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ECONOMIA POLÍTICA1
Rodrigo Dugnani
Área Especial – A Teoria Econômica de Marx e a crise atual
Resumo:
Este artigo aborda o atual processo de mundialização financeira capitalista numa perspectiva
da Economia Política, tendo como referência algumas das categorias da análise marxista. Para
tanto, mostra que o modo de produção capitalista, movido pela ganância, permite a
extrapolação do capital portador de juros, expressão máxima do fetiche do capitalismo,
estimulando a criação de capital fictício, ou seja, de um falso capital que não encontra uma
contrapartida na produção. A partir dessa análise, percebe-se que o processo de
financeirização em curso, pouco regulamentado, foi responsável pelo surgimento de
movimentos de instabilidade econômica que culminaram em diversas crises após a década de
1970. Crises como a atual, que seguiu praticamente o mesmo roteiro de desenvolvimento das
anteriores, do estouro da bolha financeira até as medidas adotadas para contorná-las.
Palavras-Chave:
Mundialização Financeira, Capital Portador de Juros, Capital Fictício, Regulação, Crise.
Abstract:
This article is about the current process of “capitalist financial globalization” in the Political
Economy perspective, taking as reference some of the Marxist analysis categories. Toward,
the present paper shows that the way of capitalist production, moved by the greed, allows
abusive practices of the “interest-bearing capital”, great symbol of capitalism fetish, which
stimulates the creation of “fictitious capital”, in other words, capital that can not be find in the
production, therefore, false capital. From this analysis, it is understood that the financial
supremacy process in course, little regulated, was responsible for the appearing economic
instability movements that had turned in diverse crises after the decade of 1970. Crises as the
recent one, which practically followed a common development script, that starts with the
burst of the financial bubble and ends up with the adopted procedures to escape them.
Word-Key:
Financial Globalization, Interest-bearing Capital, Fictitious Capital, Regulation, Crisis.
1
Artigo elaborado para as seções de comunicação e para embasar a publicação de resumo expandido nos Anais
do XIV Encontro Nacional de Economia Política – São Paulo/SP – PUC/SP - 2009
PRIMEIRAS CONSIDERAÇÕES
A Economia política não é uma ciência das relações entre as coisas, como
pensavam os economistas vulgares, nem das relações entre as pessoas e as
coisas, como afirmou a teoria da utilidade marginal, mas das relações entre as
pessoas no processo de produção. (RUBIN, 1980, p. 15).
A Economia Política, assim sendo, deve tratar das relações de produção que se
estabelecem entre pessoas no processo de produção, mas não do ponto de vista de seus
métodos técnicos e instrumentos de trabalho. Na Economia Política, as condições técnicas não
aparecem como condições para o processo de produção, mas apenas como pressupostos de
determinadas formas econômico-sociais assumidas pelo processo de produção.
Tendo em vista essas considerações iniciais, o presente artigo tem como objetivo
abordar o processo de mundialização da finança capitalista numa perspectiva da Economia
Política, tendo como referência algumas das categorias da análise marxista.
2
Títulos, ações e obrigações, por exemplo, são contabilizados nos balanços de bancos, usados como meio de
pagamentos em fusões de empresas e utilizados como garantia de empréstimos.
Para Marx, o capital industrial é o único modo de existência do capital onde sua
função não consiste somente em apropriação, mas igualmente em criação de mais-valia, de
modo que se torna necessário que outras variedades de capital se subordinem a ele.
Entretanto, Marx afirma que a forma de circulação D – D‟, que possui o dinheiro real como
ponto de partida e ponto de chegada, exprime de forma mais evidente a idéia de fazer
dinheiro, a preocupação essencial do modo de produção capitalista. Dessa forma, o processo
de produção, segundo Marx, aparece somente como um intermediário inevitável. Para Marx,
o capital portador de juros, como expressão máxima do fetiche no capitalismo – dinheiro
gerando dinheiro, sem que haja produção – é a forma mais acabada do capital. “Enfim, quanto
mais a forma D – D‟ torna-se predominante, mais o fetichismo, as representações
fantasmagóricas das fontes da riqueza, se apossam da sociedade.” (CHESNAIS, 2006).
