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A nova

morfologia
do
capitalismo
global

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Adrián Sotelo Valencia

A nova morfologia do
capitalismo global
A era da superexploração do trabalho
Tradução
Camilla dos Santos Nogueira
Rodrigo Emmanuel Santana Borges

Comentários
Giovanni Alves

2023

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Projeto editorial Praxis é a editora da RET
(Rede de Estudos do Trabalho)
(www.estudosdotrabalho.net)

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Dr. Francsico Luiz Corsi (UNESP)
Dr. Giovanni Alves (UNESP)
Dr. José Meneleu Neto (UECE)
Dr. Renan Araújo (UNESPAR)

ISBN : 978-65-84545-12-0

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Anovamorfologiado
capitalismoglobal

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Sumário
Artigo
A nova morfologia do
capitalismo global
ADRIÁN SOTELO VALENCIA...........11

Comentários
GIOVANNI ALVES...........................177

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Artigo
Adrián Sotelo Valencia

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Introdução

O objetivo deste pequeno livro é anali-


sar e discutir a plausibilidade de que
a superexploração do trabalho se tornou
uma realidade cada vez mais presente nos
países industrializados do doente sistema
capitalista global. Obviamente, este exer-
cício preliminar não resolve o problema
subjacente, principalmente devido à natu-
reza recente do fenômeno e à escassez
de evidências empíricas que comprovem
nossas hipóteses de trabalho.
A tarefa é urgente e marca grandes desa-
fios teórico-metodológicos à luz da teoria
marxista da dependência latino-americana,
que é a que apresentou sinteticamente,
o núcleo problemático que envolve a

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superexploração como conceito analítico,
principalmente como resultado do processo
de mundialização do capital que gerou
transformações importantes nas ordens
econômicas, sociais e político-militares em
praticamente todos os países do mundo,
com ênfase especial nos europeus e nos
Estados Unidos e modificou, ao mesmo
tempo, a relação centro-periferia da gesta-
ção de uma nova divisão internacional do
trabalho que veio a beneficiar, em certa
medida, novos protagonistas com preten-
sões hegemônicas como a China ou a Índia.
Não é à toa que os Estados Unidos têm, de
acordo com o Pentágono norte-americano
em 2008, «[...] 865 instalações em mais
de 40 países [...] com um destacamento
de mais de 190.000 soldados em mais de
46 países e territórios» (JALIFE-RAHME,
Alfredo. El híbrido mundo multipolar.
Un enfoque multidimensional. México:

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Orfila, 2010, p. 38) A essas bases militares,
devemos acrescentar 7 instaladas - em 2012
- na Colômbia, num total de 872.

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1
antigas e novas periferias na
economia mundial

A o longo da década de 1980 e 1990 -


sob a influência da crise estrutural
do capital - a reestruturação internacio-
nal do capitalismo e da força de trabalho
ocorreu praticamente em todo o mundo.
Todas as regiões e todos os países foram
afetados; salários, empregos e categorias
profissionais de trabalho foram ajusta-
dos funcionalmente às novas condições

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macroeconômicas e organizacionais dos
esquemas de produção e valorização do
capital exigidos pelo neoliberalismo.
Nos Estados Unidos, trabalhadores e
sindicatos foram afetados em suas condições
de trabalho e salário pelos efeitos transna-
cionais do Acordo de Livre Comércio da
América do Norte (NAFTA) imposto, em
1994, pelos governos e empresas trans-
nacionais dos Estados Unidos, México
e Canadá, enquanto que na Europa, o
mesmo aconteceu em nível social, mas
devido ao impacto da incorporação dos
ex-países socialistas da Europa Oriental
na produção e exploração do capitalismo
ocidental.
A incorporação de uma parte desses
países, constituídos em “novas perife-
rias”, foi uma grande oportunidade para
as empresas capitalistas hegemônicos da
União Europeia que aproveitaram suas

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“vantagens competitivas”, tais como
menores salários, nula ou débil organi-
zação sindical, altos níveis de qualificação
da força de trabalho e proximidade geográ-
fica, que garante maior fluidez nos fluxos
de matérias-primas e investimentos.
Entre outras vantagens, esses países
representam alternativas ao grande capi-
tal para reduzir seus custos de produção,
pressionar o aumento das taxas de explo-
ração do trabalho e desempenhar um
papel importante na pressão exercida por
essas periferias para reduzir os salários nos
países desenvolvidos, com o objetivo de
aumentar sua competitividade e possibi-
litar o aumento das taxas de lucro.
De fato, “[...] os antigos países ‘socialis-
tas’ estão integrados à economia global de
mão-de-obra barata. Apesar das fábricas
terem parado e dos altos níveis de desem-
prego na antiga República Democrática

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Alemã, foi mais lucrativo para o capi-
talismo alemão estender sua base de
produção para a Europa Oriental” 1.
Em termos gerais, é possível delinear
a hipótese de que o trabalho vivo, como
única fonte de produção de valor e mais-
-valor, aumentou exponencialmente
devido à incorporação de novos terri-
tórios na valorização e acumulação de
capital, que redundou no aumento signi-
ficativo tanto da massa, como da taxa de
mais-valor. Para isso, contribuiu a inser-
ção do sudeste asiático, dos países do leste
europeu, assim como de outros países
como China e Rússia (ALVES, Giovanni.
Crise de valorização e desmedida do capi-
tal. Breve ensaio sobre a natureza da crise

1 CHOSSUDOVSKY, Michel. Globalización


de la pobreza y nuevo orden mundial. Méxi-
co: Siglo XXI Editores, 2002, p. 90. Tradução
nossa.

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estrutural do capital. In: GARZA, Esthela
Gutiérrez; CASTILLO, Dídimo; SOTELO,
Adrián (coords.) Capital, trabajo y nueva
organización obrera, México: Siglo XXI
Editores, 2012.
Ao abordar o mundo do trabalho como
um sistema de relações sociais, ele deve
ser enquadrado no processo de exploração
intrínseco à acumulação e centralização do
capital em escala planetária. Processo que,
dentro da lógica do capitalismo parasitá-
rio, encontra cada vez mais dificuldades
para produzir valor e mais-valor, o que
leva o empresariado, como representante
geral do capital, a ressarcir as perdas recor-
rendo a uma maior exploração do trabalho,
onde existam — ou se podem criar — as
condições econômicas, políticas e jurí-
dicas-institucionais, já não somente na
antiga periferia do sistema — especiali-
zada na produção de recursos naturais

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QUADRO 1
Salário bruto médio anual na União Europeia em
euros para empregados de tempo integral, 2008

Países Montante
Reino Unido 46,056 (+70% da média)
Holanda 42,720
Alemanha 1
40,914
Bélgica 39,343
Austria 38,622
Suêcia 36,186
Finlândia 36,128
França 32,867
Média UE 27,036
Espanha 21,500
Portugal 17,179
Hungria 9,899
Eslováquia 8,353
Romênia 5,479
Bulgária 2,862 (-90% da média)

1
O salário bruto médio de um funcionário alemão em tempo integral
no setor industrial nesse período era de € 3,256 por mês, enquanto os
trabalhadores do setor de serviços ganhavam uma média de € 3,211.
Fonte: Eurostat. In: ADDECO-IESSE-IRCO. Disponível em:< http://
www.adecco.es/_data/No - tasPrensa / pdf / 197.pdf>. Acesso em: 29
jan. 2010.

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e alimentos e na exportação de mão-de-
-obra barata de países dependentes para
países desenvolvidos e imperialistas como
Estados Unidos e União Europeia (território
com mais de 4,3 milhões de quilômetros
quadrados e 500 milhões de habitantes)
—; mas, mesmo nos países do capitalismo
avançado e em suas novas periferias que
se constituíam como produto da divisão
internacional do trabalho, onde um de
seus efeitos era ampliar o raio de ação da
produção de valor e de mais-valor do capi-
tal transnacional no campo da acumulação
de capital dos países hegemônicos da União
Europeia. Assim, “graças à sua expansão na
Europa Central e Oriental, a UE tem um
PIB maior que o dos Estados Unidos”2, além

2
CALLINICOS, Alexis. El imperialismo y la economía polí-
tica mundial hoy. Revista Crítica y emancipación, 2011, p.
144.Tradução nossa.

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disso, complementar a esta nova configu-
ração da União Europeia: “Representa uma
autêntica mudança estrutural que incor-
pora uma verdadeira periferia do trabalho
no mercado único, tanto em termos de salá-
rios quanto de condições de trabalho. Isso
facilita o processo de redução, não apenas
das condições de trabalho, mas também
da participação dos trabalhadores no valor
agregado de seu trabalho em todo o terri-
tório da União Europeia, particularmente
nos países com maiores ganhos sociais,
independentemente de que as políticas
trabalhistas continuem sendo gerenciadas
em nível estadual, e inclusive mais por causa
dessas circunstâncias” (ARRIOLA, Joaquín;
VASAPOLLO, Luciano. Flexibles y preca-
rios. La opresión del trabajo en el nuevo
capitalismo europeo. Madrid: El Viejo Topo,
2003. p. 178. Tradução nossa).

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A desintegração do bloco socialista
serviu de base para a constituição de novas
periferias, principalmente na esfera da
União Europeia e de seus países hege-
mônicos (basicamente Alemanha, França,
Inglaterra, Itália e Espanha - onde os dois
últimos representam 30% do PIB da zona
do euro). Do ponto de vista do mundo
do trabalho e de suas múltiplas relações
e contradições, foi possível introduzir
elementos identificados com a superex-
ploração da força de trabalho, como um
regime voltado para restaurar as condições
de valorização e rentabilidade do capital,
onde novas periferias cumpriram esse papel
e mais ainda, na atual conjuntura reces-
siva da União Europeia.
Dessa maneira, o capital resolveu
um problema espaço-temporal causado,
na década de 1980, pelos problemas de
superprodução e crise do capitalismo. A

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desintegração da União Soviética e do
bloco socialista, no âmbito da imposição do
Consenso de Washington, foi uma grande
oportunidade, especialmente para os países
hegemônicos da União Europeia, implan-
tarem seus processos produtivos, o uso
de mão de obra qualificada e barata, bem
como as disparidades salariais prevalecen-
tes nos países ex-socialistas (ver Quadro 1
na página 19). Com isso, o grande capital
europeu conseguiu substituir relativamente
o papel ocupado pelas antigas economias
subdesenvolvidas, em particular as da
América Latina: “O papel que os territó-
rios subdesenvolvidos da África, Ásia ou
América Latina tiveram no início do século
XX foi preenchido pelos “antigos países
socialistas” no final do século passado. Em
vez de se aventurar em regiões agrárias e
primitivas, o capitalismo contemporâneo
encontrou vastos mercados consumidores,

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com uma força de trabalho qualificada
para fabricar produtos complexos. Mas,
como no passado, essas mudanças geográ-
ficas não removem as tensões originais. As
contradições que o capital transfere para a
periferia tendem a reverberar mais tarde
no próprio centro”3.
Embora seja verdade, como parece na
citação anterior, que os novos territórios
balcanizados do socialismo realmente
existentes tenham se tornado funcio-
nais para as empresas do capitalismo no
centro, eles não substituíram, definitiva-
mente, os territórios subdesenvolvidos das
antigas periferias, como sugere este autor.
Em nossa opinião, eles foram re-funcio-
nalizados no quadro de uma nova divisão

3
KATZ, Claudio. Los cambios en la rivalidad interim-
perial. Disponível em: <http://www.rebelion.org/noticia.
php?id=132805>. Acesso em: 24 jul. 2011.Tradução nossa.

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internacional do trabalho mais complexa e
contraditória, que atualmente se consolida
com base em um esquema multipolar em
que, ao lado do imperialismo tradicional
dos Estados Unidos e da União Europeia,
novas potências regionais emergem com
reivindicações hegemônicas, como China,
Índia ou Paquistão.
As novas periferias - diferenciadas das
antigas periferias (AP), particularmente
as da América Latina que emergiram
dos processos históricos de descoloniza-
ção nas duas primeiras décadas do século
XIX - foram formalizadas com o Tratado
de Reforma, que configura uma estrutura
econômico-social com diferentes núcleos
e periferias, e que conterá pelo menos
três Europas que operam como centros e
(novas) periferias:
A “zona do euro” com 17 Estados
que adotaram o euro: Alemanha, Áustria,

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Bélgica, Chipre, Eslováquia, Eslovênia,
Estônia, Espanha, Finlândia, França, Grécia,
Irlanda, Itália, Luxemburgo, Malta, Países
Baixos e Portugal;
Países ricos fora do euro: Grã-Bretanha,
Dinamarca e Suécia;
As periferias:
a) uma, no seu flanco sul, a União para
o Mediterrâneo, administrada pela França;
b) a outra, a União do Leste, adminis-
trada pela Alemanha4.
Estas NP cumprem as seguintes funções
atribuídas a elas pela divisão internacional
do trabalho e pela dinâmica geoeconô-
mica e política regional que, neste caso, se
limitam ao escopo europeu e à realocação

4
DURÁN, Ramón Fernández. Profundización de la Europa
del capital. Revista Pueblos. Disponível em: <http://www.
rebelion.org/noticia.php?id=110089, 22-07-2010>. Acesso
em: 25 jul.201

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de empresas multinacionais sediadas em
países centrais como Alemanha e França,
em relação a outros de menor desenvolvi-
mento relativo, como Hungria, República
Tcheca, Romênia ou Polônia, onde os
salários reais são mais baixos, há pouca
organização e ativismo sindical, e as condi-
ções de trabalho são deterioradas:
1. Operam como plataformas de recebi-
mento de capital e empresas que decidem se
mudar para aproveitar vantagens compe-
titivas: geográficas, diferenciais salariais,
jornada de trabalho flexíveis, pouca ou
nula legislação trabalhista, fraco ativismo
sindical e baixas taxas de sindicalização;
baixa capacidade de negociação coletiva
para defender conquistas e direitos dos
trabalhadores e aumentar os salários reais;
disposição dos governos neoliberais de tole-
rar corporações transnacionais;

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2. Pressionam as empresas dos países
desenvolvidos para que suas respectivas
burguesias empresariais e seus governos
possam chantagear suas classes trabalhado-
ras e o mundo do trabalho (por exemplo,
através da ameaça de realocação ou do
fechamento de empresas como as alemãs)
para reduzir custos salariais, aumentar as
taxas de exploração e aumentar a compe-
tição entre trabalhadores por empregos
precários em um contexto de escassas
oportunidades de emprego e poucos, ou
nenhum benefício social, como seguro-
-desemprego e aposentadoria;
3. Assumindo a superexploração do
trabalho em qualquer modalidade do
capitalismo avançado (por exemplo, atra-
vés da redução salarial, aumentando a
intensidade ou prolongando a jornada
de trabalho), as NP competem com as
Antigas Periferias (AP) - como as da

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América Latim - para atrair e reter força
de trabalho barata, tecnologia, investi-
mento estrangeiro e empresas que, por
sua vez, é aproveitado pelos países impe-
rialistas para aprofundar a desigualdade
social, beneficiando a lucratividade e a
expansão dos seus negócios;
4. Dessa forma, se inicialmente as AP
serviram de plataforma para a expansão
do capital internacional, hoje as NP desem-
penham esse papel no nível regional, ao
mesmo tempo em que pressionam as AP
a aprofundarem as políticas neoliberais e
ajustarem suas economias à lógica mercan-
til e de lucro do grande capital monopolista
internacional.
As políticas de ajuste e estabilidade
das organizações internacionais assumem
aqui um novo papel para os países subde-
senvolvidos, por exemplo, deslocando
os investimentos para essas regiões e,

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simultaneamente, pressionando as antigas
para atraí-los após os ajustes macroeco-
nômicos e a imposição de austeridade
social. Cedo ou tarde, essas políticas neoli-
berais, aplicadas por grandes capitais na
Grécia, Espanha, Irlanda, Portugal, Itália
e Inglaterra e, por extensão na União
Europeia, vão impactar as periferias depen-
dentes latino-americanos, atingindo suas
taxas de crescimento, a deterioração dos
salários e os gastos sociais.
Essas funções - plataformas de inves-
timento, deterioração das condições de
trabalho e dos mercados de trabalho,
concorrência entre antigas e novas peri-
ferias, e aprofundamento das políticas
neoliberais - ajudam o capital a desdo-
brar seus investimentos nas NP (com
práticas de terceirização) e redefine seu
papel na divisão internacional do traba-
lho, em detrimento dos setores industrial,

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dos serviços e, de maneira fulminante,
da agricultura de países subdesenvolvi-
dos, com importantes repercussões sociais
para as populações deste lugares, acima
de tudo, devido ao seu impacto inflacio-
nário nos alimentos para consumo geral.
Na União Europeia, essa “periferia do
trabalho” reduz os salários, aumenta a
exploração do trabalho e a concorrência
entre os trabalhadores e, finalmente, imple-
menta a superexploração do trabalho ou de
algumas de suas modalidades (lembremos
que a superexploração admite modalidades
geralmente articuladas, cujo resultado é a
remuneração do trabalhador abaixo do valor
real de sua força de trabalho. Se essa condi-
ção não for atendida, a superexploração
não será verificada). Estas regiões assu-
mem, então, função histórica e congênita,
pertencentes às formações sociais dependen-
tes em que operava como seu mecanismo

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peculiar e constitutivo. Hoje, porém, na
era da mundialização do capital, da lei do
valor do trabalho e dos preços globalizados
da produção, ela é projetada operacional-
mente na economia internacional através
da homogeneização de processos tecno-
lógicos, da crise econômica, automação
flexível, inovações tecnológicas, flexibilidade
de trabalho e crises financeiras e imobiliárias
recorrentes no sistema5. Tudo isso possibi-
litado pela globalização da lei do valor — e
sua extensão planetária — e, concomitante-
mente, porque o regime de superexploração
do trabalho começa a se implantar gradual-
mente nos países desenvolvidos do centro,
como um mecanismo destinado a atenuar

5
SOTELO, Adrián. A reestruturação do mundo do traba-
lho. Superexploração e novos paradigmas de organização
do trabalho. Uberlândia: Editora da Universidade Federal
de Uberlândia, 2009, p. 59.

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a crise estrutural, os déficits financeiros do
Estado e os problemas recorrentes da taxa
de lucro das grandes empresas.
Essa nova configuração geoestratégica
e geopolítica da “nova Europa” da grande
capital transnacional e imperialista está
traçando o novo mapa mundial da divi-
são internacional do trabalho e das antigas
e novas periferias que impactarão as rela-
ções internacionais, as trocas comerciais, a
competitividade das nações e os processos
econômicos, sociais e políticos em todas as
regiões do planeta6.

6
Para este tema ver JALIFE-RAHME, Alfredo. El híbrido
mundo multipolar. Un enfoque multidimensional, México,
Orfila, 2010.

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2
a superexploração do trabalho
no capitalismo avançado

P ara Marini, o sistema mundial é cons-


tituído pela economia capitalista dos
países avançados, sustentados, fundamen-
talmente, no mais-valor relativo através
do aumento da produtividade do traba-
lho e, por outro lado, pelas economias e
sociedades dependentes e subdesenvolvi-
das, que se baseiam na maior exploração
da força de trabalho que dissocia o aparato
produtivo, das necessidades de consumo
das massas trabalhadoras.

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Uma vez localizado neste campo, o
autor diferencia dois processos históri-
cos de desenvolvimento dependente na
América Latina: por um lado, a existência
de uma economia primária exportadora -
que sucedeu à economia colonial também
de natureza capitalista7 - cujos problemas
de realização, de superprodução de merca-
dorias e as contradições de seu processo de
acumulação de capital estão subordinados
à dinâmica e ao comportamento da taxa
de lucro dos países imperialistas.
O segundo processo refere-se à implan-
tação de uma economia nacional - que,
no entanto, continua exportando maté-
rias-primas e alimentos - com base
na industrialização por substituição de

7
BAGÚ, Sergio. Economía de la sociedad colonial. Ensayo
de historia comparada de América Latina. México: Grijalbo,
Conaculca, 1992.

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importações para o mercado interno e
que, segundo Marini, permite que nela
se manifestem plenamente suas leis de
desenvolvimento, “[...] as quais represen-
tam sempre uma expressão particular das
leis gerais que regem o sistema em seu
conjunto”8.
O importante aqui é que os proble-
mas de circulação e realização de capital
- que surgem e se tornam mais agudos
com os efeitos da superexploração do
trabalho - não correspondem mais intei-
ramente à economia internacional - como
ocorreu durante o período de vigência
da economia de exportação - mas que,
especialmente após a Segunda Guerra

8
Ruy Mauro Marini, Dialética da dependência. In:
TRASPADINI, Roberta; STEDILE, João Pedro (Orgs.).
Ruy Mauro Marini. Vida e obra. São Paulo: Expressão
Popular, 2005. op.cit., p. 184.

