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Aula VIII - O sentido e o significado do poder e da política na era

global: a modernidade líquida segundo Zygmunt Bauman.

I – As profundas mudanças no sentido e no significado do espaço


social e do tempo histórico. A sociedade capitalista na era da
globalização econômica e política. 1

II – Zygmunt Bauman: a sociedade capitalista contemporânea ou


a era da modernidade líquida. 7

O sentido e o significado da modernidade líquida. 8


As novas questões sociais na era da modernidade líquida. 15

I – As profundas mudanças no sentido e no significa do espaço social e


do tempo histórico. A sociedade capitalista na era da globalização
econômica e política
“O mundo está atravessando uma mudança sem precedentes que, para
ser enfrentada, exigiria uma análise capaz de estar à altura das
dimensões inauditas dos novos fenômenos (...) Até algumas décadas
atrás, a civilização humana se desenvolveu ao redor de duas categorias
fundamentais da experiência individual e social: o espaço e o tempo. O
espaço do trabalho, da produção, da habitação; o tempo da vida, do
trabalho, das gerações. Espaço e tempo foram categorias constantes na
evolução humana, no nascimento e evolução da civilização ocidental (...)
Não é preciso muito esforço para constatar que atualmente as duas
categorias essenciais que estruturam o sentido da vida humana, o
espaço e o tempo, estão radicalmente modificadas, até ao ponto de
passar a ser insignificante todas derivações contidas nas terminologias
tradicionais. O tempo é atualmente o tempo “real” do imediato presente,
no qual toda temporalidade se concentra sem articulações em uma
espécie de presente infinito, sem vinculação com o antes e o depois.”
Pietro Barcellona, Passaggio d’epoca,
2011.
“Desregulamentação da circulação dos capitais, colapso do comunismo
e boom da eletrônica são os três eventos desencadeadores – econômico,
político e tecnológico – que nos últimos dez anos do século XX
permitiram um salto de qualidade na mundialização do capital,
fenômeno que havia começado a ser produzido com intensidade
progressivamente crescente desde o início da era moderna. O conjunto
de fenômenos que resulta destes eventos é o desenvolvimento de
algumas tendências já em curso e uma profunda modificação das
relações entre a economia e a política; mais ainda, tão nova e radical é a

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globalização – o nome que se dá para estes processos ainda in fieri – que
pode ser assumida como a palavra de ordem emblemática que qualifica
o fim do século (e provavelmente os próximos decênios), como o modo
da ação, da produção e da elaboração cultural que impregna e
determina todos os níveis de existência, isto é, como uma época.”
“A globalização é essencialmente, ruptura, ausência de limites,
deformação das geometrias políticas.”
“O nascimento da empresa transnacional marca o fim tendencial da
fábrica fordista e, ao mesmo tempo, de sua projeção multinacional, da
centralidade social e política das organizações operárias e do Estado
social. E é o fim da contenção do ilimitado no limitado, isto é, de um
dos pressupostos espaciais da política moderna, do comando da política
sobre a economia, ou ao menos da possibilidade de dar uma figura e
uma forma política aos espaços econômicos e sociais. A economia, tanto
a financeira como a produtiva, transpassa o espaço das fronteiras e das
formas vitais, e substitui a política na capacidade de conferir o sentido
do espaço, dando vida ao que agora se define como geoeconomia, na
qual o Estado constitui somente uma variável do processo econômico.
Portanto, a nova economia não é indiferente ao espaço em geral, mas
sim somente ao espaço moderno da política: mais ainda, organiza para
si, e de maneira inédita, os novos espaços.”
“Na era da globalização observamos o fenômeno da superação tanto dos
limites soberanos do conflito no espaço cerrado da política, quanto das
linhas de conflitos de classe não somente internas, mas também
internacionais, entre o Norte e o Sul do mundo, entre o primeiro e
terceiro mundo (...) As consequências políticas são evidentes. A
moderna centralidade do espaço do Estado está gravemente
pressionada – muito mais do que pelo fenômeno migratório – pela
“dispersão” do fenômeno econômico, e pelo fato de que atualmente
carece da forma que lhe dava a política; o primeiro e mais notório efeito
é a tendência ao esvaziamento do Estado social (contra o qual,
obviamente, reagem forças e interesses que estão vinculados com ele), a
diminuição da pressão distributiva do Estado sobre a sociedade e, por
fim, pela liberdade de “mobilidade” que possui o sujeito individual e sua
capacidade de produção (...) É como se a política se debilitasse, como se
o seu espaço resultasse mais exíguo e sutil, e como se as tarefas de
governo diminuíssem em quantidade e intensidade e fossem delegadas
ao mercado e aos sujeitos intermediários, em um trend que
progressivamente demoliu o big government do pós-segunda guerra
mundial.”
“A chamada “era do individualismo” manifesta o triunfo de uma
economia cuja potência transcende tanto os cálculos individuais,
quanto os racionais, e na qual é muito difícil reconhecer o moderno
universalismo do útil; nela o sujeito “livre” afirma a própria identidade
como “soberania do consumidor”, prescindindo do Estado, da nação ou
sociedade (e, portanto, não é o Estado, mas sim o mercado que ordena o
espaço da identificação indispensável para formação da identidade dos

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indivíduos), mas, ao mesmo tempo, o indivíduo também aparece como
um ser distante não somente da própria cultura (a alienação
contemporânea); vaga “livre”, mas inseguro e desorientado, atravessa
todos os limites e, simultaneamente, é atravessado por diversas formas
de exclusões.”
Carlo Galli, Spazi politici. L’età moderna e
l’età globale, 2001.

