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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

INSTITUTO DE HISTÓRIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA

DOUGLAS DA SILVA ARAUJO

HISTÓRIAS E MITOS DE UM “BRASIL PARALELO”:


Um aparelho de ação político-ideológica na “guerra cultural” da nova direita

NITERÓI
2023
2

DOUGLAS DA SILVA ARAUJO

HISTÓRIAS E MITOS DE UM “BRASIL PARALELO”:


UM APARELHO DE AÇÃO POLÍTICO-IDEOLÓGICA NA “GUERRA CULTURAL”
DA NOVA DIREITA

Dissertação apresentada ao Programa de


Pós-Graduação em História da Universidade
Federal Fluminense, como requisito parcial à
obtenção do grau de Mestre em História. Área
de concentração: História Social.

Orientadora:
Profª Drª Tatiana Silva Poggi de Figueiredo

Niterói, RJ
2023
Ficha catalográfica automática - SDC/BCG
Gerada com informações fornecidas pelo autor

A658h Araujo, Douglas da Silva


Histórias e mitos de um "Brasil Paralelo" : Um aparelho de
ação político-ideológica na "guerra cultural" da nova
direita / Douglas da Silva Araujo. - 2023.
332 f.: il.

Orientador: Tatiana Silva Poggi de Figueiredo.


Dissertação (mestrado)-Universidade Federal Fluminense,
Instituto de História, Niterói, 2023.

1. Brasil Paralelo. 2. Nova direita. 3. Bolsonarismo. 4.


Negacionismo. 5. Produção intelectual. I. Figueiredo,
Tatiana Silva Poggi de, orientadora. II. Universidade Federal
Fluminense. Instituto de História. III. Título.

CDD - XXX

Bibliotecário responsável: Debora do Nascimento - CRB7/6368


3

DOUGLAS DA SILVA ARAUJO

HISTÓRIAS E MITOS DE UM “BRASIL PARALELO”:


UM APARELHO DE AÇÃO POLÍTICO-IDEOLÓGICA NA “GUERRA CULTURAL”
DA NOVA DIREITA

Dissertação apresentada ao Programa de


Pós-Graduação em História da Universidade
Federal Fluminense, como requisito parcial à
obtenção do grau de Mestre em História. Área
de concentração: História Social.

Aprovada em 21 de junho de 2023.

BANCA EXAMINADORA

___________________________________________________________________________
Profª Drª Tatiana Silva Poggi de Figueiredo – UFF
Orientadora
___________________________________________________________________________
Profª Drª Juniele Rabêlo de Almeida – UFF
___________________________________________________________________________
Profº Dr. Gilberto Grassi Calil – Unioeste
___________________________________________________________________________
Profº Dr. Demian Bezerra de Melo – UFF

Niterói
2023
4

AGRADECIMENTOS

Agradeço primeiramente aos que me guiam e às forças dentro de mim que insistem em
r(existir) a cada dia. Escolher a trilha da educação e da pesquisa científica em tempos de
pandemia e de neofascismo negacionista não foi fácil. Sobrevivemos.
À Marcilene, Lara e Deijair, que me dedicam as bases de tudo. À Elzani e à Sérgio (in
memoriam), que desde bem pequeno já me cobriam de cuidado e carinho no caminho até a
pré-escola. À Dinizia, Ronei e Shirley, que sempre me abraçaram na descida da serra.
À família que construí e me acolheu nas minhas falhas e acertos, nos piores e nos
melhores momentos dessa quase década de jornada em terras de Araribóia. Ao meu irmão
João Victor, companheiro de longa data. Ao Rogério e Olavo, amigos do “Cururu” e de
Sossego. À Tabata e Tayrine, amigas que me fortaleceram no período mais difícil da
pós-graduação. Ao Bruno, Jordano, Caique, Victor, Júlio, Dialéstica, Juliano, Nicolly,
Rodrigo e a todos demais amigos, colegas e camaradas que, se chegaram até aqui, fazem jus a
tais qualitativos.
Agradeço à Tatiana, orientadora cuja argúcia me acompanha desde a graduação. À
Juniele, cuja paixão pela história e pela educação inspiram minha prática acadêmica e docente
desde os tempos de Brasil III. Aos professores Demian e Gilberto, pelo aceite em compor a
banca e pelas contribuições tão ricas ao trabalho. À CAPES, por tornar possível a execução
deste trabalho.
À todos os demais professores e trabalhadores da educação pública, do nível básico ao
superior, que possibilitaram o caminho para que hoje o filho da classe trabalhadora possa se
tornar mestre em História por um programa de qualidade ilibada como o da UFF.
5

O dom de despertar no passado as centelhas


da esperança é privilégio exclusivo do
historiador convencido de que também os
mortos não estarão em segurança se o inimigo
vencer. E esse inimigo não tem cessado de
vencer.
Walter Benjamin

Bem pobres são aqueles que têm necessidade


de mitos!
Albert Camus
6

RESUMO

Esta dissertação propõe-se a realizar um trabalho de análise investigativa sobre a atuação da


produtora de filmes e vídeos “Brasil Paralelo”, com foco sobre suas produções que abordam
temáticas da história e de política. Busca-se examinar como a empresa de educação e
entretenimento associada à grupos da nova direita e bolsonaristas mobiliza em seus materiais
determinados usos do passado e da história em torno de um projeto estratégico de disputa
ideológica no seio da internet e das mídias digitais, investigando como se caracteriza a
produtora e seus intelectuais, sua formação e sua trajetória na conjuntura, seus discursos, seus
principais projetos e como ela se articula na sociedade civil a partir de determinados
interesses políticos e sociais. Neste ínterim, se analisa a influência exercida pelo autor Olavo
de Carvalho na produtora, considerado mentor intelectual do projeto da Brasil Paralelo. De
modo concomitante, a pesquisa procura analisar os problemas teórico-metodológicos relativos
ao conteúdo presente em suas narrativas de cunho revisionista/negacionista ofertadas como
material educativo de história, e toda problemática que se coloca a partir daí no âmbito da
escrita, do ensino e da publicização da disciplina. Com base nestes elementos, a pesquisa
também apresenta um estudo de caso sobre como o discurso anticomunista é promovido nas
produções da Brasil Paralelo, representando um dispositivo ideológico fundamental que
transpassa a amplitude dos conteúdos da produtora por meio da difusão da teoria conspiratória
do “marxismo cultural”. A partir do arcabouço teórico gramsciano, procura-se identificar e
analisar as relações estabelecidas entre a empresa, os intelectuais orgânicos e as organizações
da nova direita, e o Estado – em sentido ampliado – na representação e na articulação de
interesses de grupos dominantes, atuando em prol da reprodução e da legitimação dos seus
valores e suas concepções de mundo na sociedade capitalista brasileira. Para tanto,
examina-se as bases ideológicas ultraliberais, conservadoras e anticomunistas da produtora,
bem como seus principais eixos de produção de consenso na conjuntura. Nestes termos, o
objeto se insere no quadro mais amplo do processo de atualização dos mecanismos de
dominação e das estratégias de hegemonia da burguesia no Brasil, onde novas formas
organizativas e aparelhos de ação político-ideológica emergem nas trincheiras de uma
derradeira “guerra cultural”.

Palavras-chave: Brasil Paralelo; nova direita; bolsonarismo; revisionismo; negacionismo.


7

ABSTRACT

This dissertation aims to undertake an investigative analysis of the activities of the film and
video production company 'Brasil Paralelo,' with a focus on its productions that address
themes of history and politics. The study seeks to examine how this education and
entertainment company, associated with new right and Bolsonarist groups, employs specific
uses of the past and history within a strategic project of ideological contestation in the realm
of the internet and digital media. It investigates the characteristics of the production company
and its intellectuals, their formation and trajectory within the current context, their discourses,
their major projects, and how they interact within civil society based on certain political and
social interests. In the interim, the influence exerted by author Olavo de Carvalho on the
production company is analyzed, as he is considered the intellectual mentor of the Brasil
Paralelo project. Concurrently, the research seeks to analyze the theoretical and
methodological issues related to the content found in their revisionist/negationist narratives
presented as educational historical materials. The study also addresses the challenges that
arise in terms of writing, education, and the dissemination of this content. Drawing from these
elements, the research presents a case study on how anti-communist discourse is promoted in
Brasil Paralelo's productions, representing a fundamental ideological device that extends
beyond the scope of the company's content through the propagation of the conspiracy theory
of 'cultural Marxism.' Using the Gramscian theoretical framework, the study identifies and
analyzes the relationships established between the company, its organic intellectuals, new
right organizations, and the State – broadly understood – in representing and articulating the
interests of dominant groups. These actors work towards the reproduction and legitimation of
their values and worldviews within Brazilian capitalist society. To achieve this, the study
examines the ultra-liberal, conservative, and anti-communist ideological foundations of the
production company, as well as its key methods for generating consensus in the current
context. In these terms, the subject fits within the broader framework of the ongoing update of
mechanisms of domination and strategies of bourgeois hegemony in Brazil. New
organizational forms and political-ideological apparatuses are emerging in the trenches of a
“culture war”.

Keywords: Brasil Paralelo; new right; bolsonarism; revisionism; denialism.


8

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO………………………………………………………………………..…….10

CAPÍTULO I – BRASIL CONCRETO: ESTADO, DIREITAS E HEGEMONIA…......29


1.1. Aparelhos privados de hegemonia e intelectuais orgânicos da “nova direita”: organismos
e agentes da burguesia no seio do Estado ampliado……………………………………….....30
1.2. “Direita/Esquerda”, “Nova Direita”, “Extrema Direita”: um debate conceitual (e
histórico)...................................................................................................................................47
1.3. Bases ideológicas e eixos de produção de consenso das
direitas………………………………………………..……………………………………….63
1.3.1. Liberalismo(s).................................................................................................................64
1.3.2. Conservadorismo………………………………………………………………………82
1.3.3. Anticomunismo e “marxismo cultural”..........................................................................98
1.3.4. (Neo)fascismo?..............................................................................................................111
1.4. Autocracia burguesa no Brasil contemporâneo: crise de hegemonia, avanço das direitas e
emergência do bolsonarismo………………………………………………………………...129

CAPÍTULO II – BRASIL PARALELO: UM APARELHO DE AÇÃO


POLÍTICO-IDEOLÓGICA DA NOVA DIREITA NAS REDES………….……………147
2.1. Formação, projetos e modus operandi………………………………………………….147
2.2. Brasil Paralelo Entretenimento e Educação S/A: um APH de formato
empresarial…………………………………………………………………………..………159
2.3. Intelectuais, relações com agentes da nova direita e o papel de Olavo de Carvalho na
produtora…………………………………………………………………………………….166
2.4. Brasil Paralelo e bolsonarismo………………………………………………………….199

CAPÍTULO III – BRASIL ANTICOMUNISTA: AÇÃO IDEOLÓGICA E GUERRA


DE NARRATIVAS ATRAVÉS DE HISTÓRIAS “PARALELAS”..................................210
3.1. Entre o revisionismo e o negacionismo: a miséria da história “paralela”........................210
3.2. Narrativas e (ab)usos da história nas produções da Brasil Paralelo…………………….222
3.3. Um espectro ronda a história: a promoção do anticomunismo nos conteúdos da Brasil
Paralelo………………………………………………………………………………………243
3.3.1. A título de encerramento: A Direita no Brasil Paralelo……………………………...265
9

CONSIDERAÇÕES FINAIS……………………………………………….……………..271

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS……………………………………………………292

FONTES…………………………………………………………………………………….305

ANEXOS……………………………………………………………………………………324
10

INTRODUÇÃO

Tem sido observado nos últimos anos um grande aumento na repercussão que certas
temáticas históricas vêm alcançando na internet e no debate público brasileiro. Uma demanda
sobre a história que se encontra diretamente associada à busca pela compreensão de
fenômenos políticos que eclodiram na conjuntura, carregando consigo referências
significativas a eventos do passado. No seio das disputas de memória e de narrativas sobre
esses eventos pelos grupos da sociedade civil fez-se evidente, contudo, um predomínio da
ação de atores da chamada nova direita, sobretudo por meio da produção e difusão de
conteúdos audiovisuais diversos nas mídias digitais. Isto vem ocorrendo de modo associado
ao crescimento de sua influência nas instituições, em canais da grande mídia nacional, nas
esferas de poder e em diversos espaços da vida cotidiana a partir da ofensiva de grupos
conservadores e da emergência do bolsonarismo.
No âmbito dessas batalhas pelo passado, se coloca em evidência a iniciativa da
produtora de entretenimento Brasil Paralelo (BP). Caso você também faça parte do grande
número de usuários assíduos da internet e das redes sociais, dificilmente terá navegado pelo
YouTube ou pelo Facebook nos últimos anos sem se deparar com algum anúncio da empresa,
que afirma ter como missão “resgatar bons valores, ideias e sentimentos no coração de todos
os brasileiros”1. A produtora vem desde 2016 produzindo "séries, documentários, filmes,
programas e cursos, que tratam de política, história, filosofia, economia, educação, arte e
atualidade", cuja orientação seria "a busca pela verdade histórica, ancorada na realidade dos
fatos"2. Contando com mais de 3 milhões de inscritos em seu canal e 250 milhões de
visualizações em seus vídeos, com boa parte de seu conteúdo voltado para temáticas da
história, a produtora vem investindo na disseminação junto ao público de posições, narrativas
e discursos condizentes aos valores e ideias ultraliberais, conservadoras e anticomunistas que
conformam o campo ideológico da aliança olavista-bolsonarista que esteve à frente do
governo federal nos últimos anos.
Passados pouco mais de seis anos desde a criação daquela pequena produtora de
vídeos por três jovens empresários de Porto Alegre, hoje a Brasil Paralelo é responsável pela
realização de produções milionárias que contam com investimento maciço em propaganda, e

1
Sobre Nós. Brasil Paralelo. Disponível em: <https://www.brasilparalelo.com.br/sobre>. Acesso em: 10 fev.
2022.
2
Ibidem.
11

que inclusive chegaram a ser veiculadas em salas de cinema e pela TV Escola, canal de
televisão que era financiado pelo Ministério da Educação3. No Facebook Brasil, desde 2020 a
empresa é recordista de gastos com propaganda política4. A empresa, que fechou o seu
primeiro ano com um rendimento de pouco mais de R$1 milhão, terminou 2022 com uma
receita de R$150 milhões, tendo um crescimento exponencial a partir do governo Bolsonaro e
do contexto de pandemia. O sucesso do projeto é creditado ao modelo de “autofinanciamento
independente”, no qual o público interessado no conteúdo investe no projeto se tornando
membro assinante da plataforma de conteúdos exclusivos da Brasil Paralelo.
Ao lado de outros canais, grupos e influencers do ecossistema da nova direita no país,
a Brasil Paralelo vem então investindo na promoção de uma série de conteúdos pretensamente
educativos de história e política nas redes, disponibilizados principalmente no YouTube,
contando com importantes recursos financeiros e digitais que tornam seu discurso atrativo.
Suas produções abordam temáticas que vão do Brasil colonial à nossa história republicana
recente, passando pela história medieval europeia até temas candentes da conjuntura política
brasileira e internacional a partir de uma série de formatos do audiovisual.
A problemática principal deste uso público e mercadológico da história se estabelece
com a observação de que as narrativas veiculadas indicam uma releitura do passado
informada por propósitos político-ideológicos apriorísticos, permeada de distorções históricas
e de ordem teórico-metodológicas, além de manipulações de dados e fontes documentais,
incorrendo em revisionismos negacionistas e em abusos dos significados dos processos e dos
eventos do passado. Tudo isso é vendido na forma de um produto de mídia educativa que
promete oferecer o acesso à “verdadeira história” negada aos brasileiros, apresentado na
forma de um discurso que procura descredibilizar a ciência, a pesquisa e a escrita acadêmica e
especializada da história, além do próprio ensino da disciplina nas escolas.
Agregando em seu entorno o clã Bolsonaro e o falecido “guru” da nova direita Olavo
de Carvalho, bem como figuras vinculadas à notáveis think tanks da causa ultraliberal no
Brasil, como o Instituto Liberal, o Instituto Von Mises Brasil e o Movimento Brasil Livre, a
Brasil Paralelo procura incidir no campo das chamadas “guerras culturais” através da

3
SALDAÑA, Paulo. TV ligada ao MEC vai exibir série sobre história com visão de direita. Folha de S. Paulo.
9 dez. 2019. Disponível em:
<https://www1.folha.uol.com.br/educacao/2019/12/tv-ligada-ao-mec-vai-exibir-serie-sobre-de-historia-com-visa
o-de-direita.shtml>. Acesso em: 10 mar. 2022.
4
MAZZA, Luigi. No Facebook, Brasil Paralelo é recordista de gastos com propaganda política. Piauí, 27 maio
2021. Disponível em:
<https://piaui.folha.uol.com.br/no-facebook-brasil-paralelo-e-recordista-de-gastos-com-propaganda-politica/>.
Acesso em: 10 mar. 2022.
12

promoção de uma perspectiva moralizante, ultraconservadora e anacrônica da história,


associada à defesa intransigente da moralidade cristã e do liberalismo econômico.
Até o momento, seu maior empreendimento nesta seara se tratou da produção da série
“Brasil: A Última Cruzada”, que narra o mito fundacional da nação a partir da exaltação da
herança cultural europeia, passando pela exaltação do Império brasileiro até o surgimento da
República, tomada como ponto de origem da decadência política, moral e social do país. Já o
documentário “1964: o Brasil entre armas e livros”, produção de maior sucesso da produtora
que já conta com mais de 10 milhões de visualizações no YouTube, trata de reavivar o
discurso dos militares e dos setores envolvidos no golpe, relativizando o caráter ditatorial do
regime, que teria se estabelecido em 1964 não através de um golpe civil-militar, mas de uma
“contrarrevolução” frente à iminência do estabelecimento de uma “ditadura comunista” no
país. Dentre outras polemizações com a história e com os historiadores que alcançaram
grande repercussão no debate público, as produções da Brasil Paralelo defendem ainda
proposições revisionistas como a de que o nazifascismo se trataria não de um fenômeno de
extrema direita, mas de esquerda, ou aproximando-o como "irmão gêmeo" do comunismo por
meio da tese do "totalitarismo". Outro grande foco de suas narrativas está na promoção da
teoria conspiratória de que um “marxismo cultural” exerceria hegemonia sobre a sociedade
brasileira.
A despeito das limitações teóricas e interpretativas dessas narrativas, deve-se admitir o
impacto que elas exercem sobre o grande público, demandando uma análise crítica dos seus
valores implícitos, seus interesses em jogo, os objetivos pretendidos, bem como do seu
público-alvo e em quais grupos localizam seus adversários no presente quando revisionam
ideologicamente um determinado tema histórico5. De acordo com Rocha e Prates, “discutir os
revisionismos e negacionismos, os seus temas, formas e as estratégias e performances dos
grupos que os elaboram é, portanto, importante para analisar os elementos éticos e as
implicações políticas do trabalho dos profissionais da história e de toda a sua escrita”6.
Aos historiadores e aos professores da disciplina não cabe, portanto, ignorar essas
narrativas de antemão devido à sua pouca legitimidade, mas analisá-las e discuti-las a partir

5
NAPOLITANO, Marcos; JUNQUEIRA, Mary Anne. Negacionismos e Revisionismos: o conhecimento
histórico sob ameaça. Síntese dos debates e posicionamentos surgidos no evento promovido pelo Departamento
de História da FFLCH / USP – Universidade de São Paulo. Disponível em:
<https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/5207773/mod_folder/content/0/NAPOLITANO%2C%20Marcos%3B
%20JUNQUEIRA%2C%20Mary%20Anne.%20Como%20historiadores%20e%20professores%20devem%20lid
ar%20com%20negacionismos%20e%20revisionismos..pdf?forcedownload=1>. Acesso em: 5 mai. 2022.
6
ROCHA, Igor; PRATES, Thiago. Revisionismos, negacionismos e usos políticos do passado: uma
apresentação. Cadernos de Pesquisa do CDHIS, Uberlândia, v. 34, n.1, jan./jun. 2021, p. 8.
13

do conteúdo apresentado e do uso público que se faz da história, ou seja, à luz debate
historiográfico, verificando seus equívocos e distorções tanto de ordem teórica e
metodológica, quanto aqueles relativos à interpretação dos conceitos, dos eventos e dos
processos históricos. Tal inquirição não pode estar desvinculada do exame dos significados e
dos sentidos políticos, ideológicos e sociais subjacentes que essa produção sobre a história
carrega no presente contexto. Tratam-se de narrativas que não se encontram mais restringidas
a certos grupos de intelectuais e militantes, ou em nichos restritos da internet. Elas aparecem
agora no ambiente de trabalho, nas conversas em família e entre amigos, em discursos
religiosos, sendo trazidas para a própria sala de aula, reproduzidas por estudantes e mesmo
por alguns docentes imprudentes, resultando em sérias implicações para o ensino e
aprendizagem da disciplina.
Convém então aos pesquisadores acadêmicos e a outros espaços de produção do
conhecimento histórico, como a própria escola, analisar, problematizar e elaborar formas de
combater esse uso revisionista e ideológico da história no meio digital, publicizando e
ampliando o debate crítico a partir dos variados recursos e canais disponíveis. Superar o
contexto de ataques e de desmonte da ciência e da educação que nos foi legado nos últimos
anos à golpes de barbárie social, passa antes pela necessidade de compreendermos a lógica
dos discursos e as estratégias político-ideológicas empreendidas por grupos negacionistas,
antiprogressistas e antidemocráticos nesse âmbito. De tal modo, poderemos elaborar
conjuntamente formas de reabilitação de ambas enquanto ferramentas efetivas de
compreensão e transformação da realidade social.
Que fique claro: não se trata aqui de ratificar narrativas que se utilizam do passado de
modo a desfigurar o método histórico e a condenar a própria pesquisa e o ensino da história
no mesmo nível do debate historiográfico qualificado. De outra parte, também não cabe vetar
de antemão a discussão acadêmica sobre tais narrativas sob pretexto de sua pouca qualificação
científica. Como nos alerta Pierre Vidal-Naquet, podemos e devemos discutir sobre os
revisionistas, mas nunca discutir com os revisionistas7. Assim, mais do que simplesmente
“desmentir”, pretende-se, antes, analisar que tipo de narrativa se produz aqui sobre o nosso
passado e como, a partir de determinados agentes e objetivos políticos e ideológicos, ela
funciona em nossa sociedade no tempo presente. Trata-se de uma produção sobre a história
ofertada socialmente na forma de um conteúdo informativo e educativo, que incide sobre a
consciência e o “senso comum histórico” de amplas parcelas da população, e enquanto tal,

7
VIDAL-NAQUET, Pierre. Os assassinos da memória. Um “Eichmann de papel” e outros ensaios sobre o
revisionismo. Campinas: Papirus, 1988, p. 11.
14

precisa ser analisada como objeto de estudo acadêmico. Podemos associar tal diligência à
noção de

“economia política da veracidade histórica”, proposta pela historiadora


Morris-Suzuki (2005), leitura que nos possibilita alocar as narrativas
“historiográfico-midiáticas” sob um outro patamar. De acordo com sua perspectiva,
devemos estar sempre atentos à multiplicidade de narrativas que configuram nossas
percepções e consciências sobre determinado passado no presente. Diferentes
narrativas possuem diferentes implicações e intencionalidades. Não devemos
tratá-las como iguais, mas a partir de seus variados formatos, linguagens, regimes de
verdade e responsabilidade. Problematizar, assim, a “cadeia de relacionamentos” que
se dá entre os processos de produção de sentido destas verdades, os agentes e
instituições que as produzem e os públicos que as consomem (Morris-Suzuki, 2005).
Podemos com isso partir da premissa de que estamos tratando de narrativas
“históricas” em um sentido amplo e multifacetado8.

Em vista do exposto, a presente pesquisa parte da investigação da seguinte ordem de


problemas colocados a partir da observação da difusão dessas narrativas históricas nas redes e
no espaço público brasileiro, tendo por objeto a produtora Brasil Paralelo: como a Brasil
Paralelo mobiliza em suas produções audiovisuais determinados usos do passado e da história
em torno de um projeto estratégico de disputa ideológica no seio das mídias digitais; o que
implica compreendermos como se caracteriza a produtora e seus agentes, e como eles se
articulam na sociedade civil a partir de determinados interesses políticos e sociais; e, por fim,
qual seria a abordagem interpretativa e os problemas teórico-metodológicos relativos ao
conteúdo presente nessas narrativas de cunho revisionista e negacionista ofertadas como
material educativo de história, e toda problemática levantada a partir daí no âmbito da escrita,
do ensino e da publicização da história.
Nossa hipótese geral de pesquisa é de que a produtora Brasil Paralelo se configura
enquanto um aparelho privado de hegemonia da nova direita no país, atuando na esfera do
consenso político-ideológico à serviço dos interesses de grupos dominantes e de setores
burgueses, reproduzindo e legitimando seus valores, ideias e concepções de mundo através
dos seus intelectuais orgânicos. Assim, caberá identificar e analisar as relações estabelecidas
entre a produtora, seus intelectuais, as organizações da nova direita, e o Estado – em seu
sentido ampliado – na representação e na articulação de determinados interesses sociais e de
classe na conjuntura.
Neste seguimento, trabalha-se a hipótese de que as produções audiovisuais da Brasil
Paralelo na internet e nas mídias digitais conformariam um projeto estratégico de disputa

8
BONSANTO, André. Narrativas “historiográfico-midiáticas” na era da pós-verdade: Brasil Paralelo e o
revisionismo histórico para além das fake news. Liinc em Revista, Rio de Janeiro, v. 17, n. 1, maio 2021, p. 9.
15

ideológica do campo olavista, fornecendo-lhes embasamento intelectual para a sua atuação


política e social. A comprovação dessa hipótese demanda, antes, o exame das bases
ideológicas que conformam o pensamento professado pela Brasil Paralelo e pela nova direita,
e de seus principais eixos de produção de consenso na conjuntura. Os elementos que acusam
suas posições e seus objetivos ideológicos são encontrados tanto no discurso presente nas
produções da Brasil Paralelo quanto no pensamento advogado publicamente por seus
sócio-fundadores e intelectuais associados.
A pesquisa pretende ainda analisar os sentidos e expor à crítica teórico-metodológica e
historiográfica os conteúdos de história promovidos pela Brasil Paralelo através de suas
produções audiovisuais e textuais, evidenciando os valores e os objetivos políticos e
ideológicos que carregam. Para tanto, busca-se corroborar que os usos do passado e da
história pela produtora apresentam uma série de distorções históricas e teóricas, além de
omissões e manipulação de dados e fontes documentais, incorrendo numa série de
revisionismos e negacionismos sem qualquer compromisso com o método histórico a fim de
fazer valer a sua “versão” dos fatos. Nessa diligência, caberá verificar se a abordagem da
história nessas narrativas através de um viés moralista e ultraconservador embasado na
cosmovisão cristã e na racionalidade ultraliberal não acaba por ocultar a agência de
determinados processos, dinâmicas e atores enquanto privilegia a perspectiva de grupos
dominantes e de figuras específicas no poder.
Uma última hipótese trabalhada seria a de que o discurso anticomunista promovido
pela Brasil Paralelo aparece enquanto recurso ideológico estratégico disseminado na extensão
dos conteúdos da produtora, não apenas naqueles de história, fornecendo um polo de atração
para diferentes setores das direitas na conjuntura a partir de uma multiplicidade de temáticas e
assuntos.
Nesses termos, a pesquisa se volta especialmente para o uso das novas tecnologias e
das mídias digitais como campos de disputa de hegemonia, um espaço onde novos canais são
promovidos para a difusão de visões de mundo e ideologias específicas, mobilização de massa
e organização de movimentos, além de fornecer uma plataforma de angariamento de recursos
financeiros para projetos de determinados grupos sociais.
O conjunto das fontes primárias, que aloca as produções audiovisuais e textuais da
Brasil Paralelo, foram selecionadas a partir de três plataformas principais: o canal da BP no
Youtube9, de onde foram selecionadas suas principais produções a partir do filtro de
conteúdos mais acessados, junto da localização de conteúdos temáticos filtrados pela busca
9
Brasil Paralelo. Disponível em: <https://www.youtube.com/@brasilparalelo>. Acesso em: 6 jun. 2023.
16

por palavras-chave como “comunismo”, “socialismo”, “marxismo”, “esquerda”, “ditadura”,


“nazismo” e “fascismo”; o site oficial da BP10, de onde foram extraídos dados e notícias a
respeito da produtora e seus projetos além de artigos com conteúdos de história, política e
filosofia; e a plataforma exclusiva para assinantes da BP11, que dá acesso ao streaming “BP
Select” com produções originais exclusivas e aos cursos do “Núcleo de Formação”. Já o
conjunto de fontes secundárias é composto por uma relação de artigos, vídeos, entrevistas e
fontes jornalísticas sobre a Brasil Paralelo e suas produções localizados em diversos sites na
internet.
Alguns pressupostos teórico-metodológicos e epistemológicos que compreendem
nossa pesquisa precisam ser colocados de antemão na medida em que informam a concepção
geral da história e do método histórico aqui adotados, tanto no que concerne à investigação e a
análise dos processos sociais concretos, quanto no que diz respeito ao uso desse método como
instrumento de crítica aos usos da história pela Brasil Paralelo.
Tomando a dialética histórico-materialista enquanto fundamentação
teórico-metodológica da pesquisa, parte-se da compreensão da história como um processo de
conflito entre forças contraditórias que se encontram em recíproca transformação, sendo
resultado tanto da ação de sujeitos históricos, quanto de tendências estruturais, sociais,
econômicas e culturais estabelecidas12. É o homem que faz a sua história, mas sempre a faz a
partir das condições históricas e sociais que lhe são herdadas13. Assim, as estruturas não são
tomadas aqui “[...] como uma coisa, mas como resultado do processo histórico, fruto da ação
humana, em sua dimensão permanente e ocasional”14.
Na perspectiva marxista adotada, a ideologia, a política, a cultura não correspondem a
simples reflexos imediatos da infraestrutura econômica da sociedade, se encontrando, antes,
numa relação de interdependência e gozando de relativa autonomia. De tal forma, a realidade
social aparece determinada não só pela esfera da produção material, como expressa múltiplas
relações de poder, instituições políticas e jurídicas, além de dimensões variadas como a
cultura, as formas de consciência, a linguagem e as ideias, que apesar de conexas, apresentam
ritmos e temporalidades particulares.

10
Brasil Paralelo. Disponível em: <https://www.brasilparalelo.com.br/>. Acesso em: 6 de jun. 2023.
11
Plataforma Brasil Paralelo. Disponível em: <https://plataforma.brasilparalelo.com.br/>. Acesso em: 6 jun.
2023.
12
SALLES, Ricardo. Gramsci para historiadores. História da historiografia, Ouro Preto, n. 10., dez., 2012, p.
219.
13
MARX, Karl. O 18 de Brumário de Luís Bonaparte. São Paulo: Boitempo, 2011, p. 25.
14
SALLES, op. cit., p. 224.
17

Nestes termos, a nossa pesquisa se orienta principalmente para o âmbito da produção e


reprodução social das ideias, abarcando as dimensões histórica e material aí imbricadas. Na
medida em que as ideias não possuem existência independente, estas precisam ser analisadas
de modo associado às suas condições e funções materiais, seus agentes, bem como às relações
sociais em que se encontram imbricadas. É neste sentido que a investigação das ideias e das
narrativas promovidas pela Brasil Paralelo e pela nova direita se associa necessariamente à
análise do contexto histórico e político – da situação histórica concreta da relação de forças –
que vem suscitando o funcionamento e a organização desses aparelhos privados de hegemonia
e suas estratégias de ação político-ideológica na sociedade civil brasileira.
Na pretensão de reafirmar a objetividade do conhecimento produzido pelos
historiadores em sua crítica cabal do estruturalismo, E.P. Thompson compreende que o
objetivo de tal conhecimento seria "reconstituir, ‘explicar’, e ‘compreender’ seu objeto: a
história real"15. Na investigação da história como processo estariam implicadas "noções de
causação, de contradição, de mediação e da organização (por vezes estruturação) sistemática
da vida social, política, econômica e intelectual"16. De acordo com o autor:

A explicação histórica não pode tratar de absolutos e não pode apresentar causas
suficientes [...] A explicação histórica não revela como a história deveria ter se
processado, mas porque se processou dessa maneira, e não de outra; que o processo
não é arbitrário, mas tem sua própria regularidade e racionalidade; que certos tipos
de acontecimentos (políticos, econômicos, culturais) relacionaram-se, não de
qualquer maneira que nos fosse agradável, mas de maneiras particulares e dentro de
determinados campos de possibilidades; que certas formações sociais não obedecem
a uma "lei", nem são os "efeitos" de um teorema estrutural estático, mas se
caracterizam por determinadas relações e por uma lógica particular de processo17.

E por "processo" histórico, temos em mente o que o historiador britânico associa à


ideia de "causação", a inter-relação de fenômenos advindos de esferas distintas do real, como
economia e ideologia18. Mas esses processos são oriundos das próprias relações e práticas dos
agentes sociais que, na medida em que resultam em transformações e são ordenados e
estruturados como objeto de investigação racional, são tomados enquanto processo histórico19.
E na investigação histórica, as evidências indicam as causas necessárias para determinado
fenômeno ou processo, mas nunca causas suficientes, pois a lógica ou as pressões do processo
social são continuamente atravessadas pelas contingências20.
15
THOMPSON, E. P. A miséria da teoria ou um planetário de erros: uma crítica ao pensamento de Althusser.
Rio de Janeiro: Zahar, 1981, p. 57.
16
Ibidem, p. 53.
17
Ibidem, p. 61.
18
Ibidem, p. 28.
19
Ibidem, p. 50-51.
20
Ibidem, p. 48.
18

Os parâmetros interpretativos da história não são dados a priori por um método


exterior, quer seja o materialismo histórico, como se fosse uma instância externa de
autoconfirmação, verificadora da adequação da teoria à realidade analisada. A teoria é
convalidada dentro do próprio campo da história, conforme a prática do conhecimento
histórico. A prática metodológica informa-se na teoria, e vice-versa. Ambas são dependentes,
por sua vez, do engajamento empírico de suas preposições, do "compromisso com as
propriedades determinadas da evidência"21. É a evidência o "tribunal de recursos" da
disciplina, e não um corpo conceitual informado de antemão por uma teoria. Cabe ao
historiador organizar teoricamente a evidência por meio do método22.
As proposições analíticas que envolvem a "lógica histórica" – método lógico de
investigação adequado a materiais históricos – precisam ser repensadas e reformuladas a cada
novo contexto particular, conforme se processa os fenômenos – que estão sempre em
movimento e que evidenciam pressões contraditórias – e a experiência concreta dos sujeitos,
pois "assim como o objeto de investigação se modifica, também se modificam as questões
adequadas"23. Essa lógica de investigação histórica envolve o teste das hipóteses ante as
evidências quanto às estruturas, causações, etc24.
Thompson ressalta que tal lógica não se revela de modo automático: “os fatos estão
ali, inscritos no registro histórico, com determinadas propriedades, mas isso não implica, de
certo, uma noção de que esses fatos revelam seus significados e relações (conhecimento
histórico) por si mesmos, e independentemente dos procedimentos teóricos”25. A dialética do
conhecimento histórico decorre então da inter-relação entre uma tese, os conceitos e hipóteses
sucessivas colocadas pelo historiador, e suas antíteses, que derivam da determinação objetiva
não-teórica da evidência, observada pela pesquisa empírica26. Mas é a evidência, enquanto
testemunha de um processo histórico real, que deve orientar o teste das hipóteses e a prática
historiográfica, pois é ela que imprime determinações sobre o conhecimento das propriedades
do objeto e, portanto, sobre a teoria e o método da história.
Nessa diretriz, enquanto portadoras empíricas de fatos evidenciais, são as fontes que
devem orientar o ato teórico, não o contrário. Não os "fatos" isolados, mas, de acordo com
Thompson, a "evidência de comportamento" ocorrendo no tempo, inclusive comportamento

21
BEZERRA, Holien Gonçalves. E. P. Thompson e a teoria na história. Proj. História, São Paulo, 12, out. 1995.
p. 124.
22
Ibidem.
23
THOMPSON, op. cit., p. 48.
24
Ibidem, p. 48-49.
25
Ibidem, p. 37.
26
Ibidem, p. 54.
19

mental, cultural – âmbito em que se localiza prioritariamente nosso objeto de análise – é que
se trata da matéria-prima do trabalho intelectual do historiador27. Em nosso caso, as
evidências que balizam nossa investigação são perscrutadas nas fontes textuais e audiovisuais
que informam não só o modus operandi da Brasil Paralelo na conjuntura, como carregam sua
própria construção discursiva sobre temáticas históricas e políticas.
Na medida em que as categorias e os conceitos manejados no teste das hipóteses sejam
endossados pelas evidências, mostrando-se, assim, serem operacionais, podemos dizer que
elas existem "lá fora", na história real; que se tratam de uma "representação adequada de uma
propriedade real" dos acontecimentos28. De acordo com Thompson, ao apresentar os
resultados obtidos pela sua pesquisa, o historiador formula

juízos de valor quanto a processos passados, seja de maneira clara e incisiva, seja na
forma de ironias e apartes. Isto é adequado, em parte porque o historiador examina
vidas e escolhas individuais, e não apenas acontecimentos históricos (processos). E
embora possamos não fazer atribuições de valor aos processos, as mesmas objeções
não surgem com a mesma força quando examinamos as opções dos indivíduos, cujos
atos e intenções podem certamente ser julgados (como foram julgados pelos seus
contemporâneos) dentro do devido e relevante contexto histórico29.

Se o momento da reconstituição do processo, que compreende a demonstração de


como a causação se efetuou no processo histórico real, demanda um certo controle dos nossos
próprios valores, uma vez "reconstituída essa história, temos liberdade de oferecer nosso
julgamento a propósito dela. Esse julgamento deve estar ele mesmo sob controles
históricos"30.
A lógica histórica encerra procedimentos teóricos e metodológicos próprios, mas ao
mesmo tempo encontra terreno comum com o materialismo histórico devido a todo um corpo
de conceitos e categorias caracterizados pela sua historicidade. Admitidas essas categorias,
dotadas no geral de grande generalidade e elasticidade, elas não devem ser tomadas enquanto
regras absolutas, mas como "indicadores de expectativa" que nos auxiliam na inquirição das
evidências. Suas generalidades devem ser especificadas na relação dialética mantida com as
evidências31. De acordo com Thompson, “o materialismo histórico não difere de outras
ordenações interpretativas das evidências históricas (ou não difere necessariamente) por
quaisquer premissas epistemológicas, mas por suas categorias, suas hipóteses características e

27
Ibidem, p. 49.
28
Ibidem, p. 54.
29
Ibidem, p. 52.
30
Ibidem.
31
BEZERRA, op. cit., p. 124-125.
20

procedimentos consequentes [...]”32. Se os conceitos marxistas manuseados em determinada


prática histórica forem "considerados como mais ‘verdadeiros’, ou mais adequados à
explicação do que outros, isto ocorrerá porque suportam melhor o teste da lógica histórica e
não porque sejam "derivados de" uma Teoria verdadeira fora dessa disciplina"33.
Destarte, fora da concepção mecanicista do materialismo histórico, uma categoria de
análise como “classe social” não se reduz "a uma categoria estática, ou a um efeito de uma
estrutura ulterior, das quais os homens não são os autores mas os vetores"34, mas
correspondem a formações históricas autodefinidoras que derivam da experiência concreta
dos homens e mulheres. Nesses termos, o que outorga objetividade analítica a tais categorias é
a sua verificação no processo histórico:

Aquelas proposições do materialismo histórico que influem sobre a relação entre ser
social e consciência social, sobre as relações de produção e suas determinações,
sobre modos de exploração, luta de classes, ideologia, ou sobre formações
capitalistas sociais e econômicas, são (num pólo de seu "diálogo") derivadas da
observação do suceder histórico no tempo. Não se trata da observação de fatos
isolados em série, mas de conjuntos de fatos com suas regularidades próprias; da
repetição de certos tipos de acontecimento; da congruência de certos tipos de
comportamento em diferentes contextos - em suma, das evidências de formações
sociais sistemáticas e de uma lógica comum do processo35.

Em seguida, Thompson arremata sobre a relação entre o método histórico e o


materialismo histórico:

As categorias adequadas à investigação da história são categorias históricas. O


materialismo histórico distingue-se de outros sistemas interpretativos pela sua
obstinação teimosa (teimosia que foi por vezes doutrinária) em elaborar essas
categorias, e em articulá-las numa totalidade conceptual. Essa totalidade não é uma
"verdade" teórica acabada (ou Teoria); mas também não é um "modelo" fictício, é
um conhecimento em desenvolvimento, muito embora provisório e aproximado,
com muitos silêncios e impurezas. O desenvolvimento desse conhecimento se dá
tanto na teoria quanto na prática: surge de um diálogo e seu discurso de
demonstração é conduzido nos termos da lógica histórica. As operações efetivas
dessa lógica não são visíveis, passo a passo, em cada página do trabalho de um
historiador. Se o fossem, os livros de história esgotariam qualquer paciência. Mas
essa lógica deveria estar implícita em cada confronto empírico, e explícita na
maneira pela qual o historiador se posiciona ante as evidências e nas perguntas
propostas36.

Explicitada a lógica do método histórico que fundamenta as bases da pesquisa, outras


questões de ordem historiográfica já podem ser colocadas. Ao operarmos o recorte do objeto
sobre a produtora Brasil Paralelo, balizando-o do seu contexto de surgimento em 2016 até o
32
THOMPSON, op. cit., p. 54–55.
33
Ibidem, p. 55.
34
Ibidem, p. 57.
35
Ibidem, p. 58.
36
Ibidem, p. 61-62.
21

período mais recente em que se escreve a própria pesquisa, acabamos por inseri-lo não só no
âmbito de uma “História do Tempo Presente” ou da “História Próxima”, mas no campo da
chamada “História Imediata”. Diferente da História do Tempo Presente com seu estatuto já
consolidado na historiografia – ainda que seus critérios de definição variem entre toda aquela
história que abarca o período pós-1945, ou que seja marcada “pela presença do historiador em
seu tema”, ou ainda, pela indicação arbitrária de um marco cronológico –, a História Imediata
ainda se trata de um campo historiográfico incipiente37.
Apesar de no geral compartilharem o olhar sobre os mesmos objetos, a História
Imediata não se confunde à escrita jornalística na medida em que não encerra os fatos em si
mesmos, mas propõe analisar e reinserir os eventos sociais em curso no seu devido contexto e
no seio do processo histórico mais amplo, levando em conta suas múltiplas temporalidades aí
inscritas38. De tal forma, se oferece uma contraposição à história midiática, tornando
“compreensível o emaranhado de informações que é despejado pela mídia, conferindo
racionalidade histórica ao imprevisível e desnaturalizando o naturalizado”39.
Entrementes, o historiador Gilberto Calil observa que ao tratar de processos em curso
onde não se conhece ainda o seu desfecho, alguns cuidados metodológicos se colocam ao
historiador: “Torna necessário que se produza uma interpretação em aberto, que trabalhe com
cenários possíveis, sempre correndo conscientemente o risco de ser rapidamente superada
pelos eventos que se sucedam”40. Assim, toda análise em História Imediata é parcial,
aproximativa e transitória – como ocorre em outros campos. Uma história em aberto num
processo passível de transformação, visto que seus elementos são características tendenciais e
não resultados acabados41.
Deve-se ainda não se perder de vista a reflexão metodológica sobre o caráter das
fontes históricas mobilizadas pelos historiadores do imediato, que em geral são provenientes
do meio digital e circulam num fluxo hiper acelerado de informações que demanda
mecanismos de seleção daqueles fatos e eventos que são de fato relevantes42. Le Goff indica
ao menos quatro atitudes indispensáveis ao historiador que pratica essa modalidade da
história:

37
CALIL, Gilberto. História imediata e marxismo. SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA DA ANPUH, 23,
2005, Londrina. Anais…São Paulo: Associação Nacional de História, 2005, p. 1.
38
Ibidem p. 2-3.
39
Ibidem, p. 4.
40
Ibidem, p. 2.
41
Ibidem, p. 6.
42
Ibidem, p. 5.
22

1. ler o presente, o acontecimento, com uma profundidade histórica suficiente e


pertinente; 2. manifestar quanto a suas fontes o espírito crítico de todos os
historiadores segundo os métodos adaptados a suas fontes; 3. não se contentar em
descrever e contar, mas esforças-se para explicar; 4. tentar hierarquizar os fatos,
distinguir o incidente do fato significativo e importante, fazer do acontecimento
aquilo que permitirá aos historiadores do passado reconhecê-lo como outro, mas
também integrá-lo numa longa duração e numa problemática na qual todos os
historiadores de ontem e de hoje, de outrora e do imediato, se reúnam43.

As objeções à História Imediata em razão dos riscos de análise decorrentes da


“inconclusão” dos acontecimentos abarcados não se sustentam na medida em que o
distanciamento temporal não garante de modo automático uma análise histórica objetiva. A
objetividade resulta, antes, dos procedimentos metodológicos adotados, através dos quais
deve se buscar maior isenção possível. Também seria pouco sensato, bem como politicamente
irresponsável, se esperar certa distância temporal para que determinados acontecimentos se
transformem em matéria da história44. O caráter do nosso próprio objeto atesta esse ponto, na
medida em que seu desenvolvimento no curso do tempo só faz agravar suas implicações
sociais e sobre a própria disciplina da história.
Em relação à acusação de que a contemporaneidade do historiador com o objeto
comprometeria sua “neutralidade” frente a pesquisa, Enrique Padrós discorre:

Neutralidade é uma coisa, isenção é outra. O historiador não precisa ser neutro (até
porque isto já manifesta uma tomada de posição). Ele deve ser, rigorosamente,
isento; assumir posições não desqualifica seu trabalho nem sua reflexão, muito
menos falseia resultados. Enquanto ser político, o historiador, deixando de lado todo
e qualquer dogmatismo, tem todo o direito de posicionar-se; mais, deve publicitar os
valores que norteiam sua linha de pensamento sem afastar-se do rigor científico
necessário para atingir seu objetivo maior, que é o elucidamento da verdade que
perpassa seu objeto de pesquisa e de reflexão45.

A própria opção pela pesquisa em História Imediata significaria, de acordo com Calil,
uma tomada de posição que busca refletir e problematizar o processo histórico em curso, na
medida em que se procura desnaturalizar as opções políticas e sociais hegemônicas e os
mecanismos de exploração e de exclusão que se mantêm no tempo46.
No que concerne às fontes utilizadas, o trabalho se inscreve ainda no âmbito das
pesquisas que conformam o campo da chamada História Digital, que pode ser caracterizada
como

43
LE GOFF, 1999 apud CALIL, op. cit., p. 6.
44
Ibidem.
45
PADRÓS, 1999 apud CALIL, op. cit, p. 5-6.
46
CALIL, op. cit., p. 4.
23

todo o complexo universo de produções e trocas sociais tendo por objeto o


conhecimento histórico, transferido e/ou diretamente gerado e experimentado em
ambientação digital (pesquisa, organização, relações, difusão, uso público e privado,
fontes, livros, didática, desempenho e assim por diante)47.

O uso de fontes digitais na pesquisa implica numa série de questões metodológicas.


De princípio, o caráter efêmero e volátil dos conteúdos localizados na internet demanda um
trabalho de preservação e arquivamento da informação e dos dados que, sem a intervenção do
pesquisador, correriam o risco de serem perdidos em caráter definitivo. Esse apontamento
revela-se ainda mais fecundo quando estamos tratando de documentos digitais exclusivos, ou
seja, aqueles documentos que não possuem outro suporte além do formato digital48. Tal
necessidade se expressou no trabalho de pesquisa na medida em que diversos conteúdos da
Brasil Paralelo, antes disponibilizados livremente nos canais da produtora, passaram a ser
material exclusivo para assinantes ou foram mesmo excluídos das plataformas.
Outro ponto importante é que a maior facilidade de acesso aos dados de pesquisa e a
abundância de fontes disponíveis no universo digital demandam um rigor metodológico ainda
maior em relação à seleção e à verificação da autenticidade e procedência das fontes. Nesses
termos, o inter-relacionamento da documentação e o cruzamento de dados se mostram
essenciais no processo de pesquisa, bem como selecionar no universo maior de dados de
análise quantitativa as fontes mais relevantes para uma análise qualitativa49.
Para Giliard Prado, contudo, mais do que desafios teórico-metodológicos colocados
pelo caráter digital das fontes históricas utilizadas, a história digital deve ser

definida primordialmente em função do caráter digital daquilo que constitui por


excelência o objeto de estudo da História, ou seja, as experiências humanas no
tempo. Portanto, mais do que os suportes nos quais estão registradas, são as próprias
experiências humanas digitais – sociais, políticas, culturais, econômicas, científicas
etc. – que devem ser definidoras desse campo de estudos50.

Assim, mais do que procurar estabelecer um método único, importa mais “[...] adequar
os métodos e técnicas de análise aos objetivos de cada pesquisa histórica e às especificidades
de seu corpus documental”51. Os desafios colocados pelo digital estariam relacionados à três
características que, ainda que não tenham surgido com a internet, foram em muito
47
MONINA, 2013 apud NOIRET. Serge. História Pública Digital. Liinc em Revista, Rio de Janeiro, v.11, n.1,
maio 2015, p. 33.
48
ALMEIDA, Fábio Chang de. O historiador e as fontes digitais: uma visão acerca da internet como fonte
primária para pesquisas históricas. Aedos, Porto Alegre, n. 8, v.3, jan./jun. 2011, p. 16-19.
49
Ibidem, p. 20-24.
50
PRADO, Giliard da Silva. Por uma história digital: o ofício de historiador na era da internet. Tempo e
Argumento, Florianópolis, v. 13, n. 34,, set./dez. 2021, p. 6.
51
Ibidem, p. 13.
24

potencializadas e adquiriram dinâmicas próprias nesse ambiente: a hipertextualidade, que


“modifica as práticas de escrita e de leitura e estabelece novas formas de construção de
sentidos ao romper com uma longa tradição de narrativas lineares tão comuns em outros tipos
de fontes históricas”; a interatividade, que foi potencializada com o advento da web 2.0,
possibilitando aos usuários uma relação mais ativa com as informações e formas específicas
de navegar pelo conteúdo; e a multimidialidade, um dos fatores que expressa a necessidade de
procedimentos metodológicos e técnicas de análise próprios às fontes digitais, baseada em
diálogos interdisciplinares52. O autor ainda destaca que “apesar de imporem limitações quanto
ao uso do método da crítica histórica de documentos, as características das fontes da web não
representam uma ameaça aos fundamentos epistemológicos da disciplina histórica e à
validade de seu método”53.
No escopo dessas discussões, o objeto investigado aparece então como fruto de um
contexto tecnológico e informacional relacionado à difusão das mídias digitais que resultou na
quebra da autoridade do historiador acadêmico, onde o conhecimento histórico passou a ser
dissolvido em inúmeras formas de produção, circulação e demandas de consumo por parte de
diversos públicos54. No meio digital, “[...] há uma profusão de informações sobre temas
históricos e de relatos sobre o passado sendo difundidos pelos mais diversos usuários da
internet: governos, instituições, empresas, comunidades e indivíduos”55.
Não se pode pensar o empreendimento de sucesso que significa a Brasil Paralelo sem
considerar, portanto, o peso que a internet e as mídias digitais passaram a exercer na
(re)configuração do acesso à informação e nos meios de comunicação no país – e no mundo.
Não só o comportamento cultural dos brasileiros se modificou nos anos recentes, mas também
seu comportamento político passou a ser modulado por essas novas mídias e suas dinâmicas
de compartilhamento, produção e consumo de informações que passavam a se refletir nas
manifestações de rua – a convocação para as “Jornadas de Junho” em 2013 por meio das
redes sociais foi a primeira grande expressão desse fato –, nos espaços educacionais e na
própria política institucional.
A despeito das condições ainda muito desiguais no acesso às novas tecnologias de
informação e comunicação (TICs), com 71% da população com mais de 16 anos tendo apenas
acesso parcial à internet e 20% estando “desconectada” – grupos formados sobretudo por

52
Ibidem, p. 14.
53
Ibidem, p. 10.
54
MALERBA, Jurandir. Os historiadores e seus públicos: desafios ao conhecimento histórico na era digital.
Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 37, n. 74, 2017, p. 142-143.
55
PRADO, op. cit., p. 19.
25

pessoas negras, menos escolarizadas e advindas das classes mais baixas56 –, o Brasil é o
segundo país do mundo a passar mais tempo na internet57 e o terceiro em uso de redes
sociais58. Dentre esses usuários, destacam-se aqueles de faixa etária entre 16 e 24 anos e
residentes da região sudeste; e entre as redes mais acessadas, estão respectivamente o
YouTube, o Whatsapp e o Facebook59.
Essa popularização do uso da internet tampouco pode ser confundido com uma
democratização da informação e da comunicação logo que se considera a lógica algorítmica
que modula as redes sociais – monopolizadas por megacorporações do mercado de tecnologia
conhecidas como big techs –, atuando como meio e como filtro de conteúdo para a
experiência dos usuários no espaço digital. Uma lógica que atua no sentido de modelar
comportamentos nas redes a partir de um sistema que mapeia e explora as emoções dos
usuários60. É nesse ambiente que os grupos da nova direita encontraram um importante lócus
para a sua articulação e crescimento nas redes.
Não se trata apenas de um circuito de comunicação e informações, mas de um espaço
de construção de sentidos que conforma a realidade simbólica dos sujeitos, e que, no contexto
da lógica algorítmica e da pós-verdade, acaba por reafirmar as visões de mundo e a “verdade
pessoal” dos indivíduos. Assim, o advento da “Era Digital” não se traduziu em
democratização do conhecimento. Antes, favoreceu relativismos diversos e a desinformação,
sobretudo através da crescente difusão de informações e notícias falsas. No lugar da busca por
evidências empíricas e deduções embasadas no pensamento lógico e racional, utiliza-se a
internet como fonte para seleção de dados e materiais que possam fortalecer e legitimar
opiniões e teorias condizentes às perspectivas individuais dos sujeitos. Com isso, a
sociabilidade por meio da internet e das novas mídias digitais passa a ocorrer principalmente
através do reforçamento de “bolhas sociais”, rompendo a noção de realidade compartilhada61.
56
MAIS de 33 milhões de brasileiros não têm acesso à internet, diz pesquisa. G1, 21 mar. 2022. Disponível
em:<https://g1.globo.com/tecnologia/noticia/2022/03/21/mais-de-33-milhoes-de-brasileiros-nao-tem-acesso-a-in
ternet-diz-pesquisa.ghtml>. Acesso em: 7 mai. 2022.
57
SILVA, Rafael Rodrigues. Canaltech, 1 fev. 2019. Disponível em:
<https://canaltech.com.br/internet/brasil-e-o-segundo-pais-do-mundo-a-passar-mais-tempo-na-internet-131925/>
. Acesso em: 7 mai. 2022.
58
BRASIL é o terceiro país do mundo que mais usa rede sociais, diz pesquisa. Estado de Minas, Belo Horizonte,
28 nov. 2021. Disponível em:
<https://www.em.com.br/app/noticia/tecnologia/2021/09/28/interna_tecnologia,1309670/brasil-e-o-terceiro-pais-
do-mundo-que-mais-usa-rede-sociais-diz-pesquisa.shtml>. Acesso em: 7 maio 2022.
59
Ibidem.
60
MACHADO, 2020 apud FIRMINO, Karine Rodrigues. Brasil Paralelo: um empreendimento de disputa
política e simbólica da(s) direita(s) recente(s). In: SANTOS, Mayara Balestro; MIRANDA, João Elter (Orgs.).
Nova direita, bolsonarismo e fascismo: reflexões sobre o Brasil contemporâneo [livro eletrônico]. Ponta Grossa:
Texto e Contexto, 2020, p. 168-169.
61
KAKUTANI, Michiko. A morte da verdade: notas sobre a mentira na Era Trump. Rio de Janeiro: Intrínseca,
2018.
26

As Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs) “erodiram as fronteiras que


definiam os espaços formais e informais de aprendizagem e de acesso a conteúdo tocantes a
temas clássicos dos currículos escolares”62. Neste escopo, as novas mídias no contexto de
cultura digital transformaram sobremaneira o ensino, os modos de produção e de divulgação e
os usos públicos da história. E quando se leva em conta um site como o YouTube, que se
configura atualmente como principal plataforma de veiculação de conteúdos de história nas
redes – não à toa, se trata da plataforma onde a Brasil Paralelo possui maior atuação –, se está
falando de uma empresa de tecnologia e comunicação de alcance mundial pertencente à big
tech Google cuja preocupação maior é a veiculação de vídeos que sejam “anunciáveis” e
gerem lucro. Não se pode presumir que se leve em consideração aqui termos éticos e de
pesquisa que compreendem a produção e a divulgação científica e da história, na medida em
que, como aponta o historiador André Bonsanto, “os meios de comunicação e suas empresas
constroem e rememoram o passado para atender agendas específicas, não necessariamente
preocupadas com um labor historiográfico”63. Nos termos do autor:

Falar de narrativas midiáticas e revisionismo histórico é perceber também que as


mídias, pensadas aqui em seus mais diversos discursos, formatos e linguagens, se
inserem cada vez mais nos embates para circunscrever determinadas “verdades”
sobre os acontecimentos no tempo (Dias, 2019). Deste cenário, novos atores
emergem na tentativa de (des)legitimar narrativas, instituições e atores até então
tidas como reconhecidas e autorizadas, como o próprio jornalismo, a historiografia
tradicional e a produção de conhecimento científico baseado na racionalidade da
ciência empírica (Dunker, 2017; Kakutani, 2018; Rêgo e Barbosa, 2020)64.

Nossa pesquisa mobiliza o léxico e as categorias de análise gramscianas a fim de, a


partir do objeto delimitado, perscrutar as trincheiras e os meandros pelos quais se constrói a
hegemonia burguesa e os seus mecanismos de dominação na atualidade. Isso implica “[...]
compreender como um discurso pode capturar as emoções e as práticas das classes que
domina”,65 colocando “[...] ênfase nos instrumentos utilizados para a disseminação de
concepções hegemônicas, de percepções, sentimentos e visões de mundo em acordo com a
ordem vigente”66.
62
Rodrigues, 2018 apud ALCÂNTARA, Mauro Henrique. Ensino de História em tempos de Mídias Digitais: um
estudo de caso sobre a produção da empresa Brasil Paralelo, SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA DA
ANPUH, 31, 2021, Rio de Janeiro. Anais… São Paulo: Associação Nacional de História, 2021, p. 4..
63
BONSANTO, André. Um Brasil (em) Paralelo: as “verdades” da ditadura e sua historicidade mediada como
um empreendimento político. ENCONTRO NACIONAL DE HISTÓRIA DA MÍDIA, 22, 2019, Natal. Anais…
Natal: Universidade Federal do Rio Grande do Norte, 2019, p. 4.
64
Ibidem, p. 2.
65
DIAS, 2006 apud SILVA, Carla Luciana; CALIL, Gilberto. Hegemonia, aparelhos privados e pesquisas na
linha de pesquisa Estado e Poder. In: SILVA, Carla Luciana et. al. (Orgs.). Estado e Poder: lutas de classes e
hegemonia. Uberlândia: Navegando Publicações, 2021, p. 19.
66
SILVA; CALIL, op. cit., p. 19.
27

Nesta diligência, utilizamos a noção gramsciana de Estado ampliado nos termos


propostos por Sonia Mendonça que o considera

não apenas um sofisticado conceito, mas também uma utilíssima ferramenta


metodológica, posto conter, em sua elaboração, os passos de um itinerário de
pesquisa destinado à análise da constituição/transformações sofridas pelo Estado,
bem como para o desenvolvimento de investigações de todo tipo de temáticas a ele
correlatas, tais como a dominação política de classe; a representação de interesses –
dominantes e dominados – na sociedade capitalista; as políticas estatais das mais
variadas; as relações entre classe dominante, Estado restrito e classe trabalhadora;
ideologia, classe e cultura; além de inúmeras outras, mormente no âmbito da
história, posto que o cerne da análise de Gramsci não poderia deixar de ser a
Totalidade67.

Tomado enquanto aparelho privado de hegemonia a serviço dos interesses das classes
dominantes, tendo por foco a trincheira ideológica e cultural, é preciso investigar a Brasil
Paralelo em diversas instâncias: seu processo constituição e de articulação, o quadro de
dirigentes e de intelectuais associados, suas formas de organização e seu funcionamento
institucional, as formas de financiamento, suas bases sociais, etc. De outra parte, cabe
examinar o âmbito dos próprios materiais, projetos e ações desenvolvidas pelo aparelho em
suas disputas de narrativas e embates pela história.
Nessa incumbência, o primeiro capítulo da pesquisa, dedicado ao contexto histórico e
social do objeto, inicia com a apreciação teórica das noções de aparelho privado de
hegemonia, intelectuais orgânicos e de Estado ampliado, junto da análise do processo
concreto de atualização dos mecanismos de dominação e das formas organizativas da
burguesia por meio da organização de aparelhos da chamada nova direita no país. A partir daí,
se realiza o debate teórico sobre o próprio conceito de “nova direita”, retomando antes a
clássica discussão sobre as definições e os significados da díade “direita e esquerda”.
Em seguida apresenta-se uma análise mais minuciosa sobre as principais bases
ideológicas que conformam o pensamento e a ação da nova direita e da Brasil Paralelo, e seus
principais eixos de produção de consenso na sociedade civil. A tradição liberal é abordada
desde o seu nascedouro em suas diversas correntes até a conformação do neoliberalismo
enquanto padrão vigente do capital, e o conservadorismo é investigado em seus múltiplos
aspectos: político, filosófico, moral, religioso e social. Neste ínterim, ao lado da análise dos
sentidos históricos e ideológicos do anticomunismo, realiza-se a apreensão conceitual de
noções importantes no léxico da nova direita como “guerras culturais” e “marxismo cultural”.

67
MENDONÇA, Sonia Regina de. O Estado ampliado como ferramenta metodológica. Revista Marx e o
Marxismo, v.2, n.2, jan./jul. 2014, p. 38.
28

O capítulo ainda coloca o debate sobre a validade do uso da noção de neofascismo para
análise do contexto brasileiro sob o bolsonarismo, resgatando, para tanto, o balanço
historiográfico crítico sobre o fascismo. Ao fim do capítulo, é proposta uma análise de
conjuntura do contexto brasileiro aberto a partir de 2013 por meio da noção de crise de
hegemonia, resgatando, antes, considerações sobre o curso histórico da autocracia burguesa
no Brasil e sobre o processo de construção da Nova República, posto conter os elementos
genéticos para a ascensão das direitas e emergência do bolsonarismo no cenário recente.
O segundo capítulo é dedicado ao exame do objeto de pesquisa propriamente: a
produtora Brasil Paralelo e seus agentes; numa diligência que se inicia pela investigação sobre
a formação, o percurso, os projetos desenvolvidos e o modus operandi da produtora na
conjuntura a partir das redes. Em seguida se investiga o formato empresarial e o modelo
institucional responsáveis pelo sucesso da empresa, para então se analisar o quadro de
intelectuais e de organizações da nova direita associadas à produtora. Aborda-se em seguida
não só o papel que o falecido Olavo de Carvalho exerceu – e exerce – na produtora, como se
analisa as relações mantidas entre a Brasil Paralelo e o bolsonarismo nos últimos anos.
Por fim, o último capítulo da dissertação traz a análise dos conteúdos promovidos pela
Brasil Paralelo, com foco nas narrativas históricas e no discurso anticomunista promovidos
nas suas produções. Realiza-se de início o debate teórico sobre os usos do revisionismo e do
negacionismo histórico, refletindo sobre suas implicações na escrita, ensino e na publicização
da história. Em seguida, partimos pro terreno da análise propriamente dos valores, das
narrativas e dos (ab)usos da história presentes nas principais produções audiovisuais da Brasil
Paralelo. Ao fim, procuramos verificar a maneira que a produtora promove o anticomunismo
não apenas naqueles conteúdos de história e de política que abordam diretamente o
movimento comunista, o marxismo e as experiências socialistas, operando a tese do
totalitarismo, como difunde o “fantasma do comunismo” pela extensão dos seus conteúdos.
Examinemos, pois, as histórias e os “mitos” da Brasil Paralelo no seio da “guerra cultural”
empreendida pela nova direita no país.
29

CAPÍTULO I:

Brasil concreto: Estado, Direitas e Hegemonia

O contexto histórico e social de surgimento da produtora Brasil Paralelo remete à


ascensão da chamada “nova direita” e de um projeto societário de dimensões fascistas na
conjuntura brasileira. Neste sentido, o presente capítulo se dedica à análise das forças sociais,
dos processos, agentes, estruturas, ideologias e dos eventos que forneceram as condições
sociais e históricas que propiciaram o avanço das direitas e a emergência do bolsonarismo.
Parte-se do delineamento das principais categorias de análise utilizadas do arcabouço teórico
gramsciano a fim de compreendermos como esses agentes atuam e se articulam no seio das
relações do Estado ampliado, em prol da construção da hegemonia.
A gênese da nova direita aparece aqui relacionada ao processo de atualização das
estratégias de ação político-ideológica e das formas organizativas das classes dominantes
engendrado a partir do contexto da redemocratização e construção da Nova República. A
discussão demanda, por seu turno, o debate conceitual mais acurado sobre as noções de
“direita/esquerda”, “nova direita” e “extrema direita”. Neste ínterim, sem perder de vista os
processos e situações concretas das quais decorrem e influenciam, caberá realizar um
escrutínio sobre aquelas que se apresentam enquanto principais bases ideológicas a conformar
o ideário e a prática desses grupos: o (ultra)liberalismo, o conservadorismo, o anticomunismo
e o neofascismo; bem como examinar seus subprodutos: o neoliberalismo, o libertarianismo, o
fundamentalismo religioso, o ultranacionalismo, o “marxismo cultural”, além de outros eixos
de produção de consenso das direitas na conjuntura.
Ao fim do capítulo, é proposta uma análise dos eventos e dos processos históricos
concretos – em escala estrutural e conjuntural – que desembocaram no atual cenário. O exame
da autocracia burguesa fornece um fio histórico que liga a análise da natureza da dominação
de classes e do capitalismo na particularidade periférica brasileira à investigação da crise de
hegemonia escancarada a partir de 2013, que nos direciona até o golpe parlamentar de 2016 e
a vitória da extrema direita em 2018, conjuntura em que nasce e se expande de maneira
suntuosa o projeto da Brasil Paralelo.
30

1.1. Aparelhos privados de hegemonia e intelectuais orgânicos da “nova direita”:


organismos e agentes da burguesia no seio do Estado ampliado

O movimento de reprodução social do capital requer que uma série de agentes,


instituições e organizações atuem na estrutura institucional do Estado e na sociedade civil no
sentido da construção e da manutenção da hegemonia e dos mecanismos de dominação. Nesse
sentido de análise, a utilização do arcabouço teórico gramsciano se faz fundamental na
pesquisa na medida em que se compreende a Brasil Paralelo enquanto um aparelho privado de
hegemonia articulado por intelectuais orgânicos no seio de um processo político e social
concreto e dialeticamente constituído na relação entre Estado e sociedade civil.
Essas categorias de análise remetem à discussão gramsciana a respeito do exercício da
hegemonia e da organização do consenso no âmbito do Estado. Todavia, diferentemente da
acepção de matriz liberal, que concebe um Estado Sujeito, uma entidade a-histórica,
autônoma e acima dos grupos sociais e da sociedade no geral, e das correntes
mecanicistas/deterministas do marxismo, que incorrem num Estado Objeto cuja função se
resumiria a fazer valer os interesses econômicos das classes dominantes, em Gramsci, o
Estado corresponde a uma condensação das relações sociais, sendo tomado em sentido
integral – ampliado – como um equilíbrio da sociedade política – ou Estado em sentido
restrito – com a sociedade civil68. Ainda que se encontre em inter-relação dialética com o
mundo da produção, trata-se de uma totalidade orgânica em si mesma, apresentando

[...] dois grandes “planos” superestruturais: o que pode ser chamado de “sociedade
civil” (isto é, o conjunto de organismos designados vulgarmente como “privados”) e
o da “sociedade política ou Estado”, planos que correspondem, respectivamente, à
função de “hegemonia” que o grupo dominante exerce em toda a sociedade e àquela
de “domínio direto” ou de comando, que se expressa no Estado e no governo
“jurídico”69.

O Estado, nesses termos, compreende e abarca a sociedade civil enquanto sustentáculo


fundamental para o exercício e ampliação de sua estrutura de dominação enquanto poder de
classe. Correspondem, assim, a esferas complementares que aludem para o movimento de
inter-relação dialética entre estrutura e superestrutura, a serem observadas e analisadas a partir

68
MENDONÇA, Sonia Regina de. O Estado ampliado como ferramenta metodológica. Marx e o Marxismo,
Niterói, v. 2, n. 2, jan./jul., 2014, p. 29-34.
69
GRAMSCI, Antonio. Cadernos do cárcere, v. 2: Os intelectuais, o princípio educativo, jornalismo. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 2001, p. 20-21.
31

de processos históricos concretos70. “Na realidade concreta, ambas as esferas não existem em
separado e toda distinção que se faça é meramente metodológica”71. É a partir dessas esferas
que são exercidas as funções coercitivas e a construção do consenso no exercício da
hegemonia (direção + domínio) de uma classe sobre o conjunto da sociedade.
Na noção ampliada do Estado, este aparece enquanto “hegemonia couraçada de
coerção”72. O Estado significa “uma forma de materialização institucional e veículo
fundamental nesse processo de construção de hegemonia”73. Ressalta-se que a hegemonia de
classe não se trata de um fim, mas um processo permanente e dinâmico de reconfiguração e
atualização, que se materializa e se conforma de acordo com as condições das lutas de classes.
É no seio do Estado que se processa a unidade política e econômica da classe dominante74.
Sua supremacia sobre os demais grupos sociais ocorre na medida em que tal classe exerce não
só o “domínio”, como a “direção intelectual e moral”75. Nas palavras de Gramsci, “Estado é
todo o complexo de atividades práticas e teóricas com as quais a classe dirigente não só
justifica e mantém seu domínio, mas consegue obter o consenso ativo dos governados”76. Não
obstante, o Estado “[...] deve representar uma expressão universal de toda a sociedade,
incorporando até mesmo as demandas e interesses dos grupos subalternos, mesmo que deles
extirpando sua lógica própria”77.
No que tange à noção de sociedade civil, Virginia Fontes discorre que, em Gramsci, o
conceito

[...] procura dar conta dos fundamentos da produção social, da organização das
vontades coletivas e de sua conversão em aceitação da dominação, através do
Estado. O fulcro do conceito gramsciano de sociedade civil – e dos aparelhos
privados de hegemonia – remete para a organização e, portanto, para a produção
coletiva, de visões de mundo, da consciência social, de formas de ser adequadas aos
interesses do mundo burguês (a hegemonia) ou, ao contrário, capazes de opor-se
resolutamente a este terreno dos interesses (corporativo), em direção a uma

70
CASIMIRO, Flávio Henrique. A nova direita no Brasil: aparelhos de ação político-ideológica e a atualização
das estratégias de dominação burguesa (1980 - 2014). Niterói, 2016. 479 f. Tese (Doutorado em História) -
Instituto de Ciências Humanas e Filosofia, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2016, p. 26-27.
71
SILVA, Carla Luciana; CALIL, Gilberto. Hegemonia, aparelhos privados e pesquisas na linha de pesquisa
Estado e Poder. In: SILVA, Carla Luciana et al. (orgs.). Estado e poder: lutas de classes e hegemonia.
Uberlândia: Navegando Publicações, 2021, p. 19.
72
GRAMSCI, Antonio. Cadernos do cárcere, v. 3: Maquiavel, notas sobre o Estado e a política. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2007, p. 244.
73
CASIMIRO, 2016, op. cit., p. 28.
74
MENDONÇA, op. cit., p. 33-34.
75
GRAMSCI, Antonio. Cadernos do cárcere, v. 5: O Risiorgimento, Notas sobre a história da Itália. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 2002a, p. 62-63.
76
Idem, 2001, op. cit., p. 331.
77
MENDONÇA, op. cit., p. 34.
32

sociedade igualitária (“regulada”) na qual a eticidade prevaleceria, como o momento


eticopolítico da contra-hegemonia)78.

Ressalta-se que, para Gramsci, a sociedade civil é parte integrante do Estado e só pode
ser destacada deste por razões analíticas. Ela corresponde

[...] a uma extensão da socialização do processo produtivo, mas não atua apenas nos
espaços produtivos. Compõe-se de aparelhos privados de hegemonia que, ao mesmo
tempo em que procuram diluir as lutas de classes, expressam e evidenciam sua
difusão e generalização no conjunto da vida social79.

Nota-se que no pensamento gramsciano, sociedade política e sociedade civil, coerção e


consenso, bem como outros pares conceituais adotados pelo filósofo sardo, se tratam de
categorias estabelecidas a partir de uma relação dialética de unidade-distinção80. Ainda que
em nossa pesquisa o foco de análise se direcione para a esfera do consenso, devido o caráter
da atividade intelectual desempenhada pelo objeto investigado, considerado aqui enquanto um
aparelho privado de hegemonia a serviço de grupos dominantes, não se deve desconsiderar
que no exercício concreto de construção da hegemonia, o emprego da força coercitiva e a
organização do consenso “[...] se equilibram de modo variado, sem que a força suplante em
muito o consenso, mas, ao contrário, tentando fazer com que a força pareça apoiada no
consenso da maioria [...]”81.
No próprio âmbito do Estado restrito também se opera a construção do consenso, por
meio da difusão e da generalização do projeto da fração de classe hegemônica82. De acordo
com o filósofo italiano, “o Estado tem e pede o consenso, mas também ‘educa’ este consenso
através das associações políticas e sindicais, que, porém, são organismos privados, deixados à
iniciativa privada da classe dirigente”83. A partir da sociedade civil, esses organismos atuam
no sentido da garantia da hegemonia política e cultural de um grupo sobre o restante da
sociedade, como “conteúdo ético do Estado”84. Mas a cultura aqui é tomada em sentido
amplo, compreendendo concepções de mundo, comportamentos, os valores, as crenças e as
auto-percepções dos sujeitos85.
78
FONTES, Virginia. O Brasil e o capital-imperialismo: teoria e história. Rio de Janeiro: EPSJV/Editora UFRJ,
2010, p. 133 (grifos no original).
79
Ibidem, p. 216.
80
LIGUORI, Guido. “Estado” (Verbete). In: LIGUORI, Guido; VOZA, Pasquale (orgs.). Dicionário
gramsciano, 1ª ed., São Paulo: Boitempo, 2017. [Livro eletrônico]. p. 516-517.
81
GRAMSCI, 2007, op. cit., p. 95.
82
MENDONÇA, op. cit., p. 37.
83
GRAMSCI, 2007, op. cit., p. 119.
84
Ibidem, p. 225-226.
85
Idem. Cadernos do cárcere, v.6: Literatura, folclore, gramática. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002b,
p. 63-64.
33

Essas observações trazem elementos importantes a considerarmos aqui, visto que os


intelectuais e aparelhos de hegemonia investigados – organizados no seio da sociedade civil –
exercem um papel fundamental na garantia do consentimento pelo bolsonarismo, fenômeno
político ancorado em um projeto hegemônico que deteve o comando do aparelho
governamental-coercitivo do Estado brasileiro nos últimos anos.
De acordo com Fontes, “os aparelhos privados de hegemonia são a vertebração da
sociedade civil, e se constituem das instâncias associativas que, formalmente distintas da
organização das empresas e das instituições estatais, apresentam-se como associatividade
voluntária sob inúmeros formatos”86. Intimamente imbricado na esfera do consenso e atuando
em prol da conservação ou da construção de projetos hegemônicos, o conceito de aparelho
hegemônico – ou aparelho privado de hegemonia (APH) – trataria dos organismos correlatos
ao aparelho governamental-coercitivo do Estado integral87. Ainda que se tratem de
organismos sociais coletivos com relativa autonomia no âmbito da sociedade civil, se
encontram imbricados dialeticamente à sociedade política. O conceito forma um elo entre o
conceito de hegemonia e a noção “[...] de ‘Estado integral’ e oferece uma base material à
concepção gramsciana de hegemonia, não assimilável a uma concepção idealista, culturalista
ou liberal"88.
Nos escritos carcerários de Gramsci, o termo aparece referido de diversas formas:
como a "estrutura material da superestrutura", como “complexo de trincheiras e defesas”,
como "estrutura ideológica de uma classe dominante", ou ainda, como "organização material
com o propósito de manter, defender e desenvolver o 'front' ideológico"89. A categoria se
complexifica conforme o autor avança no desenvolvimento dos conceitos de hegemonia e de
Estado integral. Ao longo de seus cadernos, Gramsci destaca no âmbito dos APHs a
organização e a atuação da igreja, as escolas, os sindicatos, os partidos, a imprensa, os clubes
e associações privadas diversas incumbidas de organizar as vontades coletivas, tanto dos
grupos dominantes quanto dos dominados. A partir de Peter Thomas, Rejane Hoeveler
destaca como teríamos no autor não uma noção de aparelho hegemônico, no singular, mas de
aparelhos hegemônicos, no plural: “[...] toda uma série de aparelhos hegemônicos que se
relacionam e se unificam no nível político pela capacidade dos elementos de um grupo ou

86
FONTES, op. cit., p. 133-134.
87
LIGUORI, Guido. “Aparelho hegemônico” (Verbete). In: LIGUORI, Guido; VOZA, Pasquale (orgs.).
Dicionário gramsciano, 1ª ed., São Paulo: Boitempo, 2017. [Livro eletrônico]. p. 77.
88
Ibidem, p. 76.
89
HAUG et al., 2009 apud HOEVELER, Rejane Carolina. O conceito de aparelho privado de hegemonia e seus
usos para a pesquisa histórica. Revista Práxis e Hegemonia Popular, Marília, ano 4, n. 5, ago./dez., 2019, p. 150.
34

classe social particular fazerem a “tradução” entre diferentes práticas hegemônicas entre
diferentes campos da sociedade”90.
Na construção de um determinado projeto hegemônico dos grupos dominantes, é por
meio dos APHs que se conquista o consentimento das grandes massas pouco organizadas91.
Gramsci assinala que

[...] numa determinada sociedade, ninguém é desorganizado e sem partido, desde


que se entendam organização e partido num sentido amplo, e não formal. Nesta
multiplicidade de sociedades particulares, de caráter duplo — natural e contratual ou
voluntário —, uma ou mais prevalecem relativamente ou absolutamente,
constituindo o aparelho hegemônico de um grupo social sobre o resto da população
(ou sociedade civil), base do Estado compreendido estritamente como aparelho
governamental-coercivo92.

O autor também observa que “a realização de um aparelho hegemônico, enquanto cria


um novo terreno ideológico, determina uma reforma das consciências e dos métodos de
conhecimento [...]”93. De tal modo, o conceito remete à organização e produção coletiva da
consciência social, das concepções e das formas de ser no mundo94. É a partir desses termos
que Buci-Gluscksman, estudiosa da obra gramsciana, caracteriza o aparelho de hegemonia
enquanto "um conjunto complexo de instituições, ideologias, práticas e agentes (entre os quais
os 'intelectuais')" que "só encontra sua unificação através da análise da expansão de uma
classe"95. A constituição desses organismos coletivos na sociedade civil está relacionada,
assim, ao terreno onde se materializa a luta pela direção ético-política, cultural e ideológica da
população, significando verdadeiras trincheiras na chamada guerra de posição. Assim, “[...]
não se trata só de ‘batalha das ideias’ mas de verdadeiros aparelhos estabelecidos para a
criação do consenso”96. É por meio dos APHs, portanto, que ideologias dominantes são
disseminadas, afirmando e reafirmando a dominação de classe. Não obstante, Virgínia Fontes
destaca que, a despeito de sua atuação ser voltada sobretudo para o campo cultural e por vezes
se apresentarem de forma descolada da organização econômico-política da vida social, “todos,
porém, são formas organizativas que remetem às formas da produção econômica (a
infraestrutura) e política (ao Estado)”97.

90
THOMAS, 2009 apud HOEVELER, op. cit., p. 153.
91
MENDONÇA, op. cit., p. 35.
92
GRAMSCI, 2007, op.cit., p. 253.
93
Idem. Cadernos do cárcere, v. 1: Introdução ao estudo da filosofia, a filosofia de Benedetto Croce. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 1999, p. 320.
94
FONTES, op. cit., p. 133.
95
BUCI-GLUCKSMANN, 1980 apud HOEVELER, op. cit., p. 153.
96
LIGUORI, 2007 apud SILVA; CALIL, op. cit., p. 20.
97
FONTES, op. cit., p. 134.
35

No pensamento gramsciano, portanto, a sociedade civil se trata da arena por


excelência da luta pela hegemonia, uma vez que é em seu seio que os grupos sociais
fundamentais constroem e confrontam projetos distintos e mesmo antagônicos, derivados, por
sua vez, "de aparelhos de hegemonia distintos, ainda que, em muitos casos, pertençam a uma
mesma classe ou fração dela"98. E é sobretudo por meio do aspecto de disputa entre aparelhos
pertencentes a um mesmo grupo social, ou mesmo de disputa intra-aparelhos de hegemonia,
que se deve procurar compreender os conflitos e divergências entre intelectuais que cerram
uma mesma estratégia de consenso e se unificam no nível político em torno de um projeto
comum. Mendonça observa que

É da correlação de forças estabelecidas entre esses atores coletivos e os respectivos


aparelhos privados de hegemonia por eles representados que se pode partir para o
estudo minucioso não apenas de suas ações coletivas, mas também de suas
campanhas, propagandas ideológicas e modalidades de correlação com o Estado
restrito99.

Entrementes, deve se considerar que desde a época de Gramsci a expansão das


relações capitalistas só fez ampliar e complexificar em altíssimo grau a organização das
associações e instituições na sociedade civil, que, sobretudo em um mundo conectado em
"redes", passam a perpassar todo o tecido social e cultural de modo disperso e multifocal. As
operações de hegemonia das classes dominantes na atualidade decorrem da organização de
uma extensa gama de entidades culturais, movimentos políticos, instituições religiosas e de
educação, meios midiáticos, além das próprias redes sociais e canais da internet, espaços
empenhados na construção de um “universo intersubjetivo de crenças e valores”100.
A operacionalização desses organismos no seio da sociedade civil ocorre por meio da
ação de uma gama de agentes individuais e coletivos, compreendidos aqui a partir da noção
gramsciana de intelectuais orgânicos. São esses agentes que personificam e materializam as
funções organizativas e conectivas da produção de consenso no seio dos aparelhos de
hegemonia e do próprio aparelho administrativo de Estado101. Para Gramsci, "por intelectuais,
deve-se entender [...] todo o estrato social que exerce funções organizativas em sentido lato,
seja no campo da produção, seja no da cultura e no político-administrativo [...]"102. Mas
em Gramsci, esses estratos não se tratam de uma camada social "autônoma e independente",

98
MENDONÇA, op. cit., p. 36.
99
Ibidem, p. 40.
100
CASIMIRO, Flávio Henrique. A tragédia e a farsa: a ascensão das direitas no Brasil contemporâneo. São
Paulo: Expressão Popular, Fundação Rosa Luxemburgo, 2020, p. 23.
101
GRAMSCI, 2001, op. cit., p. 20-21.
102
Idem, 2002, op. cit., p. 37.
36

descolada das determinações do mundo real e das relações de produção da vida material. A
partir da categoria de intelectual orgânico, o autor aborda as camadas intelectuais que
resultam do próprio terreno das relações de produção, relacionadas de modo orgânico a um
determinado grupo social principal – classe social – aí inscrito. Dotados de capacidade
dirigente e técnica, esses intelectuais fornecem coesão e consciência da própria função que as
classes precisam exercer não apenas no mundo da produção econômica, mas também no
campo do político, da cultura e do social em geral103.
No âmbito do Estado ampliado, os intelectuais exercem funções precisamente
organizativas e conectivas que são materializadas tanto na esfera da sociedade política quanto
na sociedade civil. Relacionados ao grupo dominante, eles atuam como “prepostos” seus para
as funções subalternas da hegemonia social e do governo político, ou seja:

1) do consenso “espontâneo” dado pelas grandes massas da população à orientação


impressa pelo grupo fundamental dominante à vida social, consenso que nasce
“historicamente” do prestígio (e, portanto, da confiança) obtido pelo grupo dominante
por causa de sua posição e de sua função no mundo da produção; 2) do aparelho de
coerção estatal que assegura “legalmente” a disciplina dos grupos que não
“consentem”, nem ativa nem passivamente, mas que é constituído para toda a
sociedade na previsão dos momentos de crise no comando e na direção, nos quais
desaparece o consenso espontâneo104.

Gramsci também observa a possibilidade de um dado grupo social extrair de outro


grupo uma camada de intelectuais para si105. Isso nos auxilia no entendimento do porquê de
vários dos intelectuais abordados na pesquisa não advirem necessariamente dos setores
burgueses cujos interesses representam, mas dos estratos médios da população e das próprias
classes subalternas. No processo de garantia de sua hegemonia social, as classes dominantes
precisam transcender seus limites estreitos de composição de classe, rumando em direção ao
convencimento de amplas parcelas sociais para a sua concepção de mundo e seus valores.
Nesse âmbito, segundo Flávio Henrique Casimiro, formam-se “[...] intelectuais prepostos do
capital, ou seja, não são parte efetiva das classes dominantes, tampouco estabelecem as
determinações da articulação entre os segmentos da burguesia”106.
A despeito dos vínculos orgânicos mantidos com as classes dominantes, muitos desses
agentes farão uma auto-representação de si enquanto intelectuais no sentido tradicional, como
camada social independente e autônoma, à parte dos demais grupos sociais devido a uma

103
Idem, 2001, op. cit., p.15.
104
Ibidem, p. 21.
105
Ibidem, p. 16.
106
CASIMIRO, 2020, op. cit., p. 157.
37

determinada qualificação intelectual ou a uma especialização técnica. Ao contrário dessa


acepção, de acordo com Gramsci, a especificidade que assume a categoria não deve ser
buscada no que é intrínseco às atividades intelectuais, mas ser investigada no conjunto geral
das relações sociais107. Para ilustrar, o filósofo sardo cita o exemplo do operário, que não se
caracteriza especificamente pelo trabalho manual que exerce, mas pela realização deste
trabalho sob determinadas condições históricas e determinadas relações sociais. Sem falar
que, ancorado no pensamento marxista, Gramsci rejeita a usual separação entre trabalho
manual e trabalho intelectual, compreendendo que mesmo no trabalho mais mecânico,
subsiste um mínimo de qualificação e de atividade intelectual criadora. Nesses termos, todos
os homens seriam intelectuais, mas nem todos desempenhariam na sociedade a função social
de intelectuais108.
Os intelectuais, portanto, tomados em seu sentido orgânico, são imprescindíveis para a
legitimação da posição de classe do grupo social e para a representação de seus interesses e
valores no conjunto da vida social. Por isso, nem todos se justificam pelas necessidades
sociais imediatas da produção, visto que podem estar justificados pelas necessidades políticas
dos grupos dominantes109 – e, acrescenta-se também, pelas necessidades ideológicas e
culturais. Diferente do modo como se dá no seio das classes fundamentais, a relação entre os
intelectuais e o mundo da produção é “‘mediatizada’, em diversos graus, por todo o tecido
social, pelo conjunto das superestruturas, do qual os intelectuais são precisamente os
‘funcionários’”110.
Esses são apontamentos importantes para a consideração dos próprios grupos
intelectuais abordados na pesquisa, que organizam suas estratégias de ação no âmbito de
superestruturas políticas e ideológicas que, a princípio, em muito se distanciariam das
relações que se dão na base produtiva da sociedade. Inscritos numa formação social de tipo
capitalista periférico, onde se faz necessário criar condições materiais e culturais específicas
para a expansão da hegemonia ético-política das classes dominantes sobre o conjunto da
sociedade, a hipótese aqui defendida é que as figuras e os agrupamentos da direita brasileira
investigados a partir da Brasil Paralelo, tomada enquanto um APH à serviço de grupos
dominantes, desempenham o papel de intelectuais orgânicos desses setores. Mas essa relação
precisa ser demonstrada em nossa realidade histórica concreta, a partir de evidências
empíricas que demonstrem como esses intelectuais e seus respectivos aparelhos de hegemonia

107
GRAMSCI, 2001, op. cit., p. 18.
108
Ibidem. p. 18.
109
Ibidem, p. 22.
110
Ibidem, p. 20.
38

não só compartilham das mesmas concepções de mundo e dos mesmos projetos hegemônicos
que os grupos empresariais e políticos dominantes, como se associam intimamente a estes na
conjuntura por meio de recebimento de apoio organizacional e de recursos diversos para suas
estratégias de ação político-ideológica.

As categorias de análise gramscianas abordadas se mostram úteis na pesquisa não


apenas para a investigação das práticas e relações sociais imbricadas na Brasil Paralelo, como
para a compreensão do próprio processo político-social mais amplo em que a produtora e seus
agentes se inserem na conjuntura. Conforme a leitura proposta pelo historiador Flávio
Henrique Casimiro, o movimento de reconfiguração e ascensão das direitas no Brasil recente
– a partir do qual o bolsonarismo emerge hegemonizando sua ala mais extremada – deve ser
compreendido enquanto aspecto do processo mais amplo de atualização e reorganização da
hegemonia burguesa no país. Atravessado por fatores estruturais e de conjuntura, tal processo
é condicionado internamente, por elementos endógenos que a dominação de classe aqui
assume no seio do Estado autocrático, e externamente, por elementos de ordem econômico,
político e cultural engendrados pelo atual estágio do capital mundializado111.
Não por acaso, a emergência de movimentos de extrema direita e lideranças de cariz
neofascista não se restringe ao caso brasileiro, tratando-se de um fenômeno que pode ser
observado à nível internacional, seja em países centrais do capitalismo, seja nos países
periféricos. Ainda assim, corresponde a um fenômeno inscrito num processo dialético e
histórico, “[...] construído por instituições, agentes e contradições concernentes ao próprio
movimento do capital, e não como mera relação direta de causa e efeito de processos políticos
como o ‘antipetismo’ ou em virtude de determinações estruturais do capitalismo”112, como
ressalta Casimiro.
Esse processo, que compreendeu uma atualização das estratégias de ação
político-ideológica e de produção de consenso, além da reinvenção das formas organizativas
das classes dominantes, vem sendo empreendido a partir de um conjunto de
intelectuais/empresários e aparelhos privados de hegemonia representantes dos interesses de
diferentes frações burguesas, fenômeno que na conjuntura se conformou no campo da
chamada “nova direita” brasileira. Uma direita articulada em torno de um programa
ultraliberal e conservador, que se coloca de modo militante e apresenta uma postura agressiva

111
CASIMIRO, 2020, op. cit., p. 13.
112
Ibidem, p. 20.
39

na defesa de seus pressupostos113. Segundo Casimiro, trata-se de um processo que “[...] vem
ganhando projeção tanto de forma deliberada, como inconscientemente, pela
instrumentalização e objetivação de seus projetos, assim como pela reprodução social de seus
valores nos mais variados meios”114. Essa “nova direita” “[...] busca sua posição de evidência
no conjunto das frações da burguesia brasileira. Mas o que a caracteriza seria muito mais seu
modus operandi, em função de seus partidos da ordem e de seu discurso truculento, do que
um corpo de doutrina teórico-política específico ou consolidado”115.
Nesses termos, o fenômeno da nova direita significa antes de tudo um novo modo de
organização política e ideológica das classes dominantes no Brasil e de determinados círculos
de intelectuais, processo gestado nas últimas décadas incidindo em transformações na gestão
da política institucional, no discurso ideológico e no próprio sistema produtivo por meio da
difusão de novos padrões de sociabilidade do capital116. É durante o processo de
redemocratização nos anos 1970/80 que podemos localizar os genes para essa nova forma de
atuação dos aparelhos hegemônicos da burguesia brasileira. Edificados a partir da sociedade
civil e reagindo em múltiplos níveis às formas organizativas da classe trabalhadora e às lutas
sociais que despontavam no período, esses organismos passaram a integrar progressivamente
a estrutura institucional do próprio Estado, ampliando-o a partir de seus interesses de classe.
Esse contexto expressa um processo tardio de complexificação – “ocidentalização” em termos
gramscianos – da sociedade civil brasileira, onde se verifica um aumento exponencial de
novas instituições em seu seio, tanto as de caráter burguês, como as de contestação do modelo
hegemônico117.
Na medida em que a sociedade civil brasileira se complexifica, multiplicam-se
também os aparelhos representantes de diversas frações das classes dominantes, que passam
não só a se misturar na própria institucionalidade do Estado, ampliando-o ao abarcar
progressivamente suas funções, como ainda abrigam os conflitos interburgueses nos marcos
do circuito internacional do capital118. Não obstante, Casimiro destaca que “[...] as diferenças
de ordem teórico-política no campo dos valores entre essas distintas frações vêm sendo
suprimidas ou subjugadas pela ascensão do reacionarismo que aparece como alternativa

113
CASIMIRO, 2016, op. cit., p. 24-25.
114
Ibidem, p. 25.
115
Idem, 2020, op. cit., p. 151-152.
116
Idem, 2016, op. cit., p. 34-35.
117
“Analisando a série histórica de expansão da sociedade civil brasileira, partindo de 1996 até o ano de 2017,
constata-se um aumento em torno de 715 mil novas instituições, o que representa um crescimento de
aproximadamente 680%”. CASIMIRO, 2020, op. cit., p. 29.
118
Ibidem, p. 90-91.
40

pragmática para viabilizar as mudanças de ordem econômico/corporativa”119. Tais diferenças e


conflitos são escamoteados para um segundo plano na medida em que se precisa salvaguardar
o essencial para a reprodução ampliada de capital. A construção e atualização da hegemonia
burguesa – um processo contínuo que se conforma de acordo com as condições da luta de
classes – depende, assim, de novas formas organizativas de articulação política e econômica
desses grupos a fim de inseri-los

[...] no conjunto das estratégias de reconfiguração da dominação de classe no Brasil,


tanto em sua relação com o Estado como no processo de internacionalização da
burguesia brasileira, entendendo esse movimento de forma dialética, como um
elemento imperativo do atual estágio do capitalismo mundializado. Sendo assim,
essa atualização da hegemonia burguesa no Brasil contemporâneo a partir da
ascensão e articulação de diferentes segmentos da direita deve ser observada em sua
dialética indissociável entre estruturas de poder político e interesses imediatos nas
relações de produção e acumulação de capital120.

Em sua pesquisa sobre a formação e articulação dos aparelhos da nova direita a partir
do processo de construção da Nova República, Flávio Casimiro categoriza as organizações e
os intelectuais representantes dos interesses dos grupos dominantes em três frentes principais
de ação121. Trata-se de uma distinção puramente teórica e didática, visto que na prática essas
organizações desenvolvem um pouco de cada estratégia.
Haveria um primeiro conjunto de aparelhos voltados sobretudo para uma ação mais
pragmática e conjuntural em determinados espaços de poder, interferindo diretamente, por
exemplo, em políticas públicas e em tomadas de decisões institucionais. Nesse escopo,
Casimiro analisa um conjunto de APHs que se organizaram no seio da Assembleia Nacional
Constituinte como forma dos grupos dominantes influenciarem nos rumos do processo,
financiando campanhas, lançando candidatos próprios e mobilizando quadros de
intelectuais-empresários urbanos e rurais. Os aparelhos de “ação pragmática” analisados são:
Câmara de Estudos e Debates Econômicos e Sociais (CEDES), Grupo de Mobilização
Permanente (GMP), Confederação Nacional das Instituições Financeiras (CNF), Associação
Brasileira de Defesa da Democracia (ABDD), União Democrática Ruralista (UDR), União
Brasileira de Empresários (UB), Movimento Cívico de Recuperação Nacional (MCRN),
Movimento Democrático Urbano (MDU), Pensamento Nacional das Bases Empresariais
(PNBE), Frente Nacional pela Livre Iniciativa (FNLI)122.

119
Ibidem, p. 157.
120
Ibidem, p. 91.
121
Idem, 2016, op. cit., p. 25.
122
Ibidem, p. 47-122.
41

Um segundo grupo seria composto por aparelhos hegemônicos que, alicerçados em


um verdadeiro projeto de poder de classe, atuam no sentido de reconfigurar a própria estrutura
material do Estado por meio de uma ação estrutural a partir de seu interior, como uma espécie
de organização paraestatal comprometida com a privatização dos mecanismos de gestão do
Estado e suas funções sociais123. Entre os APHs de “ação estrutural” analisados pelo autor se
encontram: o Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), Instituto
Atlântico, Grupo de Líderes Empresariais (LIDE) e o Movimento Brasil Competitivo
(MBC)124.
Essas estratégias apontam uma atuação dos aparelhos de hegemonia burgueses “[...]
tanto enquanto córtex político – de atuação conjuntural, tático-operacional – quanto
funcionando como um Estado-maior, ou seja, um partido político (no sentido lato, na
formulação de Gramsci), capaz de elaborar um projeto político e operacionalizar estratégias
de caráter estrutural, para além dos interesses imediatos de classe”125. Nas palavras do autor:

Dessa forma, desenvolvem mecanismos tático-operacionais para o aprofundamento


e atualização das formas de expropriações sociais, estabelecendo diretrizes e
cobrando por reformas: na legislação tributária; privatização tanto da estrutura
estatal, dos fundos públicos, como da própria gestão do bem público; nas relações do
trabalho; e na estruturação de estratégias de inserção, mesmo que subalterna, do
Brasil no conjunto de determinações do capitalismo globalizado. Atuam, portanto,
não apenas por meio de medidas de conjuntura, mas por alterações constitucionais
estruturais126.

Por último, Casimiro destaca um conjunto de organizações que carregariam uma clara
orientação "doutrinária", empenhadas na formação/educação de intelectuais orgânicos e na
difusão da ideologia liberal-conservadora no seio da sociedade civil, desenvolvendo uma
estratégia não só intraclasse, organizando o consenso das diferentes frações burguesas, como
em direção à cooptação e convencimento dos demais estratos sociais. Articulados junto a uma
ampla rede internacional de think tanks – “centros de pensamento” –, são esses aparelhos “[...]
que articulam, capilarizam e ampliam o raio de alcance de determinada concepção de
mundo”127. Neste grupo estariam localizadas organizações da nova direita que vem
desempenhando papel fundamental no processo político-social brasileiro recente, como o
Instituto Liberal (IL), Instituto de Estudos Empresariais (IEE), Instituto Millenium (IMIL),

123
Ibidem, p. 25.
124
Ibidem, p. 151-236.
125
Ibidem, p. 36.
126
Idem, 2020, op. cit., p. 42.
127
Ibidem, p. 32.
42

Instituto Mises Brasil (IMB), Estudantes Pela Liberdade (EPL) e o Movimento Brasil Livre
(MBL)128. Seria nesta última frente de ação que também se situaria a Brasil Paralelo (BP)129.
O papel desempenhado na sociedade civil pelos intelectuais e organizações
liberais-conservadoras voltadas mais propriamente para uma estratégia de educação e
convencimento ideológico conheceu uma expansão com o processo de remodelação dos
aparelhos privados de hegemonia burgueses durante a redemocratização. Mas é sobretudo a
partir da crise de hegemonia escancarada no pós-2013 e da ofensiva ultraliberal-conservadora
das direitas que esses aparelhos de ação político-ideológica apresentarão maiores investidas
no seio do Estado e da sociedade civil e serão efetivos em angariar consenso em amplos
segmentos sociais.
Ao se imiscuir junto ao Estado, a nova direita atua no sentido de promover e legitimar
a coerção violenta contra organizações populares e movimentos sociais, além de processos
sucessivos de expropriações sociais e de retirada de direitos. Tudo isso é legitimado através de
sucessivas estratégias simbólicas de produção de consenso, com uma atuação conjunta aos
meios de comunicação – tanto os da grande mídia nacional como as novas mídias digitais –,
intelectuais coletivos e notáveis espaços de socialização como instituições religiosas
conservadoras130. Esses veículos atuam tanto no sentido da difusão de pressupostos
neoliberais – defesa incondicional da propriedade privada, da economia de mercado e da
redefinição do papel do Estado, associada a valores calcados no individualismo e na
meritocracia –, como na promoção de pautas conservadoras e moralistas131. Trata-se de
universalizar determinadas concepções de mundo funcionais a sociabilidade capitalista.
Desde o processo de reconfiguração de suas estratégias de ação a partir dos anos 1980,
a ação dos aparelhos de hegemonia da burguesia brasileira é viabilizada pelo apoio material e
organizacional de alguns dos principais think tanks de alcance internacional como o Liberty
Fund, a Tinker Foundation, a Atlas Economic Research Foundation – meta-think tank que
atua no fomento e financiamento de outros think tanks em mais de 80 países – e o Center for
International Private Enterprise. Estes aparelhos também contam com uma extensa gama de
financiadores nacionais e internacionais, com destaque para grandes grupos econômicos
como: Banco Itaú, Bradesco, Unibanco, Citibank, Texaco, Shell, Ipiranga, Grupo Ultra,
Grupo Eike Batista, Samarco Mineração, Odebrecht, Grupo Votorantim, Grupo Gerdau,
VARIG, TAM, Localiza, RBS, Organizações Globo, Grupo Abril, Sharp, Siemens, Gradiente,

128
Ibidem, p. 237-345.
129
Idem, 2020, op. cit., p. 76.
130
Ibidem, p. 24-25.
131
Ibidem, p. 36.
43

Arno, Grupo Pão de Açúcar, Grupo Carrefour, Nestlé, Antártica, Quaker, Bombril, dentre
inúmeros outros132. Estamos diante, portanto, de uma poderosa rede de aparelhos privados de
hegemonia articulada em nível internacional e voltada para a representação, articulação e
promoção dos interesses dominantes, de imensa capilaridade no mercado e na vida social
brasileira.
Parcela significativa dos intelectuais e empresários que passaram a preencher o quadro
dos novos think tanks pró-mercado a partir da década de 1980 forneceram apoio ou atuaram
diretamente enquanto articuladores do golpe civil-militar em 1964. Aberto o processo de
redemocratização e da nova Assembleia Nacional Constituinte, esses setores, acostumados
com os velhos acordos diretos e a livre circulação nos espaços restritos do alto escalão do
poder militar, bem como insatisfeitos com a atuação estritamente “sindical” das associações e
federações empresariais, passaram a apostar em estratégias de ação política mais complexas e
orgânicas a partir do circuito formado pelos think tanks liberais como forma de influenciar o
processo133.
Para a pesquisadora Camila Rocha, a articulação de tais agentes e organizações ao
longo dos anos 1980/90 foi fundamental para que o ideário pró-mercado “[...] penetrasse mais
em públicos dominantes formados por acadêmicos, jornalistas, empresários, políticos e
burocratas em comparação com a circulação mais restrita de tais ideias durante as décadas de
1950, 1960 e 1970”, bem como contribuiu para a formação de quadros e para a
institucionalização de “[...] uma rede estável e formalizada constituída por indivíduos,
organizações e fóruns brasileiros e estrangeiros, na qual trafegam apoio material e
organizacional para as atividades de difusão de tais ideias”134. Tal estrutura organizacional e
material teria fornecido as bases para a atuação da nova direita no Brasil.
Os intelectuais vinculados aos aparelhos da nova direita possuem uma ampla inserção
em veículos alternativos e da grande mídia, entidades de representação classista e patronal e
em partidos políticos diversos, além de se fazerem presentes em importantes universidades
públicas e privadas do país135. Representando “[...] uma trincheira fundamental para a
produção de consenso na sociedade e [dispondo] de forte capital simbólico para a
naturalização de determinadas concepções como verdades socialmente aceitas”136, a

132
CASIMIRO, 2016, passim.
133
ROCHA, Camila. “Menos Marx, mais Mises”: uma gênese da nova direita brasileira (2006-2018). São Paulo,
2018. 232 f. Tese (Doutorado em Ciência Política) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas
Universidade de São Paulo, São Paulo, 2018, p. 81-82.
134
Ibidem, p. 109.
135
CASIMIRO, 2016, passim.
136
Idem, 2020, op. cit., p. 40.
44

universidade ocupa lugar especial nas estratégias empreendidas por essas organizações,
buscando cooptar o público jovem e acadêmico para o seu projeto de sociedade. Seus agentes
atuam nesses espaços por meio da organização de cursos, eventos, grupos de estudo,
publicação de pesquisas em jornais e revistas, dentre outras ações.
De acordo com o historiador João Elter Miranda, o critério de origem social nos
permitiria caracterizar os aparelhos da nova direita quanto a sua composição. Haveria aquele
conjunto de organizações criadas e protagonizadas pela burguesia, enquanto um segundo
conjunto diria respeito aos aparelhos de ação político-ideológica criados e protagonizados por
sujeitos não advindos dos setores burgueses, mas que agem a serviço do capital e de seus
interesses137, cepa em que se localizaria a Brasil Paralelo. Interessante observar que se opera
uma mutação nos APHs da burguesia a partir desse segundo grupo, funcionando agora como
instrumento de profissionalização e fonte de rendimento para os segmentos não-burgueses138.
Como destacado por Casimiro, ainda que seus intelectuais também participem da sociedade
política e sejam determinantes para a disseminação de certos projetos, não parte desses grupos
as diretrizes principais da articulação, visto que é “o movimento no interior das frações
burguesas define as diretrizes da dominação de classe e, na esteira disso, o projeto político no
qual essas frações se arranjam para a garantia da manutenção de seus interesses”139.
Se nas décadas de 1980 e 1990 as organizações difusoras da ideologia de mercado
como o Instituto Liberal e o Instituto de Estudos Empresariais procuravam externar um
discurso mais “técnico” e “teórico”, a partir do século XXI os chamados think tanks
brasileiros passaram a apresentar um perfil mais abertamente ideológico e militante. Essa
mudança de posicionamento foi impulsionada tanto por fatores endógenos, como as
conquistas da “Onda Rosa” na América Latina e a chegada do Partido dos Trabalhadores ao
governo brasileiro, quanto por condições externas, relacionadas a inflexão da política e da
direita norte-americana após os atentados do 11 de setembro. De tal sorte, houve uma maior
identificação dos think tanks nacionais com o discurso liberal-conservador endurecido da
direita estadunidense, viabilizando uma “nova direita” brasileira subordinada aos padrões
ideológicos dos países centrais, passando a se posicionar de modo mais aberto e agressivo na
conjuntura política do país140.