Este crescimento tem como veículo os juros, que representam parte do lucro que o
capitalista ativo deve pagar ao proprietário do capital. Como os juros são parte do lucro, a
fonte da remuneração do dinheiro tornado capital é a mais-valia, o trabalho não-pago aos
trabalhadores. Mas esse dinheiro, que adquire um novo valor de uso – que consiste no lucro
que ele produz uma vez transformado em capital – o transforma em mercadoria particular, que
não é vendida, mas emprestada. Dinheiro que busca se valorizar fora da produção, ou seja,
como capital de empréstimo portador de juros. O dinheiro é cedido como capital, como uma
mercadoria que possui o valor de uso de produzir mais-valia, lucro. Depois de um tempo ele
deve retornar ao prestamista enquanto valor conservado e aumentado. Marx aponta que o
capital portador de juros é o capital-propriedade frente ao capital-função.
Para Chesnais (2006), a partir de sua análise de Marx, é no ciclo abreviado do capital3
que está a essência do fetichismo que assola o modo de produção capitalista, pois expressa a
idéia de fazer dinheiro, o principal motor desse sistema.
Entendida a lógica do capital portador de juros, é possível inserir a análise do conceito
de capital fictício, pois ele concretiza o fetichismo inerente ao capital portador de juros ou de
aplicação financeira mais geral. O portador de títulos não enxerga que seu capital não passa
de ficção dentro do processo de reprodução do capital produtivo.
Nas relações internas da classe capitalista, os prestamistas passam a se favorecer na
medida em que se aumenta a importância das entidades financeiras enquanto centralizadores e
concentradores de dinheiro que se valoriza pelo empréstimo ou compra de títulos, atenuando,
dessa forma, a primazia do capital industrial. Os bancos, além de criar formas de capital
3
Dinheiro em massa transformado em capital de empréstimo, portador de juros, que descreve o movimento D –
D‟.
fictício, possuem capital composto por títulos sobre uma produção futura que nada mais são
que duplicatas fictícias de capital real. As finanças liberalizadas criam ativos financeiros
(produtos financeiros) que possuem a falsa aparência de capital, pois são apenas pretensões
sobre uma futura produção que só se efetivam através da apropriação da mais-valia em
situações de estabilidade.
Chesnais (2006) aponta que os bancos criam meios de financiamento que
desempenham o papel de capital sem o ser. Ao criar capital fictício permanentemente e
possuir capital próprio amplamente composto de créditos e de títulos, os bancos tornam-se
agentes elementares das crises financeiras. Marx chama esse processo de acumulação de
capital-dinheiro propriamente dita em oposição à acumulação verdadeira de capital, fator
elementar das explosões de crises financeiras. Para Marx, o desenvolvimento do capital
portador de juros e o sistema de crédito fazem o capital se multiplicar graças às formas que
um mesmo capital ou crédito aparece em diversas mãos. Mas trata-se apenas de capital-
dinheiro fictício, uma riqueza meramente imaginária.
A natureza fictícia dos títulos, o caráter especulativo do mercado e a multiplicação de
créditos decorrentes das transações interbancárias são fatores essenciais das crises do sistema
de crédito, segundo Chesnais (2006). Esse tipo de atividade financeira se beneficiou
intensamente do processo de liberalização e de desregulamentação dos mercados. Dessa
forma foram criadas as mais diversas condições de mobilidade dos fluxos financeiros
necessários para a valorização do capital de empréstimos e de aplicação. Assim sendo, a
fragilidade sistêmica dos mercados é evidente diante da análise do capital fictício e tende a se
intensificar dentro do quadro das finanças mundializadas.
Além disso, a mundialização que promoveu a liberdade de circulação do capital
financeiro permitiu que os capitais industrial e comercial também ganhassem mobilidade,
fazendo do mundo objeto de ação do sistema capitalista como um todo. Dessa forma, a
disputa capitalista se acirrou colocando os trabalhadores em concorrência no plano mundial,
levando ao aumento brutal da taxa de exploração, isto é, da mais-valia, possibilitando que as
grandes empresas recompusessem seus ganhos perdidos em função da voracidade do capital
portador de juros sobre seus lucros.
Marques e Nakatani (2008), entretanto, enfatizam que o capital portador de juros não
constitui um vilão, ao lado do qual coexistiriam o capital industrial e o comercial como
expressão da face “boa” do capitalismo, pois as últimas décadas demonstraram que os
diferentes segmentos do capital atuam em conjunto, mantendo alta rentabilidade a despeito do
nível elevado de desemprego e do aumento da exploração dos trabalhadores. “El elemento
que organiza la producción capitalista es la ganancia, cuando disminuye la rentabilidad las
empresas realizan ajustes que les llevan frecuentemente a recuperarla.” (BAEZA, 2008).
