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Repensando o Nacionalismo:

Uma Abordagem Social Construcionista


Frequentemente tomamos nossa nacionalidade como garantida agora, nota Spillman em
seu recente estudo das comemorações nacionais no Estados Unidos e Austrália, nitidamente
capturando o que podemos chamar a ‘idiossincrasia’ de nosso tempo. O Estado-nação é o
princípio orientador da organização social e política, e a nação a suprema estrutura de referência;
‘identidade nacional tempera a vida cotidiana de maneiras familiares, e um senso comum retórico
de nacionalidade faz um cenário desapercebido pra vida pública. Nós dificilmente questionamos
o embasamento de apelos comuns à identidade nacional’ (1997: 2). Todavia isto é exatamente o
que precisamos fazer, isto é, resistir ao clamor do discurso nacionalista e questionar apelos à
identidade nacional. No que segue, argumentarei que uma perspectiva do construcionismo social
fornece o sustentáculo de tal inquérito crítico.
O termo ‘construção social’ aparece primeiro no título de “A Construção Social da
Realidade: Tratado de Sociologia do Conhecimento” de 1966, por Peter Berger e Thomas
Luckmann. Desde então, tem sido amplamente adotado numa variedade de disciplinas, seja como
uma posição epistemológica ou uma teoria social. Usarei o termo aqui como a visão de que ‘todo
conhecimento, e portanto, toda realidade significativa como tal, é dependente de práticas
humanas, sendo construída dentro e fora da interação entre seres humanos e seu mundo, e
desenvolvido e transmitido dentro de um contexto essencialmente social’ (Crotty 1998: 42). O
Construcionismo alega que significados são construídos por seres humanos conforme estes se
envolvem com o mundo que eles estão interpretando. Este modo de geração de significados é
‘social’, no entanto, no sentido de que isto é moldado pelas convenções da linguagem e outros
processos sociais. Em outras palavras, enquanto seres humanos

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podem ser descritos como se envolvendo com seu mundo e fazendo sentido dele, tal descrição
será enganosa se não for posta numa perspectiva genuinamente histórica e social (ibid.: 54-5; ver
também Burr 1995; Gergen 1994, 1999). É necessário notar na passagem que os termos
‘construcionismo’ e ‘construtivismo’ são usados de forma intercambiável. Eu devo usar o termo
‘construcionismo social’ do começo ao fim para salientar a dimensão social da construção de
significado e para evitar possíveis confusões – uma vez que o termo ‘construtivismo’ fora
inicialmente usado na psicologia do desenvolvimento, para referir-se à teoria do desenvolvimento
cognitivo do biólogo e psicólogo suíço Jean Piaget (1896 – 1980).
O objetivo deste capítulo é proporcionar um esboço da abordagem social construcionista
ao nacionalismo. Isto envolve três passos. O primeiro passo é conceituar o nacionalismo como
uma forma de discurso, uma tarefa que eu já empreendi no Capítulo 2. Para recapitular, eu
argumentei que nações não podem ser efetivamente definidas apenas em termo de marcadores
objetivos ou sentimentos subjetivos. Não há uma lista perfeita de características que fariam uma
nação. Por outro lado, sentimentos subjetivos de identificação não são suficientes para diferenciar
nações de outros agrupamentos para os quais existem sentimentos semelhantes, tais como famílias
e grupos religiosos. Eu também afirmei que tentativas de definir o nacionalismo em termos ou
culturais ou políticos são fúteis. Nacionalismo une o que é cultural e o que é político: isto envolve
a ‘culturalização’ da política e a ‘politização’ da cultura. É exatamente por isso que o projeto de
distinguir entre os diferentes tipos de nacionalismo, dependendo se eles são baseados em critérios
culturais ou políticos, não funciona. Tal tentativa esconde o que é comum a todos os
nacionalismos, que eles são fenômenos tanto culturais quanto políticos. Portanto, precisamos de
uma conceituação alternativa de nacionalismo, uma que nos leve além das dicotomias do
objetivo/subjetivo e do cultural/político enquanto que ao mesmo tempo nos permita capturar o
que é comum a todos os nacionalismos. Ambos objetivos podem ser alcançados enxergarmos o
nacionalismo como uma forma de ‘discurso’, ou como uma forma particular de ver e interpretar
o mundo, um quadro de referência que nos ajuda a fazer sentido e estruturar a realidade que nos
rodeia. Essa conceituação revela que o nacionalismo é mais que uma doutrina política, isto é, uma
forma mais básica de pensamento que colide sobre toda nossa visão do mundo. Isto também
mostra que todas as manifestações de nacionalismo são moldadas pelo discurso comum do
nacionalismo.

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O discurso do nacionalismo, assim como discursos de identidade similares, opera


dividindo o mundo entre ‘nós’ e ‘eles’ e apresentando formulações particulares da nação como a
versão natural e autêntica, assim obscurecendo as divisões e diferenças de opinião que existem
dentro da nação. O discurso nacionalista não surge num vácuo social, mas faz amplo uso de
instituições do Estado e da sociedade civil para se sustentar e reproduzir-se.
Neste capítulo, expandirei sobre o primeiro passo e elaborarei ainda mais a natureza do
discurso nacionalista, a fim de esclarecer o que distingue o discurso nacionalista de outros
discursos similares. Antes disso, no entanto, identificarei as premissas sobre as quais a análise
social construcionista é baseada. Assim o segundo passo da minha abordagem consiste em discutir
as contenções epistemológicas do social construcionismo. O terceiro e último passo, por usa vez,
envolve mapear as dimensões do discurso nacionalista. Antes de prosseguir, permita-me salientar
que o que se segue não é uma tentativa de promover uma teoria ‘universal’ do nacionalismo.
Como já apontei no Capítulo 3, não creio que tal teoria seja possível. Meu objetivo é muito mais
modesto: eu pretendo formular uma abordagem que nos permita identificar e compreender o que
é comum a todos os nacionalismos, isto é o discurso do nacionalismo. O que espreita por trás
deste projeto é um impulso de questionar o que frequentemente tomamos por garantido, isto é, as
pretensões do discurso nacionalista, e revelar sua natureza contingente e heterogênea.

Os Elementos de uma abordagem Social Construcionista

Para ganhar um entendimento mais completo do que o social construcionismo implica


para o estudo do nacionalismo, pode ser útil superar dois equívocos que afligem tais análises.
O primeiro equívoco é a crença difundida que o social construcionismo é equivalente a
uma forma de instrumentalismo. Por isso para Motyl, a contribuição teorética do construtivismo
(que ele usa de forma intercambiável com o social construcionismo) será trivial se não argumentar
que as elites criam identidade nacional conscientemente (1999: 70). Sua conclusão parece
confirmada pela observação de Eriksen que o ‘[p]essoas são leais a comunidades étnicas,
nacionais ou outras imaginadas não por que nasceram nelas,

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mas por que tais focos de lealdade prometem oferecer algo considerado significativo, valioso ou
útil’ (1999: 55). Mas isso não é tudo. Conforme Eriksen continua a mostrar, o que é considerado
valioso é culturalmente determinado; é definido a partir de dentro. E o indivíduo que percebe
alternativas e escolhe entre elas não escolhe sua própria matriz cognitiva, isto é, seu contexto
cultural. Em resumo, ‘indivíduos escolhem suas fidelidades, mas não sob circunstâncias de sua
própria escolha’ (ibid.: 55-6). Motyl parece estar ciente disso quando observa que várias elites
estabelecidas constroem – e aqui podemos acrescentar, ‘reproduzem’ – identidade apenas
‘cumprindo seu trabalho’, seguindo as regras, padrões, hábitos e procedimentos prescritos por
instituições desatentamente. Neste sentido, é possível que a autoconsciência nacional seja gerada
inconscientemente, ‘por força de inúmeras ações cumulativas com consequências não
intencionais’. Afinal, o que é ‘funcional’ ou ‘instrumental’ pode parecer ‘natural, significativo,
simbolicamente inevitável e profundamente nacional’ em um dado contexto. E ‘outras formas de
fazer coisas podem parecer materialmente disfuncionais, mas fazem perfeito sentido dentro de
uma matriz cultural que demanda tais tradições por uma questão de consistência e coerência
internas’ (1999: 75-6).
Em resumo, o social construcionismo não equivale a instrumentalismo. Como Brubaker
nota, que essa é uma falsa oposição torna-se clara quando pensamos na dimensão cognitiva do
nacionalismo. Considerado de um ponto de vista cognitivo, Brubaker argumenta, o nacionalismo
é

uma forma de identificar interesses, ou mais precisamente, uma forma de especificar


unidades de interesse, de identificar as unidades relevantes em termos de quais
interesses são concebidos. Isto fornece um modo de visão e divisão do mundo, para
usar a frase de Pierre Bourdieu, um modo de contagem e contabilidade social.
Portanto isto inerentemente liga identidade e interesse – identificando como
devemos calcular nossos interesses. (1998: 291-2)

O segundo equívoco toca o estado ontológicos das nossas construções sociais. O que
queremos dizer quando falamos que nações e nacionalismo são socialmente construídas. Para os
críticos do social construcionismo, isto sugere que estes não têm base na ‘realidade’, que são
‘falsos’ ou ‘artificiais’. Mas mais uma vez, esta é uma oposição espúria. É absurdo sugerir que
nações ou nacionalismos não

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são reais para aqueles que acreditam nestes, e que, portanto, devem ser dispensados ou
trivializados. Nação [nationhood] pode existir nas mentes do povo, mas isso não o torna efêmero;
‘pelo contrário, é tudo mais real e poderoso como resultado’ (Geary 2002: 40). Isto é por pelo
menos duas razões. Em primeiro lugar, quaisquer que sejam suas origens e a extensão da
mitologização que entre na sua criação, nações assumem uma vida própria com o tempo. Eles são
o lar dos múltiplos laços que seus membros desenvolvem e o locus de suas esperanças e sonhos.
Em segundo lugar, eles são muito reais como aspectos da experiência vivida e bases para ação.
De fato, como nota Calhoun, pessoas frequentemente endossam narrativas que sabem ser
problemáticas, ganhando uma identificação com estas como ‘nossas histórias’, e um
reconhecimento delas como condições de fundo da vida cotidiana (1997: 34).
Em resumo, nações e nacionalismos podem ser socialmente construídas, mas não são
facilmente desconstruídas. O social construcionismo não contesta a realidade da nação[],
minimiza seu poder ou desconta sua significância; ele apenas constrói sua realidade, poder e
significância de uma forma diferente (Brubaker 2002: 168). Ele nos alerta aos perigos de toma-lo
por garantido, ou trata-lo como uma dádiva. Ele nos encoraja a inquirir nos processos pelos quais
isto se torna um significativo espaço de identificação, para levantar questões sobre por que isto é
definido como ‘real’ ou ‘natural’, quem tem a ganhar com a manutenção das identidades nacionais
ou com a mobilização destas sob circunstâncias particulares (Norval 1999; Goldmann et al. 2000).
Tendo dispensado dois equívocos comuns que afligem análises sociais construcionistas,
podemos agora tornar às premissas sobre as quais tais análises são baseadas.

