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APOSTILA DA DISCIPLINA CRIMINILOGIA APLICADA À SEGURANÇA

PÚBLICA1

1. O CRIME E A VIOLÊNCIA NO BRASIL: UM BREVE CONTEXTO


O Brasil, nos últimos anos, passou a estar associado, tanto no âmbito
interno quanto internacionalmente, ao fenômeno do crime e da violência. Tal
situação fica pautada pelos conteúdos da mídia nacional e estrangeira, onde
são regularmente veiculadas matérias que mostram rebeliões de presos,
conflitos entre a polícia e movimentos sociais, sequestros, dentre outros.
As estatísticas da violência e da criminalidade também mostram que a
situação merece ser analisada de forma séria e responsável, para que as
políticas públicas possam ser efetivas.

2. FATOS RELACIONADOS À VIOLÊNCIA


A violência é um fenômeno complexo, que não tem causa única, mas sim
uma multiplicidade de fatores.
Medidas e ações de enfrentamento da violência representam um verdadeiro
desafio para o mundo contemporâneo, pois a violência produz impactos
adversos multidimensionais, incluindo aspectos de ordem econômica, política
e social.
Sendo assim, faz-se necessário que qualquer medida ou ação que venha
a ser planejada possa a considerar: os fatores que promovem a violência, os
chamados fatores de risco; os fatores que inibem sua manifestação, os
chamados fatores de proteção e a relação existente entre eles e o grau de
incidência e efeitos negativos de crimes e violência.

3. FATORES QUE CONTRIBUEM PARA O AUMENTO DA VIOLÊNCIA NO


BRASIL
a) Fatores socioeconômicos - oriundos das desigualdades sociais, da
falta de oportunidade e de aspectos relacionados a ampliação da
vulnerabilidade social;
b) Fatores institucionais - relacionadas a insuficiência do Estado, crise do
modelo familiar, recuo do poder da igreja;
c) Fatores culturais - problemas de origem histórica, conflitos étnicos e
desordem moral;
d) Demografia urbana - crescimento das taxas de natalidade e,
principalmente, a expansão urbana súbita e desordenada, o que
favoreceu o aparecimento de grandes aglomerados urbanos;

1 Compilação do conteúdo dos módulos do Curso “Violência, Criminalidade e Prevenção”, promovido


pela SENASP na modalidade EaD.
e) O poder da mídia - ênfase em notícias sobre crimes violentos que
acabam por influenciar a percepção do cidadão sobre o fenômeno;
f) A globalização mundial – a diminuição e contestação a noção de
fronteira e a capilaridade do crime organizado (narcotráfico, posse e
uso de armas de fogo, guerra entre gangues).

4. VARIÁVEIS TIPOLÓGICAS DA VIOLÊNCIA


A violência pode ser caracterizada de acordo com diferentes variáveis:
• Quanto ao tipo de vítima: crianças, mulheres, idosos, deficientes
físicos, etc.;
• Quanto ao tipo de agente: gangues, jovens, narcotraficantes,
multidões, policiais, etc.;
• Quanto à natureza da ação violenta empreendida: física, psicológica,
sexual, etc.;
• Quanto a motivação, no caso da ação ser instrumental para algum
propósito último: violência política, econômica, social, étnica, racial
etc.;
• Quanto ao tipo geral de local de ocorrência da violência: urbana ou
rural;
• Quanto a relação entre a vítima e o agente da violência: violência
familiar, violência entre conhecidos, violência entre desconhecidos,
etc.

5. A VIOLÊNCIA COMO OBJETO DE ESTUDO


Mesmo que a mídia favoreça uma imagem distorcida da violência, o
fenômeno existe e para melhor compreendê-lo é necessário analisar as
contribuições de alguns campos de conhecimento que utilizam a violência
como objeto de estudo. Dentre eles: a biologia, epidemiologia, a ciência
política, criminologia, economia, etiologia, psicologia, sociologia, bem como
atualmente, da neurociência.
Os estudos destas áreas têm favorecido para que a violência seja
entendida como um fenômeno multidisciplinar, modificando o foco das
políticas públicas e de enfrentamento do problema, ou seja, intensificando
ações preventivas ao invés de repressivas, valorizando o investimento em
ações educativas ao invés de punitivas.
Crime - transgressão imputável da lei penal, por dolo ou culpa, ação ou
omissão. (Houaiss2)

