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Cueva, Agustín. 1987.

O Marxismo Latinoamericano: História e problemas atuais

A Internacional Comunista e os partidos nacionais


A ideia de uma dependência absoluta dos partidos comunistas (PC)
latinoamericanos com respeito à Internacional Comunista (IC) foi sustentada
por três fontes muito diferentes: a) o imperialismo e as classes dominantes
em geral, b) o movimento trotskista e c) alguns PC.
O argumento imperialista é o que tem mais motivos para existir e tem mais
eco hoje em dia: ler o marxismo como uma força estrangeira, uma ideologia
alienígena e de ingerência sobre os povos latinoamericanos. A segunda, se baseia
no purismo de um marxismo abstrato e no mote de “stalinismo” para encerrar o
debate. A terceira, precisando justificar seu fracasso em obter força popular, expia
seus erros na IC.
De toda forma, o erro fundamental dessas análises é atribuir um fatalismo na
filiação à IC. Os PCs asiáticos (chinês, vietnamita e coreano) eram não só filiados
mas muito mais próximos da IC que os latinoamericanos e ainda assim tiveram total
liberdade para divergir dela e formar correntes independentes da URSS e umas das
outras.
A experiência de Mao, sobretudo a partir de 1935, comprova ademais a
seguinte hipótese: não é que alguns PC tenham sido – e às vezes seguem
sendo – fracos porque a IC lhes impulsionou determinada linha política; ao
contrário, foi na medida em que eram fracos e carentes de enraizamento
popular que uma linha ‘exterior’ parecia impor-se-lhes.
Mas mesmo descartando o fatalismo, uma leitura dos PCs latinoamericanos
prova que é infundada a visão de direção absoluta do Comintern: a multiplicidade de
formas e leituras entre os PCs do nosso continente, sejam os ortodoxos chileno e
uruguaio, o complexo mexicano e o particular venezuelano; grandes eventos
levados pelos PCs não encontram na IC sua explicação, mas por forças próprias,
como o Levante Comunista brasileiro de 1935 ou a Frente Popular chilena.

Mito e realidade de José Carlos Mariátegui


Mariátegui é reivindicado por muitas correntes, desde maoístas até
sociais-democratas. Entretanto, muitos fazem a leitura de sua obra como se faz da
bíblia, escolhendo o salmo que o satisfaz e tirando conclusões que se adequem à
sua corrente. Isso não serve para dizer que o autor andino ou era “stalinista” ou
“heterodoxo”, mas para a seletividade absurda ao defini-lo que muitos fazem.
Mariátegui defende abertamente a linha do desenvolvimento do socialismo
em um só país e suas análises partem da existência do feudalismo latinoamericano,
que os trotskistas fazem vista grossa. Ele tampouco é um renegado pelo PCs
latinoamericanos: nos países andinos, suas obras são centrais e clássicos; no Cone
Sul, nem tanto, mas muito pouco por sua suposta dissidência e muito mais a causa
de que “seu universo de preocupações não é mais correspondente, ao menos no
nível da experiência empírica cotidiana, com o que prevaleceu no Cone Sul.”
Cueva, citando Rubén Jiménez Ricárdez, vê os “desvios” de Mariátegui de
uma forma mais natural: primeiro, ele não era um teoricista, não buscou revisar as
categorias do marxismo, “abordou os problemas teóricos do marxismo em um
número limitado de ensaios” e mostrando uma certa incompletude na apreensão do
materialismo dialético e não uma ruptura intelectual.
Mas afinal, por que devemos também reivindicar José Carlos Mariátegui, de
uma forma mais responsável e científica, partindo de sua obra e não da nossa
teoria? Ele foi o primeiro a realizar uma nacionalização do marxismo na América
Latina, aplicando a interpretação materialista histórica-dialética sobre as
“modalidades específicas de desenvolvimento do capitalismo na América Latina, em
condições de dependência e articulação com outras formas produtivas (feudalismo,
escravidão, comunidade primitiva)”; realizou um estudo profundo e totalizador do
marxismo aplicando-o à realidade, da economia à literatura, da educação à questão
étnica, enquanto usa de sua diversa base cultural sem cair em contradições ou no
“poutpurrí teórico”.
Enfim, JCM abriu o caminho para uma crítica marxista das ideologias
adversárias, sobretudo, através de seus debates com o idealismo e o
populismo. Ademais, está claro ser ele um pioneiro ao assinalar a
necessidade de uma via revolucionária e socialista como solução de
problemas latinoamericanos, justificada cientificamente pela análise de
nosso específico desenvolvimento capitalista.

