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Critica ao texto: A Política Brasileira em busca da

modernidade: na fronteira entre o público e o


privado

Forma-se em Bacharel e Licenciatura em História pela Universidade


Federal Fluminense, UFF, em 1969, em plena ditadura militar. Recebe o
título de mestre em Ciências Políticas no instituto de pesquisa do Rio de
Janeiro da Universidade Cândido Mendes em 1978, na escalada da
censura militar. Chega ao título de doutora também em ciências políticas
pela IUPERJ/ UCM em 1987, Já no período de nossa redemocratização e
passa a ocupar uma vaga de professora titular de história do Brasil pela
UFF, além de ser pesquisadora e coordenadora do centro de pesquisa do
CPDOC da Fundação Getúlio Vargas.

Angela de Castro Gomes, diz logo no começo de seu texto: “o Brasil não
é isso. É isto”, ou seja, não é formado somente por: parlamentares,
corruptos, oligarcas, ministros, presidentes, diplomatas, massas
inconscientes e sim por uma outra população. O verdadeiro Brasil é o
povo pensante, consciente onde a força é renovada a cada dia em busca
de um país melhor ou mais digno.

Rui Barbosa foi quem nos introduziu uma reflexão sobre as venturas e
desventuras da moderna política brasileira republicana e pós-
abolicionista em 1919. Buscou se candidatar duas vezes à presidência,
porém foi derrotado nas duas circunstâncias. Era como o personagem
literário Dom Quixote criticado e amado. Lutava por seus sonhos
utópicos em que acreditava. Rui é um grande representante da República
independente de suas vitórias ou derrotas.

O candidato criticava posturas violentas de políticos que faziam do poder


público uma fraude eleitoral, pois estes haviam se afastado da ação
social e política. Dizia não se curvar diante das oligarquias ou
majestades da força militar, pois servia apenas: “à razão, ao direito, à
lei”. Acreditava que o povo era a ‘barreira do poder’ e a ele sim serviria.
Ele queria um Brasil liberal, uma modernidade política em que dominasse
o espaço público e o poder do Estado, desejava partidos e parlamentos,
onde o cidadão participasse do poder e o limitasse através do voto.
O momento histórico em que ele situava-se era o fim da Primeira Guerra
Mundial e o começo de uma revolução: a russa. O mundo havia mudado e
não seria o mesmo daqui para frente, todos que possuíam um pouco de
informação sabiam disso e Rui obviamente também. Os tempos eram de
crises: nacionalismo e crenças políticas abaladas, greves, agitações
urbanas até mesmo no Brasil. O mundo estava um caos.
Tempo como esse pede uma necessidade de reorganização de ideias. As
pessoas que estavam desiludidas com a República passaram a apoiar as
ideias de Rui. Não ser candidato ele é símbolo “daquilo que poderia ter
sido e não foi”.
Barbosa era o reverso de Pinheiro Machado, também político. Machado
era: “o ponto de ligação entre a anarquia natural e a gente brava”,
“realista político”, “autoridade necessária” já Rui: “homem da lei e do
direito”, descrição retirada do livro: “Política e letras” do crítico literário
Alceu de Amoroso Lima.

Como Pinheiro Machado, Rui tinha outra face: “a necessidade do


americanismo brasileiro”. Nenhum dos dois concordava com o que
estava se passando, porém tinham motivos diferentes. Pinheiro buscava
domar a força do caudilhismo, ou seja, a força populista, a anarquia. Rui
modelava a sua paixão jurídica ao governo litorâneo, buscando conter o
espírito da autoridade.

Essas duas figuras políticas ao mesmo tempo em que provocam tensas


argumentações entre o público e o privado buscam um equilíbrio entre
esses dois lados. Pinheiro reconhece o risco da radical descentralização
e o quanto é imprescindível e ameaçadora a elite oligárquica. E Rui por
saber como a corrupção no espaço público é algo vicioso no país.
A República vivia uma tensão entre esses dois ideais. Ela estava entre o
público e o privado. O Brasil era uma antítese, se assim pode-se dizer,
pois era Rui e Pinheiro ao mesmo tempo e não somente um. A República
vivia um dilema.

A fronteira entre público e privado fez de nós um país atrasado. Essa


afirmação está ligada a uma tradição conservadora. Essa tradição sofreu
ou ainda sofre impactos de uma nova sociedade: a urbana. O conjunto de
oposições entre o ‘Brasil real x Brasil legal’ demonstra claramente o
choque entre os possíveis ideais. O “real” seria a sociedade rural que
tinha como características: patriarcal, familista, clientelista, oligárquico,
já o ‘legal’ é a sociedade urbano-industrial emergente.