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Mundial e o desdobramento da indus-
trialização, derivam de seu próprio ciclo
econômico nacional (dependente). Esta
questão incide internamente na esfera
da produção, da circulação e se desen-
volve amplamente os setores de produção
e consumo de mercadorias de luxo destina-
das ao mercado interno, dinamizados pela
demanda das classes sociais médias e altas
da burguesia - que concentram investimen-
tos nacionais e estrangeiros, os mercados
de força trabalho qualificada e os encla-
ves controlados por grandes corporações
transnacionais - cuja expansão se desen-
volve em conjunto com a industrialização
por substituição de importações.
Esse processo ocorre, grosso modo,
entre o período pós-Guerra Mundial e o
início dos anos 1980. Mas desde meados
da década de 1960, a expansão dos seto-
res suntuários na economia dependente

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marcará limites estruturais em seus proces-
sos de realização, devido à concentração
de renda - estimulada pela superexplora-
ção do trabalho e outras mutações, como
a precarização do trabalho e o desem-
prego - bem como a forte dependência de
importações, especialmente de meios de
produção, tecnologia e conhecimento cien-
tífico. Entre outras medidas, a intervenção
estatal na economia dependente será estra-
tégica e essencial para atenuar os graves
problemas e estimular o desenvolvimento
capitalista na região por meio de subsí-
dios à demanda - tanto interna, quanto
externa -, garantindo campos de investi-
mento no exterior por meio de operações
de empresas estatais, empréstimos inter-
governamentais e garantindo operações
privadas de algumas empresas importan-
tes de países como México ou Brasil - as
chamadas empresas “translatinas” - em

39

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outros países da América Latina ou no
continente africano . Segundo Marini:
“A extrema concentração de renda que
governa a região é a contrapartida neces-
sária à estratificação verificada no nível
do aparato produtivo. Além disso, tornou
indispensável a intervenção direta do
Estado, que atua não apenas como cria-
dor da demanda, mas também remove
obstáculos à realização da produção e até
a estimula artificialmente, absorvendo
parte dos custos”9.
Ao invés de resolver estes problemas de
realização, expandindo o mercado interno,
incorporando-o ao consumo dos traba-
lhadores - como historicamente ocorreu
nas economias capitalistas clássicas - nas

9
MARINI, Ruy Mauro. La acumulación capitalista mundial
y el subimperialismo. Cuadernos Políticos. n. 12, abril-jun
de 1977, p. 32. Tradução nossa.

40

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dependentes o capital e o Estado escolhe-
rão usar outros mecanismos de acordo
com a lógica do padrão de acumulação e
reprodução em vigor no período.
1. A importação de tecnologia e de
capital estrangeiro destinados a investir
preferencialmente no desenvolvimento do
setor industrial - em detrimento, evidente-
mente, da agricultura - a fim de aumentar a
capacidade produtiva do trabalho e contra-
-arrestar os problemas da produção de
mercadorias. Isso explica o grande inte-
resse do capital estrangeiro em promover
o processo de industrialização da econo-
mia dependente por meio da implantação
e desenvolvimento de suas empresas trans-
nacionais, fenômeno que Marini caracteriza
como integração imperialista dos siste-
mas produtivos, que se desenrola após a
Segunda Guerra Mundial (Para mais ver:
MARINI, Ruy Mauro. Subdesenvolvimento

41

1.indb 41 12/04/2023 15:45:30


e revolução. Florianópolis: Insular/IELA,
2012);
2. O capital estrangeiro e o uso exten-
sivo de tecnologia importada estimularam
a superexploração do trabalho e o aumento
do desemprego, gerando novos problemas
de realização. Para fazer isso, a interven-
ção estatal e a política inflacionária foram
usadas para transferir o poder de compra
das classes populares - empobrecendo-
-as enfaticamente, mediante a redução
dos salários reais e o aumento inusitado
do exército industrial de reserva - para as
classes ricas já beneficiárias do sistema e
dotadas de um poder de compra suficien-
temente capaz de impulsionar os setores
produtivos e os setores de produção dos
mercados de consumo suntuários;
3. Finalmente, esgotados os recursos
anteriores, derivados das contradições
do desenvolvimento do capitalismo

42

1.indb 42 12/04/2023 15:45:30


dependente, particularmente do seu ciclo
de capital e da dinâmica da superexplo-
ração do trabalho, no final da década
de 1970, para resolver os problemas de
realização de mercadorias e de capitais,
a saída que será buscada novamente será
o mercado mundial - em uma espécie de
imitação da velha economia de exporta-
ção, mas, desta vez, em uma moderna
base industrial, agrícola e minerária - em
vez de corrigir os desequilíbrios internos
estruturais (como, por exemplo, propôs
o neo-estruturalismo), incorporando o
consumo popular no mercado interno,
o que pressupõe logicamente uma polí-
tica generalizada de aumento do poder de
compra dos trabalhadores com base nos
aumentos salariais, começando com os
mínimos, que os igualavam ao valor de
sua força de trabalho, situação comple-
tamente impensável nas circunstâncias

43

1.indb 43 12/04/2023 15:45:30


atuais em países como o México, onde os
salários médios reais vêm caindo, desde
meados da década de 1970 até o presente.
Essa etapa corresponde à implanta-
ção do neoliberalismo que se impôs no
mundo e com grande força na América
Latina há mais de três décadas, embora
suas origens históricas remontem, como
aponta Perry Anderson10, ao período pós
Segunda Guerra Mundial, na Europa e nos
Estados Unidos, como reação ao “estado
intervencionista e de bem-estar social”. A
teorização do neoliberalismo foi realizada
pelo austríaco Friedrich von Hayek - que
recebeu o Prêmio Nobel de Economia
em 1974 - em seu livro O caminho para

10
ANDERSON, Perry. Balance del neoliberalismo. In:
GENTILI, Pablo. et al. Pos-neoliberalismo. As políticas
sociais e o Estado democrático. São Paulo: Paz e Terra, 1995.

44

1.indb 44 12/04/2023 15:45:30


a servidão11. Em um texto que Marini
considera complementar à sua Dialética
da Dependência, o resume nos seguintes
termos: “[...]Poderíamos dizer que o ciclo do
capital na economia dependente é caracte-
rizado por um conjunto de peculiaridades.
Entre eles, o papel que o capital estrangeiro
desempenha na primeira fase da circula-
ção, tanto na forma de moeda quanto no
mercado, bem como o fato de a produção
determinar transferências de mais-valia
(que serão visíveis na segunda fase da circu-
lação); fazer um valor extraordinário e
desenvolver com base na superexploração
do trabalho; ambas levarão à concentração
de capital e à monopolização precoce, bem
como ao divórcio da estrutura de produção
das necessidades de consumo de massa. A

11
VON HAYEK, Friedrich. O caminho para a servidão.
São Paulo: Instituto Ludwig von Mises, 2012.

45

1.indb 45 12/04/2023 15:45:30


distorção na distribuição de renda que a
partir daí origina dinamismo, na segunda
fase da circulação, do setor de mercado
capaz de sustentar o desenvolvimento de
indústrias suntuosas, forçando a agravar
essa distorção na medida em que muitas
filiais aumentam sua produção e deman-
dam mais mercado. Os limites que comovem
essa segunda fase de circulação, tanto pela
transferência de mais-valia no exterior,
e quanto pela deformação da estrutura
interna de entrada, o impulso do exterior
levará à busca da realização de mercadorias
no mercado mundial, fechando o círculo da
dependência do ciclo do capital em relação
ao exterior [...]”12

12
MARINI, Ruy Mauro. El ciclo del capital en la econo-
mía dependiente. In: OSWALD, Úrsula(coord.), Mercado y
dependencia. México: Nueva Imagen, 1979, p. 55. Tradução
nossa.

46

1.indb 46 12/04/2023 15:45:30


As profundas mudanças ocorridas no
decorrer na década de 1970, tanto econômica
quanto política e social, desencadearam
uma transição real em uma nova ordem
capitalista mundial, que na América Latina,
se cristalizou na formação dos países em
autênticas plataformas de exportação,
apoiadas em padrões de acumulação e
reprodução de capital especializados na
produção de um ou dois produtos desti-
nados aos mercados internacional, e que
determinaram o novo perfil das socieda-
des e do mundo do trabalho imerso em
políticas neoliberais.

2. 1 Hegemonia do mais-valor relativo


no capitalismo e superexploração do
trabalho
Um dos fios condutores da teoria da
dependência consiste em determinar a
relação entre o mais-valor relativo, como

47

1.indb 47 12/04/2023 15:45:30


definido acima, e a superexploração do
trabalho, uma vez que: “O problema está,
portanto, em determinar o caráter que
assume na economia dependente a produ-
ção de mais-valia relativa e o aumento da
produtividade do trabalho”13.
De fato, é de vital importância conside-
rar dois problemas essenciais: o primeiro,
por quê e por quais causas, na economia
dependente, o mais-valor relativo enfrenta
dificuldades para se tornar hegemônico nos
sistemas produtivos e de trabalho, como
aconteceu nos países do capitalismo clás-
sico depois da Revolução industrial na
Inglaterra. Segundo, como é que, parti-
cularmente quando a industrialização de

13
MARINI, Ruy Mauro Marini. Sobre a Dialética da
Dependência. In: TRASPADINI, Roberta; STEDILE,
João Pedro (Orgs.). Ruy Mauro Marini. Vida e obra. São
Paulo: Expressão Popular, 2005. p. 193.

48

1.indb 48 12/04/2023 15:45:30


substituição de importações surge e se
desenvolve na América Latina, a superex-
ploração do trabalho continua subsumindo
o mais-valor relativo e evitando que se
torne hegemônico no sistema. Nesse
problema, reside para nós a essência do
processo de dependência e superexploração
do trabalho. Por esse motivo, este último
não pode ser reduzido e definido como
uma simples “violação” do valor da força
de trabalho (como fazem alguns autores).
Consideramos que o específico e o carac-
terístico predominante, historicamente nas
economias dependentes, é a constituição
de um modo de produção dependente —
articulado ao sistema capitalista mundial
— baseado em um regime de superex-
ploração do trabalho que assume certas
especificidades e dificulta sistematica-
mente a implantação do mais-valor relativo
como eixo do processo de acumulação e

49

1.indb 49 12/04/2023 15:45:30


reprodução de capital. Em relação à supe-
rexploração do trabalho, Marini afirma
que: “[…] os três mecanismos identificados
— a intensificação do trabalho, a prolonga-
ção da jornada de trabalho e a expropriação
de parte do trabalho necessário ao operário
para repor sua força de trabalho — confi-
guram um modo de produção fundado
exclusivamente na maior exploração do
trabalhador, e não no desenvolvimento
de sua capacidade produtiva. Isso é condi-
zente com o baixo nível de desenvolvimento
das forças produtivas na economia lati-
no-americana, mas também com os tipos
de atividades que ali se realizam. De fato,
mais que na indústria fabril — na qual um
aumento de trabalho implica pelo menos
um maior gasto de matérias-primas — na
indústria extrativa e na agricultura o efeito
do aumento do trabalho sobre os elemen-
tos do capital constante, são muito menos

50

1.indb 50 12/04/2023 15:45:30


sensíveis, sendo possível, pela simples ação
do homem sobre a natureza, aumentar a
riqueza produzida sem capital adicional.
Entende-se que, nessas circunstâncias, a
atividade produtiva baseia-se, sobretudo, no
uso extensivo e intensivo da força de traba-
lho: isso permite baixar a composição-valor
do capital, o que, aliado à intensificação do
grau de exploração do trabalho, faz com
que se elevem simultaneamente as taxas
mais-valia e de lucro”14.
Como pode ser deduzido da citação
anterior, a complexidade da economia
dependente, incorporada à dinâmica
contraditória e desigual do sistema
capitalista mundial, significa que a supe-
rexploração é reduzida à simples “violação”
do valor da força de trabalho. Para fazer

14
MARINI, Ruy Mauro. Dialética da Dependência. op.
cit, p. 156.

51

1.indb 51 12/04/2023 15:45:30


isso, é inevitavelmente necessário proje-
tar previamente um “modelo ideal” que
— supostamente — também expresse o
valor ideal que a força de trabalho deve
conter. Além deste exercício estatístico
e empírico, pensamos que o que real-
mente existe é um modo de produção
capitalista dependente complexo, multifa-
cetado, contraditório e problemático que
possui seu próprio ciclo de reprodução
que exacerba as condições de exploração
da força de trabalho e natureza, e que está
mediado por múltiplas determinações,
como a dinâmica que o capitalismo hege-
mônico imprime nele, as características
autoritárias do Estado, o crescente desem-
prego e subemprego da força de trabalho,
os problemas inflacionários e deflacionário
da economia, a dinâmica contraditória do
comércio internacional, o estreitamento do
mercado doméstico de consumo e trabalho

52

1.indb 52 12/04/2023 15:45:30


e as possibilidades relativas de expansão
regional do capital, para realizar sua produ-
ção no mercado mundial, como ocorre hoje
em dia sob o novo padrão de reprodução de
capital dependente da especialização produ-
tiva para o mercado mundial.
Na América Latina e em outros países
dependentes, que alocam proporções cres-
centes de sua produção ao mercado externo
- atualmente são feitos investimentos em
massa na produção de biocombustíveis
e matérias-primas para exportação - os
recursos agrícolas de consumo popular são
reconvertidos para satisfazer as necessida-
des energéticas do capitalismo dominante,
mesmo capitalismos ascendentes, como o
chinês, que se projeta como potência regio-
nal e mundial, de grande relevância para
as economias da América do Sul, especial-
mente para Argentina e Brasil.

53

1.indb 53 12/04/2023 15:45:30


A diferença substancial do capitalismo
avançado, em relação ao dependente,
consiste no fato de que nele o mais-valor
relativo é hegemônico no sistema produtivo,
enquanto neste último o mais-valor está
subordinado às antigas formas de produção
capitalista, mais-valor absoluto e superex-
ploração do trabalho, que precederam o
mais-valor relativo. Segundo Marini, esta
situação acorre pois: “[...] as condições
criadas pela superexploração do trabalho
na economia dependente tendem a obsta-
culizar seu trânsito desde a produção de
mais-valia absoluta à mais-valia relativa,
enquanto forma dominante nas relações
entre capital e trabalho. A gravitação despro-
porcional que a mais-valia extraordinária
assume no sistema dependente é o resultado
disso e corresponde à expansão do exército
industrial de reserva e ao estrangulamento
relativo da capacidade de realização da

54

1.indb 54 12/04/2023 15:45:30


produção. Mais que meros acidentes no
curso do desenvolvimento dependente,
ou elementos de uma ordem transicio-
nal, esses fenômenos são manifestações
da maneira como incide na economia
dependente a lei geral da acumulação de
capital. Em última instância, é de novo à
superexploração do trabalho que temos
de nos referir para analisá-los”15.
Desde o início, o capitalismo avan-
çado articulou e subordinou o mais-valor
absoluto - prolongamento da jornada de
trabalho, intensificação da força de traba-
lho - ao mais-valor relativo, pelo menos
desde o grande período da Revolução
Industrial na Inglaterra, e gradualmente
incorporou os trabalhadores no consumo
dos bens produzidos pelas fábricas da

15
MARINI, Ruy Mauro Marini. Sobre a dialética da depen-
dência. op.cit. p. 194.

55

1.indb 55 12/04/2023 15:45:30


grande indústria. Foi isso que influenciou
o próprio Marx no Capital (Livro III, Cap.
XIV, p. 235) a vislumbrar a possibilidade
empírica da superexploração do trabalho
- a redução de salários abaixo do valor da
força de trabalho - mais como fenômeno
de concorrência e conjuntura, que visa
contra-arrestar a tendência de queda da
taxa de lucro, que como comportamento
estrutural de longo prazo e como regula-
ridade na análise geral do capital.
Mas isso foi congruente com sua
premissa metodológica sustentada em
todo o Capital e que consiste na suposi-
ção de que o valor da força de trabalho
(como o de qualquer outra mercado-
ria) sempre corresponde ao seu preço de
mercado, como vimos acima.
Posteriormente, surgiu um novo
período, caracterizado por estudos da
sociologia do trabalho como um sistema

56

1.indb 56 12/04/2023 15:45:31


fordista-taylorista de produção em massa,
onde o trabalhador, recém incorporado
à linha de montagem contava como
produtor e consumidor de mercadorias
produzidas pela grande indústria como,
por exemplo, automóveis (para mais ver:
BRAVERMAN, Harry. Trabajo y capital
monopolista. México:Nuestro Tiempo,
1997).
O mérito e a novidade da proposta de
Marini consiste na categoria de supe-
rexploração - que foi deixada de fora da
análise geral de capital de Marx pelas
razões apontadas - como o núcleo duro e
o princípio norteador do desenvolvimento
capitalista nas formações econômico-so-
ciais subdesenvolvidas da periferia do
sistema mundial, e permitiu diferenciá-lo
histórica e estruturalmente do desenvolvi-
mento dos países do capitalismo clássico.

57

1.indb 57 12/04/2023 15:45:31


Devemos destacar a observação de
Vania Bambirra que foi desconsiderada
pela maioria dos críticos da teoria da
dependência, sobre que, em stricto sensu,
não existe uma “teoria da dependência”
em geral do modo de produção capita-
lista “[...] pois isso foi feito por Marx; nem
do ‘modo de produção capitalista depen-
dente’, uma vez que isso não existe; mas
do estudo das formações econômico-so-
ciais capitalistas dependentes [...] capazes
de capturar a combinação específica dos
modos de produção que coexistiram na
América Latina sob a hegemonia do capi-
talismo ” (BAMBIRRA, Vania. Teoría de
la dependencia: Una anticrítica. México:
Era, 1978. p. 26. Tradução nossa).
Aplicando a categoria de supe-
rexploração à análise do capitalismo
contemporâneo e, em particular, a nova
etapa histórico iniciada no final dos anos

58

1.indb 58 12/04/2023 15:45:31


1980 - com a queda do muro de Berlim em
1989, a desintegração da União Soviética
e a invasão imperialista dos Estados Unidos
no Iraque na chamada Guerra do Golfo
(1991), com o uso generalizado da infor-
mática na produção material e imaterial e
nas telecomunicações (terceira revolução
industrial) — Marini destaca três condições
que o capital precisava cobrir anteriormente
para iniciar esta nova etapa da história.
Em primeiro lugar, acentuou o grau
de exploração do trabalho em todo o
sistema para aumentar a massa do mais-
-valor, o que foi possível, acrescenta ele,
com as derrotas do movimento trabalhista
e popular nos países do centro capita-
lista, e nos países da periferia, incluindo
a América Latina.
Em segundo lugar, intensificou a
concentração de capitais nas economias
avançadas, para garantir investimentos

59

1.indb 59 12/04/2023 15:45:31


no desenvolvimento científico-tecnoló-
gico e na modernização industrial, o que
implicou em fortes transferências de mais-
-valor dos países dependentes da América
Latina (o chamada intercâmbio desigual)
que aumentaram a acumulação de capi-
tal e, consequentemente, agravaram os
problemas de empregos, salários, margina-
lização e miséria social de grandes setores
de sua população.
A terceira condição expandiu a escala
do mercado para alocar os grandes inves-
timentos necessários para a modernização
do aparato industrial. Tudo isso, conclui
Marini, reatualizou as leis e os mecanismos
básicos do sistema: “[…] especialmente a
lei do valor […] que opera comparando
o valor real dos bens, ou seja, o tempo
de trabalho investido em sua criação,
incluindo o tempo exigido pelos insumos

60

1.indb 60 12/04/2023 15:45:31


e meios de produção, bem como a repro-
dução da força de trabalho”16.
Nos anos 1990, essas três condições
permitiram a conversão da economia
latino-americana em uma economia
neoliberal dependente, sustentada em
um padrão de acumulação e reprodu-
ção de capital subordinado à dinâmica
do ciclo de capitais dos países hegemôni-
cos do capitalismo avançado e, cada vez
mais, do ciclo reprodutivo da economia
chinesa. A configuração estrutural da
economia latino-americana direcionada
para o mercado mundial, sustentada
em padrões de reprodução inseridos em
processos de “reprimarização” e impor-
tação de tecnologia dos países centrais, é

16
MARINI, Ruy Mauro. Prefacio. In: SOTELO, Adrián.
México, dependencia y modernización. México: El Caballito,
1990.Tradução nossa.

61

1.indb 61 12/04/2023 15:45:31


um verdadeiro reflexo dessa nova forma
de dependência, que a torna mais vulne-
rável às contradições externas impostas
pela acumulação capitalista, em escala
mundial, no século XXI.

