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SUMÁRIO

1. Capitalismo Contemporâneo: Crise do Capital, ofensiva Imperialista sobre a


classe trabalhadora e o projeto popular ................................................................ 3

2. Capitalismo Contemporâneo - Teses sobre o período atual .........................28

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Capitalismo Contemporâneo: Crise do


Capital, ofensiva Imperialista sobre a
classe trabalhadora e o projeto popular
André Cardoso
Eliane Martins
Ezequiela Scapini
Igor Felipe
Juliane Furno
Lauro Carvalho
Leidiano Farias
Leonardo Severo
Lúcio Centeno
Milton Viário
Olivia Carolino
Rodrigo Suñe
Ronaldo Pagotto
Thays Carvalho
Vitor Alcantara

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INTRODUÇÃO

Caracterizar o Capitalismo Contemporâneo de forma coletiva é um dos desafios do


primeiro seminário nacional em julho de 2021, do processo assemblear da Consulta
Popular.

Em análise de conjuntura de novembro de 2018, afirmamos nossa compreensão da


crise como uma crise de padrão de acumulação do capital, imersa em uma crise
econômica internacional como uma crise estrutural, profunda e prolongada. O
Imperialismo estadunidense, inimigo número um da humanidade, busca recriar
condições para a recomposição das taxas de lucro mundial e recompor sua
hegemonia política num contexto de surgimento de novos pólos de poder
promovendo uma ofensiva de políticas econômicas ultraliberais com governos
autoritários. Esse processo tem especial impacto nas formas predatórias de
exploração sobre os países de economia política dependentes e subordinados.

No presente texto, temos o intuito de retomar e atualizar o eixo histórico de análise


da Consulta Popular sobre a natureza da Crise Brasileira, com o recorte dos
impactos desta crise sobre a estrutura do trabalho e das relações de produção,
perfis das frações da classe trabalhadora, ou seja dos sujeitos estratégicos e os
desafios da recriação e ou atualização das formas de organização e resistências da
classe. Para tanto temos o objetivo geral de reunir elementos para caracterizar o
capitalismo contemporâneo por meio da análise da ofensiva imperialista, seus
nefastos impactos sobre a organização, a sociabilidade e a agenda da classe
trabalhadora, recolocando a necessidade da centralidade estratégica e do horizonte
do projeto de país, construído com o povo brasileiro. Convidamos a militância a essa
reflexão que reúne um conjunto de acúmulos coletivos e preocupações a partir da
prática do trabalho popular.

CRISE DO CAPITALISMO

A crise com a pandemia muda estruturalmente o modo do capitalismo


contemporâneo funcionar. Há quem diga que estamos adentrando uma nova
época. Não é de hoje que caracterizamos a crise capitalista como crise estrutural,
uma crise do padrão de acumulação do capital articulada com a crise ambiental,
social, política e civilizatória. A essa crise, agrega-se o choque externo com a
pandemia que tende a tensionar e mudar de forma estrutural o capitalismo
contemporâneo. Ou seja, a pandemia, impulsionada pelo coronavírus, tem ensejado
a impossibilidade da manutenção da organização econômica mundial como ela
vinha sendo desenvolvida. Nesse ponto reunimos elementos para caracterizar o
capitalismo contemporâneo priorizando duas dimensões :a natureza da crise
capitalista e o imperialismo.

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1.1) Natureza da crise do capitalismo

Destaque de seis dimensões da crise que remetem a transformações


profundas:

1.1.1) A crise não cumpre seus desígnios. A crise de superprodução é inerente à


expansão capitalista porque o capital tem uma necessidade inescapável de se
expandir que não é limitada pelas necessidades humanas a satisfazer. Assim, esse é
um modo de produção que gera mais valor do que é capaz de realizar e a crise tem
uma função de saneamento para o capital recompor sua taxa de lucro. Desde a
década de 70, o capitalismo está diante de seus próprios limites de reprodução e
recuperação das taxas de acumulação.

A pandemia coloca algo de ineditismo às crises típicas e inevitáveis do capitalismo.


Pelo fato desta não ser uma crise cíclica em que é possível prever o seu período de
recuperação, ou decorrente de uma guerra onde é possível calcular politicamente o
período de fim de conflitos e planejar investimento. Em que pese o contágio e o
número de mortos estejam em queda, os efeitos econômicos da crise ainda serão
sentidos no médio e longo prazo. Além disso, a crise do coronavírus atinge a
economia global em um momento de taxas baixas de crescimento e aumento
substancial dos níveis de desigualdade e subemprego, o que tende a dificultar ainda
mais a retomada atividade econômica global.

Em crises de padrão de acumulação de capital precedentes, o cumprimento dos


seus desígnios significaram mudanças estruturais na organização da produção, no
sistema financeiro, no papel dos Estados e na correlação de forças internacionais,
seguido de recuperação econômica. Foi assim no final do século XIX, quando o
capitalismo transitou de sua fase concorrencial para a monopolista. Em 1929 em que
o capitalismo também se reinventou, transitando para o modelo de organização da
produção e do consumo de massas fordista no pós guerra, criando as bases
produtivas nas economias centrais aos direitos e conquistas dos trabalhadores por
meio do Estado de Bem Estar Social, um escudo de contenção da influência política
e ideológica da URSS no pós segunda guerra diante da ampliação do campo
socialista em escala global. Assim também foi na crise dos anos 1970, quando sua
resolução passou por uma modificação substantiva no regime de produção e
acumulação, criando condições para a emergência do neoliberalismo e do avanço
célere da financeirazação, além de um novo arranjo produtivo global. O capitalismo
transitou do liberalismo para o intervencionismo Estatal, do padrão ouro para o
padrão dólar-ouro. Da hegemonia da Inglaterra para a dos EUA. Na crise atual, a
velocidade da queda dos indicadores econômicos e a particularidade dos
acontecimentos têm sido um obstáculo para que o capitalismo possa se reinventar e
a crise cumprir os seus desígnios de colocar o capitalismo em um novo ciclo
expansivo, de modo que a crise rasteja e leva a humanidade e o planeta à barbárie.

1.1.2) A interrupção das cadeias globais de suprimentos e de mercadorias.

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Essa crise atinge diretamente a produção, pelas medidas de isolamento social em
diversos países, que têm impacto na interrupção das cadeias globais de suprimentos
e de mercadorias. Esse processo tem levado os países do centro capitalista a
reavaliar a forma de distribuição das cadeias produtivas. Uma vez que a pandemia
mostrou, devido às interrupções e defasagem na produção global nesse período, a
fragilidade dessa forma descentralizada de organização do processo produtivo, em
que, um celular, por exemplo, para a sua produção, depende da matéria prima,
suprimentos e trabalho de várias partes do mundo, com destaque para os países do
Sul Global.

Concomitantemente a essa perspectiva, por parte dos países imperialistas a


tendência é a de nacionalizar processos produtivos e avançar a reindustrialização.
Há uma corrida pelo chamado “salto tecnológico” que é uma das saídas clássicas
das crises da perspectiva do capital. Nesse momento, o Imperialismo está numa
busca acelerada por novos paradigmas tecnológicos que se traduz concretamente
na indústria 4.0, inteligência artificial, tecnologia 5G, internet das coisas.

Já para os países da periferia do capitalismo, esse cenário reitera o caráter


dependente dessas economias. Ao invés de uma quarta revolução industrial,
identifica-se a tendência de mundialização da terceira revolução industrial, que
opera, na prática, um deslocamento da produção industrial de ponta para a Ásia
relegando a países dependentes como Brasil e América Latina um papel secundário
na divisão internacional de trabalho, chamado pela literatura econômica
convencional de cadeias globais de valor, como plataforma de exportação de
produtos primários, alijado, portanto, das novas ondas de inovação tecnológica. Os
países subdesenvolvidos estão sendo cada vez mais empurrados a postos mais
baixos das cadeias produtivas globais, e a isso corresponde uma estrutura social
caracterizada por informalidade e precariedade nos processos produtivos, afirmando
um aprofundamento das relações desiguais entre países do centro e dependentes.

1.1.3) Mais Estado para países centrais e mais austeridade para países
periféricos.

Até então as respostas à crise econômica atual eram hegemonizadas pelos


paradigma neoliberal de austeridade global, ou seja, as resposta dos governos para
recuperar a economia se baseava na primazia da política monetária em detrimento
da política fiscal. Diante da pandemia, o abandono às receitas de austeridade tem
sido uma tendência em alguns Estados nacionais do centro do capitalismo que têm
utilizado políticas fiscais fortemente expansivas. Governos de todas as correntes
ideológicas, inclusive os mais comprometidos com os preceitos neoliberais,
adotaram medidas fora do mainstream econômico para “estimular” a economia.
França, Noruega, Suécia, Dinamarca, Grã-Bretanha, Hong Kong, Nova Zelândia,
são apenas alguns exemplos de países que têm adotado algum tipo de medida fiscal
para financiar, os ingressos e rendas de trabalhadores e de empresas, depois de
décadas de hegemonia das políticas neoliberais reduzirem o papel do Estado na

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promoção do desenvolvimento, devastarem direitos e aprofundarem as
desigualdades sociais. Esta política fiscal agora tende a reativar uma economia
paralisada que aponta para uma depressão. O que essa tendência aponta é mais
Estado para países centrais e mais austeridade para países periféricos, ou seja,
mais uma dimensão do aprofundamento das relações desiguais entre países do
centro e dependentes. Para a periferia do sistema, a resposta à crise é o
aprofundando do neoliberalismo, suas políticas de austeridade e rigor fiscal e, em
alguns países, especialmente no Sul Global, a tendência do endividamento e a
possibilidade da volta da dívida externa.

1.1.4) Financeirização e a acumulação capitalista.

Numa primeira aproximação podemos compreender a financeirização do capitalismo


contemporâneo como a lógica e acumulação que passa a ser hegemônica a partir da
ruptura do sistema de Bretton Woods.

O acordo de Bretton Woods, 1944, respondeu a saída para a catástrofe gerada no


fim da segunda guerra mundial. O elemento essencial do sistema é a referência
mundial do dólar fiduciário (referido ao ouro) com objetivo de criar um sistema de
câmbio rígido e concentrado entre as nações representando uma ordem monetária
mundial caracterizada pelo controle de capitais e protagonizada pelos Estados
Nacionais. A predominância dos gestores de capital produtivo até Bretton Woods foi
substituída pelos gestores do capital bancário. A reconstrução do mundo pós-guerra
se deu via Plano Marshall, e o comércio pensado internacionalmente, por meio do
sistema de Bretton Woods. Desse modo a formação do sistema de Bretton Woods e
da nova ordem mundial contemplavam a decisão dos EUA em hegemonizar o
mundo e se afirmar como potência mundial. É concedido a uma nação o poder de
sengneiriage internacional plena, o que implica numa relação subalterna das demais
nações, que passaram a sofrer pressão para estabilizar suas moedas à medida em
que o dólar foi substituindo o ouro como reserva cambial em vários países.

