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Luiz Carlos

Corrêa da Silva
organizador

Jorge Lima Hetzel


José Carlos Felicetti
José da Silva Moreira
José J. Camargo
Nelson Porto
coeditores
Versão impressa
desta obra: 2012

2012
e Artmed Editora SA, 2012
Capa: Pao/a Manica

Preparação de originais: Heloisa Stefan

Leitura finai:Ana Rachei Salgado e Lw:ma Janini Peixoto Neumann

Editora responsável por esta obra: A manda Munari

Gerente editorial - Biociências: Letfcia Bispo de Lima

Projeto gráfico: TIPOS design editorial

Editoração eletrônica: Techbooks

Reservados todos os direitos de publicação, em língua portuguesa, à


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IMPRESSO NO BRASIL
PRJNTED IN BRAZ/L
P738 Pneumologia (recurso eletrônico) :princípios e prática I
organizador, Luiz Carlos Corrêa da Silva ; coeditores, Jorge
Lima Hetzel ... [et ai.]. - Dados eletrônicos. - Porto Alegre:
Artmed, 2012.

Editado também como livro impresso em 2012.


ISBN 978-85-363-2675-7

1. Medicina. 2. Pneumologia. I. Corrêa da Silva, Luiz Carlos.


II. Hetzel, Jorge Lima.

CDU616.24

Catalogação na publicação: Fernanda B. Handke dos Santos - CRB 10/2107


talar Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre. Professor
Organizador do Departamento de Medicina Interna e professor orienta-
Luiz Carlos Cor rêa da Silva: Chefe do Serviço de Pneumo- dor permanente do Programa de Pós-graduação (Mestrado e
logia e pneumologista do Pavilhão Pereira Filho, ambos do Doutorado) em Ciências Pneumológicas da UFRGS.
Complexo Hospitalar Santa Casa de Misericórdia de Porto José J. Camargo: Professor de Cirurgia Thrácica da UFCS-
Alegre. Professor associado do Departamento de Med icina PA. Diretor de Cirurgia Thrácica e Diretor médico do Cen-
Interna da Faculdade de Medicina da Universidade Fede- tro de 1Iansplantes do Complexo Hospitalar Santa Casa de
ral do R io Grande do Sul (UFRGS). Professor titular de Misericórdia de Porto Alegre. Pioneiro em transplante de
Pneumologia da Facu ldade de Medicina da Universidade pulmão na América Latina. Membro titular da Academia
de Passo Fundo (UPF). Presidente da Sociedade Brasileira Nacional de Medicina.
de Pneumologia e Tísiologia (SBPT), 2000-2002. Doutor em
Nelson Porto: Radiologista do Pavilhão Pereira Filho do
Pneumologia pela UFRGS.
Complexo Hospitalar Santa Casa de Misericórdia de Porto
Alegre. Professor aposentado da UFRGS e da UFCSPA.

Coeditores
J orge Lima H etzel: Pneumologista do Pavilhão Pereira Fi- Coordenadores de Seção
lho do Complexo Hospitalar Santa Casa de Misericórdia Adalberto Spcrb Rubin: Pneumologista do Pavilhão Pereira
de Porto Alegre. Professor associado de Pneu mologia da Filho do Complexo Hospitalar Santa Casa de Misericórdia
Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre de Porto Alegre. Professor adjunto da UFCSPA. Doutor em
(UFCSPA). Diretor médico do Pavilhão Pereira Filho e do Pneumologia pela UFRGS.
Complexo Hospitalar Santa Casa de Misericórdia de Porto
Ana Luiu Moreira: Pneumologista do Pavilhão Pereira Fi-
Alegre. Doutor em Pneumologia pela UFRGS.
lho do Complexo Hospitalar Santa Casa de Misericórdia de
Jo~ Carlos Felicetti: Cirurgião torácico do Pavilhão Pereira Porto Alegre. Professora adjunta de Pneumologia da UFCS-
Filho do Complexo Hospitalar Santa Casa de Misericórdia PA. Doutora em Ciências Pneumológicas pela UFRGS.
de Porto Alegre. Professor assistente de Cirurgia Torácica da
Brun o Hocbbcgger: Radiologista do Pavilhão Pereira Filho
UFCSPA. Mestre em Pneumologia pela UFRGS.
do Complexo Hospitalar Santa Casa de Misericórdia de Por-
José da SUva Moreira: Médico clinico do Serviço de Doenças to Alegre. Professor de Radiologia da UFCSPA. Doutor em
Pulmonares do Pavilhão Pereira Filho do Complexo H ospi- Pneumologia pela UFRGS.
José da Silva Moreira: Médico cHnico do Serviço de Doen- Ana Luiza Moreira: Pneumologista do Pavilhão Pereira Fi-
ças Pulmonares do Pavilhão Pereira Filho do Complexo lho do Complexo Hospitalar Santa Casa de Misericórdia de
Hospitalar Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre. Porto Alegre. Professora adjunta de Pneumologia da UFCS-
Professor do Departamento de Medicina Interna e profes- PA. Doutora em Ciências Pneumológicas pela UFRGS.
sor orientador permanente do Programa de Pós-graduação Artbur S. Seuza Jr.: Professor livre docente e coordenador
(Mestrado e Doutorado) em Ciências Pneumológicas da de ensino da Faculdade de Medicina de São José do Rio Pre-
UFRGS. to (FAMERP).
José J. Camargo: Professor de Cirurgia 1brácica da UFCS- Artur Burlamaque: Anestesiologista do Pavilhão Pereira Fi-
PA. Diretor de Cirurgia 1brácica e Diretor médico do Cen- lho do Complexo Hospitalar Santa Casa de Misericórdia de
tro de lhlnsplantes do Complexo Hospitalar Santa Casa de Porto Alegre. Membro da equipe da Soeiedade de Aneste-
Misericórdia de Porto Alegre. Pioneiro em transplante de siologia Ltda. (SANE).
pulmão na América Latina. Membro titular da Academia
Beatriz Gebm Moraes: Pneumologista do Pavilhão Pereira
Nacional de Medicina.
Filho do Complexo Hospitalar Santa Casa de Misericórdia
Luciano Müller Corrêa da Silva: Pneumologista do Pavilhão de Porto Alegre.
Pereira Filho do Complexo Hospitalar Santa Casa de Miseri-
Bruno Hocbhegger: Radiologista do Pavilhão Pereira Filho
córdia de Porto Alegre. Mestre em Pneumologia pela UFR-
do Complexo Hospitalar Santa Casa de Misericórdia de Por-
GS. Doutorando em Pneumologia pela UFRGS.
to Alegre. Professor de Radiologia da UFCSPA. Doutor em
Paulo José Zimermann Teixeira: Pneumologista do Pavilhão Pneumologia pela UFRGS.
Pereira Filho do Complexo Hospitalar Santa Casa de Miseri- Candice Santos: Radiologista do Pavilhão Pereira Filho do
córdia de Porto Alegre. Professor adjunto do Departamento Complexo Hospitalar Santa Casa de Misericórdia de Porto
de Cliniea Médica e responsável pela disciplina de Pneu- Alegre.
mologia da UFCSPA e Coordenador do Programa de Resi-
dência em Pneumologia. Professor tüular da Universidade Carla Bicca: Psiquiatra. Thrapeuta cognitiva pelo Beck Insti-
Feevale. tute. Especialista em Dependência Qulmica pela Associação
para o Incentivo a Pesquisa em Álcool e outras Drogas (FI-
Tiago Noguchi Machuca: Cirurgião torácico do Grupo de PAD) em parceria com a Universidade Federal de São Paulo
Cirurgia Torácica do Complexo Hospitalar Santa Casa de (UNIFESP). Mestre em Ciências Médicas pela UFRGS.
Misericórdia de Porto Alegre. Cirurgião do Grupo de "frans-
plante Pulmonar, responsável pela captação pulmonar do Carla Adriane Jarczewski: Pneumologista. Coordenadora
Programa de "fransplante. Doutor em Ciências Pneumoló- do Programa Estadual de Controle da Thberculose do Rio
Grande do Sul. Mestre em Pneumologia pela UFRGS.
gicas pela UFRGS.
Carlos Alberto lglesias Salgado: Psi9uiatra. Presidente da
Associação Brasileira de Estudos do Alcool e outras Drogas
(ABEAD). Psiquiatra sênior do Instituto de Psiquiatria do
Autores Hospital Mãe de Deus de Porto Alegre. Especial.ista em De-
pendência Química pela UNIFESP. Mestre em Psiquiatria
Adalberto Sper b Rublo: Pneumologista do Pavilhão Pereira
pelaUFRGS.
Filho do Complexo Hospitalar Santa Casa de Misericórdia
de Porto Alegre. Professor adjunto da UFCSPA Doutor em Carlos Villanova: Pneumologista do Serviço de Doenças
Pneumologia pela UFRGS. Pulmonares do Complexo Hospitalar Santa Casa de Miseri-
córdia de Porto Alegre. Doutor em Medicina pela UFRGS.
Alberto J osé de Araújo: Pneumologista e sanitarista. Diretor
do Núcleo de Estudos e Tratamento do Tabagismo (NETI') Cassiano Teixeira: Professor de Qinica Médica da UFCS-
do Instituto de Doenças do Tórax (IDT) do H ospital Uni- PA Especialista em Medicina Intensiva pela Associação de
versitário Qementino Fraga Filho (HUCFF) da Universida- Medicina Intensiva Brasileira (AMIB). Doutor em Medicina
de Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Presidente da Comis- pelaUFRGS.
são de Thbagismo da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Cecflia Bitteneourt Severo: Farmacêutica-bioqulmica do
Tisiologia (SBPT). Doutor em Ciências pela Coordenação Laboratório de Micologia do Complexo Hospitalar Santa
dos Programas de Pós-graduação em Engenharia de Produ- Casa de Misericórdia de Porto Alegre. Doutora em Ciências
ção (COPPE) da UFRJ. Pneumológieas pela UFRGS.
Alessandro C. Pasqualotto: lnfectologista. Professor de Pa- Cláudia Peixôto Fogaça: Farmacêutica-bioqulmiea do Labo-
rasitologia e Micologia da UFCSPA. Diretor do Laboratório ratório Central de Análises Clinicas do Complexo Hospita-
de Biologia Molecular do Complexo Hospitalar Santa Casa lar Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre. Especialista
de Misericórdia de Porto Alegre. Pesquisador do CNPq. em Análises Qinicas .
Pós-doutor pela Universidade de Mancbester (UK).
Cristiano Feij6 Andrade: Cirurgião torácico do Hospital da
Aline Dal Pozzo Antunes: Fisioterapeuta. Acadêmica de Me- Criança Santo Antônio do Complexo Hospitalar Santa Casa
dicina da UFCSPA. de Misericórdia de Porto Alegre. Cirurgião torácico do Hos-
pital de Clinicas de Porto Alegre (HCPA). Professor do curso córdia de Porto Alegre. Coordenadora do Programa do Taba-
de pós-graduação em Ciências Pneumológicas da UFRGS. gismo 100' do Pavilhão Pereira Filho do Complexo Hospitalar
Mestre e Doutor em Pneumologia pela UFRGS. Pós-doutor Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre. Especialista em
em Cirurgia Torácica pela Universidade de Thronto, Canadá. Enfermagem em Thrapia Intensiva pela UFRGS.
Dagoberto Va noni de Godoy: Professor adjunto de Medici- Elizabelh Araúj o: Coordenadora do Núcleo de Otorrinola·
na do curso de Medicina da Universidade de Caxias do Sul ringologia do Hospital Moinhos de Vento (Unidade lguate-
(UCS), Serviço de Pneumologia do Hospital Geral de Caxias mi). Mestre em Medicina pela UFRGS.
do Sul. Especialista em Pneumologia pela SBP'I Mestre e
Elton Xavier Rosso: lnte.mista e pneumologista do Pavilhão
Doutor em Pneumologia pela UFRGS.
Pereira Filho do Complexo Hospitalar Santa Casa de Mise·
Danilo Corto:ti Berton: Pneumologista Pavilhão Pereira Fi- ricórdia de Porto Alegre.
lho do Complexo Hospitalar Santa Casa de Misericórdia de
Porto Alegre. Professor do Instituto de Ciências da Saúde Emilio Pizzicbini: Professor associado de Medicina da Uni-
da Universidade Feevale. Mestre em Ciências Pneumológi- versidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Chefe do Ser-
viço de Pneumologia do Hospital Universitário da UFSC.
cas pela UFRGS. Doutor em Ciências Pneumológicas pela
UNIFESP. Membro do Comitê Científico da Globallniciative for Asth-
ma (GINA). Coordenador do Núcleo de Pesquisa em Asma
Darcy Ribeiro Pinto Filho: Chefe do Serviço de Cirurgia To· e Inflamação das Vias Aéreas (NUPAJVA). Pesquisador do
rácica do Hospital Geral de Caxias do Sul (Fundação Uni· CNPq. Doutor em Pneumologia pela UNIFESP.
versidade de Caxias do Sul). Professor de Cirurgia Torácica
da UCS. Cirurgião torácico titular da Sociedade Brasileira Fábio Amaral Ribas: Anestesiologista do Complexo Hospi·
de Cirurgia Thrácica (SBCT). Cirurgião torácico titular do talar Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre. Corres·
Colégio Brasileiro de Cirurgia (CBC). Mestre e Doutor em ponsável pelo Centro de Ensino e Theinamento do SANE.
Pneumologia pela UFRGS. Preceptor do Programa de Residência Médica em Aneste·
siologia do Instituto de Cardiologia do Rio Grande do Sul
Dayse Carneiro Alt: Pneumologista do Pavilhão Pereira Fi- -Fundação Universitária de Cardiologia (IC-FUC). Precep-
lho do Complexo Hospitalar Santa Casa de Misericórdia de tor do Programa de Residência Médica em Anestesiologia
Porto Alegre. Médica clfnica da emergência de convênios do do Hospital Ernesto Do.meles de Porto Alegre.
Complexo Hospitalar Santa Casa de Misericórdia de Porto
Alegre. Especialista em Pneumologia pela SBPT. Mestre em Fabíola Adélia Perin: Cirurgiã Thrácica do Serviço de Ci·
Pneumologia pela UFRGS. rurgia Torácica do Pavilhão Pereira Filho e do Grupo de
lransplante de Pulmão do Hospital Dom Vicente Scherer do
Débora Rosilei Miquini de Freitas Cunha: Enfermeira. Li· Complexo Hospitalar Santa Casa de Misericórdia de Porto
der do Programa de Melhoria da Qualidade e Segurança do Alegre. Especialista em Cirurgia Thrácica pela SBCI:
Pavilhão Pereira Filho no Hospital São José do Complexo
Hospitalar Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre. Es· Fabrício Fari.as da Fontoura: Educador fisioo e fisioterapeu·
pecialista em Gerenciamento dos Serviços de Enfermagem ta. Membro da equipe multidisciplinar de reabilitação pul-
pela UFRGS. Especialista em Saúde Pública pelo Instituto monar do Pavilhão Pereira Filho do Complexo Hospitalar
Brasileiro de Pós-graduação e Extensão. Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre. Especialista em
Cinesiologia e lreinamento Flsico pela UFRGS. Mest.r ando
Dorvaldo Paulo 1àraseoni : Radiologista intervencionista do em Ciências Pneumológicas pela UFRGS.
Complexo Hospitalar Santa Casa de Misericórdia de Porto
Alegre. Especialista em Radiologia lntervencionista e An· Fabrício Piceoli Fortun a: lntensivista do Hospital Geral de
giorradiologia pela Sociedade Brasileira de Radiologia ln- Caxias do Sul. Professor assistente do Departamento de CII·
tervencionista e Cirurgia Endovascular (SoBRJCE) e pelo nica Médica da UCS. Especialista em Thrapia Intensiva pela
Conselho Federal de Medicina (CFM). AMffi. Mestre em Pneumologia pela UFRGS.
Edson Marcb lori: Professor titular de Radiologia da Univer- Fernanda Brum Spilimbergo: Pneumologista do Pavilhão
sidade Federal Fluminense (UFF). Coordenador adjunto de Pereira Filho e do Centro de Hipertensão Pulmonar, ambos
pós-graduação em Radiologia da UFRJ. do Complexo Hospitalar Santa Casa de Misericórdia de Por·
to Alegre. Mestre em Pneumologia pela UFRGS.
Eduardo Garcia: Professor adjunto de Medicina e professor
de Pedagogia Médica da UFCSPA. Coordenador médico do Fernanda Carvalho de Queiroz Mello: Professora adjunta da
Serviço de Medicina Ambulatorial do Pavilhão Pereira Filho Faculdade de Medicina da UFRJ. Coordenadora de Ensino
do Complexo Hospitalar Santa Casa de Misericórdia de Por- do IDTNFRJ. Coordenadora do Ambulatório de Tisiolo-
to Alegre. Especialista em Geriatria pelo Instituto de Geria- gia Newton Bethlem do IDT/UFRJ. Mestre e Doutora em
tria e Gerontologia da Pontifícia Universidade Católica do Pneumologia pela UFRJ.
Rio Grande do Sul (IGG/PUCRS). Doutor em Pneumologia
Fernanda Waltrick Ma rtins: Pneumologista do Hospital
pelaUFRGS.
Tereza Ramos e do Hospital Nossa Senhora dos Prazeres
Elenice Rode: Enfermeira do Ambulatório de Convênios e (LagesJSC). Professora adjunta da Faculdade de Medicina
do Serviço Auxiliar de Diagnóstioo e lratamento do Pavilhão da Universidade do Planalto Catarinense (UNIPLAC). Mes-
Pereira Filho do Complexo Hospitalar Santa Casa de Miseri· tranda em Ciências Pneumológicas pela UFRGS.
Fernando Gustavo Stclzer: Neurologista. Especialista em João Antônio Bonfadini Lima: Pneumologista Pediátrico da
Medicina do Sono pela Associação Brasileira do Sono. Es· Prefeitura Municipal de Porto Alegre. Consultor em Pneu·
pecialista em Eletroencefalografia e Polissonografia pela mologia do Hospital da Criança Santo Antônio do Comple-
Sociedade Brasileira de Neurofisiologia Clínica. Mestre em xo Hospitalar Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre.
Neurologia pela Universidade de São Paulo (USP). Doutor em Pneumologia pela UFRGS.
Fernando Rosado Spil.ki: Professor adjunto do Instituto de João Carlos Prolla: Professor titular de Medicina Interna da
Ciências da Saúde da Universidade Feevale. Doutor em Ge- UFRGS.
nética e Biologia Molecular pela Universidade Estadual de
Jorge Amilton Hoher: Intensivista e coordenador médico
Campinas (UNICAMP).
da Unidade de Terapia Intensiva (UTI) Central do Comple-
Flávio de Mattos Oliveira: Micologista do Laboratório de xo Hospitalar Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre.
Micologia do Complexo Hospitalar Santa Casa de Miseri- Professor adjunto do Departamento de Clínica Médica da
córdia de Porto Alegre. Doutor em Ciências Pneumológicas UFCSPA. Especialista em Medicina Intensiva pela AMIB.
pela UFRGS. Doutor em Pneumologia pela UFRGS.
Geraldo Resin Geyer: Patologista e gestor associado do Labo· Jorge Lima Hetzel: Pneumologista do Pavilhão Pereira Filho
ratório de Patologia do Complexo Hospitalar Santa Casa de do Complexo Hospitalar Santa Casa de Misericórdia de Por-
Misericórdia de Porto Alegre. Patologista e gestor associado to Alegre. Professor associado de Pneumologia da UFCSPA.
do Laboratório de Patologia e Citologia do Sistema de Saúde Diretor médico do Pavilhão Pereira Filho e do Complexo
Mãe de Deus. Patologista do Hospital Ernesto Dornelles. Hospitalar Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre.
Doutor em Pneumologia pela UFRGS.
Gilberto Bueno Fischer: Professor titular de Pediatria da
UFCSPA Chefe do Serviço de Pneumopediatria do Hospital José Augusto Santos Pellegrini: lntensivista. Plantonista das
da Criança Santo Antônio. UTis do Hospital Nossa Senhora da Conceição e do Pavi·
!hão Pereira Filho do Complexo Hospitalar Santa Casa de
Giscla M. B. Meyer: Cardiologista. Responsável pelo Centro
Misericórdia de Porto Alegre.
de Hipertensão Pulmonar do Complexo Hospitalar Santa
Casa de Misericórdia de Porto Alegre. José Carlos Felicdti: Cirurgião torácico do Pavilhão Pereira
Filho do Complexo Hospitalar Santa Casa de Misericórdia
Giuliano Scornavacca: Pneumologista do Pavilhão Pereira
de Porto Alegre. Professor assistente de Cirurgia Torácica da
Filho do Complexo Hospitalar Santa Casa de Misericórdia
UFCSPA. Mestre em Pneumologia pela UFRGS.
de Porto Alegre. Doutor em Pneumologia pela UFRGS.
José da Silva Moreira: Médico clínico do Serviço de Doenças
Guilherme Loureiro Fracasso: Acadêmico de Medicina da
Pulmonares do Pavilhão Pereira Filho do Complexo Hospi·
UFRGS. Interno do HCPA Estagiário do Serviço de Radio·
talar Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre. Professor
logia Intervencionista do Complexo Hospitalar Santa Casa
do Departamento de Medicina Interna e professor orienta-
de Misericórdia de Porto Alegre.
dor permanente do Programa de Pós-graduação (Mestrado e
Helena Teresinha Mocelin: Pneumologista pediátrica do Doutorado) em Ciências Pneumológicas da UFRGS.
Serviço de Pneumologia do Hospital da Criança Santo An·
José J, Camargo: Professor de Cirurgia Torácica da UFCS-
tônio. Mestre em Pediatria pela UFRGS. Doutora em Pneu-
PA. Diretor de Cirurgia Torácica e diretor médico do Cen·
mologia pela UFRGS.
tro de nansplantes do Complexo Hospitalar Santa Casa de
Iana Oliveira e Silva Ribeiro: Pneumologista. Professora Misericórdia de Porto Alegre. Pioneiro em transplante de
adjunta da Universidade Federal do Rio Grande do Norte pulmão na América Latina. Membro titular da Academia
(UFRN). Chefe da disciplina de Semiologia na UFRN. Mes- Nacional de Medicina.
tre e Doutora em Ciências Pneumológicas pela UFRGS.
José Miguel Chatkin: Professor titular de Pneumologia e Me·
ldilio Zamin Júnior: Gastrenterologista do Laboratório da dicina Interna da Faculdade de Medicina da PUCRS. Pós-dou-
Motilidade Digestiva do Complexo Hospitalar Santa Casa de tor em Pneumologia pela Universidade de Toronto, Canadá.
Misericórdia de Porto Alegre. Especialista em Endoscopia
José R. Jardim: Professor livre docente de Pneumologia da
Digestiva pela Sociedade Brasileira de Endoscopia Digestiva
UNIFESP. Diretor do Centro de Reabilitação Pulmonar do
(SOBED). Mestre e Doutor em Medicina pela UFCSPA
Lar Escola São Francisco da UNIFESP. Membro do Comitê
lima Aparecida Paschoal: Professora associada de Pneumo· de Planejamento da Assembléia de Reabilitação da Ameri-
logia do Departamento de Oínica Médica da Faculdade de can Thoracic Society.
Ciências Médicas da UNICAMP.
Josue Almeida Victorino: Pneumologista. Professor adjunto
J. Alberto Neder: Professor titular livre docente e chefe da de Medicina Intensiva da UFCSPA. Doutor em Pneumolo-
disciplina de Pneumologia da Escola Paulista de Medicina gia pela USP.
da UNIFESP. Coordenador do Setor de Função Pulmonar e
Juliessa Flor ian: Fisioterapeuta do Serviço de Reabilitação
Fisiologia Clínica do Exercício (SEFICE). Pulmonar do Complexo Hospitalar Santa Casa de Miseri·
Jamila Bellicanta Fochesatto: Pneumologista do Hospital córdia de Porto Alegre. Membro da equipe multidisciplinar
Regina de Novo Hamburgo/RS. Mestre em Pneumologia do Hospital Dom Vicente Scherer do Complexo Hospitalar
pela UFRGS. Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre. Especialista em
Cinesiologia pela UFRGS. Mestre em Ciências Pneumoló- Maria Carolina M. A. Gouveia: Especialista em Pneumolo-
gicas pela UFRGS. gia pela SBPT e pela Associação Médica Brasileira (AMB).
Klaus L. Irion: Radiologista do Liverpool and Broadgreen Especialista em Pneumologia pelo Pavilhão Pereira Filho do
University Hospital, Reino Unido. Professor honorário da Complexo Hospitalar Santa Casa de Misericórdia de Porto
Universidade de Liverpool. Fellow do Colégio Britânico de Alegre. Doutora em Pneumologia pela UFRGS.
Radiologia. Membro titular do Colégio Brasileiro de Radio- Marília Maria dos Santos Severo: Infectologista do Comple-
logia (CBR). Doutor em Pneumologia pela UFRGS. xo Hospitalar Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre.
Leonardo Gilberto Haas Signori: Residente de Pneumolo- Professora assistente de lnfectologia da UFCSPA. Coorde-
gia do Pavilhão Pereira Filho do Complexo Hospitalar Santa nadora do Ambulatório de Ensino em Doenças Infecciosas
Casa de Misericórdia de Porto Alegre. e Parasitárias da UFCSPA. Especialista em lnfectologia pela
UFCSPA. Especialista em Medicina Ttopical pela UNIFESP.
Ulian Scussel Lonz.etti: Reumatologista do Complexo Hos- Mestre em Pneumologia pela UFRGS.
pitalar Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre. Mestre
em Ciências da Saúde pela UFRGS. Marisa Pereira: Pneumologista do Pavilhão Pereira Filho do
Complexo Hospitalar Santa Casa de Misericórdia de Porto
Lilla.n Recb Pasin: Pneumologista e intemista. Médica plan- Alegre. Mestre em Pneumologia pela UFRGS.
tonista da UTI do Hospital Tacchini de Bento Gonçalves/
RS. Pneumologista do Hospital São Pedro de Garibaldi/RS. Marli Maria Knor st: Pneumologista do Serviço de Pneu-
Doutoranda em Ciências Pneumológicas pela UFRGS. mologia do HCPA. Professora associada do Departamento
de Medicina Interna e do Programa de Pós-Graduação em
Lisand ra Soldati: Psicóloga do Programa de ll-atamcnto de Ciências Pneumológicas da Faculdade de Medicina da UFR-
Thbagismo 180" do Complexo Hospitalar Santa Casa de Mi- GS.
sericórdia de Porto. Responsável pelo ll-einamento do Pro-
grama Institucional dos Vigilantes da Saúde. Psicóloga no Mavis Klaus lnbaqulles: Médica do 'Jl-abalho. Supervisa-
Centro Clínico do Hospital São Lucas da PUCRS. Especia- ra do Serviço de Atenção a Saúde e Qualidade de Vida do
lista em Ttanstomos do Controle dos Impulsos pela Alliant Complexo Hospitalar Santa Casa de Misericórdia de Porto
lntemational University (San Diego, CA). Mestre em Lin- Alegre.
gufstica {Análise do Discurso) pela Universidade Estadual Mima da Mota Machado: Médica assistente do Laboratório
de Maringá (UEM). de Motilidade Digestiva do Pavilhão Pereira Filho do Com-
Luciano Müller Corrêa da Silva: Pneumologista do Pavilhão plexo Hospita.l ar Santa Casa de Misericórdia de Porto Ale-
Pereira Filho do Complexo Hospitalar Santa Casa de Miseri- gre. Médica assistente do Laboratório de Motilidade Esofa-
córdia de Porto Alegre. Mestre em Pneumologia pela UFR- giana do Hospital São Lucas da PUCRS. Médica assistente
GS. Doutorando em Pneumologia pela UFRGS. do Serviço de Motilidade Digestiva São Lucas do Hospital
Regina de Novo Hamburgo/RS. Mestre em Ciências Pneu-
Luiz Carlos Severo: Professor associado nfvel Ill do Depar- mológicas pela UFRGS.
tamento de Medicina Interna da Faculdade de Medicina da
UFRGS. Pesquisador lB do CNPq. Moreno Calcagnollo dos Santos: Internista e intensivista.
Plantonista da UTI do Pavilhão Pereira Filho do Comple-
Manuela Cavalcanti: Pneumologista do Pavilhão Pereira Fi- xo Hospitalar Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre.
lho do Complexo Hospitalar Santa Casa de Misericórdia de Médico rotineiro da UTI do Hospital Nossa Senhora da
Porto Alegre. Doutora em Pneumologia pela UFRGS.
Conceição do Grupo Hospitalar Conceição (HNSC/GHC).
Mara Rúbia André Alves de Lima: Pneumologista. Professo- Mestrando em Ciências Médicas da UFRGS.
ra adjunta da UFCSPA Professora adjunta da Faculdade de
Nelson Porto: Radiologista do Pavilhão Pereira Filho do
Medicina da UFRGS.
Complexo Hospitalar Santa Casa de Misericórdia de Porto
Marcelo Tadday Rodrigu es: Pneumologista do Pavilhão Alegre. Professor aposentado da UFRGS e da UFCSPA.
Pereira Filho do Complexo Hospitalar Santa Casa de Mi-
Oliver A. Nascimento: Médico da disciplina de Pneumologia
sericórdia de Porto Alegre. Professor adjunto do Curso de
da UNIFESP. Vice-diretor do Centro de Reabilitação Pul-
Medicina da Universidade de Santa Cruz do Sul (UNISC).
monar do Lar Escola São Francisco da UNIFESP.
Doutor em Pneumologia pela UFRGS. Pós-Doutor em
Pneumologia pela Universidade de Thronto, Canadá Patrícia Scbwarz: lntensivista e internista. Rotineira da UTI
do Pavilhão Pereira Filho do Complexo Hospitalar Santa
Márcia C. Pucbalski: Ecocardiografista do Complexo Hos-
Casa de Misericórdia de Porto Alegre. Plantonista da UTI
pitalar Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre.
do Hospital Mãe de Deus. Especialista em Medicina Inten-
Marcia M. M. Pizzicbini: Professora de Medicina da UFSC. siva pela AMIB.
Coordenadora do Programa de Pós-graduação em Ciências
Paula Pinheiro Berto: Pneumologista e intensivista. Coor-
Médicas da UFSC. Presidente da Comissão de Asma da
denadora da UTI do Pavilhão Pereira Filho do Comple-
SBPT. Doutora em Pneumologia pela UNIFESP.
xo H ospitalar Santa Casa de Misericórdia de Porto Ale-
Marcus B. Conde: Professor associado do Instituto de Doen- gre. Intensivista do Centro de Terapia Intensiva {CTl) do
ças do Tórax da UFRJ. HCPA
Paulo Camargos: Professor titular convidado do Departamen- Robério João Lersch: Adrninistrador de Empresas. Gerente
to de Pediatria da Faculdade de Medicina da Universidade de Administração de Pessoas do Complexo Hospitalar Santa
Federal de Minas Gerais (UFMG). Professor visitante sênior Casa de Misericórdia de Porto Alegre. Especialista em Ges-
do Centro de Ciências da Saúde da Universidade Federal de tão de Pessoas pela Fundação para o Desenvolvimento de
São João del-Rei. Assistant Étranger da Faculté de Médecine Recursos Humanos.
Saint-Antoine, Université Pierre et Marie Curie (PARIS VI).
Rodrigo Moreira Bello: Radiologista do Complexo Hospita-
Paulo de Tarso Roth Oalcin: Pneumologista responsável lar Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre e do Hospi-
pelo Programa para Adultos com Fihrose Cística do HCPA tal Mãe de Deus.
Professor associado do Departamento de Medicina Interna
daUFRGS. Rossane Frizzo de Godoy: Psicóloga. Professora adjunta do
curso de Psicologia da UCS. Membro do corpo permanente
Paulo F. Guerreiro Cardoso: Professor associado visitan- do Núcleo de Pesquisa em Ciências e Artes do Movimento
te da disciplina de Cirurgia Torácica do Departamento de Humano da UCS. Mestre em Ciências do Movimento Hu-
Cardiopneumologia da Faculdade de Medicina da USP. mano pela UFRGS. Doutora em Ciências Pneumológicas
Professor associado de Cirurgia Torácica do Departamento pelaUFRGS.
de Cirurgia da UFCSPA. Mestre em Cirurgia Thrácica pela
Faculdade de Medicina da UFRJ. Doutor em Pneumologia Rute Merlo Somensi: Enfermeira. Especialista em Gestão
pela UFRGS. de Pessoas (Estratégias de Negócios) pela Fundação dos
Administradores do RS (FARS). Gerente Hospitalar do Pa-
Paulo J osé Zimermann Teixeira: Pneumologista do Pavilhão vilhão Pereira Filho e do Hospital São José do Complexo
Pereira Filho do Complexo Hospitalar Santa Casa de Miseri-
Hospitalar Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre.
córdia de Porto Alegre. Professor adjunto do Departamento
de Clinica Médica e responsável pela disciplina de Pneumo- Sadi Marcelo Schio: Coordenador clfnico do Programa de
logia da UFCSPA e coordenador do Programa de Residência Transplante Pulmonar do Complexo Hospitalar Santa Casa
em Pneumologia. Professor titular da Universidade Feevale. de Misericórdia de Porto Alegre. Especialista em Medicina
Interna pelo HCPA e em Cardiologia pelo ICFUC.
Paulo Renato Petersen Behar: Iofectologista do Controle de
Infecção Hospitalar do HNSC/GHC. Professor responsável Sandro Bertani da Silva: Radiologista do Complexo Hospi-
pela disciplina de Iofectologia da UFCSPA. Chefe do Servi- talar Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre. Membro
ço de Doenças Infecciosas e Parasitárias do Complexo Hos- titular do CBR.
pitalar Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre. Mestre
Spencer Marcantonio Camargo: Cirurgião torácico do Com-
em Microbiologia (Ciências da Saúde) pela UFRJ. Doutor
plexo Hospitalar Santa Casa de Misericórdia de Porto Ale-
em Pneumologia pela UFRGS.
gre. Mestre em Pneumologia pela UFRGS.
Paulo Roberto Goldenfum: Pneumologista e preceptor da
residência em pneumologia do Pavilhão Pereira Filho do Suzana Zelmanovitz: Pneumologista do Complexo Hospita-
Complexo Hospitalar Santa Casa de Misericórdia de Porto lar Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre.
Alegre. Especialista em Pneumologia pela SBPT. Mestre em Taiane Francieli Rehelatto: Acadêmica de Medicina da
Pneumologia pela UFRGS. UFRGS.
Renata Diniz Marques: Pneumologista do Pavilhão Pereira Tatiana Freitas Tourinho: Professora de Reumatologia da
Filho do Complexo Hospitalar Santa Casa de Misericórdia UFCSPA. Mestre e Doutora em Clinica Médica pelo curso
de Porto Alegre. Especialista em Medicina do Sono pela de pós-graduação em Clínica Médica da UFRGS.
UNIFESP. Especialista em Pneumologia pela SBPT e em
Medicina do Sono pela Associação Brasileira de Sono. Mes- Tiago Noguchi Machuca: Cirurgião torácico do Grupo de
tre em Pneumologia pela UFRGS. Cirurgia Torácica do Complexo Hospitalar Santa Casa de
Misericórdia de Porto Alegre. Cirurgião do Grupo de naus-
Rene J acobsen Eilers: Cirurgião geral e do aparelho diges- plante Pulmonar, responsável pela captação pulmonar do
tivo. Médico do Laboratório de Motilidade Digestiva do Programa de Transplante. Doutor em Ciências Pneumoló-
Complexo Hospitalar Santa Casa de Misericórdia de Porto gicas pela UFRGS.
Alegre. Mestre em Ciências Médicas pela UFSCPA. Mem-
bro titular do Colégio Brasileiro de Cirurgia Digestiva. Vera Lúcia Fauri: Enfermeira. Chefe de Enfermagem de
Ambulatório do Hospital Santa Clara do Complexo Hospi-
Ricardo de Amorim Corrêa: Professor do Departamento de talar Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre. MBA em
Clínica Médica da Universidade Federal de Minas Gerais
Gestão por Processos pela Escola Superior de Propaganda e
(UFMG). Coordenador da disciplina de Pneumologia e do
Marketing (ESPM).
Serviço de Pneumologia e Cirurgia Torácica do Hospital das
Clinicas da UFMG. Coordenador geral do Centro de Pes- Zahara Albornoz: Assistente social do Serviço de Atenção
quisas Clfnicas do Hospital das Clfnicas da UFMG. Especia- a Saúde e Qualidade de Vida do Complexo Hospitalar San-
lista em Pneumologia pela SBPT. Doutor em Medicina pelo ta Casa de Misericórdia de Porto Alegre. MBA em Gestão
Programa de Pós-graduação em Medicina 'Il'opical e lnfec- Empresarial pelo Instituto Brasileiro de Gestão de Negócios
tologia da UFMG. (IBGEN).
Poucas pessoas foram tão instigantes e tão indutoras para o desenvolvimento
de jovens pneumologistas quanto Bruno Carlos Palombini.

1bdos que passaram ou permaneceram no Pavilhão Pereira Filho, particularmente


até a década de noventa, são unânimes em afirmar que este Mestre os tutorou
ou, pelo menos, estimulou para um melhor entendimento do tríplice papel
do pneumologista ligado à vida acadêmica: Assistência, Ensino e Pesquisa.
Palombini sempre insisúu na importância de os profissionais do Pavilhão
investirem nesta verdadeira tríade acadêmico-profissional-inovadora.

Também, muito nos ensinou sobre a tosse (a "tríade"), as múltiplas interações


entre as vias aéreas superiores e inferiores (a "sinusobronquite"), as doenças pouco
conhecidas ou raras (enfisema por deficiência de alfa-1-antiprotcasc, microlitíase
alveolar pulmonar, proteinosc alveolar pulmonar, etc.), e muitos outros desafios.

Palombini ficava inquieto com o pouco que sabíamos de fisiologia e fisiopatologia


pulmonar. Thnto que fazia seminários e reuniões para estimular que se estudasse
mais e se incluísse na roúna da avaliação pneumológica a realização da espirometria.
Nosso agora qualificado Laboratório de Função Pulmonar iniciou graças a ele.

Ele insistia na importância da junção sistemática entre o pneumologista e o


otorrinolaringologista. A expressão "viaerologia" foi por ele introduzida, e os
primeiros estudos e publicações brasileiros com esta rubrica foram de sua autoria.

Este é apenas um breve relato de algumas das muitas coisas que ele fez e influenciou.

Só temos a agradecer por tudo que Palombini fez pela pneumologia c por todos
nós, parúeularmcnte em momentos importantes do nosso desenvolvimento.

Obrigado, Mestre Palombini!

Luiz Carlos Corrêa da Silva


A Pneumologia começou a tomar a forma que vemos hoje Durante os últimos anos, houve um desenvolvimento
por volta de 1950. Evidentemente, já se tinha conhecimen- colossal da mídia eletrônica, possibilitando a obtenção de
to de várias doenças respiratórias, mas não da sua etiologia, informação científica quase ao mesmo tempo em que ela
da fisiopatologia, do tratamento baseado no mecanismo e está sendo publicada. Chegou-se a admitir que a informação
da prevenção. Nestes últimos anos, a Pneumologia saiu do publicada em papel, principalmente em livros, não teria mais
empirismo e tornou-se uma ciência complexa. Falamos das espaço no mundo científico. Contudo, os anos se passaram,
interleucinas, dos mediadores inflamatórios e dos biomarca- e o que constatamos é que continuam a ser publicados tanto
dores com uma intimidade que não tínhamos até pouco tem- quanto antes. Várias são as razões de os livros continuarem
po. Naquela época, quando a Pneumologia brasileira ainda a ocupar espaço especial no mundo científico: 1) eles são o
tomava as suas primeiras formas, alguns Centros já se desta- único veículo de ensino capaz de associar os melhores espe-
cavam, mantendo uma posição de vanguarda, e já serviam de cialistas em cada área sob uma única égide; 2) cada assunto
celeiro formador de pneumologistas. pode ser extensamente apresentado e discutido pelo autor,
Dentre esses Centros de Pneumologia, há que se desta- indo desde a sua definição até o tratamento mais atual, pas-
car o Pavilhão Pereira Filho, da Santa Casa de Misericórdia sando por epidemiologia, fisiopatologia e prevenção; 3) o
de Porto Alegre. Lá se formou, no início de sua existência, autor tem a oportunidade de expor a sua experiência, enri-
uma elite da Pneumologia que veio a constituir o núcleo do quecendo sobremaneira o seu capítulo, o que não é possível
Pavilhão, onde ao longo dos anos os profissionais foram se em um artigo científico.
aperfeiçoando e ocupando os espaços nos vários rincões O novo Pneumologia: princípios e prática possui mais de
do país. Dentro dessa plêiade de grandes pneumologistas, 130 capítulos e subcapítulos, mantém os mesmos valores das
um se destacava pelo interesse em coletar informações e versões anteriores, sendo um livro abrangente e profundo,
transmiti-las para um universo muito além do Pavilhão - mas ao mesmo tempo com linguagem simples e objetiva. Do
o Dr. Luiz Carlos Corrêa da Silva. mesmo modo que as edições anteriores, expressa a experiên-
Como ele mesmo descreve, a partir de anotações de cia dos vários anos de ensino e pesquisa dos autores.
aulas e com a colaboração dos seus colegas - e eu acres- Toda vez que um livro é lançado, devemos um voto de
cento, com a sua inata liderança e seu prestígio, além do louvor ao seu autor. São horas de trabalho incessante, inú-
incansável trabalho-, em 1981, ele publicou o Compêndio meros telefonemas aos colegas coautores de capítulos, lon-
de pneumologio . Esse livro veio a ser um marco na literatura gas conversações com a companhia editora. Esta obra só foi
científica brasileira. Ao longo dos anos, o "livro do Pavi- possível devido à persistência do Luiz Carlos. Lembro-me
lhão" teve outras duas edições, e agora chegamos a uma de, em certa ocasião, ele me dizer que um dos seus livros
nova versão da obra. anteriores havia lhe tomado alguns anos de revisão devido
ao seu excessivo rigor com a uniformização do texto, com a à comunidade. Nessa sua missão de servir à classe médica e
clareza dos conteúdos e as evidências das informações. Esta de propagar as suas verdades, Luiz Carlos foi presidente de
versão não conseguiu escapar do seu rigorismo. O resultado sociedade local e nacional de Pneumologia e diretor da as-
final é um livro que, seguramente, dá imenso prazer ao seu sociação médica local, sempre elevando bandeiras, lutando
editor e permite aos leitores uma fonte segura para o apren· por seus valores.
dizado da Pneumologia. Luiz Carlos, a classe médica pneumológica mais uma vez
Esta obra servirá aos estudantes de medicina em fase te agradeoe por este desprendimento e esforço para nos aju-
final de graduação, aos residentes e especializandos e, sem dar a cresoer!
dúvida nenhuma, aos pneumologistas e médicos em geral,
bem como aos demais profissionais da saúde. Essa é a mis· José R. Jardim
são deste livro. Essa também é a missão a que o Luiz Carlos Professor de Pneumologia da
se propôs durante a sua vida, ser um educador e sempre ser- Escola Paulista de Medicina
vir à classe médica, o que, indiretamente, quer dizer servir
A fonte de informação para ter qualidade e credibilidade mas o efeito medido por resultados é o mais desejado pelo
deve fornecer conteúdos objetivos, embasados nas melho- cliente-paciente e pelos investidores no negócio da saúde.
res evidências científicas, e, acima de tudo, proporcionar Esses conceitos, simples e pragmáticos, enfatizam a
avanços para a prática profissional. O melhor aprendizado importância da história, da construção, da persistência, do
é capaz de proporcionar condições para busca interativa de investir sempre no que se acredita. E, mais, com esta linha
respostas e de soluções para antigos e novos problemas. de proceder, aumenta-se a chance de melhorar o conheci-
Para seu melhor desenvolvimento, pessoal e profissional, mento, de fazer algo importante para a sociedade e, o mais
o indivíduo deve procurar responder, ou pelo menos enten- importante, de viver melhor.
der, duas questões fundamentais para sua vida: qual sua mis- Um livro, também, para ter consistência, precisa ter his-
são? Af1JUJ4 quem ele é? A consciência de identidade pessoal tória: origem, percurso, objetivos e, acima de tudo, qualifi-
e profissional pode ter domínios variáveis, pois dependerá cação. Afinal, é escrito por pessoas! É sobre isso que vamos
da percepção de quem analisa em sucessivos momentos e, falar a seguir, para que o leitor saiba como chegamos aqui.
mais ainda, do sentimento gerado pela dinãmica de relacio- No final da década de setenta, quando começamos a
namentos. Para mim, sou o que penso que sou! Para quem ob- reunir o material que posteriormente se transformaria na 1'
serva à distância, principalmente na dimensão profissional, edição do livro Compêndio de pneumologia (1981 ), não ima-
sou o que faço. E, para pessoas do meu convívio, sou o que ginávamos que aquelas anotações de aula, após muitas mo-
percebem e, mais ainda, o que sentem em relação a mim. Esses dificações a múltiplas mãos, chegariam a ser um livro, ado-
ajuizamentos terão valor na medida da sua proporcionalida- tado por disciplinas de Pneumologia,lido por acadêmicos de
de ao mundo real. diversos cursos e por médicos e outros profissionais da saúde
Um dos maiores ensinamentos de Peter Drucker, um ex- em todo o país. O saudoso Prof. Mario Rigatto foi seu legí-
poente da administração no século XX, foi a máxima de que timo padrinho, uma vez que, sendo presidente da Fundação
"o mais importante para uma pessoa, tanto na sua configura- Byk-Procienx, a Editora, foi grande incentivador e muito au-
ção geral como ser humano quanto na sua carreira profissio- xiliou na sua construção. A ideia principal era transcrever as
nal, é ela ter sempre em mente a pergunta defmidora: pelo aulas e a experiência dos profissionais locais, particularmen-
que eu quero ser lembrado?" A imagem é o que fica! te dos professores do Pavilhão Pereira Filho (PPF), muito
Assim como o melhor critério para avaliar a qualidade especialmente de Nelson Porto e Bruno Palombini.
de um produto é a avaliação dos seus resultados, ou seja, A 2' edição (1991) teve de crescer por imposição dos
dos beneficios por ele gerados, também no setor da saúde avanços da literatura e da experiência crescente da equipe
a medida de resultados é o desfecho de maior interesse. É do PPF, dos colaboradores de outros centros e, também,
óbvio que sempre interessa a diferenciação técnica e o cará- dos leitores do nosso primeiro compêndio. Lembramos
ter humanístico dos profissionais - que são fundamentos - , que o primeiro transplante de pulmão, realizado por José
Camargo e sua equipe no Pavilhão Pereira Filho, ocorreu em e a preciosa contribuição de colegas de outros centros, pois
1989. Nesta época já se fazia fibrobroncoscopia de rotina e o aprendizado é constante e precisamos promover trocas e
estava iniciando, no nosso meio, a tomografia computadori- incorporar novos conhecimentos.
zada. Thmbém as intervenções terapêuticas particularmente Desta vez, são mais de 130 capítulos e subcapítulos sobre
na asma e na doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) os principais temas da pneumologia, com atenção especial
avançavam muito. E a especialidade da Pneumologia como para os principais temas da clínica diária. Incluíram-se, tam-
um todo alçava-se em notável desenvolvimento. bém, assuntos de cirurgia torácica, indispensáveis para a as-
O que teria sido a 3' edição, com a troca de editora, aca- sistência pneumológica.
bou recebendo o título Condutas em pneunwlogia (2001 ), em Esperamos que, neste livro, todos encontrem algo de
dois volumes. Desta feita, nosso livro se tornou um megatex- interesse tanto para formação quanto para informação.
to, diferente do compêndio original, avançou bastante pelo Que os médicos em geral tenham mais uma oportunidade
maior número de colaboradores (105) e pela ótima qualida- de consulta para melhorar a assistência de seus pacientes.
de dos conteúdos e do projeto gráfico. Que os pneumologistas possam obter informações atua-
Com as radicais modificações que aconteceram nos lizadas que ajudem na sua prática. Que os acadêmicos de
meios de comunicação na última década, achávamos que medicina disponham de um texto conciso, consistente e de
não sairia nova edição. Aliás, essa era a sensação que tivé- entendimento acessível. Que os acadêmicos e profissionais
ramos Jogo após as outras, não apenas pelo cansaço e pela de outras áreas da saúde também encontrem subsídios para
lembrança de noites insones e das muitas dificuldades ine- exercerem suas atividades de forma objetiva e qualificada.
rentes a este tipo de trabalho, mas também e, particularmen- E que os interessados em adquirir mais informações e sub-
te, pela carência de infraestrutura, no nosso meio, para esse sídios para sua educação em saúde também possam aqui
setor. Nenhuma reclamação aos colaboradores, eles sempre obter mais estímulo e conteúdos que auxiliem nas suas bus-
fizeram o que puderam! Passamos por longo período com cas e necessidades para promoção da saúde e prevenção
a sensação de que não mais haveria forças e nem estímulo das doenças.
para uma nova obra. Thlvez isso não se passe com outros, Não poderíamos deixar de fazer menção especial à Edi-
particularmente os que escrevem a duas mãos e se profis- tora desta obra. Nosso trabalho, desta vez, ficou deveras
sionalizam, mas aconteceu conosco. Para nós, médicos, tem facilitado, pois o Grupo A, através da Artmed Editora, nos
sido difícil lidar com o tempo que dispomos para nossas ati- acolheu e colocou à disposição uma estrutura que, além de
vidades profissionais e com o resultado do nosso trabalho, proporcionar as ferramentas necessárias para as tarefas dos
pois cada vez trabalhamos mais para ter retorno menor. As- autores, pelo notável desempenho e comprometimento das
sim, pouco tempo sobra para outras atividades, como a de pessoas, tornou tudo mais fácil e até prazeroso.
escrever livros. Agradecemos a participação de todos que contribuíram
Apesar desse sentímento, depois de muitos estímulos de para a realização desta obra, que só foi possível graças à sua
diversas origens, estamos publicando nova versão do que se- qualificada e abnegada colaboração.
ria a 4' edição do Compêndio de pneumologia, em formato Aos cuidadores de enfermos, a expectativa de que en-
que pretende ser objetivo, claro e observar condutas reco- contrem nesta obra os subsídios necessários para auxiliar
mendadas por diretrizes e pelas melhores evidências. Pre- mais ainda seus pacientes, e de que, na sua prática, sintam-se
tendemos não apenas repetir o caráter meramente informa- gratificados pelo desempenho do seu trabalho, muito parti-
tivo da maioria dos livros, mas, acima de tudo, transcrever cularmente se acrescentarem uma boa dose de paixão pelo
o pensamento da Escola criada por Nelson Porto, seguida que fazem e por quem fazem, pois assim atingirão a plenitu-
e ampliada por seus discípulos, com as nuanças do forte to- de da sua vocação profissional.
que pessoal de quem ajudou a construir e continua a obra.
Obviamente, não poderíamos deixar de fora a experiência Luiz Carlos Corrêa da Silva
1 A Especialidade da Pneumologia 2 Conhecimentos Básicos

1 Pneumologia: Presente e Futuro ............... 3 5 Anatomia do Tórax ......... ................... ..... 19


*Luiz Carlos Corrêa da Silva; *Paulo José Zimermann *Bruno Hochhegger
Teixeira
6 Fisiologia Respiratória ............................ 31
2 Formação do Pneumologista: *Luciano Müller Corrêa da Silva
Residência ................................................ 8
*Paulo José Zimermann Teixeira; *Luciano Müller Corrêa 1 Mecanismos de Defesa das
da Silva Vias Aéreas ............................................. 48
*Cristiano Feijó Andrade; *José da Silva Moreira
3 Pós-Graduação em Pneumologia ............ 1O
*José da Silva Moreira; *Marfi Maria Knorst 8 Semiologia das Doenças Respiratórias .... 58
• Ana Luiza Moreira; *José da Silva Moreira
4 O Hospital e os Desdobramentos
das Ações em Saúde............................... 14 9 Semiologia das Vias Aéreas Superiores ... 68
*Jorge Uma Hetzel • José da Silva Moreira; *Mara Rúbia André Alves de Uma;
*Giuliano Scornavacca

10 Exame Físico .......................................... . 74


*Ana Luiza Moreira; *Luiz Carlos Corrêa da Silva;
• José da Silva Moreira
3 Diagnóstico em Pneumologia: 23 Mediastinoscopia, Toracoscopia e
Toracotomia Mínima ............................ 188
Procedimentos não lnvasivos
*Spencer Marcantonio Camargo; • José Carlos Felicetti

11 Achados de Imagem do Tórax ................ 89 24 Esofagomanometria, pHmetria ............ 194


*Bruno Hochhegger; *Rodrigo Moreira Bello; *ldílio Zamin Junior; •Rene Jacobsen Eilers; *Paulo F.
*Nelson Porto; *Edson Marchiori; *Klaus L lrion Guerreiro Cardoso; *Mirna da Mota Machado

12 Diagnóstico Diferencial das Imagens


Torácicas Mais Frequentes .................... 1OS
*Bruno Hochhegger; *Edson Marchiori; •KJaus L lrion;
5 Tabagismo
•eandice Santos; *Nelson Porto; *Rodrigo Moreira Bello
25 Tabagismo: Doença e Grave
13 Avaliação Funcional Pulmonar.............. 114 Problema de Saúde Pública .................. 207
*Luáano Müller Corrêa da Silva; *Adalberto Sperb Rubin; *Luiz Carlos Corrêa da Silva
*Fernanda Brum Spilimbergo; *Luiz Carlos Corrêa da Silva
26 Bases Neurofuncionais do Tabagismo ... 212
13.1 Teste Cardiopulmonar de Exercício
*Dagoberto Vanoni de Godoy
{Ergoespirometria) ............................... 126
*Danilo Cortosi Berton; *José Alberto Neder 27 Aspectos Genéticos do Tabagismo........ 215
*José Miguel Chatkin
14 Polissonografia ..................................... 132
*Renata Oiniz Marques; *Fernando Gustavo Stelzer 28 Tabagismo como Fator de Risco ............ 219
•José da Silva Moreira; *Luiz Carlos Corrêa da Silva
15 O Exame do Escarro.............................. 140
• José da Silva Moreira; *Oáudia PeixOto Fogaça; 29 Tabagismo: Aspectos Psiquiátricos........ 224
*Luiz Carlos Severo; *João Carlos Prolla *Carlos Alberto lglesias Salgado; *Carla Bicca
16 Investigação de Atopia......................... 147 30 Tabagismo: Terapia
• Jorge Lima Hetzel Cognitivo-Comportamental .................. 229
17 Teste Tuberculínico ............................... 151 *Carlos Alberto lglesias Salgado; *Luiz Carlos Corrêa da
Silva; *Luciano Müller Corrêa da Silva
*Jorge Lima Hetzel
31 O Papel dos Fármacos no Tratamento
18 Óxido Nítrico ........................................ 153
do Tabagismo ....................................... 234
*Marcelo Tadday Rodrigues
• José Miguel Chatkin
19 Escarro Induzido................................... 158 32 Tratamento do Tabagismo .................... 239
*Marcelo Tadday Rodrigues
32.1 Programa de Tratamento do
Tabagismo ............................................ 239
4 Diagnóstico em Pneumologia: *Luiz Carlos Corrêa da Silva
Procedimentos lnvasivos
32.2 Tratamento em Grupo ..................... ..... 249
*Lisandra Soldati; *Eienice Rode
20 Fibrobroncoscopia................................ 165
*Paulo José Zimermann Teixeira; •spencer Marcantonio 32.3 Tratamento conforme Normas do
Camargo; • Adalberto Sperb Rubin; •José Carlos Felicetti Instituto Nacional do Câncer {INCA) ..... 252
21 Punção Pulmonar Transtorácica ............ 177 *Elton xavier Rosso

*Nelson Porto; • KJaus L lrion; *Bruno Hochhegger; 33 Programas de Controle do


*Rodrigo Moreira Bello
Tabagismo ............................................ 255
22 Toracocentese e Punção-biópsia *Luiz Carlos Corrêa da Silva
Pleural .................................................. 184
*Luiz Carlos Corrêa da Silva
33.1 Programa de Controle do Tabagismo 39.2 Diagnóstico e Tratamento da
da Irmandade da Santa Casa de Tuberculose .......................................... 317
Misericórdia de Porto Alegre ................ 258 *Marisa Pereira
*Luiz Carlos Corrêa da Silva; *Mavis Klaus lnhaquites;
*Rute Merlo Somensi; "Vera Lúcia Fauri; *Robério João 39.3 Tuberculose: Grave Problema de
Lersch; *Zahara Albornoz Saúde Pública ....................................... 322
•cana Adriane Jarczewski
33.2 Programa de Controle do Tabagismo
da Universidade Federal de Ciências 39.4 Micobacterioses Atípicas ...................... 327
da Saúde de Porto Alegre ..................... 259 *Fernanda carvalho de Queiroz Mello
*Aline DaI Pozzo Antunes; *Luiz canos Corrêa da Silva
39.5 Novos Tratamentos para Tuberculose ... 332
34 O Papel do Pediatra no Controle do *Marcus B. Conde
Tabagismo ............................................ 261
*Gilberto Bueno Fischer 40 Micoses Pulmonares ............................. 338

35 Tabagismo Passivo e Ambiente 100% 40.1 Micoses Pulmonares Primárias .............. 338
Livre de Tabaco ..................................... 264 *Cecília Bittencourt Severo; *Flávio de Mattos Oliveira;
*Luiz carlos Severo
*Luiz Carlos Corrêa da Silva; • Aline DaI Pozzo Antunes

35.1 Ambiente 100% Livre de Tabaco: o 40.2 Micoses Pulmonares Oportunísticas ..... 343
*Cecilia Bittencourt Severo; *Flávio de Mattos Oliveira;
Caso da Santa Casa de Porto Alegre ..... 269 *Luiz canos Severo
*Usandra Soldati; *Débora Rosilei Miquini de Freitas
Cunha 40.3 Aspergilose Broncopulmonar
36 Tabagismo: Onde Estamos, Alérgica ................................................ 351
*Afessandro C. Pasqualotto; *Jorge Uma Hetzel
para Onde Vamos................................. 271
*Alberto José de Araújo 41 Abscesso de Pulmão ............................. 362
*José da Silva Moreira; *Ana Luiza Moreira; *José J.
Camargo; *Paulo Roberto Goldenfum
6 Doenças e Distúrbios Pulmonares
42 Bronquiectasias .................................... 368
37 Viroses Respiratórias ............................ 281 *José da Silva Moreira; •José J. camargo; *Bruno
Hochhegger; • Spencer Marcantonio camargo
*Paulo José Zimermann Teixeira; *Fernando Rosado Spilki;
*Fernanda Waltrick Martins 43 Fibrose Cística ...................................... 377
38 Pneumonias ......................................... 290 •Paulo de Tarso Roth Dalàn

38.1 Pneumonia Adquirida na 44 Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica ... 387


Comunidade......................................... 290 44.1 Definição, Epidemiologia,
*Ricardo de Amorim Corrêa; *Paulo José Zimermann Fisiopatogenia e História Natural .......... 387
Teixeira
*Mara Rúbia André Alves de Lima
38.1.1 Pneumonia Tuberculosa ........................ 303
44.2 Fisiopatologia da Limitação ao
*José da Silva Moreira; *Jamila Bellicanta Fochesatto;
*Marisa Pereira; *Nelson Porto Exercício ............................................... 391
*Danilo Cortozi Berton
38.2 Pneumonia Adquirida no Hospital. ....... 307
*Paulo José Zimermann Teixeira; *Ricardo de Amorim 44.3 Diagnóstico .......................................... 395
Corrêa *Luciano Müller Corrêa da Silva; *Luiz canos Corrêa
da Silva
39 Micobacterioses ................................... 314
44.4 Avaliação Radiológica ........................... 401
39.1 Patogenia da Tuberculose ..................... 314 *Bruno Hochhegger; *Kiaus L lrion; •Arthur S. Souza Jr.;
*José da Silva Moreira *Edson Marchiori
44.5 Tratamento Medicamentoso................. 405 47 Pneumonias lntersticiais Difusas........... 519
*Danilo Cortozi Berton; *Paulo José Zimermann Teixeira •Adalberto Sperb Rubin; •Ana Luiza Moreira; *Geraldo
Resin Geyer
44.6 Ventilação Mecânica lnvasiva e
Não lnvasiva ......................................... 412 48 Pneumopatias por Fármacos ................ 528
• Jorge Amilton Hoher; *Cassiano Teixeira; *Paulo José *Adalberto Sperb Rubin; *Paulo Roberto Goldenfum
Zimermann Teixeira
49 Doenças Pulmonares Ocupacionais ...... 533
44.7 Reabilitação Pulmonar.......................... 415 *José da Silva Moreira; *Leonardo Gilberto Haas Signori;
*Danilo Cortozi Berton; *Paulo José Zimermann Teixeira *Marli Maria Knorst

44.8 Alternativas Cirúrgicas para o 50 Sarcoidose............................................ 545


Tratamento do Enfisema Pulmonar ...... 417 *Luiz Carlos Correa da Silva
•José J. Camargo; "í~ago Noguchi Machuca
51 Doenças Reumáticas Autoimunes ......... 552
44.9 Outras Intervenções Mecânicas ............ 434 *José da Silva Moreira; *Ana Luiza Moreira; *Lilian
*Paulo F. Guerreiro Cardoso; •Adalberto Sperb Rubin Scussel Lonzetti; *Tatiana Freitas Tourinho

44.1O DPOC: Onde Estamos, para 52 Vasculites (Angiites) Sistêmicas ............ 560
Onde Vamos ......................................... 441 *José da Silva Moreira; *Nelson Porto
*José R. Jardim; *Oiiver A. Nascimento
53 Câncer de Pulmão ................................ 565
45 Asma Brônquica ................................... 447 *José da Silva Moreira; *Geraldo Resin Geyer; *Bruno
Hochhegger; *José J. Camargo
45.1 Definição, Epidemiologia e
Fisiopatologia ....................................... 447 54 Outras Neoplasias Pulmonares ............. 584
*Emílio Pizzichini; *Marcia M. M. Pizzichini *José J. Camargo; *Nelson Porto

45.2 História Natural .................................... 455 55 Tromboembolismo Pulmonar ............... 596


*Mara Rúbia André Alves de Lima *Ana Luiza Moreira; *Lilian Rech Pasin; *Rodrigo Moreira
Betlo; •José da Silva Moreira
45.3 Diagnóstico .......................................... 457
*Luciano Müller Corrêa da Silva; *Luiz Carlos Corrêa da 56 Hipertensão Arterial Pulmonar ............. 607
Silva *Giseta Meyer; *Fernanda Brum Spilimbergo; *Márcia
Puchalski; *Bruno Hochhegger; *Sa ndro Bertani da Silva
45.4 Avaliação Radiológica ........................... 463
*Bruno Hochhegger; *Candice Santos; *Kiaus L lrion 57 Malformações Vasculares Torácicas ...... 627
*Tiago Noguchi Machuca; *José J. Camargo; *Rodrigo
45.5 Tratamento ........................................... 467 Moreira Betlo
*Luciano Müller Corrêa da Silva; *Luiz Carlos Corrêa da
Silva

45.6 Ventilação Não lnvasiva e lnvasiva 7 Doenças Pleurais


na Asma Aguda Grave .......................... 481
*Josué Almeida Victorino 58 Derrame Pleural. ................................... 635
*Luiz Carlos Corrêa da Silva; *José da Silva Moreira
45.7 Asma de Difícil Controle....................... 484
*Adalberto Sperb Rubin 59 Tratamento Cirúrgico do Derrame
Pleural Neoplásico ................................ 645
45.8 Asma na Criança .................................. 487 *Spencer Marcantonio Camargo; *Fabíola Adélia Perin
*Gilberto Bueno Fischer; *Helena Teresinha Mocetin
60 Pneumotórax........................................ 650
46 Educação em Asma e Doença *Spencer Marcantonio Camargo; •José J. Camargo
Pulmonar Obstrutiva Crônica ................ 493
*LU<iano Müller Corrêa da Silva; *Luiz Carlos Corrêa da 61 Empiema Pleural .................................. 662
Silva; *Elton Xavier Rosso •José Carlos Feticetti; *Tiago Noguchi Machuca
62 Quilotórax ............................................ 668 74 Hemoptise ............................................ 773
' José J. <:amargo; ' fablola Adélia Perin *Oorvaldo Paulo Tarasconi; ' Tiago Noguchi Machuca;
' Guilherme Loureiro Fracasso
63 Tumores da Pleura ................................ 673
' José J. <:amargo; •spencer Marcantonio Camargo
75 Pneumopatias Relacionadas à AIDS ...... 781
' Paulo Renato Petersen Behar; 'Marilia Maria dos Santos
Severo

8 Doenças Pulmonares Órfãs 76 Conduta nas Pneumopatias


Crônicas da Infância ............................. 793
64 Eosinofilias Pulmonares ........................ 689 76.1 Fibrose Cística ...................................... 793
•Jorge Lima Hetzel; 'Adalberto Sperb Rubin; 'Manuela ' Helena Teresinha Mocelin; *Gilberto Bueno Fischer
Cavalcanti
76.2 Bronquiolite Obliterante
65 linfangioliomiomatose ......................... 697
Pós-Infecciosa ....................................... 797
•Adalberto Sperb Rubin; *Suzana Zelmanovitz
•Gilberto Bueno Fischer; •Helena Teresinha Mocelin;
•Paulo Camargos
66 Granulomatose Pulmonar de
Células de Langerhans .......................... 700 76.3 Tuberculose ............................ .............. 799
•Adalberto Sperb Rubin; ' Fernanda Brum Spilimbergo •João Bonfadini Lima; •Gilberto Bueno Fischer

67 Sfndrome Hepatopulmonar .................. 703 76.4 Bronquiectasias .................................... 802


•Eduardo Garcia; • Fernanda Waltrick Martins •Gilberto Bueno Fischer; •cristiano Feijó Andrade

68 Proteinose Alveolar Pulmonar............... 709 77 Tratamento Cirúrgico de Afecções


*Adalberto Sperb Rubin; ' Beatriz Gehm Moraes Pneumológicas em Pediatria ................. 804
•José Cartos Felicetti; *Tiago Noguchi Machuca
69 Discinesia Ciliar..................................... 712
•uma Aparecida Paschoal 78 Conduta no Idoso Pneumopata ............ 813
' Eduardo Garcia; "Taiane Francieli Rebelatto

79 Sono: Normal e Patológico ................... 821


9 Interfaces da Pneumologia •Renata Oiniz Marques; ' Fernando Gustavo Stelzer

80 Exercício: Fisiologia e Avaliação ............ 835


70 Vias Aéreas Integradas ......................... 725
•oanilo Cortozi Berton; ' J. Alberto Neder
70.1 Interação entre as Vias Aéreas 81 Doença Pulmonar Avançada ................. 843
Inferiores e Superiores .......................... 725 •oagoberto Vanoni de Godoy; •Rossane Frizzo de Godoy
'Mara Rúbia André Alves de lima
82 Fisioterapia para o Paciente
70.2 Rinossinusite ........................................ 734 Pneumológico ...................................... 849
'Eiisabeth Araújo •Juliessa Florian; *Fabricio Farias da Fontoura

71 Interação entre as Vias Digestiva Alta 83 Reabilitação Pulmonar .......................... 857


e Respiratória ....................................... 741 •Paulo José Zimermann Teixeira; 'Dagoberto Vanoni de
•Paulo F. Guerreiro Cardoso; 'Mima da Mota Machado; Godoy; 'Rossane Frizzo de Godoy
•rdllio Zamin Junior; 'Rene Jacobsen Eilers
84 Assistência Multidisciplinar em
72 Tosse Crônica ........................................ 755 Pneumologia ........................................ 866
•oayse Carneiro Alt; *lana Oliveira e Silva Ribeiro; *Maria • Luciano Müller Corrêa da Silva; •Luiz Cartos Corr~a da
úrolina M. A. Gouveia; ' Carlos Villanova Silva

73 Dispneia ............................................... 764 85 O Pulmão e o Ambiente ....................... 876


•Luciano Müller Corr~ da Silva; •oanilo Cortozi Berton •Paulo José Zimermann Teixeira; •oanilo Cortozi Berton
10 Insuficiência Respiratória 11 Atualização em Cirurgia Torácica
86 Insuficiência Respiratória ...................... 885 90 Avaliação do Risco Cirúrgico e
*Paulo José Zimermann Teixeira; *Jorge Amilton Hoher; Conduta Preparatória para Cirurgia ...... 91 7
•cassiano Teixeira *Dagoberto Vanoni de Godoy; *Fabrício Piccoli Fortuna;
*Darcy Ribeiro Pinto Filho
87 Síndrome da Distrição Respiratória
do Adulto ............................................. 890 91 Anestesia em Cirurgia Torácica ............. 926
*José Augusto Santos Pellegrini; *Moreno Calcagnotto *Artur Burlamaque; *Fábio Amaral Ribas
dos Santos; *Patricia Schwarz; *Paula Pinheiro Berto
92 Tratamento da Hiperidrose ................... 936
88 Oxigenoterapia..................................... 899 *José Carlos Felicetti; *Tiago Noguchi Machuca
*Fabrício Picolli Fortuna; *Dagoberto Vanoni de Godoy
93 Nódulo Pulmonar: Estratégia
89 Princípios da Ventilação Mecânica Diagnóstica e Terapêutica ................... .. 941
lnvasiva e Não lnvasiva ......................... 904 *José J. Camargo
• cassiano Teixeira; *Jorge Amilton Hoher; *Paulo José
Zimermann Teixeira 94 Complexidades da Cirurgia da
Traqueia ............... ................................ 954
*José J. camargo; *Spencer Marcantonio camargo

95 Doenças do Mediastino ........................ 963


*José J. camargo; *Tiago Noguchi Machuca; *Bruno
Hochhegger

96 Transplante de Pulmão ................. ........ 975


*José J. camargo; *Tiago Noguchi Machuca; •sadi
Marcelo Schio; *Spencer Marcantonio Camargo

Índice .... .... ........... ... ............................. 987


LuizCarlos Corrêa da Silva
Paulo José Zimermann Teixeira
1
Os desafios Operfil do profissional universitário do século
Segundo o Massachusetts Institute o f Thchnology (MIT), 1 XXI, segundo o MIT,1 também pareceu instigante e
"os profissionais devem sempre estar preparados para as
mudanças, e até promovê-las, pois elas ocorrem cada vez
desafiador:
~ Flexlvel.
mais rápido". Em 1998, esse instituto norte-americano fez
algumas previsões para as décadas futuras, enfatizando o se- ~ Criativo.
guinte: ~ Capaz de lidar com incertezas.
~ Hábil nas relações sociais e na comunicação.
• Após 10 anos, 75% do produto interno bruto (PIB) japo- ~ Acostumado a trabalhar em grupo.
nês dependeria de produtos ainda nlio inventados. ~ Competente para assumir responsabilidades.
• Após 15 anos, 60% das profissões da época não existi- ~ Empreendedor.
riam mais. ~ Acostumado a l1dar com as diferenças (culturais e
• Após 20 anos, 90% dos processos industriais e comer- outras).
ciais seriam diferentes, a vida útil das profissões seria de ~ Acostumado com novas tecnologias.
12 anos (na época, era de 20 anos), e o conhecimento ~ Preparado para estudar durante toda a vida.
dobraria a cada 83 dias (na época, dobrava a cada dois
anos).
• Após 50 anos, a expectativa de vida seria de 120 anos. O desenvolvimento do homem e da ciência tem um curso
dinâmico; as mudanças são necessárias e acontecem mesmo
This previsões- na ocasião tidas por alguns como fantás- que as pessoas tenham dificuldades para acompanhá-las c
ticas e mesmo impossíveis - em grande parte têm sido con- adaptar-se às necessidades que implicam. A medicina, em
ftrmadas. O mundo realmente está passando por mudanças alguns setores onde a tecnologia exerce grande impacto, tem
constantes e desafiadoras. evoluído de maneira por vezes inacreditável mesmo para
quem acompanha diretamente o seu desenvolvimento. No-
vas alternativas vêm sendo disponibilizadas para situações
em que os recursos tecnológicos têm utilidade direta, citan-
do-se as próteses e os dispositivos intravasculares.
Para a definição de competência, que sempre se conside· sias serão desnecessárias à medida que as imagens pude·
rou depender mais de conhecimento ("conteúdos") e de trei- rem discriminar o nível tecidual e as dosagens bioquímicas
namento ("habilidades"), cada vez mais se verifica que tais puderem detectar e mensurar moléculas definidoras das
qualificações passaram a ser pré·requisitos, sendo a atitude doenças. Lembre·se do que aconteceu com as necropsias
("princípios morais, ética, valores e comprometimento") para o raciocínio clinico: a imaginologia tornou·as geral·
um atributo essencial. No entanto, em nosso mundo com- mente dispensáveis.
petitivo, para que a competência tenha valor real, precisa Programas de reabilitação deverão desenvolver·se e
levar à obtenção de resultados. Portanto, chegou·se a uma ser replicados para maior eficácia, propiciando aos por·
condição em que mesmo a atitude, se desatrelada de resul· tadores de doenças crônico -evolutivas condições para que
tados, não tem mais o valor intrínseco atribuído a ela até há tenham menos perdas da sua capacidade física, desde que
pouco tempo. aplicados precocemente.
Enquanto antigamente as verdades de uma geração preva·
leciam por longos períodos e só eram desmentidas ou mesmo
tomadas obsoletas após muito tempo, hoje isso acontece com
extrema rapidez, de modo que quase tudo o que se sabe pode Opneumologista
ser expandido, contestado ou mesmo superado em um curto Ante as demandas do mundo moderno, para preencher suas
espaço de tempo. A visão de empresas modernas é de sempre necessidades de desenvolvimento e atualização, o pneumo-
estarem se preparando para serem "organizações feitas para logista precisa contar com um conjunto de recursos:
mudar", sob pena de serem suplantadas e perecerem ante as
demandas e a concorrência, que não para de mudar e crescer. • Diretrizes: as sociedades de pneumologia devem manter
Isso diz muito sobre como os profissionais, individualmente disponível para os especialistas um conjunto de diretrizes
ou agrupados, devem planejar e organizar seu trabalho e seus atualizáveis periodicamente. Essas constituem normas e
setores de atuação: qualificar·se da melhor maneira possível, condutas dirigidas para os problemas mais prevalentes,
ser muito eficientes na obtenção de resultados, e ter sempre o aconselhadas por um grupo de especialistas e preferen·
olhar nas oportunidades e no futuro.2 cialmente baseadas em evidências, de maneira isenta
e sem a interveniência de partes com interesse apenas
econômico. Isso poupa o médico de fazer buscas por
~ ATENÇÃO conta própria, o que sempre é mais difícil, desgastante
e exigente quanto às escolhas. Os setores fiscalizadores,
Os avanços do conhecimento e da tecnologia tor· particularmente os conselhos de medicina e os planos de
nam os "chavões" antecipadamente inviabilizados. saúde, ao analisarem posicionamentos éticos, condutas e
Tudo precisa ser considerado em modificação per· indicações terapêuticas, devem ter como referência tais
manente. diretrizes. Da mesma forma, todas as atividades descritas
adiante também devem seguir essa linha.
• Cursos de atualização sobre temas da especialidade, pre-
senciais e à distância.
• Comunicação de informações recentes e de relevância
Os avanços para sua prática por meio da internet.
Um dos maiores sonhos dos médicos, particularmente dos • Congressos e outras modalidades de encontros cientificas
pneumologistas e dos cirurgiões torácicos até a década de para ampliação de conhecimento e troca de informações.
1970, o transplante de pulmão, tornou·se realidade a partir
de 1980, criando.se um novo paradigma. No futuro próximo, As associações e sociedades de medicina, particularmen·
os transplantes deverão tomar·se uma intervenção disponí· te de pneumologia, também devem representar e defender o
vel para todos, de provisão individual, podendo ser utiliza· trabalho do pneumologista junto aos órgãos governamentais
dos como fonte órgãos sintéticos ou de animais especialmen- reguladores, aos compradores de serviços e aos parceiros
te criados para esse fim. habituais, como é o caso das indústrias farmacêuticas e de
A genética, que hoje nos faz sonhar e imaginar como equipamentos; promover encontros para debates e busca de
será o mundo quando dominarmos nosso código da vida, soluções para os problemas maiores intervenientes na prá·
deverá possibilitar condições para resolvermos muitos pro· tica da pneumologia; e ter uma visão coletiva e tudo fazer
blemas até aqui sem solução. para que o conjunto da especialidade evolua com qualidade,
A detecção de problemas pulmonares em fase precoce, e que os outros setores da medicina e a comunidade em ge-
ou mesmo antes do seu início, permitirá sua prevenção pri· ral tenham o máximo respeito pelos especialistas do setor
mária ou, pelo menos, a redução do tempo de doença e suas respiratório.
sequelas. Em um futuro próximo, haverá muitas mudanças signifi-
Imagens pulmonares serão obtidas por método mais cativas no que diz respeito à eficácia da assistência pneumo-
simples e menos oneroso, disponível também nas clínicas. lógica. Sem dúvida, a sólida formação dos especialistas e sua
Endoscopias poderão ser realizadas por equipamentos abnegação profissional, aliadas a seu melhor aparelhamen·
mais simples e também fora do ambiente hospitalar. Bióp- to, serão sempre fundamentais, bem como uma qualificação
necessária para seu melhor desempenho. Além do tradi-
cional estetoscópio, o pneumologista precisa ter em mãos
As doenças
equipamentos simples como oxímetro não invasivo, espirô- Asma
metro fibrobroncoscópio e, se possível, instrumentos para
A asma é hoje uma doença segmentada por fenótipos que
exam~ da via aérea superior. Um bom suporte de imagem permitem melhor compreensão de dados clínicos e de mar-
sempre será necessário, devendo haver um contato fácil e
cadores inflamatórios, oportunizando uma melhor escolha
direto com o radiologista. Para procedimentos de investiga-
das intervenções. Assim, conta com um contingente de re-
ção diagnóstica c tratamento cirúrgico, deve haver proximi-
cursos que possibilitam seu controle na maioria dos casos,
dade com o cirurgião torácico. A intcrdisciplinaridade com
desde que seja seguido um protocolo e se consiga a adesão
outros especialistas será cada vez mais necessária, uma vez
do paciente.
que o contingente de pacientes graves tende a crescer e as
O uso contínuo da associação de beta-agonista de longa
intervenções se diversificam.
ação com corticoide, ambos inalatórios, sem. d~vida é o P.rin·
A postura do pneumologista do futuro deverá fortalecer
cipal tratamento de manutenção para a matona dos paCien-
seu papel tanto na intimidade da sua clín.ica quanto na co-
tes. O uso de corticoide ativado apenas no local de interesse
munidade em que vive, e os recursos do seu trabalho deve- acrescentou qualidade a este grupo farmacológico. Antileu-
rão ser muito mais eficazes: cotrieno e anti-lgE constituem recursos adicionais disponíveis
aos pacientes para serem usados conforme as necessidades
• No setor do tabagismo, o pneumologista exercerá lideran- dos casos individuais. Há também a possibilidade de utiliza-
ça na defesa da saúde dos cidadãos mediante ações de im- ção de medicações de uso contfnuo apenas uma vez ao dia.
pacto na comunidade para prevenção, proteção c desen- A melhor compreensão de fatores paralelos que podem
volvimento de programas de tratamento para os fumantes. interferir na exacerbação da inflamação da mucosa brôn·
• No que se refere à poluição ambiental, atuará de manei- quica, como o refluxo gastresofágico e as alterações das vias
ra a desenvolver o conhecimento e implantar medidas de aéreas superiores, dentre tantos outros que ainda estão em
proteção ambiental que protejam a qualidade do ar e a estudo, acrescentou novas alternativas e abriu novos hori·
saúde respiratória. zontes que poderão levar ao melhor controle da doença em
• No manejo de doenças crônicas, buscará recursos de determinadas situações.
maior impacto para a qua]jficação e a continuidade da A intervenção em fatores ou locais fundamentais para o
assistência dos seus pacientes. mecanismo da asma, como é o caso dos métodos terapêuti-
• No manejo das doenças agudas e graves, estabelecerá cos endoscópioos (p. ex., a tennoplastia brônquica), também
uma grande interface com a terapia intensiva, uma vez poderá se constituir em precioso recurso para pacientes com
que a maioria dos pacientes em tais unidades é ~rta­ doença de difícil controle.
dora de doença respiratória primária ou secundána. O Futuramente, espera-se que novas intervenções propor-
suporte ventilatório invasivo e não invasivo deve perma- cionem não apenas o controle clínico total da asma, mas
necer no campo de atuação do pneumologista. também uma redução mais eficaz da hiper-reatividade das
• No manejo de pacientes com doenças graves e progress~­ vias aéreas e da tendência genética que faz da asma uma
vas, terá melhor qualificação de recursos humanos, equt- doença crônica, ainda sem cura e, por vezes, difícil de con-
pamentos c medicamentos para a assistência domici)jar. trolar.
Com isso, profissionais e pacientes terão maior autono-
mia e menor dependência dos hospitais.
• Na prevenção de infecções, promoverá o amplo uso de Doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC)
vacinas e, por meios educativos, evitará sua transmissão. Para a DPOC, da mesma forma que para a asma, pode-se
traçar um paralelo quanto às grandes conquistas das últimas
décadas, como é o caso dos notáveis avanços dos fármacos
broncodilatadores e anti-inflamatórios.
Os anticolinérgicos de ação prolongada têm sido um
grande diferencial para melhor controle da doença, redução
das exacerbações e melhora da qualidade de vida, bem como
os beta2-adrenérgicos de longa e ultralonga .a~o e os corti·
coides inalatórios, particularmente em assoctaçao.
Além disso, recursos para cessação do tabagismo como
o tratamento cognitivo-comportamental, várias modalidades
de nicotina de reposição, diversos psicoativos e bloqueador
de receptor nicotfnico vieram a acrescentar muito para a me-
lhoria da saúde dos pacientes com DPOC.
A oxigenoterapia contínua, agora garantida compulso-
riamente pelos órgãos de saúde pública, tem proporcionado
uma melhoria na vida desses pacientes.
A reabilitação pulmonar tem se constituído em um ins-
trumento de valor para melhorar o desempenho funcional [I] ATENÇÃO
eardiorrespiratório dos pacientes.
Os tratamentos intervencionistas têm proporcionado A melhor chance de vermos o tabagismo contro-
novas perspectivas aos pacientes com doença avançada. Ci- lado definitivamente será mediante um processo
rurgias para redução de volume pulmonar melhoram a fun- educativo consistente que envolva todos os seg·
ção pulmonar e o desempenho para exercício. O transplante mentos da sociedade.
repõe pulmão irreversivelmente danificado e proporciona o
retorno a uma condição adequada de respiração e de vida.
Válvulas, stents e outros recursos para desinsuflar pulmões Além disso, o tratamento para oessação do tabagismo cons·
enfisematosos já demonstraram utilidade, mas ainda care- titui-se em uma ótima oportunidade profissional. O grande im·
cem de maior experiência clinica. pacto dos mecanismos de comunicação e o desenvolvimento
de políticas para controle do tabagismo, nos próximos anos,
deverão ampliar este mercado de trabalho.3 Os profissionais da
Tuberculose saúde -sobretudo os médicos - que tiverem qualificação e vi·
A tuberculose conta desde a década de 1970, praticamente, são profissional terão ótimas oportunidades para prestação de
com os mesmos e eficazes recursos terapêuticos medicamen- serviços em consultórios, clínicas e hospitais, principalmente os
tosos, que conlinuam sendo utilizados como primeira esco- pneumologistas, que já têm atuado neste setor como uma ex·
lha. No entanto, tais recursos terapêuticos para o controle tensão da sua especialidade. No entanto, com o avanço das po·
da doença ainda não reduziram a sua prevalência, pois isso líticas de controle, haverá oportunidade de atuação exclusiva
depende sobremaneira do comportamento epidemiológico, no tratamento do tabagismo, pois 20% dos adultos são fuman·
do perfil psicossocial dos pacientes, da economia da região tes e, embora 80% deles desejem parar de fumar, a maioria
e da organização dos serviços de saúde. Em locais muito po- não consegue sem apoio e tratamento de médico especialista.'
bres como a África, a tuberculose ainda dizima um enorme
conlingente da população. Pode ocorrer um grande avanço
para o manejo da tuberculose se for desenvolvido um tra-
tamento de mais curta duração e com o menor número de
As políticas
fármacos possível. Para que o setor da salide avance com melhores condições es·
truturais e de investimento, o médico precisa envolver-se mais
no nível político. A emenda 29, que dispõe sobre o provimento
[I! ATENÇÃO de recursos federais (10% do PIB), estaduais (12% do PIB) e
municipais (15% do PIB) para a área da saúde, deverá ser de-
finitivamente aprovada c posta em prática, pois de outra forma
O único caminho para o controle da tuberculose é a sempre o maior peso dos problemas de saúde da população
sustentação de programas de controle qualificados, conlinuará recaindo sobre os ombros do próprio médico.
simultaneamente com a melhoria progressiva das No setor pneumológico, seria de extrema importância que
condições econômicas e psicossociais da população. políticos atuassem em prol da preservação e da melhoria da
qualidade do ar ambiente, e defendessem a implantação de
ambientes 100% livres da fumaça de tabaco. Além disso, de·
Tabagismo veriam ser oferecidos programas de tratamento que funcio-
nassem e programas de reabilitação em cada posto de saúde
O tabagismo - de estilo de vida ou opção de comportamen- que contassem com um pneumologista. Uma interação ma.ior
to - passou a ser considerado uma doença de dependência dos governos com a academia talvez pudesse colocar em práti·
à nicotina. Hoje, no mundo, mais de 1,2 bilhão de pessoas ca essas estratégias por meio dos projetos de extensão univer·
sofrem desse mal e a medicina, isoladamente, ainda é muito sitária em que a comunidade se beneficia de ações desenvolvi·
ineficaz para controlá-lo como doença. Programas de contro- das pelos acadêmicos dos diferentes cursos da área da saúde.
le c de tratamento do tabagismo ainda têm sido insuficientes O controle do tabagismo precisa ser manejado com mais
para reverter essa verdadeira epidemia que causa mais de vigor mediante implantação das políticas estabelecidas pela
cinco milhões de mortes anualmente. Muitos avanços serão Convenção-Quadro, Primeiro 'fratado de Saúde Pública no
necessários para que, deste enfrentamento, resulte um contro- nível internacional, ratificado pelo Brasil e por mais de 175
le mais condizente com os conhecimentos já adquiridos e as nações.5 O grande salto a ser dado para o controle definitivo
reais necessidades da população. Sua solução dependerá, de do tabagismo será a responsabilização da indústria do tabaco
um lado, de políticas compulsórias com severas penalizações por danos à saúde, o que será definitivamente possível no mo-
aos infratores e, de outro, de melhores recursos que possam mento em que os governos se posicionarem sobre a proibição
fazer frente às tendências genéticas, aos infortúnios comporta- da produção c da comercialização dos produtos do tabaco.
mentais das pessoas, à mídia e ao poder econômico gigantesco Também é essencial uma vigilância epidemiológica glo·
da indústria do tabaco. bal que possibilite ações preventivas qualificadas e aplicadas
compulsória e imediatamente, conforme as estratégias esta-
belecidas pelas equipes responsáveis.
Referências
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MIT; c2011 (capturado em 16 maio 2011). O isponlvel em: http://
wcb.miLcdu/.
2. Goldsmitb M, Hesselbcin F. A nova organizaçto do futuro: visões,
estratégias e insigbts dos maiores líderes do pensamento cstratEgioo.
Rio de Janeiro: E.lscvier; 2010.
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Smok CcssaL 2007;2 Suppl:2-7.
4. Reicben J, Araújo AJ de, Gonçalves CMC, Godoy l, Chatkin JM,
Sales MPU, et a!. Diretrizes da SBPT: diretrizes para cessação do
tabagismo- 2008. J Bras Pneumol. 2008;34(10):845-80.
5. World H ealtb Organization. WHO framework eonvcntion on to-
bacco eontrol. Geneva: WHO; 2003.
Paulo José ZimermannTeixeira
Luciano Müller Corrêa da Silva
2
A residência médica, curso de pós-graduação para a forma- O médico-residente deverá adquirir treino em provas de
ção de médicos especialistas, caracteriza-se pelo treinamen- função pulmonar, terapia intensiva, broncoscopia, reabilita-
to em serviço, cujas atividades assistenciais desenvolvidas ção respiratória, alergia e imunologia, laboratório de inves-
são sempre supervisionadas por profissionais de maior com- tigação da tosse e distúrbios respiratórios do sono. Devem
petência ética e técnica. Deve ser encarada como uma opor- ser incluídas atividades teórico-complementares mediante
tunidade de adquirir e aprimorar o conhecimento na área, sessões anatomoclínicas, discussões de artigos científicos,
desenvolvendo habilidades de diagnóstico e terapêutica em sessões clinicorradiológicas, cursos, palestras e seminários.
um local de atuação reconhecida. A grande demanda do ser- Nessas atividades devem constar, obrigatoriamente, temas
viço vai proporcionar, em um curto período de tempo, ex- relacionados com bioética, ética médica, metodologia cientí-
periência que, do contrário, levaria anos para ser adquirida. fica, epidemiologia e bioestatística.
No Brasil, existem 39 programas de residência médica Para avaliação periódica do residente, no mínimo uma
em pneumologia que oferecem 101 vagas, embora vários des- a cada trimestre, devem ser utilizados diferentes procedi-
ses programas encontrem-se em fase de recredenciamento. mentos como provas escritas, orais, práticas ou avaliação
Além disso, segundo a Sociedade Brasileira de Pneumologia do desempenho com escala de atitudes. A critério da ins-
e Tisiologia, há sete cursos de especialização, semelhantes tituição, pode ser exigida, ao final do treinamento, a apre-
ao programa de residência, que formam pneumologistas. sentação de uma monografia ou a publicação de um artigo
Em 2002, a Comissão Nacional de Residência Médica científico.
(CNRM), na Resolução n• 05/02, estabeleceu novos critérios A promoção do residente para o ano seguinte e a obten-
para o credenciamento dos programas na área, determinan- ção do certificado de conclusão do programa dependem do
do que tivessem a duração de dois anos e que fosse ampliado cumprimento integral da carga horária e da aprovação ob-
para dois anos o pré-requisito de cumprimento de programa tida por meio do valor médio dos resultados das avaliações
de residência em Cllnica Médica credenciado pela CNRM. realizadas.
O programa de treinamento em serviço inclui unidade A qualidade do profissional que irá emergir após a con-
de internação com o mínimo de 20% da carga horária anual, clusão do programa de residência médica não dependerá
ambulatório com o mínimo de 30% da carga horária anual e unicamente da qualidade do serviço que oferece a formação.
urgência e emergência com o minimo de 15% da carga horá- Será importante o comprometimento do candidato com o
ria anual. O treinamento dos residentes, sempre supervisio- programa, a responsabilidade com que irá desenvolver suas
nado por profissionais competentes, deve ser desenvolvido atividades e a sua capacidade de aproveitar todas as oportu-
com 80 a 90% da carga horária, sob a forma de treinamento nidades de aprendizado que surgirem, além das etapas mí-
em serviço, e o restante do tempo deve ser utilizado em ati- nimas que são oferecidas. Aprofundar o conhecimento com
vidades teórico~mplementares. base nos casos atendidos e desenvolver ao máximo as habi-
!idades em procedimentos da especialidade são condições
essenciais para obter uma boa qualificação.
Leituras recomendadas
Nos anos de residência, o objetivo primordial é apren- SBPT: Sociedade Brasileira de Pneumologia e TISiologia (Internet].
Brasília: SBPT, c2009 [capturado em 23 fev. 2011]. Oisponlvcl em:
der. Embora, legalmente, sejam permitidas atividades pro-
www.sbpt.org.br.
fissionais após o horário de atividades da residência médica,
a sobrecarga de trabalho irá comprometer o aproveitamento Souza EG de. A resid~ncia médica em pncumologia no Brasil. J
e o rendimento do residente nas áreas em formação. Bras Pneumol. 2004;30(3)253-9.
José da Silva Moreira
Marli Maria Knorst
3
de pesquisa bibliográfica individual e de trabalho de inter-
Introdução pretação, é desenvolvido um trabalho de iniciação à pesquisa
Em 1965, o Conselho Federal de Educação aprovou o chama- científica. Espera-se que, ao final do curso, o aluno tenha
do parecer 977 (Newton Sucupira). A partir de então, ainda adquirido capacidade de desenvolver trabalho autônomo,
que esforços anteriores tivessem sido feitos, os Cursos de Pós- caracterizando-se pela busca de referências, métodos e tec-
-Graduação no Brasil se desenvolveram, especialmente com nologias atuais e sua aplicação de forma criativa, e capacida-
a reforma ocorrida na educação em 1968. Hoje, existem no de de redigir textos científicos, evidenciada, principalmente,
Brasil numerosos Programas de Pós-Graduação, em todas as pelo trabalho da dissertação de mestrado. É desejável a pu-
áreas do conhecimento, basicamente divididos em dois níveis: blicação ou submissão de artigo(s) em revistas especializadas
reconhecidas e anais de congressos, durante e após o curso.
• LaJo sensu: estes são considerados como cursos de es-
pecialização, mais direcionados à atuação profissional e
atualização de bacharéis. Têm carga horária mínima de
360 horas e, nesta categoria, se encontram os cunos de Mestrado profissionalizante
especialização, os cursos de aperfeiçoamento e os cursos O objetivo e a forma de condução desse curso são orientados
designados como MBA (Master in Business Administro- para o estudo e a solução de problemas reais das organiza-
tion, ou mestre em administração de empresas). ções da sociedade. Destina-se a profissionais que atuam em
• Stricto sensu: são considerados os cursos voltados à forma- empresas ou instituições públicas, os quais em geral mantêm
ção científica e acadêmica e também ligados à pesquisa, suas atividades durante o curso. Ao fmal, é apresentado um
nos níveis de mestrado e doutorado. O curso de mestrado trabalho de conclusão no qual deve ser demonstrada a com-
tem duração recomendada de dois anos, durante os quais petência do mostrando na resolução de problemas reais com
o aluno desenvolve uma dissertação e cursa as disciplinas métodos e técnicas atuais.
relativas à sua pesquisa. O doutorado tem duração média
de quatro anos, para o cumprimento das disciplinas, reali-
zação da pesquisa e elaboração da tese.
Mestrado profissional associado a
programas de residência em saúde
Mestrado acadêmico É uma nova modalidade de mestrado, que teve o seu pri-
Thm por objetivo iniciar o aluno na pesquisa. Além de disci- meiro edital (Portaria Normativa n• 7) publicado pela Coor-
plinas mais avançadas, que incluem uma parcela significativa denação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
(CAPES)' em 2009. Programas de Pós-Graduação s1ric1o a estudantes de medicina e biomédicos. A partir da conclu-
sensu na área da saúde, reconhecidos pela CAPES, podem são do segundo ano de medicina, o estudante selecionado
se candidatar a esse tipo de mestrado, que capacita indiví- passa a ter atividades do programa MD/PhD. Essas ativi-
duos que estão realizando residência médica ou multipro- dades são desenvolvidas sob a supervisão de um orientador
fissional em saúde. O estudante que cursar mestrado profis- credenciado. O programa pressupõe, no caso de estudantes
sional associado à residência em saúde receberá os graus de médicos, que sejam desempenhadas atividades exclusivas da
especialista e mestre na conclusão do curso. pós-graduação por um período de 12 meses. O período pode
ser antes ou imediatamente depois da conclusão do curso de
medicina. Na conclusão do programa, o aluno recebe o título
de médico e de doutor.
Doutorado
O doutorado é obtido com a defesa de uma tese, que deve
ser um trabalho original. Atualmente, muitos dos programas
que oferecem cursos de mestrado também oferecem o de
Agências de fomento da pós-graduação
doutorado, sendo este último mais restrito e exigente. Con- A CAPES' - agência de fomento à pesquisa brasileira- atua
sidera-se uma continuação do mestrado acadêmico, embora na expansão e consolidação da Pós-Graduação slriclo sensu
seja permitido, aos melhores candidatos, principalmente aos (mestrado e doutorado) em todos os estados do país. As ou-
que receberam treinamento em pesquisa durante iniciação tras agências federais de fomento são o Conselho Nacional de
científica, o ingresso direto no doutorado. 2
Desenvolvimento Científico e Tecnológico {CNPq) c a Agên-
As agências de fomento, que nos anos de 1980 e 1990 cia Financiadora de Estudos e Projetos {FINEP)' . .É a CAPES
incentivaram a ida de brasileiros ao exterior para se douto- que promove a avaliação dos Programas de Pós-Graduação,
rarem, concluíram na última década que o Brasil já conta no sentido de seu credenciamento, manutenção ou descre-
com cursos de doutorado de qualidade suficiente para que denciamento (avaliação trienal - a cada três anos), conferin-
seja possível cursá-lo no país e não mais no exterior, o que é do-lhes conceitos de 1 a 7, cujo julgamento fundamenta-se em
ainda possível de ser feito. Nos últimos anos, tem sido prio- uma série de critérios - tendo peso considerável a produção
rizada a realização de doutorado "sanduíche" no exterior: o intelectual, dimensionada pelo Sistema Qualis de avaliação
aluno de um programa de doutorado reconhecido no Brasil dos periódicos locais, nacionais e internacionais, por ordem
faz uma parte do curso no exterior (3 a 12 meses). O pré- de qualidade (AI, A2, B1, 82, B3, B4, B5, q , cada estrato
-requisito é que esteja matriculado no curso de doutorado com sua pontuação (máximo de 100 - Al).
por no mínimo um ano.

Pós-graduação em Pneumologia
[I] ATENÇÃO
Havia, em 1998, apenas 66 programas de doutorado
em instituições particulares, e estas se distribuíam
por apenas quatro unidades da federaçlo, 26 delas
no estado do Rio de Janeiro, 23 em São Paulo, 16
no Rio Grande do Sul e uma em Minas Gerais. No
ano de 2008, o número de programas de doutorado
em Instituições particulares havia saltado para 147 e
estes se distribuíam por 11 unidades da federação.
Desses programas, 34% localizavam-se em Slio Pau-
lo, 24% no Rio Grande do Sul, 21% no Rio de Janeiro
e os demais 21% distribuíam-se por Paraná, Minas
Gerais, Santa catarina, Goiás, Distrito Federal, Bahia, Programa de Pós-graduação em Ciências
Pernambuco e Ceará. Pneumológicas da UFRGS

Doutorado durante a graduação


Thmbém chamado de Programa MD/PhD, objetiva a forma-
ção de pesquisadores altamente qualificados e motivados
para uma carreira que contemple atividades médicas e de
pesquisa. 'Ihlta-se de projeto em fase de experiência em al-
gumas instituições brasileiras de ensino superior destinadas
7. Educação em Saúde: Colaboração com professores da
Foi institufdo em 1972, em nfvel de mestrado Faculdade de Educação da UFRGS. Visa treinar e for-
(Coordenador Prof. Mário Rigatto), e a partir de mar indivfduos com base em princípios de didática e
1992 em nfvel de doutorado (Coordenador Prof. pedagogia.
Bruno C. Palombiní). Além desses professores, os
outros que exerceram a coordenação do programa
foram Nelson da Silva Porto, João Carlos ProMa, José Disciplinas
da Silva Moreira e, atualmente, Marli Maria Knorst. Os alunos do mestrado devem completar 24 créditos e, os
Até 2009, a secretaria ,executiva do programa do doutorado, 36, em disciplinas obrigatórias (seis) e op-
situou-se no Pavilhlio Pereira Alho (Santa Casa de cionais (15).
Porto Alegre) e, a partir de entAo, nas dependências
da faculdade de Medidna da UFRGS (Rua Ramiro Admissão
Barcelos, 2.400).
A admissão ocorre por processo seletivo com data mar-
A atual Comisslio de Pós·Graduaçáo é formada
pelos professores Marli Maria Knorst (coordenado- cada para ingresso no mestrado, e com fluxo contínuo no
ra), Jane Maria Ulbrich Kulczynski, José da Silva Mo- doutorado. Currículo, projetos de pesquisa, entrevistas e
reira, Paulo de Tarso Roth Dalcin e Rogério Gastai publicações fazem parte da avaliação do candidato pela
Xavier, tendo como técnico administrativo Marco Comissão de Pós-Graduação. São aceitos candidatos liga-
Aurélio da Silva. O programa conta atualmente com dos às áreas da saúde c biológicas - médicos e não mé-
14 docentes permanentes (todos doutores), com
dicos: Thdo aluno matriculado deverá ter seu professor
42 alunos regularmente matriculados no mestrado orientador do programa.
e 31 no doutorado. Tem atualmente conceito 4 na
CAPES.'· · · · Defesas
Cumpridos os créditos, cada aluno deverá apresentar um
trabalho de conclusão, preferentemente já com algum arti-
Linhas de pesquisa go publicado sobre o tema. A comissão julgadora deverá ser
1. Fisiopatologia e Manifestaç&s das Doenças Respiratórias: formada por três membros (todos doutores), que emitirão
Enfatiza a identificação e o onmportamento de mecanis- seus conceitos, e será presidida pelo professor orientador. A
mos relacionados onm a gênese e a evolução das doenças defesa no doutorado será sempre com banca presencial; no
respiratórias. mestrado, é facultada à banca ser presencial ou não. Uma
2. Métodos Diagnósticos em Pneumologia: lmagética - Mi- vez aprovada a tese ou a dissertação, o aluno - após efetuar
crobiologia - Anatomia Patológica - Recursos e Com- as correções seguindo sugestões da banca - será encaminha-
putação Grá.fica: Explora métodos diagnósticos e de do à diplomação.
investigação empregados na pneumologia, com especial
atenção às aquisições modernamente desenvolvidas, Egressos
como biologia molecular. Foram já titulados, no Programa de Pós-Graduação em
3. Doenças das Vias Aéreas, Parenquimatosas e Vasculares Ciências Pneumológicas da UFRGS, 296 alunos - 173 no
Pulmonares: Ampla linha compreendendo as doenças das mestrado e 123 no doutorado, 62 dos quais nos últimos qua-
vias aéreas, as doenças intersticiais e vasculares e as neo- tro anos (37 mestres e 25 doutores). A maioria dos doutores
plasias pulmonares, em especial o carcinoma brônquion. egressos do programa ocupa hoje cargos em universidades
4. DoenÇils Infecciosas e Parasit6rias do Pulmllo, Vras Aéreas do país e do exterior.
e Pleura: Diz respeito às doenças pulmonares causadas
por microrganismos - vírus, bactérias (comuns, atípicas e
micobactérias), fungos e parasitas. Publicações
5. Pneumopatias Ocupacionais, Ambientais e Tabagismo:
Análise do risco de exposição ao tabagismo e a poeiras ~ ATENÇÃO
minerais (por sflica, carvão, asbesto, etc.), vegetais (ma-
deiras, grãos, indústrias têxteis) e outros agentes encon- Nos últimos quatro anos (2007-201 O), foram publi-
trados no ar inalado. cados 341 trabalhos completos em periódicos de
6. Manobras e Avanços Técnicos em Cirurgia Tonfcica- Trans- circulação internacional, 155 (45,5%) dos quais em
plante de Pulmllo - Fibrobroncoscopia e Terapia Intensiva: revistas de alto impacto, pelos docentes e discentes
Partindo das bases fundamentais da cirurgia torácica, da fi- do programa. Foram também publicados cerca de
brobroncoscopia c da terapia intensiva em adultos e crian- 30 capftulos de livros, além de numerosos relatos
ças, busca incorporar, explorar e investigar avanços que de apresentações em congnessos nacionais e inter-
progressiva e rapidamente vão surgindo na área. Essa linha nacionais.
contempla projetos de pesquisa clínica e experimental.
Referências Leituras recomendadas
1. Brasil. Ministério da Educação. CAPES: Coordenação de Aper- Balbachevsky E. A pós-graduação no Brasil: novos desafios para
feiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Internet). Brasília: CA- uma política bem-sucedida. In: Brock C, Schwartzman S, organi-
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2. Brasil. Ministério da Ciência e Thcnologia. CNPq: Conselho Leta J, Cruz CHB. A produção científica brasileira. In: Viotti EB,
Nacional de Desenvolvimento Científico c Tecnológico (Internet]. Macedo MM, organizadores. Indicadores de ciência, tecnologia c
Brasília: CNPq; c2006 (capturado em 19 maio 2011). Disponlvcl em: inovação no Brasil. Campinas: UNICAMP; 2003. p. 121-68.
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Marchelli PS. Formação de doutores no Brasil e no mundo: algumas
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mulm R. Doutorados e doutores titulados no Brasil: 1996-2008. In:
4. Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Programa de pós- Centro de Gestão e Estudos Estratégicos. Doutores 2010: estudos
-graduação em ciências pncumológicas (Internet). Porto Alegre: da demografia da base técnico-cientifica brasileira. Brasilia: CGEE;
UPRGS; 2011 (capturado em 19 maio 2011]. Disponlvel em: http:// 2010. p. 61-180, cap. 2.
www.ufrgs.br/ppgpneumo.
O Hospital e os
Desdobramentos
das Ações em
Saúde
Jorge Lima Hetzel
4
Quanto às suas origens, o hospital se apresenta com uma animasse, protegesse e favorecesse os empreendedores des-
profunda relação com a Igreja e uma forte vocação altruísta ta obra pia.
de acolher pessoas marginalizadas pela sociedade, até então Foi o que ocorreu até tempos bem recentes. A evolução
representadas nas figuras do pobre, do doente, do órfão e social e os avanços do conhecimento médico e das tecnolo-
do peregrino. Ao longo do tempo, assumiu características gias disponibilizadas aos médicos transformaram esses con·
e finalidades distintas, como a recepção e o tratamento de ceitos. Entretanto, é bem clara a vocação primordialmente
doentes. assistencial dos hospitais.
A origem da palavra hospital é derivada do termo hos- A partir da década de 1970 do século passado, quando a
pitalidade, que significa acolhimento, presente ao longo da Organização Mundial da Saúde (OMS) definiu saúde como
história da humanidade em diversas organizações sociais. A "perfeito bem-estar físico, social e mental, inclusive espiri·
palavra hospital provém do latim hospes, que significa hós- tua!, e não a simples ausência de doença ou enfermidade",
pede, dando origem a hospitalis e a hospitium, que designa- os hospitais também ampliaram os seus horizontes de aten-
vam o lugar onde se hospedavam, na antiguidade, além de ção. O termo "saúde" tem origem do latim salus, que signifi-
enfermos, viajantes e peregrinos. No século XV, tomou-se ca bom estado fisico ou saudação. Já doença é a determina-
o lugar para onde eram recolhidos velhos, pobres e doentes ção genérica de qualquer desvio do estado normal. A mesma
- o asilo. Já no século XVI, passou a ser considerado como OMS define hospital como "parte integrante de um sistema
um "prédio onde ficam pessoas doentes para receberem coordenado de saúde, cuja função é dispensar à comunidade
cuidados e tratamento", o que se manteve até tempos mais completa assistência à saúde preventiva e curativa, incluin·
recentes. do serviços extensivos à família em seus domicílios e, ainda,
Um marco no desenvolvimento dessa evolução foi o sur- centro de formação para os que trabalham no campo da saú-
gimento das Misericórdias e o seu vínculo com os hospitais, de e para as pesquisas biossociais".
sendo precursora dessa situação a Irmandade ou Confraria Uma Comissão de Peritos em Assistência Médica da
da Santa Casa de Lisboa, que começou a existir em 15 de OMS apresentou as seguintes funções básicas do hospital:
agosto de 1498 e inspirou o surgimento de mais de 1.500 ins-
tituições similares fundadas em Portugal e no mundo por- • prevenir a doença para toda a comunidade, sem qual-
tuguês. Entre estas, encontra-se a Santa Casa de Misericór- quer distinção;
dia de Porto Alegre, criada em 19 de outubro de 1803. Os • restaurar a saúde, a partir do seu diagnóstico e do trata-
objetivos maiores eram de generosidade e cuidados com os mento, seja eletivo seja de urgência e emergência;
desamparados em geral, os miseráveis, os doentes e os afli- • exercer funções educativas de ensino e treinamento de
tos. Deveriam as instituições ser sustentadas pelo produto pessoal para a melhoria do padrão de atendimento nas
das esmolas do povo com a recomendação de que o governo profissões afins;
• promover a pesquisa, tanto em termos de saúde e doença, Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre, a partir do pla-
quanto em métodos téalicos e administraúvos do hospital. nejamento estratégico de 2001, incluiu, além das tradicionais
ações assistenciais em saúde, promoção da saúde, prevenção
Certamente, esses conceitos ampliaram a abrangência de doenças, ensino e pesquisa. Nas ações de promoção da
das atividades de um hospital e aproximaram-se da sua fun- saúde e prevenção de doenças, programas como os de Con-
ção no momento atual. trole do Tabagismo, de Dieta Adequada e Manutenção do
Os hospitais, desde os seus primórdios, são um lugar de Peso Ideal e de Exercfcio - Atividades Físicas promovem
geração c de transmissão de conhecimentos, um lugar onde uma melhora acentuada da qualidade de vida da população
se ensina e se aprende, um local intencionalmente propicio e previnem inúmeras doenças.
ao surgimento de novas ideias, resultado do trabalho de seus O ensino permite a renovação constante do conheci -
mestres/pesquisadores, nunca conformados com a realidade, mento que, na cadeia médico-professor-aluno-comunida-
inquietos em buscar o melhor. de, permit.e atualização constante dos avanços, não ape-
nas do próprio conhecimento, mas também da utilização
adequada das tecnologias disponíveis. Da mesma forma,
como a inovação é essencial para muitos setores da econo-
mia, a pesquisa cUnica é uma porta de entrada para novas
tecnologias no setor saúde. Também resulta em geração
de conhecimento a ser aplicado na saúde. Com essa am-
pliação das atividades, o hospital, na verdade, passou a se
preocupar com a saúde em sua visão mais ampla, e não
apenas com as doenças.
Como em toda a evolução, essa dinâmica é um desafio.
Para o hospital, esse desafio é desenvolver um sistema de
gestão que permita a convergência da aplicação do conhe-
cimento com as necessidades da população a que se propõe
O conhecimento médico dos nossos dias, de muito mais atender. Não menos importante é a busca de talentos e sua
rápida evolução, muito mais acessível e muito mais científi- fixação na instituição com ética e comprometimento. Nessas
co, é mantido em constante atualização pelos desafios que condições, foi inevitável o surgimento de urna acirrada com-
esta mesma celeridade e precisão propiciam e exigem. Na petição, inicialmente de valores, e que evoluiu muito rápido
contemporaneidade, isso significa que não há como um hos- para uma competição em resultados, a fim de melhorar a
pital de ensino manter-se afastado do sistema de saúde ado- saúde e o atendimento dos pacientes. Na atualidade, os Pro-
tado pelo seu meio. Isso significa um desafio na busca de gramas de Melhoria da Qualidade e Segurança Assistencial
uma gestão correta e adequada que lhe permita superar cri- já representam uma questão de sobrevivência para os hospi-
ses e manter-se ativo e capaz de proporcionar o atendimento tais. Ganham os hospitais com a redução dos custos, ganham
buscado, diariamente, por uma população ávida de atenção os médicos pela segurança na realização dos procedimentos
e assistência qualificada. e, principalmente, ganham as pessoas que recebem uma
A rápida evolução do conhecimento médico c a aquisi- atenção da melhor qualidade.
ção de novas tecnologias e, por que não dizer, da alta compe-
tiúvidade do negócio saúde tomaram inevitável a necessida-
de da geração de novas perspecúvas para o desenvolvimento
da atividade médica. Tomou-se inevitável o investimento em
Leituras recomendadas
Franco SC, Stiggcr I. Santa Casa 200 anos: caridade c ciência. Pono
pesquisa. Hoje, o ensino e a pesquisa integram, de maneira
Alegre: lSCMPA; 2003.
indissociável, a missão das instituições dedicadas à saúde.
Assim como o ensino qualifica a assistência, a pesquisa eleva Minono R. A estratégia em organi2ações hospitalares. Pono Ale-
os seus patamares de qualidade e determina uma vantagem gre: EDIPUCRS; 2002.
competitiva incomensurável. Porter ME, Thisbcrg EO. Repensando a saúde: estratégias para
Frente a esse novo cenário, as instituições hospitalares melhorar a qualidade e reduzir os custos. Porto Alegre: Bookman;
realizaram mudanças conjunturais e estruturais. A própria 2007.
Bruno Hochhegger
5
O assoalho da cavidade nasal é largo, e o teto é represen-
Introdução tado por um sulco estreito. O etmoide contém numerosas

0 ATENÇÃO
cavidades internas denominadas células etmoidais, forman-
do limite ósseo entre a cavidade nasal e a órbita. Thmbém
pertencem ao osso etrnoide as duas delgadas lâminas ósseas
A investigação acurada das doenças pulmonares, que formam a concha nasal superior e a concha nasal média.
que sempre necessita do adequado relacionamento A concha nasal inferior é um osso individual. Cada concha
entre diversos setores, particularmente clfnico, fun- nasal recurvada recobre um espaço nasal homônimo, os me-
cional e anatômico, exige um conhecimento deta- atos nasais. Nos meatos nasais, abrem-se os seios paranasais
lhado da anatomia e das alterações que acontecem e o dueto lacrimonasal.
quando da instalação de uma doença. A pequena concha nasal superior recobre o meato
nasal superior, no qual desembocam as células etrnoidais
posteriores. Entre a concha nasal superior e o corpo does-
Neste capítulo, são abordadas as principais partes anatô- fenoide adjacente ao septo nasal, localiza-se o estreito de-
micas do tórax, sobretudo as que têm relevância para o en- nominado recesso esfenoetmoidal. Nesse recesso, drenam
tendimento das alterações patológicas. O estudo anatômico os seios esfenoidais. A concha nasal média, em compara-
do tórax está dividido em quatro grandes compartimentos ção com a sua homônima cranial, tem grandes dimensões
que correspondem a vias aéreas, mediastino, parênquima e recobre o meato nasal médio, no qual desembocam seio
pulmonar e parede torácica. frontal, seio maxilar e células etmoidais anteriores. No me-
ato nasal médio, salienta-se a parte inferior do etmoide e
o processo uncinado, que recobre o óstio do seio maxilar.
Acima deste, existe uma grande célula anterior de etmoi-
Vias aéreas de, denominada bolha etmoidal. A delgada concha nasal
As vias aéreas iniciam-se com a cavidade nasal, dividida pelo inferior recobre o meato nasal inferior, no qual se abre o
septo nasal em metade direita e esquerda (FIGURA 5.1). Atra- dueto lacrimonasal.
vés das duas narinas, as cavidades nasais se abrem anterior Os seios paranasais são cavidades aéreas pares revestidas
e inferiormente para o exterior. Posteriormente, a cavidade por mucosa, localizadas nos ossos adjacentes à cavidade na-
nasal, de cada lado, comunica-se com o setor nasal da fa- sal. Estão em comunicação com a cavidade nasal através de
ringe (rinofaringe) por meio de uma ampla fenda posterior estreitas aberturas na sua parede lateral e, por meio delas,
denominada cóano. Cada metade da cavidade nasal possui a mucosa respiratória tem continuidade com aqueles seios
assoalho, teto, parede lateral e mediai. paranasais. A estrutura dos seios paranasais existe ao nas-
FIGURA 5.1 ~ Tom09rafia computadorizada de face com reconstrução tridimensional evidenciando as vias aéreas superiores. a = seio frontal direito;
b = seio maxilar direito; c = complexo osteomeatal; d = cometo nasal médio; e = células etmoidais; f = corneto nasal inferior; g = seio esfenoidal;
h = cóanos.

cimento, mas adquire forma e tamanho definitivos apenas A traqueia (FIGURA 5.2) é um tubo flexível com 10 a 12
após a erupção dos dentes permanentes. em de comprimento (no adulto) que se estende desde a
O seio frontal situa-se posteriormente aos arcos super- cartilagem cricóidea até a bifurcação da traqueia, sendo
ciliares do frontal. Entre os seios frontais, identifica-se um dividida em sua parte cervical e torácica. A parte cervical
septo, variável e com frequência desviado da linha mediana. está no nível da sex1a e sétima vértebras cervicais, e a par-
O seio etmoidal é um conjunto de pequenas câmaras incom- te torácica situa-se entre a primeira e a quarta vértebras
pletas separadas por finas paredes formadas pelo labirinto torácicas. A parede da traqueia é constituída por 16 a 20
etmoidal, e de cada lado estão divididas em grupos ou célu- peças de cartilagem hialina em forma de ferradura, que são
las etmoidais anteriores, médias e posteriores. A maior célu- ligadas na parede posterior por uma lâmina membranácea
la etmoidal, a bolha etmoidal, situa-se na parede lateral da
que contém músculo liso. A bifurcação da traqueia é assi-
cavidade nasal logo acima do hiato semilunar.
métrica, de onde emergem os brônquios principais direito
O seio maxilar é o maior seio paranasal e preenche o
e esquerdo.
corpo da maxila. O teto é, ao mesmo tempo, o assoalho da
órbita. O assoalho do seio maxilar estende-se até o pro- O brônquio principal direito é mais curto e mais cali-
cesso alveolar da maxila e tem o seu ponto mais profundo broso do que o esquerdo. E le está angulado em relação à
localizado entre o segundo dente pré-molar e o primeiro traqueia em aproximadamente 20 graus e com ela continua
dente molar. Os seios esfenoidais localizam-se no corpo do quase na mesma direção do seu trajeto. O brônquio princi-
esfenoide posteriormente à cavidade nasal e cuja parede pal esquerdo é o mais longo e mais estreito e se angula em
posterior se originou embriologicamente. Entre as variáveis cerca de 35 graus em relação à traqueia. Na bifurcação da
formas dos seios esfenoidal direito e esquerdo, localiza-se traqueia, salienta-se, interna e sagitalmente em direção à sua
um septo que pode estar assimetricamente deslocado para luz, um esporão cartilaginoso reforçado, denominado carina
um dos lados. da traqueia.
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AGURA 5.2 ~ A Tomografia computadorizada de traqueia com reconstrução tridimensional evidenciando as vias aéreas inferiores. a = traqueia; b
= brônquio principal direito; c= brônquio principal esquerdo; d = brônquio do lobo superior esquerdo; e= brônquio do lobo inferior esquerdo; f
= brônquio do lobo superior direito; g = brônquio intermediário direito.

Os brônquios principais direito e esquerdo dividem-se em segmento superior, segmento basilar media!, basilar
em brônquios lobares, três à direita e dois à esquerda, cujos lateral, basilar posterior e basilar anterior. Cabe ressaltar
diâmetros variam de 8 a 12 mm. A divisão do brônquio prin- que a terminologia anatômica atual dividiu os segmentos
cipal direito emite o brônquio lobar superior a 1 a 2 em de basilares do lobo inferior esquerdo em cinco segmentos, ao
distância da carina da traqueia e os brônquios lobares médio contrário do que era previamente descrito - houve desdo·
e inferior a 5 em da mesma carina. À esquerda, o brônquio bramento do segmento anteromedial. Os brônquios seg-
principal também se divide a cerca de 5 em da bifurcação da mentares dividem-se em brônquios cada vez menores até
traqueia em brônquios lobar superior e inferior. Os brôn- se continuarem como bronquíolos; cada bronquíolo supre
quios lobares se dividem em brônquios segmentares, 10 à uma pequena porção de pulmão denominada lóbulo pul-
direta e nove à esquerda. O pulmão direito é composto de monar. Esses achados são descritos adiante, no tópico Pa-
10 segmentos pulmonares (FIGURAS 5.3, 5.4 e 5.5). No lobo su- rênquirna Pulmonar.
perior direito, observa-se o brônquio apical, posterior e an-
terior. No lobo médio existem dois brônquios segmentares,
o media! e o lateral. No lobo inferior direito, observam-se
cinco brônquios, um segmentar superior e quatro segmenta-
Mediastino
res basilares, denominados basilar mediai, basilar anterior, Na cavidade torácica, as duas regiões pleuropulmonares
basilar lateral e basilar posterior. são divididas pelo mediastino, que se estende do esterno
O pulmão esquerdo divide-se em lobo superior e infe- e das cartilagens costais, anteriormente, até a coluna ver-
rior, sendo o lobo superior composto pelos segmentos api· tebral e goteira costovertebral, posteriormente; da raiz
coposterior, anterior e lingular superior e inferior, esses dois do pescoço, cranialmente, ao diafragma, caudalmente.
últimos correspondendo ao lobo médio do pulmão direito Abrange todas as estruturas intratorácicas, exceto pul-
(FIGURAS 5.6, 5.7 e 5.8). O lobo inferior esquerdo divide-se mões e pleuras, que estão alojados em uma expansão da

FIGURA 5.3 ~ Tomografia computadori-


zada de tórax com reconstrução tridimen·
sional evidenciando os segmentos bronco-
pulmonares do lobo superior direito (LSD).
a = segmento posterior do LSD (verme-
lho); b = segmento apicai do LSD (azul); c
= segmento anterior do LSD (verde).
FIGURA 5.4 -+ Tomografia computadori-
zada de tórax com reconstrução tridimen-
sional evidenciando os segmentos bron-
copulmonares. a = segmento mediai do
lobo médio (verde); b = segmento lateral
do lobo médio (vermelho); c = segmento
superior do lobo inferior direito (azul).

FIGURA 5.5 -+ Tomografia computadori-


zada de tórax com reconstrução tridimen-
sional evidenciando os segmentos bronco-
pulmonares do lobo inferior direito (UD).
a = segmento posterior do LID (azul); b =
=
segmento mediai do UD (verde); c seg-
mento anterior do LID (amarelo); d = seg-
mento lateral do UD (vermelho).

FIGURA 5.6 -+ Tomografia computadoriza-


da de tórax com reconstrução tridimensio-
nal evidenciando os segmentos broncopul·
monares do lobo superior esquerdo (LSE).
a = segmento anterior do LSE (vermelho);
b = segmento apicoposterior do LSE (ama-
relo).

face serosa do tórax. A posição e o formato do mediasti-


no variam de acordo com alterações das estruturas que o
compõem, com o nível do diafragma e com seu possível
0 ATENÇÃO

!racionamento pelas estruturas adjacentes, para um lado O mediastino é dividido em superior e inferior por
ou para o outro. um plano imaginário que passa anteriormente pelo
ângulo do esterno e posteriormente na margem da
quarta vértebra torácica (FIGURA 5.9). O mediastino
FIGURA 5.7 ~ Tomografia computadori·
zada de tórax com reconstrução tridimen-
sional evidenciando os segmentos bron-
copulmonares do lobo superior esquerdo
(LSE). a = segmento superior da llngula
(amarelo); b e segmento inferior da língu-
la (vermelho).

FIGURA s.a ~ Tomografia computadori·


zada de tórax com reconstruç.!o tridimen·
sional evidenciando os segmentos bronco-
pulmonares do lobo inferior direito (UE ).
a = segmento mediai do UE (azul); b =
segmento anterior do UE (verde); c = seg·
mento lateral do LIE (amarelo); d = seg·
mento posterior do UE (vermelho).

guio do esterno, localizado entre o manúbrio e o corpo do


superior é delimitado anteriormente .pelo manúbrio estemo; po5teriormente, encontra-se limitado pela margem
do estemo e posteriormente pelas quatro vértebras do corpo da quarta vértebra torácica. Entre as estruturas en-
torádcas, localizando-se acima do pericárdio. O me- contradas nessa região, estão timo, veias braquioeefálicas e
dias1ino inferior é fimitado anteriormente pelo corpo
do estemo e posteriormente pelas oito últimas vérte-
bras torácicas, podendo ser dividido em mediastino
anterior- entre o pericárdio e o estemo; medias1ino
médio- saco pericárdico e seu conteúdo; e mediasti·
no posterior- entre o pericárdio e a coluna vertebral
e goteira costovertebral.

Certas estruturas atravessam o mediastino e por isso


aparecem em mais de um compartimento.
O tecido conjuntivo de sustentação geralmente é infil-
trado de gordura, invade o mediastino e envolve as estru-
turas mediastinais. Esse tecido torna-se mais rfgido com a
idade, o que diminui a mobilidade das estruturas por ele
circundadas. Ele tem continuidade com a raiz do pescoço
e, assim, é possível que uma infecção profunda no pescoço
possa espalhar-se rapidamente dentro do tórax, produzindo FIGURA S.9 ~ Tomografia computadorizada de tórax com reconstrução
uma mediastinite. tridimensional evidenciando as divis6es do mediastino. Azul = medias·
O mediastino superior é separado do mediastino inferior tino superior; vermelho = mediastino anterior; verde e mediastino mé-
por um plano imaginário que passa anteriormente pelo ân- dio; amarelo = mediastino posterior.
cava superior, arco da aorta e seus ramos, traqueia, esôfago limitado pelas pleuras mediastinais direita e esquerda. O
e dueto torácico. conteúdo do mediastino posterior engloba a parte descen-
O timo é uma massa de tecido linfoide que se apresenta dente da aorta torácica, as veias ázigo e herniázigo do esôfa-
proeminente no mediastino superior no início da infância e go e o plexo esofágico. É uma região extremamente rica em
possui estrutura lobulada (dois lobos) e achatada. Durante a linfonodos e contém os plexos nervosos.
segunda infância, sobretudo na puberdade, o limo começa a
diminuir de volume, ou seja, sofre involução. Na idade adul·
ta, em geral, o que se encontra são pequenos nódulos tfmicos
e tecido conjuntivo, dispostos irregularmente na porção an-
Parênquima pulmonar
terior do mediastino superior. O pulmão é um órgão par que se localiza de cada lado do
'fraqueia e esôfago são estruturas do mediastino supe- mediastino em um espaço seroso denominado cavidade
rior, tendo sido a traqueia descrita previamente. O esôfago pleural. Cada pulmão é dividido por fendas profundas, as
se estende da extremidade inferior da cartilagem cricóidea fissuras, em lobos (FIGURA 5.1O).
(sétima vértebra cervical) até o óstio cárdico no estômago. O pulmão direito geralmente tem um lobo superior, um
O esôfago cruza pelo mediastino superior entre a traqueia médio e um inferior. Os lobos superior e inferior são separa-
e a coluna vertebral, passando atrás do brônquio principal dos por uma fenda diagonal dirigida em sentido posterossu-
esquerdo. perior e anteroinferior, a fissura obliqua, enquanto os lobos
O mediastino anterior é a menor das divisões do medias- superior e médio são separados pela fissura horizontal. O
tino e contém poucas estruturas, sendo constituído em sua pulmão esquerdo é pouco menor, sendo constituído apenas
maior parte por tecido conjuntivo frouxo. Esse tecido con- por lobos superior e inferior, separados como no pulmão
tém a gordura pré-epicárdica, vasos linfáticos, linfonodos, direito por uma fissura oblíqua. A extremidade anteroinfe-
ligamentos estemopericárdicos, artérias e veias torácicas rior do lobo superior do pulmão esquerdo é, por sua forma,
internas junto com seus ramos. Com base nesses tecidos, chamada de lingula. O tecido pulmonar é constituído pela
explica-se a grande variedade de lesões que podem ser en- árvore brônquica (vias aéreas), pelo setor alveoloductal (es-
contradas neste sítio. truturas de troca gasosa), pelos vasos pulmonares e por teci-
O mediastino médio é constituído pelo saco fibroso do pe- do conjuntivo e musculatura lisa.
ricárdio e pelo coração, com os nervos frênicos e seus vasos A árvore brônquica apresenta uma divisão dos brônquios
associados. Além do coração e do pericárdio, no mediastino menores até os bronquíolos com diâmetros de 0,3 a 0,5 mm .
médio encontra-se a parte ascendente da aorta e o tronco da As paredes do bronquíolo, por definição, não têm o suporte
artéria pulmonar. O tronco da artéria pulmonar estende-se cartilaginoso e possuem um vasto sistema de fibras elásticas
do cone arterial do ventrículo direito e, após um trajeto de 5,0 que evita o colapso da parede bronquiolar quando ocorre o
em, divide-se em artérias pulmonares direita e esquerda. A relaxamento muscular expiratório. Os bronquíolos dividem-
aorta ascendente estende-se da raiz da aorta para cima e para -se sucessivamente e, da sua última divisão, originam-se os
a direita até a altura do ângulo do esterno, sendo revestida bronquíolos terminais.
pelo pericárdio fibroso e compartilhando uma reflexão serosa Acompanhando as vias aéreas, sempre cursam pequenos
com o tronco da artéria pulmonar. Os ramos da aorta ascen- ramos das artérias pulmonares. A árvore brônquica até os
dente são as artérias coronárias direita e esquerda - as úni- pequenos bronquíolos serve apenas como via aérea, e por
cas artérias do corpo humano a receberem sangue em maior isso esse setor é conhecido como espaço morto anatômico.
abundância d urante a diástole cardíaca. Sua tarefa consiste na filtração, urnidificação e aquecimento
O mediastino posterior é delimitado pelo pericárdio fi. do ar inalado. O volume do ar contido em tal espaço cor-
broso, anteriormente, e pela coluna vertebral e goteira cos- responde a 60% do volume pulmonar total. Da divisão dos
tovertebral, posteriormente, de T4 a Tl2. Lateralmente, é bronquíolos terminais surgem os bronquíolos respiratórios,

FIGURA 5.1 O-+ Tomografia computadorizada de tó-


rax com reconstrução tridimensional evidenciando as
fissuras pulmonares. (A) Pulmão direito demonstrando
as fissuras horizontal e oblíqua. (B) Pulmão esquerdo
demonstrando a fissura oblíqua.
que servem como ligação entre a via aérea e as estruturas de sendo a direita mais longa e calibrosa do que a esquerda.
troca gasosa no pulmão. Eles têm diãmetro médio de 0,4 em, Ambas as artérias pulmonares se localizam anteriormente
e suas paredes são revestidas por epitélio cúbico, apresen- aos brônquios principais e, antes de alcançar o hilo do pul-
tando ainda musculatura lisa. mão, dividem-se em ramos que avançam em paralelo junto
Os bronquíolos respiratórios são acompanhados por à via aérea. Os ramos das artérias pulmonares situam-se em
arteríolas, ramos da artéria pulmonar, e se dividem de três estreita relação anatômica com os respectivos ramos da ár-
a seis vezes. Eles se continuam nos duetos alveolares, cujas vore brônquica no centro dos segmentos broncopulmonares.
paredes possuem apenas alvéolos e, após, surgem os sacos O suprimento sanguíneo para o tecido pulmonar é feito
alveolares, que apresentam fundo cego. Acompanhando pelas artérias brônquicas, ramos diretos da aorta, que per-
os duetos alveolares, existem as arteríolas pré-capilares e, correm o tecido conectivo peribronquial e irrigam as paredes
acompanhando os alvéolos pulmonares, os capilares. dos brônquios e suas ramificações.
Nos alvéolos, ocorre o processo de troca gasosa; seu A retirada do sangue oxigenado dos pulmões é feita pe-
número dentro de cada pulmão chega a aproximadamente las veias interlobulares e intersegmentares que se dirigem
300 milhões, com uma superfície total de 140m2. Entre dois ao hilo, confluindo nas veias pulmonares direita e esquer-
alvéolos, existe uma fina parede conjuntiva, o septo inte- da. As veias pulmonares situam-se na região do hilo do pul-
ralveolar, que contém tecido conjuntivo e capilares e que é mão anterior e inferiormente às artérias, sendo avalvulares.
revestido de cada lado por epitélio pavimentoso. O epitélio A drenagem venosa é realizada pelas veias brônquicas que
alveolar possui dois tipos de células: os pneumócitos tipo I, drenam nas veias ázigo, hemiázigo e também nas pulmo-
representando 90% das células epiteHais, e os pneumócitos nares.
tipo li - representando os 10% restantes - , produtores de O lóbulo pulmonar secundário (FIGURA 5.16), conforme
surfactante. descrito por Miller, refere-se à menor unidade de estrutu-
A vasculatura pulmonar (FIGURAS 5.11, 5.12, 5.13, 5.14 e ra pulmonar margeada por um septo conjuntivo. Os lóbulos
5.15) consiste no tronco da artéria pulmonar, que se divide secundários são facilmente visíveis na superfície do pulmão
em duas artérias pulmonares principais, direita e esquerda, devido a esses septos, em especial quando estão espessados.

FIGURA 5.11 -+ Tomografia computadorizada de tórax com reconstrução tridimensional evidenciando as estruturas mediastinais. a= traqueia; b =
esôfago; c = veia cava superior; d = tronco braquiocefálico arterial; e = artéria carótida comum esquerda; f = artéria subclávia esquerda; g =arco
a6rtico.
FIGURA 5.12-+ Tomografia computadorizada de tórax com reconstrução tridimen.sional evidenciando as estruturas mediastinais. a= aorta descen·
dente; b = aorta ascendente; c = tronco da artéria pulmonar.

O termo lóbulo pulmonar primário também tem sido usado dade de tecido pulmonar margeada por tecido conjuntivo.
por Miller para descrever a unidade pulmonar muito menor Tendo em vista que a tomografia computadorizada de alta
associada a um único dueto alveolar, mas essa designação resolução do tórax identifica de maneira muito acurada os
em geral não é utilizada.' septos pulmonares, o lóbulo pulmonar secundário de Mil-
Os lóbulos pulmonares secundários têm forma cuboide ler tem sido descrito como padrão de estrutura funcional do
e são um tanto variáveis quanto ao tamanho, medindo apro- pulmão para avaliação das alterações patológicas. '
ximadamente 1,0 a 2,5 em de diâmetro na maioria das lo- Anatomicamente, os lóbulos secundários são circunda-
calizações. Cada lóbulo pulmonar secundário é suprido por dos por septos interlobulares de tecido conjuntivo que se es-
um pequeno bronquíolo e uma arteríola pulmonar, sendo tendem da superfície pleural para o interior do pulmão. Th.is
margeado de forma variável nas diferentes regiões pulmona· septos fazem parte do sistema de fibras intersticiais periféri-
res por septos interlobulares e tecido conjuntivo, contendo cas descrito por Weibel, que se estende ao logo da superfície
a veia pulmonar e ramos linfáticos. Os lóbulos pulmonares do pulmão, abaixo da pleural víscera!. As veias pulmonares
secundários são constituídos por um número limitado de áci· e os vasos linfáticos situam•se dentro dos septos interlobula-
nos pulmonares, em geral 12 ou menos, embora o número res de tecido conjuntivo, marginando o lóbulo. Esse sistema
varie consideravelmente. intersticial é denominado extra-axial ou sistema intersticial
O ácino pulmonar é definido como a porção de parên· periférico. 1
quima pulmonar distai ao bronquíolo terminal e suprido por A porção central do lóbulo referida como região cen-
um ou mais bronquíolos respiratórios de primeira ordem. trolobular contém um ramo da artéria pulmonar e os ramos
Como os bronquíolos respiratórios são o maior setor das vias bronquiolares que suprem o lóbulo, assim como algum teci-
aéreas que possui alvéolos em suas paredes, um ácino é a do conjuntivo de suporte. Nesse tecido conjuntivo de suporte
menor unidade funcional pulmonar onde ocorrem as trocas existe tecido linfático. Esse interstício é também chamado de
gasosas. O diâmetro dos ácinos geralmente varia de 6,0 a interstício centrolobular ou peribroncovascular. Cabe ressal-
10,0 mm. Como mencionado no início desta seção, Miller tar que também existe um terceiro interstício pulmonar que
definiu o lóbulo pulmonar secundário como a menor uni- liga o interstício extra-axial com o peribroncovascular, deno-
RGURA 5.13 ~ Tomografia computadorizada de tórax com reconstrução tridimensional evidenciando as estruturas mediastinais. a = aorta descen·
dente; b = veia cava inferior no nfvel de entrada das veias supra-hepáticas; c = es6fago; d = ffgado; e = ventrfculo direito; f = ventrfculo esquerdo;
g =átrio direito; h = átrio esquerdo.

minado interstício intralobular, raramente demonstrado por O pulmão cortical pode ser conceituado como consistin-
métodos de imagem em situações normais. do em duas a três fileiras de camadas de lóbulos pulmonares
secundários bem organizados que, em conjunto, formam uma
camada de 3 a 4 em de espessura na periferia do pulmão, ao
~ATENÇÃO longo da superficie pleu ral. Os lóbulos pulmonares no córtex
do pulmão têm tamanho relativamente grande e são margea-
dos por septos interlobulares mais espessos e bem definidos.
Um conceito que raras vezes tem sido emprega-
Os lóbulos pulmonares no pulmão cernal ou medular são me-
do, porém de grande importAncia para as dife-
nores e mais regulares em formato do que no pulmão cortieal,
renciações patológicas, é o de pulmão cortical e
sendo margeados por septos interlobulares mais finos e não
medular. Com base nas diferenças de anatomia
tão bem definidos. Quando visíveis, os lóbulos pulmonares
lobular, tem sido sugerido que o pulmão normal
podem aparecer de forma hexagonal e poligonal, mas lóbulos
seja composto por uma parte periférica e uma me-
bem definidos raramente são visíveis em indivíduos normais.
dula central. Embora esses termos em geral não
sejam usados, o conceito de regiões pulmonares
corticais e medulares é útil na avaliação das cau-
sas das afecções patológicas, tendo em vista que a Parede torácica
maioria das neoplasias tem causa brônquica (por-
tanto medular) e a maioria das infecções é alveolar A parede torácica é constituída pelas costelas e pelas 12
(portanto cortical). vértebras torácicas, bem como pela musculatura da parede
torácica (FIGURAS 5.17 e 5.18). Nas 12 vértebras torácicas, há
descrição de um corpo vertebral, isto é, uma placa compacta
FIGURA 5.14 -+ Tomografia computado·
rizada de tórax com reconstrução tridi-
mensional evidenciando as estruturas m~
diastinais. a = ventrículo direito; b = átrio
direito; c = veia cava superior; d = tronco
da artéria pulmonar; e = artéria subclávia
esquerda; f = artéria carótida comum es•
querda; g =tronco braquiocefálico arterial;
h = arco aórtico; i = ventrfculo esquerdo; j
= átrio esquerdo.

FIGURA 5.15 -+ Ressonânc.ia magnética de tórax (vista posterior) demonstrando o tronco da artéria pulmonar (a) e seus ramos (b = ramo principal
direito; c = ramo principal esquerdo).

de ossificação que apresenta na sua face posterior um fora- -se entre uma e meia altura vertebral abaixo do respectivo
me para a passagem de uma veia (veia vertebral). Na face corpo. Os processos espinhosos das três últimas vértebras
posterolateral das vértebras torácicas existe o arco vertebral, torácicas apresentam-se como placas planas.
que se continua bilateralmente com os processos espinhosos. Os sete pares de costelas superiores unem-se diretamen-
Os processos espinhosos das vértebras torácicas sobre- te ao estemo, constituindo as chamadas costelas verdadeiras,
põem-se como telhas, de modo que as suas pontas situam- e as cinco últimas costelas são denominadas falsas porque
FIGURA 5.16 -+ Tomografia com·
putadorizada de tórax com recons·
trução tridimensional demonstrao·
do o lóbulo pulmonar secundário.

FIGURA 5.17-+ Tomografia computadori·


zada de tórax com reconstrução tridimen·
sional evidenciando as estruturas ósseas
da parede torácica. a = costela verdadeira;
b = escápula; c = manúbrio; d = tronco
do esterno; e = processo xifoide; f = cos·
telas falsas ou flutuantes.

AGURA 5.18-+ Tomografia computadorizada de tórax com reconstrução tridimensional evidenciando as estruturas musculares da parede torácica. a
= músculo lat[ssimo do dorso; b = grande dorsal; c = peitoral maior; d = peitoral menor; e = músculo serrátil; f = músculo intercostal.

se unem apenas por meio de conexões cartilaginosas com o esterno, aberto em direção posterior. O processo xifoide
esterno. O osso costal é a parte óssea da costela e apresenta pode ser cartilaginoso até a fase adulta, podendo ossificar
cabeça, colo e corpo. O limite entre o colo e o corpo é mar- completamente no idoso ou permanecer com a parte carti-
cado pelo tubérculo da costela. laginosa. Na extremidade cranial ao manúbrio, encontra-se
O esterno compõe-se de manúbrio, corpo e processo a incisura jugular e, lateralmente a ela, dos dois lados, estão
xifoide. Entre o manúbrio e o corpo, situa-se o ângulo do as incisuras claviculares. A incisura clavicular participa da
união articular com a clavícula. Logo abaixo da incisura cla-
vicular encontra-se, no manúbrio, a primeira incisura cos- Leituras recomendadas
Abiru H, Ashizawa K, Hashmi R, Hayashi K. Normal radiographic
tal. No ângulo do estemo fica a segunda incisura costal, que
anatomy of thoracic structurcs: analysis of 1000 chest radiographs in
se une com a segunda costela.
Japanesc population. Br J Radiol. 2005;78(929):398-404.
A caixa torácica é composta por vários músculos que
auxiliam durante a respiração; dentre eles, destacam-se os Carricr G, Fréchcttc E, Ugaldc P, Dcslauricrs J. Correlativo ana·
músculos intercostais internos e externos, os músculos sub- tomy for thc stcrnum and ribs, costovertebral anglc, chcst wall
costais e os músculos escalenos. Os músculos escalenos mo- musclcs and intercostal spaccs, thoracic outlct. Thorac Surg Clin.
2007;17(4):521-8.
vem a musculatura intercostal no sentido cranial. Estes são
os principais músculos da respiração, pois elevam o primeiro De Brux JL, Orcnicr P, Pcmcs JM, Desblcds Ml: Anatomy of thc
e o segundo par de costelas e a parte superior do tórax. Sua lhoracic aona: magnctic rcsonancc imaging and intcrprctation of
ação é ampliada pela extensão no pescoço. Oow phcnomcna. Surg Radiol Anat. 1987;9(2):141-9.
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2006;239(2):322-38. 2007;17( 4):639-59.
Luciano Müller Corrêa da Silva
6
A AGURA 6.1 representa, graficamente, as curvas pressão·
Introdução -volume (P-V) para o pulmão e a parede torácica, isoladas e
A principal função fisiológica do sistema respiratório, em em conjunto. Na capacidade pulmonar total (CPT), a curva
última instância, é a hematose. Esta envolve o transporte de P-V do pulmão demonstra um platô, o que não ocorre na curva
oxigênio (OJ do setor alveolar para o sanguíneo (hemoglo- P-V da parede torácica. Nesse caso, é a elasticidade do pulmão
bina) e de dióxido de carbono (C0 2) do sangue para o al- q ue determina a CPT. Na CPT, a musculatura inspiratória está
véolo. A consequente integração entre os diferentes setores em seu encurtamento máximo. Já no volume residual (VR), a
(pulmão, coração, circulação pulmonar e sistêmica e respira- curva P-V da parede torácica demonstra um platô, não sendo o
ção celular) permite a manutenção de um adequado equill- caso da curva P-V do pulmão, que está até verticalizada. Logo,
brio ácido·básico e a resposta eficiente a qualquer mudança é a limitação da parede torácica que determina o VR.
do estado de repouso para exercício. As duas variáveis mais importantes para a determinação
O sistema respiratório consiste em um aparato mecânico de todos os volumes e capacidades pulmonares são a CRF
responsável pela ventilação alveolar, pelo setor alveolocapi- e a capacidade vital (CV). A CV é o volume máximo expi-
lar e por estruturas que regem o controle de todo o sistema rado, partindo-se da CPT, ou o volume máximo inspirado,
respiratório. partindo-se do VR. O volume de reserva inspira tório (VRI)
é o volume máximo de ar inspirado, partindo-se do volume
corrente (VC). A capacidade inspiratória (CI) é o volume
Princípios da mecânica ventilatória máximo de ar inspirado, partindo-se do repouso expiratório
(CRF). O volume de reserva expiratório (VRE) é o volume
O fole respiratório depende da interação adequada entre o
máximo de ar expirado, partindo-se também, do repouso ex-
pulmão e a parede torácica. A função primordial é garantir
piratório (CRF). Já o VR é o volume de ar presente nos pul-
uma diferença pressórica apropriada entre a atmosfera e o
mões após uma expiração forçada e completa. O VR nunca
sistema respiratório por meio da menor resistência possível
é determinado diretamente por qualquer método de função
(resistência das vias aéreas e resistência tecidual).
pulmonar. Deve-se, primeiro, medir a CRF, obtendo-se o
VR subtraindo-se a CRF pelo VRE.
As diferentes capacidades e os volumes são demonstra-
dos na FIGURA 6.2. Note que a capacidade é sempre a soma
de dois ou mais volumes. É interessante observar que os vo-
lumes mudam de forma considerável entre diferentes indiví-
duos, principalmente de acordo com sexo, idade e altura. Já
a relação de proporção dos diferentes volumes com a CPT
Capacidade pulmonar total (%)
100
/
I Sistema respiratório
I
I
75 I
I

"
Parede torácica/ Pulmão
50
Nível de repouso (CRF)
- - - - "- -
---·- ---,---- 1
I

25 I
I FIGURA 6.1 -+ Curvas pressão-volume para o pulmão e a parede
torácica e da resultante interação entre ambos no sistema respi-
ratório. Para a curva do sistema respiratório, é medida a pressão
ao nível da boca, com uma válvula respiratória ocluída, em di-
ferentes volumes (pressão de relaxamento). Note que o volume
-10 o +1 0 + 20 +30 que representa o ponto de equillbrio entre ambos é a C.RF. Nesse
Pressão (cmH,O) ponto, a pressão de relaxamento é zero.

não varia muito em indivíduos saudáveis, considerando o Na inspiração, a musculatura inspiratória gera uma ten-
mesmo sexo e idade. Em média, a CRF é 40 a 50% da CP1; são na parede torácica, que é diretamente transmitida para
a CI é 50 a 55% da CP1; a CV é 70 a 75% da CPT e o VR é o espaço pleura~ virtual e formado apenas por uma fina ca-
20 a 40% da CPT. O VR, em geral, aumenta com o grau de mada líquida entre as pleuras visceral e parietal. Essa tensão,
envelhecimento etário. por capilaridade, exerce uma tração radial por todo o pa-

---- , ---------~ -------------- ~

I Volume de Reserva Capacidade Capacidade Vital (CV)


I lnspirat6rio (VRI) inspirat6ria
I
I
I
I
I
I
I
I Capacidade
I Pulmonar
I Total (CPT)
I
I
I
I
I
I
- ~ ---------L -------------- ~
Volume Corrente (VC) I I
-----------L--------------,
Volume Corrente (VC) I 1
-------------- ~~~;~;~~-r-- ----------L--r-----------4
Expiratóno (VRE) I I
----------------------- ----0":-
~----,r----,--'i:. --------,
I 1 I
I 1Cap<>cidade Residual I
I 1Funcional (CRF) I
Volume Residual (VR) I I :

-----------------------------------~----~-----------~
FIGURA 6.2 -+ Capacidades e volumes pulmonares. Observe que a capacidade pulmonar total, o volume residual e a capacidade residual funcional
(linhas e setas em preto) não podem ser obtidos pelas manobras expirat6rias e inspirat6rias de forma direta na espirometria.
rênquima pulmonar, transmitida para as paredes alveolares A complacência pulmonar estática varia de acordo com
e paredes das vias aéreas, o que provoca uma diferença de o volume pulmonar. Em volumes mais altos, a complacência
pressão entre essas estruturas e a atmosfera, determinando do pulmão costuma ser menor, e em volumes mais baixos,
por sua vez a geração de fluxo aéreo. maior. A inclinação da curva P-V ao longo da CV é a com-
Em primeira instância, a magnitude necessária para a ge- placência estática, que varia de acordo com o tipo de doença,
ração dessa pressão depende da complacência da parede to- ou alteração (obstrução primária de vias aéreas, enfisema,
rácica e dos pulmões. Complacência pulmonar estática, que é fibrose pulmonar). Nota-se que, no paciente com asma, o
uma medida da distensibilidade do pulmão, é a variação devo- formato e a inclinação da curva costumam ser similares ao
lume produzida por uma variação na pressão estática (quando normal, enquanto no enfisema a curva está marcadamente
não há fluxo aéreo por pelo menos 1,5 s) de 1 cmHzO ao longo inclinada para a esquerda (FIGURA 6.3). Isso ocorre porque
do pulmão, ou seja, entre a superficie pleural e a boca. o parênquima pulmonar na asma costuma ter complacên-
A diferença entre a pressão da superfície pleural (medida, cia normal, enquanto no enfisema está bastante reduzido.
na prática clínica, pela pressão esofágica) e a pressão da boca Observa-se que, em doenças restritivas que reduzem a elas-
é denominada pressão transpulmonar. Complacência estática ticidade pulmonar (fibrose), a curva P-V está notadamente
da parede torácica é a alteração do volume pulmonar gerada inclinada para baixo (complacência menor). Na obesidade, o
por uma variação da pressão estática ao longo da parede torá- formato da curva é semelhante ao normal, embora varie em
cica, ou seja, entre a superfície pleural e a superficie externa volumes menores (FIGURA 6.4).
da parede. A complacência total do sistema respiratório é a A complacência pulmonar também pode ser determina-
variação de volume gerada por uma pressão de 1 c~O ao da durante a ventilação (quando há fluxo aéreo). Nesse caso,
longo da parede torácica e dos pulmões. A unidade de medida é denominada complacência dinâmica (Cdin). É definida
da complacência (C) é UcmH,O. A fórmula genérica é: como a variação de volume durante um ciclo respiratório
(VC) dividida pela variação de pressão transpulmonar do
final da expiração para o final da inspiração. Assim como a
C=!!.V/M' complacência estática, seu valor também depende do volu-
me pulmonar no qual ocorre a ventilação.

Asma

Normal

Volume (L)

FIGURA 6.3 ~ Relação P-V em pacientes com limitação


ao fluxo aéreo.
Pressão transpulmonor (cmH,O)

Normal

Volume (L)

FIGURA 6.4 ~ Relação P-V em pacientes com doença


restritiva.
Pressão transpulmonar (cmH 20 )
Além da resistência elástica dos pulmões e da parede to- A relação entre as medidas simultâneas da Pf e do fluxo
rácica, durante a inspiração, a musculatura respiratória deve aéreo (F) em diferentes graus de insuflação pulmonar pro-
fornecer uma força suficiente para vencer a resistência ao duz uma relação pressão-volume que representa a resistên-
fluxo aéreo das vias aéreas superiores e da árvore traqueo- cia ao fluxo aéreo (Raw) . O gráfico é representado na FIGURA
brônquica. Uma terceira resistência envolve a inércia para o 6.6. Esse achado é importante, pois sempre deve ser infor-
deslocamento (aceleração e desaceleração) dos gases e teci- mado o volume pulmonar em que foi medida a resistência
dos, mas ela geralmente é desprezível em condições normais. ao fluxo aéreo. Em volumes maiores, há menor resistência
Na expiração, a força necessária para vencer a resistência ao para a expiração e maior para a inspiração. Em volumes me·
fluxo aéreo costuma ser fornecida pela própria retração elás- nores, há menor resistência para a inspiração e uma ainda
tica dos pulmões. Tanto em distúrbios obstrutivos quanto na maior para a expiração. Em indivíduos normais, a resistên-
expiração forçada, a retração elástica não é suficiente para cia ao fluxo aéreo varia de 1 a 3 cmHp/Us. Em pacientes
sobrepujar a resistência das vias aéreas. Para o cãlculo da com doença obstrutiva, esse valor pode aumentar mais de
resistência, aplica-se a seguinte fórmula (R = resistência, 10 vezes. A partir das curvas fluxo-pressão isovolumétricas,
t.P,. =diferença de pressão entre boca e alvéolo, F= fluxo): é possível calcular a resistência em cada volume. O resultado
da relação volume-resistência é hiperbólico (FIGURA 6.7). Já a
condutância de vias aéreas (l/resistência), Gaw, está linear-
R= t.P,JF(cmH20/Us) mente relacionada com volume. A inclinação da relação en-
tre a Gaw e o volume pulmonar é denominada condutância
Relacionando-se as alterações simultâneas de volume específica (sGaw) (FIGURA 6.8).
e pressão (diferença pressórica pleura-boca) na inspiração Conforme verificado antes, há aumento exponencial da
e expiração, pode-se deduzir uma alça de pressão-volume resistência das vias aéreas em volumes decrescentes. Con-
(FIGURA 6.5). Seus limites definem a pressão total (Pt) rela- tudo, embora as pequenas vias aéreas (calibre de até 2 mm)
cionada com qualquer volume no ciclo respiratório. Dessa sejam bem mais numerosas e representem uma área seccio-
alça, podem ser calculadas a pressão necessária para vencer nal muito maior do que a das vias aéreas maiores, a resis-
a resistência elástica (Pe) e a pressão necessária para vencer tência total das pequenas vias aéreas na periferia do pulmão
a resistência ao fluxo aéreo (Pf): constitui, provavelmente, menos de 20% da resistência total
das vias aéreas. Conforme o gráfico fluxo-pressão isovolu-
métrico (ver FIGURA 6.6), em volumes pulmonares menores,
Pt=Pe + Pf a resistência ao fluxo aumenta quase em proporção direta
com o aumento da pressão transpulmonar. Nesse nível, esse
Nos extremos da alça (final da inspiração e fmal da expi- aumento da resistência está relacionado com a compressão
ração), não há fluxo aéreo. Nesses pontos, a Pt é igual à Pe. dinâmica das vias aéreas. Em parte por causa desse fenôme-
Durante um ciclo respiratório normal, pode-se admitir uma no, é possível que não sejam detectados pela espirometria
variação linear da pressão elástica ao longo do eixo do volu- (mesmo na medida de resistência das vias aéreas pela ple-
me. Consequentemente, Pf = Pt - Pe em qualquer ponto do tismografia) até mesmo alterações ou doenças significativas
gráfico. Considerando que a complacência (C) = óV/óPe, que acometam as pequenas vias aéreas.
Pe = ó V/C. Logo, a pressão necessária (Pf) para vencer a Esse conceito pode ser mais bem ilustrado na FIGURA 6.9,
resistência ao fluxo em qualquer volume é: que demonstra um momento especifico de fluxo máximo em
um determinado volume. Supondo que a pressão de retração
elástica do pulmão (P") seja 10 emlf,O e a pressão pleural
Pf= Pt-óV/C (Pr' - resultado do esforço muscular sobre a parede torácica)
seJa 20 cmH2 0, a pressão alveolar (Pa~v) seria a soma de P pl

8
Vol ume (L)

0,7

FIGURA 6.5 -+ Relação entre volume e variação pres-


sórica ao longo dos pulmões em um ciclo respirató-
rio. A linha A·B representa a pressão necessãria para
vencer a resistência elástica do sistema respiratório
em qualquer volume. São demonstradas as pressões
A necessárias para vencer a resistência ao fluxo aéreo
durante a inspiração (DE) e a expiração (CO) em um
-5 -10 volume 0,7 L acima da CRF em um individuo sau-
dável.
Pressão transpulmonar (cmH 10 )
8
Volume pulmonar alto

Volume pulmonar médio

- - - -- -...:Y:,:::
,olume pulmonar baixo

+5 +1 0 +15 +20 +25


Pressão transpulmonar (cmH10) FIGURA 6.6 ~ Curvas fluxo-pressão isovolumétricas
em um individuo normal em três niveis de insufla-
ção pulmonar. Em todos os volumes pulmonares, o
fluxo inspiratório máximo aumenta com um esforço
maior (pressão transpulmonar negativa maior). O flu-
xo expiratório máximo também aumenta com maior
esforço em um volume pulmonar maior. Em volumes
pulmonares menores, um esforço maior (pressão
transpulmonar mais positiva) aumenta o fluxo aéreo
até um máximo, sendo que um esforço maior não
produz maior fluxo e pode até mesmo levar a sua
redução, provavelmente pela compressão excessiva
Fluxo inspirat6rio (Vs) das vias aéreas.

Volume(l)

FIGURA 6.7 ~ Relação entre volume pulmonar e resistência


ao fluxo aéreo em individuo normal. Note-se que se trata de
uma relação hiperbólica. Em volumes maiores, devido à maior
pressão transpulmonar, as vias aéreas estão mais distendidas,
4 6 de modo que o fluxo aéreo é maior do que em volumes pulmo-
nares menores.
Resistênci• (cmH,O/Vs)

+ P.,, ou seja, 30 cm~O. Como a pressão inicial das vias modo que o PIP se desloca cada vez mais na direção do al-
aéreas, logo antes da expiração, é igual à atmosférica (zero), véolo, o que determina um fluxo ainda menor. Dessa forma,
a pressão das vias aéreas (Py...) reduz do alvéolo em direção os seguintes fatores determinam os fluxos expiratórios máxi-
à boca, sendo que existe um ponto no qual a pressão no in- mos (em uma expiração forçada):
terior das vias aéreas é igual à pressão que as circunda. Esse
ponto chama-se ponto de igual pressão (PIP). • As propriedades elásticas do pulmão. Quanto maior are-
O PIP não apresenta uma localização anatômica espe- tração elástica, mais o PIP se desloca na direção dos seg-
cífica, simbolizando apenas um modelo representativo da mentos brônquicos mais distais. Dessa forma, um fluxo
dinâmica das vias aéreas. A montante do PIP (na direção da maior pode ser obtido com volumes menores em doenças
boca), as vias aéreas estão sujeitas à compressão da pressão pulmonares restritivas (p. ex., fibrose pulmonar). Da ou-
pleural. Esse processo é dinâmico, pois à medida que o flu- tra forma, quanto menor a retração elástica, menos o PIP
xo na via aérea diminui, a pressão dentro dela também, de se desloca para os segmentos brônquicos mais distais, li-
Volume (L)

RGURA 6.8 -+ Relaçjo entre volume pulmonar e Gaw (condutAncia


das vias aéfeas) em individuo normal. A condutância aumenta line-
0.25 0,5 0,75 1,0 1,25 armente com um maior volume. A inclinação dessa reta nepresenta
ConduUncõo d~s voas HrNS (VsfcmH10 ) a conduUncia específica (sGaw).

A hiperinsuflação é, justamente, um mecanismo de defe-


sa dos pacientes com doença obstruúva para tentar reduzir
o efeito da obstrução (seja por meio de redução da retra-
ção elástica, seja por obstrução das vias aéreas intratoráci-
cas). Nessa situação, o paciente ventila melhor em volumes
maiores, pois há maior distensão da parede das vias aéreas.
Um efeito colateral importante desse processo é o marcado
aumento do trabalho ventila tório, mesmo sem uma efiCácia
ventilatória adequada.
Constantes de tempo distribuídas de maneira desuni-
forme nos pulmões afetam a complacência dinâmica, prin-
cipalmente em frequências respiratórias mais altas. Quando
o VC é inalado de forma bem lenta (baixo fluxo), o ma.i or
obstáculo à variação de volume é a própria retração elású-
ca do pulmão. Quando a frequência respiratória aumenta,
as unidades pulmonares onde a resistência é maior recebem
menos ar e insuflam menos do que as de resistência menor.
Isso ocasiona uma necessidade maior de aumento da pressão
transpulmonar (aP), porém com menor volume inalado.
FIGURA 6.9-+ Um momento específico em que as forças atuam sobre Como complacência dinâmica é VC/óP, existe uma
o tórax durante uma expiração forçada (ver texto). redução progressiva da complacência à medida que a fre-
quência respiratória aumenta em pacientes com doença
obstrutiva, o que não ocorre em pacientes normais, mesmo
em frequências respiratórias de até 60/minuto. Esse com-
mitando o fluxo precocemente, mesmo em volumes pul- portamento {dependência da complacência dinâmica em
monares maiores (p. ex., enfisema pulmonar). relação à frequência respiratória) tem importância funda-
• A resistência das vias aéreas intratorácicas. Nos casos mental na redução da capacidade de exercício e nos ajustes
de obstrução dessas vias aéreas, a compressão dinâmica da venúlação mecânica em pacientes com doença pulmo-
ocorre mais rapidamente, pois se parte de uma via aérea nar obstruúva. Além disso, se a complacência dinâmica
com calibre menor. O PIP, nesse caso, também se desloca diminui com o aumento da frequência respiratória, mas a
menos para os segmentos mais distais das vias aéreas, o complacência estáúca pulmonar e a resistência das vias aé-
que determina uma redução ainda maior do fluxo aéreo, reas são normais, isso é altamente indicativo de doença de
mesmo em volumes maiores. pequenas vias aéreas.
Esses conhecimentos da mecânica venúlatória são es-
Dessa forma, o tempo que uma determinada unidade senciais para a compreensão dos resultados obtidos na cur-
pulmonar leva para esvaziar (constante de tempo ou t) é di- va fluxo-volume pela espirometria. Na FIGURA 6.10A, está
retamente proporcional à complacência e à resistência das demonstrada a relação entre as curvas pressão-volume iso-
vias aéreas. Na práúca, a constante de tempo é o produto volumétricas e a curva fluxo-volume. Uma consequência
entre a resistência {R) e a complacência (C): importante dessa relação é que, por mais que se aumente a
pressão transpulmonar, jamais os fluxos máximos possíveis
podem ser ultrapassados. Dessa forma, a alça expiratória
da curva fluxo-volume nunca poderá ser ultrapassada, por
mais esforço (aumento da pressão transpulmonar) que um
indivíduo normal faça em diferentes volumes (FIGURA 6.108). das vias aéreas. Nessa situação, a maior parte do trabalho do
A alça expiratória somente será modificada caso se altere a sistema respiratório é gasta no ciclo inspira tório. Na inspira-
unidade de tempo de esvaziamento dos pulmões, seja por ção, o parênquima pulmonar é distendido e acumula energia
alteração na complacência, seja por alteração na resistência potencial. Na expiração espontânea, graças a essa energia
das vias aéreas. potencial acumulada, há grande auxilio do processo de re-
Para o cálculo do trabalho respiratório, ver FIGURA 6.11 . tração elástica pulmonar e o trabalho expiratório torna-se
Em física, trabalho (W) é calculado como o produto entre bem reduzido em relação ao trabalho total do sistema. Em
força e distância. Em fisiologia respiratória, o análogo da um individuo normal, a energia potencial acumulada pelo
força é a pressão transpulmonar e o da distância é o volume. parênquima pulmonar na inspiração é mais do que suficien-
Para o cálculo do W, basta o cálculo da área do gráfico cor- te para vencer a resistência das vias aéreas.
respondente ao momento respiratório (FIGURA 6.11). Em um Em indivíduos com asma grave, a alça expiratória encon-
indivíduo normal, no qual a resistência das vias aéreas é bai- tra-se muito desviada para a esquerda, até mesmo ultrapas-
xa, a maior parte do W respiratório serve para vencer a resis- sando os limites da área do trabalho elástico do sistema res-
tência elástica do sistema respiratório (dois terços do total). piratório (FIGURA 6.12A). Como o parênquima pulmonar está,
Uma energia mínima é despendida para vencer a resistência em princípio, preservado na asma, a complacência estática

Fluxo Fluxo
Volume ulmonar alto

Votume pulmonar médio

Volume pulmonar baixo

Capocidode vitol forç;>do


Pressão transpulmonar (cmH,O)

a
Fluxo

Fluxos máximos em diferentes volumes

FIGURA 6.10 -+ Relação entre as curvas fluxo-pressão


isovolumétricas e a curva fluxo-volume obtida na espi-
rometria. Observe que os fluxos máximos obtidos em
cada porção da capacidade vital são os mesmos fluxos
máximos obtidos nos volumes correspondentes da cur-
va isovolumétrica (A). Por maior que seja o aumento do
esforço (pressão transpulmonar) em diferentes volumes,
não é possível a ultrapassagem dos fluxos máximos do
"envelope" representado pela curva fluxo-volume.
Volume (L)

0,7

FIGURA 6.11 -+ Representação gráfica do trabalho mecânico (W)


necessário para a ventilação em volume corrente em um indiví-
duo saudável. Winspiratório = área correspondente a OABCD.
Wexpiratório = área correspondente a AECFA. Welástico = área
A correspondente a OAECDO. Wresistência das vias aéreas = área
correspondente a ABCEA.
Pressão transpulmonar (cmH10)

é normal, de modo que a inclinação da reta expiração-inspi- resistência das vias aéreas em indivíduos normais é conside-
ração final está normal. Nessa situação, a energia potencial rada pequena. Nestes, a frequência respiratória média que
acumulada na inspiração é insuficiente para sobrepujar are- envolve um mínimo gasto energético parece estar em torno
sistência das vias aéreas, o que demanda um esforço ativo da de 15/minuto.
musculatura expiratória. Em indivíduos com fibrose, a com- Em indivíduos com doença restritiva (p. ex., 6brose pul-
placência estática está muito reduzida (maior inclinação da monar), é necessário um aumento da frequência respiratória
reta inspiração-expiração final para a direita). Nesse caso, para minimizar o trabalho resistivo elástico. Consequcnte-
o que está muito aumentado é o trabalho elástico (FIGURA mentc, a frequência respiratória média necessária para mini-
6. t 28). O trabalho da resistência das vias aéreas e o da pró-
mizar o gasto energético ventilatório nesses pacientes é alta.
pria expiração podem estar até reduzidos.
Em indivíduos com doença obstrutiva, é o trabalho resistivo
A partir de agora, não é difícil entender como o traba-
das vias aéreas que está aumentado, levando esses pacientes
lho respiratório pode influenciar no padrão ventila tório. Em
a compensar isso pela redução da frequência respiratória e
geral, quando um indivíduo normal ventila mais profunda-
mente (aumento do volume inspiratório e expiratório com pelo aumento do VC. No entanto, essa regra não é válida
frequência respiratória baixa), a necessidade de trabalho em todos os casos. Em pacientes com hiperinsuflação e obs-
elástico aumenta e a da resistência das vias aéreas se reduz. trução severa, a ventilação ocorre nos extremos da relação
Em frequências respiratórias maiores com um VC menor, pressão-volume. Consequentemente, o trabalho elástico
o trabalho elástico é minimizado, mas o da resistência das pode aumentar muito e a frequência respiratória pode se
vias aéreas aumenta. No entanto, o gasto enérgico total ain- elevar. Com a elevação da frequência respiratória, é possível
da é pequeno, pois a complacência dinâmica altera-se mi- que haja redução da complacência dinâmica com aumento
nimamente, mesmo em frequências respiratórias altas, e a adicional desse trabalho elástico.

Volume(L) Volume(!)

0,7 0,7

Pressão transpulmonar (cmH,O) Pressão transpulmonar (cmH20)

D
FIGURA 6.12 -+ Trabalho mecânico ventila tório de um paciente com asma (A) e de outro com fibrose pulmonar (B).
Para a realização desse trabalho venti latório, é neces- indivíduos saudáveis, o E MA e o EMF são, praticamente, os
sária a ação da musculatura respiratória e o consumo de mesmos (150 mL ao repouso, ou 20 a 30% do VC). Em pneu-
oxigênio. Em indivíduos saudáveis, em repouso, o VO, do mopatas, podem existir tanto alvéolos bem ventilados com per-
sistema respiratório está em torno de 0,3 a 1,8 mi.JL de ven- fusão inadequada como ventilação compensatória de alvéolos
tilação, representando, aproximadamente, 1 a 3% do total preservados com perfusão normal. Nesses dois casos, uma pro-
do consumo de oxigênio. Um fator importante é a segurança porção significativa de ar alveolar não participa da hematose.
ventilatória garantida pela adequada perfusão sanguínea do
diafragma. Mesmo em situações de baixo débito cardíaco {p.
ex., choque), o fluxo sanguíneo diafragmático pode exceder
em até 20% aquele. No entanto, em situações como o exer-
~ATENÇÃO
cício extremo, esse consumo pode aumentar de forma consi-
Ventilação alveolar é a proporção do ar inspirado
derável, representando uma parcela significativa do V02 to-
que está envolvida na hematose. Em última instân-
tal. Em indivíduos doentes, mesmo em repouso, a proporção
cia, é o ar ventilado mais importante para o processo
do V02 total para a ventilação aumenta consideravelmente. respiratório de fornecimento de oxigênio sanguíneo.
No caso de pacientes com enfisema e tllperinsuflação, por
exemplo, existe um gasto energético desproporcional com
pequenos incrementos na ventilação. Mesmo com volumes-
-minuto baixos, o gasto energético desses pacientes pode ser Vários fatores influenciam o grau de ventilação alveolar:
de 4 a 10 vezes maior do que em pessoas saudáveis (FIGURA ventilação-minuto, frequência respiratória, VC, EMF. Para
6.13). O maior trabalho resistivo e elástico associado à menor a mesma ventilação-minuto, um aumento no EMF (p. ex.,
eficiência ventilatória com grande gasto energético é um im- enfisema) ou uma diminuição no VC (p. ex., obesidade) pro-
portante desencadeador de dispneia nesses pacientes. voca uma redução da ventilação alveolar. O impacto sobre a
hematose é ainda maior se há redução simultânea de ambos
os fatores. A ventilação alveolar, obviamente, não é o único
fator determinante nas trocas gasosas. O nível da PaC02 al-
Ventilação pulmonar veolar e arterial é influenciado pela relação entre produção
Conforme discutido na introdução, a função primordial do metabólica de 002 e ventilação alveolar (VC02 é a produ-
sistema respiratório é a hematose: transferência eficaz de ção de dióxido de carbono, V"' ventilação alveolar):
oxigênio do alvéolo para o sangue capilar e de dióxido de
carbono do sangue capilar para o alvéolo. Em circunstâncias
normais, um indivíduo respira, aproximadamente, de 6 a 8 PaC02 (mmHg) = (VC02 [mUmin] x 0,863) I Va (U min)
litros de ar por minuto. No entanto, não é a quantidade de ar
ventilado que importa, mas sim o volume de ar envolvido nas Quando o nível de ventilação alveolar é inadequado em
trocas gasosas entre o alvéolo e o sangue capilar. relação à produção de C02o a PC02 alveolar e arterial aumen-
A boca, a cavidade nasal, a faringe, a laringe, a traqueia, ta, ocorrendo hipercapnia (PC02 > 45 mmHg ao nível do
os brônquios e os bronquíolos formam o chamado espaço mar). Quando a ventilação alveolar sofre um aumento des-
morto anatômico (EMA). No entanto, o EMA é um conceito proporcional em relação à produção de C02, a PC0 2 alveo-
sem muita importância para a fisiologia. Importa muito mais o lar e arterial reduz-se (menos de 35 mmHg ao nível do mar),
chamado espaço morto fisiológico (EMF), definido como o ar ocorrendo hipocapnia. Devido à grande difusibilidade do C02o
que inclui todo o EMA e todo o ar alveolar que não apresen- o que permite um rápido equilíbrio nas pressões parciais, a
ta hem atose (alvéolos com pouca ou nenhuma perfusão). Em PaC02 (arterial) é praticamente similar à PACO, (alveolar).
Logo, a PaC02 pode ser considerada uma medida precisa da
capacidade da ventilação alveolar de compensar a produção
( nfiscma
de C02• Já não ocorre o mesmo com o 0 2• Devido à dífusibili-
dade menor, e ao fato de que a maior parte do 0 2 está ligada à
hemoglobina, as diferenças que normalmente ocorrem entre a
distribuição da ventilação e da perfusão nos pulmões, mesmo
em indivíduos normais, fazem com que a Pa02 não seja uma
medida fidedigna da PA02• A Pa02 é, aproximadamente, em
indivíduos normais, 10 mmHg menor do que a PA02 ( diferen-
ça alveolocapilar, ou P(A-a)02). O fator que mais influencia a
P(A-a)O, é a relação ventilação-perfusão (V/Q).
A distribuição da ventilação nos diferentes setores dos
200
~--------------------------
20
"'
80
VM~o(Vmin)
.. pulmões não costuma ser uniforme. Ela depende, funda-
mentalmente, da posição, do VC e do volume pulmonar em
que ocorre a ventilação (VR, CRF e CPT). Em um indivíduo
AGURA 6.13 -+ Variação da V02 associada com a ventilação em indiví-
normal, em posição ortostática, em repouso, em VC (ven-
duos normais e doentes.
tilação que ocorre próximo à CRF), as pressões pleurais
costumam ser mais negativas nos lobos superiores (estima- que 1 mmHg. O fluxo sanguíneo capilar pulmonar é pulsá-
-se que a pressão pleural aumente em torno de 0,25 ~O til (pulsos gerados pelas contrações do ventrículo direito).
por em de distância do terço superior ao terço inferior dos Isso é demonstrado pelo fato de que as trocas gasosas ins-
pulmões). Logo, nos lobos superiores, os alvéolos estão mais tantâneas oscilam de acordo com os batimentos cardíacos.
distendidos e mais próximos do limite superior da curva P-V. O Jeito capilar pulmonar apresenta uma capacidade grande
Nessa localização e em tais condições, a ventilação costu - para acomodar o grande aumento da volemia durante o
ma ser menor do que nos lobos inferiores. Caso o indivíduo exercício. Além disso, também funciona como uma reserva
mude de posição, essa relação pode ser alterada. De forma de sangue que não é sempre necessária para o organismo.
geral, devido às influências da gravidade sobre a pressão Essa reserva pode ser drenada, por exemplo, pelo trato
pleural, são as porções mais pendentes as mais bem ventila- gastrintestinal durante a digestão, ou pela pele, quando há
das na CRF. No entanto, se o indivíduo ventilar forçosamen- necessidade de dispersão de calor.
te próximo à CPT, essas diferenças regionais diminuem mui- Em indivíduos normais, a distribuição do fluxo pulmonar
to, pois todo o pulmão estará no limite da curva P-V, embora é determinada, principalmente, por dois mecanismos:
a ventilação se reduza substancialmente. E m uma ventilação
forçada próximo ao VR, as porções pendentes poderão ter • Gradiente vertical de pressão devido à força gravitacio-
uma ventilação menor pelo fechamento mais precoce das nal: o fluxo pulmonar é maior nas áreas mais pendentes.
vias aéreas. A melhor uniformidade do fluxo pulmonar pode ser ob-
No entanto, a relação V/Q altera-se entre as porções tida na posição prona.
mais e menos pendentes dos pulmões. Em um indivíduo nor- • Anatomia local: o fluxo entre os lobos pulmonares é dis-
mal, em posição ortostática, em VC, em repouso, embora tribuído desigualmente.
os lobos superiores sejam menos ventilados e perfundidos,
a relação VIQ é maior do que nos lobos inferiores. Os lobos Outros mecanismos que podem influenciar a distribui-
superiores são hiperventilados em relação à sua perfusão, ção do fluxo pulmonar são o grau de expansão pulmonar e o
enquanto os lobos inferiores são hipoperfundidos em rela- fechamento crítico das arteríolas. A vasoconstrição hipóxica
ção à sua ventilação. também regula a circulação pulmonar pelo aumento do tô-
nus vasomotor.

Circulação pulmonar Gradiente vertical do fluxo sanguineo


A função mais importante da circulação pulmonar é o trans- Estudos utilizando gases radioativos demonstram claramen-
porte do sangue que vem dos tecidos até os capilares pul- te uma variação da perfusão pulmonar ao longo do eixo ver-
monares, onde ocorre a h ematose. Em condições normais, o tical dos pulmões com o indivíduo sentado ou em posição
leito capilar pulmonar contém entre 50 e 100 mL de sangue, ortostática. Nessa situação, quatro zonas de distribuição da
com melhor perfusão nas porções pendentes dos pulmões. perfusão pulmonar foram identificadas (FIGURA 6.14).
Esse volume está contido em uma trama microvascular de Na zona 1 a pressão alveolar (PA) excede a pressão arte-
capilares com uma área de superfície estimada em 70 m2, rial pulmonar (PJ, de modo que os vasos septais são com-
cuja capacidade é de, aproximadamente, 200 mL. primidos e o fluxo é bem reduzido. Algum fluxo é mantido
nos vasos interseptais. O fluxo somente é restabelecido nes-
sa zona no caso de exercício, hipoxia ou posição supina. Na
0 ATENÇÃO
zona 2, a P, excede a PA, mas somente durante a fase sistólica
do ventrículo direito. Essas duas pressões são, por sua vez,
maiores do que a pressão venosa (P.). Na zona 3, a pressão
Os vasos pulmonares apresentam uma fina parede
de vazão é a diferença entre P, e P.,. A pressão intravascu-
vascular, são facilmente distensfveis e caracterizados
lar aumenta caudalmente junto com o fluxo. Essa é a região
por baixas pressões e baixa resistência ao fluxo.
mais perfundida dos pulmões. A zona 4 é a parte mais pen-
dente dos pulmões, sendo a pressão hidrostática intravascu-
lar relativamente alta. Em condições normais, há passagem
A resistência vascular pulmonar é calculada pela razão de uma pequena quantidade de líquido para o espaço inters-
entre diferença de pressão e fluxo. A diferença de pressão ticial. Nessa zona, o fluxo é menor do que na zona 3 devido
na circulação pulmonar total é a diferença entre a pressão da à compressão dos alvéolos e capilares pela ação da própria
artéria pulmonar e a pressão do átrio esquerdo. gravidade.
Em condições normais, com um fluxo de 6 L/minuto
e uma diferença de pressão de 9 mmHg, a resistência da
circulação pulmonar é de 1,5 mmHg/Limin. Esse valor re- Expansão pulmonar
presenta apenas 10% da resistência vascular sistêmica. A A distribuição do fluxo pulmonar também é influenciada
maior parte da resistência da circulação pulmonar está nas pelo grau de expansão pulmonar. O fluxo máximo e o mf-
arterfolas e nos capilares, havendo relativamente pouca nimo possível podem ser obtidos na CPT. Nesse volume
resistência no sistema venoso. A diferença de pressão en- pulmonar, ele é máximo na zona 3 e mínimo na zona 1. É
tre os capilares pulmonares e o átrio esquerdo é menor do interessante observar que o fluxo máximo na zona 1 é obtido
no VR, onde a compressão vascular pela pressão alveolar é a compensação torna-se insuficiente, o gradiente P(A-a)02 é
menor nessa região em tal volume. o primeiro a ser alterado.
Há casos extremos em que o sangue arterial pulmonar
não passa por qualquer alvéolo ventilado, ou não ventilado.
Relação ventilaçáo·perfusão Essa situação denomina-se verdadeira mistura venosa, ou
As trocas gasosas são ideais quando a relação entre ventila- shunt. Mesmo em indivíduos normais, existeshunt. Em torno
ção e perfusão alveolar está equilibrada. No entanto, pelas de 2 a 3% do Ouxo sanguíneo pulmona.r podem normalmen-
caracteristicas regionais de distribuição ventilatória e perfu- te misturar-se à circulação sistêmica e também originar-se
sional, este emparelhamento não é uniforme. A RGURA 6.15 das veias de Tebésio e veias brônquicas, as quais drenam di-
demonstra isso. lbdavia, essas diferenças não são importan- retamente para as eãmaras cardiacas esquerdas.
tes no que se refere à fisiologia. A P(A-a)02 é, aproximada- A verdadeira mistura venosa está aumentada, por exem-
mente, 5 a 15 mmHg em indivíduos normais, sendo a PaCO, plo, nos casos de algumas doenças cardíacas congênita.s (p.
e a PAC02 quase equivalentes. Em situações de doença, po- ex., comunicações interventriculares e interatriais) e na sin-
dem ocorrer alterações nesse gradiente. drome bepatopulmonar por fistulas arteriovenosas.
Quando há mais áreas pouco ventiladas, mas relativa-
mente bem perfundidas, a relação V/Q é baixa. Há trans-
ferência de mais sangue não oxigenado para a circulação
venosa pulmonar e a ocorrência da chamada perfusão Difusão e trocas gasosas
com mistura venosa sfmile. Nessa situação, há aumento da O movimento de moléculas de um gás de uma zona de alta
P(A-a)0 2 e redução da Pa02• Quando essa mistura fica ex- pressão parcial para uma zona de menor pressão é chamado
cessiva, a ventilação torna-se insuficiente para a produção de difusão. A difusão pulmonar ocorre no setor alveolar e é
metabólica de dióxido de carbono e há hipereapnia. exclusivamente passiva. Os fatores envolvidos no processo
Quando alvéolos bem ventilados apresentam perfusão de difusão obedecem à chamada lei de Fick, demonstrada
muito reduzida, ou ausente, a relação V/Q é alta (p. ex., em- nesta fórmula:
bolia pulmonar). Essa situação é denominada espaço morto
alveolar, pois o ar alveolar contido nessas regiões pulmona-
res não participa da hematose e sua composição é similar à Vgás/min = [A.D.(P, - PJVf
da mistura gasosa presente na árvore traqueobrônquiea. A
Pa02 e a PaC0 2 tendem a não se modificar de forma signi-
ficativa, mesmo com aumento expressivo do espaço morto Vgás : volume de gás difundido/minuto
alveolar. Inicialmente, há aumento da ventilação-minuto e A : área da superfície da membrana em em'
aumento da perfusão nas áreas preservadas. Quando essa

PA p Pv} Aigum fluxo oco.-re


> a> em vasos inteneptais

~ Pa=PA

2
p~
'___/\__.

- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - ~>Pv>PA

4
FIGURA 6.14-+ Oistribuiç~o do fluxo pulmonar em indívfduo sau-
dável, em repouso, em posiç.\o ortost.ltica.
-------
Fluxo sanguíneo Ventilaçio pulmonar VIQ
po< unid~de de por unidade de volume
volume pulmon•r
Ruxo unguíneo

--- --- ---- .·


FIGURA 6.15 ~ Distnbuição da ventilação e da
perfusão pulmonar em posição ortostAtica. Tanto
VIQ a ventilação quanto a perlusão são menores no
. . . ... ... . . terço su~or, embora a relação V/Q seja mais
equilibrada nesse nfvel. No terço inferior. a ven·
tilação é menor em relação à perfusão (relação
Pulmão em posição ortostática Terço superior
VIQ menor).
Ttrço inferior

P,- P2 m diferença de pressão parcial pela membrana em alterada. O resultado é que, no estado de repouso, em pa·
mmHg cientes com predomínio enfiscmatoso, hipoxcmia c hipercap·
T • espessura da membrana, ou distância para a difusão nia costumam ocorrer somente nas fases mais avançadas da
em em doença. Contudo, o distúrbio da difusão no enfisema pode
D • coeficiente de difusão, ou difusibilidade do gás (Da ter repercussão clínica caso o paciente seja submetido a excr·
solubilidadc:tJpeso molecular) cício. Nessa situação, a redução do fator de transferência do
0 2 é acentuada e pode ocorrer hipoxemia. No caso da fibrose
pulmonar, em repouso, a redução da difusão colabora apenas
com 19% da P (A·a)Ol' O restante é devido ao desequílibrio
V/0. No exercfcio, a P(A·a)02 aumenta, sendo que 40% des-
sa diferença são atribuíveis à redução da difusão. A relação
V/0 não se altera de forma signifiC8tiva. Além disso, existem
também alterações estruturais na vasculatura pulmonar, o
que colabora para o desequillbrio V/0 na fibrose pulmonar.

Transporte de oxigênio
O oxigênio que se difunde do alvéolo para o sangue capilar
Existe uma grande diferença de solubilidade entre o 0 2 e é tranSportado aos tecidos dissolvido no plasma, ou pela he·
o CO:- O C02 é quase 25 vezes mais solúvel e 20 vezes mais moglobina presente nas hemácias. A Pa01 do sangue normal
difusível do que o 0 2• Por esse motivo, é muito mais difícil está em tomo de 11,3 a 13,3 kPa (média de 90 mrnHg).
que ocorram alterações de difusão do CO, por alterações na
membrana alveolocapilar. No entanto, o tempo de equilí-
brio entre as pressões parciais alveolocapilares para o CO, é
maior do que para o 0 2, pois o C02 apresenta uma curva de
dissociação linear e a reação com componentes sanguíneos
se dá de forma mais lenta. A ligação do 0 2 à hemoglobina
permite que o equillbrio entre as pressões parciais seja rápi·
do (em tomo de 0,25 s), bem menor do que o tempo de trân-
sito das hemácias nos capilares pulmonares, seja em repouso
(0,75 s) ou no exercício intenso (0,3 s). Em tomo de 1 grama de hemoglobina é capaz de se com·
Os fatores que afetam a difusão pulmonar são todos binar quimicamente com 1,39 mL de oxigênio. Logo, em um
aqueles descritos na equação de Fick (gradiente de pressão indivíduo saudável com uma concentração de hemoglobina
alveolar, espessura e área de superficie da membrana alveo· de 15 g/100 mL, o sangue é capaz de transportar 20,85 mL
locapilar). No entanto, a maior parte das alterações da Pa01 de oxiemoglobina por 100 mL de sangue. No ar ambiente, a
e da PaC0 2 nas situações de doença, no estado de repouso, hemoglobina não pode ser completamente saturada em sua
deve-se mais a alterações na relação V/0 do que propria· capacidade máxima (média de 97%). O grau de saturação da
mente a alterações da difusão. Por exemplo, a difusão no hemoglobina depende da pressão parcial de oxigênio pre-
enfisema costuma estar reduzida, sobretudo pela redução na sente no meio (p. ex., capilares pulmonares ou tecidos). A
área de superfieie alveolocapilar. Todavia, como há destrui· saturação declina com a idade, principalmente pela redução
ção de toda a unidade alveolocapilar, a relação V/ 0 não é do equiliôrio V/0.
A hemoglobina é uma molécula que engloba quatro ca- beração de íons H • . Nessa situação (FIGURA 6.16), a curva
deias polipeptídicas interligadas (duas alfa e duas beta; no de dissociação de hemoglobina desloca-se para a direita
feto, duas alfa e duas gama), cada uma com um anel de porfi- e a redução da sua afinidade pelo 0 2 provoca maior li-
rina (heme) contendo um átomo de ferro em estado ferroso. beração para os tecidos. A redução da afinidade da he-
Logo, cada molécula de hemoglobina pode transportar qua- moglobina pelo 0 2 na presença de CO, ou de íons H •, é
tro moléculas de 0 2• No entanto, a molécula de hemoglobina chamada de efeito Bohr.
não se liga a quatro moléculas de ferro ao mesmo tempo. A • O 2,3-difosfoglicerato (2,3-DFG) é produzido nos eri-
reação de ligação apresenta quatro estágios. A velocidade trócitos durante a glicólise anaeróbica. Ele é um impor-
de reação com o 0 2 ( afinjdade) aumenta exponencialmente tante mecanismo adaptativo, produzido em situações de
à medida que cada sítio é preenchido. Essa velocidade varia menor disponibilidade de 0 2 para os tecidos periféri-
de acordo com vários fatores, como pH, temperatura, PCO, cos, como hipoxemia, insuficiência cardíaca congestiva,
concentração de 2,3-difosfoglicerato. A curva de dissociação doença pulmonar crônica, anemia, entre outras. Níveis
da hemoglobina para o 0 2 tem um formato sigmoide (em S, altos de 2,3-DFG deslocam a curva para a d.ireita, redu-
como mostrado na FIGURA 6.16). Ela apresenta as seguintes zindo a afinidade da hemoglobina pelo 0 2, com maior
características: oferta do mesmo para os tecidos. Em situações como
choque séptico, em que há prejuízo dos mecanismos de
o A parte superior da curva atinge um longo platô. Dessa glicólise, há redução dos níveis de 2,3-DFG e desloca-
forma, alterações significativas na P0 2 não repercutem mento da curva para a esquerda.
na Sa02 nesse nível. Uma consequência disso é que, após • O efeito da temperatura corporal não é tão pronunciado
um determinado ponto, por mais que um individuo au- como os anteriores. Na hiperterrnia, há deslocamento da
mente a ventilação alveolar em ar ambiente, ocorre pou- curva para a direita, e na hipotermia, deslocamento para
co incremento na Sa02. Ao contrário, a PaCO, como a esquerda.
descrito adiante, varia muito com a ventilação alveolar,
pois apresenta uma curva de dissociação da hemoglobina
linear. Transporte de C02
o Após a primeira metade da curva, pequenas variações da Em condições normais, a PaC0 2 do sangue normal é em tor-
P02 determinam grandes variações na Sa02• no de 5,3 kPa (40 mmHg). A PvC02 é em torno de 6,1 kPa
o A quantidade total de 0 2 transportado é a soma do 0 2 li- (45mmHg).
gado à hemoglobina (maior parte) e ao plasma, de acor- O C02 é um gás altamente difusível produzido por todas
do com a seguinte fórmula: as células do metabolismo. O gás, em solução no citoplasma
Conteúdo de 0 2: (1,39.{Hb em g/dL}xSa0 2) + (0,023. celular, passa por difusão para o plasma dos capilares adja-
PaOJ centes. Neles, o C02 move-se para o interior dos eritrócitos,
Em pacientes com anemia, há redução da quantidade de sendo 90% de sua quantidade hidratados sob a ação da ani-
0 2 distribuída para os tecidos. No entanto, a Pa02 e a drase carbônica tipo II, conforme a seguinte reação:
Sa02 não são alteradas.
o Nos tecidos, a PC0 2 é relativamente alta, sendo o pH
baixo em razão do metabolismo. Há também aumento
da temperatura local. Essa situação é amplificada no es-
tado de exercício em função de sua intensidade, onde é No plasma, há uma forma de anidrase carbônica (tipo
produzido ácido láctico, que também reduz o pH pela li- I) que promove uma reação bem mais lenta. Dessa forma, o
C02 entra novamente no plasma, mas como íons bicarbonato
tamponados pelas proteínas plasmáticas. Os 10% restantes
.1.2.3-DFG J.H + J.PCO, de C02 são dissolvidos como gás no plasma, sendo ligados
J.temperat às proteínas como compostos carbamato. Quase todos esses
_, .-- .-- últimos resumem-se à carbamino-hemoglobina.
....
Hb% ~o, ///J. afinidade o,
~ATENÇÃO
t 2,3-DFG t H+ fPCO,
/ f temperat
/
I
I O sistema de transporte de CO, opera em um in-
I
I tervalo muito restrito de pressões parciais. Isso se
I deve ao fato de a relação de dissociação do C02 no
I sangue ser linear e bastante inclinada. Dessa forma,
/
y uma pequena variação da PC0 2 está associada a uma
grande variação no conteúdo do gás sangufneo. Isso
P02
tem o efeito de minimizar a diferença de pH entre os
FIGURA 6.16 -+ Curva de dissociação da hemoglobina (Hb% - satura- teàdos e os pulmões.
ção de oxiemoglobina/P02 - pressão parcial de oxigênio).
Nos tecidos, a desoxiemoglobina funciona como um im- a esses sistemas de tamponamento, pequenas alterações do
portante receptor para os íons H + (ligados aos resíduos de equiliôrio ácido-básico manifestam-se por um deslocamento
histidina na hemoglobina)- A desoxiemoglobina tem uma do equilíbrio da reação dos tampões com atenuação de mo-
afinidade por prótons muito maior do que a oxiemoglobi- dificações significativas da concentração dos íons H + livres ou
na. Esse tamponamento dos íons H+ faz com que a direção do pH. O tampão bicarbonato é o mais importante.
da reação da anidrase carbônica desloque-se para a direita, A acidez ou alcalinidade de uma solução frequentemen-
aumentando em muito a síntese de bicarbonato e, por conse- te é expressa como pH, que é o logaritmo negativo na base
guinte, o transporte de C0 2 no sangue. A maior capacidade 10 da concentração de H•. Um aumento ou uma diminuição
da desoxiemoglobina em transportar o C02 por esse meca- de uma unidade de pH representa uma alteração de 10 ve-
nismo é chamada de efeito Haldane. zes da concentração de H + na direção oposta. A água pura,
Nos pulmões, as reações químicas são o reverso do que que é neutra, tem uma concentração de H+ de cerca de 10·'
ocorre nos tecidos. Elas são iniciadas e mantidas pelas trocas moles/L, de modo que o pH é 7. Uma solução ácida tem uma
recíprocas entre o C02 e o 0 2 • O aumento do gradiente de concentração de H + maior do que 10·' moles/L (ou um pH
pressão parcial alveolocapilar do C02 aumenta a velocidade menor do que 7,0). Uma solução alcalina tem uma concen-
de reação da anidrase carbônica na direção do ácido carbô- tração menor do que 10·' moles/L (ou um pH maior do que
nico. O transporte de 0 2 para a hemoglobina libera os íons 7,0). Entretanto, no organismo humano, a definição de áci-
H + e reduz a quantidade de carbamino-hemoglobina. A libe- do, ou alcalino, é diferente.
ração dos íons H+ aumenta ainda mais a velocidade da rea-
ção com o bicarbonato. A temperatura dos pulmões é, em
média, menor do que nos tecidos, o que também contribui
Equação de Henderson·Hasselbach
para a liberação de C02• O C02 liberado difunde-se rapida- Essa equação representa a relação entre o ácido carbônico e
mente para a fase aquosa do tecido pulmonar e, então, para o ânion bicarbonato no plasma. Essa relação é, quantitativa-
o alvéolo. Apesar de o C02 ser um gás altamente difusível, mente, o sistema-tampão mais importante do compartimen-
durante a h ema tose, é muito mais rápido o transporte do 0 2 to extracelular.
para a hemoglobina do que do C02 para o plasma e o alvé-
olo. Durante o repouso, essa diferença acentua-se bastante,
pH = pK + log HC03-
mas é compensada pelo aumento da ventilação alveolar.
HzC03

Equilíbrio ácido-básico A constante de dissociação (pK) para o sangue na tem-


peratura corporal é 6,1. A concentração do ácido carbônico
Os sistemas orgânicos enfrentam dois desafios básicos para é 1.000 vezes menor do que o dióxido de carbono dissolvido,
a manutenção do equiltôrio ácido-básico. O primeiro é a que é, por sua vez, proporcional à PC0 2• Logo, a equação
disposição da cota fixa de ácidos ingerida na dieta diária; o pode ser reescrita da seguinte forma:
segundo é o destino dado ao C02 gerado como produto final
do metabolismo.
pH = 6,1 + log HC03-
x PC02
0,0301
~ATENÇÃO
Essa equação é utilizada, clinicamente, para determinar
Para manter o pH em limites compatlveis com os pro- o estado ácido-básico do organismo e estabelecer a gravi-
cessos vitais, o organismo lança mão de uma série de
dade desse distúrbio. O equilíbrio entre o bicarbonato (24
mecanismos bioqufmicos, com destaque para o pa-
mEq/L) e o dióxido de carbono (1,2 mEq/L) dissolvido é
pel desempenhado pelo chamado sistema-tampão. mantido na razão de 20:1 com um pH de cerca de 7,4 (7,35 a
7,45). Sempre que esse equilíbrio é alterado, há mecanismos
fisiológicos acionados para restaurar essa razão de 20:1.
O sistema-tampão do organismo apresenta quatro gran- Os estados ácido-básicos anormais de sangue são a acide-
des componentes: bicarbonato/ácido carbônico, proteinatos/ mia (concentração alta de H + e pH baixo) e a alcalemia (con-
proteínas, fosfatos monoácidos/fosfatos biácidos e hemoglo- centração baixa de H + e pH alto). Os processos anormais que
binato/hemoglobina. As substâncias-tampão são responsáveis levam aos distúrbios ácidos são chamados de acidose (perda
por minimizar as alterações do pH decorrentes da adição ou excessiva de bicarbonato, ou ganho excessivo de ácido), e
subtração de íons H +. Com a queda do pH da solução, es- aqueles que levam aos distúrbios alcalinos são chamados de
sas substâncias aceitam os íons H+ para liberá-los novamente alcalose (perda excessiva de ácido, ou ganho excessivo de
quando há aumento do pH; dessa maneira, agem contra as base). O desenvolvimento de acidose muitas vezes leva à aci-
modificações abruptas. Entre os tampões do espaço extrace- demia, e o de alcalose, à alcalemia. Contudo, nem sempre é
lular, o bicarbonato e as proteínas plasmáticas desempenham assim, pois processos de compensação são acionados no senti-
papel relevante, enquanto a hemoglobina e os fosfatos estão do de neutralizar a acidemia, ou a alcalemia. Esses processos
em primeiro plano no compartimento intracelular. Graças envolvem, basicamente, os rins e os pulmões.
Distúrbios ácido-básicos respiratórios Acidose metabólica
A PaC02 é o resultado da relação entre a ventilação alveolar É um processo anormal caracterizado tanto por um ganho
e a produção metabólica de C02• Um distúrbio ácido-básico primário de ácido pelo líquido extracelular quanto por ex-
respiratório é um processo anormal no qual a ventilação al- cessiva perda de bicarbonato do líquido extracelular pelo
veolar é inapropriada para a produção metabólica de co2. rim ou pelo trato gastrintestinal.
A hiperventilação reduz a PaC02 e resulta em hipocapnia
(PaC0 2 < 35 mmHg ao nfvel do mar). A hipoventilação
aumenta a PaC02 e resulta em hipercapnia (PaC02 > 45
mmHg ao nfvel do mar).

Acidose respiratória
É o aumento da PaC021 que leva ao aumento do ácido car-
bônico e, consequentemente, à redução do pH. Sua causa é
a redução direta do volume-minuto, ou o aumento do vo- Os mecarusmos neurais sensíveis à concentração de H~
lume do espaço morto sem aumento do volume-minuto, ou influenciam a musculatura respiratória no sentido de aumen-
aumento da produção de C0 2• Thmbém ocorre quando a tar a taxa de eliminação respiratória do co2.Esse processo
produção de C02 aumenta sem uma elevação proporcional toma a razão bicarbonato/ácido carbôruco mrus próxima do
da ventilação alveolar, particularmente quando o trabalho normal (20:1), levando a uma redução na concentração de
respiratório é excessivo em um paciente com pneumopatia H•. Entretanto, o sistema respiratório dificilmente faz com
grave. que o pH retorne por inteiro ao normal (7,4).

Alcalose metabólica
) ATENÇÃO É um processo anormal secundário a um ganho primário
de base pelo líquido extracelular (p. ex., administração de
A ~en5açAo ~ra a acidose respiratória e a aóde: bicarbonato) ou uma perda primária de ácido pelo líquido
'mia é feita pelo rim, que aumenta a sec~o de H• e extracelular (p. ex., perda de ácido clorídrico por vômitos).
reabsorve e libera bicarbonato no sangue. A razão bicarbonato/ácido carbôruco aumenta, com redução
da concentração de H • e aumento do pH (alcalemia meta-
bólica). O aumento do bicarbonato está muitas vezes asso-
Ao mesmo tempo, o rim elimina mais cloreto na forma ciado à redução da concentração de cloreto. A compensação
de ácido hidroclórico ou cloreto de amônio. O cloreto plas- também é realizada, primariamente, pelo sistema respirató-
mático diminui, aproximadamente, na mesma medida que rio. Mecanismos neurais sensíveis à redução da concentra-
o bicarbonato plasmático aumenta. Esse processo compen- ção de H• reduzem a ação da musculatura respiratória para
satório tem i.rucio rápido, mas sua efetivação pode demorar que haja aumento da PaC02•
vários dias a semanas.

Alcalose respiratória
É a redução da PaC02 por ventilação alveolar excessiva em
relação à produção de co2. Esse processo provoca redução
do ácido carbôruco e consequente alcalemia. A hiperventi-
lação pode ter várias causas: estimulo reflexo dos quimior-
receptores centrrus por fármacos (p. ex., intox.i cação por
salicilatos), acidente vascular cerebral, estímulo dos qui-
miorreceptores periféricos por hipoxemia (p. ex., doença
cardiorrespiratória, altitude), estados de ansiedade. Se hou-
ver tempo suficiente, o rim também compensa a alcalemia Distúrbios ácido·básicos mistos
(excreção de bicarbonato, excreção de cátions, retenção de D istúrbios ácido-básicos puros ocorrem somente em um
íons cloreto). breve período, pois os mecanismos compensatórios são, em
geral, iniciados de modo rápido. Particularmente em pacien-
tes graves, mrus de um distúrbio costuma ocorrer ao mesmo
tempo. Um exemplo são pacientes com insuficiência respira-
tória crôruca que apresentam um pH desproporcionalmente
bruxo para um certo ruvel de PaCO, sobretudo em situações
como cboque e anemia severa. Em circunstâncias como essa,
é difícil determinar, somente pela análise de exames labora-
toriais, se existe hipercapnia aguda com pobre compensação
ou se a hipercapnia é crônica, mas reforçada por acidose me- por variações da frequêncía respiratória e VC, alteração dos
tabólica aguda (p. ex., acidose láctica). tempos inspiratório e expira tório, alterações do padrão ven-
tilatório na presença de desconforto e ansiedade.
A ventilação sofre considerável controle voluntário,
e o córtex cerebral pode, dentro dos limites, exercer con-
trole sobre o tronco cerebral. Não é diffcil que a PaC02
seja reduzida até pela metade por meio de hiperventila-
ção, embora a alcalose subsequente possa causar tetania
e parestesias. A queda da PaC02 pela metade aumenta o
pH em cerca de 0,2 unidades. A hipoventilação voluntária
é mais dificil. A duração da parada respiratória é limitada
Como regra, se a PaC02 está elevada, o distúrbio primá-
por vários fatores, inclusive a PaC02 e a Pa0 2 arteriais.
rio é, provavelmente, respiratório se o pH for menor do que
Um periodo preliminar de hiperventilação aumenta a ca-
7,4, e metabólico se o pH for maior do que 7,4. Se a PaC0 2
pacidade de apoeia, especialmente se for respirado oxigê-
for baixa e o pH maior do que 7,4, o distúrbio primário é, so-
bretudo, respiratório; se o pH for menor do que 7,4, é muito nio a 100%.
No exercício intenso, o consumo de 0 2 e a formação de
provável que o distúrbio seja primariamente metabólico. Na
maioria das situações, a avaliação clfnica e laboratorial con- C02 podem aumentar em até 20 vezes. No entanto, a ven-
junta auxilia nessa diferenciação. tilação alveolar aumenta proporcionalmente ao nivel do
metabolismo. Como consequência, a Pa02 e o pH arterial
permanecem praticamente normais.

