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CAPÍTULO 6
APRESENTAÇÃO
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De acordo com Rodrigues (2018), o processo de ensino e de aprendizagem de línguas estrangeiras no Brasil
deve considerar essa zona de contato e conflito com diferentes maneiras de expressão da língua oficial, das
línguas indígenas, das línguas de imigração, de Libras e das línguas estrangeiras que circulam no país,
entendendo a língua inglesa como aquela recomendada de modo obrigatório pela BNCC e da língua espanhola,
sugerida como optativa pelo mesmo documento.
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Rodrigues defende que a imprecisão de nomenclatura foi prejudicial para o crescimento da área do Brasil, pois
segundo a pesquisadora “Essa simplificação presente na LDB é responsável por colocar em „igualdade‟ duas
línguas [inglês e espanhol] cujas representações são completamente diferentes”. (RODRIGUES, 2018, p. 78). A
nomenclatura única acabou gerando um direito de igualdade que não foi possível constatar no decorrer do
desenvolvimento das políticas para o ensino dessas línguas. Por fim, a pesquisadora define tal gesto como
redutor e responsável por não considerar as especificidades de cada língua em nosso país.
para o ensino de línguas e avaliamos o (não) espaço atribuído ao espanhol. Por último,
apresentamos reflexões sobre a BNCC e os rumos do ensino da língua espanhola no Brasil.
Tomamos como base autores da Linguística Aplicada que pesquisam sobre políticas
linguísticas e suas implicações na formação de professores de línguas estrangeiras.
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Tradução nossa. No espanhol: “[…] ya ha quedado claro que la proliferación desmedida de textos destinados a
reglamentar y orientar la enseñanza en Brasil termina no solo por confundir a todos los implicados en el proceso
– gestores, docentes, estudiantes, comunidad escolar, sociedad en general – sino que incluye el riesgo de que
poco o nada cambie en la educación”
A citação anterior aponta a necessidade de o professor conhecer a política educacional
existente e como ela precisa chegar à escola. Por outro lado, o pensamento de Lagares dialoga
com a proposta de Lüdke (1988), porque, normalmente, não é o docente o responsável por
idealizar orientações que dizem respeito ao seu trabalho e sua área de conhecimento. Essa
dependência faz-se mais evidente na atualidade, porque a educação volta a estar restrita aos
desejos da economia regulada pelo mercado (BAUMAN, 2005; OLIVEIRA, 2013;). O Plano
Nacional de Educação (BRASIL, 2014, p. 18) e a BNCC (BRASIL, 2017b) defendem ações e
um currículo preocupado com os interesses do mercado neoliberal e do capital estrangeiro.
Também é preciso considerar que vivemos um momento de terceirização do ensino de LE, e,
conforme aponta Bohn (2000, p.123-124),
Para Oliveira (2013), a atividade docente foi perdendo sua autonomia justamente
porque as próprias políticas públicas acabam separando os sujeitos, ou seja, “quem elabora os
currículos e programas e quem os concretiza pedagogicamente” não dialogam (OLIVEIRA,
2013, p. 8429). E com a implementação da BNCC isso não foi diferente, porque sua
elaboração seguiu a tradição de ser redigida por professores especialistas das universidades
brasileiras em diálogo com professores secundaristas – na primeira versão do documento – e
passou a ser centrada nos modelos de uma educação mercantilista e sem participação
democrática.
Os professores de línguas não podem ser meros executores das políticas (BOHN,
2000), mas sim precisam ser compreendidos como colaboradores do planejamento linguístico,
expondo seus desejos coletivos para a consolidação dos projetos e textos políticos. No
entanto, nem sempre esse envolvimento político é fácil, considerando o encantamento
oferecido pelas facilidades metodológicas do mercado econômico disponibilizado pelas
empresas e grandes editoras que tentam dominar o mercado público de ensino:
Uma política linguística não pode estar restrita a uma pequena parcela da população, e
seu desenvolvimento deve ser idealizado para ações a curto, médio e longo prazo
(RAJAGOPALAN, 2013). Nessa linha de raciocínio, Rajagopalan esclarece que cabe ao
formulador de políticas linguísticas ter em mente os reais motivos de aprendizagem de um
estudante brasileiro e os interesses nacionais desse projeto de ensino.
