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Michel de Certeau, em seu texto: A história, ciência e ficção, retoma os estudos a cerca das
diferenças e semelhanças entre história e ficção. O texto se apresenta de forma muito didática,
no qual ele busca definir quatro possíveis funcionamentos da ficção no discurso do historiador.
1 – Ficção e história: FALSO - MÍTICO. O autor nos chama a atenção para a intensa luta travada
entre a historiografia ocidental e a ficção, desde épocas passadas. No meio dessas lutas contra
o que o autor chama de fabulações, a história se distanciou ao senso comum, e se instalou com
credibilidade de erudita nesse meio.
O autor também chama atenção para o fato de a História não dizer a verdade, e sim o papel do
historiador é justamente o de diagnosticar o erro, o que é falso. O historiador só consegue
produzir a verdade a partir da identificação do erro. Para a historiografia, a ficção é o que é
errôneo.
Seu principal pressuposto é o seguinte: o que é falso não pode ser real, e o não falso é o real!
3 – Ficção e ciência: ARTEFATO - CIENTÍFICO. Quanto a esse aspecto, o autor nos afirma que
a ficção também se instaurou no campo da ciência, e se constitui hoje na forma de artefato
científico. Ela não se julga pelo real, que supostamente lhe faz falta, mas por sua capacidade de
fazer e transformar.
Nesse aspecto, a historiografia se utiliza dessa ficção com o intuito de preencher lacunas, ou
obter modelos de sociedade diferentes. O historiador sempre desconfia desse tipo de “ficção
científica” e a acusa de destruir a historiografia. O historiador busca se basear pelo real, combate
a falta de referencial na ficção.
O autor conclui essa parte de seu texto, afirmando que sob suas modalidades míticas, literárias,
científicas ou metafóricas, a ficção é um discurso que dá forma ao real, sem a pretensão de
representá-lo ou ser credenciado por ele. Opondo-se assim à historiografia que se articula
sempre a partir da ambição de dizer o real, representá-lo.
Assim o autor passa a considerar o intercâmbio entre ciência e ficção a partir de três pistas:
1 – O legendário da instituição:
Qualquer narrativa que relate o que se passa, ou passou, institui algo de real, pois se considera
como uma representação de uma realidade, ou de um passado. É como uma testemunha do que
é, ou foi e que dá declaração do fato ocorrido. E é por falar em nome do real que ela consegue
a adesão dos crentes. A historiografia adquire esse poder enquanto ela apresenta e interpreta
fatos.
Aí está o primeiro problema apresentado pelo autor nesta parte do texto: O real representado
não corresponde ao real que determina sua produção. Isso porque o real representado esconde
o presente que o organiza, isso gera uma encenação de um passado, em que o próprio discurso
historiográfico oculta o sistema social e técnico em que ela é produzida, isto é, uma instituição
profissional. A representação disfarça a práxis que o organiza.
Desse ponto em diante o autor faz uma divisão em dois pontos relevantes:
Primeiramente, o autor cita os procedimentos adotados pelo historiador para a fabricação das
histórias. Tais procedimentos já revelam uma história impregnada de interesses sociais. Outro
fator, que o autor chama a atenção, é o momento em que a erudição deixa de ser individual e
passa a ser coletiva, revelando a existência de uma comunidade científica que trabalha a fim de
corrigir os efeitos da subjetividade dos pesquisadores, mas é determinada por uma série de
fatores impregnados de interesses distintos.
A produção (livros) dessa usina (comunidade científica), esconde ou camufla toda a influência
desses interesses históricos sociais, a fim de que não se faça referência aos mesmos enquanto
os historiadores buscam representar o real.
Os discursos históricos produzidos sempre escondem o que está por trás da fabricação das
representações do real, e tais representações sempre tem um objetivo que é o de garantir a um
grupo uma unidade e uma comunicação simbólicas. Isto quer dizer que o objetivo principal de
um discurso é a elucidação da operação institucional que o fabrica e não a própria representação
do passado. Produz uma aparência do real, ao invés da práxis que o produz.
1.2 – Do produto erudito à mídia: a historiografia geral: Neste aspecto, o autor ressaltará a
diversidade de produção existente na atualidade. Tais produções superam a noção de texto
histórico e nos inserem no campo da produção imagética, e da produção de mídia televisas. Esse
é um problema para a historiografia, já que muitos historiadores negam que possa haver
produção histórica fora do texto. Mas a grande maioria de historiadores já defende e utiliza como
fontes históricas produções imagéticas e televisas. Tais fontes oferecem aos historiadores uma
enorme gama de discursos produzidos por diferentes atores sociais e que podem ser analisados
de diferentes perspectivas já que as fontes agora são mais variadas e distintas do texto escrito.
