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Teorias da Cidade – PPG-AU/UFBA

Contemporaneidade e Cidade: o rumo das cidades africanas


Verbete

Resumo: Esse verbete tem como objetivo refletir sobre o sentido que as novas
cidades africanas estão tomando na contemporaneidade. A vida, as relações
sociais e econômicas numa grande cidade contemporânea na era da
informação é consideravelmente diferente do que se viu anteriormente na
história e os novos rumos das cidades africanas gestadas pelo terceiro milênio
e pelo fluxo de capital toma formas já conhecidas pelo continente africano
Palavras chave: contemporaneidade; cidade; África; neocolonialismo;
neoliberalismo; planejamento estratégico; globalização; planejamento urbano.

Autor: Matheus Barbosa1

As grandes cidades – assim como as megacidades e as novas cidades africanas


– são frutos de um processo contínuo, estruturado, sólido e constante de
desenvolvimento tecnológico, do capital e dos condicionantes pra manutenção
do sistema de produção capitalista.
Vê-se através da história, alguns momentos de ruptura – ou interrupção – do
fluxo natural de progresso e desenvolvimento positivo das localidades em
questão, as cidades africanas contemporâneas se desenvolveram dentro de um
processo de colonização, exploração territorial, segregação socio espacial e
dependência econômica. Os fluxos contemporâneos mudaram e se
estabeleceram, porém o modus operandi da exploração – social econômica –
parece ter mantido suas bases. No contexto de uma cidade moderna e do inicio
de uma urbanização de centralização populacional, Simmel aponta
características interessantes que permeiam a vida urbana e as dinâmicas dentro
dessas espacialidades.
O vida do espírito nesse lugar parece ter relação direta com as dinâmicas do
capital e os condicionantes de sua existência, aos poucos a figura da cidade
passa a ser a identidade do sujeito e o sujeito passar a integrar o espirito contábil
daquele sistema. O espirito moderno é impessoal e tem consequências, seu alto
tensionamento e stress acaba por criar uma ‘’atitude escudo’’ chamada de
caráter blasé. Essa atitude parece ser reservada não a todos que compõem a
cidade, mas aos que acreditam faze-la possível e involuntariamente, através de
seu cotidiano, evitam contaminar-se com a pessoalidade e as complexidades
individuais que ocorrem ‘’do outro lado calçada’’. O espirito contábil de Simmel