Mecanismos de controle respiratório


Estímulos ao centro autonômico de controle
O controle da respiração é um mecanismo complexo e ainda
não completamente entendido em toda a sua totalidade. En- respiratório
volve tanto componentes autonômicos quanto voluntários. O encéfalo recebe informação de uma variedade de estrutu-
ras. Citam-se:

Controle autonômico • Mecanor receptores: são ativados pela distorção ana-


As estruturas neurais responsáveis pelo controle autonômi- tômica de suas estruturas. Incluem receptores nas vias
co estão localizadas no tronco cerebral (bulbo), basicamen- aéreas superiores com sensibilidade ao fluxo, provavel-
te nos grupos respiratórios dorsal (GRD) e ventrolateral mente por variação de temperatura, c inibem o cen-
(GRV), cada um com neurônios ínspiratórios e expiratórios. tro respiratório. Há também receptores pulmonares.
O GRD é o mais importante deles, e processa as infor- Podem ser citados os receptores de adaptação lenta,
mações dos receptores nos pulmões, na parede torácica e localizados na musculatura lisa das vias aéreas intra-
nos quimiorreeeptores. Thm um papel fundamental na ativa- torácícas e extratorácicas. Quando estimulados pelo
ção diafragmática e do próprio GRV. Durante a inspiração, enchimento dos pulmões, a fase cxpiratória da respi-
o GRD apresenta um aumento da atividade dos seus neurô- ração é prolongada. Além disso, há os receptores de
nios e é fundamental na determinação do ritmo respiratório adaptação rápida, localizados nas células epiteliais das
e na regulação da abertura das vias aéreas superiores me- vias aéreas da carina da traqueia e dos brônquios de
diante estimulação muscular responsável por sua expansão grande calibre. Eles são estimulados por fatores quími-
durante a inspiração. cos e mecânicos. Sua ativação provoca tosse, broncos-
Na ponte, existe o chamado grupo respiratório pontino
pasmo e aumento da secreção (muco). A desinsuflação
(GRP), que ajuda a controlar tanto a frequêneia quanto o
pulmonar estimula esses receptores, que promovem
padrão respiratório. Esse grupo de neurônios contribui para
aumento da frequência respiratória c respirações mais
a transição entre inspiração e expiração. Quando lesado, há
prolongadas (suspiros). O reflexo de Hering-Breuer
aumento do tempo inspiratório, redução da frequência car-
evita a hiperinsuflação dos pulmões. Receptores de
díaca e aumento do VC No bulbo, existem neurônios inspi-
estiramento pulmonar respondem ao excessivo !racio-
ratórios com uma função de marca-passo que disparam em
namento do parênquima pulmonar durante grandes
uma determinada frequência, podendo ser modificada por
inspirações. Quando ativados, tais receptores e nviam
vários fatores, e neurônios que disparam durante a inspira-
potenciais de ação à ponte, inibindo os neurônios res-
ção, a expiração e na transição entre inspiração e expiração.
Todo esse conjunto de neurônios compõe o chamado centro piratórios e promovendo o início da expiração. Esse re-
flexo não tem muita importância se a ventilação é rea-
respiratório.
lizada em VC normal. Quanto às fibras C, acredita-se
que sejam estimuladas por fatores qu(micos (histami-
Controle voluntário na, prostaglandinas) e mecânicos (aumento da pressão
Esse sistema permite a manutenção de apoeia voluntária por dos capilares pulmonares). Podem contribuir para o
um certo limite de tempo, hiperventilação ou hipoventilação aumento da frequência cardíaca e do VC.
• Quimiorreceptores: estão localizados central e perife-
ricamente, monitorando as alterações químicas sanguí-
Leituras recomendadas
neas. Os receptores periféricos estão localizados no cor- ColeS JE, Chinn OJ, MiUer MR. Lung funetion: physiology, mea-
suremcnl and apptication in medicine. 6th ed. Malden: Blackwell;
po caroúdeo e no arco aórtic:o. Monitoram as alterações 2006.
da PaO, da PaC01 e do pH. O aumento da PaCO, a
redução da Pa01 ou a redução do pH promovem au- Macldem P, Mead J. Resistanee of central and peripheral airways
mento da ventilação. O contrário também ocorre. Os measured by a retrograde catheter. J APpl Physiol. 1967;22(3):395-
quimiorreeeptores centrais estão localizados no bulbo e 401.
monitoram alterações na PaC01 e no pH. Um aumento Macldem PT. A ecnrury of lhe meehanies of breathing. Am J Respir
da PaC01 ou uma redução do pH promovem aumento Crit Cate Med. 2004;170(1):10-5.
da ventilação, assim como o contrário. Maskell N, Millar A. Oxford desk refcrenec: respiratol)' mcdicinc.
Oxford: Oxford University; 2009.
A resposta ventilatória à hipoxia é linear até uma Pa02
de 60 mmHg (8 Kpa). valores menores promovem um rápi- Mcad J, Takishima T, Lcith O. Stress distribution in lungs: a modcl
of pulmonary elasticity. J Appl Physiol. 1970;28(5):596-608.
do e intenso aumento na ventilação. Já a resposta à hiper-
capnia é relativamente linear. Pode tornar-se mais atenuada Milic-Emili J. Reg.ional distribution of gas in the lung. Can Respir
no caso de sono, sedação ou anestesia. J. 2000;7(1):71-6.
Wcst JB, editor. Pulmonary gas exchange. New York: Academic;
1980. v. l.
Cristiano Feijó Andrade
José da Silva Moreira
7
QUADRO 7.1 ~ Mecanismos de defesa do aparelho respiratório
Introdução
A interface do aparelho respiratório adulto, com cerca de Mecanismos que dificultam a progressão do agente agressor
70 a 80 m 2 de superfície alveolar de um indivíduo adulto, - Interrupção da ventilação
3
entra diariamente em contato com 10 a 15 m de ar mobili- - Difusão
zados pela ventilação. Uma quantidade equivalente de san- - f iltração aerodinâmica
gue também transita pelos capilares pulmonares durante as - Hidratação
24 horas. Suspenso no ar inspirado, costuma existir grande - Sedimentação
número de poluentes das mais variadas naturezas- gasosos Mecanismos de expulsão do agente agressor
ou sólidos, minerais ou orgânicos, inanimados ou não - os - Assoar
quais podem, com maior ou menor capacidade, ser causa de - Espirrar
doenças, como pneumoconiose, legionelose, micose e tuber- - fungar
culose. Os vasos pulmonares, por onde passa toda a volemia, - Tossir
atuam como filtro no nível de suas terminações menos cali- - Pigarrear
brosas, onde impurezas ficam retidas, podendo aí também - Transporte mucociliar
surgir doenças, por mecanismo embólico -de natureza in- - Variação do comprimento brônquico
fecciosa, neoplásica ou outra.'
Mecanismos de destruição e depuração do agente agressor
O agente agressor pode ser aspirado sob forma sóli-
- Fagocitose alveolar
da ou liquida, a partir especialmente da boca, impactando
lmunoglobulinas
em brônquio de grosso calibre (corpo estranho) ou se de- fagocitose tecidual
positando em porções mais periféricas do pulmão, levando Citocinas
à instalação de, por exemplo, pneumonias e abscessos. Al- Complemento
guns microrganismos, como vírus, Mycop/asma pneumoniae Enzimas
e Chlamydia pneumoniae, podem chegar às porções mais Citotoxicidade
distais do pulmão progredindo sobre a superfície mucosa da - Produtos do oxigênio
árvore traqueobrônquica, a partir de uma infecção que se - formação de granuloma
iniciou nas vias aéreas superiores.2
Vários mecanismos de defesa atuam no aparelho res-
piratório, impedindo, dentro de limites, a ação dos agentes profundamente no interior do órgão. Eles atuam mais ou
agressores. No QUADRO 7.1, esses mecanismos aparecem or- menos em conjunto, na maioria das vezes em sequência, ora
denados segundo eventos que vão ocorrendo cada vez mais predominando alguns deles sobre os demais.
Em uma primeira linha, encontram-se componentes das não opera durante o coma, e é comprometido pela incoor-
defesas naturais, que podem ser físicos, químicos e - no nível denação da deglutição.
celular - representados pela imunidade inata?·• Esses com- No caso do material disperso sob forma de partícula
ponentes atuam de forma imediata ao longo das estruturas em suspensão no ar inspirado, o mecanismo que se mostra
das vias aéreas, dificultando a chegada de materiais estra- mais atuante no sentido de deter a progressão e impedir
nhos às porções mais profundas do pulmão e impedindo ou ao máximo a deposição desse material no compartimento
retardando ao máximo a instalação de uma reação inflama- alveolar dos pulmões é o da ftltração aerodinâmica, o qual
tória, a qual pode ser potencialmente danosa para as estru- pressupõe a existência de fluxo aéreo. As partículas com
turas mais nobres do próprio órgão. massa m, ao penetrarem nas vias respiratórias, junto com o
Em uma segunda linha, estão os mecanismos adquiridos ar, encontram-se animadas de uma velocidade v. O produto
de defesa ( clonais ou adaptativos), envolvendo respostas p=mv, denominado quantidade de movimento de partícula,
imunológicas mediadas por linfócitos, que são mais tardias será maior quanto maiores forem a massa e/ou a velocidade
e capazes de deter o agente agressor, mas podendo também da partícula. Obedecendo ao princípio da conservação do
levar a consequências desastrosas.3.s.• momento linear, as partículas em movimento tenderão a se-
guir trajetórias retilíneas, podendo ser desviadas somente se
outra força atuar sobre elas, ou se forem detidas por algum
~ ATENÇÃO obstáculo. Uma vez que o trato respiratório muda várias ve-
zes de direção desde as fossas nasais ou a boca até os alvéo-
O entendimento de alguns desses mecanismos de los, as partículas vão se chocando com as superfícies internas
defesa, como os que dizem respeito à deposição das vias aéreas, principalmente junto às divisões brônquicas
e eliminação de partkulas da superfkie do trato (colisão inercial), ficando ali retidas (FIGURA 7.1 ).
respiratório, tem progredido nos últimos anos.'-' A probabilidade de ocorrer impacto da partícula com a
Entretanto, o conhecimento sobre o que ocorre superfície interna da via condutora ao passar o ar com uma
na intimidade dos tecidos mostra-se mais limita- velocidade v por uma angulação 9 dessa via é dada pela re-
do. Com o auxilio da medicina nuclear, de técni- lação de proporcionalidade: P(i) = v d 2 sen 9/R, onde d é o
cas endoscópicas com lavado broncoalveolar, da diâmetro aerodinâmico* da partícula e R, o raio da via aé-
microscopia eletrônica e, mais modernamente, da rea. Vê-se, assim, que as colisões devem ocorrer sobretudo
imunologia, da bioqufmica e da biologia molecu- de partículas maiores nas largas vias centrais, onde o fluxo
lar, etapas obscuras dos mecanismos de defesa têm é alto e a secção transversa total é relativamente pequena.
sido investigadas e algumas delas pelo menos par- A hidratação que ocorre nas partículas ao transitarem pelas
cialmente compreendidas. 7•8 Estudos mais recentes,
sobre estrutura mais fina e função de pulmões de
mamlferos e aves, podem trazer subsidias para o
entendimento do que ocorre nos seres humanos. 9

Mecanismos que dificultam a progressão


do agente agressor no trato respiratório Partícula (m. ~
2-10)1m
Ajustes de temperatura e de umidade ocorrem rápido no ar
inspirado ao transita.r pelas fossas nasais ricamente vascu-
larizadas, ao mesmo tempo em que as impurezas presentes
nesse ar vão ficando pelo caminho. Ao passar pela rinofa-
ringe, o ar já se encontra a uma temperatura aproximada de
33•c e saturado de vapor d'ãgua. 10 •• • 0,5-3 )1m
A atitude defensiva mais imediata do aparelho respi-
ratório é a interrupção da ventilação (reflexo glótico), que
se manifesta durante a deglutição ou em resposta à per- FIGURA 7.1 7 Mecanismo da filtração aerodinâmica de partíClJias dis-
cepção de algo nocivo, desagradável no ar (calor excessi- persas no ar inspirado (colisão inercial nas angulações da via aérea).
vo, substãncia irritante, poeiras, etc.). É um mecanismo de
emergência para situações de alarme, de curta duração.
Entretanto, ele tem extrema importância, possibilitando o
afastamento de locais potencialmente danosos ou impedin- •Diâmetro aerodinâmico (dJ : grandeza que permite idealizar o
comportamento de uma[artícula não esférica deslocando-se no ar
do que o indivíduo aspire alimentos, secreções da boca ou
como se fosse esférica. o diâmetro de uma esfera de densidade
de vias aéreas superiores, ou água quando cai ou mergulha unitária que teria, no ar, a mesma velocidade tenninal de deposição
nela. O funcionamento desse mecanismo mantém estreita da partícula não esférica em estudo. Para uma partícula esférica:
dependência com as condições neurológicas do indivíduo; d, =d-1p, onde d é o diâmetro físico da partícula e p sua densidade.
fossas nasais e rinofaringe lhes confere um incremento de pectivamente, para dentro e para fora das cavidades nasais,
massa, aumentando assim a probabilidade de um impacto arrastando consigo as secreções e, desse modo, promovendo
mais precoce. Também o fato de as superfícies das vias aé- a limpeza das vias aéreas superiores.
reas superiores e da boca se encontrarem umedecidas por O espirrar é um mecanismo reflexo, desencadeado por
secreções e saliva facilita o aprisionamento das partículas. irritação da mucosa nasal, e no qual há liberação expiratória
A anatomia do trato respiratório superior e a maneira "explosiva" do ar pelo nariz, o que determina uma eficiente
como as vias aéreas inferiores são divididas e ramificadas limpeza das superfícies das estruturas nasais e da região su-
contnbuem de forma importante para a defesa dos pulmões perior da faringe.
contra infecção. A barreira inicial é o nariz, que atua como A manobra voluntária, vibratória, de aspiração farín-
um filtro efetivo devido à sua estrutura única e grande ár ea gea, que pode ser graficamente registrada pelo som emitido
de superfície. (FIGURA 7.2), direcionao fluxo aéreo e as secreções das vias
De modo geral, em condições fisiológicas, as partículas aéreas, em alta velocidade, através do conduto anatômico
com diâmetro aerodinâmico superior a 10,0 !Lm ficam reti- momentaneamente estreitado, em direção à orofaringe alar-
das na nasofaringe, principalmente na superfície do septo e gada, onde se acumulam, e de onde são retiradas, em geral,
11
nos cóanos; aquelas com diâmetro entre 3,0 e 10,0 !Lm acu- pelo movimento de pigarrear. O ato de pigarrear, que tam-
mulam-se com mais frequência no compartimento traque- bém é voluntário e vibratório (FIGURA 7.3), manifesta•se por
obrônquico; e as com diâmetro entre 0,3 e 3,0 !Lm apresen- um ruído característico durante a expiração que é forçada
tam maiores chances de serem depositadas na superfície dos contra a glote semicerrada, buscando a remoção das secre-
alvéolos (FIGURA 7.1), onde praticamente já não existe fluxo ções acumuladas na orofaringe, as quais são então degluti-
aéreo, ali sedimentado sob ação da gravidade. 12 das ou eliminadas da boca.15
As partículas maiores são as que mais rápido se deposi- A broncoconstrição também pode prevenir a entrada de
tam {lei de Stokes). As partículas com diâmetro menor do partículas nas vias aéreas distais pela diminuição do calibre
que 0,3 !Lm são animadas de movimento browniano, difun- das vias aéreas e pelo redirecionamento do fluxo de ar. Isso
dindo-se no meio; elas têm pequeno deslocamento médio resulta em elevação da resistência pulmonar e diminuição
dentro do ambiente gasoso, portanto com menor probabi- da velocidade do ar nas vias mais periféricas, aumentando
lidade de se depositarem nas paredes das vias respiratórias, assim a probabilidade de maior sedimentação das partículas.
sendo a maioria delas exalada. A tosse resulta de um complexo mecanismo reflexo de
Mais recentemente, tem havido progressivo interesse instalação explosiva de controle voluntário ou involuntário,
quanto ao significado da inalação e ulterior comportamen- atuando na limpeza das vias aéreas inferiores, de onde pro-
to de partículas ultrafinas (nanopartículas) sobre a saúde do pulsiona secreções e outros materiais estranhos acumulados,
homem na indução de processos inflamatórios, exacerbando levando-os até a orofaringe ou a boca1 2.tS·t7 Os receptores
doenças respiratórias ou cardiocirculatórias preexistentes, para a tosse encontram-se distribuídos dentro do epitélio da
ou mesmo condições neurológicas ainda pouco entendidas, faringe, laringe, traqueia e junto às carinas dos brônquios de
como males de Parkinson e de Alzheimer. ·"
13 maior calibre. Esses receptores podem ser estimulados por
mediadores inflamatórios, irritantes químicos, estímulos os-
móticos e mecânicos.
Ocorrendo o estímulo e uma vez desencadeado o reflexo,
Mecanismo de expulsão do agente a tosse geralmente se inicia por um rápido período inspira tó-
agressor rio; a seguir, a glote se fecha por um curto espaço de tempo
de cerca de 0,2 segundos, durante o qual a compressão expi-
Espirro, broncoconstrição e tosse são reflexos das vias aére- ratória pode fazer a pressão intratorácica subir até em torno
as que atuam como defesas não especificas do hospedeiro. de 100 mmHg, dilatando assim a árvore traqueobrônquica.
Nos atos voluntários de fungar e assoar, o ar é forçado, res- A glote, então, se abre de forma súbita e a fase expulsiva da

Tempo (segundos)
0,100 0,110 0,120 0,1l0 0,140 O, ISO 0,1Ei0 0,170 0,180 0,190 0,200 0,210 0,220 0,230 0,240 0,250 0,260 0,270 0,280 0,290 0,100 0,110 0,120 O,llO 0,340

0,20
O,IS

0,10

·0,10

·0,15

·0.20

FIGURA 7.2 7 Manifestação de aspiração faríngea - me<:anismo vibratório. Baixas amplitude e frequência do som emitido, com duração relativa·
mente longa (0,35 s).
o. ' 0.10 0,15
Tempo (segundos)
0,20 OlS ... o '

FIGURA 7.3 ~ Manifestação de pigarrear - mecanismo vibratório. Amplitude e frequência baixas e maior duração do som emitido (0,20 s).

tosse se dá ao longo das vias aéreas que estão agora compri- do pelo muco produzido por células e glândulas da mucosa
midas e com diâmetro momentaneamente reduzido, com o brônquica e pelo liquido alveolar. Esse volume de secreções
ar vibrando e movimentando-se com grande velocidade (FI- relativamente reduzido é movimentado no sentido alvéolos-
GURA 7.4), resultando em deslocamento de líquidos e sólidos -oro faringe, em especial pelo mecanismo de transporte mu-
que se encontram em sua passagem. cociliar sediado na superfície interna da árvore brônquica.
A fase de relaxamento é caracterizada pela diminuição Havendo aumento de produção das secreções - o que em
da pressão intratorácica associada ao relaxamento dos mús- geral ocorre em situações patológicas - , são necessárias ou-
culos intercostais e abdominais e por uma broncodilatação tras ações de socorro, como tossir e pigarrear.
temporária. Contudo, a tosse como mecanismo de defesa O muco normalmente produzido por glândulas e células
tem função emergencial, atuando somente quando a quan- da mucosa respiratória é um coloide hidrofilico com proprie-
tidade de secreções ou materiais depositados no interior das dades físico-químicas e reológicas especiais, ideal para reco-
vias aéreas é suficientemente grande para desencadear o re- brir uma superfície de transporte em constante movimento,
flexo correspondente. funcionando como se fosse uma esteira em deslocamento,
aprisionando e deslocando partículas que sobre ela se depo-
sitam. É constituído por 95% de água, 2 a 3% de glicopro-
teina e pequenas quantidades de algumas outras proteínas
Muco e líquidos pulmonares e lipídeos. A glicoproteína "mucosa" é que lhe confere as
O muco produzido pelo trato respiratório e a depuração importantes qualidades viscoelásticas e a permeabilidade se-
mucociliar são, normalmente, os principais componentes de letiva que possui. Durante processos inflamatórios, grandes
defesa do trato respiratório inferior. Indivíduos hígidos, em quantidades de macromoléculas, como DNA e actina poli-
condições fisiológicas, produzem por dia pequeno volume de merizada provenientes de leucócitos, podem ser encontra-
secreções- cerca de 10,0 mL- que são constituídas sobretu- das no muco, aumentando marcadamente sua viscosidade.

Tempo (segundos)

FIGURA 7.4 ~ Tosse - mecanismo vibratório explosivo. Elevadas amplitude e frequência iniciais, e curta duração do som emitido, inferior a O, 15
segundos.
O muco de indivíduos normais, higidos, permite que lubrificante do líquido periciliar facilita o movimento do muco
penetrem em seu "domfnio" somente pequenas moléculas, ao longo da supcrficic das vias aéreas em resposta à tosse.
sendo praticamente impermeável às macromoléculas, e tem Os cllios são constituídos por projeções microtubulares
propriedades bactericidas até mesmo para P:reudomonas que partem de um corpo basal, imersas em citoplasma e en-
aeruginosa, o que já não ocorre com pacientes portadores de volvidas por membrana celular.12 Cada conjunto de nove pa-
fibrose cística. Lactoferrina, lisozima e inibidor da elastase, res exteriores e dois pares interiores de microtúbulos forma
produzidos pelas células serosas, são as principais proteínas o axonema do cllio (FIGURA 7.5).
responsáveis por essa propriedade do líquido das vias aéreas. Na constituição dos microtúbulos entra uma proteína con-
O muco desempenha importantes funções de defesa das trátil, a tubulina; braços interno e externo e hastes de dinefna -
vias aéreas, incluindo uma fina camada (capa) de revestimen- com função de ATPase - projetam-se de um dos componentes
to que captura materiais particulados e microrganismos; um dos pares microtubulares exteriores, c braços de ncxina ligam
meio móvel que pode ser propulsionado pelos cílios (cujas entre si os pares de microtúbulos adjacentes. As extremidades
pontas direcionam a camada gel acima da camada sol em di- proximais das hastes radiais dispõem-se orientadas em tomo
reção à oro faringe); uma camada a prova d'água que atua re- do processo tubular central. Os cílios têm comprimento varian-
duzindo a perda de líquido através das vias aéreas; e um meio do de 3 a 7 11-m, com os mais longos localizando-se na traqueia
que transporta substâncias essenciais secretadas, como enzi- e nos brônquios pré-segmentares, com diâmetro de 0,2511-m.
O batimento ciliar (1.000/minuto) - promovido pela fos-
mas, defensinas, colectinas, antiproteases e imunoglobulinas.' 8
A secreção de muco da árvore respiratória encontra-se forilação da dinefna - dá-se em um meio aquoso (sol) so-
bre o qual flutua c se desloca uma camada (gel) de muco
basicamente sob controle colinérgico. A metacoli.na estimula
viscoso. 12 No nível das vias aéreas inferiores, esse "tapete"
sua produção tanto por células de glândulas mucosas como
mucociliar é capaz de promover o deslocamento ascendente
serosas. Thdavia, tem sido mostrado em animais que o con-
de partículas a uma velocidade de 10 a 20 mm por minuto,
trole adrenérgico também deve estar presente, com os agen- maior na superfície traqueal, sendo bem menor nas vias aé-
tes beta-adrenérgicos estimulando a secreção mucosa e os reas superiores na direção da nasofaringe.
alfa-adrenérgicos, a secreção serosa. Aproximadamente 90% do material depositado sobre a
As vias aéreas inferiores e grande parte das superiores mucosa do trato respiratório inferior podem ser eliminados
são recobertas por epitélio cilíndrico ciliado, existindo cerca dentro de uma hora. O batimento ciliar consiste em uma fase
de 200 cílios em cada célula, ou aproximadamente dois mi- efetiva de curta duração (15 ms), quando o c.ílio se distende e
lhões de cOios por centímetro quadrado de superfície de mu- penetra cerca de 0,5J.tm de sua extremidade distai na cama-
cosa, com maior concentração na traqueia e em brônquios da superficial do muco, e em uma fase lenta (29 ms) de "re-
pré-segmentares. Esse epitélio é recoberto por uma fina ca- cuperação" (FIGURA 7.6), quando ele se encolhe, retomando
mada líquida de 5 a 100J.tm de espessura, cujo movimento na à posição inicial.
18

superíJCie das vias aéreas compreende dois passos: primeiro, A coordenação do movimento ciliar em seres humanos
os batimentos ciliares atuam movendo a camada de muco parece independer de controle neurológico ou de esúmulo
unidirecionalmente sobre a superfície da via aérea; segun- mecânico. O movimento progride por ondas transversais ao
do, a interação friccionai da camada mucosa com o líquido fluxo das secreções (ondas metacrônicas), é iniciado por pe-
periciliar permite a essa camada deslizar ao longo do líquido quenos grupos de cílios "ativos" e pode ser intensificado por
subjacente. substâncias adrenérgicas, acetilcolina e nicotina, e deprimido
Uma disfunção ciliar pode, portanto, diminuir bastante a por agentes bloqucadores dos receptores alfa e beta, por subs-
depuração mucociliar. Além disso, as propriedades fisicas da tâncias atropínicas, promazina e álcool, por alguns dos compo-
camada de superfície líquida não somente afetam a depuração nentes da fumaça do cigarro, como a acrolefna (QUADRO 7 .2).
mucociliar, mas também a viscosidade do muco, alterando a Dentre as técnicas disponíveis utilizadas para medir a velo-
eficiência da depuração das vias aéreas pela tosse. A função cidade de limpeza do trato respiratório - geralmente avaliada


FIGURA 7.5 ~ (A) microfotografia do corte de um
citio (60.000 x). (8) esquema explicativo: a ~ braço
de dinelna, b = nexina, c • raio.
-----
b
secreções na direção do hilo pulmonar. Há evidências clínicas e
dados eJqJCrimentais mostrando os prejuízos que ocorrem com
a limpeza dos pulmões, ou de determinada porção deles, quan-
do está diminuído ou ausente esse tipo de movimento, o que
pode ser visto, por exemplo, em pós-operatório de cirurgia ab-
dominal alta, quando atclectasias laminares e dificuldades para
FIGURA 7.6-+ Mecanismo de transporte mucociliar. Os cmos mergulha· eliminar secreções broncopulmonares são ocorrências comuns.
dos no muco (soluçAo) empurram, com suas extremidades, o "tapete"
(gel - traço escuro).

Mecanismos de Destruição do Agente


na 1raqueia - têm-se a ánefibrobroncoscópica, que visualiza Agressor
a progressão de discos de teflon colocados sobre a superficie
mucosa; a Ouoroscópica, que acompanha a movimentação de Imunidade inata
discos de tcflon recobenos com trióxido de bismuto, c a que As partículas inorgânicas ou orgânicas, biologicamente ati-
usa um radioaerossol (panículas de teflon, poliestireno ou ou- vas ou não, com diâmetro aerodinâmico em tomo de 2,0 p.m,
tras marcadas com Tc99, 1131, etc.), que é inalado, sendo sua têm maiores probabilidades de escapar dos mecanismos de
velocidade de eliminação registrada por gama-câmara. "captura" das vias aéreas e chegar ao compartimento alveo-
Os movimentos do pulmão durante o processo ventilató- lar do pulmão, ali se depositando. Essa probabilidade será
rio, com as modificações de volume do órgão como um todo, tanto maior quanto mais numerosas elas forem no ar ins-
e as correspondentes variações de comprimento brônquico na pirado. As partículas estranhas estacionadas no interior do
inspiração e na expiração parecem auxiliar na propulsão das ácino entrarão em contato com os macrófagos e monócitos
alveolares, que as reconhecerão e tentarão destruí-las.
Essa primeira linha de defesa do organismo contra mi-
crorganismos potencialmente patogênicos é representada
QUADRO 7.2 -+ Fatores que prejudicam a atividade óliar pela imunidade inata. Esse sistema filogeneticamente preser-
vado entre diferentes espécies consegue discriminar "self" e
Mfdnicos e ambientais "non-self", ou seja, consegue discernir e identificar estruturas
- Altas concentrações de 0 2 e co, estranhas ao organismo e atacá-las logo após o contato.
- Temperaturas extremas (altas ou baixas) Evidências sugerem que tal sistema é essencial para a
- Poe11as, fumaça (cigarro) geração de uma resposta adquirida efetiva.19 Isso ocorre por-
- Barotrauma que os receptores de células Te B estão arranjados ao acaso,
- Queimaduras não sendo capazes de discriminar se um determinado antí-
- Tubos endotraqueais geno está associado a um patógeno potencialmente danoso
ao organismo. Então, quando ocorre o primeiro contato com
Patológicos
um antígeno desconhecido, essas células ficam dependentes
- Doença pulmonar obstrutiva crônica
dos sinais providos pelo sistema inato, que irá fornecer a
- Discinesia ciliar
- Fibrose dstica informação necessária para uma resposta efetiva, além de
- Sfndrome de Young poderem discernir entre diferentes patógenos, já que estes
- Excesso de ãgua no muco podem desencadear respostas distintas.
- OesodrataçAo
- Infecções bacterianas e virais
Componentes do sistema imune inato
Urmacos
- Anestésicos locais em ge<al
- Codeína
- Pentobarbital
- Álcool
- Acetilcolina
- Atropina
- Cromoglicato

Experimentais
- Metissergida
- Fentolamina
- Feno10benzamina
- Sefotonina
- Ou\ltrofenol
- HISUmina (aerossol)
- Atropina e derivados
sença de detenninado patógeno, resultando na estimulação
e migração de receptores específicos para aquele ligante. 30
O processamento e a apresentação de antígenos inala-
dos ocorrem principalmente no tecido linfoide localizado em
folículos ao longo da árvore brônquica (BALTS- bronchus-
-associated lymphoid tissues), estimulando linfócitos BeTa
se tomarem células de memória e efetoras. As três principais
funções dos linfócitos pulmonares são produção de antioor-
.. pos, atividade citotóxica e elaboração de mediadores infla-
.··· matórios. A citotoxicidade, promovida pelas diversas células

.... . •.....
•o:: T, como as células NK, anticorpo-dependentes e antígeno-
.. . ~·
~o o•·· ·.• .• l
-restritas, é um importante mecanismo de defesa, fazendo-
-se sentir particulannente sobre células infectadas por vírus,
• • o~onai 0 • promovendo alise delas. )I
•• •• o •

Imunidade humorai e radicaislivres de oxigênio


A distribuição das imunoglobulinas ao longo do aparelho
respiratório não é unifonne. A lgA secretora é produzida
FIGURA 7.7 -+ Resposta inflamatória de células aiiii!Oiares epiteliais tipo
nas vias aéreas superiores, contribuindo com cerca de 10%
11. na presença de patógenos. Quando há patógenos no interior dos
alvéolos, células aiiii!Oiares tipo 11 auxiliam os macrófagos alveolares no das proteínas da secreção nasal,32.l3 atuando principalmente
combate aos microrganismos patogênicos (ver texto). na neutralização de vírus e endotoxinas, no aumento da lac-
toferrina e atividades da lactoperoxidase, e na inibição do
crescimento bacteriano.
A lgA neutraliza microrganismos e facilita sua remoção
Outros componentes celulares que fazem parte do siste- por meio da depuração mucociliar, inibindo a ligação de mi-
ma imune inato são os chamados componentes solúveis, que crorganismos com as células epiteliais, desfavorecendo assim
incluem moléculas do sistema de complemento, proteína C a captação de potenciais alérgenos. Encontra-se presente na
reativa/' lecitinas, colectinas, defensinas, lisozimas, fosfoli- traqueia e nos brônquios de maior calibre, e praticamente
pase A2, serprocidinas e lactoferrinas ligadas ao ferro, que inexiste a partir de bronquíolos. Uma climinuição dos níveis
são importantes no reconhecimento de patógenos.u."' de lgA tem sido associada a aumento da aderência bacteria-
Os antígenos ou ligantes encontrados na parede celular na às superficies mucosas, resultando em infecções de repe-
34
dos diferentes microrganismos são chamados de padrões mo- tição de vias aéreas tanto superiores quanto inferiores.
leculares associados a patógenos (PMAPS), sendo reconhe- A IgG, por outro lado, é abundante nas vias aéreas
cidos por receptores específicos, entre os quais estão incluí- mais inferiores, aparecendo em elevadas concentrações no
dos os receptores semelhantes a to/1 (TLRS), os receptores líquido do lavado broncoalveolar. A quantidade de lgM é
"scavenger" (ScvRS),25.u macrófagos receptores de manose27 pequena nos líquidos da superficie mucosa do aparelho res-
e receptores de J}-g)icano.28 Os distintos padrões moleculares piratório. A IgG e a lgM penetram nas vias aéreas predomi-
apresentados pelos patógenos (PMAP) costumam ser consti- nantemente por transudação a partir do sangue, e seus pa-
tuídos por lipfdeos e carboidratos, presumivelmente por se- péis na opsonização, aglutinação e neutralização bacteriana
rem os maiores componentes das membranas celulares dos e viral, além da ativação do complemento, são similares aos
microrganismos. Os mais bem conhecidos incluem lipopolissa- que desempenham em outros locais.
carfdcos, ácido teicoico, RNA de dupla hélice e dinudcotíde-
os CpG não metilados, que são comuns no DNA bacteriano."'

Reconhecimento de antígenos pelo sistema


imune
O reconhecimento de antígenos pelo sistema imune inato é
mediado por um diversificado grupo de receptores que per-
tencem a diferentes famílias de proteínas. Alguns desses re-
ceptores reconhecem patógenos diretamente (p. ex., CD14,
DEC205, colcctinas), enquanto outros (p. ex., receptores do
complemento e TLRs) reconhecem os produtos gerados pe-
los antígenos através dos PMAPS. Quando ocorre o reconhe-
cimento dos PMAPS direta ou incliretamcntc, essa interação
resultará em liberação de um "sinal de alerta" para a pre-
A lgE participa da imunidade a parasitas. Ela se liga aos namatórias, como a ll..-10 e a IL-13, regulando o processo,
parasitas, e os eosinófilos se ligam então aos organismos op- atenuando-o dentro de limites.:l9
sonizados via receptores lgE Fc. Os eosinófilos são estimu- A substância tensoativa pulmonar, rica em fosfolipíde-
lados a liberar conteúdos granulares, resultando na lise do os -especialmente dipalmitoilfosfatidilcolina,"" e contendo
parasita. também proteínas - além de sua conhecida ação principal
de diminuir a tensão superficial, atua como moduladora da
fagocitose, ora estimulando, ora inibindo a atividade dos ma-
crófagos.••-<3
Quando os mecanismos antes descritos se mostram insu-
ficientes para eliminar ou destruir o agente agressor - como
ocorre, por exemplo, com partículas de sOica ou com o bacilo
da tuberculose - permanecendo o material insolúvel depo-
sitado nos tecidos, o recurso defensivo alternativo final se
dá, via de regra, pela formação de granulomas, no sentido
de cercar e circunscrever o processo inflamatório em anda-
mento." A intensidade e a rapidez dos eventos que ocorrem
são variáveis dependendo de o granuloma ser do tipo imu-
nológico (hipersensibilidade) ou não imunológico (corpo
estranho).
O material retirado do ambiente intra-alveolar pelos
macrófagos (50% dele dentro de 24 horas) é levado até o
bronquíolo terminal, seguindo daí para a frente sobre o ta- Fatores que interferem com os mecanismos de
pete mucociliar. Estima-se que a ação da fagocitose alveolar defesa
decresça a partir da presença de 10 partículas por células. 3l.36 Vários fatores podem ser responsáveis pelo mau funciona-
Excedida a capacidade de funcionamento dessa via, outras mento dos mecanismos de defesa do aparelho respiratório,
mais lentas se estabelecem com a passagem do material para manifestando sua interferência em diferentes níveis. Pode
o interior do tecido pulmonar, onde macrófagos localizados ocorrer que a própria maquinaria originariamente não seja
no interstício ou no interior de tecido linfático ou de vasos normal, condicionando maior vulnerabi.lidade à instalação
sanguíneos atuam como células fagocíticas ou processadoras de doenças, ou os defeitos podem ser adquiridos durante a
de antígeno.37 vida do indivíduo submetido a agressões diversas.
As células fagocllicas do pulmão, de modo geral, têm
suas atividades facilitadas pelas opsoninas - substâncias
solúveis que envolvem particulas estranhas, representadas
principalmente pela classe lgG das imunoglobulinas e pela
porção C3b do complemento, mas também por fibronectinas
e pela substáncia tensoativa alveolar.'
A fagocitose, tenha sido ela iniciada inespeeificamente
ou direcionada por mecanismo imunológico, costuma pro-
cessar-se no interior do fagócito pela exposição das particu-
las - em especial as bactérias - a produtos altamente tóxicos
derivados do metabolismo do oxigênio, como ânion superó-
xido (0 2- ), peróxido de hidrogênio (H20J, oxidrilas (OH}
e oxigênio eletricamente excitado (02), cuja formação é ca-
talisada por enzimas (oxirredutases) que se encontram em
grânulos lisossômicos dos vacúolos fagocfticos.
O poder microbicida, em termos de produtos do oxigê-
nio, é maior no neutrófilo, possuidor de atividade de pero-
xidases (mieloperoxidase), o que lhe possibilita a utilização
ampliada de mecanismos oxirredutores destrutivos, exce-
dendo a capacidade dos macrófagos que têm como mais im- Em algumas situações em que os mecanismos de depu-
portante a enzima NADPH-oxirredutase.7.38 ração brônquica encontram-se comprometidos - como na
Uma resposta inflamatória exagerada pode ser nociva asma-, a utilização de fármacos beta-adrenérgicos ou me-
para o pulmão, levando à instalação de processos fibróticos tilxantinas poderá recuperá-los, mediante broncodilatação,
ou à destruição da estrutura do órgão secundária à inativa- diminuição do edema da mucosa e aumento da secreção de
ção de antiproteases. Várias células, todavia, como epite- muco e da atividade ciliar. 46 Thmbém os corticoides podem
liais, endoteliais, musculares lisas, dendríticas, macrófagos contribuir para a melhora da mecânica ciliar, por suas ações
intersticiais e fibroblastos, além de produzirem substâncias anti-inflamatórias, diminuição da permeabilidade capilar e
12
pró-inflamatórias, também elaboram outras que são anti-in- potencialização das substâncias beta-adrenérgieas.
O mecanismo da fagocitose alveolar- e suas íntimas cor- 8. Fischer H, Widdicombe JH. Mcehanisms or acid and base scerc-
relações com o estado de imunidade do índivíduo -pode se tion by thc airway cpithclium. J Membr Biol. 2006;211(3):139·50.
encontrar afetado de diversas maneiras. A disfunção- here- 9. Maina JN, West JB, Orgcig S, Foot NJ, Danicls CB, Kiama SG,
ditária, congênita ou adquirida -pode residir nas próprias et ai. Reocnt advaiiCC$ into undcrstanding some aspccu or lhe struc-
células (fagócitos e linfócitos), nas imunoglobulinas ou no rurc and funetion or mammalian and aviao lung$. Pbysiol Biochem
sistema do complemento. Zool. 2010;83(5):79Ul07.
Anormalidades herdadas de componentes do comple- lO. WiesmiUer K, Keck T, Leiackcr R, L.indemann J. Simultancous
mento são raras. Quando há ausência completa da porção in vivo mcasurcmcnts of intranasal air and mucosa! tcmpcrarurc.
C3, repetidas infecções do trato respiratório ocorrem por Eur Areh Otorhinolaryngol. 2007;264(6):615-9.
diversos tipos de bactérias.''
11. Grecn GM, Jakab GJ, Low RB, Davis GS. Dcfcnsc mecbanisms
As deficiências de imunoglobulínas podem englobar to-
o f lhe respiratory membrane. Aro Rcv Respir Ois. lm;l15(3):479-
das as classes dessas proteínas ou ser seletivas para um ou 514.
mais tipos. A agamaglobulinemia ligada ao cromossomo X
deve-se à total ausência de linfócitos B, manifestando seus 12. Gudis OA, Cobcn NA. Cilia dysfunction. Otolaryngol Clin North
Aro. 2010;43(3):461-72, vü.
efeitos por volta dos seis meses de idade em indivíduos do
sexo masculino, com infecções graves de vias aéreas superio- 13. Buzca C, Pacheco ll, Robbic K. Nanomatcrials and nanoparti-
res e inferiores por germes piogênicos. cles: sourecs and toxicity. Biointerphascs. 2007;2(4):MRI7.
Na imunodeficiência variável comum, o número de lin- 14. Stonc V, Johnston H, Clift MJ. Air poUution, ultrafine and nano·
fócitos B encontra-se reduzido, bem como a produção de particle toxieology: ccllular and molecular intcractions. IEEE Trans
imunoglobulinas, ocorrendo as consequentes manifestações Nanobioscicncc. 2007;6(4):331·40.
na segunda ou terceira década de vida, com infecções respi-
15. Seornavacca G. Estudo dinâmico da faringe c da laringe e sua
ratórias recorrentes. A mais comum das hipogamaglobuli· relação com os sinais da aspiração faríngca c do pigarrear (tese).
nemias, entretanto, é a deficiência seletiva de IgA, com inci· Porto Aleg.rc: Universidade Federal do Rio Grande do Sul; 2009.
dência de um caso para cada 500 nascimentos.48 Verifica-se,
paralelamente, um aumento compensatório de IgG e IgM, 16. lrwin RS, Baumann MH, Bolser DC, Boulct LP, Bramao SS,
Brightling CE, ct ai. Diagnosis and managcmcnt of cough executivo
supondo-se, por essa razão, que a maioria dos indivíduos
summary: ACCP evidencc·bascd clinicai practicc guidclincs. Cbest.
com deficiência de lgA seja assintomáúca, embora alguns 2006;129(1 Supp1):1S..23S.
deles tenham maior propensão a adquirir infecções por ci-
tomegalovírus, Pneumocystis jirovecii e algumas bactérias. A 17. Randcll SH, Bouehcr RC. Effective mueus clcarancc is cssential
maioria das disfunções da imunidade celular se caracteriza, for respiratory health. Aro J Respir Ccll Moi Biol. 2006;35(1):20-8.
isto sim, por anormalidades concomitantes em células B e 18. Salathc M. Regulation of mammalian ciliary bcating. Annu Rev
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humoral- como na ataxia telangiectásica,49 na síndrome de 19. Parker D, Prinec A. lnnatc immunity in thc rcspiratory cpithc-
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piratórias por diversos microrganismos podem ocorrer.
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Ana Luiza Moreira
José da Silva Moreira
8
Em cada uma das partes que compõem a anamncse res-
Introdução piratória, certos itens podem ser de particular importância
O diagnóstico das doenças do aparelho respiratório funda- em qualquer situação, devendo ser mais detalhados ou es-
menta-se em bases clínicas, de imagem, funcionais e labo· clarecidos.
ratoriais. Desde os tempos de Hipócrates, e passando por
outras importantes figuras históricas, o método clinico -
anamnese e exame físico - segue sendo a pedra angular da
investigação médica, ainda que diversas outras excelentes
Identificação
ferramentas sejam hoje amplamente oferecidas. • Idade: a idade cronológica - dado fácil de ser obtido -
A experiência tem mostrado que os recursos de pon t.a dis- tem sempre importância relevante levando-se em consi-
ponfvcis só são aplicados em sua plenitude c com o mãximo de deração que determinadas doenças incidem em grupos
proveito naquele paciente que passou por um exame clínico etários distintos (DPOC e carcinoma brônquico prefe-
bem executado. A metodologia clillica e os demais recursos de- rencialmente em pacientes com mais de 50 anos; bron-
vem ser usados buscando-se, em cada caso, o maior rendimen-
quiolite em crianças).
• Sexo: algumas doenças, como a paracoccidioidomicose,
to do conjunto todo, e sempre se atentando para o binômio
ocorrem de forma preferencial em homens, e excepcio-
risco-beneficio de cada procedimento, incluindo-se os custos.
nalmente em mulheres; na linfangioliomiomatose, acon-
Na anamnese, é necessário obter e ordenar as informa·
tece o oposto.
ções referentes às queixas relatadas pelo paciente em um
• Cor (subentendendo a raça): a tuberculose e a sarcoido-
conjunto harmônico, que faça sentido, formando um mode- se são proporcionalmente mais frequentes e podem ser
lo clinico que possa ser indicativo de determinada doença mais graves em indivíduos da raça negra.
(pneumonia, tuberculose, doença pulmonar obstrutiva crô- • Estado civil: verificar em cada situação o tipo e o número
nica - DPOC, neoplasia), levando à hipótese diagnóstica. de parceiros, especialmente pela possibilidade da conta·
Deve-se ter sempre em mente que as informações estão minação pelo vfrus da imunodeficiência humana (HIV).
sob influência do estado psicológico, social e até mesmo de • Profissão: a exposição ocupacional (tipo e tempo) pode
consciência do indivíduo doente. Quanto mais próximo se levar ao desenvolvimento de doenças consequentes à
chega do nível de compreensão do paciente, maior a chance inalação no ambiente de trabalho de poeiras minerais
de se obter uma entrevista bem-sucedida.' Portanto, deve-se ou orgânicas, gases tóxicos, ou mesmo microrganismos.
usar uma linguagem por ele entendida, reservando os ter- Daí a importância desse dado, mesmo que no passado
mos médicos para as anotações no prontuário. A obtenção do indivíduo.
da história clínica exige alguns cuidados: ambiente tranquilo, • Procedência: indivíduos que vivem ou viveram em de-
privacidade, conforto, comunicação e empatia. terminadas localidades podem apresentar doenças que
são ali endêmicas, como hidatidose na fronteira do Rio • Mesológicos: condições sociais, hábitos (fumo, álcool,
Grande do Sul com o Uruguai e a Argentina, esquistos- outras drogas).
somose no Nordeste brasileiro e paracoccidioidomicose • Imunológicos: imunizações (bacilo de Calmette-Guérin
na América do Sul. BCG, anti-influenza, etc.), manifestações de hipersen-
sibilidade ou atopia (rinite, asma, urticária, reações a
drogas), imunodeficiências (em especial infecção por
HIV).
Queixa principal
A queixa principal é definida como o sinal, o sintoma ou
mesmo o resultado de exame complementar que motivou
a procura pelo médico, sendo o sintoma-guia, por meio do
História médica familiar
qual a história vai sendo organizada. De forma didática, em seu braço vertical, buscam-se con-
dições genéticas (atopia, deficiência de alfa 1-antiprotease,
fibrose cística, diabete melito etc.), e no horizontal, as doen-
História da doença atual ças infectocontagiosas dentro do ambiente familiar (tuber-
culose, viroses agudas).
Sugere-se que a conversa se inicie de forma aberta, escutan-
do-se o que o paciente relata de maneira cuidadosa. Este
momento é crucial para toda a relação que está se construin-
do. Em um segundo momento, cabe ao médico elaborar
Revisão de sistemas
questões dirigidas e objetivas que possam acrescentar infor- Percorrendo os diversos sistemas do corpo, essa revisão fun-
mações relevantes ao que foi descrito. Assim que obtidos os ciona como um lembrete, buscando informações que possam
dados da história, estes devem ser sempre registrados. detectar algo que tenha escapado na investigação inicial, al-
A história da doença atual (HDA) envolve o sintoma gum sintoma que deva ser investigado, mesmo que sem re-
principal que motivou a busca do médico e os outros sinto- lação com a HDA, ou que possa acrescentar dados às infor-
mas e sinais associados ao primeiro, que algumas vezes são mações da HDA e corroborar com a hipótese diagnóstica.Z
inclusive mais sérios. Ela é constituída basicamente de três
itens:

• Um "início de sintomas" (quando?)


Tosse
• Uma "cronologia dos sintomas" (sucessão temporal) A tosse é um importante mecanismo de defesa, sendo tam-
• A "evolução de cada sintoma" (piora/melhora) até seu bém a manifestação mais comum das doenças respiratórias.
estado atual Da mesma forma que leva pessoas saudáveis ao médico,
preocupadas com a possibilidade de doenças sérias, tam-
Alguns pacientes têm dificuldade de lembrar o início dos bém é pouco valorizada por outras, as quais passam longos
sintomas, mas relatam com facilidade quando houve a pio- períodos da vida a apresentando sem buscar avaliação. 3 É o
ra de algum deles. Nessas circunstâncias, pode-se obter uma segundo sintoma em medicina, por ordem de frequência, so-
informação mais precisa perguntando-se sobre saúde: "O se- mente atrás da cefaleia. Entretanto, é o primeiro que leva o
nhor vinha bem, desempenhando normalmente suas ativida- paciente ao médico, muitas vezes pelas consequências, como
des habituais, até quando? Em que momento isso mudou?" dor muscular, constrangimento por incontinência uriná-
ria, fratura de arco costal e receio de distanciamento social
("pode ser transmissível").'
É um mecanismo fundamental para a higiene e a prote-
História médica pregressa ção dos pulmões e envolve uma expiração explosiva que os
Buscam-se, mediante a história médica pregressa, informa- protege de aspiração, promovendo a circulação de secreções
ções sobre fatos que ocorreram antes do início da HDA, ou e outros componentes das vias aéreas em direção à boca.
seja, os antecedentes médicos: A tosse envolve um complexo arco reflexo que inicia
com os receptores na traqueia (carina) e nos locais dera-
• Físiológicos: condições periparto, crescimento e desen- mificações das grandes vias aéreas, sendo menos numero-
volvimento, tolerância a exercícios (especialmente em sos quanto mais distais. Acredita-se que também existam
pacientes pediátricos e mais jovens). receptores no conduto auditivo, tímpano, seios paranasais
• Patológicos: infecções graves na infância, em especial (SPNS), pericárdio, esôfago, estômago e diafragma. Os es-
viroses complicadas por pneumonia, tuberculose, bron- tímulos podem ser de natureza inflamatória (secreção, ede-
quiolite, asma, cirurgias prévias, biópsias, endoscopias, ma, hiperemia), mecânica (corpo estranho, poeira, altera-
traumatismos, tratamentos (sobretudo tisiológico), exa- ção de pressão pleural como em derrames), química (gases
mes efetuados com respectivos resultados (clínicos, de irritantes) e térmica (frio).
imagem, microbiológicos, citológicos, anatomopatoló- E m condições normais, o transporte mucociliar e a ação
gicos). macrofágica são capazes de remover as secreções normais
do trato respiratório inferior. A tosse pode, também, ser im- quiectasias e infecções. Após per!odo com corlicoterapia,
produtiva em processos alérgicos, infecções do trato respira- esses valores diminuem. Assim, a mensuração do óxido ní·
tório, uso de medicações (inibidores da enzima conversora trico no ar exalado tem sido considerada uma ferramenta
da angiotensina - lECAS}, refluxo gastresofágico (RGE) e potencialmente útil na busca da causa básica da tosse, so-
betabloqueadores, levando a quadro de broncospasmo em bremaneira quando as outras possibilidades diagnósticas são
predispostos/asmáticos, ou inalação de gases. Os fumantes invasivas.6
tendem a encará-la como "normal", sobretudo quando ocor-
re pela manhã ("pigarro do fumante").
Uma mudança no caráter da tosse em um paciente fu-
Tratamento
mante pode sugerir lesão endobrônquica, especialmente car- O tratamento da tosse depende da causa estabelecida. De·
cinoma brônquico. ve-se buscar o tratamento ideal indicado para a doença de
Quando associada a outros sintomas ou achados radiol6- base, e não para o sintoma. Em tosse seca, especialmente
gicos, não traz dificuldades diagnósticas, mas, se for o único nos casos crônicos, de difícil resolução (p. ex., carcinoma
sintoma ou se for intensa, pode ser um desafio. brônquico), está indicada sedação com anlitussfgenos (code-
A tosse pode ser classificada da seguinte forma: ína ou dextrometorfano). Não há estudos que comprovem a
eficiência do uso de expectorantes no paciente com DPOC.
A acetilcisteína pode ser usada, com efeitos benéficos. 6 O
• Aguda: período de até três semanas (geralmente associa-
tratamento inicial sugerido para doença do refluxo gastreso·
da a infecções respiratórias vitais e bacterianas).
fágico (DRGE) inclui inibidor de bomba de prótons, dieta e
• Subaguda: tosse persistente por periodo entre três e oito
mudanças no estilo de vida. 7
semanas.
• Crônica: tosse com duração superior a oito semanas. De-
ve-se pensar na possibilidade da tr!ade patológica da tos-
se: gotejamento pós-nasal (GPN}, hiper-reatividade das ~ ATENÇÃO
vias aéreas (HRVA} e RGE como as causas mais comuns
em pacientes que não usam IECA.5 Éessencial otimizar a terapia para cada diagnóstico e
verificar o cumprimento dessa orientaç.\o. Pela possl·
O GPN associa-se à rinite alérgica ou não, a irritantes bilidade de causas associadas, de~~e-se manter todos
ambientais, rinite vasomotora e rinossinusite. O termo é os tratamentos que mostraram efetividade. O diag·
usado para descrever "a sensação de algo gotejando, caindo nóstico pode ser estabelecido com base na resposta
para a garganta" ou "a necessidade de limpar a garganta". ao tratamento ernplrico.u
Em tal situação, o paciente frequentemente apresenta o si-
nal da aspiração farlngea (sucção forçada de ar produzida
pela inspiração com posterior deglutição da secreção aspi·
rada).•.s Expedoração
Pode também ser o único sintoma• de asma, uma das
principais causas de tosse crônica em adultos não fumantes É o conjunto de materiais formados e/ou depositados na
(24 a 29%), chamada de tosse variante de asma. mucosa respiratória eliminado por via oral. Expectorar é si·
A tosse pode ser consequente a uma grande variedade nônimo de escarrar, expelir do peito. O pequeno volume de
de doenças pulmonares c extrapulmonares (QUADRO 8.1).7 muco produzido pela árvore traqueobrônquica é carreado
pelos cílios e deglutido junto com a saliva e o muco prove-
niente do trato respiratório superior. Em indivíduos sadios,
não há tosse, pois o mecanismo mucociliar e a ação macro·
fágica são capazes de remover as secreções fisiológicas do
trato respiratório.
A quantidade de secreções respiratórias pode chegar a
150 mLem 24 horas, sem que haja consciência do fenômeno.
Acima disso, há necessidade de lançar-se mão da tosse. Este
acúmulo ocorre na presença de produção excessiva de muco,
alterações em suas propriedades físicas ou quando a depura-
ção mucociliar toma-se ineficiente.'
A tosse produtiva representa um importante mecanismo
de defesa e uma das principais caracter!sticas das doenças
das vias aéreas. Ela remove as secreções relidas, as quais
Exames complementares devem ser examinadas, refletindo a natureza dos processos
A FIGURA 8.1 apresenta um fluxograma para avaliação de tos- infecciosos, neoplásicos, alérgicos e granulomatosos (tuber-
se crônica. culose ou micoses).
Cabe observar que o teste com óxido nítrico demonstrou O escarro é uma complexa mistura resultante da ati-
valores elevados em doenças como asma brônquica, bron· vidade secretora de inúmeras células localizadas em di·
QUADRO 8.1 -7 Causascomuns de tosse

I(J\IfHJ·IJ!t($U,
Sinusite ou nasofaringite Tosse após infecção de vias aéreas superiores (IVAS), gotejamento pós·nasal, aspiração faringea
Traqueobronquite Dor de garganta, coriza e sintomas oculares

Pneumonia lobar Sintomas de IVAS prévios, tosse seca e, posteriormente, produtiva


Broncopneumonia Tosse seca ou produtiva, em geral iniciando·se com bronquite aguda
Pneumonia por vlrus ou micoplasma Sindrome gripal com tosse paroxfstica
Exacerbação de bronquite crônica Tosse produtiva (a expectoração torna·se de mucoide a purulenta)
Bronquite Tosse produtiva de expectoração na maioria dos dias por mais de três dias consecutivos no mês e por
mais de dois anos
Bronquiectasias Expectoração frequente, muitas vezes desde a infância
Tuberculose Tosse, expectoração, perda de peso, febre, sudorese profusa
Doenças intersticiaislfibrose pulmonar Tosse seca e dispneia aos esforços
Carcinoma brônquico Pneumonias de repetição no mesmo local, mudança no padrão da tosse, escarro hemático
Tumor do mediastino Tosse geralmente associada~ dispneia causada pela compressão de brônquio ou traqueia
Aneurisma da aorta Tosse metálica
Refluxo gastresofágico Tosse não produtiva após refeições, à noite, associada ou não a rouquidão, dor/desconforto na garganta,
piora da rinite e/ou asma, mau hálito
Corpo estranho Tosse com evidências de asfixia progressiva (se sintomas recentes); tardiamente, tosse produtiva e
sibilância localizada
Insuficiência ventricular esquerda Associada a decúbito, bem como a dispneia
Infarto pulmonar (tromboembolismo Tosse associada a hemoptise e derrame pleural, geralmente unilateral
pulmonar)
Enzima conversora da angiotensina Tosse seca; é mais frequente em mulheres e não necessariamente relacionada com o inicio do tratamento
(pode ocorrer depois do início ou após anos de uso)
Fonte: Adaptado de Fishman.to

ferentes níveis da árvore respiratória, sendo modificado


conforme as características de cada processo que a aco- • Se houver relação entre eliminação de escarro
mete. com decúbito, deve-se pensar em doenças loca-
Questões importantes acerca do escarro que devem ser lizadas, como abscesso de pulmão, bronquiecta-
observadas são aspecto (seroso, mucoide, purulento, hemá- sias e ffstula broncopleural.'
tico, com moldes brõnquicos), odor (sobretudo quando há • A valorização deste material rico e proveniente
possibilidade de flora anaeróbica, cujo odor é caracteristi- de área tão nobre deve ser explicada ao pacien-
camente fétido, sugerindo abscesso de pulmão) e quanti- te I É um ato de respeito para com ele, que em
dade. muitos casos será poupado de exames invasivos,
com bons rendimentos diagnósticos, especial-
mente se bem colhido.
1- ) -1 ATENÇÃO

• Crianças não sabem expectorar até por volta dos


cinco anos. Dispneia
• Mulheres não costumam expectorar, mas deglu-
tem, muitas vezes sem tomar consciência do fato A dispneia é a percepção, a consciência desconfortável da
ou por constrangimento. respiração ou da necessidade de um esforço aumentado para
respirar.
TOSSE CRÔNICA

Anamnese. exame
fíSico e rad1ografia de
tórax
Fumo

1
Descontinuar
Urru!i causa para a
tosse é sugerida:
investigar e TRATAR
IECA
l
Sem
resposta

1
Radiografia
1
considerada normal e Via aérea $Uperjor: tratamento empírico
resposta inadequada AunA: espirometria com teste
broncodilatador (ideal) ou TBP ou
tratamento emptrlco
Bronqujte eo~jnofíljca não asmática
(idealmente investigada por pesquisa de
eosinófilos no escarro) ou tratamento
empírico
ll&G.E: tratamento empírico (ver tratamento)
Investigado adiçjonal;
-pHmetria de 24 horas endosc6pica ou
videofluorosc6pica
-Esofagograma baritado
-TCde SPN FIGURA 8.1 ~ Avaliação de tosse crônica
·TCAR de tórax com duração de oito semanas em adultos.
-Broncoscopia TC = tomografia computadorizada; TCAR
-Ecocardiograma
= tomografia computadorizada de alta
·Avaliação ambiental
·Considerar outras causas menos comuns resolução.
Fonte: Adaptada de Fishman.'0

"O indivíduo percebe que tem a necessidade de mais ar em • A maioria dos médicos aplica o termo vagamente, com
circunstâncias que não produziriam tal sensação". 11 base em sua experiência com o paciente predominante
"É a experiência subjetiva de desconforto respiratório que atende (p. ex., pacientes com DPOC ou asma).
7

que consiste em sensações qualitativamente distintas, variá-


veis em sua intensidade. A experiência deriva de interações Independentemente disso, a dispineia associa-se a um
entre múlt iplos fatores fisiológicos, psicológicos, sociais e aumento da mortalidade, grande morbidade e grave limita-
ambientais, podendo induzir respostas comportamentais e ção para o desenvolvimento de atividades físicas e sociais.
fisiológicas secundárias".'' Os mecanismos responsáveis pela dispneia não são total-
A dispneia designa uma variada gama de sensações da mente conhecidos, mas estão associados aos estímulos que
consciência da respiração, de um lado, até a insuficiência
aumentam a ventilação ou são consequentes à ventilação au-
respiratória, de outro.
mentada.12.1) As variáveis que afetam a percepção da dispneia
incluem idade, sexo, fatores socioeconômicos, antecedentes
• Dispneia é uma queixa subjetiva, sem consistência com
sinais objetivos como taquipneia. pessoais e de aprendizagem social, crenças, tolerância a dor
• Poucos médicos experimentaram o desconforto respira- e desconforto e orientação psicológica. Semelhante ao que
tório associado, de modo que a maioria das interpreta- ocorre com a dor, a incapacidade funcional resultante de uma
ções representa extrapolações de falta de ar normal (p. sensação respiratória depende da capacidade do indivíduo de
ex., após exercício extenuante). tolerar o desconforto. À medida que o paciente pode manter
• Observações experimentais relacionadas com o sintoma um sent ido de "controle" sobre o seu corpo, pode determinar
baseiam-se no estudo de indivíduos normais ou animais a intensidade da experiência sensorial. Isso compreende um
sob circunstâncias artificiais. estímulo sensorial para o córtex cerebral (predominante nas
vias aéreas superiores e na face) c a percepção da sensação, Platipneia
apoiada fortemente no perfil psicológico do indivíduo.' É a dispneia que surge ou se agrava com a adoção da po-
A dispneia pode ser consequente a causas pulmonares (p. sição onostática, particularmente em pé. Costuma ocorrer
ex., diminuição da complacência ou obstrução das vías aére- em pacientes com quadros de pericardite ou na presença de
as), cardíacas (p. ex., insuficiência cardíaca), metabólicas (p. shunls direita-esquerda, situação que pode ser acompanhada
ex., acidosc metabólica/diabete e uremia), associadas a outras de ortodeoxia (queda acentuada da saturação arterial de oxi-
condições que alteram a ventilação (p. ex., gravidez, obesida- gênio com a posição em pé). A platipneia e a onodeoxia são
de, anemia) ou ter causas psíquicas ("dispneia suspirosa")? achados característicos da sfndrome hepatopulmonar.
Importantes exemplos de dispneia aguda são asma e em-
bolia pulmonar, pneumotórax, pneumonia, aspiração de cor-
po estranho, insuficiência cardfaca, exacerbação de DPOC, Trepopneia
hiperventilação, gravidez, sindrome do pânico. É a dispneia que surge ou piora em uma posição lateral, e de-
As causas mais frequentes de dispneia crônica (superior saparece ou melhora com o decúbito lateral oposto. São exem-
a 30 dias) e progressiva são respiratórias (obstrutivas e res- plos derrame pleural ou paralisia diafragmática unilaterais.
tritivas) e cardiovasculares. '·"
Investigação
Por tratar-se de um sintoma de dif!cil mensuração cuja per-
cepção é afetada por variáveis diferentes, alguns métodos
foram criados na tentativa de quantificar e caracterizar a in-
tensidade da dispneia (QUADRO 8.2).1s. 17
Outras escalas também podem refletir os efeitos do sinto-
ma sobre a qualidade de vida dos pacientes, como Conselho
Britânico de Pesquisas Médicas Modificadas (MRC) (QUA·
ORO 8.3); Diagrama de Custo do Oxigênio (OCO); Índice
Basal de Dispneia (IBD) e índice 'fransicional de Dispneia
(ITD) de Malller; Questionário de Dispneia da Universida-
de da Califórnia em San Diego (UCSDQ); e Componente
referente à dispneia do Questionário da Doença Respirató-
Ortopneia ria Crônica de Guyatt (CRQ).5 A escala de dispneia definida
A ortopneia é o surgimento ou agravamento da dispneia
quando se assume o decúbito horizontal. Há alívio, parcial
ou total, com a elevação da porção superior do tórax pelo QUADRO 8.2 ~ Escala de Sorg ' modificada
uso de um número maior de travesseiros ou pela elevação
da cabeceira da cama. É um exemplo da dispneia de origem
cardíaca (insuficiência cardfaca esquerda). làmbém pode
ocorrer em indivíduos portadores de fraqueza da musculatu- o Nada
ra diafragmática (pacientes com doenças neuromuseulares). 0,5 Muito leve (apenas perceptíveO

Muito leve
Dispneia paroxística noturna
O paciente é despertado por dispneia, acorda com uma dramá- Leve
tica sensação de falta de ar e precisa sentar-se ou levantar-se,
procurando uma área mais ventilada ou até mesmo abrindo Moderada
as janelas (também sugestivo de insuficiência cardíaca esquer- 4 Relativamente grave
da). Frequentemente acompanhada de tosse e sibilâneia, obri·
ga o paciente a dormir sentado. Acredita-se que, durante o Grave
sono, a reabsorção do edema periférico leve à hipervolemia
sistêmica e pulmonar, com consequcntc aumento da pressão 6
capilar pulmonar c agravamento da congestão pulmonar. Muito grave
A sibilãncia associada à congestão pulmonar deu origem
ao termo "asma cardfaca", cujos sibilos são uma manifesta- 8
ção de edema traqueobrônquico, espessamento das paredes
brônquicas e redução do lúmen das vias aéreas (as pressões 9 Muito, muito grave (quase mbíma)
que são necessárias para superar a obstrução durante a expi-
------
10 MAxima
ração tendem a estreitar ainda mais as vias aéreas). Após a
recuperação do episódio agudo de edema pulmonar, a resis- •utiliza núme<os • tormos par• d!KIM< um• mudanç• N ínlt<lild.I<M do tsdmulo.
tência e a complacência pulmonares voltam ao normal. Fontt: Sdlwartnttin." MoriJnfz t <Oioboradom'' tiCovt!~ t <OI•bcxadotos."
QUADRO 8.3 ~ Escala de dispneia (MRQ A cianose não ocorre nas intoxicações por monóxido de
carbono ou em anemia severa, embora o teor de oxigênio
arterial seja extremamente baixo (a presença de outros pig·
mentos, como metemoglobina, dificulta a detecção da ciano·
O Sem dispneia, somente com exercício extenuante se). Em contrapartida, os pacientes policitêmicos desenvol-
vem cianose com uma saturação maior de oxigênio do que o
Dispneia ao caminhar depressa no plano ou subir ladeira indivíduo norma1.47
suave
Anda mais devagar do que pessoas da mesma idade no
plano pela dispneia ou pre<:isa parar para respirar Mecanismos
• Aumento na quantidade de hemoglobina reduzida nos
Pre<:isa parar para respirar após caminhar uma quadra capilares da pele, consequente a uma oxigenação inade-
ou poucos minutos no plano quada do sangue arterial.
• Retirada excessiva de oxigênio do sangue capilar (como
4 Muito dispneico para sair de casa ou vestir·se
quando a circulação através de uma região é retardada
fonte: Stoller e colaboradores." por vasoconstrição, ou por baixo débito cardíaco).
• Combinação dos dois mecanismos anteriores.

A concentração de hemoglobina reduzida nos capilares


pela American Thoracic Society também tem sido utilizada,
18 da pele deve atingir cerca de 5 g!dL antes de a cianose tor-
especialmente em estudos epidemiológicos. nar-se perceptível.
Os exames para investigação de dispneia incluem ra-
diografia de tórax, espirometria, difusão com monóxido de
carbono, eletrocardiograma, ecocardiograma, oximetria/ga- Causas
sometria arterial, TBP, teste cardiopulmonar, manobras em
inspiração e expiração (Plmáx e PE.w), exercício, angiotomo·
Cianose periférica
grafia, hemograma, provas funcionais de tireoide, creatinina, Este tipo é secundário à extração anormal de oxigênio do
peptídeo natriurético cerebral (BNP), HCOjbicarbonato. sangue que flui através dos capilares periféricos. A causa
Na dispineia aguda, deve-se determinar a gravidade, indi· mais comum é fluxo sanguíneo diminuído/vasoconstrição
cada por: alteração do estado mental, hipoxemia, hipotensão, periférica (frio local, fenômeno de Raynaud} ou retardado
arritmia, estridor ou suspeita de obstrução de via aérea, sus· (obstrução venosa, insuficiência cardíaca). Não somente as
peita de pneumotórax (diminuição/ausência de sons unilate· mãos e os pés, mas também a extremidade do nariz fica azul
ral com desvio de traqueia para o lado contralateral), uso de na insuficiência cardíaca grave. De fato, pode ocorrer oca-
musculatura acessória, cianose e taquipneia (FR superior a 40 sionalmente necrose na ponta do nariz. A pele é fria e não
mpm). Iniciar 0 2 e considerar possibilidade de intubação, ob· responde a oxigênio. Calor local ou massagem podem desfa·
tenção de acesso venoso, drenagem torácica, administração de zer a coloração azulada.
broncodilatadores e/ou e medicações EV conforme cada caso.
OBS: Sempre considerar a tromboembolia pulmonar Cianose central
(TEP) no diagnóstico diferencial de dispnéia. As causas mais Indivíduos com DPOC caracteristicamente apresentam de-
frequentes de dispnéia aguda incluem infarto agudo do mio- sarranjos na ventilação e perfusão (V/Q), levando à hipo·
cárdio (IAM), insuficiência cardíaca, pneumotórax e TEP. xemia arterial, e apresentam-se com pele quente, coloração
Métodos mais invasivos, como cateterismo ou biópsias azulada ou azul-acinzentada. Com a oxigenoterapia, a ciano·
pulmonares por broncoscopias ou cirúrgicas, são reservados se de origem pulmonar desaparece.
para situações em que o diagnóstico permanece incerto e os
resultados podem modificar a evolução.'
Cianose por doença intracardíaca
Em pacientes com shunt intracardíaco direita-esquerda, há
cianose consequente à mistura de sangue venoso e arterial.
Cianose O efeito é particularmente notável quando o teor de oxigê·
Cianose é a coloração azulada difusa da pele e das mucosas nio do sangue venoso misto é demasiadamente baixo, como
atribuída ao aumento da quantidade de hemoglobina reduzi· em alguns tipos de cardiopatia congênita e insuficiência car·
da (acima de 5,0 g/dL) no plexo venoso subpapilar. díaca grave. Nesses casos, a cianose é diagnóstica: presente
A descoloração é mais aparente nos lóbulos das orelhas, em membros inferiores e ausente em membros superiores
na superfície cutânea dos lábios e no leito ungueal. Em pa- (p. ex., dueto arterioso patente com inversão de fluxo).
cientes com pele escura, as mucosas e a retina são locais im· Situações como metemoglobinemia devem ser distingui·
portantes para a pesquisa de cianose. das, pois a cianose ocorre devido a pigmentos anormais no
A menos que o fluxo através da pele seja retardado sangue e à não saturação deste com oxigênio. Esta é uma
(como no comprometimento cardíaco), a cianose implica causa ocasional de cianose. Um exame arterial revela valor
hipoxemia arterial. normal de Pa0 2•
Outros pigmentos Extensão
Causada por exposição a agentes químicos, como tinturas de Corresponde à distribuição da dor pela extensão do corpo.
anilina, cloratos, nitratos e nitritos, fãrmacos como dapsona, Compreende a localização (onde é relatada) e a projeção (a
nitroglicerina, fenacetina e primaquinaY superficialidade ou o aprofundamento com que a dor é per-
Como regra: cebida). A dor picante é sempre superficial (cutãnea), e a
dolente, profunda, percebida abaixo da pele. A dor picante
• A cianose está ausente se Pa02 > 55 mmHg (Hb02% > é focal, com localização precisa. Na dor dolente, o paciente
85%) aponta de forma difusa e imprecisa para uma região da su-
• A cianose está presente se Pa02 < 40 mmHg (Hb02% perfície, mas insiste que ela se encontra interiorizada. A im-
< 70%) precisão pode ser tanta que o relato de dor inclui uma região
• A cianose é duvidosa se Pa0 2 entre 40 e 55 mmHg distante do ponto de estímulo, a chamada dor referida. Este
(Hb0 2% entre 70 e 85%) fenômeno é comum em dor torácica tanto visceral como
musculoesquelética (p. ex., dor dolente no ombro devida à
pleurite diafragmática, dor mediai do membro superior e
associada ao infarto agudo do miocárdio - IAM). O único
Dor torácica critério válido para determinar o órgão que origina a dor do-
As estruturas torácicas com sensibilidade dolorosa são pleu- lente é sua modificação pelo exercício funcional das estrutu-
ra parietal (apical, costal e diafragmática), traqueia e grossos ras orgãnicas de mesma inervação segmentar (FIGURA 8 .2).
brônquios, formações esqueléticas do tronco, nervos, vasos e
fáscias musculares, coração e esôfago. 2 Intensidade
A dor mais característica associada à respiração é a dor
Geralmente, a dor mais intensa indica perturbações mais
pleurítica, originada na pleura parietal e na fáscia endoto-
sérias.
rácica (a pleura víscera! não tem inervação sensitiva): é pre-
dominantemente inspiratória, piorando ao tossir ou rir e em
geral bem localizada. Pode irradiar-se para o ombro se com- Duração
prometer o diafragma ipsilateral, podendo ser percebida até Como regra, a duração mantém relação inversa com a inten-
o abdome, conforme a irritação diafragmática. 20 sidade. A chamada curva tempo-intensidade da dor é uma
Um segundo tipo distinto de dor torácica, que acompa- relação importante pelas associações significativas que pode
nha as traqueítes ou traqueobronquites, acentua-se após a sugerir: pode crescer progressivamente até atingir um platô
tosse, apresenta-se mais centralmente no tórax e costuma ser antes de desaparecer, como na angina (ver FIGURA 8.1).2.20
precedido de sintomas das vias aéreas superiores.
A hipertensão arterial pulmonar determina, entre outros
sintomas, dor torácica frequentemente confundida com an- Hemoptise
gina, pois não costuma ocorrer em repouso e associa-se à
dispneia, melhorando quando o indivíduo repousa. Hemoptise é toda expectoração com sangue, independente·
A dor pleurítica geralmente associa-se à febre, tendo iní- mente da quantidade, originada abaixo das pregas vocais. É
cio agudo e abrupto dos sintomas. uma das situações mais dramáticas com que o médico se de-
A dor musculoesquelética costuma ser agravada pelo fronta. Quando associada a um quadro clinico-imagético-la-
movimento. Encontram-se, na história, frequentemente boratorial definido, não se apresenta como uma dificuldade
traumas, quedas ou lesões anteriores ao sintoma, sobretu- diagnóstica. E ntretanto, se for de grande volume e a primei-
do se presentes fraturas de arcos costais. Achados no exame ra manifestação de doença, todos os recursos são voltados
para contê-la, não importando a causa. Este é o conceito de
físico que sugerem tal situação são crepitações e ponto de
maior sensibilidade na área comprometida, com reprodução hemoptise maciça.
Em termos numéricos, há muita variação envolvida no
do sintoma à digitopressão.
conceito, sendo o mais aceito, ainda que não o mais útil, a
expectoração de um volume sanguíneo igual ou superior a
Atributos da dor 600 mL em até 24 horas.'·2 ' O dado mais relevante é que, em
caso de hemoptise grande, há perigo de obstrução das vias
Qualidade aéreas, com consequente risco de óbito.
São três as variedades de dor: picante, urente e dolente A hemoptise é uma emergência médica com dados de
(aching). As duas primeiras são desencadeadas por estímu- mortalidade dos últimos 20 anos que chegam a 30 a 50%?
los na superfície externa do corpo (superficiais), fazendo Uma consideração adicional é a distinção que deve ser
parte da experiência de cada indivíduo (queimadura ou pi- feita entre hemoptise e hematêmese: o sangramento pro-
cada). A dor dolente ocorre na intimidade do corpo, inte· veniente do trato respiratório é vermelho brilhante, mis-
riorizada à fáscia profunda, distante da visualização direta, turado com escarro espumoso, tem pH alcalino e contém
portanto, sujeita a fantasias. Qualquer outra sensação des- macrófagos alveolares carregados com hemossiderina, di-
prazerosa ou desconforto diferente dessas três variedades ferentemente do sangue de origem digestiva, que costuma
mencionadas não é dor. ser mais escuro, tem pH ácido, partículas de alimentos e,
Não isquêmia Cardíaa

Pleuropulmonar Musculoesquelética Psicogênica Gastresofágica lsquêmica Não isquêmica

Pneumonia IAM Pericardite

Dissecção
Pleuris Angina instável aguda
da Aorta

Pneumotórax Angina estável Valvular

TEP

FIGURA 8.2 ~ Dor torácica.


Fonte: Adaptada de Panju e colaboradores••

muitas vezes, é acompanhado de uma longa história de he- mica/alta pressão (bronquiectasias, colonização intracavitá-
patopatia e/ou doença gastrenterológica.7 ria por fungo, tuberculose escavada). Assim, clinicamente,
A patogenia da hemoptise depende da doença e de sua o paciente muitas vezes pode informar qual o lado que san-
localização (QUADRO 8.4). Doenças que comprometem ou grou (sente "ferver, borbulhar''). As hemorragias oriundas
que levam a ftStulas ou neoformações vasculares incluindo de artéria pulmonar costumam apresentar-se com menor
ramos da artéria brônqu ica costumam causar grandes he- volume (vasos de baix.a pressão).22
moptises, uma vez que esse vaso é ramo da circulação sistê- Em crianças, a associação entre aspiração de corpo es-
tranho e hemoptise é comum. Os exames que contribuem
para esclarecer a causa são radiografia de tórax, broncosco-
QUADRO 8.4 ~ causas de hemoptise pia e TCAR (rendimento de 93%).'.2.7 A broncoscopia é útil
tanto no diagnóstico como na terapêutica. Em hemoptise
- Tuberculose que ameace a vida, a indicação é de ambiente intensivo, de-
- Carcinoma brônquico cúbito sobre o lado sangrante (evitando comprometimento
- 8ronquiectasias do pulmão contralateral) e uso de oxigênio se necessário. A
- Abscesso pulmonar de aspiração maioria recebe antibioticoterapia pela relativa frequência de
- Tromboembolismo pulmonar com infarto pulmonar doenças infecciosas de base.
- Estenose mitral A avaliação de hemoptise envolve história cuidadosa,
- Corpo estranho exame físico e radiografia de tórax. Neste momento, também
Discrasias sangufneas deve ser incluído um hemograma completo. É importante
- Vasculites
corrigir o grau de anemia, e a trombocitopenia pode ser um
- Trauma
- Doenças cardiovasculares
fator contribuinte para a hemoptise. Estudos da função renal
- Infecções fúngicas (p. ex., Aspergillus) e urinálise podem estar indicados quando um processo sistê-
- Bronquite mico faz com que uma síndrome pulmonar-renal seja uma
- Infecções possibilidade. Escarro deve ser coletado com soHcitações
- Pneumonias para bacilo álcool-ácido resistente (BAAR), exame citopa-
- Alterações imunológicaS/hematológicas tológico e culturas microbiológicas.2.7
14. Celli BR, Cote CO, Mario JM, Casanova C. Montes de Oca M,
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José da Silva Moreira
Mara Rúbia André Alves de lima
9
Giuliano Scornavacca

Obstrução nasal resultando em urna postura constante de lábios entreaber-


tos. Em casos mais graves, os portadores da síndrome do
respirador bucal podem desenvolver sindrome das apoeias·
~I ATENÇÃO -hipopneias obstrutivas do sono (SAHOS).
O septo nasal pode apresentar malformações e tortu·
A obstrução nasal é uma manifestação muito fre- osidades subsequentes a um trauma ou a perfurações que
quente, multifatorial, refletindo alterações do nariz representam causas comuns de obstrução nasal. Doen-
e dos seios paranasais que impedem a adequada ças, como a vaseulite de Wegener, podem causar erosão
passagem do ar pelas fossas nasais .. As rinossinusites do septo nasal, levando a um desequil.íbrio na respiração
crônicas podem vir acompanhadas de congestão na- nasal normal. Usuários de cocaína também podem apre-
sal, com os consequentes sintomas obstrutivos. sentar perfuração do septo nasal. Medicamentos como
descongcstionantes nasais podem causar um efeito adver-
so por um mecanismo de rebate, com piora na congestão
Malformações, uso de medicações, reações inflamatórias nasal prévia à sua administração e surgimento de obstru-
ou infecciosas, agudas ou crônicas e presença de tumores são çãonasal.
causas comuns desta manifestação. Como exemplos de mal·
formações congênitas, podem-se citar atresia de cóanos e
desvio do septo nasal.
Adenoides aumentadas, presença de formações polipoi·
Rinorreia ou coriza, espirros, prurido
des c tumores são exemplos de causas adquiridas de obstru- nasal, fungar, gotejamento pós-nasal
ção nasal. Em crianças, o aumento das adcnoides tem sido
uma das causas mais comuns de obstrução nasal. Esses pa-
cientes frequentemente experimentam sintomas correlatos,
0 ATENÇÃO
corno respiração oral e ronco. Crianças que respiram pela
A rinite alérgica caracteriza-se por sintomas como
boca tendem a desenvolver alterações na anatomia facial e coriza ou rinorreia, espirros paroxísticos, prurido na-
dentária, como o apinhamento de dentes incisivos superiores. sal e do palato, além da obstrução nasal. Frequente-
Em razão da alta resistência nasal à passagem de ar, as mente, a rinite estA associada ao ato do fungar, ao
características faciais associadas à respiração bucal incluem sinal da aspiraç!o farfngea, ao sinal do pigarrear e
mandJbula retrognática, incisivos superiores inclinados para à tosse.
a região vestibular, palato ogiva), arco maxilar atrésico, lábio
superior curto e hipotônico e musculatura peribucal flácida,
Rinorreia ou coriza refere-se ao corrimento anterior de a manobra de expelir secreções da hipofaringe e da larin-
secreções nasais, ou seja, no sentido do meio externo, poden- ge por ocasião de expiração forçada através da glote e das
do o paciente assoar o nariz para a higiene e o alívio desse bandas supraglóticas, o que também se acompanha de ruído
sintoma. Nos atos voluntários de assoar o nariz e de fungar, característico.
o ar é forçado, respectivamente, ou para fora das cavidades A faringe, por meio de mecanismos que usam energia vi-
nasais ou para dentro da nasofaringe, arrastando consigo as bratória e energia explosiva, é capaz de modificar a sua área
secreções acumuladas e, desse modo, promovendo a limpeza de secção transversal, assumindo uma função protetora das
das cavidades nasais. vias aéreas, clinicamente relacionada com a aspiração farín-
Espirro e tosse têm mecanismos reflexos, podendo tam- gea, com o pigarrear, com a tosse e com o espirro. Utilizan-
bém ser produzidos voluntariamente, e apresentam compor- do-se de energia explosiva, a tosse e o espirro são capazes de
tamento "explosivo", no qual ocorre grande e súbita varia- promover o deslocamento de secreções provenientes do tra-
ção da pressão intraluminal, tendo como resultado a limpeza to respiratório inferior e a limpeza das vias aéreas, aprovei-
por "varredura", respectivamente, das vias aéreas superiores tando-se da aceleração da velocidade linear do ar associada
(em especial do nariz) e inferiores. à dilatação dos músculos da faringe e da laringe, promovida
Semiologicamente, entende-se como gotejamento pós- pelo súbito aumento da pressão na sua luz.
-nasal (GPN) ou rinorreia posterior a sensação de ter algo A energia vibratória associada a alterações pressóricas
escorrendo na garganta e rinofaringe. Muitas vezes essa ri- determina variações na secção transversal da faringe e in-
norreia posterior é referida pelos pacientes como uma sen- cremento na velocidade linear do ar durante a aspiração fa-
sação de " algo gotejando dentro da garganta" e como uma ríngea e o pigarrear. Dessa forma, a aspiração faríngea e o
"descarga pós-nasal", podendo ser associada à manobra pigarrear, empregando os movimentos vibratórios presentes
voluntária de aspiração faríngea e de pigarrear, fazendo as no palato mole, no caso da aspiração faríngea, e da energia
secreções acumuladas nas vias aéreas serem eliminadas pela vibratória presente nas pregas vocais, no caso do pigarrear,
boca ou deglutidas. produzem, também, um eficiente mecanismo de limpeza da
via aérea superior, ainda que de menor eficácia do que a tos-
se e o espirro.
0 ATENÇÃO A faringe mostra a configuração de um tubo rígido com
um segmento central móvel e colapsável, cujo calibre pode
Sendo considerado uma causa frequente de tosse variar em suas diferentes porções. A porção colapsável da
crônica, segundo estudos realizados principalmente faringe é controlada por cerca de 20 pares de músculos cons-
a partir da década de 1980, o GPN passou a fazer tritores e dilatadores, os quais, atuando barmonicamente,
parte da chamada sfndrome do gotejamento pós-na- são capazes de alterar a forma, o tamanho e a dinámica des-
sal (SGPN). As causas mais comuns de tosse secun- te órgão.
dária à SGPN são quadros de rinite alérgica sazonal A fim de se apresentar como componente anatômico da
ou perene, rinite vasomotora, rinite pós-vira!, sinu- respiração, a far inge deve manter-se patente. Os músculos
sites, rinite medicamentosa e rinites secundárias a dilatadores da faringe são um grupo de músculos com a fun-
agentes irritativos do ambiente. Dentro do espectro ção de promover o tônus postura! desta estrutura tubular em
das doenças que cursam com GPN, as rinossinusites indivíduos acordados e manter sua permeabilidade ao fluxo
representam cerca de 30% das causas de tosse não aéreo na vigência de pressão subatmosférica intraluminal.
produtiva e 60% das produtivas. A SGPN, recente- Durante uma inspiração, a área de secção transversal da
mente, passou a ser designada como sfndrome da faringe em seus diversos níveis tende ao colabamento. En-
tosse crônica das vias aéreas superiores. tretanto, a presença da ação dos músculos dilatadores asse-
gura a patência necessária à passagem do ar.
Dentre os músculos dilatadores faríngeos mais impor-
tantes, encontram-se o genioglosso, o cricoaritenóideo pos-
Aspiração faríngea e pigarrear1 terior e o tensor do véu palatino. O genioglosso é o músculo
dilatador que mais tem sido estudado. Sua contração leva à
V árias mecanismos de defesa atuam no aparelho respirató- protrusão da língua, resultando em um incremento no volu-
rio, impedindo ou limitando o aporte de agentes agressores me dela, diminuindo a passagem para a boca e, consequen-
aos pulmões. A aspiração faringea e o pigarrear são exem- temente, favorecendo o fluxo pelas vias aéreas superiores.
plos de tais mecanismos, bem como a tosse e o espirro. Estudos efetuados durante o sono mostram que o efei-
Como manifestação clínica que leva o paciente a pro- to primário na mudança do calibre da faringe deve-se à
curar cuidados médicos, a aspiração faringea caracteriza-se mudança do tônus dos seus músculos dilatadores e de sua
por uma manobra de sucção forçada de ar, produzida pela relação com os músculos inspiratórios. Esse grupamento
inspiração, através da fenda virtual que separa o palato mole muscular é considerado um acessório da respiração, e sua
da parede superior da faringe, e que se acompanha de ruído atividade durante o sono é modulada pelo centro respirató-
característico, seguido de deglutição ou expectoração da se- rio, na medula, que recebe estímulo de mecanorreceptores
creção aspirada. O pigarrear se identifica clinicamente como da própria faringe.
Os mecanorreceptores são componentes aferentes de
um intricado reflexo que mantém a patência da faringe du- Equaçjo de Bernoulli:
rante a inspiração. Portanto, em resposta à pressão negativa .;12 + gz + p/p = Const.
int.raluminal, ocorre um incremento na ativação dos múscu-
v = velocidade do fluido no ponto do escoamento
los dilatadores da faringe, tomando-a pérvia.
Segundo Schwab RJ e colaboradores/ durante o ci~lo gz .. potencial gravitacional
respiratório normal, as vias aéreas superiores sofrem vana- p • pressão no ponto considerado
ção em tomo de 17% em suas dimensões transversais, com p = densidade do fluido em todos os seus pontos
valores menores na fase inspiratória. Esses autores descreve-
ram um mecanismo no qual músculos dilatadores da faringe,
FIGURA 9.2 ~ A equação de Bernoulli.
ao se contraírem, seriam, em parte, responsáveis pela manu-
tenção da sua permeabilidade durante a inspiração forçada, ------------------
sugerindo que durante a expiração haja livre expansão da
faringe. Thdavia, durante a inspiração, os músculos contraí- tes de prosseguir em direção aos pulmões. Essa câmara,
dos atuariam de forma a impedir o colabamento de suas pa- assim atua como um verdadeiro reservatório, retendo as
redes, garantindo, assim, fluxo aéreo adequado (FIGURA 9. t). secr~ que o fluxo aéreo estiver arrastando consigo, im-
A esse mecanismo de autorregulação luminal da faringe foi pedindo que elas passem imediatamente para as vias mais
dado o nome de pressão critica (PCrit). inferiores. Essa sequência guarda semelhança com o que
As funções dos músculos constritores têm sido especial- ocorre ao se aspirar substâncias liquidas através de uma
mente estudadas durante a deglutição. No papel de órgão da pipeta volumétrica, na qual o bulbo central impede, por al-
digestão, a faringe também atua como prote~ora das vias aé- gum tempo, que o material ascenda até a boca do operador
reas uma vez que direciona os Uquidos e sóbdos para o esô- (FIGURA 9.3).
fag~ durante a deglutição e para a boca durante o vômito. Essa redução na velocidade linear aplicada às secreções
Dessa forma, a faringe impede que material passe inadequa- que por ali transitam fornece proteção para a via aérea in-
damente às vias aéreas inferiores ou que reflua para o nariz.
ferior, visto que proporci.o na tempo hábil para o adequado
Na manobra de aspirar a faringe, ocorre súbita e rápida
fechamento da glote. .
entrada de ar pelas fossas nasais, promovida pela inspira- Ao final desta etapa, ocorre o deslocamento postenor
ção torácica. O abdome também participa, ind_iretame~te, da base da Ungua levando a uma semi oclusão da orofaringc
dessa manobra, ao fornecer acréscimo de pressao negauva, e da laringofa.ringe c, finalmente, as secreções poderão ser
que será transmitida à caixa torácica, facilitando o ato ins-
deslocadas para a cavidade oral e expectoradas ou deglu -
piratório. O deslocamento do ar, passando com velocidade
tidas.
aumentada pelo conduto tubular estreitado da faringe, com O pigarrear tem início durante um ato expiratório,
pressão negativa em seu interior e auxiliado pelo movimento
em manobra que tem como objetivo limpar as secreções
vibratório do palato mole, acaba conduzindo as secreções no
presentes na faringe c na laringe de forma intencional.
sentido ãntero-posterior e craniocaudal. Imediatamente após o suave ato inspiratório e a súbita re-
A presença do movimento vibratório do palato mole, du-
abertura da fenda glótica, segue-se uma manobra cxpira-
rante essa manobra, transfere energia ao processo, facilitan-
tória forçada, deslocando as secreções para porções mais
do a remoção das secreções ali presentes.
craniais da via aérea inferior, para posterior eliminação.
A equação de Bernoulli (FIGURA 9.2) explica, em termos
Durante essa fase, percebe-se um ruído sonoro, caracterís-
f!sicos a mecânica dos fluidos densos e as relações com a
tico, relacionado com a abertura da glote e a vibração das
velocidade de escoamento desses, o potencial gravitacional
pregas vocais. . ..
e as pressões envolvidas.
Durante o pigarrear, a pressão intratoráctca é postuva
Durante a aspiração faringca, a boca em geral perma-
em relação à pressão atmosférica, promovendo a passagem
nece fechada. O ar, ao entrar na orofaringe (câmara mais
do ar pela laringe c pela faringe, auxiliando na remoção das
dilatada), sofre imediata redução da velocidade linear an-
secreções ali contidas. Assim como na aspiração faríngea, no
pigarrear também há integração dos diversos co~po~entes
da estrutura anatõmica que atuam durante a exptraçao, ou
seja, faringe, laringe, caixa torácica e abdome. .
VAS pérvia Músculos d1latadores Diferentemente da aspiração faringea, na qual ocorre dt-

'M~~--:.;.riI_'...
---:; ; ~-da_f_~_in-ge
minuição do volume da faringe, durante o pigarrear há um
aumento do seu volume, produzido pela passagem do ar com
maior pressão, expandindo livremente o lúmen da faringe
(FIGURA 9.4).
Vdlanova,3 em 1996, estudou a prevalência dos sinais de
aspiração faríngea e do pigarrear em pacientes portadores
RGURA 9.1 ~ A pressão critica (Púit) e sua relaçjo com a faringe. VAS
de tosse crônica ocasionada por GPN. Dentre os 45 pacien-
• via aérea superior.
tes com tosse crônica por GPN, 29 (64%) eram portadores
FIGURA 9.3 ~ (A) pipeta volumétrica, com um
bulbo (dilataç.\o) na parte central. (8) orofaringe
(of) significativamente mais dilatada do que a
nasofaringe (nf), ali acumulando-se as secreções
a aspiradas das estruturas mais craniais.

nossinusite e os portadores de rinossinusite e D POC asso-


ciadas apresentaram mais comumente os dois sinais (SAF
e SPIG).
Roberts e colaboradores5 concluíram que cerca de 75%
dos 61 pacientes com DPOC apresentavam sintomas nasais
como rinorreia (52,5%) e espirros (45,9% ).
A partir do exposto, pode-se concluir que sinais como
SAFe SPIG podem ser úteis na diferenciação entre acome-
timento de vias aéreas superiores e inferiores, e que o reco-
nhecimento deles, quando presentes, tem validade semioló-
giea na avaliação dos distúrbios respiratórios.

Repouso SAF SPtG Ronco e apneias


FIGURA 9.4 ~ Alterações pressóricas na faringe durante o repouso, a
aspiraç.\o faringea e no pigarrear. SAF = sinal da aspiraç.\o faringea;
~ATENÇÃO
SPIG = sinal do pigarrear.
O ronco é um som ressonante que ocorre devido li
vibração dos tecidos moles da via aérea superior du-
rante o sono, sendo, portanto, percebido por uma
de rinossinusite. Os demais apresentavam concha bolhosa pessoa que esteja próxima de quem ronca. A inten-
(16%), cisto ou pseudocisto de retenção (16%), rinite (11 %), sidade e o volume do ronco são variáveis, podendo
degeneração polipoide (11%) e vegetação adenóidea (4%). ser suaves e pouco perceptíveis ou tão acentuados a
Nessa série, a rinossinusite foi a causa isolada mais comum ponto de o ronco chegar a ser ouvido a vários me-
tros de distAncia do local onde o individuo ronca-
de GPN. Dos 45 pacientes com GPN, 26,7% apresentavam o
dor estiver dormindo. Na maioria das vezes, o ronco
sinal de aspiração faríngea isolado, e 66,7%, somente o sinal
ocorre durante a inspiração, mas, eventualmente,
do pigarrear.
pode surgir durante o ato expiratório.
Ribeiro: relacionou esses sinais com a presença de
doenças das vias aéreas e concluiu que os pacientes por-
tadores somente de doença pulmonar obstrutiva crônica
(DPOC) apresentaram mais frequentemente o sinal do Nem sempre o ronco é indicativo de doença, porém, em
pigarrear (SPIG) e que nenhum deles manifestou -se com muitos casos, a sua presença reflete a sindrome das apoeias
o sinal da aspiração faringea {SAF). Os pacientes com ri- obstrutivas do sono.
0 ATENÇÃO
2. Schwab RJ, Gefter WB, Pack AI, Hoffman EA Dynamic im~g
of the upper airway during respiration in normal subjects. J Appl
Pbysiol. 1993;74(4):1504-14.
A frequência de eventos respiratórios caracterizados 3. Villaoova CAC 1bssc crônica: di"8Dóstico diferencial- análise de
como apneias, hipopneias e despertares noturnos 78 casos [tese]. Porto Alegre: Universidade Federal do Rio Grande
recorrentes é o que define o ronco como normal ou do Sul; I996.
patológico. Além disso, a presença de sonolência ex-
4. Ribeiro lOS. Valorização dos sinais de 'aspiração farfngea' c 'pi·
cessiva associada a condições como asfixia ou respi- garrear' na diferenciação entre acometimentos de vias aéreas supc·
ração diffcil durante o sono, sensação de sono não riores e inferiores, tomando-se rinossinusite e DPOC como modelos
restaurador, fadiga diurna e dificuldade de concen- [tese). Pono Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do Sul;
tração podem ser fortes indicadores da slndrome das 2006.
apneias do sono.
S. Robens NJ, Uoyd-Owcn SJ, Rapado F, Patel lS, Wilkinson
TM, Donaldson GC, et ai. Relationsbip between cbronic nasal
and respiratory symptoms in patients with COPO. Respir Mcd.
O ronco é indicativo de aumento da resistência das vias 2003;97(8):909· 14.
aéreas, estando diretamente relacionado com bipotonia da
musculatura do palato, da língua e da faringe, que pode
tornar-se incapaz de manter a permeabilidade da via aérea
durante a fase inspiratória. Em vigência do aumento dare-
Leituras recomendadas
sistência das vias aéreas superiores, há uma redução do diâ- American Acadcmy of Slcep Mcdicine. The international classifien-
tion of slccp disordcrs: diagnostie and coding manual. 2nd ed. Da·
metro anteroposterior da via aérea, produzindo vibrações
rico: American Academy o f Slecp Mcdieine; 2005.
durante a respiração. O ruído respiratório durante o sono
pode se originar em qualquer ponto da via aérea superior. André-Alves MR. Estudo de 110 casos de tosse persistente crônica
Várias condições podem causar esse aumento da resis- produtiva, vistos em ambulatório de pneumologia, com diagnóstico
tência das vias aéreas, como obstrução nasal, anormalidades insuspeitado de sinusite [dissenação ). Pono Alegre: Universidade
craniofaciais, palato mole e úvula excessivamente volumo- Federal do Rio Grande do Sul; 1987.
sos, amlgdalas aumentadas, adenoides, cistos, tumores, ma- Balbani APS, Formi&oni GGS. Ronco e s!ndrome da apnéia obstru·
croglossia ou qualquer condição que possa comprometer a tiva do sono. Rev Assoe Mcd Brás. 1999;45(3):273.8.
passagem adequada do ar pela via aérea.
Baraniuk JN, Kim O. Nasonasal reflcxcs, the nasal eyelc, aod sncc-
Quando o ronco estiver relacionado com alterações es- zc. Curr Allergy Asthma Rep. 2007;7(2):105-11.
truturais da faringe, pode revelar a presença de uma con-
dição subjacente, como a SAHOS, que pode ocorrer tanto Bbattacbaryya T, Piceirillo J, Wippold FJ 2nd. Relationship bctwc·
em crianças quanto em adultos. Entretanto, esse dado é in· en paticnt-bascd dcscriptions o f sinusilis and para nasal sinus com-
suficiente para firmar o diagnóstico de apoeia obstrutiva do puted tomographie findings. Arch Otolaryngol Head Neek Surg.
1997;123(11):1189-92.
sono, já que nem todo roncador tem SAHOS. Os pacientes
que apresentam apoeia obstrutiva do sono, além dos epi- Bolgcr WE, Butzin CA, Parsons OS. Paranasal sinus bony anatomic
sódios de apoeias e do ronco, experimentam também um variations and mucosa! abnormalities: cr analysis for endoseopic
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diurna. Borisb L Allergie rbinitis: systemie io11ammation and implications
Em alguns pacientes com diagnóstico de SAHOS, pode for management. J Allergy Oin lmmunol 2003;112(6):1021-31.
ocorrer, na fase de relaxamento muscular do sono REM,
um colapso completo das vias aéreas, seguido de episódio BradleyTD, Brown IG, Gt05Sman RF, Zamel N, Martinez O, Pbillip-
son EA, et ai. Pbaryngeal size in snorcn, nonsnorers. and patients
de apoeia, testemunhado por alguém que veja o paciente
with obstructivc slccp apoca. N Eogl J Mcd. 1986;315(21):1327-31.
interromper o ato de respirar enquanto dorme. O ronco sur-
ge, então, acompanhando a passagem de ar, mas ainda com Dancse M, Duvoisin B, Agrifoglio A, Cbcrpillod J, Kraycnbuhl M.
dificuldade, pela via aérea, após superficiali.zação do sono, [Influenee of naso-sinusal aoatomie variants on reeurrent, persistem
contração muscular e recuperação parcial do calibre das vias or chronie sinusitis. X-ray computed tomograpbic evaluation in I 12
aéreas colabadas. paticnts). J Radiol. I 997;78(9):651-7.
A fisiopatologia e o tratamento do ronco seguem as Daniel RF, Thnaka O, Essenfelde LRC. Estudo das dimensões trans-
mesmas orientações do tratamento da sfndrome das apoeias venais da face, em telcrradiografias póstero-aoteriores em indivf.
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Janeiro: Guanabara Koogan; 2008. p. 131-9, eap. 9.
Ana Luiza Moreira
LuizCarlos Corrêa da Silva
10
Joséda Silva Moreira

Introdução 0 ATENÇÃO
Este capítulo tem como principal objetivo chamar a aten-
ção sobre o que é mais relevante no exame físico do setor Recomenda -se que, rotineiramente, mesmo que
pneumológico para o diagnóstico e a conduta terapêutica. o paciente já tenha realizado estudo de imagem,
Interessa, fundamentalmente, a abordagem do tórax e dos proceda-se à inspeçao geral e da parede torácica e
setores extratorácicos relacionados com as pncumopatias. à ausculta pulmonar. O exame da pele, do nariz, da
Atualmente, o médico - dispondo de uma tecnologia de boca, da orofaringe e a palpaçao do pescoço e do
imagem cada vez mais acurada- é tentado a realizar um exa- abdome também fazem parte do exame físico míni-
me fisico rápido e objetivo, por vezes podendo deixar de lado mo. Os sinais vitais sao igualmente dados obrigató-
achados relevantes. No entanto, existem dados semiológicos rios na primeira avaliaçao e nas revisões sucessivas.
que não podem ser detectados a não ser pela observação di-
reta, como é o caso do bipocratismo digital, das alterações
da parede torácica e dos sinais acústicos.
~boa estratégia buscar dados no exame riSico que pos-
sam explicar ou ter relação com a história clínica, como a
Para a adequada realização do exame físico
palpação da parede sempre que houver queixa de dor toráci- torácico, é importante considerar alguns itens
ca, a busca e a identificação de sibilos na suspeita de crise de fundamentais
asma e a constatação da redução do murmúrio vesicular em ~ Ambiente tra nquilo, boa luminosidade, sem ruldos
pacientes com enfisema pulmonar. interferentes e com privacidade
"Examinar com cuidado os locais relacionados com as ~ Paciente à vontade, sem constrangimentos, com tó -
queixas do paciente e aqueles que, desde o início, nos cha- rax d espido
mam mais atenção"- esta é uma boa prática! ~ Respeito para com a timidez do paciente, se neces-
Se o médico tiver de resumir ao máximo o exame físi- sário ex.aminando o tórax com vestuário mlnimo, em
co do setor pneumológico em um paciente ambulatorial uma primeira etapa
que já disponha de radiografia de tórax, deve realizar, no ~ Conforto para ambos, paciente e médico
mínimo, inspeção geral (estado geral do paciente e sinais ~ Posiçlo do paciente: sentado. prefere náalmente des-
vitais na primeira avaliação e nas revisões sucessivas) e da pido
parede torácica, ausculta pulmonar e exame do pescoço ~ Posição do médoco: de ~. tendo acesso a todos os
c das extremidades buscando a presença de hipocratismo setores do tórax do paáente
digital. ~ Se o clima es1lver froo, cuidar a temperatura das mãos
e do estetoscópio •->
Dados da anatomia torácica que superior). Ptose e miose unilaterais podem ser consequentes
a tumor de Paneoast (FIGURA 10.4), configurando a síndrome
interessam ao exame físico de Qaude Bemard-Homer.
Lábios semicerrados e uso de musculatura acessória po-
A anatomia de superfície permite entender a projeção dos
lobos pulmonares, conforme as FIGURAS 10.1 a 10.3. dem ser um sinal de doença pulmonar obstrutiva crônica
É essencial observar que, ao escutar-se a parede torácica (DPOC), bem como confusão mental, obnubilação ou so-
posterior, estão sendo examinados os lobos inferiores; os lo- nolência {hipercapnia). Uma coloração arroxeada de mu-
bos superiores projetam-se na parede anterior. Lobo médio cosas e pele pode indicar hipoxemia, independentemente
e língula são projetados na parede anteroinferior, à direita e da causa de base. Eritema nodoso em paciente jovem com
à esquerda, respectivamente. ausência ou poucos sintomas torácicos pode dever-se à sar-
coidosc.
O hipocratismo digital, dada a sua estreita correlação
com doença intratorácica geralmente grave, é comentado
Inspeção geral e da parede torácica mais adiante.
Pistas importantes sobre o diagnóstico podem ser apresen- É importante observar a parede sob condições estáticas:
tadas ao médico já na inspeção, como dentes em mau esta- normal, globosa, piriforme ou em peito de pomba ou pectus
do de conservação em paciente com síndrome infecciosa e carinatum, infundibuliforme oupectus excavatum ou tórax de
achados radiológicos em locais de aspiração, sugerindo abs- sapateiro, com retificação estemal. Também, sob condições
cesso pulmonar. dinâmicas, deve-se procurar retrações, abaulamentos e ou-
Alteração de conduta recente em paciente grande fu- tras alterações (FIGURA 10.5).l
mante com lesão pulmonar, bem como circulação colateral É característico o aspecto de tórax "em barril", em que
torácica exuberante e edema de face e pescoço em grande o formato do tórax apresenta-se arredondado e com grande
fumante, pode dever-se a carcinoma brônquico (o primeiro aumento do diâmetro anteroposterior, sendo frequentemen-
à metástase cerebral e o segundo, à síndrome de veia cava te observado em pacientes com DPOC avançada com pre-

FI GURA 10.1 -+ Projeções laterais


di~a (A) e esquerda (8).

FIGURA 10.2 -+ ProjeçJo an-


terior na presença (A) e na
auséncia (8) do arcabouço
ósseo.
FIGURA 10.3 ~ Projeções laterais direita (A) e
e1querda (8).

domínio do componente enfisematoso. Tiragem intercostal


traduz grandes variações da pressão intratorácica, podendo
ser observada, por exemplo, na DPOC e na fibrose pulmo·
nar. Circulação venosa colateral e dilatação de veias subcu·
tâneas da parede torácica com fluxo craniocaudal costumam
estar associadas à slndrome da veia cava superior, ocorrendo
devido à obstrução deste vaso, em geral por neoplasia malig·
na com invasão do mediastino (FIGURA 10.6). A assimetria de
movimento de um hemitórax em relação ao outro lado pode
.
uca.
.
relacionar-se com derrame pleural ou paralisia diafragrná·

O padrão respiratório, superficial e rápido, pode ser


consequente à doença intersticial, enquanto uma respiração
lenta e que se prolonga pode ser secundária à DPOC grave.
Alguns indicadores merecem atenção, como estas alterações
de ritmo respiratório:
Thquipneia, bradipneia (esta pode ser consequente a
sono/fisiológica, lesões cerebrais com hipertensão intracra·
niana, intoxicação exógena com depressão do centro respi·
ratório).
FIGURA 10.4 ~ Tu100r de Pan<oast. Carcinom.1 escamoso no terço su· Ritmo de Cheyne.Stokes, Biot: é caracterizado por um
perior do pulmão esquerdo. (A), com m<~nifestações oculares (B) (sín· padrão totalmente confuso, com movimentos respiratórios
drome de Claude Bemard-Horner) e destru~.\o de porções de arcos erráticos, frequência e amplitude irregulares. Surge em pa·
eostais posteriores h0100laterais. cientes com hipertensão intracraniana e lesões do sistema
nervoso central.
Ritmo de Kussmaul: alternância sequencial de apoeias
inspiratórias e expiratórias surgindo à medida que a acidose
metabólica se agrava, como em cetoacidose diabética e irtsu·
ficiência renal (FIGURA 10.7).
Respiração paradoxal ou sinal da gangorra: dissincronia
toracoabdominal, que corresponde à fadiga diafragmática.
Deve-se ficar atento à presença de manifestações que
indiquem sofrimento respiratório, como tiragem intercostal,
subcostal, cianose ou mesmo sinais de dificuldade ventilató·
ria, como dispneia intensa.
Para localizar e descrever um achado em relação à pare·
de torácica, é oecessário numerar com precisão as costelas e
os espaços intercostais. O ângulo de Louis deve ser o ponto
anatômico inicial, seguindo-se até a união do manúbrio ao
corpo do estemo: lateralmente, encontra-se a segunda cos·
AGURA 10.5 ~ Tórax em peito de pombo ou pectus w inatum. tela e a cartilagem costal; logo abaixo, está o segundo espaço
---
FIGURA 10.6 -+ Síndrome de veia
cava superior em paciente de 52
anos (A). Carcinoma de pequenas
células do pulmão direito. extensa.s
adenomegalias mediastinopulmo-
nares e derrame pleural do mesmo
lado (8).

Ausculta pulmonar
A ausculta pulmonar deve ser realizada, preferencialmen-
te, com o paciente sentado e com a região a ser auscultada
Respirlç,i o normal despida. Deve-se auscultar todo o ciclo respiratório em uma
~.,..__.,.,t- mesma posição antes de movimentar o estetoscópio para o
Rotmo de Cheyne-Stokes próximo campo pulmonar, inclusive abrangendo faces late-
rais e anteriores do tórax onde se auscultam lobo médio e
AGURA 10.7-+ Ritmos respiratórios. língula .._.
H á someme dois sons pulmonares normais: o murmúrio
vesicular (MV) e o ruido laringotraqueal (sopro glótioo).
intercostal. Posteriormente, utilizam-se oomo pontos anatô- A percepção auscu ltatória do MV depende de diversos
micos as últimas costelas (11• e 12'), seguindo cranialmen- aspectos: espessura da parede torácica, dinâmica ventila-
te. A localização de achados também é facilitada por linhas tória (maior ou menor rapidez dos movimentos respira-
imaginárias traçadas sobre o tórax (FIGURAS 10.8 a 10.10). Thr- tórios) e alterações devidas a anormalidades pleurais c
mos utilizados para descrever localizações são supraclavicu- pulmonares. Pacientes com enfisema pulmonar apresen-
lar (acima da clavicula), infraclavicular (abaixo da clavicula), tam redução significativa da intensidade do MV. Fatores
tnterescapulovertebral direita ou esquerda e infraescapular que aumentam a dificuldade de transmissão do MV como
(abaixo das escápulas). obesidade e derrame pleural tornam reduzida sua inten-
sidade.

Linha med1oesternal

linha hemidavicular direita

Unha axilar anterior direita

FIGURA 10.8 -+ Unhas imaginArias traçadas sobre o tórax anterior.


Unha axilar anterior

unha axilar média

unha axilar posterior

FIGURA 10.9 -+ Unhas imaginárias tr~adas sobre o tórax lateral direito.

Linha vertebral
(ao longo das apófi~s esponhosas)

unha Hapular
(vertical ao 3ngulo inferior da esúpula)

FIGURA 10.10-+ Unhas imagiNria.s traçadas sobre o tórax posterior.

Sons pulmonares anormais (ruídos adventícios) de limitação ao fluxo aéreo e vibração das pa.redes das vias
Seguindo o que foi proposto pela American Thoracic Socie- aéreas durante o fluxo aéreo. Estão caracteristicamente pre-
sentes nos pacientes com asma, durante crise.8 Podem ser
ty (ATS), a classificação dos sons pulmonares anormais é ob-
jetiva e clara, tendo sido introduzida por Forgacs.7 Eles não percebidos em qualquer fase do ciclo respiratório, embora
são inerentes ao ciclo respiratório normal; se presentes em sejam mais audíveis na expiração. Em princfpio, qualquer
respirações sucessivas, refletem anormalidade subjacente. obstrução das vias aéreas de grosso e médio calibre pode ge-
rar sibilos, como pode ocorrer na presença de tumor central,
corpo estranho ou mesmo secreções.
Os roncos são auscultados na presença de diminuição
localizada de calíbre ou de secreção mucosa nas vias aéreas,
predominando na inspiração, e sua tonalidade depende do
calibre do brônquio envolvido e das características da secre-
ção. Solicitar ao paciente que tussa pode modificar a locali-
zação dos roncos ou até extingui-los.
O estridor é predominantemente inspiratório c mais
bem audível próximo do pescoço, tendo como causas co-
muns corpo estranho em via aérea intratoráciea alta e lesões
Os sibilos originam-se do estreitamento da via aérea, adquiridas da via aérea em adultos, como carcinomas.
por broneospasmo, espessamento da parede ou obstrução Os estertores, que podem ser de grossas e finas bolhas,
do lúmen. Presumivelmente, ocorrem devido à combinação costumam ser subdivididos conforme o perlodo da inspira-
ção em que são auscultados: se no início, protoinspiratórios; o da constituição da própria parede (espessura);
no final, teleinspiratórios. o do parênquima pulmonar.
Os estertores de finas bolhas são atribuídos à equaliza-
ção de pressão pela abertura sequencial da pequena via aérea, Dessa forma, pode-se concluir que, para que sejam nota-
que estava fechada durante a expiração prévia. Caracteristi- dos redução ou aumento do FfY, é necessário haver assime-
camente são teleinspiratórios, e seu ruído simula o ruído do tria entre os hemitóraces.
afastamento das duas superfícies do "velcro", muitas vezes O exame da elasticidade torácica consiste na compressão
observado na fibrose pulmonar. São curtos, múltiplos e explo- do tórax com as mãos, pressionando as paredes anterior e
sivos. Com a perda de retração elástica, há aumento no som. posterior, procurando aproximar uma da outra enquanto se
Os estertores de grossas bolhas originam-se na abertura observa a resistência que o tórax oferece.
e no fechamento de vias aéreas oontendo secreção visoosa e No exame da expansão torácica, solicita-se que o pacien-
espessa. Têm frequência menor (sons graves) e maior dura- te respire mais profundamente do que o usual, acompanhan-
ção do que os finos. São audíveis no início da inspiração e do o deslocamento da parede (QUADRO 10.2).
em toda a expiração, além de sofrerem nítida alteração com Da mesma forma, a palpação pode auxiliar em casos de
a tosse. Ocorrem, por exemplo, na bronquite crônica e nas maior sensibilidade locali2ada próximo a costelas, a partir
bronquiectasias. da reprodução do sintoma (até chegando a produzir dor) se
Os estertores podem, inclusive, ser auscultados em pa- presentes fraturas ou metástases naqueles locais.
cientes acamados, deixando de ser ouvidos após sucessivas Sempre se deve incluir no exame físico pneumológico a
inspirações mais profundas. palpação da região supraclavicular, onde é possível encon-
O atrito pleural, som de atrito descontínuo, não modifi- trar massa correspondente a neoplasia (neste caso, quando
cado pela tosse, mais intenso na inspiração, é produzido pela presente e positiva para neoplasia, informa detalhes do esta-
inflamação da serosa acometida.•.s É um ruído grosseiro, ins- diamento do tumor) . Uma anormalidade nessa localização
piratório e expiratório, semelhante ao "retorcer do couro", - em geral ganglionar - é facilmente biopsiada, por punção,
devendo-se ao roçar das duas pleuras inflamadas. Pode ser ou excisada.
percebido palpatoriamente como uma vibração, o frêmito
pleural.
~ ATENÇÃO
Percussão da parede torácica A detecção de assimetria no exame ffsico do tórax,
isto é, quando se observa um achado unilateral,
Normalmente, com a percussão do tórax, percebe-se um
sempre deve levantar a suspeita de que exista anor-
som claro pulmonar. A macicez, em particular se unilateral,
malidade, seja no caso de macicez à percussão, alte-
é a alteração mais significativa e que costuma estar associada
ração auscultatória ou do FTV.
à presença de derrame pleural volumoso. A hipersonoridade
sugere excesso de ar intratorácico, seja por enfisema pulmo-
nar ou pneumotórax (QUADRO 1O. 1).
O FTV aumenta em situações nas quais existe comuni-
cação de vias aéreas permeáveis com áreas de consolidação,
Palpação da parede torácica e diminui em DPOC, derrame pleural, estenose brônquica,
pneumotórax e alterações de parede (anasarca, obesidade).
A percepção do frêmito toracovocal (FIV) depende:

da emissão de som pelo paciente que cause vibração ade-


o
quada da parede (pedir que o paciente repita "trinta e Lembretes para o exame do tórax
três"); o O paciente está usando a musculatura respiratória aces-
sória e lançando mão dos "pontos de ancoragem" ? Ao
buscar apoio para os membros superiores, por meio da
QUADRO 10.1 ~ Causas mais comuns de macicez e fixação das mãos ou dos cotovelos em posição afastada
hipersonoridade à percussão
do tórax, a musculatura desses membros que se insere na
parede torácica, particularmente grande peitoral e gran-
de dorsal, fica mais distendida, o que aumenta seu poder
contrátil. Nesta situação, o paciente está tentando apoiar
os membros superiores da maneira que lhe seja possível,
Derrame pleural Enfisema pulmonar Pneumot6rax
tendo muita dificuldade de deixá-los pendentes ou eleva-
Atelectasia dos, como ocorre durante o barbear ou ao tentar segurar
um objeto situado acima da sua cabeça.
Consolidação Bolhas o Quando se detectam ruídos adventícios, como sibilos ou
estertores que desaparecem ou mudam quando o pacien-
Massa pulmonar te tosse, eles são consequentes à presença de secreções.
QUADRO 10.2 7 Algumas situações e suas características semiológicas

MOBIUDADE

FRÊMITO TORACOVOCAL Uou~


PERCUSSÃO MACICEZ HIPERSONORIDADE MACICEZ HIPERSONORIDADE

MV

OUTROS SOPRO TU BÁRIO TÓRAX GLOBOSO


(incomum; somente em
extensa consolidação)

• Na asma brônquica, os sibilos costumam ser mais inten- tudo na vigência de doença sistêmica, é essencial examinar a
sos na expiração, mas podem ter a mesma intensidade úvea anterior e o fundo de olho (EFO). Se o paciente apre-
na inspiração e na expiração, ou até ser mais intensos na sentar doenças como hipertensão arterial sistêmica, diabetes
inspiração. Portanto, não é sempre que os sibilos em pa- melito, sarcoidose, tuberculose miliar ou hipertensão intra-
ciente asmático ocorrem apenas na expiração. craniana, o EFO deve sempre ser realizado. Deve-se verifi-
• Pacientes com asma, particularmente em fase assinto- car, também, a simetria ou não das pupilas (anisocoria).
mática, podem apresentar sibilos apenas se fizerem uma
expiração forçada, profunda e rápida.
• Estertores crepitantes teleinspiratórios (no final da inspi- Boca
ração) ou "em velcro" frequentemente ocorrem na fibra- Do ponto de vista respiratório, deve-se observar se está bem
se pulmonar, na pneumonia e na insuficiência cardiaca, preservada ou se existem cáries dentárias, gengivite, aumen-
nesta última devido ao edema pulmonar intersticial. This to das amígdalas, entre outros. Em pacientes com dentes em
estertores originam-se do enrijecimento heterogêneo mau estado de conservação, há risco de aspiração e desen-
dos septos interalveolares e do parênquima pulmonar, volvimento de pneumonia e até de abscesso pulmonar, es-
segundo Forgacs.' pecialmente se houver episódio de perda de consciência. É
importante sempre observar se há cianose labial.

Exame da cabeça Orelhas


Em especial, é necessário observar a presença de cianose.
Nariz O exame da orelha externa e do tímpano sempre deve ser
Um dos maiores objetivos do exame do nariz é detectar se realizado nos pacientes pediátricos.
existe ou não obstrução nasal. São indícios deste achado:
respirar pela boca, voz anasalada, ronco noturno, boca seca
ao acordar.
A avaliação objetiva da permeabilidade nasal ao fluxo
Exame do pescoço
aéreo sempre deve ser feita: pede-se que o paciente feche Para a palpação do pescoço, o examinador posiciona-se por
uma das narinas e tente mobilizar o ar pela outra. A maior trás do paciente, estando este sentado e com os membros su-
ou menor facilidade com que realiza tal manobra identifica periores pendentes na face lateral do tórax. Com as palmas
se há ou não obstrução e secreção nasais. Deve-se arguir se o das mãos, palpa-se a traqueia, verificando sua posição e pos-
paciente apresenta secreção nasal e observar o aspecto dela,
se purulenta ou hemática. A coloração da mucosa nasal- se
muito pálida- geralmente significa rinite alérgica.
É importante observar se o paciente costuma realizar QUADRO 10.3 7 Movimentos aéreos nasais
movimentos aéreos nasais para eliminação de secreções,
conforme descrito no QUADRO 10.3. Fungar Aspiração aérea da extremidade anterior

Aspiração faringea Ato de puxar o ar pelos c6anos para a faringe


Olhos
Pigarrear Fluxo rápido para limpeza ou redução da
Deve-se examinar sempre as conjuntivas, verificando se es-
irritação das pregas vocais
tão normalmente pigmentadas, inflamadas ou secas. Sobre-
11
siveis desvios laterais. Na frente da traqueia, palpa-se a glân- descrita por Bambcrger e Marie12 no fim do século XIX e
dula tireoide e ainda os gânglios submentonianos, cervicais manifesta-se mais comumente por HD, alterações osteoperi·
anteriores e posteriores, e os vasos calibrosos, especialmente ósticas e artralgias (às vezes, também, por ginecomastia e fe-
as carótidas e jugulares (pressões e pulso venoso). nômenos vasomotores). É, na maioria dos casos, adquirida e
está relacionada sobretudo com neoplasia maligna intratorá·
cica, mas pode ser hereditária, quando também é designada
como "primária" ou "idiopática". Um espessamento maciço
da pele ("paquidermoperiostose") pode acompanhar as alte-
rações ósseas dessa sindrome.
Até o inicio do século XIX, admitia-se que o "encurva·
mento das unhas", referido por Hipócrates há cerca de 2.500
anos, fosse devido exclusivamente à tuberculose. Contudo,
Pigeaux em 1832 descreveu a "garra hipocrática", na qual
havia "elevação da raiz da unha e deposição de tecido ce-
lular nas extremidades dos dedos", sendo consequente a
fatores que levassem a "um vício na hematose". Posterior-
mente, foram encontrados registros de HD acompanhando
Hipocratismo digital e osteoartropatia várias doenças. Entretanto, os mecanismos patogênicos bá-
sicos para seu surgimento, assim como para a síndrome da
hipertrófica OAPH, permanecem obscuros.'l
O hipocratismo digital (HD) é um valioso sinal observado A designação "hipocratismo digital", por influência fran-
clinicamente pelo aumento das partes moles subungueais, cesa, tem sido a preferida por autores de lingua latina. Os
tanto nos dedos das mãos quanto nos dos pés, em geral de lingua inglesa utilizam, de modo geral, "dedos em clava"
apontando para a presença de doença intratorácica pulmo- (clubbing), e os germânicos, "dedos em baqueia de tambor"
nar ou cardíaca, muitas vezes grave (FIGURA 10.11). làmbém (trommelschliiger[mger). Outras denominações têm sido usa-
pode correlacionar-se com anormalidades extratorácicas das para o mesmo sinal clinico, como "unhas em vidro de
crôn.icas, como hepatopatias (cirrose), doenças do intestino relógio", "unhas em bico de papagaio", "dedos em cabeça de
(enterite regional, colite ulcerativa) ou da tireoide {Hashi- serpente", "dedos em pêndulo de relógio", "acropaquia"."
moto) e infecção pelo HlV Ocasionalmente, pode ser he-
reditário, com características mendelianas dominantes, com
notável tendência familiar, ocorrendo, portanto, na ausência
Teorias
de doença subjacente.9·' 0 As causas tanto do HD como da OAPH são desconhecidas.
Mais recentemente, foi mostrado que o HD pode acom- Na tentativa de elucidá-las, algumas teorias têm sido formu-
panhar casos de bronquiolite com comprometimento in- ladas: nutricional, hipóxica, neurogênica, tóxica, metabólica
tersticial em grandes fumantes. Com menos frequência, en- e genética. Até o momento, contudo, nenhuma delas conse-
tretanto, pode se manifestar de modo assimétrico. Em tais guiu se firmar. Admite-se que fatores de crescimento, como
casos, encontra-se, via de regra, associado à lesão de feixe hormônios ou citocinas acumulando-se nos locais das anor-
vasculonervoso do membro afetado. malidades, poderiam estar envolvidos no processo patogê-
nico. 15
Apresenta-se de forma isolada ou associado à sindrome
da osteoartropatia hipertrófica (OAPH). Essa sindrome foi Dentre as substâncias que têm sido alvo de maior consi-
deração na patogenia do hipocratismo, destaca-se o fator de
crescimento derivado de plaquetas (PDGF), citocina prove-
niente de megacariócitos e de êmbolos plaquetários, os quais
não são detidos pelo leito capilar pulmonar, na presença de
shunl.
Em dedos inequivocamente hipocráticos necropsiados,
vasos sangulneos mais calibrosos, presença de plaquetas e de
microtrombos têm sido observados de modo mais evidente
quando comparados com dedos sem hipocratismo ou com
hipocratismo incipiente. Nas situações em que existem CO·
municações vasculares intrapulmonares ou cardíacas, o san-
gue por elas desviado (que não transita pelo pulmão normal
e, portanto, não sofre a ação do órgão) retomaria à periferia
transportando posslveis fatores responsáveis pela indução
das alterações anatômicas verificadas.
Mecanismos neurogênicos também podem estar envol·
vidos, contribuindo para a formação ou para a manutenção
FIGURA 10.11-+ Hipocratismo digitaL Au~nto de volume das extre- dos shunrs, o que é sugerido pelo alivio imediato dos sinto-
midades dos dedos. mas da OAPH que se observa após vagotomia em pacientes
portadores de tumores de pulmão que não puderam serres-
secados. Lesões do feixe vasculonervoso de membro supe·
rior, traumáticas ou não, podem estabelecer comunicações
vasculares extrapulmonares ou alterações neurológicas com
estase sanguinea distai, a qual propicia a permanência de
forma prolongada de tais fatores no local, levando à insta·
!ação de hipocratismo assimétrico (no membro comprome·
tido).' 6 Além disso, é possível, ainda, que lesões pulmonares,
particularmente neoplásicas, possam produzir substâncias
que afetem tecidos à distância.
A comprovação dessa hipótese toma-se problemática
em razão das dificuldades de se obter material bistológico
do leito ungueal de dedos de indivíduos humanos vivos e de
não se dispor de modelo animal apropriado.

Diagnóstico
O diagnóstico do bipocratismo não oferece dificuldades na-
queles casos em que a presença do sinal é clinicamente óbvia
(FIGURA 10.11), com alterações grosseiras nas extremidades
dos dedos. Entretanto, pode não ser tão fácil quando as mo-
dificações se mostram incipientes ou pouco pronunciadas.
Sobremaneira nesses casos, critérios objetivos de determina-
ção mostram-se vantajosos, auxiliando o juízo clínico e ainda
possibilitando que os dados fiquem registrados e armazena-
dos para eventuais e ulteriores estudos comparativos.
Dentre os critérios de avaliação objetiva do HD, os que
FIGURA 10.12 -+ Val()(es da espessura das partes moles subungueais e
têm se mostrado mais fidedignos são o ângulo ou sinal do
do ângulo hiponiquial determinados sobre imagens radiográficas em
perfil (AP) verificado em dedos indicadores ou polegares, perfil de dedos indicadores. Casos de indivíduos com (A) e sem (8) hi-
a relação entre as espessuras falãngica distai e interfalãn- pocratismo. Os val()(es sAo significativamente maiores nos dedos com
gica (EFD/EIF) de dedos indicadores c o ângulo hiponi· hipocratismo.
quial (AH) em dedos indicadores. Para que tais critérios
possam ser aplicados, todavia, são necessárias imagens em
perfil dos dedos, ou moldes deles. Grau de curvatura da
unha e aumento de volume da extremidade do dedo são postas as extremidades dorsais dos dedos (indicadores) de
critérios menos discriminadores de dedos com e sem hi- ambas as mãos (sinal de Scharnroth) (FIGURA 10.13).
pocratismo. Na OAPH, os dados clínicos mais evidentes para o diag·
Os valores referidos na literatura, em dedos indicadores nóstico são HD, dores ósseas e articulares e infiltração dos
de indivíduos normais, são estes: AP - em torno de 170,00 tecidos moles das pernas. Ocasionalmente, são detectados,
± 4,5•; AH - 180,00 ± 4,5"; relação EFD!EIF - 0,895 ± também, ginecomastia e fenômenos vasomotores (cutâne-
0,041 em crianças, 0,889 ± 0,037 em adultos negros e 0,911 os) . Ao estudo radiológico, nota-se a presença da periostite
± 0,049 em adultos brancos. Em indivlduos clinicamente "embainhante", sobretudo nos ossos longos, alterações ósse-
portadores de bipocratismo, todos esses valores mostram-se as que podem ser evidenciadas também em estudos cintilo-
bem maiores - em geral o do AH, superior a 192,00, e o da gráficos (FIGURA 10.14).
relação EFD/EIF, superior a 1,O.
Imagens de dedos indicadores em perfil podem ser facil-
mente obtidas por algum dispositivo que projete a sombra Significado clínico
deles, sobre as quais se colocam os pontos de referência e O HD, na maioria das vezes, é simétrico, envolvendo todos os
são traçados os ângulos e as espessuras a serem determina- dedos de mãos c pés, apontando geralmente para a presença
dos. Imagens fotográficas e radiográficas também têm sido de doença intratorácica, pulmonar ou cardíaca, ncoplásica ou
utilizadas com o mesmo propósito. Por meio de imagens não. A TABELA 10.1 mostra a prevalência do HD em diver-
radiográficas" podem ser avaliados, além dos ângulos e das sas doenças pulmonares. O critério usado para o diagnóstico
espessuras das extremidades dos dedos, as partes moles su- do hipocratismo nesses casos foi primariamente clínico. As
bungueais e seu aumento, que ocorre em dedos bipocráticos determinações objetivas, quando empregadas c consideradas
(AGURA 10.12). indicativas da presença do sinal, foram mais vezes o valor do
Na tentativa de tomar o diagnóstico do HD mais objeti- HA superior a 192" e/ou uma relação entre as espessuras da
vo, outros critérios têm sido utilizados, como determinações extremidade do dedo indicador EFD/EIF superior a 1,0.11
do volume da extremidade do dedo, do grau de curvatura da A presença de OAPH tem um significado mais restrito,
unha e da obliteração do ângulo do perfil ao serem contra- associado, via de regra, à neoplasia maligna intratorácica,
d •

El

ah

'' ''
'' ''
'
efd eif
'
''' ''
'


'

AGURA 10.13 7 (A) imagem em perfil da sombra de dedo indicador, sobre a qual s.io colocados os pontos de referência a, b, c, d, e, f, que permane-
cem no papel (B), e por onde são traçadas as linhas (C) para as determinações dos ângulos do perfil (ap) e hiponiquial (ah) e as espessuras falângica
distai (efd) e interfalângica (eit).

TABELA 10.1 7 Prevalência de hipocratismo dig ital (HD) em


diversas doenças pulmonares

Fibrose dstica 94 76 80,8

Fibrose pulmonar tipo usual 132 77 58,3

Abscesso pulmonar 187 60 32,0

Bronquiectasias 111 31 20,0


FIGURA 10.14 7 Osteoartropatia hipertrófica. (A) periostite embai-
Câncer de pulmão 1.293 348 26,9
nhante em fêmur (setas) à radiografia de tórax; (B) marcada captação
Paracoccidioidomicose 92 15 16,3 do radionuclídeo em ossos longos e da bacia à cintilografia. Paciente
portador de adenocarcinoma de pulmão.
Tuberculose pulmonar 249 32 13,0

DPOC 376 39 10,3


em especial carcinoma brônquico ou mesotelioma pleural.
Sarcoidose 138 4 2,9 Tanto o HD como a OAPH podem ser hereditários, não re-
!acionados com a doença detectável.
Aspergilose broncopulmonar alérgica 124 2.4
Têm sido registrados casos de regressão, tanto do HD
Asma brônquica não complicada 212 o 0,0 como da OAPH, na sequência do tratamento efetivo da
doença subjacente (FIGURA 10.15), a maioria deles observados
19
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Bruno Hochhegger
11
Rodrigo Moreira Bello
Nelson Porto
Edson Marchiori
Klaus L lrion

nuação do parênquima pulmonar, evidenciada, sobretudo,


Introdução por uma densidade menor do que a habitual e ausência de
redução de volume.
Ver também Padrão de atenuação (perfusão) em mosaico.

Atelectasia
A atelectasia (FIGURA 11.2) consiste em uma redução volumé-
trica do pulmão decorrente de uma menor aeração de uma
parte ou de todo o pulmão. Manifesta-se como um desvio

Neste capítulo, são inclwdos os principais tennos radio-


lógicos apresentados em diretrizes previamente publicadas
e aqui ilustrados. Objetiva-se com esses dados proporcionar
uma visão global sobre os principais achados de imagem e
sua correta nomenclatura.

Aprisionamento aéreo
O aprisionamento aéreo (AGURA 11.1) é a retenção de exces-
so de gás (ar) em todo o pulmão ou em parte dele, espe-
cialmente durante a expiração, como resultado de uma obs-
trução parcial ou completa de vias aéreas, ou secundária a AGURA 11.1-+ Tomografia computadorizada (TQ com reconstrução
uma anormalidade focal da complacência pulmonar. Ele é axial mostrando ~reas hipodensas geométricas, compatíveis com apri-
reconhecido na fase expiratória como uma redução da ate- sionamento aéreo.
FIGURA 11.2-+ (A) radiografia de tórax demonstran-
do aumento da densidade e redução volumétrica do
lobo superior esquerdo. (8) TC mostrando um aumen-
to da atenuação do parênquima pulmonar associado
à redução de volume, caracterizado pelo deslocamen-
to da fissura oblíqua.

homolateral das estruturas mediastinais ou do diafragma e


pela aproximação das estruturas broncovasculares do parên-
Ateledasia redonda
quima envolvido. A distribuição pode ser subsegmentar, seg- A atelectasia redonda (FIGURA 11.4) apresenta forma arre-
mentar, lobar ou envolver todo um pulmão. Pode também dondada ou oval que decorre de aderência do parênquima
ser qualificada, segundo a forma, como laminar (discoide) pulmonar adjacente à área de espessamento pleural, como
ou redonda. Nos estudos com contraste iodado, o realce ho- acontece, por exemplo, na doença pleural relacionada com
mogêneo do parênquima pulmonar pode ajudar na diferen- asbesto ou na resolução de empiema. Manifesta-se como
ciação com consolidação (FIGURA 11 .3). O termo "colapso" uma opacidade focal arredondada para a qual convergem
pode ser utilizado na presença de atelectasia completa de estruturas broncovasculares (sinal da cauda de cometa)
um lobo ou de todo o pulmão. com base pleural junto à área de espessamento da pleura.
Apresenta realce homogêneo ao contraste iodado endove-
noso.
Atelectasia laminar
A atelectasia laminar consiste em uma área focal de atelec-
tasia subsegmentar (FIGURA 11 .3) com configuração linear ou
Banda parenquimatosa
discoide, quase sempre se estendendo até a pleura. Costuma Trata-se de opacidade linear, geralmente periférica, na
ser horizontal ou oblíqua, mas também pode ser orientada maioria das vezes em contato com a superfície pleural, que
verticalmente. A espessura pode variar de alguns milímetros pode estar espessada e retrafda no local de contato. Costu-
a mais de 1 em. Sinônimo: atelectasia discoide. ma ter espessura de 1 a 3 mm e se estende por menos de 5

FIGURA 11.3 -+ TC de tórax evidenciando área focal de atelectasia sub- FIGURA 11.4 -+ Atelectasia redonda. A TC de tórax mostra uma opaci-
segmentar com configuração linear se estendendo até a pleura. Este dade focal arredondada para a qual convergem estruturas broncovas-
paciente apresentava um processo inflamatório em resolução. culares em um paciente após resolução de empiema.
em. Sua distribuição em geral é horizontal (perpendicular
à superficie pleural), mas pode ser obllqua. Normalmente
traduz fibrose pleuroparenquimatosa. Distorções da ar-
quitetura pulmonar costumam ser identificadas. Bandas
parenquimatosas são encontradas com mais frequência em
pacientes expostos ao asbesto.

Bola fúngica
A bola fúngica (FIGURA 11.5) resulta da colonização fúngica
de cavidades pulmonares preexistentes, geralmente secun-
dárias à tuberculose ou à sarcoidose, mas pode também
ocorrer dentro de cistos (p. ex., cisto broncogênico), bolhas
e brônquios dilatados. Na maioria das vezes, a colonizaçáo é
causada por AspergiUus spp., sendo comum, nesse caso, o uso FIGURA 11.6 ~ TC de tórax evidenciando área focal hipodensa que
do termo "aspergiloma". Representa um enovelado de hifas apresenta paredes bem definidas e lisas na periferia do lobo superior
associado a muco, fibrina e restos celulares. Na TC, apre- esquerdo compatfvel com uma bolha.
senta-se como uma imagem de uma massa, arredondada ou ---------------------
oval, com tendência a mover-se para uma localização pen-
dente com a aquisição de imagens em decúbitos diferentes.
tos na TC) . Tipicamente mede 1 em ou mais de diâmetro.
Outros achados comuns da bola fúngica incluem presença
Bolhas menores do que 1 em, localizadas na pleura víscera!
do "sinal do crescente aéreo", calcificação amorfa no inte-
ou na região pulmonar subpleural, são denominadas blebs na
rior da lesão, aspecto espongiforme da lesão e espessamento
língua inglesa. As blebs (algumas vezes traduzidas como vesí-
pteural adjacente. O termo "bola fúngica" não deve ser utili-
culas) de localização apical com frequência são responsáveis
zado como sinônimo de "micetoman, pelo fato de represen-
pelo pneumolórax espontâneo primário. O termo em inglês
tarem processos diferentes.
para bolha é bulia.
Ver também Micetoma.
Ver também Enfisema bolhoso e Enfisema parasseptal
(acinar distai).

Bolha
A bolha (FIGURA 11.6) é uma área focal hipodensa que apre-
Broncocele
senta paredes bem definidas e lisas que não ultrapassam A broncocele (FIGURA 11.7) é uma dilatação brõnquica com
1 mm de espessura. Costuma ter conteúdo gasoso, mas pode retenção de secreções (impacção mucoide), geralmente
ocasionalmente ter nível líquido. Em geral, associa-se a ou- causada por obstrução proximal, que pode ser congênita
tros sinais de enfisema pulmonar e apresenta localização (p. ex., atresia brõnquica) ou adquirida (p. ex., aspcrgito-
parasseptal (achados que auxiliam na diferenciação de eis- se broncopulmonar alérgica). A broncocele apresenta-se
como uma imagem tubular ou ramificada que se assemelha
a um dedo de luva. Na TC, pode-se observar, em casos de
atresia brônquica, uma redução da atenuação do parênqui-
ma distai à lesão.

Broncograma aéreo
O broncograma aéreo (FIGURA 11.8) é a tradução radiológica
da identificação de brônquio(s) contendo ar, circundado(s)
po r parênquima pulmonar doente, onde o ar dos espaços
aéreos foi substituído por um produto patológico qualquer,
radiologicamente mais denso do que o ar (p. ex., transudato,
exsudato, sangue, produto de acúmulo ou células neoplási-
cas). Em geral, é a expressão utilizada quando se identifica
uma imagem tubular gasosa {hipodensa) no interior de uma
área de pulmão opacificado. Essa imagem tubular deve ter o
AGURA 11.5 ~ Bola fúngica. ATC de tórax demonstfi imagem de uma tamanho e a orientação usual de um brônquio ou de vários
massa arredondada no interior de uma cavidade preexistente no lobo brônquios, presumivelmente representando um segmento da
superior esque<do. árvore brônquica.
FIGURA 11.7-+ Broncocele. (A) Um caso de atresia brônquica com
uma redução da atenuação do parênquima distai à lesão. (8) A TC
com reconstrução em projeção de intensidade máxima (MIP) de-
monstra imagem tubular e ramificada que se assemelha a um dedo
de luva, compatível com broncocele.

FIGURA 11.8 -+ TC com técnica de projeção de intensidade minima FIGURA 11.9-+ Broncolito. Na TC, identifica-se um pequeno foco de
(MiniP) evidenciando imagem tubular gasosa, no interior de uma Mea calcificação dentro da via aérea em um paciente com tuberculose pul·
de pulmão opacificado, compatível com áreas de consolidação. monar previamente tratada.

lamento do brônquio, definido como manutenção do cali-


Broncolito bre em mais de 2 em, distai à bifurcação (aspecto em "trilho
Broncolito (FIGURA 11.9) é um linfonodo peribrônquico cal- de trem"); e a identificação de via aérea a menos de 1 em
cificado que erode para o interior do brônquio adjacente, da superfície pleural. Bronquiectasias frequentemente são
em geral secundário a infecções por Histoplasma sp. ou acompanhadas de espessamento das paredes brônquicas,
Mycobacterium tubercu/osis. Na TC, é identificado como um impacção mucoide e alterações de pequenas vias aéreas. A
pequeno foco de calcificação dentro da via aérea ou adjacen- doença define três tipos de bronquiectasia, a depender da
te a ela, com mais frequência no brônquio do lobo médio. aparência do brônquio acometido: cillndrica, varicosa e sa-
Distalmente, podem existir impacção de secreções, bron- cular (ou cística).
Ver também Sinal do anel de sincte.
quiectasias ou atelectasia.

Bronquiectasia Bronquiectasia e bronquiolectasia


Bronquiectasia (FIGURA 11.1O) é uma dilatação brônquica ir-
de tração
reversível, que pode ser focal ou difusa. Geralmente decorre A bronquiectasia e a bronquiolectasia de tração (FIGURA
de infecção crônica, obstrução das vias aéreas proximais ou 11.11) referem-se, respectivamente, às dilatações brônquica
anormalidades brônquicas congênitas. Os achados morfo- e bronquiolar, causadas pela retração do parênquima em de-
lógicos na tomografia computadorizada de alta resolução corrência de fíbrose. Manifestam-se como dilatações brôn-
(TCAR) incluem o diâmetro interno do brônquio maior do quicas e bronquiolares, em geral irregulares, associadas à
que o da artéria pulmonar adjacente; a perda gradual do afi- distorção do parênquima por fibrose e a outras alterações
FIGURA 11.10 ~ Bronquiectasias. (A) Bronquiec-
tasias císticas em ambos os lobos inferiores em
um paciente com fibrose dstica. (B) TC com re-
construção multiplanar demonstrando a dilatação
brônquica em lobo inferior direito.

Cavidade (escavação)
Uma cavidade (FIGURA 11.12) representa espaço que contém
gás, com ou sem nível líquido, dentro de um nódulo, massa
ou consolidação pulmonar. Geralmente ocorre por elimina-
ção ou drenagem da parte necrótica pela via aérea ou para o
espaço pleural. As paredes costumam ter contornos irregu-
lares e medir mais de 1 mm de espessura. "Cavidade" não é
sinônimo de "abscesso". O termo "cavitação" não deve ser
usado como sinônimo de "escavação": na língua portuguesa,
"cavitação" tem significado diferente, e seu uso é incorreto.

Cisto
FIGURA 11.11 ~ Bronquiolectasia de tração. A TC demonstra a dilata- Cisto (FIGURA 11.13) é qualquer espaço arredondado, bem
ção brônquica e bronquiolar, causada pela retração do parênquima em circunscrito, circundado por uma parede epitelizada ou fi-
decorrência de fibrose, em paciente com fibrose pulmonar idiopática. brosa, de espessura variável. Na TC, caracteriza-se por uma
área arredondada de baixo coeficiente de atenuação no pa-
rênquima pulmonar com uma interface bem definida com

pulmonares (sobretudo opacidades reticulares, opacidade


em vidro fosco e consolidação). Possuem aspecto tubular,
cístico ou microcístico (bronquíolos localizados na peri-
feria), dependendo da relação do eixo do brônquio ou do
bronquíolo com o corte da TC. Esse último aspecto pode
ser confundido com faveolamento, outra frequente alteração
associada à fibrose pulmonar.

Bronquiolectasia
'frata-se de uma dilatação bronquiolar. É análoga à bron-
quiectasia, mas em uma via aérea de muito menor calibre,
identificada na periferia pulmonar. As bronquiolectasias
manifestam-se como estruturas arredondadas ou tubulares,
geralmente na periferia pulmonar, e com paredes espessadas
ou preenchidas por secreção (ver Padrão de árvore em brota-
menta). Também podem se associar a outras opacidades pul-
monares e à distorção do parênquima em situações de fibrose. FIGURA 11.12 ~ Paciente com tuberculose. A imagem mostra espaço
Ver também Bronquiectasia e bronquiolectasia de tra- que contém gás dentro de uma massa compatfvel com cavidade. Note
ção. os vários nódulos centrolobulares adjacentes à lesão.
FIGURA 11.13 -+ TC evidenciando áreas arredondadas de baixo coe· FIGURA 11,14 -+ TC demonstrando preenchimento, com substituição
ficiente de atenuação no parênquima pulmonar e uma interface bem do ar, dos espaços alveolares por um produto patológico, compatível
definida com o pulmão normal adjacente, compatfvel com cistos pul· com áreas de consolidação em paciente com quadro grave causado por
monares. pneumonia adquirida na comunidade.

o pulmão normal adjacente. A espessura da parede do cis-


to pode variar, sendo normalmente fina ( < 2 mm). Cistos
Distorção da arquitetura
costumam conter ar, mas, ocasionalmente, podem conter lí- Trata-se de deslocamentos do trajeto e/ou distorções da
quido (p. ex., cisto broncogênico) ou mesmo algum material morfologia de estruturas anatômicas, como brônquios, va-
sólido. Doenças que em geral cursam com múltiplos cistos sos, fissuras ou septos interlobulares, em geral relacionados
pulmonares incluem linfangioliomiomatose, histiocitose de com doenças parenquimatosas difusas, particularmente as
células de Langerhans, pneumonia intersticiallínfocítica e fibrosantes. Na TCAR, a perda da definição anatômica do
síndrome de Birt-Hogg-Dubé. lóbulo secundário e a redução de volume local são conside-
radas sinais de distorção da arquitetura lobular e podem ser
tidas como sinais indiretos de fibrose.
Colapso
Geralmente utilizado como sinônimo de atelectasia comple·
ta de um lobo ou de todo o pulmão.
Enfisema
Ver também Atelectasia. O enfisema (FIGURA 11.15) é um aumento permanente do
espaço aéreo distai ao bronquíolo terminal, com destruição
das paredes alveolares. O critério histológico adicional de
"ausência de fibrose óbvia" tem sido questionado porque
Consolidação algum grau de fibrose intersticial pode estar presente em
Uma consolidação (FIGURA 11.14) representa o preenchi- consequência do tabagismo. O enfisema é classificado de
mento, com substituição do ar, dos espaços alveolares por acordo com a região do ácino acometida: proximal (enfise-
um produto patológico qualquer, como, por exemplo, ex- ma centriacinar ou centrolobular), distai (enfisema paras-
sudato inflamatório (pneumonia), transudato (edema), septal), ou todo o ácino (enfisema panacinar ou panlobular).
sangue (hemorragia alveolar), lipoproteína (proteinose al- Os achados tomográficos são de áreas de baixa atenuação,
veolar), gordura (pneumonia lipoídica), células (carcinoma tipicamente sem paredes visíveis.
bronquioloalveolar, Iinfoma, pneumonia em organização)
ou conteúdo gástrico (pneumonia aspirativa) . Na TC, ma-
nifesta-se como um aumento da atenuação do parênquima
pulmonar que impede a visualização dos vasos e dos contor-
Enfisema bolhoso
nos externos das paredes brônquicas. Broncogramas aéreos É a destruição bolbosa do parênquima associada a enfisema
podem ser encontrados. O valor de atenuação do parênqui· centriacinar, acinar distai (parasseptal) ou panacinar, sendo
ma consolidado, ao exame de TC sem contraste, raramente é denominado enfisema bolhoso gigante quando as bolhas,
útil no diagnóstico diferencial, exceto em algumas situações que podem variar de 1 a mais de 20 em de diâmetro, ocupam
(p. ex., baixa atenuação na pneumonia lipoídica e alta atenu- pelo menos um terço do hemitórax.
ação na toxicidade por amiodarona). Ver também Bolha.
Enfisema intersticial
O enfisema intersticial (FIGURA 11.16) é uma dissecção do
interstício pulmonar por ar, tipicamente localizado nos
feixes broncovasculares, nos septos interlobularcs c na
pleura víscera!, sendo com mais frequ!ncia identificado
em nconatos submetidos à ventilação mecânica. É pouco
provável que o enfisema intersticial seja reconhecido ra-
diologicamente em adultos, sendo raras vezes identifica-
do nos exames de TC. O processo expressa-se como áreas
com densidade de ar com distribuição perivascular, peri-
broncovaseular e/ou ao longo dos septos intcrlobulares, ou
como áreas arredondadas de baixa atenuação simulando
pequenas bolhas ou cistos.

Enfisema panacinar
O enfisema panacinar (panlobular) envolve todas as por-
ções do ácino e, mais ou menos uniformemente, o lóbulo
pulmonar secundário. Predomina nos lobos inferiores e
representa a forma de enfisema associada à deficiência de
alfa,-antitripsina. O enfisema panacinar se manifesta na TC
como uma diminuição generalizada da atenuação pulmonar,
com redução do calibre dos vasos sanguíneos nas áreas aco-
metidas, com ou sem distorção deles. O enfisema panacinar
acentuado pode coexistir e combinar-se com o enfisema cen-
triacinar grave. Na TC, pode ser indistinguível dos achados
de bronquiolite constritiva grave.

Enfisema parasseptal (acinar distai)


Trata-se de enfisema que envolve de modo predominante os
alvéolos distais, seus duetos e sacos alveolares. Caracteris-
ticamente, é delimitado por qualquer superficie pleural ou
septos interlobulares. Na TC. caracteriza-se por áreas de
baixa atenuação nas regiões subpleurais e peribroncovas-
FIGURA 11.15 ~ Enfisema pulmonar. TC demonstra um aumento
permanente do espa~o aéreo dostal ao bronquíolo terminal, com des·
trui~ão das paredes alveolares, compatfvel com enfisema pulmonar.
(A) Identifica-se enfisema do tipo centriacinar na TC em imagem Minip,
(8) Oo tipo parasseptal.

Enfisema centriacinar
É a destruição das paredes dos alvéolos centriacinares, asso-
ciada ao aumento dos bronquíolos respiratórios e dos alvéo-
los que se originam nesses bronquíolos, sendo a forma mais
comum de enfisema em fumantes de cigarro. Os achados
tomográficos são de áreas centrolobulares de diminuição da
atenuação, em geral sem paredes visíveis, com distribuição
não uniforme, predominantemente localizadas nas regiões
pulmonares superiores. As artérias centrolobulares muitas
vezes podem ser identificadas no interior das áreas hipoden- FIGURA 11.16 ~ Enfisema intersticial. A radiografia demonstra dissec-
sas. O termo centrolobular é comumente utilizado como si- ~o do interstfcio pulmonar por ar, tipicamente localizado nos feixes
nônimo na TC. broncovasculares, nos septos interlobulares e na pleura visceral.
culares, separadas por septo interlobular intacto. Algumas tes resulta no aspecto de arcadas poligonais. O espessamen-
vezes associa-se a bolhas. to septal pode ser secundário à alteração de qualquer um de
seus componentes (veias, vasos linfáticos ou tecido conjun-
tivo) e é um achado comum a várias alterações pulmonares,
embora sua presença seja particularmente destacada nos ca-
Espessamento de septos interlobulares sos de edema pulmonar e carcinomatose linfática. O espes-
É o espessamento dos septos de tecido conjuntivo que separam samento septal pode ser do tipo liso, nodular ou irregular.
os lóbulos pulmonares secundários (FIGURA 11.17), sendo carac- Essa diferenciação pode ajudar no diagnóstico diferencial
terizado na radiografia por finas opacidades lineares, também das diversas causas.
denominadas linhas B de Kerley. Geralmente encontra-se em
íntimo contato com a superffcie pleural lateral, junto aos seios
costofrênicos, apresentando um ângulo reto em relação à pa-
rede. Atualmente os termos "linhas septais" ou "espessamento
Estruturas centrolobulares
septal" têm sido preferidos à expressão linhas de Kerley. Correspondem a região central do lóbulo pulmonar secun-
Na TCAR, o espessamento dos septos interlobulares é dário, representada pelo conjunto artéria pulmonar-bron-
caracterizado pela presença de opacidades lineares que de- quíolo e pelo interstício pulmonar circunjacente. Na TCAR
limitam os lóbulos pulmonares secundários, mais facilmente de pacientes normais, estruturas centrolobulares (FIGURA
distinguível na regiâo subpleural, onde tem aspecto de linhas 11 .18) correspondem a uma pequena imagem nodular ou
perpendiculares à superfície pleuraL Nas regiões centrais linear, localizada a 3 a 10 mm da superfície pleural ou do
dos pulmões, o espessamento dos septos de lóbulos adjacen- septo interlobular, que representa a artéria pulmonar intra-
lobular, com aproximadamente 1 mm de diâmetro.
O bronquíolo correspondente, quando normal, tem pa-
redes com espessura aproximada de 0,15 mm, aquém do li-
mite de resolução da TCAR Portanto, a doença bronquiolar
que produz acentuação da estrutura centrolobular ocorre
quando existe espessamento da parede ou preenchimento
da luz bronquiolar (ver adiante FIGURA 11 .27). Padrões cen-
trolobulares incluem: a) nódulos; b) árvore em brotamento;
c) espessamento do interstício peribroncovascular periféri-
co; e d) áreas com atenuação reduzida sem paredes visíveis
(enfisema).

Faveolamento (favo de mel)


O faveolamento (FIGURA 11.19) consiste em cistos pulmo-
nares criados pela destruição de espaços aéreos distais,
FIGURA 11.17 ~ TC demonstrando presença de opacidades lineares por fibrose do parênquima pulmonar, com desarranjo da
que delimitam os lóbulos pulmonares secundários, compatível comes-
arquitetura de ácinos e bronquíolos. Os cistos de faveola-
pessamento dos septos de tecido conjuntivo que separam os lóbulos
mento são revestidos por epitélio bronquiolar metaplásico
pulmonares secundários.
e representam o estágio terminal de várias doenças pulmo-

FIGURA 11.18 ~ Estruturas centro-


lobulares. Região central do lóbulo
pulmonar secundário, representada
pelo conj unto artéria pulmonar-
·bronquiolo e pelo interstício pul-
monar circunjacente. (A) TC com
reconstrução tridimensional da
localização das estruturas centro-
lobulares. (8) TCAR mostra uma pe-
quena imagem nodular localizada
a 3 a 1Omm do septo inter1obular.
AGURA 11.19 -+ TC demonstrando múltiplos cistos de localização sub-
pleural, com diâmetros semelhantes. agrupados em camadas e com- FIGURA 11.20 -+ TC em 30 mostrando fissura obliqua do pulmão es·
partilhando paredes bem definidas. compatfveis com faveolamento querdo.
pulmonar.

nares. Na TCAR, caracteriza-se por múltiplos cistos, em Interface


geral de localização subpleural, com diâmetros semelhan- Interface é a super!Icie de separação entre duas estruturas
tes (tipicamente de 0,3 a 1 em), agrupados em camadas e ou espaços. Quando duas estruturas torácicas com diferen-
compartilhando paredes bem definidas de 1 a 3 mm de es- tes densidades radiológicas se encontram, seus limites são
pessura. Representa um marcador tomográfico de fibrosc nitidos: por exemplo, vasos com densidade de partes moles
pulmonar. As causas principais incluem fibrose pulmonar em contato com a densidade de ar do pulmão arejado cir-
idiopática, colagenoses, pneumonitc por hipersensibilidade cunjacente. O "sinal da interface" define a irregularidade
crônica, reações pulmonares medicamentosas c asbestose. das margens entre diferentes estruturas intratorácicas, como
Deve ser diferenciado de enfisema parasseptal c de bron- vasos, brônquios e superffcies pleurais, em geral em decor-
quiolectasia de tração. rência de doença intersticial que causa fibrose.

Fibrose maciça progressiva Interstício


É a confluência de pequenos nódulos pulmonares, em ge· É a rede de tecido conjuntivo que se espalha pelos pulmões e
ral com fibrose associada, frequentemente bilaterais e pre- se subdivide em: a) interstício axial (ou broncovascular)- en-
dominando nos lobos superiores. Pode ser acompanhada volvendo brônquios, artérias e veias desde os hilos até o nlvel
de um aumento irregular do espaço aéreo na sua perife- dos bronquíolos respiratórios; b) interstício periférico- com-
ria. Costuma ser encontrada em pacientes com história de posto pelo tecido conjuntivo contíguo às superfícies pleurais
exposição importante a poeiras inorgânicas (p. ex., pneu- (subpleural) e septos interlobulares; e c) interstício intra-
moconiose dos mineradores de carvão e silicose). Achados lobular (também chamado de acinar ou parenquimatoso)
tomográficos semelhantes podem ser encontrados em sar- -composto pelas paredes dos alvéolos (septos alveolares),
coidose c talco se. dando suporte à estrutura do lóbulo pulmonar secundário.

Fissura (cissura} Linfonodomegalia


Uma fissura (FIGURA 11.20) consiste em uma invaginação da Linfonodomegalia (FIGURA 11.21) é o aumento de volume
plcura víscera! que reveste a superffcic externa do pulmão de linfonodo por qualquer causa, quando suas dimensões
para dentro do parênquima. Cada fissura intcrlobar é for- ultrapassam os limites considerados normais para a cadeia
mada pela aposição de duas camadas de plcura visceral. linfonodal em questão. O termo "adenomegalia" não é um
Em geral, identificam-se as fissuras maiores (oblíquas), sinônimo recomendável, pois linfonodos não são estruturas
que separam os lobos inferiores dos demais, e a fJSSura me- glandulares verdadeiras. O termo "linfonodopatia" reserva-
nor (horizontal), que separa o lobo médio do lobo superior -se para situações nas quais seja possível identificar a doença
direito. Algumas fissuras supranumerárias podem ser en- linfonodal, como, por exemplo, quando se identifica necrose
contradas com frequência. em seu interior.
FIGURA 11 .21 -+ TC evidenciando aumento de volume de linfonodos FIGURA 11.22-+ TC demons1rando lesão expansiva pulmonarcom den-
mediastinais e hilares. sidade de partes moles no lobo superior direito, compatível com massa
pulmonar(> 3 em).

Lóbulo pulmonar secundário constituídos por novelos de hifas e ftlamentos. Na maioria


li'ata·sc da menor unidade anatôm.ica pulmonar delimitada dos casos, localiza-se nos membros inferiores, podendo le-
por septo de tecido conjuntivo (ver FIGURA 11.18). Apresenta var a deformidades e fraturas. O acometimento pulmonar e
aspecto poliédrico, mede 1,0 a 2,5 em de diâmetro e contém pleural é raro. Quando invade o pulmão, tem o aspecto de
um número variado de ácinos. O centro do lóbulo é formado consolidação com necrose, e derrame pleural pode ser iden-
pelo conjunto bronquíolo-artéria pulmonar, vasos linfáticos tificado. Geralmente acomete agricultores, sendo endêmico
e interstício adjacente. Em sua periferia, o tecido conjuntivo na América Latina, na fndia e na África. O micetoma não
forma scptos finos denominados septos interlobulares, onde se representa uma colonização de cavidade pulmonar preexis-
encontram pequenas veias pulmonares e vasos linfáticos. Os tente; portanto, a utilização desse termo como sinônimo de
septos interlobulares em pacientes normais são identificados, "bola fúngica" deve ser evitada.
de forma mais evidente, nas regiões periféricas anterior, lateral Ver também Bola fúngica.
e justamediastinal dos lobos superiores e médio, assim como
na periferia da região diafragmática anterior dos lobos inferio-
res, tendendo a apresentar-se de forma incompleta ou ausente
nas demais regiões do pulmão. São facilmente reconhecíveis na
Nódulo
TCAR sempre que o interstício septal estiver comprometido. Nódulo (FIGURA 11.23) é uma opacidade focal arredondada,
ou pelo menos parcialmente delimitada, com menos de 3,0
em de diâmetro, em geral com densidade de partes moles ou
Massa de cálcio. Quando menor do que 10 mm, sugere-se qualificá-
-lo como "pequeno nódulo". Se menor do que 3 mm, o ter-
Massa (FIGURA 11.22) é qualquer lesão expansiva pulmonar, mo "micronódulo" pode ser empregado. Deve ser descrito
pleural, mediastinal ou da parede torácica com densidade de de acordo com as características de suas margens (malde-
partes moles, de gordura ou óssea com mais de 3 em, com finidas ou bem definidas), e também quanto à localização
contornos definidos pelo menos em parte, fora de topografia e distribuição (randômica, perilinfática, centrolobular ou
cissural, independentemente das caracterlsticas de seus con- pleural). Quanto à atenuação, o nódulo pode ser classifica-
tornos ou da heterogeneidade de seu conteúdo. do como sólido, quando obscurece completamente o parl!n-
quirna; não sólido (atenuação em vidro fosco), quando não
obscurece as margens vasculares e as paredes brônquicas;
ou parcialmente sólido ou sernissólido (opacidade em vidro
Micetoma fosco com áreas sólidas), quando obscurece parcialmente as
O micetoma representa de forma característica um grupo margens vasculares e as paredes brônquicas.
de infecções crônicas subcutâneas causadas pela inocula- Ver também Massa.
ção traumática na pele de material contaminado com acti-
nomicetos, sobretudo Nocarrlill brosiliensis, ou eumicetos,
resultando em actinomicetomas e eumicetomas, respectiva-
mente. Apresenta tendência a invadir os tecidos adjacentes,
Oligoemia
formando nódulos ou massas com cavidades e trajetos fistu- É urna redução focal, regional ou generalizada do volume
losos, com eliminação de secreção purulenta contendo grãos sanguíneo pulmonar. A oligoernia (FIGURA 11.24) apresen-
FIGURA 11.23 -+ Nódulo pulmonar. (A) e (8) TC demonstrando nódulo com 2,6 em no lobo inferior esquerdo. com cakificaç6M excêntricas.
---

FIGURA 11.24 -+ Oligoemia. A TC demonstra uma diminuição do cali- FIGURA 11.25 -+ Radiografia mostrando uma 1magem que se distingue,
bre e do número de vasos pulmonarM e da densidade do lobo superior pelo menos parcialmente, das estruturas que a circundam ou se super·
esquerdo. põem, po< apresentar maior densidade, compatível com uma opacidade.

ta·sc como uma diminuição do calibre e do número deva·


sos pulmonares em regiões especificas ou difusamente, in·
Opacidade (atenuação) em vidro fosco
dicando que o Ouxo sangulneo é menor do que o habitual. Na TC, uma opacidade em vidro fosco (FIGURA 11.26) corres-
ponde ao aumento da densidade do parênquima pulmonar
em que permanecem visfveis os contornos dos vasos e brôn·
quios no interior da área acometida por um processo pato-
Opacidade lógico. Este padrão de imagem está relacionado com espessa·
Opacidade (FIGURA 11.25) é uma imagem que se distingue, mento do interstício, preenchimento parcial de espaços aéreos,
pelo menos parcialmente, das estruturas que a circundam colapso parcial de alvéolos, aumento do volume sangufneo
ou se superpõem, por apresentar maior densidade. Na ra· capilar ou ainda uma associação desses mecanismos. Deve ser
diografia de tórax, esse termo não implica sua natureza do distinguida de "consolidação", na qual os vasos não são identi·
ponto de vista patológico, seu tamanho ou localização espe· ficáveis no interior da área de pulmão comprometida.
cifica, podendo ser de origem pulmonar, pleural, da parede Ver também Consolidação.
torácica ou de origem externa ao paciente. Na TC, as opaci·
dades pulmonares podem representar opacidade em vidro
fosco ou consolidação. Opacidade linear
Ver também Consolidação.
Imagem linear fina, alongada, com densidade de tecido de
partes moles. Raramente, a presença de calcificação ou de
FIGURA 11.26 ~ Opacidade em vidro fosco. A TC evidencia aumento FIGURA 11.27 ~ TC de uma paciente com tuberculose demonstrando
da densidade do parênquima pulmonar em que permanecem visfveis os opacidades ramificadas centrolobulares, com pequenas nodulações nas
contornos dos vasos e brônquios no interior da ~rea acometida por um extremidades, assemelhando-se ao aspecto do brotamento de algumas
processo patológico. ~rvores. Tais achados são compatíveis com padrão de árvore em bro-
tamento.

material estranho pode aumentar a atenuação. É um termo


não específico e de causas diversas. Recomenda-se, sempre patológico, embora possa também estar relacionado com a
que possível, utilizar terminologias mais específicas, como inflltração do tecido conjuntivo peribroncovascular centro-
"atelectasia laminar", "banda parenquimatosa" e "espessa- lobular ou, ocasionalmente, com a dilatação ou o preenchi-
mento de septos interlobulares". mento (p. ex., metástases intravasculares) das artérias pul-
monares centrolobulares. Esse padrão significa, em geral,
doença das vias aéreas, sendo particularmente comum em
processos infecciosos (p. ex., tuberculose, broncopneumonia
Opacidade parenquimatosa e bronquiolite infecciosa), mas pode ser encontrado também
É o aumento da atenuação do parênquima pulmonar que em uma série de outras afecções (p. ex., bronquiectasias, fi-
pode ou não obscurecer os contornos dos vasos e brônquios. brose cística e panbronquiolite).
O termo "consolidação" indica que as margens dessas estru-
turas não são aparentes (exceto pelos broncogramas aéreos),
e "atenuação em vidro fosco" indica que, apesar de alterada
a densidade dos pulmões, os vasos e as vias aéreas ainda são
Padrão de atenuação (perfusão) em
identificáveis. Deve-se dar preferência aos termos mais es- mosaico
pecí.ficos "consolidação" e "opacidade em vidro fosco" .
É a aparência em retalho de regiões com atenuações distin-
tas que pode representar doença parenquimatosa infiltra-
tiva, enfermidade obliterativa de pequenas vias aéreas ou
Opacidade pendente afecção vascular oclusiva. O aprisionamento aéreo secun-
nata-se de opacidade subpleural em regiões pulmonares dário à obstrução brônquica ou bronquiolar pode produzir
pendentes, que correspondem a áreas de atelectasia decor- focos parenquimatosos de redução da atenuação, que se
rente do decúbito. Ocorre nas regiões posteriores quando o acentuam nas imagens de TC obtidas em fase expiratória.
paciente encontra-se em decúbito dorsal e nas regiões ante- Na enfermidade obliterativa de pequenas vias aéreas e na
riores, quando em decúbito ventral. Desaparece com a mu- afecção vascular oclusiva, as áreas com atenuação dimi-
dança de decúbito. nuída são as anormais e geralmente contêm vasos pulmona-
res em número e tamanho menor do que o pulmão normal
adjacente, que pode ter atenuação normal ou aumentada
(por causa do redirecionamento do fluxo sanguineo). O pa-
Padrão de árvore em brotamento drão de atenuação em mosaico (FIGURA 11 .28) também pode
O padrão de árvore em brotamento refere-se a opacidades ser produzido por doença pulmonar parenquimatosa, carac-
ramificadas centrolobulares, com pequenas nodulaçôes nas terizada por opacidade em vidro fosco, sendo que nessa con-
extremidades, assemelhando-se ao aspecto do brotamento de dição as áreas de maior atenuação representam as regiões
algumas árvores (FIGURA 11.27). Representa, na maior parte acometidas, e as outras zonas caracterizam focos de pulmão
dos casos, bronquíolos dilatados e preenchidos por material preservado.
AGURA 11.30 ~ TC de padente com tuberculose atípica, mostrando
FIGURA 11.28 ~ TC de paciente asm~tico grave mostrando regiões pequenos nódulos que mant~m alguns milímetros de separação da
com atenuações distintas. compatíveis com padrão de atenuação em superfície pleural e das fissuras. compatíveis com padrão de nódulos
mosaico. centrolobulares.

central do lóbulo pulmonar secundário, em geral relaciona-


Padrão de pavimentação em mosaico do com doenças do bronquíolo, da artéria pulmonar ou da
É a superposição de opacidades em vidro fosco, linhas intra- bainha conjuntiva peribroncovascular. A principal caracte-
lobulares e espessamento de septos interlobulares. A inter- rística tomográfica é que eles mantêm alguns milímetros de
face entre o pulmão normal e o acometido tende a ser bem separação da superficie pleural e das fissuras. As causas mais
delimitada nesse padrão de lesão pulmonar. Esse padrão de comuns são as doenças que ocorrem por inalação (p. ex.,
pavimentação em mosaico (FIGURA 11.29) foi inicialmente pneumonite por bipersensibilidade, silicose e bronquiolite
identificado em pacientes com proteinose alveolar pulmo- respiratória). Se acompanhados por padrão de árvore em
nar, mas também é encontrado em outras doenças pulmona- brotamento, as causas infecciosas devem ser lembradas (p.
res difusas nas quais os compartimentos intersticial e alveo- ex., tuberculose e broncopneumonia).
lar estão comprometidos (p. ex., hemorragia pulmonar). O
termo em inglês é "crazy paving".
Padrão nodular miliar
Ver Padrão nodular randômico {miliar).
Padrão nodular centrolobular
O padrão nodular centrobular é o padrão de distribuição
de pequenos nódulos (FIGURA 11.30) que ocupam a porção Padrão nodular perilinfático
É o padrão de distribuição de pequenos nódulos ao longo da
rede linfática pulmonar (FIGU RA 1131) (septos interlobulares,
bainha conjuntiva peribroncovascular e superfície pleural).
As principais doenças que cursam com nódulos perilinfáti-
eos são a sarcoidose e a carcinoma tose linfática.

Padrão nodular randômico (miliar)


É o padrão de distribuição de pequenos nódulos de forma
aleatória pelos pulmões (FIGURA 11 .32). As causas mais co-
muns são tuberculose miliar, hlstoplasmose miliar e metás-
tases hematogênicas.

FIGURA 11.29 ~ TC de paciente com proteinose alveolar pulmonar Padrão perilobular


idio~tia. demonstrando superposição de opacidades em vidro fosco,
Este padrão é caracterizado pela distribuição da anormali-
linhas intralobulares e espessamento de septos interlobulares. compatí·
veis com padrão de atenuação em mosaico. dade ao longo das estruturas que delimitam os lóbulos pu!-
doenças císticas pulmonares, no enfisema associado a bolhas
e até nos cistos de faveolamento.

Placa pleural
É um espessamento pleural focal, por vezes com calcifi-
cações, de espessura variável e com extensão de até 5 em.
Costuma ocorrer na superficie pleural parietal subcostal ou
na pleura diafragmática. Quando múltiplas e bilaterais, são
quase sempre decorrentes de exposição ao asbesto.

FIGURA 11.31 -+ TC de mulher com sarcoidose demonstrando peque-


nos nódulos ao longo da rede linfática pulmonar, compatíveis com pa·
drão perilinfático. Pneumatocele
A pneumatocele é um espaço de conteúdo gasoso cuja pa-
rede é formada por espaços aéreos distendidos. Frequen-
temente muda de tamanho em curto espaço de tempo,
decorrente do mecanismo valvular obstrutivo da via aérea,
que lhe é característico. Costuma associar-se a algumas
enfermidades infecciosas, sobretudo aquelas causadas por
Staphylococcus sp. em crianças e Pneurrwcystis sp. em adul-
tos. Na TC, manifesta-se como espaço aéreo arredondado,
demarcado por paredes finas, contido no pulmão. Pode re-
solver-se de forma espontânea, ainda que tardia, no curso
do tratamento da infecção.

Pseudocavidade
Uma pseudocavidade (FIGURA 11.33) representa uma área ar-
FIGURA 11.32 -+ Paciente com histoplasmose. A TC mostra pequenos redondada ou oval de baixo coeficiente de atenuação em nó-
nódulos dispersos de forma aleatória pelos pulmões, compatíveis com dulos ou massas pulmonares ou em uma área de consolida-
padrão miliar.
ção secundária a: 1) presença de uma porção de parênquima
pulmonar preservado; 2) presença de brônquios dilatados ou
mesmo de calibre normal; ou 3) uma área de enfisema no
monares, ou seja, os septos interlobulares, a pleura visceral interior da lesão. Essas pseudocavidades geralmente medem
e grandes vasos pulmonares. O termo é mais utilizado no
contexto de doenças (p. ex., pneumonia em organização pe-
rilobular) que são distribuídas principalmente em volta da
periferia do lóbulo secundário. Na TC, é caracterizado pela
presença de opacidades poligonais espessas e irregulares na
periferia do lóbulo pulmonar secundário. Deve ser distingui-
do do espessamento de septos interlobulares (padrão septal),
por ser mais espesso e irregular, e do sinal do halo invertido.
Ver também Sinal do halo invertido.

Padrão reticular
Trata-se de uma alteração geralmente relacionada com as
doenças intersticiais e caracterizada nas radiografias por inú-
meras pequenas opacidades lineares que resultam em uma
aparência de rede. Na TCAR, é possível individualizar os
componentes responsáveis por esse padrão na radiografia,
que costumam estar relacionados com a presença de linhas FIGURA 11.33-+ TC de paciente com tuberculose demonstrando uma
intralobulares e septais ou com a presença de cistos cujas área arredondada ou oval de baixo coeficiente de atenuação permeada
paredes se apresentam como linhas na radiografia, como nas por nódulos, compatfvel com pseudoescavação.
menos de 1 em de diâmetro, podendo ser identificadas em
pacientes com adenocarcinoma, carcinoma bronquioloalve-
olar e pneumonia.

Pseudoplaca
Trata-se de opacidade pulmonar periférica, adjacente à
pleura visceral, formada por pequenos nódulos pulmonares
coalescentes que simulam placa pleural. Mais comumente
encontrada em sarcoidose, silicose e pneumoconiose dos mi-
neradores de carvão.

Sinal do anel de sinete


O sinal do anel de sinete (FIGURA 11 .34) é composto por uma FIGURA 11.35 ~ TC de paciente com aspetgilose angioinvasiva eviden-
opacidade anelar, que representa um brônquio dilatado, em ciando opacidade em vidro fosco que citeunda um nódulo pulmonar,
associação com uma opacidade arredondada menor, contí- compatível com sinal do halo.
gua à sua parede, representando sua artéria (pulmonar ou -------------------
raramente brônquica), que lembra o aspecto de um "anel
de sinete" ou "anel de pérola". Corresponde ao sinal tomo-
gráfico básico de bronquiectasia. Ocasionalmente, o sinal neutropênico febril, surgindo precocemente. O sinal do halo
do anel de sinete também pode ser encontrado em doenças pode ser causado por hemorragia associada a outros tipos de
caracterizadas por uma redução anormal do fluxo arterial doença (p. ex., candidfase, sarcoma de Kaposi) ou por inffi-
pulmonar, como no tromboembolismo pulmonar crônico e tração pulmonar local por neoplasia.
na interrupção proximal da artéria pulmonar.
Ver também Bronquiectasia.
Sinal do halo invertido
O sinal do halo invertido (FIGURA 11.36) é uma opacidade fo-
Sinal do halo cal em vidro fosco circundada por um anel de consolidação
O sinal do halo (FIGURA 11.35) é uma opacidade em vidro fos- completo ou parcial. Inicialmente descrito como um sinal de
co que circunda um nódulo, uma massa ou uma área de con- pneumonia em organização, já foi, entretanto, associado a
solidação arredondada. No início, foi descrito como um sinal outras doenças, como paracoccidioidomicose.
de hemorragia ao redor de um foco de aspergilose angio-
invasiva, sendo bastante específico no contexto de paciente

FIGURA 11.34 ~ TC de paciente com bronquiectasias mostrando um FIGURA 11.36 ~ Paciente com pneumonia em O<ganização evidencian-
br&nquio dilatado, em associação com artéria pulmonar adjacente do área focal de vidro fosco citeundada por um anel de consolidaçJo,
compatível com sinal do anel de sinete. compatível com sinal do halo invertido.
Silva CIS, Marchiori E, Souza Júnior AS, Müller NL; Comissão
Leituras recomendadas de Imagem da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia.
Souza Jr. AS, Araujo Neto C, Jasinovodolinsky D, Marchiori E, Consenso brasileiro ilustrado sobre a terminologia dos descri-
Kavakama J, Jrion KL, et ai. Thrminologia para a descrição de to- tores e padrões fundamentais da TC de tórax. J Bras Pneumol.
mografia computadorizada do tórax. Radiol Bras. 2002;35(2):125-8. 2010;36(1):99-123.
Diagnóstico
Diferencia I
das Imagens
Torácicas Mais
Frequentes
Bruno Hochhegger
Edson Marchiori
12
Klaus L. lrion
Candice Santos
Nelson Porto
Rodrigo Moreira Bello
Neste capítulo, incluem-se quadros de diagnóstico di-
I >-, ATENÇÃO ferencial com os principais achados radiológicos, tanto to-
mográficos quanto radiográficos, não tentando englobar a
O reconhecimento dos padrões mais frequentes de totalidade das doenças pneumológicas, mas sim, certamen-
achados radiográficos das doenças torácicas é mui- te, incluindo o diagnóstico diferencial das doenças mais
tas vezes a forma mais incipiente de inicio de inves- prevalentes.
tigação diagnóstica no paciente pneumológico. O
correto diagnóstico diferencial desses achados au-
xilia de forma muito importante em um diagnósti-
co correto e, consequentemente, em uma conduta
adequada.

QUADRO 12.1 -7 Diagnóstico diferencial de espessamento dos septos interfobulares

I1-!i@lt't 1!3oi•JIWW3f·ll.
Edema pulmonar Éa causa mais comum de espessamento dos septos interlobulares e, na maioria dos casos, tem tendência a
maior prevalência nos lobos inferiores, estando associado a derrame pleural, maior à direita, e opacidades em
"vidro fosco".

Carcinomatose linfática É um achado comum; precisa ser auxiliado da informação clínica de neoplasia prévia, pois o sitio primário
muitas vezes não é pulmonar, devendo-se sempre ter em mente a possibilidade de neoplasia mamária,
ovariana e gástrica. A nodularidade cissural a.ssociada ao derrame pleural, na maioria das vezes bilateral - no
caso das neoplasias extratorácicas- e ipsilateral- no caso das neoplasias torácicas -, ajuda no diagnóstico
diferenciaL

Continua ...
QUADRO 12.1 (CONT.) ~ Diagnóstico diferencial de espessamento dos septos interlobulares

Doença linfoproliferativa O espessamento pode ser liso ou nodular, e outras anormalidades, sobretudo os nódulos estriados, estão
frequentemente associadas.

Hemorragia pulmonar O espessamento costuma ser liso e associado a opacidades em "vidro fosco•. Pode apresentar absorção
rápida em relação aos demais (a exemplo do edema).

Pneumonias intersticiais O espessamento geralmente é liso e associado a opacidades em "vidro fosco", dispersas na maioria dos
segmentos pulmonares. Germes atfpicos (vfrus, Pneumocystis, Legionella) costumam ser a causa.
Sarcoidose O espessamento liso é comum, mas em geral está associado a pequenos nódulos e linfonodomegalia. Na fase
tardia, um tecido fibroso peri-hilar cranial pode ser encontrado.

Fibrose pulmonar idiopática Pode ser encontrado, mas não é o achado mais comum. Os achados de faveolamento e espessamento intra·
alveolares são mais frequentes.

Pneumonia intersticial não Os achados de opacidade em "vidro fosco• e reticulação também são encontrados com maior predominância
especifica em lobos inferiores.

Silicose/pneumoconiose Raramente identificado e em geral associado a nódulos quando o processo é ativo.

Pneumonia de hipersensibilidade O espessamento é incomum. As opacidades reticulares irregulares e o faveolamento geralmente predominam.
crônica

Amiloidose Nesta forma de comprometimento por amiloidose, que não é a mais frequente, há acometimento do
parênquima pulmonar, e deve-se considerar, inclusive, a possibilidade de associação com cistos pulmonares.

QUADRO 12.2 ~ Diagnóstico diferencial de espessamento intersticial peribroncovascular

Carcinomatose linfática Nestes pacientes, com exceção de tumores que apresentam linfangite peritumoral, geralmente há associação
de espessamento extra·axial intertobular e leve grau de derrame pleural.

Doença linfoproliferativa Em geral, está associada a outras anormalidades, como linfonodomegalias.

Edema pulmonar Éa causa mais comum de espessamento septal peribroncovascular, bem como de interlobular, e a associação
com cardiomegalia e derrame pleural bilateral faz lembrar este diagnóstico.

Sarcoidose O espessamento da sarcoidose pode ser peribroncovascular, mas costuma ser nodular devido à presença de
granulomas no interstício. Aassociação com linfonodomegalias em estágio inicial e com massas fibróticas em
estado final deve ser considerada.

Fibrose pulmonar idiopática Geralmente, o espessamento peribroncovascular é comum, mas os demais achados de faveolamento e
bronquiolectasias predominam.

Pneumoconioses Este espessamento, quando existe nos pacientes com pneumoconioses, não é o achado principal. Os nódulos
centrolobulares no estágio inicial da doença e as massas fibróticas nos polos superiores na fase final são os
achados de maior importância.

Pneumonites de Os achados de fibrose nos lobos superiores são mais prevalentes neste tipo de alteração.
hipersensibilidade crônica
QUADRO 12.3 ~ Diagnóstico diferencial de faveolamento

Fibrose pulmonar idiopática e Éachado relativamente comum nestes pacientes, sendo periférico e com predomínio subpleural e nos lobos
outras causas de pneumonia inferiores.
intersticial usual

Asbestose Ofaveolamento é comum na doença avançada, sendo periférico e também com predomínio subpleural.

Pneumonia de hipersensibílidade Os achados de faveolamento são comuns e periféricos, mas tendem a ter uma prevalência nos terços médios/
crônica superiores, ao contrário das demais doenças citadas.

Sarcoidose Um pequeno percentual dos casos desenvolve faveolamento, que é periférico e esparso. Contudo, como a
doença tem elevada prevalência e baixa mortalidade, deve ser sempre considerada no diagnóstico diferencial.

Pneumonia interstícial não Oachado de faveolamento é incomum; quando muito extenso (> 5%), não se deve excluir esta hipótese do
especifica diagnóstico diferencial.

Silicose{pneumoconiose das minas Oachado de faveolamento é infrequente.


de carvão

QUADRO 12.4 ~ Diagnóstico diferenc.ial de pequenos nódulos (menores do que 1,O em) de distribuição linfática peribroncovascular ou
extra-axial

Sarcoidose A sarcoidose frequentemente apresenta-se como nódulos peribroncovasculares e subpleurais, tornando a


cissura nodular esparsa assimétrica, com maior prevalência nos lobos superiores.

Silicose A história de exposição à sllica é de vital importância para o diagnóstico e, em geral, tem predomínio nos
lobos superiores, sendo subpleuraís e simétricos.

Carcinomatose linfAtica Os nódulos costumam ser septais e peribroncovasculares. Entretanto, podem ser esparsos e unilaterais,
dependendo da neoplasia que se está disseminando. Em tumores de pulmão ou de mama, em geral são
assimétricos. Em neoplasias difusas, como as de ovário e estômago, são bilaterais e tendem à assimetria.

Amiloidose Os nódulos estão predominantemente no interstício interlobular extra·axial. Éuma doença rara e faz parte
deste diagnóstico diferencial.

Pneumonia ínterstkiallinfodtíca Os nódulos geralmente são peribroncovasculares e a associação com cistos ou mesmo linfonodomegalías
pode ser encontrada.

QUADRO 12.5 ~ Diagnóstico diferencial de pequenos nódulos (menores do que 1,0 em) de localização centrolobular

Ml·fJ·IilJWJ',I!tij,}[fl.\;1}11fJ·lf.Jtl~aiD

Disseminação endobrônquica de Os nódulos apresentam, predominantemente, aspecto de árvore em brotamento, sendo esparsos e
infecção difusos, e a associação com lesão focal reativada é frequente. Nas doenças granulomatosas infecciosas
mícobacterióticas, a presença de cavidades pode estar presente.

Pneumonia viral (adenovírus/ Os nódulos têm disseminação em todos os segmentos pulmonares e frequentemente são acompanhados de
HINI) uma história dinica característica.

Doenças das vias aéreas superiores Este é, sem dúvida, a causa de maior prevalência deste achado. Tais nódulos costumam ser esparsos e
(refluxo gastresofágic~sinusopatia têm maior predominância nos lobos inferiores, sobremaneira à direita. Os segmentos anteriores dos lobos
crônica) anteriores muito raramente são acometidos.

Continw ...
QUADRO 12.5 (CONT.) ~ Diagnóstico diferencial de pequenos nódulos (menores do que 1,0 em) de localização centrolobular

Aspergilose broncopulmonar Os nódulos centrolobulares em padrão de árvore em brotamento são frequentes, e as bronquiectasias,
alérgica especialmente as cernais, são muito comuns.

Pneumonia de hipersensibilidade Os nódulos são de tamanho similar, com densidade semelhante em "vidro fosco". Tal fase costuma ser a
subaguda desta doença.

Pneumonia linfocítica Os nódulos são centrolobulares e costumam estar associados a cistos pulmonares.

Bronquiolite respiratória Os nódulos costumam ter densidade semelhante em "vidro fosco•, sendo esparsos e tendo predomlnio nos
lobos superiores.

Asbestose São um achado precoce, com predomínio basal subpleural e associação com opacidades reticulares.

Trombose endobrônquica tu moral Os nódulos são espaços difusos com padrão de árvore em brotamento. Representam trombos tumorais no
interior da arteríola centrolobular.

Calcificação metastática Amaioria dos nódulos têm densidade cálcica no seu centro, com predomínio nos lobos superiores.

QUADR012.6 ~ Diagnóstico diferencial de características de pequenos nódulos (menores do que 1,0 em) de disseminação randômica

Infecção miliar Tais nódulos geralmente são de tamanho variável e têm remodelamento difuso e veniforme, exceto nas
doenças micobacterióticas, como a tuberculose, em que o predomfnio e a dimensão dos nódulos são maiores
nos polos superiores.

Metástases hematogênicas Costumam aparecer como nódulos de múltiplos tamanhos e com predomínio nos lobos inferiores.

Sequelas de doença Sem dúvida, a causa mais comum de pequenos nódulos distribuídos de modo aleatório no parênquima
granulomatosa prévia pulmonar e, quase exclusivamente em nosso meio, relacionáveis a sequelas de doença granulomatosa
micobacteriótica ou fúngica. Esses nódulos têm uma frequência extremamente elevada e estimada como
sendo superior a 80% em todos os pacientes quando em uso de técnicas de detecção nodular avançadas
(projeção e intensidades máximas).

QUADRO 12.7 ~ Diagnóstico inicial de grandes nódulos e massas conglomeradas

Sarcoidose As massas conglomeradas peri-hilares são comuns em estágios avançados da sarcoidose e estão associadas à
reação fibrótica e granulomatosa confluentes.

Silicose/pneumoconiose das minas São comuns na doença avançada nos lobos superiores e se associam a enfisema paracicatricial.
de carvão

Talcose Conglomerados de massa e tec.ido fibroso com predomínio nos lobos superiores e peri-hilares são comuns nos
estágios mais avançados da doença.

Carcinoma metastático O predomínio é basal e geralmente são nódulos confluentes, lobulados, periféricos.

Carcinoma bronquioloalveolar Em geral, os nódulos são menos frequentes e as consolidações difusas têm maior prevalência.

Doenças linfoproliferativas Grandes nódulos são comuns, ma.s as áreas de consolidação também são muito frequentes.

Contiooa ...
QUADRO 12.7 (CONT.) ~ Diagnóstico inicial de grandes nódulos e massas conglomeradas

Bronquiolite obliterante com Nódulos são relativamente incomuns, mas opacidades pe<iféricas costumam ser encontradas nestes pacientes.
pneumonia em organização
(pneumonia organizante)

Infecção micótica As infecções fúngicas, especialmente em paciente imunodeprimido, devem ser sempre consideradas no
diagnóstico diferencial.

Atelectasia redonda Este achado quase sempre está associado a doença pleural e a possibilidade de neoplasia deve ser
considerada.

QUADRO 12.8 ~ Diagnóstico diferencial do padrão de pavimentação em mosaico

Edema pulmonar Este achado é frequentemente encontrado em edema pulmonar e costuma ter curso agudo.

He<norragia pulmonar Geralmente esparso, o padrão de pavimentação em mosaico inicia-se e<n um estágio subagudo da
hemorragia.

Pneumonia (sobretudo Este padrão é relativamente comum nas pneumonias atípicas, em especial as de acometimento intersticial.
pneumonias atípicas)

Pneumonite por radiação A extensão em geral é geométrica, seguindo a linha de radiação, e tem curso agudo.

Proteinose alveolar Este achado costuma ter um curso clinico subagudo/crônico. Trata-se da entidade em que esse padrão foi
descrito pela primeira vez e, portanto, mais frequentemente associado. Adistribuição é esparsa e difusa,
podendo tal entidade ser primária ou secundária.

Carcinoma bronquioloalveolar Ocurso é subagudo/crônico e a forma de acometimento é difusa e esparsa, sendo que alguns nódulos e áreas
de consolidação estão frequentemente associados.

QUADRO 12.9 ~ Diagnóstico diferencial de consolidação

Pneumonia (bacte<iana) Oquadro clínico é agudo e a localização depende do tipo de germe e da imunidade. Os germes atípicos
geralmente acometem mais de um lobo pulmonar; nas pneumonias pneumocócicas ou típicas, o
acometimento unilobar é mais frequente.

Edema pulmonar Em geral, as áreas consolidativas se acompanham de atelectasia pela compressão causada pelo derrame
pleural, que frequentemente é encontrado nesses casos.

He<norragia pulmonar As consolidações associadas à hemorragia geralmente são o primeiro achado encontrado nestes pacientes;
depois disso, começa a existir uma absorção linfática da hemoglobina, e o padrão de pavimentação em
mosaico e de espessamentos de septos é encontrado.

Pneumonia intersticial aguda Costuma ser um quadro de consolidações difusas de inicio agudo, que ocorre raramente e tem mortalidade
deSO%.

Bronquiolite obliterante com Costuma ter um curso subagudo/crônico, com acometimento mais frequentemente periférico. Aassociação
pneumonia em organização com doenças farmacorrelacionáveis e/ou pós-infecciosas é frequente.

Pneumonia eosinofilica crônica Geralmente são consolidações de base pleural periféricas de curso crônico.

Continw ..
QUADRO 12.9 (CONT.)-+ Diagnóstico diferencial de consolidação

linfoma/carcinoma São dois achados neoplásicos de curso subagudolcrônico.


bronquioalveolar

Pneumonia lipofdica Os achados em geral são esparsos e associados à aspiração, no caso de pneumonia lipoidica exôgena, que
é a mais frequente em nosso meio. Adensidade de gordura aferida à tomografia pode auxiliar no devido
diagnóstico deste achado.

QUADRO 12.10-+ Diagnóstico diferencial das doenças pulmonares císticas

( 1·1' Wliiiü(.J.liU;WI3' 11. IJ!E1?!r·tJ.tiiJ,., .,ª.~''t,.,ttl ';'f'i tJ.: r-ta:ttti, ,,.u


linfangioliomiomatose Os cistos normalmente são arredondados, bem definidos, de tamanho uniforme e paredes finas, sendo
encontrados em todos os segmentos pulmonares. Esta doença apresenta um acometimento quase que
exclusivo em mulheres e, quando diagnosticada em homens, a presença de esclerose tuberosa deve ser
inicialmente considerada.

Histiocitose de células de São cistos com formatos incomuns, acompanhados de nódulos, que acometem com maior prevalência os
langerhans lobos superiores.

Pneumonia intersticial linfocítica Os cistos são muito menos numerosos do que na linfangioliomiomatose, e nódulos em "vidro fosco· podem
estar associados.

Bolhas Adistribuição subpleural, na maioria dos casos, e a associação com tabagismo, especialmente de maconha,
devem ser lembradas no diagnóstico diferencial.

Pneumatoceles Costumam ser esparsas, associadas a extensas áreas de pneumonia em um quadro clinico grave.

Faveolamento Predomfnio subpleural. com múltiplas camadas junto à superffcie pleural compartilhando suas paredes. Os
achados de distorção arquitetura! são frequentes.

Bronquiectasias císticas Adistribuição focal e a presença de níveis hidroaéreos, quando as bronquiectasias estão infectadas, devem
lembrar este diagnóstico.

QUADRO 12.11 -+ Nódulo pulmonar solitário

Sequela de doença granulomatosa prêvia Abscesso de pulmão

Carc.inoma brônquico Histoplasmoma

Tumor carcinoide Cisto broncogênico

Doença fúngica Bola fllngica

Condroadenoma Hematoma intrapulmonar

Metástase Pseudotumor inflamatório

Pneumonia redonda Pneumonia lipoldica

Linfonodo intrapulmonar

Bronquiectasia mucoide

Con~nua ...
QUADRO 12.11 (CONT.) -+ Nódulo pulmonar solitário

Cisto hidático

Plasmacitoma

Infarto pulmonar

Sarcoma de pulmão

Sequestro intralobar

Granulomatose de Wegener

QUADRO 12.12 -+ Recomendações para acompanhamento para nódulo pulmonar

IP·1314t'i•J•lj:f·if:<·l;lbi3•l
Menor ou igual a 4 mm Nenhum complemento necessário. É sugerido complemento na tomografia em 12 meses
e, se não houver mudança, nenhum outro exame
tomográfico é necessário.

Nódulos entre 4 e 6 em Acompanhamento em 12 meses; se o nódulo não se Tomografia computadorizada em 6 a 12 meses e em


alterar. nenhum acompanhamento é necessário. 18 a 24 meses; se nenhuma mudança for descoberta,
não é necessário acompanhamento.

Nódulos entre 6 e 8 mm Acompanhamento em 6 a 12 meses; se não existir Acompanhamento de 3 a 6 meses, em 9 a 12 meses


alteração no nódulo, o acompanhamento em 18 a 24 e em 24 meses; se nenhuma mudança for encontrada
meses é sugerido. Se não houver mudança, nenhum neste período, não há necessidade de outro
acompanhamento é necessário. acompanhamento.

Nódulos maiores do que 8 mm O acompanhamento em 3 a 9 e 24 meses O acompanhamento em 3 a 9 e 24 meses


é necessário; estudos com tomografia é necessário; estudos com tomografia
computadorizada, tomografia computadorizada computadorizada, tomografia computadorizada
por emissão de pósitrons (PET-CT) e/ou biópsia são por emissão de pósitrons (PET-a) e/ou biópsia são
recomendados. recomendados.

Nota: Os pacientes incluídos nesta comparação têm 35 anos de idade ou mais. Em pacientes mais jovens, a possibilidade de neoplasia ~muito baixa e o acompanhamento
não é necessArio para nódulos pequenos.
•o diâmelro do nódulo é a médía da medida de dois diámeuos axiais do nódulo.
...Alto risco édefinido como história de tabagismo fiou outro fator de risco conhecido.
Obs.: Nódulos com padrão em "vidro fosco• exigem um acompanhamento de até 36 meses para excluir adenocarcinoma.
Fonte: MacMahon e colaboradores.1

QUADRO 12.13-+ Doença pulmonar com predomínio nos lobos superiores

i• Jt·t9:t.tj it4(•fjl ,ll$ii #•li! #.1••41


Fibrose cistica (bronquiectasias e aumento da capacidade pulmonar Espondilite anquilosante (fibrose nos lobos superiores) é um achado
total estão frequentemente associados). que deve ser lembrado em pacientes com esse diagnóstico, e a avaliação
radiológica da coluna vertebral geralmente sugere o diagnóstico.

Sarcoidose (nódulos, fibrose e linfonodomegalias são frequentemente Talcose (história clínica de uso de droga intravenosa, nódulos
encontrados). pulmonares centrolobulares e enfisema também podem estar
associados).

Continw ...
QUADRO 12.13 (CONT.) -+ Doença pulmonar com predomínio nos lobos superiores

Silkose e pneumoconiose das minas de carvão (nódulos e massas


conglomeradas são os achados mais frequentes).

Tuberculose (nódulos, escavação e lesões consolidadas pericavitárias nas


adjacências da área escavada são os achados que podem sugerir esta
etiologia).

QUADRO 12.14? Diagnóstico diferenc.ial das doenças que acometem os lobos inferiores na tomografia de alta resoluçáo

[m:r lol·fJI.f lbUij•l@hU I·lf·tHt@:, •f3 •bJ !t1!i;I#·li!4: ii!1

Asbestose (faveolamento e espessamento pleural estão frequentemente Pneumonia de hipersensibilidade (nódulos centrolobulares com
associados). atenuação em "vidro fosco" e algum grau de reticulação).

Pneumonias de aspiração (em geral são nódulos dependentes, e o lobo Pneumonia lipoídica (normalmente ocorre em zonas pendentes devido à
superior direito nem sempre é o mais comprometido). aspiração de conteúdo lipídico).

Doença do tecido conjuntivo (a reticulação e o faveolamento são


frequentemente encontrados).

Fibrose pulmonar idiopática (pneumonia intersticial usual costuma


apresentar faveolamento e reticulação).

QUADRO 12.15? Diagnóstico diferenc.ial da elevação unilateral de hemidiafragma

Atelectasias, distensão abdominal. Neoplasia diafragmática (sarcoma, metástases, tumor fibroso de pleura).

ldiopática (variante da anormalidade). Hérnia diafragmática.


Doença inflamatória abdominal. Cisto hidático.

Paralisia do nervo esplênico por neoplasia brõnquica, sequefa de Hipoplasia ou agenesia do pulmão.
processo inflamatório e/ou iatrogenia cirúrgica.

Doença pleural. Doença neurológica neuromuscular (paralisia de Erb).

Pós-operatório pulmonar. Neoplasia retroperitoneal.

Derrame pleural subpulmonar (nestes casos, o estudo com o paciente Rim intratorácico.
em decúbito lateral do mesmo lado da elevação pode ajudar no
diagnóstico diferencial).

Trauma com lesão neural. Ruptura traumática prévia do diafragma.


QUADRO 12.16 ~ Diagnóstico diferencial da consolidação lobar crônica

ltB:O·I•tJ&f·ltJ@l•!ll31i•U 1•109/r.\ji!i!•tJI.'I#;i3•!113.'•if1
Carcinoma brônquico com pneumonia obstrutiva (cerca de 20% das Carcinoma bronquioloalveolar.
neoplasias brônquicas são descobertas após um episódio de pneumonia
de resolução lenta).

Pneumonia organizante. Doença fúngica.

Pneumonia lipoídica.

Linfoma.

Pneumonite por radiação (cabe ressaltar que nem sempre a área


irradiada é a área em que acontece a consolidação, tendo em vista que a
radiação pode estimular o aparecimento de pneumonia organizante em
outras áreas).

Pneumonia tuberculosa.

Referência
1. MacMahon H, Austin JH, Gamsu G, Hcrold CJ, Jctt JR, Naidich
DP, ct ai. Guidclincs for managcmcnt of small pulmonary nodulcs
dctcctcd on cr scans: a statcment from thc Flcischner Soeiety. Ra-
diology. 2005;237(2):395-400.

Leituras recomendadas
Dãhnert W. Radiology review manual. 6th ed. Philadelphia: Lippin-
eott Williams & Wilkins; 2007.