Nos países da OCDE, como nos países periféricos, a dívida pública alimenta
continuamente a acumulação financeira por intermédio das finanças públicas.
A necessidade de recorrer ao financiamento mediante empréstimos torna-se
permanente por causa da desoneração do capital e das rendas elevadas, a qual
foi ainda facilitada pela mundialização financeira, pela impunidade da evasão
e pela multiplicação dos paraísos fiscais. Deu-se um duplo presente às rendas
elevadas: beneficiam-se da redução de impostos e emprestam a taxas
elevadas. (CHESNAIS, 2005, p. 41).
4
Inovações financeiras criadas pelos mercados em função das desregulamentações financeiras iniciadas nos anos
de 1960 que levaram a uma maior concorrência bancária obrigando os agentes financeiros a adotar estratégias
agressivas e de risco na composição de seus ativos através de novas maneiras de captação de recursos.
produção e a capacidade real do capital investido na produção em honrar essa dinâmica
insustentável do mercado financeiro. Ou seja, a raiz das crises financeiras se encontra na
propensão do capital regido pelo movimento D – D‟ (CHESNAIS, 2005 e 2006). Isso confere
ao capital fictício o agente responsável pela fragilidade financeira sistêmica, mediante a
exposição ao risco dos bancos após a liberalização e desregulamentação financeira.
Uma análise histórica das crises financeiras vivenciadas pelo capitalismo nas últimas
décadas e a comparação de seus elementos com a atual crise sistêmica decorrente do estouro
da bolha do subprime nos Estados Unidos permite concluir que essas crises costumam seguir
um mesmo padrão de desenvolvimento.
Na análise de Lordon, tudo começa com às tendências “Ponzi”5 dos mercados, pois as
bolhas especulativas apóiam-se numa hipótese de que novos investidores sempre entrarão na
ciranda, para sustentar os ganhos dos que chegaram antes. Entretanto, existe um limite para
esse processo. Quando esse limite é atingido, a bolha estoura e as conseqüências são sempre
dramáticas.
Em seguida, com a lassidão nas avaliações de riscos, ocorre o “fantástico milagre da
securitização em que empréstimos são fatiados em infinitos pedaços, para que os riscos de
inadimplência sejam pulverizados até se tornarem irrisórios.” (LORDON, 2007). Dessa
forma, ocorre a fusão de um certo número de créditos para se emitir títulos negociáveis. Essa
operação, a securitização, possibilita que os títulos assim “fabricados” possam ser vendidos
nos mercados em pequenos lotes. Dessa forma, os créditos duvidosos saem do balanço dos
bancos. A linha de títulos derivada do grupo inicial de créditos é recortada em diferentes
fatias de risco homogêneas, com mais ou menos riscos. As fatias de alto risco tornam-se
atraentes, pois oferecerem maior retorno, ao menos pelo tempo em que o mercado “navega”
em mar tranqüilo. Como são inúmeros os portadores dos títulos, que além de tudo mudam de
mãos a todo instante, ocorre uma extraordinária dispersão do risco global.
O passo seguinte da crise financeira ocorre com a transição da vulnerabilidade
estrutural para a insolvência. As operações de securitização em cadeia provocam a ilusão de
que não existem riscos, pois eles acabam se dispersando. Essa sensação leva a mais
comportamentos de riscos, com a compra de títulos mais lucrativos, porém mais arriscados.
Apesar dos riscos estarem diluídos, ocorre um crescimento totalmente descontrolado de seu
volume global, levando a situação às zonas críticas. “A construção cresce como um enorme
castelo de cartas. Em certo ponto, qualquer pequeno incidente é capaz de ameaçar todo o
edifício.” (LORDON, 2007).
No momento em que a “engenharia financeira” começa a apresentar aspectos de
deterioração, ocorre uma corrida para a revisão imediata das avaliações de risco. É o indício
do início da crise financeira. A verdade é que as agências de classificação de riscos são
5
Charles Ponzi foi um especulador dos anos 20 que iludiu pessoas com promessas de rendimentos
extraordinários. Na falta de qualquer ativo real capaz de cobrir os rendimentos anunciados, Ponzi oferecia a seus
primeiros clientes o capital aportado pelos que vinham depois. A sustentabilidade do conjunto supunha, portanto,
a manutenção infinita do fluxo de novos clientes.
impotentes, pois seu faturamento provém das instituições financeiras, que emitiram
incessantemente títulos a serem avaliados6.