1930-1959: A fundação de uma visão marxista de nosso mundo


Uma análise simplória e recorrente do marxismo latinoamericano é sua
divisão em três fases: a era de ouro, que dura até a década de 1930; os tempos de
dominação da IC; e sua libertação com a Revolução Cubana, em 1959. Cada
aspecto dessa divisão é irracional.
Primeiro, essa suposta “era dourada” foi justamente o período que os PCs
ainda buscavam se estabelecer, onde o marxismo se mantinha à parte da
sociedade, incipiente e buscando se colocar como força de massa na América
Latina. Além disso, nos “sombrios” anos 30, os marxistas conformam um movimento
intelectual - com nomes como Neruda, Vallejo, Guillén, Jorge Amado, Fallas,
Niemeyer - de tal peso que a compreensão da cultura moderna latina é
incompreensível sem abordá-los, impregnando na arte e na sociedade a visão
materialista do mundo, abarcando os elementos nacionais-populares até então
subjugados, descartados ou caricaturados pela cultura oficial pois atrelada aos
sistemas de dominação, enquanto executa uma nacionalização natural e profunda
do marxismo.
Contudo, convém destacar que através desta plêiade de criadores o
marxismo se funde indissoluvelmente com o nacional e popular na medida
em que: a) se recuperam as raízes populares subjacentes em grupos
étnicos oprimidos: índios, negros, mulatos, mestiços, etc; b) se reinterpreta
nossa história e nossas tradições; c) se cria, a partir do anterior, um novo
repertório simbólico e até uma nova linguagem; e isso d) sem cair no
folclorismo e colocar essas imagens e representações na perspectiva da
construção de uma cultura nacional até então inexistente, ou pelo menos
atrofiada pelo caráter estacionário da sociedade oligárquica e pela
dominação imperial; e e) destacando as múltiplas tensões e contradições,
inclusive as de classe, que atravessam a vida de nossas nações.
A América Latina, no segundo quartil do século XX, é uma região onde a
cultura e a política estão intrinsecamente ligadas, com um inegável peso ao
marxismo na conformação moderna dos países da região. Não só pelos grandes
acontecimentos mundiais, que se tornavam cada vez mais parte do dia-a-dia com a
disseminação dos meios de comunicação de massas - como a Revolução
Bolchevique, a Guerra Civil Espanhola ou a Frente Popular Francesa - mas também
pelas profundas transformações estruturais e superestruturais na sociedade
latinoamericana, com a urbanização, industrialização e enfraquecimento do bloco
oligárquico, junto da massificação da luta política e conformação de camadas
intermediárias “jacobinas e anti-imperialistas”. “O marxismo-leninismo (fórmula
inseparável entre nós) foi em tais condições o único instrumento capaz de dar conta
dessa complexa situação e assinalar ao mesmo tempo um caminho de superação”.
Essa inserção do marxismo na América Latina e a conformação de inúmeros
aspectos regionais não pode levantar conclusões precipitadas. Ao mesmo tempo, os
marxistas não conseguiram dar cabo à produção científica e/ou filosófica - tendência
histórica latinoamericana desde a colonização até os anos 1960 - e muito menos a
efetiva penetração nas massas ou na organização orgânico-partidária.