Contingência
Nacionalistas tendem a apresentar a nação como o resultado natural ou lógico de uma
série de características prontamente identificáveis, tais como território comum, linguagem,
religião ou um senso de pertencimento. Para eles, a emergência da nação é inevitável: as coisas
não poderiam ser de outra forma.
Entretanto, a existência de semelhanças culturais ou laços afetivos não garantem que
qualquer coletividade particular irá desenvolver um senso de identidade e afirmar um status
nacional. Antes, identidades nacionais são fruto de mudanças sociais e econômicas que

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tornam semelhanças pré-existentes tanto politicamente importantes e com as quais as pessoas


podem se identificar (Moore: 2001: 12-13; Calhoun 1997: 32). Uma implicação dessa visão, de
acordo com Moore, é que

se a História tivesse sido diferente, sérvios e croatas não precisariam ter se pensado
como sérvios e croatas; eles podiam ter acreditado que eram todos sérvios ou todos
croatas ou todos iugoslavos. Muitos tipos diferentes de identidade foram
(historicamente) uma possibilidade, mas falharam, por várias razões, em ser
atraentes. (ibid.)

Portanto, identidades nacionais, como todas as outras identidades sociais, são construídas
a partir de características que podem virar a base de tipos bem diferentes de identidades sociais
em circunstâncias alteradas (Hechter 2000: 96; veja também Halliday 2000b: capítulos 2 e 3).
O fato que identidades nacionais são contingentes não implica que elas são
intercambiáveis ou infinitamente maleáveis, no entanto. Finlayson, extraindo de Laclau, nos
mostra que quando uma identidade particular é instituída com sucesso, um ‘esquecimento das
origens’ tende a ocorrer; o sistema de possíveis alternativas desaparece e os traços da contingência
original evanescem:

‘Desta forma, o instituído tende a assumir a forma de uma mera presença objetiva.
Este é o momento da sedimentação’. Em outras palavras, através da repetição, com
atendente ocultação e esquecimento, práticas de outro modo contingentes tornam-se
sedimentadas e aparecem como objetivas ou natural. (1998: 115)

Dado isso, o que devemos fazer é examinar os mecanismos através dos quais essas
identidades se apresentam como ‘naturais’ e ‘inevitáveis’. Uma forma de faze-lo pode ser
empreender o que Brubaker chama de ‘análise agitada’ da nacionalidade e nacionalismo. De
acordo com Brubaker, todos estamos acostumados a pensar a nacionalidade como algo que se
desenvolve. Por isso não temos escassez de estudos traçando as mudanças políticas, econômicas
e culturais de longo prazo que levaram à gradual emergência das nações ao longo dos séculos. O
que precisamos como alternativa, ele argumenta, são continuadas discussões analíticas da
nacionalidade como um evento, ‘como algo que cristaliza de repente ao invés de se desenvolver
gradualmente, como um contingente, conjunturalmente flutuante, e precário quadro de visão e
base para ação coletiva e individual’ (1996: 20-1).

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Heterogeneidade e Pluralidade
A retórica nacionalista apresenta a nação um unificado, homogêneo, perfeito inteiro, sem
referência a sua diversidade interna. Mesmo quando tal diversidade é reconhecida, o nacionalismo
é considerado mais importante que outras formas de identificação dentro de uma sociedade ou
que abrange essas diferenças numa identidade maior. De acordo com Duara, este argumento é
característico a muitas análises de nacionalismo as quais, desde Karl Deutsch, enfatizam o papel
da proliferante mídia de massa em facilitar projetos de construção da nação em diferentes partes
do mundo. o que esta interpretação tende a esquecer é que essa mesma tecnologia também permite
que rivais do nascente Estado-nação construam formas alternativas de identidade política e até
nacional. O Estado nunca é capaz de eliminar construções alternativas da nação entre suas
comunidades constituintes. Como resultado:

... A maneira na qual a nação é imaginada, vista e falada por diferentes grupos
autoconscientes pode, de fato, ser bem diferente. Realmente podemos falar de
diferentes 'visões de nação' como falamos de 'visões de mundo', que não são
sobrescritas pela nação, mas na verdade a definem ou constituem. No lugar da
harmonizada, monológica voz da Nação, encontramos uma polifonia de vozes, se
sobrepondo e entrecruzando; contraditórias e ambíguas; opondo, afirmando e
negociando suas visões da nação. (1996: 161-2)

A pretensão nacionalista à homogeneidade não é simples retórica, no entanto. Como


Appadurai aponta, 'a maioria das nações modernas alcançam seu senso da sua homogeneidade
cultural em face de notáveis e conhecidas diversidades e ferozes micro ligações que têm de ser
apagadas, marginalizadas ou transformadas' (2000: 132). Portanto, aparente unidade e
homogeneidade é frequentemente constituída por repressão. Os elementos reprimidos são ou
silenciados ou explicitamente denegridos e relegados às margens.
O mesmo se aplica às reinvindicações de 'autenticidade', um corolário natural do projeto
de homogeneização. Estas reinvindicações, Tamil' argumenta, são usadas para implicar que existe
uma única genuína interpretação de uma cultura nacional, enquanto que todas as outras são
fictícias e inválidas. 'Agentes da revisão são, portanto, suscetíveis a serem chamados de desleais
e seus trabalhos, de inautênticos'. Portanto, como homogeneidade, o termo autenticidade pode
servir como um instrumento de conservadorismo e

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opressão social (1993: 50-1). Parekh afirma a conclusão de Tamir, lembrando-nos que cada
comunidade política há muito estabelecida inclui várias diferentes vertentes de pensamento e
visões da boa vida. 'Uma vez que cada definição de identidade nacional é necessariamente seletiva
e deve ser relativamente simples de alcançar suas finalidades, isto salienta uma de suas vertentes
e visões e deslegitima ou marginaliza as outras'. Uma definição de identidade nacional pode,
portanto, tornar-se veículo silenciador de vozes dissidentes e moldador da sociedade inteira numa
imagem particular com todas as suas implicações autoritárias e repressivas (2000: 231).
Dadas estas complicações, quais são as opções teoréticas disponíveis para analistas do
nacionalismo? Uma opção, sugerida por Verdery, é tratar 'a nação como um símbolo e qualquer
dado nacionalismo como tendo múltiplos significados, oferecidos como alternativas e disputados
por diferentes grupos manobrando para capturar a definição do símbolo e seus efeitos
legitimadores' (1993: 39). Grupos orientados à nação, todos consideram como sendo o símbolo
supremo, Verdery argumenta, mas eles têm diferentes intenções para esta. Tratar a nação como
um símbolo aumenta a nossa sensibilidade para as tensões sociais e lutas dentro das quais esta se
tornara um idioma significativo, 'uma forma de moeda, usada para negociar em questões que
podem nem ser sobre a nação' (ibid.: 41-2).
A segunda opção é nos lembrarmos constantemente que pessoas são membros de
diferentes coletividades a qualquer dado momento. Esta visão alternativa de identificação social
pode nos permitir ver as identidades de uma pessoa em termos de um conjunto de fidelidades
grupais parcialmente sobrepostas. Isto significa que o senso de identidade 'nacional' de uma
pessoa pode ter de competir com outras fontes de identidade procedentes de classe, gênero, idade,
religião ou etnia.
Finalmente, dada a existência de múltiplas definições concorrentes de identidade
nacional, devemos ser capazes de perguntar qual versão será vitoriosa e por quê. Em outras
palavras, devemos investigar o processo através do qual uma versão bem-sucedida apresenta-se
como autêntica, camuflando todos os traços de construção e competição (veja também Reicher e
Hopkins 2001).