Essa ambiguidade entre o público e privado não pode e nem deveria ser
desfeita, devido a valores de nossa formação nacional. Desde o Brasil
colônia nosso desenvolvimento vem ‘graças’ a política agrária. Somos um
grande latifúndio. O ruralismo e o escravismo, nossa tradição, são
responsáveis pela centralização do poder na família e na autoridade
pessoal do grande proprietário, comprovando o domínio rural. Com isso
dificultou o desenvolvimento de atividades comerciais e industriais. A
vida na grande família era a base e origem do caudilhismo. Somente um
Estado conhecedor da realidade nacional e orientado por procedimentos
racionais-burocráticos poderia neutralizar o caudilhismo e o
artificialismo jurídico que se relaciona com nossas tradições históricas.
Portanto, a modernização política do país não deveria ser planejada com
fins de divisões maniqueístas.

ANÁLISE CONTEXTUAL E EPISTEMOLÓGICA DO LIVRO "A POLÍTICA


BRASILEIRA EM BUSCA DA MODERNIDADE: NA FRONTEIRA ENTRE O
PÚBLICO E O PRIVADO.

INTRODUÇÃO

"O Brasil não é isso. É isto. O Brasil, senhores, sois vós. O Brasil é esta
assembléia. O Brasil é este comício imenso de almas livres. Não são os
comensais do erário. Não são as ratazanas do Tesouro. Não são os
mercadores do Parlamento. Não são os sanguessugas da riqueza pública.
Não são os falsificadores de eleições. Não são compradores de jornais.
Não são os corruptos do sistema republicano. Não são os oligarcas
estaduais. Não são os ministros de tarraxa. Não são os presidentes de
palha. Não são os publicistas de aluguel. Não são os estadistas de
impostura. Não são os diplomas de marca estrangeira. São as células
ativas da vida nacional. É a multidão que não adula, não teme, não corre,
não recua, não deserta, não se vende. Não é a massa inconsciente, que
oscila da servidão à desordem, mas a coesão orgânica das unidades
pensantes, o oceano das consciências, a mole das vagas humanas, onde
a Providência acumula reservas inesgotáveis de color, de força e de luz
para a renovação de nossas energias. É o povo, num desses movimentos
seus, em que se descobre toda a sua majestade." ( GOMES, 1998, p. 490)

Para iniciarmos a análise epistemológica da obra "A Política Brasileira


em Busca da Modernidade: na Fronteira entre o Público e o Privado" de
"Ângela de Castro Gomes", onde a sua problematização que gira em
torno de "diagnósticos" e "prognósticos" de intelectuais e políticos
voltados para a causa da reorganização política e social do Brasil, no
início do século XX, contexto ainda de busca por uma afirmação da
República brasileira condicionada e representada como a "nova" e
"moderna" política brasileira, que convive com conceitos de
"decadência" e "atraso" em sua contra-mão.

Estrategicamente, Ângela de Castro inicia a obra se apropriando do


discurso do intelectual e político Rui Barbosa como podemos ver na
citação acima, tal discurso representa no contexto do século XX, o início
de nossa República e seu momento de busca de legitimação em meio a
crises e rearranjos no campo da política e do social. Rui Barbosa, (Águia
de Haia), homem que defendem a estruturação do "Estado Liberal" e
moderno, onde o "povo" racional e consciente das decisões nacionais,
seja ator republicano. Percebamos que este modelo de Estado Liberal é
vigente até entrar em crise na década de 30 e 40, com os
"nacionalismos" em boa parte da Europa, logo o lugar social, intelectual
e político de Rui Barbosa sofreu influências diretas do modelo de Estado
Liberal europeu no início do século XX, onde se dá toda a sua formação
acadêmica.

Mas Ângela de Castro em suas pesquisas políticas conseguem


ironicamente apreender o outro lado do "Brasil legal" proposto por Rui
Barbosa, que é o "Brasil real", ou seja, o Brasil em sua estrutura e
imaginário político, assentados nos descentralismos regionalistas com
grande poder de mando local, aristocrático e oligárquico, que atuam
como poder paralelo ao Estado pretendido como liberal, e são também
partes de toda a incompatibilidade do modelo modernizante e
centralizado de Rui Barbosa, onde o Estado pudesse atuar e exercer o
seu poder democrático e liberal na política brasileira. Ângela de Castro
realiza este debate da política brasileira do início do século XX,
problematizando não uma concepção de Brasil político melhor ou pior do
que outro. O que ela contribui para a historiografia é justamente perceber
que Rui Barbosa defende uma idéia de Brasil, que na prática este Brasil
não é coerente com a sua realidade caudilhesca.