A Revolução Cubana: Culminação e ruptura


Por fim, as inferências sobre a Revolução Cubana dentro da lógica irracional
inicialmente exposta, que viam no processo revolucionário caribenho a queda da
máxima leninista de que “não há prática revolucionária sem teoria revolucionária” e
um suposto movimento da realidade contra os rígidos ditames da IC, também não
possuem lastro na realidade (a discussão da IC já foi feita).
A Revolução Cubana não surgiu por geração espontânea. É com base nas
elucidações expostas por Cueva que entendemos seu real significado. Só assim faz
sentido Fidel já se considerar marxista-leninista antes da Revolução terminar: de
fato, não havia teoria revolucionária latinoamericana strictu sensu, mas havia a visão
de mundo marxista-leninista - materialista, nacionalista, e que possuía capacidade
de agregar o mais proeminente pensamento libertário regional, como o de José
Martí.
Além, lado a lado à proeminência nas ideias, havia movimentos da realidade
que compuseram o movimento revolucionário no continente no pós-guerra até
desembocar nos acúmulos necessários para a superação dessas malfadadas
insurreições e revoluções, em 1959. Duas exprimem grandes tendências do
movimento político de disputa e da luta de classes na região: primeiro, o Bogotazo
(1948), evento de grande mobilização de massas, um movimento com intensos
espontaneísmo, que serviu de escola à Fidel sobre o horizonte democrático
latinoamericano e o sincretismo político, que caracteriza o liberal radical com
tendências populistas e socialistas, Jorge Eliécer Gaitán; depois, a Revolução
Guatemalteca (1944-1954), que instituiu por um golpe militar baseado em um
movimento popular de massa, um governo democrático progressista de uma
década, com atuação social que foi se radicalizando, principalmente com a eleição
de Árbenz, em 1951, até sua ambiciosa reforma agrária, quando os EUA intervém
em favor da United Fruit Company, instauraram uma ditadura conservadora e
contrarrevolucionária - onde esteve presente o jovem Che.
Que conclusões extraio dali? Pelo menos duas: a) a esquerda somente
pode triunfar com a condição de organizar e armar as massas, para garantir
e aprofundar com elas o processo revolucionário; e b) nos países
dependentes, a parte mais árdua da luta não é aquela travada contra a
classe dominante local, mas aquela que deve ser sustentada contra o
imperialismo.
Em complemento às lições desses dois marcos históricos para os
movimentos revolucionários latinoamericanos, a Revolução Boliviana (1952),
também vem com uma lição de grande peso, cara aos marxistas-leninistas: a
imprescindibilidade da organização de vanguarda junto às massas combatentes.
Esta experiência, difusa em sua liderança, sincrética em sua base e duvidosa em
seu apoio, serve para ressaltar a tendência político-econômica histórica da América
Latina na metade do século: o fracasso das tendências de desenvolvimento
dependente capitalistas do pós-guerra - o desenvolvimentismo e o populismo - e a
clareza do fracasso do capitalismo mundial em promover um desenvolvimento
igualitário entre primeiro e terceiro mundo. O nível de consciência desses fatos nos
fornece as noções de Terceiro Mundo e subdesenvolvimento e se somam aos
processos de libertação nacional pela periferia mundial, na Indochina, Argélia,
Congo, etc.
Longe de ser uma epifania social, a Revolução Cubana nasceu deste
complexo e rico contexto. O marxismo-leninismo latinoamericano, o acúmulo das
lutas contra as oligarquias, a tradição nacionalista periférica e o momento histórico,
de autoconsciência e organização da periferia, como Terceiro Mundo.

