247.593-AgR RTJ
197/634
Adm Celetista convertido em estatutário. (...) Servidor público. RE 255.827 RTJ
197/360
PrPn Certidão: ausência de data. (...) Apelação criminal. HC 70.119 RTJ 197/255
Adm CF/67, art. 93, § 9º. (...) Proventos. MS 24.742 RTJ 197/515
Adm CF/88, arts. 1º, IV, e 170. (...) Responsabilidade civil do Estado. RE 422.941
RTJ 197/678
Pn CF/88, art. 5º, XXXVI: ofensa inocorrente. (...) Remição. HC 86.093 RTJ
197/1084 – RE 140.541 RTJ 197/351
Cv CF/88, art. 5º, LXVII. (...) Prisão civil. HC 81.319 RTJ 197/267
Ct CF/88, art. 7º, XXIX, “a”: irretroatividade. (...) Prescrição. AI 136.486-AgR
RTJ 197/346
Adm CF/88, arts. 14, § 3º, e 98, II. (...) Juiz de paz. ADI 2.938 RTJ 197/452
Ct CF/88, art. 21, I: ofensa. (...) Competência legislativa. ADI 3.069 RTJ 197/485
Ct CF/88, art. 22, I. (...) Competência legislativa. ADI 2.938 RTJ 197/452 – ADI
2.938 RTJ 197/452
Ct CF/88, art. 22, VII. (...) Competência legislativa. RE 313.060 RTJ 197/367
Ct CF/88, art. 22, XI. (...) Competência legislativa. ADI 2.819 RTJ 197/834
Ct CF/88, arts. 22, XXIV, e 24, IX: ofensa. (...) Competência legislativa concor-
rente. ADI 3.098 RTJ 197/879
Ct CF/88, art. 30, I. (...) Competência legislativa. AI 347.717-AgR RTJ 197/645
Ct CF/88, art. 30, V. (...) Competência legislativa. ADI 2.349 RTJ 197/172
Adm CF/88, art. 40, § 2º, redação original: ofensa inocorrente. (...) Aposentadoria.
RE 229.348 RTJ 197/358
Adm CF/88, art. 40, § 8º, redação da EC n. 20/98. (...) Proventos. RE 372.503 RTJ
197/1107
1074 CF/-CF/ — ÍNDICE ALFABÉTICO

Ct CF/88, art. 60, § 2º: ofensa inocorrente. (...) Processo legislativo. ADI 3.367
RTJ 197/909
Ct CF/88, art. 61, § 1º, II, “a” e “c”: ofensa. (...) Processo legislativo. ADI 3.051
RTJ 197/871
Ct CF/88, art. 61, § 1º, II, “e”. (...) Processo legislativo. ADI 2.405-MC RTJ
197/176
Ct CF/88, art. 96, II, “d”, c/c art. 236, § 1º. (...) Competência legislativa. ADI
3.151 RTJ 197/889
Ct CF/88, art. 98, II. (...) Competência legislativa. ADI 2.938 RTJ 197/452
Adm CF/88, arts. 98, II, e 225. (...) Juiz de paz. ADI 2.938 RTJ 197/452
Ct CF/88, art. 102, I, “d”. (...) Competência originária. MS 25.271-AgR RTJ
197/534
Ct CF/88, art. 102, I, “i”. (...) Competência originária. HC 80.240 RTJ 197/1021
Ct CF/88, art. 102, I, “r”. (...) Conselho Nacional de Justiça. ADI 3.367 RTJ
197/909
Ct CF/88, art. 105, I, “d”: interpretação extensiva. (...) Conflito de atribuições.
ACO 756 RTJ 197/797
Ct CF/88, art. 114, VI. (...) Competência jurisdicional. CC 7.204 RTJ 197/236
Pn CF/88, art. 133. (...) Imunidade judiciária. RHC 80.429 RTJ 197/262
Trbt CF/88, art. 146, III: natureza exemplificativa. (...) Tributo. RE 407.190 RTJ
197/1111
Trbt CF/88, art. 146, III, “b”. (...) Crédito tributário. ADI 2.405-MC RTJ 197/176
Trbt CF/88, arts. 150, § 6º, e 155, XII, “g”. (...) Crédito tributário. ADI 2.405-MC
RTJ 197/176
PrCv CF/88, art. 155, § 2º, X, “b”. (...) Embargos de declaração. RE 338.681-AgR-
ED RTJ 197/642
Trbt CF/88, art. 158, III e parágrafo único. (...) Receita tributária estadual. ADI
2.405-MC RTJ 197/176
Adm CF/88, art. 173: inaplicabilidade. (...) Autarquia. RE 356.711 RTJ 197/1094
Trbt CF/88, art. 177, § 4º, II, “a”, “b” e “c”. (...) Lei orçamentária. ADI 2.925 RTJ
197/842
Ct CF/88, art. 211, § 2º, redação da EC n. 14/96. (...) Educação infantil. RE
463.210-AgR RTJ 197/1124
Ct CF/88, art. 225, § 1º, VII: ofensa. (...) Meio ambiente. ADI 2.514 RTJ 197/442
Ct CF/88, art. 231, § 5º. (...) Comissão Parlamentar de Inquérito – CPI. HC
80.240 RTJ 197/1021
ÍNDICE ALFABÉTICO — Cir-Com 1075

Pn Circunstância judicial desfavorável. (...) Pena-base. HC 83.658 RTJ 197/557


Pn Circunstância judicial desfavorável. (...) Regime prisional. RHC 86.807 RTJ
197/344
Adm Classificação além do número de vagas. (...) Concurso público. RE 367.460-
AgR RTJ 197/655
Adm Código Eleitoral e norma federal específica: observância compulsória. (...)
Juiz de paz. ADI 2.938 RTJ 197/452
PrPn Código Eleitoral/65, art. 350. (...) Denúncia. Inq 2.170 RTJ 197/439
Adm Código Tributário Nacional – CTN, arts. 91, § 3º, e 92. (...) Fundo de Participa-
ção dos Municípios. MS 24.151 RTJ 197/253
Adm Coeficiente: redução. (...) Fundo de Participação dos Municípios. MS
24.151 RTJ 197/253
Adm Coisa julgada. (...) Gratificação. MS 25.460 RTJ 197/537
PrSTF Coisa julgada: limite. (...) Recurso extraordinário. AI 529.942-AgR RTJ
197/1129
PrPn Comissão Parlamentar de Inquérito – CPI. Convocação para depor. “Habeas
corpus” preventivo: possibilidade. HC 80.240 RTJ 197/1021
Ct Comissão Parlamentar de Inquérito – CPI. Índio. Depoimento. Local diverso
do “habitat”. Ameaça à liberdade de locomoção. CF/88, art. 231, § 5º. HC
80.240 RTJ 197/1021
Trbt Compensação. (...) Crédito tributário. ADI 2.405-MC RTJ 197/176
PrSTF Competência. Plenário do STF. “Habeas corpus”. Decisão monocrática de
ministro do STF em recurso extraordinário. HC 81.319 RTJ 197/267
Ct Competência. (...) Tribunal de Contas da União – TCU. MS 24.742 RTJ 197/
515 – MS 25.256 RTJ 197/1009
PrPn Competência criminal. Prefeito e co-réu. Decisão no HC n. 71.551:
descumprimento. Perda de mandato. Ato descisório anterior: nulidade. Rcl
2.123 RTJ 197/428
PrCv Competência do STF: inocorrência. (...) Competência jurisdicional. AO
1.122-AgR RTJ 197/815
Ct Competência do STJ. (...) Conflito de atribuições. ACO 756 RTJ 197/797
Adm Competência funcional. (...) Juiz de paz. ADI 2.938 RTJ 197/452
PrCv Competência jurisdicional. Ação de interesse da magistratura: não-configu-
ração. Competência do STF: inocorrência. Súmula 731: inaplicabilidade.
AO 1.122-AgR RTJ 197/815
Ct Competência jurisdicional. Justiça do Trabalho. Indenização por dano
moral e patrimonial. Acidente de trabalho. CF/88, art. 114, VI. Emenda
Constitucional n. 45/04. CC 7.204 RTJ 197/236
1076 Com-Com — ÍNDICE ALFABÉTICO

PrCv Competência jurisdicional. Tribunal Regional Federal – TRF. Mandado de


segurança. Ato administrativo. Eleição para cargo de direção. Loman/79, art.
102. Súmulas 623 e 624. AO 1.160-AgR RTJ 197/396
Ct Competência jurisdicional: ausência. (...) Conselho Nacional de Justiça.
ADI 3.367 RTJ 197/909
Ct Competência legislativa. Estado-Membro. Divulgação de informação de
veículo apreendido. Lei estadual n. 3.867/02/RJ. ADI 2.819 RTJ 197/834
Ct Competência legislativa. Estado-Membro. Juiz de paz: arrecadar bem, funcio-
nar como perito, nomear escrivão “ad hoc”. CF/88, art. 98, II. Lei estadual n.
13.454/2000/MG. ADI 2.938 RTJ 197/452
Ct Competência legislativa. Município. Banco: porta eletrônica. Interesse local.
CF/88, art. 30, I. AI 347.717-AgR RTJ 197/645
Ct Competência legislativa. Município. Transporte coletivo urbano: vedação
de gratuidade. CF/88, art. 30, V. Constituição do Estado do Espírito Santo/89,
art. 229, § 2º, redação da EC n. 25/99: inconstitucionalidade. ADI 2.349 RTJ
197/172
Ct Competência legislativa. Tribunal de Justiça. Selo de controle de serviço
notarial e de registro: instituição. CF/88, art. 96, II, “d”, c/c art. 236, § 1º. ADI
3.151 RTJ 197/889
Ct Competência legislativa. União Federal. Direito do Trabalho. Feriado para
todos os efeitos legais. CF/88, art. 21, I: ofensa. Lei distrital n. 3.083/02/DF,
art. 2º: inconstitucionalidade. ADI 3.069 RTJ 197/485
Ct Competência legislativa. União Federal. Juiz de paz: assistência a empregado
em rescisão de contrato de trabalho. CF/88, art. 22, I. Lei estadual n. 13.454/
2000/MG, art. 15, IX: inconstitucionalidade. ADI 2.938 RTJ 197/452
Ct Competência legislativa. União Federal. Juiz de paz: elegibilidade. CF/88,
art. 22, I. ADI 2.938 RTJ 197/452
Ct Competência legislativa. União Federal. Juiz de paz: prisão especial.
Loman/79, art. 112, § 2º. CF/88, art. 22, I. Lei estadual n. 13.454/2000/MG,
art. 22: inconstitucionalidade. ADI 2.938 RTJ 197/452
Ct Competência legislativa. União Federal. Juiz de paz: processar auto de corpo
de delito, lavrar auto de prisão. CF/88, art. 22, I. Lei estadual n. 13.454/2000/
MG, art. 15, VIII: inconstitucionalidade. ADI 2.938 RTJ 197/452
Ct Competência legislativa. União Federal. Registros públicos. Ato: invalidade
por ausência de selo. Lei estadual n. 8.033/03-MT, art. 2º, § 1º: inconstitucio-
nalidade. ADI 3.151 RTJ 197/889
Ct Competência legislativa. União Federal. Seguro contra furto e roubo de
automóvel. CF/88, art. 22, VII. Leis municipais n. 10.927/91 e 11.362/93,
São Paulo/SP: inconstitucionalidade. RE 313.060 RTJ 197/367
ÍNDICE ALFABÉTICO — Com-Con 1077

Ct Competência legislativa. União Federal. Trânsito. Leilão de veículo. CF/88,


art. 22, XI. Lei estadual n. 3.867/02/RJ, art. 2º: inconstitucionalidade. ADI
2.819 RTJ 197/834
Ct Competência legislativa concorrente. União Federal. Educação: norma geral.
CF/88, arts. 22, XXIV, e 24, IX: ofensa. Lei estadual n. 10.860/01/SP:
inconstitucionalidade. ADI 3.098 RTJ 197/879
Ct Competência originária. Superior Tribunal de Justiça – STJ. “Habeas
corpus”. Ato de Tribunal de Justiça. HC 85.838-ED RTJ 197/1075
Ct Competência originária. Supremo Tribunal Federal – STF. “Habeas
corpus”. Presidente de CPI. CF/88, art. 102, I, “i”. HC 80.240 RTJ 197/1021
Ct Competência originária. Supremo Tribunal Federal – STF. Mandado de
segurança. Ato do superintendente regional do Incra. Referendo do presidente
da República. CF/88, art. 102, I, “d”. MS 25.271-AgR RTJ 197/534
Ct Competência originária do STF: ausência. (...) Ação popular. Pet 3.422-AgR
RTJ 197/499
PrSTF Competência originária do STF: ausência. (...) Ação rescisória. AR 1.848-
AgR RTJ 197/67
PrPn Competência territorial. Jornal: local da impressão. Lei de Imprensa, art. 42.
HC 86.102 RTJ 197/626
PrPn Complexidade da matéria. (...) Ação penal privada. HC 86.049 RTJ 197/1077
Int Compromisso formal: necessidade. (...) Extradição. Ext 944 RTJ 197/384
Int Comutação em pena não superior a trinta anos. (...) Extradição. Ext 944 RTJ
197/384
Ct Concessão. (...) Anistia. ADI 1.231 RTJ 197/413
Adm Concessão. Obra pública. Pedágio: isenção e desconto. Contrato: desequi-
líbrio econômico-financeiro. Princípio da independência e harmonia dos
Poderes: ofensa. Lei estadual n. 7.304/02/ES: inconstitucionalidade. ADI
2.733 RTJ 197/219
PrPn Concessão de ofício. (...) Habeas corpus. Rcl 2.636 RTJ 197/209
Int Concordância do extraditando. (...) Extradição. Ext 917 RTJ 197/803
Pn Concurso material. Inocorrência. Falsificação de documento e estelionato.
Princípio da consunção. Ext 931 RTJ 197/376
Adm Concurso público. Classificação além do número de vagas. Prazo de validade:
término. Prorrogação: inocorrência. Convocação para segunda fase: impos-
sibilidade. RE 367.460-AgR RTJ 197/655
Adm Concurso público: ausência. (...) Cargo público. ADI 3.051 RTJ 197/871
Pn Condenação. (...) Corrupção ativa. HC 83.658 RTJ 197/557
1078 Con-Con — ÍNDICE ALFABÉTICO