Entre os anos de 1968-1971 é possível falar numa mudança do papel do dólar como
dinheiro mundial a medida em que o mercado de crédito interbancário passa a
estabelecer seu próprio circuito internacional, com uma liquidez abundante e
crescente, fora do controle das autoridades monetárias e sem relação com o déficit
de balanço de pagamentos americano. Desenvolve-se o mercado de crédito privado
que alimentou o último auge da expansão da economia mundial ao mesmo tempo
em que a estabilidade do dólar passou por um espectro de provas políticas, como a
guerra do Vietnã, Muro de Berlim, Crise dos Mísseis em Cuba.

A situação foi rompida em 1971, que marca o fim do sistema de Bretton Woods, ou
seja, a renúncia oficial dos EUA em manter o dólar como uma moeda conversível em
relação ao ouro. Em 1971 tem-se o fim da conversibilidade do dólar e em 1973 o fim
da paridade dólar/ouro. O fim de Bretton Woods significou a vigência de uma nova
forma de acumulação capitalista a nível mundial, a liberalização financeira. A

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expressão “financeirização”, “mundialização do capital” ou ainda “globalização”
traduz a capacidade estratégica de grandes grupos oligopolistas de adotar condutas
globais, empreender operações de arbitragem em mercados financeiros mundiais e
avançar para a financeirização de fundos públicos e serviços essenciais como
saúde, educação, tarifas do setor elétrico, etc.

Ainda que houvesse a resistência de alguns países entre os anos de 1979-1981 ao


alinhamento automático às políticas econômicas ortodoxas, o alinhamento acabou
se dando em termos de política cambial, política de taxa de juros, e política fiscal,
pois apesar de tudo, o déficit americano tornou-se, na prática, o único elemento de
estabilidade temporária no mercado monetário e de crédito internacional.

O processo de descolamento do setor financeiro do setor produtivo não ocorreu em


um toque de mágica. Em dados, tendo como fonte a OCDE, demonstram que
durante a década de 1980 o crescimento anual dos ativos financeiros da área da
OCDE foi 2,6 vezes maior que a formação de capital fixo privado. Já em 1992,
utilizando os mesmos países membros da OCDE como referência, o total de ativos
financeiros acumulados representava 35,483 trilhões de dólares, duas vezes maior
que o PIB que era de USS 16,770 trilhões, e, treze vezes maior que as exportações
de mercadorias (USS 2,646 trilhões). Esse descolamento chega ao ponto em que
em 2008 os ativos financeiros representavam um montante três vezes maior que o
PIB mundial.

Na crise atual, a procura pelo dólar estadunidense tem aumentado significativamente


e modificado as diferentes taxas de câmbio. Para reverter esta falta de liquidez, o
Federal Reserve (FED), além de cortar a taxa de juros, tem aberto linhas de crédito
(swap) a taxas de juros baixíssimas, ou seja, estão tentando inundar o mundo de
dólares. Para evitar um colapso, os Bancos Centrais do mundo inteiro estavam
reduzindo permanentemente as taxas de juros, provendo dinheiro barato, gerando
uma migração dos capitais dos títulos para as bolsas de valores ocasionando em
uma maior bolha do mercado financeiro o que agrava a crise ao invés de superá-la.
Ou seja, uma política monetária de redução das taxas de juros, na procura de
aumentar a liquidez e estimular o consumo e o investimento. O capital tende a fluir
para títulos de rendimento negativo, O Federal Reserve Bank, dos EUA, já vinha
mantendo suas taxas de juros muito reduzidas, o que dá muito pouco espaço para
diminuí-las ainda mais, caso haja outra crise financeira como 2008. A utilização
desta política monetária não foi apenas insuficiente para reativar o crescimento
como também implica custos significativos, incluindo o aumento dos riscos de
estabilidade financeira. As baixas taxas de juros permitem que os mercados
financeiros tomem empréstimos em uma situação cujos riscos estão abaixo do
preço. Como resultado, tem-se os ativos supervalorizados e a tendência de ampliar
a dívida global.

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1.1.5.) O trabalho redundante e a massa sobrante de trabalhadores.

A crise revela o trabalho redundante e a situação em que o desenvolvimento


tecnológico se mostra incompatível com o próprio capitalismo. No Capítulo XXIII de
O Capital, A Lei Geral da Acumulação Capitalista, Marx mostra que o
desenvolvimento das forças produtivas cria um descarte de contingentes de força de
trabalho supérfluo ao processo produtivo, mas fundamental para a valorização do
capital. Trabalhadores substituídos por máquinas constituem o chamado Exército
Industrial de Reserva, com o papel fundamental de fazer pressão na concorrência de
mercado de compra e venda de força de trabalho, forçando cada vez mais o preço a
vigorar abaixo do seu Valor de Reprodução (já que haveria mais demanda que oferta
de emprego). A base material dos sindicatos existirem é para organizar a classe
trabalhadora e impedir que o preço da Força de Trabalho seja remunerado muito
abaixo do seu Valor. A chamada superpopulação relativa, outro nome para o Exército
Industrial de Reserva, não é uma lei natural/biológica, senão uma lei social. A
manutenção de um contingente fora da força de trabalho ocupada contribui com o
capitalismo e sua lógica de acuulação na medida em que sua existência força quem
está trabalhando a trabalhar e produzir ainda mais, pelo medo do desemprego, e
quem não está trabalhando força do salário de quem está trabalhando para baixa,
em função do salário responder, em economias de livre mercado, a variações de
oferta e de procura. No fim do capítulo sobre a lei geral da acumulação capitalista
Marx ainda explicita como, paradoxalmente, os trabalhadores ao criarem riqueza
criam também os meios para que se tornem supérfluos.

No capitalismo contemporâneo as mudanças de paradigma tecnológico, dentre elas


a chamada indústria 4.0 e a tecnologia 5G, criam uma tendência de eliminar postos
de trabalho. Essa não é apenas uma mudança na estrutura ocupacional e na
geração de trabalho ou emprego, trata-se do avanço no processo de subsunção do
trabalho ao capital: a eliminação do trabalho vivo no processo produtivo capitalista.
O capitalismo contemporâneo nessa lógica tecnológica, com esse nível de
concentração e jornadas de trabalho atual não absorve a força de trabalho, que
passa a ser uma massa sobrante que não é funcional à acumulação capitalista a
nível dos capitalistas individuais, mas enseja e aprofunda a própria crise do capital,
na medida em que a tendência a queda da taxa de lucro é justamente uma
decorrência da substituição e redução da única fonte de geração de valor: o trabalho
humano vivo.

Uma dimensão dramática da pandemia é a possibilidade não só de descartar mas


também de eliminar esse contingente de Força de Trabalho supérfluo (que excede
aquele contingente que, embora sobrante, é funcional a valorização do capital) à
valorização capitalista, aptos a eliminação pelo vírus, fome, suicídio, genocídio,
higienização ou migração forçada de refugiados. Numa velocidade muito
significativa, vagas de trabalhos suprimidas ou suspensas na pandemia, deixaram
de existir ou tendem a se adequar ao modelo remoto.

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Por outro lado, esse processo gera também a mercantilização desse contingente
descartado. Forma-se uma indústria de serviços de inteligência, bens, artefatos para
os métodos de gestão estatal e paraestatal da contenção dos descartados, que
passa pelo encarceramento em massas, pelos mercados ilegais de serviços,
medicalização, armas e drogas, cada vez mais funcionais a desmobilização da
classe trabalhadora, ou seja, o capitalismo produz a depressão e o fármaco e ao agir
na contenção, também lucra. Produz o esgarçamento do tecido social e aprofunda o
Estado Policial de repressão.

Nesse sentido, parte da extrema-direita que se coloca na intervenção acelerada na


seleção entre os que serão “salvos” e os que ficarão à deriva e serão computados
nas estatísticas de um milhão de mortos. Essa seleção diz respeito à atual fase do
capitalismo em conceber um planeta para poucos, o que fica explícito nos
manifestos “ecofascista”, “uma ideologia que não é nova, mas desponta na extrema-
direita, às vezes confusa sem grandes teorias políticas, mas compilam ideias como a
imigração e aquecimento global como dois lados do mesmo problema”. Nos espaços
ecofascistas nas redes, os discursos carregam o pressuposto de que o planeta será
para poucos e o sistema já não comporta os pobres.

A partir da crise de 2008 o capitalismo adentra num novo regime de acumulação


marcado pela intensificação da financeirização e por uma revolução tecnico-
científica, buscando ampliar as taxas de lucros. Isto explica o avanço de diversas
reformas trabalhistas, previdenciárias, assim como a perda direitos sociais e o
aumento da pobreza. Para se efetivar, esta ofensiva ultraliberal (um novo regime de
acumulação capitalista) tende a buscar formas autoritárias de governos, inclusive
neofascistas, que consigam conter a reação da classe trabalhadora.

Desse modo, a crise atual nos empurra a outra esfera de reflexão, que não se trata
apenas da disputa do futuro e destino do trabalho diante das transformações do
capitalismo. Os impactos da pandemia na crise capitalista colocam na centralidade
na própria defesa da vida das trabalhadoras e trabalhadores.

1.1.6) A crise da globalização neoliberal e a ascensão da China.

A crise da globalização neoliberal corresponde ao fracasso da utopia liberal de que o


mercado, por si só, traria prosperidade e riqueza para os países. A liberalização da
economia, as privatizações e outras medidas neoliberais aumentaram as
desigualdades sociais em escala global, favoreceram a xenofobia e o surgimento de
movimentos neofascistas. Outro fator constituinte da crise da globalização neoliberal
é a ascensão de novos pólos de poder como a Rússia e a China, abrindo caminho
para uma multipolaridade global. Este cenário favorece o declínio relativo da
hegemonia do imperialismo estadunidense e impulsiona a ascensão da China. A
crise capitalista está intimamente ligada à crise de hegemonia dos EUA, não apenas
por esse país, paulatinamente perder poder econômico na geopolítica global, mas
também pela fragilidade do Império em não conseguir resolver as necessidades

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materiais do seu próprio povo. A crise econômica, junto às mortes por coronavírus,
está sendo fatal para a população americana. E de outro lado, revela-se a eficácia
dos países socialistas, com destaque para China no enfrentamento do coronavírus
com atitude científica, com política pública para salvar vidas, com organização
popular e internacionalismo. Outra dimensão crucial é a corrida tecnológica. A China
dá um exemplo mundial de como usar a tecnologia para resolver problemas e
atender necessidades do povo, mantendo o pleno emprego. A tecnologia aliada ao
conhecimento científico faz com que na China esteja em curso a mudança da matriz
energética e conquistando a soberania alimentar, alcançando as metas de seu
programa de construção nacional e mostrando que é possível tirar 800 milhões de
pessoas da fome em trinta anos.