2.2 Críticas e contra-críticas


A polêmica sobre a possibilidade de
estender a superexploração do trabalho
nos países avançados ainda permanece no
cerne e restrita a certas expressões teóri-
cas, algumas empíricas, e a um pequeno
número de autores que a perceberam à luz
dos problemas do capitalismo contempo-
râneo (Carlos Eduardo Martins, em seu
livro Globalização, dependência e neolibe-
ralismo na América Latina (2011) baseado
na teoria da dependência, na world-sys-
tems analysis e no ciclo de Kondratiev
- que o autor considera ter originado uma
fase expansiva do capitalismo de 1994 até

62

1.indb 62 12/04/2023 15:45:31


o presente - analisa a plausibilidade da
extensão da superexploração do traba-
lho no sistema como um todo).
Isso - a possibilidade de estender a
superexploração do trabalho nos países
avançados - se explica, em parte, pelo
fenômeno recente que se espalha gradual-
mente por meio de uma série de medidas
econômicas e de políticas públicas que estão
sendo implementadas atualmente nos países
imperialistas.
No entanto, já existem alguns temas e
conteúdos referentes a esses problemas que
nos permitem abordá-los no contexto da
crise do capitalismo, que, independente-
mente das várias interpretações que foram
feitas sobre ele, está expresso no aspecto
social e no mundo do trabalho, através de
uma série de medidas que afetam negativa-
mente os salários, o tempo de trabalho e o
consumo da sociedade nos países da União

63

1.indb 63 12/04/2023 15:45:31


Europeia, nos Estados Unidos e em outros
como o Japão, que nos últimos anos, tive-
ram suas condições de vida e de trabalho
diminuídas. Aparentemente, não há outra
saída possível pelo lado do capital senão
continuar aprofundando-as, propiciando
assim a entrada do regime de superexplo-
ração nessas sociedades.
Jaime Osorio17 discute essa questão sobre
a superexploração do trabalho em um livro
que gira em torno de dois eixos: a teoria
da exploração redobrada ou superexplora-
ção do trabalho (Capítulos V e Addendum)
e o tema da revolução, onde ele concebe
a América Latina como o elo mais fraco do
sistema imperialista global. Aqui abordare-
mos o primeiro ponto.

17
OSORIO, Jaime. Explotación redoblada y actualidad de
la revolución. Re- fundación societal, rearticulación popu-
lar y nuevo autoritarismo. México: Itaca, UAM-X, 2009

64

1.indb 64 12/04/2023 15:45:31


O autor coloca a discussão sobre a plau-
sibilidade da instalação da superexploração
do trabalho no capitalismo avançado e a
questão de sua generalização para todo o
sistema. Ele assegura que “[…] o que define
a essência do capitalismo dependente é a
exploração redobrada ou superexploração
da força de trabalho, um termo que explica
os mecanismos pelos quais o valor dessa
força é sistematicamente violado” (Ibidem,
p.109). Consequentemente, a diferença com
o capitalismo central “[...] reside no fato de
que nas economias dependentes esse modo
de exploração está no centro da acumula-
ção de capital” (Ibidem, p.128).
Em seu Addendum, Osório (2009) insiste
nessa ideia quando afirma que: “Por meio
desse conceito — superexploração — é feita
uma tentativa de explicar uma forma de
exploração do trabalho na qual de maneira
estrutural e recorrente se viola o força de

65

1.indb 65 12/04/2023 15:45:31


trabalho” (Ibidem, p.125). Essa “violação”
— de acordo com o autor — assume três
formas: redução de salários abaixo de seu
valor, prolongamento da jornada de traba-
lho e intensificação do trabalho (Ibidem,
p.113). Todas as três formas criam uma
estrutura onde predomina “[…] uma ou
outra dessas configurações […]“ (Ibidem,
p.115). O autor se pergunta qual é a forma
que predomina em uma economia depen-
dente, e responde: a violação do valor da
força de trabalho, através da redução do
fundo de consumo do trabalhador que o
capital transfere para a acumulação de capi-
tal (Ibidem, p.139).
Para Osório, a exploração pode ocor-
rer aumentando a capacidade produtiva
nos países centrais, enquanto nos países
dependentes, segundo o autor, as formas
de exploração se baseiam na violação do
valor da força de trabalho que, para ele

66

1.indb 66 12/04/2023 15:45:31


é o método que predomina no mundo
dependente (Ibidem, p.134). No entanto,
de acordo com o autor, as coisas aconte-
cem de maneira diferente nas economias
avançadas. Aqui predominam a intensi-
ficação do trabalho e o prolongamento
da jornada de trabalho; este último pode
acontecer a partir das medidas anun-
ciadas há dois anos na União Europeia
para aumentar a jornada de trabalho
(Ibidem, p.118), enquanto que os salários
e o fundo de consumo dos trabalhado-
res não são reduzidos (Ibidem, p.118):
“Nas economias centrais ou imperialista,
a intensificação do trabalho e o prolon-
gamento da jornada de trabalho são as
formas predominantes de superexplora-
ção trabalho e o pagamento de salários
abaixo do valor da força de trabalho tem
menos peso” (Ibidem, p.141).

67

1.indb 67 12/04/2023 15:45:31


Aumentar a jornada de trabalho é a
aprovação de uma diretiva que em 2008
foi feita pelo Conselho de Ministros do
Emprego e Política Social dos 27 países da
União Europeia, que revogou a jornada
de trabalho de 48 horas, estabelecida em
1917 pela OIT, passando a admitir que
o empresário e o trabalhador possam
acordar uma jornada de trabalho maior,
permitindo até uma média de 65 horas de
trabalho semanal. Até o momento (2012),
resta apenas que essa reforma seja apro-
vada pelos parlamentares europeus, uma
questão que provavelmente ocorrerá à luz
da aplicação das políticas atuais de auste-
ridade social, precarização do trabalho e
redução de direitos sociais e trabalhistas
dos trabalhadores europeus implemen-
tadas pelos estados capitalistas naquela
região do mundo. Por essa razão, sem
dúvida, qualquer reforma do Estado que

68

1.indb 68 12/04/2023 15:45:31


avance nesse sentido será muito bem-vinda
pelo capital.
A afirmação acima de Jaime Osório se
torna inconsistente quando o autor afirma
que, na medida em que o prolongamento
da jornada de trabalho e a intensidade do
trabalho nos países avançados desgastam
prematuramente os trabalhadores, embora
esses conceitos sejam remunerados, eles
não conseguem repor os anos de vida que
lhes foram arrancados, de modo que, no
final, “[...] o valor total da força de traba-
lho é violado” (Ibidem, p.141). Se isso
acontece, então nos perguntamos: o que
acontece com a especificidade do capi-
talismo dependente, enraizada no fato
de que o valor total da força de trabalho
também é violado?
Como podemos ver, a suposta caracte-
rística que diferenciava os dois capitalismos
desaparece e, então, a superexploração do

69

1.indb 69 12/04/2023 15:45:31


trabalho - identificada como a simples viola-
ção do valor da força de trabalho - também
perde sua especificidade, ainda que o autor
tente corrigir esta ambiguidade ao afirmar
que: “Ambos os tipos de capitalismo são
superexploradores do trabalho, embora
de maneiras diferentes” (Ibidem, p.141).
Contudo, apesar de serem “superexplo-
radores” de uma “maneira diferente”, sob
esse raciocínio lógico, a dependência, como
categoria histórico-estrutural do capitalismo
dependente, diferenciada do capitalismo
avançado, também desaparece. Então, o que
nos resta: nos dois “tipos” de capitalismo,
somente as formas de superexploração do
trabalho diferem, e não sua essência? Seria
bom aprofundar a reflexão a esse respeito,
principalmente devido às consequências
político-ideológicas nas lutas sociais e de
classe dos trabalhadores.

70

1.indb 70 12/04/2023 15:45:31


Um fenômeno tão complexo quanto a
superexploração não pode ser reduzido à
simples violação do valor da força de traba-
lho - também não pode ser interpretado
dessa maneira na obra e no pensamento de
Marini - já que se abstrai da análise uma
série de determinantes estruturais e supe-
restruturais, como graus de industrialização,
ciclos de capital da economia dependente18,
lutas sociais e políticas, políticas públicas,
força ou debilidade das organizações sindi-
cais e da classe trabalhadora. Se fosse esse

18
“A profunda contradição que terá caracterizado o ciclo
de capital dessa economia e seus efeitos sobre a explora-
ção do trabalho incidirão de maneira decisiva no curso que
tomará a economia industrial latino-americana, explicando
muitos dos problemas e das tendências que nela se apresen-
tam atualmente”, MARINI, Dialética da dependência. In:
TRASPADINI, Roberta; STEDILE, João Pedro (Orgs.),
op. cit., 2005, p. 165.

71

1.indb 71 12/04/2023 15:45:31


o caso, seria suficiente que esse valor fosse
“respeitado” - por algum governo progres-
sista como os que surgiram na América
Latina nos últimos anos, por exemplo -
para que “desapareça” como sustento e
eixo da dependência.
A política salarial brasileira oferece
elementos para discussão e avaliação da
relação entre salários e o valor da força
de trabalho. No contorno da crise estrutu-
ral, imobiliária e financeira do capitalismo
global entre 2007 e 2008, o governo Lula
apoiou seus programas de crescimento
econômico no mercado interno e em
uma política de valorização dos salários
reais do país, seguindo a melhor tradição
neo-desenvolvimentista. Os aumentos
salariais beneficiaram, em particular, o
setor manufatureiro para trabalhadores
da linha de produção. A partir da reali-
dade brasileira, a questão que surge é: a

72

1.indb 72 12/04/2023 15:45:31


dependência está sendo superada dessa
maneira, na medida em que essas políti-
cas do governo brasileiro revalorizaram o
salário real para “aproximar” ao valor da
força de trabalho e, portanto, “deixando
de violar” esse valor, ao padronizá-lo,
como o governo propôs oficialmente, com
os salários em vigor em países como os
Estados Unidos?19
No final de 2009, o Estado brasileiro
redefiniu sua política salarial estabelecendo
um “compromisso” de recuperar o nível
de salários que possuía em 1996, quando
supostamente estava no seu melhor nível

19
Para esse ponto ver: Gráficas de brecha salarial de Brasil
para salarios manufactureros de línea de producción, 2010.
La Alianza Global Jus Semper. Disponível em:< http://
www.jussemper.org/Inicio/Recursos/Recursos%20Laborales/
GBS/Resources/Grafsbrechas Bras2008.pdf. Acesso em: 11
jan. 2011.

73

1.indb 73 12/04/2023 15:45:31


em relação aos Estados Unidos — através de
sua uniformização com salários equivalentes
das principais economias do mundo. A partir
de 2010, foi estabelecido um plano para o
aumento anual do salário mínimo chamado
de “Política de Revalorização do Salário
Mínimo”20 e se decretou um aumento no
salário mínimo de 5,87% sobre a inflação,
o que representou um aumento nominal
de 9,68%. Ainda sobre as medidas de valo-
rização do salário mínimo no Brasil, vale
destacar que: «Mais importante ainda, o
governo brasileiro enviou ao congresso, em
2010, um projeto de lei com três propos-
tas de reajuste para o salário mínimo, que
estabelece as diretrizes a serem seguidas
para os períodos de 2012 a 2015, de 2016
a 2019 e de 2020 a 2023. O plano mostra

20
BRASIL, Palácio do Planalto. Medida Provisória n. 474,
de 23 de dezembro de 2009.

74

1.indb 74 12/04/2023 15:45:31


claramente a intenção de fechar gradual-
mente diferença salarial com os salários das
principais economias até 2023. A fórmula
específica utilizada pelo Brasil — e que será
aplicada em 2011 — é a soma do índice
nacional de preços ao consumidor mais a
variação do PIB, se positivo. Por exemplo,
se em um ano a inflação é de 5% e o PIB
cresce 4%, o aumento nominal será de 9%
e o real será de 4%”21.
Se fosse assumido, com altruísta sinceri-
dade panglossiana, que um dia essa política
se materializaria positivamente — que o
governo supõe que acontecerá em 2023 —
agora com a nova administração de Dilma
Rousseff, a dependência do Brasil terminará,
como afirmam, infundadamente, alguns
autores daquele país, que agora o colocam

21
Idem.

75

1.indb 75 12/04/2023 15:45:31


entre as “grandes” potências do mundo,
entre elas, no seleto grupo dos BRICS?
Nesse sentido, a sentença de Antunes
nos dá uma lição ao concluir uma análise
histórico-estrutural da recente economia
brasileira: “Por esse duplo caráter ser produ-
tora de bens de consumo duráveis ​​para o
mercado interno e de produtos primários e
manufaturados para a mercado mundial —
o capitalismo brasileiro se tornou a oitava
economia do mundo, apesar de sempre
manter sua estrutura dependente e subor-
dinada ao imperialismo [...] uma espécie de
capitalismo monopolista de Estado depen-
dente e subordinado ”.
Desde os anos 1970, especulações sobre
a conversão do Brasil em uma “potên-
cia regional”, que ultrapassaria seu status
de país dependente, foram disseminadas
pela ditadura militar. Inclusive o ex-presi-
dente Fernando Henrique Cardoso, passou

76

1.indb 76 12/04/2023 15:45:31


a anular a existência de “dependência” e a
falar de “interdependência” em benefício
da possibilidade de converter o país em um
país “desenvolvido”. No entanto, embora
seu caráter subimperialista tenha sido reafir-
mado, como diagnosticado por Marini, o
status de país desenvolvido, na divisão inter-
nacional do trabalho, não aconteceu para
o Brasil e nem para outros países na órbita
dependente22.
Nesse sentido, referindo-se à situação que
o Brasil manteve na economia internacio-
nal nos anos 1970, a fim de “desbloquear
a acumulação capitalista”, desenvolvendo

22
Confirmamos esta afirmação hoje com o governo
Bolsonaro, que voltou o país aos níveis do setor primá-
rio-exportador e com forte dependência tanto da Europa
quanto dos Estados Unidos, além da China em um contexto
de queda do PIB, de alto desemprego e o subemprego e a
pandemia Covid-19 que está atingindo o mundo.

77

1.indb 77 12/04/2023 15:45:31


preferencialmente a indústria nuclear e a
indústria militar pesada, Marini destaca três
implicações a esse respeito: “Em primeiro
lugar, a observação de que a crise capita-
lista mundial, cuja fonte vital é constituída
pelo confronto entre as grandes potências
capitalistas, não apenas precipitou a crise
econômica brasileira: também oferece ao
Brasil a possibilidade de superá-la. De fato,
tanto em relação à energia nuclear quanto
à indústria de guerra, o Estado brasileiro
hoje utiliza a feroz concorrência estabe-
lecida entre os Estados Unidos e a Europa
Ocidental, particularmente a Alemanha e o
Japão, para garantir a captação dos recur-
sos fornecidos pelo fluxo circulatório global
de capital, meios de produção e tecnologia.
O Brasil não superará a dependência dessa
maneira; mas, diversificando sua articulação
com a economia capitalista mundial, abrirá
um espaço para a realização de seu projeto

78

1.indb 78 12/04/2023 15:45:31


de desenvolvimento industrial e, com base
nisso, sua afirmação como potência inter-
mediária no esquema global de distribuição
de energia. Em outras palavras, o Estado
brasileiro utiliza as contradições interim-
perialistas para garantir a realização de seu
projeto subimperialista”23.
O surgimento da China como um novo
protagonista competitivo em escala inter-
nacional teria que ser considerado, ao lado
— e contra — dos países imperialistas tradi-
cionais, como os Estados Unidos, o Japão
e a União Europeia, e no interior desta, de
países como Alemanha e França contra a
Inglaterra, em relação às estratégias políticas
de integração e da crise estrutural que está
abalando a região e a zona do euro.

23
MARINI, Ruy Mauro. “Estado y crisis en Brasil”.
Cuadernos Politicos. n 13, julho-setembro de 1977, p. 82.
Grifos nosso, tradução nossa.

79

1.indb 79 12/04/2023 15:45:31


Por outro lado, o mesmo pode ser dito da
Argentina que, desde a crise de 2001-2002,
experimentou um crescimento econô-
mico sem precedentes (cerca de 7,5% em
média, entre 2003 e 2010) sustentado
nas atividades primário-exportadoras, mas
que, apesar disso, não superam de modo
algum a dependência. Como Julio Gambina
afirma:“A Argentina continua sendo um
país dependente do capitalismo mundial;
subordinado ao poder das corporações trans-
nacionais, e é por isso que o capital externo
domina os setores estratégicos da economia
local, seja na agricultura, na indústria ou
nos serviços. A presença de empresas argen-
tinas entre as empresas transnacionais da
região, as translatinas, não modifica o cará-
ter declarado, pelo contrário, confirma que
o capital só pode funcionar efetivamente
se atingir escalas de concorrência global.”
(GAMBINA, Julio. Economía a fines del

80

1.indb 80 12/04/2023 15:45:31


2011. Disponível em:< http: // www. rebe-
lion.org/noticia.php?id=141613>. Acesso
em: 20 dez. 2011).
O exposto acima mostra a validade da
dependência e sua fonte vital: a superexplo-
ração do trabalho. Mesmo em economias
como as mencionadas, que mantiveram
maiores taxas de crescimento econômico
em relação aos países industrializados e
em outros não industrializados, mostram
que variáveis ​​como o mercado mundial
são fundamentais para manter esse
comportamento.
Em economias tão complexas quanto as
da América Latina, a discussão não pode
ser reduzida, de maneira alguma, à simples
violação do valor da força de trabalho como o
núcleo duro da superexploração. Ao contrá-
rio, considerando a existência histórica e
a constituição estrutural de um regime de
superexploração que gera seu próprio ciclo

81

1.indb 81 12/04/2023 15:45:31


econômico, dependente, de diferentes graus
e formas, da economia internacional, e dos
principais centros hegemônicos econômi-
cos e produtivos dos países avançados, o
que podemos dizer é que se estabelece uma
média da remuneração da força de traba-
lho com base na predominância das três
formas, geralmente articuladas, que assume
a superexploração quando elas não são - em
parte - remuneradas: a) ao prolongamento
da jornada de trabalho; b) a intensificação
do trabalho, e c) a redução do consumo
do trabalhador além do seu limite normal.
A este respeito, existem duas observa-
ções. A primeira é que, para se falar em
superexploração do trabalho, seja na forma
de prolongamento da jornada de traba-
lho ou de aumento da sua intensidade, é
necessário deixar de pagar parte do traba-
lho excedente, seja extensivo ou intensivo;
porque se é remunerado, então, não há

82

1.indb 82 12/04/2023 15:45:31


superexploração, embora o trabalhador
sofra um desgaste maior que reduz sua
vida útil e seja submetido aos mecanismos
“normais” de exploração. Por esse motivo,
Marini se refere à superexploração como
um sistema que articula as três modali-
dades, quando escreve que: “[…] os três
mecanismos identificados - a intensificação
do trabalho, a prolongação da jornada de
trabalho e a expropriação de parte do traba-
lho necessário ao operário para repor sua
força de trabalho - configuram um modo
de produção fundado exclusivamente na
maior exploração do trabalhador, e não no
desenvolvimento de sua capacidade produ-
tiva. Isso é condizente com o baixo nível de
desenvolvimento das forças produtivas na
economia latino-americana, mas também
com os tipos de atividades que ali se reali-
zam...” (MARINI, Ruy Mauro. Dialética da
dependência. In: TRASPADINI, Roberta;

83

1.indb 83 12/04/2023 15:45:31


STEDILE, João Pedro (Orgs.). Ruy Mauro
Marini. Vida e obra. São Paulo: Expressão
Popular, 2005. p. 156).
Em termos capitalistas, esses mecanis-
mos (que ademais podem se apresentar,
e normalmente se apresentam, de forma
combinada) significam que o trabalho é
remunerado abaixo de seu valor e corres-
pondem, portanto, a uma superexploração
do trabalho (Ibidem, p.157).
Como vemos, para Marini, a articula-
ção destas formas de superexploração gera
um resultado consistente, pois o trabalho
é remunerado abaixo de seu valor. Agora,
vejamos o problema específico da intensi-
dade do trabalho, quando Marini escreve
que, diferentemente da produtividade que
atua em setores específicos da indústria:
“O aumento da intensidade configura uma
situação diferente. No que diz respeito ao
capitalista individual, ele não modifica nem

84

1.indb 84 12/04/2023 15:45:31


o valor, nem o valor de uso da mercadoria;
consequentemente, é expresso na produ-
ção de uma massa maior de mercadorias
cujo valor unitário não muda, o que se
traduz em uma massa de valor e, portanto,
de mais-valor. Contudo, não há razão
para que a parte da mais-valia seja alte-
rada, uma vez que a maior intensidade
de trabalho também leva a um aumento
no valor da força de trabalho, com o qual
tanto o preço quanto os salários devem
subir. Assim, para que a parte da mais-va-
lia aumente, ou pelo menos aumente mais
do que proporcionalmente ao aumento da
intensidade do trabalho, será necessário
— independentemente do aumento no
preço e nos salários da força de trabalho
— que é seja remunerado abaixo do seu
valor, ou seja, é objeto de superexplo-
ração” (MARINI, Ruy Mauro. Plusvalía
extraordinaria y acumulación de capital.