PrPn Condição de investigado. (...) Testemunha. HC 83.703 RTJ 197/318


PrPn Conexão. (...) Ação penal. HC 84.301 RTJ 197/1033
Pn Configuração. (...) Tráfico de entorpecente. HC 70.231 RTJ 197/543
Ct Conflito de atribuições. Ministério Público Federal e estadual. Competência
do STJ. CF/88, art. 105, I, “d”: interpretação extensiva. ACO 756 RTJ 197/797
Ct Congresso Nacional e chefe do Executivo: competência. (...) Anistia. ADI
1.231 RTJ 197/413
Int Conjugação de normas mais favoráveis: impossibilidade. (...) Extradição.
Ext 925 RTJ 197/18
Ct Conselho Nacional de Justiça. Controle de órgão jurisdicional estadual.
Poder Judiciário: caráter nacional. Princípio federativo: ofensa inocorrente.
ADI 3.367 RTJ 197/909
Ct Conselho Nacional de Justiça. Controle jurisdicional pelo STF. CF/88, art.
102, I, “r”. ADI 3.367 RTJ 197/909
Ct Conselho Nacional de Justiça. Criação e composição. Controle adminis-
trativo, financeiro e disciplinar do Judiciário. Competência jurisdicional:
ausência. Princípio da independência e harmonia dos Poderes: ofensa
inocorrente. Súmula 649: inaplicabilidade. Emenda Constitucional n. 45/04.
ADI 3.367 RTJ 197/909
Ct Conselho Nacional de Justiça. Natureza administrativa. Órgão interno do
Judiciário. Controle externo: inocorrência. ADI 3.367 RTJ 197/909
Adm Conselho superior: exoneração. (...) Agência reguladora de serviço público.
ADI 1.949-MC RTJ 197/70
Ct Constituição do Estado do Espírito Santo/89, art. 229, § 2º, redação da EC n.
25/99: inconstitucionalidade. (...) Competência legislativa. ADI 2.349 RTJ
197/172
Cv Constrangimento ilegal. (...) Prisão civil. HC 83.416 RTJ 197/294
PrPn Constrangimento ilegal inocorrente. (...) Inquérito policial. HC 86.149 RTJ
197/325
PrCv Contradição. (...) Embargos de declaração. RE 338.681-AgR-ED RTJ
197/642
PrCv Contradição inexistente. (...) Embargos de declaração. RE 395.121-ED RTJ
197/664
Ct Contraditório: inaplicabilidade. (...) Tribunal de Contas da União – TCU.
MS 24.742 RTJ 197/515 – MS 25.256 RTJ 197/1009
Trbt Contrato. Celebração anterior à lei instituidora. Fator de deflação (tablita):
aplicação imediata. Ato jurídico perfeito: ofensa inocorrente. Lei n. 8.177/
91, art. 27. RE 247.593-AgR RTJ 197/634
ÍNDICE ALFABÉTICO — Con-Cor 1079

Cv Contrato de depósito. (...) Caderneta de poupança. RE 393.021-AgR RTJ


197/660
Cv Contrato de venda de cota de sociedade. (...) Depositário judicial. HC
86.160 RTJ 197/1088
Adm Contrato: desequilíbrio econômico-financeiro. (...) Concessão. ADI 2.733
RTJ 197/219
Trbt Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico – CIDE. (...) Lei orça-
mentária. ADI 2.925 RTJ 197/842
Ct Controle administrativo, financeiro e disciplinar do Judiciário. (...) Conselho
Nacional de Justiça. ADI 3.367 RTJ 197/909
Ct Controle concentrado de constitucionalidade. Ação direta: descabimento.
Efeito repristinatório. Norma ab-rogatória e revogada: necessidade de
impugnação. ADI 2.938 RTJ 197/452
Ct Controle concentrado de constitucionalidade. Cabimento. Lei orçamentária:
autonomia e abstração. ADI 2.925 RTJ 197/842
Int Controle de legalidade: exigibilidade. (...) Extradição. Ext 917 RTJ 197/803
Ct Controle de órgão jurisdicional estadual. (...) Conselho Nacional de Justiça.
ADI 3.367 RTJ 197/909
Ct Controle externo. (...) Tribunal de Contas da União – TCU. MS 24.742 RTJ
197/515 – MS 25.200 RTJ 197/1005 – MS 25.256 RTJ 197/1009
Ct Controle externo: inocorrência. (...) Conselho Nacional de Justiça. ADI
3.367 RTJ 197/909
Ct Controle judicial. (...) Anistia. ADI 1.231 RTJ 197/413
Int Controle jurisdicional: limite. (...) Extradição. Ext 972 RTJ 197/812
Ct Controle jurisdicional pelo STF. (...) Conselho Nacional de Justiça. ADI
3.367 RTJ 197/909
Cv Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa
Rica). (...) Prisão civil. HC 81.319 RTJ 197/267
PrPn Convocação para depor. (...) Comissão Parlamentar de Inquérito – CPI. HC
80.240 RTJ 197/1021
Adm Convocação para segunda fase: impossibilidade. (...) Concurso público. RE
367.460-AgR RTJ 197/655
Int Cooperação internacional na repressão penal: restrição. (...) Extradição. Ext
917 RTJ 197/803
Pn Corrupção ativa. Condenação. Corrupção passiva: absolvição de um dos
denunciados. Bilateralidade: inaplicabilidade. HC 83.658 RTJ 197/557
Pn Corrupção passiva: absolvição de um dos denunciados. (...) Corrupção
ativa. HC 83.658 RTJ 197/557
1080 CP/-Cri — ÍNDICE ALFABÉTICO

Pn CP/40, arts. 86, I, 89 e 90. (...) Livramento condicional. RHC 86.317 RTJ
197/341
Pn CP/40, arts. 109, III; 111, I; 115 e 299. (...) Extinção da punibilidade. HC
73.033 RTJ 197/259
Pn CP/40, art. 299. (...) Falsidade ideológica. HC 85.064 RTJ 197/1063
PrSTF CPC/73, art. 113, § 2º: inaplicabilidade. (...) Ação popular. Pet 3.422-AgR
RTJ 197/499
PrSTF CPC/73, art. 267, VI. (...) Ação direta de inconstitucionalidade. ADI 3.367
RTJ 197/909
PrSTF CPC/73, art. 557, § 1º. (...) Recurso extraordinário. RE 426.183-AgR RTJ
197/698
PrCv CPC/73, art. 557, § 2º. (...) Agravo regimental. AI 268.866-AgR-ED-ED-AgR
RTJ 197/363
PrPn CPP/41, art. 80. (...) Ação penal. HC 84.301 RTJ 197/1033
PrPn CPP/41, art. 384: ofensa. (...) Ação penal. HC 86.276 RTJ 197/630
Pn CPP/41, arts. 732 e 733. (...) Livramento condicional. RHC 86.317 RTJ
197/341
Trbt Crédito decorrente de dação em pagamento. (...) Receita tributária estadual.
ADI 2.405-MC RTJ 197/176
Trbt Crédito suplementar. (...) Lei orçamentária. ADI 2.925 RTJ 197/842
Trbt Crédito tributário. Compensação. Precatório: cessão a pessoa jurídica. ADI
2.405-MC RTJ 197/176
Trbt Crédito tributário. Extinção. Dação em pagamento: criação por lei estadual.
CF/88, art. 146, III, “b”. ADI 2.405-MC RTJ 197/176
Trbt Crédito tributário. Extinção. Transação e moratória. CF/88, arts. 150, § 6º, e
155, XII, “g”. ADI 2.405-MC RTJ 197/176
Ct Criação e composição. (...) Conselho Nacional de Justiça. ADI 3.367 RTJ
197/909
Pn Crime contra a honra. Difamação contra promotor de justiça: não-configu-
ração. Crítica à atuação de agente público. Lei de Imprensa. Inq 2.154 RTJ
197/436
PrPn Crime de apropriação indébita previdenciária. (...) Recurso em “habeas
corpus”. RHC 86.072 RTJ 197/1081
PrPn Crime de imprensa. (...) Ação penal. HC 86.102 RTJ 197/626
PrPn Crime eleitoral. (...) Denúncia. Inq 2.170 RTJ 197/439
PrPn Crime hediondo. (...) Sentença condenatória. HC 82.770-ED RTJ 197/553
ÍNDICE ALFABÉTICO — Cri-Dec 1081

Pn Crime intercorrente: conhecimento após termo final. (...) Livramento condi-


cional. RHC 86.317 RTJ 197/341
PrPn Crime societário. (...) Denúncia. HC 86.294 RTJ 197/328
Pn Crítica à atuação de agente público. (...) Crime contra a honra. Inq 2.154
RTJ 197/436

D
Trbt Dação em pagamento: criação por lei estadual. (...) Crédito tributário. ADI
2.405-MC RTJ 197/176
Adm Decadência administrativa: inocorrência. (...) Aposentadoria. MS 25.256
RTJ 197/1009
PrCv Decadência: inocorrência. (...) Mandado de segurança. MS 25.256 RTJ
197/1009
PrCv Decisão agravada: ausência de impugnação. (...) Agravo. AI 536.030-AgR
RTJ 197/721
PrCv Decisão agravada e petição recursal. (...) Agravo. AI 536.030-AgR RTJ
197/721
PrSTF Decisão de mérito: inexistência. (...) Ação rescisória. AR 1.848-AgR RTJ
197/67
PrSTF Decisão de relator de Turma Recursal de Juizado Especial. (...) Recurso
extraordinário. RE 426.183-AgR RTJ 197/698
PrCv Decisão do Plenário ou Turma do STF. (...) Agravo regimental. AI 268.866-
AgR-ED-ED-AgR RTJ 197/363
PrPn Decisão do STF: ofensa inocorrente. (...) Sentença condenatória. Rcl 2.636
RTJ 197/209
PrPn Decisão do STJ. (...) Acórdão criminal. HC 84.870 RTJ 197/625
PrPn Decisão do STJ em HC substitutivo de recurso ordinário. (...) Habeas corpus.
RHC 80.967 RTJ 197/1030
PrSTF Decisão monocrática de ministro do STF em recurso extraordinário. (...)
Competência. HC 81.319 RTJ 197/267
PrCv Decisão na ADC n. 4: ofensa. (...) Tutela antecipada. Rcl 1.013 RTJ 197/389
PrPn Decisão no HC n. 71.551: descumprimento. (...) Competência criminal. Rcl
2.123 RTJ 197/428
Adm Decisão no RE n. 216.647: descumprimento. (...) Vencimentos. Rcl 1.865
RTJ 197/819
Adm Decisão normativa do TCU. (...) Fundo de Participação dos Municípios. MS
24.151 RTJ 197/253
1082 Dec-Dep — ÍNDICE ALFABÉTICO

PrSTF Decisão plenária do STF. (...) Reclamação. Rcl 1.013 RTJ 197/389
Adm Decreto n. 2.250/97: orientação administrativa. (...) Desapropriação. MS
25.006 RTJ 197/522
Cv Decreto-Lei n. 911/69, art. 4º. (...) Prisão civil. HC 81.319 RTJ 197/267
Adm Defesa do meio ambiente. (...) Juiz de paz. ADI 2.938 RTJ 197/452
Int Delito de associação criminosa. (...) Extradição. Ext 931 RTJ 197/376
Adm Demissão “ad nutum”. (...) Agência reguladora de serviço público. ADI
1.949-MC RTJ 197/70
PrPn Denúncia. Inépcia. Venda de bem alienado fiduciariamente. Elemento sub-
jetivo não demonstrado. HC 84.161 RTJ 197/604
PrPn Denúncia. Inépcia inocorrente. Crime societário. Descrição suficiente da
conduta. HC 86.294 RTJ 197/328
PrPn Denúncia. Inépcia inocorrente. Mandado de busca e apreensão irregular.
Prova autônoma. HC 84.679-ED RTJ 197/322
PrPn Denúncia. Inépcia inocorrente. Tráfico de entorpecente. Descrição suficiente
da conduta. HC 70.231 RTJ 197/543
PrPn Denúncia. Recebimento. Acusado: ausência. Princípio da ampla defesa:
ofensa inocorrente. HC 84.301 RTJ 197/1033
PrPn Denúncia. Recebimento. Crime eleitoral. Deputado federal. Suspensão con-
dicional do processo penal – “sursis” processual: proposta aceita. Código
Eleitoral/65, art. 350. Inq 2.170 RTJ 197/439
PrPn Denúncia. Recebimento. “Operação Anaconda”. Pluralidade de réus e com-
plexidade dos fatos. Desembargador: parcialidade não demonstrada. Nulidade
inocorrente. HC 84.301 RTJ 197/1033
PrPn Denúncia. Recebimento. Questão não apreciada pelo tribunal “a quo”.
Supressão de instância. RHC 84.404 RTJ 197/1042
PrPn Denúncia: ausência. (...) Processo criminal. HC 84.301 RTJ 197/1033
Ct Depoimento. (...) Comissão Parlamentar de Inquérito – CPI. HC 80.240
RTJ 197/1021
PrPn Depoimento em CPI. (...) Testemunha. HC 83.703 RTJ 197/318
Cv Depositário infiel e devedor fiduciante: equiparação. (...) Prisão civil. HC
81.319 RTJ 197/267
Cv Depositário infiel: não-caracterização. (...) Prisão civil. HC 83.416 RTJ
197/294
Cv Depositário judicial. Contrato de venda de cota de sociedade. Transferência
do encargo: impossibilidade. HC 86.160 RTJ 197/1088
ÍNDICE ALFABÉTICO — Dep-Dip 1083