O autor também delimita três traços da historiografia geral que são mais visíveis na espécie
mídia, e mais bem controlados na espécie científica.
b) A narrativa que fala em nome do real é imperativa. Ela “faz conhecer”, à maneira como se
dá uma ordem. A estrutura da narrativa consiste em ditar em nome do real, o que deve ser dito,
o que se deve crer e o que deve ser feito, sem a necessidade de um a justificativa, pois ela fala
em nome do real.
c) Essa narrativa é eficaz. Ao pretender relatar o real, ela o fabrica. Ao produzir crente, ela
produz praticantes. A narração do historiador desvaloriza ou privilegia práticas, exagera a
dimensão dos conflitos, inflama nacionalismos ou racismos, organiza ou desencadeia
comportamentos. As vozes charmosas da narração transformam, deslocam e regulam o espaço
social, elas exercem um imenso poder que escapa ao controle por se apresentar como a
verdadeira representação do que se passa ou do que se passou. Assim, os poderes políticos e
econômicos, mais lúcidos que os próprios historiadores, os compram, os orientam, a fim de obter
o controle sobre a representação do que se passa ou do que se passou. Concluindo, a história
está a serviço dos donos do poder!
O discurso combina uma encenação com o poder e se vincula com a instituição que vai lhe
garantir a legitimidade diante do público e a dependência em relação à dinâmica das forças
sociais. Isso gera um processo em que se assegura a imagem do discurso do real para leitores
e, ao mesmo tempo, articula a produção sobre o conjunto de práticas sociais. Isto quer dizer que
as representações são autorizadas a falar em nome do real apenas na medida em que elas
fazem esquecer as condições de sua fabricação.
Através dessa prática que pode ser chamada de científica, ohistoriador pode ampliar o leque de
informações, e o tratamento e a disposição das mesmas. Por exemplo, a informática pode deixar
os livros repletos de algarismos, garantias de objetividade. Se pensarmos no velho embate
historiográfico: Objetividade x Subjetividade.
2.1 – A matemática possui um discurso consistente, sem contradições; limpo, sem equívocos;
restritivo, impedindo a rejeição de seu conteúdo. A Elegância é seu principio interno de
desenvolvimento. Foi no século XVIII que se pensou a ideia de uma sociedade matematizável.
Tal ideia só veio à tona após a emergência do individualismo. Além dele, outros três fatores
contribuíram para este processo de matematização da sociedade: 1 – Técnica - Progresso da
matemática e a abordagem quantitativa da natureza com a dedução de leis gerais; 2 –
Sociopolítica - O surgimento do aparelho burocrático que organiza a administração sociopolítica
uniformizando um território; 3 – Ideológica e social - A ascensão da burguesia ciente de que seu
poder e a riqueza da nação seriam garantias da racionalização da sociedade.
Essa tripla determinação histórica é a condição que torna possíveis as operações estatísticas.
2.2 – O rigor matemático exige uma restrição do domínio em que ele pode exercer-se. Ao propor
sua matemática social, Condorcet afirmava que: a) que alguém age em conformidade com sua
crença; b) que esta pode inspirar-se em motivações para crer; c) que tais motivações reduzem-
se a probabilidades. Partindo deste pressuposto, Condorcet deixava de fora de sua análise toda
a complexidade social e psicológica das escolhas. Isso transformava o seu objeto em ficção.
Atualmente, na história se usa a estatística com sérias restrições. Isso porque a operação
matemática exclui regiões inteiras da historicidade; ela cria enorme quantidade de detritos
recusados pelo computador e amontoados à sua volta.
2.3 – à medida que se respeitam as restrições ao uso da estatística, elas produzem efeitos de
cientificidade, através de um apuramento técnico-metodológico. O cálculo possibilita uma
multiplicação de hipóteses e permite tornar algumas delas falsificáveis. Há um aumento de
possibilidades e de impossibilidades. Diante disso, os historiadores são seduzidos e rebeldes ao
mesmo tempo.
b) O computador aparece nos trabalhos dos historiadores como uma figura atual de poder
tecnocrático, que garante a seriedade do estudo através da presença de uma base estatística
mínima. O computador é o princípe de nossa era, e a ele o historiador deve sua dedicatória em
reconhecimento de dívida em relação ao poder que sobredetermina a racionalidade de uma
época. A instituição da informática aparece no texto sob a figura de uma força que tem razão e
se impõe ao discurso da representação. O historiador está junto ao computador, como em outra
era ele estava junto ao rei. O historiador é o representante da história.
