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CAMPUS BUTANTÃ
SÃO PAULO
2021
EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ FEDERAL DA 1ª VARA DA
SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA
REQUERENTE: ALBERTO
REQUERIDA: PATRÍCIA
INTERESSADO: PIERLUIGI
ALBERTO, italiano, solteiro (...), vem, respeitosamente perante Vossa Excelência, por
intermédio dos seus advogados, propor a presente AÇÃO CAUTELAR DE BUSCA,
APREENSÃO E RESTITUIÇÃO DO MENOR COM PEDIDO DE TUTELA DE
URGÊNCIA, em face de PATRÍCIA, brasileira, solteira (...), pelas razões de fato e de direito
delineadas a seguir.
1. SÍNTESE FÁTICO-PROCESSUAL
Em maio de 2007, o casal teve seu único filho, Pierluigi, nascido na Itália e devidamente
registrado no Consulado brasileiro em Milão.
Em 2013, o casamento se dissolveu pelo divórcio do casal, em que foi atribuído a guarda
compartilhada de Pierluigi.
Em 2016, com dificuldades de se manter na Itália, Patrícia volta ao Brasil. Nesta ocasião,
tribunais italianos atribuíram a guarda da criança ao pai, Alberto, mas determinaram a
possibilidade de o menor passar as férias de verão com a mãe, no Brasil, e de pelo menos duas
semanas com a mãe quando esta viajasse à Itália para visitar o filho.
Em janeiro de 2020, Patrícia recebe uma ligação de Alberto, que comunica que Pierluigi está
se consultando em uma psicóloga, por orientação da escola, uma vez que, aos 13 anos, começou
a demonstrar ações e comportamentos que indicavam desconformidade de gênero. Alberto
completou dizendo que iria seguir as instruções dos profissionais de saúde e a vontade
adolescente e, por isso, já estavam sendo agendados exames para preparar Pierluigi para sua
transição assim que ele voltasse de férias de verão no Brasil.
Patrícia se opõe fortemente ao planejamento de Alberto e diz que quer levar o filho ao médico
no Brasil, para obter opiniões. Alberto diz que deve ser feito o melhor para o filho deles e não
se opõe a que a mãe faça isso durante o período de férias no Brasil.
Ainda com quadro pandêmico não controlado, Alberto autoriza a ida de Pierluigi ao Brasil de
2 de julho a 16 de agosto de 2020.
Patrícia com as informações que recebera no início do ano e com o comportamento do filho,
decide não o mandar de volta na data prevista, mantendo-o no Brasil. Em seguida, leva o menor
para um profissional no Basil a fim de reverter seus trejeitos que demonstram desconformidade
de gênero.
Alberto aciona a Autoridade Central italiana para a Convenção sobre os Aspectos Civis do
Sequestro Internacional de Crianças de Haia (1980), comunicando a possível retenção do menor
no Brasil pela genitora ao Dipartimento per la giustizia minorile e di comunità para solicitar
um pedido de cooperação jurídica internacional.
A Ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos declarou à impressa à época que o
Ministério faria de tudo para proteger a família brasileira e o menor, com fundamento na alínea
“a” do art. 13 da Convenção sobre os Aspectos Civis do Sequestro Internacional de Crianças
de Haia (1980), uma vez que seria violação dos direitos de guarda proceder com tamanha
invasão ao corpo do adolescente.
A ACAF, em decisão de janeiro de 2021, justificou o não retorno com fundamento na alínea
“b” do art. 13 da Convenção sobre os Aspectos Civis do Sequestro Internacional de Crianças
de Haia (1980) por entender que a pandemia da COVID-19 colocava o menor em risco e que
seu retorno não seria recomendável até o devido controle do quadro pandêmico ou autorização
para sua vacinação.
Patrícia, que já havia matriculado o adolescente na escola no Brasil, passa a proibir as visitas
de Alberto, que veio ao Brasil para tratar do caso.