PrCv Depositário judicial. Intimação por edital: nulidade. Meios para localização
do depositário não esgotados. HC 86.160 RTJ 197/1088
PrPn Deputado federal. (...) Denúncia. Inq 2.170 RTJ 197/439
Adm Desapropriação. Reforma agrária. Ação declaratória em curso: irrelevância.
MS 25.006 RTJ 197/522
Adm Desapropriação. Reforma agrária. Imóvel invadido. Vistoria: possibilidade.
Decreto n. 2.250/97: orientação administrativa. MS 25.006 RTJ 197/522
Adm Desapropriação. Reforma agrária. Vistoria. Notificação prévia: recebimento
por empregado com procuração. Lei n. 8.629/93, art. 2º, § 2º. MS 25.360 RTJ
197/1017
PrSTF Descabimento. (...) Ação direta de inconstitucionalidade. ADI 2.618-AgR
RTJ 197/204
PrCv Descabimento. (...) Agravo regimental. AI 268.866-AgR-ED-ED-AgR RTJ
197/363
PrPn Descabimento. (...) Habeas corpus. HC 83.966-AgR RTJ 197/587
Cv Descabimento. (...) Prisão civil. HC 83.416 RTJ 197/294
PrSTF Descabimento. (...) Recurso extraordinário. RE 426.183-AgR RTJ 197/698
Adm Desconstituição: limite temporal. (...) Ato administrativo. RE 442.683 RTJ
197/700
Adm Desconto. (...) Proventos. MS 24.544 RTJ 197/503
PrPn Descrição suficiente da conduta. (...) Denúncia. HC 70.231 RTJ 197/543 –
HC 86.294 RTJ 197/328
PrPn Desembargador: parcialidade não demonstrada. (...) Denúncia. HC 84.301
RTJ 197/1033
Ct Desincompatibilização dos candidatos. (...) Ministério Público estadual.
ADI 2.836 RTJ 197/446
PrPn Deslocamento da competência para o STJ: descabimento. (...) Processo cri-
minal. HC 84.301 RTJ 197/1033
Adm Deslocamento sem prejuízo de vencimentos. (...) Professor. ADI 3.114 RTJ
197/488
Adm Devolução ao órgão de origem. (...) Servidor público. MS 25.194 RTJ 197/524
Pn Difamação contra promotor de justiça: não-configuração. (...) Crime contra a
honra. Inq 2.154 RTJ 197/436
PrPn Dificuldade financeira: alegação. (...) Recurso em “habeas corpus”. RHC
86.072 RTJ 197/1081
Int Diplomas diversos: conflito intertemporal. (...) Extradição. Ext 925 RTJ
197/18
1084 Dir-Emb — ÍNDICE ALFABÉTICO

PrPn Direito à intimidade: proteção. (...) Habeas corpus. HC 83.966-AgR RTJ


197/587
Adm Direito adquirido. (...) Servidor público. RE 255.827 RTJ 197/360
PrSTF Direito adquirido: verificação. (...) Recurso extraordinário. RE 414.828-
AgR RTJ 197/1118
PrPn Direito ao silêncio. (...) Testemunha. HC 83.703 RTJ 197/318
PrPn Direito de apelar em liberdade. (...) Sentença condenatória. HC 82.770-ED
RTJ 197/553
Ct Direito do trabalho. (...) Competência legislativa. ADI 3.069 RTJ 197/485
Int Direitos humanos. (...) Extradição. Ext 917 RTJ 197/803
PrCv Divórcio ideológico. (...) Agravo. AI 536.030-AgR RTJ 197/721
Ct Divulgação de informação de veículo apreendido. (...) Competência
legislativa. ADI 2.819 RTJ 197/834
Int Dupla tipicidade. (...) Extradição. Ext 917 RTJ 197/803 – Ext 925 RTJ 197/
18 – Ext 931 RTJ 197/376 – Ext 944 RTJ 197/384 – Ext 972 RTJ 197/812

E
Ct Educação infantil. Garantia de vaga em creche. Atribuição de Município.
Poder Judiciário: dever de proteção. CF/88, art. 211, § 2º, redação da EC n.
14/96. RE 463.210-AgR RTJ 197/1124
Ct Educação: norma geral. (...) Competência legislativa concorrente. ADI
3.098 RTJ 197/879
PrSTF Efeito devolutivo limitado. (...) Recurso extraordinário. AI 347.717-AgR
RTJ 197/645
Ct Efeito repristinatório. (...) Controle concentrado de constitucionalidade.
ADI 2.938 RTJ 197/452
PrSTF Efeito vinculante. (...) Reclamação. Rcl 1.013 RTJ 197/389
Adm Eleição e investidura. (...) Juiz de paz. ADI 2.938 RTJ 197/452
PrCv Eleição para cargo de direção. (...) Competência jurisdicional. AO 1.160-
AgR RTJ 197/396
PrPn Elemento subjetivo não demonstrado. (...) Denúncia. HC 84.161 RTJ 197/604
PrCv Embargos de declaração. Contradição. Imposto sobre Circulação de Merca-
dorias e Serviços – ICMS. Benefício fiscal para o Estado de destino. Lubrifi-
cante e combustível derivado de petróleo. Operação interestadual. CF/88,
art. 155, § 2º, X, “b”. RE 338.681-AgR-ED RTJ 197/642
PrCv Embargos de declaração. Contradição inexistente. Tribunal “a quo”: maté-
ria constitucional no voto vencido. RE 395.121-ED RTJ 197/664
ÍNDICE ALFABÉTICO — Emb-Est 1085

PrCv Embargos de declaração. Intempestividade. Publicação do acórdão


embargado: necessidade. AC 738-QO-ED RTJ 197/373
PrCv Embargos de declaração. Pressupostos inocorrentes. RHC 82.390-ED RTJ
197/549
PrCv Embargos de declaração. Pressupostos inocorrentes. Caráter infringente.
HC 82.770-ED RTJ 197/553
PrSTF Emenda à inicial: excepcionalidade. (...) Ação direta de inconstitucionali-
dade. ADI 1.949-MC RTJ 197/70
Adm Emenda Constitucional estadual n. 52/01/MG: inconstitucionalidade. (...)
Cargo público. ADI 3.051 RTJ 197/871
PrSTF Emenda Constitucional n. 45/04. (...) Ação direta de inconstitucionalidade.
ADI 3.085 RTJ 197/875
Ct Emenda Constitucional n. 45/04. (...) Competência jurisdicional. CC 7.204
RTJ 197/236
Ct Emenda Constitucional n. 45/04. (...) Conselho Nacional de Justiça. ADI
3.367 RTJ 197/909
Ct Emenda parlamentar sem aumento de despesa. (...) Processo legislativo. ADI
3.114 RTJ 197/488
Cv Empregado: impossibilidade da custódia. (...) Prisão civil. HC 83.416 RTJ
197/294
Int Entrega do extraditando adiada até o término da ação penal. (...) Extradição.
Ext 944 RTJ 197/384
PrSTF Enunciado do TST: aplicação. (...) Recurso extraordinário. AI 529.942-AgR
RTJ 197/1129
Adm Equiparação com os de procurador de Estado. (...) Vencimentos. Rcl 1.865
RTJ 197/819
PrPn Erro ou perplexidade: inocorrência. (...) Júri. HC 84.560 RTJ 197/1056
Adm Estabilidade da situação criada administrativamente. (...) Ato administrativo.
RE 442.683 RTJ 197/700
Ct Estado-Membro. (...) Competência legislativa. ADI 2.819 RTJ 197/834 –
ADI 2.938 RTJ 197/452
Pn Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, arts. 110, 111 e 122. (...)
Medida socioeducativa. HC 84.682 RTJ 197/611
Int Estelionato. (...) Extradição. Ext 931 RTJ 197/376
Int Estelionato e sonegação de imposto. (...) Extradição. Ext 925 RTJ 197/18
Int Estupro e atentado violento ao pudor. (...) Extradição. Ext 917 RTJ 197/803
1086 Exa-Ext — ÍNDICE ALFABÉTICO

Int Exame de mérito: impossibilidade. (...) Extradição. Ext 917 RTJ 197/803 –
Ext 925 RTJ 197/18 – Ext 972 RTJ 197/812
Pn Exame de ofício pelo STF. (...) Prescrição. HC 86.149 RTJ 197/325
Adm Execução por precatório. (...) Autarquia. RE 356.711 RTJ 197/1094
PrPn Execução provisória: inadmissibilidade. (...) Sentença condenatória. HC
84.802 RTJ 197/621
Adm Extinção. (...) Cargo público. ADI 3.051 RTJ 197/871
Trbt Extinção. (...) Crédito tributário. ADI 2.405-MC RTJ 197/176
Pn Extinção da punibilidade. Prescrição da pretensão punitiva. Falsidade ideo-
lógica. Réu menor. CP/40, arts. 109, III; 111, I; 115 e 299. HC 73.033 RTJ
197/259
Int Extradição. Concordância do extraditando. Controle de legalidade:
exigibilidade. Ext 917 RTJ 197/803
Int Extradição. Cooperação internacional na repressão penal: restrição. Direitos
humanos. Ext 917 RTJ 197/803
Int Extradição. Dupla tipicidade. Estelionato. Prescrição inocorrente. Lei por-
tuguesa. Ext 931 RTJ 197/376
Int Extradição. Dupla tipicidade. Estelionato e sonegação de imposto. Lei
superveniente: não-alteração de elemento do tipo. Nova denominação à
mesma conduta criminosa. “Abolitio criminis”: inocorrência. Ext 925 RTJ
197/18
Int Extradição. Dupla tipicidade. Latrocínio. Prescrição inocorrente. Tratado
Brasil—Argentina. Ext 972 RTJ 197/812
Int Extradição. Dupla tipicidade. Tráfico internacional de entorpecente. Tratado
Brasil—Estados Unidos da América. Ext 944 RTJ 197/384
Int Extradição. Exame de mérito: impossibilidade. Controle jurisdicional: limite.
Lei n. 6.815/80, art. 85, § 1º. Ext 972 RTJ 197/812
Int Extradição. Extradição executória. Dupla tipicidade. Estupro e atentado
violento ao pudor. Prescrição inocorrente. Tratado Brasil—França. Ext 917
RTJ 197/803
Int Extradição. Extradição executória. Pressupostos formais: existência. Exame
de mérito: impossibilidade. Sistema de contenciosidade limitada. Ext 917
RTJ 197/803
Int Extradição. Extradição instrutória. Pressupostos formais: existência. Exame
de mérito: impossibilidade. Tratado Brasil—Paraguai. Ext 925 RTJ 197/18
Int Extradição. Filho brasileiro. Súmula 421. Ext 972 RTJ 197/812
Int Extradição. Indeferimento. Delito de associação criminosa. Pedido impreciso.
Lei n. 6.815/80, art. 80. Ext 931 RTJ 197/376
ÍNDICE ALFABÉTICO — Ext-Fix 1087

Int Extradição. “Indictment” e pronúncia: equivalência. Prescrição inocorrente.


Ext 944 RTJ 197/384
Int Extradição. Prescrição inocorrente. Diplomas diversos: conflito
intertemporal. Conjugação de normas mais favoráveis: impossibilidade. Ext
925 RTJ 197/18
Int Extradição. Prisão perpétua. Comutação em pena não superior a trinta anos.
Compromisso formal: necessidade. Ext 944 RTJ 197/384
Int Extradição. Processo criminal no Brasil. Entrega do extraditando adiada até
o término da ação penal. Ext 944 RTJ 197/384
Int Extradição. Revelia: irrelevância. Ext 917 RTJ 197/803
Int Extradição executória. (...) Extradição. Ext 917 RTJ 197/803
Int Extradição instrutória. (...) Extradição. Ext 925 RTJ 197/18

F
Pn Falsidade ideológica. (...) Extinção da punibilidade. HC 73.033 RTJ 197/259
Pn Falsidade ideológica. Não-configuração. Petição de advogado: documento
inidôneo. CP/40, art. 299. HC 85.064 RTJ 197/1063
Pn Falsificação de documento e estelionato. (...) Concurso material. Ext 931
RTJ 197/376
Pn Falta grave. (...) Remição. HC 86.093 RTJ 197/1084 – RE 140.541 RTJ
197/351
PrPn Fase de alegações finais. (...) Processo criminal. HC 86.276 RTJ 197/630
PrPn Fato concreto. (...) Prisão preventiva. HC 84.301 RTJ 197/1033
PrPn Fato concreto: não-demonstração. (...) Habeas corpus. HC 83.966-AgR RTJ
197/587
Trbt Fato gerador: poder de polícia. (...) Serviço notarial e de registro. ADI 3.151
RTJ 197/889
Trbt Fator de deflação (tablita): aplicação imediata. (...) Contrato. RE 247.593-
AgR RTJ 197/634
Ct Feriado para todos os efeitos legais. (...) Competência legislativa. ADI 3.069
RTJ 197/485
Int Filho brasileiro. (...) Extradição. Ext 972 RTJ 197/812
Adm Filiação partidária: obrigatoriedade. (...) Juiz de paz. ADI 2.938 RTJ 197/452
Cv Finalidade: conotação penal. (...) Prisão civil. HC 83.416 RTJ 197/294
Pn Fixação acima do mínimo legal. (...) Pena-base. HC 83.658 RTJ 197/557
1088 Fun-Hab — ÍNDICE ALFABÉTICO