Toda ciência para existir tem que deixar para traz a pretensão de buscar a totalidade, e a
realidade. No entanto, o que ocorre atualmente é um reintrodução da busca de uma ciência
totalizante, a partir da aproximação dos avalizadores, ou seja, dos outros campos do saber que
avalizam o seu discurso e o legitimam como real. Dentre essas ciências, a historiografia busca
aproximações para avalizar o seu discurso. E é por meio dessas aproximações que a
historiografia é histórica no sentido em que o passado produz-se por seu intermédio e transforma-
se em narrativa.
Essa combinação seria o próprio histórico: um retorno do passado no discurso do presente. Mas,
essa relação entre ciência e ficção tumultuou a própria relação historiográfica entre passado e
presente. O passado era tido como objeto, representado; e o presente era tido como o sujeito,
produtor do discurso.
Para o autor ciência e ficção, ou ficção científica, funciona como um ponto de junção entre
discurso científico e linguagem ordinária, exatamente no ponto em que o passado se conjuga
com o presente e em que as indagações sem tratamento técnico retornam como metáforas
narrativas. A partir daqui o autor pretende ilustrar tal situação a partir de quatro aspectos:
3.1 – Uma nova politização: As ciências modernas surgiram após uma despolitização das
pesquisas que instauraram novos campos do saber desinteressados e neutros, apoiados por
instituições científicas. O que o autor propõe é uma nova politização das ciências: rearticular seu
aparato técnico a partir de campos de forças no interior e em função dos quais ele produz
operações e discursos. Tal tarefa é própria do historiador. Historicizar a própria historiografia.
A noção de tempo atual, é bem mais abrangente, já que não se preocupa em distanciar sujeito
e objeto, como na relação presente-passado, mas sim pelo contrário promover uma aproximação
por meio da história imediata que sempre encontra sujeitos produtores de história e parceiros do
discurso.
3.3 – O sujeito do saber: As diferenças existentes entre os vários sujeitos historiadores podem
definir a validade ou a nulidade de um discurso historiográfico? Da mesma forma que se pensa
o tempo é preciso interrogar o sujeito do saber, pois este tem suas próprias paixões, interesses,
e se relaciona com os outros. Portanto, ele ao produzir o conhecimento histórico o impregna com
suas motivações, paixões, afetos que vão modelar as representações elaboradas por ele.
3.4 – Ciência e ficção: A proliferação da ficção provocou uma inconsistência, um tumulto nos
pilares da historiografia clássica. Pilares estes: as noções de tempo, lugar, sujeito e objeto. No
século XVIII, a historiografia vai buscar um distanciamento com a literatura, porque a literatura
vai ser aquilo que a historiografia não deseja ser. A literatura vai assumir a forma de ficção, sem
se prender ao desejo de representar o real. Desejo este que vai ficar apenas para a historiografia.
Ao concluir o seu texto, Michel de Certeau afirma que é preciso devolver a legitimidade à ficção.
E, para isso, é necessário reconhecer no discurso legitimado como científico a presença da
literatura, ou melhor, da ficção.
O autor segue afirmando que, as astúcias do discurso com o poder, a fim de utilizá-lo sem ficar
a seu serviço, as aparições do objeto como ator fantástico no próprio lugar do “sujeito do saber”,
as repetições e os retornos do tempo supostamente passado, os disfarces da paixão sob a
máscara de uma razão, etc, tudo isso depende da ficção, no sentido literário do termo.
A historiografia é uma ciência desprovida dos recursos para realizar a pretensão de elucidar o
“discurso ficcional”, pois o seu discurso assume uma forma que manifesta maior resistência à
cientificidade, ou seja, o que cada disciplina teve de eliminar para se constituir. O verossímil que
caracteriza esse discurso historiográfico defende o princípio de uma explicação e o direito a um
sentido. Ele tem o valor de um projeto científico; ele mantém uma crença na inteligibilidade das
coisas que lhe oferecem maior resistência.