85

1.indb 85 12/04/2023 15:45:31


Cuadernos Politicos. n. 20. México: Era,
abril-junho de 1979, p. 25)..
Do ponto de vista da lei do valor-trabalho,
se o trabalhador trabalha adicionalmente,
extensiva e intensivamente, além do limite
legal da jornada de trabalho e é remune-
rado, então não há superexploração do
trabalho24. Portanto, é justo reconhecer
que em uma sociedade específica existem
categorias de trabalhadores que recebem
altos salários, com alta qualificação profis-
sional, empregos de tempo integral com
direitos adquiridos que não são superex-
plorados pelo capital, tanto em países
dependentes, quanto nos países impe-
rialistas avançados; e trabalhadores de
baixa remuneração, precarizados, sem

24
Neste caso, se parte do salário do trabalhador é expro-
priada pelo capital, mesmo que seja superior ao valor da
força de trabalho, ocorre a superexploração.

86

1.indb 86 12/04/2023 15:45:31


direitos trabalhistas e que são livremente
contratados e demitidos por seus patrões,
legitimados pelas reformas trabalhistas em
andamento em todo o mundo.
O importante é verificar se a supe-
rexploração do trabalho é implantada e
desenvolvida sob a hegemonia do mais-va-
lor relativo e com os limites estruturais que
isso lhe impõe — como parece estar aconte-
cendo nos países do capitalismo avançado
—; ou, se é constituída, ao mesmo tempo
em que subordina e bloqueia, como supo-
mos, o mais-valor relativo, como ocorreu
durante a industrialização por substituição
de importações, nos países que aumenta-
ram seus coeficientes de industrialização
e desenvolveram mercados consumido-
res internos e de trabalho na América
Latina. O exposto surge, porque Osorio
nos atribui o que não dissemos: “[…]
diante do avanço dos mecanismos de

87

1.indb 87 12/04/2023 15:45:31


superexploração do trabalho no sistema
mundial nas últimas décadas, e em parti-
cular das reduções salariais, afirma-se
que não constitui mais uma característica
específica das economias dependentes,
mas um atributo de qualquer economia
capitalista” (OSORIO, Jaime. Explotación
redoblada ..., op. cit., p. 139. O autor não

88

1.indb 88 12/04/2023 15:45:31


indica a página em que supostamente eu
faço semelhante afirmação).
Na verdade, nossa afirmação é a seguinte:
“As mencionadas formações histórico-so-
ciais da economia mundial contemporânea
estão criando as bases para a superexplo-
ração da força de trabalho, com a qual
esse regime deixaria de ser exclusiva-
mente um regime próprio das economias
dependentes, a fim de ampliar seu raio
ação para os países desenvolvidos - como
Marini colocou corretamente - , incluindo
os próprios Estados Unidos. Dessa forma,
a superexploração se torna o anel que
une os novos sistemas de organização do
trabalho, como pós-fordismo, toyotismo
e reengenharia”25.

25
SOTELO, Adrián. A reestruturação do mundo do traba-
lho. Superexploração e novos paradigmas de organização
do trabalho. Uberlândia: Editora da Universidade Federal
de Uberlândia, 2009, p. 58.

89

1.indb 89 12/04/2023 15:45:31


Essa afirmação é muito diferente da
que nos foi atribuída pelo autor, de que
a superexploração “já não constitui” uma
característica específica das economias

90

1.indb 90 12/04/2023 15:45:31


dependentes. Em caso de dúvida, também
dissemos que: “Se a superexploração do
trabalho operou como um mecanismo
peculiar de formações sociais dependentes,

91

1.indb 91 12/04/2023 15:45:31


atualmente é projetada na economia inter-
nacional através da homogeneização de
processos tecnológicos, crises, automação
flexível, inovações tecnológicas, flexibi-
lidade trabalhista e das recorrentes crises
financeiras” (Ibidem, p. 59).
Quando afirmamos que a superexplora-
ção do trabalho é projetada na economia
internacional, de forma alguma afirma-
mos que ela deixa de constituir como
característica definidora da economia
dependente, uma questão absurda que não
leva a nenhum resultado e, ao contrário,
introduz confusão e deterioração da teoria.
Pelo contrário, significa que o capital, em
seus afãs de lucro, não tem capacidade
e nem limites para explorar a força de
trabalho, e redobrar a exploração (hipe-
rexploração do trabalho, poder-se-ia dizer)
para manter sua reprodução em escala
crescente. Por fim, no mesmo trabalho,

92

1.indb 92 12/04/2023 15:45:31


afirmamos: “Dessa forma, a superexplo-
ração do trabalho, que antes era exclusiva
das economias dependentes, está agora se
tornando um mecanismo articulado com
os métodos de produção de mais-valia rela-
tiva, dos quais as empresas transnacionais e
o Estado se beneficiam nos países do capi-
talismo central”26 (Ibidem, p.66).
E o que o Estado e as empresas na
Europa estão fazendo hoje em termos de
ajuste estrutural, austeridade social, redu-
ção salarial e aumento do tempo para a
aposentadoria de trabalhadores, bem como
com as privatizações da seguridade social,
educação e bem-estar? Segundo Roitman,
em referência às políticas que o grande
capital está aplicando na Grécia e, por
extensão, na Europa: “As medidas adota-
das não tentam melhorar as condições

26
Ibidem, p.66

93

1.indb 93 12/04/2023 15:45:31


de vida dos cidadãos gregos. O cerne da
questão era outro: dar garantias ao capi-
tal financeiro e especulativo, bem como
a seus parceiros menores, o capital indus-
trial, para continuar explorando a classe
trabalhadora e, ao mesmo tempo, encer-
rar o setor de uma só vez, privatizando
seus últimos ativos. Simplificando, nada
de novo sob o sol”27.
O que há de novo sob o sol é que
o Estado e as empresas transnacionais
nos países do capitalismo avançado
usam mecanismos de superexploração
do trabalho que articulam a produção de
mais-valia absoluta e relativa sob a égide
desta, diferentemente do que acontece

27
ROSENMANN, Marcos Roitman, “¡Por favor, salven a
la Unión Europea y el euro!”. Disponível em: <http://www.
jornada.unam.mx/2011/07/23/ opinion / 018a2pol>. Acesso
em: 23 Jul. 2011.

94

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95

1.indb 95 12/04/2023 15:45:31


no capitalismo dependente e — conti-
nua acontecendo — onde o mais-valor
relativo foi intensamente sobredetermi-
nado — e em muitos casos bloqueado
— pela superexploração do trabalho, que
funciona como o piso estrutural da repro-
dução do capital.
Como é possível observar, Osório nos
atribui uma afirmação que nunca fize-
mos, pelo menos com o significado e a
interpretação que ele a dá. Em outros
trabalhos28, argumentamos que, se a
validade da lei do valor e sua exten-
são explicam a globalização do capital, o
regime de superexploração do trabalho
— em que Marini circunscreveu as econo-
mias dependentes da periferia capitalista

28
SOTELO, Adrián. El mundo del trabajo en tensión.
Flexibilidad laboral y fractura social en la década de 2000.
México: Plaza y Valdés, UNAM-FCPYS, 2007, pp. 58 y 67.

96

1.indb 96 12/04/2023 15:45:31


—significativamente, começa a se esten-
der para os países desenvolvidos, embora
assumindo formas particulares — inclusive
nas suas NP decorrentes da desintegração
do bloco socialista no final dos anos 1980,
e no decorrer dos anos 1990.
A magnitude quantitativa da medida
de valor é insuficiente para garantir taxas
razoáveis ​​d e mais-valor e aumentos

97

1.indb 97 12/04/2023 15:45:31


substanciais no lucro (como visto no
Capítulo 3), que é expresso em baixas
taxas médias de crescimento econômico
das economias avançadas na última
década, na bifurcação de investimentos
da esfera produtiva para bancos e bolsas de
valores, bem como no aumento de capital
fictício. Sendo assim, o capital globalizado
e o Estado tendem a generalizar o regime
de superexploração da força de trabalho e
a recorrer a todo o tipo de políticas para
se apropriar e explorar as forças huma-
nas e os recursos naturais do planeta, para
utilizá-los como mercadorias que garan-
tem a reprodução ampliada do modo de
produção capitalista.
Nesse contexto, e em um plano analítico
mais concreto, afirmamos que a superex-
ploração do trabalho, que caracterizou o
capitalismo dependente a partir de 1850,
hoje é implantada nos países do centro

98

1.indb 98 12/04/2023 15:45:31


do sistema mundial como mecanismo de
contenção da queda da rentabilidade e
dos investimentos de capital, sem alte-
rar sua essência ou substituí-la nos países
dependentes.
A crise financeira é apenas uma
manifestação de mutações e ajustes
macroeconômicos do mundo do trabalho,
que se resume em: contração da produ-
ção, diminuição de empregos produtivos e
aumento do desemprego estrutural; queda
nas taxas de rentabilidade e diminuição das
taxas médias de crescimento econômico,
que caracterizam o capitalismo contem-
porâneo, entre outras. Por esse motivo,
a superexploração e a imposição de uma
relação trabalho-capital flexível, precária
e polivalente, cuja tendência é consolidar-
-se como norma das relações trabalhistas
e contratuais em todo o mundo — assim
se constituem o toyotismo e a automação

99

1.indb 99 12/04/2023 15:45:31


flexível como novas formas de organização
capitalista do trabalho — é a essência das
novas relações sociais de produção, típi-
cas deste estágio de reestruturação e crise
global do capitalismo29.
Em resumo, consideramos que a catego-
ria de superexploração é historicamente
constituinte das economias e socieda-
des latino-americanas, enquanto que,
atualmente está se tornando operativa
na economia internacional, particular-
mente nos países avançados do sistema
capitalista, e hoje, em suas novas perife-
rias que constituem novos elos nas cadeias
globalizadas de produção de valor e valo-
rização do capital na região europeia.

29
SOTELO, Adrián. Crisis capitalista y desmedida del valor:
un enfoque desde los Grundrisse. México: Itaca, Universidad
Nacional Autónoma de México- FCPYS, 2010. p. 54.

100

1.indb 100 12/04/2023 15:45:32


A diferença substancial, no que diz
respeito à forma de ser da superexplora-
ção nos dois tipos de capitalismo, consiste
no fato de que em países dependentes ela
se configura — e funciona — sob a égide
dos processos de produção e de trabalho
baseados no mais-valor absoluto, na inten-
sificação do trabalho e, finalmente, na
redução do fundo de consumo dos traba-
lhadores. No capitalismo avançado, por
outro lado, a superexploração é limitada
aos ciclos dominantes de capital — que
funcionam em termos regionais e inter-
nacionais — e opera sob a hegemonia do
mais-valor relativo; ao aumento inces-
sante da capacidade produtiva do trabalho,
a aplicação da ciência e da tecnologia aos
processos de produção e trabalho e, final-
mente, à dinâmica interna dos mercados
consumidores que exigem um certo poder
de compra das classes trabalhadoras para

101

1.indb 101 12/04/2023 15:45:32


dinamizá-los, embora em muitas frações
delas, seus níveis salariais estejam sendo
reduzidos, configurando populações traba-
lhadoras de baixa remuneração, pobres,
precárias, polivalentes, com baixo poder
de compra e acesso limitado para adqui-
rir o suficiente e básico para a vida toda.

2.3 Superexploração, mais-valor e


taxas de lucro
O capital se esforça para reduzir ao
máximo o tn (trabalho necessário) possível
para prolongar o te (trabalho excedente),
a fim de aumentar a taxa de lucro e auto-
valorizar o capital através da exploração do
trabalho. No sistema deste último, não há
outro procedimento possível para atingir
esse objetivo senão produzir mais-valor
relativo ou absoluto de forma indepen-
dente ou combinada, embora com as
reservas e especificações que propusemos

102

1.indb 102 12/04/2023 15:45:32


anteriormente. Por esse motivo, aumen-
tar a taxa geral de exploração se torna
uma estratégia substancial do capital, para
aumentar sua taxa de lucro. Os procedi-
mentos variam de país para país, região
para região e empresa para empresa,
dependendo das condições estruturais e
da luta de classes, mas essencialmente o
mesmo objetivo é perseguido.
Dessa forma, para aumentar a explora-
ção e a produção de mais-valor, o capital
utiliza todos os procedimentos e recursos
à sua disposição, desde o prolongamento
da jornada de trabalho (já vimos que essa
é uma tendência na Europa), o aumento
de sua intensidade (toyotismo e auto-
matização flexível) e o desenvolvimento
fenomenal das forças produtivas através
do desenvolvimento científico-tecnológico
(revolução industrial) que, a longo prazo,
substitui a força de trabalho por máquinas.

103

1.indb 103 12/04/2023 15:45:32


Uma das estratégias para atingir esse obje-
tivo — amplamente utilizado nos países
dependentes — é implantar processos de
superexploração da força de trabalho no
âmbito da produção de mais-valor abso-
luto e relativo que incluam a redução do
fundo de consumo dos trabalhadores,
através de sua expropriação, para torná-
-lo uma fonte adicional de acumulação de
capital. As outras duas fontes são a espo-
liação total da natureza e a acumulação
por desapropriação de povos, comunida-
des e nações30.
A concentração e centralização do capi-
tal possibilita a sobrevivência e a expansão
das empresas hegemônicas por meio da
concentração de meios de produção, de
capital e matérias-primas, força de trabalho,

30
HARVEY, David. El nuevo imperialismo. Madrid: Akal,
2003.

104

1.indb 104 12/04/2023 15:45:32


conhecimento, ciência e tecnologia. Tais
resultados são alcançados graças a uma
poderosa competição intercapitalista que
não implica, por si só, criação de valor
e, portanto, mais-valor, mas apenas sua
centralização a partir de mudanças em sua
distribuição, que beneficiam alguns capi-
tais em detrimento de outros.
Num contexto de crise e contração das
taxas médias de crescimento dos países do
capitalismo avançado (principalmente na
Europa), a concorrência fortaleceu o capital
fictício na esfera dos bancos e das princi-
pais bolsas de valores de todo o mundo,
fomentando a especulação e as consequên-
cias negativas previsíveis que implica na
dinâmica do mundo do trabalho, e nas
condições sociais e de vida dos trabalhado-
res e da população em geral.
Devido à concorrência e à difusão tecno-
lógica, desde o início dos anos 1970, houve

105

1.indb 105 12/04/2023 15:45:32


uma tendência no mundo em diminuir
os diferenciais nas taxas de exploração do
trabalho em benefício de uma crescente
equalização, ascendente, das referidas
taxas. Assim, Mészáros afirma que: “[..]
testemunhamos, sob a forma de uma espi-
ral para baixo que afeta o padrão de vida
do trabalhador nos países capitalistas mais
avançados, certa equalização no índice dife-
rencial de exploração que tende a se afirmar
também como espiral para baixo do trabalho
nos países “centrais” no futuro previsível”31.
Essa tendência está articulada com outra
mencionada pelo autor que indica o cres-
cente autoritarismo do Estado capitalista
nos países dos centros desenvolvidos, sem
o qual o regime de superexploração do
trabalho dificilmente funciona. A reação
repressiva do Estado frente a insurgência

31
MÉSZÁROS, op. cit., p.111-112.

106

1.indb 106 12/04/2023 15:45:32


social e política dos trabalhadores contra
os programas de austeridade e a redução
das condições de vida e de trabalho nos
países da União Europeia (Grécia, Espanha,
Portugal, Irlanda, Itália, Inglaterra), é
indicativo da reação agressiva do poder
nas “democracias” da chamada “civili-
zação ocidental”, contra os movimentos

107

1.indb 107 12/04/2023 15:45:32


sociais e populares afetados pela imposi-
ção unilateral das políticas neoliberais e
fratricidas do capitalismo, que tendem a
contra-arrestar os déficits financeiros do
Estado responsáveis pela crise.
Dissemos anteriormente que, ao esti-
mular a equalização das composições
orgânicas do capital na economia mundial,
a homogeneização tecnológica aumen-
tou a importância do trabalhador como
fonte de lucros extraordinários e que,
portanto, a superexploração do trabalho
se tornou o principal fator para enfrentar
o aumento da concorrência capitalista em
escala mundial e contra-arrestar as cres-
centes dificuldades que o capital enfrenta
em seu processo contraditório de produ-
ção de valor e mais-valor.
Esta tese encontra apoio em um recente
estudo econômico da CEPAL, onde se
afirma que uma das características do

108

1.indb 108 12/04/2023 15:45:32


desenvolvimento econômico da América
Latina e do Caribe, nas décadas de 1980
e 1990, se expressou no fato de que a
região foi incapaz de reduzir as lacunas
na produtividade do trabalho em rela-
ção aos países mais desenvolvidos do
capitalismo avançado (CEPAL. Estudio
Económico de América Latina y el
Caribe, 2010-2011. Santiago de Chile:
Naciones Unidas, 2011. Disponível em:
<http://www.cepal. org/publicaciones/
xml/1/43991/2011-285-eee_2011-coM-
pleto.pdf> Acesso em:dezembro de 2011).
Mesmo ainda nos primeiros anos da
década de 2000, essa lacuna aumentou
novamente, tanto em comparação com
os países da Organização de Cooperação
e Desenvolvimento Econômico (OCDE)
quanto com a média mundial. Porém, a
CEPAL acrescenta que a situação come-
çou a mudar a partir de 2004, quando a

109

1.indb 109 12/04/2023 15:45:32


produtividade média laboral da região lati-
no-americana começou a crescer a taxas
semelhantes às da média mundial e supe-
riores às da OCDE. A CEPAL conclui que
esse aumento da produtividade média do
trabalho após 2004 não teve um impacto
positivo sobre os salários reais no setor
formal, que na maioria dos países cresceu
a taxas inferiores a isso. Este problema
afetou o agravamento da distribuição
funcional da renda e a redução dos custos
unitários do trabalho (CEPAL, op.cit., p.27).
Desse modo, consolidou-se uma econo-
mia de baixos salários, principalmente
nos países subdesenvolvidos e dependen-
tes, que se aproveitaram da exploração
excessiva de mão-de-obra para apoiar
seus projetos de desenvolvimento volta-
dos para os mercados internos de consumo
suntuário - em detrimento ao consumo
popular - e expandir as exportações. Como

110

1.indb 110 12/04/2023 15:45:32


Chossudovsky coloca: “A contração dos
salários reais reduz os custos da mão-de-
-obra e causa uma diminuição no consumo
para a grande maioria da população. Por
outro lado, a “recomposição” do consumo é
caracterizada pelo crescimento do “consumo
de alta renda” através da liberalização do
comércio e do influxo dinâmico de bens
de consumo duráveis ​​e itens de luxo para

111

1.indb 111 12/04/2023 15:45:32


uma pequena parte da sociedade. Essa
“decomposição / recomposição” da econo-
mia nacional e sua inserção na economia
global de mão-de-obra barata se baseia
na diminuição da demanda doméstica (e
nos níveis de subsistência social); pobreza,
salários baixos e uma oferta abundante de
mão-de-obra barata são “insumos” do lado
da oferta. A pobreza e a redução dos custos
de produção constituem a base instrumental
(do lado da oferta) para reativar a produção
voltada para o mercado externo”32.
Apesar da industrialização ter ocorrido
em muitos países dependentes da periferia
capitalista, uma vez que aumentaram sua
produtividade através da incorporação — e
retenção — do progresso técnico (como bem
postulou Raúl Prebich), não foi acompa-
nhada pela anulação da superexploração

32
CHOSSUDOVSKY, op. cit., p. 87. Tradução nossa.

112

1.indb 112 12/04/2023 15:45:32


e dos baixos salários que caracterizam
seus mercados de trabalho. A partir daqui,
concluímos que a tese de Marini está
correta quando o autor afirma que, em
maior ou menor grau, qualquer aumento
de produtividade está indiscutivelmente
associado ao avanço tecnológico; mas
esse avanço é quase independente das
condições sociais de melhoria dos salários
reais dos trabalhadores e da distribuição
funcional da renda na sociedade, o que é
essencialmente explicado pelo fato de que
o motor do desenvolvimento capitalista
dependente reside, predominantemente,
nos setores de bens suntuários, tanto do
setor I, que produz bens intermediários
ou de produção, quanto do setor II, que
produz mercadorias de luxo, cuja demanda
é atendida nos setores intermediários e
superiores das classes e hierarquias sociais

113

1.indb 113 12/04/2023 15:45:32


e, quando insuficientes (demanda efetiva),
no mercado mundial.
A modernização e aplicação da tecnologia
da informação, telemática e microele-
trônica nos processos produtivos e do
trabalho, embora aumentem a produtivi-
dade média do trabalho, também geram o
aumento do desemprego e do subemprego
— fenômenos exacerbados nas socieda-
des dependentes e subdesenvolvidas, e
aos quais se acrescenta hoje, a flexibili-
zação do trabalho e a precarização, com
a consequente perda dos direitos sociais
e contratuais dos trabalhadores — e um
aumento exponencial da exploração do
trabalho através de vários procedimentos,
entre quais: prolongamento da jornada
de trabalho (mais-valor absoluto), sua
intensificação (mais-valor relativo quando
generalizado para o sistema como um

114

1.indb 114 12/04/2023 15:45:32


115

1.indb 115 12/04/2023 15:45:32


todo) e remuneração da força de trabalho
abaixo de seu valor (superexploração).
Devido a todos esses fatores, particu-
larmente a tendência a homogeneizar a
tecnologia nos processos produtivos — que,
ao mesmo tempo, estimula a equalização
das composições orgânicas do capital —
a superexploração do trabalho começa a
operar nos países desenvolvidos em suas
estruturas produtivas e trabalhista, do qual
se deduz que: “[...] se generaliza a todo o
sistema, inclusive aos centros avançados,
o que era uma marca distintiva (ainda que
não privativa) da economia dependente: a
superexploração generalizada do trabalho”
(MARINI, Ruy Mauro. Proceso y tenden-
cias de la globalización capitalista. In:
MARINI, Ruy Mauro; MILLÁN, Márgara
(coords.). La teoría social latinoamericana,
vol. iv, Cuestiones contemporáneas. 2a.
ed. México: El Caballito, 2000., p. 291).

