Conforme Wanderley Guilherme dos Santos (2002), o marco inicial das
Ciências Sociais brasileiras foi o ano de 1870, caracterizado pela transição do enfoque tradicional nos atores individuais à centralidade das questões sociais e econômicas como “substância de argumentos políticos”. Foi no século XIX que o pensamento social brasileiro começou mais nitidamente a expressar o que se imaginava para a sociedade brasileira e os símbolos que reforçavam o sentido de pertencimento à esta sociedade. No contexto do século XIX, vários teóricos elaboraram sobre a saída para a principal questão no Brasil que era o desenvolvimento. A perspectiva positivista dos autores é um traço marcante em suas obras, tendo em vista a constante busca para o alcance do progresso, deixando explícito o caráter linear de suas respectivas visões. Trazendo para a chave analítica da Teoria Marxista da Dependência, é notável que a formação das sociedades latino-americanas é construtivamente dependente. Segundo Octavio Ianni (1974), esse desenvolvimento dependente se mantém em três bases. O primeiro pilar seria o fator da organização inicial dessas sociedades ser unicamente em função da expansão do colonialismo mercantil, como uma grande empresa; o segundo, a independência política não ter sido acompanhada pela independência econômica, inclusive, na contramão, seguindo ordens da própria Inglaterra (com quem mantinha fortes relações de dependência) para adaptação ao capitalismo mercantil - tendo em vista a emergência do capitalismo industrial; já o terceiro, foi a extensão das fronteiras econômicas e políticas estadunidenses, que se fortaleceu principalmente após no Tratado Interamericano de Assistência Recíproca, firmado em 1947/48. Sobre este último, é importante salientar a centralidade que tem a Doutrina Monroe (1823). Neste contexto histórico, a Doutrina Monroe se apresentava como uma boa alternativa de desenvolvimento conjunto para toda a América Latina, tendo em vista os esforços continentais de desvincular o progresso da sina da colonização. Assim, houve uma aproximação entre EUA e Brasil no sentido de afirmar uma “América para americanos”, entretanto, já em 1891 se iniciam intervenções militares dos Estados Unidos em toda a América Latina. A saber, são estas intervenções no Haiti (1891), Nicarágua (1895), Porto Rico e Cuba (1898), novamente em Nicarágua (1899), Venezuela (1902), República Dominicana e Colômbia (1903), República Dominicana e Guatemala (1904), Cuba (1906-1903), República Dominicana (1907), Nicarágua (1910), Honduras (1910-1911) entre tantas outras posteriores invasões. Enfim, retornando ao pensamento social brasileiro, encontra-se em Joaquim Nabuco de seus grandes constituintes, colocando como pauta basilar o abolicionismo, o que seria - para o autor - um dos principais causadores do retrocesso da economia e das cidades brasileiras; estas, segundo o autor, seriam a prova de que, sobrecarregadas, só corroboram para o definhamento da província (NABUCO, 2000). Entretanto, apesar da centralidade da crítica à escravidão, nota-se em seus escritos uma orientação positivista liberal quando baseia essas críticas principalmente na “ilegalidade insanável da escravidão perante o direito social moderno e a lei positiva brasileira”, como se o supracitado processo de escravização fosse algo anômico ao bom funcionamento da sociedade brasileira, deixando ressaltado também sua aproximação ao jusnaturalismo. Vale salientar ainda a aposta do autor no que se refere à reintegração das pessoas escravizadas à sociedade brasileira, sugerindo que ela estaria sendo consolidada unicamente a partir de pontuais medidas legais - como tornar elegíveis homens libertos -, insinuando, assim, que a relação histórica da desigualdade racial brasileira se finalizasse com esta política, como escreveu em sua obra lançada em 1883, “O Abolicionismo”: A escravidão, por felicidade nossa, não azedou nunca a alma do escravo contra o senhor - falando coletivamente - nem criou entre as duas raças o ódio recíproco que existe naturalmente entre opressores e oprimidos. Por esse motivo, o contato entre elas sempre foi isento de asperezas, fora da escravidão, e o homem de cor achou todas as avenidas abertas diante de si. Os debates da última legislatura, e o modo liberal pelo qual o Senado assentiu à elegibilidade dos libertos, isto é, ao apagamento do último vestígio de desigualdade da condição anterior, mostram que a cor no Brasil não é, como nos Estados Unidos, um preconceito social contra cuja obstinação pouco pode, o talento e o mérito de quem incorre nele. Essa boa inteligência em que vivem os elementos, de origem diferente, da nossa nacionalidade é um interesse público de primeira ordem para nós (NABUCO, 2000, p. 10-11). Neste sentido, como dito anteriormente, apesar de suas relevantes críticas ao sistema escravagista, Nabuco as concebe sob uma interpretação dos fatos completamente determinista e racista, como é possível observar também quando se refere ao progresso das capitais brasileiras: “No Paraná, em Santa Catarina, no Rio Grande, a emigração européia infunde sangue novo nas veias do povo, reage contra a escravidão constitucional, ao passo que a virgindade das terras e a suavidade do clima abrem ao trabalho livre horizontes maiores do que teve o escravo” (NABUCO, 2000, p. 66) [grifo meu].
