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Autora: Jessica Almeida Fontes

Orientadora: Drª Marcela de Oliveira Pessôa

INTRODUÇÃO

Conforme Wanderley Guilherme dos Santos (2002), o marco inicial das


Ciências Sociais brasileiras foi o ano de 1870, caracterizado pela transição do
enfoque tradicional nos atores individuais à centralidade das questões sociais e
econômicas como “substância de argumentos políticos”. Foi no século XIX que o
pensamento social brasileiro começou mais nitidamente a expressar o que se
imaginava para a sociedade brasileira e os símbolos que reforçavam o sentido de
pertencimento à esta sociedade.
No contexto do século XIX, vários teóricos elaboraram sobre a saída para a
principal questão no Brasil que era o desenvolvimento. A perspectiva positivista dos
autores é um traço marcante em suas obras, tendo em vista a constante busca para
o alcance do progresso, deixando explícito o caráter linear de suas respectivas
visões. Trazendo para a chave analítica da Teoria Marxista da Dependência, é
notável que a formação das sociedades latino-americanas é construtivamente
dependente.
Segundo Octavio Ianni (1974), esse desenvolvimento dependente se mantém
em três bases. O primeiro pilar seria o fator da organização inicial dessas
sociedades ser unicamente em função da expansão do colonialismo mercantil, como
uma grande empresa; o segundo, a independência política não ter sido
acompanhada pela independência econômica, inclusive, na contramão, seguindo
ordens da própria Inglaterra (com quem mantinha fortes relações de dependência)
para adaptação ao capitalismo mercantil - tendo em vista a emergência do
capitalismo industrial; já o terceiro, foi a extensão das fronteiras econômicas e
políticas estadunidenses, que se fortaleceu principalmente após no Tratado
Interamericano de Assistência Recíproca, firmado em 1947/48.
Sobre este último, é importante salientar a centralidade que tem a Doutrina
Monroe (1823). Neste contexto histórico, a Doutrina Monroe se apresentava como
uma boa alternativa de desenvolvimento conjunto para toda a América Latina, tendo
em vista os esforços continentais de desvincular o progresso da sina da
colonização. Assim, houve uma aproximação entre EUA e Brasil no sentido de
afirmar uma “América para americanos”, entretanto, já em 1891 se iniciam
intervenções militares dos Estados Unidos em toda a América Latina. A saber, são
estas intervenções no Haiti (1891), Nicarágua (1895), Porto Rico e Cuba (1898),
novamente em Nicarágua (1899), Venezuela (1902), ​República Dominicana e
Colômbia (1903), República Dominicana e Guatemala (1904), Cuba (1906-1903),
República Dominicana (1907), Nicarágua (1910), Honduras (1910-1911) entre tantas
outras posteriores invasões.
Enfim, retornando ao pensamento social brasileiro, encontra-se em Joaquim
Nabuco de seus grandes constituintes, colocando como pauta basilar o
abolicionismo, o que seria - para o autor - um dos principais causadores do
retrocesso da economia e das cidades brasileiras; estas, segundo o autor, seriam a
prova de que, sobrecarregadas, só corroboram para o definhamento da província
(NABUCO, 2000).
Entretanto, apesar da centralidade da crítica à escravidão, nota-se em seus
escritos uma orientação positivista liberal quando baseia essas críticas
principalmente na “ilegalidade insanável da escravidão perante o direito social
moderno e a ​lei positiva brasileira​”, como se o supracitado processo de escravização
fosse algo ​anômico ​ao ​bom funcionamento ​da sociedade brasileira, deixando
ressaltado também sua aproximação ao jusnaturalismo.
Vale salientar ainda a aposta do autor no que se refere à reintegração das
pessoas escravizadas à sociedade brasileira, sugerindo que ela estaria sendo
consolidada unicamente a partir de pontuais medidas legais - como tornar elegíveis
homens libertos -, insinuando, assim, que a relação histórica da desigualdade racial
brasileira se finalizasse com esta política, como escreveu em sua obra lançada em
1883, “O Abolicionismo”:
A escravidão, por felicidade nossa, não azedou nunca a alma do
escravo contra o senhor - falando coletivamente - nem criou entre as
duas raças o ódio recíproco que existe naturalmente entre
opressores e oprimidos. Por esse motivo, o contato entre elas
sempre foi isento de asperezas, fora da escravidão, e o homem de
cor achou todas as avenidas abertas diante de si. Os debates da
última legislatura, e o modo liberal pelo qual o Senado assentiu à
elegibilidade dos libertos, isto é, ao apagamento do último vestígio de
desigualdade da condição anterior, mostram que a cor no Brasil não
é, como nos Estados Unidos, um preconceito social contra cuja
obstinação pouco pode, o talento e o mérito de quem incorre nele.
Essa boa inteligência em que vivem os elementos, de origem
diferente, da nossa nacionalidade é um interesse público de primeira
ordem para nós (NABUCO, 2000, p. 10-11).
Neste sentido, como dito anteriormente, apesar de suas relevantes críticas ao
sistema escravagista, Nabuco as concebe sob uma interpretação dos fatos
completamente determinista e racista, como é possível observar também quando se
refere ao progresso das capitais brasileiras:
“No Paraná, em Santa Catarina, no Rio Grande, a emigração
européia infunde sangue novo nas veias do povo, reage contra a
escravidão constitucional, ao passo que a virgindade das terras e a
suavidade do clima abrem ao trabalho livre horizontes maiores do
que teve o escravo” (NABUCO, 2000, p. 66) [grifo meu].