E é justamente deste impasse por uma busca pela modernidade política


estatal nos primeiros anos da República, que o "público" e o "privado"
passaram por modificações de definições e interesses no decorrer de
todo o século XX. Como historiadores(as), ao fazermos esta análise
epistemológica, não nos interessa o "modelo ideal" de Brasil a ser
definido para a política brasileira, mas sim ampliarmos o nosso ângulo de
investigação epistemológica dos debates travados entre os atores que
compõem a política brasileira nos contextos das décadas de 20, 30 e 40
do século XX, procurando sempre apontar rupturas, continuidades,
tramas, teatralizações, construções de mitos, símbolos, imaginários e
memórias políticas que entram e saem de cena nestes contextos, assim
com os seus diagnósticos e prognósticos. Seja a ideologia caudilhesca
de "Pinheiro Machado", as concepções e críticas de "Alceu do Amoroso
Lima" aos "intelectuais" da década de 20, o olhar sociológico de "Oliveira
Vianna", ou a construção do "mito" de "Getúlio Vargas", como proposta
de eliminar as vozes intermediárias entre a ideologia do Estado Novo e
os interesses da indústria urbana em pleno processo de consolidação.

Todas estas transformações sociais fazem parte e estão representadas


na obra "A Política Brasileira em Busca da Modernidade: na Fronteira
entre o Público e o Privado", ena nossa visão, fazer uma análise
epistemológica de qualquer obra é problematizá-la a partir de suas idéias
centrais, as articulando é lógico, com as inquietações e representações
de seus contextos, fortalecendo assim a compreensão tanto do
posicionamento teórico do autor(a) que configura a obra, quanto do
debate contextual, que o(a) mesmo(a) estar realizando, assim como o
seu pensamento historiográfico sobre o recorte temporal que está sendo
tomado como objeto de pesquisa.
O processo da análise epistemológica da obra de Ângela de Castro, se
desenrolará aqui nesta análise, dentro de uma seqüência de capítulo por
capítulo, para que o leitor entenda melhor a articulação dos atores
envolvidos na discussão, suas falas, e lugares sociais que tornam
dizíveis e visíveis seus discursos dentro de cada contexto abordado nos
capítulos.

1º Capítulo – Entre o Artificialismo e o Caudilhismo

Após a Introdução, Ângela de Castro, situada no contexto das duas


primeiras décadas do século XX, cita "Alceu de Amoroso Lima",
intelectual e escritor de "Política e letras", considerado um clássico do
pensamento político do início do século XX, que faz uma crítica
(diagnóstico) do 'atraso" e "decadência" nacional. Vale lembrar que
Alceu não nos dar um prognóstico, direcionado para a causa de nosso
atraso, ele fica apenas com o seu diagnóstico. Dicotomicamente, Alceu
refere-se a "Rui Barbosa" como personificação política fundada nas
práticas e valores das instituições liberais, que se contrapõem a
representação política de "Pinheiro Machado", este último, representante
dos poderes locais, oposto a autoridade central do Estado.

Sendo assim, o público e o privado se articulam como mediadores de


interesses próprios, insurgentes do "artificialismo do Império", pois, para
Alceu, a República é fato desde 1870, com a guerra do Paraguai. Outro
ponto interessante apreendido por Ângela de Castro em relação a Alceu,
é a crítica deste intelectual à jovem intelectualidade da década de 20,
em relação a sua falta de proposta social e política para o país, que
segundo Alceu na visão de Ângela, não presenciou o abolicionismo e nem
a própria proclamação formal de 1889, onde para Alceu assim como a
boêmia literária do pós-1889, a intelectualidade de 20 se afastou das
causas republicanas e seus prognósticos, de superar o atraso político do
Brasil.

