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(h ps://boitempoeditorial.files.wordpress.com/2012/09/12-09-21_giovanni-alves_a-crise-estrutural-do-capital-e-
sua-fenomenologia.jpg)Por Giovanni Alves.
A crise estrutural do capital que emergiu em meados da década de 1970, inaugurou uma nova
temporalidade histórica do desenvolvimento civilizatório, caracterizada por um conjunto de
fenomenos sociais qualitativamente novos que compõem a fenomenologia do capitalismo global com
seus “trinta anos perversos” (1980-2010).
Primeiro, nos últimos trinta anos tivemos uma época histórica de reestruturações capitalistas nas
mais diversas instâncias da vida social. O sistema mundial do capital como sistema social global
reestruturou-se efetivamente numa dimensão inédita. Por exemplo, a nova reestruturação produtiva
do capital impulsionou um complexo de inovações organizacionais, tecnológicas e sociometabolicas
nas grandes empresas e na sociedade em geral sob a direção moral-intelectual do “espírito do
toyotismo”. A manipulação reflexiva ou a “captura” da subjetividade tornou-se efetivamente o modo
de operar do controle sociometabolico do capital. A luta de classes e as derrotas das forças políticas
do trabalho na década de 1970 conduziram a reestruturação política do capital, constituindo o Estado
neoliberal e as políticas de liberalização comercial e desregulamentação financeira; e o pós-
modernismo e o neopositivismo permearam a reestruturação cultural. Nos “trinta anos perversos”, o
capitalismo financeirizado, toyotista, neoliberal e pós-moderno levou a cabo uma das maiores
revoluções culturais da história.
implicou outra natureza da dinâmica social capitalista que se distingue radicalmente de outras
épocas historicas. A década de 70 significou, no plano histórico-mundial, a inauguração de um “corte
histórico” no processo civilizatório do capital. Por isso, surgiram novos fenomenos sociais
radicalmente novos que merecem ser investigados numa perspectiva rigorosamente dialética. Enfim,
alterou-se o timing da luta de classes e da dinãmica socio-reprodutiva do sistema do capitalismo
mundial.
Por exemplo, a precarização do trabalho que caracteriza o capitalismo histórico assumiu uma
dimensão estrutural e fez emergir a precarização do homem-que-trabalha. Trata-se de uma nova
dimensão da precariação do trabalho que não se reduz a precarização salarial. A precarização do
homem-que-trabalha não se trata da mera afirmação do trabalho estranhado, mas sim a sua
radicalidade qualitativamente nova capaz de desefetivar o ser generico do homem em largas camadas
sociais do proletariado hoje, com impactos na saúde dos homense das mulheres que trabalham. A
amplitude e intensidade do fenomeno do estranhamento hoje alterou o significado político da
precarização do homem-que-trabalha. O tema da saúde do trabalhador numa perspectiva radical
tornou-se muito importante para se deixar a cargo apenas de médicos e profissionais de saúde
propriamente dita.
Entretanto, o sistema mundial do capital sob a fenomenologia da sua crise estrutural, é um sistema
complexo cujo desenvolvimento desigual e combinado é composto por múltiplas territorialidades e
subtemporalidades historicas que merecem ser discriminadas. É o que faremos a seguir. Como
observou David Harvey no livro O enigma do capital
(h p://www.boitempoeditorial.com.br/livro_completo.php?isbn=978-85-7559-184-0), o desenvolvimento
geográfico desigual e contraditório do capitalismo tornou-se fundamental para sua reprodução. Disse
ele: “Nos últimos trinta anos viu-se uma reconfiguração dramática da geografia da produção e da
localização do poder político-econõmico”. Na verdade, a nova dinâmica da crise estrutural do capital
implicou a constituição de novas geografias de acumulação do capital que caracterizam a destruição
criativa do velho, que é uma boa forma de lidar, segundo Harvey, com o problema permanente da
absorção excedente de capital (o maior exemplo é a inserção da China no mercado mundial, um dos
fenomenos históricos mais importantes da história da civilização humana). A “destruição criativa do
velho” salientada por Harvey é tão somente o modo de operação, no plano territorial, da lógica da
modernização do capital onde “tudo que é sólido se desmancha no ar” (como diria Marx e Engels no
Manifesto Comunista (h p://www.boitempoeditorial.com.br/livro_completo.php?isbn=85-85934-23-9) de
1848).
