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Capitulo 4 “MODELO UBER’, AUTOEMPREENDEDORISMO E AS MISERIAS DO TRABALHO VIVO NO SECULO XXI: BREVES NOTAS SOBRE ALIENAGAO E AUTOALIENAGAO NO CAPITALISMO FLEXiVEL Giovanni Alves" 1 INTRODUGAO Neste artigo buscamos claborar algumas reflexées sobre a mosfolo- gia social ¢ 0 sociometabolismo do trabalho alienado nas condigées do capitalismo flexivel, atando, por exemplo, da nova forma de organiza- io do trabalho vivo baseada na “economia de compartilhamente”, “eco- nomia disruptiva’, “economia sob demanda’ ou gig economy (economia anni Alves €doutor fm céncas sci pla Universidade Enadal de Campinas (Unk cain, lite dcente em socilogia, profesor da Universidade Estadsal Paulista (Unesp), ‘campus de Maria - SB. do doutorado em cincit socnis da Unicamp. F peequissdor da Conseho Nacional de Desenvolvimento Cent Teenolégico (CNPq) com bols-produ twidade em pesquisa coordenador da Rede de Estudos do Trabalho (RET) ~ wwoecetador doabuho org do Prjeo Tela Crtica/CineTiabalho (wwe telaceica. or) Baur de ve Hos lis eatigos sobre o tema tabaho c ecsidade, ent 0 quais“O nov (preito) runda do trabalho: resrutoragso 2000)", "Tabuho esubjeividade: 0 espito do toyodsmo na era do capi lado" @Botempo Editorial, 2011), “Di 2013), “Tiablho ¢ neodeseavol¥ims (Ea Praxis, 2016) mal: plovannialvesen (Ed. Praus, 2014) "A Tragéia de Promete! ‘com br. Home-page: wor giovannialves.or. Giovanni Alves dos bicos), a nova base técnica de exploracio do trabalho humano na cra do capitalismo flexivel, nas condigées da crise estrutural do capital. No cenério de crise do capitalismo global dissemina-se, no limiar da Quarta Revoluséo Industrial, o oferecimento de bens e servigos las- tscados na tecnologia informacional em rede de computadores ¢ apli- cativos em smarthphones conectados & Internet. Trata-se das ditas teeno- logias disruptivas isto é, inovasées tecnolégicas de bens ou servigos que utilizam uma estratégia disruptiva ao invés de evolutiva ou incremental, promovendo mudangas drésticas nos paradigmas de organizacio social, clasificagio profissional e regulagio juridico-politica Na cra do capitalismo global, iniciada em 1980, ocorreram pelo menos duas importantes revolugées teenolégicas. Els alteraram, de modo significativo, a organizagio do trabalho e a produsio social, com impac- «os disruptivos na cultura, ideologia, lazer, psicologia social, consumo ¢ politica. Sio clas: a revolupiéo informdtica (a computagio microele- dnica ¢ © personal computer); ¢ a revolugéo informacional (a Internet € 0 ciberespago). Tanto a revolugio informitica, quanto a revolusio informacional, sio “cabesas de ponte” da Quarta Revolugio Industrial ou Indistria 4.0 do capitalismo do século XXI? Como exemplo de empresa capitalista nascida com a “economia disruptiva’, temos a Uber, fundada nos Estados Unidos em 2009, Em 2 Quarta Revolge Indutrial eu Indistria 40 & urn tetmo que engloba algumas vecnologias para autemupdo e tro de dado ewilicacomceits de Sitemaseberlics, Internet da Caius Computeséo em Naver, Andra 4.0 facllcaa visio ea execugio de "FabricasIneligentes com as sas estruturas modulates, of sistemas eiberisiens monitoram o¢ procesios Fisios, criam uma pia vital da emtndo fsico etomam decizies descentalzadas, Com a internet daz coisa, os sistemas aberlscos comunicam e cooperam entre sie com oF humanos em tempo real, e através da computagio em nuvem, ambos os servis internose intraonganiza clonais sio ofereidos euiizados pelos partiipances da cadeia de