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SÍNTESE DOGMÁTICA:
para impugnar a nomeação de parentes para quaisquer cargos públicos de livre nomeação, inclusive os de alto
escalão, tais como secretarias e ministérios, considerando que a Súmula Vinculante n. 13 foi editada com o
objetivo de reconhecer de forma expressa a prática de nepotismo, direta e cruzada, como ato de violação à
Constituição, sobretudo, dos princípios da moralidade e impessoalidade inscritos no art. 37, caput.
represente um avanço no combate ao nepotismo, merece ser reavaliada, de modo a incluir os casos de nepotismo
direto também para cargos políticos. O direito dos políticos de nomear assessores diretos e de confiança tem
limites nos postulados éticos que sustentam o edifício constitucional. As práticas da vida privada encontram
fronteiras quando realocadas no universo da coisa comum. E a vedação à nomeação de parentes é um limite
institucional aos interesses do gestor, que é a um só tempo ser humano e administrador público. Trata-se de
norma moralizadora do espaço público. Norma esta que parte da sociedade e reflete o seu anseio por um governo
FUNDAMENTAÇÃO:
RECLAMAÇÃO CONSTITUCIONAL
A legitimidade dos ramos estaduais do Parquet implica, em última análise, em maior efetividade na
fiscalização do cumprimento das súmulas vinculantes e em garantia constitucional de acesso à Justiça, ante a sua
capilaridade institucional e proximidade com a realidade cotidiana das cidades, da comunidade e de seus
cidadãos.
Este tema, como se sabe, foi objeto de debate no Supremo Tribunal Federal por meio da Reclamação n.
7.358/SP (Rel. Min. Ellen Gracie, Tribunal Pleno, DJe de 03/06/2011). O acórdão em questão promoveu
1
*Promotora de Justiça do Ministério Público do Rio de Janeiro.
2
**Procuradora de Justiça do Ministério Público do Rio de Janeiro.
verdadeira virada jurisprudencial, a qual consolidou o entendimento atual e pacífico sobre a legitimidade ativa
dos Ministérios Públicos estaduais para a proposição da Reclamação Constitucional. Vejamos, pois, o trecho em
Agravo Regimental na Reclamação n. 14223/GO, em 16/12/2014, trazendo à baila o leading case do Estado de
O presente trabalho foi realizado pela 1ª Promotoria de Justiça de Tutela Coletiva da Cidadania da
Capital do Rio de Janeiro em atuação conjunta com a Assessoria de Recursos Constitucionais Cíveis.
No dia 08/02/2017, o órgão com atribuição instaurou inquérito civil com o escopo de apurar suposta
violação ao princípio da moralidade, previsto no art. 37, caput, da CRFB/88, e da regra inscrita na S. V. n. 13 do
STF, a qual veda a prática de nepotismo pelos agentes públicos; bem como expediu Recomendação ao Prefeito
Marcelo Crivella para que exonerasse, no prazo de 10 dias, seu filho do cargo de Secretário Chefe da Casa Civil
do Município do Rio de Janeiro. Nessa esteira, o Prefeito foi notificado em 09/02/2017. Transcorrido o prazo in
albis e presente a condição de procedibilidade de esgotamento das vias administrativas (Rcl. n. 22.286/SC - Rel.
Ministro Luiz Fux, com j. em 16/02/16), o Parquet Fluminense ajuizou Reclamação, no dia 21/02/2017.
Após o ajuizamento da Reclamação n. 26.482, distribuída ao Ministro Marco Aurelio3, foi estabelecido
contato a Assessoria de Recursos Constitucionais, a fim de montar uma estratégia de atuação perante o Supremo
Tribunal Federal. Foi acordado que seriam elaborados memoriais para distribuição aos Ministros, como forma de
apresentar a tese ministerial com a antecedência necessária para a exposição da questão. Foram realizados
3
A Reclamação ajuizada pelo MPRJ foi distribuída por dependência à Reclamação 26.303, na qual foi proferida
liminar para suspender a eficácia do Decreto que nomeou Marcelo Hodge Crivella para o cargo Secretário Chefe
da Casa Civil.
agendamentos com alguns dos Ministros, em especial com o relator, oportunidade em que o Parquet expôs a tese
requerido a inclusão em pauta à Presidente. No momento aguardamos a definição de data para julgamento,
quando então se fará necessária nova rodada de agendamentos e inscrição dos membros do MPRJ para
sustentação oral.