Portanto, o movimento do capital é concretamente heterogeneo no plano territorial. É por isso que
hoje, por exemplo, enquanto no núcleo orgânico do sistema – EUA, União Europeia e Japão – temos a
presença da crise numa proporção inédita, com o PIB nestas regiões apresentando quedas ou
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Por um lado, a crise do capitalismo global que se desenrola nos “trinta anos perversos”, o modo
efetivo de desenvolvimento da crise estrutural do capital, é crise de valorização no sentido de crise de
produção/realização do valor. É crise de produção de valor sob pressão da lei tendencial da queda da
taxa média de lucros por conta do crescimento da composição orgânica do capital. Nos últimos trinta
anos de capitalismo global, a reorganização e reconfiguração territorial e produtiva do sistema
tornou-se o modo de operação das tendencias e contra-tendencias à lei geral da acumulação
capitalista no plano histórico-mundial.
Por outro lado, a crise do capitalismo global é crise de realização do valor sob a dinâmica do
subconsumo e a procura alucinada pela absorsão de excedentes. A dificuldade de vender num
cenário de superprodução/sobreacumulação expõe a necessidade candente da destruição criativa e
produção destrutiva capazes de preservar o processo de valorização mesmo que em forma fictícia.
Um autor como Istan Meszáros em sua obra clássica Para Além do Capital
(h p://www.boitempoeditorial.com.br/livro_completo.php?isbn=9788575591451), expós com maestria as
perfomances críticas do valor diante das suas dificuldades de auto-valorização ao tratar, por exemplo,
da produção destrutiva e da taxa de utilização decrescente do valor de uso, recurso de administração
da crise e autorreprodução destrutiva do capital. Nos últimos trinta anos de capitalismo global,
tornaram-se mais do que evidentes as constatações meszarianas feitas nos primórdios de
desenvolvimento do capitalismo global.
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Por isso, a saída da “crise” tem implicado hoje numa “fuga para a frente”, elevando num patamar
superior as contradições insanas da ordem de produção/realização do valor. Ora, “fuga para a frente”
significa a produção de pletoras de liquidez e novas bolhas especulativas capazes de criar a ilusão de
que ocorre efetivamente o processo de valorização. Ao invés de intervenções muito mais radicais, os
administradores das crises, imersos na temporalidade de curto prazo, adotam políticas de menor
resistência e reiteram a lógica da financeirização.
É claro que ocorrem investimentos produtivos e expande-se a produção de mercadorias mais do que
nunca. Entretanto, mesmo com a reestruturação produtiva do capital e a precarização estrutural do
trabalho, o retorno da massa de capital-dinheiro investido está aquém das necessidades de
valorização do capital acumulado. Como observou Marx nos Grundrisse
(h p://www.boitempoeditorial.com.br/livro_completo.php?isbn=978-85-7559-172-7) – e voltamos a salientar
esta passagem de seus rascunhos – “se o capital aumenta de 100 para 1000, então 1000 é agora o
ponto de partida, do qual o aumento tem que começar; sua decuplicação para 1000 não conta para
nada; o lucro e a renda eles próprios tornam-se capital por sua vez. O que apareceu como mais-valia
agora aparece como uma simples pressuposição etc., como incluída na sua simples pressuposição”.
Deste modo, o novo patamar de valorização efetiva – a sua pressuposição – por conta do acúmulo
inédito da massa de capitald-dinheiro elevou-se num patamar insano. A crise de valorização do
capital ocorre porque, como observam Marx e Engels no Manifesto Comunista
(h p://www.boitempoeditorial.com.br/livro_completo.php?isbn=85-85934-23-9), “as condições da sociedade
burguesa são estreitas demais para abranger toda a riqueza criou”. Contraditoriamente, a massa de
riqueza criada pela sociedade burguesa diz respeito não apenas a riqueza concreta das forças
produtivas do trabalho social, mas também a riqueza abstrata da massa de capital-dinheiro que o
capital não consegue valorizar efetivamente.
A percepção genial de Marx e Engels é a síntese ontológica das vias de resolução que o capital
constrói para a sua crise estrutural – hoje, numa dimensão ampliada, isto é, num plano efetivamente
histórico-mundial.
Por exemplo, a destruição da massa de forças produtivas é visivel com o crescimento do desemprego
em massa e a precarização estrutural do trabalho. Assim, o capital destrói a massa de riqueza
humana acumulada por conta da formação profissional e expectativas de realização pessoal (o
fenomêno social do precariado é um exemplo da destruição de forças produtivas, trabalho vivo e
força de trabalho altamente escolarizada sem futuro digno na sociedade burguesa). A conquista de
novos mercados e uma exploração mais completa dos antigos é perceptivel com a dita “globalização”,
a inserção da China no mercado mundial, a intensificação da obsolescencia planejada das
mercadorias, etc.
