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CURSO DE GRADUAÇÃO EM ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

Felipe de Almeida Rodrigues


Paloma Gerspacher

RESENHA
Filme: Democracia em Vertigem

Volta Redonda
2021
1. DEMOCRACIA EM VERTIGEM
O documentário “Democracia em vertigem” é uma produção de 2019 realizada por
Petra Costa, a qual teve seus direitos de distribuição adquiridos pela Netflix em 19 de junho de
2019. O filme acorre a vida da cineasta produtora de maneira íntima e pessoal, relatando fatos
marcantes da política brasileira, desde o primeiro mandato do presidente Lula (2002 a 2006)
até o processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff, em 2016. Ainda, o longa-
metragem é um dos cinco documentários indicados para concorrer ao Oscar em 2020,
concorrendo com o American Factory (Indústria Americana), The Cave, For Sama e
Honeyland.

A indicação do documentário para o Oscar reacende o debate político no Brasil. O


filme é narrado em primeira pessoa pela própria diretora, que vem de uma família que teve
envolvimento político nos anos de chumbo da ditadura militar. Um de seus avôs, Gabriel
Donato Andrade era sócio e fundador da empreiteira Andrade Gutierrez, uma construtora muito
forte na época do militarismo. E seus pais, Manoel Costa e Marília Andrade, foram militantes
da resistência estudantil. Sua mãe chegou a ser presa na mesma prisão que Dilma Rousseff.
Aliás, um dos momentos marcantes do documentário é o encontro entre a ex-presidente e a mãe
da cineasta que é jornalista e socióloga.

Dessa forma, como o próprio título sugere, os acontecimentos políticos relatados


caminham para uma distorção da democracia ideal no Brasil ou a que até então, se aproximava
disso após momentos históricos de retrocessos gerados pela Ditadura Militar no país.

Durante 21 anos de Ditadura Militar no Brasil, foram observados recessão de direitos


políticos e civis da população, anulados direitos conquistados desde o período da Proclamação
da República em 1989, que mais tarde acarretaria em direitos de voto, como sufrágio universal,
como também a divisão dos poderes em Executivo, Legislativo e Judicial. No entanto, com a
Ditadura não havia mais qualquer resquício de democracia, pois além de direitos aniquilados,
havia perseguição política a quem contrariava o governo vigente da época.

Eis que em 1985 a Ditadura Militar sofre sua queda, com a entrada de José Sarney na
presidência e, em 5 de outubro 1988 é promulgada a nova Constituição Federal, que restaurava
e ampliava direitos dos cidadãos, como liberdade de expressão, liberdade política, liberdade
política e econômica entre outros, assim, estava instaurada a democracia.

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No entanto, o que parecia o caminho ideal para a libertação, após 21 anos de repressão,
tomou rumos até os dias atuais que veem colocando em cheque se de fato, os brasileiros vivem
uma democracia ou se, o formato seria apenas uma vertigem de democracia, um sistema
estruturado por interesses políticos e camuflado de poder do povo.

Para o entendimento da exposição acima, será analisado o decorrer do desmonte a


democracia, se quer, se um dia existiu. Assim, em 1980, Lula lidera a criação do Partido dos
Trabalhadores (PT). Candidata-se a presidência do Brasil em três eleições consecutivas: 1989,
1994 e em 1998, perdendo em todas. Em 2002, optando pela conciliação e não mais o debate
frente ao mundo empresarial, Lula vence as eleições obtendo 61% dos votos válidos. Neste
momento, emerge na população a esperança de que as desigualdades sociais seriam enfrentadas.

No entanto Lula com sua coalizão não tem maioria no Congresso e em pouco tempo
estoura o mensalão, o partido foi acusado de compra de votos para aprovar projetos e seus
ministros renunciam, além disso se juntam ao PMDB, que representa a oligarquia da época.

Após suas duas candidaturas seguidas, Dilma assume em 2012 e em 2013, através de
diversas insatisfações da população, tanto com medidas sociais, quanto a perda de apoio se
iniciam manifestações por todo o país, o que gerou uma imensa fissura no país e, na própria
democracia que dividiu a população do país.

Assim, Dilma foi perdendo sua legitimidade e apoio dos mais diversos setores do país
e, para tentar contornar sua falta de aprovação, aprovou diversas medidas, como a de
anticorrupção, como Lava Jato e a Delação Premiada, que apurou fraudes de diversas empresas,
como a Petrobras, políticos recebendo propinas a cada acordo fechado. Nesse viés, os
escândalos foram sendo associados ao governo do PT.

