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Crítica a Temer mostra um Lula

assombrado pelo impeachment


Petista usa crédito político da crise para tentar
marcar opositores como golpistas em potencial
26.jan.2023 às 11h33

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) obteve uma vitória política
vital para seu começo de terceiro mandato após a tragédia golpista
que se abateu sobre Brasília no dia 8 de janeiro.

Como é comum no presidencialismo brasileiro, no qual tudo leva à


cadeira do ocupante do Planalto, o petista galvanizou em torno de si
a resposta ao vandalismo dos bolsonaristas que depredaram as
sedes dos Poderes.

Quase três semanas se passaram, e uma máquina de investigação e


punição de envolvidos sem paralelo na história recente está em
operação. Politicamente, contudo, com a volta dos trabalhos no
Congresso na semana que vem, a tendência é a de que o crédito
político de Lula comece a se esvair.

Isso explica em parte o ataque gratuito feito ao governo de Michel


Temer (MDB) na viagem de Lula ao Uruguai na quarta (25), quando
qualificou a gestão do emedebista de golpista, colocando-a no
mesmo balaio da de Jair Bolsonaro (PL) ao repisar o tema da
herança maldita, usado por praticamente todo governante ao
assumir.

Não foi a primeira vez. No segundo turno, também disse que Dilma
Rousseff (PT) havia sofrido um golpe no seu impeachment em 2016.
Corolário, o então vice Temer e seu governo subsequente seriam
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golpistas.

Voltando ao tema, Lula amplia a designação para todo o período


após o impedimento, buscando uma ponte retórica com o golpismo
de Bolsonaro e até a insanidade da turma do 8 de janeiro —uma
coisa é apontar o apoio que Temer deu ao ex-presidente em algumas
ocasiões, outra é chamá-lo de bolsonarista.

É uma variante nova do "nós contra eles" que sempre pautou o


discurso político petista. Antes, "eles" eram "as elites"; agora, a
sugestão é de que todo opositor é um golpista potencial.

Ao fazer isso, Lula também revela um certo temor reverencial do


impeachment, ainda que isso não esteja nem de longe no horizonte.
Afinal, é o instrumento que assombra qualquer presidente brasileiro
desde que Fernando Collor caiu em 1992, pela facilidade com que é
invocado.

O raciocínio de Lula tem lógica: esticar ao máximo o crédito que


ganhou na condução da crise. Resta saber o real impacto disso,
dado que a resposta de Temer, sugerindo ao presidente que
trabalhasse sem olhar no retrovisor, é exatamente o que boa parte
da classe política diz de forma reservada.

Ninguém, neste momento, irá a público contra Lula —com a óbvia


exceção dos bolsonaristas mais fiéis. O presidente ainda encarna,
assim como o ministro do Supremo Alexandre de Moraes, a reação
institucional à barbárie que nos foi apresentada no Capitólio
brasileiro.

Mas é uma questão de decoro, mercadoria com prazo de validade


baixíssimo em Brasília. As insatisfações com a desenvoltura de Lula
e de alguns de seus ministros nesta fase de empoderamento
temporário já são audíveis.
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Por fim, há dois fatores laterais. O impeachment, diferentemente do
que diz hoje o presidente, foi um processo legal supervisionado pelo
Supremo Tribunal Federal.

Por evidente, os impedimentos são atos políticos. As pedaladas


fiscais de Dilma eram crimes, mas ela só caiu pela ruína econômica
que montou, pela pressão nas ruas e pela falta de apoio político no
Congresso —motivo último da queda de presidentes de quaisquer
coloração partidária, como o direitista Collor mostra.

Assim, Lula aproveita o atual momento para promover uma espécie


de anistia da aliada, a quem não foi tão empático no passado. Dilma
frequenta solenidades no Palácio do Planalto e seu governo agora
integra o que Lula chamou de "momento auspicioso" das gestões do
PT. "Tempus fugit", como diria o poeta romano Virgílio no latim tão
ao gosto de Temer, "o tempo voa".

Um segundo ponto é mais comezinho. Espezinhar Temer é fortalecer


seus fiadores no MDB, como Renan Calheiros (AL) e Jader Barbalho
(PA), ambos com seus filhos no ministério lulista, e mesmo a
independente Simone Tebet (Planejamento), que foi candidata ao
Planalto pelo partido contra a vontade do ex-presidente.
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