137
MIRANDA João Elter Borges. Existe uma nova direita no Brasil contemporâneo? In: SANTOS, Mayara;
MIRANDA, João Elter (org.). Nova direita, bolsonarismo e fascismo: reflexões sobre o Brasil contemporâneo
[livro eletrônico]. Ponta Grossa: Texto e Contexto, 2020, p. 40-41.
138
Ibidem, p. 42.
139
CASIMIRO, 2020, op. cit., p. 157.
140
Idem, 2016, op. cit., p. 408-409.
45

Esse novo modus operandi das direitas brasileiras foi notoriamente potencializado
pelos novos meios de comunicação da era digital e pelas redes sociais. De acordo com Rocha,
a formação e o crescimento de uma nova direita no Brasil está intimamente associada à
organização de grupos de discussão e militância na internet ainda durante o auge do lulismo,
entre os anos de 2006 e 2010141. Apoiados sobretudo em teses popularizadas pelo jornalista e
escritor Olavo de Carvalho, setores de profissionais liberais de classe média e estudantes
universitários passaram a circular em espaços intelectuais anteriormente restritos a
empresários e acadêmicos, formando contra-públicos digitais que se constituíram em torno do
antipetismo e do antiesquerdismo. As organizações pró-mercado mais antigas viram aí uma
oportunidade e passaram a facilitar e financiar as novas estratégias de ação política e
ideológica desses grupos, onde “[...] os militantes vindos da internet traziam consigo um
inédito repertório de ação composto pela circulação de memes, criação de comunidades em
redes sociais e páginas na internet, vídeos divulgados por youtubers e organização e/ou
participação em diversos protestos de rua [...]”142.
Nesse escopo, se destaca a promoção de uma espécie de “memetização” e
superficialização da realidade por meio da promoção de memes, vídeos, notícias falsas (fake
news) e informações descontextualizadas que carregam um forte tom sensacionalista,
reduzindo o debate público a uma reprodução automática e irrefletida de certos discursos do
senso comum. A circulação massificada desse tipo de conteúdo nas mídias digitais junto a
matérias jornalísticas, informações oficiais e pesquisas científicas dificulta ainda mais sua
verificação por parte da população. De acordo com Casimiro, sendo financiada por grupos
empresariais, “a partir de 2016, essa estratégia de difusão de conteúdos e informações rasas
tem sido sistematizada e estruturada cada vez mais profissionalmente, em uma espécie de
produção industrial”143.
É importante destacar que o avanço e a complexificação do aparato hegemônico das
classes dominantes no seio da sociedade civil, a partir do desenvolvimento de inúmeras
estratégias simbólicas de produção de consenso, não implicou numa contração da coerção
advinda do aparelho de Estado restrito. O enrijecimento das políticas afirmadas como sendo
de "segurança pública" nas últimas décadas no país talvez seja a melhor expressão dessa
situação, onde o truculento aparato policial-penal é direcionado para uma política de
extermínio e encarceramento que atinge sobretudo a população jovem, negra e periférica. De

141
ROCHA, op. cit., p. 17.
142
Ibidem, p. 21.
143
CASIMIRO, 2020, op. cit., p. 25.
46

modo análogo, tem-se uma forte repressão exercida contra militantes e movimentos sociais
contestatórios. Essa violência coercitiva sobre as frações mais precarizadas e/ou organizadas
da classe trabalhadora é justificada e naturalizada justamente por intermédio de uma
permanente elaboração de consenso a partir dos meios de comunicação de massa144.
Dispondo não só do poder econômico e político das frações da burguesia que
representam, como de forte capital cultural e simbólico, os aparelhos da nova direita no Brasil
demonstram ampla capilaridade nos mais diversos e específicos espaços econômicos,
políticos, educacionais e culturais que integram a sociedade civil. Instrumentalizando e
funcionalizando outras práticas e espaços de produção de consenso para além do seu escopo
de atuação, esse conjunto de aparelhos privados de hegemonia não corresponde a um bloco
homogêneo, porém compartilham de um “[...] determinado nexo articulador, que produz
determinados padrões de comportamento e significação das relações sociais [...]”145. Ao
mesmo tempo em que constroem articulações e mediam os conflitos interburgueses, seus
intelectuais atuam no sentido do convencimento e educação de amplos segmentos societários
para os valores e a concepção de mundo das classes dominantes, além de incidirem
diretamente na conjuntura política e no próprio aparelho de Estado. Por sua vez, ao se
articular em torno do grande empresariado e de importantes organizações internacionais, essa
preponderante rede de APHs ultrapassa os limites do próprio Estado nacional – porém, sem
nunca se descolar de seu aparato – e se incorpora nas frentes móveis de ação internacional do
capital. Nas palavras de Casimiro:

Com base em tal perspectiva, o que complexifica a compreensão das formas de


dominação de classe, principalmente na conjuntura atual do capitalismo, é
justamente a observação da estruturação dessa dominação burguesa a partir de
interesses e de uma atuação burguesa que vai muito além dos limites do Estado,
sintonizando-se às relações do capital mundializado e suas determinações. Por outro
lado, o Estado constitui dialeticamente produto e produtor das relações de
dominação, sendo, portanto, fundamental para o exercício da hegemonia de classe.
[...] essa análise da construção de hegemonia não pode dissociar o conjunto de
relações da sociedade civil de sua articulação dialética e visceral com o Estado, no
sentido estrito, ou seja, da institucionalidade estatal. Dessa forma, mesmo o Estado
sendo fortemente criticado nos discursos e em certas concepções teóricas da direita,
os aparatos da burguesia enquanto classe dominante são parte indissociável dele,
que, por sua vez, em sua essência, garante seus interesses, mas, por outro lado,
condensa uma relação de forças e luta de classes146.

144
MATTOS, Marcelo Badaró. Governo Bolsonaro: neofascismo e autocracia burguesa no Brasil, São Paulo:
Usina Editorial, 2020, p. 120.
145
CASIMIRO, 2020, op. cit., p. 156.
146
Ibidem, p. 89-90.
47

1.2. “Direita/Esquerda”, “Nova Direita”, “Extrema Direita”: um debate conceitual (e


histórico)

A despeito de acompanharmos Casimiro na caracterização do fenômeno, na medida


em que significa um novo modus operandi de atuação político-ideológica das classes
dominantes no contexto nacional, é preciso considerar que o termo “Nova Direita” envolve
uma discussão teórica e conceitual mais ampla, que, de partida, remete às definições para o
binômio “Direita” e “Esquerda”. Entretanto, diferentemente das noções correntes no senso
comum e no debate público, de fundo valorativo ou puramente indicativas de posições
ocupadas por atores na cena política, pouco tendo a dizer sobre o conteúdo que preenche tais
categorias, é necessário validar o par conceitual “Direita/Esquerda” metodologicamente, a
partir de bases históricas e teoricamente mais consistentes.
Não se fala em “direita” e em “esquerda” no mesmo sentido que se refere a categorias
como liberalismo, conservadorismo, fascismo, comunismo ou anarquismo, que exprimem
correntes de pensamento ou movimentos políticos e sociais particulares. Tampouco se tratam
de conceitos absolutos e fixos, mas dotados de relatividade e historicidade, a serem
observados conforme o contexto específico na medida em que, a partir de uma distinção
topográfica, indicam lugares do espaço político, e não qualidades intrínsecas do universo
político147.
Entrementes, isso implica compreender que, a despeito das variedades e diferenças
apresentadas em cada contexto histórico e político, pode se verificar um fundo comum que
une os agentes de um determinado campo a partir não só dos discursos, mas de origens,
identidades e tradições compartilhadas historicamente. De acordo com o cientista político
Leonardo Andrada, “[...] existem variações conjunturais, referentes a questões específicas que
emergem no debate; mas ao mesmo tempo existe uma estrutura que serve como referência
para essas posições que variam”148. Em concepção similar, Cepêda observa que

Os campos políticos – direita e esquerda – são flexíveis e responsivos às mudanças


históricas e de conjuntura. Dessa atualização surgem expressões como nova ou velha
(direita ou esquerda) que contêm, simultaneamente, os valores fundamentais e as

147
BOBBIO, Norberto. Direita e esquerda: razões e significados de uma distinção política. São Paulo: UNESP,
1995, p. 91.
148
ANDRADA, Leonardo Silva. Direita, Esquerda, Nova Direita e o Neofascismo Brasileiro. Revista Estudos
Políticos, Rio de Janeiro, v. 13, n. 25, 2022, p. 4.
48

novas configurações. Além das alterações cronológicas, os referidos campos ganham


feições próprias em seus contextos nacionais149.

Sabe-se que a divisão do campo político entre direita e esquerda remonta


historicamente às forças em disputa na Assembleia Nacional, ainda no momento inicial da
Revolução Francesa, marcando de um lado aqueles que eram favoráveis à manutenção do
poder da monarquia e das hierarquias sociais – posicionados literalmente à direita do rei –, e
de outro, os revolucionários que lutavam contra aquela ordem inspirados por ideais
iluministas de igualdade jurídica e liberdade como direitos naturais do homem – posicionados
à esquerda.
No bojo do espraiamento das revoluções burguesas na Europa do século XIX, a
distinção entre direita e esquerda passa a equivaler a distinção entre conservadores e liberais.
Com a constituição e afirmação da classe trabalhadora enquanto sujeito político, – no seio de
uma tradição que remonta aos acontecimentos de 1848 e a experiência da Comuna de Paris,
passando pelo crescimento das ideias da social-democracia em fins do século, para se
consolidar como força que oferecia reais ameaças à ordem burguesa a partir de 1917 com a
Revolução Russa – os interesses dos subalternos passam a ser associados ao campo da
esquerda enquanto os interesses burgueses se realocaram à direita150.
Conservadores, liberais e reacionários desde então se mantiveram historicamente no
espectro das direitas, resistindo a mudanças estruturais na ordem econômico-política,
enquanto reformistas, socialistas e comunistas se colocavam no campo oposto a partir da
defesa comum da ampliação da democracia política e social. Como destacado por Silva et. al,
a consolidação da hegemonia burguesa, junto da complexificação dos mecanismos de
dominação e do Estado, colocava dilemas históricos no seio das condições postas pela luta de
classes, incidindo em novos espaços no qual direita e esquerda se moveram. O século XX
seria então palco de grandes experiências que incidiram na definição de ambos os campos,
com repercussões diferentes em cada sociedade: o surgimento da União das Repúblicas
Socialistas Soviéticas (URSS), o nazifascismo, a geopolítica mundial durante e no
pós-Segunda Guerra, as experiências do Estado de Bem-Estar social, a disputa entre o bloco
capitalista e o bloco socialista durante a Guerra Fria, o estabelecimento da hegemonia do
programa neoliberal figuram entre as principais balizas151. De acordo com Cepêda,
149
CEPÊDA, Vera Alves. A nova direita no Brasil: ideologia e agenda política. In: BUZETTO, Marcelo (org.)
Democracia e direitos humanos no Brasil: a ofensiva das direitas (2016/2020). São Paulo: Central Única dos
Trabalhadores, 2021, p. 78.
150
SILVA, Adriana Brito da et. al. A extrema-direita na atualidade. Serviço Social & Sociedade, São Paulo, n.
119, jul./set. 2014, p. 411.
151
Ibidem.
49

A cada movimento histórico de importância – como presença social, protagonismo


eleitoral, força hegemônica e chegada ao núcleo do Estado – ocorre um
reposicionamento dos atores e agendas no campo político. [...] Da mesma maneira, o
golpe de 1964 impactou no desenho do campo progressista brasileiro, tal qual a
chegada de Lula (do PT e do campo progressista) à Presidência da República em
2003 ou da eleição de Jair Bolsonaro em 2018152.

Em relação ao contexto brasileiro, Andrada destaca pelo menos quatro momentos


principais que balizaram o debate sobre as noções de direita e esquerda. No período do
pós-guerra marcado pelo fim do Estado Novo, direita estava associada a posições
conservadoras enquanto esquerda se identificava a defesa do socialismo, com a questão do
"nacionalismo" no cerne da disputa entre ambos. Com o fim da ditadura militar e o processo
de redemocratização, a pecha de direita passou a ser negada pela maior parcela dos
representantes tradicionais desse campo, que passavam a se apresentar como políticos e
intelectuais de “centro” em detrimento da imagem negativa legada pelo regime, associado à
direita. Num terceiro momento, já no contexto de fim do bloco soviético e de consolidação
das políticas neoliberais ao longo dos anos 1990 no país, a própria validade da divisão do
espectro político entre esquerda e direita passou a ser questionada, sobretudo por intelectuais
vinculados às correntes pós-modernas, ainda que os opositores às reformas neoliberalizantes
continuassem reivindicando a posição de esquerda. Por fim, o debate sobre a divisão
direita/esquerda bem como dos conteúdos que caberiam em cada polo volta à tona na cena
pública, influenciado, sobretudo, pelo fim do primeiro ciclo político do Partido dos
Trabalhadores à frente do governo após quatro mandatos e pela ascensão da extrema direita ao
poder153.
No seio das ciências políticas, Norberto Bobbio aparece como referência incontornável
para a definição e defesa da validade conceitual da díade. Nos termos do autor, “direita” e
“esquerda” se tratam de termos antitéticos e reciprocamente excludentes, indicando
“programas contrapostos com relação à diversos problemas cuja solução pertence
habitualmente à ação política, contraste não só de ideias, mas também de interesses e de
valorações [...] a respeito da direção a ser seguida pela sociedade, contrastes que existem em
toda sociedade [...]”154. De tal forma, não se tratariam de conceitos ontológicos, mas de dois
tipos-ideais que indicam conceitos espaciais e relativos, não apresentando um conteúdo
determinado, específico ou constante no tempo.

152
CEPÊDA, 2021, op. cit., p. 77.
153
ANDRADA, op. cit., p. 4.
154
BOBBIO, op. cit., p. 33.
50

Ainda assim, Bobbio busca o critério de contraposição da díade na noção de


igualdade-desigualdade, cuja diversidade de postura frente ao ideal da igualdade – que, por
sua vez, deriva da diferença de percepção e de avaliação do que torna os homens iguais ou
desiguais, e dos limites das desigualdades naturais – permitiria distinguir a direita da
esquerda155. Enquanto a esquerda apresentaria uma visão igualitária da sociedade, tendendo a
reduzir as desigualdades sociais e atenuar as desigualdades naturais – o que não deve ser
confundido com o igualitarismo no sentido de uma “igualdade de todos em tudo” –, a direita
seria tradicionalmente inigualitária, tomando as desigualdades entre os homens como dado
natural e limite de toda ação política156.
Bobbio ainda discute o lugar da noção de liberdade na díade, tomada também
enquanto ideal supremo ou último ao lado da igualdade no seio das teorias e ideologias
políticas. Mas se trataria de um erro tomá-los enquanto conceitos simétricos ou intrínsecos a
um ou outro campo: “Enquanto a liberdade é um status da pessoa, a igualdade indica uma
relação entre dois ou mais entes”157. Ainda que o autor identifique seu conteúdo relativo –
liberdade de quem? liberdade de querer ou de agir? – e admita situações de
complementaridade/combinação ou, por outro lado, de incompatibilidade entre o ideal de
liberdade e o de igualdade, ao fim, Bobbio parece se recolher na velha fórmula liberal
segundo a qual a extensão da igualdade na esfera pública se faria às custas da restrição da
liberdade na esfera privada158.
Já a questão da divisão entre extremistas e moderados, para Bobbio, partiria de
critérios de contraposição no universo político diversos daqueles que distinguem direita e
esquerda. Enquanto nesta antítese principal são questionados sobretudo os fins, a segunda
antítese teria a ver sobretudo com o método empregado na defesa dos fins. Para o autor, “[...]
a díade extremismo-moderantismo tem bem pouco a ver com a natureza das ideias
professadas, mas diz respeito à sua radicalização e consequentemente às diversas estratégias
empregadas para fazê-las valer na prática”159. Seria justamente a maior ou menor estima ao
ideal da liberdade que permitiria distinguir a ala moderada da ala extremista tanto no âmbito
da esquerda quanto na direita160.
Nota-se que Bobbio recorre aqui à chamada “teoria da ferradura”, que trata como
análogos os respectivos pólos extremos da direita e da esquerda – “os extremos ao fim se

155
Ibidem, p. 93-95, 107.
156
Ibidem, p. 99-100.
157
Ibidem, p. 115.
158
Ibidem, p. 111-113.
159
Ibidem, p. 51-52.
160
Ibidem, p. 118.
51

tocam” – que, se distinguindo dos moderados de ambos os lados, seriam igualmente


antidemocráticos e autoritários na defesa de seus programas contrapostos161. A compreensão
da “teoria da ferradura” é importante aqui na medida em que a Brasil Paralelo e os atores da
“nova direita” se utilizam largamente dela em seu discurso – mesmo que de modo implícito –
a fim de equacionarem a esquerda radical e os comunistas – adjetivados enquanto “extrema
esquerda” – junto ao nazifascismo.
De acordo com Andrada, Bobbio não consegue ir além do conceito de liberdade na
acepção formal abstrata do liberalismo, reeditando

[...] a típica crítica liberal, que afirma que a igualdade propugnada se faz às custas da
liberdade, sem levar em consideração a crítica a essa abstração que não leva em
conta as preocupações materialistas. Da perspectiva dos que supostamente
favorecem a igualdade em detrimento da liberdade, a questão é identificar,
objetivamente, liberdade para quem, em relação a que, pois em uma sociedade
dividida em classes, com dominados submetidos ao reino da necessidade, não é
possível falar em liberdade. Resulta problemática a chave proposta por Bobbio, à
medida em que associada ao par liberdade/igualdade, tomados a partir de uma
perspectiva ideológica em que um serve como subterfúgio para a eliminação do
outro. Historicamente, o uso de liberdade nesses termos cumpriu papel de justificar
escravidão, sonegação de impostos, tráfico e invasão territorial, entre outras formas
de defesa da propriedade (LOSURDO, 2006), operando como legitimadora da
desigualdade162.

Outra concepção corrente nos circuitos liberais e mesmo no senso comum sobre o par
esquerda e direita encontra sustentação na Escola Austríaca de Economia a partir dos escritos
do economista Murray Rothbard, que, em síntese, procura definir os termos a partir do eixo
liberdade individual versus coletivismo, mercado/indivíduo versus Estado. Sua análise se dá
sobre o contexto norte-americano nos anos 1970, onde o liberalismo aparecia como
alternativa à esquerda do campo conservador163. Com variações, é sobretudo essa concepção
simplificadora da díade que vigora nos círculos liberais/libertarianos, principalmente na
internet, onde a adesão a um dos polos é resumida à defesa ou não da intervenção do Estado
na economia e na esfera privada.
De outra parte do debate, intelectuais vinculados ao pensamento pós-moderno e
anteriormente identificados com a direita, demasiadamente entusiasmados com a queda do
muro de Berlim e com a tese do “fim da história”, anunciavam o “fim das ideologias”

161
Ibidem, p. 118-119.
162
ANDRADA, op. cit., p. 5.
163
ROTHBARD, 2007 apud ANDRADA, op. cit., p. 5.
52

enquanto procuravam extinguir a validade das categorias direita/esquerda ante o que seria o
triunfo definitivo do capitalismo164.
A divisão do par conceitual a partir de critérios que contrapõem o conservadorismo ao
liberalismo, segundo Andrada, seria mais própria do contexto anglo-saxão, cujas origens da
divisão entre esquerda e direita remontaria à disputa teórico-ideológica entre Thomas Paine e
Edmund Burke “a respeito da independência norte-americana e da Revolução Francesa, seus
desdobramentos jurídicos e institucionais, e que caminhos deveriam ser trilhados para a boa
vida em sociedade”165. Ainda que tal oposição entre direita/conservadorismo x
esquerda/liberalismo tenha sentido no universo político inglês e norte-americano, a mesma
referência não valeria para outros contextos históricos, que sofreriam maior influência da
matriz francesa.
O que Andrada destaca de comum a essas concepções a respeito da divisão
direita/esquerda presentes no pensamento liberal é uma perspectiva analítica de uso elástico
que abandona a concretude histórica em favor de abstrações conceituais e ideais sobre o que
deveria ser a liberdade, a democracia, etc166. O autor então recorre a Lenin a fim de elaborar
definições de esquerda e direita que partam de uma análise baseada em termos materiais e
históricos, recuperando um artigo do líder bolchevique a respeito da questão agrária publicado
imediatamente após a Revolução Russa de 1905. O debate principal se dava em torno das
diferentes posições a respeito da legitimidade da propriedade privada/comunal e do conteúdo
democrático da estrutura burocrática que teria responsabilidade político-administrativa sobre a
nacionalização das terras. A partir da contribuição de Lenin – que analisava não uma questão
teórico-abstrata, mas uma situação concreta – e de outros autores críticos ao liberalismo,
Andrada procura estabelecer outros critérios para a divisão da díade”:

[...] a linha que pode congregar os distintos grupos no campo da direita envolve dois
traços característicos: a preocupação com a defesa da propriedade, e a elaboração de
formatos políticos restritivos à participação popular como forma de preservá-la; por
contraposição, a ação política que busca alterar as relações de propriedade, no
sentido de sua socialização, paralelamente a uma ampliação da comunidade política
através da equalização entre os indivíduos, caracteriza a esquerda. É marcante, desde
os primórdios da modernidade e sua forma típica de Estado, que há uma relação
próxima entre leis de propriedade e composição social das instituições políticas
(MACPHERSON, 1979; LOSURDO, 2004). Em cada momento histórico, essa

164
GENTILE, Fábio. Uma direita “plural”: configurações ideológicas e organizações políticas da direita
brasileira contemporânea. In: FARIA, Fabiano; MARQUES, Mauro Luiz (orgs.). Giros à direita: Análises e
perspectivas sobre o campo líbero-conservador. Sobral: Sertão Cult, 2020, p. 224.
165
ANDRADA, op. cit., p. 6.
166
Ibidem, p. 8.
53

estrutura demanda distintos tipos de ação, a depender da conjuntura, e é por esse


motivo que se alteram as questões programáticas da agenda dos grupos políticos167.

Existiria, assim, um núcleo unificador que atravessa e transcende os diferentes


contextos históricos e ideológicos em que se apresenta as diversas matizes e correntes do
pensamento da “Direita”: a defesa intransigente da propriedade privada e a sustentação de um
sistema político restrito correspondente. Desde a Revolução Francesa, passando pelo
aprofundamento da Revolução Industrial, pela expansão da comunidade política por meio do
sufrágio universal, as Guerras Mundiais, a massificação da sociedade de consumo, o Welfare
State e desembocando no neoliberalismo, observa-se um nexo de continuidade marcado pela
manutenção de padrões discursivos voltados para a defesa desses interesses de modo
permanente. É nesses termos que seria conceitualmente justificável abarcar sob a mesma
categoria de direita posições que a princípio seriam díspares, como a demanda por
desenvolvimentismo via Estado em um contexto, e a privatização neoliberal noutro168. De
acordo com o autor, a “nova” direita atualiza esse núcleo ideológico fundamental para o
presente contexto: “A distinção da ‘nova’ direita, portanto, se refere a esse campo conjuntural,
qual seja, a agenda política que, atualmente, realiza o programa da fração hegemônica do
interesse ligado à propriedade”169.
Mas na medida em que consideramos esta uma categoria útil e heuristicamente válida
na pesquisa – destaca-se, não há consenso sobre suas origens e características principais, nem
sobre sua extensão –, cabe apontarmos os contornos mais gerais que envolvem o debate sobre
o conceito de uma “nova direita”. Admitindo as marcas inconfundíveis que a nova direita
carrega em relação a direita tradicional – o que permite a caracterizar enquanto “direita” a
partir do debate anterior –, resta abordar o que ela apresentaria exatamente de “nova”. A nova
direita, em que se preserve a sua pluralidade e heterogeneidade, na medida em que não
corresponde a um bloco homogêneo, trará aspectos de novidades e diferenciações
substanciais, mas também apresenta relações de continuidade além de simples atualizações
em vista das manifestações pregressas de suas congêneres. Sendo assim, as chamadas “novas
direitas” carregam laços de continuidade histórica com várias camadas e frações das direitas
tradicionais.
De tom crítico e com origem no campo das esquerdas, a expressão surgiu na década de
1980 a fim de caracterizar uma vasta reação ao socialismo entre intelectuais ocidentais. De

167
Ibidem, p. 10.
168
Ibidem, p. 13-14, 20.
169
Ibidem, p. 14.
54

acordo com o verbete “Nova Direita” de Robert Grant no Dicionário do Pensamento Social
do Século XX, a nomenclatura seria enganadora, principalmente na falsa simetria que
estabeleceria com a “Nova Esquerda”:

Em primeiro lugar, a “Nova Direita” é ainda mais diversa que o socialismo como um
todo. Em segundo lugar, embora com uma inclinação ideológica (característica a que
deve o seu êxito intelectual), não é um “movimento” autoconsciente e está unido por
poucos artigos de fé para além de uma antipatia comum pelo socialismo. Em terceiro
lugar, poucos neodireitistas aceitariam esse título ou o considerariam útil (em
contraste com a “Nova Esquerda”, termo autoatribuído por seus adeptos).
Finalmente, a maior parte do pensamento da Nova Direita não é nova nem
particularmente “direitista”170.

Para Grant, a nova direita seria em essência uma simbiose dos rivais históricos do
socialismo: o liberalismo e o conservadorismo. Não obstante, o autor destaca o neoliberalismo
– ou “liberal-conservadorismo” – enquanto a doutrina mais influente neste campo e nos
governos compostos pela nova direita, que ainda seria influenciada pelo neoconservadorismo
de origem anglo-saxã, pelo chamado libertarianismo – ou “anarco-capitalismo” –, e pelo
anticomunismo francês e europeu oriental171. Tendo esses elementos em vista, a ideia de
“nova direita” é mais complexa que a simples aliança entre neoliberais e conservadores, algo
que é genético do próprio neoliberalismo. Veremos no próximo tópico como essas correntes
de pensamento confluem na configuração das bases ideológicas da direita contemporânea.
Entrementes, Demian Melo observa que o verbete de Grant prioriza o contexto
originário europeu e estadunidense em que surgiu a ideia de nova direita, sendo “[...]
necessário ampliar tal noção, incorporando outras dinâmicas político-ideológicas das últimas
décadas que, em certo sentido, se ligam à própria exportação, do centro para a periferia, do
ideário da nova direita”172. Analisado a partir da particularidade brasileira periférica, o
fenômeno apresenta origem mais recente que aquele da década de 1970/80 surgido na
Inglaterra e nos Estados Unidos. No contexto latino-americano, a ideia de nova direita está
intimamente associada aos movimentos e governos conservadores, ultraliberais e autoritários
que emergem na cena política após a onda de governos progressistas que marcaram o início
do século XXI na região.

170
GRANT, Robert. Nova Direita (Verbete). In: BOTTOMORE, Tom; OUTHWAITE, William (orgs.).
Dicionário do pensamento social no século XX. Rio de Janeiro: Zahar, 1998, p. 526.
171
Ibidem, p. 526-528.
172
MELO, Demian Bezerra de. As reflexões de Gramsci sobre o fascismo e o estudo da direita contemporânea:
notas de pesquisa. In: COLÓQUIO INTERNACIONAL MARX E O MARXISMO, 2017, Niterói. Anais...
Niterói: Universidade Federal Fluminense, NIEP-Marx, 2017, p. 15.
55

Mas é preciso tomar cuidado com as balizas temporais aqui mobilizadas. Existe uma
determinada leitura sobre o fenômeno da nova direita no Brasil corrente tanto entre setores
progressistas quanto no seio da direita que associa a erupção desses agentes ao contexto
aberto com as manifestações de junho de 2013. Entretanto, como abordado anteriormente,
essa direita teve seu preâmbulo no processo de redemocratização ainda na década de 1980 a
partir da estruturação de uma série de aparelhos privados de hegemonia, tendo ganhado maior
força e amplitude no cenário nacional a partir da crise representação aberta nos últimos anos.
Como nos lembra Gilberto Calil, “a edificação da nova direita no caso brasileiro não foi
repentina, tampouco se deu na penumbra”, mas diz respeito à própria dinâmica da luta de
classes onde uma “[...] profusão de ideias e programas neoliberais, emplacados como
‘modernizantes’ pelos dominantes, operou numa simbiose com (e através de) setores
conservadores e reacionários, sedimentando uma sociabilidade liberal de cunho
devastadoramente imperialista, antidemocrático e antipopular”173.
Nos termos de um de seus próprios expoentes, Lucas Berlanza, atual presidente do
Instituto Liberal, “direita e nova direita” seriam apenas rótulos que fazem referência a um
“movimento profundamente plural” que no caso brasileiro envolveria:

entusiastas do regime militar, que desejariam uma ação pela força para destroçar o
atual estado de coisas; há conservadores que se moldam a um viés mais
“continental” europeu, preferindo roupagem mais “religiosa”; há os que defendem o
retorno da monarquia; os que defendem mais e menos Estado (...) os “libertários”,
que pregam a privatização de tudo quanto possam e, em um ponto extremo, chegam
ao anarco-capitalismo (sic)174.

Para o cientista político Alvaro Bianchi, a nova direita no Brasil – “novíssimas


direitas”, para sermos mais precisos segundo os termos do próprio autor –, se apresenta
atualmente como uma confluência de três correntes principais: a dos ultraliberais, com uma
ênfase especial sobre o pensamento da Escola Austríaca de Economia; os conservadores
tradicionalistas, vertente política e cultural que estaria baseada numa ideia de reação à
modernidade e tem em Olavo de Carvalho sua principal referência no contexto nacional; e o
fundamentalismo cristão, que recebe um novo sentido a partir do destaque que ganhou a ala
evangélica, de tom mais popular e menos elitista quando comparada ao tradicionalismo
católico. Ainda que já existissem em momento político e intelectual anterior, o fator de

173
CALIL, Gilberto et. al. “Apresentação”, Revista História & Luta de Classes, v. 14, n. 26, set. 2018, p. 5.
174
BERLANZA, Lucas. Guia bibliográfico da nova direita: 39 livros para compreender o fenômeno brasileiro.
São Paulo: Resistência Cultural, 2017, p. 243.
56

novidade reside justamente que essas correntes não se tratavam das forças mais importantes
em termos de organizar a direita175.
É preciso considerar, contudo, que mais do que representante de uma única vertente,
Olavo de Carvalho ocupa lugar de peça-chave da nova direita brasileira, na medida em que
fornece um polo de aglutinação ideológica e intelectual entre suas diversas correntes,
influenciando desde ultraliberais, conservadores e fundamentalistas até grupos militaristas,
monarquistas e neofascistas.
Buscando melhor delimitar o conceito de nova direita, na intenção de evitar
abordagens reducionistas ou que desconsiderem sua análise enquanto processo histórico mais
complexo, Casimiro procura indicar algumas problemáticas que envolvem as abordagens
predominantes sobre o fenômeno. Uma primeira tentativa de explicação colocaria o enfoque
na esfera discursiva, diferenciando a nova direita de sua antecessora pelo seu discurso de
ódio, racismo, intolerância, lgbtfobia e pela postura anti-ciência. Este elemento, entretanto,
não seria novidade no seio da direita conservadora, mas característica histórica sua: “As
retóricas pautadas em ‘ameaças’ à ‘família’ e aos ‘bons costumes’, o ‘perigo vermelho’,
dentre outras, já motivaram discursos extremamente excludentes, violentos e discriminatórios
ao longo da história republicana no Brasil”176.
Apesar de significar um elemento fundamental para a sua ascensão no cenário atual,
caracterizar a nova direita como fruto do desenvolvimento das novas tecnologias de
comunicação e informação, principalmente do uso estratégico das redes sociais e dos
aplicativos de comunicação, também seria insuficiente para definir uma nova expressão
político-ideológica advinda do campo da direita. Ademais, isso implicaria no problema de que
“[...] a cada inovação tecnológica pretérita ou futura, que revolucionou ou vier a revolucionar
o campo de atuação política e ideológica, [...] teríamos de considerar como uma nova
expressão das direitas”177.
Outra abordagem reducionista seria aquela que compreende a ascensão das direitas no
contexto recente como mero movimento reativo aos governos do PT, se associando àquelas
análises que leem o avanço desses agentes como consequência direta das chamadas Jornadas
de Junho de 2013. A principal falha nessa leitura estaria em negligenciar as pŕóprias
iniciativas e as estruturas organizativas dos grupos dominantes – já presentes em momento

175
BIANCHI, Alvaro. Olavo de Carvalho e a guerra cultural das novas direitas; uma entrevista com Alvaro
Bianchi. Em Tese, Florianópolis, v. 18, n. 2, set./dez., 2021. p. 71-72.
176
CASIMIRO, Flávio Henrique. Nova direita, bolsonarismo e a urgência da luta social contra o atual
movimento reacionário no Brasil. In: BUZETTO, Marcelo (org.) Democracia e direitos humanos no Brasil: a
ofensiva das direitas (2016/2020). São Paulo: Central Única dos Trabalhadores, 2021, p. 42.
177
Ibidem, p. 45.
57

anterior – que possibilitaram o avanço das direitas nessa conjuntura. Ademais, parte desses
mesmos grupos que passaram a engrossar as fileiras do impeachment, se tratando de velhos
atores da cena política nacional, vinham conciliando ou mesmo dando base aos governos
petistas nos anos anteriores178.
Estes elementos priorizados nestas abordagens, a despeito de comporem o repertório e
as estratégias que auxiliam na compreensão da ascensão das direitas, tomados de modo
isolado são insuficientes para a caracterização do fenômeno. Reiteramos o pressuposto de
Casimiro de que o principal elemento definidor da nova direita reside no novo modus
operandi adotado no seio de suas estratégias de atuação e estruturas organizativas. Gestado
pelo menos nas últimas três décadas,

Trata-se de um processo histórico de construção de um movimento que abarca


diferentes projetos de hegemonia, sendo que o bolsonarismo representa uma dessas
facetas. [...] Essa redefinição das bases de atuação das direitas
pós-redemocratização, entretanto, também não dá conta de explicar sozinha a
guinada recente para um projeto de extrema direita, mas demonstra que setores das
direitas brasileiras já estavam se organizando política e ideologicamente –
fortalecendo seus quadros e estruturas organizativas, pressionando e atuando no
interior da ossatura material do Estado – muito antes das experiências dos governos
petistas179.

Chaloub e Perlatto sintetizam pelo menos seis pontos principais que nos ajudam a
compreender o avanço da chamada nova direita e de seus intelectuais sobre a cena política e
cultural do país nos últimos anos. Em primeiro lugar, como já pontuado, a ascensão da nova
direita no Brasil está associada ao avanço internacional de movimentos vinculados a
diferentes vertentes do pensamento direitista, verificado nos últimos anos em diversos países
do globo. Tal fenômeno se nutriu da crise do Estado de Bem-estar social no campo político e
do marxismo no campo intelectual, obtendo maior força com a queda dos países soviéticos.
Uma segunda hipótese seria que o distanciamento temporal da ditadura militar, associada ao
espectro político da direita, teria tornando mais confortável a identificação pública com esse
campo passadas mais de duas décadas do processo de redemocratização. O terceiro ponto diz
respeito às profundas transformações sofridas na indústria cultural do país, atravessada pela
expansão e popularização da internet e das mídias digitais, que acabou por ampliar o alcance
dos discursos de intelectuais da nova direita180.

178
Ibidem, p. 47-48.
179
Ibidem, p. 48.
180
CHALOUB, Jorge.; PERLATTO, Fernando. A Nova Direita Brasileira: ideias, retórica e prática política.
Insight Inteligência, Rio de Janeiro, n. 72, ano 19, jan./mar., 2016.
58

A articulação desses intelectuais por meio de uma vasta rede de think tanks voltados
para a propagação da ideologia liberal-conservadora, com forte vínculo no meio empresarial e
midiático, seria um outro ponto já examinado. A quinta hipótese, por sua vez, versa sobre os
fracassos – e mesmo sobre os pequenos avanços sociais – somados pela esquerda hegemônica
nos últimos anos – representada institucionalmente pelos governos do Partido dos
Trabalhadores – terem suscitado uma forte reação da oposição. Por último, o fortalecimento
da nova direita no debate público estaria relacionado à crise do sistema político exposta a
partir de junho de 2013, que aponta para uma mais profunda crise de representação181. Os dois
últimos pontos serão abordados na parte final do capítulo.
A partir de um balanço bibliográfico do campo, Silva, Di Carlo e Mick elencam uma
série de aspectos político-ideológicos que permitiriam diferenciar a “nova” da “velha” direita:

Para além de ser uma tipologia assumida pelos próprios atores e intelectuais
vinculados ao campo (BERLANZA, 2017), há, pelo menos, cinco características que
fundamentam a distinção desses novos grupos políticos em relação a seus
congêneres anteriores (SILVA, 2021): a adoção de um framework metapolítico –
compreendido, segundo definição de Teitelbaum (2019), como a identificação da
arena cultural como o lócus prioritário de disputa política (e como pré-condição para
a conquista de espaços institucionais); o antiintelectualismo, compreendido enquanto
a negação epistemológica das instâncias consolidadas de produção, reprodução e
legitimação dos regimes de verdade no mundo contemporâneo – em especial, as
universidades e centros de pesquisa nacionais e internacionais – e, por sua vez, a
busca pela construção de regimes alternativos (ALONSO, 2019; DI CARLO, 2029a,
2019b; PINHEIRO-MACHADO, 2019; TEITELBAUM, 2020; SILVA, 2021); o
antielitismo, na chave de uma valorização ética, estética e epistemológica do homem
médio e do senso comum (ALONSO, 2019); a instrumentalização do discurso
“politicamente incorreto” como uma retórica de resistência anti-sistema (DI
CARLO, KAMRADT, 2018; ROCHA, 2018); e a síntese ideológica entre o
conservadorismo moral e a defesa do livre-mercado, materializada no slogan “liberal
na economia e conservador nos costumes” (CHALOUB, PERLATTO, 2015;
ROCHA, 2018; NETTO ET AL., 2019; SILVA, 2021)182.

Mais do que simples aliança estratégica, nota-se na configuração da nova direita um


estreitamento ainda maior no seio das fronteiras ideológicas entre liberais e conservadores,
operando uma verdadeira síntese de posições. A despeito de sempre terem construído alianças
táticas contra o inimigo comum identificado na esquerda, nos períodos anteriores – à exemplo
do próprio regime empresarial-militar –, os últimos ainda reivindicavam o papel do Estado
interventor: “economicamente na condução de estratégias de desenvolvimento nacional,
politicamente como um governo forte capaz de controlar as forças que ameaçam a coesão

181
Ibidem.
182
SILVA, Ivan; DI CARLO, Josnei; MICK, Jacques. Nova Direita no Brasil: matrizes teóricas, intelectuais e
discursivas. Em Tese, Florianópolis, v. 18, n. 2, set./dez., 2021, p. 10-11.
59

nacional e socialmente como fonte de referência moral”183. Na nova direita, o que prevalece
não é apenas uma aliança política tática, mas um verdadeiro amálgama ideológico entre
posições economicamente liberais – ultraliberais, para ser mais preciso – e socialmente
conservadoras. A ala conservadora historicamente associada à direita militar, de base
tradicionalista e defensora do regime instaurado em 1964, que tem em Jair Bolsonaro sua
principal figura pública, acabou por incorporar a retórica do Estado mínimo em virtude da
hegemonia estabelecida pelo programa neoliberal184.
Elemento importante já mencionado e que marca o modus operandi dessa nova direita,
ainda que insuficiente para explicar sua emergência, estaria no uso especial da internet e das
plataformas digitais enquanto ferramenta de propaganda ideológica e de difusão de projetos
políticos. Essa estratégia é compartilhada em nível internacional, onde a despeito da
diversidade dos contextos políticos e históricos, verifica-se uma rede interligada de
agrupamentos da nova direita com formas similares de atuação: “disparos em massa por
aplicativos de mensagem, intervenção coordenada em redes sociais, apoio de inteligência
artificial para multiplicação de respostas, veiculação de notícias falsas, montagens de imagens
e vídeos”185 etc. Apesar desse conteúdo ser compartilhado e disseminado por grande parcela
da população, é preciso evidenciar que “[...] existem estruturas muito bem organizadas e
financiadas para criar os mecanismos necessários para sua difusão, assim como aparelhos
produtores de tais discursos e recursos variados de atuação política e ideológica”186.
Destaca-se que diferentemente da direita que vigorou no período de quase duas
décadas entre a redemocratização e a chegada do PT ao governo, que preferia se apresentar
publicamente enquanto “Centro” em decorrência da associação negativa que a ditadura militar
havia legado à alcunha de “Direita”, a nova direita ostenta de forma orgulhosa sua identidade
direitista em oposição a tudo de ruim que é identificado no campo da esquerda187. A alcunha
de “direita” e “nova direita”, assim, vem sendo reivindicada publicamente por uma série de
intelectuais, empresários e políticos nos últimos anos. Ou seja, estamos diante de uma direita
que não mais teme dizer seu nome.
Resta-nos a discussão conceitual que abrange a ala extremada das direitas. Salienta-se
de início que a extrema direita não se define necessariamente por suas correntes, mas pela
postura adotada e os métodos empregados na defesa dos seus pressupostos. Compartilhando

183
ANDRADA, op. cit., p. 16.
184
Ibidem, p. 18-19.
185
Ibidem, p. 16.
186
CASIMIRO, 2021, op. cit., p. 44.
187
ANDRADA, op. cit., p. 16.
60

seu núcleo ideológico com as pautas fundamentais da direita, a extrema direita – alguns a
demarcam como “direita radical”, “direita autoritária”, ou ainda, “ultradireita” – se
distanciaria da sua ala moderada sobretudo em razão da violência e da intolerância dirigida ao
campo que se coloca na oposição de seus interesses e valores primordiais. Trata-se de um
campo político caracterizado por ideologias ultraconservadoras, reacionárias,
antidemocráticas, anti-igualitárias.
Apesar das mudanças ocorridas na extrema direita desde a derrota do nazismo e do
fascismo clássico – suas manifestações históricas mais emblemáticas – algumas
características originais se preservam nas suas expressões atuais: irracionalismo,
nacionalismo, defesa de valores e instituições tradicionais, intolerância à diversidade –
cultural, étnica, sexual – anticomunismo, machismo, violência em nome da defesa da
comunidade ou raça considerada superior188. A extrema direita, assim, não se resume à sua
expressão nazifascista, mas abarca desde fundamentalistas religiosos e de mercado – os
ultraliberais –, até reacionários, monarquistas, militaristas/armamentistas e grupos neonazis. O
fascismo/neofascismo enquanto principal fenômeno histórico do campo da extrema direita
será melhor analisado em suas particularidades políticas e ideológicas no tópico seguinte
junto das demais bases ideológicas das direitas.
De acordo com Michael Löwy, observa-se nos últimos anos um alarmante ascenso da
extrema direita – reacionária, autoritária e/ou neofascista – em nível planetário, fenômeno
sem precedentes desde o período do entreguerras. Os exemplos mais notáveis seriam: Trump
(USA), Modi (Índia), Urban (Hungria), Erdogan (Turquia), ISIS (o Estado Islâmico), Duterte
(Filipinas), e Bolsonaro (Brasil). Mesmo sem uma definição tão explícita, governos de vários
outros países apresentariam tendências próximas: Rússia (Putin), Israel (Netanyahu), Japão
(Shinzo Abe), Áustria, Polônia, Birmânia, Colômbia etc. Nem todas essas experiências,
entretanto, apresentariam uma caracterização neofascista. Bolsonaro pode ser enquadrado
aqui, enquanto Trump apresentaria alguns aspectos neofascistas, sendo atravessado em maior
grau por um “reacionarismo tradicional”189.
A despeito das particularidades assumidas em cada contexto nacional, alguns
elementos comuns se sobressaem à maioria dos casos, senão todos: o autoritarismo, o
ultranacionalismo, a intolerância religiosa ou étnica (racista) contra o “Outro” e a intolerância
contra minorias sexuais, a violência policial/militar como única resposta aos problemas

188
SILVA et al., 2014, op. cit., p. 413-414.
189
LÖWY, Michael. Extrema direita e neofascismo: um fenômeno planetário: o caso Bolsonaro. In: FARIA,
Fabiano; MARQUES, Mauro Luiz (orgs.). Giros à direita: Análises e perspectivas sobre o campo
líbero-conservador. Sobral: Sertão Cult, 2020, p. 13-14.
61

sociais e à criminalidade190. Löwy ainda tece dura crítica ao termo “populismo”, corrente no
seio da grande mídia e da ciência política acadêmica na designação do fenômeno enquanto
“populismo de direita”, termo tomado como inoperante e mistificador:

- sua definição é tão vaga e imprecisa – “populistas são líderes que se dirigem
diretamente ao povo, pretendendo lutar contra as elites” - que pode se aplicar
praticamente a qualquer líder político;
- nada tem a ver como o que habitualmente se designa como “populismo”, em
particular na América Latina: Vargas, Perón, Cardenas, João Goulart etc. - isto é,
lideres com um discurso e, até certo ponto, uma prática nacionalista,
anti-imperialista e um programa de reformas sociais moderadas
- funciona como um eufemismo, ocultando a realidade destes líderes e regimes de
extrema direita, profundamente antipopulares, intolerantes, com traços fascizantes; e
- serve para confundir o público, colocando no mesmo saco como “populistas de
direita e de esquerda” todos os críticos da globalização neoliberal191.

Apesar do forte avanço que vivenciou na sociedade brasileira nos últimos anos, a
extrema direita e sua expressão neofascista não se tratam de uma novidade recente no país.
Basta-nos recordar que o integralismo, organizado em solo brasileiro desde os anos 1930 e
remanescente ainda na atualidade por meio dos neointegralistas, representou a maior
organização fascista da América Latina e principal movimento fascista fora do continente
europeu192. Outra organização relevante do campo da extrema direita no Brasil diz respeito à
Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição, Família e Propriedade (TFP), surgida no contexto
do golpe civil-militar193. Todavia, desde o fim da ditadura – regime encabeçado por forças da
direita extremada – e o processo de redemocratização, a extrema direita se encontrava
fragmentada e limitada à organização de alguns grupelhos e à direita militar194.
Isso muda a partir da ofensiva conservadora no cenário político, que através do
discurso de ódio e da intolerância dirigida aos seus opositores, tratou de abrir brechas para
uma reaglutinação da extrema direita a partir da emergência do fenômeno bolsonarista. O
bolsonarismo, aliás, representa o fenômeno que melhor sintetiza a confluência entre ambas as
categorias no contexto brasileiro: se trata de uma ideologia e de um movimento político de
extrema direita – marcado por elementos proto ou neofascistas –, cujas bases organizativas
foram propiciadas por organizações e agentes da nova direita que vinham há pelo menos três

190
Ibidem, p. 13.
191
Ibidem, p. 14.
192
NETO, Odilon Caldeira. Neointegralismo e as direitas brasileiras: entre aproximações e distanciamentos.
Locus, Juiz de Fora, v.18, n.1, 2012, p. 149.
193
SILVA et. al., op. cit., p. 424.
194
NETO, Odilon Caldeira. Neofascismo, “Nova República” e a ascensão das direitas no Brasil. Conhecer:
debate entre o público e o privado, Fortaleza, v. 10, n. 24, 2020, p. 126-127.
62

décadas disseminando seus valores e concepções de mundo pelo tecido social e cultural do
país.
Ainda que nem toda expressão do que definimos aqui como sendo a nova direita esteja
localizada no pólo extremo da direita, pode-se dizer que na atualidade, mesmo em termos de
dimensão internacional, o ideário da extrema direita hegemoniza isso que convencionou a se
denominar nova direita. Posto isto, não se trata de entender extrema direita e nova direita
como campos inteiramente distintos, sendo preciso ainda abarcar as dimensões neofascistas
dessa direita em sua análise. Antes, boa parcela da direita ainda se preocupava com o discurso
de defesa da democracia representativa liberal e do Estado democrático de direito. Agora, ela
vem se deslocando continuamente para uma postura intolerante e antidemocrática explícita.
Resgatando Cepêda ao debate, “o que se quer destacar é que na nova direita brasileira
coabitam “famílias” políticas diferentes, em que convive uma aliança entre liberais e
conservadores com segmentos de direita radical e neofascistas”195. Aprofundando a análise,
Casimiro destaca

[...] que a referida Nova Direita não se configura como um bloco homogêneo e
tampouco se define pelo bolsonarismo e o projeto de extrema direita que assumiu o
poder no Brasil. O projeto reacionário da extrema direita bolsonarista é uma
expressão no conjunto heterogêneo que constitui o que chamamos de Nova Direita.
Nesse sentido, a análise da atualização da hegemonia burguesa no Brasil, tendo
como nexo articulador um projeto da extrema direita, precisa considerar a
compatibilização histórica de uma complexa trama de elementos e condicionantes196.

Enfim, Cepêda nos traz uma síntese arguta sobre a definição desse campo político com
uma reflexão sobre os sentidos políticos, ideológicos e sociais mais profundos que carrega a
direita:

Sintetizando o raciocínio desenvolvido até aqui: a) a direita perfaz um campo


político flexível e ajustável ao longo do tempo e diferente em contextos nacionais
específicos; b) modifica-se sempre em consonância com seus valores intrínsecos e
opondo-se à ação da esquerda; c) sua unidade fundamental está assentada na visão
de mundo que professa: prefere a competição à solidariedade (que define como
utópica), a exclusão à inclusão, o autoritarismo à democracia e aceita (se não
defende) a desigualdade entre os indivíduos pautada no argumento da ordem natural;
d) forja alianças segundo cada momento do tempo, surpreendendo-nos, como é o
atual caso brasileiro, na junção entre conservadorismo religioso e os interesses
ultraliberais (um falando a linguagem do dogma e outro, a da maximização de
lucros). A direita é regressista – deseja voltar ao passado ou negar as mudanças
presentes. A esquerda é progressista (pois pretende mudar as condições do presente,
em geral na orientação crítica da desigualdade e da injustiça). São duas maneiras

195
CEPÊDA, Vera Alves. A nova direita no Brasil: contexto e matrizes conceituais. Mediações, Londrina, v. 23,
n. 2, p. 75-122, mai./ago. 2018, p. 56.
196
CASIMIRO, 2021, op. cit., p. 48.
63

diferentes de ver o homem, a sociedade, a política e o futuro. Estes projetos


atualizam-se temporalmente, mas não perdem suas fronteiras identitárias197.

1.3. Bases ideológicas e eixos de produção de consenso das direitas

A racionalidade aqui reportada como ultraliberal aliada ao conservadorismo e ao


anticomunismo aparecem enquanto bases ideológicas principais a fundamentar as práticas, os
discursos e as concepções de mundo da nova direita e da Brasil Paralelo. Objetivando
organizar o consenso social, os diversos elementos de hegemonia que os atravessam enquanto
formações ideológicas que servem à manutenção das relações sociais capitalistas, têm
aparecido cada vez mais conjugados na prática social. Num cenário no qual o fenômeno
bolsonarista emerge enquanto principal força política do campo das direitas brasileiras, é
preciso colocar ainda a reflexão sobre a validade ou não do conceito de fascismo para se
referir ao presente contexto. Não obstante, a análise dessas correntes não deve se limitar à
dimensão das suas ideias, na medida em que, como ressalta Poggi, “[...] pensar liberalismo,
conservadorismo e fascismo hoje significa pensá-los dentro das condições sociais presentes;
forças políticas, perspectivas sociais atuantes dentro de uma determinada forma de
estruturação do capital, mundializado e financeirizado, em uma determinada conjuntura de
crise”198.
Mas se falamos em ideologia(s), mobilizamos o conceito não no sentido da “falsa
consciência”, ou de um conjunto de ideias e de crenças abstratas. Dentro da chave
interpretativa marxista-gramsciana, as ideologias não significam uma simples ilusão ou
aparência, mas a uma realidade objetiva e operante que se expressa na prática social dos
sujeitos. São formas de consciência associadas a camadas e grupos sociais, atravessadas por
relações sociais e de poder. As ideologias são construções práticas, sistemas de ideias que
servem como instrumentos de direção política, porém não são reflexos imediatos do político,
visto que são concebidas por Gramsci como concepções do mundo em sentido mais amplo,
relacionadas também à esfera da cultura e ao senso comum199. As ideologias historicamente
orgânicas se tratam de forças ativas e psicologicamente “válidas” que organizam e moldam o
terreno no qual os homens atuam, lutam e adquirem consciência de suas posições sociais200.
197
CEPÊDA, 2021, op. cit., p. 78-79.
198
POGGI, Tatiana. Fascismo à brasileira. In: CISLAGHI, Juliana Fiuza; DEMIER; Felipe. O neofascismo no
poder (ano I): análises críticas sobre o governo Bolsonaro. Rio de Janeiro: Consequência, 2019, p. 70.
199
LIGUORI, Guido. “Ideologia” (Verbete). In: LIGUORI, Guido; VOZA, Pasquale (orgs.). Dicionário
gramsciano, 1ª ed., São Paulo: Boitempo, 2017. [Livro eletrônico]. p. 785-790.
200
GRAMSCI, 1999, p. 237-238.
64

Em Gramsci, a luta entre ideologias está associada, assim, à luta pela hegemonia, que
se articula, como vimos, através de uma estrutura material de aparelhos privados de
hegemonia e do aparelho de Estado. Desta forma, as ideias e os valores que sustentam a
ordem e as relações sociais vigentes são promovidas e disseminadas pelas classes dominantes
como expediente para manutenção da hegemonia. Examinemos então as principais ideologias
que constituem tal hegemonia.

1.3.1. Liberalismo(s)

“Neoliberal”, “ultraliberal”, “libertarianismo” são termos mobilizados aqui enquanto


categorias de análise que remetem a um conjunto de ideologias, teorias, práticas, agentes,
estruturas e concepções de mundo que compartilham suas raízes em comum com a tradição
liberal clássica. Não à toa, a maior parte de seus prepostos se autodeclaram apenas enquanto
“liberais”. Tal qual a discussão conceitual sobre nova direita, são conceitos historicizados, que
indicam atualizações e continuidades, mas também rupturas e particularidades em relação a
sua forma de manifestação histórica original.
Em Gramsci, o tema do liberalismo e dos liberais se associa à questão central da
hegemonia burguesa. Contudo, para o autor o liberalismo pode se expressar como ideologia
dos grupos subalternos ao adquirir o caráter do economicismo e do sindicalismo. Mas
essencialmente, o liberalismo aparece nos escritos gramscianos enquanto como concepção
geral da vida e como nova forma de civilização estatal e de cultura201.
De acordo com Tatiana Poggi, a história do liberalismo se confunde com a própria
história do capitalismo, cuja gênese se relaciona “[...] ao avanço do racionalismo, da defesa da
propriedade privada, do individualismo e da busca da vantagem individual como motores do
desenvolvimento social, do progresso e da prosperidade individual e geral”202. Seria a “mão
invisível do mercado” que garantiria que a busca pelos interesses próprios incorresse num
“equilíbrio natural” da ordem social, tomada enquanto somatório de indivíduos. O cerne do
movimento da história, portanto, está na agência individual. A filosofia liberal clássica
pressupunha a defesa da igualdade civil, da liberdade e da salvaguarda da vida como direitos
naturais a serem garantidos pelo Estado, juntamente da garantia da liberdade de expressão e
associação política. Ainda que apareçam de tal forma na medida em que são condições para o

201
GRAMSCI, 2002a, p. 15. ROIO, Marcos Del. “Liberais/liberalismo” (Verbete). In: LIGUORI, Guido; VOZA,
Pasquale (orgs.). Dicionário gramsciano, 1ª ed., São Paulo: Boitempo, 2017. [Livro eletrônico]., p. 910.
202
POGGI, op. cit., p. 71.
65

exercício da livre troca e para o regime de trabalho assalariado, se tratam de elementos com os
quais o conservadorismo não se compromete203.
Entrementes, o que nasce como uma filosofia progressista em seu combate contra as
forças do Antigo Regime, sendo considerada radical e perigosa ao fim do século XVIII e
início do XIX, gradualmente foi se aproximando de posições mais conservadoras tão logo a
nova ordem burguesa foi estabelecida, terminando por se alojar no campo das direitas204. Se
houveram vertentes mais democráticas e progressistas do liberalismo ao longo da história, que
defendiam a ampliação da participação política e a inclusão social, seriam as correntes mais
conservadoras que se fariam predominantes no seio desta tradição. Recorda-se que teóricos do
liberalismo clássico – a exemplo do próprio “pai do liberalismo” John Locke – legitimavam a
escravidão em suas obras, bem como o colonialismo europeu em África e Ásia. E quando os
estratos populares irromperam nas sociedades burguesas e aristocráticas do século XIX
enquanto sujeito político, os liberal-conservadores demonstraram a mais profunda aversão à
participação das “classes perigosas” na arena política. Já no século XX, intelectuais liberais
ofereceriam apoio ao fascismo contra a “ameaça comunista”, e então, vestidos com roupagem
neoliberal, integraram governos ditatoriais e autoritários sem maiores hesitações205.
Em sua matriz econômica, o liberalismo clássico toma corpo ainda no século XVIII,
sendo balizado pelas obras de Adam Smith indo até David Ricardo no seio do que se
denominou a Escola de Economia Política. Sua crítica é estabelecida posteriormente pelas
posições socialistas, em especial, pelo chamado socialismo científico e a obra marxiana. Na
transição do XIX ao XX, o liberalismo sofrera uma profunda crise, não somente no terreno
teórico, mas fundamentalmente no âmbito da própria materialidade social que se
engendrava206. Repetidas crises econômicas, fenômenos especulativos e profundos problemas
sociais e políticos expunham a fragilidade das democracias liberais e colocavam à prova a
confiança nos mecanismos autorreguladores do mercado207. Frente aos novos dados e
necessidades colocadas por um capitalismo cada vez mais industrializado e urbanizado, “o

203
Ibidem, p. 72-73.
204
SALLES, Leonardo. Nova direita ou velha direita com wi-fi? Uma interpretação das articulações da “direita”
na internet brasileira. Florianópolis, 2017. 167 f. Dissertação (Mestrado em Sociologia Política) – Centro de
Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2017, p. 66.
205
cf. LOSURDO, Domenico. Democracia ou bonapartismo: triunfo e decadência do sufrágio universal. Rio de
Janeiro: UFRJ / São Paulo: Unesp, 2004. Idem. Contra-história do liberalismo. Aparecida: Ideias & Letras,
2006.
206
PUELLO-SOCARRÁS, José Francisco. Nueva gramática del neo-liberalismo: itinerarios teóricos,
trayectorias intelectuales, claves ideológicas. Bogotá: Universidad Nacional de Colombia, 2008, p. 27.
207
DARDOT, Pierre; LAVAL, Christian. A nova razão do mundo: ensaio sobre a sociedade neoliberal. São
Paulo: Boitempo, 2016, p. 57.
66

que no século XVIII constituía uma crítica às diferentes formas possíveis do ‘despotismo’
tornara-se progressivamente uma defesa conservadora dos direitos de propriedade”208.
Ainda que este primeiro liberalismo estivesse centrado na questão dos limites da ação
governamental frente às leis “naturais” da sociedade e do mercado e carregasse certa
concepção comum do homem, da sociedade e da história, os caminhos divergentes que os
liberais seguirão no século XIX, pendendo entre o dogmatismo do laissez-faire e certo
reformismo social, já evidenciavam uma fissura em sua unidade209. Uma primeira vertente,
embasada no utilitarismo de Jeremy Bentham e que culmina em John Stuart Mill – tido como
um dos primeiros democratas liberais –, procurava combinar as noções de livre mercado com
a reforma social e a democracia. Sua continuidade se expressaria no século XX sobretudo por
meio de John Maynard Keynes. Já uma segunda vertente apresentaria forte oposição à
reforma política e social, se opondo tanto à ampliação do sufrágio universal quanto às leis
fabris que estabeleciam limites para as condições de exploração da força de trabalho. Calcada
na obra de Herbert Spencer, que no lugar da ideia smithiana de que a busca pelas satisfação
das necessidades privadas culminaria no bem-estar geral propõe a noção de “sobrevivência
dos mais aptos”, essa vertente encontraria seu prolongamento posteriormente em autores
neoliberais como Mises e Hayek210.
No contexto da grande crise do entreguerras ocorre então uma “refundação” neoliberal
da doutrina, introduzindo uma maior distância ou mesmo rompendo com a velha dogmática
liberal, sem que também se apresentasse como uma doutrina completamente unificada211. O
neo-liberalismo – o “liberalismo contemporâneo” – não só procura estabelecer uma relação de
continuidade e uma atualização do pensamento liberal clássico frente às condições do
capitalismo contemporâneo, como comporta uma decidida renovação/restauração dessa
tradição212. Mesmo tomado enquanto corrente de pensamento, o neoliberalismo não pode ser
resumido a uma doutrina econômica, visto que compreende uma concepção global de mundo,
envolvendo um corpo teórico-metodológico, uma concepção do homem e da ordem social e
política213.
Ao contrário do velho liberalismo laissez-faire, os neoliberais acreditam que o Estado
deve atuar ativamente no sentido de criar e regular um aparato jurídico-legal que garanta o

208
Ibidem, p. 41-42.
209
Ibidem, p. 33.
210
MELO, 2017, p. 15-16.
211
DARDOT; LAVAL, op. cit., p. 33.
212
PUELLO-SOCARRÁS, 2008, op. cit., p. 23.
213
LOPEZ, 1988 apud GROS, Denise Barbosa. Institutos Liberais e neoliberalismo no Brasil da nova república.
Porto Alegre: Fundação de Economia e Estatística Siegfried Emanuel Heuser, 2003, p. 68.
67

bom funcionamento do livre mercado. Enganam-se, portanto, aquelas leituras que


compreendem o neoliberalismo como pura e simples reabilitação do laissez-faire, um
“retorno” ao liberalismo original depois do declínio que se seguiu à crise dos anos 1890-1900.
Daí ainda decorre uma análise errônea que associa o descrédito que essa ideologia encontra na
atualidade com uma crise do neoliberalismo, confundindo “[...] a representação ideológica
que acompanha a implantação das políticas neoliberais com a normatividade prática que
caracteriza propriamente o neoliberalismo”214.
Combinando a reabilitação da intervenção pública junto de uma concepção de
mercado centrada na concorrência e na empresa, o neoliberalismo deslocou o eixo do
liberalismo ao reconhecer que a ordem de mercado não é um dado da natureza, mas produto
de uma construção histórica215. No entanto, compartilha com o liberalismo clássico o primado
da liberdade econômica e a necessidade que se justifique a limitação do Estado em nome do
mercado, fundamento essencial da organização social216. Por vias diferentes, os neoliberais
defendem “[...] que indivíduos diferentemente dotados trocando bens, serviços e (em alguns
casos) informações em mercados minimamente regulamentados podem alocar recursos de
forma mais eficiente do que processos democráticos ou a orientação Estatal”217. Entrementes,
desde muito cedo as análises marxianas/marxistas e weberianas já demonstravam como o
mercado moderno não corresponde a uma esfera autônoma: ele foi sempre amparado pelo
Estado218.
O neoliberalismo emerge então enquanto resposta ao avanço do reformismo social no
seio da crise do liberalismo, como “uma tentativa de entravar essa orientação às políticas
redistributivas, assistenciais, planificadoras, reguladoras e protecionistas que se
desenvolveram desde o fim do século XIX, uma orientação vista como uma degradação que
conduzia diretamente ao coletivismo”219. Sob o guarda-chuva semântico desse “coletivismo”
designam-se os inimigos comuns a serem perseguidos, abarcando desde keynesianos e
distintas tendências socialistas – dos comunistas e social-democratas, aos socialistas fabianos
ingleses –, até os fascistas220.
O pensamento neoliberal tem por princípio uma noção elitista do governo e do poder.
A entrada e a ampliação da composição social da comunidade política a partir do sufrágio
214
DARDOT; LAVAL, op. cit., p. 15.
215
Ibidem, p. 69-70.
216
Ibidem, p. 134.
217
SAAD FILHO, Alfredo. Neoliberalismo: uma análise marxista. Marx e o Marxismo, Niterói, v.3, n.4, jan/jun,
2015, p. 60.
218
DARDOT; LAVAL, op.cit., p. 19.
219
Ibidem, p. 71.
220
MELO, 2017, op. cit., p. 16.
68

universal é vista com maus olhos, uma fraqueza congênita das democracias contemporâneas,
que estariam baseadas no mito da soberania popular e da justiça social. Os governantes
deveriam governar sem sofrer pressão da opinião pública ou da maioria, enquanto o poder
decisório do povo deveria se limitar à nomeação dos governantes. A democracia não seria um
fim em si, mas apenas um meio, um método de seleção dos dirigentes. O que está em jogo
aqui é um questionamento das próprias bases da democracia liberal, pondo em marcha um
processo de “desdemocratização”, que consiste em esvaziar a democracia de sua substância
sem extingui-la formalmente221. De acordo com Dardot e Laval, “essa crítica à ‘soberania
popular’ e à ‘democracia ilimitada’' está ligada a uma preocupação fundamental: trata-se, em
última análise, de isentar as regras do direito privado (o da propriedade e da troca comercial)
de qualquer espécie de controle exercido por uma ‘vontade coletiva’”'222.
Este ponto se relaciona com outra questão de fundo do neoliberalismo. No seio desse
pensamento econômico, a esfera econômica é tomada enquanto espaço dos mecanismos
gerenciais e tecnocráticos eficientes ao “livre mercado”, que nada teria a ver com elementos
de disputa política e democrática223. As empresas e as instituições econômicas são tidas como
expressão de uma racionalidade econômica neutra, promotora do desenvolvimento. Faz-se,
portanto, uma separação idealista entre política e economia – um ponto cego da tradição
liberal desde sua origem, derivada da separação artificial feita entre sociedade civil e
sociedade política –, tomando o liberalismo como expressão espontânea da esfera econômica
quando, na verdade, como nos lembra Gramsci, este representa sobretudo um programa
implementado via regulamentação estatal, introduzido e mantido por via legislativa e
coercitiva224.
Não se tratando de uma doutrina homogênea, mas comportando diversas perspectivas
teóricas, fontes econômicas, práticas históricas e filiações políticas e ideológicas conforme o
contexto em que se apresenta, o pensamento e a teoria econômica neoliberal beberiam de
cinco fontes/motivações principais de acordo com o cientista político Puello-Socarrás: a)
Escola Neoclássica Anglo-Americana: representada pela Escola de Cambridge e de Londres,
mas principalmente, pelas gerações da Escola de Chicago, encabeçada por Milton Friedman;
b) Escola Austríaca (ou “de Viena”): em suas sucessivas gerações, especialmente, a terceira e

221
DARDOT; LAVAL, op. cit., p. 20, 99, 137, 183-184.
222
Ibidem, p. 184.
223
FERNANDES, Sabrina. Sintomas mórbidos: a encruzilhada da esquerda brasileira. São Paulo: Autonomia
Literária, 2019, p. 217-218.
224
Gramsci, na verdade, se utiliza aqui do termo “liberismo” para se referir às doutrinas econômicas centradas na
livre concorrência e no livre-cambismo, visto que liberalismo, como sinalizamos antes, é empregado pelo autor
de maneira mais ampla, indicando uma concepção geral de vida. cf. GRAMSCI, 2007, op. cit., p. 47.
69

quarta, lideradas respectivamente pelas suas principais referências: Ludwig von Mises e
Friedrich Hayek; c) O chamado neoliberalismo alemão: representado pelo “Ordoliberalismo”
e pela Escola da Economia Social de Mercado (ESM). Essa corrente defende um liberalismo
de “novo cunho”, descartando qualquer tipo de restabelecimento do “laissez-faire”, admitindo
que o funcionamento do mercado é imperfeito e que o Estado deve corrigir suas falhas a partir
da construção de uma ordem econômica regulada, mas nunca “dirigida” ou “planificada”; d)
As “sínteses neoclássico-keynesianas”; e e) As sínteses “austro-americana” e
“americano-austríaca”, menos difundidas225.
Existem, portanto, “[...] profundas discrepâncias a nível teórico, epistemológico,
metodológico, etc. que se traduzem em interpretações distintas frente a diferentes tópicos: em
matéria de políticas, medidas econômicas, planejamento e resolução de problemas
socioeconômicos”226, mas que compartilham uma unidade ideológica com os princípios gerais
do neoliberalismo. Apesar dos dissensos no seio do movimento, as disputas teóricas e
abstratas representadas nas diferentes correntes se submetem a um consenso decisivo no plano
político-ideológico e social em prol da construção da Sociedade de Mercado – não apenas
uma “economia de mercado”: “Para todos os neoliberais, os problemas da sociedade, as
dinâmicas públicas e as tensões e conflitos sociais devem ser resolvidos e considerados
univocamente sobre uma ótica individualista de mercado”227.
Segundo Puello-Socarrás, as análises correntes do neoliberalismo incorrem em erro ao
estabelecerem uma oposição dicotômica entre de um lado o intervencionismo estatal, e de
outro as liberdades de mercado, posições que serviriam ainda para marcar a divergência
fundamental entre keynesianos e neoliberais. O keynesianismo, na realidade, também
correspondeu a uma proposta de renovação do liberalismo econômico clássico. Essa aparente
oposição, na verdade, – em que pese seus contrastes inegáveis – se dá no seio de uma
discussão entre liberalismos e ofusca o núcleo ideológico eminentemente liberal que vinculam
ambas as correntes. Trata-se, antes de tudo, de formas distintas de pensar a obrigação política
e a atividade governamental do Estado capitalista, unidas pela manutenção da ordem social
capitalista frente às suas crises228.
Assim, o neoliberalismo não seria inimigo do Estado capitalista como se subentende
na retórica ideológica que mobiliza, mas de certas funções e instituições suas que vão de

225
PUELLO-SOCARRÁS, José Francisco. Ocho tesis sobre el Neoliberalismo (1973-2013). In: RAMÍREZ,
Hernán (org.). O neoliberalismo sul-americano em clave transnacional: enraizamento, apogeu e crise. São
Leopoldo: Oikos; Editora Unisinos, 2013, p. 23-24.
226
Ibidem, p. 26. [tradução livre]
227
Ibidem. [tradução livre]
228
Idem, 2008, op. cit., p. 24-26.
70

encontro a um acelerado fluxo – e concentração – de capital na atual fase de acumulação229.


Manejando mecanismos de reprodução e desapropriação, o regulacionismo estatal se mostra
como uma necessidade ao processo de acumulação neoliberal230. Admite-se a necessidade da
intervenção do Estado – jamais em sentido coletivista ou planista –, enquanto se rejeita
“qualquer ação que entrave o jogo da concorrência entre interesses privados”231.
Abre-se um parêntesis: “Enquanto os principais responsáveis pelo ‘renascimento
neoliberal" – Rougier, Lippmann e os ordoliberais alemães – destacam a necessidade da
intervenção governamental, Von Mises se recusa a definir a função das instituições em termos
de intervencionismo”232. Para Mises, o intervencionismo do Estado levaria progressivamente a
instauração de um socialismo totalitário. Já para seu discípulo, Friedrich Hayek, a questão não
residiria sobre “intervenção ou não intervenção”, mas sobre a natureza das intervenções,
diferenciando as de cunho legítimo daquelas ilegítimas233.
Puello-Socarrás destaca dois momentos pontuais que marcam a emergência do
neoliberalismo e a projeção do seu projeto sociopolítico. Seu nascimento in vitro remontaria
ao ano de 1947 com a fundação da Sociedade de Mont-Pèlerin, círculo intelectual e
plataforma ideológica a partir da qual seriam difundidos o pensamento e as doutrinas
neoliberais, tendo influenciado a criação de diversos outros think tanks, centros de pesquisa,
fóruns públicos e mantido vinculações com elites econômicas e renomadas universidades a
nível internacional234. O movimento teve à frente o economista austríaco Friedrich Hayek, na
esteira de sua renomada obra O caminho da servidão (1944). Por seu turno, Dardot e Laval
defendem que a pedra angular do neoliberalismo se situa antes, no Colóquio Walter
Lippmann, realizado em Paris em 1938, significando a primeira tentativa de formação de uma
“internacional neoliberal”. Contando com os principais nomes da “renovação liberal” como o
próprio Walter Lippmann, Wilhelm Röpke, Alexander Rustow, Louis Rougier, Raymond
Aron, Ludwig von Mises e Friedrich Hayek, o colóquio se prolongou posteriormente na
Sociedade Mont Pèlerin e em outros organismos como a Comissão Trilateral e o Fórum
Econômico Mundial de Davos235. Fora nesse espaço, inclusive, que o termo “neoliberalismo”
foi cunhado por Rustow236.

229
RESTREPO, 2003, apud PUELLO-SOCARRÁS, 2008, p. 25-26.
230
PUELLO-SOCARRÁS, 2013, op. cit., p. 49.
231
DARDOT; LAVAL, 2016, p. 69.
232
Ibidem, p. 133.
233
Ibidem, p. 133, 136-137, 158.
234
PUELLO-SOCARRÁS, 2013, op. cit., p. 16.
235
DARDOT; LAVAL, op. cit., p. 71-72.
236
BROWN, Wendy. Nas ruínas do neoliberalismo: a ascensão da política antidemocrática no ocidente. São
Paulo: Editora Filosófica Politeia, 2019, p. 28.
71

De outra parte, o surgimento in vivo do neoliberalismo pode ser balizado pelo ano de
1973, data não só do choque do petróleo que traz à tona mais uma crise cíclica do capital,
como do golpe de Estado que marca o início da ditadura no Chile, laboratório para o primeiro
regime econômico-político neoliberal na região. A ditadura de Pinochet receberia assessoria
em termos de reformas econômicas e sociais dos chamados Chicago’s Boy’s e dos pais do
neoliberalismo, como das elites neoliberais globais237. Nas décadas posteriores, o ocidente
viveu a ascensão de uma política qualificada ao mesmo tempo como “conservadora” e
“neoliberal”, com os governos Reagan e Thatcher simbolizando uma frente política de ataque
ao “Estado de bem-estar social”, às sociais-democracias e ao socialismo de Estado no bojo da
crise capitalista. Em concomitância a esse processo, as economias erigidas da dissolução do
bloco soviético passariam por uma acelerada onda de neoliberalização238. No bojo dessas
transformações no final do século, o célebre “Consenso de Washington” de 1989, ao lado dos
chamados organismos multilaterais de crédito como o Fundo Monetário Internacional (FMI),
o Banco Mundial (BM) e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) consolidavam o
neoliberalismo à nível global239. Pode-se dizer que, na prática, o neoliberalismo se
desenvolveu como uma resposta a última crise estrutural do capitalismo240. Segundo Dardot e
Laval,

A política conservadora e neoliberal pareceu, sobretudo, constituir uma resposta


política à crise econômica e social do regime "fordista'' de acumulação do capital.
Esses governos conservadores questionaram profundamente a regulação keynesiana
macroeconômica, a propriedade pública das empresas, o sistema fiscal progressivo,
a proteção social, o enquadramento do setor privado por regulamentações estritas,
especialmente em matéria de direito trabalhista e representação dos assalariados241.

No seio da guerra ideológica travada contra o Estado e as políticas públicas, aquelas


mazelas sociais que até então eram associadas ao capitalismo – desigualdades sociais, inflação
e alienação –, passaram a partir dos anos 1980 a serem atribuídas ao Estado: “O capitalismo
deixou de ser o problema e se tornou a solução universal”242.
Contudo é preciso evitar tanto as leituras reducionistas que limitam a análise do
neoliberalismo ao plano teórico ou à sua dimensão ideológica, quanto tomá-lo enquanto mero
conjunto de práticas e políticas econômicas – no geral equiparadas às diretrizes do Consenso

237
PUELLO-SOCARRÁS, 2013, p. 16-17.
238
DARDOT; LAVAL, 2016, p. 189. BROWN, 2019, p. 29.
239
PUELLO-SOCARRÁS, 2013, op. cit., p. 17.
240
MELO, 2017, op. cit., p. 21.
241
DARDOT; LAVAL, 2016, op. cit., p. 189.
242
Ibidem, p. 209.
72

de Washington –, desvinculadas de qualquer projeto sócio-político estratégico243. O


neoliberalismo é um fenômeno multidimensional, não uma matéria puramente econômica,
teórica ou ideológica.
Puello-Socarrás destaca que o neoliberalismo, antes de tudo, configura “[...] um
projeto econômico-político de classe (capitalista) o qual vem se expressando através de uma
estratégia de acumulação (chamada comum e colonialmente de “Desenvolvimento”)”244. Esta
estratégia, a partir da qual se promove e se materializa programas de políticas que
representam sua dimensão tática, se baseia essencialmente na sujeição e na subordinação
absoluta ao mercado enquanto dispositivo de produção e reprodução social em sentido
ampliado. Quando comparado à hegemonia neoliberal dos anos 1980-90, notam-se diferenças
no nível tático das políticas públicas, econômicas e sociais promovidas pelo neoliberalismo
atualmente vigente, sem se alterar, entretanto, o cerne fundamental de sua estratégia de
acumulação capitalista245.
Dardot e Laval, por seu turno, apoiados da noção foucaultiana de
“governamentalidade”, compreendem o neoliberalismo enquanto um sistema normativo que
ampliou sua influência à nível mundial, estendendo a lógica do capital a todas as relações
sociais e esferas da vida246. Indo muito além da esfera econômica restrita, ele corresponde,
assim, a um “[...] conjunto de discursos, práticas e dispositivos que determinam um novo
modo de governo dos homens segundo o princípio universal da concorrência”247. Sua
característica principal residiria na generalização da lógica concorrencial do mercado como
norma de conduta e da forma-empresa como modelo de subjetivação. Neste sentido, o
neoliberalismo encarna a nova racionalidade do capitalismo contemporâneo em sua fase
globalizada e financeirizada, indo das instituições econômicas e estatais até a constituição
subjetiva dos sujeitos transmutados em indivíduos-empresa, em empresários de si. Essa
racionalidade que se desenvolve sobretudo nos anos 1980-90 não pode ser resumida a uma
simples implementação da doutrina neoliberal elaborada em 1930248. Nas palavras dos
autores,

O que está em jogo nesses exemplos é a construção de uma nova subjetividade, o


que chamamos de "subjetivação contábil e financeira”, que nada mais é do que a
forma mais bem-acabada da subjetivação capitalista. Trata-se, na verdade, de

243
PUELLO-SOCARRÁS, 2008, op. cit., p. 16.
244
Idem, 2013, p. 18. [tradução livre].
245
Ibidem, p. 18-19.
246
DARDOT; LAVAL, 2016, op. cit., p. 7.
247
Ibidem, p. 17.
248
Ibidem, passim.
73

produzir uma relação do sujeito individual com ele mesmo que seja homóloga à
relação do capital com ele mesmo ou, mais precisamente, uma relação do sujeito
com ele mesmo como um "capital humano" que deve crescer indefinidamente, isto é,
um valor que deve valorizar-se cada vez mais249.

O Estado, inclusive, longe de ter suas atribuições reduzidas, se apresenta enquanto


principal promotor da “governamentalidade neoliberal”, um “coprodutor voluntário das
normas de competitividade"250. De acordo com Wendy Brown,

[...] nessa racionalidade os princípios do mercado se tornam princípios de governo


aplicados pelo e no Estado, mas também que circulam através de instituições e
entidades em toda a sociedade – escolas, locais de trabalho, clínicas etc. Esses
princípios tornam-se princípios de realidade que saturam e governa cada esfera da
existência e reorientam o próprio homo oeconomicus, transformando-o de um sujeito
da troca e da satisfação de necessidades (liberalismo clássico) em um sujeito da
competição e do aprimoramento do capital humano (neoliberalismo)251.

O principal fator de originalidade do neoliberalismo, segundo Dardot e Laval, estaria


“[...] no fato de criar um novo conjunto de regras que definem não apenas outro ‘regime de
acumulação’, mas também, mais amplamente, outra sociedade”252. Nestes termos, falaríamos
não apenas em política neoliberal ou economia neoliberal, mas de uma sociedade neoliberal,
ainda que esta seja inegavelmente uma forma singular da sociedade capitalista253. Em linha
argumentativa similar, Alfredo Saad diz que

A forma de reprodução social que se segue é tipicamente neoliberal – ela é a forma


historicamente específica de existência do capitalismo contemporâneo, ou o sistema
de acumulação dominante. Ele engloba as formas atualmente normativas de
produção e emprego, das trocas internacionais, do Estado, da ideologia e do modo
de reprodução da classe trabalhadora. Por outro lado, o neoliberalismo redefiniu a
relação entre a economia, o Estado, a sociedade e os indivíduos, incentivando os
últimos a dar a suas vidas uma forma empreendedora e subordinando o intercâmbio
social a critérios econômicos254.

Puello-Socarrás desenvolve ainda algumas teses interessantes que nos auxiliam na


compreensão dos sentidos e das diferentes dimensões do neoliberalismo, observando as
mudanças e rupturas vivenciadas em seu curso histórico. O autor destaca que o neoliberalismo
corresponderia não apenas à última etapa do capitalismo histórico conhecido até hoje em
termos cronológicos, mas resultaria ainda em sua fase superior em sentido qualitativo:

249
Ibidem, p. 31.
250
Ibidem.
251
BROWN, op. cit., p. 31.
252
DARDOT; LAVAL, op. cit., p. 24.
253
Ibidem, p. 26.
254
SAAD FILHO, op. cit., p. 67.
74

É a etapa onde se verifica a mais pronunciada exacerbação das lógicas e


contradições inerentes à reprodução e acumulação incessante de capital. A
exploração econômica, a dominação política, a opressão social e a alienação
ideológica, em todos os níveis e dimensões que caracterizam – nos termos de
Wallerstein – a economia-mundo capitalista, encontram na atualidade e ao mesmo
tempo, seu ápice e seu ocaso255.

O neoliberalismo promove uma progressiva mercantilização da vida humana às custas


da desumanização do homem – em sentido genérico – dentro do capitalismo, trazendo uma
dimensão de crise civilizatória à atual crise estrutural e global do capitalismo tardio256. Ao
redor da Crise Global, manifestam-se crises específicas que convergem simultânea e
estruturalmente e revelam o caráter multidimensional do capitalismo neoliberal: crise
econômica, energética, ecológica e socioambiental, biológica, alimentar, ideológica e
epistêmica, política e, por fim, crise social257. De acordo com Saad Filho, “as crises
desempenham um papel construtivo – e até mesmo constitutivo – no neoliberalismo”258. A
saída encontrada para suas crises é o aprofundamento da própria política e lógica neoliberal.
Ademais, destaca Puello-Socarrás, o neoliberalismo carregaria um forte veio
autoritário. Não só o início da era neoliberal in vivo está vinculada ao processo de instauração
de ditaduras civil-militares no Cone Sul a partir das décadas de 1960-70, como o influxo do
autoritarismo neoliberal se manteve e se aprofundou após a queda desses regimes através da
institucionalização de democracias restringidas. Desde seu nascedouro, o neoliberalismo
combina de modo particular mecanismos de violência institucional (“legal” e “legítima”) com
processos para-institucionais (ilegais) por meio da violência e do terrorismo de Estado,
atestando que seu funcionamento exige necessariamente elementos extraeconômicos que
exarcebam o caráter violento do capital contra o trabalho – precarização e desapropriação
violenta – e contra a natureza – depredação e exploração exasperadas259.
De modo associado, o neoliberalismo ainda apresentaria uma natureza inerentemente
colonialista260, que se expressa tanto no componente colonial do pensamento econômico e
político-ideológico neoliberal, que evolui em paralelo – e contrário – aos processos de
“descolonização” do pós-guerra, quanto nas manifestações concretas de um neoliberalismo de

255
PUELLO-SOCARRÁS, 2013, p. 14 [tradução livre].
256
Ibidem, p. 15.
257
Ibidem, p. 20-21.
258
SAAD FILHO, op. cit., p. 68.
259
PUELLO-SOCARRÁS, 2013, op. cit., p. 38-40.
260
“Nos referimos a ‘colonialismo’ em sentido completo e plural, em termos análogos aos de Raúl Prada e o
conceito de colonialidade múltipla: colonialidades do poder, corpo, gênero, sobretudo, colonialidades do saber e
econômica (Prada, 2013), assim como também ao colonialismo externo e interno”. [tradução livre] Ibidem, 2013,
p. 41.
75

cariz neocolonial. Seu projeto se coloca como uma fatalidade incontornável nos marcos do
processo de modernização e desenvolvimento capitalistas261. Através da operação de
mecanismos de exploração econômica – precarização, desindustrialização, manutenção e
aumento dos exércitos de reserva de mão de obra – e de exploração ilimitada da natureza –
extrativismos em suas diferentes versões –,

[...] o neoliberalismo tem logrado consolidar grande parte da dependência e


subordinação neocoloniais na reprodução e acumulação assimétricas necessárias
para o seu projeto entre Centro(s) e Periferia(s), ou – como mais recentemente se
vem convocando – entre o Norte e o Sul globais (geografias espaço-temporais
epistêmicas e concretas do capital)262.

O autor ainda defende que, longe da hegemonia neoliberal entrar em declive mesmo
com a crítica renitente às consequências de suas políticas e com a crise global que atravessa o
capitalismo desde 2008, o neoliberalismo vem se reafirmando a partir de sua própria
reconfiguração. Assim, a partir do início do século XXI teria ocorrido uma recomposição do
projeto neoliberal, suas ideologias e suas práticas, onde as perspectivas heterodoxas no
interior do neoliberalismo passaram a ganhar maior relevo em detrimento das posições
ortodoxas263. Poderíamos falar, assim, num “novo neoliberalismo” a partir da consolidação da
globalização neoliberal no novo milênio. Seu objetivo residiria em redimir o capitalismo
neoliberal de sua crise a partir dos seus próprios termos264.
Enquanto na fase precedente do neoliberalismo – fase das chamadas reformas de
primeira geração, com ímpeto particular nas periferias (América Latina e Caribe) –, ele se
encontraria mais imbricado no aprofundamento dos argumentos neoclássicos
angloamericanos, principalmente nos da variante estadunidense com a Escola de Chicago, no
“novo neoliberalismo”, por sua vez – erigido no seio das contrarreformas de segunda e
terceira gerações e que responde a uma crise global –, vem ganhando maior relevância as
correntes neoliberais austríacas e alemãs. Entrementes, destaca-se que nas manifestações
concretas e contemporâneas do neoliberalismo, ambas as visões se fazem presente. Ainda
assim, verificam-se significativas reformulações em seu interior, observadas, por exemplo, no
abandono relativo de categorias antes centrais para o neoliberalismo como o homem
econômico, a engenharia social, “o equilíbrio geral”, substituídas por noções mais funcionais

261
Ibidem, p. 41-42.
262
Ibidem, p. 47.
263
Ibidem, p. 13.
264
Ibidem, p. 29-31.
76

ao contexto como o indivíduo empreendedor, o empreendimento, a “racionalidade criativa”,


bem como nas novas formas de ação institucional265.
Para Puello-Socarrás, as posições anti-neoliberais no geral incorrerem em falha ao
confundir sua crítica ao neoliberalismo à crítica da variante ortodoxa das décadas anteriores:
“um anti-neoliberalismo, o qual pode identificar-se facilmente com posições contrárias ao
neoliberalismo ortodoxo mas não ao neoliberalismo capitalista, tal e como sucede com as
posturas heterodoxas fielmente neoliberais [...]”266. É nesse mesmo sentido que em muitos
casos, em particular na região latinoamericana, supostas propostas de “reformas
antineoliberais” animadas por políticas “sociais” e “redistributivas”, e mesmo tentativas de
habilitar um novo desenvolvimentismo, apenas tratam de reforçar a continuidade de um
neoliberalismo regulado sem pôr em questão o seu paradigma267. De outra parte, como destaca
Saad Filho, “a hegemonia política neoliberal bloqueia a expressão política mesmo das
dissidências mais moderadas e, inevitavelmente, alimenta a apatia, o populismo e a
extrema-direita, apesar de suas implicações potencialmente desestabilizadoras para o próprio
neoliberalismo”268.
No seio do pensamento neoliberal, se destaca uma corrente específica que merece
atenção especial devido à influência crescente que vem exercendo nos grupos da nova direita,
sendo reivindicada pelos próprios intelectuais vinculados à Brasil Paralelo. Trata-se do
chamado “libertarianismo”, referenciado no pensamento econômico da Escola Austríaca e
associado às posições de Von Mises, Murray Rothbard, Ayn Rand, Robert Nozik, David
Friedman e Walter Block. De acordo com Casimiro, “[...] se há alguma novidade no espectro
político-ideológico [da] nova direita seria o [...] libertarianismo, que agora sai dos circuitos
fechados e exclusivos da direita para compor a ossatura material do Estado”269.
Reivindicando-se enquanto legítimo herdeiro da tradição liberal clássica, o
libertarianismo se baseia numa “defesa radical do capitalismo sem restrições de qualquer tipo,
associada a uma defesa moral e política da liberdade dos seres humanos de não serem
coagidos uns pelos outros”270. Os libertarianos – auto referenciados “libertários” – reduzem os
direitos aos direitos de propriedade e possuem aversão a laços de solidariedade social que não
ocorram por intermédio das relações do mercado271. A ação estatal praticamente se resume à
265
Ibidem, p. 28-29.
266
Ibidem p. 50.
267
Ibidem, p. 50-51.
268
SAAD FILHO, op. cit., p. 69.
269
CASIMIRO, 2020, p. 152.
270
DOHERTY, 2007 apud ROCHA, 2018, p. 46.
271
MIGUEL, Luis Felipe. A reemergência da direita brasileira. In: GALLEGO, Esther Solano (org.). O ódio
como política: a reinvenção das direitas no Brasil. São Paulo: Boitempo, 2018, p. 19.
77

salvaguarda da propriedade privada e dos direitos individuais. Poderíamos, assim, se referir ao


libertarianismo como uma ideologia de cariz ultraliberal, na medida em que radicaliza e leva
às últimas condições as premissas contidas no ideário pró-mercado.
De acordo com um de seus expoentes, o jornalista Bryan Doherty, a militância
libertariana internacional abrangeria os seguintes grupos: anarco-capitalistas (ancaps), que
defendem a extinção total do Estado em nome da manutenção da propriedade privada, do
livre-mercado e da soberania individual; objetivistas, corrente inspirada no individualismo
romântico da escritora Ayn Rand; minarquistas, que defendem que as únicas instituições
estatais que deveriam existir são aquelas relacionadas à justiça e à segurança pública;
economistas austríacos; “liberais clássicos”; e o que se refere comumente enquanto
neoliberais, tidos pelos libertarianos como aqueles grupos vinculados principalmente à Escola
de Chicago, e por isso alcunhados de “chicaguistas”272.
Demian Melo também lembra de um grupo menos conhecido, os chamados
fusionistas, “uma corrente que seria animada por Rothbard e Buckley Jr. como resultado de
uma fusão entre libertarianos e conservadores, tendência cujo último contorno é o chamado
paleolibertarianismo, uma variante mais excêntrica ligada aos nomes de Rothbard, Walter
Block e Hans-Hermann Hope”273. Rothbard defendia um “populismo de direita” onde os
“libertários” se somariam ao movimento conservador de massas e aos reacionários numa
frente antissocialista e anti-intervencionista, por meio de um programa que, sob o verniz da
defesa dos valores familiares e do nacionalismo ufanista, combina a destruição dos serviços
públicos, com repressão a minorias, políticas punitivistas e higienistas das mais brutais274.
Entrementes, ainda que se assuma que essas correntes compartilham das mesmas
bases morais e filosóficos que os neoliberais, Dardot e Laval as compreendem como correntes
à parte do neoliberalismo. Quer defenda o Estado mínimo, quer defenda a abolição do Estado,
o libertarianismo não seria um “ultraliberalismo”, mas outro liberalismo275. Mas o que se tem
de concreto é que, na prática, neoliberais austríacos e chicaguistas, minarquistas, objetivistas e
anarco-capitalistas cerram as mesmas fileiras de ação política a despeito de suas diferenças
teórico-ideológicas276.
Ao defenderem a “liberdade” como valor central – resumida aqui à ausência de
interferência externa –, os ultraliberais estabelecem a defesa da “igualdade” como seu oposto

272
DOHERTY, 2007 apud ROCHA, 2018, p. 46-47.
273
MELO, 2017, p. 14.
274
MARQUES, Victor Ximenes. Entrevista com Victor Ximenes Marques: Guerras culturais, uma nova forma de
fazer política. ECO-Pós, Rio de Janeiro, v. 24, n. 2, 2021, p. 467.
275
DARDOT; LAVAL, op. cit., p. 391.
276
MARQUES, op. cit., p. 467.
78

e mesmo uma ameaça imanente àquela. A partir daí, definem a esquerda como defensora da
igualdade e a direita como promotora da liberdade. De acordo com Luiz Felipe Miguel,
“Estado, esquerda, coerção e igualdade compõem um universo de sentido, enquanto liberdade,
mercado e direita formam outro”277.
O discurso apresentado em defesa das “liberdades individuais” – que em tese levaria a
formulações avançadas sobre consumo de drogas, direitos reprodutivos e liberdade sexual – é
contrapesado logo que se observa a prática política desses grupos, que aponta na maioria das
vezes para alianças com conservadores e grupos fundamentalistas religiosos. O Estado é tido
aqui como o inimigo em comum, seja por regular a economia, seja por intervir na autoridade
patriarcal regulamentando os direitos dos integrantes submetidos no núcleo familiar ou dos
que vivem à margem desse modelo. Nesse sentido, para ambos, é a família tradicional que
deve funcionar como célula base da organização social no lugar do Estado278.
Fora dos debates teóricos sobre as liberdades individuais e a função econômica do
Estado, de acesso mais restrito aos círculos de militantes e intelectuais liberais, o discurso da
limitação do Estado tem que se fazer valer entre o grande público como estratégia de
convencimento político-ideológico para o projeto neoliberal. Nesse âmbito, a retórica liberal
apresentará seu projeto de redução dos atributos administrativos, econômicos e sociais do
Estado como se fosse o único caminho viável para a modernização e o bem-estar material das
massas. O Estado, confundido com o governo e tomado como antro da corrupção e ineficácia,
é identificado então como principal responsável pela desigualdade econômica e pelo entrave
do desenvolvimento279. Segundo Leonardo Salles,

Esta concepção, a dos libertários pelo menos, oferece a visão de uma nova direita
como uma oponente do status quo – considerando que nunca houve de fato
liberalismo no Brasil –, adotando a narrativa de que as mazelas do país provêm da
ineficiente e corrupta máquina estatal, a qual impede a operação adequada da livre
iniciativa, lócus das virtudes da eficiência, do empreendedorismo e do mérito280.

Nos marcos na racionalidade neoliberal, o discurso ultraliberal promovido pela nova


direita foi eficaz em interiorizar na consciência do trabalhador precarizado a ideia de que ele
se trata de um capitalista em formação, um “empreendedor de si mesmo” que tem a
oportunidade de ascender socialmente através da “meritocracia”. Assim, o sucesso e o
fracasso passam a depender inteiramente do indivíduo, e não das condições e clivagens
277
MIGUEL, op. cit., p. 19.
278
Ibidem, p. 20.
279
SAES, Décio. República do capital: capitalismo e processo político no Brasil. São Paulo: Boitempo, 2001, p.
78-79.
280
SALLES, 2017, op. cit., p. 64.
79

sociais. Até mesmo a retirada de seus direitos trabalhistas passa a ser justificada frente a
promessas de maior empregabilidade. Esses consensos em torno do ultraliberalismo vem
sendo construídos e apoiados materialmente nas últimas décadas por uma série de think tanks
liberais articulados em torno de uma rede de aparelhos privados de hegemonia, como vimos.
Observa-se que a retórica ideológica do “Estado mínimo” manejada pelos prepostos do
ultraliberalismo serve, na verdade, à burguesia na reconfiguração do papel do Estado, visto
que este exerce papel fundamental para a atualização da dominação de classe. Altera-se sua
ossatura material por meio da privatização de suas funções e da reformulação da legislação
nacional, realizando as “reformas” necessárias a reestruturação produtiva do mercado
enquanto estratégia de expropriação dos extratos trabalhadores e ampliação das taxas de
lucro281. O que se observa na prática é a operacionalização de um “Estado mínimo” na
garantia de seguridade social para a maioria da população, mas extremamente inchado no
favorecimento dos interesses das classes dominantes e em suas atribuições coercitivas e
consensuais que visam a desregulamentação das relações de trabalho e a desarticulação dos
movimentos populares.
As premissas do direito à liberdade e à salvaguarda da vida que conformam o
liberalismo clássico entram num terreno nebuloso quando afixadas por essas correntes mais
conservadoras e radicais do neoliberalismo, dado que historicamente seus prepostos vem
fornecendo anuência a projetos de poder de cunho excludente e hierarquizante, e mesmo a
governos ditatoriais e neofascistas. Ao mesmo tempo, quando empregadas a defesa das
liberdades individuais e políticas, da igualdade jurídica, dos direitos civis e do regime
democrático, estas aparecem aqui como condicionadas fundamentalmente ao liberalismo
econômico e à propriedade privada, não podendo ser exercidas plenamente fora da alçada de
uma organização social regulada pelo mercado.
Nesses termos, é a propriedade privada e os processos de mercado, tomados enquanto
fundamentos primordiais da vida humana, que devem ser garantidos fundamentalmente, ainda
que aquelas outras liberdades e direitos precisem ser suprimidos. A própria concepção de
Estado de Direito aqui empregado concebe a primazia das ditas liberdades econômicas sobre
os mecanismos legais e administrativos do Estado. Isso confere aos setores ultraliberais uma
anuência a projetos antidemocráticos quando necessário salvaguardar os interesses do
mercado. O fundamental para o mercado aqui não é a liberdade política ou a igualdade
jurídica, mas a liberdade econômica.

281
CASIMIRO, 2016, op. cit., p. 256.
80

O próprio Mises argumentava que o essencial na defesa liberal era a manutenção da


propriedade privada, onde a forma assumida pelo regime político possuiria subalternidade em
relação àquela. Para o economista austríaco, a democracia poderia ser temporariamente
suspensa pelo uso da força caso necessário à manutenção da ordem capitalista. O autor
chegou mesmo a exaltar a “influência inconsciente” que o liberalismo exercia no fascismo,
tomando este como recurso de emergência para salvação da civilização europeia282. O curioso
é que com o desenrolar das experiências nazifascistas e os rumos da Segunda Guerra, a partir
da conjuntura de confronto intelectual da Guerra Fria o autor oportunamente passaria a
associar o fascismo enquanto uma variante de um vago “socialismo”, empenhado no ataque
ao Estado de bem-estar283. Principal discípulo de Mises, Hayek, por sua vez, alegou em
entrevista no contexto da ditadura de Pinochet que preferia “um ditador liberal a um governo
democrático sem liberalismo”284. Nessa mesma direção, o chicaguista Milton Friedman
também considerava como “[...] aceitáveis regimes autoritários (onde há liberdade econômica
sem democracia) e como inaceitáveis os totalitarismos (onde não existiriam nem liberdade
econômica nem democracia)”285. Não à toa, Friedman e seus discípulos tiveram grande
influência na política econômica da ditadura chilena.
O essencial para a ideologia ultraliberal é que as relações econômicas e de trabalho
fiquem longe do âmbito das regulamentações do Estado e dos processos democráticos, e o
mercado premie com lucro os mais aptos no jogo da “livre concorrência”. De acordo com essa
lógica, os problemas e as profundas desigualdades que uma sociedade periférica como a
brasileira atravessa seriam frutos da intervenção do Estado na vida econômica e da não
observância dos princípios liberais, ou da própria incompetência dos indivíduos, conformada
pelo discurso da “meritocracia”286. Segundo Pierre Bourdieu, a força da ideologia neoliberal
se apoia essencialmente em uma espécie de “darwinismo social”, onde impera a lei do mais
forte, lançando mão de uma justificativa teórica para os privilégios das classes dominantes287.
A desigualdade de renda e da riqueza são tidas como inerentes à economia de mercado
porque seriam derivadas da desigualdade natural entre os homens. A sociedade aparece aqui
como um agregado de indivíduos atomizados que são conectados pelo mercado, uma “ordem
espontânea” onde permutam seus interesses. A lógica concorrencial é assim tomada como
282
AUGUSTO, André Guimarães. O que está em jogo no “Mais Misses, Menos Marx”. In: DEMIER, Felipe;
HOEVELER, Rejane (orgs.). A onda conservadora: ensaios sobre os atuais tempos sombrios no Brasil, Rio de
Janeiro: Mauad, 2016, p. 138-139.
283
Ibidem, p. 140-141.
284
HAYEK apud DARDOT; LAVAL, 2016, p. 184.
285
MORAES, 1996 apud GROS, op. cit., p. 87.
286
CASIMIRO, 2016, p. 271 et seq.
287
BOURDIEU, 1998 apud CASIMIRO, 2016, p. 344.
81

condição natural e unívoca do ser humano, daí emergindo a “lei do mais forte” nos marcos
dessa concepção darwinista da sociedade – que, recorda-se, também se integra à visão de
mundo do fascismo. Ou seja, aquilo que são formas sociais e históricas da sociedade erigida a
partir do modo de produção capitalista aparecem aqui como formas a-históricas e naturais.
Segundo Casimiro,

Por trás dessa visão mundialista e cosmopolita dos dominantes, há uma filosofia da
incompetência, segundo a qual são os mais competentes que vencem ou governam, o
que implica que aqueles que não têm trabalho, ou acesso à saúde ou educação de
qualidade, por exemplo, são vítimas de sua própria incapacidade, de sua
incompetência. Ou seja, tudo é uma questão de mérito pessoal, numa perspectiva em
que todas as posições sociais estariam alicerçadas fundamentalmente no mérito,
negligenciando outros condicionantes sociais e históricos288.

O que está em jogo aqui é a captura dos sentidos de liberdade e de cidadania a partir
de uma noção do ser humano como sendo utilitarista e individualista por “natureza”. A
liberdade efetiva só poderia ocorrer nos marcos da economia de mercado, onde o cidadão é
tomado enquanto mero consumidor que age a partir de suas vontades e seu mérito individual,
convertendo seus direitos e mesmo sua vida numa mercadoria negociável. No
fundamentalismo de mercado, este seria o “reino” da liberdade humana mediado pela livre
fruição das “trocas voluntárias” em oposição ao Estado, o reino da coerção, ignorando as
relações de dominação e as formas de expropriação que atravessam o mercado289. Todas as
relações culturais, políticas e sociais passam a estar submetidas à lógica e à lei do mercado,
tomado como uma realidade espontânea e condição para a realização das liberdades humanas.
Trata-se de tornar o mercado o poder absoluto, a mesma forma de exercício de poder que, por
ironia, fez nascer o liberalismo clássico enquanto sua crítica mordaz. De acordo com a autora
Denise Gross,

A intenção é fazer com que o econômico, o político e o social só possam ser


pensados dentro das categorias que justificam o arranjo social capitalista. Nessa
redefinição, a precária situação econômica e social de alguns países é desvinculada
de sua história e atribuída exclusivamente aos males que acompanham a intervenção
do Estado — ineficiência, corrupção, empreguismo, desperdício, má administração
—, enquanto à iniciativa privada são reservadas todas as virtudes necessárias para a
recuperação da economia e da sociedade: eficiência, competência, austeridade,
racionalidade, modernidade, dinamismo, etc. Nessa perspectiva, todas as políticas de
cunho liberal são justificadas, na medida em que elas estão sendo decididas em
nome da “modernidade”, da “democracia econômica”, da “liberdade do indivíduo e
do mercado”, independentemente do custo social que elas imponham290.