É nesta reflexão que Alceu na visão de Ângela, entende, Rui Barbosa e


Pinheiro Machado como símbolos representantes últimos dessa
dualidade entre a fronteira do público e do privado do processo da
formação brasileira. Tão importante quanto necessária na minha visão, a
fronteira imaginária entre o público e o privado, ligada a figura de Rui
Barbosa e Pinheiro Machado, sobre o olhar da "nova história cultural",
apreendida por Ângela de Castro através dos discurso de Alceu,
configurado em "políticas e letras", ampliam e fortalecem o campo
historiográfico ligado a história política, como e o caso da historiadora
Ângela de Castro, à problematizar o pensamento social e imaginário
político da época comentada, idéias de "Brasil real" e "Brasil legal",
política modernizante e tradicional, idealismo jurisdicional e realismo
caudilhesco, além da própria busca de equilíbrio entre os pontos
dicotômicos, uma vez que nem a centralização nem a descentralização
absolutas são pontos de apóio para se pensar a República e a integridade
da política nacional,e neste ponto, tanto Rui Barbosa quanto Pinheiro
Machado pensam sem distinção na visão de Ângela.

"As duas figuras, ao mesmo tempo que sinalizam para as tensões entre
público e privado, investem na busca de uma espécie de equilíbrio
possível entre eles. Pinheiro, por reconhecer o risco da radical
descentralização e especializar-se no trabalho de articulação entre elites
oligárquicas, tão imprescindíveis quanto ameaçadoras para uma política
nacional; Rui, por conformar seu liberalismo às condições da terra e
denunciar a corrupção e a inépcia vigentes no espaço público, que
desejava dominante e sem vícios." (GOMES, 1998, p. 502)

2º Capítulo – Uma Sociedade Insolidária e Patriarcal

Como vimos no primeiro capítulo, Ângela de Castro articula em sua


análise, o pensamento de Rui Barbosa, democrático liberal, e Pinheiro
Machado, caudilhesco, com interesses privados que atuam no Estado de
forma particular. Com o término da Primeira Guerra Mundial em 1918,
entra em cena novas conjunturas que configuram o cenário político
mundial e que vão interferir também na política nacional brasileira.
Haverá uma ascensão dos "nacionalismos" Pós Primeira Guerra como é
caso do nazi-fascismo por exemplo, que vão intervir e criticar
diretamente o modelo de Estado Liberal.

Tanto intelectuais quanto políticos nas décadas de 20, 30 e 40 no Brasil,


passam a usar como justificativa para o combate ao modelo de Estado
proposto por Rui Barbosa, na esteira ideológica dos "nacionalismos" o
atraso e a decadência do Brasil, associados a política liberal que não
defendem as causas e os interesses nacionais. Percebamos que nesta
ligeira problematização, o modelo liberal, de um prognóstico para a
causa nacional no início do século XX, mesmo medindo forças com a
política tradicional vigente, no Pós Primeira Guerra, definitivamente
passa a ser entendido como a causa de nossa patologia de atraso e
decadência.

Ângela de Castro, no segundo capítulo, justifica este combate ao modelo


liberal a partir do discurso na década de 20 em diante, usando o
sociólogo, "Oliveira Vianna", com o seu livro, "Populações de 1918", onde
Vianna faz um estudo aprofundado sobre as características da sociedade
brasileira, suas especificidades e singularidades.

Partindo de tal análise Vianna projeta sua idéia de "Brasil Real",


identificado como "rural", sentado no "latifúndio patriarcal", com forte
poder "privado e pessoal", como é o caso da política de favores e
apadrinhamentos caudilhescos no Sul do Brasil, por exemplo, onde o
poder local é paralelo ao Estado soberano.Ângela de Castro compreende
em sua análise sobre o pensamento de Oliveira Vianna, que seu
posicionamento sociológico de analisar as características de
incompatibilidade entre "Brasil real" e "Brasil legal", são altamente
pertinentes, pois dentro de um movimento interdisciplinar como este,
que traz a sociologia da primeira metade do século XX à historiografia e
sua análises dentro uma concepção da Nova História Cultural, o olhar da
historiografia alcança novos horizontes que antes não eram visualizados
pelo isolamento e distanciamento da história com outros saberes das
ciências sociais.

Oliveira Vianna faz referência a sociedade brasileira como "insolidária" e


"patriarcal", sustentada na República, com a mentalidade ainda colonial,
e canalizadas pelos interesses particulares, clientelistas, oligárquicos e
regionalistas. Só um Estado forte, centralizador, metropolitano, poderá
organizar e promover a "aproximação" do Estado e a sociedade como um
todo, comprometida com o interesse público distinto do privado. O pode
central nesta perspectiva passa a inverter a idéia de autoridade para
promover a idéia de Estado moderno e próximo da realidade nacional.