Recdcr MM, Bradlcy WG, Jr. Rccder and Felson's gamuts in radio-
Jogy: eomprehensive lists of roentgen dilfcrential diagnosis. 4th cd.
Heidclbcrg: Springer-Vcrlag; 2003.
Webb WR, MüUer NL, Naidich DP, cditors. High-resolution cr of
thc lung. 3rd cd. Philadclphia: Lippineott Williams & Wilkins; 2001.
Luciano Müller Corrêa da Silva
Adalberto Sperb Rubin
13
Fernanda Brum Spilimbergo
Luiz Carlos Corrêa da Silva

Introdução cipais testes que podem ser utilizados na prática clínica de


forma concisa e aplicada. Em cada um dos testes, são ana-
A avaliação funcional pulmonar é parte fundamental da ava- lisados aspectos básicos relacionados com as indicações,
liação pneumológica e médica. Apesar do desenvolvimen- técnica de realização, controle de qualidade e noções de
to alcançado pelos testes funcionais pulmonares, ainda há interpretação clínica. Antes do início dessa descrição, são
grande subutilização desses importantes instrumentos para abordados aspectos fundamentais da estrutura de um labo-
avaliação e acompanhamento dos pacientes. ratório de função pulmonar.
Entre as amplas indicações dos testes funcionais, citam-
-se avaliação de tosse e dispneia, detecção de obstrução de
vias aéreas, diagnóstico diferencial entre as pneumopatias,
determinação da gravidade da disfunção respiratória, avalia- Aspectos técnicos fundamentais
ção da resposta terapêutica, avaliação de risco ocupacional,
análise de prognóstico, avaliação de risco operatório e deter- Escolha do equipamento
minação da capacidade de exercício (de pacientes a atletas). Hoje em dia, a maioria dos espirômetros apresenta sensores
Na realização de testes de função pulmonar, mesmo que medem diretamente o fluxo de gás (fluxômetros), em
aqueles mais simples, são fundamentais a padronização ade- razão de serem menores e mais leves do que os espirôme-
quada dos equipamentos (capacidade, acurácia, precisão, li- tros com deslocamento de volume. O fluxo é medido de ma-
nearidade, durabilidade, débito) e o treinamento qualificado neira direta e integrado eletronicamente para a medida do
e continuado dos técnicos responsáveis pela realização dos volume. Já os espirômetros de volume medem o fluxo pela
exames. Além disso, há sempre o desafio de se obter a me- diferenciação do volume no tempo. Seja como for, todos os
lhor cooperação possível do paciente. equipamentos devem preencher os critérios propostos pela
American Thoracic Society/European Respiratory Society
(ATS/ERS) (QUADRO 13.1).'
~ ATENÇÃO Outras considerações para a escolha do equipamento
são:
O trinômio equipamento-técnico-paciente é indivisf-
vel na obtenção de um teste de qualidade. • Possibilidade de comparar consecutivamente os dados
numéricos e gráficos à medida que os testes vão sendo
realizados.
Dada a grande complexidade dos testes de função pul- • Mensagens de erro quanto à aceitabilidade e reproduti-
monar, o objetivo deste capítulo é o de descrever os prin- bilidade.
QUADRO 13.1 ~ Padrões mínimos para utilização de dades e obter valores acurados (observando-se o fator
equipamento de medida de volumes e fluxos segundo de conversão para a temperatura ambiente) e reprodutí-
normatização da ATSIERS veis (±0,1 L). No caso de espirômetros de fluxo, deve-se
observar se o equipamento continua a registrar volume
Intervalo de volume O.S-8 L mesmo com a interrupção da manobra. Atualmente, a
maioria dos equipamentos apresenta um sensor interno
Acurácia para volume ±3% ou ±50 mL* de temperatura com o objetivo de corrigir os volumes
Tempo de registro Pelo menos 15 segundos para BTPS (body-temperature-and-pressure-saturated).

Intervalo de fluxo 0·14Us


Controle de qualidade
Acurácia para fluxo ±5% ou ±0,2 Us Provavelmente, o fator mais importante na qualidade de um
laboratório de função pulmonar é uma equipe técnica moti-
Resistência dinâmica <0,15 kPa.l' .s'1(1,5 cmH 20Ns).. vada. É fundamental a revisão periódica do treinamento do
Constante (±5%) até 15Hz (para PFE) pessoal com relação aos seguintes itens: informações relacio-
Resposta dinâmica
nadas com o grau e a natureza de manobras inaceitáveis, ou
Disposição dos - Curva fluxo-volume e volume·tempo sem reprodutibilidade; ações corretivas que o técnico pode
resultados gráficos - Gráfico volume·tempo que inicie pelo fazer para aumentar o número de manobras reprodutíveis
menos 0,25 s antes da expiração e aceitáveis; retroalimentação positiva aos técnicos para um
- Gráfico volume·tempo que dure pelo bom desempenho; noções sobre manutenção dos equipa-
menos 2 s após a expiração mentos; rotina do controle de qualidade para detecção de
•Aqueleque for maior.
desvios de acurácia, ou reprodutibilidade. É essencial que o
••em um fluxo de 14 Vs. técnico não utilize somente os alertas do equipamento para
F<lnte: ~llegrino e colaboradores.' avaliação das manobras.

• Possibilidade de detetar manobras que não sejam aceitá-


veis, ou reprodutíveis.
III ATENÇÃO

• Curvas selecionadas de acordo com as recomendações É importante manter uma rotina de reavaliação pe-
(volume expiratório forçado no primeiro segundo - riódica dos equipamentos, tanto de calibração quan-
VEF,- e capacidade vital forçada - CVF - não neces- to de acurácia e reprodutibilidade.
sariamente provenientes da mesma manobra e fluxos da
curva com maior soma de CVF e VEF1).
• Capacidade do sistema de aceitar modificações nas O QUADRO 13.2 resume uma proposta de controle de
equações de regressão dos valores previstos. qualidade acessível a todos os laboratórios que realizam
• Atualização periódica do software do equipamento colo- espirometria, volumes pulmonares e difusão pulmonar. O
cada à disposição pelo fabricante. controle pode ser realizado com uma seringa de 3 L devi-
• O usuário deve e pode testar o espirõmetro em si mesmo damente validada (a mesma utilizada na calibração). Para
e utilizando uma seringa de 3 L. No caso de uma seringa o teste da capacidade vital, deve-se utilizar a seringa como
de 3 L, deve-se realizar manobras em diferentes veloci- se fosse um paciente em um teste de espirometria que in-

QUADRO 13.2 ~ Proposta de rotina de controle de qualidade (CQ) para espirometria, volumes pulmonares e difusão pulmonar

li lt!rill•i(GJrl i:!!ii•f.1•lj

CQ de seringa de 3 L OiMia ±3%de3l


(2,91-3,09 L)
Alças fluxo-volume com seringa de 3 L Semanal ~ 90 mLentre a menor e a maior OI obtida com a seringa em três
diferentes fluxos (< 2 Us, 4 a 6 Us, > 8 Us)
Controle de DLco com seringa de 3 L Semanal DLco < 0,5 mLCO/mmHg/min
Volume inspiratório: 2,85 a 3,15 ATPS
Volume alveolar: 2,90 a 3,36 ATPS
Controles biológicos Quinzenal Obedecer aos critérios de aceitabilidade para espirometria, volumes
pulmonares, Olco. Variabilidade < 10%
clui alças flWto-volume em diferentes fJWtos ( < 2 Us, 4 a QUADRO 13.3 ~ Indicações para espirometria
6 Us, > 8 Us). A diferença entre cada uma das três "ca-
pacidades vitais" deve ser < 90 mL. Para testar o equipa- Indicações diagnósticas
mento para a medida de difusão de monóxido de carbono - Avaliação de manifestaç6es, sinais ou testes laboratoriais anormais
(DLco), deve-se realizar com a seringa a mesma manobra - Medida do efeito de uma doença sobre a função pulmonar
utilizada no paciente, incluindo o intervalo de 8 a 12 se- - Triagem de indivlduos sob risco de apresentar doença pulmonar
gundos após a injeção da amostra de gás na seringa. Como (fumantes)
não há difusão de gás, a DLco da seringa deve ser < 0,5 - Avaliaçao de risco pré-operatório
mLCO/mmHg/min. O volume alveolar deve estar dent ro - Avaliação de prognóstico
- Avaliação do estado de saúde antes do inicio de atividade fisica
de um intervalo rígido.
Qualquer valor fora dos parâmetros deve motivar uma Monitoração
revisão técnica. Pelo menos dois controles biológicos tam- - Resposta terapfut1ca imediata e a longo prazo
bém devem ser utilizados em uma frequência quinzenal. - Acompanhamento da evolução de doenças pulmonares
Para a determinação da média dos valores desses controles, - Avaliação de andivíduos expostos a agentes inaláveis (doenças
devem ser realizadas pelo menos 10 medidas seriadas. Os ocupacionaiS)
extremos não devem diferir mais do que 10%. Posteriormen- - Efeitos adversos pulmonares de fãrmacos com conhecida
te, qualquer variação acima de 10% deve alenar para pos- toxicidade
síveis desvios do equipamento. Thdos os valores da seringa
Incapacidade
e dos controles biológicos devem ser plotados e analisados
- Avaliação para fins de seguro
com frequência. Com esse tipo de análise, é possível avaliar
- Avaliaçao em processos judiciais de aposentadoria, obtenção de
tendências e desvio-padr ão (DP). Se os valores, em algum medicações
momento, ultrapassarem 2 DP, ou caso haja um movimento - Avaliação antes do inicio de um programa de reabilitação
contínuo de aumento, ou redução em seis ou mais valores, pulmonar, ou de transplante pulmonar
deve-se reavaliar o equipamento.
Saúde pública
- Pesquisas epidemiológicas
- Criação de equações de rrferência para nonmartdade
Espirometria - Pesquisa dlnica
O teste mais imponante e fundamental na avaliação funcio- - Avaliação e acompanhamento de programas para tratamento de
doenças pulmonares
nal pulmonar é o da análise dos fJWtos e volumes pulmona-
- Seleção de pacientes aptos a receberem medicações para
res estáticos. É essencial ressaltar que a espirometria avalia problemas respiratórios crônicos
somente os volumes pulmonares mobilizáveis. A capacidade
residual funcional (CRF) e, consequentemente, o volume
-------------------
residual (VR) e a capacidade pulmonar total (CPT) não po-
dem ser medidos pela cspirometria simples. As indicações QUADRO 13.4 ~ Contraindicações• para espirometria
e contraindicações para espirometria são descritas nos QUA·
DROS 13.3 e 13.4, respectivamente.
- Hemoptise vigente
As principais variáveis medidas pela cspirometria impor- - Pneumotórax
tantes para a interpretação do teste são CVF, VEF 1, relação - Quadro card1ovascular instável: infarto do mioc.árdio ou
VEF,JCVF c pico de fJWto expiratório (PFE). Outras variá- tromboembolismo pulmonar recentes (< 2 semanas)
veis que podem ser medidas são capacidade vital lenta (CVL), - Aneurismas cerebral. torkaco ou abdominal, cirurgia ocular
capacidade inspiratória (Cl), fJWto expiratório forçado médio recente
entre 25 e 75% da CVF (FEFz:s-7511) e tempo da expiração for- - Doenças agudas que possam afetar o desempenho no teste, com
çada (fEF). Os procedimentos para a realização de uma espi- manifestações como náuseas e vômitos
romctria correta são demonstrados no QUADRO 13.5. - Procedimentos cirúrgicos abdominais ou torácicos recentes
Uma espirometria adequada apresenta a demonstração - Dor torácica
- Impossibilidades técnicas. como paciente que não consegue
gráfica de dois tipos de curvas: a curva volume-tempo e a
permanecer pelo menos sentado, sob sedação, ou com
curva fluxo-volume (FIGURA 13.1). Na apresentação gráfica do dificuldades cognitivas graves
exame, é fundamental a presença delas.
A curva fluxo-volume é uma análise gráfica do fluxo ' Muitas dessas contraindicaçbes sio relativas. devendo cada caso ser analisado iso-
gerado durante a manobra da CVF plotado em relação ao ladamente. Na dúvida, consultor um pneumologista.
volume expirado e inspirado. Apresenta uma alça expirató·
ria e uma alça inspiratória. O fluxo é registrado em Us e o
volume em L (BTPS). A primeira alça gerada é a expiratória, Já a curva volume-tempo representa diretamente o esva-
quando o indivíduo realiza uma expiração forçada a partir ziamento pulmonar na unidade de tempo. Por meio dela, é
da CPT. Após o esvaziamento pulmonar máximo (até o VR), possível calcular diretamente o VEF, e o tempo expira tório
solicita-se que o indivíduo realize uma inspiração forçada, máximo.
gerando a alça inspiratória.
QUADRO 13.5 ~ Critérios para a realizaçAo de espirometria Volume

Calibraçjo do espirometro ...... --- ... --- -· -----------------.-----


Lavagem das !Nos

Preparaç.\o do paciente
- Perguntar sobre motivo do exame. tabag1srno (último cigarro
fumado).
- Explicar o teste ao paciente da forma mais dara possível.
simul<lndo o esfor~o neces~no que ele dever~ realizar durante o
exame: postura correta com a ca~ um pouco elevada, inalação ls
rápida e completa, expiraçio rápida e a mais longa possível. (A) Tempo
Realiza~io da manobra
- Colocar o paciente na postura correta com adequado ajuste do
bocal; evitar hiperexten~o ou hiperflexáo cervical.
- Colocar o prendedor nasal e ajustar o bocal~ boca de forma
hermética, sem vazamentos.
- Realizar inala~io rápida e completa at~ a CPT, com pausa
inspiratória < 1 segundo.
- Realizar expiração mbima e rápida, sem hesita~io- volume
retroextrapolado < 5% da CVF, ou O, 15 L. o que for maior. CPT
- Diferença entre os três maiores valores do PFE < 10%, ou 0,5 l/s, o
que for maior.
Expiração até o limite - o paciente deve expirar pelo menos 6
segundos (para aqueles com doença obstrutiva, o ideal é pelo
menos 1Osegundos). Terminar sempre com um platô de pelo
menos 1 segundo, visualizado durante o exame na curva volume-
tempo, ou no caso de exaustao do paciente.
- Não tossir no primeiro segundo de elq)iraçAD. realizar movimento
glótko na exp~ra~io, afrouxar a boca, usar as bochechas na
expiração, usar manobra de Valsalva ou colocar a língua no bocal.

Resultados reprodutiveis
- Executar sempre três manobras acert.lveis e pelo menos duas
reprodutiveis. Os dois maiores valofes de CVF e VEF, nAo devem
d1ferir mais do que 0,15 Lem até oito manobras. Caso não seja v
possivet utilizar os três melhores testes (anotar esse fato na (B)
interpretaçjo).
FIGURA 13.1 ~ Curvas volume-tempo e fluxo-volume. Na curva volu-
Seleção das curvas me-tempo, o VEF, é demonstrado facilmente. Nessa curva, é possível
- Testes de qualidade aait.lvet acompanhar o esforço elq)iratório do paciente até o final. Na curva
- Selecionar a maior CVF fluxo-volume é posslvel identificar inicio hesitante. movimentos inade-
- Selecionar o maior VEF, das curvas com PFE aceit.lveis e quados, como tosse e uso da glote, e alteraç~ de via aérea (ver Figura
reprodutfveis 13.3). (A) Curva volume-tempo; (8) curva fluxo-volume (alças inspirató-
- Seleção dos fluxos instantaneos da curva com maior soma de CVF ria e elq)iratória).
eVEF1

cemente o volume expiratório. A capacidade vital é a base


para todas as medidas de espirometria, volumes e difusão. O
0 ATENÇÃO VEF1, por exemplo, é uma medida derivada da própria CVF
(é o volume medido no primeiro segundo da CVF).
Um relatório de espirometria em que não haja a
demonstração gráfica das curvas volume-tempo e
fluxo-volume é Inaceitável.

A CVF deve ser, aproximadamente, igual à CVL em pes-


soas normais (diferençaS 5%). Em pacientes com doença
pulmonar obstrutiva, a CVF deve ser menor do que a CVL,
pois a compressão dinâmica das vias aéreas reduz preco-
A CV pode estar reduzida nas seguintes situações: doen- O volume expiratório forçado em 6 segundos (VEF6) não
ças pulmonares (ressecção cirúrgica, atelectasia, fibrose pul- pode ser mais utilizado como desfecho substituto da CVF. A
monar e outras pneumopatias intersticiais, edema, tumores relação VEF,IVEF6 não apresenta sensibilidade adequada
brônquicos, doenças obstrutivas como doença pulmonar para o diagnóstico de obstrução ao fluxo aéreo em relação
obstrutiva crônica - DPOC - e asma), doenças pleurais (der- a VEF 1/CVF.
rame, tumores, processos cicatriciais), alterações da parede A análise de outras variáveis (FEF25 .751J CVF ou
e cavidade torácica (obesidade, gestação, cifoescoliose, es- TFEF2S-?s%), de forma isolada, apresenta limitações quanto à
clerodermia, ascite) e doenças musculares (doenças neuro- sua validade. Elas podem auxiliar no diagnóstico de obstru-
musculares, paralisia diafragmática). ção quando a suspeita clínica for alta.
Já o VEF, costuma estar reduzido nos distúrbios obs-
trutivos, mas também pode estar diminuído na restrição,
quando existe redução proporcional da CV. Em geral, nessa
situação, a diferença entre os valores previstos do VEF, e da
~ ATENÇÃO
CVF costuma ser S 5%.
A relação VEF .;cv ainda é a variável isolada mais
O PFE é esforço-dependente e reflete apenas o calibre
confiável para o diagnóstico de distúrbio ventilatório
das vias aéreas mais proximais. É utilizado para verificar se o
obstrutivo.
esforço obtido no início da espirometria foi adequado.
A relação VEF ,ICVF tem a fundamental importância de
determinar a presença ou ausência de distúrbio ventilatório
obstru tivo. Os critérios de resposta ao broncodilatador em pacien-
Na FIGURA 13.2, podem ser visualizadas as curvas fluxo- tes com obstrução ao fluxo aéreo variam de acordo com as
-volume de todos os principais distúrbios ventilatórios: obs- sociedades méd icas. O consenso ATS/ERS considera res-
trutivo, restritivo, misto. posta ao broncodilatador uma variação 2: 12% e 2: 200 mL
do VEF, ou da CVF. Já o Consenso Brasileiro sobre Es-
pirometria2 valoriza muito mais a mudança das variáveis
Distúrbio ventilatórioobstrutivo em relação aos valores previstos. Esse modo de avaliar a
A obstrução ou limitação do fluxo aéreo é caracterizada, pri- resposta ao broncodilatador apresenta vantagens (avalia-
mariamente, pelo achado de uma relação VEF,/CVF redu- ção da resposta independentemente do grau de obstrução
zida. É muito importante salientar que, em pacientes com e melhor correção para tamanho, idade e sexo do indivi-
doença obstrutiva, com frequência a CVL deve ser maior do duo). Nesse caso, considera-se resposta ao broncodilata-
que a CVF. Naqueles pacientes com relação VEF,!CVF limí- dor uma variação do VEF 1 2: 200 mL e > 7% em relação
trofe, o uso da relação VEF,/CVL pode aumentar a sensibi- ao previsto em paciente com obstrução ao fluxo aéreo.
lidade do diagnóstico de limitação ao fluxo aéreo. Para a CVF, costuma-se utilizar como ponto de corte na
resposta broncodilatadora uma variação 2: 350 mL. Para a
CVL, o ponto de corte é 2!: 400 m.L. Para a CI, 2!: 300 m.L,
ou > 15% de variação absoluta, ou maior do que 10% em
relação ao previsto.
Essas variaçôes correlacionam-se com melhor desempe-
nho ao exercício. Na análise da variação da CVF, é impor-
tante que não haja diferença muito grande entre o tempo
expiratório pré e pós-broncodilatador ( <10%) e que o au-
mento da CVFp<i versus CVFpóo seja verificado no mesmo
tempo expirado pré versus pós-broncodilatador.
Obstrutivo Restritivo
Distúrbioventilatório restritivo
Ocorre quando existe redução da complacência pulmonar
ou da parede torácica. Todos os volumes pulmonares estão
proporcionalmente reduzidos. Os fluxos podem estar nor-
mais ou supranormais. A principal variável que determina a
presença de restrição é a redução da CP"I; que não pode ser
determinada diretamente pela espirometria. Logo, a presen-
ça de distúrbio ventilatório restritivo somente pode ser infe-
rida por esse método. O distúrbio ocorre quando há redução
da CV ou CVF, na presença de VEF,/CVF normal ou eleva-
da. Os fluxos periféricos (FEF2S-?s%) podem estar normais ou
Mi.sto supranormais. Em algumas situações, pode haver redução
FIGURA 13.2 ~ Modelos grMicos da curva fluxe>-volume para os distúr- da CVF e do VEF, e o paciente não apresentar, necessaria-
bios ventilat6rios obstrutivo, restritivo e misto. mente, distúrbio restritivo. Podem ser citados:
• Problemas técnicos: tempo expiratório inadequado ( < 6 tiva, esse tipo de alteração é denominado distúrbio vcntilató-
segundos), vazamento do espirõmetro, inspiração e es- rio inespecífico. Esse acbado pode ser observado em até 10%
forço expiratório inadequados, interrupção precoce da dos exames com determinação dos volumes por pletismo-
expiração. grafia de corpo inteiro. A CV deve ser sempre maior do que
• Alçaponamento aéreo: ocorre quando há acentuado 50%, e a redução deve ser mantida após o uso de broncodi-
aumento do VR, com redução da CVF e VEF,/CVF latador. Uma relação VR/CPT elevada nessa situação sugere
normal ou limítrofe. A compressão de áreas pulmona- redução da CVF por aprisionamento aéreo. VR c volume de
res preservadas por enfisema bolhoso pode resultar em reserva expiratório {VRE) reduzidos podem ser observados
aparente distúrbio restritivo. Em alguns casos de doença em pacientes com obesidade. Uma resistência de vias aére-
obstrutiva, uma aparente restrição pode Lransformar-se as aumentada pode indicar possfvel conversão para distúrbio
em obstrução após o uso de broncodilatador. Esse fato ventilatório obstrutivo em exames subsequentes. Os dados
pode ser resultante da redução do alçaponamento aéreo clínicos são de muita valia para auxiliar na classificação mais
pelo uso do broncodilatador. exata do distúrbio. Além disso, é fundamental o acompanha-
• Presença concomitante de doenças: no caso, por exemplo, mento desses casos para observar a evolução.
DPOC e pneumonia intersticial. Se a obstrução for leve, a
doença restritiva pode compensar a obstrução. Em bron-
quiectasias, há tanto alçaponamento aéreo por doença em Obstrução central de vias aéreas ea
pequenas vias aéreas como redução do parênquima por curva fluxo-volume
alterações cicatriciais. Isso pode resultar em aparente dis- A curva fluxo-volume pode refletir alterações presentes nas
túrbio restritivo em paciente com doença obstrutiva. vias aéreas de grosso calibre, sejam elas intratorácicas ou ex-
tratorácicas (FIGURA 13.3). Um achatamento importante das al-
ças inspiratória e expiratória pode significar obstrução fixa de
Distúrbio ventilatório misto vias aéreas, seja ela intratorácica ou extratorácica. Um achata-
É definido como uma redução desproporcional da CV para mento exclusivo da alça expiratória pode ser resultante de uma
o grau de obstrução medido. Em pacientes com obstrução obstrução intratorácica variável. Se ocorrer com a alça inspira-
mais grave, é comum uma CV reduzida. No entanto, quan- tória, pode signíficar obstrução extratorácica variável. A possi-
do essa redução é demasiada e não normaliza após o uso de bilidade de detecção dessas alterações destaca a importância
broncodilatador, pode ser caracterizado processo obstrutivo de um esforço inspiratório bem feito ao final da espirometria.
com restrição associada.
Um distúrbio misto só pode ser inferido pela espirome-
tria simples. Para a sua confirmação, é necessário que haja
correlação com dados clínicos e a medida da CPT, preferen- Volumes pulmonares
cialmente pelo método da pletismografia de corpo inteiro. A CRF pode ser determinada tanto por um método fisico,
Uma CPT reduzida na presença de obstrução sempre carac- com base na lei de Boyle (pletismografia), quanto por téc-
teriza distúrbio misto. No entanto, em algumas situações. nicas que envolvem um gás inerte, sendo baseadas no prin-
não é necessário que a CPT esteja sempre reduzida para cípio da diluição (método de diluição por hélio e lavagem
caracterizar distúrbio misto. Por exemplo, em pacientes do nitrogênio). Na determinação dos volumes pulmonares,
com DPOC, enfisema, hiperinsuflados, que desenvolvem somente a CRF pode ser determinada diretamente. O VR e
pneumopatia intersticial, há doença obstrutiva que aumen-
ta os volumes pulmonares {VR e CPT) e doença restritiva
que os reduz. A resultante disso pode ser uma CPT normal
ou linútrofe. Pela melhora da retração elástica, pode haver
até mesmo melhora do VEF, e da CVF. Nessa situação, os
dados clínicos e radiológicos são importantes para a inter-
pretação dos achados. Normalmente, a CPT é > 90% do
previsto em pacientes com doença obstrutiva. Obstrução fixa. Ol»truçAo vari,..,l
intra e extratorácica extrator6clca
Outra doença combinada que pode ser citada é DPOC e
sequela de tuberculose, muito comum em nosso meio. Caso
haja redução da CVF em distúrbio obstrutivo, mas esta não
seja desproporcional, diz-se que há obstrução com redução da
CVF. Do ponto de vista quantitativo, distúrbio misto pode ser
sugerido se a diferença entre os valores percentuais previstos
entre CVF c VEF, for menor ou igual a 12%. Entre 13 e 25%,
infere-se que há obstrução com redução da CV.
Ol»truc;llo vari.lvel
intratorácica
Distúrbio ventilatório inespecífico FIGURA 13.3 ~ Alterações do formato da curva fluxo-volume para obs·
Em algumas situações, ocorre redução da CV, ou do VEF,, trução das vias aéreas de grosso calibre: fiu, variável extratorácica e
mas com CPT e DLco normais. Na ausência de doença restri- variável intratorácica.
a CPT são derivados a partir dela (VR = CRF- VRE e CPT de variação de pressão na boca (D.Pb), existe uma variação
= CI + CRF). de pressão inversa que ocorre dentro da cabine (D.Pc). O
A pletismografia mede todo o volume de gás compressí- mesmo ocorre para o volume de gás torácico que é compri-
vel no tórax, independentemente de ter comunicação com as mido e descomprimido com as manobras de panting. O VGT
vias aéreas. Já os métodos de diluição medem somente o gás varia na razão inversa do volume do gás da cabine (ó Vc).
que apresenta comunicação com as vias aéreas pérvias, em Considerando que a pressão do gás pulmonar no momen-
contato com o meio ambiente. Essa diferença é importante, to do fechamento da válvula é igual a 970 cmHp (pressão
porque em algumas situações o volume pulmonar medido atmosférica menos a pressão de vapor de água), a seguinte
pelos métodos de diluição pode estar subestimado, sobretu- fórmula pode ser deduzida a partir da lei de Boyle:
do nos pacientes com alçaponamento aéreo por doença obs-
trutiva mais grave. O início da medida da CRF por ambos os
métodos sempre é realizado ao fmal da expiração do volume P1(960) x VGT =(Pl + t.Pb) x (VGf + t.Vc)
corrente (nível de repouso respiratório). VGf = - (t.Vc/t.Pb) X (Pl + t.Pb)
COnstituem indicações de medidas dos volumes pulmona-
res: estabelecimento ou confirmação do diagnóstico de distúr-
bio ventilatório restritivo (indicação principal), diferenciação Como t.Pb é desprezível perto da soma (Pl + t.Pb)
dos tipos de doenças pulmonares caracterizadas por limitação
ao fluxo aéreo de configuração semelhante no espirograma
VGf =-Pl x ó Vc/D.Pb
simples, avaliação de resposta terapêutica (broncodilatado-
res, outros fármacos, transplante, radioterapia, cirurgia redu-
tora de volume pu lmonar), awct1io na interpretação de outros Desconsiderando o sinal,
testes de função, avaliação de incapacidade para o trabalho,
planejamento pré-operatório em pacientes com função pul-
monar limitada no caso de cirurgia torácica e quantificação da VGf = 970 X ó Vc/t.Pb
proporção de pulmão não ventilado (ao utilizar-se um méto-
do de diluição e por pletismografia ao mesmo tempo).
As contraindicações (relativas) para os métodos de di- Dessa forma, o VGT, que é praticamente igual à CRF,
luição com base em técnicas de respiração múltipla incluem pode ser calculado. Critérios de aceitabilidade e reproduti-
DPOC muito grave - dirnínuição do estimulo ventilatório por bilidade são expostos no QUADRO 13.6.
respiração de oxigênio (OJ a 100% na técnica do nitrogê-
nio (N 2) ou hipercapnia/hipoxemia severa na técnica do hé-
lio (He) e perfuração timpânica. As contraindicações para a
Técnicas de diluição de gases
As duas técnicas mais utilizadas são a técnica do hélio por
realização da pletismografia de corpo inteiro são as mesmas
da espirometria, acrescentando-se claustrofobia, perfuração respiração múltipla e a técnica de lavagem do nitrogênio por
timpânica, paralisia dos membros superiores e uso de coletes respiração múltipla.
torácicos. Utilização de líquidos intravenosos, oxigênio, dreno
de tórax ou qualquer fator que limite a entrada do paciente na Técnica do hélio
cabine também podem ser motivo de contraindicação. Ao final de uma expiração em volume corrente, o obturador é
conectado ao circuito do espirõmetro contendo uma substãn-
cia para absorção de dióxido de carbono e um volume conhe-
Pletismografia cido de hélio em uma concentração de 8 a 10%. O paciente
É o método considerado padrão-áureo para a medida da ventila através do sistema até que haja equilíbrio da concentra-
CPT Baseia-se na lei de Boyle (pressão e volume inversa- ção do hélio. Oxigênio é adicionado em pulsos para compensar
mente proporcionais em condições isotérmicas - Pl Vlff = o consumo de oxigênio do paciente. A fórmu la de cálculo da
P2V2fT). O paciente é colocado em uma cabine hermetica- CRF baseia-se, dessa forma, na lei de diluição dos gases:
mente fechada, e toda a ventilação é realizada através de um
obturador. No final de uma expiração em volume corrente,
a válvula do obturador é fechada e o paciente realiza movi- Vs x CiniciaJHe = (CRF + Vs + Vem) x CfinaJHe
mentos inspiratórios e expiratórios gentis, sem esforço ex-
cessivo, em uma frequência aproximada de 1 a 2 movimentos CRF = (Vs +Vem) x (CinicialHe- CfinalHe)
por segundo. Essa manobra (denominada panting) é sempre Cfina!He
realizada com as mãos do paciente apertando as bochechas
para evitar interferência da pressão da boca. Após quatro a
cinco manobras de panting, a válvula do obturador abre-se e, Onde:
em seguida, o paciente é solicitado a realizar uma inspiração Vs = volume do sistema (equipamento)
máxima seguida de uma expiração lenta e completa (CV). Vem = volume do espaço morto
COm isso, é possível calcular a CPT e o VR. CiniciaiHc = concentração inicial de hélio
O volume calculado é o denominado volume de gás torá- CfinaiHe = concentração final de hélio
cico (VGT). Considerando a lei de Boyle, para cada unidade
QUADRO 13.6-7 Critérios de aceitabilidade e reprodutibilidade F,..,2 = concentração de N, fmal, medida oa última respiração
para o exame de pletismografia de corpo inteiro • logo antes do final do teste

A CRF obtida ~a pletismografia é aceit~el quando: Normalmente, o teste dura 3 a 4 minutos em indivíduos
1. O nlvel do VGT for estável (linha reta, quando o paciente executa o normais para o alcance da concentração estável final de N2•
panting). Durando um tempo maior do que 7 minutos, indica a presença
2. A válvula do obturador fechar ao nivet do final da expiraçAo do de distribuição irregular da ventilação pulmonar. Outro indica-
volume corrente (desnivel máximo de 200 mL. VGT - CRF s 200 tivo de distribuição ventilatória irregular é o formato da linha
mL). de queda da concentração de N21 que nesse caso pode apresen-
3. O volume do panting for pequeno (50 a I 00 em'). Isso é verificado tar duas ou mais fases. Em indivíduos normais, costuma ser li-
visuahzando·se ambas as extremidades da reta. near. Recomenda-se a realização de pelo menos urna manobra
4. A frequência do panting estiver entre 30! 90 movimentos por bem-feita. Deve-se te.r muito cuidado com vazamentos entre a
minuto.
boca e o bocal. Um aumento súbito da concentração de N2 in-
5. Aalça da manobra do panting apresentar mí111ma hosterese.
dica potencial vazamento. Caso seja necessária a repetição do
6. AinchnaçAo da reta da relação entre as pressões for paralela ~ alça teste, deve-se aguardar, pelo menos, 15 minutos, sendo que os
doVGT.
valores de CRF não devem diferir em mais de 10%.
7. A alça da manobra do VGT apresentar fases inspirat6ria e
expirat6ria.
8. EJcistirem pelo menos três manobras de VGT aceitáveis.

A CRF obtida peta pletismografia apresenta reprodutibilidade


Medida da resistência das vias aéreas
quando: A medida da resistência das vias aéreas (Rva) é baseada na
1. A variância entre as ttês manobras de VGT aceitáveis for menor do relação pressão/fluxo. Geralmente, a unidade de medida é
que 5%. Var~ncia ; (Maior VGT - Menor VGll'Média dos 3 VGT cmH,O/lJs. A condutância (Gva) é o inverso da resistência
2. Houver pelo menos duas CVl com uma reprodutibilidade de 150 (1/R), sendo a unidade em Us/cmH,O.
mL.
3. A maior CVl aceitável for, pelo menos, 95% da maior CVf aceit.ivet
em pacoentes sem obsttuçáo ao fluxo aér!O. Pletismografia de corpo inteiro
4. For demonstrada a média das ttês manobras de VGT aceitMis, A pletismografia de corpo inteiro (pletismógrafo de volu-
bem corno da a e do VRE. me constante) é o método mais fidedigno para a medida da
5. A CPT demonstrada for a CRF menos a média da a. Rva, que é feita em duas fases. Uma delas é realizada com
6. OVR for demonsltado como a CPT subtraida da maior CVl o obturador aberto e a outra com o obturador fechado, com
aceitável obtida. o paciente realizando manobras inspiratórias e expiratórias
curtas e na frequência de 1 a 2 movimentos/minuto (pan-
ting). O paciente sempre mantém as bochechas apertadas
com as mãos. Com o obturador aberto, registra-se a varia-
Técnica de lavagem do nitrogênio por respiração múltipla ção de pressão na caixa (M>c) em relação à variação de fluxo
(AF). Com n obturador fechado, a variação da pressão da
Nesse teste, ao final de uma expiração em volume corrente,
boca (M>b- estimativa da pressão alveolar) é plotada contra
o paciente começa com a inalação de oxigênio a 100%. Após
cada pulso de 0 2 inspirado, existe um determinado volume a variação da pressão da cabine (M>c). Dessa forma, o cálcu-
de N 2 exalado. As variáveis medidas são o volume de 0 2 ins- lo da Rva pode ser obtido pela seguinte equação:
pirado no teste, o volume de N2 1avado dos pulmões, a con-
centração inicial de N2 no ar exalado e a concentração final
de N 2 ao final do teste (ao ser atingida uma concentração
estável, geralmente 1 a 1,5%). A partir desses dados, a CRF
pode ser calculada: A pressão é medida no momento do fechamento do
obturador (pressão alveolar estimada). Nesse momento, é
importante que o paciente não faça nem muita força nem
CRFN2 = (Vs:z~a,...,.- VN,ooâd..,)
seja muito rápido, pois isso pode superestimar os volumes
FN21 - F N22 pulmonares e alterar as próprias medidas de resistência. A
resistência pode ser determinada por uma respiração em vo-
Onde: lume corrente, ou pelo panting, com uma frequência de 1 a 2
V'~*-* e volume total de N, lavado movimentos/minuto. A desvantagem do método em volume
v,_ • volume deN, liberado dos tecidos, para o sangue e corrente é uma perda de sua sensibilidade, pois a resistência
- posteriormente para o setor alveolar, durante a lava- da laringe é relativamente maior e mais variável durante a
gem de N1 (estimado conforme a superflcie corporal do respiração em volume corrente.
paciente e em um tempo de 7 minutos) A Rva tem relação hiperbólica com o volume pulmonar.
F-,1 • concentração de N, inicial, medida logo antes do inicio Dessa forma, toma-se necessário saber o volume pulmonar
do teste, durante o volume corrente absoluto em que a resistência é medida. Com a pletismo-
grafia, é possível obter esse volume (VGT). A correção da Técnica do interruptor (RINT}
medida da resistência para o volume pulmonar medido é Para esse método de medida da Rva, a pressão alveolar é
a chamada de resistência especifica de vias aéreas, que é o medida pela boca, quando há interrupção momentânea do
produto Rva x VGL A reciproca é a condutância específica fluxo por uma válvula presente no aparelho. Quando a vál·
de vias aéreas. A relação entre a Gva e o volume pulmonar vula é fechada, a pressão equaliza-se ao longo do trato res·
é linear. Em altos volumes, a condutância é alta, e em baixos piratório, de modo que a pressão na boca aumenta ao nível
volumes, menor. da pressão alveolar imediatamente antes da interrupção.
Os valores de referência para a Rav datam da primei· Sabendo-se o fluxo aéreo logo antes dessa interrupção, a
ra avaliação realizada por Briscoe e DuBois em 1958., A resistência pode então ser calculada. A medida é realizada
condutãncia específica foi independente de idade, altura e durante uma série de interrupções, enquanto o indivíduo
sexo. Nesse estudo, valores normais para a Gva especifica respira no aparelho, que já possui uma resistência intrfnseca
foram de 0,13 a 0,35 Us/cmH20. Para a Rva, de 0,5 a 2,0 conhecida.
cmH 20/Us. Pelzer e Thomson• acharam resultados seme- Uma das desvantagens do método é que a própria
lhantes para não fumantes (Gva específica de O, 13 a 0,37 U sl pressão alveolar modifica-se durante o período de equali·
cmHp). Nas Diretrizes para lestes de Função Pulmonar da zação da pressão após a interrupção. Além disso, quando a
Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia,5 os valo- resistência de vias aéreas é alta, a pressão medida na boca
res propostos para Rva são de 0,5 a 2,5 cmH20/lJs e para pode não ser representativa da alveolar, o que pode subesti·
Gva especifica são de 0,12 a 0,37 UslcmH 20 , muito seme· mar a medida. E um método de uso fácil, porém mais apro·
lhantes aos valores antes citados. priado para medidas sequenciais do que para uma avaliação
diagnóstica transversal. Recentemente, valores previstos
Técnica da oscilação forçada brasileiros foram estudados para a população pediátrica.
É um método que usa um gerador sonoro externo que pro-
duz e superpõe ondas de fluxo à respiração espontânea, ana·
lisando a resposta pressórica resultante. Essa é uma função Difusão (capacidade de difusão ou fator
da amplitude da oscilação e da impedância (resistência) to-
tal do sistema respiratório (Z). O método utiliza analogias
de transferência}
com o modelo elétrico. Os princípios da difusão pulmonar foram abordados no Ca·
A impedância (Z) é composta pela resistência (R) e pela pítulo Fisiologia Respiratória. O teste mede, basicamente, a
reactância (X). A resistência representa o coeficiente de vis· transferência do monóxido de carbono iospirado (CO) para
cosidade de um fluxo laminar, refletindo o grau de perda de o volume capilar pulmonar (fator de transferência do CO).
energia. A reactância representa a acumulação transitória e O CO é utilizado por ser um gás com alta afinidade pela he·
o posterior retorno da energia consequente à expansão volu· moglobina, com transferência rápida na membrana alveolo-
métrica e aceleração. A reactância é composta pela inertân· capilar e que não atinge um estado de equilíbrio tão rápido
cia (parte inicial correspondente à massa de partículas em quanto o Ol . Isso permite uma transferência constante do
movimento) e capacitância (armazenamento de energia pro· CO no tempo de apoeia do teste. Utiliza-se um gás traçador
porcional à expansão de volume). O modelo divide o sistema (CH- metano), inerte, que não sofre difusão, com o objeti·
respiratório em sete partes, sendo fundamental a divisão en- vo de calcular o volume alveolar em que o CO é difundido.
tre resistência central e periférica e os efeitos da distensibili· Em individuas normais, o volume alveolar calculado a partir
dade da cavidade oral sobre os resultados. da diluição do CH. é uma estimativa da CPT, embora seja
O paciente realiza o teste sentado, com clipe nasal, ven- sempre menor.
tilando em volume corrente durante cerca de 30 segundos. Normalmente, o método baseia-se na inalação de uma
O gerador emite sons em frequências de 5 a 35 Hz. Os parâ· mistura com as seguintes ca.ra.cterísticas: CO (0,3%), CH.
metros medidos são a impedância (resist~ncia e reactância) (0,3%), 0 2 (21%) e N2 balanceado. Utiliza-se também outra
medida na frequência de 5 e 35 Hz, superior à frequência mistura com co2 a 5% para compensar a eliminação de col
dos sons da respiração normal. na fase expiratória do teste. O método mais fidedigno é a
As variáveis são R5 (resistência total a 5Hz - hPa/lJs), chamada determinação da capacidade de difusão do CO por
R20 (resistência medida a 20Hz- hPallJs), XS (reactãncia respiração única (single-breath method).
medida a 5Hz - hPa/Us) e Fres (frequência de ressonância O paciente é orientado a exalar o máximo possível, até o
- Hz). A Fres representa a frequência em que a reactância VR. A seguir, solicita-se que inspire o mais profundamente
é igual a zero (equihôrio), sendo o valor normal de 10Hz. possível, até pelo menos 85% da maior CV. Após a inspira-
Valores anormais para R5 e R10 são > 150% do previsto. ção máxima, deve ser realizada apneia de 8 a 12 segundos.
Valores previstos para crianças de diferentes faixas etárias Logo em seguida, deve-se expirar o máximo possível, mas
e idosos têm sido publicados recentemente. Apesar de ser não de forma muito forçada. Deve-se evitar inspiração e
um método de concepção antiga, seu estudo ainda é recente. expiração com intensidade desproporcional, pois isso pode
Ainda há carência de mais estudos que relacionem esse mé- afetar a acurácia da medida.
todo com variáveis fisiologicamente concretas. Uma das suas Para fins de padronização, utiliza-se o método de Jones
grandes vantagens é a diferenciação entre obstrução central e Mead para o cálculo do tempo de apoeia após a inspira·
e periférica das vias aéreas. ção. Por ele, incluem-se 70% do tempo inspira tório e 50%
do tempo de coleta da amostra na fase expiratória. As unida- Algumas situações podem aumentar ou reduzir a DLco.
des empregadas para a capacidade de difusão são rnUmin/ No caso de DLco aumentada, citam-se policitemia, obesidade
mmHg (Estados Unidos) ou mmol/min/kPa (Sistema Inter- acentuada, asma, hemorragia pulmonar, shunt esquerda-di-
nacional - SI). Para converter um valor do Sistema Inter- reita, insuficiência cardíaca em estágio inicial, exercício antes
nacional para mUmin/mmHg, multiplica-se pelo fator 2,986 do teste e erro técnico. No caso de DLco baixa com restrição,
(DLco = 2,986xFfCO(SI)). citam-se doenças pulmonares intersticiais, hipertensão arte-
Os critérios de aceitabilidade e reprodutibilidade do tes- rial pulmonar. Para DLco baixa com distúrbio misto, mencio-
te são os seguintes: nam-se sarcoidose, histiocitose X, asbestose e insuficiência
cardíaca grave. Para DLco baixa com espirometria normal,
• Uso de equipamento com controle de qualidade perió- anemia, doença vascular pulmonar, doença intersticial preco-
dica. ce, aumento da carboxiemoglobina. Em casos de DLco baixa
• Volume inspiratório:?: 85% da maior CV inalado em me- com obstrução, citam-se DPOC com enfisema, bronquiecta-
nos de 4 segundos. sias e bronquiolites, linfangioliomiomatose e histiocitose X.
• Tempo de apneia 10±2 segundos, evitando-se manobras
de Valsalva ou Müller (inspiração e expiração com a glo-
te fechada no período de apneia). Atenção para possíveis
vazamentos no bocal.
Teste da caminhada dos seis minutos
• Expiração rápida após a apneia. O teste da caminhada dos seis minutos é um teste de exercí-
• O intervalo entre os testes deve ser de pelo menos 4 mi- cio submáximo que pode ser utilizado como desfecho substi-
nutos. tuto para a avaliação do desempenho funcional do paciente
• Devem ser realizados dois testes aceitáveis e reproduú- em suas atividades diárias. Ele não tem especificidade para
veis, em um total máximo de cinco testes. avaliar a causa e os fatores determinantes da dispneia ou da
limitação ao exercício. No entanto, por ser um teste barato e
Os critérios para reprodutibilidade são dois testes de relativamente fácil de padronizar, tem sido uma das princi-
DLco com uma diferença menor do que 10% = (teste 1 - pais ferramentas para estudos clínicos e experimentais.
teste 2)/média 1 e 2; ou < 3 mUmin/mmHg (aproximada- Vários fatores podem afetar o desempenho de um pa-
mente< 1 mmol/min/kPa). ciente nesse teste: função cardíaca, função pulmonar, de-
Em pacientes que utilizam 0 2 continuo, este deve ser sempenho muscular, vasculatura periférica, estado nutricio-
suspenso por pelo menos 15 minutos, se possível. Deve ha- nal, condições ortopédicas e, até mesmo, estado psíquico ou
ver repouso por, no mínimo, 15 minutos antes do teste. Deve cognitivo do paciente. As indicações do teste são apresenta-
haver abstinência de pelo menos quatro horas para fuman- das no QUADRO 13.7.
tes. O uso de álcool deve ser evitado no dia do teste. Prefe·
rencialmente, o teste deve ser realizado sempre no mesmo
turno no caso de exames sequenciais. QUADRO 13.7 ~ Indicações do teste da caminhada dos seis
Para fins de interpretação do exame, valores são consi- minutos
derados aumentados quando estão acima de 140% do pre-
visto. São considerados baixos quando estão abaixo de 75% Comparações pré e pós-tratamento
do previsto. A ATS considera diminuídos valores abaixo de - Transplante de pulmão
80% do previsto. - Ressecção pulmonar
É importante corrigir os valores da medida da DLco - Cirurgia redutora de volume para enfisema
para a taxa de hemoglobina (gfdL): - DPOC
- Hipertensão arterial pulmonar
- Insuficiência cardíaca
DLco""',... (homens)= DLco._,..,, + 1,40(14,6 - Hb)
Medida do estado funcional
DLcoAi..,Uid• (mulheres)= DLcoObst~-..Ja + 1,40(13,4- Hb) - DPOC
- Fibrose cística
- Insuficiência cardíaca
Constituem indicações para o exame: diagnóstico diferen- - Vasculopatia periférica
cial de obstrução ao fluxo aéreo, detecção precoce de doença - Fibromialgia
pulmonar intersticial, diagnóstico diferencial de restrição
de volume pulmonar, avaliação de incapacidade funcional, Avaliação de pacientes idosos
acompanhamento da evolução de doenças intersticiais e ava-
liação pré-operatória para ressecção pulmonar. Preditor de morbimortalidade
Para fins de acompanhamento, duas medidas são consi- - Insuficiência cardíaca
deradas estáveis caso a DLco apresente variação :S 10%. A - DPOC
- Transplante de pulmão
variação em uma faixa de 10 a 15% é interpretada como pos- - Hipertensão arterial pulmonar primária
sivelmente relevante e deve ser seguida com atenção. Uma - Ressecção pulmonar para carcinoma de pulmão
variação:?: 15% é considerada clinicamente significativa.
As contraindicações absolutas ao teste são angina instá- no teste da caminhada de seis minutos como o produto entre
vel e infarto do miocárdio nos últimos 30 dias, estenose aór- peso e distância caminhada (o peso, nesse caso, tem analo-
tica severa, embolia pulmonar ou arterial recentes. Deve-se gia com a força). O trabalho calculado dessa forma no teste
ter cuidado especial em pacientes com hipertensão arterial da caminhada de seis minutos apresenta melhor correlação
pulmonar classe III e IV, pois o esforço excessivo, mesmo com a vo2do que a distância isoladamente.
em condições submáximas, limitadas pela própria vontade
do paciente, pode resultar em baixo débito e até síncope.
Mesmo sendo um teste de esforço, não têm sido registrados
óbitos em sua realização. No entanto, aconselha-se realizá-lo Determinação das pressões respiratórias
em loeal onde haja material e pessoal treinado para reani- máximas
mação cardiopulmonar.
As contraindicações relativas ao teste são pressão arte- A medida das pressões expiratória e inspiratória málÓDlas
rial diastólica > 100 mmHg ou pressão arterial sistólica > (PE- e PI...) geradas ao nível da boca são os testes mais
180 mmHg e frequência cardíaca > 120 bpm. Nesses casos, amplamente utilizados para a avaliação do desempenho
deve-se analisar a relação riscolbeneficio. muscular do sistema respiratório. As manobras podem ser
O instrumental necessário para a realização do teste in- de dificil execução para o paciente, exigindo sua colaboração
clui cronômetro, olÓDletro de pulso, referências visuais para máxima.
os limites inicial e final do trajeto (cones), escala visual para Equações de referência estão disponíveis, mas existe
dispneia e fadiga em membros inferiores (escala de Borg), considerável variabilidade, mesmo entre indivíduos normais.
fonte móvel de 0 2, planilha para anotações do teste, esfig· A tabela de Black é a mais utilizada, mas existem, atual-
momanômetro, estetoscópio e material para reanimação. mente, estudos em população brasileira.
A principal variável medida no teste é a distância cami- Hoje em dia tem sido empregado o método de avaliação
nhada em seis minutos. Outras são medidas ao repouso e pressórica, com medição da PI""' e PE,."' por meio da ma-
logo após o término do teste: frequência cardíaca, frequên- novacuometria, introduzida em 1969 por Black e Hyatt.6 O
cia respiratória, dispneia (Borg), fadiga dos membros infe- aparelho utilizado para verificar essas duas pressões é o ma-
riores (utiliza a mesma escala de Borg). novacuômetro, que pode ser do tipo analógico ou digital e
Aspectos técnicos envolvem uso de roupas e calçados tem como finalidade medir pressões positivas (manômetro)
confortáveis e apropriados, não suspensão das medicações, e negativas (vacuômetro). O analógico foi o originalmente
recomendação de refeição leve algumas horas antes e não estudado. Apresenta um orificio de fuga de 1 a 2 mm com
realização de esforços físicos vigorosos até duas horas pre- o objetivo de diminuir o efeito das pressões exercidas pela
viamente ao teste. Se for necessário repetir o procedimen- boca e pelas bochechas.
to, deve-se fazê-lo no mesmo horário do dia. O paciente A técnica é realizada com o indivíduo sentado, estando
deve permanecer pelo menos 10 minutos em repouso an- o tronco em um ângulo de 90 graus com as coxas. Podem
tes do teste, não devendo realizar "aquecimento". Ele deve ser tentadas outras posições, mas, uma vez determinadas,
ser orientado a iniciar dentro do maior ritmo possível que devem ser as mesmas nas medidas sequenciais.
pode ser mantido nos seis minutos do teste. A oximetria Para a PI.,.,, o indivíduo exala até o VR. Se estiver co-
deve ser realizada somente antes e depois do procedi- nectado a um pneumotac:ógrafo, pede-se que inspire o mais
mento. Instruções padronizadas ao paciente sobre o teste forte possível por pelo menos 2 segundos. O número máxi-
devem ser dadas, evitando-se estímulos para melhorar o mo de manobras são cinco, sendo que pelo menos três de-
desempenho. vem ser aceitáveis e duas reprodutíveis. O valor entre elas
Quanto à interpretação do teste, considera-se frequên- não deve diferir em mais de 10%.
cia cardíaca submáxima- (220-idade) x 0,85, frequência Para a PE""', o indivíduo realiza uma inspiração máxima
respiratória (limite máximo aceitável de 40 mpm), varia- e, logo após, um esforço que seja o maior possível em um
ção da Sp0 2 (aceitável S 3), variação da dispncia (varia- período de 1 a 3 segundos. O mesmo vale para o resto.
ção do Borg < 2). Para a distância caminhada, têm sido As indicações mais frequentes incluem diagnóstico dife-
propostos valores de referência, mas eles apresentam rencial de dispneia ou de di.stútbio ventila tório restritivo sem
acentuada variabilidade, sendo de dificil interpretação. O causa aparente, estudo da disfunção dos músculos ventilató·
teste torna-se muito mais útil quando o seu desempenho é rios em certas doenças, avaliação de resposta à fisioterapia c
avaliado em diferentes momentos. Recomenda-se realizar reabilitação respiratória, avaliação pré-operatória e protoco-
pelo menos um segundo teste em um período menor do lo de desmame de ventilação mecânica.
que uma semana para obter uma medida confiável. A dife- As contraindicações absolutas são infarto do miocárdio
rença entre as distâncias caminhadas nos dois testes deve ou angina instável recente, hipertensão arterial sistêmica
ser menor do que 10%. grave sem controle, aneurisma de aorta com alto risco de
Em termos de responsividade, a distância deve variar, ruptura, pneumotórax, f'tStulas pleurocutãneas ou pulmona-
em média, 54 metros (IC95% 37-71) para que a média dos res, cirurgia ou trauma recentes em vias aéreas superiores,
pacientes classifique como de "mesma coisa" para "muito hérnias abdominais com risco de ruptura, otite ou problemas
pouco melhor" a sensação de melhora no desempenho. Para na orelha média, descolamento de retina, hipertensão intra-
fins de padronização, pode-se calcular o trabalho realizado craniana e mau estado geral.
eletronicamente o fluxo de ar comprimido em 20 psi atra-
Testes de broncoprovocação vés do nebulizador em um tempo fiXO, ou um nebulizador
Teste de broncoprovocação com agentes inaláveis de jato, no qual a solução é aspirada e sobe por um tubo em
pressão negativa (efeito Bernoulli). Partlculas de 1 a 10 mi-
Definido como a medida da responsividade das vias aéreas
em são produzidas. O débito do nebulizador deve ser conhe-
a um estímulo broncoconstritor, geralmente inalado, até que
cido, pesando-se o recipiente antes e depois de dois minutos
um nível preestabelecido de broncoconstrição seja alcança-
de nebulização, sendo que a diferença entre três medidas
do. Esse nível costuma ser uma queda do VEF1 2: 20%.
deve ser menor do que 10%.
Os testes de broncoprovocação mais utilizados empre-
No caso da metacolina, as diluições utilizadas devem
gam agentes inalatórios como metacolina, carbacol e hista-
ser de 0,03 a 16 mglmL. Em geral, são utilizadas 0,125; 0,25;
mina. Pelos poucos efeitos sistêmicos, a metacolioa é o agen-
0,50; 1,00; 2,00; 4,00; 8,00; 16,00 caso o VEF, inicial seja nor-
te, atualmente, mais utilizado.
mal. Para um VEF, < 80% do previsto, podem ser usadas
Alguns termos são importantes para a interpretação des-
diluições menores (0,03 e 0,06). Na experiência do Pavilhão
se teste:
Pereira Filho, não se tem verificado problemas maiores par-
• DP20: dose do estimulo necessário para provocar bron- tindo-se de 0,25 mgfmL em pacientes com VEF 1 2: 70% do
coconstrição que determi.n e uma queda igual 20% do previsto, com a vantagem de o teste tornar-se mais rápido.
VEF, basal. Inicialmente, realizam-se três manobras de cspirometria
• CP20: concentração do estímulo necessário para provo- aceitáveis e duas reprodutfveis. O VEF1 basal é o maior obti-
car broncoconstrição que determine uma queda igual do. A seguir, o paciente ncbuliza cada diluição por 2 minutos
20% do VEF, basal. e, a seguir, aguarda cerca de 1 minuto até a medida do VEF,.
• Hiper-reatividade: medida pela inclinação dose-resposta É muito importante que o paciente realize o teste mantendo
(intensidade da broncoconstrição em relação ao nível do volume corrente c frequência respiratória mais estável possí-
estímulo). vel. O teste é interrompido se o VEF1 reduzir 2: 20% ou para
• Hipersensibilidade: refere-se a um inicio mais precoce menos de 1 litro. Caso isso ocorra, deve-se interromper ime-
(limiar menor) da broncoconstrição com uma menor diatamente o teste c administrar broncodilatador (em geral,
dose de estúnulo. É importante observar que um indiví- salbutarool na dose de 400 1-1g). O paciente somente deve dei-
duo hipersenslvel nem sempre poderá ser hiper-reativo. xar o laboratório após atingir, pelo menos, 90% do VEF, basal.
• Hiper-responsividade das vias aéreas: resposta bronco- Para avaliação da resposta no método que utiliza ne-
constritora das vias aéreas a um certo estimulo, sendo bulizador a jato em volume corrente, em geral utiliza-se a
medida pela DP20, ou pela CP20. CP20. Para o cálculo da CP20, pode ser usado o método
logarítmico, ou linear. Para fins de aplicação clínica, ambos
O teste é indicado, sobretudo, para investigação de asma são equivalentes, preferindo-se o método linear por ser bem
e tosse crônica. No entanto, mesmo em asma, sua positivida- mais simples. Para fins de classifJCação, define-se o nível de
de não confirma, necessariamente, o diagnóstico. Sua nega- biper-reatividade pela CP20 em diferentes graus:
tividade também não o exclui, embora a probabilidade de ter
asma seja bem menor, mas não inexistente, nesse contexto. • Limítrofe: > 4 a 16 mgfmL
Em indivíduos somente com rinite, a probabilidade de um • Leve: 2 a 4 mgfmL
teste positivo pode chegar a até 30%. • Moderada/acentuada: < 2 mg/mL
As contraindicaçôcs, em geral, são as mesmas da espi-
rometria. Para indivíduos com VEF 1 S 70%, se não há um
motivo explicito, recomenda-se administrar broncodilatador Teste de broncoprovocação ao exercício
e avaliar a resposta, que já pode ser diagnóstiea, dependen- O teste é indicado para o diagnóstico de broncoconstrição
do do grau. induzida pelo exercício em indivíduos com limitação ao es-
Para realização da técnica, é fundamental a presença de forço sugestivo de broncoconstrição. Sempre deve ser acom-
um médico no local e material de reanimação. São muito panhado pelo médico, que deve questionar o paciente sobre
raras as reações indesejáveis, mas deve-se ter todo o cuidado sintomas, história de cardiopatia isquêmica ou arritmias. Os
para que qualquer tipo de intercorrência possa ser atendido riscos devem ser explicados ao paciente.
pelo pessoal técnico. Deve-se orientar adequadamente opa- Monitoração da saturação por oximetria, registro eletro-
ciente a respeito da técnica e dos possíveis efeitos colaterais cardiográfico continuo, medida da pressão arterial antes e
(aperto no peito, dispneia e tosse, sobretudo). Medicações depois do exerc!cio devem ser empregados. Material e pes-
que possam afetar a resposta ao teste devem ser suspensas soal treinado para reanimação card iopulmonar devem estar
de modo adequado e no tempo correto. prontamente disponiveis. Como pode existir taquifilaxia ao
Outras condições devem ser evitadas e recomenda-se estimulo do exercício, esforços físicos devem ser evitados
aguardar certo tempo até a realização do teste: infecções pelo menos quatro horas antes do teste, permanecendo o
respiratórias (3 a 6 semanas, média de quatro semanas), paciente pelo menos 30 minutos em repouso antes do exa-
exposição a antígenos ambientais (1 a 3 semanas, média de me. O VEF, basal deve estar pelo menos acima de 70% do
duas semanas), fumaça de cigarro (pelo menos 24 horas). previsto. O cálculo percentual da queda do VEF, é calcula-
Dois métodos são utilizados e equivalem-se: um nebuli- do: {VEF1.,.t- VEF1,.JIVEF1.,.t x 100. Após o teste, deve-se
zador conectado diretamente a um dosfmetro que controla repetir a espirometria a cada cinco minutos por até 30 miou-
tos. No caso do teste com esteira, utiliza-se uma velocidade dem ser obtidas a partir de testes de função pulmonar e/ou
média de 4,5 kmJh, aumentando-a gradualmente, bem como cardíaca de repouso.
a inclinação até a frequência cardíaca alcançar a submáxi-
ma - (220-idade) x 0,85. Em média, procura-se manter o
paciente no nível da frequência cardíaca submáxima por 6
a 8 minutos. O teste deve ser interrompido caso haja fadiga
~ATENÇÃO
excessiva, broncoconstrição, diaforese, dor precordial, disp-
O teste cardiopulmonar de exerdcio (TCPE) com-
neia excessiva, tontura, evidência de isquemia no traçado
preende o estudo simultAneo das respostas dos sis-
eletrocardiográfico, ou por vontade do paciente. Em geral,
temas cardiovascular e ventilatório diante de uma
utiliza-se como ponto de corte uma queda de 10% do VEF 1•
carga imposta de exerdcio incrementai até o limite
máximo dos sintomas tolerados pelo paciente.

Referências
1. Pellegrino R, Vicgi G, Brusaseo v; Crapo RO, Burgos F, Casaburi As medidas das trocas gasosas nas vias aéreas (consumo
R, ct al. lnterprctativc strategics for lung function tests. Eur Rcspir
de oxigênio e liberação de gás carbônico) são acompanha-
J. 2005;26(5):948-68.
das por aferições ventilatórias (frequência respiratória U],
2. Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia. 11 Consenso volume corrente [VT] e ventilação-minuto [VE]), cardíacas
Brasileiro sobre Espiromctria. J Pneumol. 2002;28(3):S2-115. (frequência cardíaca [FC], pressão arterial [PA] e eletrocar-
3. Brisooc WA, Dubois AB. Tbe rclationsbip betwecn aitway rcsis- diográficas) e avaliação da saturação da oxiemoglobina por
tance , airway eonductance and lung volume in subjects of different oximetria de pulso (Sp0 2) (FIGURA 13.1.1).
age and body sizc. J Clin lnvest. 1958;37(9):1279-85. Uma avaliação usando a escala categórica de Borg dos
4. Pelzer AM, Thomson ML. Effeet of age, sex, stature, and sintomas que limitam o exercício também é realizada. Mais
smoking babits on human airway eonductance. J Appl Physiol. recentemente disponibilizadas na prática clínica, podem
1966;21(2}:469-76. ser feitas medidas seriadas da capacidade inspiratória (CI)
durante o exercício para avaliação dos volumes pulmonares
5. Pereira CAC, Neder JA Sociedade Brasileira de Pneumologia
e Tisiologia (SBPT): diretrizes para testes de função pulmonar. J operantes, técnica hoje usada no diagnóstico de hiperinsu-
Pneumol. 2002;28(3):S1-238. flação pulmonar dinâmica. De forma crucial, as demais va-
riáveis mensuradas são inter-relacionadas com medidas de
6. Black LF, Hyatt RE. Maximal respiratory pressures: normal values
trocas gasosas. Isso adiciona importante significado pelo
and relationship to age and sex. Am Rev Respir Ois. 1969;99(5):696-
702. fato de correlacioná-las com as reais energias despendidas
durante o exercício em vez de, simplesmente, usar estimati-
vas indiretas de gasto energético.

Leituras recomendadas
Chemiack RM. Pulmonary function testing. 2nd ed. Philadelphia:
Saunders; 1992. Como realizar o teste cardiopulmonar
Cotes JE, Chinin DJ, Miller MR. Lung function. 6th ed. Oxford: de exercício
Blackwell; 2006.
A despeito da grande variedade de protocolos de exercício
Gibson GJ . Clinicai tests of respiratory function. 3rd ed. London: existentes, a adequação da resposta fisiológica sistêmica in-
Hodder Arnold; 2009.
tegrada é mais bem estudada por meio de um protocolo
incrementai limitado por sintomas. Isso costuma ser obti-
do com pequenos aumentos progressivos fixos da carga de
trabalho imposta com um intervalo fuo predeterminado
1111 (a cada minuto ou menos), em um padrão de "degrau", ou
com incrementos graduais da carga sob controle compu-
Teste Cardiopulmonar de Exercício tadorizado, como uma "rampa" lenta e progressivamente
(Ergoespirometria) crescente.
O exercício costuma ser imposto em laboratório por
Danilo Cortosi Berton meio de um ergômetro (em geral cicloergômetro e, mais re-
José Alberto Neder centemente, esteira ergométrica) que permite a contração
simultânea de grandes grupos musculares (normalmente dos
membros inferiores). Todavia, protocolos de carga constante
de alta intensidade estão se tornando cada vez mais utiliza-
Introdução dos, visto que acabam representando uma forma mais sensí-
Testes de exercício são utilizados em uma grande variedade vel de detectar melhora funcional secundária a intervenções
de situações clinicas, fornecendo informações que não po- (FIGURA 13.1.2).
Pne\lmotac6grafo

[\ ,[\ C\[\

O , OGJO , OC

FIGURA 13.1.1 -+ Principais dispositivos e sinais fisiológicos primários envolvidos no teste cardiopulmonar de exercício. Note como os sinais deriva-
dos dos dispositivos de mensuração fluxovolumétrica (pneumotacografia) e gasosa respiratória (em geral expiratória), além da frequência cardfaca
(ECG), devem ser integrados, normalmente por tecnologia microprocessada, para a obtenção das diversas variáveis metabólicas, ventilatórias e
cardiovasculares. Outros sinais também podem ser captados, como aqueles provenientes de um oxímetro de pulso.

25 de um TCPE incrementai (obviamente que com um pa-


drão de resposta diferente), também pode ser avaliada a
~ Te-ste da <.aminhada de seis minutos
capacidade de resistência ao exercício. Os dois principais
20
(g) Te-stê incrementai - cidoerg6metro protocolos de exercício (incrementai em rampa e de carga
constante) utilizados em TCPE são esquematizados na FI-
f#"
~ Te-ste de resistência - cicloergômetro GURA 13.1.3.

Principais variáveis obtidas no teste


cardiopulmonar de exercício
Visando permitir uma interpretação básica, é importante de-
TC6min Wmáx V0ll!'láx
r~ist~nd~ finir brevemente algumas variáveis-chave obtidas no TCPE:
FIGURA 13.1.2-+ Variação das respostas a diferentes testes de exercício
após o uso de broncodilatador em pacientes com doença pulmonar • O consumo de oxigênio (V02) é resultado da demanda
obstrutiva crônica. Observe as maiores variações no tempo de resistên- celular de oxigênio para uma dada carga de trabalho. É
cia (capacidade de tolerar o exercício por tempo prolongado) avaliado determinado pelo fluxo sanguineo e pela extração de
em TCPE de carga constante de alta intensidade em comparação às oxigênio pelos tecidos. Normalmente, à medida que o V
respostas em um teste incrementai (máx) e no teste da caminhada de 0 2 aumenta com uma carga de trabalho crescente, um
seis minutos (TC6min) ou mais dos fatores que determinam o vo2 atingem seu
Fonte: Modificada de Oga e colaboradores.' limite e, então, a taxa de V02 versus trabalho começa a
formar um platô. A obtenção de um evidente platô no V
0 2, a despeito de contínua carga crescente de trabalho,
tem sido tradicionalmente usada como evidência para
No protocolo de carga constante, após um curto pe- obtenção do V02 máximo (YO,mãx). Este é o melhor
rfodo de aquecimento com leve carga de trabalho, esta é índice de capacidade aeróbia e considerado o padrão-áu-
subitamente elevada para cerca de 60 a 75% da carga má- reo para avaliar aptidão cardiorrespiratória. Represen-
xima obtida em um teste de exercício incrementai clássi- ta o máximo nível alcançável de metabolismo oxidativo
co, sendo mantida até o limite da tolerância por sintomas envolvendo grandes grupos musculares. Entretanto, em
(Tiim). Desse modo, além de todas as medidas obtidas situaçôes clínicas, um platô evidente não pode ser obtido
Protocolo incrementai Protocolo de carga constante
)()()
RGURA 13.1 .3 -+ Representação esquemática dos dois
30W.m•n ' 300
protocolos (em cicloergômetro) mais utilizados para
TCPE clínico: incrementai do tipo continuo em rampa
;••• ----- ___ ----.. >Atf o limite dt (esquerda) e de carga constante (direita). Note que, no
1 ..,..._~
~ ~ protocolo incrementai (à esquerda), a taxa de incremen-
~ <( to deve ser individualmente selecionada, de forma que
........~ ~ essa fase tenha uma duração de cerca de 8 a 12 minu·

...o 5... tos. No protocolo de carga constante (à direita), a carga


pode ser aplicada durante um tempo predeterminado
(em verde) ou até o limite máximo da tolerância [Tiim)
(linha tracejada) (adaptada de Neder JA & Nery LE. Fi·
siologia Clínica do Exercício: Teoria e Prática. São Paulo:
o 2 4 6 8 10 12 14 16 18 20 o 2 6 8 10 12 14 16 18 20 Artes Médicas; 2003).
TtMPO ( min) TtMPO ( min) R>nte: Adaptada de Neder e Nery.'

antes da interrupção do exercício por sintomas. Dessa baixo (nadir) no LA, seguido por um aumento até que
forma, o pico do V02 (V02Pico) é frequentemente usa- ~ caJ?acidade máxima de exercício seja alcançada. O
do como uma estimativa do VO~áx para pacientes que VE/VC02 também diminui com o incremento do exer·
têm sua capacidade de exercício interrompida antecipa- cicio até o seu nadir no LA, quando atinge um período
damente por algum motivo (p. ex., disfunção de algum de estabilidade (ou seja, seu valor permanece relati-
sistema fisiológico, subesforço, etc.). vamente constante). Para testes incrementais, o pon-
• O limiar anaeróbio (LA), também conhecido como li- to em que o VEN02 começa a aumentar ocorre em
miar de lactato, limiar de trocas gasosas ou limiar ven- associação ao momento em que a queda do VENCO,
tilatório, é considerado o ponto estimado do início da se estabiliza. Esse perfil distingue o início da hiperven-
acidose metabólica causada predominantemente pela tilação fisiológica que normalmente ocorre com o LA
inflexão da taxa de crescimento da concentração de lac- daquele proveniente de outras causas (ansiedade, dor,
tato arterial durante o exercício. É descrito como o V0 2 hipoxemia, ou voluntária).
no qual esse aumento começa a ocorrer, sendo expresso
como porcentagem do V02máx previsto.
• O pulso de oxigênio, obtido pela relação entre o V0 2 e a
FC, reflete a quantidade de oxigênio consumida em cada Como interpretar o teste
batimento cardíaco. Tem sido utilizado como uma esti- cardiopulmonar de exercício
mativa do volume sistólico durante o exercício (embora
seja controverso, especialmente em pacientes com dessa- Quando a capacidade de suprir as demandas energéticas de
turação da oxiemoglobina). uma determinada tarefa física é afetada, surge a intolerância
• A reserva ventilatória (RV), que reflete a relação entre ao exercício IISico, que representa a queixa principal de uma
a demanda e a capacidade ventilatória máxima (normal- série de condições clínicas, em especial as doenças cardiopul-
mente estimada pela manobra de ventilação voluntária monares. A intolerância ao esforço não pode ser prevista de
máxima - VVM), é a maneira tradicional de se fazer a forma confiável a partir de variáveis fisiológicas de repouso,
verificação de limitação ventilatória ao exercício. A RV como o volume expiratório forçado no primeiro segundo
tem sido definida como a porcentagem da VE no pico (VEF ,), a fração de ejeção sistólica e o índice de massa cor-
do exercício que falta para atingir a VVM medida ou poral. Dessa forma, o TCPE, apesar de representar uma ativi-
estimada em repouso(= VEF, x 35-40). Costuma ser dade realizada em laboratório e, portanto, não refletir exata-
expressa da seguinte forma: [1- (VEpicoNVM) x 100]. mente as tarefas físicas diárias, é considerado o padrão-áureo
• Os equivalentes ventilatórios para consumo de oxi· para avaliação das causas da intolerância ao exercício.
gênio (VEN0 1) e produção de gás carbônico (VEN O objetivo do teste de exercício, então, é impor uma car-
C02) são ambos relacionados com a fração do volume ga sobre os sistemas que contribuem para a realização do
corrente (VT) desperdiçado como espaço morto (VD), exercício até um nível em que as anormalidades se tornam
sendo elevados quando a relação VD/VT aumenta (ou discerníveis em comparação com variáveis selecionadas
seja, quando a relação ventilação/perfusão alveolar como padrão de normalidade.
está aumentada) . Contudo, os equivalentes ventilató- A interpretação dos resultados é baseada na inter-rela-
rios também se elevam com hiperventilação e, então, ção de duas perspectivas: diferenciar a magnitude e o padrão
sua interpretação deve ser feita com cautela. O pa- de de.svio de uma resposta considerada normal (seleciona-
drão normal de resposta no VEN0 2 é uma queda no da de um grupamento padronizado para determinada faixa
início do exercício incrementai até o seu ponto mais etária, gênero e nível de condicionamento físico) e contras-
tar um possível padrão de resposta anormal observado com TABELA 13.1.1 -+ Critérios de normalidade sugeridos para
aquele que é característico de um ou mais sistemas funcio- interpretação do teste cardiopulmonar de exercício
nais que não estão operando adequadamente.
A seleção de valores de referência considerados normais
é, portanto, crucial para a interpretação do teSte. Esses valores I"' '·'f'j
de referência normais fornecem a base de comparação para Pico do exerclcio
aferir questões importantes relativas à normalidade da respos-
ta de um individuo. Deve ser enfatizado, entretanto, que, para vo,máx ou vo,pico > 84% do previsto
uma interpretação otimizada, o grande potencial diagnóstico
FC > 90% do previsto
do TCPE não é representado por nenhuma medida isolada,
mas sim pelo uso integrado de todas as variáveis obtidas. RK < 15 batimente>Vmin
Algoritmos com base em determinadas medidas-chave
podem ser úteis no diagnóstico diferencial, mas devem ser Pressão arterial < 22W90
adotados com cautela em função da excessiva confiança depo-
sitada em medidas isoladas. No entanto, pela complexidade Pulso de oxigfnio (\ÍO,IFO > 80% do previsto
c quantidade do conjunto de variáveis derivadas do TCPE,
RV 1 - (\ÍEmáx/VVM) x 100: > 15%
uma abordagem integrativa é apresentada na FIGURA 13.1.4,
Ampla faixa de normalidade: 43·13%
visando tornar prática a interpretação do teste incrementai.
Questões que sempre devem ser consideradas e avalia- Frequênda respiratória < 60 respirações/min
das para uma interpretação acurada do TCPE incluem indi-
cação do teste, avaliação da qualidade dos dados coletados, Pressão parcial o,
-----------------------
> 80 mmHg
comparação das medidas gráficas e tabulares derivadas do
teste com valores de referência apropriados, avaliação dos .11(1 <tO (espeàalmente em idosos)
sintomas e razão para interromper o exercício, correlação
.!1Sp0, <4%
dos resultados do teSte de exercício com as informações clí-
nicas obtidas do paciente e informadas na solicitação do teS- Limiar anaeróbio (lA)
te. Finalmente, um guia de valores sugeridos como normais
é fornecido na TABELA 13.1.1. Se as respostas ao exercício di- Vo,(tAI > 40% do previsto
ferem do esperado, a comparação com um padrão de respos- Ampla faixa de normalidade: 40 a 80%
tas t!picas de diferentes entidades clínicas deve ser buscada
(ver FIGURA 13.1.4). ÍIE/ÍICO, (no tAl <34
Convém lembrar que existe sobreposição significativa na
Vo1 = consumo de ox•gfn•o; FC • frequênda cardíaca; RfC = resetVa de frtqutn·
resposta ao exercício de pacientes com diferentes doenças ~ia c.udíaca (FC málcima previna FC atingida no pico); rw = resetva ventilatória;
cardíacas e respiratórias, e também que um paciente com VEmáx = ventilaçao no pico do exerdcio ou exerd<io máximo; WM • ventil~çlo
frequência pode apresentar múltiplas condições eoexisten- voluntária málcima mtnsurada tm repouso ou estimada(= VI' F, x 35-40); ACI •
tes. Entretanto, tipicamente, uma ou mais respostas costu- capacidade inspira tório (C I) no pico do tsforço - Cl no repouso; ASpO, • OJ<imetria
mam predominar, o que permite caracterizar os fatores con- de pulso (SpO,) no pico do esforço - SpO, em repouso.
tribuintes dos sintomas e/ou disfunção ao exercício.
Todavia, além da constatação objetiva de intolerância
ao exercício e avaliação da contribuição específica de cada
Quando solicitar o teste sistema fisiológico envolvido, existem diversas outras indica-
ções específicas para TCPE:
cardiopulmonar de exercício
O TCPE geralmente é considerado quando outras moda- • Avaliação de pacientes com doença cardíaca e/ou pul-
lidades diagnósticas não foram suficientes para fornecer monar: verificação de quais sistemas fisiológicos estão
respostas a importantes questões relativas à intolerância ao contribuindo para os sintomas e a limitação ao exercício,
exercicio e ao manejo do paciente. avaliação funcional e prognóstica, avaliação do efeito de
intervenções ou da progressão da doença e indicações
para transplante pulmonar ou cardíaco.
• Avaliação pré-operatória, seja para cirurgia envolvendo
ressecção pulmonar ou cirurgia não torácica, para esti-
mar o risco operatório.
• Prescrição de exercício em programa de reabilitação car-
díaca ou pulmonar.
Avaliação de disfunção e incapacidade.
• Detecção de broncoconstrição induzida pelo exen:ício.
• Detecção de dessaturação arterial de oxigênio induzida
pelo exercício.
História e exame ffsico, Espirometria, ECG
(Ecocardiografia e Dlco a critério)

FC. VE. saruração da ""'""""Jiol>ona


j)Of . , . , . . , . . dt pulso
5'ntomas limitantes

wT rfW!'\11 ...entJI.nóna, WT reserva ventilltória, N, reserva Yenti1atóril. wJ. ,~. ~l.ltór... .&. rtitfVI V'tntalit6na.
t ttsef\'IJ de frequfnc1a Nlf reserva de frequfoaa N/lrese<Va do frequb>oa N/t rf'Sf'rvl de frequfnc•1 t r~ de frequtno-1
~rdlaco. N...tu<o<io da c.arcfl.a. N, Sltur6Ç&o da ardiaa. lsaturo<&o da c.trdlfa.... wturaç.lo d.l cordlaa. wl >lturo<io da
O>OttnOglobiNI)Of OXierne>gklbina por oxiemoglobma por oxttmoolobtne por ~·nlpot
0111mttna dt pulso, Nl U? oximetril de pulso, l oximetna de pulso, J. O»mtthl dt pulso, J. OJIItnetna de pulso, N/ lt1
1tm1.tr ana~blo tst1mtdo limi.ar 1n.eeróbio estimado limiar ai'\HtÔbio HtHTI.6do lim~r an.ttróbto f'S:llmtdo hmi~r anaerób10 tst•m.ado
n6o •nVISNitnente nio uwasivamente nio invamamrnte nlo tnVMIVIM«<lt n6o invlStvlmtnte
HtptMnbJaçAO/ansltdade:
~rAo ret_tratório .rregul•r;
,J; j; ::(, ,J; j; 'lo
PETC01 o Ooonço Doença Doença pulmonar
l,
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s.l ~; pulmonar putmon.r oburutiva aônKI

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vascular inttrstkial
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H! v
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FIGURA 13.1.4-+ Estratégia de interpretação dos resultados obtidos durante TCPE incrementai até o limite da tolerSncia (modificada de ATS/ACCP
Statement on Cardiopulmonary Exercise Testing. Am J Respir Crit Care Med 2003; 167: 211-277).
Fonte: Modificada de American Thoracic Society e American College of Chest Physicians.'
~------~----~-----------------------------

Além disso, o TCPE pode trazer informações diagnós- • Auxilio na identificação de disfunção diastólica na insufi·
ticas úteis em algumas situações clinicas específicas, que di- ciência cardfaca crônica, na qual a fração de ejeção ainda
ficilmente teriam sido identificadas com outras abordagens pode estar normal no repouso, mas com a presença de
diagnósticas, como: diversas alterações circulatórias no exercício.
Por fim, a doença mitocondrial (modelo de disfunção
• Presença de forame oval patente, com desenvolvimento
metabólica muscular) também pode se apresentar na for-
de shunt direito-esquerdo durante o exercício - tal si-
ma de intolerância ao esforço de origem indeterminada,
tuação pode revelar-se apenas na atividade ffsica, com
com ou sem fraqueza muscular periférica. Os achados no
o aumento do regime pressórico direito (p. ex., doença
TCPE em geral são compatíveis com doença circulatória
vascular pulmonar primária ou secundária). Caracteri-
ou doença periférica acentuadas, que respondem apenas
za-se pelo surgimento súbito e precoce de hipoxemia
discretamente ao treinamento f!sico. Na ausência de evi-
não responsiva à inalação de 0 2 a 100%, com marcada
dente doença cardíaca, anemia ou carboxiemoglobinemia,
resposta vcntilatória (aumento da inclinação da relação
um padrão de resposta de "disfunção cardiocirculatória"
VEJVCOJ - esse fenômeno, provavelmente, se deve
deve levantar suspeita de miopatia. Entretanto, formas le-
ao estímulo maciço dos quimiorrcccptores periféricos,
ves de miopatia, bem como descondicionamcnto muscular
mediado pelo co2
proveniente da circulação venosa
significativo, podem ser diffccis de diferenciar de doença
sistêmica.
cardiovascular leve.
• Identificação precoce de doença pulmonar vascular oclu-
Os seguintes achados são compatíveis com doença mito-
siva, ainda sem hipertensão pulmonar.
condrial muscular: relação lactato/piruvato sérica acima de
• Demonstração de comprometimento da função ino-
20 (embora uma razão normal não afaste o diagnóstico); ní·
trópica (p. ex., discinesia do ventrículo esquerdo por
veis baixos de carnitina sé rica; e evidências de acometimento
doença arterial coronariana), quando há platô na rela-
tubular renal na urina de 24 horas (piruvato,lactato, glicose,
ção ô VO/ ó.Potência c no pulso de oxigênio (e, portan-
fosfato e aminoácidos). O diagnóstico definitivo pode de·
to, do débito cardíaco) com aumento da FC- nessas
pender da biópsia muscular e, eventualmente, do sequencia-
circunstâncias, o volume de ejeção sistólica provavel-
mento genético local {btbridização in silu).
mente está reduzido.
Referências Leituras recomendadas
1. Oga T, Nisbimura K, Tsukino M, Hajiro T, lkeda A, lzumi T. Tbc De Fuccio MB, Ncry LE, Malaguti C, Tagucbi S, Dal Coeso S, Ne-
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Renata Diniz Marques
14
F€rnando Gustavo Stelzer

A monitoração (FIGURA 14.2) inclui parâmetros neuroló-


Introdução gicos, respiratórios e cardiológicos, consistindo basicamente
no registro simultâneo da atividade cerebral pelo EEG (ml-
nimo de três derivações - frontal, central e occipital), dos
movimentos oculares com eletro-oculograma (EOG), ele-
tromiografia (EMG) de mento e região tíbia! anterior, uma
derivação de eletrocardiograma {ECG), registro de ronco,

A monitoração do sono surgiu do registro do eletroen-


cefalograma (EEG) e evoluiu após a descobena do sono
REM {do inglês, rapid eyes movemtnts) e a descrição dos
movimentos oculares rápidos durante o sono por Aserinsky
e Kleitman em 1953.' Entretanto, somente nos anos de 1960
foram publicados os primeiros estudos de avaliação do sono,
inicialmente no diagnóstico de narcolepsia e sonambulismo,
e depois as primeiras descrições da apneia do sono. Na déca-
da de 1970, surgiram os primeiros laboratórios do sono, que
consolidaram a técnica da polissonografia para o diagnóstico
dos distúrbios do sono.
O exame é realizado durante toda a noite, sendo reco-
mendados um registro de pelo menos seis horas, a supervisão
de um técnico habilitado em polissonografia e um ambiente
confonável, privativo para cada paciente, com controle de
temperatura, luminosidade e atenuação de sons externos (FI·
GURA 14.1). As medicações em uso não sáo suspensas antes
do exame, mantendo-se inclusive hipnóticos e antidepressi- FIGURA 14.1 ~ Quarto de polissonografia.
vos de uso regular pelo paciente.
Também é empregada para a titulação da pressão positiva
de via aérea em pacientes com indicação de aparelhos pres-
sóricos (CPAP e BPAP) e monitoração de outros tratamentos
para doenças relacionadas com o sono (QUADRO 14.2).
Além disso, o exame pode confirmar uma suspeita de
movimentos periódicos de membros inferiores como causa
de insônia ou sonolência excessiva. A investigação nas pa-
rassonias está indicada se o comportamento for violento,
FIGURA 14.2-+ Montagem clássica para realizaçAo de polissonografia. colocar o paciente em risco ou causar interrupções no sono.
A polissonografia não está indicada como avaliação de
rotina na insônia. Entretanto, está indicada a realização do
exame nos casos em que existe a suspeita de doença secun-
senso r de posição do paciente, saturação periférica de oxigê- dária como causa do sintoma (distúrbios respiratórios ou de
nio (SpO..), medida do fluxo aéreo nasal e oral e do esforço movimento de pernas) ou falha na resposta terapêutica.
ventila tó rio abdominal e torácico (QUADRO 14.1). Considerando os distúrbios respiratórios e a díficuldade
Canais adicionais são opcionais e podem ser utilizados de muitos centros em realizar a polissonografia, alguns pre-
em casos específicos; citam-se medida indireta de C021 pH ditores clínicos t!m sido desenvolvidos para rastreamento
e pressão esofági<:a, tumeseência peniana e eletrodos adicio- de SAOS e determinação dos indivíduos que têm indicação
nais de EEG quando existe suspeita de epilepsia. para reali2ar o exame. Existem duas ferramentas bastante
Adicionalmente, é realizada captura de vídeo, por meio utilizadas nesses casos: o questionário de Berlim e o modelo
de câmera com infravermelho no quarto do paciente, faci- de Flemons e colaboradores. 23
litando a monitoração dos indivíduos e a determinação da O questionário de Berlim foi validado, mostrando 87%
natureza de comportamentos anormais relacionados com o de sensibilidade e 78% de especificidade em detectar pa-
sono (terror noturno, despertar confusional, transtorno do cientes com alto risco para SAOS (índice de apneia-hipop-
comportamento do sono REM, sonambulismo, etc.), assim neia - lAH - ma.i or do que 5).
como crises epilépticas noturnas. O modelo de Flemons e colaboradores3 leva em conside-
ração a circunferência do pescoço, história de ronco e des-
pertares noturnos com sufocação ou engasgo e história de
hipertensão arterial sistêmica. Pacientes com escore de alto
QUADRO 14.1 -+ Parâmetros fisiológicos mensurados na risco têm 81 % de probabilidade pós-teste de SAOS em com-
polissonografia paração com 17% dos pacientes com escore de baixo risco.
Cabe ressaltar que nenhum dos preditores clínicos é su-
Neurológico Eletroencefalograma ficiente para eltcluir ou diagnosticar SAOS. Porém, em as-
Eletro.aculograma
sociação com o julgamento clínico, são ótimas ferramentas
para indicar a necessidade ou a urgência de realizar a polis-
Submentoniano
sonografia (FIGURA 14.3).
Tibial anterior

Respiratório Fluxo aéreo (necessário ambos os sensores)


Oro nasal- termistor
Cânula nasal
Análise da polissonografia
Esforço respiratório Várias informações quantitativas podem ser obtidas de uma
Saturação de oxigênio polissonografia de noite inteira, como a distribujção dos es-
Ronco
tágios do sono, que são classificados a cada intervalo de 30
segundos, de acordo com critérios da Academia Americana
Cardla<o Eletrocardiograma de Medjcina do Sono (AASM).0 Cada época de sono é es-
tagiada em sono não REM (NREM) - estágios 1, 2 ou 3 - ou
QUADRO 14.2-+ Indicações para polissonografia
Cálcu lo do escore clínico para apneia
- Avaliação dos distúrbios respiratórios relacionados com o sono do sono modificado
- Diagnóstico inicial
- Titulação de pressão positiva em via aérea superior
- Reavaliação após tratamento cirúrgico ou aparelho intraoral Adtcionar
- Reavaliação após mudanças significativas de peso MEDIDA: • 3 em se roncos > 3 noites/semana
- Avaliação de sonolência excessiva diurna com suspeita de Circunfer~da + • 3 em se apneia ou engasgo
testemunhado
narcolepsia ou hipersonia idiopática cervical (em)
• 4 em se hipertensão arterial sistêmica
Avaliação de movimento periódico de membros
- Avaliação de parassonias
- Comportamentos violentos
- Características atípicas, especialmente se possibilidade de Circunferência cervical ajustada
epilepsia
- Implicações jurídicas • :s 43 em: baixo risco (17% de probabilidade pré-teste)
• 4347,9 em: risco intermedi-ário
Avaliação de insônia persistente • ;o 48 em: alto risco (81% de probabilidade prHeste)
- Suspeita de distúrbios respiratórios ou de movimentos
- Ausência de resposta com terapia comportamental ou
farmacológica FIGURA 14.3 -+ Predição clínica para síndrome da apneia obstrutiva
do sono: escore clínico para apneia do sono modificado. Inicialmen-
te, mede-se a circunferência cervical (em) e acrescentam-se os pontos
adicionais conforme o algoritmo: ronco mais de três noites na sema-
na, presença de apneia ou engasgo e hipertensão arterial (tratada ou
sono REM de acordo com as características do EEG, EOG e
não). Se a soma for< 43, o paciente apresenta baixo risco para apneia
EMG (QUADRO 14.3). Concomitantemente, são marcados os do sono (IAH na polissonografia <:: 5), com probabilidade pós-teste de
despertares, eventos respiratórios e movimentos periódicos, 17%. Quando a soma for <! 48, o risco é alto, com probabilidade pós-
determinando sua frequência, assim como o tempo de sono ·teste de 81%. Os pacientes de alto risco devem ser submetidos a uma
e sua continuidade. polissonografia.
Informações qualitativas como a presença de parasso-
nias, atividade epileptiforme, arritmias cardíacas e intrusão
de ritmo alfa durante o sono também são determinadas.
Os eventos respiratórios classificam-se em apneias, lli- queda da Sp02 ~ 3% ou despertar breve (alternativo), com
popneias e despertar associado a esforço respiratório (FIGU· duração > 10 segundos.
RA 14.4).
Despertar r elacionado com o esfor ço respiratório - RERA
Apneia: interrupção (ou quase interrupção) do fluxo aéreo. (do inglês, respiratory effon re/Qud arousal): sequência de
Na polissonografia, a apneia é definida como a queda de ventilações, com duração<?: 10 segundos, caracterizada por
mais de 90% da linha de base no termistor nasal, com dura- aumento do esforço ventilatório progressivo levando a des-
ção<?: 10 segundos. pertar do sono, na ausência de apoeia ou de llipopneia.
As apneias e hipopneias podem ser classificadas em:
Hípopneía: é a redução do fluxo aéreo, na cãnula, <?: 30% em
relação ao basal, associada à queda da Sp0 2 <: 4% (recomen- • Obstrutivas - há esforço inspiratório mantido ou aumen-
dado) ou queda de 50% do sinal do fluxo aéreo associado à tado na ausência ou redução de fluxo ventilatório.

QUADRO 14.3-+ Estágios do sono

EEG Ritmo alfa ou Baixa amplitude, Complexo K e/ou > 20% de onda,s Baixa amplitude,
baixa amplitude, frequência mista, fusos do sono lentas: 0,5-2 Hz frequênc.ia mista,
frequência mista atividade teta ondas dente de serra

EOG Movimentos oculares Movimentos oculares Nenhum ou poucos Nenhum REM


voluntários lentos movimentos oculares
lentos

EMG Alto Menor do que na Igual ao estágio N1 Igual ao estágio N2 Baixo ou ausente,
vigília atividade muscular
transitória
EEG • eletroencefalograma; EMG • e~romiograma; EOG • eletro-oculograma; REM • · rapid eyes movement•; V • vigília.
C-anula

Abdome

a s.o,

sao, ....:..........................::::::::::::::::::::::::::::::::::::: :·
10 ••• ••• ••• ••• ••• ••• ••• ••• •• •••• ••• ••• •• •••• ••• ••• •• •••• •• •••• •• ••• ••• •• •

D
FIGURA 14.4 ~ Eventos ventilatórios. (A) RERA: observa-se o achatamento da curva de pressão de fluxo aéreo. Ao final do evento, segue-se desper-
tar eletroencefalográfico (não mostrado na figura). (8) Hipopneia obstrutiva: observa-se redução do fluxo aéreo na cânula, com discreta redução da
amplitude das incu<Wes no termistor. Verifica-se também ventilação paradoxal, com assincronia das curvas de esforço ventilatório torácico e abdo-
minal. (Q Apneia obstrutiva: observa-se ausência de fluxo aéreo tanto na cá nula como no termi,stor, com persistência de esforço ventilatório torácico
e abdominal. Há ventilação paradoxal. (O) Apneia central: há ausência de fluxo aéreo na cá nula e no termistor, associada à ausência de esforço ven-
tila tório torácico e abdominal. (E) Apneia mista: na primeira parte do evento, observa-se ausência de fluxo aéreo, bem como do esforço ventila tório,
ao passo que, na segunda parte, há retomada do esforço ventila tório torácico e abdominal. Todos os eventos têm duração superior a 1Osegundos.

• Centrais - não há esforço ventila tório (inspiratório) as-


sociado à ausência ou redução do fluxo aéreo.
Interpretação da polissonografia
• Mistas - ausência de esforço inspiratório na primeira O relatório da polissonografia deve incluir a descrição de to-
porção do evento, seguida da retomada do esforço na dos os parâmetros avaliados durante o exame (QUADRO 14.4).
segunda parte dele. Dentre os mais importantes, destacam-se:

Hipoventilação: durante o sono, a hipoventilação é defini- Eficiência do sono: relação entre o tempo total de sono e a
da como um aumento da pressão arterial de CO, de, pelo duração de registro da polissonografia (tempo de permanên-
menos, 10 mmHg, em comparação com a vigflia em posição cia na cama), expressa em percentual. Considera-se normal
supina. A persistência de dessaturação de oxigênio por oxi- valor superior a 85%.
metria de pulso, de modo isolado, não é suficiente para a
Arquitetura do sono: inclui a duração e a distribuição dos
determinação de hipoventilação. No entanto, a queda de sa-
diferentes estágios do sono no período de registro.
turação de oxiemoglobina (superior a 10%) sem evidência
de obstrução das vias aéreas superiores é sugestiva de hipo- Hipnograma: é a representação, em um gráfico, da distri-
ventilação, mas esses achados não são específicos. buição dos estágios do sono. Na maioria dos casos, também
inclui distribuição dos eventos ventilatórios, saturação da
Respiração de Cbeyne-Stokes: é caracterizada por padrão
oxiemoglobina, frequência cardíaca, movimentos dos mem-
cíclico de respiração em que períodos de apoeia ou hipop-
bros inferiores e posição corporal (FIGURA 14.5).
neia central alternam-se com períodos de hiperpneia, com
padrão crescente e decrescente.
23:00 03:00 05:00 07:00
Arou sal I I I I 1 11 • 11 11
MT
Wake
REM
51
52
S3
S4

Button
Supine
Left
Prone
Righi
Upright
LM ~--------------------------------------------------------------~
I I . .. . . • 1 111 I I I - ll l -11!1-...1 li 1111

PLM --•
Desat~----------~~~~~--~ ••-
~ ~ornu~.~,~~--~~----~~--~
,~.,--------------,~~~~~~~~----------~~~~~m

100 ~--------~=---~~~~~~~----~~~~----~~~~--~~--~~
90
Sp02 80
(%) 70
60

125
Pulse 100
(bpm] 75
50 ~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~

Snore

135
90
RM I
45~--L-------~~~~~~~==~~~~~~~~~~~~~~~~
90
Obstructive 60
(seconds) 30
90
Central 60
(seconds) 30

90
Mixed 60
(seconds) 30

90
Hypopnea 60
(seconds) 30

23:00
FIGURA 14.5 ~ Exemplo de hipnograma. Observa-se predomínio dos eventos ventilatórios (apneias e hipopneias - obstrutivas) no sono REM, inde-
pendentemente da posição do paciente.

Despertares breves ou microdespertares: são despertares mero total ou como índice (relação entre o número total de
transitórios, sem estabelecimento da consciência, com dura- eventos e horas de sono).
ção superior a três segundos. Podem ser expressos no nú-
QUADRO 14.4-+ Parâmetros do relatório de polissonografia

- Tempo total de sono


IIl ATENÇÃO

- Tempo total de registro Ao interpretar o resultado da polissonografia, sem-


- latência do sono (tempo entre "boa noite" e a primeira época de pre se deve avaliar a relação entre os eventos respi·
sono. em minutos) ratórios e o decúbito, bem como o estágio do sono
- Tempo de latência do sono REM (tempo entre o início do sono eo
e a saturação da oxiemoglobina. Os eventos respira-
início do sono REM. em minutos)
tórios obstrutivos ocorrem predominantemente em
- Tempo de vigília após o início do sono
- Eficiência do sono sono REM e em decúbito dorsal.
- Tempo em cada estágio de sono (minutos e percentual)
- Número total e índice de despertares breves
- Índice de apneia·hípopneia (IAH)
- Índice de eventos ventilatórios (IDR)
- SpO, Testes simplificados
- frequência cardíaca mínima. máxima e média (descrever ocorrência
Monitorações portáteis têm sido utilizadas na avaliação
de arritmias cardíacas)
dos distúrbios respiratórios do sono com o objetivo de fa-
- Bradicardia sinusal em sono: frequência sustentada abaixo de 40
bpm cilitar o acesso ao diagnóstico, reduzir custos e acompanhar
- Taquicardia sinusal em sono: frequência mantida acima de 90 bpm pacientes no domicílio. Porém, muitos aparelhos portáteis
- Índice de movimentos periódicos dos membros durante o sono registram pequeno número de sinais e foram classificados
(PLMS) pela AASM em categorias que esclarecem suas limitações
(QUADRO 14.5).
A polissonografia completa domiciliar não supervisiona-
da (tipo II) difere da polissonografia padrão de laboratório
Índice de apneia-hipopneia (IAH): é a relação entre o nú·
do sono (tipo I) somente pela ausência de um técnico habi-
mero total de apoeias e de hipopneias, independentemente
litado supervisionando o exame, sendo geralmente utilizada
do padrão, e o número total de horas de sono. É considerado apenas em pesquisas.
normal o índice inferior a cinco eventos/hora. A monitoração portátil mais empregada é a do tipo III -
Índice de eventos ventllatórios: é a relação entre o número cardiorrespiratória. Os parâmetros avaliados são oximetria,
total de eventos ventilatórios (apoeias, hipopneias e RERAs) fluxo aéreo, movimentos torácico e abdominal, ECG e posi-
e o tempo total de sono, em horas. ção corporal. Recomenda-se que essa monitoração seja uti-
lizada apenas em pacientes com alta probabilidade pré-teste
Saturação de oxiemoglobina: deve ser registrado o valor mf.
para SAOS moderada ou grave, quando a polissonografia
nimo, máximo e médio da SpO, (%)ao longo do exame e
padrão (tipo I) não estiver disponível ou quando o paciente
no sono REM e não REM, bem como o período em que a
não puder realizá-la no laboratório do sono. A validade des-
saturação foi inferior a 90%.
se exame em pacientes com comorbidades como apoeia cen-
Índice de movimentos per iódicos dos membros inferio- tral, doença pulmonar obstrutiva, hipoventilação ou doenças
r es: relação entre o número de movimentos periódicos du- neuromusculares ainda não foi estabelecida, portanto, não
rante o sono e o tempo total de sono, em horas. deve ser utilizado em tais pacientes. O exame pode ser usado

QUADRO 14. 5-+ Classificação dos tipos de aparelhos para avaliação de apneia do sono

Tipo I ~ 7 parâmetros, incluindo EEG, EMG do mento, ECG, Sim Sim Sim
fluxo aéreo, esforço respiratório e oximetria

Tipo li <! 7 parâmetros, incluindo EEG, EMG do mento, ECG Sim Sim Não
ou FC, fluxo aéreo, esforço respiratório e oximetria

Tipolll <! 4 parâmetros, incluindo fluxo aéreo, FC ou ECG, Sim Talvez Não
oximetria

Tipo IV 1·2 parâmetros, tipicamente oximetria e FC ou fluxo Sim Sim Sim


aéreo

ECG • elelroc.lrdiograma; EEG • eletroen<efalograma; EMG • elelromiograma; FC • frequ ~ncia cardíaca.


Fonte: American Academy of Sleep Medicine."
QUADRO 14.6 -+ Achados relevantes dos principais distúrbios do sono em adultos

SAOS IAH superior a 5/hora; fragmentação excessiva do sono pelo aumento do número de despertares e microdespertares;
dessaturação da oxiemoglobina; presença de roncos.

SARVAS Aumento do número de microdespertares (> 10/hora), sendo estes precedidos de aumento do esforço ventilatório;
queda do volume corrente com limitação do fluxo aéreo.

Narcolepsia Latência reduzida para início do sono e do sono REM; múltiplos despertares (espont3neos); aumento do tempo de vigília
após início do sono, com redução da eficiência do sono e aumento percentual do estágio Nl. A polissonografia deve ser
complementada por teste de latências múltiplas do sono.

Hipersonia idiopática Sono noturno prolongado, com elevada eficiência de sono; índice de despertares dentro da normalidade e aumento do
sono de ondas lentas; latência para o sono REM dentro da normalidade.

PLMS Presença de movimentos periódicos dos membros inferiores, frequentemente associados a despertares ou
microdespertares.

SPI Frequente associação com PLMS, com presença de movimentos periódicos dos membros inferiores, associados a
despertares breves.

Distúrbios do despertar: Aumento dos despertares breves; hipersincronia da atividade delta durante o sono não REM; aumento do sono de ondas
sonambulismo, terror lentas; arquitetura do sono geralmente normal. No sonambulismo, há aumento da atividade motora no final do primeiro
noturno e despertar ou do segundo período de sono de ondas lentas. No terror noturno, os episódios ocorrem predominantemente no
confusional primeiro terço da noite, no sono de ondas lentas. com aumento da atividade neurovegetativa.

Transtorno de Ausência de atonia durante o sono REM; presença de movimentos periódicos e não periódicos dos membros inferiores
comportamento do no sono não REM.
sono REM
SAOS = sindrome da apneia obstrutiva do sono; SAINA.S • síndrome do aumento da resistência de vias aéreas; PLMS = síndrome dos movimentos periódicos durante o sono;
SPI • síndrome das pemas inquietas; IAH • índice de apneia·hipopneia.

para avaliar a eficácia do tratamento em pacientes previa- 4. Amcrican Acadcmy of Slecp Mcdicinc. Thc AASM manual for
mente diagnosticados com SAOS. tbc sroring of slccp and associatcd cvcnts: rulcs, terminology and
Os aparelhos tipo IV restringem-se à monitoração da tecbnical spccifications. Westcbester: AASM; 2007.
oximetria de pulso, que avalia a Sp0 2 noturna. Não são re- 5. Amcrican Acadcmy of Sleep Mcdicine. The lntcrnational Classi·
comendados como teste diagnóstico para SAOS, mas podem fication of Slecp Disorders: diagnostic and cocling manual. 2nd cd.
ser utilizados para triagem de apoeia do sono em pacientes Westcbester: AASM; 2005.
de alto risco e avaliação do impacto de intervenções terapêu-
ticas como CPAP na oxigenação noturna.
O QUADRO 14.6 mostra alguns achados obtidos com a po-
lissonografia que são importantes para diagnosticar distúr-
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Alves RSC. Potissonografia.ln: Pessoa JHL, Pereira Júnior JC, Al-
bios do sono em adultos.
ves RSC, editors. Distúrbios do sono na criança e no adolescente:
uma abordagem para pediatras. São Paulo: Atheneu; 2008.
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José da Silva Moreira
Cláudia Peixôto Fogaça
15
Luiz Carlos Severo
João Carlos Prolla

superfície de transporte em constante movimento, funcio-


~ATENÇÃO nando como se fosse uma esteira em deslocamento, aprisio-
nando partículas que sobre ela se depositam! É constituído
Dentre os métodos empregados no diagnóstico das por 95% de água, 2 a 3% de glicoproteína e por pequenas
doenças pulmonares, o exame do escarro ocupa lu- quantidades de algumas outras proteínas e lipídeos. A secre-
gar de destaque, uma vez que traduz, muitas vezes ção do muco pela mucosa traqueobrônquica encontra-se ba-
de maneira bastante especifica, a natureza da anor- sicamente sob controle colinérgico. 3 Todavia, tem sido mos-
malidade nos pulmões. Além disso, sua obtenção trado em animais que o controle adrenérgico também deve
não acarreta nenhum risco para o paciente, o que estar presente,' com agentes beta-adrenérgicos estimulando
sempre pode estar presente - por mínimo que seja - a secreção mucosa e alfa-adrenérgicos, a serosa.
em procedimentos invasivos. O muco de indivíduos normais, hígidos, permite que
penetrem em seu domínio somente pequenas moléculas,
sendo praticamente ímpermeável às macromoléculas, e tem
As secreções broncopulmonares costumam ser produzi- propriedades bactericidas até mesmo para Pseudomonas
das em pequena quantidade diária pelas células alveolares aemginosa, o que já não ocorre com o muco de portadores
e glândulas brônquieas. Essas secreções, bem como o mate- de fibrose cística. Lactoferrína, lisozíma e inibi dores da elas-
rial particulado suspenso no ar inspirado depositado sobre tase são os principais componentes responsáveis por essa
a superfície interna do aparelho respiratório, são removidas propriedade.'
sobretudo por meio do mecanismo de transporte mucociliar Em situações patológicas, as secreções provenientes do
e impelidas em direção à orofaringe, de onde são reflexa- trato respiratório inferior aumentam em quantidade e qua-
mente deglutidas.' O epitélio ciliado reveste as estruturas lidade, podendo revestir diferentes aspectos. O produto re-
traqueobrônquicas e nasofaringeas, com exceção das pregas sultante é o escarro, material expectorado, em geral trazido
vocais e da entrada das narinas. pela tosse e eliminado pela boca. Ao transitar pelas estru-
O muco produzido por glândulas e células da mucosa turas mais superiores - orofaringe e boca -, ele se mistura
respiratória é um coloide hidroffiico com propriedades físi- com secreções desses locais, e frequentemente também com
co-químicas e reológicas especiais, ideal para recobrir uma secreções aspiradas da nasofaringe e das fossas nasais.
0 ATENÇÃO
O exame bacteriológico do escarro, efetuado em uma
amostra de material adequadamente colhido e processado, e
bem interpretado, pode fornecer preciosas informações so-
A obtenção da amostra de escarro para estudo diag- bre o(s) germe(s) causador(es) de doença infecciosa pulmo-
nóstico é a primeira etapa a ser adequadamente nar. Nesse sentido, uma amostra de escarro é considerada
cumprida . Por meio dela, busca-se obter material de boa qualidade quando o material obtido exibe ao exame
proveniente das vias aéreas inferiores (infraglóticas). direto (Gram) mais do que 25 neutrófilos e menos do que
Todavia, como esse material costuma ser contami- 10 células epiteliais por campo de pequeno aumento (lOOx),
nado por secreções de estruturas mais altas, muitas sem considerar outras células.8
vezes contendo germes e células, cuidados devem No entanto, a presença de macrófagos - presentes em
ser tomados, por um lado, a fim de minimizar a ambiente alveolar - 9 pode indicar que o material deve ter
10
magnitude dessa contaminação e, por outro, dentro vindo, de fato, do compartimento alveolar do pulmão.
do possível, para reduzir sua interferência na inter- Nesse tipo de amostra, a identificação presuntiva do germe
pretação dos resultados. Um apreciável contingente causador da infecção é facilitada e valoriza a cultura quando
das controvérsias existentes quanto à valorização do há concordância de resultados.' u 2 O achado de células epi-
exame do escarro, em especial das culturas, no diag- teliais, principalmente se em número apreciável, indica que
nóstico das pneumonias decorre do fato de haver o material colhido tem importante contingente proveniente
essa contaminação. da boca, com excesso de saliva, sendo assim pouco adequado
para o exarne. 13
As FIGURAS 15.1 e 15.2 ilustram, respectivamente, casos
O paciente deve ser instruído no sentido de entender o típicos de pneumonia pneumocócica e de abscesso de pul-
proeesso da colheita, obtendo o material que vem com a tos- mão, em que é evidente a presença dos germes ao exame di-
se, com um mínimo de seereções aspiradas das vias superio- reto ( diplocoeos gram-positivos e flora mista). A FIGURA 15.3
res, e sem excesso de saliva. A colheita do escarro adotada mostra um caso de pneumonia por Legionella pneumophila,
na prática diária é, na maioria das vezes, espontânea, mas germe que não é corado pelo Gram, não podendo, assim, ser
pode ser induzida. Neste caso, equipamento apropriado e percebido por esse método. Também não são corados os mi-
medidas de controle protegendo pacientes e profissionais se crorganismos de dimensões muito reduzidas ou destituídos
fazem necessários.6 de parede celular, como vírus, micoplasma e clamídia.
Uma vez colhido - de forma espontânea - o escarro em A identificação do agente infeccioso, como pneumococo
frasco apropriado fornecido pelo laboratório, o material e legionela, pode ser feita pela detecção de seus antígenos
deve ser imediatamente encaminhado para processamento, no escarro ou na urina dos indivíduos acometidos. 14·' 5 Em
pois a demora em fazê-lo diminui sua qualidade, com neero- material colhido por swabs da orofaringe, a detecção rápi-
se de células e favorecimento de proliferação da flora pre- da da presença de Chlamydia pneumoniae e de Mycoplasmo
sente na boca do paciente. pneumoniae pode ser obtida pela reação em cadeia da poli-
O escarro é quase sempre mais viscoso do que a saliva, merase (PCR).' 6
podendo se apresentar mucoide, purulento, hemático, gela- A pesquisa de bacilo álcool-ácido resistente (BAAR)
tinoso (ver adiante FIGURA 15.7A) e mais ou menos aderente utilizando-se a técnica de Ziehl-Neelsen, na presença de le-
às paredes do frasco onde foi depositado. Assim, um grumo sões pulmonares escavadas à radiografia, compatíveis com
viscoso presente na secreção eliminada pela boca, e que não tuberculose, tem elevadas sensibilidade e especificidade (FI-
tenha origem em rinofaringe (que também produz mate- GURA 15.4). Entretanto, se não houver escavações, a sensibi-
rial viscoso), deve ser mesmo escarro. Seleciona-se, então, lidade do método fica muito reduzida, mesmo que se usem
tal grumo, para processamento laboratorial, buscando-se técnicas de clareamento, centrifugação ou sedimentação do
microrganismos e/ou células. O transudato expectorado do escarro."
edema pulmonar, todavia, não é viscoso, tendo aspecto sero- Culturas do escarro atualmente são efetuadas sobretu-
so e espumoso, por vezes de coloração rósea. do para testar a sensibilidade do Mycobacterium tuberculosis
O tipo de grumo de escarro selecionado para proeessamen- aos fárrnacos antituberculosos. Também são eventualmente
to depende da natureza do exame a ser efetuado. No caso de feitas quando se tem por objetivo identificar outra mico-
proeesso inflamatório, infeccioso ou não, um grumo purulen- bactéria (atípica). Técnicas moleculares de diagnóstico
to é escolhido; na busca de células malignas, evita-se a maior por meio da PCR no escarro de pacientes com tuberculose
purulência ou excesso de sangue no material. Além de células pulmonar têm mostrado sensibilidade elevada (90 a 100%)
inflamatórias e neoplásicas, e de germes, o escarro pode conter quando a baciloscopia é positiva, porém mais baixa (65 a
outras formações, como moldes brônquicos, cristais de Char- 85%) quando negativa.
cot-Leyden, espirais de Curscbmann, broncólitos e fragmentos Pesquisas diretas e cultivos de fungos no escarro são de
de corpo estranho, cada uma delas com maior ou menor signi- uso corrente na investigação das micoses que envolvem o
ficado diagnóstico. Macrófagos carregados de lipídeos (célu- pulmão, como paracoccidioidomicose (FIGURA 15.5), histo-
las espumosas) indicam a presença de pneumonia lipoídica.7 plasmose (FIGURA 15.6) e criptococose (FIGURA 15.7). Também
Excesso de saliva ou mesmo restos alimentares podem estar o Pneumocystis jirovecii pode ser identificado ao exame dire-
presentes em amostras de escarro inadequadamente colhidas. to do escarro, adequadamente proeessado.' 8
FIGURA 15.1 -+ Paciente feminina, 52 anos, com dor torácica à direita, febre, escarro purulento sem mau odor. (A) Consolidação alveoloductal no
lobo superior do pulmão direito à radiografia de tórax. (8) Numerosos diplococos gram-positivos, células mononucleares (macrófagos) e polimor·
fonudeares (neutrófilos) ao exame direto do escarro (coloração de Gram). Streptococcus pneumoniae na cultura em aerobiose. Diagnóstico: pneu-
monia pneumoc6cica.

-+
FIGURA 15.2 Paciente masculino, 47 anos, com dor torácica à esquerda, febre, escarro purulento com mau odor. (A) Lesão escavada com nível
hidroaéreo no segmento posterior do lobo inferior do pulmão esquerdo à radiografia de tórax. (8) Numerosos cocos gram·positivos de diferentes
dimenms e bacilos gram-negativos ao exame direto do escarro (flora mista). Diagnóstico: abscesso pulmonar por germes anaeróbios.

-+
FIGURA 15.3 Paciente masculino, 43 anos, com dor torácica à esquerda, febre, escarro purulento sem mau odor. (A) Bloco de consolidação no
terço médio do pulmão esquerdo à radiog rafia de tórax. (8) Células mononucleares e polimorfonucleares, e ausência de bactérias ao exame direto
(Gram) do escarro. Diagnóstico: pneumonia por Legionella pneumophila (sorologia positiva).
FIGURA 15.4-+ Paciente masculino, 58 anos, com tosse, expectoração purulenta e hemática sem mau odor e perda de peso durante quatro meses.
(A) Lesão escavada, com paredes espessas e focos de disseminação pericavitários no lobo superior do pulmão direito à radiografia de tórax. (B) Pre-
sença de BAAR ao exame direto do escarro (coloração de Ziehi-Neelsen). Diagnóstico: tuberculose pulmonar de reinfecção.

a
FIGURA 15.5-+ Paciente masculino, 48 anos, com tosse, expectoração purulenta, dispneia, perda de peso. (A) Lesões grosseiramente simétricas,
predominando nos terços médios de ambos os pulmões à radiografia de tórax. (B) Microscopia de escarro apresentando leveduras grandes arredon-
dadas, multibrotantes, características de Paracocddioides brasiliensis (potassa com tinta Parker, 40x). Diagnóstico: paracoccidioidomicose.

Em vigência de ciclo pulmonar de helmintos, sobrema-


•• • • neira no caso de indivíduos imunodeprimidos, o escarro
• pode revelar a presença de nematódeos, particularmente o
Strongyloides stercoralis. 19
• A pesquisa de células malignas no escarro de pacientes
• portadores de câncer de pulmão pode mostrar-se positiva
em até 65% dos casos, com especificidade superior a 99%
quando efetuada por citologista experiente, em material
•• apropriado (não purulento e sem excesso de saliva ou de
sangue), corado, geralmente, pelo método de Papanicolaou
(FIGURAS 15.8 a 15.10). Nas lesões centrais, obviamente a sen-
sibilidade do exame é maior, aproximando-se de 80%, cain-
do abaixo de 50% nas periféricas. A concordância, quanto
ao tipo histológico do tumor, entre resultados dos exames
FIGURA 15.6-+ Microscopia do escarro demonstrando elementos leve-
citopatológico do escarro e histopatológico de material ob-
duriformes pequenos, ovalados e alguns unibrotantescaracterísticos de
tido por biópsia mostra-se elevada,zo.11 o que também é ob-
Histoplasma capsulatum (coloração Gomori-Grcx:ott, 40x).

• :
•• ••
• •
.{ •

• f
D
FIGURA 15.7-+ (A) Macroscopia do es<:arro, com aspecto gelatinoso. (B) Microscopia do escarro demonstrando elementos leveduriformes ovalados,
alguns com brotamentos. Caso de Cryptococcus gatti em paciente imunocompetente (potassa com tinta Parker, 40x).

FIGURA 15.8 -+ (A) Tomografia computadorizada de tórax mostrando massa tumescente, com halo de infiltração periférica, no lobo inferior do
pulm~o direito. (B) Exame citopatológico do escarro (400x). Adenocarcinoma, padr~o acinar.

FIGURA 15.9-+ Exame citopatológico do escarro (400x). (A) Carcinoma de células es<:amosas; grande célula com citoplasma vítreo, núcleos irregula-
res, padrão célula dentro de célula. (B) Carcinoma neuroendócrino de grandes células; grandes nucléolos e dispersão de células.
FIGURA 15.10 ~ (A) Radiografia de tórax mostrando massa na região cernal do pulmão esquerdo, com extensão para o mediastino. (B) Exame
citopatológico do escarro (400x): carcinoma de pequenas células. Cromatina padrão sal e pimenta; grupo com amoldamento celular ("fila
indiana").

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Jorge lima Hetzel
16
• Identificação do alergênio, geralmente por detalhada
Introdução história clínica
As manifestações mais comuns de alergia respiratória estão • Demonstração da presença de IgE específica por testes
relacionadas com rinite alérgica e asma. Decorrem de hiper- cut.ãneos ou por métodos in vifro
sensibilidade imediata, reagínica ou de tipo I na classificação • Estabelecimento de uma relação causal entre a exposi-
de Gell e Coombs, mediada por imunoglobulina E (IgE). Po- ção ao alergênio e os sintomas, pela história clínica ou
dem também estar associadas a conjuntivite alérgica, eczema por testes de provocação
e alguns casos de urticária. Um aspecto importante é que os
sintomas dos asmáticos podem estar relacionados com aler-
gia e mecanismos não imunológicos. Por outro lado, muitos Anamnese
pacientes são sensíveis a vários antígenos e seu efeito cumu-
lativo pode ser importante.

(EJ .A~O .
o desenvol~imento da atopiâ depende de umcon, '
~ junto de fatores, como predisposiçao genética e
. interaçao com o meio ambiente de risco, levandÓ
' : à sensibilização : e;~aó: surgimêntõ subsequente da
· doença esp.eclfica:.' · "'
.. ,
, -· •''

A incidência de doença atópica aumentou 10 vezes nos


palses desenvolvidos nas últimas duas décadas. Em torno A escolha de um modelo de questionário para investiga-
de 10% dos americanos têm sintomas de alergia respirató- ção de alergia respiratória não é muito relevante, uma vez
ria, sendo 40% das crianças e 10 a 30% dos adultos. O pro- que seja completo e inclua, além dos dados de identificação
cesso inflamatório relaciona-se com a IgE (alergia mediada do paciente, os sintomas mais importantes e as outras ma-
por IgE). O seu diagnóstico envolve três componentes: nifestações de alergia, a história familiar de a.lergia, testes
alérgicos realizados anteriormente, hábitos e agentes C'ISicos
aos quais o pacientes se expõe. Quando, como e com que
Exames radiológicos
intensidade ocorrem os sintomas são observações comple- O estudo radiológico do tórax contribui de maneira limitada
mentadas com detalhada história terapêutica. para o diagnóstico da asma e também para a identificação de
A história clínica também deve ser avaliada em função envolvimento alérgico.
da evolução do caso. A identificação da estação do ano, do O estudo radiológico de seios paranasais e rinofaringe é
horário, do local e da situação em que ocorre a piora só é indicado com o objetivo de identificar sinusopatia que possa
possível mediante uma anamnese oompleta.' complicar o quadro clinico e mereça tratamento específico.
As características das alterações podem sugerir componen-
te alérgico envolvido na patogenia. Aproximadamente 50%
Alergênios dos pacientes com rinite alérgica apresenta alguma forma de
alteração radiológica dos seios paranasais. O achado mais
Alergênios são antígenos causadores de doença alérgica. frequente é a hipertrofia de cometos, desde que o pacien-
Em geral são proteínas solúveis de baixo peso molecular que
te não esteja fazendo uso de vasoconstritores tópicos e/ou
reagem com anticorpos IgE especlfioos. A intensidade da
anti-histarnínicos. Da mesma forma, 80% dos pacientes com
reação inflamatória no trato respiratório com subsequente
asma apresenta alguma alteração na radiografia dos seios
manifestação clínica é influenciada por fatores como con-
paranasais e da rinofaringe.
centração do alergênio e duração da exposição.
O conhecimento de algumas caracterlsticas dos alergê-
nios mais importantes no desencadeamento de sintomas
respiratórios é fundamental para o estabelecimento de es- Pesquisa de eosinofilia
tratégias adequadas de tratamento. Assim, os alergênios ali-
mentares podem desencadear alergia cutânea ou digestiva, Thda a relação do eosinóftlo na patogênese da doença alér-
porém raras vezes manifestações respiratórias em adultos. gica ainda não é completamente conhecida. Entretanto, sua
Eventualmente, entretanto, podem ser relacionados com identificação pode contribuir para o diagnóstico.
sintomas respiratórios em crianças.' A eosinofilia sanguínea, evidenciada pelo hemograma,
Sendo os alergênios inaláveis os mais importantes na costuma ocorrer na alergia respiratória. Como os eosinófi-
alergia respiratória, a investigação deve ser dirigida especial- los periféricos aumentam nas primeiras horas da manhã e,
mente a eles, o que não exclui a pesquisa de outros eventuais após um tempo médio de circulação de 12 horas, migram
alergênios, em particular nos pacientes com dificuldades de para os tecidos, sugere-se que dois ou três resultados nor-
controle de seus sintomas. mais no hemograma devam ser obtidos antes que se conclua
Os alergênios da poeira domiciliar, fungos e pólens são os pela ausência de eosinoftlia. Ressalta-se, também, a impor-
fatores inaláveis mais importantes. Pelos, partlculas de epité- tância de que o paciente não esteja usando medicação anti-
lio de baratas ou mesmo saliva dessecada de alguns animais ·histamínica.
como gato podem constituir material alergênico significativo. A eosinofilia também pode ser devida a verminose, rea-
Os principais alergênios inaláveis são:) ções a fárrnacos, infiltrações pulmonares eosinoffiicas c pe-
riarterite nodosa. A admínistração de oortiooides, infecções
• Ácaros da poeira domiciliar: Dermatophagoides pteronys- agudas, estresse e jejum por mais de 12 horas podem reduzir
sinus, Demwtofagoides farinae, Blomia rropicali.s, entre a quantidade de eosinófilos circulantes.
outros.
• Fungos: Aspergillus sp. Cladosporium sp. A/remaria sp.
Penicillium notalWn.
• Baratas: Blarella germanica, Periplaneta a~nericana.
• Animais: gato, cão, hamster.
• Pólens: Lclium mulriflorum e outras gramíneas, árvores
e arbustos.
• Ocupacionais: poeira de madeira, detergentes, látex.

Exame físico
O exame fisioo é um método auxiliar na busca de manifesta- O exame citológico diferencial do escarro ou da secre-
ções de doenças atópicas, como asma, conjuntivite alérgica, ção nasal é usado no diagnóstico da alergia respiratória. O
rinite alérgica e eczema atópico. O conhecimento dos acha- achado de ma.is de 5 a 10% de eosinófilos no escarro ou na
dos clínicos das formas de apresentação dessas doenças per- secreção nasal sugere o diagnóstico de alergia respiratória.
mite o enriquecimento das informações e uma certeza maior Entretanto, na vigência de infeoção, pode-se observar ape-
quanto à real causa alérgica da manifestação exibida. nas a presença de neutrófilos.
Dosagem de imunoglobulina Testes cutâneos de hipersensibilidade
E(lgE} sérica imediata
A dosagem de IgE total no sangue periférico, embora possa Os testes cutâneos de hipersensibilidade imediata (mediada
estar elevada na alergia respiratória, não deve ser utilizada por lgE) têm alta sensibilidade quando interpretados à luz
como um marcador específico de doença alérgica individual de sua relação com a história clínica. Constituem o principal
com finalidade diagnóstica. Vários são os fatores que podem método diagnóstico para confirmar a sensibilidade clínica
influenciar os níveis séricos desse anticorpo. Parasitoses in- induzida por grande variedade de alergênios encontrados
testinais e cutâneas, mieloma múltiplo, nefrites intersticiais naturalmente no ambiente. São propriedades importantes
por drogas, síndrome hiper-IgE, aspergilose broncopulmo- dos testes cutâneos para alergia:
nar alérgica, filariose pulmonar, entre outras doenças, po-
dem elevar os níveis séricos totais de IgE. • Identificação da sensibilização alérgica mediada por IgE
O método mais usado na determinação da IgE total é o de maneira pouco invasiva;
ensaio imunossorvente ligado à enzima (ELISA), e os valo- • Boa reprodutibilidade;
res são expressos em unidades internacionais por mililitro. • Confirmação imediata do resultado (20 minutos);
Na avaliação dos resultados, também se deve considerar • Indicação da resposta do paciente aos alergênios avalia-
que os níveis séricos de IgE variam com a idade do indivi- dos;
duo. Sua produção inicia-se em torno da 131 e 141 semanas • Demonstração visual ao paciente da reação determinada.
de vida intrauterina, mas, ao nascimento, seus níveis são
quase não identificáveis. Seus valores máximos ocorrem Além da indicação para diagnóstico de doença atópica,
entre 7 e 8 anos e começam a decrescer após os 60 anos. os testes cutâneos também são úteis na orientação terapêu-
Embora a gravidade dos sintomas se correlacione bem com tica das medidas profiláticas que devam ser tomadas. Cons-
a contagem de eosinófilos sanguíneos, o mesmo não ocorre tituem contraindicação alto risco de anafilaxia, história de
em relação aos níveis de IgE. Essas considerações permitem episódio anafilático recente, uso de medicação que possa in-
que se conclua que a dosagem de IgE sérica total tem sensi- terferir no tratamento de eventual anaf!.laxia e doença cutâ-
bilidade e especificidade baixas no diagnóstico de alergia.' nea disseminada.5
Algumas situações podem determinar a ocorrência de
resultados falso-negativos:
Métodos para avaliar lgE específica a • Idade inferior a 3 anos ou superior a 70 anos;
antígenos • Uso de anti-histaminicos;
• Material com concentração inadequada de antígeno;
In vivo
• Erro técnico na introdução de antigenos;
• Testes de provocação nasal ou brônquica • Paciente sob imunoterapia;
• Testes cutâneos de hipersensibilidade imediata • Dermatite a tópica grave.

In vilro
Seleção dos antígenos
• Imunoglobulina E especifica Tendo em vista que a realização dos testes cutâneos objeti-
va identificar a presença ou não de atopia, e não os vários
antígenos aos quais o paciente possa ter sido sensibilizado,
não é necessária a realização de bateria muito ampla. Dessa
Testes de provocação maneira, é suficiente o emprego de 4 a 5 grupos de antígenos
Os testes de provocação por inalação de alergênío permitem mais comuns no ambiente, o que permite uma sensibilidade
o diagnóstico especifico da reatividade das vias aéreas para do método superior a 90%. Considera-se adequada a reali-
determinado estímulo. A necessidade de cuidados especiais zação do teste cutâneo com os seguintes antígenos:
quanto à dose do antígeno inalado e outras dificuldades ope-
racionais do método os tornam pouco usados. Por isso, os • Poeira domiciliar;
testes de provocação são utilizados quase exclusivamente no • Ácaros (D. pteronyssinus, D. farinae, B. tropicalis );
nível experimental. Também deve ser considerada a possibi- • Fungos do ar (Aspergillus, Penicillium, Cladosporium);
lidade de desencadeamento de crise importante durante a • Pólens (L. multiflorum e outras);
realização do exame. Isso implica a necessidade de executá- • Lã.
-lo apenas em nível hospitalar.
A correlação entre o teste cutâneo, a imunoglobulina es- Quando há suspeita clínica de aspergilose broncopul-
pecifica e o teste de provocação depende do alergênio e do monar alérgica, testam-se, também, antígenos de Asper-
grau de sensibilização, sendo maior quando a reação cutâ- gillus. Nesse caso, desejando-se realizar a leitura imediata
nea for fortemente positiva. (15 a 20 minutos) e tardia (6 a 12 horas), prefere-se a apli-
cação pela técnica intradérmica, que favorece, principal- • Deve ser realizado em local onde se tenha acesso imedia-
mente, esta última leitura. to a profissionais, equipamentos e medicamentos para
atendimento de emergência.

Técnica
Teste por puntura (prick test) Dosagem de imunoglobulina E(lgE)
A região preferencial para a sua realização é a fossa cubital
do antebraço, logo após aotissepsia com álcool etílico a 70%, específica
deixando-o evaporar completamente. Com um puntor plásti- A mensuração de IgE específica no sangue foi introduzida
co ou uma lanceta, realizam-se as punturas no local desejado, com a técnica do radioimunoalergossorbente, daf ser am-
com um espaçamento de aproximadamente 3 em de distãocia plamente conhecida como RAST. As técnicas laboratoriais
uma da outra. Coloca-se uma gotícula do extrato desejado, e modernas são outras e, por isso, esse nome não é adequado
a leitura é feita em 15 a 20 minutos. Como controle positivo, c não deve mais ser usado. Na maioria das vezes, a anam-
usa-se histamina; como controle negativo, solução salina ou o nese e o teste cutâ.n eo aos antígenos inaláveis fornecem os
diluente empregado para conservação do extrato. dados necessários para o diagnóstico da doença atópica e o
Para a leitura dos resultados, alguns autores sugerem planejamento da terapêutica. Devido ao tempo de execução,
que deva ser considerado o maior diâmetro da pá pula, in- custo e baixa sensibilidade para alfuns alcrgênios, deve ser
dependentemente da posição; outros recomendam que se reservado para situações especiais:
considere a média do maior e o menor diâmetro. Em qual-
quer dos critérios citados, será considerada positiva a pápula • Uso de anti-histamínicos, antidepressivos tricíclicos e
maior do que 3 mm. Outro critério é considerar o controle medicamentos que interferem na rcatividade ao teste
negativo zero e o positivo ( + + + ). Positivo (+)caracteriza- cutâneo e que não possam ser interrompidos.
-se por eritema maior do que o controle negativo, e positivo • Eczema, derrnografismo ou alterações de pele que invia-
(++)por eritema e pápula menores do que o controle posi- bilizem o teste cutâneo.
tivo. Caso a pá pula seja maior do que o controle positivo ou • Após episódio de anafilaxia.
com pseudópodes, será positivo ( + + + + ). • Risco de reações sistêmicas ao teste cutâneo.
O resultado pode ser falso-positivo quando ocorrer apli- • Thste cutãoeo com resultado duvidoso.
cação excessiva de antlgeno, reação traumática pelo teste, • Falta de condições fisicas ou mentais para realizar o teste
interpretação imprópria dos resultados, falhas dos controles cutâneo.
positivos ou negativos ou antígeno muito concentrado.
Podem ocorrer falso-negativos com aplicação de pouco
ant.igeno, erro técnico na introdução de antígenos, uso de
fármacos que bloqueiam as reações (anti-histamlnicos, fár- Referências
macos adrenérgicos e teofilina) e pele atrófica ou edema- 1. Hetzel JL, Hetzel MP. Avaliação alcrgológj<:a em asma. ln: Cor-
ciada. rêa da Silva LC, Hetzel Jl.. Asma brônquica: manejo clínico. Porto
Alegre: Anmcd; 1998.
Complicações como exagero da reação cutânea ou aoa-
filaxia são raras. 2. Cruz AA, Oliveira JC, Lima GS. lovcstigação de atopia em pa-
cientes com doenças das vias a6reas. In: Sociedade Brasileira de
Pneumologia e r.siologia. Prática pneumológica. Rio de Janeiro:
Teste intradérmico Guanabara Koogan; 2010.
O teste cutâneo aplicado intradermicamente é cerca de 100
a 1.000 vezes mais senslvel do que o teste por puntura ou 3. American Academy of Allcrgy, Asthma & lmmunology. Overview
of allcrgie diseascs. Milwaukee: The American Academy of Allergy,
cscarificação, o que quase elimina a possibilidade de falso-
Asthma and lmmuoology; 2000. The Allergy Repor!, v. 1.
-negativos. Uma vez que, com esse método, há maior pos-
sibilidade de ocorrência de reações indesejáveis intensas, é 4. Cruz AA, Campos CAH, Jacob CMA, Sarinho ESC, Sahano E,
indispensável que seja precedido de uma anarnnese precisa e Castro FFM, et ai. U Consenso Brasileiro sobre Rinites. Rev Bras
que se esclareça o grau de sensibilidade individual. Alergia lmunopatol. 2006;29(1):29·58.
É importante que se reconheça que o teste por puntura 5. Noite H, Kowal K, Dul3uskc L. Ovcrvicw of sldn testing for al-
é realizado em menor tempo, com mais segurança, menor lergie diseasc [Internet]. Waltham: Up'lbDatc, c2011 (capturado
custo e menos desconforto para o paciente. em 21 jan. 2011]. Dispon(vel em: http:/fwww.uptodate.com/con-
tents/overview-of-skin·tcsting-for-allcrgic-discasc?souree• scarch_
result&selcctedTitle~ 1-150.
Recomendações
6. Joint Task Force on Praetiee Parameters, American Academy of
• O teste cutâneo deve ser realizado por profissional capa-
Allergy, Asthma aod lmumunology, American College of Allergy,
citado (médico ou outro profissional da saúde com rigo- Asthma and lmmunology; Joint Couocil o f Allergy, Asthma and lm·
rosa supervisão médica). munology. Thc diagnosis and management o f anapbylaxis: an upda·
• Não deve ser aplicado em pacientes com manifestações tcd practice parameter. J Allergy Oin lmrnunol. 2005;1 t5(3 Suppl
agudas de alergia. 2):5483-523.
Jorge lima Hetzel
17
Os indiVÍduos reatores fortes são aqueles habitualmente
Introdução referidos como positivos. Isso indica que deve ter havido a
O teste tuberculinico (TI') é um método diagnóstico da tu- primoinfecção tuberculosa em algum momento do passado
berculose, sendo indicado nos pacientes com suspeita de próximo ou remoto. A maioria desses reatores é de pessoas
doença e contatos não vacinados com bacilo de Calmette- infectadas que nunca evoluem para a doença ativa, pois se
-Guérin (BCG). O uso rotineiro do TI pode contribuir com estima que somente 5 a 10% dos infectados adoeçam. Nos
informações epidemiológicas que auxiliem na elaboração do portadores de doença ativa, o TI é positivo na quase totali-
1
Programa de Controle da Thberculose. dade. Em crianças, particularmente abaixo de quatro anos,
sem BCG prévio, um TI positivo significa provável infecção
recente, o que nessa faixa etária aumenta a possibilidade de
Reação de Mantoux haver doença no presente ou em futuro próximo.'
Nos indiVÍduos não reatores, por outro lado, é remota
O TI pela técnica de Mantoux é a introdução intradérmica, a etiologia tuberculosa de lesões pulmonares detectadas ra-
com seringa e agulha, de 0,10 mL de tuberculina, por con- diologicamente, tanto em adultos quanto em crianças.
venção na face anterior do antebraço esquerdo. A leitura do As reações fracas ao teste tuberculínico são valorizadas,
resultado é feita após 48 a 72 horas, medindo·se em milí- para fins práticos, apenas em crianças não vacinadas com
metros o tamanho do diâmetro transverso da enduração em BCG e em contato com casos de tuberculose ativa no do-
relação ao menor eixo do antebraço. micilio, com vistas à quimioprofilaxia. Essas reações tam-
bém são atribuídas, em certas áreas geográficas, a outras
micobactérias. Os portadores do vírus da imunodeficiência
humana (H IV) e outros portadores de imunodeficiência
importante são considerados infectados pelo bacilo da tu-
berculose quando apresentam enduração igual ou maior do
que5 mm.
Há uma série de situações em que o TI pode ser nega-
tivo em pessoas infectadas, como antígeno fora do prazo
de validade, erro técnico de aplicação ou leitura, anorma-
lidades tegumentares, disfunção linfocitária (p. ex., sarcoi-
dose, linfomas, outras neoplasias malignas, corticoterapia,
uso de imunossupressores e sindrome de imunodeficiência
adquirida).
O TI também pode ser negativo na fase aguda de serosite No caso de pessoas que têm contato com pacientes com
tuberculosa (sobretudo derrame pleural e meningite), na tu- tuberculose ativa, e com um primeiro TI negativo, sugere-se
berculose hemática e em casos muito avançados de tuberculo- sua repetição em 8 a 12 semanas, tendo em vista que o risco
se pulmonar, em que haja mau estado geral. Ao contrário do do desenvolvimento de doença ativa é maior nos converso-
que se divulgava antes, sabe-se que a gestação não interfere res recentes à tuberculina. Este risco está relacionado com
na reatividade tuberculínica. O grau de hipersensibilidade tu- o desenvolvimento da imunidade adquirida, e estima-se que
berculínica pode declinar com o passar do tempo, sendo pos- seja o seguinte: 5
sível que a pessoa se torne não reator a após períodos mais ou
menos longos. No entanto, como o bacilo tuberculoso persiste • Em menores de 1 ano de idade: 50%
nos tecidos da maioria dos infectados, a hipersensibilidade • Em crianças entre 1 e 2 anos: 12 a 25%
tuberculínica pode estar presente mesmo após muitos anos • Em crianças entre 2 e 5 anos: 5%
da primoinfecção. Os não reatores e em especial os reatores • Em crianças entre 5 e 10 anos: 2%
fracos podem tornar-se positivos depois de repetidas aplica- • Em maiores de 10 anos: 10 a 20%
ções do TI sem que isso signifique, necessariamente, booster,
ou seja, a exacerbação de uma reação anteriormente tênue?
Em indivíduos infectados e bigidos, reações exuberan-
tes, com grandes endurações, flictenas ou úlceras, sugerem a Referências
1. Melo FAF, Rodrigues OS, Figueroa F. Teste tubcrculinioo. In: So-
presença de hiperergia tuberculínica ou, pelo menos, maior
ciedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia. Prática pneumo16-
probabilidade de evolução para tuberculose-doença.
gica. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2010.
2. Targeted tubcrculin testing and treatment of latent tuberculosis
infection. This official statement of the American Thoracic Socic-
Indicações ty was adoptcd by thc ATS Board of Directors, July 1999. Thls is a
Joint Statement of the American Thoracic Society (ATS) and lhe
O TI discriminando entre infectados e não infectados pelo
Centers for Disease Control and Prevcntion (CDC). This statcment
bacilo da tuberculose, isoladamente, define a infecção, e não was cndorscd by thc Council o f the Infectious Diseascs Society of
o adoecimento. America. (IDSA), September 1999, and the scctions of this statc-
Como indicador da situação epidemiológica da tubercu- mcnt. Aro J Crit Care Mcd. 2000;161(4 Pt 2):S221-47.
lose em determinada população, é utilizado para a medição
3. Comissão de Tuberculose da SBPT. ni Diretrizes para Tubercu-
do risco anual de infecção, considerado um importante indi-
lose da Sociedade Brasileira c Pneumologia c Tisiologia. J Brasil
cador epidemiológico que mede a porcentagem de infecta- Pneumol. 2009;35(10):1018-48.
dos evolutivamente'
O TI é útil sobretudo como meio diagnóstico auxiliar 4. Gutierrez RS, Ott WP, Corrêa da Silva LC, Hctzel 1L, Pioon
nas situações em que se indica teste terapêutico e como im- PD, Porto NS. Thberculosc. In: Corrêa da Silva LC. Compêndio de
portante rastreador de infectados entre os contatos diretos pncumologia. 2. ed. São Paulo: Byk-Procienx; 1991. p. 539-79.
de baciliferos. No entanto, assim como no diagnóstico indivi- 5. Marais BJ, Gie RP, Schaaf HS, Bcyers N, Donald PR, Starkc JR.
dual, por não ser teste isento de resultados cruzados, um tes- Childhood pulmonary tuberculosis: old wisdom and new challengcs.
te positivo carece muitas vezes de discriminação, pois pode Aro J Respir Crit Care Mcd. 2006;173(10):1078-90.
significar infecção tanto pelo bacilo da tuberculose quanto
por outras micobactérias, ou mesmo pelo bacilo vacina!
(Calmette-Guérin).

~ ATENÇÃO
Considerando que o percentual de vacinados nos pri-
meiros meses de vida cresce cada vez mais e que a
vacinação confere reatividade indistinguível da pro-
vocada pela infecção natural, a valorização de um
TI positivo deve ser avaliada muito criteriosamente.
Dessa forma, por exemplo, é impossfvel utilizar o TI
para estudos do risco anual de infecção em popula-
ções vacinadas com o BCG e, nos casos individuais,
deve-se ter presente que um TI positivo também
pode ser devido à vacinação anteriormente aplicada .
Marcelo Tadday Rodrigues
18
to lógicas? As isoformas constitutivas - neuronal (NOSl) e
Introdução endotelial (NOS3) -são ativadas pelos íons cálcio e produ-
A análise do ar expirado tem uma longa tradição na medi- zem pequenas quantidades de NO, exercendo presumivel-
cina, desde a detecção pelo olfato de componentes voláteis mente um papel na regulação local, como neurotransmissor
- como amônia, acetona e compostos sulfúricos em diabetes (NOSl), e na regulação do fluxo sanguíneo (NOS3). A iso-
e em insuficiência renal e hepática, - até o uso de métodos forma induzível (NOS2) é ativada por estímulos inflamató-
analíticos sensíveis para a separação e identificação de subs- rios ou infecciosos e produz grandes quantidades de óxido
tâncias voláteis, como a cromatografia de gás e a espectro- nítrico, independentemente do influxo de íons cálcio. Ape-
metria de massa. Uma das substâncias mais estudadas nos sar dessa distinção entre as formas constitutivas e induzível,
últimos 30 anos tem sido o óxido nítrico, através da medida sabe-se que as formas constitutivas podem ser induzíveis, e
de sua fração exalada (~0). Apesar disso, e de sua cres- que a forma induzível pode ser constitutivamente expressa
cente utilização na prática clín ica, o papel da medida da em determinadas condições.
FEso nas doenças respiratórias ainda não está completa- A óxido nítrico sintetase endotelial (NOS3) é expressa
mente determinado. nas células endoteliais das circulações brônquica e pulmo-
Inicialmente conhecido como um poluente ambiental, nar e tem um papel de regulação do fluxo vascular. Também
presente na fumaça do cigarro, 1 produzido por motores a é expressa nas células endoteliais alveolares e nas células
combustão, e conhecido também como agente destruidor epiteliais da via aérea em toda a sua extensão. Ela parece
da camada de ozônio, o óxido nítrico (NO) teve, a partir da reduzir a exsudação de plasma na via aérea, e sua forma epi-
década de 1980, sua reputação modificada quando pesquisas telial parece regular o batimento ciliar e, assim, o clearance
mostraram tratar-se de uma molécula essencial na fisiolo- mucociliar. Em modelos de asma, uma NOS3 inativa parece
gia do corpo humano, em especial do sistema respiratório. contribuir para a hiper-responsividade das vias aéreas.
Posteriormente, descobriu-se que poderia ser detectado no A outra forma constitutiva da NOS, a NOS neuronal
ar exalado,2 abrindo um campo de pesquisa promissor no (NOSl), está localizada nos nervos colinérgicos das vias aé-
acompanhamento das doenças pulmonares inflamatórias. reas e é mediadora da broncodilatação inibitória neural não
O óxido nítrico endógeno tem um papel fundamental na adrenérgica não colinérgica, atuando como um antagonista
regulação da função da via aérea e apresenta efeitos tanto funcional da acetilcolina. Thmbém é expressa nas células epi-
benéficos como deletérios. É produzido continuamente nas teliais das vias aéreas e nos pneumócitos tipo I, e há evidên-
vias aéreas a partir da conversão da L-arginina em L-citru- cias de que sua expressão e atividade estejam aumentadas na
lina por três isoformas da enzima óxido nítrico sintetase periferia dos pulmões de pacientes com doença pulmonar
(NOS), que são reguladas e expressas de maneiras distintas obstrutiva crônica (DPOC) como resultado do estresse oxi-
nas vias aéreas, além de exercer diferentes funções fisiopa- dativo.
A forma induzível da enzima óxido nítrico sintetase que detecta o NO exalado em apenas um fluxo, 50 mL.s·'.
(NOS2) é encontrada nas células do epitélio respiratório de Os analisadores de quimioluminescéncia, que são capazes de
pacientes com asma e é reduzida com o uso de corticoides medir a FENo em diferentes fluxos expiratórios, possibilitam
inalatórios. Também é encontrada nas pequenas vias aére- estimar tanto a CA" 0 quanto o J' ,.NO. A potencial utilidade
as e na periferia do pulmão de pacientes com DPOC. O es- de medir e determinar o sítio predominante da inflamação
tresse oxidativo gera ânions superóxidos e, em combinação eosinofllica nas vias aéreas é o que mantém o interesse pelo
com NO, resulta na formação de espécies altamente reativas estudo da dinâmica das trocas de NO.
de oxigênio - peroxinitrito - o qual está aumentado no ar
condensado exalado de pacientes com DPOC. Inibidores
seletivos da NOS2 reduzem a FENo em asmáticos e mesmo
em voluntários normais, mas apresentam menor efeito em
Principais aplicações da medida da FENo
pacientes com DPOC, sugerindo que o NO periférico au- Apesar de poder ser utilizada em condições tão diversas
mentado nesses pacientes seja derivado das isoformas cons- quanto discinesia ciliar, transplante pulmonar, DPOC,
titutivas, NOSl e NOS3. hipertensão pulmonar e fibrose cística, é em pacientes com
asma que a ~o é mais estudada.

Óxido nítrico e inflamação das vias Diagnóstico


Uma medida elevada de ~o é útil na confirmação do diag-
aéreas nóstico de asma. Em pacientes com sintomas compaúveis e
Os níveis de ~o se correlacionam com hiper-responsivida- limitação ao fluxo aéreo, uma medida elevada de ~o tem
de brônquica, reversibilidade com broncodilatadores e ato- sensibilidade c especificidade altas para o diagnóstico de asma.
pia, assim como com eosinófilos no sangue, escarro, lavado Uma ~o elevada correlaciona-se com frequência de sinto-
broncoalveolar e em mucosa. A F~0 diminui rapidamente mas e uso de broncodilatador, mas não com o volume expira-
após o início da terapia anti-inflamatória, com a melhora tório forçado no primeiro segundo (VEF1). Estã elevada tanto
da inflamação nas vias aéreas, e aumenta à medida que esta em pacientes atópicos quanto não atópicos com asma, apesar
piora. Atinge rapidamente um platô e não necessariamente de ser mais alta nos a tópicos, e pode ser normal em pacientes
acompanha as alterações nos niveis de eosinóftlos no escar- com asma leve não atópicos e em uso de corticoides inalató-
ro. Não é exclusiva de asma e pode estar elevada em pacien- rios. Nesses casos, valores normais não excluem asma. Atopia
tes com atopia, rinite alérgica e bronquite eosinofílica sem e inflamação são dimensões distintas da asma. A FE,.0 não dis-
asma. A dosagem da ~o é considerada uma excelente me- tingue diferentes gravidades da asma nem se correlaciona com
dida de inflamação eosinofílica das vias aéreas. o VEF 1. Ela auxilia na diferenciação entre DPOC e asma, bem
como na avaliação de tosse variante de asma. Pode também
excluir broncospasmo induzido pelo exercício.
FENoalveolar como medida de
inflamação da vias aéreas periféricas Tratamento
Uma das grandes utilidades da medida da FEK0 é a capaci-
Uma forma de quantificar o processo inflamatório nas vias dade de prever resposta ao uso de corticoides em pacientes
aéreas periféricas é estimar a concentração alveolar do óxido com asma, DPOC, tosse ou mesmo com sintomas respira-
nítrico (CA"'0 ) ou a contribuição das vias aéreas periféricas tórios inespecíficos. Em asma, diminui rapidamente com o
na FENo· A estimativa da CAN0 é baseada na medida do NO tratamento com corticoide inalatório e antileucotrienos. Exi-
em fluxos expiratórios múltiplos. O óxido nítrico exalado be uma curva dose-resposta com os corticoides inalatórios e
segue uma curva exponencial, com menor ~o em fluxos pode ser útil na titulação do tratamento anti-inflamatório e
elevados. Isso significa que o NO exalado tem duas origens: manutenção do controle, apesar de resultados contraditórios
alveolar/pequenas vias aéreas, onde alcança um estado de da literatura. Além disso, medidas seriadas são capazes de
estabilidade, e brônquica, onde se difunde da parede da via predizer perda de controle e exacerbações. Como a FENo au-
aérea. Dessa forma, diferentes tempos de trânsito para o ar menta rapidamente com a suspensão do tratamento, a medi-
exalado nas vias condutivas levam a concentrações distintas da tem sido empregada para verificar a adesão dos pacientes
como resultado da difusão a partir da mucosa (altas concen- ao tratamento anti-inflamatório. Não há correlação entre os
trações de NO) para o lúmen (baixa concentração) das vias níveis de FENo e qualidade de vida, medida por questioná-
aéreas. A partir disso, criou-se o primeiro modelo de produ- rios de qualidade de vida em pacientes virgens de tratamen-
ção e troca de NO nas vias aéreas: as medidas da FENo em to com corticoides.
diferentes fluxos de expiração são colocadas em um gráfico,
e a inclinação da curva formada indica a CANo• enquanto
o intercepto representa o fluxo de NO brônquico (J' ,.NO).
A CA, 0 tem sido proposta como marcador do proces-
Indicações da medida da FENo
so inflamatório das pequenas vias aéreas. O modelo portátil • Diagnóstico correto de asma em pacientes que não utili-
disponível para uso clinico, contudo, não mede a CA,..,0 , já zem corticoides.
• Investigação de tosse crônica.
• Broncoconstrição induzida pelo exercício.
• Diferenciação entre DPOC e asma.
• Predição de resposta aos corticoides em pacientes com
asma, DPOC ou sintomas respiratórios não espeáficos.
• Titulação da terapia anti-inflamatória em asmáticos.
• Obtenção e manutenção do controle da asma.
• Predição de exacerbação da asma.
• Monitorização da adesão ao tratamento.

Métodos utilizados para detectar o


óxido nítrico no ar exalado
Quimioluminescência
Primeiro método utilizado para detecção de NO no ar exala-
do, altamente sensível, permitindo medidas tão baixas quan-
to 1 ppb, tornou-se o padrão-ouro para medidas clinicas de
FENo· Baseia-se na reação entre o óxido nítrico e o ozônio,
que forma N02 em um estado excitado. Quando a molécu-
la retoma ao seu estado basal, bá emissão de um fóton. O FIGURA 18.1 ~ Analisador portátil NIOX Minoe.
número de fótons emitidos corresponde à quantidade de
NO no ar exalado. A limitação dessa técnica é o custo dos
equipamentos, além de todo o aparato necessário pelo fato
• Altura: a associação positiva entre altura e FEso pode
de a medida não ser portátil, o que dificulta seu uso fora de
ser explicada pela maior área de superficie mucosa dis-
ambientes de pesquisa.
ponível para troca de NO em individuas mais altos.
• I dade: em crianças, estudos mostram uma elevação na
Sensores eletroquímicos ~com o aumento da idade, o que provavelmente re-

O interesse por aparelhos portáteis que pudessem ser uti- flete o aumento no tamanho da via aérea à medida que
lizados em clínicas e mesmo a domicílio levou ao desen- a criança cresce. A maioria dos estudos com adultos,
volvimento de sensores eletroquímicos. Esses analisadores contudo, não demonstra efeito da idade sobre o óxido
mostram boa concordância com o método de quimiolumi- nítrico exalado.
nescência, e seu uso vem crescendo, com vários centros dis- • Peso: os dados são conflitantes quando se estuda a asso-
ciação entre peso ou índice de massa corporal e ~<>"
ponibilizando a dosagem de FE:.0 em seus laboratórios de
Asmáticos que estão acima do peso podem apresentar
função pulmonar com esses aparelhos portáteis. No Brasil,
está disponível o NIOX Mino®, da empresa sueca Aerocrine um perfil inflamatório diferente, já que a obesidade foi
(FIGURA 18.1).
relacionada com uma FE,0 diminuída em pacientes com
asma leve, moderada, grave e asma de dificil controle.
• Sensibilização alérgica: a sensibi.lização de lgE está as-
Espectrometria alaser sociada a aumento de FEs0 , mas o resultado é variável,
Esse método, utilizado em pesquisas, não é alternativa para pois o efeito da atopia no aumento da FENo depende do
uso clínico até o momento. grau de sensibilização da lgE e do grau de exposição a
alérgenos.
• Função pulmonar: estudos mostram pouca ou nenhuma
associação entre VEF, e FEso·
Fatores relacionados com o paciente que • Tabagismo atual: está associado a uma redução de 40 a
4
influenciam a FENo 60% nos níveis de FE, 0 • Essa redução parece estar cor-
relacionada com o índice tabágico.
• Sexo: alguns estudos relatam uma associação entre sexo • Tabagismo prévio: alguns estudos sugerem que o taba-
feminino e menores valores de FE,.0 • Essa diferença gismo prévio pode estar relacionado com uma redução
pode ser explicada por uma menor produção de NO en- na FE,0 .
dógeno nas mulheres (sugerida por menores concentra- • Manobras espirométricas: as diretrizes recomendam fa-
ções plasmáticas de nitratos). Outra explicação seria a zer as medidas de FE,.0 antes do exame espirométrico,
menor área de superficie das vias aéreas condutivas em pois alguns estudos mostram que a espirometria pode le-
relação ao tamanho corporal, levando a uma menor ca- vara uma pequena diminuição nos níveis de FE,.0 (o que
pacidade de difusão de NO. talvez não tenha importância na rotina clínica).
• Exen:ício fisico: os dados são conflitantes a respeito do
efeito da atividade fisica nos níveis deFEso. mas parece
Valores de referência e interpretação
haver uma diminuição. Recomenda-se, portanto, para dos resultados
fins de padronização, que o paciente abstenha-se de
Existe grande variação nos níveis de FE..o em pacientes cli-
exercício fisico por uma hora antes do exame.
nicamente estáveis, da mesma forma que com a função pul-
• Ingestão de alimentos r icos em nitratos: isso leva a
monar, além dos diversos fatores técnicos e individuais que
um aumento do óxido nítrico exalado, que pode ser de
podem afetar essas medidas. Para ensaios cllnicos avaliando
mais de 150% após a ingestão de nitrato corresponden-
a FEso. uma possibilidade seria a determinação de um nível
te a 200 g de espinafre, e tal efeito pode durar até 15
ótimo individual, a partir de um curso de corticoide oral, e
horas após a ingcsta. Recomenda-se evitar alimentos acompanhando a partir desse ponto. Outra forma seria ava-
ricos em nitrato pelo menos 24 horas antes do exame.
liar a variação a pa.r tir de um valor basal (TABELA 18.1). De
Uma alternativa, caso o paciente tenha ingerido gran- modo geral, considera-se:
de quantidade de nitrato, seria enxaguar a boca com
clorexidina, que reverte o efeito do nitrato no óxido
Baixos ( <5 ppb)
nítrico exalado. • Discinesia ciliar primária (restar NO nasal)
• Variação diurna: alguns estudos mostram um aumento de • Fibrose cística
cerca de 15% nos valores obtidos à tarde quando com- • Doença pulmonar da prematuridade
parados aos da manhã, possivelmente relacionados com a
ingesta de nitratos na dieta durante o dia. Outros estudos, Normais (5 a 25 ppb)
contudo, não mostram nenhuma variação diurna. • Se sintomático, considerar diagnóstico alternativo:
• Asma neutrofl1ica
• Hiperventilação/ansiedade
Técnica de medida da FENo • Disfunção de corda vocal
• Refluxo gastresofágico
Diversos fatores influenciam a medida da fração exalada • Rinossinusite
de óxido nítrico; por essa razão, diretrizes para padronizar • Doença cardíaca
a medida foram publicadas pela American Thoracic Society • Em crianças, pensar também em:
(ATS) e pela European Respiratory Society (ERS). • Alterações otorrinolaringológicas
• lmunodeficiências
1. O paciente deve inalar, através do analisador, ar livre de • Se assintomático e em t ratamento:
NO até ou próximo à capacidade pulmonar total (CPT). • O paciente é aderente ao tratamento
2. Imediatamente, deve iniciar a expiração no analisador • Considerar redução de dose ou suspensão do anti-infla-
(sem segurar o ar). matório
3. O fluxo deve ser constante (o padrão é 50 mL.s·') e deve
durar de 6 a 10 segundos. Intermediários (25 a 50 ppb)
4. Um platô é atingido no ftnal da expiração, e os últimos • Interpretação baseada na apresentação clínica:
três segundos são utilizados para calcular o nível de NO • Se sintomático e em uso de terapia anti-inflamatória,
exalado. considerar:
• Infecção como causa da piora
As diretrizes da ATS/ERS 1 recomendam duas medidas, • &posição a alérgeno
e uma terceira se houver diferença maior do que 10% entre • Aumento de dose
as duas primeiras. Uma medida, contudo, pode ser suficiente • Acréscimo de beta-agonista de longa ação
na prática cllnica de rotina. • Em crianças, verificar adesão e técnica de inalação

TABELA 18.1 ~ Valores de referência da medida da FENO

Inflamação eosinotrlica Improvável Improvável Presente, mas leve Significativa

ADIJLTOS <5 5-25 25-50 >50


FEHO (ppb*) (ou aumento >60% desde a última medida)

CRIANÇAS > 12 anos <5 5-20 20-35 >35


FE100 (ppb*) (ou aumento >60% desde a última medida)

' ppb = portos por bolhlo.


• Se assintomático e em tratamento, manter tratamento se S. Amcrican Tboracic Socicry; Europcan Rcspiratory Society. ATSI
o paciente estiver estável ERS Rconmrncndations for Standardiu:d Proccdurcs for lhe Onti-
ne and Otninc Mcasurcmcnt of Exhalcd Lower Respiratory Nitric
Altos (>50 ppb) Oxide and Nasal Nitric Oxide, 2005. Am J Rcspir Crit Care Med.
• Considerar asma a tópica se a história for apropriada 2005;171 (8):912-30.
• Resposta positiva a um curso de corticoide pode ser es-
perada
• Em crianças, se combinados com qualquer evidência de Leituras recomendadas
limitação ao fluxo aéreo, o diagnóstico de asma é muito Alving K, Janson C. Nordvalll.. Performance of a ncw hand-held
provável dcvicc for exhalcd nitric oxide mcasurcment in adults and childrcn.
• Se sintomático e em tratamento anti-inflamatório, che- Rcspir Res. 2006;7:67.
car.
• Adesão Alving K, Malinovschi A. Basic aspects of exhalcd nitric oxide. Eu r
Respir Soe Mon. 201 0;49:1-31.
• Técnica inalatória
• Dose da medicação Hanscl TI; Kharitonov SA, DonneUy LE, Erin EM, U!rrie MG, Mo-
• Considerar: ore WM, ct al. A sclective inbibitor of inducible nitricoxide synlhasc
• Altos níveis de exposição a alérgenos inhibits cxbalcd brcalh nitric oxide in bcaltby volunteers and asth-
• Exacerbação iminente matics. FASES J. 2003; 17(10):1298-300.
• Resistência aos esteroides Lim KG, Mottram C. Thc use of fraction of cxbalcd nitric oxide in
• Se assintomático ou em tratamento, manter tratamento pulmonary practicc. Chcst. 2008;133(5):1232-42.
se o paciente estiver estável
Maarsingh H, Lcusink J, Oos IS, Zaagsma J, Meurs H. Arginase
strongly impairs neuronal nitric oxidc-mcdiatcd airway smooth mus·
ele rclaxation in allergic asthrna. Respir Rcs. 2006;7:6.
Referências
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1991;181(2):852-7.
Silkoff P. History, teehnical and rcgulatory aspects of exhaled nitrie
3. Ricciardolo FL, Sterk PJ, Gaston B, Folkcrts G. Nitric olri- oxide. J Breath Res. 2008;2(3):037001.
dc in health and discasc of thc rcspiratory systcm. Physiol Rcv.
2004;84(3):731-65. Ward JK, Belvisi MG, Fox AJ, Miura M, Tadjkarimi S, Yacoub Mil,
et ai. Modulation of cholinergic neural broncboconstriction by cn-
4. Abba AA Exhalcd nitric oxide in diagnosis and managcmcnt of dogcnous nitric oxide and vasoactivc intestinal pcptide in human
rcspiratory discascs. Ano Tborac Mcd. 2009;4(4):173-81. airways in vitro. J Clin lnvcst. 1993;92(2):736-42.
Marcelo Tadday Rodrigues
19
Introdução Métodos de indução de escarro
O objetivo da indução do escarro é coletar uma amostra A técnica mais comumente utilizada é a seguinte:
adequada de secreções da via aérea inferior de pacientes
incapazes de produzi-la espontaneamente no momento do 1. Orientar o paciente detalbadamente sobre o procedi-
exame, para o estudo de seus componentes celulares, mi- mento antes do exame.
crobiológicos e bioquímicas. 2. Verificar a segurança do equipamento e preparar o ne-
A análise do escarro induzido é utilizada na investi- bulizador.
gação de infecções (p. ex., tuberculose em pacientes que 3. Pré-tratar o paciente com salbutamol (200 p.g) para pre-
não expectoram), na pesquisa da citologia em câncer de venir broncospasmo, com medida do volume expiratório
pulmão, na avaliação da inflamação em asma e doença forçado no primeiro segundo (VEF,) (a espirometria é
pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) 1 e em doenças in- melhor do que o pico de fluxo expiratório- PFE) antes e
tersticiais e ocupacionais. 10 minutos depois da medicação.
Durante muito tempo, a técnica de análise do escarro foi 4. Nebulizar - utilizando nebulizador ultrassônico - ini-
limitada pela dificuldade de obtenção de amostras adequadas, cialmente com solução salina (0,9%) e, então, com con-
fato superado pela utilização de solução salina hipertônica, que centrações crescentes de solução hipertônica (3, 4 e 5%)
mostrou ser capaz de induzir a formação de pequenas quanti- por períodos de sete minutos, eom intervalos de cinco
dades de secreção que podem ser expectoradas e analisadas. minutos. Em pacientes com alto risco de broncospasmo,
As principais limitações do método estão relacionadas é mais seguro usar apenas solução salina a 0,9%.
com o tempo consumido na indução e em seu posterior pro- 5. Após cada período de inalação, o paciente assoa o nariz,
cessamento, e com a necessidade de pessoal treinado nessas lava a boca e deglute a água para minimizar a contamina-
técnicas. Outros potenciais limitantes são o fato de a amos- ção com gota pós-nasal e saliva.
tra não ser sempre obtida e o risco (manejável) de provocar 6. O paciente, então, é orientado/estimulado a inspirar pro-
broncospasmo em asmáticos. fundamente, tossir, expectorar e coletar a amostra do
O escarro induzido é uma alternativa não invasiva ao escarro.
exame broncoscópico com lavado broncoalveolar para a co- 7. Logo após, ou a qualquer momento, caso apresente al-
leta de material das vias aéreas inferiores/ sendo, hoje em gum sintoma, faz-se uma medida do VEF, para registrar
dia, amplamente utilizado em pneumologia. De todas as in- possíveis diminuições na função pulmonar. Se o VEF, se
dicações de indução de escarro para análise de material de mantiver igual ou cair menos de 10%, o exame prosse-
via aérea inferior, o estudo e a avaliação do processo infla- gue até a obtenção de uma amostra adequada ou até se
matório em asma têm sido foco de grande interesse. completar o protocolo. O procedimento é interrompido
e administra-se broncodilatador caso a queda do VEF, A viabilidade celular é determinada pelo método de ex-
seja de 20% ou mais, modificando-se a inalação se o clusão por coloração trypan blue, e o número total e absoluto
VEF, cair entre 10 e 20%. de células por mg de escarro processado é calculado. Depois
disso, são feitas duas lâminas, fixadas com metano! e coradas
Outras formas de se induzir escarro são nebulizações com coloração de May-Grunwald-Giemsa. A celularidade
com solução hipertônica a 3% por períodos de 3 a 7 minutos diferencial é feita pela contagem de 400 células nucleadas
ou ainda solução hipertônica a 4,5% sem pré-tratamento por em cada uma dessas lâminas.
períodos de 30 segundos até oito minutos.
O nebulizador ultrassônico induz melhor o escarro; já
a solução hipertônica (3%) é mais efetiva do que a solução
isotônica, porém concentrações crescentes (3, 4 e 5%) por
Escarro induzido em indivíduos normais
períodos de sete minutos são melhores do que lrês períodos A interpretação correta dos resultados da análise do es-
de sete minutos com solução a 3%. Como a solução salina carro induzido pressupõe o conhecimento dos parâmetros
hipertônica pode induzir broncospasmo, deve-se estar aten- de normalidade. As principais células presentes no escarro
to ao paciente com asma não controlada, VEF, reduzido ou de indivíduos normais, não fumantes e não asmáticos, são
hiper-responsividade severa. Pode-se iniciar com solução neutrófilos e macrófagos; já eosinófilos, linfócitos e células
isotônica e ir gradualmente aumentando os tempos para epiteliais brônquicas são escassos, e células metacromáticas
evitar crise. A indução não influencia o conteúdo celular do (basófilos, mastócitos) são praticamente ausentes. Como foi
escarro, mas pode alterar algumas medidas da fase fluida. comentado, a técnica de processamento (escarro seleciona-
do ou amostra total), a concentração da solução de nebuli·
zação e o tempo do procedimento da indução não alteram a
contagem de células. A TABELA 19.1 mostra situações clínicas
Processamento do escarro que apresentam aumento de células no escarro induzido.
Após a obtenção da amostra de escarro induzido, este deve
ser processado em até duas horas em função da viabilida-
de celular. Existem duas abordagens no processamento do
escarro, ambas validadas na literatura: 3 uma consiste na se-
Escarro induzido e asma
leção da porção mais viscosa ou densa do material expecto- A asma geralmente está associada a eosinofilia no escar-
rado com o objetivo de evitar a contaminação com saliva; a ro.' Até 80% dos pacientes sem tratamento com corticoide
outra é o processamento de toda a amostra (escarro mais inalatório e cerca de 50% dos pacientes em vigência dessa
saliva). Quando se analisa a amostra selecionada, os seguin- terapia, mas sintomáticos, têm contagens de eosinófilos no
tes passos são executados: escarro acima dos limites esperados (cerca de 0,4% em não
fumantes). Utilizando-se um ponto de cor te de 1% como
1. A amostra é colocada em uma placa de Petri. indicativo de eosinofilia no escarro (em conjunto com his-
2. Todas as porções densas e viscosas que parecem estar tória clínica compatível com um ou mais dos seguintes: tes·
livres de contaminação por saliva (até 1.000 mg) são se- te de broncoprovocação com metacolina positivo, resposta
lecionadas e colocadas em um tubo de poliestireno de 15 aos broncodilatadores ou PFE anormal), a sensibilidade e
mL usando um fórceps de 15 mm. a especificidade são de 80 e 95%, respectivamente, para o
3. A porção separada é tratada com quatro vezes o volume diagnóstico de asma. Da mesma forma, o escarro induzido
de ditiotreitol (D1T) diluído a 0,1% com água destilada.
A mistura é centrifugada (vorte;red) por 15 segundos e
cuidadosamente aspirada para dentro e para fora com TABELA 19.1 -7 Situações clínicas e o escarro induzido
uma pipeta para atingir a mistura completa.
4. O tubo de poliestireno é "agitado" por 15 minutos em
um bench rocker.
S. Depois disso, quatro volumes de solução salina tampão Eosinófilos Asma não controlada
(D-PBS) são adicionados para interromper o efeito do Bronquite eosinofilica sem asma
DTT na suspensão celular, e o rocking é continuado por Exposição a alérgenos
mais cinco minutos. Limitação ao fluxo aéreo responsiva a corticoides
6. A suspensão é filtrada com uma gaze de náilon de 481-'-m
para remover muco e restos celulares. Neutrófilos Tabagismo
7. A suspensão filtrada resultante é centrifugada a 790 x g Poluentes, p. ex., ozônio
Endotoxinas
por 10 minutos, e o sobrenadante é aspirado e armazena-
Infecção
do em tubos de Eppendorf a - 70"C para posterior exame.
Asma resistente a esteroides
8. O pellet celular é novamente suspenso em um volume de
200 a 600 1-'-L de D -PBS, dependendo do tamanho ma- Linfõcitos Sarcoidose
croscópico, e a contagem de leucócitos é obtida com he- Chlamydia pneumoniae
mocitômetro.
pode ser utilizado em conjunto com o PFE no diagnóstico de provar essa hipótese. Nos pacientes com DPOC, dessa for-
asma ocupacional. ma, o escarro induzido indicaria aqueles que responderiam
Embora a eosinofilia seja uma caracterlst.ica tfpica da ao tratamento anti-inflamatório.
asma, a introdução e o desenvolvimento da técnica de análi-
se do escarro induzido permitiram o reconhecimento de que
o processo inflamatório na asma é bem mais heterogêneo
do que se pensava, com a identificação da asma não eosi-
Conclusões e perspectivas
nofOica. A asma de padrão não eosinofOico está presente Até bem pouco tempo, o escarro induzido era considerado
em cerca de 25 a 55% dos asmáticos virgens de tratamento uma técnica apenas para pesquisa, em função das limita-
com corticoides. Seu reconhecimento é importante, pois ela ções já descritas, porém cada vez mais está encontrando
está associada à pequena resposta aos corticoides. Por outro sua aplicação na prática clínica, sobretudo no manejo da
lado, asmáticos - mesmo fumantes - com contagens eleva- asma, onde mostrou ser uma ferramenta útil para o con-
das de eosinófilos no escarro apresentam melhora da função trole da inflamação, reduzindo exacerbações, além de ser
pulmonar após curso de corlicoide. Do mesmo modo, a eo- um método seguro e reprodutível. Nos casos de investiga-
sinoftlia no escarro correlaciooa-se com o grau de melho- ção de infecções, principalmente em imunodeprimidos, e
ra com os esteroides inalados. 'D'atamentos voltados para a também na detecção precoce de câncer de pulmão, o es-
normalização do número de eosinófilos no escarro, associa- carro induzido é uma forma simples e segura de obtenção
dos à redução dos sintomas, correlacionam-se com redução de material para análise.
de exacerbações, além de diferenciar as exacerbações eosi-
nofilicas das não eosinoffiicas.2
Referências
1. Pavord ID, Pizzicbi.ni MM, Pixzicbini E, Hargrcavc FE. Thc use
Escarro induzido etosse crônica of induced sputum to invcstigatc airway inflammation. Thorruc.
Outra indicação da anãlise do escarro induzido é na inves- 1997;52(6):498-501.
tigação da tosse crônica, sendo que até 30% dos pacientes 2. Pavord ID, Stcrk PJ, Hargreave FE, Kips JC, lnman MO, Louis
tossidores apresentam mais de 3% de eosinóftlos no escar- R, ct ai. Oinieal applieations of assessment of airway inllammation
ro. Cerca de metade desses pa.cieotes não apresenta nenhu- using induoed sputum. Eur Respir J Suppl 2002;37:405-3s.
ma evidência de asma, e seu diagnóstico será de bronquite 3. Kips JC, Pcleman RA, Pau"'Cis RA. Methods of cnmining indu-
eosinoffiica não asmática. O escarro induzido (assim como ced sputum: do differenoes maner? Eur Respir J. 1998;11(3):529-33.
a medida do óxido nítrico exalado - ver Capítulo "Óxido
Nítrico") é o método para identificar o tipo de processo in- 4. Hargreavc FE. lnduced spurum for the investigation of airway
flamatório em atividade e prever quais desses pacientes res- inflammation: evidcnoe for its clinicai application. Can Respir J.
1999;6(2):169-74.
ponderão ao uso de corticoide (eosinófilos no escarro estão
associados à resposta ao tratamento). O escarro induzido é
recomendado nas diretrizes do American College of Chest
Physicians como método parte da investigação de bronquite Leituras recomendadas
eosinofOica não asmática Brightling CE. Chronic cough due to nonasthmatic eosinopbilic
bronchitis: ACCP evidenoe-bascd clinicai practioe guidclincs. Chest.
2006;129(1 Suppi):II6S-21S.

Escarro induzido e DPOC Brightling CE. Clinicai applieations of induced sputum. Chest.
2006;129(5):1344-8.
A DPOC costuma estar associada a um aumento dos neutró-
filos inversamente proporcional à taxa de declínio do VEF1, Crapo RO, Jcnsen RL, Hargreave FE. Airway inllammation in
o que sugere o papel do processo inflamatório neutroffiico COPO: pbysiological outcome measures and induced sputum. Eur
nas pequenas vias aéreas na progressão da doença. Até cerca Respir J Suppl. 2003;41:19s-28s.
de 40% dos pacientes com DPOC apresentam mais de 3% Fireman E. lnduced sputum as a diagnostic tactic in pulmonary
de eosinófilos no escarro, e esses pacientes são indistinguí- discascs.lsr Mcd Assoe J. 2003;5(7):524-7.
veis cllnica e funcionalmente daqueles sem eosinofilia.
Holz O, Kips J, Magnusscn H. Update on sputum methodology. Eu r
A presença de eosinofilia no escarro - assim como na Respir J. 2000;16(2):355-9.
tosse crônica - seria preditora de resposta ao tratamento
com corticoides inalados e/ou orais. Estudos recentes mos- Jayaram L, Parameswaran K, Scan MR, Hargrcavc FE. lnduoed
traram que o tratamento objetivando reduzir a eosinofilia no sputum ceU counts: their usefulness in clinicai practioe. Eur Rcspir
escarro com corlicoides em pacientes com DPOC levou a J. 2000;16(1):150-8.
uma redução nas exacerbações exigindo internação hospita- Kips JC, lnman MD, Jayaram L, Bel EH, Parameswaran K, Pixziebi.
lar em comparação com o manejo convencional, com base ni MM, et ai. The use of induced sputum in clinicai trials. Eur Respir
em sintomas, porém mais estudos são necessários para com- J Suppl. 2002;37:47s-50s.
Magnusscn H, Holz O, Stcrk PJ, Hargreave FE. Noninvasivc Rodway GW, Choi J, Hoffman lA, Sethi J M. Exhalcd nitric oxide
mcthods to mcasurc airway inflammation: futurc considerations. in thc diagnosis and managcment of asthma: clinicai implieations.
Eur Rcspir J. 2000;16(6):1175-9. Chron Rcspir Ois_ 2009;6(1):19-29.
Pavord ID, Sterk PJ, Hargreave FE, Kips JC, Inman MD, Louis R, Silkoff PE, Trudeau JB, Gibbs R , Wenzel S. The relationship of
ct ai. Clinicai applications of asscssment of ailway inflammation induced-sputum inflammatory cells to BAL and biopsy. Chcst.
using induccd sputum. Eur Rcspir J Suppl. 2002;37:40s-3s. 2003;123(3 Supp1):371S-2S.
PauloJoséZimermannTeixeira
Spencer Marcantonio Camargo
20
Adalberto Sperb Rubin
JoséCarlos Felicetti

Introdução Indicações
A broncoscopia é um procedimento com fins diagnósticos e A broncoscopia pode ser utilizada com finalidades diagn6s-
terapêuticos que permite a visualização e o estudo da árvore ticas ou terapêuticas. O QUADRO 20.1 demonstra as principais
traqueobrônquica. A primeira broncoscopia foi realizada na indicações da broncoscopia diagn6stica, e o QUADRO 20.2, as
Alemanha em 1987 por KiHian, que investigou a traqueia e indicações mais frequentes.
os brônquios principais com o uso de um laringosc6pio. Até
1970, a broncoscopia rígida foi o único instrumento utilizado
para avaliar as vias aéreas, quando então o broncosc6pio fle-
xível foi introduzido por Shigeto Ikeda. Contraindicações
Atualmente, a broncoscopia flexível é o procedimento Não existe uma contraindicação absoluta para a realização
invasivo mais utilizado pela pneumologia. Já a broncoscopia de broncoscopia flexível, devendo ser levadas em conta a
rígida tem sido utilizada como método de escolha para pro- condição do paciente e a necessidade de realização do exa-
cedimentos com laser, dilatação de estenoses traqueobrôn- me. Pacientes com cardiopatia isquêrnica severa, relato de
quicas, colocação de próteses endobrônquicas, retiradas de
corpo estranho e para o manejo da hemoptise maciça.

QUADRO 20.1 ~ Indicações de broncoscopia

0 ATENÇÃO -
-
Tosse
Hemoptise
- Radiografia de tórax anormal
- Lavado broncoalveolar
A broncoscopia é um procedimento seguro com bai- - Cornagem diagnóstico:
xa morbidade (0,1 a 2,5%) e muito baixa mortalidade - Linfadenomegalia - Infecções pulmonares
( <0,05%) e, desde sua introdução, algumas modifi- intrator~cica ou massa - Doença pulmonar difusa
cações ocorreram. A substituição da fibra óptica por - Carc.inoma brônquico - Queimadura quimica
videobroncoscopia, a utilização da ultrassonografia - Carc.inoma metast~tico e térmica da ~rvore
para a realização da punção transbrônquica, a bron- - Tumores mediastinais e traqueobrônquica
esof~gicos - Trauma torácico
coscopia de autofluorescência e, mais recentemente,
- Corpo estranho - Paralisia de corda vocal
a broncoscopia de alta magnificação e a broncosco-
- Estenoses traqueobrônquicas - Paralisia diafragmática
pia tomográfica de coerência óptica são novas tec- - Fistulas traqueoesof~gicas
nologias para diagnóstico que, de forma progressiva, - Fístulas broncopleurais
estão sendo incorporadas na prática clinica.
QUADRO 20.2 ~ Indicações mais frequentes para broncoscopia• QUADRO 20.3 ~ Fatores associados ao risco de complicações da
broncoscopia
Massas, nódulos, lesões suspeitas ou c.\ncer 96,4%
- Não cooperação do paciente - Asma grave
Hemoptise ou sangra~nto 81,1% - Pessoal não treinado - Coagulopatia grave
- Material não adequado - Obstru~ traqueal
Pneumonia ou 0111ra infec~ 65,1% - Angina instávd signôficativa
------------------
Doença pulmonar difusa em imunocompetente 62,1%
- Arritmias não controladas - Ventilaçao mec.\nica
--------- - Hipoxemia refrat.!ria - Prtssao ellj)iratória final
- EnfiSellla bolhoso grave positiva
Broncoscopia terapfutica para atelectasia loba rou 56.4% - 81ópsia pulmonar
segmentar
broncoscópica
Tosse ou sibilo 23.4% - Proced1~nto broncoscópico
prolongado
Paciente imunocomprometido 15.4%

AIOS ou HIV 14,7%


car todo o procedimento a ser realizado e depois de aplicar
Doença da traqueia 2,2% o termo de consentimento informado a ser assinado, o pa-
ciente deve ser monitorado com oxímetro de pulso, ter um
Paciente em UTI ou sob ventilaçao mec3nica 1,5%
acesso venoso disponível e receber oxigênio suplementar via
Outras 4,7% cateter nasal.

'lndicoç6es mais frequentes conforme relato dell40 broncoscopistas ameriCAnos.


Fonto: Prakash e colaboradores.' Sedação
Embora ainda seja corrente a realização de exames apenas
com anestesia tópica, o uso de sedação torna o procedimen-
infarto agudo recente ou arritmias cardíacas devem ter o to muito mais confortável para o paciente e para o examina-
exame postergado, salvo em situações emergenciais, até ava- dor. O midazolam, o fentanil e o propofol são os fármacos de
liação clínica adequada. uso mais frequente para a sedação anestésica. São bastante
A coagulopatia não contraindica a realização do exa- seguros quando utilizados em doses apropriadas. A principal
me diagnóstico, mas biópsias não devem ser feitas nestes complicação é a depressão respiratória.
pacientes até que tenham sua situação normalizada. Para Para anestesia tópica da mucosa, administram-se lido-
a execução de biópsias, recomenda-se uma contagem de cama a 2% sem vasoconstritor, lidoeaína geleia e spray. Em-
plaquetas acima de 50.000/mL e uma razão normalizada bora complicações relacionadas com toxicidade pela lido-
internacional (RNI) < 1,6. A realização de biópsias em pa- caína sejam bastante incomuns, deve-se atentar para a dose
cientes fazendo uso de aspirina é controversa. Estudos ava- máxima recomendada de 4,5 mg/kg.
liando o risco de sangramento nas biópsias transbrônquicas
em pacientes utilizando aspirina concluíram que essa possi- Exame básico
bilidade é inferior a 1%.
Pacientes em ventilação espontânea, mas com saturação Após sedação e anestesia local com lidoeaína, o broncoscó-
de oxigênio abaixo de 90%, têm risco aumentado de disfun- pio é introduzido por via nasal ou oral. Recomenda-se a via
ção ventilatória durante o exame. O QUADRO 20.3 enumera nasal como primeira escolha caso não haja contraindicação
os fatores associados a um maior risco de complicações. para sua utilização, por ser bastante confortável. Algumas
vezes, pode ser necessário o uso de vasoconstritores tópicos
para uma melhor passagem do aparelho pela cavidade nasal.
Quando a via oral for a escolhida, é necessária a utilização
Técnica para realização do procedimento de um bocal, para evitar que o paciente morda e danifique
o aparelho.
Preparativos O broncoscópio é avançado permitindo visualização
O paciente é instruído a permanecer em jejum por 4 a 6 da região supraglótica e das estruturas da laringe. No exa-
horas antes do exame, sendo obrigatória a presença de um me das cordas vocais, deve-se atentar para o movimento de
acompanhante. Antes de passar o paciente para a sala de abertura e fechamento delas e para a simetria do movimento
exames, é importante checar se há disponível um exame na inspiração e fonação. Avançando um pouco mais o apa-
radiológico de tórax ou uma tomografia de tórax (TC) atu- relho, visualiza-se a traqueia, procurando identificar anor-
alizada. Nas doenças infiltrativas, a TC de tórax permite a malidades na mucosa e simetria no calibre em toda a exten-
escolha do melhor local para a realização dos prooedimentos são. Na tosse ou expiração, deve-se verificar se ocorre um
de coleta de material. movimento exagerado da parede posterior membranosa em
Deve-se checar os exames de coagulação sempre que direção à parede anterior da traqueia, caracterizando colap-
houver possibilidade de realização de biópsias. Após expli- so traqueal patológico. Logo após, identifica-se a earina da
traqueia, que deve ser móvel na tosse. Um alargamento ou márias e metastáticas, nas infecções e também no manejo
fixação da carina sugere um processo patológico. Avançando das doenças intersticiais já está bem estabelecida.
o aparelho para o interior dos brônquios principais, lobares O LBA tem sido utilizado também para melhor com-
e segmentares, é possível realizar a inspeção anatômica e a preensão dos mecanismos de doenças como asma e síndro-
coleta de material me da distrição respiratória aguda (SDRA). Possui compro-
Os procedimentos relacionados com a broncoscopia vado valor para o diagnóstico das infecções, especialmente
incluem o lavado broncoalveolar, o lavado broncoalveolar quando exames menos invasivos (como de escarro ou he-
protegido, o escovado brônquico, o escovado brônquico pro- mocultura) são inconclusivos, sobretudo em pacientes com
tegido, a biópsia endobrônquica, a biópsia transbrônquica e suspeita de pneumocistose.
a punção transbrônquica. O QUADRO 20.4 exemplifica todas
as possibilidades de utilização da broncoscopia para o diag-
nóstico das infecções respiratórias. Técnica
Não há uma única maneira de realização do LBA Descre-
ve-se aqui a técnica empregada no Pavilhão Pereira Filho,
mencionando-se, quando oportuno, outras abordagens.
Lavado broncoalveolar Após inserção do fibrobroncoscópio e inspeção completa
O lavado broncoalveolar (LBA) constitui-se em um método da via área para busca de anormalidades, a ponta do apare-
extremamente útil para a obtenção de material das vias aére- lho deve ser avançada até o brônquio desejado tanto quanto
as e dos alvéolos. Os componentes celulares e não celulares, possível, até que ele seja encastoado, geralmente na quarta
presentes na superfície epitelial alveolar, são representativos ou quinta bifurcação. A realização de biópsia e de escovado
quando ocorrem alterações inflamatórias e imunes no trato não deve ser executada antes do LBA, a fim de evitar conta-
respiratório inferior. minação do material com excesso de sangue, o que pode al-
Existem diversas técnicas para a obtenção de fluido dis- terar as concentrações celulares ou dos demais componentes
talmente à via aérea, sendo em geral efetuadas via fibro- analisados. A anestesia tópica da mucosa brônquica deve ser
broncoscopia. O fluido inclui células, proteínas e gorduras, ótima para evitar a tosse; esta pode levar à má impactação
com possibilidade de análise e obtenção de informações re- e ao extravasamento do liquido. Pode ocorrer traumatismo
levantes tanto na área clínica quanto na experimental Sua brônquico e o consequente risco de contaminação do LBA
aplicabilidade no diagnóstico de neoplasias pulmonares pri- com sangue.

QUADRO 20.4-? Técnicas broncoscópicas e aplicabilidade nas infecções respiratórias

Broncoscopia (visualização) 1. Acesso a mucosa, doenças intraluminais e extraluminais


2. Avaliação de tuberculose endobrónquica, mitoses, vesículas virais (AIOS)
3. Aspergilose traqueobrónquica invasiva, candidose e outras
4. Acompanhamento de doença endobrônquíca (p. ex., tubetculose)

Lavado brónquico Cultura para micobactérias, fungos, viroses, e coloração para pneumocistose

Lavado broncoalveolar Cultura de todos os organismos, especialmente para identificação de mico bactérias, fungos,
citomegalovlrus, outras viroses e coloração para Pneumocystis jirovecii

Escovado brónquico protegido Cultura de todas as bactérias anaeróbias e aeróbias

ES<ovado brónquico não protegido Colorações para mico bactérias, fungos, P. jirovecii e viroses

Biópsia endobrônquica 1. lesões da mucosa causadas por micobactérias, fungos, protozoários, etc.
2. Remoção de lesões obstrutivas respon.sáveis por infecções
3. Drenagem de abscesso pulmonar

Aspirado transbrônquico por agulha 1. Colorações e cultura de linfonodos extrabrônquicos para identificação de micobactérias e fungos
2. Drenagem de cisto broncogênico e instilação de agente esclerosante

Biópsia pulmonar broncoscópica Colorações e culturas de todos os microrganismos

Broncoscopia rígida e flexível Inserção de prótese traqueobrônquica para tratar obstrução causada por infecções, como tuberculose ou
histoplasmose
Quando não se observam lesões na radiografia de tórax,
os sítios preferidos para execução do LBA são a língula e o
lobo médio. Nos lobos inferiores ou mesmo nos lobos supe-
riores, o retorno do material lavado proveniente deles é signi-
ficativamente menor do que nos demais segmentos. Em doen-
ças pulmonares difusas, ambos os pulmões devem ser lavados.
Infundem-se, em média, cinco allquotas de 20 mL de
soro fisiológico em cada segmento, embora determinados
grupos o façam com aüquotas de 50 a 60 mL por infusão,
com coleta imediata do fluido mediante pressão de 50 a 100
Thrr, com a mesma seringa de infusão. Como regra, obtém-
-se de 40 a 60% do volume administrado (FIGURA 20.1), com
viabilidade das células superior a 80% (FIGURA 20.2). Pelo FIGURA 20.3 ~ lavado broncoalveolar de má qualidade, contaminado
menos 25 mL de material devem ser resgatados. O volume por c~ulas da orofaringe.
rec:uperado é menor em fumantes, idosos e pacientes subme-
tidos à anestesia geral para o procedimento. É usada solução
salina isotônica à temperatura ambiente ou, preferencial-
mente, aquecida a 3'?C. O soro pré-aquecido auxilia a evitar (FIGURA 20.3). Portanto, esse material deve ser separado e
tosse e broneospasmo, pode aumentar o volume recuperado examinado como amostra "brõnquica", ou mesmo despre-
e dar maior rendimento da eelularidade. Não se deve ultra- zado. O lavado não será válido para o diagnóstico se houver
passar 3 ml/kg (máximo de 300 mL). abundante secreção purulenta, se o fibrobroncoscópio não
A primeira aüquota é uma amostra da via aérea anterior se mantiver encastoado durante todo o procedimento e se
à superflcie alveolar do lobo ou segmento pulmonar ana- menos de 40% do material vier a ser recuperado. Uma das
lisado (com maior número de polimorfonucleares e maior vantagens de se utilizar a seringa para aspirar alíquotas se-
possibilidade de contaminação por células da orofaringe) paradas é que, caso o broncoscópio saia do local onde estava
eneastoado, o material coletado não se perderá, o aparelho
poderá ser reposicionado e novas aüquotas serão coletadas.
O LBA recuperado deve ser armazenado a 40C e enviado
para o laboratório assim que possível. A análise de material
deve ser efetuada em laboratório experiente com manejo
adequado dos espécimes, padronização das rotinas e nor-
matização dos valores de referência para interpretação dos
resultados (FIGURA 20.4).
As qualificações do operador, o preparo do paciente e
as precauções de segurança são as mesmas indicadas para a
fibrobroncoscopia.

Constituição do material
Celularidade
AGURA 20.1 ~ Aspecto macroscópico do lavado broncoalveolar. Deve
ser recuperado mais de 40% do que foi injetado, Mpumoso e de colo-
Nos indivíduos saudáveis não fumantes, os macrófagos corres-
raç.\o opalescente. pondero a 88 a 95% do total de células recuperadas, com os


••
• •

'-• •

• ,'

FIGURA 20.4 ~ lavado broncoalveolar demonstrando c~ula.s de ade-
FIGURA 20.2 ~ lavado broncoalveolar ele boa qualidade. noc.lrcinoma br6nquico.
linfócitos em segundo lugar, com menos de 15%, e o restante senta limitado va.lor para diagnóstico de lesões pulmonares
sendo constitufdo por diversas outras linhagens celulares. Em periféricas, como no caso de neoplasias isoladas. Pode ser
crianças, o percentual de neutrófilos é maior. Os macrófagos realizado em pacientes com infiltrados pulmonares, naque-
são oriundos da medula óssea e atuam na defesa contra o~ga· les com síndrome da imunodeficiência adquirida (AIDS) e
nismos e antfgenos depositados na superficie alveolar, além em pacientes imunoincompetentes ou em ventilação mecâ-
de neutralizarem enzimas proteolítieas. Os linfócitos, em sua nica com lesões pulmonares não diagnosticadas.
maioria, são originários dos tecidos linfoides brônquicos e
linfonodos, com o restante proveniente da circulação. São,
principalmente, células de "memória», com as células Tem Segurança, contraindicações e complicações
maioria e a relação CD41CD8 de cerca de 1,8:1. A fibrobronc:oseopia com LBA é um procedimento rápido
Fumantes normais apresentam uma contagem do total e seguro quando efetuado em um paciente adequadamente
de células 5 a 10 vezes maior do que não fumantes, encon· preparado, por profissional competente e ciente dos riscos
trando-se também maior quantidade de polimorfonucleares. potenciais e que toma as providências necessárias para que
eles não ocorram.
Proteinas e outros materiais Não há contraindicação absoluta à sua realização, mas é
preciso ter conhecimento de situações de risco e de contrain·
Dentre as diversas protefnas recuperadas do LBA, a albu-
dicaçôes relativas, que incluem pacientes não colaborativos,
mina corresponde a um terço do seu total. Várias imunoglo·
volume expiratório forçado no primeiro segundo (VEF,)
bulinas, especialmente lgG e lgA, também são encontradas.
Fragmentos de IgA secretora são encontrados no LBA, e a menor do que 800 a 1.000 mL, asma moderada a grave, hi·
percapnia, hipoxemia não corrigida a uma Sp0 2 maior do
concentração de lgE é a mesma do plasma. Acredita-se que
nem IgM ou lgD existam no fluido do LBA. Várias outras que 90% com oxigênio suplementar, arritmias cardJacas gra·
enzimas e materiais podem ser encontrados, como comple· ves, infarto agudo do miocárdio há menos de seis semanas,
mento, interleucinas, ~, -antitripsina, colagenase, fibronecti· diátese hemorrágica não corrigida e instabilidade hemodi·
na, entre outras substâncias. Dentre o complemento, C4, C5 nãmica.
e fator B são facilmente localizados no LBA. A incidência de complicações menores oscila entre 0,2%,
e as maiores, entre 0,08%. Dentre as possíveis complicações
estão febre (10% ou mais dos pacientes), que melhora sem
Indicações necessidade de terapia, laringospasmo e broncospasmo,
O LBA é realizado em pacientes imunocompetentes com pneumonia, pneumotórax, arritmias eardlaeas, hipoxia, con-
pneumonia alfpica, tuberculose, suspeita de aspiração crôni· fusão mental, hipotensão e, raramente, sepse e morte. Os
ca, doença pulmonar eosinoffiiea, SDRA, proteinose alveo- mínimos decréscimos da capacidade vital forçada (CVF), do
lar e doenças pulmonares intersticiais (QUADRO 20.5). Apre- VEF,, bem como do pico de fluxo expiratório (PFE), estão
mais relacionados com a fibrobronc:oseopia em si do que
com o próprio LBA. A síndrome da resposta inflamatória
QUADRO 20.5 -7 Rendimento diagnóstico do lavado
sistêmica é observada em até 10 a 12% de todos os exames
broncoalveolar (LBA) na doença pulmonar infiltrativa bronc:osoópicos.
A incidência de complicações é baixa quando o bron-
coscopista possui conhecimento acurado das minúcias fi.
LBA sem biópsia geralmente sufiCiente: alta sensibaodade e alta
especificidade siopatológieas e técnicas do LBA, em especial no pacien·
- Proteinose alveolar te internado em unidade de terapia intensiva (UTI) e sob
- Pneumonia por P. Frovecii ventilação mecânica. As taxas de complicações observadas
- Carcinoma brónquico em pacientes ambulatoriais e internados são semelhantes,
- Unfoma não de Hodgkin e menos de 1% destes necessitam de hospitalização. Por·
- Hemorragia al~lar tanto, a fibrobroncoscopia com LBA pode ser efetuada no
nível ambulatorial, de maneira segura, desde que por pes·
LBA em combinação com a clinica eTC de tórax de alta resolução soal qualificado.
frequentemente suficiente: alta sensibilidade. baixa esp«ificidade
- Fibrose pulmonar idiopática (neutrófilos ± eosinófilos)
- Pneumonia de hipersensibilidade (linfócitos, plasm6citos,
macrófagos espumosos) Escovado brônquico
- Bronquiolite obliterante com pneumonia organizante (celularidade
mista) O escovado brónquico é realizado com a introdução de uma
- Bronquiolite respiratória/doença pulmonar interstidal (macrófagos escova pelo canal de trabalho do broncoscópio. A escova é
do fumante) visualizada distalmente à ponta do broncoscópio c introdu·
zida junto a uma lesão ou na área de interesse a ser exami·
LBA tipico em apenas 50% dos pacientes, biópsia geralmente nada. Por meio de movimentos de vaivém, a escova é friccio-
n«essária (se TC de tórax atipica): sensibilidade moderada, alta nada diversas vezes e recolhida. A amostra é preparada em
especifiCidade uma lâmina de microscópio ou no interior de uma solução
- S<!rcoidose (C04/CD8 aumentados) salina e encaminhada para exames de cultura e citologia.
- Histiocitose das células de Langerhans (CD1 > 4%) Nas lesões neoplásieas centrais, o escovado brônquico é po-
sitivo em cerca de 60% dos casos. Um aspecto importante
para a pesquisa de células neoplásicas no esfregaço em lâmi-
na do escovado brônquico é a colocação imediata do fixador
para que não ocorra lise celular, o que prejudicaria a análise
pelo citopatologista.

Biópsia brônquica
A realização de biópsias brônquicas pode ser prevista com
antecedência, tendo como base os achados descritos nos exa-
mes de imagem realizados previamente, ou, algumas vezes,
durante a execução de exames investigativos, quando se de-
para com uma alteração não conhecida até então.
Para a realização das biópsias, utiliza-se uma pinça em
forma de fórceps, que é inserida pelo canal de trabalho do FIGURA 20.6 ~ lesão mediastinal invadindo a traqueia. A biópsia d~
monstrou criptococose. Este caso exemplifica a importãncia de não se
broncoscópio e avançada até quase tocar na lesão (FIGURA
colocar todos os fragmentos em formol. Para pesquisar fungos e mico-
20.5). A pinça é então aberta e avançada em direção à lesão
bactérias, os fragmentos devem ser colocados em solução fisiológica.
visualizada, quando, sob visão direta, é fechada e recuada,
retirando um fragmento da lesão em questão (FIGURA 20.6).
A maioria das biópsias brônquicas tem por objetivo co-
lher um fragmento de lesões vegetantes que emergem no
interior dos brônquios. O diagnóstico nas lesões centrais é
Biópsia transbrônquica
obtido em cerca de 70% dos casos, caindo para menos de A biópsia transbrônquica é realizada avançando-se a pinça
50% nas lesões mais periféricas. As lesões descritas nos exa- de biópsia na via aérea distai, fora da visão do examinador,
mes radiológicos como periféricas e com menos de 2 em de até que uma resistência seja encontrada. A pinça é recuada
diâmetro têm um baixo rendimento diagnóstico. cerca de 1 em e então aberta. Devem ser realizados movi-
Algumas doenças costumam comprometer a mucosa, mentos de vaivém para que a pinça se abra. Solicita-se que
como é o caso da amiloidose, da sarcoidose e de neopla- o paciente inspire profundamente, e a pinça é avançada de
sias. No caso da sarcoidose, é interessante que, mesmo não forma suave. Pede-se então que o paciente exale o ar, quan-
havendo lesões visíveis na mucosa, a biópsia é positiva em do a pinça é fechada e tracionada, retirando-se um fragmen-
cerca de 40% das vezes. Nessas situações, a realização de to de parênquima pulmonar (FIGURA 20.7).
repetidas biópsias no mesmo local, aprofundando a mucosa, É importante observar se o paciente relata dor quando
aumenta o rendimento diagnóstico. Em algumas ocasiões, a a pinça é fechada, o que significa que a pleura visceral foi
utilização de uma pinça com um esporão central facilita a ultrapassada. Nesta situação, aumenta bastante o risco de
biópsia de lesões submucosas localizadas na parede lateral ocorrência de pneumotórax.
dos brônquios principais e traqueia, quando é difícil a flexão
do aparelho para a fiXação da pinça.
~ ATENÇÃO
As principais indicações de biópsias transbrônquicas
são estas:
• Nódulos ou lesões tumescentes periféricas, náo
visfveis na broncoscopia
• Investigação de doenças pulmonares intersticiais.
• Pacientes transplantados pulmonares com sus-
peita de rejeição ou infecção
• Obtenção de material para culturas de fungos ou
micobacterioses

Na investigação de nódulos pequenos e periféricos, a


fluoroscopia facilita a orientação e melhora a acurácia diag-
nóstica. Recentemente, técnicas utilizando o ultrassom en-
FIGURA 20.5 ~ Demonstração de colocação da pinça para biópsia en-
dobrônquico e a navegação eletromagnética têm melhorado
dobrônquica.
muito o rendimento das biópsias de lesões periféricas.
As diferentes sensibilidades entre os estudos podem ser
explicadas pelos seguintes aspectos: diferença no perfil dos
pacientes considerados de alto risco e a oonsequente preva-
lência de lesões radio-ocultas; diferença de experiência entre
os broncoscopistas; diferenças na variabilidade interobser-
vador na análise histopatológica das amostras; e crescente
experiência do próprio broncoscopista com a técnica con·
vencional.

