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A dimensão técnico-operativa na prática profissional

do assistente social
Prof.a. Dra. Odária Battini

Breve incurso histórico


Na história do serviço social no Brasil, especialmente no pós
reconceituação, os assistentes sociais colocavam em questão o instrumental
técnico-operativo na profissão porque, equivocadamente, entendiam que
representava o pragmatismo herdado da influência teórico-metodológica
norte americana e que se destinava a consolidar o projeto conservador de
sociedade, amplamente questionado pela categoria profissional na época. O
argumento residia na idéia da busca da perspectiva crítica do serviço social
que colocava como substrato da ação profissional a interpretação do
mundo, o que se processava por uma referência teórica crítica de leitura da
realidade. O ponto alto da discussão que movia o debate dos assistentes
sociais recaia na leitura da realidade, sem a necessária unidade teoria /
prática, que dá sustentação à transformação, desconsiderada em suas
dimensões teórico-metodológica, ético-política e técnico operativa. Desse
suposto, resultou ênfase na teoria, no método e na história de modo
abstrato, cindindo a categoria profissional entre assistentes sociais críticos
e pragmáticos, reduzindo a unidade saber/fazer no serviço social.

Na atualidade, os assistentes sociais retomam a questão da


instrumentalidade, já avançando na análise e na apreensão de que a teoria
per si não muda o mundo e que o instrumental á a ferramenta de que a
práxis requer como um de seus elementos constitutivos. Assim, a prática do
serviço social, inclui o instrumental técnico alavancando sua ação como
espaço de intervenção e de produção de conhecimentos. Se assim não for, a
prática profissional do assistente social, ao ser invadida por uma
racionalidade operativa instrumental, reduz-se a uma intervenção utilitária,
subordinando à técnica a racionalidade emancipatória.

O instrumental utilizado pelo assistente social em seu trabalho, não


pode ser visto, analisado e aplicado isoladamente mas, articulado ao projeto
ético-político da profissão fazendo parte, portanto, de um conjunto maior
da profissão e de uma determinada concepção de serviço social. O
instrumental é sempre aplicado com um sentido possibilitando conduzir o
trabalho profissional para novas descobertas, para uma reflexão crítica, por
constituir-se aparato mediador do fazer e do ser. Portanto, o instrumental
implica na condução da prática, iluminada por um projeto ético-político
profissional, na direção da defesa de um projeto ético-político societário.

Instrumental e projeto ético-político


O serviço social, enquanto especialidade de trabalho, integra um
projeto de sociedade que determina o projeto ético político da profissão.
(BONETTI 1996). Este projeto é, também, um processo em contínuos
desdobramentos e que tem em seu núcleo o reconhecimento da liberdade e
da justiça social como valores centrais, tendo como pressuposto a eqüidade
e a democracia (BARROCO 1993).

Desses valores desenha-se a dimensão ética da profissão (CRESS 11 a


região 1999), fundada na liberdade concebida historicamente como
possibilidades de criação e de escolhas dentre alternativas concretas,
evidenciando compromisso com a autonomia, a emancipação e a plena
expansão dos indivíduos sociais. Esta perspectiva ética vincula o serviço
social a um projeto societário que propõe a construção de uma nova ordem
social, sem dominação e/ou exploração de classe, etnia, gênero. A partir
das escolhas que o fundam, tal projeto afirma a defesa intransigente dos
direitos humanos e a recusa do arbítrio e dos preconceitos, contemplando o
pluralismo com hegemonia do trabalho. Em sua dimensão política, o
projeto se posiciona pela participação popular especialmente nos níveis de
formulação de decisões, pela universalização tanto do acesso aos bens e
serviços relativos aos programas e políticas sociais quanto da riqueza
socialmente produzida.