Mudança

Como nós vimos, não há uma narrativa única da nação, e nenhuma nação está livre de
ambiguidade e contestação. Portanto nem as

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fronteiras nem o conteúdo das culturas nacionais podem jamais serem fixadas de uma vez por
todas. Nas palavras de Parekh:

Cultura ... não é uma herança passiva, mas um processo ativo de criar significado,
não dado, mas constantemente redefinido e reconstituído. Ela tem uma estrutura que
direciona e delimita o alcance de novos significados, mas a estrutura é relativamente
solta e alterável. Mesmo como uma cultura molda as formas de consciência de seus
aderentes, eles por sua vez a redefinem e reconstituem e expandem seus recursos
cognitivos e avaliativos. (2000: 152-3)

O mesmo se aplica às identidades nacionais, que são construídas através de uma


multiplicidade de relações. Estas relações refletem hierarquias sociais existentes,
consequentemente estruturas particulares de poder e controle. Conforme a configuração de poder
em uma dada sociedade muda, as identidades também mudam. Duas coisas fluem destas
observações. Em primeiro lugar, 'Por mais institucionalizadas as nações se tornem, e por mais
bem estabelecido seja o simbolismo que os denota, nações permanecem esquivas e
indeterminadas, perpetuamente abertas ao contexto, à elaboração e à reconstrução imaginativa'
(Cubitt 1998, citado em Edensor 2002: vii). Devemos, portanto, perguntar como ideias sobre
nação e identidade são produzidas e reproduzidas como elementos centrais em uma luta política.
Devemos ver a 'nação como uma construção, cujo significado nunca é estável, mas move-se com
o cambiante equilíbrio de forças sociais' e perguntar que tipo de influência esta construção
proporcionou a certos grupos e por quê estes grupos ao invés de outros (Verdery 1993: 41).
Em segundo lugar, devemos nos lembrar que o processo de formação da nação não
chegou ao fim. Como Geary nota em seu estudo das origens das nações europeias:

Etnogênese é um processo do presente e do futuro tanto quanto é do passado.


Nenhum esforço de românticos, políticos ou cientistas sociais pode preservar de uma
vez por todas alguma alma essencial de um povo ou uma nação. Nem qualquer
esforço pode garantir que nações, grupos étnicos e comunidades de hoje não
desaparecerão completamente no futuro. O passado pode ter definido os parâmetros
dentro dos quais pode-se construir o futuro, mas ele não pode determinar o que o
futuro deve ser. (2002: 174)

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O problema da Reificação

Reificação é sobre 'representar um estado de coisas transitório, histórico como se isso


fosse permanente, natural, fora do tempo'. A reificação retrata processos como coisas ou eventos
de um tipo quase natural, de tal forma que seu caráter social e histórico é eclipsado (Thompson
1990: 65). Houveram pouquíssimas tentativas de se familiarizar com a questão da reificação
apesar do fato de que ela constitui um sério problema epistemológico no que concerne o estudo
das nações e nacionalismo. Uma exceção notável a respeito disso é Brubaker que tem provido as
mais elaboradas análises do problema até a presente data.
De acordo com Brubaker, a maioria das discussões de nacionalidade são discussões de
nações: 'nações são entendidas como entidades reais, como comunidades, como coletividades
substanciais, duradouras'. Este entendimento realista, substancialista de nações informa não
apenas a visão do nacionalismo mantida pelos próprios nacionalistas, mas também por boa parte
do conhecimento sobre nacionalismo. Portanto, a maioria das discussões de nacionalidade e
nacionalismo começam com a questão 'o que é uma nação?' Esta questão, Brubaker argumenta,
não é tão teoricamente inocente quanto parece: 'os próprios termos nos quais ela é enquadrada
pressupõem a existência da entidade que será definida' (1996: 13-14). Consequentemente, nós
casualmente reificamos grupos étnicos e nacionais em nossas conversas e escrita cotidianas,
falando em 'os sérvios', 'os croatas', 'os russos' e assim por diante como se fossem internamente
homogêneos, grupos externamente ligados, até atores coletivos unitários com propósitos comuns
(1998: 293).
Brubaker introduz o termo 'grupismo' para referir-se 'à ontologia social que nos leva a
falar e escrever sobre grupos étnicos e nações como entidades reais, como comunidades, como
coletivos substanciais, duradouros, internamente homogêneos e externamente ligados' (1998:
292). O problema com o tratamento de nações como entidades reais, de acordo com Brubaker, é
que ele adota categorias de prática como categorias de análise. Toma-se uma concepção inerente
à prática do nacionalismo e a torna central à teoria do nacionalismo (1996: 15). Porém o problema
não é apenas intelectual. A reificação, nota Brubaker, também é um processo social. Como tal,
ela é central à prática da política étnica. Reificar grupos é precisamente o que empreendedores
etnopolíticos, que podem viver 'da', assim como 'pela' etnia, estão encarregados de fazer.
Invocando grupos,

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estes empreendedores procuram evocá-los, convocá-los, chamá-los a ser:

Quando são bem-sucedidos, a ficção política do grupo unificado pode ser


momentaneamente, mas ainda poderosamente realizado na prática. Como analistas,
devemos certamente tentar dar conta das maneiras nas quais e condições sob as quais
esta prática de reificação, esta poderosa cristalização do sentimento grupal, pode
funcionar ... Mas devemos evitar a não intencional repetição ou reforço da reificação
de grupos étnicos na prática etnopolítica com uma reificação de tais grupos em
análises sociais. (2002: 166-7)

Este último ponto é crucial, diz Brubaker, e precisa ser enfatizado mais que nunca, em
um tempo no qual a linguagem grupista prevalece na vida cotidiana, no jornalismo, na política e
muito da pesquisa social. Devemos tratar o sentimento de grupo [groupness] como variável, 'como
propriedades emergentes de configurações estruturais ou conjunturais particulares' (1998: 298):

Não devemos perguntar 'o que é uma nação,' mas sim: como a nacionalidade, como
uma forma política e cultural, é institucionalizada dentro e entre Estados? Como a
nação funciona como categoria prática, como esquema classificatório, como quadro
cognitivo? O que faz o uso desta categoria por ou contra Estados mais ou menos
ressonante e efetivo? O que faz os esforços de evocação nacional, de invocação
nacional dos empreendedores políticos mais ou menos prováveis de ter êxito? (1996:
16)

Brubaker emite uma palavra de cautela neste estágio, notando que argumentar contra o
modo de pensar realista e substancialista sobre nações não é contestar a realidade da
nacionalidade. Em vez, é reconceitualizar aquela realidade. 'É dissociar o estudo da
nacionalidade[nationhood] e nação[nationness] do estudo de nações como entidades,
coletividades ou comunidades substanciais'. Em outras palavras, 'é tratar a nação não como
substância, mas como forma institucionalizada; não como coletividade, mas como categoria
prática; não como entidade, mas como evento contingente' (ibid.).
A reificação também é problemática de um ponto de vista empírico. Conforme Brubaker
e Laitin notam, grupos étnicos e nacionais não são entidades 'dadas' com regras não ambíguas de
associação. Na maioria dos casos, a associação é fluida e dependente de contexto. Altas taxas de
casamentos mistos denotam que muitas pessoas não estão certas de onde elas pertencem quando
se deparam com violência inter-étnica. Raramente

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há um só líder autorizado a falar em nome do grupo. Por outro lado, é difícil saber se, quando,
onde, em que medida, e de que maneira as crenças e medos postulados são de fato mantidos pelos
membros de tais grupos (1998: 438-43). Além disso, como já argumentei em seções precedentes,
identidades étnicas e nacionais são constituídas em processos sociais que envolvem diversas
intenções, construções de significado, e conflitos. 'Não só existem pretensões de possíveis
alianças coletivas concorrentes, existem pretensões concorrentes quanto a apenas o que qualquer
identidade étnica particular ou outra significa' (Calhoun 1997: 36). Resumindo, como analistas,
não devemos tomar estas identidades como garantidas, mas sempre investigá-las empiricamente.
A título de conclusão, devemos conceder, seguindo Handler, que 'reificação é um
problema epistemológico não facilmente vencido, pois permeia o aparato retórico e conceitual da
nossa visão de mundo científica'. Por isso podemos obter êxito em dispor de um conjunto de
conceitos reificantes das nossas análises eruditas, apenas para nos encontrarmos empregando
outras em seu lugar (1994: 27). Por outro lado, não devemos nos esquecer que 'a tendência de
dividir o mundo social em tipos intrínsecos putativamente profundamente constituídos, quase
naturais' é mero senso comum para muitas pessoas. Como analistas, devemos ser capazes de levar
em conta tal primordialismo do senso comum. Contudo, isto não significa que devemos replicá-
lo em nossas análises acadêmicas ou avaliações políticas: 'como "analistas de naturalizadores",
não precisamos ser "naturalizadores analíticos", em vez disso, precisamos romper -com categorias
vernaculares e entendimentos do senso comum' (Brubaker 2002: 166).

Reprodução, Agência e Resistência

Se nações são contingentes, heterogêneas e sujeitas a mudança, como elas poderiam


implantar-se nos corações e mentes de milhões de pessoas ao redor do mundo? Em outras
palavras, como pessoas se tornam nacionais?
A resposta repousa na reprodução das identidades nacionais através das instituições do
Estado e na vida cotidiana. A nação, como vimos, tende a se apresentar como um inteiro
homogêneo, orgânico dentro do qual há unidade de perspectiva e propósito. Entretanto, a nação
é algo que deve ser construído em

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face de séria resistência mesmo entre supostos 'insiders' (Kaiser 2001: 329). Além disso, este
processo não termina uma vez que o Estado-nação é estabelecido. A magia se exaure, como
Durkheim nos contou há muito tempo atrás, e a nação deve constituir-se repetidamente (Marvin
e Ingle 1999: 248). Portanto, nas palavras de Balibar:

