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PSEUDOLIBERALISMO CAPITALISTA
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Mestrando em Filosofia pela Universidade Federal de Minas Gerais
Morais. Campos Sales tentou renegociar as dívidas com o maior credor do Estado
Brasileiro, a Casa Rothschild e, dessas negociações, acordou-se um empréstimo de
consolidação para o país de dez milhões de libras que ficou conhecido como funding
loan que impôs diversas intervenções, entre elas, a redução das despesas do governo e o
aumento da receita com a sugestão de aumento de impostos e as rendas das alfândegas
do Rio de Janeiro para garantir o pagamento da dívida. Para isso, o governo cortou os
investimentos no setor industrial, suspendeu as obras públicas, e incentivou o setor
agrário. Isso agradou às potências industriais por poderem vender produtos
manufaturados ao Brasil e agradou à oligarquia agrária brasileira, que ainda foi
favorecida pela “Política dos Governadores” que oficializava o coronelismo,
evidentemente desfavorecendo os trabalhadores e a população mais pobre, que perdeu
sua liberdade em atuar democraticamente. Ana Luiza Backes na sua tese “Fundamentos
da ordem republicana: repensando o Pacto de Campos Sales” (2006), reforça a ideia de
que o jogo era claramente das elites, contudo elas estavam divididas. O pacto de Sales,
promovido pelos interesses de bancos ingleses com quem o Brasil mantinha dívidas
vultosas, acabou dando uma sustentação ao governo que vivia num intenso embate
polarizado entre os “concentrados”, grupo parlamentar que atraiu os florianistas, sob o
comando de Francisco Glicério que congregou a maior parte dos parlamentares que
defenderam posições nacionalistas; e de outro, os republicanos “legalistas”, incluindo a
maior parte dos históricos paulistas aliados a deodoristas e a velhos políticos do
Império. Se o problema inicialmente era puramente político, inevitavelmente o fator
econômico foi o decisivo, pois a oligarquia agrária manteve, a partir de então, o
monopólio do sistema político não admitindo qualquer oposição. Esse é um exemplo
claro de como o fator econômico, não só influenciou a política, como também foi
responsável pela consolidação dos interesses de uma determinada classe.
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Há uma sofisticação do coronelismo, principalmente nos lugares mais remotos do Brasil, cujos
poderosos se revezam no governo a fim de manterem seus privilégios.
"Democracia de Expectadores", do faz-de-conta, funciona por causa da lavagem
cerebral continuada admitida pelos teóricos da democracia liberal como Walter
Lippmann, para quem seria necessário: "obter a concordância do povo a respeito de
assuntos sobre os quais ele não estava de acordo por meio das novas técnicas de
propaganda política" (CHOMSKY, 2013, p. 8). Lippmann considerou a maioria da
população como um "rebanho desorientado" cuja função na democracia seria apenas de
expectador, não de agente, que, esporadicamente, transfere seu apoio a uma "classe
especializada", e logo em seguida sai de cena.
O princípio moral imperativo é que a maioria da população é simplesmente
estúpida demais para conseguir compreender as coisas. Se tentar participar na
administração de seus próprios interesses, só vai causar transtorno. Por essa
razão, seria imoral e impróprio permitir que faça isso. Temos de domesticar o
rebanho desorientado, impedir que ele arrase, pisoteie e destrua as coisas.
