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FORMAÇÃO SOCIAL,

POLÍTICA E ECONÔMICA DO
BRASIL
MINORU UCHIGASAKI
Redescoberta do Brasil em três livros

 No prefácio do livro “Raízes do Brasil”(HOLLANDA, 1995, p.23), o crítico literário


Antônio Cândido assinala a década de 1930 como a década da “redescoberta do Brasil”,
movimento que, assinalando um súbito florescimento das ciências sociais e a abertura de
novas possibilidades para a compreensão da história nacional, encontrou suas expressões
mais altas e mais típicas em três livros que se tornaram clássicos: Raízes do Brasil(1936),
de Sérgio Buarque de Hollanda, Casa Grande & Senzala (1934), de Gilberto Freyre e
Formação do Brasil Contemporâneo (1939), de Caio Prado Júnior.
Introdução ao estudo da sociedade brasileira

 O que havia em comum nesses três livros era a introdução, no estudo da sociedade
brasileira, de novos métodos de investigação importados dos centros criadores do
pensamento mundial. Caio Prado Junior. trazia a primeira interpretação marxista mais
consistente das bases da nossa formação; Buarque de Hollanda aplicava à compreensão
da realidade brasileira os instrumentos da nova escola histórica francesa e da sociologia
weberiana ; Gilberto, os da moderna ciência antropológica norte-americana, adquiridos
de Franz Boas na Columbia University.
Nacionalidade brasileira na Revolução de 1930

 Os efeitos dessa renovação do pensamento propagaram-se muito além dos círculos


acadêmicos. Ajudaram a moldar as correntes políticas que então se formavam na esteira da
Revolução de 1930 chefiada por Getúlio Vargas, movimento autoritário e nacionalista,
mas rico de promessas graças à sua própria ambiguidade constitutiva, na qual haveria lugar
para o desenvolvimento de três linhas de influência ideológica reforçadas.
Tomada de consciência da nacionalidade

 Foi uma época de tomada de consciência da nacionalidade, um tempo de extraordinária


autoconfiança patriótica que mudou o ritmo da nossa História e marcou, de uma vez para
sempre, a fisionomia do Brasil.
Vargas e sua ideologia

 Foi justamente sua capacidade de absorver na ideologia governamental, rapidamente e sem


a menor reserva, todas as criações mais notáveis do pensamento, das artes e das letras.
Vargas, homem culto e conhecedor certeiro da alma humana,
Heitor Villa-Lobos

 Extraordinária elevação de nível que a obra de Heitor Villa-Lobos trazia ao padrão


musical brasileiro, e investiu o maestro de plenos poderes para implantar, em todas as
escolas do país, o ensino do canto coral.
Quadro jurídico, filosófico e literário