Do ponto de vista estritamente profissional, o projeto implica no


compromisso com a competência técnica, teórica e política que tem como
base o aprimoramento intelectual do assistente social que se configura:
 Pela assunção de atitude investigativa na prática cotidiana (BATTINI,
1994), como expressão do inconformismo e da indignação permanente
perante a barbárie social, promovendo crítica reiterada à realidade,
impulsionando o profissional para a criação de novas explicações, indo
além do limite dado;
 Pela prioridade de uma nova relação com os usuários dos serviços
prestados pelo assistente social, por meio dos quais o profissional pinça
as singularidades dos sujeitos com os quais trabalha e, reconstruindo
relações, constrói as particularidades na direção da transformação
social;
 Pelo compromisso com a qualidade dos serviços prestados à população;
 Pela publicização dos recursos institucionais, como condição de
democratização e universalização de direitos;
 Pela participação efetiva dos usuários no processo de formulação da
decisão política e no controle dos serviços, programas e atividades
realizados em espaços públicos e privados;
 Pela articulação e partilha de propostas e ações com segmentos de
outras categorias profissionais e de movimentos sociais que se
solidarizam com as lutas gerais dos trabalhadores (BARROCO 1995).

Como operar o projeto profissional assim configurado com competência


teórico-prática? Uma das alternativas de busca de respostas pode ser
focada na necessária e competente formulação de metodologia de
trabalho.

Instrumental e metodologia de trabalho


A prática profissional do serviço social, que se quer crítica, implica
em três dimensões:
a) dimensão teórico-metodológica substanciada 1) por uma teoria social
de leitura e de explicação do real que tem impressa a dimensão ético-
ideológica. O projeto ético-político da profissão de serviço social que se
põe em defesa das lutas gerais dos trabalhadores, sustenta-se na teoria
social de Marx; 2) por teorias intermediárias ou teorias da ação que
explicam e elucidam a ação humana ( ex. Teoria do Cotidiano de Agnes
Heller, Teoria do Poder de M. Foucault, Teoria do Interacionismo
Simbólico de G. Habermas, Teoria da Complexidade Social de E. Morin,
Teoria da comunicação Humana de A Touraine, etc. ), numa unidade
teoria-prática de cujo movimento dialético resulta a reconstrução de
categorias teórico-metodológicas na particularidade dos objetos de
intervenção profissional dos assistentes sociais (BATTINI 1998);
b) dimensão ético-política que considera a prática social com suas
determinações históricas que se revelam e contaminam instituições
( famílias, profissões, organizações governamentais e não
governamentais, movimentos) nas suas dimensões produtiva,
investigativa e social/política (VAZQUEZ 1977). Implicando em uma
direção ético política definida, esta dimensão impulsiona ações
profissionais em defesa de valores éticos universais e modos próprios de
reconstruí-los e operá-los em espaços diversos de relações sociais. Na
prática social inclui-se a prática profissional como dimensão daquela,
com seus processos de trabalho peculiares, incluindo igualmente a
prática interdisciplinar com a interpenetração de métodos e conteúdos,
desenhando a unidade na diversidade;
c) dimensão técnico-operativa constituída pelas teorias, metodologias,
instrumentos e técnicas enquanto estratégias, táticas, ferramentas e
habilidades para realizar a ação. A ação se desenvolve por aproximações
sucessivas, pela construção/desconstrução/reconstrução dos objetos,
promovendo síntese/totalização/difusão do fazer, contribuindo para a
reprodução social das relações sociais na direção da liberdade e da
justiça social. No entanto, há que se tomar cuidado com o
metodologismo e com o instrumentalismo, tendências empobrecedoras
da profissão (GUERRA 2000). A história das formulações
metodológicas do serviço social mostra a evidência de diferentes
modelos de “métodos” do serviço social que demonstram as lutas de
segmentos profissionais na construção da identidade e do próprio
processo de trabalho do serviço social, incluindo a dimensão
metodológica ( Método Clássico – RICHMOND 1922; Médtodos
Tradicionais – caso, grupo, comunidade; Método Profissional –
DANTAS 1969, FALEIROS 1970; Método integrado – HILL 1970.
CLARK 1972, UFRN 1969, UFJF 1969; Método Genérico – ALMEIDA
1977) e as propostas de ruptura no serviço social ( NETTO 1991,
IAMAMOTO 1990, FALEIROS 1979, BH 1979).