PrPn Fundamentação em fato ocorrido no período. (...) Suspensão condicional do


processo penal – “sursis” processual. HC 84.660 RTJ 197/608
PrPn Fundamentação insuficiente. (...) Sentença condenatória. HC 84.802 RTJ
197/621
PrPn Fundamentação suficiente. (...) Prisão preventiva. HC 82.770-ED RTJ 197/
553 – HC 84.301 RTJ 197/1033
Adm Fundo de Desenvolvimento e Manutenção do Ensino Fundamental: recursos.
(...) Professor. ADI 3.114 RTJ 197/488
Adm Fundo de Participação dos Municípios. Coeficiente: redução. Decisão
normativa do TCU. Aplicação no mesmo exercício financeiro: impossibili-
dade. Código Tributário Nacional – CTN, arts. 91, § 3º, e 92. Regimento
Interno do TCU, art. 244. MS 24.151 RTJ 197/253

G
PrPn Garantia da ordem pública. (...) Prisão preventiva. HC 82.770-ED RTJ
197/553
Ct Garantia de vaga em creche. (...) Educação infantil. RE 463.210-AgR RTJ
197/1124
Adm Gratificação. Servidor público. Incorporação. Sentença judicial transitada
em julgado. Supressão pelo TCU: impossibilidade. Coisa julgada. MS
25.460 RTJ 197/537
Adm Gratificações administrativas (GATA, GAAS e GAAF): extensão. (...)
Proventos. RE 372.503 RTJ 197/1107

H
PrSTF “Habeas corpus”. (...) Competência. HC 81.319 RTJ 197/267
Ct “Habeas corpus”. (...) Competência originária. HC 80.240 RTJ 197/1021 –
HC 85.838-ED RTJ 197/1075
PrPn Habeas corpus. Concessão de ofício. Pena-base: renovação. Rcl 2.636 RTJ
197/209
PrPn Habeas corpus. Decisão do STJ em HC substitutivo de recurso ordinário.
Prequestionamento explícito: inexigibilidade. RHC 80.967 RTJ 197/1030
PrPn Habeas corpus. Descabimento. Autoridade coatora. Fato concreto: não-
demonstração. HC 83.966-AgR RTJ 197/587
PrPn Habeas corpus. Direito à intimidade: proteção. Sigilo telefônico: quebra.
Relação entre advogado e cliente. Ameaça à liberdade de locomoção: ausên-
cia. HC 83.966-AgR RTJ 197/587
ÍNDICE ALFABÉTICO — Hab-Inc 1089

PrPn Habeas corpus. Ilegitimidade passiva “ad causam”. Procurador-geral da


República. HC 83.966-AgR RTJ 197/587
PrPn Habeas corpus. Interceptação telefônica: pedido. Ameaça à liberdade de
locomoção: ausência. HC 83.966-AgR RTJ 197/587
PrPn Habeas corpus. Ministério Público: juntada de documento. Ilegalidade
inocorrente. RHC 84.404 RTJ 197/1042
PrPn Habeas corpus. Vedação de análise probatória: parcimônia. Autor: identifi-
cação por testemunha e perícia grafotécnica. Prova produzida na instrução
processual. HC 83.658 RTJ 197/557
PrPn “Habeas corpus”: concessão de ofício. (...) Acórdão criminal. HC 81.319
RTJ 197/267
PrPn “Habeas corpus” preventivo: possibilidade. (...) Comissão Parlamentar de
Inquérito – CPI. HC 80.240 RTJ 197/1021
I
PrCv Identidade de causa de pedir: inocorrência. (...) Litispendência. AOE 16 RTJ
197/3
Adm Identidade dos cargos: inocorrência. (...) Cargo público. ADI 3.051 RTJ
197/871
PrPn Ilegalidade inocorrente. (...) Habeas corpus. RHC 84.404 RTJ 197/1042
PrPn Ilegitimidade passiva “ad causam”. (...) Habeas corpus. HC 83.966-AgR RTJ
197/587
Adm Imóvel invadido. (...) Desapropriação. MS 25.006 RTJ 197/522
Trbt Importação por pessoa física não empresária. (...) Imposto sobre Produtos
Industrializados – IPI. RE 255.682-AgR RTJ 197/636
PrCv Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços – ICMS. (...) Embargos
de declaração. RE 338.681-AgR-ED RTJ 197/642
Trbt Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI. Não-incidência. Veículo
automotor. Importação por pessoa física não empresária. Bem destinado a
uso próprio. RE 255.682-AgR RTJ 197/636
Trbt Imposto Territorial Rural – ITR. Medida provisória reeditada. Alíquota:
alteração. Princípio da anterioridade tributária: ofensa. RE 448.558 RTJ
197/712
Pn Imunidade judiciária. Limite. Advogado. Representação contra magistrado.
CF/88, art. 133. RHC 80.429 RTJ 197/262
PrPn Inclusão antes do recebimento da denúncia: desnecessidade. (...) Ação penal.
RE 409.730 RTJ 197/672
Adm Incorporação. (...) Gratificação. MS 25.460 RTJ 197/537
1090 Ind-Int — ÍNDICE ALFABÉTICO

Int Indeferimento. (...) Extradição. Ext 931 RTJ 197/376


Ct Indenização por dano moral e patrimonial. (...) Competência jurisdicional.
CC 7.204 RTJ 197/236
PrPn Indiciamento: elementos. (...) Inquérito policial. HC 86.149 RTJ 197/325
Int “Indictment” e pronúncia: equivalência. (...) Extradição. Ext 944 RTJ 197/384
Ct Índio. (...) Comissão Parlamentar de Inquérito – CPI. HC 80.240 RTJ
197/1021
PrPn Inépcia. (...) Denúncia. HC 84.161 RTJ 197/604
PrPn Inépcia inocorrente. (...) Denúncia. HC 70.231 RTJ 197/543 – HC 84.679-ED
RTJ 197/322 – HC 86.294 RTJ 197/328
PrPn Injúria. (...) Ação penal privada. HC 86.049 RTJ 197/1077
Pn Inocorrência. (...) Concurso material. Ext 931 RTJ 197/376
PrCv Inovação temática. (...) Agravo. AI 536.030-AgR RTJ 197/721
PrPn Inquérito policial. Indiciamento: elementos. Constrangimento ilegal ino-
corrente. HC 86.149 RTJ 197/325
PrPn Inquirição de testemunha. (...) Instrução criminal. HC 70.231 RTJ 197/543
PrSTF Instância ordinária não esgotada. (...) Recurso extraordinário. RE 426.183-
AgR RTJ 197/698
PrPn Instrução criminal. Audiência. Inquirição de testemunha. Ministério Público:
ausência. Intimação regular. Nulidade inocorrente. HC 70.231 RTJ 197/543
PrPn Instrução criminal. Termo de audiência. Assinatura do MP: falta. Nulidade
inocorrente. HC 70.231 RTJ 197/543
PrCv Intempestividade. (...) Agravo regimental. AI 179.337-AgR RTJ 197/356
PrCv Intempestividade. (...) Embargos de declaração. AC 738-QO-ED RTJ
197/373
PrPn Interceptação telefônica. Nulidade inocorrente. Autoridade competente:
TRF. Prazo: renovação. Lei n. 9.296/96, art. 5º. HC 84.301 RTJ 197/1033
PrPn Interceptação telefônica: pedido. (...) Habeas corpus. HC 83.966-AgR RTJ
197/587
Ct Interesse local. (...) Competência legislativa. AI 347.717-AgR RTJ 197/645
PrPn Internacionalidade do delito: dupla valoração. (...) Sentença condenatória.
Rcl 2.636 RTJ 197/209
PrCv Interposição fora do prazo. (...) Agravo regimental. AI 179.337-AgR RTJ
197/356
Adm Intervenção estatal na economia. (...) Responsabilidade civil do Estado. RE
422.941 RTJ 197/678
ÍNDICE ALFABÉTICO — Int-Jus 1091

PrCv Intimação por edital: nulidade. (...) Depositário judicial. HC 86.160 RTJ
197/1088
PrPn Intimação regular. (...) Instrução criminal. HC 70.231 RTJ 197/543

J
PrPn Jornal: local da impressão. (...) Competência territorial. HC 86.102 RTJ
197/626
Adm Juiz de paz. Competência funcional. Defesa do meio ambiente. Vigilância
sobre mata, rio e fonte. CF/88, arts. 98, II, e 225. ADI 2.938 RTJ 197/452
Adm Juiz de paz. Eleição e investidura. Filiação partidária: obrigatoriedade. CF/88,
arts. 14, § 3º, e 98, II. ADI 2.938 RTJ 197/452
Adm Juiz de paz. Legislação estadual: criação da justiça de paz. Código Eleitoral e
norma federal específica: observância compulsória. ADI 2.938 RTJ 197/452
Ct Juiz de paz: arrecadar bem, funcionar como perito, nomear escrivão “ad hoc”.
(...) Competência legislativa. ADI 2.938 RTJ 197/452
Ct Juiz de paz: assistência a empregado em rescisão de contrato de trabalho. (...)
Competência legislativa. ADI 2.938 RTJ 197/452
Ct Juiz de paz: elegibilidade. (...) Competência legislativa. ADI 2.938 RTJ
197/452
Ct Juiz de paz: prisão especial. (...) Competência legislativa. ADI 2.938 RTJ
197/452
Ct Juiz de paz: processar auto de corpo de delito, lavrar auto de prisão. (...)
Competência legislativa. ADI 2.938 RTJ 197/452
PrPn Juiz federal. (...) Prisão especial. HC 84.301 RTJ 197/1033
PrPn Juizado Especial: competência. (...) Processo criminal. HC 86.276 RTJ
197/630
PrPn Juizado Especial: incompetência. (...) Ação penal. HC 86.102 RTJ 197/626
Ct Juízo de oportunidade e conveniência. (...) Anistia. ADI 1.231 RTJ 197/413
PrPn Júri. Quesito: formulação adequada. Agravante e atenuante: inversão de
ordem inocorrente. HC 84.560 RTJ 197/1056
PrPn Júri. Quesito: motivo torpe. Erro ou perplexidade: inocorrência. Protesto
oportuno: ausência. HC 84.560 RTJ 197/1056
PrPn Justa causa. (...) Ação penal. HC 84.738 RTJ 197/618
Adm Justa causa: necessidade. (...) Agência reguladora de serviço público. ADI
1.949-MC RTJ 197/70
Ct Justiça do Trabalho. (...) Competência jurisdicional. CC 7.204 RTJ 197/236
1092 Lat-Lei — ÍNDICE ALFABÉTICO

L
Int Latrocínio. (...) Extradição. Ext 972 RTJ 197/812
Adm Legislação estadual: criação da justiça de paz. (...) Juiz de paz. ADI 2.938
RTJ 197/452
Ct Legitimidade ativa. (...) Ação direta de inconstitucionalidade. ADI 2.618-
AgR-AgR RTJ 197/822
PrCv Legitimidade passiva. (...) Mandado de segurança. MS 24.544 RTJ 197/503
PrCv Legitimidade passiva do TCU. (...) Mandado de segurança. MS 23.780 RTJ
197/994
Ct Lei Complementar estadual n. 106/03/RJ, art. 9º, § 1º, “c”. (...) Ministério
Público estadual. ADI 2.836 RTJ 197/446
Ct Lei Complementar estadual n. 106/03/RJ, art. 165. (...) Ministério Público
estadual. ADI 2.836 RTJ 197/446
Ct Lei Complementar estadual n. 836/97/SP, art. 25, parágrafo único. (...) Pro-
cesso legislativo. ADI 3.114 RTJ 197/488
Adm Lei Complementar estadual n. 836/97/SP, art. 46: inconstitucionalidade. (...)
Professor. ADI 3.114 RTJ 197/488
Trbt Lei complementar: necessidade. (...) Tributo. RE 407.190 RTJ 197/1111
Pn Lei de Execução Penal – LEP, art. 127. (...) Remição. HC 86.093 RTJ 197/
1084 – RE 140.541 RTJ 197/351
Pn Lei de Execução Penal – LEP, arts. 145 e 146. (...) Livramento condicional.
RHC 86.317 RTJ 197/341
PrPn Lei de Imprensa. (...) Ação penal. HC 86.102 RTJ 197/626
Pn Lei de Imprensa. (...) Crime contra a honra. Inq 2.154 RTJ 197/436
PrPn Lei de Imprensa, art. 42. (...) Competência territorial. HC 86.102 RTJ 197/626
Ct Lei de iniciativa parlamentar. (...) Processo legislativo. ADI 2.405-MC RTJ
197/176
Ct Lei distrital n. 3.083/02/DF, art. 2º: inconstitucionalidade. (...) Competência
legislativa. ADI 3.069 RTJ 197/485
Adm Lei estadual n. 3.756/02/RJ. (...) Poder Executivo. ADI 2.751 RTJ 197/226
Ct Lei estadual n. 3.867/02/RJ. (...) Competência legislativa. ADI 2.819 RTJ
197/834
Ct Lei estadual n. 3.867/02/RJ, art. 2º: inconstitucionalidade. (...) Competência
legislativa. ADI 2.819 RTJ 197/834
Adm Lei estadual n. 7.304/02/ES: inconstitucionalidade. (...) Concessão. ADI
2.733 RTJ 197/219
ÍNDICE ALFABÉTICO — Lei-Lei 1093