1.2) OFENSIVA DO IMPERIALISMO CONTRA OS POVOS

É importante chamar as coisas pelos nomes que elas têm: está em curso uma
ofensiva do Imperialismo que tem uma agenda a cumprir. Destacamos 4 pontos
estratégicos nessa ofensiva, cotejando alguns comentários sobre o Brasil no que
tange à orfandade de um Projeto Nacional que favorece a ofensiva do governo
Bolsonaro contra a classe trabalhadora no contexto internacional de avanço de
políticas econômicas ultraliberais e movimentos neofascistas.

1.2.1) A ofensiva sobre os direitos da classe trabalhadora. O capital está numa


ofensiva para transformar direitos em negócios e com isso aumentar a exploração da
classe trabalhadora por meio da retirada de direitos historicamente conquistados,
desorganizar as relações de trabalho e lançar os trabalhadores/as ao desemprego,
informalidade e precariedade. Em outras crises estruturais do capital, como no
período entre guerras (1929), diante de uma situação adversa no cenário
internacional, países subdesenvolvidos como Brasil, Argentina e México
encontraram a oportunidade desenvolver um processo de industrialização
dependente, mas, na crise atual, esses países passam pelo inverso, um intenso
processo de desindustrialização e de desnacionalização do que resta de suas
indústrias. Com isso, são perceptíveis as condições de superexploração do trabalho,
em especial por meio do trabalho uberizado e da subutilização da força de trabalho;
prolongamento da jornada e suas consequências de desgaste físico e mental, o
aumento da intensidade do trabalho por meio de uma organização flexível, uso de
metas e avaliação da produtividade.

No Brasil, estamos diante de uma mudança estrutural múltipla, disruptiva das


regulações do Mercado de Trabalho que tem como consequência o aumento efetivo
e estruturado da informalidade e manutenção da taxa de desemprego. Medidas
como o fim do Ministério do Trabalho, o fim da Política de Valorização do Salário
Mínimo, fim do imposto sindical, a regulamentação da emenda 19 que rege sobre o
sistema de avaliação de desempenho e cria mecanismos de quebra da estabilidade
no emprego pelo critério de desempenho que atinge notadamente os servidores
públicos; O aprofundamento da abertura econômica e a generalização do processo

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de terceirização; a PEC 95 conhecida como PEC do Teto dos Gastos; A MP 873 que
retira recursos dos sindicatos; As retiradas de direitos e desmonte do sindicalismo
com a Reforma Trabalhista de 2017 e a Reforma da Previdência de 2019. Essas são
medidas que transformam estruturalmente o mercado de trabalho no Brasil, sendo
também um conjunto de ataques que alteram a correlação de forças entre
trabalhadores e capitalistas na regulação e remuneração do trabalho.

1.2.2) A ofensiva na disputa do Estado. O capital está em uma ofensiva tanto na


dimensão política quanto na dimensão econômica. Por um lado, busca adequar o
Estado nacional e instituições às exigências da acumulação do capital financeiro por
meio de mudança dos marcos legais quanto na dimensão econômica, por meio da
apropriação dos mecanismos indutores da produção, passando pela privatização
das empresas estatais até a disputa da mais valia social por meio da privatização e
capitalização de fundos públicos, uma verdadeira derrota de visão de mundo sobre o
sistema de seguridade social. Por outro lado, opera a ofensiva sobre o patrimônio
público avança com a privatização de poços de petróleo, da rede distribuição da
Petrobras, da Eletrobras, dos Correios, a tentativa de implementação da Reforma
Administrativa, a venda de terras a estrangeiros e, finalmente, da ofensiva do capital
financeiro com a autonomia do Banco Central.

A burguesia no Brasil procura estruturar um projeto de dominação com estruturas de


reprodução da hegemonia no Estado que ganharam contornos institucionais com a
CLT – Consolidação das Leis Trabalhistas - nos anos 40 e com o PAEG – Plano de
Ação Econômica do Governo - nos anos 60. Nos anos 80, o processo de ascenso da
luta de massas levou a um processo de democratização da sociedade que teve
acúmulos organizativos em ferramentas de lutas da classe trabalhadora (PT, MST,
CUT, CMP), mas não democratizou o Estado o que significa alto nível de exclusão
do povo brasileiro nas decisões estratégicas do Estado. Nos anos 1980 a burguesia
também se dedicou a organizar seus aparelhos privados de hegemonia ideológica.
Institutos, centros de estudo, revistas, think tanks foram consolidados como
aparelhos organizativos de ação política e ideológica responsáveis pelos
reordenamentos do pensamento liberal no Brasil. Atualmente a burguesia para
reconquistar o monopólio do poder do Estado está combinando várias formas de
golpe. Temos diversos exemplos dessa ofensiva na América Latina. No Brasil, com o
golpe de 2016 a burguesia está mais próxima das condições de institucionalizar uma
nova forma de dominação que combine esses aparelhos privados de hegemonia
com a mola propulsora da ação Estatal numa ação que têm como objetivo a
destruição da Constituição de 1988, particularmente o seu capítulo social. A
Constituição de 88, garantidora de direitos sociais, civis e políticos, é considerada
um obstáculo ao projeto ultraliberal de contornos neocoloniais. A unidade das
frações burguesas no Brasil desde 2015, principalmente, se dá em torno do
programa econômico ultraliberal referenciado inicialmente no programa Ponte Para o
Futuro apresentado pelo MDB. É evidente a dificuldade de a burguesia brasileira
construir hegemonia pelo consenso dada a concentração de renda e a desigualdade

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que agravaram o conflito distributivo. Cada vez que o povo entra em cena, seja
através do aumento da sua renda, ou mediante a inserção de políticas sociais, ou
seja, tendo mais políticas sociais no orçamento ou participando mais da vida
democrática, a burguesia reage com violência. Atualmente as exigências de
acumulação capitalista financeirizada tem se mostrado incompatíveis com certas
características clássicas da democracia liberal burguesa e esse processo deflagrou
a ofensiva mundial de forças conservadoras, autoritárias, intolerantes, de extrema-
direita no sentido da eliminação direitos sociais e restrição da participação política da
classe trabalhadora.

1.2.3) A pilhagem de bens naturais e a militarização. É outra dimensão


estratégica nessa ofensiva. Disputas por territórios e apropriação privada de fontes
energéticas mundiais como petróleo, eletricidade, minérios, terras, águas e
biodiversidade. Desta forma, o capital financeiro age no sentido de pressionar os
Estados a venderem seus recursos naturais para seguir recebendo investimentos da
“poupança externa”, mas, na prática, esse é um movimento crucial para os
interesses do mercado financeiro na medida em que esse chegou a um nível de
criação do capital fictício sem precedentes, ou seja, alimentaram um gigantesco
descolamento dos capitais de qualquer base material e agora precisam recuperar
esse lastro. Esse movimento se combina com a transformação de bens da natureza
e alimentos em commodities que comprometem a soberania alimentar dos povos.

No Brasil, após o golpe de 2016, passamos a ter um processo de liberalização geral


de agrotóxicos ainda mais tóxicos (não permitido em muitos países) e uma venda
em larga escala de terras ao capital financeiro como ocorre na região MATOPIBA.
Nessa ofensiva do capital para se apropriar de recursos estratégicos há uma
centralidade, a Amazônia, uma dotação única de recursos estratégicos no mundo:
água, energia, petróleo, minérios além de um patrimônio sócio-cultural, incalculável.
Até então a dominação se dava por projetos como o IIRSA (Integração Infraestrutura
Regional Sul Americana) - projetos de redefinição de rotas e infraestrutura para
extrair recursos para acumulação global. Hoje há uma tendência a um formato
híbrido, um novo padrão de militarização combinado com a guerra cibernética
através dos controles dos metadados e algoritmos, a chamada Guerra de Quarta
Geração.

1.2.4) A ofensiva sobre a cultura da classe trabalhadora. O telefone é o principal


acesso da classe trabalhadora à cultura. É pelo telefone que chega a dominação
produzida pelas grandes corporações, ou seja, o controle ideológico não se opera
apenas pela indústria de massas, mas por essa ofensiva segmentada e direcionada
por algoritmos e metadados centralizando essas informações pelo que hoje
conhecemos como Big Data. A derrota dos EUA no Vietnã mostrou que a resistência
e a cultura dos povos, logrou impor derrotas a tecnologia de guerra, mostrando que
para exercer a dominação não é suficiente o terreno econômico, diplomático, militar
é necessário exercer a dominação no complexo da vida. É assim que o Pentágono

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desenvolveu nos anos 90 a doutrina de dominação para a América buscando ter
capacidade total de controle e eliminando os pontos de vulnerabilidade. A chamada
doutrina de dominação de espectro completo visa o controle das emoções, modos
de desejar, linguagens, culturas, mercados, todas as esferas de reprodução e
organização da vida. Dominar corações e mentes, controlar o mercado da
alimentação, os métodos de cuidados com a saúde, os paradigmas de beleza dos
corpos, os recursos estratégicos, as disciplinas às normas e os valores competitivos
do capital. É uma verdadeira guerra por hegemonia. Essa guerra se dá por meios
híbridos, uma combinação da guerra convencional com métodos de guerra para
provocar o caos. A ofensiva sobre a cultura, a destruição dos vínculos, da
sociabilidade e da noção de pertencimento à classe trabalhadora favorece o
autoritarismo e a fascistização da sociedade.

O caos, a digitalização da vida, o avanço do conservadorismo e a ação nas redes


marcaram as últimas eleições presidenciais no Brasil. A eleição e modo de
funcionamento do governo Bolsonaro não pode ser entendida descolada desse
processo.

Enfim, o Imperialismo reage buscando restaurar sua hegemonia, suas taxas de


lucros, intensificando a superexploração do trabalho e patrocinando a
desestabilização política dos países que não se enquadram nos interesses
imperiais. A resistência dos povos é reprimida seja por fake news, perseguição
de lideranças populares ou pela guerra, propriamente dita, pela repressão,
criminalização e judicialização da luta. Nessa guerra contra os povos, não somos
vítimas, somos combatentes de uma visão de mundo. Passamos agora para o
segundo momento do texto que é um exercício de reunir elementos para caracterizar
as consequências da crise, agravada com a pandemia sobre a atual situação da
classe trabalhadora no Brasil.

