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RESUMO: Levando em conta todo alcance que as mídias audiovisuais de massa obtiveram
a partir dos anos 2000, o artigo pretende fazer uma análise do percurso das histórias em
quadrinhos (HQ) do Capitão América e sua representação ideológica. Para isso será feita
uma explanação dos conceitos de ideologia e representação, ressaltando os devidos
cuidados no uso de tais conceitos, além de uma breve apresentação de outras mídias
audiovisuais de massa e suas relações.
Com o advento das mídias audiovisuais de massa e sua atual demanda se faz
necessária uma análise conceitual das mudanças ocorridas nas histórias em quadrinhos
(HQ) do Capitão América. Mudança a qual pode parecer superficial para olhos menos
interessados, mas que passa uma mensagem que é um espelho de uma representação social
coletiva ou individual.
Todas essas assertivas são claras quanto ao conceito de representação, assim como o
conceito de ideologia, têm significados bastante fluidos e amplos podendo gerar
ambiguidades e generalizações. Contudo é necessário tomar esses conceitos como
ferramenta de inteligibilidade do artigo e seu objeto, apesar de todas as ressalvas que isso
possa gerar.
Nesse primeiro momento das HQs é possível notar seu uso como entretenimento,
apesar de também ser comercial. Esse momento inicial é crucial para entender toda
dinâmica das HQs, uma vez que sua demanda só aumentou, consequentemente, o público
que teria contato direto com as informações e ideias ali contidas. Ao levar em consideração
as informações supracitadas, as HQs tiveram como incubadora outra grande mídia de
massa, os jornais da época. Sendo assim, os jornais que também trazem informações e
ideias foram agentes estruturantes do que as HQs viriam a se tornar.
1
Disponível em: https://super.abril.com.br/mundo-estranho/quem-inventou-as-historias-em-quadrinhos.
Acesso em 22 de agosto de 2019.)
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Capa da primeira revista em quadrinhos. The Yellow Kid de 1895 por Richard Oultcault.
ANÁLISE DAS HQs
As revistas do super-soldado foram criadas por Joe Simon e Jack Kirby, sua
primeira aparição foi em Captain America Comics 01, em março de 1941, numa revista de
60 páginas, com quatro histórias pela editora Marvel.
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Capa da primeira revista em quadrinhos do Capitão América. Captain America Comics 01, disponível em:
(MARVEL.COM Acesso em: 22 de agosto de 2019)
espião nazista infiltrado no teste consegue assassinar o doutor,
perdendo-se o segredo da fórmula para sempre.
Com isso, Steve Rogers é o único super-soldado criado e se
transforma no Capitão América para defender a democracia e
deter os nazistas. Ao mesmo tempo, Rogers é disfarçado como
um recruta em um acampamento militar. (PEIXOTO, Irapuan.
Capitão América faz 70 anos)4
A própria criação dos personagens perpassa as representações da realidade COMO,
POR EXEMPLO, o doutor Reinstein que é uma alusão à Albert Einstein. A disposição
ideológica em defesa da democracia face a tirania do Eixo, o que viria a se tornar um
pressuposto para as políticas de guerra dos EUA, sempre em nome da democracia,
resultando em dissimulações e crenças orientadas para tais ações.
Com o passar do tempo, chega-se em 1969 e acontece a estreia do Falcão Negro nas
revistas do Capitão América, primeiro herói negro norte-americano, onde o pano de fundo é
toda a discussão sobre os direitos civis dos negros norte-americanos. O artista Gene Colan
inaugura a capa da revista Captain America 117, juntamente com Sam Wilson (Falcão).
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Publicado por Irapuan Peixoto, disponível em: (https://hqrock.com.br/2011/03/22/capitao-america-faz-70-
anos/ Acesso em: 22 de agosto de 2019)
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Capa da primeira revista em quadrinhos de um herói negro norte-americano. Captain America 117,
disponível em: (MARVEL.COM Acesso em: 22 de agosto de 2019). É na Ilha dos Exilados que o Capitão
América conhece Sam Wilson, o Falcão, que se tornaria o primeiro super-herói afrodescendente dos
quadrinhos, em Captain America 117, de 1969, nas mãos de Stan Lee e Gene Colan. A Marvel (leia-se Stan
Lee) já havia sido pioneira em criar o primeiro super-herói negro – o Pantera Negra, em 1966 – mas o Falcão
é um herói negro norte-americano (o Pantera Negra é africano). Disponível em:
(https://hqrock.com.br/2011/03/22/capitao-america-faz-70-anos/ Acesso em: 22 de agosto de 2019)
É importante lembrar que em 1964 o presidente norte-americano Lyndon Baines
Johnson implantou uma série de medidas de seguridade social, entre elas a “eliminação” da
injustiça racial, incluindo a conhecida Lei dos Direitos Civis de 1964, que pós fim aos
diversos sistemas estaduais de segregação chamadas de Leis Jim Crow. Toda essa
discussão inflamou setores da sociedade norte-americana, principalmente os negros nas
figuras como Martin Luther King, Whitney Young, Malcolm X, Rosa Parks, entre outros
grupos da sociedade norte-americana como LGBTs, Hipsters etc. Seguidamente em 1965, o
ainda presidente sancionou a Lei dos Direitos de Voto, o que daria ainda mais força para os
grupos supracitados.