A S. V. n. 13 tem origem em quatro precedentes: (i) a ADI 1.521/RS (Min. Rel. Marco Aurélio, julgado
em 12/03/1997); (ii) o MS 23.780-5/MA (Min. Rel. Joaquim Barbosa, julgado em 28/09/2005); (iii) a ADC 12-
6/DF (Min. Rel. Carlos Britto, julgado em 20/08/2008); e (iv) o RE 579.951-4/RN (Min. Rel. Ricardo
o presente tema, a Corte Constitucional foi aos poucos redirecionando a interpretação da mencionada súmula,
afastando os casos de nomeação de parentes para cargos políticos da sua hipótese de incidência, com exceção de
situações de (i) tráfico de influência; (ii) fraude à lei; e (iii) inaptidão do nomeado (V. Rcl 6.650/PR, Min. Rel.
Ellen Gracie, j. em 16/10/2008; Rcl n. 7.590/PR, Min. Rel. Dias Toffoli, j. em 30/09/2014; RE 825682/SC, Min.
Rel. Teori Zavaski, j. 10/02/2015; Rcl 22.286/SC, Min. Rel. Luiz Fux, j. 16/02/2016).
Com efeito, entendemos que após a edição da Súmula Vinculante n. 13, aos poucos a noção da
imoralidade em si do ato de nepotismo, reconhecido como a nomeação para cargo público de pessoa da família,
foi se transmudando para a noção de imoralidade do tráfico de influência ou da falta de aptidão técnica. O debate
em torno da nomeação do parente – objeto imediato da Súmula Vinculante n. 13 – foi perdendo espaço para o
debate sobre fraudes e suposto tráfico de influência, desviando-se, assim, da sua vocação original, a saber, a
Vale dizer, deparamo-nos com um verdadeiro paradoxo: o nepotismo cruzado tornou-se ato mais
ofensivo à moralidade administrativa que o próprio nepotismo direto. Conquanto a redação da Súmula
Vinculante tenha abarcado as duas categorias de nepotismo, a direta e a cruzada, a primeira, de natureza
O diálogo travado entre os eminentes Ministros Carmem Lúcia e Ricardo Lewandoski continuou em
aberto: e nos casos em que o Prefeito nomeia para Secretarias chaves do governo filho e cônjuge? Parafraseando
o ilustre Ministro Carlos Ayres Brito, isso continua desgraçadamente a acontecer. E se isso é uma desgraça, ou
mesmo, uma atitude que vai de encontro ao patamar ético de uma vida republicana, por que aceitá-la?
Quando aponta a sua divergência, à ocasião do voto-vista, no ARE n. 806608 AgR/SC – Primeira
Turma, julgado em 28/10/2016, o eminente Ministro Marco Aurélio de Mello está buscando um posicionamento
objetivo da Corte para uma hipótese específica de nepotismo: a nomeação pelo Prefeito de parente para
represente um avanço no combate ao nepotismo, merece ser reavaliada, de modo a incluir os casos de nepotismo
Nessa esteira, não duvidamos que para os pais e mães, maridos e esposas, os seus parentes sejam os
mais leais, e que haja de alguma forma uma expectativa de levá-los consigo nas missões diárias, sujeitas às mais
variadas provações. A questão é que o direito dos políticos de nomear assessores diretos e de confiança tem
limites nos postulados éticos que sustentam o edifício constitucional. As práticas da vida privada encontram
fronteiras quando realocadas no universo da coisa comum. E a vedação à nomeação de parentes é um limite
institucional aos interesses do gestor, que é um só tempo ser humano e administrador público. São imposições de
uma comunidade baseadas em um senso de moral comum: é preciso construir um muro entre a vida privada e a
gestão da coisa pública. Trata-se de norma moralizadora do espaço público. Norma esta que parte da sociedade e
4- FAMÍLIA E POLÍTICA
A família é autoridade que governa a nível local e que ao mesmo tempo se projeta em direção ao poder
central, infiltrando-se sempre que possível nas suas estruturas do governo. Trata-se de uma dinâmica social que
tem suas raízes em um passado remoto. A lógica da interpenetração do privado com o público por meio de
estruturas familiares nos remete sem sombra de dúvidas ao modelo político da era feudal 4.
Nada obstante, trata-se de práticas políticas que se perpetuam até os dias de hoje. Em maior ou menor
grau, fato é que o parentesco se desdobra em um complexo ambiente político, e que mesmo hoje, no ano de
2017, em especial no Brasil, a política estatal confunde-se com a vida em família. A consanguinidade estrutura-
se, pois, em função da autoridade local, servindo como critério para o exercício do poder (e sua transferência) de
Ricardo Costa de Oliveira, Doutor em Ciências Políticas pela UNICAMP, e professor Associado da
UFPR, autor da obra “Nas teias do nepotismo: sociologia política das relações de parentesco e de poder político
no Paraná e no Brasil”5 dedica-se ao estudo de temas associados ao nepotismo, a saber, família e poder político.