valor. Embora muitos ana lists 6 observem as mulancasdristicas na indistia propriamente dit, consideramos que 2.Quarta Revolugio Industrial diz respeito a mutagéesteenoldgieas na prépriaorganizagio material do trabalho vivo no comérco e servis ~ineluindo administracso pbliea. Sar ‘phone: conectadae i Interne ¢platformas de srvigos com aplicstivos intligentes “revel cionam’ a presagio de serviga 0 co eletnico (ecommerce Anova tecnelégica informacional digital virtual impulsiona aquilo que os autores denominam “economia de comparilhaments’, “economia disrupciva” ou “economia sob deman 80 MODELO UBER", AUTO-EMPREENDORISMO E AS MISERIAS DO TRABALHO VIVO NO SECULO XX! 2010 cla langou seu aplicativo e-hailing para smarthphones concctados A Internet, ferramenta essencial através da qual a empresa opera. A Uber surgiu como servigo de transporte privado, disseminando-se a seguir pata outros campos de aplicagio da tecnologia de compartilhamento. © “modelo Uber” se disseminou na inddstria dos servigos on-line de transporte privado, existindo hoje outras plataformas similares. Hoje em 2017, diversificando seu negécio altamente lucrativo, a Uber esti explorando, em alguns pafses, o servigo de entrega de refeigées em do- micilio: 0 UberEATS (a Uber € uma empresa capitalista avaliada em 18,2 bilhées de délares, em junho de 2014, contando com investidores como a Google ¢ Goldman Sachs. © vinculo da Uber financeiro é lagrante) (UBER..., 2017) com 0 capital Nosso objetivo neste artigo ¢ oferecer uma pequena contribuigio & reflexio sobre o modelo Uber, visando entender seu modo de funcio- namento € organizagio, além da sua légica de explorasio da forga de trabalho e acumulagio de capital. Indicaremos como seu lastro ideolé- gico o mito do autoempreendedorismo, ideologia capaz. de aprofundar a alienacio e autoalienasio do trabalho humano nas condigées hist6ricas da nova precatiedade salarial do capicalismo do século XI. Em quase 10 anos de operacéo da Uber, comegam a surgi no Brasil estudos sobre os efeitos sociais ¢ juridicos das plataformas de aplicati- vos e-bailing no mundo do trabalho € nos negécios de servigos. Pode- mos destacar 0 livro “Tecnologias disruptivas e a exploragio do traba- Iho humano: a intermediagéo de mao de obra a partir das plataformas clecrénicas ¢ seus efeitos jurldicos ¢ sociais” (LEME; RODRIGUES; CHAVES JUNIOR, 2017) que reine um conjunto de pesquisadores do Direito, juristas ¢ procuradores do trabalho (do Brasil ¢ Portugal) que expdem os impactos das ditas “tecnologias disruptivas” no Direi- to do Trabalho € na vida social. Uma das preocupagées candentes dos operadores do Diteito no Brasil ¢ no mundo’ tem sido enquadrar, por exemplo, a classficasao profisional dos motoristas da Uber, discutindo 3 Means ¢ Sener (2016) ou ainda Employment... (2017) 81 Giovanni Alves se a relagio “salarial” deles se configura como emprego ou trabalho por conta prdpria (autoempreendedorismo) 2 GIG ECONOMY, UBER E O CAPITALISMO FLEXIVEL © “modelo Uber” de organizagéo do trabalho deve ser situado no interior do movimento da toralidade concreta do capitalismo global e do novo regime de acumulagio flexivel (HARVEY, 1992). Ele represen- aa concatenaséo das novas tecnologias informacionais (aplicativos em rede) ¢ 0 processo de exploragio capitalista da forga de trabalho nos ser vigos. Estamos apenas no limiar dos efeitos econdmicos, sociais, cult raise psicolégicos da revolugéo informacional em rede iniciada na década de 1990, primeiro com a Internet ¢ depois, na década de 