Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
~162~
podem ser descritos como se envolvendo com seu mundo e fazendo sentido dele, tal descrição
será enganosa se não for posta numa perspectiva genuinamente histórica e social (ibid.: 54-5; ver
também Burr 1995; Gergen 1994, 1999). É necessário notar na passagem que os termos
‘construcionismo’ e ‘construtivismo’ são usados de forma intercambiável. Eu devo usar o termo
‘construcionismo social’ do começo ao fim para salientar a dimensão social da construção de
significado e para evitar possíveis confusões – uma vez que o termo ‘construtivismo’ fora
inicialmente usado na psicologia do desenvolvimento, para referir-se à teoria do desenvolvimento
cognitivo do biólogo e psicólogo suíço Jean Piaget (1896 – 1980).
O objetivo deste capítulo é proporcionar um esboço da abordagem social construcionista
ao nacionalismo. Isto envolve três passos. O primeiro passo é conceituar o nacionalismo como
uma forma de discurso, uma tarefa que eu já empreendi no Capítulo 2. Para recapitular, eu
argumentei que nações não podem ser efetivamente definidas apenas em termo de marcadores
objetivos ou sentimentos subjetivos. Não há uma lista perfeita de características que fariam uma
nação. Por outro lado, sentimentos subjetivos de identificação não são suficientes para diferenciar
nações de outros agrupamentos para os quais existem sentimentos semelhantes, tais como famílias
e grupos religiosos. Eu também afirmei que tentativas de definir o nacionalismo em termos ou
culturais ou políticos são fúteis. Nacionalismo une o que é cultural e o que é político: isto envolve
a ‘culturalização’ da política e a ‘politização’ da cultura. É exatamente por isso que o projeto de
distinguir entre os diferentes tipos de nacionalismo, dependendo se eles são baseados em critérios
culturais ou políticos, não funciona. Tal tentativa esconde o que é comum a todos os
nacionalismos, que eles são fenômenos tanto culturais quanto políticos. Portanto, precisamos de
uma conceituação alternativa de nacionalismo, uma que nos leve além das dicotomias do
objetivo/subjetivo e do cultural/político enquanto que ao mesmo tempo nos permita capturar o
que é comum a todos os nacionalismos. Ambos objetivos podem ser alcançados enxergarmos o
nacionalismo como uma forma de ‘discurso’, ou como uma forma particular de ver e interpretar
o mundo, um quadro de referência que nos ajuda a fazer sentido e estruturar a realidade que nos
rodeia. Essa conceituação revela que o nacionalismo é mais que uma doutrina política, isto é, uma
forma mais básica de pensamento que colide sobre toda nossa visão do mundo. Isto também
mostra que todas as manifestações de nacionalismo são moldadas pelo discurso comum do
nacionalismo.
~163~
~164~
mas por que tais focos de lealdade prometem oferecer algo considerado significativo, valioso ou
útil’ (1999: 55). Mas isso não é tudo. Conforme Eriksen continua a mostrar, o que é considerado
valioso é culturalmente determinado; é definido a partir de dentro. E o indivíduo que percebe
alternativas e escolhe entre elas não escolhe sua própria matriz cognitiva, isto é, seu contexto
cultural. Em resumo, ‘indivíduos escolhem suas fidelidades, mas não sob circunstâncias de sua
própria escolha’ (ibid.: 55-6). Motyl parece estar ciente disso quando observa que várias elites
estabelecidas constroem – e aqui podemos acrescentar, ‘reproduzem’ – identidade apenas
‘cumprindo seu trabalho’, seguindo as regras, padrões, hábitos e procedimentos prescritos por
instituições desatentamente. Neste sentido, é possível que a autoconsciência nacional seja gerada
inconscientemente, ‘por força de inúmeras ações cumulativas com consequências não
intencionais’. Afinal, o que é ‘funcional’ ou ‘instrumental’ pode parecer ‘natural, significativo,
simbolicamente inevitável e profundamente nacional’ em um dado contexto. E ‘outras formas de
fazer coisas podem parecer materialmente disfuncionais, mas fazem perfeito sentido dentro de
uma matriz cultural que demanda tais tradições por uma questão de consistência e coerência
internas’ (1999: 75-6).
Em resumo, o social construcionismo não equivale a instrumentalismo. Como Brubaker
nota, que essa é uma falsa oposição torna-se clara quando pensamos na dimensão cognitiva do
nacionalismo. Considerado de um ponto de vista cognitivo, Brubaker argumenta, o nacionalismo
é
O segundo equívoco toca o estado ontológicos das nossas construções sociais. O que
queremos dizer quando falamos que nações e nacionalismo são socialmente construídas. Para os
críticos do social construcionismo, isto sugere que estes não têm base na ‘realidade’, que são
‘falsos’ ou ‘artificiais’. Mas mais uma vez, esta é uma oposição espúria. É absurdo sugerir que
nações ou nacionalismos não
~165~
são reais para aqueles que acreditam nestes, e que, portanto, devem ser dispensados ou
trivializados. Nação [nationhood] pode existir nas mentes do povo, mas isso não o torna efêmero;
‘pelo contrário, é tudo mais real e poderoso como resultado’ (Geary 2002: 40). Isto é por pelo
menos duas razões. Em primeiro lugar, quaisquer que sejam suas origens e a extensão da
mitologização que entre na sua criação, nações assumem uma vida própria com o tempo. Eles são
o lar dos múltiplos laços que seus membros desenvolvem e o locus de suas esperanças e sonhos.
Em segundo lugar, eles são muito reais como aspectos da experiência vivida e bases para ação.
De fato, como nota Calhoun, pessoas frequentemente endossam narrativas que sabem ser
problemáticas, ganhando uma identificação com estas como ‘nossas histórias’, e um
reconhecimento delas como condições de fundo da vida cotidiana (1997: 34).
Em resumo, nações e nacionalismos podem ser socialmente construídas, mas não são
facilmente desconstruídas. O social construcionismo não contesta a realidade da nação[],
minimiza seu poder ou desconta sua significância; ele apenas constrói sua realidade, poder e
significância de uma forma diferente (Brubaker 2002: 168). Ele nos alerta aos perigos de toma-lo
por garantido, ou trata-lo como uma dádiva. Ele nos encoraja a inquirir nos processos pelos quais
isto se torna um significativo espaço de identificação, para levantar questões sobre por que isto é
definido como ‘real’ ou ‘natural’, quem tem a ganhar com a manutenção das identidades nacionais
ou com a mobilização destas sob circunstâncias particulares (Norval 1999; Goldmann et al. 2000).
