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FENOMENOLOGIA HISTÓRICA
Giovanni Alves
Primeiro, nos últimos trinta anos tivemos uma época histórica de reestruturações
capitalistas nas mais diversas instâncias da vida social. O sistema mundial do capital
como sistema social global reestruturou-se efetivamente numa dimensão inédita. Por
exemplo, a nova reestruturação produtiva do capital impulsionou um complexo de
inovações organizacionais, tecnológicas e sociometabolicas nas grandes empresas e na
sociedade em geral sob a direção moral-intelectual do “espírito do toyotismo”. A
manipulação reflexiva ou a “captura” da subjetividade tornou-se efetivamente o modo
de operar do controle sociometabolico do capital. A luta de classes e as derrotas das
forças políticas do trabalho na década de 1970 conduziram a reestruturação política do
capital, constituindo o Estado neoliberal e as políticas de liberalização comercial e
desregulamentação financeira; e o pós-modernismo e o neopositivismo permearam a
reestruturação cultural. Nos “trinta anos perversos”, o capitalismo financeirizado,
toyotista, neoliberal e pós-moderno levou a cabo uma das maiores revoluções culturais
da história.
Por um lado, a crise do capitalismo global que se desenrola nos “trinta anos perversos”,
o modo efetivo de desenvolvimento da crise estrutural do capital, é crise de valorização
no sentido de crise de produção/realização do valor. É crise de produção de valor sob
pressão da lei tendencial da queda da taxa média de lucros por conta do crescimento da
composição orgânica do capital. Nos últimos trinta anos de capitalismo global, a
reorganização e reconfiguração territorial e produtiva do sistema tornou-se o modo de
operação das tendências e contra-tendências à lei geral da acumulação capitalista no
plano histórico-mundial.
Por outro lado, a crise do capitalismo global é crise de realização do valor sob a
dinâmica do subconsumo e a procura alucinada pela absorção de excedentes. A
dificuldade de vender num cenário de superprodução/sobreacumulação expõe a
necessidade candente da destruição criativa e produção destrutiva capazes de preservar
o processo de valorização mesmo que em forma fictícia. Um autor como Istan Meszáros
em sua obra clássica Para Além do Capital, expôs com maestria as performances
críticas do valor diante das suas dificuldades de auto-valorização ao tratar, por exemplo,
da produção destrutiva e da taxa de utilização decrescente do valor de uso, recurso de
administração da crise e autorreprodução destrutiva do capital. Nos últimos trinta anos
de capitalismo global, tornaram-se mais do que evidentes as constatações meszarianas
feitas nos primórdios de desenvolvimento do capitalismo global.
Por isso, a saída da “crise” tem implicado hoje numa “fuga para a frente”, elevando num
patamar superior as contradições insanas da ordem de produção/realização do valor.
Ora, “fuga para a frente” significa a produção de pletoras de liquidez e novas bolhas
especulativas capazes de criar a ilusão de que ocorre efetivamente o processo de
valorização. Ao invés de intervenções muito mais radicais, os administradores das
crises, imersos na temporalidade de curto prazo, adotam políticas de menor resistência e
reiteram a lógica da financeirização.
Deste modo, o novo patamar de valorização efetiva – a sua pressuposição – por conta do
acúmulo inédito da massa de capital-dinheiro elevou-se num patamar insano. A crise de
valorização do capital ocorre porque, como observam Marx e Engels no Manifesto
Comunista, “as condições da sociedade burguesa são estreitas demais para abranger
toda a riqueza criou”. Contraditoriamente, a massa de riqueza criada pela sociedade
burguesa diz respeito não apenas a riqueza concreta das forças produtivas do trabalho
social, mas também a riqueza abstrata da massa de capital-dinheiro que o capital não
consegue valorizar efetivamente.
A percepção genial de Marx e Engels é a síntese ontológica das vias de resolução que o
capital constrói para a sua crise estrutural – hoje, numa dimensão ampliada, isto é, num
plano efetivamente histórico-mundial.
Talvez, como via de resolução (fictícia) da crise, Marx e Engels não tenham salientado a
financeirização da riqueza capitalista. Ao promover a valorização fictícia, o capital
“investe” na reprodução estéril da massa de capital-dinheiro ou riqueza abstrata
acumulada de modo insano por conta do desenvolvimento inédito da produtividade do
trabalho no século XX. Portanto, o valor é afetado de negação no interior do próprio
sistema do valor. Eis a contradição crucial do sistema mundial produtor de mercadorias.
As décadas de 1990 e 2000 são décadas marcadas por crises financeiras (1987, 1996,
2001 e 2008) que explicitam a lógica do “capitalismo das bolhas”, forma originaria do
sistema institucional-político da mundialização financeira. As crises financeiras
traduzem no plano da objetividade contraditória do sistema, a fenomenologia da crise
estrutural do capital. A financeirização expõe as novas manifestações da precarização
estrutural do trabalho e da dinâmica social da proletariedade.