4
ARIÈS, Phillippe; & DUBY, Georges (Org.) História da vida privada: da Europa feudal à Renascença. 2. São
Paulo: Companhia das Letras. 2001, pp. 31-34.
5
DE OLIVEIRA, Ricardo Costa. Nas teias do nepotismo: sociologia política das relações de parentesco e de
poder político no Paraná e no Brasil. Curitiba: Editora Insight, 2012.
do XVII Congresso Brasileiro de Sociologia, realizado de 20 a 23 de julho de 2015, organizado pelo professor e
“A família política se tornou o grande “ponto cego” nas ciências sociais brasileiras
do século XXI. Como as famílias atravessam e agem dentro das instituições políticas
brasileiras foi uma questão central na gênese de certo pensamento social e na própria
formulação de uma ciência social brasileira no início do século XX. Podemos
discutir uma visão cética e realista na dimensão do ensaísmo e das pesquisas de
Oliveira Vianna. O "complexo da família senhorial" e sua compreensão. Outra visão
democrática e otimista na dimensão do ensaísmo e das pesquisas de Sérgio Buarque
de Holanda. Raízes do Brasil, a família patriarcal e o “homem cordial”.
(...)
“A implantação da moderna ciência política no Brasil, após a redemocratização de
1946 e nas décadas posteriores, não trouxe e nem comportou a categoria “família”
nos estudos políticos daquela época em diante.
(...)
A análise e identificação de um conjunto de famílias e de genealogias regionais,
estruturas familiares de longa duração, formando uma classe social histórica no
Brasil, revela um conjunto de relações sociais e de formas sociais de patrimônios e
de tipos de rendas. A estrutura familiar apresenta vários casamentos com famílias
igualmente antigas, ou com novos ingressantes e imigrantes ao longo do tempo.
Trata-se de uma classe social histórica, que transmite e reproduz de várias maneiras
seu habitus de classe e seu ethos político para as novas gerações. A velha classe
dominante também transmite as velhas culturas do “familismo” e do “nepotismo”
para as novas famílias do poder, muitas das quais possuíram origens migrantes,
origens ascendentes e acabam casando com as velhas famílias do poder. Muitas
vezes o funcionamento e a lógica das instituições operam mecanismos clientelísticos
e formas de patronagem, que beneficiam esquemas políticos familiares. O tema das
famílias é tema do presente!” 7 (Grifou-se)
Vemos, pois, que o tema do nepotismo vem sendo objeto de detalhados estudos por parte de sociólogos
e cientistas políticos brasileiros, que conseguiram identificar nesses últimos anos esse “ponto cego”. Logo, trata-
se, sobretudo, de se debater o modelo político clientelista familiar que domina o país desde a sua colonização
remota. O nepotismo é em si mesmo um fator de desequilíbrio social e econômico, que reproduz mecanismos
clientelistas de monopólio do poder político. É uma fórmula que por si só é imoral, mas que nesse país adquire
contornos trágicos, uma vez que mantém comunidades inteiras reféns de poderosos clãs locais.
Como ressalta Ricardo Costa de Oliveira, trata-se de tema da ordem do dia. A população e a grande
mídia há muito já reconhecem esse como um dos principais fatores de atraso cultural e civilizatório do nosso
país. A luta pela construção de uma sociedade mais digna e justa passa pelo reconhecimento de limites éticos
6
DE OLIVEIRA, Ricardo Costa (Universidade Federal do Paraná). “Famílias políticas, desigualdade
estratificação social no Brasil Contemporâneo” In Grupo de Trabalho (GT 06) – Desigualdade e estratificação
social, In XVII Congresso Brasileiro de Sociologia, realizado de 20 a 23 de julho de 2015.
7
V. também livros e estudos de OLIVEIRA, Ricardo Costa de. (i) Estado, classe dominante e parentesco no
Paraná. Curitiba: Nova Letra, 2015; (ii) Redes de Nepotismo como processo de produção e reprodução de
desigualdades. GT 14: Desigualdades: produção e reprodução. 33º Encontro Anual da ANPOCS – Associação
Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais – 2009; e (iii) Política, Direito, Judiciário e Tradição
Familiar; Área temática: Política, Direito e Judiciário. IX Encontro da ABCP, em 04 a 07 de agosto de 2014.
institucionais aos nossos governantes. Nessa esteira, destaque-se a seguinte notícia do Jornal O Globo, em
04/01/2013:
estudos de ciência política e social e a avaliação da opinião pública sobre o tema, como elementos informadores
da decisão do Supremo Tribunal Federal. Precisamos integrar o discurso acadêmico e social a esse processo
decisório. Chama-se a atenção, pois, para a gravidade em si mesma da prática de nepotismo direto, mesmo nos
casos de cargos políticos, tais como a nomeação pelo Prefeito de parentes para o seu secretariado.