Ct Lei estadual n. 8.033/03/MT, art. 2º, § 1º: inconstitucionalidade. (...) Com-


petência legislativa. ADI 3.151 RTJ 197/889
Ct Lei estadual n. 10.860/01/SP: inconstitucionalidade. (...) Competência
legislativa concorrente. ADI 3.098 RTJ 197/879
Ct Lei estadual n. 11.366/2000/SC: inconstitucionalidade. (...) Meio ambiente.
ADI 2.514 RTJ 197/442
Ct Lei estadual n. 13.454/2000/MG. (...) Competência legislativa. ADI 2.938
RTJ 197/452
Ct Lei estadual n. 13.454/2000/MG, art. 15, VIII: inconstitucionalidade. (...)
Competência legislativa. ADI 2.938 RTJ 197/452
Ct Lei estadual n. 13.454/2000/MG, art. 15, IX: inconstitucionalidade. (...)
Competência legislativa. ADI 2.938 RTJ 197/452
Ct Lei estadual n. 13.454/2000/MG, art. 22: inconstitucionalidade. (...) Compe-
tência legislativa. ADI 2.938 RTJ 197/452
PrSTF Lei impugnada: inversão de sentido. (...) Ação direta de inconstitucionali-
dade. ADI 1.949-MC RTJ 197/70
Int Lei n. 6.815/80, art. 80. (...) Extradição. Ext 931 RTJ 197/376
Int Lei n. 6.815/80, art. 85, § 1º. (...) Extradição. Ext 972 RTJ 197/812
Adm Lei n. 6.999/82. (...) Servidor público. MS 25.194 RTJ 197/524
Adm Lei n. 8.112/90, arts. 45 e 46. (...) Proventos. MS 24.544 RTJ 197/503
Trbt Lei n. 8.177/91, art. 27. (...) Contrato. RE 247.593-AgR RTJ 197/634
Trbt Lei n. 8.212/91, art. 35, redação da Lei n. 9.528/97: inconstitucionalidade.
(...) Tributo. RE 407.190 RTJ 197/1111
Adm Lei n. 8.443/92, art. 28, I. (...) Proventos. MS 24.544 RTJ 197/503
Adm Lei n. 8.629/93, art. 2º, § 2º. (...) Desapropriação. MS 25.360 RTJ 197/1017
Ct Lei n. 8.985/95. (...) Anistia. ADI 1.231 RTJ 197/413
PrPn Lei n. 9.099/95, art. 61. (...) Ação penal. HC 86.102 RTJ 197/626
PrPn Lei n. 9.099/95, art. 77, § 3º. (...) Ação penal privada. HC 86.049 RTJ 197/1077
PrPn Lei n. 9.099/95, art. 89, § 5º. (...) Suspensão condicional do processo penal –
“sursis” processual. HC 84.660 RTJ 197/608
PrPn Lei n. 9.296/96, art. 5º. (...) Interceptação telefônica. HC 84.301 RTJ 197/1033
PrPn Lei n. 9.964/2000, art. 15. (...) Ação penal. RE 409.730 RTJ 197/672
Trbt Lei n. 10.640/03, art. 4º, I, “a”, “b”, “c” e “d”: interpretação conforme à
Constituição. (...) Lei orçamentária. ADI 2.925 RTJ 197/842
Cv Lei nova: inaplicabilidade. (...) Caderneta de poupança. RE 393.021-AgR
RTJ 197/660
1094 Lei-Man — ÍNDICE ALFABÉTICO

Trbt Lei orçamentária. Crédito suplementar. Contribuição de Intervenção no


Domínio Econômico – CIDE. CF/88, art. 177, § 4º, II, “a”, “b” e “c”. Lei n.
10.640/03, art. 4º, I, “a”, “b”, “c” e “d”: interpretação conforme à Constitui-
ção. ADI 2.925 RTJ 197/842
Ct Lei orçamentária: autonomia e abstração. (...) Controle concentrado de
constitucionalidade. ADI 2.925 RTJ 197/842
Adm Lei Orgânica do TCU, art. 31. (...) Servidor público. MS 24.519 RTJ 197/999
Int Lei portuguesa. (...) Extradição. Ext 931 RTJ 197/376
PrSTF Lei primitiva idêntica. (...) Ação direta de inconstitucionalidade. ADI
1.949-MC RTJ 197/70
Int Lei superveniente: não-alteração de elemento do tipo. (...) Extradição. Ext
925 RTJ 197/18
Ct Leilão de veículo. (...) Competência legislativa. ADI 2.819 RTJ 197/834
Ct Leis municipais n.s 10.927/91 e 11.362/93, São Paulo/SP: inconstitucionali-
dade. (...) Competência legislativa. RE 313.060 RTJ 197/367
Pn Limite. (...) Imunidade judiciária. RHC 80.429 RTJ 197/262
PrCv Litigância de má-fé. (...) Agravo regimental. AI 268.866-AgR-ED-ED-AgR
RTJ 197/363
PrCv Litispendência. Ação originária especial e ação em curso na Justiça Federal.
Identidade de causa de pedir: inocorrência. AOE 16 RTJ 197/3
Pn Livramento condicional. Crime intercorrente: conhecimento após termo
final. Revogação após período de prova: impossibilidade. Pena: extinção.
CP/40, arts. 86, I, 89 e 90. CPP/41, arts. 732 e 733. Lei de Execução Penal –
LEP, arts. 145 e 146. RHC 86.317 RTJ 197/341
Ct Local diverso do “habitat”. (...) Comissão Parlamentar de Inquérito – CPI.
HC 80.240 RTJ 197/1021
PrCv Loman/79, art. 102. (...) Competência jurisdicional. AO 1.160-AgR RTJ
197/396
Ct Loman/79, art. 112, § 2º. (...) Competência legislativa. ADI 2.938 RTJ 197/452
PrCv Lubrificante e combustível derivado de petróleo. (...) Embargos de declara-
ção. RE 338.681-AgR-ED RTJ 197/642

M
Adm Magistrado. (...) Vencimentos. AO 1.056-AgR RTJ 197/392
Adm Majoração. (...) Subsídio. AO 1.230-AgR RTJ 197/407
PrPn Mandado de busca e apreensão irregular. (...) Denúncia. HC 84.679-ED RTJ
197/322
ÍNDICE ALFABÉTICO — Man-Mem 1095

PrCv Mandado de segurança. (...) Competência jurisdicional. AO 1.160-AgR RTJ


197/396
Ct Mandado de segurança. (...) Competência originária. MS 25.271-AgR RTJ
197/534
PrCv Mandado de segurança. Decadência: inocorrência. Prestação de trato suces-
sivo. Prazo: renovação a cada ato. MS 25.256 RTJ 197/1009
PrCv Mandado de segurança. Legitimidade passiva. Tribunal de Contas da União –
TCU. Proventos: determinação de desconto. MS 24.544 RTJ 197/503
PrCv Mandado de segurança. Legitimidade passiva do TCU. Ato administrativo
impositivo. MS 23.780 RTJ 197/994
PrCv Mandado de segurança. Matéria de prova. Produtividade do imóvel. MS
25.006 RTJ 197/522
Ct Matéria de iniciativa do Executivo. (...) Processo legislativo. ADI 3.051 RTJ
197/871
Pn Matéria de ordem pública. (...) Prescrição. HC 86.149 RTJ 197/325
PrCv Matéria de prova. (...) Mandado de segurança. MS 25.006 RTJ 197/522
PrSTF Matéria infraconstitucional. (...) Recurso extraordinário. AI 460.868-AgR
RTJ 197/716 – AI 529.942-AgR RTJ 197/1129
PrPn Matéria pendente de julgamento no Plenário do STF: Rcl n. 2.391. (...)
Sentença condenatória. HC 82.770-ED RTJ 197/553
PrPn Materialidade do crime e indícios de autoria. (...) Prisão preventiva. HC
84.301 RTJ 197/1033
PrSTF Medida cautelar em ação declaratória de constitucionalidade. (...) Recla-
mação. Rcl 1.013 RTJ 197/389
Trbt Medida provisória reeditada. (...) Imposto Territorial Rural – ITR. RE
448.558 RTJ 197/712
Pn Medida socioeducativa. Regime de semiliberdade. Substituição por
internação sem prazo determinado: impossibilidade. Estatuto da Criança e
do Adolescente – ECA, arts. 110, 111 e 122. HC 84.682 RTJ 197/611
Ct Meio ambiente. Proteção. Animal submetido a crueldade. Briga de galos.
CF/88, art. 225, § 1º, VII: ofensa. Lei estadual n. 11.366/2000/SC:
inconstitucionalidade. ADI 2.514 RTJ 197/442
PrCv Meios para localização do depositário não esgotados. (...) Depositário
judicial. HC 86.160 RTJ 197/1088
Ct Membro admitido antes da CF/88. (...) Ministério Público estadual. ADI
2.836 RTJ 197/446
1096 Mil-Nat — ÍNDICE ALFABÉTICO

Ct Militar. “Cassação”: alcance da expressão. “Vício grave”: formal e material.


Promoção por merecimento: critério subjetivo e objetivo. ADCT da Consti-
tuição Federal/88, art. 9º. AOE 16 RTJ 197/3
Adm Militar reformado. (...) Proventos. MS 24.742 RTJ 197/515
PrPn Ministério Público: ausência. (...) Instrução criminal. HC 70.231 RTJ 197/543
Ct Ministério Público estadual. Membro admitido antes da CF/88. Regime
anterior: opção a qualquer tempo. Cargo ou função de confiança: exercício
na própria instituição. ADCT da Constituição Federal/88, art. 29, § 3º. Lei
Complementar estadual n. 106/03/RJ, art. 165. ADI 2.836 RTJ 197/446
Ct Ministério Público estadual. Procurador-geral de justiça: eleição. Desincom-
patibilização dos candidatos. Lei Complementar estadual n. 106/03/RJ, art. 9º,
§ 1º, “c”. ADI 2.836 RTJ 197/446
Ct Ministério Público Federal e estadual. (...) Conflito de atribuições. ACO 756
RTJ 197/797
PrPn Ministério Público: juntada de documento. (...) Habeas corpus. RHC 84.404
RTJ 197/1042
Adm Ministro do STF. (...) Subsídio. AO 1.230-AgR RTJ 197/407
Ct Mudança substancial: inexistência. (...) Processo legislativo. ADI 3.367 RTJ
197/909
PrCv Multa. (...) Agravo regimental. AI 268.866-AgR-ED-ED-AgR RTJ 197/363
Trbt Multa: parâmetro. (...) Tributo. RE 407.190 RTJ 197/1111
Ct Município. (...) Competência legislativa. ADI 2.349 RTJ 197/172 – AI
347.717-AgR RTJ 197/645
Adm Município: ressarcimento ao Estado-Membro. (...) Professor. ADI 3.114 RTJ
197/488
PrPn “Mutatio libelli”. (...) Processo criminal. HC 86.276 RTJ 197/630

N
Pn Não-configuração. (...) Falsidade ideológica. HC 85.064 RTJ 197/1063
PrSTF Não-conhecimento. (...) Ação direta de inconstitucionalidade. ADI 3.367
RTJ 197/909
Trbt Não-incidência. (...) Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI. RE
255.682-AgR RTJ 197/636
Ct Natureza administrativa. (...) Conselho Nacional de Justiça. ADI 3.367 RTJ
197/909
Adm Natureza autárquica. (...) Agência reguladora de serviço público. ADI 1.949-
MC RTJ 197/70
ÍNDICE ALFABÉTICO — Nat-Par 1097

Trbt Natureza jurídica: taxa. (...) Serviço notarial e de registro. ADI 3.151 RTJ
197/889
PrSTF Negativa de seguimento. (...) Ação popular. Pet 3.422-AgR RTJ 197/499
Adm Nepotismo. (...) Cargo público. MS 23.780 RTJ 197/994
Ct Norma ab-rogatória e revogada: necessidade de impugnação. (...) Controle
concentrado de constitucionalidade. ADI 2.938 RTJ 197/452
Adm Notificação prévia: recebimento por empregado com procuração. (...) Desa-
propriação. MS 25.360 RTJ 197/1017
Int Nova denominação à mesma conduta criminosa. (...) Extradição. Ext 925
RTJ 197/18
PrPn Nulidade. (...) Acórdão criminal. HC 81.319 RTJ 197/267 – HC 84.870 RTJ
197/625
PrPn Nulidade. (...) Sentença condenatória. Rcl 2.636 RTJ 197/209
PrPn Nulidade inocorrente. (...) Denúncia. HC 84.301 RTJ 197/1033
PrPn Nulidade inocorrente. (...) Instrução criminal. HC 70.231 RTJ 197/543
PrPn Nulidade inocorrente. (...) Interceptação telefônica. HC 84.301 RTJ 197/1033

O
Ct Objeto restrito. (...) Ação originária especial. AOE 16 RTJ 197/3
Adm Obra pública. (...) Concessão. ADI 2.733 RTJ 197/219
Adm Obrigatoriedade de retorno após período de concessão: descumprimento. (...)
Servidor público. MS 24.519 RTJ 197/999
PrSTF Ofensa indireta. (...) Recurso extraordinário. RE 414.828-AgR RTJ 197/
1118 – AI 529.942-AgR RTJ 197/1129
PrPn Omissão inocorrente. (...) Apelação criminal. HC 84.560 RTJ 197/1056
PrPn “Operação Anaconda”. (...) Denúncia. HC 84.301 RTJ 197/1033
PrCv Operação interestadual. (...) Embargos de declaração. RE 338.681-AgR-ED
RTJ 197/642
Ct Órgão interno do Judiciário. (...) Conselho Nacional de Justiça. ADI 3.367
RTJ 197/909
Ct Órgão público: criação, estruturação e atribuição. (...) Processo legislativo.
ADI 2.405-MC RTJ 197/176

P
Adm Parcela autônoma de equivalência: não-incidência. (...) Vencimentos. AO
1.056-AgR RTJ 197/392
1098 Par-Pra — ÍNDICE ALFABÉTICO