2) A SITUAÇÃO DA CLASSE TRABALHADORA NO BRASIL

2.1) As raízes da classe trabalhadora no Brasil

A atual classe trabalhadora carrega em si, toda a história da formação social e


econômica brasileira. Arrasta as heranças do trabalho escravizado, na forma da
degradação dos trabalhos e dos trabalhadores manuais, na abissal desigualdade
social, racial e sexual desde a divisão social do trabalho, na convivência secular com
a violência do Estado. O racismo e o patriarcado estão na essência da produção e
reprodução das relações sociais desiguais da sociedade brasileira. Ambos foram (e
continuam a ser) elementos constitutivos e constituintes do projeto de nação das
classes dominantes para o Brasil e, portanto, particularizou a formação das classes
sociais e as formas de exploração e opressão do trabalho pelo capital no país.

A substituição da força de trabalho escravizada em bases pré-capitalistas e pelo


trabalho assalariado sucedeu, segundo Florestan Fernandes, no livro O Significado

14
Protesto Negro (1989), como a última espoliação para os negros recém libertos. O
sucessor do escravizado não foi o trabalhador negro livre, mas o trabalhador branco
livre estrangeiro. Isso significa que os negros adentraram à ordem social competitiva
em condições desiguais em relação aos brancos. Nesse sentido, o racismo contribui
para a regulação do valor da força de trabalho no Brasil, à medida que naturaliza
uma condição de superexploração de uma parte da classe trabalhadora, de maioria
negra, cuja destinação é o trabalho sujo e mal pago, sem direitos e abaixo do
mínimo necessário para a reprodução da sua existência, nas palavras de Florestan.
E, por outro lado, esse grande número de trabalhadores na informalidade mantém
um exército industrial de reserva que pressiona pela não valorização da força de
trabalho e induz ao rebaixamento dos salários da classe trabalhadora inserida no
mercado formal.

A classe trabalhadora se formou em um longo processo de lutas, antes da


industrialização propriamente dita. Se forjou nas lutas de resistência escravista, no
movimento abolicionista, combinando a luta pela liberdade com a luta por acesso e
condições de trabalho e de reprodução social da vida. O século XIX viu a
convivência do trabalhador escravizado com o assalariado e em meio a contradições
se forjaram em luta e organização em diversas experiências que antecedem a vinda
de trabalhadores imigrantes da Europa. Ao contrário dos setores que afirmam que a
história de luta dos trabalhadores teria o seu início no século XX, com a vinda dos
imigrantes para o Brasil, trazendo sua experiência de luta. Compreendemos que,
esse conjunto de trabalhadores trouxeram uma experiência importante, mas que as
raízes das experiências de luta e organização da classe trabalhadora brasileira estão
na luta anticolonial, pela abolição e da construção de um país independente. Nas
experiências de resistência do povo brasileiro.

2.1.1) A precarização da classe trabalhadora e o processo de urbanização no


Brasil.

O ponto de partida estrutural da formação da classe trabalhadora foi a precarização,


a informalidade, marginalidade e a heterogeneidade estrutural, partes constitutivas
da acumulação espoliativa e do caráter subdesenvolvido da nossa formação
econômica. É historicamente uma classe cindida ao meio pelo mecanismo
burocrático e moral do trabalho formal e informal. Dessa cisão uma parte da classe
obteve e ainda obtém um nível de acesso a direitos laborais, a representação
sindical nas lutas econômicas e políticas, a status e condições de identificação e
pertencimento coletivo e a outra parte, ao longo do último século só conheceu a
velha e persistente precarização, que agora se universaliza mais uma vez, para a
maioria da força ativa de trabalho. Nunca tivemos um mercado de trabalho
organizado e equilibrado, do ponto de vista dos direitos trabalhistas, com uma
proteção social universal.

Ainda que a CLT tenha sido avançada para a época, ela estava circunscrita a uma
cidadania regulada, ou seja, o acesso aos direitos dependia do acesso ao trabalho,

15
reconhecido e regulado pelo Estado. O tipo de fordismo que se instalou no Brasil foi
típico de um país dependente. De modo que, por aqui, foram inseridos os elementos
do maquinário e do controle gerencial num grau muito maior do que da melhoria nas
condições de vida e consumo da classe operária. Prescindindo dos elementos do
consenso do fordismo e, consolidando-se a partir da via autoritária e do uso da força
– através da autocracia, o fordirsmo brasileiro não se caracterizou por ensejar uma
classe trabalhadora apta, mediante seu poder de compra, ao consumo dos bens de
consumo duráveis por ela produzidos.

Ao mesmo tempo em que aprofundou a dependência nacional em relação aos


países imperialistas, desenvolvendo um padrão fordista incompleto e precário –
dependente. O fordismo que aqui se estruturou se apropriou da superexploração da
força de trabalho, do desemprego estrutural crônico, das jornadas extensivas de
trabalho sem pagamento de horas extras, da alta rotatividade de mão de obra e de
uma baixa média salarial que se decompunha com a inflação no passar do tempo.
Combinou-se intensificação do trabalho com a contenção salarial. Um exemplo é o
do salário-mínimo, que só superou o valor (em termos relativos) do de 1940 (ano em
que foi criado o salário-mínimo) no ano de 1957. Fora isso, em todos os anos ele
esteve abaixo do valor de 1940. Os baixos salários conviveram no Brasil, sobretudo
na década de 70, com uma das maiores taxas de desenvolvimento do mundo.
Portanto, a realidade de alguma integração das grandes massas trabalhadoras na
sociedade salarial de direitos constitui uma exceção na história do Brasil, cerca de
50 anos, de 1930 e 1980. Uma promessa que começa a se esmaecer na década de
1980, quando ainda havia dois terços da força de trabalho sob a condição de
assalariamento com proteções sociais.

No período desenvolvimentista 1930-1980 a industrialização dependente, sem


reforma agrária, “expulsou” os povos do campo e inventou às pressas uma
urbanização sem cidades, ou seja, sem uma complexa divisão social do trabalho.
Em 30 anos (de 1930 a 1960) o Brasil, inverteu a sua população de rural para
urbana, aglomerando em periferias horizontais em uma só um pancada todo o
exército industrial de reserva nacional. Sob a promessa de que no futuro, após o
“bolo crescer”, incluiria as massas trabalhadoras, na sociedade salarial e de direitos.
Na prática, a industrialização dependente exigiu uma brutal repressão popular,
necessária para manter sob controle uma classe trabalhadora extremamente
explorada, porém concentrada e aos poucos forjando suas formas de lutas.

2.1.2) Formas de organização e luta.

O campo laboral, sindical, desde os espaços de produção e geração de mais valia,


amalgamou sua pauta na luta pela renda do trabalho, por elevar os ganhos salariais,
a participação nos lucros e resultados, por melhores condições físicas e ambientais
de trabalho, revertidos em direitos e nas Normas Regulamentadoras (NRs) por
categorias, redução da jornada, liberdade de organização dos trabalhadores, pautas

16
dirigidas a classe patronal. O movimento sindical, ocupou-se, historicamente, de
organizar as lutas no campo das condições de venda da força de trabalho via o
acesso aos padrões legais do assalariamento com proteção social, através de uma
representação reconhecida legalmente, com base em um código de direitos e
ferramentas estatais para mediação do conflito entre capital e trabalho. Organizou
parcelas formais da classe trabalhadora a partir de sindicatos locais, federados e
confederados por categoria, que negociaria com uma estrutura “espelho”, ou seja,
com a mesma estrutura, representando o setor patronal.

E de outro lado, organizou-se em forma de movimentos populares, o campo das


lutas ligadas às demandas da reprodução social, descolados e separados do
trabalho e da agenda salarial, da agenda dos custos e do valor da reprodução da
força de trabalho em suas necessidades de acesso à moradia, transporte público,
aparelhos e serviços públicos de saúde, educação e abastecimentos. Lutas estas
dirigidas ao Estado de modo fragmentado, em seus níveis locais, sem políticas
regionais, metropolitanas ou estaduais, pouco chegando de modo orgânico à esfera
nacional, para disputar o acesso a mais valia social. As divisões das formas de
acesso ao trabalho, com as separações entre as lutas na esfera produção da esfera
da reprodução social, ampliaram os níveis de fragmentação das forças e das formas
de organização da classe, aprisionadas em uma dinâmica pragmática, prática,
pontual, temática, sem se constituir na construção de uma cultura política e
ideológica de articulação das partes em uma perspectiva sistêmica e de totalidade.

2.2) Os impactos do neoliberalismo na classe trabalhadora.

A introdução da primeira onda neoliberal dos anos de 1990 é a ofensiva de


desmonte da promessa integradora do projeto desenvolvimentista. Houve
aprofundamento na desestruturação da classe, agravamento das condições de vida
e criminalização das formas de luta. A revolução tecnológica, a reestruturação
produtiva, a flexibilização dos direitos trabalhistas, mais a ideologia do
empreendedorismo e a responsabilização do trabalhador por sua empregabilidade,
pulverizou uma já pulverizada, fragmentada, cindida classe trabalhadora, rompendo
com o pouco de seus laços de sociabilidade, sobretudo desde o campo da produção.
Condenando os custos do trabalho, como sendo a causa da baixa competitividade
brasileira no interior da globalização. Com isso, se complexifica a competição no
mercado de força de trabalho entre trabalhadores empregados, com registros,
direitos e sindicatos, vindos das grandes categorias ocupacionais, reconhecidas pelo
Estado, com suas formas próprias de representação, base da constituição de uma
identidade e de pertença coletiva (metalúrgicos, químicos, sapateiros, bancários,
professores...) e os trabalhadores, desempregados e informais, massivos, sem
espaços de associação laboral, sem registros, sem representações, sem pautas
comuns e orientados pelo capital e pelo Estado a resolverem individualmente seus
problemas laborais.

17
2.2.1) Transformações na produção, nas relações sociais e organizativas da
classe trabalhadora.