Já sobre as OCEM (BRASIL, 2006), destaca-se ser um documento nacional que abriu
espaço pela primeira vez para tratar da língua espanhola e suas particularidades de ensino,
episódio esse motivado pela obrigatoriedade da oferta do espanhol no ensino médio
decorrente da aprovação da Lei já revogada nº 11.161 (BRASIL, 2005). Consideramos que a
maior contribuição tenha sido a ênfase na função social da língua estrangeira a partir da
perspectiva dos letramentos críticos. Em relação ao espanhol, o documento destaca a
heterogeneidade da língua e de seu ensino, ajudando o professor repensar práticas tradicionais
cristalizadas e abandonar uma rotina sistêmico-funcional.
As políticas educacionais recentes, desde o início da Medida Provisória 746/2016
(BRASIL, 2016a) até a aprovação da Lei nº 13.415/2017 (BRASIL, 2017a), trazem muitas
questões conflitantes, entre elas a imposição do inglês como única língua estrangeira a ser
ofertada na Educação Básica. Isso é grave, tendo em vista o avanço de políticas anteriores que
defendiam a formação crítica do cidadão para lidar com desafios da vida contemporânea em
diferentes línguas e estabelecer sentidos em sociedades cada vez mais multiculturais. Ou seja,
entre os episódios político-linguísticos recentes, caminhamos de um ensino que tentava ser
plurilíngue para uma proposta monolíngue e retrógada. Essa medida autoritária apaga todas as
4
A título ilustrativo, referimo-nos aqui às reflexões de Paiva (2003) e Junger (2005).
conquistas e os avanços das demais línguas que construíram, ao longo do tempo, justificativas
para sua inserção à identidade linguístico-cultural brasileira.
Os PCN (BRASIL, 1998, p. 19) já apontavam, naquela época, que “as línguas
estrangeiras, como Disciplinas, se encontravam deslocadas da escola” e ameaçadas por causa
da massificação dos cursos de línguas no final da década de 1990 e início dos anos 2000.
Almeida Filho (2012) também avaliou que o ensino de LE na escola sempre esteve em crise,
porque os professores tentaram imitar modelos de práticas e sistemas avaliativos de outras
disciplinas. Evidencia-se, pois, que, apesar do prisma monolíngue da atual BNCC, já vivemos
épocas com propostas mais amplas e plurilíngues. No entanto, as autoridades governamentais
nunca reconheceram a complexidade e o valor das línguas estrangeiras (GULLO; BALGA,
2017) como um projeto de Estado. Conforme afirmamos anteriormente, o cenário para o
ensino de idiomas no Brasil sempre foi de (anti)políticas, pois falta muita vontade política e
empenho para uma oferta equilibrada e consciente das LE e, principalmente, voz para os
sujeitos que vivenciam a escola, dotando professores e demais membros do corpo escolar
como deliberadores de políticas para o ensino (BOHN, 2000).
Infelizmente, conforme abordamos, a política linguística precisa ser tópico de debate
nas reformas curriculares das licenciaturas, pois, como defendem Deusdará, Arantes e Rocha
(2017, p. 284), faz-se necessário “[...] problematizar a ausência dessa matéria nos cursos de
formação de professores em geral, como se a prática política pudesse ser desmembrada das
ações didático-pedagógicas realizadas por esses sujeitos”. Os pesquisadores ressaltam que
cabe aos professores a participação em políticas que vão direcionar a elaboração de atividades
e materiais mais adequados às práticas que vivenciam em sala de aula, principalmente “em
meio a um mercado editorial que disputa financiamentos para a produção massificada de
conteúdos” (DEUSDARÁ; ARANTES; ROCHA 2017, p. 280).
Para Cardoso (2017, p. 28), a BNCC traz uma falsa ideia de democracia em relação
aos direitos de aprendiz, pois
Também cabe frisar que a BNCC e a reforma do Ensino Médio, proposta por meio da
Lei nº 15.415 (BRASIL, 2017a), são medidas diferentes, embora ambas desvalorizem uma
série de conquistas no âmbito da educação pública e democrática. A implementação da
BNCC, a retirada de critérios5 de avaliação do Programa Nacional do Livro e do Material
Didático (PNLD) do ano de 2019 e a mudança no processo 6 de escolha dos livros do PNLD
2020 são algumas das alterações decorrentes do conjunto de ações que reduzem os direitos
sociais da população brasileira e entendem a educação como lucro (BAUMAN, 2005).