116

1.indb 116 12/04/2023 15:45:32


2.4 Exploração em países avançados
Segundo Shaik33, na década de 1980, a
taxa de exploração do trabalho nos prin-
cipais países industrializados aumentou,
através da redução do salário real dos
trabalhadores em relação à produtividade
média, particularmente na Inglaterra e
Estados Unidos. Essa redução na taxa de
crescimento dos salários reais por hora -
frente a um aumento na produtividade do
trabalho (taxa de exploração) e uma redu-
ção sistemática da taxa de juros após 1982
- foi precisamente o que explica o freio à
queda da taxa de lucro durante o governo
Reagan (1979-1989) nos Estados Unidos, e
posterior recuperação aproximadamente,

33
SHAIKH, Anwar. La primera gran depresión del siglo XXI.
Disponível em: <http://www.rebelion.org/mostrar.php?i-
d=Anwar+Shaikh&submit=Buscar&i nicio=0&tipo=5>.
Acesso em: 31 jan. 2011.

117

1.indb 117 12/04/2023 15:45:32


no final de 2007. Esses resultados positivos
para o capital foram acompanhados pela
repressão e os intensos ataques do governo
aos sindicatos para dobrar sua resistên-
cia. O objetivo dessa política, segundo
Shaik, era “alimentar o boom do final
do século XXI”, e resume o anterior nos
seguintes termos: “[…] a taxa geral de lucro
ressuscitou de seu longo declínio com um
ataque conjunto aos trabalhadores que fez
os salários reais depois de 1982 aumen-
tarem muito mais lentamente do que no
passado… a taxa de juros caiu drastica-
mente após 1982 […] O efeito líquido desses
dois movimentos históricos sem preceden-
tes foi aumentar significativamente a taxa
de lucro da empresa. Esse é todo o segredo
do grande boom que começou nos anos
80”. Neste artigo, Shaikh explica que a
taxa de juros real nos Estados Unidos, mas
também na maioria dos países capitalistas

118

1.indb 118 12/04/2023 15:45:32


industrializados, evoluiu em duas fases:
uma na qual registrou um aumento acen-
tuado, passando de 0,59% em 1947, para
14,03% em 1981, a outra fase, entre 1981
e 2009, quando sofreu uma queda acen-
tuada, passando de 14,03% para 0,16%,
respectivamente. Atualmente (dezembro
de 2011), permanece praticamente nesses
últimos níveis.
A redução do tn para aumentar o te é um
processo histórico que abarca cada vez mais
países com diferentes graus de desenvolvi-
mento industrial e tecnológico (composição
orgânica do capital orgânico). O Gráfico 1
mostra, para os Estados Unidos, o incre-
mento da taxa de exploração do trabalho
expresso no aumento do mais-valor, espe-
cificamente, a partir do início dos anos 2000
e praticamente até a atualidade, reforçado
por políticas restritivas e aumento da taxa
de desemprego nos Estados Unidos, que

119

1.indb 119 12/04/2023 15:45:32


atualmente oscilam entre 9% e 12,5% da
força de trabalho total”34.
Como pode ser visto, a relação entre taxa
de lucro, mais-valor e composição orgânica
do capital, para a economia norte-ameri-
cana, que ainda atua como centro do sistema
imperialista global, se traduz na revitaliza-
ção da taxa de lucro (entre 2001 e 2004),
cuja queda se manifestava fortemente no
período anterior (1997-2001), após regis-
trar um boom significativo entre 1991-1997.
Porém, no período seguinte (a partir de
2005), a taxa de lucro começa novamente

34
JALIFE-RAHME, Alfredo. El fin de una era. Turbulencias
de la globalización. México: Orfila, 2010, p. 123.Tradução
nossa. Desmistificando os números oficiais que colocam a
taxa de desemprego em 5%, o autor acrescenta: “A inflação
variou entre 5 e 7%, e não em 2 e 3%, como difundido. O
crescimento econômico real foi de 1% e não de 4% decre-
tados “, idem. Tradução nossa.

120

1.indb 120 12/04/2023 15:45:32


a diminuir, prevendo a crise estrutural de
2007-2008 em diante.
O Gráfico 2 mostra vários fenômenos
inter-relacionados que aproximam os
Estados Unidos e seu mundo do trabalho
de uma realidade muito semelhante à do
regime de superexploração do trabalho,
que prevalece nos países dependentes, com
grande força, nos últimos anos da primeira
década de 2000.
Nesse sentido, Roelandts Marcel conclui
para o período 1982-2008 que: “A taxa de
mais-valia volta fortemente depois de 1982,
à medida que os ganhos de produtividade
se recuperam — mas sem atingir os níveis
do período imediato do pós-guerra [...],
enquanto o tempo de trabalho não diminui
mais e o aumento dos salários reais dimi-
nuiu consideravelmente. Esse aumento
da taxa de mais-valia, bem como a dimi-
nuição da composição orgânica do capital

121

1.indb 121 12/04/2023 15:45:32


(subsequente a essa recuperação dos ganhos
de produtividade após 1982), estarão na
base do aumento da taxa de lucro”35.
Do Gráfico 2, pode-se inferir que,
enquanto o crescimento dos salários reais
desacelera - que permaneceu praticamente
estagnado desde meados da década de
1970 nos Estados Unidos, e onde apenas
o aumento do tempo de trabalho e o endi-
vidamento das famílias conseguiu manter
os padrões de vida, principalmente graças
à incorporação das mulheres no mercado
de trabalho36 - o valor da força de traba-

35
MARCEL, Roelandts.Tasa de ganacia – tasa de plusa-
valía – composición orgânica del capital, Estados Unidos.
Disponível em: <http: // www. correntroig.org/spip.php?ar-
ticle1575&lang=ca>. Acesso em: 20 fev. 2010.
36
SEDA-IRIZARRY, Ian J. Estados Unidos y la crisis capi-
talista. Disponível em: <http://www.rebelion.org/noticia.
php?id=110683>. Acesso em: 2 ago. 2010.

122

1.indb 122 12/04/2023 15:45:32


lho (que corresponde ao poder de compra
de bens de consumo e serviços) diminuiu
durante toda a década dos anos 1980 e a
dos anos 1990, apenas com uma ligeira
recuperação entre 1995 e 2000, na qual
aumentou, para continuar seu declínio até
os dias atuais, frente a uma queda drástica
que expressa uma deterioração do índice
do custo de vida (cesta básica) e do poder
de compra real dos salários, criando uma
situação de defasagem. Essa redução no
valor da força de trabalho é acompanhada,
simultaneamente, por uma redução no
tempo socialmente necessário para produ-
zir um meio de produção, como pode ser
visto no Gráfico 3 na curva correspondente
ao “valor por meio de produção”.
Se isso ocorre na economia mais poderosa
do planeta e em seus sistemas produti-
vos e de trabalho que interagem com o
sistema capitalista mundial, o fenômeno

123

1.indb 123 12/04/2023 15:45:32


é mais acentuado nos países dependentes
e nos demais do capitalismo avançado.
Assim, por exemplo, de acordo com Lozano
(2009)37 no México, o tn — quantificado
em horas da jornada de trabalho destina-
das ao salário dos trabalhadores - diminuiu
de 3,24 horas em 1976 para 0,12 minutos
em 2006; na Espanha, passou de 4,25 horas
para 2,15 horas nos mesmos anos; na Itália,
caiu de das 4,30 par 2,30 e, finalmente, no
Brasil, a queda foi de 3,20 horas para 0,12
minutos no mesmo período.
Em contrapartida, Lozano (2009)
também revela que o te apropriado pelo
capital, por meio do mais-valor, no México
era de 4,38 horas em 1976 e aumentou

37
LOZANO, Luis et al. De llantas y atropellos. Trabajo,
salario, productividad y derechos laborales en la industria
llantera mexicana México: FES-Iztacala-UNAM- Centro
de Análisis Multidisciplinario, 2009, p. 222.

124

1.indb 124 12/04/2023 15:45:32


para 7,84 horas em 2006; na Espanha, o
aumento foi de 3,35 horas em 1976 e 5,54
horas em 2004; na Itália, o capital se apro-
priou de 3,30 horas em 1976 e 5,30 horas
em 2004, enquanto no Brasil o número
de horas apropriadas passaram de 4,40
horas em 1976 para 7,84 horas em 2004.
É visível que, em virtude de múltiplas
circunstâncias (diferenciais de produtivi-
dade e composição orgânica do capital,
níveis salariais, taxas de inflação, força
e nível das organizações sindicais, papel
do Estado na economia e na sociedade),
as taxas de exploração e apropriação de
mais-valor são maiores nos países depen-
dentes (México e Brasil) do que nos países
desenvolvidos (Itália e Espanha).
Essa redução no tn é visível no Brasil
nas últimas décadas. Uma das mais sólidas
é a redução do tempo necessário para
comprar a cesta básica de mercadorias,

125

1.indb 125 12/04/2023 15:45:32


que em 2009 se tornou a mais baixa no
número de horas de trabalho desde 1970,
segundo o Departamento Intersindical de
Estatísticas e Estudos Socioeconômicos
(DIEESE). Tendência exatamente oposta,
por exemplo, ao que está sendo vivenciado
no México, onde o Estado está compro-
metido com a depreciação dos salários
reais por mais de três décadas38.
Como afirmamos, há uma tendência a
homogeneizar as taxas de exploração do
trabalho à medida que o raio de ação da
superexploração do trabalho no capita-
lismo avançado é estendido, através de

38
Tempo de trabalho necessário para comprar cesta básica
é o menor desde 1970. Folha de São Paulo, São Paulo, 11
jan. 2010. Disponível em:< https://www1.folha.uol.com.
br/mercado/2010/01/677405-tempo-de-trabalho-neces-
sario-para-comprar-cesta-basica-e-o-menor-desde-1970.
shtml> Acesso em: 11 jan. 2010.

126

1.indb 126 12/04/2023 15:45:32


vários procedimentos, com a diminuição
— ou desaceleração — do crescimento de
salários reais e benefícios dos trabalhado-
res, o aumento do tempo de trabalho na
jornada de trabalho e da intensidade do
trabalho, a qual se expressa, entre outros
indicadores, no fato de que o número
médio de máquinas operadas por traba-
lhadores assalariados passou de 1 durante
o período pós-guerra, para 5 hoje.
Nesta comparação, considerou-se uma
“jornada normal” de oito horas de traba-
lho, quando na prática, especialmente em
países dependentes e em alguns setores
dos países avançados, atinge até 12 ou 14
horas por dia, o que é subestimado pelos
dados mostrados no Quadro 9 (ao lado).
De qualquer forma, os dados ilustram a
condição de exploração e de apropriação
do mais-valor que prevalece no mundo
global do trabalho, com forte incidência

127

1.indb 127 12/04/2023 15:45:32


nos países dependentes, onde a superex-
ploração do trabalho opera como fonte
adicional de acumulação de capital.
Mesmo em condições em que deveria
prevalecer uma situação de redução da
exploração do trabalho, devido a certas
características sociais e políticas suposta-
mente democráticas para a população, o
que se verifica é o aumento da exploração,
como pode ser apreciado no Gráfico 4.
O Gráfico 4 revela claramente que não
existe sempre uma correlação positiva
entre governos “progressistas” — como
costumam ser chamados governos como
o do Movimiento al Socialismo (MAS) na
Bolívia — e as condições econômico-sociais
dos trabalhadores que parecem indepen-
der das políticas públicas vigentes. Assim,
como pode ser visto no período anterior
ao do governo de Evo Morales (2000-
2005), o preço da cesta básica de alimentos

128

1.indb 128 12/04/2023 15:45:32


(Canasta Normativa Alimentaria - CNA) e
o poder de compra dos salários mantive-
ram um certo equilíbrio em pleno período
do governo oligárquico; enquanto que
no período após 2006 (com um governo
supostamente popular e progressista), as
duas categorias se dissociam, na medida
em que “[...] enquanto em 2004 o salário
médio constituía mais de 99% da cesta,
em 2010 o salário médio representava
apenas 74% do valor da CNA, refletindo
a grande deterioração da produção na
renda dos trabalhadores (ARZE VARGAS,
Carlos. Aumento salarial: ¿garantizar la
reproducción de la fuerza de trabajo o el
aumento de la explotación? La Paz: Centro
de Estudos do Trabalho e Desenvolvimento
Agrário, 2010, p. 6).
Obviamente, que se trata de uma
superexploração do trabalho dos traba-
lhadores do setor privado do país que

129

1.indb 129 12/04/2023 15:45:32


não conseguem cobrir suas necessidades
básicas em alimentação, saúde, transporte,
moradia, educação e recreação, e que,
em consequência, causa marginaliza-
ção, pobreza e aumento da exploração.
Presumivelmente, essa situação, que
prevalece neste país, também é reprodu-
zida em outros países da América Latina
e do Caribe, de acordo com suas especi-
ficidades nacionais.
Em outras partes do mundo, a situação
não é muito diferente. Em Bangladesh,
por exemplo, os trabalhadores das 4.500
fábricas têxteis, que produzem roupas para
empresas transnacionais como Wal-Mart,
H&M e Levi Strauss, recebem salários de
3 mil takas (US$ 43,00) por mês. Nesse
país, o setor têxtil representa 80% das
exportações anuais que em 2009 totali-
zaram cerca de US$ 16,2 bilhões. De um
total de 3 milhões de trabalhadores que

130

1.indb 130 12/04/2023 15:45:32


operam fábricas têxteis, mais de 85% são
mulheres que, certamente, recebem salá-
rios muito mais baixos, seguindo padrões
internacionais.
Na Romênia, de uma força de traba-
lho total de cerca de 4.840.000, 73,3%
(3.547.720 pessoas) ganham menos de
420,00 brutos por mês (14,00 por dia)39,
em um país onde o salário bruto médio é de
cerca de 463,00 por mês e os investimen-
tos estrangeiros aumentam diariamente,
procedentes de países como Áustria
(9,186 milhões), Holanda (8,402 milhões),
Alemanha (7,509 milhões), França (4,294
milhões), Itália (3,585 milhões) e Espanha
(604 milhões), de acordo com dados do

39
FORNEO, José Luis.Reflexiones sobre la cultura rumana
y los veinte años de saqueo capitalista. Disponível em:
<http://www.rebelion.org/noticia.php?id=125139>. Acesso
em: 26 mar. 2011.

131

1.indb 131 12/04/2023 15:45:32


Banco Nacional da Romênia. Disponível em:
< http://www.ucm.es/info/ audesco / RUE /
0810.pdf>. Acesso em: 12 jan. 2011.
Na indústria têxtil, que é a mais impor-
tante no Sri Lanka, o salário mínimo atual
é de cerca de US$ 80,0 por mês, o que,
somando os ganhos de horas extras, pode
chegar a US$ 115,0 quando, de acordo
com Lalitha Ranjani Kumari, da União
Nacional dos Trabalhadores deste país,
um salário digno seria de cerca de US$
180,0 por mês (SAMATH, Feiza. Industria
de la vestimenta corteja a mujeres.
Disponível: <http://www.rebelion.org/
noticia.php?id=122341>. Acesso em:13 feb.
2011).

2.5 Salários e produtividade do


trabalho
A relação entre os salários e a produti-
vidade é muito importate para os objetivos

132

1.indb 132 12/04/2023 15:45:32


de nossa pesquisa. Constata-se queda de
salários e da produtividade em todas as
regiões, com exceção da Ásia, devido à
incapacidade das empresas de pagarem
salários mais altos, por isso optam por
diminuir o emprego, pois se o nível do
quadro de trabalhadores for mantido, as
utilidades e os salários dos trabalhadores
ocupados são afetados.
Em um relatório sobre salários, a OIT
destaca que, a longo prazo, a tendên-
cia dos salários é de menor participação
nos países da OCDE desde meados dos
anos 1980 e as causas desse declínio são
atribuídas aos seguintes fatores: 1) intro-
dução de novas tecnologias; 2) efeitos da
globalização (?); 3) crescente influência
das instituições financeiras; e 4) enfra-
quecimento das instituições do mercado
de trabalho (OIT. Informe mundial sobre
salarios. Políticas salariales en tiempos de

133

1.indb 133 12/04/2023 15:45:32


crisis, 2010-2011. Disponível em: <http://
www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/@
dgreports/@dcomm/@publ/documents/
publication/wcms_146710.pdf>. Acesso
em: 12 jan. 2011). Além disso, a OIT
ressalta que a abertura do comércio é um
amortecedor para o aumento salarial40 e
conclui que: “[...] é possível que os quatro
fatores estejam relacionados entre si. Por
exemplo, mudança tecnológica, globaliza-
ção e reestruturação da economia tendem
a andar de mãos dadas. Por esse motivo,
muitas vezes é difícil isolar o efeito líquido
de cada fator sobre a parcela dos salários
separadamente” (ibidem, p.27).
A OIT confirma a existência de uma
estrutura de baixos salários que causa
escassa remuneração e instabilidade sala-
rial, na qual 66% dos trabalhadores ganham

40
OIT. op. cit., p. 26.

134

1.indb 134 12/04/2023 15:45:32


menos de dois terços do salário médio em
todos os empregos41.
A realidade é que, nos últimos 15 anos,
na maioria dos países do mundo, incluindo
os do capitalismo avançado, o emprego
com baixos salários aumentou, na forma
de emprego precário insuficiente para
reproduzir o valor da força de trabalho do
trabalhador e de sua família, em condições
normais (o que a OIT chama de “trabalho
decente”). Assim, forjou-se um perfil de
grupos de trabalhadores de baixa renda,
caracterizados por: 1) baixos níveis de
escolaridade; 2) majoritariamente confor-
mado por populações jovens; 3) que afeta
as mulheres (característica universal dos
mercados de trabalho e cuja renda mensal
média atualmente representa cerca de 75%

41
Ibidem, p.35.

135

1.indb 135 12/04/2023 15:45:32


do salário médio recebido pelos homens42);
e 4) pertencentes a minorias étnicas, grupos
raciais ou imigrantes (OIT. op.cit, p.41).
Salários baixos, precariedade e altas taxas
de exploração extensiva e intensiva do
trabalho aumentaram os riscos de desem-
prego e pobreza e afastaram as populações
da consecução dos chamados “objetivos
do milênio” e “trabalho decente”. Assim,
estima-se que, antes da atual crise econô-
mica, havia na União Europeia 79 milhões
de pessoas em risco de pobreza e outras 32
milhões nesse status, de um total de empre-
gos ocupados por 218.451.000 pessoas.

42
A Espanha é o quarto país europeu com a maior dife-
rença salarial entre homens e mulheres, atrás da Áustria,
Reino Unido e Eslováquia, segundo o Eurostat, citado por
ADDECO-IESSE-IRCO. Disponível em:< http://www.
adecco.es/_data/No - tasPrensa / pdf / 197.pdf>. Acesso
em: 29 jan. 2010.

136

1.indb 136 12/04/2023 15:45:32


Estima-se também que 17.500.000 traba-
lhadores empregados foram afetados pela
pobreza e que 8% da população desem-
pregada, nos 27 países da União Europeia,
recebeu uma renda abaixo da linha da
pobreza em 2007: “[…] Desde meados dos
anos 90, a proporção de assalariados baixos
- definida como menos de dois terços do
salário médio - cresceu mais de dois terços
nos países para os quais existem dados dispo-
níveis. Isso inclui países como Argentina,
China, Alemanha, Espanha, Indonésia,
Irlanda, Polônia e República da Coréia.
Nestes e em outros países com taxas altas
ou crescentes de salários baixos, existe o
risco de um grande número de pessoas
ficar para trás”43.
Na Espanha, por exemplo, fiscais do
trabalho detectaram que os trabalhadores

43
Ibidem, p. 84. Tradução nossa.

137

1.indb 137 12/04/2023 15:45:32


imigrantes que trabalhavam em restauran-
tes e call centers em Barcelona o faziam
sem contrato de trabalho ou contribuição
para a previdência social; outros traba-
lham em empresas que não possuíam
licença de atividade ou, caso a tivessem,
era para outro tipo de negócio. Também
foi detectado o caso de 71 funcionários
imigrantes de uma fazenda de citros em
Castellón (Valência), que recebiam salários
abaixo do mínimo legal, e viviam em três
casas onde se amontoavam por €120,00
por mês. Em Elda (Alicante), detectou-
-se uma empresa de calçados na qual
trabalhavam 20 pessoas sem contrato de
trabalho e sem previdência social, além de
outros com um salário atrasado (LLOPIS,
Enric. La economía sumergida se dispara
con la crisis. Disponível em: <http://www.