Naquilo que diz respeito à nova forma de gestão e organização do trabalho para
superar a “fábrica fordista”, aparecem três novas formas que se combinam e
realizam a reestruturação produtiva: a) a “fábrica difusa” que inverte o processo de
concentração e aglomeração produtiva do fordismo de uma forma piramidal para
uma em rede, espalhando as unidades de produção (sem abrir mão de uma
centralização na unidade central coordenadora – a matriz) e “externalizando” parte
das funções produtivas (terceirização, subcontratação e trabalho por encomenda),
para reduzir os custos excessivos com a dilapidação das forças produtivas (energia,
mão de obra, estrutura etc.), além de fragmentar e reduzir a capacidade de luta do
operariado porque dispersa uma classe trabalhadora em diversas empresas e
formas de contrato aparentemente novas, mas que na essência mantém a mesma
dinâmica produtiva; b) “a fábrica fluida” que busca acabar com o tempo morto na
produção presente no fordismo (estoques, peças à espera, operações em séries
parceladas etc.), através de um processo contínuo ideal para ganhar na ampliação
da intensidade e produtividade da jornada (metas, progressões, plr’s. De modo que
a tecnologia passa a ser inserida não só para substituir o trabalhador (automação de
substituição), mas para também gerir os fluxos entre cada seção (automação de
integração) para otimizar o fluxo produtivo – economizando capital fixo e circulando
por unidade produzida; c) “a fábrica flexível” que busca romper com o padrão rígido,
quase homogêneo e massivo de produção e a norma de consumo fordista através
de uma produção mais flutuante e diversificada para mercados mais individualizados
e heterogêneos. Criando melhores condições para enfrentar as oscilações
econômicas a partir do ajuste da capacidade produtiva a uma demanda variável de
volume e composição e, com isso, acelerar a rotação do capital (fixo e circulante) e
economizar capital constante.

Para que essas transformações se viabilizassem as inovações tecnológicas e o


desenvolvimento das redes de informática foram fundamentais. Sem essas não seria
possível, por exemplo, a descentralização das unidades fabris ao mesmo tempo em
que se aprofunda a centralização das matrizes das empresas. Além da flexibilização
dos sistemas de máquinas para variar a produção de acordo com a necessidade, de
cada momento, para a realização das mercadorias. Combinado com os elementos
tecnológicos, foi necessário modificar a divisão social do trabalho no interior das
fábricas. Enquanto na célula fordista a relação se estabelecia entre o operário
especializado com capacidade para repetição e a gerência tinha o papel de controlar
e supervisionar o operário, na oficina flexível a relação se estabelece entre uma
equipe polivalente com capacidade para pilotagem, supervisão e manutenção de um
sistema de maquinas e, uma gerência que assume o papel de assistência técnica e
monitoramento das equipes polivalentes. Há uma alteração significativa no tipo de
controle que se estabelece dentro da fábrica. O controle hierárquico e militarizado da
fábrica fordista se transforma no “auto” controle no interior das próprias equipes e no

18
acompanhamento minucioso, através de computadores e da informática, pelas
gerências.

Com essas mudanças na produção a regulação do trabalho é tensionada para


acolher essas mudanças com legislações permissivas a terceirização, trabalho em
tempo parcial, formas de contratação mais flexíveis, em resumo, essas mudanças na
produção cumprem o papel de pressão para a desregulamentação das relações de
trabalho. Essas transformações serão responsáveis por romper, fracionar e dificultar
a construção dos laços de identidade entre a classe, comprometendo a sua
capacidade de organização e de luta, dentro e fora das unidades de produção. Na
verdade, com essas transformações, a delimitação das fronteiras entre a produção e
a reprodução, a indústria e os serviços, passa a ser algo mais complexo do que
antes. É parte da estratégia de ofensiva construir uma “roupagem” reprodutiva, ou
um deslocamento para o setor de serviços, à parcela do trabalho produtivo e/ou
realizado na indústria. Por outro lado, com a disputa da mais-valia social no âmbito
dos recursos públicos destinados para os serviços públicos, o que o neoliberalismo
faz é, deslocar diversos trabalhos de serviços públicos para uma lógica puramente
capitalista.

Para implementar essas transformações, a ofensiva neoliberal precisou lançar mão


de um brutal processo de criminalização das formas de luta da classe trabalhadora
organizada, em todos os âmbitos. No âmbito do movimento sindical, o processo
mais emblemático foi com a greve dos Petroleiros em 95 e no âmbito dos
movimentos populares com o MST, em Carajás, 1997.

Nos governos Lula e Dilma, onde vivemos uma recomposição da classe


trabalhadora por meio da política de valorização do salário mínimo, do crescimento
econômico e políticas de distribuição de renda, a maioria dos empregos gerados no
período se deu no setor de serviços e com baixos salários (até 2 salários mínimos) e
não conseguiram contribuir para reorganizar a estrutura ocupacional no país. Mesmo
com a criação de diversos postos de emprego, responsável por melhorar as
condições de vida e luta de grande parte do povo brasiliero, as formas de trabalho
inauguradas no período neoliberal não foram superadas.

A ofensiva sobre a regulamentação do Trabalho no governo Temer vem no sentido


de retomar o movimento interrompido nos governos anteriores. Cumpre um papel de
legitimar institucionalmente e consolidar o processo de flexibilização das relações de
trabalho, contribuindo ainda mais para desagregar as relações de trabalho.

2.2.2) Breve caracterização da precarização da classe trabalhadora na


atualidade.

Com um excedente da força de trabalho presa nas teias de uma concorrência


predatória pelos melhores postos de trabalho, com uma baixa e desigual
remuneração e condições de trabalho precárias, fatores que contribuíram para a

19
prevalência de uma alta rotatividade, informalidade e uma estrutura ocupacional
muito heterogênea, bem como para um agravamento da condição de fragmentação
da classe trabalhadora. Essa condição é ainda mais grave no Brasil entre a
juventude, primeira geração nascida já sob a hegemonia neoliberal. O curso de vida
dessa geração, fruto de processos sociais a partir dos quais indivíduos tomam
conhecimento e manifestam as normas e os valores do meio ao qual fazem parte de
forma constante ao longo da vida, é herança mas ruptura com a geração anterior
(décadas de 1970 e 1980), que foi a base para a organização social no país. Dentre
os jovens hoje, apenas 15% dos egressos dos cursos de graduação, encontrando
empregos em suas áreas de formação. Além disso, 38% das jovens negras com
Ensino Superior trabalham em atividades que exigem, no máximo, o Ensino
Fundamental. A juventude negra da classe trabalhadora é um setor importante
quando analisamos a precarização do trabalho. Não à toa, no universo dos bikeboys
das plataformas digitais, 75% tem até 27 anos, 71% são negros e recebem, em
média, R$ 936 por mês numa estimativa de nove a doze horas diárias de trabalho,
sete dias por semana. Quanto mais grave é a situação dos tipos e condições das
ocupações, mais elas são acessadas pela gigantesca maioria de jovens, com seus
parcos ensinos fundamental e médio sem acesso às universidades. O percurso
desta realidade vem das ocupações de fast-food nos anos 90, depois com
operadores de telemarketing nos anos 2000 e, agora, com os uberizados.

Há também uma crise de reprodução social. A sociedade capitalista se sustenta pelo


trabalho remunerado e pelo trabalho reprodutivo. Por reprodução entende-se o
conjunto de trabalhos que dizem respeito ao cuidado, à alimentação, à socialização
das crianças, bem como a manutenção dos laços sociais e comunitários, ou seja,
atividades necessárias para a existência do trabalho remunerado, o qual não poderia
ser explorado sem a existência do trabalho reprodutivo, e que é realizado
majoritariamente pelas mulheres. Conforme dados da Oxfam, os trabalhos mal
remunerados são ocupados majoritariamente pelas mulheres, o que corresponde a
mais de 75% de todo trabalho de cuidado não remunerado do mundo. A crise da
reprodução social está tomando dimensões insustentáveis e com uma intensidade
ainda maior na pandemia. Na medida em que cada vez mais políticas de ajustes
neoliberais retiram direitos da classe trabalhadora, na mesma proporção aumenta a
sobrecarga das mulheres com o trabalho doméstico que envolve cuidados, afeto,
bem-estar e saúde emocional. No capitalismo financeirizado, no qual temos uma
queda real dos salários, o trabalho reprodutivo não foi equacionado, pois de um lado
temos o aumento da jornada de trabalho com suas condições precárias e, de outro,
uma necessidade maior da presença das mulheres no âmbito doméstico. A tentativa
de “conciliar” o trabalho produtivo e reprodutivo faz com que as mulheres se insiram
em trabalhos flexíveis, precários e informais. No primeiro semestre de 2020 (PNAD
Contínua), 52,1% das mulheres negras e 43,8% das mulheres brancas estavam
ocupadas em empregos precários e informais, estatística que ainda nos comprovam
que a informalidade é prevalecente entre as pessoas negras ocupadas. Além disso,
o trabalho doméstico remunerado (formal ou informal) segue como a principal

20
ocupação entre as mulheres, com quase 6 milhões de mulheres nessa ocupação no
primeiro semestre de 2020. Em relação ao impacto da pandemia na vida das
mulheres, ao menos 64 milhões de mulheres perderam seu emprego no mundo,
enquanto que no Brasil o desemprego entre as mulheres pós-pandemia é de 16,8%,
a taxa de subutilização é de 36%, sendo que a taxa de subutilização da mulher
negra é 2,3 vezes maior que do homem branco. O trabalho doméstico remunerado
reduziu em 23,5% o número de postos de emprego. Em síntese, a pandemia
acentuou aspectos que, ainda que presentes, foram em grande parte negligenciados
pela sociedade, como a sobrecarga do trabalho reprodutivo e a presença das
mulheres, em especial das mulheres negras, em trabalhos precários. A crise da
reprodução social emerge de uma absoluta falta de tempo em “conciliar” dois pilares
estruturantes do capitalismo.

Essa radiografia mostra o tamanho do problema, temos cerca de 60 milhões de


pessoas que compõem potencialmente a força de trabalho, pouco ou nada
absorvida, afundada na estratégia da “viração”, ou seja, na gestão individual de sua
sobrevivência e constituindo as bases de uma nova questão social. Onde foram
moídas as ocupações dos setores médios e dos setores tradicionais como os
empregos industriais que construíram o “sujeito do novo sindicalismo”, a exemplo
dos metalúrgicos que eram quase 30% na década de 80 e em 2020 representam
menos de 15%. A engenharia da sobrevivência ocorre, cada vez mais, por fora das
redes e das estruturas tradicionais de organização da classe, escorada basicamente
nas instituições: família e igrejas (neopentecostais). As famílias populares, diversas
em suas constituições, sob o esteio das mulheres, fornecem as retaguardas
privadas, na ausência de retaguardas públicas, através das bases de solidariedade,
de reunião dos poucos recursos, de um nome limpo para algum empréstimo ou
financiamento de uma moto ou carro para rodar, com apoio psicológico, com
suportes a reprodução social (cuidar das crianças, preparar marmitas, olhar um
doente…). As igrejas, abrem contatos, referências, indicações tanto de ocupações
como de cursos, ou suportes para organizar currículos, e circulá-los em suas
complexas redes.

2.3) Desdobramentos da situação da classe trabalhadora.

2.3.1) Dilemas para a organização da classe trabalhadora no Brasil hoje.