Três conceitos são os pilares da BNCC: conhecimentos, competências e habilidades,
ou seja, cada vez mais, conceitos do universo corporativo são adotados por documentos de
políticas de ensino. Nessa linha de pensamento, Souza, Giorgi e Almeida (2018, p. 98)
afirmam que
5
Aqui, por exemplo, fazemos referência à retirada de critérios como o combate à homofobia e transfobia na
avaliação das coleções didáticas.
6
A principal mudança do processo de avaliação do PNLD foi a saída das instituições de ensino superior da
responsabilidade de gerir o processo de avaliação das coleções didáticas, dando poder ao Ministro da Educação
de escolher entre outras entidades e instituições. O tempo de uso das coleções aprovadas também se ampliou de
três para quatro anos como forma de redução de custos, o que impede a atualidade dos materiais que chegam à
escola.
Para os pesquisadores, ao fazer uso do termo competência7, a BNCC reforça sua
vertente neoliberal, o que seria um atraso para uma política nacional de educação,
aproximando a escola de uma racionalidade técnica. Essa visão acaba por não considerar o
espaço escolar como um lugar plural e subjetivo e com a presença de diferentes histórias de
aprendizagem. Nesse sentido, a BNCC (BRASIL, 2017b, p. 8) entende, como competência,
7
Geraldi (2018, p. 163) também destaca como essa visão de mercado se materializa em outras nomenclaturas
adotadas pelo cenário escolar, por exemplo, quando opta pelo termo gestor no lugar de diretor. Segundo ele, “a
mudança terminológica não é inocente [...] Introduz-se no sistema escolar toda uma terminologia procedente das
formas de organização de empresas. E pensa-se a escola como uma unidade de produção que deve ser gerida
com eficiência para apresentar os resultados requeridos (os lucros e dividendos na forma de índices numéricos
obtidos nos processos avaliativos)”. Com isso, percebemos sua crítica aos sistemas de avaliação e podemos
afirmar que a BNCC também se pauta nessa preocupação com os exames de alta escala e treinamento dos alunos
para o alcance de bons resultados. Na visão de Geraldi (2018), o sistema educacional brasileiro vem sendo
motivo de interesses do mercado desde meados dos anos 1990 e, segundo ele, os Parâmetros Curriculares
Nacionais também surgiram por necessidade de elaborar as provas e as avaliações de larga escala.
Ao ler o que o documento demanda para os concluintes do Ensino Médio, cabe
indagar se todos os aspectos destacados no excerto também são aprofundados nos cursos de
formação inicial de professores.
Para o ensino fundamental, a BNCC defende seis competências específicas para a
língua inglesa8 e norteia a proposta pedagógica em cinco eixos entendidos como práticas de
linguagem: oralidade, leitura, escrita, conhecimentos linguísticos e dimensão intercultural,
descritos separadamente no documento. Contudo, recomenda-se abordá-los em conjunto,
evitando um trabalho fragmentado e descontextualizado das habilidades. O entendimento
dessas práticas de linguagem acaba sendo concebido como as antigas situações
comunicativas, decorrentes da tradição da abordagem comunicativa, em detrimento de
práticas mediante o trabalho e a progressão dos gêneros discursivos, como acontece nas
orientações de língua portuguesa, pautadas no princípio metodológico do uso-reflexão-uso
dos gêneros (GERALDI, 2018).
São muitas as consequências negativas da BNCC para o ensino de espanhol no Brasil.
A seguir, recuperamos três reflexões que tratam de maneira ainda inicial essa questão.
Pinho (2017) aplicou questionários a 220 alunos ingressantes em turmas do 1º ano do
ensino médio do Colégio Pedro II, Escola Pública Federal localizada no Rio de Janeiro, de
grande importância histórica para o ensino de línguas estrangeiras no Brasil devido ao seu
protagonismo na oferta de diferentes idiomas desde 1837, seu ano de fundação. O instrumento
tinha como intuito coletar dados sobre a escolha entre três línguas (espanhol, francês e inglês)
ministradas pela escola e suas impressões sobre a imposição do inglês pela BNCC. Do
quantitativo de questionários, o pesquisador optou por aprofundar a análise de 187 estudantes,
por corresponder àqueles que também cursaram o ensino fundamental no Colégio e já
estudaram inglês e francês por um período de quatro anos. Do total, 68 alunos escolheram o
espanhol, 64 inglês e 55 francês. Ao considerar as respostas dos alunos oriundos das escolas
particulares e municipais (33 estudantes), o inglês assume a liderança na preferência,
totalizando 89 interessados; em seguida, o espanhol, com 75 alunos; e, por último, o francês,
com 56 pessoas interessadas.