Esta perspectiva de que os outros países ditos avançados eram “mais


civilizados” e em seu respectivo fator biológico haveria mais “civilidade” era muito
comum e partilhada entre diversos outros intérpretes do contexto político social
brasileiro. Uma das chaves da leitura de Nabuco não foi a escravidão, e sim os
impedimentos da economia e vida social do Brasil rumo ao progresso. Na leitura do
autor, o caráter que a cultura da escravidão deixou à sociedade brasileira foi “a
improvidência, a rotina, a indiferença pela máquina, o mais completo desprezo pelos
interesses do futuro”, além de que o “parcelamento feudal do solo” instituido pelo
sistema de escravização, somado ao monopólio do trabalho, impedia a formação de
núcleos insdustriais e a extensão do comércio no interior (idem).
O pensamento aristocrático também teve grande relevância nas concepções
sobre o desenvolvimento brasileiro. Tavares Bastos, autor liberal oitocentista,
defende que ao mesmo tempo que o príncipe foi generoso com a pátria ao conceder
a independência, o povo não era representado pelos governantes, sendo estes
“homens superiores” (BASTOS, 1939, p. 32). É importante salientar ainda a sua
admiração às, por ele chamadas, “sociedades civilizadas” e seu forte espírito
público:
O espetáculo da fabulosa prosperidade dos Estados Unidos enchia a
imaginação dos reformadores. Não viram as diferenças profundas
que distinguiam e distinguem os dois países [Brasil e EUA]. Não
atenderam para a fisionomia dessa sociedade especial, em que o
mais elevado espírito de liberdade se alia perfeitamente com o
respeito aos costumes, às tradições e até às instituições
aristocráticas, como a das substituições hereditárias, segundo o
testemunho de Tocquevile (BASTOS, 1939, p. 45-46).

Para além da profunda admiração das sociedades dominantes no sistema


ocidental, observa-se que Tavares Bastos também expressa em seu pensamento a
forte tendência liberal de moralização da política, prezando sempre os “bons
costumes”, além da perspectiva, também positivista, de sociedade quanto órgão
fisiológico ​em busca do bom funcionamento. Ademais, sendo um dos precursores do
federalismo no Brasil, o teórico também incentivou a descentralização da economia
brasileira no Segundo Reinado, colaborando para o fortalecimento de uma tradição
liberal no pensamento político-social no Brasil.
REFERÊNCIAS

IANNI, Octavio. Imperialismo na América Latina​. Rio de Janeiro: Civilização


Brasileira, 1974.
NABUCO, Joaquim. ​O abolicionismo​. São Paulo: Publifolha, 2000.
SANTOS, Wanderley Guilherme dos. ​Roteiro Bibliográfico do Pensamento
Político-Social Brasileiro (1870-1965)​. Minas Gerais: Editora UFMG, 2002.
http://www.sbhe.org.br/novo/congressos/cbhe4/individuais-coautorais/eixo01/
Solange%20Aparecida%20Zotti%20-%20Texto.pdf

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