“Em geral, a essência da globalização é a “mobilização global”, um


conjunto intenso e caótico de processos que atravessa e abre todo
espaço delimitado. Mas a era global não se caracteriza somente por sua
espacialidade paradoxal, múltipla e polidimensional, mas também por
uma nova relação com a dimensão temporal: nela, os acontecimentos se
conectam não em forma consecutiva mas sim simultânea, e, portanto,
toda sucessão cronológica não é por si uma sucessão causal; o presente
não está determinado pela história e inclusive não tem uma estrutura
histórica propriamente dita, nem uma orientação progressista ou
projetista.”
Carlo Galli, Lo sguardo di Jano, 2008.

“O fator decisivo que está no centro do “poder global” é a economia de


mercado e o seu universalismo crescente. Após a queda do comunismo
e do “socialismo real”, as trocas mercantis foram difundidas em todos
os lugares da terra, gerando tanto uma distribuidora de riqueza, quanto
a criação da insegurança e do medo. A economia de mercado triunfa
nas mãos dos ricos, dos poderosos e dos opressores e, ao mesmo tempo,
alimenta a tragédia de milhões de pobres, de pessoas fragilizadas e
oprimidas, de verdadeiros e próprios escravos.”

“Trata-se de um fenômeno de opressão e de exploração cuja


responsabilidade maior pode ser imputada aos principais atores dos
países ocidentais, em primeiro lugar, aos Estados Unidos da América,
mas também, as elites econômicas e políticas mundiais, aos fundos de
investimento que atualmente administram um capital equivalente ao
PIB mundial, os meios de comunicação televisivos, aos escritórios de
advocacia e aos “mercadores do direito” com os seus maquiavelismo
jurídico, às empresas internacionais, aos mercenários militares e às
empresas de segurança privadas, aos especialistas em lobby próximos
aos grandes centros supranacionais do poder executivo.”

“O domínio do “poder global” é o resultado de um desenho que


poderosos sujeitos coletivos projetaram e realizaram conscientemente. É
o produto das estratégias criadas pelas maiores potências do planeta –
em primeiro lugar os Estados Unidos – e pelas instituições políticas e
econômicas internacionais por eles controladas. Estas políticas são
inspiradas em critérios como liberalização dos movimentos dos capitais,

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desregulação do mercado de trabalho, redução da intervenção dos
Estados em setores decisivos. No âmbito da saúde, da educação, da
previdência e da assistência o Estado deixa sempre mais espaço aos
interesses privados, após haver cancelado o chamado “direito ao
trabalho”.”

“Para as novas gerações o trabalho tornou-se um bem sempre mais


escasso, segmentado e “flexível”, também devido ao aumento da
concorrência nos países por um excesso de força de trabalho e por uma
escassa ou inexistente proteção dos direitos dos trabalhadores.”

“...o processo de globalização, promovido e sustentado pelas máximas


potências ocidentais, difundiu no mundo novas formas de medo. Trata-
se, obviamente, de medos coletivos, de difícil intepretação, que
requerem análises acuradíssimas, seja das raízes culturais nas quais
nascem, seja dos contextos nacionais e internacionais nas quais se
exprimem (...) Limitarei a sustentar que nas últimas décadas do século
XX o fenômeno do medo coletivo não é presente apenas nos países
ocidentais, mas golpeia também as áreas mais pobres do mundo, a
começar pelo continente americano, para chegar ao continente asiático,
após atravessar a África inteira. O tema central destas páginas é a
difusão de “medos globais”, existentes e difundidos em uma larga parte
do mundo por um “poder global”.

“A fragmentação do tecido social ameaça à coesão da sociedade civil,


debilita o senso de pertença, alimenta a criminalidade e a corrupção,
difunde o uso das drogas e do álcool entre os jovens mais frágeis e
inseguros. É daqui que nasce a insegurança e o crescente medo das
novas gerações, não mais em condições de proteger o futuro da própria
vida e de prevê-la minimamente. São problemas que ocorrem em um
quadro do desordem social, de insegurança e de desorientação. A
grande maioria da população é investida por um sentimento geral de
impotência e por uma espécie de depressão antropológica.”

“A situação é profundamente agravada – sustentou Luigi Ferrajoli – pelo


uso demagógico do direito e da justiça penal por parte de quem se
encontra nos vértices do poder. O objetivo explícito é a difusão do medo,
utilizada pelas elites políticas como a fonte principal do consenso
eleitoral. Na Itália, como de resto em quase todos os países ocidentais,
foi difundido e estabilizado um profundo senso de insegurança. O que
se deve também aos instrumentos de comunicação de massa: dos
jornais escritos aos televisivos, da publicidade comercial até a
“revolução da informática”, em todas as formas encontramos uma
verdadeira e própria “máquina do medo” subliminal, que procura
manipular pulsões repressivas presentes na sociedade, e que o jurista
francês Denis Salas chamou por “populismo penal”.”

“Os estrangeiros – proveniente de qualquer parte do mundo – são


individuados como objetos de campanha moralista que incita os

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cidadãos para efetuar uma mobilização geral pela defesa dos valores
próprios do país. A manifestação política que enfatiza e dramatiza a
insegurança social, vertida em seguida no elemento fundamental da
fábrica do medo, confirma também neste caso o estreitíssimo nexo entre
o medo e o poder.”

Danilo Zolo, Sulla Paura. Fragilità,


aggressività, potere, 2011.