AGURA 20.7 ~ Esquema explicando a biópsia transbrônquica. A pin·


ça é avançada pelo canal de trabalho do broncosc6pio flexível até Endoultrassonografia torácica
sentir-se uma resistência. Ela é então recuada e aberta, avançando Esta técnica permite a obtenção de intagens além da mucosa
para remover parede de bronquíolo e alvéolo conforme demonstrado em direção ao mediastino. Duas técnicas, a punção aspirati-
na imagem.
va por agulha fina guiada em tempo real por ultrassonogra-
fia esofágica (EUS-FNA) e a punção transbrônquica guiada
em tempo real por ultrassonografia endobrônquica (EBUS-
Na investigação de doenças intersticiais, a biópsia trans- ·TBNA) (FIGURA 20.8), possibilitam a obtenção de material
brõnquica está especialmente indicada quando houver sus- de linfonodos ou lesões mediastinais para análise citopato-
peita de sarcoidose, carcinomatose linfática, pneumonia co· lógica. Sua maior indicação é para estadiamento de câncer
sinotmca ou sindrome de Goodpasture. de pulmão ou para diagnóstico de doenças granulomatosas
É sabido que a positividade do diagnóstico do espécime com envolvimento ganglionar, como tuberculose, micoses e
obtido na biópsia depende de vários fatores, como causa sarcoidose, hoje avaliadas por mediastinoscopia, considera-
da doença, seu padrão radiológico, viabilidade do material da o padrão-ouro.
e número de amostras, além da experiência do profissional O método é essencialmente uma punção aspirativa, an-
executante. Outras limitações da técnica transbrõnquica in- tes realizada às cegas (punção transbrônquica). O rendimen-
cluem o pequeno tamanho e número dos fragmentos (o ideal to diagnóstico varia de 15 a 83%, dependendo do tamanho
é que haja no minimo cinco), os artefatos de compressão e o e da localização do linfonodo e da experiência do operador.
fato de as biópsias obterem somente material da área centri- Uma metanálise recente relatou 78% de sensibilidade e 28%
lobular e, por muitas vezes, falharem em penetrar a bainha de falso-negativos para a punção transbrônquica realizada
peribrõnquica. às cegas em pacientes com carcinoma brõnquico e uma pre-
Os pacientes transplantados de pulmão são rotineira- valência de 81% de comprometimento de linfonodo subca-
mente submetidos a exames endoscópicos para acompanha- rinal (N2). Já uma metanálise utilizando a EBUS-TBNA em
mento da evolução da anastomose, para coleta de material e pacientes selecionados relatou uma sensibilidade de 94%
para diagnosticar a ocorrência de rejeição. pa.r a aqueles cem envolvimento linfonodal demonstrado por
As complicações mais frequentes - quando realizada tomografia com emissão de pósitrons (PET) com uma pre-
biópsia transbrônquica- são a ocorrência de pneumotórax valência de doença maligna de 68% (comprometimento de
em cerca de 4% dos casos e sangramento em 2,8%. N2/N3).
É importante a realização de uma radiografia de tórax
após o exame para afastar a ocorrência de pneumotórax.

Novas técnicas de broncoscopia


diagnóstica
Broncoscopia de autofluorescência
Embora ainda pouco utilizada em nosso meio, a broncosco-
pia de autofluorescência apresenta como vantagem a capa-
cidade de detectar lesões pré-invasivas e/ou lesões precoces
de câncer de pulmão das grandes vias aéreas de pacientes
de alto risco, ainda não visualizadas pelas técnicas de ima-
gem radiológica. Vários estudos demonstram que a adição
da autofluorescência resulta na detecção mais precoce de
lesões intraepiteliais pré-invasivas que passariam desper-
cebidas pela broncoscopia convencional. No entanto, essa
maior sensibilidade é relativa, uma vez que a verdadeira
AGURA 20.8 ~ Esquema da ESUS·TBNA O transdutor mostra o g~n­
prevalência de lesões pré-invasivas permanece desconhe-
glio e a punção é realizada sob visão ecográfica.
cida.
Thnto a EBUS-TBNA quanto a EUS-FNA têm um va- • Dilatação por balão
lor preditivo negativo que varia de 60 a 80%, necessitando • Dilatação com broneoscópio rígido
de estadiamento cirúrgico confirmatório em caso de punção • Uso de laser, argônio ou eletroeautério
negativa em linfonodo aumentado e com suspeita de estar • Lesões neoplásicas com obstrução brõnquica (FIGURA
positivo. 20.11) ou sangramento
• Braquiterapia
• Termoplastia brônquica no tratamento da asma
• Colocação de válvulas e srents brônquicos para trata-
Broncoscopia terapêutica mento da hiperinsuflação no enfisema pulmonar (FIGURA
Além de sua utilização para diagnóstico, as broncoscopias 20.12)
flexível e rígida podem ser utilizadas no tratamento de várias
situações, conforme descrito a seguir:
Broncoscopia com uso de laser ou argônio
• Thalete brônquica Algumas neoplasias avançadas das vias aéreas causam obs-
• Atelectasias trução da traqueia ou de brônquios de grande calibre, cau-
• Lavagem pulmonar na proteinose alveolar sando dificuldade respiratória e infecções teleobstrutivas.
• Retirada de corpo estranho da via aérea (FIGURA 20.9) Por serem tumores avançados, não têm indicação de ressec-
• Estenoses brônquicas ou traqueais (FIGURA 20.10) ção cirúrgica, mas muitas vezes é necessário permear a via
• Colocação de stents aérea para permitir a continuidade do tratamento e melho-
rar a qualidade de vida do paciente.
O uso de laser (Nd:YAG) através do broncoscópio per-
mite a ressecção de tumores no interior dos brônquios e da
traqueia, aliviando sintomas obstrutivos com melhora na
qualidade de vida dos pacientes. O laser produz alterações
térmicas, fotodinâmicas e eletromagnéticas. Q uando utiliza-
do para ablação térmica, provoca vaporização dos tecidos.
Essa reação é imediata e se estende por cerca de 3 a 4 mm de
profundidade. A utilização do laser requer treinamento es-
pecializado e precauções para evitar perfuração brônq uica.
O laser também pode ser utilizado no manejo de algumas
doenças benignas, para a destruição de tecidos de granula-
ção que obstruem a via aérea.
Outro método também utilizado para o manejo das le-
sões brônqu icas é o da coagulação com plasma de argônio. O
método utiliza um gás ionizado que transmite calor, provo-
cando a evaporação dos tecidos. Thm menor penetração do
que o laser, sendo limitado nos tumores grandes. É empre-
FIGURA 20.9 7 Presença de gr~o de milho em segmento do brônquio gado também no tratamento paliativo de doenças neoplási-
loba r inferior direito.

FIGURA 20.11 7 Obstrução total do brônquio principal direito por le-


FIGURA 20.1O7 Estenose subglótica. são neoplásica.
FIGURA 20.12 -+ Paciente com fístula tra-
queoesof~gica tratado com colocaçAo de
stent.

cas e em algumas situações de doenças benignas, como no


controle do tecido de granulação pós-inflamatório ou após
anastomose traqueal ou brônquica.
Thnto o laser quanto o plasma de argônio podem ser uti-
lizados com broncoscópio rígido ou flexível. O mais frequen-
te é urna combinação dos dois métodos.
As complicações mais comuns são perfuração de via
aérea, embolia gasosa, sangramento e estenoses pós-cicatri-
ciais.

Termoplastia brônquica
O mecanismo postulado consiste na destruição ou atrofia da
musculatura lisa por meio da liberação de energia térmica
via radiofrequência. O equipamento consiste em um cateter
brônquico (FIGURA 20.13) e um gerador de radiofrequência. FIGURA 20.14-+ Cesta expandida na via aérea.
O cateter é introduzido através do broncoscópio e possui na
sua extremidade uma cesta expansível com quatro eletrodos.
O cateter alcança a via aérea mais distalmente visível através
do broncoscópio, sendo então a cesta expandida de modo através dos eletrodos durante esse tempo. Após eada ativa-
ção, a cesta é retraída e o cateter é reposicionado proximal-
que os quatro eletrodos estejam em contato harmônico com
a parede das vias aéreas (FIGURA 20.14). mente em 5 mm, em posição adjacente à ativação anterior e
O sistema gerador libera energia via radiofrequência por com cuidado para não ocorrer sobreposição. O tratamento
completo consiste em três sessões intercaladas por intervalos
um período de 10 segundos, gerando e transmitindo calor
de três semanas. Cada sessão consiste em uma média de 30 a
45 ativações com duração entre 30 e 60 minutos.
Os estudos realizados indicam que a principal utilização
da termoplastia será em pacientes com asma persistente se-
vera e asma de dificil controle, nos quais, a despeito do tra-
tamento otimizado c baseado nas diretrizes internacionais
(Global Initiative for Asthma - GINA), ainda não é possível
alcançar o controle da doença. É fundamental que o bron-
coscopista encarregado do procedimento tenha uma boa
técnica e informação sobre o manejo de pacientes asmáticos
submetidos ao exame, em especial sobre potenciais compli-
cações em decorrência da asma. Dados atuais sobre segu-
rança envolvendo os três grandes ensaios cl!nicos - Air 'fria!,
Risa mal e Air Trial I! - foram recentemente divulgados,
demonstrando segurança deste procedimento após três anos

_____
FIGURA 20.13 -+ Cateter br6nquico para tennoplastia.
_;_
de acompanhamento. O procedimento já foi liberado pelo
Food and DrugAdministration {FDA) e está sendo utilizado
nos Estados Unidos.
Redução endoscópica de volume
pulmonar
Diferentes métodos endoscópicos vêm sendo desenvolvidos
e estudados experimentalmente e testados em estudos clíni-
cos, em uma tentativa de se encontrar alternativas não cirúr-
gicas para a redução volumétrica do pulmão enfisema toso.
Os dispositivos para o tratamento endoscópico do enfi-
sema heterogêneo podem ser divididos em dispositivos blo-
queadores (p. ex., válvulas unidirecionais), não bloqueado-
res reversíveis ou removíveis (p. ex., coils ou molas) e não
bloqueadores definitivos ou não reversíveis (ablação térmica
por vapor e obstrução endobrônquica por polímeros). Den- FIGURA 20.16 7 VAivula unídirecional do tipo 1sv-.
tre os procedimentos direcionados para o enfisema homogê-
neo, o bypass das vias aéreas interno ( endobrônquico) tem
sido o mais estudado.
Dispositivos não bloqueadores reversíveis
Dispositivos bloqueadores (removíveis)
As válvulas unidirecionais são os únicos dispositivos já va- As molas (coils) consistem em um fio de nitinol (liga metá-
lidados para uso clfnico. O modelo Zephyr• (Pulmonx, Re- lica de níquel e titânio) com memória que, ao ser introdu-
dwood City-CA, EUA) (FIGURA 20.15) é de instalação bron- zido no brônquio subsegmentar, curva-se trazendo consigo
coscópica, e pode ser removido em caso de necessidade. A o parênquima pulmonar em um movimento rotatório sobre
redução volumétrica pulmonar endoscópica tem por obje- o seu eixo, reduzindo assim o volume do parênquima por
tivo causar uma desinsuflação progressiva, levando a uma esse mecanismo de torção (RePneu• Lung Volume Reduc-
reconfiguração diafragmática com consequente melhora tion Coil, PneumRx lnc, Mountain View, California, EUA)
funcional pulmonar, da capacidade de exercido e da quali- (FIGURA 20.17). Para obter a redução volumétrica desejada
dade de vida. com este método, é necessário quevárioscoils (molas) sejam
Os resultados do acompanhamento após seis meses de instalados através do canal de trabalho de um broncoscópio
instalação dessas válvulas em um estudo multicêntrico de- flexível em um lobo com menor perfusão.
monstraram melhora discreta embora significativa no VEF,
e um aumento na tolerância ao exerclcio no teste de cami- Dispositivos não bloqueadores definitivos (não
nhada de seis minutos.
Outro dispositivo valvular que tem sido testado apresen- reversíveis)
ta um desenho diferente, porém seu mecanismo de ação é A ablação térmica por vapor é uma nova tecnologia que
semelhante ao dos demais (IB~. Olympus Co., Spiration, utiliza vapor d'água aquecido, o qual é administrado por
Redmond-WA, EUA) (FIGURA 20. 16). 0 objetivo do dispo- broncoscopia flexível através de cateter de oclusão endobrô-
sitivo é obstruir o fluxo aéreo seletivamente nos segmentos nquica por balão posicionado na área a ser tratada (lobo,
broncopulmonares em que é posicionado, atuando como segmento). Essa nova tecnologia ainda está em avaliação, e
válvula unidirecional cujo formato permitiria a drenagem de novos estudos clínicos estão sendo empreendidos com quan-
secreções. tidades de vapor diferentes.

4.0 Zephyr* Valve 5.5 Zephyr* Valve

FIGURA 20.15 7 Válvula unidirec;ional do tipo Zephyr•. FIGURA 20.17 7 Mola ou coi/.
A redução volumétrica biológica (BLVR) compreende a BoneUa F, Ohshimo S, Bauer P, Guzman J, Costabel U. Bronchoal-
obstrução endobrõnquica por polúneros biodegradáveis ins- veolar lavage. Eur Respir Mon. 2010;48:59-72.
tilados nos brônquios subsegmentares por meio de um bron- Brickcy DA, Lawlor DP. Transbronchial biopsy in lhe prcscnce of
cofibroscópio, causando obstrução local com atelectasia da profound clcvalion of lhe inlcrnalional normalizcd ralio. Chcst.
área hiperinsuflada. Essas substâncias causam também uma 1999;115(6):1667-71.
reação inflamatória local com formação de tecido cicatricial
British Tboracic Society guidelines on diagnoslic flexible broncbos-
que perpetua a desinsuflação local.
copy. Thorax. 2001;56(Suppl l ):il -21.
Cardoso PFG, SneU GJ, Hopkins P, Sybrecht GW, Stamatis G, Eng
Dispositivos para enfisema homogêneo P, et al. Clinicai application of airway bypass witb paclitaxel-eluting
O bypass endobrõnquico é um procedimento, realizado por stcnts: early rcsults. J Thorac Cardiovasc Surg. 2007;134(4):974-81 .
meio de broncoscopia flexivel, que inclui a produção de
Cbapman JT, Mebta AC. Bronchoscopy in sarcoidosis: diagnostic
orifícios (fenestrações) endobrônquicos na via aérea distai
and tberapcutic intcrventions. Curr Opin Pulm Mcd. 2003;9(5):402-
(brônquios subsegmentares), os quais são mantidos perme- 7.
áveis pela instalação de dispositivos (stents) eluidores de fár-
macos (FIGURA 20.18). Ainda estão em análise os resultados Cox G, Thomson NC, Rubin AS, Nivcn RM, Corris PA, Sicrsted
preliminares de estudos com esta técnica. HC, et al. Astbma control during tbe year after bronchial tbermo-
plasty. Ncw Engl J Med. 2007;356(13):1327-37.
Apesar dos benefícios demonstrados pelos vários proce-
dimentos endoscópicos propostos para o enfisema avançado, DeCamp MM Jr, McKenna RJ Jr, Descbamps CC, Krasna MJ.
os resultados não são uniformes e tampouco suficientes para Lung volume rcduction surgery: tcchniquc, operative mortality, and
sua aplicação clinica imediata em larga escala. Mais estudos morbidity. Proc Am ThoracSoc. 2008;5(4):442-6.
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Nelson Porto
Klaus L. lrion
21
Bruno Hochhegger
Rodrigo Moreira Bello

Introdução ~ ATENÇÃO
O uso das características imagéticas para definir a natu-
reza benigna ou maligna de uma lesão, ou mesmo para A punção torácica transcutAnea é um procedimento
sugerir seu tipo histológico, é uma das principais funções pouco invasivo, seguro, com baixo fndice de compli-
do radiologista. I númeras publicações foram dirigidas às cações e que permite a coleta de material para es-
tabelas de diagnóstico diferencial radiológico, sendo ba- tudos citológico, histológico e microbiológico. Esse
seadas nas limitadas capacid ades de resposta ou modifi- método tem sido utilizado no diagnóstico de massas
cação do tecido pulmonar frente a um processo inflama- mediastinais, lesões submucosas, nódulos e massas
tório (infeccioso ou não) ou neoplásico. Essas hipóteses pulmonares periféricas.
diagnósticas têm sido úteis, mas certamente não atendem
à necessidade de maior acurácia diagnóstica, fruto da evo-
lução terapêutica. É fundamental a oonsciência de que o exame por micros-
A evolução do diagnóstioo médioo, permitindo que se- oopia também está sujeito a erro, o que não é tão infrequen-
jam identificados numerosos tipos de germes e diferentes te. Assim, um diagnóstico histopatológioo ou microbiológioo
tipos de neoplasias, leva o diagnosticista a respeitar oom divergente dos dados cHnioos e radiográficos deve também
maior rigidez os limites do diagnóstico fundamentado em ser questionado, avaliando -se a necessidade de coleta de
método radiológioo. Não é menor, contudo, a necessidade uma nova amostra ou do encaminhamento do material para
de um amplo conhecimento sobre a expressão radiográfi- consultoria em centros de referência.
ca dos diversos processos patológicos, nem diminu iu a im- A técnica de biópsia por agulha, precursora do método
portância do radiologista, que está participando cada vez hoje utilizado, foi inicialmente explorada por Martin e Ellis, em
mais ativamente do processo diagnóstico-terapêutico. Com 1925. Em 1966, foi publicada uma das primeiras séries de bióp-
as biópsias por agulha, orientadas por raio X, tomogr afia sia orientada por Ouoroscopia por Dahlgren e Nordenstrõm.
computadorizada (TC) ou ultrassonografia, o radiologista Hoje, a punção biópsia transcutãnea é um método usa-
colhe material para um diagnóstico especifico, tanto em do universalmente, bastante preciso e seguro. Esse aumento
doenças neoplásicas oomo em doenças inflamatórias (in- na utilização das punções foi possível graças ao desenvolvi-
fecciosas ou não). mento em paralelo das técnicas citológicas e microbiológi-
cas, ao crescente número de citologistas e microbiologistas
oom experiência e, também, à grande redução nos custos das
agulhas de punção, agora de uso único, permitindo aprovei- O uso cada vez mais disseminado do ácido acetilsalicílico
tamento máximo de seu fio de corte, com consequente redu- também é uma contraindicação formal ao procedimento, o
ção da frequência de pneumotórax ou bemoptise_ qual pode ser realizado após sete dias da suspensão do medi-
O aprimoramento da indústria metalúrgica também foi camento. No caso das heparinas, se o paciente for portador
significativo no que se refere ao desenvolvimento de no- de alguma doença infectocontagiosa, isso também deve ser
vas ligas metálicas, mais resistentes, possibilitando reduzir referido claramente na requisição.
o calibre externo das agulhas, sem prejuízo importante do
diâmetro de sua luz. Atualmente, mesmo as agulhas com ca-
libres muito finos são bastante rijas, sofrendo pouco desvio
no seu trajeto (FIGURA 21.1).
Técnica
Três tempos básicos dividem o procedimento e devem ser
observados com rigor: a orientação e o conforto do paciente,
~ ATENÇÃO a punção, incluindo a anestesia, e a manipulação do material
coletado.
A intervenção por punção no tórax era inicialmen-
te dirigida ao diagnóstico de lesões tumescentes
(nódulos ou massas). Agora, está também indicada
QUADRO 21 .1 -7 Material para punção-biópsia pulmonar
para avaliação celular (citologia, microbiologia) ou transcutânea
tecidual (histopatologia) de doenças pulmonares
difusas, bem como de lesões pleurais ou mediasti-
- Campos estéreis, fenestrados
nais. Quase invariavelmente se utiliza um método de - Duas cubas (para soro e álcool iodado)
diagnóstico por imagem para guiar o procedimento. - Torundas estéreis
- Dânula de uma via
- Seringas de 1Oml ede 20 ml
- Lâmina de bisturi n°11
- Anestésico local a 1%
Material - Soro fisiológico
Para realizar o procedimento, recomenda-se a montagem - Fixador citológico (frasco conta·gotas)
- fixador histológico (formol)
de conjuntos contendo pelo menos o material que consta no
- Frasco esterilizado para coleta de liquido
QUADRO 21.1 e na FIGURA 21.2. - Lâminas de vidro esterilizadas
Se a lesão for tumescente com área de escavação ou de - Agulha grossa para aspiração do anestésico
aspecto consolidativo com broncograma, as punções com - Agulha fina para anestesia
agulha lancetante devem ser realizadas em ambiente onde - Agulhas de punção, ponta em bisei e mandril, n" 18G e 20G, com
seja possível a assistência de um endoscopista, para coloca- 7, 10 e 15 em de comprimento
ção de um cateter de Fogarty e/ou soro gelado, com o obje- - Agulhas para coleta de amostra de tecido (biópsia lancetante),
tivo de estancar eventual hemoptise volumosa (FIGURA 21.3). ponta em bisei e sistema coaxial. manual ou de disparo automático
Para evitar esse tipo de complicação, o clinico, ao solicitar o - frascos com meios de cultura diversos (para fungos, bactérias
exame, deve certificar-se de que não há alteração das provas aeróbias, bactérias anaeróbias e micobactérias)
- Caixas para as lâminas de vidro
de coagulação do paciente, especialmente de que este não
- Etiquetas para identificação dos frascos e das lâminas
esteja anticoagulado, não tenha realizado diálise e não apre- - Conjunto para drenagem de pneumotórax
sente hipertensão arterial pulmonar.

FIGURA 21.1 ~ Agulha de punção lancetante. Verifique o tamanho da


amostra teci dual que pode ser retirada (cerca de 1,5 em de comprimen-
to por 1 mm de espessura). FIGURA 21.2 ~ Mesa com material para punção.
FIGURA 21 .3 7 Exemplo de lesão escavada. (A) e (B) lesão escavada pré·punção. (C) e (O) a TC de controle demonstra hematoma intralesional e
pequeno derrame pleural hemático. Note o aumento do nivel liquido da lesão e o hematoma hiperdenso. A punção deste tipo de lesão deve ser
realizada em ambiente com recursos para atender eventual hemoptise volumosa.

Orientação e conforto Após essas explicações iniciais, o paciente deve ser po-
O paciente deve ser adequadamente informado sobre o pro- sicionado de modo a obter o melhor acesso à lesão, sempre
cedimento a que será submetido, com dados sobre as eta- respeitando-se o conforto dele, pois sua colaboração é fun-
pas de posicionamento, anestesia local, punção da lesão e damental para o sucesso do procedimento. Decúbitos pro-
período pós-procedimento. Devem-se ressaltar o tipo e a no, supino, lateral ou oblíquo podem ser livremente usados,
intensidade da dor que poderá sentir (em geral semelhante dando-se preferência àquele em que a agulha seja direciona-
à de uma injeção intramuscular), a necessidade de apoeia da na vertical, sem angulaçáo.
prolongada (especialmente durante a transftxação da pleu- No decúbito prono, o uso de coxins sob o esterno per-
ra) e absoluta imobilidade após o posicionamento e a de- mite maior afastamento das escápulas. Nessa posição, tam-
marcação. Não se pode esquecer de preveni-lo sobre o tem- bém são utilizados pequenos coxins ou sacos de areia para
po aproximado do procedimento, tampouco sobre os sinais acomodar os pés do paciente, apoiando os tornozelos. No
que deverá observar para identificar eventuais complicações
decúbito dorsal, um triângulo de espuma sob os joelhos,
após o exame (pneumotórax e hemoptise).
flexionando-os a 45 graus, aumenta em muito o conforto,
O paciente deverá, também, ser informado acerca da ne-
cessidade de drenagem torácica em caso de pneumotórax vo- retiftcando a coluna lombar, permitindo maior relaxamen-
lumoso, o que é fundamental por questões legais e para que, to. Quando a via de acesso é axilar ou oblíqua, pode ser ne-
no caso, o paciente compreenda que o pneumotórax é uma cessário um posicionamento variado do braço, para afastar
complicação esperada e relativamente frequente (tO a 15% ). A a escápula do trajeto da agulha. Flexiona-se o cotovelo em
orientação dada com empatia e transparência é a melhor for- cerca de 90 graus e desloca-se o braço em sentido caudal ou
ma de se obter a máxima colaboração por parte do paciente. cranial.
121 ATENÇÃO
da anestesia com a lesão do parênquima (FIGURA 21 .4). Em
geral, a punção deve ser dirigida para o local em que a lesão
estaciona após uma apoeia em inspiração, pois, com os pul-
Ot cuidados.com a esterilização são importantes e mões cheios, o paciente consegue mantê-la por mais tempo.
semelhantes aos de uma biópsia pleural. A utiliza- Além disso, a inspiração torna mais constante a posição da
Çao de agulhas. campos e luvas esterilizadas e uma lesão em relação à parede.
adequada assepsia da pele com álcool iodado são Feito isso, retira-se essa agulha e efetua-se uma incisão
suficientes para a proteção. Nos casos mais diffceis, pequena e profunda na pele com a lâmina de bisturi nO 11.
em que o radiologista pode precisar de apoio para Essa incisão tem como objetivo básico diminuir a resistên-
os braços, o uso de avental esterilizado pode ser im- cia da parede torácica à introdução da agulha de biópsia,
portante para evitar a contaminação dos campos de reduzindo a perda desnecessária do fio da agulha na pele e
1proteçAo. Na série de nosso serviço. nenhuma com- aumentando a sensibilidade do operador às resistências que
lplicaçAo quanto à contaminação 'foi identificada. serão transfJXadas. Sem esse corte, a pele fica justa ao redor
da agulha, travando-a mais do que as outras camadas da pa-
rede torácica, que são mais frouxas. Quanto mais grossa for
a agulha de punção, mais essa incisão será útil.
Punção Ao introduzir parte da agulha de punção, sempre menos
Orientando-se a agulha anestésica em direção à costela de do que a da anestesia fora introduzida, revisa-se a posição
referencia, faz-se uma boa anestesia da parede torácica, sem em relação à lesão e reorienta-se o paciente sobre o grau de
risco de causar pneumotórax por transfiXação inadvertida inspiração e a pequena dor que poderá sentir no momento
da pleura. Com a seringa de 10 mL com anestésico (xilo- da passagem pela pleura. Insiste-se no fato de que ele não
caína a 1%, sem vasoconstritor), realiza-se uma adequada poderá reagir a essa pequena dor, sob risco de causar pneu-
anestesia da pele, do tecido subcutâneo c da musculatura. motórax antes que seja possível atingir a lesão, inviabilizan-
Ao atingir a costela, o anestésico da seringa é substituído do o procedimento.
por 5 a 7 mL de anestésico puro (1 %). Dirige-se, então, a Ao sentir a resistência ao deslocamento da agulha quan-
agulha para o espaço intercostal cranial a essa costela de do se atinge a lesão, deve-se introduzi-la um pouco mais e
referência, aprofundando a agulha mais 5 mm, quando se aspirar o material. Fecha-se a dãnula para manter a pressão
anestesia a pleura. negativa no interior da agulha. Em lesão tumescente, sólida,
A noção de profundidade que a costela fornece é funda- raramente o material alcançará a dãnula ou a seringa, exceto
mental, pois a mensuração da espessura da parede torácica nos casos em que há necrose ou tenha ocorrido hemorragia
é sempre incorreta, seja pela mudança de posicionamento durante o procedimento. Retira-se a agulha e espalha-se o
ou pelo diferente grau de contratura muscular que alteram a material, conforme descrito adiante.
espessura das partes moles a serem transflxadas. Uma radio- Dependendo do volume e do aspecto do material cole-
grafia, a verificação por radioscopia ou um corte tomográfi- tado, poderá ser necessária a repetição imediata da punção,
co deve ser utilizado para certificar-se da relação da agulha lembrando sempre que a cada passagem pela pleura aumen-

FIGURA 21A ~ Reconstrução tridimeruional de pun~ orientada por TC. (A) Repare o ponto cut.\neo. (8) A agulha de anestesia. (Q A agulha de
pu~ão lan<:etante.
ta-se em muito o risco de pneumotórax. Antes da reintro- QUADRO 21 .2 ~ Contraindicações da biópsia pulmonar por
dução da agulha, passa-se uma torunda, embebida em soro agulha
fisiológico, limpando sua superfície externa, para retirar
o sangue seco que seria mais um elemento de atrito. Para - Discrasia sanguínea
aqueles que acreditam na fantasia de implante neoplásico - Terapia com anticoagulantes (incluindo diálise)
em punção, essa é uma atitude que pode reduzir sua ansie- - Leucemia
dade. - Enfisema ou bolhas
Caso tenha ocorrido pneumotórax na primeira tentati- - Pneumonectomia contralateral
- Hiperten.sáo pulmonar
va, será muito difícil atingir novamente a lesão, pois haverá
- Dificuldade de cooperação do paciente
grande mudança na sua posição relativa ao ponto de intro- - Cisto hidático
dução na pele. - Malformação arteriovenosa
Se a punção for lancetante, a resistência da lesão à agu-
lha da pistola é nossa maior referência para obter uma noção
de profundidade e para alcançar a lesão.
sanguínea, terapia com anticoagulantes, diálise, leucemia,
enfisema ou bolhas, pneumonectomia contralateral e dift-
Material coletado culdade de cooperação do paciente são exemplos de con-
Dois tipos básicos de material poderão ser obtidos: aspirado traindicações relativas e dependem da severidade do qua-
ou fragmento de lesão. dro e da possibilidade de corrigir o problema, pelo menos
Na biópsia lancetante, o fragmento será liberado da agu- temporariamente. Hipertensão pulmonar pode ser fator de
lhwa diretamente na cuba com soro e logo transferido para contraindicação se a lesão for próxima à região do cerne.
o frasco com formalina. Não deve ser colocado diretamente Lesões periféricas podem ser puncionadas com segurança,
na formalina, pois isso inutilizaria a agulha para a repetição dependendo da gravidade do quadro.
do procedimento. Caso o fragmento seja mais consistente, Contraindicações mais específicas são a suspeita de cisto
pode-se colocá-lo sobre uma lâmina de vidro para obter uma equ inocócico ou de malformação arteriovenosa.
amostra pela técnica de "imprint", colocando-o, a seguir, no
frasco com formalina.
Na punção aspirativa, o material colhido será colocado
sobre lâminas para esfregaço e/ou em meios de cultura. Se, Complicações imediatas do
ao esfregaço, o material secar logo, tornando-se opaco, não
será necessária a colocação de fixador. Nesse caso, deverá
procedimento
ser enviado para coloração pelo método de Leishman. Caso As complicações mais frequentes são pneumotórax e hemor-
contrário, se o material permanecer úmido, deverá ser ime- ragia pulmonar, sendo que a taxa de mortalidade relatada na
diatamente banhado com flXador citológico, sendo enviado literatura é menor do que 0,1 % . Outras complicações - mui-
para coloração pelo método de Papanicolau. Outras lâminas to raras - estão possivelmente relacionadas com a seleção
poderão também ser enviadas para microbiologia, estas sem inadequada dos pacientes ou o emprego de técnicas alterna-
flXador. tivas (QUADRO 21 .3).
Excesso de sangue em geral significa material impróprio
para análise citológica, sendo recomendada repetição ime-
diata da punção. Pneumotórax
Caso o material aspirado seja algum tipo de líquido O maior risco de pneumotórax está em pacientes com en-
abundante, parte poderá ser enviada para análise bioquími- fisema pulmonar. Nesta situação, deve-se considerar a re-
ca e parte para a técnica de análise em bloco de células por serva funcional, além do grau de participação do pulmão a
citocentrifugado. ser puncionado nas trocas gasosas. Isso pode ser avaliado
Além dos três tempos do procedimento em si, é de fun- subjetiva ou quantitativamente por TC ou cintilografia. Nes-
damental importância o conhecimento das contraindica- ses casos, é importante a capacidade de colaboração, pois
ções e das possíveis complicações, bem como um adequado
acompanhamento após o procedimento.
QUADRO 21 .3 ~ Possíveis complicações de biópsia pulmonar
transcutânea

Contraindicações da biópsia pulmonar - Pneumotórax


por agulha - Hemorragia pulmonar
- Hemotórax
Antes de decidir sobre a realização do exame, deve-se ter - Embolia gasosa
conhecimento das suas cont raindicações (QUADRO 21 .2) e - Embolia tumoral
avaliar a relação risco/benefício. Caso haja alguma contrain- - Enfisema med íastinal e parietal torácico
dicação, é necessário que se discuta o procedimento com - Empiema
o radiologista e com o cirurgião, se for o caso. Discrasia - Fístula broncopleural
o paciente dever ser capaz de permanecer deitado por 10 a Embolia gasosa
15 minutos, além de possuir reserva para sustar a respiração Embolia gasosa foi descrita em raros casos, podendo ser fa-
adequadamente por alguns instantes no momento da passa- tal. A maior probabilidade de embolia gasosa ocorre quan-
gem da agulha pelas pleuras. do se punciona lesão adjacente a uma veia central, deven-
A incidência de pneumotól'1lJt varia entre 10 e 40%. O do ser evitada a permanência da agulha de grosso calibre,
número de vezes que a agulha transpassa as pleuras, o cali- próxima do coração, especialmente em TC, pois esse mé-
bre da agulha, o tamanho e a profundidade da lesão, a pre-
todo exige algum tempo para a realização de cortes tomo-
sença de enfisema e a dificuldade de colaboração do pacien-
gráficos após a colocação da agulha no sftio presumível da
te são os fatores de risco para o aumento da frequência e da
lesão, para confirmação de seu posicionamento. Por isso,
extensão do pneumotórax. Na sua grande maioria, o volume
recomenda-se a oclusão do canhão da agulha com capa ou
do pneumotórax é pequeno, não sendo necessário nenhum
cânula após a retirada do mandril, para evitar que o ar seja
tipo de tratamento, exceto a observação do paciente. Relata-
-se que somente 1 em cada 5 ou 1 em cada 8 dos pacientes bombeado em direção ao coração, pelo fluxo no interior
com pneumotórax ocasionado por punção necessitaria dre- da veia.
nagem. Esta deverá ser realizada somente naqueles casos em Pode ocorrer embolia gasosa ao formar-se uma comuni-
que for identificada dificuldade respiratória, progressão do cação entre um brônquio ou uma cavidade e uma veia pul-
pneu motórax ou persistência dele após o tempo considerado monar central. Deve-se suspeitar dessa condição em pacien-
hábil para a redução de seu volume. tes que ficam confusos durante a biópsia.
Dentre as recomendações eficazes para a redução da fre-
quência e extensão dos pneumotóraces, citam-se a seleção
de um trajeto livre de pulmão arejado (se existente), a iden- Cuidados pós-punção
tificação prévia de bolhas de enfisema com TC, para seleção
de trajeto alternativo que evite a perfuração delas, o uso de Após o procedimento, realizam-se duas radiografias de tó-
agulhas descartáveis e finas, com fio intacto, a seleção de um rax em expiração máxima, uma logo em seguida e outra de-
trajeto que evite a transflX8ção de cissura e a redução do nú- pois de três horas, ou, em caráter de urgência, sempre que
mero de passagens da agulha pelas pleuras. o paciente referir dificuldade respiratória ou desconforto
torácico.

Hemorragia
Com ou sem hemoptise, pode ocorrer em até 10% dos ca-
sos, com aumento de sua incidência conforme o tipo de ex-
Conclusão
tremidade e o calibre das agulhas de punção. Alguns raros
casos fatais foram descritos na literatura. A chance de uma
hemorragia pulmonar causar complicação grave aumenta
0 ATENÇÃO

nos pacientes com depressão do reflexo da tosse, o que pode A biópsia pulmonar por agulha ~ um procedimento
ocorrer por debilidade ou sedação excessiva. Por isso, não se seguro, desde que corretamente indicada e respeita-
recomenda o uso de pré-medicação com sedativos. O risco das as contraindicações. Deve ser realizada por pro·
também aumenta em casos de pacientes com hipertensão fissionais altamente treinados em diagnóstico por
pulmonar, doença inflamatória e em lesão próxima a grossos imagem e com habilidade para manejar as eventuais
brônquios ou grossos vasos. complicações.
Hemorragia mais grave pode ocorrer em pacientes com
tempo de protrombina maior do que três segundos em re-
lação ao controle e em pacientes com leucemia e trombo- Biópsias de lesão hil.a r ou em pacientes com maior risco
citopenia. Se for muito necessário, esses pacientes podem de complicações não devem ser realizadas em serviços que
ser puncionados durante a transfusão de plasma fresco ou não disponham de fibrobroncoscopia para o tratamento das
de plaquetas. As condutas recomendadas frente a um caso hemorragias intrabrônquicas. A biópsia de lesão mediasti-
de hemoptise pós-punção são a colocação do paciente em nal deve sempre ser realizada com orientação por TC, sendo
decúbito lateral sobre o lado puncionado e, em casos mais indispensável um exame tomográfico computadorizado com
graves, fibrobroncoscopia com aspiração para identificação realce de meio de contraste prévio ao procedimento, para
do brônquio sangrante e posterior oclusão brônquica com demonstrar a posição dos grandes vasos em relação aos bor-
cateter com balão. dos da lesão.

Implante tu moral
O implante tu moral no trajeto da agulha é uma ocorrência Leituras recomendadas
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• Local de realização do procedimento: costuma-se reali-
Introdução zá-lo ambulatorialmente, em sala não cirúrgica, com dis-
A toracocentese - punção aspirativa do líquido pleural reali- ponibilidade de material para emergências.
zada com agulha fina - e a punção-biópsia pleural - retirada • Exame de imagem de tórax recente (radiografia ou to-
de fragmento pleural com agulha de Cope - são procedi- mografia computadorizada): é importante ter na sala um
mentos de rotina a serem realizados desde que seu resultado exame recente, para que no início do procedimento se
possa decidir ou mudar condutas. tenha certeza de que realmente existe derrame pleural e
Quando há possibilidade de que um derrame pleural não haja troca do lado de realização da punção (direito
seja causado por neoplasia, deve-se proceder à investigação ou esquerdo).
pleural, seja por meio de toracocentese, biópsia com agulha, • Posição do paciente: sentado (FIGURA 22.1), com o mem-
pleuroscopia, videotoracoscopia seja por toracotomia mini- bro superior do lado da punção elevado de modo a abrir
ma, até que se confirme a causa do processo. os espaços intercostais e facilitar o processo da punção
Se o mecanismo fisiopatológico ou a causa forem óbvios (o paciente pode segurar a porção superior de um supor-
e a conduta independe de exames pleurais, do líquido ou de te de soro).
fragmentos pleurais, obtidos por toracocentese ou biópsia, • O procedimento em si:
estes podem ser dispensados. São exemplos as seguintes si- • Marcação do local da punção: junção do plano ho-
tuações: insuficiência cardíaca, hipoproteinemia, concomi- rizontal que passa pelo apêndice xifoide com a linha
tància de tuberculose no parênquima pulmonar. axilar posterior, o que corresponde ao oitavo ou nono
A fim de se obter o melhor rendimento na investigação espaço intercostal.
pleural, uma rotina cuidadosa deve ser empregada, tanto nas • Antissepsia da pele.
técnicas de punção quanto no manuseio e na realização dos • Anestesia local: infiltração com xilocaína ou marcaína
exames dos materiais colhidos. da pele e pleura parietal. Para isso, faz-se um botão
anestésico tegumentar e introduz-se a agulha anesté-
sica logo acima da borda da costela adjacente, até se
atingir o líquido pleural; então, traciona-se o conjun-
Punção do líquido pleural to agulha-serínga, aspirando continuamente, até que
(toracocentese) cesse a saída de líqu ido (o que indica que o bisei está
próximo e Jogo para fora da pleura parietal); a seguir,
Para a realização da toracocentese, deve-se levar em conta injeta-se mais anestésico, o que garante uma boa in-
alguns fatores importantes, descritos a seguir: filtração do local da pleura parietal a ser biopsiado
(FIGURA 22.2A).
• Aspecto purulento e/ou presença de germes e/ou pH bai-
xo: empiema.
• Aspecto hemorrágico: acidente de punção, trauma ou
neoplasia maligna; não é sugestivo de tuberculose.
• Taxa de proteínas muito elevada: tuberculose.
• Citológico diferencial com linfocitose e ausência de célu-
las mesoteliais: tuberculose.
• Citopatológico oom presença de células ma.lignas: derra-
me neoplásieo.
• Pesquisa de BAAR positiva ou anatomopatológico com
granuloma: tuberculose.
• Células LE presentes e/ou FAN com título elevado: lú-
pus eritematoso sistêmico.
• Derrame quiliforme com triglicerfdeos elevados e/ou
presença de quilomicra: quilotórax.
• Uma taxa de adenosina deaminase superior a 40 UI/L
aponta fortemente para tuberculose.
• Um pH abaixo de 7,2 em paciente com derrame pleural
FIGURA 22.1 ~ Posiç3o do paciente. parapneumônico pode significar empiema. Para uma dc-
------------------- termínação adequada do pH, são necessários os seguin-
tes cuidados: colher o líquido em seringa heparinizada,
vedada de contato com o ar; enviar o material rapida-
• Com a mesma agulha da anestesia ou outra (n2 7), as- mente ao laboratório e/ou mantê-lo em baixa temperatu-
pira-se de 20 a 40 mL de líquido pleural para exames: ra até a realização do exame.
aspecto, proteínas, citológico diferencial, citopatoló-
gico, bacteriológico, BAAR e outros, solicitados con-
forme suspeita cl(rllca, como células LE, pH, glicose,
amilase e lipfdeos (FIGURA 22.28). Punção-biópsia pleural (agulha de Cope)
• Antecipadamente, coloca-se anticoagulante no frasco A sequênc:ia para realização da biópsia pleural com agulha
que vai receber o liquido pleural aspirado (1 mL de de Cope é a seguinte:
heparina para 10 mL de liquido pleural); o material
é colocado em dois frascos, que serão encaminhados • Anestesia (já realizada para a toraeocentese).
para o laboratório, devidamente rotulados com a • No mesmo local da toraeocentese, ainda sob efeito da
idenúficação do paciente e acompanhados das requi- anestesia, utilizando lâmina de bisturi n• 11, faz-se um pe-
sições dos exames a serem realizados. queno corte na pele e subcutâneo (:t5 mm de extensão).
• Através deste pertuito, íntroduz-se a agulha de Cope,
mostrada na FIGURA 22.3, montada com a cânula externa
Exames do liquido pleural e o possíveVprovável cortante e o mandril obturador (FIGURA 22.4A).
significado dos seus resultados • Uma vez introduzido o conjunto, troca·se o mandril ob-
• Um aspecto amarelado é o mais comum, não tendo rela- turador pela peça com gancho na extremidade (durante
ção com nenhuma causa em especial. essa troca, costuma haver extravasamento de liquido, o

FIGURA 22.2 7 Anestesia da pleura parietal (A) e punç3o pleural (8).


a .==:~~~~~::g mais espessa, há maior chance de conter alterações que se-
rão identificadas pelo patologista.
El ~
Exames no fragmento de pleura parietal
DI c:r- ~ (anatomopatológico)
No exame anatomopatológico, dois achados definem o diag-
FIGURA 22.3 -7 Agulha de Cope: (A) trotilrte maciço; (B) cânula ex·
nóstico: neoplasia maligna, geralmente carcinoma metastá-
tema, com extremidade cortante; (0 cânula interna, com extremidade
em gancho. tico ou linfoma; ou granuloma, sem/com necrose, caseosa ou
---------------- não. A presença de granuloma na pleura costuma ser sufi-
ciente para confirmar o diagnóstico de tuberculose, uma vez
que as outras causas de doença granulomatosa raramente
que garante que a extremidade da agulha esteja posicio- são acompanhadas de derrame pleural.
nada corretamente no espaço pleural) (FIGURA 22 .48). Sempre que o patologista identifica lesão granulomato-
• 'Th!ciona-se a agulha até que o gancho encrave na pleura sa, é realizada a pesquisa de BAAR e de fungos no material
pari e tal (FIGURA 22.4Q. (e no paciente HIV-positivo, mesmo sem granuloma).
• Mantendo-se esse !racionamento, são feitos movimen-
tos de rotação da cânula externa contra o fragmento de
pleura parietal, o que promove sua secção, ficando este Drenagem do líquido pleural, pós·punção
apreendido dentro do gancho (FIGURA 22.40). Recomenda-se, após a retirada dos materiais plcurais para
• Após, traciona-se todo o conjunto e retira-se o fragmen- exame, drenar o máximo volume possível do líquido pelo se-
to pleural com a extremidade de uma agulha de ponta guinte sistema de drenagem: agulba de Cope, montada com
fina, evitando seu esmagamento. o gancho, conectada por meio de torneira de três vias a um
• Dois fragmentos considerados adequados à inspeção equipo de soro, sendo que a outra extremidade deste é adap-
macroscópica são suficientes. tada a um frasoo coletor, no chão. Dessa forma, a drenagem
é espontânea e lenta.
é importante que o fragmento pleural contenha músrulo Se houver interesse, faz-se uma radiografia de tórax logo
estriado intercostal (porção avermelhada) e uma pequena após a punção para avaliar o grau de expansão do pulmão,
lâmina branco-nacarada (pleura parietal). Esta última pode verificar se e.IÓstem lesões pulmonares previamente enco-
ter espessura variável: sendo muito fina, não costuma con- bertas pelo derrame e observar a superficie pleural (grau de
ter material útil para diagnóstico anatomopatológico; sendo espessamento e presença de nódulos).

FIGURA 22.4 -7 Biópsia pleural com agulha dt Cope.


Contraindicações atelectasia) ou em caso de se ultrapassar a pleura visce-
ral e atingir um brônquio calibroso, o que é muito raro.
São cootraindicações relativas para toracoceotese e punção- • Edema pulmonar pós-reexpansão: pode ocorrer após es-
-biópsia pleural: diátese hemorrágica, uso de anticoagulante vaziamento rápido de um derrame volumoso, particular-
e ventilação mecânica. mente quando o pulmão ficou em colapso durante longo
tempo. Ocorre mais em pacientes idosos.
• Disseminação da doença no trajeto da agulha: 1) implan-
Riscos, complicações efatos inerentes te de neoplasia - sua ocorrência é raríssima e não piora
o prognóstico nem a qualidade de vida; 2) flegmão sub-
Os riscos, as complicações e os fatos inerentes a esses proce- cutãneo - descrito após punção de empiema. Se, durante
dimentos e as medidas de controle a serem tomadas incluem a toracocentese, for constatada a presença de pus, não
o seguinte: se faz biópsia pleural oeste momento, pois a retirada de
fragmento pleural para exame pode ser realizada duran-
• Síncope: se ocorrer, o paciente deve ser colocado ime- te a drenagem torácica.
diatamente em decúbito, elevando e massageando os • Empiema: pode ocorrer em função de contaminação do
membros inferiores para promover aumento do retomo material de punção ou erro técnico. Recomenda-se que
venoso e, consequentemente, aumento do rendimento a sala seja apropriadamente limpa, e que o médico siga
cardfaco. O procedimento só deve ser reiniciado após a rotina inerente a um procedimento cirúrgico no que se
restabelecimento de condições psicológicas adequadas, refere à antissepsia.
pulso e pressão arterial.
• Dor: se a dor persistir apesar da infiltração anestésica
inicial, proceder uma nova infiltração local e estendê-la a
espaços intercostais adjacentes. Recomenda-se não usar
Leituras recomendadas
Cope C. New pleural biopsy needle. JAMA 1958;167(9):1107-8.
mais do que 150 mg de lidocaína para evitar efeitos ad-
versos como crise convulsiva. Corrêa da Silva LC. Derrame plcural: estado atual do tema (2 par-
• Sangrameoto: pode ocorrer pequena hemorragia no mo- tes).J Pneumol. 1977;3(1):1~27. Publicado também em:J Pneumol.
1977;3(2):23-30.
mento da biópsia pleural. Se a quantidade de sangue for
preocupante, pode-se buscar outro local para realizar a Corrêa da Silva LC. Obtenção de espécimes pleurais (toracocentc-
biópsia ou suspender o procedimento. se c punção-biópsia pleural tran.scutânca). lo: Corrêa da Silva LC.
• Poeumotórax: caso seja de pequenas proporções, não há Condutas em pneumologia. Rio de Janeiro: Rcvinter; 2001. p. 163-5.
problemas. Pode ter grandes proporções quando a com- Ligbt RW. Plcural diseasc. ln: Gibson PG, editor. Evidcncc-bascd
placência pulmonar for muito baixa (fibrose pulmonar, rcspiratory medicine. Maldcn: Blackwcll; 2005. p. 521-36.
Med iasti nos-
.
cop1a,
Toracoscopia
e Toracotomia
Mínima
Spencer MarcantonioCamargo
José Carlos Felicetti
23
linfonodos da região aortopulmonar. Embora seja bem me-
Mediastinoscopia nos realizada à direita, a mesma técnica permite acesso a le-
A mediastinoscopia é um método de diagnóstico invasivo, sões que envolvam o hilo direito e a veia cava. Nos tumores
utilizado sobretudo para estudo diagnóstico de lesões locali- localizados no mediastino anterior que ultrapassam a linha
zadas na região do mediastino. Foi desenvolvida inicialmen- média, a mediastinotomia anterior realizada no lado com
te como uma extensão da biópsia dos linfonodos cervicais maior extensão da lesão é um excelente método de diag-
(biópsia de Daniels) no estadiamento do cãncer de pulmão nóstico, sendo de fácil execução, seguro e proporcionando
e, ainda nos dias de hoje, é realizada principalmente para material suficiente para estudos diagnósticos (FIGURA 23.1).
estadiamento das neoplasias pulmonares. A mediastinoscopia também é bastante útil na investiga-
Por meio da mediastinoscopia cervical, é possível ter ção de outras doenças que costumam acometer os linfono-
acesso às áreas do medias tino superior, paratraqueais e sub- dos mediastinais, como sarcoidose (FIGURA 23.2), linfomas e
carinais. A mediastinoscopia anterior esquerda, também tumores mediastinais menos frequentes.
chamada de técnica de Chamberlain, permite o acesso aos

FIGURA 23.1 -+ Tumor de mediasti-


no anterior (A) submetido à biópsia
por mediastinotomia antetior (B).
FIGURA 23.2 ~ Linfonodos mediasti-
nais e hilares aumentados em pacien-
te jovem portador de sarcoidose.

0 ATENÇÃO
Técnica
A mediastinoscopia cervical (FIGURA 23.5) é realizada com o
paciente sob anestesia geral, em decúbito dorsal, com um co-
No tratamento dos tumores pulmonares, a indicação
xim sob os ombros para proporcionar extensão cervical. É rea-
de ressecção das neoplasias é definida pelo estadia-
lizada uma pequena incisão de 3 em, cerca de um dedo acima
menta oncológico da neoplasia, e os linfonodos me-
da fúrcula esternal. Os tecidos são separados na linha média
diastinais são, na maioria das vezes, o primeiro local
em direção à traqueia. A glândula tireoide é afastada supe-
de comprometimento extrapulmonar (FIGURA 23.3).
riormente, com cuidado para não lesar as veias tireóideas m·
A biópsia desses linfonodos define a indicação pri-
feriores. A fáscia pré-traqueal é aberta e, utilizando-se o dedo
mária de tratamento cirúrgico ou a necessidade de
ind icador, aberta em toda a extensão anterior da traqueia sob
tratamento radioterápico e/ou quimioterápico neo-
adjuvante ou definitivo. dissecção romba. Neste momento, aproveita-se para palpar
os linfonodos das cadeias paratraqueais e também se busca
identificação de lesões tumor ais. É colocado um mediastinos-
cópio que permite a visualização e biópsia dos linfonodos das
Nos últimos anos, surgiram novas técnicas de estadia- cadeias paratraqueaís laterais, anteriores e subcatinais.
menta mediastmal do câncer de pulmão menos invasivas, A mediastmoscopia anterior é realizada na maioria das
como a tomografia computadorizada por emissão de pósi- vezes à esquerda, no segundo espaço intercostal, para bióp-
trons (PET-TC) e a ultrassonografia endobrônquica (EBUS). sia dos linfonodos das cadeias aortopulmonar e subaórtica.
Estudos comparando esses métodos com a mediastinoscopia Pode também ser realizada à direita para biópsia de Jinfono-
ainda não são conclusivos para a exclusão da mediastinosco- dos ou massas mediastinais.
pia. Também é necessário considerar que essas novas técni-
cas têm um custo elevado e não estão disponíveis na maior
parte do nosso país, mantendo-se a mediastinoscopia como Mediastinoscopia estendida
método de eleição para o estadiamento do câncer de pulmão Recentemente, uma técnica de abordagem mais abrangen-
(FIGURA 23.4). te dos linfonodos mediastinais por meio de um videome-

RGURA 23.3 ~ Les~o pulmonar no lobo superior esquerdo (A) com adenopatias mediastinais (B) (cancêr de pul~o).
,- -~

' \
A f)
~- /)

~ ·~ 1 ,
c
FIGURA 23.4-+ Paciente com uma lesão neoplásica no lobo superior esquerdo (A) com captação aumentada também nos linfonodos mediastinais,
sugerindo envolvimento neoplásico (B, C). A biópsia dos linfonodos por mediastinoscopia foi negativa.

FIGURA 23.5 -+ (A) identificação dos limites anatômicos; (B) incisão cerca de um dedo acima da fúrcula esternal; (C) colocação do mediastinoscópio;
(O) imagem do mediastinoscópio em relação à traqueia e aos grandes vasos.

diastinoscópio, chamada de videomediastinoscopia alarga- Complicações


da(VAMLA)
Vem sendo proposta como uma forma de aumentar a
amostragem e a identificação dos linfonodos positivos para ~ATENÇÃO
neoplasia no estadiamento das neoplasias de pulmão. Al-
guns estudos comparando a mediastinoscopia convencional
A mediastinoscopia é um procedimento bastante
com a mediastinoscopia alargada mostram que a segunda seguro quando realizado por cirurgiões habituados
tem uma sensibilidade e um valor preditivo negativo maiores
com a anatomia da região mediastinal. É uma cirur-
do que a mediastinoscopia convencional, sem aumento de
gia de muito baixa mortalidade, com complicações
morbimortalidade.
ocorrendo em torno de 3% das mediastinoscopias
realizadas e sendo consideradas complicações maio-
res em torno de 0,5% dos procedimentos.
Por ser uma região cercada por vasos arteriais e venosos, e anestesia local, isso é extremamente desagradável para o
as complicações mais relatadas são as biópsias inadvertidas paciente e para a equipe médica.
de estruturas vasculares. As lesões de artérias brônquicas, Excetuadas situações especiais, o procedimento deve ser
embora provoquem sangrarnento com alta pressão, são fa- realizado com o paciente sob anestesia geral, com entubação
cilmente manejadas com cauterização ou colocação de tam- seletiva e em decúbito lateral de acordo com o lado a ser
pões hemostáticos. Já lesões de grandes veias ou artérias em investigado.
geral exigem abordagem cirúrgica imediata, que é realizada, É importante que o caso em questão tenha sido adequa-
mais frequentemente, por estemotomia. damente discutido com toda a equipe médica, sendo perti-
Em algumas situações, como em uma lesão de veia ázigo, nente a participação de um radiologista com experiência na
cava ou artéria pulmonar, pode-se optar por abordagem por avaliação de imagens torácicas. Isso é de grande valia nos
toracotomia, justificada pela possibilidade de ressecção da muitos casos em que é necessária a decisão a respeito de
lesão pulmonar, quando existente, no mesmo tempo cirúr- qual o melhor local a ser abordado e biopsiado.
gico. Em geral, a estemotomia é preferida pela facilidade Uma radiografia de tórax atual ou, de preferência, uma
do acesso sem neoessidade de reposicionamento do paciente tomografia computadorizada, deve estar no negatoscópio da
e por também permitir, na maioria das vezes, o tratamento sala de cirurgia.
definitivo da lesão pulmonar. Quando o resultado obtido com a biópsia pode levar a
um procedimento terapêutico no mesmo tempo anestésico,
como a ressecção de uma lesão pleural ou mediastinal, ou
Toracoscopia mesmo o tratamento de um derrame pleural neoplásico, é
importante a presença de um patologista no centro cirúrgico
para o exame a fresco do material biopsiado.

Indicações
A toracoseopia pode ser realizada com intenções diagnósti-
cas ou terapêuticas.
As principais indicações diagnósticas são:

• Investigação de derrame pleural de causa incerta: a in-


vestigação de um derrame pleural com toracocentese e
A realização da toracocentese e da biópsia pleural com biópsia pleural com agulha é diagnóstica em, no máximo,
agulha não conseguem estabelecer um diagnóstico apropria- 80% dos casos. A toracoscopia permite a realização de
do em cerca de um quarto dos pacientes com anormalida- biópsia dirigida para áreas específicas, elevando o diag-
des pleurais. Estudos recentes mostram que a orientação da nóstico para cerca de 95%.
biópsia por tomografia tem aumentado o rendimento diag- • Suspeita de mesotelioma: o mesotelioma é um tumor
nóstico, mas é necessário que haja correlação com anormali- maligno da pleura que tem semelhança muito grande
dades pleurais, nem sempre visíveis na tomografia. com o adenocarcinoma metastático. A toracoscopia per-
O diagnóstico histológico acurado de lesões mediastinais mite a biópsia de grandes fragmentos de lesão, neces-
é fator determinante na definição da terapêutica a ser empre- sário para o perfeito diagnóstico do mesotelioma.
gada. A toracoscopia permite a colheita de amostras genero- • Avaliação da extensão de tumores de pulmão: alguns pa-
sas de tecido, além de fornecer informações quanto à proximi- cientes com neoplasia de pulmão apresentam derrames
dade ou invasão de estruturas vizinhas. Em muitas situações, pleurais que não são decorrentes de envolvimento tu mo-
a abordagem pode ser terapêutica, com a ressecção da lesão. ral. Essa diferenciação é de enorme importância na de-
finição terapêutica. A toracoscopia permite a avaliação
por visualização direta e também a colheita de material.
• Suspeita de tuberculose: embora a biópsia com agulha
tenha um rendimento alto nos derrames tuberculosos,
em algumas situações em que permanece dúvida diag-
nóstica, a toracoscopia pode ser esclarecedora.
• Thmores mediastinais: em geral, os tumores mcdiasti-
nais irressecáveis são facilmente acessíveis para biópsias
com agulha, mas nem sempre isso é possível. Em algu-
mas situações, há neoessidade de uma grande amostra
de tumor para os estudos histoquirnicos pertinentes. Os
Técnica linfomas são o exemplo clássico de tumores nos quais é
A toracoscopia é um procedimento realizado em ambiente necessária uma amostra generosa de tecido para que o
cirúrgico. Embora seja possível a realização da toracosco- diagnóstico exato seja estabelecido. A toracoscopia é um
pia com o paciente em respiração espontânea, sob sedação método simples e eficiente para este fim.
• Doenças pulmonares intersticiais: a toracoscopia per-
mite a realização de biópsia pulmonar na investigação
Toracotomia mínima
de doenças pulmonares intersticiais difusas, fornecendo
uma quantidade suficiente de material para estudo ana- [I] ATENÇÃO
tomopatológico e cultivos, o que nem sempre é possível
na biópsia por broncoscopia ou por agulha. A toracotomia mlnima é um 'P rocedimento cirúr-
• 'Ihluma torácico penetrante: a maioria dos ferimentos gico realizado principalmente para Obter IUm frag-
torácicos penetrantes é tratada inicialmente apenas com mento de par~nquima pulmonar 'e tentar estabe-
drenagem torácica fechada. Embora apresente bons lecer um diagnóstico definitivo em pacientes que
resultados, em alguns casos é insuficiente por não iden- apresentam infiltrados pulmonares lnterstidais e se
tificar lesões associadas, coágulos pleurais ou mesmo encontram em estado grave. Nestes casos, os mé-
fragmentos de corpo estranho que porventura tenham todos diagnósticos menos invasivos empregados
adentrado a pleura. Quando utilizada rotineiramente no em outras situações, como a biópsla pulmonar por
trauma penetrante na região toracoabdominal, é capaz agulha ou a biópsia transbrOnquica, podem ter um
de identificar cerca de 30% das lesões diafragmáticas risco aumentado pela concomitAncia de ventilação
não identificadas em exames de imagem. mecânica, além de, muitas vezes, nlio fornecerem
·material suficiente e acabarem retardando o diag-
nóstico.
As principais indicações terapêuticas são:

• Realização de pleurodese: os derrames pleurais neoplá-


sicos têm indicação de tratamento mediante pleurodese. O estabelecimento do diagnóstico de pacientes que
A instilação de um agente esclerosante pode ser reali- apresentam doenças pulmonares intersticiais é, muitas ve-
zada por meio de um dreno torácico, quando a solução zes, definido com base na história cl!nica e nos achados ra-
é instilada às cegas pelo dreno, ou por meio da toracos- diológicos, como um infiltrado pulmonar progressivo em um
copia. A vantagem da toracoscopia é a possibilidade de paciente com suspeita de fibrose pulmonar idiopática ou
determinar se há expansão pulmonar, fator determinan- em um indivíduo que apresenta história de exposição ocu-
te no sucesso do procedimento, e de proporcionar a ad- pacional e achados radiológicos que corroboram a hipótese
ministração uniforme da solução por toda a superfície de uma pneumoconiose. Muitos desses casos dispensam a
pleural. realização de uma biópsia pulmonar ou, quando necessária,
• 'fratamento do pneumotórax espontâneo: é cada vez pode ser realizada por meio de uma broncoscopia com bióp-
mais frequente a utilização da toracoscopia no mane- sia transbrõnquica ou por videotoracoscopia eletiva.
jo do pneumotórax espontâneo primário. Como o ín- A maioria dos estudos hoje realizados lista a videotora-
dice de recidiva desse tipo de pneumotórax é de cerca coscopia como o procedimento de escolha para a realização
de 50% quando se realiza somente a drenagem torá- de biópsias pulmonares, pela facilidade de realização, eficá-
cica, a toracoscopia, por ser um método simples, vem cia e segurança, com grande parte dos pacientes podendo ser
sendo cada vez mais indicada como a forma ideal de liberados do hospital no mesmo dia do procedimento ou no
abordagem destes pacientes. Pelo mesmo orifício em dia seguinte.
que seria passado um dreno torácico, é colocada uma Entretanto, não é infrequente a condição de um paciente
câmera de v!deo que vai visualizar a superfície pleural. que apresenta um quadro clfnico evolutivo grave, com acha-
Nos pacientes em que pequenas bolhas subpleurais são do radiológico de doença infiltrativa sem diagnóstico esta-
identificadas, é realizada a resseoção destas com uso de belecido. Thl situação ocorre muitas vezes com o paciente
grampeador endoscópico. Quando não houver doença na unidade de terapia intensiva e em ventilação mecânica.
bolhosa, é realizada uma plcurodese mecânica apical. Nesses casos, a biópsia pulmonar por meio de uma toracoto-
Tal abordagem reduz o tempo de internação e a ocor- mia mínima é o procedimento de escolha, por ser facilmente
realizada mesmo à beira do leito, ter baixa morbidade e for-
rência de recidivas.
necer um generoso fragmento de tecido, que permite o estu-
• Ressecção de tumores do mediastino: tumores medias-
do anatomopatológico e culturas especí(icas, principalmente
tinais como os cistos pericárdicos, tumores de goteira
para micobactérias e fungos, já que muitos destes pacientes
posterior ou mesmo alguns tumores do timo podem ser
são imunocomprometidos.
facilmente ressecados pela toracoscopia.
• 'fratamento do empiema: os derrames pleurais compli-
cados são tratados, via de regra, com drenagem pleural Técnica
fechada. Porém, mesmo nas fases iniciais, muitas vezes O paciente é colocado em decúbito dorsal com um coxim
já existe a formação de aderências e loculações pleurais, sob o lado a ser abordado, permitindo uma leve lateraliza-
o que leva à falha terapêutica. A realização de toracos- ção e melhor exposição cirúrgica. Uma pequena incisão é
copia nos estágios iniciais do processo permite a evacua- realizada, em geral, na região submamária, e a cavidade to-
ção de todo o conteúdo presente na cavidade e a 1ise de rácica é abordada. Na maioria das vezes, não é necessária a
aderências, criando uma cavidade única e permitindo a colocação de um afastador costal. O pulmão é tracionado
resolução do empiema. com o uso de uma pinça de Foerster e um clampe é colocado
permitindo a ressecção de uma cunha pulmonar. O pa.rên- Witte B, Wolf M, Huengcn M, Thomcs H. VKieo-assisted mcdias-
quima é suturado com um fio de Prolene ou Viayl em duas tinosoopic surgery: clinicai fcasibility and aceuracy of mediastinal
camadas. Quando disponível, é possível a utilização de um Jymph node staging, Ano Thorac Surg, 2006;82(5):1821-7.
grampeador mecânico, mas, na maioria das vezes, a sutura ZieliJ\ski M. Transccrvical cxtended mediastinallymphadcncctomy.
é feita de forma manual. A aerostasia é testada optando-se Thorac Surg Clin. 2010;20(2):215-23.
pela colocação ou não de dreno de tórax. Nos casos em que
o paciente se encontra em ventilação mecânica, é recomen-
dada a colocação de dreno de tórax.
É importante que o fragmento pulmonar retirado seja Leituras recomendadas (Toracoscopia)
separado em três porções e seja encaminhado também para Ahmed N, Chung R. Role of early thoracoscopy for managcmcnt
exame a fresco e cultivos específioos de bactérias, fungos e of penctrating wounds ofthc chcst. Am Surg, 2010;76(11):1236-9.
rníoobactérias. Lcc YC, Light RW. Managcmcnt of malignant plcural effusions.
Respirology. 2004;9(2): 148-56.

Resultados Liu DW, Liu HP, Lin PJ, Olang OI. Video-assisted tboracic surgcry
in treatment of chest trauma. J Trauma. 1997;42(4):670-4.
Embora tenha sua validade muitas vezes questionada, prin-
cipalmente em relação à utilidade terapêutica e mudança do Noppen M. Thc utility of thoracoscopy in tbc diagnosis and
prognóstioo, estudos mostram que a biópsia pulmonar tem managemcnt of pleural discasc. Semin Respir Crit Carc Med.
uma acurácia diagnóstica de cerca de 90%, levando a mu- 2010;31(6):751-9.
dança no tratamento de 38 a 74% dos pacientes. Embora Sagawa M, Sato M, Sakurada A, Matsumura Y, Endo C, Handa
muitos desses pacientes evoluam mal devido à gravidade da M, ct ai. A prospectivo trial of systcmatic nodal disscction for lung
doença de base, a possibilidade de obter um diagnóstico de canccr by vidco-assistcd thoracic surgery: can it be pcrfect? Ann
exatidão pode indicar a necessidade de adicionar ou subtrair Thorac Surg. 2002;73(3):900-4.
medicamentos e signíficar a única chance de recuperação Sawada S, Watanabc Y, Moriya.ma S. Video-assisted thoracoscopic
para estes pacientes. surgery for primary spontaneous pneumothorax: evaluation of indi-
cations and long-tcrm outcomc compared with conscrvative trcat-
mcnt and open thoracotomy. Otest. 2005;127(6):2226-30.
Leituras recomendadas Wozniak CJ, Pau!I DE. Moczzi JE. Scott RP, Anstadt MP, York VV,
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ldílio Zamin Junior
24
Rene Jacobsen Eilers
Paulo F. Guerreiro Cardoso
Mirna da Mota Machado

No que tange à motilidade esofágica, os achados também


Introdução são surpreendentes. Um estudo com 164 pacientes asmáti-
A avaliação funcional do esôfago complementa as informa- cos revelou a presença de distúrbio motor do corpo esofági-
ções fornecidas pelos demais métodos de investigação, que, co em 32%, sendo, em sua maioria, representada por hipo·
em sua essência, são morfológicos, como a endoscopia diges- motilidade do corpo esofágico ou motilidade não efetiva no
tiva alta e os exames radiológicos. esôfago dista1.8 Quando essa amostra foi ampliada para 343
Sabe-se que os sintomas respiratórios são mais frequen- pacientes asmáticos, observou-se que a hipotonia do esfínc-
tes nos pacientes com refluxo gastresofágico (RGE) e que a ter esofágico inferior estava presente em 26% dos que não
reciproca é verdadeira, ou seja, o RGE é um achado comum apresentavam quaisquer sintomas digestivos e em 40% dos
entre pacientes com distúrbios respiratórios.' Nos asmáticos, pacientes que apresentavam sintomas digestivos sugestivos
1
as estimativas da prevalência de RGE variam entre 30 e 90%. deRGE. 7
Parte dessa variabilidade pode ser devida a diferenças na de-
finição da doença do refluxo e nos métodos de sua detecção e
diagnóstico, mas a concomitãncia das doenças é frequente e
inequfvoca. Para corroborar o efeito que o RGE exerce sobre
a ocorrência de sintomas respiratórios, vários ensaios clínicos
0 ATENÇÃO

têm demonstrado uma associação entre a terapia antirrefluxo Tais evidênàas refletem uma realidade atual e findam
e a redução na ocorrência desses sintomas. J-6 por trazer a esofagomanometria e a pHmetria de 24
A frequente interação entre a doença digestiva e as ma- horas, outrora de domlnio exclusivo do gastrentero-
logista, para dentro do consultório de pneumologia.
nifestações respiratórias exige que o pneumologista tenha
conhecimento específico da fisiopatologia deste binômio, Os exames de esofagomanometria e pHmetria de 24
horas são hoje solicitados na rotina de atendimento
bem como dos métodos de sua investigação.
pneumológico e da cirurgia torácica, cujos profissio-
A inclusão da avaliação funcional esofágica nestes pa-
nais passaram a ter a necessidade de saber quando
cientes auxilia o seu manejo clinico e parece ter importãncia
solicitar e como Interpretar os seus resultados.
tanto diagnóstica quanto prognóstica. Em nosso meio, a ava-
liação funcional de portadores de manifestações respirató-
rias demonstrou que mais de 30% deles eram assintomáticos
do ponto de vista digestivo e possuíam refluxo patológico à Tem sido observado um aumento exponencial de pneu-
pHmetria esofágica de 24 horas. 7 Neste grupo de pacientes mologistas e cirurgiões torácicos envolvidos diretamente
em particular, os asmáticos parecem ser os mais beneficia- na avaliação funcional esofágica ao longo da última déca·
dos com a detecção do refluxo e da dismotilidade.s da, como atesta o crescente número desses especialistas que
acorrem aos serviços de motilidade digest.iva à procura de
treinamento em esofagomanometria e pHmetria de 24 bo-
ras. Embora ambos os exames não possuam alta complexida-
de técnica, suas indicações e interpretação nem sempre são
simples e requerem conhecimento especifico.
Este capitulo tem por finalidade apresentar de forma ob-
jetiva e resumida os métodos em uso corrente para avaliação
funcional csofágica, bem como suas indicações mais comuns.

Esofagomanometria
A esofagomanometria (EMN) é o método de escolha para
a investigação da motilidade esofágica, uma vez que for-
nece um perfil pressórico completo de todo o esôfago. Sua
utilidade reside na capacidade de se avaliar a competência
(tônus e relaxamento) dos esfincteres e sua extensão/locali- FIGURA 24.1 -+ Equipamento de esofagomanometria (manômetro com
zação, bem como de fornecer informações sobre as caracte- transdutores e cateter de perfusão). Traçado gráfico de pHmetria de 24
horas no monitor.
rfsticas e a organização do peristaltismo do corpo esofágico
(perfil motor).
Os primeiros estudos manométricos esofágicos foram
realizados por Melt.zer em 1894/ mas somente por volta dos EMN (manômetro com cateter de perfusão) e o traçado grá·
anos de 1950 cunharam-se as bases para o conhecimento fico de um exame normal estão descritos nas FIGURAS 24.1 e
dos distúrbios da motilidade esofágica a partir do desenvol- 24.2.
vimento de cateteres de perfusão e de transdutores.'0 No Mais recentemente, surgiu um novo sistema denomina·
infcio da década de 1980, com a introdução do sistema de re- do manometria de alta resolução, que utiliza 32 canais de
gistro computadorizado das pressões intraluminares, a EMN
11 pressão em estado sólido capazes de captar pressões de ma·
tomou-se mais versátil e precisa, permitindo que o método
neira simultânea e reconstruir imagens com o perfil pressóri·
se tomasse rotineiro na investigação funcional do esôfago
co diretamente na tela do computador, não sendo necessária
em nosso meio.
a movimentação do cateter. u É provável que esse sistema
se tome mais popular em um futuro próximo, porém, sua
Oexame de esofagomanometria desvantagem é o custo elevado. A imagem de um sistema de
O exame consiste na introdução - por via nasoesofágica manometria de alta resolução pode ser vista na FIGURA 24.3.
- de um tubo único multiperfurado contendo de 4 a 8 pe- Independentemente do sistema empregado, a EMN é
quenos cana.is, cujos orifícios abrem-se em diversos pontos realizada sem sedação. O paciente precisa seguir instruções
em distâncias predeterminadas e com distribuição axial (FI· e obedecer a comandos simples como deglutir quando solici·
GURA 24.1). Cada tubo é conectado a uma bomba pneumo- tado, não deglutir por curtos e determinados períodos e in·
·hidráulica capilar que infunde 0,5 mUminuto de água por formar sintomas durante os testes provocativos para avalia·
orifício. Quando posicionado no interior do esôfago, o cate- ção de dor torácica. Pacientes com distúrbios cognitivos ou
ter de EMN detectará o diferencial das pressões por meio da pouco cooperativos, seja por ansiedade ou condições diver·
resistência imposta pela parede do esôfago em movimento sas que impeçam esse controle, em geral não são bons can-
contra a saída da água perfundida através dos canais. Essa didatos ao procedimento. A despeito do breve desconforto
pressão é captada por transdutores de pressão, transmitida da passagem do cateter pela oro faringe, que é atenuado pela
para um polígrafo com registro computadorizado para arma- anestesia tópica, a quase totalidade dos pacientes tolera o
zenamento da informação, criando um traçado gráfico em procedimento sem dificuldades, uma vez que a EMN é um
tempo real que é armazenado para cálculos e análise subse· método rápido e totalmente indolor.
quentes. " A técnica de execução do cume é simples e está descrita
Thmbém existem os sistemas com cateteres e transduto- em detalhe alhures. 7 Inicia-se com uma breve entrevista, na
res em estado sólido, que prescindem do sistema de infusão. qual se esclarece a natureza e o motivo do exame, e obtém·
A vantagem desses sistemas é o fato de proporcionarem uma -se o consentimento do paciente para a sua realização. O
avaliação motora mais adequada da faringe e do esfíncter paciente é então posicionado em decúbito dorsal na mesa
esofágico superior (EES). A desvantagem é o custo mais ele- de exame, procede-se a anestesia tópica da fossa nasal com
vado dos cateteres, bem como em sua menor durabilidade gel anestésico, seguida da introdução por via nasoesofágica
e versatilidade, uma vez que a configuração dos cateteres é do cateter.
fiXa. u Assim sendo, os sistemas perfundidos com cateteres Neste momento, a progressão do cateter é facilitada por
multiperfurados ainda permanecem sendo os mais utilizados uma leve flexão da cabeça do paciente feita pelo auxiliar e
em laboratórios de motilidade digestiva. O equipamento de com a adição de goles de água em pequenas quantidades.
FIGURA 24.2 -+ Traçado de esofagomanometria normal. Note ondas peristálticas normais no corpo esofágico durante as deglutições úmidas (deri·
vações Pl, P2, P3 e P4 à esquerda e acima); esfíncter esofágico inferior com tônus normal de 22,8 mmHg (valores normais entre 14 e 40 mmHg), cal·
culado a partir da média aritmética da press~o respiratória média (PRM) nas quatro derivações radiais e com relaxamento completo (setas verticais)
às deglutições nas derivações PS, P6, P7 e P8 (radiais).

Uma vez no interior do esôfago, o cateter é avançado até o Os parâmetros de referência utilizados para análise e in·
estômago (50 a 55 em das narinas), e o equipamento é ca- terpretação no Laboratório de Motilidade Digestiva seguem
librado a partir da pressão intragástrica, aqui considerada padrões normatizados na literatura e em estudo realizado
como zero. A partir daí, inicia-se a remoção a intervalos de em nosso laboratório em indivíduos normais.,.,,s Quando
1 em do cateter com registro das pressões. São avaliados o indicados, os testes provocativos são realizados ao final do
esfíncter esofágico inferior, o corpo esofágico e o esfíncter registro das pressões. O cateter é então removido e o exame,
superior, nessa sequência. encerrado.
O traçado gráfico é obtido em tempo real, gravado em
computador para análise e interpretação, constando de três
módulos distintos: Indicações para esofagomanometria
Dentre as principais indicações para o estudo da motili·
• Esfíncter esofágico inferior (extensão, localização, tônus dade esofágica pela EMN, destacam-se o esclarecimento
e relaxamento); das disfagias na ausência de obstrução mecânica; a inves·
• Corpo esofágico (perfil motor composto de amplitude, tigação de pacientes com dor torácica não cardiogênica
duração, morfologia e velocidade); (D1NC); e a avaliação complementar da doença do reflu-
• Esfíncter esofágico superior (extensão, localização, tô· xo gastresofágico (DRGE), inclusive como investigação
nus, relaxamento e coordenação com as contrações fa- pré-operatória. A EMN deve ser realizada antes da pH-
ríngeas) . metria de 24 horas, uma vez que é o único método que for-
nece a exata identificação e localização do esfíncter esofá·
Manometria convencional

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FIGURA 24.3 ~ Imagem gerada a partir de esofagomanomelria de alta resolução (esquerda) e a sua correspondência com a manometria conven-
cional (direita).

gico inferior (EEI), permitindo, assim, o posicionamento diagnosticada acalásia e 38% t iveram distúrbios motores
adequado do cateter de pHmetria. 12 inespecíficos.

Disfagia Dor torácica não cardiogênica


A disfagia causada por obstrução mecânica geralmente é Sabe-se hoje que há um percentual considerável de pacien-
detectada por estudos morfológicos (endoscopia e radiolo- tes portadores de dor retroestemal com características por
gia). Entretanto, na ausência de obstrução mecânica, a EMN vezes indistinguíveis clinicamente dos sintomas anginosos
pode contribuir de modo expressivo para o diagnóstico da comuns às cardiopatias cuja investigação cardiológica é in-
disfagia, pois se espera que mais da metade dos pacientes teiramente normal. Em um estudo multicêntrico com 10.000
apresente anormalidades detectáveis à EMN. 12 pacientes avaliados por dor torácica em serviços de emer-
Do ponto de vista didático, a disfagia pode ser clas- gência, observou -se que 55% dos pacientes não apresenta-
sificada em alta ou baixa de acordo com sua localização a vam evidências de doença cardíaca.20
partir das informações fornecidas pelo paciente durante a Cerca de 30% dos pacientes portadores de dor torácica
anamnese. As disfagias ditas altas incluem em sua maioria submetidos a coronariografias para avaliação apresentam
os distúrbios da deglutição. Neste caso, a EMN visa realizar coronárias normais21 e, dentre estes, metade possui algum
uma avaliação funcional da faringe e do EES (músculo cri- distúrbio esofágico. 2:2.23 As doenças envolvidas na gênese da
cofaríngeo), bem como estudar a coordenação entre as suas DTNC incluem a DRGE e os distúrbios motores do corpo
respectivas funções. 16 do esôfago. Hoje, sabe-se que a DRGE é a doença mais
Considerando-se as demais disfagias como sendo baixas, frequentemente responsável pela DTNC, fato que torna a
tem-se uma gama de distúrbios motores primários, como a pHmetria de 24 horas de fundamental importância na inves-
acalásia e o espasmo esofágico, e os distúrbios motores se- tigação desses pacientes. 2'
cundários, como a esclerodermia. Neste particular, a ma- Os distúrbios motores, embora em menor proporção,
nometria desempenha um papel fundamental no esclareci- também estão associados a DTNC. Em um estudo com
mento diagnóstico, uma vez que a endoscopia e a radiologia mais de 900 pacientes avaliados por DTNC, foi diagnosti-
possuem sensibilidade reduzida principalmente nas fases cada uma anormalidade motora esofágica em 255 pacientes
iniciais das doenças. 17' 18 Dentre as causas comuns de disfa- (28%), sendo o esôfago em quebra-nozes o mais frequente
gia motora baixa estão os distúrbios motores chamados de (48% dos casos).'9 Em nosso meio, avaliando 100 pacientes
inespecíficos, já que não seguem um padrão manométrico consecutivos com DTNC, foram diagnosticados esôfago em
estabelecido. O QUADRO 24.1 resume os distúrbios motores quebra-nozes em 17, distúrbios motores inespecíficos em
primários e secundários, bem como os seus achados mano- seis e espasmo esofágico difuso em um paciente. 23
métricos característicos. Os testes provocativos esofágicos realizados durante a ma-
O valor da manometria para o diagnóstico desses pa- nometria convencional foram introduzidos com o intu ito de
cientes foi demonst rado em um estudo com 251 indivíduos reproduzir-se a dor torácica e as possíveis alterações motoras
com disfagia, sendo que em 53% dos casos foi diagnostica- a ela relacionadas, fato este que aumentou signíficativamente
19
da uma anormalidade manométrica. Destes, em 36% foi a sensibilidade do método. Os testes provocativos incluem a
QUADRO 24.1 ~ Achados manométricos mais frequentes em alguns distúrbios motores esofágicos primários e secundários

Acalásia do cárdia Relaxamento incompleto do esfincter inferior


Ausência de peristalse no corpo esofágico

Esôfago em quebra·nozes Exacerbação da amplitude da peristalse


Amplitude média distai > 180 mmHg

Hipertonia do esfincter inferior Aumento do tõnus do esfincter inferior(> 40 mmHg)


Relaxamento preservado

Espasmo esofágico difuso Peristalse intermitente


Atividade motora simult~nea e repetitiva após uma deglutição

Refluxo gastresofágico Hipotonia do esfíncter inferior (tõnus < 14 mmHg)


Redução na amplitude da peristalse no corpo do esôfago

Esclerodermia Hipotonia severa do esfincter inferior


Redução na amplitude/ausênóa da peristalse no corpo do esôfago

Doença cerebrovascular isquêmica In coordenação faringea..:ricofaringea


Contração farfngea precedendo o relaxamento do mó seu lo cricofarfngeo

Divertfculo de Zenker Relaxamento incompleto do esfincter superior

Barra cricofanngea Hipertonia do esfíncter superior

Distrofia muscular oculofarfngea Redução na amplitude/ausênóa de contração faríngea


Com ou sem incoordenação do músculo cricofanngeo

Diabetes Redução na amplitude da peristalse


Ausência de propagação a partir das deglutições

Sindrome de Sjôgren Redução na amplitude da peristalse no esôfago proximal


Ausência de propagação

insuflação de um pequeno balão acoplado ao cateter de ma- intra-abdominal, possuem implicação direta na fisiopatolo-
nometria, que provoca um aumento da peristalse a montante, gia e na gravidade da DRGE.t< A EMN é capaz de traçar
o teste de Bernstein (administração de ácido clorídrico 0,1 N um perfil do corpo do esôfago e das possíveis alterações da
pelo cateter de manometria) e a administração de cloreto de motilidade. Sabe-se hoje que o clareamento esofágico (pro-
edrefônio (fensilon~ 80 11-g/kg peso corporal por via endove- cesso que restaura o pH normal na luz do esôfago após a
nosa), um fármaco anticolinesterásico de ação curta que atua ocorrência de um episódio de refluxo) depende fundamen-
como estimulador da musculatura lisa. No entanto, tais testes talmente da amplitude da contração e da propagação da
são subjetivos e dependem da percepção e descrição dos sin- onda esofágica, informações estas obtidas durante o estudo
tomas pelo paciente. Ademais, há muitos resultados falso-po- mano métrico.
sitivos e falso-negativos, tendo sido evidenciada a ocorrência Outras informações de extrema importância, sobretudo
de DTNC em voluntários normais durante esses testes. 25 do ponto de vista cirúrgico, dizem respeito à presença de ou-
tros distúrbios motores concomitantes, como alterações se-
Doença do refluxo gastresofágico cundárias a colagenoses (p. ex., escleroderrnia) e à existência
O estudo manométrico do esôfago - ao avaliar a função es- de distúrbios motores primários (p. ex., espasmo esofágico
fincteriana e a atividade motora do órgão - proporcionou e acalásia). A comparação dos achados manométricos antes
um grande avanço no entendimento da fisiopatologia da e depois da correção cirúrgica do refluxo (fundoplicatura)
DRGE. Informações sobre o EEI, como hipotonia, rela- é fundamental nos pacientes que apresentem disfagia pós-
12
xamentos transitórios (não diagnosticados na manometria -operatória persistente. Assim sendo, a EMN deve sempre
convencional) e ausência ou encurtamento do segmento ser realizada em pacientes candidatos a fundoplicatura.
Antes da realizaçãode pHmetria de 24 horas cidivado, e, ao contrário, pode excluir a doença como causa
Para que os resultados obtidos por meio da pHmetria apre- dos sintomas apresentados se os resultados dessa avaliação
sentem fidelidade e reprodutibilidade, durante a realização estiverem dentro dos parâmetros da normalidade.
do procedimento, o examinador precisa seguir adequada- A medição do pH esofágico foi descrita pela primeira
mente os detalhes técnicos do exame e, entre eles, o posicio- vez em 1960 por Tuttle e colaboradores, que utilizaram uma
namento correto do eletrodo é fundamental. Caso o eletro- sonda com um eletrodo de pH de vidro para mapear o gra-
do seja posicionado muito próximo ao estômago ou muito diente do pH gastresofágico. 29 A monitoração prolongada
distante dele, o refluxo será superestimado ou subestimado, tornou-se viável em 1974, quando J ohnson e DeMeester de-
respectivamente.n senvolveram um eletrodo de referência externo confiável. 30
Hoje em dia, considera-se que a manometria esofágica Usando a técnica de monitoração desenvolvida por perío-
sempre deve preceder a pHmetria para a identificação exata dos de até 24 horas, eles foram capazes de identificar os pa-
da localização do EEI e o posicionamento correto do sen- râmetros mais importantes na avaliação da exposição ácida
sor de pH. Da mesma forma, no diagnóstico de refluxo su- esofágica, classificando-os em um escore, o que possibilitou
praesofágico (laringofaríngeo), o posicionamento do senso r expressar numericamente os resultados dessa monitoração
proximal de pH deve ter como base a localização manomé- prolongada. Isso permitiu a quantificação objetiva do RGE
trica do EES. Isso é particularmente importante nos pacien- e, por conseguinte, a determinação da gravidade da doença.
tes portadores de manifestaçôes respiratórias associadas ao Apesar de modificações propostas ao longo dos anos sub-
refluxo, nos quais a correlação entre doença respiratória e sequentes, o escore de DeMeester continua sendo usado
digestiva depende ao menos em parte dos dados fornecidos ainda hoje na avaliação dos resultados? '
pela pHmetria e da sua realização técnica correta. A monitoração prolongada do pH possibilita que se ava-
lie a correlação entre os sintomas apresentados e sua coinci-
dência com os episódios de refluxo. Esse fato é especialmen-
te importante no que diz respeito aos chamados sintomas
pHmetria esofágica ambulatorial atipicos do refluxo, nos quais se incluem a dor torácica de
de 24 horas origem não cardíaca, os sintomas respiratórios e os otorrino-
laringológicos. Como o pH esofágico é registrado por cerca
A monitoração do pH esofágico é considerada o método iso- de 24 horas, o paciente é orientado a registrar o momento
lado mais sensível e específico para o diagnóstico da DRGE, em que ocorrem os sintomas que o levaram à investigação,
por sua alta sensibilidade (84 a 96%) e especificidade (91 a tornando possível assim o estabelecimento de uma relação
98%) no diagnóstico dessa doença. A medida da presença de temporal entre esses sintomas e os episódios de refluxo.
ácido no esôfago é o método mais objetivo para documentar A interpretação se faz por meio de índices que expres-
a DRGE, bem como para avaliar a gravidade da doença e sam numericamente essa correlação, sendo os mais usados
monitorar a resposta ao tratamento clínico ou cirúrgico. o índice de síntomas (IS}, o índice de sensibilidade de sin-
A DRGE é uma doença comum nos países ocidentais. tomas ( ISS) e a probabilidade de associação dos sintomas
Nos Estados Unidos, 7% da população apresentam pirose (PAS). Portanto, em um paciente sintomático, é importante
diariamente e 44% pelo menos uma vez por mês.26 A pirose considerar não apenas a presença de refluxo, mas também
ocorre quando a mucosa do esôfago é exposta ao conteúdo a correlação positiva entre os episódios de refluxo e os sin-
ácido gástrico, mas essa queixa nem sempre é um guia confi- tomas.
ável para a presença do refluxo ácido no esôfago/' uma vez Por outro lado, a ausência de refluxo patológico docu-
que pode ocorrer o refluxo sem o aparecimento de sínto- mentada por pHmetria também possui interesse diagnóstico
mas. Além disso, mesmo nos pacientes sintomáticos e com e prognóstico, já que indica a possibilidade de coexistência
refluxo, cerca de metade não possui esofagite detectável na de outras causas que tenham provocado ou perpetuado as
endoscopia digestiva, caracterizando a chamada doença do manifestações respiratórias.
refluxo não erosiva (non-erosive reflux disease, ou NERO, em Os equipamentos disponíveis na atualidade para a reali-
inglês).28 zação da pHmetria incluem a pHmetria de 24 horas conven-
A identificação dos portadores de doença do refluxo sem cional, a pHmetria por telemetria sem fio e a impedâncio-
esofagite constitui-se em uma das principais indicaçôes para ·pHmetria, descritas mais detalhadamente a seguir.
a realização da pHmetria esofágica.
Nos pacientes em tratamento com antiácidos ou inibido r
de bomba de prótons (IBP) e que persistem sintomáticos, a pHmetria de 24 horas convencional
realização da pHmetria em vigência do tratamento medica- Ainda é a mais difundida por sua praticidade e baixo custo.
mentoso permite que se verifique se a supressão ácida me- Consiste em um cateter contendo de 1 a 3 eletrodos, distri-
dicamentosa está adequada. A não aderência ao tratamento buídos em distâncias predeterminadas pelo fabricante. Os
clínico ou o uso de doses insuficientes dos IBPS manifestam- eletrodos de pHmetria mais utilizados são os de antimônio
-se na pHmetria como um refluxo persistente ou parcial- com eletrodo de referência externo cutâneo, pois são relati-
mente controlado. Mesmo nos pacientes já submetidos à vamente baratos, semidescartáveis e bem tolerados pelos pa-
cirurgia antirrefluxo, quando os sintomas são persistentes ou cientes. O exame exige suspensão dos antiácidos e procinéti-
recidivam, a monitoração prolongada do pH esofágico for- cos por 5 a 7 dias antes do exame, com exceção das instâncias
nece informação sobre a presença de RGE residual ou re- nas quais o objetivo do exame for a verificação da eficácia
da ablação ácida farmacológica. Como mencionado antes, o namento do cateter e a avaliação dos dados em crianças são
posicionamento do eletrodo é crítico, pois dele dependem a completamente diferentes. Os cálculos realizados fornecem
reprodutibilidade e a confiabilidade dos dados. Assim sendo, dados sob a forma de pontuação para cada um dos achados
independentemente do fato de se utilizar eletrodo único ou recém-descritos. A análise crítica deles, a certificação da
múltiplo, o eletrodo dista! deve ser posicionado sempre 5 em qualidade dos dados, a eliminação de artefatos, a interpre-
acima do limite pressórico superior do EEI. Th.l localização tação e a análise da ascensão dos episódios de refluxo ao
dos limites do EEI exige a realização de EMN para sua de- eletrodo proximal, quando utilizado cateter de dois canais,
terminação precisa. ficam a critério do examinador.
O eletrodo é conectado a uma unidade portátil digital A pHmetria esofágica ambulatorial de 24 horas com ca-
que obtém e armazena uma medida de pH a cada quatro teter convencional é um exame versátil e acessível, podendo
segundos durante 24 horas consecutivas (FIGURA 24.4). A téc- ser aplicado a uma gama de doenças que têm o RGE como
nica de introdução do cateter assemelha-se à descrita para denominador comum. Th.I tecnologia atravessou o teste do
a EMN. Após a introdução nasoesofágica do eletrodo, ele tempo e permanece em uso na maioria dos serviços. É extre-
é avançado até o estômago, onde o pH deverá situar-se en- mamente confiável e, em geral, bem tolerada pelos pacien-
tre 1,5 e 3, quando, então, se traciona o eletrodo em sentido tes, embora apresente algumas limitações, como a presença
cranial até que sua extremidade se situe a exatos 5 em acima incômoda do cateter, o limite de 24 horas para aquisição de
do limite superior do EEI preestabelecido pela EMN. O ele- dados e o fato de não ser capaz de captar refluxo não ácido.
trodo é fvcado à narina do paciente e a gravação é acionada,
dando-se inicio ao exame.
O paciente é instruído a abster-se de medicação antiá- pHmetria por telemetria sem fio
cida e orientado a não tomar banho. Recomenda-se que o Este sistema utiliza uma cápsula que é introduzida na luz
paciente mantenha suas atividades cotidianas, inclusive a esofágica do paciente por via endoscópica. A cápsula é fi-
alimentação. Ao final das 24 horas, o paciente retoma, oca- xada à parede do esôfago distai, sendo capaz de medir o pH
teter é removido e o aparelho é conectado ao computador no local a intervalos regulares e transmitir os dados para
para entrada e análise dos dados, sendo emitido um laudo uma unidade externa portátil por telemetria. Assim sendo,
descritivo com as conclusões do exame. o sistema dispensa o uso de fios de conexão entre o eletrodo
A partir das medidas de pH e das informações introduzi- intraesofágico e o gravador externo.
das pelo examinador, o programa computadorizado gera um O kit de introdução é composto pela cápsula e por um
gráfico e uma tabela de análise que consta de número total cabo em cuja extremidade situa-se a cápsula. A cápsula é
de episódios de refluxo nas 24 horas; percentuais do tempo constituída por um eletrodo de antimônio, pelo eletrodo de
em posição ortostática e em decúbito (período noturno) em referência, por uma bateria interna e pelo transmissor que
que ocorreu refluxo (pH < 4 durante pelo menos 15 segun- envia os dados para um receptor externo através da teleme-
dos); duração do episódio mais longo; e quantificação dos tria por radiofrequência. Antes de ser colocada, a cápsula é
episódios de refluxo com duração superior a cinco minutos. ativada por um interruptor magnético e calibrada. 32
As planilhas de cálculo baseiam-se nos valores normais A recomendação de submeter os pacientes à endoscopia
da tabela de DeMeester, que é um padrão de referência para digestiva alta baseia-se na necessidade de averiguar a pre-
avaliação do RGE ácido a 5 em acima do EEI. Assim sendo, sença ou não de outras doenças e medir com precisão a dis-
vale ressaltar que, quando utilizado cateter de dois ou mais tância a partir dos incisivos. Finalizada a endoscopia, o pa-
canais, a análise de DeMeester só é válida para os dados cap- ciente permanece em decúbito lateral esquerdo, passando-se
tados pelo eletrodo distai em adultos, uma vez que o posicio- por via oral o kit de colocação e fixando-se a cápsula 6 em

FIGURA 24.4-+ Unidade porWil digital de pHmetria esof~gica de 24 horas com eletrodo.
acima da medida da junção epitelial esofagogástrica (FIGURA sem o uso de radiação. Quando combinada com a pHmetria,
24.5). Por meio de um sistema a vácuo, é feita uma sucção da anlplia a capacidade de informação do método por permitir
mucosa do esôfago, com fixação da cápsula e liberação dela a detecção de refluxo não ácido.
do cabo de colocação, o qual é retirado em seguida. Impedãncia é a medida da oposição ao fluxo de corrente
O tempo de registro usual do exame é de 48 horas. Os elétrica em um circuito de corrente alternada . Dentro da luz
pacientes são estimulados a exercerem suas atividades esofágica, a irnpedância está inversanlente relacionada com
usuais, incluindo trabalho e banho de chuveiro normal. Após a condutividade da parede do órgão e seu conteúdo. O com-
48 horas, o paciente retoma ao laboratório para a retirada ponente básico de tal tecnologia é o circuito de impedância,
do equipamento. A cápsula se desprende da mucosa do esô- composto de anéis de metal separados por um isolante - no
fago e é eliminada naturalmente com o conteúdo fecal após caso o corpo do cateter - que são conectados a um gerador
alguns dias, fato este verificado por urna radiografia de tórax de corrente alternada. Para fechar o circuito, a descarga
após uma semana de completado o estudo. Nos pacientes elétrica deve percorrer a área ao redor do isolante. Quando
cujas cápsulas não foram eliminadas ap6s 15 dias, uma nova este espaço é composto por ar, praticamente não há fluxo de
endoscopia digestiva alta está indicada para a sua remoção. corrente entre os anéis, e a medida da irnpedãncia entre os
Esse sistema, embora de execução um pouco mais com- dois eletrodos é muito alta.
plexa, é capaz de fornecer dados por um perfodo mais lon- Quando esse sistema é colocado dentro do esôfago, o
go e de forma mais confortável para o paciente. Contudo, fluxo de corrente entre os anéis é permitido pelas descar-
apresenta problemas em cerca de 15% dos casos, que vão gas elétricas dentro da mucosa do esôfago. A presença de
desde deslocamento precoce, perda de dados, necessidade qualquer outro material dentro do esôfago interfere nesta
de remoção e re~osicionamento (dor retroesternal), até per- transmissão, devido à condutividade elétrica (d iretamente
furação víscera!. l relacionada com concentração iônica) e à secção transversa
As contraindicações ao procedimento são as mesmas de (contração esofágica). A impedãncia elétrica, sendo oposta
um procedimento endoscópico, acrescidas da presença de à condutividade, é decrescente no sentido ar, parede muco-
varizes de esôfago. Esta última é particularmente importan- sa, saliva/material deglutido e, por último, conteúdo gástrico
te, pois fundamenta a recomendação de realização de endos- refluído (irnpedãncia mais baixa).;~e
copia digestiva alta antes da instalação da cápsula.
A presença de bolus líquido entre os anéis de irnpedãncia
Embora o sistema esteja validado e consolidado na lite-
é identificada por uma queda da impedãncia quando a cor-
ratura, sua aplicabilidade em larga escala permanece limi-
rente de fluxo é alcançada pelo bolus, seguida de aumento
tada em nosso meio devido ao custo ainda elevado das cáp-
na irnpedãncia à medida que o bolus é conduzido deste seg-
sulas.
mento pela onda peristáltica. Uma "ultrapassagem" da im-
pedãncia corresponde à diminuição da luz do órgão durante
lmpedâncio-pHmetria esofágica a contração muscular, para então retomar à linha de base.
A impedãncia intraluminal de múltiplo canal é uma tec- A presença de ar entre os dois anéis de impedãncia é
nologia desenvolvida há pouco mais de uma década e cujo identificada como um rápido aumento da impedância com
objetivo é avaliar o movimento do bolus dentro do esôfago, um rápido retorno à linha de base.
A presença de bolus misto (gás-líquido ou líquido-gás)
é caracterizada pela combinação das alterações causadas
pelo líquido e pelo ar. A medição da impedãncia em locais
sequenciais em um único cateter (irnpedância intraluminal
de múltiplo canal) permite não apenas a determinação da
presença do bolus em vários níveis do esôfago, mas também
a direção de seu movimento dentro do esôfago. As altera-
ções na impedãncia no sentido proximal para distai indicam
um movimento anterógrado (craniocaudal) do bolus, como o
que ocorre normalmente durante a deglutição, ao passo que
alterações na impedância no sentido distai para proximal in-
dicam um movimento retrógrado do bolus, como o observa-
do no refluxo {FIGURA 24.6).
A impedâncio-pHmetria permite a detecção de todos os
tipos de episódios de refluxo, independentemente do pH do
material refluído, definindo se o conteúdo refluído é acido
ou não ácido, além de poder classificar os episódios de re-
fluxo em líquido, gasoso e misto.u Usando-se o cateter múl-
tiplo, ainda é possível registrar a altura exata que o refluxo
AGURA 24.5 ~ Cápsula e receptor de pHmetria por tel~a sem fio. atingiu cranialroente no esôfago. O diâmetro externo doca-
Cápsula aderida à mucosa esofágica c~ca de 6 em acima da junção epi- teter de irnpedãncia associado à pHmetria é semelhante ao
telial esofagogástrica {esquerda); unidade receptora {direita). Imagem dos cateteres de pHmetria convencionais (2,1 mm), sendo
cedida pelo Prof. Ary Na~i {HC-FMUSP)
bem tolerado pelos pacientes.
FIGURA 2.4.6 -+ Traçado de imped3ncio·pH·
metria demonstrando a queda de impedância
em sentido retrógrado (caudal-cranial), repre-
sentando episódio de refluxo concomitante à
queda do pH.
15 s

Apesar de sua introdução relativamente recente, se com- nóstico ao mesmo tempo em que se quantifica a intensidade
parado aos demais métodos de mensuração de pressões e e o padrão do refluxo, tanto em relação ao período do dia
pH, a impedãncio-pHmetria já conquistou espaço na prática como às atividades realizadas. Ao possibilitar que se avalie a
clínica diária. Embora sua interpretação seja algo mais la- associação entre os sintomas extraesofágicos c a ocorrência
boriosa e tenha características diferentes dos demais méto- dos episódios de refluxo, a pHmetria permite que se estabele·
dos, a qualidade e a confiabilidade dos dados obtidos com ça uma relação temporal entre esses sintomas, indicando, nos
essa técnica apontam para a perspectiva de permanência da casos positivos, uma interferência do refluxo no aparecimento
impedâncio-pHmetria como método de utilização em larga ou na exacerbação desses sintomas extraesofágicos.
escala no futuro. As novas tecnologias, como a manometria de alta resolu·
ção e a impedâncio-pHmetria, foram incorporadas à inves-
tigação ao mesmo tempo em que vieram expandir o conhe-
Resumo cimento sobre as características e a natureza dos distúrbios
motores, bem como do próprio RGE. Cunharam-se, assim,
A associação entre RGE e doença respiratória é conhecida novas bases para a investigação dos pacientes e, sobretudo,
e frequente, sendo que a população de pacientes portadores da participação de refluxo não ácido nos pacientes portado-
de asma, tosse crônica e doenças intersticiais parece ser a res de manifestações respiratórias.
mais acometida. A avaliação funcional do esôfago comple- O conhecimento dos métodos de avaliação funcional
menta a avaliação morfológica (endoscopia e radiologia) e esofágica e sua interpretação por parte do pneumologista e
possui papel importante na investigação dos pacientes porta- do cirurgião torácico são necessários, visto que facilitam em
dores de manifestações respiratórias, associadas ou não aos muito o reconhecimento e o diagnóstico das frequentes in·
sintomas digestivos. terações entre manifestações respiratórias relacionadas com
os distúrbios motores do esôfago e do RGE.

[E ATENÇÃO
A EMN é o método de escolha para a investigação da
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Tabagismo:
Doença e Grave
Problema de
Saúde Pública
LuizCarlos Corrêa da Silva
25
Doenças e Problemas Relacionados à Saúde, recebe o título
"transtornos mentais e comportamentais devidos ao uso de
fumo" (CID 10: F-17).1
Costuma iniciar-se na adolescência, devido à vulnerabi-
lidade desta fase da vida, caracterizando-se primeiramente
pelo consumo eventual de cigarros. Com a conúnuidade do
uso, instala-se a dependência, e o consumo - antes eventual
- toma-se diário. Como na maioria dos casos começa na
adolescência, o tabagismo deve ser considerado uma doença
pediátrica. Nessa doença, além da dependência qu!mica de
nicotina, outras variáveis podem ter grande importância, de-
pendendo de caracteristicas individuais, como fatores psico-
lógicos, que podem levar o fumante à necessidade do uso de
cigarros como parte de seus hábitos e automatismos, difíceis
de controlar e de mudar,fatom genéJicos, que podem au-
mentar o grau da dependência quúnica, e efeilos diretos da ni-
cotina, por ser um modulador neuroquímico, dentre outros.
O tabagismo deve ser encarado como um problema cole-
tivo, e não apenas individual dos próprios fumantes, uma vez
q ue todos são atingidos, d ireta ou indiretamente, por suas
consequências. Há várias décadas, constitui-se em um sério
problema para a saúde da população, tendendo a aumentar
sobretudo nos países mais pobres e na população mais pobre
de qualquer país, a menos que ocorra uma grande mudança
da atitude coletiva, mundialmente.!
A doença
O tabagismo, em si, é uma doença de dependência de nico-
tina, crônica, multifatorial, com variados graus de intensida-
Aepidemia
de, podendo ter como desfecho mais de 50 doenças, mui- O tabagismo é um dos mais importantes problemas de saúde
tas delas graves e fatais. ' Na Oassificação Internacional de pública, comprometendo sobremaneira a espécie humana,
pelas suas consequências nos índices de morbidade e morta-
lidade e, também, pelos impactos em outros seres vivos e no
meio ambiente. Um terço da população mundial com mais de
15 anos de idade é fumante, o que corresponde a 1,3 bilhão
de pessoas. Como consequência do tabagismo, morrerão 500
milhões de pessoas, sendo metade desse contingente aínda
crianças ou jovens, hoje com menos de 20 anos de idade.
Verifica-se que, a cada dia, mais de 100.000 jovens fu-
mam o primeiro cigarro da sua vida, o que totaliza 36 mi-
lhões de novos experimentadores por ano. Dentre estes,
mais de 50% se tomarão dependentes da nicotína. Portanto,
para os cinco milhões de pessoas que cessam o tabagismo a Consumo do tabaco
cada ano devido ao seu óbito, há uma reposição de mais de Pelo fato de representar um mercado novo e promissor, a
18 milhões de novos fumantes. A indústria do tabaco festeja população dos palses em desenvolvimento, particularmente
e incentiva este saldo macabro. mulheres, crianças e adolescentes, tem sido objeto do inte-
No Brasil, ocorrem 200.000 mortes a cada ano por doen- resse direcionado da indústria do fumo. Isso levou a OMS a
ças relacionadas com o fumo. Portanto, a cada cinco minutos considerar esses grupos como de risco e a lhes dirigir cuida-
morre um brasileiro em consequência do tabagismo. dos especiais para prevenção do tabagismo e promoção da
Embora a tendência seja de crescimento, ainda há muito saúde em geral.
menos mulheres fumantes do que homens. Estima-se que, Cerca de seis trilhões de cigarros são consumidos anual-
mundialmente, esse número esteja hoje em torno de 250 mi-
mente, manufaturados a partir de quase seis milhões de
lhões, isto é, de cada seis fumantes, um é mulher. Portanto,
toneladas de folha seca de tabaco. O consumo anual de
dos cinco milhões de mortes anuais por doenças tabaco-rela-
cigarros por adultos, no mundo, aumentou da década de
cionadas, um milhão é de mulheres.
1970 para a de 1980 e se estabilizou a partir daL Os palses
O início da epidemia do tabagismo mostrava nítida asso-
desenvolvidos, depois de experimentarem um aumento de
ciação com nível socioeconômico elevado, mas, nas últimas
consumo em 1970 e 1980, mostraram redução nas últimas
décadas, esse panorama começou a se modificar e, princi-
décadas. Chama atenção que os paises menos desenvolvidos
palmente nos países desenvolvidos, a maior prevalência do
são aqueles que vêm sofrendo o maior aumento a partir da
tabagismo passou a ser observada em homens de baixo nível
socioeconômico. década de 1970, constatando-se que o consumo de 800cigar-
A prevalência do tabagismo entre os homens ficou em ros anuais por adulto duplicou.'
tomo de 50% por quase 20 anos. Já entre as mulheres, tem No Brasil, o consumo de cigarros registrado no ano de
aumentado substancialmente nos últimos 20 anos, estando 1989 foi de 162 bilhões de unidades, índice dos mais altos
as taxas do tabagismo das mulheres urbanas muito seme- até então atingidos, posteriormente tendo caído para cerca
lhantes às dos homens. Dados nacionais levantados pelo de 100 bilhões por ano apesar do crescimento populacional.
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatlstica (IDGE), em Dados nacionais ainda mostram que o índice de consumo de
2008, demonstraram que 17,2% (24,6 milhões) da população cigarros, à semelhança de outros países, está inversamente
brasileira acima de 15 anos fuma: 21,6% dos homens (14,8 associado ao seu preço real médio, confirmando que o au-
milhões) e 13,1% das mulheres (9,8 milhões).• As informa- mento de preços é uma medida eficaz para a redução do ta-
ções atuais revelam prevalências semelhantes entre homens bagismo.
e mulheres de 20 anos c mais, o que indica que as mulheres O conhecimento do volume de contrabando é muito
avançaram muito nessa nefasta competição. pobre e incontrolável, o que sempre dificulta uma análi-
A proporção de mulheres em idade reprodutiva que se aprofundada do montante do consumo gerado por essa
fuma é de, aproximadamente, um terço, tendo como uma origem do produto. Estima-se que tal fonte de cigarros
das consequências o baixo peso dos recém-nascidos, o que possa chegar a 30% do total registrado oficialmente. Entre
se constitui em um dos fatores mais importantes para mor- os 100 países produtores de tabaco, o Brasil ocupa o 4°
talidade iníantil. lugar, sendo responsável por 6% da produção global (Chi-
Em nlvel mundial, os dados epidemiológicos sobre a na: 34%; Estados Unidos: 11%; Índia: 10%). Esses quatro
doença tabagismo ainda são alarmantes, pois, segundo a Or- pafses juntos cobrem dois terços da produção global de
ganização Mundial da Saúde (OMS), ocorrem cinco milhões tabaco no mundo. O Brasil destaca-se como o maior ex-
de mortes anualmente devido a doenças tabaco-relacionadas, portador, sendo responsável por 16% da exportação global
6
o que equivale a mais de 10.000 mortes por dia, ou seja, a cada defumo.
oito segundos, morre um ser humano por doença relacionada
com o fumo. As estimativas da OMS indicam que essa epi-
demia, se mantiver o crescimento atual, poderá duplicar seus
efeitos letais, levando a 10 milhões de mortes anuais a partir
Otabagismo como fator de risco
de 2030. Caso isso aconteça, será consequência direta do au- O tabagismo é o principal fator de risco prevenível de
mento do consumo do tabaco nas regiões em desenvolvimen- doenças e de mortalidade para o ser humano. Os concei-
to, mais pobres, particularmente África, fndia e China. tos vigentes há quatro décadas devem ser completamente
modificados, pois a quase totalidade das informações hoje tivos peculiares a esse período da vida e, posteriormente,
disponíveis sobre os danos causados pelos cigarros foi des- quando houver dependência de nicotina, toma-se difícil a
coberta mais recentemente. Isso quer dizer que as pessoas cessação. Constitui também um importante fator de risco,
que começaram a fumar naquela época não apenas estavam não apenas para as situações salientadas no QUADRO 25.1,
desinformadas, mas também eram estimuladas a fumar por mas também por favorecer a iniciação de outras drogadi·
uma mídia avassaladora e extremamente competente para ções, como álcool, maconha, cocaína e crack.
captar novos fumantes.
Um quarto dos fumantes que não conseguem parar de
fumar morre em média 20 anos antes, em comparação com
não fumantes. Quem fuma 20 cigarros por dia morre 10 anos
lmpado ambiental
antes e consome mais tempo com incapacidade do que a mé- O impacto ambiental do dcflorestamcnto c do uso de agro-
dia dos não fumantes. tóxicos tem muita importância no Brasil. Os esforços para
No QUADRO 25.1, enumeram-se as principaisconsequên- reflorestamento, pelos plantadores de fumo, não têm sido
cias do tabagismo quanto a doenças e danos. efetivos e, sem a utilização dos agrotóxicos, o cultivo do ta-
O tabagismo, pelo fato de geralmente se iniciar na ado- baco torna-se economicamente desinteressante. Embora
lescência, fase em que os aconselhamentos e as informações estudos tenham demonstrado os efeitos danosos dos pro-
sobre saúde não fazem parte dos interesses da maioria dos dutos quimicos utilizados no cultivo do tabaco sobre o meio
jovens, tem um caminho aberto para sua iniciação pelos mo- ambiente e, particularmente, sobre os fumicultores, sua
utilização prossegue e com apoio e incentivo das empresas
que comercializam, controlam, exportam c industrializam
a produção. As tentativas de reflorestamento, por parte da
QUADRO 25.1 ~ Doenças e danos causados pelo tabagismo indústria, são utilizadas como propaganda em prol delas
mesmo, sem que haja nenhum indicativo de reversão do
Qncer Pulmão, laringe, boca, esôfago, p3ncreas, problema.
bexiga, rim, estômago, leucemia, cérvice

Doença cardiovascular Morte súbita


Infarto agudo do miocárdio Controle do tabagismo
Angina instável Programas de prevenção, proteção e tratamento têm sido
Acidente vascular cerebral implementados, havendo evidências de redução do tabagis-
Doença oclusiva vascular periférica mo particularmente nos grupos de melhor perfil socioeco-
Aneurisma de aorta
nõmico c psicossocial. O comprometimento do Ministério
Doença pulmonar C~ncer de pulmáo da Saúde nas atividades de prevenção e tratamento do ta-
Doença pulmonar obstrutiva crônica bagismo, em especial pelos programas nos postos de saúde
Asma e nas escolas, tem feito uma grande diferença nas últimas
Tendência à pneumonia décadas.
Aumento da morbidade das viroses O impacto de uma legislação mais restritiva, inclusive
proibindo completamente a propaganda do cigarro, possibi-
Doença gastrintestinal Úlcera péptica litou chegar a níveis mais baixos de consumo nas últimas três
Refluxo gastresofágico
décadas, constituindo-se este dado em uma forte evidência
Distúrbios reprodutivos Redução da fertilidade do impacto positivo das ações de controle.
Prematuridade Para que o controle do tabagismo atinja melhores resul-
Baixo peso ao nascer tados, será necessário um esforço combinado de todos: go-
Abortamento verno, setores da saúde, instituições de diversas naturezas,
Ruptura prematura das membranas particularmente organizações não governamentais (ONGs),
Aumento da mortalidade perinatal e comunidade em geral.
Doença bucal Câncer bucal
Leucoplasia
Gengivite ~ ATENÇÃO
Pigmentação dentária
Decisão polftica, educação em saúde facada na pre-
Outros Menopausa precoce
venção e adequação da visão econômica serão indis-
Osteoporose
Catarata pensáveis para o controle mais efetivo do tabagismo.
Rugas cutâneas prematuras
Agravamento do hipotireoidismo
As intervenções para cessação do tabagismo ainda auxi-
Incêndios e suas consequências
liam apenas uma minoria de fumantes, embora, em campa-
ração com outras intervenções médicas, os seus benefícios
para a saúde sejam consideráveis. Essas intervenções estão ~ ATENÇÃO
entre as mais custo-efetivas. As estimativas do custo por
ano de vida que é prolongado por tratamentos para taba- Para o controle do tabagismo, a responsabilidade é
gismo ficam abaixo de USS2.000,00, em comparação com de todos, ~o apenas do governo, das instituições e
outras intervenções, como hemodiálise, medicação anti-hi- dos profissionais da saúde. Os ddadãos ~o fuman-
pcrtensiva, fármacos para baixar o colesterol, que custam tes devem exigir seu direito de respirar ar puro, os
mais de US$30.000,00 por ano de vida. A cirurgia para re- fumantes que quiserem parar de fumar devem ser
vascularização miocárdica custa cerca de US$60.000,00 por apoiados e tratados, e os demais, que ainda ~o se
ano de vida prolongado. interessaram em parar de fumar, devem ser repetida-
A OMS instituiu a Convenção-Quadro,' Primeiro Tra- mente informados e incentivados a parar de fumar.
tado Internacional para Controle do làbagismo, em que Este processo será lento, por vezes diflcil, mas será
os governos se comprometem a desenvolver políticas de progressivo e, pelo impacto dos seus resultados, me-
controle que vão desde o plantio do tabaco até a comercia- rece todo nosso empenho.
lização e o consumo de cigarros. Ações diversificadas são Os médicos e os demais profissionais da saúde,
fundamentais, desde o processo educativo até a oferta de os profissionais de outras áreas e todos os cidadãos
programas para tratamento dos fumantes. Esta é a maior que tenham condições de fazê-lo devem assumir po-
iniciativa mundial para o controle do tabagismo, na qual se sições fortes e estabelecer estratégias que favoreçam
depositam grandes esperanças. o controle do tabagismo:
No Brasil, o Instituto Nacional do Câncer (INCA), órgão
oficial do Ministério da Saúde para o setor de tabagismo, • Informar sobre os maleflcios às pessoas com as
possui um Programa de Controle do làbagismo que, mesmo quais tenham contato.
apresentando inúmeras dificuldades operacionais relaciona- • Desencorajar seu inicio entre os n~o fumantes,
das com o tamanho do rroblema em um país como o nosso, particularmente os jovens.
tem servido de modelo. • Estimular sua cessação, sempre que necessário.
• Atuar junto às autoridades, governamentais ou
n!io, no sentido de estimular ações antitabaco
por meio de ileis e normas que profbam seu uso
Em todas as iniciativas para controle do tabagismo, e sua comercialização entre os Jovens, e que res-
três itens são fundamentais: trinjam sua prática em locais coletivos, públicos
~ Proteçlo de todos do tabagismo passivo, p rincipal- ou privados.
mente mediante promoçlo de amboenles 100% livres
de tabaco.
~ PrevençJo para que os jovens nlo comecem a fumar,
mediante processo educativo dirogodo, especifica-
mente nas escolas, e fiscalizaçlo da propaganda e
das vendas. Constatações e desafios ainda preocupantes sobre
~ CessaçJo do tabagosmo, por meio de programas de o tabagismo:
intervençlo terapfutica. ~ O tabagismo está aumentando na populaçA o pobre e
entre mulheres jovens.
~ Em duas décadas, dobrará o número de mortes por
É essencial que os profissionais da saúde entendam seu doenças tabaco-relacionadas.
~ O fumante, mesmo aquele que só fuma eventual·
papel e incluam nas suas rotinas de trabalho, junto dos seus
pacientes, o repasse de informações sobre:9 mente, vai tornar-se dependente.
~ Costuma ser diffcil parar de fumar.
• efeitos a curto e longo prazo do tabagismo no corpo hu· ~ Mais de 80% dos fumantes gostariam de parar de
mano; fumar.
~ Menos de 6% dos que param por conta própria man·
• benefícios a curto prazo e permanentes da cessação de
têm abstinência após 12 meses.
fumar;
~ O tabaco impulsiona um grande movimento finan·
• tratamentos disponlvcis para auxiliar os fumantes a su-
ceiro.
perarem sua dependência;
~ Iniciativas para o controle do tabagismo sao cerc:ea·
• muitos mitos sobre fumar e sobre parar de fumar.
das por interesses econ6micos.
~ A indústria do tabaco manipula os setores poHtic:o e
econômico.
Group; e2011 [capturado em 16 maio 2011 ). Disponível em: http://
Otabagismo não faz parte da sociedade go.worldbank.org/N4BBVYY9VO.
do futuro 7. World Health Organization. WHO framework convention on
tobaeco control (Internet). Geneva: WHO; 2003 [capturado em 16
Não se admitirá o tabagismo:
maio 2011 ). Disponível em: http:/Jwww.who.int/tobac:co/framcwork/
• O cidadão, a família e a sociedade farão esta exigência. WHO_FCTC_english.pdf.
As políticas serão cada vez mais restritivas:
• Ambientes realmente 100% livres de tabaco. 8. Brasil. Ministério da Saúde. Instituto Nacional de Câncer.
• Normas serão cumpridas universalmente (OMS e gover- Programa de controle do tabagismo (Internet) . Rio de J aneiro:
INCA; ci996-2011 [capturado em 16 maio 2011]. Disponível em:
nos).
http://www.inca.gov.br/tabagismo/frameset.asp?item=programa
Os programas de tratamento serão mais acessíveis:
&link=introdueao.htm.
• Todos os profissionais da saúde serão capacitados para
intervir. 9. Reichert J, AraújoN de, Gonçalves CMC, Godoy I, Chatkin JM,
Os custos do tabagismo serão direcionados: Sales MPU, et al. Diretrizes da SBPT: diretrizes para cessação do
tabagismo - 2008. J Bras Pneumol. 2008;34(10):845-80.
• Para o próprio FUMANTE (mais ônus: preços do cigar-
ro, seguros de saúde e pecúlios com preços estratifica-
dos).
• Para as EMPRESAS DO TABACO (redução de ganhos, Leituras complementares
indenizações por danos individuais e coletivos). Brasil. Ministério da Saúde. Instituto Nacional de Câncer. Prevalên-
cia de tabagismo no Brasil: dados dos inquéritos epidemiológicos
em capitais brasileiras (Internet). Rio de Janeiro: INCA; 2004 [cap-
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Dagoberto Vanoni de Godoy
26
ria tardia e tem papel fundamental no estabelecimento de
dependência às drogas, inclusive a nicotina.
A nicotina é o principal ingrediente psicoativo do taba-
co, devido à sua capacidade de interferir nas interações de
glutamato, GABA, neurotransmissores colinérgicos e dopa-
mina na área tegmental ventral (ATV) e em outras regiões
cerebrais, como núcleo central da amígdala e córtex pré-
-frontal.' A nicotina é um alcaloide que atua como um ago-
nista de receptores nicotfnicos acetilcolinérgicos (nACbRs)
cerebrais e periféricos (gânglios autonõmicos, zona medular
das glândulas suprarrenais e junções neuromusculares).

O presente capítulo enfatiza os sistemas neurotransmis- Receptores nicotínicos acetilcolinérgicos


sores de glutamato e ácido gama-aminobutírico (GABA)
Os nACbRs são canais de ligação iônica e compreendem
sobre a função neural e sobre a neurobiologia da dependên-
cinco subunidades de membrana que se combinam para for-
cia à nicotina. Embora outros ingredientes e metabólitos da 2
mar um receptor funciona1. A maior parte dos receptores
fumaça do tabaco, como inibidores da monoaminoxidase e
colinérgicos nicotínicos cerebrais é composta por subunida-
nornicotina, sejam reconhecidos como contribuintes à de- des (X e~· Normalmente, existem duas subunidades Ct e três
pendência do tabaco, a maior parte da pesquisa neurobioló- subunidades ~. sendo as subunidades Ct responsáveis pela
gica tem por foco a nicotina como substrato para descobrir acoplagem iônica e as subunidades ~. por outras funções do
as vias dessa dependência. receptor.
Existe muita diversidade de nACbRs no tecido cerebral,
sendo nove isoformas de subunidade <X ( ~ a <X,o} e três iso-
Nicotina e sistema mesolímbico formas de subunidade ~ (llz a p,). Diferentes nACbRs são
encontrados em regiões cerebrais distintas, apresentando
O sistema mesolímbico (SML), localizado no mesencéfalo tanto condutância química diversa para íons de sódio e cál-
dos mamíferos, é um conjunto de estruturas neutais interco- cio como diferentes sensibilidades aos agonistas nicotfnicos.
nectadas, que comanda o comportamento e as emoções. O Tipos diferentes de nAChRs medeiam ações farmacoló-
SML está associado à aprendizagem, à formação da memó- gicas distintas da nicotina, provavelmente correspondendo
aos múltiplos efeitos experimentados pelos fumantes. O nA- neurotransm.issão do glutamato está reduzida durante a abs-
ChRs a4~2 é o principal mediador da dependência à nicoti- tinência nicotinica. l nteressantemente, durante abstinência
na; o a4~2 combinado com o a5 aumenta a condutãncia de prolongada, ocorre uma resposta glutaminérgica aumentada
cá.lcio em sete vezes; o a4 tem papel importante na sensibi- a estímulos ambientais motivadores para o uso de nicotina.
lidade à nicotina; o a7 potencializa os estímulos excitatórios
nos neurônios dopaminérgicos; e o a3~ media os efeitos
cardiovasaJlares à nicotina.' Ácido gama·aminobutírico
Muitos nAO.Rs estão situados em terminais pré-sinápti- O GABA é o principal transmissor inibitório no cérebro
cos e modulam a liberação de neurotransmissores.• Não obs- e está implicado nos efeitos reforçadores da administra-
tante, também localizam-se em regiões somatodendríticas, ção aguda de nicotina. Aferentes GABAérgicos do núcleo
axônicas e pós-sinápticas. Devido à ampla distribuição dos pedúnculo-pontino-tegmcntal, do pálido ventral c do nu-
nAChRs, a administração de nicotina estimula a liberação cleus accumbens par a a ATV inibem a atividade dopami-
de neurotransmissores em todo o cérebro. Mais relevan- nérgica no SML. A exposição prolongada à nicotina reduz
te para a adicção à nicotina são os receptores colinérgicos o tónus inibitório mediado pelo GABA, enquanto o tônus
nicotfnicos neuronais, os quais são encontrados em todo o excitatório mediado pelo glutamato persiste, aumentando
cérebro, porém com maior concentração no córtex, no !ála- a atividade dos neurônios dopaminérgicos c a consequen-
mo, nos núcleos interpedunculares, na amígdala, no septo, te resposta à nicoti na.
no tronco cerebral, nos núcleos motores e no núcleo cerúleo.
A ativação dos nAChR s facilita a liberação de neurotrans- Outros neurotransmissores
missorcs, incluindo acetilcolina, noradrenalina, serotonina,
O predomínio da liberação de ncurotransmissores excitató-
~-endorfina, GABA e outros.
rios resulta em ativação neural simpática e um grande núme-
ro de efeitos de recompensa após a administração de nicoti-
na. A liberação de dopamina c norepinefrina está associada
Neurotransmissores envolvidos com as a sensações prazerosas c à supressão do apetite. A acctilco-
lina leva ao aumento do desempenho cognitivo c à melhoria
ações da nicotina da memória. A secreção de ~-endorfina pode estar associada
à redução da ansiedade e tensão. O incremento dos níveis de
Glutamato scrotonina suprime o apetite e modula o humor.
O glutamato é o principal neurotransmissor excita tório no A nicotina também libera hormônio de crescimento,
cérebro e exerce importante papel nos efeitos agudos e a
prolactina, hormônio adrenocorticotrófico (ACfH), vaso-
longo prazo da nicotina. A nicotina aumenta a li.b eração de pressina e prolactina.
glutamato por meio de agonismo excitatório pré-sináptico
de nAChRs sobre terminais glutaminérgicos em várias re-
giões oerebrais (AVI; nucJeus accumbtns, córtex pré-frontal
e hipocampo). Efeitos da nicotina
Aferentes glutaminérgicos projetam-se do córtex fron- Enquanto a exposição aguda à nicotina produz excitação dos
tal, da amígdala e do hipocampo para áreas contendo cor-
neurônios das vias neuronais do SML, a exposição crônica
pos celulares ou terminais dopaminérgicos, como a ATV e
resulta em neuroadaptação e desenvolvimento de tolerância.
o nuc/eus accumbens, aumentando as descargas ncuronais Nesse contexto, a ausência de nicotina redunda em uma libe-
e a liberação de ncurotransmissores e afetando comporta-
ração subnormal de dopamina e outros neurotransmissores.
mento e processos afetivos. Os efeitos agudos de recom-
pensa desencadeados pela nicotina estão relacionados com
essas ações. Com a exposição crônica à nicotina e o desen-
volvimento de dependência, ocorrem adaptações na neu-
rotransmissão do glutamato, fenômeno que provavelmente
0 ATENÇÃO

media os sinais comportamcntais da sfndrome de abstinên- Assim, a privação de nicotina pode resultar em um
cia da nicotina. estado de deficiente resposta dopaminérgica a no·
A alteração da fu nção e do número de receptores glu- vos estfmulos e a um estado de mal-estar e incapaci-
taminérgicos devido à exposição crônica à nicotina, par- dade de sentir prazer, conhecido como desregulaçâo
t icular mente na AVI; torna a transmissão glutaminérgica hedônica. A desregulaçlio hedOnica pode explicar a
mais lenta e desencadeia o comportamento característ ico fissura e a sensibilidade aos efeitos da nicotina.
da abstinência nicot fnica. 5 A at ividade aumentada das
projeções glutaminérgicas do córtex pré-frontal para o nu-
cleus accumbens inOucncia o comportamento de busca por Embora os fumantes deem diferentes explicações para a
nicotina.• necessidade de nicotina, a maioria deles concorda que fumar
Assim, ocorre neurotransmissão aumentada do gluta- proporciona excitação matinal e relaxamento em situações
mato com a administração da nicotina. Por outro lado, a estressantes.
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A administração crônica de nicotina produz alteração pa-
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radoxal na função dos nAChRs, a qual consiste na dessen-
sibilização dos receptores - não resposta do receptor com 4. Wonnacott S. Presynaptic nicotinic ACb rceeptors. nends Neu-
fechamento do canal iônico -desencadeando um aumento rosci. 1997;20(2):92-8.
numérico dos nACbRs, o que está ligado ao desenvolvimen- S. Kenny PJ, Gasparini F, Markou A. Group 11 metabotropic and
to de dependência e tolerância à nicotina.' alpha-an1ino-3-bydroxy-5-mcthyl-4-isoxazole propionate (AMPA)/
A dependência à nicotina está fortemente associada a kainate glutamate rcccptors rcgulatc the deficit in brain reward
circuitos funcionais interconectando o giro cingulado e cor- function assoeiated with nicotinc withdrawal in rats. J Pharmaeol
po estriado. No entanto, a administração aguda de nicotina Exp Tber. 2003;306(3);1068-76.
não rem efeito significativo sobre esses circuitos. Além disso,
6. Kalivas PW, Volkow NO. The neural basis of addiction: a patholo-
a administração de nicotina multiplica em muitas vezes a co- gy of motivatio o and cboicc. Am J Psychiatry. 2005;162(8):1403-13.
nectividade em circuitos cingulado-neocórtex, os quais não
estão associados à gravidade da dependência à nicotina, mas 7. Govind AP, Vezina P, Green WN. Nicotine-induced upregulation
têm papel nas propriedades de melhora cognitiva desenca- of nieotinic receptors: underlying mcchanisms and rclcvancc to ni-
deada pela droga. Dessa maneira, é possível que circuitos eotinc addiction. Bioebem Pbarmacol. 2009;78(7):756-65.
disfuncionais entre o giro cingulado e o corpo estriado sejam 8. Hong LE, Gu H, Yaog Y, Ross TJ, Salmcron BJ, Buchholz B,
responsáveis pela falha da terapia de reposição de nicotina, et ai. Nieotine addiction and nicotinc's aetions are assoeiatcd with
observada em muitos fumantes que desejam abandonar o separate cingulate cortcx fuoctional circuits. Arch Geo Psycbiatry.
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Referências Leitura recomendada


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José Miguel Chatkin
27
Introdução financeiro e sexual. Além disso, outros aspectos como pa-
drão específico de personalidade de busca de desafios e ca-
Os maleficios e as mortes ocasionados pelo tabagismo são, racterísticas individuais do desenvolvimento neuropsicológi-
na atualidade, amplamente conhecidos tanto pelos profis- co também são considerados itens importantes para o início
sionais de saúde quanto pela população em geral. Qualquer do uso do fumo. Os motivos pelos quais os fumantes conti-
pessoa minimamente informada sabe que fumar traz inú- nuam fumando e apresentam tanta dificuldade em cessar o
meros problemas à saúde. No entanto, cerca de um terço tabagismo são semelhantes a esses.
a um quarto da população, em todo o mundo, não apenas Contudo, a influência do ambiente no comportamento
continua a fumar, como um percentual significativo ainda individual e de grupos parece não ser suficiente para expli-
experimenta cigarros e inicia-se no hábito. làmbém, muitos car todos os fenômenos ligados à adicção tabágica. Desde a
fumantes, embora desejosos de cessar o tabagismo, consi- década de 1990, o papel da genética tem sido estudado como
deram difieil consegui-lo e, na maioria das vezes, não ob- mais um fator significativo para a experimentação, manu-
têm êxito em pa.r ar de fumar.' tenção e cessação do tabagismo. Dessa forma, aos fatores
supracitados acrescenta-se a visão do problema como uma
dependência orgânica de nicotina. 2
Esse conjunto de fatores ambientais, comportamentais c
) ATENÇÃO
orgânicos explica parcialmente por que cerca de 70% dos fu-
mantes querem abandonar o fumo, mas não conseguem; des-
O tabagismo é um comportamento complexo multi-
tes, cerca de um terço tem êxito por apenas um dia e menos
fatorial para o qual as contribuições da genética e a
de 10% alcançam abstinência por 12 meses. A cessação defi-
influ~ncia do ambiente são determinantes significa-
nitiva do tabagismo em geral só ocorre após várias tentativas,
tivos, tanto para a iniciação como para a manuten-
e o número de recaídas é muito alto. O percentual em que
ção e sua cessação.
isso ocorre é semelhante em quase todos os estratos sociais,
inclusive nos mais informados sobre as doenças tabaco-rela-
cionadas, como os que incluem profissionais de saúde.
A experimentação e o início do ato de fumar estão liga- Por outro lado, é interessante observar que apenas uma
dos a questões comportamentais como posicionamento re- parcela dos fumantes desenvolve tal dependência. Por que
belde do adolescente, necessidade de aftrmação de sua ma- nem todos os fumantes apresentam a mesma evolução?
turidade, desafio às autoridades, imitação de ídolos, pressão Uma das grandes questões no estudo do tabagismo, na atua-
de amigos ou familiares fumantes e associação do tabagismo lidade, é entender por que pessoas expostas tomam-se ou
com pessoas bem resolvidas do ponto de vista profissional, não adictas à nicotina.
'Il'ês grandes estudos colaborativos, o TAG Consort:ium/ A influência genética também está sendo avaliada em
o estudo Ox-GsK• e o consórcio ENGAGE/ envolvendo outras situações ligadas ao tabagismo, como idade de inicio,
mais de 140.000 indivíduos analisados com metodologia si- grau de dependência e persistência, grau de sintomas após o
milar, publicados recentemente, trouxeram novas perspecti- primeiro cigarro, quantificação da sensação de prazer.
vas para o entendimento dos fatores genéticos que influen- Essa busca dos genes especificamente ligados ao tabagis-
ciam a iniciação, a dependência e a cessação do tabagismo. mo tem sido feita segundo duas linhas principais: a idenúfi-
Alguns desses fatores são abordados aqui. cação dos alelos que interferem na neurobiologia de trans-
missores, como dopamina, serotonina e noradrenalina, e dos
genes que podem influenciar a resposta à nicotina, interfe-
rindo nos seus receptores ou no metabolismo da nicotina.
Bases genéticas do tabagismo
O papel da hereditariedade na adicção tabágica é estudado
sob os seguintes aspectos fundamentais: o da iniciação e o da Rota dopaminérgica
manutenção do comportamento, com especial atenção para Já está bem demonstrado que a dopamina é um dos prin·
a dificuldade em cessar. cipais neurotransmissores envolvidos na sensação de re-
Estudos epidemiológicos, concentrando-se em aspectos compensa relacionados com o uso de nicotina e também de
ambientais, comportamentais c fatores individuais (como várias outras drogas de a dicção. A nicotina estimula a libera-
o desenvolvimento neurológico e a eventual concomitância ção de dopamina no nucleus accumbens, possivelmente pela
com doenças mentais) e suas inter-relações com a questão ativação de receptores específicos.
genética, indicam que o peso da contribuição genética para Os polimorfismos genéticos relacionados podem estar
o risco de início da adicção tabágica deve ser da ordem de localizados nos genes receptores, transportadores, metaboli·
47 a 84%. A estimativa é de que essa contribuição para a zadores da dopamina. Os mais estudados são os que regulam
manutenção do tabagismo possa ser de 53 a 70% e de que o seu fluxo no sistema nervoso central. São conbecidos cin-
a resposta ao tratamento seja da ordem de 40 a 60%. O sur- co receptores düerentes de dopamina, c já foram clonados
gimento do quadro de abstinência nicolfnica parece ser de os genes que os codificam (DRD1, DRD2, DRD3, DRD4
cerca de 40 a 60%. e DRDS). Dentre eles, o DRD2 é o mais investigado por
Os primeiros trabalhos vinculando genética e tabagismo sua relação com outros comportamentos de adicção, como
não são recentes. Em 1958, Fisher6 registrou a possibilidade uso de drogas lícitas ou ilfcitas, jogo compulsivo, obesidade.
de associação entre genoma, consumo de tabaco e câncer de Especula-se que pessoas com tais comportamentos necessi-
pulmão e sugeriu a existSncia de genes que, na juventude, tem de estimulos extras, no caso o uso de nicotina exógena,
predisporiam os indivfduos a se tomarem fumantes e poste- para a liberação de quantidades de neurotransmissores sufi-
riormente a apresentarem neoplasia pulmonar. cientes para produzir a sensação de prazer ou de bem-estar.
O estudo mais organizado da contribuição genética Pacientes com essas características genéticas têm também
para o tabagismo iniciou-se com a avaliação desse hábito menor número de receptores dopamínérgicos, começam a
em indivíduos que compartilham genes, isto é, pais e fi- fumar mais precocemente, fumam maior quantidade por
lhos, com especial ênfase em gêmeos e membros adotivos dia e apresentam maior dificuldade em parar de fumar. Po-
dessas famnias. Foi analisado também o papel do ambien- limorfismos relacionados com o transporte de doparnina na
te na iniciação c na manutenção do fumo, verificando-se a fenda sináplica também têm sido estudados.
concordância do fenótipo tabágico de acordo com o taba·
gismo dos pais biológicos, e não dos adotivos. Na Escandi· Rota serotonérgica
návia, foi encontrada associação entre fumantes adotados
A rota serotonérgica começa também a ser relacionada com
e seus irmãos biológicos e entre mulheres fumantes e suas tabagismo.8 Estão surgindo evidências de que a nicotina au-
mães biológicas, c não as adotivas, reforçando o papel da menta a secreção de serotonina, e sua retirada diminui a li-
hereditariedade e diminuindo a importância relativa do beração do neurotransmissor, explicando possivelmente as
ambiente nesse comportamento. 7 mudanças de humor relacionadas com a abstinência tabági-
Existem vários outros estudos com gêmeos sobre o pa- ca.91ànto depressão como ansiedade são situações clínicas
pel da herança genética na adicção ao tabagismo, revelando ligadas ao tabagismo, o que acrescenta plausibilidade a essa
maior taxa de concordância em relação ao fumo em irmãos linha de investigação.
monozigóticos do que dizigólicos, independentemente de te- Nessa rota, os polimorfismos que podem estar ligados ao
rem sido criados juntos ou separados. Resultados semelhan· fumo são aqueles envolvidos na bioss!ntese da serotonina ou
tes foram detectados nos Estados Unidos, na Escandinávia, os da sua recaptação.
na Austrália, na Grã-Bretanha e no Japão.
1àis constatações estão sendo ampliadas por várias li-
nhas de pesquisa, como as que envolvem estudos de genética Outras rotas
do tabagismo com casuística maior, utilizando melhor carac- Em relação às rotas envolvendo a noradrenalina, sabe•se
terização dos fenótipos dos fumantes e novas técnicas para que a quantidade de cigarros consumida está associada a po-
estudo de polimorfismos genéticos com modelos estatísticos limorfismos nos genes que regulam a enzima monoaminoxi-
mais sofiSticados. dase (MAO·A e MAO·B). Desse modo, inibidores da MAO
podem vir a ter no futuro papel adjuvante no tratamento do Mesmo com algumas conclusóes controversas, esta ainda
10
tabagismo. Há também possível associação entre a gené- é uma linha de investigação bastante fértil e muitos são os
tica da enzima beta dopamina hidroxilase (DBH), que está estudos publicados em literatura especializada que geram
relacionada com o metabolismo da dopamina e da noradre- grande impacto.
nalina e que pode estar envolvida na gênese dos sintomas da
síndrome de abstinência tabágica. ' '
Outra rota sob investigação envolve os receptores coli-
nérgicos, pois se sabe que a nicotina tem elevada afinidade
por eles. Assim, está sendo investigada a eventual relação en-
tre os genes que codificam esses receptores c o tabagismo. 11
Existem evidências de que outros sistemas envolvidos na
transmissão neuronal possam ter relação com os diferentes
fenótipos tabágicos, como os que regulam o consumo de
opioides (p. ex., heroína e outros).

Metabolismo da nicotina
Genes envolvidos no metabolismo da nicotina também são
candidatos plausiveis para estudos do comportamento tabá-
gico. Indivíduos que metabolizam mais lentamente a nico· Assim, os polimorfismos envolvidos na codificação de
tina são menos propensos a começar a fumar, pois tendem enzimas metabolizadoras de drogas, da variabilidade das
a ter efeitos adversos mais prolongados e mais intensos ao
proteínas transportadoras ou dos receptores fazem parte do
experimentarem o fumo. Após terem se tomado fumantes cerne dessas investigações.
regulares, essas pessoas geralmente fumam menos, pois
Os primeiros estudos fannacogenéticos envolvendo os
mantêm o nfvel sérico de nicotina alto por mais tempo. O
medicamentos utilizados no tratamento do tabagismo surgi-
polimorfismo no gene CYP2A6, que faz a regulação hepá-
ram muito recentemente e identificaram, de modo prelimi-
tica da enzima transfonnadora de nicotina em cotinina, tem
sido amplamente estudado.l.S.Il-!6 nar, determinados alelos que poderiam predizer a resposta
17 terapêutica.
Carter e colaboradores, em metanálise do gene
Na literatura, há cerca de 30 estudos de associação entre
CYP2A6 e do comportamento tabágico (fumante versus
não fumante), envolvendo 5.628 pessoas, não encontraram polimorfismo genético e cessação do tabagismo e um estudo
associação significativa entre as variantes e o genótipo consi- genômico (GWAS) que envolveram terapêutica de reposi-
derado normal, nem com a quantidade de cigarros fumada, ção de nicotina e bupropiona. Entretanto, poucos genes ou
considerada de modo categórico. regiões cromossômicas foram estudados completamente.
Os estudos ENGAGEs e TAG3 identificaram variações Além disso, alguns fármacos em uso no arsenal terapêutico
no CYP2A6 associadas ao número de cigarros fumados por para combater o tabagismo também ainda não foram avalia-
dia. Entretanto, a complexa arquitetura genética das muta- dos sob esta perspectiva.''
ções nesse gene pode obscurecer associações se determina- Assim, ainda que as perspectivas sejam promissoras, há
dos cuidados metodológicos não forem tomados. necessidade de novos estudos com amostras suficientemente
As limitações a esses estudos são várias. O ajuste ina- grandes para ajustes de vários fatores de confusão, muitas
dequado da estratificação da população estudada entre os vezes negligenciados, envolvidos na cessação do tabagismo.
casos e os controles tem papel importante na não replicação Estudos de genoma têm demonstrado polimorfismos de
dos resultados entre as várias publicações, além de proble- nucleotfdeo único (SNPs) que podem distinguír fumantes
mas técnico-laboratoriais. que tiveram sucesso ao cessar o tabagismo em ensaios cHni-
Outra limitação é que a classificação simplista dos in- cos com reposição de nicotina e bupropiona. Além disso, os
divíduos em fumantes, ex-fumantes ou não fumantes pode estudos têm identificado marcadores genômicos associados
não ser satisfatória para descrever os múltiplos fenótipos a êxito na cessação do tabagismo, permitindo até a proposi-
ligados ao fumo, como idade de inicio, carga tabágica diá- ção de um escore genotípico para cessação.' 9
ria, influência ambiental e familiar, experiências individuais, O tratamento individualizado do tabagismo, portanto,
tentativas prévias de abandono, sinais, manifestações e grau ainda não é uma realidade para a prática clínica diária.
de dependência e muitos outros. Desse modo, ainda que os fármacos disponíveis para o
Características fenotípicas complexas, como o tabagis- tratamento do tabagismo sejam eficazes, existem substan-
mo, provavelmente são resultantes da interação de vários ciais diferenças interindividuais nas respostas terapêuticas.
genes com fatores do ambiente. Isso aponta para a neces- Estudos fannacogenéticos podem tomar mais favoráveis os
sidade de deünição muito precisa de padrões fenotípicos, o percentuais de sucesso e de efeitos adversos, identificando
que ainda não foi conseguido com unanimidade, dificultan- variantes genéticas preditivas de resposta terapêutica. les-
do a comparação de resultados e sua introdução na prática tes que possam prever a resposta terapêutica ainda estão em
clínica diária. fase de avaliação antes de sua introdução na prática cl!nica.
Conclusões gene is impli<:ated in smoking addietion. Am J Med Oenet B Neu-
ropsycbiatr Genet. 2004;1288(1 ):90-3.
Nos dias atuais, apesar dos avanços na farmacoterapia do ta- 9. Minnix JA, Robinson JD, Lam CY, Carter DL, Foreman JE, Van-
bagismo, a chance de recaída de um fumante ainda é muito denbergh OJ, et ai. The serotonin transporter gene and stanlc rcs-
maior do que a possibilidade de se alcançar e manter a absti- ponsc during nicotine deprivation. Biol Ps)'Chol. 2011 ;86(1 ):1-8.
nência. Este cenário se deve, em parte, ao forte componente
10. Fowlcr JS, Volkow ND, Wang GJ, Pappas N, Logan J, MacGre-
genético que só agora começa a ser mais bem entendido. 28
gor R. et ai. lnhibition of monoaminc oxidase B in thc brains of
Melhorar a efetividade dos tratamentos disponíveis median- smokcrs. Nature. 1996;379:733-6.
te a compreensão dos mecanismos de adicção tabágica deve
ser a meta dos estudiosos do assunto nos próximos anos. 11. McKinney EF, Walton RT, Yudkin P, Fuller A, Haldar NA, Mant
A aplicabilidade prática desses conhecimentos, portanto, O, et ai. Association berween polymorphisms in dopamine mctabo-
lic cnzymes and tobacco consumption in smokers. Pharmacogenc·
ainda é restrita e se limita a avanços que por enquanto não tics. 2000;10(6):483-91.
podem ser aplicados na clínica diária, embora se esteja bem
próximo disso. 12. Barrucco M , Alonso A, González.Sarmicnto R. Bases genéticas
del hábito tabáquico. Med Oin (Bare). 2005;124(6):223-8.
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José da Silva Moreira
LuizCarlos Corrêa da Silva
28
dois grupos de indivíduos, um exposto e outro não exposto
Introdução ao fator (no caso, tabagismo), a frequência de um desfe·
cho (no caso, doença) é significativamente maior no gru·
~ATENÇÃO po exposto. O tempo de exposição ao fator em estudo e a
avaliação do desfecho dependerão das características de
O tabaco, desde os primórdios do seu uso, já era per· ambos.
cebido por alguns como danoso para a saúde, mas Para avaliar risco, o modo mais correto de fazê-lo é por
não havia base cientlfica nas observações, e tal pos· meio de um estudo de coorte, seguindo-se, a partir de um
tura antitabagista mostrava-se com alguma impor· determinado momento, dois grupos de indivíduos, compa·
t.ância apenas quando o manifestante detinha poder ráveis sob todos os aspectos, mas somente um deles exposto
social ou religioso. Somente a partir da metade do ao fator (p. ex., fumo). Verifica-se, ao final de um tempo pre-
século XX obteve-se consistência metodológica para estabelecido, se ent re os grupos a frequência da ocorrência
considerar o tabagismo como fator de risco para da· do desfecho de interesse (p. ex., câncer de pulmão) foi dife-
nos, doenças e mortes nos seres humanos. Citem-se rente, de modo significativo. Esse tipo de estudo é, todavía,
os estudos de Auerbach' em cães, em que os animais demorado e oneroso.
desenvolviam tumores pulmonares malignos após se
A alternativa mais rápida e menos dispendiosa é efetu-
submeterem prolongadamente à fumaça de cigarros
ar um estudo t ipo caso-controle, em que se parte do desfe·
(prova biológica), e o grandioso estudo de coorte de
cho, buscando-se, retrospectivamente, qual a relação deste
34 mil médicos britânicos, realizado a partir de 1951
com o fator (de risco) estudado.5 O trabalho de Menezes,6
por Do li e Hill, >.J e Doll e colaboradores, • em que fi·
realizado em nosso meio, é um exemplo típico desse tipo de
cou claramente demonstrado que fumar se associa a
estudo.
uma elevada frequência de câncer de pulmão (prova
epidemiológica), entre outros achados que mostra·
ram o poder de dano do tabagismo para a saúde.
Entendimento do tabagismo como
fator de risco
Definição de fator de risco Pela grande importância que o tabagismo tem para a saúde
humana, faz-se necessário conhecer melhor suas caracterís-
Considera-se que existe risco aumentado devido a um de· ticas, seus efeitos, e estudar sua relação causal em diversas
terminado fator em estudo quando, na comparação entre dimensões.
Produtos liberados pela fumaça de cigarros QUADRO 28.1 7 Substâncias existentes na fumaça do tabaco
(15 funções químicas)
A presença de mais de 4. 700 substâncias químicas, formadas
pela queima do fumo, mais de 200 sendo produtos tólricos e
cerca de 50 tendo elevado poder cancerigeno, já é um for-
te argumento para considerar-se o tabagismo uma potente
Amidas, imidas 237
ameaça à saúde humana. No entanto, as evidências acumula-
das pelas observações de várias décadas fizeram-se necessá- Ácidos carboxilicos 227
rias para que os órgãos de saúde pública finalmente viessem
a se manifestar.' .. Lactonas 150
É possível unir os inúmeros componentes químicos da
Ésteres 474
fumaça de cigarros em quatro grupos gerais de substâncias
químicas: Aldeldos 108

• Promotoras de dependência química (nicotina) Cetonas 521


• Cancerígenas (alcatrão)
Alcoóis 379
• Gases tóxicos (monóxido de carbono)
• Irritantes (fenóis, acroleína, etc.) Fenóis 282

Sob o ponto de vista flsico, a fumaça de cigarros con- Aminas 196


tém uma fase particulada e uma fase gasosa. Na primeira,
encontram-se nicotina, hidrocarbonetos carcinogênicos, ni- N·heteroclclicos 921
trosaminas, aldeídos, acetaldefdos, fenóis, metais pesados e
Hidrocarbonetos 75$
outros; na segunda, representando 60% do total, monóxido
de carbono, radicais livres, aldeídos, bases nitrogenadas, Nitrilas 106
substâncias heterocíclicas e outras.
Essa lista é bem mais longa e complexa, e atinge um total ÉINes 311
de mais de 4.700 substâncias químicas (QUADRO 28.1).'·' 0
Carboidratos 42

Consequências da inalação da fumaça do tabaco Anidridos 11

Processo inflamatório u.u TOTAL 4.720


O processo inflamatório que se desenvolve como consequên-
cia do tabagismo compromete os diversos locais do organismo
expostos aos produtos da fumaça do tabaco, particularmente
as vias aéreas e os pulmões. O tabagismo é responsável pelo disso, a lesão oxidativa induzida pela fumaça do cigarro
desenvolvimento c pela perpetuação de um processo inflama- pode reduzir a defesa antioxidantc pulmonar, resultando
tório nas vias aéreas (centrais e periféricas) e no parênquima em meio mais olridativo (FIGURA 28.1).
pulmonar.
A inalação dos componentes da fumaça do cigarro ati-
va a cascata inflamatória e resulta na produção de várias
Carcinogénese
citocinas, quimiotáticos e produtos tóxicos do oxigênio que DoU e Hiii,?.J DoU e colaboradores,' na Inglaterra, e Ham-
causam lesão do revestimento epitelial do pulmão. Essas mond e Horn, " nos Estados Unidos, estudaram coortes
alterações aumentam a permeabilidade capilar e o recru- prospectivas, contemporâneas, de indivíduos para avaliar
tamento de macrófagos e ncu trófilos para o lúmen da via a relação entre o tabagismo e a frequência de câncer de
aérea, desencadeando as doenças respiratórias relaciona- pulmão e índice de mortalidade, obtendo resultados que
das com o cigarro. incriminaram os cigarros de maneira decisiva. Hammond 1
Células do epitélio alveolar expostas ao condensado da já havia demonstrado experimentalmente que cães subme-
fumaça de cigarro expressam e sintetizam vários mediado- tidos à fumaça de cigarros desenvolviam tumores pulmo-
res inflamatórios como interleucina-1 beta (IL-1~), IL-6, nares malignos. No estudo de Doll e HiU,l com uma coorte
IL-8, fator de necrose tumoral alfa (TNF-a), fator de cres- de 34 mil médicos britânicos, a diferença entre fumantes e
cimento de granulócitos e macrófagos (GM-CSF) e a molé- não fumantes quanto à presença de câncer de pulmão foi
cula de adesão ICAM-1. Os oxidantes podem interferir no de até 30 vezes, sendo essa diferença proporcional à carga
equi!Jôrio protcasc/antiprotease nos pulmões por meio da tabágica.
inativação de antiproteases (p. ex., cx 1-antitripsina) e da ati- Diversas substâncias produzidas pela pirólise do tabaco
vação de proteases. Assim, ocorre predomínio da atividade são oncogênicas, tendo maior poder cancerfgeno os hidro-
proteolítica, levando a lesão tecidual e inflamação. Além carbonetos policíclicos aromáticos (3-4 benzopireno, me-
TABAG ISMO x PU LMÃO: MECANISMOS DE LESÃO PULMONAR

-- - - - - CESSAÇÃO
Antioxidantes
' , r------------------L-------------------,
'
'
Oxidantes Alteração da depuração mucociliar

l
Irritação do epitélio da via aérea
l
Retenção de muco
lesão e morte de células Infecção
Influxo de neutr6filos

Inflamação
.___:-_L
---1--- Antiproteases
Antibióticos

OPOC e outras doenças inflamatórias pulmonares

AGURA 28.1 -+ Mecanismos de ação dos produtos da fumaça de cigarros, particularmente mediante processo inflamatório.

Não fumantes
tilfenantreno e outros) e as nitrosaminas. Essas substâncias
têm ação direta no genoma, produzindo durante sua meta- -;;,
bolização dióis·epóxidos, altamente lesivos para o DNA.u· 16
A nicotina também tem papel na patogênese do câncer de
pulmão.
g
~ 75 Fumantes /
suscetíveis
---,, ', Parou com
~g ' , , / 45anos
> l; 50 ''
Perda da função pulmonar ~ ''
.g lnc.apacitaçáo
Desde a década de 1970 se sabia da perda de função pulmo- t 25

.......... Paroucom
nar que ocorre excessivamente em fumantes, em compara- Morte ' ' , / 65 anos
ção com não fumantes, sobretudo a partir das observações
o
de Fletcher e Peta, 11 divulgadas para todo o mundo na forma
da FIGURA 28.2. 25 50 75
Mais recentemente, demonstrou-se haver relação entre Idade (anos)
a perda funcional pulmonar e o processo inflamatório resul- FIGURA 28.2 -+ Queda de função pulmonar com a idade, em não fu-
tante da inalação da fumaça de cigarros.'2.13 mantes e fumantes (não suscetíveis e suscetíveis). VEF, = volume expi-
ratório forçado no primeiro segundo.
Fonte: Fletcher e Peto."
Fortalecem o papel do tabagismo como fator de
risco
~ Estudos experi mentais em animais
~ Estudo de Auerbach' em cães Danos e doenças associados ao
~
~
Estudos de coorte (britânica)
Estudo de Doll e Hill 2' 3 e Doll e colaboradores'
tabagismo
~ Estudos americanos - General Surgeon'.a No QUADRO 28.2, enumeram-se as principais consequências
~ Estudos de caso-controlé·'' do tabagismo quanto a doenças e danos e, na sequência, são
abordadas as principais situações em que o tabagismo se
constitui um importante fator de risco.
QUADRO 28.2-+ Doenças e danos causados pelo tabagismo Setor respiratório
C.!ncer Otstúrboos reprodutores Doença pulmonar obstrutiva crónica (DPOC}
Pulmão, laringe, boca, Redução da fertilidade Noventa por cento dos portadores de DPOC sáo ou foram
esôfago, p3ncreas, beXJga, Prematuridade fumantes. Quanto às doenças pulmonares intersliciais, a
nm, es16mago, leuc~ma, 8atXo peso ao nascer bronquiolite respiratória só oeorre em fumantes, e as outras
chvke doenças pulmonares intersticiais, como a pneumonia inters-
Abortamento
Doença cardiovascular Ruptura prematura de licial usual e a pneumonia intersticial inespecffica, ocorrem
Mortesúbrta membranas mais em fumantes. A asma oeorre com mais frequência e
Infarto agudo do mioárdoo Aumento da mortalidade maior gravidade em crianças fumantes passivas.' "
Angina instável perinatal
Acidente vascular cerebral Doença bucal Infecções
Doença oclusiva vascular C.!n<er bucal
periférica Tuberculose
Leucoplasia
Aneurisma de aorta O tabagismo aumenta a frcquência e a mortalidade por tu-
Gengivite
berculose em duas a três vezes, segundo estudo indiano.n
Doença pulmonar Pigmentação dentária
Um estudo recente demonstrou que a fumaça de cigarros
CAncer de pulmão Outros suprime a resposta imune protetora ao Mycobacterium tuber-
OPOC Menopausa precoce culosis em ratos e em humanos, por seus efeitos nos maeró-
Asma Osteoporose fagos alveolares e nas células THP-1.2-4
Pneumonias de repetição Catarata
Aumento da morbidade das Rugas cutâneas prematuras
viroses Infecções diversas
Agravamento de
Doenças pulmonares hipotireoidismo Viroses e infecções bacterianas no trato respiratório e de-
intersticiais mais setores do organismo ocorrem com mais frequência e
têm maior gravidade em fumantes.
Doença gastrintestinal
Úlcera péptica
Refluxo gastresof.lgico
0 ATeNÇÃO
A evidl!KY ü pritiu
Tumores malignos O médico, em particular o pneumologista, observa
Câncer de pulmão na sua prática diária que a subtotalidade dos seus
Sem dúvida, o estudo que deu grande consistência à asso- pacientes com dncet' de pulm!o e dos seus pacien-
ciação entre tabagismo e câncer de pulmão foi o de DoU e tes com DPOC é ou foi fumante. E, dentre aqueles
2
Hill. O trabalho de Hirayama, 13 no Japão, foi o primeiro a doentes com essas enfermidades que referem nunca
ter fumado, frequentemente poderá identificar um
demonstrar a importância do tabagismo passivo como causa
de câncer de pulmão, mostrado em um estudo chinês." apreciável número que foi fumante passivo e não se
deu conta disso.
Outros tumores
Há muitas evidências de que tumores malignos de outras
localizações, como laringe, cavidade bucal e nasal, esôfago,
estômago, bexiga, colo do útero, entre outros, também têm Referências
relação causal com o tabagismo.•.20.2• 1. Aucrbach O, Hammond EC, Kirman D, Garlinkcl L, Stout AP.
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Carlos Alberto lglesias Salgado
Carla Bicca
29
Introdução Otabagismo em associação com
De maneira geral, em ambiente clínico, a prevalência de to- transtornos psiquiátricos
das as doenças tende a ser maior do que na comunidade. Em
Fumantes são candidatos a mais transtornos psiquiátricos do
ambientes hospitalares de referência, a comorbidade múlti·
que seus pares não fumantes. Um estudo de seguimento de
pia é a regra. Em psicopatologia, esse aspecto se mantém,
10 anos que acompanhou 5.001 franceses, investigando fato-
sendo comum a comorbidade. Fumantes que procuram ser- res de risco para o abuso de substâncias, mostrou uma clara
viços para cessar com o tabagismo certamente apresentam associação entre psicopatologia e o desenvolvimento de abu-
maior chance de ter um ou mais diagnósticos psiquiátricos so de substâncias, com evidente destaque para o tabagismo.'
concomitantes do que a população geral. Thmbém ocorre o Existem alguns modelos interessantes para se situar o ta-
viés inverso: pacientes psiquiátricos tendem a apresentar his- bagismo entre outras condições mórbidas psiquiátricas. Um
tória mais frequente de problemas pelo uso de substâncias modelo bastante contemporâneo apresenta o tabagismo no
psicoativas como o tabaco. Usuários de outras substâncias trajeto de uma cascata de desinibição comportamental que
também fumam mais do que a população geral. E, por fim, avança desde o transtorno de déficit de atenção!hiperativi-
é claro que fumantes de tabaco tendem a abusar também de dade (TDAH), seguindo pelo transtorno desafiador de opo·
outra.s substâncias. sição, avançando até o transtorno da conduta e, por fun, da
É em meio a esse emaranhado de preditores que o personalidade antissocial.5
médico atende ao paciente em busca de cessação do taba· A relação entre o TDAH, por exemplo, e o tabagismo
gismo. Desde o começo, o prognóstico da relação médico- é complexa e parece envolver tentativas de automedicação,
· paciente vai sendo influenciado pela percepção adequada pois a nicotina pode oferecer algum alívio do déficit de atcn·
da psicopatologia eventualmente presente. Aspectos gerais ção, sintoma capital do t ranstorno. O prejuízo cognitivo,
de personalidade da dupla podem influenciar a percepção contudo, resulta ampliado. 6 Essas cond ições clínicas estão
adequada c o manejo das peculiaridades psicopatológicas muito associadas ao abuso de tabaco e outras substâncias.
do pacicntc.'·3 Isso se constitui em um desafio maior para a Esse modelo da cascata de desinibição comportamental não
prática cUnica judiciosa. equivale a dizer que o fumante tenha de ter uma relação pa-
Neste capítulo são discutidas as relações bidirecionais de tológica com regras sociais, mas, sim, que aqueles que a têm,
transtornos psiquiátricos com o tabagismo e suas consequên- fumam mais do que a população geral. Há evidências de que
cias para o trabalho médico cotidiano. a comorbidade do tabagismo com TDAH envolva um pior
prognóstico da cessação do tabagismo, a menos que o qua- pela via da automedicação com tabaco, sofre a resposta da
dro de TDAH seja estabilizado já ao início do tratamento.' adaptação neuronal. A interação de antidepressivos com o
Esta contingência costuma se repetir com as demais situa- tabagismo pode trazer uma compreensão da complexidade
ções de comorbidade com o tabagismo, ou seja, é importante citada. Por exemplo, receptores nicotínicos de acetilcolina
tratar antes os transtornos associados, melhorando as chan- estão envolvidos na modulação da liberação de vários neu-
ces de êxito diante do desafio da cessação do tabagismo. rotransmissores implicados na regulação do humor, como
serotonina, norepinefrina, dopamina, ácido gama-aminobu-
tírico (GABA) e glutamato. A inibição do receptor nicotini-
0 ATENÇÃO
co parece mitigar a instabilidade do humor e reduzir a de-
pressão. É possível que o ato de fumar possa ser seguido de
adaptações ou tolerância à nicotina, a qual pode promover
A associação de transtornos do humor com o taba-
estados afetivos negativos como depressão. A modulação do
gismo também merece especial atenção. Os vários
humor propiciada pela nicotina pode declinar ao longo do
transtornos do humor podem impor relevantes desa-
fios ao médico que ajuda o paciente na cessação do tempo. Os estudos epidemiológicos da relação depressão-
tabagismo. lndivlduos deprimidos podem ser espe- -tabagismo, desde a juventude até a vida adulta, capturando
histórias mais longas de tabagismo e padrões mais elevados
cialmente inábeis para com a proposta de reorgani-
zação de suas vidas para se contrapor à tendência de de uso do tabaco, mostram que fumar prediz depressão, o
recaldas frequentes. Eles podem identificar no taba- que é consistente com essa explicação neurofisiológica."
co um alivio sintomático significativo, embora tran- O uso concomitante de maconha e tabaco que tem iní-
12
sitório. Considerando a ambivalência sempre presen- cio na adolescência pode seguir presente na vida adulta. É
te no individuo que enfrenta o desafio de parar de relevante, portanto, sempre investigar o uso de maconha em
fumar, os sintomas depressivos e seu alivio podem adultos que procuram atenção médica para a cessação do
ser arregimentados para o lado da manutenção do tabagismo. Não é incomum que o paciente tenha relutância
tabagismo. em expor seu uso de maconha em razão do maior peso social
desfavorável envolvido. Uma vez que o médico interrogue
o paciente com cuidado e respeito, poderá propiciar uma
abordagem mais efetiva, já que o uso de maconha pode estar
Pacientes depressivos sintomáticos são de abordagem envolvido em eventuais recaldas no uso de tabaco.
mais difícil em qualquer condição clínica, daí a importância
da rápida identificação do quadro. O uso eventual de escalas
de depressão pode organizar a investigação do médico. A
Escala Hospitalar de Ansiedade e Depressão (HAD) permi-
te registrar sintomas das duas linhagens sem a interferência
0 ATENÇÃO

de sintomas neurovegetativos comuns a muitas condições A relação entre ansiedade e tabagismo é mais com-
clínicas gerais e também frequentes entre fumantes.8 Para os plexa do que parece a prindpio." Especialmente o
quadros em que se suspeita de mania, condição clínica opos- estresse pós-traumático relaciona-se com a gravida-
ta e simétrica à depressão, podem-se utilizar escalas bastan- de do tabagismo, contribuindo para as evidências de
te simples e autoexplicativas como a Escala de Avaliação de que transtornos psiquiátricos mais graves tendem a
Mania de Bech-Rafaelsen (EAM-BR). 9 Tendo em vista o associar-se mais ao tabagismo e a um pior prognós-
risco de uso de fármacos que podem contribuir para quadros tico da cessação.
de mania, eventualmente é útil empregar a escala de mania
referindo-se a algum episódio passado do paciente que sugi-
ra transtorno do humor bipolar. Uma revisão crítica da produção científica de 1960 a 2008
Um estudo avaliando 1.560 fumantes adultos mostrou incluiu 24 estudos cujo foco era a associação entre tabagismo
que a depressão recorrente em fumantes está associada a di- e transtorno de pânico, quadro caracterizado por crises paro-
ficuldades maiores na abordagem e em seu prognóstico, mas xísticas e extremamente intensas de ansiedade." Ela demons-
também ficou evidente que esse particular grupo de pacientes tra que o cigarro aumenta o risco da instalação do transtorno
tende a responder melhor a abordagens psicoterápicas mais de pânico. Embora a comorbidade tenha suas bases pouco
robustas.'0 Essa evidência propicia base para uma comple- desvendadas, o estudo mostra que: 1) fumar cigarros promove
xidade maior na organização de serviços para o tabagismo, o pânico, ao induzir anormalidades ventilatórias ou doenças
especialmente aqueles que por sua excelência se tomem refe- pulmonares; 2) a nicotina produz efeitos fisiológicos caracte-
rência para casos mais graves, sendo necessário que a equipe rísticos do pânico ao liberar norepinefrina; 3) o transtorno de
conte com profissional hábil em recursos psicoterápicos. pânico promove o ato de fumar como automedicação; e 4)
Em adolescentes, a relação entre depressão e tabagismo uma vulnerabilidade compartilhada promove ambas as con-
é complexa. Ela é mediada também pela influência de seus dições. Achados dessa ordem apontam para a importância
pares fumantes. Em uma avaliação linear, a associação é cla- da atenção sistemática a comorbidades muito provavelmente
ra: adolescentes depressivos são mais vulneráveis à influên- presentes e determinantes do prognóstico do paciente.
cia de pares fumantes e progridem mais para o tabagismo. Observando pelo ângulo oposto, a avaliação de fumantes
Por outro lado, a eventual redução de sintomas depressivos, pode ser uma excelente oportunidade de detecção e encarni-
nhamento a tratamento de indivíduos portadores de trans- menor a ser tolerado. Ocorre que pacientes graves muitas
tornos psiquiátricos relevantes. Como estudos mostram que, vezes fumam compulsivamente, são obesos e sedentários, o
em uma unidade psiquiátrica, por exemplo, a associação de que resulta em um conjunto de fatores de risco clinico que
transtornos psiquiátricos e abuso de substâncias, incluindo o deve ser sempre considerado no planejamento da atenção
tabaco, está presente em 30 a 50% dos casos, 15 é de se pen- ao paciente. A política disseminada no mundo inteiro de
sar que também no serviço psiquiátrico se possa perder ex- banimento do tabaco de ambientes fechados tem propicia-
celentes oportunidades de abordar o uso do tabaco. Com o do um estímulo a mais ao clínico para o cnfrentamento do
banimento do uso do tabaco desses serviços, tem sido mais desafio da cessação."'
dificil ignorar o tabagismo, pois a slndrome de privação mui- O uso de medidas simples como a terapêutica de repo·
tas vezes se manifesta claramente. sição de nicotina (TRN), em ambientes nos quais se proíbe
Um estudo com 731 adolescentes da África do Sul evi- o uso de tabaco, como é o caso dos serviços psiquiátricos
denciou que a gravidade do tabagismo acompanha-se do e de internações clinicas, pode facilitar muito o manejo e
aumento da gravidade de transtornos da conduta, incluindo a motivação do paciente para a cessação. É comum que o
violência, abuso sexual e outras condições menos graves, 16 paciente psiquiátrico, quando fumante pesado, compare
sintomas de externalização ou comportamentais patológi- serviços pelos quais passou, preferindo aqueles que permi-
cos. Outro estudo, examinando 126 alcoolistas na Turquia, tam o acesso a pátios nos quais pode fumar. Isso ilustra de
mostrou que aqueles que fumam são significativamente mais maneira clara a aplicação equivocada do recurso clinico da
agressivos do que os não fumantes." Mais uma vez, caberes- redução de danos, pois realmente os pacientes graves tam-
saltar que dificuldades tão frequentes no manejo de fuman- bém merecem o esforço da equipe médica no sentido da
tes podem ter origem em situações mais graves ou comple- cessação do tabagismo.
xas do que a corriqueira ambivalência para a cessação. O tabaco contribui para os elevados índices de mortali·
Avaliar indivíduos agressores pode ser especialmente dade entre pacientes psiquiátricos. Seu uso piora o desem-
penoso para o médico pelo possível rechaço que eles podem penho das terapêuticas correntes. O tabaco está claramente
produzir no profissional. Isso nos remete a um conceito cli- associado ao aumento do risco de suicfdio e piora em lugar
nicamente muito útil ao se pensar na abordagem de fuman- de melhorar as manifestações depressivas. É perversamente
tes, o de contratransferência. Esse estado mental intenso tomado como fonte de alivio do estresse, equívoco absoluto
produzido no médico diante do contato com seu paciente é muito defendido por seus usuários. É curioso que, contra a
descrito corno um instrumento para o melhor entendimento crença de muitos psiquiatras e cllnicos, tratar o tabagismo
do sofrimento do paciente." Contudo, pode explicar o even- com métodos adequados a cada paciente psiquiátrico não
tual rechaço intenso que o paciente produza na relação com piora o prognóstico de transtornos psiquiátricos, mesmo os
seu médico, sobretudo quando o profissional não percebe muito graves.
estar dominado pela vivência e atua submetido a ela. Esse Pacientes portadores de esquizofrenia, transtorno que
fenômeno é especialmente presente diante de pacientes que se caracteriza por marcado retraimento social, dificuldades
apresentam comorbidades psiquiátricas mais graves que cognitivas crescentes, alterações sensoperceptivas e formais
comprometam o todo de suas personalidades.) do pensamento, apresentam prevalência muito maior de ta·
No plano da prevenção primária de quadros psiquiátri- bagismo do que a população geral, chegando a níveis de 45
cos importantes, o estudo do uso de tabaco por gestantes é a 80% . Esquizofrênicos, mesmo em primeiro surto, sem uso
relevante e muito preocupante. Evidências envolvendo o se- de neurolépticos, fumam mais do que a população geral, fato
guimento de 536 indivíduos portadores de TDAH mostraram que se contrapõe à impressão clinica de que eles usariam
que o tabagismo matemo se associa a outros fatores, precipi- tabaco primariamente para aliviar sintomas iatrogênicos
tando não só o TDAH como também o transtorno da conduta decorrentes do uso de psicofármacos, em especial neurolép-
nas crianças expostas.'' A abordagem firme de gestantes fu- ticos. Existem outras evidências robustas para uma vulnera-
mantes em maternidades oferece um desafio a mais para mé- bilidade ao tabagismo caracterfstica da esquizofrenia. Por
dicos acostumados a assistir indivíduos buscando ativamente exemplo, déficits psicofisiológicos, demonstrados como o
a cessação do tabagismo. O médico terá, nesse contexto, de potencial evocado PSO, evidenciando anormalidades na au-
lançar mão de elementos da abordagem motivacional para dição de tais pacientes, são aliviados pela nicotina. Thmbém
vencer a inércia motivacional c a ambivalência da paciente, a memória de trabalho pobre, própria do esquizofrênico,
como, aliás, é descrito no Capitulo "Thbagismo: Terapia Cog- é melhorada com nicotina. Fumar cigarros pode reduzir o
nitivo-Comportamcntal". parkinsonismo induzido por neurolépticos, mas pode piorar
sintomas de discinesia tardia, distúrbio do movimento asso-
ciado ao uso a longo prazo de neurolépticos, achados esses
consistentes com o aumento da atividade dopaminérgica em
Abordagem do tabagismo em pacientes sistemas subcorticais.
21

psiquiátricos graves Existe associação entre uso de maconha e tabaco com


quadros psicóticos graves, tanto nos pródromos quanto na
Diante de quadros psiquiátricos graves, é comum que os instalação deles. Um estudo avaliou a história de 109 indiví-
psiquiatras tendam a racionalizar o abandono de esforços duos psicóticos, mostrando que o crescimento da frequência
em prol da cessação do tabagismo na perspectiva da re- de uso de ambas as substâncias, mais do que a intensidade
dução de danos, considerando assim o tabagismo um mal dele próprio, está associado ao desencadeamento do quadro
psicótico.22 Evidências como esta devem alertar o médico QUADRO 29.1 7 Recomendações gerais ao médico que deseja au-
que avalia o fumante com comorbidade com psicoses para xiliar no manejo do fumante no que diz respeito a aspectos psico-
a possível associação também com o uso de maconha, subs- patológicos
tância que altera o prognóstico tanto da psicose quanto da
cessação do tabagismo. 1. Comorbidades psiquiátricas s.lo frequentes, especialmente abuso
de outras substâncias.

2. Elas interferem no prognóstico do paciente fumante em


Opaciente polimedicado tratamento e vice-versa.

3. Ao prescrever antidepressivos, como a bupropiona, é fundamental


É comum entre fumantes a coexistência de condições cli-
saber se o paciente não apresenta transtorno do humor bipolar.
nicas gerais e psiquiátricas. Portanto, a polimedicação
está muito presente em pacientes que procuram o médico 4. O uso de fármacos como a vareniclina para pacientes psicóticos,
premidos pelo desconforto consequente do uso de taba- mesmo compensados, é uma decis.lo que deve ser tomada com
co. Muitas vezes será necessário não apenas a TRN, mas muita cautela.
também o uso de psicofármacos, devendo-se considerar a
5. Um paciente com história de transtorno psiquiátrico crônico,
sobrecarga metabólica presente e a ampliação potencial atualmente assintomático, pode voltar ao transtorno ativo ao
de sintomas psiquiátricos. Mesmo considerando a elevada longo de um tratamento para cessação do tabagismo, merecendo
probabilidade de uma relação custo-benefício favorável, é atenção continuada.
preciso parcimônia na prescrição. Uma coorte retrospec-
tiva de 723 fumantes com elevada comorbidade psiquiá- 6. Quando tudo parecer complicado demais no manejo do paciente
trica e cllnica evidenciou tolerabilidade psicológica para fumante, volte a pensar em comorbidades psiquiátricas.
a vareniclina, mesmo quando em combinação com outros 7. Procure incluir em sua equipe a consultoria do psiquiatra, pois isso
fármacos.23 Outro estudo revisa a associação entre doença costuma facilitar o trabalho do grupo.
pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) e outras condições
clínicas, incluindo os transtornos psiquiátricos valorizados 8. Disponha-se a gerenciar com o paciente sua ambivalência com
diante da possível utilização de vareniclina. O estudo sa- relação à cessação do tabagismo.
lienta que a atenção mais intensiva pode facilitar a utili-
zação do fármaco. 24 Estudos como esses devem despertar
a atenção do médico para os riscos da polimedicação dos
fumantes em tratamento para cessação.
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Aproximar-se do fumante, registrando suas contradi- ram RG, et ai. Smoking and ADHD: ao evaluation of sclf medica-
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chaço, pode prejudicar o processo. MM, et ai. Smoking is associatcd with lower performance in WAJS-
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pretendem esgotar as possibilidades da rica prática clínica, attcntion-dcficit hyperactivity disordcr: epidcmiology and pbarma-
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Tabagismo:
Terapia
Cognitivo-
-Comporta-
mental
CarlosAlberto lglesias Salgado
LuizCarlos Corrêa da Silva
30
Luciano Müller CorrêadaSilva

Introdução Para bem conduzir a TCC, é fundamental que


O tabagismo é uma doença de dependência de nicotina na o médico considere os itens a seguir, e que o
qual ocorre um estado comportamental peculiar que costu-
ma incluir marcada dependência psicológica. Por essa razão, paciente os entenda e incorpore, na proporção
seu tratamento deve incluir o desenvolvimen to de estraté- mais adequada às suas características individuais:
gias que promovam a mudança comportamental necessária -+ O significado da dependênc.ia de nicotina e da absti·
para se conseguir a cessação. This técnicas também são deno- nência (conceitos básicos).
minadas habilidades de enfrentamento. Portanto, a terapia -+ O significado da complexa dependência psicossocial
cognitivo-comportamental (TCC) deve ser a base do trata- do tabag ismo e o que isso representa para o fumante
mento para cessação do tabagismo, uma vez que o fumante (ele precisa entender por que fuma).
precisa mudar seu comportamento, sob pena de ter muita -+ A forma de lidar com frustrações.
dificuldade para atingir seu objetivo. -+ O que s.\o Situações de risco, lapso e recalda, e a for-
A TCC combina intervenções cognitivas e treinamen- ma de evitá-las (técn•cas de enfrentamento).
to de habilidades comportamentais ou de cnfrentamento, -+ A importAnaa da muda nça de hábitos como reforço
visando à cessação do hábito de fumar e à prevenção de re- da decis.\o pela cessaçlo.
caldas. Seus objetivos principais são detectar situações de -+ A maneira de afastar. ou pelo menos reduzir. os gati·
lhos (situações e fatos que levam a fumar).
risco para o retorno ao ato de fumar c desenvolver estra-
tégias de cnfrentamento especificas para elas. O fumante -+ Os mecanismos do automatismo e o uso desse co-
nhecimento para controle dos condicionamentos.
deve ser preparado para conviver com situ ações rotineiras
em que normalmente fumaria, passando a resistir ao de- -+ O modo de fortificar a decisão d e parar de fumar
(técnicas de reforço).
sejo de fumar pelo aprendizado e incorporação do plano
produzido na TCC. O pacie nte vai sendo estimulado e
-+ A forma de re forçar os mecanismos de gratificação
(autopremiaçJo).
preparado par a tornar-se agente ativo de mudança do seu
próprio comportamento.'
-+ Os métodos para lidar com o estresse.
-+ A conscie ntizaçJo de fatores associados à person•·
lidade.
~ O reforço de caracterfsticas pessoais que favoreçam
Preparação para o dia da parada
a cessaçlio. (o dia D)
~ As condições de apoio da famOia e do ambiente de
trabalho. Algumas recomendações podem ser de grande auxilio para
~ As dofoculdades odentifocadas como importantes e que preparar o dia D:s-'
podem interferir na cessaçlio.
~ O reforço da ode.a de ser capaz de fazer o que é certo • Comurucar às pessoas do seu convfvio que vai parar de
(autoconloança ou autoeficácia). fumar.
~ A ~nfase nos beneflcoos de parar de fumar (valoriza· • Na véspera, guardar cinzeiros e livrar-se dos cigarros,
çlio da qualidade de vida). particularmente do estoque.
• Trocar roupas de cama e outros objetos para livrar-se do
cheiro desagradável.
• Desfazer ou evitar todas as situações que levam a fumar.
• Não ficar ocioso; desenvolver atividades prazerosas.
Estágios comportamentais • Ttrar dúvidas sobre a medicação, se for o caso.
dos fumantes • Combinar uma consulta ou um contato telefôruco para
logo após este dia.
Prochaska e DiCiementc desenvolveram um modelo para
o melhor entendimento dos estágios comportamcntais dos
fumantes c das mudanças necessárias para se obter êxito
na cessação do tabagismo, chamando a atenção para o fato
Acompanhamento médico durante
de que os fumantes, frequentemente, devem migrar de fase o periodo da cessação
para atingir a cessação e evitar a reca!da.2.3 Para essa mi·
gração, o médico precisa de conhecimento e treinamento, (fase de manutenção)
devendo ter uma participação muito ativa. É importante Este período visa, fundamentalmente, prevenir a recaída e
ressaltar que o paciente seguirá ao longo do tratamento costuma durar 12 meses. Recomenda-se estabelecer um cro-
avançando, mas também muitas vezes recuando nos está- nograma com o paciente de modo que ele saiba que vai fazer
gios comportamentais. lrata-se de uma evolução dinâmica um tratamento durante, pelo menos, 12 meses, e que será
e raramente lmear. orientado e acompanhado pelo médico. Os agendamentos
Rollnick e colaboradores• retomaram o modelo de podem ter a segWfite previsão:
Prochaska e DiOemcntc, ressaltando que o processo de
mudança é marcado por contradições em razão da inten- • Consultas: 1° mês: semanais; 2° e 3° mês: quinzenais; 4°
sa ambivalência comumente embutida na proposta do ao 1~ mês: mensais.
paciente de cessar o uso do tabaco. Perceber esse estado • Contato telefôruco, se necessário, por in.iciativa do pa-
mental no paciente pode levar o médico a rechaçá-lo, o ciente ou do médico ou equipe.
que conf~g~~ra um grande desafio para o profissional. Esses
autores organizaram a abordagem cogrutivo-comporta- Durante essas consultas ou contatos, são discutidos os
mental aplicável ao tabagismo como um modelo de entre- progressos e as dificuldades do paciente. Embora seja diflcil,
vista ou abordagem motivacional. Eles ampliaram a visão deve-se tentar manter esse cronograma exatamente como
de Prochaska e DiClemente para um modelo de terapia programado e, de acordo com a necessidade, ele deve ser
centrada no paciente que deve levá-lo a também perceber adaptado ao caso individual.
sua ambivalência e gerenciá-la, já que não é possível extm·
gw-la de todo (QUADRO 30.1).

Estratégias para lidar com a


Síndrome de abstinência vontade de fumar4'7'8 (habilidades de
Ao parar de fumar, é comum que o fumante tenha sin- enfrentamento para a prevenção de
tomas desagradáveis como irritabilidadc, ansiedade, insô-
nia, agressividadc, ccfalcia, impaciência e grande desejo
lapsos e recaídas)
por cigarros, a fissura. Esses sintomas geralmente surgem O conjunto de habilidades desenvolvidas pelo paciente em
algumas horas após a cessação, podendo aumentar nos suas tentativas de cessar o tabagismo ou agora aprendidas
primeiros dias e dirrllnuindo após uma a duas semanas. com o médico sempre pode ser ampliado. O paciente deve
A fissura dura apenas alguns minutos, sendo importante estar consciente de que não há uma forma de cobrir plena-
explicar ao paciente que vai passar logo e que, portanto, mente todas as situações de risco e preparar, portanto, um
não é verdade que a única forma de aliviar o desconforto arsenal de atitudes ou habilidades para todas elas. De fato, o
seja fumando. principal desafio é continuamente reconhecer a presença da
QUADRO 30.1 ~ Estágios comportamentais do fumante• - caracterização e atitudes que poderão favorecer a cessação do tabagismo

Pré·contemplação Não pensa em parar de fumar Estimular a mudar de fase, sem censura
Mostrar problemas clínicos presentes e sua relação com o cigarro
Salientar os benefícios do ato de parar de fumar
Analisar os motivos que levam a fumar
Fornecer material de autoajuda
Tentar mostrar ao paciente que suas justificativas para fumar são, na verdade,
mecani.smos de autodefesa
Aumentar a autoestima do paciente

Contemplação Reconhece que precisa parar de fumar Os mesmos itens da pré-contemplação


Evitar que o paciente tome uma ação prematura, demonstrando a
necessidade de um planejamento de cessação
Evitar que o paciente concorde com a cessação, mas não desenvolva atitudes
que a estimulem de forma prática
Medir de forma objetiva o consumo tabágico
Medir a frequência, a duração e a intensidade das situações de estresse
Monitorar os eventos que imediatamente antecedem e se sucedem ao uso do
tabaco
Trabalhar a capacidade de expressão do paciente

Preparação Considera seriamente parar de fumar. Estimular o paciente a criar uma nova autoimagem
(Idealmente, não se deve estender muito Aconselhar o paciente a substituir pensamentos irracionais por positivos e
essa fase para não desmotivar o fumante, construtivos
ou perder o foco!) Identificar os gatilhos e desenvolver plano de ação
Desenvolver ações para controle do estresse
Aconselhar a ingerir bastante água e evitar cafezinho, chimarrão, chás com
cafeína, bebidas alcoólicas
Sugerir hábitos saudáveis
Trabalhar ambiente familiar
Fornecer material de autoajuda
Marcar data para cessação

Ação Pronto para parar de fumar Manter as medidas da preparação


Formas de parada:
- Abrupta: criar uma situação de catarse no dia da cessação. Um dia antes,
desfazer-se de cinzeiros e todos os apetrechos que lembrem o cigarro. Logo
após a cessação, não se autodesafiar expondo-se a ambientes com outros
fumantes!
- Gradual
- Redução progressiva: reduzir o número total de cigarros a cada dia
- Adiamento: iniciar o primeiro cigarro mais ta rde a cada dia

Manutenção Sem fumar Prevenir a recaída. O paciente deve manter os sistemas de autorrecompensa,
fortalecer as relações de auxílio, substituir pensamentos irracionais por
construtivos, manter o comprometimento com o terapeuta e realizar
seguimento a longo prazo, manter controle ambiental, evitando situações que
possam levar a uma exposição desmedida ao uso do tabaco (p. ex., férias de
verão com amigos fumantes), procurar o terapeuta em situações de estresse
intenso (p. ex., perda de familiar)

Recaída Voltou a fumar O paciente deve procurar entender o ocorrido e tentar reiniciar o processo da
cessação, sem culpa ou perda da autoestima. Deve ser reforçado que isso não
significa insucesso de todo o tratamento e que uma cessação final pode ser
antecedida de várias tentativas.
•o paciente pode, ao longo do tratamento, transitar entre os Mtágios comporta mentais ou motivacionais.
f<lnte: Adaptado de Prochaska • OiCiemente.'
ambivalência e gerenciá-la. Reconhecer que a cessação do • É muito importante evitar situações de risco, como festas
tabagismo se constitui em um desafio de longo prazo tam- onde fumantes não respeitem a proibição de fumar em
bém é central no processo de mudança. Alguns itens mere- ambientes fechados.
cem especial destaque: • Escapar de situações em que surge a fissura não deve ser
tomado como humilhante. Sair do local de risco, buscar
• É muito importante esclarecer ao paciente e a seus fami- ajuda, aumentar a dose de nicotina pelo uso imediato de
liares que a vontade de fumar pode ser controlada com os goma são opções a considerar.
recursos do programa de tratamento. A sensação de fiS- • Adiar a decisão diante da fissura pode envolver estraté-
sura - a vontade intensa de fumar - aparece e desaparece gias cognitivas como "não vou fumar agora; vou esperar
em poucos minutos. Deve ficar bem claro que o descon- mais um pouco". Manter a calma ajuda a não ter um lap-
forto e as sensações desagradáveis vão passar logo e não so ou recaída.
vão durar para sempre. Thdos os envolvidos no esforço de • Sempre que surgir a vontade de fumar, lembrar das mo-
mudança do paciente devem ser instruídos sobre a ambi- tivações e dos objetivos da cessação.
valência e lembrados frequentemente da sua existência.
• Para fumantes com alta dependência de nicotina, re-
comenda-se usar terapêutica de reposição de nicotina
(TRN) com o propósito de controlar as desagradáveis
Lapso
manifestações da síndrome de abstinência. Além disso, A ocorrência isolada do uso de tabaco pode caracterizar o
deve-se manter o adesivo continuamente, com doses lapso. É certo que o paciente deve sempre evitar a primeira
proporcionais à carga tabágica, e acrescentar doses ex- tragada do cigarro, mas não deve ser levado a concluir que,
tras de nicotina na forma de goma de mascar, conforme já que usou, a recaída é inevitável. Caracterizar-se-ia então o
necessário. Uma alternativa é o uso da vareniclina (blo- efeito da violação do objetivo- EVO (abstinência).
queador de receptores nicotinicos). Diante do lapso, o paciente deve revisar suas estraté-
• Buscar apoio social é muito importante. Embora seja o gias de eofrentameoto e identificar onde falhou, além de
próprio paciente quem deva dar os principais passos, isso listar a eventual nova situação de risco ainda não conhe-
não significa que deva fazê-lo sozinho. Ele pode ter um cida. É importante manter a motivação do paciente para
"apoiador'' em cada ambiente: por exemplo, um em casa ação. As consultas terão de ser mais frequentes, até que
e outro no trabalho. Se estiver em tratamento de grupo, fique claro que ele não esteja sob o domínio do EVO. É
pode trocar telefonemas e criar uma rede de apoio. Deve comum o abalo da sua autoeficãcia, da confiança em suas
pedir ajuda, como sempre fez ao consumir cigarros. É habilidades de eofrentamento, ou seja, de que pode dar
importante ter cuidado com os "sabotadores", que em conta do desafio da cessação. 9
geral são fumantes e não aceitam bem a ideia de que o
amigo, colega ou cônjuge vai deixar de fumar. Trata-se
de pessoas que duvidam dessa atitude e que atacam essa
decisão, às vezes porque elas próprias não conseguem fa-
Recaída
zê-lo. A existência de um sabotador exige seu afastamen- Ao perceber-se em um padrão de uso que se sistematizou
to ou estratégias de convívio, pois de outro modo corre- e que vai se assemelhando ao já habitual, o paciente en-
-se o risco de pôr a perder mais um esforço de mudança. contra-se em plena recaída. É aqui que o médico vai ter de
• Para lidar com a presença de outros fumantes no am- retomar sua tolerância à ambivalência do paciente. É pe-
biente social, particularmente no mesmo domicílio ou no noso para o médico perceber que a natureza dinâmica da
local de trabalho, é vital criar regras de convivia, pelo motivação para mudança pode fazer o paciente retomar a
menos durante o período inicial. Não se deve oferecer atitude contemplativa ou mesmo pré-contemplativa dian-
cigarros ao paciente, nem deixá-los à vista, e- acima de te de sua dependência do tabaco. O médico terá também
tudo- não se deve fumar no ambiente do paciente. de resistir à sensação de fracasso. Deve lembrar-se de que
• O paciente deve envolver-se com distrações e atividades quem mais tenta mais para de utilizar o tabaco. Talvez até
prazerosas. Lazer em áreas livres de tabaco, beber bas- sete tentativas sejam necessárias para uma efetiva cessação
tante água, comer algo prazeroso, telefonar para alguém do tabagismo.
de interesse, assistir a um filme, reunir-se com pessoas A cuidadosa revisão de todos os passos que o paciente
que têm o mesmo propósito de parar de fumar são exem- percorreu até a recaída pode trazer mais luz à complexidade
plos corriqueiros e muito úteis. de um dado caso e pôr em evidência áreas de inabilidade
• Praticar exercícios é sempre útil, desde uma simples ca- do paciente diante de situações de risco. Provavelmente, ao
minhada até atividades esportivas que estejam ao seu percorrer o trajeto de uma recaída, o paciente vai encontrar
alcance. Toda e qualquer atividade física que seja de- uma série de decisões não bem avaliadas e muitas vezes com
sejada pelo paciente será mais um precioso recurso de aparência benigna. Cabe lembrar que ao fim e ao cabo a de-
apoio para essa fase de cessação do tabagismo e para a cisão de parar é sempre do paciente e que a ambivalência
fase de manutenção. diante do desafio também é. 9
3. DiClemente CC, Prochaska JO. Self-cbange and therapy change
Recomendação ao médico que atende o f smoking hehavior: a comparison of processes of change in eessa-
o fumante tion and maintenance. Addict Behav. 1982;7(2):133-42.
4. Rollnick S, Miller WR, Butler CC. Entrevista motivacional no

~ ATENÇÃO cuidado da saúde: ajudando pacientes a mudar o comportamento.


Porto Alegre: Artmed; 2009.

A ideia que se deve passar para o paciente que de- 5. Piore MC, Bailcy WC, Cohen SJ, Dorfman SF, Goldstein MO,
seja parar de fumar, e que traduz o fundamento da Gritz ER, et al. Treating tohacco use and depcndenee. Rockville:
cessação do tabagismo, é de que npara parar de fu- U.S. Department of Health and Human Serviees, Public Hcalth Ser-
vice; 2000.
mar, é preciso mudar este comportamento, e para
mudar. .. é preciso, de fato, mudarN! 6. West R, Shiffman S. Fast facts: smoking cessation. 2nd ed. Oxford:
Hcalth Press; 2007.
7. Reichert J, Araújo AJ de, Gonçalves CMC, Godoy I, Chatkin JM,
Sales MPU, et ai. Diretrizes da SBPT: diretrizes para cessação do
Referências tabagismo - 2008. J Bras Pneumol. 2008;34(10}:845-80.
1. Sardinha A, Oliva AD, D'Augustin J, Ribeiro F, Falcone EMO. 8. Ranney L, Melvin C, Lux L, McCiain E, Lohr KN. Systematic re-
Intervenção cognitivo-comportamental com grupos para o abando- view: smoking eessation intervention stratcgies for adults and adults
no do cigarro. Rev Bras Thr Cogn. 2005;1(1}:83-90. in spccial populations. Ann lntern Med. 2006;145(11): 845-56.
2. Prochaska JO, DiOemente CC. Stages and processes of self-chan- 9. Marlatt GA, Donovan DM. Prevenção de recaída: estratégias
ge of smoking: toward ao integrative model of change. J Consult de manutenção no tratamento de comportamentos adietivos. 2. ed.
Clin Psycbol. 19S3;51(3):390-5. Porto Alegre: Artmed; 2009.
O Papel dos
Fármacos no
Tratamento do
Tabagismo
José Miguel Chatkin
31
em condições especiais, não havendo sucesso prévio ou se
Introdução há contraindicação do uso dos agentes anteriores ou condi-
->.I ATENÇÃO ções econômicas que impossibilitem o uso de fármacos mais
dispendiosos. A restrição a esses fármacos considerados de
segunda linha se deve principalmente a seus potenciais efei-
A eficácia do uso de agentes farmacológicos duran- tos adversos?
te o processo de cessação do tabagismo está bem Entretanto, não há consenso na literatura quanto a cri-
demonstrada na literatura médica. Esses fármacos térios que o clínico possa empregar na escolha do fármaco
podem duplicar ou até quadruplicar a possibilidade mais útil para um paciente em particular, nem sobre qual
de sucesso e diminuir de forma significativa os sinto- deles deve ser usado inicialmente. Para a eleição de um em
mas da sfndrome de abstinência, facilitando o pro- detrimento de outro, deve-se considerar qual é o melhor fár-
cesso de cessação. No entanto, devem ser associados maco, a preferência e as experiências em tentativas prévias
a apoio comportamental. sobretudo nos fumantes do paciente, a existência de eventuais condições especiais,
de mais de 1O cigarros por dia, pois a manutenção como gravidade da dependência nicotínica, contraindica-
da abstinência a longo prazo depende fundamen- ções, efeitos adversos, interações com outros tratamentos e
talmente da mudança comporta mental definitiva, o comorbidades e, finalmente, o custo do tratamento.'
que não se consegue apenas com o uso de medica- O QUADRO 31 .1 apresenta a eficácia de cada fármaco.
mentos. '->

Desse modo, deve ser oferecido a todo fumante de fato


Terapêutica de reposição de nicotina
motivado a parar de fumar a opção de usar algum agente A reposição de nicotina foi a primeira intervenção farmaco-
farmacológico, desde que não exista contraindicação.3 lógica de eficácia cientificamente comprovada a ser utilizada
A nicotina, sob a forma de adesivos e gomas (terapêuti- para o tratamento do tabagismo.
ca de reposição de nicotina - TRN), a bupropiona e a vare- Essa modalidade terapêutica fornece ao fumante dose
niclina são consideradas agentes de primeira linha e estão segura de nicotina, sem os malefícios de todos os outros
disponíveis no mercado brasileiro para o tratamento do ta- componentes presentes na fumaça do cigarro, ajudando-o a
bagismo. A clonidina e a nortriptilina são utilizadas apenas vencer a abstinência nicotínica.s
QUADRO 31 .1 ~ Medicamentos mais utilizados no tratamento do tabagismo

~Mtl@itfl;)j.J,tJjjll·l,\lj
Gomas de 2 e 4 mg Mascar vigorosamente até Lesões de gengiva, Cessação - OR* 2
Oepend~ncia moderada: sentir gosto ou formigamento. hipersalivação, gosto ruim, Evitar goma em fumante com pcoblema na ATM ou
2 mg cada 1 a 2 horas, 4 semanas Repousar a goma entre a amolecimento de dentes. com úlcera péptica ativa.
2 mg cada 2 a 4 horas, 4 semanas gengiva e a bochecha. Reiniciar náuseas, vômitos, soluços e Contra indicado em casos de doença cerebrovascular
2 mg cada 4 a 8 ho<as, 4 semanas a mastigaç~ ao término dores na mandíbula. ou cardiova.scular grave e/ou aguda (< 1 més).
Goma de 4 mg para alta do formigamento. Mascar a Em grávidas e lactantes: pesar risco benefíào de
dependência. goma por 20 a 30 minutos. TRN em dose menor do que a do tabaco.
Consumir no máximo 20 unidades Não ingerir alimentos durante Iniciar a TRN no dia marcado para cessar o
e apôs o uso por 15 a 30 tabagismo.
por dia. minutos. Não fumar durante a TRN.
_N
_i_q_
ui_
tin_ e_ Nico
__r_ett_e_.- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - Pode combinar mais de um tipo de TRN e, esta, com
Pastilhas de 2 e 4 mg Chupar lentamente a pastilha Semelhante à goma, exceto bupropiona, em casos mais difíceis.
Mesma dose da goma ate seu término (de 20 a 30 alterações nos dentes e
Niquitin e Nicorette. minutos) mandíbula.

Adesivosde6, 7,10, 14,16e21 mg Aplicar um adesivo toda Eritema e infiltração da


Depend~ncia moderada manhã, em áreas sem pelos e derme no local da aplicação,
21 mgldia por 4 semanas sem exposição ao sol. hipersalivação, náuseas,
14 mg/dia por 4 semanas Fazer rodízio dos locais de vômitos, dianeia. insônia.
7 mgldia por 4 semanas aplicação.
Niquitin e Nicorette.