2Grande Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Elaborado pelo lexicógrafo brasileiro Antônio
Houaiss. A primeira edição foi lançada em 2001, no Rio de Janeiro, pelo Instituto Antônio Houaiss.
Violência - uso intencional da força física ou do poder, real ou em ameaça,
contra outra pessoa ou contra si próprio ou contra outro grupo de pessoas,
que resulte ou tenha grande possibilidade em resultar em lesão, morte,
dano psicológico, deficiência de desenvolvimento, ou privação (Organização
Mundial da Saúde - OMS).
Prevenção do crime e da violência - resultado de políticas, programas
e/ou ações de redução do crime e da violência e/ou seu impacto sobre os
indivíduos e a sociedade, atuando sobre os fatores de risco e os fatores de
proteção que afetam a incidência do crime e da violência e seu impacto
sobre os indivíduos, famílias, grupos e comunidades, e sobre a
vulnerabilidade e a resiliência dos indivíduos, famílias, grupos e
comunidades diante do crime e da violência.

6. PREVENÇÃO E CONTROLE: PROPOSTAS DE AÇÃO


Como fenômeno multidisciplinar a violência recebe contribuições de
diversos campos de conhecimento, o que vem contribuindo para uma melhor
compreensão dos fatores de risco e a necessidade de que os fatores de
proteção envolvam diferentes forças governamentais e sociais.
Não há, entretanto, soluções previamente estabelecidas para a
prevenção da violência. Há sim, uma boa quantidade de proposta de ação
com diferentes abordagens teóricas que podem ser divididas em dois
grandes grupos: os que propugnam pela prevenção da violência e os que
defendem a abordagem do controle da violência. Ao primeiro caso, o da
prevenção, a epidemiologia e o enfoque de saúde pública têm proporcionado
metodologias antes vistas como aplicáveis apenas ao campo da saúde
propriamente dito. Ao segundo, o do controle, a criminologia e os estudos
jurídicos tem oferecido considerável suporte de conhecimento.
A busca de soluções para a questão dos crimes violentos tem colocado a
prevenção e o controle em posições opostas. A prevenção, por exemplo,
busca a solução na correção de distorções sociais, tais como a diminuição da
pobreza, a melhoria da educação e da melhor distribuição de renda. Essas
são conhecidas como “soluções brandas”. Por outro lado, as “soluções duras”
para os crimes violentos, proposta pelos defensores das medidas de
controle, apontam o estabelecimento de maior quantidade e disponibilidade
de recursos policiais, bem como no aumento das prisões e disponibilidade de
vagas no sistema prisional, com o caminho a ser seguido.
É preciso ter em conta, entretanto, que ambos, prevenção e controle,
fazem parte de um contínuo em que o castigo efetivo, classificado como uma
”solução dura” por natureza, pode ser um eficaz fator dissuasório do crime
e, portanto, um mecanismo de prevenção contra alguns tipos de conduta
violenta. Assim, de acordo com os especialistas na matéria, as ações de
prevenção não devem ser definidas de acordo com as soluções que
produzem e sim, pelos seus efeitos observáveis nas condutas futuras.

7. PREVENÇÃO DA VIOLÊNCIA E DA CRIMINALIDADE


Chama-se de monitoração ou vigilância epidemiológica a coleta, análise e
interpretação sistemática de dados para sua utilização no planejamento,
execução e avaliação de políticas públicas e de programas contra a violência
e a criminalidade.
Segunda visão do Banco Interamericano de Desenvolvimento3 (BID), ela se
compõe de quatro etapas:
a) Definição do problema e coletada de dados confiáveis;
b) Identificação das causas e fatores de risco;
c) Desenvolvimento e teste das intervenções;
d) Análise e avaliação da efetividade das ações preventivas contra
violência.

8. ESTRATÉGIAS DE PREVENÇÃO
Uma das regras mais importantes da prevenção é que quanto mais cedo
se atuar na vida de um indivíduo evitando desenvolvimento de condutas
violentas, mais efetiva será ação preventiva. Em decorrência, as estratégias
de prevenção devem estar orientadas previamente a redução dos fatores de
risco de violência e/ou criminalidade ou aumento dos fatores de proteção
contra violência e/ou a criminalidade.

9. OBJETIVO DAS ESTRATÉGIAS DE PREVEÇÃO


a) Modificar fatores estruturais ou proximais;
b) Modificar fatores sociais ou situacionais;
c) Modificar fatores específicos de riscos e/ou proteção (programas
pontuais) ou modificar um conjunto de fatores (programas integrais);
d) Alcançar toda a população (prevenção primária), grupo de alto risco
(prevenção secundária), agente violento e/ou sua vítima (prevenção
terciária).