2. DO DIREITO
2.1 DA COMPETÊNCIA PARA APLICAÇÃO DA CONVENÇÃO DE HAIA E
LEGITIMIDADE PROCESSUAL
Entretanto, conforme o caso, o requerente (Adalberto) também pode agir em nome próprio e
assumir a posição de autor, conforme disposição no artigo 124 do Código de Processo Civil
(2015). No mesmo sentido, a Convenção de Haia (1980), em seu artigo 29, estabelece que
qualquer pessoa, que julgue ter havido violação do direito de guarda ou de visita, poderá dirigir-
se diretamente às autoridades judiciais ou administrativas de qualquer dos Estados
Contratantes.
Cabe destacarmos íntegra da decisão do Ministro Relator João Otávio de Noronha, que em um
julgado do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu sobre a competência do juiz para
aplicação da Convenção de Haia:
Referente à decisão supracitada, percebe-se que a decisão do juízo federal deve ser
contida, limitando-se ao exame da configuração da transferência ou retenção ilícita do
adolescente e reconhecendo ou não a prática do ilícito.
De acordo com definição do artigo 5º, inciso “a” da Convenção citada, o direito de guarda
compreenderá com os direitos relativos aos cuidados com a pessoa da criança e, em particular,
o direito de decidir sobre o lugar da sua residência.
O artigo 5º, inciso “b” da mesma Convenção, estabelece que o “direito de visita” compreenderá
o direito de levar uma criança, por um período limitado de tempo, para um lugar diferente
daquele onde ela habitualmente reside.
O Autor (Adalberto), encontra-se preocupado com as consequências que esta situação pode
causar ao menor, que vem sofrendo fortemente por alienação parental praticada pela mãe. Sofre
demasiadamente com tal situação, uma vez que se encontra privado do convívio com Pierluigi.
O Código Civil (brasileiro), em seu artigo 1.634, estabelece que compete a ambos os pais,
qualquer que seja a situação conjugal, o pleno exercício do poder familiar.
Apesar das divergências com a Ré, o Autor sempre presou pelo diálogo e pela melhor
convivência e interesse do menor, já que sua única preocupação é com o bem estar de seu filho,
motivo que entende que os problemas entre os genitores não podem afetar Pierluigi.
Nesse contexto, destaca-se que é preciso proteger, acolher e respeitar o adolescente Pierluigi
em sua integridade, não submetendo-o, então, a imposições relativas ao seu gênero. Numa
percepção ético afirmativa de acolhimento das diferenças no marco da diversidade, em que o
processo de desenvolvimento e crescimento pessoal respeitados e garantidos por lei.
A Convenção da Haia (1980) estabelece regras de Direito Internacional Privado para solução
de conflitos em territórios distintos (elemento de estraneidade). Nesse sentido, entende-se que
a “residência habitual” é utilizado como elemento de conexão aplicável à análise do caso
concreto.
Pierluigi, vítima de subtração ilícita, deverá ser restituído ao local de sua residência habitual,
sendo descartados as noções de nacionalidade e domicílio. Isto é, ainda que o adolescente fosse
reconhecido como brasileiro nato e mantivesse residência no Brasil, deverá ser sendo
sobrepesado o local de sua “residência habitual”, conforme previsão expressa na Convenção
(art. 3º, “a”).
A legislação interna do Brasil, Constituição Federal (1988), em seu artigo 227, estabelece que
é dever da família da sociedade e do Estado assegurar a criança, ao adolescente e ao jovem,
com a absoluta prioridade, o direito à diversas garantias, colocando a salvo toda forma de
negligência discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
Percebe-se claramente que Patrícia, ao decidir não o mandar Pierluigi de volta na data prevista,
mantendo-o no Brasil, agride diretamente ao texto constitucional e promove riscos psíquicos
graves ao adolescente – uma vez acarreta em sérios riscos de adaptação.
A Convenção de Haia (1980), em seu artigo 13, alínea “b”, estabelece exceções ao retorno do
adolescente para quando existe um risco grave a perigos de ordem física ou psíquica, ou para
situação cujo ambiente se torne intolerável.
É justificável a decisão da ACAF pelo não retorno do adolescente com fundamento na alínea
“b” do art. 13 da mesma Convenção, por entender que a pandemia da COVID-19 colocava o
menor em risco e que seu retorno não seria recomendável até o devido controle do quadro
pandêmico ou autorização para sua vacinação. Entretanto, a decisão deve ser sobrepesada
no melhor interesse do adolescente, a fim de assegurar o retorno imediato; fazendo
respeitar de maneira efetiva os direitos de guarda e de visita; e, sendo uma obrigação
estabelecida que vincula o Estado brasileiro.