O marxismo renovado dos anos sessenta


A Revolução Cubana implica sim uma superação e uma crítica material à
prática revolucionária “tradicional”; mas representa não uma ruptura, mas um
desenvolvimento do marxismo-leninismo periférico, soterrando os resquícios
fantásticos dos marxismos daqui, que nublavam os principais aspectos
teórico-científicos e redefinindo a compreensão da formação social latinoamericana;
a interpretação das classes sociais e sistemas de alianças; o próprio caráter da
revolução latinoamericana; e as suas formas de luta. As duas primeiras são
discussões post factum, em torno de sua natureza, que elevaram o debate das
ciências sociais enquanto as demais foram contribuições diretas do processo. É
abordado ponto a ponto:
- Dentro do Movimento 26 de Julho, não havia a compreensão de que sua
revolução se dava em uma estrutura capitalista plena; pelo contrário, a
natureza era, segundo Che, “antifeudal e anti-imperialista”. O caráter
anti-imperialista está atrelado ao combate ao subdesenvolvimento e uma
intensa terceiromundialização do marxismo. Embora esse debate, posterior à
RC, tenha enriquecido as ciências sociais, há tempos não apresenta
acréscimos - já nos anos 60 o caráter capitalista se desenvolve e não fornece
mais consequências práticas à revolução.
- Após a Revolução, houve outro debate em torno da existência ou não de uma
burguesia nacional e seu possível papel. Embora na ilha tivesse havido uma
facilitação do caminho revolucionário por setores progressistas da burguesia
nacional, tão logo esta ocorreu, houve a decomposição das burguesias
latinoamericanas, com os processos de transnacionalização das economias e
a reacionarização desta classe [considerar o papel dos EUA].
- O processo cubano reafirma a estratégia da revolução socialista com caráter
de revolução democrático-burguesa e de libertação nacional.
- Quanto às formas de luta, atualiza a possibilidade de ação armada, que se
soma ao legado das tradições de luta e formam inúmeras táticas (armadas ou
não), como guerrilhas, montoneros, guerrilhas urbanas, guerra popular
prolongada, Unidade Popular.
A riqueza das ciências sociais latinoamericanas após a Revolução Cubana
desemboca, na década de 1970, uma era de ouro das formulações teóricas no
continente, dialeticamente interligada com a prática política, rompendo
definitivamente com o hábito de ecos vazios de teorias “ocidentais”, dedicando-se a
problemas endêmicos e soluções próprias.

Retrocesso e novos questionamentos


A riqueza de formulações não pode ser confundida com um cenário promissor
ao movimento revolucionário. Os anos 1970 foram marcados pelo avanço quase
total de regimes militares de direita no continente, um grande retrocesso da
liberdade política da classe trabalhadora latinoamericana.
Nestas condições, o marxismo latinoamericano desenvolverá quatro linhas
principais de investigação, que são ao mesmo tempo questionáveis: a) o
caráter dos novos regimes, especialmente do Cone Sul; b) as
transformações operadas no Estado latinoamericano; c) a necessidade de
restabelecer a democracia e as vias para consegui-la; e d) os marcos
globais de interpretação da realidade latinoamericana.
Havia ao momento um consenso que os regimes estabelecidos nesta década
eram qualitativamente diferentes dos anteriores, mas tinham como objetivos e
finalidade realizar de assalto a transnacionalização das economias e as necessárias
transformações nacionais necessárias. Entretanto, um rico debate se formou sobre a
natureza fascista ou não desses regimes - com a teoria do Estado de Segurança
Nacional (Luis Maria) e a do Estado de Contrainsurgência (Ruy Mauro Marini)
opondo-se às teorias de fascistização - que seria logo suplantado na década
seguinte. [não faço ideia de qual o debate, pesquisar].
O segundo ponto é um mar de discussões sem consensos além de que
transformações foram operadas nos Estados, em especial dado a transições
exigidas pelo acoplamento ao capital financeiro - além disso, inúmeros argumentos
sobre estágio monopolista, grau de robustez, etc. Tão conturbado quanto foi a
questão democrática, embora aparentemente a oposição aos regimes ditatoriais
faria dela um ponto comum, cada contexto atribuía à democracia um conteúdo
diferente.
É o quarto ponto – questionamento dos marcos gerais da interpretação da
realidade latinoamericana – que grosso modo se expressou como uma
oposição da “teoria da dependência” e uma “teoria da articulação de modos
de produção sob domínio imperialista”; discussão que em seu momento
despertou paixões iluminadas mas que hoje, à distância, parece em grande
medida superada, para não dizer démodée. Em parte, porque a realidade
presente já não levanta as mesmas perguntas e desafios de uma década
atrás; em parte porque cada um dos campos (dependentistas e
antidependentistas) foram decantando suas teorias e também... suas linhas.
De toda forma, nos últimos anos da década de 1970, as transformações na
realidade política reacenderam os debates com outras questões. O ressurgimento
do movimento de massas no Brasil e a vitória da insurgência na Nicarágua - ponto
alto de um processo que não se restringia aos sandinistas, mas somava nas forças
salvadorenhas e da Granada, com Bishop - mostravam que novos ares estavam por
vir.

