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HISTÓRIA E IDEOLOGIA:

UMA ANÁLISE DA SÉRIE “BRASIL: A ÚLTIMA CRUZADA” DO BRASIL PARALELO

Thayná de Oliveira Lima​1


Rebeca de Paula Belmont​2
Maria Gabrielli Favoretti Fornazier​3
Mauro Henrique Miranda de Alcântara​4

INTRODUÇÃO

A busca por acessibilidade e praticidade, junto ao avanço de tecnologias, tem


intensificado a produção e publicação de conteúdo nas mídias sociais digitais, como o
YouTube​. Diante de tal fenômeno, a internet tem sido um ambiente propício a troca de
informações. Todavia, o conteúdo que é postado nesta plataforma, não passa por um tipo
de revisão ou verificação de qualidade e veracidade do material. Diversas empresas têm
utilizado dessa plataforma, para publicação de materiais, visando ganhos econômicos.
Nesse âmbito, a empresa ​LHT HIGGS LTDA (Brasil Paralelo) utiliza desse meio de
comunicação para publicar seu conteúdo.
A empresa foi criada em 2016, na cidade de Porto Alegre - RS, por três ex-alunos
do curso de Administração na Escola de Propaganda e Marketing (ESPM), Henrique
Viana, Filipe Valerim e Lucas Ferrugem​. A proposta do grupo foi produzir conteúdo
histórico, que apresentem a “verdadeira história”.
O principal objetivo do presente artigo é realizar uma análise qualitativa das
transcrições do capítulo 5 da série: “Brasil: A Última Cruzada”. Buscamos verificar as
estratégias ideológicas, o tipo narrativo e se há há uma operação histórica na produção
desses materiais.
Para realizar tal estudo, iniciamos uma discussão conceitual sobre ideologia, a
partir das obras de escritores como: Marilena Chauí, Michael Löwy, Paul Ricoeur e Terry
Eagleton. Utilizamos do conceito de tipos narrativos de Jörn Rüsen, para relacionar o
projeto ideológico da empresa às narrativas dos vídeos do canal. As análises realizadas
têm demonstrado que o projeto político ideológico do Brasil Paralelo, busca resgatar no
passado valores, ideais e heróis para construção do presente. Esse revisionismo,
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​Bolsista de Iniciação Científica de Nível Médio (IC-EM) no projeto de pesquisa: “Brasil Paralelo e o
Revisionismo Histórico: Análise Narrativa da Série “Brasil: A Última Cruzada”. Estudante do curso Técnico
em Agropecuária Integrado ao Ensino Médio, do IFRO, ​Campus ​Cacoal.
2
​Bolsista de Iniciação Científica de Nível Médio (IC-EM) no projeto de pesquisa: “Brasil Paralelo e o
Revisionismo Histórico: Análise Narrativa da Série “Brasil: A Última Cruzada”. Estudante do curso Técnico
em Informática Integrado ao Ensino Médio, do IFRO, ​Campus ​Cacoal.
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​Colaboradora no projeto de pesquisa: “Brasil Paralelo e o Revisionismo Histórico: Análise Narrativa da
Série “Brasil: A Última Cruzada”. Estudante do curso Técnico em Agropecuária Integrado ao Ensino Médio,
do IFRO, ​Campus ​Cacoal.
4
​Coordenador do projeto “Brasil Paralelo e o Revisionismo Histórico: Análise Narrativa da Série “Brasil: A
Última Cruzada”. Doutor em História pela UFMT. Professor de História do IFRO, ​Campus​ Cacoal.

X Semana Nacional de Ciência e Tecnologia, I Seminário de Iniciação Científica - IFRO – Campus Cacoal, out. 2020.
contudo, busca atender aos interesses do grupo e não trazer novas
representações/explicações para a História.

DESENVOLVIMENTO

A empresa Brasil Paralelo, atualmente, possui mais de 1,4 milhões de inscritos em


