Você está na página 1de 6

FRANK, André Gunder. O desenvolvimento do subdesenvolvimento.

Monthly
Review, vol. 18, n. 4. 1966.

I
“Não podemos esperar que se formule uma teoria e uma política
adequadas do desenvolvimento para a maioria da população mundial
que sofre com o subdesenvolvimento sem primeiro aprender como
sua história social e econômica passada a conduziu a seu atual
subdesenvolvimento” (p. 1).
As teorias de desenvolvimento, abordando apenas o processo metropolitano,
gera uma série de equívocos e incapacidades na análise e proposição da situação
atual em sua totalidade. Destarte, por analisarem somente por um aspecto particular
um fenômeno universal, não compreendem o capitalismo e seus efeitos além dos
manifestados nas metrópoles.
Da mesma forma, não conseguem compreender o papel das relações
econômicas e políticas das metrópoles com suas colônias - isto é, o
desenvolvimento mundial do sistema mercantilista e capitalista - no desenvolvimento
das primeiras, assim como não compreendem que são estas as bases ao
subdesenvolvimento posterior das segundas. Desde já, as contemporâneas teorias
etapistas e universalistas que compreendem o “subdesenvolvimento” apenas como
“falta” ou “atraso de desenvolvimento” caem por terra: “Estes [países desenvolvidos]
nunca estiveram subdesenvolvidos, ainda que possam ter sito não-desenvolvidos”
(p. 1).
Estas mesmas teorias defendem que somente com o avanço do capitalismo
sediado nas metrópoles nacionais e internacionais pode-se livrar os países e regiões
mais subdesenvolvidas destes padrões sócio-econômicos, mas caem por terra tanto
quanto, já que
“A perspectiva histórica baseada no exame da experiências desses
países subdesenvolvidos sugere, pelo contrário, que o
desenvolvimento econômico nos países subdesenvolvidos só
pode ocorrer atualmente de forma independente da maioria
dessas relações de difusão” (p. 2, grifo meu)
Há também teorias que afirmam que centros econômicos mais desenvolvidos
dentro de países subdesenvolvidos se dão por sua proximidade com o capital
internacional e com os processos capitalistas, enquanto as regiões “atrasadas” estão
desta forma por um isolamento das relações econômicas. Frank as compreende
como uma falácia histórica e com consequências políticas que somente perpetuam o
subdesenvolvimento e suas condições.
“Logo, as instituições e relações econômicas, políticas, sociais e
culturais que observamos atualmente são produto do
desenvolvimento histórico do sistema capitalista, em não menor
medida do que o são os aparentemente mais modernos recursos
capitalistas das metrópoles nacionais desses países
subdesenvolvidos. De maneira análoga às relações entre
desenvolvimento e subdesenvolvimento no nível internacional, no
nível nacional observamos que as instituições aparentemente
subdesenvolvidas das zonas chamadas atrasadas ou feudais de um
país subdesenvolvido são também a consequência de um processo
histórico de desenvolvimento capitalista, na mesma medida em que o
são as chamadas instituições capitalistas das zonas supostamente
mais avançadas do mesmo país. Neste artigo, eu queria esboçar os
tipos de argumento que dão suporte a essa tese e, ao mesmo tempo,
indicar as linhas de estudo que as investigações futuras poderiam
explorar de maneira frutífera (p. 2-3)”