Tendo dispensado dois equívocos comuns que afligem análises sociais construcionistas,
podemos agora tornar às premissas sobre as quais tais análises são baseadas.
Contingência
Nacionalistas tendem a apresentar a nação como o resultado natural ou lógico de uma
série de características prontamente identificáveis, tais como território comum, linguagem,
religião ou um senso de pertencimento. Para eles, a emergência da nação é inevitável: as coisas
não poderiam ser de outra forma.
Entretanto, a existência de semelhanças culturais ou laços afetivos não garantem que
qualquer coletividade particular irá desenvolver um senso de identidade e afirmar um status
nacional. Antes, identidades nacionais são fruto de mudanças sociais e econômicas que
~166~
se a História tivesse sido diferente, sérvios e croatas não precisariam ter se pensado
como sérvios e croatas; eles podiam ter acreditado que eram todos sérvios ou todos
croatas ou todos iugoslavos. Muitos tipos diferentes de identidade foram
(historicamente) uma possibilidade, mas falharam, por várias razões, em ser
atraentes. (ibid.)
Portanto, identidades nacionais, como todas as outras identidades sociais, são construídas
a partir de características que podem virar a base de tipos bem diferentes de identidades sociais
em circunstâncias alteradas (Hechter 2000: 96; veja também Halliday 2000b: capítulos 2 e 3).
O fato que identidades nacionais são contingentes não implica que elas são
intercambiáveis ou infinitamente maleáveis, no entanto. Finlayson, extraindo de Laclau, nos
mostra que quando uma identidade particular é instituída com sucesso, um ‘esquecimento das
origens’ tende a ocorrer; o sistema de possíveis alternativas desaparece e os traços da contingência
original evanescem:
‘Desta forma, o instituído tende a assumir a forma de uma mera presença objetiva.
Este é o momento da sedimentação’. Em outras palavras, através da repetição, com
atendente ocultação e esquecimento, práticas de outro modo contingentes tornam-se
sedimentadas e aparecem como objetivas ou natural. (1998: 115)
Dado isso, o que devemos fazer é examinar os mecanismos através dos quais essas
identidades se apresentam como ‘naturais’ e ‘inevitáveis’. Uma forma de faze-lo pode ser
empreender o que Brubaker chama de ‘análise agitada’ da nacionalidade e nacionalismo. De
acordo com Brubaker, todos estamos acostumados a pensar a nacionalidade como algo que se
desenvolve. Por isso não temos escassez de estudos traçando as mudanças políticas, econômicas
e culturais de longo prazo que levaram à gradual emergência das nações ao longo dos séculos. O
que precisamos como alternativa, ele argumenta, são continuadas discussões analíticas da
nacionalidade como um evento, ‘como algo que cristaliza de repente ao invés de se desenvolver
gradualmente, como um contingente, conjunturalmente flutuante, e precário quadro de visão e
base para ação coletiva e individual’ (1996: 20-1).
~167~
Heterogeneidade e Pluralidade
A retórica nacionalista apresenta a nação um unificado, homogêneo, perfeito inteiro, sem
referência a sua diversidade interna. Mesmo quando tal diversidade é reconhecida, o nacionalismo
é considerado mais importante que outras formas de identificação dentro de uma sociedade ou
que abrange essas diferenças numa identidade maior. De acordo com Duara, este argumento é
característico a muitas análises de nacionalismo as quais, desde Karl Deutsch, enfatizam o papel
da proliferante mídia de massa em facilitar projetos de construção da nação em diferentes partes
do mundo. o que esta interpretação tende a esquecer é que essa mesma tecnologia também permite
que rivais do nascente Estado-nação construam formas alternativas de identidade política e até
nacional. O Estado nunca é capaz de eliminar construções alternativas da nação entre suas
comunidades constituintes. Como resultado:
... A maneira na qual a nação é imaginada, vista e falada por diferentes grupos
autoconscientes pode, de fato, ser bem diferente. Realmente podemos falar de
diferentes 'visões de nação' como falamos de 'visões de mundo', que não são
sobrescritas pela nação, mas na verdade a definem ou constituem. No lugar da
harmonizada, monológica voz da Nação, encontramos uma polifonia de vozes, se
sobrepondo e entrecruzando; contraditórias e ambíguas; opondo, afirmando e
negociando suas visões da nação. (1996: 161-2)
~168~
opressão social (1993: 50-1). Parekh afirma a conclusão de Tamir, lembrando-nos que cada
comunidade política há muito estabelecida inclui várias diferentes vertentes de pensamento e
visões da boa vida. 'Uma vez que cada definição de identidade nacional é necessariamente seletiva
e deve ser relativamente simples de alcançar suas finalidades, isto salienta uma de suas vertentes
e visões e deslegitima ou marginaliza as outras'. Uma definição de identidade nacional pode,
portanto, tornar-se veículo silenciador de vozes dissidentes e moldador da sociedade inteira numa
imagem particular com todas as suas implicações autoritárias e repressivas (2000: 231).
Dadas estas complicações, quais são as opções teoréticas disponíveis para analistas do
nacionalismo? Uma opção, sugerida por Verdery, é tratar 'a nação como um símbolo e qualquer
dado nacionalismo como tendo múltiplos significados, oferecidos como alternativas e disputados
por diferentes grupos manobrando para capturar a definição do símbolo e seus efeitos
legitimadores' (1993: 39). Grupos orientados à nação, todos consideram como sendo o símbolo
supremo, Verdery argumenta, mas eles têm diferentes intenções para esta. Tratar a nação como
um símbolo aumenta a nossa sensibilidade para as tensões sociais e lutas dentro das quais esta se
tornara um idioma significativo, 'uma forma de moeda, usada para negociar em questões que
podem nem ser sobre a nação' (ibid.: 41-2).
A segunda opção é nos lembrarmos constantemente que pessoas são membros de
diferentes coletividades a qualquer dado momento. Esta visão alternativa de identificação social
pode nos permitir ver as identidades de uma pessoa em termos de um conjunto de fidelidades
grupais parcialmente sobrepostas. Isto significa que o senso de identidade 'nacional' de uma
pessoa pode ter de competir com outras fontes de identidade procedentes de classe, gênero, idade,
religião ou etnia.