Uma formação social apenas reproduz-se como uma nação na medida que, através
de uma rede de aparatos e práticas diárias, o indivíduo é instituído como homo
nationalis do berço ao túmulo, ao mesmo tempo que ele(a) é instituído como homo
economicus, politicus, religiosus... (1990: 345)
Há duas formas de reprodução: institucional e informal. A esse respeito, reprodução pode
ser vista como o resultado de uma interação entre agência e estrutura, ou entre caminhos
individuais e projetos coletivos-institucionais (veja também Kaiser 2001). Conforme Appadurai
coloca, 'o Estado-nação cria uma vasta rede de técnicas formais e informais para a nacionalização
de todo espaço considerado sob sua autoridade soberana', através de aparatos tão diversos como
museus e dispensários de povoado, Correios e delegacias de polícia, pedágios e cabines
telefônicas (1995: 189).
As instituições (privadas ou públicas) através das quais o Estado-nação reproduz-se
incluem a família, escolas, o ambiente de trabalho, a mídia e o exército. De acordo com Balibar,
o casal família-escola é particularmente importante neste contexto uma vez que eles juntos
constituem o aparato ideológico dominante nas sociedades atuais, que é refletida em sua crescente
interdependência e em sua tendência em dividir o tempo devotado ao treinamento de indivíduos
entre si. Neste contexto, Balibar nota, a escola também ser o principal local de inculcação da
ideologia nacionalista é um fenômeno secundário. A importância da escolarização repousa no seu
papel na produção da nação como uma comunidade linguística. O que é decisivo aqui 'não é
apenas que a linguagem nacional deve ser reconhecida como a linguagem oficial, mas, muito mais
fundamentalmente, que ela deva ser capaz de aparecer como o próprio elemento da vida de um
povo' (1990: 351-7).
A reprodução não é limitada às instituições do Estado, contudo. O nacional também é
constituído e reproduzido nos voláteis cenários da vida cotidiana. Conforme Billig nos relembra
em seu inovador estudo do 'nacionalismo banal', os símbolos da nacionalidade

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não desaparecem da vista uma vez que o Estado-nação é estabelecido, mas é absorvido no
ambiente da recém-criada terra pátria. Eles providenciam um fundo contínuo para discursos
políticos, para produtos culturais, e até para a estruturação de jornais. 'De tantas pequenas
maneiras, os cidadãos são diariamente relembrados de seu lugar nacional em um mundo de
nações. Entretanto, esta lembrança é tão familiar, tão contínua, que não é conscientemente
registrada como lembrança'. Desta forma, o que é 'nosso' é apresentado como se fosse o mundo
objetivo. 'A terra pátria é feita tanto presente como imperceptível ao ser apresentada como o
contexto' (1995: 8, 41,109).
Apenas nos tornamos cientes do processo de reprodução quando somos dilacerados de
nosso ambiente habitual. Consciência reflexiva, em outras palavras, resulta do rompimento. Uma
confrontação com diferentes códigos culturais pode revelar que outros agem diferentemente,
'induzindo a um elevado senso de consciência em relação ao que parecia enações do senso comum'
(Edensor 2002: 89). Como muitos autores apontaram, a experiência do exílio é crucial neste
contexto já que ela tem a habilidade de transformar o relacionamento de alguém em local de
nascimento de alguém e ajudar a desenvolver uma reflexividade crítica. Nas palavras de Benedict
Anderson, o momento 'nacionalizante' vem quando alguém é rasgado do cotidiano e encontra-se
em temeroso exílio (1998: 61; veja também Smith e West 2001).
A discussão até então parece retratar a reprodução como um processo todo-poderoso,
irreversível, sem espaço para a agência individual ou resistência. Este retrato, porém, é na melhor
das hipóteses parcial, pois o nacionalismo, como todos os projetos institucionais, tem espaço para
resistência. O 'fraco' pode opor-se remoldando as atribuições originais que os relega às margens;
eles podem desafiar as interpretações prevalentes de símbolos chave. Consequentemente, estes
pequenos atos de resistência podem levar, ao menos incrementalmente, a algum grau de mudança
na distribuição de poder mais ampla (Herzfeld 1997: 30).
Levando a possibilidade de resistência em conta, Roseberry propõe-nos a usar o conceito
Gramsciano de 'hegemonia', não para entender a complexa unidade de coerção e consentimento
em situações de dominação, conforme Gramsci originalmente pretendeu, mas para entender a
luta, ou as maneiras nas quais as palavras, imagens, símbolos, organizações e instituições das
populações subordinadas para falar sobre ou resistir à sua dominação são moldadas pelo próprio
processo de dominação:
~175~

O que a hegemonia constrói, então, não é uma ideologia compartilhada, mas um


material comum e estrutura significativa para sobreviver, falar a respeito, e agir sobre
ordens sociais caracterizadas pela dominação ... O material comum e estrutura
significativa são, em parte, discursivos, uma linguagem comum ou forma de falar
sobre relacionamentos sociais que define os termos centrais em torno dos quais e em
termos de qual contestação e luta pode ocorrer. (1996: 80)

A imagem de 'hegemonia' que Roseberry retrata encaixa-se perfeitamente com a forma


que o nacionalismo é conceitualizado neste livro, e nos permite entender tanto o processo de
reprodução do nacionalismo e como (e até que ponto) este pode ser resistido. Quando uma
estrutura discursiva comum alcança hegemonia, certas formas de atividade são dadas aprovação
oficial, enquanto outras são declaradas ofensivas e inadmissíveis. Em tal contexto, até 'formas e
linguagens de protesto ou resistência devem adotar as formas e linguagens de dominação a fim
de ser registrada ou ouvida' (ibid.: 81). O mérito dessa concepção de hegemonia, Roseberry
argumenta, é que ela nos ajuda a desenhar um mapa mais complexo de um campo de força sobre
o qual um discurso específico reina. 'Chamando nossa atenção para pontos de ruptura, áreas onde
uma estrutura discursiva comum não pode ser alcançada, serve como um ponto de entrada para a
análise de processos de dominação'. Aplicado ao discurso do nacionalismo, nos permite vê-lo
como um 'projeto', em vez de uma 'conquista' (ibid.: 82-3).
Isto nos mostra a importância de análises a nível micro para um mais completo
entendimento do nacionalismo. As pessoas são muitas vezes os principais atores na História. Por
isso nossas histórias macro devem ser complementadas com histórias paralelas em um nível micro
(Laitin 1998: 139). Precisamos inquirir as verdadeiras experiências vividas de pessoas em
comunidades locais 'não como "isolados hipotéticos" Destacados de forças históricas e
institucionais maiores, mas como locais onde o global e o local estão entrelaçados na produção
de condições materiais e as ideologias que fazem sentido, às vezes resistem, das forças de
mudança' (Willford 2001: 23).
Implicações Teoréticas
Tendo discutido as premissas sobre as quais uma abordagem social construcionista é
baseada e algumas das questões que elas levantam, eu agora

~176~

gostaria de juntar os fios e realçar as implicações teóricas de tal análise. Antes de começar,
porém, uma palavra de cautela se faz necessária. O que eu disse até agora sobre a natureza
socialmente construída do fenômeno nacional não implica que uma simples exposição dos
processos pelos quais nações e nacionalismos se constituem 'Fará estremecer a crença dos
nacionalistas' nestes, 'mostrando-lhes a luz' por assim dizer. Conforme Suny observa, 'a
construção de identidade primordial não pode ser reduzida a um erro, uma auto enganação, ou
falsa consciência'. Antes precisamos apreciar o trabalho que o primordialismo e o essencialismo
desempenham para aqueles que são pegos em sua rede (2001b: 892).
Construindo sobre minha discussão de social construcionismo até aqui, irei sugerir que
existem quatro formas básicas de fazer isso, todas relacionadas a uma ou mais das premissas que
identifiquei acima.
Primeiro, precisamos tomar uma posição crítica quanto a tudo que tomamos como
simplesmente 'dado'. Conforme notei em minha discussão de contingência, 'objetividade não é
nada se não aquilo que é socialmente constituído, e que se tornou sedimentado ao longo do tempo'
(Norval 1999: 84, ênfase original). Postular objetividade desta maneira abre espaço para o
pensamento de desedimentação: qualquer prática sedimentada pode ser contestada politicamente,
e 'uma vez que seu caráter historicamente constituído é revelado, ela perde seu status naturalizado
como "objetivamente dado"'. Isto por sua vez nos permite desenvolver uma descrição teórica da
identificação nacional; em outras palavras, dos processos históricos, sociais, e políticos através
dos quais imagens para identificação são construídas e sustentadas, contestadas e negociadas
(ibid.: 84-6).
Em segundo lugar, precisamos descobrir quais interesses políticos estão asseguradas em
e por construções específicas da nacionalidade. Se nações não têm identidades essenciais e se elas
todas contêm grupos que têm diferentes construções da nação, então cada identidade esconde uma
relação específica de poder. Portanto precisamos decodificar os relacionamentos que criam e
sustentam identidades nacionais. Precisamos explorar como uma representação específica da
nação vem a dominar outras, quem tem a ganhar por isso e quais outros projetos são
marginalizados ou eliminados no processo.
Em terceiro lugar, precisamos distinguir consistentemente entre categorias e grupos, e
problematizar, em vez de presumir, o relacionamento entre eles. Conforme Brubaker nos lembra,
nem todos os projetos de formação de grupo têm êxito. Podemos, portanto, perguntar sobre o grau
de grupismo que uma categoria específica atinge em um cenário específico, e sobre os

~177~

processos políticos, sociais, culturais e psicológicos através dos quais categorias ficam envoltas
com grupismo.