Esta perspectiva de que os outros países ditos avançados eram “mais
civilizados” e em seu respectivo fator biológico haveria mais “civilidade” era muito comum e partilhada entre diversos outros intérpretes do contexto político social brasileiro. Uma das chaves da leitura de Nabuco não foi a escravidão, e sim os impedimentos da economia e vida social do Brasil rumo ao progresso. Na leitura do autor, o caráter que a cultura da escravidão deixou à sociedade brasileira foi “a improvidência, a rotina, a indiferença pela máquina, o mais completo desprezo pelos interesses do futuro”, além de que o “parcelamento feudal do solo” instituido pelo sistema de escravização, somado ao monopólio do trabalho, impedia a formação de núcleos insdustriais e a extensão do comércio no interior (idem). O pensamento aristocrático também teve grande relevância nas concepções sobre o desenvolvimento brasileiro. Tavares Bastos, autor liberal oitocentista, defende que ao mesmo tempo que o príncipe foi generoso com a pátria ao conceder a independência, o povo não era representado pelos governantes, sendo estes “homens superiores” (BASTOS, 1939, p. 32). É importante salientar ainda a sua admiração às, por ele chamadas, “sociedades civilizadas” e seu forte espírito público: O espetáculo da fabulosa prosperidade dos Estados Unidos enchia a imaginação dos reformadores. Não viram as diferenças profundas que distinguiam e distinguem os dois países [Brasil e EUA]. Não atenderam para a fisionomia dessa sociedade especial, em que o mais elevado espírito de liberdade se alia perfeitamente com o respeito aos costumes, às tradições e até às instituições aristocráticas, como a das substituições hereditárias, segundo o testemunho de Tocquevile (BASTOS, 1939, p. 45-46).
Para além da profunda admiração das sociedades dominantes no sistema
ocidental, observa-se que Tavares Bastos também expressa em seu pensamento a forte tendência liberal de moralização da política, prezando sempre os “bons costumes”, além da perspectiva, também positivista, de sociedade quanto órgão fisiológico em busca do bom funcionamento. Ademais, sendo um dos precursores do federalismo no Brasil, o teórico também incentivou a descentralização da economia brasileira no Segundo Reinado, colaborando para o fortalecimento de uma tradição liberal no pensamento político-social no Brasil. REFERÊNCIAS
IANNI, Octavio. Imperialismo na América Latina. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 1974. NABUCO, Joaquim. O abolicionismo. São Paulo: Publifolha, 2000. SANTOS, Wanderley Guilherme dos. Roteiro Bibliográfico do Pensamento Político-Social Brasileiro (1870-1965). Minas Gerais: Editora UFMG, 2002. http://www.sbhe.org.br/novo/congressos/cbhe4/individuais-coautorais/eixo01/ Solange%20Aparecida%20Zotti%20-%20Texto.pdf
A Confederação Nagô-Macamba-Malunga dos Abolicionistas: O Movimento Social Abolicionista no Rio de Janeiro e as Ações Políticas de Libertos e Intelectuais Negros na Construção de um Projeto de Nação Para o Pós-Abolição no Brasil
Elites políticas e legislação social na Primeira República (1891-1926): a questão social, o federalismo e o legislar sobre o trabalho na Primeira República brasileira