Com a crise instalada, os choques nos bancos são inevitáveis. “Expulso pela porta, o
risco implícito nos empréstimos retornou pela janela. Para reequilibrar as contas, será preciso
fechar as torneiras do crédito, atingindo trabalhadores e empresas não-financeirizadas.”
(LORDON, 2007). Ou seja, mais uma vez serão os agentes da economia real (assalariados e
empresas não-financeirizadas), distantes da especulação, que pagarão a conta das estripulias
financeiras.
O último capítulo desta história muitas vezes repetida nos últimos tempos ocorre
quando o mercado financeiro pede socorro aos bancos centrais. “Quando a crise bate à porta,
as finanças engolem o discurso privatista e aconchegam-se nas tetas do Estado. O prejuízo
imposto às sociedades é idêntico ao resgate que se cobra de um seqüestrado.” (LORDON,
2007). Nessa etapa, os bancos centrais começam uma política de corte das taxas de juros para
6
Segundo Lordon (2008), 40% do rendimento de 2006 da Moody‟s foi conseguido com avaliações de produtos
estruturados.
restaurar a liquidez geral. Nesse momento, não há outra escolha para os bancos centrais a não
ser intervir, e maciçamente.
7
Segundo Lordon (2007) o “track record” (histórico de desempenho) da liberalização financeira não tem boa
reputação. Desde que ela se impôs, tem sido difícil passar mais de três anos seguidos sem um incidente de
envergadura. Quase todos poderiam figurar nos livros de história econômica: 1987, quebra dos mercados de
ações; 1990, quebra dos “junk bonds” (“títulos podres”) e crise das “savings and loans” (instituições financeiras
de poupança e empréstimos) norte-americanas; 1994, crise de debêntures norte-americanos; 1997, primeira fase
da crise financeira internacional (Tailândia, Coréia, Hong Kong); 1998, segunda fase (Rússia, Brasil); 2001-
2003, estouro da bolha da Internet.
Inicialmente, é preciso destacar que a ciência econômica vem trilhando um caminho
que busca criar instrumentos cada vez mais avançados que potencializam a idéia de se fazer
dinheiro mediante aplicações financeiras, mas que apenas exacerbaram o caráter fictício do
capital. Trata-se de uma “engenharia” financeira ensinada e aperfeiçoada nas universidades e
que passaram a dominar a consciência dos novos economistas.
8
Finance & Development, IMF, March 2002, p. 13
capacidade das poupanças de uns irrigarem os investimentos de outros. Foi apenas após sinais
muito evidentes da esfera econômica que o FMI começou a ser minimamente moderado em
suas expectativas em relação ao processo de mundialização financeira em curso. Isso pode ser
verificado em relatório mais recente desse organismo econômico. Nele, o FMI aponta para a
possibilidade de “que estes desenvolvimentos estejam criando mais movimento procíclicos
que no passado. Podem igualmente estar criando uma probabilidade maior (mesmo que ainda
pequena) de uma catástrofe.”.9
O mercado financeiro possui ainda outros grandes aliados, com destaque para as
agências de avaliação de risco. A mundialização financeira é um processo tão incoerente do
ponto de vista lógico, que acaba por provocar distorções completamente irracionais. Na
atualidade, existe um oligopólio de três empresas mais “conceituadas” em fazer exame de
riscos no mercado financeiro – Moody‟s, Standard & Poor (S&P) e Fitch. A irracionalidade
está no fato de que essas agências de avaliação são pagas pelos que emitem títulos, e não por
investidores que utilizarão as avaliações de risco. Na atual crise financeira, essas agências
saíram completamente desmoralizadas, pois faziam excelentes avaliações de títulos públicos e
privados que, na verdade, eram de extrema fragilidade. Dessa forma, surgiram
questionamentos e exigências em relação à necessidade de se avaliar as agências de avaliação
de riscos. “O resultado é que „a mais poderosa força nos mercados de capital está desprovida
de qualquer regulação significativa‟.”10 (DOWBOR, 2007, p. 14-15).
Nesse quadro de mundialização das finanças, é inquestionável a importância que as
empresas transnacionais assumiram na gestão econômica e na ingerência política dos países.
Ao mesmo tempo, são poucas as informações divulgadas sobre suas formas de
funcionamento. Na verdade, com a financeirização da economia, a grandes corporações
começaram a intensificar seu caráter especulativo associado ao mercado financeiro,
procurando vincular cada vez mais o lucro das empresas e a rentabilidade das aplicações junto
ao sistema financeiro dos lucros não reinvestidos.