10. PREVENÇÃO ESTRUTURAL


Redução da pobreza e da desigualdade, por exemplo, são duas medidas
estruturais de longo prazo que, alterar as relações incentivos de mercado de
trabalho, bem como o acesso a este, tendem a reduzir a privação e a

3 O Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) é uma organização financeira internacional com


sede nos Estados Unidos, criada e 1959 com o propósito de financiar projetos de desenvolvimento
econômico, social e institucional e promover a integração comercial na área da América Latina e Caribe.
frustração e, por consequência, a probabilidade de condutas violentas e/ou
criminosas futuras.
É fundamental o aumento das oportunidades econômicas para jovens em
situação de pobreza que se constituem, na maioria, das vítimas e nos
agentes da violência social e da criminalidade, assim como também é
importante a atenção e desenvolvimento de medidas destinadas a prevenção
à violência doméstica a qual tem sido o fator responsável por significativa
redução na oportunidade de trabalho e diminuição na produtividade das
mulheres.

11. PREVENÇÃO PROXIMAL OU IMEDIATA


São ações de prevenção imediata, aquelas dirigidas alterar o curso de
eventos contingente que produzem ou instigam a violência e/ou a
criminalidade. Dentre eles estão, por exemplo, o fácil acesso a arma de
fogo, álcool e drogas.

12. PREVENÇÃO SOCIAL


Esse tipo de prevenção tem por base o desenvolvimento social. Atua
sobre grupos de alto risco aumentando a probabilidade de que deixem de
ser vítimas ou agentes da violência e/ou criminalidade. As atividades de
prevenção nesse campo englobam uma ampla gama de ações dos mais
diferentes matizes. A que podem ser incluídas, por exemplo, a tensão pré e
pós-natal a mães em situação de pobreza de alto risco; programas
educacionais infantis; programa de incentivo ao término dos estudos
secundários para jovens pobres e/ou em situação de risco; programas de
treinamentos em resolução pacífica de conflitos para grupos e comunidades
em situação de risco.

13. PREVENÇÃO SITUACIONAL


A prevenção situacional reduz a probabilidade de alguém ser vítima
potencial da violência e/ou crime, através da redução na oportunidade,
tornando a possibilidade de ocorrência do crime mais difícil, mais arriscada e
menos vantajosa ou lucrativo para o criminoso. Dentre as ações de
prevenção situacional encontram-se a implantação de obstáculos físicos,
controle de acesso a instalações ou locais, sistema de vigilância e
monitoramento que inibam a execução de atos criminosos e de vandalismo.

14. PREVENÇÃO PONTUAL E INTEGRAL


Conforme apontam especialistas do BID e da OMS, ainda que não seja
uma distinção normal, é útil falar da prevenção localizada sobre um ou em
um grupo reduzido de fatores de risco de violência e/ou criminalidade como,
por exemplo, o controle de arma de fogo ou os programas de
desenvolvimento infantil dirigido a grupos de alto risco ou, em prevenção
integral que atua sobre um conjunto amplo de fatores de risco. Segundo
aquelas organizações, existe consenso na literatura especializada de que a
violência e a criminalidade, por terem multicausalidades, devem ser
atacadas através de conjuntos de medidas tanto no âmbito da prevenção
quanto do controle. Todavia se sabe que, em decorrência dessa
complexidade, programas que requerem alto grau de coordenação
institucional são mais difíceis de serem implantados.

15. PREVENÇÃO PRIMÁRIA, SECUNDÁRIA E TERCIÁRIA


As intervenções para prevenção da violência podem, ainda, ser
classificadas, tanto segundo o BID quanto a OMS, em três diferentes níveis:
primário, secundário e terciário. Veja.
a) Prevenção Primária: São as intervenções que buscam prevenir a
violência e/ou a criminalidade antes que ocorram. Está voltada para
redução dos fatores de risco e no aumento dos fatores de proteção
para toda a população ou para grupos específicos dela;
b) Prevenção Secundária: Configura-se em ações que objetivam dar
respostas mais imediatas à violência e a criminalidade. Esse tipo de
prevenção está focado em grupos de alto risco de desenvolvimento de
condutas violentas e/ou criminais, como por exemplo, os jovens em
situações de desigualdade econômica e social;
c) Prevenção terciária: São as intervenções centradas em programas e
projetos de longo prazo realizados posteriormente às condutas
violentas e/ou criminosas, como a reabilitação e reinserção social e as
ações destinadas à redução dos traumas decorrentes da violência e da
criminalidade. Nesse nível, as ações estão dirigidas aos indivíduos que
tenham manifestado ou tenham sido vítimas de condutas violentas
e/ou criminosas, na tentativa de evitar que voltem a reincidir no
comportamento ou serem vítimas de violência e/ou criminalidade
respectivamente.