288
CASIMIRO, 2020, p. 60
289
Idem, 2016, p. 323.
290
GROS, op. cit., p. 87-88.
82

Fato é que o discurso neoliberal por si só “[...] não é capaz de amparar enquanto
ideologia a necessidade de uma prática política brutal de extermínio e de rebaixamento das
condições de vida”. Só intelectuais “[...] capazes de articular um discurso de violência contra
minorias, de intolerância e hiperindividualismo podem dar conta de justificar o estágio atual
da economia capitalista”291, construindo consenso entre a população no seio de uma profunda
crise econômico-social. É nesse sentido que, ao lado do ultraliberalismo, o conservadorismo
aparece enquanto base ideológica que conforma a concepção de mundo da nova direita e da
Brasil Paralelo.

1.3.2. Conservadorismo

De acordo com Albert Hirschman, a tradição de pensamento e ação conservadora teria


como central a categoria de re-ação (recusa)292. Alicerçado na obra de Edmund Burke, é neste
sentido que nasce o conservadorismo moderno no século XVIII enquanto uma reação às
mudanças trazidas pela modernidade e pela nova ordem social estabelecida com as revoluções
burguesas, as quais estariam erodindo com as bases da civilização cristã ocidental. Se opondo
ao racionalismo e às filosofias iluministas, bem como à cultura política liberal baseada no
conflito e no dissenso, o conservadorismo elenca como princípios seus o resgate da tradição,
dos padrões morais e dos costumes, e o respeito à ordem e à hierarquia, tomando as estruturas
de poder como naturais. Neste mesmo sentido, as desigualdades e violências sociais são
tomadas como aspectos da “natureza humana”293. Esta é entendida como portadora de uma
essência imutável, que, por sua vez, implica em normas imutáveis. Elenca-se ainda a
propriedade privada, a família e o Estado enquanto pilares da organização social294.
A concepção do processo histórico e da ordem social aqui contidas não defendem um
simples retorno ao passado ou a conservação estática do atual estado de coisas, uma vez que o
pensamento conservador acomoda mudanças desde que estas sejam gradativas, parte da
“evolução” e do “desenvolvimento natural” e cumulativo da humanidade, tendo aversão a
transformações abruptas no processo social295. Essa concepção já se encontra explicitada na

291
ALMEIDA, Silvio Luiz de. Neoconservadorismo e liberalismo. In: GALLEGO, Esther Solano (org.). O ódio
como política: a reinvenção das direitas no Brasil. São Paulo: Boitempo, 2018, p. 32.
292
HIRSCHMAN, 1992 apud CEPÊDA, 2018, p. 47-48.
293
POGGI, 2019, op. cit., p. 70.
294
SOUZA, Jamerson Murillo. Tendências ideológicas do conservadorismo. Recife, 2016. 304 f. Tese
(Doutorado em Serviço Social) - Centro de Ciências Sociais Aplicadas, Universidade Federal de Pernambuco,
Recife, 2016, p. 179.
295
POGGI, op. cit., p. 70-71.
83

própria obra burkeana, que tem como tema central a crítica à Revolução Francesa, de tipo
insurrecional, em oposição ao elogio feito à “Revolução Gloriosa” inglesa, uma “revolução
sem sangue” que estabeleceu novos interesses políticos e econômicos no seio do Estado,
enquanto preservava a tradição e o ordenamento social constituído296.
O conservadorismo clássico projeta sobre o ser social concepções teológicas e
repousadas sobre o idealismo, propondo que o Estado, a sociedade e a propriedade privada
“constituem uma ordem natural eterna e divinamente estabelecida”297. De tal forma,

O conservadorismo tende a invalidar a categoria da alternativa, entre outras formas,


por tornar absoluta a fé monoteísta cristã, pois ela passa a ocupar um lugar de
teleologia universal, regente de todos os processos da causalidade e da história,
retirando dos sujeitos individuais e coletivos a capacidade de decidir sobre seu
próprio destino298.

O indivíduo, assim, se encontra aqui subordinado a entes metafísicos: a comunidade, a


memória das gerações passadas e as forças sobrenaturais que dominam o curso da natureza e
da história, e nesse ponto, o conservadorismo se contrapõe ao atomismo social e ao
individualismo exacerbado apresentado pelo pensamento liberal299.
De acordo com Tatiana Poggi, “[...] as filosofias conservadoras, entre as quais se
localiza também o fascismo, naturalizam não somente a desigualdade socioeconômica, como
também outras desigualdades, outros privilégios – como o de nascimento, de raça, de religião,
o patriarcalismo”300. Como destacado pela autora, se tratam de filosofias nutridas por um
elemento de conformismo que oferece legitimação às hierarquias e relações de poder tal como
se colocam. Seja pela ordem natural, emergida da tradição ou da religião, seja pela
diferenciação decorrente do uso que cada um faz da liberdade – o mérito –, os indivíduos são
– e sempre serão – desiguais e diferentes, a não ser pela violação das leis da natureza ou por
perversão política301. O princípio da igualdade destoaria da “ordem natural” construída por
tradições seculares como a família patriarcal, a religião cristã, o Estado e o mercado,
instituições baseadas na hierarquia e na desigualdade302.
Para Cepêda, esse princípio da desigualdade natural entre os homens servira para unir
o conservadorismo ao liberalismo:

296
SOUZA, op. cit., p. 115-118.
297
Ibidem, p. 122.
298
Ibidem, p. 42.
299
POGGI, op. cit., p. 71.
300
Ibidem, p. 72.
301
CEPÊDA, 2018, op. cit., p. 61-62.
302
SOUZA, op. cit., p. 167.
84

Este raciocínio que positiva a desigualdade pela ação meritocrática pode ser a chave
de aproximação entre o ideário conservador contemporâneo, o liberalismo e o
neoliberalismo. Embora o pressuposto fundador da liberdade e da condição de
aristoi do liberalismo seja a dinâmica econômica e não a ordem dos costumes ou da
tradição, permanece a perspectiva da assimetria (distinção). As concepções
conservadoras modernas foram capturadas na órbita da filosofia liberal, aceitando a
mudança que nunca será para todos. O que o conservadorismo e boa parte da direita
contemporânea fizeram foi naturalizar como fundamento da desigualdade o
sacrossanto Mercado, combinado com forma de conservadorismo moral e de
crença303.

Outrossim, essa tradição se traduziu historicamente na conformação de uma vertente


política comprometida em frear o avanço da igualdade civil, política e social no seio das
democracias contemporâneas. Edificado sobre um pensamento elitista e aristocrático – Burke
já evidenciava em sua obra sua opção pela monarquia e suas posições anti republicanas e
antidemocráticas –, desde o seu nascedouro o conservadorismo tentaria brecar a participação
das classes populares na arena política, relegando a atividade política aos estratos mais altos e
esclarecidos das classes dominantes. E, “neste sentido, tanto no século XIX quanto no século
XX, o conservadorismo nos possibilita diferenciar liberalismo de democracia, podendo estar
no campo do primeiro mas sendo totalmente incompatível com a segunda”304.
Outra marca distintiva do pensamento conservador reside no irracionalismo,
identificado por meio de sua negação da razão em nome de uma concepção pragmática,
intuitiva e imediatista de ação e pensamento305. O entendimento da realidade objetiva dá lugar
a abstrações moralizantes e mistificadoras das relações sociais. De acordo com Jamerson
Murillo Souza:

A maioria dos conservadores da contemporaneidade tende, outra vez, a elevar as


"paixões", os "sentimentos", as "intuições", ao patamar de fonte verdadeira de
conhecimentos, posto que são provenientes "das verdades profundas da alma
humana" e, por isso, seriam mais "puras" que as conclusões eivadas pelo crivo
"artificial" da razão e do método científico306.

Por outro lado, também destaca o autor:

[...] o conservadorismo recebe a contribuição de áreas do saber e intelectuais que


elaboram sistemas racionais de explicação da vida social. Sendo assim, a filosofia e

303
CEPÊDA, 2018, op. cit., p. 62.
304
VIANNA, Alexander Martins. “Conservadorismo” (Verbete). In: SILVA, Francisco Carlos Teixeira et. al.
(orgs.). Dicionário crítico do pensamento da direita: ideias, instituições e personagens. Rio de Janeiro: FAPERJ,
1999. [livro eletrônico], p. 134.
305
SOUZA, op. cit., p. 121-122.
306
Ibidem, p. 132.
85

a sociologia, por exemplo, figuram como campos de produção de conhecimento que,


de um lado, sofisticam e ampliam valores da tradição conservadora e, de outro,
formulam conceitos que são apropriados e reforçam o conservadorismo em seu
aspecto de movimento político. Essa contradição e esse ecletismo decorrem da
incapacidade de o conservadorismo elaborar um sistema suficientemente articulado
que permita a essa tradição consolidar-se como fonte autônoma e sistêmica de uma
concepção de mundo que lance bases sólidas para a ação social e política. Por isso,
recorre ao liberalismo e suas indicações econômicas, ao pós-modernismo e sua
destruição da história como totalidade para justificar o "presentismo", ao
pragmatismo como referência para a ação política imediata, à sociologia de raiz
funcionalista para justificar a importância das instituições e das tradições para a
constituição da sociedade e manutenção da coesão social307.

Fundamentado na obra lukacsiana e complexificando a questão, Souza busca na esfera


da reprodução social os fundamentos ontológicos que permitiriam compreender a função
social das ideologias conservadoras nas sociedades de classes. A estrutura de funcionamento
dessas ideologias se assentaria sobre as seguintes perspectivas principais:

[...] cancelar as possibilidades de posições teleológicas de caráter emancipatório ou


revolucionário, operando num sentido anti revolucionário; defender uma concepção
teleológica da história, negando ou abstraindo quaisquer alternativas de
sociabilidade para além do continuísmo institucional vigente; fazer a crítica
positivista das ideologias, afirmando-se como "realismo conservador", única posição
política e teórica supostamente válida na sociedade atual e, nesse sentido, despido de
"ideologia"; seguir um roteiro antiontológico (o "presentismo" conservador), que
resulta na negação do trabalho como categoria fundante do ser social, abrindo a via
para a sacralização conservadora das instituições vigentes, tradições e costumes,
atribuindo unicamente a elas a capacidade de manter a coesão da sociedade;
naturalizar o pensamento e a proposta política conservadora, apoiando-se na
suposição de que seriam constitutivos do ser humano, equalizando a permanência da
sociedade ao conservadorismo pressupostamente inato dos indivíduos, numa espécie
de continuísmo perene das instituições e dos sujeitos [...]; mistificar a função
ontológica da política, reduzindo-a à administração "técnica" e imediata das
"circunstâncias", cancelando, por essa via, o sentido da categoria luta de classes e o
fundamento do projeto societário socialista e comunista308.

Avultando-se em momentos de crise, as ideologias conservadoras de uma maneira


geral “[...] baseiam-se na mistificação segundo a qual a única possibilidade de reprodução do
gênero humano reside na permanência e universalização das relações sociais vigentes num
dado momento histórico”309. Daí sua essência anti e contrarrevolucionária, identificando os
indivíduos e grupos contestadores da ordem enquanto “inimigos da sociedade”. De modo
mais explícito ou ocluso, esses elementos são no geral atualizados conforme as condições
históricas e sociais concretas com as quais as ideologias conservadoras precisam interpelar.
No caso da forma particular da sociedade burguesa, “o capitalismo, e suas relações de

307
Ibidem, p. 213-214.
308
Ibidem, p. 32-33.
309
Ibidem, p. 41-42.
86

exploração características, são elevados à condição de única sociabilidade possível e


desejável”310 – e aqui se inclui no seio das “ideologias conservadoras” em sentido amplo não
só o conservadorismo clássico e o contemporâneo, mas também as correntes do liberalismo. O
conservadorismo representa assim uma “ideologia unificadora da hegemonia das classes
dominantes”311, subordinando o conjunto de suas frações ao projeto mais amplo e fundamental
de manutenção e ampliação das formas e relações sociais capitalistas.
Com os desdobramentos das revoluções de 1848 e o avanço do movimento operário,
ocorre uma aproximação quase que natural do pensamento liberal com o conservadorismo,
alterando seus respectivos eixos. Enquanto o liberalismo se convertia de ideologia
progressista a elemento de manutenção da ordem social, o conservadorismo, “[...] de
pensamento antiburguês, passa a se constituir como mais uma ideologia conservadora típica
da sociedade capitalista”312. De tal forma, e não sem ressalvas, depois de Burke boa parte da
tradição conservadora clássica passou a assumir ideias basilares do liberalismo, tomando o
mercado como mediador das relações sociais313. Todavia, para os conservadores, o indivíduo e
o mercado precisam estar subordinados às instituições tradicionais, e não o contrário. Nota-se
ainda que enquanto o conservadorismo se inicia sobretudo enquanto reflexão política e moral,
o liberalismo se constitui desde o início enquanto uma teoria social, sistêmica, de base
científica e racional314. Aliás, o conservadorismo nunca expressou um pensamento econômico
próprio, variando nesse âmbito conforme o contexto em que se apresenta.
Distanciando-se – em parte – do discurso puramente moralista e subjetivista que
fundou a tradição clássica sobre a obra burkeana, “o conservadorismo que emerge no século
XX mescla tendências irracionalistas e a aplicação de algumas noções e conceitos
privilegiadamente extraídos da moderna sociologia e da teoria política”315. Adquirindo verniz
“científico”, “[...] valores e princípios da tradição conservadora são elevados a conceitos,
construídos a partir do método sociológico, formulado de modo a espelhar o método e a
racionalidade que orientam as ciências naturais”316. De forma contraditória, o
conservadorismo também buscará “[...] se apresentar como posição política desprovida de
consequências para a sociabilidade, como meros ‘traços de personalidade’, como tendências

310
Ibidem, p. 42.
311
Ibidem, p. 226.
312
Ibidem, p. 132.
313
Ibidem, p. 29.
314
Ibidem, p. 152, 176-177.
315
Ibidem,, p. 150.
316
Ibidem, p. 154.
87

subjetivas [...]”317. Uma ideologia que faz a crítica das “ideologias” a fim de se apresentar
enquanto uma “forma de ser” não ideológica.
Com a derrota do nazifascismo e o estabelecimento da nova ordem mundial no
pós-guerra, os conservadores passaram a procurar se apresentar enquanto defensores da
democracia política. Para tanto, recorreram à tese do “totalitarismo” no contexto da Guerra
Fria, equalizando social-democratas, comunistas e fascistas como faces de um mesmo inimigo
a ser combatido. Caberia, assim, aos conservadores junto dos liberais resguardar as liberdades
individuais ameaçadas318. Segundo Souza, o conservadorismo contemporâneo

[...] de um lado, é abastecido com a produção de obras e autores irracionalistas


radicalizados à direita do espectro político [...], de outro, recebe a contribuição de
intelectuais com um discurso moderada e relativamente democrático — ainda que
essa democracia seja meramente entendida como conjunto de regras e rituais
institucionais. O que permanece como intocado, mesmo considerando essa
pluralidade, é a defesa incondicional da sociedade vigente e o estabelecimento de
um consenso antirrevolucionário a antiproletário319.

Ainda que o pensamento conservador brasileiro receba influências de vertentes mais


moderadas, associadas à tradição inglesa do século XX – renovada principalmente por meio
da obra de Roger Scruton –, serão aquelas tendências mais radicalizadas do conservadorismo
advindas sobretudo do contexto estadunidense – de corte antidemocrático e protofascista –
que exercerão maior peso no cenário intelectual e político das direitas brasileiras320. Trata-se
de um “novo conservadorismo” que, diferentemente da matriz inglesa clássica, já se constitui
no período de um capitalismo monopolista maduro, com forte orientação anticomunista. Seu
apogeu coincide com o período da política de “caça às bruxas” do macartismo no pós-segunda
guerra, e tem em autores como Russel Kirk, William Buckley Jr., Richard Weaver e Robert
Nisbet suas referências principais321. Esta vertente também tende a apresentar maior
proximidade com as direitas brasileiras por conta do maior peso que a religião exerce em seu
interior, questão de maior importância nas direitas dos países americanos do que na Europa.
No contexto dos anos 1960-1970, esse novo conservadorismo passa a direcionar o
foco de sua ação reativa ao Estado de bem-estar social – tal como o neoliberalismo –, à
contracultura e ao avanço dos movimentos feministas, de direitos civis e dos homossexuais. A
crise capitalista dos anos 1970 foi tomada pelos conservadores como uma crise moral

317
Ibidem.
318
Ibidem, p. 45.
319
Ibidem, p. 158.
320
Ibidem, p. 158-159.
321
Ibidem, p. 161.
88

decorrente do “igualitarismo” artificial produzido pelo Estado intervencionista e da abertura


propiciada aos chamados grupos identitários. As ditas políticas sociais ainda estariam
favorecendo o ócio entre as classes populares. Frente a esse cenário, caberia buscar a
restauração da ordem social, das hierarquias e das diferenças “naturais” entre os indivíduos,
ameaçadas com as mudanças em curso322.
O casamento do conservadorismo com o neoliberalismo, capitaneado
institucionalmente pelos governos Thatcher e Reagan, é então formalizado na medida em que
a defesa de um Estado forte na imposição dos costumes se associava à ideia de um Estado que
fosse capaz de desmontar a estrutura de direitos sociais e de serviços públicos e garantisse a
livre iniciativa privada. Para os conservadores, as liberdades de mercado não seriam
plenamente possíveis fora de uma forte estrutura social e moral. Já a “questão social” deveria
retornar ao âmbito privado e das iniciativas individuais, sob formas assistemáticas de caridade
e filantropia323. Com a aliança entre conservadores e neoliberais, “a desconfiança de um
conservadorismo de corte mais tradicional em relação ao mercado [...] daria lugar a um elogio
da modernização econômica, de modo que as resistências ao moderno ficariam restritas ao
mundo da cultura, este o grande responsável por destruir antigos valores e instituições”324.
De acordo com Souza, “a ideologia conservadora contemporânea, tal como se
apresenta no Brasil em suas tendências ideais, teóricas políticas mais aparentes, é portadora de
uma tendência ao crescimento da intolerância e da agenda de ataques aos direitos civis,
políticos e sociais”325. No cenário nacional e internacional, a defesa conservadora da ordem
social vigente vem fornecendo as bases ideológicas para movimentos fascistas e de extrema
direita, em suas justificativas contra aqueles grupos “nocivos” que ameaçariam a ordem social
e precisam ser combatidos: comunistas, integrantes de movimentos sociais, imigrantes,
grupos étnicos e religiosos, minorias, etc. Casimiro aponta como a atual configuração das
direitas

[...] demonstra, num âmbito mais geral, a articulação entre liberalismo econômico e
conservadorismo cultural nas representações político-ideológicas, contemplando
convenientemente cisões e divergências interburguesas. Além disso, a burguesia, em
meio a seus conflitos e cisões intraclasse, sempre oscilará entre os seus partidos da
ordem; essa posição característica da extrema-direita pode até não ser
necessariamente a concepção que a burguesia gostaria de ver concretizada [...].
Todavia, se em determinada conjuntura esse for o partido de que a burguesia precisa,
ou que é obrigada a acatar, então essas posições mais extremadas, e mesmo

322
ALMEIDA, op. cit., p. 28.
323
SOUZA, op. cit., p. 165.
324
CHALOUB; PERLATO, 2016, op. cit.
325
SOUZA, op. cit., p. 210.
89

protofascistas, são tranquila e convenientemente acatadas em nome da garantia


daquilo que é essencial para sua dominação e acumulação326.

Não se tratando de simples tradução da tradição conservadora ao contexto nacional, as


raízes do pensamento conservador na formação social brasileira periférica e dependente se
encontram na convergência das condições e determinações ideológicas da dominação de
classes, herdadas do passado colonial e escravista e atualizadas pelas relações sociais
capitalistas, e que são eivadas com princípios e valores funcionais à essa dominação: ordem,
autoridade, disciplina, hierarquia, meritocracia, entre outros. Essa orientação se desdobrou
efetivamente ao longo da história em inclinações ideológicas marcadas pelo racismo,
machismo, intolerância religiosa, lgbtfobia e o preconceito de classe, coroando-se com um
anticomunismo atroz e uma cultura política fortemente elitista, antidemocrática, autoritária e
reativa à conquista de direitos pelas classes subalternas327.
No Brasil recente, o crescimento do conservadorismo sobre as esferas política,
ideológica e cultural é associado à conjuntura de avanço das direitas a partir de 2015/2016.
Entretanto, como anteriormente abordado, percepções de mundo e práticas conservadoras
vêm sendo disseminadas no tecido social há anos através dos aparelhos privados de
hegemonia das classes dominantes328. Se nos anos 1960 grupos conservadores da sociedade
civil foram fundamentais no apoio ao golpe e ao regime empresarial-militar, aglutinados
principalmente em torno do discurso anticomunista, a partir da redemocratização e do declínio
do socialismo real esses setores passaram a voltar seus esforços maiormente em fazer reação
ao avanço das chamadas lutas identitárias329. Contudo, como veremos, o anticomunismo
permanece intimamente vinculado a esse discurso e presente como elemento determinante no
conservadorismo e nos grupos da nova direita. Fato é que, diferentemente do passado, o
conservadorismo agora aparece organizando o consenso ativo de amplos setores populares.
A agenda conservadora contemporânea encontra uma fonte substancial no
nacionalismo e no patriotismo ufanistas, componentes também característicos dos
movimentos fascistas. Não se trata de qualquer nacionalismo, mas “[...] dentro da perspectiva
ufanista histórica brasileira, um nacionalismo para poucos, para ‘cidadãos de bem’, no estilo
‘Brasil, ame-o ou deixe-o’”330. O ufanismo é mobilizado supostamente para a defesa da

326
CASIMIRO, 2020, p. 37.
327
SOUZA, op. cit.,, p. 215-217.
328
CALIL, Gilberto. Estado, capitalismo e democracia no Brasil recente. In: SILVA, Carla Luciana et. al. (orgs.).
Ditadura, transição e democracia: estudos sobre a dominação burguesa no Brasil contemporâneo, Porto Alegre:
FCM, 2016, p. 211-212.
329
ROCHA, op. cit., p. 177-178.
330
FERNANDES, 2019, op. cit., p. 112.
90

sociedade contra inimigos externos e internos. Na conjuntura nacional, ele aparece geralmente
de modo associado ao discurso anticorrupção e antiesquerda, representando um elemento
despolitizador que foi essencial na articulação da nova direita no seio das manifestações pelo
impeachment, e depois, na vitória da extrema direita nas eleições de 2018. Expresso no lema
chauvinista importado da Alemanha nazista “Brasil acima de tudo”, esse ultranacionalismo
propalado pelo bolsonarismo enquanto “patriotismo” corresponde a um componente
fundamental de sua base de mobilização ideológica, identificado na própria estética verde e
amarela assumida pelo movimento.
Se tratando de um dos principais afetos mobilizados pelos conservadores e pela nova
direita, o patriotismo é responsável por vincular os sujeitos a uma comunidade nacional
tomada em abstrato, submetendo-os a uma devoção de qualidades que seriam intrínsecas à
nação brasileira. O ufanismo apaga os antagonismos estruturais das classes e a existência de
opressões de grupos sobre outros ao mesmo tempo em que cristaliza no imaginário popular a
oposição como traidora da pátria. Ao cabo, esse ultranacionalismo impede a constatação de
que a corrupção, o sistema representativo corrompido e a infraestrutura precária do aparato
público nacional são sintomas da estrutura capitalista maior que serve aos interesses
burgueses331.
Além do nacionalismo ufanista, o conservadorismo se avultou amplamente nas classes
populares e na periferia principalmente por meio de pautas de valores morais e do
fundamentalismo religioso promovido por igrejas pentecostais e neopentecostais, com suas
lideranças associando os tradicionais “inimigos da sociedade” designados pelos conservadores
à imoralidade, à degeneração e ao próprio “Mal”. O fundamentalismo religioso se trata de um
elemento peculiar que confluiu na ofensiva conservadora, representado através da força
política de uma direita cristã que se unificou em 2018 e foi decisiva para eleger Bolsonaro e a
extrema direita.
Já presentes na constituinte, esses setores passaram a representar uma força política no
Brasil a partir dos anos 1990 com a difusão de igrejas neopentecostais no país, ganhando
inserção em espaços midiáticos e elegendo suas lideranças para cargos políticos. Os
parlamentares fundamentalistas da “bancada da bíblia” – muitos dos quais também compõem
a “bancada da bala” – aumentam de projeção em meados de 2010 – dentre eles, Bolsonaro –
ao se unirem a outros setores conservadores do congresso para imbricar as pautas que iam de

331
Ibidem, p. 242-244.
91

encontro a sua agenda moral, como o direito ao aborto seguro e legal, definições mais
inclusivas de entidade familiar e políticas de combate a lgbtfobia332.
Mas se trata de um equívoco reduzir o fenômeno à “bancada evangélica”, um termo
que ainda oculta a existência de diferenciação entre as denominações protestantes, além de
invisibilizar o setor minoritário de evangélicos progressistas, e não aludir a presença dos
setores mais conservadores da igreja católica que compõem o bloco fundamentalista cristão.
Mais do que uma ação parlamentar coesa, o fundamentalismo se trata de um fenômeno social
e ideológico, que se baseia numa cosmovisão de mundo em que se compreende os escritos
sagrados como a verdade revelada, absoluta e supra-histórica. A partir daí, as escrituras
sagradas e as doutrinas religiosas são transformadas em fonte de toda autoridade política,
cultural e moral, e isso acaba por incorrer numa regra de conduta moral que anula as
possibilidades de debate e diversidade de posições e de modos de existência. Nas palavras de
Luis Felipe Miguel, o fundamentalismo

[...] não significa necessariamente fanatismo. É um discurso utilizado de acordo com


o senso de oportunidade de seus líderes: contribui para manter o rebanho
disciplinado, imuniza-o diante de discursos contraditórios e fornece aos chefes um
capital importante, isto é, uma base popular, com o qual eles negociam. O controle
de emissoras de rádio e televisão completa o quadro. Os líderes religiosos
desempenham o papel de novos coronéis da política brasileira333.

A ordem política e social é ligada através da religião a uma verdade absoluta, dando
coesão a uma comunidade. Por meio desse fenômeno o indivíduo passa a se reconhecer e
estabelecer sua identidade a partir do seu papel no âmbito familiar e de sua ligação com a
comunidade de fé, cortando vínculos coletivos enquanto trabalhadores ou integrantes de lutas
coletivas334.
Boa parte das vezes o fundamentalismo cristão se apresenta de modo associado à
chamada “teologia da prosperidade”, que certamente corroborou para a naturalização da
racionalidade neoliberal, sobretudo nos estratos mais precarizados da classe trabalhadora
brasileira. No lugar de uma pregação cristã voltada para o senso de comunidade, caridade e
justiça social, a fé é mercantilizada como um investimento individual a ser permutado com
Deus em troca da concessão de bens materiais335. Essas instituições neopentecostais e seus
canais de comunicação foram fortemente fomentados durante os governos petistas, como o

332
LACERDA, Marina Basso. O novo conservadorismo brasileiro: de Reagan a Bolsonaro. Porto Alegre: Zouk,
2019.
333
MIGUEL, op. cit., p. 21.
334
LACERDA, op. cit., p. 53-55.
335
MIGUEL, op. cit., p. 23.
92

caso da Igreja Universal, que passou a receber incentivos para sua emissora de televisão, a
Record, e a ocupar espaços institucionais no governo336. Anos mais tarde, a Igreja Universal,
ao lado dos setores fundamentalistas que sempre se mantiveram na oposição ao PT, se
mostrariam grandes apoiadores do golpe sofrido por Dilma Rousseff e um dos principais
pilares para promoção do bolsonarismo nos setores populares. Levando em conta esse
aumento da audiência da “teologia da prosperidade” e do discurso de intolerância religiosa,
Mattos avalia que

a “matriz discursiva” de origem religiosa, que orienta expressivas parcelas dos


setores mais pauperizados da classe trabalhadora atualmente, é muito distinta
daquela que dominava o mesmo cenário nos anos 1980, quando os setores de
esquerda da Igreja Católica, orientados pela “teologia da libertação” e organizados
nas Comunidades Eclesiais de Base (CEB), contribuíram para a reorganização da
classe e suas lutas coletivas337.

Intimamente associada ao fundamentalismo religioso, a promoção de uma agenda


moral contra o debate de gênero e sexualidade e em defesa do modelo familiar patriarcal
tradicional representa uma importante trincheira para os conservadores e a extrema direita,
atraindo para sua órbita segmentos não necessariamente evangélicos ou de caráter religioso.
Sua ação se baseia na percepção de que a família patriarcal e o ideário masculino e feminino
heteronormativo estariam sob ataque dos movimentos feministas e LGBT+, grupos que
estariam sendo privilegiados pelo Estado ao lado de outras “minorias”. Trata-se de um
importante campo de mobilização política e ideológica fomentado por intelectuais da nova
direita de alcance, como o próprio Olavo de Carvalho, que ainda contou com uma pasta
efetiva no governo Bolsonaro através do extinto Ministério da Mulher, da Família e dos
Direitos Humanos a cargo da pastora Damares Alves, atualmente senadora pelo Distrito
Federal.
O próprio Bolsonaro representa um exímio exemplo de figura que ganhou maior
relevância política no momento em que passou a apostar mais no discurso da “defesa da
família”. Insigne representante do corporativismo militar desde o início da carreira
congressista ainda no começo dos anos 1990, não era um típico defensor da família
tradicional – em sua vida pessoal, Bolsonaro acumula divórcios e filho extra-conjugal – nem
da religião até que progressivamente foi se aproximando das pautas punitivistas e da agenda
moral sexual em seus mandatos. Passou então a associar os adversários da esquerda não só à
corrupção, mas à defesa dos direitos humanos que “protegeriam os bandidos”, ao tema da
336
Ibidem, p. 21.
337
MATTOS, 2020, p. 179-180.
93

redução da maioridade penal e a pautas sexuais. A partir do governo Dilma pode se observar
uma inflexão progressiva no discurso de Bolsonaro e seus pares conservadores, passando a
tomar como carro chefe seu o tema do “kit gay” em ataque ao PT. Suas polêmicas começaram
a lhe proporcionar aparições constantes em programas da TV aberta, e junto a isso, o uso
precoce das redes sociais como canal de comunicação política acabou por lhe garantir uma
expressiva votação em 2014, se elegendo como deputado federal mais votado do Rio de
Janeiro. Em 2016, o deputado católico se aproxima mais dos evangélicos ao ser batizado em
Israel pelo Pastor Everardo, líder do Partido Social Cristão (PSC). Além disso, Bolsonaro
também passou a dar destaque à religiosidade protestante da esposa Michele Bolsonaro,
estabelecendo um diálogo mais enfático em relação aos grupos pentecostais338.
A crítica aos materiais educativos de combate à homofobia junto da denúncia da
“doutrinação esquerdista” e da “sexualização precoce” nas escolas foi um dos motes de
campanha de Bolsonaro em 2018. O pânico moral criado em torno de políticas de educação
sexual e de qualquer mínimo esforço para se prevenir sexismo e lgbtfobia foi decisivo na
ascensão da extrema direita ao poder, vinculando o PT e a esquerda a “ideologia de gênero” e
ao execrável projeto de aplicar o tal “kit gay” nas escolas junto da distribuição de
“mamadeiras de piroca”, informações falsas altamente disseminadas durante a campanha
presidencial. Como se sabe, esses ataques ao PT em forma de fake news foram impulsionados
ainda por meio de uma rede de disparo em massa de mensagens através do aplicativo
WhatsApp, financiada por empresários bolsonaristas339. Na campanha fracassada para a
reeleição de Bolsonaro em 2022, o espantalho da vez na pauta moral recaiu sobre a falácia de
um projeto de implementação de “banheiros unissex” nas escolas que a esquerda poria em
prática caso vencesse, junto do “fechamento de igrejas”340. O bolsonarismo aparece como
alternativa política para as massas populares justamente “[...] por ter sido capaz de interpelar
os valores conservadores predominantes no senso comum das classes subalternas, dando uma

338
Ibidem, p. 175-178.
339
MELLO, Patrícia Campos. Empresários bancam campanha contra o PT no WhatsApp, 18 out, 2018.
Disponível em:
<https://www1.folha.uol.com.br/poder/2018/10/empresarios-bancam-campanha-contra-o-pt-pelo-whatsapp.shtml
>. Acesso em: 20 fev. 2022.
340
ALEIXO, Isabela. Banheiro unissex e fechamento de igrejas: as fakes sobre Lula no 2º turno. UOL, 29 out.
2022. Disponível em:
<https://noticias.uol.com.br/confere/ultimas-noticias/2022/10/29/checagens-sobre-lula-segundo-turno.htm?>.
Acesso em: 12 fev. 2023.
94

explicação para a natureza da crise brasileira que transcende a velha narrativa de combate à
corrupção mais direcionada às classes médias”341.
Na pauta das mulheres, o discurso contra o aborto ofusca as posições sexistas e
misóginas dos grupos conservadores. Há de fundo aqui uma concepção que toma as
disparidades de gênero como algo natural, cabendo à mulher o papel de portadora do “dom
natural” da reprodução. Não à toa, sob a alcunha de “defesa da vida”, o ataque contra os
direitos reprodutivos das mulheres e à legislação sobre o aborto ocupa lugar fundamental na
agenda dos grupos conservadores, ao lado do ataque às pautas relativas ao respeito à
diversidade e liberdade sexuais. Nessa mesma linha de pensamento, a ausência da figura
paterna levaria à delinquência, à promiscuidade e à gravidez na adolescência, que por sua vez
acarretaria na dependência do Estado assistencialista342.
No lugar do Estado, a família que é alçada a instituição responsável por evitar e
combater esses tipos de problema, ela é a célula da organização social. Nestes termos, o
discurso da família patriarcal autossuficiente fornece justificativa para o corte de serviços
sociais por parte do neoliberalismo343. De tal forma, o conservadorismo e seu discurso sobre
“valores” e “costumes” fornece uma espécie de “moralismo compensatório” ante a
desagregação social provida pelo capital e suas crises, como “[...] forma de canalizar
politicamente frustrações e desviar a atenção das políticas neoliberais em curso”344.
Essa tendência crescente de temas culturais e morais ocupando o centro do debate
político, mobilizando amplas bases sociais, alude a um fenômeno que vêm sendo denominado
como guerras culturais. Propondo uma análise sobre o contexto norte-americano, o conceito
foi popularizado a partir do livro Cultural Wars (1991) do sociólogo James Hunter345,
refletindo sobre como a arena política vinha sendo atravessada por uma batalha entre sistemas
de crença e visões de mundo distintas, contrapondo de um lado os progressistas, de outro, os
conservadores. Este tipo de conflito mobiliza problemas de ordem social e moral,
relacionados a sexualidade, costumes, raça, religiosidade, etc., mas que também transcendem
para além da esfera cultural, incidindo sobre questões políticas e econômicas. Trata-se de um
conflito de caráter socialmente difuso justamente por remeter a aspectos simbólicos e

341
MELO, Demian Bezerra de. O bolsonarismo como fascismo do século XXI. In: REBUÁ, Eduardo et. al.
(orgs.). (Neo)fascismos e educação: reflexões críticas sobre o avanço conservador no Brasil. Rio de Janeiro:
Mórula Editorial, 2020, p. 34.
342
LACERDA, op. cit., p. 39-40.
343
Ibidem.
344
BIROLI, 2017 apud LACERDA, op.cit., p. 197.
345
HUNTER, J. D. Culture wars: the struggle to define America. Nova York: Basic Books, 1991.
95

valorativos, e não estritamente político-partidários346. O termo “guerra” supõe o combate a um


inimigo, que no caso, assume feição interna. Para Melo e Vaz:

A temporalidade das guerras culturais parece não incluir a ideia de batalha final,
capaz de decidir o conflito e levar a história à sua conclusão, como no nexo moderno
entre luta de classes e revolução. Agora, uma guerra acaba, talvez com alguma parte
vitoriosa, mas logo em seguida surge uma nova, ou com outra questão moral, ou
com outro evento reativando a questão anterior. [...] As guerras culturais podem ter,
a cada dia, uma questão moral diferente como objeto. Mas a variedade é superficial,
pois os protagonistas tendem a ser os mesmos. Com o passar dos anos, os temas que
valem uma disputa moral se avolumam e se entrelaçam, ampliando a consistência
interna de cada lado. Ser contra o uso de máscaras pode levar a ser contra o aborto,
contra as ações afirmativas, contra o casamento gay, contra a intervenção do Estado
na economia e a favor de valorizar o papel da ditadura militar na história brasileira.
O ponto de entrada parece não importar; a tendência é a conexão entre temas, pois os
indivíduos cada vez mais restringem sua atenção a argumentos das mesmas fontes
radicalizadas. A repetição aparentemente interminável das guerras culturais reforça a
polarização, o que suscita a própria repetição347.

Mobilizada no léxico conservador, a expressão “guerra cultural” aparece como pano


de fundo de outras construções como “marxismo cultural”, “ideologia de gênero”,
“globalismo”, “doutrinação ideológica”348. De acordo com a pesquisadora Carla Luciana
Silva, o pano de fundo concreto para que esse discurso se coloque se dá pela disputa em torno
de políticas que busquem de fato modificar e ampliar o campo dos direitos humanos, tomadas
pelos conservadores como ataques de ordem moral349.
Neste ínterim, a autora observa que a noção de “guerra cultural” não surge no contexto
norte-americano dos anos 1980, a despeito de ter adquirido ali uma nova significação e ter
sido prontamente reverberada pelos conservadores a fim de reafirmar a tese da sociedade
dividida e polarizada. O autor Joan DeJean situa que ainda no final do século XIX “guerras
culturais” foram sistematicamente utilizadas como expressões de lutas entre “atrasados e
modernos”350. Mesmo referindo-se à sociedade estadunidense, onde há uma forte tese de uma
sociedade polarizada, as batalhas ao redor de temas culturais não são novidade e sempre se
fizeram presentes na história, sobretudo no seio da oposição entre liberais e conservadores351.
Estes elementos são apontados por Silva como justificativas para a não utilização do conceito
346
SAYURI, Juliana. O que é ‘guerra cultural’. E por que a expressão está em alta. Nexo Jornal, 10 mar. 2019.
Disponível em:
<https://www.nexojornal.com.br/expresso/2019/03/10/O-que-%C3%A9-%E2%80%98guerra-cultural%E2%80%
99.-E-por-que-a-express%C3%A3o-est%C3%A1-em-alta>. Acesso em: 20 fev. 2022.
347
MELO, Cristina Teixeira; VAZ, Paulo. Guerras culturais: conceito e trajetória. ECO-Pós, Rio de Janeiro, v.
24, n. 2, 2021, p. 14.
348
SAYURI, 2019, op. cit.
349
SILVA, Carla Luciana. Guerras culturais ou luta de classes? A face atual do anticomunismo. Revista História
& Luta de Classes, v. 14, n. 26, set. 2018, p. 121.
350
DE JEAN, 2005 apud SILVA, 2018, p. 117.
351
SOUZA, 2014 apud SILVA, 2018, p. 120.
96

de “guerras culturais” dentro do quadro social e intelectual brasileiro, tendo pouco a explicar
sobre os problemas de uma sociedade como a nossa, construída ao redor da visão de um país
supostamente pacífico, harmônico e cordial. O termo também seria uma tentativa de evitar se
falar em conflitos ideológicos352. Em posição divergente de Silva, optamos pelo uso do termo
na pesquisa, contudo, tomado-o menos enquanto conceito teórico que explicaria o atual
contexto político e social, do que o uso de “guerra cultural” justamente para aludir a uma
noção operacional mobilizada no jargão de uma direita dotada de um pensamento e de
estratégias de ação ideológica cada vez mais compartilhadas em nível internacional.
De acordo com o pesquisador Victor Ximenes Marques, a emergência do fenômeno
que passou a ser associado a ideia das “guerras culturais” e suas dinâmicas na atualidade
remeteria ao “Maio de 1968” e os eventos heterogêneos que se derivaram nos anos seguintes,
acentuando a escalada das lutas de classes:

Trata-se de um momento histórico de acentuada efervescência política, cultural,


social, que produziu intensos processos de lutas, aos quais poderíamos nos referir,
usando um vocabulário deleuziano/guattariano, por “revolução molecular”. Os
famosos “novos personagens” entram em cena, caracterizando-se por impulsos
antiburocráticos, antiautoritários, e trazem de maneira central novas pautas,
bandeiras e repertórios de ação para a cultura política da esquerda. Ganha força e
protagonismo o movimento ambiental, uma nova onda do feminismo, um
movimento de libertação gay (gay liberation, em evocação revolucionária aos
movimentos de libertação nacional), a contracultura, a experimentação psicodélica,
com a popularização do LSD e outros tipos de moduladores da neuroquímica
cerebral. Isso tudo estava, de certa forma, fermentando no mesmo caldo da
intensificação da luta de classes: esse período, até meados da década de 1970, é
também um momento de grande mobilização operária, fortes conflitos industriais,
com o maior volume de horas paradas em greve na história humana353.

Como vimos, a ameaça que a convergência desses movimentos ofereceu à ordem


capitalista foi neutralizada pela contraofensiva do neoliberalismo junto dos conservadores nas
décadas seguintes, pondo em marcha um processo de reforma intelectual e moral. Com o
estabelecimento da hegemonia do programa e da ideologia neoliberal e com as derrotas
acumuladas do movimento operário, os antigos partidos de massa ligados à classe
trabalhadora acabaram por abandonar a identidade classista e a perspectiva do antagonismo
entre capital e trabalho, dando lugar a uma centro-esquerda comprometida em promover um
“neoliberalismo progressista”. Com isso, sob a mesma plataforma econômica, o eixo da
disputa política desloca para a divergência entre “aqueles que querem ser progressistas do
ponto de vista cultural e aqueles que querem ser conservadores em termos de costumes”354. As
352
SILVA, 2018, op. cit., p. 120, 124.
353
MARQUES, 2021, op. cit., p. 459.
354
Ibidem, p. 464.
97

consequências socioeconômicas junto das crises derivadas das políticas neoliberais incidem
numa crise de representação do sistema político, fazendo emergir novamente a extrema direita
que se apresenta como antissistema355.
Do ponto de vista desses grupos, entretanto, o que os movimentos que despontaram a
partir de 1968 e conformaram a chamada Nova Esquerda estavam fazendo era erodir com as
bases da cultura ocidental e da civilização cristã. Derrotados no terreno político, econômico e
na luta armada, os subversivos teriam migrado desde então para a estratégia “gramscista” de
conquista da “hegemonia cultural”, “se infiltrando no mundo das artes e das letras,
estabelecendo uma base de poder nas universidades, e se dedicando a uma ‘longa caminhada
no interior das instituições’, preferencialmente em ONG’s ou em organismos multilaterais
‘globalistas’”356. Nos deteremos de forma mais detalhada sobre a tese do “marxismo cultural”
no item seguinte.
A tese da “guerra cultural” como apropriada pelos conservadores pode ser associada
ainda ao conceito de “metapolítica”, cunhado por grupos da nova direita europeia. Se
referindo a uma “estratégia de atuação cultural como fundamento da dominação política no
longo prazo”, o termo beberia de duas fontes principais de acordo com Francisco
Vasconcelos: “1) do pensamento marxista de Antonio Gramsci a respeito da conquista da
hegemonia e do poder político; 2) da escola Tradicionalista, significando uma interpretação
do sentido último da política na história (BUELA, 2013)”357. Veremos no capítulo seguinte
como essa escola reflete no pensamento ultraconservador professado pela Brasil Paralelo por
meio da influência de Olavo de Carvalho.
Por ora, o essencial aqui é que o termo metapolítica alude a uma estratégia de ação
propositiva dirigida contra as esquerdas e os marxistas no seio das “guerras culturais”,
propondo no lugar da ação político-partidária restrita a mudança para o plano cultural e
ideológico como bases de um novo horizonte político. Trata-se da proposta de um
“gramscismo de direita”, incorporando as teses do filósofo marxista mas em sentido político
diferente e oposto358. Segundo Bianchi e Mussi, a proposta concebida por Alain De Benoist,
principal intelectual da Nova Direita francesa, “[...] unificava o ativismo da ‘nova direita’ em
torno da criação de organizações políticas conservadoras com uma abordagem cultural, algo

355
Ibidem, p. 464.
356
Ibidem, p. 465.
357
VASCONCELOS, Francisco Thiago. Alain de Benoist e a Nova Direita europeia: “gramscismo de direita” e
nova “revolução conservadora”. Princípios, São Paulo, n. 163, jan./abr. 2022, p. 211.
358
Ibidem,p. 213-214.
98

inexistente nas experiências conservadoras da época, mesmo entre representantes do nascente


neoliberalismo”359.
Contudo, a despeito das implicações dessa noção para o contexto contemporâneo, é
preciso ressaltar que a ideia de “guerra cultural” aparece enquanto um conceito novo para se
falar de um fenômeno velho. Os conservadores sempre tiveram no combate pelos valores,
pela cultura e pela tradição um eixo fundamental de seu pensamento e ação
político-ideológica. Trata-se, assim, de uma atualização contemporânea da luta pela tradição e
costumes característica do conservadorismo. E conforme sinaliza Silva, o uso do termo como
corrente no seio dos movimentos conservadores pode servir justamente para aumentar o
espaço do campo em disputa e supostamente equalizar as forças que se encontram em embate
nas “guerras culturais”360.

1.3.3. Anticomunismo e “marxismo cultural”

Na medida em que oferece o principal amálgama para os diferentes grupos em seu


interior, o anticomunismo aparece enquanto matriz de pensamento e ação determinante a
compor o discurso e as bases ideológicas da nova direita, sendo na verdade, um componente
histórico dos movimentos conservadores e característico do fascismo. Conforme aponta Silva,
“[...] o anticomunismo é um processo secular, e que tem levado a uma posição de diferentes
organizações de direita ao longo do século XX”361.
Se o pensamento e o movimento comunista almejam a supressão do capitalismo como
objetivo final, o anticomunismo se manifestará como uma resposta, tanto de maneira
espontânea quanto sistemática, no âmbito da história da luta de classes, visando proteger esse
sistema. Com a vitória da Revolução Russa em 1917 e a formação da União das Repúblicas
Socialistas Soviéticas, o comunismo deixou de ser um “espectro” que animava ideais políticos
das classes subalternas, constituindo-se enquanto possibilidade real de superação da ordem
capitalista. A partir daí, se acirraram distintas formas de manifestação do anticomunismo,
onde “o discurso anticomunista se construiria em torno de lendas, imaginações, fantasias que

359
MUSSI, Daniela; BIANCHI, Alvaro. Os inimigos de Gramsci. Jacobin Brasil, 2020. Disponível em:
<https://jacobin.com.br/2020/04/os-inimigos-de-gramsci/>. Acesso em: 20 fev. 2022.
360
SILVA, 2018, op. cit., p. 121.
361
Ibidem, p. 118.
99

permitem dar sentido a profundas formas de medo: medo do inimigo desconhecido e a criação
de um inimigo contra quem expressar medo”362.
Entrementes, o anticomunismo não pode ser resumido a uma simples oposição ao
projeto e aos princípios representados pelos comunistas, na medida em que corresponde a
“um fenômeno complexo, ideológico e político ao mesmo tempo, explicável, além disso à luz
do momento histórico, das condições de cada um dos países e das diversas origens ideais e
políticas em que se inspira”363. Empunhado por grupos de diferentes vertentes – de militares,
conservadores e fascistas até liberais e esquerdistas anticomunistas –, o anticomunismo
apresenta bases ideológicas diversas, sejam elas conservadoras/reacionárias, liberais, clericais
ou fascistas364. De acordo com Rodrigo Patto Sá Motta, o fenômeno anticomunista se
apresenta por duas vias distintas e interligadas

[...] que podem ser denominadas pelos pares: política e ideologia, ação e discurso ou
prática e representação. Independente da terminologia, o fundamental é compreender
a ocorrência dos dois distintos níveis ou facetas. O anticomunismo deve ser
entendido, por um lado, como um corpo doutrinário ou uma corrente de pensamento
que possui um discurso e um imaginário próprios e, por outro, como um movimento
político que engendra a ação e a militância de grupos organizados365.

Enquanto prática e ação política, o anticomunismo foi utilizado ao longo da história


enquanto mecanismo de dominação que justificava a perseguição e repressão de grupos
diversos, execuções, golpes e retrocessos em termos de direitos civis, políticos e sociais.
Enquanto discurso ideológico, envolve diferentes práticas, como propaganda, manifestações
públicas, estratégias educacionais, pregações religiosas, entre outras. Como observa Motta,
essas representações que mobilizam o imaginário anticomunista – ideias, imagens e mitos –
apresentam uma tendência de regularidade e repetição ao longo da história366.
Com o fim da Guerra Fria e o estabelecimento da hegemonia da ideologia neoliberal,
propaga-se a ideia de uma vitória derradeira do capitalismo junto do “fim das ideologias”. A
vitória do “pensamento único” declarava a “morte do comunismo” ao mesmo tempo em que
disseminava novas formas e focos do discurso e da ação anticomunista com o objetivo de

362
Ibidem, p. 111.
363
BONET, Luciano. “Anticomunismo” (Verbete). In: BOBBIO, Norberto et. al. (orgs.). Dicionário de política.
Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1998, p. 34.
364
Ibidem.
365
MOTTA, Rodrigo Patto Sá. “Anticomunismo” (Verbete). In: SILVA, Francisco Carlos Teixeira et. al. (orgs.).
Dicionário crítico do pensamento da direita: ideias, instituições e personagens. Rio de Janeiro: FAPERJ, 1999.
[livro eletrônico], p. 49.
366
Idem. Em guarda contra o perigo vermelho: o anticomunismo no Brasil (1917-1964). São Paulo, 2002. Tese
(Doutorado em História) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São
Paulo, 2002, p. 12.
100

neutralizar e apagar quaisquer possibilidades de reabilitação do espectro ou concepções de


mundo minimamente progressistas. Como observado por Carla Luciana Silva, não se deve
perder de vista que esse crescimento do pensamento conservador associado ao avanço do
anticomunismo ampliado, nos marcos da promoção de uma ampla reforma intelectual e moral
e de novas formas de consenso direcionadas aos estratos trabalhadores, se inscreve no quadro
de reestruturação produtiva e de transformação no modo de acumulação capitalista dos anos
1980. Sendo assim, a ampla promoção de um pensamento que se postula à posição de
ideologia universal vem acompanhada da percepção da necessidade de aprofundar a
exploração capitalista sobre a classe trabalhadora367.
De acordo com o sociólogo equatoriano Agustín Cueva, o deslocamento político e
ideológico feito por uma série de intelectuais e partidos comunistas em direção ao “centro” e a
posições muito próximas da social-democracia, com o chamado eurocomunismo
conformando a melhor expressão dessa situação, contribuiu sobremaneira para o avanço das
ideias anticomunistas nesse contexto. O resultado foi o abandono da perspectiva
revolucionária pela esquerda junto da imposição “[...] de um profundo movimento de todo o
espectro político, ideológico e cultural do Ocidente para a direita”368.
Aparecendo no contexto nacional atual fundido ao antipetismo – apesar de toda
divergência programática e de princípios entre o projeto petista e os comunistas – por meio da
despolitização, o anticomunismo opera aqui não apenas contra a esquerda revolucionária –
que na atualidade corresponde a uma minoria exígua dentro das esquerdas no geral –, mas
procura efetivar no imaginário social um pânico moral ampliado contra toda a esquerda e o
campo progressista. Assim, na particularidade brasileira, o anticomunismo aparece como
antipetismo em específico, e fenômeno anti esquerda e antiprogressista em geral. A extrema
direita ignora a diversidade de tradições, programas e concepções dentro do campo da
esquerda cristalizando no imaginário social um inimigo interno comum, reciclando a lógica da
ditadura militar369.
O anticomunismo apela mais ou menos para a religiosidade conforme a correlação de
forças do momento370. Ele se coaduna com o fundamentalismo religioso na medida em que o
combate ao comunismo e seus derivados aparece representado como uma guerra espiritual do
bem contra o mal, cristalizando inimigos não só de ordem política, mas também de ordem
moral e espiritual. A união com a agenda moral dos defensores da família tradicional é

367
SILVA, 2018, op. cit., p. 111-114.
368
CUEVA, 1989 apud SILVA, 2018, p. 114-115.
369
FERNANDES, 2019, p. 118-121.
370
SILVA, 2018, op. cit., p. 111.
101

adensada sob as pautas da “ideologia de gênero” e do “marxismo cultural”, teorias


conspiratórias largamente utilizadas pelos prepostos da extrema direita como expediente para
incutir pânico moral em relação à esquerda. “Esquerda/comunismo”, “corrupção”, “liberação
das drogas e do aborto”, “sexualização das crianças” e “imoralidade” aparecem aqui num
mesmo agrupamento semântico como os demônios a serem expurgados da nação em nome da
família e de Deus.
Outra via de entrada para o anticomunismo na conjuntura se dá pela promoção de
pânico e disseminação de teorias conspiratórias sobre a ameaça de implantação de uma
“ditadura comunista” pelo PT e seus aliados no país, aos moldes da “ditadura bolivariana” na
Venezuela ou da “ditadura cubana”. Essa articulação estaria sendo preparada há anos através
do Foro de São Paulo – a despeito desta se tratar de uma organização formal e pública de
partidos da esquerda reformista latino-americana – que chega a ser acusada de projetar um
plano de implementar a União das Repúblicas Socialistas da América Latina, a URSAL371.
Mobiliza-se o pânico contra o comunismo na medida em que os regimes socialistas são
associados à imagens de miséria e de fome e à falta de liberdade para a população. A
acusação de violações praticadas pelos regimes e movimentos identificados ao comunismo ao
longo da história, associando-o ao nazifascismo e imputando-o como responsável pelos
maiores genocídios já praticados, também aparece como expediente para propostas de
criminalização e enquadramento do comunismo enquanto um movimento terrorista.
Entrementes, pode-se considerar que a teoria conspiratória do “marxismo cultural”
representa a principal via de entrada para o anticomunismo no presente contexto político e
ideológico, derivando-se num conjunto de discursos e simbolismos que encontra ampla
ressonância no imaginário político da população. Trata-se de uma expressão sem rigor teórico,
nunca elaborada enquanto conceito pelo campo marxista, mas que deve ser analisada a partir
de suas implicações sociais e ideológicas efetivas. No âmbito internacional, Steve Bannon,
ex-estrategista de campanha de Donald Trump, e o autor conservador canadense Jordan
Peterson aparecem como principais combatentes e articuladores da tese do “marxismo
cultural” na atualidade, enquanto no contexto nacional a tese foi difundida sobretudo por
Olavo de Carvalho372. Segundo Gilberto Calil, “O anticomunismo é o eixo articulador geral da
construção intelectual de Carvalho, e se fundamenta em um extraordinário alargamento

371
FERNANDES, 2019, op. cit., p. 262.
372
COSTA, Iná Camargo. O marxismo cultural e a paranoia americana. Outras Palavras, 2019b. Disponível em:
<https://outraspalavras.net/historia-e-memoria/o-marxismo-cultural-e-a-paranoia-americana/#_ftn2>. Acesso em
10 mar. 2019.
102

conceitual do campo da esquerda e do comunismo”373. Tal construção encontra seu melhor


produto justamente na promoção da teoria da conspiração do “marxismo cultural”.
O argumento fundamental desta tese é de que, influenciados pela obra de Antonio
Gramsci, os comunistas teriam percebido que anterior à tomada do poder político, seria
necessário realizar uma lenta e gradual revolução cultural levada a cabo pelas elites
intelectuais, de modo a capturar mentes e corações para um projeto de poder que as massas
sequer teriam conhecimento de estar colaborando. A estratégia “gramscista” proporia então a
construção da “hegemonia cultural”, visando a criação de um “novo homem comunista”, onde
destruir a “alma cristã” da população junto dos valores que fundamentam a cultura ocidental
seria condição necessária374. Nessa narrativa, 1968 marca uma virada de posição da esquerda
mundial em direção à estratégia de conquista progressiva de espaços nas instituições, nos
espaços privados e sobretudo, nos meios educacionais e culturais. A luta de classes, reduzida
aqui a uma estratégia política, teria se deslocado então para a esfera da cultura, da “rede de
valores” e das ideologias375. Partindo do “gramscismo”, o “marxismo cultural” seria
basicamente um marxismo ocidental, que divergiria do marxismo-leninismo soviético376. Para
Bianchi e Mussi, o que torna Gramsci o principal inimigo da da direita contemporânea teria
sido a colocação da questão das concepções de mundo como um campo de disputa, colocando
sob risco valores naturalizados da civilização cristã-ocidental377.
Por esse prisma de leitura, a análise que Gramsci faz sobre o desenvolvimento e a
complexificação que as relações de força sofrem no âmbito do Estado capitalista a partir do
século XX, onde os aparelhos privados de hegemonia e os intelectuais passam a exercer papel
cada vez maior no exercício do consentimento para garantia da hegemonia das classes
dominantes – hegemonia esta que, recorda-se, não é só cultural, mas também econômica,
política e social –, se torna nas mãos de seus detratores uma estratégia maquiavélica de “[...]
caráter sorrateiro e manipulador, destinado a fazer outras classes aceitarem o domínio
comunista sem ter consciência do processo”378.
A cunhagem da expressão “marxismo cultural” remonta ao início da década de 1990.
Seus primeiros usuários foram grupos fundamentalistas, ultraconservadores e supremacistas
da alt-righ estadunidense. Ainda que apareça sobretudo vinculado a uma certa leitura de
373
CALIL, Gilberto. Olavo de Carvalho e a ascensão da extrema-direita. Argum., Vitória, v. 13, n. 2, p. 64-82,
maio/ago. 2021, p. 72.
374
MUSSI; BIANCHI, 2020, op. cit.
375
Ibidem.
376
SILVA, 2018, op. cit., p. 118.
377
MUSSI; BIANCHI, 2020, op. cit.
378
PUGLIA, Leonardo Seabra. Gramsci e os intelectuais de direita no Brasil contemporâneo. Teoria e Cultura,
Juiz de Fora, v.13, n.2, dez, 2018, p. 48.
103

Gramsci, o “marxismo cultural” também aparece associado ao pensamento de outros


intelectuais, como o filósofo marxista György Lukács e aos autores da Escola de Frankfurt,
que seriam responsáveis por “todos os males da cultura – feminismo, ação afirmativa,
liberação sexual, direitos LGBTQ, decadência da educação tradicional e ambientalismo
[...]”379. Para Victor Ximenes Marques, essa tese deriva de uma síntese eclética e grosseira que
mistura a teoria crítica da Escola de Frankfurt, o pós-estruturalismo francês de autores como
Foucault e Deleuze, e a obra gramsciana:

Nessa visão da direita, isso tudo está junto: a teoria crítica, que quer minar os pilares
da civilização judaico-cristã; os marxistas que adotaram o campo da cultura como
seu principal objeto e campo de estratégia política – uma estratégia que seria
“gramsciana”, pois seria um escalada gradual, uma guerra de posição, ocupando as
instituições da sociedade civil e transformando a cultura por dentro380.

O “marxismo cultural” seria, assim, a nova estratégia dos comunistas para sua
infiltração não só na institucionalidade do Estado, como em amplos setores da vida social, na
mídia, nas escolas, nas universidades, nas igrejas, na indústria cultural; uma espécie de poder
invisível onipresente que a tudo permeia e subverte. A nova estratégia visaria não mais o
ataque direto à propriedade privada – base do capitalismo –, mas a “destruição da família
tradicional”381. É o sucesso dessa estratégia “[...] que explica nossa atual decadência, a
doutrinação pós-moderna nas universidades enfraqueceu a fibra moral da civilização,
perverteu a juventude, minou o sentimento patriótico e criou um Estado regulador inchado de
tecnocratas parasitas”382.
Apesar do uso do termo estar associado originalmente à extrema direita
norte-americana, a filósofa Iná Camargo localiza a genealogia da ideia do “marxismo
cultural” já presente em Mein Kampf. Na obra, Hitler declara guerra contra o marxismo, visto
como arma da conspiração judaica internacional, e contra o bolchevismo, que seria sua
expressão cultural máxima através das artes383. Assim, falava-se num “bolchevismo cultural”,
propaganda largamente difundida pelos nazistas que denunciava as vanguardas artísticas
modernistas enquanto parte de uma suposta “conspiração judaico-bolchevique” para minar a

379
COSTA, 2019b, op. cit.
380
MARQUES, 2021, p. 466.
381
MELO, 2020, p. 30.
382
MARQUES, op. cit., p. 465.
383
COSTA, Iná Camargo. Marxismo cultural, um fantasma que ronda a história. Outras Palavras, 2019a.
Disponível em:
<https://outraspalavras.net/historia-e-memoria/marxismo-cultural-um-fantasma-que-ronda-a-historia/>. Acesso
em 10 mar. 2019.
104

arte e a cultura europeias384. Nesse mesmo sentido de reatualizar o ataque do nazifascismo às


“artes degeneradas”, Mattos alude para os desdobramentos práticos dessa ideologia no âmbito
das políticas públicas do governo Bolsonaro. Contra a “elite” dos intelectuais comunistas,
decide-se “[...] atacar (por enquanto, pela via do corte de financiamento, da detração pública
ou da censura disfarçada em burocracia) a produção científica, universitária, cinematográfica,
de artes plásticas, teatral, literária, musical etc”385.
Abandonadas as pretensões de uma revolução política aos moldes da bolchevique ou
cubana, os esquerdistas pós-1968 teriam colocado a cabo a estratégia da “revolução cultural”
através do multiculturalismo, do relativismo moral, da “ideologia dos direitos humanos”, do
movimento LGBT+ – nutrido pela “ideologia de gênero” –, da pauta “abortista”, do
ambientalismo e de outras lutas “identitárias”. A “ditadura do politicamente correto”, uma
censura velada à liberdade de expressão, seria um expediente para o domínio da linguagem. Já
a chamada “ideologia de gênero” – noção forjada no seio da própria Igreja Católica – diria
respeito a um conjunto de falsas ideias marxistas que objetivam destruir a “família natural”
fomentando a libertinagem, a união homoafetiva, a pedofilia386.
Mais ainda, tudo isso estaria sendo impulsionado por organizações supranacionais e
organismos multilaterais que conformam o sistema de governança global – indo da ONU, ao
Banco Mundial, passando pela União Europeia –, e por uma rede de ONG’s e think tanks
financiada e por “bilionários comunistas” como George Soros, que estariam comprometidos
com a construção de um governo mundial “globalista”. Se referindo ao processo de
globalização neoliberal como uma espécie de conspiração esquerdista, o termo “globalismo”
entra no vocabulário dos anticomunistas a partir de meados da década de 1990387. Outra tese
associada a essas ideias, corresponde à ideia de um suposto “genocídio branco” posto em
marcha em decorrência da imigração descontrolada estimulada pela “elite globalista”388. Essa
tese tem maior circulação no seio da extrema direita europeia e estadunidense, onde a questão
racial exercerá maior influência sobre o “marxismo cultural”. No governo Bolsonaro, a tese
do “globalismo” foi levada à condição de política de Estado com Ernesto Araújo – pupilo de
Olavo de Carvalho – à frente do Ministério das Relações Exteriores.
No seio da ideologia anticomunista, o “marxismo cultural” é tomado então como um
plano subterrâneo de captura das consciências por meio da dominação psicológica das massas,

384
CARAPANÃ. A nova direita e a normalização do nazismo e do fascismo. GALLEGO, Esther Solano (org.).
O ódio como política: a reinvenção das direitas no Brasil. São Paulo: Boitempo, 2018, p. 38-39.
385
MATTOS, 2020, p. 174.
386
COSTA, 2019b, op. cit.
387
MARQUES, 2021, p. 467-468.
388
Ibidem, p. 467.
105

visando a derrubada do capitalismo à nível global por meio do solapamento dos valores e da
cultura da civilização ocidental. Nessa incumbência, a célula essencial da organização social,
a família tradicional patriarcal, estaria sendo atacada através da dissolução da moral sexual
convencional pregada pelos comunistas, colocando sob risco toda estrutura social daí
derivada389. Nesse ponto, o “marxismo cultural” funciona como pólo de atração para amplos
segmentos sociais que comungam da moralidade característica do senso comum conservador.
A teoria da conspiração cria, assim, um clima de pânico moral e de animosidade contra
determinados setores da sociedade e instituições, requentando o ideário anticomunista para os
tempos atuais. Trata-se de um constructo ideológico extremamente funcional na medida em
que representa uma ideia plástica e moldável a diferentes espantalhos e situações.
Contra um inimigo que representaria uma moralidade tão abjeta frente a valores
transcendentes e absolutos, um inimigo identificado ao “mal” dentro de uma concepção de
mundo que facilmente desliza do político para o espiritual, não cabe o diálogo democrático,
mas a guerra. Se tratando de uma doença, a “patologia ideológica” da esquerda – lembremos
do termo “esquerdopata” utilizado por esses grupos – não deve ser tolerada. Sob o risco de se
proliferar, deve ser eliminada390. Neste sentido, o principal expoente do "marxismo cultural”
em solo nacional é enfático ao afirmar que o erro de muitos conservadores seria o de “[...]
imaginar que existe uma luta de ideias e que temos de derrotar o marxismo. Temos de derrotar
é os marxistas”. [...] “Nós não discutimos para provar que o adversário está errado.
Discutimos para destruí-lo socialmente, psicologicamente, economicamente (sic).”391.
Essa concepção subjacente ao discurso anticomunista atual promove uma postura
reativa e intolerante que, por sua vez, decorre em violência simbólica ou mesmo física,
servindo ainda de justificativa para movimentos neofascistas e de extrema direita. E nesse
quesito, a ideia do “marxismo cultural” inclusive possui em seu histórico um exemplo
concreto de uma situação extrema que uma teoria da conspiração como esta pode provocar.
No ano de 2011 na Noruega, após detonar um carro-bomba em um prédio governamental na
cidade de Oslo, o militante de extrema direita Anders Breivik se dirigiu até uma ilha onde
ficava a sede do Partido Trabalhista do país e atirou contra dezenas de jovens no local,

389
CARAPANÃ. op. cit., p. 36.
390
CHALOUB; PERLATTO, 2019, op. cit.
391
BARBOSA, Gustavo. Minha “filosofia” é o insulto. Outras Mídias, 28 mar. 2019. Disponível em:
<https://outraspalavras.net/outrasmidias/minha-filosofia-e-o-insulto/>. Acesso em 15 mar. 2022. [grifo nosso]
106

deixando o saldo de 69 mortes. Breivik declarou ao juiz que sua motivação teria sido “salvar a
Europa ocidental do islamismo” e do “marxismo cultural”392.
Como dito, o principal propagador da teoria conspiratória do “marxismo cultural” na
sociedade brasileira se tratou da figura do “guru” intelectual da nova direita e do
bolsonarismo Olavo de Carvalho. O autor, que desde o final da década de 1980 já vinha
falando da influência gramscista no programa petista, em 1994 publica seu livro A nova era e
a revolução cultural: Fritjof Capra e Antonio Gramsci (1994) denunciando o "gramscismo".
De acordo com o pesquisador José Luciano Queiroz, a obra é bastante superficial e
inconsistente em sua pretensa análise da teoria gramsciana, negligenciando o uso de citações
diretas e reduzindo-se a poucas 41 páginas de discussão da teoria da "revolução cultural"393. A
noção de hegemonia aparece deturpada na leitura de Carvalho como uma estratégia que opera
num nível pré-político, como uma negação da política. Bianchi e Mussi ainda chamam
atenção para os erros biográficos e os anacronismos que se amontoam na obra394.
Mas Olavo, na verdade, traduziu para o contexto nacional um anti-gramscismo já
desenvolvido por intelectuais conservadores da Europa e da América do Sul desde os anos
1980 e, em especial, leituras menos sofisticadas sobre Gramsci que vinham circulando em
solo estadunidense a partir de autores como Rush H. Limbaugh e William S. Lind395. O
principal nome a influenciar a leitura olavista do “marxismo cultural” se trata do autor
paleoconservador norte-americano Patrick Buchanan, ex-assessor dos presidentes Nixon e
Reagan, filho do ganhador do Nobel da Economia e referência intelectual liberal James
Buchanan. Autor de A morte do Ocidente (2000) e do aclamado Discurso sobre a guerra
cultural (1992), Buchanan propõe uma “revolução conservadora” bem próxima aos moldes da
extrema direita europeia do entreguerras396.
De acordo com a tese adaptada ao contexto nacional por Olavo de Carvalho, a
construção da “hegemonia esquerdista” no Brasil remonta ao período da ditadura militar. A
parcela dos comunistas que não foram para a luta armada teriam se refugiado no “gueto
cultural e universitário”, impondo a partir desses espaços uma hegemonia que alcançaria a
amplitude da vida cultural do país, direcionando os seus valores. Para tanto, teriam
encontrado na obra de Gramsci o principal referencial para a mudança na estratégia

392
ATENTADO de fundamentalista político chocou Noruega em 2011. Veja, 12 dez. 2011.
https://veja.abril.com.br/mundo/atentado-de-fundamentalista-politico-chocou-noruega-em-2011/. Acesso em: 15
mar. 2022.
393
QUEIROZ, 2020, p. 231 apud CALIL, 2021, p. 68.
394
MUSSI; BIANCHI, 2020, op. cit.
395
Ibidem.
396
MARQUES, op. cit., p. 466-467.
107

revolucionária397. O regime militar teria falhado justamente por não combater a esquerda no
âmbito cultural, intelectual e moral, preocupados em organizar um governo tecnocrático e
extirpar a esquerda armada. De acordo com tal tese, os comunistas já teriam conseguido obter
o controle da totalidade da mídia e da imprensa ainda na ditadura. Como resultado, a própria
esquerda teria distorcido e hegemonizado a narrativa do período militar a seu favor,
escrevendo uma história que colocava os militares como vilões, quando estes, na verdade,
teriam salvado o país da implantação de uma ditadura comunista398. Como aponta Demian
Melo, essa narrativa trata de combinar “[...] a normalização do Terror de Estado com o
propósito de empreender uma guerra cultural capaz de eliminar a possibilidade da existência
da esquerda”399. Garantido o controle sobre a esfera cultural, a hegemonia da esquerda sobre
as instituições teria sido consolidada já durante o processo de redemocratização. Como reação
à “hegemonia esquerdista”, Olavo e seus seguidores empreendem a estratégia de minar a
credibilidade desses espaços e do próprio regime democrático.
No contexto da emergência do PT como alternativa eleitoral de esquerda a caminho do
governo federal, a tese da ameaça “gramscista” adentrou nos meios militares com mais vigor.
No livro A Revolução Gramscista no Ocidente: a Concepção Revolucionária de Antonio
Gramsci em os Cadernos do Cárcere (2002), o general Sérgio Augusto de Avellar Coutinho,
aluno e amigo de Olavo de Carvalho, alertava para a “via pacífica” de tomada do poder
almejada pelos terroristas que outrora lutaram contra o avanço da “revolução de 1964”.
Realizando uma análise do processo histórico de desenvolvimento da estratégia desde os anos
1970, que passa pela transição democrática e pela Constituinte culminando no “novo
socialismo” do PT, Coutinho falava da existência de uma “guerra psicológica” “[...] com
vistas a enfraquecer, esvaziar e constranger instituições capitalistas, as forças armadas e a
Igreja”400. O general inclusive já aludia à possibilidade de “intervenção político-militar” caso
a estratégia fosse vitoriosa sob a “máscara constitucional”401. Certamente o livro exerceu
influência intelectual sobre o militarismo das Forças Armadas – característico do
bolsonarismo –, visto que foi divulgado pela própria Biblioteca do Exército. De acordo com
Melo, “isso abre caminho para uma importante particularidade da tradução brasileira de tal

397
CARVALHO, Olavo de. O imbecil coletivo: atualidades inculturais brasileiras. Rio de Janeiro: Faculdade
Cidade, 1997, p. 288.
398
PUGLIA, op. cit., p. 42
399
MELO, 2020, p. 33.
400
COUTINHO, 2002 apud MUSSI; BIANCHI, 2020, op. cit.
401
Idem apud SECCO, Lincoln. Gramscismo: uma ideologia da extrema-direita. Blog da Boitempo, 2019.
Disponível em: https://blogdaboitempo.com.br/2019/05/08/gramscismo-uma-ideologia-da-extrema-direita/.
Acesso em 20 mar. 2022.
108

teoria da conspiração, que é a centralidade do revisionismo e mesmo negacionismo histórico


em relação à ditadura militar na ideologia bolsonarista”402.
Neste ínterim, Gilberto Calil destaca como é característica histórica do anticomunismo
no contexto nacional a construção de um inimigo sorrateiro que agiria “nas sombras”,
mobilizando teorias da conspiração e denúncias de infiltração comunista. O mérito de Olavo
de Carvalho estaria em atualizar tal discurso para o contexto pós-Guerra Fria, vinculando-o ao
pensamento gramsciano enquanto principal referência intelectual para o que seria a nova
estratégia revolucionária orientada por técnicas de dissimulação403. Para Olavo, o
“gramscismo” substituíra a estratégia leninista no seio do movimento revolucionário, o que o
autor comenta por meio de uma metáfora de teor agressivo e misógino: “Se Lenin foi o
teórico do golpe de estado, ele [Gramsci] foi o estrategista da revolução psicológica que deve
preceder e aplainar o caminho do Golpe de Estado. [...] A revolução gramsciana está para a
revolução leninista assim como a sedução está para o estupro”404.
Outro importante fulcro de combate ao “marxismo cultural” no contexto nacional
ocorreu nos últimos anos por meio do projeto Escola Sem Partido (ESP), em resposta à
suposta “doutrinação ideológica nas escolas” associada ao “gramscismo” e à “ideologia de
gênero”. O movimento se traduziu em inúmeros projetos de lei pelo país, propondo alterar a
legislação educacional a fim de incorporar suas ideias, como adotou uma série de estratégias
discursivas fascistas. Em meme na página de internet do projeto, Gramsci chega mesmo a ser
retratado como um vampiro que “vampiriza a educação brasileira” a receber uma estaca em
seu rosto. A própria figura do professor também é desumanizada, tratado como um
“parasita”405. Como reação à “doutrinação nas escolas”, O ESP engendra um discurso de ódio
que incentiva alunos e pais a se tornarem delatores dos “professores doutrinadores”.
O que o ESP faz é adaptar a estratégia de depreciação e perseguição engendrada pela
tese do “marxismo cultural” para o contexto da sala de aula. Mas na medida em que se trata
de um projeto que nega a dimensão pedagógica e crítica do ato de educar, advogando por uma
suposta “neutralidade” conteudista que, por sua vez, se associa à uma concepção tecnicista da
escolarização, o ESP é funcional não só ao conservadorismo de grupos políticos e religiosos,

402
MELO, 2020, p. 31.
403
CALIL, 2021, p. 69
404
CARVALHO, Olavo de. A nova era e a revolução cultural: Fritjof Capra e Antonio Gramsci. Rio de Janeiro:
Faculdade da Cidade, 1998.
405
PENNA, Fernando. O escola sem partido como chave de leitura do fenômeno educacional. In: FRIGOTTO,
Gaudêncio (org.). Escola “sem” partido: esfinge que ameaça a educação e a sociedade brasileira. Rio de Janeiro:
UERJ, LPP, 2017, p. 42-43.
109

como à mercadologização da educação pelas elites empresariais neoliberais406. Associa-se


também ao ESP a proposição do ensino criacionista nas escolas e o homeschooling,
tradicionais bandeiras da direita cristã levantadas no âmbito da educação. A última também se
trata de uma pauta largamente promovida pela Brasil Paralelo.
É preciso destacar que o engajamento político em torno de teorias conspiratórias como
a que denuncia o Foro de São Paulo e o “marxismo cultural” se dá de modo extensivo não
apenas entre o campo mais tradicionalista e conservador da direita, como os grupos ligados
diretamente a Olavo de Carvalho, mas também é compartilhado entre grupos como o MBL e
seus pares libertarianos407. Nesse âmbito, compartilha-se a figura de um inimigo em comum
que não é só detestado por conta da moralidade que lhe é atribuída, como devido à sua
contraposição à visão capitalista do mundo408. Com Bolsonaro e a extrema direita no poder, o
“marxismo cultural” foi elevado a ideologia de governo, orientação já explícita em 2018 no
seu programa, onde se lia que “nos últimos trinta anos o marxismo cultural e suas derivações
como o gramscismo se uniu às oligarquias corruptas para minar os valores da Nação e da
família brasileira”409.
Segundo Marques, o curioso é que nessa leitura enviesada de Gramsci, não é a
esquerda radical que assume o papel de alvo principal dos anticomunistas no atual contexto,
mas a centro-esquerda, a esquerda governante. Os “marxistas culturais” são identificados,
assim naqueles

[...] que no campo dos costumes, dos valores e da cultura, têm posições abertas e
avançadas, mas no eixo da economia participam do status quo neoliberal, na prática
sustentando políticas plutocráticas, que alimentam a concentração de renda e a
desigualdade. Em outras palavras, o que uma posição marxista apresentaria como
neoliberalismo progressista e, portanto, encararia como um sintoma da derrota
histórica do movimento operário, do enfraquecimento do projeto socialista, a direita
encararia como uma reinvenção (vitoriosa, por sinal) do projeto socialista: marxistas
culturais que estão adotando uma estratégia gramsciana para ocupar os espaços de
poder e avançar seu programa revolucionário – que continua subversivo, só que
agora focado no campo da cultura410.

406
FRIGOTTO, Gaudêncio. A gênese das teses do escola sem partido: esfinge e ovo da serpente que ameaçam a
sociedade e a educação. In: FRIGOTTO, Gaudêncio (org.). Escola “sem” partido: esfinge que ameaça a
educação e a sociedade brasileira. Rio de Janeiro: UERJ, LPP, 2017, p. 30-31.
407
HOEVELER, Rejane. A direita transnacional em perspectiva histórica: o sentido da “nova direita” brasileira.
In: DEMIER, Felipe; HOEVELER, Rejane (orgs.). A onda conservadora: ensaios sobre os atuais tempos
sombrios no Brasil, Rio de Janeiro: Mauad, 2016, p. 82.
408
CHALOUB; PERLATTO, 2019, op.cit.
409
PROPOSTA de Plano de Governo Bolsonaro 2018. Disponível em:
<https://divulgacandcontas.tse.jus.br/candidaturas/oficial/2018/BR/BR/2022802018/280000614517/proposta_15
34284632231.pdf>. Acesso em 22 mar. 2022.
410
MARQUES, 2021, p. 469.
110

Nota-se que o inimigo designado continua sendo o comunismo, porém, ressignificado,


indo muito além do comunismo real. O “fantasma do comunismo” é então ampliado para
outras representações, ideias e grupos, abrangendo qualquer agente que tenha um caráter mais
social e progressista: movimentos de defesa dos direitos humanos, ecológico e indígena,
movimentos contra opressões de gênero, racismo e a lgbtfobia, segmentos sociais como
professores, cientistas, artistas, jornalistas, etc. acusados de “doutrinadores” e “marxistas
culturais”. Esses grupos estariam “dividindo a sociedade”, colocando pobres contra ricos,
negros contra brancos, mulheres contra os homens a partir de um discurso “vitimista”. Assim,
as disparidades decorrentes da exploração capitalista e das opressões estruturais de gênero e
raça no seio do sistema seriam criações artificiais de grupos “identitários”411. Trata-se de uma
ferramenta útil que demonstra plasticidade conforme o contexto a ser mobilizado contra a
esquerda, onde

A conveniência política dessa mistura eclética e imprecisa, permite localizar numa


única frente e atacar em conjunto as principais abordagens críticas ao capitalismo e
mesmo abordagens da subjetividade capitalista neoliberal – essas últimas também
criticadas pelos próprios marxistas ortodoxos412.

Mas a despeito da forma de manifestação contemporânea do anticomunismo, é preciso


ainda entender o fenômeno enquanto dispositivo histórico de caráter contrarrevolucionário e
preventivo mobilizado pela hegemonia burguesa, incrustado no ideário e na prática política
das classes dominantes e das Forças Armadas brasileiras. Aqui e nos demais países de
capitalismo hipertardio, o gene do anticomunismo surge bem antes da Revolução Russa e da
própria formação da classe operária. As classes dominantes daqui, ainda escravistas,
assimilaram das classes dominantes dos países centrais um anticomunismo mordaz enquanto
expressão internacional e difusa do medo das “classes perigosas” que emergiram nas
revoluções europeias de 1848 e na experiência da Comuna de Paris em 1871. Posteriormente,
se tornaram temerosas de uma “revolução bolchevique” quando o comunismo se efetivou
enquanto ameaça concreta à ordem capitalista a partir de 1917413. Com efeito, o fantasma
“[da] ‘ameaça comunista’ serviu como pretexto para justificar golpes autoritários, reprimir
movimentos populares, garantir interesses imperialistas ameaçados pelas campanhas
nacionalistas, ou seja, manter inalterado o status quo”414.
411
MELO, 2020, p. 29.
412
VARGAS, Neide César. Negacionismo histórico e neoliberalismo à brasileira. ENCONTRO NACIONAL DE
ECONOMIA POLÍTICA, 26, Goiânia, 2021. Anais… Goiânia: Universidade Federal de Goiânia, 2021, p. 7.
413
LEMOS, Renato Luís do Couto. Contrarrevolução e ditadura: ensaio sobre o processo político brasileiro
pós-1964. Marx e o Marxismo, Niterói, v.2, n.2, jan/jul 2014, p. 114-115.
414
MOTTA, 2002, p. 9-10.
111

O anticomunismo, assim, se constitui enquanto mecanismo de dominação inscrito na


própria materialidade da democracia restrita brasileira, fornecendo um fio histórico derivado
do processo de luta de classes que atravessa os momentos diversos da ditadura do Estado
Novo, passando pelo regime estabelecido com o golpe de 1964 para desembocar na presente
ofensiva conservadora e no fenômeno bolsonarista. Num nível mais fundamental do processo
histórico de reprodução social do capital, o anticomunismo corresponde a um dispositivo
inscrito na longa contrarrevolução preventiva, que, de acordo com Renato Lemos

[...] está [articulado] à principal tendência de longa duração no que se refere à luta de
classes no âmbito do sistema capitalista mundial desde, pelo menos, a Revolução
Russa de 1917. O caráter historicamente irreconciliável da contradição entre o
capital e o trabalho, generalizada no mundo capitalista, determina que “a
preservação dos privilégios do capital passe a depender ‘da fraqueza relativa da
força progressiva antagonista’ (isto é, a classe operária); conservar esta fraqueza é,
para os capitalistas, conservar as condições de sua dominação de classe”415.

1.3.4. (Neo)fascismo?

A abordagem da ideologia liberal, do conservadorismo e do anticomunismo para


compreensão da ascensão das direitas no atual cenário talvez seja insuficiente sem a
colocação de um último elemento que traz uma série de significados e consequências de
ordem política, ideológica e social para a emergência do fenômeno na conjuntura: a discussão
do (neo)fascismo, diretamente atrelada à análise do fenômeno bolsonarista. No âmbito da
discussão das direitas e dos movimentos conservadores, salientamos de saída junto do filósofo
Leandro Konder que “nem todo movimento reacionário é fascista. Nem toda repressão – por
mais feroz que seja – exercida em nome da conservação de privilégios de classe ou casta é
fascista. O conceito de fascismo não se deixa reduzir, por outro lado, aos conceitos de
ditadura ou de autoritarismo”416.
Como destacado pelo historiador Marcelo Badaró Mattos, o avanço da extrema direita
em escala internacional vem suscitando o aumento da repercussão e busca por análises
históricas e teorias sobre o fascismo, que mais do que simples adjetivação política deve ser
compreendido enquanto um fenômeno complexo que “[...] envolve movimentos, ideologias,
lideranças políticas, partidos, governos e regimes fascistas”417. Na esteira dos estudos do

415
LEMOS, op. cit., p. 127.
416
KONDER, Leandro. Introdução ao fascismo. São Paulo: Expressão Popular, 2009, p. 25.
417
MATTOS, 2020, p. 47.
112

autor, que valoriza uma análise relacionada à dinâmica das classes sociais e seus conflitos,
propomos uma abordagem do debate do (neo)fascismo em dois sentidos principais: a fim de
entender elementos da ideologia, do movimento e a base social agregada pelo bolsonarismo e
pela extrema direita, e para compreender as continuidades e especificidades do fenômeno na
atualidade em relação às formas do fascismo clássico418. Nesse sentido, é importante valorizar
a historicidade na análise do fascismo enquanto “[...] produto de um determinado contexto
histórico e como processo histórico em si, o que deriva em uma crítica às abordagens que
procuram defini-lo a partir de um grau de ‘adequação’ de cada situação tratada como fascista
a uma taxonomia de características pré-definidas [...]”419.
Mattos recupera elementos da análise desenvolvida por notórios intelectuais e
dirigentes comunistas no contexto do entreguerras – onde destaca os escritos combatentes de
Trotsky, Clara Zetkin e Gramsci – a fim de compreender as condições mais gerais para a
eclosão do fascismo no seio de um momento específico da história da sociedade capitalista.
Essas formulações críticas elaboradas no contexto de ascensão do nazifascismo nos anos 1920
e 1930 – no geral ignoradas pela historiografia acadêmica hegemônica – relacionam a
emergência do fenômeno a conjuntura de crise social aguda aberta ao fim da Primeira Guerra,
onde uma crise econômica de dimensões internacionais se justapõe a uma crise de
representação política das classes dominantes, expressando, assim, uma crise da dominação
de classe. O fascismo nasce, então, como resposta à crise do capitalismo no entreguerras.
Imprimindo uma violência de cunho terrorista contra as forças organizadas da classe
trabalhadora e se aliando aos interesses políticos e econômicos das oligarquias e dos setores
burgueses no poder, o fascismo se conforma enquanto um fenômeno contrarrevolucionário,
carregando um sentido de romper com qualquer amarra democrática ao exercício da
dominação de classe do grande capital420. No seio da sociedade capitalista, o fascismo surge
como possibilidade de superação da crise de hegemonia aberta e de restauração das condições
de acumulação de capital421.
Precursor nas análises do fascismo antes mesmo de sua tomada do poder na Itália com
Mussolini, Gramsci destacou como a emergência do fenômeno se encontra intimamente
associada à abertura de uma crise orgânica na sociedade, associada à crise de hegemonia,

418
Ibidem, p. 13. Na medida em que a categoria é mobilizada para a compreensão do bolsonarismo na
conjuntura, daremos menor atenção aqui à dimensão do fascismo em sua evolução para a forma de regime
político no seio do Estado capitalista, que caracterizou o fenômeno no entreguerras. Para tal, cf. POULANTZAS,
Nicos. Fascismo e ditaduras: a III Internacional face ao fascismo. Porto: Portucalense Editora, 1972.
419
MATTOS, 2020, op. cit., p. 43.
420
Ibidem, p. 23 et. seq.
421
MELO, 2017, p. 10.
113

vinculando-se a uma determinada base social que lhe dá um sentido de movimento de massas.
Essa base é encontrada sobretudo na pequena burguesia e em estratos médios da população,
temerosos do declínio social, ao mesmo tempo em que arrasta setores do proletariado para sua
solução “messiânica” e moralista aos efeitos disruptivos da crise422.
Num cenário de relativa fragilidade dos revolucionários no seio do movimento
operário, Gramsci destaca a responsabilidade da social-democracia e dos reformistas em
menosprezar as forças fascistas, permitindo-lhes uma progressiva conquista de espaços. Por
outro lado, aponta como a conivência – quando não, a cumplicidade direta – de setores do
judiciário, das forças policiais e da burocracia estatal foi responsável pela conquista de
espaços pelos fascistas a partir das próprias formas regulares do Estado burguês. Entretanto,
enquanto estudioso das formas de complexificação da dominação burguesa a partir da
sociedade civil, o filósofo compreende que a emergência do fenômeno não se limita à
utilização dos mecanismos coercitivos do aparelho de Estado restrito. Antes, o fascismo
demanda a construção de consensos na sociedade por meio da mobilização de desejos,
ressentimentos e elementos regressivos do senso comum423.
Demian Melo destaca como o fascismo se afirmou enquanto fenômeno político
contrarrevolucionário no seio da crise do liberalismo clássico, anteriormente abordada. Neste
contexto, “[...] a colaboração que as elites políticas tradicionais, liberais e conservadoras
tiveram com a ascensão dos regimes fascistas na Itália na década de 1920 e na Alemanha nos
anos 1930 é um fato histórico comprovado”424. Ainda que os regimes fascistas – em acordo
com a tendência geral dos países capitalistas após a crise de 1929 – tenham sidos marcados
por uma política econômica distinta da ortodoxia liberal, incorporando noções como a de
planejamento econômico e intervencionismo estatal, não só capitalistas como intelectuais
liberais – incluindo aí “libertarianos” da Escola Austríaca – deram apoio, quando não se
converteram diretamente ao fascismo. Na Itália, o livre-cambista Alberto Se Stefani daria uma
orientação liberal à política econômica de Mussolini até o fechamento do regime em 1925. Já
na Alemanha, “[...] tendo Hitler chegado ao poder em 1933 não houve qualquer ambiguidade
em relação à rejeição do liberalismo econômico”425.
Na esteira dos estudos de Nicos Poulantzas, Palmiro Togliatti e Gramsci, para o
cientista político Armando Boito Jr. o fascismo se configurou originalmente, antes de tudo,

422
MATTOS, 2020, op. cit., p. 35.
423
Ibidem p. 37-38.
424
MELO, Demian. Bolsonaro, fascismo e neofascismo. In: In: COLÓQUIO INTERNACIONAL MARX E O
MARXISMO, 2019, Niterói. Anais... Niterói: Universidade Federal Fluminense, NIEP-Marx, 2019, p. 5.
425
Ibidem, p. 7.
114

enquanto uma forma de regime do Estado capitalista, ao lado de outras como a democracia
burguesa e a ditadura militar. Em específico, significou um tipo particular de ditadura. Essas
formas compreendem diferentes possibilidades de composições e hierarquias quanto às
classes e frações de classe que integram o bloco no poder, além de variações quanto ao tipo de
política econômica aplicada. Esse ponto esclarece porque, diferente do que algumas
perspectivas propõem, fascismo e neoliberalismo não correspondem a fenômenos excludentes
na conjuntura atual426.
Sendo confiscado politicamente pela burguesia em seu trajeto até o poder, um governo
ou ditadura fascista atenderá aos interesses econômicos e sociais desta classe, e não da base
de apoio do movimento encontrada naqueles segmentos intermediários da população, que, nos
termos de Poulantzas, também são prejudicados e passam a “viver de ideologia”427. Segundo
Boito Jr.,

o movimento fascista pequeno-burguês nunca logrou assumir o governo ou


implantar um regime ditatorial sem antes ceder a direção à burguesia, ou, dito de
outro modo, sem antes ser cooptado politicamente pela burguesia. O movimento
social fascista é pequeno-burguês e de classe média, mas o governo e a ditadura
fascista são burgueses428.

Contudo, diferentemente da ditadura militar clássica, que coloca num segundo plano o
momento do consenso social, o regime fascista e o movimento que lhe dá sustentação se
embasam numa mobilização e organização permanente de setores populares, conformando um
regime político reacionário de massa429. Hobsbawm apresenta uma análise interessante que
nos ajuda a diferenciar essa característica mobilizadora do fascismo das demais correntes da
direita. Segundo o autor:

A grande diferença entre a direita fascista e não fascista era que o fascismo existia
mobilizando as massas de baixo para cima. Pertencia essencialmente à era da
política democrática e popular que os reacionários tradicionais deploravam, e que os
defensores do “Estado Orgânico” tentavam contornar. O fascismo rejubilava-se na
mobilização das massas, e mantinha-a simbolicamente na forma do teatro público
[...]. Os fascistas eram os revolucionários da contrarrevolução [...]430.

426
BOITO JR., Armando. Neofascismo e neoliberalismo no Brasil do governo Bolsonaro. Observatorio
Latinoamericano y Caribeño, Buenos Aires, v. 4, n. 2, jul./dez. 2020, p. 13-14.
427
POULANTZAS, 1970 apud BOITO JR., 2020, p. 17.
428
BOITO JR., 2020, op. cit., p. 16.
429
Idem. O caminho brasileiro para o fascismo. Caderno CRH, Salvador, v. 34, 2021, p. 4-7.
430
HOBSBAWM, Eric. Era dos extremos: o breve século XX (1914-1991). São Paulo: Companhia das Letras,
2001, p. 121.
115

Além de regime, portanto, o fascismo representou uma ideologia e um movimento


social reacionário de massa enraizado no seio das camadas intermediárias da sociedade
capitalista, tendo por objetivo político principal não só a derrota política mas a eliminação do
pensamento e dos movimentos de esquerda, ainda que “esquerda” signifique aqui um termo
genérico e amplo431. O movimento fascista, de cariz contrarrevolucionário, se caracteriza pelo
uso da violência extrema como método político e de organização de tropas milicianas,
violência esta que desde o primeiro momento fora dirigida contra as forças organizadas da
classe trabalhadora – fossem os social-democratas ou os comunistas –, sendo posteriormente
estendida contra aqueles definidos como inimigos do seu projeto de nação: judeus, eslavos,
ciganos e homossexuais. Frente a derrota da onda revolucionária no pós-1917, o fascismo
encontrou forte lastro na frustração política e no medo da proletarização da pequena burguesia
e das classes médias em geral, capturadas pelo discurso radical apresentado pelos fascistas a
partir do pólo oposto dos socialistas432.
Autor contemporâneo trazido por Mattos ao debate, Fernando Rosas critica as
abordagens do fascismo que partem de categorias abstratas e essencialistas a fim de enfatizar
uma taxonomia do fenômeno, desconsiderando o contexto histórico e a dinâmica
político-social de cada país. Rosas também entende que enquanto forma política, o fascismo
poderia se encontrar em diversas “situações híbridas” em relação ao governo e ao regime
político, onde regimes democráticos e ditaduras podem evoluir ou não na direção de um
regime fascista, conformando uma “ditadura de novo tipo”. O autor ainda observa que mesmo
encontrando amplo apoio de massas, nem todo movimento fascista conseguirá ascender ao
poder433.
Mas seja na forma de movimento, seja enquanto regime, Rosas compreende o
fascismo enquanto um produto do capitalismo: “Num duplo sentido: é uma expressão da crise
do sistema e é a resposta das classes dominantes aos seus efeitos disruptivos e subversores”434.
De acordo com Mattos, o sentido contrarrevolucionário da violência fascista contra o
movimento operário organizado e o campesinato empobrecido, tolerada ou mesmo financiada
por setores burgueses e liberais, a execução de políticas econômicas favoráveis ao grande
capital em seu processo de concentração, e a intensificação da extração de mais-valor e da
exploração da força de trabalho, “pacificada” tanto pela ideologia chauvinista quanto pela

431
BOITO JR., 2021, p. 4-7.
432
MATTOS, 2020, op. cit., p. 63.
433
ROSAS, 2019 apud MATTOS, op. cit., p. 44 et. seq.
434
ROSAS, 2019, apud MATTOS, op. cit., p. 61.
116

vigilância e repressão policial, seriam os elementos fundamentais para a colocação do


fenômeno nos termos deste seu sentido de classe435.
Tomado enquanto ideologia, importa sobretudo analisar aqui a “força material das
ideias” que fornecem o “poder de mobilização ideológica e psicológica do fascismo”, e se
manifestam a partir de “condições objetivas e de uma base material e ideológica
historicamente determinada”436 – colocação que, aliás, se estende às outras correntes que
conformam as bases ideológicas das diretas aqui trabalhadas. Entrementes, deve se considerar
que a maior parte da literatura crítica não considera que o fascismo tenha apresentado uma
teoria social original, tendo, na verdade, se originado a partir de diversas fontes do
pensamento conservador437. E é justamente por se tratar de uma ideologia conservadora que
“[...] o projeto fascista é embrionariamente hierárquico, considera a desigualdade social, racial
e econômica inerentes ao homem. Por isso, tem repulsa absoluta a qualquer tentativa de se
estreitar desigualdades, derivando daí seu anticomunismo e antissocialismo virulentos”438.
O fascismo expressa uma ideologia heterogênea e pouco sistemática, apresentando um
formato muito mais estético e pragmático que teórico. Ele se baseia numa cultura fundada
num “pensamento mítico”, mobilizando mitos, ritos e símbolos numa espécie de religião
laica. Em suas pretensões totalitárias, o fascismo objetiva uma fusão do indivíduo e das
massas a partir de uma unidade mitificada representada pela nação enquanto comunidade
ética e moral. Decorre daí a naturalização da perseguição e discriminação dos que são
colocados fora dessa comunidade, os inimigos do regime ou os grupos sociais considerados
inferiores439.
Outros elementos ideológicos comuns às experiências fascistas são apresentados em
forma de síntese pelo cientista político Robert Paxton, dos quais destacamos junto de Mattos
os seguintes afetos mobilizadores: “um senso de crise catastrófica, além do alcance das
soluções tradicionais”; “a crença de que o próprio grupo é vítima, sentimento esse que
justifica qualquer ação, sem limites jurídico ou morais, contra seus inimigos, tanto internos
quanto externos”; “a necessidade da autoridade de chefes naturais (sempre do sexo
masculino), culminando num comandante nacional, o único capaz de encarar o destino
histórico do grupo”; “a superioridade dos instintos do líder sobre a razão abstrata de
universal”; “a beleza da violência e a eficácia da vontade, sempre que voltadas para o êxito do

435
MATTOS, 2020, op. cit., p. 61.
436
ROSAS, 2019 apud MATTOS, op. cit., p. 43-44.
437
MATTOS, op. cit., p. 48-49.
438
POGGI, 2019, p. 75.
439
GENTILE, 2019 apud MATTOS, op. cit., p. 49-50.
117

grupo”; e “o direito do povo eleito de dominar os demais”, elemento que seria mais
característico do nazismo440. Nas palavras de Paxton,

O fascismo tem que ser definido como uma forma de comportamento político
marcada por uma preocupação obsessiva com a decadência e a humilhação da
comunidade, vista como vítima, e por cultos compensatórios da unidade, da energia
e da pureza, nas quais um partido de base popular formado por militantes
nacionalistas engajados, operando em cooperação desconfortável, mas eficaz com as
elites tradicionais, repudia as liberdades democráticas e passa a perseguir objetivos
de limpeza étnica e expansão externa por meio de uma violência redentora e sem
estar submetido a restrições éticas ou legais de qualquer natureza441.

De acordo com Poggi, o fascismo se distingue de outras formas tradicionais de


organização autoritária do capital devido a particularidade do seu viés eliminacionista,
direcionado aos divergentes (oposição política) e aos diferentes (minorias e grupos
subalternizados). Ele se alimenta do desespero social, da falta de horizonte e perspectivas, do
medo e do ódio, enquanto trabalha reacendendo velhos ressentimentos e preconceitos
históricos contra grupos sociais que elege enquanto responsáveis pela crise. Constrói-se a
narrativa de que esse "outro" teria poder para enfraquecer e corromper a nação, a pátria, a
raça, comprometendo a existência de um povo. A relação com tais grupos varia desde o
rechaço social, políticas de exclusão e controle social, até o ponto de serem desumanizados e
não mais admitidos no convívio social. Não há nenhum comprometimento com a garantia da
vida aqui. Reprimir e perseguir não é suficiente, como ocorre em formas tradicionais de
conservadorismo442.
Outra característica da ideologia fascista destacada por Demian Melo a partir da obra
de Roger Griffin reside em seu núcleo mítico palingenético, mobilizado por meio do
ultranacionalismo populista:

No sentido dado por Griffin, o termo palingenético remete a mitos de regeneração e


renascimento nacional, encontrados em todas as formas históricas de fascismo que
trazem embutidas a narrativa de que a situação de decadência em que se encontra a
sociedade pode ser resolvida por um processo de restauração da glória essencial da
nação encontrada em reconstruções míticas do passado. O fascismo italiano se
revestiu de simbolismos oriundos da Roma clássica, desde a própria origem do nome
do movimento até a autodenominação de Mussolini como “Cézar” do século XX.
No caso do nazismo, são os mitos românticos teutônicos, o Sacro Império
Romano-Germânico e o Segundo Reich, construído por Bismark na criação do
Estado moderno alemão, derivando daí o próprio termo Terceiro Reich. É preciso
observar que esses mitos são funcionais na criação de um imaginário com propósitos

440
PAXTON, Robert. A anatomia do fascismo. São Paulo: Paz e Terra, 2007, p. 360.
441
Ibidem, p. 358-359.
442
POGGI, op. cit., p. 74.
118

de mobilização das bases fascistas, e não correspondem a tentativas grotescas de


reerguer realidades históricas pretéritas [...]443.

Daniel Guérin, por seu turno, destaca a política de sedução e do espetáculo que
caracteriza a “mística fascista”. Um estilo de fazer política dotado de mitos, ritos e símbolos
que fazem alusão ao uso da força, à honra, à grandiosidade, à disciplina e à ordem; símbolos
que já estariam “naturalmente” presentes no povo444. Fatores associados à figura do líder
fascista que encarna o ethos da nação, e que são potencializados por meio de forte uso da
propaganda através dos meios de comunicação de massa.
A partir destas contribuições, entende-se que o fascismo representa uma ideologia e
um movimento social com capacidade de mobilização de massas de cunho antidemocrático,
ultranacionalista, militarista, anticomunista/marxista, anti-intelectualista e antiliberal, com
níveis variados de racismo, sexismo, xenofobia e homofobia. Além do culto da violência, do
nacionalismo autoritário e conservador e da designação da esquerda enquanto inimigo a ser
destruído, a ideologia fascista é marcada pelo irracionalismo e pelo negacionismo da
realidade, que serve enquanto mecanismo para ocultar aos próprios olhos a inviabilidade de
suas aspirações restauradoras reacionárias utópicas. Decorreria daí a atitude
predominantemente não propositiva, negativa e destrutiva da ideologia fascista445. Seu
discurso apresenta uma crítica conservadora e superficial da economia capitalista e da
democracia burguesa, que se associa ao apego aos valores tradicionais ante o sentimento de
erosão da ordem social promovida por valores dissolventes446.
Entrementes, se ainda consideramos esta uma categoria válida para a análise da
atualidade, é preciso considerar que o contexto internacional atual em que emergem
ideologias, movimentos, lideranças e governos que podemos associar ao neofascismo difere
muito daquela “época dos fascismos”. Apresentando mudanças/continuidades e
semelhanças/diferenças, o novo fascismo do século XXI não expressará as mesmas
características históricas daquelas manifestadas no passado, sendo preciso também delimitar
suas especificidades ideológicas, organizativas e àquelas relacionadas às suas práticas
políticas447. Afinal, como ressalta Tatiana Poggi, o fascismo de hoje se vê obrigado a dialogar
“[...] com essas realidades, com a falência dos projetos desenvolvimentistas, com as acusações
de um Estado ‘inchado’, com o impacto social das políticas de austeridade, da perda de

443
MELO, 2020, p. 24-25.
444
GUERIN, Daniel. Fascismo y gran capital. Madrid: Editorial Fundamentos, 1973.
445
BOITO JR., 2020, p. 17.
446
Idem, 2021, p. 7.
447
MATTOS, 2020, op. cit., p. 66 et. seq.
119

direitos, da flexibilização e precarização do trabalho e o consequente depauperamento da


classe trabalhadora”448. O fascismo surge novamente como resposta a uma crise estrutural do
capital. Mas diferente do contexto do entreguerras, a crise dos anos 1970 de qual emerge não
se apresenta enquanto uma crise do liberalismo, mas do padrão de organização e reprodução
do capital fordista-keynesiano ou desenvolvimentista449.
De acordo com Mattos, pode ser observado um avanço dos neofascismos a partir
sobretudo da crise social decorrente das políticas neoliberais desde fins do século XX,
intensificando-se com a crise capitalista global de 2008, onde a periferia do sistema enfrenta
desdobramentos políticos e sociais ainda mais dramáticos. Assim, fascismo e situação de crise
orgânica aparecem novamente relacionados. Por outro lado, ainda que preserve o
anticomunismo em seu cerne, diferente da conjuntura dos anos 1920, agora o neofascismo
avança sem se deparar com o “fantasma da revolução”450. No lugar do antissemitismo, tem-se
hoje em dia uma maior discriminação e perseguição em relação ao islamismo, à minorias
étnicas e aos imigrantes e refugiados. Já o elemento da propaganda e do anti-intelectualismo
ganha uma nova dimensão a partir da ampla disseminação de notícias falsas e teorias da
conspiração – com destaque para o “marxismo cultural” –, criando uma espécie de estado de
irrealidade no seio da população451. Ainda nesse escopo, a chamada “ideologia de gênero”
cumpre papel fundamental em atualizar o ideário fascista construído em torno da família
patriarcal e baseado na dominação masculina, direcionando sua violência e discurso de ódio
contra grupos feministas e LGBT+, lutas que hoje possuem maior protagonismo social que no
início do século XX452.
Outro mudança significativa observada no fascismo contemporâneo diz respeito à sua
forma de organização e mobilização política, que não demonstra mais a necessidade de
organizar sua base num partido de massas, se articulando agora por meio das novas
tecnologias digitais e das redes sociais. A política de sedução do fascismo é construída agora
por meio de uma estrutura multimídia virtual: produção em massa de memes, blog, sites,
páginas, compartilhamento de mensagens através de aplicativos como WhatsApp,
disseminação de fake news e teorias conspiratórias num ciclo infinito, etc.. Favorecendo-se do
cenário de pós-verdade, o controle é exercido mais do que nunca por meio da manipulação da

448
POGGI, op. cit., p. 76.
449
Ibidem, p. 75-76.
450
MATTOS, 2020, op. cit., p. 79-80.
451
STANLEY, 2019 apud MATTOS, 2020, p. 81.
452
LAZZARATO, 2019 apud MATTOS, 2020, p. 86. BOITO JR., 2020, p. 14.
120

ignorância e da alienação, fomentando ampla descrença na ciência, no racionalismo e nos


meios de comunicação tradicionais453.
Em relação à política econômica, podemos observar um novo grau de contradição e
imbricação com o liberalismo na atualidade, na medida em que “[...] os discursos e,
principalmente, as práticas dos governos influenciados pelos neofascistas vão da ambiguidade
na crítica retórica à aberta defesa do neoliberalismo e seu receituário de políticas
econômicas”454. Diferentemente do contexto de crise do liberalismo no entreguerras, agora o
fascismo é colocado a dialogar com uma situação histórica onde se tem o neoliberalismo
enquanto paradigma econômico, político e social hegemônico. O próprio programa neoliberal
busca apoio na violência das forças neofascistas não só como mecanismo mobilizado contra
insurreições e movimentos populares, mas também enquanto expediente para fazer avançar
sua política de retirada de direitos e as expropriações sociais sobre os trabalhadores. Nota-se
que na atualidade o neofascismo não apresenta mais a necessidade de romper com o sistema
representativo liberal e evoluir na direção de um regime político próprio, mas emerge e
reproduz suas condições de existência a partir das próprias democracias contemporâneas em
crise nas sociedades capitalistas455.
Neste mesmo sentido de análise, Poggi destaca como o fascismo contemporâneo e sua
cultura do ódio se reproduzem a partir do próprio neoliberalismo enquanto paradigma vigente
de reprodução do capital. Trata-se de um subproduto do aprofundamento das desigualdades
sociais, da precarização das condições de vida e de trabalho e da alienação no atual estágio do
capitalismo. Para a autora, o fascismo bebe de duas fontes principais na atualidade: das
estruturas sociais e históricas que conformam opressões estruturais de raça, gênero e religião,
que inscritas numa formação social periférica como a brasileira remetem à formações
anteriores ao capitalismo, com formas sociais aristocráticas, coloniais e escravistas; e das
relações de classe no capitalismo contemporâneo, onde o próprio modo de ser do capital
subsume esses elementos a sua lógica enquanto fator para maximizar sua reprodução
ampliada. Com isso, recai sobre as frações da classe trabalhadora subalternizadas por
clivagens de raça, gênero e orientação sexual maiores taxas de exploração, justamente os
grupos prioritários da violência fascista. As manifestações de ódio e intolerância que
alimentam o fascismo, assim, não se tratam de um problema conjuntural, marginal, mas são
uma dimensão da própria desigualdade reproduzida pela sociedade capitalista456.

