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Raquel Rolnik 1
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Urbanista e mestre pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, PhD em História Urbana pela New
York University, professora titular de Planejamento Urbano e coordenadora do curso de Mestrado em
Urbanismo da Pontifícia Universidade Católica de Campinas, membro do corpo técnico do Instituto Pólis,
coordenadora de Planejamento do Município de São Paulo (1989-1992).
ser adensados, pois é impossível para a maior parte das pessoas o pagamento, de
uma vez só, pelo acesso a toda a infra-estrutura que já está instalada. Em geral, a
população de baixa renda só tem a possibilidade de ocupar terras periféricas – muito
mais baratas porque em geral não têm qualquer infra-estrutura – e construir aos
poucos suas casas. Ou ocupar áreas ambientalmente frágeis, que teoricamente não
poderiam ser urbanizadas.
Em primeiro lugar, do ponto de vista político, a idéia de um Plano Diretor como projeto
acabado de cidade do futuro, que dirige seu desenvolvimento presente, supõe a idéia
de um poder central associado a um Estado forte e capitalizado, que impõe e controla
esse projeto sobre o conjunto dos cidadãos. Por outro lado, não há lugar para o
conflito – que efetivamente constrói e transforma a cidade: a utopia de um projeto
concluído de cidade corresponde à utopia de um Estado absoluto. Dessa forma, é um
projeto que se opõe à política – campo de explicitação dos conflitos – e, portanto, não
contém nenhuma forma de diálogo com ela. Evidentemente, em tempos de ditadura,
essa concepção teve alguma ressonância numa realidade de sociedade civil
silenciada. Porém, bastou a abertura de movimentos mínimos de democratização
para estabelecer-se uma contradição entre gestão (como prática atravessada pela
política) e planejamento.
Em segundo lugar, a esfera técnica do planejamento urbano entre nós esteve também
bastante imbuída de um modo de relação do cidadão com a cidade que vê o espaço
público como propriedade privada do Poder Público (ou do Estado) e jamais como
uma responsabilidade coletiva dos cidadãos. E o tema do controle de setores da
cidade que fogem dos padrões desejáveis é formulado como “problema urbano”, que
cabe ao Estado “diagnosticar” e resolver.
Finalmente, ao não se relacionar com os pedaços de cidade que não cabem nas
normas, a regulação urbanística operada pela fórmula planos diretores-zoneamento
acaba por condenar os assentamentos ilegais a uma eterna condição de subcidadania
e vulnerabilidade às praticas políticas clientelistas e fisiológicas.