(CHOMSKY, 2013, p. 9)
Aos poucos, a história do Brasil é testemunha e vítima desse processo que se iniciou na
Inglaterra, e foi aprimorado pelos EUA. A democracia foi transformada numa
encenação política na qual o povo pensa que está governando, mas quem governa por
trás dos panos é o poder econômico com suas ferramentas, incluindo o “Quarto Poder",
a mídia. Nesse sentido a democracia é falsa, o sistema representativo é falso, a eleição é
manipulada e quando esse sistema percebe que vai perder o controle do teatro, atua com
o golpe. Apaga as resistências. Foi o que aconteceu com João Goulart o qual não pôde
resistir ao golpe de 64, porque não existiam condições de resistência contra um golpe
que estava devidamente arquitetado. João Vicente Goulart, filho de Jango, relata o fato no
livro “Jango e eu: Memórias de um exílio sem volta”, mostrando que o golpe foi um
planejamento muito bem elaborado pela embaixada americana e financiado pelos EUA;
ele relatou em entrevista sobre o livro3, inclusive, que o embaixador americano Lincoln
Gordon confirmou que foram financiados cinco milhões de dólares para derrubar o
presidente, financiaram parlamentares que eram contra a posição do presidente na
eleição de 62 e havia evidentemente uma orquestração de forças militares políticas e
econômicas que desestabilizaram o governo João Goulart de forma tal que, com o
grande apoio dos Estados Unidos, se houvesse uma resistência naquele momento seria
uma resistência de consequências imprevisíveis.4
Os comandos militares praticamente já haviam aderido ao golpe. O Terceiro
Exército também, pois, ao chegar a Porto Alegre, o presidente quis que a
reunião fosse realizada dentro do comando, porém foi informado de que lá
seria preso. Prevendo resistência, a quarta frota americana estava posicionada
na costa brasileira com fuzileiros navais, petroleiros, submarinos e porta-
aviões de última geração carregando a bordo armas atômicas. O plano era
criar um segundo Vietnã. Àquelas horas, o golpe estava praticamente
consolidado. Lyndon Johnson comunicava ao seu embaixador, Lincoln
Gordon, que horas depois já iria reconhecer o novo governo. O apoio externo
era total. Jango sabia disso e não jogaria seu povo numa resistência fratricida
em nome do poder. Sua atitude preservou a paz da nação brasileira, e,
principalmente, nosso território. (GOULART, 2016, p.27)
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Entrevista do jornalista Paulo Henrique Amorim a João Vicente Goulart, filho do ex-presidente João
Goulart, deposto no golpe militar de 1964. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=dj-
THPJsLMw, acesso em 15/06/2018
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Posteriormente foram descobertos e divulgados Documentos confidenciais da CIA (agência central de
inteligência americana) revelam que o governo americano monitorava os desdobramentos da política
brasileira e buscava uma brecha para derrubar o então presidente João Goulart antes do golpe de 1964.
Conforme noticiado na mídia: https://www.cartacapital.com.br/sociedade/eua-buscaram-brecha-para-
derrubar-jango-antes-de-1964-6587.html acesso em 15/06/2018 às 14:12h
mínima, deixando agir a mão invisível do mercado, como teorizado por Adam Smith5.
O pior é que além do Estado não intervir na economia, a economia passou
gradativamente a intervir diretamente no Estado. Nesse sentido, que, para encerrar esse
quadro de pinceladas históricas, remetemo-nos a um fato recente. Segundo Paulo
Henrique Amorim na obra já citada, "O quarto poder", quando Fernando Henrique
Cardoso, então Ministro da Fazenda de Itamar Franco, aspirante à Presidência da
República, foi à Washington em 25/09/1993 vender ao FMI a “hipótese” do Plano Real
e, "para sair do Ministério com o apoio do FMI e dos bancos credores - especialmente
dos americanos liderados pelo Citibank - e se tornar candidato viável" (AMORIM,
2015, p. 413) precisava dar uma "paulada" no déficit público e criar uma âncora cambial
amarrando a moeda nacional ao dólar. Segundo Amorim, para conseguir o apoio do
FMI, Fernando Henrique, em reunião com o diretor-gerente do Fundo, Michel
Camdessus e o líder do comitê dos bancos credores Bill Rhodes, do Citibank, prometeu
"um ajuste fiscal com privatização forte" (AMORIM, 2015, p.417), a privatização da
Telebrás, da Vale do Rio Doce e da Petrobrás, só não conseguindo, quando eleito,
cumprir inteiramente o acordo em relação a essa última. Enfim, mais uma página infeliz
de nossa história que mostra como o Brasil, por estar ainda ligado ao FMI, ainda não se
tornou independente, mas, ao contrário, tem toda a sua política influenciada pelo fator
econômico.