Podemos estudar as políticas de categorias tanto de cima como de baixo. De cima,


podemos focar nas maneiras nas quais categorias são propostas, propagadas,
impostas, institucionalizadas, discursivamente articuladas, organizacionalmente
entrincheiradas, e geralmente firmadas em formas multifacetadas de
'governamentalidade'. De baixo, podemos estudar as 'micropolíticas' das categorias,
as maneiras nas quais os categorizados apropriam, internalizam, subvertem, evadem,
ou transformam as categorias que lhes são impostas. (2002: 169-70)

Essa distinção entre grupos e categorias também nos permite evitar a armadilha da
reificação. Quando começamos nossa análise com 'os romenos' e 'os húngaros' como grupos,
somos quase automaticamente levados a atribuir identidade, agência, interesses e vontade a
grupos. Quando começamos com 'romeno' e 'húngaro' como categorias, no entanto, podemos
evitar reificação e focar nos processos e relações, em vez de substâncias (ibid.: 183).
Finalmente, Brubaker contende que sensibilidade à natureza variável e contingente do
grupismo, e ao fato que altos níveis de grupismo podem ser mais o resultado de conflito que sua
causa subjacente, pode levar nossa atenção analítica aos processos através dos quais o grupismo
pode baixar:

Curvas declinantes de grupismo não foram estudadas sistematicamente, apesar de


serem tão importantes quanto, teoricamente e praticamente. Uma vez elevado a um
alto nível, grupismo não permanece lá por inércia. Se não sustentado em altos níveis
através de mecanismos sociais e cognitivos específicos, ele tenderá a declinar,
conforme interesses cotidianos reafirmam-se, através de um processo que Weber
chamou de 'rotinização'. (ibid.: 177)

Este último ponto nos traz à quarta implicação do social construcionismo, a saber a
necessidade de estudar os processos de reprodução que sustentam grupos. Nós, portanto,
precisamos no empenhar a explorar os mecanismos institucionais e discursivos sob os quais
nacionalismos são mantidos e, igualmente importante, podem ser resistidos ou desafiados.

~178~

Mapeando o Discurso do Nacionalismo

Agora é hora de introduzir o terceiro e último passo de uma abordagem social


construcionista. Conforme argumentei previamente, além das narrativas específicas das nações,
há a metanarrativa ou discurso da nação, 'o aglomerado de ideias e entendimentos que vieram a
cercar o significante "nação" em tempos modernos' (Suny 200lb: 870). Este aglomerado de ideias
possui várias dimensões que a diferenciam de outras, não nacionalistas, formas de discurso. O
objetivo das seguintes seções é identificar e explorar estas dimensões em uma tentativa de mostrar
o que distingue o nacionalismo de outros discursos políticos. Devo identificar quatro tais
dimensões abaixo: a espacial, a temporal, a simbólica e a cotidiana. Antes de prosseguirmos, no
entanto, duas qualificações devem ser feitas. Primeiro, os rótulos que escolhi para minhas
categorias são bastante genéricos, e alguns deles podem facilmente serem usados para analisar
outros discursos também. Portanto, não argumento que, digamos, a dimensão simbólica é
específica ao discurso do nacionalismo. O que diferencia o nacionalismo de outros discursos é a
'combinação' de todas as quatro dimensões, e, claro, o conteúdo temático de uma dimensão
específica. É verdade, por exemplo, que religião também tem seu próprio simbolismo. Contudo,
ela tem outras dimensões também, as quais o nacionalismo não terá, e o simbolismo da religião
será diferente do simbolismo do nacionalismo. Em segundo lugar, e isto reforça ainda mais meu
primeiro ponto, as dimensões que identifico não são mutuamente exclusivas; em vez disso elas se
sobrepõem e se cruzam a um grau significativo, por isso a necessidade de levar sua combinação
em conta.

A Dimensão Espacial

É difícil pensar em uma nação sem um território específico, uma terra pátria real ou
imaginada. Nesse sentido, o território é central à construção das identidades étnicas e nacionais.
Pode ser usado como um instrumento de classificação para diferenciar o que é nosso do que é
deles; como um meio de comunicação com marcos culturalmente importantes e fronteiras; ou
como um recipiente moldando a imaginação de grupo (YiftacheI2001: 364). Não
surpreendentemente, a Geografia atingiu o status de disciplina acadêmica em um tempo e
naqueles países apanhados no processo de construção nacional. Kaiser, evocando

~179~

MacLaughlin, argumenta que esta Geografia política centrada no estado tomou o Estado-nação
por garantido, e o considerou a unidade ideal para o avanço social. Desta forma, a Geografia
acadêmica contribuiu não intencionalmente com o processo de construção nacional, 'forneceu
justificativas racionais para um Estado-nação dominado pelo capitalismo, e auxiliou na destruição
de movimentos enfatizando a importância da autonomia social e política regionais' (MacLaughlin
1986, citado em Kaiser 2001: 321).
A reconstrução do espaço social como território nacional é então um componente
essencial do projeto de construção nacional. Vários termos foram propostos para cobrir este
processo, tais como 'socialização territorial' ou 'institucionalização territorial', devo adotar o termo
de Kaiser aqui e me referir a este processo como 'territorialização nacional do espaço'. Conforme
Kaiser nota, nacionalistas empregam uma variedade de técnicas para aumentar a consciência
territorial. A principal dentre estas é a cartografia. Mapas delimitando as fronteiras de pátrias
históricas e a extensão geográfica da comunidade futura, com sítios de importância simbólica bem
marcadas, e frequentemente com texto na linguagem nacional, tudo conspira para criar uma
poderosa ferramenta para imaginar Estados. Além disso, as fronteiras da terra pátria histórica
foram 'logotipadas' e reproduzidas em selos, bandeiras, e cartazes e em livros didáticos para
inculcar a imagem da terra pátria nas mentes da população a ser nacionalizada, bem como para o
mundo exterior. 'Junto com representações cartográficas, aqueles engajados em projetos de
territorialização nacional frequentemente também personificaram a terra pátria com a invenção
de personagens estereotipados masculinos ou femininos' (Kaiser 2001: 324). Kaiser também
chama nossa atenção para o papel de poetas, escritores e artistas que sempre foram agentes
importantes em projetos de territorialização nacional através de obras prestando homenagem às
terras pátrias sendo construídas. Em tais obras, 'é frequentemente o caso que uma paisagem
específica capaz de evocar sentimentos nostálgicos sobre a terra e o passado seja escolhida como
a representação simbólica da terra pátria em sua totalidade'. Finalmente,
a territorialização nacional ... envolve a seleção e comemoração de figuras históricas,
eventos e locais específicos, o que ajuda a fundamentar a ficção da nação e pátria em
lugares e épocas específicos. Monumentos na paisagem ajudam a projetar uma
imagem de permanência na nação e seu relacionamento

~180~

com a terra, e assim reforça as imagens de primordialismo e 'enraizamento'. (ibid.)

O Estado desempenha um papel fundamental em tudo isso. Ele usa as várias instituições
à sua disposição para instilar a noção de 'uma nação, um território'. Tais políticas são
implementadas principalmente através da educação nacional, onde crianças são ensinadas a
História e Geografia da nação de um modo que demonstra a 'eterna' e 'imutável' existência de uma
terra pátria. Outros programas governamentais, tais como o estabelecimento de museus, a
construção de estradas, a nomeação de locais e regiões, e a produção de mapas e planos, tudo
ajuda o povo a 'imaginar' e 'construir' o Estado como sua pátria natural (Yiftachel 2001: 368-9).
Não seria um exagero dizer que o projeto de territorialização nacional tem sido um
enorme sucesso. Na 'ordem nacional de coisas' de hoje, a ligação entre identidade e lugar é
amplamente 'naturalizada'. Uma pessoa indo para o exílio frequentemente leva um punhado do
solo nativo com ela; um heroi nacional que retorna ou político beija o chão ao colocar o pé
novamente no 'solo nacional'. Similarmente, as cinzas ou corpos de pessoas que morreram em
solo estrangeiro são transportados de volta para suas 'pátrias': 'na morte, também, solos nativos
ou nacionais são importantes' (Malkki 1996: 437).
Em sua convincente dissertação sobre a territorialização da identidade nacional, Malkki
também chama nossa atenção para a medida em que as ligações entre povo e lugar são concebidas
em metáforas especificamente botânicas. Portanto pessoas são muitas vezes são pensadas, e
tendem a pensar de si mesmos, como sendo enraizadas no lugar e derivando sua identidade desse
enraizamento. As raízes em questão, Malkki acrescenta, não são qualquer tipo de raiz; muitas
vezes elas são arborescentes em forma. Não surpreendentemente, nações e identidades nacionais
também são conceitualizadas em termos de raízes, árvores, origens, antepassados, linhas raciais,
evoluções, desenvolvimentos, ou outras imagens familiares, essencializantes. O que todos estes
compartilham, Malkki argumenta, é uma forma de pensamento genealógico, que é peculiarmente
arborescente (ibid.: 437-8).
De acordo com Malkki, esta fascinação com raízes leva a um sedentarismo peculiar em
nosso pensamento. Este sedentarismo é quase invisível por ser amplamente tomado por garantido.
Além do mais, este sedentarismo não é inerte: 'ele ativamente territorializa nossas identidades,
sejam elas culturais ou nacionais ... Ele também permite diretamente uma visão de deslocamento
territorial

~181~

como patológica - a patologização do desenraizamento na ordem nacional de coisas' (ibid.: 441-


2).
A dimensão espacial é crucial para o funcionamento do discurso nacionalista em dois
aspectos. O primeiro é simbólico. Locais específicos são selecionadas pelo discurso nacionalista
ou para prover evidência de um passado glorioso, ou uma 'era de ouro' ou para comemorar
episódios importantes na história da nação (Edensor 2002: 45). Estes sagrados locais nacionais
muitas vezes correspondem a valores e histórias do grupo dominante e são, portanto, imbuídas
com simbolismo que reproduz a identidade e a posição privilegiada da cultura étnica dominante
(Yiftachel 2001: 370). Há também locais nacionalmente populares de reunião e congregação.
Estes são lugares aonde grandes números de pessoas se reúnem para executar atividades comunais
como manifestações, festivais e assim por diante como a Times Square em Nova Iorque e a
Trafalgar Square em Londres. 'Em contraste com os espaços de poder estatal bastante purificados,
de propósito único, estes são domínios mais inclusivos que permitem a atuação da diversidade
cultural' (Edensor 2002: 48).
É necessário notar neste momento que a seleção de uma paisagem simbólica e a escolha
de figuras, eventos e locais históricos para se comemorar são raramente incontestados. Nas
palavras de Kaiser:

.. . a construção nacional do espaço social é um processo repleto de conflitos visto


que várias vozes nacionalistas competem para ter sua imagem de pátria e nação
predominando ... Esta contestação não acaba com a criação de um local
comemorativo ou a seleção de uma paisagem simbólica, uma vez que cada é
reinterpretada para se adequar a interesses nacionalistas concorrentes e necessidades
percebidas em diferentes pontos no tempo ... Visto desta maneira, a territorialização
nacional deve ser vista como um processo dinâmico, contingente e contencioso, em
vez de um projeto internamente harmonioso que coloca em prática um conjunto
universalmente aceito de imagens e percepções sobre a nação e pátria sendo feita.
(2001: 325)

A segunda maneira na qual a dimensão espacial contribui para o funcionamento do


discurso nacionalista é mais mundano, por isso menos visível. Isto interessa à absorção de
localidades familiares na nação. A impressão semiótica de recursos familiares constitui um senso
de estar no lugar, ou em casa, na maioria dos locais dentro da nação (Edensor 2002: 51). De
acordo com Edensor, estas fixações

~182~

não são apenas lidas como sinais, mas são sentidos de uma maneira não reflexiva - a abundância
do cotidiano, significantes mundanos que não estão presentes quando vamos ao exterior. Estes
recursos vernaculares estão embutidos em contextos locais, mas recorrem por toda a nação como
recursos seriais. O ponto mais importante sobre estes recursos, Edensor argumenta, é que eles
costuram o local e o nacional juntos através de sua reprodução serial através da nação. Alguns
destes recursos, por outro lado, são mais abertamente celebrados como símbolos cotidianos de
identidade nacional por exemplo, pubs como ícones nacionais (ibid.: 51-2).
Resumindo, o território desempenha um papel vital em distinguir o Estado-nação
moderno de formas anteriores de vida social coletiva e governança. Todo o resto que é invocado
como vital ao Estado-nação, Appadurai corretamente nos lembra, é um princípio de apego que o
Estado-nação partilha com outras formas sociopolíticas. Sangue, raça, linguagem, História,
cultura, 'todos têm expressões prenacionais e aplicações não-nacionais. Podem ser usados para
justificar, extender ou inculcar amor à nação, mas eles não são distintivos da forma nacional'. Sem
alguma ideia de soberania territorial - e aqui pode-se acrescentar a ideia de uma 'terra pátria' - o
Estado-nação moderno perde toda coerência (2000: 135).

A Dimensão Temporal

Conforme Hobsbawm observou uma vez, nações sem um passado são contradições em
termos. 'O que faz uma nação é o passado; o que justifica uma nação diante outras é o passado e
os historiadores são as pessoas que o produzem' (1996: 255). Contudo há algo peculiar sobre este
passado. No que diz respeito ao nacionalismo, a questão de uma verdadeira história está fora do
ponto. Histórias nacionais santificam como real não é o que é verídico, mas o que é sentido como
unificador da comunidade. Portanto o que quer que funcione para a comunidade é selecionado do
passado e apresentado como 'fato' fora das relações do tempo e espaço. Nas palavras de Marvin e
Ingle, este é o processo de ressignificação, ou 'ajustar estrategicamente o passado' (Marvin e Ingle
1999: 155; veja também Allan e Thompson 1999).
Por outro lado, há um complexo relacionamento entre o passado e o presente. A
construção da história nacional geralmente reflete preocupações atuais e crenças sobre o passado.
Nesse
~183~

sentido, o processo de seleção é ecoico, não linear: 'o presente deve ouvir-se no que é selecionado
do passado' (Marvin e Ingle 1999: 152), Portanto:

[l]onge de estar 'atrás' do presente de algum modo, o passado existe como uma
presença realizada no entendimento público. Neste sentido é escrito na presente
realidade social, não só implicitamente como um resíduo, precedente ou costume e
prática, mas explicitamente como si mesmo como História, Patrimônio Nacional e
tradição. Qualquer tentativa de desenvolver e afirmar uma consciência histórica
crítica irá encontrar-se em negociação se não em conflito aberto com este
entendimento público estabelecido do 'passado'. É, portanto, importante entender o
que é que funciona como 'passado' e distingui-lo da história. (Wright 1984, citado
em Allan e Thompson 1999: 39)

É aqui que entra a questão da 'autenticidade'. O entendimento público do passado que


Wright fala a respeito o apresenta como 'autêntico', isto é, a única versão verdadeira. Isto não é
surpreendente uma vez nacionalistas são inclinados a produzir histórias 'Whig', isto é, relatos
favoráveis de 'como viemos a ser o que somos'. Conforme Calhoun indica, o objetivo é não apenas
que tal história não seja neutra. Pela sua natureza, a historiografia nacionalista - aquela que conta
a história da nação - incorpora atores e eventos na história da nação independente se tiveram ou
não qualquer concepção daquela nação (1997: 51). Podemos facilmente desmascarar estas
afirmações uma vez que vemos o passado fornecendo um legado de tradições e símbolos para
indivíduos e grupos, e não como uma herança fixa. Os significados de eventos podem ser
reconfirmados ou reinterpretados. A temporização de incidentes ou outros elementos de tempos
passados podem ser alterados ou dados um novo significado; até o ordenamento da cronologia de
partes do passado de um indivíduo ou grupo pode ser remarcado' (Roberts 1999: 201).
Resumindo, nações não têm uma história só: há narrativas competindo para serem contadas.
Diferentes facções, classes, religiões, regiões, gêneros ou etnias sempre lutam pelo poder de falar
pela nação, e apresentar sua voz particular como a voz da nação inteira, definindo a história de
outras subseções adequadamente. Em outras palavras, a voz da nação' é uma ficção. 'Histórias
nacionais estão continuamente sendo reescritas, e a reescrita reflete os atuais balanços de
hegemonia' (Billig 1995: 71).
~184~
Uma vez que aceitamos isto, podemos começar a questionar como concepções específicas
do passado vêm a ser aceitas como autênticas, como certos costumes, símbolos ou rituais estão
sendo invocados para 'desconsiderar' configurações alternativas do passado. Isto por sua vez
aumenta nossa sensibilidade ao fato que 'o que é selecionado para se lembrado é parcialmente
determinado pelo o que é escolhido para ser esquecido, aquilo que é pra ser dispensado como
"inapropriado'" (Allan e Thompson 1999: 42).
Lembrar é então fundamental para a identidade da nação. O significado de qualquer
identidade de grupo, isto é, um senso de uniformidade ao longo do tempo e espaço, é sustentado
pelo lembrar (Gillis 1994: 3). De acordo com Gillis, a memória popular difere da memória de
elite de maneiras importantes. Enquanto a memória de elite tenta criar um relato consecutivo de
tudo que aconteceu de um ponto específico no passado, a memória popular não faz esforço para
preencher todos os espaços em branco.

Se o tempo da elite marchou numa maneira mais ou menos linear, o tempo popular
dançou e pulou. O tempo da elite colonizou e ajudou a construir as fronteiras de
territórios que viemos a chamar nações. Mas o tempo popular era mais local bem
como episódico ... Não era um tempo que podia ser contido dentro de fronteiras fixas.
Ele foi medido não de começos, mas de centros ... Contentes em viver em um
presente que continha tanto o passado como o futuro, pessoas comuns não se
sentiram obrigados a investir em arquivos, monumentos, e outros locais permanentes
da memória, mas sim confiaram na memória viva. (ibid.: 6)
Gillis argumenta que a recente proliferação de aniversários, serviços memoriais e
celebrações étnicas sugere que lembrar tornou-se mais democrático. Hoje, estamos mais
propensos a fazer nosso 'trabalho de memória' em tempos e lugares da nossa escolha. Todos são
agora seus próprios historiadores, o que por sua vez significa que a vida não pode mais ser vivida
sequencialmente ao longo de uma única linha temporal. Resumindo, apesar de pessoas comuns
estarem mais interessadas e saberem mais sobre seus passados do que nunca, seu conhecimento
não está mais confinado a quadros de tempo compulsórios e espaços da velha historiografia
nacional (ibid.: 14-17).
A dimensão temporal também se desenrola na intrincada ligação entre os mortos, os vivos
e o por nascer. Esta ligação é fundamental à afirmação do nacionalismo à continuidade e
regeneração. A

~185~

mensagem que os mitos nacionais transmitem é simples: nações são imortais; elas transcendem a
contingência. A celebração da morte pela nação e a comemoração e veneração dos mortos assume
importância crítica neste contexto (Tamir 1997).
Tamir, focando no aspecto anterior, nota como a nação é dotada com um conteúdo
religioso, que torna morrer em sua defesa uma obrigação sagrada, um fim desejável, que
permitiria a uma pessoa entrar na patria eterna, num melhor, celestial mundo. Esta dimensão
religiosa também torna a morte em guerra de um ente querido em um ganho que supera a perda
pessoal (ibid.: 230).
Por outro lado, o Estado tenta superar o medo da morte retratando as mortes de patriotas
como instantâneas, graciosas e indolores ao invés de brutais e dolorosas, através de ritos
memoriais e literatura patriótica. O Estado também oferece àqueles que estão prontos a sacrificar
suas vidas em sua defesa uma série de benefícios, variando de bens materiais, status e mobilidade
social a recompensas mais abstratas tais como glória, respeito e idolatria pública. Em qualquer
caso, quando se alistam, várias pessoas esperam nunca precisar encarar o perigo e que, se
precisarem, 'o Estado cumprirá sua promessa de fazer o seu melhor para diminuir os riscos
envolvidos, vir ao seu resgate, nunca deixá-los para trás se feridos, e fazer uma troca por eles se
eles forem capturados pelo inimigo'. Por outro lado, há custos a serem incorridos por recusar-se
a lutar, variando de exclusão social até restrição de oportunidades de trabalho e desenvolvimento
de carreira (ibid.: 235-9).
O segundo mecanismo através do qual a nação assegura sua continuidade é a
comemoração e veneração dos mortos. Monumentos nacionais, serviços memoriais, funerais e
ritos de comemoração constituem locais de memória coletiva. Realizando-os, a nação afirma que
enquanto ela existir, ela mostrará gratidão a todos aqueles que lutam e sacrificam suas vidas pela
sua sobrevivência:

Ela os tornará heróis, talvez até os canonize. Os cemitérios militares, os dias


memoriais, são todas formas de honrar este juramento solene: os caídos não serão
esquecidos; eles seguirão vivendo na memória da nação. Vivemos por causa deles,
e vivendo salvamos sua memória e imbuímos sua morte com significado. (ibid.: 236)

~186~

Benedict Anderson, por outro lado, chama nossa atenção às implicações éticas da morte
pela nação. As tumbas de soldados desconhecidos tratam todos os mortos como absolutamente
equivalentes. Os nomes são despojados de todo significado sociológico substantivo. Nenhuma
classe, nenhuma religião, nenhuma idade e nenhuma política é indicada. 'Sem prioridades
também: por isso a habitual sequência alfabética de agenda telefônica' (1998: 363). Não faz
qualquer diferença se encontraram seus fins em um glorioso ou um vergonhoso campo de batalha:
O sacrifício de suas vidas é, portanto, radicalmente separado do Certo ou do Errado
histórico. Esta separação é elegantemente alcançada posicionando-os todos como
vítimas sacrificiais. A Morte Nacional, por assim dizer, pagou suas contas e limpou
seus livros morais. Os Mortos Nacionais nunca são matadores. (ibid.)

O mesmo se aplica aos membros por nascer da nação. É em nome daqueles por nascer
que somos exigidos trabalhar duro, pagar nossos impostos, e fazer outros sacrifícios a fim de
preservar patrimônios, reduzir a dívida nacional, proteger ambientes, defender fronteiras. Aqueles
por nascer também não têm qualquer feição social, e é exatamente esta pureza que garante sua
bondade, e isto os permite impor a nós obrigações. Desta maneira, Anderson conclui, 'podemos
observar como os mortos nacionais e aqueles por nascer nacionais, em seus incontáveis bilhões,
espelham um ao outro, e fornecem as melhores garantias da inerradicável Bondade da nação'
(ibid.: 362-4).

A Dimensão Simbólica

Nacionalismo, diz McClintock, é uma performance teatral de comunidade inventada. Seu


poder repousa na sua capacidade de organizar um senso de unidade coletiva através da gestão do
espetáculo de comodidade nacional em massa. A este respeito, o nacionalismo habita o reino do
fetichismo:

Mais frequentemente do que não, o nacionalismo toma forma através da visível,


organização ritual de objetos de fetiche - bandeiras, uniformes, logotipos de avião,
mapas, hinos, flores nacionais, culinárias nacionais e arquiteturas bem como através
da organização de espetáculos coletivos de fetiche - em esportes de equipe, exibições
militares, comícios

~187~

em massa, as inúmeras formas de cultura popular e assim por diante. (1996: 274)

Símbolos são aquelas imagens, objetos e atividades que são utilizadas por indivíduos e
grupos em relações sociais para alcançar objetivos através de comportamento influenciador e
controlador (Smith 2001: 521). Acima de tudo, símbolos são usados para induzir ação formando
e mantendo um sistema de crenças. Os significados associados com um símbolo não precisam ter
um relacionamento substancial para serem efetivos. 'De fato a maioria dos símbolos, mesmo
quando sancionados pela tradição, são intrinsicamente arbitrários. Além do mais, significados
atribuídos a símbolos podem ser subsequencialmente alterados, esquecidos, ou elaborados além'.
Como resultado, significados simbólicos são muitas vezes sujeitos à má interpretação, múltiplos
significados e degradação (ibid.).
Conforme Smith aponta, nenhuma sociedade conhecida operou sem o uso de símbolos:

Coletivamente, eles constituem uma importante força para a solidariedade,


transformação e renovação sociais. Símbolos realmente parecem ser necessários para
o estabelecimento da coesão social, da legitimação de instituições e da autoridade
política, e a inculcação de crenças e convenções de comportamento. (ibid.: 522)

É, portanto não surpreendente que o discurso nacionalista faça amplo uso de símbolos
para definir e justificar suas normas e valores sociais, para criar 'mapas' para atores sociais. Este
último ponto é crucial porque ideologias não apenas refletem uma consciência histórica particular
de atores sociais específicos (um modelo 'de'), eles fornecem um 'padrão' para a criação daquela
realidade (um modelo 'para') (Willford 2001: 3). Portanto quando um Estado alcança
independência através da guerra ou quando um regime existente é derrubado, velhos símbolos são
muitas vezes ritualmente destruídos, ridicularizados e proibidos; um novo conjunto de símbolos
surge em seu lugar, especialmente uma bandeira, hino nacional, 'textos sagrados', e uma imagem
do verdadeiro patriota. Novas nações também criam novas cidades Capitais e novos nomes para
o país, e às vezes até um novo calendário ou alfabeto (Smith 2001: 527).
Necessita ser notado nesta fase que a construção de símbolos nacionais, como no caso do
território ou um passado adequado, é raramente incontestada. Como resultado, o significado de
símbolos nunca é fixo ou estático. De fato, conforme alguns escritores argumentaram, eles
precisam

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ser flexíveis a fim de manter sua relevância ao longo do tempo e apelar a diversos grupos. Pois,
os símbolos que são mais efetivos são aqueles que carregam o maior número de significados
(Donnan e Wilson 1999: 75; Edensor 2002: 5).
Entre os vários símbolos nacionais, bandeiras são talvez os mais penetrantes. Há de fato
uma aura quase religiosa em torno das bandeiras, refletidas nas palavras e cerimônias associadas
com seu uso na era moderna, que é estritamente regulada pela lei e feita cumprir por severas
penalidades por 'profanação' (Smith 2001: 528; veja também Marvin e Ingle 1999: 30-1). A
bandeira é o símbolo definitivo da nacionalidade; por isso ela é presente em todas as
circunstâncias onde a nação é implicada - eleições, inaugurações, audiências, reuniões públicas,
legislaturas, em veículos de todo tipo, em escolas e igrejas, em funerais e em eventos esportivos
e festividades de feriados, em conferências e competições internacionais, e, claro, em toda forma
de atividade militar. De acordo com Smith, 'bandeiras são formas particularmente úteis de
símbolo por causa da sua adaptabilidade, o apelo de suas cores e emblemas, seu relativo baixo
custo e facilidade de fabricação, seu movimento hipnótico quando tremulando e sua visibilidade
de longa distância' (2001: 529). Como a exata origem da maioria das bandeiras é ou desconhecida
ao público geral ou relativamente obscura, elas são particularmente bem adequadas à construção
de mitos. Sua idade, criação, envolvimento em eventos históricos, e características similares
podem ser facilmente manipuladas sem a probabilidade de que a maioria das pessoas perceberá a
fraude. Deste modo bandeiras representam as características distintivas presumidas da nação, tais
como sua luta pela existência, seus recursos naturais, sua composição étnica ou religiosa. Estes
significados são comunicados aos cidadãos pela educação formal e através da sua associação com
experiências específicas e situações que reforçam a interpretação desejada do símbolo (ibid.).
A dimensão simbólica do discurso nacionalista é também visível em rituais, que podemos
definir, seguindo Kertzer, 'como comportamento simbólico que é socialmente padronizado e
repetitivo' (1988, citado em Donnan e Wilson 1999: 66). Rituais desempenham um papel crucial
na formação da identidade coletiva em qualquer sociedade. Marvin e Ingle argumentam que nos
melhores rituais, os membros sentem que a sobrevivência do grupo está em jogo. Em tais casos,
a necessidade do ritual nunca está em dúvida. 'Quanto mais incerto seu resultado ... maior a
mágica ritual que será empregada e mais transformativo será o resultado' (1999: 91).

~189~

Por outro lado, rituais fracassados produzem desunião, e quanto maior o fracasso, maior
a divisão (ibid.: 93). Rituais podem falhar porque, independentemente do quão claro e concreto
possam parecer em forma e estrutura, eles também possuem uma qualidade atemporal, abstrata e
multidimensional:

Cada um dos símbolos de um ritual pode servir para condensar vários significados
em um objeto, tal como a bandeira da nação, ou um símbolo pode ser multivocal, em
que várias diferentes mensagens são recebidas pelos participantes do ritual ...
Mistificação, então, é uma parte de vários rituais. Alguns ritos podem até ter como
um objetivo principal a desorientação de seus participantes. Tais rituais implicam
em participantes entrando num estado liminar, uma condição transitória que é
confusa, às vezes poluente e quase sempre transformativa ... Durante estes rituais os
participantes, e seus relacionamentos dentro da sua cultura, são ambíguos e em fluxo.
(Donnan e Wilson 1999: 66)
Resumindo, a dimensão simbólica do discurso nacionalista objetiva fornecer um alfabeto
para uma consciência coletiva ou subjetividade nacional, através de seus ícones tradicionais, suas
metáforas, seus heróis, seus rituais, e suas narrativas (Berlant 1991: 20). Através da dimensão
simbólica, ou o que Berlant aptamente chama de 'Simbólico Nacional', a nação aspira alcançar a
inevitabilidade do status de lei natural, um direito de nascença. Esta coleção de imagens e
narrativas mantidas comunitariamente faz o sujeito nacional ou cidadão em casa na nação.
Contudo, Berlant nos lembra, este conforto político doméstico leva a um tipo de amnésia,
conforme eventos e sinais que rompem com o significado histórico oficial da nação são excluídos
da sua versão pública. ‘O Simbólico Nacional, portanto, procura produzir uma fantasia de
integração nacional, apesar do conteúdo desta fantasia ser questão de debate cultural e
transformação histórica (ibid.: 22, 57).