2000, com a disseminagio em massa dos telefones celulares ¢ depois smarthphones! tablers conectados & Internet. A revolugdo das redes sociais, que surgi com a economia da Internet na década de 2000, alterou no apenas pa- drécs de sociabilidade e consumo, mas também os modos de organiza- gio e de regulagio/controle do trabalho humano, © movimento tardio da propriedade privada lastreado na nova base vecnolégica informacio- nal revoluciona as condigées de produgéo e existéncia social, ocultando 0 trabalho alienado e seu sociometabolismo estranhado, Nas condigdes histéricas do rurbocapitalismo’, dissemina-se 0 novo (¢ precirio) mundo do salariato hiperfetichizado baseado na economia gig do século XXD- 40 rurbocapitalime & ours denominacso do capitaisme fexivel, 0 capitalise global do séeulo XX, eaptaiamo da exise estrucural do capital, 20 qual impera a hipervelocidade ¢ sociedad em rede apaz de aprofundar sredugio do tempo de vids a tempo de trabalho alicnado (0 fenmeno da ‘vida reduzda’), a compresio do espaga-termpa (HARVEY, 1992) com eleitor nelstoe no procesto de subjetivagso humana (BIFO, 2003), 5 De acordo com Lipovetsky (2004), vivemos em tempor hpermodeynos. Deste mode, podemos conceber que ma etapa do turbocaptaliemo que inetalara a hipermodernidade, a0 invés da ‘pés-modernidade, desenvolve-se um modo de salaratohiperftichizado que ocala por meio da fetche teenoldgico a telagéo de emprego ou subalternidade catrutual entre otwabalho vivo ocapital (LIPOVETSKY, 2004) 82 MODELO UBER", AUTO-EMPREENDORISMO E AS MISERIAS DO TRABALHO VIVO NO SECULO XX! Economia dos bicos ou Gig Economy, também conhecida como “Freelance Economy” ou “Economia sob demanda’, é 0 ambiente ou © mercado de trabalho que compreende, de um lado, srabalhadores tempordrios e sem vineulo empregaticio (freelancers, “autdnomos’), ot melhor, vinculos empregaticios ocultos pelo saleriato hiperfetichizados ¢, de outro, empresas que contratam esses trabalhadores independen- tes, para servigos pontuais, ¢ ficam isentas de regras tabalhistas. O termo nio é novo, mas se cornou tendéncia mundial na era digital ¢ virtual do capitalismo flexivel, impulsionado por empresas como Uber ¢ Amazon. A gig economy expressa com vigor © novo (¢ precirie) mundo do trabalho informacional. O glamour das novas tecnologias digitais (¢ vir ‘uais) disruptivas*, oculta no apenas o vinculo de subalternidade esteu- tural entre o trabalho ¢ © capital, mas a nova precatiedade salarial em sua forma extrema, Enquanto na “economia tradicional” no Brasil, 0 trabalhador assalariado € contratado via Consolidagio das Leis do’Tra- balho (CLT) ¢, dessa forma, tem assegurado direitos como pagamento regular de salétio e beneficios, 13° salério, férias, salétio desemprego, aposentadoria etc.; na gig economy, os contratos sio independentes possum cléusulas especificas (MENA, 2016, p. 2). “Na Gig Economy nio costuma haver qualquer tipo de beneficio ou dircito trabalhista ‘Terminado 0 objeto do contrato ou o projeto, a telagio entre empresa ¢ empregado chega ao fim.” (MURER, 2016 apud MENA, 2016, p. 2). A Reforma Trabalhista de 2017 no Brasil legalizou o trabalho in- tcrmitente, que expressa, em termos juridicos, a nova modalidade de contratagio da forga de trabalho na gig economy. {No lve “Tnfoproletsos: degradagio ral do trabalho visual’, organizado por Ricardo An tunes Ruy Braga, nd exe artigo tratando, por exemple, dor “infopoletiin” dos ervigoe de transporeprivado, organzador pelo aplcativo e-healng Talvex na concep ds onga zadores,“infoprolesrioe setiam pincpalmente or abaladores de call enter letvdade onde o vinculoempreatcio ert bastante explicit (0 que ndo oot, por exemple, comm ot trabalhadores da Ube) ov sina, em 2008 a empresa Uber nio exist eo surgimenta do infetrbalho viral por aplicaivs nfo esvese td diseminado nos pais do capaleme tflobal (ANTUNES; BRAGA. 