Finalmente, dada a existência de múltiplas definições concorrentes de identidade
nacional, devemos ser capazes de perguntar qual versão será vitoriosa e por quê. Em outras
palavras, devemos investigar o processo através do qual uma versão bem-sucedida apresenta-se
como autêntica, camuflando todos os traços de construção e competição (veja também Reicher e
Hopkins 2001).
Mudança
Como nós vimos, não há uma narrativa única da nação, e nenhuma nação está livre de
ambiguidade e contestação. Portanto nem as
~169~
fronteiras nem o conteúdo das culturas nacionais podem jamais serem fixadas de uma vez por
todas. Nas palavras de Parekh:
Cultura ... não é uma herança passiva, mas um processo ativo de criar significado,
não dado, mas constantemente redefinido e reconstituído. Ela tem uma estrutura que
direciona e delimita o alcance de novos significados, mas a estrutura é relativamente
solta e alterável. Mesmo como uma cultura molda as formas de consciência de seus
aderentes, eles por sua vez a redefinem e reconstituem e expandem seus recursos
cognitivos e avaliativos. (2000: 152-3)
~170~
O problema da Reificação
~171~
Este último ponto é crucial, diz Brubaker, e precisa ser enfatizado mais que nunca, em
um tempo no qual a linguagem grupista prevalece na vida cotidiana, no jornalismo, na política e
muito da pesquisa social. Devemos tratar o sentimento de grupo [groupness] como variável, 'como
propriedades emergentes de configurações estruturais ou conjunturais particulares' (1998: 298):
Não devemos perguntar 'o que é uma nação,' mas sim: como a nacionalidade, como
uma forma política e cultural, é institucionalizada dentro e entre Estados? Como a
nação funciona como categoria prática, como esquema classificatório, como quadro
cognitivo? O que faz o uso desta categoria por ou contra Estados mais ou menos
ressonante e efetivo? O que faz os esforços de evocação nacional, de invocação
nacional dos empreendedores políticos mais ou menos prováveis de ter êxito? (1996:
16)
Brubaker emite uma palavra de cautela neste estágio, notando que argumentar contra o
modo de pensar realista e substancialista sobre nações não é contestar a realidade da
nacionalidade. Em vez, é reconceitualizar aquela realidade. 'É dissociar o estudo da
nacionalidade[nationhood] e nação[nationness] do estudo de nações como entidades,
coletividades ou comunidades substanciais'. Em outras palavras, 'é tratar a nação não como
substância, mas como forma institucionalizada; não como coletividade, mas como categoria
prática; não como entidade, mas como evento contingente' (ibid.).
A reificação também é problemática de um ponto de vista empírico. Conforme Brubaker
e Laitin notam, grupos étnicos e nacionais não são entidades 'dadas' com regras não ambíguas de
associação. Na maioria dos casos, a associação é fluida e dependente de contexto. Altas taxas de
casamentos mistos denotam que muitas pessoas não estão certas de onde elas pertencem quando
se deparam com violência inter-étnica. Raramente
~172~
há um só líder autorizado a falar em nome do grupo. Por outro lado, é difícil saber se, quando,
onde, em que medida, e de que maneira as crenças e medos postulados são de fato mantidos pelos
membros de tais grupos (1998: 438-43). Além disso, como já argumentei em seções precedentes,
identidades étnicas e nacionais são constituídas em processos sociais que envolvem diversas
intenções, construções de significado, e conflitos. 'Não só existem pretensões de possíveis
alianças coletivas concorrentes, existem pretensões concorrentes quanto a apenas o que qualquer
identidade étnica particular ou outra significa' (Calhoun 1997: 36). Resumindo, como analistas,
não devemos tomar estas identidades como garantidas, mas sempre investigá-las empiricamente.
A título de conclusão, devemos conceder, seguindo Handler, que 'reificação é um
problema epistemológico não facilmente vencido, pois permeia o aparato retórico e conceitual da
nossa visão de mundo científica'. Por isso podemos obter êxito em dispor de um conjunto de
conceitos reificantes das nossas análises eruditas, apenas para nos encontrarmos empregando
outras em seu lugar (1994: 27). Por outro lado, não devemos nos esquecer que 'a tendência de
dividir o mundo social em tipos intrínsecos putativamente profundamente constituídos, quase
naturais' é mero senso comum para muitas pessoas. Como analistas, devemos ser capazes de levar
em conta tal primordialismo do senso comum. Contudo, isto não significa que devemos replicá-
lo em nossas análises acadêmicas ou avaliações políticas: 'como "analistas de naturalizadores",
não precisamos ser "naturalizadores analíticos", em vez disso, precisamos romper -com categorias
vernaculares e entendimentos do senso comum' (Brubaker 2002: 166).
~173~
face de séria resistência mesmo entre supostos 'insiders' (Kaiser 2001: 329). Além disso, este
processo não termina uma vez que o Estado-nação é estabelecido. A magia se exaure, como
Durkheim nos contou há muito tempo atrás, e a nação deve constituir-se repetidamente (Marvin
e Ingle 1999: 248). Portanto, nas palavras de Balibar:
Uma formação social apenas reproduz-se como uma nação na medida que, através
de uma rede de aparatos e práticas diárias, o indivíduo é instituído como homo
nationalis do berço ao túmulo, ao mesmo tempo que ele(a) é instituído como homo
economicus, politicus, religiosus... (1990: 345)
Há duas formas de reprodução: institucional e informal. A esse respeito, reprodução pode
ser vista como o resultado de uma interação entre agência e estrutura, ou entre caminhos
individuais e projetos coletivos-institucionais (veja também Kaiser 2001). Conforme Appadurai
coloca, 'o Estado-nação cria uma vasta rede de técnicas formais e informais para a nacionalização
de todo espaço considerado sob sua autoridade soberana', através de aparatos tão diversos como
museus e dispensários de povoado, Correios e delegacias de polícia, pedágios e cabines
telefônicas (1995: 189).
As instituições (privadas ou públicas) através das quais o Estado-nação reproduz-se
incluem a família, escolas, o ambiente de trabalho, a mídia e o exército. De acordo com Balibar,
o casal família-escola é particularmente importante neste contexto uma vez que eles juntos
constituem o aparato ideológico dominante nas sociedades atuais, que é refletida em sua crescente
interdependência e em sua tendência em dividir o tempo devotado ao treinamento de indivíduos
entre si. Neste contexto, Balibar nota, a escola também ser o principal local de inculcação da
ideologia nacionalista é um fenômeno secundário. A importância da escolarização repousa no seu
papel na produção da nação como uma comunidade linguística. O que é decisivo aqui 'não é
apenas que a linguagem nacional deve ser reconhecida como a linguagem oficial, mas, muito mais
fundamentalmente, que ela deva ser capaz de aparecer como o próprio elemento da vida de um
povo' (1990: 351-7).