453
POGGI, op. cit., p. 93-94.
454
MATTOS, 2020, op. cit., p. 83.
455
Ibidem, p. 83 et. seq.
456
POGGI, op. cit., p. 78-79.
121

Além disso, o avanço do consenso fascistizante está relacionado com a ampliação da


própria racionalidade neoliberal. A exacerbação do individualismo, da lógica da
competitividade, a cultura da meritocracia, elementos que extrapolam o próprio ambiente de
trabalho em direção à mercadologização de todos os aspectos da vida, e que decorrem, por sua
vez, em dessensibilização em relação às injustiças sociais, indiferença com o sofrimento do
outro, em rompimento dos laços de coletividade, despolitização, alienação e banalização da
violência. Afinal, “o neoliberalismo arrebenta os laços de solidariedade de classe, de
solidariedade identitária e mesmo entre indivíduos”457. Tudo isso fornece lastro para o avanço
ideológico do fascismo sobre as consciências, pois esse tipo de lógica comportamental é
elemento psicológico fundamental que funciona como gatilho para a desumanização do outro,
que leva à naturalização do ódio fascista. A partir daí, admite-se a exclusão do outro da vida
social, expulsão em massa, tortura e no limite, sua eliminação.
Na ausência de garantia de inserção social – direitos sociais, acesso à saúde, educação,
cultura, previdência social – a não ser por meio do mercado, e mesmo na falta de garantia de
integração ao mercado – empregabilidade e acesso aos bens de consumo –, cria-se um cenário
de desesperança e de desespero social onde a saída é vislumbrada num projeto de sociedade
que oferece respostas fáceis e moralizantes à situação, prometendo salvar os indivíduos da
crise. E na medida em que se tratam de problemas intrínsecos à lógica de funcionamento do
capitalismo contemporâneo, problemas sentidos de forma ainda mais aguda na periferia do
sistema, num contexto de crise global do capital, como o que vivemos, a proposta
salvacionista do fascismo tende a ganhar expressões de um movimento internacional – a
despeito da retórica nacionalista de que se alimenta458.
A partir de reflexões de Deleuze, o historiador Mariano Sánchez ressalta como o
neofascismo se manifesta muito mais através de um processo de colonização interna das
subjetividades do que enquanto um regime político solidificado, uma forma de organização
estatal específica que imprime a coerção de forma exterior ao indivíduo, como no fascismo
clássico. O autor também retorna aos frankfurtianos para evidenciar como a adesão das
massas ao fascismo ocorreu muito menos pela via do engodo da propaganda política do que
por meio da identificação da população com as lideranças do movimento, que mobilizaram as
forças de seu inconsciente ao externar abertamente traços da personalidade autoritária459. O

457
Ibidem, p. 79.
458
Ibidem, p. 79 et. seq.
459
SÁNCHEZ, Mariano. Nem fascismo nem neofascismo: considerações sobre os elementos estruturantes do
“processo de fascistização”. SIMPÓSIO NACIONAL DE PESQUISA ESTADO E PODER, 7, Marechal
Cândido Rondon, 2019. Anais… Marechal Cândido Rondon: Unioeste, 2019, p. 223-224.
122

líder fascista expressaria a figura do pequeno grande homem, idealizado e mitificado


enquanto liderança messiânica, ainda que por outro lado seja identificado como igual aos
liderados, figura que os une. A partir do líder, as pulsões negativas e ressentimentos são
dirigidos ao outro, os grupos designados enquanto inimigos, bodes expiatórios460. No âmbito
dessa discussão, no imediato pós-guerra Adorno já se propunha a compreender práticas e
traços da mentalidade fascista presentes – de modo explícito ou latente – nas formas sociais
das próprias democracias modernas461.
As reflexões propostas por esses autores podem ser relacionadas ainda com aquilo que
Poulantzas define como processo de fascistização, “[...] um processo social complexo e muito
anterior à ascensão ao poder, ocorrendo no seio das democracias liberais, brutalizando-as e
naturalizando a barbárie gradativamente”462.
No Brasil recente, o debate sobre o fascismo foi amplificado a partir da emergência do
fenômeno bolsonarista, colocando a questão se este se configuraria enquanto expressão
política de cunho neofascista. Estaríamos então falando da manifestação do fenômeno não em
países centrais do capitalismo, o que caracterizou o fascismo clássico, mas do seu surgimento
na semiperiferia do sistema em pleno século XXI. Segundo o historiador português Manuel
Loff, o discurso que Bolsonaro e apoiadores “[...] tem sobre os movimentos sociais e políticos
que se lhe opõem, sobre as mulheres, as minorias étnicas, a família, a nação, o Ocidente
configura um neofascismo adaptado ao Brasil do século 21”463. Nos termos de Armando Boito
Jr., o bolsonarismo apresenta um núcleo duro de caráter neofascista, agregando em seu
entorno um conjunto mais amplo de diversas matizes da direita e da extrema direita464. Outros
autores como Virginia Fontes, preferem referir-se ao fenômeno a partir da noção de
protofascismo, que alude justamente ao momento inicial do processo de fascistização das
instituições e da sociedade através de discursos e práticas fascistas, podendo se encaminhar
para um regime fascista caso não seja revertido465. Já Demian Melo é categórico ao afirmar
que

460
CARONE, 2012 apud SÁNCHEZ, op. cit., p. 225-226.
461
ADORNO, Theodor W. The Authoritarian personality. New York: Harper & Brothers, 1950.
462
POULANTZAS, 1974 apud POGGI, op. cit., p. 74-75.
463
LOFF, Manuel. O bolsonarismo é o neofascismo adaptado ao Brasil do século 21. Agência Pública, 29 jul.
2019. Disponível em:
<https://apublica.org/2019/07/o-bolsonarismo-e-o-neofacismo-adaptado-ao-brasil-do-seculo-21/>. Acesso em:
11 jun. 2022.
464
BOITO JR., 2021, p. 17
465
FONTES, Virginia. O protofascismo: arranjo institucional e policialização da existência. Marxismo 21.
Disponível em:
<https://marxismo21.org/wp-content/uploads/2017/05/Virg%C3%ADnia-Fontes-O-protofascismo-%E2%80%93
-arranjo-institucional-e-policializa%C3%A7%C3%A3o-da-exist%C3%AAncia.pdf>. Acesso em 11 jun. 2022.
123

Bolsonaro é um fascista. Não é só alguém com uma personalidade fascista, com um


comportamento fascista. É alguém que professa uma ideologia fascista: xenófoba,
preconceituosa, machista e militarista. Além disso, Bolsonaro engendra um
movimento baseado numa mobilização que interpela setores médios e setores
subalternos movidos por um grande ressentimento social. Não foi o candidato de
uma direita tradicional, sendo também um personagem carismático catalisador de
um partido de massas, estruturado em torno da sua candidatura que catalisou todo o
universo da extrema-direita brasileira, do separatismo sulista ao monarquismo, dos
grupos neonazis, de amplas faixas do aparelho de repressão do Estado (das polícias
militares à parcelas da Forças Armadas), do fundamentalismo religioso e do
mercado466.

O autor relembra que mesmo as experiências fascistas clássicas também resultaram da


fusão de diversos grupos, unificados em torno do anticomunismo, sendo da natureza fascista
essa capacidade de aglutinação de várias correntes contrarrevolucionárias, estabelecendo
alianças com outras direitas como expediente para se alçar ao poder467. Podemos entender, a
partir destas contribuições e do que foi discutido anteriormente, que nem toda nova direita
brasileira apresentará necessariamente características fascistas, tampouco a categoria poderia
ser estendida à todos os grupos que se encontram na base de apoio do bolsonarismo, mas que
o fenômeno em si – tal como o seu líder – pode ser compreendido enquanto neofascista.
Bolsonaro já vinha exprimindo suas posições de viés fascista durante as quase três
décadas que atuou como parlamentar, difundindo na tribuna e em canais da grande mídia
nacional um discurso de ódio de cunho antipopular, punitivista, misógino, racista, lgbtfóbico e
xenófobo associado à apologia à tortura e à ditadura militar, ao rechaço aos direitos humanos
e à democracia, conhecendo uma ampliação de sua audiência a partir das redes sociais468.
Conformando um movimento neofascista, o bolsonarismo localizou junto das lideranças que
lhe dão apoio o comunismo como seu principal inimigo, proclamando abertamente seu
objetivo de eliminar a esquerda do processo político nacional469.
A situação do Brasil sob Bolsonaro apresentou, de acordo com Boito Jr., uma
ideologia neofascista, um movimento neofascista e um governo no qual os neofascistas
disputaram a hegemonia com o grupo militar, ainda que – a despeito da disposição e dos
esforços para tal – não se tenha evoluído para um regime político (ditadura) fascista, mas
antes, se desenvolvendo no interior de uma democracia burguesa deteriorada e em crise470. À

466
MELO, 2019, p. 7-8 [grifos no original].
467
Idem, 2020, p. 15-16.
468
MATTOS, 2020, op. cit., p. 167-168.
469
BOITO JR., 2020, p. 15.
470
Idem. O neofascismo no Brasil. Boletim LIERI, Rio de Janeiro, UFRRJ, n.1, mai. 2019. Disponível em:
<https://laboratorios.ufrrj.br/lieri/wp-content/uploads/sites/7/2019/05/Boletim-1-O-Neofascismo-no-Brasil.pdf>.
Acesso em 20 jun. 2022, p. 3-4.
124

exemplo do fascismo original, o neofascismo teria se instaurado no poder no Brasil após uma
crise econômica e uma sequência de governos conservadores que acabaram por sedimentar o
caminho para a sua ascensão471.
Tal como no passado, o movimento fascista encontra sua base social em setores
intermediários da população, emergindo numa situação de derrota do campo operário e
popular e de crise política marcada pela polarização do conflito de classe, pela crise no seio
dos partidos tradicionais da burguesia e instabilidades no seio das instituições do Estado.
Deve ser lembrado que foi na base social de apoio ao golpe de 2016 que o bolsonarismo
encontrou os segmentos que iriam compor as fileiras do seu projeto de sociedade, como
apontam os dados que cruzam o perfil dos manifestantes pró-impeachment com o do
eleitorado de Bolsonaro472. Mas enquanto em sua manifestação clássica “o grande capital
nacional [...] confiscou o movimento pequeno-burguês, apoiou-se nele, para implantar a sua
hegemonia; no neofascismo brasileiro, foi o capital internacional [...] que confiscou, em
aliança com segmentos da grande burguesia brasileira, o movimento da alta classe média”473.
Neste ínterim, Boito observa a capacidade do discurso fascista em “extrapolar a sua
base social de origem e impactar outros segmentos populares, mesmo que [seus] elementos
ideológicos superficialmente críticos sejam percebidos de modos distintos de acordo com o
segmento social concernido”, posto que “um movimento de massa contém, obrigatoriamente,
elementos ideológicos não burgueses, que interessam às massas e que podem mobilizá-las”474.
O neofascismo bolsonarista foi capaz de ampliar suas audiências nos segmentos populares
sobretudo em razão do conservadorismo moral associado ao fundamentalismo religioso, do
patriotismo ufanista e do discurso punitivista, conquistando o consenso mais ou menos
passivo ou ativo das classes subalternas. Mas se é verdadeiro que o fascismo contemporâneo
ampliou muito sua base original, os estratos médios da população seguem sendo sua base
precursora e principal de acordo com o autor:

Os números mostram que foi o voto evangélico que possibilitou a vitória eleitoral do
candidato da extrema direita (Almeida, 2019); [aliado] à insegurança das populações
que habitam os bairros periféricos e são vítimas do crime organizado; à prolongada e
intensa manipulação política conservadora da corrupção existente no Estado
brasileiro; à exploração pela extrema direita do discurso antissistema que é um
discurso que foi abandonado pela maioria da esquerda brasileira. Porém, tratou-se de
uma adesão eleitoral e moderada. O núcleo duro do bolsonarismo manteve-se na

471
BOITO JR., 2020, p. 21.
472
MATTOS, 2020, op. cit., p. 160, 182.
473
BOITO JR., 2019, p. 4-5.
474
Ibidem, p. 7.
125

classe média e entre pequenos proprietários (Prandi, 2019; Cavalcante, 2020) que é
o que caracteriza o movimento de massa fascista475.

O bolsonarismo possui nesses setores uma base social reacionária mobilizada, um


elemento fundamental na caracterização do fenômeno fascista. Entretanto, enquanto que em
sua manifestação clássica o fascismo se defrontou com partidos operários de massa
organizados pela base, e que apresentavam riscos reais de ruptura com a ordem capitalista, o
inimigo do neofascismo no caso brasileiro é uma esquerda representada por um partido
reformista apoiado numa base popular desorganizada. Neste cenário, o neofascismo então não
apresenta a necessidade de se organizar por meio de um partido de massa centralizado –
Bolsonaro se elegeu por meio de uma legenda de aluguel –, mimetizando os comunistas e
socialistas como no passado, podendo mobilizar suas bases de modo mais difuso através dos
meios de comunicação digitais e das redes sociais, bem como se apoiando em instituições
religiosas, elas sim, organizadas junto à população476. Desse modo, “mesmo sem partido de
massa [...] o movimento fascista se mobiliza e tem influência nas decisões políticas”477.
Melo, por sua vez, entende que o partido bolsonarista já possui uma existência efetiva,
mesmo que não formalmente. Ele é organizado

[...] por uma rede de aparelhos presentes na sociedade civil que difundem de forma
permanente o programa do bolsonarismo nas redes sociais e mobilizam
continuamente suas bases. Dos youtubers e ativistas digitais bolsonaristas, passando
por organizações no meio empresarial (como o grupo Brasil 200), os setores
bolsonarizados nas polícias, Forças Armadas, na base de massas de igrejas
neopentecostais até chegar aos seus quadros políticos stricto sensu, o partido de
Bolsonaro é uma realidade objetiva478.

De acordo com o autor, o neofascismo bolsonarista encontra seu elemento


palingenético principalmente no discurso mítico construído em torno da ditadura militar,
normalizando por meio do revisionismo e do negacionismo histórico esse passado traumático
enquanto período áureo da nação. Outra construção mítica neste âmbito reside na exaltação da
herança europeia do Brasil por meio da colonização portuguesa, em especial, por se vincular à
tradição judaico-cristã. A contribuição dos povos indígenas e africano para a constituição da
nação e da população brasileira é minimizada, junto do apagamento do genocídio dos povos
originários e da relativização do passado escravocrata. Veremos no terceiro capítulo como as

475
Idem, 2020, p. 15
476
Ibidem, p. 17.
477
Ibidem, p. 18.
478
MELO, 2020, p. 38. Recorda-se ainda da tentativa frustrada de criação de um partido neofascista orgânico,
denominado “Aliança pelo Brasil”.
126

produções da Brasil Paralelo atuam diretamente na construção dessas narrativas históricas de


que se serve o bolsonarismo. Na prática, esses mitos palingenéticos, mobilizados no seio das
“guerras culturais”, servem à normalização do estado de exceção, ao desmonte de políticas
públicas de promoção da igualdade racial e do favorecimento dos interesses capitalistas em
explorar territórios indígenas e quilombolas479.
No seio da guerra cultural bolsonarista, o anti-intelectualismo, o negacionismo e o
apego a teorias da conspiração característicos dos fascismos são elementos

[...] que justificam movimentos de ataque a profissionais da educação, escolas,


universidades e instituições científicas, como é o caso de iniciativas como o Escola
Sem Partido, central na mobilização da guerra cultural bolsonarista. No fascismo
nenhuma opinião do líder fascista pode ser invalidada pela ciência ou pela apuração
profissional da imprensa tradicional, sendo assim as instituições ligadas à ciência e a
própria verdade são desqualificadas como “manipulações de forças ocultas”. Nesse
sentido, o ataque a essas instituições têm o firme propósito de reforçar a noção de
que esses espaços são dominados pela “esquerda globalista”, “gramscista” e/ou
“marxista cultural”, sendo o próprio fato da mídia tradicional não noticiar os sinais
apontados pelos conspiracionistas uma espécie de prova de que as elites intelectuais
e a mídia são parte do complô480.

O discurso ultranacionalista incorporado pelo bolsonarismo, que associa a noção de


povo brasileiro ao “cidadão de bem” contrário à corrupção e à esquerda, se restringe
sobretudo a um elemento estético e discursivo que serve à construção mitificada da nação. No
quadro de uma formação nacional dependente e historicamente subordinada ao imperialismo
norte-americano, o nacionalismo neofascista é posto a prestar continência à bandeira dos
Estados Unidos, onde “o verde-amarelo e a camisa da Confederação Brasileira de Futebol
(CBF) nada mais representam senão a subordinação e servidão econômica à potência
hegemônica do capitalismo no século XXI”481.
O culto da violência, associado ao militarismo e ao punitivismo enquanto prática de
violência política e social, aparece como elemento característico do fascismo que nos permite
particularizar o bolsonarismo no seio da nova direita. A militarização da política e da vida
social é tida como essencial para manter a lei e a ordem, nos termos de uma guerra interna
contra um inimigo comum criado. A manifestação mais aparente desse elemento ocorre por
meio da patente e da identidade militar assumida por Bolsonaro, que reforça a imagem
heroica e de figura de força, o ajudando a ascender ao poder como liderança salvacionista, um
expediente comum aos movimentos fascistas. Também corrobora para este aspecto a defesa

479
Ibidem, p. 26-27.
480
Ibidem, p. 28-29.
481
Ibidem, 2020, p. 29.
127

sistemática da ditadura militar, em particular, a exaltação de sua face terrorista no que diz
respeito à tortura e eliminação da oposição política, junto da apologia da violência punitiva
contra os chamados “bandidos” e “vagabundos”482. O gesto da “arminha” com as mãos, não à
toa, se tornaria símbolo característico dos bolsonaristas. Apresentando-se como solução para o
crescimento da violência urbana cotidiana, esse discurso facilitara a ampliação do
bolsonarismo nas populações de bairros periféricos e de favelas e nas camadas mais
precarizadas da classe trabalhadora483.
O punitivismo mobilizado pelo bolsonarismo circula ao redor de pautas como defesa
da redução da maioridade penal, alteração na lei de drogas, garantia do excludente de ilicitude
e dos autos de resistência para policiais, incentivo ao armamento – do “cidadão de bem” –
como expediente para proteção pessoal e da propriedade, pena de morte para os criminosos e
privatização do sistema penitenciário – parcial ou total484. No congresso, essas pautas são
sustentadas há anos pela Frente Parlamentar da Segurança Pública, comumente conhecida por
“bancada da bala”, e pela “bancada do boi”, no sentido de mobilização do uso de forças
milicianas e paramilitares nas periferias e no campo. Melo ressalta que a violência de que se
alimenta o bolsonarismo e esses grupos

[...] transcende o mero culto e está ligado organicamente aos grupos de extermínio
com grande poder de controle territorial, de exploração de atividades econômicas em
bairros populares, sob a coerção terrorista de grupos formados por agentes ou
ex-agentes do aparelho de segurança pública que possuem projeto de poder político:
as milícias. [...] essa forma mafiosa de crime organizado com fortes vínculos com a
família Bolsonaro, têm origem no tipo de socialização promovida pelo regime
militar para combater os grupos de resistência armada, trazendo os policiais
envolvidos nos grupos de extermínio para montar o aparelho de repressão junto aos
militares, processo cujo protótipo foi a Operação Bandeirantes em São Paulo485.

Essas mesmas forças milicianas apresentam potencial para eliminação física de


ativistas e da oposição política de esquerda, quando meses antes da eleição de Bolsonaro em
2018, assassinaram de forma brutal numa emboscada a vereadora do Partido Socialismo e
Liberdade (PSOL) Marielle Franco, junto de seu motorista Anderson Gomes. Um dos
acusados do crime, o policial reformado Ronie Lessa, era vizinho da família Bolsonaro em
um condomínio de luxo no Rio de Janeiro486.
482
MATTOS, 2020, op. cit., p. 167-170.
483
Ibidem, p. 192-193.
484
LACERDA, op. cit., p. 102.
485
MELO, 2020, p. 37.
486
BOLSONARO diz não se lembrar de vizinho suspeito de matar Marielle. O Globo, 13 mar. 2019. Disponível
em:
<https://oglobo.globo.com/rio/bolsonaro-diz-nao-se-lembrar-de-vizinho-suspeito-de-matar-marielle-23517955>.
Acesso em 22 jun. 2022.
128

Vinculado às forças milicianas, o partido armado bolsonarista amplia seus quadros a


partir de efetivos das PMs e membros de outras forças policiais e das Forças Armadas.
Operando uma bolsonarização dos aparelhos municipais, estaduais e federais da Segurança
Pública, “Bolsonaro almeja dispersar o monopólio estatal do uso da força legítima armando
grupos aliados na sociedade com propósitos evidentemente liberticidas”487.
A dimensão de sacrifício e banalização da morte, centrais na ideologia fascista,
encontrariam o seu ápice na gestão da pandemia da COVID-19 levada a cabo pelo governo
Bolsonaro. Não bastasse a posição negacionista e anticientífica do governo frente ao vírus,
agravando a situação e o número de casos, as falas do líder fascista que entrariam para os
registros de um dos piores momentos da nossa história quando questionado por jornalistas
sobre o alarmante aumento do número de mortes seriam: “E daí? Lamento. Quer que eu faça o
quê? Sou Messias, mas não faço milagre”; “Não sou coveiro, tá?”488.
O neofascismo bolsonarista no poder formou um governo compósito, preenchido por
fascistas, militares ligados à chamada “linha dura” da ditadura, fundamentalistas religiosos e
neoliberais com circulação no seio da direita tradicional. Relacionado com os conflitos entre
as frações de classe representadas, essa composição heterogênea se expressou numa série de
conflitos institucionais internos. Como colocado por Boito Jr., “[...] o fascismo como
movimento é diferente do fascismo no governo e é exatamente essa metamorfose que exige
composição política”489.
Liberais – indo dos neoliberais mais “moderados” aos grupos “libertarianos” –,
conservadores de todas as matizes – nacionalistas, tradicionalistas e aqueles ligados ao
fundamentalismo religioso –, anticomunistas, grupos militaristas, racistas, sexistas,
lgbtfóbicos e neonazistas: no seio de uma crise de hegemonia, o bolsonarismo foi capaz de
atrair praticamente todas as vertentes das direitas contemporâneas para um projeto societário
de dimensões neofascistas. Resta-nos oferecer uma análise rigorosa e – para os limites deste
trabalho – sintética do processo histórico concreto em que isso se deu, tomando-o em escala
estrutural e conjuntural.

487
MELO, 2020, op. cit., p. 39.
488
'MARICAS', 'histeria', 'não sou coveiro': relembre frases de Bolsonaro sobre a covid-19. Estadão, 11 nov.
2020. Disponível em:
<https://www.estadao.com.br/saude/maricas-histeria-nao-sou-coveiro-relembre-frases-de-bolsonaro-sobre-a-covi
d-19/>. Acesso em: 22 jun. 2022.
489
BOITO, 2020, p. 18-19.
129

1.4. Autocracia burguesa no Brasil contemporâneo: crise de hegemonia, avanço das


direitas e emergência do bolsonarismo

A manifestação da ofensiva das direitas e a emergência de um projeto societário de


dimensões neofascistas enquanto fenômenos/projetos de hegemonia na conjuntura procedem,
antes, de um chão histórico sedimentado a partir de determinadas condições, processos e
dinâmicas derivadas das estruturas políticas, econômicas e culturais da sociedade capitalista
brasileira. Se os elementos de longa duração inscritos no objeto investigado – as raízes
históricas, culturais e psicossociais mais profundas – aludem para o longevo processo de
consolidação do capitalismo e da dominação burguesa na realidade periférica brasileira, os
fatores da média duração podem ser encontrados na dinâmica político-social nacional aberta
com a chamada Nova República490.
A expansão desigual e contraditória das relações sociais capitalistas no interior do
Estado brasileiro transcorreu no processo histórico sob o imperativo da “modernização” e
“desenvolvimento” internos, integrando a atuação econômica, social e política do país de
modo subordinado às nações centrais do sistema. Esse desenvolvimento só pôde ocorrer sob o
pano de fundo de violentas expropriações sociais e altíssima concentração de capitais, com
forte peso do Estado autocrático e fomento aos aparelhos privados de hegemonia das classes
dominantes491. Ao mesmo tempo, se conservava ao longo de sua história uma repressão
seletiva e extensivas estratégias de apassivamento contra as organizações populares.
Esse quadro “resulta tanto das condições internas da dominação burguesa quanto das
contradições mais amplas que atravessam o capital-imperialismo mundial, mas carrega
consigo as tradições prepotentes (autocráticas) que acompanham a história da dominação
burguesa no Brasil”492. Entrementes, é preciso ter em consideração que, a despeito da
disparidade de força, a ordem burguesa se defrontaria ao longo de todo o processo histórico
com intensas lutas populares – acentuadas principalmente no século XX –, que suscitaram,
por sua vez, uma série de transformações no aparelho de Estado e nas entidades burguesas no
seio da luta de classes493.
De acordo com Virginia Fontes, “a dominação burguesa ocorre simultaneamente em
múltiplos níveis, desde a produção do mais-valor até o Estado, passando pela cultura, pelas

490
MATTOS, 2020, op. cit., p. 14-15.
491
FONTES, 2010, p. 15.
492
Ibidem.
493
Ibidem, p. 222.
130

formas de estar no e de sentir o mundo e pelas modalidades de participação política”494. A


partir de Florestan Fernandes compreende-se que as condições históricas e sociais do
desenvolvimento do capitalismo no Brasil, um capitalismo de tipo periférico impelido a se
desenvolver de forma dependente e desigual, conformaram a dominação burguesa aqui
enquanto uma autêntica autocracia burguesa495. Forjando uma democracia burguesa de caráter
restrito, ela se consagra “[...] em nome do controle absoluto das relações de produção, das
superestruturas correspondentes e do aparato ideológico”496.
Sob tais condições, o horizonte histórico das classes burguesas no Brasil não seria o de
levar a cabo a modernização capitalista pela via democrática ou fortalecer a soberania
nacional, mas engendrar o desenvolvimento econômico e social internos a partir de uma
industrialização e urbanização retardatária e acelerada, enquanto extrai os maiores ganhos
possíveis para si nos marcos de sua submissão externa às nações imperialistas497. No contexto
de crise capitalista, a burguesia dependente então luta pela sua sobrevivência e pela
conservação do próprio capitalismo dependente, que confunde com a defesa da "civilização
cristã ocidental" e das "nações democráticas"498. Conjugando seus interesses de classe internos
aos interesses das burguesias imperialistas, o poder de classe burguês se vincula aos
mecanismos autocráticos do Estado herdados do passado – comportando inclusive elementos
pré-capitalistas – ou criados no presente, a despeito de com isso esgarçar os limites do livre
mercado e da democracia representativa499.
Em relação às pressões vindas de baixo, a autocracia burguesa veda aos setores
populares a conquista de espaços políticos efetivos, reprimindo quaisquer demandas por
igualdade econômica, política e social, enquanto cristaliza em seu aparelho estatal coercitivo
mecanismos de violência, repressão e de manipulação política500. Com isso, a autocracia
burguesa assume no processo histórico brasileiro um caráter contrarrevolucionário preventivo
– e permanente –, se antecipando às mínimas pressões vindas das classes subalternas501.
Sempre que se vê diante de uma crise e encontra dificuldades em garantir o consenso
para o poder, a autocracia burguesa abre a correlação de forças em seu interior para que
grupos – sempre respaldados por setores militares – invadam o espaço político em nome da

494
Ibidem, p. 218.
495
FERNANDES, Florestan. A revolução burguesa no Brasil: ensaio de interpretação sociológica. São Paulo:
Globo, 2006.
496
Ibidem, p. 387.
497
Ibidem, p. 251.
498
Ibidem, p. 416.
499
Ibidem, p. 243.
500
Ibidem, p. 244, 371.
501
Ibidem, p. 418.
131

“ordem”502. Trata-se de um traço característico da autocracia burguesa que se expressa ao


longo da nossa história republicana através de golpes de Estado, estabelecimento de ditaduras
e permissividade para projetos autoritários, antidemocráticos e antipopulares ascenderem ao
poder. Conforma-se assim, uma democracia restrita no Brasil, onde mecanismos autoritários e
excludentes são intrínsecos ao seu próprio estilo de funcionamento, e, por consequência, à
tradição política das classes dominantes. De modo geral, pode-se dizer que o Estado
autocrático oscila entre formas democráticas de caráter restrito e formas
autoritárias-ditatoriais, ou mesmo fascistas, como nos aponta Florestan, sendo atravessado por
laços paternalistas-tradicionais e oligárquicos503. Tudo isso produz consequências que
sobrepujam as funções especificamente políticas da dominação burguesa nos países
dependentes e subdesenvolvidos, resultando não numa democracia burguesa clássica, mas
numa autocracia burguesa de natureza fortemente coercitiva, tida como única fonte de “poder
político legítimo”504.
O contexto de crise da ditadura civil-militar – regime em que a autocracia burguesa
atingira seu ápice – e o processo de redemocratização ocorrido entre as décadas de 1970-80
carregam uma série de elementos inscritos na média temporalidade que foram fundamentais
para a sedimentação da ofensiva conservadora das direitas na presente conjuntura. Por um
lado, os mecanismos de coerção e repressão do Estado autocrático, inchados sobremaneira
durante a ditadura, passavam naquele momento por um processo de acomodação ao modelo
democrático e à nova situação histórica. Tal processo foi levado a cabo institucionalmente
pelo poder empresarial-militar sob a alcunha de uma abertura "lenta, gradual e segura",
representando uma transição política pactuada pelo alto pelos setores dominantes, com o
objetivo de consolidar um centro político conservador que legitimasse a nova forma de
dominação e brecasse uma efetiva participação popular505.
Nesses termos, no âmbito do aparelho de Estado, as classes dominantes passavam a
operar uma estratégia dentro da longa contrarrevolução preventiva com o objetivo último de
institucionalizar e camuflar os dispositivos ditatoriais da autocracia burguesa para dentro de
um regime democrático-liberal restrito e modernizador, controlado por um Executivo forte e
de acesso efetivo apenas aos partidos e coalizões conservadoras representantes do poder
econômico. Esta estratégia passava a ser sustentada politicamente por meio da formação e
consolidação do chamado "Centrão", força interpartidária de orientação fisiológica no poder

502
Ibidem, p. 249.
503
Ibidem, p. 406.
504
Ibidem, p. 341 et seq.
505
LEMOS, 2014, op. cit., p. 129.
132

de Estado, sendo consumada com a Constituição de 1988, que tratou de combinar dispositivos
liberal-democráticos e democrático-autoritários. Sob pano de fundo da ausência de uma
justiça de transição, esse sistema conservador, alheio à uma efetiva participação popular, com
forte peso do papel político das Forças Armadas, e cujo poder decisório se concentra nas
mãos de uma elite tecnocrática e tecnoempresarial, se mostrou como a forma
político-partidária ideal para a manutenção dos interesses do grande capital multinacional e
associado no momento da virada neoliberal506.
No bojo dessas transformações no seio da sociedade política, observa-se a partir das
décadas de 1970-1980 uma maior profusão na sociedade civil de inúmeras entidades de cariz
liberal-conservador representantes de distintas frações de classe – do agronegócio, do
empresariado industrial e financeiro – e dos setores militares. Essas entidades, de caráter
corporativo ou associativo, atuariam de modo especialmente agressivo no decorrer do
processo da constituinte, procurando brecar as conquistas de cunho universalizante em seu
interior. É preciso salientar que esse significativo crescimento dos aparelhos hegemônicos da
burguesia a partir do regime democrático, passando cada vez mais a investir para além de suas
fronteiras de classe, se dá num contexto de ascenso das organizações das classes subalternas e
das lutas populares – com destaque para as forças então representadas pelo polo PT, CUT e
MST –, significando simultaneamente um movimento reativo e invasivo do conjunto da
burguesia507.
De modo subordinado aos países capitalistas centrais e ao poder econômico mundial, a
construção da Nova República significou ainda um momento de reorganização do padrão de
hegemonia burguesa e do modelo de acumulação de capital a partir do estabelecimento do
neoliberalismo, engendrando novos formatos de organização e atuação econômica, política e
ideológica do capital. No contexto da crise generalizada da economia capitalista nos anos
1970, a perspectiva neoliberal apareceria não mais restringida ao campo doutrinário, mas
enquanto possibilidade e necessidade histórica à burguesia para manutenção de sua
dominação de classe no esteio do Estado capitalista.
Ainda que a hegemonia do neoliberalismo na sociedade brasileira só tenha se
consolidado na década de 1990, a execução das ditas "reformas" neoliberais já vinha
avançando desde a crise da ditadura. Sua implementação promoveu o desmonte do modelo
desenvolvimentista vigente anteriormente por meio de dispositivos típicos da agenda
neoliberal: “desregulamentação” da economia e do mercado de trabalho, ampla abertura dos

506
Ibidem, p. 129, 135.
507
FONTES, op. cit., p. 232 et. seq.
133

mercados financeiros, de bens e de serviços ao capital multinacional e associado; eliminação


dos instrumentos de intervenção econômica do Estado; privatização das atividades estatais –
não só das empresas públicas, como das atividades administrativas e sociais do Estado508. Em
especial, o programa neoliberal favorecia a expansão da grande burguesia monopolista,
capitaneada pela direção do capital monetário (ou financeiro)509. A concentração de renda e de
capital acelerou-se com a financeirização da economia510. De acordo com Alfredo Saad Filho,

Nas economias neoliberais transnacionalmente integradas, as finanças controlam a


alocação de recursos, incluindo o volume e a composição do produto e do
investimento, a estrutura da demanda, o nível e a estrutura do emprego, o
financiamento do Estado, a taxa de câmbio e o padrão de especialização
internacional, e elas reestruturam o capital, o trabalho, a sociedade e o Estado em
conformidade com sua posição dominante e seus interesses específicos. Como tal, as
finanças tornaram-se o modo de existência do capital em geral no capitalismo
neoliberal. A sua proeminência expressa a subsunção real dos capitais individuais
pelo (interesse do) capital como um todo [...]511.

À nível global, como vimos, a implementação do neoliberalismo significou uma


mudança no padrão de intervenção do Estado capitalista na economia, desmantelando as
políticas de incentivo à autonomização econômica nacional, de promoção do bem-estar social,
de pleno emprego, distribuição de renda e de mediação dos conflitos socioeconômicos entre
as classes, proposições típicas do Welfare State, onde se tinha o predomínio do keynesianismo
nas políticas econômicas512. Esse modelo era voltado para a garantia dos superlucros dos
monopólios ao mesmo tempo que objetivava sua legitimação social via incorporação de
demandas sociais dos trabalhadores. A questão aqui é que essa diferenciação do
neoliberalismo em relação ao modelo hegemônico predecessor, tomada por si só, enevoa a
percepção do conteúdo capitalista e imperialista comum aos dois períodos, além de apagar a
enorme disparidade entre a forma de existência da população trabalhadora nos países
imperialistas e dos trabalhadores dos países periféricos, que muito pouco puderam vislumbrar
frestas de bem-estar social513. Ou seja, as políticas econômicas, a ideologia dominante e as
instituições estatais no modelo de acumulação anterior também tinham como núcleo central a
defesa e extensão da economia de mercado.

508
MACIEL, David. Neoliberalismo e autocracia burguesa no Brasil. In: Cadernos Cemarx, Campinas, n. 5, p.
195-210, 2008.
509
FONTES, op. cit., p. 265.
510
DARDOT; LAVAL, 2016, p. 201.
511
SAAD FILHO, op. cit., p. 65-66.
512
SAES, 2001, p. 82.
513
FONTES, op. cit., p. 154.
134

Entrementes, para os estratos subalternos, a implementação do projeto neoliberal


resultou sobretudo na corrosão das políticas de seguridade social, bem como no crescimento
dos níveis de desemprego, na compressão dos salários reais e no recrudescimento das relações
de trabalho. Os direitos sociais são transformados em mercadorias negociáveis e a cidadania
passa a ser mediada pelo consumo. No mesmo sentido, promovia-se uma estratégia de
apassivamento e cooptação sobre as organizações populares, sindicatos e movimentos sociais
enquanto se mantinha a coerção seletiva sobre suas formas de luta. Esse quadro resulta numa
verdadeira reconfiguração do perfil da classe trabalhadora, impulsionada pela perspectiva do
desemprego em massa e de retirada de direitos, com níveis de exploração e concorrência entre
trabalhadores até então desconhecidos. Conforma-se, assim, um disciplinado exército de mão
de obra alheio à seguridade social e à própria identidade operária, com um novo padrão de uso
da força de trabalho que passa pela forma da autoexploração traduzida pelo discurso do
empreendedorismo514.
Para além das profundas mudanças na ordem socioeconômica brasileira, a
implementação da hegemonia neoliberal desde os anos 1990 vêm reiterando a natureza
autocrática-burguesa do Estado, reestruturando sua ossatura por meio de uma série de
reformas na institucionalidade, muitas de caráter constitucional. Os mecanismos autocráticos
herdados da ditadura e que serviram de base às reformas neoliberais anularam boa parte das
conquistas democráticas conquistadas com a redemocratização. Esse processo se inscreve nas
próprias formas jurídicas liberal-democráticas do Estado, tornando limitadas e ineficazes
quaisquer políticas de caráter antineoliberal que busquem o fortalecimento da soberania
nacional, o desenvolvimento autônomo e a distribuição de recursos e de poder. Os
dispositivos democráticos são alijados das demandas populares em detrimento de processos
corporativistas paralelos baseados na relação direta entre capital e Estado. Bens essenciais à
reprodução da vida são alijados da população por meio da mercantilização avassaladora dos
serviços públicos515. O sistema de representação político-partidário, os processos eleitorais, o
equilíbrio entre os poderes e o próprio princípio universalista da igualdade jurídico-política
são corroídos, resultando numa democracia que não passa de uma forma esvaziada que
garante a legitimidade do sistema político autocrático-burguês516.

514
FONTES, 2010, p. 261 et. seq.
515
MACIEL, op. cit., passim.
516
Ibidem, p. 196.
135

A conjuntura recente em que emerge ao centro do poder político no Brasil uma direita
ultraliberal e conservadora, associada a um movimento social de caráter neofascista, se
assenta a partir da derrocada do primeiro ciclo dos governos de conciliação de classes do PT.
Em termos gramscianos, é razoável propormos a análise de tal conjuntura pelo prisma da
chamada crise de hegemonia, que designa um período marcado pelo declínio de uma forma de
autoridade hegemônica, sem que uma nova hegemonia ainda seja capaz de se consolidar de
forma permanente517. Esse interregno é então atravessado por uma série de instabilidades nas
forças políticas e ideológicas tradicionais, nos arranjos internos do grupo dominante e na
própria forma e instituições do Estado burguês. De acordo com Gramsci, o exercício de
hegemonia pelos governos se torna mais difícil e aleatório, formando situações de contraste
entre representantes e representados – crise de autoridade – no terreno dos partidos
tradicionais e se refletindo num reforço do poder da burocracia (civil e militar), da alta
finança, da Igreja e dos organismos que formam a opinião pública518. Ao irromper tal situação
“[...] abre-se o campo às soluções de força, à atividade de potências ocultas representadas
pelos homens providenciais ou carismáticos”519. Intérprete renomado de Gramsci no Brasil,
Alvaro Bianchi desenvolve o seguinte sobre a noção utilizada pelo filósofo marxista:

A crise de hegemonia é, assim, uma crise do Estado e das formas de organização


política, ideológica e cultural da classe dirigente. O aspecto mais visível é a crise dos
partidos e das coalizões governamentais [...] A característica fundamental da crise de
hegemonia não é o “vazio de poder”, que a rigor poderia ser ocupado por qualquer
um, até mesmo por um aventureiro ou um grupo deles. A crise de hegemonia se
caracteriza, antes de tudo, por uma multiplicidade de poderes. É claro que a situação
não pode se prolongar indefinidamente. Sem nenhuma capacidade dirigente, a
burguesia ou frações dela podem ser deslocadas do poder, deixando de ser
dominantes520.

Diante de uma situação de tamanha instabilidade nas forças políticas tradicionais,


completa Bianchi:

Partidos alinham-se e realinham-se, blocos são formados e dissolvidos. Líderes são


criados e depostos. A velocidade desses processos pode surpreender, o ritmo é
rápido e fulminante se comparado com os tempos normais. Mas a crise, é verdade,
acelera essa dimensão, recriando a noção de tempo. [...] As classes dirigentes
tradicionais, ao contrário das classes subalternas, contam com grande número de
intelectuais, numeroso pessoal especializado capaz de formular esses projetos e
organizar seus defensores. Pode mudar de pessoal dirigente, de programa e mesmo

517
cf. FILIPPINI, Michele. “Crise de autoridade” (Verbete). In: LIGUORI, Guido; VOZA, Pasquale (orgs.).
Dicionário gramsciano, 1ª ed., São Paulo: Boitempo, 2017. [Livro eletrônico].
518
GRAMSCI, 2007, op. cit., p. 60.
519
Ibidem.
520
BIANCHI, Álvaro. Arqueomarxismo: comentários sobre o pensamento socialista. São Paulo: Alameda, 2013,
p. 143-145.
136

de partido de modo a oferecer, rapidamente, uma saída para a crise. Não raro,
constroem a unidade que até então parecia impossível que atingissem, perfilando-se
sob a direção do partido que melhor encarna as necessidades de toda a classe
naquele momento. E as necessidades, nessas ocasiões, não são outras que a
superação da própria crise. [...]521.

Tais considerações trazem elementos que nos permitem assimilar não só a emergência
do bolsonarismo, mas também a corrosão das instituições e do sistema político estabelecido
com a redemocratização, e do próprio pacto social representado na ideia da Nova República,
enquanto expressões da crise de hegemonia. Tal crise incidiu na perda de consentimento não
só dos projetos políticos representados pelos governos de conciliação de classe da esquerda
moderada e da centro-esquerda, como também aqueles defendidos pela direita tradicional,
abrindo espaço para o ascenso da extrema direita. Nesse sentido, não só o projeto bolsonarista
postulante à hegemonia, mas também Junho de 2013, o golpe parlamentar de 2016, bem como
a ofensiva conservadora e o processo de desdemocratização e fascistização que se seguiu
aparecem enquanto “sintomas mórbidos” dessa crise522.
Gramsci ainda diz que a morte das velhas ideologias no interregno abre caminho para
um amplo ceticismo na população, podendo resultar na promoção de políticas cínicas e
propostas que seriam tidas como absurdas em outros tempos523. No Brasil, esses sintomas são
percebidos através de um conjunto de discursos e de práticas anticientíficas, autoritárias,
antipopulares, negacionistas, fundamentalistas, racistas e sexistas que avançaram sobre a
arena política e cultural a partir da ofensiva conservadora das direitas, e que conformaram o
governo brasileiro nos últimos anos.
Sem dúvida, um fator determinante para a abertura da crise de hegemonia diz respeito
às contradições e limitações da estratégia dos governos petistas em acomodar os interesses das
elites políticas e econômicas em um projeto que representaria os interesses dos trabalhadores.
Essa estratégia decorreu antes daquilo que em termos gramscianos podemos conceituar como
transformismo, um fenômeno de hegemonia que cumpre a função de absorver intelectuais e
organizações das classes subalternas para a concepção de mundo das classes dominantes,
convertendo-os em prepostos de seus interesses524. Pode-se considerar que o PT é atravessado
por esse fenômeno desde antes de assumir a presidência em 2003, onde paulatinamente após a
redemocratização o partido passou a ceder cada vez mais à estratégia de gestão da

521
Ibidem, p. 147-148.
522
FERNANDES, 2019, p. 102-106.
523
GRAMSCI, 2007, op. cit., p. 118.
524
COELHO Neto, Eurelino. Uma esquerda para o capital: crise do marxismo e mudança nos projetos políticos
dos grupos dirigentes do PT (1979-1998). Niterói, 2005, 549 f. Tese (Doutorado em História) - Instituto de
Ciências Humanas e Filosofia, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2005, p. 465.
137

institucionalidade burocrática do Estado ao mesmo tempo em que deixava de atuar enquanto


organização contra-hegemônica da classe trabalhadora.
Ao submeter-se à direção intelectual de setores burgueses e assumir a disputa eleitoral
e a conquista de espaços institucionais como horizonte estratégico, no caminho, trocando a
referência de classe pela generalidade da promoção da "cidadania" e do "combate às
desigualdades", o PT – e em especial, a CUT no campo sindical – passava a se oferecer como
uma "esquerda para o capital", optando pela reorganização do Estado burguês e pela
colaboração para com o consenso em torno do regime democrático restrito525. O processo de
transformismo do PT em direção à estratégia de conciliação de classes incorreu na
desmobilização e na despolitização da sua base popular em torno dos antagonismos sociais
em prol da cooptação eleitoral para manutenção da governabilidade, expressando, assim, a
dissolução dos vínculos orgânicos entre direção política e intelectuais e sua base de massas.
Valores elementares para a consciência de classe foram cedidos em troca de ideias neoliberais
de inclusão social através do consumo e do mercado526. Para Casimiro,

Esse período de mais de uma década de governos do PT, com uma relação pautada
em uma espécie de equilíbrio instável com os movimentos sociais, sindicatos e
outros aparelhos de atuação política das classes trabalhadoras e grupos progressistas,
de certa forma criou uma condição de passividade ou letargia que, sem dúvida,
constitui um dos elementos importantes nessa conquista de espaço dos segmentos
das direitas527.

A preservação dos interesses das classes dominantes nos governos petistas seria
denunciada não só pelo maciço financiamento de campanha operado por agentes do grande
capital e pela presença direta de representantes do agronegócio e dos setores financeiro e
industrial em seu alto escalão desde o primeiro mandato de Lula. Pautas fundamentais desses
setores foram assumidas de prontidão: (contra)reforma da presidência em 2003; medidas em
direção à (contra)reforma trabalhista nos anos seguintes; privilegiamento do agronegócio por
meio de políticas fiscais e financiamentos; manutenção do ajuste fiscal nos primeiros anos;
isenções fiscais e financiamentos massivos do BNDES no auge da crise capitalista global em
2008/2009; dentre tantas outras políticas deliberadas a partir de representações diretas da
burguesia. Esses governos ainda continuaram a operar o dispositivo coercitivo do Estado sem
nenhuma contração, aplicando alto investimento de recursos nas estratégias de controle

525
Ibidem.
526
FERNANDES, 2019, op. cit., p. 26.
527
CASIMIRO, 2020, p. 158.
138

armado do território das favelas e periferias sob situações justificadas como de “violência
urbana”, provocando ainda o aumento da população carcerária528.
A despeito dos resultados importantes numa ordem capitalista profundamente
desigual, as políticas sociais compensatórias e de mitigação da pobreza dos governos do PT
carregavam uma série de contradições devido ao seu comprometimento em alavancar a
acumulação capitalista. Programas de assistência social – com destaque para o Bolsa Família
– e de construção/financiamento de moradias populares subsidiado por empreiteiras e por
setores monopolistas do capital financeiro (Minha Casa, Minha Vida); implementação de
cotas sociais e raciais e expansão do ensino superior (FIES, PROUNI, REUNI), tanto dos
institutos públicos, mas principalmente do setor privado através da ampliação do crédito – e
do endividamento – estudantil; aumento real, com lenta progressão, do salário mínimo; queda
do desemprego associadas ao aumento da informalização, da terceirização e desmembramento
dos direitos trabalhistas; ampliação do mercado consumidor interno; e o baixíssimo
investimento nos "serviços públicos essenciais" ao lado do fomento do setor privado de
serviços sociais básicos são algumas das expressões dessas contradições. Essas políticas
estavam afinadas com os interesses de setores do grande empresariado e com diretrizes do
próprio Banco Mundial para a América Latina529.
Ademais, o tripé privatizações, desregulamentação financeira e abertura comercial ao
capital multinacional prosseguiu, demonstrando o comprometimento do PT com uma política
econômica social-liberal, nos marcos de um "neoliberalismo progressista". Mesmo aqueles
avanços sociais, não se tratando de direitos universais solidificados, viriam a ser desmontados
com a crise econômica e o golpe de 2016, evidenciando que "o quadro social de fundo da
economia capitalista dependente e periférica não pode ser realmente alterado por políticas
sociais compensatórias e focalizadas"530. Mattos traz uma profícua digressão sobre os
impactos sociais da última crise capitalista global no contexto brasileiro:

O Brasil sofreu um impacto imediato da crise, com queda brusca na taxa de


crescimento econômico no ano de 2009, mas pareceu recuperar-se rapidamente, em
grande parte por conta do fluxo comercial com a China, que se converteu em
principal parceiro comercial brasileiro no século XXI. Os estímulos ao mercado
interno, pela via de um crescimento real do salário mínimo, políticas sociais
focalizadas, crédito (e endividamento) das famílias e subsídios a determinados
setores do capital também tiveram importância. Tais fatores compensatórios
perderam força gradativamente e, a partir de 2014, os indicadores econômicos
começaram a apresentar uma trajetória descendente, indicando que os impactos da
crise econômica se fariam sentir de forma mais profunda no período seguinte. Esse

528
MATTOS, 2020, op. cit., p. 132 et seq.
529
Ibidem, p. 140 et seq.
530
Ibidem, p. 142.
139

aprofundamento da crise representou fortes abalos nas bases de sustentação social do


governo, então exercido, no plano federal, por Dilma Rousseff, do Partido dos
Trabalhadores531.

Mesmo com toda moderação do programa petista, havia aqueles setores que nunca
aceitaram a acomodação de interesses. De um lado, havia a oposição institucional
representada principalmente pelos tucanos do PSDB, que no decorrer dos anos 1990 e dos
governos petistas sofreram um deslocamento contínuo para a direita. A outra parte da
oposição comportava uma direita mais extremada: anticomunistas renitentes, grupos militares
e saudosos da ditadura, fundamentalistas religiosos alarmados com a “agenda de costumes” da
esquerda e ultraliberais defensores do Estado mínimo para os quais as políticas sociais
petistas representavam um perigoso “intervencionismo socialista”532. Aberta a crise de
hegemonia, são esses setores que vão avançar sobre a arena política nacional, passando
progressivamente a preencher espaços que usualmente eram ocupados pela direita tradicional.
As chamadas Jornadas de Junho de 2013 representaram um complexo marco
conjuntural na história recente do país e no processo das lutas de classes, escancarando a
existência de uma profunda crise de representação política. As manifestações multitudinárias
e fragmentadas que tomaram as ruas após os primeiros protestos conclamados pelo
Movimento Passe Livre carregavam um tom progressista e popular na medida em que
demandavam a ampliação de direitos sociais universais como saúde, educação e transporte.
Mas os protestos conclamados por meio das redes sociais e de forte denúncia à repressão
policial progressivamente perderiam seu lugar nas ruas para a nova forma de atuação política
da direita brasileira, cujos segmentos sociais que conseguiu aglutinar em torno de si
ofereceriam a base de sustentação para o golpe de 2016 e em seguida, para o bolsonarismo533.
De acordo com Gilberto Calil,

[...] ainda que as Jornadas de Junho tenham propiciado um momento de ampla


disseminação de demandas populares, elas não tiveram a dimensão e solidez
necessárias para fazer impulsionar a inversão da tendência geral de propagação de
visões antipopulares, socialmente conservadoras, economicamente liberais e em
muitos casos marcadas pelo fundamentalismo religioso e/ou pela negação dos
direitos humanos e defesa incondicional da repressão policial.534

531
Ibidem, p. 147-148.
532
MIGUEL, 2018, op. cit., p. 18.
533
MATTOS, Marcelo Badaró. Mais que uma analogia: análises clássicas sobre o fascismo histórico e o Brasil de
Bolsonaro. In: CISLAGHI, Juliana Fiuza; DEMIER; Felipe (Orgs.). O neofascismo no poder (ano I): análises
críticas sobre o governo Bolsonaro. Rio de Janeiro: Consequência, 2019, p. 38-39.
534
CALIL, 2016, p. 211-212.
140

A investida da nova direita no pós-2013 criou “[...] o lastro necessário para a tomada
das instâncias de poder, primeiro com o golpe (seu ensaio em 2015 e 2016), e depois com o
bolsonarismo e o neofascismo (de 2017 em diante)”535. Isso não implica dizer, dentro de uma
narrativa linear e simplista adotada por intelectuais e dirigentes ligados ao PT, que em Junho
de 2013 se abriu o processo terminante que nos levaria ao golpe e ao cenário reacionário e
fascistizante que se seguiu. Nas palavras de Marcelo Badaró Mattos:

[...] embora seja correto apontar a emergência de forças organizadas de direita a


partir de certos momentos das manifestações, as Jornadas de Junho, num balanço do
processo como um todo, tiveram um outro sentido de classe e, apesar da sua
diversidade, não se colocam em linha de continuidade direta com as manifestações
pelo impeachment. Porém, representam, sim, um abalo no apoio social de setores da
classe trabalhadora ao governo do PT e uma associação, ali incipiente, mas depois
muito aprofundada, de ideias como “esquerda” e “socialismo” quase que
exclusivamente àquele partido. É a partir desse abalo que podemos dizer que, apesar
de seu sentido, em última análise, progressivo, Junho de 2013 representou,
contraditoriamente, o marco inicial da situação que hoje enfrentamos”536.

Há de se considerar também o impulso que a onda de protestos em massa inaugurada


em 2013 conferiu aos movimentos sociais e grupos progressistas. Nos anos subsequentes, se
fortaleceu o movimento pelo direito à moradia, melhor encarnado na conjuntura pelo
Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), além do crescimento do número de greves
– com destaque para a greve geral de 28 de abril de 2017 contra as reformas trabalhista e da
previdência do Governo Temer, bem-sucedida em paralisar cerca de 40 milhões de
trabalhadores pelo país, consistindo em números absolutos, na maior paralisação de
trabalhadores da história do país –, dos movimentos de ocupações nas escolas e universidades
em 2015 e 2016 contra o contingenciamento de recursos e políticas na educação e o
fechamento de unidades de ensino, e da emergência de um novo ciclo de lutas antirracistas,
feministas e pelos direitos da população LGBTQIA+537.
Mas o que se teve de principal foi que os grupos da nova direita foram felizes em
cooptar a insatisfação popular para um discurso anticorrupção e anti-establishment associado
à rejeição das esquerdas, simbolizada no PT, apelando à ordem e à moralidade conservadora
do "cidadão de bem" por meio de simbologias autoritárias, do ufanismo e da mobilização do
ódio enquanto afeto principal. A rejeição às posições políticas progressivamente foi cedendo
terreno a polarizações caricaturescas e simplificadoras, que aos poucos levam a tendências

535
FERNANDES, 2019, p. 261.
536
MATTOS, 2020, op. cit. p. 158.
537
Ibidem, p. 151-157.
141

fascistas nas manifestações538. Nesse ínterim, foi determinante o impulsionamento de novas


dinâmicas de compartilhamento a partir das mídias digitais, que passavam a refletir nas
manifestações de rua, nos espaços educacionais e na própria política institucional. As novas
mídias e as redes sociais serviram desde então como o meio de comunicação e organização
política por excelência de grupos da nova direita e neofascistas, ao mesmo tempo em que a
esquerda no geral negligenciou a disputa política nesses espaços539.
Mas enquanto Junho de 2013 contou com um maior grau de espontaneísmo, ainda que
os primeiros atos contra o aumento da tarifa do transporte urbano tenham sido convocados por
grupos organizados da juventude e da esquerda radical, as manifestações da direita que
ganharam as ruas de várias cidades brasileiras a partir de 2015 contaram com o financiamento
e organização de diversas entidades de origem nos grupos dominantes, para não falar da
articulação com think tanks internacionais e do apoio aos protestos por parte da grande mídia
nacional e de forças militares. A diferença também se evidencia na maior heterogeneidade do
perfil social dos manifestantes de 2013, mas que ainda assim levou uma maioria de jovens da
classe trabalhadora às ruas, enquanto as manifestações pró-impeachment de 2015-2016, por
sua vez, apresentava uma maioria de assalariados médios e setores da pequena burguesia, de
faixa etária superior principalmente540. Muitos setores das classes médias, temendo a perda de
distintivos sociais, enxergavam com rancor as políticas redistributivas petistas que permitiam
o acesso das frações mais pauperizadas da classe trabalhadora ao consumo de bens duráveis, à
melhores postos de trabalho, ou ao ensino superior541.
Entrementes, fazia meio século que a direita brasileira não se mobilizava para ocupar
as ruas massivamente, quando da última vez havia sido para oferecer apoio ao golpe militar
na Marcha da Família com Deus pela Liberdade. Desde então, a direita vinha apostando
maiormente em estratégias desmobilizadoras, a exemplo do que foi o próprio conteúdo
político do regime militar, cujo objetivo era brecar a escalada das lutas sociais542. Isso muda
com as manifestações da direita de 2015 em diante. A campanha pró-impeachment foi capaz
de levar às ruas milhares de pessoas descontentes com a reeleição de Dilma Rousseff no ano
anterior, representadas em setores conservadores e ultraliberais sob a pauta “anticorrupção” e
por grupos golpistas que pediam por “intervenção militar”.

538
FERNANDES, 2019, op. cit., p. 93.
539
Ibidem, p. 260 et seq.
540
MATTOS, 2020, op. cit., p. 160.
541
Ibidem, p. 191.
542
MELO, Demian. A direita ganha as ruas: elementos para um estudo das raízes ideológicas da direita
brasileira. In: DEMIER, Felipe; HOEVELER, Rejane (orgs.). A onda conservadora: ensaios sobre os atuais
tempos sombrios no Brasil, Rio de Janeiro: Mauad, 2016, p. 67.
142

Para além de sua representação política através de seus prepostos no parlamento e no


judiciário, os interesses burgueses se fizeram presentes também através de canais da grande
mídia nacional – em especial a Folha de São Paulo e a Rede Globo –, que passaram a
superdimensionar a cobertura das manifestações anti-Dilma, desgastando a imagem de seu
governo e buscando vias para seu afastamento com o mínimo de sobressaltos institucionais543.
Em certo sentido, 2015-16 pode ser considerado uma “resposta de determinados setores das
classes dominantes ao temor despertado pelas ‘Jornadas de Junho’ e pelo que veio depois”544.
O clima para o golpismo havia sido aberto ainda em 2014, quando logo após a derrota
eleitoral para a presidência o PSDB impetrou duas ações judiciais questionando o resultado
das urnas545.
Em paralelo, desde 2013 se acelerava o deslocamento não só dos setores dominantes
acomodados no projeto petista, como da base social de sustentação de seus governos, o que se
acentuaria ainda mais a partir do ano seguinte com o aprofundamento da crise econômica e
com a resposta pós-eleitoral conservadora da presidente reeleita. O aprofundamento das
medidas de "austeridade" demonstrava a preocupação do governo Dilma em ceder às pressões
do mercado e salvaguardar os interesses do grande capital frente à crise econômica. Em
contrapartida, enquanto o panorama social incorria em inflação, aumento do desemprego e
queda do poder aquisitivo dos segmentos mais populares, realizavam-se cortes no orçamento
público e atacava-se direitos sociais, indicando que caberia aos trabalhadores arcar com a
conta da crise546. Enquanto foi possível promover um projeto que objetivava a diminuição das
desigualdades ao mesmo tempo que garantia ganhos crescentes para os capitalistas, sem
ameaçar a ordem vigente, as elites estavam satisfeitas em não romper com o pacto da
conciliação de classes. O problema vem à tona quando Dilma assume e se mostra incapaz de
manter a paz social sob as bases dessa conciliação.
Sob esteio do imperialismo estadunidense e do grande capital multinacional, as classes
dominantes demandavam maior celeridade e ímpeto na implementação da agenda neoliberal,
sendo eficazes na articulação de um golpe jurídico-parlamentar-midiático que colocou à frente
do executivo nacional uma figura sem legitimidade representativa e extremamente impopular
para aprofundar as contrarreformas e avançar na retirada de direito dos trabalhadores547. O

543
CALIL, 2016, p. 214.
544
MATTOS, Marcelo Badaró. De junho de 2013 a junho de 2015: elementos para uma análise da (crítica)
conjuntura brasileira. In: DEMIER, Felipe; HOEVELER, Rejane (orgs.). A onda conservadora: ensaios sobre os
atuais tempos sombrios no Brasil, Rio de Janeiro: Mauad, 2016., p. 95.
545
BOITO JR., 2021, p. 1.
546
MATTOS, 2016, op. cit., p. 98.
547
Idem, 2020, op. cit., p. 161.
143

governo Temer lograria grande êxito neste sentido: aprovou uma nova contrarreforma
trabalhista, avançou nas privatizações, promoveu a ampliação da terceirização e aprovou a
Emenda Constitucional 95, que congelava gastos públicos em saúde e educação em 20 anos.
É o golpe de Estado de 2016 que abre precedente para o avanço da extrema direita ao
centro do poder político. Tal como o golpe de 1964 – com a diferença evidente do papel
ocupado pelas forças militares na articulação golpista vitoriosa –, representou uma ruptura
institucional articulada por setores civis, empresariais e grupos políticos conservadores,
legitimado por mobilizações de setores populares, mas agora, de novo tipo, é levado a cabo
por vias mais sofisticadas e dissimuladas. De acordo com Boito Jr.,

Todo processo de impeachment de Dilma Rousseff se baseou numa interpretação


extravagante e inusitada da denominada Lei de Responsabilidade Fiscal, que é parte
da legislação que procura perpetuar a política econômica e social do neoliberalismo.
Tal interpretação da lei permitiu enquadrar como crime de responsabilidade, isto é,
como crime passível de impeachment, um procedimento contábil banal do Governo
Dilma Rousseff e, o que é mais importante, procedimento correntemente adotado
pelos presidentes da República que a antecederam e também pelos governadores de
Estado sem que tais mandatários tivessem sido sequer molestados pelo legislativo548.

Pondo em movimento forças conservadoras e antidemocráticas reprimidas, o golpe de


2016 “[...] desacreditou o voto popular, ensejou o retorno dos militares como atores políticos
de primeiro plano, judicializou de modo extremado os conflitos políticos, estimulou conflitos
entre os ramos e instituições do Estado e desacreditou a democracia”549.
Fator determinante para o golpe e para o que veio em seguida se tratou da articulação
de uma fração importante do aparato judicial-penal em torno de uma operação de combate à
corrupção direcionada seletivamente ao PT e seus aliados. O amplo apelo político e midiático
dado à Operação Lava Jato certamente corroborou para que o antipetismo ganhasse força na
consciência popular, fazendo com que amplos setores passassem a associar os efeitos da crise
econômica e política como decorrentes da corrupção nos anos petistas550. O segundo ato do
golpe seria então efetivado com a célere condenação penal de Lula às vésperas do pleito de
2018, o então primeiro colocado nas pesquisas de intenção de voto. Condenação esta que se
deu sob a forma de um processo judicial que mais tarde seria anulado pelo STF a partir da
confirmação de interferências ilegais do então juiz Sérgio Moro no caso, que ainda seria

548
BOITO JR., 2020, p. 10.
549
Ibidem.
550
MATTOS, 2020, op. cit., p. 160-161.
144

promovido a Ministro da Justiça do governo Bolsonaro, retirando, assim, a máscaras de


“neutralidade” do judiciário551.
Mesmo com o primeiro colocado nas pesquisas presidenciais impedido de concorrer, a
crise de representação respingava também sobre os tradicionais representantes dos grupos
dominantes, que não conseguiram emplacar uma alternativa eleitoral forte para as eleições de
2018; fato evidenciado na baixa expressividade do PSDB e do MDB no primeiro turno da
disputa. Advindo do mais nefasto do que a extrema direita expressa, exaltando torturadores da
ditadura e apoiado numa base miliciana e fundamentalista, a candidatura do capitão da reserva
Jair Bolsonaro logra êxito ao se colocar como outsider – a despeito de se tratar de um político
em cena há trinta anos tendo passado por partidos afundados em denúncias de corrupção – e
então avança no vácuo deixado pela crise ao polarizar não só com a esquerda, como
atropelando a direita tradicional. Afinal de contas,

Contrariando a expectativa da liderança política grã-burguesa, Bolsonaro cativou o


eleitorado conservador em todo o Brasil com apelos que falavam à multiplicidade de
suas sensibilidades: propriedade e mercado, moral e bons costumes, armas para os
cidadãos de bem, Deus e Pátria. Tudo isso envolto em discurso que fazia o elogio
desinibido dos governos militares e prometia extirpar a esquerda da vida política
nacional552.

De outra parte, há de se ressaltar que a eleição de Bolsonaro e da extrema direita em


2018 “[...] não foi raio em céu azul, mas fruto da consolidação paulatina de uma nova direita
brasileira que durou mais de uma década e que encontrou suporte em redes de contatos e
organizações nacionais e estrangeiras construídas décadas atrás por intelectuais e acadêmicos
pró-mercado”553. Não à toa, sua figura é progressivamente alçada a posição de liderança
desses grupos justamente a partir do momento em que a nova direita emerge nas ruas em
2015.
Ainda que não representasse a opção inicial delas, as classes dominantes apostaram
então na viabilização da vitória de um projeto de caráter antidemocrático e reacionário na
medida em que se apoiava numa plataforma econômica ultraneoliberal, simbolizada na figura
do economista Paulo Guedes, expoente da Escola de Chicago ao qual era reservado o
principal posto da Economia no novo governo. Guedes não só manteria como radicalizaria a
golpes de barbárie social a política econômica e social herdada do governo Temer. Como

551
Ibidem, p. 163
552
CRUZ, Sebastião C. Velasco. Direita-direitas no Brasil de hoje: reflexões a partir de uma situação. In:
BUZETTO, Marcelo (org.) Democracia e direitos humanos no Brasil: a ofensiva das direitas (2016/2020). São
Paulo: Central Única dos Trabalhadores, 2021, p. 71.
553
ROCHA, 2018, p. 16.
145

destacado por Boito Jr., “[...] o grande empresariado foi paulatinamente adotando a
candidatura de Bolsonaro que [...] até 2017 era uma candidatura da alta classe média e que
contava com o apoio de proprietários rurais”554. Ao mesmo tempo, tal opção derrotava a
possibilidade de uma reabilitação do programa social-liberal representado no segundo turno
pelo PT. Nas palavras do autor,

Somente quando se vê na situação apresentada acima, na qual os seus partidos


tradicionais não lhe servem mais e na qual tem diante de si um movimento
reacionário de massa marcado por notória incapacidade hegemônica, é somente em
tal situação que uma ou mais frações da burguesia necessitam e podem realizar a
complexa operação política, não desprovida de riscos, que consiste em cooptar o
movimento fascista para impor ou para recuperar uma hegemonia política perdida.
Nessa situação, decidem “convocar o diabo”, como escreveu o jovem Gramsci.555

Tanto o golpe de 2016 quanto a eleição de Bolsonaro só são efetivados, portanto,


quando se tornam a opção da autocracia burguesa, favorecendo seus agentes mais
conservadores e reacionários. 2018 consolida a ruptura iniciada em 2016. Seguindo as
indicações de Florestan Fernandes, podemos entender que, sob o governo Bolsonaro, a
autocracia burguesa alçou sua forma fascista à faceta predominante no seio do regime
democrático restrito, com vistas a garantir a continuidade da estratégia da contrarrevolução
preventiva556. No sentido de aprofundar a agenda econômica neoliberal e suas políticas de
austeridade e de retirada de direitos, as classes dominantes viabilizaram um projeto que
apresentou altos esforços no sentido de romper com as amarras da institucionalidade
democrática, em prol de garantir o essencial da dominação e da acumulação capitalista no
contexto de crise aguda.
A chegada de um movimento de dimensões neofascistas ao poder no Brasil ocorreu,
assim, a partir de um contexto de sobreposição de diversas crises – no plano econômico,
político e social –, e do esgotamento de um determinado modelo de gestão da autocracia
burguesa. Como em sua manifestação histórica, fascismo e erupção de uma crise orgânica se
encontram novamente imbricados, aparecendo concomitantemente enquanto expressão da
crise e resposta das classes dominantes aos seus efeitos sociais disruptivos. Ademais, após a
crise capitalista de 2008 – em muitos sentidos, uma expressão daquela crise estrutural aberta
nos anos 1970 – podemos observar um avanço da extrema direita não só no Brasil, mas numa
série de países. Sendo colocado a dialogar com o novo contexto histórico do capitalismo, o

554
BOITO JR., 2021, p. 19-20.
555
Idem, 2020, p. 22.
556
MATTOS, 2020, p. 236.
146

principal fator de novidade se encontra na vinculação do fascismo contemporâneo a uma


política econômica neoliberal, atual padrão hegemônico de acumulação de capital.
À frente do movimento, encontram-se setores da classe média e pequeno-burgueses,
temerosos do rebaixamento social e desiludidos com experiências da esquerda. O fascismo
ainda conquista o consentimento mais ou menos passivo ou ativo de segmentos da classe
trabalhadora, cooptados pela explicação moralista para os efeitos da crise e pelas promessas
salvacionistas de sua superação. Como no fascismo histórico, percebe-se a mesma base social
na conformação do bolsonarismo. Chegando ao governo, o fascismo trata, na verdade, de
favorecer as frações do grande capital, num projeto contrarrevolucionário de aniquilação das
forças organizadas e/ou precarizadas das classes subalternas com ares de terrorismo e barbárie
social557.
A dimensão mais bem acabada dessa situação foi exposta à olho nu diante de todo o
mundo durante a condução da pandemia da COVID-19 pelo governo Bolsonaro. A postura
negacionista e anticientífica frente ao vírus, a rejeição às medidas de isolamento social
recomendadas pelos órgãos mundiais de saúde, a defesa da retomada imediata das atividades
econômicas, e o atraso proposital na aquisição de vacinas deixaram um rastro de miséria
social e de centenas de milhares de mortos no bojo de uma profunda crise econômica, política,
sanitária e social, ao mesmo tempo em que se via aumentar o número de bilionários no país e
as desigualdades sociais.
Não se deve perder de vista que a emergência do neofascismo na sociedade capitalista
brasileira se insere num quadro de avanço da extrema direita em nível internacional,
profundamente relacionado às consequências sociais de décadas de hegemonia do
neoliberalismo. Num cenário de desespero social, insegurança, e de rebaixamento das
condições de vida da maioria da população em decorrência do acirramento das políticas
neoliberais, o avanço das direitas e a emergência do fenômeno bolsonarista correspondem a
uma ofensiva social, econômica, política, ideológica e cultural do capital em crise contra as
classes despossuídas, pondo em prática uma reconfiguração regressiva da dominação de
classes e das relações sociais no Brasil.

557
Idem, 2019, op. cit., p. 37-39.
147

CAPÍTULO II:

Brasil Paralelo: um aparelho de ação político-ideológica da nova direita nas redes

Conhecer o modo como, no bojo da ofensiva das direitas, a Brasil Paralelo se


configura enquanto um aparelho privado de hegemonia voltado para a estratégia de ação
político-ideológica implica investigar a trajetória da produtora na conjuntura, a partir de suas
articulações no âmbito da sociedade civil e do Estado. Este capítulo se dedica à investigação
de seu processo de constituição, do seu modus operandi e do modelo empresarial da Brasil
Paralelo, bem como examina as relações da produtora junto a intelectuais e organizações da
nova direita e bolsonaristas que vem viabilizando sua atuação na conjuntura. Nessa diligência,
caberá examinar suas formas organizacionais, os projetos empreendidos, seu funcionamento
institucional, seus quadros de dirigentes e de associados e suas bases sociais. As evidências
materiais para tal pesquisa são encontradas numa série de artigos, entrevistas e vídeos
disponibilizados na internet pela própria produtora e por fontes jornalísticas diversas.

2.1. Formação, projetos e modus operandi

Criada em 2016 na cidade de Porto Alegre, a Brasil Paralelo se define como uma
empresa de entretenimento e educação cuja missão principal seria “resgatar bons valores,
ideias e sentimentos no coração de todos os brasileiros”, orientando-se pela “busca da verdade
histórica, ancorada na realidade dos fatos, e sem qualquer tipo de ideologização na produção
do conteúdo”558. Com mais de 90 cursos e 100 produções originais disponibilizadas nas
principais plataformas de mídia da internet – entre as quais documentários, programas, cursos,
e-books, podcasts e séries que tratam desde história, política, filosofia e economia até
educação, arte e atualidades –, a produtora já contava no ano de 2022 com mais de 500 mil
membros assinantes e em torno de 200 funcionários559. De acordo com a BP, “toda a produção
é feita de forma independente, apartidária e isenta, cujo objetivo principal é oferecer ao
público um conteúdo baseado em um grande acervo informativo analisado por dezenas de
especialistas”560. Sua intenção com a produção desses materiais é bastante clara: “causar o

558
Sobre Nós. Brasil Paralelo. Disponível em: <https://www.brasilparalelo.com.br/sobre>. Acesso em: 10 fev.
2022.
559
Ibidem.
560
A Brasil Paralelo é uma farsa? A descrição na Wikipédia diz que sim. Brasil Paralelo. Disponível em:
<https://www.brasilparalelo.com.br/artigos/brasil-paralelo>. Acesso em: 10 fev. 2022.
148

maior impacto cultural que o Brasil já presenciou [e...] reverter as mazelas que a nossa cultura
sofreu nos últimos anos”561. Os números mais recentes do seu canal no YouTube, plataforma
onde a empresa apresenta maior atuação e visibilidade pública, informam mais de 3,4 milhões
de inscritos e aproximadamente 260 milhões de visualizações em seus vídeos562.
Se formando e se desenvolvendo no seio das plataformas digitais, a Brasil Paralelo se
insere no amplo grupo de canais da direita que explodiram no país na segunda década do
século XXI. Mas quais são as origens, o modus operandi e o percurso trilhado na conjuntura
pela produtora que em poucos anos obteve tamanho sucesso nas redes enquanto um canal de
“mídia alternativa” capaz de reunir figuras de diferentes matizes do pensamento
liberal-conservador do país, ambicionando se tornar “o ecossistema de maior influência
cultural do Brasil”563? De acordo com Filipe Valerim, um dos sócio-fundadores da empresa, a
idealização da iniciativa remonta ao cenário de crise política na conjuntura pós-2013

com um grupo de jovens empreendedores, hoje sócios do projeto, que entendiam


que o país estava passando por um momento novo. Diante do cenário político de
2014, com a reeleição de Dilma Rousseff, um despertar de consciência política
ganhava cada vez mais força a partir do sentimento de revolta da maioria da
população. Após o impeachment da ex-presidente, ficou claro que havia uma parcela
significativa da população com o potencial de se mobilizar e gerar mudanças
efetivas na rota que seguíamos. Isso nos entusiasmou564.

Apesar da grande mobilização de segmentos da população em torno do processo, os


produtores notavam uma demanda social de análises mais “lúcidas” e “racionais”, que
escapassem às visões mais superficiais orientadas pelo “sentimentalismo”. É aqui que entraria
o papel de um círculo quase extinto de professores, políticos, escritores, historiadores,
filósofos e especialistas que seriam alheios à "perspectiva hegemônica” da grande mídia e que
poderiam contribuir com narrativas que explicassem as razões para aquele cenário político e
social. A narrativa de fundação da empresa é de que aqueles “jovens empreendedores” de
classe média que idealizaram o projeto então reuniram R$13 mil de seus bolsos para o
investimento inicial, tomaram dinheiro e duas câmeras emprestadas para a gravação de
entrevistas e produção de filme-documentários numa pequena sala de 6m² em Porto Alegre.

561
Brasil Paralelo. O que DE FATO é o Brasil Paralelo? YouTube, 2 out. 2018. Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=9RDrKmAvsik>. Acesso em: 10 fev. 2022.
562
Brasil Paralelo. Disponível em: <https://www.youtube.com/@brasilparalelo>. Acesso em: 10 fev. 2022.
563
Sobre Nós. Brasil Paralelo. Disponível em: <https://www.brasilparalelo.com.br/sobre>. Acesso em: 10 fev.
2022.
564
BRASIL Paralelo: em entrevista exclusiva, conheça a origem dos documentários que fazem sucesso na
Internet. Boletim da Liberdade, 19 jul. 2018. Disponível em:
<https://www.boletimdaliberdade.com.br/2018/07/19/brasil-paralelo-em-entrevista-exclusiva-conheca-a-origem-
dos-documentarios-que-fazem-sucesso-na-internet/>. Acesso em: 12 fev. 2022.
149

Dos 5 sócios-fundadores, três eram ex-alunos da Escola Superior de Propaganda e Marketing


(ESPM): Henrique Viana, Filipe Valerim e Lucas Ferrugem; trio que permanece à frente da
empresa até hoje565.
Assim teria nascido em 2016 a Brasil Paralelo, após conhecer diversas reformulações
até chegar ao formato atual. Sua primeira produção, a série Congresso Brasil Paralelo,
realizada ainda no curso do impeachment e que conta com um episódio inteiro dedicado à
abordagem do seu processo, teria nascido deste trabalho realizado “aos poucos e com a ajuda
de quem acreditava no projeto”, a partir da ideia de transformar em série de documentários as
entrevistas conseguidas com “quem poderia explicar o cenário brasileiro naquele
momento”566. A ideia era "conectar a falta de conhecimento das pessoas com aqueles que
sabiam o que falar e ainda não tinham a oportunidade de fazê-lo”,567 por meio de “uma
narrativa didática, mas que também fosse comovente”568. A partir daí, a Brasil Paralelo faria
de suas produções fílmicas “independentes” o principal carro-chefe do projeto.
A escolha final do nome do projeto teria sido inspirada no filme Interestelar do
cineasta Christopher Nolan, onde o personagem principal, interpretado pelo ator Matthew
McConaughey, salva a humanidade do colapso terrestre entrando em um buraco de minhoca
no espaço e encontrando um planeta habitável nesse universo “paralelo” que salvaria nossa
espécie. O logotipo da empresa – que simboliza um buraco de minhoca sobrepondo a bandeira
brasileira – sintetizaria a ideia da marca como um canal de conexão com uma “realidade
paralela” àquela apresentada pelos intelectuais e pela grande mídia, independente do Estado.
“Brasil Paralelo” seria “[...] uma referência a uma forma de agir, totalmente independente de
dinheiro público, políticos ou leis de incentivo audiovisual, afinal, duas retas paralelas nunca
se encontram”569.
A produtora, que hoje ocupa dois andares em um edifício da Avenida Paulista e conta
com dois estúdios de gravação, teria conseguido se viabilizar inicialmente por meio de
campanha de crowdfunding, alcançado depois um crescimento expressivo a partir da venda de

565
A Brasil Paralelo é uma farsa? A descrição na Wikipédia diz que sim. Brasil Paralelo. Disponível em:
<https://www.brasilparalelo.com.br/artigos/brasil-paralelo>. Acesso em: 10 fev. 2022.
566
Sobre Nós. Brasil Paralelo. Disponível em: <https://www.brasilparalelo.com.br/sobre>. Acesso em: 10 fev.
2022.
567
A Brasil Paralelo é bolsonarista? Brasil Paralelo. Disponível em:
<https://www.brasilparalelo.com.br/artigos/a-brasil-paralelo-e-bolsonarista>. Acesso em: 11 fev. 2022.
568
BRASIL Paralelo: em entrevista exclusiva, conheça a origem dos documentários que fazem sucesso na
Internet. Boletim da Liberdade, 19 jul. 2018. Disponível em:
<https://www.boletimdaliberdade.com.br/2018/07/19/brasil-paralelo-em-entrevista-exclusiva-conheca-a-origem-
dos-documentarios-que-fazem-sucesso-na-internet/>. Acesso em: 12 fev. 2022.
569
O que significa o símbolo da Brasil Paralelo? Brasil Paralelo. Disponível em:
<https://www.brasilparalelo.com.br/noticias/significado-logomarca-brasil-paralelo>. Acesso em: 10 fev. 2022.
150

serviço de assinatura e material exclusivo na internet. Segundo a BP, todo o seu faturamento
“[...] provém da venda de cursos e conteúdos exclusivos para assinantes. A monetização de
vídeos no YouTube nunca foi uma fonte de recursos570 e não há qualquer financiamento de
órgãos públicos ou subsídios fiscais”571. Nas palavras de Filipe Valerim: “Ficar dependente de
grandes patrocinadores, doadores, incentivos de lei, não era uma alternativa. O conflito de
interesses nesses casos é iminente e é por isso que a empresa precisava ser financiada pelas
milhares de pessoas que nos assistiriam”572.
O lucro advindo da venda de conteúdo exclusivo teria permitido à produtora já no ano
de 2017 ter possuído condições de lançar o filme sobre o impeachment de Dilma Rousseff em
salas de uma grande rede de cinemas em São Paulo e Porto Alegre, contando com a
participação de intelectuais e políticos da direita573. Outro lançamento de sucesso no mesmo
ano se tratou da série Brasil: A Última Cruzada, uma de suas principais produções anunciada
como “o maior resgate histórico já produzido no Brasil”574. Em 2017 a produtora também
organizou dois “Encontros Fundadores – Brasil Paralelo” na cidade de São Paulo575, e ainda
teve seu lançamento no 30º Fórum da Liberdade, principal evento de articulação da agenda
das direitas no Brasil, cujo tema naquele ano foi “O Futuro da Democracia”576.
No ano de 2018 a produtora lançou sua plataforma de conteúdo própria contando com
a “maior iniciativa educacional da BP”, seu “Núcleo de Formação”577. A plataforma seria uma
alternativa ao ensino deficitário ofertado pelas escolas e universidades brasileiras. Com a
vitória eleitoral da extrema direita naquele ano, a Brasil Paralelo conseguiria se alçar a novos

570
Em texto de 2020 publicado no Le Monde Diplomatique Brasil sob abrigo de direito de resposta a um artigo
veiculado pelo jornal, a Brasil Paralelo contradiz o afirmado, indicando que a monetização dos vídeos no
YouTube representa uma de suas fontes de recursos. Cf.: PAULO, Diego Martins Dória. Brasil Paralelo tenta
censurar o debate. Le Monde Diplomatique Brasil, 21 jul. 2020. Disponível em:
<https://diplomatique.org.br/brasil-paralelo-tenta-censurar-debate/#_ftn5>. Acesso em: 20 abr. 2022.
571
Sobre. Brasil Paralelo. Disponível em: <https://www.linkedin.com/company/brasil-paralelo/about/>. Acesso
em: 12 fev. 2022.
572
BRASIL Paralelo: em entrevista exclusiva, conheça a origem dos documentários que fazem sucesso na
Internet. Boletim da Liberdade, 19 jul. 2018. Disponível em:
<https://www.boletimdaliberdade.com.br/2018/07/19/brasil-paralelo-em-entrevista-exclusiva-conheca-a-origem-
dos-documentarios-que-fazem-sucesso-na-internet/>. Acesso em: 12 fev. 2022.
573
BRASIL Paralelo fará pré-estréia de novo documentário nos cinemas. Boletim da Liberdade. 14 mar. 2017.
Disponível em:
<https://www.boletimdaliberdade.com.br/2017/03/14/brasil-paralelo-fara-pre-estreia-de-novo-documentario-nos-
cinemas/>. Acesso em: 14 fev. 2022.
574
Brasil Paralelo. Capítulo 1 - A Cruz e a Espada | Brasil - A Última Cruzada. YouTube, 20 set. 2017.
Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=TkOlAKE7xqY&t=2s>. Acesso em: 13 jan. 2022.
575
SANTOS, Mayara Balestro. "Brasil Paralelo" a plataforma à serviço da "nova direita" no Brasil recente. In:
SIMPÓSIO DE PESQUISA ESTADO E PODER, 7, 2019, Marechal Cândido Rondon. Anais… Marechal
Cândido Rondon: UNIOESTE, 2019, p. 233.
576
Edições anteriores. Fórum da Liberdade. Disponível em: <https://www.forumdaliberdade.com.br/edicoes>.
Acesso em: 12 fev. 2022.
577
Sobre Nós. Brasil Paralelo. Disponível em: <https://www.brasilparalelo.com.br/sobre>. Acesso em: 10 fev.
2022.
151

patamares. Suas produções ainda serviram à época de material de campanha para políticos da
extrema direita, incluindo o próprio presidente eleito, como veremos em mais detalhes
adiante.
Em 2019 a BP lança uma campanha de crowdfunding para transformar a série
documental Brasil: A Última Cruzada em filme e vender sua distribuição à escolas do país,
tendo alcançado ao fim da campanha pouco mais de R$400 mil arrecadados578. Apesar de não
terem cumprido seu objetivo final com a campanha, a profusão das suas ideias na forma de
conteúdo pedagógico seria alcançada em fins do mesmo ano, quando a TV Escola, canal até
então financiado pelo Ministério da Educação, fechou contrato de três anos com a produtora
para exibição da série em sua grade. De acordo com a BP, foi a própria emissora que teria
procurado a produtora, que autorizou a cessão gratuita e não exclusiva do conteúdo579. À
época, a Associação Nacional de História de São Paulo (ANPUH-SP) emitiu nota conjunta
com docentes e estudantes da Universidade de São Paulo (USP) caracterizando o conteúdo
como “peça de propaganda ideológica de um grupo extremista”, com uma “narrativa
negacionista, sem lastro em pesquisas historiográficas reconhecidas pela comunidade
científica”580.
Também em 2019 foi lançada aquela que seria a produção da BP a alcançar maior
público, o documentário 1964: O Brasil Entre Armas e Livros – que também teve lançamento
em cinemas envolto de polêmicas e críticas581 –, e teve início a produção da série documental
Pátria Educadora, orçada em R$2 milhões, que se propõe a realizar um diagnóstico da crise
da educação brasileira582. Em parceria com a produtora, o Instituto Liberdade lançou naquele
ano um projeto de livros infantis inspirados em autores liberais, abordando temáticas como
“lei”, “liberdade”, “governo limitado” e “livre mercado”583.

578
PAULO, Diego Martins. Os mitos da Brasil Paralelo: uma face da extrema-direita brasileira. REBELA,
Florianópolis, v. 10, n. 1, jan./abr. 2020, p. 104.
579
SILVA, Cedê. Exclusivo: contrato da TV Escola com Brasil Paralelo é de três anos. O antagonista, 9 dez.
2019. Disponível em:
<https://oantagonista.uol.com.br/brasil/contrato-da-brasil-paralelo-com-tv-escola-e-de-tres-anos/>. Acesso em:
12 fev. 2022.
580
ANPUH-SP apoia nota de alerta. ANPUH. Disponível em:
<https://anpuh.org.br/index.php?option=com_k2&view=item&id=5585:nota-de-alerta-2019>. Acesso em 14 fev.
2022.
581
CINEMARK emite nota de esclarecimento após exibição de filme sobre 1964. Correio Braziliense, 2 abr.
2019. Disponível em:
<https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/brasil/2019/04/02/interna-brasil,746968/cinemark-emite-not
a-de-esclarecimento-apos-exibicao-de-filme-sobre-196.shtml>. Acesso em: 20 fev. 2022.
582
Brasil Paralelo. O FIM DA HISTÓRIA | PÁTRIA EDUCADORA - CAPÍTULO 1 | FILME COMPLETO.
YouTube, 31 mar. 2020. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=EU5sAWPKgMc&t>. Acesso em
25 jan. 2022.
583
Parceiro do Instituto Liberal publica livros infantis sobre autores liberais. Instituto Liberal, 23 mai. 2019.
Disponível em:
152

Ainda no ano de 2019 a BP esteve envolvida na organização de dois importantes


eventos dos círculos liberais-conservadores que ocorreram no país. Em agosto a produtora
esteve à frente do “Fórum Brasil - A Última Cruzada” na cidade de São Paulo, evento aberto
aos membros assinantes da plataforma. Além dos sócio-fundadores, participaram do fórum
palestrantes como Luiz Philippe de Orleans e Bragança, descendente da extinta casa imperial
brasileira, Hélio Beltrão, presidente do Instituto Mises Brasil, e Rafael Nogueira,
ex-presidente da Biblioteca Nacional no governo Bolsonaro. Filipe Valerim mediou o debate,
dividido nas seguintes temáticas: “Abertura-Nossa Missão”, “Terra de Santa Cruz”, “Pais
Fundadores”, “Cultura brasileira”, “Os poderes do Brasil”, “Capitalismo e Conservadorismo”,
“Literatura brasileira contemporânea” e o encerramento584.
Em outubro do mesmo ano foi realizada a primeira edição brasileira da Conservative
Political Action Conference (CPAC)585, organizada por Eduardo Bolsonaro. O evento contou
com a participação de figuras ligadas ao governo e foi mediado por alunos do autor Olavo de
Carvalho e membros da Brasil Paralelo, que apareceu enquanto principal referência na
abordagem dos temas relacionados à educação e à cultura. O pensamento gramsciano – ao
lado de outros inimigos designados, como o socialismo, o comunismo, o “esquerdismo”, o
“globalismo”, Marx, Lenin, a Globo e a Folha de S. Paulo – recebeu atenção considerável por
parte dos palestrantes, principalmente a partir da apropriação de sua ideia de “hegemonia” no
terreno cultural586.
A chegada de 2020 trouxe não só a mudança da sede da produtora para São Paulo, mas
a emergência do contexto de pandemia mundial, colocando a BP sob iminente “risco de ter de
fechar as portas e voltar para Porto Alegre”587, de acordo com os produtores. Curiosamente, a
produtora conheceria naquele ano um crescimento exponencial de seu número de membros,
conseguindo angariar os recursos que seriam suficientes para prosseguir com suas atividades.
Essa significativa virada – em 2019 a BP possuía pouco mais de 12 mil membros assinantes,
em contraste com os mais de 180 mil já no ano seguinte – teria sido fruto do sucesso do
lançamento da série Pátria Educadora, mas principalmente, da criação do “Plano Patriota”588,

<https://www.institutoliberal.org.br/blog/parceiro-do-instituto-liberal-publica-livros-infantis-sobre-autores-libera
is/>. Acesso em: 20 fev. 2022.
584
SANTOS, 2019, op. cit., p. 233-234.
585
CPAC Brasil. Disponível em: <https://www.cpacbr.com.br/>. Acesso em 22 fev. 2022.
586
PEREIRA, Eduardo; SANTOS, Mayara Balestro. Brasil Paralelo: atuação, dinâmica e operação: a serviço da
extrema-direita (2016-2020). In: SANTOS, Mayara Balestro; MIRANDA, João Elter (Orgs.). Nova direita,
bolsonarismo e fascismo: reflexões sobre o Brasil contemporâneo [livro eletrônico]. Ponta Grossa: Texto e
Contexto, 2020, p. 334.
587
Sobre Nós. Brasil Paralelo. Disponível em: <https://www.brasilparalelo.com.br/sobre>. Acesso em: 10 fev.
2022.
588
Ibidem.
153

aquele que era o plano de membresia mais básico e de maior divulgação dentre os ofertados
pela produtora em sua plataforma, funcionando mais como uma espécie de plano de apoio.
Inicialmente, a BP apresentava a nomenclatura de “membro fundador” como
categoria para os primeiros apoiadores do projeto, abarcando cerca de 10 a 12 mil
assinantes589. Não obstante, sob o custeio de R$10 mensais, é possível deduzir que a criação
do “Plano Patriota” foi o que possibilitou a obtenção de um maior apoio financeiro entre
setores mais populares, garantindo um aumento dos recursos da empresa nos últimos anos.
A plataforma de assinantes da Brasil Paralelo590 oferece o acesso ao seu “Núcleo de
Formação” por R$49 mensais, com mais de 40 cursos exclusivos sobre Filosofia, Educação,
Ciência Política, História, Economia, Bioética e Arte ministrados por “professores
especialistas”. Outros cursos avulsos também são ofertados na plataforma: a “Sociedade do
Livro”, um curso que pretende abarcar os “grandes temas da humanidade” através do método
de leitura sintópica; a “Escola da Família”, onde o aluno “aprenderá a cultivar os bons hábitos
e virtudes para manter uma família feliz e superar os principais desafios da vida domiciliar”; o
“Clube da Música”, onde o membro poderá “amadurecer e evoluir culturalmente” a partir do
estudo da primeira arte. A assinatura da plataforma também dá acesso à apostilas digitais de
apoio, à loja digital, ao grupo de membros no Telegram, convites para encontros presenciais
com a equipe da produtora, versões estendidas dos documentários da BP e acesso às
entrevistas originais na íntegra591. Na página de propaganda da plataforma lê-se o seguinte:

Passamos por um sistema de ensino precário que ocupa os últimos lugares nos
rankings mundiais de educação. O Núcleo de Formação Brasil Paralelo tem por
objetivo recuperar os danos causados por esse método e resgatar a paixão pelo
aprendizado na vida dos nossos Membros [...] Não seja massa de manobra! A partir
do momento em que se tornar um Membro do Núcleo de Formação, você estará
assumindo o protagonismo de sua vida intelectual, usufruindo de um conteúdo
jamais produzido em toda internet592.

De acordo com Filipe Valerim, o principal benefício em colaborar com a BP

[...] é a ideia de financiar a expansão de consciência dos brasileiros. Temos uma


métrica que indica que a cada pessoa que adquire o conteúdo pago do Brasil
Paralelo, mil novas pessoas assistem às séries gratuitas através do investimento que

589
Cf. Café Brasil 775 – LíderCast Henrique Viana – Brasil Paralelo. Café Brasil. Disponível em:
<https://portalcafebrasil.com.br/cafe-brasil-775-lidercast-henrique-viana-brasil-paralelo/>. Acesso em 24 fev.
2022.
590
Cf. https://plataforma.brasilparalelo.com.br. Acesso em 12 jan. 2022.
591
Seja membro. Brasil Paralelo. Disponível em: <https://site.brasilparalelo.com.br/seja-membro/>. Acesso em:
26 fev. 2022.
592
Seja membro premium. Brasil Paralelo. Disponível em:
<https://site.brasilparalelo.com.br/seja-membro-premium/>. Acesso em 26 fev. 2022.
154

fazemos em anúncios de divulgação. Além do impacto social que a pessoa estará


gerando, ela poderá se desenvolver como indivíduo estudando o conteúdo exclusivo
para membros e participando do grupo fechado de discussão que debate diversos
assuntos relacionados aos temas da série”593.

Assim, ao assinante é relegado não um papel de mero financiador, mas lhe é oferecido,
além da vantagem do acesso complementar à uma formação intelectual consoante aos seus
valores, o privilégio de ser um “membro” da Brasil Paralelo e o sentimento de pertencer a
uma causa maior: a transformação do país através das ideias e da cultura594.
Durante a pandemia a produtora teve seu contrato encerrado com a Hotmart,
plataforma de pagamento até então utilizada pela empresa, após denúncia do Sleeping Giants,
movimento que cobra anunciantes que veiculam propaganda em sites acusados de veicular
fake news e discurso de ódio595.
Em 2021 a BP apresentou uma reformulação da empresa – anunciada como a “Nova
Brasil Paralelo” –, expandindo sua atuação através de uma plataforma de streaming própria –
a BP Select – que oferece um catálogo de filmes, desenhos infantis e programas alinhados
com os valores da produtora pelo custo mínimo mensal de R$19, além do lançamento de
aplicativo para smartphones e TVs e um novo site596. Em menos de um ano após o
lançamento da plataforma, as assinaturas provenientes da BP Select já haviam chegado à
marca dos 100 mil, representando um terço do total de planos vendidos pela empresa à
época597.
Os filmes da BP Select são selecionados por uma curadoria da produtora a fim de
oferecer um “[...] conteúdo de qualidade, sem valores contrários à família e que permitem
bons aprendizados junto com entretenimento”598, e ainda trazem análises feitas por um

593
BRASIL Paralelo: em entrevista exclusiva, conheça a origem dos documentários que fazem sucesso na
Internet. Boletim da Liberdade, 19 jul. 2018. Disponível em:
<https://www.boletimdaliberdade.com.br/2018/07/19/brasil-paralelo-em-entrevista-exclusiva-conheca-a-origem-
dos-documentarios-que-fazem-sucesso-na-internet/>. Acesso em: 12 fev. 2022.
594
FIRMINO, Karine Rodrigues. Brasil Paralelo: um empreendimento de disputa política e simbólica da(s)
direita(s) recente(s). In: SANTOS, Mayara Balestro; MIRANDA, João Elter (Orgs.). Nova direita, bolsonarismo
e fascismo: reflexões sobre o Brasil contemporâneo [livro eletrônico]. Ponta Grossa: Texto e Contexto, 2020, p.
177.
595
BAZZAN, Alexandre.’Netflix’ dos bolsonaristas gastou R$328 mil em anúncios de Facebook e Instagram. O
Estado de S. Paulo, 28 set. 2020. Disponível em:
<https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,netflix-dos-bolsonaristas-gastou-r-328-mil-em-anuncios-de-facebo
ok-e-instagram,70003455670>. Acesso em: 25 fev. 2022.
596
Sobre Nós. Brasil Paralelo. Disponível em: <https://www.brasilparalelo.com.br/sobre>. Acesso em: 10 fev.
2022.
597
BP SELECT, serviço de streaming da Brasil Paralelo, alcança 100 mil assinantes. Exame, São Paulo, 25 jun.
2022. Disponível em:
<https://exame.com/bussola/bp-select-servico-de-streaming-da-brasil-paralelo-alcanca-100-mil-assinantes/>.
Acesso em 25 jul. 2022.
598
O que é a BP Select? Conheça os detalhes do streaming de filmes da Brasil Paralelo. Brasil Paralelo.
Disponível em: <https://www.brasilparalelo.com.br/artigos/o-que-e-a-bp-select>. Acesso em 22 set. 2022.
155

“especialista em cinema”. Destaca-se a criação de um nicho específico voltado para o público


infantil, a BP Kids, com “desenhos e séries pensadas para ensinar grandes lições e valores.
Abordagens seguras para crianças de todas as idades”599. Para a criação do streaming, a
produtora fechou contrato com a Sony Pictures, com a Metro-Goldwyn-Mayer e outros
estúdios de Hollywood600. A intenção é criar um análogo conservador da Netflix, com
projetos futuros de lançar produções ficcionais originais: “A Netflix tem quase 40 milhões de
assinantes. É esse mercado que a gente está mirando. As famílias se preocupam com estar
assistindo algo na Netflix e, de repente, surgir uma pauta LGBT”601, afirma Henrique Viana.
Numa estratégia perspicaz de marketing digital, muitas das produções originais da
Brasil Paralelo que inicialmente estavam disponibilizadas de forma gratuita em seu canal do
YouTube passaram a ser conteúdo exclusivo da sua plataforma de streaming. Outras
produções foram excluídas de vez das plataformas oficiais da produtora. Ainda é possível, no
entanto, encontrar boa parte desses conteúdos no YouTube disponibilizados por canais
alternativos602.
Em ocasião da comemoração do bicentenário da Independência do Brasil em 2022, a
Brasil Paralelo relançou sua série de maior sucesso, Brasil: A Última Cruzada, numa nova
edição remasterizada com conteúdos inéditos, junto do lançamento da animação Reconquista
e do seu primeiro livro Brasil, A Última Cruzada – O Livro, publicado pela LVM Editora603. A
empresa ainda aproveitou a ocasião da efeméride para desenvolver um projeto junto a turmas
de ensino fundamental, levando atores fantasiados de “heróis nacionais” – Dom Pedro I,
Imperatriz Leopoldina, José Bonifácio, Dom Pedro II e Princesa Isabel – para contar suas
histórias aos alunos e “reacender o orgulho de ser brasileiro nas novas gerações”604. Os
estudantes também receberam a primeira edição da BP Comics, que traz a história em
quadrinhos “O Último Imperador”.
No contexto da Copa do Mundo de Futebol de 2022, a BP participou de uma ação
social nas favelas do Gelo, Jaqueline e Mandioquinha na periferia de São Paulo junto a um

599
BP Select. Brasil Paralelo. Disponível em: <https://www.brasilparalelo.com.br/bp-select>. Acesso em: 22 set.
2022.
600
BRASIL Paralelo lança nova etapa com filmes, programação infantil e aplicativo. Revista Oeste, 28 set. 2021.
Disponível em:
<https://revistaoeste.com/tecnologia/brasil-paralelo-lanca-nova-etapa-com-filmes-programacao-infantil-e-aplicat
ivo/>. Acesso em 22 set. 2022.
601
COSTA, Ana Clara. Distanciamento social. Revista Piauí, Rio de Janeiro, set. 2021. Disponível em:
<https://piaui.folha.uol.com.br/materia/distanciamento-social/>. Acesso em: 22 set. 2022.
602
Cf. Anexo 1 – Produções e séries originais Brasil Paralelo.
603
O Histórico Primeiro Lançamento de um Livro pela Brasil Paralelo. Brasil Paralelo. Disponível em:
<https://www.brasilparalelo.com.br/noticias/lancamento-livro>. Acesso em: 2 out. 2022.
604
Heróis brasileiros invadem escola para contar suas histórias! Brasil Paralelo. Disponível em:
<https://www.brasilparalelo.com.br/noticias/herois-invadem-escola>. Acesso em: 2 out. 2022.
156

projeto esportivo local, patrocinando o “1º Festival do José do Patrocínio – Fundador da


Guarda-Negra”, organizado pela escola de futebol “Império do Brazil Futebol Clube”. Na
ocasião, a empresa forneceu uniformes, medalhas e 180 bolas personalizadas com o logo da
Brasil Paralelo para crianças do projeto605. De acordo com a Brasil Paralelo, esses dois
projetos fazem parte da iniciativa “Brasil Paralelo nas Escolas”, iniciada em setembro do
último ano606.
Em seu site e canais oficiais, a Brasil Paralelo faz questão de ostentar histórias de
famílias e comunidades desprovidas que foram beneficiadas com as “bolsas de estudo”
ofertadas pela produtora, como a do ex-morador de rua Fernando, que afirma utilizar os
cursos e produções da BP como principal fonte para sua formação e para educação de seus 6
filhos607. Chama a atenção também o relato sobre a concessão de bolsas da BP para uma vila
rural situada no interior de Minas Gerais, formada por uma associação de famílias e artistas
envolvidos com bioconstrução e comunidades sustentáveis que se orientam por uma
cosmovisão conservadora e cristã608; e a notícia de parceria com o grupo “G10 das Favelas”
para distribuição gratuita do serviço de streaming para 500 famílias moradoras de
Paraisópolis, na periferia de São Paulo, junto ao acesso à “Escola da Família”, “programa de
formação para a vida familiar, que abrange desde o casamento à criação dos filhos”609.
Outro projeto de destaque desenvolvido junto a grupos em situação de vulnerabilidade
socioeconômica se trata da parceria firmada pela BP com o Instituto Resgate da Educação
Clássica no Ensino Básico e Superior – RECEBS, uma instituição sem fins lucrativos que
atua em comunidades carentes da zona norte de Natal–RN atendendo famílias nas áreas da
educação, de esportes, saúde, assistência social e jurídica e na oferta de cursos
profissionalizantes. Nos relatos disponibilizados nos canais da BP, a produtora se orgulha da
instituição utilizar seus conteúdos na formação das crianças e jovens assistidos pelo projeto,

605
Brasil Paralelo incentiva o esporte nas favelas para ajudar na formação dos valores de jovens atletas. Brasil
Paralelo. Disponível em:
<https://www.brasilparalelo.com.br/noticias/brasil-paralelo-incentiva-o-esporte-nas-favelas-para-ajudar-na-form
acao-dos-valores-de-jovens-atletas>. Acesso em 2 fev. 2023.
606
Ibidem.
607
Fernando já morou na rua e pedia esmola. Hoje é pai de 6 e educa seus filhos com a Brasil Paralelo. Brasil
Paralelo. Disponível em: <https://www.brasilparalelo.com.br/noticias/fernando-bolsista>. Acesso em 10 out.
2022.
608
Vila rural conservadora e cristã se beneficia com bolsas da Brasil Paralelo. Brasil Paralelo. Disponível em:
<https://www.brasilparalelo.com.br/noticias/vila-barrolo-beneficiada-pela-brasil-paralelo>. Acesso em 10 out.
2022
609
KANNER, Gabriel. Parceria entre Brasil Paralelo e G10 Favelas une propósitos e desperta esperança. Folha
de S. Paulo, 13 out. 2021. Disponível em:
<https://www1.folha.uol.com.br/colunas/gabriel-kanner/2021/10/parceria-entre-brasil-paralelo-e-g10-favelas-un
e-propositos-e-desperta-esperanca.shtml>. Acesso em 22 set. 2022.
157

que seria uma das 150 instituições beneficiadas pela empresa610. De acordo com o site do
instituto, o RECEBS tem como missão

Resgatar o Ensino Básico a partir da reinserção da Educação Clássica no que se


refere à valorização da gramática, o cálculo, a compreensão de textos, bem como
todas as disciplinas que propiciam ao aluno possibilidades de independência
intelectual; O RECEBS objetiva, principalmente, cultivar o amor a Deus, à família
e à pátria, resgatar os valores morais e cristãos611.

