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O Esclarecimento como

mistificação das massas

Prof. Vitor Cei


Universidade Federal de Rondônia
70 ANOS DEPOIS
A Dialética do Esclarecimento foi
publicada em 1947.

 Por isso, faz-se necessário avaliar o


conceito de ―indústria cultural‖ com o
propósito de recriar os nexos que ele
guarda com as dimensões do mundo atual.
70 ANOS DEPOIS
 Nessas quase cinco décadas que nos
separam dos filósofos frankfurtianos
(Adorno faleceu em 1969 e Horkheimer em
1973) a emergência de novos tipos de vida
social, a criação de novas tecnologias, o
aparecimento de novos traços formais na
vida cultural e a consolidação de uma nova
ordem econômica mundial trouxeram
diversas transformações que colocam em
xeque a atualidade da Teoria Crítica.
70 ANOS DEPOIS
 Adorno e Horkheimer antecipam o que
Fredric Jameson denominou ―virada
cultural‖: a cultura foi absorvida pela
lógica do capitalismo tardio.
 A virada cultural colocou a cultura no
centro da lógica de acumulação do
mercado. Cultura e comércio se fundiram e
passaram a se alimentar de forma
recíproca.
A própria cultura se tornou uma
mercadoria para ser vendida e consumida.
 ―No que tange à indústria cultural, ela se consolidou na
virada do século XIX para o XX enquanto apropriação
dos então novos recursos de registro e difusão de som e
imagem (tais como o rádio, o cinematógrafo, o fonógrafo)
pelo grande capital, no sentido tanto de explorar uma
nova demanda por entretenimento nas crescentes
aglomerações urbanas da época, enquanto lucrativo
ramo de negócios, quanto de gerar conformidade ético-
política ao capitalismo monopolista que se estabelecia no
período, o qual gerara grande instabilidade social devido
à falta de segurança para a força de trabalho e ao
desemprego propriamente dito. Assim, sob a aparência
de glamour dos astros e estrelas de Hollywood, o que
havia (e há) era (e é) uma indústria de cooptação de
consciências, com dimensões antes inimaginadas‖.
Rodrigo Duarte, entrevista a Vitor Cei.
Revista Opinião Filosófica, 2017
O CONCEITO: KULTURINDUSTRIE
 ―Esse termo causou estranheza quando foi
empregado pela primeira vez no início da
década de 1940, pois uma tradição que
remontava ao Iluminismo europeu do século
XVIII separava cirurgicamente as esferas da
cultura e da indústria: enquanto a primeira
tinha a ver com a expressão da liberdade
humana (ou pelo menos com a aspiração a
ela), a segunda delimitava o mundo da
necessidade, da coerção, da obrigatoriedade da
produção‖.
DUARTE, R. Indústria cultural
O CONCEITO: INDÚSTRIA CULTURAL
 ―apresentou uma crítica implacável ao
fenômeno, então recente, da cultura de massas
regulada por agências do capitalismo
monopolista, organizadas em moldes
industriais semelhantes aos dos ramos
tradicionais da economia (indústria
petrolífera, química, elétrica, siderúrgica etc.)‖.

DUARTE, R. Indústria cultural


O CONCEITO: INDÚSTRIA CULTURAL
 ―Essa nova indústria era voltada para a
consecução de dois objetivos bem-delimitados,
a serem atingidos, quando possível,
simultaneamente: a viabilidade econômica
através da lucratividade dos seus produtos e a
oferta da possibilidade de adaptação de seus
consumidores à nova ordem imposta pela
superação do capitalismo liberal, na qual o que
restava de pessoalidade nas relações entre o
capital e o trabalho havia se extinguido em
virtude da formação de conglomerados
econômicos‖.
DUARTE, R. Indústria cultural
O CONCEITO: INDÚSTRIA CULTURAL
 ―A novidade [...] não é o fato de as obras de
arte serem tidas como mercadorias, porque,
em sua tensa história de vida, sempre o foram,
antes pela submissão dos artistas a seus
patronos e aos objetivos deles, agora pelo fato
de o artista ter que se sustentar com o fruto de
seu trabalho, em uma sociedade em que tudo
se transformou em mercadoria. O novo é o fato
de as obras de arte se incluírem, sem
resistência, entre os bens de consumo,
buscando neles encanto e proteção, abdicando
voluntariamente de sua autonomia‖.
PUCCI, B. Indústria cultural hoje.
ESQUEMATISMO
 ―‘Esquematismo‘ é um termo cunhado por
Kant para designar o procedimento mental de
referirmos nossas percepções sensíveis a
conceitos fundamentais, que ele chamava de
‗categorias‘. De acordo com Adorno e
Horkheimer, já que a indústria cultural
decompõe o que podemos perceber em suas
partes elementares e as rearranja de um modo
que lhe seja interessante, ela adquire o enorme
poder de influir no modo como nós percebemos
a realidade sensível — em última instância, na
maneira pela qual percebemos o mundo‖.
DUARTE. Adorno/Horkheimer & a Dialética do
Esclarecimento
IDEOLOGIA
 Conjunto coerente e sistemático de imagens e
representações culturais, econômicas e políticas
capazes de explicar e justificar a realidade,
construindo o nosso imaginário social;