Bupropiona Iniciar o tratamento 7 dias Reduz reflexos, com risco Cessação - OR 2


Comprimido de 160 mg antes da data marcada para de piorar desempenho - Contraindicações absolutas:
2 comprimidos por dia durante 12 cessar o tabagismo. de atividades que exijam - Antecedente convulsivo, inclusive febril, na
semanas. Tomar 1 comprimido pela habilidade motora. infância, alcoolista em fase de retirada e
Bup, Genérico, manhã durante 3 dias. Tontura, cefaleia, agitação, histórico de doença cerebrovascular.
Wellbutrin, Em seguida, 1 comprimido 2 ansiedade, tremores, in.sônia e - Uso inibidor da MAO nos últimos 14 dias.
Zelron vezes ao dia, com diferença boca seca. - 8ulimia e anorexia nervosa, sem pânico.
Zybian. de 8 horas, se possível, 2' - < 15 anos, grávidas e lactantes.
dose antes das 17 horas, para - Contraindicações relativas ao uso:
reduzir o risco de insônia. - Carbamazepina, barbitúricos, fenitolinas.
Parar de fumar no 8° día. - Antipsic6ticos e antidepressivos.
- Cimetidina, Teofilina
- Hipoglicemiantes orais, insulina.
- Evitar uso na HAS não controlada.
- Muitas combinações medicamentosas.
Vareniclina Iniciar o tratamento 7 dias Náuseas em até 1/3 dos Cessação- OR 3,1
Comprimidos de 0,5 e 1 mg antes da data marcada para pacientes, raro necessitar - Poucas interações.
2 comprimidos por dia durante 12 cessar o tabagismo. retirada. - Superior a bupropiona - OR 1,66.
semanas. Cartela 0,5 mg: 1 comprimido Sonhos vivenciados. - Atenç~o: pode estar associada com humor
Champix por dia durante 3 dias e depressivo, ideação suicida, descontrole de doenças
2 comprimidos por dia psiquiátricas graves.
durante 4 dias. Em seguida, 1 - faltam estudos conclusivos que diferenciem estes
comprimido de 1 mg, 2 vezes efeitos da falta de nicotina. Notifica-los.
ao dia durante 11 semanas.
Parar de fumar no 8° dia.
Nortriptilina•• Iniciar com 25 mg por dia, Sedaç~. boca seca (70%), Cessaç.lo - OR 1,8
Comprimidos de 1O, 26, 60, e 75 mg entre 2 e 4 semanas antes da tonrura, tremores nas máos, - Contra indicado em hepatopatas, epilépticos
75 a 100 mgldia durante 6 meses. data marcada para cessar o agitação, retenção urinária, e usuários de inibidores da MAO. Utilizar com
Pamelor tabagismo. hipotensão arterial, arritmias e precau~ em esquizofrênicos, psic6ticos,
Aumentar a dose a cada 7 ou redução da visão. bipolares, e pacientes em uso de medicamentos
10dias. metabolizados pelo sistema P450 do fígado e
Dose de manutenção, 75 a 100 cardiopatas.
mg/dia
'"-OR - Odd.s Ratio, segundo o Consenso Americano de 2008.
••Mediamentos de 2"1inha.
Fonte: Fiort e coraboradores. •
Reichett e colaboradQ(es. 3
121 ATENÇÃO
da própria mastigação, salivação excessiva, náuseas, diarreia
e distensão gasosa.
Os adesivos transdérmicos, introduzidos nos Estados
O principal mecanismo de aç~o da nicotina é a es" Unidos em 1992, liberam nicotina de forma continua e lenta
timulação dos receptores localizados na área teg- devendo ser colocados em região da pele sem pelos e livr~
mentar ventral do cérebro para a posterior liberação da luz solar, podendo ser retirados ao deitar para dormir.
de . neurotransmissores,' sobretudo a dopamina, no Níveis plasmáticos constantes são obtidos após 2 a 7 horas
nucleus accumbens. Com isso, a intensidade dos do início da aplicação, e a liberação de nicotina pode ocorrer
sintomas de abstinência diminui significativamente, durante 16 ou 24 horas. Após atingir a fase de equilíbrio, há
reforçando as técnicas comporta mentais.' nicotina disponível no adesivo, em circulação e em um re-
servatório cutâneo, que será responsável pela manutenção
do nível sérico por algum tempo, mesmo após a retirada do
adesivo. 5
lbdas as formas de reposição nicotín.ica mostraram-se
eficazes para a cessação do tabagismo (evidência A) em rela- São comercializados nas doses de 7, 14 e 21 mg por uni-
ção ao efeito dose-resposta, embora em magnitude diferen- dade para a previsão de uso a cada 24 horas e em 5, 10 e 15
te, conforme a apresentação utilizada. Acrescem-se a isso o mg quando a intenção de uso é com intervalo de 16 horas. A
baixo custo, a facilidade de uso e a disponibilidade. dose total diária deve ser adaptada à condição individual de
cada fumante. Geralmente inicia-se com a dose de 15 mg ou
. ~enhuma das formas de reposição de nicotina consegue
atmgu os mesmos níveis de nicotina no cérebro, nem a mes- 21 mg, com redução progressiva e/ou dependendo de possí-
ma velocidade e intensidade de pico, obtidos pelo fumante veis efeitos colaterais. Em média, a duração da TRN é de 8
com a inalação da fumaça do tabaco. De qualquer modo, as a 12 sem_anas, podendo ser estendida para vários meses, se
formulações de infcio rápido de ação, como as gomas e as for- necessáno, embora a vantagem da extensão do tratamento
mas inalatórias, visam a atuar no reforço positivo produzido não esteja ainda cabalmente demonstrada. 8 1àmbém não há
pela liberação de neurotransmissores, enquanto as de libera- consenso sobre a forma de interrupção ao final do tratamen-
ção mais lenta, como os adesivos, pretendem atuar de forma to, se deve ser progressiva ou abrupta.
continuada, mantendo um nível basal de nicotina circulante. As apresentações disponíveis são seguras para a maioria
A terapêutica deve ser usada Jogo que o fumante inicie dos pacientes, e mesmo doentes com enfermidades cardio-
o processo de cessação, no dia D/ embora alguns estudos vasculares podem utilizá-las evitando os episódios isquêmi-
mais recentes apontem que o uso anterior ao dia escolhido cos agudos. Os efeitos adversos mais comuns são reações
para cessação abrupta possa melhorar a possibilidade de cutâneas, taquicardia, náuseas e distúrbios do sono.'
sucesso em alguns pacientes, por familiarizá-los com o que Esta modalidade de tratamento do tabagismo aumenta a
está por ocorrer no tratamento proposto. O fumante deve taxa de sucesso de 1,5 a 3 vezes quando comparada ao pla-
ser orientado a interromper o tabagismo ao iniciar o uso de cebo.
TRN para evitar dose excessiva de nicotina, que, embora A inalação de nicotina e o spray nasal não estão disponí-
não frequente e de leve intensidade, pode levar a sintomas veis no Brasil.
de intolticação.5
Não há evidências de subgrupos de fumantes que pos-
sam se beneficiar de modo distinto de TRN em relação aos Bupropiona
~emais. Assim, pacientes ambulatoriais ou hospitalizados,
JOvens ou idosos, de ambos os sexos, cardiopatas ou pneu- A bupropiona, um antidepressivo atípico, introduzida em
mopatas podem usar esse tipo relativamente seguro de trata- 1997 nos Estados Unidos e logo a seguir no Brasil, passou a
mento. Mesmo em grávidas seu uso está justificado se com- ser utilizada no tratamento do tabagismo desde que diver-
parado ao risco da inalação de todos os compostos existentes sos estudos mostraram sua capacidade de dobrar os índices
na fumaça do cigarro.5 de cessação quando comparada com placebo (evidência A).
As gomas, liberadas pelo Food and Drug Administration Embora eltista associação entre depressão e uso de tabaco, tal
(FDA) em 1984 e para uso livre em 1996 (over-the-counter), efeito não é encontrado com o uso de outros antidcpressivos. 1
pod~m conter 2 ou 4 mg de nicotina em resina à base de po-
lacnlex com pH alcalino para facilitar a absorção pela muco-
sa oral. A goma deve ser mascada lentamente, permanecen-
do entre a gengiva e a bochecha para evitar absorção muito
rápida da nicotina e também porque cerca de 25% da nico-
tina liberada pode ser deglutida, podendo ocasionar efeitos
adversos digestivos. Inicia-se prescrevendo urna goma a cada
1 a 2 horas até um máximo de 20 por dia, evitando ingerir
qualquer alimento até 15 minutos após seu uso. São inade-
quadas para pacientes com problemas periodontais, na arti-
culação temporomandibular ou com próteses dentárias. Os
efeitos adversos mais comumente descritos são decorrentes
Em comparação à TRN, não há evidências definitivas de aproximadamente 24 horas. Além disso, não altera a farma-
superioridade de um ou outro fármaco no que se refere às cocinética de outras terapêuticas usadas para a cessação do
taxas de sucesso de cessação do tabagismo. tabagismo como bupropiona ou nicotina tra.nsdérrnica.
O mecanismo exato de ação da bupropiona na cessação
do tabagismo ainda não é totalmente conhecido, mas acredi-
ta-se que facilite a inibição da recaptação de catecolaminas,
como dopa.mina e noradrenalina, no nucleus accumbens e
~ ATENÇÃO
no locus ceruleus, respectivamente. Ainda tem possível ação
Ensaios clfnicos, metanálises e revisões demonstram
bloqueadora dos receptores acetilcolinérgicos do sistema
que a vareniclina é cerca de duas vezes mais eficaz
nervoso central."
na cessação do tabagismo quando comparada à bu-
A formulação de liberação lenta é necessária para que as
propiona e à reposição de nicotina, e quatro vezes
concentrações séricas não aumentem em picos, diminuindo
em relação ao placebo. '"·"
assim significativamente a frequência de efeitos adversos.5 É
absorvida pelo trato gastrintestinal, com pico plasmático em
três horas e meia-vida de 20 horas. Seu metabolismo envolve
o citocromo P450 e, portanto, pode interagir com outros fár- A vareniclina deve ser iniciada cerca de uma semana
macos que têm o mesmo tipo de metabolização, como cime- antes da data marcada para deixar de fumar e deve ter sua
tidina, ácido valproico e ciclofosfamida, entre vários outros. dose aumentada progressivamente nos primeiros sete dias,
Atinge altas concentrações no leite matemo, sendo desacon- administrando-se 0,5 mg, uma vez ao dia, nos três primeiros
selhado seu uso em nutrizes.5 dias, e duas vezes ao dia nos dias 4 a 7. O tratamento com 1,0
A dose recomendada é de um comprimido (150 mg) por mg, duas vezes ao dia, deve começar no oitavo dia, indo até o
dia, pela manhã, durante três dias, seguido de duas tomadas final do tratamento (12 semanas, podendo ser estendido por
15
diárias (300 mg), com intervalo mínimo de 8 horas entre as mais 12 semanas para diminuir a possibilidade de recaida).
tomadas, durante um período de 7 a 12 semanas, podendo- Embora a dose recomendada seja de 2 mg/dia para obter
-se estender até 6 meses, se necessário. maiores taxas de sucesso, o uso de 1 mg/dia em casos espe-
Os efeitos adversos mais comuns são boca seca, insônia, ciais, em que ocorreram efeitos adversos mais intensos, pode
náusea e cefaleia. Mais raramente, sua utilização pode apre- também garantir boas possibilidades de sucesso.
sentar diminuição dos reflexos, agitação e ansiedade. O risco O efeito adverso mais frequente é náusea, presente em
de apresentar convulsão e grave reação de hipersensibilida- até 28% dos usuários, mas considerada leve, sendo raramen-
de nas doses recomendadas é menor do que 1:1.000.12 te responsável pela suspensão do tratamento. Em menor
Está contraindicada em casos de reconhecida hipersen- frequência, há relato de boca seca, flatulência, constipação
sibilidade ao fármaco e quando há alterações do sistema e cefaleia. Alguns pacientes podem apresentar sonhos estra-
nervoso central (SNC), como história de trauma, convulsão, nhos e agravamento de depressão, pelo que deve ser prescri-
epilepsia ou tumores, além de história de anorexia nervosa e ta com cautela ou mesmo evitada em pacientes psiquiátricos,
bulimia. Thl medicamento não deve ser usado concomitante- particularmente depressivos. É segura também para pacien-
mente com inibidores da monoaminoxidase (MAO), estimu- tes com doenças cardiovasculares.
18
lantes do SNC e benzodiazeplnicos.
Sua efetividade é boa (razão de chances- RC- de 2,1 a
2,36) em comparação com placebo.
Tratamento combinado
Vareniclina ~ ATENÇÃO
Trata-se de um agonista parcial do receptor nicotínico a4~2,
O t ratamento combinado utilizando mais de um
que atua bloqueando a ação da nicotina nesse receptor, di-
fármaco pode melhorar a possibilidade de sucesso,
minuindo assim a fissura pela droga por meio da estimula-
especialmente se tiver ocorrido fracasso terapêu-
ção dopaminérgica. Ao ocupar o receptor nicotínico, impede
tico anterior com monoterapia, sintomas de abs-
que a nicotina eventualmente inalada pelo fumante se una,
tinência ou fissura muito intensos, situações que
fazendo com que ele não sinta mais o mesmo grau de recom-
costumam ocorrer em fumantes com grave depen-
pensa que em geral sentia ao fumar. O efeito agonista nos
dência nicotfnica.
receptores nicotlnicos a4~2 e a redução da satisfação obtida
pelo fumante se ocorrer algum lapso classificam esse fárma-
co como de ação dual.u.•s
A vareniclina é muito bem absorvida pela via oral, não A associação de duas ou mais formas de TRN já está
sofrendo interferência de alimentos. Thm alta disponibili- bem testada e apresenta os melhores níveis de evidência e
dade sistêmica, sendo que 92% da dose são excretados de maior segurança. A combinação de adesivos e gomas por
forma inalterada pelo rim. Não inibe o sistema enzimático mais de 14 semanas tem RC de 3,6 (I C 95% 2,5-5,2) e taxa
dos citocromos P450 e CYP2A6 e apresenta meia-vida de estimada de sucesso de 36,5% (IC 95% 28,6-45,3% ).6
Outra possibilidade é o uso concomitante de adesivo de 8. Avcyard P, West R. Managing smoking cessatioo. BMJ.
TRN com bupropiona, geralmente indicada para pacientes 2007;335:37-41.
com dependência grave, que produz taxa estimada de absti- 9. Thnstad S. Use of sustained-releasc bupropioo in speeifie patieot
nência de 28,9% {IC95% 23,5-35,1%).6 populations for smokin8 eessation. Drugs. 2002;62 Suppl 2:37-43.
Na presença de comorbidades, isto é, quando se prevê a
10. Tonstad S, Farsnng C, Klacnc G, Lcwis K, Manolis A, Perru-
necessidade de uso de muitos fármacos de várias linhagens
ehoud AP, et al. Bupropion SR for smoking eessation in smokers
terapêuticas, deve-se estar atento para as contraindicações with cardiovascular disease: a multiccntre, randomised study. Eur
clássicas, como a presença de potencial epileptiforme para a Heart J. 2003;24(10):946-SS.
prescrição de bupropiona Além disso, esse mesmo fármaco
não deve ser usado em pacientes com anorexia ou transtor- 11. Holmcs S, Zwar N, Jiménez-Ruiz CA, Ryan PJ, Browning O,
Bcrgmaon L, ct ai. Bupropion as an aid to smoking cessation: a to·
nos de ansiedade graves.
view of real·lifc effcctivcness. lnt J Oin Pract. 2004;58(3):285-91.
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32
Em Por ser doença multifatorial e heterogênea, sem causa
específica determinada, para a organização de um programa
Programa de Tratamento de tratamento individual, devem ser consideradas as reco-
mendações das diretrizes, mas sempre levando em conta o
do Tabagismo perftl do paciente e suas necessidades próprias.
Coletivamente, mediante políticas de controle do taba-
Luiz Carlos Corrêa da Silva gismo e da educação da população, aumenta a conscientiza·
ção para 1) proteção do tabagismo passivo, 2) prevenção da
iniciação pelos jovens e 3) necessidade da cessação. Com o
Otabagismo é uma doença que tem avanço dos mecanismos legais para controle do tabagismo e
regulação dos processos industriais, o desenvolvímento de
tratamento eficaz programas para controle do tabagismo e a grande conscienti-
zação das pessoas, os fumantes estão sendo, progressivamen·
O tabagismo é uma doença crônica de dependência de nico-
te, incentivados a tomar a decisão de parar de fumar.:~-s
tina, com períodos de remissão e exacerbação.' Com o de-
senvolvimento de intervenções terapêuticas, validadas por
ensaios clínicos, passou-se a dispor de recursos eficazes para
tratar o tabagismo, conforme o fenótipo do paciente: 1) a de- Fundamentos para a cessação
pendência química, pela terapêutica de reposição de nicotina
(TRN) e/ou por bloqueador de receptores nicotínicos (vare·
do tabagismo
niclina), e/ou por inibidores da recaptação de mediadores bio-
químicos (bupropiona); e 2) a dependência psicológica, pela
Parar de fumar é, acima de tudo, uma decisão
terapia cognitivo-comportamental (TCC).' devida
Os transtornos comportarnentais, quando presentes, po- A maioria dos fumantes apresenta ambivalência comporta-
dem ser controlados, ou pelo menos reduzidos, por medica- mental em relação ao tabagismo: se, por um lado, sabem que
mentos psicoativos. Se houver doença psiquiátrica, a interven· o cigarro faz mal e que devem parar de fumar - e a maioria
ção do especialista e o uso de medicações são obrigatórios. declara seu desejo de parar de fumar-, por outro, manifes-
Uma terapêutica combinada, pela associação de diversos tam dificuldades para a cessação e mantêm o desejo de con-
fármacos, possibilita resultados certamente superiores aos tinuar fumando.
observados nos ensaios clínicos em que se testa isoladamen- Mais de 80% dos fumantes manifestam querer parar de
te um fármaco contra placebo ou outro fármaco de eficácia fumar. No entanto, a curto prazo, apenas uma minoria toma
já estabelecida. esta iniciativa e mantém-se abstinente em uma única tenta-
tiva. Deixar de fumar por conta própria gera.l mente exige da tragédia protagonizada recentemente por familiar ou
diversas tentativas de cessação. pessoa da relação afetiva com câncer ou enfisema pul-
A implantação de medidas restritivas ao tabagismo, monar pode ter forte influência na tomada de decisão.
como a proibição de fumar em ambientes fechados, tem in· • Meto: a relação afetiva de um fumante com determina-
fluenciado fortemente essa tomada de decisão. das pessoas (p. ex., os netos, os filhos, o cônjuge) pode
ser tão forte que sustente - para alguns - o penoso pro·
cesso da mudança e possibilite uma decisão que, em cir·
!I! ATENÇÃO
cunstâncias habituais, parecia estar próxima do impossí-
vel. Este é um bom caminho para a motivação.
Decidir parar de fumar significa valorizar a vida, querer • Trabalho: as empresas, cientes dos diversos problemas
mudar, querer melhorar, querer ter mais saúde, ter um gerados pelo tabagismo - redução da produtividade,
grande objetivo a alcançar e estar disposto a enfrentar riscos de incidentes, problemas de higiene, preferência
as difiCUldades da cessação, que podem ser ameniza. dos seus clientes não fumantes por serem atendidos por
das com o auxilio de um tratamento estruturado. profissionais não fumantes - dão preferência aos não fu-
mantes quando da seleção de novos funcionários.
• Sociabilidade: a regra para convívio é, cada vez mais,
não se aceitar que as pessoas fumem em ambientes fe-
Mudar o comportamento chados, nem em locais abertos onde haja grande proxi·
Para parar de fumar, é necessário mudar o comportamento, midade flsica.
o que pode ser muito difícil se não houver um conjunto de
condições para sustentação dessa mudança.6 1àis condições
podem ser construídas por um programa de tratamento ba-
Por que, para alguns, é tão difícil parar de
seado na relação médico-paciente e na terapia cognitivo- fumar?
·comportamental. Prochaska e DiCicmente criaram um Os fumantes estruturam sua vida em tomo do fumar e da sua
modelo dos estágios comportamcntais dos fumantes c su- necessidade de nicotina, conforme seu grau de dependência
geriram como conseguir êxito na cessação do tabagismo, química e psicológica, sendo frequentemente difícil estabe-
salientando que os fumantes, dentro do necessário, devem lecer a proporção de um e outro componente. Muitos desen-
migrar de estágio para conseguir a cessação e evitar a re- volvem a percepção de que não podem viver sem cigarros,
cafda.u pois para eles tudo gira em tomo do fumar. Antecipam que,
As fases comportamentais dos fumantes, segundo Pro- ao tentarem parar, terão muüas dificuldades, sendo este um
chaska e DiClemente/ são pré-contemplação, contempla- grande motivo para lidarem mal com a ideia da cessação.
ção, preparação, ação e manutenção. Na fase de pré-con- Seu grau de ansiedade ou depressão aumenta simplesmente
templação, o fumante nem sequer admite parar de fumar; na pela antecipação de que poderão ter dificuldades e de que
de contemplação, admite, mas ainda não toma a iniciativa; poderão sentir-se muito mal quando pararem de fumar.
na de preparação, está na iminência de parar (ver Capítulo Quem tem grande dependência de nicotina, por ocasião
"Thbagismo: Thrapia Cognitivo-Comportamental"). da cessação, se nenhum tratamento for feito, poderá ter sen·
sações desagradáveis devido à síndrome de abstinência, sen-
do esta a principal causa da recaída.9
Ter um grande objetivo A sensação de insegurança devido a algum transtorno
Quem tem um grande objetivo tem uma grande motivação e componamental não controlado, e muitas vezes ainda não
pode tomar-se suficientemente fone e capaz de vencer as difi· reconhecido, e a ansiedade pela antecipação de dificuldades
cu Idades para atingir a cessação. Este é um dos grandes segre- pós-cessação poderão ter fone impacto negativo sobre a to·
dos para parar de fumar! Mesmo quem não tem inicialmente mada da decisão.
uma grande motivação, pode vir a consegui-la se houver esti- O automatismo e os gatilhos também podem constituir
mulo, persistência e todo um processo de mudança. O fuman- fatores de extrema dificuldade para a cessação, devendo ser
te precisa incorporar uma grande convicção de que tem mais resolvidos de maneira prática e consistente, por meio da te·
motivos para parar de fumar do que para continuar fumando. rapia cognitivo-comportamental, sob pena de levarem à re-
caída.
Estar motivado para a cessação do tabagismo
Thr uma grande motivação é a principal condição para o su-
cesso da cessação. Existem diversos tipos de motivação para Abordagem individual do fumante
a tomada dessa decisão, e cada pessoa poderá relatar pecu-
Na abordagem individual, é fundamental considerar os se·
liaridades em muito relacionadas com suas próprias condi- guintes princípios:"
ções, questões, percepções, sentimentos e fantasias.
As principais motivações são estas:
• Como cada fumante é único, deve-se sempre levar em
• Saúde: para muitos, a principal motivação é a autopre- conta suas peculiaridades individuais, pelo menos no pri·
servação, isto é, a própria saúde. O acompanhamento meiro contato.
• Abordar, acima de tudo, como é bom não fumar; estra- ria dos fumantes busca assistência médica por diversos moti-
tegicamente, não insistir nos males do tabagismo, pois a vos, a consulta médica oferece uma excelente oportunidade
maioria dos fumantes já os conhece. Oportunamente, in- para tal abordagem.
formar sobre os malefícios do fumo, mediante fôlderes, A abordagem breve ("PAAP~') deve ser realizada na
livretos, palestras, cursos e outras maneiras que o façam consulta de rotina, durando 3 a 5 minutos:
entender o que é o tabagismo e quais suas consequências
para a saúde e para a vida. • Perguntar se é fumante (se a reposta for positiva, pros-
• Se já houver sintomas, manifestaçôes desagradáveis atri- seguir)
buíveis ao tabagismo ou anormalidades na espirometria, • Aconselhar a parar de fumar
usá-los como argumentos para parar de fumar. • Avaliar seu grau de dependência f'ISica e de motivação
• Enfatizar que ele, o fumante, é quem deve decidir parar • Preparar para que fume progressivamente menos
de fumar, pois é mais consistente que a decisão venha • Acompanhar para não recair
"de dentro par a fora".
• A melhor maneira de parar de fumar é pela parada abrup-
ta, "tudo ou nada", com uma data marcada como o dia D.
• No entanto, se o paciente desejar, a cessação poderá
~ ATENÇÃO
ocorrer por meio de redução progressiva do número de
O mfnimo que todos os profissionais da saúde de-
cigarros fumados diariamente, o que acontecerá parale-
vem fazer é perguntar sempre aos seus pacientes,
lamente à eliminação, ou pelo menos redução e controle
durante as consultas e interações, o seguinte:
dos fatores-gatilho, indutores da necessidade de fumar.
• Avaliar o suporte familiar. Se pessoas do convívio íntimo • Você fuma? (se a resposta for afirmativa, pros-
(cônjuge, filhos, pais, amigos, colegas de trabalho) fumam, seguir)
devem ser avisadas sobre a intenção do paciente de parar • Quer parar de fumar?
de fumar e, dentro do possível, estimuladas a apoiá-lo, não • Como pretende parar de fumar?
lhe oferecer cigarros e evitar fumar em sua presença. • Quer auxilio?
• Com recursos e objetivos definidos, o médico e o pacien-
te poderão estabelecer um programa individualizado
para cessação, sendo fundamental que o próprio pacien-
te sinta-se o principal agente do processo de mudança. Condições que aumentam a eficácia da
abordagem breve sistemática
O QUADRO 32.1.1 apresenta diversas maneiras de parar
defumar.
Promover um ambiente 100%livre de tabaco
(consultório, clínica, ambulatório, hospital)
É extremamente desagradável e desmotivador quando, no
cenário do estabelecimento de saúde, encontram-se pessoas
Abordagem breve sistemática fumando nas portas, acessos, corredores, pátios e praças
Considerando que o tabagismo é uma doença crônica de de- próximas. Para evitar esse problema, é muito importante que
pendência de nicotina e que, para a maioria dos pacientes, se estabeleçam políticas para que tais ambientes sejam 100%
podem ser necessárias várias tentativas de cessação para que livres da fumaça do tabaco.
a abstinência seja permanente, entende-se que a abordagem
breve é uma medida indispensável e que deve ser aplicada
sempre que houver oportunidade. Como a cada ano a maio- ~ ATENÇÃO
A intervenção breve inicia-se no ambiente de acolhi-
mento, continua na sala de espera onde se podem
QUADRO 32.1.1 ~ Diversas maneiras de parar de fumar
disponibilizar materiais educativos, e vai continuar
durante a entrevista com o profissional de saúde.
- Iniciativa própria: o fumante para por sua vontade, sem apoio
profissional.
- Intervenção breve: o médico ou equipe de saúde apoia por
aconselhamento sistemático, sendo muito importante acompanhar Definir em que fase comportamental o paciente se
o paciente.
- Tratamento com recursos recomendados pelas diretrizes (p. ex., encontra
Instituto Nac.ional do Câncer - INCA, Sociedade Brasileira de Verificar o quanto o paciente quer realmente parar de fu-
Pneumologia e fisiologia- SBPT). mar. Para quem está na fase de pré-contemplação, deve-se
- Programa de tratamento institucional, multidisciplinar, enfatizar a relevância da cessação, os riscos de continuar
estruturado, com base em fumando e os principais problemas que poderão ocorrer. É
- terapia cognitivo·comportamental; e importante salientar as recompensas que serão obtidas. Para
- medicamentos. aqueles em fase de contemplação, deve-se sugerir a cessação
do tabagismo. A redução do número de cigarros por dia já é ção do seu estágio comportamental auxilia no planejamento
um inicio do processo de mudança ("se posso reduzir, talvez do programa (ver Capítulo "Thbagismo: Thrapia Cogniúvo-
eu possa parar"). Para os que já estão na fase de preparação, ·Comportamental"). "Estabelecer em que fase comporta-
prontos para a ação, marca-se o dia D. Para os que já para- mental se encontra o fumante sempre é o primeiro e quiçá
rom de fumar, deve-se fortificar as estratégias de enfrenta- decisivo item a considerar, pois sem o desejo de parar dificil-
mento para prevenir a recafda. mente será conseguido este objeúvo".6
A moúvação para parar de fumar e os objeúvos que o
fumante espera alcançar é que sustentarão (ou não) sua de-
Verificar qual a melhor maneira de ajudar
cisão quando surgirem as adversidades que poderão sabotar
Se o fumante ainda não estiver pronto para a cessação, deve-
sua iniciaúva (FIGURA 32.1.1).
-se oferecer material impresso, livretos, livros e, se possível,
Avalia-se, também, o quanto o paciente acredita na sua
encaminhá-lo para um programa estruturado que lhe seja
capacidade para parar de fumar - autoeficácia. Se ele não
acessível. Pelo menos, uma intervenção breve já poderá ser
acreditar, este poderá ser um grande problema para o proces-
de grande auxilio.
so da cessação. Pessoas com baixa auroestima têm maior difi-
culdade para cessação, o que exigirá estratégias específicas.
A abordagem breve deve ser, acima de tudo, Alguns têm vergonha de reconhecer a necessidade de trata-
motivacional mento porque percebem isso como fraqueza e pouca força de
Por meio do reconhecimento ou estabelecimento de um vontade. Outros têm a expectativa de um "milagre", uma cura
grande objetivo, desperta-se um grande desejo de parar de rápida e sem sofrimento para parar de fumar. A reconstrução
fumar. O entusiasmo c a empatia do profissional da saúde da identidade pessoal - ver-se como um não fumante - e da
podem fazer uma grande diferença. Essa abordagem não autoestima ajudam enormemente no processo da cessação.
precisa ser feita na primeira consulta, podendo ser poster-
gada para outra ocasião mais conveniente. Ela não deve Síndrome de abstinência
interferir na scquência do atendimento ao problema que
O paciente deve ser informado sobre a s!ndrome de absti-
levou o paciente à assistência médica. Não é boa estraté-
nência, devendo ser preparado prevenúvamente para usar
gia, neste momento, desviar do foco - o motivo principal
técnicas de enfrentamento e, se necessário, medicamentos.
da consulta. Entretanto, o assunto já pode ser iniciado, fi-
Deve entender que essa slndrome não persiste por muito
cando combinado que em uma próxima ocasião se discutirá
tempo e pode ser controlada.
a necessidade de cessar o tabagismo e a forma de fazê-lo.
Os sinromas da absúnência da nicoúna podem ser classi-
ficados em dois tipos:
Quando há óbviasdificuldades para cessação
No caso de grande dependência de nicotina, transtornos • Os transitórios caracterizam a verdadeira síndrome de
comportamentais ou doença psiquiátrica, além da interven- absúnência e duram algumas semanas: depressão, di-
ção breve, deve-se encaminhar o paciente para um programa minuição da concentração, irritabilidade, ansiedade, in-
de cessação do tabagismo estruturado, individual ou de gru- quietação.
po, e, se possível, multidisciplinar. A assistência psiquiátrica, • Os compensatórios são os da doença primária, masca-
nesses casos, poderá ser fundamental. rada pela nicoúna; esses sintomas podem superpor-se
aos da síndrome de absúnência verdadeira e torná-la

Fatores que favorecem ou interferem


na cessação1o-13 QUERER QUERER
Algumas prioridades devem ser consideradas para as mu-
danças que acontecerão na vida do fumante que decide pa-
rar de fumar, sendo muito importante que o médico as con-
sidere e estratifique conforme o perfil individual.
Menor chance Maior chance
de cessação de cessação
Motivação, autoeficácia, autoestima e
expectativas
No primeiro contato, avalia-se o grau de moúvação para a
cessação. Quando, inicialmente, a moúvação for baixa, de-
vem-se usar estratégias direcionadas a mudar essa condição, DEPENDÊNCIA DEPEND~NCIA

sempre considerando circunstâncias individuais. Pouca mo-


tivação costuma associar-se a grandes dificuldades para ces- FIGURA 32.1.1 -+ A cessação do tabagismo. por iniciativa do fumante,
sação. É fundamental que o fumante queira parar de fumar sem apoio profissional. depende fundamentalmente da relaç~ entre o
seu querer e o grau de dependência.
e tenha um grande objetivo para tal decisão. A determina-
mais intensa e mais prolongada. Sua presença aumenta Doença psiquiátrica costuma dificultar a cessação, sendo
muito o risco da recaída. necessário seu controle e estabilização antes do tratamento
do tabagismo. Depressão, ansiedade e dependência de ou-
tras drogas são muito frequentes em fumantes, exigindo cui-
Aumento de peso após a cessação dadosa atenção, uma vez que podem agravar-se por ocasião
O ganho de peso é um dos grandes temores dos fumantes, 14
da cessação. É bem conhecido que pacientes com depres-
particularmente das mulheres, e faz sentido, pois, como a são maior, esquizofrenia, entre outras psicopatias, costu-
nicotina exerce efeito catabólico, após a cessação, é comum mam ter grande dependência de nicotina e mais dificuldades
o aumento de 1 a 3 kg. para parar de fumar.

Algumas medidas podem evitar o ganho de peso: Existência de outra(s) drogadição(ões)


-+ Controle alimentar- pode ser orientado por espe- Pacientes com codependências costumam apresentar mais
coahsta (endocrinologista, nutrólogo ou nutricio- dificuldade para cessação do tabagismo, e, por isso, faz•se
nista). necessário o tratamento combinado para todos os problemas
-+ Exercidos flsicos - podem ser orientados por espe- de adicçáo. Assim, para usuários de álcool, maconha, coca-
cialista (médico, educador fisico ou fisioterapeuta). ína, medicamentos ou outras substâncias, é extremamente
-+ MedicaçAo para controle do apetite- quando indica- importante que se conjugue uma programação muito bem
do, prescrito por especialista. estruturada para cessação múltipla e que haja grande inte-
resse e participação do grupo familiar. A assistência do psi-
quiatra e a hospitalização são frequentemente necessárias
para essas situações.
Existência de doença tabaco-relacionada
ou outra
A avaliação clínica é importante, pois é comum que o fu-
Avaliação do tabagismo como doença e do grau
mante, particularmente com mais de 40 anos, apresente pro- de dependência'
blemas de saúde como doença pulmonar obst.rutiva crônica, Deve-se verificar dados sobre seu inicio, duração e padrão de
neoplasias malignas, doenças cardiovasculares, hipertensão uso, bem como tentativas anteriores de cessação: fatores de
arterial sistêmica, obesidade, sedentarismo, hipercoleste- sucesso, métodos utilizados, motivos das recaídas. Além disso,
rolernia, hipertrigliceridemia, diabetes, etc. Recomenda-se é importante averiguar o valor do tabagismo para a vida do pa-
fazer radiografia de tórax, espirometria, eletrocardiograma ciente. Deve-se avaliar o grau de dependência pelo teste de Fa-
e exames bioquímicas de sangue. gerstrõm (TF), que considera seis itens usados para esta carac-
Se houver doença crônica, já conhecida ou recém-detec- terização (QUADRO 32.1.2). Na prática, se estiverem presentes
tada, seu tratamento deve ser mantido, adaptado ou inicia- os dois mais relevantes, ficará caracterizada alta dependência:
do, sendo indispensável seu controle concomitantemente ao 1) se fuma 20 o u mais cigarros por dia, e 2) se fuma o primeiro
processo de cessação do tabagismo. cigarro do dia nos primeiros 60 minutos após o acordar.

QUADRO 32.1.2-+ Teste de Fagerstrõm para avaliação do grau de dependência

1. Em quanto tempo após acordar voei fuma~ primeiro agarro? 4. Quantos cigarros aproximadamente você fuma por dia?
()Até 5 minutos (3 pontos) () 6 - 30 minutos (2 pontos) ()Até 10 cigarros (O ponto) () 11·20 cigarros (I ponto)
() 31 - 60 minutos (I ponto) () Mais de 60 minutos (0 ponto) () 21-30 cigarros (2 pontos) () Mais de 30 cigarros (3 pontos)

2. Vod acha difícil n~o fumar em lugares proibidos (igreja, hospital, S. Você fuma mais frequentemente pela manh~?
cinema, etc.)? ( ) Sim (I ponto) () Não (O ponto)
( ) Sim (I ponto) () Não (O ponto)

3. Qual o cigarro que mais o satisfaz? 6. Você fuma mesmo doente, quando precisa ficar na cama?
()O primeiro da manhã (I ponto) ()Outros (0 ponto) () Sim (I ponto) () Não (O ponto)
-------------- --------------
Al>ós rtspOnder todas os questões, somando os pontos, obtbn·so o grou do dependéncia do tabagismo, confor~M tsta tsco.,:
0-2 pontos: dependfncio muito baixa.
3-4 pontos: dependfncio baixa.
5 pontos. dtpendfnoo midio.
6-7 pontos. dtpondfnc11 - -
8· t0 pontos. dtpendfnoo muito elevada.
fontt. F•gentrõm.'
Identificação e controle dos gatilhos (fatores É essencial trabalhar com outras perdas do passado e re-
visar como o paciente lidou e como lida hoje com este tipo
que levam a fumar) de problema. Alguns constroem sua imagem de fumante
O paciente deve fazer um inventário de 24 horas, em dia habi- com tal intensidade que toda sua identidade pessoal e au-
tual da sua rotina, descrevendo o que aconteceu nos momen- toimagem ficam atreladas ao tabagismo. Deve-se buscar nas
tos em que fumou e a que circunstâncias atribuiu o fato de ter relações do paciente pessoas que pararam de fumar c estão
fumado cada cigarro. Deve-se solicitar que ele descreva seus bem.
sentimentos no momento de cada cigarro. Assim poderão ficar
caracterizados os fatores-gatilho, motivos que o levam a fumar.
O controle dos gatilhos costuma ser de grande impor- Desenvolvimento de habilidades para lidar com
tância para a cessação. Citam-se, a seguir, exemplos do que o estresse e a vontade de fumar
deverá ser evitado pelo fumante, pelo menos, no período ini- Muitos fumantes usam o cigarro para reduzir o estresse e
cial da cessação: reluar. É importante identificar os fatores estressantes para
• Se costuma fumar após as refeições, não permanecer na procurar eliminá-los ou aprender a lidar com eles. Técnicas
de relaxamento podem ajudar a controlar o estresse.
mesa; escovar logo os dentes e ocupar-se com algo.
• Se cosruma beber e fumar, manter-se afastado do consu-
mo de bebidas alcoólicas. Compromisso entre médico e paciente
• Se fuma enquanto fala ao telefone, ter sempre caneta e
Este pode ser um ponto crucial, pois uma vez que o fumante
papel para ocupar-se com anotações.
e o médico definam sua atuação no processo e se compro-
• Se fuma em situações de espera, ocupar-se com leitura e
metam, o programa será reforçado e seu percurso tenderá
outros recursos para passar o tempo.
a ser menos árduo. O entusiasmo e a afetividade tanto do
• Se associa cigarro com café, substituí-lo por outra bebida
paciente quanto do médico são decisivos, pois fortalecem a
como chá ou suco.
percepção e o sentimento do fumante de estar fazendo o que
• Se fuma quando em companhia de amigos e colegas de
é certo.
trabalho, isso deverá ser pelo menos temporariamente
O terapeuta do tabagismo deve ser ativo e estar presente
evitado.
durante todo o programa para cessação. Deve-se evitar troca
de médico durante o tratamento, salvo se for desejo do pa-
Ambiente social, familiar e profissional ciente ou se houver tal necessidade por parte da equipe. O
Como é o ambiente familiar, profissional e social? Convive paciente precisa saber que pode contar com o terapeuta em
muito com outros fumantes? Há estimulo para fumar? Ou momentos de maior dificuldade, como na vigência de slndro-
existe muita pressão para largar o ciga.rro? Há regras coibin- me de abstinência ou fissura. Um contato telefônico pode
do o fumar nos locais de trabalho e de convívio social? Há ser muito úti.l para evitar lapso e recaída.
apoio para parar de fumar?

Abordagem dos sentimentos relacionados com a ~ ATENÇÃO


intenção de parar de fumar
O tratamento do tabagismo constitui-se em uma
O sentimento de ambivalência- querer e não querer ao mes-
mo tempo - é muito comum entre os fumantes durante o excelente oportunidade profiSsional para o pneumo-
processo da cessação. É fundamental enfatizar que isso não logista, que~ o especialista com as melhores condi-
ções de assumir o papel de liderança neste setor."
é sinal de fracasso e que pode ser trabalhado pelo reforço da
motivação para a cessação. No perlodo de preparação para
o dia D, pode desenvolver-se uma sensação de perda que, às
vezes, chega a tal intensidade a ponto de ser comparada com O QUADRO 32.1.3 apresenta um programa individual de
a morte de um ser amado. tratamento para cessação do tabagismo.

[I] ATENÇÃO Tratamento em grupo


O grupo proporciona troca de experiências e uma rede de
Se conveniente, pode-se usar como estratégia a
comparação da cessação do tabagismo com a morte apoio social de extrema importância para o processo da ces-
sação (ver Subeapitulo "Tratamento em Grupo").
de um ser amado. Isso implica a ocorrência de um
Alguns aspectos essenciais devem ser considerados na
perfodo de luto em que o fumante pode passar por
seleção de pacientes pa.r a tratamento em grupo:
uma fase de elaboração da perda, com sofrimento,
mas, com o tempo, a vida deve continuar sem a pre-
• Pessoas com convfvio social intenso ou com relações fa-
sença f lsica do ente querido. Pode haver saudade,
miliares ou hierárquicas, preferencialmente, não devem
ou mesmo a sensação de que não houve perda, mas
ficar no mesmo grupo, pois pode haver excesso de ex-
quem morre não pode mais voltar.
QUADRO 32.1.3 7 Tratamento para cessaçAo do tabagismo: de rnanei.r a positiva, configura-se a combinação ideal para o
programa individual início de um programa de sucesso.
O médico, seja ou não um terapeuta do tabagismo, deve
- Terapia cognitivo-comportamental (se necessirio, assistência ser objetivo e perceptivo quanto às necessidades do pacien-
psiquiátrica). te. Precisa ser simples e não tomar muito complexo o anda-
- Se necessário: nicotina suplementar (adesivo transdérmico, goma, mento do tratamento. Deve fazer inicialmente urna exposi-
pastilha). ção de como será o programa, sempre deixando claro que as
- Se necessirio: fármacos psicoativos (p. ex., bupropiona). ferramentas técnicas ficarão ao seu encargo e que o paciente
- Se necessirio: bloqueador de receptor nicotfnico (varenidina). poderá fazer sua parte com toda a tranquilidade pelo fato de
- Medidas de apoio: dieta, exerócio, familiares. cursos, etc. contar com o apoio e a orientação de profissionais treinados.
- Duração total: 12 meses.
- Acompanhamento: semanal no primeiro mês; quinzenal no Na assistência individual, sugere-se a seguinte sequência:
segundo e terceiro meses; mensal no quarto a d«imo segundo
meses. • Na primeira entrevista, o paciente deve expor suas ne-
cessidades, avaliando-se seu perfil comportamental e de
dependência. O profissional deve esclarecer o que for
necessário sobre tabagismo e sobre o processo da cessa-
posição e/ou situações litigantes de origem externa ao ção. llens a serem preparados para o próximo encontro
grupo. são exames laboratoriais e diário do fumante (inventário
• Pacientes muito jovens (adolescentes) obterão mais be- de 24 horas).
neffcios de um grupo específico ou de tratamento indi- • Na segunda entrevista, urna vez avaliados os exames, o
vidual. inventário de 24 horas e outros itens de interesse do caso
• Deve-se ter cuidado para que uma grande distância so- (ver QUADRO 32.1.5), é exposto o plano terapêutico. Deve
ciocultural não obstaculize o processo de identificação ficar esclarecido que o ponto principal do tratamento
entre os membros. para parar de fumar é a terapia cognitivo-comporta-
• Os pacientes devem estar, de preferência, no mesmo es- mental, que auxiliará consistentemente o paciente para
tágio motivacional, pois de outra forma pode haver forte a mudança cornportamental. Se for necessário o uso de
influência negativa. No entanto, se o terapeuta de grupo medicamentos, deve-se estabelecer o objetivo, qual ou
for bastante hábil, pode utilizar essas diferenças positi-
vamente, de modo que os pacientes se auxiliem uns aos
outros, em vez de se atrapalharem devido às suas earae- QUADRO 32.1.5 7 Tratamento para cessaçáo do tabagismo:
te.rfsticas distintas. programa~o geral

O QUADRO 32.1.4 mostra a estrutura de um programa em Pré-requisitos


grupo para o tratamento de cessação do tabagismo. - Querer parar de fumar.
- Buscar auxnio por iniciativa própria.
- Estar disposto a investir neste objetivo.
- Oideal é que o paciente já tenha tais atributos, mas eles podem
Esquema terapêutico ser estimulados.
Na fase inicial de organização de um programa de tratamen-
to do tabagismo, para maior eficácia do processo, deve-se PreparaÇÃo
considerar um conjunto de itens fundamenta.is que devem - Avaiaçáo dinica habitua~ drfinir se existe ou náo doença
ser ajustados às necessidades do paciente (QUADRO 32.5). O estabelecida (outra que náo o tabagismo).
- Avatiaçáo do tabagismo como doença: averiguar grau de
fator de maior impacto no sucesso ou insucesso do tratamen-
dependência, gatilhos, outros.
to para cessação do tabagismo é o grau de motivação do pa- - AvaliaÇÃo comporta mental: avaliar existência de transtornos/
ciente. Essa motivação é substancialmente reforçada quando doença psiquiAtrica.
os profissionais da saúde interagern, também, com grande
motivação e entusiasmo. Estando as duas partes alinhadas Programação
A base para a cessação será a terapia cognitivo-comporta mental.
- Os outros itens dependerão das características individuais do
QUADRO 32.1.4 7 Tratamento para cessação do tabagismo: paciente:
programa em grupo - Se o grau de dependência de nicotina for elevado (TF• > 5),
usar TRN.. ou varenidina.
Quatro encontros semanais com psicólogo (primeiro mês). - Os gatilhos deverão ser afastados ou. pelo menos, reduzidos.
Quatro encontros quinzenais com psic61ogo (segundo e terceiro - Ha~ndo transtorno do comportamento, tratá~o com
meses). medicação psicoativa.
- N~ encontros mensais com psicólogo para manutençáo (quarto
- Outros itens seráo considerados: apoio familiar, apoio de grupo,
a dkrmo segundo meses). programa de exerócio, dieta.
- Manutençáo de vinculo com médico para avaliaçáo. prescriÇÃo e
----------------
• TF: Testo de Fageotr6m.
acompanhamento. •• TRN: Terapia de rtpO>içlo dt nocotr ...
quais serão usados e de que forma. Esses detalhes são 7 Situação V: elevada dependência (TF > 5; má tolerân-
discutidos adiante. cia à abstinência da nicotina)
• As próximas entrevistas visarão ao acompanhamento do • TCC conforme grau de dependência psicológica e de
tratamento, com foco nas necessidades individuais do transtorno
paciente com relação aos muitos itens discutidos neste • TRN ou bloqueador de receptor nicotínico
capítulo. Poderão ter frequência semanal nos primeiros
dois a três meses, e deverão ser mensais ou bimensais até 7 Situação VI: transtorno de depressão/ansiedade
completar-se um ano de tratamento. • TCC muito reforçada, preferencialmente com psi-
quiatra
• Transtorno leve/moderado: considerar antidepressi-
vo/ansiolftico
Escolha do esquema terapêutico • 'franstorno grave: avaliação e acompanhamento psi-
Para todos os pacientes, utiliza-se a terapia cognitivo-compor- quiátrico
tamental, com a adequação necessária ao perfil individual.
Para a escolha de medicamentos, diversos itens devem 7 Situação VIl: doença psiquiátrica (bipolaridade, esqui-
ser considerados: intensidade do desejo do paciente de parar zofrenia, etc.)
de fumar, avaliação da dependência pelo teste de Fagers- • TCC
trõm, presença e intensidade de transtorno do comporta- • 'fratamento psiquiátrico
mento ou de doença psiquiátrica. • Demais itens, conforme necessidades individuais
Com tratamentos avaliados por ensaios clínicos em que
se utilizou um fármaco isoladamente, seja nicotina de repo-
sição, bupropiona seja bloqueador de receptor nicotinico,
obteve-se entre 20 e 30% de abstinência após 12 meses.•<>••
~ATENÇÃO
Um programa de tratamento com base cognitivo-comporta-
Não existe um tratamento-padrão que sirva para
mental, complementado pela associação de medicamentos
todos os pacientes, devendo a abordagem ser in-
indicados conforme aspectos individuais do paciente, pos-
dividualizada, considerando fatores ambientais,
sibilitará resultados superiores aos encontrados nos ensaios
psicológicos, comportamentais e socioculturais de
clínicos.
cada um.
São citadas, a seguir, algumas situações ilustrativas e as
possíveis escolhas terapêuticas:

7 Situação 1: grande desejo de parar de fumar, sem trans-


torno significativo Terapia cognitivo·comportamental
• TCC com base em características individuais
A terapia cognitivo-comportamental (ver Capítulo "Ta-
• TRN ou vareniclina se a dependência de nicotina for
bagismo: Terapia Cognitivo-Comportamental") combi-
elevada (TF > 5)
na intervenções cognitivas e treinamento de habilidades
comportamentais, visando à cessação do tabagismo e à
7 Situação 11: pouca vontade de parar de fumar, sem
prevenção de recaídas. Seu principal objetivo é detectar
transtorno significativo
situações de risco para fumar e desenvolver estratégias de
• TCC muito reforçada (precisa mudar de fase compor-
enfrentamento.2 O fumante deve viver situações rotineiras
tamental)
em que normalmente fumaria e passar a resistir à tentação
• TRN ou vareniclina se a dependência de nicotina for
pelo aprendizado da TCC, sendo estimulado e preparado
elevada (TF > 5)
para tornar-se agente de mudança do seu próprio compor-
tamento.
7 Situação 111: pouca vontade de parar de fumar, com
Para a TCC, é fundamental entender e incorporar co-
transtorno psiquiátrico significativo
nhecimentos que auxiliarão o paciente na mudança com-
• TCC muito reforçada, preferencialmente com psi-
portamental necessária para não mais fumar (QUADRO
quiatra
32.1.6).
• TRN ou vareniclina se a dependência de nicotina for
elevada (fF > 5)
• O tratamento psiquiátrico é indispensável
Tratamento medicamentoso: indicação
7 Situação IV: baixa dependência (TF < 5; boa tolerância
à abstinência da nicotina)
e escolhas12
• TCC conforme grau de dependência psicológica e de Diversos estudos evidenciaram que o uso de medicações
transtorno pode duplicar ou até triplicar o resultado do tratamento para
• Geralmente não há necessidade de TRN nem deva- cessação do tabagismo, em comparação com placebo.'0·' 6
reniclina Genericamente, há dois tipos de intervenções farmacológi-
QUADRO 32.1.6 ~ Terapia cognitivo-comportamental: • Goma de mascar. Apresentação: tabletes de 2 e 4 mg.
fundamentos Efeitos adversos: náuseas, ulceração nas gengivas. Reco-
menda-se manter a goma no sulco gengivobucal; o suco
- Entender o significado da dependência de nicotina. resultante da mastigação deve ser mantido na cavidade
- Saber mais sobre a dependência psicossocial do tabagismo e seus bucal pelo máximo tempo possível, pois a melhor absor-
significados (assim o fumante poderá entender melhor por que ção da nicotina ocorre neste sítio.
fuma!). • Pastilhas mastigáveis. Apresentação: 2 e 4 mg. Posologia
- Mudar hábitos. e efeitos adversos: semelhantes aos da goma.
- Afastar gatilhos (situações que levam a fumar).
- Aprender a lidar com as frustrações.
- Entender os mecanismos do automatismo e usar esse Vareniclina
conhecimento para controle.
- Fortificar a decisão de parar de fumar (técnicas de reforço). Usa-se preferencialmente quando há alta dependência de
- Reforçar os mecanismos de gratificação (autopremiação). nicotina ou tentativas prévias de cessação com diversas
- Reforçar a ideia de estar fazendo o que é certo. recaídas. E la atua diretamente nos receptores nicotínicos
- Aprender a diferença entre lapso e recaída, e a forma de evitá-los (a4P2) e tem efeitos agonista e antagonista parcial. É o
(técnicas de enfrentamento). 6nico medicamento que tem esse efeito, o que favorece
- Enfatizar os benefícios de parar de fumar. sua indicação não apenas pela eficácia terapêutica, mas
também por provocar maior motivação do paciente para
a cessação.
O primeiro ensaio clínico, publicado por Jorenby19, mos-
cas para tratamento do tabagismo: terapêutica de reposição trou que a vareniclina (V) era mais eficaz do que a bupro-
da nicotina e medicações sem nicotina (ver Capítulo "Papel piona (B) e o placebo (P) em termos de abstinência em três
dos Fármacos no Thltamento do Thbagismo"). meses(V=44%, B=30%, P=18%) e em 12meses (V=22%,
O principal objetivo do uso de fármacos é reduzir os B=15%, P=lO%).
sintomas de abstinência e facilitar a abordagem cognitivo-
-comportamental.
Esquema terapêutico da vareniclina
Terapêutica de reposição de nicotina (comp150mg)
Indica-se a TRN quando houver alta dependência de nicoti- ~ Primeiros três dias: 1 comprimido de 0,5 mg, uma
na, o que pode ser caracterizado quando o teste de Fagers- vez ao dia, pela manhã
trõm tiver escore acima de 5 (TF > 5) ou quando houver ~ Próximos quatro dias: 1 comprimido de 0,5 mg, duas
vezes ao dia (isso cobre a primeira semana)
antecedentes de síndrome de abstinência em situações de
privação da substância. ~ Próximas 11 semanas: 1 comprimido de 1,0 mg, duas
vezes ao dia

Esquema terapêutico da nicotina: Uma minoria de pacientes pode apresentar efeitos ad-
Durante as primeiras 8 a 12 semanas de cessação, usar versos como náuseas, cefaleia, insônia ou tonturas. This
adesivo de 21 mg, uma vez ao dia. Para dependência efeitos em geral não exigem suspensão do medicamento,
muito elevada (TF > 7), pode-se aumentar a dose diária ocorrendo adaptação do organismo. Recomenda-se especial
para dois ou até três adesivos, usados simultaneamente.
cuidado com pacientes psiquiátricos, com depressão e ten-
A dose é reduzida a cada quatro semanas para 14 e 7 mg
ao dia, conforme tolerância à sfndrome de abstinência. dência suicida, pois há relatos de caso com desfecho fatal,
Se, apesar do uso de adesivo de nicotina, houver mani- não definidamente atribuível ao fármaoo.
festações de abstinência ou fissura, pode-se acrescentar A vareniclina tem demonstrado segurança e tolerabilida-
goma de mascar (chiclete) de 2 ou 4 mg para os mo- de tanto em fumantes jovens quanto em idosos com função
mentos de piora dos sintomas, podendo usar-se até 20 renal normal. Não se recomenda o uso simultâneo de nicoti-
gomas ao dia. na e vareniclina, salvo em circunstâncias especiais.

Bupropiona
As formas de nicotina disponíveis em nosso meio são Originalmente usado como antidepressivo, é o único psico-
estas: ativo extensamente testado e validado pelo Food and Drug
Administration (FDA). 17.18
• Adesivo transdérmico. Apresentação: 21, 14 e 7 mg. Efei- Trata-se de fármaco com efeitos antidepressivos, dopa-
tos adversos: irritação local, eritema infiltrativo (os quais minérgicos (aumenta a dopamina no nucleus accumbens por
raramente justificam suspensão). Recomenda-se variar o inibição da recaptação) e noradrenérgicos (afeta neurônios
local de aplicação do adesivo na pele. no locus ceruleus) que reduz a síndrome de abstinência, pois
simula a ação da nicotina. Reduz pela metade o ganho de
17
peso associado à abstinência (3,0 kg x 1,5 kg). • A maioria dos fumantes s6 consegue cessação
definitiva na enésima tentativa (4 a 8).
• Com o uso de apenas um medicamento, isolada·
mente, após 12 meses, cerca de 30% das pessoas
Esquema terapêutico da bupropiona mant~·se abstinentes.
(comp. 150 mg) • Com a terapia cognitivo-comportamental como
1 comprimido pela manhã nos primeiros três dias base terapêutica, mais medicações associadas,
1 comprimido duas vezes ao dia, a partir do quarto dia, conforme necessidades individuais, após 12
durante 12 semanas meses, a abstinência poderá ser superior a 50%
(este é o desafio 1).

Os efeitos adversos da bupropiona são insônia, boca


seca, convulsão e cefaleia As contraiodicações incluem con-
vulsões, epilepsia, anorexia nervosa, bulimia, etilismo pesa-
do, problemas do sistema nervoso central (acidente vascular
Itens fundamentais para a cessação do tabagismo
cerebral, traumatismo craoioencefálico, neoplasia), sendo Caractwlstica Relevincia
que gravidez e amamentação são contraindicações absolu- Desejo de parar de fumar Decisão de pedir ajuda
tas. As precauções envolvem parar os inibidores da monoa- Ter um grande objetivo Motiv~o
minoxidase (MAO) 14 dias antes; evitar a bupropiona ou ter
Grau de dependência Escolha de medicação
muita cautela quando do uso concomitante de antidepres-
Presença de transtorno Tratamento multidisciplinar;
sivos, antipsicóticos, teofilina, esteroides sistêmicos; tratar Assist~cia psiquiátrica
pacientes diabéticos com hipoglicemiantes orais e insulina; e
reduzir doses na vigência de insuficiência renal ou hepática. Definir um plano antes de iniciar o tratamento
Recomenda-se parar de fumar no oitavo dia de trata-
mento. Conforme necessidades individuais do paciente, é
possivel prescrever outros fármacos psicoativos que não bu-
propiona. Referências
l. Bolligcr cr, Fagcrstrôm KO. The tobaooo cpidcmic. Bascl: Kar·
ger; 1997. v. 28.
Outros tipos de intervenção (medicamentos e
2. Sardinha A, Oliva AD, D'Augustin J, Rtbeiro F, Falconc EMO.
programas) Intervenção cognitiv<HX>mponamental com grupos para o abando·
Recomenda-se cautela com relação a outros métodos e no do cigarro. Rcv Bras Ter Cogn. 2005;1(1):83-90.
medicamentos que visem ajudar o fumante a parar de fumar,
3. World Heahh Organization. WHO framework convention on lO·
pois devem ser validados por ensaio clínico particularmente
bacco control. Ocoeva: WHO; 2003.
quanto à sua eficácia e segurança.
No entanto, métodos que tenham proporção com aspec- 4. Corrêa da Silva LC. A epidemia do tabagismo. Revista da AMRI·
tos culturais, regionais e religiosos dos pacientes, desde que os. 2009;53(4):436-7.
possibilitem levar as pessoas a parar de fumar e não ofere- 5. Corrêa da Silva LC Controle do tabagismo. Revista da AMRIOS.
çam riscos, poderão ser utilizados, contanto que haja respon- 2010;54(1):11().1.
sabilização e fiscalização quanto ao seu uso e desfechos.
6. Procbaska JO, OiOemente CC. Stages and pi'OCCSSCS of scl!-cltan·
ge of smoking; toward an integrative model of eh8Jige. J Coosuh
Oin Psycbol. 1983;51(3):300.5.

0 ATENÇÃO 7. Prochaska JJ, Delucehi K, Hall SM. A meta-analysis of smoking


cessation interventions with individuais in substance abuse treat-
ê muito importante saber: ment or rccovcry. J Consuh Clin Psychol. 2004;72(6):1144-56.
8. DiCicmentc CC, Prochaska JO. Sclf-ebangc and lhcrapy changc
• Para cessar o tabagismo, é preciso tomar uma
of smoking bchavior: a comparison of processes of change in cessa-
grande decisão de vida e mudar de comporta- tioo and maintcoance. Addict Behav. 1982;7(2):133-42.
mento.
• Oitenta por cento dos fumantes querem parar de 9. Fagcrstrõm KO. Measuring dcgrce of pbysical depcndcnce 10
fumar. tobacco smoking with rcfcrcoce to individualízatioo of trcatmcnt.
• Parando de fumar por conta PfÓpria, sem apoio Addict Behav. 1978;3(3-4):235-41.
terapêutico, menos de 6% das pessoas mant~m­ 10. Fiorc MC, Bailcy WC, Cohcn SJ, DorfmBJI SF, Goldstcin MO,
-se abstinentes após 12 meses (isso acontece em Gritz ER, et ai. 'Ucating tobacco use and depcndence. Rockville:
cada tentativa). U.S. Dcpt. of Hcalth and Human Scrvices, Public Hcalth Scrvice;
2000.
11. West R, Shiffman S. Smoking ccssation (fast facts). 2nd ed. dificações: estar em remissão dos sintomas de doença clínica
Oxford: Hcalth Press; 2007. grave que dificulte sua capacidade de fala e/ou audição e/ou
12. Rcichcrt J , Araójo AJ de, Gonçalves CMC, Godoy I, Chatkin compreensão lingulstica; estar em remissão dos sintomas de
JM, Sales MPU, ct ai. Diretrizes da SBPT: diretrizes para cessação doença psiquiátrica e{ou neurológica que comprometa sua ca-
do tabagismo - 2008. J Bras Pneumol. 200S;34(10):845-80. pacidade de interaçâo social, como insuficiente contato com
a realidade, sintomas de desvios sociais, conduta antissocial
13. Ranney L, Melvin C, Lux L, McClain E, Lohr KN. Systematicre-
acentuada, defesa psicopática, episódios maníacos, sintomas
vicw: smoking ccssation intervention strategies for adults and adults
in special populations. An lntern Med. 2006;145(11 ):845-56.
depressivos graves, esquizofrenia; ter idade superior a 18
anos, grau de inteligência dentro dos limites da normalidade;
14. Rosen-Cbase C, Oyson V. 'freatment of nicotine dependencc in e não apresentar distúrbios neuropsicológicos que atrapalhem
thechronic mentally ill. J Subst Abuse Treat. 1999;16(4):315-20. sua capacidade cognitiva (compreensão e comunicaçâo).
15. Hughcs JR. Thbacco treatmcnt specialists: a ncw profcssion. J
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16. Silagy C, Lancaster T, Stead L, Mant O, Fowler G. Nicotine re- ~ATENÇÃO
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Rev. 2002;(4):CD000146. Tem-se buscado, no trabalho com grupos, encontrar
17. Jorenby DE, Lcisehow SJ, Nidcs MA, Rcnnard SI, Johnston JA, uma dinamica que facilite e obtenha resultados po-
Hughes AR, ct ai. A controllcd trial of sustained-release bupro- sitivos no tratamento de uma doença tão complexa
pion, a nicotine patch, o r both for smoking ccssation. N Engl J Med. como a dependência de nicotina. O modelo tem sido
1999;340(9):685-91. uma combinação daquilo que se acredita possa ge-
rar bons resultados.
18. Hurt RD, Sachs DP, Glover ED, Offord KP, Jobnston JA, Dale
L<:, et ai. A comparison of sustained-relcasc bupropion and placebo
for smoking cessation. N Engl J Mcd. 1997;337(17):1195-202.
19. Jorenby DE, Hays JT, Rigotti NA, Azoulay S, Watsky EJ,
Williarns KE, et ai. Efficacy of vareniclinc and alpha4beta2 nicotinic Organiza~ão do tratamento em grupo
acetylcboline receptor partia! agonist, vs placebo or sustaincd-rele- Os grupos estão estruturados em encontros semanais na fase
ase bupropion for smoking cessation: a randomized controllcd trial.
ativa de tratamento, e quinzenais e mensais na fase de ma-
JAMA 2006;296(1 ):56-63.
nutençâo. As sessões têm duração de 1 hora e 15 minutos,
com horário fixo e grupos fechados. O número máximo é de
10 integrantes por grupo, para que a assistência seja mais
personalizada. Todas as sessões são coordenadas por uma
Em psicóloga acompanhada de uma enfermeira, que exerce a
funçâo de coterapeuta. Em dois encontros, o grupo conta
Tratamento em Grupo com a presença do pneumologista e do psiquiatra, que são
responsáveis pela avaliaçâo e prescriçâo de medicações e as-
Lisandra Soldati sistência clinica dos pacientes. Também são distribuídos para
Elenice Rode os pacientes, em todas as sessões, materiais impressos com
informações e exercícios específicos sobre os tópicos traba-
lntrodu~ão lhados em cada encontro.
Nos primeiros encontros, a ênfase recai sobre a decisão
A dinâmica de um grupo para tratamento do tabagismo é mui- de cessaçâo e preparaçâo para o dia da parada. Nos encontros
to especifica e apresenta partieularidades significativas. O ob- intermediários, enfatizam-se a abstinência e a mudança no es-
jetivo do grupo é único: parar de fumar. No entanto, os grupos tilo de vida e, durante a parte final do tratamento, o foco recai
possuem caráter heterogêneo, o que, por um lado, dificulta o sobre a manutenção da abstinência, o manejo para lidar com
processo em funçâo da diversidade, mas, por outro, facilita a eventuais lapsos ou recaídas e a preparação para a alta.
troca de experiências c o entendimento das particularidades
de cada pessoa durante todo o processo de parar de fumar.
É uma ilusão esperar que o grau de motivaçâo de todos os
componentes do grupo seja idêntico, principalmente na fase
Dinâmica do tratamento em grupo
inicial do tratamento. E isso acaba por determinar posturas O tratamento em grupo tem como base a terapia cognitivo-
variadas, desde uma disposiçâo colaborativa, medo do fracas- -comportamental (TCC), já abordada em capítulos ante-
so até atitudes defensivas ou de ataque. Isso exige que o con- riores, e a terapia focada em esquemas,' também empre-
dutor do grupo saiba lidar com essas diferenças sem perder o gando técnicas da entrevista mot ivaciona1.2 Essa estrutura
foco do tratamento, transformando as diferentes posições em pode ser brevemente descrita na metáfora da árvore, que
instrumento para seu trabalho para atingir o objetivo coletivo. pode ser utilizada de duas formas ao mesmo tempo: uma
Nossos critérios para inclusão dos grupos são norteados forma é imaginar uma árvore cujas raizes funcionam como
pelo Instituto Nacional do Câncer (INCA), com algumas mo- as artérias necessárias para a vida, que pouco a pouco vai
sendo prejudicada pelo tabagismo, reduzindo sua vitalida-
de e força. A outra é imaginar as raízes dessa árvore como
esquemas básicos da personalidade do dependente de ni-
[I] ATENÇÃO
cotina. Essas raízes estruturam o tronco e seriam as cren- Logo após o dia da parada, enfatizar as estratégias
ças centrais que cada fumante traz acerca do cigarro. Tais de enfrentamento pode ser uma ferramenta impor·
crenças norteiam os pensamentos automáticos que darão tante durante o processo. cada um dos participantes
origem aos sentimentos e comportamentos de fumar ou se traz sua própria experi~ncia e, assim, pode servir de
abster do cigarro. modelo para o outro. Ao mesmo tempo, fortalece a
ideia de que todos, mesmo que de formas diferen·
tes, passam pelas mesmas dificuldades e podem ob-
ter resultados positivos no manejo dessas vontades.

Temos percebido durante os grupos que se concentrar


nos aspectos positivos da abstinência, bem como reforçar
positivamente as pequenas conquistas como manejo das fis·
suras, recusa a convites para fumar ou mesmo a evitação de
situações de risco, também tem se mostrado eficaz, até mais
do que apoiar o fumante em momentos dif!ceis de sua ca-
minhada.
4
Alguns estudos recentes 3' têm demonstrado que, quan-
do os sentimentos positivos ultrapassam os negativos na pro·
porção de 3 para 1, a pessoa alcança uma espécie de ponto
Existem dois tipos de habilidades de enfrcntamento de equilíbrio. Além disso, o otimismo permite que as coisas
de fissuras: as comportamentais c as mentais. Antecipar sejam percebidas como um todo, sem que se prenda a abor·
as situações que podem causar a vontade é uma parte im- recimentos de menor porte. Assim, minimizar-se-iam as con·
portante para ajudar o fumante a se preparar para elas. Se sequências negativas do deixar de fumar.
a pessoa já não fuma há algum tempo, provavelmente já
diminuiu ou exúnguiu a relação de vinculo entre o fumar
c a maioria das atividades diárias. Assim, provavelmente
não é mais isso que vai desencadear o desejo de fumar. Problemas comuns
Entretanto, se ainda existem desejos ou pensamentos de Dentre os problemas mais frequentes encontrados nos gru-
fumar, é importante lembrar que o evento interno (lem- pos, citam-se estes:
branças, sonhos) ou externo é responsável pelo surgimen-
to do desejo, pois eles irão desencadear os pensamentos
• Pacientes muito "apegados" e sem suporte social: trata·
sobre o fumar. -se do apego que pessoas solitárias (divorciadas, separa-
Por isso, a tomada de decisão precisa ser trabalhada con· das, solteiras, viúvas) possuem com o cigarro. Pode-se
tinuamente durante o tratamento da dependência da nicoti- comparar a dependência de nicotina com um transtorno
na, sobretudo nos encontros iniciais, pois se ela estiver firme de controle de impulsos, em que o fumante vive uma si-
e bem estruturada, todo e qualquer evento, sendo interno ou tuação de paixão/amor patológico com o cigarro, quase
externo, ficará enfraquecido. O fumante não deve apresen- como em substituição a uma pessoa: nesses casos, mes-
tar vulnerabilidades quanto à sua decisão de parar. A terapia mo querendo deixá-lo, ela não consegue por medo de fi.
de grupo- mantendo a força e conexão entre os componen- car sozinha. Com isso, entender-se-á melhor como abor·
tes, como mais um compromisso no reforço da tomada de dar cada um desses pacientes.
decisão - apresenta-se como um excelente recurso a ser uti· • Resistência para mudança: isso diz respeito à dificulda-
lizado para reduzir a ambivalência. de que as pessoas apresentam na adaptação a uma nova
Outra vantagem importante a ser considerada durante vida sem o cigarro.
o processo grupal e que se utiliza previamente ao dia de • Não assiduid ade por parte daqueles que estão apre-
parada é olhar para histórias pregressas de outros compo- sentando dificuldades para manter a abstinência, pois
nentes do grupo e incentivar que partilhem histórias de su- aqueles que recaem ou têm lapsos durante o processo
peração em suas vidas ou de solução de conflitos que julga- acabam - como mecanismo de defesa - fazendo a evita·
vam muito diffceis e que foram superados. Estabelecer um ção do grupo, em vez de participar e pedir auxilio. Daí
paralelo com a decisão de parar de fumar pode aumentar a a importância da realização de ligações telefônicas para
autocfieácia (percepção que o indivíduo tem de sua autoes· saber o que está ocorrendo e tentar, assim, resgatar esses
tima e de sua própria capacidade para resolver um proble- pacientes.
ma). Esse paralelo visa aumentar a confiança que cada um • Abandono do tratamento na fase de manutenção antes
possui na sua capacidade para parar de fumar e se manter de completar um ano, por parte de pacientes que acre·
abstêmio. ditam estar muito bem: aqui reside um alerta para even-
tu ais recaidas, uma vez que a assiduidade está relaciona- O caso de Julia ilustra três situações comumente viven-
da com o comprometimento com o tratamento e isso tem ciadas nos grupos:
sido um preditor de sucesso para abstinência. O pensamento do "oito ou oitenta", de que tudo está
• Pacientes com comorbidades psiquiátricas que, mui- perdido e, por isso, não há sentido em continuar tentando fi-
tas vezes, durante o processo de cessação, acabam por car sem fumar. Isso acontece de modo semelhante com pes-
se desestabilizar emocionalmente: aqui se percebe a soas em dieta, após o primeiro pedaço da torta proibida. O
importância de profissionais da área da psicologia e da pensamento mais comum é de que "já estraguei minha dieta
psiquiatria acompanharem o tratamento, além do pneu- mesmo, então posso muito bem comer o resto da torta". Em
mologista. seu retomo, aproveitou-se para abordar o efeito de viola-
• Autossabotagem de algumas pacientes do sexo femini- ção da abstinência, para que J ulia e os demais participantes
no, com relação ao ganho de peso durante o processo entendessem que um maço de cigarros é muito pior do que
de parada. apenas um cigarro.
Excesso de autoconfiança, ou seja, deixar de ficar hiper-
O QUADRO 32.2.1 apresenta um protocolo de tratamento vigilante, ainda na fase inicial da abstinência, e achar que
em grupo do tabagismo. está seguro e que não tem mais chance de recair. No grupo
com situações como essa, os demais componentes acabam
por ficar atentos, pois isso pode acontecer com qualquer um.
O cuidado que se deve ter, em fase inicial de abstinência,
Relato de caso com o uso de álcool quando se está exposto a situações com
O QUADRO 32.2.2 mostra um relato de caso. pessoas fumando, ou em ambientes em que se costuma fu-

QUADRO 32.2.1 -7 Protocolo do Tratamento em Grupo do Programa de Tratamento de Tabagismo 180°- Pavilhão Pereira Filho da
Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre

AVALIAÇÃO/TRIAGEM ENCONTRO 5
- Entrevista individual com psicóloga - Revisão da semana
- Entrevista individual com enfermeira - Ênfase em prevenção de recalda
- Consuha individual com pneumologista - Revisão de lapsos, humor/ansiedade, outros sintomas psiquiátrico!/
- Entrevista individual com psiquiatra psicológicos
- Definição da modalidade de tratamento (em grupo ou individuaO - Beneficios da parada
- Aumento da motivação e informações sobre o tratamento - Entrega de tarefa e relaxamento

ENCONTRO 1 ENCONTRO 6
- Apresentações - Revisão da semana
- Regras do grupo- horários, local, faltas - Revisão da tarefa
- Tabagismo como dependência quimica e modelo de tratamento - Prevenção de recalda e efeito de violação da abstinência
- Modo de parada, data e método preferido pelo paciente - Entrega de tarefa e relaxamento
- Discussão de paradas anteriores e síndrome de abstinência

ENCONTRO 2 ENCONTRO 7
- Revisão da semana - Revisão da tarefa
- Continuação da discussão sobre motivação, planos da parada e - Início do encerramento da fase ativa do tratamento, revisão de
métodos, além da revisão de eventuais tentativas de parar progressos, possíveis obstáculos
- Preparação pessoal e do ambiente - Entrega da tarefa e relaxamento
- Prazo final para entrada de novos pacientes
- Entrega de tarefa
ENCONTR03 ENCONTROS
- Revisão da semana - Revisão da semana
- Ênfase na parada: datas, medicação e manejo das fissuras, benefícios - Combinações de manutenção
imediatos da parada - Replanejamento do tratamento dos que seguem fumando
- Preparação para a síndrome de abstinência da nicotina
- Entrega de tarefas e relaxamento
ENCONTRO 4 - Pneumologista e psiquiatra MANUTENÇÃO
- Revisão da semana - Manutenção da abstinência e identificação de recafdos para alinhar
- Revisão da medicação e aumento da motivação tratamento
- Revisão de aspectos clínicos - Observação de mudanças de humor e fases do luto
- Relaxamento
QUADRO 32.2.2-? O caso de Julia Baldisserotto G, Soldati L, Paim K, Ferreira E, Guths P. Manual de
terapêutica. Porto Alegre; 2003. Não publicado.
Julia, 42 anos, 25 fumando, tinha parado de fumar há 75 dias. Bcck AT, Wright FD, Ncwman CF, Liese BS. Terapia cognitiva de las
Durante todos os encontros, ela parecia muito confiante em sua drogodcpcndcncias. Buenos Aires: Paidós; 1999.
capacidade de permanecer como uma não fumante, pois conseguia
lidar muito bem com as fissuras que sentia após ter parado. Deixa Bccoiia E. Tratamento do tabagismo. In: CabalJo VE. Manual para
de vir a dois encontros da manutenção. Quando retorna, relata que o tratamento cognitivo-comportamental dos transtornos psicológi-
certa noite, quando estava em um bar bebendo com amigos, acabou cos da atualidade. São Paulo: Santos; 2006.
cedendo e aceitou o convite de um deles para fumar. Ela pensou
consigo: "Isso não vai dar em nada. Eu sei que abandonei o cigarro!·
No dia seguinte, sentiu-se extremamente culpada e desapontada,
com muita raiva de si mesma por ter fumado e com muita vergonha.
Ela imaginou ter posto a perder todo o seu trabalho para parar de
fumar. O que diria no grupo em seu próximo encontro? "Puxa vida! Em
Eu sou um fracasso!", disse para si mesma. eassim, achou que podia Tratamento conforme Normas do
muito bem comprar um maço de cigarros no caminho de volta para
casa para poder se sentir melhor. Instituto Nacional do Câncer (INCA)
Elton Xavier Rosso

mar. Isso serve de alerta para uma melhor preparação quan- Atualmente, 79% dos brasileiros são assistidos unicamente
to à prevenção de recaídas e situações de risco. pelo Sistema Único de Saúde (SUS) e 21% têm assistência
suplementar de saúde. Em 2008, o Ministério da Saúde cons-
tatou prevalência de 15,2% de tabagismo no Brasi1. 12 Por-
>I ATENÇÃO tanto, universalizar e estruturar programas de tratamento do
tabagismo representa o investimento mais custo-efetivo em
cuidados da saúde.
Como se pode observar, existem muitas peculiari- Nesse processo, o INCA capacita os recursos humanos
dades no tratamento da dependência da nicotina,
das Equipes Coordenadoras dos Estados (Secretarias Esta-
o que acaba tornando esse processo ainda mais duais de Saúde e Educação), que, por sua vez, capacitam as
desafiador. É muito importante que o profissional
Equipes Coordenadoras dos Municípios (Secretarias Mu-
condutor do grupo de tratamento tenha consciência
nicipais de Saúde e Educação), para desenvolverem ativi-
das dificuldades e da alta complexidade desse tra-
dades de coordenação e gerência operacional e técnica do
tamento, devendo ter treinamento especifico, muita
Programa. Estes últimos capacitam os profissionais em seus
satisfação com o que faz e uma maneira positiva e
locais de trabalho nas unidades de saúde, ambientes de tra-
instigadora de se comunicar com os pacientes.
balho e escolas, respectivamente, onde as informações são
divulgadas junto com ações que visam criar nesses ambien-
tes um contexto favorável a mudanças de comportamento
de grupos formadores de opinião e modelos de comporta-
Referências mento como profissionais de saúde, professores, estudantes
1. Young J. Thrapia cognitiva para transtornos da personalidade: e trabalhadores em geral.
uma abordagem facada em esquemas. Porto Alegre: Artmcd; 2003. Nesse contexto, por exemplo, a proposta do Programa
2. Millcr WR, Rollnick S. Entrevista motivacional: preparando as Ambientes Livres do Cigarro é de que a difusão continuada
pessoas para a mudança de comportamentos adictivos. Porto Ale- de informações sobre os riscos do tabagismo e, sobretu-
gre: Artmed; 2001. do, do tabagismo passivo nesses ambientes aconteça jun-
tamente com a normatização e a sinalização da restrição
3. Fredrickson BL. Positividade: descubra a força das emoções po· ao consumo de tabaco nesses canais, associando-a ao apoio
sitivas, supere a ncgatividade c viva plenamente. Rio de Janeiro: aos fumantes para cessação do fumar. Cabe aos düerentes
Rocco; 2009. setores da sociedade alertar, cobrar, estimular c pressionar
4. Gablc SL, Gonzaga GC, Strachman A. Will you bc tbere for me as esferas responsáveis pela legislação. O objetivo é criar
when things go right? J Pcrs Soe Psychol. 2006;91{5):904-17. leis que resultem em mudanças políticas, ambientais e eco-
nômicas para reforçar as mudanças de comportamento ne-
cessárias à redução da incidência e mortalidade do cãncer
e de outras doenças relacionadas com o tabagismo e outros
Leituras recomendadas fatores de risco. Além disso, são necessárias medidas im-
Abreu CN de, Guilhardi HJ. Thrapia comportamcntal e cognitivo- portantes para dificultar o acesso dos jovens a produtos de-
-comportarncntal: práticas clínicas. São Paulo: Roca; 2004.
rivados do tabaco, as quais envolvem o aumento de preços
Araújo RB. O craving em dependentes de tabaco (tese). Porto Ale- desses produtos, o controle de sua venda e, principalmente,
gre: PUCRS; 2005. o mercado ilegal?
f. Aceitação da equipe para sua participação
OPrograma Nacional de Controle do Tabagismo
privilegia quatro grandes grupos de estratégias: Os critérios de exclusão são os seguintes:
-+ O primeiro está voltado para a prevenção da inicia-
ção do tabagismo, tendo como público-alvo crianças a. Transtorno psicótico agudo
e adolescentes. b. 'Il:anstorno de humor grave
-+ O segundo envolve ações para estimular os fuman- c. Doença clínica grave e aguda, em fase instável
tes a deixarem de fumar, propiciando programas de d. Indisponibilidade de horários e recursos para desloca-
tratamento, preferencialmente em grupo, e inclusive mento e participação nos encontros
fornecendo medicamentos.
-+ O terceiro grupo abrange medidas que visam proteger a A equipe deve ser composta por um médico e outro
saúde dos NO fumantes da exposição à fumaça do taba- profissional de saúde, preferentemente um psicólogo.
co em ambientes fechados, pela implantação de amboen- Cada grupo deve ter a inscrição de 10 a 15 fumantes, ter
tes 100% livres de tabaco. à disposição uma sala com dimensões e ventilação ade-
-+ O quano conjunto consiste em medodas que regulam os quadas e cadeiras preferencialmente dispostas em circulo
produtos do tabaco e sua comerciahzação.
para facilitar o diálogo entre os participantes. As quatro
sessões iniciais são semanais, cada uma com duração apro-
ximada de 90 minutos; após, bã duas sessões quinzenais,
Além disso, para atingir todo o pais, o Programa bus- e, por fim, uma sessão mensal até completar um ano de
cou criar uma base geopolítica para que essas ações pu- tratamento.
dessem acontecer de modo equitativo em todo o território Cada sessão deve ser distribufda da seguinte forma:
nacional. Atualmente, o Programa conta com uma rede de
parcerias governamental e não governamental em âmbito a. Atenção individual (25 minutos): cada fumante conta
nacional. suas experiências, número de cigarros fumados por dia,
As bases para a implementação e a manutenção de um tempo de tabagismo, o que o faz fumar, por que quer
Programa de Cessação do Tabagismo devem estar alicerça- deixar de fumar e quais suas expectaúvas.
das na sensibilização e conscientização dos gestores, bem b. Estratégias e informações (25 minutos): ler de forma
como na avaliação da realidade local, e os ambientes onde simples e objetiva a cartilha referente à sessão.
serão implementados os programas devem ser livres de taba- c. Revisão e discussão (25 minutos): rever e discutir a carti-
co. O treinamento dos profissionais de saúde, a disponibili· lha, ou outros textos, e tirar dúvidas.
zação de material educativo e a divulgação do programa de- d. 'làrefas da semana (15 minutos): ler a cartilha em casa;
vem ser realizados, atualizados e revisados periodicamente. rever os objetivos individuais até a próxima sessão, mar-
A implementação do programa e a avaliação e monitoração car a data para parar de fumar e aplicar as estratégias
dos resultados também fazem parte desse espectro. Cada para continuar sem fumar.
programa deve ter uma meta de cessação do tabagismo com
6 e 12 meses de seguimento, sendo aceitável40% e 30% de As quatro primeiras sessões são fundamentais e aconte·
sucesso, respectivamente. cem na fase de abstinência do paciente.
Os pacientes serão encaminhados para o grupo após Na primeira sessão (durante a preparação para deixar
consultar um médico treinado, que definirá a necessidade de fumar), deve-se estabelecer a confiança entre todos e a
inicial do uso de medicamentos. Nesse momento, é funda- socialização do paciente, esclarecer sobre a doença e o trata·
mental avaliar se o paciente tem consciência de que é porta- mento, bem como extrair e corrigir as expectativas com a te-
dor de uma doença chamada tabagismo e de que, para parar rapia. A cartilha deve conter informações sobre os aspectos
de fumar, deverã aceitar que o tabagismo implica dependên· gerais do tabagismo e as técnicas para parar de fumar (para-
cia qufmica e psicológica. Portanto, o ingresso do fumante da abrupta ou gradual) e como se preparar para controlar a
em um programa de tratamento especializado dependerá da dependência.
sua disposição em parar de fumar e do preenchimento dos Na segunda sessão (os primeiros dias sem fumar), alguns
critérios de inclusão e exclusão. pacientes estarão sem fumar. Deve-se parabenizá-los e soli-
Os critérios de inclusão são estes: citar que contem como estão se sentindo. Outros, entretan·
to, ainda estarão fumando. Estes devem contar suas princi-
a. Desejo de parar de fumar pais dificuldades e quando marearão a data para a cessação
b. Aceitação do Programa e assinatura do termo de adesão do tabagismo. A segunda cartilha deve conter textos sobre as
c. Caso haja doença crônica, esta deve estar compensada e manifestações da slndrome de abstinência, técnicas de rela-
estável xamento, além de destacar esse momento único na vida e as
d. Condições para participar ativamente (dependência de wcasparavenceraf&ura.
cuidados e dificuldade cognitiva grave podem inviabili- Durante a terceira sessão (vencendo os obstáculos para
zar a participação) continuar sem fumar), deve-se seguir as orientações da se-
e. Ser alfabetizado e ter capacidade para leitura dos ma- gunda, discutindo a importância de tentar cessar o tabagis-
nuais do participante mo. A cartilha deve conter textos sobre os ganhos com a ces-
sação, esclarecer dúvidas sobre o ganho ponderai e destacar Referências
a importância dessa nova fase em suas vidas.
1. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde.
Na quarta sessão (beneficios de parar de fumar e preven- Secretaria de Oestio Estratégica e Participativa Vigitcl Brasil 2008:
ção de recaídas), deve-se parabenizar os que estão sem fumar vigilância de fatores de risco e proteção para doenças crônicas por
e pedir aos que não cessaram que contem suas dificuldades, inquérito telefônico: estimativas sobre freqüência e distribuição
ambivalências, metas, solicitando ao grupo que proponha aju- sócio-demográfica de fatores de risco c proteção para doenças crô-
da para estes fumantes. Neste momento, alguns necessitarão nicas nas capitais dos 26 estados brasileiros e no Distrito Federal em
de reavaliação individual para redefinição de objetivos.' 2008. Brasllia: Ministério da Saúde; 2009.
2. Brasil. Ministério da Saúde. DATASUS: Tecnologia da informa-
ção a serviço do SUS. População brasileira 2009 (Internet). BrasJlia:
DATASUS; c2008 (capturado em 24 maio 2011). Disponlvel em:
http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/dcftohtm.exe?ibgel cnv/popuidef.
3. Brasil. Ministério da Saúde. Instituto Nacional de Câncer. Coor·
denação de Preve~o e Vigilln~. Programa nacional de controle
do tabagismo e outros fatores de risco de câncer. Rio de Janeiro:
INCA;2001.
4. Pereira LFF, Corre& da Silva LC. Programas de cessação do taba·
gismo.ln: Sociedade Brasileira de Pneumologia e 1lsiologia. Prática
pneumológiea. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2010.
Luiz Carlos Corrêa da Silva
33
A Organização Mundial da Saúde (OMS) criou a Con-
O proncipal obje tivo dos Programas de Controle do Taba- venção-Quadro para Controle do Thbagismo (CQCf), pri-
gismo (PC11 é proporcionar melhores condoç6es de vida meiro 'll'atado Internacional de Saúde Pública com esta
para as pessoas por meio da progressiva redução da pro-
duçlo, comercialização e consumo do tabaco, que resul- fmalidade, que congrega mais de 170 nações.' Algumas me-
tará na redução de danos e melhoria da saúde. didas propostas pelacocr são vistas no QUADRO 33., . No
Três propostas devem ser priorizadas na elaboração Brasil, o Ministério da Saúde delegou ao Instituto Nacio-
de um PCT: nal do Câncer (I NCA) todas as ações governamentais des-
-+ Prevenção: para os jovens não se iniciarem no taba- tinadas ao cont role do tabagismo, objetivando atingir os
gismo Estados e os Municipios, por meio do Programa Nacional
-+ Proteção da fumaça ambiental do tabaco: para evitar de Controle do Thbagismo e do Siste ma Único de Saóde
o tabagismo passivo (SUS)? A Associação Médica Brasileira (AMB), o Con-
-+ Cessação: para incentivar e dar cond oç6es aos fu man- selho Federal de Medicina (CFM) e as Sociedades de Es-
tes de pararem de fumar pecialidades Médicas, particularmente a Sociedade Bra-
sileira de Pneumologia e Tisiologia (SBPT),1 panicipam,
em nível nacional, dessa grande rede com suas comissões
de tabagismo. A Aliança para o Controle do Tabagismo
(ACf), uma O NG de abrangência nacional, tem trabalha-
A rede para controle do tabagismo do desde 2006 para mobilizar a sociedade civil e as insti-
Para fazer frente à epidemia do tabagismo - a maior que a tuições que queiram aderir à causa, com enfoque social e
human idade protagonizou em toda a história da civilização atuação junto ao poder público.' O Programa Fumo Zero
- só existe uma alternativa: criar uma grande rede para mobi- da Associação Méd ica do Rio Grande do Sul (AMRIGS)
lização da sociedade civil, do setor polftico, das diversas ins- atua em nível estadual, desde 2003, com intensa participa-
tituições nos seus respectivos níveis de atuação c, muito par- ção, em nome das entidades médicas, junto ao setor polfti-
ticularmente, das organizações não governamentais (ONGs). co e à mídia.' Hospitais como a Irmandade da Santa Casa
Devem ser promovidas ações em que as lideranças se compro- de Misericórdia de Porto Alegre (JSCMPA) e universida-
metam e as pessoas atuem; o objetivo maior é a redução do des como a Univers.i dade Federal de Ciências da Saúde de
tabagismo, e cada um, no seu âmbito, deve fazer a sua pane. Porto Alegre (UFCSPA) estão em plena mobilização.
QUADRO 33.1 ~ Convenção-Quadro para Controle do Tabagismo: dos e sua utilidade para a saúde das pessoas. E, sempre
algumas medidas em andamento que necessário, devem ser abertas discussões para que o
tema seja amplamente debatido com a sociedade.
- Proteção da populiçáo do tabagismo passivo
- Aumento de impostos e preços
- Banimento da propaganda e da promoç.lo
- Proibição dos deicritorH (•bancos teorts• e outros)
- Regul.lmentaçAo dos produtos do tabaco
- Controle do mercado olegal (contrabando)
- Apoio para acHSo ao tratamento do tabagismo
- Proôbiç.lo da ~nda ou comércio para menores de idade
- Educação em saúde
- Mensagens de a~rt~ncia nas embalagens
- Atividades alternativas ao cultivo do fumo
Fontt: Adaptado de Wortd H..hh Org.>nozatiO<l.'

Opapel dos médicos


Organização dos programas A ideia é que cada um atue nos seus locais de trabalho e de
É muito importante que, para a composição de um progra- influência, e que os médicos sejam lideres dessa mobiliza-
ma de controle do tabagismo, se utilize uma metodologia or- ção. Com a atuação dos mais de 300 mil médicos brasileiros,
ganizacional com a máxima consistência e eficácia. Para isso, poder·s~ia conseguir resultados nunca antes sonhados para
alguns princípios devem ser observados, conforme descrito o controle do tabagismo em nosso meio. Thdo em prol de
no QUADRO 33.2. mais saúde e de uma sociedade que sempre poderá ter nos
Na organização de um programa, é necessário seguir regras médicos seus legítimos defensores e representantes na busca
e principias conceituais que envolvam todos os participantes: de uma vida melhor.
Abriu-se um espaço notável para que os profissionais da
o I - Faz-se necessário mudar paradigmas, e pa.r a isso é saúde, particularmente os médicos, tornem-se especialistas
preciso desenvolver novas visões c novos conceitos, pro- em tratamento do tabagismo, uma vez que esta é, também e
piciar mudanças de percepções e necessidades indivi- cada vez mais, uma atividade cllnica e não apenas do setor
duais e coletivas, visando atingir resultados. Para tanto, de prevenção da saúde pública.' O médico deve ser líder nas
os agentes devem ser os líderes e as irtstituições. comissões e grupos que têm como objetivo o desenvolvimen-
o Il- Também é fundamental mudar comportamentos, o to de Programas de Controle do 1àbagismo e Programas de
que exige um processo educativo em que o próprio indi- Tratamento do Tabagismo. Devem associar-se pessoas que
víduo promova seu desenvolvimento e sua necessidade desejem colaborar com as instituições, formando-se grupos
de buscar novos paradigmas. Os agentes da mudança são que trabalhem para a organização de programas que tenham
os próprios cidadãos. três objetivos principa.is, propostos pela OMS: proteção do
o III - Para que tudo isso se desenvolva com a máxima efi·
cácia, é necessário difuodir muita informação pela mídia
sobre os processos de controle do tabagismo, as regras
de convívio instituídas, os novos conhecimentos adquiri-

QUADRO33.2 ~ Fundamentos dos Programas de Controle do


Tabagismo

- Planejamento esttatégico: objetivos e metas bem definidos, e


estabelecimento de resultados a serem atingidos.
- Representatividade institucional: d~ estar inserido em um
programa institucional.
- liderança e credibilidade: dirigido por um grupo de pessoas
comprometidas.
- Sustentabilidade: d- seguir uma programação, realizar reuniões
periódicas, com registro das decisões e ações.
- Formação de multiplicadores: estimula·se que lideres e demais
colaboradores da instituição atuem nos seus locais de trabalho.
- Consist~cia de marca (OMS, INCA, ACT, AMRJGS, ISCMPA. AMBIENltS SEM POÚTICAS
UFCSPA. etc.) CESSAÇÃO
FUMAÇA DE TABACO PARA CONTROLE
- Divulgação: forte mldia é fundamental para a evolução do
processo. FIGURA 33.1 ~ Controle do tabagismo: nfveôs de atuação. ___
:...._
tabagismo passivo - mediante a promoção de ambientes
100% livres de tabaco; prevenção - por meio de processos
Opapel das pessoas
educativos, com o objetivo de que os jovens não comecem a Cada um deve fazer sua parte para que a rede social seja for-
fumar; e cessação- com a implementação de programas de talecida pela difusão das informações, incorporação das ideias,
tratamento para os fumantes. atuação complementar e continuada das lideranças, multipli-
cando-se assim as ações para prevenção, proteção e cessação.
A saúde deve ser priorizada por um conjunto de atitu-
Opapel das cidades des a ser incorporado na rotina de todos: não fumar - nem
passivamente-, fazer exercícios regularmente e cultivar uma
Pelas circunstâncias do mundo moderno, estimula-se dire- alimentação saudável.
cionar o máximo esforço para que as cidades se mobilizem
no sentido de promover ambientes livres de fumaça de taba-
co. Para isso, recomenda-se atuar junto às Câmaras deVe-
readores com vistas ao desenvolvimento de Projetos de Leis
Municipais que possibilitem uma fiscalização direta para
0 ATENÇÃO

que não se fume nos ambientes fechados de convívio. Afinal, Para o controle do tabagismo, é muito importante
é nas cidades que acontece a rotina da vida cotidiana. formar multiplicadores, agregando pessoas que pos-
sam manter as ações necessárias para que os progra-
mas sejam permanentes. Neste caso, o maior desafio
é que se relevem questões menores e individuais e
Opapel das empresas todos os esforços sejam dirigidos em prol do con-
Sabe-se que funcionários fumantes perdem entre 10 e 20% junto. Atitudes aglutinadoras e de coesão é o que se
de produtividade (tempo desperdiçado para fumar, licenças espera das lideranças.
por adoecimento, etc.), apresentam maior risco de provocar
acidentes e incêndios e, como regra, têm prejuízo na higiene
pessoal. Os clientes, na sua maioria, preferem ser assistidos
por colaboradores não fumantes. Portanto, os empresários
têm o máximo interesse em reduzir o índice de tabagismo
Avaliação das intervenções dos PCTs
entre seus colaboradores. Para tal, os lideres devem dar A seguir são sugeridas medidas que podem ser realizadas
exemplo ao não fumar dentro da empresa, pois do contrário sequencialmente para avaliar os resultados de intervenções
seus subordinados poderão sentir-se autorizados a não mu- desenvolvidas por programas de controle do tabagismo em
dar esse comportamento. diferentes ambientes, fechados ou não (instituições, empre-
Recomenda-se que as empresas tenham normas para sas, ambientes públicos como praças, parques, locais de Jazer
controle do tabagismo, principalmente centradas na proibi- e outros):
ção de fumar nos seus ambientes fechados. É também re-
comendado que não exista o chamado "fumódromo", local • Prevalência de fumantes, por meio de questionário-padrão
fechado específico para fumar, pois em tal ambiente não • Contagem de bitucas no chão e em lixeiras
existe proteção para ninguém; pelo contrário, devido à im- • Medida do monóxido de carbono (CO) no ar expirado
possibilidade de depuração satisfatória do ar, as pessoas são de fumantes e não fumantes
obrigadas a inalar um ar altamente contaminado por gases e • Medida de CO em partes por milhão (PPM) no ar am-
partículas tóxicas. Thmbém é necessário proporcionar infor- biente
mações sobre promoção de saúde e prevenção de doenças • Medida de cotinina na urina (ou saliva) de não fumantes
aos colaboradores e, na medida do possível, facilitar o acesso
de fumantes a programas de tratamento do tabagismo.
Referências
0 ATENÇÃO
1. World Health Organization. WHO framework eonvention on to-
baceo eontrol. Gcneva: WHO; 2003.
2. Brasil. Ministério da Saúde. Instituto Nacional de Câncer. Co-
O ideal é que, nas empresas, não seja permitido fumar ordenação de Prevenção e Vigilância. Programa nacional de con-
a partir do local de entrada (portão externo, quan- trole do tabagismo c outros fatores de risco de câncer [Internet].
do este é o caso), pois isso sinalizará com ênfase que 2nd ed. BrasOia: Ministério da Saúde; 2003 [capturado em 24 maio
existe um total comprometimento da alta administra- 2011]. Disponível em: http://www.inca .gov.br/tabagismo/frameset.
ção com a saúde e a qualidade de vida de todos. Tam- asp?item= programa&link=introdueao.htm.
bém se recomenda divulgar, por meio de sinalização, 3. Reichert J, AraújoN de, Gonçalves CMC, Godoy I, Chatkin JM,
cartazes e materiais impressos, em locais estratégicos, Sales MPU, et al. Diretrizes da SBPT: diretrizes para cessação do
sobre a polftica institucional para controle do tabagis- tabagismo - 2008. J Bras Pneumol. 2008;34(10):845-80.
mo. Deve ser estimulada a promoção de palestras e
encontros periódicos para divulgação de informações 4. ACf: Aliança de Controle do Tabagismo [Internet]. São Paulo: ACf;
2011 [capturado em 24 maio 2011). Disponível em: www.actbr.org.br.
sobre promoção de saúde e prevenção de doenças.
S. Correa da Silva LC. Controle do tabllgismo. Revista da AMRIGS
(Internet). 2010 [capturado em 24 maio 2011];54(1):110..1. Disponí· todas as informações e estratégias necessárias para
velem: http://www.amrigs.eom.br/ revista/S4·01!23·eontrole_do_ta· d irecionar seus esforços neste sentido. Programas de
bsessao_fumo _zcro.pdf. tratamento do tabagismo também são oferecidos
6. Hughcs JR. Tobacco trcatmcnt specialists: a ncw profcssion. J para a comunidade externa.
Smoking Ccssation. 2007;2(2 Supp1):2-7.

As ações desenvolvidas neste período envolvem:

Dll • Q uestionário sobre tabagismo aplicado em outubro de


2007 aos 5.410 funcionários: 4.355 (80%) responderam,
Programa de Controle do Tabagismo sendo que 528 destes (12%) declararam ser fumantes.
da Irmandade da Santa Casa de • Três programas de tratamento em andamento:
• Programa interno, oferecido para os funcionários fu ·
Misericórdia de Porto AI re mantes e familiares
• Programa para pacientes privados e de convênios (no
luizCarlos Corrêa da Silva Pavilhão Pereira Filho)
Mavis Klaus lnhaquites • Programa para pacientes atendidos pelo Sistema Úni·
RuteMerlo Somensi co de Saúde (SUS) na Santa Casa
Vera Lúcia Fauri • Reuniões semanais da comissão do PCf-ISCMPA.
Robério João lersch • Palestras mensais dir igidas à comunidade interna para
Zahara Albornoz integração com as diversas especialidades, aproveitando
oportunidades e datas emblemáticas e, também, à comu-
nidade externa para divulgação e incentivo à cessação do
tabagismo.
Exemplo de caso de um hospital • Ações comunitárias nas datas alusivas (31 de maio - Dia
O Programa de Controle do Tabagismo da Irmandade da San· Mundial sem Thbaco, e 29 de agosto - Dia Nacional de
ta Casa de Misericórdia de Porto Alegre {PCT-ISCMPA) teve Combate ao Fumo).
inicio oficialmente em julho de '1JXJ7, sendo nomeada pela di- • Panicipação em eventos e congressos sobre tabagismo,
reção executiva da instituição uma comissão de representantes com palestras e posters (Sociedade Brasileira de Pneu-
para planejar e desenvolver as ações necessárias ao programa. mologia e Tisiologia - SBPT, PneumoSul e outros).
O PCf-ISCMPA tem por objetivo a restrição e progres- • inserções na mfdia externa: comunicações para a comu-
siva eliminação do tabagismo dentro das dependências da nidade em geral por meio de palestras, artigos e entrevis-
instituição. tas veiculados por jornais, rádio e televisão.
A po pulação-alvo consiste em pacientes, familiares, • Treinamento dos vigilantes da saúde -gru po de cola·
acompanhantes, visitantes e, muito particularmente, os pro- boradores voluntários que vai acolher e aconselhar as
fissionais. A política prevê q ue a instituição seja 100% livre pessoas fumantes dentro da Santa Casa, sobre tabagis·
do tabaco. mo.
• Sinalização em locais estratégicos da instituição para co-
municar a proibição de fumar dentro dos limites do hos-
pital, em qualquer setor, inclusive nas praças e recantos
OPrograma de Controle do Tabagismo da ISCMPA externos.
prevê: • Lançamento oficial da ação "Santa Casa 100% Livre do
-+ Fase 1: Proteção do tabagismo passivo - promoç~ Thbaco" em 30 de março de 2010.
de ambiente livre da fumaça do tabaco, desde 2007, • Dentre os primeiros resultados deste programa, destaca-
envolvendo ações de conscientização e normaliza· ·se o seguinte:
ç!o pela instituição pa ra que os colaboradores nAo • Um questionário most rou que a prevalência do taba·
fumem dentro dos limites da instituiçAo, durante sua gismo entre os colaboradores da instituição baixou de
jornada de trabalho.
12% (2007) para 9% (2009), e 6,9% (2010). A meta
-+ Fase 11: Prevenção - implantada em 2008, com ações
é reduzir a prevalência de 1 a 2% ao ano, para o que
educativas em que se demonstra o s prejufzos do ta·
bagismo para os jovens, estabelecendo-se um mode- deverão parar de fumar 50 a 100 fumantes a cada ano.
lo a partir do exemplo. Como resultado, até 2020, restarão poucos fumantes
-+ Fase 111: Tratamento - implantada em 2008, com ên- na i SCMPA.
fase na terapia cognitivo-comportamental, ajudando • O índice de cessação do tabagismo para os pacientes
os colaboradores a deixar de fumar, fornecendo-lhes incluídos nos três programas de tratamento é de 50
a60%.
• O número de pessoas fumando nos locais abertos
da ISCMPA reduziu significativamente, haja vista a [I] ATENÇÃO
redução da quantidade de bitucas nas lixeiras e no
chão. O principal objetivo do programa é a implantaçAo de
• Muitas pessoas têm demonstrado interesse por levar uma polltica institucional para controle do tabagis-
infonnação para familiares e amigos, particularmente mo, fato especialmente importante por ser esta uma
sobre o costume de não fumar em ambientes fecha- instit uição tocada na área da saúde. Os acadêmicos
dos e a necessidade de parar de fumar. e os profissionais da saúde devem constituir-se em
• Há um nítido e crescente envolvimento das pessoas exemplo para a comunidade.
com as questões da promoção da saúde e prevenção
das doenças.
• A Santa Casa é cada vez mais reconhecida, externa- Os objetivos do PCf-UFCSPA seguem a linha recomen-
mente, como uma instituição intensamente envolvida dada pela Organização Mundial de Saúde (OMS): pmtellfdO
com a saúde da população. da iniciação ao tabagismo, proução dos não fumantes da fu-
maça ambiental do tabaco e cessação do tabagismo. Para que
tais objetivos sejam atingidos, elaboraram-se algumas ações
Os colaboradores podem ajudar de várias com metas a serem atingidas.

maneiras:
-+ N6o fumar dentro do hospital. Ação 1: Avaliação do problema tabagismo na
-+ Incentivar seus colegas e subordinados a nlo fuma- instituição por meio de questionário elaborado
rem dentro do hospital e a participarem das ações
propostas pelo PCT-ISCMPA. pela comissão
-+ Incentivar seus subordinados e colegas a participa- Essa ação visa diagnosticar a doe nça tabagismo entre os
rem do g rupo de vigilantes da saúde. acadêmicos, professores e funcionários da instituição, bem
-+ Ao perceber alguém fumando, abo rdar a pessoa, como avaliar o posicionamento da comunidade frente à im-
com respeito. mas com firmeza. plantação do programa. Os alunos integrantes da comissão,
-+ Ao sentir-se sem cond ições de fner a abordagem, assim como outros alunos colaboradores, realizaram a coleta
avisar um vigilante da saúde. dos questionários em toda a comunidade acadêmica {alunos
-+ Se souber de algum colega que fuma dentro do hos- de todos os cursos, de todas as séries e professores) e quadro
pital, repetidamente, o fato precisa ser comunicado de funcionários da instituição (contratados e terceirizados),
~ seus superiores.
totalizando cerca de 1.500 pessoas. O questionário foi ela-
-+ Incorporar esta nova maneira de ser e de viver pro- borado pela comissão e apresenta questões para fumantes
posta pelo PCT-ISCMPA que vai transformar a Sa nta e não fumantes referentes a sexo, curso, renda, Lei Federal
Casa de Porto Alegre em um modelo também de cos-
9.294/96 so bre proibição do fumo em ambientes fechados,
tumes e práticas internas de seus colaboradores!
experimentação do tabaco, proibição de fumar dentro da
universidade, tentativas de cessação para os fumantes, im-
portância de um programa de tratamento facilitado pela
UFCSPA, entre outras. Atualmente, os questionários aplica-
dos estão sendo submetidos à análise estatística.
Em
Programa de Controle do Tabagismo Ação 2: Alinhamento da UFCSPA com a legislação
da Universidade Federal de Ciências (Lei Federal nR9.294/96)
O objetivo dessa ação é implantar nos prédios da UFCSPA
da Saúde de Porto Alegre placas sinalizando a proposta ·~bientes sem Fumaça de Ta-
baco" (proibição de fumar em ambientes fechados - a partir
Aline Dal Pozzo Antunes da entrada principal da universidade). As placas de advertên-
LuizCarlos Corrêa da Silva cia ("Neste local não se fuma" ou "Proibido fumar") foram
colocadas em diversos locais da instituição, como entrada, ca-
feteria, salas de aula, corredores, biblioteca, banheiros e, prin-
Exemplo de caso de uma universidade cipalmente, na área aberta da universidade (estacionamento),
a começar pelos aoessos externos, sinalizando que a UFCSPA
O PCT-UFCSPA foi instituído em janeiro de 2009, a pedido é livre do consumo de tabaco. Os locais foram estrategica-
da reitora da universidade, visando melhorar o convívio e mente definidos pela comissão e pela prefeitura da UFCSPA
a qualidade de vida das pessoas no âmbito universitário. A Além da sinalização por placas, houve um treinamento,
comissão responsável é formada por alunos, professores e realizado por uma psicóloga especialista no assunto, de um
funcionários da instituição. grupo de funcionários, os "vigilantes da saúde" . O papel des-
ses vigilantes é o de fiscalizar o cumprimento da proposta de Futuramente, a universidade atuará em campanhas nas
ambiente sem fumaça de tabaco, sendo que eles funcionam datas emblemáticas, como no Dia Mundial sem Thbaco (31
também como educadores dentro da comunidade acadêmica. de maio) e no Dia Nacional de Combate ao Fumo (29 de
agosto), com atividades realizadas em ambientes públicos
como parques e shopping centers. Nessas datas, deverão
Ação 3: Inclusão de módulo sobre tabagismo no ocorrer diversas ações que poderão ser realizadas em parce-
programa de ensino (PDCI) ria com outras iniciativas em prol do controle do tabagismo.
O módulo sobre tabagismo objetiva preparar os acadêmicos A dinâmica dessas atividades será a mesma da realizada nas
para melhor atuação na prevenção de doenças relacionadas feiras de saúde.
com o tabaco e apresenta conteúdos diversificados sobre a
doença tabagismo, em todas as suas dimensões, integrando
disciplinas do curso de medicina (pneumologia, psiquiatria,
Ação 5: Criação de espaço no site da UFCSPA
Trata-se de ação ainda em planejamento, com o intuito de
cardiologia, cancerologia, dermatologia, cirurgia plástica,
entre outras) e os diversos cursos da saúde. Nesse módulo, facilitar a comunicação da comunidade acadêmica com o
PCf-UFCSPA O espaço conterá informações da comissão
cuja implementação foi realizada em 2010, também foram
do PCf-UFCSPA, links com outras instituições e informa-
discutidas questões polltieas, jurídicas e sociais. O seu maior
objetivo é preparar os acadêmicos da área da saúde para ções relacionadas com o tema tabagismo.
atuarem não apenas como educadores, mas também como
profissionais capazes de controlar a epidemia do tabagismo. Ação 6: Realização de reavaliação periódica
A reavaliação periódica das ações propostas pelo Per-
Ação 4: Realização de intervenções externas (na -UFCSPA é fundamental para identificar ajustes necessários
no programa. Entre as estratégias de reavaliação estão a
comunidade) aplicação anual do questionário para acompanhamento do
Essa ação foi desenvolvida junto às feiras de saúde, promo- setor acadêmico e reuniões quinzenais da comissão para re-
vidas mensalmente pela universidade em diferentes escolas visão dos conteúdos do módulo de tabagismo do PDCI e dos
da cidade de Porto Alegre (RS), objetivando divulgar para outros setores.
a comunidade informações sobre tabagismo ativo e passivo
por meio de material informativo. Para realiz.ar essa ação,

~ ATENÇÃO
foi criada a banca de tabagismo que, além de desenvolver as
atividades mencionadas, realizou a intervenção breve com
a população frequentadora das feiras. A intervenção breve
baseia-se em uma ent.revista com o individuo com o obje- Embora o PCT-UFCSPA ainda se encontre em fase de
tivo não somente de informar sobre os benefícios de cessar implementaç.\o, pode-,se observar que teve boa acei-
o tabagismo, mas, principalmente, de estimulá-lo para tal. tação por parte de professores, funcionA rios e acad~
Para tanto, foi elaborado um pequeno manual de interven- micos, visto entenderem que tal programa é impor-
ção breve que foi distribuído à população. Além disso, um tante não apenas para a formaç.\o dos acadêmicos,
pneumologista realizou espirometria e monoximetria, com o mas também para o aprimoramento dos profissio·
objetivo de verificar a função pulmonar dos indivíduos bem nais da saúde e para a educaçlio dos fundonários de
como apresentar dados para eles, como forma objetiva de urna universidade da saúde.
motivá-los sobre a importância de cessar o tabagismo.
Gilberto Bueno Fischer
34
QUADRO 34.1 ~ Efeitos adversos do tabagismo na gestação sobre
Introdução o feto e o recém-nascido
O saudoso mestre José Rosemberg já chamava a atenção
para o fato de que o tabagismo é uma doença pedidtrica. En-
tretanto, até o momento, a pediatria ainda não se apropriou ~tt~oa:~,m.a··
adequadamente desse tema. Estima-se que em torno de 80 a
90% dos fumantes adultos tiveram sua iniciação no tabagis- Aborto espontâneo 1,0·1,8 Sim
mo antes dos 18 anos. Vários fatores influenciam essa inicia-
ção: pais fumantes, amigos pr6Jcimos fumantes, fácil acesso Descolamento de placenta 1,4·2.4 Sim
ao cigarro, insegurança do adolescente, entre outros. Neste Placenta prévia 1,5·3,0 Ignorado
capitulo são discutidos alguns aspectos pertinentes à crian-
ça e ao adolescente, destacando o que o pediatra deve fazer Fetos ~uenos para a idad~ 1,5·2,9 Sim
para melhor abordar esse assunto. gestadonal

Parto prematuro 1,2· 1,6 Sim

Tabagismo na gestação Natimortos 1,3·1,8 Sim


Mudanças favoráveis na mortalidade e na morbidade do Mortalidade neonatal 1,2·1.4 Ignorado
período neonatal têm sido ressaltadas nas últimas déca-
das. Melhores equipamentos, assistência nconatal médica e Fonte: Adaptado de Vogt.'
de enfermagem e melhoria na atenção no pré-natal têm se
destacado como fatores que influenciam positivamente es-
sas mudanças. Entretanto, alguns fatores não têm tido uma Apesar do conhecimento difundido sobre esses efeitos,
ação preventiva e terapêutica suficiente para resultar em as ações preventivas não têm sido suficientes até o momento.
melhorias. Dentre eles, destacam•se a prevalência do taba- Se o pediatra já atua no pré-natal orientando diversos aspec-
gismo matemo na gestação e suas consequências no recém- tos preventivos para a saúde da futura criança, sua ação em
-nascido. relação ao tabagismo, em conjunto com o obstetra, precisa
Sabe-se que o feto e o recém-nascido podem ter diversos ser mais intensa c produtiva. Se a informação sobre esses ris-
efeitos negativos em sua saúde se a mãe fumar ou for expos- cos forem mais disseminadas e se as gestantes tiverem acesso
ta ao fumo ambiental (QUADRO 34.1). a ações terapêuticas, a chance de redução de riscos aumenta.
Deve-se salientar, também, que pode haver efeito sobre Os estudos apontam para aumento do número de infecções
a amamentação e a qualidade do leite matemo. Há evidên- respiratórias (pneumonia, bronquite, otites, sinusites), que
cias de que os níveis de prolactina podem ser reduzidos em são as mais estudadas. Sobre os quadros respiratórios ma-
nutrizes fumantes, com consequente redução da produção nifestados por sibilância e tosse, os estudos são conclusivos,
láctea e alteração no odor e sabor do leite, o que também dispondo-se de grande número deles. Crianças asmáticas
tende a reduzir o sucesso da amamentação.' apresentam maior número de exacerbações quando expostas
ao tabaco (QUADRO 34.2).

Exposição à fumaça ambiental de tabaco


Desde que se começou a relacionar o tabagismo passivo e
Tabagismo e adolescência
seus efeitos na criança, inúmeras publicações têm ressalta- Como já foi citado, na maioria dos casos é na adolescência
do essa associação causal. A prevalência do fumo passivo é que ocorre a iniciação ao tabagismo. Tal decisão (início do
variável em diversas regiões do mundo com características tabagismo) tem nessa idade o seu efeito máximo. Em levan-
próprias. Em estudo epidemiológico em Pelotas (RS), Al- tamento conduzido no Brasil, a prevalência de tabagismo
bernaz e colaboradores constataram que 33% dos lactentes em escolares foi alta, com destaque (negativo) para a maior
menores de seis meses eram expostos ao tabaco ambien- prevalência em meninas.' Grupos de amigos fumantes favo-
tal.2 Prietsch, em Rio Grande (RS), encontrou exposição recem essa decisão. Como se sabe, atualmente muitos desses
de 63% em crianças menores de cinco anos com doença adolescentes apresentam maior risco de ficarem dependen-
respiratória.3 tes dos produtos do cigarro a partir de então. O que contras-
Em relação à importância do tabagismo passivo em ta com esse fato de maior risco à iniciação nesse grupo etário
crianças, alguns aspectos devem ser destacados: há maior é que faltam consensos adequados no manejo do tabagismo
impacto na saúde em comparação com adultos, a criança é no adolescente.
mais suscetível por ser um indivíduo em desenvolvimento, Sabe-se que atitudes preventivas podem reduzir a possi-
ela é indefesa pois tem exposição forçada e precoce (mui- bilidade de iniciação, mas ações específicas para adolescen-
tas vezes desde a gestação), e o efeito é continuo e cumu- tes são esparsas na literatura. Não há estudos que definam
lativo. o uso seguro de medicamentos antitabágicos (bupropiona,
vareniclina), exceto a aplicação de adesivos de nicotina e
gomas de mascar. As técnicas cognitivo-comportamentais
têm sido indicadas nesse grupo etário. Alguns estudos têm
Tabagismo passivo e doença respiratória buscado alternativas específicas, como grupos de adolescen-
na criança tes, uso de monitores ex-fumantes que fazem acompanha-
mento por telefone e em sessões presenciais, entre outras.
A exposição ao tabaco durante a gestação já pode influen- Segundo uma metanálise, os métodos que incluem aborda-
ciar o desenvolvimento pulmonar por determinar menor ca- gens em grupos sociais, com base em escola e que incluem
libre das vias aéreas, o que é um fator de risco para a maior orientações em aulas específicas para esse grupo etário têm
frequência de doenças respiratórias nos primeiros anos de o melhor resultado. a
vida. Alguns estudos apontam inclusive que o tabagismo na
gestação é fator independente de maior risco para doenças
respiratórias na criança quando comparado à exposição pós-
-natal. Se essa exposição continuar durante o primeiro ano Opapel do pediatra
de vida, os efeitos deletérios se acumulam. Apesar das inúmeras evidências disponíveis que indicam o
Diversos trabalhos têm comprovado esse fato, com
grupo etário pediátrico como o mais sensível para interven-
destaque para os estudos longitudinais. Em um dos mais ções preventivas, essas ações têm sido negligenciadas em pe-
destacados na avaliação de riscos para desenvolvimento
de doenças respiratórias, observou-se que o tabagismo
materno aumenta em 2,3 vezes o risco de asma clinica-
mente comprovada nos anos subsequentes.' Uma metaná- QUADRO 34.2 ~ Efeitos do tabagismo passivo no aparelho respi·
lise com revisão de 30 estudos determinou que 26 deles ratório da criança
demonstraram aumento significativo de risco para doen-
ças respiratórias em crianças expostas a fumo passivo (pai - Aumento de infecções respiratórias (pneumonia, bronquiolite)
ou mãe) com uma média de risco de 1,5.' Em um estudo - Aumento de crises de sibilância
- Maior número de episõdios de otite média
de coorte, na Alemanha, observou-se que o risco de asma
- Maior descontrole de asma
aumentava ainda mais se o indivíduo era exposto à fumaça
- Maior número de quadros de bronquite
de tabaco e tinha atopia.6 - Maior número de visitas em S<lla de emergência e internações por
Há vários estudos que evidenciam alterações cognitivas asma
em crianças expostas ao tabaco em seu ambiente. Entretan- - Maior frequência de apneia
to, é no sistema respiratório que o efeito fica mais evidente. - Maior risco de morte súbita
diatria. Em um estudo que demonstra de maneira clara essa 3. Prietsch SOM, Fischcr GB, Ccsar JA, Fabris AR, Mehanna H,
atitude, foi evidenciado que, nos diversos níveis (emergên- Ferreira THP, ct ai. Doença aguda das vias aéreas inferiores em me-
cia, consultório, internação), muitos dos pediatras, no máxi- nores de einco anos: influência do ambiente doméstico e do tabagis-
mo, expõem brevemente os perigos do cigarro para a saúde mo matemo. J Pcdiatr (RioJ). 2002;78(5):415-22.
da criança.9 Eles perdem a oportunidade de dar informações 4. Stcin RT, Holberg CJ, Shcrrill D, Wright AL, Morgan WJ, 1àus-
mais completas direcionadas para obter resultados em pais sig L, et ai. lnfluenec of parenta! smoking on respiratory symptoms
que poderiam, a partir da doença da criança, agir no sentido during thc first dccadc of lifc: lhe Thcson Childrcn's Rcspiratory
da cessação do tabagismo. Study. Am J Epidcmiol. 1999;149(11):1030-7.
Idealmente, o pediatra deveria ter melhores noções so- 5. Li JS, Peat JK, Xuan W, Bcrry G. Meta-analysis on lhe assoeiation
bre como determinar "a fase comportamental do fumante" bctwccn environmcntal tobaceo smoke (ETS) cxposurc and the prc-
e sobre como avaliar "seu grau de dependência da nicoti- valcnec of lowcr respiratory tract infection in early childhood. Ped
na". Thmbém seria desejável que o pediatra tivesse noção de Pulmonol. 1999;27(1):5-13.
estratégias objetivas de cessação do tabagismo, fatores de
6. Genuneit J, Weinmayr G, Radon K, Dressel H , Windstetter
sucesso e de insucesso. Tendo esses conhecimentos, poderia
D, Rzehak P, et ai. Smoking and the incidencc of asthma during
ajudar com material escrito, informações e encaminhamen-
adolcseencc: result of a large cohort study in Germany. Thorax.
tos. Para aquele pediatra mais interessado, seria desejável 2006;61(7):5~8.
que estivesse capacitado, inclusive, a iniciar esse tratamento
quando o encaminhamento não fosse disponível a curto pra- 7. Brasil. Ministério da Saúde. Instituto Nacional de Cãnecr. Viges-
zo. A ação do pediatra no tabagismo do adolescente poderia cola: vigilância de tabagismo em escolares (Internet]. Rio de Janei-
ser feita em ambiente de atenção a esse grupo etário.'" As ro: INCA; c1996-2001 (capturado em 17 maio 2011). Disponível em:
http://www.inca.gov.br/Vigeseola/.
escolas médicas ainda não se integraram adequadamente
nas ações objetivas para melhor preparar seus egressos em 8. Sussman S, Sun P, Dent CW. A meta-analysis of tccn eigarette
relação ao tabagismo.'' smoking ecssation. Health Psychol. 2006;25(5):549-57.
9. Collins BN, Levin KP, Bryant-Stephens T. Pediatricians' practi-
ces and altitudes about environmcntal tobaceo smoke and parenta!
' ) 1 ATENÇÃO smoking, 1 Pediatr. 2007;150(5):547-52.
10. Pbert L, Flint AJ, Fletcber KE, Young MH, Druker S, DiFranza
O pediatra deve ser preparado na sua carreira de JR. Effcct of a pediatric practiec-based smoking prcvention and ces-
formação médica e na sua especialização a entender sation intcrvention for adolesecnts: a randomized controlled trial.
profundamente o tabagismo, seus efeitos negativos Pediatrics. 2008;121(4):e738-47.
e a forma de tratá-lo. Pelo menos, deve estar treina-
11. Chatkin J, Chatkin G. Learning about smoking during medicai
do para uma intervenção breve e, sempre que neces- school: are we still missing opportunities? lnt J Thberc Lung Ois.
sário, deve proceder a um encaminhamento adequa- 2009;13(4):429-37.
do. É necessário que as sociedades médicas, no caso
as de pediatria e pneumologia, junto com as escolas
médicas, unam esforços para preencher essa lacuna
na formação pediátrica. Leituras recomendadas
Lotufo JPB. Thbagismo: uma doença pediátrica. São Paulo: Sarvier;
2007.
Viegas CAA. Thbagismo: do diagnóstico à saúde pública. São Paulo:
Referências Atheneu; 2007.
1. Vogt MFB. Thbagismo e gestação. In: Viegas CAA. Thbagismo:
do diagnóstico à saúde pública. São Paulo: Athcncu; 2007. p. 140-7.
2. Albernaz EP, Menezes AMB, César JA, Victora CG, Barros Site recomendado
FC, Halpern R. Fatores de risco associados à hospitalização por Campaign forTobaceo-Frcc Kids [internet). Washington: Campaign
bronquiolite aguda no período pós-neonatal. Rcv Saúde Pública. for Tobacco-Free Kids; e2011 [capturado em 17 maio 2011]. Dispo-
2003;37(4):485-93. nível em: www.tobaceofreckids.org.
Tabagismo
Passivo e
Ambiente 100°/o
Livre de Tabaco
LuizCarlos Corrêada Silva
35
Aline Dal Pozza Antunes

Portanto, respirar em ambiente fechado onde alguém es-


Introdução teja fumando significa estar inalando substâncias tóxicas,
A fumaça ambiental do tabaco (FAT) é um problema tão isto é, estar fumando mesmo sem ter a iniciativa de o estar
significativo para a saúde e ainda tão negligenciado pelas fazendo.
pessoas, nas suas diversas situações de convívio, e também Fumantes passivos, após quatro horas de exposição con-
pelos setores responsáveis, públicos ou privados, técnicos e tínua, podem absorver a mesma quantidade de substâncias
pollticos, que merece uma reflexão mais profunda e rigorosa tóxicas que absorveriam se fumassem cinco cigarros ativa·
3
sobre o papel de cada um neste tema. Fumar em ambientes mente.
fechados traduz um total desconhecimento das informações Uma das substâncias contidas na fumaça de cigarros é o
disponíveis e um desrespeito aos direitos de cidadania. monóxido de carbono (CO), gás tóxico que se liga firmemen-
Neste capítulo, chama-se a atenção para as impurezas te à hemoglobina e interfere no transporte do oxigênio no
que a queima do fumo acrescenta ao ar dos ambientes, par- organismo. O ar atmosférico normal pode conter até 9 ppm
ticularmente dos espaços fechados, suas consequências para (partículas por milhão) de CO. No ar do ambiente fechado,
a saúde humana, e como se pode intervir para eviw, ou pelo um fumante pode facilmente liberar CO suficiente para atin·
menos reduzir, a exposição das pessoas à FAT.
1 gir 100 a 200 ppm.

Composição da fumaça ambiental do Consequências do tabagismo passivo


O tabagismo passivo é responsável por problemas imediatos,
tabaco como irritação nos olhos, sintomas nasais, tosse, ccfaleia e
A combustão do fumo libera mais de 4.700 substâncias quí- aumento de problemas alérgicos e cardíacos, sendo o pior
micas, a maioria das quais de alta toxicidade para o ser hu- destes o infarto agudo do miocárdio, e tardios, que podem
mano (QUADRO 35.1). A fumaça segue dois trajetos: a cor- até ser fatais, como câncer de pulmão e enfisema pulmonar,
rente principal (a fumaça que transita dentro do cigarro c é doenças cardíacas e dificuldades cognitivas, entre outrOs
aspirada pelo fumante) e a corrente secundária (a fumaça (QUADRO 35.2).3
que vai diretamente para o ar ambiente). Esta 61tima con· A poluição tabágica ambiental causa mais mortes do
tém maior quantidade de substâncias tóxicas que a própria que as outras formas de poluição do ar e a radiação jun-
corrente principal: 2 quatro vezes mais monóxido de carbo- tas. Mata mais do que acidentes de trânsito, armas de fogo,
no, duas vezes mais nicotina, cinco vezes mais benzopireno, síndrome da imunodcficiência adquirida (AIDS) e drogas
52 vezes mais dimetilnitrosarnina e 73 vezes mais amônia. ilicitas. O risco relativo de câncer de pulmão é aumentado
QUADRO 35.1 ~ Substâncias, características e consequências da fumaça ambiental do tabaco

Gases tóxicos

- Monóxido de Gás tóxico. Liga-se à hemoglobina com afinidade 250 vezes maior do que o 0 1, dificultando seu transporte no organismo.
carbono (CO) Fumar 20 cigarro!/dia aumenta o CO em 5 a 10 vezes.

- Alcatrão Causa doenças graves como câncer e enfisema pulmonar.

- Amônia Causa lesões em nariz, olhos e vias aéreas.


Auxilia na vaporização mais rápida da nicotina durante a queima do cigarro, além de favorecer o depósito pulmonar. Isso
acelera a chegada da nicotina ao cérebro, levando a sensações imediatas.

- Cianeto Carcinogênico. Inalado em pequenas quantidades, pode levar a tonturas, dores de cabeça, náuseas e vômitos.

- Butano Gás tóxico, inflamável, utilizado como gás de cozinha.


Sua inalação gera problemas respiratórios, visuais e coriza.

- Cetonas Entorpecente e inflamável. A inalação de pequenas quantidades causa tonturas e cefaleia; em grandes quantidades, pode
ser fatal.

- Terebintina Diluente de tintas a óleo. Provoca irritação nos olhos, vertigem, desmaios e lesões no sistema nervoso.

- Xileno Inflamável e cancerígeno. Provoca irritação dos olhos, tontura, cefaleia e até perda de consciência.

- Ácido levulínico Torna as vias aéreas superiores menos sensiveis ao fumo, levando a tragadas mais profundas e maior absorção da nicotina.

Hidrocarbonetos aromáticos náo cancerígenos

- Tolueno Gás tóxico. Ao ser inalado, deposita-se no tecido adiposo. Ocasiona depressão do sistema nervoso central, cefaleia,
inapetência, alterações menstruais.

Hidrocarbonetos aromáticos cancerígenos

- Benzopireno É um dos carcinogênicos mais potentes dentre todos os conhecidos.

Metais tóxicos

- Arsênico Tóxico. Ocasiona lesões ao ser armazenado em fígado, rins, coração, pulmões, ossos e dentes.

- Cádmio Metal pesado, tóxico e cancerígeno. Provoca lesões em órgãos como fígado, rins, pulmões e cérebro. Pode causar câncer
de pulmão e de próstata, rins e estômago. Pode permanecer no corpo por até 30 anos.

Alcaloides

- Nicotina Causa dependência e vasoconstrição.

em mais de três vezes, como se demonstrou no pioneiro tra· Segundo o Ministério da Saúde,5'6 a cada dia morrem
4
balho de Hirayama. sete brasileiros como consequência do tabagismo passivo,
totalizando mais de 2.600 mortes por ano.
Como o tabagismo passivo pode causar os mesmos danos
~ATENÇÃO que o ativo, deve-se fazer uma reflexão sobre os pacientes
com doença pulmonar, cardíaca ou câncer de pulmão que
referem "nunca ter fumado", mas foram fumantes passivos
A fumaça ambiental do tabaco, geradora do tabagis·
nas décadas passadas, fato que passou despercebido e hoje
mo passivo, pode causar os mesmos problemas que
ainda continua sendo subvalorizado. Assim, explicar-se-ia o
o tabagismo ativo, dependendo das diversas variá·
contingente de 10 a 20% de pacientes portadores dessas gra-
veis envolvidas, sendo mais importantes a suscetibi·
ves doenças que, embora refiram nunca ter fumado na vida,
Iidade individual. o inóculo (quantidade de fumaça
foram legítimas vitimas da FAT.
e tempo de exposição), as dimensões do ambiente
A associação entre exposição à FAT e sintomas respira·
da exposição e os mecanismos de depuração do ar
tórios foi estudada, na Suíça, em uma amostra de 4.197 adul-
ambiente.
tos nunca fumantes,7 encontrando-se associação com risco
QUADRO 35.2 -+ Consequências do tabagismo passivo' informações sobre riscos não são incluídas adequadamente
nos programas de saúde pré-natal ou não são incorporadas
Efeitos imediatos do tabagismo passivo por profissionais e pacientes. Considera-se papel primordial
- Irritação nos olhos, garganta e nariz (espirros, congestão nasal) do gineco-obstetra chamar a atenção sobre este assunto com
- Náuseas suas pacientes e acompanhar o processo da solução do pro-
- Tosse e cefaleia blema quando for o caso.
- Aumento de problemas alérgicos e cardíacos As consequências danosas para o feto são causadas por
Efeitos não imediatos mais graves do tabagismo passivo diversos fatores, entre os quais o efeito da hipoxemia, que
- Adultos fumantes passivos têm mais ocorre pela vasoconstrição dos vasos umbilicais e pela eleva-
- Câncer de pulmão ção da taxa de carboxiemoglobina, e a toxicidade do cádmio
- Doenças cardiovasculares à placenta.
- Doença das pequenas vias aéreas, com redução do VEF, O tabagismo materno, especialmente durante o terceiro
- Crianças fumantes passivas têm mais trimestre da gravidez, pode causar apoeias do sono obstruti-
- Morte súbita do recém·nascido vas, prejuízo da função pulmonar e menores escores do quo-
- Pneumonia
- Bronquite, asma ciente de inteligência (QI).
- Dificuldades de aprendizado
- Problemas comportamentais
- Baixo peso ao nascer Dados atuais sobre as consequências dotabagismo
- Sintomas respiratórios crônicos
- Doença do ouvido médio materno
-+ fumar durante a gestação e na fase de amamentação
VEf, = volume expirat6rio forçado no primeiro segundo. tem efeitos danosos na saúde fetal e na fase inicial de
desenvolvimento do lactente.
-+ Mães que fumam aumentam riscos para seus filhos
não apenas para abortamento, descolamento prema-
elevado para sibilância (RC=1,94), sintomas de bronquite turo da placenta e baixo peso ao nascer. mas tam-
(RC= 1,65), dispneia (RC= 1,45) e asma (RC = 1,39). bém para malformações (lábio leporino, fissura pa-
latina, defeitos em membros, etc.) e, provavelmente,
para síndrome de Down.
7 Nos primeiros meses de vida, muitos lactentes morrem
Tabagismo na gravidez devido à "slndrome da morte súbita do lactente", uma
Fumar na gravidez pode causar danos ao embrião, ao feto, à condição associada ao tabagismo materno (tabagismo
criança na etapa pós-natal e mesmo em fases posteriores da passivo intra e extrauterino).
vida. Quando os riscos associados ao tabagismo são compara-
dos com outros riscos no período perinatal, os efeitos danosos
do tabaco superam todos os outros fatores (QUADRO 35.3).
Embora hoje se considere inadmissível que a mulher Otabagismo passivo e a criança
fume, ativa ou passivamente, durante a gestação, ainda 20
a 30% das gestantes continuam fumando.8 Parece que as Estima-se que, em nível mundial, de cada duas crianças, uma
é exposta à FAT, o que equivale a 700 milhões de crianças fu-
mantes passivas. 1àl exposição, como se esperaria, acontece
principalmente no ambiente familiar.
QUADRO 35.3 -+ Consequências do tabagismo passivo para o feto A exposição ambiental ao tabagismo leva a inúmeros
e a criança, quando a mãe fuma durante a gravidez'·' prejuízos para as crianças, citando-se redução da função pul-
monar, aumento da frequência de infecções respiratórias e
- Maior chance de abortamento de exacerbações da asma.
- Maior chance de parto prematuro Para mais detalhes sobre o impacto do tabagismo passivo
- Diminuição do peso ao nascer na criança, ver Capítulo "O Papel do Pediatra no Controle
- Gravidez tubária do Tabagismo".
- Morte súbita do recém· nascido
- Risco de apneias do sono obstrutivas*
- Prejuízo da função pulmonar*
- Menores escores de Ql* Como evitar o tabagismo passivo
- Infecções respiratórias
- Aumento da frequência, da gravidade e do número de (proteção)
exacerbações de asma
Existe uma ampla legislação que proíbe fumar em am-
- Otite média
- Distúrbios de comportamento e desenvolvimento neurológico bientes fechados, públicos ou privados, salvo nos recintos
apropriados que tenham amplitude, ventilação e separa-
' Espe<ialmentt ~o tobbgismo passivo ocorrer no terceiro trimestrt da gestação. ções físicas adequadas. A permissão de fumar em quais-
quer espaços fechados, mesmo que fisicamente separados
de outros ambientes, sabe-se hoje ser inadequada, embo- Resultados da proibição de fumar em
ra isso ainda seja permitido pelas leis antigas que estão ambientes fechados
defasadas em relação ao recomendado pela Convenção
Quadro.' Lightwood e Glantz chamaram a atenção para o fato de que
Estudos de meteorologistas mostraram que a depura- a frequência de eventos miocárdicos agudos, em países como
ção do ar ambiente é pouco eficiente quando se trata de a Irlanda do Norte, reduziu 30% após a implantação das leis
FAT. Em nosso meio, Seelig e colaboradores avaliaram a que proibiram fumar em ambientes fecbados. 13
influência da ventilação na qualidade do ar de ambientes Ficbtenberg e Glantz verificaram que a implantação de
fechados expostos à FAl; utilizando um modelo de escoa- ambientes livres da fumaça de tabaco em locais de trabalho
mento de ar em prédios e um modelo de concentração de não apenas protege os não fumantes dos danos do tabagismo
poluentes originados no ato de fumar. Constataram que passivo, mas também encoraja os fumantes para a cessação
mesmo altas taxas de ventilação não reduzem suficiente- ou para a redução do consumo.••
mente a concentração dos poluentes, sendo necessário um
deslocamento de ar da ordem de mil quilômetros por hora
para uma depuração adequada. Portanto, sistemas de ven- Não fumar em ambientes fechados beneficia a
tilação não solucionam o problema da FAT em ambientes todos
fechados e a proibição do fumo nestas condições é a única -+ Os nâo fumantes sâo protegidos do tabagismo pas·
solução.10 sivo.
A atitude recomendada aos não fumantes é que preser· -+ Os fumantes passam a fumar menos e sâo motivados
vem seu ar ambiente sempre. Em casa, não tenham cinzei- para a cessaçAo.
ros, e de maneira alguma permitam que alguém fume. No -+ Os jovens sâo influenciados positivamente por esta
trabalho, exijam o cumprimento da Lei n• 9.294/96, que pro- atitude (prevençAo).
!be fumar em ambientes fechados." Ao irem a restaurantes e -+ O ambiente fica mais limpo e seguro.
locais de lazer, escolham os estabelecimentos que seguem a
legislação e têm consideração com sua saúde, isto é, tenham
áreas livres de fumaça de cigarros.
Segundo dados recentes, sabe-se que não basta evitar
fumar em ambiente fechado, pois crianças filhas de pais !I] ATENÇÃO
fumantes têm mais problemas de saúde do que crianças
filhas de pais não fumantes, mesmo não se expondo di- Segundo a OrganizaçAo Mundial da Saúde, a medida
retamente à FAT. Isso ocorre devido à impregnação das de maior impacto para o controle do tabagismo é a
roupas e da superfície corporal e aos produtos gasosos que implantaçAo de ambientes 100% livres da fumaça de
continuam sendo eliminados pelas vias aéreas dos pais fu. tabaco.'
mantes, mesmo quando não estão fumando. Este fato está
sendo denominado em língua inglesa "third-hand smcke",
ou seja, "fumaça de terceira mão", o que se constitui em
forte argumento para o banimento do tabagismo nos do- Como estão as leis
micílios. 12
Para controle da FAT, no Brasil, existe a Lei Federal n•
9.294/96, que diz "é proibido o uso de cigarros, cigarrilhas,
charutos, cachimbos ou de qualquer outro produto fumlge-
no, derivado ou não do tabaco, em recinto coletivo, privado
ou público, salvo em área destinada exclusivamente a esse
fim, devidamente isolada e com arejamento conveniente"."
Como essa lei ainda permite áreas especiais destinadas
para os fumantes (os "fumódromos"), apresenta-se defasada
com o que deliberou a Convenção Quadro e, portanto, pelo
fato de contrariar a "lei maior", deve ser considerada incons-
titucional. Leis Municipais têm sido instituídas, como a de
Porto Alegre (n° 555/2006). Leis Estaduais praticamente co-
meçaram a partir da iniciativa de São Paulo (n° 13.541/2009)
desde agosto de 2009, que foi pioneira e mais completa, pois
não admitiu o fumódromo e estabeleceu claramente os me-
canismos de fiscalização e penalização. Em seguida, vieram
as do Rio de Janeiro (n" 5.51712009), do Paraná (n° 16.239),
do Rio Grande do Sul (n° 148/2009), de Minas Gerais (n°
3.03512009) e de outros Estados.
Para o cumprimento dessas leis, faz-se necessário, por
parte dos governantes e líderes em geral, maior envolvi- importantes, poos asiáticos têm maior risco do que
mento e determinação, de modo que seja passado para o oeste-europeus e norte-americanos.
cidadão que as leis não serão mais uma chateação a não ser ~ Mulheres fumantes, quando planejam a gravidez
cumprida. Como se esperaria, ainda não se observa adesão ou inesperadamente ficam grávidas, devem fazer
adequada às recomendações e exigências, e tanto fumantes todo o esforço para parar de fumar antes da gravi·
qu anto não fumantes ainda deverão ser mais informados e dez ou durante as primeiras semanas . E devem nlo
educados para mudar este comportamento. Sobre tais leis, fumar durante os primeiros anos de seus filhos. O
mesmo se aplica às outras pessoas que convivem
devem ser considerados dois itens fundamentais: a proibição
na mesma residência.
do "fumódromo" (local fechado onde se permite fumar) e
~ A mãe é a figura-chave na determinação do estilo
fiscalização e penalização efetivas. O fumódromo não prote- de vida da famflia, e este é o ponto de partida a
ge o trabalhador (garçom ou outro), nem o acompanhante, ser abordado nos futuros programas de educação.
nem o próprio fumante, que literalmente fumará duas ve- ~ Crianças que se submetem a anestesia geral, folhas
zes, constituindo-se também em um mau exemplo para os de pais fumantes, têm o dobro de complicações
jovens. A fiscalização é fundamental, pois lei que visa mudar p6s·anestésicas. A medida da cotini na urinária
comportamentos e C05tumes, sem fisealização e penalização, pode ser útil para assegurar o controle deste fator.
toma-se vazia, sem valor. ~ A população deve ter conhecimento sobre as in·
Uma observação importante é que de nada adianta, em formações mais atualizadas a respeito da FAT, de
um espaço fechado, separar os ambientes apenas por demar- modo que em particular crianças e adolescentes
cação virtual, sem separação fisica real. Por exemplo, em um sejam efetivamente protegidos.
restaurante, separar mesas para fumantes e não fumantes,
na mesma sala, não tem valor, pois o ar dos seus diversos
setores mistura-se rapidamente. Para uma proteção eficaz,
deve existir uma separação real, física, como uma parede,
Referências
I. Waoson RR, Winen M. Environmental tobaeeo smoke. Boca Ra·
e sem o inconveniente de portas que se abram frequente-
ton: CRC; 2001.
mente.
2. Remmcr H. Passively inhalcd tobacco smoke: a chaUcngc to to-
xicologyand prcvcntivc mcdicine. Arch TolÕcol. 1987;61(2):89-104.

[8 ATENÇÃO 3. Unitcd Soates. U.S. Dcpartmcnt of Health and Human Servioes.


The health consequences of involuntary exposurc to tobacco smo.ke:
a report of the Surgcon General. Rockville: U.S. Ocparuncnt of
A proteção do tabagismo passivo é um doreito de
Health and Human Serviccs; 2006 [eaplurado em 3 jun 2011 ). Dis-
todos.
ponlvel em: http://www.surgeongeneral.gov/library/ seeondhands·
moke/report/.
4. Hirayama T. Canccr mortality in nonsmoking womcn wioh
smoking husbands bascd on a large-seale cohort study in Japan. Prev
Mcd. 1984;13(6):680-90.
Conclusões sobre fumaça ambiental do tabaco e S. Brasil. Ministério da Saúde. Instituto Nacional de Câncer. Go-
seus danos verno gasta R$ 37 mill>6es por ano com vítimas do fumo passivo
~ Adultos não fumantes expostos à FAT adoecem flntemet). Rio de Janeiro: INCA; c1996-2011 (capturado em 3
com mais frequência do que não fumantes não ex· jun 2011 ). Disponfvcl em: http://www.inea.gov.br/imprcssao.asp?
postos. Esse é um bom motivo para banir o taba· op=pr& id=l958. Aborda o trabalho Impacto do Custo de Doenças
gismo nos locais de trabalho e interiores de prédios Relacionadas com o 'Illbagismo Passivo no Brasil.
de qualquer natureza.
6. Figueiredo VC, Costa AJL, Cavalcante 'I; Noronha C, Colombo
~ Todos devem ser educados sobre os r iscos da FAT, V. Almeida L de. Mortalidade atribuível ao tabagismo passivo na
com o objetivo de reduzi· la ou preveni-la nos seus população urbana do Brasil [Internet). Rio de Janeiro: fNCNMi·
próprios lares. nistério da Saúde; 2008 [capturado em 3 jun 201 1]. Disponfvel em:
~ Estudos sobre as consequências do tabagismo e http://www.inea.gov.br/inea/Arquivosfiàbagismo/ estudomorte_ta-
qualquer comparação com a situação de não fu- bagismo_passivofinal.ppt. Trabalho apresentado como parte das
mantes devem sempre considerar o papel da FAT, comemorações do Dia Nacional de Combate ao Fumo.
pois esse fator sempre pode levar a alterações na
saúde. 7. Leuenberger P, Schwartz J , Ackermann·Liebrich U, Blaser K, Bo-
~ Provou-se que exposição ostensiva ~ FAT (mais de lognini G, Bongard JP, et ai. Passivc smoking exposure in adults and
20 a 30 maços-ano) aumenta o risco de clncer de chronie respiratory symptoms (SAPAW!A Study). Swiss Study on
pulmão em pelo menos 30% e, em casos extremos, Air PoUution and Lung Diseases in Adults, SAPAlDlA Tham. Am J
em até três vezes. Diferenças étmcas parecem ser Respir Crit Carc Mcd. 1994;150(5 Pt 1}:1222-8.
8. Andrcs RL, Day MC. Perinatal complications associatcd with ma·
temal tobacco use. Semin Neonato!. 2000-,5(3):231-41.
9. World Health Organization. WHO Framework Convention on tura. Neste hospital, priorizam-se a alta tecnologia e a inova-
Thbacco Control (Internet). Geneva: WHO; c2011 [capturado em 31 ção, devendo ser lembrado que desde 1989 a instituição con-
maio 2011]. Disponlvel em: http://www.who.int/fctc/en/. ta com transplante de pulmão. Atualmente, desenvolvem-se
10. Seelig Mfo Campos CRJ, Carvalho JC A ventilação e a fumaça três programas simultâneos de tratamento do tabagismo:
ambiental de cigarros: um estudo sobre a qualidade do ar de am- para funcionários, para pacientes com doenças crônicas e
bientes fechados sujeitos à FAC. Rcv AMRJGS. 2005;49(4):253-6. para a comunidade em geral.
No entanto, a cultura e os costumes vigentes e o tama-
11. Brasil. Lei n• 9.294, de 15 de julho de 1996. Dispõe sobre as
restrições ao uso e à propaganda de produtos fumígeros, bebidas nho do hospital são fatores desfavoráveis para a fiscalização
alcoólicas, medicamentos, terapias c defensivos agrícolas, nos ter- e o controle desta ação, pois existem diversas entradas para
mos do§ 4• do artigo 220 da Constituição Federal. Diário Oficial da acesso na instituição e, diariamente, circulam no seu interior
União. 16jui1996;Seção 1(136). nada menos do que 25 mil pessoas. Diversas estratégias fo-
ram articuladas: um processo educativo e de mídia, sinaliza-
12. Winickoff JP, Friebcly J, lànski SE, Sherrod C, Mau GE, Hovell
ção ostensiva indicando a proibição de fumar em qualquer
MF, ct al. Bcliefs about the bcalth cffccts o f "thirdhand" smoke and
bome smoking bans. Pediatrics. 2009;123(1):e74-9. local do hospital e o treinamento dos vigilantes da saúde -
programa institucional pioneiro nesta modalidade no Bra-
13. Ligbtwood JM, Glantz SA. Declines in acute myocardial infarc- sil - que visa capacitar funcionários dos diversos setores da
tion aftcr smoke-frcc laws and individual risk attributable to secon- Santa Casa para atuarem na manutenção de um ambiente
dhand smoke. Circulation. 2009;120(14):1373-9.
totalmente livre de tabaco. A ideia é que sejam abordados
14. Ficbtenbcrg CM, Glantz SA. Effect of smoke-free workplaces fumantes, colaboradores, pacientes, visitantes e demais pes-
on smoking bchavior: systcmatic revicw. BMJ. 2002;325(7357):188. soas que estejam circulando pelo hospital.
A primeira turma dos vigilantes da saúde foi forma-
da em novembro de 2009 - inicialmente com um número
Leituras recomendadas modesto de apenas 30 colaboradores, porém convictos e
decididos de sua missão. A partir dessa data, cinco tu.r mas
Aliança de Controle do Thbagismo. Parecer legal sobre a lei 9294
(Internet]. São Paulo: ACI; 2007 [capturado em 31 maio 2011). Dis- já passaram pelo treinamento e hoje há aproximadamente
ponível em: http://actbr.org.br/fumopassivo/lei.asp. 150 vigilantes da saúde.

Aliança de Controle do Thbagismo. Poluição tabagística ambien-


tal: PTA (Internet]. São Paulo: ACI'; 2011 (capturado em 31 maio
2011). Disponível em: http://actbr.org.br/tabagismo/poluicao-taba-
gistica.asp.
!I] ATENÇÃO
O objetivo dos vigilantes da saúde não é perseguir
fumantes, e sim apoiá-los no processo de cessação
de fumar, na prevenção de doenças e na manuten-
Site recomendado ção de um ambiente livre de tabaco, orientando pes-
World Health Organization [Internet]. Gcncva: WHO; c2011 (cap-
soas que estejam fumando na área hospitalar a apa-
turado em 31 maio 2011]. Disponível em: http://www.wbo.int.
garem seus cigarros; instruir sobre os maleffcios do
tabagismo ativo e passivo; realizar uma abordagem
motivacional para que as pessoas parem de fumar
ou busquem auxflio para parar, caso náo se sintam

1111 em condições de fazê-lo sozinhas; e cumprir a mis-


são do hospital na busca de um ambiente 100% livre
Ambiente 100% Livre de Tabaco: o de tabaco, ajudando assim a salvar vidas.
Caso da Santa Casa de Porto Alegre
üsandra Soldati Os vigilantes da saúde são recrutados por demanda vo-
Débora Rosilei Miquini de Freitas Cunha luntária e também por encaminhamentos das chefias dos
setores. As turmas são heterogê neas, o que facilita a troca
Desde 2007, a Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de de experiência e permite uma visão global dos vários se-
Porto Alegre {ISCMPA) iniciou seu Programa de Controle tores dos hospitais que fazem parte da ISCMPA. O QUA·
do Thbagismo com enfoque principal nos três objetivos es- ORO 35.1 .1 mostra as qualidades necessárias a um vigilante
tabelecidos pela Organização Mundial da Saúde: proteção, da saúde.
prevenção e cessação. Como medida importante para atingir O treinamento é ministrado em três dias por uma psicó·
esses objetivos, decidiu-se que, de março de 2010 em diante, a loga especializada, acompanhada por uma enfermeira que
ISCMPA deveria tornar-se um hospitallOO% livre de tabaco. realiza a parte administrativa, sendo que no último dia acon-
A motivação para o programa era muito significativa, tece a formatura com o recebimento de camiseta identifica-
pois a comunidade há muito tempo estava desejando tal pos- dora e certificado. Durante o curso, são utilizadas técnicas de
QUADRO 35.1.1 ~ Qualidades necessárias para ser um vigilante • Preocupações gerais da equipe de saúde e demais fun-
da saúde cionários sobre como os pacientes fumantes, iriam lidar
com o estresse sem o uso de tabaco.
- Entendimento as razões do programa • Receio do aumento na carga de trabalho dos médicos,
- Persistência enfermeiros, técnicos de enfermagem, psicólogos, re-
- Coragem cepcionistas e demais profissionais que interagem com
- Bom humor pacientes, pela insatisfação dos fumantes.
- Amor à causa • Medo, por parte dos seguranças, de se tomarem automa-
- Espfrito de equipe ticamente "vigilantes".
• Receio de que o fumo passasse a acontecer em locais
escondidos e de dificil acesso, como banheiros, almoxa-
rifados, etc.
entrevista motivacional, role-play de possiveis situações em
que a pessoa abordada apresente resistência, psicoeducação No entanto, após a fase inicial, a participação dos funcio-
sobre dependência de nicotina e tratamento da doença, bem nários aconteceu, foi crescendo e vencendo barreiras. Len-
como técnicas de comunicação assertiva visando sempre ati- tamente, foi se estabelecendo como instrumento para a coo-
tudes agregadoras e não conflitantes, em que predominem o peração de um ambiente livre de tabaco, e essa nova postura
bom-senso e a preocupação com o bem-estar comum. institucional está levando a resultados significativos. Os vigi-
As abordagens são realizadas durante os próprios turnos lantes da saúde, hoje, atuam também como multiplicadores
de trabalho dos colaboradores, dentro da instituição e até da política 100% livre de tabaco e, assim, a maioria das pes-
mesmo fora, durante eventos festivos em alusão ao controle soas que circula pela Santa Casa compreendeu a necessida-
do tabagismo. Os vigilantes da saúde, devidamente treinados de dessa polltica e a está apoiando. Além clisso, quase como
c identificados, auxiliam muito na manutenção de um hos- em um efeito-cascata, motivados por essa polltica, muitos
pital livre de fumaça de tabaco. O QUADRO 35.1.2 mostra um funcionários acabaram reduzindo ou até abandonando o uso
exemplo de abordagem de um vigilante da saúde. de tabaco, uma vez que não se pode fumar dentro da institui-
O processo não foi simples, pois existiram diversas resis- ção. Progressivamente, também está havendo uma redução
tências durante a fase inicial do programa., como: do número de visitantes e pacientes fumantes, e quase não se
observa mais pessoas fumando na área hospitalar.
• Falta de envolvimento de lideranças por desconhecimen-
to do processo.
• Resistência por parte dos colaboradores c médicos fu-
mantes, que faziam questionamentos sobre a perda do
[I] ATENÇÃO
direito de fumar.
Ainda existem grandes desafios, como o de captar
maior número de colaboradores para treinamento
como vigilantes da saúde e o de conseguir a extinç~o
total da fumaça de cigarros na área hospitalar, o que
QUADRO 35.1.2 ~ Simulação de uma abordagem feita por um apenas com o tempo se completará. O importante é
vigilante da saúde (VS) a determinaç.\o e o desejo de fazer a diferença, dan-
do uma contribuiç!o única, em um trabalho desafia-
- VS - Com licença, Senhor, meu nome é Maria, sou uma vig~ante dor na comunidade em que se está inserido.
da saúde aqui na Santa Casa e gostaria de lembrá-lo de que este
hospital é um ambiente 100'!1. ivre de tabaco, ou seja, aqui não
se pode fumar. Entendo que talvez seja ddícil palll você ficar sem
fumar. Seo que a situação de estar acompanhando alguém doente
é sempre muito delicada e que você deve estar ansioso.
- Acompanhante de paciente - Sim, é muito ddfcil, moça, porque
Leituras recomendadas
Centers for Disease Control and Prevention. Smolcing and tobacoo
estou com meu irmão internado aqui, para fazer uma cirurgia use: seoondhand smokc: fact sheets [Internet). Adanta: CDC; 2011
grande. Eestou muito nervoso. [capturado em 31 maio 2011]. Disponível em: http://www.cdc.gov/
- VS - Espero que você realmente entenda o quanto é importante tobacco/data_statisticslfact_shects/ secondhand_smokc/indcx.btm.
para você e para todos nós que não se fume aqui no hospital. Isso
é para nos proteger e, inclusive, proteger seu irmlo. North Carolina Allianec for Health. Why seeondhand smoke should
- Acompanhante de paciente - Vocês estio certos, peço desculpas, bc eliminated from North Carolina's worksites and public placcs [In-
mas é difícil. Vou apagar meu cigarro. ternet]. Morrisvillc: NC Alliance for Health; 2006 [capturado em 31
- VS - Agora que você apagou seu cigarro, posso lhe ajudar. maio 2011]. Disponivel em: www.rtpnet.org/ alliance/pdfs/falkin&..
Tenho aqui um folheto explicativo com algumas dicas úteis para Points_SHS_Gen.pdf.
manejar o desejo de fumar enquanto estiver aqui na Santa Casa.
Unitcd Statcs. U.S. Department of Health and Human Scrviccs.
Obrigada por sua colaboração. Elembro que você nlo poderá
fumar enquanto estiver aqui. Se estiver interessado em fazer Office of lhe Surgeon General. The health consequences of invo-
tratamento para parar de fumar, f~ contato com o t~one luntary expo511re to tobacco smoke: a repon of lhe Surgeon General
(51) 3214-8000 e solicite agendamento no Programa 180" do [Internet). Roekvillc: U.S. Department of Health and Human Servi-
ees; 2006 (capturado em 31 maio 2011]. Disponível em: www.surge-
Pavilhão Pereira Filho.
ongcneral.gov/library/seeondhandsmokc/repon.
Tabagismo:
Onde Estamos,
para Onde
Vamos
AlbertoJoséde Araújo
36
Introdução Epidemiologia: para onde caminha a
O tabaco tem sido capaz de despertar tantas paixões, mitos epidemia do tabagismo?
c crenças que, nem de longe, os povos primitivos do jovem
continente americano poderiam imaginar. Ele se conver- Impressionam sobremaneira as estatísticas de morbimor-
teu em um objeto de permanente polêmica, sendo um dos talidade das doenças atribuíveis ao tabaco (DAT) - reco-
principais temas em discussão na sociedade contemporã- nhecido pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como
nea. sendo a f.rimeira causa de doenças e mortes evitáveis no
11
Esta droga lícita evoluiu de um "hábito" - até há pou- mundo. ' Seis entre as oito principais causas de mortes no
co tempo aceito socialmente - para uma "doença" (CID F mundo têm o tabaco como um dos fatores de risco (FIGURA
17.2) que atinge a todas as classes sociais, mas cuja tendência 36.1). Thl reconhecimento levou à aprovação da Convenção
Qua~o para o Controle do Thbaco da OMS (CQCT') , em
é concentrar-se nas mulheres e nos segmentos mais pobres
da população. Os efeitos nocivos do tabaco tiveram seus pri- 2003.
meiros registros científicos no século XIX, e a partir dos es-
tudos de Doll e colaboradores' ficou demonstrada, de forma
clara, a associação entre tabagismo e cãncer de pulmão.
Apesar de todas as tentativas da indústria do tabaco para
desqualificar os resultados das pesquisas, há um consenso
na comunidade cientffica internacional de que o consumo
de tabaco é prejudicial à saúde.2-<~ A indústria do tabaco ini-
cialmente negou que a nicotina causasse dependência. Hoje,
ela explora argumentos que também não se sustentam, como
preju!zos econômicos e desemprego, para impedir que as
medidas reguladoras sejam aplicadas. Na realidade, nos paí-
ses que adotaram estas políticas (p. ex., ambientes livres de
tabaco), ocorreu exatamente o contrário, com maiores lu-
cros para o comércio e ~ueda das internações por eventos
agudos cardiovasculares. ..
Áreas marcadas indicam a proporção de mortes atribuídas ao uso do tabaco

respiratórias
isquêmica vascular baixas

Mortes anuais pe-to consumo de tabaco milh~


estimadas no mundo. estimados
Estimativas entre: 1950-2030

milhões
2,1
1,3 milhões
milhões
0,3
milhões 2000
1975
1950

Países industrializados Paíse$ em desenvolvimento

FIGURA 36.1 -+ (A) Fração atribuível ao tabaco entre as oito principais causas de morte no mundo. O tabaco é um fator de risco para seis delas. As
áreas marcadas indicam a proporção de mortes atribuídas ao uso do tabaco. (B) Estimativas anuais (entre 1950 e 2030) de mortes causadas pelo
consumo de tabaco no mundo.

seja, os fumantes brasileiros estão se concentrando nas po·


Como se comporta a epidemia do pulações de baixa renda (TABELA 36.1).
tabagismo no Brasil? No Brasil, estima-se que 200 mil pessoas/ano morram
A prevalência de fumantes em maiores de 15 anos no país em decorrência de câncer de pulmão (CP); doença pulmo-
em 2008 foi de 17,2%, ou seja, 24,6 milhões de pessoas (FI- nar obstrutiva crônica (DPOC); acidente vascular cerebral
GURA 36.2), sendo maior entre os homens (21,6%), na faixa (AVC) e doenças isquêmicas coronarianas (DIC).JS O ta·
de 45 a 64 anos (22,7%), na áiea rural (20,4%), na Região bagismo passivo é responsável por sete óbitos/dia no país,
Sul (19,0%) c naqueles com menor renda per capita (19,9%). causados por doenças geradas pela exposição à fumaça do
Cerca de metade dos fumantes pensa em deixar de fumar, po· tabaco em maiores de 35 anos (CP, AVC e DI C). Isso acarre-
rém apenas 7,3% pretendem fazer uma tentativa em 30 dias." ta um gasto de R$ 37 milhões por ano para o Sistema Único
Os dados mostraram que, quanto maior o rendimento de Saúde (SUS) e para o Instituto Nacional do Seguro Social
domiciliar per capita, menor a proporção de fumantes. Ou (INSS). 16
g Para onde nos levará a Convenção
~
~
!" Acre 22.1 Quadro da OMS?
!i! Rio Grande do Sul 20,7
A Convenção Quadro fundou as bases para que os países sig-
~ Paraiba 20,2
&- natários (Partes) apliquem, legislem e ferenciem o controle
~ Pia ui 19,8
do tabaco nos seus variados âmbitos.' Em 2010, o tratado
l
~-
Ceará
Tocantins
19.4
18,7
contava com mais de 160 países, os quais representavam em
tomo de 86% da população mundial.
Mato Grosso do Sul 18,6 A partir de 2008, a OMS profôs um conjunto de medidas
"ao Paraná 18,4 conhecidas como "MPOWER" 1 para apoiar a implementa-
I~
Roraima
Pará
17,9
17,8
17,8
ção das seis estratégias-chave para um efetivo controle do
tabagismo pelos países, conforme sumarizadas no QUADRO
Espírito Santo 36.1 e demonstradas nas FIGURAS 36.3 a 36.8.
"'2' Pernambuco 17,6
&' Minas Gerais 17,6
~

~ Brasil 17,2 QUADRO 36.1 -+ MPOWER: estratégias essenciais para o controle


Q. do tabaco
~r Mato Grosso do Sul 17,1
~ Santa Catarina 17,1
~ 1M Monitorar o uso do tabaco e a prevenção da
Goiás 17,0
f

Rio Grande do Norte 16,9
(Monitor) iniciação (FIGURA 36.3).

z São Paulo 16,7 2p Proteger as pessoas da fumaça do tabaco


~
&' Maranhão 16,2 (Protect) (FIGURA 36.4).
.,!l Alagoas 15,8
g
Bahia 15.4 30 Oferecer ajuda para o tratamento da dependência
(FIGURA 36.5).
[ Rio de Janeiro 15,2
(Offer)

ii Rondônia 14,9 4W Obrigar a colocação de advertências nos derivados


:;- Amapá 14,0 (Warning) de tabaco, nos maços e nos pontos de venda
o
o
Amazonas 13,9 (FIGURA 36.6).
ª·fi.
Q.
Distrito Federal 13,4
Sergipe 13,1 SE Fazer cumprir as proibições sobre publicidade,
::::
o (fnforce) promoção e patrocínio de produtos derivados do
00
tabaco (FIGURA 36.7).
FIGURA 36.2 -+ Percentual de pessoas de 15 anos de idade ou mais
usuárias de tabaco fumado. 6R Aumentar os impostos sobre o tabaco
Fonte: Brasil." (Raise) (FIGURA 36.8).

TABELA 36.1 -+ Percentual de pessoas de 15 anos de idade ou mais usuárias de tabaco fumado, por rendimento médio mensal domiciliar
per capita. segundo as grandes regiões (2008)

Brasil 17,2 19,9 19,8 16,8 16,2 13,5

Norte 16,8 22,2 18,8 15,6 15,8 9,3

Nordeste 17,2 20,3 18,0 16,0 13,5 10,0

Sudeste 16,7 17,5 20,6 16,3 16,8 14,8

Sul 19,0 23.5 24,9 20,6 16,9 13,7

Centro-oeste 16,6 19,8 20,7 16,6 16,6 12,2


(1) Exclusive as pessoas cuja condição na unidade domiciliar era pensioniS1a, empregado doméstico ou parente doempregadodoméstico.
Fonte: Btasil.u
~ 30%
:>
E
g
!!
~ 20%
.2
~
~
...~ 10%

China Índia Indonésia Federação Estados Japão Brasil Bangladesh Alemanha Turquia
Russa Unidos
da América
FIGURA 36.3 -+ (M) Monitorar o consumo de tabaco e as políticas de prevenção à iniciação. Aproximadamente dois terços dos fumantes vivem em
apenas 10 países.

FIGURA 36.4-+ (P) Proteger as pessoas dos efeitos do ta·


bagismo criando leis que promovam ambientes livres da
fumaça do tabaco. No gráfico, o suporte à proibição de
fumar abrangente em bares e restaurantes após a imple-
Nova Zelândia Cidade d• (alif6rnia Irlanda Uruguai
Nova York
mentação.

A cada ano, a OMS apresenta uma sinopse dos funda- deres executivo, legislativo e judiciário. A ação lobista se
mentos científicos para auxiliar as Partes a superarem as di- estende aos setores da mídia, desde artigos de opinião até
ficuldades enfrentadas na aplicação dessas estratégias.18 a publicação de matérias pagas, feitas em nome das entida-
des representativas dos ramos de hotelaria, alimentação e
turismo. Tais manobras vêm se intensificando a partir das
consultas públicas da Agência Nacional de Vigilância Sani-
AIndústria do Tabaco vs. Convenção tária (Anvisa) -regulação da publicidade e da proibição de
Quadro? aromatizantes - e de tentativas para barrar a lei federal dos
ambientes livres de tabaco, em tramítação no Senado.
Uma das dificuldades que as "Partes" têm tido para colocar De forma explícita, fica patente o conflito de interes-
em prática as prescrições da CQCT é a interferência que a ses quando a indústria financia as campanhas políticas e a
indústria do tabaco e seus prepostos exercem sobre os po- realização de eventos da Associação Nacional dos Jornais,
ISO%

FIGURA 36.5 ~ [0[ Ofere<er ajuda


para cessar o uso do tabaco. A terapia
de reposição de nicotina (TRN) pode
dobrar as taxas de cessação do taba·
Nicotina
mascar sublingual gismo.

Três quartos aprovam


as advertências
Mais da metade
mudoud~
Opinião

FIGURA 36.6 ~ [W] Obrigar a colocação de adver-


tências sobre os riscos de fumar nas embalagens e
nos pontos de venda do tabaco. As advertências s.!o
eficazes. principalmente se as imagens cobrirem pelo
MudanÇ~ de optniáo quanto O..sejo de p;>rar Aprov~ão das advertências
menos a metade dos maços.
•s consequênc.iu para a saúde como r..ultado

do Ministério Público e da Conferência Nacional dos Ad- Quando já não há ma.is como refutar os argumentos de
vogados. embasados estudos cientlficos, a indústria difunde o discurso
Essas práticas configuram uma imoralidade e desres- de que o Estado está interferindo no mercado e na socieda-
peito ao artigo 5.3 da CQCf, pois, ao receberem recursos de, no direito de propriedade e no de escolha do fumante.
privados, as organizações do Estado comprometem a sua
necessária independência e isenção para atuar em defesa da
sociedade.
Além disso, a indústria do tabaco e a bancada de depu-
Perspectivas futuras para o tratamento
tados defensores do tabaco vêm mobilizando os explorados do tabagismo
fumicultores contra a diversificação do cultivo e para defen-
der o tabaco tipo "burley" produzido com adição de aroma- Afarmacoterapia: novos conceitos e as vacinas
tizantes. Os medicamentos para apoiar a cessação do tabagismo estão
Com a queda do consumo de tabaco, que já vem ocor- no mercado há poucas décadas. Apesar das escassas opções
rendo em função da adoção das medidas prescritas na disponlveis, eles são eficazes e, no mínimo, dobram as chan-
CQCT, a indústria do tabaco busca mercados dos países em ces de os indivíduos permanecerem sem fumar.
desenvolvimento, apostando na sofisticação dos sabores e A reposição de nicotina é segura para uso a curto prazo,
nas embalagens do tabaco. mas o uso a longo prazo exigirá novos estudos. A bupropiona
0% 14

-9%
-10%

FIGURA 36.7 ~ [E) Fazer cumprir as proibições sobre publicidade, promoção e patrocínio de produtos de tabaco. No gráfico, mudanças no consumo
de cigarros 1Oanos depois da introdução do banimento da propaganda em dois grupos de países.

Consumo (estala da esquerda)


--+-- Ta.xa de imposto sobre consumo
(escala da direita)