“As razões das crises são múltiplas: a incapacidade de introdução,


sobretudo ao nível supra e internacional, das garantias sejam as
primárias, sejam secundárias, dos direitos estabelecidos em tantas
cartas e convenções, bem como de funções e instituições de garantias a
altura dos novos poderes e dos novos problemas globais; o fato de que a
política nunca aceitou realmente a sua sujeição ao direito; a perda da
memória das tragédias do passado e daqueles “nunca mais” que no final
da segunda guerra mundial que originaram o novo constitucionalismo
democrático; os processos de desregulamentação e de redução do papel
do governo e das garantias da esfera pública que, ao mesmo tempo,
como em uma espiral, são a causa e o efeito induzidos pelas crises
econômicas. É precisamente a crise econômica em ação em todos os
países do Ocidente capitalista, gerada pela desregulamentação das
finanças, o principal fator hodierno da crise da democracia.”
Luigi Ferrajoli, Dei diritti e delle garanzie,
2013.
“Creio que o descrédito dos partidos, o desenvolvimento da antipolítica,
do populismo e do qualquer um (qualunquismo: movimento fundado em
1944 por Guglielmo Giannini, organizador do jornal O homem qualquer,
que confrontava asperamente os partidos políticos tradicionais e
defendia uma gestão tecnocrata e não ideológica do poder) derivam,
sobretudo, de dois fatores. Em primeiro lugar está vinculado com a
percepção, infelizmente fundada, de um papel substancialmente
parasitário da política com relação à economia. Política e direito foram
submetidas aos mercados, contradizendo um princípio elementar da
gramática jurídica: o exercício dos direitos civis de autonomia
particulares do mercado se coloca sempre, na hierarquia das fontes, em
um nível mais baixo da lei e, mais ainda, da Constituição. É o princípio
previsto nos artigos 41-43 da Constituição italiana: que não são normas
estatistas ou pior soviéticas, como disse Berlusconi, mas princípios que
refletem a razão de ser do Estado moderno, o qual nasce como esfera
pública separada, heterônoma e supraextraordinária com relação às
esferas privadas e autônomas do mercado. Foi sobre a base deste
modelo constitucional dirigista que se desenvolveu nos primeiros 35
anos do pós-guerra uma política econômica e social intervencionista – o
governo político da economia e a construção do Estado social.

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Posteriormente, após este modelo ser derrubado pelo Tratado de
Maastricht, ocorre o decrescimento econômico, sob a bandeira da
impotência da política e do papel, confiado ao mercado, de restringir
todas as despesas sociais”.
“O segundo fator de descrédito da política é determinado pelos
privilégios dos políticos e da má gestão da coisa pública (...) A classe
política é percebida como uma casta, em grande parte corrupta,
condicionada pelos financiamentos indevidos e em perpétuo conflito de
interesses com os próprios concidadãos. E os políticos são vistos como
os responsáveis pelos cortes e pelas políticas econômicas recessivas
impostas pela Europa e pelos mercados globais, políticas que se
revelaram ineficazes e falimentares, pois não resolveram os problemas
contidos nas crises, ao contrário, ela provocaram e agravaram as crises.
Estas políticas determinaram um crescimento da desigualdade, que é o
principal fator das crises econômicas, como uma espiral: de um lado,
provocaram o crescimento da pobreza e, portanto, uma restrição da
demanda de bens e de serviços, com a consequente contração dos
investimentos e a redução do emprego e, logicamente, um novo
aumento da pobreza; por outro, o crescimento da riqueza obtido menos
pela conveniência dos investimentos produtivos e muito mais pela
rentável especulação financeira. Bastaria muito menos para produzir o
atual e generalizado descrédito da política.”
Luigi Ferrajoli, Dei diritti e delle garanzie,
2013.z

“A exaltação dos interesses individuais se conjuga com a lógica do


inimigo e do medo, manifestando-se na mobilização agressiva e
rancorosa de todos os egoísmos sociais – contra o Sul, contra os
imigrantes, contra os marginalizados – e dando lugar aos conflitos
identitários de tipo classista ou racista. É claro que a indiferença dos
cidadãos pelos interesses gerais e o isolamento nos seus interesses
privados formam o melhor terreno da cultura da passividade política e,
com ela, do populismo e da cultura do líder (capo) (...) É o que está
acontecendo na Itália, por um lado, com a queda da instrução pública e
com a crescente ignorância provocada pelos cortes nas escolas e na
universidade e, por outro, com a difusão do medo, da instigação ao ódio
e ao racismo, da desvalorização da esfera pública e dos valores civis da
igualdade e da solidariedade postas em ação cotidiana pela televisão
com sua pedagogia incivil e com as campanhas políticas por segurança.
Ignorância e medo, egoísmos antissociais e desinteresse pela política
são pressupostos da guinada autoritária, entre outros.”
Luigi Ferrajoli, Poteri selvaggi, 2011.

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II – Zygmunt Bauman: a sociedade capitalista contemporânea ou a era
da modernidade líquida.