II
[Assim como a origem do desenvolvimento capitalista se dá na fundação das
relações em escala global - para além de relações comerciais, como se dava
anteriormente entre Europa e Ásia] esta análise parte do processo de colonização
da América Latina, com a criação das instituições modernas pelos colonizadores
europeus.
Neste contexto, as cidades são instrumentos centrais para a organização e
centralização do poder, sendo, portanto, um instrumento de conquista e dominação,
imbricado na conformação da “vida econômica, social e política das colônias e dos
países da América Latina” (p. 3). Forma-se e aperfeiçoa-se, ao longo dos séculos
XVI ao XIX, uma complexa cadeia de metrópoles mundiais, nacionais, regionais e
locais que subjuga aos jogos de poder entre esses níveis os interesses e objetivos
de todo o sistema, inclusive aos rincões da periferia latino-americana. Cada centro
de poder acumula capitais e forças de opressão para manutenção e reprodução do
sistema como um todo.
Quando examinamos essa estrutura de metrópole e satélite,
encontramos que cada um dos satélites, incluídos Espanha e
Portugal atualmente subdesenvolvidos ,serve como um instrumento
para extrair capital ou excedente de seus próprios satélites e
canalizar parte de seus excedentes para as metrópoles mundiais de
que são satélites. Além disso, cada metrópole nacional e local serve
para impor e manter a estrutura monopolista e as relações de
exploração desse sistema (como o denomina o Instituto Indigenista
do México) na medida em que serve aos interesses das metrópoles
que se aproveitam dessa estrutura global, nacional e local para
impulsionar seu próprio desenvolvimento e o enriquecimento de suas
classes dominantes (p. 3).
É esta complexa relação de metrópoles e satélites que serve de ponto de
partida a análise exposta pelo autor, em especial pelos processos que daí decorrem
e as tendências estruturais de ganhos desiguais - seja entre as nações seja
dentro de uma nação periférica - a despeito do nível de desenvolvimento das forças
produtivas do sistema capitalista como um todo ou de cada país específico.

III
A análise da história social e econômica do Chile e do Brasil, feita
anteriormente por Frank, expõe claramente o desenvolvimento do
subdesenvolvimento na América Latina, em suas complexidades nacionais e
internacionais.
No caso brasileiro, os diferentes ciclos econômicos que o país passa (cana,
minérios, borracha e café) evidencia a utilização das cadeias de metrópoles para
incorporar, conforme a necessidade do sistema econômico mundial as mais variadas
regiões do país, sob um regime de “desenvolvimento dependente que não era nem
autogerado nem capaz de perpetuar-se”. No caso chileno, “Esse desenvolvimento
do subdesenvolvimento continua hoje, tanto na cada vez maior dependência chilena
em relação às metrópoles mundiais, como através da cada vez mais aguda
polarização da economia doméstica chilena” (p. 4).

IV
O crescimento industrial paulista, que ganha força no segundo e terceiro
quartil do século XX, surge como uma possibilidade de rompimento dos padrões de
desenvolvimento dependente e subdesenvolvimento. Entretanto, o autor descarta de
início essa possibilidade, com nenhum indício de que a industrialização possa, por si
só, romper os padrões de acumulação e produção mundiais.
A industrialização paulista não gera em nada uma maior riqueza às demais
regiões do país, repetindo e elevando os esquemas de metrópoles nacionais. Da
mesma forma, embora se dê de forma relativamente autônoma, aumenta com o
passar do tempo a subordinação direta às metrópoles mundiais [a autonomia do
capital paulista, que havia inaugurado a poucas décadas a acumulação nacional dos
capitais já evidenciava que se tratava de um processo imperialista e não autônomo -
o crescimento do setor cafeeiro no século XIX se deu com grandes aportes do
capital ferroviário britânico, seus investimentos no sistema urbano e bancário
paulistano e nas cadeias globais de comercialização do café].
“Devemos concluir, em resumo, que o subdesenvolvimento não se
deve à sobrevivência de instituições arcaicas e à falta de capital em
regiões que permaneceram isoladas da corrente geral da história. Ao
contrário, o subdesenvolvimento foi e é gerado pelo processo
histórico mesmo que gera o desenvolvimento econômico: o
próprio desenvolvimento do capitalismo” (p. 5, grifo meu)