A criação de metodologia de trabalho fundada naquelas dimensões,


portanto, superando o senso comum, requer o respeito ao movimento
social e as particularidades dos sujeitos que o alavancam na direção de
finalidades específicas. Para isso, a metodologia implica em ação
realizada por aproximações sucessivas encerrando uma processualidade
que promove:
 a descoberta das leis que regem e modificam os fenômenos no processo
de sua constituição permanente;
 reflexões e percepção de um fenômeno e da sua transição de uma forma
para outra, evidenciando os fatos que lhe servem de apoio e de ponto de
partida;
 a negação do fenômeno que a primeira vista se nos apresenta caótico
mas, situado e produto de uma ordem dada, dela mesma torna-se, pelo
processo das relações, condiçaõ da sua própria negação;
 o movimento da compreensão para a particularidade do fenômeno,
fazendo vigirr um novo significado, com nova determinação em um
patamar superior de conhecimento e de sociedade.
É assim que o conhecimento e a prática avançam numa dimensão
transformadora centrando a atuação daquele segmento de assistentes
sociais que repudiam a barbárie social e o fascismo societal do capitalismo
contemporâneo.
Um dos componentes essenciais a serem considerados no processo
de intervenção, tendo em vista sua operacionalização, é o instrumental
técnico operativo.

Instrumental técnico – operativo do serviço social


O instrumental técnico operativo é definido, escolhido e selecionado
a partir de finalidades pois, são elas que determinam o modo de atuar e a
escolha por alternativas.
As finalidades, que são sempre socialmente construídas, tem como
base de construção, as necessidades que, por sua vez, são sempre sociais.
Ora, se é a finalidade que orienta a busca, a seleção e a construção dos
meios e, se ela se funda nas necessidades, em última instância, a escolha e a
utilização dos instrumentos e meios para a realização da ação profissional
implicam em propriedades sociais.
As propriedades sociais se evidenciam quando os assistentes sociais
atribuem capacidade ao instrumental, potenciam ações para o alcance de
finalidades. Portanto, não é qualquer instrumental para qualquer
ação/intervenção.
No âmbito da intervenção técnica o instrumental, como conjunto
articulado de instrumentos e técnicas, substância a operacionalização da
ação e é concebido como estratégia por meio da qual essa mesma ação se
efetiva. É uma instância de passagem, mediada pelo assistente social, que
permite dar materialidade a trajetória que vai da concepção da ação à sua
operacionalização (MARTINELLI e KOUMROUYAN 1994). Como
ferramenta relacional, expressa o eixo operacional das profissões
abrangendo o campo das técnicas, das habilidades e dos conhecimentos.
Como mediação pela qual se opera a correção dos meios e a coerência e
legitimidade dos fins, o instrumental é uma categoria que se constrói
permanentemente a partir das finalidades da ação que se quer realizar e dos
determinantes políticos, sociais e institucionais a ela referidos. O uso do
instrumental assim, potência ação humana elevando a profissão em sua
competência técnica, como uma das dimensões de sua configuração.