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Resumimos aqui as seis competências específicas: (1) levar o sujeito a identificar o lugar que ocupa no mundo
plurilíngue e multilíngue e como a aprendizagem da língua inglesa o conduz ao convívio no mundo globalizado,
(2) permitir que o sujeito se comunique em inglês mediante o uso da língua em diferentes formatos,
possibilitando o acesso ao conhecimento e à cultura, (3) identificar semelhanças e diferenças entre o português e
o inglês, relacionado ao conceito de língua e identidade, (4) reconhecer a diversidade linguística do inglês nos
diferentes registros e usos sociais, (5) empregar as novas tecnologias a favor dos diferentes letramentos e
sentidos sociais da língua e (6) conhecer diferentes patrimônios culturais difundidos pelo universo da língua
inglesa. (SESMILO; GÓMEZ, 2018).
As principais justificativas para o estudo do espanhol são as seguintes: nunca ter
estudado e querer conhecer um idioma novo, gostar da língua, querer dominar mais idiomas e
não gostar das demais línguas. Sobre os resultados do inglês, o maior quantitativo de
interessados não se explica pela preferência da língua, mas sim pela facilidade no seu estudo.
No tocante ao francês, chamam a atenção argumentos como ser uma oferta exclusiva pelo
colégio e ser a opção de idioma mais caro em cursos livres. Portanto, Pinho (2017) comprova
que há interesse para múltiplas línguas no contexto escolar, e com isso demonstra que os
pressupostos da BNCC não atendem aos desejos estudantis. Sobre os comentários dos
discentes, o pesquisador conclui que “[...] a imposição de uma determinada língua estrangeira
não é seu desejo, porque existem razões pessoais variadas para essa decisão, além de alguns
crerem que uma única língua não é suficiente para sua formação” (PINHO, 2017, p. 20).
Portanto, é visível o interesse pelo estudo de várias línguas estrangeiras, a par do caráter
regulador e incongruente da BNCC no campo das políticas linguísticas de nosso país.
Já Manzone Rossi (2018) alerta sobre a possível redução de campo de trabalho para
professores de espanhol e argumenta que a retirada desse idioma da escola, como umas das
opções de língua obrigatória, pode aumentar o hiato entre os sistemas públicos e privados, já
que estes devem continuar oferecendo a disciplina como um diferencial do currículo nesse
mercado tão competitivo.
A pesquisadora analisa o tempo de estudo do inglês no sistema escolar e chega à
conclusão de que ele não possibilita que o aluno, ao final do curso, seja um usuário autônomo
dessa língua, o que não acontece com a experiência de aprender o espanhol, pois, segundo a
autora, o aprendiz consegue um desempenho suficiente para se comunicar no trabalho, com
estrangeiros e como uma ferramenta de acesso ao ensino superior.
Se relacionarmos os dados da pesquisa de Pinho (2017) com a constatação de
Manzone Rossi (2018) sobre a oferta desigual das línguas no âmbito público e privado,
percebemos que a sociedade tem o interesse pelo estudo de diferentes línguas. No entanto,
esse direito é privado e deslegitimado pela BNCC.
Sesmilo e Gómez (2018) procuram aproximar os objetivos da BNCC aos de uma
coleção didática de uma determinada editora, com o intuito de apontar pontos em comum,
principalmente reforçando o papel humanístico da aprendizagem de uma língua estrangeira e
a possibilidade de construção de uma sociedade mais democrática e inclusiva. Diante da
ausência do espanhol na BNCC, os autores partem do pressuposto de que as indicações
propostas no documento também se aplicam a esse idioma, algo que, de fato, não podemos
assegurar por meio da leitura do texto. Outro ponto a ressaltar reside na proposta dos autores
de estabelecer relações entre os níveis do Quadro Europeu Comum de Referência para as
línguas (QECR), a coleção didática em questão e a BNCC, pois, apesar de adotar a noção de
competências e habilidades, o texto da Base não assume, ao menos explicitamente, a defesa
do QECR como norteador do currículo proposto para o ensino de inglês.