Talvez, como via de resolução (fictícia) da crise, Marx e Engels não tenham salientado a
financeirização da riqueza capitalista. Ao promover a valorização fictícia, o capital “investe” na
reprodução estéril da massa de capital-dinheiro ou riqueza abstrata acumulada de modo insano por
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Podemos dizer que a era do capitalismo global é o espaço-tempo de construção política das “saídas”
ou vias de resolução das contradições acumuladas pelo sistema. O modo de produção capitalista é,
como salientamos alhures, não apenas modo de produção de mercadorias, mas modo de acumulação
de contradições na perspectiva da sua objetividade teleológica particular: a auto-valorização do valor.
Foi na década de 1980, a década das finanças, que se aprofundou o desequilíbrio de forças entre as
classes sociais. O desequilíbrio entre as forças de classe na década de 1980 se contrasta, por exemplo,
com o periodo de 1946-1973, quando se instaurou um equilíbrio entre capitalistas e trabalhadores
assalariados que deu origem ao dito “compromisso fordista” (Estado keynesiano/Sindicatos
Fordistas/Empresas Multinacionais). Naquela época, foi importante a presença da força política do
trabalho organizado, o acordo de Bre on Woods e a “guerra fria” entre URSS e EUA. Eis a
singularidade histórica do fordismo, desmontada pouco a pouco a partir da crise de 1973. Na década
de 1980, instaurou-se o desequilíbrio entre as classes com a reestruturação produtiva do pós-fordismo
e toyotismo promovendo uma ofensiva do capital na produção que enfraquceu as forças sociais e
políticas do trabalho. A ofensiva política do capital caracterizou-se pelo disseminação do
neoliberalismo sob a vigencia do poder do capital financeiro. O poder ideológico neoliberal
dissemina-se inclusive entre as forças sociais-democratas e socialistas, gestores da ordem sistemica do
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Portanto, a década de 1980, que começa com os governos de Margaret Thatcher e Ronald Reagan, no
Reino Unido e EUA, respectivamente, inauguram uma das décadas mais reacionárias do século XX,
inaugurando-se efetivamente a era da barbarie social (por conta de particularidades históricas, o
Brasil ainda está na década de 1980 em dissintonia com a dinamica capitalista global).
A década de 1980 foi a década de expansão da globalização, enquanto a década de 1990 é a década de
integração hegemonica do capital concentrado. É a década das políticas de integrações regionais
conduzidas pelos interesses do capital financeiro (por exemplo, o Nafta e a União Europeia, a mais
ousada experiencia histórica de integração regional). Ao mesmo tempo, com a entrada da China no
mercado mundial na década de 1990, acirra-se a concorrencia intercapitalista num cenário de capital
concentrado. A presença da China transfigura a dinâmica da acumulação de valor, embora não altere
essencialmente a objetividade contraditória do capitalismo global, com a crise estrutural do capital
aparecendo cada vez mais como crise de desmedida de poder e acúmulo de massa de capital-
dinheiro que não consegue se valorizar efetivamente.
A decada de 1990 e 2000 são décadas marcadas por crises financeiras (1987, 1996, 2001 e 2008) que
explicitam a lógica do “capitalismo das bolhas”, forma originaria do sistema institucional-político da
mundialização financeira. As crises financeiras traduzem no plano da objetividade contraditória do
sistema, a fenomenologia da crise estrutural do capital. A financeirização expõe as novas
manifestações da precarização estrutural do trabalho e da dinâmica social da proletariedade.
Vejamos o seguinte: o primeiro momento historico da crise estrutural do capital, ocorrida em meados
da década de 1970, impulsionou a “globalização” como mundializção do capital e a afirmação da
precarização estrutural do trabalho, vias de resolução que contribuiram para a resposição da
lucratividade em fins da década de 1980. ,
Entretanto, as “saídas” ou vias de resolução da 1ª fase da crise estrutural do capital não impediram
que a crise voltasse a se manifestar mais adiante, com as novas contradições da mundialização
financeira. Pelo contrário, as vias de resolução contribuiram, contraditoriemente para o
desenvolvimento ampliado da crise por conta da própria desmedida do capital. Por isso, a partir da
década de 1990, ocorreram com maior amplitude e intensidade crises financeiras que caracterizam a
2ª. fase de crise do capitalismo global.