Tipos de instrumentos
Há instrumentais de caráter quantitativo e qualitativo. Os
quantitativos são aqueles que garantem o acompanhamento de programas, a
mensuração dos resultados obtidos e a relação custo/benefício, valorizando
a eficiência, a eficácia e a efetividade das ações e objetivos, respondendo
mais prontamente às exigências técnico-burocráticas (MARTINELLI E
KOUMROUYAN 1994).
Geralmente são construídos pelas instâncias superiores institucionais
sem a participação efetiva da sociedade. Prendem-se a padronização dos
dados e informações solicitadas, ao rigor administrativo e formal do
aparato institucional. Dentro eles encontram-se mapas, rotinas, convênios,
regulamentos, planejamento, estratégico, processos, informativos,
relatórios quantitativos, memorandos, cartas, gráficos, tabelas, estatísticas.
Ressalta-se a importância dos instrumentais quantitativos. Resta
saber utilizá-los sob a ótica qualitativa fazendo deles fluxo para construção
de novos sentidos. Cabe ao assistente social extrair dos dados e informe
neles contidos, elementos substantivos para a sua prática, decorrentes das
interpretações a eles atribuídas pelo profissional. Há portanto, no
instrumental quantitativo um espaço de criatividade e descoberta que
substancia uma prática crítica, de natureza coletiva.

Os instrumentais qualitativos direcionam-se mais intensamente para


o processo e para o produto das práticas profissionais e sociais. Nesse
sentido, acompanham os processos inovadores engendrados na dinâmica
societária, estando em permanente construção coletiva.
Essa construção se objetiva através de inovadores que se constituem
em referências que permitem acompanhar a evolução da qualidade de vida
e o desempenho das ações e atividades, produzindo informações para sua
avaliação.
Essas informações são expressas na forma de indicadores e índices
que são números que procuram descrever um determinado ângulo da
realidade ou a relação entre seus diversos aspectos. Ex: taxa de mortalidade
em menores de 5 anos, considerado pelo Unicef como o mais importante
indicador da infãncia em um país, refletindo significativamente as
condições sociais de uma dada realidade; PIB; índices de analfabetismo,
índices de evasão/reprovação escolar/anos de permanência na escola. (IEE-
PUCSP.1998)

Dentre os instrumentais qualitativos encontram-se: planejamento


estratégico participativo, orçamento participativo, plebiscito, fóruns,
pesquisa-ação, observação participante, aparato infocoputrônico
especialmente a internet, seminários, encontros, referendo, iniciativa
popular, audiência pública, ação civil, conferências, conselhos de
representantes, mandado de segurança coletivo, parecer social, diário de
campo, assessoria, supervisão acadêmica, supervisão técnica, meios de
comunicação formais, informais, orais, escritos, contatos, reuniões, visitas.
Associado aos instrumentais, há que lançar mão do acervo de técnicas que
referendam a habilidade no uso do instrumental. Dentre elas encontram-se;
de entrevistas, de apoio, análise institucional, análise de conteúdo, relato,
da escuta, outras (DANTAS 1979).

Na escolha e na aplicação dos instrumentais técnico-operativos, é


fundamental resgatar, no exercício profissional, a dimensão emancipatória,
razão substância do serviço social capaz de preservar as conquistas
histórico-sociais dos sujeitos e os valores sociocêntricos (GUERRA.2000),
superando a razão instrumental e o reducionismo tecnicista. É um dos
desafios que se colocam presentes no permanente processo de inovação do
serviço social e na consolidação do projeto de ruptura da profissão.

BIBLIOGRAFIA:

BARROCO, MLS – O novo código de ética do assistente social Serviço


Social e Sociedade no. 41. Ano XIV. Cortez. São Paulo, 1993. Pp. 158-
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BATTINI, O – Assistência Social Constitucionalização Representação
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BONETTI, D ET AL (org.) – Serviço Social e Ética. Convite a uma nova
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CONSELHO REGIONAL DE SERVIÇO SOCIAL 11a região – Massa
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Curitiba/Paraná. 1999.Pp. 08.
DANTAS, J.L. – Metodologia Sistemática do Serviço Social. Documento
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GUERRA, Y. – Instrumentalidade do processo de trabalho e serviço social
Serviço Social e Sociedade n.62. Ano XXI. Cortez. São Paulo.
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INSTITUTO DE ESTUDOS ESPECIAIS/PUCSP – Diretrizes para a
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Social e Sociedade n. 45. Ano XV. Cortez. São Paulo. 1994. Pp. 137-
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Curitiba, outubro de 2000.

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