Ct Partido político. (...) Ação direta de inconstitucionalidade. ADI 2.618-AgR-


AgR RTJ 197/822
Adm Pedágio: isenção e desconto. (...) Concessão. ADI 2.733 RTJ 197/219
Int Pedido impreciso. (...) Extradição. Ext 931 RTJ 197/376
Pn Pena: extinção. (...) Livramento condicional. RHC 86.317 RTJ 197/341
Pn Pena inferior a oito anos. (...) Regime prisional. RHC 86.807 RTJ 197/344
Pn Pena-base. Fixação acima do mínimo legal. Circunstância judicial desfavo-
rável. Antecedentes: irrelevância. HC 83.658 RTJ 197/557
PrPn Pena-base: fixação. (...) Sentença condenatória. Rcl 2.636 RTJ 197/209
PrPn Pena-base: renovação. (...) Habeas corpus. Rcl 2.636 RTJ 197/209
PrPn Perda de mandato. (...) Competência criminal. Rcl 2.123 RTJ 197/428
Ct Perda superveniente da representação no Congresso Nacional. (...) Ação
direta de inconstitucionalidade. ADI 2.618-AgR-AgR RTJ 197/822
Adm Período anterior à EC n. 20/98. (...) Proventos. MS 24.742 RTJ 197/515
Adm Período de afastamento: término. (...) Servidor público. MS 25.194 RTJ
197/524
PrPn Período de prova findo. (...) Suspensão condicional do processo penal –
“sursis” processual. HC 84.660 RTJ 197/608
Pn Petição de advogado: documento inidôneo. (...) Falsidade ideológica. HC
85.064 RTJ 197/1063
PrSTF Plenário do STF. (...) Competência. HC 81.319 RTJ 197/267
PrPn Pluralidade de réus e complexidade dos fatos. (...) Denúncia. HC 84.301 RTJ
197/1033
Adm Poder de polícia. (...) Poder Executivo. ADI 2.751 RTJ 197/226
Adm Poder Executivo. Autorização. Veículo irregular de transporte coletivo:
apreensão e “desemplacamento”. Poder de polícia. Lei estadual n. 3.756/02-
RJ. ADI 2.751 RTJ 197/226
Ct Poder Judiciário: caráter nacional. (...) Conselho Nacional de Justiça. ADI
3.367 RTJ 197/909
Ct Poder Judiciário: dever de proteção. (...) Educação infantil. RE 463.210-
AgR RTJ 197/1124
Pn Porte de substância tóxica. (...) Tráfico de entorpecente. HC 70.231 RTJ
197/543
Adm Prazo de validade: término. (...) Concurso público. RE 367.460-AgR RTJ
197/655
Cv Prazo: desproporcionalidade. (...) Prisão civil. HC 83.416 RTJ 197/294
ÍNDICE ALFABÉTICO — Pra-Pri 1099

PrPn Prazo: renovação. (...) Interceptação telefônica. HC 84.301 RTJ 197/1033


PrCv Prazo: renovação a cada ato. (...) Mandado de segurança. MS 25.256 RTJ
197/1009
Trbt Precatório: cessão a pessoa jurídica. (...) Crédito tributário. ADI 2.405-MC
RTJ 197/176
Adm Preço: fixação. (...) Responsabilidade civil do Estado. RE 422.941 RTJ
197/678
PrPn Prefeito e co-réu. (...) Competência criminal. Rcl 2.123 RTJ 197/428
PrSTF Prejudicialidade. (...) Ação direta de inconstitucionalidade. ADI 3.085 RTJ
197/875
PrPn Prejuízo à defesa. (...) Ação penal. HC 86.276 RTJ 197/630
PrPn Prequestionamento explícito: inexigibilidade. (...) Habeas corpus. RHC
80.967 RTJ 197/1030
Pn Prescrição. Questão não apreciada pelo STJ. Matéria de ordem pública.
Exame de ofício pelo STF. Prescrição da pretensão punitiva: inocorrência.
HC 86.149 RTJ 197/325
Ct Prescrição. Reclamação trabalhista. CF/88, art. 7º, XXIX, “a”: irretroatividade.
AI 136.486-AgR RTJ 197/346
Pn Prescrição da pretensão punitiva. (...) Extinção da punibilidade. HC 73.033
RTJ 197/259
Pn Prescrição da pretensão punitiva: inocorrência. (...) Prescrição. HC 86.149
RTJ 197/325
Int Prescrição inocorrente. (...) Extradição. Ext 917 RTJ 197/803 – Ext 925 RTJ
197/18 – Ext 931 RTJ 197/376 – Ext 944 RTJ 197/384 – Ext 972 RTJ 197/812
Ct Presidente de CPI. (...) Competência originária. HC 80.240 RTJ 197/1021
PrPn Pressuposto fático equivocado: morte do paciente. (...) Acórdão criminal.
HC 84.870 RTJ 197/625
Int Pressupostos formais: existência. (...) Extradição. Ext 917 RTJ 197/803 –
Ext 925 RTJ 197/18
PrCv Pressupostos inocorrentes. (...) Embargos de declaração. RHC 82.390-ED
RTJ 197/549 – HC 82.770-ED RTJ 197/553
PrCv Prestação de trato sucessivo. (...) Mandado de segurança. MS 25.256 RTJ
197/1009
Ct Princípio da ampla defesa e do contraditório: ofensa inocorrente. (...) Tribu-
nal de Contas da União – TCU. MS 25.200 RTJ 197/1005
PrPn Princípio da ampla defesa: ofensa inocorrente. (...) Denúncia. HC 84.301 RTJ
197/1033
1100 Pri-Pri — ÍNDICE ALFABÉTICO

Trbt Princípio da anterioridade tributária: ofensa. (...) Imposto Territorial Rural –


ITR. RE 448.558 RTJ 197/712
Pn Princípio da consunção. (...) Concurso material. Ext 931 RTJ 197/376
PrPn Princípio da correlação: ofensa inocorrente. (...) Acórdão criminal. HC
83.658 RTJ 197/557
Ct Princípio da independência e harmonia dos Poderes. (...) Processo
legislativo. ADI 2.405-MC RTJ 197/176
Adm Princípio da independência e harmonia dos Poderes: ofensa. (...) Concessão.
ADI 2.733 RTJ 197/219
Ct Princípio da independência e harmonia dos Poderes: ofensa inocorrente. (...)
Conselho Nacional de Justiça. ADI 3.367 RTJ 197/909
PrSTF Princípio da legalidade. (...) Recurso extraordinário. AI 529.942-AgR RTJ
197/1129
Adm Princípio da livre iniciativa. (...) Responsabilidade civil do Estado. RE
422.941 RTJ 197/678
Adm Princípio da moralidade. (...) Cargo público. MS 23.780 RTJ 197/994
Adm Princípio da segurança jurídica. (...) Ato administrativo. RE 442.683 RTJ
197/700
Ct Princípio federativo: ofensa inocorrente. (...) Conselho Nacional de Justiça.
ADI 3.367 RTJ 197/909
PrSTF Princípio “jura novit curia”: inaplicabilidade. (...) Recurso extraordinário.
AI 347.717-AgR RTJ 197/645
Cv Prisão civil. Alienação fiduciária em garantia. Depositário infiel e devedor
fiduciante: equiparação. Convenção Americana sobre Direitos Humanos
(Pacto de São José da Costa Rica). Decreto-Lei n. 911/69, art. 4º. CF/88, art.
5º, LXVII. HC 81.319 RTJ 197/267
Cv Prisão civil. Descabimento. Depositário infiel: não-caracterização. Empre-
gado: impossibilidade da custódia. Alienação parcial do bem. HC 83.416
RTJ 197/294
Cv Prisão civil. Prazo: desproporcionalidade. Finalidade: conotação penal.
Constrangimento ilegal. HC 83.416 RTJ 197/294
PrPn Prisão especial. Juiz federal. Questão não apreciada pelo STJ. Supressão de
instância. HC 84.301 RTJ 197/1033
Int Prisão perpétua. (...) Extradição. Ext 944 RTJ 197/384
PrPn Prisão preventiva. Fundamentação suficiente. Garantia da ordem pública.
HC 82.770-ED RTJ 197/553
PrPn Prisão preventiva. Fundamentação suficiente. Materialidade do crime e
indícios de autoria. Fato concreto. HC 84.301 RTJ 197/1033
ÍNDICE ALFABÉTICO — Pro-Pro 1101

PrPn Procedimento especial. (...) Ação penal. HC 86.102 RTJ 197/626


PrPn Processo criminal. “Mutatio libelli”. Fase de alegações finais. Juizado Espe-
cial: competência. HC 86.276 RTJ 197/630
PrPn Processo criminal. Subprocurador-geral da República. Denúncia: ausência.
Deslocamento da competência para o STJ: descabimento. HC 84.301 RTJ
197/1033
Int Processo criminal no Brasil. (...) Extradição. Ext 944 RTJ 197/384
Ct Processo legislativo. Lei de iniciativa parlamentar. Órgão público: criação,
estruturação e atribuição. Princípio da independência e harmonia dos Poderes.
CF/88, art. 61, § 1º, II, “e”. ADI 2.405-MC RTJ 197/176
Ct Processo legislativo. Matéria de iniciativa do Executivo. Cargo público:
extinção. CF/88, art. 61, § 1º, II, “a” e “c”: ofensa. ADI 3.051 RTJ 197/871
Ct Processo legislativo. Projeto de lei de iniciativa do Executivo. Emenda
parlamentar sem aumento de despesa. Lei Complementar estadual n. 836/
97/SP, art. 25, parágrafo único. ADI 3.114 RTJ 197/488
Ct Processo legislativo. Proposta de emenda constitucional. Câmara dos Depu-
tados: aprovação. Senado Federal: supressão de expressão. Retorno à Casa
iniciadora: desnecessidade. Mudança substancial: inexistência. CF/88, art.
60, § 2º: ofensa inocorrente. ADI 3.367 RTJ 197/909
PrPn Procurador-geral da República. (...) Habeas corpus. HC 83.966-AgR RTJ
197/587
Ct Procurador-geral de justiça: eleição. (...) Ministério Público estadual. ADI
2.836 RTJ 197/446
PrPn Produção anterior à ação penal: possibilidade. (...) Prova criminal. HC
85.064 RTJ 197/1063
PrCv Produtividade do imóvel. (...) Mandado de segurança. MS 25.006 RTJ
197/522
Adm Professor. Deslocamento sem prejuízo de vencimentos. Município: ressarci-
mento ao Estado-Membro. Fundo de Desenvolvimento e Manutenção do
Ensino Fundamental: recursos. Autonomia municipal: ofensa. Lei Comple-
mentar estadual n. 836/97/SP, art. 46: inconstitucionalidade. ADI 3.114 RTJ
197/488
PrPn Programa de Recuperação Fiscal – REFIS. (...) Ação penal. RE 409.730 RTJ
197/672
Ct Projeto de lei de iniciativa do Executivo. (...) Processo legislativo. ADI
3.114 RTJ 197/488
Ct Promoção por merecimento: critério subjetivo e objetivo. (...) Militar. AOE
16 RTJ 197/3
1102 Pro-Que — ÍNDICE ALFABÉTICO

PrSTF Propositura. (...) Ação direta de inconstitucionalidade. ADI 3.367 RTJ


197/909
PrSTF Proposta de emenda constitucional. (...) Ação direta de inconstitucionalidade.
ADI 3.367 RTJ 197/909
Ct Proposta de emenda constitucional. (...) Processo legislativo. ADI 3.367 RTJ
197/909
Adm Prorrogação: inocorrência. (...) Concurso público. RE 367.460-AgR RTJ
197/655
Ct Proteção. (...) Meio ambiente. ADI 2.514 RTJ 197/442
PrPn Protesto oportuno: ausência. (...) Júri. HC 84.560 RTJ 197/1056
PrPn Prova autônoma. (...) Denúncia. HC 84.679-ED RTJ 197/322
PrPn Prova criminal. Produção anterior à ação penal: possibilidade. HC 85.064
RTJ 197/1063
PrPn Prova produzida na instrução processual. (...) Habeas corpus. HC 83.658
RTJ 197/557
Adm Proventos. Acumulação. Militar reformado. Aposentadoria posterior em cargo
civil. Período anterior à EC n. 20/98. CF/67, art. 93, § 9º. MS 24.742 RTJ
197/515
Adm Proventos. Desconto. Ressarcimento ao erário. Tomada de contas especial
pelo TCU. Lei n. 8.112/90, arts. 45 e 46. Lei n. 8.443/92, art. 28, I. MS 24.544
RTJ 197/503
Adm Proventos. Servidor público estadual. Gratificações administrativas (GATA,
GAAS e GAAF): extensão. Vantagem de caráter geral. CF/88, art. 40, § 8º,
redação da EC n. 20/98. RE 372.503 RTJ 197/1107
PrCv Proventos: determinação de desconto. (...) Mandado de segurança. MS
24.544 RTJ 197/503
Adm Provimento em comissão. (...) Cargo público. MS 23.780 RTJ 197/994
PrSTF Publicação da norma impugnada antes do acórdão. (...) Ação direta de
inconstitucionalidade. ADI 3.367 RTJ 197/909
PrCv Publicação do acórdão embargado: necessidade. (...) Embargos de declara-
ção. AC 738-QO-ED RTJ 197/373

Q
Pn Quantidade apreendida: divergência irrelevante. (...) Tráfico de entorpecente.
HC 70.231 RTJ 197/543
PrPn Quesito: formulação adequada. (...) Júri. HC 84.560 RTJ 197/1056
PrPn Quesito: motivo torpe. (...) Júri. HC 84.560 RTJ 197/1056
ÍNDICE ALFABÉTICO — Que-Rec 1103