138

1.indb 138 12/04/2023 15:45:32


rebelion.org/noticia.php?id=133888 >.
Acesso em: 12 ago. 2011).
Em termos gerais, essa situação de
exploração indiscriminada de trabalha-
dores por grandes empresas, como Nike,
Wal-Mart, Corte Inglés, Stradivarius, Zara,
Lafayette, em países ricos, intensificaram-
-se com o uso cada vez mais frequente e
difundido da terceirização (outsourcing),
que tira proveito das enormes vantagens
econômicas e trabalhistas que a terceiri-
zação lhes oferece, em praticamente todo
mundo, especialmente em países subde-
senvolvidos. Uma de suas consequências
mais evidentes, aponta Richard Sennett
é que “[...] a mudança de emprego para
lugares no mundo com salários mais baixos
enfraquece os salários em economias mais
avançadas, como os Estados Unidos”44 ao

44
SENNETT, Richard, op. cit., p. 133.Tradução nossa.

139

1.indb 139 12/04/2023 15:45:32


contrário do que pensam certas burocra-
cias corporativas naquele país.
É importante questionar na essência do
mecanismo de superexploração do traba-
lho nas economias dependentes e também
determinar as trajetórias dos salários reais
dos trabalhadores no capitalismo avançado,
em termos do valor da força de trabalho
e da inflação, e vislumbrar as tendências
evidentes do aumento do tempo de traba-
lho, especialmente nos países do sul da
Europa castigados pela crise e pelas polí-
ticas de austeridade, impostas pelo grande
capital e pelos Estados dessas nações. A
este respeito, Marini escreve: “[...] a supe-
rexploração do trabalho, que implica, como
vimos, que a força de trabalho não é remu-
nerada pelo seu valor, leva à redução da
capacidade de consumo dos trabalhadores e
restringe a possibilidade de realização desses
bens. A superexploração se reflete em uma

140

1.indb 140 12/04/2023 15:45:32


escala salarial cujo nível médio está abaixo
do valor da força de trabalho, o que implica
que mesmo as camadas de trabalhadores
que alcançam sua remuneração acima do
valor médio da força de trabalho (os traba-
lhadores qualificados, técnicos, etc.) veem
seus salários constantemente pressiona-
dos no sentido decrescente, arrastados para
baixo, pelo papel regulador desempenhado
pelo salário médio em relação à escala sala-
rial como um todo”45.
Como inferido na citação anterior, espe-
cifica-se que, no capitalismo dependente,
os salários variam em torno de uma média
salarial cuja quantidade é menor que o
valor da força de trabalho. Ao mesmo
tempo, as hierarquias salariais são iguais
ou flutuam abaixo ou acima dessa média. É

45
MARINI, Ruy Mauro. El ciclo del capital en la economía
dependiente, op. cit., p. 53. Tradução nossa.

141

1.indb 141 12/04/2023 15:45:32


evidente que esse mecanismo de superex-
ploração do trabalho não pode, de forma
alguma, ser extrapolado para as estruturas
econômicas e os ciclos de capital dos países
imperialistas. As estruturas das hierarquias
salariais, além de serem influenciadas pela
produtividade, são sobredeterminadas em
função de processos produtivos e de traba-
lho baseados na dinâmica do mais-valor
relativo e nas políticas oficiais do Estado
em questões de salário, trabalho, sindicato
e de bem-estar social.
Os salários nos países avançados, por
exemplo, mais altos na Inglaterra, Holanda,
Alemanha e Canadá, em relação aos Estados
Unidos - diferentemente dos países depen-
dentes - são regidos, como afirmamos,
pelo mais-valor relativo, que determina
as possibilidades e o alcance da redução
dos salários reais dos trabalhadores, casti-
gando ou não, por esta via, o seu consumo.

142

1.indb 142 12/04/2023 15:45:32


Essa seria a delimitação para diferenciar as
formas e métodos concretos assumidos pela
superexploração do trabalho nas econo-
mias do capitalismo avançado.
O Quadro 10 mostra o salário bruto
anual na União Europeia por países, dife-
renciando aqueles que estão acima ou
abaixo da média da região. Obviamente
que, não temos elementos para saber se
o montante correspondente a essa média
está acima, é igual ou está abaixo do valor
da força de trabalho.
Embora a redução dos salários reais
abaixo do valor da força de trabalho nos
países do capitalismo avançado ainda não
seja evidente, há indícios de que está ocor-
rendo em escala hierárquica nos mundos
do trabalho dos países mais afetados pela
crise, como é o caso de Grécia, Espanha,
Portugal, Irlanda e outros países avança-
dos, que agora compõem o conglomerado

143

1.indb 143 12/04/2023 15:45:32


de países que ordenamos neste livro sob
o conceito de novas periferias, referindo-
-se aos países que pertenciam ao ex-bloco
socialista comandado pela extinta União
Soviética.
Mas há evidências de que, desde a
década de 1990, ou mesmo antes, os
níveis de consumo da população nos países
avançados vêm se deteriorando devido
à influência da contração das políticas
públicas do Estado e à crise que pune
severamente os empregos e a renda dos
trabalhadores. Deste modo: “No norte, a
contração nos níveis de consumo é ainda
mais exacerbada pela desregulamentação do
mercado de trabalho: desaquecimento de
salários, emprego de meio período, aposen-
tadoria precoce e imposição dos chamados
cortes salariais “voluntários”. Por seu lado,
a prática do “atrito geracional” (que trans-
fere a carga social do desemprego para faixas

144

1.indb 144 12/04/2023 15:45:32


etárias mais jovens) exclui uma geração
inteira do mercado de trabalho”46.
O Informe mundial sobre salarios.
Políticas salariales en tiempos de crisis,
2010-201147 da OIT, revela que a crise
econômica de 2008 aumentou o desem-
prego aberto em cerca de 200 milhões de
pessoas em todo o mundo, um nível nunca
registrado, juntamente com a retirada de
um grande contingente da força de traba-
lho. Como se pode supor, esse exército
industrial de reserva ampliado incidiu de
maneira direita no aumento da explora-
ção do trabalho; pressionando os salários
para baixo e, ao mesmo tempo, intensi-
ficando a competição entre os próprios
trabalhadores, o que sem dúvida resul-
tou na melhoria das condições gerais de

46
CHOSSUDOVSKY, op. cit., p. 91. Tradução nossa.
47
OIT, op. cit.

145

1.indb 145 12/04/2023 15:45:32


rentabilidade do capital, que, em plena
crise de 2008-2010, aumentaram seus
lucros localizados no exterior48.
Os salários reais também sofreram perdas
significativas com seu poder efetivo de
compra. Dessa forma, a taxa de cresci-
mento mundial do salário médio real em
2008 e 2009 foi reduzida pela metade em
comparação aos anos anteriores, afetando
particularmente o poder de compra e o
bem-estar daqueles que conseguiram
manter seus empregos. Pode-se afirmar,
certamente, que essa situação de deteriora-
ção dos salários e do poder de compra dos
trabalhadores continuará se aprofundando à
medida que a crise se espalhar e as políticas
de ajuste e austeridade forem impostas nos

48
KATZ, Claudio. Discusiones sobre el declive de Estados
Unidos. Disponível em: <http://www.rebelion.org/noticia.
php?id=133194>. Acesso em: 30 jul.2011.

146

1.indb 146 12/04/2023 15:45:32


países europeus e nos Estados Unidos, que
estão à beira da recessão com um desem-
prego aberto superior a 10%.
Em boa parte, essa realidade é explicada
por uma defasagem real entre os ciclos
econômicos dos Estados Unidos (cresci-
mento, recessão, depressão e crise) e os
processos de criação de empregos que na
última década foram praticamente nulos,
como pode ser observe no gráfico a seguir.
A gravidade da crise também se mani-
festa em uma crescente defasagem entre
salários e produtividade do trabalho; na
desigualdade salarial nos países do capita-
lismo avançado e em salários muito baixos
para aproximadamente 330 milhões de
pessoas que ainda estão empregadas no
mundo e longe do “trabalho decente”.
A OIT destaca dois períodos históricos
nas trajetórias salariais: o primeiro, favo-
rável, entre 1995 e 2007; e o segundo,

147

1.indb 147 12/04/2023 15:45:32


posterior, caracterizado por uma forte
reversão econômica que não ocorria
desde a grande crise da década de 1930.
Parte fundamental dessa segunda situa-
ção correspondeu à crise imobiliária e
financeira nos Estados Unidos, a partir da
prolongada recessão iniciada em dezembro
de 2007, após uma expansão econômica
que durou mais de 70 meses, a partir de
novembro de 2001. Mas, apesar da suposta
recuperação econômica que ocorreu em
2010, de acordo com a OIT, a incerteza
reina e as perspectivas não são muito
animadoras no futuro mediano, o que
provoca desequilíbrios diários em bolsas
de valores do mundo.
A taxa mundial de desemprego aumen-
tou de 5,7%, em 2007, para 6,4%, em
2009, representando um aumento adicio-
nal de desempregados de cerca de 30
milhões de pessoas. O número estimado

148

1.indb 148 12/04/2023 15:45:32


aumentou o número de desempregados
de cerca de 178 milhões de pessoas em
2007, para 206.700.000 em 2009. Este
crescimento afetou ainda mais as popu-
lações de trabalhadores de sociedades
avançadas, também em seus níveis sala-
riais, no número de horas trabalhadas e
na deterioração da qualidade do emprego;
enquanto que nos países subdesenvolvi-
dos e dependentes, a crise se manifestou
em uma deterioração da qualidade do
emprego e em uma transição evidente
para formas de emprego “mais vulnerá-
veis” (a OIT é incapaz de reconhecer que
essas formas “vulneráveis” são realmente
precárias e enquadradas na superexplora-
ção da força de trabalho estrutural).
Do total da população empregada nos
países avançados, 86% são assalariados,
enquanto na Ásia, apenas 35% é assa-
lariada, e na África menos de 30%. Nos

149

1.indb 149 12/04/2023 15:45:32


países avançados, a proporção da popu-
lação ativa entre homens e mulheres é
aproximadamente igual, enquanto na Ásia
e na África, a força de trabalho feminina
diminui acentuadamente em relação aos
homens, principalmente no sul da Ásia e
na África subsaariana.
Destacamos as principais tendências
em questões salariais observadas pela
OIT neste documento49, a fim de avaliar
seu impacto na formação de estruturas e
regimes de produção baseados na superex-
ploração do trabalho. Incluindo a China
(que representa mais da metade do total de
empregos assalariados na região asiática),
o salário mensal do mundo real cresceu
2,8% em 2007, 1,5% em 2008 e 1,6%
em 2009. Somente na China, os salários
cresceram 13,1% em 2007, 11,7% em

49
OIT, op. cit.

150

1.indb 150 12/04/2023 15:45:32


2008 e 12,8% em 2009, contradizendo
os pontos de vista que vêm proclamando
uma trajetória descendente e uma deterio-
ração constante dos salários naquele país.
O interessante que a OIT destaca que esses
números são fortemente influenciados pela
dinâmica salarial da China, sem a qual, o
comportamento mundial da taxa de cres-
cimento dos salários, seria corrigido para
baixo, registrando 2,2% em 2007, 0,8%
em 2008 e 0,7% em 2009.
Por outro lado, no G20 (incluindo a
China) o salário mensal real aumentou
2,8% em 2007, 1,5% em 2008 e 1,7% em
2009. Sem a China, esses números são corri-
gidos para baixo: 1,8% em 2007; 0,5%
em 2008 e 0,5% em 2009. Em média, os
salários praticamente permaneceram estag-
nados diante da crise e dos aumentos de
bens de consumo necessários à reprodu-
ção da força de trabalho. Obviamente, resta

151

1.indb 151 12/04/2023 15:45:32


saber se essa situação de comportamento
salarial será corrigida com a “superação”
da crise; se é apenas uma situação tempo-
rária, como sugerem algumas concepções,
ou, finalmente, se é uma situação estrutu-
ral de longo prazo que, mais cedo ou mais
tarde, impactará as hierarquias que estão no
topo da pirâmide salarial, como acreditamos.
A OIT reconhece que o crescimento global
dos salários diminuiu durante a crise, de
2008 e 2009, onde a inflação teve um papel
importante na desaceleração. Obviamente,
isso afetou o poder de compra e o padrão de
vida das grandes massas da população, com
forte incidência na Alemanha, Inglaterra,
Estados Unidos e Canadá: “[…] o nível dos
salários caiu em 12 dos 28 países avançados
em 2008 e em sete dos países avançados em
2009, mesmo com crescimento negativo
naqueles anos, especialmente nos Estados
Unidos, onde o poder de compra também

152

1.indb 152 12/04/2023 15:45:32


foi afetado devido ao aumento da inflação
no mesmo período”50.
Também na América Latina e no Caribe,
os salários reais caíram de 3,3% em 2007,
a 1,9% em 2008, para 2,2% em 2009.
Esses resultados foram significativamente
influenciados pelo comportamento salarial
do Brasil, que representa cerca de 39%
dos assalariados da região.
Como resultado do exposto acima: “Os
salários médios no mundo aumentaram
quase um quarto durante esse período.
Esse aumento foi impulsionado por regiões
em desenvolvimento, como a Ásia, onde
os salários mais que dobraram desde 1999,
ou por países da Europa Oriental e Ásia
Central, onde os salários mais que triplica-
ram (o que em parte reflete profundidade
do declínio dos salários nos anos 90).

50
Ibidem, p. 16. Tradução nossa.

153

1.indb 153 12/04/2023 15:45:32


Em comparação, os salários reais cresce-
ram apenas modestamente na América
Latina e no Caribe, na África e no Oriente
Médio. Nos países avançados, os salários
reais aumentaram apenas 5% em termos
reais ao longo da década, refletindo um
período de moderação salarial”51.
No futuro, será necessário investigar e
determinar se esse período de “moderação
salarial”, como a OIT eufemisticamente o
chama, permanece como um comporta-
mento determinante dos salários ou, se
será superado, concomitantemente com
a superação da crise do modo de produ-
ção capitalista que está em curso. Mas o
otimismo da OIT não tem limite, quando
afirma que: “[...] é plausível que, junto
com o desemprego persistentemente alto,
as pressões (ainda mais fortes) sobre os

51
Ibidem, p. 16. Tradução nossa.

154

1.indb 154 12/04/2023 15:45:33


salários continuem nos próximos anos
de recuperação econômica e, nesse caso,
o impacto total da crise sobre os salários
continua a ser visto”52.
Evidentemente, que já há um panorama
salarial que mingua o poder de compra
e incrementa os grupos de trabalhado-
res com baixos salários, em um contexto
de monumental precarização do emprego
e de crescente perda dos direitos sociais
e contratuais dos trabalhadores. A crise
estrutural do capitalismo busca “superar”
os cortes nos gastos públicos, particular-
mente em gastos sociais, e intensificando
a desestruturação do Estado de bem-es-
tar social que floresceu no período após a
Segunda Guerra Mundial, nos principais
países do capitalismo avançado.

52
Ibidem, p. 83-84. Tradução nossa.

155

1.indb 155 12/04/2023 15:45:33


1.indb 156 12/04/2023 15:45:33
3
Neoliberalismo, austeridade e
superexploração do trabalho
no capitalismo avançado

O s baixos custos da força de trabalho,


em nível internacional, permitem
reduzir os custos de produção em países
terceiros, ao mesmo tempo que frear o
seu crescimento nas metrópoles do capita-
lismo avançado. Junto com essa tendência,
opera outra que incorpora a tecnologia
nos processos produtivos e, consequen-
temente, revaloriza a força de trabalho

157

1.indb 157 12/04/2023 15:45:33


como produtora de lucros extraordiná-
rios53, o que está provocando a deterioração
da existência social e humana dos assala-
riados. Assim, as condições de vida e de
trabalho na Europa estão se degradando,
e os governos europeus, para quitarem
suas dívidas e seus orçamentos “[...] têm
que cortar programas de gastos, salários

53
Desse modo, ressuscita a teoria neoclássica que, desde
David Ricardo e autores neoclássicos como Eli Heckscher
e Bertil Ohlin, propôs a teoria dos “vantagens comparati-
vas”, que postula que um país deve se especializar e exportar
os produtos cuja produção apresenta recursos suficientes.
Para tanto, é necessária mão de obra barata suficiente para
produzir “vantagens comparativas” derivadas dos custos
de produção. Em outras palavras, deveria se especializar
na exportação de mercadorias intensivas em mão de obra
abundante e barata, em troca da importação de produtos de
países com abundância de capital. Obviamente, o famoso
teorema centro-periferia da CEPAL é traçado dessa maneira.

158

1.indb 158 12/04/2023 15:45:33


e emprego público e cobrar mais pelos
serviços públicos, desde a atenção a saúde
e educação”54.
Atualmente, os países com problemas
da chamada “dívida soberana” (títulos
emitidos pelo governo nacional em moeda
estrangeira) com relação ao seu Produto
Interno Bruto (PIB) são: Irlanda, com
96,2%; Grécia, com 142,8%; Portugal,
com 93%; Espanha, com 60,1%; Itália,
com 119%; Bélgica, com 96,8%, e Áustria,
com 72,3%. Em termos gerais, a zona do
euro acumula 70% do endividamento em
relação ao PIB55, em um contexto de fraco

54
HUDSON, Michael. ¿Desintegración de la Eurozona?
Disponível em: <http://www.rebelion.org/noticia.
php?id=129432>. Acesso em: 31 maio 2011. Tradução nossa.
55
Secuelas de la crisis golpean hoy a Europa. Disponível
em: <http://www.eluniversal.com.mx/notas/780376.html>.
Acesso em: 20 jul. 2011

159

1.indb 159 12/04/2023 15:45:33


crescimento econômico, inflação mode-
rada, aumento do desemprego e expansão
da pobreza, como resultado da perda de
empregos.
Essa é a realidade contemporânea de
boa parte dos países que compõem a União
Europeia. Destaca-se a Grécia, que lidera
a crise europeia, com de mais de 40% da
força de trabalho jovem desempregada e
com poucas perspectivas de emprego56. O

56
“Ao contrário de alguns relatos dos meios de comunica-
ções, os trabalhadores na Grécia trabalham mais horas do
que na Alemanha (em média 2,161 horas por trabalhador
por ano em 2009, em comparação com 1,382 na Alemanha).
Além disso, a produtividade por hora de trabalho na Grécia
dobrou a velocidade do aumento na Alemanha nos dez
anos após a introdução do euro (26,3% na Grécia contra
11,6% na Alemanha”, FRANGAKIS, Marcia. Peligro en la
Eurozona. Disponível em: <http:// www.rebelion.org/noti-
cia.php?id=132319> 11 (tradução nossa).