§.
Ê .. ... .........
40%

"'" 2000

". ':d ~~~ ~ c-


35%

30%

~~~-~ ~
1500
25%
-
20%
1000 ~ 1-
~ 15%

10%
2ºº-
~
o 0%

1980 1985 1990 1995 2000 2005


FIGURA 36.8 ~ [R) Aumentar os impostos e os preços dos derivados do tabaco. No gráfico, a relação entre consumo de tabaco, preços e impostos
na África do Sul.

e a vareniclina têm demonstrado resultados promissores na pio, para grupos especiais de pacientes, como os que apre-
terapia estendida por seis meses ou mais tempo, superando sentam comorbidades clínicas ou psiquiátricas.
as taxas de cessação nas terapias a curto prazo. A novidade para os próximos anos será a vacina para
O tabagismo enquanto doença crônica recorrente pode- bloquear a chegada da nicotina ao cérebro. Os estudos ini-
rá levar à extensão do tratamento por um período superior ciais mostram que há produção de anticorpos específicos.
às 12 semanas previsto na maioria dos consensos, por exem- Eles se ligam com grande afinidade à nicotina no plasma e
nos líquidos extracelulares. O acesso da nicotina aos recep-
tores cerebrais fica impedido, pois ela não consegue atraves-
Referências
1. DoU R, Peto R, Boreham J, Sutherland L Monalicy from canccr
sar a barreira hematoencefálica. Desse modo, não há libe-
in relation to smoking: 50 years obscrvations on British doctors. Br J
ração dos neurotransmissores psicoativos, o que suprime a
Canccr. 2005;92(3):426-9.
sensação de prazer ao fumar. Os estudos farmacogenéticos
no futuro poderão indicar o protocolo mais apropriado para 2. United States. U.S. Dcpanmcnt on Hcaltb and Human Scrviccs.
cada indivíduo. Centcrs for Discase Control. Thc hcaltb consequcnccs of involunta-
ry smoking: a repor! o f thc Surgeon General. Rockvillc: CDC; t 986.
DHHS Publication no (CDC) 87-8398.

Aabordagem do tabagismo como uma 3. Califomia Environmental Protcction Agency. Hcalth effccts of
cxposurc to environmcntaltobacco smokc: final repon Scptembcr
ação de saúde 1997. Sacramento: CaliEPA; 1997.
4. U. S. Environmcntal Protection Agency. Respiratory health
As janelas de oporturudade para abordagem do fumante jo-
effects of passive smoking: luog cancer and otber disordcrs. Wa-
vem deverão ser aproveitadas, como nos programas de qua-
shington: EPA; 1992.
lidade de vida no trabalho, nas escolas e nas visitas médicas
dos familiares seja ao pediatra, ginecologista ou clínico. S. World Health Organization. lntemaúonal Agency for Researcb
A restrição cada vez majs ampliada dos espaços para fu- on Cancer. lARC monograpbs on the evaluaúon of Lhe carcinogenic
mar e da publicidade irá também desestimular a iniciação e risks to humans: tobacco smoking. Lyon: lARC; 1986. lARC Mono-
grapbs, v. 38.
a manutenção do tabagismo.
Os fumantes das camadas sociais com menor ingresso 6. World Hcalth Organization. lntcrnational Agcncy for Rcscnr-
econômico, as mulheres e os portadores de distúrbios psi- ch on Canccr. Tbbacco smoke and involuntary smoking (Internet).
quiátricos representarão a principal demanda. Gcncva: WHO; 2002 [capturado em 31 maio 2011). IARC Mono-
Os sistemas de saúde público e suplementar deverão am- grapbs on the Evaluation of Carcinogcnic Risks to Humans, n. 83.
pliar a cobertura terapêutica aos fumantes, como uma ação Disponível em: http://monographs.iarc.fr/ENG/Monograpb.slvol83/
volume83.pdí.
básica de saúde, em todos os níveis da assistência. As escolas
técnicas e universitárias da área de saúde deverão incluir a 7. Repaoe JL, Hyde JN, Bruggc O. Air poUuúon in Boston bars bc-
abordagem do tabagismo em seus currículos, como proble- fore and after a smokiog ban. BMC Public Healtb. 2006;6:266.
ma de saúde pública. 8. Foog G1; Hyland A, Bortand R, Hammond O, Hastings O, Mc-
NeiU A, ct ai. Reductions in tobacco smoke poUuúon and increases
in suppon for smoke-Cree public places foUowing Lhe implemen-
Aabordagem do tabagismo enquanto tation of comprchensive smoke-frcc workplace lcgislation in thc
Rcpublic of lreland: fmdings Crom Lhe ITC Ireland/UK Survcy. Thb
cuidado social Control. 2006;15(Suppl 3):ili51-8.

O tabaco seguirá fazendo parte do estado da arte de cuidar 9. Moskowitz JM, Lin Z, Hudcs ES. The impact of workplace
smoking ordinanccs in California on smoking ccssation. Am J Public
e decerto ampliará o espectro de envolvimento social na
Healtb. 2000;90(5):757-61.
discussão quanto ao uso de drogas psicoativas, sendo para-
digma para a intervenção em outras dependências, como o 10. Centcrs for Disease Control and Prevention. Perspectives in di-
alcoolismo. sease prevention and heallh promotion smoking: attributable mor-
Os mecanismos de controle médico, político, social e talily and years of potentiallife lost, United States, 1984. MMWR
Morb Mona! Wldy Rcp. 1997;46(20):444-51.
econômico sobre o seu ciclo produtivo deverão nortear um
novo modus operandi, que não passa, em nossa opinião, pelo 11. United States. U.S. Oepanmcnt of Healtb and Human Scrviccs.
seu banimento. A lição que a grande recessão norte-ame- Centers for Disease Control. The healtb bencfits of smok.ing oessa-
ricana dos anos 20-30 do século XX trouxe é que o simples úon: a repon ofthe Surgeon General Rockvillc: CDC; 1990. DHHS
banimento do álcool fortaleceu o contrabando e a máfia. Publication n° (CDC) 9G-8416.
Apesar de todos os esforços pela redução do consumo, have- 12. World Hcalth Organization. WHO Framework Convcntion on
rá pessoas que se tomam dependentes do tabaco; estas pre- Tobacco Control (Internet]. Geneva: WHO; c2011 [capturado em 31
cisam ser precocemente alcançadas, encorajadas e apoiadas maio 2011). Disponfvcl em: http:/twww.who.int/fctc/enl.
na cessação do tabagismo, por nós, médicos.
13. World Hcalth Organization. The tobacco atlas (Internet). Ge-
ncva: WHO; e20t I [capturado em 31 maio 2011). Disponível em:
Cuidar -se é... não fuTTUJr! bnp:/twww.who.int/tobacco/staústicsltobacco_atlaslcn/.
FuTTUJr é... descuidar-se! 14. Brasil. Ministério do Planejamento, Orçamento c Gestão. lns-
Ndo funulr é ... preservar-se! útuto Brasileiro de Geografia e Estatísúca. làbagismo - 2008 (In-
FuTTUJr é... escravizJu-se! ternet). Rio de Janeiro: IBGE; 2008 (capturado em 31 maio 2011).
Disponivcl em: bttp:/twww.ibge.gov.brlbome/estatist:ical populacaol
trabalhoerendimento/pnad2008/suplementos/tabagismo/default. 17. Brasil. Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Ins·
shtm. tituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pnad 2008: mercado de
trabalho avança, rendimento mantém-se em alta, c mais domicfiios
15. Brasil. Ministério da Saúde. Instituto Nacional de Câncer. Ação
têm computador com acesso à Internet Rio de Janeiro: lBGE; 2008.
global para o controle do tabaco: 1° tratado internacional de saúde
pública [Internet). 3. ed. Rio de Janeiro: INCA; 2004 [capturado em 18. World Healtb Orgaruzation. WHO Report on the Global Thbac-
31 maio 2011). Disponível em: hnp:/fwww.inca.gov.br/tabagismo/ eo Epidcmie, 2009: implcmcnting smokc-frce environmcnts (Inter-
cquadro3/ aeao_global.pdf. net). Geneva: WHO; e2011 (capturado em 31 maio 2011]. Disponl·
vel em: bttp:/{www.who.inl/tobaecofmpower/enf.
16. Araujo AJ. Impacto do custo de doenças relacionadas ao taba-
gismo passivo no Brasil. Rio de Janeiro: UFRJ, INCA; 2008.
Paulo José Zimermann Teixeira
Fernando Rosado Spilki
37
Fernanda Waltrick Martins

metapneumovírus, bocavírus e influenzavfrus A e B, no


Introdução caso de gripe propriamente dita).
As viroses do trato respiratório estão entre as enfermidades
mais comuns em seres humanos, sendo responsáveis por
aproximadamente 40% da morbidade geral na população de
países desenvolvidos. Estima-se, com base em diversos es-
Resfriado comum
tudos longitudinais, que crianças até o quinto ano de vida, O resfriado comum deve ser entendido como um conjunto
em uma temporada de outono e inverno, passem por 10 epi- de doenças associadas a diferentes agentes virais, que po-
sódios de manifestações clínicas compatíveis com resfriado dem estar associados ou não entre si ou com bactérias, cujas
comum, enquanto a média para adultos e idosos estaria na manifestações clínicas são de dificil distinção e cujos sinais
faixa de 3 a 6 episódios. clínicos mais característicos são congestão nasal, coriza e, em
alguns casos, cefaleia e dor de garganta, enquanto a febre é
um evento relativamente raro.
Calafrios, apatia, anorexia e mialgias também são sinto-
mas comuns às infecções virais descritas no grupo dos resfria-
dos, que muitas vezes precedem o aparecimento dos sinto-
mas mais caracterlsticos. Complicações associadas a muitos
dos casos de resfriado comum são otite média aguda, sinusite
e amigdalite, sendo que, em casos com contaminação bacte-
riana secundária, pode haver também evolução para infecção
do trato respiratório inferior. São descritos a seguir os princi·
pais agentes virais associados ao resfriado comum.
As doenças causadas por vírus respiratórios são classi-
camente divididas em conjuntos de manifestações clínicas
distintas, compreendendo o resfriado comum (associado Rinovírus
a rinovfrus, enterovfrus, coronavfrus c adenovfrus), rini- Os rinovírus, assim como os enterovírus, são membros da fa-
tes (inOuenzavfrus B e enterovfrus), laringotraqueltes e mília Picornaviridae, dotados de partículas virais não envelo-
faringites (parainfluenzavfrus e adenovirus), bem como padas, com diâmetro de 30 nm e genoma composto de RNA
bronquiolites e pneumonias (vírus respiratório sincicial, de fita simples com polaridade positiva (ssRNA +). Dadas
as características estruturais (ausência de envelope), tais ví- dos indivíduos infectados, que irão excretar o vírus mesmo
rus são bastante resistentes a desinfetantes. Os rinovírus, ao na ausência de sintomas.
contrário dos enterovírus, não se replicam no trato digesti-
vo e são lábeis à acidez estomacal, não suportando pH < 3.
Mais de 100 sorotipos de rinovírus foram descritos em seres Adenovírus
humanos; os vírus têm tropismo pelas vias aéreas superiores Os adenovírus (AdV) também podem ser agentes etiológi-
não apenas por uma melhor adaptação ao crescimento em cos do resfriado comum. Pertencentes à família Adenoviri-
temperaturas abaixo dos 37"C, mas também por sua predile- dae, são vírus não envelopados, com genoma de DNA de fita
ção por receptores normalmente localizados nas passagens dupla (dsDNA +), recobertos por um capsfdeo com diâme-
aéreas nasais. tro de 80 nm, do qual se projetam espículas proteicas que
As infecções têm distribuição mundial e, na idade adulta, fazem a interação da partícula vira! com receptores da célula
virtualmente, todos os indivíduos já devem portar anticorpos hospedeira. Os AdV são uma causa frequente de infecções
contra múltiplos sorotipos, ainda que a imunidade formada superiores agudas do trato respiratório superior (resfriados),
após uma infecção, em geral, seja de curta duração; a imu- conjuntivites e quadros diarreicos. Foram isolados primeira-
nidade cruzada é incompleta entre sorotipos heterólogos, e mente em 1953, na tentativa de se estabelecer linha celular do
variações intrassorotípicas tomam possíveis as reinfecções. tecido adenoide de crianças submetidas a procedimentos de
tonsilectomia.
Os AdV de diferentes espécies podem estar difundidos

~ATENÇÃO
na natureza, pois são altamente resistentes no ambiente e
excretados pela via fecal. Os AdV estão enquadrados em
dois gêneros: Aviadenovüus (aviários) e MastadenovÍIUS (ma-
Estima-se que em tomo de 50% dos quadros deres- míferos). Pelo menos 51 sorotipos de AdV foram identifica-
friados estejam associados a infecções por rinovírus, dos em seres humanos, tendo sido divididos em subgrupos
o que torna esses vírus a causa mais importante do A - F com base em sua capacidade de aglutinar eritrócitos
resfriado comum. Os casos podem ocorrer ao longo de seres humanos ou outras espécies e no perfil de oncoge-
de todo o ano, mas há uma tendência de maior nú- nicidade em modelos animais; todavia, esses vírus não foram
mero de infecções no início do outono e na prima- associados a tumores em seres humanos.
vera em países frios, podendo perdurar ao longo do Indivíduos de todas as idades podem ser afetados, po-
inverno em áreas geográficas mais quentes. rém há maior prevalência da infecção em bebês e crianças,
causando uma manifestação febril com sinais clínicos respi-
ratórios associados ao trato respiratório superior e de dificil
O contato com crianças pequenas, assim como o conta- diferenciação de outras infecções respiratórias. A distribui-
to prolongado com indivíduos infectados e a aglomeração ção das infecções é mundial e estima-se que em torno de
maior de pessoas em ambientes malventilados são fatores 10% dos resfriados comuns estejam associados a infecções
predisponentes para a infecção. A disseminação se dá tanto de AdV. São comuns os surtos isolados da enfermidade em
por via aérea quanto pelo aperto de mãos e pelo contato com turmas de colegiais e em locais de trabalho. As infecções po-
superfícies contaminadas. Conforme mencionado antes, os dem ocorrer ao longo de todo o ano, sendo mais comuns ao
rinovírus são altamente resistentes a vários dos desinfetantes final do inverno e no início da primavera.
comuns por suas características estruturais. Desse modo, a Os sorotipos comumente encontrados são os AdV-1 até
forma mais eficaz de prevenção é a lavagem cuidadosa das AdV-7, AdV-14 e AdV-21, com variações dependendo da fai-
mãos (a aplicação de álcool-gel tem pouca eficácia). xa etária atingida. A transmissão se dá por aerossóis, contato
Após a infecção, que pode ocorrer mesmo com um nú- direto do tipo aperto de mãos e, provavelmente, veiculação
mero minimo de partículas infecciosas, o período de incuba- hídrica. Em vários trabalhos, os sorotipos de origem enté-
ção é bastante curto, da ordem de 24 a 48 horas, e os sinto- rica (AdV-40 e AdV-41), bem corno os sorotipos de origem
mas se prolongam por quatro dias até uma semana. O pico respiratória (AdV-2 e AdV-5), são os mais encontrados em
de excreção vira! coincide com o aparecimento dos sintomas. amostras de água contaminada.
Os sinais clínicos característicos são rinorreia associada O quadro clínico que se desenvolve após a infecção do
ao aumento da produção de muco pela produção de bradi- trato respiratório por AdV, especialmente em crianças, é
cinina e histamina, espirros e congestão nasal associada à caracterizado por rinite, tosse, mialgia, exsudato nasal leve
hiperernia e edema da mucosa nasal. Os sintomas sistêmicos a moderado, linfadenopatia cervical e febre. Em alguns ca-
de mialgia e cefaleia podem ocorrer, já quadros febris são sos, a produção de coriza pode ser mais copiosa. As com-
raros. Na maioria dos indivíduos, a doença é normalmen- plicações mais comuns envolvem laringite e conjuntivite bi-
te autolimitada, sem complicações, e o tratamento, apenas lateral, as quais podem ocorrer de forma concomitante ou
sintomático. Em idosos, quadros de otite média foram re- em sequência ao quadro de resfriado provocado por AdV.
lacionados como uma possível manifestação concomitante. Quadros de bronquiolite também podem ser observados em
Em pacientes imunossuprirnidos, podem ocorrer infecções crianças. Pneumonia é urna complicação relatada em adultos
mais graves, inclusive com quadros de pneumonia. Deve-se e idosos, podendo ser complicada pela presença de condi-
ressaltar que a doença clínica pode não ocorrer em até 50% ções crônicas subjacentes, como doença pulmonar obstrutiva
crônica (DPOC). A infeoção pode se disseminar para outros nimo comprometimento sistêmico, conforme descrito antes,
sistemas em pacientes imunossuprimidos. não se aplicando, neste caso, erroneamente o termogri~.
Ainda que já tenham sido comercializadas vacinas con-
tra AdV em pa!ses desenvolvidos, as medidas preventivas são
semelhantes àquelas preconizadas para rinovírus. Da mesma
forma, o tratamento t sintomático, as marurestações clínicas
podem se estender por semanas e a resolução costuma ser
espontânea. Estudos com antivirajs foram realizados in vitro,
mas a eficácia não foi devidamente testada em ensajos clinicas.

Coronavírus
runda entre os vírus associados ao resfriado, têm lugar de
destaque os coronavírus (Co V). 1!-ata-se de vírus envelopa-
dos, pleomórficos, dotados de material genético composto
de RNA de fita simples e polaridade positiva (ssRNA+ ),
cujo genoma é o mais longo dentre os vírus RNA. Os mem-
bros da famfiia Coronaviridae, ordem Nidovirales, podem
ser divididos em três grupos antigênicos distintos, sendo
os Co V que infectam seres humanos reunidos nos grupos I Surtos de inlluenza ocorrem em todos os invernos, poden-
(cepa HCoV-229E) e 11 (cepa HCoV-OC43), incluindo o ví- do ter infcio em médias latitudes no final do outono. làis sur-
rus síndrome respiratória aguda grave, SARS-CoV, outrora tos são caracterizados por elevada morbidade na população
considerado o protótipo de um grupo antigênico à parte. geral e respondem por algo em torno de 7 a 10% das infec-
Os isolados clássicos de CoV possuem patogenicidade e ções respiratórias na população humana, mesmo em pande-
virulência bem mais moderada do que o SARS-CoV, e esti- mias como aquela observada em 2009. As complicações do
ma-se que esses vírus sejam responsáveis por até 15 a 30% quadro de comprometimento pulmonar são frequentes c po-
dos casos de resfriado comum. A semelhança dos rinovírus, dem ter efeitos graves sobre pacientes majs suscetíveis, como
os CoV mantêm sua multiplicação restrita ao trato respira- idosos, mulheres grávidas c pacientes com condições crônicas.
tório superior por apresentarem níveis ótimos de replicação lnfecçôcs secundárias por bactérias também costumam ser
a temperaturas entre 33 e 35•c. As infecções são mais fre- encontradas em quadros graves de influenza.
quentes no mês de outono até o início da primavera, pelo
menos em regiões de clima temperado.
A principal via de transmissão dos Co V associados ao lnfluenzavírus
resfriado comum é pelos aerossóis expelidos por indivíduos Os influenzavírus são agentes envelopados, portanto pouco
contaminados. O período de incubação é de sete dias, po- resistentes no ambiente, pertencentes à família Ortomyxo-
dendo ser majs breve conforme a vírulência da cepa e o es- viridae, com genoma RNA de oito segmentos, e que podem
tado imunológico do indivíduo. Depois clisso, surgem sinajs ser agrupados em três gêneros distintos (A, B e C) confor-
cUnicos de resfriado semelhantes àqueles descritos para os me caracterização antigênica. O grupo mais variável e mais
rinovírus, podendo durar até uma semana, normalmente ha- frequentemente relacionado com infecções respiratórias em
vendo remissão espontânea, sem complicações. seres humanos é o grupo A, que é subdividido com base na
Os casos de infecções por SARS-CoV, uma provável alta variabilidade antigênica da proteína hemaglutinina (H)
zoonose emergente, ocorridos no ano de 2003, são caracte- e neuraminidase (N).
rizados por manifestações cllnicas mais graves, de compro- Dentre os diversos hospedeiros de influenzavfrus, que
metimento pulmonar e sistêmico, com elevado grau de le- incluem aves silvestres c domésticas, suínos, cavalos, felinos,
talidade, possuindo assim um padrão de virulência bastante seres humanos e, mais recentemente, cães, são conhecidos 16
distinto dos quadros moderados de resfriados comuns cau- subtipos de H e nove subtipos de N; a combinação desses sub-
sados por CoV. tipos presentes nas cepas virais costuma ser expressa ao se no-
Não existem vacinas contra resfriados causados por CoV, mear os vírus inlluenza, observa-se ainda o local de origem, o
e as atitudes preventivas devem incluir evitar aglomerações ano de isolamento e, em alguns casos, a espécie em que o vírus
e ambientes malventilados. foi isolado. Por essa convenção fica clara, por exemplo, a dis-
tinção entre a cepa causadora da pandemia de 2009, HlNl/A/
Califórnia/2009, e outra cepa de HlNl relacionada com a in-
fluenza sazonal, por exemplo, HINl/NBrisbanc/59/2007.
Gripe A variação das cepas de influenzavfrus A que infectam
Ainda que seja comum em diferentes fontes a confusão na seres humanos- normalmente restritas aos subtipos H I, H2,
llngua portuguesa entre os termos resfriado e gripe, deve-se H3, Nl e N2 - se dã de forma anual, o que exige constante vi-
utiliza.r a terminologia resfriado para as doenças confinadas gilância e formulação de vacinas atualizadas, jã que não ape-
ao trato respiratório superior, em geral com pouco ou mí- nas mutações, mas também o rcarranjo de segmentos genô-
micos de diferentes vírus na célula infectada, podem levar ao sistema nervoso central e, de forma mais frequente, pneu-
surgimento de novas cepas. Os influcnzavírus B c C possuem monia intersticial grave, com acúmulo de exsudato purulen-
bem menos diversidade genética e antigênica. As pandemias to, sobretudo quando associada a Streptococcus pneumoniae,
por influenzav[rus A são graves c, por isso, existem programas Staphylococcus aureus e Haemophilus influenzae.
internacionais de vigilância da gripe, no intuito de monitorar
e prevenir surtos de influenza em dimensões globais.
Em seres humanos, ocorrem infecções pelos influenzaví- Durante a temporada de gripe (períodos definidos
rus A e B. Conforme mencionado antes, os surtos de gripe
ocorrem todos os anos, e a gravidades dos sintomas observa- quando os vírus estão circulando na comunidade),
dos varia enormemente. As grandes pandemias se desenvol- o diagnóstico de gripe deve ser considerado
vem em intervalos de, aproximadamente, 30 anos, estando nos seguintes doentes, independentemente da
em geral relacionadas com a infecção zoonótica de seres hu-
situação vacinaI:
manos por um vírus de origem aviária. Seja pela influenza
sazonal, seja durante pandemias, a maior parte dos casos de
-+ lmunocompetentes e pessoas imunocomprometidas
(adultos e crianças), incluindo profissionais da saúde,
influenza está relacionada com infecções por vírus do grupo com febre e aparecimento agudo de sintomas respi-
A, que é o mais comum em seres humanos. ratórios.
Grandes variações antigênicas, chamadas na literatura -+ Pessoas com febre e exacerbação aguda da doença
internacional de "shifts" ou desvios antigênicos, seja apenas pulmonar crônica de base.
da hemaglutinina seja desta em conjunto com a neuramini- -+ Bebês e crianças pequenas com febre e outros sinais
dase, levam à formação de novas cepas de influenzavírus A e sintomas.
Associados a esses mecanismos, como já mencionado, os re- -+ Idosos com sintomas novos ou com piora dos sin-
agrupamentos de segmentos de virus influenza distintos es- tomas respiratórios, incluindo exacerbação da insu-
tão na base da geração de novas linhagens de influenzavírus ficiência cardfaca congestiva ou alteração do estado
patogênicos para humanos. A imunidade para um subtipo mental, com ou sem febre.
ou cepa específica é consistente; todavia, a imunidade cru- -+ Pessoas gravemente doentes com febre ou nipoter-
zada entre cepas e tipos confere pouca proteção. Ainda que mia.
o influenzavírus A predomine como causa de gripe, já foi -+ Crianças hospitalizadas sem febre ou sintomas respi-
relatada a cocirculação do grupo B em surtos de influenza. ratórios agudos e que desenvolvem esses sintomas
Durante o século XX, foram descritas três pandemias: após a internação.
a gripe espanhola em 1918/19, a gripe asiática em 1957 e a -+ Adultos hospitalizados sem febre ou sintomas respi-
ratórios agudos e que desenvolvem esses sintomas
gripe de Hong Kong em 1968. Recentemente, em 2009/10,
após a internação.
ocorreu a pandemia de influenza A (HlNl).

~ ATENÇÃO Em qualquer época do ano, a influenza deveria ser con-


siderada em pessoas imunocompetentes e imunocomprome-
tidas com sintomas respiratórios agudos e febre, sintomas
A disseminação da infecção se dá por aerossóis du- esses que estão epidemiologicamente ligados ao surto de gri-
rante conversas ou em ambientes fechados, sendo pe (p. ex., profissionais da saúde, residentes ou visitantes de
que o contato direto pelo aperto de máos também é
instituição com surto de gripe, contatos próximos de pessoas
uma via de transmissão eficaz.
com suspeita de gripe, viajantes retomando de lugares onde
o virus está circulando).
No surto de influenza A (H1N1) pandêrnica em 2009,
O vírus pode, ainda, permanecer viável por períodos que foram descritos casos com manifestações de febre e sinto-
vão de algumas horas até um dia em objetos inanimados, mas respiratórios, além de sintomas gastrintestinais como
conforme a temperatura e umidade locais. diarreia, vômitos e dor abdominal. Embora rara, também
A infecção ocorre pelas mucosas nasais ou oculares e, foi descrita conjuntivite como parte da apresentação clíni-
após um período de incubação, que pode variar de um até ca. Foram observadas manifestações de infecção respiratória
quatro ou cinco dias, o indivíduo infectado apresenta os pri- de trato inferior, com surgimento - em torno de cinco dias
meiros sintomas, especialmente mialgias, mal-estar genera- antes do início dos sintomas - de dispneia, sibilos e escarro,
lizado e cefaleia, que persistem até o aparecimento de febre, este muitas vezes hemoptoico.
calafrios, mialgias mais graves, anorexia e tosse seca. A febre Nesses pacientes acometidos pelo vírus H1N1 pandêmico
pode se estender por até uma semana e, caso não ocorram em 2009, a evolução da doença para insuficiência respiratória
complicações, a doença termina em até 10 dias após o início aguda foi comum e associada a infiltrado pulmonar difuso e
dos sinais clínicos. bilateral em vidro fosco, evoluindo, em média, seis dias após
Em crianças pequenas, a doença é indistinguível de ou- o inicio dos primeiros sintomas. O diagnóstico de pneumonia
tros quadros de infecção do trato respiratório inferior. As vira! primária foi realizado na maioria dos pacientes. Outras
complicações incluem sindrome de Reye, miosite, doença do complicações identificadas foram pneumonia associada ao
ventilador, hemorragia pulmonar, pneumotórax, pancitope- QUADRO 37.2-+ Pessoas com alto risco de complicaçóes por
nia, slndrome de Reye e sepse sem bacteriemia documentada. influenza que devem ser consideradas para terapia antiviral
Os achados laboratoriais mais presentes foram leucopenia
com linfocitopenia, trombocitopenia e aumento leve a mode- Crianças não vacinadas entre 12 e 24 meses de idade
rado de transaminases. Pode ocorrer, ainda, hiperglicemia e
aumento de creatinina. Pessoas com asma e outras doenças pulmonares crônicas
O diagnóstico diferencial é feito com outras infecções
Pessoas com doença cardíaca significativa
virais que também se manifestam em forma de surtos, como
rinovírus, vírus parainfluenza, vírus respiratório sincicial, Pessoas imunossuprimidas de qualquer natureza (doença ou fármacos
adenovírus e coronavírus. Os sintomas sistêmicos são mais imunossupressores)
intensos na influenza do que nas demais infecções virais, que
cursam com quadro clínico semelhante, daí a denominação Pessoas HIV-positivas
de slndrome gripa!. O diagnóstico diferencial, apenas pela
Pessoas com anemia falciforme e outras hemoglobinopatias
clínica, pode ser dificil.
Em irnunocompetentes, amostras do trato respiratório Pessoas que necessitam ácido acetilsalidico por longo período, como
deveriam ser coletadas, de preferência nos primeiros cinco portadores de artrite reumatoide e doença de Kawasaki
dias do inicio da doença. Em lactentes e crianças menores,
as amostras ideais são os aspirados nasais e os swabs. Em Pessoas com câncer
crianças maiores e adultos, o aspirado nasofaringeo e os swa-
bs são as amostras de eleição. Os aspirados orofarlngeos e Pessoas com disfunção renal crônica
o escarro têm menor rendimento para a detecção do vírus Pessoas com doença metabólica crônica, como diabetes melito
da gripe, mas podem dar resultados positivos. Em pacientes
irnunocomprometidos, a infecção pelo vírus da gripe pode Pessoas com doenças neuromusculares, doenças convulsivas e
persistir por semanas a meses, mesmo sem sintomas respira- doenças cognitivas que comprometam o manuseio de secreções
tórios ou febre. Portanto, a coleta de material do trato res- respiratórias
piratório superior ou inferior (lavado broncoalveolar) pode
Pessoas institucionalizadas de qualquer idade
ser útil mesmo após cinco dias da doença. Em pacientes sob
ventilação mecãnica, amostras do trato respiratório superior Aduhos com mais de 65 anos
e inferior (lavado broncoalveolar e aspirado traqueal) tam-
bém podem ser coletadas, mesmo após cinco dias de início
dos sintomas (QUADROS 37 .1 e 37.2).
Os testes de imunofluorescência direta e indireta podem
Métodos diagnósticos ser realizados para triagem. Esses testes apresentam sensibi-
As amostras coletadas idealmente devem ser submetidas ao lidade e especificidade menores do que a cultura vira! e são
teste de reação em cadeia da polimerase (PCR) em tempo altamente dependentes da qualidade do espécime coletado
real, que na atualidade é o método mais sensível e específico e da habilidade do laboratório que irá executar o teste. Na
do que a própria cultura vira! para detectar influezavírus e pandemia de 2009 de influenza A (Hl Nl ), a técnica pre-
cujo resultado pode estar disponivel em 4 a 6 horas. Além conizada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) para
disso, tal teste permite a diferenciação dos vários tipos de confirmação laboratorial do novo vírus foi a de transcrição
influenza (QUADRO 37 .3). reversa, associada à reação em cadeia, mediada pela poli-

QUADRO 37.1 -+ Pessoa.s que devem ser testadas para influenza


1rmr:r.mw.u,, jt\.).)jii@Wf',
- lmunocompetentes de qualquer idade com aho risco de complicações - Profissionais de saúde e visitantes em local sabido de epidemia de
apresentando slndrome febril aguda com sintomas respiratórios e gripe que se apresentam com síndrome febril aguda e sintomas
com até cinco dias do início dos sintomas. respiratórios, nos primeiros cinco dias do início dos sintomas.
- lmunocomprometidos de qualquer idade apresentando síndrome - Pessoas sabidamente ligadas a algum surto de influenza por viagens,
febril aguda e sintomas respiratórios independentemente do tempo cruzeiros, etc. nos primeiros cinco dias dos sintomas respiratórios.
de início dos sintomas.
- Pacientes hospitalizados de qualquer idade, imunocompetentes ou
imunodeprimidos, com febre e sintomas respiratórios, incluindo
aqueles com diagnóstico de pneumonia adquirida na comunidade,
independentemente do tempo de sintomas.
- Idosos e crianças com suspeita de sepse ou febre de origem
desconhecida.
QUADRO 37.3 ~ Interpretaçã o dos testes diagnósticos de triagem sos antivirais se modifica com o tempo e uso, o modelo de
para influenza resistência aos antivirais é encontrado na página eletrônica
do Centers for Disease Control and Prevention (CDC) ame-
Teste de triagem positivo em estação de influenza é mais provável de .
ncano.· '
ser verdadeiro-positivo O tratamento é recomendado para adultos e crianças
com infecção pelo vírus influenza que preecham os seguintes
Teste de triagem positivo fora de estação de influenza é mais provável critérios:
de ser falso-positivo (está indicado realizar PCR em tempo real)
Teste de triagem negativo em estação de influenza é mais provável de • Pessoas com diagnóstico confirmado por laboratório ou
ser falso-negativo altamente suspeitas de infecção pelo vírus da gripe com
alto risco de desenvolver complicações devem começar
Teste de triagem negativo fora de estação de influenza é mais o tratamento no prazo de 48 horas após o início dos sin-
provável de ser verdadeiro-negativo (está indicado realizar PCR em tomas. Poucos dados estão diponíveis para recomendar
tempo real) o tratamento após 48 horas do início dos sintomas. O
tratamento, nesse caso, é recomendado independente-
mente do status de vacinação ou da gravidade da doença .
• Pessoas com diagnóstico confirmado por laboratório ou
merase (RT-PCR), não sendo recomendada a imunofluores-
altamente suspeitas de infecção pelo vírus da gripe que
cência indireta.
necessitam de internação, independentemente do status
Thstes comerciais de diagnóstico rápido de influenza,
vacinal ou da presença de doença subjacente, devem co-
embora disponíveis e com resultados em 10 a 30 minutos,
meçar tratamento no prazo de 48 horas após o inicio dos
apresentam sensibilidade inferior em relação aos demais, e
sintomas.
em adultos a sensibilidade é menor do que 40%.
O tratamento deve ser considerado para adultos e crian-
Tratamento ças com infecção pelo vírus influenza que preecham os se-
Em indivíduos saudáveis, a infecção é autolimitada, sendo guintes critérios:
que para seu tratamento são utilizados apenas medicamentos
sintomáticos. Uma revisão sistemática sobre antivirais para • Pacientes ambulatoriais com alto risco de complica-
adultos hígidos não recomendou o uso sistemático, mas ape- ções, portadores de doença de base com evolução não
nas em situações de epidemias graves e paodemias.' Além favorável e com diagnóstico de influenza confirmado
disso, os vírus de influenza sofrem mutações e desenvolvem por exames laboratoriais em até 48 horas do início dos
resistência aos antivírais. Historicamente, a amantadina e sintomas.
a rimantadina eram ioibidores da maioria dos influenza A, • Pacientes ambulatoriais com diagnóstico confirmado
mas não dos influenza B. Já os inibidores da neuraminidase por laboratório ou altamente suspeitas de infecção pelo
(oseltamivir e zanamivir) têm atividade contra influenza A vírus da gripe que não apresentam risco aumentado de
e B, embora tenha sido relatada menor ativídade do oselta- complicações, com sintomas iniciados há 48 horas e que
mivir para influenza B. A partir de 2008 e 2009, foi relatada desejam encurtar a duração da doença e reduzir ainda
resistência do influenza A sazonal (HlNl) ao oseltamivir, mais o risco relativamente baixo de complicações. Aque-
mas não do H1Nl pandêmico. les com doença moderada a grave também com início há
Considerando que em nosso meio tais informações não 48 horas igualmente podem se beneficiar do tratamento
estão disponíveis e que o padrão de sensibilidade dos diver- (TABELA 37.1).

TABELA 37.1 ~ Dosagem de antivi rais para influenza em adultos

Ir !<Uiiilrl;IIIN
lnibidores da neuraminidase

- Oseltamivir 75 mg 2x/dia por 5 dias 75 mg lx/dia

- Zanamivir 2 inalações de 5 mg 2x/dia 2 inalações de 5 mg l x/dia

Adamantinas

- Rimantadinas 200 mg ao dia em dose única ou divididos em 200 mg ao dia em dose única ou divididos em
duas doses duas doses

- Amantadina 200 mg ao dia em dose única ou divididos em 200 mg ao dia em dose única ou divididos em
duas doses duas doses
Preven~áo TABElA 37.2 -+ Esquema vacina) para influenza
A vacinação contra inlluenza sazonal é realizada com as es-
tirpes virais mais representativas das cepas circulantes no
campo a cada ano, conforme monitoramento realizado pe-
los programas mundiais de vigilância de vírus da gripe. No 6 a 36 meses 0,25 1·2*
Brasil, existem redes de saúde sentinela e laboratórios que 3 a 8 anos 0,5 1·2*
monüoram tanto a circulação de cepas virais como a mor-
bidade por infecções respiratórias agudas e a morbimortali- <?:9 anos 0,5
dade associadas à circulação das cepas virais. A partir dessas
informações, são elaboradas as vacinas a serem aplicadas na • A segunda do,. com intttv~lo dt 4 • 6 meses.
próxima campanha vacina!.
A vacina, cultivada em ovos embrionados e inativada, é
normalmente aplicada nos grupos mais afetados após a in- comunidade, a quimioprofilaxia pode ser considerada para
fecção por inlluenzavírus, sobremaneira crianças e idosos, pessoas de alto risco de complicações durante duas semanas
ainda que os adultos sejam o grupo que mais dissemina o ví- após a vacinação. Está contraindieado o uso de oseltamivir
rus, mesmo que de modo assintomático. Existem duas apre- para proftlaxia em larga escala, sendo aconselhado apenas
sentações de vacina: uma forma é com vírus vivo atenuado, para situações especiais:
aplicada na forma de spray nasal, não utilizada no Brasil;
a outra forma usa vírus inativados com dois tipos de vírus • Adultos e crianças maiores de 1 ano de idade que têm
influem:a A e um inlluenza B, devendo ser repetida anual- alto risco de desenvolver complicações da influcnza,
mente, já que sua composição varia a cada ano em função quando a vacinação está contraindicada ou terá baixa
das cepas circulantes. A vacinação está indicada para ido- efetividade, como no caso de pacientes irnunocompro·
sos acima de 60 anos de idade e para pacientes com doenças metidos, bem como quando está indisponível.
crônicas c imunodepressáo, sendo indicada também como • Adultos não vacinados, principalmente profissionais da
medida auxiliar para controle de surtos institucionais ou saúde, como profissionais de laboratório que tenham ma-
hospitalares para os que pertencem aos grupos de risoo, caso nipulado amostras clínicas contendo o vírus sem utiliza-
ainda não tenham sido vacinados. ção de equipamento de prot.eção individual (EPI) e traba-
A profilaxia primária está recomendada para profissio- lhadores de saúde que estiveram envolvidos na realização
nais da saúde que atuam na assistência individual de casos de procedimentos invasivos ou manipulação de secreções
de infecção respiratória, para trabalhadores de asilos e cre- em um easo suspeito ou confirmado de infecção por in-
ches, para indígenas a partir de seis meses de idade e para a fluenza A sem uso de EPI e crianças maiores de 1 ano de
população carcerária, como forma de reduzir o potencial de idade que são contatos diretos de pessoas com alto risco
transmissão da doença em comunidades fechadas e grupos de desenvolver complicações da inlluenza durante perlo-
mais vulneráveis à infecção. Após a vacinação em adultos dos de atividade da doença na comunidade.
saudáveis, a detecção de anticorpos protetores ocorre entre • Moradores de instituições (vacinados ou não vacinados)
uma e duas semanas e seu pico máximo é após 4 a 6 semanas. que estão enfrentando um surto de gripe.
A vacina está contraindicada em pessoas com história de
reação de hipersensibilidade do tipo anaftlática a proteínas A dose recomendada de profilaxia é de 75 mg, uma vez
ao dia, por 1Odias.
do ovo de galinha e em indivíduos com história pregressa de
síndrome de Guillain-Barré (TABElA 37.2).
Duraçáo da profilaxia
• A quimioprofilaxia pode ser interrompida duas semanas
após a vacinação de pessoas não institucionalizadas. As
crianças com menos de 9 anos de idade que receberam
a vacina pela primeira vez devem receber duas doses da
vacina, com intervalo de quatro semanas entre as duas
doses. Desse modo, crianças precisam, no mínimo, de
seis semanas de profilaxia.
• Quando a quimioprofilaxia é usada nos contatos após
diagnóstico de inlluenza em um membro da família, deve
ser mantida por 10 dias.
• Em pessoas com alto risco de complicações, quando a
vacina é contraindicada ou tem baixa efetividade, a pro-
ftlaxia deve ser mantida enquanto o vírus estiver circu-
Quimioprofilaxia lando na comunidade.
A vacinação contra inlluenza é a principal ferramenta para • Após um surtO institucional, a quimioprofilaxia antiviral
prevenir a gripe, e a quimioproftlaxia não é um substituto deveria ser continuada por 14 dias, ou por sete dias após
para a vacina. Quando o vírus da gripe está circulando na o inicio dos sintomas da última pessoa infectada.
topados, não segmentados, dotados de genoma de RNA de
Medidas não farmacológicas fita simples com sentido negativo (ssRNA-).
~ Realizar higiene das mãos com água e sablo. O bRSV é o agente vira! mais bem caracterizado nes-
~ Evitar tocar olhos, nariz ou boca após contato com te grupo, associado à doença do trato respiratório inferior.
superfícies. Recentemente, foi identificado um novo patógeno humano
~ Orientar para que o doente evite sair de casa enquan- pertencente à subfamllia PneumoviriMe, o metapneumoví-
to estiver em período de transmissAo da doença (até rus humano (hMPV), que possui semelhanças com o hRSV
cinco dias após o início dos sintomas). na sua organização genõm ica, estrutura víral, antigenicidade
~ Evitar entrar em contato com outras pessoas susce- e sintomas cUnicos. O vírus apresenta como característica a
tiveis. sazonalidade. Nos países de clima temperado, como Estados
~ Evitar aglomerações e ambientes fechados (manter Unidos, Japão, Reino Unido e Argentina, os surtos ocorrem
os ambientes ventilados). principalmente durante os meses de inverno. Nas regiões
~ Observar repouso, alimentaçlo balanceada e onges- de clima tropical e subtropical, os surtos têm uma distribui-
tlo de líquidos.
ção diferente ao longo do ano. Na Austrália e no Brasil, em
particular no sudeste, foram relatados surtos de hRSV com
inicio no outono, estendendo-se até o inverno, com picos de
incidência no mês de maio.
Pneumonias, bronquites e bronquiolites O hMPV foi isolado pela primeira vez em 2001 na Ho-
landa, a partir de um caso de pneumonia. O vírus apresenta
causadas por pneumovírus como característica o acometimento pulmonar, com padrão
semelhante àquele causado pelo hRSV, estando associado
Parainfluenzavirus sobretudo aos casos de bronquiolite e pneumonia. Estudos
Dentre os agentes causais de quadros que envolvem tan- sorológicos realizados na época do primeiro isolamento
to o trato respiratório superior quanto o inferior, estão os do vírus revelaram que a maioria das crianças na Holanda
parainfluenzavírus humanos (hPIV), membros da famflia com aproximadamente cinco anos havia sido infectada pelo
Paramyxoviridae, subfamília Paramyxovirinae, cujos vírions hMPV. Estudos posteriores relataram que o início da circu-
envelopados contêm um genoma composto de RNA de fita lação do vírus na população humana é datado de cerca de 50
simples de polaridade negativa (ssRNA-). Os soro tipos que anos atrás, sugerindo que o vírus não transpôs recentemente
mais causam infecções em seres humanos são hPIV-1, -2 e seu reservatório natural, de modo que ainda existem dúvidas
-3. As infecções são mais frequentes nos meses de inverno, sobre a origem desse novo agente.l
com exceção do hPIV-3, cujo pico é comumente relatado na A transmissão do hRSV ocorre pelo contato direto com
primavera. secreções de pessoas infectadas ou objetos contaminados. O
As manifestações clínicas vão desde quadros semelhan- hRSV está associado a bronquiolite e pneumonia durante os
tes aos descritos para o resfriado comum até pneumonias e primeiros anos de vida. Bronquiolite e pneumonia ocorrem
bronquiolites, sendo a infecção do trato respiratório inferior mais frequentemente entre seis semanas e nove meses de
mais comum em crianças. A participação do hPIV no qua- vida, com pico de incidência de infecções do trato respirató-
dro geral das enfermidades infecciosas do trato respiratório rio inferior entre 2 e 7 meses, correspondendo à diminuição
varia de 5 a 25%, dependendo do local de estudo, sendo a dos títulos de anticorpos matemos. Após infecção natural
segunda causa da infecções do trato respiratório inferior em pelo hRSV, a proteção contra reinfeoções tem curta duração,
crianças, atrás apenas do vírus respiratório sincicial humano. e as reinfecções costumam ser observadas em crianças me-
Em crianças. o primeiro sinal característico é a febre, mui- nores de dois anos. Reinfecções em adultos também ocor-
tas vezes seguida de coriza de aspecto seroso a seromucoso, rem, porém com sinais clínicos brandos, sugerindo que a
crupe, tosse e congestão nasal. Naqueles casos que evoluem gravídade da doença diminui após reinfecções consecutivas.
para pneumonia, podem ocorrer espirros, taq uipneia, taqui- Embora somente 1% das crianças infectadas precisem de
cardia, sibilãncia e retração supraesternal. Em crianças mais hospitalização, apenas nos Estados Unidos estima-se que 50
velhas e adultos, as manifestações clínicas normalmente são a 90% das hospitalizações sejam atribuídas a casos de bron-
mais brandas e restritas ao trato respiratório superior. quiolite, e 20 a 50%, a casos de pneumonia. A presença do
bMPV tem sido descrita mundialmente com incidência do
vírus em 1,5% a 41% dos casos estudados.
Pneumovirus O hRSV replica-se nas células do trato respiratório,
O vírus respiratório sincicial humano (hRSV) e o metapneu- onde causa um processo inflamatório, que inclui destruição
movírus humano (hMPV) são os principais agentes causado- do epitélio, edema e aumento de produção de muco. Após
res identificados nas infecções respiratórias agudas (IRAs) um período de incubação médio de 3 a 5 dias, o quadro clí-
em bebês. As IRAs representam importante causa de mor- nico inicia-se com sintomas das vias aéreas superiores, e pro-
bidade e mortalidade em crianças no mundo todo. Os hRSV gride com o acometimento das vías aéreas inferiores, sendo
e os hMPV, membros da ordem Mononegavirales, famflia a bronquiolite a manifestação mais encontrada. Quadros
Paramyxoviridae, subfamflia Pneumoviriruu, são vírus enve- clínicos mais graves- caracterizados por apoeia ou insufi-
ciência respiratória grave, predominantemente obstrutiva - 2. Center for Disease Control and Prevention (Internet). Atlanta:
ocorrem sobretudo em crianças prematuras menores de seis CDC; 2011 [atualizado em 27 maio 2011; capturado em 31 maio
meses de idade, e nas portadoras de doenças prévias, como 2011 ]. Disponível em: http:/Jwww.cdc.gov/ flui.
cardiopatias congênitas, pneumopatias e imunodeficiências. 3. Falsey AR. Human metapncumovirus irúcetion in adults. Pcdiatr
Otite média também foi relatada em associação com infec- Infcet Dis J . 2008;27(10 Suppi):Silú-3.
ção pelo hRSV, em especial em pacientes adultos, mesmo na
ausência de sintomas respiratórios.
Os sintomas clínicos observados em crianças infectadas
com hMPV são similares aos observados na infecção pelo
Leituras recomendadas
Arden KE, Mackay IM. Newly identified human rhinoviru-
hRSV. Crianças infectadas pelo hMPV apresentam um au-
scs: molecular mcthods hcat up Lhe cold viruscs. Rcv Med Virol.
mento dos níveis de IL-8 nas secreções respiratórias. Alguns 20!0;20(3):!56-76.
estudos têm relatado a associação do hMPV com a poten-
cialização de crises de asma em crianças e adultos, exigindo lnfluenza (gripe). In: Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de
Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância Epidemiológi-
internação hospitalar.
ca. Guia de vigilância epidemiológica. 7. cd. Brasília: Ministério da
Saúde; 2009. p. 1-24, caderno 1.
Bocavírus Call SA, Vollenweider MA, Hornung CA, Simcl DL, McKinney WP.
Uma virose emergente do trato respiratório inferior, espe- Does this paticnt havc influcnza? JAMA. 2005;293(8):987-97.
cialmente em crianças, é causada por um agente vira! descri- Easton AJ, Domachowske JB, Roscnberg HF. Animal pncumovi-
to em 2005, nomeado bocavírus humano (HBoV). O HBoV ruscs: molecular genetics and pathogenesis. Clin Microbiol Rcv.
- um membro da fanu1ia Parvoviridae, não envelopado, com 2004;17(2):390-412.
genoma composto de DNA de fita simples (ssDNA)- está
Goins WP, Talbot HK, Talbot TR. Hcalth carc-acquired vira! rcspi-
geneticamente relacionado com os parvovírus bovino e par-
ratory diseascs. lnfect Dis Clin North Am. 2011;25(1):227-44.
vovírus canino tipo 1, ambos com pouca virulência para seus
hospedeiros naturais (ainda que se encontre na literatura Harpcr SA, Bradley JS, Englund JA, File TM, Gravenstein S, Hay-
uma relação errônea com o parvovírus canino tipo 2, este dcn FG, et al. Scasonal influcnza in adults and childrcn - diagnosis,
sim bastante virulento). Embora derivado de congêneres treatment, chcmoprophylaxis, and institutional outbreak manage-
mcnt: clinicai practice guidclincs of the lnfectious Disease Society
pouco apatogênicos para seus hospedeiros naturais, o HBoV
of Amcrica. Clin lnfcct Dis. 2009;48(8):1003-32.
está associado a casos de infecções respiratórias agudas e en-
terites em crianças. Além da linhagem relatada inicialmente H ui DS, Chan PK. Scvere acute respiratory syndrome and coronavi-
em 2005, já em 2009 identificou-se um novo tipo de HBoV, rus. lnfect Dis Clin North Am. 2010;24(3):619-38.
nomeado HBoV-2, também relacionado com distúrbios res- Hustcdt JW, Vazqucz M. The changing face of pcdiatric rcspiratory
piratórios em crianças, demonstrando a rápida evolução e tract infcctions: how buman mctapncumovirus and human boca-
considerável diversidade genética dos HBoV. vírus fit into thc overall etiology of rcspiratory tract infcctions in
Infecções por HBoV foram relatadas em diversos paí- young childrcn. Yalc J Biol Mcd. 2010;83(4):193-200.
ses, incluindo o Brasil, em taxas que variam de 1 a 19% dos Kunisaki KM, Janoff EN. lnflucnza in immunosupprcsscd popula-
casos de doenças infecciosas do trato respiratório. Crianças tions: a revicw of infection frcquency, morbidity, mortality, and vac-
com idades entre seis meses e dois anos são as mais afeta- cine rcsponscs. Lancet lnfect Dis. 2009;9(8):493-504.
das, enquanto os recém-nascidos podem ser protegidos de
Kunz AN, Ottolini M. Thc role of adcnovirus in rcspiratory tract
manifestações clínicas evidentes pela presença de anticorpos
infections. Curr Infect Dis Rcp. 2010;12(2):81-7.
matemos. Ainda não há dados suficientes que atestem uma
clara distribuição sazonal das infecções por HBoV, diferindo Pcng D, Zhao D, Liu J, Wang X, Yang K, Xicheng H, et ai. Multi-
do relatado para outros agentes que infectam o trato res- pathogcn infcctions in hospitalizcd childrcn with acutc rcspiratory
infections. VirolJ. 2009;6:155.
piratório, embora estudos preliminares apontem uma ten-
dência para a concentração dos casos nos meses de outono Riccetto AG, Silva LH, Spilki FR, Morcillo AM, Aros CW, Baracat
e inverno. EC. Gcnotypcs and clinicai data of rcspiratory syncytial virus and
Os sinais clínicos de infecções do trato respiratório por mctapncumovirus in Brazilian infants: a ncw pcrspective. Braz J 1n·
HBoV incluem espirros, coriza, bronquiolite e pneumonia. fect Dis. 2009;13(1):35-9.
Assim como em outras viroses respiratórias, as coinfecçóes Thavagnanam S, Christic SN, Dohcrty GM, Coylc PV, Shiclds MD,
com outros vírus podem ocorrer de forma comum, chegando Hcancy LG. Respiratory vira! irúection in lowcr airways o f asympto·
a 50% dos casos estudados. matic childrcn. Acta Pacdiatr. 2010 Mar;99(3):394-8
Thompson WW, Shay DK, Wcintraub E, Brammer L, Bridges CB,
Cox NJ, ct al. lnflucnza-associatcd hospitalizations in thc Unitcd
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38
EIII Essas manifestações são acompanhadas de uma opacidade
pulmonar nova na radiografia do tórax, que se caracteriza pelo
Pneumonia adquirida na preenchimento dos espaços aéreos e adjacências, denomina-
da consolidação. Devido ao baixo valor preditivo dos sinais e
comunidade sintomas para o diagnóstico, a avaliação radiológica do tórax é
Ricardo de Amorim Corrêa necessária para confumação e avaliação de possfveis diagnósti-
Paulo José Zimermann Teixeira cos diferenciais. A doença ocorre fora do ambiente hospitalar,
embora, ocasionalmente, as manifestações possam aparecer
em até 48 horas após eventual hospitalização.

Definições
A pneumonia é um processo inflamatório agudo do parên- Epidemiologia
quirna pulmonar, na grande maioria das vezes resultante da
invasão dos espaços aéreos por agentes microbiológicos. A PAC tem incidência estimada entre 2 e 12 casos/1.000 ha-
bitantes por ano, sendo a sexta causa de óbito nos Estados
Unidos e a primeira por doença infecciosa, estimando-se 5,6
milhões de casos anuais e 1,1 milhões de internações. A inci-
~ ATENÇÃO dência varia com a faixa etária, sendo superior entre crianças
menores de cinco anos e pacientes idosos (FIGURA 38.1.1).
Do ponto de vista clinico, a pneumonia adquirida na A hospitalização pode ser necessária em 12 a 20% dos
comunidade (PAC) caracteriza-se pelo aparecimento pacientes, sendo que 5 a 10% apresentam doença grave com
de manifestações agudas do aparelho respiratório necessidade de tratamento em unidade de terapia intensiva
(tosse e ao menos mais um entre expectoração, dor (UTI). A taxa de mortalidade varia de acordo com a forma
torácica e dispneia), pela presença de sinais focais de apresentação e as caractcr!sticas do hospedeiro, sendo
ao exame ffsico do tórax na dependência da exten- de 0,1 a 5% nos pacientes ambulatoriais; nos hospitalizados,
são do comprometimento pulmonar (estertores cre- pode alcançar 12%, e dentre os portadores de PAC grave que
pitantes e macicez à percussão torácica) e por pelo necessitam de admissão em UTI, pode chegar de 30 a 50%.
menos um sinal de comprometimento sistêmico Segundo dados do Sistema Único de Saúde (SUS), cer-
(sudorese, calafrios, febre igual ou superior a 38"c, ca de 1.900.000 casos anuais são atendidos por esse sistema,
tremores ou mialgias). com cerca de 24.000 óbitos em pacientes com idade superior
a 15 anos (2006), correspondendo à quana causa de morte
4(),0 se identificam os agentes etiológicos, e 2 a 5% apresentam
flora polimicrobiana. Métodos de biologia molecular em es-
35,0
pécimes respiratórios e pesquisa do antígeno pneumocócico
30,0 na urina demonstraram que boa parte desses casos se deve
25,0 também ao S. pneumcniae. Em relação aos anaeróbios, a sua
~
incidência é incerta, uma vez que a investigação microbio-
20.0 lógica na maioria dos estudos utiliwu amostras de escarro,
15,0 que é inadequado para o isolamento deste grupo.
Na PAC grave, os agentes envolvidos são S. pneumoniae
10,0 em 20%, bastonetes gram-ncgativos em 10%, Legianella pneu-
5,0 mophila em 7%, H. influenzae em 6% e S. aureus em 5% dos
casos. M. pneUJTU)niae é causa esporádica de pneumonia grave.
o.o Em um levantamento de estudos etiológicos europeus,
<5 5. 14 15. 59 60. 74 > 75 Idade
a prevalência do S. pneumoniae foi de 35,3%, M. pneumo-
AGURA 38.1.1 -+ Incidência da PAC segundo a faixa et.lria. niae 9,0%, C. pneumoniae 6,3%, vírus 6,6% e H. injluenzae
11,8%. Em 47,7% dos casos, o agente não pôde ser isolado.
Em crianças, bactérias e vírus são responsáveis por 80%
das doenças respiratórias em geral. A etiologia bacteriana
entre os adultos. Os custos com o tratamento giram em tor· advém principalmente de estudos onde os agentes foram
no de 137 milhões de reais. A PAC é a causa mais frequente isolados por meio de aspirados em crianças admitidas no
de hospitalização entre as doenças respiratórias. O risco de hospital antes de receberem tratamento antimicrobiano. Os
morte aumenta também em função da idade. principais patósenos são S. pneumoniae, H. influenzae e S.
aureus. Porém, tal causa parece variar com idade e condição
básica de saúde da criança.
Causas Em crianças com menos de 3 meses, os principais pató·
genos são S. aW'I!us, enterobaetérias, Streptococcus do grupo
De maneira geral, qualquer microrganismo pode causar A e B, Chlamydia trachomatis, Mycop/asma hominis, Urea-
pneumonia, mas um número relativamente pequeno de plasma urealyticum, Pneumocystis jirovecü, vlrus respirató-
microrganismos responde pela maioria absoluta dos casos. rios e citomegalovírus. O S. pneumoniae e o H. influenzae
O Streprococcus pneUJTU)niae é o agente mais frequente em também podem ocorrer. Entre 3 e 24 meses de idade, pre-
todas as formas de apresentação e de gravidade, vindo a se- dominam S. pneumoniae, H. influenzae e vírus respiratórios.
guir Haemophilus influenzae, Mycoplasma pneumoniae, Chla- S. aureus, enterobactérias eM. pneumoniae também podem
mydophila pneumoniae, Legionella sp., variando de acordo causar pneumonia nesta faixa etária.
com as séries apresentadas. Nas crianças com mais de 2 anos, S. pneumoniae e H.
Outros agentes são as enterobactérias, Pseudomonas influenzae são os agentes mais importantes. M. pneumoniae
aeruginosa, Staphy/ococcus aureus, anaeróbios e vírus respi· também pode ser encontrado nessa faixa etária, aumentando
ratórios (influenza, adenovlrus, vlrus respiratório sincicial, sua importância após os 5 anos.
parainfluenza, coronavírus). PAC por Acinetobacter sp. tem Nos imunodeprimidos, além dos agentes frequentes para
sido descrita com índices de morbimortalidade piores dos sua faixa etária, aparecem os bacilos gram-negativos, P. jiro·
que os vistos nos casos adquiridos no ambiente hospitalar. vecii, Mycobacterium tuberculosis, L. pneUJTU)phi/a e fungos
As manifestações clinicas não guardam relação com o agen- (FIGURA 38.1. 2).
te etiológico, e sim com a natureza da resposta inflamatória
do hospedeiro. Há superposição das manifestações clínicas
causadas por germes como M. pneumoniae, Legionella sp., Agentes etiológicos mais frequentes
C. pneumoniae e vlrus respiratórios com aquelas associadas Streptococcus pneumoniae
aos demais agentes, conforme demonstrado em diversas pu· O S. pneumoniae é uma bactéria gram-positiva que causa
blicações. Estima-se que tais germes sejam responsáveis por uma alveolite resultante de inóculo aspirado. As manifesta·
eerea de 30% dos casos ambulatoriais e 15% dos int.c rnados. ções clinicas ocorrem de maneira súbita, acometendo indiví-
Raras vezes a confirmação da etiologia é obtida. Re- duos previamente hlgidos ou em concomitância com estados
centemente, dados etiológicos de pacientes ambulatoriais gripais prolongados. As manifestações iniciais mais frequen-
demonstraram a seguinte prevalência: S. pneumoniae em tes são tosse, a qual se toma mais tarde produtiva, com ex-
22%, M. pneumoniae em 18%, C. pneumoniae em 16%, ví- pectoração purulenta, dor torácica ventilatório-<lependente,
rus em 10%, H. influenzae em 4% eLegionel/a sp. em I% ou febre, cefaleia, mialgias, taquipneia e taquicardia. O escarro
menos dos casos. por vezes assume aspecto sanguinolento ou ferruginoso, si-
Em pacientes hospitalizados por PAC, as causas mais milar a "cor de tijolo". Herpes labial pode ocorrer concomi-
frequentes são S. pneUJTU)niae (17%), M. pneumoniae (6%), tantemente nessa enfermidade.
C. pneumoniae (6%), Legionel/a sp. (4%), vírus respirató- A imagem radiológica é apresentada com uma opacifi-
rios (7% ), bastonetes gram-negativos (2% ), S. aurtUS (1%) eação confluente e homogênea de padrão alveolar, compro·
e P. aeruginosa (menos de 1%). Em 40 a 60% dos casos não metendo pane ou a totalidade de um ou mais lobos. O bron-
30
1,.8
25
li ~ 20
20
o Atípicos

Cl M . pneumoniae
15
IJ C. pneumoniae

10 I-- o l.pneumophila
!::: r<=i

í
f-

o
EUNCanadá
f Europa
~
Amlatina Ásia{África
FIGURA 38.1.2 ? Patógenos atípicos e pneumonia ad-
quirida na comunidade.
Fonte: Adaptada de Arnold e colaboradores.'

cograma aéreo, que por vezes pode não ser identificado à empiema. Pode iniciar de maneira repentina, com calafrios,
radiografia, torna-se mais evidente à tomografia computadori- febre, dor pleural, tosse produtiva, podendo apresentar es-
zada de tórax. O derrame pleural, comumente ipsilateral, cos- carro purulento ou sanguinolento e até mesmo grande com-
tuma ser de pequeno volume, regredindo rápido. Na suspeita prometimento do estado geral, com taquipneia, taquicardia,
clfnica de empiema, com um exame de imagem confirmando cianose e choque séptico. Deve-se investigar cuidadosamen-
derrame pleural, a toracocentese é obrigatória e urgente. te a pele à procura da porta de entrada (p. ex., lesões cutâne-
A resistência do S. pneumoniae à penicilina e a outros anti- as), uma vez que em adultos a via bemática é a mais comum.
bióticos tem alertado a comunidade cienúfica e médica quanto O aspecto radiológico pode assumir inicialmente uma
ao uso abusivo de antibióticos, que parece ser um dos fatores aparência de infiltrados redondos, únicos ou múltiplos, es-
responsáveis. Entretanto, a definição de resistência, utilizada cavados ou não, distribuídos em ambos os hemitóraces, de
até recentemente, baseava-se em padrões de cepas isoladas padrão alveolar, pouco densos, com pequenas áreas de ate-
em casos de meningite, o que explica a frequente dissociação lectasias intercaladas de parênquima normal. Em alguns ca-
clinica verificada entre tais testes e a boa resposta clínica, ob-
sos, simulam metástases. As lesões, com o tempo, resultam
servada ao tratamento com betalactâmicos e outros agentes. em formações cavitárias, de paredes finas, contornos regu-
Os pontos de corte da concentração inibitória mínima
lares e conteúdo líquido, conhecidas como pneumatoceles.
(CIM) foram redefinidos em 2008 para amostras do tra-
O comprometimento pleural é mais frequente nessa fase,
to respiratório e são atualmente considerados sensível (2
ocasionando um derrame inicialmente serofibrinoso e que
mg!L), intermediário ( 4 mg!L) e resistente (8 mg!L). Embo-
evolui, mais tarde, para empiema. Abscesso pulmonar pode
ra a preocupação persista e os cuidados devam ser mantidos
ser visualizado ao exame de imagem.
no sentido de prevenir a emergência de cepas resistentes, e
de acordo com essa nova definição e os dados microbioló- Um aspecto importante a ser observado é a emergência
gicos disponíveis, no Brasil, as cepas de S. pneumoniae são de cepas de S. aureus adquiridas na comunidade e resistentes
consideradas uniformemente sensíveis à penicilina. à oxacilina, que se apresentam na forma de infeoção cutânea
e lesões disseminadas. Esta bactéria tem sido identificada
como portadora do gene produtor de toxina chamada leuco-
StaphyiCKoccus aureus cidina Panton-Valentine.
O S. aureus é uma bactéria gram-positiva, coagulase-positiva,
esférica (aos pares, em tétrades, conglomerados ou em cacho
de uva) que acomete preferencialmente indivíduos com defe- Haemophilus influenzae
sas locais ou sistêmicas comprometidas, os quais muitas vezes Na pneumonia por H. influenzae (cocobacilo gram-negati-
exigem tratamento hospitalar. A patogenia pode ocorrer por vo), a infecção ocorre via inalatória por meio de gotículas
duas vias: na primeira, o germe coloniza a nasofaringe de seu aerossolizadas. As manifestações podem ser súbitas ou pre-
portador, de onde é aspirado para o pulmão, alcançando os cedidas por infecção do trato respiratório superior. O qua-
alvéolos (via brônquiea, endógeno-aspirativa). Na segunda, a dro clínico pode ser semelhante ao que ocorre na pneumo-
via hematogênica, que parece ser a preferencial, surge a par- nia pneumoeócica. Nos pacientes portadores de enfisema e/
tir de focos cutâneos ou de outros tecidos à distância. ou com bronquite crônica, esse bacilo é o primeiro agente a
A apresentação mais característica é de um paciente ser pensado no diagnóstico de pneumonia.
com sintomas de "gripe-resfriado" cujo quadro subitamente No exame de imagem, predomina o comprometimento
se agrava (mal-estar geral, calafrios, febre alta, dor pleuríti- dos lobos inferiores, com aspecto de infiltrado intersticial
ca e tosse produtiva). O envolvimento pleural é frequente, ou, evolutivamente, de consoüdação. Derrame pleural esté-
precoce e muitas vezes grave, sendo possível a ocorrência de ril ou empiema ocorre em até 25% dos casos.
Moraxe/la ciffarrllalis tosse, odinofagia, calafrios e febre. Ao exame físico, pode-
M. catarrhalis é um diplococo gram-negativo, e a infecção se -se encontrar taquipneia, sinais de faringite, eritema timpâ-
dá por via aspirativa-endógena, favorecida pela capacidade nico (em um terço dos casos), miringite bolhosa (mais rara),
do germe de aderir às mucosas. Nos adultos, principalmente erupções cutâneas, estertores e sibilãncia.
idosos com doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC), O exame radiológico pode ser normal nas primeiras 24
podem ocorrer surtos agudos de bronquites purulentas, a 48 horas. Não há um padrão patognomônico, mas predo-
broncopneumonias e infecções tanto de vias aéreas supe- mina infiltrado intersticiallocalizado preferencialmente em
riores como inferiores. Clinicamente se apresenta com tosse bases pulmonares, com acometimento segmentar ou subseg-
produtiva, bem como sinais e sintomas de broncospasmo. mentar, raras vezes ocupando todo o lobo. O infiltrado é tê·
As alterações radiológicas são muito discretas ou não nue e homogêneo e tem limites imprecisos, podendo evoluir
identificáveis. Podem ocorrer infiltrados disseminados sem de forma a tomar-se mais denso na sua parte central, sendo
consolidação. Formas lobares tendem a evoluir para necrose. acompanhado ou não de atelcctasia.

Klebsielfa pneumoniae Legionelfa sp.


K. pneumonwe é um bacilo encapsulado gram-negativo, da A doença dos legionários é causada por um cocobacilo fran-
família das Enterobacteriaceae. Sua patogenia é decorren- camente gram-negativo denominado Legionella pneumo-
te de aspiração de secreções orofaríngeas. A colonização da phila. Esse agente causa cerca de 1 a 16% das pneumonias
faringe ocorre em 1 a 6% dos indivíduos aparentemente nor- comunitárias nos Estados Unidos, na Europa, em Israel e na
mais e em 30% dos alcoólatras que frequentam ambulató- Austrália. A via de contágio é inalatória, por meio de partí·
rios. A infecção por via hematogênica é ocasional, e os focos culas de aerossol. A infecção pode se iniciar com sintomas
de origem são o aparelho geniturinário, digestivo e as feridas extrapulmonares gastrintestinais {diarreia, vômito e náusea),
cirúrgicas contaminadas. neurológicos (cefaleia, confusão mental, agitação), renais
A doença em geral atinge indivíduos previamente com- (hematúria, proteinúria e insuficiência), musculoesqueléti·
prometidos e tem maior incidência em homens acima de 50 cos (mialgias e artralgias) ou com manifestações laborato-
anos e em alcoólatras. O inicio dos sintomas é súbito com ex- riais eletroüticas (hipocalemia e hiponatremia).
pectoração abundante, viscosa, densa, purulenta ou mucos- A doença pode ser grave, às vezes fatal, ou assumir uma
sanguinolenta. O paciente pode se apresentar em choque, forma subclinica, mais indolente, manifestando-se apenas
gravemente enferrno, cianótico, taquipneico e com calafrios. por febre - a febre de Pontiac - , na qual as taxas de anti·
Sintomas gastrintestinais são frequentes e incluem náuseas, corpos específicos apresentam-se em níveis bem elevados.
vômitos, diarreia e icterícia. Sugerem o diagnóstico, conglomerados humanos em am-
Radiologicamente, os segmentos posteriores dos lobos bientes confinados, como escritórios com ar-condicionado,
superiores, os segmentos superiores dos lobos inferiores e a ou lugares com água parada (p. ex., casas de praia com su-
região subaxilar bilateral são os locais com maior probabili- primento de água provido por caixas d'água contamidas e
dade de aspirar os êmbolos sépticos quando o paciente está pouco utilizadas e lagoas).
em decúbito dorsal. Nas formas clássicas, há abaulamento As alterações radiológicas são precoces, com um infilttado
da fissura interlobar correspondente, cuja direção é contrá- de padrão tipicamente alveolar. Em geral esses inftltrados são
ria ao lobo acometido, decorrente do aumento de volume do localizados, unilaterais, de preferência comprometendo os lo-
lobo devido ao grande edema periférico na proximidade da bos inferiores c muitas vezes se tornando bilaterais mesmo sob
fissura. Focos múltiplos de consolidação tendem a coalescer tratamento correto. Algumas vezes, pode simular síndrome da
e a formar abscessos por nccrose das paredes alveolares. Há distrição respiratória do adulto (SDRA) e tromboembolismo
preferência pelos lobos superiores, sobretudo o lobo superior pulmonar. As lesões podem evoluir para cavitações insufladas,
direito. Thberculose, pneumonia pneumocócica e pneumonia sobremaneira em imunodcprimidos. Comumente comprome-
estafllocócica simulam radiologicamente essa doença. te a pleura. A consolidação pode perdurar por até !rês meses
em média, mesmo na vigência de antibioticoterapia.
Mycoplasma pneumoniae
M. pneumonwe tem propriedades comuns a bactérias e vírus, Chlamydia sp.
não apresenta parede e contém DNA e RNA. As pneumo- As clamidias são germes gram-negativos ou lábeis e intrace-
nias por esse agente são mais comuns entte jovens e adoles- lulares obrigatórios. A penetração de Chlamydophila psittaci
centes e raras após os 50 anos de idade. Não há preferência ocorre por aerossol nas vias respiratórias, onde o germe se
climática, mas a incidência da doença aumenta em uma pe· multiplica disseminando-se pela corrente sanguínea para
riodicidade de três a cinco anos. A incidência é maior em diversos órgãos nas duas semanas seguintes. Seguem-se fe-
comunidades que convivem em lugares fechados (orfanatos, bre, calafrios, odinofagia, cefaleia difusa e intensa, mialgia,
penitenciárias, acampamentos, escolas, asilos). O contágio anorexia, náusea, vômito, fotofobia, epistaxe, tosse e expec-
se dá por via inalatória, quando o germe, aderindo-se ao epi· toração, às vezes sanguínea. Hepatoesplemomegalia é fre-
télio brônquico, lesa os cílios. quente. São raros os sinais de derrame pleural. Podem surgir
O início das manifestações pode ser súbito ou ocorrer manchas transitórias semelhantes às que aparecem na febre
de forma gradual e caracteriza-se por mal-estar, cefaleia, tifoide (manchas de Horder). A doença pode acometer um
grande número de indivíduos que tenham tido contato com piratório sincicial); por inalação de pequenas partículas de
aves contaminadas. aerossol (influenza, sarampo, varicela-zóster); e por inalação
Radiologicamente, observa-se infutrado intersticial bila- de partículas de aerossol maiores a curta distância (várias
teral, podendo surgir consolidação lobar ou segmentar. Os outras viroses).
gânglios mediastinais costumam estar comprometidos. Não há sintomas específicos dos vírus, e a distinção entre
C. pneunumiae vem se tornando uma importante causa pneumonia bacteriana e vira! é, muitas vezes, dificil. Embora
de infecção respiratória, além de também estar associada a muitos agentes bacterianos possam associar-se secundaria-
arteriosclerose, coronariopatias, endocardite, miocardite e mente a uma infecção virótica, os mais comuns são S. aureus
sarcoidose. Há uma predileção por idosos. A forma de apre- e S. pneumoniae.
sentação da pneumonia costuma ser mais branda, simulando As alterações radiológicas em casos de pneumonia vira!
inicialmente um resfriado comum. não são características o suficiente para distingui-las daque-
C. trochomatis acomete mais crianças, causando traro- las de causa bacteriana. Hlperinsuflação pulmonar pode es-
ma, ceratoconjuntivite crônica, podendo levar à cegueira, tar presente. Adenopatia hilar e inflltrado reticulonodular
linfogranuloma venéreo e pneumonias em recém-nascidos. são comuns nas infecções pelo vírus do sarampo, influenza e
À radiografia de tórax, verifica-se infiltrado intersticial di- adenovírus. Pontilhados densos difusos, muitos deles calcifi-
fuso, acompanhado de hiperinsuflação. O germe pode ser cados, podem ser encontrados na pneumonia por varicela. O
encontrado na secreção colhida da nasofaringe corada por vírus respiratório sincicial pode estar associado a pequenas
Giemsa, que é positiva em 90% dos casos. áreas de atelectasia intercaladas com parênquirna de aspecto
normal. Podem ocorrer infiltrados bilaterais e difusos, seme-
lhantes aos encontrados na SDRA
Anaeróbios (pneumonia aspirativa)
As espécies de anaeróbios gram-negativos isolados com
maior frequência são Bacterioides, Fusobacterium e Peptos-
treptococcus, este gram-positivo. Menos comumente, tem-se
Quadro clínico
Eubacterium, Clostridium, Lactobacillus, Proprionibacterium A forma de apresentação clínica da PAC varia em função de
c Actinomyces, todos bacilos gram-positivos. Os anaeróbios características do hospedeiro, como idade, estado imunoló-
costumam estar presentes em 20 a 30% das pneumonias em gico e presença de comorbidades. Os achados c](nicos não
geral. Seu diagnôstico é sugerido pelo relato de episódio de permitem a distinção entre os diversos agentes etiológicos,
perda de consciência e hálito fétido. O diagnóstico deve ser uma vez que a resposta inflamatória e o estado imunológico
suspeitado em casos de pneumonias graves em pacientes com do hospedeiro são os seus principais determinantes. Dessa
infecção periodontal, da faringe e da boca, dentes em mau maneira, a denominação de pneumonia típica ou atípica, ba-
estado de conservação e higiene precária da cavidade oral. seada na apresentação clfnica, não deve ser utilizada como
O quadro clliúco é variável, com tosse, expectoração de parâmetro de presunção do agente etiológico. Entretanto,
material fétido, dor pleurítica, emagrecimento c febre. A evo- uma história detalhada de exposição, viagens, hábitos de
lução é crônica, podendo gerar complicações graves, como vida, história médica pregressa e alguns achados clínicos e
bemoptise maciça, abscesso cerebral c piopneumotórax. radiológicos podem sugerir agentes etiológicos específicos e,
Diversos padrões radiológicos são descritos dependendo dessa forma, permitir a utilização de esquemas antimicrobia-
da fase evolutiva da doença: infiltrados de padrão alveolar nos direcionados (QUADRO 38.1.1).
localizados nos segmentos gravitacionais-dependentes mais A maioria dos pacientes com PAC apresenta febre, cala-
sujeitos à aspiração; consolidação segmentar, lobar ou irre- frios, tosse, dispneia e, ocasionalmente, dor torácica. A tosse
gular com uma ou mais áreas de necrose cavitária; imagem é o sintoma mais comum da PAC, podendo ser seca ou vir
hidroaérea única ou múltipla (abscessos) de paredes espes- acompanhada de expectoração. O escarro pode ser purulen-
sas e irregulares; e empiema pleural. to, hemático, com cor de tijolo ou ferruginoso na pneumonia
pneumocócica, ao passo que na pneumonia por K. pneumo-
niae pode apresentar coloração vermelho-escura. No caso de
Pneumonia por vírus abscesso pulmonar, o escarro é malcheiroso e pútrido, indi-
Cerca de 80% das doenças respiratórias agudas são causa- cativo da presença de anaeróbios.
das por vírus. Os principais vírus envolvidos são os da gripe Algumas formas de apresentação, embora não patogno-
(influenza ), parainfluenza, respiratório sincicial, adenovlrus, mônicas da causa, são clássicas. Pacientes com pneumonia
rinovlrus e reovírus. Os vírus herpes simples, varicela-zôster, pneumocócica comumente apresentam calafrios, febre, es-
citomegalovírus e Epstein-Barr causam doença sistêmica, carro mucopurulento e dor torácica ventilatório-<lependen-
acometendo secundariamente o pulmão. Em boa parte dos te. Diarreia pode surgir em casos de pneumonia causada por
casos, o envolvimento se restringe ao trato respiratório su- clarnidia ou lcgionela. Thsse seca, otalgia, miringite bolhosa
perior e de forma autolimitada. Pode haver acometimento e ocasionalmente a presença de estado mental alterado po-
subclínico do trato respiratório inferior. As pneumonias dem sugerir pneumonia causada por micoplasma. Cefaleia
podem ocorrer como processo primário ou como infeoção é comum nos pacientes com pneumonia por legionela. A
bacteriana secundária. A transmissão vira! pode se dar pelo pneumonia por clamldia é frequentemente precedida por
contato direto (p. ex., pelas mãos, seguida de autoinoculação infeoção prolongada no trato respiratório superior com la-
do vírus na mucosa nasal ou conjuntiva! - rinovírus e res- ringite, simulando uma infeoção vira!.
QUADRO 38.1.1 ~ Condições clínico-epidemiológicas associadas a patógenos específicos em pacientes com pneumonia adquirida na
comunidade

1«3ol!l·llttl
Alcoolismo 5. pneumoniae, anaeróbios, bacilos gram-negativos, M. tuberculosis

DPOC/tabagismo 5. pneumoniae, H. influenzae, M. catarrhalis, Legionella sp.

Precária higiene oral Anaeróbios

Exposição a morcegos Histoplasma capsulatum

Exposição a pássaros C. psittaci, Cryptococcus neoformans, H. capsulatum

Exposição a coelhos Francisella tularensis

Suspeita de aspiração de grande volume Anaeróbios, pneumonite química ou obstrução

Doença estrutural do pulmão (bronquiectasias, P. aeruginosa, 8urkholderia cepacia ou 5. aureus


fibrose cística, etc.)

Usuário de drogas ilícitas S. aureus, anaeróbios, M. tuberculosis, P. jirovecii

Obstrução endobrônquica Anaeróbios

Ao exame físico, os sinais mais comuns de pneumonia presentes em consolidações maiores. Sinais de consolidação
são taquipneia e taqu icardia. A temperatura corporal está lobar são comumente encontrados na pneumonia bacteria-
comumente elevada. O uso de musculatura acessória, ciano- na. Sinais de derrame pleural devem ser procurados.
se, confusão, taquipneia e hipotensão indicam disfunção res- A presença de confusão mental constitui fator preditor
piratória grave. Bradicardia relativa (p. ex., temperatura axi- independente de mau prognóstico, devendo ser avaliada de
lar de 38,3°C e frequência cardíaca menor do que 110 bpm) forma objetiva. O Escore de Teste Mental Abreviado é o
em paciente não usuário de fármacos inotrópicos negativos instrumento mais utilizado e envolve 10 perguntas simples,
é um achado que pode sugerir infecção por Legionella sp. pontuando cada resposta correta com um ponto. Um escore
(FIGURA 38.1.3). de oito pontos ou menos define a sua presença.
Na ausculta pulmonar, podem estar presentes crepi- Em pacientes idosos, as manifestações de pneumonia
tações protoinspiratórias e roncos. Sinais de consolidação podem ser pouco específicas. Manifestações respiratórias
como macicez à percussão, aumento do frêmito toracovocal e febre podem estar ausentes, e um estado mental alterado
e diminuição ou abolição dos sons respiratórios podem estar pode ser a única modificação. Em um estudo que avaliou 503

1111
Sem manifestações
extrapulmonares
._L Com manifest.:lÇõeS
extra pulmonares

l -1' '1-
S. pneumoniae Sem contato Com contato
H. influenue zoon6tico zoon6tico
M . catarrl!a/is
Estreptococos do
grupo A -e:
8rbdiQrdia
~
eradicardia
l
K. pneumoniae Psitac:ose
relativa + relativa·
Pneumonia aspirativa N!breQ
l l Tularemia
FIGURA 38.1.3 ~ Fluxograma para abordagem clinica de pa-
Legionela Micoplasma c.ientes com pneumonia adquirida na comunidade.
Clamídia Fonte: Adaptada de Cunha.'
pacientes idosos com PAC, a tríade de tosse, expectoração Exames laboratoriais
purulenta e dor torácica pleurítica esteve presente em ape- Na avaliação inicial dos pacientes, a saturação periférica de
nas 30% dos casos. oxigênio (SpOJ deve ser verificada rotineiramente, antes do
uso de oxigênio suplementar e logo no início da avaliação.
Uma gasometria arterial deve ser realizada na presença de
Abordagem diagnóstica Sp02 S 90% em ar ambiente e em casos de pneumonia con-
siderada grave. A presença de hipoxemia indica o uso de oxi-
Diagnóstico clínico gênio suplementar e admissão hospitalar.
Os achados clínicos de PAC são inespecfficos. A probabili- O exame mais frequentemente solicitado é o hemogra-
dade de pneumonia aumenta na presença de temperatura ~ ma. Pode haver leucocitose com desvio à esquerda, mas este
37,8'C, frequência respiratória> 25 mpm, expectoração pu- é um achado de baixa especificidade e sensibilidade diag-
rulenta, frequência cardíaca superior a 100 bpm, crepitações, nóstica para PAC. Leucopenia em geral se correlaciona com
diminuição dos sons respiratórios, mialgias e sudorese notur- pior prognóstico, independentemente do agente etiológico.
na. No entanto, a descoberta de um ou mais desses achados é A dosagem de proteína C-reativa (PCR) tem baixa sen-
insuficiente para se estabelecer definitivamente o diagnóstico. sibilidade e especificidade para predição da etiologia bac-
Estudos têm demonstrado que somente 40% dos pacien- teriana. O nivel de proteína C-reativa inicial não apresenta
tes com sintomas respiratórios e sinais físicos de acometi- boa associação com a gravidade da doença, mas 95% dos
mento do trato respiratório inferior apresentam evidência pacientes hospitalizados têm níveis superiores a 50 mg!L.
radiológica de pneumonia. Sendo assim, o diagnóstico clí- Entretanto, a PCR pode ser útil no acompanhamento dares-
nico de PAC é impreciso, sendo obrigatória a realização da posta terapêutica, sobretudo naqueles cuja hospitalização é
radiografia de tórax. necessária. Falha ao tratamento ou complicações devem ser
consideradas se o nível de PCR não se reduz por pelo menos
50% no quarto dia de terapia.
Exames de imagem Dosagens de glicemia, eletrólitos e transaminases
Uma radiografia de tórax, nas incidências posteroanterior e não têm valor diagnóstico, mas auxiliam na decisão da
de perfil, deve ser realizada em todo paciente com suspeita hospitalização, devido à identificação de comorbidades
de pneumonia. As informações podem orientar o diagnós- descompensadas. Cabe ressaltar que a elevação da ureia,
tico, sugerir diagnósticos diferenciais com condições que independentemente do contexto do paciente, é o único
mimetizam pneumonia, identificar condições coexistentes, achado laboratorial isolado com valor prognóstico adverso
como obstrução brônquica, e complicações como derrame naPAC.
pleural e empiema, dentre outras, além de avaliar a extensão
do acometimento. A avaliação radiológica auxilia também
no seguimento do caso quanto à evolução e à resposta ao
tratamento.
~ ATENÇÃO
O acometimento multilobar com infiltrado de surgimen-
Recomenda-se que pacientes com idade entre 15
to repentino ou a presença de cavitações são indicadores de
e 55 anos portadores de PAC confirmada realizem,
maior morbidade e mortalidade. O achado de consolidação,
com consentimento pós-orientação, sorologia para o
de forma isolada, não é específico de pneumonia e, portanto,
vírus da imunodeficiência humana (H IV}, sobretudo
não conflffila o diagnóstico de pneumonia infecciosa, uma
se a gravidade do quadro exigir hospitalização.
vez que traduz, simplesmente, a presença de conteúdo pato-
lógico ocupando o espaço aéreo distai.
Eventualmente, em casos suspeitos, a radiografia de tó-
rax é normal ou não sugestiva. Isso pode decorrer de desi- Identificação do patógeno (microbiologia e sorologias)
dratação grave, neutropenia profunda, estágio precoce da A identificação do agente etiológico, mesmo quando extensa
pneumonia ou pneumocistose (10 a 20% das radiografias e invasiva, é de no máximo 60%. Além disso, os resultados
são normais) ou da presença de lesões estruturais paren- não estão disponíveis no momento da decisão da terapêutica
quimatosas prévias, como enfisema pulmonar. Embora a inicial. Em nível ambulatorial, não é necessária a investiga-
tomografia computadorizada (TC) de tórax helicoidal com ção do agente etiológico da PAC.
cortes de alta resolução possua maior sensibilidade para a A coloração de Gram e a cultura do escarro são reco-
detecção de infiltrados pulmonares em alguns pacientes com mendadas em pacientes que necessitam internação por PAC,
radiografia de tórax não sugestiva, como ocorre em pacien- principalmente quando houver suspeita de patógeno resis-
tes neutropênicos, ressalta-se que na maioria dos casos não tente ao tratamento ou um organismo não coberto pela te-
é necessária a sua realização, excetuando-se aqueles em que rapia empírica.
a apresentação clínica é duvidosa ou um diagnóstico diferen- Hemoculturas devem ser reservadas para os indivíduos
cial se toma imperioso. com necessidade de internação hospitalar, portadores de
No caso de pacientes de baixo risco de complicações ou PAC grave e no caso de pacientes internados não responde-
óbito, tratados ambulatorialmente, a radiografia de tórax é o dores à terapêutica instituída, pois normalmente têm baixo
único exame subsidiário necessário. rendimento.
A investigação sorológica não é útil para o tratamento monite aspirativa (pneumonia lipoídica), proteinose alveo-
dos pacientes individualmente. Sua indicação se restringe a lar, aspiração de suco gástrico, pneumonia em organização
levantamentos epidemiológicos de uma determinada região criptogênica, pneumoconioses, pneumonite lúpica e doenças
ou no caso de surtos epidêmicos. A pesquisa do agente etio- intersticiais.
lógico está indicada nos casos de PAC grave, ou para pacien- Em função disso, os pacientes tratados em nível ambu-
tes internados nos quais ocorreu falha do tratamento inicial. latorial devem ser reavaliados pelo menos no terceiro dia de
Nesses casos, recomenda-se investigação microbiológica tratamento e até a resolução completa do quadro. No caso
por bemocultura, cultura de escarro ou aspirado traqueal e de falência terapêutica (ou resposta insatisfatória), deve-se
amostras obtidas por broncoscopia nos pacientes em venti- iniciar a investigação para situações que mimetizam pneu-
lação mecânica. A pesquisa de antígeno urinário de S. pneu- monia, complicações da PAC ou germes resistentes a terapia.
moniae deve ser realizada em pacientes com PAC grave, e
para L. pneu17U)phila especificamente em todos os pacientes
não responsivos ao tratamento prévio.
A sensibilidade gira em torno de 50 a 60%, e a especifici-
Avaliação da gravidade
dade é superior a 95%. Contudo, a positividade pode perma- Partindo-se do princípio de que se está diante de um caso
necer por muitos meses após a infecção aguda. A detecção cujos achados correspondem a uma suspeita clínica de PAC,
do antígeno urinário do pneumococo por imunocromatogra- uma das decisões mais importantes a serem tomadas, a se-
fia de membrana é rápida (em tomo de 15 minutos) e tem guir, se não a principal, é o local onde será feito o tratamen-
sensibilidade de 86% e especificidade de 94%. Entretanto, to. 'Iàl decisão levará a condutas diagnósticas e terapêuticas
faltam evidências acerca do impacto da realização das soro- que trarão reflexos no resultado final do tratamento bem
logias e dos antígenos urinários no manejo do paciente em como nos custos dele. Essa etapa constitui passo inicial dos
relação à escolha do esquema antimicrobiano, tendo portan- diversos algoritmos atualmente disponíveis.
to valor assistencial duvidoso. Neste momento, torna-se necessário avaliar de forma
Devido à alta prevalência de tuberculose em nosso meio, objetiva a gravidade inicial do caso. Dentre os sistemas de
deve•se realizar pesquisa de bacilos álcool-ácido resistentes avaliação atualmente disponíveis, o escore denominado
(BAAR) no escarro em casos suspeitos. Pneumonia Severity Index (PSI) foi derivado e validado em
Por fim, nos casos de PAC grave, que obviamente serão mais de 50.000 pacientes e utilizado em outras dezenas de
hospitalizados, a investigação microbiológica deve ser ex- publicações como sistema de referência de gravidade. O PSI
tensa (exame de escarro, hemoculturas, antígenos urinários abrange 20 variáveis incluindo dados demográficos (sexo,
para pneumococo e legionela, lavado broncoalveolar, etc.). idade e local de residência), comorbidades, alterações labo-
ratoriais, radiológicas e do exame físico (QUADRO 38.1.2).
Outros métodos diagnósticos A pontuação das variáveis presentes em cada caso per-
Métodos diagnósticos invasivos, como a broncoscopia, es- mite a estratificação da gravidade em cinco classes, baseadas
tão indicados em situações específicas (p. ex., suspeita de no risoo de morte. O objetivo maior desse escore foi identi-
obstrução brônquica subjacente ou outra doença associada, ficar pacientes de baixo risco, os quais poderiam ser tratados
suspeita de germes oportunistas, e em pacientes graves que ambulatorialmente. As classes I a Ill foram consideradas de
necessitem de internação em UTI). baixo risco, e as classes IV e V, de alto risco (TABELA 38.1.1).
Derrame pleural significativo (acima de 50 mrn de espes- As maiores limitações de tal escore são a sua pouca pra-
samento na radiografia em perfil ou loculado) deve ser pun- ticidade para avaliação de casos em consultórios e clinicas
cionado, preferencialmente antes do início do tratamento, comunitárias, devido à necessidade de dados laboratoriais e
com o objetivo de se descartar empiema ou derrame pleural radiológicos imediatos, e o impacto exagerado da variável
complicado. Pacientes com PAC e derrame pleural, em geral, idade, responsável pela avaliação subestimada do risco da
devem ser hospitalizados para monitoramento da evolução. pneumonia grave em pacientes jovens portadores da doença
e com poucas alterações clínicas iniciais, além do fato de não
medir a gravidade específica da PAC. Assim, embora amplo
ao refletir bem as comorbidades e anormalidades laborato-
Diagnóstico diferencial riais, o PSI foi considerado pouco prático e, adicionalmente,
O diagnóstico diferencial de PAC é amplo e inclui infecções subestima o risco em pacientes mais jovens.
do trato respiratório superior, traqueobronquite aguda, Outro modelo de estratificação de risco, sugerido pela
tromboembolia com infarto pulmonar, carcinoma brôn- Sociedade Britânica do Tórax/ identificou quatro variáveis
quico, carcinoma bronquioloalveolar, linfoma, atelectasia, relacionadas com as alterações agudas da PAC que formam
bronq uiectasias infectadas, aspiração de corpo estranho, a base do sistema CURB (C =confusão mental nova- Mini-
edema pulmonar cardiogênico, micoses pulmonares, fratu- mental Thste < 8; U = ureia 50 mg!dL; R (de respiratory rate]
ra de costela, contusão pulmonar, infecção subdiafragmáti- <'! 30/min; B [de blood pres.sure) = pressão arterial sistólica <
ca, hemorragia alveolar, vasculites pulmonares, pneumonia 90 mmHg ou diastólica ~ 60 mmHg). Esse sistema apresenta
eosinofílica, pneumonite por hipersensibilidade, doença valor preditivo negativo em tomo de 97% para o diagnóstico
pulmonar induzida por fármacos (com destaque para meto- de pneumonia grave, porém valor preditivo positivo inferior
trexato, arniodarona, nitrofurantoina e sais de ouro), pneu- (16 a 39%).
QUADRO 38.1.2 ~ Escore de pontos de acordo com a presença de fatores demográficos, clínicos e laboratoriais

l\3if·l•aJ!f.!:!·l;l IW;II·IIJJ;II·l!·l~
IDADE - pH < 7,35 +30
Homens um ponto/ano de idade - Ureia > 50 mg/dl +20
Mulheres idade-1 - Sódio < 130 mEq/l +20
Procedentes de asilos +10 - Glicose > 250 mgldl +10
- Hematócrito < 30% +10
- PO, < 60 mmHg +10
- Derrame pleural +10
COMORBIDAOES EXAME ÁSICO
- Neoplasia +30 - Alteração do estado mental +20
- Doença hepática +20 - Frequência respiratória > 30/min +20
- Insuficiência cardíaca congestiva +10 - Pressão arterial sistólica < 90 mmHg +20
- Doença cerebrovascular +10 - Temperatura < 35' ou >40'C +15
- Doença renal +10
- Pulso~ 125/min +10
Fonte: Fine e colaboradores.'

TABELA 38.1.1 -+ Estratificação dos pacientes com PAC por classes plicidade e facilidade de uso, reprodutibilidade e validação em
de risco comparação com esoores mais oomplexos. A avaliação deve
ser completada com fatores sociais, demográficos, presença

l?.t·hil \ii.Y;r:Jl &1mM'+M de doenças associadas descompensadas e queda da saturação


periférica de oxigênio, os quais também são determinantes na
esoolha do local ideal de tratamento (QUADRO 38.1.3).
0,1% Ambulatório

S70 0,6% Ambulatório


PAC grave
111 71 -90 2,8% Ambulatório ou
internação breve U ma definição prática de PAC como grave seria aquela
que exige admissão em UTI. A apresentação clfnica inclui
IV 91-130 8,2% Internação a presença de falência respiratória, sepse grave ou choque
séptico. A taxa de mortalidade é alta, entre 30 e 50%. Os cri-
v >130 29,2% Internação térios validados são a presença de dois dentre três critérios
Fonte: Fine e colaboradores.' menores (Pa0,1Fi02 < 250, envolvimento de mais de um
lobo pulmonar, hipotensão arterial: pressão arterial sistólica
< 90 mmHg ou diastólica < 60 mmHg) ou de pelo menos
um dentre dois critérios maiores (necessidade de ventilação
Lim e colaboradores/ acrescentando a idade superior a
65 anos e um ponto a cada uma das variáveis, aperfeiçoaram
o sistema em estudo de derivação e de validação, o qual pas-
sou a ser denominado CURB-65 (e sua forma simplificada
CRB-65, FIGURAS 38.1.4 e 38.1.5), permitindo, assim, a avalia-
Uii·l;l,!ll;l:iji}J
ção do prognóstico de forma mais prática. .J; ;],
A principal limitação desse escore é a não inclusão das CURB-65 CURB-65 CURB-65
0-1 2 3 ou mais
doenças associadas na estratificação do risco de óbito, como
alcoolismo, insuficiências cardíaca e hepática e neoplasias, ! ! !
dentre outras. Mortalidad" Mortalidad" Mortalidad"
Diretrizes elaboradas e recentemente publicadas pela baixa intermediária alto
1,5% 9,2% 22%
Sociedade Americana do Tórax e pela Sociedade Ameri-
cana de Doenças Infecciosas recomendam o uso de um dos
dois sistemas oomo ferramentas adequadas de avaliação da
! ! !
Tratamento
Provável
Considerar
gravidade da PAC, que deve ser precedido pela avaliação do candidato ao hospitalar como
tratamento
tratamento PAC grave
contexto das condições sociais e eoonômico-culturais do pa- ambulatorial hospitalar Avaliar UTI se
ciente (evidência grau 1).6 escore 4-5
A Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia
7 FIGURA 38.1.4 ~ Escore de avaliação CURB-65.
(SBPT) reoomenda a utilização desse esoore devido à sua sim-
Tratamento
J; '1-
CRB-65 CR~S CURB~S ~ ATENÇÃO
o I ou 2 3ou4

l l l Na grande maioria dos pacientes com PAC, nlo se


obtém o diagnóstico etiológico no momento do
Momohdode Mo<Ulodode MO<úlodode
ba""' ontenned~no .~~. diagnóstico dlnico, o que é desnecessário nos ca -
1,2'!(, 8,15'!(, )I'!(, sos não graves. A antibioticoterapia empfrica é,
l
Proviwl
l !
Tratamento
portanto, dirigida aos microrganismos mais preva-
lentes e de acordo com o local de administração do
Avil.,.r tratamento (domicnio ou hospital), a gravidade da
cand1dato ao hospitalar como
tratamento trat.mento PACgraw
hospota~r doença, a presença de comorbidades e de fatores de
ambulatO<iol Avaliar UTI Sê
H<Ort4-5 risco para germes especfficos como bacilos entéri-
cos gram-negativos e P. aeruginosa. A associaçlio de
FIGURA 38.1.5 -+ Escore de avaliação CRB·65. germes pode estar presente, mesmo nos casos am-
bulatoriais, mas tem maior impacto nos casos que
exigem hospitalizaçao.

QUADRO 38.1.3-+ Etapas para avaliação do local de tratamento


em pacientes com PAC O in.ício do tratamento não deve ser retardado em fun-
ção da realização de exames ou por questões administrativas
1. Avaliar a presença de doenças associadas sob o risco de aumento da taxa de mortalidade em 30 dias. A
recomendação atual é a de que se inicie o tratamento o mais
2. Avaliar CRB-65 ou CURB·65
rápido possível ainda no ambulatório ou no pronto-atendi-
3. Avaliar grau de oxigenaçio e comprometimento radiológico mento em que o paciente está sendo examinado.
- SpO, < 90%: indicaçio de internaçio As indicações atuais da SBPT para o tratamento ambu-
- Radiografia de tórax: latorial de PAC em pacientes previamente hfgidos são os ma-
- Extensão radiológica crolídeos ou betalactãmicos, mas caso o paciente apresente
- Derrame pleural suspeto de empiema outras doenças associadas ou uso anterior de antibacterianos
(período de três meses}, deve-se prescrever uma lluoroqui-
4. Avaliar fatores sociais e cognitivos nolona isolada ou um betalactãmioo associado a macrolídeo
- Ausência de farruliar ou cuidadO< no domocllio (AGURA 38.1.6).
- Necessidade de obsetv~o da resposta ao tratamento No caso de tratamento em nível ambulatorial, é essencial
- Capacidade de entendimento da prH<ric;io reavaliar o paciente em 48 a 72 horas (se possível, precedi-
S. Avaliar fatores econ6micos do por um oontato telefônioo após 24 horas do tratamento),
- Acesso aos medicamentos pois este é o período critico da evolução desfavorável.
- Retorno para avahaçio Medidas gerais adicionais ao tratamento antimicrobiano
são cessação do tabagismo, repouso, hidratação adequada e
6. Avaliar aceitabilidade da medicaçio oral analgêsicos/anti-inflamatórios não esteroides para controle
7. Proceder julgamento clinico
-------- da dor pleurítica, caso ocorra.
A gravidade da doença e fatores do hospedeiro, incluin-
do idade, comorbidades e alergias a fármacos, ajudam a de-
terminar a terapia antimicrobiana emplrica para pacientes
mecânica ou presença de choque séptico) com sensibilidade hospitalizados com PAC. Um betalactãmico associado a um
de 78%, especificidade de 94%, valor preditivo positivo de
75% c valor prcditivo negativo de 95%.
Uma diretriz americana recentemente publicada acres- QUADRO 38.1.4-+ Critérios de PAC grave e indicação de
centou aos critérios menores presença de frequência respi- internação em un
ratória superior a 30/min; relação PaOJFi0 2 menor do que
250; presença de infiltrados multilobares; confusão mental; Critérios maiores- presença de um critério indica necessidade de UTI
ureia sangulnea maior do que 20 mgldL; leucopenia secundá- - Choque séptico necessitando de va.sopressores
ria à infecção; trombocitopenia e hipotermia ou hipotensão - Insuficiência respiratória aguda com indicaçio de ventilaç3o
arterial que exija reposição volêmica agressiva. Embora ain- mecânica
da não validado prospectivamente, na presença de três crité- Critérios menores - presença de dois critérios indica necessidade de UTI
rios menores, haveria necessidade do tratamento em UTL A - Hipotensão arterial
SBP'I;1 em sua diretriz, considera os critérios originalmente - Relaçio PaO,IFiO, menor do que 250
descritos por Ewig c oolaboradores (QUADRO 38.1.4).8 - Presença de infiltrados multilobares
pio espectro com atividade contra S. pneumoniae resistente
à penicilina, P. aemginosa, S. aureus, ou membros da Camnia
Enterobacteriaceae. A terapia antimicrobiana empírica deve
incluir uma cefalosporina de terceira ou quarta geração ou
uma combinação de betalactâmicos com inibidorcs da beta-
lactamase, como piperacilina/tazobactam ou ticareilina/cla-
vulanato, com uma fluoroquinolona ou macrolídeo.
A terapia antimicrobiana de amplo espectro para PAC
Doenças associadas -----4 Ffuoroquinolonas; grave deve também incluir terapia contra organismos atfpi-
Antibióticos - 3 meses ou betalactlmicos
+ mocrolfdeos cos como Legionella. A co administração de um macrolídeo ou
uma fluoroquinolona junto com um antibiótico betalactâmico
(uma oefalosporina de terceira ou quarta geração como cefo-
Fluoroquonolonu ou beUII.>ctjmocos
taxima, ceftriaxona ou cefepima; ou piperacilina/tazobactam)
+ mocrotídeos tem mostrado diminuir a mortalidade em pacientes com PAC
grave. A monoterapia tanto com macrolídeo quanto com uma
fluoroquinolona não é recomendada em tais pacientes. Em
Sem ris<o para ----7 Beuol.>ctjmoco + fluoroqui- pacientes com PAC grave e doença pulmonar crônica estrutu-
Pseudomonas nolona ou macrolfdeos ral subjacente, hospitalizações frequentes ou história de longa
permanência em centros de cuidados (asilos), o uso de antimi-
crobianos com atividade antipseudomonas (como cefcpima,
ceftazidima, ou uma fluoroquinolona com atividade aumen-
tada contra S. pneumoniae e Pseudomonas aeruginosa como
levofloxacina) é recomendado.
A terapia antirnicrobiana empírica pode ser modificada
Com risco para ----7 Beuol.>ctamocos•
Pseudomonas + quonolona•• uma vez que tenha sido identificado o microrganismo espe-
cífico e sua suscetibilidade esteja disponivel A penicilina G
FIGURA 38.1.6 ~ Antibioticoterapia empírica sug«ida para tratamento parenteral é o fármaco de escolha para pacientes interna-
de pneumonia adquirida na comunidade. dos com pneumonia pneumocócica sensível à penicilina. A
pneumonia pneumocócica resistente à penicilina pode ser
t Com o uso de betalactâmico isolado. considerar a posstbilidade de
uma falha a cada 14 pacientes tratados. Amoxilicina: 500 mg 1 comp.
adequadamente tratada com altas doses de penicilina (24
por via oral de 818 horas por 7 diu; azitromicina: 500 mg, via oral, milhões UI ao dia).
dose única diária por 3 dias ou 500 mg no primeiro dia, seguidos de Antibióticos parcnterais podem ser trocados para tera-
250 mg por dia por 4 dias; daritromicina de liberaçAo rápida: 500 mg pia oral assim que o paciente apresentar resposta clfnica fa-
por via oral, de 12/12 horas por até 7 dias; daritromicína UO 500 mg vorável e estabilidade hcmodinãmica, se for capaz de tolerar
(liberaçAo prolongada): 1 comprimido por via oral por dia, por até 7 medicações orais c se não houver indícios de má absorção. A
dias. maioria dos pacientes apresenta defervescência dos sintomas
t Fluoroquinolonas: Levofloxacina 500 m~dia; moxifloxacina: 400 m~ e mostra melhora da tosse, taquicardia e taquipneia dentro
dia; gemifloxacína 325 mgldia de 3 a 5 dias da terapia antimicrobiana efetiva. Pacientes com
• Antipneumococo/antipseudomonas: Piperacilina/tazobactam, cefepi- pneumonia pneumocócica bacteriêmica ou com Legionella
ma, imipenem, meropenem mais habitualmente levam mais tempo para melhorar (6 a 7 dias).
•• Levoftoxacina (750 mg) ou ciprofloxacina. A duração ótima da terapia antimicrobiana para PAC não foi
Fonte: Conêa e colabotadores' avaliada em estudos clínicos controlados. A maioria dos tra-
balhos tem administrado antimicrobianos por 10 a 14 dias nos
casos de pneumonia moderada a grave. Nos casos leves e com
boa resposta, o tratamento poderá ser feito por cinco dias.
inibidor de betalactamase ou uma cefalosporina de terceira
ou quarta geração (ceftriaxona ou cefepima) com macrolí-
deo são apropriados para terapia inicial em pacientes hospi-
talizados com doença moderada que não precisam de inter-
nação em UTI.
Uma terapia antimicrobiana alternativa para tais pacientes
inclui uma cefalosporina de segunda geração, como oefuroxi-
ma, um macrolfdeo isolado (claritromicina ou azitromicina)
ou uma fluoroquinolona com atividade contra S. pneumoniae
(levofloxacina ou moxifloxacina). Auoroquinolonas não são
aprovadas para uso em crianças (menores de 18 anos).
Pacientes com PAC grave necessitando manejo em U'l1
precisam de um regime antibiótico empírico inicial de am-
Resposta ao tratamento e falência 64 anos de idade ou portadores de doenças crônicas. Cerca
de 50% dos pacientes hospitalizados por PAC ou bacterie-
terapêutica mia pneumocócica apresentam história de internação nos
últimos cinco anos e têm 6 a 9% de chance de reintemação.
A resposta ao tratamento em pacientes idosos, diabéticos e
Nesses pacientes, a vacinação antipneumocócica pode redu-
irnunossuprimidos pode ser protraída, não justificando mu-
zir o risco de morte e de hospitalizações pela doença.
danças precoces do tratamento sem justificativa clínica. Na
A vacina atualmente disponível contém antígenos dos
ausência destas e de outros fatores, espera-se estabilização
23 sorotipos mais frequentes, e a sua eficácia, em indiví-
do quadro por volta do terceiro dia.
duos imunocompctentes, varia entre 64 e 71%. A resposta
A deterioração rápida, em 24 horas, ou uma resposta
imunogênica em idosos varia de 40 a 60%, sendo menor
clínica insatisfatória após sete dias indicam reavaliação mi-
do que a obtida em indivíduos mais jovens, e inferior tam-
nuciosa do caso c o uso de diversos recursos propcdêutioos
para o esclarecimento diagnóstico. As situações comumen- bém nos indivíduos imunoeomprometidos. A vacina induz
a formação de anticorpos contra a cápsula polissacarídea
te responsáveis por essa evolução incluem escolha inade-
dos pneumococos. Estão em desenvolvimento c em inves-
quada do antibiótico; presença de microrganismos não
usuais, inclusive dos oportunistas; presença de complica- tigação vacinas conjugadas para adultos, nos moldes das
que são utilizadas em crianças, cujo objetivo é proporcio-
ções (meningite, artrite, endocardite, pericardite, peritoni-
nar maior poder imunogênico do que as vacinas polissa-
tc, cmpicma pleural); c presença de doença não infecciosa,
carídicas.
que inclui extensa lista de doenças circulatórias, neoplási-
cas c inflamatórias. As indicações atuais da vacinação antipneumocócica são:

o Indivíduos com idade igual ou superior a 65 anos.


o Pacientes com idade entre 2 e 64 anos, portadores de
Tratamento adjuvante enfermidades crônicas, particularmente vulneráveis às
No caso de pacientes séptioos graves e hipotcnsos (pressão infecções invasivas e às suas complicações, como doen-
arterial média igual ou inferior a 65 mrnHg), deve ser feita ças cardiovasculares crônicas; DPOC; diabetes melito;
pronta reposição volêmica a fim de se alcançarem os niveis alcoolismo; hepatopatias crônicas; fístula liquórica; por-
de estabilidade nas primeiras seis horas. tadores de implantes cocleares; asplenia funcional ou
Na ausência de restabelecimento da pressão arterial após anatõmica.
reposição volêmica adequada e uso de fármaoos vasoativos, o Indivíduos imunocomprometidos: HIV/AIDS, doença
deve-se considerar a infusão intravenosa de hidrocortisona oncológica e onco-hematológica, insuficiência renal crô-
em baixas doses, habitualmente 200 mg em bolus, seguidos nica, síndrome nefrótica, usuários de corticoides e imu-
pela infusão de 10 mg/hora durante sete dias. nossupressores, bem corno transplantados.
o Indivíduos residentes de asilos.

Prevenção por vacinas A maioria dos indivíduos requer uma única aplicação da
vacina. A revacinação é recomendada, decorridos pelo me-
Imunização anti-influenza nos cinoo anos, para os imunocomprometidos e para aqueles
I ndivfduos com mais de 50 anos, aqueles em maior risco de que receberam a primeira dose antes dos 65 anos. Efeitos
complicações associadas à gripe, pessoas em contato domici- adversos incluem reações loca.is (edema, dor e hiperemia),
liar com outras de alto risco, além de profissionais da saúde, sendo raras e autolirnitadas as manifestações sistêrnicas
devem receber vacina anti-influenza de vírus morto. (reação febril, mialgia e artralgia).
São suscetíveis às complicações da gripe pacientes por-
tadores de doenças crônicas: cardiopatas e pneumopatas
(inclusive asmáticos); portadores de doenças metabólicas,
inclusive diabetes melito, disfunção renal, hemoglobinopa- • CASO CLÍNICO I
tias ou imunossupressão induzida por fármacos e pelo HIV;
Feminina, 16 anos, há duas semanas com febre de 39°C,
gestantes; c residentes de asilos.
calafrios e prostração. Relatava episódio prévio de gripe.
A vacina anti-influenza tem como contraindicação a hi-
Tosse inicia lmente seca e agora produtiva e purulenta.
pcrsensibilidade à proteína do ovo. No caso de doença febril
Gram do escarro sem bactérias. Hemograma sem leuco-
aguda, a vacinação deve ser feita após a resolução dessa ma-
nifestação. citose e DE. Usou amoxicilina sem melhora clfnica. Raio
X eTC de tórax com consolidação e broncograma aéreo.
Lavado broncoalveolar mostrou BAAR positivo. Este caso
Imunização antipneumocócica ilustra o cuidado com o uso de fluoroquinolonas no Bra-
A taxa de mortalidade por infecção bacteriêmica pneumo- sil. Se possibilidade de tuberculose, evitar o uso (AGURAS
cócica é alta, especialmente entre indivíduos com mais de 38.1.7 A e B).
FIGURA 38.1.7 -+ Caso 1.

• CASO CLÍNICO 11 • CASO CLÍNICO 111


Feminina, 75 anos, fumante, 60 anos-maço, ca lafrios tre- Mulher de 33 anos, tosse seca e febre de 38°C. Negava
mulantes, dor torácica ventilatório-dependente HTE, es- contato com animais. Estertores crepitantes no terço in-
carro purulento, febre de 39°C. Radiografia de tórax com ferior do HTD. Hemograma sem desvio para a esquerda,
consolidação bilateral no lobo médio e lfngula (FIGURAS mas com 16.000 leucócitos. Melhora após uso de fluoro-
38.1.8 A e 8). leucócitos: 24.000 com 17% de bastões. quinolona por sete dias. Sorologia: C. pneumoniae 1: 386.
Hemoculturas positivas para S. pneumoniae. Gram do Raio X: focos de consolidação e infiltração peribrônquica
escarro com diplococos gram-positivos (FIGURA 38.1.8 C). em lobo inferior direito (A); regressão das alterações (8).
(FIGURAS 38.1.9 A e 8)

I •

..~ fl/t, :
,,

FIGURA 38.1.8-+ Caso 2. FIGURA 38.1.9-+ Caso 3.


órgão; entretanto, os pulmões é que são majs vezes acometi-
Referências dos (em cerca de 80% dos casos). Pleura, gânglios linfátions,
I. Arnold FW; Summersgill JT, Lajoie AS, Peyrani P, Marrie
TJ, Rossi P, et ai. A worldwide pcrspective of atypieal pathogens
ossos, aparelho genüurinário e sistema nervoso central são
in oommunity-acquircd pneumonia. Atn J Respir Crit Care Med os outros locrus mais onmuru da localização extrapulmonar
2007;175(10):1086-93. dadoença. 12
2 Cunha BA. Tbe atypieal pneumonias: clinicai diagnosis and im-
portance. Oin Microbiollnfcct. 2006;12Suppl3:12-24.
3. Lim WS, Baudouin SV, George RC, H ill AT, Jamieson C. Le
[B ATENÇÃO
Jeune I, et ai. BTS guidclines for tbe management of community
acquired pneumonia in adults: update 2009. Thorax. 2009;64 Suppl Dentre as compucações que 1podem ocorrer durante
3:ili1-55. a evolução da doença ganglionar, tem-se a fistuli-
zaçáo do gAnglio para o interior de outra estrutura,
4. rme MJ, Auble TE, Yealy OM, Ilanusa BH, Weissfeld LA, Singer como pleura (causando o pleuris tuberculoso), peri·
DE, et ai. A prediction rule to identify low-risk patients with eom-
cárdio (pericardite tuberculosa), peritônio (peritonite
munity-acquircd pneumonia. N Engl J Med. 1997;336(4):243-50.
tuberculosa), brônquio (pneumonia tuberculosa) e
5. Lim WS, van der Ecrden MM, Laing R, Boersma WG, Karalus N, veia sistêmica (tuberculose miliar).
Thwn O I, et ai. Defining community acquircd pneumonia severity
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tion study. Thorax. 2003;58(5):377-82.
A região do pulmão onrrespondente ao brônquio envol-
6. Mandei! LA, Wundcrink RG, Anzueto A, Bartlctt JO, CampbcU vido, fistulizado, e sua ulterior consolidação, encontra-se na
00, Oean NC, et ai. lnfectious diseascs soeiety of America/Ameri- base da formação da "pneumonia tuberculosa". Clinicamen-
can Tboracic Society consensus guidclines on thc managcmcnt of
te, tosse improdutiva irritante ("coqueluchoide"), manifes-
community-acquired pneumonia in adults. Clin lnfcct Ois. 2007;44
Suppi2:S27-72.
tando-se por alguns dias antes de se estabelecer a fTstula, em
geral precede o quadro pneumônico agudo, este surgindo
7. Corrêa RA, Lund&l'cn FLC, Pereira-Silva Jl.., Silva RLF, Cardoso após dar-se a perfuração da parede brônquica, com tosse
AP, Lemos ACM, et ai. Diretrizes brasileiras para pneumonia ad- produtiva, expectoração purulenta sem mau cheiro, dor to-
quirida na comunidade em adultos imunocompctentes: 2009. J Bras
Pncumol. 2009;35(6):574-601.
rácica de moderada intensidade, febre c comprometimento
do estado geral do paciente,3 cuja evolução pode onnftgurar-
8. Ewig S, Ruiz M, Mensa J, Marcos MA, Martinez JA, Atancibia F, -se muito grave, e até mesmo fatal.•
et ai. Severe community-acquired pneumonia: assessment of severi- A abertura do gângHo doente para dentro da árvo-
tycritcria. Atn J Respir Crit Care Med. 1998;158(4):1102.-8.
re traqueobrônquica, com a formação de !Tstula, segundo
Schwartz, 5 foi regjstrada de maneira mais cxplicita por La-
loueue em 1780 e por Cayol em 1810, tendo este último se
Leitura recomendada referido a casos similares encontrados por Morgagni e a ob-
Wikler MA. Performance standards for antimicrobial suseeptibility servações anteriores feitas por Hipócratcs, Ara teus c Cel-
testing: eigbteenth informational supplement. 18th ed. Wayne: Oi- sjus, indjcando ser o envolvimento t.raqueobrônquion por
nieal and Laboratory Standards lnstitute; 2008. gânglios doentes certamente de onnbecimento muito antigo.
Após esses primeiros relatos, numerosos outros se se-
gurram, a maioria deles fundamentados em achados de ne-
cropsia, tanto em crianças onmo em adultos, apontando para

EIIII a importância da fistulização de gânglios para o interior de


brônquios, esôfago e pleura, onm a conscquente progressão
Pneumonia Tuberculosa
-------
da doença para esses locais. Diversos desses trabalhos fo-
ram também reunidos, revisados e discutidos por Schwartz
José da Silva Moreira em 1959/ em excelente monografia - provavelmente a mais
Jamila Bellicanta Fochesatto completa sobre o assunto -, onde analisa o papel dos gân-
Marisa Pereira glios linfáticos na tuberculose pulmonar em 1.000 casos, es-
Nelson Porto tudados sobretudo na Thrquia.
Em estudos de necropsia realizados em um total de 1.654
pacientes, adultos e crianças portadores de tuberculose, efe-
tuados entre 1942 e 1959 por Uehlinger,' Schwartz/ Kõnn8 e
Introdução e história natural Voegúi,' foram encontrados 145 casos (8,7%) de fístula gan-
Na tuberculose primária, em geral incidindo em crianças, o gliobrônquica, identificando-se em 70 deles a própria perfu-
componente ganglionar mediastinopulmonar constitui-se no ração na parede do brônquio, e em 75 a cicatriz indicativa
achado radjográfico ma.is frequentemente enonntrado. A tu- da presença prévia da flstula. As perfurações tinham desde
berculose pós-primária do indivíduo adulto pode se apresen- iliâmetros djminutos, de dillcil observação, até amplas aber-
tar sob diversas formas e acometer praticamente qualquer turas com majs de 3,0 em de largura.
Os primeiros registros endoscópicos constatando as per- bastante cáseo, como resultado ter-se-á uma "pneumonia
furações dos gânglios tuberculosos para a árvore brônquica resolutiva"; por outro lado, havendo relativamente maior
10
foram feitos por Schrõtter nos anos de 1901 a 1905, seguin- quantidade de bacilos, deverá se estabelecer uma "pneu-
do-se diversas outras descrições, entre elas as efetuadas por monia tuberculosa evolutiva", com progressão para áreas
Pollak em 1906, 11 Pauncz e Wintemitz em 1908,' 2 e em 1950 de necrose e disseminação da doença para outros locais
por Brock,13 o qual preferiu utilizar o método sobremaneira do órgão.
nos casos mais graves. Dali para frente, a broncoscopia, tor- A pneumonia resolutiva faz parte do espectro da "epi-
nando-se praticamente um exame de rotina na investigação 17
tuberculose", condição originariamente descrita em bases
das doenças pulmonares em geral, incluiu também a tuber- clinicorradiológicas por Eliasberg e Neuland,20 apresentan-
culose, em especial quando havia evidência de envolvimento do-se como uma imagem radiográfica pulmonar transitória,
brônquico. com características de consolidação, verificada em indiví-
A lesão fistulizada causada pelo gânglio doente na pare- duos reatores à tuberculina. Lesões permanentes, entretan-
de do brônquio pode ser ampla, de fácil visualização à bron- to, como estenoses ou bronquiectasias, podem resultar desse
coscopia, ou muito estreita ("fístula capilar"), difícil de ser envolvimento brônquico- em especial do lobo médio ou da
identificada, ou já se apresentar em fase de cicatrização. Em
lingula - levando a complicações tardias, como sangramen-
1953, Jondot, utilizando esta ferramenta diagnóstica, encon-
tos ou pneumonias bacterianas de repetição, configurando a
trou 97 casos (3,5%) de cicatrizes dessas fístulas em 2.800
"síndrome do lobo médio".21 .zz
indivíduos adultos examinados.s Usando o mesmo método,
Schwarti identificou 121 casos de perfuração brônquica à
direita, 110 à esquerda, e 101 de cicatrizes à direita e 98 à
esquerda, em seus 1.000 casos estudados. Mais recentemen- Radiologia
te, os aspectos endoscópicos evolutivos da tuberculose en-
dobrônquica foram registrados, entre outros, por Smith e
) ATENÇÃO
colaboradores" e Lee e colaboradores. 3
Thm sido verificado que a forma pneumônica da tuber-
Os achados radiográficos encontrados na pneumo-
culose mostra-se mais frequente em indivíduos não brancos
nia tuberculosa consistem em uma área de conso-
e em HIV-positivos.•s Em 59 casos dessa pneumonia, estu-
lidação alveoloductal, cuja localização e extensão
dados em uma Unidade Sanitária de Porto Alegre (RS), nos
dependem do brônquio comprometido. Focos de
anos de 2005 a 2007, encontrados entre 2.828 pacientes com
extensão acinonodular situados no entorno do bloco
diagnóstico de tuberculose, verificou-se que 20,0% dos pa-
16 maior, mas separados dele, ou a presença de ima-
cientes eram HIV-positivos e 15,0% diabéticos. gens de "árvore em brotamento" à tomografia 23 ·"
As fístulas mais frequentemente são únicas, podendo de
sugerem a natureza tuberculosa da lesão como um
forma ocasional ser múltiplas, e mais vezes observadas em
todo. Adenomegalias mediastinopulmonares podem
brônquios lobares e segmentares. O material caseoso der- ser variavelmente identificadas à radiografia simples
ramado, via brônquio, para dentro do pulmão do indivíduo de tórax e à tomografia.
já sensibilizado à tuberculoproteína desencadeia uma reação
inflamatória aguda no local, com exsudação e consequente
consolidação, configurando o quadro de "pneumonia".s·' 7
Deve-se acentuar que a reatividade à tuberculina costuma
atenuar-se nessa fase aguda que se segue à aspiração do Diagnóstico
material caseoso para o interior do pulmão, ficando ele em
A comprovação da natureza da doença pulmonar é estabele-
contato com a grande superfície alveolar, assim como ocorre
cida, na maioria das vezes, por meio da identificação do ba-
em casos de derrame pleural tuberculoso, quando um foco
caseoso abre-se para a pleura. 18 Leucocitose com desvio à cilo tuberculoso (BAAR) no escarro dos pacientes, o que foi
esquerda no hemograma é também incomum nesse tipo de mostrado por Picon e colaboradores2S em 1993, Costa e co-
pneumonia, diferentemente do observado em casos de pneu- laboradores em 199426 e Moreira e colaboradores em 2011.16
monias causadas por bactérias piogênicas, dotadas de pare- Algumas vezes, entretanto, o material para comprovação de-
de celular bem defmida. verá ser obtido por lavado broncoalveolar (LBA), aspiração
O que resta do gânglio, após a evacuação de seu con- ou biópsia da lesão brônquica (TABELA 38.1.1.1).
teúdo (caseoso, e geralmente poucos bacilos), pode se apre-
sentar como uma lesão escavada junto à parede do brônquio
perfurado, que com o tempo se fecha, deixando cicatriz fi-
brosa ou mesmo uma zona de calcificação, ou o gânglio todo
Tratamento
desaparece sem deixar vesúgio.~' 4" 9 O tratamento da pneumonia tuberculosa em nada difere
U ma vez estabelecida a pneumonia pelo mecanismo do que é proposto para a tuberculose em geral, com o es-
da fistulização do gânglio para o brônquio, a evolução quema apropriado de fármacos tuberculostáticos, em uso
ulterior da doença dependerá basicamente da quantida- regular.
de de bacilos presente no material que é aspirado para o llustram-se, a seguir, dois casos de pneumonia tubercu-
pulmão. Se a zona consolidada contiver poucos germes e losa em pacientes adultos.
TABELA 38.1.1.1 ~ Comprovação microbiológica (presença de
BAAR) em 59 casos de pneumonia tuberculosa. Fonte: Moreira e
• CASO CLÍNICO 11
colaboradores• • Paciente masculino, 23 anos, de cor branca, HIV-nega-
tivo. Tosse seca por 1 O dias. tornando-se produtiva nos
últimos cinco dias, com expectoração piossanguinolenta
sem mau cheiro, febre de 3g'c, astenia e perda de peso.
ES<:arro 41 69,5 PPD (2 UT) de 13,0 mm; leucograma normal; escarro
negativo para BAAR em duas amostras. Amoxicilina por
Lavado broncoalveolar 10 17,0 quatro dias, sem evidências de melhora (FIGURAS 38.1.1.3
Biópsia brônquica 13,5
e 38.1.1.4).

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FIGURA 38.1.1.1 -+ Achados radiológicos: extenso bloco de consolidaçlio no lobo superior esquerdo com pequenos focos circunjacentes; adenome-
galias mediastinais do mesmo lado.

FIGURA 38.1.1.2 -+ (A) fibrobroncoscopia:


lesão ulcerada, esbranquiçada, na parede
do brônquio loba r superior esquerdo (seta)
indicativa do local da fístula. (B) material
colhido por aspiração da lesão: positivo
para 8AAR (Caso 1).
FIGURA 38.1.1.3 ~ (A) radiografia de tórax: bloco de consolidação no lobo superior do pulmão direito e pequenos outros focos separados da lesão
maior. (8) broncoscopia: lesão granulosa, esbranquiçada, com secreção purulenta, ocluindo parcialmente o brônquio lobar superior direito (seta).
Realizados aspirado e biópsia.

FIGURA 38.1.1.4 ~ (A) biópsia


brônquica: lesão granulomatosa,
com necrose caseosa. (B) aspira·
do da lesão brônquica: positivo
para BAAR.

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culosis presenting as a middle lobe syndrome. Prim Care Respir J. A PAH é aquela que ocorre após 48 horas da admissão hospita-
2008;17(1):51-5. lar, geralmente tratada na unidade de internação (enfermaria/
apartamento), não se relacionando com entubação endotra-
23. Lee KS. Pulmonary tuberculosis. In: Müller NL, Silva CIS, edi-
tors. lmaging of the chest. Philadelphia: Saunders; 2008. p. 322-41, q ueal e ventilação mecânica, podendo, entretanto, ser encami-
cap. 13, v. 1. nhada para tratamento em UTI, quando se apresenta ou evolui
de forma grave. Dentro desse conceito, deve ser considerado o
24. Leung AN. Pulmonary rubereulosis: the essentials. Radiology. tempo de incubação médio característico de cada germe.
1999;210(2):307-22. Devido a implicações etiológicas, terapêuticas e prog-
25. Picon PD, Rizzon CF, Hoeffel F JR, Porto NS, Oliveira ME. nósticas, a PAH tem sido classificada quanto ao tempo de-
Pneumonia tuberculosa. In: Picon PD, Rizzon CF, Ott WP, edi- corrido desde a admissão até o seu aparecimento. A PAH
tores. Thberculose: epidemiologia, diagnóstico e tratamento em precoce é a que ocorre até o quarto dia de internação, sendo
cHniea e saúde pública. Rio de Janeiro: Medsi; 1993. p. 291-306, considerada tardia a que se inicia após cinco dias da hospi-
cap. 11. talização.
26. Costa PG, Menseh MR, Oliveira MJ de, Menezes JL, Gutierrez
RS, Mattos WLL de. Pneumonia tuberculosa: estudo de 17 casos e Pneumonia associada à ventilação mecânica
revisão de literatura. Rev AMRIGS. 1994;38(4):299-303.
A pneumonia associada à ventilação mecânica (PAVM) é
aquela que surge 48 a 72 horas após entubação endotraqueal
e instituição da ventilação mecânica invasiva. De modo simi·
lar, a PAVM também é classificada em precoce e tardia. A
Em PAVM precoce é a que ocorre até o quarto dia de entubação e
início da ventilação mecânica, sendo a PAVM tardia a que se
Pneumonia Adquirida no Hospital inicia após o quinto dia da entubação e ventilação mecânica.
Apesar da validade dessa classificação para muitos cen-
PauloJosé Zimermann Teixeira tros hospitalares e UTis, a ocorrência de PAH causada por
Ricardo de Amorim Corrêa germes resistentes, comumente associados à de início tardio,
tem sido relatada com relativa frequência em pacientes por-
tadores de PAH de início precoce. Esse fato reforça a neces-
Introdução sidade do conhecimento da microbiota local e do respectivo
perfll de sensibilidade, essencial para a adoção de protocolos
Define-se pneumonia adquirida no hospital (PAH) como institucionais mais adaptados à realidade de cada unidade,
aquela adquirida no ambiente hospitalar após 48 horas ou permitindo o uso racional dos recursos diagnósticos e tera-
mais da internação, sendo a segunda causa mais frequente pêuticos disponíveis.
de infecções hospitalares, correspondendo a aproximada-
mente 15% destas e afetando de 0,5 a 2% dos pacientes hos-
pitalizados. Pneumonia relacionada com cuidados de saúde
A PAH representa cerca de 10 a 15% de todas as infec- A pneumonia relacionada com cuidados de saúde (PRCS)
ções nosocomiais e é a de maior mortalidade. Sua incidência ocorre em pacientes com as seguintes características: resi-
é estimada em 5 a 10 casos por 1.000 admissões. Pacientes dentes em asilos ou tratados em sistema de internação do-
entubados na unidade de terapia intensiva (UTI) apresen- miciliar, pacientes que receberam antimicrobianos via intra-
tam risco 20 vezes superior ao dos não entubados, com au- venosa ou quimioterapia nos 30 dias precedentes da atual
infecção, pacientes em terapia renal substitutiva e aqueles
mento entre 1 e 3% para cada dia adicional de ventilação
que foram hospitalizados em caráter de urgência por dois ou
mecânica. Em UTI, a incidência tem cifras variadas, entre
mais dias nos últimos 90 dias antes da infecção.
25 e 70%, dependendo da população estudada, do tipo de
UTI e dos critérios diagnósticos utilizados. As taxas de mor-
talidade podem chegar até a 70%, mas quando se considera Traqueobronquite hospitalar
a mortalidade diretamente relacionada com a pneumonia, as A traqueobronquite hospitalar (1H) caracteriza-se pela pre-
taxas variam entre 30 e 50%. sença dos sinais de pneumonia sem a identificação de opa-
Devido à gravidade da PAH e ao manejo terapêutico ne- cidade radiológica nova ou progressiva, descartadas outras
cessário, outro aspecto negativo da sua ocorrência é o gran- possibilidades diagnósticas que possam justificar tais sinto-
de aumento no custo do tratamento, seja pelas medidas de mas, sobretudo a febre. O isolamento de germes em cultu-
suporte necessárias, pelo uso de antibióticos de amplo es- ras, dissociado dos sinais, não permite o diagnóstico de TH,
pectro ou pelo aumento significativo no tempo de perma- não devendo servir de estímulo à introdução de antibióticos
nência no hospital. ou eventual modificação da terapêutica vigente.
tação do trato gastrintestinal e em pós-operatório de cirurgia
Causas abdominal.
Os agentes etiológicos mais frequentes são os bacilos gram- Os fatores que promovem a colonização da faringe por
·negativos, incluindo Pseudomonas, enterobactérias eAcine- bactérias gram-negativas -responsáveis pela alta incidência
tobacter, sendo implicados em 55 a 85 % dos casos. Os cocos das pneumonias hospitalares por essas bactérias - são os se-
gram-positivos, principalmente o Staphylococcus aureus, res- guintes: coma, hipotensão, acidose, uremia, alcoolismo, dia-
pondem por 20 a 30% dos casos, mas estão presentes em 40 betes melito, leucocitose, leucopenia, doença pulmonar, uso
a 60% das situações em que a infecção é polimicrobiana. de antibióticos e tubo nasogástrico e endotraqueal. A colo-
As pneumonias hospitalares de inicio recente, isto é, nização por bacilos gram-negativos começa com a aderência
aquelas que ocorrem até o quinto dia de internação, são dessas bactérias nas células epiteliais da orofaringe ou da mu-
muitas vezes causadas por patógenos comunitários, como cosa traqueobrônquica. A aderência pode ser afetada pelas
o Streptococcus pneumoniae, o Haemophilus e o S. aureus bactérias, pelas células do hospedeiro e pelo ambiente. A fi-
oxacilino-sensível (SAOxa-S). Isso sugere que a ocorrência bronectina pode inibir a aderência de bacilos gram-negativos,
de germes resistentes seja muito pequena. e certas condições como desnutrição, enfermidade grave e
Por outro lado, quando o diagnóstico de pneumonia é estado pós-operatório podem aumentar tal aderência.
estabelecido a partir do quinto dia de internação, os germes Por outro lado, o estômago é considerado um reser-
mais comuns passam a ser os hospitalares. Os bacilos gram- vatório de microrganismos que causam PAH, e seu papel
-negativos aeróbios (Pseudomonas, enterobactérias, Acine- pode variar na dependência da condição subjacente do pa-
tobacter) ou o S. aureus oxacilino-resistente (SAOxa-R) são ciente e de intervenções terapêuticas ou profiláticas. Pou-
responsáveis por 30 a 70% dos casos. É importante ressaltar cas bactérias podem sobreviver no estômago na presença
que em muitos locais já existem Pseudomonas eAcinetobac- de um pH menor do que 2. Já com um pH maior do que 4,
ter panresistentes como agentes etiológicos, o que faz com os microrganismos se multiplicam, atingindo altas concen-
que a polimixina B se torne parte dos esquemas empíricos trações bacterianas.
de tratamento. A inalação de aerossóis contaminados, usados para te-
O momento do diagnóstico da infecção e a presença de rapia respiratória ou anestesia, constitui uma porta de en-
fatores de risco específicos para determinados microrganis- trada de bactérias para as vias aéreas inferiores. Os fluidos
mos podem auxiliar na tomada da decisão terapêutica. Os usados para aerossol, quando contaminados, podem conter
fatores de risco capazes de indicar a maior probabilidade de altas concentrações de bactérias e são depositados nas pe-
um determinado agente são: quenas vias aéreas. Isso se torna mais grave nos pacientes
com traqueostomia ou tubo endotraqueal, pelo acesso direto
• Aspiração ou cirurgia abdominal recente: anaeróbios do aerossol para as vias aéreas inferiores.
• Coma, trauma cranioencefálico, episódio gripa! prévio,
uso de drogas intravenosas, diabetes melito, insuficiência
renal: S. aureus
• Corticoides em altas doses: Legione/la
Fatores de risco
• Internação prolongada em UTI, uso de corticoides,
doença pulmonar estrutural, uso prévio de antibióticos, ~ATENÇÃO
ventilação mecânica, desnutrição: P. aeruginosa
• Antibioticoterapia prévia, ventilação mecânica: Acineto- Os fatores de risco mais importantes para o desen-
bacter volvimento de PAH são a necessidade de ventilação
• Antibioticoterapia prévia, ventilação mecânica: S. aureus mecanica por perfodo superior a 48 horas, o uso pré-
oxacilino-resistente vio de antibioticoterapia de amplo espectro, o tem-
• Cateteres por período prolongado: S. coagulase negativo po de permanência no hospital ou na UTI, a gravida-
de da doença de base e a ocorrência da sfndrome da
distrição respiratória do adulto (SDRA).

Patogenia
As bactérias invadem o trato respiratório inferior mediante Pacientes em ventilação mecânica apresentam um ris-
aspiração de material da orofaringe, inalação de aerossóis co 6 a 21 vezes maior de adquirir pneumonia, com um risco
contendo bactérias e, menos frequentemente, disseminação cumulativo de 1 a 3% por dia de ventilação. A ventilação
hematogênica a partir de outro sítio do corpo. A transloca- mecânica prolongada é o principal fator de risco para o de-
ção bacteriana do trato gastrintestinal tem sido considerada senvolvimento de PAH, ocorrendo em 9 a 40% dos pacientes
um possível mecanismo de infecção. Dessas rotas, a aspira- que permanecem em ventilação por mais de 48 horas.
ção é a mais importante. A SDRA é complicada por PAH em 34 a 60% dos casos,
Pacientes com maior probabilidade de aspirar são os que ocorrendo mais frequentemente após o sétimo dia de ventila-
apresentam anormalidade de deglutição, a exemplo dos que ção mecânica. Um estudo envolvendo 243 pacientes demons-
têm depressão do nível de consciência, instrumentação das trou que a ocorrência de pneumonia era maior nos pacientes
vias aéreas inferiores e/ou ventilação mecânica, instrumen- com SDRA (55%) do que naqueles sem SDRA (28%). Deter-
minadas situações relacionadas com a condição do paciente dos, como febre ou hipotermia, leucocitose ou leucopenia,
predispõem à colonização e ao desenvolvimento de pneu- presença de secreção purulenta nas vias aéreas e piora ou
monia, como doenças agudas e crônicas, coma, desnutrição, surgimento de infiltrado pulmonar novo, podem ser decor-
hospitalizações e pré-operatórios prolongados, hipotensão, rentes de outras doenças, de causa não infecciosa. Pacientes
acidose metabólica, tabagismo, doenças do sistema nervoso com ínfecções extrapulmonares ou processos pulmonares
central, doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC), dia- não infecciosos podem receber tratamento inadequado de-
betes melito, alcoolismo, uremia, insuficiência respiratória e vido à alta sensibilidade e à baixa especificidade do diagnós-
idade avançada. A utilização de fârmacos como corticoides tico clínico.
e agentes citotóxicos debilita a imunidade, e os depressores Pugin e colaboradores~ criaram o Oinical Pulmonary In-
do sistema nervoso central aumentam o risco de aspiração. O fection Score- CPIS- em que os achados clínicos, o Grame
QUADRO 38.2.1 resume os principais fatores de risco para o as culturas do aspirado endotraqueal, presentes no momento
desenvolvimento de pneumonia. da suspeita diagnóstica, são pontuados, gerando um escore
total de, no máximo, 12 pontos (O a 12). O CPIS superior a 6
associou-se a uma alta probabilidade da presença de PAVM,
Diagnóstico com sensibilidade e especificidade de 93 e 100%, respecti-
vamente. Entretanto, em outros estudos, o CPIS alcançou
O diagnóstico da PAH quando o paciente não se encontra sensibilidade de 72 a 77% e especificidade de 42 a 85%, em
em ventilação mecânica é baseado na presença de uma sín- comparação com outros métodos, obtendo acurâcia seme-
drome infecciosa e da observação de uma inftltração na ra- lhante à dos critérios.
diografia de tórax. No entanto, o diagnóstico da PAVM é um Embora pouco frequentes, hemoculturas positivas são
desafio, visto que os critérios clínicos habitualmente utiliza- úteis no diagnóstico etiológico, assim como exames bacterio-
lógicos do líquido pleural, quando presente.
Em razão da dificuldade diagnóstica apenas com crité-
QUADRO 38.2.1 ~ Fatores de risco independentes para rios clínicos, o Centers for Disease Control and Prevention
pneumonia associada à ventilação mecânica (CDC)l norte-americano definiu como PAH aquela que
ocorre após 72 horas de hospitalização, com presença de
Fatores maiores (razão de chances > 3,0) estertores, macicez à percussão ou surgimento de infiltra-
- Trauma do pulmonar novo e um ou mais dos seguintes: a) escarro
- Queimadura purulento; b) agente infeccioso isolado no sangue, aspirado
- Doença neurológica* traqueal, biópsia pulmonar ou escovado brônquico; c) iso·
- Tempo de ventilação mec3nica (> 1Odias)'* lamento de vírus nas secreções respiratórias; d) títulos de
- Broncoaspiração presenciada'' anticorpos para determínados patógenos; e e) evidência his-
- Colonização do trato respiratório por bacilos gram·negativos tológica de pneumonia. Como com qualquer outra doença
- Ausência de antibioticoterapia" infecciosa, a identificação do agente causador da infecção é
- Uso de pressão positiva ao final da expiração - PEEP ~ 7,5 cmH,O) importante para a conduta terapêutica adequada. Em vista
Fatores menores (razão de chances 1,5 a 3,0) disso, várias técnicas de coleta de material têm sido propos-
tas, todas com vantagens e desvantagens.
- Doença cardiovascular*
- Doença respiratória A forma menos ínvasiva de coleta de material para exa-
- Doença gastrintestinal me microbiológico, quando o paciente não está entubado,
- Cirurgia torácica ou abdominal é pela coleta do escarro. A coleta adequada de material e
- Administração de bloqueadores neuromusculares'* o seu rápido processamento podem melhorar o rendimento
- Tabagismo (~20 maços-ano) diagnóstico, chegando o Gram do escarro a apresentar uma
- Hipoalbuminemia na admissão (albumina :S 2,2 g/dl) sensibilidade e especificidade ao redor de 85%. A cultura do
escarro, por outro lado, pode apresentar um grande número
Outros fatores (análise univariada, não confirmados na regressão de falso-positivos, principalmente quando há crescimento de
logística)
bactérias gram·negativas. No entanto, confrontando o acha-
- Idade (>60 anos)
do do Gram do escarro com a cultura e com as característi-
- Sexo masculino
- Paciente proveniente da emergência cas clínicas do paciente, é bem provável que o agente isolado
- Piora do Sepsis related Organ Failure Assessment (SOFA) seja o causador da pneumonia.
- Nutrição nasoenteral O aspirado endotraqueal pode ter rendimento compa-
- Nutrição enteral por qualquer via rável ao de outras técnicas, tanto não ínvasivas quanto inva-
- Síndrome da angústia respiratória aguda sivas, apresentando uma sensibilidade que varia entre 57 e
- Insuficiência renal 88%, mas uma especificidade muito baixa (O a 33%) quando
- Bacteriemia utilizadas culturas qualitativas. Um aspecto importante a ser
- Dreno de tórax considerado é que a cultura qualitativa negativa do aspirado
"Diagnóstico principal.
endotraqueal apresenta alto valor preditivo negativo para o
••va r~ei.s tempo-dependentes.
diagnóstico da PAVM.
Fonte: Adaptado de Diretrizes bra~leiras para tratamento das pneumonias adquiri· O uso de culturas quantitativas pode auxiliar na valoriza·
das no hospital e das associadas~ wntil~o mednica: 2007.' ção do exame, tendo sido geralmente utilizada como ponto
de corte a presença de 106 unidades formadoras de colônias Os pontos fundamentais do tratamento são a adequa-
bacterianas (UFC}/mL. ção terapêutica desde o início, o que depende do conheci-
A utilização do lavado broncoalveolar (LBA) por fibro- mento da microbiota local, e a sua instituição precoce. A
broncoscopia é considerada uma boa alternativa para o diag- estratégia de ampliação do espectro antibacteriano após
nóstico das pneumonias hospitalares, visto que uma grande a obtenção dos resultados das culturas - esealonamento -
quantidade de material pode ser coletada por esse método. concorre para o aumento da mortalidade, ao passo que a
A sensibilidade e a especificidade são altas, variando de 72 a estratégia de redução, desde que adaptada tão logo possível
100% e 69 a 100%, respectivamente. Um grande empecilho à aos resultados microbiológicos, não eleva a taxa de letali-
sua realização é a necessidade de uma equipe médica treinada dade nem aumenta a pressão seletiva sobre os agentes de
em endoscopia respiratória e o aumento do custo. maior resistência. Tal estratégia permitiria também o uso
O minilavado broncoalveolar protegido às cegas apresen- de fármacos de menor espectro e até a monoterapia em
ta um rendimento semelhante ao do LBA convencional e eli- casos selecionados, quando não estão presentes bactérias
mina a necessidade da fibrobroncoscopia, não tendo utiliza- multirresistentes.
ção rotineira devido ao elevado custo do cateter de aspiração. Como enfatizado, a escolha do antibiótico inicial deve
O escovado pulmonar protegido (EPP) tem a seu favor levar em conta a presença de fatores de risco para patógenos
uma melhora na especificidade (89%), porém uma perda na resistentes à terapêutica e seu perftl de sensibilidade, e inclui
sensibilidade (82%) decorrente do alto ponto de corte para não apenas o tempo de início da PAH (precoce ou tardia),
diagnóstico (lcY bactérias/roL) quando se utilizam culturas mas também a presença de comorbidades, o uso prévio de
quantitativas e da pequena quantidade de material recupe- antibióticos, dentre outros. A estratégia deve ser individuali-
rado. zada para cada paciente e instituição/unidades de internação
Uma metanálise sugere que os critérios clínicos represen- e de acordo com os dados microbiológicos locais. Esses da-
tam a melhor referência para a prática clínica diária. Esses dos apontam para a necessidade de um esquema antibiótico
mesmos autores dizem que estudos avaliando a acurácia de empírico que forneça cobertura adequada para os germes
testes diagnósticos não deveriam incluir os testes como parte mais provavelmente envolvidos, não nos permitindo aguar-
da definição do que é PAVM. Mais recentemente, uma revi- dar até que resultados de estudos microbiológicos estejam
são publicada na Cochrane demonstrou que a investigação disponíveis.
utilizando métodos invasivos ou não invasivos não influenciou Os esquemas terapêuticos sugeridos pela Sociedade Bra-
na mortalidade, no tempo de internação, nos dias de venti- sileira de Pneumologia e Tisiologia (SBPT) são:s
lação mecânica nem na troca de antibióticos.' Esses mesmos
achados ocorreram quando o aspecto analisado era o proces- 1. Pacientes de baixo risco para presença de bactérias po-
samento das amostras por cultura qualitativa ou quantitativa. tencialmente resistentes:
Os biomarcadores têm sido utilizados para auxiliar no Germes prováveis: S. pneumoniae, H. influenzae, S.
diagnóstico e avaliar o prognóstico dos pacientes com pneu- aureus oxacilino-sensível, enterobactérias sensíveis: Es-
monia. A proteína C-reativa, a procalcitonina, a copeptina e cherichia co/i, Klebsiella pneumoniae, Enterobacter sp.,
o pepúdeo atrial natriurético têm sido estudados, e a redu- Serraria marcescens
ção dos seus valores quando dosados no terceiro ou quarto Opçôes de tratamento, após considerar o padrão local
dia após o início do tratamento vem sendo associada a um de resistência:
melhor prognóstico. • Associação de betalactâmico-inibidor de betalacta-
mases não ativos contra Pseudomonas sp.
• Fluoroquinolonas
• Cefalosporinas de terceira geração não ativas contra
Tratamento Pseudomonas sp.
O tratamento inicial das PAH é escolhido empiricamente,
devendo-se considerar os seguintes fatores: padrão de sen- 2. Pacientes com fatores de risco para patógenos resistentes:
sibilidade da flora local, condiçôes subjacentes do paciente, Germes prováveis: P. aeruginosa , Acinetobacter sp.,
estado de imunidade, tipo de antirnicrobiano usado previa- Stenotrophomonas maltophilia, enterobactérias resisten-
mente e sua capacidade de estimular a produção de endoto- tes, S. aureus oxacilino-resistente
xinas e selecionar cepas resistentes. Geralmente se emprega terapia combinada:
• Betalactâmicos-inibidores de betalactamases ativos
contra Pseudomonas sp.
~ ATENÇÃO • Cefalosporinas de quarta geração
• Carbapenêmicos
• Quinolona com ação antipseudomonas
A terapia precoce e adequada da pneumonia hospi-
talar está diretamente relacionada com a sobrevida • Aminoglicosídeos
do paciente; já se demonstrou que a sobrevida foi, • Monobactâmicos
• Fármacos antiestafilocócicos: glicopeptideos (vanco-
no mfnimo, duas vezes maior naqueles pacientes que
receberam antibioticoterapia adequada . micina), oxazolidinonas (linezolida) ou estreptogra-
minas (quinupristin/dalfopristin)
Sugere-se incluir um agente antipseudomonas, podendo- • Devidas à presença de infecções extrapulmonares
•se associar um fármaco antiestafllocócico, de acordo com a • Presença de outros sítios de infecção: sinusite hos-
prevalência local do S. aureus oxacilino-resistente. A terapia pitalar, sepse relacionada com cateter intravenoso,
antibiótica combinada deve ser empregada nos pacientes de sepse abdominal e suas diversas causas, sepse uriná-
alto risco para patógenos resistentes utilizando-se classes ria, dentre outras
diferentes de antibióticos. Aminoglicosídeos devem ser evi- • Devidas à presença de condições não infecciosas
tados em idosos e em pacientes com disfunção renal e não • Com infiltrado pulmonar persistente: SDRA, ate-
devem ser usados isoladamente. lectasias, hemorragia pulmonar, pneumonia organi-
A monoterapia pode ser considerada nas seguintes cir- zante criptogênica, edema pulmonar cardiogênico,
cunstâncias: embolia pulmonar, pneumonite aspirativa, dentre
outras causas
• Presença de melhora clínica
• Estabilidade hemodinâmica A abordagem desses pacientes deve ser individualizada
• R aeruginosa eAcinetobaccer sp. não são os agentes iso- com investigação rigorosa, podendo ser necessária a prope-
lados. Este último é naturalmente resistente a betalactâ- dêutica broncoseópica, de exames de imagem tomográficos
micos e cefalosporinas e a aminoglicosídeos em 70% das do tórax, convencional ou angiotomografia, ultrassonografia
vezes, chegando a 97% no caso das fluoroquinolonas. Os e até biópsia pulmonar a céu aberto em casos selecionados.
antibióticos de preferência são carbapenêmicos ou ampi-
cilina/sulbactam.
Prevenção
Duração do tratamento A prevenção da PAVM pode ser dividida em estratégias físi-

[I] ATENÇÃO cas, posicionais e farmacológicas.

• Estratégias físicas: quando necessário, preferir a entuba-


Na maior parte dos casos, a melhora clinica ocorre ção orotraqueal. Os circuitos dos respiradores deverão
mais rápido, por volta de seis a sete dias. Tratamen- ser novos para cada paciente e trocados quando houver
tos com duração prolongada elevam desnecessaria- necessidade, mas sem uma troca sistemática. A troca de
mente o tempo de exposição aos antibióticos e con- umidificadores deve ser feita em cada paciente e a cada
tribuem para a seleção de germes resistentes. 5 a 7 dias quando indicado. Thmbém estão recomenda-
dos tubos com drenagem subglótica naqueles pacientes
que irão necessitar de ventilação mecânica por mais de
Um importante estudo realizado por Chastre e Cols 72horas.
(2003) comparou tratamentos de 8 e 15 dias de duração e • Estratégias posicionais: a elevação da cabeceira a 45
verificou que não houve diferenças significativas quanto à graus está recomendada.
taxa de mortalidade, duração da ventilação mecânica e re- • Estratégias farmacológicas: o uso de clorexidina para hi-
corrência de PAVM, com exceção do caso de PAVM devido a giene oral deve ser considerado. Outra medida eficaz é o
R aeruginosa, em que a taxa de recorrência foi superior à do uso de higiene oral com iodopovidona em pacientes com
tratamento prolongado. lesão cerebral grave.
De acordo com diretrizes atuais,' a duração do tratamento
pode ser abreviada para oito dias, contanto que o tratamento A diretriz brasileira para o manejo da PAH elencou al-
tenha sido adequado microbiologicamente desde o seu início guns pontos fundamentais com nível de evidência A, confor-
e que o paciente tenha apresentado melhora clinica. Quando me destacado a seguir e na FIGURA 38.2.1.
o agente envolvido for R aeruginosa ou outros agentes poten-
cialmente resistentes (S. maltophilia, Acinetobacter e outros), • A vigilância efetiva de pacientes de alto riseo, a forma-
o tratamento deve ser mantido por, pelo menos, 15 dias. ção e a educação permanentes dos profissionais de saú-
de, técnicas de isolamento adequadas e práticas efetivas
de controle como a lavagem das mãos formam a pedra
Falência terapêutica fundamental para a prevenção da pneumonia hospitalar.
As causas de falência terapêutica podem ser: • A vigilância microbiológica com pronta disponibilida-
de de dados sobre os germes da unidade hospitalar em
• Secundárias ao tratamento antibiótico e/ou ao agente questão, o monitoramento e a retirada o mais preco-
causal cemente possível de dispositivos invasivos e programas
• Antibiótico inadequado para o agente: início tardio, para prescrição racional de antimicrobianos também são
dose incorreta, propriedades farmacodinâmicas dos estratégias universalmente recomendadas.
medicamentos, resistência microbiana • A preferência pela via orotraqueal em lugar da nasotra-
• Devidas à presença de complicações da PAH/PAVM queal pode ser benéfica, reduzindo a incidência de sinu-
• Necrose e cavilação, empiema site adquirida no hospital e possivelmente de PAVM.
Suspeita clinicorradiológica de
PAHJPAVM

Obter secreção respiratória para


cultura quantitativa

Considerar a presença de
fatores de risco para patógenos
re-sistentes

Alto risco
Baixo risco
2:S dias no hospital
<5 dias no hospital
Com uso de antibióticos
Sem uso de
nos últimos 15 dias
antibióticos nos
Outros fatores de risco:
últimos 15 dias
neurocirurgia, oorticoide.
Sem outros fatores de
ventilação mecânica
risco
prolongada, SDRA

l l
Pat6genos prováveis
Pat6genos prov~veis
S. pneumoniae. H. influenue,
Pseudomona.s aerug;nosa,
SADxa·S, enterob<lctérias
Aci~tobacter sp., S.
sensiveis (E. co/i, K.
maltophilia, enterobactérias
pneumoniae, Enteroba<:ter sp.,
multirresistentes, SAOxa-R
S. matrescens)

Considerar padrão local de resist~ncia

- Betalactâmic:o + inib idor de Fármacos antipseudomonas:


betalactamases não Betalactimk:os + inib idores de
antipseudomonas betalactamases
Cefalosporinas de quarta geração
- Fluoroquinolonas carbapenêmicos
Quinolona*
- Cefalosporina de terceira Arninoglicoskfeos**
geração não Monobactâmicos**
antipseudomonas
Fármacos antiestafiloc6cicos:
Glkopeptídeos, ox.atolidinonas ou
estreptograminas

àiDIÇÃQ:
*Quino1ona antipseudomonas: àprofloxacina
**Aminoglicosídeos e monobactâmicos não devem FIGURA 38.2.1 -7 Abordagem da pneumonia.
ser usados isoladamente. Aminoglicosídeos devem Fonte: Diretrizes brasileiras para tratamentos das
ser evitados em idosos e pacientes com disfunção pneumonias adquiridas no hospital e das associadas
renal. à ventilação mecânica: 2007.'

• A troca frequente dos circuitos dos respiradores não re- • Se a profJ.!axia do sangramento gástrico por estresse for
duz a incidência de PAVM. necessária, tanto o uso de sucralfato quanto de antago·
• Thdos os dispositivos que favoreçam os episódios aspi- nista H 2 é aceitável.
rativos devem ser removidos o mais cedo possível, assim • Os pacientes devem ser mantidos de preferência em po·
que as condições clínicas do paciente o permitirem. sição semissentada (30 a 45 graus) em vez de em posição
• Nos pacientes em pós-operatório, os exercícios resistivos supina, para prevenir aspiração, especialmente se estive·
inspiratórios são considerados medidas efetivas na pre- rem recebendo alimentação enteral.
venção de PAH.
• A nutrição enteral deve ser preferida em lugar da paren- Fagon JY, Chastre J, Wolff M, Gervais C, Parer-Aubas S, Stéphan F,
teral. et ai. l nvasive and noninvasive strategics for management of suspcc-
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39
Em mulando os mecanismos de defesa do hospedeiro e provo-
cando nele o surgimento de hipersensibilidade de tipo tardio
Pato enia da Tuberculose (mediada por células), e exibe características estrutural e tin·
torial de um bacilo álcool-ácido resistente (BAAR).
José da Silva Moreira Gotfculas com menos de 10 1-1m de diâmetro, desseca·
das na atmosfera, contendo de um a três bacilos {núcleos
goticulares), eliminadas principalmente através da tosse por
indivíduos adultos portadores de lesões pulmonares ativas,
[~] ATENÇÃO escavadas (densamente habitadas), uma vez inaladas, podem
chegar ao compartimento alveolar de outro indivíduo. Esse
aporte pode ocorrer por primeira vez (tuberculose primá·
A tuberculose é uma das doenças Infecciosas mais
ria), ou em vez subsequente (tuberculose pós-primária ou
prevalentes no ser humano, de longa trajetória
histórica (milênios), manifestando-se em diversos secundária). Em cada uma de tais situações, os fenômenos
que se seguem costumam cursar diferentes caminhos.,_,
órglos ou sistemas. mas com os pulm6es sendo
comprometidos em torno de 80% das vezes, se- Quando por primeira vez (infecção primária, mais frcqucn·
guindo-se pleura, gânglios linfáticos, ossos e siste- temente ocorrendo em crianças), uma dessas gotículas cbegan·
mas urinário e nervoso central.' Estima-se que um do ao compartimento alveolar do pulmão, os bacilos que elas
terço da população mundial encontre-se infectada, contêm serão englobados pelos macrófagos ali presentes, mas
ocorrendo cerca de 90 milhões de casos cllnicos em geral não são inativados ou lisados. Em vez disso, usarão o
(doentes) a cada 1O anos, ainda com expressiva interior dessas células para se multiplicar, destruindo-as, fican·
mortalidade, mesmo com os eficient es recursos te- do liberados para ulteriores tentativas de fagocitose por outros
rapêuticos disponíveis. macrófagos. Desse modo, uma pequena lesão vai se formando
em qualquer local da zona cortical do pulmão (cancro de ill()-
culação), em geral não visível na radiografia, com progressiva·
mente maior número de unidades bacilares.
O Mycobacterium ruberculosis - variedade humana das A partir dessa lesão inicial, os bacilos chegam aos gân-
micobactérias - é o mais importante agente causador da glios mediastinopulmonares, formando-se o comp~ pri·
doença. Esse germe é um aeróbio estrito, com metabolismo máoo, com seus polos parenquimatoso e ganglionar, este
acentuadamente dependente de oxigênio, mas que, sob con· último mais vezes visivel à radiografia ( adenopatias) -lesões
dições adversas, consegue sobreviver mantendo« viável por macroscópicas caracteristicas da tuberculose primária. Via
longos períodos (anos). Thm parasitismo intracelular, esti· coletores linfáticos maiores, os germes acabam chegando
ao confluente venoso júgulo-subclávio bomolateral, e daí Uma criança com sintomas gerais, incluindo febre per-
ganham a circulação sanguínea e, por conseguinte, órgãos sistente por mais de 10 dias, sem uma causa alternativa para
diversos. Nessa fase inicial da infecção, não há evidência clí- explicar as manifestações, deve levar à suspeita de tuber-
nica ou imunológica de anormalidade (ausência de sintomas, culose primária evolutiva, em especial se for comunicante
reação tuberculínica negativa). Se tal fase for olhada sob a de um adulto portador da doença. Um teste tuberculínico
óptica do sangue, diz-se estar ocorrendo uma bacilemia as- positivo e a radiografia de tórax mostrando a presença de
sintomática; se vista pelo lado dos tecidos, onde os bacilos adenomegalias mediastinopulmonares deverão corroborar o
acabam sendo retidos no sistema macrofágico-monocítico, diagnóstico (FIGURA 39.1.2). Na grande maioria de tais casos,
fala-se em semeadura precoce (FIGURA 39.1.1). a identificação do bacilo não terá sucesso.
Toda essa permissividade, possibilitando a livre dissemi-
nação por diferentes órgãos no decorrer da primoinfecção,
ocorre em indivíduos ainda sem o seu sistema imunológico
especificamente ativado contra os germes. Todavia, tais indi-
~ATENÇÃO
víduos que são componentes de uma espécie que há muito
As complicações mais importantes da tuberculose
tempo encontra-se em contato com o agente trazem em seu
primária (pneumonia, derrame pleural, disseminação
genoma a potencial capacidade de lutar contra ele.' Essa re-
hemática, meningite) costumam ocorrer dentro do
sistência natural, herdada, pode ser variável, em especial na
primeiro ano de sua evolução. Decorrido esse tempo,
dependência da raça, sendo maior nos brancos, há mais tem-
elas terão menos probabilidade de acontecer. Mais
po em contato com o bacilo tuberculoso. 5 A ativação do meca-
adiante, em geral na vida adulta, caso o mesmo in-
nismo, desde o aporte alveolar dos bacilos, progride pelo tem-
divíduo volte a apresentar a doença, ela ocorrerá re-
po de três a oito semanas, após o que aparecem os sintomas,
vestindo o padrão secundário (pós-primária).
geralmente sistêmicos, incluindo febre, e o indivíduo passa a
manifestar reatividade à tuberculina (viragem tuberculínica).
A partir desse ponto, na infecção primária, uma de duas
situações ocorre: ou os sintomas se atenuam e terminam por A tuberculose pós-primária (secundária), manifestando-
desaparecer, caracterizando a situação de infecção tubercu- -se via de regra em indivíduos adultos, tem sua origem a par-
losa primária não evolutiva, que é a mais frequente; ou os tir de bacilos que causaram a primoinfecção e que persisti-
sintomas aumentam, com piora clínica progressiva, envolvi- ram nos tecidos desses indivíduos (patogenia endógena), ou
mento multissistêmico, podendo incluir a forma miliar grave em indivíduos adultos que já tiveram a primoinfecção e que
da doença, e meningite. Em ambos os casos, daí para frente, voltam a se infectar, novamente inalando bacilos (patogenia
a reação tuberculínica manter-se-á positiva - enquanto hou- exógena). No primeiro caso, a reativação costuma iniciar-se
ver bacilos vivos, viáveis, nos tecidos do hospedeiro. localizada, restrita a um órgão (pulmão mais frequentemen-

8
TT

Bac. Assint

4 6 8
i
FIGURA 39.1.1 ~ Em A, cancro de inoculação na cortical do pulmão
direito; adenopatia mediastinopulmonar homolateral, formando o
complexo primário bipolar. Em 8, fase de bacilemia assintomática (Bac.
Assint.) ocorrendo nas primeiras semanas logo após a contaminação
(seta), em uma criança com sua resistência natural (R,.), herdada. Sur-
gimento de sintomas (S) e teste tuberculínico (TT) tornando-se positivo.
Doença evolutiva (D), com persistência dos sintomas, ou involutiva (1), FIGURA 39.1 .2 ~ Criança de 11 meses de idade, com febre persistente
com regressão deles, na dependência do grau de resistência natural, es- há duas semanas. Adenopatia mediastinopulmonar à direita à radiogra-
pecificamente organizada (R,..,). fia (A). Reação tuberculínica (Mantoux) fortemente positiva (8).
te, pleura, gânglio linfático, osso, rim, tuba uterina) para lesão ativa para o interior de veia sistêmica. Essas lesões ca·
onde foram semeados germes na fase de bacilemia assinto· seosas, sobretudo as ganglionares linfáticas, podem ainda se
mática da infecção primária, e ali evoluir. No segundo caso, abrir para a pleura, formando o derrame pleural tuberculo-
a doença se inicia e progride no pulmão. so, para o pericárdio (pericardite) ou peritônio (peritonite).
De modo geral, todavia, as lesões pulmonares da tuber·
culose secundária predominam nos quadrantes posteros-
superiores, o que se explica por ser mais vantajoso para os
bacilos, devido ao teor mais alto de oxigênio ali disponível, e
~ATENÇÃO
pelo fato de esses germes já não encontrarem toda a permis-
Um individuo adulto com manifestações respirató·
sividade imunológica por parte do hospedeiro que havia na
rias, em especial tosse produtiva, acompanhadas
época da infecção primária.
de sintomas sistêmicos, incluindo febre persistente,
Na maioria das vezes, a tuberculose pós-primária no
por algumas semanas a poucos meses, deve sugerir
pulmão inicia-se como uma lesão exsudativa (infiltrado pre·
o diagnóstico de tuberculose. Uma radiografia de
coce), que evolui e acaba necrosando, formando a caverna,
tórax mostrando lesões em quadrante superior dos
contendo grande número de bacilos. Embora seja mais raro,
pulmões e a pesquisa direta de BAAR no escarro de-
pode manifestar-se como uma lesão produtiva encapsulada
vem confirmar o diagnóstico (FIGURA 39.1.3). lndivl·
(tuberculoma), pobremente habitada.
duos imunodeficientes (portadores de HIV), diabéti·
O pulmão pode, ainda, ser comprometido secundaria-
cos ou em uso crônico de altas doses de corticoides
mente a partir de uma lesão extrapulmonar, como um gân·
podem apresentar-se com lesões com aspectos e lo·
glio com doença evolutiva fistulizando para o brônquio, de-
calizações diferentes nos pulmões.8•9
terminando o aparecimento de pneumonia tubercul05a,6·7 ou
ser envolvido, junto com outros sistemas, na progressão da
tuberculose miliar, também dependente da abertura de uma

FIGURA 39.1.3 -+ Individuo adulto com tosse, expectoração e febre persistente há dois meses. Evolução das lesões pulmonares: radiografia nesse
período, de pequena área de consolidação no terço superior do pulmão direito (infiltrado precoce) (A), para lesão escavada com focos pericavitários
e de disseminação brônquica contralateral (B). Escarro positivo para BAAR (coloração de Ziehi·Neelsen) (C).
Referências Em adultos e crianças maiores de 5 anos, o diagnóstico
de TB é baseado na história e no exame físico que identifi·
I. HopcwcU PC. Thberculosis and olhcr myrobactcrial discases. In:
Mason RJ, Broaddus VC, Murray JF, Nadei JA. Murray and Nadcl's cam o paciente de risco. Este deve submeter-se a uma radio-
tcxtbook of respiratory medicine. 4th cd. Philadelphia: Saunders; grafia de tórax; se as imagens sugerirem TB, três amostras de
2005. p. 979-1043, cap. 33, v. 1. escarro devem ser submetidas à baciloscopia para pesquisa
de BAAR e cu ltura.
2. Rich A. Thc pathogcncsis of tuberculosis. Springficld: C. C. Tho-
mas; 1944. Em crianças menores de 5 anos, o aspirado gástrico
para cultura de micobactéria deve ser realizado, já que
3. Canctti G. Primo-infection et réinfection dans la tuberculose Pu!· elas não têm habilidade para expectorar. Na suspeita de
monaire. Paris: Aamarion; 1954. p. 143-156, cap. 11. TB e xtrapu lmonar, deve ser obtida amostra de secreção
4. Danncnberg AM Jr. lrnmune meehanisms in thc pathoj;cnesis of ou tecido para realização de exame histopatológico, mi-
pulmonary tuberculosis. Rev lnfect Ois. 19&9;11 Suppl2:S369-S78. crobiológico e teste molecular (amplificação de ácido nu-
cleico da micobactéria por meio de reação em cadeia da
S. Stcad WW, Scnncr JW, Reddick wr, Lofgrcn J P. Racial diffc-
rcnecs in susceptibility to infeetion by Mycobactcrium tuberculosis. polimera.se - PCR).
New Engl J Mcd. 1990-,322{7):422-7. A bacteriologia é a principal arma para o diagnóstico
da TB. A sua identificação e o conhecimento do seu com-
6. Schwartt P. Thberculosc Pulmonaire, role dcs Ganglions Lympha- portamento nas mais diferentes situações dão ao bacilo da
tiqucs. Paris: Masson; 1959.
tuberculose relevância diagnóstica. 2 O d iagnóstico de TB
7. Moreira JS, Focbesatto JB, Moreira AL, Pereira M, Hocbbegger pulmonar baseia-se, preferencialmente, na presença de duas
13. Thberculous pneumonia: a study of 59 microbiologically confir· baciloscopias diretas positivas no escarro ou uma cultura po-
mcd cases. J Bras Pneumol. 2011;37(2):232-7. sitiva paraM. tuberr:ulosis, radiografia de tórax compatível
8. Picon PO, Caramori Ml., Bassancsi SL, Jungblut S, Folgicrini M, e reação de M antoux positiva. Em casos sem expectoração
Porto NS, ct a!. Diffcrcnccs in thc clinicai and radiological prcscnta· e radjografia de tórax sugestiva, o escarro induzido com so-
Lion of intratboracic tuberculosis in the prcsencc or absencc of Hl V lução salina está indicado e tem rendimento semelhante em
infection. J Bras Pneumol. 2007;33(4):429-36. relação à broncoscopia com lavado broncoalveolar (LBA).'
9. Lee KS. Pulmonary tubcrculosis. In: MuUer Nl., Silva C1S. 1ma&in8 A identificação das micobactérias se faz com a cultura,
of tbe cbest. Philadelpbia: Saunders; 2008. p. 322-41, cap. 13, v. 1. que também permite a realização de teste de sensibilidade.
Os meios sólidos de cultura recomendados são Lõwenstein-
-Jensen e Ogawa-Kudoba (este último dispensa o uso de
centrífuga, podendo ser empregado em laboratórios de me-

Em nor complexidade). Culturas em meio sólido levam de duas


a oito semanas para fornecer o resultado, ao passo que cul-
Diagnóstico e Tratamento turas em meio lfquido tipo Bactec MGIT 960 System podem
reduzir esse tempo para 10 dias.'
da Tuberculose
Marisa Pereira

Diagnóstico
O diagnóstico da tuberculose (TB) é confirmado pelo isola-
mento do microrganismo responsável (Mycobocteri1un tubercu-
lo.sis) em secreções ou tecidos, sendo baseado em dados epide-
miológicos, na cllnica e no estudo radiológico. A radiografia A radiografia de tórax é o exame de imagem de escolha
de tórax e a pesquisa do bacilo álcool-ácido resistente (BAAR) na avaliação inicial e no acompanhamento da TB pulmonar.
no escarro são os principais exames a serem realizados.' A TB primária é mais comum em crianças e adolescentes,
Os principais sintomas da TB são: mas pode ocorrer em adultos. Sua apresentação clínica cos-
tuma ser de doença aguda e grave, embora possa se manifes-
• Thsse com expectoração, ou não, por mais de duas a três tar de maneira insidiosa e lenta. Por vezes se acompanha de
semanas eritema nodoso, conjuntivite e artralgia de Poncet, que são
• Inapetência manifestações de hiperscnsibilidade.
• Perda de peso A apresentação radiológica da TB pulmonar primária
• Fraqueza inclui:
• Febre vespertina baixa
• Sudorese noturna • Opacidades parcnquúnatosas unifocais
• Dor torácica • Opacidades arredondadas (3 em de diâmetro) nos lobos
• Escarro bemático' superiores e calcificações de linfonodos bilares
• Linfadenomegalia unilateral, hilar e paratraqueal direita Diagnóstico da tuberculose extrapulmonar
(mais em crianças), podendo ocorrer em adultos, asso- A TB extra pulmonar é uma doença paucibacilar, mas mesmo
ciadas ou não a opacidades e atelectasias assim o diagnóstico bacteriológico e histopatológico deve ser
• Atelectasias devidas à compressão extrínseca das vias aé- realizado. As formas mais comuns são pleural, linfática, do
reas por linfonodos aumentados, mais em crianças com sistema nervoso central, pericárdica, ileooecal, peritoneal,
menos de 2 anos, nos segmentos anterossuperiores e no da coluna vertebral, outras lesões ósseas e articulares. Não
lobo médio são comuns empiema, acometimento do trato geniturinário,
• Padrão miliar (opacidades de 1 a 3 mm de diâmetro) si- renal, da glândula suprarrenal e da pele. Em HIV-negativos,
métrico associado ou não a linfonodos aumentados a forma mais comum costuma ser a pleural; já em HIV-posi-
• Derrame pleural, manifestação tardia, raro em crian- tivos, a mais comum é a linfática.
ças.u

O diagnóstico na TB primária em muitas ocasiões é pre- Diagnóstico anatomopatológico


suntivo, baseado na história de contato com TB pulmonar, Este diagnóstico baseia-se no achado de granulo ma com ne-
no teste tuberculínico positivo e nas imagens radiológicas, crose caseosa ou não, em espécime clinico, e não é específico
pois tanto a baciloscopia como a cultura de escarro costu- da TB. Portanto, é fundamental que o material seja enviado
mam ser negativas.•·• em soro fisiológico para o laboratório, permitindo assim a
As principais alterações deTB pós-primária ou de reati- cultura da micobactéria em meio especifico.
vação ou secundária incluem:

• Opacidades parenquimatosas ápico-posteriores dos Novas técnicas de diagnóstico da tuberculose


lobos superiores e segmentos superiores dos lobos in- Testes moleculares são baseados na amplificação e detec-
feriores ção de sequências cspecfficas de ácidos nucleioos (AAN)
• Disseminação linfática (finas linhas entre as opacidades) do complexo Mycobacterium tubercu/osis em espécimes
e broncogênica (pequenas opacidades lineares e nodula- clínicos, com resultados em 24 a 48 horas (PCR para M.
res agrupadas), mais bem vistas na tomografia computa- tuberculosis). Esses testes moleculares permitem o diag-
dorizada de alta resolução nóstico precoce de TB em casos de BAAR negativo c pos-
• Cavidade 11nica ou ml1ltipla nos segmentos apicais e terior cultura positiva, bem como a diferenciação entre
dorsais, em média com 2 em de diâmetro, sem nível lí- TB e micobactérias não tuberculosas em pacientes com
quido, sendo considerada o achado mais típico de TB BAAR positivo. Não substituem o exame cultural para
pós-primária micobactérias e devem ser usados somente para amostras
• Lesões fibróticas, calcificadas, bronquiectasias de tração, respiratórias. 1.n
desvio da estrutura do mediastino e tuberculoma.l,,Jl

Em situações nas quais a radiografia de tórax é pouco


Diagnóstico da tuberculose em situações
esclarecedora, suge re-se realizar tomografia computadori- especiais
zada (TC) de tórax. Os principais achados são nódulos do Tuberculose em HIV-positivos
espaço aéreo ou nódulos acinares associados a ramificações O risco de um individuo infectado pelo HIV desenvolver TB
lineares (padrão de árvore em brotamento), opacidades aci- doença é de 50%; portanto, ao avaliar portadores de HIV,
narcs c espessamento das paredes brônquicas. Na TB mi- deve-se procurar TB, principalmente onde sua prevalên-
Jiar, a TC define a distribuição dos micronódulos e avalia cia é alta." Em HIV-positivos, no momento em que ocorre
melhor o medias tino. Em imunossuprimidos e em pacientes progressão para doença, observa-se uma diminuição da sub-
com febre de origem desconhecida, a TC pode auxiliar, já população de linfócitos CD4, ocasionando perda da capaci-
que a apresentação radiológica costuma ser diferente do pa- dade do sistema imune em controlar a replicação do vírus
10
drão habitual. e a progressão de infecções oportunistas. Tal fato explica o
A reação de Mantoux como método diagnóstico não dis- aparecimento de formas extrapulmonares e disseminadas
tingue a infecção por M. tuberculosis da doença tuberculosa da TB. Pacientes HIV-positivos têm menor rendimento da
A exposição à micobactéria não tuberculosa pode ocasionar pesquisa de BAAR no escarro, maior prevalência de infec-
um teste tubereulínico falso-positivo, e um teste tubereulíni- ção por micobactérias não tuberculosas e maior incidência
co negativo pode ocorrer em casos de tuberculose ativa. São de TB multirresistente. Por essa razão, além da pesquisa de
exemplos infecção pelo vírus da imunodeficiência humana BAAR, estão indicados cultura, identificação da espêcie e
(HIV), desnutrição e tuberculose miliar.'·" teste de sensibilidade.••
Em situações nas quais o BAAR de escarro é negativo,
pode-se tentar um curso de antibiótico (evitando o uso de
fluoroquinolonas pelo seu efeito em micobactérias) para a Tuberculose em pacientestransplantados
exclusão de infecção bacteriana. O teste terapêutico com tu- A TB em tais pacientes costuma ser grave em função de
12
bereulostáticos não está indicado como diagn6stico. dificuldades em reconhecer a doença, do retardo no seu
diagnóstico e da complexa interação medicamentosa no seu
tratamento. Ocorre mais frequentemente nos receptores de
Tratamento
transplante pulmonar como resultado de infecção latente no O tratamento da TB é realizado com diferentes medicamen·
receptor, mas pode não ter sido reconhecida no doador, ou tos combinados levando-se em conta as peculiaridades da
pode ocorrer por uma nova infecção. Existem vários relatos popu lação bacilar. O M. tuóerculosis se multiplica em velo-
de transmissão de tuberculose do doador para o receptor. A cidades diferentes: alguns são de crescimento rápido e lento,
prevalência de TB em transplantados de pulmão em países outros somente lentos e alguns ainda permanecem latentes,
desenvolvidos fica em torno de 1 a 6,5%, mas em regiões tendo atividade esporádica. Portanto, a combinação de di-
endêmicas chega a 10%.' 5 ferentes fármacos tem como objetivos uma ação bactericida
precoce, a prevenção da seleção de bacilos resistentes e a
esterilização das lesões.'
Fatores que influenciamodiagnóstico da
tuberculose: Esquema de tratamento da tuberculose no Brasil
~ Tosse por mais dê duas semanas, linfadenopatia, f<>- conforme recomendação do Programa Nacional
bré, sudoresé noturna é pérda dê peso
~ Hi stória prévia dê tubérculosé· infécção ou doénça
de Controle da Tuberculose do Ministério da
(tésté tubérculínico é détécção dê gama intérféron Saúde (PNCT/MS)6
idéntificam infecção por M. tuberculosis, ma s não fa· O esquema básico (dois meses de rifampicina, hidrazida, pi-
zém o diagnóstico dê tubérculosé-dOénça)
razinamida e etambutol - RHZE/quatro meses de rifampici·
~ Fato res epidemiológicos (exposição conhecida em re- na e hidrazida- RH) está indicado para todos os casos novos
gião dê a lta prévalência)
de todas as formas clínicas (exceto meningoencefalite), bem
~ Quadro radiológico e/ou laboratorial compatívél com como recidivas e retomo após abandono (QUADRO 39.2.1).
tuberculose
Faz parte dessa composição o etambutol (E) como quarta
droga e a adequação das doses de H e Z em adultos para 300
mg/dia e 1.600 mg/dia, respectivamente.6

Infecção latente por M. tuberculosisou tuberculose


latente ~ ATENÇÃO
Este é o período entre a penetração do bacilo no organis-
mo e o aparecimento da tuberculose-doença, momento ideal Segundo o PNCT, todo paciente que apresentar ao
para oferecer tratamento e evitar sua progressão. O seu final do segundo mês de tratamento baciloscopia
diagnóstico é feito pela positividade do teste tuberculínico positiva no escarro deve ser submetido a exame cul·
(Tf) associado à exclusão de tuberculose-doença. tural com identificação da micobactéria e teste de
sensibilidade face à possibilidade de tratar-se de tu·
O tamanho da induração cutânea do TI orienta a ne-
berculose resistente.•
cessidade de tratamento em diferentes situações epidemio·
lógicas.
Imunodeprimidos, curados da doença sem tratamento
com medicamentos, pacientes com indicação de cirurgia Esquema para meningoencefalite
pulmonar com suspeita ou evidência de doença anterior ou
Consiste em dois meses de RHZE/sete meses de RH, uso
candidatos a transplantes devem ser incluídos nesse grupo,
concomitante de corticoide (prednisona na dose de 1 a 2 mg/
assim como grávidas e população indígena.••
kg!dia por quatro semanas) ou intravenosamente nos casos
Outro recurso para o diagnóstico de tuberculose laten· graves (dexametasona na dose de 0,3 a 0,4 mg!kg/dia por 4
te (TBL), hoje feito pelo TI; são os chamados testes com a 8 semanas), com redução gradual da dosagem nas quatro
base na detecção da liberação de interferon gama (IGRA), semanas subsequentes.
quando linfócitos do investigado são submetidos a fragmen-
tos do bacilo não presentes no bacilo de Calmette·G uérin
(BCG). Existem dois desses testes disponíveis comercial- Esquema para multirresistência
mente: Q uantiFERON*-TB Gold (Cellestis Inc., Valencia, Consiste em dois meses de SELZT /quatro meses de SEL-
CA, EUA) e T·SPO'f". TB (Oxford lmrnunotec, Abdingdon, ZT/12 meses de ELT.
17
Reino Unído). Atualmente, o teste do quantiferon (inter· A estreptomicina {S) deve ser utilizada cinco dias por
feron gama) pode ser indicado para avaliação de TBL em semana nos dois primeiros meses, seguida de três vezes por
imunodeprimidos, pois apresenta boa sensibilidade e espe- semana nos quatro meses subsequentes, em um total de 18
cificidade, sendo que a sensibilidade é semelhante à do IT. meses, supervisionados. Etambutol (E), Levofloxacina (L), e
Este último não está indicado para avaliação de TBL em Tiacetazona (T) são usadas durante os 18 meses. Pirazinami-
imunodeprimidos. da (Z), durante os primeiros 6 meses. Esse esquema deve ser
QUADRO 39.2.1 ~ Esquema básico para tratamento de tuberculose no Brasil

rf!;!Mi •11
2RHZE RHZE Até 20 kg R: 1Omg/kg/dia
Fase intensiva H: 1Omglkg/dia
Z: 35 mglkg/dia
E: 25 mglkg/dia
20·35kg 2 comprimidos
36·50 kg 3 comprimidos
> SOkg 4 comprimidos

4RH' RH Até 20 kg R: 1Omg/kg/dia 4


Fase de manutenção H: 1Omglkg/dia
20·35kg 2 comprimidos
36-50 kg 3 comprimidos
>50 kg 4 comprimidos

O número antecedendo a sigla indica o núme<o de meses de tratamento; do~ por comprimido: R• 150 mg; H • 75 mg; Z • 400 mg; E• 275 mg.
Fonte: Adaptada da 111 Diretrizes para Tuberculose da Sociedade Brasileira de Pneumologia e 1isiologia.1

acompanhado em unidade de referência terciária. Deve ser Esquema em caso de intolerância a um


usado em caso de falência do esquema básico, com resistên·
cia à R + H ou R + H + outro fármaco de primeira linha e medicamento
intolerância a dois ou mais fármacos do esquema básico. Na • Intolerância à R: 2HZES5 ' / 10HE
impossibilidade de usar S, substituí-la por amicacina na mesma • Intolerância à H: 2RZESsf7RE
frequência.' 8 • Intolerância à Z: 2RHE/7RH
• Intolerância ao E: 2RHZ/4RH

Esquema de resistência a rifampicina* (A estreptomicina deverá ser usada em cinco dias da


Consiste em 2-3SHZEJ8-10 HE. semana.)

Esquema de resistência a hidrazida*


Consiste em 2RZE/8-4 RE. Tratamento da tuberculose latente (TBL)
É indicada hidrazida (H) na dose de 5 a 10 mg/kg de peso
até 300 mg/dia por seis meses (efeitos colaterais são infre-
[I! ATENÇÃO quentes). Caso ocorra intolerância à H, sugere-se R por dois
a quatro meses. Contatos com portadores de bacilos resis-
tentes podem ser tratados com fluoroquinolona e etambutol.
Preferir sempre usar rifampicina ou hidrazida, por se- O retratamento da TBL está indicado em imunossuprimidos
rem mais eficazes contra os bacilos. enquanto persistirem a irnunossupressão e a reexposição a
focos bacilíferos (a cada 2 ou 3 anos).

Em crianças, é mantido o esquema RHZ, para evitar


efeitos colaterais do etambutol (neurite ótica e sua dificulda·
de de identificação nessa faixa etária). Menores de 10 anos
[I! ATENÇÃO
de idade continuam o tratamento atual com três medica- Tuberculose-doença deve sempre ser afastada antes
mentos: R (10 mg/kg), H (10 mg/kg) e Z (35 mg/kg). de se iniciar o tratamento da TBL 616
Em situação de super-resistência, o paciente deve ser en-
caminhado para referência terciária para utilização de fár-
macos de reserva como capreomicina, moxifloxacina, PAS e
etionamida. No caso de polirresistência, deverá ser montado Recomendações para hepatopatias
esquema conforme o teste de sensibilidade.6 Solicitar provas de função hepática no inicio e durante o
tratamento de adultos com história de consumo de álcool,

• O número na frente da sigla do fármaco significa o tempo de uti- • O número no lado direito da letra, infradesnivelado, significa o
lização dele, em meses. número de dias na semana de uso do fármaco.
doença hepática ou hepatite (passada ou atual), em uso de tante evitar Se E, ou administrá-las em doses reduzidas e com
outras medicações hepatotóxicas e infecção pelo HIY.19 intervalos maiores. O esquema mais seguro é 2RHZf/4RH.'"

Tratamento da tuberculose e hepatopatia Quando indicar tratamento cirúrgico da


Sem cirrose tuberculose pulmonar ativa
a) ALT/AST > 3 x LSN = RHE por nove meses Em casos de TB-MDR (tuberculose mulú.<Jroga resistente);
b) ALT/AST S 3 x LSN = RHZE por seis meses efeitos adversos graves aos tuberculostáúcos; hemoptise não
controlada; empiema; pneumotónu e fistula broncopleural;
Com cirrose linfadenomegalia com compressão da árvore traqueobrõn-
quica'"
a) Cirrose hepática • RE + (levofloxacina ou moxifloxaci-
na ou ofloxacina ou ciclosserina) por 12-18 meses
b) Doença hepática crônica estabelecida Quando indicar tratamento cirúrgico da sequela
• Sem evidência cUnica de doença e com transaminases
(ALT/AST) S 3 x LSN (limite superior da normali- de tuberculose
dade): RHZE normalmente (mesmo que sejam por- Em casos de residuo sintomáúco; cavidade colonizada por
tadores de virus da hepatite ou tenham antecedentes fungo; hemopúse não controlada; empiema, f:rstula broneo-
de hepatite aguda ou hábitos alcoólicos excessivos). pleural e pneumotórax.1'6
Acompanhar com exames laboratoriais periódicos.
• Com evidência cllniea de doença ou com ALT/AST > 3 Prevenção da tuberculose
x LSN: 2HRES/6HE ou 2HRf/6HE ou 2HSf/lOHE
A prevenção é feita pela vacina BCG na criança de Oa 4 anos
ou 3SE0/9EO (adaptado da referência 19)
de idade. É obrigatória para menores de I ano. Ela protege a
criança contra manifestações graves da primoinfecção tuber-
culosa, como a disseminação hematogênica e a meningoen-
cefalite, embora crianças e adultos já vacinados possam ser
contaminados pelo M. tubercu/osis também. 21

Biossegurança em tuberculose
A transmissão da TB em ambientes fechados, como unida-
des de saúde, prisões e asilos, tem aumentado, daí a preocu-
pação com a adoção de medidas efeúvas de proteção. Em
todos os locais com chance alta de transmissão doM. tuber·
cu/osis, seja de pacient.e para indivíduos sadios, de paciente
Tuberculose na gravidez para paciente ou de paciente para profissionais de saúde,
Os tuberculostátioos (RHZE) atravessam a placenta, mas não devem ser adotadas medidas de biossegurança. O que define
têm efeito nocivo para o feto c podem ser utilizados nas doses quais medidas de biossegurança devem ser adotadas é o úpo
habituais. Deve-se evitar estreptomicina, etionamida, canami- de ambiente de exposição, ou seja, de risco baixo, médio ou
cina, amieacina, capreomicina e Ouoroquinolonas, pois ofere- alto. Essas medidas podem ser administraúvas, de contro·
cem risco ao feto. Sugere-se que grávidas com TBL recebam te ambiental e de proteção respiratória, também orientadas
hidrazida por seis meses, com suplementação de piridoxina conforme o ambiente de exposição.•A••
(para evitar crise convulsiva no recém-nascido). Os fármaoos de
primeira escolha (RHZE) têm baixa concentração no leite ma-
temo; portanto, nestes casos a amamentação é recomendada.li) Tuberculose e tabagismo
O tabagismo pode dificultar a ncgativação do escarro durante
Tuberculose no diabético o tratamento da tuberculose, bem como aumentar a taxa de re-
Pode-se estender o tratamento para nove meses nos depen- cidiva da doença. Portanto, combater o tabagismo por meio de
dentes de insulina. Naqueles não dependentes, sugere-se programas de cessação associados à rotina de atendimento dos
manter o esquema habitual. Recomenda-se substituir o bi- portadores de tuberculose pode ser uma boa alternativa.'·6.••
poglicemiante oral por insulina, quando houver necessidade
(manter a glicemia de jejum igual ou menor a 160 mgldL). Programa Nacional de Controle da Tuberculose
Indica-se ainda o uso profilático da piridoxina."''9 No Brasil, os casos de tuberculose diagnosticados devem ser
encaminhados a uma unidade de saúde mais próxima ao domi·
Tuberculose na insuficiência renal cílio do paciente para inscrição no programa, prescrição e for-
R, H e Z podem ser prescritas nas dosagens normais. Deve-se necimento gratuito dos medicamentos. A inscrição do paciente
modificar n tratamento em casos de insuficiência renal com no programa garante a notificação do caso c permite o controle
depuração da creatinina S 30 mL/min ou em diálise. É impor· epidemiológico da doença. Com o objetivo de aumentar a adc·
são ao tratamento, a Organização Mundial da Saúde (OMS), 15. Tom:-Cisneros J, Ooblas A, Aguado IM, San Juan R, 81anes M,
desde 1990, recomenda a adoção da estratégia de Tratamento Montejo M, et ai. Thberculosis after solid-organ uansplant: inciden-
Diretamente ObseiVado (TDO), e desde 1998 o Brasil também ce, risk factors, and clinicai cbaractcristies in lhe RESITRA (Spanisb
recomenda tal estratégia. A adoção da estratégia TDO, bem Network of lnfeetion in "fransplantation) cobon. Oin lnfect Ois.
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como a integração do Programa de Controle da Thberculose
com outros programas (Saúde da Famflia, Agentes Comuni- 16. Thrgcted tuberculin testing and treatmcnt of lalcnt tuberculosis in-
tários de Saúde, Antitabagismo, AIDS), fazem parte de um fection. Tbis oflicial statcment of the Ameriean Tboracic Society was
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Na Grécia Antiga, deveu-se a Hipóaates a denominação
de tJsica, oriunda do termo phlhisilws e que significa con-
Tuberculose no mundo e
sumpção. Desde aquela época havia o entendimento de que propostas para o seu controle
repouso e climas amenos poderiam auxiliar na recuperação
A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que em
dos doentes. Foi a partir dos séculos XVII e XVIII, com os
2009 tenham ocorrido 9,4 milhões de casos novos de TB no
estudos de anatomia, que a doença passou a ser denominada
mundo (incidência de 137 casos/100.000 habitantes), sendo
tuberculose. cerca de 1,2 milhões em pacientes infectados pelo vlrus da
Durante o século XVIII, na Europa Ocidental, a TB imunodeficiência humana - HIV (80% deles no continente
chegou a apresentar taxas de mortalidade entre 200 e 400 africano) e em tomo de 3,3 milhões em mulheres. O conti-
óbitos por 100.000 habitantes, situação idêntica à relata- nente asiático foi responsável por 55% desses casos, seguido
da no Município de Porto Alegre - RS no inicio do século pela África (30%), região leste do Mediterrâneo (7% ), Eu-
3
XX. Na segunda metade do século XVI II, com a Revolu- ropa (4%) e região das Américas (3%).
ção Industrial na Inglaterra e o êxodo rural decorrente do Apenas 22 pa.íses notificam em tomo de 80% de toda a
crescimento dos latifúndios, gerando aglomerações urbanas carga mundial de TB, sendo que o Brasil é o único país das
e pobreza, a TB começou a se espalhar nesses locais, fato Américas que figura nesse grupo. Os cinco países que lide-
que continua ocorrendo até hoje nas grandes cidades e suas ram a lista dos 22 prioritários no controle da TB são Índia
regiões metropolitanas. Cabe salientar que a doença atinge (2 milhões), China (1,3 milhões), África do Sul (490 mil),
principalmente pessoas em fase produtiva da vida, sendo Nigéria (460 mil) e Indonésia (430 mil casos).
que cerca de 80% dos pacientes notificados têm idade entre A prevalência estimada da TB no mundo é um número
15 e 59 anos. ainda mais assustador, girando em tomo de 14 milhões de
Embora Robert Koch tenha identificado o agente cau- casos. No mundo, apenas 27% dos pacientes notificados com
sal da TB em 1882 e logo em seguida Rocntgen, em 1885, TB realizam testagem para HIV, e destes, 26% têm resultado
por meio da radiologia, tenha auxiliado no diagnóstico e positivo, o que representa 7,2% de coinfecção TB/HIV. Dos
acompanhamento dos doentes com sua descoberta, até a coinfectados, 75% estão recebendo cotrimoxazol profilático,
década de 1940 nenhum tratamento eficaz estava disponí- 37% estão sob terapia antirretroviral (TARV) e 85.416 estão
vel para a enfermidade. A era sanatorial, com seu apogeu recebendo isoniazida para tratamento da infecção latente
na primeira metade do século XX e baseada no isolamento por tuberculose {ILTB).3
do doente, oferecia aos pacientes como alternativa tera- Calcula-se que ocorram, a cada ano, 1,3 milhões de
pêutica o repouso absoluto no leito e ao ar livre, além de óbitos por TB em indivíduos HIV-negativos, com 380 mil
uma alimentação rica e o uso de medicamentos sem efi- mortes em mulheres. Em torno de 400 mil mortes em pa-
cientes HIV-positivos devem-se à TB, totalizando 1,7 mi-
cácia comprovada, como enxofre, preparados de ouro e
lhões de óbitos a cada ano (26 óbitos/100.000 habitantes).
bismuto, cálcio, creosoto e quinino. Thntativas cirúrgicas
O indicador relativo à mortalidade, apesar de preocupan-
como ressecção pulmonar, toracoplastia c pneumotórax
te, seque r é um dado mensurado de maneira confiável em
terapêutico também faziam parte do arsenal disponível na
muitos países.
época.
Em 2008, estima-se que tenham ocorrido 440 mil casos
Somente em 1944, com a descoberta da estreptomicina,
de tuberculose multidrogas-resistente (TB-MDR), sendo
surgiram fármacos anlimicrobianos eficazes contra o bacilo que 86% deles ocorreram em 27 países (15 países europeus),
de Koch. Em 1946, foi descoberto o ácido paraminossalicí- salientando-se que somente a China teve em tomo de 100
lico (PAS), e em 1952, a hidrazida, com um grande impacto mil casos, seguida pela Índia, com 99 mil. Em julho de 2010,
nas taxas de mortalidade por TB no mundo inteiro. Na déca- 58 países já haviam notificado pelo menos um caso de tuber-
da de 1960, foram instituídos os tratamentos com no mínimo culose extensivamente resistente a drogas (TB-XDR).
3

três fármacos, tendo sido considerados eficientes do ponto Apesar da situação epidemiológica alarmante nos dias
de vista teórico em mais de 95% dos casos, com a evolução atuais, desde 1993 a OMS declarou a TB uma emergência
para o tratamento ambulatorial e o fechamento dos sanató- mundial e propôs a estratégia DOTS (Directly Observed Treat-
rios em todo o mundo. ment Short cow-se) para detecção de 70% dos casos estimados
A partir da descoberta dos fármacos com atividade e obtenção de sucesso de tratamento (cura) em pelo menos
confirmada sobre o bacilo de Koch, houve a expectativa de 85% destes e abandono do tratamento menor do que 5%.
erradicação da doença até o final do século XX ou, pelo A estratégia DOTS baseia-se em cinco pilares: a) de-
menos, a esperança de que ela estivesse limitada aos países tecção de casos por meio de exames bacteriológicos de
pobres. No entanto, fatores como o surgimento da AIDS, qualidade entre sintomáticos respiratórios (SR) que de·
a desorganização dos serviços de saúde pública e a crise fi- mandam os serviços de saúde; b) tratamento padronizado
nanceira mundial impediram a concretização do controle de curta duração, com supervisão da tomada da medica-
da TB, como está evidenciado nos dados epidemiológicos ção e apoio ao paciente, monitorado em sua evolução; c)
relatados a seguir. fornecimento regular de fármacos e gestão adequada dos
medicamentos; d} sistema de registro e informação que
assegure o monitoramento dos casos, desde sua notifica-
ção até o encerramento; e e) compromisso do governo
0 ATENÇÃO

colocando o controle da TB como prioridade entre as po- Apesar de haver uma detecção de casos adequada, a
líticas de saúde.' taxa de cura ainda decepciona, sendo que em 2008
Em setembro de 2000, a Organização das Nações Uni- foi de somente 77%, ainda abaixo do preconizado
das (ONU) aprovou e apresentou a Declaração do Milênio pela OMS. Os resultados obtidos devem-se. certa-
com as Metas de Desenvolvimento do Milênio. Na Meta 06 mente, à epidemia de AIDS. à abordagem inadequa-
(Combater o HIV/AIDS, malária e outras doenças), o ob- da do paciente, que nao tem garantido o tratamento
jetivo 08 contempla a TB: Até 2015, deter o aumento da in- diretamente observado (TDO). e à fragilidade do sis-
cidência da malária e outras doenças importantes e iniciar tema de informação.' Considera-se que, exceto em
a inverter a tendência atual. Dos indicadores pactuados, alguns poucos palses, com a adequada expansão da
almeja-se que até 2015 consiga-se reduzir em 50% a taxa de Estratégia DOTS e do TDO, seja possível atingir as
incidência, prevalência e mortalidade por TB em relação ao Metas de Desenvolvimento do Milênio.
ano de 1990.
A Parceria STOP TB, criada em 2006 para auxiliar
no cumprimento das Metas do Milênio, tem ainda como
objetivo reduzir a incidência global da TB ativa para me-
nos de 1 caso/milhão de habitantes até o ano de 2050. Em
Tuberculose no Brasil
2010, considerando-se que faltavam apenas cinco anos para O Brasil figura como o 1Cf' entre os 22 pafses responsáveis por
2015, foram feitas atualizações no plano, a ser cumprido 80% da carga mundial de TB e está em 108" 1ugar no mundo
no perfodo 2011 a 2015: a) diagnóstico, notificação e tra- em taxa de incidência. Em 2009, notificou 71.641 casos novos
tamento de 7 milhões de casoS/ano; b) cura de pelo menos da doença, com uma taxa de incidência de 38,4 casoS/100.000
90% dos pacientes com baciloscopia de escarro positiva; habitantes c uma prevalência estimada em tomo de 100.000
c) testagem de 100% dos pacientes com TB para HIV; d) casos. Os casos novos somados às recidivas totalizaram
cobertura de TARV (tratamento antirretrovial) e profilaxia 75.040, atingindo uma taxa de detecção de 86% (a incidência
com cotrimoxazol em 100% dos coinfectados TB/HlV; e) estimada para o Brasil em 2009 foi de 87.000 casos). Nomes-
dispensação de isoniazida para todos os pacientes HIV-po- mo ano, foram testados para HIV 49% dos pacientes, 18,5%
sitivos com indicação de tratamento da ILTB; f) realização deles com resultado positivo, o que representa uma taxa de
de cultura para micobactérias e teste de sensibilidade aos coinfecção TB!HIV de 9,1 %. Em tomo de 92% dos coinfec-
fármacos em 100% dos casos de retratamento, bem como tados estão recebendo TARV, e não há dados acerca do trata-
naqueles de alto risco para TB-MDR (em tomo de 20% de mento da ILTB, nem do uso de cotrimoxazol profilático.1 Em
todos os novos pacientes); g) tratamento de todos os casos 2010 foram notificados cerca de 71.000 casos da doença, com
de TB -MDR de acordo com as normas internacionais; e h) taxa de incidência de 37,9 casos/100.000 habitantes.
mobilização de 7 bilhões de dólares ao ano para fomentar
Em 1998, o Brasil resolveu destacar a TB como um
a estratégia STOP TB e 1,3 bilhão de dólares ao ano para problema prioritário de saúde no pais, estabelecendo uma
a pesquisa de novos fármacos, novos métodos diagnósticos
série de medidas para o controle da doença mediante a
c vacinas.'
criação do Plano Nacional de Controle da Thberculosc,
a partir de uma decisão do Conselho Nacional de Saúde,
em 06 de agosto daquele ano. Em 2003, o Ministério da
Tuberculose nas Américas Saúde determinou ser a TB uma das cinco doenças prio·
ritãrias no Brasil, e o Programa Nacional de Controle da
Nas Américas, embora os números nem de longe possam ser
Tuberculose do Ministério da Saúde (PNCf-MS) passou a
comparados com os continentes Asiático e Africano, a Orga-
nização Pan-Americana de Saúde (OPAS} tem tido grande intensificar suas ações de capacitação c de monitoramento
preocupação no que se refere a serem atingidas as Metas de e avaliação em todos os Estados da Federação, em especial
Desenvolvimento do Milênio.' No ano de 2009, foram esti- nos 315 Municípios Prioritários (MP) para o controle da
mados 270.000 casos novos de TB, com uma taxa de incidên- TB no Brasil, onde estão concentrados em torno de 70%
cia de 29/100.000 habitantes e uma prevalência estimada de do total de casos.6
350.000 casos. Foram efetivamente notificados 216.398 casos A descentralização das ações de controle da TB para
novos (110.598 pulmonares positivos), o que se traduz em a Atenção Básica e para a Estratégia de Saúde da Família
uma taxa de detecção de 76%, valor este dentro das expecta- com a busca dos SR, o diagnóstico oportuno dos doentes e a
tivas pactuadas anteriormente. Dos pacientes com TB, 41% realização do TDO em todos os pacientes com TB tem sido
foram testados para HIV em 2009 e, destes, 17% foram po- o objetivo de todas as abordagens e capacitações realizadas
sitivos. Entre os coinfectados TB/HIY, 61% estão recebendo pelo PNCf-MS. Apesar do investimento continuo em capa-
cotrimoxazol profllático, 73% estão sob TARV e somente citação de gestores e das equipes de saúde para a detecção
4.568 estão tratando ILTB com isoniazida.3 precoce de casos e seu tratamento adequado, a taxa de cura
no pafs ficou em n % em 2008 e a de abandono, em 9,9%, década {2001-2010), ocorreu um incremento da taxa, que em
números ainda muito aquém dos preconizados pela OMS.6 2001 foi de 40,9 casos/100.000 habitantes!
O Brasil conseguiu reduzir, de 1990 a 2010, sua taxa de Apesar de as taxas de incidência não estarem caindo
incidência de 51,7 para 37,9 casos/100.000 habitantes, com no Estado, a taxa de mortalidade em 2009 foi de 2, 7 ca-
isso vislumbrando estar muito próximo do que está pactuado sos/100.000 habitantes, um pouco superior à do Brasil (2,6),
para 2015. No entanto, a queda na taxa de incidência não vem o que poderia indicar uma melhoria dos indicadores, quando
ocorrendo nas Regiões Norte e Sul do pafs, o que tem sido comparada com 1990 (3,6 mortes/100.000 habitantes).'
motivo de preocupação e priorização de ações nesses locais.'
Embora tenha ocorrido a expansão da Estratégia de
Saúde da Família de norte a sul do Brasil, sua cobertura
ainda não é uniforme, principalmente nos grandes centros [Ii ATENÇÃO
urbanos, sendo que em 2010 somente 37,4% dos casos no-
vos diagnosticados receberam mo, o que pode justificar as Quando se avalia a taxa de coínfecção TB-HIV, a par-
taxas de cura ainda abaixo de 85%, no pafs. tir de 2001 ela tem se mantido em tomo de 20%,
A taxa de mortalidade, que era de 3,55 casos/100.000 que é pelo menos o dobro da média nacional, sendo
habitantes em 1990, foi de 2,55 casos/100.000 habitantes em que no Municlpio de Porto Alegre, a capital brasneira
2009, demonstrando uma tendência clara de queda em di- com maiores taxas de inód~ia de TB em 2009 e
reção ao que foi pactuado nas Metas do Mil~nio. Cabe des- 201 O (115 e 111 casos/1 00.000 habitantes, respecti-
tacar que a mortalidade é maior entre os homens e os não vamente), a coinfe<:çAo passa de 30%.1
brancos.
Em 2009, o Brasil notificou 411 casos de TB -MDR,6 mas,
com a mudança do esquema de tratamento ocorrida no país Altas taxas de coínfeoção TB -HlV aliadas a uma baixa co-
a partir de novembro daquele ano c dos critérios para defini- bertura de Estratégia de Saúde da Famflia (35%) e baixo per-
ção de um caso de TB-MDR, é provável que esse número ve- centual de pacientes em TDO (15%) resultaram em uma taxa
nha a ter um incremento importante nos próximos anos. De- de cura de somente 66% em 2008, com um abandono de 12%.
ve-se lembrar que a grande maioria dos casos de TB-MDR Desde 2001 o RS notifica anualmente entre 30 e 40 ca-
notificados no país é decorrente de resistência adquirida aos sos de TB-MDR, o que, assim como acontecerá no Brasil,
fármacos devido a tratamentos irregulares, altas taxas de deverá aumentar nos próximos anos, seja pela mudança de
abandono e não realização do mo de maneira uniforme. critérios para definição de caso, seja pela universalização da
cultura para micobactérias com teste de sensibilidade aos
fármacos disponível em menor período de tempo com o ad-
Tuberculose no Rio Grande do Sul vento da automação, que tende a se expandir em nosso meio.

O Estado do Rio Grande do Sul, contrapondo o restante


do Brasil e os outros dois Estados da Região Sul, não tem
evoluído no controle da TB rumo a atingir as Metas do Mi- Considerações finais - por onde
lênio. O Programa Estadual de Controle da Thberculose passa o controle da doença?
do RS (PECT-RS) foi implantado de 1971 a 1974, quando
a unidade sanitária principal existente em cada um dos 232 Sem dúvida alguma, o controle da TB passa pela utilização,
municípios e vinculada ao Estado passou a ter condições de de forma conúnua e sistemática, de todo o arsenal diagnós-
realizar o diagnóstico baciloscópico da TB e instituir o tra- tico e terapêutico existente e conhecido há mais de 30 anos,
tamento com fármacos de primeira linha. No período entre mas também - obrigatoriamente - por uma mudança de
1976 e 1986, ocorreu uma queda significativa nas taxas de atitude em todos os níveis hierárquicos de nosso sistema de
incidência de TB no RS, mas, a partir de 1988, aconteceu saúde, da sociedade civil organizada e dos gestores políticos,
um incremento no número de casos, fato que perdura até os com vistas a uma nova estratégia de abordagem, atualmente
dias atuais.' passiva e que espera que os doentes procurem assistência,
As justificativas para a manutenção das elevadas taxas para um enfoque epidemiológico sobre a doença, identifi-
de incidência e mortalidade passam pela desestruturação cando o bacilífero em seu meio e abordando seus contatos.'
político-administrativa da saúde pública no RS na década A busca intensiva e emergencial dos doentes junto às
de 1980, pelo surgimento da epidemia de HIV/AIDS, bem populações especiais como indivíduos privados de liberda-
como pela acelerada emancipação de muitos municípios e a de, soropositivos para o HIV, pessoas em situação de rua
conturbada municipalização da saúde, onde diversos muni- e indígenas é fundamental para o diagnóstico precoce e a
cípios demoraram a reconhecer o controle da TB como sua avaliação dos contatos dentro dessas comunidades. Feito o
responsabilidade. diagnóstico, é imprescindível o acompanhamento adequa-
Em 1990, a taxa de incidência da TB no RS era de do de todo o tratamento, com vistas à redução das taxas de
49,3 casos/100.000 habitantes e em 2010 ficou em 45,3 ca- abandono e consequente aumento das taxas de cura.
sos/100.000 habitantes, queda não considerada significativa A TB diagnosticada nos ambientes hospitalares, refle-
e em descompasso com o Brasil. Considerando-se a última tindo as falhas existentes na assistência primária em saúde,
a.lém de disseminar o bacilo em um ambiente em que ou-
tras comorbidades podem alterar o estado imunológico do
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que o arsenal terapêutico é limitado e os casos de MDR au- Guidelines on Tuberculosis. J Bras Poeumol 2009;35(10):p. 1018·
mentam a cada ano. 4&.
Ferreira SRS, Glasenapp R, Flores R, organizadores. Thberculo-

0 ATENÇÃO
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Nossa Senhora da Conceição; 2011 (capturado em 08 jun. 2011].
Disponível em: http://wwW2.ghc.com.br/GepNet/publicacoes/ tuber-
Por fim, mas não menos importante, destaca-se o culosenaatcncao.pdf.
papel da sociedade civil organizada como parceira Fundação Oswaldo Cruz. Escola NacionaJ de Saúde Pública Sergio
na divulgação de conhecimentos sobre a TB e co- Arouca. Controle da tuberculose: uma proposta de integração ensi-
brança de ações para o controle da enfermidade jun- no-serviço. Rio de Janeiro: BAD!BNSP; 2008.
to aos gestores políticos nas três esferas de governo.
Picon PD, Rizzon CFC, Ou WP. Thberculose: epidemiologia, di&&·
Concluindo, a melhoria dos Indicadores epide- nóstico e tratamento em el(nica c saúde pública. Rio de Janeiro:
miológicos, o controle da doença e talvez, em um Medsi; 1993.
futuro muito distante, sua erradica~o Solo responsa-
bilidade de todos.
Em rer ainda por ingestão (via digestiva) e por inoculação direta,
associada ou não à realização de procedimentos invasivos.
Micobacterioses Atípicas A incidência real é desconhecida porque a notificação
dos casos não é obrigatória junto aos órgãos governamentais
Fernanda Carvalho deQueiroz Mello da maioria dos países, mas há evidências de que a incidência
e a prevalência estejam aumentando em várias nações.
Nem todas as MNTBs descritas até o momento foram
Introdução identificadas como causadoras de doença. As manifestações
pulmonares são descritas em 94% dos casos de isolamento
O termo micobacterioses aúpicas é utilizado para denomi- de MNTBs. Entretanto, podem afetar tecido cutâneo, ossos
nar as infecções causadas por todas as espécies de mico- e linfonodos. A forma disseminada pode ocorrer e, sem tra-
bactérias que não pertencem ao complexo Mycobacterium tamento medicamentoso, frequentemente é fatal.
tuberculosis.' As micobactérias aúpicas podem receber ou- No Brasil, isolados de micobactérias recebidas de dife-
tras denominações: oportunistas, ambientais, micobactérias rentes regiões do país e analisados no Laboratório Nacional
outras que não a tuberculose (do inglês mycobacteria other de Referência de Micobactérias do Centro de Referência
than tuberculosis - MOTT) e micobactérias não tuberculosas Professor Hélio Fraga no período de 1994 a 19993 mostraram
(MNTBs). a seguinte distribuição das MNTBs nas amostras estudadas:
As MNTBs foram identificadas em 1885, mas a patoge- complexo Mycobacterium avium 44,4%, Mycobacterium lum-
nicidade em seres humanos foi descrita somente em meados sasii 13,7%, Mycobaterium fortuitum 10,8%, Mycobacterium
do século XX. Na época, Emest Runyon propôs uma classi-
abscessus 9,5% e Mycobacterium chelonae 1,5%.
ficação dessas micobactérias em quatro grupos: Nos últimos anos, foram relatados vários sur tos hospita-
lares de MNTBs de crescimento rápido, associados a proce-
• Grupo 1: fotocromogênicas (com produção de pigmento dimentos cirúrgicos estéticos, ortopédicos, oftalmológicos e
na presença de luz) abdominais por videolaparoscopia. Os pacientes tinham his-
• Grupo 11: escotocromogênicas (com produção de pig- tória recente de videocirurgia (em sua maioria para colecis-
mento independentemente da presença de luz) tectomia), implante de prótese de silicone e lipoaspiração e
• Grupo III: não fotocromogênicas (sem produção de pig-
apresentavam infecção de pele/subcutâneo, abscessos frios!
mento algum) piogênicos ou nódulos/fistulizações na porta de entrada, sem
• Grupo IV: de crescimento rápido (com crescimento em
resposta ao uso de antimicrobianos para germes piogênicos.
tomo de sete dias).
Mycobacterium massiliense foi considerado o agente respon-
sável pelo surto.
As MNTBs dos grupos I, 11 e III são de crescimento me-
nos rápido, necessitando de mais de sete dias em meio de
cultura, variando de 1 a 3 semanas.
Atualmente, mais de 148 espécies de MNTBs já foram Manifestações clínicas e radiológicas
identificadas. Cabe ressaltar que os avanços das técnicas mi-
crobiológicas e, em especial, o desenvolvimento de métodos Complexo Mycobacterium avium
moleculares de identificação de micobactérias contribuíram Esse complexo inclui pelo menos duas espécies: M. avium
para o aumento, nos últimos anos, não apenas do número de e Mycobacterium intracellulare. M avium é o patógeno mais
espécies descritas, mas também do número de casos diag- importante na doença disseminada eM. in trace/lu/are é opa-
nosticados de infecção por MNTBs. Soma-se a isso, como tógeno respiratório mais frequente.
possíveis fatores associados ao aumento de casos, a maior Existem apresentações distintas da doença pulmonar
suspeição clinica, o envelhecimento da população em geral, associada ao complexo M. avium. A forma tradi cional é
a maior sobrevida de pacientes com patologias predisponen- aquela descrita pela presença de lesão fibrocavitária em lobo