E a língua espanhola na BNCC? Já que ela não é problematizada no documento, o que
fazer? Para não dizer que não consta nada sobre o universo hispânico, observamos que o
texto, ao tratar da língua portuguesa, destaca a importância da inclusão de obras da literatura
latino-americana, entendida como mais complexa (BRASIL, 2017b, p. 492). Porém, a BNCC
não esclarece o que é ser mais complexa nem dá detalhes de como abordá-la. Nas escolas que
resolverem manter o idioma ou aqueles municípios que conquistaram o direito de ofertar o
espanhol como língua obrigatória no currículo, resta apenas substituir a palavra inglês por
espanhol nas inúmeras páginas da BNCC? O MEC fará um adendo ou outro documento para
incluir normatizações para o funcionamento da disciplina?
Após tanto tempo para divulgação dos textos finais da BNCC, controvérsias e
mudanças de equipes e linhas teóricas de trabalho, fica claro que não teremos orientações
oficiais para o espanhol. Alguns professores acreditam que podemos ler outras línguas
estrangeiras onde consta inglês na BNCC, assim como fizeram Sesmilo e Gómez (2018).
Todavia, consideramos que a ausência do espanhol na BNCC pode ser positiva, por alguns
motivos: (a) não obriga os docentes a um trabalho que tenta padronizar o ensino e direcionar a
uma prática comunicativa da língua; (b) permite que as escolas e os docentes sigam as
orientações e princípios teóricos propostos em documentos como as OCEM (BRASIL, 2006),
pois elas acabaram sendo o único material específico para pensar o ensino do espanhol no
contexto educativo após a aprovação da Lei federal nº 11.161 (BRASIL, 2005), já revogada
pela reforma do ensino em 2017; e (c) possibilita que os especialistas da área de ensino de
espanhol idealizem uma (contra)proposta à da BNCC, mais coerente com o que entendemos
que seja ensinar esse idioma no Brasil, já que, apesar de todo o apagamento da língua
espanhola como língua da ciência, o hispanismo brasileiro dispõe de muita bagagem e
experiências com o ensino do idioma. Afinal, não queremos ter nossas ações monitoradas,
termo empregado pela BNCC (BRASIL, 2017b, p. 21) ao tentar definir o projeto.
A própria BNCC parece enxergar pontos deficientes em seu texto e ausência de
diálogo com experiências curriculares anteriores do MEC e das Secretariais Estaduais, quando
menciona que,
Nas duas últimas décadas, mais da metade dos Estados e muitos Municípios
vêm elaborando currículos para seus respectivos sistemas de ensino,
inclusive para atender às especificidades das diferentes modalidades. Muitas
escolas públicas e particulares também acumularam experiências de
desenvolvimento curricular e de criação de materiais de apoio ao currículo,
assim como instituições de ensino superior construíram experiências de
consultoria e de apoio técnico ao desenvolvimento curricular. Inventariar e
avaliar toda essa experiência pode contribuir para aprender com acertos e
erros e incorporar práticas que propiciaram bons resultados (BRASIL,
2017b, p. 18)
Podemos dizer que a BNCC é, por si só, uma política educacional ambígua na forma
como o texto final se apresenta e articula seus objetivos e compromissos, pois existem
aspectos positivos e em consonância com o que se esperava para a educação brasileira, em
particular para o ensino de línguas no país, dando continuidade a algumas linhas teóricas
anteriores. Mas, por outro lado, o documento apresenta novas concepções que em nada
dialogam com o que vinha sendo feito nos textos oficiais, porque a BNCC evidencia de modo
bastante explícito uma visão de formar para o trabalho e da língua para fins de mera
comunicação.
Pelo histórico de construção da BNCC, pelo menos nas duas primeiras versões, a
língua espanhola tinha espaço no documento. Isso pode ser comprovado ao analisar, nas
páginas finais, os nomes de redatores e leitores críticos da área do espanhol convidados para
as versões iniciais. Portanto, em algum momento, o desenho da proposta pedagógica foi
modificado, e, com isso, alguns componentes curriculares foram omitidos. Desde o governo
de Juscelino Kubitschek em 1958, a exclusão e o descaso com o espanhol desconsidera anos
de luta e inúmeros projetos de lei para a entrada e permanência da língua espanhola no
currículo e um maior equilíbrio entre as LE (SILVA JÚNIOR, 2019).