É esta a proposta de vários políticos e intelectuais das décadas de 30 e


40, ampliar o espaço público, partindo do desmantelamento do próprio
"Brasil real", dando-lhe resignificação neste contexto, onde o Estado
deve agir como interlocutor entre a sociedade e os interesses de todos.
Para finalizar este segundo capítulo, um bom exemplo para ratificar o
que Ângela de Castro apreende do pensamento de Oliveira Vianna, e do
debate que passa a configurar a própria historiografia política dos
contextos de 30 e 40, é o pensamento de Sérgio Buarque de Holanda,
como vimos na importantíssima disciplina de historiografia brasileira, ele
aproximar-se em seu pensamento da sociologia de Oliveira Vianna, onde
ambos procuram aproximar através de suas análises, o Estado impessoal
da sociedade civil.

3º Capítulo – Reinventando fronteiras: a Solução Corporativa e a Força do


Presidencialismo

Ângela de Castro Gomes, inicia o terceiro capítulo, não por acaso dando
ênfase a palavra "solução", via "corporativismo" e "presidencialismo",
que anulam atores intermediários do diálogo entre o povo e o Estado.

É este projeto do "Estado Novo" de 1937, visto como processo da própria


revolução de 1930, elaborado e pensado por intelectuais como Oliveira
Vianna, Francisco Campos e Azevedo Amaral por exemplo. Onde a
autoridade do presidente, ligado diretamente a autoridade suprema do
Estado que como Instituição maior da nação, media, regula, direciona e
proporciona o encontro da lei com a Justiça, a partir de uma nova
Democracia, não mais política, pois trata-se de um golpe militar, e sim
social e nacional. Ou seja, a autoridade do presidente via Estado
centralizado, elimina a manutenção de partidos de parlamentos políticos,
tornando "uno" o partido da nação em combate a corrupção,
clientelismos, interesses oligárquicos e etc. Percebamos que este
projeto diferencia-se de uma Democracia Liberal pretendida por Rui
Barbosa no primeiro capítulo. Como fala Azevedo Amaral, citado por
Ângela de Castro " a democracia nova só comporta um único partido: o
partido do Estado, que é também o partido da Nação"(GOMES, 1998, p.
516)

Estrategicamente, Ângela de Castro percebe que este partido único não


anula formas de "representação" das diversas "bases sociais" que
compõem a sociedade urbana-industrial, como as especializações
técnicas e os sindicatos dos trabalhadores por exemplo, mas estas
representações são configuradas dentro das novas funções e exigências
do governo. É aqui que entra o "Estado corporativo", ele ao mesmo tempo
separa diversas categorias profissionais via sindicatos, e as unem, por
uma hierarquia estatal, construindo um poder de união e tutela,
sufocando assim as dissensões que vão surgindo nos novos arranjos
políticos e sociais da década de 1930, como as amplas mobilizações da
(Aliança Nacional Libertadora), ANL, e a (Ação Integralista Brasileira),
AIB, por exemplo, banidas da política brasileira por força do "Estado
corporativo", que sufocam estas mobilizações em 1935 e 1938 do cenário
político nacional.

Para completar o projeto da nova Democracia da segunda metade da


década de 1930, além do "Estado corporativo" surgem o "mito da
personalidade", simbolizado na figura do presidente "Getúlio Vargas". O
mito da personalidade age diretamente na sensibilidade da massa em si,
que incorpora elementos irracionais como crenças e emoções, além de
atender as necessidades da grande massa trabalhadora com leis e
direitos trabalhistas por exemplo, que reinventam novas fronteiras e
capítulos políticos entre o público e o privado, usando a hierarquia, a
Tutela, o poder pessoal, concessão e patriarcalismo, ou seja, une
tradição e modernidade para ampliar e estabelecer de forma mais sólida
e consistente o espaço público como interesse nacional combatendo a
liberal- Democracia e o seu artificialismo.