A reprodução não é limitada às instituições do Estado, contudo. O nacional também é
constituído e reproduzido nos voláteis cenários da vida cotidiana. Conforme Billig nos relembra
em seu inovador estudo do 'nacionalismo banal', os símbolos da nacionalidade
~174~
não desaparecem da vista uma vez que o Estado-nação é estabelecido, mas é absorvido no
ambiente da recém-criada terra pátria. Eles providenciam um fundo contínuo para discursos
políticos, para produtos culturais, e até para a estruturação de jornais. 'De tantas pequenas
maneiras, os cidadãos são diariamente relembrados de seu lugar nacional em um mundo de
nações. Entretanto, esta lembrança é tão familiar, tão contínua, que não é conscientemente
registrada como lembrança'. Desta forma, o que é 'nosso' é apresentado como se fosse o mundo
objetivo. 'A terra pátria é feita tanto presente como imperceptível ao ser apresentada como o
contexto' (1995: 8, 41,109).
Apenas nos tornamos cientes do processo de reprodução quando somos dilacerados de
nosso ambiente habitual. Consciência reflexiva, em outras palavras, resulta do rompimento. Uma
confrontação com diferentes códigos culturais pode revelar que outros agem diferentemente,
'induzindo a um elevado senso de consciência em relação ao que parecia enações do senso comum'
(Edensor 2002: 89). Como muitos autores apontaram, a experiência do exílio é crucial neste
contexto já que ela tem a habilidade de transformar o relacionamento de alguém em local de
nascimento de alguém e ajudar a desenvolver uma reflexividade crítica. Nas palavras de Benedict
Anderson, o momento 'nacionalizante' vem quando alguém é rasgado do cotidiano e encontra-se
em temeroso exílio (1998: 61; veja também Smith e West 2001).
A discussão até então parece retratar a reprodução como um processo todo-poderoso,
irreversível, sem espaço para a agência individual ou resistência. Este retrato, porém, é na melhor
das hipóteses parcial, pois o nacionalismo, como todos os projetos institucionais, tem espaço para
resistência. O 'fraco' pode opor-se remoldando as atribuições originais que os relega às margens;
eles podem desafiar as interpretações prevalentes de símbolos chave. Consequentemente, estes
pequenos atos de resistência podem levar, ao menos incrementalmente, a algum grau de mudança
na distribuição de poder mais ampla (Herzfeld 1997: 30).
Levando a possibilidade de resistência em conta, Roseberry propõe-nos a usar o conceito
Gramsciano de 'hegemonia', não para entender a complexa unidade de coerção e consentimento
em situações de dominação, conforme Gramsci originalmente pretendeu, mas para entender a
luta, ou as maneiras nas quais as palavras, imagens, símbolos, organizações e instituições das
populações subordinadas para falar sobre ou resistir à sua dominação são moldadas pelo próprio
processo de dominação:
~175~
~176~
gostaria de juntar os fios e realçar as implicações teóricas de tal análise. Antes de começar,
porém, uma palavra de cautela se faz necessária. O que eu disse até agora sobre a natureza
socialmente construída do fenômeno nacional não implica que uma simples exposição dos
processos pelos quais nações e nacionalismos se constituem 'Fará estremecer a crença dos
nacionalistas' nestes, 'mostrando-lhes a luz' por assim dizer. Conforme Suny observa, 'a
construção de identidade primordial não pode ser reduzida a um erro, uma auto enganação, ou
falsa consciência'. Antes precisamos apreciar o trabalho que o primordialismo e o essencialismo
desempenham para aqueles que são pegos em sua rede (2001b: 892).
Construindo sobre minha discussão de social construcionismo até aqui, irei sugerir que
existem quatro formas básicas de fazer isso, todas relacionadas a uma ou mais das premissas que
identifiquei acima.
Primeiro, precisamos tomar uma posição crítica quanto a tudo que tomamos como
simplesmente 'dado'. Conforme notei em minha discussão de contingência, 'objetividade não é
nada se não aquilo que é socialmente constituído, e que se tornou sedimentado ao longo do tempo'
(Norval 1999: 84, ênfase original). Postular objetividade desta maneira abre espaço para o
pensamento de desedimentação: qualquer prática sedimentada pode ser contestada politicamente,
e 'uma vez que seu caráter historicamente constituído é revelado, ela perde seu status naturalizado
como "objetivamente dado"'. Isto por sua vez nos permite desenvolver uma descrição teórica da
identificação nacional; em outras palavras, dos processos históricos, sociais, e políticos através
dos quais imagens para identificação são construídas e sustentadas, contestadas e negociadas
(ibid.: 84-6).
Em segundo lugar, precisamos descobrir quais interesses políticos estão asseguradas em
e por construções específicas da nacionalidade. Se nações não têm identidades essenciais e se elas
todas contêm grupos que têm diferentes construções da nação, então cada identidade esconde uma
relação específica de poder. Portanto precisamos decodificar os relacionamentos que criam e
sustentam identidades nacionais. Precisamos explorar como uma representação específica da
nação vem a dominar outras, quem tem a ganhar por isso e quais outros projetos são
marginalizados ou eliminados no processo.
Em terceiro lugar, precisamos distinguir consistentemente entre categorias e grupos, e
problematizar, em vez de presumir, o relacionamento entre eles. Conforme Brubaker nos lembra,
nem todos os projetos de formação de grupo têm êxito. Podemos, portanto, perguntar sobre o grau
de grupismo que uma categoria específica atinge em um cenário específico, e sobre os
~177~
processos políticos, sociais, culturais e psicológicos através dos quais categorias ficam envoltas
com grupismo.
Essa distinção entre grupos e categorias também nos permite evitar a armadilha da
reificação. Quando começamos nossa análise com 'os romenos' e 'os húngaros' como grupos,
somos quase automaticamente levados a atribuir identidade, agência, interesses e vontade a
grupos. Quando começamos com 'romeno' e 'húngaro' como categorias, no entanto, podemos
evitar reificação e focar nos processos e relações, em vez de substâncias (ibid.: 183).