Em uma sociedade com 3⁄4 dos ocupados no fluido, descontínuo e instável setor de
serviços, com uma heterogênea classe trabalhadora ainda mais fracionada,
fragmentada e ocupada no nível individual e familiar com a engenharia da
sobrevivência. Esse aspecto do enfraquecimento do status do emprego formal, da
jornada regulada de trabalho, requer aprofundamentos e debates sobre que
mercado de trabalho, que tipo de emprego, qual modelo de regulações e proteções,
serão capazes de sustentar um novo modo de integração social e como a esquerda
deve se preparar, se organizar para defender e lutar por este novo modo de
integração social. A divisão "clássica" entre empregado/ocupado vs

21
desempregado/desocupado já não diz muito sobre os trabalhadores, devido à
elevada rotatividade nos postos de trabalho, contratos precários e vínculos por
“jobs”, “freelas”, “picos”. Problema agravado no quadro de desindustrialização que
nos encontramos.

Como organizar trabalhadores que, muitas vezes, não passam de 6 meses numa
mesma empresa? Essa condição é ainda mais viva no setor de serviços e nos
“primeiros empregos”, presente no dia a dia de jovens, mulheres, negras e LGBTT.
Áreas em que não se exige grande “expertise” da força de trabalho e, as demissões
são práticas constantes. Também encontramos um complexo raciocínio prático da
lógica neoliberal por parte dos trabalhadores, até que ponto a adesão ao "indivíduo
empresa de si mesmo” é por convicção ou por sobrevivência? Onde encontramos as
rupturas associativas a partir das práticas concretas dos trabalhadores? Estas
questões de fundo indicam elementos sobre os atuais desafios a serem levados em
conta no tema da reorganização da classe trabalhadora.

Essa realidade impõe ao movimento sindical a necessidade de reconstruir as suas


formas de organização sob o risco de se isolar representando uma parcela muito
restrita da classe trabalhadora. Urge, portanto, a construção de um sindicalismo que
não se constranja com as fronteiras impostas pela estrutura sindical. Construindo
formas organizativas que deem conta de organizar os trabalhadores no sentido da
cadeia produtiva, a organização por ramos. Além de explorar mais as experiências
de Trabalho e Renda no interior do movimento popular, as quais exigem uma maior
formulação sobre o que significa a agenda e a pauta da Economia Popular - pauta
econômica e seus aspectos políticos, como o da luta por recriar outro código de
validação e reconhecimento do trabalho, em conjunto com a luta sindical.

2.3.2) Movimento popular com dimensão sindical e um sindicalismo popular.

Como combinar a organização de trabalhadores permanentes com os instáveis e até


os “desempregados”? É necessário recolocar esse tema não resolvido pela classe
trabalhadora brasileira. Trata-se, de defender as condições de vida dos
trabalhadores dentro e fora da fábrica, de trabalhar com direitos e do direito ao
trabalho. O que coloca, de imediato, a necessidade de questionar a fronteira
construída entre o movimento sindical e o movimento popular - ainda que não se
negue as especificidades de cada âmbito da luta. Construir uma síntese entre os
trabalhadores estáveis e uma massa enorme de trabalhadores instáveis e
desempregados. Em meio a um processo complexo de disputa hostil entre esses
setores da classe trabalhadora, pelo risco constante da perda de sua condição de
trabalho.

O trabalho de organicidade pela estruturação e organização de base dos


trabalhadores no movimento popular urbano, via território de moradia, por ser um
dos poucos espaços de relações mais estáveis de sociabilidade e também por
abrirem um campo de mapeamento de redes de relações fundamentais para um

22
processo ampliação e de massificação, é uma aposta para chegar nessa parcela da
classe trabalhadora que está ocupada com trabalhos mais rotativos. Existem
diversas formas para isso, um caminho em aberto é através da promoção de
associações e cooperativas de produção, de prestação de serviços. Possibilitando o
fortalecimento da base dos movimentos populares através da criação de postos de
trabalho, ao mesmo tempo em que possibilita a construção de novos sindicatos
atrelados às cooperativas.

Além disso, avançando no eixo de trabalho de Soberania/Segurança Alimentar,


podemos construir as pontes entre a classe trabalhadora urbana com a rural e o
campesinato. Onde a parte urbana, pode avançar pela disputa de aspectos da
reprodução social, disputando com a estratégia do capitalismo de gestão individual
da sobrevivência, através de aparelhos populares como cozinhas, hortas, bancos de
alimentos, cestas, roçados.

O sindicalismo construído no período fordista não conseguiu resolver os dilemas


inaugurados no período neoliberal. O que acabou por colocar o sindicalismo
brasileiro numa das maiores crises da sua história. Há uma nova geração de
trabalhadores no movimento sindical, fruto dos empregos gerados nos governos
neodesenvolvimentistas, com melhores condições e disposições para reconstruir o
sindicalismo em novas bases - de um sindicalismo popular. Uma atuação sindical
com o melhor do nosso acúmulo na construção dos movimentos populares. Que
resgate o exemplo pedagógico e os valores militantes como forma de desconstrução
das formas de dominação do capitalismo sobre a classe. Que contribua na formação
de uma nova coluna de militantes no interior do movimento sindical enquanto
educadores e organizadores, capazes de reconstruir os vínculos com a classe
trabalhadora e resgate da capacidade e o direito de greve de forma plena. Um
sindicalismo de base e de massas construído a partir da ampliação da sua
concepção de representante de “categoria”, para um instrumento de organização
dos trabalhadores e trabalhadoras, superando o corporativismo. Dotando o
sindicalismo de um sentido estratégico que se coloque para construir um projeto de
nação.

Para essa síntese, será necessário o fortalecimento da unidade do conjunto da


classe. E por isso apostamos na construção da Central Única dos Trabalhadores a
partir dessa perspectiva. Disputando uma concepção sindical no interior do
sindicalismo existente e construindo novas experiências organizativas capazes de
responder a essa nova estrutura da classe trabalhadora.

2.3.3) É preciso construir uma agenda de convergências, para destrinchar os


caminhos da reorganização da classe trabalhadora e como organizá-la.

Significa levar em conta as questões estruturais elencadas em uma agenda política,


organizativa, formativa e de lutas, articuladas em diferentes grupos, setores
orgânicos da classe, mas construídas e planejadas, com um grau importante de

23
cooperação, por não serem questões de resoluções simples ou isoladas. Para isso,
será necessário construir uma leitura profunda, com os pontos de unidade, dúvidas e
divergências em torno do diagnóstico quantitativo e qualitativo da realidade da
classe, suas frações, ocupações, rendimentos, “um raio x e uma tomografia” do
mapa das condições em que vivem, de suas expectativas e de seus espaços de
interações. Quais são as forças que dirigem quais setores, suas lideranças, e as
principais tendências de rumos deste exército desorganizado? Para conseguirmos
aprofundar o trabalho de articulações e elaborações estratégicas entre as
organizações sindicais e os movimentos populares, ligados pelo eixo do trabalho. O
conjunto de afirmações do Setor Sindical e do Setor Urbano, MTD e Levante Popular
da Juventude, apontam para um conjunto de desafios políticos e organizativos, tanto
de conexões entre ambas, como de trabalhos em comum, algo que chamamos de
uma agenda de convergências de forças criativas.

Convergir as sistematizações dos debates de concepções, as afirmações já


elaboradas e os seus pontos de engates, com sentido de que os trabalhos de base,
desde categorias profissionais, sindicalizadas ou não, até os grupos de base em
territórios urbanos, ensaiem formas, mecanismos de cooperação, solidariedade,
desfragmentando-se e agregando-se em uma força tarefa mais ampla de construção
de força social e política, sobretudo nos grandes centros urbanos, com o horizonte
do projeto popular para o Brasil.

3) CRISE BRASILEIRA e UM PAÍS QUE INSISTE EM NASCER

3.1 A Crise Brasileira

Frente a ofensiva Imperialista, a questão nacional se torna a contradição principal na


Crise Brasileira. O golpe desferido contra a democracia em 2016, expressa uma
mudança qualitativa e quantitativa na atuação política das forças antinacionais,
antidemocráticas e antipopulares que se traduz concretamente nas mais de 500 mil
vidas perdidas do povo brasileiro, por coronavírus, e nos mais de 60 milhões
sofrendo sob as condições de desemprego, subemprego e com o aumento da fome.

A ideia de Crise Brasileira remonta às questões estruturais da formação social e


econômica do país. Uma perspectiva de crise de destino com relação a uma
construção nacional interrompida. Da perspectiva do desenvolvimento econômico, o
projeto popular se filia à indagação militante de Celso Furtado. Em suas palavras:
“...em minhas disquisições teóricas, o problema que mais me apaixonou foi o
encontrar explicação para o fato de que a elevação da renda da população brasileira
e o avanço considerável da nossa industrialização não se reduziu em redução da
heterogeneidade do país. Como explicar a persistência do subdesenvolvimento se
somos uma das economias que mais cresceram no século XX? Ou por que o
crescimento da riqueza nacional somente beneficia uma parcela reduzida da
população?”.

24
O diagnóstico de Furtado nos leva à raiz dos dilemas da nossa formação social e
econômica para compreender a categoria de subdesenvolvimento que mobiliza a
forma particular que assumiu a difusão do progresso tecnológico no processo de
industrialização. Nosso processo de industrialização dependente se deu com
tecnologia poupadora de mão de obra e intensiva em capital, num país com
abundância de mão de obra, ainda marcada pela acumulação primitiva de capital
que a espoliou na colônia. Furtado refere-se portanto a inadequação do progresso
técnico que engendra uma dependência financeira, tecnológica e cultural.

O subdesenvolvimento tem a concentração de renda como pressuposto e como


resultado desse processo, pois exige um montante de recursos para importar
tecnologia, e apenas parcelas da população com a renda muito concentrada acessa
a riqueza produzida. De modo que cada ciclo de crescimento econômico não se
sustenta, e torna-se uma sucessão de “milagres econômicos” portadores de crise
econômica. E da perspectiva política, por assim dizer, que o projeto popular se filia à
caracterização de democracia asfixiada de Florestan Fernandes, a deformação do
Estado Nação devido à relações de classes que carecem de dimensões estruturais e
por isso, são sociedades que nascem condenadas à crise permanente e ao colapso
total. Nas palavras de Florestan, são “sociedades em convulsão que estão
permanentemente em busca do seu próprio patamar e tempos históricos”. Portanto
quando nos referimos a Crise Brasileira estamos nos referindo a um país condenado
a crises permanentes, seja pelas condições da dependência econômica que
estrangula nosso desenvolvimento, seja pela frágil participação popular que asfixia
nossa democracia.