Pn Questão não apreciada pelo STJ. (...) Prescrição. HC 86.149 RTJ 197/325
PrPn Questão não apreciada pelo STJ. (...) Prisão especial. HC 84.301 RTJ
197/1033
PrPn Questão não apreciada pelo tribunal “a quo”. (...) Denúncia. RHC 84.404
RTJ 197/1042

R
PrCv Razões. (...) Agravo. AI 536.030-AgR RTJ 197/721
PrPn Recebimento. (...) Denúncia. Inq 2.170 RTJ 197/439 – HC 84.301 RTJ 197/
1033 – RHC 84.404 RTJ 197/1042
Trbt Receita tributária estadual. Repartição. Crédito decorrente de dação em
pagamento. CF/88, art. 158, III e parágrafo único. ADI 2.405-MC RTJ 197/176
PrSTF Reclamação. Cabimento. Decisão plenária do STF. Medida cautelar em
ação declaratória de constitucionalidade. Efeito vinculante. Rcl 1.013 RTJ
197/389
Ct Reclamação trabalhista. (...) Prescrição. AI 136.486-AgR RTJ 197/346
PrPn Recolhimento à prisão: condição para apelar. (...) Sentença condenatória.
HC 84.802 RTJ 197/621
PrSTF Recurso de revista: pressupostos de admissibilidade. (...) Recurso extraordi-
nário. AI 529.942-AgR RTJ 197/1129
PrPn Recurso em “habeas corpus”. Reexame de prova. Crime de apropriação
indébita previdenciária. Dificuldade financeira: alegação. RHC 86.072 RTJ
197/1081
PrSTF Recurso extraordinário. Descabimento. Instância ordinária não esgotada.
Decisão de relator de Turma Recursal de Juizado Especial. Agravo: necessi-
dade. CPC/73, art. 557, § 1º. RE 426.183-AgR RTJ 197/698
PrSTF Recurso extraordinário. Efeito devolutivo limitado. Princípio “jura novit
curia”: inaplicabilidade. AI 347.717-AgR RTJ 197/645
PrSTF Recurso extraordinário. Matéria infraconstitucional. Ação rescisória: cabi-
mento e aplicação da Súmula 343. AI 460.868-AgR RTJ 197/716
PrSTF Recurso extraordinário. Matéria infraconstitucional. Ofensa indireta. Coisa
julgada: limite. Princípio da legalidade. AI 529.942-AgR RTJ 197/1129
PrSTF Recurso extraordinário. Matéria infraconstitucional. Recurso de revista:
pressupostos de admissibilidade. Enunciado do TST: aplicação. AI 529.942-
AgR RTJ 197/1129
PrSTF Recurso extraordinário. Ofensa indireta. Direito adquirido: verificação. RE
414.828-AgR RTJ 197/1118
1104 Rec-Req — ÍNDICE ALFABÉTICO

PrSTF Recurso extraordinário inadmitido. (...) Ação rescisória. AR 1.848-AgR RTJ


197/67
PrPn Reexame de prova. (...) Recurso em “habeas corpus”. RHC 86.072 RTJ
197/1081
Ct Referendo do presidente da República. (...) Competência originária. MS
25.271-AgR RTJ 197/534
Adm Reforma agrária. (...) Desapropriação. MS 25.006 RTJ 197/522 – MS 25.360
RTJ 197/1017
Ct Regime anterior: opção a qualquer tempo. (...) Ministério Público estadual.
ADI 2.836 RTJ 197/446
Pn Regime de semiliberdade. (...) Medida socioeducativa. HC 84.682 RTJ 197/611
Pn Regime inicial fechado. (...) Regime prisional. RHC 86.807 RTJ 197/344
Pn Regime prisional. Atentado violento ao pudor. Pena inferior a oito anos.
Circunstância judicial desfavorável. Regime inicial fechado. RHC 86.807
RTJ 197/344
PrSTF Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal – RISTF, art. 21, § 1º. (...)
Ação popular. Pet 3.422-AgR RTJ 197/499
Adm Regimento Interno do TCU, art. 1º, X. (...) Servidor público. MS 24.519 RTJ
197/999
Adm Regimento Interno do TCU, art. 244. (...) Fundo de Participação dos Muni-
cípios. MS 24.151 RTJ 197/253
Adm Registro no TCU: necessidade. (...) Aposentadoria. MS 25.256 RTJ 197/1009
Ct Registros públicos. (...) Competência legislativa. ADI 3.151 RTJ 197/889
PrPn Relação entre advogado e cliente. (...) Habeas corpus. HC 83.966-AgR RTJ
197/587
PrSTF Remessa dos autos ao juízo competente: impossibilidade. (...) Ação popular.
Pet 3.422-AgR RTJ 197/499
Pn Remição. Falta grave. Tempo remido: perda. Lei de Execução Penal – LEP,
art. 127. CF/88, art. 5º, XXXVI: ofensa inocorrente. HC 86.093 RTJ 197/
1084 – RE 140.541 RTJ 197/351
Trbt Repartição. (...) Receita tributária estadual. ADI 2.405-MC RTJ 197/176
Pn Representação contra magistrado. (...) Imunidade judiciária. RHC 80.429
RTJ 197/262
Ct Requisição de servidor público: prazo. (...) Tribunal de Contas da União –
TCU. MS 25.200 RTJ 197/1005
Adm Requisição pela Justiça Eleitoral. (...) Servidor público. MS 25.194 RTJ
197/524
ÍNDICE ALFABÉTICO — Res-Sen 1105

Adm Responsabilidade civil do Estado. Intervenção estatal na economia. Preço:


fixação. Princípio da livre iniciativa. CF/88, arts. 1º, IV, e 170. RE 422.941
RTJ 197/678
Adm Ressarcimento ao erário. (...) Proventos. MS 24.544 RTJ 197/503
Adm Ressarcimento ao erário. (...) Servidor público. MS 24.519 RTJ 197/999
Ct Ressarcimento por danos morais: descabimento. (...) Ação originária especial.
AOE 16 RTJ 197/3
Ct Retorno à Casa iniciadora: desnecessidade. (...) Processo legislativo. ADI
3.367 RTJ 197/909
Pn Réu menor. (...) Extinção da punibilidade. HC 73.033 RTJ 197/259
PrPn Reunião de processos: faculdade do juiz. (...) Ação penal. HC 84.301 RTJ
197/1033
Int Revelia: irrelevância. (...) Extradição. Ext 917 RTJ 197/803
Pn Revogação após período de prova: impossibilidade. (...) Livramento condi-
cional. RHC 86.317 RTJ 197/341
PrPn Revogação posterior: possibilidade. (...) Suspensão condicional do processo
penal – “sursis” processual. HC 84.660 RTJ 197/608
PrSTF Revogação superveniente da norma impugnada. (...) Ação direta de
inconstitucionalidade. ADI 3.085 RTJ 197/875
PrPn Rito: decisão do juiz. (...) Ação penal privada. HC 86.049 RTJ 197/1077

S
Ct Seguro contra furto e roubo de automóvel. (...) Competência legislativa. RE
313.060 RTJ 197/367
Trbt Selo de controle. (...) Serviço notarial e de registro. ADI 3.151 RTJ 197/889
Ct Selo de controle de serviço notarial e de registro: instituição. (...) Competência
legislativa. ADI 3.151 RTJ 197/889
Ct Senado Federal: supressão de expressão. (...) Processo legislativo. ADI 3.367
RTJ 197/909
PrPn Sentença condenatória. Direito de apelar em liberdade. Crime hediondo.
Matéria pendente de julgamento no Plenário do STF: Rcl n. 2.391. HC
82.770-ED RTJ 197/553
PrPn Sentença condenatória. Nulidade. Pena-base: fixação. Internacionalidade
do delito: dupla valoração. Decisão do STF: ofensa inocorrente. Rcl 2.636
RTJ 197/209
PrPn Sentença condenatória. Recolhimento à prisão: condição para apelar. Fun-
damentação insuficiente. Trânsito em julgado: inocorrência. Execução pro-
visória: inadmissibilidade. HC 84.802 RTJ 197/621
1106 Sen-Súm — ÍNDICE ALFABÉTICO

Adm Sentença judicial transitada em julgado. (...) Gratificação. MS 25.460 RTJ


197/537
Trbt Serviço notarial e de registro. Selo de controle. Natureza jurídica: taxa. Fato
gerador: poder de polícia. ADI 3.151 RTJ 197/889
Adm Servidor público. Beneficiário de bolsa de estudo no exterior. Obrigatorie-
dade de retorno após período de concessão: descumprimento. Ressarcimento
ao erário. Lei Orgânica do TCU, art. 31. Regimento Interno do TCU, art. 1º, X.
MS 24.519 RTJ 197/999
Adm Servidor público. Celetista convertido em estatutário. Adicional de insalu-
bridade. Direito adquirido. RE 255.827 RTJ 197/360
Adm Servidor público. (...) Gratificação. MS 25.460 RTJ 197/537
Adm Servidor público. Requisição pela Justiça Eleitoral. Período de afastamento:
término. Devolução ao órgão de origem. Lei n. 6.999/82. MS 25.194 RTJ
197/524
Adm Servidor público: aproveitamento. (...) Cargo público. ADI 3.051 RTJ
197/871
Adm Servidor público estadual. Aposentadoria. Sistema previdenciário diverso.
Tempo de serviço: contagem recíproca. RE 255.827 RTJ 197/360
Adm Servidor público estadual. (...) Proventos. RE 372.503 RTJ 197/1107
Adm Servidor público municipal. (...) Aposentadoria. RE 229.348 RTJ 197/358
PrPn Sigilo telefônico: quebra. (...) Habeas corpus. HC 83.966-AgR RTJ 197/587
Int Sistema de contenciosidade limitada. (...) Extradição. Ext 917 RTJ 197/803
Adm Sistema previdenciário diverso. (...) Servidor público estadual. RE 255.827
RTJ 197/360
PrPn Subprocurador-geral da República. (...) Processo criminal. HC 84.301 RTJ
197/1033
Adm Subsídio. Majoração. Ministro do STF. Associação Nacional dos Magistrados
da Justiça do Trabalho – ANAMATRA: ilegitimidade ativa. AO 1.230-AgR
RTJ 197/407
Pn Substituição por internação sem prazo determinado: impossibilidade. (...)
Medida socioeducativa. HC 84.682 RTJ 197/611
Int Súmula 421. (...) Extradição. Ext 972 RTJ 197/812
Ct Súmula 649: inaplicabilidade. (...) Conselho Nacional de Justiça. ADI 3.367
RTJ 197/909
PrCv Súmula 731: inaplicabilidade. (...) Competência jurisdicional. AO 1.122-
AgR RTJ 197/815
PrCv Súmulas 623 e 624. (...) Competência jurisdicional. AO 1.160-AgR RTJ
197/396
ÍNDICE ALFABÉTICO — Sup-Trá 1107

Ct Superior Tribunal de Justiça – STJ. (...) Competência originária. HC 85.838-


ED RTJ 197/1075
Ct Supremo Tribunal Federal – STF. (...) Competência originária. MS 25.271-
AgR RTJ 197/534 – HC 80.240 RTJ 197/1021
PrPn Supressão de instância. (...) Denúncia. RHC 84.404 RTJ 197/1042
PrPn Supressão de instância. (...) Prisão especial. HC 84.301 RTJ 197/1033
Adm Supressão pelo TCU: impossibilidade. (...) Gratificação. MS 25.460 RTJ
197/537
PrSTF Suspensão cautelar: eficácia. (...) Ação direta de inconstitucionalidade. ADI
1.949-MC RTJ 197/70
PrPn Suspensão condicional do processo penal – “sursis” processual. Período de
prova findo. Revogação posterior: possibilidade. Fundamentação em fato
ocorrido no período. Lei n. 9.099/95, art. 89, § 5º. HC 84.660 RTJ 197/608
PrPn Suspensão condicional do processo penal – “sursis” processual: proposta
aceita. (...) Denúncia. Inq 2.170 RTJ 197/439
PrPn Suspensão da pretensão punitiva. (...) Ação penal. RE 409.730 RTJ 197/672

T
PrPn Tempestividade: prova. (...) Apelação criminal. HC 70.119 RTJ 197/255
Adm Tempo de serviço: contagem recíproca. (...) Servidor público estadual. RE
255.827 RTJ 197/360
Adm Tempo de serviço na administração pública e na iniciativa privada: conta-
gem recíproca. (...) Aposentadoria. RE 229.348 RTJ 197/358
Adm Tempo mínimo de serviço na administração pública. (...) Aposentadoria. RE
229.348 RTJ 197/358
Pn Tempo remido: perda. (...) Remição. HC 86.093 RTJ 197/1084 – RE 140.541
RTJ 197/351
PrPn Termo de audiência. (...) Instrução criminal. HC 70.231 RTJ 197/543
PrPn Tese examinada. (...) Apelação criminal. HC 84.560 RTJ 197/1056
PrPn Testemunha. Depoimento em CPI. Condição de investigado. Assinatura do
termo de compromisso: desobrigação. Direito ao silêncio. HC 83.703 RTJ
197/318
Adm Tomada de contas especial pelo TCU. (...) Proventos. MS 24.544 RTJ 197/503
Pn Tráfico de entorpecente. Configuração. Porte de substância tóxica. Quanti-
dade apreendida: divergência irrelevante. HC 70.231 RTJ 197/543
PrPn Tráfico de entorpecente. (...) Denúncia. HC 70.231 RTJ 197/543
Int Tráfico internacional de entorpecente. (...) Extradição. Ext 944 RTJ 197/384
1108 Tra-Uni — ÍNDICE ALFABÉTICO