A retirada da língua espanhola do currículo da educação básica pode ser entendida
como um ato inconstitucional, porque desconsidera o que estabelece a Constituição Brasileira
no artigo 4º, parágrafo único: “A República Federativa do Brasil buscará a integração
econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina, visando à formação de
uma comunidade latino-americana de nações” (BRASIL, 2016b). Mais uma vez, as políticas
linguísticas encabeçadas pelo governo ignoram os vínculos do Brasil com os demais países da
América Latina9.
Infelizmente, construiu-se no imaginário uma crença de que não é preciso dedicar
tempo de estudo nem valorizar a língua espanhola, pois qualquer brasileiro é capaz de
enunciar nessa língua. Citamos como exemplo um episódio recente que ilustra esse falso
mito: o ex Ministro da Educação, Sr. Abraham Weintraub, ao proferir uma palestra no evento
intitulado “Cúpula Conservadora das Américas” disse ao público ao tentar empregar o uso do
espanhol: “Dónde Brasil va estar en dos mile cincuenta e cómo será el rumbro, el sendero
que Brasil hacerá hasta llegarmos allá”10. Essa amostra ilustra bem a falta de respeito e a
importância que o governo atual direciona para o idioma espanhol.
Assim, o que esperar para o ensino do espanhol nos próximos anos? Em primeiro
lugar, vale ressaltar um princípio básico, que é a educação pública e de qualidade para todos;
que essa premissa continue sendo a luta dos próximos governos e da sociedade. A retirada do
espanhol é só mais um ponto entre vários outros que empobrecem as políticas públicas
educacionais atuais. No entanto, defendemos que as instituições de ensino superior,
principalmente as públicas, pelo compromisso em retornar para a sociedade os gastos
públicos, continuem aperfeiçoando a qualidade de seus cursos de formação inicial e
continuada de professores de espanhol, ampliem e repensem os contextos de atuação do
profissional egresso.
9
Como forma de ilustrar outras questões que explicam o distanciamento entre o Brasil e os demais países da
América Latina, recomendamos a leitura de Lorencena Souza (2017), artigo em que o pesquisador reflete sobre
esse assunto e o cenário do ensino de espanhol após a reforma do ensino médio de 2017.
10
O vídeo da palestra pode ser acessado em:
<https://www.youtube.com/watch?v=1P63K3Kj4IU&feature=youtu.be&fbclid=IwAR2WRSsGgWF5YFXpDp
We_4sZJaP7k8_Ac8R6TGFOByMxRtZte1w4Q1EUl1U> [Último acesso em 09 abril 2019]. Nele o ex Ministro
participa de uma mesa com o tema de Marxismo e Economia no dia 08 de dezembro de 2018 em Foz do Iguaçu
no evento que tem como objetivo reunir lideranças que pensam de modo mais conservador temas como cultura,
economia, segurança e política e reuniu conservadores de diversos países latino-americanos. O excerto de sua
fala em espanhol está entre 1‟21 e 1‟30. No corpo do texto, tentamos somente reproduzir uma transcrição
ortográfica de sua fala.
O momento vigente é bastante propício para aumentar a massa crítica da área de
pesquisa dos estudos hispânicos pelo viés da Linguística Aplicada e da Educação, ainda mais
quando temos um cenário com várias incongruências e ausência de clareza dos próximos
passos no âmbito educacional. Já vivemos muitas crises e experiências negativas e positivas
no ensino de espanhol no Brasil nas últimas décadas. Como defensores da educação, torcemos
para que algumas propostas da BNCC se materializem e melhorem a qualidade do ensino em
nossas escolas e na formação de professores, incluindo também o plano de carreira e de
estudos. Por fim, em relação à língua espanhola, esperamos que a fase atual seja mais um
daqueles momentos de ausência, que já vivemos outras vezes, mas que nos ajude a retornar
para as escolas e as universidades mais fortalecidos e seguros do papel que assumimos e da
contribuição humana e social da aprendizagem do espanhol no Brasil.
REFERÊNCIAS
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de junho de 2007, que regulamenta o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação
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– CLT, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1 de maio de 1943, e o Decreto-Lei nº 236, de
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