5 Evidentemente quando teorizou sobre isso no século XVIII, eles estavam vivenciando a concentração
do poder nas mãos da monarquia a qual era sinônimo do Estado. Ou seja, intervenção mínima significaria
maior liberdade.
ele fosse naturalmente vencido. Ou, em termos hegelianos, o Senhor não existe sem o
Escravo. Como resposta, ele propõe algumas causas prováveis: o costume tradicional, a
degradação programada da vida coletiva, a mistificação do poder, e o interesse.
Ellen Wood ainda mostra como dispersão social é uma lógica da fragmentação
capaz de desmobilizar e enfraquecer os movimentos sociais. O próprio movimento
histórico da democracia direta para a representativa indireta não era concebida apenas
como uma forma de distanciar o povo da política, mas também de favorecer as classes
proprietárias. “A 'democracia representativa', tal como uma das misturas de Aristóteles,
é a democracia civilizada com o toque de oligarquia.” (WOOD, 2015, p. 188).
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Vimos o exemplo do Golpe de 64, e recentemente a Intervenção Militar no Rio de Janeiro
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Frequentemente o Estado atua no sentido de beneficiar grandes empresas com empréstimos a juros
baixíssimos, além de, em determinadas circunstâncias socorrer com verba do Tesouro instituições
financeiras: https://epocanegocios.globo.com/Empresa/noticia/2017/10/epoca-negocios-socorro-a-bancos-
deve-ter-ajuda-do-tesouro.html., acesso em 15/06/2018.
necessário que o liberalismo realmente trouxesse a igualdade de oportunidades, para só
depois pensar em liberdade econômica. No primeiro tocante estaria o papel do Estado
garantindo essa igualdade através de seus programas sociais e, no segundo tocante,
atuaria a livre iniciativa. Evidentemente, isso parece utópico, pois o próprio poder
econômico favorece a desigualdade social e consequentemente coloca uns à frente dos
outros na corrida meritocrática tão propagada. “Mas o liberalismo – até mesmo como
ideal, para não falar de sua realidade carregada de imperfeições – não está equipado
para enfrentar as realidades do poder numa sociedade capitalista, muito menos abranger
um tipo mais inclusivo de democracia do que o que existe hoje” (WOOD, 2015, p. 204).
Nesse sentido, resta ao Estado, ciente de seu papel político e social, e de sua
independência em relação ao poder econômico, promover a cidadania, fortalecer suas
instituições, integrando e valorizando a participação do povo nos espaços de poder.
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA:
AMORIM, Paulo Henrique. O quarto poder: uma outra história. 1.ed. São Paulo:
Hedra, 2015
BACKES, Ana Luiza. Fundamentos da ordem republicana: repensando o pacto de
Campos Sales. Brasília (DF): Plenarium, 2006.
CHOMSKY, Noam. Mídia: propaganda política e manipulação. São Paulo: WMF
Martins Fontes, 2013
LA BOÉTIE, Étienne de; CLASTRES, Pierre; LEFORT, Claude; CHAUI, Marilena de
Souza. Discurso da servidão voluntaria. 4.ed. São Paulo: Brasiliense, 1987.
SARTRE, Jean Paul. Em defesa dos intelectuais. São Paulo: 1994.
SARTRE, Jean Paul. O escritor não e politico? Lisboa: Dom Quixote, 1971
GOULART, João Vicente. Jango e eu: Memórias de um exílio sem volta. 1ª edição.
Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2016 (pp.19-29)
WEBER, Max. “Os três tipos puros de dominação legítima”. In: COHN, Gabriel
(Org.) Max Weber: Sociologia. São Paulo: Ática, 7ª ed., 1999. (pp. 128-141)
WOOD, Ellen Meiksins. Democracia contra o capitalismo: a renovação do
materialismo histórico. São Paulo: Boitempo, 2003.
Entrevista do jornalista Paulo Henrique Amorim a João Vicente Goulart, filho do ex-
presidente João Goulart, deposto no golpe militar de 1964. Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=dj-THPJsLMw, acesso em 15/06/2018