V
O enfoque histórico e estrutural, que parte da consideração que a estrutura
metrópole-satélite gera condições de desenvolvimento preferenciais às metrópoles e
de subdesenvolvimento aos satélites, permite melhores teorias e diretrizes de
desenvolvimento. Dele, podemos sintetizar certas hipóteses que elucidam o
processo de desenvolvimento do subdesenvolvimento e de sua superação.
A primeira é de que “em contraste com o desenvolvimento da metrópole
estrangeira que não é satélite de ninguém, o desenvolvimento das metrópoles
subordinadas e nacionais está limitada por seu status de satélite” (p. 5). Daqui
podemos inferir uma conceituação ao desenvolvimento dependente, que é aquele
que se evidencia “pela não autonomia e o não satisfatório desenvolvimento
econômico e especialmente industrial das metrópoles nacionais da América Latina”
(p. 5, grifo meu).
A segunda é de que, ao contrário das teorias que correlacionam o bonança
da metrópole com o desenvolvimento da economia satélite, como se o
desenvolvimento dos satélites dependesse do avanço do capitalismo, na realidade,
“os satélites sofrem seu maior desenvolvimento industrial capitalista clássico quando
e ali onde seus laços com a metrópole são débeis” (p. 6), como evidenciado pelos
“surtos” de desenvolvimento, como a industrialização latino-americana em
momentos como a depressão européia ainda no século XVII (em especial no Chile),
na Primeira Guerra Mundial, na Grande Depressão e na Segunda Guerra Mundial.
Não obstante, “As guerras napoleônicas fizeram brotar movimentos de
independência na América Latina e isto deve talvez interpretar-se como uma
confirmação, em parte, da hipótese do desenvolvimento” (p. 6).
Outro exemplo de que a proximidade com o sistema capitalista promovia
formas menos desenvolvidas de produção, estão certas cidades interioranas
(Tucumán, Assunção, Mendoza, Rosário, São Paulo (estado) e Querétaro) ou o
próprio Chile, antes da abertura do canal do Panamá, quando vivia um isolamento
das cadeias globais de comércio. Estes locais conseguiram desenvolver e sustentar
cadeias de manufaturas, geralmente têxteis, e até de exportação, até sua
incorporação ao sistema de comércio internacional, quando foram sufocadas ou
deliberadamente extintas.
Como reforço ao argumento, o autor expõe que a industrialização
experimentada pelo Japão no período Meiji e inclusive sua superioridade militar
frente o Império Russo se deu pelo seu isolamento e capacidade de não ser
satelitizado e não sofrer as limitações estruturais, podendo inclusive superar [através
do imperialismo, diga-se de passagem] a falta de recursos naturais.

VI
Como corolário à hipótese anterior, temos que logo após o curto período de
transformação econômica, “quando a metrópole se recuperava de sua crise e
restabelecia os laços de comércio e inversão que reincorporavam totalmente os
satélites para o sistema, ou quando a expansão metropolitana tratava de incorporar
as regiões previamente isoladas ao sistema mundial, a industrialização e o
desenvolvimento prévio destas regiões eram estrangulados ou canalizados em
direções que não são autoperpetuadas nem promissoras. (...) Longe de haver se
desenvolvido muito mais desde então, os setores industriais do Brasil e mais
eminentemente da Argentina se voltaram estruturalmente mais e mais
subdesenvolvidos e bem menos capazes de gerar a industrialização continuada e/ou
o desenvolvimento econômico seguro. Este processo, que a Índia também sofre,
está refletido em uma escala geral da balança de pagamentos, inflação e outras
dificuldades econômicas e políticas” (p. 7).
A incorporação de áreas até então não subjugadas à cadeia global de
manufaturas e commodities é uma síntese crucial para a compreensão das relações
metropolitanas nacionais e internacionais. Com a monopolização industrial e
financeira e a inserção da América Latina nas cadeias imperialistas, vemos o avanço
final do capital sobre terras latino-americanas até então intocadas pelas estruturas
produtivas impostas pela metrópole mundial, neste momento “A manufatura foi
destruída pela competência estrangeira, tomaram as terras e converteram em
latifúndios pela economia voraz e crescente da exportação, a distribuição
intra-regional da renda se tornou mais desigual e as regiões que se estavam
desenvolvendo previamente se converteram em simples satélites de Buenos Aires e
através deste último, de Londres” (p. 7). É deste processo de subordinação do
campo pela metrópole nacional, sob os interesses da metrópole mundial, que vemos
os profundos conflitos federativos/provinciais na América Latina, em especial as que
possuíam um relativo desenvolvimento, como na bacia do Rio Prata, assim como os
conflitos internacionais pelo controle do fluxo comercial do rio, na Guerra da Tríplice
Aliança.