Recentemente a produtora também esteve no apoio da I Conferência Internacional da


Liberdade, organizada pelo Instituto Liberal e a Rede Liberdade. O evento contou com
intelectuais, políticos, ex-chefes de Estado, empresários e membros de outros think tanks
liberais que debateram perspectivas para o Brasil e a América Latina a partir de temas como
“os desafios que a agenda liberal encontra na região, os riscos à liberdade de expressão
provenientes do Poder Judiciário, e as vantagens da economia de mercado para a
sociedade”612.
Em 2023 a Brasil Paralelo anunciou que retornaria para “o campo de batalha da
educação” através do lançamento de um novo programa de formação educacional que
substituirá seu “Núcleo de Formação”. O projeto “Travessia” promete oferecer uma
plataforma de ensino sob demanda personalizada e atualizada para o novo cenário de EaD no
país613.
A marca também mantém uma loja virtual, de acesso exclusivo aos membros
assinantes, oferecendo produtos que vão do vestuário até materiais escolares, canecas
personalizadas e itens de casa614. A BP também criou recentemente o selo “LibertyTech”, a
fim de oferecer um espaço para profissionais de tecnologia que se identificam com os valores
da Brasil Paralelo. A comunidade já contaria com “[...] mais de 500 pessoas espalhadas pelo
Brasil e pelo mundo compartilhando experiências e aprendizados”615.

610
A mãe de José Miguel achou que ele nunca falaria, por causa do autismo, mas se surpreendeu com a força da
educação. Brasil Paralelo. Disponível em:
<https://www.brasilparalelo.com.br/noticias/a-mae-de-jose-miguel-achou-que-ele-nunca-falaria-por-causa-do-aut
ismo-mas-se-surpreendeu-com-a-forca-da-educacao?utm_medium=noticias>. Acesso em: 2 jun. 2023.
611
Quem Somos e Nossa Missão. Instituto RECEBS. Disponível em: <https://recebs.org.br/?page_id=347>.
Acesso em 2 jun. 2023. [grifos no original]
612
I Conferência Internacional da Liberdade com apoio da Brasil Paralelo. Brasil Paralelo. Disponível em:
<https://www.brasilparalelo.com.br/noticias/conferencia-internacional-liberdade>. Acesso em 2 jun. 2023.
613
Brasil Paralelo. A Brasil Paralelo voltou para o campo de batalha da educação. YouTube, 18 abr. 2023.
Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=HsVO4Gk6pyE>. Acesso em 2 jun. 2023.
614
Cf. https://loja.brasilparalelo.com.br/. Acesso em 2 jun. 2023.
615
O que é a LibertyTech? Brasil Paralelo. Disponível em:
<https://www.brasilparalelo.com.br/noticias/libertytech>. Acesso em: 2 jun. 2023.
158

Além de vir adotando o modelo de negócios de gigantes do streaming, a Brasil


Paralelo vem se conformando como uma verdadeira mediatech, uma empresa de mídia com
foco no desenvolvimento de tecnologias para a produção e distribuição de conteúdos cada vez
mais personalizados e adaptados aos interesses do seu consumidor. Para tanto, aposta-se na
“exploração de um nicho específico e no uso intensivo da tecnologia para monitorar o
comportamento do público e auxiliar na captação e manutenção de assinantes”616. De acordo
com o especialista em distribuição de produtos audiovisuais e professor da ESPM Márcio
Rodrigo “empresas como a Brasil Paralelo se fundamentam em um senso de comunidade, em
que a seleção do que vai para o site ou plataforma é o que de fato importa para quem
assina”617. Neste âmbito, a BP vem procurando diversificar o formato do seu conteúdo por
meio de uma gama de subprodutos como os chamados vídeos de “cortes”, vídeos trazendo
sinopses e avaliação das produções, programas em podcasts e em formatos diversos: lives,
entrevistas, programas no estilo jornalismo investigativo, de humor, dentre outros.
A produtora fechou o último ano ultrapassando a marca de 570 mil membros
assinantes em sua plataforma, superando largamente os números dos principais veículos de
mídia do país618. Um fator substancial para esse crescimento que a produtora vem
apresentando nos últimos anos deriva da estratégia agressiva de investimento em marketing
digital adotada nas redes sociais. Em maio de 2021, a Revista Piauí trazia à público a
informação de que a empresa era recordista em gastos com propaganda no Facebook Brasil na
categoria “tema político”, sendo ela própria quem categorizava suas propagandas dessa forma
segundo o algoritmo. À época da reportagem – que calculava os números desde agosto de
2020, quando a bigtech tornou público esses dados – a produtora já havia gastado R$3,3
milhões em anúncios na plataforma. A matéria também indicava uma aplicação média de
R$14,9 mil por dia no Facebook e no Instagram, e que a empresa nunca havia ficado de fora
do ranking de maiores anunciantes do mês, do trimestre e do ano da plataforma. De acordo
com a revista, “só de propagandas da Brasil Paralelo etiquetadas como políticas superam as de
todos os candidatos da eleição de 2020 que patrocinaram posts no Facebook”619.

616
MONTEIRO, Renan. Brasil Paralelo surfa na polarização e tem crescimento exponencial. Veja, 8 jul. 2022.
Disponível em:
<https://veja.abril.com.br/economia/brasil-paralelo-surfa-na-polarizacao-e-tem-crescimento-exponencial>.
Acesso em 30 jul. 2022.
617
Ibidem.
618
Sobre Nós. Brasil Paralelo. Disponível em: <https://www.brasilparalelo.com.br/sobre>. Acesso em: 10 fev.
2022.
619
MAZZA, Luigi. No Facebook, Brasil Paralelo é recordista de gastos com propaganda política. Piauí, 27 maio
2021. Disponível em:
<https://piaui.folha.uol.com.br/no-facebook-brasil-paralelo-e-recordista-de-gastos-com-propaganda-politica/>.
Acesso em: 10 mar. 2022.
159

Os números mais recentes indicam que a BP seguiu investindo fortemente nessa


direção. Até junho de 2022, a produtora havia desembolsado o total de R$9 milhões para
impulsionar anúncios que tratam de temas sociais, eleições ou política no Facebook, sendo
R$3 milhões investidos apenas entre os meses de abril e junho do mesmo ano. Em quase dois
anos, foram veiculadas mais de 40 mil postagens na rede social. Para se ter uma noção, o
segundo maior anunciante na rede social se trata do próprio WhatsApp – que integra a mesma
bigtech que o Facebook –, que gastou R$2,1 milhões com 31 anúncios no mesmo período620.
De acordo com o relatório de transparência da Google Brasil divulgado em junho de 2022, a
produtora também lidera os gastos com publicidade política em plataformas da empresa de
buscas, incluindo o YouTube621.
O volume das cifras movimentadas no período impressionam, levando em conta uma
empresa que até 2019 contava com pouco mais de 10 mil membros assinantes e apresentava
uma receita anual de alguns milhões de reais. Convém investigar o modelo empresarial que
vem possibilitando tamanho sucesso à iniciativa da Brasil Paralelo.

2.2. Brasil Paralelo Entretenimento e Educação S/A: um APH de formato empresarial

A Brasil Paralelo conheceu um crescimento exponencial de sua base de membros


assinantes a partir do contexto da pandemia. Isso refletiu num crescimento de 335% da receita
da empresa entre 2019 e 2020, indo da cifra de R$6,5 milhões para R$29,9 milhões. Já em
2021 a BP mostrou um um faturamento de R$67,7 milhões com a venda de assinaturas, mais
que o dobro da receita alcançada no ano anterior622. Os números mais recentes indicam que a
empresa voltou a mais que dobrar de tamanho, fechando o ano de 2022 com a cifra de R$150
milhões de faturamento e projetando a marca dos R$250 milhões para 2023623. Em entrevista

620
GHIROTTO, Eduardo. Produtora bolsonarista usou R$ 9 mi para impulsionar posts no Facebook. Metrópoles,
1 jul. 2022. Disponível em:
<https://www.metropoles.com/colunas/guilherme-amado/produtora-bolsonarista-usou-rs-9-mi-para-impulsionar-
posts-no-facebook>. Acesso em 20 jul. 2022.
621
MORAES, Carolina; PORTO, Walter. Produtora Brasil Paralelo é quem mais paga anúncios políticos do
Google. Folha de S. Paulo, 23 jun. 2022. Disponível em:
<https://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2022/06/produtora-brasil-paralelo-e-quem-mais-paga-anuncios-politic
os-do-google.shtml>. Acesso em: 30 jun. 2022.
622
MONTEIRO, Renan. Brasil Paralelo surfa na polarização e tem crescimento exponencial. Veja, 8 jul. 2022.
Disponível em:
<https://veja.abril.com.br/economia/brasil-paralelo-surfa-na-polarizacao-e-tem-crescimento-exponencial>.
Acesso em 30 jul. 2022.
623
AMORIM, Lucas. Com 500 mil assinantes, Brasil Paralelo quer evitar polêmicas e sonha ser "a Disney
brasileira". Exame, 17 fev. 2023. Disponível em:
160

para a Folha de S. Paulo, Henrique Viana afirma que se cogita abrir a empresa para o mercado
de ações numa expansão futura: “Evidentemente, queremos ser um unicórnio [empresa de
valor de mercado de US$ 1 bilhão], mas não há pressa”624, afirma. A plataforma ainda cogita
uma expansão internacional625.
Em entrevista para o Boletim da Liberdade ainda no ano de 2018, Filipe Valerim
creditava o sucesso da Brasil Paralelo à adoção do modelo empresarial:

Acredito que um dos fatores determinantes para o rápido crescimento da Brasil


Paralelo, foi ter concebido o projeto como uma empresa desde sua origem. Neste
sentido, um bom sistema de incentivos é fundamental para se obter o máximo de
produtividade e entrega de valor dos envolvidos. Acredito que nenhum sistema é
mais eficiente do que assumir o risco de abrir uma empresa com capital próprio, cuja
sustentabilidade dependerá da percepção de valor do público626.

Lucas Viana credita ao empresário Leandro Ruschel a ideia de promover as ideias da


BP por meio de uma empresa do ramo da comunicação audiovisual:

Um dia, uma pessoa que assistiu a palestra, Leandro Ruschel, ficou tão encantado
com a nossa exposição que veio conversar conosco pessoalmente. Ele disse que
estudava aqueles assuntos há anos, mas nunca tinha visto eles condensados e
expostos de maneira tão clara e acessível. O Leandro, então, recomendou a criação
de uma mídia independente. Ele expôs o quanto o mercado de mídia estava
necessitado de uma empresa com a nossa qualidade didática e artística. [...] Eu não
sabia como escalar o projeto, pois não era meu emprego, não era meu sustento. O
Leandro demonstrou que o nosso empreendimento poderia se tornar o nosso foco
profissional. Começamos a encarar o projeto como uma empresa. Adaptamos nosso
formato de apresentação para mídia televisiva627.

A partir desse formato, os produtores da BP teriam descoberto sua “galinha dos ovos
de ouro”, com sua primeira produção faturando R$1,3 milhões logo nos 15 primeiros dias de

<https://exame.com/negocios/com-500-mil-assinantes-brasil-paralelo-quer-evitar-polemicas-e-sonha-ser-a-disne
y-brasileira/>. Acesso em 22 fev. 2023.
Cf. Anexos 2 e 3.
624
ZANINI, Fábio. Produtora Brasil Paralelo vive crescimento meteórico e quer ser 'Netflix da direita'. Folha de
S. Paulo, 29 mai. 2021. Disponível em:
<https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2021/05/produtora-brasil-paralelo-vive-crescimento-meteorico-e-quer-
ser-netflix-da-direita.shtml>. Acesso em 22 fev. 2022.
625
"NETFLIX da direita" atrai milhares de assinantes no Brasil e visa mercado internacional. UOL, 31 dez.
2021. Disponível em
<https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/rfi/2021/12/31/netflix-da-direita-atrai-milhares-de-assinantes-no-bra
sil-e-visa-mercado-internacional.htm?cmpid=copiaecola>. Acesso em 22 fev. 2022.
626
BRASIL Paralelo: em entrevista exclusiva, conheça a origem dos documentários que fazem sucesso na
Internet. Boletim da Liberdade, 19 jul. 2018. Disponível em:
<https://www.boletimdaliberdade.com.br/2018/07/19/brasil-paralelo-em-entrevista-exclusiva-conheca-a-origem-
dos-documentarios-que-fazem-sucesso-na-internet/>. Acesso em: 12 fev. 2022.
627
Novidades! Brasil Paralelo terá novo formato, diz o CEO. Brasil Paralelo. Disponível em:
<https://www.brasilparalelo.com.br/noticias/novidades-brasil-paralelo-tera-novo-formato>. Acesso em 12 ago.
2022.
161

seu lançamento628. Segundo os produtores, o custeio de produção e divulgação de cada filme é


de aproximadamente R$2 milhões629. Para se ter noção, uma de suas últimas produções de
destaque lançada, “Entre Lobos”, angariou o equivalente a R$2,5 milhões em assinaturas da
empresa em apenas 4 horas. Nas palavras do próprio Viana: “Nosso negócio é extremamente
promissor. Querendo ou não, o fenômeno da polarização gera tanto prejuízos como
oportunidades”630. Não obstante, o empresário afirma que o sucesso do negócio milionário
não se converteu em enriquecimento pessoal para seus sócios: “O propósito é tão firme que
nós reinvestimos tudo na Brasil Paralelo. Poderíamos ter ficado milionários com tudo o que
fizemos, mas estipulamos um salário baixo para nós, visando focar na BP, em tornar a
empresa a maior mídia do país”631.
Alguns dados a respeito da estrutura organizacional interna da empresa e de seu
funcionamento institucional podem ser extraídos do site oficial da Brasil Paralelo, que
apresenta uma seção especial para as carreiras disponíveis na produtora. A partir das vagas de
emprego ofertadas, podemos observar a seguinte divisão dos setores da empresa: setor de
Marketing, Customer Sucess, Financeiro, Produção, Tecnologia, Comercial, Recursos
Humanos, Produtos Digitais, Operações; contando com ocupações diversificadas como:
redatores, programadores, analistas, editores, diretores de arte e de criação, produtores, web
designers, roteiristas, atores, montadores, cientistas e engenheiros de dados, vendedores,
dentre outras632. A BP também criou um setor de Relações Institucionais, voltado para a
relação da empresa com a imprensa, entidades, autoridades políticas e regulatórias e com as
chamadas big techs633.

628
“EM 15 dias faturamos R$ 1,3 milhões", relembra CEO da Brasil Paralelo”. RedeTV, 6 jul. 2022. Disponível
em:
<https://www.redetv.uol.com.br/jornalismo/agoracomlacombe/videos/todos-os-videos/em-15-dias-faturamos-r-1
3-milhoes-relembra-ceo-da-brasil-paralelo>. Acesso em: 10 jul. 2022.
629
BAZZAN, Alexandre.’Netflix’ dos bolsonaristas gastou R$328 mil em anúncios de Facebook e Instagram. O
Estado de S. Paulo, 28 set. 2020. Disponível em:
<https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,netflix-dos-bolsonaristas-gastou-r-328-mil-em-anuncios-de-facebo
ok-e-instagram,70003455670>. Acesso em: 25 fev. 2022.
630
MONTEIRO, Renan. Brasil Paralelo surfa na polarização e tem crescimento exponencial. Veja, 8 jul. 2022.
Disponível em:
<https://veja.abril.com.br/economia/brasil-paralelo-surfa-na-polarizacao-e-tem-crescimento-exponencial>.
Acesso em 30 jul. 2022.
631
Novidades! Brasil Paralelo terá novo formato, diz o CEO. Brasil Paralelo. Disponível em:
<https://www.brasilparalelo.com.br/noticias/novidades-brasil-paralelo-tera-novo-formato>. Acesso em 12 ago.
2022.
632
Vagas na Brasil Paralelo. Brasil Paralelo. Disponível em: <https://brasilparalelo.freshteam.com/jobs>. Acesso
em 12 abr. 2022.
633
ZANINI, Fábio. Produtora Brasil Paralelo vive crescimento meteórico e quer ser 'Netflix da direita'. Folha de
S. Paulo, 29 mai. 2021. Disponível em:
<https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2021/05/produtora-brasil-paralelo-vive-crescimento-meteorico-e-quer-
ser-netflix-da-direita.shtml>. Acesso em 22 fev. 2022
162

Consta no registro institucional da empresa – cadastrado no dia 9 de agosto de 2016,


sob razão social “LHT Higgs Produções Audiovisuais LTDA” e CNPJ 25.446.930/0001-02 –
que sua atividade principal é voltada para a operação de “Portais, provedores de conteúdo e
outros serviços de informação na internet”, além da listagem das seguintes atividades
secundárias: “Edição de livros”; “Produção de filmes para publicidade”; “Atividades de
produção cinematográfica, de vídeos e de programas de televisão”; “Serviços de mixagem
sonora em produção audiovisual”; “Atividades de gravação de som e de edição de música”;
“Atividades de design”; “Desenvolvimento e licenciamento de programas de computador”;
“Tratamento de dados, provedores de serviços de aplicação e serviços de hospedagem na
internet”; “Atividades de consultoria em gestão empresarial”; “Agenciamento de espaços para
publicidade”; “Promoção de vendas”; “Gestão de ativos intangíveis não-financeiros”;
“Serviços de organização de feiras, congressos, exposições e festas”; “Treinamento em
desenvolvimento profissional e gerencial”; “Outras atividades de ensino não especificadas
anteriormente”; “Holdings de instituições não-financeiras”634.
Os dados do capital social da empresa informam a quantia de R$29.667,00635, bem
contrastante com a receita milionária que a produtora apresenta atualmente. As contas da
empresa são auditadas pela multinacional Ernst & Young, além de contar com programa de
compliance assistido pela Grant Thorton, outra multinacional voltada para o ramo de auditoria
e consultoria. A produtora também conta com serviço de assessoria de imprensa da FSB
Comunicação, sediada em São Paulo, e com o serviço jurídico da DBCL Advogados, de Porto
Alegre636.
Outros dados interessantes sobre a composição do quadro de funcionários da BP
podem ser extraídos da página da empresa na plataforma LinkedIn. Dos 179 funcionários
vinculados ao perfil da empresa na rede social, consta que 92 – pouco mais da metade –
possuem formação superior, vindos de instituições privadas em sua grande maioria. Dos
apenas 18 que cursaram o ensino superior em instituições públicas, metade são advindos da
Universidade de São Paulo (USP)637. A formação dos funcionários indica os seguintes
números divididos por cursos: Administração de Empresas (30); Marketing (15); Publicidade

634
Buscar CNPJ. Disponível em:
<https://www.buscarcnpj.com/brasil-paralelo-entretenimento-e-educacao-sa/25446930000102>. Acesso em 12
abr. 2022.
635
Ibidem.
636
SAYURI, Juliana. Justiça paralela. The Intercept Brasil, 9 dez. 2021. Disponível em:
<https://theintercept.com/2021/12/09/brasil-paralelo-lanca-ofensiva-judicial-para-calar-criticos-e-reescrever-a-pr
opria-historia/>. Acesso em: 14 abr. 2022.
637
Pessoas. Brasil Paralelo. Disponível em: <https://www.linkedin.com/company/brasil-paralelo/people/>.
Acesso em: 10 abr. 2022.
163

(14); Design e Comunicação Visual (11); Administração e Negócios (11); Comunicação (10);
Tecnologia da Informação (9); Cinema, TV e Vídeo (9); Direito (8); Tecnologias da
Comunicação Audiovisual (6); Engenharia de Computação (6); Economia (6); Engenharia
Elétrica e Eletrônica (5); Filosofia (5)638. Nota-se que junto das áreas associadas ao design, à
comunicação e ao audiovisual, há um predomínio de currículos voltados para o ramo de
negócios e empreendedorismo.
O alinhamento com os valores da BP é requisito primordial para se trabalhar na
empresa. Em reportagem, a Agência Pública aferiu que no processo seletivo da empresa há
um teste do posicionamento dos candidatos sobre afirmações como “cientificamente falando,
é impossível nascer homossexual” ou “Jesus é a verdade revelada e sobre isso não há
discussão”639. Entre os depoimentos de “colaboradores” da empresa disponíveis na página de
“Carreiras” da BP, destacam-se narrativas que relatam a opção pelo abandono de carreiras
acadêmicas em prol da oportunidade de trabalho oferecida na produtora:

Eu trabalhei por 7 anos em uma Universidade, na área administrativa. Pretendia


seguir carreira acadêmica, já tinha bolsa de mestrado e tudo. Foi quando eu virei
membro do Núcleo de Formação e mergulhei. [...] Confio 100% no produto. E é por
isso que abandonei a carreira acadêmica para vender arte.640 (Rachel Alvares,
vendedora).

Os desafios do trabalho eram gigantes e havia muita oportunidade. Eu olhava para o


Lucas, o Henrique e as demais pessoas que trabalhavam comigo e percebia que eram
muito inteligentes e talentosas – e que necessariamente não possuíam formação
naquilo que atuavam. Vir para a cidade grande não era uma questão de fazer
faculdade para vencer na vida, você só precisa abraçar as boas oportunidades que
surgirão no meio do caminho. Escolhi a BP.641 (Thalita Amorim, analista de
Customer Sucess).

Esses relatos não só ilustram como os funcionários da Brasil Paralelo interiorizam e


reproduzem o discurso do empreendedorismo e da meritocracia enquanto desvalorizam a
formação acadêmica, mas ainda demonstra como a BP oferece, por meio de seu formato
empresarial, um instrumento de profissionalização e oportunidade de carreira para jovens
ingressantes no mercado de trabalho que se identificam com os seus valores. Entre os
depoimentos dos funcionários, a BP se orgulha em exibir a “história de superação sem

638
Ibidem.
639
RUDNITZKI, Ethel; SCOFIELD, Laura; OLIVEIRA, Rafael. A boiada invade a tela. Agência Pública, 29
jul. 2021. Disponível em: <https://apublica.org/2021/07/a-boiada-invade-a-tela/>. Acesso em: 10 mai. 2022.
640
Disponível em:
<https://www.linkedin.com/pulse/abandonei-carreira-acad%25C3%25AAmica-para-virar-vendedora-na-bp-/?tra
ckingId=y%2BQg97lgS3%2BcTq86xyMA5Q%3D%3D>. Acesso em: 20 abr. 2022.
641
Disponível em:
<https://www.linkedin.com/pulse/fa%C3%A7a-todos-os-dias-aquilo-que-te-d%C3%A1-medo-conhe%C3%A7a-
thalita-/>. Acesso em: 20 abr. 2022.
164

vitimismo” de Elias Medeiros, jovem advindo da favela que hoje é responsável pelo
treinamento do setor comercial da empresa e diz o seguinte:

O lance de salários, benefícios, crescer profissionalmente tu consegues em qualquer


empresa, mas crescer como pessoa não é qualquer empresa que te proporciona. [...]
Hoje minha família ainda mora na favela. Já conseguimos reformar a casa e com
muito orgulho consegui ajudar nisso, sempre tento dar melhores condições pra eles.
Eu ainda vou tirá-los de lá, pode escrever. [...] espero que [minha história] chegue
num jovem lá da favela e que dê força pra ele não desistir. Só depende dele ser uma
pessoa melhor e crescer, sem vitimismo, sem lacração. É ter foco e trabalhar muito. O
resultado sempre vem.642 (Elias Medeiros, treinador do Setor Comercial)

Conforme informado pela produtora, a BP mais que quadruplicou seu quadro de


funcionários apenas no ano de 2021 – foi de 44 membros da equipe no mês de janeiro para
177 “colaboradores” no último mês do ano –, chegando à marca de 200 funcionários já no
início de 2022643. A empresa credita essa busca pelo aumento da equipe principalmente ao
crescimento significativo de venda de assinaturas no último período644.
O modelo adotado pela empresa de “financiamento independente" a partir de uma base
de membro-assinantes é utilizado como fator de distinção frente às instituições públicas, que
seriam ocupadas por uma “elite” que se vale dos recursos públicos e do financiamento estatal
em detrimento da população que a sustenta. A seção “Quem financia a Brasil Paralelo?” em
seu site informa o seguinte:

Nossa iniciativa é independente. Isso quer dizer que não aceitamos nenhum real do
Estado, nada de dinheiro público. Tudo que produzimos e disponibilizamos
gratuitamente só é possível graças aos nosso Membros, pessoas comuns que torcem
pela continuidade e expansão do nosso projeto645.

De acordo com o pesquisador Diego Martins, o discurso empreendedor da Brasil


Paralelo – visível desde a narrativa fundacional da empresa e simbolizada no slogan “Onde há
vontade, há um caminho” –, encarna o clássico mito liberal:

642
As dificuldades na favela não impediram Elias de se desenvolver. Veja uma história de superação sem
vitimismo. Brasil Paralelo. Disponível em: <https://www.brasilparalelo.com.br/noticias/elias-medeiros>. Acesso
em 22 abr. 2022.
643
O ritmo de crescimento continua elevado. Brasil Paralelo ultrapassa 200 colaboradores. Brasil Paralelo.
Disponível em: <https://www.brasilparalelo.com.br/noticias/brasil-paralelo-200-colaboradores>. Acesso em 20
abr. 2022.
644
Mais de 50 vagas de trabalho na Brasil Paralelo logo no início de 2022. Brasil Paralelo. Disponível em:
<https://www.brasilparalelo.com.br/noticias/vagas-de-trabalho-brasil-paralelo>. Acesso em 20 abr. 2022.
645
Quem financia a Brasil Paralelo? Brasil Paralelo. Disponível em:
<https://brasilparalelo.zendesk.com/hc/pt-br/articles/360049725573-Quem-financia-a-Brasil-Paralelo->. Acesso
em 20 abr. 2022.
165

Testemunhamos, assim, a entificação da narrativa liberal clássica. O grupo de jovens


comuns, que tem de tomar recursos emprestados para realizar o sonho, triunfa por
oferecer ao mercado um produto que atenda necessidades dos consumidores. A
encarnação do mito é a própria empresa, e a mensagem é clara: acredite no
autofinanciamento, defenda a iniciativa privada contra o Estado – aquela é eficiente
em detectar as necessidades dos consumidores; este, estruturalmente ineficiente e
corrupto”646.

A alegação do autofinanciamento “totalmente independente” de um projeto tão jovem


e rentável é no mínimo questionável não só em razão das cifras movimentadas pela empresa.
O apoio e a publicidade oferecidos nas redes sociais por parte de empresários conhecidos –
muitos dos quais apoiadores do governo Bolsonaro, como Luciano Hang, Wiston Ling e
Flávio Rocha –, longe de representar um “conflito de interesses” – como alegado por Filipe
Valerim647 –, sugere que o recebimento de apoio de setores do grande empresariado
desempenha papel importante na viabilização da produtora648. Seria de se estranhar que
empresários comprometidos publicamente com as causas defendidas pela Brasil Paralelo não
tivessem interesse em investir e financiar a iniciativa de algum modo. De outra parte, também
é possível questionar o não recebimento de incentivos públicos, sobretudo a partir do governo
Bolsonaro, como veremos mais adiante.
Há um plano especial de assinatura que concede o título de “Membro Mecenas” ao seu
adquirente – referência aos antigos comerciantes do Império Romano e da Renascença que
patrocinavam os artistas e suas obras –, e consiste basicamente no financiamento de “bolsas
de estudo” dos cursos da BP a serem concedidas à população “carente”. De acordo com a BP,
o Membro Mecenas:

É um Membro da Brasil Paralelo preocupado com o resgate cultural no país e com a


formação educacional dos que querem muito estudar, mas não podem pagar. Eles
assinam um pacote de planos para conceder bolsas aos mais carentes. Os Mecenas
permitem que um maior número de brasileiros aprendam a história não contada do
próprio país, preocupam-se com a situação da educação e financiam o conteúdo da
Brasil Paralelo para que as produções originais tornem-se integrantes na formação de
mais pessoas649.

646
PAULO, 2020, p. 105. [grifos no original].
647
BRASIL Paralelo: em entrevista exclusiva, conheça a origem dos documentários que fazem sucesso na
Internet. Boletim da Liberdade, 19 jul. 2018. Disponível em:
<https://www.boletimdaliberdade.com.br/2018/07/19/brasil-paralelo-em-entrevista-exclusiva-conheca-a-origem-
dos-documentarios-que-fazem-sucesso-na-internet/>. Acesso em: 12 fev. 2022.
648
PAULO, op. cit., p. 105.
649
Vila rural conservadora e cristã se beneficia com bolsas da Brasil Paralelo. Brasil Paralelo. Disponível em:
<https://www.brasilparalelo.com.br/noticias/vila-barrolo-beneficiada-pela-brasil-paralelo>. Acesso em 10 out.
2022.
166

Tal qual o “Plano Patriota”, a nomenclatura traz uma forte carga simbólica. Mas a
intenção aqui seria a de se dirigir ao “Mecenato”, um grupo restrito de indivíduos providos de
maiores recursos que estariam dispostos a patrocinarem as “obras” da Brasil Paralelo para que
elas cheguem à massa dos “carentes”. O próprio modo de aquisição do plano reforça essa
lógica, na medida em que ele não se encontra listado entre os demais disponíveis ao grande
público. Para adquiri-lo é necessário entrar em contato diretamente com a equipe da
produtora.
Além do “Plano Mecenas”, a BP oferece planos de assinatura corporativos onde
empresas adquirem o conteúdo da produtora a fim de transmiti-lo para seus empregados. No
site da BP, há o relato de uma empresa do Paraná, a Águia Sistemas, que chegou a construir
uma sala de vídeo para que seus funcionários assistissem as produções da BP durante os
intervalos, conseguindo adquirir outras 50 assinaturas na empresa650. Também há uma parceria
com rádios, canais de TV e outras mídias que permite a transmissão do conteúdo
disponibilizado no canal da produtora651.
Evidencia-se a partir dessas articulações a propiciação a setores do empresariado de
diferentes modalidades de apoio e financiamento – mesmo que indireto – junto à produtora. A
Brasil Paralelo, assim, se distingue enquanto um aparelho privado de hegemonia que atua à
serviço dos interesses de grupos empresariais, funcionando, no entanto, a partir de um modelo
empresarial que lhe rende alta lucratividade no mercado de mídia e entretenimento.

2.3. Intelectuais, relações com agentes da nova direita e o papel de Olavo de Carvalho na
produtora

Desde seu início, a produtora demonstrava através de suas produções possuir uma
grande capacidade em acessar figuras notáveis dos círculos liberais e conservadores do país,
incluindo não só intelectuais, empresários, figuras da grande mídia e influencers da direita,
como deputados, senadores e mesmo ministros. Sua primeira produção, Congresso Brasil
Paralelo já trazia personalidades de renome desse meio como Olavo de Carvalho, Jair
Bolsonaro, Hélio Beltrão, Janaina Paschoal, Eduardo Bolsonaro, Luiz Philippe de Orleans e
Bragança, Joice Hasselmann, Luiz Felipe Pondé, Rodrigo Constantino e Lobão.

650
B2B | Empresa do Paraná cria sala de vídeo para transmitir filmes da BP Select. Brasil Paralelo. Disponível
em: <https://www.brasilparalelo.com.br/noticias/parceria-brasil-paralelo-empresas>. Acesso em 20 abr. 2022.
651
Conteúdo da BP gratuito em TVs e Rádios. Brasil Paralelo. Disponível em:
<https://www.brasilparalelo.com.br/noticias/conteudo-bp-gratuito-tvs-radios>. Acesso em 20 abr. 2022.
167

O quadro de intelectuais e figuras associadas da BP que participam de suas produções


– os quais são analisados aqui a partir da noção gramsciana de intelectual orgânico – compõe
peça fundamental na concepção, elaboração e difusão do material e das ideias veiculadas pela
produtora. Muitas dessas figuras apresentam ligações com outras importantes organizações e
think tanks da causa liberal e do conservadorismo no país, além de possuírem ampla
capilaridade nos grupos empresariais e em veículos da imprensa brasileira.
Cabe iniciarmos a investigação do seu quadro de agentes principais através de uma
breve digressão sobre o perfil dos intelectuais orgânicos de maior destaque na atuação da
Brasil Paralelo, a começar pelo seu trio de sócio-fundadores à frente do aparelho. O primeiro
deles, Henrique Leopoldo Damasceno Viana, nascido em Porto Alegre, estudou Engenharia
Eletrônica pela Universidade Estadual do Rio Grande do Sul (UERGS), e também cursou
Marketing Cultural, Administração, e Administração financeira para pequenas e médias
empresas na Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM)652. Além de ocupar o cargo
de diretor executivo da Brasil Paralelo, Viana é membro do conselho diretor da Junior
Achievement do Rio Grande do Sul, organização voltada para a preparação de jovens “[...]
para o futuro do trabalho por meio de programas de empreendedorismo, educação financeira e
preparação para o mercado de trabalho”653.
A atuação de Viana na instituição informa elementos interessantes a respeito da
concepção de mundo e dos valores aos quais o fundador da BP se vincula. Presente em 120
países e em todos os estados do Brasil, a Junior Achievement foi fundada em 1919 nos
Estados Unidos, representando “a maior e mais antiga organização de educação prática em
negócios, economia e empreendedorismo do mundo”654. A instituição é identificada como
uma associação educativa sem fins lucrativos, mantida por empresas que investem na
capacitação de voluntários que atuam na oferta dos cursos em escolas, incluindo a rede
pública. Com o objetivo de “[...] despertar o espírito empreendedor nos jovens, ainda na
escola, estimulando o seu desenvolvimento pessoal, proporcionando uma visão clara do
mundo dos negócios e facilitando o acesso ao mercado de trabalho”655, a organização já atuou
junto a mais de 5 milhões de alunos brasileiros em três décadas.
Outro sócio-executivo da Brasil Paralelo e também ex-estudante da ESPM, Filipe
Schossler Valerim atua como diretor de produção e representa o “rosto público” da produtora,

652
Disponível em <https://www.linkedin.com/in/henrique-viana-95173129/ >. Acesso em: 10 mai. 2022.
653
Sobre nós. JA Brasil. Disponível em: <https://www.jabrasil.org.br/sobre-nos>. Acesso em 13 mai. 2022.
654
Quem somos. JA Rio de Janeiro. Disponível em: <https://www.jarj.org.br/quem-somos/>. Acesso em 13 mai.
2022.
655
Ibidem.
168

servindo como narrador e apresentador da maioria das produções do selo. Antes da iniciativa,
Valerim já trabalhou como fotógrafo e manteve em sociedade com Henrique Viana uma
empresa voltada para o ramo de produção musical e consultoria publicitária, a Trive Art -
Produções Artísticas LTDA. O sócio-fundador também já atuou como diretor de expansão na
empresa IBN - Instituto Brasileiro de Neurolinguística e Coaching656.
O terceiro sócio-fundador da Brasil Paralelo se trata do gaúcho Lucas Ferrugem de
Souza, e como os outros dois colegas, também é advindo da ESPM657. Além de ministrar
conteúdos de história e de política no “Núcleo de Formação” da Brasil Paralelo, Ferrugem é
responsável pela linha editorial e pelo conteúdo de marketing e de arte da empresa.
De acordo com apuração da Revista Piauí, a BP mantém um grupo de conselheiros
composto por pessoas que possuem participação simbólica no capital da empresa. Fariam
parte desse grupo o empresário Jorge Gerdau, dono de uma das maiores siderúrgicas do
mundo; Pedro Englert, sócio da startup de educação StartSe, Roberto Dagnoni, sócio da
Mercado Bitcoin, uma bolsa de ativos digitais,658 e o já mencionado Leandro Ruschel659,
fundador do Grupo Liberta Investimentos.
Em entrevista de 2020 para a Revista Esmeril, Henrique Viana indica as duas bases
que conformam as referências para o pensamento dos fundadores da Brasil Paralelo: o
Instituto Mises Brasil (IMB), através do qual tiveram contato e se aprofundaram nas ideias
liberais austríacas, e o Curso Online de Filosofia (COF) do escritor Olavo de Carvalho:

Sempre tivemos essa dupla referência, conservadora e liberal. Até hoje


perguntam…o que você são? São Olavistas? Nós respondemos sempre que somos
estudantes. Já em 2015, começamos a promover encontros e palestras sobre esses
temas e levamos um pouco desse conhecimento às pessoas que apenas estavam nas
ruas contra a esquerda e não tinham muita bagagem. Tínhamos uma certa pretensão
ingênua de ser professor da turma, mas na verdade achamos que poderíamos passar
algo para as pessoas660.

Figura carimbada nas produções da Brasil Paralelo, Olavo de Carvalho é tido como
“guru” intelectual da nova direita e do bolsonarismo. O “professor Olavo” – como era

656
Disponível em: <https://www.linkedin.com/in/filipe-valerim-221105104/>. Acesso em: 10 mai. 2022.
657
Disponível em: <https://www.linkedin.com/in/lucas-ferrugem-88b57b143/> . Acesso em: 10 mai. 2022.
658
COSTA, Ana Clara. Distanciamento social. Piauí, Rio de Janeiro, set. 2021. Disponível em:
<https://piaui.folha.uol.com.br/materia/distanciamento-social/>. Acesso em: 22 set. 2022.
659
LOPES, Débora. A Brasil Paralelo não quer que você leia esta entrevista. The Intercept Brasil, 19 mai. 2022.
Disponível em: <https://theintercept.com/2022/05/19/brasil-paralelo-entrevista-historiadora-leandro-ruschel/>.
Acesso em: 6 jun. 2022.
660
DIRANI, Claudio. PERFIL | Henrique Viana abre as portas da Brasil Paralelo. Revista Esmeril, 21 jan. 2020.
Disponível em:
<https://revistaesmeril.com.br/perfil-%E2%94%82-henrique-viana-abre-as-portas-da-brasil-paralelo/>. Acesso
em: 20 mai. 2022.
169

referenciado entre os seus adeptos – morreu em janeiro de 2022 após ser diagnosticado com a
COVID-19, vírus frente ao qual demonstrava uma postura negacionista e conspiratória661. Seu
papel ascendente na dinâmica política nos anos recentes é fruto de anos de trabalho de
articulação intelectual à sombra da grande mídia e do circuito acadêmico conservador. Nesse
caminho, foi de suma importância seu uso vanguardista de “mídias alternativas” e das novas
tecnologias como ferramenta de comunicação política, servindo como instrumento para
conectar sua visão de mundo reacionária ao senso comum conservador brasileiro por meio de
uma linguagem verborrágica. Com Bolsonaro, Olavo passou a exercer forte influência nas
instituições e nas diretrizes do governo, indicando ministros, secretários e assessores em
pastas fundamentais como Educação, Economia e Relações Exteriores – muitos dos quais
fazem parte do seu quadro de ex-alunos –, além de contar com a presença de seus discípulos
no congresso nacional662. Cabe realizarmos uma incursão mais meticulosa sobre a biografia e
o pensamento do autor que, além de influenciar nas bases ideológicas do bolsonarismo e do
governo Bolsonaro, desponta como principal referência e mentor da iniciativa da Brasil
Paralelo.
Nascido em Campinas, São Paulo, no ano de 1947, filho de advogado junto de uma
operária, Olavo Luiz Pimentel de Carvalho teria abandonado a educação formal ainda na
adolescência, iniciando seus estudos de filosofia, psicologia e religiões comparadas de forma
autodidata, buscando professores particulares e conselheiros que lhe instruíssem. A despeito
de não possuir formação universitária ou titulação acadêmica formal, Carvalho se auto
intitulava como “filósofo”, possuindo aproximadamente duas dezenas de livros publicados,
além de vasta produção de artigos, ensaios, cursos e palestras, versando desde filosofia e
política até astrologia. Carvalho chegou a cursar na década de 1990 o curso de Filosofia do
conjunto de Pesquisa Filosófica (Conpefil) da PUC do Rio de Janeiro ao longo de três anos,
não concluindo devido ao encerramento de suas atividades por motivo da morte de seu
diretor663. Ao longo de sua carreira, o autor trabalhou principalmente como jornalista, atuando
em inúmeras revistas e jornais, alguns de grande circulação como Folha de S. Paulo, Jornal do
Brasil, O Estado de S. Paulo, Diário do Comércio, Zero Hora, Época e O Globo664. Principal
661
FELLET, João. Morre Olavo de Carvalho: guru do bolsonarismo disse que covid era ‘historinha de terror’.
BBC News, 25 jan. 2022. Disponível em: <https://www.bbc.com/portuguese/brasil-60124170>. Acesso em: 15
mai. 2022.
662
Idem. Quem são os discípulos de Olavo de Carvalho que chegaram ao governo e Congresso. BBC News, São
Paulo, 10 jan. 2019. Disponível em: <https://www.bbc.com/portuguese/brasil-46802265>. Acesso em: 15 mai.
2022.
663
Curriculum Vitae de Olavo de Carvalho. Disponível em:
<https://olavodecarvalhofb.wordpress.com/2016/01/22/curriculum-vitae-de-olavo-de-carvalho/>. Acesso em: 15
mai. 2022.
664
Ibidem.
170

propagandista da tese do “marxismo cultural” em solo brasileiro, Olavo chegou a integrar as


fileiras do Partido Comunista nos anos 1960665.
Se destaca em sua biografia seu trabalho como astrólogo, tendo firmado seu nome na
área durante a década de 1980, lançando livros e ministrando seminários sobre o tema além de
colaborar para uma série de revistas, traduções, organizações e apostilas. Seu interesse pela
área veio ainda na década anterior, junto dos estudos sobre alquimia e esoterismo. Data do
mesmo período sua internação em clínica psiquiátrica e a participação em seita
fundamentalista islâmica, que chegou a virar caso de polícia por conta da prática de extorsão
de seus adeptos666. Sua filha, Heloisa de Carvalho, que acusa o pai de abandono parental e
intelectual na infância, relata que durante essa fase Olavo – que futuramente se colocaria
como bastião da moralidade cristã – chegou a possuir relação poligâmica com três esposas667.
Àquela época Olavo já havia começado a dar aulas e palestras para pequenos grupos
sobre literatura, filosofia, esoterismo e religião comparada. Ao fim da década de 1980, seu
Seminários de Filosofia passou a ter formato de curso permanente, representando um passo
importante para a subsistência do autor enquanto colunista, escritor e palestrante. Mas é só a
partir da década de 1990 que as teses de Olavo de Carvalho alcançariam maior repercussão
em círculos intelectuais, com o lançamento de diversas obras sobre política e filosofia por
meio de editoras maiores que o consolidaram como autor “de direita”668. Após o lançamento
de A nova era e a Revolução Cultural: Fritjof Capra e Antonio Gramsci (1994) e O Jardim
das Aflições: de Epicuro à ressurreição de César: ensaio sobre o materialismo e a religião
civil (1995), O Imbecil Coletivo: atualidades intelectuais brasileiras (1996) alcançou grande
repercussão no meio conservador, obra na qual investiu grandes esforços em antagonizar e
polemizar com os intelectuais, com a imprensa e com o cenário cultural brasileiro, espaços
que estariam sob uma “hegemonia cultural esquerdista” concebida pela via do

665
FELLET, João. Olavo de Carvalho, o 'parteiro' da nova direita que diz ter dado à luz flores e lacraias. BBC
News, 15 dez. 2016. Disponível em: <https://www.bbc.com/portuguese/brasil-38282897>. Acesso em: 20
mai.2022.
666
MARQUES, Hugo. As mil faces de Olavo de Carvalho, guru do bolsonarismo. Veja, 29 jan. 2022. Disponível
em: <https://veja.abril.com.br/politica/as-mil-faces-de-olavo-de-carvalho-guru-do-bolsonarismo/>. Acesso em:
16 mai. 2022.
667
SEGALLA, Vinicius. Olavo de Carvalho criou filhos fora da escola e em comunidade islâmica. Carta
Capital, 4 dez. 2018. Disponível em:
<https://www.cartacapital.com.br/politica/olavo-de-carvalho-criou-filhos-fora-da-escola-e-em-comunidade-islam
ica/>. Acesso em: 20 mai. 2022.
668
PATSCHIKI, Lucas. Os litores da nossa burguesia: O Mídia sem Máscara em atuação partidária (2002-2011).
Marechal Cândido Rondon, 2012, 419 f. Dissertação (Mestrado em História) - Universidade Estadual do Oeste
do Paraná, Marechal Cândido Rondon, 2012, p. 144-148.
171

“gramscismo”669. A partir daí, Carvalho se consagraria como principal propagador da teoria


conspiratória do “marxismo cultural” no meio intelectual e social brasileiro.
Todavia, seu destaque como intelectual da direita conservadora certamente não se
explica apenas em razão de suas teses e polêmicas públicas, sendo resultado também de sua
habilidosa articulação junto a setores e figuras do empresariado que compartilham das suas
ideias e posições. Ao fim dos anos 1990, Carvalho recebeu grande apoio do empresário e
banqueiro Ronaldo Levinsohn, envolvido em uma série de escândalos financeiros desde a
época da ditadura. Levinsohn foi dono da UniverCidade, universidade privada fechada em
2014 que se tornou uma das maiores empresas de ensino superior do país ao forçar o
rebaixamento da pesquisa e do nível de ensino ofertado, cuja editora foi responsável pela
publicação de O Imbecil Coletivo. Entre 1997 e 2001, Olavo utilizou do espaço físico da
instituição para ministrar o Seminário de Filosofia, tendo ainda ocupado o cargo de diretor de
sua editora entre os anos 1999 e 2001670.
Em 1998, lançou seu site pessoal na internet, o olavodecarvalho.org, a fim de difundir
seus artigos e entrevistas com maior autonomia, passando a atuar de modo ativo num espaço
essencial de disputa política que ainda era incipiente. Ao mesmo tempo, o site funcionava
como plataforma para recolhimento de ajuda financeira para subsidiar o seu embate contra a
“canalha intelectual esquerdista”671.
Na mesma época do lançamento do site, Olavo trabalhou como diretor de texto para a
biblioteca do Exército, editando os quatro volumes de O Exército na história do Brasil
(1998), financiado pela construtora Odebrecht672. No ano seguinte, Olavo foi condecorado
pela instituição com a “Medalha do Pacificador”673. Também chegou a realizar palestras no
Clube Militar do Rio de Janeiro na mesma época674. Passando a trabalhar como colunista em
revistas e jornais de alcance nacional como O Globo, Zero Hora, Folha de S. Paulo e Jornal

669
CARVALHO, Olavo de. O imbecil coletivo: atualidades inculturais brasileiras. Rio de Janeiro: Faculdade
Cidade, 1997.
670
PATSCHIKI, op. cit., p. 152-153.
671
Ibidem, p. 158-159.
672
JARDIM, Lauro. Olavo de Carvalho editou livro em homenagem ao Exército financiado pela Odebrecht. O
Globo, 2020. Disponível em:
<https://blogs.oglobo.globo.com/lauro-jardim/post/olavo-de-carvalho-editou-livro-em-homenagem-ao-exercito-f
inanciado-pela-odebrecht.html>. Acesso em 16 mai. 2022.
673
Boletim do Exército 32/99. Disponível em: <https://bdex.eb.mil.br/jspui/bitstream/1/2501/1/be32-99.pdf>.
Acesso em 16 mai. 2022.
674
FERNANDES, Maria Cristina. Como Olavo passou de ideólogo militar a rival. Valor Econômico, 25 abr.
2019. Disponível em:
<https://valor.globo.com/politica/coluna/como-olavo-passou-de-ideologo-militar-a-rival.ghtml>. Acesso em 17
mai. 2022.
172

do Brasil, no início dos anos 2000 Olavo já dava palestras para cursos de pós-graduação e
garantia uma audiência no debate público para uma crítica conservadora-reacionária675.
No ano de 2002, no contexto da chegada do PT ao governo brasileiro, Olavo e outros
pares fundam o portal Mídia Sem Máscara (MSM) com o intuito de funcionar como um
“observatório da imprensa”, a fim de denunciar suas mentiras e o “domínio comunista”
exercido sobre esta676. O site chegou a ser patrocinado pela publicidade da Livraria Cultura,
por doações através da ONG Instituto Brasileiro de Humanidades – criada por Carvalho a fim
de captar recursos para suas atividades –, e pela Associação Comercial de São Paulo
(ACSP)”,677 além de possuir relações com o Instituto Millenium e o Instituto Liberal678.
Aglutinando uma série de intelectuais e articulistas de direita ao seu redor, enquanto principal
fundador e editor-chefe do portal, Olavo cria ainda no início dos anos 2000 “[...] um
instrumento poderoso para unificar organizativamente e ideologicamente a direita
fascistizante”679, de acordo com o pesquisador Lucas Patschiki. A despeito da considerável
influência alcançada, o site foi removido das redes em 2017 por um ex-colaborador a partir de
uma acusação contra Olavo de não pagamento por serviços prestados, sendo apoiado por
outros ativistas importantes do MSM680.
Projetando o autor como referência intelectual da extrema direita, O MSM tinha como
um dos focos principais a crítica ao Foro de São Paulo, tomado como espaço estratégico para
o movimento comunista na América Latina. Em resposta, Carvalho chegou a organizar o Foro
do Brasil, uma coalizão de 28 organizações que promovia o anticomunismo, a defesa da
propriedade, os valores da moral judaico-cristã e a educação clássica, com a presença de
entidades que possuíam laços com grupos de extrema direita ligados ao meio militar681.
Em meados da mesma época, Olavo começava a investir em debates através de fóruns
da internet, e se popularizaria mais tarde em comunidades da rede social Orkut, angariando
um público mais jovem junto ao seu círculo de seguidores682. Seu canal no Youtube, criado
ainda em 2007, acumula atualmente mais de 1 milhão de inscritos e 60 milhões de
visualizações683, para não falar na replicação de seu conteúdo por inúmeros outros canais e

675
PATSCHIKI, op. cit., p. 156.
676
CALIL, Gilberto. O astrólogo que inspira Jair Bolsonaro. Le Monde Diplomatique, 31 jan. 2020. Disponível
em: <https://diplomatique.org.br/o-astrologo-que-inspira-jair-bolsonaro/>. Acesso em: 17 mai. 2022.
677
PATSCHIKI, op. cit., p. 160.
678
Ibidem, p. 316.
679
Ibidem, p. 160.
680
CALIL, 2021, p. 71.
681
PATSCHIKI, op. cit., p. 294.
682
ROCHA, 2018, p. 121.
683
Olavo de Carvalho. YouTube. Disponível em: < https://www.youtube.com/user/olavodeca/about>. Acesso em:
18 mai. 2022.
173

plataformas. Suas páginas no Twitter684 e no Facebook685, espaços onde Olavo demonstrava


grande engajamento, também somam juntas mais de 1 milhão de inscritos.
Em 2005, após ser demitido pelas grandes revistas e jornais com os quais contribuía,
Olavo se mudou para Richmond, cidade localizada no estado norte-americano da Virginia,
obtendo um visto concedido pelo governo para estrangeiros com “habilidades
extraordinárias”686. Desde então, Olavo só retornaria ao Brasil no ano de 2021, a fim de
receber tratamento médico via Sistema Único de Saúde (SUS) poucos meses antes de sua
morte687. Num primeiro momento, Olavo trabalhou nos Estados Unidos como correspondente
do Diário do Comércio, mantido pela ACSP, que também contribuía com a publicação de seus
artigos em formato de livros688. De sua casa na Virginia, Olavo mais uma vez demonstrou ser
precursor na utilização de novas ferramentas de comunicação política ao criar em 2006 o
podcast semanal True Outspeak689. Desde a sua chegada no país, Olavo continuou palestrando
em escolas, congressos e think tanks690.
Olavo ainda foi o responsável pela fundação do The Inter-American Institute for
Philosophy, Government, and Social Thought, instituição cujo site apresentava um rol de
nomes renomados da academia norte-americana. Na qualidade de presidente da entidade, o
nome de Olavo aparecia no site enquanto ex-professor de filosofia da “Universidade Católica
do Paraná” – em provável referência a PUC –, sendo que Olavo não possui nem mesmo o
diploma de ensino médio. Conforme investigação do portal Catraca Livre, a instituição, que
“[...] servia como vitrine para captação de dinheiro com o objetivo de unir e conectar líderes e
intelectuais conservadores das Américas”691, desapareceu das redes recentemente. Segundo
Patschiki, ao contrário do esperado, “[...] o Inter-American Institute não deslancha como think
tank para a direita estadunidense, resumindo suas atividades cotidianas na centralização da
684
Olavo de Carvalho. Twitter. Disponível em: <https://twitter.com/opropriolavo>. Acesso em: 18 mai. 2022.
685
Olavo de Carvalho. Facebook. Disponível em: <https://www.facebook.com/carvalho.olavo>. Acesso em: 18
mai. 2022.
686
PATSCHIKI, op. cit. p. 151.
687
OLAVO de Carvalho volta aos EUA após quatro meses internado no Brasil. O Globo, 17 nov. 2021.
Disponível em:
<https://oglobo.globo.com/politica/olavo-de-carvalho-volta-aos-eua-apos-quatro-meses-internado-no-brasil-1-25
279942>. Acesso em: 20 mai. 2022.
688
PATSCHIKI, op. cit., p. 161.
689
BRIZZI, João; PONTIN, Fabricio. Carta de Olavo de Carvalho em 2006 anunciava as discussões do Brasil de
hoje. The Intercept Brasil, 29 out. 2018. Disponível em:
<https://theintercept.com/2018/10/28/novo-brasil-esculpido-olavo-de-carvalho/>. Acesso em 20 mai. 2022.
690
Apelo urgente de Olavo de Carvalho a seus leitores brasileiros. 20 jun. 2006. Disponível em:
<https://olavodecarvalho.org/apelo-urgente-de-olavo-de-carvalho-a-seus-leitores-brasileiros/>. Acesso em 20
mai. 2022.
691
DIMENSTEIN, Gilberto. O fim misterioso da entidade de Olavo de Carvalho nos EUA. Catraca Livre, 1 dez.
2018. Disponível em:
<https://catracalivre.com.br/cidadania/o-fim-misterioso-da-entidade-da-olavo-de-carvalho-nos-eua/>. Acesso
em: 20 mai. 2022.
174

publicação de blogs dos autores citados e no suporte material para a realização do Seminário
de filosofia em sua versão traduzida”692.
Em 2009 seus discípulos fundaram o Instituto Olavo de Carvalho, tendo funcionado
por dois anos em um espaço físico na cidade de Curitiba. A instituição ofertava uma série de
atividades pagas, entre grupos de estudo, cursos, atendimentos individuais, palestras e
eventos. Entre os temas aos quais os grupos de estudos se dedicavam estavam: filosofia,
latim, música, poesia, autores clássicos da literatura, estudos luso-brasileiros, história antiga e
medieval, história da Igreja e dos Estados modernos, história do século XX, dentre outros693.
Ainda que tenha tido uma breve duração, podemos deduzir que o instituto exerceu papel
importante na formação de quadros e de intelectuais em torno da “filosofia” professada por
Olavo de Carvalho.
Data do mesmo ano de 2009 a criação do que seria a maior plataforma de formação
intelectual e política fomentada por Olavo de Carvalho, o consolidando como intelectual
conservador de significativo alcance nas redes: seu Curso Online de Filosofia (COF), pelo
qual passariam cerca de 5 mil alunos ao ano, alguns dos quais hoje colaboram com a Brasil
Paralelo. Creditado por Henrique Viana como base referencial para a Brasil Paralelo, o curso
faz parte do mais amplo Seminário de Filosofia, uma espécie de escola do olavismo que
promete oferecer um sistema de educação filosófica integral, um caminho para uma “ascese
espiritual fundada na autoconsciência e desenvolvimento da inteligência humana”694. O COF,
que continua sendo ofertado mesmo após a morte de seu fundador, ocorria no formato de
aulas semanais que seguiam uma sequência ininterrupta de mais de 500 aulas realizadas por
Olavo desde 2009. A mensalidade do curso custa R$60 e garante aos alunos não só o acesso
ao conteúdo de todo o site, como ao fórum de discussões onde são organizados grupos de
estudos, encontros, etc.695.
Além do COF, a plataforma oferece cursos avulsos do autor pelo valor de R$400 nas
seguintes temáticas: Conceitos fundamentais da Psicologia; A formação da personalidade;
Filosofia da Ciência; Esoterismo; Simbolismo e ordem cósmica; Guerra cultural; Política e
cultura no Brasil, dentre outras696. Objetivando formar uma “nova elite intelectual” no país
contra a “hegemonia esquerdista”, segundo Olavo, se dos milhares de alunos que passaram
692
PATSCHIKI, op. cit., p. 168.
693
Ibidem, p. 168-170.
694
Olavo de Carvalho | Seminário. Disponível em: <https://olavodecarvalho.org/o-seminario-de-filosofia/>.
Acesso em 20 mai. 2022.
695
Seminário de Filosofia | Assinatura. Disponível em: <https://sl.seminariodefilosofia.org/assinatura-cof/>.
Acesso em 20 mai. 2022.
696
Seminário de Filosofia | Catálogo. Disponível em: <https://lp.seminariodefilosofia.org/catalogo/>. Acesso em
20 mai. 2022.
175

pelo curso ao longo desses anos “[...] aparecerem cem capacitados para produzir bons livros,
bons espetáculos de teatro, renovamos a cultura brasileira, está feito o serviço”697.
Mais do que produzir espetáculos teatrais e livros, os discípulos do “Professor Olavo”
foram além, ocupando postos-chave em instituições culturais e educacionais do Estado e
alavancando uma produtora audiovisual de rentabilidade milionária. Balestro chama a atenção
para as semelhanças entre a plataforma da Brasil Paralelo e o Instituto Olavo de Carvalho/
COF, não só em relação aos conteúdos e cursos oferecidos, como semelhanças organizativas e
na estrutura do formato adotado698.
Mas para além do combate ao “gramscismo” e à “hegemonia cultural da esquerda”,
quais seriam os demais pilares teóricos e ideológicos professados pelo mentor da “nova
intelectualidade” brasileira? Um levantamento textual do site de Carvalho feito pela Folha de
S. Paulo nos traz dados interessantes a esse respeito, visto que indica os autores mais citados
pelo portal, a partir do qual podemos traçar um quadro das principais referências intelectuais
do autor. Os dois pensadores mais citados por Olavo se tratam dos seus principais adversários
intelectuais: Karl Marx e Antonio Gramsci. Em seguida, estão o francês René Guénon e o
alemão Eric Voegelin699.
Se opondo ao liberalismo nos costumes e ao marxismo, a obra de Voegelin exerceu
forte influência sobre o conservadorismo americano ao denunciar o que chamava de “religião
política”. Já a aderência de Olavo ao pensamento de René Guénon se relaciona a sua filiação à
escola “tradicionalista” ou “filosofia perene”, ligada a uma espécie de “conservadorismo
místico”. Negando os valores do Iluminismo e da Revolução Francesa, o pensamento
tradicionalista advoga a existência de verdades religiosas primordiais, eternas e universais que
seriam a base espiritual das principais religiões mais antigas do mundo e da própria ordem
social, estando sob corrosão no ocidente moderno700. O contato de Olavo com esse
pensamento remonta à sua passagem pelo esoterismo islâmico na década de 1980, quando
estudou diretamente com um dos discípulos de Guénon, o suíço Frithjof Schuon, participando

697
FELLET, João. Olavo de Carvalho, o 'parteiro' da nova direita que diz ter dado à luz flores e lacraias. BBC
News, 15 dez. 2016. Disponível em: <https://www.bbc.com/portuguese/brasil-38282897>. Acesso em: 20
mai.2022.
698
SANTOS, Mayara Balestro. Agenda conservadora, ultraliberalismo e “guerra cultural”: “Brasil paralelo” e a
hegemonia das direitas no Brasil contemporâneo (2016-2020). Marechal Cândido Rondon, 2021. 147 f.
Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Estadual do Oeste do Paraná, Marechal Cândido Rondon,
2021, p. 87.
699
DUCROQUET, Simon; MERLO, Marina. Sobre o que fala Olavo de Carvalho? Folha de S. Paulo, 14 dez.
2018. Disponível em:
<https://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/2018/12/sobre-o-que-fala-olavo-de-carvalho.shtml>. Acesso em: 20
mai. 2022.
700
VASCONCELOS, Francisco. Alain de Benoist e a Nova Direita europeia: “gramscismo de direita” e nova
“revolução conservadora”. Princípios, n. 163, jan./abr. 2022. p. 226-227.
176

de sua comunidade, uma “tariqa”. Contando com discípulos e simpatizantes entre a alta
burguesia global, a seita de Schuon se viu envolvida em graves escândalos sexuais no começo
dos anos 1990701.
Para Guénon e seus seguidores, as sociedades seriam divididas num sistema de
“castas”, uma ordem derivada da ordem espiritual e que estaria sob regressão no ocidente
moderno. Seria preciso implodir o mundo moderno e inaugurar um novo tempo por meio de
uma “reconstrução mística” guiada por uma elite de “homens espirituais”, que restaurariam a
ordem, os valores e as hierarquias tradicionais702. A obra de Guénon bebe na fonte de outros
autores que professam deliberadamente um ideário antidemocrático, como Oswald Spengler,
além de ter influenciado Julius Evola, ambos servindo de inspiração teórica ao nazifascismo e
à extrema direita contemporânea. O próprio Guénon colaborou com 25 artigos para a revista Il
Regime Fascista, editada por Evola703. De acordo com Francisco Vasconcelos, Evola teria
sido responsável por conduzir o tradicionalismo de Guénon para a direita política, tornando-se
principal referência dessa corrente na atualidade com

seu sistema de valores [baseado] em uma hierarquia que situa o espírito acima da
matéria; o Norte acima do Sul; o branco acima do negro; a masculinidade acima da
feminilidade. A modernidade, a democracia e o comunismo significavam, para ele, o
período da decadência, de predominância de valores materialistas, voltados à
economia, à miscigenação, ao secularismo, ao feminismo e ao hedonismo sexual704.

Após a morte de Schuon em 1998, os perenialistas norte-americanos, sem uma


liderança clara, passaram a atuar de modo mais difuso através da extrema direita local, a
chamada “alt-right”, que passava a exercer maior influência no ideário de Olavo705.
Nota-se que o pensamento do “guru” da Virginia vai muito além do advogado no
mainstream da direita conservadora brasileira. Tal especificidade decorre dessa sua vinculação
ao Tradicionalismo, expressando um pensamento crítico à modernidade e de forte veio
reacionário. Referindo-se ao fim da Idade Média em aula do COF, Olavo afirma que “não
temos nada a comemorar pela modernidade”, o resultado teria sido “o homem perdido. O
701
MARQUES, Victor. Olavo não tinha razão, mas tinha faro. Jacobin Brasil, 5 jan. 2022. Disponível em:
<https://jacobin.com.br/2022/01/olavo-nao-tinha-razao-mas-tinha-faro/>. Acesso em: 20 mai. 2022.
702
VASCONCELOS, op. cit., p. 226-227.
703
GUIMARÃES, João Pedro Sabino. A derradeira análise da obra de Olavo de Carvalho, para nunca ter de
lê-lo. O Globo, 28 mar. 2019. Disponível em:
<https://oglobo.globo.com/epoca/a-derradeira-analise-da-obra-de-olavo-de-carvalho-para-nunca-ter-de-le-lo-235
56545>. Acesso em: 20 mai. 2022.
704
VASCONCELOS, op. cit., p. 226.
705
GUIMARÃES, João Pedro Sabino. A derradeira análise da obra de Olavo de Carvalho, para nunca ter de lê-lo
(parte final). O Globo, 11 abr. 2019. Disponível em:
<https://oglobo.globo.com/epoca/a-derradeira-analise-da-obra-de-olavo-de-carvalho-para-nunca-ter-de-le-lo-part
e-final-23590069>. Acesso em: 20 mai. 2022.
177

individualismo é a consequência, porque o ‘eu’ foi tudo que restou a ele, quando acabou o
império e a autoridade da Igreja”706. Olavo também demonstra simpatia pela ideia da
restauração da monarquia707.
Ao rechaçar as bases da modernidade, o que Olavo tem em vista é a negação de
valores como a democracia liberal, a noção de igualdade civil, a laicidade do Estado, a
liberdade de pensamento e o respeito à dignidade humana. E é nesse aspecto que seu
tradicionalismo de cariz obscurantista se associa com as correntes fascistas, propondo a
regeneração da nação e da hierarquia social decadentes a partir de uma unidade ética e moral
buscada num passado mitificado, onde a religião ocupa centralidade na ordem estabelecida
divinamente. O grande mérito de Olavo foi o de traduzir para o ambiente político e cultural
brasileiro tal filosofia num contexto de ascensão da extrema direita. É preciso salientar, aliás,
que o tradicionalismo olavista, longe de propor um simples retorno a um estado de coisas
pretérito a partir da negação da modernidade, pretende colaborar no sentido da construção de
uma nova ordem social futura. Isso ocorre justamente através da síntese entre fascismo e
tradicionalismo no pensamento olavista, outorgando um novo sentido ao último.
Todavia, Olavo de Carvalho abre notórias concessões ao pensamento moderno e
liberal através de dois elementos fundamentais que coincidem em seu pensamento: a defesa
veemente do anticomunismo – fundamentado na teoria conspiratória do “marxismo cultural”
junto à tese do “globalismo” – e da economia de livre mercado. A despeito de sua
animosidade para com a modernidade, no âmbito do pensamento econômico Olavo – tal qual
seus discípulos da Brasil Paralelo – adere ao “libertarianismo” da Escola Austríaca de
Economia, cujo principal expoente, Ludwig von Mises, se trata do quinto autor mais citado
por Olavo em seu site708.
Do pensamento obscurantista apresentado por Olavo decorre todo um ideário marcado
por um forte veio anti-intelectualista, anticientífico e negacionista que se expressa numa série
de teorias conspiratórias sem qualquer compromisso com a realidade dos fatos. Nos últimos
anos, muitos de seus disparates alcançaram ampla repercussão nas redes e na grande mídia.
Olavo acreditava que os combustíveis fósseis são uma farsa709 e que a Pepsi-Cola estaria
706
BURGIEMAN, Denis Russo. O que aprendi com Olavo. O Globo. 14 mar. 2019. Disponível em:
<https://epoca.globo.com/o-que-aprendi-com-olavo-23521309>. Acesso em 22 mai. 2022.
707
Olavo de Carvalho. Twitter. Disponível em: <https://twitter.com/odecarvalho/status/777979022512971776>.
Acesso em: 28 mai. 2022.
708
DUCROQUET, Simon; MERLO, Marina. Sobre o que fala Olavo de Carvalho? Folha de S. Paulo, 14 dez.
2018. Disponível em:
<https://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/2018/12/sobre-o-que-fala-olavo-de-carvalho.shtml>. Acesso em: 20
mai. 2022.
709
Frases “filosóficas” do astrólogo Olavo de Carvalho. Combustíveis Fósseis - por Olavo de Carvalho.
YouTube. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=_cwYl07OO1U>. Acesso em 25 mai. 2022.
178

adoçando seus refrigerantes com células de fetos abortados710. Também já acusou o governo
dos Estados Unidos e a família real inglesa de trabalharem em prol da islamização mundial711.
Barack Obama seria um produto da antiga União Soviética e da KGB712. No campo da
história, Olavo difundia uma série de revisionismos e falsificações, afirmando que os negros
teriam escravizados os brancos por séculos713; que a Inquisição seria “uma invenção ficcional
de protestantes”714; definindo o nazismo como um derivativo do comunismo715; imputando à
Stalin o planejamento da Segunda Guerra Mundial com vinte anos de antecedência716; e
relativizando a prática de tortura e a perseguição durante a ditadura militar717.
No escopo das ciências naturais, Olavo advogava que a teoria da evolução derivaria do
esoterismo e seria genocida por essência, sendo o darwinismo “uma ideia escorregadia e
proteiforme, com a qual não se pode discutir seriamente”718. Duvidava dos termos da lei da
gravidade de Isaac Newton719, segundo Olavo, um “islamista cristão”720. Questionava o
heliocentrismo721 enquanto taxa Einstein de “maior plagiário do século XX”722. Precursor das
vozes bolsonaristas que ecoaram o movimento antivacina no auge da maior pandemia dos
últimos anos, Olavo em rede social chegou a disseminar a crença segundo a qual “Vacinas
matam ou endoidam. Nunca dê uma a um filho seu”723. Fumante há meio século, acreditava
que o uso de cigarro está ligado a longevidade e que a campanha antitabagista se trata de uma

710
Luz, Câmera, Revolução! Coletânea de pérolas do Olavo de Carvalho. YouTube. Disponível em
<https://www.youtube.com/watch?v=U0mXFAWw6KE&ab_channel=Luz%2CC%C3%A2mera%2CRevolu%C
3%A7%C3%A3o%21&app=desktop>. Acesso em 25 mai. 2022.
711
Ibidem.
712
30/12/2016. Olavo de Carvalho. Disponível em :
<https://olavodecarvalhofb.wordpress.com/2016/12/31/30122016/>. Acesso em 25 mai. 2022.
713
Julio Severo. Olavo de Carvalho fala sobre escravidão. YouTube. Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=zkcVkmzeJ4U>. Acesso em 25 mai. 2022.
714
Olavo de Carvalho. Twitter. Disponível em :
<https://twitter.com/OdeCarvalho/status/653556884209827840?s=20>. Acesso em 25 mai. 2022.
715
Tempos Modernos. Nazismo e Comunismo, suas diferenças e semelhanças (Olavo de Carvalho). YouTube.
Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=Rjd0sxAoRfU>. Acesso em 25 mai. 2022.
716
Locus. Afinal, o nazismo é de esquerda ou de direita? Olavo responde. YouTube. Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=qYqJC_Pw7nk&t=231s>. Acesso em: 25 mai. 2022.
717
Nada pra ver aqui. Olavo de Carvalho sobre a tortura e a intervenção americana durante o regime militar.
YouTube. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=sLYi0Zv7dh4>. Acesso em 25 mai. 2022.
718
Por que não sou um fã de Charles Darwin. Olavo de Carvalho. Disponível em:
<https://olavodecarvalho.org/por-que-nao-sou-um-fa-de-charles-darwin/>. Acesso em 25 mai. 2022.
719
Olavo de Carvalho. Facebook. Disponível em:
<https://www.facebook.com/olavo.decarvalho/posts/10157375718027192>. Acesso em 25 mai. 2022.
720
Canal Guerra de Mundos. Isaac Newton, ciência moderna e o pedantismo brasileiro - Olavo de Carvalho.
YouTube. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=XJ652yZOlno>. Acesso em 25 mai. 2022.
721
Roberto Souza. Olavo de Carvalho: A terra não se move e Einstein é fanfarrão. YouTube. Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=cV48LjgPXFk>. Acesso em 25 mai. 2022.
722
SOumaDUVIDA. Filósofo Olavo de Carvalho - O plagio de Albert Einstein - Parte 2. YouTube. Disponível
em: <https://www.youtube.com/watch?v=1QvjtMeGMTw> Acesso em 25 mai. 2022.
723
Olavo de Carvalho. Twitter. Disponível em:
<https://twitter.com/OdeCarvalho/status/756945768808865792?s=20. Acesso em 25 mai. 2022.
179

invenção da indústria farmacêutica para vender remédios, estes sim, fatais à população724. Seu
anticientificismo, que beira um discurso criminoso na medida em que incentiva um
comportamento de risco, é bem sintetizado através da seguinte afirmação: “O método
científico é o pior método para se descobrir qualquer coisa, a humanidade está bestificada pela
Ciência [...]”725. Nos últimos anos, Olavo andou flertando com a “teoria” do
“terraplanismo”726.
Mas nenhuma dessas sandices seria mais emblemática que um dos seus últimos
disparates negacionistas, dirigido contra a doença que, ao que tudo indica, o levou a óbito.
Desde a incidência do coronavírus, Olavo colecionava uma série de postagens em suas redes
sociais – fazendo coro à horda bolsonarista – onde questionava a letalidade do vírus, criticava
medidas de isolamento social, duvidava das vacinas e defendia remédios sem eficácia
comprovada cientificamente. “O medo de um suposto vírus mortífero não passa de historinha
de terror para acovardar a população e fazê-la aceitar a escravidão como um presente de Papai
Noel”727, escrevia Olavo em sua conta no Twitter em maio de 2020, meses antes de sua morte.
Olavo também coleciona uma série de afirmações preconceituosas, destilando
homofobia e racismo, como da vez em que depreciou as religiões de matriz africana,
relacionando-as à causa de tragédias ambientais e ao satanismo728. Se referindo aos negros,
diz que “[...] se foram escravos por três séculos após terem sido senhores de escravos por mais
de um milênio, devem agradecer a Deus pela clemência do seu destino”729. Mas nenhuma
passagem expressa melhor o racismo repugnante de Carvalho quanto a seguinte afirmação
presente em O Imbecil Coletivo:

Os intelectuais de elite — brancos, negros ou mestiços — são culpados de cultivar no


povo negro, por oportunismo ou perversidade, ilusões quase demenciais quanto ao
valor da cultura afro. A contribuição básica dos negros ao Brasil foi dada através do
trabalho escravo, que construiu a riqueza da colônia e do império: foi uma
contribuição material, não cultural730.

724
Cubomagicow. Olavo de Carvalho fala sobre movimento antitabagismo. YouTube. Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=H1TLrhvFzQ4> Acesso em 25 mai. 2022.
725
26/11/2018. Olavo de Carvalho. Disponível em:
<https://olavodecarvalhofb.wordpress.com/2018/11/27/26-11-2018/> Acesso em 25 mai. 2022.
726
Olavo de Carvalho. Twitter. Disponível em:
<https://twitter.com/opropriolavo/status/1133838337570217984?s=20>. Acesso em 25 mai. 2022.
727
FELLET, João. Morre Olavo de Carvalho: guru do bolsonarismo disse que covid era ‘historinha de terror’.
BBC News, 25 jan. 2022. Disponível em: <https://www.bbc.com/portuguese/brasil-60124170>. Acesso em: 15
mai. 2022.
728
Edpaiva. Olavo de Carvalho A Macumba e a Decência Humana.wmv. YouTube. Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=_myPI6KLHTo>. Acesso em 25 mai. 2022.
729
CARVALHO, 1997, p. 93.
730
Ibidem, p. 92.
180

Quanto aos grupos LGBT+, Olavo reivindicava o direito à homofobia: “o direito à


preferência (sexual gay) é insensato se não acompanhado pelo concomitante direito à
repugnância; e o direito à expressão de um vem com o direito à expressão de outra”731. É
categórico ao afirmar que “o homossexualismo é uma opção; a heterossexualidade é um
dado”732 e que “[...] os gays têm escassa folha de serviços na prática do bem”733.
No esteio das manifestações de Junho de 2013, é lançado o best seller de Olavo O
mínimo que você precisa saber para não ser um idiota, um apanhado de 193 artigos escritos
entre 1997 e 2013. O livro inclusive seria exibido anos mais tarde por Bolsonaro em sua
primeira transmissão nas redes após a vitória eleitoral em 2018, ao lado da Constituição
Federal, da Bíblia Sagrada e do segundo volume das memórias do estadista conservador
Winston Churchill734. O blogueiro Felipe Moura Brasil, aluno de Olavo, foi o responsável pela
organização da obra, tendo ainda um papel fundamental na difusão do pensamento do autor
nas redes735. Até então o olavismo, ainda que bem-sucedido em determinados públicos, era
periférico. A partir de 2013 aquelas teses mais reiteradas e propagadas por Olavo no campo
da disputa política e cultural ganhariam cada vez mais popularidade, numa conjuntura
propícia devido à despolitização e à crise de representação. Nos anos seguintes, manifestantes
nas marchas pelo impeachment portavam como uma escritura sagrada a obra maestra do
“guru” anticomunista ao lado de faixas que estampavam os dizeres “Olavo tem razão”736,
slogan popularizado nas redes entre seus seguidores. Olavo creditava a si próprio a
responsabilidade pelas manifestações de rua que deram suporte à queda do PT737. Às vésperas
de ser apresentado na primeira transmissão ao vivo de Bolsonaro como presidente, O Mínimo
já havia vendido mais de 300 mil cópias. No mesmo período, era relançado O Imbecil
Coletivo, livro que o alçara ao panteão de autores “de direita”738. Segundo o editor dos livros,

731
Ibidem, p. 239.
732
Ibidem, p. 236.
733
Ibidem, p. 235.
734
COSTA, Ana Clara; GHIROTTO, Edoardo. “Eu sou o segundo governo”. Veja, 30 nov. 2018. Disponível em:
<https://veja.abril.com.br/politica/eu-sou-o-segundo-governo/>. Acesso em: 22 mai. 2022.
735
BORGES, Rodolfo. A direita brasileira que saiu do armário não para de vender livros. El País Brasil, 1 ago.
2015. Disponível em: <https://brasil.elpais.com/brasil/2015/07/22/politica/1437521284_073825.html>. Acesso
em 22 mai. 2022.
736
BRASIL, Felipe Moura. 15 de março: Olavo tem razão. Veja, São Paulo, 15 mar. 2015. Disponível em:
<https://veja.abril.com.br/coluna/felipe-moura-brasil/15-de-marco-olavo-tem-razao/>. Acesso em: 22 mai. 2022.
737
FELLET, João. Olavo de Carvalho, o 'parteiro' da nova direita que diz ter dado à luz flores e lacraias. BBC
News, 15 dez. 2016. Disponível em: <https://www.bbc.com/portuguese/brasil-38282897>. Acesso em: 20
mai.2022.
738
COSTA, Ana Clara; GHIROTTO, Edoardo. “Eu sou o segundo governo”. Veja, 30 nov. 2018. Disponível em:
<https://veja.abril.com.br/politica/eu-sou-o-segundo-governo/>. Acesso em: 22 mai. 2022.
181

Carvalho estava “entre os pouquíssimos autores brasileiros que poderiam viver de direitos
autorais"739.
Foi através da articulação evolutiva ao longo dos anos de seu arcabouço ideológico e
de seu discurso de ódio contra o PT, intelectuais, setores da mídia nacional e contra tudo que
associasse ao “progressismo” e à esquerda que Olavo de Carvalho

afirmou seu status de intelectual perante seus pares de direita – embora mantenha
detratores entre estes, suas proposições afirmativas gerais “pegaram”, tornaram-se
referência, especialmente sua hipótese maior (que para ele é confirmada): a
existência de um movimento revolucionário de cunho gramsciano, o permitiu tomar
posição de destaque nas formulações anticomunistas brasileiras, tornando-se parte
integrante do imaginário da direita nacional, assim como a percepção de uma
suposta hegemonia que a esquerda brasileira manteria sob a Universidade e a vida
cultural740.

A despeito dos méritos próprios de organização, sobretudo através do uso precursor de


novas ferramentas de comunicação política, sua atuação só pode ser possibilitada graças a sua
vinculação direta ou indireta com think tanks nacionais e internacionais e setores do
empresariado. Olavo possuía estreitos vínculos de financiamento com o Independent
Republican Institute (IRI), vinculado ao Partido Republicano estadunidense e ao poderoso
Atlas Network741. Desde meados dos anos 2000, Olavo também representava uma presença de
destaque nas edições do Fórum da Liberdade, o maior evento da agenda das direitas no
país742.
Ressalta-se que a ascensão de Olavo no debate público se deu nos marcos de um
movimento mais amplo de conformação de uma nova fração de intelectuais expressamente
direitistas e conservadores, em contraste com os intelectuais do campo à época do início da
Nova República, que preferiam ocultar a insígnia de “direita” a fim de evitar assimilações à
recém saída ditadura militar. Essa nova fração e “intelectuais da direita” se consolida nos anos
2000 através não só da figura de seu principal representante, Olavo de Carvalho, que desde
fins da década anterior já tinha seu trabalho viabilizado por editoras de cunho conservador,
mas também por meio de outros nomes como Reinaldo Azevedo, Luiz Felipe Pondé, Rodrigo
Constantino, Guilherme Fiuza, Marco Antonio Villa e Diogo Mainardi743. Em paralelo, parte
739
FELLET, João. Olavo de Carvalho, o 'parteiro' da nova direita que diz ter dado à luz flores e lacraias. BBC
News, 15 dez. 2016. Disponível em: <https://www.bbc.com/portuguese/brasil-38282897>. Acesso em: 20
mai.2022.
740
PATSCHIKI, op. cit., p. 181.
741
MESSENBERG, Débora. A direita que saiu do armário: a cosmovisão dos formadores de opinião dos
manifestantes de direita brasileiros. Revista Sociedade e Estado, Brasília, v.32, n.3, set./dez., 2017, p. 632.
742
CASIMIRO, 2016, p. 292-293.
743
CHALOUB, Jorge.; PERLATTO, Fernando. A Nova Direita Brasileira: ideias, retórica e prática política.
Insight Inteligência, Rio de Janeiro, n. 72, ano 19, jan./mar., 2016.
182

do mercado editorial brasileiro investia fortemente naquilo que seria uma “quebra com a
hegemonia de ideologias progressistas e intervencionistas”, abrindo uma grande seara a esses
intelectuais, ao lado da recuperação de obras de autores clássicos como Hayek, Mises e
Edmund Burke744.
A postura bélica e a linguagem ofensiva de Olavo criou uma tendência entre os
intelectuais alinhados à direita, passando a ser reproduzida largamente em espaços da grande
mídia e nas redes. Olavo soube usar a internet para se projetar, sendo a “porta de entrada para
boa parte da militância da direita”745. Segundo o próprio, seus livros foram os grandes
responsáveis por encorajar outros conservadores a sair do armário746. A respeito do seu estilo
de linguagem e discurso, Gilberto Calil discorre:

A violência de seus ataques aos adversários geralmente apresenta-se imersa em um


pretenso aspecto humorístico. Esta extrema agressividade é parte da construção de
um personagem supostamente autêntico, em uma atuação que é muito similar à
encenada por Jair Bolsonaro durante a campanha eleitoral de 2018 e em seu
governo. Carvalho afirma que “[...] os palavrões expressam apenas a recusa humilde
de toda solenidade fingida [...]” (CARVALHO, 2015, não paginado) e se
justificariam nas “[...] situações em que uma resposta delicada seria cumplicidade
com o intolerável” (CARVALHO, 2015, não paginado). A utilização deste recurso
permite a Carvalho bloquear o debate político. Usando apelidos de conotação sexual
ou escatológica para ridicularizar seus adversários ou afirmando que o pessoal da
esquerda é essencialmente genocida, ele sustenta que: “[...] se você lhe responder
educadamente, você estará conferindo dignidade a essas ideias. [...] Educação o
caralho! Vai tomar no cu, seu filho de uma puta!” (CARVALHO, 2010 apud
PATSCHIKI, 2012, p. 331)747.

Em entrevista no ano de 2020, Eduardo Bolsonaro, ex-aluno do COF, creditava ao


“professor Olavo” a alcunha de “referência filosófica” da família e do governo Bolsonaro748.
Ainda em 2011, o então deputado Flávio Bolsonaro, havia concedido à Olavo a Medalha
Tiradentes749; a mesma que entregou à Adriano de Nóbrega anos antes, miliciano suspeito de
envolvimento no assassinato brutal da vereadora do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL)
Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes. Jair conheceu as ideias do “guru” por meio

744
BORGES, Rodolfo. A direita brasileira que saiu do armário não para de vender livros. El País Brasil, 1 ago.
2015. Disponível em: <https://brasil.elpais.com/brasil/2015/07/22/politica/1437521284_073825.html>. Acesso
em 22 mai. 2022
745
FELLET, João. Olavo de Carvalho, o 'parteiro' da nova direita que diz ter dado à luz flores e lacraias. BBC
News, 15 dez. 2016. Disponível em: <https://www.bbc.com/portuguese/brasil-38282897>. Acesso em: 20
mai.2022.
746
Ibidem.
747
CALIL, 2021. p. 71.
748
RedeTV. Eduardo Bolsonaro sobre Olavo de Carvalho: "É nossa referência filosófica". YouTube. Disponível
em: <https://www.youtube.com/watch?v=ITdPd-P9TBs>. Acesso em 22 mai. 2022.
749
Projeto de resolução nº 536/2011. Disponível em:
<http://alerjln1.alerj.rj.gov.br/scpro1115.nsf/02ac6f279b568e24832566ec0018d839/b2939c5c6734a18b8325795
3004b81f7>. Acesso em 22 mai. 2022.
183

de seus filhos, passando a citar Olavo em seus discursos no congresso e nas redes. Em seu
primeiro ano na presidência, Bolsonaro condecora Olavo com o grau de Grã-Cruz, o mais alto
da Ordem de Rio Branco, junto a dois de seus filhos750. No mesmo ano, em sua primeira visita
aos Estados Unidos, o então presidente apresentou Olavo como “inspirador de muitos jovens
no Brasil”, e que em grande parte o país devia a ele “a revolução que estamos vivendo”751.
Olavo também teve influência em colocar Steve Bannon, ex-estrategista de Donald Trump,
em contato com a campanha de Bolsonaro em 2018752.
Antes mesmo do resultado das eleições de 2018, o nome de Olavo, que apoiou
amplamente Bolsonaro nas redes, estava sendo sugerido pelos bolsonaristas para ocupar a
pasta da Educação ou da Cultura do novo governo. O convite se concretizou, mas foi rejeitado
pelo “professor”, que se contentou em apenas indicar os nomes para os ministérios. Olavo
disse que estava satisfeito apenas em ocupar o posto de influência intelectual, que seria algo
“que transcende e engloba a política”. Citando o escritor russo Alexander Soljenítsin, Olavo
diz que: “‘O grande escritor é como se fosse um segundo governo’. Entende por que eu não
quero nenhum cargo público? Porque eu já sou esse segundo governo [...]”753.
Mais do que lugar de referência intelectual, o “olavismo” se faria presente no governo
Bolsonaro através dos discípulos e ex-alunos de Olavo, alguns destes, indicação direta do
“professor”. Os dois primeiros ministros da Educação, Ricardo Vélez e Abraham Weintraub,
subiram ao cargo por indicação de Olavo sob promessa de combaterem o “marxismo cultural”
nas universidades e escolas. A gestão de Weintraub visou uma política de inviabilização dos
institutos e universidades federais, operando cortes subsequentes em seu orçamento e nos
programas de bolsas de pesquisa. O segundo ministério em mãos olavistas foi o das Relações
Exteriores, sob comando de Ernesto Araújo, negacionista climático e defensor ferrenho da
tese do “globalismo”, tendo feito uma gestão marcada pela subordinação incondicional aos
EUA sob governo Trump e pelas provocações e ataques contra a China no contexto da
pandemia da COVID-19. Roberto Alvim, ex-Secretário Especial de Cultura que fora afastado
do cargo após discurso parafraseando o ministro da Propaganda da Alemanha nazista Joseph

750
BOLSONARO concede Ordem de Rio Branco a dois dos filhos e ao escritor Olavo de Carvalho. Gazeta do
Povo, 1 mai. 2019. Disponível em:
<https://www.gazetadopovo.com.br/republica/bolsonaro-concede-ordem-de-rio-branco-a-olavo-de-carvalho-e-do
is-dos-filhos/> . Acesso em: 22 mai. 2022.
751
MENDONÇA, Ricardo. Antes de construir é preciso 'desconstruir muita coisa' no Brasil, diz Bolsonaro nos
EUA. O Globo, 18 mar. 2019. Disponível em:
<https://oglobo.globo.com/mundo/antes-de-construir-preciso-desconstruir-muita-coisa-no-brasil-diz-bolsonaro-n
os-eua-23530792>. Acesso em: 22 mai. 2022.
752
COSTA, Ana Clara; GHIROTTO, Edoardo. “Eu sou o segundo governo”. Veja, 30 nov. 2018. Disponível em:
<https://veja.abril.com.br/politica/eu-sou-o-segundo-governo/>. Acesso em: 22 mai. 2022.
753
Ibidem.
184

Goebbles, foi outro seguidor de Olavo com cargo de destaque no governo. Além de outros
discípulos no MEC, olavistas se fizeram presentes no Ministério da Economia, na câmara dos
deputados e na própria assessoria da presidência754.
De figura “folclórica” e caricatural na internet, Olavo passou a ser tido como ideólogo
e principal influência intelectual do governo, instrutor de assessores próximos do presidente e
responsável pela indicação de figuras em postos-chave do aparelho de Estado. De acordo com
Pereira e Santos, “o olavismo se espalhou por diferentes espaços e, com a ascensão de
Bolsonaro à presidência, foi tornado política de Estado em setores da educação, cultura, do
meio ambiente e da política externa”755. Apesar de ser menor do que o poder de interferência
da ala militar, a influência de Olavo na montagem do governo Bolsonaro foi considerada
maior do que a da ala evangélica756; ainda que no decorrer do governo os quadros olavistas
tenham perdido certo espaço frente ao avanço do governo Bolsonaro em direção aos partidos
do “Centrão”. Neste contexto, Olavo direcionava duras críticas ao governo no sentido de
disputar as forças em seu interior e forçá-lo a uma perspectiva de radicalização, sem romper
com o apoio essencial.
Olavo procurava demarcar uma auto-imagem de autonomia de atuação política e
intelectual em relação ao bolsonarismo e ao restante da direita brasileira, se colocando como o
responsável pela ascensão de ambos, mas não sendo representante de nenhum: “Fui o parteiro
[da direita], mas o parteiro não nasce com o bebê”, afirmava já em 2016757. Carvalho estaria
apenas “lutando contra o comunismo” e abrindo o espaço para a direita, que em sua narrativa
não existiria no país no momento anterior, e com isso, possibilitando que o Brasil tivesse uma
“democracia representativa efetiva”758. Tal discurso mal parece advir de uma figura que
advoga um pensamento tradicionalista antidemocrático e que flerta com um ideal fascista de
sociedade.
Todavia, ainda que Olavo imputasse a si mesmo a razão do surgimento da “nova
direita”, Alvaro Bianchi ressalta o fato do “ideólogo” na verdade ser seu efeito, não sua causa,
dado que “as direitas radicais são um movimento muito heterogêneo com raízes profundas na
história do pensamento político brasileiro”759, afirma o cientista político. De acordo com
754
CALIL, 2021, p. 75-76.
755
PEREIRA; SANTOS, 2020, p. 337.
756
FELLET, João. Quem são os discípulos de Olavo de Carvalho que chegaram ao governo e Congresso. BBC
News, São Paulo, 10 jan. 2019. Disponível em: <https://www.bbc.com/portuguese/brasil-46802265>. Acesso
em: 15 mai. 2022.
757
Idem. Olavo de Carvalho, o 'parteiro' da nova direita que diz ter dado à luz flores e lacraias. BBC News, 15
dez. 2016. Disponível em: <https://www.bbc.com/portuguese/brasil-38282897>. Acesso em: 20 mai.2022.
758
Ibidem.
759
BIANCHI, Alvaro. Olavo de Carvalho é um efeito da nova direita e não a sua causa. Instituto Humanitas
Unisinos. 19 dez. 2018. Disponível em:
185

Bianchi, o essencial da questão está em verificar os elos de convergência entre a visão de


mundo reacionária apresentada pelo governo Bolsonaro, sua base social e o pensamento de
Olavo de Carvalho: “O discurso fortemente anticomunista, a criminalização de movimentos
sociais, o negacionismo climático, o questionamento aos direitos humanos e o ataque às
mulheres, à população negra e LGBT são um denominador comum dessa visão de mundo”760.
Tal ideologia forneceu um pólo de atração para diversos grupos de direita a partir da
conjuntura do impeachment, possibilitando ainda que o bolsonarismo se diferencia-se de
setores da direita tradicional no processo apresentando-se enquanto alternativa política761.
O fundamental a se destacar aqui é que o pensamento de Olavo de Carvalho forneceu
uma “filosofia”, uma concepção articulada e integral de mundo e da história adequada aos
interesses de determinados grupos sociais, municiando as bases intelectuais e ideológicas da
nova direita e do bolsonarismo para a sua atuação política762. E enquanto movimento de cunho
fascista que, como vimos, é caracterizado por uma base social encontrada em estratos da
classe média e na pequena burguesia, o bolsonarismo é alimentado pelo olavismo na medida
em que este constrói

[...] uma narrativa coerente que dá sentido aos medos alimentados pela low upper
class, um exército de pequenos e médios empresários, profissionais liberais e
trabalhadores autônomos profundamente afetados pela crise econômica e pelas
transformações recentes na sociedade brasileira”. [...] Olavo de Carvalho apresenta
uma explicação simples para a queda: marxistas, feministas e gays teriam provocado
a crise da civilização cristã e empurrado a sociedade para o abismo. É obviamente
uma teoria conspiratória à qual pessoas comuns podem se agarrar quando não
conseguem uma explicação razoável para seus medos. E o medo é aquilo que
caracteriza a pequena-burguesia. É uma classe assustada com sua própria
irrelevância social763.

Ao que tudo indica, o vínculo mantido entre Olavo de Carvalho e a Brasil Paralelo não
se tratava de uma relação meramente ocasional. Enquanto vivo, Olavo participou de quase
todas as produções da BP. A relação remonta aos primórdios da produtora, com o “guru” já se
fazendo presente na primeira produção do selo. Em evento na câmara municipal da cidade de
São Paulo no ano de 2017, Henrique Viana evidenciava em sua exposição a influência que
Carvalho exerceu sobre a própria concepção do formato do projeto, instruindo os
sócio-fundadores da BP à não limitarem a iniciativa à uma simples plataforma de venda de

<http://www.ihu.unisinos.br/159-noticias/entrevistas/585547-olavo-de-carvalho-e-um-efeito-da-nova-direita-e-n
ao-sua-causa-entrevista-especial-com-alvaro-bianchi>. Acesso em 22 mai. 2022.
760
Ibidem.
761
CALIL, 2021, p. 74.
762
MATTOS, 2020, p. 172.
763
BIANCHI, 2018, op. cit.
186

produtos: “A gente teve uma conversa com o professor Olavo, e ele falou: ‘Vocês não podem
perder a questão da militância. Vocês estão cumprindo um papel para o país, vocês estão
prestando um serviço para a causa'”764.
Em artigo redigido pela redação da BP dedicado à biografia e ao pensamento do autor,
Olavo é apresentado enquanto cânone da filosofia brasileira, “um dos maiores nomes da
política, cultura e ensino em filosofia”, e “[...] filósofo no sentido genuíno da palavra”,
movido pela busca da verdade maior e a verdade dos fatos765. Sua primeira obra de maior
sucesso, O Imbecil Coletivo, é tida como paradigmática para o início da “[...] derrocada da
hegemonia gramsciana implantada no Brasil desde os anos 60, tal qual ele a denunciou”766. O
texto, além do tom laudatório ao seu pensamento e “filosofia”, também procura fazer uma
defesa da reputação de Olavo frente às acusações e polêmicas que envolvem sua trajetória,
bem como desassociá-lo da figura de Bolsonaro. Segundo a BP, Olavo não possuía viés
político ou ideológico, se tratava de um democrata que teria exercido influência indireta sobre
a direita por acreditar na necessidade de haver rodízio de poder, retirando-o da hegemonia da
esquerda767.
À época de sua morte, a produtora também lançou um vídeo especial em sua
homenagem, narrando em tom comovente e traços míticos a biografia de Olavo, que seria
autor de “[...] uma obra que sempre se pautou pela defesa da alta cultura, do combate ao
comunismo e do incentivo à busca da verdade. [...] Não somente preservar, mas ampliar sua
obra, é o compromisso hoje defendido por seus alunos”768. Este último trecho traz uma
declaração praticamente manifesta da filiação da Brasil Paralelo como legatária do
pensamento do “professor Olavo”. A produtora segue publicando diversos conteúdos
relacionados ao autor e suas obras são usadas como referência bibliográfica nos cursos
ofertados em seu “Núcleo de Formação”.
De acordo com Gilberto Calil, ainda que tenha se empenhado na desqualificação de
Gramsci e assimilado seu pensamento de modo superficial e deturpado em suas obras, Olavo
de Carvalho

apreendeu um dos elementos centrais de sua reflexão: a grande importância da


constituição de uma rede de organizações (ou aparelhos privados de hegemonia) que

764
Parlatório Livre. Parlatório Livre - Jornalismo e Liberdade - Henrique Viana. YouTube. Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=6BF83wbervI&t=857s>. Acesso em 26 mai. 2022.
765
Quem é Olavo de Carvalho? Brasil Paralelo. Disponível em:
<https://www.brasilparalelo.com.br/artigos/quem-e-olavo-de-carvalho>. Acesso em 26 mai. 2022.
766
Ibidem.
767
Ibidem.
768
Brasil Paralelo. O mínimo que você precisa saber sobre Olavo de Carvalho. YouTube. Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=Q4HddgJ_NYY>. Acesso em: 26 mai. 2022.
187

funcionem como casamatas na guerra de posições. Foi operando esta rede que
Carvalho atuou ao longo dos últimos anos e com base nela incidiu efetivamente
reforçando o avanço ideológico e político da extrema-direita769.

Neste sentido, o engajamento pessoal do intelectual no projeto da Brasil Paralelo


representou uma das últimas contribuições de Olavo de Carvalho no âmbito da constituição
dessa rede de APHs da extrema direita. Não à toa, parcela dos seus seguidores que
contribuíram com o portal Mídia Sem Máscara e com o Instituto Olavo de Carvalho passaram
a ser palestrantes dos conteúdos da BP. Agora morto, seu espólio intelectual é sustentado por
familiares e ex-alunos por meio de uma estrutura física e digital que mantém seus cursos, seu
blog, seu site oficial e seus perfis pessoais nas redes sociais.

Ao lado do ultraconservadorismo olavista, o libertarianismo difundido pelo Instituto


Mises Brasil (IMB) aparece como uma das bases do pensamento professado pela Brasil
Paralelo. O think tank foi criado em 2009 com o intuito principal de difundir os pressupostos
“libertários” da doutrina da Escola Austríaca de Economia na sociedade brasileira, sendo
apresentado publicamente na 23ª edição Fórum da Liberdade, ocorrido em 2010. O IMB
reivindica Ludwig Von Mises, Friedrich Hayek e Murray N. Rothbard como seus pilares
teóricos e consegue cooptar para sua órbita as frações mais ortodoxas do pensamento
neoliberal e do conservadorismo no país770. Consta em seu site a busca dos seguintes
objetivos:

I - promover os ensinamentos da escola econômica conhecida como Escola


Austríaca; II - restaurar o crucial papel da teoria, tanto nas ciências econômicas
quanto nas ciências sociais, em contraposição ao empirismo; III - defender a
economia de mercado, a propriedade privada, e a paz nas relações interpessoais, e
opor-se às intervenções estatais nos mercados e na sociedade771.

A atividade do instituto é voltada sobretudo para a organização de palestras e


seminários, publicação de artigos e periódicos, podcasts, traduções de obras consagradas da
Escola Austríaca e de autores clássicos de viés ultraliberal, tendo seu site como principal
veículo de difusão desse material772. Casimiro destaca como o Instituto Mises Brasil, tal como
seus pares de difusão ideológica, “produz e replica estudos de outros aparelhos, o que auxilia
nessa espécie de rede compartilhada de difusão e produção de consenso”773.