1
Matheus Barbosa é graduado em arquitetura e urbanismo (UNIFACS), mestrando em urbanismo pela
Universidade Federal da Bahia.
(1903) se funde facilmente com o homem metal e homem moeda de Mbembe
(2013), esse homem como capital de exploração, racializado, posto como parte
e nunca como todo, compõe o que se pode interpretar como a ‘’ordem do dia’’
da contemporaneidade, dentro e fora dos limites espaciais da cidade. O que
vemos hoje, pode ser analisado em duas lupas distintas, pois se trata de duas
escalas diferentes, a escala global e a escala situacional – ou local – e até
individualizada. Acredita-se também que o ser – individuo – ou a massa
generalizada já não suporta ou abarca todos os planos da contemporaneidade
dentro das espacialidades urbanas, hoje a cidade é o elemento principal dessa
trama, ela é posta como sujeito e como objeto e dessa forma – e também por
decorrência de quem a compõe – se torna não somente o coração desse
sistema, mas também - parafraseando Simmel – a carteira.
Em uma realidade onde o capital nivela tudo e todos pelo valor que cada um
possui, as espacialidades criadas e gestadas por esse sistema também são
ranqueadas pelo quanto valem – ou pelo quanto podem valer – dentro da
máquina. Simmel em ‘’As grandes cidades e a vida do espírito’’ romantiza em
algum nível a intelectualidade do individuo enquanto elemento formador e
compositor do espaço cidade – tendo o processo de ‘’urbanização’’ e constituição
das grandes cidades como o catalizador essa intelectualidade, ou racionalidade
-, hoje, vemos que esse conceito se expande de outra maneira e a cidade toma
essa forma de corrupção dos valores individuais e extrapolação para servir aos
valores globais de um mundo que faz parte de uma teia de informação.
Castells e Borja em Local and global (1998) apresentam o que seria o moto de
desenvolvimento das grandes cidades contemporâneas, um modelo de
planejamento espacial, econômico e social que serviria de base pra constituir os
espaços que conhecemos como cidade, seus limites agora são distintos do
anteriores e seus agentes de produção são mais articulados. Castells apresenta
o conceito de sociedade do fluxo, uma sociedade atual pela qual o fluxo de
informação e fluxo econômico transita e flutua pelas localidades espaciais, esse
fluxo não é único e permeia todo o globo, impulsionado pelos processos de
avanços tecnológicos e de globalização. Os fluxos constantes criam uma teia de
informação, que leva não somente dados, mas capital, influencia na economia e
nas relações entre as localidades, que a partir de agora não são mais cidades
pelas quais reconhecemos suas setorizações, suas zonas, sua divisão territorial,
agora, nós observamos uma cidade que não se finda nos limites espaciais, mas
faz parte de uma trama, da teia de informação global, que leva capital e interação
entre todas as localidades, o que antes se apresentava como cidade, hoje vê-se
como nó urbano, a intersecção desse fluxo informacional, que rege a
contemporaneidade. O nó urbano é o estágio final dessa trama global, são as
megacidades, as cidades tecnológicas, globalizadas e interligadas em tempo
real com todos os outros nós existentes. A apresentação nesse novo paradigma
de cidade nos leva a várias reflexões e por termos um novo paradigma, a partir
da perspectiva de Castells e Borja em Local and Global, nos temos também que
desenvolver uma nova abordagem segundo esse paradigma mundial.
O que se criou para gerenciar a existência desse paradigma no meio urbano é o
que se conhece como planejamento estratégico e um dos principais pontos para
o cumprimento de seu processo de gerenciamento é o reconhecimento da cidade
enquanto competidor global. Essa constatação suscita uma serie de
questionamentos, dentre eles a reflexão sobre a real necessidade de uma
localidade ser de fato atrativa aos olhos dos novos agentes de produção do
espaço e dessa forma, por fim, torna-se visível pelo fluxo de ‘’desenvolvimento’’.
O desdobrar dessa questão nos evidencia a força de modificação social que o
capital possui sobre os indivíduos e sobre a criação desses novos espaços. O
que se apresenta como questão constante na elaboração e implementação
desse sistema de gerenciamento é a possível flexibilidade institucional para a
articulação esse espaço – da cidade -. No caso das cidades africanas que hoje
surgem, pode-se a partir dessa constatação, entender seu processo de criação.
As localidades escolhidas pelo fluxo de capital externo – em sua grande maioria
de fundo europeu – são potencias com crescimento econômico previsto para as
próximas décadas e localidades que além de possuírem características sociais
e econômicas que aparentemente justificam sua implementação – em prol de
uma suposta maré de desenvolvimento urbano e econômico – possuem uma