tes a micobacterioses atípicas, o maior número de pacientes superior, em homens brancos, na faixa dos 40 aos 50 anos,
sob imunossupressão e possivelmente a maior exposição am- com história de uso abusivo de álcool e tabagismo. Doenças
biental a MNTBs? pulmonares de base são comuns nesses pacientes e incluem
As MNTBs estão distribuídas mundialmente no meio doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC), bronquiec-
ambiente, sendo encontradas no solo, na água (tratada ou tasias, fibrose cística, pneumoconioses e tuberculose (TB)
não), no esgoto e na superfície de animais. Crescem em di- prévia.
ferentes temperaturas, toleram alterações de pH, salinidade Os sintomas da forma tradicional são os seguintes: tosse,
e variações de tensão de oxigênio, além de serem resistentes expectoração, hemoptise, febre baixa, calafrios, sudorese e
a desinfetantes, detergentes, ácidos, cloro e antissépticos. A perda de peso. O exame direto do escarro e a cultura ge-
sua hidrofobicidade facilita a aerossolização (transmissão) e ralmente são positivos, o que pode levar à suposição diag-
a formação de biofilmes (persistência em superfícies). Não nóstica de TB, que é revista somente após a identificação
há evidências de transmissão a partir de animais ou entre da espécie da micobactéria isolada. Não é possível distinguir
seres humanos. A infecção ocorre com maior frequência por o complexo M. avium do complexo M. tuberculosis apenas
inalação de aerossóis gerados no ambiente, mas pode ocor- pelo resultado positivo da cultura. Um paciente com mico-
bacteriose atípica, se tratado inicialmente como um caso de pacientes com doença causada pelas MNI"Bs, deva ser asso-
TB, na ausência de resposta ao tratamento, poderia ser ca- ciado ao uso de adequada terapia anti-MNTBs.
racterizado (com base na resposta cünica) como caso de TB
resistente. Daí a importância da cultura com identificação
da micobactéria no caso de suspeita clfnica de doença por Mycobacterium kansasii
MNTBs. Na telerradiografia de tórax, é possfvel encontrar, A infecção por M. kansasii geralmente acomete homens de
em comparação com a TB pulmonar, lesão cavitária com meia-idade, mas pode ser encontrada em pacientes adultos
paredes mais finas e infiltrado associado discreto, menor de qualquer idade, raça ou gênero. Os fatores de risco para
disseminação broncogênica, porém maior disseminação por infecção por M. kansasii são pneumoconioses, DPOC, TB
conliguidade, além de maior reação pleural adjacente. prévia, fibrose pulmonar, doenças malignas e uso abusivo de
A outra forma de apresentação caracteriza-se pela pre- álcool. Todavia, a combi.n ação de infecção pelo vírus da imu -
sença de nódulos e infiltrado intersticial acometendo lobo nodeficiência humana (HIV) e silicose resulta em acentuada
médio e üngula, predominantemente em mulheres brancas, susceu'bilidade. A principal fonte do microrganismo é a água
magras, não fumantes, pós-menopausa e com alterações pos- de torneira, não tendo sido descrito isolamento a partir do
turais (escoliose e pecrus e.scavarwn) e/ou pro lapso mitral' solo.
Os sintomas nessa apresentação são tosse prolongada, A doença pulmonar causada por M. kansasii apresen-
mal-estar e fadiga Tal forma também é denominada doença ta grande semelhança com a TB. Os sintomas podem ser
bronquiectásica nodular. Na tomografia computadorizada vagos, o que pode dificultar o diagnóstico na presença de
de alta resolução (TCAR) de tórax, os achados são os se- doença pulmonar de base. As queixas mais frequentes são
guintes: múltiplos nódulos pulmonares periféricos, localiza- tosse, febre c adinamia. O achado radiográfico de lesão ca·
dos na árvore broncovaseular, e bronquiectasias cilíndricas. vitária em lobo superior não permite distinção de TB ou de
As bronquiectasias podem apresentar complicações não re- doença pulmonar por complexo M. avium, apesar de alguns
lacionadas com a micobacteriose, como infecções in específi- autores descreverem as paredes de tais lesões como mais fi.
cas por bactérias grarn-negativas.
nas, com a possfvel existência de um infiltrado perilesional
Finalmente, foi descrita uma sfndrome semelhante à
menos intenso na doença causada por M. kansasii também.
doença pulmonar de hipersensibilidade também associada
Recentemente, foi descrita uma forma de doença pulmonar
ao complexo M. avium. Os casos foram descritos pela pri-
semelhante à apresentação bronquiectásica do complexo M.
meira vez em spas, nos quais havia um conjunto de banheiras
avium.
de água quente e um sistema de ventilação especifico, mas
M. kansasii é a segunda causa mais comum de micobac-
já foi relatado um caso relacionado com o uso de chuveiro
teriose em pacientes com AIDS. Em contraste com a forma
doméstico. Há também descrições de outros casos associa-
disseminada pelo complexo M. avium, o comprometimento
dos à exposição ocupacional de metalúrgicos a Ouidos como
parafinas, óleo de pinha e hidrocarbonetos policíclicos aro- pulmonar é visto em 50% dos casos.
máticos.
Os pacientes costumam ser mais jovens do que os indi- Micobadérias de crescimento rápido:
víduos com as formas pulmonares clássicas, não fumantes,
e apresentam-se com dispneia, tosse e febre de instalação M. abscessus, M. fortuitum eM. chelonae
subaguda. Em alguns casos, pode haver hipoxemia e neces- D entre as micobactérias de crescimento rápido (grupo IV),
sidade de suporte ventilatório. Na telerradiografia de tórax M. absce.ssus, M. fortuilum eM. chelonae são as espécies as-
e na TCAR, existem anormalidades em todos os casos. Ob- sociadas ao adoecimento de seres humanos. In vilro, esses
serva-se a presença de infiltrado difuso com nódulos proe- microrganismos crescem em 3 a 10 dias, e a resposta imuno-
minentes. Além disso, a presença de lesão tipo vidro fosco é lógica desencadeada por eles pode ser dimórfica, com aspec-
frequente, assim como o padrão de mosaico na TCAR. tos de inOamações granulomatosas e piogênicas. As formas
Convém ressaltar ainda que o isolamento do complexo de apresentação são pulmonar, cutânea, subcutãnea e óssea.
M. aviwn em espécimes respiratórios de pacientes HN-po-
sitivos é uma questão particular. Geralmente, em pacientes
com anormalidades na telerradiografia de tórax, os critérios Mycobacterium abscessus
para decisão terapêutica devem ser os mesmos aplicados A maioria dos pacientes com doença pulmonar por M. abs-
aos imunocompetentes, mas com ênfase na exclusão de ou- cessus são mulheres brancas, não fumantes, com mais de 60
tros possfveis patógenos oportunistas como causadores da anos. Condições de base, que podem estar associadas, são as
doença pulmonar. A doença pulmonar isolada em pacien- seguintes: doença prévia por micobactéria e/ou bronquiecta-
tes HIV-positivos não é usual, mas pode apresentar-se como sias. Outras condições, mais raramente associadas à doença
doença localizada ou difusa e ainda na forma de doença en- pulmonar por M. absce.ssus, incluem distúrbios gastresofági-
dobrOnquica. cos, pneumonia lipoide e fibrose cística. Nos pacientes com
O risco do uso de bloqueadores do fator de necrose tu- essas condições, a manifestação do quadro pulmonar acon-
moral alfa (TNFa) para a infecção por MNTBs ou sua pro- tece mais cedo, em tomo dos 40 ou 50 anos. Os sintomas são
gressão para doença não são exatamente conhecidos ainda. semelhantes àqueles das outras MNTBs, especialmente do
Contudo, sugere-se que o uso de bloqueadores de TNFa, em complexo M. avium , incluindo tosse e fadiga.
Os achados radiográficos são de opacidades multiloba- QUADRO 39.4.1 ~ Critérios para o diagnóstico de micobacteriose
res, reticulonodulares ou mistas {alveolointersticiais), com atípica pulmonar
predomínio do comprometimento dos lobos superiores.
Cavidades são evidenciadas em apenas 15% dos casos. Na Critérios cllnicos (ambos necessários):
TCAR, podem ser visualizados múltiplos pequenos nódulos 1. Sintomas pulmonares, cavidades ou opacidades nodulares na
( <5 mm) e bronquiectasias cilíndricas. Ou seja, de forma telerradiografia de tórax, ou uma TCAR com a presença de
geral, o aspecto é bastante similar ao das bronquiectasias bronquiectasias multifocais com múltiplos pequenos nódulos
nodulares relacionadas com o complexo M. avium . De fato, associados E
em cerca de 15% dos pacientes há isolamento do complexo 2. Exclus~o apropriada de outros diagnósticos (p. ex. TB, c~ncer,
M. avium, além do isolamento deM. abscessus em amostras histoplasmose).
respiratórias, o que sugere uma estreita associação desses Critérios microbiológicos (pelo menos um deles):
microrganismos. 1. Culturas positivas de pelo menos duas amostras distintas de
escarro espont1neo OU
Mycobacterium fortuitum 2. Uma cultura positiva de escovado ou lavado brónquico OU
3. Uma biópsia pulmonar, transbr6nquica ou não, com achados
A doença pulmonar caus.ada por M. fortuitum é similar àque-
histopatológicos sugestivos de doença micobacte<iana (inftamaçio
la ocasionada por M. abscessus. Embora M. abscessus seja o
granulomatosa ou presença de bacilo ~lcool-ácido resistente -
responsável pela maioria dos casos de doença pulmonar cau- BAAR) e cultura positiva para MNTBs, ou biópsia com achados
sada por MNTBs de crescimento rápido, a exceção é forma- histo patológicos sugestivos de micobacteriose (inflamação
da pelos pacientes portadores de distúrbios gastresofágicos, granulomatosa ou presença de BAAR) e uma ou mais amostras de
nos quais ambas são isoladas com frequências iguais. escarro ou lavado br6nquico com culturas positivas para MNTBs.

Mycobacterium chelonae
As apresentações cünica e radiográfica são semelhantes
àquelas descritas para M. abscessus e M. fortuitum, mas ge-
Diagnóstico
ralmente é uma causa menos comum de doença pulmonar O diagnóstico de doença pulmonar por MNTBs é dificultado
do queM. abscessus. pela po55ibilidade frequente de contaminação das amostras
clinicas por essas micobactérias (p. ex., Myccóacurium gor-
donae, Mycobacterium simiae).
0 ATENÇÃO
Portanto, o diagnóstico de infecção por MNTBs deve
considerar aspectos cllnicos e microbiológicos. O Omsenso
O comprometimento pulmonar causado por MNTBs da American Thoracic Society (ATS) de 200i sugere crité-
pode apresentar um destes quatro padrões: lesao fi- rios para o diagnóstico da doença pulmonar, os quais estão
brocavitária, bronquiectasias nodulares, nódulo soli- descritos no QUADRO 39.4.1.
tário ou pneumonite de hipersensibilidade. Uma rotina diagnóstica para a suspeita clínica de doença
pulmonar por MNTBs é sugerida na FIGURA 39.4.1.

L
ea.idades visíveis
l
1
Cole"' de escarro espontaneo
1
TCAR dt tórax: altêraçõts
sugestivas

1
Duas culturas positivas com identifica~o Uma ou n~nhuma cultura positiva
d•MNT8

1
lnfc"' de torapêuti<il: considerar potogfnest
das MNTlls X nsco do tratamento
1
Nowl amostta de escarro ou
Broncoscopoa - lovadc(escovado e/ou
8>ópsla transbtônquico ou
8oópsla pulmonar

FIGURA 39.4.1 ~ Fluxograma para suspeita dlnica de doença pulmonar por MNTBs.
--~~-------------------------------------
Alguns aspectos merecem atenção para que seja obtido
maior rendimento diagnóstico na investigação de doenças
Tratamento
causadas por MNTBs: Pacientes que não preencham os critérios diagnósticos atuais
devem ser seguidos até confirmação ou exclusão do diagnós·
• A coleta de amostras deve evitar possíveis fontes de con· tico de doença por MNTBs, o que pode determinar o segui·
laminação, especialmente água de torneira. mento por meses ou anos sem tratamento específico. Por
• As amostras deverão ser encaminhadas em tubos esté·
outro lado, o estabelecimento do diagnóstico não determina
reis e sem fixadores.
obrigatoriamente o inicio do tratamento, porque a decisão
• Se a entrega das amostras demandar período superior
deve ser baseada na relação de risco de efeitos adversos e
a uma hora, deverá ser encaminhada refrigerada a 4•c.
beneficios do tratamento.
• 'Ihltamentos com macrolídeos e quinolonas podem com-
As MNTBs podem apresentar-se naturalmente resisten-
prometer o isolamento de MNTBs; portanto, se possíve~
tes aos fármacos utilizados para o tratamento da TB. Além
devem ser evitados durante a investigação diagnóstica
disso, para a maioria das espécies de MNTBs, não há vali·
laboratorial.
dação dos testes de suscetibilidade in vitro, tampouco uma
• A coleta de espécimes respiratórios deve ser feita prefe·
boa relação entre os resultados in vilro e a resposta clínica.
rencialmente pela manhã, em dias distintos.
• Na suspeita de doença pulmonar e na ausência de expec· Portanto, os testes de sensibilidade devem ser utilizados com
toração, a broncoscopia, com ou sem biópsia associada, cautela na decisão terapêutica.
poderá ser necessária. Cabe, então, ressaltar que a lim- De fato, no momento, em nível internacional, as reco-
peza dos broncoscópios deve ser feita sem a utilização de mendações terapêuticas são baseadas no relato de séries
água de torneira. de casos e considerando-se as premissas dos tratamentos
• A maior quantidade de material clinico possível deve ser do complexo M. avium e doM. kansasü, que são as espécies
enviada ao laboratório de mkobactérias, que deverá es- mais frequentemente isoladas, assim constituindo a maior
tar ciente da suspeita clínica e apto a realizar testes bio- parte dos casos descritos na literatura. Está contraindicada
qufmicos ou moleculares que pelo menos sejam capazes a monoterapia na abordagem terapêutica de MNTBs; então,
de distinguir o complexo M. tuberculosis das MNTBs. de forma geral são utilizados esquemas com no mfnimo dois
• Dentre as técnicas de biologia molecular, as sondas ge· fármacos, para os quais o patógeno seja sensível, a fim de se
néticas comercializadas para o complexo M. avium, M. prevenir a seleção de resistentes.
kansasii e M. gordonae podem ser úteis para a rápida Geralmente a tomada de medicamentos deve ser diária,
identificação dessas espécies de MNTBs, apesar da exis· e a cultura tende a negativar em 6 a 12 meses. O tratamento
tência de escassos estudos sobre sua reprodutibilidade deve ser mantido por, no mfnírno, 12 meses após a negativa·
e/ou custo-efetividade em diferentes cenários clinico· ção da cultura. Dessa forma, o tratamento medicamentoso
-epidentiológicos, nos países em desenvolvimento. Outras dura em média de 18 a 24 meses.6
técnicas, disponibilizadas em laboratórios de pesquisa ou Recidivas são comuns e podem não estar relacionadas
de referência, como o sequenciamcnto do ácido desoxir· com o resultado do teste de sensibilidade. A falência do tra·
ribonucleico (DNA), a reação em cadeia da polimerase lamento ocorre mais frequentemente em pacientes que flze.
(PCR) com a análise de restrição da endonuclease (PRA), ram uso irregular dos medicamentos ou uso de esquema ina-
podem ser utilizadas para auxilio da identificação das es- propriado, como macrolldeos em associação com quinolona.
pécies assumindo as restrições recém-mencionadas. Como o resultado do tratamento nas recidivas tem menor
eficácia, nos casos de lesão pulmonar focal, sem resposta cli·
nica e bacteriológica nos primeiros seis meses, deve-se ava-
Como diferenciar doença de isolamento de MNTBs liar a possibilidade de terapêutica cirúrgica, antes da piora
do quadro clinicorradiológico.
por contaminação ou colonização?
-+ Deve-se considerar número de amostras positivas
e sua natureza (escarro. lavado. biópsia). potencial
patog~nico da espéde micobacteriana isolada e ca-
racterlsticas dlnicas e radiológicas do paciente, bem
como o seu padrão de progressão.
-+ Os portadores de librose clstica devem ser avaliados,
ao menos uma vez ao ano, quanto ~ presença de in·
lecçlo por MNTBs. Caso sejam candidatos ao uso de
macrolldeos, devem ser investigados antes c perio·
dicamente durante o seu uso para que seja afastada
onlecçlo por MNTBs. Além disso, se houver agrava·
mento clinico da doença de base, sem resposta ao
tratamento para pat6genos que n6o as MNTBs, deve
ser consoderada a pesquisa de MNTBs em espédme
resporatório, tanto em adultos como em crianças.
PROGNÓSTICO Pergunta: Esta paciente deve ser tratada?
Resposta: Sim, porque os achados cl!nicos e radiológicos
Complexo Mycobacterium avium são compatíveis com doença pulmonar por M. avium, e
• Doença fibrocavitária: essa forma, se não tratada, apresen- duas amostras distintas de escarro foram positivas. O tra-
ta uma evolução progressiva em 1 a 2 anos, com destruição tamento deve ser mantido por 12 meses após negativação
do parenquima pulmonar e insuficiência respiratória. da cultura.
• Doença bronquiectãsica nodular: apresenta uma evolu-
ção lenta, mas existem relatos de óbitos associados a ela.
• Pneumonite de hipersensibilidade: evolução subaguda, Situação 2
podendo haver hipoxemia e necessidade de suporte ven- Paciente masculino, 55 anos, fumante, com tosse, febre e
tilatório. adinamia. Passado de TB pulmonar com alta por cura. Te-
lerradiografia de tórax com lesão cavitária em lobo superior
direito de paredes finas e discreto infiltrado perilesional.
Mycobacterium kansasii Exames do escarro espontâneo: cultura negativa.
A história natural da doença pulmonar por M. kansasii não
tratada é de progressão cllnica e radiológica. Pergunta: Como proceder?
Conduta: Devido à sintomatologia presente, prosseguir com
Mycobacterium abscessus a coleta de espécime respiratório por broncoscopia, com en-
A história natural da doença em pacientes sem condições vio de material para cultura c teste de identificação de espé-
associadas é indolente, mas lentamente progressiva. Nos de- cie para diagnóstico diferencial entre TB e micobacteriosc
mais pacientes, sobretudo naqueles com distúrbio gastreso- atípica.
fágico e com fibrose clstica, a evolução pode ser fulminante.

Mycobacterium fortuitum e Mycobacterium Referências


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vem estar familiarizados com as medidas de prevenção
e com os microrganismos mais frequentemente isolados
(em geral mioobactérias de crescimento rápido), deven- Leituras recomendadas
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Situação 1
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Telerradiografia de tórax com escoliose leve e nódulos em Ml3, Souza GRM. Pneumologia e tisiologia: uma abordagem práti-
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escarro com crescimento de M. avium. My<XIbactcrium kansasii. Chest. 1974;66(1):17-9.
Em QUADRO 39.5.1 ~ Características desejadas para o novo fármaco
antituberculose
Novos Tratamentos para
Permitir a redução do tempo de tratamento da TB sensfvel (Sl meses)
Tuberculose
Apresentar baixa toxicidade (< 1%)
Marcus B. Conde
Permitir a administração intermitente

Simplificar o ttatamento da TB
Novos fármacos para o tratamento da
Permitir a administração concomitante com outros medicamentos
tuberculose doença ativa anti·TB

~ATENÇÃO Melhorar a eficácia do tratamento da TBMR

Não interferir com antirretrovirais


O tratamento atual da tuberculose (TB) doença ativa
pulmonar e extra pulmonar (exceto a TB do sistema
nervoso central e alguns casos especiais em que um
tempo maior de tratamento é sugerido) consiste
em uma fase intensiva com duração de dois meses Estratégias para o desenvolvimento
e uma fase de continuação com duração de quatro de um novo fármaco ou tratamento
meses.
Na fase intensiva de tratamento, o esquema in- antituberculose
clui isoniazida (H), rifampicina (R). pirazinamida (Z) As principais fases de desenvolvimento de novos medica-
e etambutol (E); na fase de continuação, apenas RH. mentos são as fases pré-clínica e clinica.
Embora esse esquema tenha eficácia de 95%, isto é, Sumariamente, a fase pré-clínica inclui estudos químicos
seja capaz de curar até 95% dos pacientes, a efetivi- e de atividade antimicobacteriana in vitro, bem como estudos
dade do tratamento (taxa de cura ao final do trata- de avaliação de atividade, segurança, tolerabilidade, farrna-
mento) varia muito de acordo com o local, estando codinâmica e farmacocinética em modelos animais. Na TB,
em torno de 70% (50 a 90%) na média nacional. Isso desde 1956, o modelo animal com camundongos tem sido
significa que, em média, apenas 70% dos indivfduos utilizado na demonstração da atividade de fárrnacos em co-
que iniciam o tratamento para TB no Brasil receberão baias infectadas pelo Mywbacterium tuberculosis e, pelo fato
alta por cura ao final de seis meses. de reproduzir muito bem a resposta em humanos, é empre-
gado até hoje.2
Após os estudos pré-clínicos, os fármacos com boa eficá-
A diferença entre a eficácia e a efetividade do tratamen- cia e segurança em modelos animais são avaliados em huma-
to anti-TB ocorre em todo o mundo e traduz problemas re- nos. Os primeiros estudos são os de fase I, que avaliam segu-
lacionados com a adesão ao tratamento como, por exemplo, rança, tolerabilidade, farmacodinârnica e farrnacocinética do
o abandono ou o uso errado dos medicamentos e/ou o seu medicamento em voluntários saudáveis.
uso irregular. Uma das principais causas da baixa adesão é o A próxima fase são os estudos de fase li, nos quais o
longo tempo de tratamento, embora outros fatores também novo fármaco é avaliado em humanos portadores de TB.
estejam associados, como a ocorrência de reações adversas, Inicialmente a atividade antimicobacteriana e as doses tera-
os problemas na relação médico-paciente ou serviço de saú- pêuticas do novo medicamento são inferidas pela avaliação
de-paciente, o excessivo número de comprimidos e a falta de de atividade bactericida precoce (ou early bactericida/ activi-
informação. ty, EBA). A EBA é definida como a capacidade do antimi-
Com o objetivo de aumentar a adesão ao tratamento crobiano de matar micobactérias nas primeiras semanas de
da TB e reestruturar os serviços de saúde, a Organização tratamento. Na prática, o paciente com TB recebe o fármaco
Mundial da Saúde (OMS) recomendou em 1994 a estratégia como monoterapia nos primeiros 7 a 14 dias de tratamento,
chamada 'Itatamento Diretamente Observado de Curta Du- sendo realizadas culturas quantitativas diárias de escarro du-
ração (Directly Observed Treatrnent, Short course, DOTS rante esse período. O estudo de fase II é aquele em que se
strategy). E mbora com bons resultados, o impacto da estra- avaliam a segurança e a eficácia do novo fármaco em asso-
tégia DOTS na efetividade do tratamento em todo o mundo ciação com os outros medicamentos anti-TB.
1
não foi o esperado. Em função disso, após mais de 30 anos, O desfecho (ou endpoint) utilizado para avaliar a eficácia
as atividades de pesquisa com objetivo de desenvolver novos do tratamento nesses estudos é a conversão da cultura de
fármacos para o tratamento da TB ressurgiram. M. tuberculosis no escarro ao final da fase intensiva de tra-
Idealmente, o novo medicamento para TB deve ter as tamento (final da oitava semana). Desde a década de 1970,
características apresentadas no QUADRO 39.5.1. estudos realizados pelo British Medicai Research Council
demonstraram que esse endpoint é capaz de predizer a ati- pectos clínicos e as perspectivas futuras. No QUADRO 39.5.2
vidade esterilizante do medicamento e, coosequentemente, estão apresentados esses medicamentos, bem como um re-
tanto a taxa de cura e de recidiva de doença quanto a possi- sumo das suas principais características.
bilidade de o novo tratamento permitir o encurtamento do
tempo de terapêutica.'
O estudo de fase III tem os mesmos objetivos dos es-
tudos de fase II, porém com amostras de maior tamanho e
Nitroimidazóis PA·824 e OPC-67683
critérios de inclusão e exclusão menos rígidos. No ensaio ou O PA-824 é potente in vilro contra M. tuberculosis H37Rv
estudo clínico, o resultado do tratamento habitual é compa- e contra cepas multirresistentes e, em cobaias, demonstrou
rado com o novo tratamento. eficácia bactericida equivalente à da H durante a fase inten-
No momento, vários fármacos estão sendo pesquisados e siva de tratamento e semelhante à da RH na fase de conti-
se enoontram em diferentes fases de estudo. Neste capítulo nuação.• Um estudo de EBA demonstrou que o PA-824 foi
somente são discutidos os fármacos que estão sendo avalia- seguro, bem tolerado e teve atividade bactericida equiva-
dos em estudos clínicos de fase II ou III, enfatizando os as- lente nas dosagens que variaram de 200 a 1.200 mg via oral

QUADRO 39.5.2 7 Medicamentos em estudos clínicos de fase 11 e 111 para tuberculose

1•·113o!!" l@ílo)
Nitroimidazol PA-824 Inibição da síntese Ensaio de EBA já Sem resistência cruzada Risco de toxicidade peta
da parede celular realizado. Estudo de fase com os fármacos atuais. longa vida tecidual.
micobacteriana llb sendo implementado Pode aumentar a eficácia Suscetível a interação
para TB sensível e TBMR dos esquemas para com a rifampidna.
TBMR e tem pouca Possibilidade de
probabilidade de interagir resistência
com outros fármacos

Nitroimidazol OPC-67683 Inibição da síntese Ensaio de EBA já Sem resistência cruzada A dose ideal ainda não foi
da parede celular realizado. Estudo de fase com os fármacos atuais. determinada. As reações
micobacteriana llb sendo implementado Pode aumentar a eficácia adversas bem como as
para TB sensível e TBMR dos esquemas para possíveis interações com
TBMR e tem pouca outros medicamentos
probabilidade de interagir ainda são pouco ou nada
com outros fármacos conhecidas

Fluoroquinolonas Inibição da ADN girase Ensaios de fase llb Já são produzidas e têm Parece que está
micobacteriana para TB sensível em comprovada capacidade ocorrendo um aumento
andamento esterilizante na taxa de resistência em
alguns locais.
Ausência de dados sobre
a segurança em crianças e
mulheres grávidas

Diarilquinolina-TMC 207 Inibição da enzima ATP- Estudos de EBA já Sem resistência cruzada A longa meia-vida
sintase micobacteriana realizados e de fase com os fármacos atuais. tecidual traz dúvidas
11 para TBMR em Pode aumentar a eficácia sobre toxiddade. Parece
andamento dos esquemas para TBMR ter interação com
rifampicina e agentes
antirretrovirais

Rifampicina em dose Inibição do ARN Ensaios de EBA já Já produzidas e de Sem atividade contra
ajustada/rifapentina polimerase (rpoB gene) realizados. Estudos de fácil distribuição. TBMR, e é possível que
micobacteriano fase llb em andamento Provavelmente poderão tenha interação com
para TB sensível ser usadas em crianças outros medicamentos
e mulheres grávidas.
Em modelos murinos, a
rifapentina tem maior
capacidade esterilizante
do que a rifampicina

EBA • atividade bactericida preco<e; ARN • ácido ribonucle;co; ADN • acido desoxirribonucle;co; TB • tuberwlose; MR • multirresistente (resistente à isoniazida e à rifam·
picina).
por dia.5 No momento, um ensaio clínico de fase llb está em dois meses entre pacientes portadores de TB com coinfecção
andamento na África do Sul comparando a atividade bacte- pelo vírus da imunodeficiência humana {HIV) não encon-
riana estendida do esquema habitual (RHZE) com vários es- trou diferença estatisticamente significativa." No entanto, as
quemas terapêuticos experimentais, incluindo o PA-824 as- taxas de conversão da cultura ao final de dois meses foram
sociado a outros fármacos como a moillloxacina (M) e a Z. excepcionalmente altas neste estudo (97%), diminuindo a
O OPC-67683 é um composto potente in vitro contra M capacidade de detectar uma diferença na taxa de conversão
tuberculosis. Sua MIC contra a estirpe H37Rv é de 0,012 mg/ devido ao uso de levofloxacina.
mL, e sua atividade é semelhante contra uma gama de cepas Dois estudos publicados em 2004, avaliando a capacida-
de TB multirresistentes (MR).6 No momento, dois ensaios de de esterilização de diferentes tratamentos nos pulmões de
cl!nicos de fase II para pacientes portadores de TBMR utili- modelos murinos, demonstraram que esquemas terapêuticos
zando OPC67683 estão em andamento. contendo M - RMZ e RHZM -tinham maior atividade es-
Nem o PA-824 nem o OPC67683 parecem ter interações terilizante do que o esquema RHZ (p < 0,001 ), sugerindo
significativas com o sistema citocromo P450. Ambos têm fortemente o potencial para redução do tempo de tratamen-
1
boa biodísponibilidade oral e propriedades farmacocinéticas to da associação da M ao esquema anti-TB. s.16 Esses estudos
consistentes com administração uma vez ao dia. pré-clínicos foram a base cientifica para três estudos clíni-
cos de fase llb: o estudo Moxi Rio, financiado pelo Food
and Drug Administration (Rio/FDA) dos Estados Unidos,
Fluoroquinolonas o estudo 27 do Thberculosis Trial Consortium (TBTC) do
Centers for Disease Control and Prevention (CO C) e o es-
As fluoroquinolonas são uma classe de compostos que têm tudo 28 do TBTC. 11' 17' 18 Conforme pode ser visto no QUADRO
sido usados contra infecções bacterianas desde 1980. Além 39.5.3, no estudo Rio/FDA, o braço utilizando o esquema
de sua excelente atividade contra uma variedade de diferen- RHZM teve a conversão de cultura deM. tuberculosis de po-
tes tipos de bactérias, as fluoroquinolonas são ativas contra a sitiva para negativa em mais pacientes e mais precocemente
1 17
maioria das linhagens deM.tuberculosis. do que o braço usando o tratamento-padrão (RHZE).
Um estudo comparando RH e ciprofloxacina (cipro) Com relação à segurança, todos os estudos mostraram
com o esquema anti-TB padrão mostrou que a cultura per- que o uso das fluoroquinolonas foi seguro - e mesmo a náu-
maneceu positiva paraM. tuberculosis por um período de sea, a reação adversa previamente mais associada ao uso de
tempo maior no braço cipro e que houve uma tendência fluoroquinolonas (em especial entre os pacientes tratados
maior para recidiva nesses pacientes, sugerindo menor ca- com moillloxacina), raras vezes resultou em descontinuação
pacidade de esterilização no esquema RH-cipro do que no do tratamento.
esquema-padrão.8
Outro estudo avaliou a eficácia da ofloxacina (O) 300 mg
(em 10 pacientes) ou 800 mg (em 10 doentes) em associação
com medicamentos anti-TB de segunda linha no tratamento
de pacientes com TBMR.9 Os achados demonstraram exce-
lente tolerância aos fármacos e uma taxa de conversão de
cultura mais rápida no grupo O 800 mg do que no grupo O
300 mg. Outra pesquisa avaliou diferentes esquemas de tra-
tamento da TB com duração de 4 e 5 meses. 10 Nesse estudo,
os pacientes tratados com 3RHZO, seguido de RH duas ve-
zes por semana, durante 1 ou 2 meses, tiveram taxas de cura
de 92 a 98%. Uma limitação desse estudo foi a não inclusão
de um braço-controle com o esquema anti-TB usual.
Estudos avaliando a eficácia e a segurança de esquemas
contendo O para o tratamento da TB em p,acientes com
1
doença hepática também foram realizados.2. No primeiro
estudo, 26% dos pacientes com doença hepática subjacente Diarilquinolina·TMC 207
que usaram o esquema 2RHE/7RH desenvolveram hepato-
xicidade em comparação com nenhum dos que utilizaram o O T MC207 é um novo medicamento com atividade demons-
esquema 2HZE0/10HEO (p = 0,04). Os achados sugeriram trada in vitro contra ce/'.as sensíveis e contra cepas resisten-
que o esquema contendo O foi menos hepatotóxico e tão tes doM. tubercu/osis. 1 Um estudo com cobaias demonstrou
12 que, embora a concentração sérica de TMC 207 tenha se
eficaz quanto o esquema contendo R. Outro estudo des-
creveu o desfecho do tratamento de pacientes com lesão he- reduzido em 50% quando administrado com rifampicina,
pática (induzida por fármacos ou não) utilizando o esquema uma boa atividade antimicobacteriana se mantém.lO Estudos
com estreptomicina, E e O por três meses seguido de EO por clínicos de EBA confirmaram a atividade em cepas sensíveis
nove meses sob condições de rotina. u O estudo concluiu que e multirresistentes em humanos?.%! Com base nos achados
o esquema foi bem tolerado e teve boa efetividade (85%). u atuais e embora ainda não esteja bem claro o impacto da
Um ensaio clínico randomizado avaliando o efeito da le- longa meia-vida sérica e nem estejam disponíveis os dados
voOoxacina sobre as taxas de conversão de cultura ao fmal de de segurança e tolerabilidade a longo prazo, é provável que
QUADRO 39.5.3 7 Estudos com moxifloxacina

fiill.}.fJ)

Fase

Intervenção** RHZM vs. RHZE RMZE vs. RHZE RHZM vs. RHZE

Centros de pesquisa Estados Unidos, Canadá Estados Unidos, Canadá, Brasil e Brasil
África

Desfecho (endpoint) Cultura na oitava semana Cultura na oitava semana Cultura na oitava semana
primário Tolerabilidade Tolerabilidade Tolerabilidade
Segurança Segurança Segurança

Resultado A diferença na taxa de conversão A diferença na taxa de conversão (5%) A diferença na taxa de conversão
(4,3%) não foi estatisticamente não foi estatisticamente significativa (17%) foi estatisticamente
significativa Bem tolerada significativa (p =0.02)
Bem tolerada O tempo mediano para convefSão
da cultura foi de 36 dias no
braço experimental vs. 42 dias no
tratamento habitual (p =0,03)

' Tubercu/osis Trial Consortium.


... A inteMnção foi realizada na fase intensiva de tratamento (primeiras oito semanas). Na fase de manutenção, todos os pacientes usaram rifam piei na com isoniazida. R •
rifampicina; H• isoniazicJa; Z• pirazinamida; E • etambuto~ M • moxifloMCina.

o TMC 207 venha a desempenhar um importante papel no ciados ou em andamento no momento para avaliar a ativida-
futuro do tratamento dos pacientes com TBMR, bem como de e a tolerabilidade de doses diárias elevadas de R e/ou P
nos seus contatos infectados. Além disso, apesar da intera- em associação com outros fámacos anti-TB como a H e a M.
ção entre o TMC 207 e a rifampicina, não se pode descartar No QUADRO 39.5.4, os principais estudos em andamento são
a possibilidade de que este fármaco venha a ter utilidade no resumidamente apresentados.
tratamento de pacientes com TB sensível.

Novos esquemas terapêuticos para o


Rifamicinas em doses otimizadas
tratamento da tuberculose infecção
Apesar de seu uso no tratamento da TB há mais de 30 anos,
existem evidências crescentes sugerindo que a dose de rifam- latente
picina utilizada atualmente é subótima. A dose hoje empre-
Até recentemente o tratamento da TB infecção latente
gada de R (600 mgldia, em tomo de 10 mglkg) foi determi-
(TBIL) nos contatos de TB no Brasil não era uma priori-
nada a partir dos resultados de dois estudos: um pequeno
dade, e somente contatos próximos, com idade inferior a
ensaio clínico de eficácia e um estudo que mostrou baixa
15 anos e com prova tuberculínica cutânea com induração
tolerância às doses mais elevadas de R administrada de for-
ma intermitente.23'lA No entanto, os achados de um estudo igual ou maior do que 15 mm ou contatos infectados pelo
HIV eram considerados para o tratamento. No entanto,
pré-clínico e de um estudo clínico de EBA sugerem forte-
mente que a atividade esterilizante da R aumenta de modo desde 2009, a recomendação é que todos os contatos pró-
considerável com doses mais elevadas e que mesmo doses de ximos, crianças ou adultos, sejam avaliados para a presença
1.200 mgldia são bem toleradas quando administradas em de TBIL e que aqueles que preencham os critérios recebam
uma base diária em vez de intermitentemente.25'27 isoniazida, da forma autoadministrada, durante 6 a 9 meses.
Outra rifamicina, a rifapentina (P), foi inicialmente ava- Embora o tratamento com H (ainda chamado por alguns de
liada para utilização em esquemas intermitentes de tratamen- quimioprofilaxia) reduza o risco de evolução de TBIL para
to em função da sua meia-vida longa (em tomo de 15 horas), TB doença ativa de 69 a 93%, sua efetividade é seriamente
com resultados decepcionantes. No entanto, estudos recentes limitada pela taxa de conclusão do tratamento, que varia de
em modelos murinos demonstraram que, quando administra- 30 a 64%. Em função disso, estudos têm sido realizados com
da em doses diárias, a rifapentina pode ser até quatro vezes o objetivo de reduzir o tempo de tratamento da TBIL.
mais ativa do que a rifampicina e que em associação com a M O esquema utilizando RZ por dois meses se mostrou
é capaz de produzir a cura em até três meses.= tão eficaz quanto a H sozinha por 9 meses. 30 No entanto, em
Em função dos novos achados em relação à R e à P, vá- função da elevada taxa de hepatotoxicidade grave, não é uti-
rios estudos clínicos de fase Ilb estão em vias de serem ini- lizado.31
QUADRO 39.5.4 ~ Estudos clínicos com rifampicina/rifapentina em andamento no momento

tr:HtiJi,IJ,+,ff1 IJiail•'•lji[.IM i;l


Fase llb llb llb

lnlervenção (1) 2P10HZE 5/7 2P7.5HZE 717 2P7.5HZM 717


vs. 2P10HZE 717 vs.
2R10HZE 517 2R10HZE 717 2R10HZE 7!7

Centros de pesquisa Estados Unidos, África, Espanha, África do Sul Brasil


Brasil

Desfecho (endpoint) Cultura na oitava semana Cultura na oitava semana Cultura na oitava semana
primário Tolerabilidade Tolerabilidade Tolerabilidade
Farmacocinética Farmacocinética Farmacocinética

Março de 2011 Inclusões finalizadas. Dados sendo Em andamento Em andamento


avaliados

P• rifapentina; H • isoniazida; Z • pirazinamida; E• etambutol; R• rifampicina; M • moxifloxadna; número a.p6s a letra • dose por mg/pesoldia (p. ex.• P10 • rifapentina
na dose de 10 m!jlk!Vdia); númerosapós a sigla do tratamento • núme<o de dias de tratamento (p. ex.. 517• medicamento administrado cinco dias porsemana).

Recentemente, o PREVENT TB Study (estudo 26 do PA-824 in smcar-positive rubcrculosis paticnts. Antimicrob Agents
TBTC/CDC), que avaliou a eficácia e a tolerabilidade do and Chemother. 2010;54(8):3402-7.
esquema com rifapentina/isoniazida (3PH) em uma base se- 6. Matsumoto M, Hashizume H, Thmishige 1; Kawasaki M, Thubou-
manal por três meses versus isoniazida {9H) diária por nove chi H, Sasaki H, et ai. OPC-67683, a nitro-dihydro-imidazooxazolc
meses para o tratamento da TBIL foi concluído. Esse estudo derivative with promising action against tuberculosis in vitro and in
avaliou mais de 8.000 casos de TBIL em um ensaio clínico mice. PLoS Med. 2006;3(11 ):e466.
de não inferioridade, multicêntrico, que envolveu Estados
7. Gosling RD, Uiso LO, Sam NE, Bongard E, Kanduma EG,
Unidos, canadá e Brasil e deverá ter seus dados publicados
Nyindo M, et ai. Thc bacterial activity of moxifloxacin in pa-
ainda em 2011. A conclusão do estudo é que no braço que
tients with pulmonary tuberculosis. Am J Respir Crit Care Med.
utilizou 3PH a taxa de incidência de TB doença ativa foi se- 2003;168(11 ):1342-5.
melhante à do braço que utilizou 9H e que o esquema expe-
rimental apresentou maior taxa de conclusão do tratamento 8. Kennedy N, Fox R, Kisyombe GM, Saruni AO, Uiso LO, Ramsay
e, portanto, pode ser uma importante ferramenta para auxi- AR, et ai. Early bactericida! and stcrilizing activities of ciproOoxa-
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40
ttD [8 ATENÇÃO
Micoses Pulmonares Primárias- ---
As micoses :sistêmicas são blastomicose, coccidíoi-
Cecilia Bittencourt Severo domicose, criptococose gattii, histoplasmose e para-
Flávio de Mattos Oliveira coccidioidomicose.
Luiz Carlos Severo

Os agentes de tais micoses são patógenos primários,


Introdução com capacidade de causar doença no hospedeiro normal,
na dependência da densidade de propágulos no ambiente
e do tempo de exposição (dose infectante}. Paralelamen-
[ 8 ATENÇÁO te às defesas do hospedeiro (frente à imunidade celular},
determinam o caráter de progressividade e a gravidade da
lltJ ll'llcoses humanas podem ser causadas por fungos doença.
patogênicos primários ou por fungos oportunistas. Nessas micoses, todos os órgãos vitais podem ser afeta-
Os patogênicos são aqueles que têm capaádade de dos e as lesões podem ser extensas. As formas cutâneas e
invadir os teádos de um hospedeiro normal; já os subcutâneas resultam de disseminação hematogênica, raras
oportunistas são invasores somente de tecidos de vezes consequência de inoculação direta após traumatismo,
indivlduos com alterações graves do sistema imuno- especialmente como acidente laboratorial.
defensivo do organismo.

As micoses sistêmicas são basicamente doenças pulmo-


Epidemiologia e ecologia
nares, em que a porta de entrada dos propágulos fúngicos é A blastomicose, causada pelo Blastomyces dermatitidis (tele-
quase invariavelmente inalatória. Os fungos são dimórficos omorfo: AjeUomyces derrnatitidis}, é endêmica nos Estados
térmk:os; na natureza são filamentosos, e no hospedeiro ou a Unidos e no Canadá, tendo ocorrido mais raramente em Is-
37"C, no laboratório, apresentam forma de levedura, exceto rael, na Arábia Saudita, na índia e na África. Na América do
CrypUJCoccus gattü. Esses fungos têm distribuição geográfica Norte, o maior número de casos é procedente das bacias dos
restrita e causam endemias. rios Mississipi e Ohio.
A coccidioidomicose atualmente é reconhecida como Na histoplasmose capsulati, a maioria dos indivíduos
causada por duas espécies fúngicas: Coccidioides immiris e normais não apresenta manifestações após a inalação de
Coccidioides posadasü. A micose é endêmica no sudeste dos pequeno in6culo (pequeno período de exposição: minutos)
Estados Unidos, no norte do México, em áreas da América de H. capsu/atum. Exposições mais prolongadas (horas),
Central, Colômbia, Venezuela, Bolívia, Paraguai, Argentina sobremaneira quando de infecção primária, podem levar à
e nordeste do Brasil (Bahia, Maranhão, Piauf e Ceará). histoplasmose pulmonar aguda (paciente previamente hf-
A criptocooose gaui~ doença causada por um patógeno gido), cavitária crônica (paciente enfisematoso) ou doença
primário, C. gaui~ ocorre de forma preferencial em regiões disseminada (paciente imunodeprimido frente imunidade
tropicais e subtropicais, associada primariamente a eucalip- celular). Nos pacientes infectados pelo vírus da imunodefi-
tos, que foram considerados seu nicho ambiental. Entretan- ciência humana (HIV), a micose é disseminada e grave. São
comuns as ulcerações ora.is e variado tipo de lesões cutâneas.
to, a emergência sem precedentes de muitos isolados de C.
Na paracoccidioidomicose, o quadro clínico é insidioso
gauii na ilha de Vancouver mostra que a distribuição e eco-
e progressivo, podendo observar-se quatro formas clínicas:
logia desse fungo está mudando com a sua capacidade de
pulmonar aguda, pulmonar crônica, disseminada agudalsu-
associar-se a uma ampla variedade de ãrvores, como abetos
baguda e disseminada crônica.
e carvalhos, incluindo zona de cHma temperado.
A histoplasmose capsulari é causada pelo Histoplasma
capsulatum var. capsulatum (teleomorfo: Ayellomyces cap-
sulatus), que habita o solo especialmente contaminado com Diagnóstico diferencial
fezes de morcegos c aves, em particular nos vales dos rios. A blastomicose pode simular várias condições pulmonares,
Têm sido descritos casos de histoplasmose em todos os con- particularmente ca.r cinoma brônquico, sarcoidosc, mico-
tinentes, exceto na Antártida, sendo a maior prevalência bacterioses e outras infecções mic6ticas. N os tecidos, 8.
observada nas Américas, sobretudo no vale do Mississipi. dermatitidis deve ser diferenciado de Paracoccidioides, es-
Os principais grupos de risco sáo pacientes com sfndrome férulas jovens de Coccidioides e Cryptococcus sem cápsula.
da imunodeficiência adquirida (AIDS) e transplantados.
lndivfduos normais raramente sáo infectados em epidemias
esporádicas nas áreas endêmicas; na maioria das vezes a in-
fecção cursa de maneira assintomática e autolimitada.
Os agentes etiológicos da paracoccidioidomicose,
Paracoccidioides brasiliensis e Paracoccidioid~s lutzii, vivem
no ambiente rural: o solo é a fonte do agente, transmitido
por via aérea. A infecção primária geralmente é assintomãti-
ca ou subclfnica autoHmitada, detectada pela reação cutânea
com paracoccidioidina.

Manifestações clínicas
Na blastomicose, a infecção pulmonar primária tem curso
Em imunocompetentes, nos quais a ocorrência de C.
assintomãtico/sintomático autolimitado. A doença pulmonar
gattii é mais frequente, o comprometimento do sistema
crônica pode evoluir insidiosamente com ou sem manifesta-
nervoso central (SNC) pode se apresentar como uma me-
ções ext.rapulmonares. ningite mais prolongada e com resposta inflamatória mais
A coccidioidomicose tem amplo espectro de manifes-
intensa, com criptococomas e hidrocefalia no exame de
tações clfnicas, variando desde síndrome tipo influenza até imagem, quando comparado à infecção pelo Cryptococcus
quadro tfpico de pneumonia, com escarro purulento, e às neoformans. No Cryptococcus com cápsula íntegra, as carac-
vezes com raias de sangue. As lesões pulmonares podem ser terísticas micromorfológicas sáo diferenciadas e o diagnósti-
classificadas em quatro tipos principais: broncopneumonia, co é único. No fungo deficiente de cápsula, as características
cavidades, nódulos e adenopatias hilarcs. O achado radio- histológicas são bastante inespecíficas, encontrando-se em
lógico mais comum é o infiltrado pulmonar segmentar, com outras doenças de origem infecciosa. O Cryptococcus sem
adenopatias hilares e/ou pequeno derrame pleural em 20% cápsula pode ser confundido com H. capsulatum, esférulas
dos casos. imaturas de Coccidioides, formas pequenas de 8. dermatitidis
A criptococose gauii está associada a indivíduos imuno- e Paracoccidioides, Candida glabarala e Sporolhrix schenkii.
competentes que têm massas inflamatórias significativas e Nesses casos, a coloração histoquímica especial (Fontana-
comumente produz sequela neurológica que exige cirurgia -Masson) diferencia o Cryptococcus das outras leveduras.
e terapia antifúngjca prolongada. Entretanto, a eriptococosc Na histoplasmose capsulati, a apresentação clinicor-
por C. gattii por vezes ocorre em pacientes imunodeprimidos, radiológica é similar à de tuberculose, adiaspiromicose
incluindo aqueles com AIDS, como micose oportunfstica. e sarcoidose. A diferenciação em cortes histológicos do
H capsulatum de Leishmanifl e Toxoplasma é feita pela colo- As esférulas do Coccidioides variam bastante em tama-
ração de Grocott, pois os dois últimos não coram. nho (10 a 200 JLm): algumas podem conter endósporos, ou-
tras podem estar vazias (TABELA 40.1 .1). Os endósporos lem-
bram H. capsulatum, porém sem brotamento (FIGURA 40.1.1E).
~ATENÇÃO Na criptococose gattii, a identificação histopatológica
é realizada pelas técnicas histoquímicas básicas - H&E e
GMS- e especiais- Mucicarmin de Mayer (MM) e Fonta-
A paracoccidioidomicose frequentemente é confun-
na-Masson (FM). A criptococose pode ser dividida em duas
dida com tuberculose. e a associação entre as duas
categorias histológicas, reativa e paucirreativa, com base nas
infecções ocorre em 4 a 10% dos casos; pode simular
reações teciduais do hospedeiro, e reveladas ao exame com
ainda histoplasmose, sarcoidose e carcinoma brôn-
H&E (TABELA 40.1.1).
quico. As lesões cutâneas simulam histoplasmose
No padrão reativo, existe a presença de resposta inflama-
capsulati e leishmaniose.
tória granulomatosa composta por histiócitos, células gigan-
tes multinucleadas e infiltração linfocitária; as leveduras são
primariamente intracelulares.
Já no padrão paucirreativo, a resposta inflamatória é
Achados histopatológicos mínima ou ausente; há presença de numerosas leveduras
esféricas e/ou ovais medindo 2 a 20 JLm de diâmetro, circun-
A blastomicose tem tropismo tecidual por pulmão, pele e
dadas por halo claro e dispostas extracelularmente (FIGURA
ossos. Em geral, nos cortes histológicos, evidencia-se reação 40.1.1C).
mista supurativa (precoce) e granulomatosa (tardia). Células A coloração de GMS revela características morfológicas
gigantes costumam estar presentes, algumas contendo ele- como parede celular e brotamentos, além de evidenciar ha-
mentos fúngicos. O B. dermatitidis apresenta-se nos tecidos los claros perinucleares circundantes aos microrganismos. A
como leveduras grandes (8 a 15 JLm de diâmetro, variação de coloração de MM é considerada um método específico para
2 a 30 JLm), com parede dupla e ligação de base larga (TABELA visualização da estrutura mucopolissacarídica capsular de
40.1.1). Pode ser visto em cortes corados por bematoxilina- Cryptococcus. A coloração de FM evidencia a melanina pre-
-eosina (H&E), porém é mais facilmente demonstrado pela sente na parede celular fúngica, sendo alternativa para casos
técnica da prata metanamina, método de Gomori-Grocott de infecções por organismos deficientes de cápsula.
(GMS) (FIGURA 40.1.1A). Foram observadas em pacientes com Na histoplasmose capsulati, o tropismo tecidual é por
AIDS células leveduriformes polimórficas, leveduras peque- pulmão, linfonodos, fígado, baço e medula óssea. A reação
nas e hifas. tecidual usual é o granuloma, com ou sem necrose caseosa
Na coccidioidomicose, o tropismo tecidual é por pulmão, (TABELA 40.1.1). Os achados característicos do H. capsulatum
pele, linfonodos, ossos e SNC. A reação tecidual costuma ser var. capsu/atum no espécime clinico são células levedurifor-
mista: supurativa (precoce) e granulomatosa (tardia). Oca- mes pequenas (2 a 5 JLm), ovaladas, unibrotantes, com base
sionalmente ocorrem fibrose e calcificações. estreita (FIGURA40.1.1D); frequentemente estão agrupadas no

TABELA 40.1.1 -+ Características dos agentes etiológicos das micoses sistêmicas

l--
81astomicose, Blastomyces
dermatitidis
,i"'
8-15 pm
i.

Esférico, brotamento com


base larga
Mista supurativa e granulomatosa; pulmão, pele e ossos 40.1.1A

Cocddioidomicose, 10-200 jlm Esférula com endósporos Granulomatosa, necrose caseosa; pulmáo, pele, 40.1.1 E
Coccidioides immitis e linfonodos, ossos e sistema nervoso central
Coccidioides posadasii

Criptococose gattii, 2-20pm Esférico a oval, encapsulado Reativa e paucirreativa; 40.1.1 C


Cryptococcus gattii tropismo cerebral

Histoplasmose, Oval, unibrotante com base Granulo ma tuberculoide com necrose caseosa; pulmão, 40.1.1 O
Histoplasma capsulatum estreita linfonodos, fígado, baço e medula óssea

Paracoccidíoidomicose, S-20pm Polimórfico, multibrotante Mista supurativa e granulomatosa; pulmão, suprarrenal, 40.1.18
Paracoccidioides transíçáo mucocutânea, músculo estriado, tecido
brasiliensis e P. lutzii linfoide e zonas mais frias do corpo
..
. loil . '-

".
..... . ""· • ••
...
..'"' ·g

..
~

.,.,._......
"

FIGURA 40.1.1 ~ (A) Elementos lew!duriformes grandes, parede dupla, compatfveis com Blastomyces sp. (combinado H&E e GMS, 40x). (B) Elemen·
tos leveduriformes multibrotantes, compatíveis com Paracoccidioides sp. (GMS, 20x). (C) Elementos leveduriformes arredondados, circundados por
um halo, compatíveis com Cryptococcus sp. (Giemsa, 40x). (O) Presença de elementos leveduriformes pequenos, ovalados, compatíveis com Histo·
plasma capsulatum (GMS, 40x). (E) Esférula contendo endósporos em seu interior, compatível com Coccidioides sp. (GMS, 40x).

interior de histiócitos; quando em pequeno número, é dillcil


sua identificação em secreções respiratórias.
Estratégia diagnóstica
Na paracoccidioidomicose, o tropismo tecidual é por Na blastomicose, o exame microscópico a fresco do material
pulmão, suprarrenal, transição mucocutãnea, músculo es· cl!nico (escarro, biópsia transbrônquica, linfonodos e cor·
triado, tecido linfoide e zonas mais frias do corpo. A reação tes de tecido) pode ser feito após clarificação com 10% de
tecidual mais comum é a granulomatosa, com inflamação KOH. A imunodifusão (identifica a banda A) tem especifici-
purulenta ou necrose central (TABELA 40.1.1). As células do dade de 84 a 100% e sensibilidade de 57 a 62%; já o método
Paracoccidioides geralmente são grandes (5 a 20 ILm), cir- de enzima irnunoensaio (ELISA) é mais sensível (80%) e
cundadas por brotamentos múltiplos de base estreita (FIGURA mais específico (98%).
40.1.1B); células pequenas (2 a 5 !Lm) isoladamente podem Na coccidioidomicose, os testes sorológioos inicial-
simular H. capsu/atum. Por vezes, elementos fúngicos alon- mente usados são imunodifusão, aglutinação em partícu-
gados (pseudo-hifas) podem ser observados. las de látex e fixação de complemento (títulos de 1:32 ou
mais), que podem ser utilizados como triagem soromicoló- Na paracoccid ioidomicose, o diagnóstico micológi-
gica. O exame microscópico direto do material clínico é de co é feito facilmente pelo exame microscópico a fresco
grande importância no diagnóstico pela demonstração das do escarro. Cultivos nem sempre são obtidos. A triagem
esférulas características. A fase miceliana é extremamente soromicológica pela imunodifusão é útil. O Paracoccidio-
infectante. O Coccidioides é considerado o fungo mais vi- ides pode ser visualizado em cortes de tecidos corados por
rulento dentre os agentes de Inicoses humanas, razão pela H&E, mas a coloração de GMS evidencia melhor a mor-
qual deve ser manuseado em capela de biossegurança de fologia fúngica.
classe li.
Na criptococose gallii, a cultura de escarro, o lavado
broncoalveolar, a biópsia pulmonar, o liquor ou espécimes
da biópsia do cérebro em ágar seletivo ( canavanina glici-
Tratamento e prognóstico
na azul de bromotimol - CGB) permitem a diferenciação
entre C. gattü e C. neoformans. O teste do antígeno cripto- ~ ATENÇÃO
cócico no soro e liquor é um teste preliminar para infecção
criptocócica e tem alta sensibilidade para a doença. Ele não Nos casos de blastomicose, o itraconazol é o fárma-
faz distinção entre as diferentes espécies de Cryptococcus. co de escolha para doença pulmonar aguda e crô-
As técnicas moleculares podem ser utilizadas para a espe- nica (taxa de cura de 90%). Pacientes criticamente
ciação de Cryptococcus a partir de amostras quando não é enfermos podem precisar de tratamento com anfo-
possível o cultivo. tericina B (Tabela 40.1.2).
N a histoplasmose capsu/ati, é difícil detectar H .
capsulatum em espécimes clínicos não corados, e os cultivos
fornecem as principais provas diagnósticas: histoplasmose A coccidioidomicose é uma das micoses endêmicas mais
disseminada, 90%; histoplasmose pulmonar crônica, 60% difíceis de tratar. Embora não haja consenso quanto ao fár-
no escarro. Contudo, os cultivos não são sensíveis em caso maco de escolha, alguns autores concordam com a indicação
de histoplasmose pulmonar aguda ( < 10%) . Na histoplas- de itraconazol para doença pulmonar aguda e itraconazol ou
mose disseminada, o sistema de hemocultivo por lise-cen- anfotericina B para doença pulmonar crônica. O fluconazol
trifugação (Isolator®) mostrou-se um excelente e rápido fica reservado para doença meníngea, em função da excelen-
método diagnóstico, evitando biópsias hepáticas e de me- te penetração Iiqu6rica (TABELA 40.1.2).
dula óssea. A imunodifusão (bandas H e M) é um teste útil Na criptococose, o tratamento difere segundo a espécie
(disponível comercialmente) para triagem diagnóstica em de Cryptococcus. C. gattii requer maior dose de anfotericina
pacientes não imunodeprimidos. Nos pacientes com AIDS, B e tratamento mais prolongado, frequentemente exigindo
não está clara a utilidade do teste, porém, como é simples e cirurgia (TABELA 40.1.2). Da mesma forma, as sequelas são
não invasivo, deve ser realizado. mais frequentes e a mortalidade é maior.

TABELA 40.1.2 7 Tratamento utilizado nas micoses sistêmicas

, i!l#oHAA;!t3!!' n1·1ti((:;ii:m h!II3•J:f tl•l '1·1;!!3·l:t "3·1


Blastomicose 200-400 mg/dia 0,25-1 mg/kg/dia 400-800 mg/dia 400 mg**
6mglkg***

Cocddioidomicose 400·600 mg/dia 0,25-1 mglkg/dia 400-800 mg/dia 400 mg**


6mg/kg*'*

Criptococose gattii 0,5-0,7 mglkg/dia**** 200-400 mg/dia

Histoplasmose 200·400 mg/dia 0,7-1 mglkg/dia 400·800 mg/dia 400 mg**


6mg/kg***

Paracoccidioidomicose* 200 mg/dia 0,7-1 mg/kg/dia 20Q-400 mg

*SulfametoxazoVIrimetoprim - 160-240 mg (segunda opçjo}.


*"*Via oral.
***Via intravenosa.
**~Associado a S·fluocitosina (75·100 ~g/dia}.
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Na paracoccidioidomicose, o itraconazol é o fármaco
de escolha (100 mgldia, por seis meses). Doença grave pode


exigir tratamento inicial com anfotericina B e manutenção
com itraconazol (TABELA 40.1.2). Nos pacientes que tiverem
tuberculose associada, no momento do uso de rüampicina,
deve ser usado sulfametoxazol-trimetoprim, pela incompati-
bilidade do itraconazol com a rifampicina.
Micoses Pulmonares Oportunísticas
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2004;25(2):113-21. sobretudo em pacientes diabéticos.
QUADRO 40.2.1 ~ Diagnóstico tecidual das micoses pulmonares oportunísticas

1J!tl1·1·431·lll-\!,
Aspergilose Hifa hialina (3 a 51Jm), septada, ramificada dicotomicamente; Necrose supurativa; tropismo vascular
conidióforos em lesões escavadas

Candidose 8lastoconfdios, pseudo·hifas e hifas hialinas (5 a 7IJm) Supurativa, menos comum granulomatosa; tropismo renal

Criptococose Leveduras (8 a 10 11m), cápsula gelatinosa, carminofílica; Ausência de reação (lesões cisticas); granulomatosa em
blastoconídios de base delgada leveduras sem cápsula; neurotropismo

Feo·hifomicose 8lastoconídios, pseudo·hifas e hifas de cor marrom Reação mista piogranulomatosa

Hialo-hifomicose Hifas hialinas (3 a 51Jm), septadas, ramificadas Abscessos, ocasionalmente granuloma

Pneumocistose Elementos fímgicos ovalados (4 a 61Jm), não brotantes com Exsudato espumoso alveolar e infiltrado intersticial,
ponto escuro central (coloração de GMS) raramente granuloma

Scedosporiose Hifa (3 a 51Jm), hialina em coloraçáo de hematoxilina e Necrose supu rativa; tropismo vascular
eosina (H&E) e escura em Fontana·Masson; aneloconídios,
especialmente em lesões escavadas

Mucormicose Hifa hialina, larga (6 a 251Jm), irregular, ramificações aleatórias Necrose supurativa; marcado tropismo vascular

QUADRO 40.2.2 ~ Tratamento das micoses pulmonares oportunísticas

INt!D)•I,~
Aspergilose

- Aspergilose broncopulmonar alêrgica - Prednisona, itraconazol

- Colonização intracavitária (bola fúngica) - Cirurgia, itraconazol

- Aspergilose necrosante crônica - Anfotericina 8 ou itraconazol, cirurgia

- Aspergilose invasiva aguda - Voriconazol, anfotericina 8, itraconazol, caspofungina

Candidose - Anfotericina 8, fluconazol. caspofungina, micafungina, anidulafungina

Criptococose

- Disseminada com meningite - Anfotericina 8, fluconazol, voriconazol

- Pulmonar - Fluconazol ou itraconazol, cirurgia

Feo-hifomicose - ltraconazol, cirurgia

Hialo·hifomicose - Anfotericina 8, cirurgia

Pneumocistose - Trimetoprim-sulfametoxazol, pentamidina

Scedosporiose - ltraconazol, cirurgia

Mucormicose - Anfotericina 8, cirurgia, posaconazol


Costuma ser secundária à implantação traumática. Al-
Aclassificação clínica da doença identifica os ternativamente, pode ser adquirida por inalação (modelos
grupos de risco para a micose: experimentais em animais corroboram a porta de entrada
-+ Aspergilose invasiva aguda (AIA)- pacientes neutro- pulmonar) dos confdios e disseminação hemática para ór-
pênicos gãos distantes, sendo granulocitopenia o principal fator de
-+ Aspergilose pulmonar necrosante crônica (APNC) - risco para disseminação.
diabete melito
-+ Colonização intracavitária pulmonar aspergilar (CIPA,
Pneumocistose
bola fúngica) -tuberculose curada
-+ Aspergilose broncopulmonar alérgica (ABPA) - colo-
nizaç.\o das vias aéreas
-+ Asma brônquica usual- aler~nio comum

Candidose
Na candidose, a pneumonia por Candida continua sendo uma
entidade pouco conhecida, independentemente de a candido-
se invasiva ser a causa frequente de infecção nosocomial. As
espécies do gênero Candida são confinadas aos reservatórios
humano e animal, embora tenham sido isoladas do solo, de
alimentos e do ambiente hospitalar. C. a/bicans é o principal O microrganismo e seu ciclo vital continuam pouco en-
agente, seguido de Candida tropicalis e Candida paropsilosis. tendidos. Existem dúvidas sobre partieulas infectantes e ni-
Os fatores de risco para candidosc incluem neutropenia cho ecológico ambiental. Contudo, estudos experimentais
grave, hospitalização prolongada, antibioticoterapia múl- mostraram que o P. jirovecii é transmitido por via aérea e tem
tipla, cateter venoso central, corticoterapia e alimentação porta de entrada pulmonar.
parenteral. A pneumonia por P. jirovecii emergiu no infcio dos anos de
1980: evoluiu de uma entidade clínica incomum, vista raramen-
te apenas em pacientes imunodeprimidos, para a mais frequen·
Criptococose neoformans te infecção oportunista pulmonar nos pacientes com AIDS.
Cryptococcus neoformans (teleomorfo: Filobasidiella
neofonnans) é um basidiomiceto encapsulado de duas va-
riedades: C. neofonnans var. grubii e C. neoforiiUins var.
Scedosporiose
neofonnans. O Scedosporium apiospennum (teleomorfo: Pseudal/eschereia
Os pacientes com risoo para criptooooosc ncoformans são boydii) e o Scedosporium prolijicans são hifomicetos oportu-
deficientes de células T, portadores de Hodgkin, transplanta- nistas típicos, em geral adquiridos por traumatismo ou ina-
dos e com slndrome da imunodeficiência adquirida (AIDS). lação. O Scedosporium é fungo habitante normal da água e
do solo, amplamente distribuído na natureza. Esse fungo
emergiu oomo novo agente de pneumonia oportunística em
Hialo-hifomicose indMduos que aspiram água poluída.
Fusarium é o principal agente de bialo·hifomioose. É saprófita A scedosporiose disseminada é uma importante com-
do solo e frequentemente fitopatógeno. Entre as mais de 50 plicação na imunossupressão, sobretudo na granulocito-
espécies, é marcante o parasitismo humano com Fusarium so- penia.
loni. A incidência de hialo-bifomicose no ser humano não está
clara. Contudo, a bialo-bifomioosc emergiu nos últimos tem-
pos nos hospitais terciários de tratamento para câncer como Mucormicose
a segunda causa de micosc invasiva por fungos filamentosos. A mucormicosc é uma infecção fúngica rara, porém a mais
fulminante (infrequentemente diagnosticada antemortem).
Um espectro crescente de zigomicetos patogênicos tem sido
Feo·hifomicose descrito como causa de mucormicose em humanos. Predo·
Na feo-bifomicose, os principais agentes são Bipolaris minam os membros da ordem dos Mucoroles, mas infecções
spicifero, Cladophialophora bantiana, Exophiala jeanse/mei, profundas pelo gênero EntoiiUiphtom/es têm sido relatadas.
Phialophoro pamsitica e CuNularia lunata. Contudo, qual- Os microrganismos que mais causam mucormicosc per-
quer fungo demácio (que possui melanina), habitante co- tencem aos gêneros Rhizopus, Absidia e Mucor. Infecções pelo
mum do solo, pode ocasionar doença, especialmente em gênero Rhizopus são provavelmente mais comuns, com RJtizo.
hospedeiros imunodeprimidos. É uma infecção rara que en- pus oryzae sendo o mais agressivo. Outros menos frequentes
volve pele, tecido subcutâneo, seios da face, pulmões, ossos são Rhizomucor pusillus, Cunninghamella bettholletiae, Mucor
e sistema nervoso central. indicus e Absidia corymbifera.
Os fungos são filamentosos, ubíquos na natureza, habi- Feo-hifomicose
tando saprobioticamente solo, matéria em decomposição,
A infecção costuma ser lentamente progressiva. As manifes-
pão e poeira. Devido à sua veiculação dos esporangiosporos
tações pulmonares incluem febre, tosse seca e hemoptise;
no ar ambiente, pulmões e seios da face são os sítios primá- nos achados radiológicos, observam-se infutrados, consoli-
rios de infecção.
dação e derrame pleural.
Os fatores de risco para a doença pulmonar incluem dia-
Em pacientes atópicos, achados clínicos e radiológicos
bete melito não controlado, linfoma, leucemia, neutropenia
indistinguíveis da ABPA (eosinofilia periférica e elevação
grave, transplante de órgãos, AIDS, corticoterapia e trata·
menta com deferoxamina. Ocasionalmente, pessoas hígidas dos níveis de IgE) foram registrados em pacientes com infec·
podem ser infectadas. ção por fungos dematiáceos.

Pneumocistose
Manifestações clínicas A pneumocistose apresenta-se com febre, tosse, dispneia,
calafrios e dor torácica. Infiltrado pulmonar misto, intersti-
Aspergilose cial e alveolar é o achado radiológico clássion, embora várias
A aspergilose é doença espectral, de curso clinico variável manifestações torácicas tenham sido descritas: radiografia
com o hospedeiro. A AIA frequentemente é caracterizada normal, infiltrados nodulares, cavilação, bolhas de enfisema,
por dor ventilatório-dependente, hemoptise e febre, com pneumotórax e derrame pleural.
infiltrado pulmonar que não responde a antibiótico de am-
plo espectro, com subsequente escavação. A APNC é ma·
nifestada por tosse, febre, suores noturnos, emagrecimento Scedosporiose
e anemia. Na CIPA, predominam a tosse produtiva crônica O espectro das manifestações clínicas é similar - em ter-
e a hemoptise de repetição. Na ABPA, o paciente costuma mos de variedade c gravidade - ao da doença causada por
ser asmático (atópico com eosinofilia) de difícil controle, Aspergillus, exceto pela predominância de micctoma devido
com dispneia, tosse, expectoração purulenta (eosinoffiica) e à penetração traumática dos elementos fúng.icos, através da
moldes brônquicos, podendo evoluir de maneira grave para pele, no tecido subcutâneo.
um quadro supurativo com bronquiectasias e/ou para fibrose Nos pulmões, após a inalação dos conídios, podem ocor-
pulmonar- na situação de asma simples, o fungo faz o papel rer três manifestações clínicas: doença broncopulmonar
de um simples alergênico. alérgica, colonização intracavitária e doença invasiva.

Candidose Mucormicose
A candidose pulmonar hemática (pneumonia secundária) As infecções clfnicas geralmente cursam em hospedeiros
é complicação de candidose disseminada, sobremaneira no imunocomprometidos e manifestam-se por doença nasofa-
paciente granulocitopênico. A broncopneumonia de aspira- ríngea, pulmonar ou disseminada. A mucormicose do trato
ção (pneumonia primária) ocorre mais frequentemente em respiratório é relatada mais em neutropênicos com leuce·
neonatos e em hospedeiros debilitados. mia, linfoma e corticoterapia.
O aspecto radiológico depende da via de disseminação:
a pneumonia secundária apresenta-se à radiografia de tórax
como infiltrado pulmonar nodular difuso; já a pneumonia
primária, como consolidações peribrônquicas.

Criptococose neoformans
A criptococose neoformans apresenta-se na maioria dos
casos como doença disseminada, tendo o fungo um mar-
cante tropismo pelo sistema nervoso central. Na espécie C.
neoformans, predomina meningite ou meningoencefalite em
paciente com radiografia torácica aparentemente normal.

Hialo·hifomicose
A manifestação clínica da híalo-hifomicose invasiva é ines-
peclfica, e o estado imunológico do hospedeiro desempenha Diagnóstico diferencial
papel crucial na gravidade da doença. No hospedeiro nor-
mal, a doença é tipicamente localizada, por exemplo na pele Aspergilose
ou nos olhos. Na doença invasiva, febre persistente que não Na aspergilose, a doença invasiva tem aspectos clínicos e ra-
responde aos antibióticos de amplo espectro é a principal diológicos semelhantes aos de feo-hifomionse, mucormicose,
característica. hialo-hifomicose e scedosporiose. A APNC lembra tubercu-
lose, e a ABPA é indistinguível, clínica e radiologicamente, lar Aspergillus e Scedosporium . A presença de microconidios
de outras doenças fúngicas broncopul.monares alérgicas. septados faz a diferença (FIGURA 40.2.1E).
Nos cortes histológicos de casos de aspergilose invasi-
va, as hifas devem ser diferenciadas dos agentes de hialo-
·hifomicose e de sccdosporiose. Nas colonizações intraca- Feo·hifomicose
vitárias, os conidióforos aspergilares e os aneloconldios do Na infecção invasiva, os aspectos clínicos e radiológicos são
Scedosporium permitem tal diferenciação quando não foi indistinguíveis de aspergilose, hialo-hifomicose, mucormi-
possível isolar o agente em cultivo. cose e scedosporiose. A feo -hifomicose broncopulmonar
alérgica deve ser considerada no diagnóstico diferencial de
ABPA, em queAspergillus foi excluído.
Candidose
A candidose pulmonar deve fazer parte do diagnóstico di·
ferencial de infecções bacterianas de aspiração e hemáticas. Pneumocistose
Na diferenciação laboratorial de criptococose, é necessário O envolvimento pulmonar na pneumocistose costuma ser
procurar cápsula, testar urease e produção de melanina (fe- bilateral, difusamente distribuído pelos pulmões. Contu·
noloxidose) em ágar Staib. do, R jirovecii pode ocasionar lesões focais, restritas aos
lobos superiores, nodulares ou cavitárias, simulando tu-
berculose.
Criptococose neoformans

0 ATENÇÃO Scedosporiose
A scedosporiose deve ser incluída no espectro de infecções
A criptococose muitas vezes é diagnosticada equivo- pulmonares oportunlsticas graves, atualmente em expansão.
cadamente como neoplasia, sarcoidose, tuberculose Como tanto Scedosporium quanto Aspergillus não são
ou outras micoses. Nódulos subpleurais com necrose pigmentados nos tecidos e possuem hifas estreitas e septa-
caseosa podem mimetizar histoplasmoma ou tuber- das, é mandatório o cultivo para o diagnóstico etiológico
culoma. Nos cortes de tecido, leveduras acapsuladas adequado, principalmente se forem observados aneloconl-
devem ser diferenciadas de Histoplasma capsulatum dios no exame microscópico (FIGURA 40.2.10) ou se tenha tes-
ou formas pequenas de Paracoccidioides. te de imunofluorescéncia específico positivo.

Mucormicose
Hialo·hifomicose Os aspectos clínicos e radiológicos são indistinguíveis das
As hifas são hialinas, estreitas, e a septação é frequente, o outras micoses por fungos filamentosos que apresentam tro-
que as diferencia dos zigomicetos. Contudo, podem simu· pismo vascular, como aspergilose.

.il!.!.[.(jd,l,i§,\(.fi·::
Hifa cenocítica ~ - Hifa septada

.J.~
·~-
""'''"""00
1
~ Fungo hialino FIGURA 40.2.1 ~ (A) Hifa larga, tortuosa, não
septada e ramificada em ângulo de 45 graus

r
Feo··hifomicose
...
Aspergilose
(Giemsa, 40x). (B) Exame a fresco mostrando
hifa com parede regular, septada, de cor acas·
lanhada, caracterizando um fungo negro (40x).

11
.• (C) Corte de tecido renal. Hifas septadas, pare-
de regular, ramificaç~o dicotômica em ângulo
de 45 graus, abrindo um leque, caracterizan·
do aspergilose invasiva (GMS, 20x). (D) Corte
de bola fúngica pulmonar por Scedosporium
Hialo-hifomicose
apiospermum, mostrando os aneloconídios
no interior da massa fúngica, com crescimen-
to zoniforme (H&E, 40x). (E) Hialo-hifomicose
por Fusarium. Hifas hialinas com presença de
microconídios septados (H&E, 40x).
Achados histopatológicos Hialo·hifomicose
Os principais achados histopatológicos são abscesso, infarto
Aspergilose e granuloma. Microscopicamente, os abscessos podem oca-
Na aspergilose, a necrose supurativa é a reação tecidual sionar trombo séptico e fungemia, sendo Fusarium o fungo
usual; por vezes, observa-se granuloma. Nos pacientes imu- filamentoso que mais se isola em hemoeultivo.
nodeprimidos, o fungo prolifera nos alvéolos e invade os va-
sos sanguíneos. As espécies de Aspergil/us apresentam hifas
hialinas septadas (3 a 12 p.m), ramificando-se dicotomica-
Feo-hifomicose
mente em ângulo de 45 graus (FIGURA 40.2.1C). A reação tecidual usual é piogranulomatosa, com abscessos
circundados por células gigantes. Os achados de hifas (2 a
6 p.m de largura), blastoconfdios, pseudo-hifas e clamidoco-
Candidose nídios pigmentados (cor marrom) confirmam o diagnóstico
(FIGURA 40.2.18).

Pneumocistose
O envolvimento misto - alveolar (exsudato espumoso consis-
tindo em material eosinoffiico relativamente hipocelular) e
intersticial por monócitos e plasmócitos - é a reação tecidual
usual. A impregnação argêntica de Gomori-Grocott revela
um grande número de elementos fúngicos característicos no
material alveolar: ovalados ( 4 a 6 p.m), não brotantes, com
ponto escur o central, alguns em forma de crescente e outros
colapsados (FIGURA 40.2.4). Os achados histopatológicos po-
dem não ser típicos: ausência de exsudato alveolar, presença
de fibrose intersticial, granuloma e até mesmo calcificações
Criptococose neofonnans podem ser observados em pacientes que não estão grave-
mente imunodeprimidos.
O padrão histopatológico depende do tempo de evolução
da lesão: lesões recentes são mucoides, com reação tecidual
mínima ou ausente; lesões antigas apresentam aspecto gra- Scedosporiose
nulomatoso, evidenciando fagocitose, especialmente quando A scedosporiose invasiva é histopatologicamente similar à
elementos fúngicos têm defiCiência de cápsula. Nesses casos, aspergilose (pneumonite necrosante, abscessos pulmonares
os nódulos podem estar envoltos por uma camada fibróti- e infartos nodulares).
ca e apresentar necrose caseosa, sendo necessário utilizar a Há presença de hifas septadas, randomicamente ramifi-
técnica de imunofluorescência direta para confirmação díag- cadas (a ramificação progressiva é caracterlstica da infecção
nóstica. por Aspergii/LLs), com 2 a 5 p.m de largura; podem ser visualí-
C. neoformans costuma apresentar-se no material clínico zados aneloconfdíos tipo ScedJJsporium, sobretudo em lesões
sob forma de levedura esférica (2 a 5 p.m ), encapsulada. Oca- cavitárias (FIGURA 40.2.1O).
sionalmente podem aparecer pseudo-biCas; a cápsula pode
não ser evidente (FIGURA 40.2.3).

• (

FIGURA 40.2.3 ~ Presença de elementos leveduriformes esféricos, en·


FIGURA 40.2.2 ~ Presença de blastoconldios, pseudo-hifas e hifas capsulados, com ou sem brotamentos, compatíveis com Cryptococcus
compatíveis com Candida sp. (GMS, 40)1). sp. (Nigrosina, 40)1).
----------------------
Candidose
A pre.sença de Candida em espécimes da árvore traqueobrOn-
quica no paciente com infiltrado pulmonar é insuficiente para
o diagnóstico. A caracterização definitiva da candidose pul-
monar é feita pela demonstração do agente em fragmentos de
tecidos obtidos por biópsia ou autópsia. A biópsia transbrôn -
quica é de extrema utilidade, especialmente na apresentação
broncopneumônica. O diagnóstico da forma disseminada
pode ser feito por biópsia de lesões cutâneas. O hemocultivo
é procedimento obrigatório em todo paciente com suspeita
clínica. A colonização em número crescente de sítios correla-
ciona-se com o risco de candidose disseminada.
FIGURA 40.2.4 ~ Presença de elementM leveduriformes com ponto Quanto à soromicologia, os testes para anticorpos não
central, compatíveis com Pneumocystis jii'OVf!di (GMS, 40x). são recomendados e os testes ora antfgenos e metabólitos,
--- embora necessários, não estão disponíveis. Uma perspectiva
promissora para o fungo são as técnicas bistoquímicas para
resíduos de manose e antígenos citoplasmáticos de Candida.
Mucormicose
A inflamação é esparsa e inespecífica: nccrosc supu r ativa, me- Criptococose neoformans
nos comumente granuloma. Os zigomicetos têm propensão Para a criptococose, o diagnóstico definitivo continua sendo
para invadir a parede e o lume dos vasos sanguíneos com con- feito pelo cultivo, fundamentalmente para a verificação da es-
sequcnte hemorragia, formação de !rombos e nccrosc tecidual pécie fúngica implicada. O fungo pode ser isolado do sangue
Há hüas largas (6 J<m), paredes finas, cenocíticas ou in- (a lisecentrifugação, pelo Isolator, é o método de escolha) em
frequentemente septadas, de contornos não paralelos, com 20 a 35% dos pacientes. C. neoformans encapsulado pode ser
ramificação em ângulo de 90 graus (FIGURA 40.2.1A). detectado pela nigrosina em preparados a fresco de diferentes
materiais clínicos, em especialliquor (AGURA 40.2.3).
Além disso, o diagnóstico da criptorocose é facilitado de
maneira importante pela detecção de antígenos polissaca-
Estratégia diagnóstica rídicos da cápsula do fungo pela técnica de aglutinação de
partículas de látex (sensibilidade e especificidade superiores
Aspergilose a 90%). Todo paciente com criptococose deve ser submetido
Para a aspergilose, a prova etiológica de uma espécie de a exame liquórico para afastar a possibilidade de meningite;
Aspergillus isolada em cultivo exige demonstração do fun- pacientes com criptococose disseminada devem ser investi-
go ao exame microscópico do material clínico em paciente gados para AIDS.
com manifestações clínicas compatíveis com aspergilosc, c
de preferência corroborada pela soromicologia. Embora as
espécies deAspergülus tenham angiotropismo positivo, elas
Hialo-hifomicose
raramente sào isoladas a partir de hemocultivo. O diagnóstico definitivo exige o isolamento em cultivo e a
identificação etiológica.
Escarro e espécime broncoseópico positivos (micros-
copia e cultivo) não são sensíveis ou preditores de doença
invasiva no transplantado de pulmão. Contudo, no paciente Feo-hifomicose
granulocitopênico febril com novos infiltrados pulmonares,
são indicativos de aspergilose invasiva. A fibrobroncoscopia
e a tomografia de alta resolução são instrumentos diagnós-
ticos mutuamente complementares, devendo ser realizadas
o mais cedo possível nos pacientes com pneumonia e risco
para aspergilose invasiva.
O teste de imunodifusão, disponível comercialmente,
é triagem - sobretudo em pacientes imunocompetentes -
para coloniução intracavitária e aspergilose alérgica, com
sensibilidade de 90 e 70%, respectivamente. A detecção de
antfgenos no soro e na urina é importante na aspergilose in-
vasiva, em razão do pouco auxílio da detecção de anticorpos
nos pacientes com imunidade bumoral variável ou ausente. Pneumocistose
O fator limitante de tais testes é sua restrição a estudos expe- A fibrobroncoscopia com biópsia transbrônquica e lavado
rimentais e laboratórios de referência. broncoalveolar é o principal método de colheita do espécime
clínico para o diagnóstico. P. jirovecii não cresce em meios de Criptococose neoformans
cultivo da micologia tradicional. Por essa razão, o diagnósti-
A criptococose pulmonar pode ser tratada com flucona.zol
co tem como base a sua demonstração microscópica.
ou itracona.zol. A associação de anfotericina B e 5-fluocito-
sina continua sendo o tratamento de escolha para pacientes
Scedosporiose imunocomprometidos com doença disseminada e meningite.
O fluconazol na dose diária de 200 a 400 mgldia é uma al-
Há necessidade de isolamento em cultivo para o diagnóstico
ternativa muito boa para os casos de meningite devido à sua
definitivo da. scedosporiose. pronta penetração liquórica.
Nos pacientes com AIDS, o tratamento para criptoco-
Mucormicose cose disseminada é dividido em duas fases: anfotericina B
(0,5 a 0,7 mg!kgldia) na fase aguda, com ou sem 5-fluocitosi-
O diagnóstico deve ter como base a demonstração micros-
na (75 a 100 mg/kg/dia), seguida de flucona.zol (200 mgldia)
cópica de hifas caracterfsticas em mate.rial de biópsia (lesão
para manutenção. São fatores potencialmente preditivos de
necrótica) e a identificação do agente em cultivo. A identifi·
mau prognóstico: alteração mental por ocasião do diagnós-
cação do microrganismo em cultivos seriados de escarro ou
tico, útulos de anúgenos criptocócicos elevados no liquor,
secreção brônquica auxilia no estabelecimento do diagnósti-
diminuição da taxa de leucócitos ( < 20 células/mm) no liqu-
co, mas é necessário estabelecer se trata-se de contaminação
or, cultivos extraneurais positivos para C. neo[om111ns, hipo-
ou infecção.
natremia e idade abaixo de 35 anos.
A biópsia transbrOnquica e o teste imuno-histoquínúco A próstata pode ser reservatório para infecção, manten-
específico são comprovadamente de grande utilidade diag- do os elementos fúngioos sequestrados de onde poderia sur-
nóstica. gir reativação da doença. Por essa razão, deve-se assegurar,
por meio de urocultivo negativo, especialmente após mas-
sagem prostática, de que a micose está controlada; isto tem
Tratamento e prognóstico particular importância para os pacientes com AIDS.

Aspergilose Hialo·hifomicose
A AIA é tratada com anfotericina B. A recuperação precoce
da granulocitopenia é importante para a sobrevida. O prog-
nóstioo reservado dessa apresentação clínica da micose pode ~ ATENÇÃO
ser melhorado por investigação di agnóstica e abordagem te-
O tratamento de escolha nAo foi estabelecido, e os
rapêutica mais agressivas.
testes de sensibilidade aos antifúngicos não foram
A APNC pode ser tratada com itraconazol (200 a 400
padronizados. Tem sido relatado tratamento com
mg/dia) ou anfotericina B. Em alguns casos, é necessária
altas doses de anfoteriàna B e comblnaçlo com ou-
abordagem cirúrgica. tros antifúngicos, com sucesso variável. Pacientes
O tratamento de esoolha para a CIPA é a rcssecção ci- com neutropenia profunda e hialo-hifomicose lrao a
rúrgica, especialmente para pacientes com hemoptise impor- óbito independentemente do tratamento.
tante. O itraconazol é uma alternativa para aqueles pacien-
tes em que a cirurgia está contraindicada.
A ABPA é tratada com corticoide (a prednisona é prefe-
rida). O itraconazol está indicado, possibilitando diminuição Feo·hifomicose
de dose de corticoide e de tempo de utilização, sobretudo O itraconazol é o fármaco de escolha. A ressecção cirúrgica
para pacientes que apresentam escarro persistentemente co- é um importante fator adjuvante ao tratamento. Em alguns
lonizado por Aspergillus. casos, este procedimento é diagnóstico e curativo. É funda-
mental para a sobrevida a recuperação da granulocitopenia.

Candidose
O fármaoo de escolha, em particular quando há risco à vida, Pneumocistose
é a anfotericina B (0,5 a 1,5 mg/kg/dia; dose total de 1 a 2 O trimetoprim (20 mg!kg/dia), associado ao sulfametoxazol
g). Triazóis (itraconazol e fluconazol) são opções menos tó- (100 mg/kgldia), em 3 a 4 doses diárias, durante três sema·
xicas que podem ser utilizadas por via oral. O flucona.zol (8 nas, via oral ou intravenosa, é o tratamento de primeira li·
a 10 mg!kg/dia), que também tem apresentação parenteral, oba. A pentamidina ( 4 mg!kg/dia), em infusão intravenosa
possui a vantagem da boa penetração no sistema nervoso durante 1 hora, diariamente, durante três semanas, é a se·
central. O prognóstico varia conforme alguns fatores: preco- gunda escolha. A mortalidade nos pacientes com AIDS varia
cidade do diagnóstico, possibilidade de remoção de fatores de 5 a 43%. O melhor indicador prognóstico para a sobrevi-
predisponentes (cateter, antibióticos, corticoides), doenças da é o nível de bipoxemia no momento do diagnóstico. Com
de base e locais acometidos. a deteóoração da POzo a mortalidade aumenta.
Severo CB, Xavier MO, Gazzoni AF, Severo LC. Cryptococeosis in
Scedosporiose ehildren. Paediatr Respir Rev. 2009;10(4):166-71.

0 ATENÇÃO
Severo LC, Oliveira FD, Dreher R, Teixeira PZ, Porto NO, Londero
AT. Zygomycosis: a repon of cleven cases anda review o f the Brazi-
lian literature. Rev Iberoam Mico!. 2002;19(1):52-6.
A bola fúngica exige remoção cirúrgica da lesão pul-
Spellberg B, Edwards J Jr, Ibrahim A Novel perspeetivcs on mu-
monar, especialmente no paciente com hemoptise eormycosis: patbophysiology, prescntation, and management. Clin
importante. Microbiol Rev. 2005;18(3):556·69.

Para infecção invasiva, o tratamento de escolha é o itra-


conazol. O fungo pode ter resistência absoluta à anfotericina Sites recomendados
Doctor Fungus (Internet]. Doetor Fungus; c2007 [capturado em 21
B. A remoção cirúrgica é importante como tratamento ad-
jun. 2011). Disponível em: www.doctorfungus.org.
juvante. A recuperação precoce da granulocitopenia parece
aumentar as chances de resposta favorável. TbeAspergillus Website (Internet). Aspergillus Website; c2009 [cap-
O S. prolificans é multirresistente, podendo causar infecção turado em 21 jun. 2011) . Disponível em: www.aspergiUus.man.ae.uk.
disseminada rapidamente fatal em pacientes neutropénicos. Tbe University of Adelaide. Myeology Online [Internet]. The Uni-
vcrsity o f Adelaide; e2011 [capturado em 21 jun. 2011). Disponível
em: www.mycology.adelaidc.edu.au.
Mucormicose
O tratamento da mucormicose pulmonar é primariamente
cirúrgico; há necessidade de vigoroso desbridamento para
remover tecido necrótico, com altas doses de anfotericina B
(1,0 a 1,5 mglkg/dia), único antifúngico que deve ser usado
para tratar focos residuais da micose. Em alguns casos de le-
rm
Aspergilose Broncopulmonar
são confinada a uma única região do pulmão, a ressecção (p.
ex., lobectomia) pode ser um tratamento curativo. Doenças
subjacentes devem ser controladas.
Alérgica
A mucormicose é uma infecção tão rapidamente fatal que Alessandro C. Pasqualotto
o diagnóstico precoce por biópsia, intervenção agressiva (clí- Jorge lima Hetzel
nica e cirúrgica) e controle ou remoção de fatores predispo-
nentes não pode ser superenfatizado. Mesmo com essa abor-
dagem, o curso costuma ser devastador, com alta mortalidade.
Introdução
Os fungos pertencentes ao gênero Aspergülus são de distri-
Leituras recomendadas buição ubíqua, podendo ser encontrados no ar, no solo ou
Campo M, Lewis RE, Kontoyiannis DP. lnvasive fusariosis in pa- mesmo na água. Embora respiremos 100 a 200 conídios de
tients with hematologie malignancies at a canccr ccnter: 1998-2009. Aspergi/Jus spp. a cada dia, a coexistência entre seres humanos
J lnfect. 2010;60(5):331-7. eAspergillus costuma ser pacífica e harmônica. Na realidade,
Catherinot E, Lanter nier F, Bougnoux ME, Lecuit M, Coudere U, dependemos desses fungos para nossa sobrevivência, uma
Lortbo1ary O. Pneumocystis jirovecü pneumonia. lnfect Ois Clin vez que são importantes recicladores de matéria orgânica em
Nonh Am. 2010;24(1):107-38. decomposição. Em hospedeiros suscetíveis, no entanto, a ex-
Hartel PH, Sbilo K, Klassen-Fischer M, Neafie RC, Ozbudak posição a Aspergillus spp. pode resu ltar em doenças diversas.
IH, Galvin JR, ct ai. Granulomatous reaction to pncumocystis ji-
rovecii: clinieopathologie review of 20 cases. Am J Surg Pathol.
2010;34(5):730-4.
Marom EM, Holmcs AM, Bruzzi JF, 11uong MT, O 'Sullivan
~ATENÇÃO
PJ, Kontoyiannis DP. lmaging of pulmonary fusariosis in pa-
O espectro das manifestações clínicas da aspergilo-
tients with hematologic malignancies. AJR Am J Roentgenol.
2008;190(6):1605-9.
se é muito amplo: enquanto imunocomprometidos
podem desenvolver aspergilose invasiva (particular-
Mario F, Horeau-Langlard O, Gay-Andrieu F, Thlarmin JP, Haloun mente no contexto de neutropenia prolongada ou
A, 1ieilhaud M, et al. Disscminated Sccdosporium/Pscudallcscheria corticoterapia), imunocompetentes podem apresen-
infcction after doublc-lung transplantation in patients with cystic fi.
tar formas cavitárias crônicas (em especial quando da
brosis. 2010;48(5):1978·82.
presença de dano estrutural ao parênquima pulmo-
Pasqualotto AC, Severo CB, Oliveira FM, Severo LC. Cryptoooccc- nar). No outro pelo da doença, pacientes alérgicos
mia: an analysis o f 28 cases with cmphasis on the clinicai outcome podem manifestar hipersensibilidade a Aspergillus
and its etiologie agem. Rcv Iberoam Mico!. 2004;21(3):143·6.
spp., o que pode agravar quadros de asma e resultar
Severo CB, Guazzelli LS, Severo LC. Chaptcr 7: Zygomyeosis. J em aspergilose broncopulmonar alérgica (ABPA). '
Bras Pneumol. 2010;36(1):134-41.
A ABPA é uma doença pulmonar atribuída à hiper.>en- uma inflamação que é consideravelmente destrutiva para o
sibilidade a fungos pertencentes ao gênero Aspergillus, em hospedeiro, mas que não consegue erradicar o fungo.'
especial Aspergillus fumigatus _2 Pacientes com ABPA costu-
mam se apresentar com história de asma e habitualmente
são atópicos.' O diagnóstico de ABPA em geral é tardio,
Aimportância de fatores ambientais
Em razão da onipresença dos fungos pertencentes ao gênero
após anos de evolução de uma doença respiratória resultante
de dano inflamatório crônico relacionado com colonização Aspergillus, é inevitável que os seres humanos sejam expostos
a esses agentes ao longo de suas vidas. Entre as mais de 200
persistente e sensibilização com Aspergillus spp. Embora a
espécies do gêncroAspergillus,A. fumigatus possui vantagem
inalação de conídios de fungos presentes no ar seja o evento
competitiva, em especial devido ao pequeno diâmetro de
iniciador da doença, isto não parece ser suficiente para cau-
seus conídios e à sua capacidade de crescer à temperatura
sar dano pulmonar em pacientes com ABPA Na realidade,
corporal (31'C). Os conídios de A. fumigatus possuem 2 a 3
a injúria pulmonar na ABPA é devida fundamentalmente a
p.m, pequenos o suficiente para que atinjam e se depositem
uma resposta imune exacerbada do hospedeiro.
nos alvéolos distais. Uma vez no corpo humano, a termoto·
Em pacientes com ABPA, o crescimento da hifa de lerãncia de A. Jumigatus - um fungo capaz de crescer a tem·
Aspergi/Jus spp. no muco da âJvore brônquica é seguido peta peraturas tão altas quanto 53•c - permite que ele cresça e
liberação de numerosos antígenos, com resultante estimula-
germine dentro do hospedeiro. Não está claro se o tamanho
ção de uma resposta imune que predominantemente envolve
do inóculo (i. e., o número de conídios inalados) pode ser
células CD4+ do tipo T helper (Th)-2, bem como anticorpos um fator causal envolvido na gênese da ABPA; fatores do
lgE e lgG.' O resultado global desse processo é uma intensa hospedeiro (discutidos adiante) provavelmente desempe-
resposta inflamatória, levando a dano tecidual e remodela-
nham importante papel.
mento brônquico.
O curso clínico da ABPA é caracterizado por episódios
repetidos de remissões e exacerbações. Em geral, a ABPA Fatores genéticos envolvidos
é uma doença rever.>fvel que responde bem à corticoterapia A compreensão atual da ABPA é que fatores imunes/gené·
sistêmica; mais recentemente, tem-se empregado terapia an- ticos do hospedeiro sejam mais importantes do que fatores
tifúngica para esses pacientes, com resultados animadores. ambientais/ocupacionais na causa da doença. Na última dé·
No entanto, se a doença não for reconhecida cedo, o proces- cada, vários fatores genéticos implicados na ocorrência de
so inflamatório pode progredir de modo inexorável, resul- ABPA em pacientes com asma ou fibrose cística têm sido
tando em disfunção pulmonar irrever.>lvel devido à presença identificados.6 Entre eles, destacam-se polimorfismos no an-
5
de bronquiectasias e/ou fibrose pulmonar. tígeno maior de histocompatibilidade (HLA) DR2, no gene
promotor da interleucina lO, interleucina 15, fator de necro·
se tumoral alfa, receptor de interleucina 4 e interleucina 13.
A elevada frequência com que a ABPA ocorre em pacientes
Etiologia com fibrose cfstica indica a possibilidade de que distúrbios
Embora a maioria dos casos de ABPA associe-se a A. fumi- genéticos presentes em pacientes císticos estejam de alguma
gatus, ocasionalmente o processo alérgico pode ser devido a maneira envolvidos na patogênese da ABPA.
outros fungos; nesses casos, a doença passa a ser chamada de
"micose broncopulmonar alérgica" (ABPM),' uma condição
que pode cur.>ar com quadro clínico muito semelhante ao da
Condições predisponentes
ABPA Exemplos de fungos já descritos em associação com
ABPM incluem Aspergillus niger, Aspergillus ochraceus, As·
- - - - - - -....
pergülus ten-eus, Bipolaris spp., Candida spp., Oadosporium
spp., Cwvularia spp., Drechslera spp., Fusarium spp., Hel-
minthosporium spp., Penicillium spp., heuda/lescheria spp.,
Saccluuomyces spp., Schizophyllum spp. e Stemphylium spp.

Patogênese da aspergilose
broncopulmonar alérgica
A ABPA é caracterizada por intenso infiltrado inflamatório
Frequência da doença
broncocênlrico, com evidência de infiltrado de neutrófilos A despeito de avanços significativos na compreensão da fi.
e eosinóftlos, ativação de granulócitos e resposta linfocftica siopatologja da doença, a exata prevalência de ABPA perrna·
envolvendo ativação de vias Th· l e Th-2. Em fntima asso- nece desconhecida, embora se assuma que, nos dias atuais,
ciação com esse processo inflamatório intenso e destrutivo, a ABPA seja reconhecida com maior frequência e grau de
está a presença de A. fumigatus na via aérea, sugerindo que certeza. A doença pode se iniciar na i.nf"ancia e permanecer
a per.>istência de fungos viáveis seja central na condução de não reconhecida por décadas. A ABPA não é reconhecida
na Classificação intemacional de doenças e problemas relacio- ou quarta década de vida. Embora as descrições iniciais en-
nados d saúde (CID-10), o que dificulta a revisão de dados volvessem adultos, existe hoje uma melhor compreensão da
hospitalares visando ao conhecimento da preval!ncia dessa doença, levando a um diagnóstico mais precoce, por vezes
condição. A relativa falta de uniformidade no diagnóstico de na infância.
ABPA também toma difícil a comparação de resultados ge- Pacientes com ABPA podem às vezes ser completamen-
rados em diferentes centros. te assintomáticos, com o diagnóstico sendo feito durante
exames de rotina em paciente com asma. Por outro lado,
a maioria possui sintomas, c a pista para o diagnóstico de
Aspergilose broncopulmonar alérgica em ABPA costuma ser uma asma pouco controlada com medidas
asmáticos usuais, a despeito de boa adesão ao tratamento. As manifes-
A prevalência relatada de hipersensibilidade a Aspergillus tações clínicas da ABPA são resumidas na TABELA 40.3.1.""·"
spp. (hipersensibilidade cutânea imediata a antlgenos de A ABPA pode se manifestar com febre de baixo grau,
Aspergillus) em asmáticos varia de 13 a 45 %, em diferen- sibilãncia, hiper-rcatividade brônquica, hemoptise ou tos-
tes regiões do mundo.'·7.s A incidência exata de hipersen- se produtiva. Os pacientes também podem ter episódios
sibilidade aAspergillus spp. não é conhecida, uma vez que de doença sistêmica, com febre, perda de peso e mal-estar .
dados populacionais sobre essa condição não estão dispo- A expectoração de tampões mucosos amarronzados é vis-
níveis; a maior parte dos dados disponíveis é oriunda de ta em 31 a 69% dos pacientes; alguns autores acreditam
clinicas especializadas, com potencial para viés de seleção. que esta seja uma manifestação caracterlstica, que pode
auxiliar no diagnóstico." 12' 13 Deve-se reforçar, no entanto,
Além disso, o significado clinico dessa hiperscnsibilidade
permanece incerto. que a ABPA pode complicar o curso de uma asma aparen-
temente bem controlada, devendo ser suspeitada em todos
os asmáticos. Em uma grande série envolvendo 155 casos
Aspergilose broncopulmonar alérgica em de ABPA, 19% dos pacientes com essa condição tinham
asma bem controlada.•
pacientes com fibrose cística Não existe caracterlstica ao exame físico que permi-
O fato de a patogênese da fibrose cística envolver uma eli- ta diagnosticar ABPA com confiança. O exame fisico pode
minação alterada do muco ciliar, resultando em obstrução ser normal ou revelar achados de asma, com graus variáveis
ao fluxo aéreo, pode favorecer a germinação de conidios de de sibilância polifônica. Hipocratismo digital é visto em
Aspergillus spp. e a liberação de antígenos, tendo como con- apenas 16% dos pacientes, particularmente naqueles com
sequência uma resposta imune complexa por parte do hos- bronquiectasias de longa evolução. À ausculta pulmonar,
pedeiro. A prevalência de ABPA em pacientes com fibrose estertores crepitantes podem ser ouvidos em 15% dos pa-
9
cística tem variado nos estudos entre 1 e 15%, podendo cientes.8 O achado de sibilância no exame fisico e opacidades
afetar mesmo crianças com menos de dois anos de idade. O pulmonares à radiografia de tórax podem sugerir ABPA. O
desenvolvimento de ABPA nesses pacientes pode ser dele- exame rJSico também pode ser útil na busca de complicações
tério, resultando em função pulmonar reduzida, bem como da ABPA, como hipertensão pulmonar e/ou insuficiência
maior frequência de colonização microbiana, pncumotórax, respiratória.
hemoptisc maciça e desnutrição. Durante a exacerbação de ABPA, podem ocorrer acha-
dos localizados de consolidação (estertores localizados ou
Aspergilose broncopulmonar alérgica em ruído broncofônico) (FIGURA 40 ..3.1A e B) e atelectasias (dimi-
nuição dos ruídos adventícios), sendo necessãrio diferenciar
individuas não asmáticos e sem fibrose cística ABPA de outras doenças pulmonares. Geralmente é difícil
Ocasionalmente, a ABPA tem sido relatada como doença diagnosticar ABPA com base apenas na avaliação clínica;
complicando outras condições, como bronquiectasias, doença nesse contexto, os valores de IgE são de grande importância
pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) e doença granulomatosa diagnóstica. 1
crônica em associação com síndrome biper-JgE. Isto é, no en- Pacientes com ABPA também podem apresentar, em-
tanto, o resultado de relatos de casos únicos, ou de pequenas bora raramente, outras manifestações de aspergilose, como
coortes de pacientes.' Em um estudo recente envolvendo 200 bolas fúngicas ou mesmo formas mais agressivas e comple-
pacientes com DPOC na Índia, 10 a frequência de hipcrscnsi- xas, como aspergilose pulmonar necrosante crônica.' Essas
bilidadc a Aspergil/us foi de 8,5%, não tendo sido detectado slndromes podem representar verdadeira hipersensibilidade
nenhum caso no grupo-controle, composto por 100 adultos consequente ao desenvolvimento de bolas fúngicas em cavi-
voluntários. Dois pacientes (1,0%) com DPOC preencheram dades pulmonares de longa evolução, resultando de doenças
critérios sorológicos para ABPA, sugerindo que, embora infrc- como tuberculose ou sarcoidose.
qucntc, a DPOC pode ser um fator de risco para ABPA. Alguns autores têm proposto que a presença de uma
bola fúngica possa resultar em estimulação antigênica
devido à liberação contínua de antígenos de Aspergillus,
o que, em indivíduo geneticamente predisposto, poderia
Aspedos clínicos resultar em ABPA. Outra explicação seria que a coloni-
Não ex.iste predileção de gênero para o desenvolvimento zação saprotrófiea com Aspergi/Jus spp. possa resultar na
de ABPA, e a maioria dos casos é diagnosticada na terceira formação de bolas fúngicas em cavidades bronquiectásieas
TABELA 40.3.1 ~ Síntese das maiores séries de pacientes com aspergilose broncopulmonar alérgica

1:14:1#;1 131 i fi I:(I)M i;l$1 ii.ID 3:t1:);f.j:f\hljl iiJD rti! qw •fl'lli.P


Número de pacientes 35 32 89 155 128

Proporção homens:mulhe<es 14:21 14:1 8 53:35 79:76 NO

Idade média (anos) 34,3 34 36,4 33,4 NO

Duração média da asma (anos) 11,1 12 12,1 8,9 NO

História de asma 94% 100% 90% 100% 100%

Expectoração de tampões no escarro NO 31% 69% 46% 72%

Eosinofilia sanguínea (> 500 células/pl) 43% 100% 100% 76% 79%

Infiltrados pulmonares 77% 69% 74% 40% 10%

História de uso de fármacos antituberculose 34% NO 29% 44% NO

Teste cutâneo contra Aspergillus


Tipo 1 51 % 100% 85% 100% 100%
Tipo 3 26% 100% 17% 83% NO

lgE total elevada (%) NO 100% NO 100% 91 %

lgEftgG espedlica contra Aspergi/Jus NO 100% NO 100% 100%

Anticorpos precipitantes contra Aspergi/Jus 71% 70% 71 ,9% 86% 76%

8ronquiectasias centrais 71% 78% 69% 76% 69%

ND = dado não disponlvel.


Fonte: Agatwal e colaboradores,• Behera e colaboradores, 11 Chakrabarti e colaboradores, u Kumar e Gaur,u Hetzel.l'

resultantes de ABPA Qualquer que seja a causa, a maio- Embora a ABPA compartilhe mecanismos fisiopatoló-
ria dos pacientes mostra pronta resposta à terapia com gicos com a rinossinusite fúngica alérgica, a coexistência
corticoides. de ambas as doenças é um achado surpreendentemente
incomum.

FIGURA 40.3.1 ~ (A) radiografia de tórax mostrando área de consolidação na zona média do pulmão esquerdo. (8) radiografia de tórax do mesmo
paciente mostrado em (A), realizada cinco meses mais tarde. Houve resolução da consolidação anteriormente observada. No entanto, surgiram novas
consolidações afetando o terço inferior do pulmão esquerdo, bem como o pulmão direito.
Aspectos radiológicos
Os achados radiológicos de ABPA incluem opacidades
pulmonares transitórias ou fiXas, frequentemente descri-
tas como consolidações. Outros achados incluem tramline
shadows, o8acidades em dedos de luva ou em forma de pasta
de dentes. s.o6 Todos esses achados são devidos à impactação
de muco em cavidades bronquiectásicas. Com o seguimento
dos pacientes, pode-se observar fibrose e colapso pulmonar,
que mais comumente envolve os lobos superiores, podendo
levar a aspergilose pulmonar cavitária crônica. A associação
de bronquiectasias centrais com brônquios periféricos nor-
mais é altamente sugestiva de ABPA
Os achados radiológicos em pacientes com ABPA podem
FIGURA 40.3.2 -+ Tomografoa computadorizada de alta resolução do
ser divididos em transitórios e fixos.'
tórax mostrando bronquiectasias centrais (seta menor). bem como
As alterações transitórias incluem: áreas de broncocetes. preenchidas por muco (seta maior).

• Fleetíng shadows: consolidações representando áreas


de colapso, podendo variar desde áreas segmentares
(em geral nos lobos superiores) até o envolvimento de
um lobo ou mesmo de todo um pulmão. This achados
indicam doença em atividade, refletindo impactação
mucoidc.
• Opacidades parenquimatosas: em geral consolidações ou
infiltrados não homogêneos, que tipicamente migram,
como jleeting shadows, de uma área para outra. Podem
envolver brônquios dilatados, que são preenchidos com
secreções, por vezes na região peri-hilar.
• Anormalidades brônquicas: tramline shadows, repre-
sentando edema da parede de brônquios de diâmetro
normal. lmpactações mucoides e retenção de secreções •
respiratórias em brônquios distorcidos podem levar a FIGURA 40.3.3 -+ Tomografia computadorizada de alta resoluç~o do
sombras em "pasta de dentes" ou em "dedos de luva". tórax mostrando a brônquios preenchidos por muco, b sinal do •colar
• Envolvimento pleural: em geral ipsilateral, devido a efei- de pérolas• (string of pearls) e c sinal do "anel de brasão" (signet ring).
tos mecânicos de colapso pulmonar.

Já as opacidades pulmonares permanentes refletem


as alterações irreversíveis vistas nos estágios fibróticos da quiectasias mini mas possam ser encontradas em pacientes
doença, afetando tanto as paredes brônquicas como o pa- com asma, o achado de bronquiectasias afetando três lobos
rênquima pulmonar. Todos os pacientes com suspeita de ou mais, nódulos centrilobulares c impactação mucoide são
ABPA devem ser submetidos a uma tomografia computado- altamente sugestivos de ABPA Manifestações radiológicas
rizada (TC) de alta resolução; em especial, deve-se buscar a incomuns da ABPA incluem opacidades peri-hilarcs, que
presença de bronquiectasias centrais (FIGURA 40.3.2), presen- podem simular linfadcnopatias, derrames pleuraisc massas
tes em 69 a 78% dos pacientes.' O aspecto tomográfico das pulmonares.
bronquiectasias costuma ser o de "colar de pérolas" ou de
"anel de brasão" (FIGURA 40.3.3). Na ABPA, as bronquiecta-
sias centrais tendem a afetar mais os lobos superiores, o que
contrasta com as bronquiectasias de outras causas, que em
Diagnóstico laboratorial
geral envolvem os lobos inferiores. A maioria do pacientes
com ABPA sem bronquiectasias possui doença leve (do pon-
Exame do escarro
to de vista cllnico e sorológico). A ABPA também pode estar A quantidade de escarro expectorada em pacientes com
associada a outros achados radiológicos, o que comumente ABPA varia muito, de volumes mínimos até cerca de meio
se associa a manifestações cllnicas mais exuberantes. copo ao dia. Pacientes sem bronquiectasias podem apresen-
Além das bronquiectasias centrais, outros achados de tar produção diminuta de escarro. Durante as fases agudas
ABPA incluem impactação mucoide, atenuação em mosai- ou de exacerbação de ABPA, o volume e a purulência do
co, presença de nódulos centrilobularcs e opacidades em escarro aumentam consideravelmente. Eosinofilia costuma
dedos de luva. A impactação mucoide na ABPA pode mos- ser observada no escarro expectorado, bem como cristais de
trar densidade normal ou alta; uma alta atenuação de muco Charcot-Leyden e espirais de Curshman. Em uma análise de
é um achado patognomônico em ABPA. Embora bron- 113 pacientes com ABPA, a produção de escarro foi doeu-
mentada em 98%, sendo que tampões foram expectorados não há padronização adequada dos antígenos de Aspergillus,
por 37% (podendo formar moldes brônquicos). 1 nem mesmo dos ensaios empregados.
Uma vez que a presença de Aspergil/us spp. no escarro Em muitas situações, a diferenciação entre pacientes
pode significar ou colonização ou contaminação, a presença com ABPA e aqueles com hipersensibilidade a Aspergillus é
de tampões de escarro amarronzados ou dourados e a cultu- difícil, o que pode ser facilitado pela detecção de níveis de
ra de escarro positiva para Aspergillus spp. auxiliam no diag- lgE e IgE específicos contra A. fomigatus. Enquanto anticor-
nóstico de ABPA, embora como critérios menores. Culturas pos precipitantes (IgG) podem ser detectados no soro de 69
repetidamente positivas paraAspergillus spp. no escarro de- a 90% dos pacientes com ABPA, estes estão presentes em
vem ser interpretadas como significativas. Fragmentos de bi- apenas 9% dos pacientes com asma.' De modo semelhan-
Cas podem ser de difícil visualização na ABPA, de modo que te, níveis de lgE específicos contra Aspergillus costumam ser
colorações para fungos devem ser rotineiramente emprega- muito mais elevados em pacientes com ABPA em compara-
das quando da avaliação de tampões mucosos alérgicos. ção com pacientes asmáticos sem esse diagnóstico. Os níveis
Dada a dificuldade com queAspergillus spp. são elimina- de IgE total são elevados no soro de todos os pacientes com
dos da via aérea de pacientes com ABPA, culturas positivas ABPA. Thdavia, não existe relação entre a intensidade dos
obtidas de pacientes em vigência de terapia antifúngica de- achados imunológicos e a gravidade da doença.
vem ser submetidas a teste de sensibilidade in vitro. Resis-
tência aos antifúngicos triazólicos já foi documentada neste
17
contexto.
Testes de função pulmonar
Embora o teste de broncoprovocação com antígenos de
Testes cutâneos Aspergillus fosse recomendado no passado, o risco associa-
Uma vez que o diagnóstico de ABPA seja suspeitado com do de broncospasmo fez com que ele caísse em desuso. Os
bases clinicorraruológicas, o próximo passo consiste em do- testes de função pulmonar geralmente mostram a presença
cumentar a presença de hipersensibilidade a Aspergillus, o de um processo obstrutivo, com níveis variáveis de gravi-
que geralmente é realizado pela injeção intradérmiea de an- dade na redução da capacidade de rufusão. Uma vez que
tígenos de Aspergillus. os testes de função pulmonar podem ser normais em pa-
As reações cutâneas podem ser classificadas como tipo cientes com ADPA, não const ituem testes de rastreamento
I se houver surgimento de uma lesão maior do que 3 mm, úteis.
em comparação com o controle; esta é uma reação imedia-
ta, que se inicia dentro de 1 minuto, atingindo um tamanho
máximo em 15 a 20 minutos e resolvendo em 1 a 2 horas.
As reações do tipo III são lidas entre 6 e 12 horas, sendo Critérios diagnósticos propostos
que qualquer quantidade de edema subcutâneo é consi- O diagnóstico de ABPA exige o desenvolvimento de um nú-
derada resultado positivo. As reações do tipo IV são lidas mero de respostas clínicas e imunológicas por parte do hos-
após 72 horas, sendo que indurações maiores do que 5 mm pedeiro. Primeiramente, é necessário que o paciente tenha
são consideradas positivas. um diagnóstico preexistente de asma ou fibrose cística, além
O teste intradérmico é considerado mais sensível do que da presença de resposta de hipersensibilidade mediada por
o skin prick test. Em muitas instituições, o skin prick test é o IgE (por meio de teste cutâneo ou resposta sorológica IgE-
primeiro a ser feito e, se negativo, realiza-se o teste intradér- ·específica contra A. fomigatus ), uma elevação nos valores
mico. Em uma série de 126 pacientes com ABPA, foi consta· de lgE total no soro (geralmente > 1.000 UI/mL), evidência
tada reação cutânea tardia dos tipos III ou IV em 75 % e 8% de anticorpos do tipo IgG contra A. fomigatus e, durante a
18
dos pacientes, respectivamente. fase de exacerbação da doença, um aumento nos níveis de
IgE total e eosinofilia sanguínea. Os critérios diagnósticos
propostos para ABPA são resumidos nos QUADROS 40.3. 1 19~
Estudos imunológicos e 40.3.2.

[I] ATENÇÃO A eosinofilia costuma estar presente em mais de 80%


dos pacientes com ABPA. Entre os critérios maiores, é pos-
sível que nem todas as características estejam presentes ao
AABPA é um diagnóstico que precisa ser exdufdo em mesmo tempo; alguns podem se manifestar apenas durante
todos os pacientes com asma, sendo posteriormente a fase aguda ou durante exacerbações da doença.
confirmado por investigações imunológicas. Durante as exacerbações agudas, a contagem de eosi-
nófilos costuma variar entre 1.000 e 3.000 células/1-'L Nesse
contexto, é importante salientar que, uma vez que os pa-
Dessa forma, os testes imunológicos possuem importân· cientes iniciem tratamento com corticoides, diversos parâ-
cia central no diagnóstico de ABPA, como observado nos metros podem sofrer alteração, em especial a contagem de
critérios diagnósticos de Rosenberg-Patterson. 19 No entanto, eosinófilos, os resultados dos testes cutâneos e os valores
não existe definição clara quanto aos valores ótimos de pon- séricos de IgE. Assim, alguns pacientes precisarão ser testa-
tos de corte a serem utilizados; além disso, em muitos casos dos antes ou depois do término da corticoterapia, para que
QUADRO 40.3.1 7 Critérios diagnósticos para aspergilose que os cinco estágios de Patterson e colaboradores21 não são
broncopulmonar alérgica fases da doença; dessa maneira, os pacientes não necessa-
riamente progridem de um estágio para outro de modo se-
lti!;ljjl!!o}j&fl(o)·!f1 quencial.

(i) Asma

(ii) Infiltrados pulmonares transitórios Tratamento


(iii) Reatividade cutânea imediata contra A. fumigatus O alvo terapêutico na ABPA é preservar a função pulmonar
por meio da supressão da resposta imune a antígenos doAs-
(iv) lgE sérica total elevada pergillus e da resposta inflamatória da asma. Embora o trata-
mento precoce da ABPA pareça prevenir a progressão para
(v) Anticorpos precipitantes contra A. fumigatus fibrose pulmonar, o uso sistêmico de corticoides por longos
períodos deve ser evitado, em função dos conhecidos efeitos
(vi) Eosinofilia no sangue periférico
adversos desses fármacos. O tratamento da ABPA deve ser
(vi i) lgE e lgG séricos elevados contra A. fumigatus direcionado para limitar as exacerbações da doença, erradi-
car a colonização e a proliferação deAspetgillus na via aérea
(vi ii) Bronquiectasias centrai!lproximais com brônquios distais e prevenir a progressão para fibrose pulmonar.
normais

jGJ!ii'l!!·tJ&14.'1·1'!f1 Corticoides
Embora inexistam estudos controlados duplo-cegos avalian-
(i) hpectoraç.\o de tampões amarronzados do o impacto de corticoides em pacientes com ABPA, a cor-
(ii) Cultura de escarro positiva para Aspergi/Jus spp. ticoterapia sistêmica possui papel central no tratamento des-
sa doença. 1 Nos estágios agudos da ABPA, a corticoterapia
(iii) Reatividade cutânea tardia (do tipo Arthus) para A. fumigatus reduz os níveis séricos de IgE, reduz a eosinofilia periférica,
limpa os infiltrados pulmonares e melhora o broncospasmo
Fonte: Rosenberg e colaboradores, 11 Wang e colaboradores.20 associado.
Diversos regimes de doses têm sido propostos. Para as
exacerbações agudas, a terapia por duas semanas com pred-
o diagnóstico de ABPA seja estabelecido com maior grau nisona 0,5 mg!kg/dia tem sido sugerida, seguida de 0,5 mg/
de certeza. kg em dias alternados por 6 a 8 semanas adicionais. A dose
Pacientes com ABPA de longa evolução podem passar a de prednisona é então diminuída para 5 a 10 mg a cada duas
apresentar anticorpos precipitantes negativos no soro. Bron- semanas, de acordo com os sintomas. À medida que se reduz
quiectasias centrais/proximais, na ausência de bronquiecta- a dose de corticoides, pode haver leve agravamento das ma-
sias distais, foram anteriormente consideradas condição sine nifestações de asma, o que exige controle com broncodilata-
qua non para o diagnóstico de ABPA. Entretanto, hoje sere- dores e/ou corticoidcs por via inalatória. A dosagem de corti-
conhece que bronquiectasias centrais podem não estar pre- coides orais e a duração da terapia deverão ser avaliadas com
sentes nas fases iniciais da ABPA, bem como no subgrupo de base em cada paciente individual, de acordo com a gravidade
pacientes com as formas mais leves da doença. das manifestações de asma e a frequência das exacerbações.
Após descontinuação da prednisona, remissões prolon-
gadas têm sido relatadas. Embora a manutenção de cortico-
terapia sistêmica não seja rotineiramente indicada, seguindo
História natural e estadiamento da remissão inicial, muitos pacientes com ABPA tomam-se de-
doença pendentes de corticoides. O uso de corticoides inalatórios
em tais pacientes pode prevenir a dependência a corticoides
A história natural da ABPA é ainda pouco caracterizada, sistêmicos e reduzir a chance de exacerbações recorrentes.
sendo geralmente marcada por episódios recorrentes de re- Estudos têm demonstrado que a beclometasona inalada
missão e recidivas. A evolução da doença é de difícil pre- pode melhorar a função ventilatória e o controle da asma,
dição, pois a melhora espontânea dos sintomas e das opa- mas não afeta a frequência de infiltrados pulmonares eosi-
cidades pulmonares caracteriza um importante aspecto da noffiicos nesses pacientes. Entretanto, existe evidência pre-
doença. De qualquer modo, acredita-se que o diagnóstico e liminar de que altas doses de corticoides inalados possam
o tratamento precoces dessa condição possam reduzir os da- trazer beneficio para pacientes com ABPA. A terapia anti-
nos pulmonares em pacientes com ABPA. fúngica, discutida a seguir, pode ter um importante papel
Dois são os esquemas mais utilizados de classificação como adjunto à corticoterapia, permitindo que se utilizem
para ABPA: os estágios de Patterson e colaboradores (QUA- doses menores de corticoides.
21
DRO 40.3.3), em que a ABPA é dividida em cinco estágios, e Pacientes com ABPA fibrocavitária costumam apresen-
a classificação de Greenberger e colaboradores,s baseada na tar bronquiectasias extensas bem como doença pulmonar
presença ou ausência de bronquiectasias. Deve-se salientar obstrutiva que não se revertem com corticoterapia sistêmica.
QUADRO 40.3.2-? Critérios diagnósticos para aspergilose broncopulmonar alérgica em pacientes com fibrose cística

1. Deterioração aguda ou subaguda (tosse, sibilância, intolerância ao exercício, asma induzida pelo exercício, declínio na função pulmonar. aumento
no volume expectorado), não atribuivel a outra causa
2. Concentrações de lgE sérica total > 1.000 UVml (> 2.400 ng/ml), a menos que o paciente esteja recebendo corticoides (neste caso, retestar
quando os corticoides forem descontinuados)
3. Reatividade cutânea imediata para Aspergillus (teste cutâneo com resultado > 3 mm em diâmetro, com edema associado, em paciente não
recebendo anti-histamlnicos por via sistêmica) ou presença de anticorpo lgE especifico contra A. fumigatus no soro
4. Anticorpos precipitantes ou lgG contra A. fumigatus no soro

S. Anormalidade radiológica nova ou recente (infiltrados ou tampões mucosos) ou tomográficas (bronquiectasias) que não se resolveram com
antibióticos ou fisioterapia

1. Deterioração aguda ou subaguda (tosse, sibilância, intolerância ao exercício, asma induzida pelo exercfcio, declínio na função pulmonar, aumento
no volume expectorado), não atribuivel a outra causa

2. Concentrações de lgE sérica total > 500 UVml (> 1.200 ng/ml); se há suspeita de ASPA, mas os valores de lgE estão entre 200 e 500 UVml,
repetir a testagem em 1 a 3 meses; se o paciente estiver usando corticoide, repetir quando este for descontinuado

3. Reatividade cutânea imediata para Aspergillus (teste cutâneo com resultado > 3 mm em diâmetro, com edema associado, em paciente não
recebendo anti-histamlnicos por via sistêmica) ou presença de anticorpo lgE especifico contra A. fumigatus no soro
4. Um dos seguintes: (a) anticorpos precipitantes ou lgG contra A. fumigatus no soro; ou (b) anormalidade radiológica nova ou recente (infiltrados
ou tampões mucosos) ou tomográficas (bronquiecta.sias) que não se resolveram com antibióticos ou fisioterapia

I(illHfjl'ilfJ•:•Iil;!IIJ•I•Ij(o!l@l;j,JV li I 1;1 (ir;IJ.\,\@i•I•IJ I:IJ Wfll3@i!JH\Il!:l;!of1dhí!ti 1


1. Manter um nível elevado de suspeição para ASPA em pacientes com mais de 6 anos de idade.

2. Determinar lgE sérica total anualmente. Se concentrações > 500 UVml, determinar reação cutânea imediata contra A. fumigatus ou determinar
lgE específica contra A. fumigatus. Se os resultados forem positivos, considerar o diagnóstico baseado nos critérios diagnósticos mini mos.

3. Se lgE total entre 200 e 500 UVml, repetir a dosagem caso haja elevada suspeição de ASPA, como exacerbação de doença. e realizar testes
diagnósticos adicionais (teste cutâneo ou lgE especifica contra A. fumigatus, anticorpos contra A. fumigatus, precipitinas contra A. fumigatus, ou
anticorpos lgG séricos contra A. fumigatus, além de radiografia de tórax).
Fonte: St~ns e colaboradores.'

Isso representa um estágio avançado da doença, geralmente Terapias adjuntas


associado a um mau prognóstico.
Além do uso de corticoides sistêmicos, as exacerbaçóes de
ABPA devem ser manejadas de acordo com as diretrizes
Terapia antifúngica para manejo de asma, incluindo evitar desencadeadores de
asma e o uso de beta-agonistas e outras medicações antias-
A erradicação de Aspergillus spp. da via aérea, por meio de
máticas não esteroides.
terapia antifúngica, é outra abordagem no tratamento da
ABPA (QUADRO 40.3.4).' O itraconazol é o antifúngico mais
empregado nesse contexto, podendo ser utilizado como tera- Terapias potenciais
pia adjunta, permitindo uma redução na dose de corticoides Em 2007, Van der Ente colaboradores23 publicaram um relato
em pacientes dependentes desses medicamentos. Uma vez de caso utilizando anticorpos anti-IgE (omalizumabe) em uma
que o itraconazol interfere com o metabolismo dos corticoi- menina de 12 anos com fibrose cística e ABPA que apresentou
des, a dose de esteroides precisa ser reduzida quando o itra- importantes eventos adversos à corticoterapia. O mecanismo
conazol for iniciado nesses pacientes. A duração ideal da te- para essa melhora foi incerto, uma vez que a dose utilizada
rapia antifúngica não foi determinada para esses pacientes. teria sido inadequada para neutralizar os altos níveis de IgE.
Com base na evidência disponível, pelo menos 6 a 8 meses Além do omalizumabe, não há dados com o uso de outros
parecem ser necessários?2 imunomoduladores em pacientes com ABPA Antagonistas
QUADRO 40.3.3 ~ Estadiamento de aspergilose broncopulmonar alérgica, com base nos critérios de Patterson e colaboradores

H413;HW ~llf.\tl il•l3fi:lt3•* f 13:1 1•I•{)/\.H·lt'trlt3•t1 f t3:r 1•I•fji,~ill:l•iffirlt3•f1

Fase aguda Geralmente Normal ou presença de opacidades lgE > 1.000 UVml, aumento em
assintomático, febre, radiológicas, simulando pneumonia precipitinas, lgE e lgG específicas
perda de peso, sibilância contra A. fumigatus

Remissão Assintomático Geralmente normal ou resolução dos lgE costuma declinar 30 a 50% nas
achados da fase aguda semanas 6 a 12, podendo normalizar

11 1 Exacerbação Sintomático como na Opacidades pulmonares transitórias ou lgEdobra em comparação com o nível
fase aguda fixas; achados podem ser pouco sugestivos basal

IV ABPA dependente Sintomático Opacidades pulmonares transitórias ou Níveis variáveis de lgE; alguns
de esteroides fixas pacientes mantêm niveis muito altos,
que respondem a esteroides

v ABPA em estágio Sintomático, obstruçao Bronquiectasias, fibrose pulmonar, lgE e imunoglobulinas específicas se
avançado aérea fixa, grave hipertensão pulmonar mantêm altas na maioria dos casos
(fibrótico) disfunção pulmonar, cor
pu/mona/e
11
Fonte: Patterson e colaboradores.

QUADRO 40.3.4 ~ Antifúngicos empregados no tratamento de aspergilose broncopulmonar alérgica

Cetoconazol 400 mgao dia Estudos abertos com número Resultados inconsistentes; potencial para eventos adversos graves.
limitado de pacientes

ltraconazol 200 mg 12/12 Relatos de casos, séries de casos Monitorar níveis de itraconazol e função hepática. A solução oral de
horas e dois estudos randomizados itraconazol (não disponível no Brasil) resulta em melhores níveis, porém
controlados com placebo maior toxicidade gastrintestinal. Efeito inotrópico negativo (infrequente).

Voriconazol 1SO a 200 mg Relatos de casos e séries de A função hepática deve ser monitorada rotineiramente.
12/12 horas casos em pacientes com fibrose Fotossensibilidade associada ao uso crônico. Omonitoramento de níveis
cística do fármaco também é necessário.

Posaconazol 400 mg 12/12 Dados clínicos ainda não A função hepática deve ser monitorada rotineiramente. Menos interações
horas publicados medicamentosas do que outros azólicos. Resistência cruzada pode
ocorrer entre os fármacos da classe.

dos leucotrienos 04 têm demonstrado atividade antieosino- de Aspergillus. Entretanto, até o momento, esses agentes ain-
filica in vitro, sendo potencialmente úteis no tratamento da da não foram devidamente estudados para esse fim.
ABPA. 24 O anticorpo monoclonal anti-ILS mepolizumabe
pode vir a ter um papel no tratamento da doença. A IL-5 é
importante na maturação e proliferação de eosinófilos; os
pacientes com ABPA poderiam ser beneficiados com a ini-
Seguimento pós-tratamento
bição de IL-5 . Adicionalmente, o mepolizumabe tem sido Deve-se dar atenção ao monitoramento de sintomas pulmo-
utilizado com sucesso para casos refratários de sindrome nares em pacientes com ABPA. Estes incluem não apenas
hipereosinoffiica primária, embora tenha falhado em mos- sintomas típicos de asma, como sibilância, dispneia, tosse e
trar qualquer beneficio em pacientes com asma ou derma- dor torácica, mas também manifestações menos usuais de
tite atópica. Outros agentes com potencial uso benéfico em exacerbação de asma, como febre e expectoração de tam-
pacientes com ABPA incluem os antagonistas do receptor pões amarelos a marrons. O desenvolvimento desses sinto-
da quimoquina 3, que bloqueiam a ativação de eosinófilos, e mas deve prontamente levar a testes que avaliem a possibili-
imunoterapia direcionada especificamente contra antígenos dade de se tratar de uma exacerbação de ABPA.
Pacientes com ABPA podem ter exacerbações assin- 3. McCarthy OS, Pepys J. Allergic bronchopulmonary aspcrgillosis:
tomáticas, independentemente dos achados radiológicos. elinical immunology: (1) Clinicai fcaturcs. Clin Allergy. 1971;1:261-
Assim, é importante monitorar os niveis de IgE depois do 86.
diagnóstico inicial. Sugere-se que isso seja feito a cada 1 a 4. Rosenberg M, Patterson R, Roberts M, Wang J. The assessment
2 meses, por pelo menos um ano após o diagnóstico. Me- of immunologic and clinicai changcs occurring during onrtionstcroid
lhora radiológica e resolução dos sintomas clínicos têm sido therapy for aUergie bronehopulmonary aspergillosis. Am J Mcd.
associadas a reduções em 35% nos níveis de IgE. Quando as 1978;64(4):599-606.
concentrações de IgE se elevam duas vezes em pacientes as- 5. Grccnbergcr PA, Millcr TP, Robcrts M, Smith LL. Allcrgic bron-
sintomáticos, uma avaliação radiológica é recomendada. Se ebopulmonary aspcrgillosis in patients with and without evidence of
esses pacientes não demonstram um novo infiltrado pulmo- broncbicctasis. Ann Allergy. 1993;70(4):333-8.
nar, se apresentam testes de função pulmonar estáveis e não
têm sintomas pulmonares, eles devem ser novamente moni- 6. Carvalho A, Pasqualotto AC, Pi12urra L, Romani L, Dcnning DW,
Rodrigues F. Polymorpbisms in toU-like receptor genes and suscep-
torados, sem ajuste da dose dos medicamentos. Na presença
tibility to pulmonary aspcrgillosis. J l nfcct Ois. 2008;197(4):618-21.
de novos infiltrados pulmonares ou sintomas respiratórios
ou piora da função pulmonar, a terapia deve ser restituída 7. Campbell MJ, Clayton YM. Bronchopulmonary aspcrgillosis. A
ou intensificada. onrrelation of tbe clinicaJ and laboratory fiildings in 272 paticnts in-
Alguns investigadores têm sugerido que a TC deva ser vestigated for broncbopulmonary aspcrgillosis. Am Rev Respir Ois.
usada para monitorar ABPA. Novas áreas bronquiectási- 1964;89:186-96.
cas ou impactação mucoide biperatenuada na TC sugerem 8. Agarwal R, Gupta O, Aggarwal AN, Saxcna A.K, Cbakrabarti A,
doença potencialmente destrutiva, que merece terapia. En- J inda! SK. Clinicai significance of byperattcnuating muonid impac.
tretanto, é possível que a radiografia simples de tórax seja tion in allergic bronchopulmonary aspergillosis: an analysis of 155
igualmente efetiva no acompanhamento de tais pacientes. patients. Chest. 2007;132(4):1183-90.
Esses exames devem ser repetidos a cada 4 a 8 semanas após 9. Stcvcns DA, Moss RB, Kurup VP, Knutscn AP, Grecnbergcr P,
o início da terapia, para confirmar a resolução ou melhora Judson MA, ct ai. Allcrgic bronehopulmonary aspcrgiUosis in cys-
dos infiltrados pulmonares prévios. tic fibrosis - state of tbc art: Cystie Fibrosis Foundation Consensus
O monitoramento com espirometria anual pode ser útil, Confcrcncc. Clin lnfect Ois. 2003;37 Suppl 3:S225-64.
pois um declínio na capacidade vital forçada <!: 15% pode
10. Agarwal R, Hazarika B, Gupta O, Aggarwal AN, Chakrabarti
sugerir exacerbação de ABPA. Evidência de maior obstru-
A, Jindal SK. Aspergillus bypcrscnsitivity in paticnts with ebronic
ção ao fluxo aéreo com um declínio no volume expiratório obstructive pulmonary disease: COPO as a risk factor for ABPA?
forçado no primeiro segundo (VEF,) ou redução nos fluxos Med Myonl. 2010;48(7):988-94.
médios deve sugerir ABPA, devendo-se realizar adequada
investigação laboratorial. 11. Bebera O, Guleria R, Jindal SK, Cbakrabarti A, Panigrabi O.
Allergic bronehopulmonary aspergillosis: a rctrospcctive study of 35
Se o paciente não manifestar qualquer exacerbação de
cases. 1ndian J Chest Ois Allied Sei. 1994;36(4):173-9.
ABPA ao longo dos próximos três meses após a cessação
da terapia, muitos autores consideram-no como estando 12. Chakrabarti A, Setbi S, Raman OS, Bebera O. Eight-year stu-
em "remissão completa". Pacientes que atinjam esse estado dy of allergie broncbopulmonary aspcrgillosis in an lndian teaching
devem ser seguidos com IgE a cada seis meses no primeiro hospital. Myonses. 2002;45(8):295-9.
ano de doença, seguido de dosagem anual de IgE após esse 13. Kumar R, Gaur SN. Prcvalencc of allergic broncbopulmonary
período (com monitoramento mais frequente se clinicamen- aspcrgillosis in patients with bronchial asthma. Asian Pae J Allergy
te indicado). Mesmo em pacientes que atingiram remissão lmmunol. 2000;18(4):181-5.
completa, os níveis de IgE costumam estar aumentados; na
14. Hct2el JL. Aspcrgilose brononpulmonar alérgica: estudo de 128
maioria dos pacientes com ABPA, os valores não retomam
casos [tese). Porto Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do
ao normal. Isso é uma importante consideração, pois o alvo Sul; 1990.
da corticoterapia não é reduzir os valores de IgE a níveis
normais, mas sim promover uma redução em 30 a 50% nos 15. McCarthy OS, Simon G, Hargreavc FE. Thc radiological appc-
níveis, ao longo de 6 a 12 semanas. Alguns pacientes no es- aranees in allergic broncbo-pulmonary aspergillosis. Clin Radiol.
1970;21 (4):366-75.
tágio III da doença podem entrar em período prolongado de
remissão ou mesmo em remissão permanente. Uma remis- 16. Min!ZCr RA, Rogcrs LF, Kruglik GD, Rosenberg M, Neiman
são completa, no entanto, não implica remissão permanente HL, Patterson R. The spectrum of radiologic findings in allergic
em cada caso, pois exacerbações da doença têm sido docu- broncbopulmonary aspcrgillosis. Radiology. 1978;127(2):301-7.
mentadas em pacientes com até sete anos de remissão. 17. Howard SJ, Pasqualotto AC, Dcnning DW. Azole rcsistancc in
allergie bronchopulmonary aspergillosis and Aspcrgillus broncbitis.
Clin Microbiollnfcct. 2010;16(6):683-8.
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2. Grcenberger PA. Allergie bronchopulmonary aspcrgillosis. J Al- 19. Roscnbcrg M, Patterson R, Mintzer R, Coopcr BJ , Robcrts
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sis of aUcrgic bronchopulmonary aspergillosis. Ann lntcrn Mcd. 22. Pasqualotto AC, PoweU G, Nivcn R, Dcnning DW. Thc effccts
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20. Wang Jl., Pattcrson R, Roscnbcrg M, Robcrts M, Coopcr BJ.
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21. Pattcrson R, Grccnbergcr PA, Radin RC, Roberts M. Allergic
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José da Silva Moreira
41
Ana Luiza Moreira
José J. Camargo
Paulo Roberto Goldenfum

No abscesso pulmonar primário, as secreções provenien-


Introdução tes da boca doente, aspiradas durante episódio de incons-
O abscesso pulmonar é uma lesão necrótica, escavada, com ciência - muitas vezes causado por alcoolismo - , possuem
mais de 2,0 em de diâmetro, habitualmente única, conten- grande quantidade de microrganismos de diversas espécies
do pus em seu interior. O termo é aplicado de modo geral (flora mista, com predomínio de anaeróbios).z.s As localiza-
quando a lesão é causada por germes piogênicos- com mais ções preferenciais onde ocorrem as aspirações para o pul-
frequência bactérias anaeróbias, Staphy/ococcus aureus ou mão são segmentos posteriores de lobos superiores e seg-
gram-negativos aeróbios.''2 mentos superiores de lobos inferiores, apresentando-se as
lesões à radiografia como cavidades únicas de paredes i.rre-
gulares, com nível hidroaéreo em seu interior, em geral sem
evidências de focos de disseminação brônquica. Abscessos
pulmonares de aspiração múltiplos, embora incomuns, tam-
bém podem ocorrer.
Dentro de 24 a 48 horas a partir do momento do epi-
sódio aspirativo, o abscesso já deverá estar bem formado,
exibindo em seu interior baixos pH e potencial de oxidar-
redução, o que favorece a multiplicação dos germes anae-
róbios gram-positivos (Peptosrreptococcus sp., estreptococo
microaerófilo) e gram-negativos (Prevotella sp., Bacteroidts
e fusobactérias). Deve-se acentuar, contudo, que a presença
do Bacteroides Jragilis - bactéria resistente à penicilina - em
infecções anaeróbias localizadas acima do diafragma costu-
ma ser incomum,' sendo, por outro lado, frequente em es-
truturas infradiafragmáticas.
A visualização de flora mista ao exame bacterioscópico
(Gram) das secreções indica fortemente a presença de mi-
crorgartismos anaeróbios, o que é de grande valia para um
rápido diagnóstico presuntivo. A identificação definitiva
desses germes, todavia, demanda a necessidade de culturas
em anaerobiose de material colhido com proteção, o que na
prática, na maioria das vezes, não é necessário para a correta
instituição do tratamento.
TABELA 41.1 7 Abscesso pulmonar de aspiração: dados clínicos
Diagnóstico de 269 pacientes estudados entre 1965 e 201 O no Pavilhão Pereira

0 ATENÇÃO
Filho- Santa Casa, Porto Alegre

O paciente com abscesso de aspiração ainda fecha·


do, em geral apresenta-se com febre alta, tosse, Tosse 269 100,0
acentuado comprometimento do estado geral com
rápida perda de peso e frequentemente dor toráci· Expectoração 269 100,0
ca.2 ·6 Entre o final da segunda semana e a terceira Febre 269 100,0
semana de evolução da doença, em geral uma gran·
de quantidade de secreção piossanguinolenta ou pu· Estado geral comprometido 265 98,5
rulenta, de extremo mau cheiro {TABELA 41.1), ganha
safda pela árvore brônquica e é eliminada pela tosse Dor torácica 176 65.4
(vômica), deixando uma lesão escavada, necrótica,
habitualmente com paredes espessas e mostrando Dentes malconse.vados 226 84,0
nfvel hidroaéreo, localizada em zona preferencial de Perda de consciência• 216 80,3
aspiração para o pulmão (FIGURA41.1).
Estertores pulmonares 210 78,1
Odor fétido 191 71,0
As lesões pulmonares costumam ser únicas, unilaterais,
ocorrendo igualmente em qualquer um dos pulmões (TABE· Hipocratismo digital 80 29,7
LA 41 .2). Focos de disseminação brõnquica, pericavitários ou
Sintomas presentes há mais de quatro semanas em 34,0% dos paôentes.
à distância, como regra não ocorrem. Lesões múltiplas em
• Em 86,6% das ~zes. o episódio de P<!rda de <On..:iência esteve rela<ionado <Om
casos de abscesso de aspiração, ainda que infrequentes, Iam· alcoofismo; outras causas detectadas foram epilepsia, trauma aanioencefálico,
bém costumam predominar em regiões dorsais dos pulmões acidente vascular cerebral, hipoglicemia e anestesia. A idade dos pacientes variou
(FIGURA 41.2). Após a ocorrência da vômica, o paciente pode entre 8 e 18 anos (média de 41 anos), sendo que 82.5% eram do sexo maS<\Jiino.
apresentar-se com menos febre e ter a gravidade de seu es-
tado tóxico atenuada.
Um episódio de perda de consciência, em especial por parede do abscesso, e o material purulento, infectado, ga-
alcoolismo, em um individuo adulto do sexo masculino, pre- nhando o espaço pleural, acaba formando um empiema, com
cedendo o cortejo dos demais sintomas, e o achado de den- consequente agravamento dos sintomas.' Êmbolos sépticos
tes em mau estado de conservação ao exame físico são dados podem aportar em outros órgãos, sendo particularmente
importantes que apontam para o diagnóstico de abscesso de grave a formação de abscesso cerebral.
aspiração. Leucocitose e desvio à esquerda no hemograma são
Ocasionalmente, o conteúdo do abscesso pode ficar achados comuns no abscesso de pulmão, especialmente nas
retido no interior da cavidade, quando há estenose de na· fases mais iniciais de sua evolução, e antes do uso de anti·
tureza inflamatória, ou mesmo neoplásica, do brônquio de biótico.
drenagem. Nesses casos, a tomografia computadorizada e a A maioria dos pacientes com abscesso pulmonar de aspi-
fibrobroncoscopia auxiliam na demonstração da obstrução. ração procura auxílio médico em geral dentro das primeiras
A broncoscopia pode, ainda, desfazer a obstrução quando duas semanas de sintomas, pressionados pela agressividade
não neoplásica, com aspiração das secreções mais espessas, da doença. Todavia, um contingente não desprezível (25 a
auxiliando no tratamento. Pode, ainda, ocorrer necrose da 30%) o faz mais tardiamente, após quatro semanas ou mais,

FIGURA 41.1 7 Aspectos radiográficos de abs-


cesso de aspiração, localizado em segmento
superior de lobo inferior do pulmão esquerdo,
vistos em projeções pôstero-anterior (A) e de
perfil (8). lesão escavada, única, com paredes
espessas e nfvel hidroaéreo em seu interior. Au·
sência de focos de disseminação brônquica .
FIGURA 41 .2 ~ (A) Abscessos
múltiplos com níveis hidroaé-
reos, com localização preferen-
cial em segmentos dorsais de
ambos os pulmões. (B) Paciente
feminina, alcoolista, com pre-
sença de flora mista no escarro
e no material colhido por fibro-
broncoscopia.

apresentando-se com a doença em fase crônica, emagreci·


dos, tossindo, expectorando o material purulento malchei-
Tratamento
roso. Nesses pacientes com abscesso crônico, muitas vezes é O tratamento dos pacientes com abscesso de pulmão é pri-
observada a presença de hipocratismo digital. mariamente clínico, com antibióticos, drenagem postura! e
Em exames microbiológicos do escarro, ou de material cuidados gerais;1 todavia, uma proporção considerável deles
colhido por broncoscopia ou por toracocentese, a presen- acaba sendo submetida a algum procedimento cirúrgico/
ça de "flora mista" à bacterioscopia é indicativa de germes como pneumostomia, ressecção pulmonar e drenagem de
anaeróbios, os quais obviamente não crescerão em meios empiema (TABELA 41 .3).
aeróbios comuns. Todavia, o conjunto formado por achados A penicilina e a clindamicina têm sido os antibióticos
clínicos e radiográficos e pela presença de flora mista nos mais empregados no combate às infecções pulmonares por
materiais colhidos é, na maioria das vezes, suficiente para o germes anaeróbios, com a preferência progressivamente se
manejo correto dos casos. deslocando para a clindamicina,8 embora outros antibióticos
também se mostrem efetivos.9 O tempo de uso da medicação
deve se prolongar por pelo menos quatro semanas. A morta-
TABELA 41 .2 ~ Abscesso pulmonar de aspiração: apresentação
lidade causada por abscesso primário de pulmão, alta antes
radiográfica das lesões em 269 pacientes estudados entre 1965 e
da era antibiótica, situa-se hoje em tomo de 5%.
2010 Como se pode observar na série apresentada na TABELA
41.3, pelo menos quatro em cada cinco pacientes com abs-
cesso de aspiração são manejados com tratamento clínico

lesões unilaterais* 260 96,6 0,001


TABELA 41.3 ~ Abscesso pulmonar de aspiração: tratamento
lesões bilaterais 9 3,4 efetuado e seus resultados em 269 pacientes estudados entre
1965 e 2010
Em segmento posterior de lobo
superior eJou superior de lobo 231 85,9 0,001
inferior** ANTIBIOTICOTERAPIA 269 100,0
- Penicilina G 190 70,6
Em pirâmide basal 30 11,1 - Clindamicina 56 20,8
- Outro 23 9,6
Em lobo médio ou língula 3,0
DRENAGEM POSTURAL 264 98,1
lesões de até 4,0 em de diâmetro 41 15,2
TRATAMENTO CIRÚRGICO 57 21,2
lesões entre 4,0 e 8,0 em de 180 66,9 0,001 - Drenagem de empiema 25 9,3
diâmetro - Ressecçáo pulmonar* 25 9,3
- Pneumostomia 2,5
lesões com mais de 8,0 em de 48 17,9
diâmetro CURA** 257 95,5
ÓBITO'** 12 4,5
Derrame pleural associado 25 9,3
(empiema) •Vinte e três casos de abscessos crônicos. quatro deles com broncostenose de natu·
reza inflamatória, e dois pacientes com volumosas hemoptises.
•Igualmente disttibufdas por ambos os pulmões. ••A maioria com algumas seque&as radtográftC.cls; um paciente com abscesso cer~
... Incluídas 40 lesões contíguas em ambos os segmentos e 31 em subsegmentos bral secundárto.
axilares. *-•Pacientes com grandes abscessos, cinco dos quais também com empiema.
que consiste, basicamente, em antibioticoterapia mais dre- cavidade, até seu completo desaparecimento em quatro
nagem postura!. semanas (FIGURAS 41.3 e 41 .4).
Alguns achados clinicorradiológicos têm valor preditivo
negativo para o tratamento clínico e apontam para a necessi-
dade de cirurgia. 10 Dentre eles, citam-se: Aindicação de ressecção é determinada por:
• mais de seis semanas de evolução,
-+ ausência de resposta ao tratamento clínico (muitas
vezes por broncostenose indilatável),
• espessamento da parede da cavidade do abscesso,
-+ hemoptise recorrente,
• evidência tomográfica e/ou endoscópica de broncoste-
nose,
-+ nuptura para a pleura,
• cavidades necróticas gigantes, e
-+ suspeita de neoplasia associada,
• colonização por germes multirresistentes.
-+ sequela sintomática.
O procedimento em geral envolve uma lobectomia
A efetividade da drenagem postura! pode ser aumenta- - tipo de cirurgia que mais facilmente garante a remo-
da pelo uso de fibrobroncoscopia, 11 utilizada para aspiração ção da cavidade abscedida intacta-, prevenindo assim a
contaminação da pleura. A propósito, quando o absces-
direta das secreções mais espessas e, eventualmente, para
so ocupa a pirâmide basal, é frequente a necessidade de
dilatar o brônquio de drenagem do abscesso através da pas- abertura de uma toracotomia aces.s6ria, três ou quatro
sagem de cateter de Fogarty. Esse cateter, depois de ultra- espaços intercostais abaixo do vão da toracotomia origi-
passar o brônquio edemaciado, tem o seu balonete inflado e nal, para liberação das densas aderências diafragmáticas,
puxado retrogradamente, determinando uma ampliação do sob visão direta, evitando- se assim o risco de ruptura da
brônquio de drenagem e o escoamento de grande quantida- cavidade abscedida. Cuidados com sutura brônquica sob
de de secreção pútrida. A repetição do procedimento a cada clampeamento e ocupação precoce do espaço pleural re-
dois ou três dias acelera a cura do abscesso. sidual pelos segmentos pulmonares remanescentes são
altamente recomendáveis, como em toda ressecção pul-
monar por doença supurativa.
Em pacientes criticamente doentes, para os quais a
• CASO CLÍNICO I toracotomia representaria um procedimento de alto ris-
co, a drenagem externa da cavidade através de cateteres
Paciente masculino, 54 anos, dentes sépticos, alcoólatra ou de uma pneumostomia pode representar uma solução
e dependente de benzodiazepfnicos, com quadro de in- heroica e definitiva.
fecção respiratória e tosse com expectoração fétida há
uma semana. A fibrobroncoscopia, com intuito de ex-
cluir lesão brônquica primária, detectou uma acentuada
redução de calibre do brônquio segmentar, de onde flufa
secreção espessa e fétida. A passagem do cateter de Fo·
• CASO CLÍNICO 11
garty, com dilatação brônquica retróg rada, deu vazão a Paciente masculino, 69 anos, com antecedente de abs-
uma grande quantidade de secreção purulenta. A repe- cesso dentário e história de expectoração abundante há
tição do procedimento a cada três dias acelerou a evo- seis semanas. O exame bacteriológico de escarro mos-
lução favorável, com redução gradual das dimensões da trou flora mista à bacterioscopia, mas crescendo múl-

AGURA 4 1.3-+ (A) Cavidade abscedida no terço médio do pulmão direito. (8) Grande abscesso ocupando integralmente o segmento superior direi-
to. (Q Corte tomográfico mostrando a lesão escavada com conteúdo necrótico e ali lamento do brônquio segmentar.
FIGURA 41.4 ~ Mesmo paciente da Figura 41.3. (A) lesão escavada, persistente, mas significativamente menor, após passagem do cateter de fo·
garty, com dilatação brônquica retrógrada. (8) Duas semanas depois, lesão inequivocamente reduzida. Paciente já assintomático. (C) Radiografia de
tórax normal após quatro semanas; ausência de secreção brônquica.

tiplas colônias de S. aureus. A radiografia de tórax evi·


denciou grande cavidade no lobo inferior direito (FIGURA
Referências
1. Bartlett JG. Anaerobic bacterial infcctions of thc lung and plcural
41 .5). A febre persistiu depois de quatro dias de antibio·
spacc. Clin lnfcct Dis. 199:3;16 Suppi4:S248-55.
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do brônquio lobar inferior, aspirando-se pequena quan- Cecil mcdicinc. 23rd cd. Philadelphia: Saundcrs Elsevicr; 2008. p .
tidade de secreção fétida. Diante de uma tentativa frus- 685-88, cap. 98.
trada de dilatação brônquica com cateter de Fogarty, foi 3. Brook I. Anaerobic pulmonary infcctions in childrcn. Pediatr
realizada uma pneumostomia, através da ressecção de Emcrg Care. 2004;20(9):636-40.
um fragmento da nona costela em posição interescapu-
4. Santos JWA dos, Nascimento DZ. Guerra VA, Rigo VS, Michel
lovertebral. A aspiração da cavidade abscedida removeu G'I; Dalcin TC. Pneumonia cstafilocócica adquirida na comunidade.
uma grande porção de tecido necrótico denso, submerso J Bras Peumol. 2008;34(9):683-9.
no lfquido purulento e extremamente fétid o, seguindo-
-se rápida melhora clfnica. Após quatro semanas, o pa- 5. Marina M, Strong CA, Civcn R, Molitoris E, Fincgold SM. Bac-
ciente estava assintomático e tinha recuperado 5 kg. As teriology of anacrobic pleuropulmonary infcetions: preliminary rc-
port. Clin lnfect Dis. 1993;16 Suppl4:S256-62.
radiografias de controle mostravam a obl iteração quase
com pleta do espaço pleura l por reexpansão pulmonar 6. Moreira JS, Camargo JJ, Felicctti JC, Goldcnfun PR, Moreira
(FIGURA 41 .6). AL, Porto NS. Lung absecss: analysis of252 consccutive cases diag-
noscd bctwccn 1968 and 2004. J Bras Pneumol. 2006;32(2):136-43.

FIGURA 41.5 ~ (A) Grande cavidade necrótica, hiperinsuflada, com conteúdo de densidade heterogênea ocupando o segmento superior e parte
da pirâmide basal à direita. (8) Imagem em perfil da cavidade que tem parede superior fina e lisa, e com grande extensão em contato com a pleura
parietal. (C) Imagem depois de quatro semanas do estoma epitelizado, construido através da ressecção de um fragmento de costela, e da sutura da
pele na pleura parietal.
FIGURA 41.6 7 Mesmo paciente da Figura 41.5. (A) R<l·
diografoa de tórax após quatro semanas do procedimen·
to (pneumostomia) à direita, mostrando minima sequela
fibrótica no segmento superior do mesmo lado. (B) Na
incidência de perfil, observa·se pequeno resfduo do que
fora a grande cavidade necrótica que chegara a ocupar
grande parte do lobo inferior direito.

7. Ricc TW; Ginsberg RJ, Thdd TR. Tube drainage oflung abseesses. mycin +/- ccphalosporin for the treatmcnt of aspiration pneumonia
Ann Thorac Surg. 1987;44:356-9. and primary lung absecss. Clin Microbiollnfcct. 2004;10(2):163-70.
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9. Allewclt M, Schülcr P, Bõlcskci PL, Maucb H, Lode H, Study
Group on Aspiration Pneumonia. Ampicillin + sulbactam vs clinda-
José da Silva Moreira
José J. Camargo
42
Bruno Hochhegger
Spencer MarcantonioCamargo

redistribui, atuando principalmente sobre as paredes das


Introdução vias brônquicas maiores, não oelufdas, que se dilatam (FI·
Bronquiectasias - dilatações brônquicas permanentes - GURA42.1).
constituem-se em uma afecção bastante encontrada na clí- A perpetuação do processo inflamatório, em parte me·
nica pneumológica, trazendo consigo expressiva morbidez, diado por citocinas' com liberação de produtos derivados
interferindo de maneira significativa na qualidade de vida sobretudo de neutrófilos, somada à reparação e à fibrose,
de seus portadores. Costumam originar-se de episódios de acaba tomando definitivas as dilatações, levando a mani·
bronquiolite obliterante, ocorridos em geral na infância, festações clínicas, como tosse, expectoração purulenta e
durante surto de infecção vira! ou bacteriana que precede hemoptises, refletindo a facilidade de retenção de secreções
a instalação das dilatações. 1'3 Com a obliteração sustentada com infecção secundária e surgimento de exuberante circu·
das pequenas vias aéreas laterais, a pressão inspiratória se !ação nas paredes dos brônquios dilatados.5.6

FIGURA 42.1 ~ Mecanismo inicial, proposto para a formação das bronquiectasias. (A) Via brônquica axial normal com seus ramos laterais perme-
áveis. Forças radiais homogeneamente distribuídas por todo o volume pulmonar. (B) Via brônquica lateral ocluída por processo infeccioso. Forças
radiais se transmitem às paredes da via brõnquica axial permeável, tracionando·a, resultando na dilatação (Q dessa via.
0 ATENÇÃO
QUADRO 42.1 -+ Causas de bronquiectasias

Pós-infecciosas:
A ocorrência de bronquiectasias está, assim, relacio- - Pneumonia por sarampo
nada com o número e a gravidade das infecções na - Traqueobronquite por Bordetella pertussis
infância (sarampo, influenza, adenoviroses, coquelu- - Tuberculose
- Pneumonia por adenovírus
che, primoinfecção tuberculosa, etc.) ou com situa-
- Vírus sincicial respiratório
ções que as propiciem (discinesia ciliar, fibrose cfsti- - Aspergil/us fumigatus
ca, imunodeficiência, aspiração de corpo estranho) - Pneumonia por Mycoplasma
(QUADR042.1). - Pneumonia necrosante bacteriana (Staphy/ococcus, Klebsiel/a,
Pseudomonas)
- Vírus da imunodeficiência humana (HIV)
Uma vez estabelecidas, costumam constituir afecção crô- - Sequela de abscesso pulmonar
nica de expressiva morbidez. Em algumas situações, as di- Congênitas:
latações brõnquicas observadas durante surtos de infecções - Cisto pulmonar congênito
pulmonares agudas mostram-se reversíveis (pseudobron- - Fibrose dstica
quiectasias), com a melhora do quadro infeccioso, o qual - Sindrome de Williams-Campbell
não foi tão grave e prolongado.' - Síndrome de Mounier-Kuhn
A noção de bronquiectasias foi introduzida em 1819 por - Síndrome da unha amarela
Lãennec. Reynaud, em 1835, chamou a atenção para a obli- - Deficiência de alfa,-antitripsina
teração dos pequenos brônquios constituintes da "via late-
lmunodeficiências:
ral" de um brônquio maior, dilatado. Churchill, em 1949 e,
- Hipogamaglobulinemias
logo após, um discípulo seu, Duprez, em 1951, retomaram a - Deficiência de subclasses de lgG
ideia original, desenvolvendo-a em estudos de peças cirúrgi- - Deficiência de lgA
cas.• Os achados anatômicos obtidos por Reid em 1950, ao - lmunodeficiência combinada severa
estudar broncográfica e anatomopatologicamente casos de - Hipogamaglobulinemia variável comum
bronquiectasias, concordavam com a concepção da ocorrên- - Anormalidades na função dos neutrófilos
cia prévia da bronquiolite obliterante, pois verificara uma - Síndrome de Shwachman-Diamond
redução do número de ramificações distais aos brônquios - Doença granulomatosa crônica
ectásicos (FIGURA 42.2). - Síndrome de Chediak-Higashi
- Síndrome de Job
- Deficiência de complemento
- AIDS
Clínica Anormalidades ciliares:
O modelo clínico de apresentação das bronquiectasias é a - Discinesia ciliar primária
presença de manifestações respiratórias (especialmente tos- - Sindrome de Kartagener
se e expectoração purulenta) de longa duração (anos), os - Síndrome de Young

Pós-obstrutivas:
- Obstrução brônquica intrínseca
- Tampão de muco
- Corpo estranho
- Neopla.sia
- Obstruç.lo brônquica extrínseca
- Gânglios linfáticos hipertrofiados
- Sindrome do lobo médio

Outras:
- Asma
- Aspergilose broncopulmonar alérgica
- Síndrome de aspiração crônica
- Refluxo gastresofágico
- Distúrbio da deglutição
- Síndrome de Marfan

FIGURA 42.2 -+ Bronquiectasias (pesa cirúrgica). Observam-se brôn-


quios dilatados com paredes espessadas e presença de secreção em seu
interior.
quais costumam se iniciar na infância ou juventude, manifes- so." Quando as dilataçôes predominam em metades supe-
tando-se com intensidade variáveL9 riores, pode haver sangramento sem evidências de supura-
Podem ocorrer hemoptises, refletindo a exuberante cir- ção (bronquiectasias "secas").
culação brônquica nas paredes das vias aéreas dilatadas. A
presença de estertores úmidos é um achado constante, mes-
mo quando o paciente não apresenta expectoração. Hipo-
cratismo digital é observado em cerca de um quarto a um
Radiologia
terço dos casos. Pneumonias de repetição são comuns. O A radiologia tem papel preponderante no diagnóstico das
comprometimento da função pulmonar não costuma de- bronquiectasias, seja na demonstração da presença delas
monstrar marcada dessaturação arterial, e a ocorrência de seja na determinação de sua extensão e no estabelecimento
insuficiência respiratória não é frequente, com exceção dos do procedimento terapêutico (FIGURA 42.3). Todavia, a ra-
casos em que há lesões pulmonares muito extensas, bilate- diografia simples de tórax, embora possa evidenciar áreas
rais, ou importante comorbidade, como doença pulmonar com brônquios dilatados e paredes espessadas, perda de
obstrutiva crônica (DPOC) .' 0 volume pulmonar, hiperinsuflação compensatória, impacta-
A TABELA 42.1 enumera as manifestações clínicas encon- ção mucoide e formaçôes císticas, raramente fundamenta o
tradas em 170 pacientes internados em um serviço de doen- diagnóstico definitivo da doença, uma vez que traz achados
ças pulmonares da região sul do Brasil. inespecíficos.
As bronquiectasias podem cursar com supuração crôni-
ca, o que ocorre por acúmulo de secreçôes de forma conti-
nuada, principalmente nas metades inferiores dos pulmões.
Elas em geral são infectadas por hemófilo, pneumococo e
anaeróbios, mas também podem ser encontrados S. aureus
e germes gram-negativos aeróbios. Em situaçôes especiais,
como na fibrose cística, Pseudomonas (aeruginosa e cepacia)
e S. aureus são altamente prevalentes?
Hemoptises recorrentes são comuns em pacientes com
bronquiectasias, sobretudo na vigência de surto infeccio-

TABELA 42.1 7 Bronquie<:tasias: achados clínicos em 170


pacientes (Pavilhão Pereira Filho - Porto Alegre)•

lm·•;,,o)(.,
Tosse 170 100,0

Expectoração 163 96,0

Estertores úmidos 112 66,0

Hemoptise 70 41,2

Pneumonias de repetição 67 39,4

Dispneia 55 32,4

Roncos e sibilos 55 32.4

Dor torácica 49 28,8

Hipocratismo digital 48 28,3

Tiragem 12 7,0

Edema de membros inferiores 4,1

Cianose 1,2

' Mulhete<: 106 (62,4%); homens: 64 {37.6%). Idades entre12 e 88 anos. Ante- FIGURA 42.3 7 Broncografia evidenciando bronquiectasias cilíndricas
cedentes registrados na infãncia: pneumonia (52,5%). tuberculose (19,8%), asma
(A) e cisticas (8).
(8,8%).'
1~ ATENÇÃO

A tomografia computadorizada (TC) atualmente


substituiu a broncografia (FIGURA 42.4), tendo se
constitufdo no padrão-ouro de imagem para avalia-
çlio das bronquiectasias."

O diagnóstico por TC das bronquicctasias baseia-se no


reconhecimento de vários achados diretos e/ou indiretos.
Achados diretos incluem dilatação brônquica, perda do afi.
lamento brônquico usual e identificação de vias aéreas peri-
féricas a menos de 1 em da pleura.
Sinais indiretos envolvem espessamento de paredes
brônquicas e irregularidade destas, bem como presença de
impactação mucoide. Sinais associados têm sido descritos e
incluem traqueomegalia, aprisionamento aéreo (como uma


manifestação de doença de pequenas vias aéreas nas tomo-
grafias em expiração) e enfisema.
A TC consegue demonstrar a presença mesmo de pe-
quenas bronquiectasias.'"" Um critério importante para
decidir sobre a presença e o grau das dilatações brônquicas
é compará-las com o diâmetro do ramo da a.rtéria pulmo·
nar adjacente e observar a perda do afilamento brônquico
distai, o que é possível em cortes obtidos pela TC (FIGU RAS
42.5 e 42.6). A utilidade da ressonância magnética (RM) na
avaliação de bronquiectasias ainda precisa ser mais bem de-
01

c
... O·
-
CJ

0'
. ..

terminada. -+
FIGURA 42.5 O lndice bronquioarterial (lBA) é definido como o di._
metro brônquico intraluminal dividido pelo diâmetro da artéria pulmo-
nar adjacente. (A) Demonstração de um paciente com v~ rias dilataç6es
brônquicas com lBA > 1. Note algumas ~reas de aprisionamento aéreo
Classificação associadas ~s ãreas de bronquiectasias. (B) lBA normal para compara··
çáo. (C) Mesmo paciente que em (A), com demonstração do d lculo de
Há diversos modos de se classificar as bronquiectasias. De lBA (02101). O lndice de espessamento brônquico ((0302)/03) e o lndi·
acordo com a apresentação radiológico-patológica, elas são cedo lúmen da luz br6nquica (02103) também podem ser calculados.
classificadas em:

• CiHndricas: dilatações brônquicas grosseiramente uni- pleural. À broncografia, não se vê a via lateral (ocluída)
formes, terminando de modo abrupto junto à superficie dos brônquios maiores, dotados de bainha conjuntivo-
-cartilaginosa, os quais mantêm sua forma cilíndrica com
o diámetro transverso aumentado (FIGURA 42.3A).
• Císticas-saculares: as dilatações aumentam progressi-
vamente em direção à periferia do pulmão ou tendem
à forma esférica (FIGURA 42.38). Elas envolvem três ou
quatro gerações brônquicas mais terminais, destituldas
de bainha conjuntivo-cartilaginosa. Essas pequenas vias,
tendo ocluídas suas vias laterais menores, dilatam-se, as-
sumindo a forma esférica ou sacular junto à superfície
pleural.
• Varicosas: os brônquios dilatados possuem tamanho e
forma irregulares, com constrições em vários locais e, ca-
racteristicamente, apresentam dilatação terminal.

Função pulmonar
FIGURA 42.4 -+ Aspecto da tomografia computadorizada de bron·
quiectasias em lobo superior do pulmão direito. Brônquios dilatados Funcionalmente, as alterações observadas refletem a ex-
com paredes espessadas. tensão das próprias bronquiectasias e das condições asso-
Tratamento

Em razão da continua produção de secreções, frequen-


temente infectadas, tornam-se essenciais o uso de antimi-
crobianos e as manobras fisioterapêuticas, em especial a
FIGURA 42.6 ~ Tomografia computadorizada com imagem axial no drenagem postura!. A utilização da fibrobroncoscopia tem
nível da emergência do brônquio da língula demonstrando a perda do apresentado papel importante tanto no diagnóstico quan-
afilamento brônquico usual, o que é compatfvel com o diagnóstico de to no tratamento dessa afecção. Muitas vezes, a aspiração
bronquiectasias.
---------------- brônquica endoscópica auxilia na retirada de secreções
mais espessas, dif!ceis de serem mobilizadas somente por
fisioterapia, principalmente em crianças. Além disso, a
dadas (em especial bronquite crônica e enfisema pulmo- broncoscopia fornece informações valiosas quanto à estru-
nar). O padrão usual é o de obstrução das vias respiratórias tura e ao aspecto da árvore brônquica e propicia material
com eventual componente restritivo, proporcional ao grau para análise microbiológica. 11
de atelectasia (se presente), e alterações gasométricas se- A seleção dos pacientes para eventual tratamento ci-
cundárias à desuniformidade V/Q. Hipoxemia grave não rúrgico depende de uma avaliação completa que, além do
é comum e hipercapnia é infrequente, mas podem ocor- estado geral do paciente c de exames funcionais e labora-
rer em fases terminais, em geral associadas à hipertensão toriais de rotina, deve dimensionar a extensão das bron-
quiectasias com a máx.ima exatidão, o que atualmente é
arterial pulmonar e ao cor puimoMie, em casos de lesões
15 realizado por TC helicoidal, que substituiu com vantagem
extensas.
a broncografia.
Aqueles pacientes portadores de bronquiectasias loca-
lizadas, unilaterais, significativamente sintomáticos e com
Condições associadas a bronquiedasias boa reserva funcional têm, em princípio, indicação de ci-
rurgia de resseeção. 18 Estes costumam ser pacientes mais
Bronquiectasias podem fazer parte da história natural de
jovens, constituindo-se nos casos ideais para a cirurgia. A
diversas condições, as quais alteraram a estrutura morfo-
análise comparativa entre grupos de pacientes tratados
funcional das vias aéreas, favorecendo a instalação de in- cirúrgica e clinicamente, com doença de extensão seme-
fecções. Dentre elas, podem ser citadas fibrose cística, sin- lhante, demonstrou que a população "cirúrgica" tem ex-
dromc da discinesia ciliar, sindrome de Young, síndrome pectativa de vida maior e de qualidade consideravelmente
de Williams-Campbell, imunodeficiências, traqueobronco- superior," sendo que tal diferença é significativa sobretu -
megalia, sfndrome da unha amarela, aspergilose bronco- do a partir dos 60 anos de idade, quando o declínio imu -
pulmonar alérgica e AIDS (QUADRO 42.1). Ocasionalmente, nológico decorrente do envelhecimento torna as pessoas
têm sido identificadas bronquiectasias em indivíduos por- mais vulneráveis às infecções. Além disso, a mortalidade
tadores de artrite reumatoide ou sindrome de Sjõgren. operatória em casos de bronquiectasias tem se mostrado
20
É fundamental que, na avaliação de pacientes com baixa, situando-se entre Oe 1,0%.
bronquiectasias, fique esclarecido se elas representam Em consequência dessas observações, e em virtude do
uma afecção associada a uma infecção grave ocorrida ge- estimulo proporcionado pelos avanços no tratamento ci-
ralmente na infância ou se fazem parte de uma das entida- rúrgico que permitiram intervenções de baixa morbidade, o
des crõnicas. 16 No último caso, o comprometimento costu- modo de encarar a terapêutica tem se modificado. No pas-
ma ser generalizado na árvore brônquica, e a doença das sado próximo, considerava-se apenas a possibilidade de tra-
vias aéreas é progressiva. Em tais condições, o tratamento tamento cirúrgico naqueles casos de difícil controle clínico
deve ser dirigido também para a condição básica (se isso e com doença restrita a um segmento ou lobo. Também são
for possível), além de para as próprias bronquiectasias e cirúrgicos os casos com sangramento important.e e reserva
infecções de repetição.).' funcional adequada. 10
0 ATENÇÃO
A experiência do serviço com 18 pacientes foi construída
predominantemente em fibrose cistica (16 casos), mostran-
do-se gratificante: houve redução de 75% da necessidade de
Hoje, todo paciente bronquiectásico deve, em prin- internação hospitalar em três anos, além de definida melho-
cipio, ser considerado candidato em potencial para ra na qualidade de vida desses pacientes.
cirurgia, buscando-se em cada caso fatores que pio- A preparação para a cirurgia inclui:
ram o prognóstico ou eventualmente inviabilizam a
indicação da cirurgia," como broncospasmo associa- • Reabilitação nutricional.
do, envolvimento de lobos superiores, comprometi- • Antibioticoterapia múltipla durante três semanas.
mento multissegmentar, sinusopatia grave de diffcil • Fisioterapia intensiva com o paciente internado (quatro
controle e evidências de cor pu/mona/e. sessões diárias).

Alguns cuidados técnicos, intraoperatórios, são conside-


Um segundo avanço significativo, fruto de experiências rados fundamentais, em se tratando de pacientes invariavel-
institucionais bem-sucedidas, foi o tratamento cirúrgico de mente colonizados por germes multirresistentes:
lesões pulmonares bilaterais localizadas! ·22 o que é ilustrado
na FIGURA 42.7. • Entubação seletiva.
No começo da experiência com esta população selecio- • Manipulação cuidadosa do parênquima para evitar trau-
nada, iniciava-se o tratamento pelo lado mais grosseiramen- matismo da pleura víscera!.
te afetado, procedendo-se a ressecção contralateral depois • Uso de suturas mecânicas.
de 4 a 6 semanas. Algumas vezes, a melhora clínica com a • Amputação e sutura brônquica sob clampeamento.
remoção dos segmentos mais comprometidos era tão expres- • Ocupação precoce do espaço pleural pelo(s) lobo(s)
siva que a segunda ressecção era protelada ou considerada remanescente(s).
desnecessária.
Em um segundo momento, encorajados pelo extraor-
dinário benefício da analgesia peridural, ressecções bilate-
rais passaram a ser sequenciais, realizadas no mesmo tem-
po anestésico (FIGURA 42.8). Dessa nova conduta, afloraram 0 ATENÇÃO
duas vantagens: o paciente passava por uma recuperação
Tradicionalmente, o tratamento clfnico fundamenta-
pós-operatória única e, como se podia prever, facilitada pela
-se no uso de antibióticos, conforme o tipo de germe
expressiva redução da quantidade de secreção, visto que to-
dos os focos bronquiectásicos haviam sido removidos.
e sua sensibilidade, e manobras fisioterapêuticas, so-
bretudo drenagem postura!.
O terceiro avanço, ainda mais ambicioso, incluiu o tra-
tamento cirúrgico de pacientes portadores de doenças sistê-
micas (fibrose cística, discinesia ciliar, agamaglobulinemia)
com acúmulos localizados da doença em um determinado Esses pacientes devem usar antibióticos com frequên-
segmento ou lobo.23 As metas desta estratégia (FIGURA 42.9), cia, pelo menos durante as exacerbações. A preferência é
em uma população portadora de doença difusa e progressiva pelo emprego de antibióticos de amplo espectro por via oral
são melhorar a qualidade de vida, reduzindo a necessidade como amoxicilina e similares, tetraciclinas e cefalosporinas
de fisioterapia e de internações hospitalares tão frequentes de primeira ou segunda geração.3 Eventualmente, outros an-
e, possivelmente, postergar a necessidade de transplante timicrobianos podem se fazer necessários, como quinolonas,
pulmonar. aminoglicosídeos, penicilinas semissintéticas ou vancomici-

FIGURA 42.7 ~ Paciente feminina de 64 anos,


com pneumonias de repetição e escarros hemá-
ticos frequentes, bronquiectasias no lobo médio
e na língula.
FIGURA 42.8 -? Radiografia de tórax póso()pe-
ratória de ressecção sequencial (paciente da
Figura 42.7), com identificação das est rias da
sutura mecânica pós-lobectomia média e lin-
gulectomia e tomografia computadorizada de
tórax normal.

FIGURA 42.9 -? (A) Radiografia de tórax mostrando doença grosseira em lobo médio. (8) Tomografia computadorizada de tórax confirmando a
presença de bronquiectasias concentradas neste lobo, com os demais minimamente comprometidos. (C) Radiografia de tórax pós-operatória de
lobectomia média, mostrando excelente evolução.

na, sobretudo em casos de pacientes portadores de fibrose zível de pacientes volte a sangrar semanas ou meses após
cística. o procedimento.15
O benefício de antibióticos nebulizados em bronquiec-
tasias ainda precisa ser determinado. Alguns estudos têm
demonstrado que a terapia com corticoides inalados está as·
sociada a uma menor infiltração de células Te interleucina-8
~ ATENÇÃO
no interior da mucosa brônquica, principalmente com o uso
Pacientes com quadro grave de bronquiectasias, bi-
de propionato de fluticasona em altas doses. 24 No entanto,
laterais e extensas, com cor pu/mona/e incipiente ou
estudos adicionais ainda são necessários para a avaliação dos
estabelecido, quase sempre infectados por germes
efeitos da terapia inalatória com corticoides sobre os com-
multirresistentes, sáo potenciais candidatos a trans-
ponentes inflamatórios nas bronquiectasias. Vacinaçôes de
plante pulmonar bilateral. 26
rotina, em especial para pneumococo, são recomendadas.
O uso de broncodilatadores, mesmo naqueles pacien-
tes sem evidências de obstrução reversível ao fluxo aéreo,
tem sido recomendado por sua ação benéfica na depuração São critérios para a indicação de transplante em bron-
mucociliar. Mucolíticos podem ser utilizados, especialmen- quiectasias:
te nos portadores de fibrose cística. Os pacientes devem ser
vigiados quanto ao estado nutricional, uma vez que apre- • Volume expiratório forçado no primeiro segundo (VEF,)
sentam um catabolismo aumentado devido às infecçôes de <25%.
repetição. • Cor pulTMnale progressivo.
Nos pacientes com hemoptises de repetição e função • Hipercapnia.
pulmonar significativamente comprometida, bá a alter- • Quadro clínico em declínio, hipoxemia, internaçôes mais
nativa da embolização de artérias brônquicas, método de frequentes e prolongadas.
baixa morbidade e de apreciável rendimento no controle • Perda de peso.
imediato do sangramento, embora um número não despre- • Ausência de doença sistêmica associada.
FIGURA 42.10 -+ (A) Radiografia de tórax mos-
trando pulmões destruidos por bronquiectasias
em paciente com fibro.se dstica (VEF 1 de 23%).
(B) Pós-operatório tardio (dois anos) do trans·
plante pulmonar bilateral com VEF, de 107% do
previsto.

• Condição ambulatorial preservada. Ainda que não haja na literatura relato de morte por
• Perfil emocional e condições socioeconômicas favorá- lobectomia realizada para este fim, a morbimortalidade do
veis. doador e a necessidade de envolver duas pessoas sadias no
procedimento são as grandes críticas que se fazem a um pro-
Nos adultos, o transplante com doador cadavérico é grama de transplante intervivos.
a única alternativa plausível para um transplante que, por
mot.ivos óbvios, deverá ser sempre bilateral (FIGURA 42.1O). A
expectativa de sobrevida em cinco anos nesta população, em
geral jovem, atualmente é de 60%.
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mônio do crescimento crescem enquanto crescer o receptor. 53.
O grupo que iniciou a experiência com transplante inter-
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não mostraram impacto significativo na sobrevída.l6,l'l Infec- lnununol. 2003;25(3):233-47.
ção tem sido a causa mais frequente de morte (53,4%), se- 11. Gomes Neto A, Medeiros ML de, Gifoni JMM. Bronquicctasia
guida de bronquiolite (12,7%) e falência precooe do enxerto localizada e multissegmentar: pcrítl ~pidcmiológioo e resulta-
(7,9%) nesses pacientes. do do tratamento cirúrgioo em 67 casos. J Pneumol 2001;27(1):1-6.
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Paulode Tarso Roth Dalcin
43
Introdução1' 2 da, de acordo com as diferentes populações. Assim, na Amé-
rica Central e na América do Sul, a mutação F508del com-
A fibrose cística (PC) é uma doença genética cujo padrão de preende apenas 45% das mutações identificadas na FC.5 No
hereditariedade é autossõmico recessivo. A expressão clínica Brasil, a mutação F508del foi identificada em 47% dos casos,
da doença é muito variada. Em geral, apresenta-se como um com variação de 23 a 57% em cinco diferentes estados.•
envolvimento multissistêmico, caracterizado por doença pul- A sobrevida dos pacientes com FC tem aumentado pro-
monar progressiva, disfunção pancreática exócrina, doença gressivamente nos últimos anos. Em uma série histórica
hepática, problemas na motilidade intestinal, infertilidade de 1943 a 1964, os pacientes com fleo meconial fatalmente
masculina (azoospermia obstrutiva) e concentrações eleva- morriam no período neonatal, sendo que apenas 15% so-
das de eletrólitos no suor. breviviam no primeiro ano de vida; já os pacientes sem íleo
meconial tinham uma mediana de sobrevida de apenas nove
meses, sendo que apenas 20% sobreviviam até o quarto ano
de vida. Em 1985, a mediana de sobrevida já atingia 27 anos
Epidemiologia nos Estados Unidos. A partir de 2002, diversos países relata-
A FC é a doença genética mais comum que afeta indivíduos ram medianas de sobrevida próximas de 37 anos_s
brancos. A incidência varia de acordo com grupos étnicos: 1 Atualmente, há mais de 30.000 indivíduos com FC nos
para cada 2.500 a 1 para cada 3.200 nascidos vivos em bran- Estados Unidos e são estimados cerca de 100.000 indivíduos
cos, 1 para cada 15.000 em afro-americanos e 1 para cada com a doença no mundo.'
31.000 em asiáticos.3 Com a crescente sobrevi da, o número de adultos com FC
No Brasil, a incidência estimada para a Região Sul é pró- tem aumentado progressivamente. A partir de 2008, cerca
xima à da população branca europeia, isto é, 1 para 2.500 de 50% dos pacientes tinham mais de 18 anos nos países de-
nascidos vivos. Uma hipótese para essa semelhança estaria senvolvidos.
na grande imigração de europeus para essa região. Em ou- O aumento da longevidade na FC resultou em uma
tras regiões do país, estudos que utilizam dados da triagem proporção maior de problemas médicos relacionados com
neonatal mostram que a incidência diminui para cerca de 1 a idade e com a progressão da doença, modificando as ne-
para 9.520 nascidos vivos.' cessidades na assistência da saúde. Exigiu, sobretudo, que
A mutação encontrada com mais frequência é a F508del profissionais de diferentes especialidades na área de saúde
(antes designada M'508), que compreende 66% das muta- do adulto se envolvessem no atendimento desses pacientes.2
ções identificadas globalmente, seguida pela G451X, com Um estudo recente8 mostrou redução, ainda que mo-
2,4%, e pela G551D, com 1,6%. Entretanto, a prevalência desta, na prevalência de nascidos vivos com FC. Isso foi
das mutações identificadas na FC varia de maneira acentua- atribuído à triagem neonatal, que leva ao diagnóstico pre-
coce da doença c motiva os casais sob risco a se submete- mentação de sódio pela via intercelular também para a luz da
rem a subsequentes testes pré-natais. via aérea de modo a manter o cquillbrio necessário de cargas
elétricas na região. A movimentação de cloreto de sódio para
o meio externo arrasta água por gerar forças osmóticas, e essa
Bases moleculares da doença e água se incorpora ao líquido superficial das vias aéreas.'
As mutações da FC fazem com que a CFTR não atinja a
fisiopatologia membrana a picai ou, atingindo-a, tenha uma função reduz.i-
da. Isso resulta em um transporte de cloretos reduzido na su-
A FC é causada por mutações em um gene localizado no
perficie apical das células epiteliais. Além disso, a absorção
braço longo do cromossomo 7. O gene CFTR foi clonado
do sódio a partir das vias aéreas se toma aumentada. Isso
em 1989, e é o responsável pela codificação de uma proteína
porque o funcionamento normal da CFTR inibe a atividade
com 1.480 aminoácidos, denominada proteína reguladora da
dos canais de sódio, enquanto as mutações na CFTR provo-
condutãncia transmembrana da FC (cystic {lbrosis transmem-
brane condutance ~/ator - CFI'R). Essa proteína se consti- cam aumento na absorção de sódio na FC. Assim, o defeito
tui em um canal de cloretos na membrana apical das células básico na FC é uma diminuição na condutãncia do cloreto
epiteliais exócrinas, regulando e participando do transporte através das membranas apicais, acompanhada por um au-
de eletrólitos através das membranas celulares.5·9 mento na captação dos íons sódio.9
Ainda que nem todos os aspectos da patogênese da FC Nas células glandulares e no epitélio das vias aéreas, a
tenham sido elucidados, tem sido aceito que as mutações na disfunção da CFTR resulta em uma diminuição da camada
CFTR causem a doença por interferirem no transporte iôni- do líquido superficial das vias aéreas, aumento da viscosida-
co epitelial. Mais de 1.500 mutações já foram identificadas de das secreções e diminuição da capacidade de remover in-
como capazes de levar à disfunção da proteína CFTR e re- fecções bacterianas. O muco espesso favorece a colonização
sultar em fenótipo de FC. 5·' e a persistência bacteriana nas vias aéreas. 5
A FC apresenta o padrão de herança genética autossô- A lesão pulmonar inicial na FC é uma bronquiolite. A
mica recessiva, sendo necessário que duas mutações estejam oclusão de bronqulolos por impactação de secreção ou este-
presentes para que a doença se manifeste. Portadores de nose cicatricial, associada à progressão do processo inflama-
uma única mutação não apresentam anormalidades fenoti- tório ao longo da parede de vias aéreas maiores, explicam o
picas.' aparecimento de bronquiectasias. A distorção brônquica ori-
As mutações descritas para a FC podem ser agrupadas ginada desse processo irá proporcionar ainda maior obstrução
em cínco classes, de acordo com o tipo de defeito produzido e retenção de secreção, aumentando o processo infeccioso.10
na CFI'R (QUADRO 43.1). As mutações de classe 1, 2 ou 3 es- Decorre dessa cascata de eventos uma predisposição
tão associadas a doença mais grave, pior função pulmonar e única à infecção no trato respiratório no indivíduo com FC,
insuficiência pancreática. As mutações de classe 4 ou 5 estão sendo que patógenos específicos serã.o adquiridos em uma
associadas a doença pulmonar mais leve e suficiência pan- sequêocia dependente da idade.' 0
creática.'
A CFTR é encontrada em glândulas sudoriparas, duetos
pancreáticos, intestino, túbulos seminíferos, vias aéreas, ca-
nalículos hepáticos e muitos outros tecidos.'
Clínica
No epitélio respiratório, a CFI'R transporta cloreto para O QUADRO 43.2 apresenta as principais características feno-
a luz das vias aéreas. A salda do cloreto desencadeia a movi- típicas da FC.

QUADRO 43.1 7 Classes de mutações de acordo com o tipo de defeito produzido na CFTR

RNA instável Nenhuma Na o


Produç~o de proteina truna~da

-----------------------------
Prejufzo no processamento proteico no complexo de Nenhuma Na o
Golgi A CFTR é degradada no citoplasma
------------------------------~
111 ~ulaçao defeituosa Nenhuma Sim

IV
------------------------------
Prejufzo da funçjo causando reduçjo no transporte Sim, mas reduzida Sim
de cloretos

v Reduçlo da sintese de CFTR com função normal Depende do número de CFTR Sim, de~de do número de CFTR
funóonal funcional
QUADRO 43.2 ~ Achados fenotípicos consistentes com diagnóstico de fibrose cística

1. Doença sinusopulmonar crônica manifestada por:


- Colonizaçãofonfecção persistente com patógenos típicos de FC, incluindo Staphylococcus aureus, Haemophilus influenza não típável,
Pseudomonas aeruginosa mucoide e não mucoide e Burkholderia cepacia.
- Tosse e expectoração crônicas.
- Anormalidades persistentes no exame radiológico de tórax (bronquiectasias, atelectasias, infiltrados e hiperinsuflação).
- Obstrução das vias aéreas com sibilância e alçaponamento aéreo.
- Pólipos nasais, anormalidades radiogrMicas ou tomográficas dos seios paranasais.
- Baqueteamento digital.

2. Anormalidades gastrintestinais e nutricionais, incluindo:


- Intestinal : ileo meconial, síndrome da obstrução intestinal distai e prolapso reta!.
- Pancreática: insuficiência pancreática e pancreatite recorrente.
- Hepática: doença hepática crônica manifestada por evidências clinicas ou histológicas de cirrose biliar focal ou cirrose multilobular.
- Nutricional: prejuízo de desenvolvimento (desnutrição proteicocalórica), hipoproteinemia e edema, complicações secundárias à defidência de
vitaminas lipossolúveis.

3. Sfndromes perdedoras de sal: depleção aguda de sal e alcalose metabólica crônica.

4. Anormalidades urogenitais masculinas resultando em azoospermia obstrutiva (ausência congênita bilateral dos duetos deferentes).

fonte: Adaptado de Rosenstein e Cutting.11

12 cundâria à perda crônica de sal. A alcalose metabólica hipo-


Período neonatal
clorêmica é comum em climas quentes.
O íleo meconial ocorre em 6 a 20% dos neonatos com FC.
A apresentação usual é de obstrução intestinal dentro de 48
horas do nascimento. Vida adulta12
A síndrome do plugue meconial é uma entidade carac- Em 8 a 10% dos pacientes com FC, o diagnóstico da doença
terizada pelo surgimento de sintomas obstrutivos intestinais é feito durante a adolescência ou vida adulta. Muitos desses
após vários dias da passagem do mecônio. A obstrução ocor-
casos apresentam desde a infância história típica de sinto-
re no cólon, sendo causada por um plugue de mecônio.
mas respiratórios ou gastrintestinais de intensidade mais
Pode ocorrer icterícia obstrutiva prolongada, presumi- leve, geralmente associados a algum grau de deficiência de
velmente secundária à obstrução dos duetos biliares extra-
crescimento. Em alguns pacientes, entretanto, os sintomas
-hepáticos pela bile espessa e consequente estase biliar intra-
respiratórios só surgem após a idade de 13 anos. Thsse crô-
-hepática.
nica, expectoração, sibilância, pneumonias recorrentes, sinu-
As manifestações respiratórias podem surgir no primeiro
site crônica e alterações radiológicas no tórax são achados
mês de vida. As manifestações incluem tosse, sibilância, tira-
clinicos usuais.
gem e taquipneia.
Menos frequentemente, pode ocorrer envolvimento do
fígado com doença hepática crônica ou cirrose, do pâncreas
12
lnfância com pancreatite recorrente ou do intestino com intussuscep-
Na infância, os achados que levam ao diagnóstico de FC cos- ção e obstrução intestinal, na ausência de sintomas respira-
tumam ser sintomas respiratórios ou esteatorreia, em geral tórios.
associados a algum grau de retardo no crescimento. A pre- A azoosperrnia obstrutiva está presente em 98% dos pa-
sença de esteatorreia em crianças é altamente sugestiva de cientes masculinos. Na maior parte das vezes, a azoospermia
F C. decorre da ausência ou atresia dos vasos deferentes.
O achado de hipocratismo digital é muito frequente na
FC após a idade de quatro anos. Sua presença em um pa-
ciente com sintomas respiratórios crônicos exige a realização
do teste do suor.
Exames de imagem
O trato respiratório superior costuma ser envolvido com Ainda que as anormalidades radiológicas pulmonares não
secreção anormal das glândulas mucosas, hipertrofia e ede- sejam diagnósticas de FC, algumas alterações podem con-
ma da mucosa. Pólipos nasais ocorrem frequentemente. A tribuir para a suspeita da doença. As manífestaçôes mais
apresentação pode ocorrer na forma de sinusites recorrentes precoces na radiografia de tórax consistem em opacidades
ou crônicas. lineares arredondadas ou maldefinidas, medindo 3 a 5 mm
O aumento na concentração de eletrólitos no suor pode de diâmetro, localizadas 2 a 3 em abaixo da pleura. Também
resultar no gosto salgado da pele, na formação de cristais são observados espessamento de paredes brônquicas e hipe-
de sais na pele ou na alcalose metabólica hipocalêmica se- rinsuflação.
A progressão da doença é ca.r acterizada por aumento do letado em papel filtro ou gaze (Gibson-Cooke) ou em tubo
diâmetro dos brônquios, aumento da espessura da parede microbore (Macroduet). A amostra é, então, analisada para
brônquica, aumento do volume pulmonar e aumento do nú- concentração de cloreto e sódio. O volume de suor mínimo
mero e tamanho das opacidades nodulares periféricas. Sur- aceitável é de 75 mg no procedimento de Gibson-Cooke e de
gem áreas de impactação mucoide e consolidações focais. 15 j1L para o sistema Macroduct.
Passam a ser evidenciadas bronquiectasias disseminadas ou Outros métodos, como a medida de condutividade (me-
predominando nos lobos superiores. Atelectasias lobares ou dida não seletiva de íons) e a medida da osmolaridade, po-
segmentares, em especial no lobo superior direito, são su- dem ser utilizados como teste de triagem. Nesse caso, valo-
gestivas de FC. 13 res alterados ou equívocos devem ser confirmados por um
Em pacientes com FC, a tomografia computadorizada teste quantitativo do suor.
de alta resolução é particularmente útil na identificação do
componente precoce de vias aéreas periféricas, sob a forma
de pequenas opacidades nodulares no centro de lóbulos se-
cundários. Esse padrão de árvore em brotamento correspon-
0 ATENÇÃO
de a bronqulolos ramificados cujas paredes estão espessadas
O teste do suor deve ser sempre Interpretado em
devido ao tecido fibroso e às células inflamatórias e cujas lu-
face do contexto dfnico. O cloreto fornece a melhor
zes estão cheias de secreção. Outra característica de acome-
discriminação diagnóstica. A medida do sódio é útil
timento de pequenas vias aéreas na FC é o padrão de atenu-
para controle de qualidade. Valores muito discor-
ação em mosaico com áreas de hipoatenuação que mantêm
dantes indicam problemas na coleta ou análise. Uma
geralmente uma distribuição lobular.' 3
concentração de cloreto maior do que 60 mmoVL
é consistente com diagnóstico de FC. Os valores de
cloretos entre 40 e 60 mmoVL s.\o considerados li·
Diagnóstico11 mftrofes.
O QUADRO 43.3 apresenta os critérios diagnósticos de FC. A
FC é diagnosticada pela presença de no mínimo um achado
fenotípico, história familiar de FC ou triagem neonatal po- O teste do suor deve ser realizado pelo menos duas vezes
sitiva, acompanhada de evidência laboratorial de disfunção em cada paciente, de preferência com intervalo de semanas
da CFfR (teste do suor positivo ou diferença do potencial entre eles. Thdo teste do suor positivo deve ser repetido ou
nasal positivo), ou pela identificação de duas mutações co- confirmado por análise de mutações. O teste do suor com
nhecidas como causa de FC nos genes da CFfR. valor limítrofe deve ser repetido. Se o resultado continuar
Os critérios diagnósticos para FC são os mesmos tanto indeterminado, testes diagnósticos adicionais deverão ser
para crianças como para adultos. realizados.

11
Teste do suor Análise de mutações
O teste do suor através da iontoforese quantitativa pela pilo- A identificação de mutações conhecidas como causa de FC
carpina é o padrão-áureo para a confirmação do diagnóstico em cada um dos genes da CFfR, frente a um contexto clini-
de FC. Os métodos de coleta são o procedimento de Gibson- co ou história familiar compatível, estabelece o diagnóstico
-Cooke e o sistema de coleta de suor Macroduct. Em ambos, de FC. Entretanto, o achado de uma ou de nenhuma muta-
o suor é estimulado pela iontoforcse pela pilocarpina e co- ção no gene da CFfR não exclui o diagnóstico de FC. Além
disso, já foram relatados pacientes com FC não clássica sem
evidência de mutações nos genes da CFfR. Portanto, a exis-
tência de genótipos complexos, de fatores modificadores e
QUADRO 43.3 7 Critérios diagnósticos de fibrose cística
de mutações atenuadoras exige que o diagnóstico de FC seja
feito com a contribuição dos achados cllnicos.s.9.11

~ 1 achado fenotlplco

ou
Teste do suor positivo
ou
0 ATENÇÃO

A análise de mutações para confirmar o diagnóstico


Triagem neonatal positiva mais DP nasal positiva de FC tem alta especificidade, porém baixa sensibili-
ou ou dade. A baixa sensibilidade decorre da exist~ncia de
um grande número de mutações conhecidas como
História familiar positiva 2 mutações' na CFTR
causa de FC (mais de 1.500) e do fato de que os pai·
FC • fibtose cístla; em • prote4no rogulodor• da condutlncoa transmembtal\0 da néis comerciais disponfveis para essa anAlise só estu·
fibtose cística; DP • doft<tnÇll dt pottneo.>l. dam uma minoria dessas mutaç6es.
•As mut.çõos na CFTR dtvtm se< conhtcodas <0m0 causado<u de FC.
fontt: Adap!Jdo dt RostnstM t Cun11>g."
Poucos centros de referência podem disponibilizar pai- para o diagnóstico, bem como para avaliar a gravidade da
néis com maior número de mutações ou realizar o sequen- doença e para planejar abordagens terapêuticas específicas.
ciamento genético para o diagnóstico dos casos mais atípi- Incluem avaliação da função pancreática, avaliação funcio-
oos.s.9.11 nal pulmonar, avaliação microbiológica do escarro, avalia-
ção dos seios da face e avaliação geniturinária masculina
5 9 11 (azoospermia obstrutiva).
Diferença no potencial nasal ••
As anormalidades do transporte iônico no epitélio respirató-
rio na FC estão associadas a um padrão alterado na diferen-
ça de potencial (DP) nasal Especificamente, três caracterís- Terminologia
ticas distinguem a FC: a) uma DP basal mais elevada; b) uma Os pacientes com diagnóstico de FC podem ser classificados
inibição maior da DP após a perfusão nasal com amilorida;
como portadores de doença típica (clássica) ou de doença
c) pouca ou nenhuma alteração na DP após a perfusão do
atípica (não clássica). 5
epitélio nasal com uma solução livre de cloreto em conjun-
Os pacientes diagnosticados como doença típica apre-
ção com isoproterenol.
sentam uma ou mais características fenotípicas associadas
Uma DP nasal aumentada, em associação com quadro
a uma concentração de cloreto no suor maior do que 60
clínico ou história familiar positiva, fundamenta o diagnós-
mmoVL. Pode haver suficiência ou insuficiência pancreática,
tico de FC. Entretanto, a ausência de aumento na DP nasal
e a evolução da doença pode ser variável. Abrange a maio-
não exclui o diagnóstico de FC, pois um resultado falso-
-negativo pode ocorrer na presença do epitélio inflamado. É ria dos pacientes com FC. Geralmente, pode ser identificada
uma mutação conhecida de FC em cada gene CFTR Pode
recomendado que a DP nasal seja realizada pelo menos duas
tanto ter um curso grave com rápida deterioração ou um
vezes em momentos diferentes. Todavia, essa técnica só está
disponível em centros altamente especializados e exige uma curso mais leve com uma deterioração mais lenta.'·9
padronização rigorosa. Os pacientes portadores de doença não clássica ou de
FC atípica possuem achado fenotípico em pelo menos um
órgão ou sistema, porém o teste de cloreto no suor é normal
Triagem neonatal (menor do que 40 mmoVL) ou limitrofe (40 a 60 mmoVL).
A triagem neonatal é um meio de se diagnosticar precoce- Nesses pacientes, a confirmação diagnóstica requer esforço
mente diversas doenças congênitas que não apresentam sinto- adicional para diagnóstico como pesquisa ampla de muta-
mas no período neonatal, a fim de intervir no seu curso natu- ções ou medida do potencial nasal. Tal definição inclui tanto
ral, impedindo a instalação dos sintomas decorrentes delas." pacientes com envolvimento orgânico único quanto múlti-
No Brasil, as fases com suas respectivas doenças contem- plo. A maioria desses pacientes apresenta suficiência pan-
pladas pelo Programa Nacional de Triagem Neonatal são es- creática exócrina e doença pulmonar leve. Quando as duas
tas: fase I - hipotireoidismo congênito e fenilcetonúria; fase mutações são identificadas, pelo menos uma é classificada
II - hipotireoidismo congênito, fenilcetonúria e hemoglobi- como "leve".59
nopatias; e fase III- hipotireoidismo congênito, fenilcetonú-
4
ria, hemoglobinopatias e FC.

~ATENÇÃO
O teste é realizado após 48 horas de vida (porém sem
ultrapassar 30 dias) por punção do calcanhar do recém-nas-
cido. Para a pesquisa da FC, é feita a leitura quantitativa da
Nos casos de FC atlpica, o teste do suor com valor
tripsina imunorreativa. O ponto de corte utilizado para defi-
normal ou limftrofe não afasta o diagnóstico de FC.
nir o teste positivo tem sido valor maior do que 70 ng/mL Se
Esses casos são frequentemente vistos pelo pneu-
a primeira dosagem for positiva, uma segunda dosagem deve
mologista de adultos e exigem esforço diagnóstico
ser realizada após duas semanas. As crianças cujos testes
adicional.
permanecerem positivos devem ser submetidas ao teste do
suor ou a estudo genético. Uma dificuldade na realização da
tripsina imunorreativa é a falta de consenso quanto ao ponto
de corte do teste para a triagem.•
São argumentos a favor da realização da triagem neona- Tratamento
tal para FC os indiscutíveis ganhos em relação ao diagnósti-
A FC é uma doença complexa que exige uma abordagem
co precoce e as repercussões sobre o estado nutricional, com
suas implicações sobre o aparelho respiratório e cognitivo. holística para o seu tratamento. A utilização do modelo de
Com o advento da triagem neonatal, é possível a confirma- abordagem multidisciplinar para tratar a doença se funda-
ção do diagnóstico no segundo mês de vida.14 menta na observação de que a formação de centros abran-
gentes de cuidados em FC está relacionada com o progressi-
5 11
vo melhor prognóstico dos pacientes.2.s
Exames complementares '9' A despeito do grande avanço sobre o conhecimento da FC, o
Na avaliação diagnóstica inicial, outros exames complemen- tratamento da doença é baseado na terapêutica sintomática
tares são utilizados. Eles contribuem de forma secundária e na correção das disfunções orgânicas. •
A FC é uma doença multissistêmica, mas o envolvimento A aquisição e a persistência de P. aeruginosa no trato
pulmonar é a causa principal de morbidade e mortalidade. respiratório inferior de pacientes com FC estão associadas
Embora o curso da doença pulmonar seja invariavelmente a maior morbidade e mortalidade. I nicialmente, as cepas
de deterioração progressiva, a abordagem terapêutica ade- isoladas têm aparência não mucoide e são multissensíveis
quada pode retardar a progressão da doença pulmonar. 2.S aos antibióticos. Essas cepas de infecção recente podem ser
O regime terapêutico padrão para a doença pulmonar erradicadas por tratamento antibiótico agressivo. No entan-
inclui: a) antibioticoterapia, b) higiene das vias aéreas e to, com o tempo, desenvolvem-se cepas de P. aeruginosa com
exercfcio, c) agentes mucolfticos, d) broncodilatadores, e) fenótipo mucoide que se associam a declínio mais acelerado
agentes anti-inflamatórios, f) suporte nutricional e g) suple- na função pulmonar e maior risco de morte.
mentação de oxigênio.2.S A infecção crônica por P. aeruginosa de fenótipo mucoi-
de costuma ser impossível de erradicar, e a meta do trata-
Antibioticoterapia mento antibiótico passa a ser, então, a supressão do pató·
geno. Assim, frente à identificação inicial de P. aeruginosa,
Os antibióticos são a pedra fundamental do tratamento da
doença pulmonar na FC. Os pacientes com FC devem ser o tratamento precoce e agressivo para tentar a erradicação
avaliados rotineiramente, de preferência a cada quatro me- e prevenir a infecção crônica tem sido recomendado. Entre-
ses, quanto à microbiologia e ao antibiograma do escarro.' 5 •9 tanto, uma área de incerteza no manejo da errad icação pre-
Os antibióticos podem ser utilizados em quatro situações coce de P. aeruginosa é qual o melhor regime terapêutico e a
clínicas específicas na FC: a) no tratamento das exacerba- sua duração. Uma alternativa prática para essa abordagem
ções infecciosas, b) na erradicação ou no tratamento a longo consiste na combinação de ciprofloxacina oral com colistin
prazo para Staphylococcus aureus, c) na erradicação precoce inalatório por um período de três a seis semanas. Naqueles
da infecção por PseudomoiUls aerugilUJsa e d) no tratamento pacientes com recidiva ou naqueles com identificação inicial
supressivo da infecção crônica por P. aeruginosa.U·9 de cepas mucoides, é sugerido um curso mais prolongado
O tratamento intermitente das exacerbações infecciosas de três meses. A utilização da tobramicina inalatória por 28
pode ser feito com antibióticos por via oral ou intravenosa, dias também obteve uma significativa taxa de erradicação. A
dependendo da gravidade do quadro clinico. Para os pacien- erradicação também foi demonstrada com a combinação de
tes com exacerbações mais graves, é preconizado o trata- antibióticos por via intravenosa oom antibióticos inalatórios,
mento com antibióticos intravenosos por 14 a 21 dias, em porém com desvantagens eoonômicas e Iogísticas.'·l·9
geral exigindo hospitalização. Os antibióticos inalatórios têm sido utilizados como for-
A escolha dos antibióticos é baseada na revisão das cul- ma de tratamento supressivo da infecção crônica por P. aeru-
turas de escarro e dos antibiogramas mais recentes. O alvo ginosa, oom evidências de melhora nos desfechos funcionais
do tratamento antibiótico abrange os patógenos especifica- e no curso clinioo. Estudos iniciais utilizaram os aminoglioo-
mente relacionados com a FC, como P. aeruginosa, S. aureus sfdeos, em especial a tobrarnicina, nas doses de 60 a 80 mg,
e Burkholderia cepacia. Como P. aeruginosa é o patógeno nebulizadas duas a três vezes ao dia. O oolistin (polimixina
mais isolado em adultos com FC, em geral se utiliza o tra- E) tem sido largamente utilizado na Europa nas doses de
tamento com fluoroquinolonas para as exacerbações leves, 500.000 a 1.000.000 UI, nebulizado duas vezes ao dia. Uma
enquanto a combinação de um betalactãmico com um arni- prepar ação de tobramicina inalatória livre de feno!, na dose
noglicosídeo está indicada para o tratamento das exacerba- de 300 mg por ampola, administrada duas vezes ao dia, por
ções mais graves.'.s.9
28 dias com intervalo livre de 28 dias, tem sido a forma de
S. aureus costuma ser a primeira bactéria cultivada na tratamento mais estudada por ensaios clínicos. A despeito
secreção respiratória em crianças com FC, permanecendo
desses avanços, ainda faltam evidências para definir qual o
como um importante patógeno no adulto. As abordagens
melhor fárrnaoo para a supressão crônica.15•9
para o tratamento de S. aureus incluem, além do curso anti-
As evidências para o uso oral crônioo de antibióticos em
biótico na exacerbação, um curso curto de antibiótico frente
adultos com FC são muito precárias. Thdavia, tem sido de-
à identificação da cultura de escarro positiva e antibiotico-
terapia prolongada a partir do diagnóstico de FC. Muitos monstrado que o tratamento oral com macrolídeo melhora
centros recomendam a erradicação precoce dessa bactéria, a função pulmonar e diminui a frequência de exacerbações
utilizando curso de antibiótico por duas a quatro semanas, em pacientes oom P. aerugiMsa . Os principais efeitos adver-
mesmo na ausência de sintomas. Embora o sucesso da er- sos demonstrados são náuseas e diarreia. Hepatotoxicidade
radicação seja de 75%, ocorre recidiva da infecção após a e ototoxicidade também têm sido evidenciadas. Os macrolf-
cessação do antibiótico. deos parecem exercer seus efeitos por meio de ação sobre a
A antibioticoterapia contínua com flucloxacilina, inicia- bactéria patogênica (afetando a formação do biofilme de P.
da a partir do diagnóstico de FC, resultou em menores taxas aeruginosa) e sobre o hospedeiro (efeitos imunomodulató-
de cultura de S. aureus, menos tosse e menores taxas de in- rios). O benefício do uso prolongado da azitromicina parece
ternação. E ntretanto, o tratamento antiestafilocócico contí- se estender também aos pacientes sem infecção por P. ae-
nuo resultou em taxas de aquisição deP. aerugi!Ulsa mais ele- ruginosa. Existe uma grande heterogeneidade na resposta à
vadas. No estado atual, existem evidências insuficientes para azitromicina. As doses utilizadas de azitromicina foram 250
definir a utilização da antibioticoterapia profilática para S. a 500 mg ao dia e 250 mg (peso < 40 kg) a 500 mg três vezes
aureus nessas duas situções.'~·9 por semana.'.5.9
Higiene das vias aéreas e exercício dão, alteração da voz e faringite. Na maioria dos casos, esses
As medidas mecânicas para aumentar o clearanct mucociliar sintomas são autolimitados.
têm se constituído em um dos pilares fundamentais no trata- A nebulização de solução salina hipertônica aumenta o
mento da FC. Existe uma variedade de técnicas fisioterápi- transporte ciliar, melhora as propriedades reológicas do es-
cas para a higiene das vias aéreas. As técnicas convencionais carro e melhora a hidratação da superfície das vias aéreas. A
incluem drenagem postural e percussão torácica em posições nebulização com solução salina de 3 a 7% na FC melhora o
anatômicas diferentes, de forma a facilitar - por ação da gra- clearance mucociliar c a função pulmonar em curto período
vidade - a remoção de secreções. A despeito das evidências de tempo. Mais recentemente, um ensaio clfoico estudou
de benefícios com essas técnicas, elas podem acarretar hi- a nebulização de 4 mL de solução salina hipertônica a 7%
poxia, particularmente em pacientes com doenças graves, e durante um perlodo de 48 semanas, mostra.ndo significati-
refluxo gastresofágico. Além disso, essas técnicas exigem as- va melhora funcional pulmonar e redução de 56% nas taxas
sistência para sua realização, oonsumindo tempo e tomando de exacerbação e não se associando a piora na infecção bac-
o paciente dependente de seus cuidadores, resultando em teriana ou na inflamação. Assim, a nebulização de solução
baixa adesão. À medida que o paciente se toma adulto, a salina hipertônica, precedida pela inalação de um bronco-
autonomia passa a ser uma prioridade. dilatador, é uma medida terapêutica barata e segura na FC,
Ma.is recentemente, foram desenvolvidas técnicas fisiote- cujos beneficios terapêuticos parecem ser independentes do
rápicas que permitem a higiene das vias aérea sem assistên- uso da alfa-dornase.
cia. Esses métodos incluem drenagem autogênica, drenagem Embora a N-acetilcistelna, na forma nebulizada, tenha
autogênica modificada, ciclo ativo da respiração, técnica de sido usada na FC para reduzir a viscosidade do escarro, sua
expiração forçada, pressão expiratória positiva aplicada por utilização carece de evidências suficientes. Além disso, esse
máscara, técnicas com dispositivos oscilatórios orais, com- fármaco pode ser irritante para as vias aéreas e causar bron-
pressões torácicas de alta frequência e ventilação percussiva coconstrição. A forma oral da medicação tampouco possui
intrapulmonar. O paciente deve ser orientado na esoolba, na fundamentação para sua utilização.
realização oorreta das manobras e na melhor combinação de
técnicas. A frequência e a duração do tratamento devem ser
individualizadas. Pacientes com sintomas respiratórios míni-
Broncodilatadores,,u
mos podem necessitar apenas uma sessão de fisioterapia por A hiper-reatividade brônquica é muito frequente na FC,
dia, enquanto pacientes com doença pulmonar mais grave ocorrendo em cerca da metade dos pacientes. Assim, os
ou com grande quantidade de secreção podem precisar de broncodilatadores inalatórios têm sido utilizados como par-
três ou mais sessões por dia.•.s.• te do tratamento-padrão da FC. Os agentes mais emprega-
A atividade física aumenta o clearance das vias aéreas dos são os agonistas bet~-adrenérgicos de curta ação. São
e se constitui em um importante adjuvante nas medidas de utilizados geralmente antes da fisioterapia respiratória, para
higiene brônquica. O exercício atenua o declínio da função facilitar o clearance das vias aéreas. A maioria dos pacientes
pulmonar, melhora o desempenho cardiovascular, aumenta apresenta melhora funcional com sua utilização. O empre-
a capacidade funcional e melhora a qualidade de vida. Por go do brometo de ipratrópio como broncodilatador na FC
essas razões, o exercício deve ser recomendado aos pacien- tem dados limitados, porém a maioria dos estudos mostra
tes adultos com FC. Pacientes com doença pulmonar mais um modesto benefício funcional. Assim, todos os pacien-
grave devem ser avaliados quanto à necessidade de receber tes com FC devem ser avaliados quanto à hiper-reatividade
suplementação de oxigênio durante a atividade física.u .• brônquica e um teste terapêutico com medicações broncodi-
latadoras deve ser realizado.
Agentes mucolíticosu,, 1
A viscosidade anormal do escarro na FC é causada pelo áci- Agentes anti·inflamatórios •5·'
do desoxirribonucleico (DNA) extracelular liberado pelos A busca de uma estratégia anti-inflamatória que detenha a
neutrófilos. A preparação de DNase humana recombinante progressão do processo fisiopatológico na FC tem sido alvo
ou alfa-dornase, administrada por via inalatória, diminui a de inúmeras pesquisas. Apesar de todos os esforços, ainda
viscosidade do escarro na FC mediante degradação do DNA não foi identificado um fármaco que seja eficaz e seguro
extracelular em pequenos fragmentos. Foi demonstrado be- para esse fim.
nefício da alfa-dornase em pacientes com mais de 5 anos de A prednisona na dose de 1 a 2 mglkg em dias alternados
idade e com volume expira tório forçado no primeiro segun- parece retardar a progressão da doença pulmonar, mas os
do (VEF,) maior que 40% do previsto, oom redução na taxa benefícios são oootrabalançados pela ocorrência de impor-
de exacerbação da doença pulmonar de 22% e melhora no tantes efeitos adversos, especialmente desenvolvimento de
VEF, de 5,8%. Em pacientes com doença pulmonar mais catarata e prejuízo no crescimento. Faltam evidências para o
grave (VEF, < 40% do previsto), foi observado benefício uso dos corticoides sistêmicos nas exacerbações. Entretanto,
funcional pulmonar, mas não redução nas exacerbações. A os corticoides sistêmicos têm sido utilizados como recurso
dose recomendada da alfa-domase é de 2,5 mg. nebulizada terapêutioo em pacientes com exacerbações graves, sobretu-
uma vez ao dia. Os principais efeitos adversos são rouqui- do na presença de hiper-reatividade brônquica.
Os corticoides inalatórios também têm sido estudados temporária para os pacientes com insuficiência respiratória
na FC com o objetivo de reduzir o processo inflamatório c crônica que aguardam transplante pulmonar.
diminuir a lesão pulmonar. Entretanto, no estado atual, as
evidências são insuficientes para estabelecer se há benefício
com o seu uso.
Abordagem das manifestações extrapulmonares
Doses elevadas de ibuprofeno (20 a 30 mg/kg ao dia) fo- Os pacientes com FC e fenótipo de insuficiência pancreática
ram estudadas em pacientes com FC, evidenciando redução exócrina devem receber suplementação de enzimas pancreá-
na taxa de declínio do VEF,, redução nas hospitalizações ticas nas refeiçôes e nos lanches. A dose inicial de enzimas
e melhora no estado nutricional. Contudo, a incidência de para o adulto é de aproximadamente 500 U de lípase/kg/
insuficiência renal e de hemorragia gastrintestinal duplicou, refeição e metade dessa dose nos lanches. As doses devem
limitando a sua utilização. Thmbém existe a necessidade de ser ajustadas de acordo com as necessidades clínicas até o
monitorar o nível sérico da medicação. Uma revisão de- máximo de 2.500 U de lípase/kg/refeição. Os pacientes com
monstrou a falta de evidências para recomendar o uso do insuficiência pancreática estão predispostos à má absorção
ibuprofeno na rotina clínica. das vitaminas lipossolúveis A, D, E e K. A suplementação
dessas vitaminas é recomendada de rotina.'5