Finalmente, Brubaker contende que sensibilidade à natureza variável e contingente do
grupismo, e ao fato que altos níveis de grupismo podem ser mais o resultado de conflito que sua
causa subjacente, pode levar nossa atenção analítica aos processos através dos quais o grupismo
pode baixar:
Este último ponto nos traz à quarta implicação do social construcionismo, a saber a
necessidade de estudar os processos de reprodução que sustentam grupos. Nós, portanto,
precisamos no empenhar a explorar os mecanismos institucionais e discursivos sob os quais
nacionalismos são mantidos e, igualmente importante, podem ser resistidos ou desafiados.
~178~
A Dimensão Espacial
É difícil pensar em uma nação sem um território específico, uma terra pátria real ou
imaginada. Nesse sentido, o território é central à construção das identidades étnicas e nacionais.
Pode ser usado como um instrumento de classificação para diferenciar o que é nosso do que é
deles; como um meio de comunicação com marcos culturalmente importantes e fronteiras; ou
como um recipiente moldando a imaginação de grupo (YiftacheI2001: 364). Não
surpreendentemente, a Geografia atingiu o status de disciplina acadêmica em um tempo e
naqueles países apanhados no processo de construção nacional. Kaiser, evocando
~179~
MacLaughlin, argumenta que esta Geografia política centrada no estado tomou o Estado-nação
por garantido, e o considerou a unidade ideal para o avanço social. Desta forma, a Geografia
acadêmica contribuiu não intencionalmente com o processo de construção nacional, 'forneceu
justificativas racionais para um Estado-nação dominado pelo capitalismo, e auxiliou na destruição
de movimentos enfatizando a importância da autonomia social e política regionais' (MacLaughlin
1986, citado em Kaiser 2001: 321).
A reconstrução do espaço social como território nacional é então um componente
essencial do projeto de construção nacional. Vários termos foram propostos para cobrir este
processo, tais como 'socialização territorial' ou 'institucionalização territorial', devo adotar o termo
de Kaiser aqui e me referir a este processo como 'territorialização nacional do espaço'. Conforme
Kaiser nota, nacionalistas empregam uma variedade de técnicas para aumentar a consciência
territorial. A principal dentre estas é a cartografia. Mapas delimitando as fronteiras de pátrias
históricas e a extensão geográfica da comunidade futura, com sítios de importância simbólica bem
marcadas, e frequentemente com texto na linguagem nacional, tudo conspira para criar uma
poderosa ferramenta para imaginar Estados. Além disso, as fronteiras da terra pátria histórica
foram 'logotipadas' e reproduzidas em selos, bandeiras, e cartazes e em livros didáticos para
inculcar a imagem da terra pátria nas mentes da população a ser nacionalizada, bem como para o
mundo exterior. 'Junto com representações cartográficas, aqueles engajados em projetos de
territorialização nacional frequentemente também personificaram a terra pátria com a invenção
de personagens estereotipados masculinos ou femininos' (Kaiser 2001: 324). Kaiser também
chama nossa atenção para o papel de poetas, escritores e artistas que sempre foram agentes
importantes em projetos de territorialização nacional através de obras prestando homenagem às
terras pátrias sendo construídas. Em tais obras, 'é frequentemente o caso que uma paisagem
específica capaz de evocar sentimentos nostálgicos sobre a terra e o passado seja escolhida como
a representação simbólica da terra pátria em sua totalidade'. Finalmente,
a territorialização nacional ... envolve a seleção e comemoração de figuras históricas,
eventos e locais específicos, o que ajuda a fundamentar a ficção da nação e pátria em
lugares e épocas específicos. Monumentos na paisagem ajudam a projetar uma
imagem de permanência na nação e seu relacionamento
~180~
O Estado desempenha um papel fundamental em tudo isso. Ele usa as várias instituições
à sua disposição para instilar a noção de 'uma nação, um território'. Tais políticas são
implementadas principalmente através da educação nacional, onde crianças são ensinadas a
História e Geografia da nação de um modo que demonstra a 'eterna' e 'imutável' existência de uma
terra pátria. Outros programas governamentais, tais como o estabelecimento de museus, a
construção de estradas, a nomeação de locais e regiões, e a produção de mapas e planos, tudo
ajuda o povo a 'imaginar' e 'construir' o Estado como sua pátria natural (Yiftachel 2001: 368-9).
Não seria um exagero dizer que o projeto de territorialização nacional tem sido um
enorme sucesso. Na 'ordem nacional de coisas' de hoje, a ligação entre identidade e lugar é
amplamente 'naturalizada'. Uma pessoa indo para o exílio frequentemente leva um punhado do
solo nativo com ela; um heroi nacional que retorna ou político beija o chão ao colocar o pé
novamente no 'solo nacional'. Similarmente, as cinzas ou corpos de pessoas que morreram em
solo estrangeiro são transportados de volta para suas 'pátrias': 'na morte, também, solos nativos
ou nacionais são importantes' (Malkki 1996: 437).
Em sua convincente dissertação sobre a territorialização da identidade nacional, Malkki
também chama nossa atenção para a medida em que as ligações entre povo e lugar são concebidas
em metáforas especificamente botânicas. Portanto pessoas são muitas vezes são pensadas, e
tendem a pensar de si mesmos, como sendo enraizadas no lugar e derivando sua identidade desse
enraizamento. As raízes em questão, Malkki acrescenta, não são qualquer tipo de raiz; muitas
vezes elas são arborescentes em forma. Não surpreendentemente, nações e identidades nacionais
também são conceitualizadas em termos de raízes, árvores, origens, antepassados, linhas raciais,
evoluções, desenvolvimentos, ou outras imagens familiares, essencializantes. O que todos estes
compartilham, Malkki argumenta, é uma forma de pensamento genealógico, que é peculiarmente
arborescente (ibid.: 437-8).
De acordo com Malkki, esta fascinação com raízes leva a um sedentarismo peculiar em
nosso pensamento. Este sedentarismo é quase invisível por ser amplamente tomado por garantido.
Além do mais, este sedentarismo não é inerte: 'ele ativamente territorializa nossas identidades,
sejam elas culturais ou nacionais ... Ele também permite diretamente uma visão de deslocamento
territorial
~181~
~182~
não são apenas lidas como sinais, mas são sentidos de uma maneira não reflexiva - a abundância
do cotidiano, significantes mundanos que não estão presentes quando vamos ao exterior. Estes
recursos vernaculares estão embutidos em contextos locais, mas recorrem por toda a nação como
recursos seriais. O ponto mais importante sobre estes recursos, Edensor argumenta, é que eles
costuram o local e o nacional juntos através de sua reprodução serial através da nação. Alguns
destes recursos, por outro lado, são mais abertamente celebrados como símbolos cotidianos de
identidade nacional por exemplo, pubs como ícones nacionais (ibid.: 51-2).