A Dimensão Cotidiana

O nacional não pode ser subordinado por aquilo que é conscientemente empunhado como
simbólico, 'pois está entranhado em padrões não reflexivos da vida social, costurado na
experiência e nas suposições do

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dia a dia' (Edensor 2002: 10). A cultura nacional, em outras palavras, também está enraizada no
'trivial'. Contudo este discernimento crucial fora negligenciado até recentemente, e muito da
literatura sobre o nacionalismo preferiu focar na dimensão simbólica do nacionalismo às custas
dos hábitos rotineiros da vida cotidiana. O equilíbrio é relativamente corrigido na última década
com a publicação de uma enxurrada de estudos que tratou dos aspectos mais mundanos, 'banais'
da identidade nacional (veja por exemplo Billig 1995; Edensor 2002; Linde-Laursen 1993).
Estes estudos nos mostram que a visão de cima pra baixo da cultura, ou a ideia de cultura
construída intencionalmente pelas elites nacionais e impostadas a uma população relativamente
passiva, é seriamente enganosa. A identidade nacional é produzida, reproduzida e contestada nos
detalhes tomados-por-garantido da interação social, os hábitos e rotinas da vida cotidiana.
Conforme Berlant nota, a presença da nação na vida diária do cidadão genérico é mais latente e
inconsciente do que sua relação incidental, ocasional com símbolos nacionais, espaços, narrativas
e rituais (1991: 4). Formas cotidianas de conhecimento são raramente sujeito de reflexão
consciente, pois constituem parte do arsenal de habilidades exigidas para sustentar a vida social.
De acordo com Löfgren, é precisamente por isso que as influências mais fortes do 'nacional' são
encontradas no nível da prática cotidiana em vez de na retórica ou afirmações ideológicas. Esta
contínua homogeneização, ele argumenta, tende a produzir um forte sentimento do que ele chama
'hominess' [sentimento de estar em casa; interpretação livre]. Cruzando a fronteira, nos sentimos
em casa entre procedimentos burocráticos, hábitos de consumo, sinais de trânsito e piadas
internas. O que temos aqui é a 'territorialização da familiaridade', o que frequentemente não
precisa ser o resultado de campanhas ideológicas, e isto é o que dá ao pertencimento nacional
uma plataforma tão forte (1993: 190).
Há várias maneiras nas quais o nacional é instanciado na vida cotidiana. O nacionalismo
deixa sua marca em uma série de práticas culturais populares incluindo esportes, passatempos e
férias comuns. Ele informa as normas compartilhadas que determinam as maneiras 'apropriadas'
de se comportar, se vestir, falar, comer, e assim por diante. Por isso há maneiras apropriadas de
se comportar em espaços públicos tais como cafés, jardins, parques e bares, e espaços domésticos
como cozinhas, salas de estar e quartos:

Há, claro, estereótipos nacionais que são formados ao redor destes espaços e
atividades - italianos são 'bons amantes',

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franceses são 'excelentes cozinheiros' e ingleses têm habilidade em jardinagem ...
Tais códigos culturais não apenas reconstroem estes locais como teatros para formas
especificadas de comportamento, mas também treina corpos para adotar disposições
e ações 'de acordo' com estes foros. (Edensor 2002: 95)

Estes códigos culturais são transmitidos através de representações populares da vida


cotidiana, em novelas, revistas e outras formas de ficção popular. De acordo com Edensor, estes
mundos familiares entrincheiram tais códigos e rotinas em mundos nacionais. Além do mais, 'tão
densas são estas referências intertextuais para performances habituais, cotidianas nos mundos
fictícios da televisão e mídia, e tão repetitivas são suas enações pelos íntimos de alguém, que elas
adquirem uma força que milita contra a desconstrução' (ibid.: 92).
Até os objetos familiares da vida cotidiana carregam a marca do nacionalismo. Isto é mais
evidente em tais marcadores óbvios como selos, moedas, bandeiras, brasões, trajes ou adesivos
de carro. Então há lembranças e outros artefatos populares que são colecionados como símbolos
de outras nações por turistas.
De passagem, devemos também notar a interação entre as dimensões territorial e
cotidiana, através das quais os locais familiares da vida cotidiana tais como o pub, a praia e até o
lar, podem ser codificados e lidos em termos dos termos nacionais que eles instanciam. Por isso
Fiske, Hodge e Turner demonstram como o pub, por exemplo, exemplifica valores australianos
tradicionais de amizade igualitária, e a praia a ideia de ser um país ao ar livre, que ama se divertir
(1987, citado em Smith e West 2001: 94).
Como o Estado se relaciona com a dimensão cotidiana? Estados geralmente possuem
políticas e programas que buscam regular, definir e moldar cada faceta da vida social. Entretanto
quando vemos práticas diárias que correspondem pronunciamentos oficiais de políticas, não
devemos nos apressar à conclusão que o nacionalismo estatal domina. Conforme Wilk nota,
frequentemente as políticas de Estado meramente racionalizam o que aconteceu após o fato, ou
sequestram ou apropriam um desenvolvimento contínuo. Neste sentido, podemos talvez falar
sobre as concorrentes presenças de políticas oficiais, planejadas do nacionalismo e ideias e
práticas não oficiais, não planejadas do nacionalismo, que estão fora do alcance do Estado (1993:
296, 313-14). O vívido relato de Eriksen dos nacionalismos formal e informal em Trinidad e
Tobago, e em Maurício fornecem uma boa ilustração deste último ponto.

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O ponto de partida de Eriksen é que o nacionalismo é essencialmente um fenômeno dual


com seus loci na organização estatal formal e na sociedade civil informal (1993: 1-2). O
nacionalismo estatal, Eriksen argumenta, apenas é bem-sucedido quando é reconhecido na
sociedade civil. Mas a identidade apresentada pelas instituições do Estado nem sempre
corresponde com as experiências do povo ao qual ela é direcionada. A ideologia, nestes casos,
não se comunica com as necessidades e aspirações de parte da população, e seu simbolismo é,
portanto, impotente. Isto dá origem a outra forma de nacionalismo bem diferente do ethos
nacionalista formal, burocrático que é característico do Estado-nação moderno, mas que não
necessariamente o contradiz. Ao contrário do nacionalismo estatal, esta forma de nacionalismo
tem raízes firmes nas experiências imediatas do povo, e pode, portanto, mais facilmente contribuir
com a produção de significados compartilhados (ibid.: 6-11).
Eriksen faz mais duas observações sobre os nacionalismos formal e informal. Em
primeiro lugar, ele nota que as contradições entre os dois sistemas de valor às vezes criam dilemas
práticos para o indivíduos que levam suas vidas entre os polos. Mas estes dilemas, que parecem
insolúveis intelectualmente, não são necessariamente vistos como inerentemente destrutivos; as
pessoas tendem a dar de ombros de identificá-los como naturais (ibid.: 11-12). Em segundo lugar,
ele nos adverte que a distinção entre o nacionalismo formal e informal não podem ser reduzidos
a uma distinção entre simbolismos 'inautênticos' e 'autênticos'. O nacionalismo formal não é
menos autêntico que o nacionalismo informal, nem é menos eficiente em mobilizar ou integrar
indivíduos ideologicamente. 'Ele deve, no entanto, vincular-se a regras efetivas de transformação
a fim de que em seu simbolismo abstrato - a bandeira, para mencionar apenas um exemplo - torne-
se relevante na estruturação informal das experiências diárias' (ibid.: 18).
A distinção que Eriksen desenvolve é crucial no entendimento da interação entre o
simbólico e a dimensão cotidiana do discurso nacionalista, e o papel ambivalente do Estado.
Conforme afirma no caso dos nacionalismos formal e informal, sanções cotidianas do nacional
não necessariamente subvertem o simbolismo propagado pelo Estado e suas várias instituições.
Estas devem ser melhor consideradas como aspectos complementares de cada identidade
nacional, às vezes sobrepondo-se, outras vezes divergindo ou contradizendo.

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Em resumo, somos 'nacionais' não apenas quando saudamos nossa bandeira ou cantamos
nosso hino nacional, mas também quando votamos, assistimos o jornal das seis, acompanhamos
competições esportivas, observamos (enquanto mal percebemos) as repetidas iconografias da
paisagem e história em comerciais de TV, e absorvemos o arquivo visual de referências e citações
em filmes (Eley e Suny 1996: 29).

Este capítulo tentou explorar a contribuição que o social construcionismo pode fazer para
o nosso entendimento do nacionalismo e para mapear as dimensões do discurso nacionalista. Há
duas lições a serem recolhidas disso tudo. Primeiro, não devemos tomar nações e o nacionalismo
por garantidos ou como 'dados'; em vez disso, devemos explorar as condições históricas e sociais
sob as quais eles vieram a ser percebidos como a condição natural do nosso tempo. Segundo,
devemos nunca esquecer que a pura força do argumento não fará nações e o nacionalismo
sumirem. Devemos sempre nos lembrar que simplesmente porque algo é socialmente construído
não significa que possa ser desconstruído a vontade. Contudo, conforme Glover corretamente
observa, a propagação de um entendimento mais sofisticado da forma que o nacional se auto
imagina e narrativas são construídas podem lentamente erodir o nacionalismo acrítico (1997: 28).
O desafio a nossa frente é escrever uma história de fora da ideologia do Estado-nação. O desafio
é enorme visto que requer que historiadores enfrentem seus próprios valores éticos, e a
enormidade disso deriva do fato que estes valores foram eles próprios intimamente moldados pelo
Estado-nação (Duara 1996: 172).

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