769
CALIL, 2021, p. 77.
770
CASIMIRO, 2016, p. 331-332.
771
Quem somos. Mises Brasil. Disponível em: <https://mises.org.br/quem-somos>. Acesso em 30 mai. 2022.
772
CASIMIRO, 2016, op. cit., p. 331-345.
773
CASIMIRO, 2020, p. 52.
188

O canal do IMB mantido no YouTube conta com mais de 2 milhões de


visualizações774. A loja virtual do instituto oferta produtos variados como camisetas, bandeiras
e acessórios com temáticas “libertárias” e anticomunistas eivadas de intolerância e violência
simbólica775. Já o “Clube Mises” – acessável a partir do site do IMB – apresenta uma
plataforma para o financiamento da iniciativa, com planos de membresia que variam de
R$100 a R$10.000 e provê benefícios aos doadores776. O IMB também organiza a Conferência
de Escola Austríaca, que já contou com seis edições777, além de promover cursos de verão e
de inverno com a temática “libertária” para jovens estudantes, com a concessão de bolsas de
estudo778. Dentre as atividades desenvolvidas pelo think tank se destaca a oferta de cursos
acadêmicos referendados pelo MEC por meio da plataforma “Mises Academy”, oferecendo
três modalidades de pós-graduação com mensalidades em torno de R$1.000 – Pós- Graduação
em Economia da Escola Austríaca; Pós-Graduação em Direito, Ciência Política e
Liberalismo; e Pós-Graduação em Negócios, Inovação e Startups –, além de cursos de
extensão e cursos livres779.
Nota-se como a proposta de atuação do IMB dirige grandes esforços na produção de
consenso e na formação de intelectuais para a defesa irrestrita da propriedade privada e da
economia de mercado, que toma o Estado como o grande obstáculo à prosperidade material e
à livre concorrência. Sob as bandeiras da “racionalidade”, da “eficiência” e da “liberdade”, os
“libertários” do IMB chegam a defender a terceirização irrestrita a todos os ramos de trabalho,
além da abolição das escolas públicas e total privatização da educação e da saúde780.
O autor Walter Block, membro sênior do Mises Institute, tendo seus artigos
largamente reproduzidos pelo IMB, faz a defesa de um “livre mercado para órgãos do corpo”
ao mesmo tempo em que defende o “direito a discriminar”, que não poderia ser exercido por
qualquer governo, mas diria respeito à liberdade e ao direito de propriedade do indivíduo. No
livro “Defendendo o indefensável”, Block diz abominar o “homossexualismo”, a prostituição
e o consumo de drogas enquanto “comportamentos degenerados” e pervertidos, entretanto,

774
Instituto Mises Brasil. YouTube. Disponível em: <https://www.youtube.com/c/InstitutoMisesBrasil/about >.
Acesso em 30 mai. 2022.
775
Loja Mises. Disponível em: < https://www.lojamises.com.br/. Acesso em 25/05/2022>. Acesso em 30 mai.
2022.
776
Clube Mises. Disponível em: <https://www.clube.mises.org.br/>. Acesso em 30 mai. 2022.
777
VI Conferência de Escola Austríaca. Universidade Presbiteriana Mackenzie. Disponível em:
<https://www.mackenzie.br/liberdade-economica/extensao/eventos/artigo/n/a/i/vi-conferencia-de-escola-austriac
a>. Acesso em 30 mai. 2022.
778
Summer School. Mises Brasil. Disponível em: < https://summer.mises.org.br/>. Acesso em: 30 mai. 2022.
779
Mises Academy. Disponível em: < https://misesacademy.com/>. Acesso em: 30 mai. 2022.
780
CASIMIRO, 2016, p. 342-343.
189

enquanto “libertário”, não acha que seus praticantes devam ser criminalizados pelo Estado781.
Trata-se, assim, de legitimar formas de discriminação, preconceito e violência contra
determinados grupos marginalizados a partir de um discurso reacionário e moralista associado
ao fundamentalismo de livre mercado782.
No site do IMB é possível encontrar artigos que atestam a posição antidemocrática e
elitista de seus prepostos como: “A tragédia social gerada pela democracia”; “Como a
democracia destrói a riqueza e a liberdade’; “Por que a democracia precisa de Aristocracia”;
“Por que a Monarquia é superior à democracia”; “Democracia: o deus que falhou”783. Outros
artigos publicados no site evidenciam seu extremismo liberal: “Uma teoria geral (e libertária)
sobre o controle de armas”; “Sobre a diferença salarial entre homens e mulheres”; “A
privatização dos rios”784. Fica evidente que entre os correligionários do Mises Brasil, o
libertarianismo de mercado – próximo aqui da corrente “anarcocapitalista” – se mescla a um
conservadorismo cultural ensejando um tipo de pensamento que “[...] defende as relações
desse mercado em todas as manifestações da vida social, na mercantilização do meio natural e
todos os seus recursos, assim como na própria dignidade humana”785.
Casimiro destaca: “É muito importante que consideremos que essas concepções, por
mais espantoso que possa parecer, alcançaram agora a estrutura institucional do Estado”786,
através inclusive da presença direta de intelectuais “libertários” e “anarcocapitalistas” do IMB
e de outros aparelhos da nova direita no governo Bolsonaro. Entre esses agentes, destacam-se
dois que ocuparam cargos estratégicos no Ministério da Economia: Geanluca Lorenzon,
advogado e chefe de operações do Instituto Mises Brasil, e José Salim Mattar, presidente da
empresa de aluguel de carros Localiza, tendo já integrado o Instituto Liberdade e o Instituto
Millenium787. Isso significa que “[...] o plano de reconfiguração da estrutura estatal [...] para a
suposta ampliação da viabilidade da atividade econômica do país, [estava] sendo conduzido
por pessoas que, segundo suas vinculações ideológicas, defendem a perspectiva mais radical
entre as concepções ultraliberais”788.
O IMB tem como principal idealizador e fundador o empresário Hélio Beltrão Filho –
herdeiro do ex-ministro da ditadura militar Hélio Beltrão –, cujas ideias, segundo Henrique

781
BLOCK, 2010 apud CASIMIRO, 2020, p. 53-55.
782
Ibidem, p. 54.
783
Artigos. Mises Brasil. Disponível em: <https://mises.org.br/artigos>. Acesso em 30 mai. 2022.
784
CASIMIRO, 2016, p. 336.
785
Ibidem, p. 337.
786
Idem, 2020, p. 60.
787
Ibidem, p. 60-61.
788
Ibidem, p. 61.
190

Viana, exerceram influência no conteúdo da Brasil Paralelo789. Graduado em finanças com


MBA pela Universidade de Columbia, em Nova Iorque, Beltrão foi executivo do Banco
Garantia, da Mídia Investimentos e da Sextante Investimentos. Atualmente o empresário é
sócio e membro do conselho de administração do Grupo Ultra, da Le Lis Blanc, da Artesia
Investimentos, do conselho consultivo da Ediouro Publicações e da empresa de educação
corporativa Lab SSJ. Além do IMB, Beltrão é fundador e membro do conselho consultivo do
Instituto Millenium e do Instituto Hélio Beltrão790.
Como o observado por Casimiro, o ultraliberalismo de Beltrão Filho está próximo do
olavismo791. O empresário “tem orgulho em dizer que foi, junto de Olavo de Carvalho, um dos
primeiros a confrontar o ‘marxismo cultural’ no Brasil”, além de considerar Bolsonaro um
“político genial”792. Assim como Olavo, Beltrão está presente em diversos documentários da
Brasil Paralelo desde a sua primeira produção ainda em 2016, o Congresso Brasil Paralelo.
Durante o evento “Fórum Brasil: A Última Cruzada”, organizado pela BP em 2019, o
presidente do IMB realizou a seguinte fala que revela a influência do instituto na concepção e
iniciativa do projeto:

O Brasil Paralelo é um parceiro oficial do Instituto Mises Brasil, estou muito feliz
com a história que o Felipe contou, o Mises teve um papel inspirador dessa iniciativa
maravilhosa. Na minha época não se ensinava história, e me dizem que hoje é ainda
pior. Então, a gente não fala dos nossos heróis, a gente esquece dos nossos heróis, e o
Brasil Paralelo tenta resgatar793.

Em sua investigação sobre os intelectuais orgânicos associados à Brasil Paralelo,


Mayara Balestro apresenta duas categorias principais nas quais poderíamos dividir esses
quadros a partir das suas formas de atuação junto à produtora: os “membros convidados”, que
participam de modo mais ocasional nas produções, e os “membros permanentes”, aqueles que
apresentam uma militância consolidada junto à causa liberal-conservadora e contribuem de
forma recorrente com a produtora promovendo e divulgando suas ideias através do conteúdo
produzido, conformando uma espécie de “núcleo duro” da Brasil Paralelo794. De acordo com a
autora, “a capacidade de difusão de seus pressupostos e sua concepção de mundo, vão para
789
Café Brasil 775 – LíderCast Henrique Viana – Brasil Paralelo. Café Brasil. Disponível em:
<https://portalcafebrasil.com.br/cafe-brasil-775-lidercast-henrique-viana-brasil-paralelo/>. Acesso em 24 fev.
2022.
790
CASIMIRO, 2016, p. 185, 311.
791
Idem, 2020, p. 50.
792
FILHO, João; ANDRADA, Alexandre. Até anarcocapitalistas ganham espaço no governo Bolsonaro. E na
Folha de S. Paulo também. The Intercept Brasil, 5 mai. 2019. Disponível em:
<https://theintercept.com/2019/05/05/anarcocapitalismo-bolsonaro-folha-ancaps/>. Acesso em 25 mai. 2022.
793
cf. SANTOS, 2021, p. 96.
794
Ibidem, p. 80.
191

além da atuação dentro do B.P., perpassam os Institutos, a mídia, redes sociais e os espaços
acadêmicos, isso permite o B.P. avançar em sua difusão”795. Se tratam de personalidades do
empresariado, da política, da grande imprensa, do judiciário e acadêmicos, muitos dos quais
atuam como articulistas e compõem os grupos dirigentes de diversas instituições e
organizações das direitas no Brasil.
No grupo dos “membros convidados” encontram-se figuras de diferentes espectros dos
círculos liberais e conservadores do país, entre as quais: Luiz Felipe Pondé, filósofo
conservador e colunista da Folha de S. Paulo; Lucas Berlanza, ex-redator do jornal Gazeta do
Povo, atualmente editor e sócio do Boletim da Liberdade além de colunista e
diretor-presidente do Instituto Liberal; Leandro Narloch, autor da série Guia Politicamente
Incorreto da História que já colaborou com veículos da grande imprensa como a Revista Veja
e a Folha de S. Paulo; Felipe Moura Brasil, escritor, blogueiro e comentarista ex-redator da
Revista Veja e ex-diretor de jornalismo da Rádio Jovem Pan, organizador do livro O mínimo
que você precisa saber para não ser um idiota de Olavo de Carvalho; William Waack,
jornalista e escritor brasileiro que já passou por algumas das principais redações do Brasil e
hoje atua como âncora na CNN Brasil; Cláudio Manoel, redator e humorista brasileiro,
ex-integrante do grupo Casseta & Planeta; Paulo Cruz, professor e palestrante nas áreas de
filosofia e educação, atualmente colunista na Gazeta do Povo; Josias Teófilo, cineasta,
jornalista e fotógrafo brasileiro responsável pelo filme biográfico de Olavo de Carvalho;
Hélio Bicudo, jurista e ativista pelos direitos humanos, participou da fundação do PT e foi um
dos autores do pedido de impeachment de Dilma Rousseff; Miguel Reale, foi um professor,
advogado, escritor, filósofo e jurista brasileiro, ex-reitor da USP e um dos ideólogos da Ação
Integralista Brasileira; o ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes; Bruno
Araújo, advogado, ex-deputado federal e ministro no governo Temer, atual presidente do
PSDB; Luiz Felipe D’ávila, cientista político e filantropo fundador do Centro de Liderança
Pública (CLP), candidato à presidência da República pelo Partido Novo nas eleições de 2022;
Miguel Nagib, advogado conhecido por ser fundador e líder do movimento Escola sem
Partido, fundado em 2003, e idealizador do texto que originou diversos projetos de lei
homônimos; Fernando Francischini, delegado de polícia e deputado estadual do Paraná pelo
PSL, teve seu mandato cassado pelo TSE em 2021 em razão de disseminação de informações
falsas sobre o processo eleitoral de 2018796; Rogério Chequer, empresário, ex-colunista da

795
Ibidem, p. 85.
796
DEPUTADO Francischini é cassado por propagar desinformação contra a urna eletrônica. Tribunal Superior
Eleitoral. Disponível em:
192

Folha de S. Paulo e cofundador do Movimento Vem Pra Rua; Fernando Holiday, youtuber e
ex-vereador da cidade de São Paulo, membro do Movimento Brasil Livre (MBL); Arthur
Moledo do Val, também youtuber e integrante do MBL, teve seu mandato de deputado
estadual cassado em 2022 após episódio misógino envolvendo refugiadas de guerra
ucranianas797; Joice Hasselmann, jornalista, radialista e ex-deputada federal de São Paulo
eleita pelo PSL; Janaína Paschoal, jurista e professora da USP que foi autora do pedido de
impeachment de Dilma Rousseff, ex-deputada estadual de São Paulo eleita pelo PSL; Beatriz
Kicis, advogada, youtuber e deputada federal pelo Distrito Federal; Damares Alves,
advogada, pastora evangélica e ex-ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos no
governo Bolsonaro, atual senadora da república pelo Distrito Federal; Jair Bolsonaro, militar
da reserva e deputado federal por sete mandatos entre 1991 e 2018, ex-presidente da república
não reeleito; Eduardo Bolsonaro, policial federal e deputado federal pelo estado de São Paulo;
o cantor e compositor Lobão; dentre outros convidados798.
Além dos já citados Olavo de Carvalho e Hélio Beltrão Filho, mentores do projeto,
fariam parte do quadro de “membros permanentes” da BP os seguintes nomes identificados
por Balestro: Rafael Nogueira, palestrante e professor de História e Filosofia em escolas
públicas, técnicas, privadas e cursos preparatórios, pesquisador em História do Império do
Brasil e defensor da monarquia, aluno de Olavo de Carvalho, esteve a frente da Fundação
Biblioteca Nacional durante o governo Bolsonaro, contribuiu em diversas produções da BP
além de ministrar aulas semanais no “Núcleo de Formação” e em outros institutos de cariz
conservador; Alexandre Borges, empresário fundador do Instituto Liberal, mantém ligações
com outros importantes think tanks como o Instituto Mises Brasil e o Movimento Brasil Livre
(MBL), já publicou em canais da imprensa como a Revista Veja e Gazeta do Povo, além do
portal Mídia Sem Máscara, criado por Olavo de Carvalho; Percival Puggina, arquiteto,
jornalista e escritor brasileiro, já atuou na coordenação de partidos da direita; Flávio Gordon,
doutor em Antropologia Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, colabora para as
editoras Record e Vozes e é colunista na Gazeta do Povo, ministra diversos cursos
relacionados à “teoria marxista cultural” e ao “globalismo” na BP e em outras instituições
liberais-conservadoras; Thomas Giulliano, historiador autor do livro Desconstruindo Paulo

<https://www.tse.jus.br/comunicacao/noticias/2021/Outubro/plenario-cassa-deputado-francischini-por-propagar-
desinformacao-contra-o-sistema-eletronico-de-votacao>. Acesso em 30 mai. 2022.
797
CRUZ, Elaine Patrícia. Arthur do Val tem mandato cassado e fica inelegível por oito anos. Agência Brasil, 17
mai. 2022. Disponível em:
<https://agenciabrasil.ebc.com.br/politica/noticia/2022-05/arthur-do-val-tem-mandato-cassado-e-fica-inelegivel-
por-oito-anos>. Acesso em: 30 mai. 2022.
798
Cf. lista de membros convidados da Brasil Paralelo entre 2016 e 2019 em SANTOS, 2021, p. 142-146.
193

Freire, atuou como consultor historiográfico das séries Brasil: A Última Cruzada e Pátria
Educadora da BP; Luiz Phillipe de Orleans e Bragança, empresário e acadêmico descendente
da família imperial brasileira, eleito deputado federal de São Paulo em 2018 e reeleito em
2022, possui carreira em grandes bancos internacionais e atuou na direção de multinacionais,
foi cofundador do Movimento Acorda Brasil no contexto das manifestações contra o governo
Dilma, e na BP, serviu como principal inspiração para a produção Brasil: A Última Cruzada;
Adriano Gianturco, coordenador do Curso de Relações Internacionais e professor de Ciência
Política do IBMEC-MG, membro do Laboratório de Análise Política (LAP) da Universidade
LUISS de Roma, fellow do Competere Institute e do Centro Tocqueville-Acton, membro do
Comitê Científico da Revista Acadêmica Mises e do Conselho do Ranking dos Políticos, já
colaborou para espaços midiáticos do grande empresariado e canais da grande imprensa do
país, além de ter participado da produção do Congresso Brasil Paralelo e de Teatro das
Tesouras; Ícaro de Carvalho, empresário e redator publicitário, atuou na criação da Brasil
Paralelo e outras empresas líderes de mercado como Liberta Global, Grupo Estratégia,
We-Audit, dentre outras; Marcus Boeira, professor adjunto de Direito na Universidade
Federal do Rio Grande do Sul; Rodrigo Gurgel, ensaísta, professor de Literatura e crítico
literário do jornal Rascunho e da Folha de S. Paulo; Rodrigo Constantino, jornalista e
economista libertariano conhecido por seu trabalho como colunista em canais da grande mídia
como a Revista Veja e o jornal O Globo, atuando presentemente no jornal conservador A
Gazeta do Povo, além de presidente do Conselho do Instituto Liberal e membro-fundador do
Instituto Millenium, já tendo participado de diversas produções da BP e publicado artigos
elogiando a atuação da produtora; Flávio Morgenstern, também ex-aluno de Olavo de
Carvalho e professor no “Núcleo de Formação” da BP, é escritor, analista político, palestrante
e colunista do Instituto Liberal, criador do portal e canal “Senso Incomum”; Guilherme
Macalossi, jornalista articulista no Instituto Liberal, atualmente trabalha como colunista na
Gazeta do Povo e como apresentador e comentarista no Grupo Bandeirantes e na Rádio
Sonora FM; Leandro Ruschel, empresário com um perfil influente no Twitter e um dos
principais responsáveis pela concepção e criação da BP, sócio-fundador do Grupo L&S, que
abarca uma série de empresas que atuam no mercado financeiro799.
A partir do mapeamento desses quadros é possível estabelecer conexões entre a BP e
um conjunto de sujeitos e entidades representativas da nova direita que vem contribuindo –
direta ou indiretamente, por meio de seus intelectuais orgânicos – para a viabilização e o

799
Cf. lista de membros permanentes da Brasil Paralelo entre 2016 e 2019 em SANTOS, 2021, p. 82-84.
194

crescimento do projeto. Em entrevista de 2018 Filipe Valerim já afirmava: “Procuramos


sempre estar em contato com think thanks que promovam ideias de liberdade”800.
Ainda que não se configure enquanto um think tank, cabe destacar também a relação
de proximidade mantida entre a produtora e a rede de rádio e TV Jovem Pan, que nos últimos
anos vem servindo como canal vocalizador não só do projeto da Brasil Paralelo como das
pautas de outros inúmeros grupos e figuras representativas da extrema direita e do
bolsonarismo. Os sócios da BP vêm participando de uma série de programas e entrevistas do
canal, que também aloca e reproduz algumas de suas produções.
Dentre as organizações difusoras da ideologia liberal-conservadora que apresentaram
algum tipo de vínculo com a BP se destacam o já abordado Instituto Von Mises Brasil (IMB),
o Instituto Liberal – think tank difusor do ideário pró-mercado mais antigo no país –, o
Instituto de Estudos Empresariais, o Instituto Millenium, o Instituto Borborema e o
Estudantes pela Liberdade, junto de sua “célula” de mobilização política, o Movimento Brasil
Livre (MBL)801. Esses intelectuais coletivos da nova direita brasileira

[...] se articulam por meio de distintas e complexas formas, consciente ou


inconscientemente, seja a partir da elaboração e execução de um projeto estrutural
único, seja na organização de eventos da agenda liberal (como o Fórum da
Liberdade), na replicação de conteúdos ideológicos de doutrinação e recrutamento,
seja organicamente, a partir de uma origem comum (IL e Instituto Liberdade), ou
mesmo no compartilhamento de quadros de dirigentes e intelectuais orgânicos.
Portanto, estamos diante de uma frente ampla de ação política e ideológica, como
um verdadeiro partido, no sentido gramsciano802.

Se apresentando enquanto think tanks – “centros de pensamento” –, o quadro de


fundadores e dirigentes dessas organizações apontam para um perfil de
empresários-intelectuais representantes de diversas frações do capital. A despeito do forte
vínculo com o capital multinacional e grandes grupos econômicos, essas instituições declaram
não possuir fins lucrativos. Muitas delas também afirmam proibir ou não possuir vínculos
partidários, mesmo se encontrando publicamente associadas a partidos e políticos das direitas.
Suas frentes de atuação envolvem uma gama de recursos de produção e divulgação ideológica
e intelectual, formando quadros e organizando mecanismos de ação política que extrapolam
suas barreiras de classe e incidem diretamente na conjuntura. Diversos segmentos da

800
BRASIL Paralelo: em entrevista exclusiva, conheça a origem dos documentários que fazem sucesso na
Internet. Boletim da Liberdade, 19 jul. 2018. Disponível em:
<https://www.boletimdaliberdade.com.br/2018/07/19/brasil-paralelo-em-entrevista-exclusiva-conheca-a-origem-
dos-documentarios-que-fazem-sucesso-na-internet/>. Acesso em: 12 fev. 2022.
801
SANTOS, 2021, p. 82 e 85.
802
CASIMIRO, 2020, p. 81.
195

sociedade civil participam de suas atividades, como jornalistas, professores, estudantes,


ministros e parlamentares, possuindo ampla inserção na opinião pública e na grande mídia
nacional. Se tratam de proeminentes centros de difusão de diferentes matizes do pensamento
liberal e do conservadorismo social associados a outros influentes think tanks internacionais,
comprometidos com a formação e capacitação de quadros de dirigentes políticos e
empresariais para sua atuação no seio do Estado ampliado em favor da ideologia liberal e dos
interesses burgueses803.
Os aparelhos de atuação político-ideológica do liberalismo no Brasil se inspiram
fortemente no pensamento da Escola Austríaca e na Escola de Chicago. Muitos desses think
tanks possuem teor expressamente militante, sendo articulados no interior de diversas
instituições do ensino superior público e privado no país, alguns, inclusive, possuindo
inserção em escolas do ensino básico. Isso demonstra o poder de articulação e introjeção
desses aparelhos de propagação da ideologia de mercado de forma capilarizada no sistema de
ensino nacional. A abordagem intelectual e pedagógica dessas organizações no geral volta-se
para temáticas do arcabouço liberal como: liberdade econômica, propriedade privada, livre
concorrência, meritocracia e empreendedorismo804.
No que se refere às estratégias de cooptação ideológica do ultraliberalismo nos meios
estudantis, a principal organização se trata do Estudantes Pela Liberdade (EPL), junto de sua
célula de mobilização política, o Movimento Brasil Livre (MBL). Assim como seus pares, o
EPL foi lançado oficialmente no Fórum da Liberdade, em 2012, possuindo raízes nos demais
aparelhos privados de hegemonia aqui abordados. O Estudantes Pela Liberdade funciona
como uma versão brasileira do Students for Liberty, uma influente organização responsável
pela articulação entre os think tanks conservadores norte-americanos e a juventude
“antipopulista” da América Latina; vinculada por sua vez ao Atlas Network, espécie de
meta-think tank, um dos mais influentes centros difusores do pensamento liberal do mundo805.
Muitos dos membros do EPL – incluindo seus dirigentes fundadores – transitam pelo
Instituto Von Mises Brasil, e por conseguinte reivindicam a mesma base teórica do IMB,
fundamentada no libertarianismo da Escola Austríaca. Buscando de modo deliberado ampliar
a representação do pensamento “libertário” no meio acadêmico, o EPL realiza uma espécie de
cruzada política e ideológica num ambiente que, segundo eles, estaria dominado pelo
marxismo e pela esquerda. Articulando-se por dentro de instituições de ensino superior em

803
Idem, 2016, passim.
804
Ibidem.
805
Ibidem, p. 349.
196

quase todos os estados do país, utilizam como estratégia de consenso diversas ações táticas,
como organização de eventos e cursos, financiamento de grupos de estudo, distribuição de
materiais panfletários e educativos, atuando ainda na disputa pelo controle de diretórios
acadêmicos806.
O EPL se organiza institucionalmente por meio de um Programa de Coordenadores,
cujo objetivo reside em recrutar estudantes do ensino médio e superior para organizá-los
enquanto lideranças do movimento estudantil. Há uma espécie de programa de carreira nesta
organização, onde Flávio Casimiro sugere que há algum tipo de remuneração, mesmo que na
forma de custeios de viagens e cursos ou premiações; sem mencionar a rede de contato
propiciada com o empresariado, acadêmicos e entidades diversas e as oportunidades daí
decorrentes807. O EPL também é o responsável pela organização da versão nacional da
“LibertyCon”, congresso para os “amantes da liberdade” que ocorre em vários continentes. O
EPL descreve o evento como aberto “do social-liberal até o anarquista de mercado, passando
pelos objetivistas e voluntaristas”808, demonstrando funcionar como um grande polo para
articulação e formação de consenso entre intelectuais de diversas matizes do liberalismo.
A partir desse vasto campo de atuação, o EPL consegue engajar jovens estudantes
tanto para as disputas internas em escolas e universidades quanto para o ativismo político na
internet, além de mobilizar para protestos organizados pelas direitas no Brasil, recrutando,
financiando e estabelecendo as diretrizes de ação sobretudo por meio do Movimento Brasil
Livre (MBL), sua célula de mobilização política e ideológica. O MBL ganhou relevância
enquanto um dos principais convocadores dos protestos de rua da direita a partir de 2015 ao
lado do “Vem Pra Rua” e do “Revoltados Online”, insuflando o antipetismo e apoiando o
processo de impeachment de Dilma Rousseff a partir de um discurso belicoso. Em reportagem
para a Agência Pública, Marina Amaral aferiu que o MBL surge como uma marca criada pelo
EPL para poder participar das manifestações sem comprometer fiscalmente as organizações
norte-americanas financiadoras da organização809. Para Casimiro,

Do ponto de vista do ativismo na causa libertária, o Movimento Brasil Livre se


organiza como um partido político – na concepção ampliada de partido descrita por
Antonio Gramsci. Além disso, a organização se transformou em uma espécie de
plataforma para o lançamento de candidaturas políticas de seus membros. A
organização tem como finalidade principal a mobilização para organização de atos

806
Ibidem, p. 346.
807
Ibidem, p. 351-352.
808
Liberty Con. Disponível em: <http://libertycon.com.br/>. Acesso em 30 mai. 2022.
809
AMARAL, Marina. A nova roupa da direita. Agência Pública, 23 jun. 2015. Disponível em:
<http://apublica.org/2015/06/a-nova-roupa-da-direita/>. Acesso em 31 mai. 2022.
197

políticos da direita, produção do consenso por meio de vídeos e memes, assim como
a projeção de candidatos para a composição da sociedade política810.

No escopo das estratégias de articulação dos intelectuais e aparelhos de ação


político-ideológica da nova direita, se destaca a organização do Fórum da Liberdade como o
principal evento da agenda ultraliberal-conservadora no Brasil. Idealizado e organizado pelo
Instituto de Estudos Empresariais com apoio do Instituto Liberal, o evento é realizado
anualmente em Porto Alegre há mais de três décadas, e foi reconhecido pela Revista Forbes
como “o maior espaço de debate político, econômico e social da América Latina”811.
Demonstrando uma influência crescente no principal espaço de articulação e reformulação das
direitas brasileiras desde o seu lançamento na 30ª edição do evento, pode-se considerar, de
acordo com Balestro, que foi dentro do Fórum da Liberdade que a Brasil Paralelo
desenvolveu-se e passou a se estruturar enquanto aparelho privado de hegemonia
representante de setores burgueses812.
As edições do fórum vem sendo utilizadas como principal plataforma para o
lançamento de think tanks e outras importantes organizações da nova direita brasileira – como
o Instituto Millenium (2006), o Instituto Mises Brasil (2010), o Estudantes Pela Liberdade
(2012) e a própria Brasil Paralelo (2017) –, além de trazer representantes de importantes
organizações ultraliberais internacionais e promover premiações para “empreendedores de
destaque” e para a imprensa brasileira. O fórum reúne chefes e ministros de Estado, lideranças
políticas, empresários, acadêmicos e estudiosos do mundo todo. De acordo com Casimiro, “o
Fórum da Liberdade pode ser compreendido como um evento catalisador da ideologia
neoliberal, libertária e liberal-conservadora”813 no país. Destacaram-se nas edições do fórum a
presença recorrente de Olavo de Carvalho, personalidade que contava com grande visibilidade
no espaço desde o início dos anos 2000 – indicando alguma popularidade do autor reacionário
entre círculos de intelectuais da direita já àquela época, bem antes do fenômeno bolsonarista.
Ao longo das edições, as temáticas do fórum foram majoritariamente voltadas para a
reconfiguração das estratégias de atuação dos setores empresariais e do papel do Estado a
partir dos pressupostos da economia de mercado. Embora se afirme como espaço para
pluralidade de ideias, o Fórum da Liberdade representa na verdade um “catalisador” dos
valores e da concepção de mundo ultraliberal-conservadora, pressionando a sociedade política

810
CASIMIRO, 2020, p. 69.
811
Fórum da Liberdade. Disponível em: <https://www.forumdaliberdade.com.br/forum/>. Acesso em 31 mai.
2022.
812
SANTOS, 2021, p. 70.
813
CASIMIRO, 2020, op. cit., p. 78.
198

por reformas no interior do Estado e desenvolvendo um papel tático-operacional para


reformulação e articulação da classe dominante brasileira através de seus intelectuais
orgânicos814. Segundo Casimiro,

Para se compreender a reinvenção das direitas no Brasil, é preciso ter em vista essa
articulação de organizações, produzindo conteúdos compartilhados direta e
indiretamente. Defendem pressupostos comuns, mesmo possuindo determinadas
divergências intraclasse, capilarizando seus discursos em um movimento de
reiteração e validação que produz uma aparência de verdade e que acaba sendo
socialmente aceita. Assim, municiam seus ativistas políticos com uma rede
interligada e sofisticada de produção de consenso815.

De modo articulado, esses agentes se capilarizam no seio da sociedade política, na


medida em que a presença de intelectuais orgânicos que compõem o quadro de dirigentes
desses aparelhos, “[...] que participam diretamente ou orbitam em torno da institucionalidade
do governo Bolsonaro, caracteriza a influência desse movimento de certos segmentos das
direitas na construção dessa alternativa”816.
Segundo a pesquisadora Karine Firmino, no quadro desses espaços e organizações, a
Brasil Paralelo vem se configurando como uma “caixa de ressonância” para atores a nova
direita no país, vocalizando e oferecendo um espaço profissionalizado de produção de
conteúdos audiovisuais nas redes à disposição de youtubers, intelectuais e ativistas “anti
establishment”817. A partir da articulação desses agentes na conjuntura, a produtora se engaja
na construção de uma frente de ação político-ideológica no campo cultural, consoante a uma
cosmovisão conservadora e ultraliberal de mundo. Entrementes, a despeito de abarcar os
interesses políticos e ideológicos de diversas correntes das direitas brasileiras, dando voz à
grupos monarquistas, lavajatistas, conservadores, armamentistas, militaristas e bolsonaristas,
é possível destacar um alinhamento ideológico mais próximo ao neoliberalismo – em especial
à corrente libertariana – e ao olavismo818.

814
CASIMIRO, 2016, p. 285 et seq.
815
Idem, 2020, p. 67-68.
816
Ibidem, p. 74-75.
817
FIRMINO, Karine Rodrigues. Brasil Paralelo: um empreendimento de disputa política e simbólica da(s)
direita(s) recente(s). In: SANTOS, Mayara Balestro; MIRANDA, João Elter (Orgs.). Nova direita, bolsonarismo
e fascismo: reflexões sobre o Brasil contemporâneo [livro eletrônico]. Ponta Grossa: Texto e Contexto, 2020, p.
171.
818
ANDRADE, Rafael Herculano. Negacionismo no YouTube: um “Brasil Paralelo” a serviço das novas direitas.
Guarulhos, 2022, 224f. Trabalho de conclusão de curso (Licenciatura em História). Escola de Filosofia, Letras e
Ciências Humanas – Universidade Federal de São Paulo, Guarulhos, 2022, p. 79.
199

2.4. Brasil Paralelo e bolsonarismo

Aliada a valores e figuras que participaram do governo Bolsonaro, a produtora rejeita


o rótulo de “bolsonarista”, uma acusação que seria feita por intelectuais e meios de
comunicação com viés ideológico de esquerda, “sem qualquer evidência”. Para contestar a
alcunha, a BP afirma nunca ter fechado contratos ou ter recebido incentivos de lei do poder
público, ou qualquer financiamento de políticos. Não haveria nenhuma interferência editorial
do governo, nem vínculo com pautas ou ideias. Prova cabal disso seria a inexistência de
conteúdo da BP contendo propaganda política para Bolsonaro ou qualquer outro político819.
De acordo com Henrique Viana, o conteúdo das produções da BP seria conservador, mas não
“bolsonarista“:

Quando a Brasil Paralelo foi criada, o Bolsonaro era um deputado qualquer, meio
polêmico, meio estranho. Quando ele surgiu como fenômeno político, já faturávamos
6 milhões por ano. Nós atendemos a um anseio do brasileiro conservador na área de
mídia. O Bolsonaro também, na área política820.

Em outra ocasião, o produtor afirma: “Nossa linha editorial é conservadora. O que a


gente quer é resgatar os valores e o sentimento do coração dos brasileiros. [...] A gente
costuma dizer que nós não somos bolsonaristas – o Bolsonaro é que é ‘paralelista’”821. Além
de omitir o fato de Bolsonaro ter participado da primeira produção da Brasil Paralelo à época
de sua criação, quando ainda era desconhecida do grande público, a fala de Viana controverte
que em 2016 Bolsonaro já representava uma figura ascendente na cena política nacional.
Basta lembrar que ainda em 2014 Bolsonaro havia sido eleito enquanto deputado federal mais
votado do Rio de Janeiro. De outra parte, se opera a ideia de que seria possível desassociar
por completo o componente cultural do elemento político no seio do conservadorismo, como
coisas distintas, e não enquanto integrantes de um mesmo fenômeno. Nota-se que, apesar de
se rejeitar o rótulo de bolsonarista e a aproximação com o ex-presidente – a despeito das
vastas evidências que demonstram o contrário –, não se nega a associação com as mesmas
ideias e valores defendidos pelo bolsonarismo. Apenas tenta-se inverter o ônus da relação,

819
A Brasil Paralelo é bolsonarista? Brasil Paralelo. Disponível em:
<https://www.brasilparalelo.com.br/artigos/a-brasil-paralelo-e-bolsonarista>. Acesso em: 11 fev. 2022.
820
COSTA, Ana Clara. Distanciamento social. Piauí, Rio de Janeiro, set. 2021. Disponível em:
<https://piaui.folha.uol.com.br/materia/distanciamento-social/>. Acesso em: 22 set. 2022.
821
MAZZA, Luigi. No Facebook, Brasil Paralelo é recordista de gastos com propaganda política. Piauí, 27 maio
2021. Disponível em:
<https://piaui.folha.uol.com.br/no-facebook-brasil-paralelo-e-recordista-de-gastos-com-propaganda-politica/>.
Acesso em: 10 mar. 2022.
200

como se o “paralelismo” da Brasil Paralelo é que representasse o elemento determinante e de


maior influência sobre um movimento e ideologia com a dimensão que o bolsonarismo
possui.
Diferente de Viana, Lucas Ferrugem admite sem constrangimentos sua simpatia pelo
ex-presidente: “Eu acho que ele [Bolsonaro] defende muitos valores que eu também defendo.
Quando ele se manifesta contra o autoritarismo, contra ditaduras, eu acho ótimo. Eu também
sou anticomunista, eu acredito que isso é uma coisa horrível, isso me representa bem”822,
afirma o sócio-fundador da Brasil Paralelo.
O artigo dedicado à biografia de Bolsonaro no site da Brasil Paralelo traz um tom
elogioso à sua atuação política, que seria voltada para a defesa dos valores conservadores e do
liberalismo econômico: a movimentação contra o “kit gay”, material elaborado pelo MEC
durante o governo Dilma que apresentaria “cenas de homossexualismo para crianças”, a
facilitação do porte de armas em seu governo, que teria reduzido a violência no país, a
“redução da máquina pública” do Brasil, a privatização de setores estatais e a “defesa da
família” são alguns dos pontos positivos apontados. Críticas pontuais são dirigidas à política
de câmbio adotada por seu ministro da Economia, Paulo Guedes, que aumentou a
desvalorização do real frente ao dólar; à “falta de reação” de Bolsonaro quanto a anulação da
prisão em 2ª instância; e à sua “falta de atitude” após os protestos de 7 de setembro de 2021,
sugerindo que o presidente deveria ter agido com maior radicalidade contra os “desmandos”
do STF. O artigo também apresenta uma defesa da figura do ex-presidente frente aos casos de
improbidade e corrupção que Bolsonaro se encontra envolvido823.
As relações entre Bolsonaro e a Brasil Paralelo, na verdade, remontam aos primórdios
da produtora. Ainda em pré-campanha presidencial, o então deputado Jair Bolsonaro já
recomendava por meio de suas redes o documentário Congresso Brasil Paralelo – As raízes
do problema, comentando o seguinte: “Aconselho assistir a este documentário que envolve a
ideologia que assombra o Brasil. Fatos incontestáveis e impossíveis de tirar do atual momento
nacional e internacional, algo que propositalmente é ignorado pelos principais meios de
comunicação e entretenimento”824. O parlamentar e seu filho Eduardo Bolsonaro são
822
BAZZAN, Alexandre.’Netflix’ dos bolsonaristas gastou R$328 mil em anúncios de Facebook e Instagram. O
Estado de S. Paulo, 28 set. 2020. Disponível em:
<https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,netflix-dos-bolsonaristas-gastou-r-328-mil-em-anuncios-de-facebo
ok-e-instagram,70003455670>. Acesso em: 25 fev. 2022.
823
Quem é Jair Bolsonaro. Brasil Paralelo. Disponível em:
<https://www.brasilparalelo.com.br/artigos/quem-e-jair-bolsonaro>. Acesso em 12 mai. 2022.
824
JAIR Bolsonaro recomenda documentário do Brasil Paralelo. Boletim da Liberdade, 2 abr. 2018. Disponível
em:
<https://www.boletimdaliberdade.com.br/2018/04/02/jair-bolsonaro-recomenda-documentario-do-brasil-paralelo
/>. Acesso em: 5 mai.2022.
201

entrevistados na série, produzida ainda em 2016. Em outra ocasião da campanha presidencial


de 2018, Bolsonaro usou um vídeo da produtora em suas redes para atacar as urnas eletrônicas
e a lisura do processo eleitoral brasileiro a partir de informações falsas825. Às vésperas do
processo eleitoral o vídeo, que foi desmentido por agências de checagem, já contava com
mais de 2 milhões de visualizações nas redes sociais826.
Tal como o pai, Eduardo Bolsonaro também se mostra um grande entusiasta da
iniciativa da Brasil Paralelo. Ao compartilhar em suas redes o filme 1964: O Brasil entre
Armas e Livros, o deputado comentava: “A Brasil Paralelo já fez filme: resgatando a história
do Brasil que a esquerda quis deletar mostrando o verdadeiro cenário sobre 1964,
desconstruindo o mito Paulo Freire. Mas para seguir com esse trabalho mostrando a verdade
eles contam com você, não com dinheiro público”827. De acordo com matéria publicada pelo
jornal O Estado de S. Paulo em setembro de 2020, o parlamentar havia feito “[...] desde
setembro de 2017, 69 postagens no Facebook sobre a produtora que vão desde a divulgação
dos filmes, até um chamado para que seus seguidores façam assinaturas da empresa”828. À
época que postulava ocupar o cargo de embaixador nos Estados Unidos, o deputado afirmou
que se preparava para a sua sabatina estudando através de materiais da Brasil Paralelo829.
No dia da posse de Bolsonaro a imprensa denunciou que uma série de restrições
haviam sido feitas quanto ao acesso dos jornalistas ao evento em Brasília830. Em
contrapartida, funcionários da Brasil Paralelo ao lado de outros expoentes da militância virtual
bolsonarista foram credenciados como “mídia alternativa”, recebendo acesso privilegiado aos
espaços do evento831. Ao fim do primeiro ano do governo Bolsonaro a produtora celebraria o

825
BAZZAN, 2020, op. cit.
826
VÍDEO com suspeitas sobre eleições de 2014 usou lei matemática que não prova fraude. Estado de S. Paulo,
10 out. 2018. Disponível em:
<https://politica.estadao.com.br/blogs/estadao-verifica/video-com-suspeitas-sobre-eleicoes-de-2014-usou-lei-mat
ematica-que-nao-prova-fraude/>. Acesso em: 12 mai. 2022.
827
Eduardo Bolsonaro. Facebook. Disponível em:
<https://www.facebook.com/bolsonaro.enb/videos/206915617400591>. Acesso em 5 jun. 2022.
828
BAZZAN, 2020, op. cit.
829
ROMANO, Giovanna. Eduardo Bolsonaro estuda história em canal acusado de ‘fake news’ . Veja, 27 ago.
2019. Disponível em:
<https://veja.abril.com.br/politica/eduardo-bolsonaro-estuda-historia-em-canal-acusado-de-fake-news>. Acesso
em 12 jun. 2022.
830
BENITES, Afonso. Cerimonial da posse de Bolsonaro impõe série de restrições a jornalistas. El País, , 1 jan.
2019. Disponível em: <https://brasil.elpais.com/brasil/2018/12/31/politica/1546277389_982663.html>. Acesso
em: 10 jun. 2022.
831
FILHO, João. Todos nessa foto prometeram jamais receber dinheiro do governo. A maioria recebeu. The
Intercept Brasil, 1 mar. 2020. Disponível em:
<https://theintercept.com/2020/03/01/allan-terca-livre-governo-bolsonaro/>. Acesso em: 10 jun. 2022.
202

contrato com a TV Escola para exibição do seu conteúdo, emissora estatal financiada à época
pelo Ministério da Educação832.
Em inquérito que investiga a organização de atos antidemocráticos contra o STF que
pediam intervenção das Forças Armadas nos poderes, a Polícia Federal encontrou anotações
do blogueiro bolsonarista Allan dos Santos – atualmente foragido da justiça brasileira –
contendo diretrizes e estratégias prescritas por Olavo de Carvalho para políticos e
influenciadores bolsonaristas. Nas notas, havia a indicação de “documentários da Brasil
Paralelo” como uma das demandas a serem feitas para a Secretaria de Comunicação do
Governo (Secom). As investigações sobre as possíveis relações da produtora com Allan dos
Santos e a Secom não avançaram833.
A Brasil Paralelo entrou para os holofotes da política nacional em 2021 ao virar
matéria da CPI da Pandemia ao lado de outros sites e portais de direita. A comissão solicitou a
quebra de sigilo bancário, telefônico e fiscal da empresa sob suspeita de recebimento de
recursos públicos para veicular posicionamentos favoráveis às orientações e omissões do
governo Bolsonaro no controle da pandemia, a partir de informações falsas sobre a covid834. O
requerimento acusava o grupo de ter influenciado “[...] fortemente na radicalização política
adotada pelo Palácio do Planalto, interferindo e influenciando ações políticas por meio da
divulgação de informações falsas em redes sociais”835. Ainda em 2020, a BP havia lançado o
documentário 7 denúncias: as Consequências do Caso Covid-19, que propõe uma discussão
sobre os usos que políticos estariam fazendo da ciência e questiona o papel de legitimidade
dos especialistas na proposição de medidas de enfrentamento à pandemia, que estariam
prejudicando a economia e cerceando a liberdade dos indivíduos. O documentário chega a
criticar recomendações da OMS como o isolamento social e o uso de máscaras. À época do
lançamento do filme, quando o país registrava a marca de mais de mil mortos por dia pela
covid, Eduardo Bolsonaro fez questão de registrar em suas redes o presidente assistindo à
produção, conclamando seus seguidores a também assistirem836.

832
SILVA, Cedê. Exclusivo: contrato da TV Escola com Brasil Paralelo é de três anos. O antagonista, 9 dez.
2019. Disponível em:
<https://oantagonista.uol.com.br/brasil/contrato-da-brasil-paralelo-com-tv-escola-e-de-tres-anos/>. Acesso em:
12 fev. 2022.
833
RUDNITZKI, Ethel; SCOFIELD, Laura; OLIVEIRA, Rafael. A boiada invade a tela. Agência Pública, 29 jul.
2021. Disponível em: <https://apublica.org/2021/07/a-boiada-invade-a-tela/>. Acesso em: 10 mai. 2022.
834
CPI pede quebras de sigilo de Allan dos Santos e mais 6 donos de sites bolsonaristas. O antagonista, 31 jul.
2021. Disponível em:
<https://oantagonista.uol.com.br/brasil/cpi-pede-quebras-de-sigilo-de-allan-dos-santos-e-mais-6-donos-de-sites-b
olsonaristas/>. Acesso em: 20 jun. 2022.
835
Ibidem.
836
BAZZAN, 2020, op. cit.
203

A BP procurou se defender das acusações da CPI por meio de uma série de lives em
seu canal, apresentando as contas da empresa e afirmando que a política de não receber
dinheiro público faz parte do programa de compliance implementado pela Grant Thornton837.
A produtora também tentou reverter a situação enviando emissários seus para Brasília a fim
de negociar com senadores838. O requerimento de quebra de sigilos da empresa – denunciada
pela produtora e seus pares como um ataque à liberdade de expressão e imprensa – foi
suspenso posteriormente pelo ministro do STF Gilmar Mendes839, que já participou de
produções da Brasil Paralelo.
De acordo com a BP, a polêmica pública colaborou para o crescimento de sua base de
assinantes, que aumentou em 16 mil membros em menos de duas semanas após a decisão da
quebra de sigilo840. Segundo apuração da Revista Piauí, o empresário Jorge Gerdau, membro
do grupo de conselheiros da BP, é quem teria orientado o trio de sócio-fundadores a como
reagir frente à CPI. A mesma matéria traz depoimentos de ex-funcionários que alegam que a
produtora não aderiu ao trabalho remoto durante a pandemia, tendo disponibilizado máscaras
e álcool em gel em suas dependências apenas a partir de março de 2021, a despeito de nunca
ter incentivado seu uso. De acordo com a matéria:

No auge da pandemia, quem manifestasse a vontade de seguir as regras de


isolamento ou aparecesse com máscara era alvo de ironia, embora a empresa não
tenha obrigado ninguém a retirar suas proteções. Uma funcionária teve que explicar
que estava usando máscara por ser cardíaca e cuidar de pais cardíacos. Foi
contaminada pelo vírus. Depois de insistir em fazer trabalho remoto e pedir folga
para se recuperar do baque causado pela morte de sua avó por Covid-19, foi
demitida, sob alegação de que não se adequava aos novos rumos da produtora.
Embora Viana negue que tenha havido desrespeito às medidas de proteção, imagens
de bastidores da Brasil Paralelo publicadas nas redes sociais ao longo de 2020 e
2021 mostram sua equipe sempre reunida sem distanciamento e sem máscaras.841

837
BRASIL Paralelo se posiciona sobre pedido de quebra de sigilo bancário na CPI da Covid. Gazeta do Povo, 1
ago. 2021. Disponível em:
<https://www.gazetadopovo.com.br/republica/brasil-paralelo-quebra-sigilo-bancario-cpi/>. Acesso em: 20 jun.
2022.
838
CPI da Covid: Brasil Paralelo tenta reverter quebra de sigilo. O antagonista, 7 ago. 2021. Disponível em:
<https://oantagonista.uol.com.br/brasil/cpi-da-covid-brasil-paralelo-tenta-reverter-quebra-de-sigilo/>. Acesso
em: 20 jun. 2022.
839
GILMAR suspende quebra de sigilos de produtora bolsonarista. O antagonista, 3 set. 2021. Disponível em:
<https://oantagonista.uol.com.br/brasil/gilmar-suspende-quebra-de-sigilos-da-produtora-bolsonarista/>. Acesso
em: 20 jun. 2022.
840
DESIDERI, Leonardo. Polêmica da CPI fez crescer base de assinantes, diz Brasil Paralelo. Gazeta do Povo,
11 ago. 2021. Disponível em:
<https://www.gazetadopovo.com.br/vida-e-cidadania/polemica-da-cpi-fez-crescer-base-de-assinantes-diz-brasil-
paralelo/>. Acesso em: 20 jun. 2022.
841
COSTA, Ana Clara. Distanciamento social. Piauí, Rio de Janeiro, set. 2021. Disponível em:
<https://piaui.folha.uol.com.br/materia/distanciamento-social/>. Acesso em: 22 set. 2022.
204

Os 11 Supremos e Cortina de Fumaça, documentários lançados entre 2020 e 2021,


tratam-se de outras duas produções lançadas pela BP que refletiam as posições do governo
Bolsonaro e de sua base. O primeiro, lançado no curso das manifestações antidemocráticas de
grupos bolsonaristas contra o Judiciário, traz diversas críticas e ataques aos ministros do STF.
A série seria posteriormente excluída dos canais oficiais da produtora. A segunda produção
citada põe em dúvida a questão das mudanças climáticas e os dados do aumento do
desmatamento na Amazônia – cujas taxas aumentaram desde 2018 frente ao retrocesso das
políticas ambientais no governo Bolsonaro842--, além de distorcer a temática indígena por
meio de discurso etnocêntrico e desenvolvimentista associado à pauta ruralista. A intenção é
desqualificar o trabalho de ativistas, de organizações e da mídia tradicional que denunciam a
destruição do meio ambiente, associando-os a um ambientalismo que serviria, na verdade, aos
interesses de outros países na exploração dos recursos nacionais. O filme contou inclusive
com a participação de integrantes do Ministério do Meio Ambiente, da então ministra
Damares Alves e do presidente da Funai à época Marcelo Xavier, além de ter sido divulgado
por meio do site oficial do órgão.843
Outro momento que chamou a atenção na aproximação entre a Brasil Paralelo e o
bolsonarismo foi a presença de políticos bolsonaristas, membros das polícias civil e militar,
do Poder Judiciário e do Ministério Público – incluindo aí ministros da Justiça e integrantes
do BOPE – em sessões de exibição exclusiva da produção Entre Lobos844, que aborda o tema
da segurança pública e da violência urbana a partir da ótica do punitivismo e do chamado
populismo penal tão caros aos grupos militares bolsonaristas.
No que tange às figuras olavistas impulsionadas por meio das produções da BP que
ocupariam posições importantes no governo Bolsonaro, se destaca o já mencionado professor
Rafael Nogueira, monarquista conhecido entre os círculos da nova direita. Nogueira foi
nomeado à presidência da Biblioteca Nacional pelo ex-secretário da Cultura Roberto Alvim,
ficando à frente do cargo de 2019 até o início de 2022, quando passou para a Secretaria
Especial de Cultura845. Roberto Alvim, aliás, havia se reunido com os sócios da BP ainda em

842
AUMENTO do desmatamento é marca incontestável do governo Bolsonaro. O Globo, 19 jul. 2022.
Disponível em:
<https://oglobo.globo.com/opiniao/editorial/coluna/2022/07/aumento-do-desmatamento-e-marca-incontestavel-d
o-governo-bolsonaro.ghtml>. Acesso em 20 jun. 2022.
843
RUDNITZKI, Ethel; SCOFIELD, Laura; OLIVEIRA, Rafael. A boiada invade a tela. Agência Pública, 29 jul.
2021. Disponível em: <https://apublica.org/2021/07/a-boiada-invade-a-tela/>. Acesso em: 10 mai. 2022.
844
Ministro da Justiça marca presença na premiere de Entre Lobos no Rio de Janeiro e demonstra preocupação.
Brasil Paralelo. Disponível em: <https://www.brasilparalelo.com.br/noticias/estreia-entre-lobos-rio-de-janeiro>.
Acesso em 18 jun. 2022.
845
GOBBI, Nelson. Rafael Nogueira deixa a presidência da Biblioteca Nacional e vai para a Secretaria Especial
da Cultura. O Globo, 8 fev. 2022. Disponível em:
205

2019, quando era então diretor do Centro de Artes Cênicas da Funarte. Os produtores o
haviam procurado a fim de receber indicações de atores e diretores que aceitassem trabalhar
em suas produções846.
Em reportagem publicada em maio de 2021, o jornal Folha de S. Paulo apresentou
números que evidenciam o crescimento da Brasil Paralelo durante o governo Bolsonaro, indo
de 15 mil assinantes em 2018 para a casa de 180 mil logo em 2020, registrando um
crescimento de mais de 400% de sua receita nesse mesmo período847. A matéria da Revista
Piauí sobre a estratégia publicitária da produtora traz dados interessantes a respeito do público
consumidor da BP e sua relação com a base bolsonarista:

Os anúncios pagos da Brasil Paralelo atingem um público específico: homens adultos.


Das milhares de pessoas que viram a propaganda sobre o filme 1964: Entre armas e
livros, 81% eram homens, e 74% delas tinham 45 anos ou mais. A proporção se
repete, com pequenas variações, em todos os principais anúncios da produtora. O
Facebook permite que a publicidade seja altamente segmentada, mirando grupos
específicos de usuários, em tese, mais sensíveis ao que se quer vender848.

O segmento representado na amostra coincide com o grupo social onde Bolsonaro


encontra maior aprovação entre a população849. Firmino observa como até mesmo na
nomenclatura dos planos de membresia oferecidos pela BP há um cuidado de sinalizar para a
base de apoio bolsonarista. O plano mais básico e de maior divulgação anteriormente
disponível, o “Plano Patriota”, sintetiza a carga simbólica e a estética do bolsonarismo através
da mobilização do conceito: o patriota conservador, que se engaja na defesa dos valores da
família tradicional e da “nação”850.
Segundo levantamento feito pela agência Aos Fatos em fevereiro de 2021, a Brasil
Paralelo se tratava do segundo maior canal associado às pautas bolsonaristas no Telegram,
com 80 mil inscritos à época851. Desde a campanha eleitoral, o aplicativo representa um

<https://oglobo.globo.com/cultura/rafael-nogueira-deixa-presidencia-da-biblioteca-nacional-vai-para-secretaria-e
special-da-cultura-25386030>. Acesso em: 20 jun. 2022.
846
ZANINI, Fábio. Produtora Brasil Paralelo vive crescimento meteórico e quer ser 'Netflix da direita'. Folha de
S. Paulo, 29 mai. 2021. Disponível em:
<https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2021/05/produtora-brasil-paralelo-vive-crescimento-meteorico-e-quer-
ser-netflix-da-direita.shtml>. Acesso em 22 fev. 2022.
847
Ibidem.
848
MAZZA, Luigi. No Facebook, Brasil Paralelo é recordista de gastos com propaganda política. Piauí, 27 maio
2021. Disponível em:
<https://piaui.folha.uol.com.br/no-facebook-brasil-paralelo-e-recordista-de-gastos-com-propaganda-politica/>.
Acesso em: 10 mar. 2022.
849
Ibidem.
850
FIRMINO, 2020, p. 175.
851
BARBOSA, Bernardo; FÁVERO, Bruno; ELY, Débora; BARBOSA, João. Pressionados por redes sociais,
bolsonaristas levam desinformação ao Telegram e quintuplicam audiência no app em um mês. Aos Fatos, 4 fev.
2021. Disponível em:
206

importante foco de articulação e engajamento de grupos pró-Bolsonaro. De acordo com


entrevista da pesquisadora Mayara Balestro para o The Intercept Brasil, há um grande
investimento da produtora em grupos bolsonaristas no Telegram: “Uma das estratégias é fazer
uma produção deles passar no canal de um influencer bolsonarista famoso para depois poder
fazer essa articulação”852.
A Revista Piauí também apurou em reportagem de setembro de 2021 que a Brasil
Paralelo teria procurado uma agência de publicidade para reformular sua imagem, com o
objetivo de atingir um público maior com sua produção. Um ex-funcionário da BP relatou que
a produtora, temendo que sua base de assinantes estacionasse no grupo atual, formado em
maioria por bolsonaristas, estaria buscando um distanciamento maior da figura de Bolsonaro,
que vem sofrendo um declínio de popularidade: “Eles querem se expandir com o rebranding
para ter uma salvaguarda no caso de Bolsonaro perder no ano que vem”853, afirmava o
ex-funcionário ainda no ano de 2021. Henrique Viana admitiu à revista que a BP pretende
reposicionar sua imagem, mas negou que a decisão estivesse relacionada ao receio de que
Bolsonaro perdesse em 2022854. A intenção seria se solidificar entre a massa consumidora de
conservadores: “Este mercado existe, com certeza. O que precisa é aumentar a oferta. Nosso
público quer entender melhor o resgate dos valores cristãos e da família”, declara Viana”855.
Mas não é só através de estratégias de marketing que a Brasil Paralelo vem
procurando se desassociar da figura de Bolsonaro. Por meio de notificações extrajudiciais e
processos na justiça que exigem “retratação e direito de resposta”, a produtora tem investido
na intimidação de jornais, editoras, youtubers e acadêmicos que investigam e apontam suas
relações com o bolsonarismo e a promoção de negacionismo e cospiracionismos em suas
produções856. Um desses casos foi o do professor Carlos Zacarias da Universidade Federal da
Bahia, que recebeu uma notificação extrajudicial de 11 páginas da produtora após uma
postagem em sua página do Facebook onde denunciava a indicação de um documentário da

<https://www.aosfatos.org/noticias/pressionados-por-redes-sociais-bolsonaristas-levam-desinformacao-ao-telegr
am-e-quintuplicam-audiencia-no-app-em-um-mes/>. Acesso em: 12 jun. 2022.
852
LOPES, Débora. A Brasil Paralelo não quer que você leia esta entrevista. The Intercept Brasil, 19 mai. 2022.
Disponível em: <https://theintercept.com/2022/05/19/brasil-paralelo-entrevista-historiadora-leandro-ruschel/>.
Acesso em: 6 jun. 2022.
853
COSTA, Ana Clara. Distanciamento social. Piauí, Rio de Janeiro, set. 2021. Disponível em:
<https://piaui.folha.uol.com.br/materia/distanciamento-social/>. Acesso em: 22 set. 2022.
854
Ibidem.
855
ZANINI, 2021, op. cit.
856
SAYURI, Juliana. Justiça paralela. The Intercept Brasil, 9 dez. 2021. Disponível em:
<https://theintercept.com/2021/12/09/brasil-paralelo-lanca-ofensiva-judicial-para-calar-criticos-e-reescrever-a-pr
opria-historia/>. Acesso em: 14 abr. 2022.
207

BP como material didático para o ensino de História da Secretaria de Educação do Estado da


Bahia857. De acordo com o relato do professor:

Não sou o único a sofrer uma tentativa de intimidação da parte da Brasil Paralelo.
Tenho, próximo de mim, jovens estudantes que vêm sendo alvo de investidas da
produtora que deve dispor de muito dinheiro para mobilizar escritórios de advocacia
para tentar impedir que pós-graduandos desenvolvam pesquisas e publiquem suas
conclusões sobre o assunto pelas pós-graduações do Brasil [...]858.

Caso mais sério ocorreu com a jovem pesquisadora do Programa de Pós-Graduação


em História da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste) Mayara Balestro, autora
aqui já referida que pesquisa o papel da produtora na construção da hegemonia
ultraliberal-conservadora das direitas no país. Balestro teve sua conta do Facebook invadida
na semana em que defenderia sua dissertação de mestrado, e o link para a exibição da defesa
foi hackeado e derrubado. Publicado o trabalho, a pesquisadora sofreu uma nova onda de
ataques, tendo informações e fotos pessoais expostas pelo empresário vinculado à BP Leandro
Ruschel – cujo perfil no Twitter possui quase 1 milhão de seguidores –, recebendo uma série
de mensagens e xingamentos em suas redes por parte de perfis bolsonaristas859.
Em maio de 2022, a Brasil Paralelo foi contemplada com a Medalha Tiradentes,
comenda mais importante concedida pelo parlamento do estado do Rio de Janeiro. A proposta
foi apresentada pelo deputado Márcio Gualberto dos Santos, do Partido Liberal, sigla de
Bolsonaro. Na ocasião, o parlamentar bolsonarista disse em entrevista:

Houve, graças a Deus, um despertar conservador no Brasil. Precisamos ocupar os


espaços políticos, culturais, sociais etc. Esta Medalha está longe de representar o que
a Brasil Paralelo merece, mas tem um valor simbólico importante, pois sinaliza,
dentre outras coisas, que, apesar de muitas dificuldades, existem iniciativas relevantes
num terreno que, até pouco tempo, era dominado exclusivamente por esquerdistas. A
Brasil Paralelo, dentro do que se propõe, está levando uma altíssima cultura para as
pessoas desejosas do belo, da verdade e do conhecimento profundo860.

Durante o processo eleitoral de 2022, a Brasil Paralelo voltaria a ficar em evidência


pública quando o TSE determinou a remoção das redes sociais de vídeo da produtora que
fazia propaganda política contra o candidato do PT, associando a figura de Lula à casos de

857
Carlos Zacarias. 20 ago. 2021. Facebook. Disponível em:
<https://www.facebook.com/carloszacarias.senajunior/posts/6315037401840017>. Acesso em 22 jun. 2022.
858
Ibidem.
859
LOPES, 2022, op. cit.
860
NASCIMENTO, Raul Holderf. Deputados da Alerj votam hoje proposta que concede Medalha Tiradentes à
empresa Brasil Paralelo. Conexão Política, 17 mai. 2022. Disponível em:
<https://www.conexaopolitica.com.br/politica/deputados-da-alerj-votam-hoje-proposta-que-concede-medalha-tir
adentes-a-empresa-brasil-paralelo/>. Acesso em: 20 jun. 2022.
208

corrupção que não foram imputados ao presidente861. Logo em seguida o TSE também
determinou a suspensão da monetização da Brasil Paralelo e de outros três canais do
YouTube, além de vetar até o fim das eleições a divulgação do documentário “Quem mandou
matar Jair Bolsonaro?” pela produtora, que seria lançado a seis dias do segundo turno eleitoral
abordando o ataque sofrido por Bolsonaro em 2018. De acordo com a decisão do ministro
Benedito Gonçalves, os canais vinham adotando um “comportamento simbiótico” junto à
campanha de Bolsonaro, se valendo de notícias falsas que alcançam “significativa repercussão
e efeitos persistentes” mesmo após a remoção dos conteúdos das redes862.
Fato curioso é que semanas antes, os sócios-fundadores da Brasil Paralelo estiveram
em um jantar organizado para grupos do grande empresariado que contou com a participação
do então candidato Lula. O evento foi promovido pelo grupo Esfera Brasil, um think tank que
promove diálogos entre empresários, governos e instituições863. Na ocasião, a Brasil Paralelo
esclareceu sua participação no evento dizendo que participava de diversos espaços como este
a fim de observar como os políticos e as figuras do “establishment” discursam, reiterando que
são anticomunistas ferrenhos e que consideram Lula um “ladrão ex-presidiário”: "Foi uma
palestra. Serviu para alguma coisa estar lá. [...] A gente aprendeu um pouco também como é
que performa o cara ali na frente, o que ele mente, desvia, como ele desvia, quais são os
argumentos. [...]”864, afirmou Lucas Ferrugem.
Poucos meses após a derrota de Bolsonaro e do presidente Lula ter assumido seu novo
mandato, a BP lançou o documentário A Direita no Brasil, propondo uma análise dos
principais “erros e acertos” da direita desde o que seria a sua emergência em 2013 até a
derrota eleitoral sofrida em 2022. A produção conta com entrevistas de expoentes do campo
como Nikolas Ferreira, Bia Kicis, Luiz Felipe D'ávila, Aldo Rebelo, Sérgio Moro, Janaina
Paschoal e membros do MBL, numa narrativa que tende à aprovação do governo Bolsonaro
enquanto período de crescimento econômico, combate à corrupção e ao comunismo.

861
MESTRE, Gabriela. TSE determina remoção de vídeo do Brasil Paralelo contra Lula. Poder 360, 13 out.
2022. Disponível em:
<https://www.poder360.com.br/eleicoes/tse-determina-remocao-de-video-do-brasil-paralelo-contra-lula/>.
Acesso em 2 fev. 2023.
862
NETTO, Paulo Roberto. TSE mantém Brasil Paralelo desmonetizado e veta vídeo da facada até eleição. UOL,
20 out. 2022. Disponível em:
<https://noticias.uol.com.br/eleicoes/2022/10/20/tse-mantem-brasil-paralelo-desmonetizado-e-veda-video-da-fac
ada-ate-eleicao.htm?cmpid=copiaecola>. Acesso em 2 fev. 2023.
863
BRASIL Paralelo esclarece participação em evento com Lula. Gazeta do Povo, 29 set. 2022. Disponível em:
<https://www.gazetadopovo.com.br/eleicoes/2022/brasil-paralelo-esclarece-participacao-em-evento-com-lula/>.
Acesso em 2 fev. 2023.
864
BRASIL Paralelo justifica ida a jantar com Lula: 'Aprendemos um pouco'. UOL, 28 set. 2022. Disponível em:
<https://noticias.uol.com.br/eleicoes/2022/09/28/brasil-paralelo-ida-jantar-lula-aprender-como-mente.htm>.
Acesso em 2 fev. 2023.
209

Fato é que, para além do alinhamento político e ideológico evidenciado nos conteúdos
da produtora, a crescente imiscuidade que a Brasil Paralelo e seus associados vieram
apresentando com as instituições do governo Bolsonaro põe em xeque seu discurso de não
associação ao poder público e ao Estado. Ainda que de forma indireta, evidencia-se que houve
o recebimento de investimento por parte do governo Bolsonaro, seja este de caráter
político-institucional, através da ocupação de cargos públicos por figuras associadas à
produtora, seja de valor simbólico, ao ter suas produções exibidas por uma emissora estatal,
além de serem veiculadas e indicadas pela própria figura do então presidente.
Ressalta-se que a parceria firmada com a TV Escola – emissora que até então
Bolsonaro afirmava que pretendia fechar – consistiu não só num meio de fornecer propaganda
gratuita para a produtora, mas, na medida em que se trata de uma emissora voltada para a
disponibilização de conteúdos didáticos para professores e alunos, significou a validação e a
oferta das produções da BP pelo governo federal enquanto material educativo passível de ser
utilizado em sala de aula. Ademais, Balestro destaca como o modelo empresarial que a BP
apresenta é utilizado como prerrogativa para a sua inserção “descompromissada” nas
instituições públicas: “Desde 2019, eles realizam algumas palestras em escolas e tentam fazer
essa articulação em espaços públicos para poder se legitimar e se dizer apenas uma empresa
de entretenimento e educação”865.
Salgado e Jorge chamam a atenção para como o “paralelismo” ao qual alude o nome
da produtora também incorpora um elemento amplamente mobilizado pelo bolsonarismo
através das instituições e do próprio campo cultural. Os canais “não oficiais” de emissão de
informações e notícias; o “gabinete paralelo” ao Ministério da Saúde influenciando nas
decisões do governo durante o enfrentamento da pandemia da covid-19; a ação das milícias
enquanto um poder militar “paralelo”, porém intimamente entrelaçado com o Estado; o caso
do “orçamento paralelo” bilionário da União, que destinou verbas à parlamentares aliados do
governo Bolsonaro em troca de apoio político, são algumas das expressões do uso desses
“paralelismos” pelo bolsonarismo866. A Brasil Paralelo forneceria mais uma componente
desse paralelismo bolsonarista, colaborando no seu front cultural.

865
LOPES, 2022, op. cit.
866
SALGADO, Julia; JORGE, Marianna. Paralelismos em disputa: o papel da Brasil Paralelo na atual guerra
cultural. ECO-Pós, Rio de Janeiro, v. 24, n. 2, 2021, p. 726-727.
210

CAPÍTULO III:

Brasil anticomunista: ação ideológica e guerra de narrativas através de histórias


“paralelas”

Apreendido o modo como a Brasil Paralelo, além de empresa lucrativa do ramo da


comunicação e do entretenimento, se constitui na conjuntura enquanto um exímio aparelho
privado de hegemonia à serviço dos interesses de grupos dominantes, atuando no seio da
“guerra cultural” da nova direita e do bolsonarismo na trincheira ideológica, cabe agora
analisarmos o âmbito propriamente dos materiais e dos conteúdos promovidos. Propomos
neste capítulo de um lado examinar quais são os usos políticos que a produtora faz do passado
e da história em suas produções, bem como suas inconsistências teórico-metodológicas, e de
outro, realizar um estudo de caso sobre a promoção do anticomunismo através dos conteúdos
da Brasil Paralelo de cunho histórico e político. Inicia-se pela discussão teórica e
historiográfica dos conceitos de revisionismo e negacionismo histórico, essenciais para a
compreensão do uso da história aqui implícito, e então se segue para a investigação das
narrativas e da chave interpretativa do passado que informam a concepção de mundo
promovida pela produtora, para finalmente no último tópico examinarmos como o
pensamento anticomunista aparece mobilizado nas suas diversas produções. O corpo de fontes
utilizado é encontrado nas principais produções audiovisuais da Brasil Paralelo além de
artigos e de conteúdos extras disponibilizados em seu site e na sua plataforma oficial.

3.1. Entre o revisionismo e o negacionismo: a miséria da história “paralela”

A apreensão conceitual das noções de revisionismo e negacionismo histórico,


associada à análise dos seus desdobramentos no processo político-social recente, se faz
fundamental para a compreensão da estratégia empreendida pela Brasil Paralelo no campo das
disputas de narrativa sobre o passado. Em Os assassinos da memória (1988), Pierre
Vidal-Naquet sinaliza que

podemos e devemos discutir sobre os 'revisionistas' [negacionistas]; podemos


analisar os seus textos como fazemos a anatomia de uma mentira: podemos e
devemos analisar o lugar específico na configuração das ideologias, questionar-nos
211

sobre o porquê e como apareceram, mas não discutir com os 'revisionistas'


[negacionistas]"867.

De acordo com o historiador italiano Enzo Traverso, “revisionismo” “[...] é uma


palavra camaleão que assumiu ao longo do século XX significados diferentes e contraditórios,
prestando-se a usos múltiplos e suscitando muitas vezes mal entendidos”868. A história do
conceito teria conhecido três momentos principais. O “revisionismo clássico”, teria nascido
em fins do século XIX a partir de uma querela no campo teórico marxista, se desenvolvendo
posteriormente para as disputas entre reformistas e revolucionários no seio da
social-democracia e do movimento socialista internacional, se expandindo depois para além
do marxismo. Num segundo momento o “revisionismo” formará um dos dogmas da doutrina
“marxista-leninista” da União Soviética sob o stalinismo, sendo utilizado enquanto adjetivo
pejorativo e sinônimo de “traição”. Por fim, o termo é finalmente inserido no campo da
historiografia a partir do pós-guerra. Esse terceiro momento teria sido marcado no início por
revisões de caráter inovador que renovaram as interpretações canônicas de determinados
eventos e períodos históricos869.
Traverso, contudo, faz questão de diferenciar a noção de “revisionismo” da de
“revisão” no âmbito da historiografia. A segunda, relacionada com questões do método
histórico, teria a ver com a prática própria do historiador e com o desenvolvimento da
historiografia enquanto disciplina científica. Neste âmbito, a descoberta de novas fontes,
arquivos e testemunhos bem como a mudança de um paradigma interpretativo resultarão
nessas revisões legítimas e necessárias à escrita da história, afinal, “a história escreve-se
sempre no presente e o questionamento que orienta a nossa exploração do passado
modifica-se segundo as épocas, as gerações, as transformações da sociedade e os percursos da
memória coletiva”870. Contudo, é importante destacar neste aspecto junto de Demian Melo
que “[...] não necessariamente um trabalho mais recente é melhor ou mais sofisticado que
aqueles que o precederam e são considerados clássicos”871.
Já aquelas revisões qualificadas habitualmente como “revisionismo” no debate
historiográfico dizem respeito, segundo Traverso, à “[...] uma viragem ético-política na nossa
forma de olhar o passado. Correspondem ao que Jürgen Habermas chamou [...] a emergência

867
VIDAL-NAQUET, Pierre. Os assassinos da memória. Um “Eichmann de papel” e outros ensaios sobre o
revisionismo. Campinas: Papirus, 1988, p. 11.
868
TRAVERSO, Enzo. O passado, modos de usar: história, memória e política. Lisboa: Unipop, 2012, p. 149.
869
Ibidem, p. 151-153.
870
Ibidem, p. 156-157.
871
MELO, Demian Bezerra de. A miséria da historiografia. Outubro, n. 14, jul/dez 2006, p. 116.
212

de ‘tendências apologéticas’ na historiografia’”872. A crítica principal a essa historiografia


reside não na sua utilização de arquivos inexplorados ou novas fontes, mas por realizar essa
releitura do passado de forma condicionada à busca de determinados objetivos políticos e
ideológicos apriorísticos. Para lá de criticar uma interpretação predominante, essas revisões
visam questionar a construção de uma certa memória coletiva sobre o passado e da
consciência histórica compartilhada, priorizando acontecimentos considerados fundacionais
das sociedades contemporâneas – Revolução Francesa, Revolução Russa, as guerras
mundiais, as diversas ditaduras e guerras do século XX. Correspondem a revisões de natureza
diferente: algumas seriam fecundas, enquanto outras discutíveis, ou mesmo nefastas. Nessa
seara, enquanto o revisionismo de um autor como François Furet coloca radicalmente em
causa toda a tradição revolucionária, tomada como fonte dos totalitarismos modernos, as
“revisões” de Ernst Nolte e Renzo De Felice, por seu turno, teriam por consequência a
recuperação da imagem do fascismo e do nazismo. Nestes termos, o conceito assume
necessariamente uma acepção negativa873.
O revisionismo histórico ultrapassará em muito os limites do debate historiográfico,
incidindo na formação de visões de mundo, identidades sociais e na memória coletiva,
envolvendo-se em disputas de narrativa e determinados usos – e abusos – públicos da história
promovidos por grupos da sociedade civil em sua luta pela hegemonia874.
Traverso diferencia ainda um movimento de intelectuais que por volta da década de
1980 passaram a se reivindicar enquanto representantes de uma escola histórica
“revisionista”. Mas autores como David Irving e Robert Faurisson tratariam-se, na verdade,
de negacionistas sem respaldo no campo historiográfico que, lançando mão de falsificações e
distorção de evidências, procuravam relativizar os números do Holocausto, chegando ao
limite de negar a sua ocorrência. Nos termos de Traverso, “os negacionistas [...] conseguiram
contaminar a linguagem e criar uma confusão considerável em torno do conceito de
revisionismo”875. Poderia se falar aqui de um “revisionismo negacionista”, que, aliás, como é
de se esperar, também contribui para a reabilitação do nazifascismo e de experiências
autoritárias no presente.
De acordo com Napolitano e Junqueira, o negacionismo corresponde a uma estratégia
de grupos extremistas que mobiliza táticas comuns como “disseminação de falsidades e

872
TRAVERSO, 2012, p. 157. [grifos no original]
873
Ibidem, p. 157-161.
874
KALLÁS, Ana Lima. Usos públicos da história: origens do debate e desdobramentos no ensino de história.
Revista História Hoje, v. 6, n. 12, 2017, p. 144.
875
TRAVERSO, op. cit., p. 150.
213

adulteração de fatos e processos históricos”876. O negacionismo histórico estaria incluso “[...]


na grande família dos negacionismos científicos, das fake news e da fake History, com o
agravante de ser utilizado, normalmente, para ocultar crimes de Estado, diluir suas
responsabilidades e lutar contra a ‘justiça reparativa’ a vítimas e deus herdeiros diretos ou
indiretos”877. Fortemente embasados em “teorias da conspiração” orientadas por interesses
políticos, os negacionistas rejeitam a priori o conhecimento histórico estabelecido em bases
científicas e metodológicas reconhecidas, em nome de uma suposta “verdade ocultada” pelas
instituições acadêmicas, escolares e científicas878.
Já o que Napolitano qualifica como “revisionismo ideológico”, a fim de diferenciar
daquele revisionismo propriamente historiográfico, tem sua raiz no uso do anacronismo e na
apropriação descontextualizada de fontes e trabalhos historiográficos a fim de fazer valer uma
visão pré-construída sobre determinado tema histórico879. Lançando mão de uma espécie de
“parametodologia” marcada pela ausência de método e da ética próprios da pesquisa
historiográfica, o negacionismo puro e simples e o revisionismo ideológico compartilham das
mesmas estratégias:

a) apropriação distorcida de teses historiográficas reconhecidas; b) destaque


sensacionalista para casos particulares e excepcionais do passado (personagens,
valores, instituições), cujas distorções transformam-se rapidamente em exemplos de
como teses consagradas por historiadores acadêmicos são “falsas”; c) utilização de
fragmentos de fontes, sem a devida contextualização ou crítica; d) exposição linear
de fatos por relação direta de causa e efeito, abordagem há muito criticada e
superada pela historiografia; e) defesa de posições sobre o passado que já partem de
um olhar ideológico, moral ou valorativo — mas devidamente ocultado —,
adequando a argumentação para comprová-la (portanto, procedimento inverso do
trabalho historiográfico, no qual o ideológico e o valorativo estão explicitados e
devem estar limitados às perguntas colocadas e não às respostas obtidas)880.

A respeito das similaridades entre as interpretações tidas como revisionistas e as


negacionistas, Luciana Soutelo destaca:

876
NAPOLITANO, Marcos; JUNQUEIRA, Mary Anne. Negacionismos e Revisionismos: o conhecimento
histórico sob ameaça. Síntese dos debates e posicionamentos surgidos no evento promovido pelo Departamento
de História da FFLCH / USP – Universidade de São Paulo, p. 2. Disponível em:
<https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/5207773/mod_folder/content/0/NAPOLITANO%2C%20Marcos%3B
%20JUNQUEIRA%2C%20Mary%20Anne.%20Como%20historiadores%20e%20professores%20devem%20lid
ar%20com%20negacionismos%20e%20revisionismos..pdf?forcedownload=1>. Acesso em: 5 mai. 2022.
877
NAPOLITANO, Marcos. Negacionismo e revisionismo histórico no século XXI. In: PINSKY, Jaime;
PINSKY, Carla (Orgs.) Novos combates pela história: desafios, ensino. São Paulo: Editora Contexto, 2021, p.
96-97.
878
Ibidem, p. 98.
879
Ibidem, p. 99-100.
880
Ibidem, p. 102.
214

É importante explicitar que em inúmeros casos tampouco a argumentação


revisionista é baseada em ‘premissas teóricas e historiográficas legítimas’, já que,
apesar de não haver negação dos fatos históricos em si, se desconsideram as
especificidades e os contextos históricos de modo a favorecer determinados
posicionamentos ideológicos do presente, muitas vezes em total negligência da
lógica histórica do período estudado – por exemplo, a relação estabelecida por Ernst
Nolte entre o nazismo e sua política de extermínio como reação ao bolchevismo
ignora o fato, ressaltado por muitos autores, de que os fundamentos originários desta
política são bem anteriores à eclosão da Revolução Russa. Nesse sentido, também
muitas interpretações revisionistas violam princípios metodológicos da historiografia
em nome de propósito ideológicos – talvez o façam, no entanto, de forma mais sutil
do que os negacionistas, através de subterfúgios e confusões interpretativas que
acabam por conferir-lhes uma fachada de maior respeitabilidade teórica. Todavia, a
distinção entre revisionismo e negacionismo é pertinente e deve ser salientada. É
adequado, portanto, considerar o negacionismo como uma variante minoritária do
revisionismo histórico881.

Entrementes, é importante salientar que na atualidade, tal como o revisionismo,


também o negacionismo não aparece mais restringido à obra polemista de determinados
autores. Impulsionado pelo cenário midiático-digital e pelo contexto de pós-verdade, ele
apresenta um caráter cada vez mais difuso à nível global882. Um fenômeno que, como
abordado, se amplia não só no campo da história e das ciências humanas, mas nas ciências em
seu conjunto.
Discordando da indicação de Traverso, que ao fim não recomenda o uso do termo
“revisionismo”, sob o risco do bom combate às “tendências apologéticas” na historiografia
incorrer numa visão normativa da história, Soutelo considera a utilização do conceito
necessária:

Ao invés da hipótese negativa mencionada pelo autor de oposição de uma História


oficial àquilo que se identifica como interpretações revisionistas, corre-se hoje o
risco, ainda mais nefasto, de que versões revisionistas se transformem justamente na
“visão normativa da História” – ou seja, que tais versões passem a ser amplamente
aceitas pela memória coletiva e opinião pública das sociedades. Tal como o próprio
Traverso menciona, a revisão de François Furet sobre a Revolução Francesa acaba
por se impor como leitura dominante durante o bicentenário desta revolução. Neste
sentido, o uso do conceito de revisionismo histórico é importante para desnaturalizar
e promover a crítica destas interpretações tão em voga na atualidade883.

No âmbito nacional, a historiografia de corte revisionista conhece uma significativa


visibilidade sobretudo a partir da década de 1980, com uma ampla divulgação de obras que
ofereciam uma reinterpretação de eventos e fenômenos tidos por conformadores da

881
SOUTELO, 2009 apud MELO, Demian Bezerra de.Revisão e revisionismo historiográfico: os embates sobre
o passado e as disputas políticas contemporâneas. Marx e o Marxismo v.1, n.1, jul/dez 2013. p. 58.
882
VALIM, Patrícia; AVELAR, Alexandre; BEVERNAGE, Berber. Apresentação. Negacionismo: história,
historiografia e perspectivas de pesquisa. Revista Brasileira de História. São Paulo, v. 41, n. 87, 2021, p. 17-18.
883
SOUTELO, 2009 apud SENA JR., Carlos Zacarias. MELO, Demian Bezerra de; CALIL, Gilberto.
Introdução. In: Contribuição à crítica da historiografia revisionista. Rio de Janeiro: Consequência, 2017, p. 21.
215

nacionalidade, como a Revolução de 1930, o coronelismo e o cangaço884. Entretanto, como


coloca o historiador Carlos Zacarias, é sobretudo “[...] quanto ao golpe de 1964 e a ditadura
que lhe seguiu, que a revisão política e ideologicamente motivada, em função da necessidade
de se ajustar as memórias coletivas e, às vezes, as memórias individuais, fincou raízes e
vicejou nas últimas décadas"885. Segundo Demian Melo, a utilização do termo “revisionismo”
em controvérsias recentes da historiografia brasileira “[...] tem lhe valido censura dos
acusados da operação revisionista, como se seus críticos estivessem aferrados a interpretações
tradicionais ou de uma ‘História Oficial’, além de supostamente ‘desatentos’ quanto aos
‘novos paradigmas’ ou à ‘pesquisa recente’”886.
No que concerne à historiografia revisionista do golpe de 1964 e do regime ditatorial
que lhe sucede, fincada em autores como Argelina Figueiredo, Jorge Ferreira e Daniel Aarão
Reis, Melo destaca o seu intento relativista de corresponsabilizar a resistência de esquerda
pelo golpe de Estado e pela ditadura ao lado dos militares, acusando-os ambos de serem
antidemocráticos, “autoritários” e terem pretensões “golpistas”. No limite, os militares
chegam mesmo a serem colocados como reagindo à radicalização das esquerdas, que também
visariam implantar uma outra ditadura887. Suplantando o caráter conspiratório da articulação
empresarial-militar vitoriosa em 1964 e o conteúdo de classe do regime evidenciados pelo
monumental trabalho empírico e teórico de René Dreifuss888, ao fim e ao cabo, essa literatura
acadêmica acaba por corroborar com a velha justificativa das direitas e dos próprios golpistas
de que João Goulart planejava um autogolpe com apoio dos comunistas e da União Soviética,
e de que a esquerda e os revolucionários comunistas é que seriam os verdadeiros opositores da
democracia. De outra parte, essa historiografia também vem procurando sublinhar a
cumplicidade e o apoio da população ao regime, exagerando o consenso obtido e
menosprezando o papel da coerção889.
Loff e Soutelo vão destacar ainda o núcleo antimarxista e antirrevolucionário do
revisionismo histórico, aproximando-o do pensamento característico do campo das direitas.
Apoiados em Domenico Losurdo, os autores remontam a origem dessa corrente
historiográfica e política atualmente predominante nos meios acadêmicos ao período inicial da

884
SENA JR., Carlos Zacarias. A “boa” memória: algumas questões sobre revisionismo na historiografia
brasileira contemporânea. In: SENA JR., Carlos Zacarias. MELO, Demian Bezerra de; CALIL, Gilberto.
Contribuição à crítica da historiografia revisionista. Rio de Janeiro: Consequência, 2017, p. 62.
885
Ibidem, p. 62-63.
886
MELO, 2013, p. 50.
887
Ibidem, p. 62-68.
888
DREIFUSS, René. 1964: A conquista do Estado. Ação política, poder e golpe de classe. Petrópolis: Vozes,
1981.
889
MELO, 2013, op. cit., p. 61-69.
216

Guerra Fria, abarcando a crítica da tradição revolucionária e a reinterpretação dos conflitos


mundiais. Com o colapso do chamado socialismo real, o revisionismo histórico irá se
expandir para o âmbito da esfera pública e da cultura conformando um fenômeno social no
seio da hegemonia neoliberal, consolidando no senso comum uma concepção
conservadora-liberal do tempo passado, do presente e do futuro. Tal fenômeno se encontra
intimamente imbricado na generalização da tese do totalitarismo e na ideia de “anatemização”
da revolução, retomadas mais à frente. A estigmatização e a depreciação do pensamento
marxista por essa corrente – que não demonstra nenhum esforço em aprender ou esclarecer a
perspectiva do materialismo histórico – decorre da vinculação do comunismo soviético com o
marxismo890.
Por outro lado, as perspectivas revisionistas não só se mostram acríticas em relação ao
liberalismo, que aqui é desideologizado, como buscam legitimar e naturalizar o capitalismo
liberal retrospectivamente, operando uma “suspensão da história” que implica em “[...]
desconsiderações de contextos históricos, deformações de circunstâncias, supressões de
condicionantes e causas materiais”891. Em decorrência, prioriza-se o ponto de vista histórico
das classes dominantes, que aparecem ou enquanto agentes unívocos dos processos históricos
ou como manipuladores das classes subalternas, resultando assim, numa perspectiva de
análise elitista892. Por fim, Loff e Soutelo sintetizam:

Pode-se dizer, portanto, que o revisionismo histórico representa uma corrente


político-cultural de origem e prática intelectual conservadora, empenhada em rejeitar
o legado histórico, político e cultural da tradição revolucionária na modernidade
contemporânea – e neste sentido, os precursores da argumentação revisionista
podem ser considerados os próprios analistas políticos contemporâneos dos
fenômenos históricos, como, por exemplo, os observadores conservadores críticos
da Revolução Francesa ou nostálgicos dos regimes fascistas fascizados893.

O revisionismo e o negacionismo histórico encontram forte lastro para o seu


convencimento a partir do fenômeno da pós-verdade. Neste contexto, importa mais o
simulacro de auto verdade apoiado nas emoções e crenças pessoais que fatos ou
conhecimentos objetivos. Na medida em que o real é reduzido à fruto de construções
subjetivas, diferentes perspectivas e visões sobre o mundo passam a obter a mesma chancela
de legitimidade. Decorre daí que o conhecimento acadêmico baseado na racionalidade

890
LOFF, Manuel; SOUTELO, Luciana. A suspensão da ideia de Revolução na contemporaneidade: o caso
português. In: SENA JR., Carlos Zacarias. MELO, Demian Bezerra de; CALIL, Gilberto. Contribuição à crítica
da historiografia revisionista. Rio de Janeiro: Consequência, 2017, p. 146-150.
891
Ibidem, p. 150.
892
Ibidem, p. 147.
893
Ibidem, p. 150.
217

científica passa a concorrer como igual ao lado de discursos embasados em opiniões, sistemas
de crença e impressões pessoais ou de grupo. Como observado por André Bonsanto, o cenário
de pós-verdade não se resume à profusão das chamadas fake news, mas corresponde a um
fenômeno maior da “desordem informativa” contemporânea, um problema não só de caráter
epistemológico, mas político e social894. Já Kakutani observa como o fenômeno da
pós-verdade em voga se alimenta de um relativismo que

[...] está em ascensão desde o início das guerras culturais, na década de 1960.
Naquela época, ele foi abraçado pela Nova Esquerda, ansiosa para expor os
preconceitos do pensamento ocidental, burguês e primordialmente masculino; e por
acadêmicos que pregavam o evangelho do Pós-Modernismo, que argumentava que
não existiam verdades universais, apenas pequenas verdades pessoais – percepções
moldadas pelas forças sociais e culturais de um indivíduo. Desde então, o discurso
relativista tem sido usurpado pela direita populista, incluindo os criacionistas e os
negacionistas climáticos, que insistem que suas teorias sejam ensinadas junto com as
teorias “baseadas na ciência”895.

Retornando à questão central, o importante aqui é perceber como o revisionismo e o


negacionismo se vinculam no presente à estratégias de disputa de narrativas a partir de temas
da história mobilizadas pelos grupos da nova direita. Apresentando tom polemista e
sensacionalista e sendo ofertado enquanto produto midiático bastante rentável no mercado
editorial e de entretenimento, o “revisionismo ideológico” goza de grande popularidade no
seio do grande público, numa lógica de consumo da história como mercadoria. Ademais,
como procuraremos evidenciar com a análise das produções de cunho histórico da Brasil
Paralelo, é preciso considerar que esse tipo de revisionismo também bebe do revisionismo
historiográfico propriamente acadêmico, buscando legitimar sua “parametodologia” e seu
discurso com um aspecto de cientificidade. Nos termos de Sônia Meneses, engendra-se

Uma relação corrosiva que mistura as reflexões do saber histórico com o conjunto de
preconceitos e interesses políticos que se apresentam como se fossem a verdade
desse passado, na qual os produtores dessa historiografia midiática se colocam como
intérpretes e tradutores de competência assentada na produção historiográfica e
projetada para o grande público896.

A despeito de representar – de longe – o maior empreendimento entre os aparelhos da


nova direita brasileira nessa direção, a Brasil Paralelo não se trata do único projeto de

894
BONSANTO, André. Narrativas “historiográfico-midiáticas” na era da pós-verdade: Brasil Paralelo e o
revisionismo histórico para além das fake news. Liinc em Revista, Rio de Janeiro, v. 17, n. 1, maio 2021, p. 3.
895
KAKUTANI, Michiko. A morte da verdade: notas sobre a mentira na Era Trump. Rio de Janeiro: Intrínseca,
2018, p. 17.
896
MENESES, Sônia. Uma história ensinada para Homer Simpson: negacionismos e os usos abusivos do
passado em tempos de pós-verdade. Revista História Hoje, v. 8, no 15, 2019, p. 74.
218

relevância nessa seara no contexto nacional, onde também podemos mencionar a


popularidade alcançada pela coletânea dos Guias Politicamente Incorretos da História,
organizada pelo jornalista Leandro Narloch e que chegou a ganhar versão de série televisiva
pelo canal History Channel Brasil. O MBL se trata de outro aparelho entre os abordados na
pesquisa que também aposta largamente na promoção desse tipo de conteúdo revisionista nas
redes. Essas iniciativas demonstram a preocupação dos agentes da nova direita em
desenvolver estratégias de consenso sobre temáticas históricas, ressignificando processos a
partir de seus valores e interesses no presente.
A ascensão das novas direitas no cenário nacional e internacional implicou em novas
demandas de leituras e usos públicos da história por esses sujeitos, onde o passado é
mobilizado a partir de revisionismos e negacionismos não só a fim de conferir sentido ao
presente e fundamentar suas identidades, mas enquanto estratégia político-ideológica para
disputa de hegemonia e construção de consenso. Uma estratégia da nova direita de disputar o
campo da narrativa histórica, a fim de legitimar seus interesses políticos e ideológicos no
presente897. Facilitadas pelo advento das novas tecnologias de informação e pelo contexto de
pós-verdade, “as estratégias empregadas são igualmente variadas, da apropriação dos Guias
Politicamente Incorretos produzidos pela direita estadunidense aos livros conspiracionistas,
bem como a presença nas redes sociais e a produção de conteúdo visual altamente
especializado”898.
Neste âmbito, produzem-se narrativas históricas que se afirmam “[...] como uma
‘história alternativa’ à ‘história ideológica’, mas que na verdade nada mais fazem que impor
narrativas reacionárias como verdades irredutíveis nelas mesmas [...]”899. A redução da
realidade a dicotomias simplistas e maniqueísmos é marca registrada dessa produção narrativa
da história. A perspectiva que atravessa esse uso da história se assenta no esvaziamento da
dimensão do conflito e da divergência na análise dos processos históricos, silenciando e
apagando a agência de sujeitos e grupos historicamente marginalizados. Não por acaso, o
negacionismo e o revisionismo ideológico avançam no período recente após a emergência de
uma agenda internacional relacionada às políticas de memória e reconhecimento desses
grupos, e de políticas que evocam a “lembrança moral” de certos eventos traumáticos do
passado900.

897
CASIMIRO, 2020, p. 77.
898
ROCHA, Igor; PRATES, Thiago. Revisionismos, negacionismos e usos políticos do passado: uma
apresentação. Cadernos de Pesquisa do CDHIS, Uberlândia, v. 34, n.1, jan./jun. 2021, p. 6.
899
Ibidem, p. 5.
900
VALIM; AVELAR; BEVERNAGE, 2021, p. 19-20.
219

Elemento importante destacado pelo historiador Arthur Avila, esses usos da história
operam a falsificação do passado não só por meio de distorções no âmbito do método
histórico e do trabalho com dados empíricos, mas principalmente “[...] através de silêncios,
mistificações, ocultamentos e minimizações que se dão no âmbito narrativo, [...] que visam
subtrair determinados passados de nossos presentes, tornando-os insubstanciais, e impor
significados unívocos à nossa história”901, no geral, associados à manutenção dos interesses de
grupos dominantes. Nestes termos, a análise crítica dessas narrativas deve envolver de modo
concomitante a atestação da veracidade de determinados eventos e processos junto do
destrinchamento de suas operações intelectuais e da problematização dos seus sentidos e
interesses políticos e ideológicos subjacentes, que ainda refletem em questões éticas e
políticas do saber histórico902. Nas palavras do autor, que interpreta o que estamos aqui
chamando de “revisionismo ideológico” enquanto “negacionismo histórico”:

Esse enredamento, portanto, é menos um negacionismo dos fatos do que um


negacionismo de fato; ou, de acordo com a conceitualização de Perry Anderson
(2008, p. 108), é menos a suggestio falsi, o embuste deliberado, do que a suppressio
veri, “a representação omitida”, que engendra versões falseadas através da deleção,
da manipulação e da distorção do registro histórico, e não necessariamente da
mentira óbvia, embora o limite entre esses processos possa ser tênue903.

Em perspectiva de análise similar, Valim, Avelar e Bervernage ressaltam a partir das


contribuições de Stanley Cohen que tais usos da história mobilizam não apenas a simples
“negação literal” dos eventos e processos, mas operam sobretudo por meio da “negação
interpretativa”, que “[...] não recusa os fatos, mas busca mudar sua interpretação
convencional, alterando palavras ou usando eufemismos, por exemplo”, e através da “negação
implicatória”, relacionada “[...] às implicações morais dos erros e suscita a questão da
resposta e da ação correta no presente”904. Não se trata da simples negação de um fato ou
processo histórico, mas de diligentemente produzir um passado falsificado com vistas a
corroborar com a concepção de mundo de determinados grupos, ou no limite, negar a
implicação que determinados processos e fenômenos do passado têm sobre o presente.
De acordo com Rocha e Prates, a despeito da grande popularidade que encontram
atualmente a partir das mídias digitais, essas produções sobre a história encontram dificuldade
em institucionalizar-se na medida em que

901
AVILA, Arthur Lima. Qual passado escolher? Uma discussão sobre o negacionismo histórico e o pluralismo
historiográfico. Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 41, n. 87, 2021, p. 164.
902
Ibidem, p. 165.
903
Ibidem, p. 168.
904
VALIM; AVELAR; BEVERNAGE, 2021, p. 21.
220

Os seus critérios de validação e legitimação não estão pautados no rigor do trabalho


avaliado por pares e profissionais, mas sim na política, na moral e, em alguns casos,
no sucesso mercadológico. Incapazes de fazer-se reconhecer como produção de
qualidade, os produtores desses discursos lançam-se à desqualificação da
historiografia profissional (professores e pesquisadores) como um espaço
supostamente dominado por esquerdistas que impedem que a correta história (leia-se
conservadora ou mesmo reacionária) seja contada. Tal inaptidão constantemente é
mediada pelo recurso a verdades ocultas que, trazidas à tona, seriam suficientes em
si. Não é mera coincidência que as suas obras tragam títulos como A Verdade
Sufocada ou que recorram a estratégias discursivas como o que o seu professor não
te contou905.

A constatação da possibilidade de existência de inúmeras interpretações para os


fenômenos do passado, partindo de diferentes campos, abordagens teóricas e perspectivas
analíticas, não significa a aceitação de qualquer interpretação sobre a história. Em contraste
com a história que se utiliza do revisionismo ideológico, que busca ocultar suas vinculações
teórico-políticas a fim de reivindicar uma pretensa “neutralidade”, a prática do historiador se
baseia numa ética de trabalho e de pesquisa que compreende “[...] explicitar suas perspectivas,
políticas e metodológicas, não [...] se desviar do método histórico calcado no tratamento
crítico das fontes, não [...] silenciar diante das evidências de fatos e processos, e [...]
manter-se na argumentação baseada em conceitos e categorias”906.
Assim, se admitidos que interpretações e abordagens diferentes sobre uma
determinada temática são válidas e se inserem nas disputas de memória e de narrativa sobre o
passado, esses combates pela história subentendem regras e limites definidos pelo próprio
método e pela lógica histórica a que se submetem os praticantes da disciplina. A história não
se reduz a simples opiniões diferentes sobre o passado907. Com a crítica ao revisionismo e ao
negacionismo histórico tampouco pretendemos reivindicar o lugar de uma “história
teologizada ou canônica”, que estabelece a verdade final dos eventos e processos. O que se
pretende aqui, parafraseando o historiador Demian Melo908, é apontar as misérias dessa
história “paralela”.
No cenário nacional, essa perspectiva sobre a história ganha contornos dramáticos e
funestos na conjuntura ao se associarem a grupos extremistas. Promove-se a relativização ou
negação de certos traumas coletivos do nosso passado como o escravismo, o extermínio dos
povos indígenas durante a invasão portuguesa e a ditadura civil-militar, em prol da construção
de um passado idílico de uma nação branca, cristã e patriarcal herdeira da civilização europeia

905
ROCHA; PRATES, 2021, p. 6-7.
906
NAPOLITANO; JUNQUEIRA. op. cit., p. 3.
907
SENA JR., 2017, p. 51-52.
908
MELO, 2006, op. cit.
221

ocidental, corrompida no presente por práticas imorais e indivíduos corruptos, representados


como inimigos e traidores históricos da pátria909.
Esses revisionismos e negacionismos promovidos por grupos das direitas brasileiras
estão intimamente relacionados no cenário com as batalhas pelas memórias da ditadura
militar, com os legatários do regime empenhados em relativizar ou mesmo negar a violência e
os crimes praticados pelo regime contra as forças da oposição, ou o seu próprio caráter
ditatorial. Um revisionismo que aparece, então, como reação às leituras críticas e de
resistência à ditadura e às – escassas – políticas de memória sobre o período. Se num
momento anterior estes grupos encontravam respaldo em nichos ou alas políticas e militares
específicas, a partir dos debates abertos no âmbito da Comissão Nacional da Verdade (CNV)
eles ganham maior força, e conquistam maior amplitude na sociedade a partir do avanço do
conservadorismo e do bolsonarismo. Cristalizando determinadas visões e interpretações sobre
a memória social do período, a narrativa desses grupos procura desvencilhar o caráter
ditatorial do regime, associando-o a um período de crescimento econômico, ordem social e
orgulho patriótico910.
Com Bolsonaro e a extrema direita, o revisionismo e o negacionismo foram elevados à
política de governo no Brasil. Foram inúmeras as querelas sobre temáticas da história nas
quais o ex-presidente e seus asseclas se viram envolvidos nos últimos anos, indo da
relativização e negação da ditadura militar e seus métodos de tortura à afirmação de que o
nazismo seria um regime de esquerda911 e que os portugueses nunca teriam pisado na África
para escravizar africanos912.
A ampla disseminação que essas produções revisionistas e negacionistas sobre temas
históricos alcançaram na atualidade reverbera nas diversas esferas do cotidiano, nas diferentes
mídias, e para a própria sala de aula, convertida em trincheira fundamental na “guerra
cultural” promovida pela nova direita. Se por um lado essas narrativas por si só produzem
inúmeros prejuízos para o processo de ensino e aprendizagem da disciplina com suas
deturpações e falsificações históricas, por outro, naturalizam preconceitos, exclusões,
violências e discursos de ódio ao reproduzir os silenciamentos e apagamentos históricos de

909
ROCHA; PRATES, 2021, p. 6.
910
VALIM; AVELAR; BEVERNAGE, 2021, p. 24-25.
911
QUERO, Caio. Bolsonaro defende discurso sobre Ustra e 'nazismo de esquerda' no último dia em Israel. BBC
News Brasil, 2 abr. 2019. Disponível em: <https://www.bbc.com/portuguese/brasil-47794953>. Acesso em: 20
set. 2022.
912
GONÇALVES, Géssica Brandino. Portugueses nem pisaram na África, diz Bolsonaro sobre escravidão.
Folha de S. Paulo, 31 jul. 2018. Disponível em:
<https://www1.folha.uol.com.br/poder/2018/07/portugueses-nem-pisaram-na-africa-diz-bolsonaro.shtml>.
Acesso em 20 set. 2022.
222

grupos e sujeitos marginalizados913. Discurso de ódio e intolerância, aliás, que também é


direcionado à própria figura do professor, tomado enquanto “doutrinador” que oculta dos
alunos a história “verdadeira” em prol de motivações ideológicas. Não só o conhecimento
historiográfico produzido nas universidades é desqualificado, como os próprios historiadores
e professores da disciplina. O historiador Fábio Chang aborda a relação umbilical entre o
revisionismo e o negacionismo histórico e a extrema direita:

Os negacionistas esforçam-se em construir um discurso que atribui uma aura de


heroísmo ao seu trabalho. O negacionismo assume caráter de “ciência perseguida” e
seus agentes enfatizam as restrições impostas em muitos países às suas publicações.
É através do negacionismo que os grupos neofascistas atingem o maior número de
leitores. Isso acontece porque, muitas vezes, os simpatizantes do revisionismo não
são necessariamente militantes neofascistas, nem mesmo simpatizantes da
extrema-direita. Podem ser pessoas comuns, sem motivação ideológica aparente.
Trata-se da sedução de uma história “oculta”, o fascínio pela possibilidade de uma
“verdade além do aparente”, fora da influência dos “vencedores da guerra” ou dos
envolvidos na “grande conspiração”. [...] Uma suposta manipulação da história pode
ser compreendida pelos simpatizantes do revisionismo como um dos elementos
dessa conspiração914.

Passemos agora para a investigação sobre como a Brasil Paralelo, tomada enquanto
aparelho de ação político-ideológica das novas direitas, uma trincheira no seio da “guerra
cultural” atuando no âmbito das disputas de narrativa, se alimenta desses fenômenos ao
mobilizar determinados usos da história e do passado por meio da difusão de suas produções
midiáticas.

3.2. Narrativas e (ab)usos da história nas produções da Brasil Paralelo

Um dos focos prioritários na “guerra de narrativas” empreendida pela Brasil Paralelo


se dirige sobre conteúdos na internet que caracterizam as posições ideológicas e políticas da
própria produtora e que apontam suas deturpações históricas e factuais. Como abordado
anteriormente, a empresa se envolve de forma recorrente em disputas judiciais a fim de
recorrer às caracterizações que lhes são dadas pela imprensa e por pesquisas acadêmicas. A
produtora chegou a entrar com processo contra a Wikimedia Foundation, que mantém a
enciclopédia digital Wikipédia, após insucesso em modificar o verbete que traz a descrição da

913
ROCHA; PRATES, op. cit., p. 8.
914
ALMEIDA, Fábio Chang de. O historiador e as fontes digitais: uma visão acerca da internet como fonte
primária para pesquisas históricas. Aedos, Porto Alegre, n. 8, v.3, jan./jun. 2011, p. 28.
223

Brasil Paralelo na plataforma enquanto uma produtora de documentários com “viés de direita
política”, transmissora de “notícias falsas” e produtora de conteúdo “anti-intelectualista”915.
A despeito de seu explícito envolvimento com as organizações, políticos, intelectuais e
com as ideias das direitas brasileiras – estando próxima de sua ala extremada em particular –,
a Brasil Paralelo insiste em reiterar amiúde uma suposta isenção de “viés político”, dizendo
não declarar apoio a políticos em particular, não se vincular a partidos, ou à pautas identitárias
e ideológicas916. Seus conteúdos seriam produzidos de forma “imparcial”, com o propósito de
serem meramente informativos. De acordo com artigo publicado em seu site:

A Brasil Paralelo não é de extrema direita, nem conservadora, nem liberal, nem
progressista. Preocupa-se com a busca da verdade; portanto, não faz parte de um
grupo fixo. Há liberdade na busca da verdade. A Brasil Paralelo não define seu
conteúdo com base em nenhuma corrente, em nenhum grupo. Não é possível ser de
extrema direita porque não se sabe o que isso é e porque não tem como significar
algo para todos. A empresa é guiada apenas por fontes e valores917.

Ainda que pudesse se supor a possibilidade dessa “neutralidade” axiológica e


político-ideológica declarada pela BP – que inclusive contradiz declarações de filiação ao
pensamento liberal e conservador feitas publicamente por seus fundadores918 –, essa alegação
é desacreditada por uma série de dados e evidências já expostos, que revelam uma articulação
material e orgânica da produtora junto à organizações e agentes da nova direita e ao campo
bolsonarista. Mas os propósitos ideológicos da BP também são denunciados logo de início
através do discurso promovido em suas produções e da abordagem dos conteúdos. Cabe
agoora, então, examinar o terreno comum dos valores, das concepções de mundo e das
narrativas principais que conformam sua interpretação do passado e o uso revisionista e
negacionista da história pela produtora.
A Brasil Paralelo se apresenta como uma empresa que busca através das suas
produções “resgatar bons valores, ideias e sentimentos no coração de todos os brasileiros”:

915
SAYURI, Juliana. Brasil Paralelo faz 'guerra de edições' e disputa narrativas na Wikipédia. TAB UOL, 9 set.
2020. Disponível em:
<https://tab.uol.com.br/noticias/redacao/2020/09/09/guerra-de-edicoes-a-disputa-politica-de-narrativas-na-wikip
edia.htm>. Acesso em: 07 jul. 2022.
916
A Brasil Paralelo é bolsonarista? Brasil Paralelo. Disponível em:
<https://www.brasilparalelo.com.br/artigos/a-brasil-paralelo-e-bolsonarista>. Acesso em: 11 fev. 2022.
917
A Brasil Paralelo é uma farsa? A descrição na Wikipédia diz que sim. Brasil Paralelo. Disponível em:
<https://www.brasilparalelo.com.br/artigos/brasil-paralelo>. Acesso em: 10 fev. 2022.
918
DIRANI, Claudio. PERFIL | Henrique Viana abre as portas da Brasil Paralelo. Revista Esmeril, 21 jan. 2020.
Disponível em:
<https://revistaesmeril.com.br/perfil-%E2%94%82-henrique-viana-abre-as-portas-da-brasil-paralelo/>. Acesso
em: 20 mai. 2022.
224

Somente o que é bom é resgatado porque a empresa não adere ao relativismo. Todos
os sócios e colaboradores acreditam que é possível encontrar e perseguir o que é
bom, seja conhecimento, padrões morais ou o sentimento pelo país em que se vive.
Finalmente, tudo é guardado no coração, porque não basta conhecer
intelectualmente, é preciso mudar as próprias práticas. [...] O conteúdo é entregue
com a colaboração de grandes especialistas, com verdade e transparência. O
entretenimento é o meio de difundir e resgatar os valores e a cultura919.