 Jurista Francisco Campos e o filósofo Djacir Menezes, estendendo a proteção oficial dos
cargos públicos até mesmo aos escritores mais notoriamente hostis ao regime, como
Graciliano Ramos.
Homem cordial de Sérgio Buarque
 “Raízes do Brasil”, publicado em 1936, é uma obra que tem por objetivo investigar o que
fundamenta a história do Brasil, de seu povo e de suas instituições mais peculiares, como a
família patriarcal, formada durante o período da Colônia. (HOLLANDA, 1995, p. 147)
 Para definir e realçar a personalidade da nação o de Sérgio Buarque de Hollanda forneceu ao
regime um dos temas principais do seu discurso ideológico: o conceito da “cordialidade” como
o traço singularizador do povo brasileiro.
 Esse sociólogo explicava que a “cordialidade” significava agir com o coração, ou seja, de
maneira emotiva. Logo, o brasileiro seria aquele que prioriza os laços emotivos frente à razão.
Inclusive, a cordialidade por certas vezes pode significar agir de maneira violenta. (idem, p.52)
 Sérgio Buarque desenvolve a ideia de levar essa interpretação para esferas maiores como a
política. Segundo ele, o Estado brasileiro absorvia reflexos desse aspecto social por meio do
patrimonialismo. Esse por sua vez significa o aparelhamento de cargos públicos pautados na
proximidade, afetos e não nas competências técnicas. Ou seja, essa cordialidade brasileira fez
com que em nossa cultura, a diferenciação entre o público e privado não se estabeleceu de
maneira concreta. (idem, p. 250)
“Formação do Brasil Contemporâneo” e o
capitalismo mercantil
 Com o livro “Formação do Brasil Contemporâneo”(PRADO JR., 1994), Caio Prado Jr. se
consagrou como o intérprete do Brasil ao mesmo tempo em que afirmava o caráter mercantil
de nossa colonização, interpretando-a como fruto do capitalismo mundial e negando com isso
a ideia de um passado feudal, compartilhada inclusive pelo Partido Comunista Brasileiro.
Caio Prado enfatizava também nossa desconcertante singularidade: não apenas o passado
colonial ainda não fora suficientemente sepultado, como o "sentido da colonização", a saber,
o caráter externo da nossa economia, ressuscitava formas sociais e econômicas tidas como
arcaicas, mas imprescindíveis para a manutenção do moderno.
 O livro conseguiu formar nossa visão das origens coloniais do Brasil e do seu legado à nação.
Divergindo daqueles que entendiam o período colonial em termos equivalentes ao feudalismo
na Europa.
O sentido da colonização
 Sua tese fundamental é a de “sentido da colonização”, que expressa a reiteração, mesmo
após a nossa independência política, do papel do Brasil como fornecedor de produtos
primários demandados pelo mercado externo. Apesar das mudanças em curso desde então,
e das novas configurações da cada vez mais complexa dialética entre centro e periferia,
talvez bastasse constatar a importância no Brasil de hoje das commodities agrícolas e
minerais para sugerir a atualidade da análise central do livro.
 Em sua mais ilustre passagem da obra, na qual discute o sentido da colonização, mostra
que o desenvolvimento da colônia (povoamento, atividades comerciais, agricultura)
atendeu aos interesses da metrópole (Portugal). Caio Prado afirma que o Brasil só se
constitui "para fornecer tabaco, açúcar, alguns outros gêneros; mais tarde, ouros e
diamantes; depois, algodão, e em seguida café, para o comércio europeu". (p.45)
 Ao final, Caio Prado faz um balanço negativos dos três séculos da colonização, pois tratou-
se somente de uma "exploração extensiva e simplesmente especuladora, instável no tempo
e no espaço, dos recursos naturais do país“(p.280).
Gilberto Freyre, Casa Grande e Senzala

 O livro de Gilberto trazia ao governo Vargas a peça mais importante do seu discurso
nacionalista: um antirracismo solidamente fundamentado e a defesa entusiástica da
miscigenação, celebrada como causa da singularidade brasileira, numa linha que depois
seria adotada também, com belicosa e sarcástica eloquência, por Darcy Ribeiro.
 No conjunto, a obra de Freyre representa a constituição de toda uma nova ciência social —
ou melhor, de um novo edifício inteiro das ciências humanas — com base no pressuposto
ecológico, eco-histórico ou eco-cósmico, da unidade biológica da espécie humana e da
unidade espacial do cenário onde se desenrola a sua história.
Inovação de técnicas
 Gilberto, no início da década de 30, já praticava com a naturalidade de um velho
conhecedor as técnicas interdisciplinares, o enfoque sistêmico, o holismo, a abordagem
ecológica, a “história das mentalidades”, a “história da vida privada” e não sei mais
quantos estilos de pensar que depois entraram na moda sob os nomes de outros autores. E
basta comparar este livro com o tratado Sociologia para perceber que essa antecipação não
foi apenas o golpe de sorte de uma inteligência notavelmente intuitiva, mas sim um esforço
de ciência sistemática, fundada na mais explícita consciência dos problemas
metodológicos envolvidos nessa tentativa pioneira e bem sucedida.
 Casa-Grande & Senzala saiu, em 1933, num ambiente de treva que nublava a ciência
social. A Revolução de 30 empreendia uma etapa modernizadora do Brasil, abrindo
caminho para novas ideias e debates sobre a formação e a identidade do povo brasileiro,
mas ainda sobreviviam discursos conservadores, quase niilistas, que nos degradavam como
nação. Fazia dois anos que Paulo Prado publicara Retrato do Brasil, uma visão pessimista,
típica da oligarquia cafeeira paulista, na qual o autor sustenta a impagável tese de que o
povo brasileiro é triste. Fazia um ano, ainda, que viera à luz outro tiro editorial desferido
contra a autoestima nacional, Raça e Assimilação, de Oliveira Viana, em que defendia a
impossibilidade da miscigenação e dizia acreditar na progressiva arianização do povo
brasileiro.
Referência

 PRADO Jr., Caio. Formação do Brasil Contemporâneo. São Paulo: Editora Brasiliense,
1994.
 HOLLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. (26ª edição) São Paulo: Companhia
das Letras, 1995.

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