2008). Nesse cao, a0 examinat-se os novos infoproletitios, 2 problematic idcolégica do auroempreendedorismo sera colocada de modo candent 83 Giovanni Alves ‘A Revista Wired referiu-se & gig economy como o novo paradigma salarial do século XXI. Diz ela que, num estudo feito pelo JP Morgan Chase Institute revelou-se que o némero gig workers nos Estados Uni- dos cresceu 10 vezes desde 2012; e que 4% de adultos j4 trabalhou, ao menos uma vez, nesse mercado (MENA, 2016). Um outro estudo, da Intuit Research, prevé que até 2020 a gig economy compreenderé 40% dos rabalhadores americanos” (ALBA, 2015). No artigo “Uber is just the tip of the iecherg: the gig economy is leveraging the human cloud”, Blikre (2016) observa que a gig economy caracteriza-se pela flexibilidade laboral: empregadores podem contratar a forga de trabalho de acordo com demandas pontuais; ¢ os trabalhadores assalariados nio precisam ficar num local de trabalho ¢ cumprir hordrio. As novas tecnologias informacionais permitem a desterritorializagio do local de trabalho ((elewabalho) ¢ a flexibilizagio da jornada laboral, reduzindo-se, des- ce modo, tempo de vida a tempo de trabalho. Altera-se a forma como as trabalhadores assalariados veem seus wabalhos, tanto em termos de planos de carreira, como em relagio a0 que esperam das empresas para as quais prestam servigos. A gig economy implica a “captura” da subjeti- vidade do trabalho vivo pela nova légica do capital. O novo ¢ precério mundo do trabalho lastreado nos aplicativos virtuais e teletrabalho é 0 “paraiso” do espirito do toyotismo. A idéia do “patrio de si mesmo” representa o salariato hiperfetichizado, dominado pela ideologia do au- coempreendedorismo) (ALVES, 2011). 3 O MODELO UBER E A NOVA FORMA DE EXPLORAGAO DA FORCA DE TRABALHO © “modelo Uber” de organizagéo do trabalho € o sistema de au- coempreendedorismo organizado por meio dos aplicativos informacio- nais e-hailing. A Uber presta servigos cletrdnicos na area do transporte privado urbano por meio de um aplicativo ehailing que oferece um servigo semelhante ao téxi tradicional, conhecido popularmente como 84 MODELO UBER", AUTO-EMPREENDORISMO E AS MISERIAS DO TRABALHO VIVO NO SECULO XX! servigos de “carona remuncrada’. A base técnica informacional torna-se fundamental para a nova légica de organizagio do trabalho vivo. Por meio dela constitui-se virtualmente o processo de trabalho da prestagio de servigo de wansporte privado nas metrépoles, ocultando-se os vinew- los de subalternidade estrutural da relasao salarial (vinculos de emprego) ¢, portanto, a relagéo social de exploragio e espoliagéo prépria da rela- sio-capital, © modelo Uber de organizagio do trabalho difunde a ideologia do autoempreendedorismo salarial, sendo cle a exptessio pés-maderna do movimento da propriedade privada, cuja “esséncia subjetiva’ (como ob- servou Karl Marx (2004)) € o trabalho estranhado. No modelo Uber de organizagio do trabalho existe um processo objetivo de coopenasio entre trabalhadores assalariados que prestam o servigo de transporte privado, administrades por wm aplicativo informacional. A forma tecnoldgica ¢ seu fetiche reforsam a ideologia-mor do novo capitalismo