Resumindo, o território desempenha um papel vital em distinguir o Estado-nação
moderno de formas anteriores de vida social coletiva e governança. Todo o resto que é invocado
como vital ao Estado-nação, Appadurai corretamente nos lembra, é um princípio de apego que o
Estado-nação partilha com outras formas sociopolíticas. Sangue, raça, linguagem, História,
cultura, 'todos têm expressões prenacionais e aplicações não-nacionais. Podem ser usados para
justificar, extender ou inculcar amor à nação, mas eles não são distintivos da forma nacional'. Sem
alguma ideia de soberania territorial - e aqui pode-se acrescentar a ideia de uma 'terra pátria' - o
Estado-nação moderno perde toda coerência (2000: 135).
A Dimensão Temporal
Conforme Hobsbawm observou uma vez, nações sem um passado são contradições em
termos. 'O que faz uma nação é o passado; o que justifica uma nação diante outras é o passado e
os historiadores são as pessoas que o produzem' (1996: 255). Contudo há algo peculiar sobre este
passado. No que diz respeito ao nacionalismo, a questão de uma verdadeira história está fora do
ponto. Histórias nacionais santificam como real não é o que é verídico, mas o que é sentido como
unificador da comunidade. Portanto o que quer que funcione para a comunidade é selecionado do
passado e apresentado como 'fato' fora das relações do tempo e espaço. Nas palavras de Marvin e
Ingle, este é o processo de ressignificação, ou 'ajustar estrategicamente o passado' (Marvin e Ingle
1999: 155; veja também Allan e Thompson 1999).
Por outro lado, há um complexo relacionamento entre o passado e o presente. A
construção da história nacional geralmente reflete preocupações atuais e crenças sobre o passado.
Nesse
~183~
sentido, o processo de seleção é ecoico, não linear: 'o presente deve ouvir-se no que é selecionado
do passado' (Marvin e Ingle 1999: 152), Portanto:
[l]onge de estar 'atrás' do presente de algum modo, o passado existe como uma
presença realizada no entendimento público. Neste sentido é escrito na presente
realidade social, não só implicitamente como um resíduo, precedente ou costume e
prática, mas explicitamente como si mesmo como História, Patrimônio Nacional e
tradição. Qualquer tentativa de desenvolver e afirmar uma consciência histórica
crítica irá encontrar-se em negociação se não em conflito aberto com este
entendimento público estabelecido do 'passado'. É, portanto, importante entender o
que é que funciona como 'passado' e distingui-lo da história. (Wright 1984, citado
em Allan e Thompson 1999: 39)
Se o tempo da elite marchou numa maneira mais ou menos linear, o tempo popular
dançou e pulou. O tempo da elite colonizou e ajudou a construir as fronteiras de
territórios que viemos a chamar nações. Mas o tempo popular era mais local bem
como episódico ... Não era um tempo que podia ser contido dentro de fronteiras fixas.
Ele foi medido não de começos, mas de centros ... Contentes em viver em um
presente que continha tanto o passado como o futuro, pessoas comuns não se
sentiram obrigados a investir em arquivos, monumentos, e outros locais permanentes
da memória, mas sim confiaram na memória viva. (ibid.: 6)
Gillis argumenta que a recente proliferação de aniversários, serviços memoriais e
celebrações étnicas sugere que lembrar tornou-se mais democrático. Hoje, estamos mais
propensos a fazer nosso 'trabalho de memória' em tempos e lugares da nossa escolha. Todos são
agora seus próprios historiadores, o que por sua vez significa que a vida não pode mais ser vivida
sequencialmente ao longo de uma única linha temporal. Resumindo, apesar de pessoas comuns
estarem mais interessadas e saberem mais sobre seus passados do que nunca, seu conhecimento
não está mais confinado a quadros de tempo compulsórios e espaços da velha historiografia
nacional (ibid.: 14-17).
A dimensão temporal também se desenrola na intrincada ligação entre os mortos, os vivos
e o por nascer. Esta ligação é fundamental à afirmação do nacionalismo à continuidade e
regeneração. A
~185~
mensagem que os mitos nacionais transmitem é simples: nações são imortais; elas transcendem a
contingência. A celebração da morte pela nação e a comemoração e veneração dos mortos assume
importância crítica neste contexto (Tamir 1997).
Tamir, focando no aspecto anterior, nota como a nação é dotada com um conteúdo
religioso, que torna morrer em sua defesa uma obrigação sagrada, um fim desejável, que
permitiria a uma pessoa entrar na patria eterna, num melhor, celestial mundo. Esta dimensão
religiosa também torna a morte em guerra de um ente querido em um ganho que supera a perda
pessoal (ibid.: 230).
Por outro lado, o Estado tenta superar o medo da morte retratando as mortes de patriotas
como instantâneas, graciosas e indolores ao invés de brutais e dolorosas, através de ritos
memoriais e literatura patriótica. O Estado também oferece àqueles que estão prontos a sacrificar
suas vidas em sua defesa uma série de benefícios, variando de bens materiais, status e mobilidade
social a recompensas mais abstratas tais como glória, respeito e idolatria pública. Em qualquer
caso, quando se alistam, várias pessoas esperam nunca precisar encarar o perigo e que, se
precisarem, 'o Estado cumprirá sua promessa de fazer o seu melhor para diminuir os riscos
envolvidos, vir ao seu resgate, nunca deixá-los para trás se feridos, e fazer uma troca por eles se
eles forem capturados pelo inimigo'. Por outro lado, há custos a serem incorridos por recusar-se
a lutar, variando de exclusão social até restrição de oportunidades de trabalho e desenvolvimento
de carreira (ibid.: 235-9).
O segundo mecanismo através do qual a nação assegura sua continuidade é a
comemoração e veneração dos mortos. Monumentos nacionais, serviços memoriais, funerais e
ritos de comemoração constituem locais de memória coletiva. Realizando-os, a nação afirma que
enquanto ela existir, ela mostrará gratidão a todos aqueles que lutam e sacrificam suas vidas pela
sua sobrevivência:
~186~
Benedict Anderson, por outro lado, chama nossa atenção às implicações éticas da morte
pela nação. As tumbas de soldados desconhecidos tratam todos os mortos como absolutamente
equivalentes. Os nomes são despojados de todo significado sociológico substantivo. Nenhuma
classe, nenhuma religião, nenhuma idade e nenhuma política é indicada. 'Sem prioridades
também: por isso a habitual sequência alfabética de agenda telefônica' (1998: 363). Não faz
qualquer diferença se encontraram seus fins em um glorioso ou um vergonhoso campo de batalha:
O sacrifício de suas vidas é, portanto, radicalmente separado do Certo ou do Errado
histórico. Esta separação é elegantemente alcançada posicionando-os todos como
vítimas sacrificiais. A Morte Nacional, por assim dizer, pagou suas contas e limpou
seus livros morais. Os Mortos Nacionais nunca são matadores. (ibid.)