“...todas as formas de vida social têm procurado reconciliar segurança e


liberdade, sem sombra de dúvida, os dois valores centrais da vida
humana (...) Creio que atualmente está lenta e inexoravelmente sendo
desfeita a tríade “certeza - segurança coletiva - certeza pessoal”. Em
particular, os primeiros dois elementos da tríade são deteriorados
velozmente, se bem que a ânsia e o senso de precariedade produzidos
tendem a alcançar também a dimensão da “segurança pessoal”. Muitas
das expectativas da sociedade da certeza, desenvolvidas no curso da
história moderna (antes de tudo a segurança coletiva do Estado, para
tutelar o indivíduo) são anuladas, canceladas, destruídas, invalidadas.
Isso ocorre em nome do aumento, no passado nunca tão intenso, das
liberdades individuais no âmbito da escolha e da afirmação subjetiva
(...) Atualmente a ausência de segurança coletiva é evidente e cada um
de nós deve aumentar o conhecimento e a destreza até alcançar a
fadiga, como se estivesse patinando em uma fina camada de gelo, sem
nenhuma proteção, a não ser aquela oferecida pelos serviços pagos para
socorrer em caso de afogamento. Tal circunstância aumenta o medo e a
ansiedade, que acabam por gerar traumas nos sujeitos e,
paralelamente, fomentam sentimentos xenófobos e neotribais em larga
escala. Estes são tipos de mal-estar próprios da fase “líquida” da
modernidade.”

“Brevemente, podemos dizer que dois eventos chaves têm privado a


sociologia do seu objeto de análise tradicional. Primeiro, o divórcio entre
o poder e a política: as reais forças em ação operam em um nível global
que supera em grande medida os limites territoriais do Estado nacional,
enquanto as nações e todas aquelas instituições políticas produzidas e
criadas na história moderna continuam a sobreviver, como têm sempre
feito, confinadas no espaço da sua soberania nominal. Segundo, um
grande número de problemas sociais, que outrora eram geridos pelo
Estado, foge dia após dia do seu controle. Homens e mulheres, e cito
aqui novamente Beck, são constrangidos a procurar soluções
individuais às questões produzidas socialmente (...) os problemas que
chamam a atenção do sociólogo nunca foram tão numerosos, amplos,
ricos, em conteúdo e, ao final de sua exploração e mapeamento, podem
ser descritos como territórios virgens, como aquelas zonas inexploradas
como os mapas dos pioneiros. É propriamente por isso, nunca como
hoje, o desafio que se situa perante os nossos olhos são emocionantes e
excitantes.”

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Z. Bauman, La sociologia di fronte ad uma
nuova condizione umana, 2000.

O sentido e o significado da modernidade líquida.

A expressão modernidade líquida é a categoria sociológica criada


por Bauman para dotar de sentido e significado uma nova fase e forma
da modernidade iniciada nos anos 80 do século XX, na qual o modo de
produção capitalista produz um novo processo civilizatório e uma nova
condição humana. A expressão designa uma profunda mutação
econômica, política, social e antropológica na modernidade e na
sociedade capitalista:

1) a “modernização compulsiva e obsessiva”. A aceleração social do


dinamismo e da racionalização de todos os espaços sociais:

a) o livre mercado, a desregulamentação política da economia e


das ações das forças de mercado, o mundo-mercado.

b) o mercado global e o acirramento da competição e da


concorrência entre os sujeitos e as forças econômicas.

c) a destruição dos vínculos de pertencimento e o


hiperindividualismo: a fragmentação da sociedade, os estímulos
sociais para a plena aceitação da forma de vida do indivíduo
atomizado, narcísico, egocêntrico, egoísta.

d) o estímulo ao crescimento econômico: maior eficiência e


eficácia, desempenho e produtividade.

e) a construção social do indivíduo consumista e hiper-hedonista,


a vida voltada ao consumo (aos prazeres primários e imediatos).

f) a construção social da compulsão pelo novo.

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g) a construção social da compulsão pela acumulação da posse
material (de renda, recursos, bens) e expansão do prestígio e do
poder: os novos senhores do mundo e do universo.

2) o aumento do prestígio e do poder das grandes indústrias (sobretudo,


das companhias transnacionais) e do capital financeiro em dominar à
política (as forças sociais dos sindicatos e políticas dos partidos políticos
que representavam sujeitos e classes coletivas organizadas), os poderes
políticos do Estado nacional (sobretudo, o poder executivo,
neutralizando os poderes legislativos e judiciários).

3) o neoliberalismo e a conquista da hegemonia cultural:

a) a força do pensamento econômico de Hayek (A constituição da


liberdade e Direito, legislação e liberdade), em avaliar
negativamente a justiça social politicamente realizada no Estado
Social como a crença em um “milagre” que, no seu curso, geraria
o “milagre nefasto” da democracia totalitária: que em nome de
uma ideia abstrata de bem-estar coletivo o governo, o Estado,
acabava por golpear mortalmente a liberdade do indivíduo,
dominando seu corpo e mente.

b) a força do pensamento econômico de Hayek em exaltar o


mercado como autorregulado e virtuoso, no qual o indivíduo livre
pode competir com os demais e demonstrar o seu verdadeiro
mérito como criador e inventor, produtor de riquezas. O mercado
é o espaço social no qual a justiça ocorre através da livre
competição, da autoconstrução da pessoa sem a interferência da
política e dos políticos. A ideia de justiça de mercado era
contraposta ao conceito da justiça social, o elemento fundamental
da democracia moderna, do Estado Social.

c) para Hayek, o mercado quanto mais for autorregulado,


funcionando pelo princípio da livre concorrência entre a demanda
e a oferta, e por ser uma expressão espontânea, natural, garante
a plena liberdade de todos os indivíduos, que poderão agir para o

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proveito próprio e contribuindo para o aumento da riqueza social.
Logo, para que o mercado funcione e produza a riqueza social e
garanta a liberdade do indivíduo, é preciso que se afaste do
Estado, do parlamento, da política, dos partidos que agem sempre
em proveito daqueles que os elegeram.