flexivel: 0 autoempreendedorismo © modelo Uber de organizagio do trabalho institui a relagéo so- cial de exploragio (ou extragio de mais-valia) mediada por um aparato tecnolégico informacional: 0 aplicativo e-hailing’ “E-hailing é 0 ato de se requisitar um téxi através de um dispositivo cletrdnico, geralmente um celular ou smartphone, Ele substitui métodos tradicionais para se chamar taxis, como ligagées telefonicas ou simplesmente esperar ou it & busca de um tdéxi na rua” (UBER..., c2017, p. 2). Eis como a ética empresarial apresenta as vantagens do aplicativo e-hailing em selagio 3s maneiras tradicionais de pedir por taxis: 7 “Fandada em 2009 por Garrett Camp e Tiavie Kalanick, a propost inital do Uber ea sr ‘um servigo semelhante a um ini de luxo,oferecendo carros como Mercedes $550 e Escalade ra cidade de Séo Franciseo (Calitérna). Qaplcarive foi Lncado em 2010 para Android ¢iPbo- ne. Ele foi um des pionenos no conceto de E-bailing. Erm 2010 e 2011, 0 Uber recebeu quase 50 milhses de dares em investimentos fetes por invesidores-anjoe venture capitals, em 2012 a empresa expandiu os ervigos para Londres e inicio testes de inclu a requsigio de ‘lnis convencionais através do apicativo em Chicago, No mesmo ane, patio a ofrec adreo por helicdpeero entre a cidade de Nova lorque¢ Hampton por 3000 délares. Em 2015 Uber reeebeu uma nova rodada de investimento, da qual a Microsoft fz pare, o que fez seu valor de mereado subir a USS 51 bilhées” (UBER... 2017, p. 1, grfo nosso) 85 Giovanni Alves Facilidade no pagamento: armazcnam-se informayées de cartio de crédito no aplicativo, nio necessitando de miqui- nas leitoras sem fio no taxis + Rapidez: enquanto empresas de véxi tradicionais néo possuem informagées precisas.eem tempo real dalocalizagio de scus funcionérios, 0 uso de aplicativos de e-hailing pelo taxista ou motorista permite que o aplicativo tenha infor mages de GPS em tempo real. Assim, chama-se automat camente 0 téxi mais proximo, reduzindo o tempo de espera; Gusto: 0 custos de se manter um aplicativo de e-hailing si0 muito menores que os de se manter uma empresa tradicional, de taxi, possbilitando grande redugio nos pregos cobrados, (UBER...., 2017, p. 2, grifo nosso). O e-hailing, produto da revolugio informacional em rede provo- cada pelo capitalismo flexivel na organizagio do trabalho da inditstria de taxi ¢ da prestagio de servigos de transporte privado, nao apenas propicia as vantagens acima salientadas (facilidade, rapides ¢ custo), mas também amplia o cireulo de consumo dos servigos de tansporte privado nas metrépoles e cidades médias, acirrando, ao mesmo tempo, a concorréncia entte os ttabalhadores da industria do transporte privado (por exemplo, taxistas versus motoristas do Uber) © modelo Uber de organizagio do trabalho de transporte privado ctia uma linha de produgdo de servigo que inclui trabalhadores recém- -desempregados que auferem renda salarial como motorista da Uber; ou trabalhadores empregados em situasio de precariedade salarial que utilizam o trabalho com a Uber como “bico”, isto é, complementam no “tempo livre’, a renda salarial precéria. A linha de produsio criada pelo aplicativo e-hailing tende a integrar numa rede de bicos (gig net), profs- sionais ¢ trabalhadores de formacio de grau superior, cujo acervo de qualificagio da sua forsa de trabalho foi esvaziado pelo movimento do capital. Portanto, a nova linha de produgio em rede do modelo Uber de organizasio do trabalho torna-se, assim, um receptaculo do precatiado afluente. Por exemplo, de acordo com pesquisa com motoristas da Uber no Rio de Janeiro (2016), pelo menos 50% dos motoristas da Uber possufam alta escolaridade (ensino superior completo ¢ incomplete, 86 MODELO UBER", AUTO-EMPREENDORISMO E AS MISERIAS DO TRABALHO VIVO NO SECULO XX! ¢ inclusive alguns pés-graduados) (LEME; RODRIGUES; CHAVES JUNIOR, 2017). 