PrPn Trancamento: descabimento. (...) Ação penal. HC 84.738 RTJ 197/618


Trbt Transação e moratória. (...) Crédito tributário. ADI 2.405-MC RTJ 197/176
Cv Transferência do encargo: impossibilidade. (...) Depositário judicial. HC
86.160 RTJ 197/1088
Ct Trânsito. (...) Competência legislativa. ADI 2.819 RTJ 197/834
PrPn Trânsito em julgado: inocorrência. (...) Sentença condenatória. HC 84.802
RTJ 197/621
Ct Transporte coletivo urbano: vedação de gratuidade. (...) Competência
legislativa. ADI 2.349 RTJ 197/172
Int Tratado Brasil—Argentina. (...) Extradição. Ext 972 RTJ 197/812
Int Tratado Brasil—Estados Unidos da América. (...) Extradição. Ext 944 RTJ
197/384
Int Tratado Brasil—França. (...) Extradição. Ext 917 RTJ 197/803
Int Tratado Brasil—Paraguai. (...) Extradição. Ext 925 RTJ 197/18
PrCv Tribunal “a quo”: matéria constitucional no voto vencido. (...) Embargos de
declaração. RE 395.121-ED RTJ 197/664
Ct Tribunal de Contas da União – TCU. Competência. Aposentadoria: julga-
mento de legalidade. Controle externo. Contraditório: inaplicabilidade. MS
24.742 RTJ 197/515 – MS 25.256 RTJ 197/1009
Ct Tribunal de Contas da União – TCU. Controle externo. Requisição de
servidor público: prazo. Princípio da ampla defesa e do contraditório: ofensa
inocorrente. MS 25.200 RTJ 197/1005
PrCv Tribunal de Contas da União – TCU. (...) Mandado de segurança. MS 24.544
RTJ 197/503
Ct Tribunal de Justiça. (...) Competência legislativa. ADI 3.151 RTJ 197/889
PrCv Tribunal Regional Federal – TRF. (...) Competência jurisdicional. AO
1.160-AgR RTJ 197/396
Trbt Tributo. Multa: parâmetro. Lei complementar: necessidade. CF/88, art. 146,
III: natureza exemplificativa. Lei n. 8.212/91, art. 35, redação da Lei n.
9.528/97: inconstitucionalidade. RE 407.190 RTJ 197/1111
PrCv Tutela antecipada. Benefício previdenciário: restabelecimento de paga-
mento. Decisão na ADC n. 4: ofensa. Rcl 1.013 RTJ 197/389

U
Ct União Federal. (...) Competência legislativa. ADI 2.819 RTJ 197/834 – ADI
2.938 RTJ 197/452 – ADI 2.938 RTJ 197/452 – ADI 3.069 RTJ 197/485 –
ADI 3.151 RTJ 197/889 – RE 313.060 RTJ 197/367
ÍNDICE ALFABÉTICO — Uni-Vis 1109

Ct União Federal. (...) Competência legislativa concorrente. ADI 3.098 RTJ


197/879

V
Adm Vantagem de caráter geral. (...) Proventos. RE 372.503 RTJ 197/1107
PrPn Vedação de análise probatória: parcimônia. (...) Habeas corpus. HC 83.658
RTJ 197/557
Trbt Veículo automotor. (...) Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI. RE
255.682-AgR RTJ 197/636
Adm Veículo irregular de transporte coletivo: apreensão e “desemplacamento”.
(...) Poder Executivo. ADI 2.751 RTJ 197/226
Adm Vencimentos. Assistente jurídico autárquico do Detran. Equiparação com os
de procurador de Estado. Decisão no RE n. 216.647: descumprimento. Rcl
1.865 RTJ 197/819
Adm Vencimentos. Magistrado. Verba de representação: cálculo. Parcela autôno-
ma de equivalência: não-incidência. AO 1.056-AgR RTJ 197/392
PrPn Venda de bem alienado fiduciariamente. (...) Denúncia. HC 84.161 RTJ
197/604
Adm Verba de representação: cálculo. (...) Vencimentos. AO 1.056-AgR RTJ
197/392
Ct “Vício grave”: formal e material. (...) Militar. AOE 16 RTJ 197/3
Adm Vigilância sobre mata, rio e fonte. (...) Juiz de paz. ADI 2.938 RTJ 197/452
Adm Vistoria. (...) Desapropriação. MS 25.360 RTJ 197/1017
Adm Vistoria: possibilidade. (...) Desapropriação. MS 25.006 RTJ 197/522
ÍNDICE NUMÉRICO
16 (AOE) Rel.: Min. Eros Grau........................................197/3
738 (AC-QO-ED) Rel.: Min. Celso de Mello..........................197/373
756 (ACO) Rel.: Min. Carlos Britto..............................197/797
917 (Ext) Rel.: Min. Celso de Mello..........................197/803
925 (Ext) Rel.: Min. Carlos Britto................................197/18
931 (Ext) Rel.: Min. Cezar Peluso..............................197/376
944 (Ext) Rel.: Min. Carlos Britto..............................197/384
972 (Ext) Rel.: Min. Carlos Britto..............................197/812
1.013 (Rcl) Rel. p/ o ac.: Min. Nelson Jobim...............197/389
1.056 (AO-AgR) Rel.: Min. Carlos Velloso...........................197/392
1.122 (AO-AgR) Rel.: Min. Carlos Velloso...........................197/815
1.160 (AO-AgR) Rel.: Min. Cezar Peluso..............................197/396
1.230 (AO-AgR) Rel.: Min. Carlos Velloso...........................197/407
1.231 (ADI) Rel.: Min. Carlos Velloso...........................197/413
1.848 (AR-AgR) Rel.: Min. Eros Grau......................................197/67
1.865 (Rcl) Rel.: Min. Carlos Britto..............................197/819
1.949 (ADI-MC) Rel.: Min. Sepúlveda Pertence....................197/70
2.123 (Rcl) Rel.: Min. Sepúlveda Pertence..................197/428
2.154 (Inq) Rel.: Min. Marco Aurélio...........................197/436
2.170 (Inq) Rel.: Min. Carlos Britto..............................197/439
2.349 (ADI) Rel.: Min. Eros Grau....................................197/172
2.405 (ADI-MC) Rel. p/ o ac.: Min. Sepúlveda Pertence....197/176
2.514 (ADI) Rel.: Min. Eros Grau....................................197/442
2.618 (ADI-AgR) Rel.: Min. Carlos Velloso...........................197/204
2.618 (ADI-AgR-AgR) Rel. p/ o ac.: Min. Gilmar Mendes............197/822
2.636 (Rcl) Rel.: Min. Gilmar Mendes..........................197/209
1114 ÍNDICE NUMÉRICO

2.733 (ADI) Rel.: Min. Eros Grau....................................197/219


2.751 (ADI) Rel.: Min. Carlos Velloso...........................197/226
2.819 (ADI) Rel.: Min. Eros Grau....................................197/834
2.836 (ADI) Rel.: Min. Eros Grau....................................197/446
2.925 (ADI) Rel. p/ o ac.: Min. Marco Aurélio.............197/842
2.938 (ADI) Rel.: Min. Eros Grau....................................197/452
3.051 (ADI) Rel.: Min. Carlos Britto..............................197/871
3.069 (ADI) Rel.: Min. Ellen Gracie...............................197/485
3.085 (ADI) Rel.: Min. Eros Grau....................................197/875
3.098 (ADI) Rel.: Min. Carlos Velloso...........................197/879
3.114 (ADI) Rel.: Min. Carlos Britto..............................197/488
3.151 (ADI) Rel.: Min. Carlos Britto..............................197/889
3.367 (ADI) Rel.: Min. Cezar Peluso..............................197/909
3.422 (Pet-AgR) Rel.: Min. Carlos Britto..............................197/499
7.204 (CC) Rel.: Min. Carlos Britto..............................197/236
23.780 (MS) Rel.: Min. Joaquim Barbosa......................197/994
24.151 (MS) Rel.: Min. Joaquim Barbosa......................197/253
24.519 (MS) Rel.: Min. Eros Grau....................................197/999
24.544 (MS) Rel.: Min. Marco Aurélio...........................197/503
24.742 (MS) Rel.: Min. Marco Aurélio...........................197/515
25.006 (MS) Rel.: Min. Marco Aurélio...........................197/522
25.194 (MS) Rel.: Min. Celso de Mello..........................197/524
25.200 (MS) Rel.: Min. Carlos Britto............................197/1005
25.256 (MS) Rel.: Min. Carlos Velloso........................197/1009
25.271 (MS-AgR) Rel.: Min. Ellen Gracie...............................197/534
25.360 (MS) Rel.: Min. Eros Grau..................................197/1017
25.460 (MS) Rel.: Min. Carlos Velloso...........................197/537
70.119 (HC) Rel.: Min. Celso de Mello..........................197/255
70.231 (HC) Rel.: Min. Celso de Mello..........................197/543
73.033 (HC) Rel.: Min. Celso de Mello..........................197/259
80.240 (HC) Rel.: Min. Sepúlveda Pertence................197/1021
80.429 (RHC) Rel.: Min. Marco Aurélio...........................197/262
80.967 (RHC) Rel.: Min. Sepúlveda Pertence................197/1030
81.319 (HC) Rel.: Min. Celso de Mello..........................197/267
82.390 (RHC-ED) Rel.: Min. Sepúlveda Pertence..................197/549
82.770 (HC-ED) Rel.: Min. Gilmar Mendes..........................197/553
83.416 (HC) Rel. p/ o ac.: Min. Cezar Peluso................197/294
83.658 (HC) Rel.: Min. Joaquim Barbosa......................197/557
83.703 (HC) Rel.: Min. Marco Aurélio...........................197/318
83.966 (HC-AgR) Rel.: Min. Celso de Mello..........................197/587
84.161 (HC) Rel.: Min. Sepúlveda Pertence..................197/604
84.301 (HC) Rel.: Min. Joaquim Barbosa....................197/1033
84.404 (RHC) Rel.: Min. Carlos Britto............................197/1042
84.560 (HC) Rel.: Min. Eros Grau.................................197/1056
84.660 (HC) Rel.: Min. Carlos Britto..............................197/608
ÍNDICE NUMÉRICO 1115

84.679 (HC-ED) Rel.: Min. Eros Grau....................................197/322


84.682 (HC) Rel.: Min. Cezar Peluso..............................197/611
84.738 (HC) Rel.: Min. Marco Aurélio...........................197/618
84.802 (HC) Rel.: Min. Marco Aurélio...........................197/621
84.870 (HC) Rel.: Min. Sepúlveda Pertence..................197/625
85.064 (HC) Rel. p/ o ac.: Min. Gilmar Mendes.........197/1063
85.838 (HC-ED) Rel.: Min. Celso de Mello.......................197/1075
86.049 (HC) Rel.: Min. Eros Grau.................................197/1077
86.072 (RHC) Rel.: Min. Eros Grau.................................197/1081
86.093 (HC) Rel.: Min. Eros Grau.................................197/1084
86.102 (HC) Rel.: Min. Eros Grau....................................197/626
86.149 (HC) Rel.: Min. Eros Grau....................................197/325
86.160 (HC) Rel.: Min. Eros Grau.................................197/1088
86.276 (HC) Rel.: Min. Eros Grau....................................197/630
86.294 (HC) Rel.: Min. Gilmar Mendes..........................197/328
86.317 (RHC) Rel.: Min. Joaquim Barbosa......................197/341
86.807 (RHC) Rel.: Min. Ellen Gracie...............................197/344
136.486 (AI-AgR) Rel.: Min. Celso de Mello..........................197/346
140.541 (RE) Rel.: Min. Celso de Mello..........................197/351
179.337 (AI-AgR) Rel.: Min. Celso de Mello..........................197/356
229.348 (RE) Rel.: Min. Ellen Gracie...............................197/358
247.593 (RE-AgR) Rel.: Min. Carlos Velloso...........................197/634
255.682 (RE-AgR) Rel.: Min. Carlos Velloso...........................197/636
255.827 (RE) Rel.: Min. Eros Grau....................................197/360
268.866 (AI-AgR-ED-ED-AgR) Rel.: Min. Celso de Mello..........................197/363
313.060 (RE) Rel.: Min. Ellen Gracie...............................197/367
338.681 (RE-AgR-ED) Rel.: Min. Carlos Velloso...........................197/642
347.717 (AI-AgR) Rel.: Min. Celso de Mello..........................197/645
356.711 (RE) Rel.: Min. Gilmar Mendes.......................197/1094
367.460 (RE-AgR) Rel.: Min. Gilmar Mendes..........................197/655
372.503 (RE) Rel.: Min. Gilmar Mendes.......................197/1107
393.021 (RE-AgR) Rel.: Min. Celso de Mello..........................197/660
395.121 (RE-ED) Rel.: Min. Carlos Britto..............................197/664
407.190 (RE) Rel.: Min. Marco Aurélio.........................197/1111
409.730 (RE) Rel.: Min. Marco Aurélio...........................197/672
414.828 (RE-AgR) Rel.: Min. Celso de Mello.......................197/1118
422.941 (RE) Rel.: Min. Carlos Velloso...........................197/678
426.183 (RE-AgR) Rel.: Min. Marco Aurélio...........................197/698
442.683 (RE) Rel.: Min. Carlos Velloso...........................197/700
448.558 (RE) Rel.: Min. Gilmar Mendes..........................197/712
460.868 (AI-AgR) Rel.: Min. Celso de Mello..........................197/716
463.210 (RE-AgR) Rel.: Min. Carlos Velloso........................197/1124
529.942 (AI-AgR) Rel.: Min. Celso de Mello.......................197/1129
536.030 (AI-AgR) Rel.: Min. Celso de Mello..........................197/721

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