Entre a revolução e o eurocomunismo


Um respiro aos latinoamericanos revolucionários logo enfrenta o início da
grande ofensiva do Capital. Com o choque de 1979, a reorganização dos EUA ainda
sob Carter e o avanço do neoliberalismo, com Thatcher, o ponto negativo mais
crucial é a direitização dos partidos socialistas no centro do capitalismo e a
reformulação de sua ideologia, o eurocomunismo - antissoviética, anticomunista e
expressamente antiterceiromundista. Com o fracasso da via chilena - de massas,
mas eleitoral - adotaram uma postura ainda mais conciliatória, defendendo um
suposto socialismo democrático.
Aprofundaram o desarme político na região, no momento em que o declínio
ideológico era norma, havíamos recaído na dependência teórico-cultural ocidental
enquanto a emergência da normalização democrática era ponto central das
esquerdas e havia um suspiro de bonança em países como México, Brasil e
Venezuela, que nada mais era que a calma antes do avanço implacável do
imperialismo e das crises capitalistas que trouxeram todos de volta à realidade
subdesenvolvida da América Latina.

Diversidade e pluralismo
A diversificação nas estruturas sociais de cada país latinoamericano promove
a criação de, também diversas, classes, grupos sociais (mais superestruturais, mas
não menos existentes) e inclusive, graças à crise do imperialismo, diversos grupos
sociais adotam posições revolucionárias. Dessa forma, a construção e disputa da
vanguarda desse processo cria diversas possibilidades de organização - o PC da
Nicarágua, por exemplo, não estava à vanguarda da revolução nacional.
A já mencionada diversidade de presença nacional também se reflete na
diversidade de posicionamentos políticos - não se pode, portanto, falar dos PCs
latinoamericanos de forma uniforme.
E isto nos leva ao último ponto, que tem a ver com o pluralismo ideológico:
na atualidade, a fronteira que separa as posições revolucionárias das não
revolucionárias não corresponde obrigatoriamente à que divide marxistas e
não marxistas. Entre os eurocomunistas que profetizam sua oposição ao
socialismo real e ostenta sua “distância crítica” frente a todas as revoluções
deste mundo, e os cristãos comprometidos com a revolução (como tantos
agora existem na América Latina) me parece evidente que a posição da
esquerda está representada pelos segundos.
Em seguida, Cueva discorre sobre a confluência entre a teologia e as ciências
sociais - fundamentada grande parte em categorias marxistas. A questão não é
mera "infiltração" mas, como o marxismo está fortemente presente nas bases de
visão de mundo e formação cultural latinoamericanas, o pensamento
materialista-dialético se faz presente. Isso, junto do debate anterior, reafirma que
não existem instituições absolutamente revolucionárias ou anti-revolucionárias. Sem
abstração de “tudo é possível”, mas PCs eurocomunistas podem ser reformistas e a
cristãos revolucionários, basta disputa - a América Latina é a prova viva disso.