O Brasil apresenta, portanto, peculiaridades na questão da formação nacional


decorrente das contradições de seu processo histórico de desenvolvimento de um
capitalismo dependente e da formação de um Estado Nação em que as relações de
classes carecem de dimensões estruturais. Uma sociedade que nasce condenada
ao colapso e ao subdesenvolvimento. Essa ideia de sociedade em convulsão pode
ser traduzida na sucessão de “milagres” que caracteriza o crescimento econômico
no Brasil, em que a incorporação de novas rodadas modernizadoras do padrão de
consumo não são acompanhadas por transformações nas estruturas sociais e só
ocorre a partir da permissão e ao agrado dos interesses externos hegemônicos, por
isso somos eternamente dependente da poupança externa para alavancar qualquer
tipo de investimento. .

Diante do desmonte das bases indutoras do crescimento e do sistema de seguridade


social do país, a questão nacional imbricada com a questão social se coloca como
questão estratégica central na luta de classes no Brasil hoje. A unidade da direita em
torno do programa econômico neoliberal é um obstáculo estrutural ao projeto
nacional. Essa ausência de projeto nacional coloca o tema da soberania e do projeto
de país no colo da esquerda. A soberania nacional é estratégica e, portanto, é o

25
tema central de propaganda e de disputa da militância e da vanguarda na
reorganização da esquerda em curso no Brasil.

É um tema que mobiliza um conjunto de aspirações populares ao longo da história e


expressa a necessidade de o povo brasileiro desenvolver seu real potencial. É a
temática que relaciona um verdadeiro patrimônio das lutas por libertação nacional na
América Latina que vem a ser a síntese entre a questão nacional e o
internacionalismo, a medida que nos convoca a uma perspectiva anti-imperialista e
ao mesmo tempo a um horizonte de anticapitalista imprescindíveis nas formulações
estratégicas das lutas populares.

3.2) Em meio a crise, um país que insiste em nascer: projeto popular para o
brasil

Em 2022 o Brasil comemora o bicentenário da Independência, efeméride que nos


convoca a refletir sobre as aspirações profundas do povo brasileiro de se constituir
como tal e afirmar sua existência enquanto povo – nação. Ainda no tema do
bicentenário da independência de 2022, teremos a memória da Primeira Semana de
Arte Moderna de 1922, que pela arte repensou o povo, o Brasil, seus símbolos,
cultura e a qual para ser celebrada, poderia ter uma segunda edição em 2022,
protagonizada pelos artistas progressistas do país. E ainda, revisitarmos a fundação
do Partido Comunista do Brasil, de 1922 e revisitarmos em análise e balanço político
e metodológico os 100 anos da esquerda brasileira que tivemos, a que temos e a
que precisamos ter. E em 2023, teremos o bicentenário da expulsão real da coroa
portuguesa do Brasil que ocorreu através de uma mobilização popular e com reais
características revolucionárias, que foi o caso do 2 de julho.

O projeto popular se caracteriza pela afirmação de que a política não é um privilégio


e sim o lugar de exercício de poder do povo, ou seja, a força social da classe
trabalhadora organizada e consciente, sendo protagonista dos processos de
transformação.

É preciso lançar lucidez sobre a história de conquista e colonização para


compreender a violência como a protagonista do processo de dominação e
exploração no qual povos originários e bens naturais são utilizados de maneira brutal
e sem limite. Essa característica criou um tipo de organização social onde a forma
de organizar a sociedade e a exploração da classe trabalhadora coincide com o
processo predatório de devastação do território e da natureza. A violência sobre os
povos inviabiliza os ideais republicanos e esvaziam nossos Estados de seu sentido
nacional. Quando o povo entra na história mobilizado por temas de conteúdo
democrático e nacional, essa participação é explosiva. Por isso a construção de
força social vinculada a uma estratégia de Revolução Brasileira e a um projeto de
país é tão central no Projeto Popular.

26
As lacunas deixadas ao longo do tempo com a não realização de diversas políticas
sociais desencadearam no surgimento de movimentos de luta pela terra, pela água,
pelos direitos sociais, de modo que lutas populares são portadoras de um conteúdo
democrático, nacional e contrários às imposições da classe dominante sócio menor
e submisso.

Com o acirramento da crise do capitalismo contemporâneo as tarefas de conteúdo


nacional, democrático e necessariamente popular assumem centralidade na luta de
classes. As contradições da crise por si só não criam alternativas, elas só
evidenciam as contradições do projeto dos nossos inimigos. Só um novo ciclo de
lutas de massa coloca a perspectiva de um país que insiste em nascer em meio a
crise capitalista e a relaciona à contingência histórica da Libertação Nacional ainda
por vir.

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_______________________________________________________________________

Capitalismo Contemporâneo - Teses sobre


o período atual
Ádima Monteiro (PA)
Aline (Panda) Velten (RJ)
André Flores (SP)
André Barreto (PE)
Antonio Goulart (PR)
Armando Boito Jr. (SP)
Aton Fon Filho (SP)
Camila Mudrek (BA)
Dalva Angélica (SE)
Eduardo (Du) Mara (PE)
Durval (Dudu) Siqueira (SE)
Erick Feitosa (SE)
Evelyne Medeiros (PE)
Herick Argôlo (SE)
Hellen Lima (PR)
Jeffirson Ramos (TO)
José Beniézio (Beni) Carvalho (BA)
Léia Odara (BA)
Lucas Pelissari (PR)
Paola Estrada (SP)
Pedro Carrano (PR)
Ricardo Gebrim (SP)
Rodolfo Lima (SP)
Tatiana Berringer (SP)
Thiago Barison (SP)
Verônica Salustiano (TO)
Vinícius Luduvice (TO)

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1. O século XX conheceu um grande ciclo revolucionário, cujos marcos
inicial e final tiveram lugar aqui na nossa América Latina: a Revolução
Mexicana de 1910 e a Revolução Sandinista de 1979. Esse ciclo
revolucionário, que envolveu grandes revoluções vitoriosas ou não na Rússia,
Alemanha, Itália, Hungria, China, Vietnã, Cuba, Angola, Moçambique e tantos
outros países, combinou, ao contrário do que muitos sugerem, diferentes tipos
de revolução: revoluções operárias, revoluções populares e revoluções
nacionais e burguesas. As forças motrizes, as forças dirigentes, as tarefas e
os objetivos dessas revoluções eram distintos, mas apesar dessa diferença
de natureza tais revoluções se fortaleceram reciprocamente. O crescimento
do socialismo e do comunismo na Europa ofereceu às revoluções nacionais
dos países coloniais e dependentes instrumentos teóricos e modelos
organizativos, além do fato de a luta do movimento operário europeu
enfraquecer a política colonial dos centros imperialistas. Amplos setores da
classe média desses países também se voltaram contra a política colonial –
basta lembrar a luta dos estudantes e do movimento negro estadunidenses
contra a intervenção militar no Vietnã. A resistência da média oficialidade e da
classe média portuguesa à guerra colonial na África desencadeou a revolução
operária e popular em Portugal em 1974 – conhecida como Revolução dos
Cravos. Ademais, as duas maiores revoluções desse ciclo, a Russa e a
Chinesa, criaram uma situação defensiva para o imperialismo estadunidense.
Esse foi, em definitivo, um período de vitórias e de ofensiva do movimento
operário, popular e nacional. Em muitos países onde a revolução não
prosperou, vigoraram políticas reformistas, como a política desenvolvimentista
no Brasil e na Argentina. Esse reformismo pequeno-burguês não ultrapassa o
horizonte imperialista, já que busca a sua cooperação para a suposta
superação do “subdesenvolvimento” por intermédio da industrialização
periférica. Mas propiciava, mesmo assim, direitos trabalhistas e sociais que
contrastavam positivamente com a situação vigente no período antecedente.

2. Após esse ciclo revolucionário de longa duração, o movimento operário


e socialista entrou, em escala internacional, num período prolongado de
derrotas, de defensiva e de crise. A partir de 1979, ano da Revolução
Sandinista e da posse de Margareth Tatcher como primeira-ministra do Reino
Unido, todo o panorama começou a mudar. Ingressamos num novo modelo
de capitalismo, o modelo capitalista neoliberal, e as relações dos países
imperialistas com a periferia também mudou. Algumas das contradições que
tinham movido o grande ciclo revolucionário do século XX entre 1910 e 1979
foram parcialmente resolvidas ou abrandadas: as antigas colônias lograram
formar Estados nacionais; alguns países passaram por reformas agrárias;
vários países dependentes se industrializaram e se formou na Europa o
chamado Estado de bem-estar social. Ao mesmo tempo, a disputa dos
Estados Unidos com a antiga União Soviética e, secundariamente, com a
República Popular da China, que colocava o imperialismo estadunidense na

29
defensiva, tal disputa deixou de existir no caso da antiga URSS e moderou-se
no caso chinês. Primeiro, o chamado “socialismo real” perdeu a capacidade
de atrair política e ideologicamente os trabalhadores europeus e da América
Latina, atração que contribuíra para que a burguesia admitisse, sob pressão
dos trabalhadores, os direitos trabalhistas e sociais, e, depois, no início da
década de 1990, com a desintegração da antiga União Soviética, o
imperialismo estadunidense e também europeu puderam sair da defensiva.
Ingressamos, então, na época do capitalismo neoliberal, da acumulação
financeira, da novíssima dependência e das derrotas e defensiva da classe
operária e demais classes populares.

3. Há um elemento novo dentro desse ciclo reacionário. Desde a década de


2010, o imperialismo estadunidense vê-se acossado pelo crescimento
econômico, tecnológico, político e militar da República Popular da
China. Domina na China o capitalismo de Estado. Engels usou pioneiramente
esse conceito para sustentar que a estatização dos meios de produção não é
sinônimo de socialismo e Lênin retomou-o com o mesmo fim e também para
designar uma economia com setor privado forte, mas sob controle do Estado.
Temos as duas coisas na China atual: estatização sem socialização dos
meios de produção – a socialização supõe a gestão operária nas unidades
econômicas e a planificação democrática da economia nacional – e um setor
privado forte e próspero sob o controle do Estado. É uma questão em aberto
para os signatários destas teses saber se o capitalismo de Estado chinês
deve ser concebido como a antessala do socialismo, ou seja, uma experiência
de transição ao socialismo, ou se se trata da consolidação do capitalismo nas
condições chinesas. O que estamos de acordo é que a China desempenha
um papel progressista na política internacional. Porém, a sua disputa com o
imperialismo estadunidense, que sem dúvida ainda poderá se agravar, está,
no momento atual, muito longe de ter no cenário internacional o impacto que
teve a disputa estadunidense com a União Soviética.