9
Raghuram Rajan, diretor do departamento de pesquisa do FMI, Finance and Development, IMF, September
2005, p. 54.
10
The Economist, Credit-rating agencies: Special Report – 28 de março de 2005, p. 67.
Outra associação de caráter duvidoso na atual fase de financeirização mundial é a que
existe entre a mídia, as corporações e o mercado financeiro. A publicidade nos grandes
veículos de comunicação é financiada essencialmente por grandes corporações e instituições
financeiras, e constitui a base da sobrevivência econômica dos meios de informação de que
dispomos. Por isso, a mídia tende a apresentar apenas imagens simpáticas de quem compra o
seu espaço publicitário. Como esperar idoneidade na cobertura jornalística da imprensa se
quem paga as despesas dos veículos de comunicação são os agentes econômicos mais
poderosos do planeta?
O enfraquecimento do Estado-Nação
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este presente artigo começou a partir de uma análise de François Chesnais e terminará
com um questionamento realizado por esse mesmo autor. “Será necessário que o sistema
capitalista mundial passe por uma crise enorme antes de serem recriados os fundamentos de
uma regulação monetária e financeira?” (CHESNAIS, 2007).
Frédéric Lordon também faz questionamentos importantes sobre a atual configuração
da crise financeira.
A essência da atual crise financeira não se diferencia em nada da crise dos anos de
1930 ou daquelas vivenciadas nas últimas décadas, afinal, a crise é inerente ao capitalismo. O
modo de produção capitalista, mais uma vez movido pela ganância, permitiu a extrapolação
do capital portador de juros, expressão máxima do fetiche do capitalismo – dinheiro gerando
dinheiro, sem que haja produção – estimulando à criação de capital fictício, ou seja, de um
falso capital que não encontra uma contrapartida na produção.
O que se verifica de novo na atualidade é que a ocorrência de crises sistêmicas tem
sido mais freqüente, pois os ciclos de prosperidade se abreviaram. A explicação para tal fato
se encontra no processo de mundialização financeira iniciada nos anos de 1970, calcada em
liberalização da circulação de capitais e desregulamentação dos mercados financeiros,
expondo de forma escancarada a fragilidade do modo de produção capitalista.
Nem todas as negações do mundo impedirão que a crise atual apareça tal
como é: uma experiência real, que demonstra a nocividade intrínseca de
mercados e operadores de mercado livres de qualquer controle. Mas esta
experiência não é a primeira do tipo. Quem não se lembra das cenas
grandiloqüentes de indelicadeza e fraude proporcionadas pelo crash das
empresas de alta tecnologia, em 2000? Do apelo solene das autoridades
financeiras à regulação, à transparência, à reintegração das transações que as
empresas excluíam de seus balanços? “Nunca mais”, juram toda vez os atores
do mundo das finanças, antes de partirem para uma nova rodada. Mas os seus
juramentos de bêbados; a idéia de que eles enriquecem de maneira solitária e
fabulosa durante a bonança e põem a economia inteira em perigo quando suas
imperícias vêm à tona, obrigando os poderes públicos a salvá-los da difícil
situação na qual qualquer falido ordinário seria abandonado à sua própria
sorte; tudo isso dá vontade de "virar a mesa”, o que parece ser a única solução
para que esta seja verdadeiramente a “última rodada”. (LORDON, 2008).
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BAEZA, A. V. Una posible crisis en EUA en 2008. In: X Encuentro Internacional sobre
Globalización y Problemas del Desarrollo, Havana: SEPLA, 2008.
__________. Até onde irá a crise financeira. Le Monde diplomatique Brasil Online, São
Paulo, nov. 2007. Disponível em http://www.diplo.uol.com.br/2007-11,a1993. Acesso em
20 dez. 2008.
LORDON, F. O mundo refém das finanças. Le Monde diplomatique Brasil Online, São Paulo,
set. 2007. Disponível em http://www.diplo.uol.com.br/2007-09,a1903. Acesso em 20 dez.
2008.
__________. O pesadelo das finanças sem freios. Le Monde diplomatique Brasil Online, São
Paulo, mar. 2008. Disponível em http://www.diplo.uol.com.br/2008-03,a2266. Acesso em
20 dez. 2008.
________. O Capital, Livro III, volume V. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1981.
RICUPERO, R. Moral da Crise. Folha de São Paulo, São Paulo, 26 out. 2008.