4) o poder do capital industrial e financeiro em difundir os valores e os


princípios do neoliberalismo nos mais diversos países e culturas,
civilizações e religiões, através de fundações, instituições, meios de
comunicação, indústria cultural, Think Tanks, produzindo um discurso
econômico, político e cultural persuasivo e unidimensional:

a) a defesa da ordem social existente formada por indivíduos, livre


mercado e democracia representativa.

b) a virtuosidade imanente do livre mercado.

c) os benefícios da livre competição e da concorrência.

d) a máxima redução do papel do Estado na economia e na


sociedade.

e) a privatização das empresas e dos bens públicos.

f) a liberdade negativa:

- a ênfase no desejo privado e na libertação da ação de todo


e qualquer ator dos vínculos com o passado histórico, com
as forças sociais e políticas e, sobretudo, com o Estado-
nação.

- o primado do indivíduo, do individualismo proprietário e a


profunda alteração do senso da vida pessoal e da vida
social: o abandono dos valores e ideais da modernidade
(razão, verdade, progresso, senso da história, revolução,
emancipação humana, emancipação universal, Estado);

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- as gigantescas transformações sociais e psicológicas no
modo de pensar, perceber e agir no mundo: o indivíduo
livre, soberano senhor de si, tutor de si mesmo e
desvinculado dos organismos coletivos criados na
modernidade: sindicato, partido, classe, nação, Estado.

- a afirmação do conceito de identidade pessoal a ser


construído pelo próprio eu que deve agir efetuado
dissociações sistemáticas: libertando-se das imposições e
dos imperativos coletivos que sacrificavam a liberdade
individual, o novo indivíduo deve ser capaz de assumir o
pleno controle de si e experimentar, por si e para si mesmo,
sempre novas possibilidades de vida.

g) a avaliação do ser humano como um indivíduo e como um


capital humano (empreendedor de si mesmo e autorresponsável
pelas suas escolhas e ações, livre para escolher o que quiser para
si na educação, na saúde, no trabalho, na moral, na previdência,
etc.)

h) o indivíduo desprovido de vínculos, obrigações, deveres.

i) o mérito pessoal.

j) o fim das políticas de redistribuição da renda (keynesianismo).

k) a governance: a austeridade fiscal, o controle da inflação, a


privatização.

l) o desmantelamento, esvaziamento do Estado social: a


destruição dos acordos e compromissos que possibilitaram a
existência da democracia moderna:

- o sistema de proteção e segurança social; a relativa


igualdade de oportunidades para os indivíduos e cidadãos
(escola, saúde, transporte público, etc.).

- a participação dos sindicatos e dos partidos dos


trabalhadores na gestão da fábrica e do Estado.
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- o reconhecimento do trabalho como direito fundamental.

- a alternância da condução política nas eleições através da


disputa entre os diversos projetos políticos nacionais.

n) a avaliação do Estado Social como sendo oneroso para os


indivíduos, os cidadãos e as empresas e, sobretudo, moralmente
ilegítimo: beneficia aqueles que não são produtivos e penaliza as
pessoas e os sujeitos econômicos que são produtivos, geram
riquezas, criam novas invenções, descobrem novas técnicas
através do seu trabalho e esforço.

o) a avaliação da ordem e da “tolerância zero” para os desvios de


conduta, irresponsabilidades, crimes de rua, delinquência,
prostituição, etc.

p) a generalização do “espírito de empresa”, do empreendedor


autônomo e independente: a conduta humana que visa maximizar
a si mesma; produzir e acumular a quantidade sempre maior
quantidade de rendas, recursos e capitais (materiais e imateriais);
a mentalidade econômica desprovida de valores e vínculos sociais;
a racionalidade instrumental que visa obter benefícios e
minimizar custos, adequar os meios aos fins;

5) o colapso da ideia de sociedade, o esvaziamento da coletividade e da


solidariedade em detrimento do indivíduo e da competição, da
neutralização do valor da sociedade e a potencialização do valor do
mercado. A força da revolução liberal nos países anglo-saxões iniciada
nos governos de Ronald Reagan e Margaret Thatcher:

- “O governo não é a solução do nosso problema. O governo é o


problema.” (Ronald Reagan, Inaugural Address, 20/01/1981)

- “Não há alternativa.” (“There is no alternative” foi um slogan


político usado por Thatcher na década de 80, transformando no
acrônimo TINA)

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- “Não existe uma coisa chamada sociedade: existem apenas
indivíduos, homens e mulheres, e existem famílias. E nenhum
governo pode fazer algo exceto através do povo e o povo deve
pensar por si mesmo. É nosso dever cuidar de nós mesmos e
depois cuidar dos outros.” (Margaret Thatcher, Interview. In
Woman’s Own, 23/09/1987)

- “Temos sorte de que, graças à globalização, as decisões políticas


nos EUA foram amplamente substituída pelas forças do mercado
global. Deixando de lado a segurança nacional, quase não faz
diferença quem será o próximo presidente. O mundo é governado
pelas forças de mercado.” (Alan Greespan, Entrevista. In Zürcher
Tages-Anzeiger, 19.09.2007)

6) Modernidade líquida é uma tentativa de dotar de significado e sentido


sociológico um conjunto de dinâmicas e processos sociais que geraram
mudanças profundas na condição humana, nas ações e relações
sociais, nas organizações e instituições sociais, dentre elas:

a) a ruptura das forças sociais hegemônicas com os valores da


modernidade:

- a segurança pessoal e coletiva: as relações sociais


estandardizadas e rotinizadas na casa e nas gerações, no
trabalho e na produção; os direitos sociais fundamentais.