Em meio ao caos instaurado e instabilidade no governo Dilma, o juiz Sérgio Mouro


entra em cena e começa a apurar os escândalos, promovendo uma perseguição política a Lula,
através de escutas ilegais e acusações sem as devidas comprovações. Perseguição política pois
ao mesmo tempo que o juiz o acusava, foi o responsável por julgar seu caso, o que seria imoral.

Paralelamente a isso, Aécio Neves que havia perdido a eleição para Dilma em 2012,
faz a incitação do impeachment após perder eleições, enquanto o Governo de Dilma era acusada
de pedaladas fiscais e sem maioria no Congresso. No entanto, vale ressaltar que suas acusações
de pedaladas fiscais eram práticas comuns realizados por presidentes anteriores.

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Dilma, sem o apoio da maioria do Congresso, além de Cunha, que tinha interesses
pessoais com sua queda, além da somatização da insatisfação da oligarquia com a e com uma
coalizão enfraquecida, sofre seu impeachment. Assume então, seu vice Michel Temer, que logo
discursa sobre reorganizar novamente o país, não apresentando nenhum apoio à Dilma.

Após esse episódio, vaza áudio de Cunha demonstrando que foi estratégia política
retirar a Dilma do poder, pois pairava uma investigação sobre ele e demais políticos e ele tinha
a intenção de interrompe-la.

Porém, a investigação continuou e Temer foi acusado de propina, como Cunha e


diversos outros políticos que apoiaram o impeachment e, posteriormente o congresso se divide
vendo se Temer deve ou não ser investigado. Temer, começa então, a tentar reconquistar
confiança e, passou a flexibilizar leis de trabalhos escravos, venda de Petróleo para empresas
de seu interesse, além da aprovação de diversas medidas de austeridades.

Como percepção o cenário político, a democracia foi se perdendo aos poucos, num
jogo político de interesses pessoais, quando se observa a metade do Congresso que votou pelo
impeachment, estava sendo investigada por crimes de corrupção e não a supremacia do bem
comum, com um Congresso que liga e desliga presidentes de acordo com os interesses políticos.

Foi percebido também que a Lava Jato, apesar de seus benefícios, foi utilizada como
instrumento de perseguição política. Além disso, é observado um juiz que acusa e julga. Ainda,
decreta prisão sem ter provas suficientes e acusa o réu da falta de provas, significar uma prova
de ocultação de bens, como foi o caso do tríplex de Lula.

Há um paradoxo entre até que ponto iam os poderes de moro na ideia de freios e
contrapesos e até que ponto era má fé de Lula, pois apesar de qualquer erro cometido, os poderes
deveriam ser respeitados e não ter meios que justifiquem o fim, de forma errônea.

Foi observada a destituição de uma presidenta eleita democraticamente, com


justificativas irrisórias e, comprovação de manipulação, pois haviam interesses pessoais por
trás.

Ao final, a narradora do documentário conclui que só há democracia quando a


oligarquia se enfurece, caso contrário, os interesses políticos, que deveriam ser guiados pela
vontade do povo, são movimentados por interesses pessoais, mesmo que este preço custe a
democracia.

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Um dos momentos marcantes durante o documentário é marcado pelo ponto de
inflexão havido nas ações/falas de Cunha no que tange ao processo de impeachment da
presidenta Dilma. De início cunha mostrou-se contrário à argumentação de que as pedaladas
fiscais eram motivo suficiente para que o impeachment fosse consumado, entretanto,
posteriormente, cunha adota uma nova fala e passa a agir de modo diverso. Este ponto de
inflexão deve-se em grande parte ao fato de que Cunha havia solicitado ajuda ao Partido dos
Trabalhadores (PT) para a manutenção de seu mandato e como tal ajuda lhe foi negada pelos
deputados do referido partido, Cunha retaliou e imediatamente abre o processo de impeachment
contra Dilma. Nesta altura do documentário, é possível analisar como a cultura política do
Brasil vem sendo desenhada ao longo da história, pois nota-se que os interesses ali defendidos
não refletem o interesse da população, mas tão somente aos interesses dos que pretendem a
manutenção de seu status quo na direção da república. E neste mesmo contexto, há que se
ressaltar também a informação de que Cunha havia financiado a campanha de diversos
parlamentares e acabou por gerar nestes o dever de apoiá-lo no que fosse necessário, tal
situação, portanto, conferiu a cunha maior poder para golpear a democracia e fazer com que os
interesses privados prevalecessem.