4º Capítulo – O povo e o presidente: Uma relação de intimidade


hierárquica

Este quarto capítulo é central para se entender como o mito de Getúlio


Vargas foi construído historicamente na sociedade brasileira em meio as
novas transformações e articulações das fronteiras entre o público e
privado do Estado político brasileiro.
Primeiro, Ângela de Castro destaca o grande investimento do Estado
Novo, na comunicação de massa, como o rádio por exemplo, que
promovem a imagem e memória de Vargas como um verdadeiro herói da
nação. Tal investida do Estado Novo é configurada e reafirmada no
imaginário do povo, na década de 1930 em meio, a políticas públicas
desenvolvidas pelos novos Ministérios da Educação, Saúde e do
Trabalho, Indústria e Comércio, implementação da carteira de trabalho e
instabilidade no emprego junto com uma consolidação das leis do
trabalho, CLT.

Tais políticas públicas atestavam o vínculo entre a pessoa do presidente,


trabalhador e honesto às experiências imediatas das "massas". Se no
projeto de Democracia – Liberal de outrora, que sustentado na idéia de
um "Brasil legal" diferente do "real", não comportava e nem garantia as
aspirações dos trabalhadores da indústria nacional. A força do
presidencialismo, encarnada na pessoa mitificada de Getúlio Vargas,
pelo contrário, partindo do "Brasil real" que precisa de ajustes políticos e
sociais, passa a tirar como vimos acima, através de garantias
trabalhistas, as massas da ilegalidade para torná-las atores ativos da
nação, que são ouvidos pelas elites industriais e políticas.

Desta relação surge um fortalecimento de intimidade da massa com o


presidente, mas esta relação deve e é centrada em uma hierarquia social
como uma grande família. Onde os irmãos são as lideranças sindicais, a
mãe, a pátria que acolhe a todos com amor e responsabilidade, e o pai
nobre e trabalhador representado na figura mitificada de Getúlio Vargas,
garante a soberania nacional e os direitos trabalhistas dos
trabalhadores, daí expressões como a do tipo, "pai dos pobres".

Segundo Ângela de Castro, esta relação de intimidade, o povo e o


presidente, é tão forte neste contexto da década de 1930 e 1940, que foi
capaz de realizar movimentos como o "Queremismo" de 1946, onde o
povo vai as ruas pedi a volta de Getúlio Vargas ao poder. Outro ponto
interessante discutido por Ângela de Castro, é em relação a força do
presidencialismo no imaginário do povo, pois o próprio executivo e o
legislativo são vistos como poderes secundários ao presidencialismo na
década de 1940, e inclusive ainda hoje muitas pessoas tem este
imaginário em relação ao poder executivo.

Para concluir a análise deste quarto capítulo, para Ângela de Castro, pela
primeira vez surge uma política paradoxal no Brasil no pós 1930, onde o
chefe de Estado como materialização do poder público apoiado pelo povo
se exercerá na própria negação da cidadania política, expressa pelas
eleições. E que irá afastando tanto as pretensões Democráticas Liberais,
como também irá acentuando a autonomia das oligarquias caudilhescas,
ou seja, definitivamente a representação simbólica na personificação
mítica de Getúlio Vargas constitui – se em si, como modernidade e
tradição, autoridade e diálogo, onde tanto público quanto privado são
reconfigurados comonovos quadros destecontexto singular em nossa
política nacional.

" Como era "povo e patriciado", podia ser representado, e o era, com
extrema ambigüidade, tanto porque reunia esses dois pólos como porque
reunia as ambigüidades características de cada um deles. Público e
privado unidos, maximizados, Dessa forma, Vargas era matreiro,
desconfiado, inteligente e onisciente; era sério, mas vivia sorrindo; era
honesto e desonesto e desonesto; carinhoso e violento; ditador e até
democrata." (GOMES, 1998, 536)

Conclusão

Dentro do recorte temporal da configuração da obra "A Política Brasileira


em Busca da Modernidade: na Fronteira entre o Público e o Privado" de
Maria Ângela de Castro Gomes, que vai dos primeiros anos de nossa
Republicano, até os governos populistas do Brasil, podemos perceber
como esta historiadora com as problemática historiográfica de seu
tempo, assim como instrumentaliza sua pesquisa historiográfica dentro
das abordagens da Nova História Cultural dos anos 1980 e 1990 do
século XX, que como vimos traz novas interrogações para quem se
propõe a fazer história política.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICA

GOMES, Ângela de Castro. A política brasileira em busca da


Modernidade: na fronteira entre o público e o privado. IN.: Novais,
Fernando A.(Coord-Geral)/ SCHWARCZ, Lilia Mortiz(org) História da vida
privada no Brasil: Contraste da Intimidade Contemporânea(Vol. 4). São
Paulo Companhia das Letras, 1998, p, 489 – 557.

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