- a identidade coletiva: o senso de pertencimento aos grupos


e classes sociais, ao Estado-nação.

- a avaliação da ciência e da técnica como forças criadoras


de bem-estar, progresso e felicidade: capazes de
compreender e dominar a natureza, produzir a abundância,
gerar a condição material para edificação de sociedade
equilibrada e racional, capaz de beneficiar um conjunto
sempre maior de pessoas e cidadãos.

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- a modernização e o progresso como meta de
aperfeiçoamento da sociedade e do Estado-nação.

b) a aceleração do ritmo das transformações sociais reduz a


possibilidade objetiva da durabilidade, da continuidade, da
rotinização de comportamentos, mentalidades e hábitos sociais. A
forma líquida expressa a condição humana e a situação social na
qual tudo e todos podem ser rapidamente modificados em suas
formas de existência concreta e objetiva. Modernidade líquida,
portanto, denomina um novo período histórico e uma nova
formação social, no qual a junção e o nexo, a liga e a conexão
podem ser velozmente dissolvidas, forçadas a deixar se ser o que
eram, a movimentarem-se em direção de uma forma nova e para
algo novo, inaudito, desconhecido.

c) a era da crise permanente, da incerteza e insegurança, do medo


e da angústia, da ansiedade e da instabilidade, da
imprevisibilidade total e global: a era da crise da modernidade, do
Estado, da democracia, da economia, da moral, etc. A era da crise
permanente expressa uma formação social extremamente
dinâmica e volátil, nas qual as formas e os conteúdos das
identidades, dos relacionamentos, das organizações, das
instituições, em uma palavra, do ser humano às estruturas
podem ser decompostas e, posteriormente, recompostas
rapidamente.

d) os processos sociais (econômicos, políticos, culturais) de


desregulamentação e desterritorialização, de despolitização e
desnacionalização geraram a realidade social dinâmica e
alternável, na qual todas as formas de identidade e representação,
organização e instituição social apresentam para Bauman uma
“coesão interna mínima”:

e) os vínculos, os acordos, os contratos são realizados


pontualmente e são baseados em interesses particulares e

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avaliados pelo critério único da racionalidade instrumental e do
mercado: o custo e o benefício, a eficiência e a eficácia, a
produtividade e o desempenho, a execução criativa e inventiva do
trabalho e a resiliência.

f) a durabilidade dos vínculos, acordos e contratos é sempre mais


breve, transitória, efêmera: a ruptura dos vínculos não gera
culpa, dor na consciência, mal-estar psíquico, remorso. O
indivíduo atomizado (o novo processo de atomização social) deve
ser capaz autonomamente de entrar e sair, estar conectado e
desconectar-se de todo tipo de vínculo social, deve ser flexível,
plural, híbrido, diverso, capaz de refazer a si mesmo emotiva,
psíquica e racionalmente conforme as exigências e os imperativos
das forças sociais hegemônicas no tempo presente.

As novas questões sociais na era da modernidade líquida.

A força do capitalismo globalizado em promover dinâmicas


econômicas, políticas e culturais que produziram em escala global uma
nova ordem social:

1) A separação entre o poder e a política.

a) o poder é a capacidade de exercitar o comando, de ordenar, de


movimentar e está situado fora do território nacional: a
capacidade subjetiva das forças sociais hegemônicas em impor
seus interesses aos Estados nacionais, forçando mudanças nos
valores e nos princípios sociais, nas leis e nas constituições, nas
formas de vida e na cultura.

b) a política é a capacidade de tomar decisões, de criar algo e está


situada dentro do território nacional e sempre mais incapaz de
estabelecer relações de força com as forças sociais transnacionais,
internacionais (a porosidade das fronteiras, a força dos fluxos de

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capitais, migratórios, especulação financeira, ações do crime
organizado, etc.).

c) a supressão na ordem social da mediação política e social entre


os indivíduos e o mercado; a despolitização de massa e a atrofia
da importância da liberdade positiva; a hipertrofia da liberdade
negativa e particular.

d) a generalização do modelo de competição sempre exigente e


extrema em todos os espaços sociais tende a gerar a construção
social do eu egocêntrico e narcisista, do hiperindividualismo.

e) a construção social da avaliação social dos indivíduos


empreendedores e produtivos criativos (eficientes, eficazes) como
vencedores (winners) ou incapazes e improdutivos como
perdedores (losers).

2) O triunfo do privado sobre o público, do particular sobre o universal.

A dinâmica social que gera a contínua supremacia do oikos sobre


a agora (vida espiritual e política), do oikos (significa casa, ambiente
particular em que se vive) sobre a ecclesia (assembleia popular) efetua a
inexistência do projeto político consensual sobre o senso da vida
comum. Os processos sociais que desertificaram a ágora e o extremo
aumento de importância do oikos, geram os seguintes problemas
sociais:

a) a ágora é esvaziada da vida coletiva (ecclesia) e ocupada pelos


interesses particulares (oikos). A crescente distorção do sentido da
vida pública e da compreensão dos deveres dos indivíduos para
com a sociedade.

b) o espaço público, desertificado do sentido comum, é


transformado em uma terra de exibicionismo de riqueza e poder
particular.