Ainda no que tange à cultura política brasileira, tem-se que o Estado brasileiro
desenvolveu-se calcado no patrimonialismo que, segundo Junquilho (2010, p. 46) caracteriza-
se, “principalmente, pela não separação entre os patrimônios pessoais do monarca e o público,
pois todos os aparelhamentos estatais eram tomados como algo extensivo ao seu poder”. Esta
tipologia da administração pública cunhou o Estado brasileiro desde a colonização até o fim da
primeira república. E dentro deste contexto patrimonial, em que o público é tomado de assalto
pelo privado, pode-se observar práticas clientelistas que se estendem não só às relações entre
eleitores e representantes, mas também às relações entre Executivo e Legislativo, nesta senda,
conforme preceitua Limongi (2006, p. 36) ao citar Abranches

A raiz do problema seria de ordem sociológica e não institucional. Relações


fisiológicas e clientelísticas pautariam as relações entre os eleitores e seus
representantes e, como consequência, as relações entre o Executivo e o Legislativo.

Concluindo o tema, o referido autor nos traz que a problemática é de ordem sociológica
e não institucional, pois repousa na “sobrevivência dessas formas oligárquicas de dominação
política em vários subsistemas políticos no país”.

O documentário retrata um momento da fala de Dilma em que a mesma diz que durante
o ano de 2015 ela não conseguia governar, pois Cunha ao eleger-se presidente da câmara monta

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toda a estrutura do golpe e faz com que a hegemonia de direita crescesse, impedindo a
governabilidade. Outro momento importante de ser ressaltado é o momento em que Paulo Maluf
diz a seguinte frase “eu posso dizer que a Dilma era honesta, mas a boa cozinheira não é aquela
que bota comida ao seu gosto, mas aquela que bota comida ao gosto de quem ia comer”. Estas
duas passagens retratam de forma explícita o que Sérgio Henrique Abranches chamou de
presidencialismo de coalizão que, em síntese, trata-se de uma combinação no caso brasileiro
de que a proporcionalidade, ou multipartidarismo e o presidencialismo imperial, organiza o
executivo com base em grandes coalizões. Assim, esse presidencialismo de coalizão, faz com
que o executivo atue em uma base de coalizões, que traz um alto risco, uma instabilidade, uma
sustentação baseada em uma situação permanente e esta, por último está vinculada ao que foi
extraído do ente federal com os governadores e as diversidades dos estados.

Abranches ainda faz objeções ao presidencialismo de coalizões, pois a estrutura do


funcionamento dos governos democráticos, como se estabelecem esses governos, comparando
com outros países e verifica que o se executivo submete ao legislativo e o que ele submete em
geral é aprovado, ou seja, as matérias só podem ser aprovadas se contam com o apoio da
maioria.

Assim, ele chama a atenção defendendo que o plenário é previsível. Ele diz não ter
motivos para criticar a democracia, mas sim compreender o presidencialismo contemporâneo,
tendo um peso muito grande, não pelas coalizões feitas, mas sim por serem instituídas desde a
Constituição de 1988.

Salienta-se também os votos destituídos de qualquer fundamentação jurídica ou


política durante a sessão de votação que autorizaria ou não o processo de impeachment. As mais
diversas situações foram citadas: família, religião, economia, exceto a democracia e a justiça.
Ademais, a fala de um dos votantes, Jair Messias Bolsonaro, atual ocupante da cadeira
presidencial, denota o abismo ao qual a democracia estava se aproximando, pois, o mesmo disse
durante sua votação que o faria em respeito à memória de um torturador do regime militar que,
segundo ele, seria o terror de Dilma, o coronel Carlos Brilhante Ustra.

Por derradeiro, recomenda-se o documentário ressaltando a sua importância para


entender, ainda que de modo raso, as mazelas e engrenagens que movimentam a máquina
política brasileira. A recomendação, para além de uma espécie de recreação, parte da premissa
de que o brasileiro precisa se educar enquanto agente político e sujeito de alterações sociais e

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quebra de padrões institucionais viciados e baseados em uma história carente de cidadania de
fato.

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BIBLIOGRAFIA

DEMOCRACIA EM VERTIGEM. Direção: Petra Costa. Brasil: Netflix, 2019.

JUNQUILHO, Gelson Silva. Teorias da Administração Pública. Brasília: Capes, 2010

LIMONGI, Fernado. A democracia no Brasil: presidencialismo, coalizão partidária e


processo decisório. 2006. Disponível em:
https://www.scielo.br/j/nec/a/BFxz33vLwN9rRnGy6HQMDbz/?lang=pt#. Acesso em: 24 de
agosto de 2021.

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