Perfis do debate atual


O debate das ciências sociais à época acabava por regredir em muito o
próprio debate que ocorreu nos anos 1960, e os próprios marxistas se dedicam a
discussões abstratas em voga no ambiente acadêmico, abrindo mão de bases e
sínteses materialistas-dialéticas, como no debate da sociedade civil -
desconsiderando a sociedade civil como expressão da luta de classes, sob bases
econômicas; ou o debate da hegemonia, desconsiderando o padrão de coerção
característico da periferia e acatando a idealismos liberais de que aqui temos “livre
competição” de ideias, efeito direto da premissa imaterial de que estamos
subjugados às exatas mesmas estruturas que o “Ocidente” gramsciano, e não sua
forma particular de dependência periférica.
Quando Gramsci afirmou que as sociedades do “Ocidente” se
caracterizavam pelo robustecimento da “sociedade civil”, queria apontar um
reforço da sociedade burguesa; de outro modo seriam incompreensíveis os
problemas e perspectivas que aguardam pela revolução proletária.
Ademais, é lógico que isso ocorreu nas fortes ligações (países
imperialistas): Lênin também o previu. Resta saber se um fortalecimento
parecido da burguesia está ocorrendo nesta sociedade e sob qual forma e
em quais condições.
Os marxistas se deixam cair em debates que não buscam construir
alternativas com materialidade política, discutir a natureza de nossa estrutura
político-sócio-econômica ou a melhor estratégia para a realização do socialismo
latinoamericana. São mera debandada da construção de alternativas anticapitalistas
e antiimperialistas, acatando às correntes europeias eurocomunistas - sustentadas
na apropriação de excedentes econômicos na periferia - mas com o agravante de
situarem-se eles mesmos, na periferia. A defesa do marxismo-leninismo se dá não
só pela forma-partido, mas pelo seu domínio de compreensão do estágio imperialista
e a inexistência de alternativas teóricas reais para sua superação e a libertação da
América dependente.
Marxismo e democracia
O autor perpassa pontos fulminantes de clareza sobre a conceituação
abstrata de democracia usada para deformar intencionalmente o caráter do
marxismo-leninismo.
1)
A democracia é sempre uma resposta histórica e concreta destinada a
conseguir o máximo bem-estar para o povo (ou ao menos conjunturalmente,
seu menor mal), e não um conjunto de normas formais que devem
aplicar-se independentemente de cada situação.
Democracia não se trata da sua formalidade, do rito. É cômico que países
imperialistas e burguesias nacionais reacionárias fomentem agressões às
democracias latinoamericanas e exijam com isso um apego à forma, buscando
restringir a capacidade de resposta (vide Venezuela).
2)
Parece absolutamente idealista pensar que pode existir na atualidade uma
democracia sem adjetivos. Este é, ademais, um problema que não depende
dos marxistas: a democracia estadunidense, por exemplo, não vai deixar de
ser burguesa e imperialista pelo fato de que algum teórico neomarxista
decida libertá-la de tais qualificativos.
A forma democrática burguesa é mero verniz para legitimar seus desmandos
de classe, seja nacional ou internacionalmente. A defesa da aparência democrática,
- a democracia abstrata, sem adjetivos, o rito e a letra morta - é a aceitação de sua
essência classista e de seus ataques imperialistas ou servientes ao imperialismo
como natural.
3)
A eleição de métodos democráticos ou não democráticos de luta (no sentido
de seu apego ou não à lei vigente) não necessariamente depende do campo
revolucionário. Além disso, identificar democracia com legalidade é exagero,
para dizer o mínimo: na América Latina o normal é que a burguesia rompa
sua própria legalidade e os setores populares sejam acusados de
“subversivos” quando respondem a tais transgressões.
O apelo à institucionalidade da democracia na América Latina chega a ser
cômico. Mesmo com os altíssimos níveis de violência para a manutenção das
instituições burguesas, envernizadas pelo sufrágio, elas são rotineiramente rompidas
pela própria burguesia, dada a insustentabilidade de seu regime e a natural busca
popular pelo poder efetivo e fim da opressão estatal-classista (ou do seu
recrudescimento) .
4)
É obrigação de o marxismo latinoamericano definir com profundidade
o que se deve entender por democracia em países como os nossos,
dada principalmente as aspirações e interesses dos setores populares
e evitando que se utilize o conceito de democracia para mascarar as
contradições de classe, iludir as definições frente ao imperialismo, ou
afastar do horizonte toda possibilidade de uma transformação
realmente anticapitalista.
5)
Não se pode esquecer que a discussão atual no seio da esquerda
latinoamericana não passa pela fronteira fictícia entre uma corrente
supostamente democrática e outra que não a seria (a denominada
“leninista”); a diferença real se dá entre uma tendência que trata de congelar
as aspirações das massas fixada pela democracia burguesa, e outra que
não nega a democracia mas que busca elevá-la a níveis revolucionários.
Ainda hoje vemos essa discussão infértil se manter, sustentada por
espantalhos e senso-comum. Devemos elevar o debate e defender a superioridade
do centralismo-democrático e o socialismo como a realização material, e não apenas
como letra morta, da democracia; a superação da ditadura do capital através da
ditadura do proletariado; levantar a defesa da democracia proletária, democracia
popular, democracia periférica, democracia revolucionária. E defender o
marxismo-leninismo como forma política superior em teoria e prática para a
superação do capitalismo e do imperialismo.

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