0 “modelo Uber” de organizasio do trabalho representa um modo de “Auider espiiria’ da superpopulagio telativa estagnada do capital, aquela que Marx (2013) caracterizou como sendo constituida por ocu- pages completamente irregulates, trabalhando pelo maximo de tempo de servigo ¢ minimo de saldtio. Na gig economy — a economia dos subem- pregos ~ existe fluides, mas uma fluides esparia onde os trabalhadores assalariados lutam contra a “parada do tempo” (o desemprego aberto) © modelo Uber contribui para a performance da redugio do desempre- go aberto por meio da proliferagéo do subemprego. Como insistem em dizer os motoristas do Uber, “é preciso pagar as contas” ‘Assim, pode-se dizer que existe uma mobilidade interna do mer- cado de trabalho secunditio, a flexibilidade numérica que sempre foi predominante no mercado de trabalho brasileiro (vide Grafico 1, deslo- camento BC). Existe uma rotatividade (ou fluidez) no interior da pré- pria nova precariedade salarial, isto é, um continuo se reinserie (ou per manecer) na situagio da nova precatiedade salarial (deslocamento BC). ‘Ao mesmo tempo, a linha de produgio de “prestagio de servigos” de transporte privado cresee com a incorporagio flexivel de novos mo- toristas. A vantagem do modelo Uber de organizagio do trabalho a fa- cilidade da entrada c saida de novos motoristas na cadeia de producio, tomando-se, assim, oportunidade de trabalho para a superpopulagio relativa Aquida, repelida durante a desacelerasio e recessio da economia capitalista, Com a retomada da economia, uma parcela de trabalhado- res que prestam servigo como motoristas pode retornar para suas oct pages como “exército ative” dos trabalhadores inscridos no mercado de trabalho primario (vide Gréfico 1, deslocamento BA). 87 Giovanni Alves Grifico 1 — Deslocamentos laborais do trabalho vivo +_meccado de cabatho primo mercado de trabalho secundrio Fonte: Elaborado pelo proprio autor Por exemplo, numa pesquisa realizada na cidade de Fortaleza" (com © apoio de Ana Celeste Casulo) constatou-se o seguinte: a) aumento da concorréncia entre 0s motoristas do Uber: de acorda com dados obtidos de um dos entrevistados, no comeso de 2015 havia cerca de 3.000 motoristas inscritos. Em setembro de {8A pesquisa sociologiea com motoristas do Uber foi realizada de 4 a 8 de setembro de 2017 em Fortaleza - CE, uma das maiores regibes metropolitanas do Pals. De acordo ‘como Instituto Brasileiro de Geografiae Esttistica (2017), a estimativa da populago na . Acesso em: 26 set. 2017. ALVES, Giovanni. Trabalho e subjetividade: 0 espirito do toyotismo na era do capitalismo manipulatério. S40 Paulo: Boitempo, 2011 ANTUNES, Ricardo; BRAGA, Ruy (Org). Infoproletérios: degradagio real do trabalho virtual. Séo Paulo: Boitempo, 2009. BIFO. La fabrica de la infelicidad: nuevas formas de trabajo y movimiento global. Madrid: ‘Trafcantes de Suenés, 2003. Nome eivil do autor: Franco Berardi. Disponivel em: . Acesso em: 6 nov. 2017. BLIKRE, Jared. Uber is just the tip of the iceberg: ‘The gig economy is lever- aging the human cloud, Yahoo! Finance, 2 maio 2016. Disponivel em: . Acesso em: 26 set. 2017. 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