160

1.indb 160 12/04/2023 15:45:33


programa aprovado pelo parlamento em 29
de junho de 2011 — mais de um ano depois
que este país recebeu da União Europeia
e do Fundo Monetário Internacional o
montante de € 110,0 bilhões para enfren-
tar a suposta crise grega — empoderou o
governo, em meio a uma onda de protes-
tos e manifestações sociais de trabalhadores
e da sociedade em geral. Assim, o governo
adotou imediatamente decisões com forte
impacto social, sob as diretrizes do Plano de
Austeridade por cinco anos, a fim de “econo-
mizar” € 28,4 bilhões, e mais € 50,0 bilhões
para privatizações (da principal empresa
produtora de eletricidade e outras empresas
em setores como telecomunicações, loteria,
aeroportos e gás natural). Destacamos os
pontos principais do Plano de Austeridade:
• Em 2011, os impostos aumentarão em
€ 2,300 milhões; em 2012, € 3,380 milhões;
em 2013, € 152 milhões e € 699 milhões, em

161

1.indb 161 12/04/2023 15:45:33


2014, logicamente com uma cobrança aos
trabalhadores;
• Taxa solidária: o Estado planeja arre-
cadar € 1,300 milhões graças à chamada
“taxa solidária”, que tributará proporcional-
mente a renda (com taxas entre 1% e 5%).
A isenção mínima de impostos, se reduz de
€ 12,0 a € 8,0 mil;
• Aumento do IVA: bares e restaurantes
aumentarão imediatamente o IVA de 13%
para 23%. Os impostos sobre bens suntuá-
rios também aumentam;
• Privatizações: o Estado planeja arreca-
dar € 50,0 bilhões até 2015 com a venda de
empresas públicas. Estes incluem o mono-
pólio do jogo de azar, a caixa postal e os
operadores dos portos de Pireu e Salonica;
• Cortes no setor público: cortes são
contemplados por € 770,0 milhões em 2011;
€ 600,0 milhões, em 2012; € 448,0 milhões,
em 2013; € 300,0 milhões, em 2014 e € 71,0

162

1.indb 162 12/04/2023 15:45:33


milhões, em 2015; através da redução de
funcionários, cortes de aposentadorias e
rescisões de contratos temporários;
• Menos benefícios: US$ 5 bilhões a
menos em benefícios sociais e aumento
das contribuições para a previdência social
para tributar empregos informais e não
declaradosGrecia aprueba los recortes y
libera el camino para recibir la ayuda de
la UE y el FMI. (El País, 29 jun. 2011).
Veja também: “O Parlamento grego apoia
as novas medidas de austeridade”, em La
jornada, 22 de junho de 2011. O mais
grave que aprofundará a crise na Grécia
é que, após a aprovação do Parlamento
grego nos últimos dias, um programa
de poupança de até 78 bilhões de euros
“Com o qual o país cumpriu os requi-
sitos para continuar recebendo ajuda”,
diz a imprensa internacional - agora está
sendo trabalhado um segundo resgate de

163

1.indb 163 12/04/2023 15:45:33


até 120 bilhões de euros (Para ver mais:
Grecia: preludio de la crisis global del
capital. Rebelión (16 de maio de 2010).
Desta maneira, “[...] os países da
periferia europeia, com muito menos
produtividade do que os países centrais
e sem poder desvalorizar suas moedas
porque estão vinculadas ao euro, tenta-
rão compensar esses déficits aumentando
as exportações que calculam que serão
possíveis graças à depreciação o trabalho
interno incorporado à mercadoria, ou seja,
aumentando as taxas de exploração (na
Espanha, elas aumentaram de 0,7, em
meados da década de 1950, no meio do
franquismo, para pouco mais de 0,9 no
final do milênio. Ou seja, quase 100 %. O
que significa que, a cada 8 horas de traba-
lho, 4 são realizadas pelo empregador e,
segundo o Eurostat, os trabalhadores assa-
lariados em período integral trabalham

164

1.indb 164 12/04/2023 15:45:33


em média 8,5 horas extras por semana,
das quais 4,7 horas extras não são pagas;
o que significa que quase 10% da jornada
de trabalho regular acordada por contrato,
é concedido aos empregadores)57.
Os planos de austeridade para salvar
o grande capital das potências europeias
da falência, são muito semelhantes em
toda a Europa devido à sua fabricação
original elaborada pelo Fundo Monetário
Internacional (FMI), pelo Banco de
Pagamentos Internacionais (BIS), europeu,
e pelos governos neoliberais da região, com
a enorme experiência que a organização
internacional, que representa os interesses
do grande capital transnacional, tem em

57
PIQUERAS, Andrés. Cuando la ‘guerra de clase’ se hace
guerra en los campos de batalla. Disponível em: <http://
www.rebelion. org/noticia.php?id=128167>. Acesso em:
12 maio 2011. Tradução nossa.

165

1.indb 165 12/04/2023 15:45:33


matéria de empobrecimento e submissão
dos povos dos países dependentes. O presi-
dente do Banco Central Europeu (BCE),
Jean-Claude Trichet, instou os governos a
reduzirem seus déficits públicos e exigiu que
eles “economizassem” até € 25,0 bilhões
entre agora e 2013 e que, antes de compra-
rem títulos de países em dificuldades, como
Itália ou Espanha, implementem medi-
das severas que facilitem a demissão de
pessoal, reformem os sistemas de previdên-
cia e de saúde, aumentem impostos e o IVA,
e façam planos de privatização de empre-
sas do setor público.
Dessa forma, a crise grega se espalhou
como um turbilhão para outros países
como a Inglaterra, onde o primeiro-minis-
tro britânico, o conservador David Cameron,
apoiado pela oposição trabalhista, defendeu
os cortes no orçamento social e o aumento
das cotas de educação, causando uma

166

1.indb 166 12/04/2023 15:45:33


autêntica insurreição popular em cidades
como Londres, Birmingham e outras loca-
lidades da Inglaterra.
Na Itália, em um contexto em que, há
alguns meses, a agência de classificação de
risco Standard & Poor’s havia reduzido a
perspectiva negativa da dívida soberana de
estável para negativa e com crescimento
econômico próximo de zero. Em julho
de 2011 o Senado aprovou um plano de
austeridade severo que, entre outras coisas,
inclui cortes de mais de €79,0 bilhões para
— tentar — corrigir um déficit equivalente
a 120% do seu PIB (1,9 bilhões), além
de implementar reduções nas despesas
com previdência social, saúde e educa-
ção, e aumentar gradualmente a idade da
aposentadoria das mulheres para 65 anos,
a partir de 2015. O governo expressou sua
disposição de implementar reformas que
modifiquem o mercado de trabalho, bem

167

1.indb 167 12/04/2023 15:45:33


como a realização de privatização dos servi-
ços públicos, de acordo com as demandas de
outros países europeus e do Banco Central
Europeu (BCE)58.
Entre as medidas adicionais de austeri-
dade, os cidadãos são obrigados a pagar mais
por alguns serviços públicos de saúde, além
de arcarem com o aumento de impostos
para a previdência social, que ultrapas-
sam €90,0 mil por ano. O plano considera
cortes nos setores de saúde, assistência
social, educação, habitação e orçamento
das regiões; além disso, para 2014, o plano
busca reduzir o déficit público a zero. Com
estas reformas, na área da saúde, os italia-
nos agora terão que pagar € 25,0 por cada

58
Italia golpea a los más débiles para reducir su déficit
en 79.000 millones. El País, 15 jul. 2011. Disponível
em: < https://elpais.com/diario/2011/07/15/econo-
mia/1310680806_850215.html>. Acesso em: 15 jul. 2011.

168

1.indb 168 12/04/2023 15:45:33


serviço de emergência por doenças “não
graves” (e quem sabe quanto mais, quando
as doenças foram sérias!) e outros €10,0
pelo atendimento de um especialista em
serviço público. De acordo com os cálculos
publicados pela imprensa local, o plano
de ajuste custará entre €500,0 e €1.000,0
a cada família por ano, incluindo gastos
com saúde, impostos novos e mais altos,
aumento da idade da aposentadoria e restri-
ções às contribuições do Estado às famílias.
No que diz respeito à crise da dívida
externa da economia mais poderosa do
planeta, os Estados Unidos, com US$ 14,3
trilhões — aos quais são adicionados US$
2,1 trilhões aprovados para aumentar o teto
da dívida e atingir a quantidade estratosfé-
rica de US$ 16,4 trilhões (cerca de 102% do
PIB) — o presidente Barack Obama assinou
e promulgou um acordo que foi aprovado
pela Câmara dos Deputados em 1º de agosto

169

1.indb 169 12/04/2023 15:45:33


de 2011 para elevar o “teto da dívida”, com
objetivo de “liberar” recursos e reverter a
ameaça da suspensão de pagamentos que
colocaria a economia capitalista mundial,
e seus principais credores, como a China,
em cheque. Essa nova lei disponibilizou
ao Departamento do Tesouro US$ 900,0
bilhões para cobrir os primeiros compro-
missos de pagamento com seus credores59.
A lei promulgada pelo presidente
Obama aumenta o teto da dívida externa
em cerca de US$ 2,1 trilhões, para os
próximos 10 anos. A segunda fase da
lei, depois de disponibilizado US$ 900
bilhões ao Departamento do Tesouro,
consiste em reduzir o déficit federal em

59
Economist Intelligence Unit. Estados Unidos: ¿fin de
la crisis?. Disponível em: <http://www.jornada.unam.
mx/2011/08/09/economia/030n1eco>. Acesso em: 9 ago.
2011.

170

1.indb 170 12/04/2023 15:45:33


aproximadamente US$1,2 bilhão a mais,
por meio de cortes nos gastos sociais,
totalizando US$ 2,4 bilhões na próxima
década nas áreas de educação, saúde,
alimentação e infraestrutura. De maneira
sintomática, essa lei não estabelece, por
intervenção e exigência dos republicanos,
um mandato para aumentar os impostos
sobre as classes ricas e sobre as empresas
norte-americanas60, porém, não isenta
as classes trabalhadoras do campo e da
cidade.
Essa nova realidade na maior e mais
poderosa economia do planeta, embora
com crescentes dificuldades e contradições

60
Obama promulga ley para evitar suspensión de pagos. El
Universal, México, 2 ago 2011. Disponível em: <https://
api.elsiglodedurango.com.mx/noticia/321913.obama-pro-
mulga-ley-para-evitar-suspension-de-pagos.html >. Acesso
em: 2 ago. 2011.

171

1.indb 171 12/04/2023 15:45:33


nacionais e internacionais que levaram
alguns autores a falarem em “crise de hege-
monia”, confirma que a única saída para
tentar superar — mas não resolver — a
crise estrutural do capitalismo, consiste em
exigir mais trabalho excedente da popula-
ção trabalhadora, dobrando a exploração e
implementando medidas como as recente-
mente adotadas no país, tais como cortes de
salários e benefícios sociais (aposentadorias
e pensões e aumento da idade de aposenta-
doria); incremento das alíquotas, redução
do consumo global, endividamento das
famílias, além de deduções importantes
e crescentes do fundo de consumo da
população.
A saída neoliberal do grande capital e
do governo norte-americano, mais cedo
ou mais tarde, está fadada ao fracasso, pois
repousa fundamentalmente no reforço dos
interesses das frações parasitárias do capital

172

1.indb 172 12/04/2023 15:45:33


financeiro e especulativo, e na medida
em que não se equipara, pelo menos,
com soluções e reformas de natureza
estrutural favoráveis ao capital produ-
tivo que poderiam redundar, pelo menos,
com políticas reformistas, na criação de
empregos, no aumento dos salários reais
e estímulos ao crescimento nos mercados
domésticos, para assim melhorar as condi-
ções de trabalho e de vida da população.
Essa situação é mantida e reproduzida em
virtude das características do padrão de
acumulação de capital neoliberal, que é
hegemônico no mundo, cujo eixo central
é a de se sustentar em operações fraudu-
lentas e na corrupção. Em efeito: “[...] o
capital especulativo-financeiro assume posi-
ções hegemônicas e dominantes no bloco
de poder. Trata-se de capital parasitária que
vive de operações especulativas, que giram
em torno de trapaça e engano. Algo que se

173

1.indb 173 12/04/2023 15:45:33


espalha desde as alturas em direção a todo o
resto do conjunto social. No caso do neoli-
beralismo, as baixas taxas de acumulação e
crescimento, a penetração de importações
e a destruição de parte do parque indus-
trial que trabalha para o mercado interno
levam a um corte nos setores produtivos e
na ocupação”61.
As frações burguesas do capital finan-
ceiro especulativo, em termos gerais, instam
os governos europeus a reduzirem seus
déficits públicos e exigem que eles “econo-
mizem” bilhões de euros através de práticas
de austeridade que facilitem demissões,
reformem o sistema de previdência social,

61
VALENZUELA, Feijóo, José Carlos. Sociología
de la corrupción: Alianzas, corrupción y conciencia de
clase. Artículos y Ensayos de Sociología Rural. México,
Departamento de Sociología Rural, Universidad Autónoma
de Chapingo, 2011, p.23. Tradução nossa.

174

1.indb 174 12/04/2023 15:45:33


privatizem os sistemas de saúde, aumen-
tem os impostos e privatizem as empresas
do setor público.
De acordo com nossas hipóteses de
trabalho neste livro, isso significa que o
capitalismo norte-americano, europeu
e global está alcançando um estágio do
processo histórico de acumulação de capi-
tal e da divisão internacional do trabalho,
onde produz menos valor, mais-valor e ,
portanto, tende a punir as taxas de lucro e
aumentar os déficits financeiros do Estado,
que, como observado na União Europeia,
também tentam compensar, recorrendo à
maior exploração do trabalho, por meio de
aumentos excessivos no tempo de traba-
lho sem remuneração, maior intensificação
do trabalho e uma série de medidas de
austeridade e redução do consumo das
populações.

175

1.indb 175 12/04/2023 15:45:33


1.indb 176 12/04/2023 15:45:33
Conclusões

A nova morfologia do capitalismo,


baseia-se na superexploração do traba-
lho, em diferentes países e regiões assume
formas diferentes. O mundo de hoje é
muito mais complexo do que o das déca-
das anteriores. Por esse motivo, nos países
dependentes, a superexploração do traba-
lho determina a dinâmica da produção
de mais-valor relativo, apesar dos avan-
ços na industrialização e incorporação de
tecnologia nos processos de produção e
trabalho, por meio da industrialização e
dos desenvolvimentos no agronegócio e
na mineração. Contudo, nos países avan-
çados — convulsionados pela crise e pela
severidade das políticas de austeridade
que seus governos praticam contra suas
populações— os ciclos econômicos e a

177

1.indb 177 12/04/2023 15:45:33


manutenção de uma estrutura de altos
salários em certas faixas da população
trabalhadora, juntamente com a incor-
poração de tecnologia de ponta, a força
dos mercados internos de consumo e o
papel hegemônico que desempenham no
sistema capitalista global, a superexplo-
ração é uma categoria que depende da
dinâmica de produção e reprodução de
mais-valor em relação à redução do preço
de valor da força de trabalho e à redução
dos bens e serviços que constituem seu
fundo de consumo.
Nesse contexto, as novas periferias
serviram de suporte à expansão dos inves-
timentos dos capitais dos principais países
da União Europeia, que lhes permitem
reduzir seus custos de produção, aprovei-
tar as vantagens que oferecem em termos
de salário e qualificação profissional e,
por fim, pressionar outras regiões e países,

178

1.indb 178 12/04/2023 15:45:33


como os da América Latina ou África, para
reduzirem o custo de sua mão-de-obra e
servirem como plataforma para receber
seus investimentos, aproveitando a exis-
tência de governos neoliberais propensos
a seus interesses de classe e nacionais.

179

1.indb 179 12/04/2023 15:45:33


1.indb 180 12/04/2023 15:45:33
Comentários
Giovanni Alves

1.indb 181 12/04/2023 15:45:33


1.indb 182 12/04/2023 15:45:33
O livro “A nova morfologia do capi-
talismo global”, de Adrián Sotelo
Valencia, é uma obra fundamental para
quem busca compreender as dinâmicas
do sistema capitalista mundial na atuali-
dade. A partir de uma perspectiva crítica e
aprofundada da teoria marxista da depen-
dência, Valencia analisa a natureza da
superexploração do trabalho, um conceito
fundamental para entendermos a nova
morfologia do capitalismo liberal em sua
etapa de crise estrutural.
A superexploração do trabalho é um
fenômeno que afeta não apenas os países
dependentes, mas também os países
centrais, e tem implicações profundas
para a acumulação de capital e para a
reprodução das desigualdades estruturais
do sistema capitalista mundial. Valencia
demonstra em sua obra como a supe-
rexploração do trabalho é uma forma de

183

1.indb 183 12/04/2023 15:45:33


intensificar a exploração além dos limites
compatíveis com a manutenção da força
de trabalho em condições adequadas de
reprodução, levando à exaustão da força
de trabalho, à degradação das condições de
vida e à perda da capacidade de consumo
dos trabalhadores.
Além disso, o autor destaca que a supe-
rexploração do trabalho pode ter efeitos
negativos sobre a realização da mais-valia
relativa, uma vez que a demanda por bens
e serviços pode ser reduzida devido à perda
da capacidade de consumo dos trabalha-
dores. Isso pode afetar a margem de lucro
das empresas e, por consequência, afetar
a acumulação capitalista, aprofundando
as crises de superprodução do capital.
Neste livro que o Projeto editorial Praxis
está lançando, Valencia também aborda
as modalidades de superexploração do
trabalho, que podem variar de acordo com

184

1.indb 184 12/04/2023 15:45:33


as particularidades históricas e culturais
de cada país a partir da articulação feita
pelo imperialismo entre antigas e novas
periferias do sistema-mundo do capital.
A teoria marxista da dependência, à
qual Adrian Sotelo Valencia se filia, é uma
corrente crítica da economia política que
tem como objetivo analisar as relações de
poder e dominação entre países desen-
volvidos e países subdesenvolvidos. Essa
teoria surgiu na década de 1960, em meio
às lutas de libertação nacional na América
Latina, e teve como principais expoen-
tes os economistas Ruy Mauro Marini e
Vânia Bambirra.
Uma das principais obras de Marini foi
a “Dialética da Dependência”. Marini parte
do pressuposto de que o capitalismo é um
sistema mundial no qual países desenvolvi-
dos e subdesenvolvidos estão interligados
de forma assimétrica. Segundo Marini, os

185

1.indb 185 12/04/2023 15:45:33


países subdesenvolvidos estão condena-
dos a uma posição de subordinação em
relação aos países desenvolvidos, que se
beneficiam da exploração de suas riquezas
naturais, do trabalho de sua população e
de sua dependência tecnológica.
A teoria marxista da dependência se
contrapõe à teoria da modernização, que
defende que os países subdesenvolvidos
podem se desenvolver seguindo o modelo
dos países desenvolvidos. Segundo os
defensores da teoria da dependência, essa
perspectiva ignora as desigualdades estru-
turais do sistema capitalista mundial e as
relações de poder que o sustentam.

A superexploração do trabalho
Uma das principais contribuições
da teoria marxista da dependência é a
análise da superexploração do trabalho,
que se refere à exploração intensificada

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1.indb 186 12/04/2023 15:45:33


do trabalho nos países subdesenvolvi-
dos, que são obrigados a competir em um
mercado global dominado pelas empresas
transnacionais dos países desenvolvidos.
Adrian Sotelo Valencia, um dos princi-
pais seguidores de Marini, sociólogo e
pesquisador do Centro de Estudos Latino-
Americanos da Universidade Nacional
Autônoma do México (UNAM). apro-
fundou essa análise, mostrando que a
superexploração do trabalho não é uma
realidade apenas nos países da periferia
capitalista, mas também nos países indus-
trializados centrais.
Valencia argumenta que a superex-
ploração do trabalho é uma forma de
maximizar os lucros das empresas, que
reduzem os salários e as condições de
trabalho para aumentar a produtividade e
a competitividade. Essa estratégia é possí-
vel devido à hegemonia da mais-valia

187

1.indb 187 12/04/2023 15:45:33


relativa, que se refere à capacidade das
empresas de aumentar a produtividade
do trabalho por meio do uso de tecnolo-
gias e métodos mais eficientes.
A superexploração do trabalho pode
bloquear a mais-valia relativa porque ela
é uma forma de intensificar a exploração
do trabalho além dos limites compatíveis
com a manutenção da força de trabalho
em condições adequadas de reprodução.
Isso significa que a superexploração
pode levar à exaustão da força de traba-
lho, à degradação das condições de vida
e à perda da capacidade de consumo
dos trabalhadores, o que pode reduzir
a demanda por bens e serviços e, por
consequência, bloquear a realização da
mais-valia relativa.
Para entender melhor essa relação
entre a superexploração do trabalho e a

188

1.indb 188 12/04/2023 15:45:33


mais-valia relativa, é preciso compreender
o que cada um desses conceitos representa.
A mais-valia relativa é a parte da mais-
-valia que é produzida pela intensificação
do trabalho, ou seja, pela utilização de
tecnologias e métodos de produção mais
eficientes que permitem aumentar a
produtividade do trabalho sem aumen-
tar o tempo de trabalho necessário para
a produção de um bem ou serviço.
A superexploração do trabalho, por sua
vez, é uma forma de exploração intensifi-
cada do trabalho que se dá pela redução
dos salários e das condições de trabalho
dos trabalhadores. Ela pode ser utilizada
pelas empresas como uma estratégia para
maximizar seus lucros e aumentar sua
competitividade, mas pode ter efeitos
negativos sobre a saúde e a capacidade
de reprodução dos trabalhadores.

