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FICHAMENTO

NETTO, J. P. Ditadura e Serviço Social: uma análise do Serviço Social no Brasil pós-64. São
Paulo:Cortez,2005.

Mayane Rogéria da Silva

2.2.3 A erosão do Serviço Social “tradicional” na América Latina


“O tensionamento das estruturas sociais do mundo capitalista, quer nas suas áreas centrais, quer
nas periféricas, ganhou uma nova dinâmica; num contexto de desanuviamento das relações
internacionais, gestou-se um quadro favorável para a mobilização das classes sociais
subalternas em defesa dos seus interesses imediatos.”(pg.143)
“(...) do exterior da profissão; indiretamente, parte da movimentação social que caracteriza o
período; diretamente, arrancados segmentos sociais que padecem a intervenção imediata dos
assistentes sociais. Sua conversão em efervescência profissional interna deve-se à convergência
de três vetores que afetam a reprodução da categoria profissional como tal. ” (pg.144)
“ Em primeiro lugar, a revisão crítica que se processa na fronteira das ciências sociais. Os
insumos ‘científicos’ de que historicamente se valia o Serviço Social e que forneciam a
credibilidade ‘teórica’ do seu fundamento com a chancela das disciplinas sociais acadêmicas
viam-se questionados no seu próprio terreno de legitimação original. (...) E uma interdição de
monta: a fonte primaria da sustentação teórico-metodológica da construção profissional
experimentava convulsões que repicavam no vazadouro constituído pelo Serviço Social. ”
(pg.144)
“ O segundo vetor que intercorria no processo era o deslocamento sociopolítico de outras
instituições cujas vinculações com o Serviço Social são notórias: as Igrejas – a católica em
especial, e algumas confissões protestantes. Deslocamento muito desigual nas várias latitudes,
porém visível em todas elas e operante em dois planos: no adensamento de alternativas de
interpretação teológica que justificavam posturas concretamente anticapitalistas e
antiburguesas e na permeabilidade de segmentos da alta hierarquia a demandas de
reposicionamento político-social advindas das bases e do ‘baixo clero’. ” (pg.144/145)
“Finalmente, last but not least, o movimento estudantil: condesamente, ele reproduz, no molde
particular da contestação global características da sua intervenção, todas as alterações que
indicamos e as insere perturbadoramente no próprio locus privilegiado da reprodução da
categoria profissional: as agências de formação, as escolas. ” (pg.145)
“A reconceptualização é, sem qualquer dúvida, parte integrante do processo internacional de
erosão do Serviço Social ‘tradicional’ e, portanto, nesta medida, partilha de suas causalidades
e características. (...) a reconceptualização está intimamente vinculada ao circuito sociopolítico
latino-americano da década de sessenta: a questão que originalmente comanda é a
funcionalidade profissional na superação do subdesenvolvimento.” (pg.146)
“ (...) uma espécie de grande união profissional que abre a via a uma renovação do Serviço
Social. Ela é o ponto de partida para o processo que se esboça em 1965 e que. Genericamente,
tem como objetivo expresso adequar a profissão ás demandas de mudanças sociais registradas
ou desejadas no marco continental – e que sensibilizavam o Serviço Social pelos mesmos
condutos e sujeitos que, internacionalmente, como vimos, forçavam e parametravam alterações
profissionais. ” (pg.146/147)
“ (...) aquela grande união objetivamente se esfarinha. Concorrem para isso duas ordens de
causas. A primeira foi o leito real seguido no equacionamento das mudanças sociais nas áreas
mais significativas do continente: a perspectiva da ‘modernização’ por vias ditatoriais ou do
seu puro congelamento repressivo acabou por impor-se, derrotando as alternativas democráticas
que apostavam nas vias reformista-democrática e revolucionaria. (...) A segunda radicava na
própria composição daquela grande união: se colocavam em xeque o Serviço Social
’tradicional’, seus constituintes faziam-se a partir de posições distintas e com projeções também
diferentes.”(pg.147)
“(...) É no marco da reconceptualização que, pela primeira vez de forma aberta, a elaboração
do Serviço Social vai socorrer-se da tradição marxista – e o fato central é que, depois da
reconceptualização, o pensamento de raiz marxiana deixou de ser estranho ao universo
profissional dos assistentes sociais. (...) Não se trata, como se vê, deum ingresso muito feliz da
tradição marxista em nosso terreno profissional; entretanto – e não há que perder de vista este
aspecto -, o principal é que, a partir de então, criaram-se as bases, antes inexistentes, para
pensar-se a profissão sob a lente de correntes marxistas; a partir daí, a interlocução entre o
Serviço Social e a tradição marxistas inscreveu-se como um dado da modernidade
profissional.”(pg.148/149)