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c) a ruptura do tecido social pela competição extrema: a
neutralização da consciência de classe; o esvaziamento das
identidades coletivas; a fragmentação das identidades
particulares.

d) o sentido do tempo histórico foi esvaziado e desprovido de


sentido substancial e de certezas, de segurança e orientação, de
vínculos entre as pessoas e as gerações, de senso de
pertencimento e orientação.
e) os estímulos ao hiperconsumismo e o hiper-hedonismo.

3) A lógica do TINA (There is no alternative) da ideologia do pensamento


único.

a) a construção social do consenso da redução do tamanho, da


despesa, dos gastos do Estado.

b) a força do “pensamento único” que se transformou em doxa


(ideia que norteia nossa ação, mas que não é submetida à reflexão
e, sobretudo, ao pensamento crítico acerca das suas
autoafirmações e convicções, valores e ideais), e que
hegemonicamente impôs determinadas ideologias revestidas na
forma de verdade absoluta:

c) a afirmação sofística da necessária reformulação das


constituições nacionais (diagnosticadas como sendo obsoletas,
jurássicas, envelhecidas, ineficazes, improdutivas) e aplicação da
desregulamentação dos acordos e valores construídos no pós-
guerra e vigentes no Estado Social.

d) a afirmação sofística da ineficácia de ação o poder público e a


eficácia inerente das forças do mercado: a contínua transferência
das responsabilidades do Estado para a iniciativa privada.

4) A destruição do Estado social.

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Para Bauman, o esvaziamento do Estado Social e a transferência
da responsabilidade pública para as forças do mercado – e a
consequente privatização e mercantilização dos espaços e patrimônio
público – geraram os seguintes efeitos sociais:

a) a desnacionalização de massa: a decomposição do senso cívico


(do senso moral, histórico e político), da comunidade nacional de
destino, do senso de pertencimento e a generalização da forma de
vida do hiperindividualismo (o indivíduo livre e autônomo que
deve construir a si mesmo segundo seus desejos, gostos, vontades
particulares).

b) o crescente desinteresse por parte do público nos confrontos


com as instituições públicas: a difusa apatia do público para com
a política.

c) a capacidade do neoliberalismo em transformar os serviços e as


funções públicas em novos meios de produção e extração de
mais-valor: a monetarização da educação e da formação; da
saúde, do corpo e da mente; da previdência, dos presídios, das
comunicações.

5) A transformação do Estado social em Estado penal.

A força da ideologia da política de “tolerância zero” (criada nos


Estados Unidos na cidade de Nova York por Rudolph Giuliani) para os
delitos de rua; o aumento do número de pessoas encarceradas; o
aumento do tempo de encarceramento; as prisões privadas.

Os diversos laboratórios do poder e da política:

a) o pensamento único (TINA) na economia: austeridade, controle


da inflação, desregulamentações, a internacionalização da
economia.

b) o pensamento único na política: a ausência de projetos


políticos nacionais; as sucessivas reformas nas constituições
nacionais; a neutralização dos poderes legislativos e judiciários; a

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personalização da política; a destruição dos partidos políticos
orgânicos (não existem como estruturas políticas, como criadores
de programas políticos meditados e que envolvam os tempos
históricos do passado e do futuro, como tradutores da realidade
social e educadores das massas); a política subordinada às forças
econômicas hegemônicas; a política que visa obter o consenso
através do marketing eleitoral.

c) o aumento do tempo de detenção dos crimes de rua e a


expansão vertiginosa do sistema carcerário: o “populismo penal”.

d) os espaços políticos de campos de detenção e expulsão dos


imigrantes sem documentos de estada.

e) as sucessivas crises econômicas, políticas e sociais: a crise


como um estado permanente.

f) a política do medo e da insegurança: os diversos


empreendedores do medo e da angústia, do ódio e da raiva, da
vontade de punição e violência dirigida aos bodes expiatórios.
6) A era das crises ou do interregno.

A invisibilidade, a contingência, a indeterminação do senso do


presente e da realidade social. A utilização da categoria interregno de
Antonio Gramsci (“Passado e presente”. In Cadernos do Cárcere) para
descrever a passagem de época na qual coexiste o “não mais” e o “não
ainda”:

“A crise consiste no fato de que o velho morre e o novo não


pode nascer: neste interregno se verificam os fenômenos
morbosos mais variados.”

É fundamental o esforço do pensamento em compreender e dotar


de sentido a crise permanente, plural, difusa, ubíqua, que movimenta e
transforma a realidade social produzindo:

- a construção social da apatia política.

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- a construção social do hiperconsumismo e do hedonismo sem
fim.

- a construção social da ignorância histórica e política.

- a construção social do egoísmo.

- a construção social da desilusão e da raiva, da ira e do ódio: a


proliferação das paixões tristes.

- a construção social da política da desordem, da desordem


conscientemente produzida.

- o paradoxo da política e do político que não governa ou que


governa não governando.

- o fantástico sucesso das classes dominantes em obter a


hegemonia cultural e política através do uso permanente dos
meios de comunicação digitais.

- as lutas de classes (no plural, diversas, que envolvem I) o capital


móvel e o trabalho flexível e precário, II) os cidadãos e os
imigrantes; III) os trabalhadores pobres e os trabalhadores ainda
mais pobres (migrantes); IV) a maioria e as minorias (no sexo, no
gênero, nos valores); V) as lutas de não-reconhecimento do
diverso, do novo.

- os espaços de exceção, os novos campos de concentração para


refugiados, a guerra como resolução dos conflitos econômicos e
políticos.

- a estado permanente de desorientação, instabilidade, incerteza.

- o “retorno” da figura do “homem salvador”, do “condutor das


massas”, do líder: a personificação da política.