O mesmo se aplica aos membros por nascer da nação. É em nome daqueles por nascer
que somos exigidos trabalhar duro, pagar nossos impostos, e fazer outros sacrifícios a fim de
preservar patrimônios, reduzir a dívida nacional, proteger ambientes, defender fronteiras. Aqueles
por nascer também não têm qualquer feição social, e é exatamente esta pureza que garante sua
bondade, e isto os permite impor a nós obrigações. Desta maneira, Anderson conclui, 'podemos
observar como os mortos nacionais e aqueles por nascer nacionais, em seus incontáveis bilhões,
espelham um ao outro, e fornecem as melhores garantias da inerradicável Bondade da nação'
(ibid.: 362-4).
A Dimensão Simbólica
~187~
em massa, as inúmeras formas de cultura popular e assim por diante. (1996: 274)
Símbolos são aquelas imagens, objetos e atividades que são utilizadas por indivíduos e
grupos em relações sociais para alcançar objetivos através de comportamento influenciador e
controlador (Smith 2001: 521). Acima de tudo, símbolos são usados para induzir ação formando
e mantendo um sistema de crenças. Os significados associados com um símbolo não precisam ter
um relacionamento substancial para serem efetivos. 'De fato a maioria dos símbolos, mesmo
quando sancionados pela tradição, são intrinsicamente arbitrários. Além do mais, significados
atribuídos a símbolos podem ser subsequencialmente alterados, esquecidos, ou elaborados além'.
Como resultado, significados simbólicos são muitas vezes sujeitos à má interpretação, múltiplos
significados e degradação (ibid.).
Conforme Smith aponta, nenhuma sociedade conhecida operou sem o uso de símbolos:
É, portanto não surpreendente que o discurso nacionalista faça amplo uso de símbolos
para definir e justificar suas normas e valores sociais, para criar 'mapas' para atores sociais. Este
último ponto é crucial porque ideologias não apenas refletem uma consciência histórica particular
de atores sociais específicos (um modelo 'de'), eles fornecem um 'padrão' para a criação daquela
realidade (um modelo 'para') (Willford 2001: 3). Portanto quando um Estado alcança
independência através da guerra ou quando um regime existente é derrubado, velhos símbolos são
muitas vezes ritualmente destruídos, ridicularizados e proibidos; um novo conjunto de símbolos
surge em seu lugar, especialmente uma bandeira, hino nacional, 'textos sagrados', e uma imagem
do verdadeiro patriota. Novas nações também criam novas cidades Capitais e novos nomes para
o país, e às vezes até um novo calendário ou alfabeto (Smith 2001: 527).
Necessita ser notado nesta fase que a construção de símbolos nacionais, como no caso do
território ou um passado adequado, é raramente incontestada. Como resultado, o significado de
símbolos nunca é fixo ou estático. De fato, conforme alguns escritores argumentaram, eles
precisam
~188~
ser flexíveis a fim de manter sua relevância ao longo do tempo e apelar a diversos grupos. Pois,
os símbolos que são mais efetivos são aqueles que carregam o maior número de significados
(Donnan e Wilson 1999: 75; Edensor 2002: 5).
Entre os vários símbolos nacionais, bandeiras são talvez os mais penetrantes. Há de fato
uma aura quase religiosa em torno das bandeiras, refletidas nas palavras e cerimônias associadas
com seu uso na era moderna, que é estritamente regulada pela lei e feita cumprir por severas
penalidades por 'profanação' (Smith 2001: 528; veja também Marvin e Ingle 1999: 30-1). A
bandeira é o símbolo definitivo da nacionalidade; por isso ela é presente em todas as
circunstâncias onde a nação é implicada - eleições, inaugurações, audiências, reuniões públicas,
legislaturas, em veículos de todo tipo, em escolas e igrejas, em funerais e em eventos esportivos
e festividades de feriados, em conferências e competições internacionais, e, claro, em toda forma
de atividade militar. De acordo com Smith, 'bandeiras são formas particularmente úteis de
símbolo por causa da sua adaptabilidade, o apelo de suas cores e emblemas, seu relativo baixo
custo e facilidade de fabricação, seu movimento hipnótico quando tremulando e sua visibilidade
de longa distância' (2001: 529). Como a exata origem da maioria das bandeiras é ou desconhecida
ao público geral ou relativamente obscura, elas são particularmente bem adequadas à construção
de mitos. Sua idade, criação, envolvimento em eventos históricos, e características similares
podem ser facilmente manipuladas sem a probabilidade de que a maioria das pessoas perceberá a
fraude. Deste modo bandeiras representam as características distintivas presumidas da nação, tais
como sua luta pela existência, seus recursos naturais, sua composição étnica ou religiosa. Estes
significados são comunicados aos cidadãos pela educação formal e através da sua associação com
experiências específicas e situações que reforçam a interpretação desejada do símbolo (ibid.).
A dimensão simbólica do discurso nacionalista é também visível em rituais, que podemos
definir, seguindo Kertzer, 'como comportamento simbólico que é socialmente padronizado e
repetitivo' (1988, citado em Donnan e Wilson 1999: 66). Rituais desempenham um papel crucial
na formação da identidade coletiva em qualquer sociedade. Marvin e Ingle argumentam que nos
melhores rituais, os membros sentem que a sobrevivência do grupo está em jogo. Em tais casos,
a necessidade do ritual nunca está em dúvida. 'Quanto mais incerto seu resultado ... maior a
mágica ritual que será empregada e mais transformativo será o resultado' (1999: 91).
~189~
Por outro lado, rituais fracassados produzem desunião, e quanto maior o fracasso, maior
a divisão (ibid.: 93). Rituais podem falhar porque, independentemente do quão claro e concreto
possam parecer em forma e estrutura, eles também possuem uma qualidade atemporal, abstrata e
multidimensional:
Cada um dos símbolos de um ritual pode servir para condensar vários significados
em um objeto, tal como a bandeira da nação, ou um símbolo pode ser multivocal, em
que várias diferentes mensagens são recebidas pelos participantes do ritual ...