Mas afinal, quais seriam esses “bons valores” que a produtora se empenha em
difundir? Em seu site, a BP os detalha:

Verdade: O propósito é enriquecer a sociedade através da comunicação eficiente da


verdade. A verdade não é relativa, é o bem maior e uma meta inesgotável;
Liberdade: Os indivíduos são diferentes quando se trata de escolher, agir e colher
resultados, bons ou ruins. Impedir a ação e a escolha das pessoas é um abuso de
poder. Estar consciente de ser responsável pelos resultados é lucidez diante da vida;
Arte: Os seres humanos usam a arte como uma linguagem emocional. Tudo o que
não pode ser assimilado pela linguagem racional será comunicado e sentido pela arte
bem feita;
Ambição: Querer o melhor da vida e o melhor do mundo. É preciso almejar o
melhor e buscar sempre o aperfeiçoamento.
Meritocracia: A única forma legítima de realizar a própria ambição é através do
mérito. Toda conquista sem mérito é instável e passageira. Os esforços de cada um
são valorizados;
União: Para estar verdadeiramente unido é preciso trabalhar o ego e aprender a amar
uns aos outros. Portanto, o trabalho feito em união torna possível o que seria
impossível de se fazer sozinho;
Diplomacia: É preciso ser humilde e respeitar as pessoas, não se considerando dono
da verdade. Além disso, o mundo em que vivemos não é construído
individualmente. Ser diplomático é precisamente se entrosar no mundo da melhor
forma, sem se separar dele920.

Esses valores são concebidos como parte da cultura interna da empresa, aparecendo
como critério de seleção dos “colaboradores” da produtora, se tratem dos funcionários ou dos
“especialistas” convidados para suas produções. São esses valores que também orientarão
suas produções midiáticas.
A concepção de mundo assumida pela Brasil Paralelo a partir desses “valores” se
baseia fortemente na noção olavista de "guerra cultural", a fim de obter, além da hegemonia
política, a hegemonia cultural, que estaria sob o poder da esquerda munida pelo “marxismo
cultural”. A partir dessa noção de “guerra cultural”, “[...] se constitui uma espécie de
‘contracampo’ intelectual, com epistemologia e enunciados próprios, que se contrapõe ao
‘establishment do politicamente correto’ [...]”921. Os focos de confronto são direcionados para

919
O que é a Brasil Paralelo? Conheça a história completa da empresa. Brasil Paralelo. Disponível em:
<https://www.brasilparalelo.com.br/noticias/o-que-e-a-brasil-paralelo>. Acesso em 22 out. 2022.
920
A Brasil Paralelo é uma farsa? A descrição na Wikipédia diz que sim. Brasil Paralelo. Disponível em:
<https://www.brasilparalelo.com.br/artigos/brasil-paralelo>. Acesso em: 10 fev. 2022.
921
FIRMINO, 2020, op. cit., p. 161.
225

os professores, os acadêmicos, as universidades e a “grande mídia”, agentes e espaços que


forneceriam a sustentação intelectual para a hegemonia da esquerda. Essa perspectiva é
evidenciada por Filipe Valerim logo na abertura de uma de suas produções: “Nosso
crescimento virou uma missão. Precisamos ter a capacidade de competir com a grande mídia,
com os produtores de cinema e com as universidades. Essa é a reforma cultural que vai nos
tirar do redemoinho que nos encontramos há anos”922. Em entrevista na ocasião do
lançamento da plataforma de streaming da Brasil Paralelo, Henrique Viana reafirma o papel
das produções da produtora no seio dessa “batalha cultural”:

A missão da Brasil Paralelo é resgatar os bons valores, ideias e sentimentos no


coração dos brasileiros, e o entretenimento é uma das principais ferramentas para
esse resgate. Hollywood e Disney exportaram valores, ideias e sentimentos dos
Estados Unidos para o mundo através do entretenimento. No Brasil, um dos
exemplos são as novelas que foram costurando o modo de ser brasileiro médio ao
longo de décadas. Agora existe uma nova batalha pelos corações sendo travada na
internet, pois até mesmo a indústria de filmes internacional agora opera fortemente
nos serviços de streaming. Será uma das batalhas mais importantes da próxima
década, onde o rumo da cultura ocidental será disputado palmo a palmo923.

Próxima à leitura de mundo tradicionalista professada por Olavo de Carvalho, a Brasil


Paralelo entende que a cultura brasileira estaria em um processo de profunda degeneração,
junto a deterioração da moral e dos valores da “nação” e da sociedade ocidental cristã,
cabendo à produtora oferecer uma trincheira para deter esse projeto nefasto no país. Como
ressalta o historiador Fernando Nicolazzi, trata-se de uma luta do “[...] bem contra o mal,
vício contra a virtude. Eles se vêem como cruzados em guerra com os infiéis. Para eles, as
escolas e universidades públicas estão engajadas na doutrinação ideológica. Brasil Paralelo
promove uma alternativa, privada. É uma estratégia de negócios bem pensada”924.
A contenda que a Brasil Paralelo procura travar com as escolas e universidades chega
mesmo a ultrapassar o plano do discurso e adentrar nos próprios espaços institucionais de
ensino, significando um importante foco de disputa de hegemonia. Nos últimos anos
houveram episódios em que a organização de eventos para exibição das produções da BP em

922
Brasil Paralelo. 7 denúncias: as consequências do caso covid-19. Plataforma de Membros Brasil Paralelo, jun.
2020. Disponível em:
<https://plataforma.brasilparalelo.com.br/playlists/7-denuncias-as-consequencias-do-caso-covid-19>. Acesso em
10 jun. 2022.
923
DESIDERI, Leonardo. Brasil Paralelo quer 1 milhão de membros até 2022 e mira ramo do entretenimento.
Gazeta do Povo, 18 set. 2020. Disponível em:
<https://www.gazetadopovo.com.br/vida-e-cidadania/brasil-paralelo-1-milhao-membros-2022/>. Acesso em: 10
abr. 2022.
924
NICOLAZZI, Fernando In: Historiar-Se. O BRASIL PARALELO PRODUZ HISTÓRIA? | Historiar-se.
YouTube, 23 mar. 2019. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=R71LxS5FhD8&t>. Acesso em 10
jul. 2022.
226

instituições públicas de ensino suscitaram manifestações contrárias por parte de estudantes e


professores, acusados pela produtora de “tentativa de censura” e “totalitarismo”925. Assim, a
produtora lança mão de uma tática que trata de atacar e descredibilizar as universidades
enquanto espaço de produção de conhecimento ao mesmo tempo em que disputa trincheiras
em seu interior. Nicolazzi também associa essa estratégia de demonização das universidades e
instituições de ensino a uma espécie de ressentimento desses grupos pela sucinta perda de
privilégios sofrida através de políticas públicas que ampliaram e diversificaram o acesso a
esses espaços nos últimos anos926.
Para além da retórica da “guerra cultural”, o ataque às instituições de ensino carrega
um sentido mais elementar de fundo, como observa o autor. Ao descredibilizar a educação
formal e a figura do professor, o qual precisaria ser desmentido e ter seu caráter doutrinário
revelado, a Brasil Paralelo e seus consortes da nova direita operam uma tentativa de
esvaziamento do espaço escolar enquanto espaço de produção e compartilhamento do
conhecimento, sobretudo em seu aspecto crítico e dialógico927. Pereira e Santos salientam que

A escola consiste num espaço estratégico da disputa pelo consenso em torno do


projeto da extrema direita contemporânea, que apresenta uma busca ativa pelos
controle do corpo e da alma da Educação pública, ou seja, se aproximam das
instâncias administrativas no Estado restrito para uma reconversão do seu espírito
público em público-privado, por meio da parcerias com Organizações Sociais, ONGs
e de Fundações e Programas de salvação educacional, gestados no seio do grande
capital brasileiro e internacional928.

Seja na forma do apelo direto ao espectador pela assinatura dos planos de membresia,
que garantiriam a produção de conteúdos livres de financiamento – e portanto, da influência –
estatal, seja em seu discurso sobre as raízes da crise brasileira e nas propostas para a sua
superação, o que se investe aqui é na desmoralização do público frente ao privado. No lugar
do público, é a família que seria por excelência a responsável por oferecer um espaço
formativo aos indivíduos929. A situação crítica na qual se encontra a educação brasileira seria

925
MORAES, Luiz de. Após protestos e críticas, documentário da Brasil Paralelo é exibido na UFPR. Gazeta do
Povo, 4 mar. 2022. Disponível em:
<https://www.gazetadopovo.com.br/vida-e-cidadania/apos-protestos-e-criticas-documentario-da-brasil-paralelo-e
-exibido-na-ufpr/>. Acesso em 12 jun. 2022.
926
NICOLAZZI, Fernando. In: Historiar-Se. BRASIL PARALELO PRODUZ HISTÓRIA? (PARTE II) | c/ Prof.
Dr. Fernando Nicolazzi) | Historiar-Se. YouTube, 26 jun. 2022. Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=RRKsNj1MT-4>. Acesso em 2 abr. 2023.
927
Idem 2019, op. cit.
928
PEREIRA, Eduardo; SANTOS, Mayara Balestro Brasil Paralelo: atuação, dinâmica e operação: a serviço da
extrema-direita (2016-2020). In: SANTOS, Mayara Balestro; MIRANDA, João Elter (Orgs.). Nova direita,
bolsonarismo e fascismo: reflexões sobre o Brasil contemporâneo [livro eletrônico]. Ponta Grossa: Texto e
Contexto, 2020, p. 342.
929
NICOLAZZI, 2019, op. cit.
227

resultado tanto da presença da “doutrinação marxista” nas escolas quanto da estruturação de


um sistema nacional de ensino regulado pelo Estado, com suas raízes na ideia de uma
educação pública, obrigatória e gratuita. Esse discurso foi amplamente explorado pela Brasil
Paralelo através da série Pátria Educadora, uma de suas produções de maior alcance, como
também se faz presente em diversas outras produções da BP. Como alternativa, a BP defende
a proposta do homeschooling, que faz a defesa do ensino domiciliar, conforme normas e
valores decididos pela família, em contraposição à educação escolar.
Nota-se que o discurso educacional da Brasil Paralelo não se limita apenas a ataques
conservadores em prol de uma educação tecnicista e supostamente “neutra”, como se limitava
por exemplo o projeto do Escola Sem Partido (ESP) . Mais do que isso, a discussão contra o
Estado e o público ensejam aqui a construção de uma nova ordem, onde terão espaço outra
forma de cultura e de educação930.
Para atingir seus objetivos político-ideológicos apriorísticos, a BP vê na narrativa
histórica e documentária uma importante trincheira de disputa pelo consenso social.
Examinemos mais a fundo a abordagem e o uso da história presentes no discurso e em
conteúdos diversos da Brasil Paralelo.
De acordo com a produtora, a BP “trata-se de uma empresa de comunicação cujos
materiais são de caráter documental e historiográfico”, trazendo “um conteúdo baseado em
um grande acervo informativo analisado por dezenas de especialistas”931. A BP busca, assim,
se projetar enquanto um canal de oferta de conteúdo educativo e historiográfico, que se
basearia em métodos de pesquisa científicos e acadêmicos acurados por pesquisadores,
professores, filósofos, historiadores, cientistas políticos e cientistas sociais. A indicação de
fontes, dados e de autores, entretanto, que pressupõe de início qualquer tipo de trabalho
acadêmico credor dessa alcunha, raramente aparecem referenciadas nas produções, nos cursos
ou nos artigos disponibilizados no site e na plataforma da Brasil Paralelo. Em algumas
produções e cursos são disponibilizados e-books que são basicamente a transcrição do que foi
apresentado nos vídeos numa espécie de resumo. A legitimidade do conteúdo, assim, passa a
depender da autoridade dos “especialistas” entrevistados, figuras que sequer possuem
produção acadêmica reconhecida na sua área.
Como bem observam Salgado e Jorge, chama a atenção nesse aspecto a ausência da
ampla maioria dos entrevistados na Plataforma Lattes, sistema de currículos do Conselho

930
PAULO, Diego Martins. Os mitos da Brasil Paralelo: uma face da extrema-direita brasileira. REBELA,
Florianópolis, v. 10, n. 1, jan./abr. 2020, p. 108.
931
A Brasil Paralelo é uma farsa? A descrição na Wikipédia diz que sim. Brasil Paralelo. Disponível em:
<https://www.brasilparalelo.com.br/artigos/brasil-paralelo>. Acesso em: 10 fev. 2022.
228

Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) que aloca dados e produções


dos grupos de pesquisa e pesquisadores brasileiros932. Em pesquisa cibercartográfica realizada
por Pablo Ornelas et. al que analisou os perfis públicos dos entrevistados disponíveis na
internet, aferiu-se ainda que estes em sua maioria não se travam de historiadores nem mesmo
pesquisadores, mas de graduados nas áreas de direito e de economia933.
Outro ponto bastante problemático, a Brasil Paralelo vende-se como produtora da
“verdadeira história”, e ao fazer isso, ela se utiliza justamente de seu formato pretensamente
científico e educativo para se contrapor à história acadêmica e escolar, que estariam
impregnadas de falsidades e de “viés ideológico”. Essa busca pela “verdade oculta”, omitida –
ou não visível – pelos professores e historiadores, se associa não só a uma perspectiva
positivista da história, que possuiria uma verdade única e absoluta, como traz a ideia
subjacente de uma verdade moral universal a ser alcançada, sobre a qual seriam detentores934.
Decorre daí a estratégia em apresentar falsas polêmicas revisionistas e argumentos como
tópicos de discussão inéditos ou reabilitados, novas descobertas alcançadas por meio do
trabalho de pesquisa com “especialistas”. A despeito das produções documentárias serem o
carro-chefe da empresa nesse âmbito, a estratégia de operar ressignificações dos processos
históricos através de revisionismos se se faz presente na extensão dos materiais produzidos
pela Brasil Paralelo: entrevistas, podcasts, programas, artigos e outros conteúdos diversos
disponibilizados no canal e no site oficial da produtora.
Porém, quando acusada de produzir revisionismo e negacionismo histórico, a Brasil
Paralelo se retrata. De acordo com Lucas Ferrugem, o conteúdo produzido pela produtora não
pretende reescrever a história, mas mostrá-la “livre de amarras ideológicas”: “De vez em
quando algumas pessoas perguntam: ‘Vocês fizeram um revisionismo histórico do Brasil?’ Eu
digo que não. A gente ‘desrevisionou’”935, afirma o produtor. Já a imputação de
negacionismo, segundo a produtora, se daria por meio da acusação de relativização e negação
da existência da escravidão em suas produções, e não se comprovaria na medida em que a

932
SALGADO, Julia; JORGE, Marianna. Paralelismos em disputa: o papel da Brasil Paralelo na atual guerra
cultural. ECO-Pós, Rio de Janeiro, v. 24, n. 2, 2021, p. 733.
933
ROSA, Pablo Ornelas et. al. Estratégias de constituição de um novo regime de verdade a partir das produções
audiovisuais da Brasil Paralelo: uma análise sobre o negacionismo. n: SANTOS, Mayara Balestro; MIRANDA,
João Elter (Orgs.). Nova direita, bolsonarismo e fascismo: reflexões sobre o Brasil contemporâneo [livro
eletrônico]. Ponta Grossa: Texto e Contexto, 2020, p. 323.
934
SALGADO; JORGE, op. cit., p. 730-731.
935
CASTRO, Gabriel de Arruda. História sem “amarras ideológicas”: Brasil Paralelo é destaque em congresso
internacional. Gazeta do Povo, 24 jun. 2021. Disponível em:
<https://www.gazetadopovo.com.br/vida-e-cidadania/historia-sem-amarras-ideologicas-brasil-paralelo-destaque-
congresso-internacional/>. Acesso em 20 jun. 2022.
229

escravidão é descrita em seus filmes como uma “mancha na história brasileira”936. Tais
acusações à produtora seriam feitas em razão das fontes e da bibliografia utilizadas, que
divergiriam da historiografia hegemônica nos cursos universitários, que seria de viés
ideológico e marxista. Assim, o que a BP faria seria apenas provocar um rompimento com a
“visão tradicional da história”, que estaria baseada na interpretação da história através de
ciclos econômicos e de acordo com a lógica de dominantes versus dominados. Nos termos da
BP:

A ótica é a mesma que a da Revolução Francesa. Os padres jesuítas formavam o


clero, os capitães hereditários e seus descendentes eram a nobreza e o resto da
população eram escravos. Não se considera a relação dos bandeirantes com os
índios, a relação dos índios uns com os outros, a relação dos índios com os europeus,
a relação dos negros uns com os outros. As relações são complexas e, na Brasil
Paralelo, os sócios se recusaram a absorver a interpretação marxista de que havia
apenas uma classe dominando a outra. A série Brasil – A Última Cruzada foi o
material mais visto da história brasileira no país e permitiu projetar para todos a
vontade que tinham de trabalhar a cultura sem o viés marxista, sem ideologias. Isto
chocou todos aqueles que estavam dominando a cultura. Por esta razão, começaram
a acusar a Brasil Paralelo de ser revisionista, quando tudo o que fazia era mostrar
fontes diferentes. Diante de uma visão tradicional da história, as pessoas perceberam
que existem aqueles que pensam de forma diferente, que as fontes não são as
mesmas, que não existe uma única forma de narrar os acontecimentos937.

Desconsiderando a apreensão deficitária sobre os significados de revisionismo e


negacionismo na historiografia, observa-se que, de modo contraditório, a produtora assume a
possibilidade de diferentes fontes e interpretações sobre a história, mas para afirmar a sua
versão como a única benemérita do qualificativo de “verdadeira história”. De outra parte,
associa a historiografia acadêmica a uma análise demasiadamente simplificadora e
economicista dos processos históricos há muito superada, não verificável sequer no campo da
historiografia marxista acusada de hegemônica no meio universitário.
Seguindo a mesma linha argumentativa anterior, a Brasil Paralelo se defende das
acusações de anti-intelectualismo reduzindo essa posição ao pragmatismo filosófico. E na
medida que suas produções apresentam uma crítica a essa corrente, reivindicando o lugar da
busca pela verdade na produção do conhecimento em detrimento do relativismo pragmatista,
tal alcunha não poderia ser aplicada à produtora. A BP seria, na realidade, uma “agente da
intelectualidade, pois é uma empresa online que promove o conhecimento por meio de
intelectuais, convidando professores, filósofos, doutores e sociólogos”938. Anti-intelectual não,

936
A Brasil Paralelo é uma farsa? A descrição na Wikipédia diz que sim. Brasil Paralelo. Disponível em:
<https://www.brasilparalelo.com.br/artigos/brasil-paralelo>. Acesso em: 10 fev. 2022.
937
Ibidem.
938
Ibidem.
230

mas sim “antiacademicista”: “[...] contra o pensamento de que o conhecimento está preso na
Universidade, limitado por um único tipo de bibliografia, com um único tipo de linguagem e
apenas com aprovação de um grupo ideológico e partidário”939.
Vimos como esse tipo de argumento conforma, na verdade, uma estratégia de
desqualificação do conhecimento histórico praticado nas universidades e no âmbito da
educação formal, que, por sua vez, passa pela deslegitimação da figura do historiador e do
professor de história a fim de se colocarem como seus legítimos substitutos. É importante
observar que esse antagonismo produzido contra professores de história e a historiografia
acadêmica é usado ainda como recurso publicitário para se vender a “verdadeira história” que
estaria sendo ocultada por esses agentes. Como contrapartida, essa estratégia trata de ampliar
no seu público uma animosidade e um discurso de ódio contra professores de história, dado
que, como bem observa Nicolazzi, pode ser evidenciado através das interações e comentários
da audiência dos conteúdos da Brasil Paralelo nas plataformas e redes sociais940. De outra
parte, quando parece perder no campo da reflexão teórica, a produtora apela então para
medidas jurídicas e para a intimidação de pesquisadores, professores e jornalistas que
abordam seus conteúdos e estratégias de modo crítico, atentando contra a liberdade de ensino
e de pesquisa941. Assim, de modo contraditório a Brasil Paralelo

procura se caracterizar como produtor de narrativas jornalísticas e historiográficas,


ao mesmo tempo em que se vende como uma alternativa “paralela” a estes discursos
e atores. Enquanto produtora de um tipo específico de narrativas
“historiográfico-midiáticas” a empresa se constitui, portanto, a partir de um claro
paradoxo: se apropriando do estatuto de verdade que pretende combater, Brasil
Paralelo refuta narrativas tidas como hegemônicas, tradicionais e estabelecidas, na
tentativa de, a partir delas, atestar sua própria legitimidade942.

A partir daí, considera-se “lógico e racional somente aquilo que se encaixa nos
padrões por eles estabelecidos, atribuindo aos demais discursos divergentes a condição de
irracionalidade, névoa, emoção, barbárie etc., reforçando certo nível de hierarquia por meio da
desqualificação e depreciação do outro”943. Vejamos como esses usos da história aparecem
articulados em suas principais produções944.

939
Ibidem.
940
NICOLAZZI, 2022, op. cit.
941
Ibidem.
942
BONSANTO, 2021, p. 12.
943
ROSA, 2020, p. 320.
944
A despeito das produções da Brasil Paralelo apresentarem uma estrutura narrativa – revelada nos pontos de
narração presentes ao longo dos filmes-documentários, que em sua maioria são narrados por Filipe Valerim –,
elas são maiormente produzidas a partir das falas concedidas pelos “especialistas” entrevistados. Contudo,
optou-se neste trabalho pela referência aos discursos e narrativas veiculadas enquanto sendo de autoria coletiva
231

Lançada entre 2016 e 2017, a série Congresso Brasil Paralelo se trata da primeira
produção documentária da empresa disponibilizada no YouTube. Produzida a partir das
entrevistas concedidas aos sócio-fundadores no início do projeto, a série conta com seis
episódios que prometem um “diagnóstico” da crise brasileira bem como busca indicar
“propostas” para a sua solução, passando por temas como educação, economia e segurança
pública. Logo no segundo capítulo, Terra de Santa Cruz – A História não contada945, a BP
inicia sua empreitada no âmbito da ressignificação de temas da história, fazendo um “resgate
histórico” do período colonial até a redemocratização em 1985, tudo isso num filme de 30
minutos.
Os outros episódios do Congresso Brasil Paralelo são dedicados a uma análise das
“matrizes ideológicas” que conformariam o cenário político e cultural brasileiro em
decadência, e à crítica de grupos sociais que estariam dividindo o país por meio de pautas
identitárias. Além da moralidade cristã conservadora, a racionalidade neoliberal atravessa
toda a produção, associando a crise brasileira atual à falta de “liberdade econômica” e ao
"gigantismo do Estado”. O último capítulo da série, Impeachment – Do Apogeu à Queda946,
dedicado a narrar o processo de afastamento de Dilma Rousseff da presidência, foi aquele que
alcançou maior sucesso à época e garantiu a continuidade do projeto.
Mas seria por meio da produção da série Brasil: A Última Cruzada, vendida como "o
maior resgate histórico já produzido sobre o nosso país"947, que o projeto de revisionismo do
passado nacional empreendido pela Brasil Paralelo alcançaria um novo patamar. Comentando
sobre o processo de produção da série em entrevista para o podcast do Mises Brasil, Filipe
Valerim dizia que “havia uma insegurança na produção de documentários sobre história do
Brasil, se haveria uma boa recepção do público. No final, a série ‘Brasil: A Última Cruzada’
alcançou maior sucesso que o ‘Congresso Brasil Paralelo’, que propunha um diagnóstico do
cenário atual”948.
Dividida em seis capítulos, a produção exalta “as origens europeias” do Brasil,
narrando a “beleza” do processo do “descobrimento” e da colonização, passando pela

da Brasil Paralelo – indicando em alguns momentos a autoria pessoal das falas dos entrevistados – posto
formarem um nexo discursivo e ideológico próprio compartilhado e construído pelas figuras entrevistadas.
945
Brasil Paralelo. Capítulo 2: Terra de Santa Cruz | Congresso Brasil Paralelo | [Oficial]. YouTube, 15 dez. 2016
Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=8CYt95y5fUU&t=1s>. Acesso em 11 jan. 2022.
946
Brasil Paralelo. Capítulo 6: Impeachment: do Apogeu à Queda | Congresso Brasil Paralelo | [Oficial].
YouTube, 5 abr. 2017. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=PZtwu0IWWHY&t=2852s>. Acesso
em 12 jan. 2022
947
Brasil Paralelo. Capítulo 1 - A Cruz e a Espada | Brasil - A Última Cruzada. YouTube, 20 set. 2017.
Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=TkOlAKE7xqY&t=2s>. Acesso em: 13 jan. 2022.
948
Mises Brasil. Podcast 368 - Brasil Paralelo (Filipe Valerim). [Podcast]. Disponível em:
<https://mises.org.br/podcasts/379/podcast-368-brasil-paralelo-filipe-valerim>. Acesso em 10 abr. 2022.
232

independência e pelo período imperial até chegar à República. A narrativa propõe “desfazer”
a ideia de que os portugueses eram “bandidos que matavam e estupravam os índios”, quando
teriam, na verdade, se sacrificado vindo a uma terra desconhecida “desbravando” o território e
trazendo “cultura” e “civilização” aos indígenas. Ao Império é relegado todas as virtudes,
enquanto a República é tomada como “o maior erro da história do Brasil”. Há ainda um
episódio dedicado à Revolução Francesa, trazendo um rechaço às ideias iluministas de
igualdade, que teriam necessariamente levado à “violência da guilhotina”. O último capítulo,
Era Vargas: o Crepúsculo de um Ídolo949, articula a história republicana à centralização e ao
“crescimento do Estado” a partir de Getúlio Vargas.
A série se baseia, assim, na construção de uma narrativa mítica sobre a formação da
nação e da identidade brasileira, pretendendo articulá-la a um “resgate do patriotismo” e a
exposição dos “verdadeiros heróis e vilões” da nossa história. Narrada em tom épico e
nostálgico como “uma história de virtudes, sacrifício e coragem”, a série exalta as raízes
europeias do Brasil estabelecidas a partir dos portugueses, herdeiros da tradição presente na
filosofia grega, no direito romano e na moral judaico-cristã, tomadas como base da
“civilização ocidental”. Em contrapartida, tem-se a minimização da contribuição dos povos
indígena e africano para a constituição do país e da população. O papel da Igreja e dos jesuítas
na conquista do “Novo Mundo” também é enaltecido enquanto o islamismo e os povos
mulçumanos são representados como inimigos do povo e da fé cristã, exaltando-se o
movimento das Cruzadas que conseguiu reconquistar a “Terra Santa” dos mouros. As guerras
de invasão e o genocídio indígena são justificáveis na medida em que os indígenas são
retratados na narrativa enquanto seres de cultura inferior que viviam em estado de barbárie, a
ser combatida através da fé cristã e da empresa mercantilista. Neste mesmo sentido exalta-se
as ações dos bandeirantes no “desbravamento” do território nacional.
Neste ínterim, opera-se um grande apagamento e relativização da escravidão africana,
negando sua origem étnico-racial e resumindo-a a uma análise moralista enquanto uma
"mancha" na história da humanidade, e não enquanto um processo de dimensão política,
econômica e social, parte estruturante da sociedade capitalista brasileira. Enquanto o fim da
escravidão aparece como obra de monarcas e de figuras específicas no poder, sem grandes
menções às revoltas e aos grupos de resistência, o quadro social ao qual os ex-escravizados se
viram submetidos no pós-abolição é ignorado na série. Neste sentido, a narrativa da série trata
de reproduzir o mito fundador do homem branco cristão europeu, fornecendo um ideal de

949
Brasil Paralelo. Era Vargas: o Crepúsculo de um Ídolo. YouTube, 9 abr. 2018. Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=FRzjxqqZgr4>. Acesso em 15 jan. 2022.
233

cidadão a ser seguido e cultuado950. Não é à toa que os entrevistados nas produções da Brasil
Paralelo compartilham dessa mesma imagem em sua grande maioria. O único homem negro
com algum destaque nas produções, como observado por Salgado e Jorge, trata-se do
professor Paulo Cruz, que propõe uma leitura revisionista de resgate do papel da família real
portuguesa e da Princesa Isabel para o abolicionismo no país, em detrimento do apagamento
do legado de Zumbi e de figuras abolicionistas históricas. Já as poucas mulheres chamadas à
cena – todas mulheres brancas, por sinal – se tratam de figuras conhecidas do
conservadorismo brasileiro como Joice Hasselmann, Janaína Paschoal e Ana Caroline
Campagnolo, que tratam de reproduzir o discurso patriarcal e sexista de seus pares
masculinos951.
Brasil: A Última Cruzada mostra ainda uma nítida indignação contra o fim da
monarquia, com um discurso carregado de saudosismo das instituições do Império, tomado
como momento de maior estabilidade política e ordem social. A vinda da família real
portuguesa para o Brasil em 1808 é enaltecida como momento de consolidação da herança
cultural portuguesa iniciada em 1500. A proclamação da República, por seu turno, é resumida
a um golpe militar mal feito, e o sistema republicano e suas instituições aparecem como
responsáveis pela situação política do Brasil hoje. Com isso, a narrativa da Brasil Paralelo
fornece munição ao movimento neomonarquista, que “propõe uma monarquia
parlamentarista, sob o argumento de que só no período do Império, houve estabilidade e
democracia ‘de verdade’”952. A própria presença dos descendentes e pretensos herdeiros do
trono da extinta casa imperial atesta a influência desses grupos na construção narrativa da
produção.
Já o episódio dedicado à era Vargas traz a associação do governo a Alemanha nazista,
enquanto relega o nazifascismo ao mesmo campo do comunismo. O Estado Novo aparece
como a “ditadura mais implacável que o Brasil conheceu na sua história”, enquanto o regime
militar chega a ser referido como “uma brincadeira de criança” perto da ditadura varguista. O
problema do “gigantismo do Estado” é associado às críticas às leis trabalhistas criadas no
período e vigentes até hoje, que oneram em excesso os empresários e à longo prazo apenas
prejudicaria os trabalhadores, levando à inflação, à queda do valor dos salários e ao
“empobrecimento geral do povo”.

950
SALGADO; JORGE, 2021, p. 732.
951
Ibidem, p. 733.
952
FIRMINO, 2021, p. 184.
234

Firmino apresenta alguns elementos que conformariam os principais léxicos


político-ideológicos mobilizados de forma interrelacionada na narrativa da Brasil Paralelo: “i)
o conservadorismo moralista (Salles, 2017); ii) as tomadas de posição anti modernas e anti
republicanas; iii) as posições ultraliberais (Rocha, 2018); iv) o conservadorismo Guerra Fria
(Salles, 2017); v) o conservadorismo cristão e o vi) conservadorismo monarquista (Quadros,
2017)”953. O conservadorismo moralista aparece intimamente relacionado com o
conservadorismo cristão954, onde toda uma dimensão religiosa é mobilizada para a refundação
de mitos e heróis nacionais, e para desqualificar o presente e a modernidade, que vivencia a
destruição da moral cristã conservadora e da família. A partir daí apresentam-se tomadas de
posição anti modernas e anti republicanas – que podemos associar aqui ao pensamento
conservador tradicionalista professado por Olavo de Carvalho e seus signatários – que vão
legitimar o conservadorismo monarquista. Esse se faz presente nas produções da BP não só
através da estética e do discurso elogioso à monarquia e ao período do Império no país, como
na própria presença de descendentes da família imperial no quadro dos “especialistas”
entrevistados. A modernidade, expressa politicamente na ideia da República, representa o
rompimento com a ordem divina, a secularização da cultura, levando à decadência política,
moral e espiritual da humanidade que passa a viver sob constantes crises e instabilidades955.
A despeito de pretensamente reivindicar um caráter “neutro”, as ideias e posições
associadas à racionalidade ultraliberal formam um léxico bastante evidente no discurso da
Brasil Paralelo, ao ponto de se autodeclararem “alinhada ao liberalismo econômico”. O
compartilhamento dessa base ideológica, como abordado, também é evidenciada não só pela
presença cativa de representantes de diferentes think tanks liberais do país em suas produções,
como no próprio mito empreendedor que a empresa encarna em seu discurso fundacional956.
Já o conservadorismo Guerra Fria recicla a retórica anticomunista para o atual contexto,
servindo como principal amálgama para os demais elementos957. Segundo Firmino

Todos esses léxicos estão ligados e se complementam nas produções da Brasil


Paralelo. Eles são articulados e são manejados pela narrativa na ordem: 1. O Brasil
está em crise, 2. Não há liberdade econômica suficiente, esse é o motivo da pobreza
e da desigualdade no Brasil, 3. A esquerda está dominando o campo cultural,
portanto, precisa-se reagir a isso de forma urgente; 4. A democracia é falsa sem

953
Ibidem, p. 181.
954
Como Firmino afere em sua pesquisa: “Em uma entrevista dos fundadores da Brasil Paralelo, ao programa
‘Brasil cristão’, ao anunciar a produtora e sua atuação, os apresentadores falam sobre como ‘Deus tem levantado
filhas e filhos em diferentes frentes para tornar o Brasil cristão’”. Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=a4zkZ0tDnGc>. Acesso em 10 jul. 2022.
955
FIRMINO, op. cit., p. 181-182.
956
Ibidem, p. 182.
957
Ibidem, p. 183-185.
235

liberdade econômica total, 5. A República foi o maior erro da História do país, 6.


Narrativa mítica sobre o descobrimento, como uma espécie de direcionamento de
Deus e 7. Raízes cristãs da monarquia presentes no processo de formação do
Brasil958.

Na concepção dos produtores, enquanto os Estados Unidos teriam uma tradição de


cultuar seus “pais fundadores”, suas tradições e sua civilização, no Brasil se faz “terra
arrasada” de sua história. Era preciso “devolver a história que nos foi negada”959. Comentando
a produção da série na entrevista para o Mises Brasil, Filipe Valerim dizia:

[...] a gente percebeu ali que grande parte dos problemas que a gente estava vivendo,
era como, digamos assim, produto, resultado de um longo processo de desconstrução
histórica e cultural, e que a gente tinha uma desconexão com as nossas tradições, e
com o legado da nossa tradição, de um modo geral, que era uma coisa que, digamos
assim, era um dos principais causadores de tudo que estávamos vivendo960.

Para Fernando Nicolazzi, essa produção de história realizada pela Brasil Paralelo se
baseia numa forma de atualização de princípios e postulados de uma historiografia do
oitocentos já superada, vendida aqui na forma de uma espécie de “nostalgia restaurativa”
associada à idealização da própria sociedade monárquica, patriarcal e escravista daquele
período961.
Pode se considerar então que esse grande “resgaste” das tradições, da cultura, dos
heróis e dos povos que que formam a nação brasileira na concepção da Brasil Paralelo,
cumpre também a função de mito palingenético962, onde a restauração da nação está associada
à recuperação de seu passado mítico, que aqui é buscado na Europa medieval passando pela
colonização e a formação do Império. A renovação cultural almejada passa primeiro pela
retomada da “verdadeira história nacional”. Esse uso do passado parece se relacionar com o
que Hobsbawm caracteriza como “a invenção da tradição”, a qual Traverso interpreta como
sendo

um passado real ou mítico em torno do qual se constroem práticas ritualizadas que


visam reforçar a coesão de um grupo ou de uma comunidade, legitimar algumas
instituições e inculcar valores na sociedade. Por outras palavras, a memória tende a
tornar-se o vector de uma “religião civil” do mundo ocidental, com o seu sistema de
valores, crenças, símbolos, liturgias963.

958
Ibidem, p. 184-185.
959
Brasil Paralelo. O que DE FATO é o Brasil Paralelo? YouTube, 2 out. 2018. Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=9RDrKmAvsik>. Acesso em: 10 fev. 2022.
960
Mises Brasil. Podcast 368 - Brasil Paralelo (Filipe Valerim). [Podcast]. Disponível em:
<https://mises.org.br/podcasts/379/podcast-368-brasil-paralelo-filipe-valerim>. Acesso em 10 abr. 2022.
961
NICOLAZZI, 2022, op. cit.
962
MELO, 2020, p. 24-25.
963
TRAVERSO, 2012, p. 11-12.
236

Em ocasião do relançamento de Brasil: A Última Cruzada no bicentenário da


Independência, a Brasil Paralelo lançou junto do estúdio de animação católico Arte Piedosa964
a animação Reconquista, cuja sinopse informa:

O drama de um povo sem memória, sem identidade e à deriva é personificado em


Pedro Astúrias: herdeiro de uma grande fortuna, ele vaga pelas ruas de uma
metrópole, perdido e sem memória, enquanto uma ameaça estrangeira ameaça
destruir todo o legado de sua história familiar. Perdido entre a realidade difícil da
vida nas ruas e visões ou alucinações que lhe mostram cenas da História brasileira
das quais sua família participou, Pedro tem pouco tempo para tentar recuperar a
memória e impedir o total apagamento do legado de sua família965.

Reconquista dá indícios de se tratar, na verdade, de um plágio da narrativa do filme


Uma História de Amor e Fúria966. Lançada em 2013 e contando com a participação de nomes
conhecidos como Selton Mello, Camila Pitanga e Rodrigo Santoro na dublagem, a animação
narra a história de um personagem que atravessa períodos marcantes da história nacional
sendo animado por um espírito guerreiro tupinambá. A narrativa passa pelas guerras de
invasão dos europeus contra os indígenas, pela Revolta da Balaiada durante o Império e pela
ditadura militar, propondo uma leitura da história “vista de baixo”, onde o personagem
reencarna em cada um destes momentos em figuras que oferecem resistência aos processos
dominantes: o indígena que viu o seu povo exterminado, o líder da Balaiada morto pelo
exército de Caxias e o guerrilheiro urbano na ditadura militar. A parte final da animação é
ambientada no cenário distópico do Rio de Janeiro no ano de 2096, onde milícias controlam
os recursos hídricos da população e um pastor evangélico ocupa a presidência da república.
Já a narrativa de Reconquista apresenta estrutura narrativa similar mas com uma
representação invertida: o personagem principal trata-se de um membro da elite econômica do
país que passa por uma “revolução vermelha” que ameaça apagar seu legado familiar. O
personagem então recebe do deus cristão a missão de recuperar esse legado através da
história, sendo encaminhado a vivenciar a história de seus antepassados representados num
soldado das Cruzadas, num bandeirante paulista e num soldado que luta pela
Independência967. As semelhanças com a estrutura narrativa de “Uma História de Amor e

964
Cf. Arte Piedosa – Estudo Católico de Animação. Disponível em: < https://www.artepiedosa.com/>. Acesso
em 20 jul. 2022.
965
O Retorno da série mais amada da Brasil Paralelo! Brasil Paralelo. Disponível em:
<https://www.brasilparalelo.com.br/noticias/retorno-da-serie>. Acesso em 20 jun. 2022.
966
Uma História de Amor e Fúria. Direção: Luiz Bolognesi, Jean de Moura. [Filme] Rio de Janeiro: Globo
Filmes, 2013. 75 min.
967
Brasil Paralelo. Reconquista: A animação inédita da nova edição de Brasil: A Última Cruzada. YouTube, 9
set. 2022. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=T6ewsQZhVuU>. Acesso em 12 fev. 2023.
237

Fúria” são evidentes, porém, utilizando-se dela em prol de uma história “vista de cima”.
Reconquista foi posteriormente removido das plataformas da Brasil Paralelo sem maiores
explicações.
A despeito de Brasil: A Última Cruzada ter consolidado a Brasil Paralelo enquanto
principal projeto de revisionismo histórico do campo da nova direita no país, o lugar da
produção de maior alcance da produtora seria ocupado pelo filme 1964: O Brasil entre Armas
e Livros968, descrito como “maior documentário já feito sobre o período” da ditadura e o
“documentário brasileiro mais visto da história”969. Lançado em 2019 no dia que os grupos
militares celebram o aniversário do golpe, a propaganda do filme amplamente disseminada
nas redes anunciava: “Os fatos que as escolas e as faculdades esconderam sobre o regime
militar foram revelados”970.
O documentário propõe uma releitura dos eventos e processos que desencadearam na
instauração do regime militar e das condições que levaram à sua queda. A narrativa se inicia
com a abordagem do cenário internacional bipolar no período da Guerra Fria, regressando à
Revolução Russa de 1917 e à formação do “Reino do terror vermelho”, e então chega ao
contexto nacional a partir da criação do Partido Comunista Brasileiro nos anos 1920 para
desembocar na conjuntura política e ideológica da década de 1960. A partir daí, a
argumentação do documentário é praticamente toda construída em torno do que seria a
descoberta inédita de um acervo documental secreto do serviço de inteligência da antiga
Tchecoslováquia (StB), submetido à KGB, que demonstraria a existência de uma conspiração
“para transformar o Brasil em um país comunista”. Tal tese se baseia no livro “1964 – O elo
perdido: o Brasil nos arquivos do serviço secreto comunista”971, lançado em 2017 por Mauro
Abranches e Vladimir Petrilak e prefaciado por Olavo de Carvalho.
O golpe militar teria sido efetivado então como última opção a fim de prevenir o golpe
iminente que viria da esquerda. Nestes termos, seria mais justo se falar numa
“contrarrevolução” executada em 1964. A narrativa do filme também procura desconstruir o
fato largamente baseado em evidências de que o golpe ocorreu sob influência da CIA e do
governo estadunidense, uma ficção que, de acordo com a BP, teria sido construída em cima de
968
Brasil Paralelo. 1964 - O Brasil entre armas e livros (FILME COMPLETO). YouTube, 2 abr. 2019.
Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=yTenWQHRPIg&t>. Acesso em: 22 jan. 2022.
969
Sobre Nós. Brasil Paralelo. Disponível em: <https://www.brasilparalelo.com.br/sobre>. Acesso em: 10 fev.
2022.
970
MAZZA, Luigi. No Facebook, Brasil Paralelo é recordista de gastos com propaganda política. Piauí, 27 maio
2021. Disponível em:
<https://piaui.folha.uol.com.br/no-facebook-brasil-paralelo-e-recordista-de-gastos-com-propaganda-politica/>.
Acesso em: 10 mar. 2022.
971
KRAENSKI, Mauro Abranches; PETRILAK, Vladimir. 1964. O Elo Perdido. O Brasil nos arquivos do
serviço secreto comunista. Campinas: Vide, 2017.
238

documentos forjados. A conclusão da narrativa é a de que os comunistas foram derrotados nas


armas, mas venceram no terreno cultural – nos livros – a partir da “estratégia gramscista”,
ocupando as universidades, as escolas, os meios de comunicação, as instituições, etc.,
estabelecendo as bases para a chegada do Partido dos Trabalhadores ao poder a partir da
construção da Nova República: “A revolução socialista deixou o campo das armas e foi para o
campo das ideias, para as universidades, para as escolas e enfim para os livros”972, encerra a
narração do filme.
Vendido como documentário que “revela detalhes que tinham sido ignorados ou
ocultados” sobre a história da ditadura militar, o que a produção faz, ao cabo, é reciclar a
narrativa dos militares e dos setores envolvidos no regime. A esquerda é que aparece como
principal responsável pelo golpe, na medida em que estaria orquestrando no subterrâneo uma
revolução que – por sorte – acabou sendo abortada em 1964. Se os militares recebem alguma
responsabilização e crítica, ela se encontra no fato de terem permanecido à frente do poder 21
anos ao invés de apenas terem feito a transição de poder como era esperado – a tese do “golpe
dentro do golpe” –, e de terem derrotado os comunistas apenas na força bélica, instaurando
um governo tecnocrático e deixando o terreno cultural aberto.
De outra parte, minimiza-se a censura, as perseguições e a suspensão de direitos
políticos, as torturas e os assassinatos promovidos por agentes do regime durante o período,
que, no limite, significaram ações justificáveis contra o “perigo comunista”. O próprio caráter
ditatorial do regime nos primeiros anos é posto sob suspeição, na medida em que “toda a
sociedade” entenderia o governo militar como legítimo. É possível identificar na narrativa um
discurso intimamente associado tanto ao udenismo de Carlos Lacerda quanto vinculado à
chamada “linha branda” da ditadura, buscando legitimar a intervenção militar e criticar
pontualmente os “excessos” praticados pela “linha dura”.
Percebe-se ainda a adoção de uma perspectiva moralista e “contrafactual” dos eventos,
na medida em que o processo histórico é analisado não com base no que ele de fato foi, mas
julgado a partir do que “seria/ poderia ter sido”. O argumento é de que o cenário teria sido
pior caso a esquerda permanecesse no poder e/ou os comunistas conseguissem uma revolução.
Mesmo que se queira pensar que os comunistas estavam próximos à chegada ao poder no
governo Jango, o que não se sustenta a partir dos discursos e dos documentos da época, o fato
é que os militares estabeleceram uma ditadura no país com a articulação golpista de 1964.
Outro ponto que fica evidente é que o “revisionismo ideológico” promovido pela Brasil

972
Brasil Paralelo. 1964 - O Brasil entre armas e livros (FILME COMPLETO). YouTube, 2 abr. 2019.
Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=yTenWQHRPIg&t>. Acesso em: 22 jan. 2022.
239

Paralelo encontra munição na própria historiografia acadêmica revisionista sobre o período


militar, banalizando e levando ao limite o argumento de que tanto os militares quanto a
esquerda eram antidemocráticos.
A fala que abre a participação dos entrevistados no documentário demonstra logo de
saída o uso do passado implícito na narrativa da Brasil Paralelo. O jornalista Percival Puggina
afirma que seria "praticamente impossível" alguém que não tenha vivido o período da Guerra
Fria avaliar as condições que levaram aos acontecimentos de 1964 devido ao “cenário social
completamente diferente” do atual973. Ora, se a compreensão de um dado evento ou
conjuntura do passado é dependente do testemunho direto de alguém que tenha vivenciado o
período, o conhecimento histórico fica, na prática, impossibilitado, limitando-se no máximo
ao estudo de poucas gerações pretéritas. Pode-se deduzir que a intenção subjacente da
colocação dessa fala estaria, na verdade, em fazer prevalecer a versão da história subordinada
ao viés ideológico da produtora se utilizando do argumento de autoridade daqueles que
vivenciaram o período, enquanto únicos que teriam legitimidade para abordá-lo, em
detrimento da elaboração do conhecimento referenciado pelos métodos próprios da
historiografia.
A montagem gráfica do filme é praticamente toda atravessada por manchetes de
jornais da época que trazem críticas ao governo Jango e estampam “atentados terroristas” dos
grupos revolucionários; imagens repetidas inúmeras vezes em tela, organizadas de forma
desconexa, fora de cronologia e nem sempre condizentes com o contexto que está sendo
abordado pelo narrador ou entrevistado. Raras manchetes aludem a ações perpetradas pelo
regime ditatorial. A intenção subjacente é a de reforçar pela repetição ad nauseam a esquerda
e os comunistas como terroristas e criminosos. Nesse escopo, vale destacar o caso envolvendo
a produção do filme no episódio de falseamento documental a partir do uso indevido de foto
de Sebastião Salgado. Em certa altura do documentário é exibida uma fotografia de autoria do
fotógrafo enquanto o narrador descreve a formação da Guerrilha do Araguaia, datada de
1967-1974, quando a imagem, na verdade, exibe garimpeiros de Serra Pelada em meados dos
anos 1980974. Mais que um erro cronológico, se tratou de uma falsificação histórica da
produtora. O episódio dá indícios de como as fontes mobilizadas são instrumentalizadas em
função da construção narrativa pretendida, sem qualquer cuidado documental.

973
Ibidem.
974
SERVA, Leão. Filme '1964' faz uso indevido de foto de Sebastião Salgado. Folha de S. Paulo, 7 mai. 2019.
Disponível em:
<https://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2019/05/filme-1964-faz-uso-indevido-de-foto-de-sebastiao-salgado.sht
ml>. Acesso em 20 jun. 2022.
240

Para além dos abusos de ordem teórico-metodológica verificados, incorrendo numa


série de omissões e distorções históricas e interpretativas, evidencia-se uma chave de leitura
moralizante da história, embasada no pensamento conservador anticomunista e na
racionalidade ultraliberal. O irônico é que a produtora procura dissimular a notória
unilateralidade do pensamento liberal-conservador em seus conteúdos afirmando que seus
pesquisadores leem autores como Marx, Habermas, Paulo Freire e Rousseau – algo vendido
como um diferencial frente à mídia tradicional e às universidades, onde segundo a empresa
não haveria debate entre fontes que partem de perspectivas conflitantes –, e que já teria
recebido personalidades “de esquerda” em seus documentários, citando como exemplos o
ministro do STF Gilmar Mendes e lideranças do PSDB, partido conhecidamente do espectro
da direita brasileira. Os cursos abertos oferecidos pela Universidade de Yale também são
referenciados como parte do referencial “de esquerda” utilizado975.
Volta-se a um modelo de história unilateral, eurocêntrico e patriarcal, marcado pela
busca de uma ideia de “essência nacional” que prioriza uma narrativa histórica linear e
monocausal, uma história “vista de cima”, dos “grandes heróis”, afeita à conspiracionismos e
que acaba apagando ou relativizando a agência histórica de determinados atores e grupos
sociais. Como observa Nicolazzi, nessa chave de leitura naturalizam-se certos elementos
enquanto outros são historicizados, instrumentalizando a história como prática moralizadora
da sociedade976. Essa concepção de uma história moralizante, que muito se aproxima da
concepção da história magistra vitae, é explicitada em artigo da BP onde se diz que “o estudo
da história e seu ensino deve ser como um pai que narra um conto de fadas ao filho. Quando
lhe conta a história, o intuito é dar algum exemplo ou noção de como agir corretamente, do
certo e do errado”977.
Salgado e Jorge analisam ainda a dimensão visual das produções, que compõe as
entrelinhas do narrador. De acordo com os autores, opera-se uma “seleção enviesada de
imagens, assim como a edição com efeitos gráficos e sonoros que potencialize certo
sentimento ou humor no espectador”, visando “[...] comunicar tudo aquilo que (não) é
enunciado explicitamente, de modo a condicionar as interpretações, nublando as
possibilidades de outras reflexões”978. Assim, subsiste toda uma construção estética e um

975
A Brasil Paralelo é uma farsa? A descrição na Wikipédia diz que sim. Brasil Paralelo. Disponível em:
<https://www.brasilparalelo.com.br/artigos/brasil-paralelo>. Acesso em: 10 fev. 2022.
976
NICOLAZZI, 2019, op. cit.
977
Por que é importante estudar história? A ampliação do imaginário é apenas uma das respostas. Brasil
Paralelo. Disponível em: <https://www.brasilparalelo.com.br/artigos/por-que-e-importante-estudar-historia>.
Acesso em 2 fev. 2023.
978
SALGADO; JORGE, 2021, p. 735.
241

apelo à dramaticidade nas produções que servem como expediente para a mobilização dos
afetos do público. Os autores observam também um uso irresponsável do recurso de
comparações históricas, conduzindo a anacronismos e incoerências teóricas e factuais979.
Outra constante em seu discurso é o uso do argumentum ad hominem

[...] através do qual se procura negar uma proposição com uma crítica ao seu autor (e
não ao seu conteúdo), [...] utilizado em praticamente todos os vídeos e contra todos
os inimigos: a esquerda seria formada por comunistas totalitários que querem roubar
nossa propriedade privada e tirar nossa liberdade; as feministas e os adeptos o
movimento LGBTQI+ seriam reacionárias e depravados que querem destruir a
família e os bons valores; os ativistas climáticos seriam anticapitalistas contrários ao
progresso econômico; os globalistas e multiculturalistas teriam interesses escusos de
destruição da pátria e imposição de um império supranacional totalitário, e assim por
diante980.

O essencial aqui é a busca do convencimento pelo recurso da verossimilhança, ainda


que fatos, evidências, racionalizações ou reflexões sejam intencionalmente selecionados –
ocultados, simplificados e distorcidos, se necessário – para fazer valer aquela versão da
história “[...] mais afinada com seu projeto de mundo, combatendo tudo aquilo que ameaça
suas crenças, espaços e privilégios e, em último grau, suas próprias existências”981. A partir
daí atacam-se valores que dão base ao projeto civilizador moderno, como a democracia, a
justiça social, a igualdade e a solidariedade em prol do enaltecimento da liberdade individual
operada pela racionalidade mercadológica. De outra parte, mobiliza-se um discurso de tom
cientificista, enquanto procuram descredibilizar os mecanismos de cidadania, as instituições
educacionais, médicas e científicas982. De acordo com Salgado e Jorge

[...] a Brasil Paralelo molda a realidade a partir dos seus interesses ideológicos,
balizados por revisionismos que visam forjar o "lado certo da história" e pela
racionalidade instrumental neoliberal. Atua, assim, como um modelador dos
comportamentos e das emoções, prescrevendo ideais de conduta, criando sentidos
próprios para os acontecimentos, produzindo visibilidades, deturpações e
simplificações, priorizando certos enunciados e silenciando outros. E, ainda, opera
fornecendo ferramentas retóricas que não visam a complexificar o debate público,
tampouco a enriquecê-lo, mas sim miná-lo, cerceá-lo e reduzi-lo à sua própria
interpretação da realidade. Sob a defesa inalienável da liberdade individual e da
moralidade conservadora, estabelecem verdades incondicionais, com pouca
legitimação científica, enquanto fomentam a polarização social através da
personificação do inimigo comum a ser liquidado, ocupada por qualquer alteridade
que fuja do padrão identitário concebido por eles como o correto983.

979
Ibidem, p. 736.
980
Ibidem, p. 737.
981
Ibidem, p. 731.
982
Ibidem, p. 729-731.
983
Ibidem, p. 737-738.
242

Conforme defendido por Rafael Nogueira em vídeo da Brasil Paralelo, trata-se de


tomar dos “doutores em História” a prerrogativa de narrar a história do Brasil, dando a ela um
tratamento mais adequado984. O objetivo é a criação de uma nova cultura emergida do seio da
“antiga ordem”, na qual uma nova história será narrada e tornada senso comum. Trata-se de
operar uma dinâmica destrutiva-construtiva, na qual a Brasil Paralelo contribui no “front
cultural”985. Gesta-se, assim, a “nova cultura” da qual o ex-secretário da Cultura do governo
Bolsonaro, Roberto Alvim, mencionou em seu discurso imitativo do ministro da Alemanha
nazista Joseph Goebbles986.
Em conformidade com a chave de leitura proposta pelo historiador Diego Martins, é
possível compreender o papel que a Brasil Paralelo desempenha na frente cultural da aliança
olavista-bolsonarista a partir da ideia da empresa como uma “produtora de mitos”987. O termo
é recorrente no jargão da base bolsonarista, sendo associado principalmente ao que seria a
figura “mítica” de seu líder messiânico Jair Bolsonaro. Mas não se trata aqui de resumirmos a
noção de “mito” a de simples mentira ou falsidade. Na semiologia de Roland Barthes,
comentada por Martins, a função do mito estaria em usar de propriedades da linguagem para
enganar, sem ocultar nada ao olhar do receptor988. Já em Malinowski e em Eliade, que
analisam o real subjacente ao discurso mítico, o mito se configura como expressão de uma
verdade cuja definição não está em si, mas nas relações sociais que são a força criativa efetiva
do mito989. Em sentido similar, Sorel procura destacar a dimensão irracional como motor da
ação política, onde o mito ocupa função importante como discurso mobilizador,
instrumentalizando emoções e princípios para a ação990. O essencial do mito, portanto, não
está na questão se o que é narrado ocorreu de fato ou não, mas em sua dimensão de força
modeladora – real e efetiva – do presente e do futuro, usualmente ocorrendo sob intensa
mobilização de signos e tradições do passado. Não há compromisso com a descrição do real
no discurso mítico. A intenção é chocar para mobilizar, provocar comoção pelo discurso.
Em linha de análise próxima, Fernando Nicolazzi também vincula a atividade da
Brasil Paralelo mais à produção de mitologia do que propriamente a uma produção de

984
Brasil Paralelo. O método que distorce a história do Brasil | Rafael Nogueira. YouTube, 22 mar. 2019.
Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=9AusF45Sjr0> Acesso em 10 jul. 2022.
985
PAULO, 2020, op. cit, p. 108.
986
ALESSI, Gil. Secretário da Cultura de Bolsonaro imita fala de nazista Goebbels e é demitido. El País, 17 jan.
2020. Disponível em:
<https://brasil.elpais.com/brasil/2020-01-17/secretario-da-cultura-de-bolsonaro-imita-discurso-de-nazista-goebbe
ls-e-revolta-presidentes-da-camara-e-do-stf.html>. Acesso em 20 jun. 2022.
987
PAULO, op. cit., p. 103.
988
BARTHES, Roland, 1989 apud PAULO, op. cit., p. 102.
989
MALINOWSKI, 1988; ELIADE, 1972. apud PAULO, op. cit., p. 102.
990
SOREL, 1992. apud PAULO, op. cit., p. 102.
243

história. Enquanto sistema de crenças que encontra em si mesma a sua fundamentação, essa
mitologia legitima a si mesma como fundamento de um determinado imaginário social, que
aqui está associado a uma concepção de mundo de extrema direita991. A BP encarna então em
si mesma o mito da revolta contra o sistema, representado pela república, pelo Estado
burocrático e pelas instituições que estariam hegemonizadas pela esquerda.
Neste sentido, as histórias e os mitos produzidos e difundidos pela Brasil Paralelo
funcionam no presente mobilizando em direção aos objetivos a serem atingidos rumo a “nova
cultura” em construção, definindo os valores e os alvos a serem perseguidos no caminho. E
isso tudo aparece embalado na forma de um produto educativo-midiático atrativo e rentável.
Em entrevista para a revista Piauí, um ex-funcionário admitia a estratégia da empresa onde
“todo filme precisa ter um inimigo, pois, sem inimigo, não há venda”992. Entre estes, um
assume o lugar de principal inimigo a ser combatido na – e pela – história.

3.3. Um espectro ronda a história: a promoção do anticomunismo nos conteúdos da


Brasil Paralelo

Resta, por fim, investigar como esses usos revisionistas e negacionistas da história
aparecem associados nas narrativas da Brasil Paralelo à promoção do anticomunismo
enquanto ideologia de consenso da nova direita. A hipótese trabalhada é a de que esse recurso
se faz presente não só naqueles conteúdos que abordam diretamente o movimento comunista,
o pensamento marxista, as experiências socialistas e as esquerdas no geral, mas aparece
presente nos mais diversos materiais de política e de história produzidos pela Brasil Paralelo a
partir de múltiplas pautas. Assim, cabe examinar tanto as representações a respeito dos
comunistas e do pensamento/movimento comunista ao longo da história, quanto os elementos
do discurso anticomunista e antimarxista que atravessa o discurso da Brasil Paralelo como um
todo.
De acordo com artigo disponibilizado no site da Brasil Paralelo sobre “O que é
Socialismo?”, este representaria “[...] uma ideologia política e socioeconômica que orienta de
forma prática como instaurar a revolução materialista e igualitarista. A finalidade é alcançar

991
NICOLAZZI, 2022, op. cit.
992
COSTA, Ana Clara. Distanciamento social. Piauí, Rio de Janeiro, set. 2021. Disponível em:
<https://piaui.folha.uol.com.br/materia/distanciamento-social/>. Acesso em: 22 set. 2022.
244

uma sociedade igualitária, sem classes e apátrida, sem nacionalidade”993. O socialismo ainda
é rebaixado a um regime onde “tudo será do Estado, que terá a responsabilidade de distribuir
tudo igualmente. Na prática, o governo passa a ser o único detentor de propriedades”994. Seu
cerne estaria na abolição da propriedade privada e na luta de classes. Esta última, longe de
significar uma categoria de análise histórica e social, é distorcida e reduzida aqui à promoção
da

[...] guerra armada entre operários e patrões, isto é, entre proletariado e burguesia.
[Marx e Engels] entendiam que era necessário criar o caos na sociedade para
derrubar a ordem vigente. Assim, acreditavam que do terror a ordem surgiria, bem
como a igualdade. Tudo isto por meio de um governo socialista que seria
implementado995.

Indo além no argumento, para quebrar as estruturas de classes os comunistas


entenderiam que seria preciso opor não só empregados contra patrões, mas “homens contra
mulheres, ricos contra pobres, negros contra brancos e homossexuais contra
heterossexuais”996. Sua proposta não seria a de eliminar a dominação, mas inverter a relação
entre classe dominante e classe dominada tal como colocada pelos marxistas.
Em outro local, o comunismo é definido como uma doutrina que busca “um paraíso
terrestre”, uma sociedade idealizada que

[...] nega a ideia de pessoa, como uma natureza intelectual dotada de vontade e
liberdade. Nega a liberdade e a dignidade, uma vez que o princípio moral é
considerado inexistente. Consequentemente, não existem direitos naturais para os
indivíduos de uma sociedade comunista, pois o bem é pensado coletivamente e não
individualmente. Inclusive, para o bem da coletividade, os indivíduos não têm
importância em si mesmos. Por isso, se alguns morrerem não será um problema.
Mortes sempre acontecem quando se tenta implementar o socialismo ou o
comunismo. [...] as consequências das ideias socialistas são que os laços familiares,
religiosos, fraternos, etc, são desfeitos e a única fonte que se sustenta é a do próprio
Estado. Os laços com o partido são os mais fortalecidos. No socialismo, o Estado
decide tudo sobre a vida das pessoas, como o que comer, o que estudar, o que fazer,
aonde ir, em que acreditar e todas as demais possibilidades da vida. A promessa é
que no comunismo não exista um Estado, mas com um Estado tão forte e
abrangente, o que se viu na história foi sempre a formação de ditaduras socialistas997.

Já o método de Marx, o materialismo histórico, é vulgarizado na explicação da Brasil


Paralelo como uma concepção onde “[...] tudo é material, sem haver o sobrenatural. Por
993
O Que É Socialismo? Descubra as origens históricas, suas diferentes correntes e influência no Brasil. Brasil
Paralelo. Disponível em: <https://www.brasilparalelo.com.br/artigos/socialismo>. Acesso em 2 fev. 2023.
994
Ibidem.
995
Ibidem.
996
Ibidem.
997
Quais são as principais ideias de Karl Marx? Brasil Paralelo. Disponível em:
<https://www.brasilparalelo.com.br/artigos/principais-ideias-de-karl-marx>. Acesso em 10 fev. 2023.
245

consequência, somente a vida econômica importa no socialismo”998. Marx ainda entenderia a


partir da dialética materialista que o comunismo sucederia inevitavelmente o modo de
produção capitalista999. Com níveis diferentes de vulgarização e sofisticação, trata-se de uma
tese comum entre os detratores de Marx – mas que já resultou também em dissensos teóricos
no seio do pensamento marxista – que imputam ao pensamento do autor e ao marxismo uma
leitura economicista e determinista da história a fim de a depreciar.
O marxismo é, assim, cristalizado no discurso da BP como um pensamento contrário
não só ao sistema capitalista e à propriedade privada, mas que ataca a família, a religião e a
liberdade individual1000. Já Marx é tomado como pensador que ensinou “a pensar que não
existe bem ou mal, verdade ou mentira. Há o que favorece a causa da revolução e o que não a
favorece. Se ajuda a revolucionar, é bom. Se não ajuda, é mal”1001. O ideal revolucionário
estaria acima de questões de ordem moral, cultural, patriótica e religiosa.
Não é à toa que mesmo com toda a sua narrativa construída em torno de um discurso
ideológico, político e histórico explicitamente afinado com o pensamento liberal-conservador,
a Brasil Paralelo insista na retórica da “imparcialidade” e da “neutralidade”. Este discurso
corresponde, na realidade, a um recurso ideológico comumente mobilizado pelas direitas:
apresenta-se as ideias de esquerda e o marxismo como “ideológicos” enquanto as ideias
liberais, o conservadorismo, o apelo à “tradição” não representam ideologias, mas o simples
“estado natural” do pensamento humano. Em contrapartida, marxismo e comunismo no
discurso conservador da Brasil Paralelo conformam teorias pseudo-científicas contrárias à
“natureza humana”1002. Essas colocações resultam justamente da função das ideologias
conservadoras em naturalizar o capitalismo como um processo orgânico, natural e
auto-reprodutivo da humanidade, inviabilizando alternativas históricas a este sistema1003.
A BP possui uma gama de conteúdos dedicados a promover a teoria conspiratória do
“marxismo cultural”. Nos termos do artigo dedicado ao tema disponibilizado no site da
produtora, o “marxismo cultural” é definido enquanto

998
O Que É Socialismo? Descubra as origens históricas, suas diferentes correntes e influência no Brasil. Brasil
Paralelo. Disponível em: <https://www.brasilparalelo.com.br/artigos/socialismo>. Acesso em 2 fev. 2023.
999
Brasil Paralelo. O FIM DA HISTÓRIA | PÁTRIA EDUCADORA - CAPÍTULO 1 | FILME COMPLETO.
YouTube, 31 mar. 2020. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=EU5sAWPKgMc&t>. Acesso em
25 jan. 2022.
1000
O Que É Socialismo? Descubra as origens históricas, suas diferentes correntes e influência no Brasil. Brasil
Paralelo. Disponível em: <https://www.brasilparalelo.com.br/artigos/socialismo>. Acesso em 2 fev. 2023.
1001
Qual é a diferença entre esquerda e direita? Brasil Paralelo. Disponível em:
<https://www.brasilparalelo.com.br/artigos/diferenca-entre-esquerda-e-direita>. Acesso em 10 out. 2022.
1002
Brasil Paralelo. Congresso Brasil Paralelo | Capítulo 3: As Raízes do Problema - Como chegamos aqui?
[Oficial]. YouTube, 17 jul. 2017. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=_u2lGJhrU14>. Acesso
em 11 jan. 2022.
1003
SOUZA, 2016, p. 112-113.
246

[...] uma vertente da teoria marxista que entende que a transformação da sociedade e
da política é feita com base em esforços acadêmicos e intelectuais contínuos para
subverter a cultura ocidental. A revolução tomará o poder não pelas armas, mas pela
destruição de valores e crenças tradicionais que serão substituídos pelos valores
revolucionários1004.

Antonio Gramsci é apresentado como o grande artífice do plano de manipular pessoas


a fim de facilitar a revolução comunista. De acordo com o discurso da BP, para o filósofo

[...] quanto mais as pessoas fossem alienadas, mais facilmente poderiam ser
manipuladas. Com o aumento da fragilidade social, das divisões entre grupos, mais
fácil seria algum tipo de revolução. Antonio Gramsci estudou o ser humano e suas
fraquezas. Assim ele aprendeu que deveria dominar a linguagem, as artes, o
imaginário. Para implantar um regime socialista, a revolução deveria ser
internalizada nas instituições e pessoas, por vias culturais e educacionais. Sua guerra
é silenciosa, não armada. Não possui força física, mas antes é baseada na força
intelectual. Para uma sociedade se tornar socialista gradativamente, seria preciso
mudar os valores culturais e morais, até finalmente chegar nos valores políticos. Em
outras palavras, Gramsci pensou que subvertendo a cultura, conseguiria implementar
os ideais revolucionários do marxismo. Modificar a linguagem, o sentido das
palavras, enfraquecer personagens heróicos, deturpar a história, contaminar
narrativas já aceitas… todos esses exemplos podem ser vistos como a prática do que
ele pensou. A finalidade é fazer morrer o que se conhece como bom, belo e
verdadeiro. [...] Quem influencia a opinião pública tem o poder de manter os ideais
de Gramsci vivos1005.

Assim, a noção gramsciana de hegemonia cultural, relacionada ao entendimento de


como o consenso é organizado no seio do Estado ampliado, é deturpada no discurso da Brasil
Paralelo enquanto uma proposta de dominação ideológica sobre a multidão, que deve se dar
sem que ninguém perceba.
De acordo com a BP, o desenvolvimento do “marxismo cultural” no ocidente teria sido
complementado pelo trabalho da Escola de Frankfurt, criada “com a finalidade de destruir a
cultura ocidental, atacando o capitalismo, a dimensão religiosa da vida e a tradição
clássica”1006. A partir dos autores frankfurtianos, o marxismo original pôde então ser
complementado com a psicanálise freudiana, a filosofia existencialista e a filosofia da
linguagem. Gramsci e a Escola de Frankfurt teriam descoberto que a cultura é, de certa forma,
uma religião exteriorizada. Embebida no relativismo, a função da teoria crítica estaria em

1004
Marxismo Cultural - a tomada do poder a partir da destruição da cultura. Brasil Paralelo. Disponível em:
<https://www.brasilparalelo.com.br/artigos/marxismo-cultural>. Acesso em 2 fev. 2023.
1005
A estratégia ‘invisível’ de Antonio Gramsci. Brasil Paralelo. Disponível em:
<https://www.brasilparalelo.com.br/noticias/a-estrategia-invisivel-de-antonio-gramsci>. Acesso em 2 fev. 2023.
1006
O que foi a Escola de Frankfurt? Entenda o papel da indústria cultural e da teoria crítica. Brasil Paralelo.
Disponível em: <https://www.brasilparalelo.com.br/artigos/o-que-foi-escola-de-frankfurt>. Acesso em 4 fev.
2023.
247

“destruir a realidade e reconstruí-la segundo a ideologia marxista”1007. Mas o grande foco de


ataque desses autores, segundo o discurso da BP, seria a família, na medida em que suas bases
estariam para os frankfurtianos na propriedade privada, na opressão patriarcal e na ética
sexual burguesa. As ideias de Gramsci e dos frankfurtianos se fariam predominantes
sobretudo através das universidades, das escolas e das grandes mídias de comunicação, focos
de destruição da família:

Pela política, alcançou-se a dominação de espaços e da classe falante: jornalistas,


cineastas, psicólogos, padres, juízes, políticos e escritores. O ensino nas escolas e
faculdades está vinculado ao projeto de destruição da família. Para tirar a autoridade
dos pais, é preciso ensinar de modo diferente do deles em todos os níveis de ensino;
é preciso reprogramar a sociedade1008.

A abordagem da Revolução Francesa e das ideias iluministas enquanto pilares da


modernidade aparecem nas produções da Brasil Paralelo como momento genético do seu
inimigo histórico designado. No episódio A Guilhotina da Igualdade de Brasil: A Última
Cruzada, o entrevistado reduz e vulgariza todo aquele debate conceitual e histórico sobre as
noções de esquerda e direita que procuramos de modo sintético apresentar no primeiro
capítulo como termos simples de se entender a partir dos dois grupos principais dispostos na
Revolução Francesa. “O lema dos jacobinos [...] deixava bem claro o que era a esquerda. [...]
'Nós precisamos enforcar o último rei nas tripas do último padre’”. Sem referenciar a autoria
de tal “lema da esquerda”, o entrevistado da BP é categórico ao consolidar que, com variações
“softs” e extremadas desse princípio: “Isso é esquerda”1009. Observa-se, assim, não só a
banalização extrema e burlesca de toda uma discussão filosófica, política e histórica sobre os
conceitos de direita e esquerda, mas a sua instrumentalização num discurso que caracteriza o
seu oponente ideológico enquanto inimigo perverso da ordem, da hierarquia e da religião.
Tal qual a leitura apresentada na obra burkeana, a Revolução Americana encarna o
modelo ideal de revolução na medida em que significou a luta dos colonos americanos pela
preservação dos seus modos de vida tradicionais. Em contraposição, o “terror revolucionário”
francês pretendera romper radicalmente com o passado e com as tradições, buscando fundar
um novo homem e uma nova sociedade baseada em valores seculares. Apesar da referência
nominal em comum, se tratariam, assim, de fenômenos radicalmente opostos1010. A Revolução

1007
Ibidem.
1008
Ibidem.
1009
Brasil Paralelo. Capítulo 3 - A Guilhotina da Igualdade | Brasil - A Última Cruzada. YouTube, 14 nov. 2017.
Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=2k7gKPjMzpE&t=21s>. Acesso em: 13 jan. 2022.
1010
Ibidem.
248

Russa, por sua vez, vai aparecer no discurso da Brasil Paralelo como uma “revolução contra o
ocidente” que contava com “forças ocultas que operavam nas sombras”1011.
A BP inclusive produziu em 2022 Invasão Bolchevique1012, documentário dedicado à
narrativa sobre o processo da Revolução Russa que meses depois foi excluído das plataformas
oficiais da produtora sem maiores informações. O documentário pretendera explicar como os
comunistas tiveram êxito em dominar o maior território do planeta, ruindo com a unidade
nacional do Império Russo e instaurando uma nova forma de governo baseada em “crenças
pelo desejo de acabar com as desigualdades”. A história do comunismo na Rússia teria tido
início ainda no reinado de Catarina II, imperatriz que, recorda-se, falecera bem antes do
nascimento de Karl Marx ou do espraiamento das ideias socialistas e comunistas pela Europa
em meados do século XIX. Sob influência da alta cúpula da filosofia inglesa e alemã,
Catarina, a Grande, teria fundado escolas e universidades por toda a Rússia a fim de “espalhar
o iluminismo e seu ideal de liberdade e teor revolucionário”. Os intentos de modernizar o
império a partir das ideias progressistas e iluministas teria levado à consequências
imprevistas, com uma nova visão de mundo adentrando no interior da Rússia e colapsando
progressivamente com as estruturas do regime.
Neste contexto, ocorre a formação da intelligentsia russa, classe intelectual que trazia
um forte anseio por reformas políticas e sociais e passava a se opor aos desígnios do czar.
Herança do jacobinismo, o socialismo toma forma primeiramente em sua vertente utópica,
contaminando sobretudo as ideias da classe artística que a política educacional alçara a um
novo patamar na Rússia. Em seguida, avançaram os marxistas, trazendo anseios por uma
transformação completa da sociedade que poria fim à hierarquia e à propriedade privada. O
grande mérito do marxismo seria o de ter estabelecido uma “ciência da revolução”, uma
técnica de como produzir revoluções que criara uma maneira de transformar a sociedade para
se chegar na utopia pretendida. Com isso, cria-se uma nova mentalidade revolucionária no
seio da intelligentsia russa.
A resistência do czar às mudanças demandadas por esses grupos teria corroborado
para um crítico quadro social que passava a colocar a própria monarquia sob ameaça, com a
organização de grupos clandestinos e tentativas de golpe. Neste contexto é criado o Partido
Operário Social-Democrata Russo, sob a liderança de Lênin. Ao líder revolucionário é
imputada a exitosa aplicação da “estratégia das tesouras”, dividindo um mesmo grupo político

1011
Brasil Paralelo. 1964 - O Brasil entre armas e livros (FILME COMPLETO). YouTube, 2 abr. 2019.
Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=yTenWQHRPIg&t>. Acesso em: 22 jan. 2022.
1012
Invasão Bolchevique - Brasil Paralelo - Filme Completo. YouTube. Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=yuznVnoOq7w>. Acesso em 10 fev. 2023.
249

em dois partidos dando a falsa ideia de que seriam inimigos, quando, na verdade, se
articulariam e trabalhariam em conjunto. Assim, os mencheviques apresentavam uma visão
etapista do caminho que a Rússia ainda devia trilhar rumo ao socialismo, enquanto os
bolcheviques supostamente incorporavam três princípios básicos: a revolução deveria ser
armada, não se deveria esperar pelo seu amadurecimento, e ela deveria acontecer a todo custo.
Trotsky e Stalin também são apresentados na narrativa de modo personalista e
caricatural, como figuras que conseguiram romper com a hegemonia de Lenin no seio do
movimento comunista e que disputavam entre si quem lideraria os rumos da revolução. No
contexto da revolução de fevereiro de 1917, que tratou de derrubar o czar, essas três
lideranças teriam então conquistado o controle do soviete de São Petersburgo, significando a
vitória da opção de depor o governo provisório formado por liberais e socialistas e finalmente
submeter a Rússia aos bolcheviques. A revolução na narrativa da BP aparece, assim, como um
plano pré-orquestrado pela estratégia dessas lideranças que manipulavam as massas. Para tal,
os revolucionários teriam contado com uma fonte de financiamento milionária vindo da
Europa Ocidental e dos EUA por parte de banqueiros e empresários como John Rockefeller,
informação inusitada que é trazida sem nenhuma preocupação com a indicação da dados que a
comprovem.
Ao fim, a maior conquista dos comunistas teria sido a de dominar o maior país do
mundo e governá-lo por décadas, sendo incapaz de alcançar a utopia pretendida ao final. Os
meios utilizados pelos comunistas para estabelecer esse domínio nefasto teriam sido
preconizados anos antes da revolução por Dostoiévski na passagem recuperada da obra “Os
demônios”, que encerra a produção da Brasil Paralelo:

Nosso clube não consiste apenas daqueles que cometem assassinatos e incêndios
criminosos. Gente assim só atrapalha. Eu não suporto essa falta de disciplina. Ora,
somos vigaristas, e não socialistas. Ouçam: Seremos apoiados por todos eles! O
professor que ri de Deus às crianças, já a seu berço, ele está conosco. O advogado
que defende o assassino, rico e convicto, já é dos nossos. Os colegiais que matam o
mujique para experimentar a sensação, são dos nossos. Os jurados que absolvem
criminosos à torto e direito, são dos nossos. O promotor que treme ao tribunal por
não ser suficiente liberal, é dos nossos. Administradores, escritores, um assombroso
número dos nossos. E eles nem sabem disso ainda. Hoje em dia ninguém tem ideias
próprias. O Deus russo foi derrotado pela vodka barata. As camponesas estão
bêbadas. As mães estão bêbadas. E as igrejas estão vazias. Apenas esperem essa
geração crescer. Apenas esperem que cresçam. Uma ou duas gerações e o crime
deixará de ser uma loucura. Mas o bom senso, justamente o bom senso da Rússia, o
transformará em dever1013.

1013
Ibidem.
250

Trata-se de uma narrativa informada por uma visão conspiracionista e anticomunista


do processo revolucionário russo, focada em determinados acontecimentos selecionados e
ações de figuras específicas e que é incapaz de explicar a conjuntura pré-revolucionária da
Rússia czarista, o quadro social e o arranjo das classes e dos grupos ali dispostos, ignorando
elementos fundamentais como o papel do campesinato russo naquele quadro social, ou o das
mulheres operárias para o estopim do processo revolucionário num contexto de guerra
mundial que se arrastava trazendo altos custos humanos e materiais para a população.
Domenico Losurdo destaca como as operações de revisionismo histórico tem como
alvo prioritário justamente o ciclo revolucionário que vai de 1789 a 1917. Nestes termos,
também se lança uma sombra sobre a resistência antifascista – recorda-se que a BP possui
uma produção dedicada exclusivamente ao tema1014 – e sobre os movimentos anticoloniais do
século XX, onde as forças políticas e sociais identificadas com o comunismo tiveram
proeminência, bem como sobre movimentos que evocam ideais progressistas de modo mais
generalista. De acordo com o autor, “o fio condutor desta gigantesca releitura do mundo
contemporâneo é a liquidação da tradição revolucionária, desde 1789 aos dias atuais”1015.
Nesta mesma linha de argumentação, Loff e Soutelo identificam que tal leitura da
história, eivada de princípios anticomunistas, trata de projetar “[...] seus efeitos de forma
retrospectiva e prospectiva – ou seja, o anátema do comunismo soviético expande-se tanto
retrospectivamente, para as origens da ideologia comunista no século XIX, quanto para todas
as correntes políticas que situam à esquerda no espectro político, até a atualidade”1016. É
preciso destacar que esta se trata de uma leitura difundida não só no seio do pensamento
conservador, como entre os liberais. No limite, leva-se a uma condescendência com
expressões do nazifascismo sobretudo em razão do seu conteúdo antimarxista e
anticomunista1017.
Torna-se, então, lugar comum a abordagem desses dois processos revolucionários que
marcaram a história do ocidente – a Revolução Francesa e a Revolução Russa – não mais
enquanto marcos importantes de mudança sócio-política no mundo contemporâneo,
entendidos a partir de suas múltiplas dimensões e determinações, mas através de contornos e
conteúdos políticos e ideológicos condizentes com a hegemonia neoliberal e conservadora.
Essas leituras vão encontrar um terreno acolhedor nas representações históricas difundidas

1014
Brasil Paralelo. OS ANTIFASCISTAS | AS GRANDES MINORIAS (EPISÓDIO 1). YouTube, 23 nov. 2020.
Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=sPjDv2y_f9M&t=576s>. Acesso em: 20 jan. 2022.
1015
LOSURDO, 2006 apud LOFF; SOUTELO, 2017, p. 145.
1016
LOFF; SOUTELO, 2017, p. 146.
1017
Ibidem, p. 147-149.
251

pela cultura midiática e no próprio senso comum conservador. Loff e Soutelo observam os
sentidos políticos e ideológicos mais mais profundos implicados nessa “anatemização” da
ideia da Revolução:

[...] o revisionismo histórico, ao liquidar a tradição revolucionária [...] e criminalizar


as revoluções, sugere que não há alternativa possível às sociedades atuais, ou seja, o
futuro será um eterno presente, a transformação social não passa de uma quimera.
Esta também é, aliás, a conclusão da ideologia do fim da história, que pode ser
considerada como ponto de encontro entre revisionismo histórico e neoliberalismo
político1018.

Na produção da BP Pátria Educadora, a “guerra entre ideologias” que o século XX


vivenciou aparece como produto das principais ideias gestadas no lema da Revolução
Francesa:

A liberdade foi representada pelo liberalismo político moderno, responsável por


novos direitos políticos e civis e favorecimento do mercado ascendente. A igualdade
teve o seu fruto no socialismo, que ambicionava estender a revolução ao campo
econômico, exterminando a diferença entre as classes oprimidas e opressoras. E a
fraternidade transformou-se no fascismo, o sonho de um novo elo social que
unificasse o território, a língua e o povo numa identidade nacional regida pelo
Estado. Essas três ideologias enxergaram o aparato estatal das escolas como veículo
de seu fortalecimento1019.

Nesta mesma produção, Olavo de Carvalho apresenta uma caracterização um tanto


quanto sui generis para o fenômeno fascista. Enquanto o discurso ideológico do fascismo
faria parte de uma corrente de pensamento anti-iluminista, este não teria nada a ver com o
regime fascista tal como se constituiu, que surge, na verdade, de outra fonte ideológica, de
uma cisão de dentro do movimento revolucionário. Os fascistas teriam sido aqueles
intelectuais no seio deste movimento que entenderam que o agente da revolução não seria
uma classe operária internacional, mas as “nações proletárias” em luta contra as “nações
burguesas”. Após o fim da Segunda Guerra, o próprio movimento comunista teria levado a
cabo essa estratégia a partir do terceiro mundismo, “criado por Stalin”1020.
O auto intitulado filósofo procura estabelecer assim uma suposta cisão no âmago do
fenômeno, como se fosse possível desvincular a ideologia fascista de sua manifestação
enquanto regime político, como abordado no primeiro capítulo. A intenção de fundo aqui
parece ser a de desassociar a ideologia fascista de suas raízes compartilhadas com as correntes
1018
Ibidem, p. 149.
1019
Brasil Paralelo. O FIM DA HISTÓRIA | PÁTRIA EDUCADORA - CAPÍTULO 1 | FILME COMPLETO.
YouTube, 31 mar. 2020. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=EU5sAWPKgMc&t>. Acesso em
25 jan. 2022.
1020
Ibidem.
252

anti iluministas e anti modernas do pensamento conservador, a fim de relegá-la ao campo


revolucionário e das esquerdas. Toma-se o culto à personalidade e o grande papel
centralizador que o Estado teve no regime stalinista e no nazifascismo como elementos que
caracterizariam a ambos como partes de um mesmo fenômeno, desconsiderando que se tratam
de elementos também presentes em diversas formas de organização do Estado capitalista ao
longo da história – e mesmo anterior à ele.
O comunismo e o fascismo, assim, compartilhariam das mesmas estratégias e bases
ideológicas. Sem qualquer referenciação, procura-se reforçar essa tese através de falsidades
como a atribuição à Lenin de uma frase que definia Mussolini como “grande nome do
socialismo”1021. Olavo de Carvalho é categórico ao afirmar em uma das produções que “o
Estado socialista e o Estado fascista no fim são “a mesma coisa”1022. Trata-se de apresentar
essas correntes antagônicas como partes de um mesmo conjunto de “ideologias totalitárias”
que se dividira em dois pólos no entreguerras.
Com interpretações mais ou menos vulgarizadas, a tese do “totalitarismo” é, assim,
mobilizada em vários momentos no discurso anticomunista da Brasil Paralelo. Enzo Traverso
entende o anticomunismo enquanto cerne dominante das formulações teóricas sobre o
conceito de totalitarismo. De acordo com o historiador, o termo é usado no geral de modo
indiscriminado e ambíguo, na medida que indica ao mesmo tempo um feito – os regimes
totalitários enquanto realidades históricas –, um conceito – o Estado totalitário como forma de
poder – e uma teoria – “um modelo de domínio definido pelos elementos comuns aos diversos
regimes totalitários, depois de haver procedido a sua comparação”1023.
Enquanto nas leituras influenciadas pelo marxismo no pós-guerra como a de Adorno e
Horkheimer o cerne do conceito está intimamente imbricado no colonialismo e no
imperialismo, se referindo além do Terceiro Reich ao “capitalismo totalitário”, para os
liberais, representados em autores como Hayek e Talmon, a questão remete ao movimento
socialista e à ideologia organicista atribuída à Marx ou a Rousseau, sendo constituída em
torno da tradição revolucionária que vai de 1789 à 1917, passando pela reivindicação de 1848
do direito ao trabalho e culminando na “democracia social ou totalitária”1024. A publicação de
Origens do Totalitarismo por Hannah Arendt em 1951 marcaria a tese que seria triunfante no
correr da Guerra Fria, estabelecendo seus alvos definitivos na Alemanha nazista e na União

1021
Ibidem.
1022
Ibidem.
1023
TRAVERSO, Enzo. El totalitarismo: historia de un debate. Buenos Aires: Universidad de Buenos Aires,
2001, p. 11. [tradução pessoal]
1024
LOSURDO, Domenico. Para uma crítica da categoria de totalitarismo. Crítica Marxista, n. 17, 2003, p.
51-53.
253

Soviética. Naquele contexto, o grande inimigo do ocidente liberal passa a ser encarnado no
totalitarismo, caracterizado como resultante inevitável e necessário da ideologia e do
programa comunista1025. Para o historiador italiano Domenico Losurdo

O defeito fundamental da categoria de totalitarismo é transformar uma descrição


empírica, relativa a certas categorias determinadas, numa dedução lógica de caráter
geral. Não há dificuldades em constatar as analogias entre URSS staliniana e
Alemanha nazista; a partir delas, é possível construir uma categoria geral
(totalitarismo) e sublinhar a presença nos dois países do fenômeno assim definido;
mas transformar esta categoria na chave de explicação dos processos políticos
verificados nos dois países é um salto assustador. [...] de modo sub-reptício as
analogias que subsistem entre URSS e Terceiro Reich quanto à ditadura do partido
único são consideradas decisivas, ao passo que são ignoradas e removidas as
analogias no plano da política eugênica e racial, que permitiriam instituir conexões
bem diferentes1026.

A ideia do que seria uma essência comum compartilhada pelos regimes fascistas e
comunistas representa, de acordo com Loff e Soutelo, uma das faces do fenômeno
revisionista, que se apoiou largamente no simbolismo conceitual evocado pela noção de
totalitarismo1027. Por meio dessa tese, observam os autores, opera-se a tentativa de
criminalização da experiência soviética sob o stalinismo, a partir de uma ótica de combate
político-ideológico que se alastra daí para uma condenação dos movimentos revolucionários e
do conjunto das esquerdas1028. Esse alargamento das comparações em direção à
desvalorização da tradição política e cultural de esquerda como um todo sofreu uma forte
inflexão a partir da queda do Muro de Berlim e do fim do chamado socialismo real no fim do
século passado, sendo usado como expediente de legitimação do neoliberalismo enquanto
modelo político hegemônico. Assim, enquanto

nos anos 1950 o liberalismo ocidental era legitimado através de sua comparação
com os totalitarismos nazifascista e comunista soviético, na década de 1990 os
exemplos totalitários do século multiplicaram-se, como forma de reiterar a
superioridade moral da democracia liberal triunfante. No entanto, raramente foram
acrescentados à lista totalitária autoritarismos de direita para além dos “clássicos”
nazismo e fascismo italiano1029.

Em ambos os momentos, de acordo com os autores, “[...] a identificação do


totalitarismo ao comunismo implicou a desideologização e naturalização histórica do
liberalismo, associado indistintamente à democracia e liberdade”1030. De outra parte, seja por

1025
Ibidem, p. 55-56.
1026
Ibidem, p. 76.
1027
LOFF; SOUTELO, 2017, p. 143.
1028
Ibidem, p. 148.
1029
Ibidem, p. 145.
1030
Ibidem, p. 144.
254

meio do uso do termo ou da simples "comparação espontânea”, a associação entre nazismo e


stalinismo se consolidou não só no meio acadêmico como no senso comum1031. Ademais,
como observado por Fernando Rosas, tais interpretações se valem justamente do ocultamento
das “ligações históricas do capitalismo ao fascismo e ao nazismo”1032.
Em Era Vargas: O Crepúsculo de um Ídolo, um dos principais títulos da Brasil
Paralelo, Rodrigo Constantino é categórico ao apresentar o que seriam os três pilares do
fascismo: Estado onipresente, sindicatos poderosos e os “grandes empresários amigos do
rei”1033. Segundo o presidente do Instituto Liberal, esse corresponderia a um modelo de
esquerda. A partir daí se segue a mixórdia argumentativa: quem defende hoje a CLT e os
direitos trabalhistas, os sindicatos fortes, o Estado intervencionista, legado da Era Vargas
inspirado no fascismo, é a esquerda. Logo, o fascismo é de esquerda1034.
Essa ideia do fascismo e do nazismo como regimes “de esquerda”, em voga nos
últimos anos no discurso da nova direita e reproduzido pelo próprio Bolsonaro quando este
esteve na presidência, além de poder ser lido como uma vulgarização da tese do totalitarismo,
parece carregar um sentido ideológico mais elementar. Joga-se ao campo do seu inimigo a
responsabilização pelas atrocidades cometidas pelos regimes nazifascistas como estratégia
para mascarar os seus próprios elementos em comum com esses fenômenos enquanto
fenômenos inscritos no campo da direita autoritária.
Na narrativa construída no documentário, comunismo e fascismo representam
ideologias exógenas à nação brasileira – liberalismo da Escola Austríaca, defesa de um
sistema monarquista inspirado em reinados da Europa pré-moderna, aparentemente, não
seriam. No entreguerras, os comunistas do PCB e os integralistas representariam, na verdade,
aparentes opostos. Vargas soubera então se aproveitar de ambos movimentos em seu favor. Se
a Consolidação das Leis Trabalhistas fora inspirada na Carta del Lavoro de Mussolini, a
criação do Departamento de Imprensa e Propaganda, o DIP, seguiria por sua vez o modelo de
censura à imprensa adotado na União Soviética e nos países socialistas. Não se menciona que
essa mesma censura vinculada à estrutura de repressão montada por Vargas fora sobretudo
dirigida justamente contra os comunistas. Getúlio Vargas, aliás, tomado como político
fascista, é caracterizado ainda como “o ídolo da esquerda brasileira” e aproximado da figura

1031
ROUSSO, 1999 apud LOFF; SOUTELO, 2017, p. 144.
1032
ROSAS, 2019 apud MATTOS, 2020, p. 58.
1033
Brasil Paralelo. Era Vargas: o Crepúsculo de um Ídolo. YouTube, 9 abr. 2018. Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=FRzjxqqZgr4>. Acesso em 15 jan. 2022.
1034
Ibidem.
255

de Lula, já que ambos encarnam o mito do “pai dos pobres”1035. Trata-se aqui de
instrumentalizar a história nacional para promoção do antipetismo e do pensamento elitista no
presente.
Antes mesmo de se aprofundar no âmbito do desenvolvimento de conteúdos
propriamente de história, o discurso anticomunista e antipetista será extensamente explorado
logo na primeira produção lançada pela Brasil Paralelo em 2016, a série Congresso Brasil
Paralelo. Após trazer um pretenso diagnóstico da atual crise brasileira e apresentar a narrativa
mítica do processo de colonização e formação da nação, o episódio As raízes do problema1036
se dedica a apontar o que seriam as causas principais do quadro crítico em que se encontra o
país: as ideias marxistas e comunistas, uma herança maldita de uma tradição filosófica que
remonta à dialética hegeliana e o materialismo ateísta de Feuerbach que vão influenciar a obra
de Marx e Engels.
A imagem que se constrói é a do socialismo/comunismo – noções empregadas aqui de
modo indistinto – como um sistema opressor, sanguinário e arcaico que tolhe dos sujeitos o
que seriam os direitos básicos da humanidade: a vida e a liberdade. Segundo um dos
entrevistados, a revolução proletária nunca teria ocorrido de fato em qualquer país na história.
O que houve, de acordo com esse discurso, foram ditaduras conduzidas por elites intelectuais
comunistas apartadas das grandes massas. Olavo de Carvalho ainda advoga na produção a
tese de que a queda do Muro de Berlim e da URSS não significaram uma derrota, mas sim a
revigoração do movimento comunista. Mais do que uma ideologia, o comunismo seria uma
cultura, que teria inclusive a capacidade de mudar de posição ideológica conforme a situação.
“As raízes do problema” apresenta ainda o que seriam as principais vertentes do
comunismo correntes no mundo ocidental a partir do pós-guerra. O socialismo fabiano e a
social-democracia visariam a implementação do socialismo de forma progressiva e menos
radical, a partir da promoção da saúde e da educação de caráter público e universal e dos
princípios de justiça social. Suas principais vias de atuação se encontram no fortalecimento do
sindicalismo e do Estado, minando de forma progressiva a propriedade privada.
De outra parte, o movimento comunista aparece revigorado a partir da confluência do
gramscismo e do pensamento frankfurtiano, cujo principal produto teria sido a criação da New
Left nos Estados Unidos. Seu objetivo seria o de desassociar o comunismo da imagem

1035
Brasil Paralelo. O FIM DA HISTÓRIA | PÁTRIA EDUCADORA - CAPÍTULO 1 | FILME COMPLETO.
YouTube, 31 mar. 2020. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=EU5sAWPKgMc&t>. Acesso em
25 jan. 2022.
1036
Brasil Paralelo. Congresso Brasil Paralelo | Capítulo 3: As Raízes do Problema - Como chegamos aqui?
[Oficial]. YouTube, 17 jul. 2017. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=_u2lGJhrU14>. Acesso
em 11 jan. 2022.
256

endurecida do regime soviético, apresentando uma esquerda progressista e purificada, muito


mais atraente, sobretudo aos jovens. Para tanto, os revolucionários passaram a se apoiar numa
série de movimentos e pautas em ascensão: o relativismo moral, o “politicamente correto”, a
contracultura, a “libertinagem sexual” e a defesa do aborto, a liberação das drogas, o
movimento hippie. Os comunistas puderam contar ainda com o movimento negro e os
Panteras Negras como importantes aliados, organizados a partir de métodos e estratégias
revolucionárias. As raízes do problema é a primeira produção da BP a trabalhar a tese do
“marxismo cultural”, associando a “estratégia gramscista” de hegemonia cultural à ascensão
do Partido dos Trabalhadores no Brasil. A própria constituição de 1988 é apresentada
enquanto expressão da forte influência do socialismo no meio político e cultural brasileiro.
A narrativa anticomunista da Brasil Paralelo é enfática ao associar o pensamento de
Gramsci a um plano conspiratório onde “todos devem ser socialistas sem que se deem conta”,
tornando o comunismo um inimigo onipresente e invisível. O sucesso da “estratégia
gramscista” no Brasil teria superado qualquer outra situação similar no mundo. A construção
desse sistema de hegemonia intelectual e cultural da esquerda aparece então estruturada por
uma série de aparelhos e instituições da sociedade civil e do Estado que estariam aparelhados
pelos comunistas: na educação, desde a formação dos professores no ensino superior até a
educação infantil, no movimento estudantil e sindical, nos direitos humanos, no mercado
editorial, no jornalismo e na grande imprensa, no show business, no cinema, na música, no
teatro, na literatura e nos mais infinitos meandros da vida social. Este seria o verdadeiro
“sistema” a organizar a sociedade brasileira a partir de inúmeros aparelhos, instituições e
órgãos que são denunciados na produção Dividindo Pessoas, Centralizando o Poder1037.
O Foro de São Paulo toma no discurso da Brasil Paralelo a forma de uma articulação
criminosa que envolve ao mesmo tempo todos os partidos de esquerda latino-americanos, a
classe jornalista, o sistema de ensino, as principais gangues de narcotraficantes do continente
e grande parcela da elite política e financeira internacional com o objetivo de organizar a
estratégia socialista no continente1038. O documentário sobre o impeachment de Dilma
Rousseff faz grandes esforços em denunciar o Foro enquanto uma criação de Lula e do PT
que, frente ao abalo no seio do movimento comunista com o fim do chamado socialismo real,
teriam o plano de “financiar a corrosão das instituições, fomentar as militâncias da esquerda,
eleger presidentes em todos os países da América Latina, e fundar a Pátria Grande

1037
Brasil Paralelo. Capítulo 4: Dividindo pessoas, centralizando o Poder | Congresso Brasil Paralelo | [Oficial].
YouTube, 16 dez. 2016. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=JYu8vpDTqIE&t=23s>. Acesso
em 11 jan. 2022.
1038
Ibidem.
257

transformando o continente na nova força comunista do planeta”1039. As próprias causas para a


explicação do momento político e social que o país vivia à época do impeachment são
buscadas no contexto da Guerra Fria, onde as ideias comunistas avançavam pelo mundo e os
revolucionários ameaçavam tomar o poder no continente através de guerrilhas. A Teologia da
Libertação, tomada como casamento entre o cristianismo e o marxismo, também é apontada
enquanto um dos grandes sustentáculos dessas forças, sendo fomentada pela própria KGB1040.
A criação do PT ao fim da ditadura militar é apresentada na produção como uma
síntese de quatro grupos principais: os intelectuais gramscistas, o movimento sindicalista,
guerrilheiros que retornavam do exílio e grupos da Igreja Católica ligados à Teologia da
Libertação. Mas o PT seria apenas um dos partidos a sustentar a hegemonia da esquerda no
país, que contaria ainda com o PSDB, representante da social-democracia, e com o PMDB,
representante maior do estamento burocrático1041.
Neste ponto, a Brasil Paralelo trata de reproduzir a tese popularizada no seio da
extrema direita por Olavo de Carvalho da já mencionada “estratégia das tesouras”, tida como
uma criação leninista aplicada na Revolução Russa e reciclada pro contexto nacional que
visaria estabelecer uma falsa oposição entre dois grupos que, na verdade, pretenderiam aplicar
a mesma ideologia. Segundo Olavo de Carvalho, tal estratégia garantiu ao longo desses anos o
revezamento do poder entre o PT – o partido “gramscista” por excelência e a ala mais
“radical” do comunismo – e o PSDB – seu setor mais “moderado”, ou a “ala direita do
comunismo” – com a anuência do partido supostamente isento, o PMDB. Não existindo no
país, segundo tal narrativa, partidos, jornais e instituições de ensino que fossem de fato de
cariz conservador, a maioria da população – que também seria conservadora – teria sido
alijada da democracia por todos esses anos1042. Essa tese é explorada extensivamente na série
da BP O Teatro das Tesouras, que dedica um episódio a cada eleição presidencial ocorrida
desde a redemocratização. Em texto replicado no site da BP, Olavo explica que a “estratégia
das tesouras”

[...] consiste em fazer com que a ala aparentemente inofensiva do movimento


apareça como única alternativa à revolução marxista, ocupando o espaço da direita
de modo que esta, picotada entre duas lâminas, acabe por desaparecer. A oposição
tradicional de direita e esquerda é então substituída pela divisão interna da esquerda,

1039
Brasil Paralelo. Capítulo 6: Impeachment: do Apogeu à Queda | Congresso Brasil Paralelo | [Oficial].
YouTube, 5 abr. 2017. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=PZtwu0IWWHY&t=2852s>. Acesso
em 12 jan. 2022.
1040
Ibidem.
1041
Ibidem.
1042
Olavo de Carvalho. Olavo de Carvalho - O aviso mais importante que já dei aos brasileiros. YouTube, 24 set.
2018. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=Px52qSmdQs8&t=16s>. Acesso em 10 set. 2022.
258

de modo que a completa homogeneização socialista da opinião pública é obtida sem


nenhuma ruptura aparente da normalidade. A discussão da esquerda com a própria
esquerda, sendo a única que resta, torna-se um simulacro verossímil da competição
democrática e é exibida como prova de que tudo está na mais perfeita ordem1043.

De acordo com a narrativa da BP, enquanto herdeiro do socialismo fabiano, o próprio


governo FHC teria preparado o caminho ao comunismo e ao PT investindo em ONGs,
abrindo a educação nacional aos parâmetros da ONU, e se associando à entidades como a
UNE, CUT e MST, organizações que, na realidade, sofreram uma série de derrotas nesse
período frente ao estabelecimento da hegemonia do programa neoliberal1044.
Mais do que se apoderar da cultura e das instituições, o discurso da Brasil Paralelo é
de que o projeto de poder “comuno-petista” se utilizou de mecanismos escusos de corrupção
para implementar a sua estratégia. E corrupção aqui não é um tema relacionado apenas a
determinado partido ou governo, mas é cristalizada como essência do próprio pensamento de
esquerda e dos comunistas na medida em que, de acordo com esse discurso: “na mentalidade
revolucionária, roubar dinheiro para o partido não é imoral desde que seja pela revolução. [...]
A corrupção era levada pelo partido como uma forma de fazer revolução”1045.
O anticomunismo também será promovido extensivamente na narrativa do filme de
maior repercussão da Brasil Paralelo, 1964: O Brasil entre Armas e Livros1046. A narrativa
remonta de início a 1917 a fim de explicar o início do plano dos revolucionários de
“conquistar o mundo e implementar o comunismo em todos os países”. A Revolução é
entificada como assassina da família imperial russa que implementou em seu lugar o “Reino
do Terror Vermelho”, um regime sanguinário que tinha “Lenin como Deus e Stálin e Trotsky
como papas vermelhos”. O episódio conhecido como Holodomor e os gulags teriam
representado o ápice dessa "ditadura totalitária”. Do outro lado, o ocidente representado pelos
Estados Unidos como principal potência mundial é apresentado como uma democracia liberal
baseada na sociedade de mercado e nos “valores cristãos”. Sociedade modelar esta, não custa
lembrar, onde até o ano do golpe militar no Brasil cidadãos ainda viviam sob regime de
segregação racial amparada pela lei. Entrementes, nota-se como a narrativa mobiliza todo um
discurso e imaginário religioso negativo em relação aos comunistas.