16. AMBIENTES INSTITUCIONAIS E AÇÕES DE PREVENÇÃO


RECOMENDADAS
Educação; Saúde; Desenvolvimento urbano; Justiça; Policia;
Sociedade Civil; Serviços Sociais; Meios de Comunicação.
Justiça
a) Centros alternativos, descentralizados para a solução de conflitos;
b) Incorporação de atividades de prevenção contra a violência e
criminalidade nos projetos de reforma judiciária;
c) Lei e normas que limitem a venda de álcool durante determinados
períodos do dia;
d) Acordos nacionais e internacionais para controlar a disponibilidade de
armas;
e) Reformas no sistema judiciário para reduzir os níveis de impunidade
na sociedade;
f) Treinamento dos diversos atores do sistema judiciário sobre temas
relacionados à criminalidade e a violência.
Polícia
a) Polícia comunitária orientada para a solução de problemas;
b) Capacitação policial, incluindo capacitação sobre assuntos de violência
doméstica e direitos humanos;
c) Maior cooperação com outras instituições dos sistemas de segurança
pública, instituições governamentais e não governamentais;
d) Programas voluntários para coletas de armas que se encontram n as
mãos da sociedade civil;
e) Maior índice de casos solucionados, processados e apenados para
reduzir os níveis de impunidade;
f) Ações afirmativas nos recrutamentos de policiais;
g) Melhor coletas de dados, manutenção de registros produção de
informação e relatórios.

17. AÇÕES PARA CONTROLE DA VIOLÊNCIA (ESTRATÉGICAS E


TÁTICAS)
Há evidencias de que ações (estratégicas e táticas), desde que bem
definidas, podem produzir resultados positivos no controle da violência e do
crime. entre elas se encontram:
a) Patrulhamento ostensivo dirigido a lugares com altas concentrações de
delitos em certas horas do dia;
b) Polícia orientada à resolução de problemas, ou seja, voltada para a
identificação e resposta às causas mais imediatas da criminalidade em
uma determinada comunidade ou local;
c) Polícia comunitária.

18. POLÍCIA DE “JANELAS QUEBRADAS” E “TOLERÂNCIA ZERO”


A expressão “tolerância zero” não se aplica muito ao que fizemos em
nova York. Prefiro a teoria que chamamos de “janela quebrada” –ou seja,
uma casa com um rombo na vidraça é convite para que seja alvo de crimes
mais graves. Portanto, decidimos que tentaríamos sempre, em qualquer
ocasião, impedir as “janelas quebradas”, ou seja, prevenir os crimes menos
perigosos, mas muito visíveis. (Trecho da entrevista: Rudolfph W. Giuliani,
ex prefeito de NOVA IORQUE)
Essa estratégia de ação policial tem como base um conhecido estudo de
James Q. Wilson y George Kelling que propõem a teoria de que a desordem
geral (põe exemplo, janelas quebradas em edifícios, lixo amontoado nas
ruas e falta de iluminação pública nas ruas) criam ambiente de desordem
social propício à delinquência. Eles agregam que mesmo os problemas
considerados pequenos como casas e edifícios abandonados, o grafitti e os
mendigos, criam um ambiente que fomenta a ocorrência de delitos mais
graves.
Sob essa ótica, um programa que aplica as leis de forma mais severa,
para os crimes ou comportamentos delituosos menos graves ( como, por
exemplo, o caso de mendicância em muitas cidades brasileiras, ou ainda a
perturbação da ordem através de dispositivos de som musical ligados em
alto volume em áreas residenciais) e que envolve todas as demais
instâncias sociais da administração pública, cada uma cuidando efetivamente
de suas competências, produz uma aparência mais seguras nas
comunidades e bairros, os moradores se sentem mais protegidos e há um
nível desejável de inibição para o crime nessas comunidades.
Numa variação da polícia de “janelas quebradas”, a estratégia
denominada “tolerância zero” impõe a prisão a maioria das infrações indicam
tal tipo de sanção, mas que comumente não e aplicada. Nesse caso, ao
invés de se utilizar de outras medidas tais como uma advertência, por
exemplo, ou mesmo “passar por cima” a infração penal, a polícia
efetivamente prende o infrator. Aqui, uma vez mais é importante que se
tenha em conta a legislação brasileira e as restrições nela imposta para a
prisão de qualquer cidadão. Isso, no entanto, não tem impedido, que velhas
e tradicionais praticas do tipo “detenção para averiguação” ainda seja
aplicada. (www.interbureau.org/reportagens/tolerancia.htm)

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