Mistificação, então, é uma parte de vários rituais. Alguns ritos podem até ter como
um objetivo principal a desorientação de seus participantes. Tais rituais implicam
em participantes entrando num estado liminar, uma condição transitória que é
confusa, às vezes poluente e quase sempre transformativa ... Durante estes rituais os
participantes, e seus relacionamentos dentro da sua cultura, são ambíguos e em fluxo.
(Donnan e Wilson 1999: 66)
Resumindo, a dimensão simbólica do discurso nacionalista objetiva fornecer um alfabeto
para uma consciência coletiva ou subjetividade nacional, através de seus ícones tradicionais, suas
metáforas, seus heróis, seus rituais, e suas narrativas (Berlant 1991: 20). Através da dimensão
simbólica, ou o que Berlant aptamente chama de 'Simbólico Nacional', a nação aspira alcançar a
inevitabilidade do status de lei natural, um direito de nascença. Esta coleção de imagens e
narrativas mantidas comunitariamente faz o sujeito nacional ou cidadão em casa na nação.
Contudo, Berlant nos lembra, este conforto político doméstico leva a um tipo de amnésia,
conforme eventos e sinais que rompem com o significado histórico oficial da nação são excluídos
da sua versão pública. ‘O Simbólico Nacional, portanto, procura produzir uma fantasia de
integração nacional, apesar do conteúdo desta fantasia ser questão de debate cultural e
transformação histórica (ibid.: 22, 57).
A Dimensão Cotidiana
O nacional não pode ser subordinado por aquilo que é conscientemente empunhado como
simbólico, 'pois está entranhado em padrões não reflexivos da vida social, costurado na
experiência e nas suposições do
~190~
dia a dia' (Edensor 2002: 10). A cultura nacional, em outras palavras, também está enraizada no
'trivial'. Contudo este discernimento crucial fora negligenciado até recentemente, e muito da
literatura sobre o nacionalismo preferiu focar na dimensão simbólica do nacionalismo às custas
dos hábitos rotineiros da vida cotidiana. O equilíbrio é relativamente corrigido na última década
com a publicação de uma enxurrada de estudos que tratou dos aspectos mais mundanos, 'banais'
da identidade nacional (veja por exemplo Billig 1995; Edensor 2002; Linde-Laursen 1993).
Estes estudos nos mostram que a visão de cima pra baixo da cultura, ou a ideia de cultura
construída intencionalmente pelas elites nacionais e impostadas a uma população relativamente
passiva, é seriamente enganosa. A identidade nacional é produzida, reproduzida e contestada nos
detalhes tomados-por-garantido da interação social, os hábitos e rotinas da vida cotidiana.
Conforme Berlant nota, a presença da nação na vida diária do cidadão genérico é mais latente e
inconsciente do que sua relação incidental, ocasional com símbolos nacionais, espaços, narrativas
e rituais (1991: 4). Formas cotidianas de conhecimento são raramente sujeito de reflexão
consciente, pois constituem parte do arsenal de habilidades exigidas para sustentar a vida social.
De acordo com Löfgren, é precisamente por isso que as influências mais fortes do 'nacional' são
encontradas no nível da prática cotidiana em vez de na retórica ou afirmações ideológicas. Esta
contínua homogeneização, ele argumenta, tende a produzir um forte sentimento do que ele chama
'hominess' [sentimento de estar em casa; interpretação livre]. Cruzando a fronteira, nos sentimos
em casa entre procedimentos burocráticos, hábitos de consumo, sinais de trânsito e piadas
internas. O que temos aqui é a 'territorialização da familiaridade', o que frequentemente não
precisa ser o resultado de campanhas ideológicas, e isto é o que dá ao pertencimento nacional
uma plataforma tão forte (1993: 190).
Há várias maneiras nas quais o nacional é instanciado na vida cotidiana. O nacionalismo
deixa sua marca em uma série de práticas culturais populares incluindo esportes, passatempos e
férias comuns. Ele informa as normas compartilhadas que determinam as maneiras 'apropriadas'
de se comportar, se vestir, falar, comer, e assim por diante. Por isso há maneiras apropriadas de
se comportar em espaços públicos tais como cafés, jardins, parques e bares, e espaços domésticos
como cozinhas, salas de estar e quartos:
Há, claro, estereótipos nacionais que são formados ao redor destes espaços e
atividades - italianos são 'bons amantes',
~191~
franceses são 'excelentes cozinheiros' e ingleses têm habilidade em jardinagem ...
Tais códigos culturais não apenas reconstroem estes locais como teatros para formas
especificadas de comportamento, mas também treina corpos para adotar disposições
e ações 'de acordo' com estes foros. (Edensor 2002: 95)
~192~
~193~
Em resumo, somos 'nacionais' não apenas quando saudamos nossa bandeira ou cantamos
nosso hino nacional, mas também quando votamos, assistimos o jornal das seis, acompanhamos
competições esportivas, observamos (enquanto mal percebemos) as repetidas iconografias da
paisagem e história em comerciais de TV, e absorvemos o arquivo visual de referências e citações
em filmes (Eley e Suny 1996: 29).
Este capítulo tentou explorar a contribuição que o social construcionismo pode fazer para
o nosso entendimento do nacionalismo e para mapear as dimensões do discurso nacionalista. Há
duas lições a serem recolhidas disso tudo. Primeiro, não devemos tomar nações e o nacionalismo
por garantidos ou como 'dados'; em vez disso, devemos explorar as condições históricas e sociais
sob as quais eles vieram a ser percebidos como a condição natural do nosso tempo. Segundo,
devemos nunca esquecer que a pura força do argumento não fará nações e o nacionalismo
sumirem. Devemos sempre nos lembrar que simplesmente porque algo é socialmente construído
não significa que possa ser desconstruído a vontade. Contudo, conforme Glover corretamente
observa, a propagação de um entendimento mais sofisticado da forma que o nacional se auto
imagina e narrativas são construídas podem lentamente erodir o nacionalismo acrítico (1997: 28).
O desafio a nossa frente é escrever uma história de fora da ideologia do Estado-nação. O desafio
é enorme visto que requer que historiadores enfrentem seus próprios valores éticos, e a
enormidade disso deriva do fato que estes valores foram eles próprios intimamente moldados pelo
Estado-nação (Duara 1996: 172).
~194~