1043
O Teatro das Tesouras - a política brasileira nua e crua. Brasil Paralelo. Disponível em:
<https://www.brasilparalelo.com.br/artigos/teatro-das-tesouras>. Acesso em 30 set. 2022.
1044
Brasil Paralelo. Capítulo 6: Impeachment: do Apogeu à Queda | Congresso Brasil Paralelo | [Oficial].
YouTube, 5 abr. 2017. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=PZtwu0IWWHY&t=2852s>. Acesso
em 12 jan. 2022.
1045
Ibidem.
1046
Brasil Paralelo. 1964 - O Brasil entre armas e livros (FILME COMPLETO). YouTube, 2 abr. 2019.
Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=yTenWQHRPIg&t>. Acesso em: 22 jan. 2022.
259

Numa fácil concessão a uma narrativa de cariz conspiracionista, a União Soviética é


representada nos termos de artífice de “um plano maligno para o Brasil”, tensionando para a
eclosão de uma guerra civil no país. No quadro da Guerra Fria, a Revolução Cubana
representava o pior exemplo que o Brasil poderia seguir no continente americano. O serviço
secreto de inteligência e informação da KGB aparece como sistema que a tudo e a todos
dominava, cumprindo o papel de disseminar propaganda comunista e incitar guerrilhas e
manifestações ao redor do globo naquele contexto. Além da KGB e da StB, atuariam no
Brasil serviços de outros países do bloco socialista como da Polônia, da Alemanha Oriental,
da China e de Cuba. Enquanto isso, uma organização com a importância e a desenvoltura do
PCB no processo político nacional daquele período é reduzida à simples aparato da
Internacional Comunista no país, sem vida própria. Já o MST aparece como descendente das
guerrilhas armadas no campo, treinadas por Cuba.
A esquerda e os comunistas aparecem como os verdadeiros culpabilizados pelo golpe
por meio de dois argumentos principais que não encontram sustentação em evidências: Jango
estaria cada vez mais próximo dos comunistas e da própria KGB, insuflando greves e
empurrando o regime para uma “República sindicalista” que na prática significaria uma
ditadura populista, deflagrando uma situação “pré-revolucionária” no país que fez acender o
alerta dos militares; e de que as guerrilhas já teriam se iniciado em 1963. De tal sorte, estas
não teriam sido uma resposta ao golpe, mas o golpe é que aparece como uma resposta às
guerrilhas e ao avanço dos comunistas.
Desconsiderando oportunamente as Jornadas de Junho de 2013 e as próprias
manifestações da direita pelo impeachment a partir de 2015, a Marcha da Família com Deus
pela Liberdade é pintada como “a maior manifestação pública da história do Brasil”, onde
“milhões de brasileiros disseram ‘não’ ao comunismo”. A marcha chega a ser comparada
como “gigantescamente maior do que a Coluna Prestes”. Um grande consenso entre a Igreja,
a imprensa e a população teria se formado em favor dos militares em 1964. Assim, o regime
teria sido instaurado de forma pacífica e com respaldo popular, só se tornando uma ditadura
de fato a partir de 1968 com o AI-5. Essa ideia da construção de um consenso ativo em torno
dos militares, na verdade, não se sustenta frente a dados da época, que apontam que a Marcha
levou, na verdade, de 500 a 800 mil pessoas nas ruas1047 – o que representava menos de 1% da

1047
MARIN, Pedro. As “verdades” paralelas do Brasil Paralelo. Revista Ópera, 5 abr. 2019. Disponível em:
<https://revistaopera.com.br/2019/04/05/as-verdades-paralelas-do-brasil-paralelo/>. Acesso em 20 set. 2022.
260

população – e que 42% da população considerava o governo Jango “bom ou ótimo” e 30%
“regular”1048.
No momento em que é narrado o golpe no documentário, com a reprodução da
conhecida fala de Moura Andrade no congresso que institui a “vacância na presidência”,
chama a atenção a montagem visual da sequência pela edição do filme, onde exibem-se em
frames algumas figuras tingidas sob filtro de cor vermelha: a imagem de Marechal Deodoro é
seguida pelo brasão da República, que se segue à Vargas e ao emblema do PTB, substituído
pelo símbolo do PCURSS e depois pela figura de Jango, culminando na bandeira do MST –
uma organização que, recordemos, surge apenas em 1984. A mensagem a ser transmitida aqui
ao telespectador – que pela velocidade da exibição das imagens poderia ser associada ao estilo
das “mensagens subliminares” – parece ser clara: a República e o seu sistema são as raízes do
problema e das crises políticas que o país vivencia em sua história, e foram responsáveis por
sedimentar o terreno para o perigo maior representado pela esquerda e pelos comunistas, os
verdadeiros culpados por aquele quadro político e social. Isso tudo, recorda-se, enquanto se
narra um golpe civil-militar que se utilizou da “ameaça comunista” como pretexto para uma
articulação que promoveu uma ruptura com a institucionalidade republicana e se instaurou no
poder por mais de vinte anos.
Boa parte da narrativa de “1964” é destinada a denunciar o “terror revolucionário”
propagado pelos comunistas, que desde antes desse período já estariam organizados em
movimentos armados para tomar o poder. Após o golpe, o terrorismo da esquerda teria se
tornado corriqueiro com assaltos à bancos e estabelecimentos comerciais, explosão de bombas
em lugares públicos, sequestros, fuzilamento, tortura de inocentes e assassinatos de
desertores. O objetivo dos guerrilheiros seria a implementação de uma “outra ditadura”, a do
proletariado, momento em que a infausta entrevista de Fernando Gabeira é trazida como
evidência cabal de tal intento pela esquerda. Portanto, se trataria de uma “falsificação
histórica” o consenso de que pessoas como Carlos Marighella e a ex-presidente Dilma haviam
lutado pela democracia, liberdade e direitos humanos. Curiosamente, os únicos momentos que
o documentário dedicado ao tema da ditadura militar lembra a questão da democracia e dos
direitos humanos é para imputar sua violação aos regimes socialistas e aos guerrilheiros. Já os
“excessos” e prática de crimes pelo regime militar aparecem como desvio pessoal de
“psicopatas” e “perversos”. A prática da tortura sequer teria sido uma política de Estado na

1048
MOTTA, Rodrigo Patto Sá. O golpe de 1964 e a ditadura nas pesquisas de opinião. Revista Tempo, v. 20,
2014, p. 6.
261

ditadura, mas um “exagero”, sendo instrumentalizada para a propaganda da esquerda e do


movimento estudantil.
Na narrativa conservadora da Brasil Paralelo, a década de 1960 fora marcada por
mudanças profundas que ameaçavam erodir com as crenças, valores e tradições seculares da
sociedade ocidental cristã. Com a classe trabalhadora não aderindo à revolução “como Marx
havia previsto”, a estratégia dos comunistas passa a se dirigir para o meio cultural, a fim de
destruir todos os valores, a moral, a religião e a família. A contracultura, o movimento hippie,
a liberalização sexual e das drogas, a pauta do aborto, seriam suas novas frentes de batalha.
Além de Gramsci e da já mencionada Escola de Frankfurt, o filósofo marxista húngaro
György Lukács também aparece referenciado nesta seara de intelectuais que inauguraram o
“marxismo cultural”. Os frankfurtianos teriam sido importantes na admissão do papel de
“novas classes revolucionárias”: intelectuais, estudantes e o lumpen-proletariado, que seria
formado por prostitutas, drogados e bandidos.
O Maio de 1968 aparece então como ponto de culminância da mudança da estratégia
revolucionária para a esfera da cultura, supostamente passando a ser entendida pelos
marxistas enquanto a “verdadeira infraestrutura da sociedade” no lugar da economia. Tal
estratégia compreenderia uma conquista silenciosa e subterrânea da hegemonia nos aparelhos
educacionais, nas instituições religiosas e nos meios de comunicação a fim de “pervertê-los e
criar um novo modo de pensar”. A narrativa defendida pela Brasil Paralelo é clara: os
comunistas haviam sido derrotados econômica e politicamente, mas venceram na guerra
cultural.
A narrativa destaca ainda os jovens como categoria da população mais propensa aos
ideais revolucionários, onde sobretudo a partir do Maio de 1968 seriam usados como “massa
de manobra” pelos comunistas. A indústria cultural intensificada a partir dos anos 1970
auxiliava no processo por meio da disseminação massiva de filmes, músicas, festivais de TV,
etc. contestatórios à ordem. Artistas como Chico Buarque, Gilberto Gil, Caetano Veloso e Elis
Regina aparecem como os principais nomes da contracultura no país, moldando a cultura de
uma “juventude rebelde” afeita à “maconha, praia e farra”, conforme a fala do jornalista
William Waack1049.
Segundo Olavo de Carvalho, no contexto da ditadura a esquerda brasileira havia se
bipartido numa espécie de divisão de trabalho: uma parte indo morrer nas guerrilhas enquanto
a outra parte, mais ligada à Prestes e ao PCB, passara a se dedicar ao estudo e à aplicação da

1049
Brasil Paralelo. 1964 - O Brasil entre armas e livros (FILME COMPLETO). YouTube, 2 abr. 2019.
Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=yTenWQHRPIg&t>. Acesso em: 22 jan. 2022.
262

“estratégia gramscista” na sociedade brasileira. O discurso é de que os militares falharam


justamente em não expurgar os comunistas das instituições, das universidades e da cultura.
Com isso, a própria escrita da história daquele período ficaria nas mãos da esquerda cultural e
da historiografia marxista1050. De acordo com Olavo, a mentalidade tecnocrática levada a cabo
nos governos militares, herança de um positivismo característico das Forças Armadas
brasileiras, acabou, na verdade, por desarticular a direita política e ideologicamente durante a
ditadura. Ao extinguir os partidos políticos e esterilizar o poder efetivo do congresso, os
militares teriam prejudicado a organização e os instrumentos da direita, enquanto a esquerda
se reestruturava e se reorganizava na surdina.
Ao se encaminhar para a redemocratização, o argumento mobilizado em “1964” é o
seguinte: se a ditadura fora tão repressiva e anticomunista assim, como que no momento em
que o regime cai o PT é que aparece como “única força política organizada”? Um partido que
teria surgido justamente da síntese do novo sindicalismo com o “gramscismo”. A impressão
que fica é a sugestão de que a ditadura fora insuficientemente anticomunista. Tanto foi assim,
que a esquerda e a extrema esquerda aparecem aqui como força protagonista na articulação
das Diretas Já e da nova Constituinte, ficando a encargo dos ex-guerrilheiros fundarem o
“mito de uma Nova República”. Curiosamente se apaga o jogo partidário entre as legendas
que ganharam a sucessão presidencial, o PMDB e o PFL, bem como a formação do “Centrão”
naquele contexto. Até a chegada definitiva da esquerda no poder com a eleição de Lula em
2002, as instituições, a mídia, a educação e a cultura já viriam sendo progressivamente
aparelhadas pelos marxistas e pela esquerda através da “estratégia gramscista”, gestada nas
universidades e posta em marcha ainda sob o regime militar.
Em material extra disponibilizado para os assinantes da plataforma da BP, Olavo de
Carvalho, ao falar da “direita truculenta no tempo dos milicos”, menciona o antigo CCC
(Comando de Caça aos Comunistas) da época da ditadura como aqueles que “queriam só
bater em comunista”. Segue daí a mensagem veemente do “professor” aos risos: “Os
comunistas merecem apanhar? Sim, muitos deles merecem, sem sombra de dúvidas. Mas
nunca houve no Brasil uma direita organizada"1051. Esse tipo de discurso inflama o
anticomunismo da base bolsonarista através da desumanização do adversário, mobilizando
ódio e violência simbólica, que no caso, legitima a prática de tortura, a repressão e a violência

1050
Ibidem.
1051
Olavo de Carvalho. Entrevista para a produção Pátria Educadora. Plataforma de Membros Brasil Paralelo.
Disponível em:
<https://plataforma.brasilparalelo.com.br/playlists/patria-educadora-olavo-de-carvalho/media/5e985a2c98a2ca00
1f648079>. Acesso em 2 fev. 2022.
263

física contra seus opositores. Em artigo publicado no site da BP dedicado ao tema do


anticomunismo, Olavo inclusive é aclamado como “um dos principais pensadores
anticomunistas do Brasil”1052.
No âmbito da pauta educacional, o discurso anticomunista será fortemente explorado
na série Pátria Educadora. A “doutrinação marxista”, tomada como principal motivo pelo
atual estado crítico do sistema de ensino nacional junto da ideia de educação pública gratuita e
obrigatória ofertada pelo Estado, encontraria suas bases para profusão na sociedade brasileira
a partir do pensamento nefasto de Paulo Freire. A pedagogia paulofreiriana seria fortemente
influenciada pela Revolução Cultural chinesa, que tinha por principal foco a transformação do
sistema educativo tradicional. Mas a ideia de uma “revolução cultural” já viria sendo gestada
antes pelos intelectuais marxistas ligados à Escola de Frankfurt1053.
A pedagogia de Paulo Freire – caracterizado como um “neomarxista vulgar” à
brasileira – estaria baseada numa tradução barata da ideia da luta de classes para dentro da
sala de aula, substituindo a figura do trabalhador oprimido no processo de trabalho pela figura
do aluno oprimido pelo professor no processo de escolarização. O adjetivo “macabro” chega a
ser utilizado em referência à obra do autor, enquanto seu principal livro, Pedagogia do
Oprimido, é representado como o “Mini manual do guerrilheiro educador”. A estratégia de
Freire residiria na instrumentalização do processo pedagógico como motor da educação e da
conscientização dos “oprimidos” para a revolução. Angicos e as exitosas experiências de
alfabetização e educação popular são representadas de modo contraditório como fruto de uma
pedagogia arcaica, que cristaliza a consciência dos sujeitos em suas próprias condições sociais
rebaixadas, ao mesmo tempo que significa uma ameaça à ordem. A própria ideia de se discutir
Paulo Freire é colocada como absurda em si, visto ter se tratado de um pensador que “morreu
defendendo genocidas”1054. Ao fim, recorre-se ao velho recurso do argumentum ad hominem a
fim de deslegitimar as ideias de seus oponentes intelectuais de forma apriorística.
A promoção do anticomunismo através da representação da China, entrementes, não
se limita à exploração da história da Revolução Chinesa, que ao lado da Revolução Russa
aparece como responsáveis pelos maiores genocídios da história humana. Enquanto uma das
principais potências mundiais, a China e o Partido Comunista da China aparecem em
materiais da BP encarnando esse grande mal na atualidade à nível de influência global. São

1052
O Movimento Anticomunista: conheça a história da luta contra o marxismo. Brasil Paralelo. Disponível em:
<https://www.brasilparalelo.com.br/artigos/anticomunismo>. Acesso em 20 abr. 2023.
1053
Brasil Paralelo. PELAS BARBAS DO PROFETA | PÁTRIA EDUCADORA - CAPÍTULO 2 | FILME
COMPLETO. YouTube, 1 abr. 2020. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=UPDjFGGN2w0>.
Acesso em 25 jan. 2022
1054
Ibidem.
264

comuns matérias em seu site com relatos de “sobreviventes do comunismo chinês” e que
denunciam uso de mão de obra escrava pelo PCC1055. Campos de trabalho forçado iniciados
na época de Mao ainda seriam comuns na China1056. A potência passa, assim, a ocupar o lugar
outrora preenchido pela União Soviética no imaginário anticomunista internacional.
Sendo mais difícil associar nos dias atuais a imagem da segunda maior economia
mundial à clássica representação do comunismo enquanto sinônimo de fome e pobreza, resta
à BP promover a imagem da Venezuela enquanto país socialista decadente e miserável, um
exemplo nefasto que o Brasil correria o risco de seguir. Trata-se de explorar o tal medo do
“Brasil virar uma Venezuela” tão caro e útil aos bolsonaristas e à nova direita.
Muitas das simbologias e representações sobre o comunismo promovidas nas
produções da Brasil Paralelo fazem parte de um ideário anticomunista secularmente
mobilizado pela direita. Neste escopo, à exemplo, Carla Luciana Silva recupera um folheto
produzido pelos integralistas na década de 1940 intitulado “O que todos os brasileiros têm a
perder com o comunismo” que traz imagens do comunismo como “aberração política e
moral”, “escravização do indivíduo”, “ditadura totalitária”, uma ideologia contrária à religião,
à pátria e à liberdade do indivíduo1057.
Outra imagem recorrente mobilizada no imaginário anticomunista da Brasil Paralelo
trata-se da patologização do pensamento do adversário, associando o socialismo e o
comunismo a uma espécie de doença ou vírus contagioso. Esta última representação ganharia
maior vigor com a pandemia da COVID-19, a partir de teorias conspiratórias que relacionam
o coronavírus a um projeto criado pelo governo comunista chinês.
A narrativa do espraiamento do movimento revolucionário e do marxismo após a
dissolução da União Soviética para o âmbito das chamadas “lutas identitárias” é explorada na
série As Grandes Minorias. Os Antifas1058 aparecem aqui como terroristas revolucionários
articulados globalmente com o objetivo de derrubar o sistema capitalista: black blocks,
neopunks e ativistas climáticos são partes desse grande complô. No caminho, estes
classificariam todos aqueles que defendem os valores tradicionais e a ordem como fascistas,
quando o epíteto, na verdade, se aplicaria a eles próprios.
1055
Professor de Harvard denuncia escravidão moderna em minas controladas pelo Partido Chinês. Brasil
Paralelo. Disponível em:
<https://www.brasilparalelo.com.br/noticias/professor-de-harvard-denuncia-escravidao-moderna-em-minas-contr
oladas-pelo-partido-chines>. Acesso em 2 fev. 2023.
1056
Brasil Paralelo. PELAS BARBAS DO PROFETA | PÁTRIA EDUCADORA - CAPÍTULO 2 | FILME
COMPLETO. YouTube, 1 abr. 2020. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=UPDjFGGN2w0>.
Acesso em 25 jan. 2022
1057
SILVA, 2018, p. 118.
1058
Brasil Paralelo. OS ANTIFASCISTAS | AS GRANDES MINORIAS (EPISÓDIO 1). YouTube, 23 nov.
2020. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=sPjDv2y_f9M&t=576s>. Acesso em: 20 jan. 2022.
265

O segundo episódio da série, Geração sem Gênero1059, procura denunciar o avanço do


movimento feminista e LGBTQIA+ sobre o campo da cultura, da educação, dos esportes, da
legislação e da própria linguagem a partir das discussões sobre gênero e sexualidade. Esses
movimentos seriam uma forma de coerção sobre os defensores da família patriarcal e dos
valores tradicionais, obrigando a aceitação de pautas abjetas como educação sexual nas
escolas, adoção da linguagem inclusiva e do gênero neutro, e de pessoas transgêneros em
categorias esportivas femininas.
Já no episódio Vidas (negras) importam1060, os Panteras Negras, o movimento Black
Lives Matter e a luta contra a discriminação racial seriam fachadas que ocultariam o real
objetivo desses movimentos taxados como terroristas: derrubar o capitalismo em prol do
estabelecimento de um regime comandado pelas “minorias”. Para tanto, teriam como foco
insuflar o ódio racial dos negros contra os brancos enquanto motor da revolução. Entrementes,
nota-se que aqui o avanço de pautas identitárias e multiculturalistas aparecem como um
esforço subterrâneo do comunismo reinventado, e não fruto da fragmentação da luta de
classes sob a hegemonia do neoliberalismo, com essas pautas tornando-se cada vez menos
orientadas por lutas coletivas do que através de discussões de subjetividade individual1061.
Seguindo essas representações presentes em suas produções, a partir de Ornelas et. al.
podemos compreender que a narrativa mobilizada pela Brasil Paralelo conforma “[...] uma
ferramenta biopolítica que serve para reiterar um ciclo vicioso, fomentando toda forma de
inferiorização, discriminação, preconceito e intolerância contra tudo aquilo que é diferente e
que passou a ser desqualificado como marxismo cultural, esquerdismo, comunismo,
socialismo, etc”1062. E neste aspecto, a fala de um dos entrevistados das produções da BP é
nítida em sua proposição, ao defender que é preciso “combater tanto o comunismo quanto os
comunistas”1063.

3.3.1. A título de encerramento: A Direita no Brasil Paralelo

1059
Brasil Paralelo. GERAÇÃO SEM GÊNERO | AS GRANDES MINORIAS (EPISÓDIO 2). YouTube, 25 nov.
2020. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=EOdcJ7JuiXk&t=358s>. Acesso em 20 jan. 2022.
1060
Brasil Paralelo. VIDAS (NEGRAS) IMPORTAM | AS GRANDES MINORIAS (EPISÓDIO 3). YouTube, 27
nov. 2020. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=hyAGftWKEh0&t=4s>. Acesso em 20 jan.
2022.
1061
CARAPANÃ, 2018, p. 37.
1062
ROSA, 2020, p. 322.
1063
Brasil Paralelo. A Direita no Brasil. Plataforma de Membros Brasil Paralelo, mar. 2023. Disponível em:
<https://plataforma.brasilparalelo.com.br/playlists/a-direita-no-brasil>. Acesso em 20 abr. 2023.
266

Caberia trazer ao fim alguns apontamentos sobre um dos últimos lançamentos da


Brasil Paralelo, a produção A Direita no Brasil1064, na medida em que o documentário se
propõe a apresentar uma análise sobre o processo de ascensão da nova direita no país até a sua
derrota para a esquerda nas eleições presidenciais de 2022; que em sua leitura significa um
novo momento de avanço do comunismo no Brasil. Trata-se, assim, de trazer a perspectiva da
própria nova direita sobre suas bases de pensamento e sobre os processos políticos analisados
no primeiro capítulo. A produção afirma ter reunido figuras de diferentes posições ideológicas
para fazer o balanço crítico do período, quando, na verdade, apresenta apenas representantes
de diferentes matizes do pensamento liberal-conservador que no máximo divergem em
aspectos da leitura de conjuntura e irão discordar dos rumos tomados pela direita a partir do
governo Bolsonaro, expressando fragmentações abertas no seio de grupos que compartilham
dos mesmos princípios, valores e bases ideológicas. O documentário é explícito em seus
objetivos: examinar o caminho percorrido pela direita na chegada ao poder até a sua
deposição, procurando “extrair lições e aprender com os erros” na direção da realização de
uma autocrítica, tal como seria feito nos movimentos de esquerda.
Aprofundando a leitura que já havia realizado no documentário sobre o impeachment,
a narrativa do filme remonta aos acontecimentos de 2013 enquanto marco da conjuntura em
que a direita ascende no país, momento em que teria se feito evidente uma crise de
representação que une vários setores contra o PT e a corrupção. Na visão da nova direita, se o
PSOL e a esquerda radical foram responsáveis por organizar as manifestações iniciais que
demandavam a ampliação de serviços públicos, estes grupos logo perderam as ruas para a
direita, que introduziu símbolos e valores nacionais nas manifestações sob a bandeira do
“Sem partido”. Na fala de Fernando Holiday, ex-integrante do MBL, a direita que se
apresentou em 2013 era espontânea, sem liderança ou movimentos organizados, diferente da
direita que avança em 2015 a partir das marchas pelo impeachment. Janaína Paschoal, por seu
turno, enxerga 2013 como composto por grupos plurais e discorda que aquele momento tenha
algo a ver com o “nascimento da direita”, visto que a direita como pensamento teria sempre
existido1065.
O Brasil é apresentado por um dos entrevistados como herdeiro de duas tradições
políticas distintas: uma que se inicia em 1500, se desenvolve sob o domínio da coroa
portuguesa e atinge uma maturidade propriamente nacional durante o período imperial, e

1064
Brasil Paralelo. A Direita no Brasil. Plataforma de Membros Brasil Paralelo, mar. 2023. Disponível em:
<https://plataforma.brasilparalelo.com.br/playlists/a-direita-no-brasil>. Acesso em 20 abr. 2023.
1065
Ibidem.
267

outra que começa com o golpe que instaurou a república, dando início a uma tradição não
virtuosa baseada na ideia de política autoritária. O conservadorismo brasileiro é tido enquanto
descendente da primeira, ganhando forma política ainda no século XIX com os saquaremas e
o Partido Conservador, defensores da unidade nacional em torno da coroa, do respeito às
tradições, e da promoção do progresso a partir da ordem, cuja maior conquista teria sido a
preservação da monarquia brasileira. Com o fim desta, o conservadorismo brasileiro teria
atravessado o século seguinte por meio de movimentos, atores e partidos com pouca ou
nenhuma articulação entre si: as denúncias de Eduardo Prado contra os desmandos
autoritários da Primeira República, passando pelo anti-varguismo de Carlos Lacerda e da
UDN, pela recuperação da filosofia católica por José Pedro Galvão de Souza, até o
anticomunismo que instaurou o regime militar. Paradoxalmente, como já visto, o discurso
defendido aqui é de que os militares teriam entregado o país nas mãos de uma esquerda
organizada e fortalecida. Enquanto principal corrente da direita ao lado do liberalismo, o
conservadorismo é definido como

[...] vertente política que deseja conservar um determinado estado de coisas em


contraposição ao ímpeto de mudanças característico do progressismo. Não se trata
de um movimento contrário ao progresso e à criação de novas maneiras de pensar e
agir. [...] Mas o conservadorismo se baseia na convicção de que o processo deve
ocorrer de forma lenta, gradual e orgânica, deixando aberta a possibilidade de voltar
atrás caso o caminho percorrido se mostre perigoso1066.

Entrementes, frente a predominância do pensamento liberal na sociedade moderna, “as


coisas passaram a estar em perpétua contestação e mudança, e cada vez mais acelerada”1067.
As forças progressistas teriam então se tornado hegemônicas, enquanto o conservadorismo
serviria como contenção a esse processo. A hegemonia intelectual da esquerda alcançaria a
própria esfera da linguagem, distorcendo as palavras e alterando o significado de conceitos
como “Deus”, “família” e “democracia”.
Após apresentar o processo histórico de constituição e avanço do liberalismo, a outra
corrente da direita abordada na produção da BP, a narrativa dos entrevistados salienta que
ainda que inicialmente conservadores e liberais fossem oponentes, ao longo do tempo ambos
foram incorporando elementos um do outro, aproximando-se para se oporem às forças da
esquerda. A despeito dessa convergência, entretanto, existem outras contraposições nos dias
atuais em relação a temas como aborto, liberação das drogas e questão ambiental. Nos termos
da BP:
1066
Ibidem.
1067
Ibidem.
268

O liberalismo tem a sua origem nos esforços para acabar com as monarquias
absolutistas e com o autoritarismo em suas muitas formas. Assim, no lugar da
continuidade da tradição que pauta o conservadorismo e legitima o poder das
monarquias, o liberalismo se baseia na noção de liberdade individual e dos direitos
naturais do indivíduo: direito à vida, à propriedade privada e à liberdade. Direitos
esses que o Estado não pode violar. [...] Uma vez que normalmente a esquerda tem o
Estado como instrumento de transformação, é natural que liberais acabassem se
aproximando dos conservadores para combater o inimigo comum [sic.]1068.

O Visconde de Cairu, tido como “pai do liberalismo econômico brasileiro”, e o Partido


Liberal são referenciados no documentário como principais expressões do liberalismo
brasileiro no período imperial. Deste último surgiria o Partido Republicano, adotando um
liberalismo mais radical. A Proclamação da República marca a inauguração de um regime
pautado pelas ideias liberais correntes na virada do século. Durante a Era Vargas, a escalada
do autoritarismo terminaria por afastar os liberais da gerência do Estado, marcando um
período de “adormecimento” das ideias liberais no país que perduraria até o fim do regime
militar. A queda do Muro de Berlim e a dissolução da URSS daria um novo ímpeto ao
liberalismo, se refletindo no país com a maior divulgação das ideias da Escola Austríaca.
Conforme a narrativa de A Direita no Brasil, com o desgaste do sistema político
brasileiro no início do século XXI, liberalismo e conservadorismo retornam ao centro da cena
política, obtendo protagonismo ao se aliarem contra um inimigo comum. A obra de Olavo de
Carvalho é enaltecida como responsável por dar um “norte teórico aos anseios inarticulados
do conservadorismo adormecido”1069. A figura do “guru” é entificada enquanto marco para o
pensamento liberal-conservador brasileiro, alguém que teria conhecido profundamente o
movimento e a ideologia comunista e que fora o responsável por quebrar com a hegemonia
intelectual esquerdista. Apenas uma fala dissonante de um dos entrevistados afirma entender
que Olavo de Carvalho, na verdade, representou uma onda de extremismo que acabou por
fanatizar a direita e fazer mal ao país.
A leitura do documentário da BP é a de que a direita cresceu e se fortaleceu em uma
profusão de sites, blogs, fóruns e redes sociais, sobretudo a partir de um discurso contrário à
grande mídia, se aproveitando de uma internet “ainda livre”. Ideias que antes circulavam em
pequenos grupos de intelectuais e em think tanks passaram a ocupar as ruas, impulsionadas
por uma série de novas lideranças que começavam a surgir dos movimentos e por grupos
como Vem Pra Rua, o MBL e o Instituto Mises Brasil. Nesse contexto, a direita teria se
unificado e fortalecido no Brasil ao redor de três elementos principais: o crescimento da pauta
1068
Ibidem.
1069
Ibidem.
269

anticorrupção, a crise econômica e a crise dos valores morais, um processo associado ao


avanço do comunismo e que ocorria em paralelo ao acirramento da polarização no país. No
seio das manifestações pelo impeachment a partir de 2015, Moro e a Lava-Jato teriam então
se tornado os símbolos da luta contra a corrupção, desvelando um esquema de propina e
corrupção orquestrado a partir do próprio governo federal.
Mas a corrupção financeira seria apenas um sintoma da degradação geral dos valores
morais que a direita tentava defender. Teria sido apenas quando a esquerda supostamente
começara a avançar sobre a família e as crianças, com doutrinação nas escolas, defesa do
aborto e da “ideologia de gênero”, que o quadro teria provocado uma reação popular. Esses
elementos teriam sido produzidos pela esquerda, suscitando uma reação conservadora da
população, que passou a enxergar a existência de uma ameaça comunista no Brasil e tratou de
legitimar o processo de afastamento de Dilma Rousseff da presidência. No decorrer deste
período, teria sido operada uma transformação da esquerda tradicional marxista – cujo
principal representante seria o Partido dos Trabalhadores – para a atual “esquerda woke”
comprometida com pautas identitárias. Os entrevistados trazem a percepção de que esta seria
uma esquerda ainda mais radical, posto estar disposta a derrubar o sistema e as bases da
sociedade como um todo.
Ao saber personificar aquelas múltiplas pautas colocadas, o surgimento da candidatura
de Bolsonaro é tomado como um divisor de águas para o crescimento da nova direita,
enquanto a esquerda e mesmo parte da direita menosprezava sua figura. O governo Bolsonaro,
formado por pelo menos quatro grupos principais unidos contra o PT e o comunismo – as
Forças Armadas, os liberais, os conservadores e a ala evangélica –, é apresentado nas falas
como um período de grande transformação no país, que teria vivido um momento de
crescimento da economia, de defesa dos valores da nação e da família, e de combate à
corrupção, ao “gigantismo estatal” e ao comunismo. Em contrapartida, significou também um
momento em que se abriu uma série de disputas e fragmentações no seio da direita e do
pensamento liberal-conservador. As críticas à gestão desastrosa de Bolsonaro na pandemia da
COVID-19 se limitam à discordâncias das suas declarações públicas polêmicas – e criminosas
– sobre o vírus e a vacina, enquanto se enaltece a sua opção de não ceder às medidas de
isolamento social em favor de priorizar a economia e a “liberdade de escolha da população”.
Na narrativa da BP, o calcanhar de Aquiles do governo teria sido progressivamente ir
cedendo ao “Centrão” para manutenção da governabilidade junto do desmantelamento de
mecanismos de combate à corrupção, não sendo capaz de barrar a anulação de processos
contra corruptos como Lula, permitindo que fosse solto e que concorresse às eleições. No
270

escopo da pauta anticorrupção, aliás, é curioso o silenciamento absoluto do documentário no


que tange às inúmeras acusações e aos casos envolvendo o governo e a própria família
Bolsonaro.
A derrota de Bolsonaro em 2022 aparece então como resultado da narrativa da
esquerda que teria sido eficaz em associar sua imagem à de “genocida” e de risco à
democracia. Na parte final de A Direita no Brasil, realiza-se um grande esforço para tentar
associar a invasão da esplanada em Brasília orquestrada por bolsonaristas e efetivos das forças
militares no último 8 de janeiro enquanto uma ação de de grupos isolados e desorganizados
que estavam inconformados com o retorno da esquerda ao poder, e que nada teria a ver com
uma tentativa de golpe de Estado.

Através das diversas produções aqui analisadas, evidencia-se que o anticomunismo é


mobilizado enquanto recurso político-ideológico na extensão dos conteúdos da Brasil Paralelo
a partir de diferentes enfoques de abordagem e temáticas. Da apresentação das bases do
pensamento marxista à exposição dos elementos que informariam a ideologia
socialista/comunista, passando pela abordagem dos movimentos revolucionários e regimes
socialistas na história, para desembocar na história republicana nacional desde o seu momento
inicial até à atual conjuntura, que estaria política, cultural e intelectualmente hegemonizada
pela esquerda e pelos comunistas: o espectro do terror vermelho a tudo permeia no Brasil
Paralelo. Em auxílio das narrativas e do discurso anticomunista da BP, localizam-se operações
de revisionismo histórico embasadas principalmente na tese do totalitarismo e na ideia de
“anatemização da revolução”. Acrescidas ao “marxismo cultural”, essas narrativas tratam de
promover a reatualização e a generalização do ideário anticomunista para infinitos meandros,
sujeitos e fenômenos políticos, culturais e sociais, traduzindo um quadro geral de hegemonia
político-cultural neoliberal e conservadora contraposta à movimentos e ideias progressistas
em geral. Uma estratégia de promoção do anticomunismo que se utiliza do (ab)uso político do
passado e da história enquanto ferramenta ideológica de construção de consenso na sociedade
civil brasileira.
271

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Procuramos oferecer nessas linhas o que em termos marxistas se entende como sendo
uma análise concreta de uma situação concreta, a saber, uma interpretação teórica e empírica
rigorosa de um processo real em escala estrutural e conjuntural, em suas múltiplas dimensões
e determinações. Colocado o problema inicial do uso revisionista da história enquanto um
projeto estratégico-ideológico – e mercadológico – de grande alcance na esfera pública
nacional nos últimos anos a partir das mídias digitais, o objeto foi investigado não apenas em
suas condições internas – a formação, os agentes, o modus operandi, a estrutura institucional,
os projetos e as estratégias desenvolvidas pela produtora Brasil Paralelo –, como pôde ser
inserido em seu devido contexto histórico, político, ideológico e social mais amplo.
A partir da categoria de aparelho privado de hegemonia, foi possível identificar e
examinar as relações estabelecidas entre a produtora Brasil Paralelo, os intelectuais orgânicos
e as organizações da nova direita, e o Estado – em sentido ampliado – na representação e na
articulação de interesses de grupos dominantes. Para tanto, investigou-se a trajetória da
produtora e de seu quadro de intelectuais e associados na conjuntura, com foco sobre seu
projeto estratégico de produção e disseminação de conteúdos de história e de política na
internet. Neste ínterim, pôde-se ainda examinar as bases ideológicas que conformam o
pensamento e a prática da Brasil Paralelo e da nova direita brasileira, bem como seus
principais eixos de produção de consenso na conjuntura.
No âmbito da análise propriamente dos materiais e dos projetos desenvolvidos pelo
APH, analisou-se os sentidos e os significados subjacentes dos conteúdos de história de cunho
revisionista e negacionista promovidos pela Brasil Paralelo através de suas produções
audiovisuais e textuais, evidenciando o discurso, os valores e os objetivos políticos e
ideológicos que carregam. De modo associado à realização da crítica teórico-metodológica e
historiográfica pertinente a esse uso político da história e do passado, pôde-se abordar suas
principais implicações no ensino e na publicização da disciplina. Ao fim, pudemos apresentar
um exame sobre o modo como o anticomunismo é promovido enquanto recurso ideológico
nos diversos conteúdos da Brasil Paralelo.
O objeto foi contextualizado no quadro mais amplo de atualização e reorganização da
hegemonia burguesa no país a partir da construção da Nova República e do estabelecimento
do paradigma neoliberal, que compreendeu o desenvolvimento de novas formas organizativas
e estratégias de atuação das classes dominantes e de seus intelectuais orgânicos no seio do
272

Estado ampliado. Neste contexto, gesta-se uma nova direita estruturada por meio de uma série
de aparelhos privados de hegemonia que passam a se capilarizar nos mais diversos espaços
econômicos, políticos, culturais e educacionais da sociedade. Desde o primeiro momento,
esses aparelhos contaram com o apoio político e financeiro de setores do empresariado e de
grandes grupos econômicos multinacionais, além da sua articulação junto ao meio midiático
nacional e a uma rede internacional de think tanks.
Com a multiplicação e a difusão desses organismos na sociedade civil, a partir dos
anos 2000 já surgiriam aparelhos criados e protagonizados por segmentos não-burgueses, mas
que agem a serviço do capital e dos interesses e valores dos grupos dominantes. Nesta seara,
no âmbito daquele conjunto de APHs voltados principalmente para o desenvolvimento de
estratégias de ação ideológica, empenhados na formação de quadros e na difusão da ideologia
ultraliberal-conservadora entre diferentes segmentos sociais, surge no contexto de avanço
dessas forças aquele aparelho que se configuraria como canal de “mídia alternativa” da nova
direita de maior alcance no país. Adotando um modelo empresarial que lhe renderia altos
índices de lucro, a Brasil Paralelo foi criada em Porto Alegre no ano de 2016 como produtora
do audiovisual voltada para o ramo da educação e do entretenimento.
As ideologias, as identidades políticas e as tradições de pensamento reivindicadas no
discurso dos intelectuais da Brasil Paralelo a inscrevem no conjunto heterogêneo das direitas,
campo político que, a despeito das diferentes manifestações conforme o contexto temporal e
espacial, se constituiu na história a partir de dois pilares essenciais: a preocupação com a
defesa incondicional da propriedade privada e a sustentação de um sistema jurídico-político
correspondente que será restritivo quanto à participação dos grupos e das classes subalternas.
A partir da discussão conceitual sobre as noções de esquerda e direita apresentada
procuramos, assim, oferecer uma categoria – concreta e histórica – alternativa à interpretação
canônica de Norberto Bobbio baseada em abstrações de “tipos-ideais”, que essencializa a
direita como pensamento fundamentalmente inigualitário embasado na ideia da desigualdade
entre os homens como dado natural e insuperável.
A noção de “nova direita” se relaciona à atualização do núcleo ideológico fundamental
que conforma a direita para o presente contexto, trazendo aspectos de novidades e de
continuidade em relação às direitas tradicionais. Significando em essência uma simbiose dos
antagonistas históricos do socialismo – o liberalismo e o conservadorismo –, destacam-se no
seio da nova direita as correntes neoliberais, libertarianas, conservadoras e o anticomunismo
enquanto ideologia principal de amálgama desses grupos. Como vimos, o avanço dessas
direitas está associado à crise do Estado de Bem-estar social no campo político e do marxismo
273

no campo intelectual, obtendo maior força com a dissolução do chamado socialismo real. Se
seu momento originário remonta ao contexto europeu e estadunidense da década de 1970/80,
no contexto latino-americano o fenômeno da nova direita vai aparecer de modo mais
consolidado e orgânico somente a partir do início do século XXI, com uma série de
movimentos e governos conservadores, ultraliberais e autoritários que emergem na região
após a chamada “Onda Rosa”. Na presente conjuntura, o avanço de movimentos e lideranças
vinculados a diferentes vertentes das direitas – mas em especial, à extrema direita –
conforma-se enquanto fenômeno internacional.
A emergência das novas tecnologias de comunicação da era digital e das redes sociais
potencializou de forma evidente o modus operandi desses agentes, que passam a compartilhar
de estratégias comuns de propaganda política e ideológica à nível internacional como:
intervenção coordenada nas redes, disparos em massa de informações falsas ou
descontextualizadas, montagens de imagens e vídeos de forma cada vez mais
profissionalizada, uso de inteligência artificial e de bots para multiplicação infinita de
conteúdos, dentre outros mecanismos mobilizados cada vez mais em escala de produção
industrial.
Há um consenso no seio das pesquisas dedicadas ao fenômeno de que as direitas
avançam no cenário nacional a partir da conjuntura aberta no pós-2013. Mas poucas são as
análises que a investigam a partir de fatores históricos, políticos e sociais que remetem a
processos mais amplos e longevos no tempo. Vimos como esses processos recentes decorrem,
antes, de fatores de ordem estrutural e conjuntural inscritos no âmbito na sociedade capitalista
brasileira que forneceram as condições sociais e históricas para a emergência da nova direita e
do bolsonarismo enquanto projetos de hegemonia das classes dominantes no atual cenário.
A temporalidade de longa duração do objeto remete, assim, ao longevo processo de
consolidação do capitalismo periférico e dependente brasileiro e ao quadro da dominação de
classes e das relações sociais correspondentes, engendrados por meio da autocracia burguesa.
A partir das contribuições de Florestan Fernandes, vimos como esta se consagra no controle
absoluto das relações de produção, das superestruturas correspondentes e do aparato
ideológico, esgarçando os limites do livre mercado e da democracia representativa liberal, que
se conforma numa verdadeira democracia restrita. Relega-se então às classes subalternas
mecanismos de violência, repressão, exclusão e manipulação política desses setores ao longo
da história. Pode-se considerar que o Estado autocrático oscila entre formas democráticas de
caráter restrito, formas autoritárias-ditatoriais e formas fascistas. Quando se vê sob risco e em
dificuldade de garantir o consenso, a autocracia burguesa abre o aparelho de Estado para
274

grupos respaldados pelas forças militares estabelecerem à força a ordem, recorrendo a golpes
de Estado, estabelecimento de ditaduras e permissividade para projetos autoritários e
antipopulares. Se a face autoritária da autocracia foi colocada em evidência novamente no
golpe jurídico-parlamentar de 2016, a anuência ao projeto bolsonarista exibiria à olhos nus
sua forma fascista.
No âmbito da média duração, o objeto se insere na dinâmica e no processo
político-social abertos a partir da redemocratização e da formação da Nova República, nos
marcos do estabelecimento do neoliberalismo como padrão de reprodução ampliada do
capital. É justamente aqui que as classes dominantes operam a atualização dos mecanismos da
hegemonia burguesa e de suas estratégias de ação política e ideológica no seio do Estado
ampliado. No âmbito do aparelho de Estado restrito, os mecanismos de coerção da face
ditatorial da autocracia se acomodavam ao modelo democrático através de uma transição
política pactuada pelo alto, onde as Forças Armadas e os herdeiros políticos da ditadura
teriam seu papel político cristalizado no novo sistema junto da tecnocracia empresarial. O
papel do “Partido Fardado” no regime democrático restrito conheceria uma escalada a partir
do golpe de 2016, atingindo seu apogeu no governo Bolsonaro que superou mesmo a ditadura
em número de militares ocupando cargos civis no governo.
Nesse mesmo contexto de transição para a Nova República se disseminava no seio da
sociedade civil diversos aparelhos privados de hegemonia de cariz liberal-conservador,
representantes dos interesses de diferentes frações da classe dominante, enquanto no outro
polo da luta de classes se tinha um ascenso de lutas populares, movimentos sociais e
organizações da classe trabalhadora, com destaque para as forças organizadas ao redor do eixo
PT, CUT e MST. A partir das contribuições de Casimiro, identificamos aqui, portanto, os
elementos genéticos das novas formas organizativas e estratégias de atuação dos intelectuais
representantes dos interesses dominantes que resultariam mais tarde na Brasil Paralelo e nos
demais aparelhos da nova direita.
Finalmente, o quadro da conjuntura mais recente aberta em 2013 pôde ser analisado a
partir da noção gramsciana de crise de hegemonia, onde não só as bases do sistema político
entraram em desequilíbrio profundo, como se colocou em xeque o próprio pacto
político-social sob o qual se fundou a Nova República. A crise de hegemonia é uma crise do
Estado e das formas de organização política, ideológica e cultural e dos projetos tradicionais
das classes dirigentes. Consideramos, aliás, que tal crise ainda se arrasta até os dias atuais. Ela
foi evidenciada na presente conjuntura pela crise de representação que atingiu não só os
governos de conciliação de classes do PT, que, como visto, foi submetido a um longo
275

processo de transformismo que o direcionou ao comprometimento com um modelo de


"neoliberalismo progressista” nos marcos da gestão do Estado burguês, como respingou na
direita tradicional, abrindo espaço para a ascensão da extrema direita que se apresentava como
“anti-sistema”. No seio da crise, verifica-se o fortalecimento da burocracia civil e militar, do
capital financeiro, do papel político de instituições e grupos religiosos, e de organismos de
produção de consenso.
Após o refluxo do efeito Junho de 2013, onde se teve manifestações multitudinárias
marcadas por demandas populares e de ampliação de direitos, viu-se avançar sobre o cenário
nacional uma ofensiva ultraliberal-conservadora materializada nas manifestações do
impeachment a partir de 2015 e no avanço da nova direita sobre os espaços políticos,
econômicos e culturais do país. Abriu-se então o campo às soluções de força, sequestrando a
soberania do voto de milhões de brasileiros através do golpe jurídico-parlamentar-midiático
de 2016, que obteve êxito em colocar no poder um “governo tampão” com o objetivo de
aprofundar as contrarreformas neoliberais e a retirada de direitos, sedimentando o terreno em
que se pôs em evidência a atividade de potências até então ocultas representadas por figuras
“providenciais ou carismáticas”. Com a vitória de Bolsonaro e da extrema direita em 2018, a
faceta fascista da autocracia burguesa passa então a ocupar lugar principal no regime
democrático restrito.
É nesse contexto que nasce e cresce o projeto da Brasil Paralelo, propiciado pelo
contexto de uso crescente das novas mídias digitais e das redes sociais em estratégias de
mobilização política e ideológica. O projeto nasce como uma proposta de oferecer uma
análise do cenário que levou ao impeachment e àquele quadro político. Um registro histórico e
documental daquele momento que apresenta a narrativa da própria nova direita sobre o
processo que se vivia, na forma de um produto midiático. Já no ano seguinte, o lançamento da
série Brasil: Última Cruzada marcava a entrada definitiva da BP enquanto projeto de
revisionismo histórico vinculado aos grupos da direita em ascensão. As produções da BP
seriam utilizadas nas eleições de 2018 como peça de propaganda pelo próprio Bolsonaro e por
outros políticos da extrema direita vitoriosa. Logo no primeiro ano do novo governo legatário
da ditadura militar, a produtora lança o afamado 1964: O Brasil entre Armas e Livros, além de
fechar a parceria com a TV Escola. Intelectuais que participam das suas produções e seus
cursos passaram a ocupar postos chaves nas pastas de Educação, Cultura e Economia do novo
governo.
Ainda que tenha sido favorecida ao adentrar em espaços institucionais e visse sua
popularidade crescendo nas redes, não se verificou de imediato um crescimento
276

correspondente na base de membros assinantes da Brasil Paralelo, que se manteve


praticamente na mesma média entre os anos de 2017 e 2019. A receita da empresa também
oscilava na mesma média nesse período. Podemos deduzir que, ainda que seus vídeos fossem
crescendo em popularidade, sua base de membros assinantes dispostos a investir
financeiramente na causa havia estacionado num segmento mais restrito de pessoas. A partir
de 2020 no contexto de pandemia, dois projetos/estratégias fariam a BP crescer velozmente
no cenário: o lançamento da série Pátria Educadora, com um apelo mais direto para que as
pessoas investissem num projeto alternativo ao ensino precário e supostamente “doutrinário”
da educação formal, e o Plano “Membro Patriota”, de cunho mais popular sendo vendido à
R$10 reais e trazendo uma carga simbólica que convocava o apoio da base bolsonarista. 2021
trouxe uma reformulação da Brasil Paralelo com uma nova plataforma de streaming, a BP
Select, que estabeleceria o quadro de crescimento exponencial da base assinante e da receita
multimilionária da empresa. O sucesso e as cifras alcançadas pela produtora apenas
reforçariam o mito fundacional da empresa baseado no discurso empreendedor contra a esfera
pública. Resta saber se a empresa vai conseguir manter essa fórmula nos próximos anos.
O modelo empresarial concebido desde o momento inicial do projeto, a partir da
orientação de figuras do meio empresarial na criação de um canal de “mídia independente”,
foi a chave do sucesso do negócio. A produtora contou desde o início com o apoio não só de
políticos, influencers, figuras da grande mídia e intelectuais conhecidos dos círculos
direitistas, como de figuras importantes do empresariado brasileiro, os “mecenas” do projeto
que desde o seu início contaram com modalidades de financiamento da iniciativa da BP.
Prescindindo de dados mais sólidos, entretanto, a questão a respeito de quem efetivamente
financia o projeto ainda fica colocada. Havia a possibilidade de acesso a essas informações no
momento em que a CPI da Covid determinou a quebra do sigilo bancário da empresa, decisão
que foi posteriormente suspensa pelo STF.
A Brasil Paralelo mantém uma íntima relação com outros APHs da nova direita, sendo
próxima do IL, do IEE, do IMIL, do Instituto Borborema e do EPL/MBL, mas mantendo
relação especial com Hélio Beltrão e o IMB. Essas organizações e seus
empresários-intelectuais se articulam numa rede internacional de think tanks da causa
liberal-conservadora, onde no âmbito nacional o Fórum da Liberdade desponta como
principal espaço nesse quesito. A BP oferece então um espaço profissionalizado para esses
intelectuais reproduzirem e ampliarem o alcance de suas ideias e projetos. Tratam-se de
intelectuais orgânicos fundamentais para a concepção, elaboração e difusão do material e das
ideias promovidas pela Brasil Paralelo.
277

Mas não é só ao “andar de cima” que a produtora dirige suas estratégias de produção
consenso. Pudemos identificar que a Brasil Paralelo vem desenvolvendo projetos na periferia
e junto a setores populares, patrocinando ações sociais em favelas e oferecendo “bolsas de
estudo”, que nada mais que são do que o acesso aos seus cursos do “Núcleo de Formação” e à
sua plataforma de streaming.
A Brasil Paralelo não funciona apenas como um canal de “mídia alternativa” à
imprensa e aos meios de informação tradicionais. Por meio de suas produções audiovisuais e
dos cursos ofertados, a produtora procura oferecer uma plataforma de conteúdos educativos
que seja alternativo ao que seria o ensino defasado e de caráter doutrinário ofertado no âmbito
da educação formal. No lugar da educação de caráter público, gratuito e regulada pelo Estado,
defende-se um modelo conservador de ensino baseado em métodos de tutoria que, no fim,
serve ao modelo neoliberal de educação em seu desmonte da esfera pública. Uma empresa
que não só vende a educação como uma mercadoria do ramo do entretenimento, mas promove
o esvaziamento do espaço escolar em seu discurso. Para tanto, conta não só com seus projetos
próprios, como fortalece bandeiras tradicionais da direita nesse campo como o homeschooling
e o Escola sem Partido. Há de se observar, entretanto, que nesse âmbito a Brasil Paralelo
conforma um empreendimento muito mais orgânico e sofisticado que o Escola sem Partido.
Enquanto o ESP se limita à denúncia e à perseguição dos “marxistas culturais”, a Brasil
Paralelo, inspirada nas teses de Olavo de Carvalho, vai além e oferece uma alternativa
concreta através de um programa afirmativo de uma educação e uma cultura conservadora.
Ao mesmo tempo que a BP ataca e deslegitima as instituições de ensino
convencionais, ela procura ocupar e disputar espaços em seu interior, desenvolvendo projetos
em escolas – “Brasil Paralelo nas Escolas” –, e organizando seminários e exibições dos seus
filmes no interior das universidades. Enquanto trincheira fundamental para a produção de
consenso na sociedade, a universidade ocupa lugar especial no seio das estratégias e táticas
empreendidas pelos grupos da nova direita e pela Brasil Paralelo, no intento de cooptar o
público jovem e setores intelectuais para o seu projeto de sociedade. Dado interessante é que a
BP vem investindo cada vez mais no desenvolvimento de projetos e produtos direcionados
para o público infanto-juvenil – “BP Kids” e “BP Comics” – com conteúdos de revisionismo
histórico e temáticas liberais para segmentos em idade escolar. Assim, a Brasil Paralelo
oferece no seu produto a solução para o problema que ela própria denuncia.
Vem chamando a atenção a diversificação cada vez maior do material e dos conteúdos
desenvolvidos pela Brasil Paralelo, oferecendo informação – e formação – em infinitos
assuntos e temáticas da vida: política, história, filosofia, atualidades, economia, educação,
278

psicologia, cinema, música, literatura, esportes, humor, relacionamentos, religiosidade,


jornalismo investigativo, marketing digital, coaching, empreendedorismo, dentre muitos
outros. A produtora encontra o desafio principal de manter a linha ideológica que garantiu e
estabeleceu o seu público cativo alinhado com seus valores e seu discurso, enquanto tem a
necessidade de ampliar a sua base de assinantes a fim de aumentar a lucratividade da empresa.
Para tanto, vem apostando não só na ampliação do escopo de temas abordados como em
novos formatos para suas produções e seus projetos.
Num tópico de exposição extensiva e intensiva, procuramos destrinchar os múltiplos
elementos que conformam as bases ideológicas da nova direita e da Brasil Paralelo,
destacando seus principais eixos de produção de consenso na sociedade. Esses elementos são
encontrados não só no pensamento advogado publicamente pelos sócio-fundadores e pelos
intelectuais associados à Brasil Paralelo, como puderam ser identificados através do discurso
e das narrativas presentes em suas produções.
A vinculação desses agentes à ideologia liberal decorre da reivindicação do
liberalismo enquanto tradição de pensamento econômico e, em particular, do libertarianismo
associado à Escola Austríaca, resultando na defesa não só de ideias e valores, como de toda
uma cosmovisão, uma racionalidade neoliberal – ultraliberal, se quisermos ser mais precisos.
Essa concepção de mundo calcada no individualismo e no discurso do empreendedorismo,
tem como base o princípio de concorrência e a forma-empresa numa subordinação absoluta à
lógica de mercado enquanto dispositivo de produção e reprodução social do capital em
sentido ampliado, indo das instituições econômicas e estatais até a constituição subjetiva dos
sujeitos transmutados em indivíduos-empresa, em empresários de si. Todas as relações
culturais, políticas e sociais passam a estar submetidas à lógica e à lei do mercado, numa
defesa incondicional da propriedade privada e da redefinição do papel do Estado em direção
contrária às políticas redistributivas, assistenciais, planificadoras, reguladoras e protecionistas,
e à ampliação de direitos sociais e trabalhistas.
Mobiliza-se a retórica do Estado mínimo apresentando este como o grande entrave ao
desenvolvimento e à prosperidade material. Mas antes do que representar um inimigo do
Estado como apregoado em seu discurso, o neoliberalismo na prática mobiliza a intervenção
estatal no sentido da manutenção da propriedade privada e de aprimorar o jogo da
concorrência entre interesses privados e o fluxo de capitais em seu processo de acumulação e
concentração. De modo associado, as privatizações de suas atribuições públicas e a
desregulamentação das relações de trabalho aparecem como estratégia de expropriação da
classe trabalhadora e ampliação das taxas de lucro no seio da crise capitalista. O que se opera
279

é a reconfiguração da estrutura material do Estado sob o padrão de acumulação neoliberal em


prol dos interesses das classes dominantes.
O pensamento ultraliberal advogado pela Brasil Paralelo repousa numa noção elitista
do poder, demonstrando rejeição às democracias contemporâneas, que estariam baseadas no
mito da soberania popular e da justiça social. Trata, na verdade, de um questionamento das
próprias bases da democracia liberal, que na prática põe em marcha um processo de
desdemocratização. Isso porque a democracia deve estar condicionada, antes, ao “livre
mercado”, podendo ser suprimida junto das liberdades individuais e políticas se preciso em
prol da manutenção das ditas liberdades econômicas.
Frente a um quadro de progressivo rebaixamento das condições de trabalho e de
existência e do aprofundamento das desigualdades sociais em decorrência de décadas de
hegemonia das políticas neoliberais, a ideologia liberal encontra no pensamento conservador e
na defesa de pautas moralistas um forte esteio para sua justificação e legitimação no presente
contexto. O conservadorismo trata-se de uma corrente de pensamento filosófico, político, e
social com repercussões de cunho religioso, moral e cultural. Não se pode perder de vista,
aliás, que o fascismo corresponde a uma de suas vertentes. Essas ideologias de essência anti e
contrarrevolucionária se encontram embasadas num elemento de conformismo com o status
quo e de reação à transformações mais profundas na sociedade. Eivadas de princípios de
defesa e resgate da tradição, de valores morais e dos costumes, naturalizam hierarquias e
estruturas de poder, bem como desigualdades, privilégios e violências diversas.
A ordem terrena se encontra aqui estabelecida e submetida à ordem divina, onde o
indivíduo é tido como possuidor de uma essência imutável, subordinado à entes metafísicos: a
comunidade, a religião, a tradição das gerações passadas e as forças sobrenaturais que
dominam o curso das coisas e da própria história. Rejeita-se a igualdade entre os homens pois
este seria um princípio contrário à ordem natural desigual construída por tradições como a
família patriarcal e a religião cristã. Assim, a percepção dos indivíduos como sendo diferentes
leva à tomar estes como sendo naturalmente desiguais. O entendimento da realidade objetiva
dá lugar aqui à abstrações moralizantes e mistificadoras das relações sociais.
O conservadorismo conquista consenso nas classes populares sobretudo por meio da
pauta de valores morais e do fundamentalismo religioso, determinantes no fenômeno
bolsonarista. Ainda que a BP apresente um discurso fortemente amparado em bases religiosas,
não se pode considerar que este carregue uma cosmovisão estreitamente fundamentalista do
mundo, apresentando uma visão filosófica mais sofisticada sobre a religião. Mas podemos
280

certamente considerar que seu discurso religioso encontra eco na base social fundamentalista,
fornecendo elementos intelectuais que justificam sua concepção de mundo.
O nacionalismo ufanista, do “cidadão de bem”, representa outra importante trincheira
da nova direita e dos grupos conservadores na conjuntura, mobilizado contra os “inimigos da
nação”, os “traidores” da pátria: o PT, os comunistas, os políticos corruptos. Nessa seara, além
da própria estética e do nome assumidos pela iniciativa, as produções e os projetos da BP tem
sido de grande contribuição, seja através de apelos aos "membros patriotas”, seja através dos
conteúdos que prometem um “resgate” dos heróis e da história nacional renegada aos
brasileiros. Recorda-se que a Brasil Paralelo surge no próprio seio das manifestações
“patrióticas” anti-Dilma.
Um ponto fundamental para o estabelecimento do contato da BP junto a esses grupos
se encontra na promoção da agenda moral de defesa do modelo familiar patriarcal tradicional
e contrária às dissidências de gênero e sexualidade que fogem à cisheteronormatividade, logo,
oferecendo oposição ao movimento LGBTQIA+ e aos movimentos feministas. Os opositores
do projeto de sociedade defendido por esses grupos passam então a ser associados à sujeitos
imorais, degenerados e relacionados ao mal e ao demônio. Incute-se o pânico moral
generalizado contra os inimigos da família que objetivam tomar a inocência das crianças e
deturpar os jovens, liberar as drogas, a pedofilia, a sexualidade e o aborto.
Ao mobilizar esses conflitos de ordem moral, relacionados à sexualidade, costumes,
raça, religiosidade, etc. a BP se posiciona no âmbito das “guerras culturais” ao lado dos
conservadores contra o “marxismo cultural”, cujo foco residiria em minar as bases da cultura
ocidental e da fé cristã, atacando a família enquanto célula da organização social. Pela ótica
conspiracionista, esses sujeitos estão certos que a estratégia da esquerda e dos comunistas se
direciona agora para a conquista das instituições e da hegemonia cultural, infiltrando-se nas
universidades, nas escolas, na imprensa, nas igrejas, na indústria de entretenimento, se
fazendo presente no movimento feminista, ambientalista, ńo “globalismo”, na “ideologia de
gênero”, nas lutas identitárias, etc. Um poder oculto e onipresente que a tudo permeia e
subverte. A solução estaria então em adotar as armas denunciadas no inimigo a seu favor.
Assim, se propõe através da noção de metapolítica um “gramscismo de direita”, propondo no
lugar da simples ação política, o desenvolvimento de toda uma estraégia no terreno cultural e
ideológico a fim de construir um novo horizonte rumo a uma nova era.
“Guru” intelectual da nova direita e mentor da Brasil Paralelo, Olavo de Carvalho foi
o principal tradutor do “marxismo cultural” para o contexto nacional. No Brasil, a “estratégia
gramscista” teria sido posta em marcha ainda sob a ditadura, quando os comunistas
281

perceberam que não venceriam na luta armada e teriam rumado para a estratégia subterrânea
da conquista da hegemonia cultural. A proposição é de que a ditadura militar fora insuficiente
na repressão contra os comunistas, brecando a revolução armada mas não sendo capaz de
derrotar a esquerda no âmbito cultural, intelectual e moral. Assim, a teoria conspiratória do
“marxismo cultural” no contexto nacional tem a particularidade de estar intimamente
associada à promoção do revisionismo e do negacionismo histórico em relação ao período
militar, onde a BP ofereceu sua obra de maior alcance público.
1964: O Brasil entre Armas e Livros faz coro – e impulsiona – a narrativa dos
legatários da ditadura num discurso alinhado ao udenismo e à chamada “linha branda” do
regime, cristalizando no imaginário social a representação da ditadura como um período de
ordem social, de crescimento econômico e patriotismo. Relativiza-se a tortura e o terror de
Estado praticado à época, onde só os “bandidos” e os “terroristas vermelhos” estariam
preocupados em ser atingidos pela repressão. “1964” não só revisiona a história do período,
como localiza nele o momento da virada para a estratégia atual adotada pelo inimigo a ser
combatido em nome dos mesmos valores e interesses da articulação civil-militar golpista
vitoriosa em 1964. Diferente do que a produção se propõe a entregar, não se trata de uma
história do golpe ou do período militar, mas da história da esquerda e do comunismo no Brasil
subordinada a uma narrativa anticomunista e antiesquerdista do início ao fim.
O anticomunismo promovido pela Brasil Paralelo lhe confere um polo de atração
ideológica ao qual se dirigem múltiplas vertentes das direitas em direção ao seu projeto:
liberais de diferentes matizes, conservadores, grupos religiosos e fundamentalistas,
militaristas, monarquistas, neofascistas. Ele opera não só contra o legado histórico dos
comunistas e contra a esquerda radical, mas aparece como discurso anti esquerda e
antiprogressista em geral, fundido ao antipetismo no contexto nacional. Associando-se ao
fundamentalismo, o anticomunismo cristaliza no imaginário social um inimigo não só de
ordem política, mas também de ordem moral e espiritual.
No âmbito da política internacional, o papel que a URSS representava enquanto
ameaça comunista concreta passa a ser ocupado pelos países reminiscentes do projeto
socialista: a China, o bolivarianismo na Venezuela, a “ditadura cubana”, a Coreia do Norte, e
o próprio Foro de São Paulo enquanto organização que articularia a estratégia revolucionária
internacionalista.
Assim, a BP trata de atualizar os elementos de consenso do anticomunismo enquanto
dispositivo contrarrevolucionário preventivo historicamente mobilizado pelas classes
dominantes e pelas Forças Armadas brasileiras no seio da democracia restrita. E faz isso
282

justamente por meio sobretudo do “marxismo cultural”, ideologia que melhor recicla o ideário
anticomunista para a atualidade, através de uma teoria da conspiração que espaira o espectro
do comunismo para infinitas situações, grupos e sujeitos.
Além de se estender na dimensão espacial, o anticomunismo e o anti esquerdismo
promovidos nas produções da BP se estendem temporalmente operando retrospectiva e
prospectivamente na história. Além do marxismo cultural, eles encontram forte esteio na tese
do totalitarismo e na anatemização da revolução ao longo da história, intimamente associados
ao fenômeno do revisionismo, como vimos. Entretando, indo muito além dos conteúdos de
história e de política que abordam diretamente o tema do comunismo, das experiências
socialistas e do marxismo, a partir da investigação das produções, dos programas e dos cursos
ofertados pela Brasil Paralelo, verificou-se que o discurso anticomunista encontra-se
difundido pela extensão de seus conteúdos: educação, atualidades, cinema, literatura, cultura
pop, religiosidade, dentre outras diversas temáticas.
Este é apresentado de modo caricatural e reducionista como uma teoria economicista e
determinista, além de aparecer contraditoriamente como um pensamento que hora é
demasiado materialista, hora é demasiado idealista e utópico. A história e a teoria liberal, por
outro lado, são desideologizados e naturalizados. Os “ideológicos” são a esquerda e os
comunistas, os “outros”, não eles. De certo, Terry Eagleton foi feliz ao ironizar esse tipo de
alegação na passagem onde diz que “a ideologia, como mau hálito, é, nesse sentido, algo que
a outra pessoa tem”1070.
Entrementes, pôde ser identificado todo um léxico e simbologias que procuram
cristalizar determinadas representações sobre a esquerda e os comunistas no imaginário
social. De tal sorte, o movimento comunista e revolucionário em linhas gerais é associado à
imagem do terror, da destruição, da miséria e da fome, uma ideologia contrária à liberdade
que ao longo da história leva centenas de milhões à guerra civil, à ditadura e ao genocídeo. Já
os seus agentes, os comunistas, são representados enquanto criminosos, terroristas e imorais,
hora todo-poderosos hora inofensivos e ridicularizados. São inimigos – ou pelo menos
desvirtuados – dos valores da família, da nação e de Deus, doutrinadores que aliciam os
jovens e atacam a inocência das crianças. Nesse caminho, os antifascistas também são
deslegitimados e atacados. A hostilidade apresentada aos comunistas se encontra intimamente
associada à dimensão religiosa na narrativa, mobilizando simbologias que os associam à
forças malignas e desumanas.

1070
EAGLETON, Terry. Ideologia: uma introdução, São Paulo: Boitempo, 2019, p. 18.
283

Uma vez desumanizado o adversário, pode-se tudo: da intolerância e discurso de ódio


através da violência simbólica, incorrendo em desmoralização e linchamentos virtuais e
públicos, passando por perseguições de cunho político-ideológico e no âmbito profissional, e
no limite, levando a violência ou mesmo a eliminação física. Um discurso, portanto, que
oferece um prato cheio para movimentos neofascistas e de extrema direita na perseguição de
seus seus alvos: comunistas, integrantes de movimentos sociais, ativistas e militantes de
movimentos de defesa dos direitos humanos, contra opressão de gênero, racismo e lgbtfobia,
professores, cientistas, jornalistas, artistas, etc.
No geral, o fascismo histórico aparece nas produções da BP a partir da
instrumentalização da tese do totalitarismo, a fim de o aproximar do comunismo. Não se tem
qualquer pretensão de apreender com maior profundidade de análise o contexto de crise aguda
do entreguerras, em suas dimensões econômicas, políticas e sociais, ou a base social do
fascismo enquanto movimento, seus elementos ideológicos e culturais, as particularidades do
regime e sua relação com o Estado capitalista. Sua essência anti-revolucionária e
anticomunista são deixadas em segundo plano, enquanto o apoio de capitalistas e de
intelectuais liberais ao fascismo é oportunamente ignorado. O mesmo silêncio trata de ocultar
suas bases intelectuais e filosóficas encontradas no seio do próprio pensamento conservador.
De modo associado ao balanço teórico do fascismo histórico, a discussão sobre a
noção de neofascismo foi feito a fim de se apreender e compreender melhor os principais
elementos da ideologia, do movimento e da base social agregada pelo bolsonarismo e pela
extrema direita na conjuntura, demarcando suas particularidades num contexto não mais de
crise do liberalismo como no surgimento do nazifascismo no entreguerras, mas num quadro
em que o neoliberalismo se coloca como paradigma econômico, político, cultural e social
hegemônico do capital. Nesta situação, o fascismo do século XXI se desenvolve dentro das
condições das próprias democracias liberais em crise, não tendo a necessidade de se
desenvolver necessariamente na forma de um regime político próprio, de uma ditadura
fascista.
Considero que a Brasil Paralelo não se enquadra propriamente numa caracterização de
um aparelho de hegemonia propriamente fascista, como seria o caso de um APH como o
“Mídia Sem Máscara”, criado pelo próprio Olavo de Carvalho e investigado de forma tão
perspicaz pela pesquisa de Lucas Patschiki antes mesmo da conjuntura aberta em 20131071. A

1071
PATSCHIKI, Lucas. Os litores da nossa burguesia: O Mídia sem Máscara em atuação partidária
(2002-2011). Marechal Cândido Rondon, 2012, 419 f. Dissertação (Mestrado em História) - Universidade
Estadual do Oeste do Paraná, Marechal Cândido Rondon, 2012.
284

BP parece prescindir de um caráter mais expressamente eliminacionista que caracteriza os


grupos fascistas. A caracterização que a insere no campo mais amplo de um APH de extrema
direita me parece mais correta. Contudo, justamente devido ao seu discurso ideológico e sua
prática política alinhadas ao bolsonarismo e à extrema direita na conjuntura, considero junto à
Nicolazzi que a BP se configura como uma empresa colaboracionista com o neofascismo1072.
Logo, o APH abriga intelectuais e políticos de viés fascista, como o próprio Olavo de
Carvalho e Jair Messias Bolsonaro.
Nestes termos, a difusão de um anticomunismo virulento na sociedade brasileira junto
da elaboração e da promoção dos mitos palingenéticos de regeneração e restauração nacional
característicos da ideologia fascista nos parece representar as melhores contribuições da Brasil
Paralelo ao projeto neofascista do bolsonarismo. Para tanto, promovem a releitura da ditadura
militar como período áureo na história nacional recente. Ao mobilizar o principal mito
palingenético do ideário bolsonarista e de movimentos conservadores, a narrativa da Brasil
Paralelo sobre o regime militar legitima a sua ideologia no presente, indicando os comunistas
e a esquerda como inimigos históricos a serem perseguidos. Trata-se de operacionalizar e
promover o anticomunismo na – e através da – história.
Mas as proximidades entre bolsonarismo e paralelismo, como vimos, estão longe de
terminar por aí. A Brasil Paralelo compartilha com o bolsonarismo características ideológicas,
práticas políticas e valores essenciais: o anticomunismo, o conservadorismo social e a defesa
de valores morais e instituições tradicionais, o discurso fortemente religioso, o pensamento
patriarcal e sexista, o discurso de ódio à minorias e a intolerância à diversidade – cultural,
religiosa, étnica, sexual –, o nacionalismo ufanista, a defesa do pensamento econômico
ultraliberal, o discurso punitivista baseado no populismo penal, a promoção de teorias
conspiratórias, com destaque para o “marxismo cultural”, a “ideologia de gênero” e o
“globalismo”, o ataque às instituições de ensino e científicas, dentre outros vários elementos
abordados na pesquisa. Além disso, pôde ser aferido que o perfil do público da Brasil Paralelo
se sobrepõe ao da base social bolsonarista.
Foram diversas as produções da BP que trouxeram alinhamento com as pautas do
governo Bolsonaro nos últimos anos, indo do tema da educação (Pátria Educadora), da
segurança pública (Entre Lobos), da pauta ambiental embasada no negacionismo climático e
científico (Cortina de Fumaça), da deslegitimação dos veículos tradicionais de comunicação e

1072
NICOLAZZI, Fernando. Brasil Paralelo, uma empresa colaboracionista. Sul 21, 17 jan. 2020. Disponível
em:
<https://sul21.com.br/opiniao/2020/01/brasil-paralelo-uma-empresa-colaboracionista-por-fernando-nicolazzi/>.
Acesso em 2 mar. 2023.
285

legitimação das fake news sob o discurso de liberdade de expressão (7 Denúncias), até aquelas
produções que endossaram o discurso de ataque às instituições republicanas no momento em
que o núcleo do movimento bolsonarista se manifestava em favor da intervenção militar (Os
11 Supremos).
Mais grave, durante a pandemia da COVID-19, o documentário 7 denúncias, indicado
por Bolsonaro em suas redes sociais, tratou de oferecer uma narrativa e um discurso
justificatório para o negacionismo do ex-presidente e sua gestão prevaricadora da pandemia,
contrária às medidas sanitárias preventivas e ao isolamento social recomendados pelos órgãos
internacionais de saúde em nome de uma suposta salvação da “economia”. O resultado desse
discurso somado às políticas de desmonte progressivo da saúde pública pelo neoliberalismo e
a sanha incessante de lucro do capital extraído da exploração do trabalho à qualquer custo e
condições no cenário de crise global, deixou o legado de ter elevado o país à epicentro da
pandemia no mundo junto de 700 mil brasileiros mortos.
Mas, como vimos, as relações estabelecidas entre a Brasil Paralelo e a família e o
governo Bolsonaro não se limitavam à associação com os mesmos valores ideológicos e
posições políticas na conjuntura, mas ocorreu de modo direto. Jair e Eduardo participaram de
algumas produções da produtora, além de terem compartilhado seu conteúdo em diversas
ocasiões em suas redes. A parceria com a TV Escola, até então subordinada ao MEC que
tinha à frente figuras olavistas, foi realizada ainda no primeiro ano do governo. Intelectuais e
membros associados à empresa ocuparam cargos nas pastas da Cultura, da Educação e da
Economia. Na campanha de 2022, a BP auxiliou indiretamente na campanha fazendo
propaganda contra o PT, impugnada pelo TSE, para não falar do documentário “Quem
mandou matar Jair Bolsonaro?”, produção que seria veiculada a uma semana do segundo
turno presidencial.
Vimos que o fascismo contemporâneo não apresenta mais a necessidade de se
mobilizar num partido centralizado de massa como no passado, se apoiando numa estrutura
material oferecida por APHs da sociedade civil, muitos dos quais já constituídos num
momento anterior, e pelos meios de comunicação digital e redes sociais. Entrementes, essas
vinculações demonstram como os grupos da nova direita flertam, de forma consciente ou não,
com elementos da ideologia fascista, fornecendo anuência ao seu projeto de sociedade.
Evidencia-se que a Brasil Paralelo não só representa em suas produções as posições
dos membros da família Bolsonaro – que veiculam e participam de seus filmes – e a
mentalidade de figuras do governo e da própria base bolsonarista, como manteve relações de
influência junto ao governo Bolsonaro que lhe rendeu benefícios. Se estabeleceu, assim, uma
286

via de mão dupla com o bolsonarismo: a família Bolsonaro participava e replicava as


produções da BP, que por sua vez reproduzia o discurso do presidente, com isso,
aproximando-se da base bolsonarista e difundindo suas narrativas no seio desses grupos.
Neste ínterim, Olavo de Carvalho aparece como peça fundamental na conexão entre a
produtora e o bolsonarismo. A Brasil Paralelo forneceu um importante pilar para a difusão das
ideias de Olavo na sociedade civil, que, de sua parte, contribuía na viabilização da iniciativa e
na inserção do projeto nos grupos bolsonaristas, ajudando na promoção de alunos seus
associados à produtora que ocuparam cargos importantes no governo Bolsonaro. Se o
empresário Leandro Ruschel foi importante para a concepção do modelo empresarial de
sucesso do projeto, as orientações diretas de Olavo foram decisivas para manter e desenvolver
o aspecto de militância e de batalha intelectual e ideológica da Brasil Paralelo, o que
justamente a configura enquanto um APH de atuação político-ideológica. O modelo
empresarial, aliás, além de lucrativo, fornece justamente uma estratégia para tentar ofuscar os
seus interesses políticos e ideológicos.
O discurso olavista reproduzido pela BP é sempre o de que a direita prescinde de base
militante e institucional como teria a esquerda no país; o que não se sustenta frente ao exposto
no primeiro capítulo, que abordou a existência de uma extensa gama de aparelhos de
hegemonia e intelectuais orgânicos que deram sustentação ao processo de crescimento da
nova direita e do bolsonarismo. Esse discurso parece então servir mais a uma estratégia para a
construção permanente das bases da direita, ou então para a construção de aparelhos mais
alinhados com a perspectiva de extrema direita.
Olavo de Carvalho se configura, assim, num intelectual orgânico fundamental na
formação de outros intelectuais e aparelhos da “nova direita”, aparecendo como principal
referência intelectual para o bolsonarismo e para a própria Brasil Paralelo. Seu ideário fornece
uma base “filosófica” – e “histórica” – que justifica e legitima a ação política desses grupos
na conjuntura. Conforme destacado por Balestro, para além da figura do “professor Olavo”,
“devemos compreender o olavismo como tática de atuação da direita radical e do próprio
B.P.”1073. A relação estabelecida entre o autor e a produtora configurou uma via de mão-dupla:
Olavo aparece enquanto principal mentor e viabilizador da iniciativa ao mesmo tempo em que
se utilizava da plataforma da BP como um espaço para reprodução e disseminação de seu
ideário ultraconservador e reacionário, trazendo em sua esteira os discípulos legatários da
obra do “mestre”.

1073
SANTOS, 2021, p. 93.
287

A maioria dos elementos que constituem o pensamento ideológico e ação política da


Brasil Paralelo convergem para a figura do “guru” da nova direita, mentor intelectual do
projeto. Decorre dessa relação a vinculação da BP com a corrente tradicionalista, indo muito
além do conservadorismo mainstream das direitas brasileiras. Uma filosofia anti-moderna e
anti-iluminista com um veio reacionário que serviu de base filosófica para o fascismo
clássico. Um pensamento que toma toda a modernidade como período de decadência dos
valores, das hierarquias e das tradições no ocidente, sendo preciso restaurar a ordem “natural”
do mundo através do trabalho de construção de uma elite de intelectuais. Ora, não é esse o
pensamento e o discurso que as narrativas históricas da produtora trazem ao prometerem um
resgate dos valores e das tradições que formariam a nação brasileira, reivindicando a herança
cultural de uma Europa pré-moderna? O que a Brasil Paralelo e Olavo fazem é traduzir o
pensamento de bases tradicionalistas para o contexto nacional, mobilizando mitos
palingenéticos a partir de um uso político da história e do passado, no sentido de construção
de futuro.
Para tanto, disputam o campo das narrativas históricas se utilizando dos mecanismos
de revisionismo ideológico – apoiado em revisionismo historiográfico – e no negacionismo.
Foi possível verificar que esse uso revisionista da história nos conteúdos da Brasil Paralelo
mobiliza uma série de deturpações, omissões e manipulação de dados, bibliografia e fontes
documentais sem a devida contextualização e crítica, incorrendo numa série de
inconsistências e distorções teórico-interpretativas dos fatos, dos eventos e dos processos
históricos. Narrativas que mobilizam estratégias de apagamento e silenciamentos diversos,
comparações anacrônicas e descontextualizadas, se utilizando de argumentum ad hominem, de
discurso de autoridade e de teorias da conspiração. Se realiza uma leitura do passado que
oculta ou dissimula certas dinâmicas numa apresentação linear da história como uma cadeia
causal de eventos, não sendo capaz de apreender a história como um resultado de múltiplas
relações de forças, estruturas, conjunturas, processos e temporalidades. A história, tomada de
modo idealista, aparece como resultado de um confronto de ideias, numa narrativa que
apresenta o contexto histórico a partir de maniqueísmos e dicotomias simplistas, operando
reducionismos e generalizações. Tudo isso é embalado num discurso atravessado por
estratégias de marketing e propaganda, vendido num tom polemista e sensacionalista, que
oferece a “verdadeira história que te ocultaram”, quando, na verdade, se promove como
novidade teses que já foram refutadas há anos pela historiografia acadêmica e no campo
jornalístico.
288

Apresentando-se a partir de uma posição que seria anti-establishment acadêmico, a


Brasil Paralelo é tanto anti intelectualista, na medida em que procura negar e deslegitimar as
instâncias e instituições consolidadas de produção e reprodução do conhecimento de base
científica e acadêmica, visando a construção de novos regimes de verdade, quanto é anti
científica, rejeitando-se o método e a lógica próprios da prática historiográfica e científica.
Dado a impossibilidade de rigor profissional, a estratégia utilizada é atacar a historiografia e
os historiadores, se projetando no mercado de produtos históricos a partir do ataque aos
profissionais do campo, ao mesmo tempo que procuram oferecer ao público um conteúdo
pretensamente historiográfico, científico e de cunho educativo. Assim, os critérios de
validação e legitimação do conteúdo passam a estar nos valores morais defendidos e nos
interesses políticos, econômicos e ideológicos dos grupos que representam, e no sucesso
mercadológico do produto junto ao público. Produto que fica, então, refém da propensão
ideológica de seus produtores e consumidores.
As violações da história de ordem teórico-metodológica praticadas pela Brasil Paralelo
são instrumentalizados em prol de uma perspectiva de interpretação particular do passado,
através de uma chave de leitura moralizante da história, embasada na moralidade
cristã-conservadora, no anticomunismo e na racionalidade ultraliberal. A BP oferece uma
leitura elitista do passado que privilegia a perspectiva dos grupos dominantes e de figuras
específicas do poder enquanto oculta a agência de grupos subalternizados na história. O
resgate da história nacional pretendido, na verdade, corrobora para a habilitação de uma
história monarquista de cunho tradicionalista, crítica à modernidade e anti republicano,
baseada numa visão eurocêntrica e patriarcal voltada para a promoção de mitos fundacionais
da nação. Narrativas que ainda fornecem elementos de naturalização do racismo estrutural ao
promovem o apagamento dos povos de origem africana e das implicações sociais da
escravidão no presente, e que apagam o legado dos povos originários na formação nacional a
partir de uma visão etnocêntrica.
Promove-se uma releitura do passado já informada de antemão pela busca de
determinados propósitos políticos e ideológicos colocados à priori. E não se trata aqui de se
estabelecer uma crítica a partir de uma pretensa “História Oficial” ou uma escrita
historiográfica pretensamente “imparcial” e “neutra”, mas de compreender que os elementos e
posições políticas e ideológicas na prática historiográfica devem ser submetidos, antes, ao
método e a lógica histórica da escrita acadêmica e científica, e as respostas e resultados
obtidos na pesquisa não podem ser distorcidos em razão daquelas.
289

As “versões paralelas” da história promovidas pela produtora Brasil Paralelo


produzem, assim, um passado falsificado a fim de corroborar com a concepção de mundo
particular de grupos dominantes. Suas narrativas procuram cristalizar uma concepção
ultraliberal-conservadora no senso comum histórico da população, onde o capital junto de
seus modelos ideológicos complementares passam a ser o senhor absoluto do tempo e da
história. Assim, universalizam-se determinados valores e ideologias funcionais à reprodução
dos interesses de grupos dominantes e das relações sociais capitalistas. Tratam-se de
narrativas produzidas e disseminadas no âmbito da conformação de discursos que servem a
determinados projetos hegemônicos vinculados a uma rede de APHs de extrema direita.
Nestes termos, pôde ser constatado que a Brasil Paralelo fornece, portanto, um projeto
estratégico no terreno da trincheira ideológica a serviço de interesses dominantes, projeto este
que já nasce como uma tentativa de intervenção na esfera pública nacional no correr do
próprio processo político pós-2013, procurando capturá-lo narrativa e simbolicamente.
Trata-se de um aparelho privado de hegemonia na medida que atua produzindo consenso e
formando novos quadros de intelectuais orgânicos a serviço da burguesia. Entretanto, nos
últimos anos, suas funções organizativas e conectivas desempenhadas na produção de
consenso transcenderam as fronteiras da sociedade civil, rumando em direção à sociedade
política e ao próprio governo jurídico a partir de Bolsonaro. O estabelecimento de relações
influentes junto a figuras da política institucional, do empresariado, do judiciário e mesmo de
grupos militares trouxe, assim, a possibilidade de ocupação de posições estratégicas no seio
do próprio aparelho de Estado, e isso só foi possível devido a associação da produtora com o
bolsonarismo na conjuntura. Promoveu-se uma ocupação em postos-chave do Estado a fim de
reestruturá-lo por dentro, dando-lhe um novo sentido social.
É importante observar como a Brasil Paralelo se configura não apenas como um
aparelho privado de hegemonia usual, a partir dos interesses representados no seio da
sociedade civil e das funções que exerce no âmbito do consenso social, mas como um APH
que funciona sob uma lógica e um modelo empresarial. Concebida como uma empresa de
comunicação, sua atividade se baseia na produção e oferta de conteúdo educativo e de
entretenimento no mercado digital. O tipo de atividade exercida no seio do mercado integra a
produtora na esfera da indústria cultural. Trata-se não só de trabalhar na cimentação do
consenso social promovendo os valores e as concepções de mundo das classes dominantes,
mas de instrumentalizá-las e ofertá-las na forma de um produto cultural, de uma mercadoria
lucrativa, dissimulada enquanto conteúdo educativo de história e de política. Conforme
Balestro:
290

Em torno dessa paradoxal mobilização midiática, parece-nos que o Brasil Paralelo


procura aproveitar-se da atual conjuntura política (conservadora, reacionária,
neoliberal) para fortalecer uma “guerra de posição” no mundo digital, com o
objetivo de garantir a direção e o domínio moral, político e cultural do que deve (e
não deve) “entrar” para a história que eles tentam disseminar1074.

A partir de suas articulações políticas, intelectuais e ideológicas, a Brasil Paralelo


desenvolveu-se no sentido de conformar um dos aparelhos privados de hegemonia à serviço
de setores burgueses de maior influência – e lucratividade – na conjuntura brasileira,
abarcando em sua teia diversos outros pares da nova direita. Segundo Balestro:

O Brasil Paralelo dentro da sua plataforma abarca, portanto, vários APHs, através da
participação de intelectuais de diferentes frações de classe e relacionados
diretamente com o Estado. Os critérios analisados a partir desses aparelhos nos
permitiram perceber que esse APH se localiza no interior de um projeto maior de
formação pedagógica e ideológica – e que não se esgota a possibilidade de análise de
refletir o Brasil Paralelo como um partido"1075.

Verificou-se também que os intelectuais orgânicos vinculados à Brasil Paralelo


desempenham função política e ideológica fundamental na constituição dos projetos
hegemônicos de classe. Tais projetos abarcam estratégias ideológicas de formação de
consenso a respeito não só do modo de pensar e de agir sobre a realidade vivenciada, como da
consciência coletiva dos sujeitos em relação ao tempo passado. Busca-se consolidar a base
ideológica necessária ao consenso e a universalização de sua concepção de mundo, por meio
da difusão de narrativas e discursos que conformam a relação do sujeito com a sua própria
realidade sócio-histórica. Talvez pudéssemos falar de operações de hegemonia que se
processam no âmbito do “senso comum histórico” da população. Os intelectuais aqui
trabalhados precisam disputar o controle das narrativas de determinados fenômenos e
processos históricos, a fim de fornecer coesão a sua ação na conjuntura. Para tal, utiliza-se da
estratégia de difundir e banalizar suas teses amplamente na esfera pública até que se tornem
consensuais. Essa ação, por sua vez, se inscreve nos marcos de um determinado projeto de
sociedade, associado a determinadas frações de classe em suas disputas pelas trincheiras
ideológicas da sociedade civil e pelo controle do próprio aparelho governamental-coercitivo.
Operando na esfera do consenso social, a Brasil Paralelo atua, portanto, no sentido de
ressignificar os processos históricos a fim de legitimar no presente um projeto de hegemonia à

1074
Ibidem, p. 128.
1075
Idem, 2019, p. 38.
291

serviço da extrema direita e do bolsonarismo, fornecendo-lhes uma base intelectual que


justifica e legitima sua atuação política e social1076.
Gramsci observa que “a realização de um aparelho hegemônico, enquanto cria um
novo terreno ideológico, determina uma reforma das consciências e dos métodos de
conhecimento [...]”1077. Evidencia-se que a partir do trabalho de seus intelectuais nesse
terreno, a Brasil Paralelo atua enquanto exímio aparelho privado de hegemonia se engajando
na construção de um projeto anticomunista, ultraliberal e ultraconservador de sociedade que
mobiliza toda uma estratégia de consenso direcionada para uma “reforma” da consciência
política e histórica não só dos setores dominantes que representa, como das classes
subalternas1078.
Pelo filtro do “olavismo”, a Brasil Paralelo oferece uma concepção de mundo e da
história articulada e integral, que municia as bases intelectuais e ideológicas da nova direita e
do bolsonarismo para a sua construção mítica do passado e da história rumo a um novo
horizonte cultural e político. Suas narrativas fornecem elementos para a identidade de grupo
desses sujeitos, conferindo-lhes sentido ao passado, ao presente e ao futuro. O cerne está em
disputar a hegemonia da sociedade a partir do campo da história e da educação em prol de
uma “nova cultura” em construção. No caminho, não só a memória, como a própria história é
“assassinada” em nome do resgate dos “bons valores” alinhados com a perspectiva
liberal-conservadora hegemônica, mas apenas para reanimá-la e transformá-la na
forma-mercadoria, num produto lucrativo na prateleira do mercado de entretenimento da era
digital. Dentro dele, o cavalo de Tróia.

1076
CASIMIRO, 2020, p. 76-77.
1077
GRAMSCI, 1999, p. 320.
1078
Ainda que não contem com o aporte material/digital e a capacidade de influência que a Brasil Paralelo
possui, cabe mencionar iniciativas elaboradas no próprio meio digital que apresentam proposta de resistência ao
projeto. Este é o caso da página “Brasil para lerdos” no Twitter, perfil que funciona como uma espécie de
observatório crítico que desvela as estratégias e os conteúdos da produtora, fornecendo ainda uma rede de apoio
para os pesquisadores que sofrem perseguição jurídica da empresa. O perfil possui atualmente cerca de 60 mil
seguidores.
292

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ROMANO, Giovanna. Eduardo Bolsonaro estuda história em canal acusado de ‘fake news’ .
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SAYURI, Juliana. Brasil Paralelo faz 'guerra de edições' e disputa narrativas na Wikipédia.
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323

cultural%E2%80%99.-E-por-que-a-express%C3%A3o-est%C3%A1-em-alta>. Acesso em: 20


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SEGALLA, Vinicius. Olavo de Carvalho criou filhos fora da escola e em comunidade


islâmica. Carta Capital, 4 dez. 2018. Disponível em:
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SERVA, Leão. Filme '1964' faz uso indevido de foto de Sebastião Salgado. Folha de S. Paulo,
7 mai. 2019. Disponível em:
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SILVA, Cedê. Exclusivo: contrato da TV Escola com Brasil Paralelo é de três anos. O
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SILVA, Rafael Rodrigues. Brasil é o segundo país do mundo a passar mais tempo na internet.
Canaltech, 1 fev. 2019. Disponível em:
<https://canaltech.com.br/internet/brasil-e-o-segundo-pais-do-mundo-a-passar-mais-tempo-na
-internet-131925/>. Acesso em: 7 mai. 2022.

VÍDEO com suspeitas sobre eleições de 2014 usou lei matemática que não prova fraude.
Estado de S. Paulo, 10 out. 2018. Disponível em:
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-2014-usou-lei-matematica-que-nao-prova-fraude/>. Acesso em: 12 mai. 2022.

ZANINI, Fábio. Produtora Brasil Paralelo vive crescimento meteórico e quer ser 'Netflix da
direita'. Folha de S. Paulo, 29 mai. 2021. Disponível em:
<https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2021/05/produtora-brasil-paralelo-vive-crescimento
-meteorico-e-quer-ser-netflix-da-direita.shtml>. Acesso em 22 fev. 2022.
324

ANEXO 1

Produções e séries originais Brasil Paralelo

Título da produção Ano Direção Sinopse Episódios

O Congresso Brasil Paralelo é 1. Panorama Brasil


Congresso Brasil 2016 Lucas Ferrugem, o primeiro projeto da BP. Com 2. Terra de Santa Cruz
Paralelo Henrique Viana, ele, pretendíamos fazer o 3. As Raízes do
Filipe Valerim maior diagnóstico já feito - até Problema
então - sobre a situação 4. Dividindo Pessoas,
econômica, política e cultural Centralizando o Poder
do Brasil. 5. Propostas
6. Impeachment - do
Apogeu à Queda

Nesta versão original de 2017


Brasil: A Última 2017- Lucas Ferrugem, de Brasil: A Última Cruzada, 1. A Cruz e a Espada
Cruzada (Versão 2018 Henrique Viana, você irá conhecer o maior 2. A Vila Rica
2017) Filipe Valerim resgate histórico já produzido 3. A Guilhotina da
em nosso país. Aprendemos Igualdade
que o Brasil é fruto de uma 4. Independência ou
invasão portuguesa e que, na Morte
nossa história, nada há de 5. O Último Reinado
virtuoso, nada há de bom. E se 6. Era Vargas - O
disséssemos que o Brasil foi Crepúsculo de um
construído com muito Ídolo
sacrifício, honra e coragem?

1. O que sobrou do
O Dia Depois da 2018 Lucas Ferrugem, Poucas pessoas possuem a Brasil (Parte 1)
Eleição: Henrique Viana, capacidade de antever os riscos 2. O que sobrou do
Antecipando Filipe Valerim, e aproveitar as oportunidades Brasil (Parte 2)
Ameaças e Rodolfo Tayler que os movimentos políticos 3. Minha primeira
Oportunidades causam na economia. Nestes 5 grande operação
episódios, aprenda como. 4. Os ciclos de poder
5. Proteja-se
independente do
resultado

1. 1989
O Teatro das 2018 Não Informado Descubra os bastidores das 2. 1994
Tesouras eleições presidenciais 3. 1998
brasileiras, como estes 4. 2002
personagens seguem o mesmo 5. 2006
roteiro e fingem antagonismo 6. 2010
nesta websérie produzida pelo 7. 2014
Brasil Paralelo. 8. 2018 (episódio
lançado em 2022)

Questionamos o período mais


1964: O Brasil 2019 Lucas Ferrugem, inquestionável de nossa
entre Armas e Filipe Valerim história. O resultado foi uma
Livros investigação internacional com
dezenas de entrevistados,
descoberta de documentos
originais dos serviços secretos
soviéticos e muita tentativa de
censura por parte da mídia
325

brasileira. Estava tudo debaixo


de nossos olhos.

Pátria Educadora 2020 Lucas Ferrugem, Para entendermos o motivo de 1. O Fim da História
Filipe Valerim chegarmos às últimas posições 2. Pelas Barbas do
em todos os rankings Profeta
educacionais internacionais, é 3. Guerra Contra a
necessário darmos um passo Inteligência
para trás. Nesta jornada pela
educação, trazemos conceitos,
análises e denúncias sobre as
diferentes ideologias e
personagens que pensaram o
sistema de ensino brasileiro.

Pediram pra você ficar em


7 Denúncias: As 2020 Lucas Ferrugem, casa. E você obedeceu. Em
Consequências do Filipe Valerim poucos dias de quarentena, as
Caso Covid-19 ruas ficaram vazias e o mundo
[EA] parou. Em nome da ciência,
políticos de todo o mundo
acumularam poder. Quais são
as consequências para nós?

O que acontece quando alguém


Os Donos da 2020 Lucas Ferrugem, decide por você o que é
Verdade Filipe Valerim verdadeiro ou falso? Qual é o
[EA] preço da liberdade de
expressão? E qual é o custo de
perdê-la? Na era das Fake
News, duvide das certezas.

1. Dias Toffoli
Os 11 Supremos 2020 Não informado O documentário Os donos da 2. Luiz Fux
[RP] verdade apresentou o risco que 3. Marco Aurélio
a liberdade de expressão corre 4. Rosa Weber
no Brasil, a série Os 11 5. Carmen Lúcia
supremos coloca tudo que foi 6. Luís Roberto
dito em xeque. A verdade pode Barroso
ser dita até que ponto? 7. Ricardo
Lewandowski
8. Edson Fachin
9. Celso de Mello
10. Gilmar Mendes
11. Alexandre de
Moraes

O que significa o século


Fim das Nações 2020 Lucas Ferrugem, americano e por que ele pode 1. A eleição do voo 93
Filipe Valerim estar chegando ao fim? A 2. A batalha da
trilogia "Fim das Nações" te Avenida Michigan
ajudará a entender a política 3. A nova Guerra Fria
internacional e a relação entre
três grandes potências: Estados
Unidos, China e Rússia.

As minorias ganharam as
As Grandes 2020 Henrique capas dos jornais e moldaram a 1. Os Antifascistas
326

Minorias Zingano opinião pública. Muito se fala 2. Geração Sem


sobre o que esses movimentos Gênero
criticam, pouco se discute 3. Vidas (Negras)
sobre suas origens e propostas. Importam
Você já conhece As Grandes
Minorias?

Reunimos grandes nomes para


Especial de Natal 2020 Filipe Valerim resgatar a verdadeira essência 1. Episódio 1
2020 do Natal. Um momento de 2. Episódio 2
[EA] reflexões: família, sucesso e 3. Episódio 3
espiritualidade. Afinal, qual é 4. Episódio 4
o Natal que vale a pena ser
vivido?

A Queda: O país que já foi conhecido


Argentina 2021 Lucas Ferrugem como a Europa da América 1. A Ressaca
Latina hoje é sinônimo de 2. A Festa
pobreza e instabilidade 3. A Conta
política. O Brasil pode ser a
próxima peça a cair?

A partir da visão de renomados


A Primeira Arte 2021 Henrique nomes da música 1. Ressonância
Zingano, internacional, e com a 2. Consonância
Filipe Valerim apresentação do pianista 3. Dissonância
Álvaro Siviero, vamos
explorar o universo da música.
Através da relação harmônica
dos tons, essa linguagem fala
conosco mesmo sem
percebermos. Somos uma
espécie auditiva e os efeitos e
poderes da música são sentidos
ao longo da evolução humana.
Afinal, o que estamos ouvindo
e como somos afetados pelas
músicas que tanto gostamos?

Em uma guerra, a primeira


Cortina de Fumaça 2021 Lucas Ferrugem baixa sempre vai ser a verdade.
Não é de hoje que o tema
ambientalismo é pauta no
Brasil. Porém dessa vez, a
cortina de fumaça não vem das
queimadas, e sim das notícias.

1. Gênesis [O impacto
A Sétima Arte 2021 Lucas Ferrugem O último século restabeleceu a do Cinema]
relação do homem com a arte. 2. A Queda [A função
O cinema surgiu como a mais política do Cinema]
presente e disseminada forma 3. A teoria do Parasita
de entreter, inspirar e educar Pós-Moderno no
informalmente as pessoas. Cinema
Com o aumento do consumo 4. O Poderoso Chefão
de filmes e séries, será que 5. A Felicidade Não se
estamos cientes do impacto da Compra
Sétima Arte em nossas vidas? 6. Star Wars
7. O Senhor dos Anéis
327

Com a apresentação de Luís


Especial de Natal 2021 Sílvio Medeiros Ernesto Lacombe e Lara 1. Episódio 1
2021 Brenner e participação da 2. Episódio 2
[EA] Orquestra Acadêmica 3. Episódio 3
Mozarteum Brasileiro e Alvaro
Siviero, o evento recebe
convidados especiais.

O conceito e as formas da
O Fim da Beleza 2022 Marco Aslan Beleza mudaram durante a 1. Nos Olhos de Quem
história, mas nada foi tão Vê
impactante e drástico como a 2. A Sociedade dos
modernidade. Se a Beleza está Engenheiros
nos olhos de quem vê, como 3. O chamado da
estamos vendo o mundo? Tradição

A Revolução que mudou a


Invasão 2022 Guilherme Freire história da humanidade e ainda
Bolchevique guia o presente é o tema do
[RP] primeiro original BP exclusivo
para assinantes.

O feminismo é um movimento
A Face Oculta do 2022 Guilherme Freire político popular. Suas
Feminismo concepções pautam a política,
[EA] os debates públicos, as
interações sociais. Mas por trás
dessa feição conhecida,
esconde-se outra, oculta até de
seus apoiadores, e que agora
será revelada.

Quais os elementos que


Entre Lobos 2022 Silvio Medeiros fizeram do Brasil um terreno 1. Uma Vida Curta,
[EA] fértil para a criminalidade? Sórdida e Brutal
Assista agora ao maior – e 2. Segurando o Lobo
mais estarrecedor – pelas Orelhas
documentário sobre segurança 3. O Custo do Crime e
pública já feito no país, e o Preço da Civilização
descubra quais são os
verdadeiros ingredientes do
caos e da insegurança que
amedronta os brasileiros.

Em um século que acumulou


A Guerra do 2022 Guilherme Freire quase 200 milhões de mortos 1. Dragões podem ser
Imaginário: A em guerras e revoluções, uma vencidos
Jornada de outra guerra, desconhecida por 2. Surpreendido pela
Chesterton, Lewis muitos, se iniciou. Assista e Alegria
e Tolkien descubra esta guerra 3. É um Dom!
silenciosa, em uma trilogia
belíssima e impactante, que
conta a jornada de três de seus
maiores heróis.

A série mais aclamada da


Brasil: A Última 2022 Asaph Hiroto, Brasil Paralelo está de volta, 1. A Cruz e a Espada
Cruzada (Nova Elton Mesquita em edição especial para um 2. A Vila Rica
Edição 200 Anos ano igualmente especial. No 3. A Guilhotina da
328

de Independência) bicentenário da independência Igualdade


[EA] do Brasil, resgatamos nossa 4. Independência ou
verdadeira história – muito Morte
mais gloriosa e digna de 5. O Último Reinado
orgulho do que a escola nos
ensinou.

O drama de um povo sem


Reconquista 2022 Emerson José, memória, sem identidade e à
(animação) Rafael Lucino deriva é personificado em
[RP] Pedro Astúrias: herdeiro de
uma grande fortuna, ele vaga
pelas ruas de uma metrópole,
perdido e sem memória,
enquanto uma ameaça
estrangeira ameaça destruir
todo o legado de sua história
familiar.

Para uns, a democracia está


A Crise dos 3 2022 Lucas Ferrugem sendo ameaçada pelo Poder
Poderes Executivo. Para outros, o 1. Parte I
[EA] Poder Judiciário e a existência 2. Parte II
de uma camada política do 3. Parte III
Congresso Nacional impedem
a governabilidade. Afinal de
contas, o que está acontecendo
com o Brasil?

Você acha que futebol é o "pão


A Camisa Mais 2022 Diego Rosa, e circo" do povo brasileiro?
Pesada do Mundo Silvio Medeiros Em ano de Copa, trouxemos o
[EA] único documentário capaz de
restaurar quatro coisas: seu
orgulho de torcer pela Seleção,
sua esperança de que o 7x1
será superado, sua memória de
por que o futebol é uma das
maiores riquezas da cultura
brasileira e sua vontade de
vestir a camisa que enverga
qualquer varal, ostentando
mais estrelas do que todas as
outras.

O fim trágico da história


Varig: A 2022 Henrique promissora da Varig representa
Caixa-Preta do Zingano bem o nosso país: um Brasil
Brasil que promete ser potência, mas
[EA] nunca decola. Assistimos à
queda da “estrela brasileira” e
à falência (ou assassinato?) de
nossa primeira multinacional;
destroços históricos cuja
caixa-preta ninguém nunca se
atreveu a abrir – até hoje.

Te convidamos a sentir toda a


Especial de Natal 2022 Silvio Medeiros emoção do Natal conosco, 1. Reconciliação
329

2022 neste evento capaz de tocar 2. Dedicação


[EA] corações e resgatar a 3. Porto Seguro
verdadeira essência desta data.
Apresentado por Lara Brenner
e Alvaro Siviero, com
convidados especiais e
embalado pela Orquestra
"Camerata Brasil Paralelo" e o
Coral Del Chiaro. Você vem?

Já imaginou o Rasta nadando


Brasil Raiz 2023 Bruno Bergamo com um boto-cor-de-rosa, 1. Recife
[EA] dançando numa tribo indígena 2. Rio Grande do Sul
ou cantando com Sikêra 3. Ouro Preto
Júnior? Já pode parar de 4. Rio de Janeiro
imaginar, e ver tudo isso 5. Manaus
acontecendo na nova série
original da Brasil Paralelo.
Assista agora e descubra do
que é feito o suco de Brasil,
em cinco episódios que
percorrem os quatro cantos do
país, mostrando de forma
hilária e singular o que é essa
tal de identidade brasileira.

Há quem durma desejando


A Fantástica 2023 Lucas Araújo nunca mais acordar. Há quem 1. Parte I
Fábrica da já acorde querendo voltar a 2. Parte II
Sanidade dormir. Neste documentário da 3. Parte III
[EA] Brasil Paralelo, você
acompanha a história e os
relatos de quem lida, pessoal
ou profissionalmente, com essa
questão. Mente, corpo e alma
serão perscrutados, para nos
ajudar a compreender como as
sociedades vêm adoecendo.
Assista agora à maior
investigação documental sobre
psicologia e psiquiatria já feita
no Brasil.

Segundo denúncias, jornalistas


Nicarágua: 2023 Andrhey Ferreira estão sendo presos, igrejas
Liberdade Exilada fechadas, padres e freiras
[EA] perseguidos. Afinal, o que está
acontecendo na Nicarágua?
Entenda no novo documentário
da Brasil Paralelo, que
apresenta a história de um
povo que hoje afirma ser
vítima do governo do seu
próprio país. Relatos e
testemunhos pessoais de
nicaraguenses exilados
costuram uma história de luta
pela liberdade e dignidade de
uma nação.
330

"A festa nunca termina"? E sua


Era Uma Vez 2023 Lucas Araújo vida, quando começa?
Carnaval Seja sua escolha pular carnaval
[EA] ou pular o carnaval, te
convidamos a assistir ao novo
especial inédito da Brasil
Paralelo, produzido com o
objetivo de estudar e
compreender as origens,
caminhos e desvios dessa festa
e tudo que ela representa — e
deixou de representar.

O gigante realmente acordou?


A Direita no Brasil 2023 Henrique Viana, Os eventos dos últimos anos 1. Ato I - Ainda que
[EA] Lucas Ferrugem foram capazes de despertar e tardia
organizar um novo 2. Ato II - Sísifo sobe
movimento? Revivemos os a montanha
acontecimentos que marcaram 3. Ato III - Lições do
a última década e trouxemos abismo
figuras de destaque da
chamada nova direita para
responder, finalmente, a uma
pergunta incômoda: existe um
futuro para a direita no Brasil?
Descubra a resposta agora no
novo documentário da Brasil
Paralelo “A Direita no Brasil.”

Trouxemos a realidade da
Infiltrados: 2023 Não informado Venezuela contada por quem
Venezuela mais sabe sobre ela: o próprio
[EA] povo venezuelano. É hora de
descobrir qual o real tamanho
da crise do país, com imagens
inéditas feitas pela câmera de
um celular. De moradores da
maior favela da América
Latina ao líder da oposição ao
governo, todos foram vistos e
ouvidos — e o que vimos e
ouvimos não pode ser
esquecido. Você está pronto
para descobrir a verdade?

[RP]: conteúdo retirado das plataformas


[EA]: conteúdo exclusivo para assinantes
331

ANEXO 2
332

ANEXO 3

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