VII
Uma terceira hipótese principal derivada da estrutura
metrópole-satélite é que as regiões que estão atualmente mais
subdesenvolvidas e com maior aspecto feudal são aquelas que
tinham laços mais estreitos com a metrópole no passado. São as
regiões que eram os maiores exportadores de matérias primas e as
fontes principais de capital para a metrópole estrangeira e que foram
abandonadas por esta quando por uma razão ou outra, os negócios
decaíram. (p. 8)
Daqui podemos reafirmar a distinção conceitual entre o subdesenvolvimento e
o não-desenvolvimento. Assim que as regiões do mundo são incorporadas às
cadeias do capital, sob o regime econômico e político metrópole-satélite, e propiciam
o desenvolvimento das primeiras, começam a desenvolver as “estruturas típicas do
subdesenvolvimento de uma economia de exportação capitalista” (p. 8), que
apresentam somente aspecto pré-capitalista, em especial após serem largadas pelo
capital após cumprirem as necessidades da metrópole ou o esgotamento de sua
riqueza, definindo-se, na realidade, como ultra-subdesenvolvimento (o abandono
de uma região após sua incorporação na cadeia de acumulação). [Um aspecto do
ultra-subdesenvolvimento, em distinção ao desenvolvimento metropolitano, que
pode suportar reconversões e extinção de mercados, é que nas estruturas de
subdesenvolvimento, não há acúmulo de capital pelas relações exercidas, mas a
transferência pelas estruturas capitalistas mundiais.]

VIII
A quarta e quinta hipótese estão relacionadas e tratam do latifúndio nas
relações subdesenvolvidas latino-americanas. Frank expõe que as causas
socioeconômicas para o latifúndio não estão nas relações feudais européias e sua
transferência às colônias, mas obedecem uma lógica mercadológica capitalista,
geralmente atreladas às depressões européias ou o decaimento de ciclos
econômicos latino-americanos.
Isto pois o crescimento das propriedades rurais se deu por uma crescente
demanda por bens agrícolas no sistema internacional [- e a produção destes
baseada no sistema de plantation]; ademais, as propriedades com maior aspecto
feudal, isto é, as isoladas, presas em regimes de subsistência estão, na realidade,
em uma relação de ultra-subdesenvolvimento, geradas pelo decaimento natural das
propriedades agrícolas ou pela falta de capital para seu crescimento e manutenção
nas cadeias comerciais globais ou pela extinção da atividade econômica regional
que mantinha a demanda agrícola. Ambos são efeitos da estrutura
metrópole-satélite que exige uma transferência de capitais e excedentes
econômicos, geralmente ainda favorecendo um pequeno grupo
proprietário-comerciante.

IX
Este estudo propõe livrar a ciência de visões feitas por e para as metrópoles e
dar bases a teorias que possam livrar os países e povos subjugados dessa relação
de desenvolvimento do seu subdesenvolvimento. Essas cinco hipóteses formam
uma base sólida que parte da “extensão global e a unidade do sistema
capitalista, sua estrutura monopolista e seu desenvolvimento desigual em um
transcurso da história e a conseguinte persistência do capitalismo mais comercial
que industrial no mundo subdesenvolvido” (p. 10) que permite uma análise profunda
das raízes do subdesenvolvimento e suas possíveis superações.

Você também pode gostar