De acordo com o entendimento do Ministro relator César Asfor Rocha, em decisão do REsp
1.239.777/PE:
A Convenção de Haia (1980), em seu artigo 1º, alíneas “a” e “b”, estabelece que o objetivo do
tratado é de assegurar o retorno imediato de crianças ilicitamente transferidas para qualquer
Estado Contratante ou nele retidas indevidamente; fazendo respeitar de maneira efetiva os
direitos de guarda e de visita existentes.
O Decreto nº 3.951/2001, que designa a Autoridade Central brasileira (Secretaria de Estado dos
Direitos Humanos do Ministério da Justiça) para dar cumprimento às obrigações impostas pela
Convenção de Haia (1980), disciplina em seu artigo 2º que compete à Autoridade Central
representar os interesses inerentes do Estado brasileiro na proteção de crianças e adolescentes
dos efeitos prejudiciais resultantes de mudança de domicílio ou retenção ilícita (I);
estabelecendo procedimentos que garantam o ingresso imediato das crianças e adolescentes ao
estado de sua residência habitual (II).
O Objetivo da Convenção é o retorno ao status quo ante, qual seja, o retorno imediato do
adolescente retido e mantido em Estado distinto de sua residência habitual, prevalecendo o
princípio da dignidade da pessoa humana e o superior interesse da criança; isto é, os Estados
Contratantes devem respeitar mutuamente os direitos de guarda e visita regentes em seus
territórios.
É preciso deixar claro que o tratado internacional concedido e desenvolvido visa a atender o
melhor interesse do menor. Isso significa dizer que não é possível negar o retorno com base
exceções que não se encontram na Convenção.
Isto é, não se deve proceder de forma diversa, desrespeitar e ignorar o pacto internacional;
pois, como mencionado, foi constituído com objetivo de proteger as crianças e
adolescentes vítimas de subtração internacional.
Conforme exposto, à Ré (Patrícia) vem ignorando a existência de acordo sobre o direito guarda
e direito de visitação do adolescente na Itália, local de residência habitual do menor.
Os fatos acima relatados, comprovados por documentação que Adalberto detinha o direito de
guarda do adolescente Pierluigi na Itália, evidenciam a gravidade da situação, uma vez que o
adolescente foi transferido e retido de forma ilícita no Brasil.
O perigo na demora reside no fato de que aguardar o curso natural do processo poderá
gerar graves danos psicológico irreversíveis ao adolescente, bem como risco de
rompimento dos laços existentes entre filho e pai.
Desta forma, pugna a concessão de tutela de urgência, inaudita altera pars, a fim que seja
determinada a busca, apreensão e restituição do menor para cumprimento do acordo celebrado
na Itália; e, que seja determinada a imediata realização de estudo psicológico, considerando-se
que a demora na resolução do presente caso prolongará os danos psicológicos que o adolescente
está submetido.
3. DOS PEDIDOS
Diante dos fatos e direitos apresentados, vem a Excipiente, respeitosamente, perante Vossa
Excelência, requerer:
Cf. MORLEY, Jeremy D. Hague international child abduction cases: the future of the grave
risk of harm defense. The Matrimonial Strategist. fev. 2007 apud MERIDA, 2001, p. 11.
BRASIL, Decreto nº 3.951, de 4 de outubro de 2001. Designa a Autoridade Central para dar
cumprimento às obrigações impostas pela Convenção sobre os Aspectos Civis do
Sequêstro Internacional de Crianças. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2001/d3951.htm. Acesso em: 12 dez. de 2021.
BEVILÁQUA, Clóvis. Theoria geral do Direito Civil. Atualizada por Achilles Beviláqua. 4a
ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1949, p. 195
STJ - REsp: 1239777 PE 2010/0180753-9, Relator: Ministro CESAR ASFOR ROCHA, Data
de Julgamento: 12/04/2012, T2 - SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 19/04/2012.
JusBrasil, 2012. Disponível em: https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/21520721/recurso-
especial-resp-1239777-pe-2010-0180753-9-stj/inteiro-teor-21520722. Acesso em: 12 dez. de
2021.