Portanto, com a “acumulação flexivel”, foram postas vias da resolução da crise capitalista de meados
dos anos 1970; mais tarde, com a “acumulação por espoliação”, colocaram-se as vias da resolução
(fictícia) para a crise das bolhas financeiras (utilizamos dois importantes conceitos de David Harvey –
“acumulação flexivel” e “acumulação por espoliação” – para caracterizar os dois momentos do
desenvolvimento da crise capitalista, onde a forma de ser da acumulação diz respeito a vias de
resolução – meramente contingente – da própria crise). Na verdade, a forma predominante de
acumulação implica novos patamares da barbarie social que se desenvolvem nos “trinta anos
perversos” do capitalismo global.
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Eis, deste modo, a fenomenologia da crise estrutural do capital, caracterizada pelo movimento
contraditório do valor em sua ânsia de auto-valorização. A crise de 2008 e sua vias de resolução
(fictícia) afirmam o movimento recorrente da espoliação financeira, onde o fundo publico fica a merce
da lógica da valorização fictícia. Não se destroem os pilares político-institucionais da mundialização
financeira, mas sim, reforça-se sua dominância social e política via políticas de austeridade (a crise
europeia, como sempre, é paradigmática).
A radicalidade das contradições impõe a radicalidade do pensamento crítico capaz de ir além das
sombras que se movem na superfície do sistema. O capitalismo manipulatório é o capitalismo fictício
onde o processo de valorização encontra-se afetado de negação embora prossiga como proceso de
produção de produção de mercadorias. Nos primórdios do século XXI, a destruição critiva do capital
articula-se cada vez mais com a produção destrutiva das condições da reprodução social. A crítica
radical do capitalismo torna-se hoje, mais do que nunca, necessidade do pensamento.
A década de 2001-2011 foi a década do terceiro ciclo da financeirização e barbárie social, elementos
compositivos do metabolismo social do capitalismo global. A condição de proletariedade amplia-se
como fenomeno unuiversal e o precariato aparece como “persona viva” das contradições viscerais da
ordem burguesa hipertardia. Ao mesmo que se afirma, financeirização e barbarie social são
contestadas, numa perspectiva contingente, cada vez mais, pelos sujeitos-agentes historicos. Como
diria Lukács, “o homem é um ser que dá respistas”. Como contradição viva, o capital impulsiona o
desenvolvimento da consciencia social, quiça, consciencia contingente de classe. A história aparece
cada vez mais como história da luta de classes que, como realidade efetiva, se impõe àqueles que
clamaram pelo fim das classes e a vigencia da democracia e conciliação entre capitalismo e bem-estar.
Na verdade, o desenrolar da cena do mundo burgues sob a barbárie social explicita cada vez a
insustentabilidade civilizatória da ordem burguesa. O que não significa que hajam, de imediato,
sujeitos históricos de classe capazes de operar a “negação da negação”, tendo em vista que a crise de
formação de valor é, ao mesmo tempo, crise de deformação do sujeito historico de classe por conta da
precarização do homem–que-trabalha. Hic Rhodus, hic salta!
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Giovanni Alves é doutor em ciências sociais pela Unicamp, livre-docente em sociologia e professor
da Unesp, campus de Marília. É pesquisador do CNPq com bolsa-produtividade em pesquisa e
coordenador da Rede de Estudos do Trabalho (RET) e do Projeto Tela Crítica. É autor de vários livros
e artigos sobre o tema trabalho e sociabilidade, entre os quais O novo (e precário) mundo do trabalho:
reestruturação produtiva e crise do sindicalismo (Boitempo Editorial, 2000) e Trabalho e subjetividade: O
espírito do toyotismo na era do capitalismo manipulatório (Boitempo Editorial, 2011). Colabora para o Blog
da Boitempo mensalmente, às segundas.
Desculpe
Este vídeo não existe.
Eu, que manjo de Marx, achei esse texto obscuro e hermético. Imagine um pobre sem instrução
formal??
graduações só para ganhar diploma e como o prórprio Giovanni expõe, não sabe se terá emprego
depois. Imagina como fica a educação nesse dupla condição!
Enfim, há muito o que estudar sobre essa fase do capitalismo que estamos vivendo desde a década
de 1970. Suas crises, reestruturações e contradições afetam nossa vida familiar, psiquica, nossas
relações socias, de trabalho, as filosofias etc. Só conhecimento pode apontar as possibilidades de
enfrentamento e propostas para uma nova sociedade.
O autor alerta para a inserção dos sociólogos e demais cientistas sociais no paradigma da “saúde
do trabalhador” em decorrência da dimensão social que ganhou as doenças do trabalho. Nesse
sentido, este tema não mais diz respeito estrictu sensu aos profissionais da saúde, nem apenas
aqueles ligados a saúde coletiva, mas lato sensu aos estudiosos da questão social.
Saudações.
Raphael Cruz,
Universidade Estadual do Ceará.
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