seu canal no ​Youtube​. Esse quantitativo demonstra a interação de uma quantidade
importante de pessoas com o material produzido nele. O capítulo 5 da série “Brasil: a
Última Cruzado”, intitulado “O último reinado”, foi visualizado 782.291​5​. Percebe-se que há
uma correlação importante entre o número de inscritos e a visualização do conteúdo.
Diante desse cenário, é importante que possamos compreender que tipos de narrativa
histórica, essa empresa está produzindo e popularizando nas redes.
Um dos aspectos que temos encontrados neste material, é sua estratégia
ideológica. Ao descreverem que, buscarão apresentar a “verdadeira história”,
automaticamente eles estão relacionando a História produzida pelos demais, incluso a
academia, não é verídica. Portanto, há nessa declaração, uma perspectiva ideológica.
O termo “ideologia” geralmente é confundido com ideário, significando apenas um
conjunto sistemático e encadeado de ideias, essa confusão de termos abre portas para
fontes com outra perspectiva, a fim de atingir um grande grupo social.
No entanto, Marilena Chauí desfaz essa suposição e classifica ideologia não como
um ideário qualquer, e sim um de cunho mais histórico, social e político, servindo para
ocultar a realidade e manter a desigualdade e a exploração. É uma das perspectiva do
discurso ideológico, é justamente, não aceitá-lo como ideológico.
Já Terry Eagleton acreditava que as ideias fossem por si só misteriosas e
totalmente independente do condicionamento externo. A ideologia era uma tentativa de
restituir as ideias a seu domínio, gerando produtos de certas leis mentais e fisiológicas.
Logo a inversão da palavra ideologia ocorreu; originalmente significava o estudo científico
das ideias humanas e após a inversão passou a se referir-se diretamente ao próprio
sistema de ideias. Terry mostra o seu posicionamento envolvendo a inversão desses
significados:

Porém, para levar a cabo esse projeto, era necessário conceder enorme atenção
ao reino da consciência humana; é compreensível, portanto — embora irônico —,
que esses teóricos tenham começado a acreditar que as idéias eram a única coisa
que existia. É como se alguém rotulasse de “filósofo religioso” 66 um racionalista
agnóstico que passasse a vida inteira mergulhado em misticismo e mitologia, a fim
de demonstrar que estes são ilusões engendradas por determinadas condições
sociais. (EAGLETON, Terry. 1997, p. 65.).

Outrossim, Michel Certeau em seu livro: A operação histórica (1974), nos orienta a
respeito de como deve ser um discurso científico para o historiador. Veja:

O discurso “científico” que não fala de sua relação com o “corpo” social não seria
capaz de articular uma prática. Deixa de ser científico. Questão central para o
historiador: essa relação com o corpo social é precisamente o objeto da história;
não poderia ser tratada sem também colocar em questão o próprio discurso
historiográfico. (CERTEAU, Michel. 1974, p.22.).

A partir de então, podemos questionar: será que a Empresa possui de fato o


“discurso científico”? Acreditamos que não. Uma vez que, no vídeo aqui em análise não
possui referencial teórico/bibliográfico, não há articulação com a prática. O autor também
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A consulta foi realizada no dia 14 de outubro de 2020.

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sugere: a análise do discurso histórico independente da instituição em função da qual ele
é organizado (CERTEAU, 1974, p.22.). Nesse sentido, fez-se necessário a análise da
transcrição aqui posta.
Historicamente a sociedade fica registrada por meio das narrativas históricas.
Essas narrativas apresentam tipologias que se encaixam em vários sentidos ditos que são
relevantes para uma interpretação analítica. Em geral, Rüsen (2016, p.56) descreve-a
como um ​“Sistema de operações mentais” e que o tempo cronológico se torna uma
ameaça, então a história se torna a resposta através do poder de sobressair as
incertezas, deixando um rastro de si antes do fim, por meio de ocorrências temporais
significativas.
É importante atribuir o conhecimento de ​Rüsen a esse estudo, com o intuito de
aplicar o método das tipologias de narrativas históricas e entender qual é o tipo
predominante da que é adotada pelo Brasil Paralelo. ​Perante isso, é possível analisar que
na narrativa do Brasil Paralelo estão presentes em predominância: narrativa crítica, que
apresenta desvios da história e negação de padrões dados; narrativa tradicional,
caracterizada pela origens seguida das formas atuais de vida, permanência das forma de
vida originalmente formadas e um sentido de eternidade no tempo; narrativa exemplar,
demonstra aplicações e validações de regras, generalização das vivências de tempo em
relação às regras de conduta seguida de um extensão do tempo (​RÜSEN, ​2016).
Partindo do referencial teórico para o estudo dessa análise, no capítulo 5 da série
Brasil: A última cruzada, Lucas Belanza apresenta a seguinte fala:

Quando se trata de desvelar a verdade da nossa história que vem sendo


negligenciada ou soterrada por todo tipo de conveniência ideológica mal
intencionada, quando se trata portanto em consequência disso de redespertar pelo
entendimento nosso da própria realidade, da própria trajetória como nação, a
nossa sensibilidade patriótica, é um tanto curioso que a nossa narrativa comece
por um dos nossos maiores erros, os nossos tropeços, a nossa caminhada como
nação.​(BRASIL PARALELO, 2017).