Deve-se levar em conta que toda repercussão das demandas sociais, exige uma
representação em mídias audiovisuais de massa. É bastante evidente uma apropriação
mercadológica dessa repercussão e uma capitalização perante tais temas. Porém é
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Capa da revista em quadrinhos. Captain America 261. Disponível em: (MARVEL.COM Acesso em: 22 de
agosto de 2019). J.M. DeMatteis retomou a bola alta do personagem em aventuras repletas de abordagens
psicológicas e temas delicados, como envelhecimento/morte, perseguição de minorias étnicas (negros por
meio do Falcão; judeus por meio de Bernie) e homossexualidade (por meio de Arnie Roth, um amigo de
infância de Steve Rogers). Disponível em: (https://hqrock.com.br/2011/03/22/capitao-america-faz-70-anos/
Acesso em: 22 de agosto de 2019)
igualmente claro um esforço dos autores/artistas dessas HQs em difundir assuntos em voga
na sociedade.
Por fim, temos a HQ Guerra Civil de Mark Millar e Steven McNiven. Essa lançada
em 2006 e serviu como crítica ao Ato Patriota7 na Era Bush.
Todo o debate da HQ fica em torno da criação de uma lei de registro, onde os heróis
deveriam revelar suas verdadeiras identidades. Essa é uma HQ onde o pano de fundo tem
como cerne as liberdades individuais e o patriotismo que foi muito debatido durante os
governos do então presidente George Walker Bush no período de 2001 a 2009.
7
USA Patriot Act (inglês). A Lei Patriota foi promulgada após os atentados do 11 de setembro de 2001 e
ampliou o poder do governo americano para obter documentos privados, promover escutas telefônicas e
buscas (sem necessidade de qualquer autorização da justiça, seja estrangeira ou americana). Disponível em:
(http://noticias.terra.com.br/mundo/noticias/0,,OI902197-EI789,00-
EUA+aprovam+definitivamente+a+Lei+Patriota.html Acesso: 22 de agosto de 2019)
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Capa da HQ de 2006, Civil War dos autores Mark Millar e Steven McNiven. Disponível em:
(MARVEL.COM Acesso em: 22 de agosto de 2019)
Direitos Humanos. (PEIXOTO, Irapuan. Capitão América faz
70 anos)
São diversas as temáticas abordadas nas HQs do Capitão América, porém é evidente
que todo processo de criação do herói se faz permeado de uma aura patriótica e libertária.
Essas HQs mantiveram essa aura (que é clichê nas HQs de super-heróis) durante o tempo e
foram englobando debates que dizem respeito a diversas realidades sociais. Assim, existe a
possibilidade de analisar o que é representado nessas HQs, qual o discurso adotado, o que é
omitido ou dissimulado. A começar pela Captain America Comics 01, onde foi
minimamente retratada a Segunda Guerra. É possível identificar o discurso de
representação dos EUA por seu herói (Capitão América), que é retratado de forma ufanista
e tratado como bastião da liberdade, democracia e patriotismo. Logo se atribui aos EUA
esses mesmos adjetivos. Porém, esse discurso não permite verificar a atuação dos EUA
durante a Segunda Guerra em sua completude, uma vez que o mesmo país que se alto
atribuía esses adjetivos, segregava os negros em suas forças armadas e japoneses em
campos de concentração após os ataques de Pearl Harbor.
O debate gerado pela HQ Civil War, apesar de um pouco atrasado já que o Ato
Patriota foi decretado em 2001, ocorreu somente nos anos de 2006 quando os autores foram
contratados e tiveram a possibilidade de criar toda a trama da HQ. Esse debate coloca em
contraposição duas Emendas da Constituição norte-americana (Primeira e a Quarta)10,
frente as possíveis arbitrariedades do Ato Patriota. Lembrando que a figura do Capitão
América, por conseguinte os EUA, sempre pregou a liberdade, seja ela coletiva ou
individual. Na HQ o registro dos heróis é tido pelo Capitão América como um atentado à
liberdade individual e de sigilo, guardados nas duas Emendas. Isso demonstra que os
valores norte-americanos, quando colocados em xeque podem ser relativizados ao extremo,
assim como foi feito pelo Ato Patriota no caso da HQ por meio da Lei de Registro.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
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Disponível em: https://declaracao1948.com.br/2018/04/12/historia-lgbt-eua/ Acesso: 22 de agosto de 2019.
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Primeira Emenda: Diz respeito a buscas e apreensões arbitrarias.
Quarta Emenda: Diz respeito a liberdades de expressão, religiosa, imprensa, associação pacífica, etc.
sociedade, seus debates, suas demandas, seus grupos, seus conflitos, nortearam a criação
das histórias contidas nas revistas.
As vendas são pautadas pelos temas em voga, seus processos e seus possíveis
desdobramentos. A possibilidade de representação e de falseamento da realidade é
intrínseco a natureza das HQs como mídias audiovisuais de massa. Pode-se fazer algumas
relativizações quanto a “fidedignidade” dessas representações, ou da literalidade dos
falseamentos. Fica muito claro que as HQs são fontes de disseminação de ideologia, mas
levando em conta o debate feito no início do artigo, o que não seria fonte de disseminação
de ideologia? Tudo é ideológico e as HQs não seriam diferentes.
Essa ideologia representa os mais diversos aspectos da sociedade, seja ela norte-
americana ou não. Compreendendo não ser possível negar a ideologia, do contrário não
existiria possibilidade de criação ou apropriação de pressupostos, salvo que as ideias são
por definição ideológicas. Permitindo que a representação use sua capacidade de trazer
elementos simbólicos da realidade para ser racionalizados, ou seja, a ideologia como
conjunto de ideias e valores que dão sentindo a realidade.
EAGLETON, Terry. Ideologia: Uma introdução; Trad. Silvana Vieira, Luís Carlos
Borges. - São Paulo: Editora da Universidade Estadual Paulista: Editora Boitempo, 1997.
SILVA, Cíntia Cristina da. Quem inventou as histórias em quadrinhos? Super Interessante.
Disponível em: https://super.abril.com.br/mundo-estranho/quem-inventou-as-historias-em-
quadrinhos. Acesso: 22 de agosto de 2019.