2.2.4. As direções da renovação do Serviço Social no Brasil

“ Na pesquisa deste processo de renovação, no âmbito da (auto)representação do Serviço Social,


submetemos a cuidadoso exame a parcela mais significativa da literatura profissional difundida
nacionalmente entre 1965 e 1985. Este exame – a partir do qual detectamos as mencionadas
direções intrínsecas – revelou que o processo de renovação configura um movimento
cumulativo, com estágios de dominância teórico-cultural e ideopolítica distintos, porem
entrecruzando-se e sobrepondo-se, donde a dificuldade de qualquer esquema para representa-
lo. ” (pg.152)
“ No que toca à distribuição diacrônica da elaboração profissional, nosso exame sugere um
cenário em que registram três momentos privilegiados de condensação da reflexão (...) no
primeiro momento, o impulso organizador é praticamente monopolizado pelas iniciativas do
CBCISS, que então abre a série dos seus importantes ‘seminários de teorização’. No segundo,
além da presença dessa entidade, verifica-se especialmente a objetivação dasinquietudes
sistematizadas no âmbito dos cursos de pós-graduação, inaugurados pouco antes. No terceiro,
acresce-se a estas duas fontes alimentadoras a intervenção de organismos ligados ás agencias
de formação (ABESS) ou diretamente a categoria profissional (como as associações
profissionais, posteriormente sindicatos, CENEAS etc.).” (pg.152/153)
“ O exame do conjunto do material pesquisado permite afirmar que, erodida a base do Serviço
Social ‘tradicional’ a reflexão profissional se desenvolveu diferencialmente – quer cronológica,
quer teoricamente – em três direções principais, constitutivas precisamente do processo de
renovação. ” (pg.154)
“ A primeira direção conforma uma perspectiva modernizadora para as concepções
profissionais – um esforço no sentido de adequar o Serviço Social, enquanto instrumento de
intervenção inserido no arsenal de técnicas sociais a ser operacionalizado no marco de
estratégias de desenvolvimento capitalista, ás exigências postas pelos processos sociopolíticos
emergentes nopós-64 (...) o núcleo central desta perspectiva é a tematização do Serviço Social
como interveniente, dinamizador e integrador, no processo de desenvolvimento” (pg.154)
“ A direção que condensa a renovação compatível com o segmento do Serviço Social mais
impermeável às mudanças pode designar-se como a perspectiva de reatualização do
conservadorismo. Trata-se de uma vertente que recupera os componentes mais estratificados
da herança histórica e conservadora da profissão, nos domínios da (auto)representação e da
prática, e os repõe sobre uma base teórico-metodológica que se reclama nova, repudiando,
simultaneamente, os padrões mais nitidamente vinculados a tradição positivista e as referências
conectadas ao pensamento crítico-dialético, de raiz marxiana.”(pg.157)
“ A terceira direção identificada no processo de renovação do Serviço Social no Brasil é a
perspectiva que se propõe como intensão de ruptura com o Serviço Social ‘tradicional’. Ao
contrário das anteriores, esta possui como substrato nuclear uma crítica sistemática ao
desempenho ‘tradicional’ e aos seus suportes teóricos, metodológicos e ideológicos. Com
efeito, ela manifesta a pretensão de romper quer com a herança teórico-metodológica do
pensamento conservador (a tradição positivista), quer com os seus paradigmas de intervenção
social (o reformismo conservador). ” (pg.159)
“ Se estas são as direções principais que se estruturam no processo de renovação do Serviço
Social no Brasil- e está claro que este mapeamento esquematiza uma dinâmica bastante fluida
-, cabem algumas notações para evitar conclusões apressadas. A primeira observação a ser feita
recobre precisamente o caráter dinâmico e fluido do processo em tela. Submetidos a pressões
da própria realidade (sociopolítica, do país; institucional-organizacional, da alocação
ocupacional da categoria), mitos dos seus protagonistas avançaram no desenvolvimento do
processo e alteraram significativamente as suas posições teóricas (e mesmo ideopolíticas) e suas
proposições profissionais. ”(pg.161)
“ Outra notação de extrema importância diz respeito aos contextos sociopolíticos em que se
inscreveram aquelas linhas de desenvolvimento. (...) nesta mesma linha de preocupações, cabe
enfatizar a indescartabilidade da malha de mediações que concretizam as especificas relações
entre as políticas cultural e educacional da autocracia com o processo renovador que o Serviço
Social experimenta no Brasil nas duas décadas posteriores ao golpe de abril.” (pg.163)

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