5- OPINIÃO PÚBLICA E PAUTA ÉTICA
toda a heterogeneidade que a compõe: uma busca maior por ética por parte do sistema político. As chamadas
verdadeiro estopim para o aumento da percepção da ética - ou, no caso, falta de ética - no sistema político
vigente. Nas manifestações, além das demandas sociais, houve grande apelo por mais transparência. Evidenciou-
se à ocasião a profunda falta de representatividade dos partidos. Centenas de milhares pessoas nas ruas de todo o
Brasil expressando, através de diferentes vozes, um extremo descontentamento com a política e a maneira como
Com a descrença no sistema político, o brasileiro passa a buscar uma instituição capaz de externalizar a
vontade popular. No cenário brasileiro atual, o Judiciário tem assumido em parte esse papel, sobretudo, quando
as demandas de ética e moralidade dizem respeito a escolhas políticas que vão de encontro aos interesses
pessoais dos agentes públicos. O Judiciário surge na arena pública como um mediador das relações sociais.
Conforme lição do eminente Ministro Luis Roberto Barroso, o Supremo Tribunal Federal passa a ter o
dever de prestar a jurisdição constitucional, sob dois fundamentos: (i) a atuação contramajoritária; e a (ii) atuação
representativa8. Como nos ensina o professor e Ministro, a atuação contramajoritária costumeiramente decorre do
dever de analisar a necessidade de sustar atos do Legislativo e do Executivo. Já a representativa decorre da crise
de representatividade das instituições políticas. Ela está destinada a evitar abusos perpetrados pelos membros dos
demais Poderes que compõe a República. Cabe, ao STF, o dever de “(atender) a demandas sociais relevantes
que não foram satisfeitas pelo processo político majoritário”9. Veja-se que o autor se utiliza justamente da
pode permitir a prática de atos que violem os princípios da impessoalidade e moralidade da Administração
8
BARROSO, Luis Roberto. A razão sem voto: o Supremo Tribunal Federal e o governo da maioria. In.
SARMENTO, Daniel (Coord.). Jurisdição constitucional e política. Rio de Janeiro: Forense, 2015. pp. 3-34.
9
Ibidem. p. 34.
10
Ibidem. p. 27.
Pretende-se, com a propositura da Reclamação Constitucional demonstrar que o ato realizado pelo
Prefeito do Município do Rio de Janeiro, Marcelo B. Crivella, consistente na nomeação de seu filho, Marcelo H.
Crivella, para o cargo de Secretário da Casa Civil do Município do Rio de Janeiro é ato de nepotismo direto,
conduta esta expressamente vedada pelo enunciado n. 13 da Súmula Vinculante do Supremo Tribunal Federal,
verdadeira regra protetora do Artigo 37, caput, da Constituição da República Federativa do Brasil.
Foi, assim, requerido pelo Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro fosse declarado o
Crivella, para o cargo de Secretário da Casa Civil do Município do Rio de Janeiro, determinando-se o
afastamento da pessoa acima citada do referido cargo público da Administração Pública Municipal do Rio de
Janeiro.
CONCLUSÃO OBJETIVA:
Estamos diante de um caso que evidencia o potencial da atuação do Ministério Público em defesa das
teses que lhes são caras perante o Supremo Tribunal Federal. Identificada a relevância de determinada tese para a
instituição, cabe aos órgãos de execução articularem-se seja internamente, seja a nível nacional, com os demais
Ministérios Públicos para sua defesa conjunta. Em muitos casos, forjam-se interpretações destoantes do
O Ministério Público não deve se apequenar diante de tais desafios. Ao revés, deve insistir na
persecução dos objetivos constitucionais ministeriais valendo-se das ferramentas à sua disposição, em especial a
Reclamação Constitucional. No caso, a reconstrução histórica da edição da Súmula Vinculante n. 13, nos termos
da Reclamação n. 26.482 revela que a preocupação original deste enunciado era a vedação do nepotismo direto.
Nessa esteira, surge a importância do papel do Ministério Público como agente ativo na arena dialógica.
Por fim, é evidente que a Súmula Vinculante N. 13 foi editada com o objetivo de reconhecer de forma
expressa a prática de nepotismo, direta e cruzada, como ato de violação à Constituição, sobretudo, dos princípios
Constitucional perante o Supremo Tribunal Federal como ferramenta de impugnação de nomeação de parentes
para quaisquer cargos públicos de livre nomeação, inclusive os de alto escalão, tais como secretarias e
ministérios, considerando que a Súmula Vinculante N. 13 foi editada com o objetivo de reconhecer de forma
expressa a prática de nepotismo, direta e cruzada, como ato de violação à Constituição, sobretudo, dos princípios