 A ideologia conduz os homens à ação, ao mesmo


tempo em que justifica a forma como eles se
associam para viver;

 A ideologia nasce das instituições sociais (escola,


família, Estado, religião, empresas, associações,
imprensa etc.) as quais estabelecem as normas
para as relações sociais.
IDEOLOGIA
 ―A ideologia apareceria, de início, como
simples resposta à necessidade que todo grupo
social tem de dar a imagem de si mesmo, isto é,
uma necessidade de representar-se para si e para
o outro. [...] A lembrança deve ser mantida
coletivamente, e o discurso que a consagra é o
primeiro e necessário grau de identificação
nacional ou grupal. A ideologia, nesse caso,
verbaliza, interpreta o passado e o integra no
presente sem que se possa afirmar que
represente nessa instância fatalmente um
processo de distorção ou embuste‖.
BOSI, 2010, p. 135.
IDEOLOGIA
 Para Karl Marx, a ideologia é o pensamento que
inverte as relações entre as ideias e o real,
camuflando a realidade;

 A ideologia é um conjunto de ideias elaborado


com a finalidade de fazer com que os interesses
da classe dominante aparentem ser o interesse
coletivo, construindo uma hegemonia daquela
classe. A manutenção da ordem social requer
dessa maneira menor uso da violência física.
IDEOLOGIA
 ―A ideologia está sempre a meio caminho entre a
verossimilhança e a mentira. A verossimilhança
torna plausível o que a fala enganadora tenta
passar por verdadeiro. [...] a ideologia contenta-
se, via de regra, com a justificação final do
vencedor‖. (BOSI, 2010, p. 394-95)

 "ideologia seria, de todo modo, uma interpretação


fechada do real, que em vez de abrir-se, obstrui
novas possibilidades de compreensão" (BOSI,
2010, p. 136).
CARACTERÍSTICAS DA IDEOLOGIA
 Positiva: atua como impulso de ação e cimento de
estrutura social;

 Negativa: confere hegemonia e prestígio à classe


social dominante;

 Universalização do particular a partir da


imposição de ideais abstratos: Deus, Pátria,
Família, Verdade, Nação, Ciência, Estado, Escola
etc.
EXEMPLOS DE IDEOLOGIA NA POLÍTICA
IDEOLOGIA NA INDÚSTRIA CULTURAL
 Os filmes de Hollywood,
que demonizam as nações
contrárias à política norte-
americana e transformam
em super-heróis os
políticos e militares dos
EUA;
 Discurso lacunar: visão
distorcida da história;
apresenta meias-verdades.
EXEMPLO DE CONTRAIDEOLOGIA

 ―[...] consiste em
desmascarar o discurso
astucioso, conformista ou
simplesmente acrítico
dos forjadores ou
repetidores da ideologia
dominante‖.
BOSI, 2010, p. 394.

Super Sam
EXEMPLO DE CONTRAIDEOLOGIA
 ‗Sinto muito, mas não
pretendo ser um
imperador. Não é esse o
meu ofício. Não
pretendo governar ou
conquistar quem quer
que seja. Gostaria de
ajudar – se possível –
judeus, o gentio...
negros... brancos...‖
FETICHE E REIFICAÇÃO
FETICHE DA MERCADORIA
FETICHE
 Como sinônimo de animismo, é a crença no poder
mágico e sobrenatural de certos objetos. Ex:
crucifixo, trevo de quatro folhas figas, amuletos.