- os riscos da condição humana na era da pós-democracia: a


construção da figura do inimigo interno e externo; as paixões
tristes como substância da política do medo; a negação da ideia

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de gênero humano; o autoritarismo da lei do mais forte; as
misérias e tragédias humanas da fome, das doenças, das guerras.

7) O capital móvel e global e o trabalho flexível.

A era global está assentada na contínua aceleração os processos


de produção, distribuição, troca e consumo de mercadorias em todo o
mundo, mas que produz ao mesmo tempo o efeitos sociais
devastadores:

a) o trabalho flexível e precário e informal.

b) a desindustrialização na Europa e nos EUA: o desemprego em


massa.

c) a desurbanização das cidades e dos estados, a queda da


arrecadação dos impostos, a deterioração das políticas e dos
serviços públicas.

d) o mercado global: a mobilização global de recursos e


oportunidades efetuada pelas grandes companhias transnacionais
(e suas aliadas no mercado local) gera a concentração da renda e
do poder; a generalização do trabalho flexível e precário.

e) a incapacidade de pequenos e médios produtores em competir


com as grandes empresas transnacionais e a consequente
expulsão do mercado.

f) a compra de terras (para agricultura, mineração, pecuária), de


imóveis urbanos (para especulação imobiliária) gera o aumento da
imigração interna e internacional.

g) a imigração de massa para os países nos quais o capital está


em expansão gera os conflitos entre os trabalhadores e cidadãos
autóctones e os imigrantes: a proliferação do racismo e da
xenofobia, do raiva e do ódio ao estranho e imigrante.

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8) A força hegemônica do capitalismo financeiro: o fenômeno do
endividamento pessoal e familiar, privado e público; a vida precária e
endividada.

9) As desigualdades de renda, recursos e oportunidades sempre


maiores entre as pessoas e as classes sociais: a sempre maior
polarização da riqueza e acúmulo de capitais em poucas pessoas; a
dramática queda do nível de vida das pessoas comuns; a construção
social de pessoas incapazes de competir economicamente e
desnecessárias ao processo produtivo (o aumento das exclusões e
marginalidades sociais).

10) as migrações: o impacto emotivo e cognitivo causado pelo


desembarque de milhares de pessoas pobres provenientes da África e do
Oriente Médio; a transformação radical de países que produziram
imigrantes para países que recebem imigrantes; a imigração “de cor” e
de outra manifestação religiosa.

11) O sentido do mal-estar na modernidade líquida: é oriundo do estado


social no qual a escolha é sempre mais individual, aumento dos riscos,
perante problemas que são cada vez mais complexos, desconhecidos e
cujos efeitos são cada vez mais devastadores. Aumento da
desorientação gera a dilatação da angústia e do medo perante as
incertezas pessoais.

12) os espaços de exceção: os novos campos de confinamento,


detenção, concentração criados na Europa para confinar os imigrantes
sem documento de estada, os indesejados, as pessoas desnecessárias;
os hotspots criados pelos europeus na Líbia, Turquia, etc., para impedir
a chegada de novos fluxos migratórios.

13) o imigrante transformado em inimigo e bode expiatório pelo


populismo contemporâneo: a identificação do imigrante estranho e
outro; perigoso e enfermo, aproveitador e terrorista. A construção
política do racismo e da xenofobia, do medo de contágio e da invasão de

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imigrantes: a difusão da política do medo, da intolerância, da raiva e do
ódio na década de 1990 e o sucesso eleitoral no século XXI.

Bauman argumenta que uma diferença substancial entre o


modus vivendi na sociedade moderna e na sociedade da pós-
modernidade e na sociedade global está na questão do perigo e do risco.
A sociedade moderna foi constituída com o desejo de enfrentar os
perigos que ameaçavam a espécie humana e o desenvolvimento de suas
potencialidades; perigo implicava em tornar alguma coisa compreensível
– retirando-a do estado da indeterminação e do acaso –, e tornando-a
possível de ser enfrentada e/ou dominada mediante a previsibilidade
dos seus efeitos. Logo, perigo implicava no conhecimento da existência
de uma força e na busca científica em alcançar a previsibilidade e da
proteção dos seus efeitos. A noção de risco, própria da era global,
implica em uma força ainda desconhecida e que não pode ser
controlada, bem como os seus efeitos são imprevisíveis. A diferença
entre perigo e risco:

Perigo: implica na visibilidade e identificação da existência de


elementos e forças que causam ameaça e medo, na compreensão
da sua natureza e na procura racional da sua contenção dos seus
efeitos mediante o conhecimento da previsibilidade e dos meios de
controle, bem como, de experiências acumuladas com o tempo
histórico.

Risco: implica na invisibilidade dos elementos e forças que


causam medo, insegurança, temor, angústia mediante a não
compreensão dos motivos dos seus efeitos e da fragilidade da
racionalidade em alcançar previsibilidade e controle.

As profundas mudanças no sentido do poder e da política, das


experiências, identidades pessoais e coletivas e o alargamento do
território da história na modernidade líquida (as potências e forças
globais; o fantástico desenvolvimento das tecnologias de comunicação e
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informação; o avassalador progresso dos meios de transporte de
mercadorias e pessoas; os distintos fluxos que correm a densidade da
fronteira nacional e modificam o espaço local; o mercado mundial de
consumo de mercadorias globais; a voracidade de extração de valor)
criam profundos desafios para o pensamento sociológico e sua tarefa de
dotá-los de sentido e significado.

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