Ao se referir a “desvelar a verdade da nossa história que vem sendo negligenciada


[...], a todo tipo de conveniência ideológica mal intencionada”, Belanza se direciona a que
tipo de história? Ele retrata a história como se fosse forjada, com o pretexto de mostrar o
lado negativo e errado. No mesmo sentido, Terry Eagleton (1997, p.13) ressalta que a
importância da crítica ideológica está em perceber que os resultados das intenções façam
sentido para o próprio sujeito que foi enganado.
Quanto a narrativa, pode classificá-la de acordo com ​Rüsen (2016, p.50),
predominantemente na tipologia crítica, pelo fato de Lucas Belanza, apresentar desvios e
problematizar as formas atuais de vida quando ele diz: “[...] é um tanto curioso que a
nossa narrativa comece por um dos nossos maiores erros”.
Com o mesmo ideal, em uma narrativa do tipo exemplar Thomas Giulliano afirma:

O Brasil passou a deixar quatro séculos de legado, tudo aquilo que maturou
pensamento e o desenvolvimento político do país, tanto no seu desenvolvimento
constitucional como em seus grandes debates e toda essa maturidade que foi
sendo gestado no século XIX ficou para trás, à luz de uma expectativa de um
futuro que até hoje nunca chegou.​(BRASIL PARALELO, 2017).

O ouvinte é ludibriado e enganado pela fala do narrador, no sentido de que a


história ensinada na sala de aula é ‘errada’, pois eles exercem uma crítica sobre ela e a
leva para uma ideologia distinta: Uma de que foram conquistadas melhorias no processo
de desligação de Portugal. No sentido analítico, Belanza e Giulliano, ainda destacam que

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é curioso começar a falar de erros e tropeços ao invés de acertos como nação, o que
subentende que a independência brasileira poderia ter sido um erro.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

É visto que a empresa possui um alto investimento em marketing de imagem com o


objetivo de causar boas impressões aos olhos enquanto não possuem um material de
bom valor agregado, que seja parte da história oficial a ser ensinada em sala de aula.
Nesse âmbito, Eagleton (1997, p. 42) articula que a televisão - meio de comunicação do
período em que o livro foi escrito, contribui para transmitir a ideologia de classe. E assim,
ele continua: “O fato politicamente importante acerca da televisão é, provavelmente, o ato
de assistir a ela, mais do que o seu conteúdo ideológico. E mais uma forma de controle
social que um aparato ideológico”. ​Diante desse desfalque em relação à história, intervém
um ponto muito importante, que é a utilização desse conteúdo no ensino básico. Esse
problema surge a partir da alienação por parte de uma história modificada incluída às
críticas do sistema atual, principalmente quando se faz uma relação Brasil
Republicano/Brasil Imperial. Visto uma diferença na forma de apresentar a narrativa
histórica sobre a história do Brasil Imperial no conteúdo que é publicado pela empresa,
se torna responsabilidade dos professores analisar esse conteúdo quando o objetivo é
repassá-lo para os discentes, que em suma, não possuem total discernimento dos
recursos históricos. Outro ponto importante é falta de consistências bibliográficas em
relação aos materiais produzidos, além de profissionais e coordenadores que não
possuem uma especialização histórica para ensinar história, o que torna um produto de
baixo valor científico, visando a necessidade de riqueza teórica para a produção
histórico-científica, principalmente em um período que questionamentos se tornam
necessários diante da intensa alienação político-ideológico.

REFERÊNCIAS

BRASIL PARALELO. Lucas Belanza. YOUTUBE. 22 DE MAR 2018. Disponível em :<


https://www.youtube.com/watch?v=J8hnQcNyoXU/ > 1:18:59. Acesso em: 12 de outubro
de 2020.

CERTEAU, Michel. A operação histórica​. In: ALVES, F. ​História Novos Problemas​. Rio
de Janeiro, RJ: Gallimard, 1974.

CHAUÍ, MARILENA. ​O que é ideologia​. 2° ed. São Paulo: Brasiliense, 2008.

EAGLETON, TERRY. ​Ideologia​. 1° ed: São Paulo: Boitempo, 1997.

RÜSEN, Jörn. ​Narração histórica: fundações, tipos, razão​. In: MALERBA, J. ​História &
Narrativa: a ciência e a arte da escrita histórica​. 2º ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2016.

X Semana Nacional de Ciência e Tecnologia, I Seminário de Iniciação Científica - IFRO – Campus Cacoal, out. 2020.

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