 Fascínio ou admiração exagerada por uma coisa ou


pessoa.

 Karl Marx analisou o fetiche como aquilo que


esconde as relações sociais injustas, de exploração
do trabalho e onipresença do mercado.

 Assim como o fetiche místico-religioso (deuses,


objetos, símbolos, gestos) tem poder sobre seus
crentes ou adoradores, os domina como uma força
estranha, assim também a mercadoria. O mundo se
transforma numa imensa fantasmagoria.
EXEMPLOS DE FETICHE MÍSTICO-RELIGIOSO
EXEMPLOS DE FETICHE DA MERCADORIA
REIFICAÇÃO
REIFICAÇÃO
 Res = coisa.

 Reificação = Coisificação

 O ser humano como objeto, coisa que serve a


outras coisas;

 O ser humano reificado é lançado ao mercado


como uma mercadoria, tornando-se servidor das
ideologias apresentadas pelo sistema;
REIFICAÇÃO
 A humanidade reificada perde a capacidade
individual de vivenciar a si mesma e ao outro
sem intermediação de mercadorias, submetendo-
se ao fetiche, isto é, ao caráter inanimado,
quantitativo e automático dos objetos ou
mercadorias circulantes;

 A consciência coisificada, que aceita


condicionalmente o que está dado, sem vínculos
sociais duradouros, aumenta a possibilidade de
ocorrer a barbárie.
Nas últimas décadas as
mercadorias da indústria
cultural tem se tornado mais
sofisticadas, enquanto muitos
artistas passaram a dialogar
com a produção mercantil.
Quais seriam os critérios
estéticos para distinguir uma
autêntica obra de arte de um
produto da indústria cultural?
 ―É verdade também que parte importante dos artistas
entendeu que não deveria simplesmente ignorar a existência
da indústria cultural e persistir no seu artesanato – muitas
vezes pleno de virtuosismos –, sendo que o resultado disso é
a incorporação crítica, pela arte autêntica, de elementos
presentes nos produtos da indústria cultural. [...] A esse
respeito, vale a pena lembrar a passagem do genial texto de
Adorno, que entre nós foi traduzido apenas como ―Indústria
cultural‖, na qual ele diferencia, de uma vez por todas, obras
de arte das mercadorias culturais: enquanto aquelas
encerram as contradições da sociedade onde florescem,
sendo, por outro lado, expressões autênticas de desejos de
emancipação humana, essas são confeccionadas sob medida
para manipular as pessoas e conferir lucros aos seus
produtores: ―As produções do espírito no estilo da indústria
cultural não são mais também mercadorias, mas o são
integralmente‖ (ADORNO, 1977, p. 289).
Rodrigo Duarte, entrevista a Vitor Cei
Revista Opinião Filosófica
Referências

• ADORNO, Theodor W. Notas de literatura I. Trad. Jorge de Almeida.


São Paulo: Duas Cidades; Ed. 34, 2003.

• ADORNO, Theodor; HORKHEIMER, Max. Dialética do


Esclarecimento: fragmentos filosóficos. Trad. Guido Antonio de
Almeida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1985.

• BOSI, Alfredo. Ideologia e contraideologia: temas e variações. São


Paulo: Companhia das Letras, 2010.

• CEI, Vitor. A Dialética do Esclarecimento faz 70 Anos: entrevista


com Rodrigo Duarte. Opinião Filosófica, Porto Alegre, v. 8, n. 1,
2017.
Referências

• DUARTE, Rodrigo. Indústria cultural: uma introdução. São


Paulo: FGV, 2009.

• _____. Adorno/Horkheimer & a Dialética do Esclarecimento. Rio


de Janeiro: Zahar, 2002.

• JAMESON, Fredric. A virada cultural: reflexões sobre o pós-


modernismo. Trad. Carolina Araújo. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2006.

• PUCCI, Bruno. A indústria cultural hoje: apresentação. Anais do


Congresso Internacional A indústria cultural hoje. Piracicaba,
2006.
A Corporação
―Basic Training‖

Início: 01:03:21

Fim: 01:13:00

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