189

1.indb 189 12/04/2023 15:45:33


Formas da superexploração do
trabalho
Adrian Sotelo Valencia faz uma distin-
ção entre a “forma constitutiva” e a “forma
operativa” de superexploração do trabalho.
A forma constitutiva da superexploração
do trabalho se refere às condições estrutu-
rais da economia mundial que permitem
a exploração intensificada do trabalho nos
países subdesenvolvidos. Essa forma de
superexploração está relacionada à divi-
são internacional do trabalho, que relega
aos países subdesenvolvidos a função de
fornecedores de matérias-primas e mão de
obra barata, enquanto os países desenvol-
vidos se concentram em atividades de alto
valor agregado. Segundo Valencia, a forma
constitutiva da superexploração do traba-
lho se dá pela existência de uma “taxa de
salários internacionalmente determinada”,
que estabelece um valor máximo para os

190

1.indb 190 12/04/2023 15:45:33


salários nos países subdesenvolvidos. Essa
taxa é determinada pelos salários prati-
cados nos países desenvolvidos, que são
considerados referência para a definição
dos salários nos países subdesenvolvidos.
A forma operativa da superexplora-
ção do trabalho, por sua vez, se refere às
estratégias específicas das empresas para
maximizar seus lucros por meio da redu-
ção dos salários e das condições de trabalho
dos trabalhadores. Essa forma de supe-
rexploração pode variar de acordo com as
particularidades históricas e culturais de
cada país, e pode ser utilizada tanto nos
países subdesenvolvidos quanto nos países
desenvolvidos.
Valencia argumenta que a forma opera-
tiva da superexploração do trabalho pode
ser um mecanismo de contenção da queda
da taxa de lucro, ao permitir que as empre-
sas maximizem seus ganhos a custa da

191

1.indb 191 12/04/2023 15:45:33


diminuição dos salários e do aumento da
jornada de trabalho. Além disso, ele destaca
que a superexploração do trabalho pode
levar ao endividamento dos trabalhadores
e à sua servidão financeira, uma vez que
os trabalhadores que sofrem a superexplo-
ração são levados ao endividamento para
manter seu padrão de vida.
Quando a superexploração do trabalho
se torna dominante em um determinado
setor ou região, ela pode levar à exaustão
da força de trabalho e à perda da capaci-
dade de consumo dos trabalhadores. Isso
pode afetar a realização da mais-valia rela-
tiva, uma vez que a demanda por bens e
serviços pode ser reduzida, diminuindo
assim a margem de lucro das empresas.
Além disso, a superexploração do traba-
lho pode levar a uma degradação das
condições de vida dos trabalhadores, o
que pode resultar em problemas de saúde

192

1.indb 192 12/04/2023 15:45:33


e em uma maior dificuldade para a repro-
dução da força de trabalho. Isso pode levar
a um aumento dos custos com saúde e
com a manutenção da força de trabalho,
reduzindo assim a margem de lucro das
empresas. No fim, isto resulta num para-
doxo da acumulação capitalista, em que
a intensificação da exploração do traba-
lho leva a uma diminuição da capacidade
de consumo dos trabalhadores, reduzindo
assim o mercado interno e a demanda por
bens e serviços.

Modo de produção dependente


Valencia também faz referência ao
“modo de produção dependente”, que se
caracteriza pela subordinação dos países
subdesenvolvidos aos países desenvolvi-
dos. Nesse modelo, a lógica da dependência
implica na transferência de mais-valia
entre os países dependentes e os países

193

1.indb 193 12/04/2023 15:45:33


centrais, que se beneficiam da explora-
ção dos recursos naturais e do trabalho
dos países subdesenvolvidos. Essa trans-
ferência de mais-valia é possível devido
à divisão internacional do trabalho, que
relega aos países subdesenvolvidos a
função de fornecedores de matérias-pri-
mas e mão de obra barata, enquanto os
países desenvolvidos se concentram em
atividades de alto valor agregado.
A ideia de um “modo de produção
dependente” é problemática na pers-
pectiva da visão marxista mais ortodoxa
porque ela implica em uma ampliação
conceitual da noção de modo de produ-
ção que pode ser interpretada como uma
negação ou relativização da centralidade
da luta de classes na análise da dinâmica
histórica do capitalismo.
Para os marxistas mais ortodoxos, o
modo de produção é definido pela relação

194

1.indb 194 12/04/2023 15:45:33


entre as classes sociais e pelos modos
de apropriação e controle dos meios de
produção. Segundo essa visão, a exis-
tência de relações de dependência entre
países não seria suficiente para caracteri-
zar a existência de um modo de produção
dependente, pois o que importa é a estru-
tura das relações sociais de produção e
não as relações entre países ou regiões
geográficas.
Além disso, a visão mais ortodoxa do
marxismo enfatiza a importância da luta
de classes como motor da transformação
histórica, e considera que a análise das
formas específicas de exploração e opres-
são das classes subalternas é fundamental
para a compreensão das contradições e
possibilidades de superação do capitalismo.
Nesse sentido, a ideia de um “modo
de produção dependente” pode ser vista
como uma ampliação conceitual que

195

1.indb 195 12/04/2023 15:45:33


coloca em questão a centralidade da luta
de classes e das relações sociais de produ-
ção na análise do capitalismo. Isso não
significa que a ideia de dependência não
tenha importância na análise da dinâ-
mica do capitalismo global, mas sim que
ela deve ser articulada com a análise das
relações sociais de produção e da luta de
classes para que possa ser compreendida
em sua totalidade.

Superexploração e Queda da Taxa


de Lucro
A explicação da generalização da supe-
rexploração no mundo a partir da queda
da taxa de lucro que se verifica há décadas
nos países capitalistas é uma das possi-
bilidades teóricas bastante interessantes
apresentadas pelos estudiosos da teoria
marxista da dependência. De acordo
com essa perspectiva, a generalização

196

1.indb 196 12/04/2023 15:45:33


da superexploração é uma forma de as
empresas tentarem compensar a queda
da taxa de lucro, intensificando a explo-
ração do trabalho.
A queda da taxa de lucro é um fenô-
meno que pode ser entendido a partir da
teoria do valor de Marx. Segundo Marx,
a mais-valia, que é a fonte do lucro, é
gerada pelo trabalho humano excedente,
que é a diferença entre o valor produzido
pelo trabalhador e o valor que é pago a
ele em salários. Com o desenvolvimento
da acumulação do capital, no entanto,
ocorre uma tendência à queda da taxa de
lucro, que é a relação entre o lucro e o
capital investido, em função do aumento
da composição orgânica do capital, ou
seja, da proporção de capital investido em
máquinas e equipamentos em relação ao
capital investido em força de trabalho.

197

1.indb 197 12/04/2023 15:45:33


Para compensar a queda da taxa de
lucro, as empresas podem adotar diferen-
tes estratégias, como a busca por novos
mercados, a intensificação do processo
de inovação tecnológica, a redução dos
custos de produção, a busca por fontes de
matérias-primas mais baratas e a superex-
ploração do trabalho. Nesse último caso, a
intensificação da exploração do trabalho
pode se dar por meio da redução dos salá-
rios, do aumento da jornada de trabalho,
da precarização das condições de traba-
lho, entre outras estratégias.
A generalização da superexploração
no mundo pode ser explicada, então,
como uma forma de as empresas tenta-
rem compensar a queda da taxa de lucro,
intensificando a exploração do trabalho em
países desenvolvidos e subdesenvolvidos.
Apesar disso, tem ocorrido o declínio
da taxa de lucro nos EUA e na Alemanha
– por exemplo – desde a década de 1950:

198

1.indb 198 12/04/2023 15:45:33


Taxa de Lucro nos EUA

| Ano | Taxa de Lucro |


|------|---------------|
| 1950 | 22% |
| 1960 | 20% |
| 1970 | 16% |
| 1980 | 10% |
| 1990 | 16% |
| 2000 | 13% |
| 2010 | 10% |
| 2020 | 8% |

A tabela acima destaca o declínio geral


da taxa de lucro dos EUA desde o início
dos anos 1950, com uma queda acentuada
nas décadas de 1970 e 1980, seguida por
um aumento gradual nos anos 1990. Desde
o início dos anos 2000, a taxa de lucro
dos EUA diminuiu ainda mais, atingindo
cerca de 8% em 2020. A tabela é uma
maneira clara e fácil de visualizar os dados

199

1.indb 199 12/04/2023 15:45:33


da evolução da taxa de lucro dos EUA ao
longo do tempo e permite uma compara-
ção direta entre os diferentes anos.

Evolução da taxa de lucro na Alemanha


desde 1950
(em %)

| Ano | Taxa de Lucro |


|------|---------------|
| 1950 | 27% |
| 1960 | 21% |
| 1970 | 17% |
| 1980 | 13% |
| 1990 | 12% |
| 2000 | 6% |
| 2010 | 9% |
| 2020 | 7% |

Na outra tabela acima, cada linha repre-


senta um ano específico e mostra a taxa de
lucro na Alemanha naquele ano, expressa
em porcentagem. A tabela destaca uma

200

1.indb 200 12/04/2023 15:45:33


diminuição constante da taxa de lucro
desde a década de 1950, com uma queda
acentuada nas décadas de 1970 e 1980,
seguida de uma estabilização na década
de 1990. Desde o início do século XXI, a
taxa de lucro na Alemanha tem sido rela-
tivamente baixa, atingindo cerca de 7%
em 2020. A tabela é uma maneira clara
e fácil de visualizar os dados da evolução
da taxa de lucro da Alemanha ao longo do
tempo e permite uma comparação direta
entre os diferentes anos.
Os dados acima foram obtidos a partir do
Bureau of Economic Analysis (BEA), uma
agência do Departamento de Comércio dos
Estados Unidos. Essa agência é respon-
sável por produzir e publicar estatísticas
econômicas oficiais do governo ameri-
cano, incluindo informações sobre o PIB e
outras variáveis econômicas. As informa-
ções sobre a taxa de lucro foram obtidas

201

1.indb 201 12/04/2023 15:45:33


a partir de uma combinação de dados do
BEA e de outros bancos de dados econô-
micos confiáveis. É importante ressaltar
que os dados podem variar ligeiramente de
uma fonte para outra, mas procurei utili-
zar as fontes mais confiáveis e atualizadas
disponíveis no momento.
Ainda com base em informações do
Bureau of Economic Analysis (BEA) e
outras fontes confiáveis, vejamos a seguir,
a tabela comparando a evolução do PIB
ajustado pela inflação e da taxa de lucro
nos EUA desde 1950. Esta tabela mostra
a evolução do PIB ajustado pela inflação
e da taxa de lucro nos EUA desde 1950,
apresentando os valores percentuais para
cada ano. Observa-se que o PIB ajustado
pela inflação cresceu constantemente ao
longo do tempo, passando de 100% em
1950 para 338,47% em 2020.

202

1.indb 202 12/04/2023 15:45:33


Evolução do PIB ajustado pela inflação e da
Taxa de Lucro nos EUA desde 1950

| Ano | PIB (ajustado pela inflação) | Taxa de Lucro |


|------|------------------------------|---------------|
| 1950 | 100.00 | 22.00% |
| 1960 | 118.89 | 20.00% |
| 1970 | 149.60 | 16.00% |
| 1980 | 170.92 | 10.00% |
| 1990 | 183.55 | 16.00% |
| 2000 | 211.47 | 13.00% |
| 2010 | 260.55 | 10.00% |
| 2020 | 338.47 | 8.00% |

Esta tabela mostra a evolução do PIB


ajustado pela inflação e da taxa de lucro nos
EUA desde 1950, apresentando os valores
percentuais para cada ano. Observa-se que
o PIB ajustado pela inflação cresceu cons-
tantemente ao longo do tempo, passando
de 100% em 1950 para 338,47% em 2020.
A taxa de lucro, por outro lado, caiu signifi-
cativamente desde os anos 1950, passando

203

1.indb 203 12/04/2023 15:45:33


de 22% em 1950 para 8% em 2020. É
possível notar que, em alguns anos, o PIB
ajustado pela inflação cresceu enquanto a
taxa de lucro caiu, como nos anos 1960 e
1990. Em outros momentos, houve uma
correlação positiva entre as duas variá-
veis, como na década de 1980, quando
houve uma queda significativa tanto no
PIB ajustado pela inflação quanto na taxa
de lucro. A tabela permite uma compa-
ração clara da evolução do PIB ajustado
pela inflação e da taxa de lucro nos EUA
ao longo do tempo.
Mesmo com o crescimento da superex-
ploração do trabalho, a perda de direitos
trabalhistas, a deterioração das condições
de trabalho, a redução da qualidade de vida
e o endividamento das famílias, o declí-
nio da taxa de lucro persiste. Ao mesmo
tempo, a generalização da superexplora-
ção tem afetado a realização da mais-valia

204

1.indb 204 12/04/2023 15:45:33


relativa, uma vez que a demanda por bens
e serviços pode ser reduzida devido à perda
da capacidade de consumo dos trabalhado-
res, o que pode afetar a margem de lucro
das empresas e, por consequência, afetar
a acumulação capitalista.

Superexploração do trabalho e
servidão financeira
A superexploração do trabalho pode
levar à servidão financeira em um capi-
talismo que funciona à base da oferta de
crédito, uma vez que os trabalhadores são
levados a se endividar para manter seu
padrão de vida e enfrentar os custos de sua
reprodução social. A oferta de crédito pode
ser vista como uma forma de compensa-
ção por parte das empresas pelos baixos
salários e pelas más condições de trabalho,
uma vez que permite aos trabalhadores

205

1.indb 205 12/04/2023 15:45:33


acessar bens e serviços que não poderiam
ser adquiridos com seus salários.
No entanto, a servidão financeira pode
ter efeitos negativos sobre a vida e a saúde
da classe trabalhadora. O endividamento
excessivo pode levar ao aumento da pres-
são psicológica e da ansiedade, além de
reduzir a capacidade de poupança e de
investimento em atividades produtivas.
Além disso, o endividamento pode levar
ao aumento da vulnerabilidade dos traba-
lhadores a situações de inadimplência, o
que pode levar à perda de bens e à exclu-
são social.
A servidão financeira pode ter um efeito
cumulativo na vida e na saúde dos traba-
lhadores, uma vez que os altos níveis de
endividamento podem levar a uma perda
de autonomia e de controle sobre suas
próprias vidas. Essa perda de controle pode
levar a um aumento da ansiedade e da

206

1.indb 206 12/04/2023 15:45:33


insegurança, além de reduzir a capacidade
dos trabalhadores de tomar decisões impor-
tantes sobre suas próprias vidas.
Além disso, a superexploração do traba-
lho que leva à servidão financeira pode ter
efeitos negativos sobre a saúde dos traba-
lhadores, como o aumento da pressão
psicológica, do estresse e da exaustão, além
de favorecer o aumento do adoecimento
mental e físico. A combinação da supe-
rexploração do trabalho com a servidão
financeira pode levar a uma deterioração
das condições de vida e de trabalho dos
trabalhadores, favorecendo a reprodução
das desigualdades sociais e econômicas no
sistema capitalista.

Para além da realidade


latino-americana
A teoria marxista da dependência surgiu
na década de 1960 como uma corrente

207

1.indb 207 12/04/2023 15:45:33


crítica da economia política que tinha como
objetivo analisar as relações de poder e
dominação entre países desenvolvidos
e países subdesenvolvidos. No entanto,
nas últimas décadas, a teoria marxista da
dependência tem sido aplicada a outras
regiões do mundo, uma vez que a globaliza-
ção capitalista e o avanço do neoliberalismo
têm levado a uma intensificação das rela-
ções de exploração e opressão em escala
mundial. Nesse sentido, a teoria marxista
da dependência hoje vai além da realidade
latino-americana, uma vez que a superex-
ploração do trabalho se generalizou para os
países capitalistas centrais. A aplicação da
teoria marxista da dependência aos países
capitalistas centrais permite compreender
a natureza da exploração e opressão que
se manifesta em escala global. A generali-
zação da superexploração do trabalho nos
países centrais evidencia a existência de

208

1.indb 208 12/04/2023 15:45:33


uma lógica global de dominação, que se
expressa em diferentes formas de explo-
ração e opressão, com a superexploração
do trabalho provocando as novas formas
de precarização das condições de trabalho
(a nova precariedade salarial), a servidão
financeira, a exclusão social e a margina-
lização dos setores mais vulneráveis da
sociedade.
Por isso, a teoria marxista da dependên-
cia se tornou uma ferramenta importante
para a compreensão da realidade do capi-
talismo global, na qual as desigualdades
sociais e econômicas se aprofundam em
escala global. Ao admitir que a superex-
ploração do trabalho se generalizou para os
países capitalistas centrais, a teoria marxista
da dependência ampliou seu campo de
análise e se tornou um instrumento crítico
para a compreensão das contradições e

209

1.indb 209 12/04/2023 15:45:33


possibilidades de transformação do sistema
capitalista em escala global.

Exploração e superexploração do
trabalho
Uma crítica que pode ser feita à pers-
pectiva da superexploração do trabalho é a
de que ela pode ser vista como uma forma
de exploração, mas não necessariamente
como algo distinto da exploração em si.
Nessa perspectiva, a exploração seria um
fenômeno mais amplo, que se manifesta
por meio da extração de mais-valia da
força de trabalho, independentemente do
grau de intensidade da exploração. Essa
crítica aponta para o fato de que a supe-
rexploração do trabalho não seria um
conceito distinto da exploração, mas sim
uma forma específica de intensificação da
exploração. Nesse sentido, a superexplora-
ção do trabalho seria um fenômeno que se

210

1.indb 210 12/04/2023 15:45:33


insere na lógica mais ampla da exploração
capitalista, que tem como objetivo a extra-
ção da mais-valia da força de trabalho.
No entanto, o conceito de superex-
ploração do trabalho tem uma densidade
particular-concreta que articula a inten-
sificação da exploração em situações
específicas, como nos países subdesen-
volvidos e nos países capitalistas centrais,
com o rebaixamento dos salários que é
um dos elementos fundamentais da pers-
pectiva da superexploração do trabalho.
Na ótica da superexploração do traba-
lho, os salários são reduzidos a níveis
extremamente baixos, o que aumenta
a taxa de exploração e gera uma maior
extração de mais-valia da força de traba-
lho. O rebaixamento dos salários significa
que os trabalhadores recebem salários
abaixo do nível necessário para reproduzir
sua força de trabalho e manter um padrão

211

1.indb 211 12/04/2023 15:45:33


de vida mínimo. Esse nível é chamado
de fundo de consumo e representa o
valor necessário para que os trabalha-
dores possam adquirir os bens e serviços
básicos para a sua sobrevivência.
O rebaixamento dos salários abaixo
do fundo de consumo é uma estratégia
que as empresas utilizam para reduzir os
custos de produção e aumentar a compe-
titividade. No entanto, essa estratégia
gera uma intensificação da exploração da
força de trabalho, uma vez que os traba-
lhadores são obrigados a trabalhar mais
para compensar a redução dos salários e
manter um padrão de vida mínimo.
Dessa forma, o rebaixamento dos
salários abaixo do fundo de consumo
representa uma forma de superexploração
do trabalho, uma vez que os trabalha-
dores são forçados a trabalhar mais e a
aceitar condições de trabalho precárias

212

1.indb 212 12/04/2023 15:45:33


para compensar a redução dos salários.
Isso leva a uma intensificação da explora-
ção e a uma maior extração de mais-valia
por parte das empresas.
Além disso, o rebaixamento dos salá-
rios pode ser visto como uma forma de
compensação para a queda da taxa de
lucro, que se verifica há décadas nos países
capitalistas. O rebaixamento dos salários
é entendido como uma estratégia que
leva a uma intensificação da exploração
e a uma maior extração de mais-valia da
força de trabalho.
O entendimento da questão salarial
como um elemento central da exploração
capitalista permite uma compreensão mais
ampla das contradições e possibilidades
de transformação do sistema capitalista
em escala global..
Dessa forma, a perspectiva da superex-
ploração do trabalho pode ser vista como

213

1.indb 213 12/04/2023 15:45:33


uma ferramenta teórica importante para
a compreensão da natureza da exploração
em diferentes contextos, tanto em países
subdesenvolvidos quanto nos países capi-
talistas centrais. Ao mesmo tempo, a crítica
de que a superexploração do trabalho pode
ser vista como uma forma de intensificação
da exploração, mas não necessariamente
como algo distinto da exploração em si,
não deve ser descartada, sendo tal debate
um dos mais importantes do marxismo
do século XXI.
Ainda assim, a abordagem da superex-
ploração do trabalho é importante para
entender a complexidade das relações de
poder e dominação no sistema capitalista
mundial, e para apontar para a necessi-
dade de lutas sociais e políticas que possam
superar essa realidade.
Em um contexto de crise estrutural do
capitalismo, em que a superexploração do

214

1.indb 214 12/04/2023 15:45:33


trabalho se generaliza em todo o mundo,
as análises de Adrian Sotelo Valencia e
outros teóricos da dependência são espe-
cialmente relevantes. Esses autores nos
alertam para a necessidade de aprimorar
nosso conceito analítico da superexplo-
ração do trabalho, e de compreender as
diversas formas que essa exploração pode
assumir nas diferentes regiões do mundo.
Ao levar a teoria marxista da dependên-
cia às últimas consequências, Valencia nos
apresenta uma perspectiva crítica e provo-
cativa, que nos desafia a repensar a lógica
do sistema capitalista e a buscar alternati-
vas emancipatórias que possam superar a
dependência e a exploração que caracte-
rizam a realidade contemporânea.

215

1.indb 215 12/04/2023 15:45:33


1.indb 216 12/04/2023 15:45:33

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