localização geográfica que favorece o fluxo de capital estrangeiro e as conexões
e comunicação com os outros nós urbanos. As grandes cidades
contemporâneas em África são vistas como peças estrategicamente localizadas
do quebra-cabeça global, onde informação, geopolítica, tecnologia e capital são
as características regentes e dominantes.
A urbanização desse terceiro milênio nos leva ao desenvolvimento dessas
megacidades e das cidades altamente tecnológicas e futuristas, que não
somente se resumem num aglomerado de pessoas, mas se porta como o nó
principal da malha global, é o produto bruto da globalização e palco de um
fenômeno comum na contemporaneidade. Dentro da escala local e global vê-se
uma contradição muito grande, a conexão com o globo é forte e constante,
através da troca desenfreada de informação e capital, aliado ao rápido
desenvolvimento tecnológico, porém o desligamento com as realidades locais é
relativamente proporcional. Essa cidade da informação vira a cidade dual, na
qual o contraste social econômico e visível e latente e durante os processos de
globalização esses indicativos só se acentuam. No continente africano temos
uma outra questão que aumenta a complexidade do sistema, pelo passado de
exploração e de segregação racial – e consequentemente socioespacial – vemos
um fenômeno que se pode considerar com uma neocolonização através do
capital e da força econômica externa, os mesmos agentes, atuando de formas
distintas, mas com bases similares. O caso de Kinshasa é um dos casos pelo
qual pode-se analisar a atuação desses agentes. As estratégias utilizadas
historicamente nos processos de exploração colonial no continente africano
foram desenvolvidas e aplicas observando as fragilidades da localidade, assim
como as justificativas de dominação neocoloniais atuais são baseadas nessas
fraquezas históricas e situacionais.
A cidade do Rio, como é chamada, é um apêndice da cidade de Kinshasa, ela é
um assentamento de terra localizado dentro do Rio Congo, inserido ali com a
justificativa de injeção instantânea de uma classe média no contexto de abismo
social que se encontra na Republica Democrática do Congo. A complexidade
dessa inserção nos apresenta inicialmente uma segregação espacial latente, a
Cidade do Rio é uma ilha, separada espacialmente de Kinshasa, feita
desconsiderando seus impactos locais e a disparidade de realidades que irão se
instaurar na relação dela com a região imediata da costa do Rio Congo. O papel
da localidade imediata – que nesse caso especifico é a população de Kinshasa
- seria de subserviência e oferecimento de serviços para a localidade
economicamente mais desenvolvida?
Os condenados da terra de Fanon não teriam outra escolha a não ser aderir ao
modus operandi contemporâneo da dominação neocolonial, que remete aos
modos de exploração vividos no séc. XIX e até meados do séc. XX. Os
processos de gentrificação nesse caso acontecem de forma natural enquanto o
sistema é desenvolvido sobrepondo os interesses econômicos do globo, as
complexidades e tradições locais, transferindo de localidade e retirando daquele
espaço a população pobre e vulnerável da cidade. Seria essa então a solução
que o mundo globalizado achou para a não necessidade da atitude blasé
desenvolvida teoricamente por Simmel no título anteriormente mencionado? Ela
já não se faz tão necessária pois o involucro espacial pela qual o
desenvolvimento – aliado ao planejamento estratégico – se encontra inserido
não da margem para tal, não é mais necessário distanciar-se da pessoalidade
ou das complexas relações dos outros, porque as ferramentas atuais as tiram de
vista.
Essa cidade que vemos hoje, fruto de um desenvolvimento teórico, desenvolvida
através de um novo paradigma, é o local de atuação do planejamento
estratégico, uma cidade que faz parte do fluxo informacional e do flux financeiro,
um nó urbano que vive em constante mudança e adaptação competitiva, que
traz agora não somente o estado enquanto condutor das dinâmicas urbanas,
mas uma forte influência, atuação e agência do capital enquanto ator constituinte
de espaço e sociedade.
REFERÊNCIAS

MBEMBE, Achille. Crítica da Razão Negra, 2013.


BORJA, Jordi; CASTELLS, Manuel. Local and Global: Management of cities
in the information age. Londres: Earthscan, 1997.
SIMMEL, George. As grandes cidades e a vida do espírito. 1903
UNESCO. História Geral da África – Volume 8. Brasília, DF, 2010.
Republic of Congo Urbanization Review: Productive and Inclusive Cities for
an Emerging Democratic Republic of Congo. Disponível em:
http://dx.doi.org/10.1596/978-1-4648-1203-3
DE BOECK, Filip. The modern Titanic: urban planning and everyday life in
kinshasa. Institute for Anthropological Research in Africa, University of Leuven,
Belgium.

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