4. O ciclo prolongado de derrotas, defensiva e crise dos movimentos


operário, socialista e comunista, iniciado em 1979, já pode ser
considerado um ciclo de longa duração. Ele define um quadro geral de
derrotas e refluxo sem excluir, é claro, a ocorrência no seu interior de
conjunturas mais favoráveis ou menos favoráveis para a luta da classe
operária e demais classes populares. Esses períodos, tanto o revolucionário
quanto o reacionário, não são homogêneos, desenvolvem-se de modo
desigual e possuem contra-tendências em seu interior. Um exemplo foi o
próprio caso do Brasil, dentre outros no mundo, onde o movimento sindical de
massa, o movimento camponês e o PT se desenvolveram fortemente na
década de 80. Mas isso não muda o aspecto reacionário como dominante.
Tanto é assim que o PT, sofrendo pressão devido a característica geral do

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período, acabou abandonado o programa democrático-popular após as
eleições de 1989.

5. O ciclo reacionário que estamos enfrentando tornou a acumulação


financeira o eixo da acumulação capitalista, reduziu o crescimento
econômico na Europa e nos EUA, retirou e continua retirando direitos
trabalhistas e sociais, e teve impactos específicos nos países
dependentes e na América Latina, limitando o desenvolvimento do
capitalismo. O economista marxista egípcio Samir Amin fala numa novíssima
dependência, na qual se verifica a “sucção” (de recursos da periferia pelo
centro) “sem compensação”. O imperialismo logra, ao mesmo tempo, difundir
e limitar o desenvolvimento do capitalismo na periferia. Em suas diferentes
fases, um ou outro desses aspectos pode se tornar o aspecto dominante. A
dependência do período do grande ciclo revolucionário do século XX admitia
e até participava da modernização capitalista da periferia. O seu carro chefe
foi a industrialização, mesmo que restringida, dos maiores países da América
Latina. Essa modernização, quando contrastada com a economia e a
sociedade ainda marcadas pelas relações feudais e escravistas, continha
uma dimensão progressista. Tratava-se, a relação de dependência, de uma
relação de exploração e subordinação, mas que comportava um elemento
subordinado de “compensação”. A novíssima dependência não. Alguns
governos progressistas dos países dependentes têm tentado reabilitar o
desenvolvimentismo, construindo uma versão nova e ainda mais tímida dessa
política, mas a sua fragilidade ficou mais evidente ainda que aquela que já
demonstrara o desenvolvimentismo original. A desindustrialização precoce e
profunda verificou-se em todos os países minimamente industrializados da
América Latina.

6. A hegemonia política do imperialismo constitui um obstáculo ao


desenvolvimento nacional e soberano. A reprodução da economia
dependente só é possível através de um Estado dependente, que
permite ao imperialismo obter o controle da política estatal. Se nos
Estados imperialistas o capital estrangeiro pode influenciar a política estatal
sem, contudo, alcançar a hegemonia política, no Estado dependente ele pode
alcançá-la através da aliança com frações das burguesias locais. Este
conceito nos ajuda a evitar dois desvios políticos simétricos e opostos, cuja
raiz é o economicismo: por um lado o esquerdismo, que, ignorando fatores
internos que podem, sim, permitir o desenvolvimento das forças produtivas,
vê na dependência um obstáculo para qualquer desenvolvimento capitalista
progressista, o que justificaria a defesa do programa imediatamente socialista.
Por outro lado, o reformismo, que acredita na possibilidade do
desenvolvimento capitalista autônomo sem desorganizar o bloco no poder, o

31
que justificaria a priorização de uma aliança estratégica com as burguesias
dependentes. A organização das massas para a conquista do poder de
Estado permanece uma condição para a realização de reformas estruturais
para os povos que não possuem uma burguesia nacional ou uma burocracia
estatal capaz de levar adiante a luta anti-imperialista.

7. É preciso ter em mente o período amplo e complexo de reação acima


apresentado para não simplificarmos a análise das dificuldades atuais,
atribuindo à mera transformação do perfil social da classe operária o
refluxo do movimento operário e a crise dos movimentos comunista e
socialista. A referência ao suposto crescimento da heterogeneidade e da
fragmentação da classe operária deve ser vista com muita cautela como
elemento explicativo da situação atual. O que permitiu a ofensiva operária no
grande ciclo revolucionário do século XX não foi uma suposta homogeneidade
da classe operária que teria vigorado até a década de 1970. O grande
historiador marxista britânico, Eric Hobsbawm, analisa no seu livro intitulado A
era dos impérios, livro que se refere ao último quartel do século XIX e ao
início do século XX, a heterogeneidade e a fragmentação econômica, social,
profissional, salarial, linguística e étnica da classe operária e observa que,
apesar disso, o sentimento de pertencimento de classe se apoderou da
consciência dos trabalhadores, propiciando a criação do primeiro movimento
operário e socialista de massa da história do capitalismo. O fato é que a
classe operária nunca foi homogênea e a sua formação como classe social
ativa, dotada de um programa político próprio, não decorre, mecanicamente,
da sua situação econômica. A conversão dos operários em classe social ativa
depende, isto sim, da sua inserção num conjunto amplo e complexo de
relações entre todas as classes em presença e entre os Estados nacionais. O
que converteu os operários em agente político central no grande ciclo
revolucionário do século XX foram as contradições que se acumularam e se
articularam naquele período, reforçando-se mutuamente. Trata-se de algo
muito mais amplo que aquilo que se pode indicar a partir de uma visão
focada, de modo unilateral e restrito, na situação de trabalho dos operários e
no seu movimento reivindicativo, isto é, no seu movimento meramente
sindical. Assim, erram aqueles que, sem considerar o prolongado ciclo
reacionário que nos situamos, alegam que houve uma suposta perda do papel
dirigente do proletariado na luta revolucionária como explicação das
dificuldades que temos enfrentado.

8. A denominada “Onda Rosa latino-americana”, formada por governos


reformistas nas décadas de 2000 e 2010, representou uma daquelas
conjunturas mais favoráveis dentro de um ciclo histórico que é, no seu
conjunto, um ciclo reacionário. A experiência venezuelana se diferencia
pela organização popular e pela aliança entre as amplas massas populares e
os militares nacionalistas, em torno de um programa anti-imperialista, que

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abre caminho para a construção do socialismo naquele país. No Brasil e na
Argentina, tentou-se a política neodesenvolvimentista baseada numa ampla e
heterogênea frente política que contava, inclusive, com a grande burguesia
interna desses países. Mesmo organizações revolucionárias viram-se, diante
do fato consumado de essa política obter apoio popular e ver-se acossada
pelas forças reacionárias do imperialismo e das frações da burguesia a ele
integradas, na obrigação de adotarem uma política de apoio crítico aos
governos neodesenvolvimentistas. Tal fato não significou, e não pode
significar, contudo, uma adesão estratégica a esse programa burguês.

9. Isso significa que as organizações revolucionárias devem assumir a


tarefa de superar o neodesenvolvimentismo e as forças políticas de
centro esquerda que o representam – o lulismo e o PT. A superação não
significa rompimento integral e abrupto. É necessário manter uma relação de
unidade e de luta com o lulismo e o petismo buscando, justamente, superá-lo.

10. No momento atual, além da reconstrução estratégica da nossa luta


revolucionária num período de defensiva política, temos a urgência da
luta contra o fascismo. A crise de 2008 ensejou a ofensiva imperialista e a
crise da democracia burguesa, que abriram espaço para a ascensão da
extrema direita e a chegada de movimentos fascistas ao governo, em
diferentes partes do mundo. No Brasil o fascismo logrou obter apoio popular,
dentre outras razões, graças ao trunfo de poder acionar o machismo, o
racismo e a homofobia, ainda vigentes no meio operário e popular, e voltá-los
contra os próprios interesses das classes populares – o caso das igrejas
neopentecostais no Brasil e do seu apoio ao bolsonarismo é um exemplo
típico.

11. Sem as mulheres, negros e LGBTs não é possível o movimento de


massas e a luta pelo socialismo no século XXI. O racismo e o
patriarcado, enquanto aspectos funcionais ao capitalismo periférico e
dependente, instrumentalizam a relação de marginalização,
vulnerabilidade e a sujeição desses segmentos às piores condições de
trabalho e às diferentes formas de violência (doméstica, estatal, social)
são agravadas pela ofensiva neoliberal e reacionária. A verdade é que no
decorrer do grande ciclo revolucionário do século XX, as forças
revolucionárias ficaram devendo à luta das mulheres, das raças oprimidas e
da população LGBT. A emergência destas forças sociais exige um trabalho
político e organizativo apropriado, específico, tanto no movimento de massas
como na organização partidária, além de um trabalho de formulação

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específico, capaz de tratar corretamente das justas contradições no seio do
povo, sem incorrer em ecletismos e sem descola-las do processo de
reprodução social no capitalismo e da luta de classes. A verdadeira
emancipação destes grupos sociais só será possível sob o poder político da
classe trabalhadora, sem o qual não é possível a socialização do trabalho
doméstico, o armamento das massas e a construção de novas relações
sociais. Tais opressões são, em sentido distinto, usadas como recurso político
não só pelo neofascismo, mas também pela direita neoliberal que,
propagandeando um encaminhamento liberal para as justas reivindicações do
movimento feminista, negro e LGBT, procura atrair e confundir o feminismo, o
movimento negro e LGBT. Essa “armadilha da identidade” oferecida pelos
aparelhos das classes dominantes, como o Partido Democrata dos Estados
Unidos, Banco Mundial, empresas privadas e a Rede Globo no Brasil, que
consiste em defender a precarização do trabalho e a dominação imperialista
combinadas com críticas limitadas a àquelas opressões não interessa ao
movimento operário e popular. Tais usos políticos, contudo, são um elemento
a mais para evidenciar que a luta revolucionária exige que se combata tais
opressões de uma perspectiva socialista.

12. A reconstrução do movimento democrático e popular exige também que,


num momento como o atual, não se submeta esse movimento à direita
tradicional, que faz crítica superficial e unilateral ao bolsonarismo. Isso
não significa menosprezar convergências pontuais com a insatisfação de
setores da burguesia e mesmo do segmento liberal conservador da classe
média com o neofascismo. Na luta contra o bolsonarismo, há momentos e
tarefas que permitem contar com acordos que vão além que aqueles que
necessitamos para reconstruir a luta pelo programa democrático e popular no
Brasil. Para uma definição mais precisa da estratégia e da tática na nossa luta
pelo programa democrático e popular, é preciso considerar as posições e
objetivos das diferentes classes e frações de classe em presença. É preciso
também detectar como esses segmentos se relacionam, que conflitos movem,
que alianças ou acordos específicos estabelecem e como cada um deles se
faz representar no interior do Estado e na cena político-partidária. Uma
análise que considerasse de modo abstrato e simplificado a contradição
capital/trabalho, ignorando a multiplicidade de classes e frações de classe em
presença, não iria muito longe. São questões a serem tratadas no próximo
Caderno Temático.

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