Cerca de 20 a 25% dos pacientes com FC desenvolvem
Suporte nutricional15 doença hepática, mas apenas 6 a 8% deles evoluem para cir-
O estado nutricional desempenha um importante papel no rose. Os testes de função hepática têm baixa sensibilidade
curso clínico da FC. Prejuízos no estado nutricional acarre- e especificidade para o diagnóstico. Um sistema de escore
tam alterações na função pulmonar e interferem na sobre- ultrassonográfico pode contribuir para a identificação da
vida do paciente. A intervenção nutricional deve ser preco- doença hepática crônica em adultos. Há evidências de bene-
ce. Todo paciente deve ser avaliado regularmente, a fim de fício do ácido ursodeoxicólico na doença hepática relaciona-
monitorar o estado nutricional e assegurar uma adequada da com a FC. A dose apropriada é de 20 mglkg/dia em duas
ingestão calórica. A recomendação inclui uma dieta rica em tomadas. O transplante hepático tem sido uma estratégia te-
gordura, com 35 a 40% das calorias a partir dessa fonte. O rapêutica importante para os pacientes com doença hepática
paciente com FC pode necessitar 120 a 150% das necessida- crônica avançada.s.•
des diárias estimadas. Suplementos orais comerciais podem A prevalência de diabetes melito e de intolerância à gli-
ser utilizados em casos selecionados. A meta é manter o ín- cose aumenta com a idade. O estado clínico e a função pul-
dice de massa corporal~ 22 kg!m2 nas mulheres e ~ 23 kg/m 2 monar deterioram-se nos anos precedentes ao diagnóstico
nos homens. Ainda, são componentes importantes da abor- do diabetes, e ocorre piora na sobrevida. O rastreamento
dagem nutricional o tratamento da insuficiência pancreática regular com testes orais de tolerância à glicose permite a in-
exócrina e do diabetes melito relacionado com a FC. tervenção precoce com insulina.5' 9
A prevalência de osteoporose varia de 38 a 77% em pa-
cientes adultos. Os princípios para prevenir a doença óssea
Suplementação de oxigênio consistem em vigilância intensa, principalmente durante a
A doença pulmonar na FC tem caráter progressivo e, nas puberdade, associada a exercício físico e suplementação com
fases mais avançadas, acompanha-se de hipoxemia e hiper- cálcio e vitaminas D e K. Os bifosfonados, por via oral ou
tensão pulmonar. O tratamento da hipoxemia é importante intravenosa, são úteis para tratar doença estabelecida. 5'9
para retardar a progressão da hipertensão pulmonar. Porém, Noventa e cinco por cento dos homens com FC são in-
os dados disponíveis sobre oxigenoterapia na FC são muito férteis. A inferlilidade decorre de anormalidades no trato
limitados. Assim, os critérios utilízados para oxigenoterapia reprodutivo, resultando em azoospermia obstrutiva. A au-
contínua na FC são extrapolados dos estudos com doença sência de esperrnatozoides no espermograma confirma a
pulmonar obstrutiva crônica: pressão arterial de oxigênio infertilidade. Técnicas como aspiração microcirúrgica de
menor do que 55 mmHg na vigflia e em ar ambiente; ou esperma do epidídimo, aspiração percutânea de esperma do
pressão arterial de oxigênio menor do que 59 mmHg na pre- epidídimo e biópsia testicular permitem obter esperrnatozoi-
sença de edema de membros inferiores, policitemia ou evi- des. A técnica de concepção assistida de injeção intracito-
dência eletrocardiográfica ou ecocardiográfica de aumento plasmática do espermatozoide no oócito permite a paterni-
de câmaras direitas ou hipertensão pulmonar. Ainda, uma dade biológica desses pacientes. Porém, é um processo caro,
porcentagem de pacientes com FC apresenta hipoxemia so- disponível somente em grandes centros e com uma taxa de
mente durante o exercício ou durante o sono. sucesso por ciclo de 12 a 45%.5•9
A oxigenoterapia durante o exercício está indicada se a Embora existam relatos sobre a redução na fertilidade
saturação de oxigênio cair abaixo de 88 a 90%. A oxigeno- feminina na FC, essa afirmativa tem sido questionada. A es-
terapia noturna está indicada se a saturação de oxigênio for colha do contraceptivo é difícil e exige que seja individuali-
menor do que 88 a 90% por 10% ou mais do tempo total zada caso a caso. O uso de contracepção oral pode acarretar
de sono. Algumas situações específicas podem exigir pressão piora do diabetes, da má absorção e da disfunção hepática.
positiva contínua nas vias aéreas durante o sono. A ventila- Por outro lado, o uso de antibióticos de largo espectro pode
ção mecânica não invasiva pode ser uma medida de suporte afetar a absorção e a eficácia dos contraceptivos orais. Os
desfechos fetais e matemos da gestação na FC, em geral, são vias aéreas precisa vencer as defesas sistêmicas e locais pul-
favoráveis. O risco da gestação está aumentado na doença monares.
pulmonar avançada (VEF, < 50% do previsto), no diabe- A utilização de vetores virais para essa administração
tes melito e na desnutrição, porém o ponto de corte para a tem maior eficiência de transdução, porém não se tem en-
contraindicação clínica da gestação não está estabelecido.5•9 contrado solução para evitar a resposta imunológica que
surge com as readrninistrações. A utilização de vetores não
virais está associada a uma resposta imunológica bem me-
Transição da equipe pediátrica para a equipe de nos intensa, porém possui uma eficiência menor de trans-
adultos5'9 dução. Além disso, a baixa expressão da CFTR e o curso
O processo de transição dos cuidados de saúde entre eq ui- episódico da doença pulmonar tornam difícil a utilização
pes que lidam com diferentes faixas etárias é uma estratégia dos desfechos convencionais como medida de eficácia da te-
importante a ser desenvolvida em todos os centros de FC. rapêutica gênica. Dessa forma, a terapia gênica não se con-
Além da vantagem da abordagem mais direcionada a pro- verteu ainda em realidade clínica, a despeito de inúmeros
blemas cünicos específicos da idade, o programa de adulto ensaios clínicos. 5' 9
deve priorizar a independência e autonomia do indivíduo.
Embora seja sugerido que a transição ocorra entre os 16 e os
18 anos, deve haver flexibilidade, levando em consideração a
maturidade e o estado clínico do paciente. Em geral, a tran-
[I] ATENÇÃO
sição requer estabilidade clínica da doença.
Uma perspectiva de tratamento consiste na terapêu-
tica com células-tronco. Várias populações celulares
Transplante pulmonar derivadas da medula óssea adulta ou do cordão um-
O transplante pulmonar está relacionado com a perspectiva bilical podem localizar uma variedade de órgãos e
de maior sobrevida e de maior qualidade de vida na doença adquirir caracterfsticas fenotlpicas e funcionais de
pulmonar avançada. Em razão da natureza supurativa da células orgânicas especificas maduras. Isso permitiria
FC, existe a necessidade de pneumonectomia bilateral para corrigir o defeito genético mediante regeneração de
evitar infecção no pulmão enxertado. A técnica mais utili- células epiteliais respiratórias. Entretanto, o conheci-
zada é o transplante pulmonar duplo, por meio de proce- mento das células-tronco pulmonares é muito escas-
dimento cirúrgico sequencial bilateral, com doador cadavé- soe a pesquisa está em fase muito inicial. 5•9
rico. O transplante lobar de doador vivo é uma alternativa,
em especial para os pacientes que não podem aguardar na
lista por um doador cadavérico, e exige pequena estatura do
receptor e proporcionalidade de volume com os órgãos a se- Referências
rem enxertados. I. Ratjcn F, Dõring G. Cystic fibrosis. Lancct. 2003;361(9358):681-9.
Os critérios para referenciar o paciente incluem: VEF,
2. Yankaskas JR, Marshall BC, Sufian B, Simon RH, Rodman O.
< 30% do previsto; hipoxemia grave; hipercapnia; prejuízo
Cystic fibrosis adult carc: conscnsus confcrcncc repor!. Chcst.
funcional crescente ou aumento na duração e frequência
2004;125(1 Suppl):lS-39S.
do tratamento hospitalar para exacerbações; complicações
pulmonares ameaçadoras à vida, como hemoptise; aumen- 3. Strausbaugh SD, Dav:is PB. Cystic fibrosis: a revicw of cpidemio-
to da resistência dos patógenos bacterianos aos antibióti- logy and pathobiology. Clin Chcst Med. 2007;28(2):279-88.
cos. Em função da maior sobrevida dos pacientes com FC, 4. Santos GP, Domingos MT, Winig EO, Riedi CA, Rosario NA.
a utilização do VEF, < 30% do previsto tem sido revista (Nconatal cystic fibrosis scrccning program in thc statc of Para-
como critério de referenciamento para transplante. A taxa ná: cvaluation 30 months aftcr implemcntation]. J Pediatr (Rio J).
de decünio da função pulmonar tem sido sugerida como um 2005;81(3):240-4.
critério mais fidedigno. Um novo modelo para referencia-
S. Hodson M, Geddcs O, Bush A. Cystic fibrosis. 3rd ed. London:
mento e predição de mortalidade tem sido proposto a partir Hoddcr Arnold; 2007.
da pontuação de múltiplas variáveis clínicas e funcionais. A
sobrevida pós-transplante em cinco anos tem sido de 50%. 5•9 6. Raskin S, Pereira-Fcrrari L, Reis FC, Abreu F, Marostiea P, Rozov
T, et ai. lncidenoe of eystie fibrosis in five different states of Brazil as
determined by screening o f p.F508del, mutation at the CITR gene
Avanços e perspectivas in ncwborns and patients. J Cyst Fibros. 2008;7(1}:15-22.
O princípio da terapia gênica envolve a administração de 7. Boyle MP. Adult cystie fibrosis. JAMA. 2007;298(15}:1787-93.
ácido ribonucleico ou ácido desoxirribonucleico para as cé-
lulas epiteliais das vias aéreas, a fim de compensar o defeito 8. MassicJ, Curnow L, Gaffney L, Carlin J, Francis I. Decliningpre-
valcncc of cystic fibrosis sincc the introduction of ncwbom scree-
genético. As dificuldades técnicas incluem a necessidade de
ning. Arch Ois Child. 2010;95(7):531-3.
readministrações contínuas devido ao tumover das células-
-alvo. Além disso, a administração do material gênico nas 9. Bush A. Cystic fibrosis in the 21st ccntury. Base!: Karger; 2006.
10. Gibson RL, Burns JL, Ramsey BW. Pathophysiology and mana- 13. Müller NL, et ai. Radiologic diagnosis of diseases of the chest.
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12. Orenstein DM, Stem R, Rosenstein BJ. Cystic fibrosis: medicai
eare. Philadelphia: Lippineott Williams & Wilkins; 2000.
44
ml Esses múltiplos fatores determinam a conduta terapêutica
mais adequada para cada paciente.
Definição, Epidemiologia, Desde a publicação de sua primeira versão, em 2001,
a diretriz Global lnitiative for Obstructive Lung Disease
Fisio_pato enia e História Natura_!_ (GOLD) preconiza que se destaque a denominação DPOC
Mara Rúbia André Alves de Lima em vez dos termos enfisema pulmonar e bronquite crôni·
ca, que não são nem mencionados na definição da versão
GOLD 2010. 1 Porém, ambos os termos permanecem ainda
presentes, tanto entre os profissionais da saúde quanto entre
os pacientes.
Definição Enfisema pulmonar é uma das alterações patológicas
que podem ocorrer na DPOC e descreve a destruição da
) A~ superficie onde ocorrem as trocas gasosas nos pulmões, ou
seja, nos alvéolos. Bronquite crônica refere-se à presença de
A doença pulmonar obstrutiva crônica (OPOC) é uma tosse e expectoração ao longo de pelo menos três meses, du·
doença caracterizada por limitaçAo cr6nica do fluxo rante dois anos consecutivos.
aéreo, na maioria das vezes progressiva e pardal·
mente reverslvel, estando associada a uma resposta
inflamatória anormal do pulmão à exposição de ga· Epidemiologia
ses e partfculas nocivas, principalmente os contidos
na fumaça do cigarro. É, portanto, uma condição Prevalência
prevenfvel e tratável, embora não exista tratamento Apesar de várias dificuldades metodológicas, uma revisão
curativo. sistemática e metanálise de estudos efetuados em 28 países
entre 1990 e 2000 e outro estudo do Japão (GOLD) suge·
rem que a prevalência da DPOC é maíor em fumantes e ex-
Além da limitação do fluxo aéreo, urna gama de altera- -fumantes do que em não fumantes, acima dos 40 anos e em
ções patológicas do pulmão decorrentes de DPOC somadas bomens.
a repercussões significativas extrapulmonares e comorbida- Na América Latina, em 1991, na cidade de Pelotas (RS),
des, contribuem individualmente para a gravidade dos sin· a prevalência da população com sintomas de bronquite crô-
tomas de dispneia e limitação da capacidade de exercício. nica foi de 12,7%, sendo que 39% da população eram fu·
mantes.2 Em 2002, o Projeto Latino-Americano para Investi- fluenciada por outras comorbidades, como doença musculo-
gação da Doença Pulmonar Obstrutiva (PLATINO)' avaliou esquelética e diabete. Apesar disso, nos Estados Unidos, no
a prevalência e os fatores de risco associados à DPOC em ano de 2000, houve 8 milhões de consultas ambulatoriais, 1,5
cinco grandes cidades: São Paulo (Brasil), Santiago (Chi- milhão de atendimentos nas emergências e 673.000 hospita-
le), Cidade do México (México), Montevidéu (Uruguai) e lizações por DPOC.
Caracas (Venezuela). Essas cidades representaram diferen-
tes áreas geográficas da América Latina, sendo as maiores
áreas metropolitanas de cada um dos países participantes. Mortalidade
Foram investigados, aleatoriamente, indivíduos com mais de Em 2000, houve 2,74 milhões de óbitos no mundo por
40 anos, que responderam a um questionário sobre sintomas DPOC, sendo esta a quarta causa de morte. Em um estu-
e fatores de risco e realizaram espirometria antes e depois do sobre o impacto global da doença, foi considerado que
do uso de broncodilatador. Segundo o estudo PLATIN0,3 a uma epidemia poderia ocorrer devido ao aumento mundial
prevalência da DPOCvariou de 7 a 8% (78/1.000) na Cidade do tabagismo (principalmente na África e na Ásia), à mu-
do México a quase 20% (174/885) em Montevidéu. Em São dança da estrutura etá.r ia da população e ao declínio de ou-
Paulo, a prevalência foi de 15,8%. Foi constatada maior pre- tras causas de morte, como diarreia e doenças relacionadas
valência em homens e também em indivfduos mais idosos, com o vírus da imunodeficiência humana (HIV). A análise
com menor escolaridade, com menor índice de massa corpo- de tendência das seis principais causas de mortalidade nos
ral (IMC) e com maior exposição ao tabaco. Estados Unidos, entre 1970 e 2002, indicou que, enquan-
Os estudos de prevalência da DPOC precisam ser inter- to a mortalidade causada por outras doenças crônicas está
pretados levando-se em consideração que ainda não há con- declinando ou estabilizada, a mortalidade por DPOC está
senso quanto aos critérios mais adequados para o diagnós- aumentando.'
tico de tal doença nesse tipo de pesquisa. Thnto os estudos No Brasil, a DPOC foi a causa de morte que mais cresceu
com base em levantamentos epidemiológicos quanto aqueles no período de 1980 a 1999, sendo que em 1999 foi a quinta
com base em diagnóstico clínico prévio da DPOC apresen- causa de morte entre adultos. Em 2008, no Brasil, houve um
tam diversas fontes de variações. Algumas dessas fontes, se- total de 1.077.007 mortes por todas as causas, sendo 9,74%
gundo a GOLD, são representadas pelos seguintes aspectos: delas por doenças do sistema respiratório. Nesse grupo,
37.930 óbitos foram atribuídos à DPOC, que representou a
• O diagnóstico da DPOC defme-se na presença de obs- 10' principal causa de óbito e a segunda principal causa de
trução irreversível das vias aéreas identificada quando a óbito por doenças do sistema respiratório, perdendo apenas
relação volume expiratório forçado no primeiro segun- para a pneumonia.
do/capacidade vital forçada (VEF.fCVF) < 0,70 ocor-
rer no teste pós-broncodilatador. Porém, esse ponto de
corte fixo desconsidera alterações de volume pulmonar
Impacto social e econômico da doença pulmonar
que ocorrem com a idade. Assim, podem ocorrer diag- obstrutiva crônica
nósticos de DPOC falso-negativos em adultos jovens e Do ponto de vista social, existe uma medida chamada Disa-
falso-positivos em adultos acima dos 50 anos (GOLD). bility Adjusted Life Year (DALY), que soma os anos perdi-
Para corrigir essa distorção, foi sugerido o uso do limi- dos pela mortalidade prematura e aqueles vividos com limi-
te inferior da normalidade (LIN) da relação VEF,/CVF tações, sendo ajustada para a gravidade da limitação causada
pós-broncodilatador. por uma doença. A DPOC, em 1990, era a 12' colocada de
• Amostragens podem não ser representativas da popula- acordo com a DALY no mundo, e poderá ser a quinta, em
ção-alvo. 2020, devido ao tabagismo e ao aumento da faixa etária da
• As taxas de resposta ao broncodilatador são variáveis. população.
• O controle de qualidade da espirometria exige cuidados Do ponto de vista econômico, há custos diretos com
rigorosos. diagnóstico e cuidados médicos e custos indiretos relaciona-
• O uso de valores pré-broncodilatador, em vez de valores dos com faltas ao trabalho, mortes prematuras e gastos com
pós-broncodilatador, pode aumentar o número de casos. cuidadores, sejam profissionais ou membros da faJDJ1ia. Nos
• O esvaziamento inadequado dos pulmões durante as países em desenvolvimento, devido à DPOC e por falta de
manobras de espirometria é comum e aumenta artificial- suporte adequado, duas pessoas deixam de ir ao trabalho,
mente o valor de VEF,!CVF com consequente subdiag- ou seja, o doente e o familiar encarregado de seus cuidados.
nóstico da DPOC.
Fatores de risco
Morbidade Existem associações e interações entre os múltiplos fatores
Os dados de morbidade são menos fidedignos do que os de de risco para a DPOC que incluem, entre outros, fatores
mortalidade, pois dependem da disponibilidade de dados genéticos, exposição a inalantes nocivos aos pulmões (prin-
sobre consultas médicas, atendimentos nas emergências cipalmente fumaça de cigarros), características do desenvol-
e hospitalizações e do acesso que o paciente tenha a esses vimento e crescimento pulmonar, estresse oxidativo, gênero,
cuidados médicos. Além disso, a morbidade também é in- infecções, condições socioeconômicas, nutrição e asma.
Fatores genéticos Gênero
A DPOC é uma doença poligenética e um exemplo de in· As mulheres parecem ser biologicamente mais suscetíveis
teração entre genética e ambiente. A deficiência hereditá- (dose e exposição menores para um maior efeito). Além dis-
ria de alfa,-antitripsina é uma condição recessiva rara que so, tem ocorrido um aumento do tabagismo entre mulheres.
apresenta enfisema panlobular em não fumantes. Um dado
interessante é que familiares não fumantes em primeiro grau
Infecções viraise bacterianas
de pacientes com DPOC têm, com maior frequência, uma
São fatores de risco para o início e também para as exacer-
função pulmonar menor em relação àqueles sem histórico
bações da DPOC. Infecções respiratórias graves na infância,
de DPOC na família.
que podem depender de baixo peso ao nascer ou hiper-reati-
vidade brônquica, relacionam-se com sintomas respiratórios
Exposição a inalantes na idade adulta. A infecção pelo mv acelera o aparecimen-
Os efeitos nocivos da exposição a inalantes são aditivos e es- to da DPOC em fumantes. Pacientes com tuberculose pul·
tão relacionados com cigarro, exposição ocupaciona~ polui- monar prévia têm maior risco de apresentar obstrução ao
ção interna e poluição externa. fluxo aéreo, independentemente do tabagismo, reduzindo-se
O tabagismo contribui com 80 a 90% das causas identifi· o reconhecimento da DPOC em países nos quais a tubercu-
cáveis de DPOC. Um trabalho desenvolvido na Espanha de- lose é frequente.
5
monstrou que 15% dos fumantes apresentarão DPOC. To-
davia, acredha•se que uma porcentagem maior de indiv!duos
possa ter função pulmonar alterada se continuar a fumar.6
Condição socioeconómica desfavorecida
Nem todos os fumantes seguem o clássico curso evolutivo da É fator de risco para DPOC, podendo depender de maior
DPOC do diagrama de Fletcher e Peto, que é na realidade risco de exposição à poluição interna e externa, desnutrição,
uma média de mwtas evoluções individuais diferentes. 7 além do convívio em aglomerados e na pobreza.
CachUnbo, charuto e outros tipos de uso do tabaco, po-
pula.res em muitos países, bem como a exposição passiva à Nutrição
fumaça do cigarro, inclusive durante a gestação, também são Seu papel isolado é duvidoso, mas a desnutrição em animais
fato.res de risco para DPOC. As consequências do tabagismo de experimentos produziu DPOC e a tomografia computa-
são dose-dependentes e proporcionais à idade do início, ao dorizada de tórax em mulheres anoréxicas mostrou altera-
total de cigarros fumados e à condição de fumante ou ex- ções semelhantes às do enfisema. O baixo peso ao nascer é
· fumante, que são preditívos de mortalidade.
fator de risco pa.ra DPOC.
A exposição ocupacional a quimicos irritantes, a vapo-
res e poeiras orgânicas ou inorgânicas representa mais um
fator de risco, sendo que 10 a 20% dos sintomas ou da perda Asma
funcional relacionados com a DPOC podem ser de causas Asma e DPOC podem coexistir, mas a asma poderia ser um
ocupacionais. fator de risco para limitação fiXa do fluxo aéreo, embora essa
A poluição interna está relacionada com a fumaça oriun- hipótese aguarde comprovação. Entretanto, sabe-se que as-
da da queima de biomassa (lenha, excrementos de animais e máticos fumantes apresentam maior risco de DPOC do que
carvão) em ambientes com pouca ventilação. Esses métodos fumantes não asmáticos.
empregados para aquecimento das habitações e utilizados
em fogões para o preparo da alimentação são usados por três
bilhões de pessoas, principalmente por mulheres e crianças.
A poluição externa relaciona-se com a emissão de moto-
Fisiopatogenia
res de carros em centros urbanos. A curto prazo, tem efeito A fisiopatogenia da DPOC parece ter influência genética e
mais prejudicial para cardiopatas. piorar com o estresse oxidativo e o excesso de proteinases
pulmonares, levando às alterações patológicas caracterís-
Fatores que alterem o desenvolvimento e o crescimento ticas da doença. O estresse oxidativo gerado, entre outros
fatores, pela fumaça do cigarro aumenta nas exacerbações
pulmonar da doença, agrava a DPOC, ativa genes da inflamação e es-
São aqueles que atuam durante a gestação, durante o nasci-
timula a exsudação plasmática, reduzindo a ação anti-infla-
mento (baixo peso ao nascer) e durante infecções graves nos
matória dos glicocorticoides. O desequihôrio entre proteases
primeiros anos de vida.
e antiproteases pulmonares leva à destruição irreversível da
elastioa.
Estresse oxidativo A inflamação das vias respiratórias na DPOC repre-
Os pulmões são expostos a oxidantes endógenos provenien- senta um exagero da resposta inflamatória normal diante
tes dos fagócitos e de outras células, assim como oxidantes da exposição do pulmão a irritantes inalados, sendo que o
exógenos oriundos da polwção e dos cigarros. Quando há mecanismo que leva a essa resposta exagerada ainda é pou-
um desequil.íbrio entre os sistemas enzimáticos e não enzi- co entendido. As alterações patológicas envolvem células
máticos, ativam-se mecanismos moleculares inflamatórios. inflamatórias, como neutrófilos, macrófagos e linfócitos. Os
mediadores inflamatórios são de diversos tipos, podendo ser QUADRO 44.1.1 7 Oassificação espirométrica da gravidade da
mediadores quimiotáticos que atraem células inflamatórias DPOC conforme o VEF, pós-broncodilatador segundo a GOLD
da circulação, citocinas pró-inflamatórias que aumentam o 2010
processo inflamatório ou fatores de crescimento que indu-
zem mudanças estruturais. Estádio I VEF,JOIF< Leve limi~ do ftuxo aéreo
As diferenças entre a inflamação da DPOC e a inflama- DPOCieve 70% VEf, • ou > ~do previsto
ção da asma se associam a diversos efeitos fisiopatológicos,
sintomas e resposta ao tratamento. Porém, pode haver uma Estáó10 11 VEf,JOIF< limitaçAo moderada do fluxo aéreo
DPOC 70% 50%SVEF, <~do previsto
mescla da inflamação da DPOC com a inflamação da asma,
mostrando um aumento dos eosinófilos. Além disso, alguns moderada
asmáticos que fumam apresentam achados patológicos ca- Estádio 111 VEFJOIF < limit.Jç~o grave do fluxo aéreo
racterísticos de DPOC. DPOCgrave 70% 30% s VEF, < 50% do previsto

Esládio rJ VEFJOIF < Muito grave limi~o do fluxo aéreo


70% VEF, < 30% do previsto
História natural DPOCmuito
grave
A DPOC é uma doença prevenível, desde que se eliminem
os fatores de risco para o seu desenvolvimento, principal-
mente se for impedida a iniciação ao consumo de cigarros.
O tabagismo é a maior causa de DPOC, e de muitas outras broncodilatador e ao corticoide não é mais recomendada
doenças também. Contudo, não é a única causa e nem todos como de utilidade para o diagnóstico diferencial da DPOC
os fumantes desenvolvem DPOC clinicamente significativa, com asma, nem mesmo para predizer a resposta ao trata-
levando a se considerar que fatores adicionais agem tanto mento com broncodilatadores ou corticoides.
1
como fatores de risco quanto na suscetibilidade individual De acordo com o relatório da GOLD 2010, o estádio O
ao tabagismo. A exposição à fumaça proveniente da queima ou em risco para a DPOC não existe mais nessa classificação
de madeira e de outras biomassas também aumenta o risco porque nem todos os pacientes progridem do estádio zero
deDPOC. para o estádio I, e uma limitação significativa do fluxo aéreo
pode vir desacompanhada de tosse e expeetoração.

• Estádio I - DPOC leve: nesse estádio, encontra-se leve


limitação do fluxo aéreo com VEF1/CVF < 70%, mas
VEF, :?: 80% do previsto e, geralmente, tosse crônica
com produção de expeetoração. Nesse estádio, o indivi-
duo pode não estar ciente de que sua função pulmonar
está anormal.
• Estádio n - DPOC moderada: nesse estádio, ocorre
agravamento da limitação do fluxo aéreo com VEF 1/
CVF < 70%, VEF1 entre 50 e 80% do previsto e em ge-
ral progressão dos sintomas, com falta de ar tipicamente
desenvolvida ao esforço. As exacerbações dos sintomas
têm um impacto sobre a qualidade de vida e o prognós-
tico da doença, e os pacientes procuram cuidados mé-
dicos.
• Estádio lli - DPOC grave: nesse estádio, ocorre grave
De forma simplificada c por motivos principalmente di- limitação do fluxo aéreo com VEF,!CVF < 70% e VEF1
dáticos, a DPOC, que é uma doença complexa por definição, entre 30 e 50% do previsto, aparecendo exacerbações
pode ser classificada em quatro estágios de acordo com as mais frequentes dos sintomas, dispneia grave, capacida-
alterações espirométricas (QUADRO 44.1.1). Porém, os pontos de reduzida para os exercfcios e fadiga.
de corte dessa classificação ainda aguardam validação clínica. • Estádio IV - DPOC muito grave: nesse estádio, aparece
A relação VEF1/CVF pós-broncodilatador é útil para o grave limitação do fluxo aéreo com VEF,ICVF < 70%,
diagnóstico, ao passo que o valor percentual do VEF 1, iso- com VEF1 < 30% do previsto. Os pacientes podem ter
ladamente, informa sobre a gravidade. Porém, a intensidade DPOC muito grave (Estádio IV) mesmo se o VEF, for
da dispneia e a redução da capacidade de exercício podem > 30% do previsto, sempre que as complicações a seguir
não acompanhar os estádios da classificação da DPOC ba- estiverem presentes: a) insuficiência respiratória crônica
seada na redução do VEF1• Além de a dispneia na DPOC definida como Pa02 < 60 mmHg com ou sem PaC02 >
ser crônica e progressiva, a tosse e a expectoração podem 50 mmHg respirando ar ambiente ao nível do mar; ou b)
vir muitos anos antes da obstrução ao fluxo aéreo, ou seja, presença de sinais clínicos de insuficiência ventricular di-
enquanto a espirometria permanece normal. A resposta ao reita ou corpu/mono/e (pressão venosa jugular elevada e
edema de membros inferiores). Nesse estádio, a qualida- 7. 'fiupin L, Eamcst G, San Pedro M, Balmes JR, Eisncr MO, Yclin
de de vida está bastante comprometida e as exacerbações E, et ai. The occupational burden o f chronic obstructive pulmonary
podem ser uma ameaça à vida. diseasc. Eur Rcspir J. 2003;22(3}:462-9.
8. Cclli BR, Cote CG, Marin JM, Casanova C, Montes de Oca M,
O impacto da DPOC em um paciente não depende so- Mendez RA, et ai. The body-mass index, airltow obstruction, dysp-
mente da gravidade das anormalidades espirométricas, que nea, and exereise capacity index in chronie obstructive pulmonary
representam apenas um método pragmático, didático e indi- disease. N Engl J Med. 2004;3SO(I0):100S·I2.
cativo geral para a abordagem inicial do paciente. A história
natural se relaciona não somente com a limitação crônica
do fluxo aéreo, mas também com as alterações patológicas
nos pulmões, os efeitos extrapulmonares da DPOC e a pre-
sença de comorbidades. Além da DPOC, pacientes adultos, mJ
fumantes ou ex-fumantes, de meia-idade, com frequência
apresentam outras doenças associadas ao tabagismo ou à
Fisiopatologia da Limitação ao
faixa etária. Os efeitos extrapulmonares da DPOC incluem Exercício
perda de peso, anormalidades nutricionais e disfunção dos
m úsculos esqueléticos. Danilo Cortozi Berton
A DPOC aumenta o risco para carcinoma brônquico,
infarto do miocárdio, angina, osteoporose, infecção respira- A intolerância ao exercício físico, comumente associada à
tória, fratura óssea, depressão, diabete, alterações do sono, dispneia, é a principal característica clínica da doença pul-
anemia e glaucoma. monar obstrutiva crônica (DPOC). Tal fenômeno é resul-
Além de o prognóstico da DPOC estar relacionado com tante de uma complexa interação de fatores, que incluem
a gravidade da obstrução ao fluxo aéreo, atualmente evidên- aumento da demanda e limitação da capacidade ventilatória
cias valorizam também outros parâmetros, como a mensura- resultando em hiperinsuflação pulmonar dinâmica; supri-
ção da dispneia por meio da escala modificada do Medica! mento energético inadequado aos músculos respiratórios
Research Council (MRC), o IMC e a distância percorrida e locomotores; e disfunção da musculatura esquelética dos
no teste da caminhada dos seis minutos, como preditores membros inferiorcs.'·l
mais fidedignos de mortalidade do que o VEF1•8 Ver índice As controvérsias relativas a qual desses fatores domi-
de BODE no Capítulo ''Diagnóstico Olnico e FUncional". naria a cena da limitação ao exercício na DPOC são, ain-
da, exacerbadas pelos efeitos de eventuais comorbidades
presentes individualmente e da comparação inadvertida de
pacientes, visto que diferentes mecanismos fisiopatológicos
Referências poderiam prevalecer em um dado momento da história na-
I. Globallnitiative for Ouonic Obstructive Lung Disease. Cuide- tural da doença.
tines: Global strategy for diagnosis, managemcnt and prevention Se, por um lado, a maior taxa de trabalho sustentável
of Chronic Obstructive Pulmonary Disease: Updatcd 2010. [S.I.):
(potência crítica) em pacientes com DPOC tem sido associa-
GOLD, 2010. Disponível em: <hnp://www.goldcopd.org/uploadsl
da ao desenvolvimento de limitação ventilatória• e hiperin-
userslfllesiGOLDRcpon_Aprilll20ll.pdf>. Acesso em: 16 fcv.
201 I. suflação pulmonar dinâmica/ têm surgido novas evidências
indicando um suprimento energético inadequado da muscu-
2. Menezes AJ.~. Victora CO, Rigano M. Prevalcncc and risk factors latura locomotora como um mecanismo relevante na limita-
for cbronic broncbitis in Pelotas, RS, Brazil: a population-based stu- ção ao exercício de pacientes com doença mais avançada. "7
dy. Thorax. 1994;49(12):1217-21.
Quanto mais avançada a doença, mais esses fatores entra-
3. Menezes AM, Perez-Padilla R, Jardim JR, Muiiio A, Lopez MY, riam em cena de uma forma integrada e complexa.
Valdivia G, et ai. Cbronic obstructive pulmonary disease in fivc La-
tin American cities (t.he PLATINO study): a prevalence study. Lan-
cet. 2005;366(9500): 1875-81.
4. Jcmal A, Ward E, liao Y, Thun M. Trcnds in tbc lcading causes o f
death in the United Statcs, 1970-2002. JAMA. 2005;294(10):1255-9.
5.Sobradillo V. Miravitlles M, Jiméncz CA, Gabriel R, Vicjo JL,
Masa JF, et ai. Epidemiologieal study of chronic obstructive pul-
monary discasc in Spain (LBERPOC): prcvalence of chronic res-
piratory symptoms and airflow limitation. Arcb Bronconcumol.
I 999;35(4):159-66.
6. Becklake MR. Occupational exposures: evidence for a casual as-
sociation with ehronic obstructive pulmonary disease. Am Rev Rcs-
pir Ois. 1989; 140(3 Pt 2):585-91.
Um indivíduo é considerado como tendo limitação ven- Dessa forma, a análise simultânea da curva fluxo-volume
tilatória se, no pico do exercício, é atingida a sua capacidade durante o exercício pode revelar limitações na geração de
ventilatória máxima (normalmente estimada pela manobra fluxo e expansão do volume mesmo na presença de uma re-
da ventilação voluntária máxima- VVM), enquanto outras serva ventilatória aparentemente adequada estimada pela
funções fisiológicas, como a frequência cardíaca, estão abai- relação V emáx!VVM. Ou seja, quando a limitação do fluxo
xo de sua capacidade máxima. expiratório atinge um túvel crítico (FIGURA 44.2.2), o esvazia-
A maneira clássica de se estabelecer a presença de limi- mento pulmonar torna-se incompleto durante a respiração
tação ventilatória é feita pela identificação de diminuição ou corrente e o volume pulmonar não diminui até o seu pon-
ausência de reserva ventilatória, ou seja, uma razão entre a to natural de equilíbrio (i. e., o volume de relaxamento do
ventilação pulmonar de pico {V umáx)/WM estimada, ge- sistema respiratório). Isso resulta no desenvolvimento de
ralmente acima de 0,8, o que indica uma reserva ventilatória hiperinsuflação pulmonar, definida como um aumento anor-
(1- Vemáx!VVM) menor do que 20% (FIGURA 44.2.1). Entre- mal do volume de ar que permanece nos pulmões ao final de
tanto, uma reserva ventilatória ampla não exclui a presença uma expiração espontânea.9
de disfunção ventilatória durante o exercício. A presença de pulmões hiperinsuflados significa que a
capacidade do paciente de aumentar a ventilação quando
necessário, como ocorre durante o exercício, é seriamen-
te restringida. O encurtamento do tempo expiratório, que
ocorre com o aumento da ventilação, resulta em um acrésci-
VE .......................... .~~~ FC mo adicional do volume pulmonar expira tório final {VPEF).
A consequência mecânica mais importante desse fenômeno
é que o indivíduo passa a ventilar em altos volumes pulmo-
...........wM
..../ / nares, nos quais a complacência do sistema toracopulmonar
..·· é menor, ou seja, são necessárias maiores pressões pleurais
para promover uma determinada expansão do volume cor-
rente (VT); logo, há pronunciado aumento do trabalho elás-
tico respiratório, com consequente dispneia (FIGURA 44.2.3).9
Com a progressão da hiperinsuflação pulmonar, há gran-
de dificuldade em aumentar ainda mais o V, e a elevação
da ventilação depende criticamente do aumento da frequên-
cia respiratória. Isso acaba resultando em maior redução do
tempo expiratório, aumentando ainda mais os volumes pul-
FIGURA 44.2.1 -7 Resposta ventilatória e ca rdiovascular em um in- monares operantes e a dispneia. Uma forma prática de se es-
divíduo normal e em um paciente com limitação ventilatória (LV) ao timar a hiperinsuflação pulmonar dinâmica no exercício é a
exercido progressivo. Note a aus~ncia de reserva ventilatória (Res Vent)
mensuração seriada da capacidade inspiratória (CI), já que,
quando o paciente com OPOC interrompe precocemente o exercício (a
ventilaçáo m~xima atinge a WM), embora haja ampla reserva cronotró- com o aumento do VPEF, a CI (capacidade pulmonar total
pica (a frequência cardíaca m~xima não atinge a prevista- Res Crono). - VPEF) será tanto menor quanto maior a hiperinsuflação
VE ; ventilação-minuto; WM = ventilação voluntária máxima; FC ; fre- pulmonar (FIGURA 44.2.4).10
quência cardíaca; V01 = consumo de oxigênio. A CI é quantificada após a realização de uma manobra
inspiratória máxima até a capacidade pulmonar total (CPT),

NORMAL DPOC
6 8 _,... •..•• PtC'Yisto
" -R~u)O
(''······..... '·...._ ..... EJotrdoo
•. 6
·•.
4
'·\
4 ·\.\
....... FIGURA 44.2.2 -7 Comparação da alça fluxo-volume corrente no
-;;;2
::. ~2 ,'.•.
...... repouso (alça menor contínua) e em um nível padronizado de exer-
õt ... cido (alça tracejada) com a máxima alça de repouso em pacientes
~o
'•

êo ê -2
com OPOC e indivíduos saudáveis. A porçáo positiva representa os
fluxos expiratórios, e a negativa, os fluxos inspiratórios. Observe a
-1 li:
u sobreposição entre as alças fluxo-volume corrente e a máxima na
-2 DPOC, ou seja, limitação do fluxo expiratório. Consequentemente,
-4
-3 com o aumento da demanda ventilatória no esforço e a redução
-4 -6 do tempo expiratório, há deslocamento da alça de exercício para
4 3 6 5 4 maiores volumes pulmonares (hiperinsuflação pulmonar dinâmica)
VOLUME (U VOLUME (U
com redução da capacidade inspiratória (CI). CPT =capacidade
Repouso f--- - --7 Repouso pulmonar total; VR = volume residual.
Exercício ~---7 Exerc.ício Fonte: Adaptada de O'Oonnell."
CI CI
Volume Volume
CPT
CPT

VPEF

VPEF VR
l>P
VR
---...1...-------- Pressão Pressão
a
RGURA 44.2.3-+ Curva pressão-volume (P-V) estática do sistema respiratório em indivíduo normal (A) e portador de DPOC (8). As alças menores re-
presentam esta relação no repouso, e as maiores, durante o exerdcio. Observe que indivíduos normais conseguem obter um aumento da capacidade
inspiratória (CO durante o exercício, mantendo a curva na posição central mais inclinada da relação onde variações (6) maiores de volume são obtidas
com variações menores de pressão (maior complacência do sistema respiratório). Na DPOC, em razão da limitação do fluxo expiratório durante o
exercício (ver Figura 44.2.2), ocorre uma redução da Cl (com redução do VRI) e deslocamento da curva para as partes mais superiores e achatadas
da curva P-V. Logo, maiores variações de pressão são necessárias para obter os mesmos níveis de variações de volume (menor complacência), com
aumento do trabalho elástico respiratório. CPT = capacidade pulmonar total; VRI = volume de reserva inspiratório; VPEF = volume pulmonar expi-
ratório final; VR = volume residual.
Fonte: Modificada de O'Donnel e colaboradores'

NORMAL DPOC

~:F } Cl
o

_ ,o
'2 v,
~20
"-
u VPEF
~ 30
~
~ 40

..
!so
E
.i2so cv
~ f--
70 70+-------------~---,
10 20 30 40 50 60 70 80 10 20 30 40 50 60 70 80

Ventilação (l/min) Ventilação (l/min)


RGURA 44.2.4-+ Mudanças nos volumes pulmonares operantes em pacientes com DPOC e indivíduos normais com o aumento da demanda venti-
latória em teste de exercid o incrementai. Na DPOC, devido à limitação do fluxo expiratório (ver Figura 44.2 .2), ocorre um aumento progressivo do
volume pulmonar expiratório final (VPEF) com consequente redução da capacidade inspiratória (CI). Adicionalmente, o volume pulmonar inspiratório
final (VPIF) atinge níveis elevados, muito próximos da capacidade pulmonar total (CPT), causando uma redução importante do volume de reserva
inspiratório (VRI). Logo, há importante aumento do trabalho elástico (ver Figura 44.2 .3) e o paciente apresenta uma limitação significativa para a
expansão do volume corrente (V1).
Fonte: Modificada de O'Donnell e colaboradores.••

solicitada periodicamente pelo examinador durante o teste De fato, em um importante estudo que avaliou os mo-
de exercício. Thl metodologia tem como premissa fisioló- tivos da intolerância ao exercício em pacientes com DPOC
gica a constatação de que a CPT permanece relativamente (n=105), 14% daqueles com uma reserva ventilatória apa-
constante no exercício, mesmo em pacientes com DPOC.12' 14 rentemente dentro da normalidade (VEmáx/VVM < 75 a
Desse modo, pode-se confirmar e graduar a hiperinsu.llação 80%) apresentaram uma limitação ventilatória indicada por
pulmonar na DPOC por meio da queda da CI corresponden- aumento de volumes operantes em valores muito próximos
te à elevação do VPEF no decorrer do exercício. (ver Figura da CPT (volume pulmonar inspiratório fmal > 95% da CPT)
44.2.4). 10,15-17 e queda significativa da CL 10
Assim, a redução da hiperinsuflação em paciente com pós..:arga do ventrículo direito devido a um aumento na
DPOC é um mecanismo..:have na melhora da tolerância resistência vascular pulmonar por lesão vascular direta, va-
ao exercício físico. Diversas intervenções que aumentam a soconslrição hipóxica e/ou eritrocitose. O aprisionamento
capacidade de exercício estão associadas a redução da hi- aéreo e o consequente aumento na pressão atrial direita
perinsuflação pulmonar: terapia broncodilatadora (FIGURA também podem comprometer a função cardíaca durante o
44.2.5), 11 uso de mistur a gasosa de baixa densidade contendo exercício.
79% de gás hélio e 21% de oxigênio (heliox), suplementação A disfunção muscular esquelética periférica pode ser
de oxigênio durante atividade física e programa de reabilita- resultante de emagrecimento com consequente sarcopenia,
ção pulmonar com treinamento físico.' 8 Ressalta-se, ainda, descondicionamento fisico por inatividade, inflamação sistê-
que uma melhora na tolerância ao exercício tem potencial mica, estresse oxidativo, distúrbios na troca gasosa e uso de
de promover efeitos positivos no nível de atividade dos pa- corticoide sistêmico. Uma capacidade aeróbia reduzida dos
cientes, o que, por sua vez, pode levar à melho.r a adicional da músculos periféricos pode afetar a tolerância ao exercício,
capacidade física. principalmente pelo aumento desproporcional da acidosc
Conforme comentado antes, além da lim.i tação ventila- láetica para uma dada carga de exercício. Isso acarreta au -
tória, os pacientes com DPOC apresentam um aumento da mento das necessidades ventilatórias, impondo uma carga
demanda ventilatória. Isso ocorre, principalmente, devido adicional para músculos respiratórios já sobrecarregados.
à ineficiência ventilatória pulmonar resultante de altera-
ções na relação entre ventilação alveolar c perfusão capilar
(VNQc). Assim, as áreas com alta relação VNQc resultam
em aumento da fração respirada desperdiçada no espaço Referências
morto (aumento da relação espaço morto/Volume corren- 1. Alivcrti A, Macldem PT. Point-countcrpoint: thc major limitation
te - VEM/VC), gerando a necessidade de maior ventilação to cxcrcisc performance in COPO is inadcquate cncrgy supply to thc
rcspiratory and locomotor musclcs. J Appl Physiol. 2008;105:74~·51.
para eliminar o C02 produzido no exercício. Hipoxemia e
aumento do gradiente alvéolo-arterial de 0 2 [P(A-a)OJ são 2. Ocbigaré R, Mal tais F. Point-countcrpoint: thc major limitation o
resultantes da perfusão de unidades pobremente ventiladas excrcisc performance in COPO is lowcr limb musclc dysfunction. J
(baixa relação VNQc), porém não ocorrem de forma sis- Appl Physiol. 2008;105(2):751-3.
temática como nas doenças do interstício e da vaseulatura 3. O'Donncll DE, Wcbb KA. Point-counterpoint: thc major limita-
pulmonar." Outros fatores que contribuem para a demanda tino to cxcrcisc performance in COPO is dynamic hypcrinflation. J
ventilatória aumentada na DPOC incluem acidosc láctica Appl Pbysiol. 2008;105(2):753-5.
precoce, alta demanda metabólica, baixo ponto de ajuste do
4. Ncdcr JA, Jones PW, Ncry LE, Whipp BJ. Octcrminants of thc
C0 2 arterial em alguns pacientes e outras fontes de origem
cxercisc cndurance capaeity in paticnts with cbronic obstructive pul-
não metabólica de estimulo ventilatório, como os reflexos monary discasc: the power-duration rclationsbip. Am J Rcspir Crit
vagais toracopulmonares?'' Carc Mcd. 2000;162(2):497-504.
Por fim, a disfunção do sistema eardiovascular e da mus-
culatura esquelética muitas vezes está associada ou é uma S. Pucntc-Macstu L, Oarda de Pedro J, Martlnez-Abad Y, Ru(z de
consequência desses mecanismos recém-descritos, poten- Ona JM, Uorcnte O, C\Jbillo JM. Dyspnea, vcntilatol}' pauern, and
cialmente contribuindo para a intolerância ao exercício na changcs in dynarnic hypcrintlation rclatcd to thc intcnsity of cons-
2 tant work ratc cxcrcisc in COPO. Cbcst. 2005;128(2):651-6.
DPOC. '
O sistema eardiovascular pode estar comprometido de 6. Borghl-Silva A, Oliveira CC, Carrascosa C, Maia J, Bcrton DC,
diversas maneiras, sendo a mais importante o aumento na Quciroga F Jr, et ai. Rcspiratory muscle unloading improvcs leg

Volumes pulmonares Dispneia no exercício


operantes

"'li:~ 140

~ Pt~..f PR

!"'.. 4
120 P6s·IPR
~
v, / FIGURA 44.2.5 ~ Volumes pulmonares operantes e dispneia du·
~
,.
/
rante o exercido em pacientes com OPOC antes (pré-IPR) e depois
l
i!.
100
1<5 /
/
(pós-IPR) da administraçao de brometo de ipratr6pio 500 IJ9 via
nebulizaç3o. Observe a redução nos volumes pulmonares operan-
ll 80 tes e o consequente aumento do volume de reserva inspirat6rio
E
(VRI) no pico do exercício, proporcionando menor restrição mecj-
~ 60 o
nic:a para expans3o do volume corrente (V,).Isso pro~ melhora
da dispneia e aumento do tempo de exercício.
o 2 4 6 8 10 12 o 4 6 8 10 12
Tempo de exerclóo (min)
Fonte: Adaptada de O'Oonnell."
Tempo de exerclóo (min)
muscle oxygenation during exercise in patients with COPO. Thorax.
2008;63:910-5. D
7. Chiappa GR, Borghi-Silva A, Ferreira LF, Carrascosa C, Oliveira Diagnóstico
CC, Maia J, et ai. Kinetics of muscle deoxygcnation are accelcra-
ted at the onset of hcavy intensity exercise in patients with COPO: Luciano Müller Corrêa da Silva
rclationship to central cardiovascular dynamics. J Appl Physiol. Luiz Carlos Corrêa da Silva
2008;104(5): 1341-50.

8. Nedcr JA. The major limitation to exercise performance in COPO


is inadcquatc energy supply to the rcspiratory and locomotor mus-
cles vs. lower lirnb muscle dysfunction vs. dynamic hypcrinflation. Introdução
lnterpretation of exercise intolerance in COPO requires an integra· A doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) continua
tcd, multisystemic approach. J Appl Physiol. 2008;105(2):758-9.
sendo uma doença subdiagnosticada, concorrendo para
9. O'Donnell DE. Hypcrinflation, dyspnea, and cxcrcisc intolcran- isso fatores como longo perlodo inicial de evolução clini-
ce in chronic obstructive pulmonary disease. Proc Am Thorac Soe. camente assintomática; adaptação dos pacientes à limita-
2006;3(2):180-4. ção lenta e progressiva do fluxo aéreo, o que diminui sua
10. O'Donncll DE, ReviU SM, Wcbb KA. Dynamic hypcrinflation percepção da enfermidade nas fases iniciais; presença de
and exercise intolcrancc in chronic obstructive pulmonary disease. comorbidades, o que pode gerar confusão no diagnóstico;
Am J Respir Crit Care Med. 2001;164(5):770-7. frequente não realização, por parte dos médicos, do diag-
nóstico preeoee pelo fato de não terem experiência ou não
11. O'Donnell DE. Asscssment of bronchodilator efficacy in sympto-
matic COPO: is spirometry useful? Cbest. 2000;117(2 Suppi):42S-7S.
avaliarem de forma adequada os pacientes; e negligência
comum, por parte dos pacientes fumantes, para com os cui-
12. Stubbing DG, Pengelly LO, Morse JL, Jones NL. Pulmonary me- dados com a saúde.
chanics during excrcise in subjects with chronic airflow obstruction. Embora a maioria dos fumantes desenvolva algum tipo
J Appl Physiol. 1980;49(3):511-5. de limitação do fluxo aéreo, 1 somente 15 a 20% são detecta-
13. Vogiatzis I, Georgiadou O, Golcmati S, Alivcrti A, Kosmas E, dos como portadores de DPOC em algum momento da vida.
Kastanakis E, et ai. Patterns of dynamic hypcrinflation during exer- Portanto, faz-se necessário um grande avanço na avaHação
cisc and rccovcry in paticnts with scvcrc chronic obstructivc pulmo- dos fumantes, mesmo que não apresentem manifestações
nary disease. Thorax. 2005;60(9):723-9. clínicas ostensivas de DPOC. Para isso, a avaliação funcional
14. Gcorgiadou O, Vogiatzis I, Stratakos G, Koutsoukou A, Gole- pulmonar pode fornecer grande contribuição, por possibili-
mati S, Aliverti A, ct ai. Effccts of rehabilitation on chcst wall vo- tar um diagnóstico mais preciso e em fase evolutiva relati-
lume rcgulation during cxcrcise in COPO paticnts. Eur Rcspir J. vamente precoce em que a doença é silenciosa em termos
2007;29(2):284-91. clínicos.
15. O'Donnell DE, Webb KA Exertional brcathlessness in patieots
with chronic airflow limitation. Thc role of lung hypcrinflation. Am
Rev Rcspir Ois. 1993;148(5):1351-7. Dentre os objetivos da investigação diagnóstica,
16. Yan S, Kaminski O, Sliwinski P. Reliability of inspiratory capacity devem-se incluir respostas para as seguintes
for estimating end-expiratory lung volume changes during exercise
in patients with chronic obstructive pulmonary diseasc. Am J Respir
questões específicas, com vistas à conduta
Crit Care Med. 1997;156(1):55-9. terapêutica:
17. Gelb AF, Gutierrez CA, Wcisman fM, Newsom R, Taylor CF,
-+ Está confirmado o diagnóstico de DPOC?

Zamcl N. Sirnplified dctcction of dynamic hypcrinflation. Cbest.


-+ O tabagismo ainda é problema?
2004;126:1855-60. -+ Qual é a relevância dos componentes bronquftico e
enfisematoso?
18. Casaburi R, Porszasz J. Reductioo ofhypcrinflatioo by pharmaco- -+ Há resposta ao broncodilatador?
logic and othcr interventions. Proc Am Thorac Soe. 2006;3(2):185-9.
-+ Qual é a gravidade?
19. Wasscrman K, Hanscn JE, Sue DY, Stringcr WW, Whipp BJ. -+ Há indicação de o xigenoterapia continua7
Pathophysiology of disordcrs lirniting exercise. In: Wasserman K, -+ Há indicação de reabilitação pulmonar?
Hansen JE, Sue DY, Stringer WW, Whipp BJ. Principies of cxercisc -+ Poderá haver indicação de algum tratamento cirúr-
tcsting and intcrprctation: including pathophysiology and clinicai g ico?
applications. 4th ed. Philadelphia: Lippineott Williams & Wilkins;
2005. p. 111-32.
-+ Existe hipertensão arterial pulmona r?
-+ Que outros problemas clínicos apresenta?
20. O'DonncU DE. Excrcisc limitation and clinicai cxcrcisc tcsting -+ Qual é a repercussão da doença na qualidade de
in chronic obstructive pulmonary discase. lo: Weisman IM, Zeballos vida?
RJ, editors. Clinicai exercise testing. Base!: Karger; 2002. p. 138-58.
21. Nici L, Donner C, Woutcrs E, Zuwallack R, Ambrosino N, Bour·
beau J, et ai. Amcrican Thoracic Socicty/Europcan Rcspiratory So-
ciety statement on pulmonary rehabilitation. Am J Respir Crit Carc
Mcd. 2006;173:1390-413.
deixa de fazer em função dela), tosse (se crônica e acom-
Avaliação clínica panhada por alguma expectoração, se variou em intensi-
Na prática assistencial, pacientes com DPOC podem se dade recentemente), sibilfincia, número de exacerbações
apresentar de três formas: nos últimos dois anos. Câncer de pulmão deve sempre ser
considerado em caso de hemoptise, ou em alteração re-
• Assintomáticos, ou com poucos sintomas, em particular cente do caráter da tosse (qualidade e intensidade).
aqueles que apresentam estilo de vida sedentário. Nesse • Diagnósticos concomitantes: deve-se avaliar sempre a
caso, frequentemente subestimam a intensidade das ma- presença de sintomas de doença coronariana e depres-
nifestações e devem ser interrogados sobre os tipos de são. É de fundamental importância questionar sobre o
atividades que podem levar a algum tipo de limitação. tempo e a qualidade do sono. A presença de síndrome
Muitos atribuem, de forma errônea, a limitação funcio- das apoeias obstrutivas do sono agrava sobremaneira
nal ao avançar da idade. os sintomas da DPOC (overlapping syndrome). Outros
• Sintomáticos crônicos, com tosse, expectoração, sibi- diagnósticos sempre a considerar são osteoporose e des-
lância e dispneia. A dispneia costuma ser o sintoma condicionamento físico (fraqueza muscular). Importante
mais importante e de maior impacto na qualidade de também é o questionamento sobre medicações utilizadas
vida do paciente. Em geral é descrita como de intensi- e o nível de adesão ao tratamento, caso este já tenha sido
dade progressiva aos esforços, aliviando com o repou- previamente instituído. Alergias ou intolerâncias medi-
so. Somente nos casos mais graves ocorre ao repouso. camentosas devem sempre ser consideradas.
O paciente muitas vezes a descreve como uma sensa-
ção de "maior esforço para respirar" . Nos casos mais No exame físico, na maioria das vezes, os achados são
graves, ou agudos, relata sensação de "fome por ar" ou inespecíficos. Sibilância pode ocorrer, mas não é comum
"urgência para respirar". Na presença de escarro, este fora da exacerbação. Achados mais contundentes costu-
costuma ser mucoide e em pequena quantidade. Uma mam estar presentes nos pacientes com doença mais gra-
expectoração crônica, purulenta e em maior quanti- ve: redução bilateral e difusa do murmúrio vesicular, tórax
dade deve alertar para a presença de bronquiectasias. hiperexpandido ("em barril"), respiração frenolabial, uso
Esse dado é importante, pois o fenótipo da DPOC com da musculatura respiratória acessória, retração dos espa-
bronquiectasias constitui uma situação de maior risco ços intercostais, uso dos pontos de ancoragem (fixação dos
de exacerbação e colonização bacteriana. A tosse na membros superiores, em abdução, para melhorar a eficácia
DPOC quase sempre costuma ser acompanhada de da musculatura respiratória). Edema de membros inferiores
alguma quantidade de expectoração. Fora da exacer- e cianose central são característicos nos pacientes com cor
bação, não costuma ser um sintoma dominante. Nesse pulmonale. Hipocratismo digital é incomum e sua presença
caso, outros diagnósticos devem ser considerados (ri- deve alertar para possibilidade de câncer de pulmão, bron-
nossinusite, doença do refluxo gastresofágico, bron- quiectasias ou doença pulmonar intersticial concomitante. A
quiectasias, cãncer de pulmão). determinação do índice de massa corporal (IM C) deve sem-
• Em exacerbação aguda. Em algumas ocasiôes, o primei- pre ser realizada, e achados de possível desnutrição devem
ro contato do paciente com algum tipo de serviço médico ser pesquisados.
é na emergência, na vigência de uma exacerbação, cujas
manifestações principais são tosse, escarro frequente-
mente purulento, dispneia e sibilância. Na exacerbação,
todos esses sintomas devem apresentar-se com maior Avaliação funcional
intensidade do que o habitual. No diagnóstico diferen-
cial da exacerbação aguda, é importante considerar que Espirometria
outros diagnósticos concomitantes são possíveis, como A realização de espirometria, com as medidas do volume ex-
insuficiência cardíaca, tromboembolismo pulmonar e piratório forçado no primeiro segundo (VEF,), da capacida-
pneumonia. A presença concomitante de asma também de vital forçada (CVF) e da relação VEF.fCVF, é fundamen-
é possível, pois uma parcela significativa de pacientes tal para o diagnóstico de DPOC,junto com a história clínica.
com DPOC apresenta história de asma brônquica. A obstrução ou limitação do fluxo aéreo é caracterizada
pelo achado de uma relação VEF.fCVF inferior a 0,7 após
Na anamnese, os seguintes itens devem ser avaliados: o uso de broncodilatador, sendo o VEF, um dos indicadores
mais importantes para estratificar a gravidade da doença,z
• Fatores de risco: história familiar, tabagismo (idade de conforme o QUADRO 44.3.1. Para pacientes acima dos 60 anos,
início, quantidade média diária de cigarros, períodos em recomenda-se utilizar o limite inferior da normalidade para
que tentou ou conseguiu cessar o tabagismo), exposição a relação VEF.fCVF a fim de que não seja superestimado o
ambiental (poeiras inorgânicas como em minas de car- diagnóstico de DPOC nessa faixa etária. 3
vão, produtos de combustão de biomassa em ambientes É muito importante salientar que, em pacientes com
fechados por várias horas do dia como na exposição a DPOC, frequentemente a capacidade vital lenta (CVL) é
fogão à lenha). maior do que a CVR Isso ocorre, em parte, pela maior com-
• Sintomas: dispneia (caráter, intensidade do e.sforço neces- pressão dinâmica das vias aéreas na manobra forçada, o que
sário para desencadear o sintoma, tipos de atividades que provoca deslocamento do ponto de igual pressão na direção
QUADRO 44.3.1 ~ Classificação de gravidade da DPOC

Estádio I leve limitação do fluxo aéreo (VEF jCVF < O, 7 ou < limite Nesse estágio, em geral náo há queix.1 de di.spneia.
(leve) inferior para individuas > 60 anos e VEF 1 ~ 80% do previsto),
acompanhada ou não de tosse e expectoração.

Estádio 11 VEF JCVF reduzida segundo os critérios acima e VEF 1 entre 50 e Nessa fase, os pacientes podem procurar assistência
(moderado) 80% do previsto. Nessa fase, costuma haver queix.1 de dispneia médica por sintomas respiratórios crônicos ou por alguma
aos esforços. ex.1cerbação.

Estádio 111 VEFJCVF reduzida segundo os critérios acima e VEF 1 entre 30 Frequentemente há procura por assistência médica. O
(grave) e 50% do previsto. Nessa fase, costuma haver dispneia mais encaminhamento ao pneumologista é essencial.
intensa, a~pacidade aos esforços bem reduzida e exacerbações
frequentes, com importante prejuizo na qualidade de vida.

Estádio IV Obstrução ao fluxo aéreo muito grave (VEF JCVF reduzida Insuficiência respiratória crônica: PaO, < 60 mmHg (8
(muito grave) segundo os critérios acima e VEF1 < 30% do previsto), ou VEF. kPa), com ou sem Paco, > 50 mmHg (6. 7 kPa) ao nfvel do
<50% do previsto + manifestações de insuficiência respi ratória mar, em ar ambiente.
crônia~. Qualidade de vida pobre.

Obs. OVEF1 é medido após o uso de broncodilatador (p. ex., salbutam ol 400 ~g).
Fonte: Adaptado de Globallnitiatiw for Chronic Obstructive lung Disease. J

das vias aéreas de maior calibre, resultando em menor volume A análise da resposta ao broncodilatador é fundamen-
de ar expirado. Naqueles pacientes com relação VEF,ICVF tal, pois o VEF, utilizado para classificar a gravidade da
limltrofe, o uso da relação VEF,JCVL pode aumentar a sensi- DPOC é o obtido após o seu uso. Em pacientes com DPOC,
bilidade do diagnóstico de limitação do fluxo aéreo. a ausência de resposta imediata ao broncodilatador (10 a 15
O uso do volume expiratório forçado em seis segundos minutos) não tem nenhum valor em predizer a resposta ao
(VEFJ não pode ser mais utilizado como desfecho substitu- tratamento. Um mesmo paciente, em momentos diferentes,
to da CVF. A relação VEF,IVEF6 não apresenta sensibilida- pode apresentar ou não variação significativa do VEF, ao
de adequada para o diagnóstico de obstrução ao fluxo aéreo broncodilatador. Os critérios de resposta ao broncodilatador
em relação à VEFJ CVF.' em pacientes com obstrução ao fluxo aéreo variam conforme
Outra variável útil para mensuração é a capacidade as sociedades médicas.
inspiratória (CI). A Cl, principalmente em pacientes mais O Consenso da American Thoracic SocietyfEuropean
graves, pode estar reduzida por efeito da hiperinsuflação Respiratory Society (ATSIERS) considera resposta ao bron-
pulmonar. Essa redução apresenta correlação com limita- codilatador uma variação :2: 12% e :2: 200 mL do VEF1, ou da
ção ao exercício em pacientes com DPOC (consumo máxi- CVF.7
mo de 0 2 na ergoespirometria e maior dispneia no teste de Já o Consenso Brasileiro sobre Espirometril valoriza
caminhada).' Uma melhora da CI após o uso de broncodi- muito mais a mudança das variáveis em relação aos valores
latador correlaciona-se mais com a redução da dispneia do previstos. Esse modo de avaliar a resposta ao broncodila-
queoVEF1• tador apresenta vantagens (avaliação da resposta indepen-
Casanova e colaboradores6 publicaram um artigo vali- dentemente do grau de obstrução e melhor correção para
dando um novo índice denominado "fração inspiratória", tamanho, idade e sexo do indivíduo). Nesse caso, considera-
defmida como a relação capacidade inspiratóriafcapacidade -se resposta ao broncodilatador uma variação do VEF 1 :2:
pulmonar total (CI!CPT). Esse índice refletiria o grau de 200 mL e > 7% em relação ao previsto em paciente com
hiperinsuflação pulmonar estática (em repouso), a exemplo obstrução ao fluxo aéreo. Se, junto com a resposta ao bron-
do grau de disfunção ventricular esquerda medida pela fra- codilatador, ocorrer normalização do VEF, (> 80% do pre-
ção de ejeção na ecocardiografia. Utilizando como ponto de visto), o diagnóstico de DPOC pode ser questionado. Para
corte para a relação CI/CPT o valor de 25%, constatou-se a CVF, costuma-se utilizar como ponto de corte na resposta
que a mortalidade em pacientes com CIICPT ::; 25% foi de broncodilatadora uma variação <?: 350 mL; para a CVL, uma
71% versus 29% em pacientes com CI/CPT > 25% em um variação <?: 400 mL; e para a Cl, <?: 300 mL. Para a CI, uma
seguimento médio de três anos. Em análise multivariada, a variação absoluta > 15%, ou > 10% em relação ao previsto,
relação CI!CPT foi um fator preditor independente de mor- também pode ser considerada critério de resposta ao bron-
talidade, o que faz desse novo índice uma variável adicional codilatador. Essas variações correlacionaram-se com melhor
9 0
para a avaliação do prognóstico em DPOC. Contudo, a Cl, desempenho ao exercício. ·'
em relação ao VEF" ainda tem duas grandes desvantagens: Na análise da variação da CVF ou da CVL, é importante
menor reprodutibilidade e ausência de tabelas de referência que não haja diferença muito grande entre o tempo expira-
confiáveis e estudos a longo prazo que avaliem a sua evolu- tório pré e pós-broncodilatador (> 10%) e que o aumento
ção em pacientes com DPOC. da CVF ou da CVL pré versus pós seja verificado no mesmo
tempo expirado pré venus pós. Contudo, mesmo esses crité- É importante salientar que pacientes moderadamente
rios podem ser questionados. Um estudo recente de análise obesos também podem apresentar uma DLco alta." No caso
11
da variação individual de variáveis de esforço inspiratório de apresentarem DPOC concomitante, a DLco pode estar
sugere que uma variação absoluta significativa para a CI se- compensatoriamente normal Na DPOC, a redução da DLco
ria de 20%, e não 15%. Seja oomo for, esses são os melhores costuma ocorrer somente após um decHnio mais significativo
critérios dos quais se dispõe até o momento. do VEF,. Se a DLco está muito reduzida em um paciente
Uma oonsideração importante é que resposta ao bron- com DPOC com leve obstrução ao fluxo aéreo, outra causa,
codilatador, isoladamente, não pode ser oonsiderada como além do enfisema, deve ser considerada.
critério para diferenciar DPOC de asma. Em pacientes com DPOC e restrição pulmonar associada,
como quando da concomitância de enfisema e pneumonia in-
tersticial fibrosante, a DLco pode estar muito reduzida, sendo
Volumes pulmonares estáticos essa redução desproporcional em relação a VEF,, CVF c CPT.
A determinação da capacidade pulmonar total (CPT), do Em pacientes jovens com obstrução ao fluxo aéreo e DLco
volume residual (VR) e de outros índices derivados dessas baixa, deficiência de alfa,-antitripsina deve ser considerada.
variáveis não pode ser feita pela espirometria simples. A me- Para fins prognósticos, uma DLco mais baixa ainda
dida do VR é sempre indireta, sendo derivada da capacidade apresenta valor incerto, ao contrário do VEF,. O teste é de
residual funcional (CRF). Várias técnicas são empregadas fundamental importância para avaliação de risco operatório
nesse sentido: pletismografia de corpo inteiro, lavagem de em paciente com DPOC, pois uma DLco :S 40% do previs-
nitrogênio (N2), técnica de di.luição de gases. to (medida diretamente, ou estimada caso haja resscoção
De forma geral, a CRF medida pela pletismografia tem a pulmonar) indica risco muito alto de mortalidade cirúrgica.
vantagem de incluir tanto as áreas ventiladas quanto as não Todo paciente que vai se submeter a uma cirurgia de ressec-
ventiladas, medindo de forma mais acurada, por exemplo, ção pulmonar deve realizar medida da DLco, independente-
áreas de enfisema bolhoso ou áreas de ar aprisionado. Por 15
mente do valor do VEF1•
outro lado, a CRF medida pela pletismografia pode medir
ar de vísceras abdominais que estejam presentes no tórax.
Além disso, em pacientes com obstrução grave ao fluxo aé- Gasometria arterial e oximetria digital não
reo, uma frequência de panting > 1 Hz pode superestimar a invasiva (Sp02)
medida da CRF. Já as técnicas de lavagem de N 2 e diluição O papel da gasometria na avaliação ambulatorial eletiva de
de gases tendem a subestimar a CRF, mas são de execução pacientes com DPOC é bem mais limitado do que qualquer
mais fácil. outro teste funcional. Ela não costuma ser recomendada,
Para fins práticos, pode-se estabelecer como ponto de pois não é isenta de efeitos adversos decorrentes de punção
12
corte para hiperinsuflação grave uma CPT > 133%. Para arterial.
fins de resposta ao broncodilatador, não existe um critério Ao contrário, a oximetria digital não invasiva, pela sim-
defmido para a variação do VR. Empiricamente, admite-se plicidade e rapidez da técnica, deve sempre fazer parte do
que uma redução do VR > 20% seja significativa. Sempre exame físico. A gasometria arterial pode ser indicada para
deve ser lembrado que a relação CIJCPT parece ter impor- pacientes com Sp02 < 95%, em ar ambiente e em repou -
tância prognóstica, conforme discutido antes. so, e em pacientes com obstrução ao fluxo aéreo mais grave
(VEF1 < 50% do previsto). Hipercapnia ocorre com mais
Difusão frequência em pacientes com VEF1 < 1 L.
A capacidade de difusão dos pulmões para o monóxido de
carbono (DLco) é um teste relativamente fácil de realizar e Testes de exercício
que pode ser importante no diagnóstico diferencial da DPOC O teste de caminhada dos 6 minutos é o teste mais bem
Em geral, a técnica mais empregada é a de respiração única. validado e mais prático a ser realizado em pacientes com
No entanto, para pacientes com função pulmonar muito limi- DPOC. É um exame que frequentemente se correlaciona
tada (capacidade vital < 1,5 L) ela toma-se inviável. com o desempenho do paciente em suas atividades diárias.
A DLco é um bom marcador do grau de enfisema em Auxilia, também, como um dos indicadores prognósticos no
pacientes obstrutivos. Uma DLco reduzida tem alta corre- índice de BODE (ver adiante). Além disso, permite detectar
lação com uma densidade média baixa de tecido pulmonar dessaturação sanguínea (da hemoglobina) ao exercício. A
medida pela tomografia computadorizada de tórax de alta ergoespirometria tem valor, sobretudo, na avaliação do risco
resolução. 13 Pacientes fumantes com obstrução ao fluxo aé- operatório. Em pacientes com DLco alterada ( < SO%), pode
reo que apresentam uma DLco totalmente normal muitas ser útil na estratificação do risco operatório.
vezes mostram predomlnio de um componente bronquí-
tico. Uma DLco normal ou aumentada em paciente com
resposta muito importante ao broncodilatador (variação do Outros estudos funcionais
VEF1 > 10% do previsto) geralmente significa asma, e não A polissonografia ou a monitoração noturna por oximetria
DPOC. podem ser indicadas ante a suspeita de slndrome das apoeias
obstrutivas do sono (SAOS), principalmente em pacientes
obesos, ou no caso de policitemia e/ou sinais de cor pu/mo· Pontos-chave
na/e. A função pulmonar (VEF, previsto) não parece ser um O diagnóstico de pacientes com DPOC costuma incluir os se·
fator preditor na triagem de pacientes para a realização de guintes achados:
polissonografia." A determinação das pressões respiratórias
1. Idade > 40 anos.
máximas, inspiratória e expiratória, tem indicação sobretu- • Fumante ou ex· fumante (costumeiramente<! 20 anos·
do nos pacientes com DPOC e disfunção muscular, ou com ·maço), ou com exposição a produtos de combustão
dispneia desproporcional às medidas da função pulmonar. de biomassa em ambientes fechados (pelo menos 1O
hora~dia).
• Sintomas respiratórios crônicos, particularmente tos·
Oíndice de BODE se, expectoração mucoide e dispneia, com períodos
O sistema de classificação da Global Initiative for Obstruc- de exacerbação. A dispneia crônica aos esforços é o
tive Lung Disease (GOLD) baseia-se unicamente no VEF, sintoma mais importante.
para o estadiamento da gravidade e, consequentemente, do • Obstrução ao fluxo aéreo (VEF ,fCVF reduzida, irrever·
prognóstico em pacientes com DPOC. No entanto, o índice sível, ou apenas parcialmente reversível, e progressi·
de BODE (QUADRO 44.3.2) apresenta um melhor valor pre- va).
2. A realização de espirometria com broncodilatador é fun·
ditivo para risco de mortalidade em pacientes com DPOC. damental para o diagnóstico e a estratificação da gravi·
As quatro variáveis incluídas nesse índice são índice de dade.
massa corporal (Body mass index), VEF, (Obstruction), grau 3. Comorbidades devem sempre ser avaliadas. Fatores de
de dispneia (Dyspnea, medida pelo Modified Medicai Rese· risco, sinais e sintomas de doença cardiovascular são de
arch Council - MMRC - dyspnea score) e distância percor- fundamental importAncia, considerando sua prevalência
rida no teste da caminhada dos seis minutos (Exercise). 17 O em pacientes com DPOC.
índice de BODE apresenta melhores correlações com mor· 4. Grau de dispneia (MMRC), IM C, hemograma, radiografia
talidade, qualidade de vida e risco de exacerbação do que de tórax. eletrocardiograma e oximetria digital não inva·
o VEF, ou qualquer outro índice já validado. O maior nú- siva são itens fundamentais na avaliação clínica inicial de
qualquer paciente com suspeita de DPOC (Figura 44.3.1).
mero de pontos possíveis é 10. O quartil mais alto (quarto
5. Outros exames dependem das variáveis avaliadas no
quartil - BODE 7-10) esteve associado a uma mortalidade item 4 e dos dados clinicas (Figura 44.3.1).
de 80% em 52 meses no trabalho de validação original. Para 6. É importante identificar pacientes que apresentam exa-
cada aumento de 1 ponto no escore, existiu um aumento na cerbações frequentes, pois eles representam um subgru·
razão de mortalidade de 1,34 (34%). Indivíduos no quarto pode maior risco.
quartil apresentam um risco quatro vezes maior de sintomas 7. Para pacientes com DPOC moderada, grave ou muito
depressivos e de exacerbações. grave, pela classificação da GOLO, é importante o cálculo
Atualmente, o índice de BODE é um cálculo obrigató· do índice de BODE na avaliação inicial para fins prognós·
rio que deve constar na avaliação inicial de pacientes com ticos.
DPOC por ser um dos poucos preditores fidedignos e de
fácil acesso em qualquer contexto, seja em uma clínica de
atenção primária ou em um centro de referência.

QUADRO 44.3.2 ? Índice de BODE

VEF, (%do previsto) ~65 50·64 36·49 ~35

Distância no teste da caminhada dos seis minutos <! 350 250·349 150·249 S149

Escala de dispneia MRC-modificada· 0·1 4

Índice de massa corporal > 21 ~ 21

•Escala de dispneia MRC·modificada (MMRO:


O. Dispn~a a exerdcios intensos.
1. Dispneia andando rápido no plano ou subindo ladeiras leves.
2. Caminha mais devagar do que pessoas da mesma idade devido.\ dispneia ou preci!a parar para respirar andando normalmente no plano.
3. Precisa parar para respirar após caminhar 90 metros ou alguns minutos no plano.
4. Não sai de casa devido à dispneia.
úptronwtn;o com broncodlla todor

1
VEf,/CVF < 0,7 (ou < fomrte1nfenor s. > 60 anos)

VEf. :z: 80% 5~ s VEf 1 < 80% VEF, < 5~


(lew) (moderado) (grave e muito gra,.)

1
Escala de dispneia MMRC Escala de dispneia MMRC
IMC IMC
Hemograma Hemograma
Radiografia de tórax Radiografia de tórax
Eletrocard•ograma Eletrocardiograma
Oximetria dtgital nio invastva Oximetria digital não invasiva
Gasome tria a rteriol s. SpO, < 95% Gasometria arterial se SpOl < 95%
Dlco (se suspeita de •nf1.sema. ou para risco operatório) Dl.co
Volumes pulmonares (se suspeita de hiperins.,flaçio) Volumes pulmonares
Teste da caminhada dos seis minutos (se MMRC > 1) Teste da caminhada dos seis minutos
Ecocardiograma (se suspeita de cor pu/monak) Ecocardiograma (se suspeita de cor pulrnoMk)
Polissonogralia (so suspeito de SAOS) Polissonografia (se suspeita de SAOS)

FIGURA 44.3.1 ~ Algoritmo para avaliaçjo cllnica e funcional do paciente com OPOC. (Adaptada da referM<:ia 18.)

7. PeUcgrino R, Viegi G, Brusaseo V. Crapo RO, Casaburi R, Coates


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si!lllifocance o f elevated diffusing capacity. O!est. 2004;125(2):446- mal e permanente dos espaços aéreos distais ao bronquíolo
52. terminal acompanhado de destruição das paredes alveolares,
15. Brunelli A, Rcfai MA, Salati M, Sabbatini A, Morgan-Hugbcs sem fibrose óbvia"? A caracterização de um paciente como
NJ, Rocco G. Carbon monoxidc lung diffusion capacity improvcs bronquítico crônico não é baseada apenas em alterações his-
risk stratification in paticnts without airOow limitation: cvidcnce for topatológicas, mas fundamenta-se em critérios clínicos que
systcmatic mcasurcment bcfore lung resection. Eur J Cardiothorac compreendem episódios de tosse persistente c produtiva
Surg. 2006;29:567-70.
cujo tempo de duração perfaz três meses por ano, ao longo
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17. Celli BR, Cote CG, Mario JM, Casanova C, Oca MM de, Men-
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and cxcrcise capacity index in chronic obstructive pulmoJWY disca- ------------------,
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18. Guia de Practica Clínica de Di3811óstico y Thuamiento de la En-
fcrmedad Obstructiva Cronica. SEPAR·AI...AT, 2009. www.separ.es

Em
Avaliaç_
ão Radioló ica
Bruno Hochhegger
Klaus l.lrion O rendimento da avaliação do enfisema pelo estudo ra-
Arthur S. Souza Jr. diológico simples é bastante limitado, não havendo anor-
EdsonMarchiori malidade na radiografia se não existir aprisionamento de ar.
Nesses casos, a principal alteração é a redução da vascula-
tura, perceptível apenas muito tarde na história natural da
doença, além de ser um critério de extrema subjetividade.
Introdução Quando há aprisionamento de ar, os critérios mais segu-
Atualmente, o enfisema pulmonar c a bronquite crônica são ros são descritos no QUADRO 44.4.1.
referidos em conjunto sob o acrônimo DPOC (doença pul- Quando todos os critérios estão presentes, o diagnóstico
monar obstrutiva crônica). Estima-se que a DPOC afete de é de certeza. Dentro do diagnóstico diferencial desses acha·
6 a 15,8% da população com idade superior a 40 anos, gene- dos, o aumento de câmaras direitas do coração, com redução
ralizando-se para a população brasileira os dados obtidos no da vasculatura intrassegmentar, também pode ser identifi-
estudo PLATINO,' em São Paulo. A DPOC é a quinta maior cado em hipertensão arterial pulmonar sem enfisema. Os
causa de internamento no sistema público de saúde do Brasil critérios, apesar de específicos quando positivos, são pouco
em maiores de 40 anos, com 196.698 internações, sendo gas- sensíveis, tendo como exemplo as bolhas, que s6 estarão pre-
tos ao redor de 12 milhões de reais por ano. sentes em um terço dos casos.
A DPOC é uma enfermidade respiratória prcvenível e Em revisões atualizadas, reafirmam-se algumas proposi-
tratável, caracterizada pela presença de obstrução crônica do ções de extrema importãncia:2
fluxo aéreo que não é totalmente reversível. A obstrução do
fluxo aéreo costuma ser progressiva e está associada a uma
• "Se os pulmões são levemente afetados por enfisema, a
resposta inflamatória anormal dos pulmões à inalação de par-
radiografia com frequência é normal."
tículas ou gases tóxicos, causada, sobretudo, pelo tabagismo.
• "Enfisema pode ser diagnosticado pela radiografia quan-
O processo inflamatório crônico pode produzir altera-
do a doença está avançada."
ções nos brônquios (bronquite crônica), nos bronquíolos
• "Somente metade dos pacientes com enfisema de exten-
{bronquiolite obstrutiva) e no parênquima pulmonar (en-
são moderada tem o diagnóstico feito pela radiografia
fisema pulmonar). Essas alterações anatomopatológicas,
causadas sobremaneira pelo tabagismo, encontram-se de tórax."
em proporções variáveis em cada indivíduo afetado pela • "A radiografia de tórax não é considerada uma ferra-
doença, tendo correlação com as manifestações clínicas menta confiável para o diagnóstico ou a quantificação do
apresentadas. Os extremos de tais alterações são o enfise- enfisema."
ma pulmonar (dano predominante no parênquima pulmo-
nar) c a bronquite crônica (dano, principalmente, bronco- Na bronquite crônica, o outro espectro da DPOC, o es-
bronquiolar). pessamento de paredes brônquicas é o único achado signi-
FIGURA 44.4.1 ? Radiografia de tórax em incidên-
cia posteroanterior (A) e perfil (8) demonstrando o
rebaixamento das hemirupulas diafragmAticas (setas
simples) e o aumento do espaço retroesternal (seta de
ponta dupla). Note também o espessamento de feixes
broncovasculares difuso e bilateral, presumivelmente
representando algum grau de bronquite crônica.

QUADRO 44.4.1 ? Critérios para aprisionamento de ar


Tomografia computadorizada de tórax
1. Excesso de ar Diafragma rebaixado, ou retificado, abaixo Na opinião de vários autores, a quantificação de enfisema
nos pulmões do sexto espaço intercostal, anterior, na pela radiologia convencional é falha. Por isso, a tomogra-
inspiração máxima. Aumento do espaço fia computadorizada (TC) adquiriu tamanha importãncia
claro retroesternal (maior do que 3 em). na avaliação por imagem do enfisema pulmonar. Vários
Persistência do aumento do espaço claro estudos têm sido dedicados à detecção, à correlação com
retroesternal na expiração. Redução da a anatomia patológica e à quantificação de enfisema por
mobilidade diafragmAtica (menor do que 3
TC. 2
em) entre inspiração e expô ração profundas.
O deslocamento usual encontra-se entre 3 e Uma das maiores vantagens da TC é a possibilidade de
10cm. classificação anatomopatológica do enfisema pulmonar. A
classificação anatomopatológica atual do enfisema foi pro-
2. Alterações Coração alongado e verticafizado, com o posta por Reid,' fundamentada na sua distribuição em rela-
cardiOYasculares do.\metro transve110, na sua maior extensão, ção ao ácino, e dividida em quatro grandes grupos: centriaci-
onferior a 11,5 em. permanecendo afilado nar (FIGURA 44.4.2), parassepta.l ou periacinar (FIGURA 44.4.3),
mesmo com aumento do ventrículo direóto. panacinar (FIGURA 44.4.4) e irregular.
Aartéria pulmonar pode estar dilatada, com O tipo centriacinar, como o nome sugere, acomete a por-
exagero do abaulamento subaórtico. Os ramos
hilares da artéria pulmonar podem estar ção central do ácino junto aos bronqu!olos respiratórios. Na
alargados. Pode ocorrer mudança de direção TC, identificam-se áreas de hipoatenuação de localização
da perfusáo sanguínea para a.s Areas menos centrolobular.
acometidas. O tipo parasscptal só ocorre naqueles ácinos delimitados
por tecido conjuntivo, sejam septos conjuntivos periféricos,
3. Presença de A presença de bolhas é in ferida pleuras c bainhas de tecido conjuntivo, pcribrônquicas ou
bolhas pela identificação de Area de maior perivaseulares. Tomograficamente, esse tipo de enfisema
radiotransparência, avascular. podendo ou não aparece como áreas de hipoatenuação subpleurais delimita-
estar delimitada linha branca fina.
das às vezes por septos conjuntivos.
O tipo panacinar acomete todo o ácino. Esse enfisema,
na maioria das situações, ocasiona apenas uma redução da
ficativo e sua avaliação por meio da radiografia de tórax é atenuação pulmonar, simplificando a arquitetura pulmonar,
sem que haja identificação da área hipoatcnuante difusa.
muito limitada.
A classificação em enfisema irregular fica reservada aos
casos em que não é possível classificá-lo nos outros três tipos.

[I] ATENÇÃO
Quando o enfisema encontra-se às margens de uma cicatriz
nos pulmões, pode ser denominado enfisema paracicatricial.
A quantificação por escore visual geralmente utiliza es-
Em relação à apresentação radiológica e ao prognós- cala de 1 a 4 ou 5, graduando a doença conforme acometi-
tico, um estudo de sobrevida realizado por Simon e mento de O, 25, 50, 75 ou 100% dos pulmões. A correlação
Medvei' mostrou que 53% dos pacientes com bron- dessa técnica com a anatomia patológica é de r = 0,91 in
quite crônica e enfisema diagnosticáveis na radiogra- virro (com espécimes pulmonares de cadáveres)./n vivo, essa
fia de tórax estavam mortos em cinco anos, e 70% correlação é de r = 0,81. Deve-se considerar, contudo, que
em 10 anos.3 existem limitações naturais quando se utiliza análise subjeti-
a D

D
RGURA 44.4.2 ~ Tomografia computadorizada com re<:onstrução axial (A) e coronal (C). (B) e (O) foi aplicada a técnica de projeção de intensidades
mfnimas. que ressalta as áreas de hipodensidade, como o enfisema neste caso. A predominância em lobo superior e a localização centrolobular são
compatíveis com diagnóstico de enfisema centriacinar.

va paia a quantificação de enfisema, seja por método radio- Como se poderia prever, a compaiação entre os méto-
lógico ou por avaliação macro ou microscópica da anatomia dos de quantificação por escores visuais e aqueles realizados
patológica. automaticamente com computação gráfica demonstrou dife-
rença significativa a favor da automação.
A máscara de densidades apresentada por Müller e
colaboradores5 foi uma das técnicas de maior importância
na avaliação automatizada do enfisema, estando citada em
praticamente todos os demais artigos. Este foi o primeiro
estudo em grande escala cujo objetivo era o diagnóstico do
enfisema utilizando-se a TC com auxílio computadorizado.
A correlação da graduação por máscaras de densidades com
a anatomia patológica chega a r = 0,89.

~ AllNÇÃO

A introdução da TC helicoidal de múltiplas fileiras de


detectores {TCMD) abriu novos horizontes. Com esse
tipo de equipamento, é possfvel realizar uma varre-
RGURA 44.4.3 ~ Note as várias áreas de hipoatenuação de localização dura contfnua, na extensão de todo o tórax, em uma
parasseptal em paciente usuário de maconha. Este tipo de enfisema é única apneia de, aproximadamente, cinco segundos.
classificado como parasseptal.
O resultado dessa varredura é um volume de dados,
e nAo mais uma matriz de dados, como no caso da
TC de alta resoluçlio (TCAR). Hoje, os equipamentos
de TCMD jâ estio bastante difundidos no mercado.
Com eles, o volume de dados referentes aos pulmões
pode ser adquirido em cinco segundos, o que é um
tempo curto. Graças i TCMD, é possfvel aiar recons-
truções tridimensionais dos volumes mensurados. re-
curso tecnológico que vem ganhando cada vez mais
espaço na ,investigaçlio das alterações do tórax.

A densitovolumetria pulmonar é uma técnica de pós-


-processamento em TCMD, na qual o foco de interesse está
nas mensurações de diferentes faixas de densidades do pa-
rênquima pulmonar, separadas (segmentadas) pelas den-
sidades contidas em duas faixas estabelecidas com base (i)
nos estudos de Gevenois e colaboradores,6 (ü) no ftltro de
reconstrução sem reforço de contornos, (ili) na colimação
dos feixes de raios X, e (iv) na densidade própria do ar à
escala Hounsfield. Com base nesses dados, é selecionada a
faixa entre -950 ( -970) UH e -250 UH para as densidades de
pulmões normais, e a faixa das densidades menores que -950
(-970) HU para as zonas anormais.
Essa técnica tomográfica é derivada do exame de quan-
tificação da densidade mineral óssea, a densitometria óssea
O elemento volumetria foi acrescentado para transmitir a
informação de que os resultados são apresentados por ima-
gens tridimensionais com valores em volume (mL). O exame
pode medir volumes pulmonares dentro de qualquer faixa
de densidade. No caso da pesquisa de hiperdistensão ou FIGURA 44.4.4 ~ Paciente com transplante pulmonar i\ direita por enfi·
enfisema, as densidades são separadas em duas: uma repre- sema pulmonar. l'llde ser notada reduçjo difusa da atenuação pulmonar
sentando as porções com densidade pulmonar usual e outra à esquerda neste paciente com defióMcia de alfa,-antitripsina. Essa redu·
çác)'simpl~ da arquitetura pulmonar ~ compatlvel com grau avança-
representando as porções dos pulmões cuja densidade esteja
do de enfisema panaónar.
muito próxima da densidade do ar (os índices de enfiSema,
IE-950, IE-970), como explicado antes (FIGURA 44.4.5).
Com tal recurso, a avaliação por imagem do enfisema
deixa de ser baseada nos achados de uma restrita amostra
dos pulmões, dada por alguns cortes isolados de TCAR
(onde grandes áreas de parênquima pulmonar não são ava-
liadas), pois este exame efetua suas aferições com base nos
dados mensurados em todo o volume de ambos os pulmões.
A identificação e a quantificação do enfisema tornam-se,
desse modo, automatizadas, independentemente da subjeti-
vidade do radiologista. O exame mede todo o volume pul-
monar com densidade anormal e, também, todo o volume de
pulmão com densidade normal.
A densitovolumetria tem sido objeto de estudo por par-
te de outros autores, que demonstraram a aplicabilidade
do método ao compará-lo com os métodos tradicionais de
detecção e quantificação do enfisema (escore visual e análi-
se por histogramas). Essa técnica vem sendo cada vez mais
acreditada pelos pesquisadores de enfisema, tendo como ex-
pressão importante a recomendação da Sociedade Europeia FIGURA 44.4.5 -+ Densitovolumetria pulmonar demonstrando as vá-
de Pneumologia (European Respiratory Society) para o uso rias áreas de enfisema pulmonar centrolobular nos lobos superiores. O
da TC como ferramenta de mensuração nos estudos para volume dessas áreas de enfisema é aferido em mililitros e ane.>cado ao
testes terapêuticos do enfisema.' exame, bem como o volume pulmonar total.
A avaliação do fenótipo de bronquite crônica tem cresci-
do muito atualmente, e a medida da espessura e da densida- m1
de da parede brOnquica vem mostrando boa correlação com Tratamento medicamentoso
os testes funcionais. Tais quantificações automatizadas por
TC são de especial interesse nos ensaios clínicos que testam Danilo Cortozi Berton
novos produtos. Paulo José Zimermann Teixeira
Por ftm, a TC representa um importante avanço na in-
vestigação de pacientes com DPOC, permitindo uma melbor
discriminação entre o predomínio de bronquite ou enfise- Introdução
ma, a identificação das lesões em uma fase ainda precoce
e a quantificação da extensão da doença. Essas técnicas de O tratamento da doença pulmonar obstrutiva crônica
imagem já vêm sendo bastante empregadas na prática clíni- (DPOC) é orientado pela gravidade da condição, levando
ca, e muitas novas possibilidades de aplicação encontram-se em consideração os sintomas do paciente, o grau da limi-
em franca expansão. tação do fluxo aéreo, a frequência e a gravidade das exa-
cerbações, a presença de complicações e comorbidades, a
ocorrência de insuficiência respiratória e o estado geral de
saúde.'
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emphysema. Eur Respir J. 2004;23(5):769-75. • evitar a progressão da doença;
• aliviar os sintomas;
• aumentar a tolerância ao exerc!cio físico;
Leituras recomendadas • prevenir e tratar as exacerbações e as complicações da
Nakano Y, Van Tho N, Yamada H, Osawa M, Nagao T. Rad iological doença; e
approach to asthma and COPO: the role of computed tomograpby. • prevenir ou minimizar os efeitos colaterais provenientes
AUergol lnt. 2009;58(3):323-31. do tratamento.
Nishino M, Washko GR, Hatabu H. Volumctric exp iratory
A medida isolada mais simples e efetiva para diminuir
HRCT of the lung: clinicai applications. Radiol Clin North Am.
2010;48(1 ):177-83. o risco de desenvolvimento da DPOC e reduzir a sua pro-
gressão é a cessação do tabagismo. Além disso, devido ao
Pipavath SN, Schmidt RA, lllkasugi JE, Godwin JO. Chrooic obs-- fato de o tabagismo passivo também causar dano pulmonar,
truetivc pulmonary disease: radiology•patbology correlatioo. J Tbo- a redução da exposição ao tabagismo passivo, sobretudo em
rac lmaging. 2009;24(3):171-80. crianças, deve fazer parte das orientações a serem passadas
Wasbko GR. Diagnostic imaging in COPO. Scmin Respir Crit Care não somente pelos médicos, mas por qualquer profissional
Mcd. 2010;31(3):276-85. da saúde. O questionamento sobre o hábito tabágico deve
ser roúneiramente incorporado na prática clínica, e todo fu- Do mesmo modo, o uso do broncodilatador anticoli-
mante deve receber a oportunidade de tratar essa condição. nérgico tiotrópio de longa ação (24 horas), uma vez ao dia,
resulta em melhora da dispneia, tolerância ao exerclcio, re-
dução de exacerbações e melhora na qualidade de vida com-
0 ATENÇÃO
parado com placebo' 0 e mesmo com ipratrópio. 11
O formotcrol é usado na dose de 12 ,..g a cada 12 horas.
O salmeterol é efetivo na dose de 50 ,..g, também a cada 12
As intervenções farmacológicas disponlveis para
horas. O tiotrópio e o indacaterol são recomendados uma
o tratamento da DPOC incluem a classe dos bron-
vez ao dia nas doses de 5 ,..g e 150 a 300 /-Lg, respectivamente.
codilatadores, anti-inflamatórios esteroides e, mais
O emprego de bet~-agonistas, tanto de curta quanto de
recentemente, inibidores da fosfodiesterase 4 (PD4).
Antibióticos e vacinas também s:io, em situações es- longa duração, promove broncodilatação e alívio dos sinto-
mas, mas efeitos do tratamento continuado com esses fárma-
pecificas, recomendados.
cos demonstraram resultados conflitantes relativos ao declínio
da função pulmonar na DPOC. A longo prazo, o uso dessas
medicações não parece alterar a história natural da doença.'w
Os broncodilatadores são medicações essenciais para o A combinação de fármacos com diferentes mecanismos
tratamento sintomático do portador de DPOC. Devem ser de ação pode aumentar o grau de broncodilatação para efei-
empregados preferencialmente por via inalatória, pois assim tos colaterais equivalentes ou de menor intensidade. Uma
apresentam eficácia igual ou superior e menos efeitos cola- melhora significativa no VEF1 de cerca de 25% foi observada
terais. Conforme o mecanismo de ação, os principais bron- nos pacientes que usaram a combinação de beta2-agonista de
codilatadores inalatórios utilizados na prática cllnica podem curta ação e ipratrópio inalados em comparação com cada
ser classificados em betaz-agonistas ou anticolinérgicos. São um desses fármacos utilizados isoladamente.u Além disso,
subdivididos como de curta ação (4 a 8 horas de duração), não houve aumento significativo nos eventos adversos. De
usados quando necessário, como uma medicação de resga- modo similar, a combinação de broncodilatadores de longa
te para aliviar sintomas intermitentes ou que se agravam, e ação de diferentes classes farmacológicas (formoterol + tio-
de longa ação (12 a 24 horas de duração). usados de forma trópio) resultou em maior nível de broncodilatação, redução
regular, para prevenir ou reduzir os sintomas persistentes. da dispneia e maior tolerância ao exercício."
A escolha entre be~-agooistas, anticolinérgicos e uma Como broncodilatadores de segunda linha, as metilxan-
terapia de combinação baseia-se no resultado de ensaios clí- tinas por via oral (aminofilina, teofilina, bamifilina} têm sido
nicos randomizados, bem como em aspectos práticos e adap- usadas durante décadas no manejo da DPOC. Existe uma
tados à realidade de cada população, como a disponibilidade evidência limitada a partir de um pequeno ensaio clínico con-
dos medicamentos e a resposta individual de cada paciente trolado, randomizado, de um efeito broncodilatador das teo-
em termos de alívio dos sintomas e efeitos colaterais. filinas nos indivíduos com DPOC. Os eventos adversos da te-
Em pacientes com sintomas leves intermitentes, é ra- ofilina são comuns c incluem náusea, diarreia, dor de cabeça,
zoável iniciar a terapia com broncodilatador de curta ação irritabilidade, convu lsões e arritmias cardíacas. Esses eventos
da classe dos bet~-agonistas (salbutamol ou fenoterol} ou adversos ocorrem com concentrações sangufneas variáveis,
anticolinérgicos (ipratrópio) via inalador dosimetrado ou inclusive dentro dos níveis terapêuticos. A dose das xantinas
nebulizador em uma estratégia "se necessário" para alívio deve ser individualmente ajustada, de acordo com hábito ta-
dos sintomas. bágico, presença de infecções c t.ratamentos concomitantes.
Em indivíduos com sintomas persistentes, está indicado A teofilina é efetiva na DPOC, mas, devido à sua toxicidade
o uso de broncodilatadores de longa ação de forma conti- potencial e à interação medicamentosa (p. ex., com quinolo-
nuada. Os bet~-agonistas de longa ação (formoterol e sal- nas, cimetidina e propranolol}, os broncodilatadores inalados
meterol, cerca de 12 horas de duração), além da melhor são preferíveis quando disponíveis. A aminofilina é utilizada
conveniência posológica, promovem broncodilatação mais na dose de 200 mg a cada 8 ou 6 horas. A teofilina de longa
sustentada, aumento na tolerância ao exercício e melhora na duração e a bamifilina são recomendadas duas vezes ao dia
78
qualidade de vida." ' nas doses de 200 a 300 mg e 300 a 600 mg, respectivamente.
Com o advento dos broncodilatadores de ação mais pro- Os corticoides orais e inalados são muito menos efetivos
longada, tem-se considerado que uma broncodilatação ain- na DPOC quando comparados com o tratamento da asma,
da mais sustentada reduziria a flutuação na patência da via e seu papel no manejo da DPOC estável é limitado a indi-
aérea com resultados positivos em desfechos clínicos. Nesse cações especificas. A maioria dos estudos não demonstrou
sentido, o indacaterol é um novo bet~·agonista considerado que o uso regular de corticoides inalados modifica o decH-
de duração ultralonga (superior a 24 horas), promovendo nio a longo prazo do VEF, em pacientes com DPOC."·''
dilatação sustentada dos brônquios com administração uma Entretanto, o tratamento regular com corticoides inalados
vez ao dia. Comparado ao formoterol administrado duas demonstrou redução na frequência de exacerbações em pa-
vezes ao dia, resultou em aumento no volume expiratório cientes com DPOC grave (VEF, < 50%) e histórico de exa-
forçado no primeiro segundo- VEF, (100 mL), melhora da cerbações de repetição.19
dispneia nas atividades da vida diária e redução no uso de Quando combinados com bet~-agonistas de longa ação,
broncodilatador de curta ação de resgate.' os corticoides inalados foram mais efetivos do que cada com-
ponente individualmente na redução de exacerbações, me- O tratamento não farmacológico da DPOC estável inclui
lhora da função pulmonar e da qualidade de vida. 20 reabilitação pulmonar, oxigenoterapia, suporte ventilatório
É válido ressaltar ainda que, em um único grande estu- não invasivo e intervenções cirúrgicas, discutidos em outros
do clínico randomizado, embora não se tenha demonstrado capítulos deste livro.
efeito em termos de sobrevida/' a terapia com corticoide A oxigenoterapia domiciliar prolongada (ODP), durante
inalado, beta2 -agonista de longa ação e a combinação des- no mínimo 15 horas diárias, para pacientes oom insuficiência
ses dois agentes demonstrou redução na taxa de declínio da respiratória crônica hipoxêmica, como previamente salien-
função pulmonar em pacientes com DPOC e VEF, abaixo tado, prolonga a sobrevida dos pacientes oom DPOC. 3 Além
de 60% do predito." disso, o uso de oxigênio na maior parte do dia (cerca de 19
O tratamento a longo prazo com corticoides orais não é horas) proporciona redução de mortalidade ainda maior do
mais recomendado, embora haja evidência do seu beneficio que o uso somente durante a noite.'
quando usado por curto período durante as exacerbações A indicação de ODP baseia-se em dados gasométricos e
agudas (ver a seguir). clínicos. A gasometria arterial em ar ambiente é indispensá-
Recentemente, tem sido muito estudada uma nova classe vel para indicação e prescrição de ODP e deve ser realizada
de anti-inflamatório que vem demonstrando benefício como sempre durante a doença estável, sem agudização. As indica-
opção terapêutica na DPOC estável. O roflunúlas~ admi- ções clássicas de ODP são:
nistrado por via oral na dose de 500 !Lg/dia, é um inibidor
seletivo da fosfodiesterase do tipo 4 (PDE4). A inibição da • Pressão arterial de oxigênio (Pa0 2) ~55 mmHg ou Sp0 2
PDE4 resulta em inibição da inflamação e do remodelamen- ~ 88% em repouso
to tecidual. • Pa02 entre 56 e 59 mmHg com evidências clínicas de cor
Apenas para relembrar, a teofilina (indicada para o ma- pu/mona/e ou policitemia (hematócrito :1: 55%)
nejo da DPOC estável quando outros broncodilatadores não
estão disponíveis ou o paciente permanece com controle A prescrição do fluxo ideal de oxigênio deve ser reali·
sintomático inadequado) é um inibidor não seletivo da PDE zada por titulação individual, usando-se o oxímetro de pulso,
sem atividade inibitória relevante sobre a isoforma PDE4 adequando-se o fluxo de oxigênio até obtenção de uma sa-
em doses clínicas (adicionalmente à inibição não seletiva turação da oxiemoglobina (Sp02) maior ou igual a 90% (de
da PDE, as xantinas têm outros mecanismos propostos para preferência entre 90 e 92% ). Recomenda-se que, à prescri-
explicar sua broncodilatação, como o antagonismo à adeno- ção de oxigênio durante o dia em repouso, adicione-se 1 L a
sina). mais para uso noturno e, quando possível, que a dose ideal
Em estudos clínicos randomizados, placebo-controlados, para os esforços seja titulada individualmente por simulação
o roflumilast produziu modesto aumento no VEF" porém das atividades de vida diária ou pelo teste de esforço ( oomo
redução significativa na taxa de exacerbação em pacientes o teste da caminhada dos seis minutos).
com DPOC moderada a grave (VEF, <50% do previsto), Em casos de exacerbação de DPOC, deve sempre ser
presença de expectoração crônica e história de exacerbação realizada nova gasometria arterial após 90 dias para con-
(pelo menos um episódio/ano).22 Além disso, apresentou es- firmar se a hipoxemia ainda está presente (ou seja, durante
ses mesmos benefícios quando associado a broncodilatado- doença estável), pois a hipoxemia pode ser transitória nessas
res de longa ação (salmeterol e tiotrópio). 23 situações. Já foi documentado que a hipoxemia transitória
A vacina contra gripe reduz em 50% as doenças graves e pode reverter em aproxímadamente 25 a 50% dos casos após
a morte em pacientes com DPOC. A vacinação contra pneu- estabilização da doença pulmonar.
mococo, adicionalmente ou não à vacinação contra influen- O oxigênio costuma ser fornecido por máscara facial
za, tem mostrado redução de hospitalização por DPOC, (que permite titular a fração inspiratória de 24 a 35%, útil
porém resultados conflitantes em termos de redução de sobremaneira para pacientes com propensão a retenção de
mortalidade gera1.24 CO,) ou cãnula nasal (que não impede a alimentação e con-
Os antibióticos não são recomendados na DPOCestãvel, versação, sendo preferida pela maioria dos pacientes). As
exceto para tratamento de exacerbações infecciosas e outras fontes de oxigênio incluem gás comprimido, oxigênio líquido
infecções bacterianas agudas. e concentradores de oxigênio.
Os agentes mucocinéticos (mucolíticos, mucorregulado· Um resumo das características e do tratamento reco-
res) apresentam o benefício teórico de reduzir a viscosidade mendado em cada nível de gravidade da DPOC orientada
da expectoração e sua adesividade na via aérea, favorecendo por VEF 1 e gravidade dos sintomas é esquematizado na FI-
sua eliminação ( ambroxol, carbocisteína, glicerol iodado). GURA 44.5.1 .
Entretanto, o único estudo clínico controlado avaliando esse
tipo de agente (iodeto orgânico) para manejo a longo prazo
da DPOC sugere apenas alívio sintomático, em uma época
em que não estavam disponíveis os atuais broncodilatadores
Tratamento da exacerbação
de longa duração.25 O uso de acetilcisteína, embasado em A DPOC costuma estar associada a períodos de exacerbação
seus efeitos antioxidantes, não demonstrou efeito vantajoso da doença, caracterizados como eventos agudos de intensi·
para pacientes que já estavam utilizando anti-inflamatórios ficação da dispneia basal, tosse e/ou expectoraçáo além da
corticoides por via inalada.25 Essas classes de medicação não variação diária habitual, normalmente exigindo mudanças
são, portanto, recomendadas de rotina. no tratamento regular do paciente.
História cllnica compatível com
DPOC

Radiografia de tórax ou tomografia


computadorizada de tórax PaO, s 55 mmHg:
Espirometria completa ou pletismografia ~ oxigMoterapia contínua
Teste da caminhada dos seis minutos
Avaliar se hipercapnia
Gasometria arterial se Sp02 < 95%

DPOC leve DPOC moderada DPOC grave OPOC muito grave


0/EF.fC'IF < 70% 0/EF /OIF < 70% e 0/EF/ OIF < 70% e 0/EF/ OIF < 70% e
e VEF, > 80%) 50~ VEF, < 80%) 30 ~ VEF, < 50%) VEF, < 30%)

l 8roncodilatadores de longa duração (formoterol/tioiTópiolindacatecol)


Broncodilatadores de curta ou Se VEF, < 50% e histórico de exacerbações: corticoide inalatório
longa duração se necessário
{e/ou roflumilast se histórico de bronquite crônica)
Programa de supressão
Programa de reabilitação pulmonar
do tabagismo
Programa de supressão do tabagismo
Vacinação antigripal
Vacinação antigripal e antipneumoc:6cica

Avaliar qualidade de vida e capac-idade de exerdcio ap6s


+ programa de reabilitação pulmonar

1
medic.ação

SIM
Manter medicações Aumento > 54 m ou > 10% do basal na: distância
Estimular atividade física ~corridano teste da caminhada dos seis minutos
para casos leves Redução > 4 pontos nos domíníos do QQVSG'
Manutenção de programa

r
de reabintação pulmonar l NÃO

L
nos casos moderados
a muito graves Não obteve melhora ou persiste baixa
capacidadedeexercício

Enfisema pulmonar com predomfnio em lobos supertores; Baixa capacidade de exercício


au~ncia de secreções e exacerbações infe-cciosas; VEF, s Enfisema pulmonar heterogêneo
45% do previsto para todas as idades e~ 15% se Ausência de exacerbações
paciente entre 70 e 75 anos infecciosas
Distância no teste da caminhada dos seis minutos > 140 m;
capacidade pulmonar total > 100% do previsto

1
Volume residual 2: 150%

l
Paciente < 75 anos: avaliar •Avaliar possibilidade de válvulas
possibilidade de cirurgia redutora endobrônquic.as ou de stents
de volume pulmonar

Avaliação para transplante de pulmão se ocorre.. perda


da melhora obtida ou se houver contraindic.ação para
os procedimentos anteriores propostos
J
FIGURA 44.5.1 ~ Tratamento de manutenção re<:omendado na DPOC estável.
' Fase experimental.
'QQVSG - Questionário de Qualidade de Vida Saint George.
As principais causas de exacerbação da DPOC são in- mente quando o escarro é mucoide e, nesses casos, os
fecção ou aumento na poluição do ar. Entretanto, em cerca antibióticos não estão recomendados. Alguns autores
de um terço das vezes, a causa não pode ser identificada. A sugerem que o aspecto purulento do escarro já é indi-
exacerbação é responsável por grande parte da morbidade cativo de infecção bacteriana, sendo que, em geral, Ha-
e pelos custos diretos relacionados com a DPOC. Exacer- emophilus influenzae é a bactéria responsável, seguida
bações frequentes (especialmente aquelas levando a setor por pneumococo. Os germes gram-negativos, sobrema-
de emergência, internação hospitalar ou em unidade de te- neira Pseudomonas, devem ser considerados naqueles
rapia intensiva - UTI) reduzem a atividade física, aceleram pacientes mais graves, com produção crônica de escarro
o declínio da função pulmonar e aumentam a mortalidade. e alterações pulmonares estruturais, como bronquiec-
Embora o tratamento agudo seja importante, ele não reduz tasias. A cobertura antibiótica, quando indicada, deve
o risco da próxima exacerbação. prever os agentes etiológicos mais frequentes, levan-
A exacerbação da DPOC deve ser considerada como um do em consideração as características do paciente e o
evento-sentinela para sinalizar ao clinico a necessidade de risco de infecção por Pseudomonas. Dessa forma, uma
se iniciar ou aperfeiçoar o tratamento de manutenção da classificação para uso de antibióticos estratificando os
doença, buscando redução de morbidade, incapacidade e, pacientes em três grupos e sugerindo a seleção do anti-
provavelmente, mortalidade. biótico é apresentada na FIGURA 44.5.2.
Conforme já comentado, no manejo de manutenção da
DPOC estável, a terapia com tiotrópio está associada a uma Os pacientes com as características listadas no QUADRO
redução de exacerbações em todos os pacientes, ao passo 44.5.1 devem ser hospitalizados. A realização de gasometria
que o uso da combinação salmeteroVfluticasona e o novo arterial e radiografia de tórax é útil para avaliar a gravidade
inibidor da fosfodiesterase 4 por via oral roflumilast (em de uma exacerbação da doença e afastar diagnósticos alter-
pacientes com tosse e catarro crônicos) são indicados para nativos ou complicações. Uma Pa02 < 60 mmHg e/ou uma
reduzir as exacerbações da doença em pacientes com DPOC Sp0 2 < 90% em ar ambiente índicam insuficiência respira-
grave (VEF, < 50% ) e histórico de exacerbações prévias. tória. Pa02 < 50 mmHg, PaC02 > 70 mmHg e pH < 7,25
Também a combinação formoteroVbudesonida demonstrou sugerem um episódio de ameaça à vida, havendo necessida-
prolongar o tempo até a próxima exacerbação (em compara- de de monitoração constante ou tratamento em UTI (FIGURA
ção com placebo) e reduzir o número de exacerbações por 44.5.3). Outros testes laboratoriais como a cultura do escarro
paciente (em comparação com placebo e formoterol). Por e o antibiograma podem identificar a infecção e orientar o
fim, as vacinas contra influenza e pneumococo reduzem as tratamento com antibiótico, na inexistência de resposta ao
infecções disparadoras de exacerbação e a reabilitação pul- tratamento escolhido inicialmente. Thstes bioquímicas po-
monar reduz a recorréncia das exacerbações. 2A dem detectar distúrbios eletrolíticos, diabete e nutrição pre-
O tratamento agudo de uma exacerbação tem como base cária, entre outros dados.
broncodilatadores de curta ação, para alívio da dispneia agu- A principal medida quando o paciente chega ao setor de
da (um agente beta2-adrenérg.ico e um anticolinérgico podem emergência é fornecer terapia suplementar com oxigênio e
ser combinados se a resposta a um agente isolado estiver ína- avaliar se a exacerbação envolve risco de vida. São indica-
dequada), corticoides sistêmicos, para redução da inflama- ções para admissão imediata em UTI: dispneia grave com
ção, e antibióticos (escolhidos de acordo com gravidade do resposta inadequada ao manejo no setor de emergência; al-
paciente, fatores de risco para pior desfecho e suscetibilidade teração no estado mental (confusão, letargia, coma); hipo-
microbiológica local; FIGURA 44.5.2) se houver evidências de xemia persistente ou em deterioração (Pa02 < 40 mmHg),
infecção baeteriana (aumento da tosse, da dispneia e do volu- e/ou hipercapnia severa e/ou em deterioração (PaC02 > 60
me e purulência da secreção ou apenas purulência).' mmHg), e/ou acidose respiratória grave (pH < 7,25) apesar
O tratamento ambulatorial é apropriado para paciente de oxigênio suplementar ou VNI; necessidade de ventilação
com DPOC leve a moderada, sem comorbidades significati- mecânica invasiva; e instabilidade hemodinâmica.
vas, em estabilidade hemodinâmica e sem desconforto venti-
latório ou alterações na gasometria arterial.
As seguíntes atitudes são recomendadas:' QUADRO 44.5.1 ~ Indicações para admissão hospitalar durante
exacerbações
• Broncodilatadores: aumentar a dose e/ou a frequência
da terapia broncodilatadora existente. Se ainda não fo- - Aumento considerável na intensidade dos sintomas (p. ex.,
rem usados, acrescentar anticolinérgicos antes que os manifestação repentina de dispneia ao repouso)
- OPOC grave de base
sintomas progridam.
- Surgimento de novos sinais físicos (p. ex., cianose. edema
• Corticoides: acrescentar ao regime broncodilatador cor- periférico)
ticoide sistêmico (oral ou intravenoso) durante, pelo me- - Ausência de resposta da exacerbação ao tratamento médico inicial
nos, 7 a 10 dias. - Exacerbações frequentes
• Antibióticos: a presença de pelo menos dois critérios - Comorbidades significativas
(aumento de dispneia e /ou tosse e/ou expectoração mais - Arritmias de ocorrência recente
purulenta ou volumosa) indica cobertura antibiótica. - Incerteza do diagnóstico
A infecção respiratória é a principal causa de exacer- - Idade mais avançada
bação. Sua origem, contudo, pode ser vira!, principal- - Apoio domiciliar insuficiente
• Idade avançada
• Redução significativa do VEF,
• Bronquite crônica com hipersecreção
• Histórico de exacerbações frequentes
• Tosse diária e sibilos
• Sintomas persistentes de bronquite crônica

MA/011 RISCO PARA EXAC!"R8AÇ'ÓES

l
Aumonto da tosse. dospneia. volume e purulên<ia da
secr~o ou aponas puru~n<ia

Sugestivo de
exacerbaçio infecciosa
bacteriana da DPOC

EXACERBAÇÃO AGUDA DA EXACERBAÇÃO AGUDA DA EXACERBAÇÃO AGUDA DA


BRONQUITE CRÔNICA NÃO BRONQUITE CRÔNICA BRONQUITE CRÔNICA
COMPliCADA COMPLICADA COMPliCADA e COM RISCO
Idade < 65 anos Idade > 65 anos para infecçio por P.
VEF1 > SO% prevosto VEF, < SO% do previsto aeruginoSiJ
< 4 exacerbaç6es/ano 4 exacerbações/ano VEF, < 35% do prevosto
Sem comorbodades Comorbodades Cursos recorrontes de
antibióttGos ou
l l Corbcoides, bronquoectasaas

H. onfluonzM, S. pMtJmOniae,
H. influonzM,
M . caldtrMhs, H.
S. PM<JtnOflla, H. influMu., S. PMUmoniM.
paramfluonzae
M . cararrNitS. M . cararrN/is> H.
V~M, M . PM<Jmoniae, C.
H. panÍflfluonzM parainfluenZM
~.
Virat M. {JMtJmOfl,.., Vnt M. pMUn>OIHM, C
BACILOS GRAM·NEGAT1VOS
c PM<JtnOflla ~.

-nas
ENftRJCOS
BACilOS GRAM·NEGAT1VOS
1 l ENTtRJCOS
aefiJ9IIIOSO
AzttromiCtt\1, dantrOn'IIICIN
DoluCldtna
Levofloltaona, ntOXIflOXOCJna,
gtrnrfloXKJna
l
Cefalosponnas de segunda e AntOXIo~N/dowlanato Quinolonas com
terceora geraçjo
atividade antipseudomonas
levofloxacona, moXIflouocona, (Ciprofloxacona ou
getTUflOXICIM
levofloxacina 500 mg)

FIGURA 44.5.2-+ Fatores de risco para exacerbaç~o da OPOC e sugestão de escolha antibiótica na exacerbação infecciosa bacteriana.

Os demais aspectos do manejo hospitalar do pacien-


te com exacerbação aguda de DPOC envolvem os mesmos ~ATENÇÃO
princípios do tratamento ambulatorial: intensificação dos
broncodilatadorcs de curta ação, oorticoides sistêmieos e uso Um aspecto importante a ser oonsíderado é nAo sus·
de antibiótioos em pacientes que apresentam aumento em pender a reabilitação pulmonar nos pacientes que
pelo menos dois dos sintomas cardinais: dispneia, volume e apresentam exacerbação e que demandam interna·
purulência do escarro. ção hospitalar. Já foi demonstrado que os pacientes
O emprego de VNI em exacerbações moderadas a gra· exacerbados que mantêm o programa de reabilita·
ves (uso de musculatura acessória c frcquência respiratória > ção, mesmo com modifícaçao do treinamento, de-
25/min, pH arterial S 7,35 e/ou bipcrcapnia > 45 mmHg) me- moram menos para recuperar a tolerânda às ativida·
lhora a acidosc respiratória e a gravidade da dispneia, além desde vida diária e a qualidade de vida.
de reduzir o tempo de internação hospitalar c a mortalidadc.5
Exduir causa não infecciosa de ptOra
dfniu: tromboembolismo pulmonar.
pneumotórax. insuficiênàa card*:a
congestiva. etc.

pH > 7,35 pH 7,25-7,35 pH < 7,25

l ln•ciar antibióticos
Otimiur broncodilatador
Corticoide VO ou IV
l Otimizar broncodilatador

O~rvar
Corticoide VO ou IV
resposta por 1 hora
l Ventilação mec:in•ca nlo
invasiva ou Vflltilaçio
mec.lnica invasiva na UTI

pH 7,30-7,35
Ventilação mec.Snica não
invasiva na
enfermaria

pH < 7,30
Ventiloçio mednoca nio
invasiva N Un

FIGURA 44.5.3 ~ Manejo da ~grave da OPOC.


----------------------------------
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Oisfunc:;io da musculatur1 respiratória
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Ventila~o mednica
não invasiva
Ventilação
meclni<a invasiva

25. Occramcr M, Rutten-van Mõlken M, Ockhuijzen PN, Troosters


T, van Herwaarden C, Pellegrino R, et ai. EffeCIS of N-aeetyleys- FIGURA 44.6.1 ~ Situaç~ que levam à indicação de suporte venti-
teinc on outeomes in ehronic obstructive pulmonary disease (Bron- latório.
residual funcional. Essa manifestação que altera as relações Aumento does~ morto
cardinpulmonares recebe a denominação de PEEP intrínse- O aumento progressivo do volume pulmonar leva à retifica-
ca ou "auto-PEEP". 'úês mecanismos são responsáveis por ção do diafragma com redução de sua função e consequente
seu surgimento: redução da capacidade de eliminação do col.
• Contração vigorosa da musculatura expiratória durante
a expiração: fisiologicamente é diferente, pois não apre- Risco de barotrauma
senta o componente obstrutivo fixo cndobrônquico. Ocorre por rupturas alveolares secundárias ao aumento da
• Colapso total precoce das vias aéreas (ualçaponamento pressão intra-alveolar com consequente acúmulo de ar no
de ar"): caracterizado pela obstrução das vias aéreas de espaço extra-alveolar. As manifestações clinicorradiológicas
pequeno calibre por secreção respiratória ou hiper-rea- da presença de barotrauma são enfisema intersticial, p.n eu-
tividade brônquica. momediastino, pneumoperitôoio, enfisema subcutâneo, for-
• Colapso parcial das vias aéreas (hiperinsullação dinâmi- mações clsticas justapleurais e pneumotórax.
ca): devido ao tempo expiratório demasiadamente curto,
em proporção ao tempo inspira tório. Colapso cardiovascular
Ocorre pela redução do débito cardíaco secundário à
queda do retorno venoso e ao aumento da pós-carga no
ventrículo direito, com consequente hipotensão arterial
não responsiva à rcssuscitação volêmica ou ao uso de vaso-
pressores. As medidas hemodinâmicas demonstram falsas
elevações da pressão capilar pulmonar (PCP) e da pressão
atrial direita (PAD), as quais não refletem sobrecarga vo-
lêmica, mas sim a elevação das pressões intratorácicas. As
alterações são graves c, se não manejadas adequadamente,
ocasionam parada cardiorrespiratória por atividade elétri-
ca sem pulso.

Técnicas para estimativa da "auto·PEEP"


1. Método da oclusão da válvula expiratória no fim da ex-
piração imediatamente antes do movimento inspiratório
seguinte. Esta pausa expiratória deve ser mantida por
Consequências da "auto-PEEP" um período de 1,5 a 2 segundos. No fmal da expiração, a
Algumas consequências da "auto-PEEP" são descritas a pressão das vias aéreas abertas é zero. Quando é oclufda
seguir; na FIGURA 44.6.2 estão descritas as conscquências da a válvula expiratória, a pressão média das vias aéreas en·
hiperinsuflação pulmonar dinâmica. traem equilíbrio com a pressão alveolar, o que permite a
estimativa do valor da PEEP.
2. Avaliação em-tempo-real (on-line) da curva fluxo-tem-
Aumento do trabalho muscular em respirafáo espontânea po em respiradores que demonstrem graficamente as
Ocorre devido ao aumento da pressão intratoráci.c a e à ne- curvas de pressão, fluxo, volume e tempo. Estima-se a
cessidade de maior esforço do paciente para desencadear o presença da "auto-PEEP" quando a curva de fluxo não
fluxo inspi.ratório. atinge a linha de base (valor zero) antes da próxima ins-
piração.
3. Método de substituição da PEEP: são oferecidos nfveis
progressivamente maiores de PEEP ao paciente com
acompanhamento das variações de pressão inspiratória
de pico (PIP). Até ser atingida a "auto-PEEP", o au-
mento da PIP é mínimo. Quando o valor da "auto-PE-
EP" é suplantado (ponto no qual a pressão alveolar e a
pressão das vias aéreas aumentam em conjunto), a PIP
Redução da complacência est,tica
começa a subir proporcionalmente à PEEP extrínseca
Aumento do trabalho respiratório para pPandtr o tórax
oferecida.
Ocorrincia de •auto--PEEP• e tngger aumentado
4. Método de Thxen: permite a avaliação da presença da
Au!TM!<Ito do espaço morto
"auto-PEEP", porém não quantificao seu valor.
Colapso pulmonar
5. Medidas através do balão esofãgico: estima-se a pressão
negativa necessária para desencadear um fluxo inspira tó-
AGURA 44.6.2 ~ Consequências da hiperinsufl~ din.lmica.
---- rio, a qual se relaciona com a "auto-PEEP" .
QUADRO 44.6.2 ~ Indicações de ventilação mecãnica invasiva na
0 ATENÇÃO doença pulmonar obstrutiva crônica

Para a avaliação da •auto-PEEP", as manobras devem Iminente parada Depressão do sensório (narcose
sempre ser realizadas sem interferência ventilatória cardiorrespiratória carbônica)
do paciente, mesmo que paralisantes musculares se-
Agitaç~o psicomotora Pneumonia
jam necessários previamente às medidas.
Obstrução das vias aéreas Hipersecreção
superiores

Depres~o do reflexo de Outras situações dinicas como choque,


Escolha do suporte ventilatório tosse arritmias cardíacas, hemorragia
digestiva, encefalopatia
A ventilação mecânica não invasiva (VMNI) com pressão
positiva é a primeira escolha desde que o paciente esteja co-
laborativo. Ela poderá ser aplicada na enfermaria ou mesmo
na unidade de terapia intensiva (UTI), pois apresenta vanta- A redução da hiperinsuflação pulmonar pode ser ob-
gens, conforme mostra o QUADRO 44.6.1. tida pela redução do volume-minuto (VM = VT x FR).
Embora o procedimento de escolha seja a VMNI, a des- Reduzir o volume de ar corrente para 6 a 8 ml)kg ajuda a
compensação grave e aguda conduz a maioria dos casos à diminuir o tempo inspira tório e aumentar o tempo expira-
entubação traqueal e à ventilação mecânica invasiva (VMI). tório, o que permite mais tempo para expirar e reduzir a
As situações que levam à indicação de VMI na exacerbação hiperinsuflação.
do DPOC estão descritas no QUADRO 44.6.2. A frequência respiratória deve ser baixa, como 10 a 12
O ajuste do respirador no modo controlado, associado rpm, possibilitando a hipercapnia permissiva, desde que o
à sedação e analgesia, permite nas primeiras 24 a 48 horas pH esteja em 7,2 e 7,4. O fluxo inspiratório na pressão con-
repouso dos músculos respiratórios, promovendo a reversão trolada é livre, mas no volume controlado o fluxo recomen-
da fadiga. A regulagem inicial pode ser subfisiológjca, com dado é 40 a 80 Um in ou 5 a 6 vezes o volume-minuto. O Ou-
hipercapnia permissiva. xo constante (onda quadrada) é preferível ao desacelerado
A fração inspirada de oxigênio (FiO,) deve evitar bipe-
(em rampa). A relação l:E de preferência deve~~ ~erior
róxia, mas garantir uma Sa02 superior a 90%. Tanto pressão a 1:3, isto é, 1:4, 1:5, e até menos se consegue dllillllurndo o
controlada como volume controlado podem ser usados na tempo inspiratório com tempo expiratório prolongado para
descompensação da DPOC, mas na pressão controlada o ris- garantir o esvaziamento alveolar (objetivando uma meta de
co de causar hiperdistensão dos alvéolos é menor, com me- três vezes a constante de tempo).
lhora da complacência, evitando a lesão pulmonar induzida A colocação de PBEP extrínseca reduz o trabalho respi-
pelo ventilador. ratório sem causar aumento da hiperinsuflação e do volume
pulmonar expiratório final. Com vistas ao desmame, obje-
tiva-se uma PEEP extrínseca de aproximadamente 85% da
QUADRO 44.6.1 ~ Vantagens da ventilação mecânica não invasiva PEEP intrínseca, visando facilitar o disparo do respirador.
na descompensação da doença pulmonar obstrutiva crônica

Evíta a ~tu~o em 50 a 70% dos casos. Leituras recomendadas


~uz o tempo de permanência na un. Davidsoo A. The pulmonary pbysician in criticai cate 11: criticai
cate management of respiratory failure resulting from COPO. Tho-

Reduz as complicações. rax. 2002;57(12):1079-84.


UI Consenso Brasileiro de Ventilação Mecânica. J Bras Poeumol.
Reduz a mortalidade. 2007;33(Sup12):SSI-3.
Proporciona maior conforto ao paciente. Jezler S, Holanda MA, José A, Franca S. Ventilação mecânica na
doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) dcscompcnsada. J
Reduz as necessidades de sedação. Bras Pncumol. 2007;33(Supl2): 111-8.
Permite comunicação, expectoração e alimentação. Morctti M, Cilionc C, Thmpicri A, Fracchia C, Marchioni A, Nava S.
Iocidcncc and causes of non-invasive mechanical vcntilatioo failurc
Preserva os mecanismos de defesa das vias aéreas superiores contra after initial success. Thorax. 2000;55:819-25.
aspiração e infecção respiratória (manutenção do mecanismo de tosse).
O'Oonoghuc F, Catchesidc P, Jordan A, Berstcn A, McE•'O)I R.
Apr~ta facaidade na aplicação e remoç~. Effect of CPAP 011 intrinsic PEEP, inspiratory effort, and lung volu-
me in sevecc stablc COPO. Thorax. 2002;57(6):533-9.
~uz as complicações traumáticas das vias aéreas relacionadas com Plant P, Elliott M. Chronic obsuuctivc pulmooary discasc 9: mana-
introdução e permanência do tubo endotriqueal. gement of ventilatory failurc in COPO. Thorax. 2003;58(6):537-42.
Em bre os efeitos sistêmicos (extrapulmonares) da doença (fisio-
lógicos, psicológicos e na percepção dos sintomas).
Reabilitação Pulmonar Os ganhos da função muscular esquelética após o trei-
namento físico resultam em aumento da capacidade de
Danilo Cortozi Berton exercício, apesar de nenhum aumento ser observado na
PauloJosé Zimermann Teixeira função pulmonar. Nesse sentido, o treinamento físico re-
sulta em melhora de diferentes aspectos da disfunção mus-
cular periférica: há aumento da área seccional transversa
Introdução e da densidade capilar das fibras musculares, aumento na
capacidade das enzimas oxidativas musculares, redução da
acidemia láctica, declínio do pH intracelular e da relação
~ATENÇÃO fosfocreat ina/fósforo inorgânico, indicando um aumento
no uso de oxigênio para obtenção de energia.
A reabilitação pulmonar (RP) representa uma inter- Assim, além da melhora intrínseca da capacidade de ge-
venção abrangente, multidisciplinar, baseada em rar e manter força, essa melhora da capacidade oxidativa e
evidências para pacientes com doenças respiratórias eficiência do músculo esquelético, associada à melhora da
crônicas que são sintomáticos e apresentam redução função cardiovascular com o treinamento físico, resulta em
de suas atividades diárias. Integrada dentro de um redução da ventilação alveolar para uma dada carga de tra-
tratamento individualizado, a RP comprovadamente balho. Como a alteração fisiopatológica fundamental desses
reduz sintomas, melhora o estado funcional, reduz pacientes é a limitação do fluxo expira tório, essa menor ven-
custos de saúde e estabiliza ou reverte as manifesta- tilação para uma dada atividade resulta em menor hiperin-
ções sistêmicas da doença.
sullação pulmonar dinâmica, reduzindo, então, a dispneia e
melhorando a tolerância ao exercício.

A RP para paciente com doença pulmonar crônica é


uma maneira bem estabelecida de auxiliar a terapia-padrão
(sobretudo medicamentosa) em termos de controlar e ali-
Duração e frequência
viar sintomas e otimizar a capacidade funcional. O objetivo Existe notável controvérsia acerca da duração mínima de um
primário dessa estratégia é restabelecer o maior nível de in- programa de RP na DPOC. Ganhos signíficativos na tole-
dependência funcional possível. Isso é alcançado ajudando o rância ao exercício, dispneia e qualidade de vida foram ob-
paciente a se tornar fisicamente mais ativo e aprender mais servados tanto em pacientes internados após RP de 10 dias
sobre a doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC), suas quanto em programas ambulatoriais de 24 meses.
opções de tratamento e como lidar com a doença. A maior Alguns estudos sugerem a realização de duas a três ses-
parte das estratégias de reabilitação foi estudada em pacien- sões semanais de exercícios, em um período que varia de 4 a
tes com DPOC, embora mais recentemente diversos estudos 7 semanas, sendo que tais sessões devem ser sustentadas por
tenham sido realizados em pacientes com outras doenças 20 a 45 minutos. Programas curtos de exercícios, em que 20
pulmonares. sessões são condensadas em 3 a 4 semanas, também são con-
Assim, independentemente da doença respiratória crô- siderados benéficos, e programas tradicionais de 20 sessões
nica, a RP pode ter beneficios em qualquer paciente que são mais efetivos quando comparados com programas de 10
apresente sintomas respiratórios relacionados com a dimi- sessões de exercício.
nuição da capacidade funcional ou a redução da qualidade
de vida associada à saúde. Entretanto, esse capítulo enfa-
tiza os resultados derivados dos principais estudos envol- _) ATENÇÃO
vendo somente pacientes com DPOC. Ademais, os outros
aspectos além do exercício físico envolvidos no programa As evidências apontam que, para haver êxito em pro-
abrangente e multidisciplinar de RP (avaliação do pacien- porcionar mudanças fisiológicas em pacientes com
te, intervenção nutricional, instrução de técnicas fisioterá- DPOC, programas com um mfnimo de oito semanas
picas, educação e suporte psicológico) são discutidos em e um maior número de sessões (em média, 28 ses-
capítulos específicos. sões) ou um programa com mais de seis meses de
treinamento surtem maiores efeitos do que progra-
mas compostos de poucas sessões.
Bases fisiológicas
O treinamento físico, considerado a pedra fundamental da
RP, acarreta aumento da tolerância ao exercício de forma
complementar aos efeitos obtidos com a farmacoterapia. En-
Intensidade do exercício físico
quanto a terapia medicamentosa melhora a função pulmonar Embora o treinamento físico de baixa intensidade resulte
e, possivelmente, reduz a inflamação, a RP tem impacto so- em melhora das manifestações, da qualidade de vida e do
desempenho em atividades diárias, maiores beneficios fisio- o tempo de treinamento deve idealmente exceder 30 minu-
lógicos são obtidos com treinos em maiores intensidades. Se, tos. Contudo, para alguns pacientes, pode ser difícil atingir
para indivfduos saudáveis, o exercício físico de alta intensi- esse tempo ou a alta intensidade de treinamento necessária
dade pode ser definido corno aquele que leva ao aumento para se obter os maiores beneficios clínicos e fisiológicos,
dos níveis de lactato, em pacientes pneumopatas não há uma mesmo sob intensa supervisão. Isso porque o treinamento
definição precisa para treino de alta intensidade, visto que, de resistência pode se associar a importante demanda ven-
devido à limitação ventilatória, o exerclcio pode ser inter- tilatória, com redução da tolerância a altas intensidades de
rompido antes da ocorrência desse aumento do lactato. exercício.
Uma intensidade de treino que exceda 60% da capa- Nesse contexto, tem-se dado nova ênfase ao treinamento
cidade de pico de exercício (idealmente obtido a partir de intervalado como uma alternativa interessante nesses pa-
um teste eardiopulmonar de exercício incrementai máximo) cientes. Durante o treinamento intervalado, pequenas "ex-
costuma ser considerada, de modo emplrico, suficiente para plosões" de exercício de alta intensidade são intercaladas
promover os efeitos fisiológicos do treinamento, embora com períodos de repouso ou exercício de leve intensidade.
porcentagens ainda mais altas tenham mais probabilidade Desse modo, o curto tempo de atividade intensa, e levando-
de gerar benefícios maiores e ser bem toleradas. -se em consideração a menor cinética da resposta ventilató-
Desse modo, os estudos prévios que avaliaram intensida- ria desses pacientes, não permite que a taxa ventilatória se
des diferentes de treinamento constataram que a realização de eleve o suficiente para reduzir criticamente a reserva venti-
exercícios de alta intensidade pode gerar maiores benefícios latória, elevar os volumes pulmonares operantes e, portanto,
fisiológicos, com aumento do consumo de oxigênio de pico (V interromper o exercício.
0 1 pico), redução da ventilação e dos níveis de lactato, redução O treinamento intervalado tem efeitos comparáveis aos
da dispneia em repouso e em exercício submáximo, além de do treino de resistência de alta intensidade contínuo e leva
maior incremento no teste da caminhada dos 12 minutos. à hipertrofia da musculatura esquelética. Os pacientes, to-
Na prática cllnica, por sua vez, quando o teste cardio- davia, relatam menos manifestações durante esse regime de
pulmonar de e xercício não estiver disponível, a intensidade treinamento, e menos interrupções inesperadas do exercício
dos sintomas pode ser utilizada para ajustar a intensidade do são observadas.
exercfcio. Um escore de Borg de 4 a 6 (pouco intenso a muito O treinamento de força também tem se mostrado impor-
intenso) de dispneia e/ou fadiga é uma intensidade razoável. tante para pacientes com DPOC. Seu grande potencial está
em aumentar a massa e a força muscular {dois aspectos da
função muscular pouco melhorados com o treino de resis-
tência), além de se associar a uma significativa melhora na
Especificidade do treinamento físico qualidade de vida e percepção da incapacidade. As sessões
O programa de exercício físico da RP tem tradicionalmente de treinamento incluem duas a quatro séries de 6 a 12 repe-
concentrado-se no treinamento da musculatura dos membros tições, com intensidades entre 50 e SS% de uma repetição
inferiores, com frequência utilizando esteira ergométrica o u máxima (RM).
cicloergômetro. Entretanto, muitas das atividades diárias en- A combinação do treinamento de resistência e força pro-
volvem os membros superiores. Assim, como a melhora obtida vavelmente seja a melhor estratégia para manejar a disfun-
com o treinamento físico é especifica para o músculo treinado, ção muscular periférica de pacientes com DPOC, visto que
exercíeios de membros superiores devem ser incorporados ao resulta em uma melhora combinada da força muscular e da
programa de RP, resultando em redução da dispneia durante tolerância geral ao exercício de resistência, sem acarretar
atividades envolvendo as extremidades superiores e reduzindo aumento significativo no tempo da sessão de treinamento.
a demanda ventilatória durante a sua elevação. O conjunto das evidências demonstra, entretanto, que a
Assim, o programa de RP deve visar idealmente atin- associação do treinamento de força ao de resistência melho-
ra diversos indicadores de desempenho funcional muscular,
gir os efeitos fisiológicos máximos do treinamento físi-
embora não pareça adicionar valor ao treinamento aeróbio
co, embora talvez haja necessidade de se modificar essa
abordagem devido à gravidade da doença, à limitação por isolado (resistência) no que diz respeito à qualidade de vida
e tolerância ao exercício de corpo inteiro.
sintomas, a comorbidades e ao nível de motivação. Dessa
Com base no conjunto de evidências apresentadas, o
forma, empregando estratégias adicionais que possibilitem
QUADRO 44.7.1 fornece algumas recomendações práticas para
compensar parcialmen te as limitações fisiopatológicas de
indivíduos pneumopatas, seria possível alcançar intensi- o exercício fisico durante programa de RP.
dades maiores de treinamento físico durante programa de
reabilitação, de tal modo que maiores beneffcios fisiológi-
cos poderiam ser obtidos. Leituras recomendadas
Bernard S, Whittom F, Lcblanc P, Jobin J, BeUeau R, Bérubé C, et
ai. Aerobic and strength trainin& in patieots with chronic obstruetive
pulmonary disease. Am J Respir Crit Care Med. 1999;159(3):896-
Treinamento de resistência eforça 901.
O treinamento de resistência pedalando ou caminhando é Casaburi R, Pates!io A, lo li F. Zanaboni S, Donner CF, Wasserman
a forma mais comum de exercício aplicada à RP, sendo que K. Reductions in exercise lactic acidosis and veotilation as a result of
QUADRO 44.7.1 -+ Guia prático para exercício físico durante programa de reabilitação pulmonar em pacientes com DPOC

Duração Pelo menos 1 a 8 semanas

Frequência 3x/sernana (supervisão)


2x/sernana (supervisão) e 1x/domiciliar

Treinamento de resistência (MMII):


Modalidade Esteira ou cicloergõmetro
Intensidade 60 a 75% da carga máxima atingida em teste incrementai durante 30 minutos; ou atingir
Borg 4 a 6 de dispneia

Treinamento de resistência (MMSS):


Modalidade Cidoergõmetro de braço
Intensidade 60 a 75% da carga máxima atingida em teste incrementai; ou atingir Borg 4 a 6 de dispneia

Treinamento de força (MMSS e MMII):


Modalidade Pesos livres
Intensidade 2 a 4 séries, 6 a 12 repetições, 50 a 85% de 1 RM

Treinamento intervalado (MMSS e MMII):


Modalidade Esteira ou cicloergõmetro/pesos livres
Intensidade Altas intensidades intercaladas com períodos de repouso ou exercidos de baixa intensidade

MMSS = membros superiores; MMII = membros inferiores; RM = repetição máxima.

cxcrcisc traíning in paticnts with obstructivc lung discasc. Am Rcv Rics AL, Bauldoff GS, Carlin BW, Casaburi R, Emcry CF, Mahlcr
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Porszasz J, Emtncr M, Goto S, Somfay A, Whipp BJ, Casaburi R. Introdução
Excrcisc training decreases vcntilatory rcquiremcnts and cxcrcise.
-induccd byperinflation at submaximal intensitics in paticnts with O enfisema pulmonar é caracteristicamente uma doença
COPO. Cbcst. 2005;128(4):2025-34. de tratamento clínico. Entretanto, após inúmeros avanços
não somente no campo da cirurgia torácica, mas também na
Puhan M, Schuncmann H, Frcy M, Scbarplatz M, Bacbmann L.
compreensão das alterações fisiológicas decorrentes do enfi-
How should COPO patients cxercisc during rcspiratory rehabili-
tation? Comparison of cxcrcise modalitics and intcnsitics to trcat
sema, a literatura registra uma série de modalidades cirúrgi-
skclctal musclc dysfunction. Thorax. 2005;60(5):367-75. cas idealizadas para pacientes bem selecionados.
-+
iiJ ATENÇÃO
QUADRO 44.8.1 Oassificação de Reid quanto aos tipos de
enfisema bolhoso

Com o acúmulo de 'experiência dos centros de refe-


rência na área, destacam-se três tipos de procedi·
menta que possuem indicações e técnicas bem es· Raras bolhas ou nenhum stpto, com pé de implantação
tabelecidas, sendo eles a bulectomia para enfisema fino e base de implan~ pediculada.
bolhoso, a cirurgia redutora de volume pulmonar e o
Um conglomerado de bolhas de d1ferentrs tamanho, com
transplante de pulmão. base de implantação mais ampla. O parênquima subjacente
também costuma ser enfisematoso.

Um complexo enfisematoso amplo qUI! envolve parte do


lobo ou todo ele, com septaç6es no seu interior.
Cirurgia para enfisema bolhoso -----
Fonte: Reid.'
A bolha enfisema tosa é definida como um espaço com con-
teúdo aéreo, com pelo menos 1 em de diâmetro, localizado no
parênquima pulmonar. Quando a bolha se insufla e distende o enfisema bolhoso tem uma clara tendência a progredir,
a ponto de ocupar pelo menos 30% do hemitórax, recebe a com aumento da obstrução das vias aéreas, refletindo-se
denominação de bolha gigante. No caso de pacientes com pa- em piora cllnica. s
rênquima subjacente normal, acredita-se que a histopatologia
O enfisema bolhoso também é passivel de complicações
envolva a destruição pulmonar por enfisema acinar distai (ou
características e que geralmente demandam tratamento ci-
também chamado de enfisema parasseptal), caracterizado r\Jrgico.
pelo envolvimento dos duetos c dos sacos alveolares. As áreas A complicação mais frequente é a ocorrência de pneu-
de destruição alveolar tendem a coalescer, formando então a
motórax espontâneo secundário à ruptura da bolha. O esca-
bolha gigante. Quando o paranquima subjacente também é
pe aéreo é de grande volume c, por se tratar de uma região
enfisema toso, a histopatologia pode seguir os padrões habi-
pulmonar com destruição parenquimatosa, raramente me-
tuais do enfisema centrilobular em fumantes e panacinar em
lhora com a simples drenagem fechada.
pacientes com deficiência de alfa,-antitripsina.
A infecção da bolha pode causar um quadro crônico se-
A fisiopatologia do enfisema bolhoso é bastante discu-
melhante a um abscesso pulmonar. Quando ocorre coloniza-
tida na literatura, mas as principais hipóteses contemplam
ção da bolha por agente ftíngico, comoAspergillu.sfumigatus,
a formação de um mecanismo de válvula com fluxo unidire-
a manifestação clínica pode ser de hemoptise.
cional de ar,u bem como a criação de áreas com fluxo prefe·
Por fim, a hiperinsuflação progressiva acarreta proble-
rencial de ar, em razão da alta complacência das áreas com
mas mecânicos, com repercussão bemodinâmica, nos casos
parênquima destruído.)
mais graves.
Dentre as classificações do enfisema bolhoso, uma das
mais utilizadas foi formulada por Reid' e data de 1967. O
principal elemento em que se baseia tal classificação é a rela- Avaliação pré-operatória
ção da bolha com o parênquima subjacente (QUADRO 44.8.1). A avaliação pré-operatória dos candidatos a bulectomia é
fundamental, uma vez que tem por objetivo selecionar os
Indicações cirúrgicas pacientes com o melhor potencial de benefício ao mesmo
tempo em que obrigatoriamente deve apontar para lesões
em outros órgãos que poderiam inviabilizar uma cirurgia
As indicações consensuais para a ressecção do segura. Apesar da experiência inicial negativa em pacientes
enfisema bolhoso são as seguintes: com corpulmonale, hipoxemia, hipercapnia e bronquite crô·
-+ Bolha enfisematosa ocupando:!: 30% do hemitórax nica, esses achados não mais figuram eomo contraindicação
-+ Parênquima subjacente normal absoluta para o tratamento cirúrgico do enfisema bolhoso.
-+ Paciente sintomático (dispneia) Na avaliação respiratória, dois exames merecem desta-
que: a espirometria e a tomografia computadorizada (TC).
A espirometria avalia muito mais a situação do parênquima
O não preenchimento desses critérios torna a indica- subjacente do que o comprometimento da função pulmonar
ção questionável, apesar de o emprego da cirurgia para pela bolha. Entretanto, acredita-se que, naqueles pacientes
pacientes com bolhas gigantes com parênquima enfisema- em que a bolha ocupe mais do que 30% do hemitórax e o
toso ou assintomáticos também encontrar defensores. Um pulmão restante seja normal, possa haver, sim, uma corre-
dos principais argumentos a favor dessa conduta é apoiado lação entre o tamanho da bolha, o decréscimo no volume
por estudos como o de Boushy e colaboradores,s que rea- expiratório forçado no primeiro segundo (VEF 1) e, conse-
lizaram o acompanhamento de 49 pacientes portadores de quentemente, o seu ganho funcional pós-operatório.'
enfisema bolhoso. Com o seguimento radiológico disponí- Naqueles pacientes em que o parênquima pulmonar já
vel em 32 pacientes, ao longo de 10 anos, observou-se que apresente dano significativo por enfisema, a espirometria
ajuda a detectar uma população que se assemelha àquela Ocasionalmente, a TC de tórax é solicitada para avaliar
da cirurgia redutora de volume. Nesses casos, os ganhos são o parênquima pulmonar adjacente a uma cãmara pleural de
semelhantes aos obtidos com a cirurgia redutora formal. To- pneumotórax espontâneo secundário à doença pulmonar
davia, os riscos e as complicações pós-operatórias saltam do obstrutiva crônica (DPOC). A identificação de parênquima
patamar da "simples" bulectomia para índices próximos aos adjacente normal ou relativamente preservado é fundamen-
descritos para aquele procedimento. '.8 tal para a perspectiva terapêutica com vistas à recuperação
Com o notável avanço nas técnicas de imagem, a ra- funcional (FIGURA44.8.1).
diografia de tórax atualmente tem utilidade apenas como Todos esses dados são cruciais para a definição da estra-
exame inicial em que a bolha é detectada, além de avaliar tégia cirúrgica. Técnicas de imagem adicionais, como a cin-
a sua progressão quando filmes antigos estiverem dispo- tilografia de perfusão pulmonar, raramente são necessárias,
níveis. É a TC que forne.c e informações mais detalhadas sendo reservadas para casos específicos como, por exemplo,
a respeito do tamanho da bolha, sua localização, grau de em pacientes com doença bolhosa e evidências de enfisema
compressão e grau de comprometimento do parênquima grave no pulmão subjacente, com indicação eventual de bu-
pulmonar restante. lectomia com cirurgia redutora de volume pulmonar.

FIGURA 44.8.1 ~ Paciente masculino, 59


anos, grande fumante, apresentando um
pneumotórax espontâneo à direita (A). Com
a drenagem pleural, a reexpansão pulmonar
é apenas parcial (8) e a tomografia compu-
tadorizada de tórax mostra grande quanti-
dade de bolhas, especialmente à direita ((.
O, E, f).
Técnica cirúrgica um retomo mais precoce ãs suas atividades habituais, a vi-
A bulectomia tem como objetivo remover toda a área bo- deotoracoscopia vem ganhando cada vez mais espaço dentro
lhosa, preservando o máximo de parênquima pulmonar da cirurgia torácica.
possfvel. A via de acesso pode variar desde uma toracoto· A bulcctomia por videotoracoscopia pode ser realizada
mia lateral com preservação muscular até uma esternotomia através de um trocartc associado a uma incisão maior de
mediana (nos casos de bulectomia bilateral), com entusias· trabalho ou utilizando-se somente três trocartes. Apesar da
mo crescente pela videocirurgia, cada vez mais utilizada. Se- ventilação monopulmonar, a bolha pode permanecer insu·
guindo os preceitos gerais da cirurgia torácica, todo cuidado fiada, dificuldade que pode ser contornada por sua punção
deve ser empregado no manuseio do órgão, levando-se em e pelo esvaziamento da bolha. Após a cuidadosa delimita·
conta a friabilidade do pulmão enflsematoso e o fato de que ção da área de parênquima doente, sua ressecção é reali-
a fuga aérea prolongada continua tendo importante impacto zada com o awúlio de grampeadores endoscópicos. Por se
na evolução do paciente (FIGURA 44.8.2). tratar de um procedimento menos invasivo, a bulectomia
A bulectomia convencional segue a técnica descrita por por videotoracoscopia é ideal para pacientes com função
Shields' em 1989. Essa modalidade é empregada em pa· pulmonar comprometida, uma vez que resulta em menos
cientes com pulmão subjacente normal e bolhas cuja base dor no pós-operatório e conscquentemente menos retenção
tem implantação ampla. Ela se baseia na abertura da pare· de secreções.11
de da bolha, sua dissecção com remoção das trabeculações Um procedimento reservado para pacientes com fun·
e comunicação das lojas. A pleura víscera! é preservada e ção pulmonar muito reduzida foi descrito pelo grupo do
evertida até a base da bolha, local onde entlio se realiza uma Brompton Hospital, após o seu emprego em 31 pacientes.
sutura mecânica com grampeador. Seguindo essa técnica, o A técnica consistia em uma variante do procedimento de
local do grampeamento terá um reforço especial, uma vez Monaldi, 12 um tipo de drenagem intracavitária descrito em
que contará com quatro camadas de pleura víscera! mais a 1947 para pacientes com caverna tuberculosa, c mostrou
parede da bolha. baixa mortalidade (6,5% para um grupo de alto risco), com
Outra tentativa de reforçar a linha de sutura foi proposta resolução radiológica e melhora funcional em mais de 80%
0
por Cooper,' que descreveu, para esses casos, a cobertura dos pacientes. u Com resultados satisfatórios, essa técnica
do grampeador com pericárdio bovino. Em nossa experiên- continua restrita a pacientes sem condições clinicas para
cia, além do aumento expressivo do custo pelo uso de peri· procedimentos mais agressivos.
cárdio, essa técnica não reduz de modo significativo a fuga Recentemente, as ideias desses autores foram aprovei-
aérea, especialmente depois que se tomaram disponíveis os tadas por Saad Junior e colaboradores," que propuseram a
grampeadores com grampos mais delicados. drenagem externa da bolha enflsematosa através de dreno
Nos casos em que a bolha tem urna base de implantação siliconizado, à semelhança do que fora descrito por Monal·
pediculada, a cirurgia é mais simples, baseando-se em res- di," e a manutenção do dreno por tempo indeterminado,
secção e sutura, mecânica ou manual, do pedfculo. Nos pa· naturalmente com os inconvenientes de uma ferida aberta
cientes com enfisema avançado associado a doença bolhosa, e saída permanente de ar pelo orifício do dreno. Ainda que
em que a cirurgia terá um papel de redução de volume, a téc- o impacto inicial da proposta possa ser desagradável, há de
nica operatória segue os princípios descritos mais adiante. se considerar a escassez de alternativas e a aceitação do tra-
Com o objetivo de reduzir o período de uma eventual tamento provavelmente festejada por esses pacientes, cuja
fuga aérea, realiza-se a pleurodese ao final do procedimen- ideia de qualidade de vida foi subvertida de modo negativo
to. Esse tempo cirúrgico pode ser realizado de variadas for· pelo sofrimento crônico.
mas, desde a abrasão pleural com gaze até a pleurectomia. Apesar da recomendação de ressecar toda a região bo·
Com a prerrogativa de reduzir a dor da toracotomia, di- lhosa, deve-se atentar para o volume do parênquima re·
minuir o tempo de internação e proporc.i onar ao paciente manescente. Ele deve ser capaz de ocupar toda a cavidade

FIGURA 44.8.2 ~ Paciente


de 43 anos com dispneia aos
esforços moderados. A ra·
diologia convencional mos·
Ira enfisema bolhoso ocu·
pando praticamente todo o
hemitórax esquerdo (A). A
espirometria mostra VH, de
79%do previsto. Na irnagM~
do transoperatório, observa·
·se a bolha hemiando atta·
vés da incisão (8).
pleural. Caso contrário, o espaço residual, principalmente e 12,2%, respectivamente. Entretanto, quando analisaram à
quando associado à frequente fuga aérea, fornece o subs- parte o grupo de 18 pacientes com enfisema bolhoso e enfi-
Lrato ideal para o empiema pós-ressecção pulmonar. Para sema difuso associado, a mortalidade em cinco anos foi de
evitar isso, a preservação de pequenas áreas com enfisema 27,8%. Clinicamente, os pacientes apresentaram melhora
é até preferível para permitir a total ocupação da cavidade progressiva nos escores de dispneia até o quarto ano, haven·
torácica. Quando, apesar de todos os esforços, essa situação do urna piora nesses quesitos ao atingir o quinto ano. Con-
não ocorrer, pode-se dispor de alternativas como a tenda tudo, essa piora ainda fica longe do valor basal relatado no
plcural, a anestesia transitória do nervo [rênico ou ainda o pré-operatório. Com relação à espiromeLria, o VEF, atinge
pneumoperitônio. seus valores máximos com dois anos após o procedimento,
sendo que após esse período ex.iste algum declínio (nova-
mente, apesar dessa piora, os valores ainda ficam longe dos
Resultados basais pré-cirurgia).
Em casos bem selecionados, o ganho funcional do paciente
tende a ser surpreendente. Na série clássica de Fitzgerald e
colaboradores, 84 pacientes foram submetidos a tratamento
cirúrgico para enfisema bolhoso. A mortalidade operatória Cirurgia redutora de volume pulmonar
foi de 2,1%. Aqueles pacientes com bolhas ocupando mais A história da cirurgia redutora de volume pulmonar é re·
de 50% da cavidade torácica e com pulmão subjacente nor· lativamente recente. Dentre várias modalidades cirúrgicas
mal tiveram os maiores ganhos de função (aumento do VEF, idealizadas com o intuito de tratar pacientes com enfisema
de 50 a 200%). Os pacientes com bolhas ocupando menos difuso, a cirurgia redutora de volume pulmonar foi a única
de 30% do hem itórax, bronquite crônica ou enfisema difuso que sobreviveu a investigações científicas como possuindo
apresentaram os piores resultados. benefício comprovado em pacientes selecionados. Modali-
A metanálise de Snider/ agregando os resultados de 22 dades como costocondrectomia e manipulação do nervo frê-
7
estudos prévios, permitiu traçar importantes conclusões. A nico atualmente possuem apenas valor histórico.' ·''
maioria dos pacientes se apresentava com dispneia e possuía A proposta inicial da cirurgia redutora de volume pul·
bolhas do tipo li e III de Reid. Bolhas do tipo I são infre- monar data de 1957 e é creditada a Otto Charles Branti·
quentes. gan. 19 Com base em observações prévias com uma série de
Os principais fatores relacionados com o desfecho são o pacientes com enfiSema bolhoso, ele começou a empregar
tamanho da bolha, a presença de compressão pulmonar e o a redução de volume em pacientes com enfisema difuso.
grau de comprometimento do parênquima restante. Aqueles Através de uma toracotomia unilateral, realizava ressecção
pacientes com bolhas menores do que um terço do hemitó- de áreas periféricas de parênquima pulmonar claramente
rax, com pouco comprometimento clinico ou ainda com o enfisematoso e hiperinsuflado. O procedimento ainda asso-
parênquima restante muito enfisematoso apresentaram me- ciava uma extensa denervação hilar com o objetivo de re-
lhora muito discreta. Os melhores resultados foram obtidos duzir a produção de secreções brônquicas. De acordo com
19
naqueles pacientes com bolhas gigantes causando ateleetasia Brantigan e colaboradores, a redução do volume pulmonar
compressiva de parênquirna pulmonar sadio, principalmente permitiria uma recuperação da relração elástica do pulmão,
quando havia perda funcional, expressa por um VEF, menor situação que impediria o colapso alveolar durante a expira·
do que 50% do previsto. Os principais ganhos observados se ção. Apesar da melhora global em 75% dos pacientes, re-
referem à melhora gasométrica da hipoxemia e da hipercap- sultados mais quantitativos não foram apresentados. Essa
nia. Ganhos objetivos em provas de função pulmonar costu· incerteza de beneficio, somada à mo.rtalidade operatória de
mam ser pequenos. 16%, rendeu duras críticas quando o autor apresentou sua
Na casuística da Washington University, já com a apli- experiência em um simpósio de enfisema em 1958.
cação dos critérios de seleção modernos (todos pacientes Esse cenário negativo começou a ser modificado quando
sintomáticos com dispneia limitante, com bolhas gigantes Joel Cooper observou dois fenõmenos importantes em pa·
e evidência de compressão do parênquima pulmonar), 43 cientes submetidos a transplante pulmonar:20
pacientes foram or.:rados, com apenas um caso de mortali-
dade operatória.' Reforçando a importância da fuga aérea • Primeiro, a restauração da caixa torácica a padrões qua-
prolongada em qualquer paciente enfisematoso, essa com- se normais era observada após o transplante bilateral
plicação ocorreu em não menos do que 53% dos casos. A em pacientes com enfisema. A distensão da parede to·
sobrevida em cinco anos foi de 89%, e o ganho funcional rácica e dos espaços intercostais diminui, assim como o
pôde ser demonstrado por espirometria: o VEF 1 médio de diafragma adota uma posição mais curva. Essas mesmas
34 aumentou para 55% em seis meses e 49% em Lrês anos. modificações eram observadas em menor grau, inclusi-
Esses excelentes resultados ressaltam a importância da sele· ve no lado do pulmão nativo, em pacientes submetidos a
ção criteriosa dos pacientes para o procedimento. transplante unilateral.
Outro estudo interessante que merece destaque foi pu- • Segundo, nos casos de transplante pulmonar unilateral
blicado por Palia e colaboradores." Ao contrário da maio- por enfisema, o pulmão nativo, a despeito da avançada
ria, os autores realizaram uma análise prospectiva e com destruição parenquimatosa, invariavelmente conseguia
seguimento mais longo, de cinco anos. Com 41 pacientes manter estabilidade respiratória durante o implante sem
incluídos, as mortalidades em um e cinco anos foram de 7,3 a necessidade de circulação extracorpórea Com essa fun-
damentação, o grupo da Washington University realizou a QUADRO 44.8.2 ~ Principais critérios de indusão e exclusão do
cirurgia redutora de volume pulmonar em 20 pacientes e NETT
promoveu uma extensa documentação objetiva dos resul·
tados.21 A técnica descrita preconizava a remoção de 20 lndusão
a 30% de parênquima pulmonar de cada lado através de - História e exame flsico consistentes com enfisema
uma esternotomia mediana. O parênquima era ressecado - Tomografia de tórax compatível com enfisema bilateral
com o auxfiio de grampeadores mecânicos. Após a expe· - CPT pr~reabílíta1ao pós·broncodilatador ~ 100%
riência inicial mostrar que havia importante escape aéreo - VR pr~reabilítaçao p6s·broncodilatador ~ 150%
através dos orificios criados pelos grampos, o grupo come· - VEF, pré-reabilitaçao pré e pós·broncodílatador s 45%
- Pr~reabilitaçlo de PaCO, s 55 mmHg e de PaO, ~ 45 mmHg
çou a utilizar um revestimento das cargas com pericárdio - IMCS 31.1 M'1 homens e s 32,3 em mulheres
bovino. Com nenhum caso de óbito hospitalar e quatro - Cessação do tabagismo h.l quatro m~
reintervenções por escape aéreo prolongado, os pacien· - Completar o programa de reabilitação
tes obtiveram melhora nas provas de função pulmonar
(melhora média de 82%), na necessidade de oxigenotera· Exdusao
pia, no teste da caminhada dos seis minutos e em escores - VEF, s 2~ pós·reabir.tação + DLCO S2~ou enfisema
de dispneia e questionários de qualidade de vida. 'frinta homogffieo•
e sete anos após o estudo inicial de Brantigan e colabo· - Evid~ncia tomográfica de enfisema difuso não passlvel de cirurgia
radores,'9 a mortalidade nula e os beneficios muito mais - Doença pleural ou intersticíal que impeça a cirurgia
- Solha gigante (maior ou igual a um terço do pulmão ipsilateral)
detalhados e convincentes retomam as discussões sobre a - Bronquíectasías significativas
cirurgia redutora de volume pulmonar. - Nódulo pulmonar com indicaçao cirúrgica
- lobectomía ou esternotomía prévias
Pode-se dizer que o estudo de Cooper20 representou o - Infarto agudo do miocárdio ou insuficiência cardfaca há seis meses
renascimento da cirurgia redutora de volume pulmonar e, com FE < 45%
apesar do número pequeno de pacientes e do seguimento - Hipertensão pulmonar (média li: 35 mmHg, sistólica~ 45 mmHg no
médio de apenas seis meses, várias equipes começaram a cateterismo)
empregar o procedlli1ento clinicamente e em larga escala. - Cateterismo necessârio caso sistólica~ 45 mmHg no
ecocardiograma
O grande número de candidatos potenciais, as complica· - Uso de corticolde SIStbníco em dose equivalente a 20 mg/dia de
ções frequentes com morbimona(jdade elevada, a rea(jzação prednisona
indiscrimjnada em centros sem infraestrutura para a alta com- - lnfecç6es respiratórias de repetição com produ~o significativa dt
plexidade e, em especial, a perspectiva de gastos exorbitantes escarro
impuseram ao governo dos Estados Unidos, através do Natio· - Doença sistbníca ou neoplásica que comprometa a evoluçao
nal Heart Lung and Blood Instirure e do Center for Medicare - Teste da caminhada dos seis minutos com distâncias 140m
and Medicaid Services, a organização de um ensaio clínico pós-reabílitaç.!o
randomizado (National Empbyscma Trcatmcnt Trial) compa· CPT = capacidade pulmonar to"l; VR • volume residual; VH1 • volume expira tório
rando a cirurgia em questão com o tratamento clínico otimi· forçado no primtiro segundo; IMC • Indico de massa corporal; DLCO • difuslo de
zado, amparado em muito na reabilitação pulmonar. monóxido de carbono: FE • fraçio de ejeção.
•Critérios incluídos om m1io de 2001 .
fonte: Nat~l Emphysom• TrNtment Trial Research Group."
Bases fisiológicas da cirurgia redutora de
volume pulmonar
Existem vários mecanismos responsáveis pela melhora da cipararn de um programa de reabilitação por 6 a 10 semanas
função pulmonar. Entretanto, os mais estudados se referem antes da randomização. Com 608 pacientes randomizados
ao National Empbysema li'eatment 'Il'ial (NETI). para tratamento cirúrgico e 610 para tratamento clínico, os
O NETr' tinha por objetivo comparar a cirurgia reduto· resultados a curto prazo foram publicados em 2002. Apesar
ra de volume pulmonar com o melhor tratamento clínico em de uma mortalidade em 90 dias mais elevada para o grupo
termos de aumento de sobrevida e melhora da função pul- cirúrgico (7,9% vs. 1,3%), os índices se equivaliam após esse
monar, da capacidade de exercfcio e da qualidade de vida. período. As melhoras da capacidade de exercício, do teste de
Critérios de inclusão e de exclusão do NETI estão listados caminhada dos seis minutos e do VEF, foram todas signifi·
no QUADRO 44.8.2. O braço clínico do estudo oferecia estraté- cativamente maiores no grupo submetido à cirurgia.
gias de cessação do tabagismo, broncodilatadores, oxigeno· À medida que os dados eram coletados e as análises pre·
terapia, vacinação para influenza e pneumococo e programa liminares realizadas, pôde-se destacar um ~pode pacien-
de reabilitação pulmonar. Os pacientes do braço cirúrgico tes de alto risco para a cirurgia redutora. Os fatores que
foram submetidos a ressecção de 20 a 35% do parênquima diferenciavam esse grupo foram VEF1 menor do que 20%,
pulmonar de cada bemitórax com o auxfiio de sutura mecã· difusão de CO menor do que 20% e um padrão de enfise·
nica. A cobertura da linha de sutura com proteção de peri· ma homogêneo. 11 Dos 70 pacientes com essas características
cárdio bovino e a via de acesso (por estemotomia mediana submetidos a cirurgia redutora, 16% morreram em 30 dias.
ou cirurgia videoassistida bilateral) ficavam a critério de A partir desses resultados, o grupo do NETI' passou a consi-
cada centro. Além disso, todos os pacientes do estudo parti· derar essas características como critérios de exclusão.
Na tentativa de destacar fatores preditores de resposta • Teste da caminhada dos seis minutos > 250 a 300m
ao tratamento proposto, os investigadores estratificaram os
participantes em quatro grupos de acordo com duas caracte- O recente estabelecimento desses critérios funcionais re-
rísticas: a presença ou não de enfisema heterogêneo do lobo presentou um importante avanço na seleção dos melhores
superior e a capacidade de exercício (considerada como alta candidatos. O VEF 1 deve ser menor do que 35%, uma vez
ou baixa a partir de um ponto de corte de 25 Watts para mu- que valores acima desse patamar geralmente representam
lheres e de 40 Watts para homens). uma condição funcional compatível com atividade física ra-
Pacientes sem enfisema predominante no lobo superior zoável. Entretanto, deve ser maior do que 20%, pois valores
e com alta capacidade de exercício apresentaram maior mor- inferiores sugerem um dano pulmonar tão acentuado que
talidade e nenhum beneficio adicional em termos de capaci- haveria uma quantidade muito pequena de parênqu ima viá-
dade de exercício ou qualidade de vida quando submetidos a vel capaz de manter a função respiratória no pós-operatório.
cirurgia redutora. Pacientes sem enfisema predominante no Pacientes com esse grau de obstrução devem ser avaliados
lobo superior e com baixa capacidade de exercício não de- para transplante pulmonar.24
monstraram diferença em termos de mortalidade ou melhora Hipercapnia e difusão de CO inferior a 20% também
na capacidade de exercício, mas houve melhora na qualidade representam fatores de mau prognóstico em cirurgia redu-
de vida desses pacientes quando randomizados para cirurgia. tora. A hipertensão pulmonar é incomum em pacientes com
No caso de pacientes com doença predominante no lobo su- DPOC, de modo que uma pressão média na artéria pulmo-
perior e alta capacidade de exercício, a cirurgia redutora con- nar superior a 35 mmHg em geral representa um marcador
feriu melhora na qualidade de vida e na carga de exercício severo de gravidade da doença e dificilmente será uma con-
máxima atingida. O último grupo foi o que demonstrou os traindicação isolada ao procedimento. O volume residual
melhores resultados após a cirurgia: pacientes com doença acima de 150% do previsto revela de maneira inequívoca a
predominante no lobo superior e baixa capacidade de exer- hiperinsuflação do parênquima pulmonar. O teste da cami-
cício tiveram não somente melhorias na qualidade de vida nhada dos seis minutos é uma forma relativamente simples
e na capacidade de exercício, mas também um aumento na de avaliar a capacidade cardiopulmonar. Uma análise dos
sobrevida quando comparados com pacientes que receberam primeiros 47 pacientes submetidos a cirurgia redutora no
tratamento clinico otimizado. Interessantemente, esses bene- Massachusetts General Hospital mostrou que os principais
fícios se mantiveram até o seguimento por cinco anos. preditores de permanência hospitalar prolongada e de mor-
Após uma análise de custo-beneficio, as agências de talidade foram um teste da caminhada dos seis minutos com
saúde norte-americanas liberaram a cobertura da cirurgia distância inferior a 200 me uma pC02 igual ou superior a 45
redutora para pacientes sem critérios de alto risco e com en- mmHg no pré-operatório.25
fisema predominante nos lobos superiores ou enfisema não A avaliação cardíaca deve receber atenção especial,
predominante nos lobos superiores, porém com baixa capa- uma vez que muito se progrediu a respeito do conheci-
cidade de exercício. mento das repercussões sistêmicas da DPOC e do seu com-
Em urna análise de morbimortalidade dos pacientes sub- prometimento do coração? 6 Exames cardiológicos como
metidos a cirurgia que não faziam parte do grupo de alto ecocardiograma em repouso, avaliação de estresse com
risco previamente descrito, obteve-se uma mortalidade ope- dipiridamol e teste de esforço podem ser inviáveis em pa-
ratória de 5,5%, com 29,8% de complicações pulmonares?" cientes com DPOC em função da hiperinsuflação da caixa
O fator associado à maior mortalidade foi a presença de torácica, do risco de broncospasmo e da incapacidade de
enfisema não predominante no lobo superior, ao passo que realizar exercício até uma frequência cardíaca desejada,
idade avançada, menor VEF, e menor difusão de CO estive- respectivamente. A cintilografia de perfusão miocárdica
ram mais associados a morbidade respiratória. com tálio e a cinecoronariografia devem ser consideradas
Portanto, o NEIT22 mostrou, de forma consistente, que nesses casos. Embora os pacientes com morbidade car-
a cirurgia redutora de volume pulmonar possui indicações diológica si~ificativa tenham sido excluídos no NETI; 22
precisas e que, com base em critérios de seleção bem esta- uma revisão recente mostra uma interessante abordagem
belecidos, pode-se realizar o procedimento com resultados a esse tipo de paciente. Com resultados animadores e em
bastante favoráveis. casos muito bem selecionados, realizou-se a revasculariza-
ção do miocárdio através de uma estemotomia e, após a
reversão da anticoagulação requerida pela circulação extra-
Seleção dos candidatos: avaliação funcional corpórea, procedeu-se à redução do volume pulmonar no
Para ser considerado um candidato adequado à cirurgia re- mesmo tempo anestésico e pela mesma incisão.27 Portanto,
dutora de volume pulmonar, o paciente deve apresentar o doença coronariana isolada não figura como contraindi-
seguinte perfil funcional: cação absoluta à cirurgia redutora, devendo ser avaliada a
particularidade de cada caso.
• VEF, pós-broncodilatador entre 20 e 35% do previsto
• Pressão média na artéria pulmonar < 35 mmHg e
pressão sistólica na artéria pulmonar < 45 mmHg Seleção dos candidatos: avaliação por imagem
• PaC02 < 55 mmHg As radiografias de tórax em inspiração e expiração forçada
• Difusão de CO > 20 a 25% do previsto ilustram a notada incapacidade dos pulmões de expelirem o
• Volume residual > 150% do previsto ar aprisionado nas unidades respiratórias terminais. Thda-
via, o método de imagem que mais auxilia na seleção dos A cintilografia de perfusão pulmonar também fornece
candidatos e na escolha da estratégia operatória é a TC de uma representação gráfica das regiões mais afetadas. Con-
alta resolução. tudo, é muito provável que, com a disponibilidade de pro-
Entre os dados fornecidos pela TC, os de maior validade gramas de computação gráfica, a tomografia substitua esse
são a distribuição e a gravidade do enfisema. Para tanto, utili- método de imagem, pois não somente determina as regiões
za-se um protocolo que obtém imagens durante a inspiração mais afetadas pelo enfisema, mas também estima o grau de
máxima e divide o pulmão, do ápice até sua base, em três re- destruição do parênquima (FIGURA 44.8.4).
giões. Um radiologista experiente então avalia cada região e a
classifica de acordo com a extensão do enfisema (escala de Oa
4, onde Osignifica ausência de enfiSema e 4 significa presença Contraindicações
de enfisema em mais de 75% da área estudada). O enfisema Uma vez que se trata de procedimento de risco, mas sobretudo
é denominado heterogêneo quando existe diferença em pelo por abordar uma população com um estado funcional muito
menos duas das três áreas analisadas de um pulmão.28,..'>9 comprometido e frequentemente com importantes comorbi-
Pacientes com enfisema composto por bolhas maiores dades, a avaliação do candidato à cirurgia redutora de volume
são maus candidatos visto que a aerostasia nesses casos pode pulmonar deve atentar para a exclusão de contraindicações.
se tomar uma tarefa quase inatingível. O enfisema heterogê- Apesar de não figurar como contraindicação absoluta, os
neo predominante nas bases (geralmente pacientes com de- riscos da cirurgia dificilmente se justificam em pacientes acima
ficiência de alfa,-antitripsina) também representa um fator dos 75 anos. Além disso, muitas vezes essa população especial
de mau prognóstico. apresenta outros fatores que pesam no momento da indicação.
Com os avanços da tomografia helicoidal, é possível rea-
lizar a volumetria pulmonar. Por meio de programas digi-
tais, também é possível determinar as áreas que apresentam ~ATENÇÃO
maior aprisionamento aéreo associando uma cor específica
ao ar. Essas contríbuições da tomografia são fundamentais Fumantes ativos devem ser encaminhados para pro-
para se eleger quais áreas de parênquima pulmonar serão gramas de cessação do tabagismo e considerados
ressecadas (FIGURA44.8.3). para a cirurgia somente após um perfodo de seis me-
ses de abstinªncia. Além de contribuir para reduzir
a morbidade pós-operatória de forma significativa,
a cessação do tabagismo pode trazer melhora im-
portante na função pulmonar, a ponto de alguns
pacientes, com esta simples medida, ocasionalmente
ultrapassarem a indicação da cirurgia.""

Pacientes com obesidade ou desnutrição não são bons can-


didatos para a cirurgia, indicando a correção do distúrbio nu-
tricional no pré-Qperatório. Pacientes com deformidades acen-
tuadas da coluna vertebral, como cifose ou eseoliose, também
não apresentam os ganhos funcionais esperados. Essa situação
ocorre porque a modificação da posição do diafragma não traz
tantos benefícios em uma caixa torácica deformada.
FIGURA 44.8.3 7 Áreas de alçaponamento de ar coradas em azul na As aderências causadas por cirurgia torácica prévia po-
tom09rafia computadorizada helicoidal em expiração. dem transformar a tentativa de redução cirúrgica do volume

FIGURA 44.8.4 7 Cintilografia perfu-


sional, confirmando as áreas enfise-
matosas sugeridas pela radi09rafia de
tórax.
pulmonar em uma verdadeira catástrofe, uma vez que sua Um aspecto muito importante é a reabilitação nutricio-
liberação invariavelmente resulta em laceração do parênqui- nal, visando prevenir os riscos de procedimentos cirúrgicos
ma pulmonar enfisema toso, com um risco enorme de escape agressivos em pacientes desproteinizados.
aéreo prolongado. Caso o paciente preencha os critérios de indicação, inicia-
Apesar de alguns poucos grupos realizarem a cirurgia -se um programa de reabilitação que se estende por um pe-
em pacientes com enfisema homogêneo, essa condição foi ríodo de 6 a 10 semanas. O objetivo desse programa é atingir a
listada pelo NETI como de alto risco de mortalidade. Por melhor condição clínica possível para que o paciente possa se
essa razão, pacientes que não possuam enfisema heterogê- submeter ao estresse cirúrgico com menores índices de morbi-
neo predominante em lobos superiores são desconsiderados dade e mortalidade. Como descrito pelo NEIT,l.l o programa
para a cirurgia.22.3' de reabilitação ainda pode detectar pacientes que foram erro-
Uma importante exceção para essa regra diz respeito a neamente considerados bons candidatos na avaliação inicial
pacientes com deficiência de alfa,-antitripsina. Esses pacien- ou, de maneira interessante, melhorar tanto a capacidade de
tes frequentemente desenvolvem doença pulmonar avança- exercício a ponto de ficarem satisfeitos com a nova condição
da antes dos 50 anos de idade, de forma que uma terapia que adquirida e não mais desejarem o procedimento cirúrgico.
possa postergar o transplante por alguns anos contribuirá O tratamento clínico da DPOC deve ser otimizado. A
muito para prolongar a sobrevida. Os dados do NETI22 não eficácia de uma combinação de broncodilatadores de lon-
permitem conclusões quanto a essa condição, uma vez que ga duração com corticoides inalatórios deve ser avaliada.
ela esteve presente em apenas 1,3% de toda a população es- Em especial, regimes com tiotrópio inalatório associado a
tudada e resultados específicos não foram divulgados. salmetcrol-fluticasona inalatório já foram estudados pre-
Uma metanálise recente mostrou que existem 66 pacien- viamente com bons resultados. 32 Por todos os seus efeitos
tes com deficiência de alfa 1-antitripsina submetidos a cirurgia deletér ios, sobretudo em um paciente que se submeterá
redutora relatados na literatura, com melhoras substanciais ao estresse metabólico de uma cirurgia sobre parênquima
em termos de dispneia, teste da caminhada dos seis minutos e pulmonar bastante comprometido, os corticoides sistêmi-
provas de função pulmonar. 32 Caracteristicamente, não há cor- cos devem ser reduzidos à menor dose possível. Aceitam-
relação entre a melhora clínica c o ganho espirométrico nessa ·se para a avaliação cirúrgica pacientes em uso de uma
população, uma observação que fortalece o papel da hiperinsu- dose equivalente a 20 mg/dia de prednisona. A avaliação do
flação pulmonar na sensação de dispneia. De qualquer modo, NETI destacou a repercussão negativa dos corticoides sis-
o beneficio funcional da redução de volume na população com têmicos no pós-operatório da cirurgia redutora, mostrando
deficiência de alfa,-antitripsina é fugaz, com o paciente retor- que pacientes nessa condição apresentaram um índice de
nando à condição basal depois de alguns anos. Todavia, não se complicações cardiovasculares significativamente maior. 24
pode ignorar o significado positivo dessa postergação, especial- Um dado importante em nossa experiência de 146 pa-
mente considerando-se que tais pacientes estão a 20 ou 25 anos cientes operados é que um grupo significativo de pacientes
da idade-limite para o transplante e a redução de volume pode encaminhados para avaliação cirúrgica estava na verdade
significar uma ponte para o procedimento definitivo. sendo subtratado para DPOC.
Uma questão fundamental para obtenção de bons resulta- Em vários dos pacientes, depois de otimizado o trata-
dos é a avaliação da doença de base do paciente. Aqueles com mento clínico e corrigidos os problemas como sinusite, tra-
componente bronquítico exuberante ou com broncospasmo queobronquite, uso inadequado de broncodilatadores ou
de difícil controle são péssimos candidatos, com elevado risco corticoides e eventualmente refluxo gastresofágico, os novos
de exacerbações pós-operatórias. Portanto, esses pacientes, a valores das provas funcionais tornaram-se superiores àque-
exemplo daqueles com DPOC associada a bronquiectasias, les recomendados para a indicação da cirurgia redutora.
não devem ser submetidos a cirurgia redutora.
Questões como incapacidade de acompanhamento am-
bulatorial, impossibilidade de realizar um programa de rea- Cuidados anestésicos
bilitação pulmonar e necessidade de ventilação mecânica É fundamental que baja uma boa interação com a equipe
também figuram como contraindicações ao procedimento. anestésica para obtenção de sucesso com a cirurgia redutora.
O controle da dor inicia-se na sala de cirurgia e deve incluir
a colocação de um cateter peridural torácico para analgesia
Opreparo do paciente em bomba de infusão contínua, preferencialmente com ro-
pivacaína e fentanil. O círculo vicioso de dor, tosse ineficaz,
~ ATENÇÃO retenção de secreções, infecção pulmonar e insuficiência
respiratória aguda pode comprometer de modo significativo
A real vontade do paciente de se submeter a um o desfecho pós-operatório.
tratamento que demandará reabilitação pré e pós- Os candidatos à cirurgia redutora possuem doença pul-
-operatória, além de procedimento cirúrgico e per- monar avançada e um elevado risco para infecções respirató-
manência em unidade de terapia intensiva, deve ser rias. Além disso, esses pacientes geralmente apresentam al-
cuidadosamente avaliada. Uma estrutura hospitalar gum grau de imunossupressão decorrente da idade e do uso
diferenciada para auxiliar em todos os passos desde crônico de corticoides. Por esses motivos, a via aérea deve
o preparo até o acompanhamento relativo à cirurgia ser manejada de forma asséptica em todos os momentos, de
redutora de volume também é imprescindível. modo semelhante aos pacientes do transplante pulmonar.
A estratégia ventilatória também merece comentários. (previamente identificadas por tomografia ou cintilografia
A ventilação com volume corrente elevado e com tempo perfusional ou, ainda, detectadas no intraoperatório).
expiratório curto antes da abertura da cavidade torácica A ressecção pulmonar se faz com o auxílio de um gram-
pode ocasionar choque circulatório obstrutivo, uma vez que peador linear, o qual pode ou não ter a sua superfície de
a hiperinsuflação do pulmão pode levar a tamponamen· grampos reforçada por pericárdio bovino. Uma anâlise pré-
to cardíaco. Para evitar essa ocorrência, volumes corren- via comparou essas duas situações com base na randomiza-
tes de 7 a 8 mUkg devem ser utilizados com uma relação ção de 123 pacientes e demonstrou uma redução no tempo
inspiração:expiração de 1:3. de internação em 2 a 3 dias no grupo do pericárdio bovino.
Como o trauma da pressão positiva da ventilação mecâ- No entanto, o custo adicional do pericárdio bovino tornou
nica sobre a linha de sutura do parênquima pulmonar pode os gastos finais equivalentes. 33 No NETT, apenas 4,7% dos
contribuir para o tão temido escape aéreo prolongado, todos pacientes não receberam reforço na linha de sutura, dificul-
os esforços devem ser empregados para extubar o paciente tando a comparação dos resultados.
na sala de cirurgia. Para tanto, a administração de anesté- Apesar da hiperinsuflação decorrente do enfisema, é ne-
sicos halogenados deve ser interrompida uma hora antes cessário cautela para não se realizar uma ressecção muito
do término do procedimento. A anestesia intravenosa com extensa, de modo que o pulmão remanescente não preencha
agentes de curta duração facilita muito essa tarefa. toda a cavidade pleural. Caso isso ocorra, uma opção razoá-
vel é o descolamento da pleura parietal apical com cuidado
para formar uma tenda pleural.
Estratégia cirúrgica
Existem várias vias de acesso que podem ser empregadas
para realizar a cirurgia redutora de volume pulmonar. En- Complicações pós-operatórias
tre elas, destacam-se a esternotomia mediana (popularizada A persistência do escape aéreo após o sétimo dia pós-ope-
pelo estudo inicial de Cooper)/' a videotoracoscopia e a to· ratório continua sendo a complicação mais frequente da
racotomia bilateral. cirurgia redutora, inclusive nos casos em que se emprega o
Durante a realização do NETT, uma comparação quanto reforço na linha de sutura com pericárdio bovino ou f.oli-
à abordagem por estemotomia ou por videocirurgia também tetrafluoretileno (PTFE). No estudo inicial de Cooper ' em
foi realizada. Não foram observadas diferenças significativas 1995 e na sua sequência em 2003,:14 essa ocorrência foi regis-
em termos de mortalidade em 90 dias (5,9 vs. 4,6%), compli- trada em 11 de 20 e 113 de 250 pacientes, respectivamente.
cações intraoperatórias (7 vs. 13,8%) ou complicações pós· A preocupação é maior quando o pulmão não ocupa toda a
-operatórias (58,4 vs. 52%). Os resultados funcionais após cavidade e existe uma câmara de ar residual. Nessa situação,
um e dois anos também foram semelhantes. Entretanto, o existe o risco de infecção pleural, que é maior em pacien-
tempo de internação hospitalar foi um dia menor para os pa· tes com contaminação da via aérea. Além do escape aéreo
cientes do grupo da cirurgia minimamente invasiva, e o nú- prolongado, complicações respiratórias como pneumonia,
mero de pacientes que haviam retomado às suas atividades reentubação, necessidade de traqueostomia ou ventilação
habituais após um mês de pós-operatório foi 10,4% maior.2' mecânica prolongada não são incomuns.
Em nosso entendimento, a principal limitação da estemo- A drenagem pleural em aspiração contínua só tem sen-
tomia mediana reside na dificuldade de se liberar eventuais tido no caso de espaço pleural residual. É importante desta-
aderências pleurais. car que, caso a radiografia pós-operatória não mostre uma
Quanto à opção pela realização do procedimento bila- câmara de pneumotórax, o uso da aspiração contínua nos
teral ou unilateral, os defensores da primeira abordagem drenos é nocivo e somente perpetua a fístula alveolar, tor-
argumentam que os ganhos fisiológicos são muito maiores nando-se uma barreira para a cicatrização. Com o intuito de
e fundamentais para que o paciente suporte o trauma cirúr- diminuir o tempo de drenagem e estimular a formação de
gico. Já os entusiastas da segunda abordagem destacam que aderências pleuropulmonares, a pleurodese abrasiva ao final
os ganhos funcionais com a cirurgia redutora geralmente se do procedimento tem sido realizada com frequência. A pleu·
perdem após dois a três anos, havendo então a possibilida- rodese química com tetraciclina pode ser utilizada em casos
de de uma nova abordagem contralateral com o objetivo de de escape aéreo inalterado após 5 a 6 dias de pós-operatório.
prolongar os beneficios e postergar o transplante. Atenção especial deve ser empregada no momento da reali·
A indicação do procedimento unilateral é absoluta quan- zação da pleurodese. O cirurgião deve ter em mente que o
do o enfisema é muito heterogêneo e assimétrico, existe ci- paciente pode ser um potencial candidato para transplante
rurgia torácica ou pleurodese contralateral prévia, neoplasia pulmonar no futuro e que uma pleurectomia extensa nesse
no pulmão a ser ressecado, complicação intraoperatória no caso pode dificultar muito a pneumonectomia.
primeiro lado que impeça o prosseguimento para o outro ou, A experiência com 552 pacientes do NEIT que possuíam
ainda, no caso peculiar de paciente com enfisema submetido dados detalhados a respeito do escape aéreo foi detalhada por
previamente a transplante unilateral que apresenta hiperin- DeCamp e colaboradores.l5 Esse grupo mostrou que 90% dos
suflação acentuada do pulmão nativo. pacientes apresentaram escape aéreo no pós-operatório, com
Após a escolha da via de acesso e do lado a ser aborda· uma média de duração de sete dias. Pacientes com menor di·
do, a cirurgia em si consiste na remoção de cerca de 30% fusão de CO, predominância do enfisema nos lobos superio-
do volume pulmonar através da ressecção de 4 a 5 cunhas res e aderências pleurais no intraoperatório tiveram maior
da superffcie pulmonar envolvendo as áreas mais afetadas incidência e maior duração do escape aéreo. A raça branca,
o uso de corticoides ioalatórios e um VEF1 menor também de sua enfermidade em predominantemente apical, predo-
estiveram associados a um escape aéreo mais prolongado. No minantemente basal ou uniforme, sendo que este último
caso de pacientes com escape aéreo, a incidência de outras grupo foi excluído (QUADRO 44.8.3).
complicações foi maior (57 vs. 30% ), assim como o tempo de A análise dos grupos clinico (n = 610) e cirúrgico (n =
internação, quase duas vezes maior (11,8 vs. 6,5 dias). 608), perfeitamente randomizados, e com um tempo de se-
Na avaliação dos pacientes do NETI, Naunheim e co- guimento de 24 meses, permitiu as seguintes conclusões:
laboradoresu destacaram uma mortalidade de 5,5%, com
morbidade pulmonar de 29,8% e cardíaca de 20%. Um fator • A mortalidade nos dois grupos foi comparável no pe-
independentemente relacionado com mortalidade na análise ríodo de observação, ou seja, a cirurgia de redução de
multivariada foi a não predominância do enfisema nos lobos volume pulmonar não aumenta a expectativa de vida.
superiores, enquanto idade avançada, VEF, e difusão de CO • O aumento da capacidade de exercício (definido como
menores estiveram associados a complicações respiratórias um aumento maior do que 10 W) foi observado em 28,
e, finalmente, idade avançada, uso de corticoides sistêmicos 22 e 15% dos pacientes cirúrgicos, em 6, 12 e 24 meses,
e não predominância do enfisema nos lobos superiores fo- ao passo que melhora equivalente foi observada em ape-
ram preditores de complicações cardíacas. nas 4, 5 e 3% dos pacientes, em idênticos períodos de
Os resultados do NETT,22 publicados em 2003, visavam observação.
responder algumas perguntas cruciais: • A qualidade de vida foi considerada superior no grupo
cirúrgico.
• Qual a população que realmente se beneficia da cirurgia • A máxima capacidade de exercício (alta ou baixa) e a
de redução de volume? distribuição do enfisema (apicai ou basal) foram iden-
• Quanto tempo dura o benefício? tificadas como os elementos de maior valor preditivo da
• A cirurgia redutora de volume pulmonar aumenta a ex- evolução pós-operatória e permitiram a identificação de
pectativa de vida do paciente com enfisema? quatro grupos de pacientes com prognósticos diversos:
• Há vantagem em termos de qualidade de vida na popu- • Entre os 290 pacientes com doença apical e baixa ca-
lação cirúrgica? pacidade inicial de exercício, os pacientes do grupo
• A cirurgia videoassistida oferece alguma vantagem em cirúrgico tinham menor risco de morte do que os do
relação à técnica aberta? grupo clínico (taxa de risco de 0,47; P = 0,005), maior
probabilidade de aumentar mais de 10 W na capaci-
De todos os elementos estudados, ficou evidente que a dade de desempenho físico aos 24 meses (30 vs. O%;
distribuição do enfisema (apical ou basal) e a capacidade ini- P < 0,001) e maior probabilidade de aumentar 8 ou
cial de exercício (alta ou baixa) eram os elementos de maior mais pontos no St. George's Respiratory Questioo-
impacto no resultado cirúrgico. naire aos 24 meses ( 48 vs. 10%; P < 0,001).
Todos os pacientes foram avaliados quanto à capacida- • Entre os 419 pacientes com doença apical e alta ca-
de máxima de exercício (na bicicleta ergométrica com um pacidade inicial de exercício, a mortalidade foi simi-
aumento de 5 ou 10 W por minuto após três minutos pe- lar nos dois grupos. Contudo, os pacientes do grupo
dalando, com o ergômetro iniciando em O W e o paciente cirúrgico tinham maior capacidade de tolerância ao
respirando oxigênio a 30%). exercício (15 vs. 3%; P = 0,001) e melhor qualidade
Uma avaliação tomográfica de alta resolução permitiu de vida (41 vs. 11%; P < 0,001) do que o grupo clini-
que os pacientes fossem classificados quanto à distribuição co, quando comparados ao final de 24 meses.

QUADRO 44.8.3 ~ Quatro grupos resultantes das combinações entre a distribuição da doença (apicaVbasal) e a capacidade inicial de
exercício (alta/baixa)

l.).!l/1>! 10?11
Baixa capacidade de exercício Alta capacidade de exercício Baixa capacidade de exercício Alta capacidade de exercício

Mortalidade menor no grupo Mortalidade igual nos dois grupos Mortalidade igual nos dois grupos Mortalidade maior no grupo
cirúrgico cir~rgico

Desempenho físico em 24 meses Desempenho físico em 24 meses Desempenho físico em 24 meses Desempenho físico em 24 meses
maior no grupo cirúrgico maior no grupo cirúrgico igual nos dois grupos igual nos dois grupos

Melhor qualidade de vida no Melhor qualidade de vida no Melhor qualidade de vida no Qualidade de vida igual nos dois
grupo cirúrgico grupo cirúrgico grupo c.irúrgico grupos
• Entre os 149 pacientes com doença basal e baixa ca- ocorrência sincrônica dessas duas situações é frequente (FIGU-
pacidade de exercício, a comparação demonstrou RA 44.8.5). A avaliação desses pacientes por uma equipe ex-
igual risco de morte nos dois grupos, bem como uma periente é fundamental, pois a análise de estudos funcionais
probabilidade semelhante de aumentar a capacidade isoladamente muitas vezes pode, à primei.ra vista, onntraindi-
de desempenho físico em dois anos (12% no grupo ci- car uma ressecção pulmonar. A maior incidência de tumores
rúrgico vs. 7% no grupo clínico; P = 0,50), mas os pa- nos lobos superiores, em geral os mais afetados pelo enfise-
cientes cirúrgicos tiveram melhor qualidade de vida ma, permite, com alguma frequência, a feliz circunstância de
no período estudado (37 vs. 7%; P = 0,001). que a cirurgia que removerá o tumor seja também redutora
• E, finalmente, entre os 220 pacientes com doença de volume, aumentando a capacidade pulmonar do paciente.
basal e alta capacidade inicial de exercício, o grupo Outra situação que merece destaque é o achado inespe-
cirúrgico revelou uma mortalidade maior no período rado da neoplasia somente no intraoperatório ou no relató-
de dois anos (P = 0,02), e probabilidades similares de rio do patologista após o estudo do material proveniente da
aumentar o desempenho físico (3% em ambos os gru- cirurgia redutora. Essa ocorrência foi relatada em 11 dos 325
pos) e uma qualidade de vida igualmente onmparável pacientes operados por McKenna e colaboradores,:J<õ todos
ao final dos 24 meses (15 vs. 12%; P =0,61). com tumores precoces (T1).

Ultrapassada a fase experimental e a curva de aprendiza-


do, a cirurgia redutora de volume pulmonar alcançou depois
do protocolo do NETT a sua plena maturidade, com indi-
Transplante pulmonar
cações precisas e resultados previsíveis. Em casos rigorosa- A experiência inicial do transplante pulmonar em enfisema
mente selecionados, conduz a benefícios indiscutíveis, com foi desastrosa. O estudo de Stevens e colaboradores," de
uma paliação transitória, porém inegável. 1970, mostrou que o procedimento era tecnicamente factí-
As dificuldades do manejo pós-operatório restringem a vel, mas questionou a tolerabilidade fisiológica do transplan-
sua utilização a centros experimentados em procedimentos te unilateral nesses pacientes. O problema enfrentado nos
de alta onmplexidade. dois casos relatados foi a hiperinsuflação do pulmão nativo,
Os dados do NEIT,22 perfeitamente corroborados pela com hipoxemia severa por desproporção ventilação/perfu-
experiência internacional, permitem identificar quatro gru- são. Como conclusão, os autores destacaram que o enfise-
pos com perspectivas e resultados distintos. ma era uma contraindicação ao transplante pulmonar e, por
Os órgãos financiadores da saúde devem obrigatoriamen- quase duas décadas, isso foi aceito.
te pagar a cirurgia dos pacientes do primeiro grupo (doença Em 1989, um grupo francês publicou o primeiro caso
apical e baixa capacidade inicial de exercício), certamente não bem-sucedido de transplante pulmonar unilateral por enfise-
pagarão os pacientes do quarto grupo (doença basal e alta ca- ma ..l3 A partir desse relato, somado à experiência clínica ad-
pacidade de exercício) e vão seguramente exigir uma avalia- quirida com 15 anos de transplante, conceitos antigos foram
ção individualizada dos pacientes dos grupos intermediários. revisados: nos casos previamente descritos e malsucedidos,
a hiperinsuflação do pulmão nativo se devia basicamente à
redução de volume do pulmão transplantado em função de
Cirurgia redutora de volume pulmonar e câncer rejeição crônica. Algum grau de hiperinsuflação do pulmão
de pulmão nativo sempre ocorre pós-transplante unilateral por enfise-
Sendo o tabagismo um importante fator de risco tanto para ma, mas em apenas uma minoria dos casos essa oonrrência
o enfisema quanto para a neoplasia primária de pulmão, a se torna significativa a ponto de provocar instabilidade ven-

FIGURA 44.8.5 ~ Paciente de 58 anos, ex-fumante, com quadro de dispneia, dor torácica e perda de peso. Investigação com achado de lesão es-
cavada no lobo superior direito. além de enfisema heterogêneo concentrado nos ápices (A). A cintilografia pulmonar mostrou mínima perfusão no
lobo superior direito (6%) (B). O paciente foí submetido a lobectomía superior direita (0 com linfadenectomia mediastinal- carcinoma epidermoide,
estadiamento patológico T2NO. O seguimento espirométrico mostra VEF, pré-operatório de 0,94l (26%), com melhora para 1,54 L (43%) no terceiro
mês de pós-operatório.
tilatória ou hemodinãmica. Uma vez que o pulmão trans- QUADRO 44.8.5 ~ Contra indicações absolutas ao transplante
plantado apresenta menor resistência ao fluxo de ar, alguma pulmonar
desproporção ventilação/perfusão é esperada, porém essa
situação não impossibilita a realização do transplante. Instabilidade dínica grave
Infecção ex1r.lpulmonar ativa
Ocandidato ao transplante pulmonar
O momento da indicação do transplante em pacientes com Disfunção de órglos-alvo, espeàalmente rim e ligado (agressAD por
enfisema é uma tarefa muito delicada. Pacientes com doença imunossupressores)
avançada podem tomar um curso relativamente estável com Neopla5ia tratada há menos de dois anos (com exc~ão dos
um bom prognóstico. carcinomas escamoso e basocelular de pele)
Infecção pelo vírus da imunodefici~ncia humana (HIV)
' !El · AT~NÇÃÔ ----
Positividade para antígeno da hepatite B
• ··1 • • r • - •

)Como caracterfstlcas gérais;:o candidato l dear:ao ·, Hepatite Ccom dano hepático comprovado anatomopatologicamente
: transplante pulmonar deve possuir pneúmo.pátià
com grave limitação funcional e sem outras alter- · Coronariopatia intrat~vel (mesmo com angioplastia ou
revascularização cirúrgica) ou associada a disfunção ventricular
. · nativas terapêuticas, expectativa de vida inferior .a ' esquerda grave (em casos muito bem selecionados. pode ser
· 18 meses, ausência de comorbidades, idade inferio'r·· considerado o transplante coraçao-pulmão)
·· a 65 anos, condiçao psicossocial e suporte familia·r
:,adequad!ls, além.de mu.ita m_otivação para viver. • · Tabagismo ativo
Ausência de adequada estrutura social e familiar de apoio
Critérios especfficos de indicação de transplante em en-
fisema são listados no QUADRO 44.8.4.
Idealmente, o paciente ainda deve apresentar pouca tos-
se, componente bronquftico mfnimo, quadro clínico estável, Contraindicações relativas
condição nutricional adequada, sem sinais de ror pu/mona/e, e A experiência tem demonstrado que certas condições clini-
ausência de hipertensão pulmonar. O lndiec de BODE é um cas aumentam o risco do transplante (ventilação mecânica e
escore recente que inclui IMC, grau de dispneia (de acordo cirurgia torácica prévia), ou tendem a se agravar pelo trata-
com a escala de dispneia Modified Medicai Research Coun- mento medicamentoso indispensável pós-transplante (hiper-
cil- MMRC), VEF, e teste da caminhada dos seis minutos.)!I tensão, osteoporose, diabete melit.o), e nesses casos a rela-
Os pacientes com deficiência de alfa 1-antitripsina geral- ção risco-beneficio precisa ser analisada individualmente.
mente são mais jovens e têm um curso pós-operatório mais
previsível do que os pacientes com enfisema tabágico, o que Anaffabetismo
se explica pela enorme heterogeneidade de idade e de crité- Ainda que represente uma condição desfavorável, pode ser
rios de gravidade adotados nesse segundo grupo. compensada pela disponibilidade de um familiar que possa
O candidato deve ser incluído em um programa de reabili- administrar os cuidados indispensáveis.
tação pulmonar. O teste da caminhada dos seis minutos é um
imponante fator prognóstico, apontando para um desfecho
desfavorável quando a distância percorrida é inferior a 300 m.40 Ahas doses de corticoide
O uso prévio de corticoide é muito frequente entre os candi-
datos a transplante de pulmão, e no infcio da experiência a
Contraindicações ao transplante pulmonar utilização foi proscrita no periopcratório pela suspeita de in-
O QUADRO 44.8.5 apresenta as contraindicações absolutas ao terferência com a cicatrização brônquica. Atualmente se sabe
transplante pulmonar em indivfduos com enfiSema pulmonar. que uma dose de 0,2 a 0,3 mg/kg de prednisona é tolerável no
pré-operatório, sem interferir com risco cirúrgico.' Por outro
lado, a necessidade de doses maiores do que 20 mg/dia não
QUADRO 44.8.4 ~ Critérios de indicaç~o de transplante em é frequente, pelo menos a partir do momento em que se ad-
enfisema mite a falência do tratamento clinico e se cogita transplante.

Índice de BODE entre 7 e 10 associado a pelo menos um dos Coronariopatia


seguintes achados:
Mesmo que assintomáticos, pacientes com mais de 45 anos de-
1. História de hospitaliuçlo por exacerbaçAo com hipercapnia
vem ser submetidos a rastreamento para coronariopatia. Em
2. HipertensAo pulmonar ou cor pu/mona/e a despeito de
caso de confirmação, a gravidade c a alternativa de tratamen-
oxigenoterapia
to devem ser avaliadas para então se decidir pela indicação
3. VEF1 < 20% t DlCO < 20% ou enfisema homogêneo
ou contraindicação do transplante. Existem relatos de rcvas-
cularização miocárdica realizada no mesmo tempo anestésico sobrepeso (IMC de 25 a 29,9 kg/m2) e obesos (IMC > 30
que o transplante.41 Na série de 268 pacientes transplantados kg/m2). Entretanto, essa limitação foi significativa apenas no
47
na Washington University, os 33 pacientes com coronariopa- primeiro ano pós-transplante.
tia leve (obstrução < 30%) ou moderada (obstrução de 30 a
50%) apresentaram resultados semelhantes aos demais.<2
Neoplasia prévia
O risco de recidiva de uma neoplasia previamente tratada
Osteoporose sempre existe, e sua progressão pode ser acelerada pela imu-
A osteoporose sintomática ou assintomática pode se agravar nossupressão. Em um relato que descreve receptores renais
com a manutenção da corticoterapia. Muitas vezes, o retor- submetidos a tratamento de neoplasia antes do transplante,
no a uma atividade física normal pós-transplante evidencia a 22% desenvolveram recidiva pós-transplante e 53% dessas
péssima condição osteoarticular desses pacientes que eram recorrências aconteceram naqueles que haviam sido trans-
assintomáticos enquanto sedentários. A densitometria óssea plantados de rim nos dois primeiros anos após o tratamento
deve fazer parte da avaliação dos pacientes em uso crônico da neoplasia de base. 48
de corticoide, e o tratamento ou a prevenção precisam ser
iniciados precocemente.
Alossensibilizaçáo
Um potencial receptor altamente sensibilizado é um proble-
Ventilação mecânica ma grave. A geração de anticorpos aos antígenos dos leu-
Na análise da base de dados da United Network for Organ cócitos humanos (HLA) pode ser induzida por transfusões
Sharing (UNOS), os resultados dos pacientes transplantados sanguíneas, gestação ou transplante prévio. Os aloanticor-
em ventilação mecânica são piores, porém ainda aceitáveis, pos específicos são identificados in vitro por um teste que
com sobrevida em 1 e 2 anos de 62 e 57%, respectivamente.•l confronta o soro do receptor com os linfócitos de pessoas da
população geral (30 a 40 indivíduos), constituindo o que se
chama "painel de células".
Infecção crônica
Quando os anticorpos estão presentes, há risco de rejei-
Em pacientes com enfisema, o que se pode observar são ção hiperaguda.49 Com um painel positivo para mais do que
indivíduos com exacerbações frequentes ou colonização da
5 a 10%, torna -se imperiosa a realização de prova cruzada
via aérea. Ao contrário de pacientes portadores de fibrose cada vez que surge um potencial doador. Como esse exame
cística com colonização por Burkholderia cepacia, os germes demanda 4 a 6 horas, essa situação representa uma desvan-
colonizantes não contraindicam o procedimento, mas apon-
tagem para o candidato a transplante de pulmão, e algumas
tam para necessidade de transplante bilateral. vezes se opta por outro receptor, com painel negativo, para
não atrasar o processo de retirada dos órgãos.
Cirurgia torácica prévia Para exemplificar o impacto negativo do painel positivo
Procedimentos simples como drenagem de pneumotórax, no transplante, Shah e colaboradores50 analisaram 10.237
biópsia a céu aberto ou uma lobectomia não complicada pacientes e observaram decréscimo na sobrevida à medida
não aumentam o risco cirúrgico pós-transplante pulmonar," que havia um aumento da reatividade imunológica do pai-
porém operações mais complicadas como cirurgia cardíaca nel. Com a consolidação de novos métodos de preservação
prévia, pleurodese ou pleurectomia aumentam as dificulda- pulmonar, principalmente a perfusão ex vivo, haverá um
des de retirada do órgão a ser transplantado e acrescem ris- maior intervalo entre a captação do órgão e seu implante,
co de sangramento, sobremaneira quando há necessidade de possibilitando a realização da prova cruzada sem detrimento
circulação extracorpórea, pela heparinização indispensável da função do enxerto.51
durante o procedimento. 29 Uma situação específica envolve
a população com enfisema submetida em um primeiro mo-
mento à cirurgia redutora de volume pulmonar (CRVP) e
Fisiologia do pulmão transplantado
O segu imento com espirometrias seriadas mostrou que os
que posteriormente foi encaminhada ao transplante. A ex-
periência, aind a que limitada, sugere que a CRVP prévia maiores ganhos funcionais ocorrem do sexto ao nono mês
pós-transplante. Durante as avaliações, uma queda da capa-
não reduz a perspectiva de sucesso de ulterior transplante
de pulmão.'5 cidade vital forçada (CVF) ou do VEF, superior a 12% suge-
re complicação infecciosa ou rejeição aguda.52
Em geral, pacientes transplantados bilateralmente atin-
Estado nutricional gem valores normais de espirometria (VEF, e CVF > 80% ).
Os pacientes nos extremos de nutrição, os obesos e os mal- Entretanto, alguns podem apresentar valores moderada-
nutridos, representam risco aumentado no pós-operatório. mente inferiores que costumam ser atribuídos a alterações
Usando-se como referência o IMC, demonstrou-se que ele restritivas da toracotomia/esternotomia ou a algum grau de
tinha valor preditivo de mortalidade e que os grupos de IMC disfunção diafragmática pós-operatória. Uma vez que as al-
< 17 kg/m e IMC > 27 kg/m2 apresentavam mortalidade terações na caixa torácica de pacientes enfisematosos são
maior nos primeiros 90 dias de pós-operatório.46 Em recente reversíveis, os volumes pulmonares pós-transplante tendem
avaliação dos dados da UNOS, observou-se maior morta- a retomar a valores normais, independentemente do grau de
lidade em pacientes desnutridos (IMC < 18,5 kgtm\ com hiperinsuflação pré-operatória do tórax. Em uma casuística
britânica, a capacidade pulmonar total de pacientes com en- Aescolha do tipo de transplante: bilateral
fisema havia retomado a valores normais no primeiro mês
pós-transplante.$3
versus unilateral
No transplante bilateral, a relação VEF1/CVF, a gaso- As informações do registro da International Society for Heart
metria arterial e a pressão na artéria pulmonar também vol- and Lung nansplantation apontam para urna forte tendência
tam rapidamente a valores normais. No caso do transplante ao procedimento bilateral em pacientes com enfisema. O au-
mento foi progressivo, com menos de 20% de procedimentos
unilateral, o desempenho funcional dependerá sobretudo
bilaterais em 1994 e mais de 60% em 2007.5"
da interação entre o pulmão transplantado c o pulmão nati·
O transplante unilateral por enfisema é o procedimento
vo. No pós-operatório imediato, a hiperinsuflação pulmonar
mais simples em termos técnicos (FIGURA 44.8.6), e os casos
pode restringir a ventilação do pulmão transplantado, assim
que exigem circulação extracorpórea são raros, com tempos
como limitar o retorno venoso para o ventrículo direito,
de isquemia obviamente mais curtos e menor incidência de
ocasionando colapso circulatório. Para reduzir esses riscos,
complicações pós-transplante.
muitas vezes prefere-se a utilização de pulmões ligeiramen-
Outra vantagem do transplante unilateral é a possibili-
te maiores do que o previsto para o tamanho do receptor.
dade de uúlizar•se o outro pulmão em outro receptor, o que
No pós-operatório tardio, o pulmão transplantado pare- deve ser sempre festejado considerando-se a crônica escas-
ce menor do que o nativo, o qual aparece com algum grau de
sez de doadores.
hiperinsuOação. Apesar dessas discrepâncias volumétricas,
Já o transplante bilateral consiste em um procedimento
observa-se uma melhora substancial tanto nas provas espi- cirúrgico mais complexo, exigindo o uso de circulação extra-
rométricas quanto nos valores da gasometria arterial. Com a corpórea em pelo menos 20% dos casos, com tempos de is-
melhora da função diafragmática, a função pulmonar ganha quemia mais prolongados.
um incremento durante o primeiro ano pós-transplante. Em termos de sobrevida, os dois tipos de transplante se
Em uma análise de pacientes submetidos a transplante equivalem até o primeiro ano, havendo contudo uma vanta-
unilateral, observou-se melhora em um ano do VEF1 (de 16 gem a favor do bilateral após esse período.
para 54%), da CVF (de 43 para 62%) e da Pa0 2 (de 58 para Na análise de 306 pacientes transplantados entre 1988 e
90 mmHg). A cintilografia nesses pacientes mostrou que o 2000 pelo Grupo de Saint Louis,$8 com 220 pacientes porta-
pulmão transplantado respondia por 84% da ventilação e dores de enfisema difuso e 86 pacientes com deficiência de
80% da perfusão pulmonar total$< Apesar dessas melhorias, alfa 1-anútripsina, a monalidade cirúrgica e a sobrevida em
a conformação torácica não volta totalmente ao normal, per- cinco anos foram comparáveis nos dois grupos, mas a sobre-
manecendo a capacidade pulmonar total em 110 a 120% do vida em cinco anos foi superior no grupo tratado com trans-
previsto após o transplante unilateral. plante bilateral (66,7%) quando comparado com o grupo de
A despeito dos ganhos funcionais e de gasometria, as transplante unilateral ( 44,9%; P < 0,005).
provas de exercício físico não apresentam evolução tão pro- Também no campo funcional os ganhos com o transplan-
nunciada. Em análises de pacientes transplantados, o con- te bilateral são nitidamente superiores. Em uma análise da
sumo máximo de oxigênio foi diminuído, havendo também casuística da Washington University, os ganhos espiromé-
achado de uma capacidade oxidativa muscular reduzida. tricos com o transplante bilateral são claramente maiores
Além disso, limitações em exercícios de desempenho foram já a partir dos três meses (com quase 1 L de VEF 1 de van-
atribuídas a uma capacidade de trabalho muscular reduzida tagem).l8,.!9 Ao atingir o primeiro ano de transplante, essa
na musculatura periférica. Entre outras explicações, irnplica- diferença se toma ainda mais pronunciada (próximo de 1,5
·se o descondicionamento frequente desses pacientes, assim L) . Com a inclusão dos pacientes submetidos à CRVP nes-
como alguma contribuição da miopaúa induzida pelo uso sa análise, observou-se que os valores de espirometria dos
crônico de corticoides.S5.S6 transplantados unilaterais estavam muito mais próximos

AGURA 44.8.6 ? Paciente de 52 ano$ com


enfisema pulmonar. A avaliação pré-ttans·
plante mostrou pad rão homog~neo de
doença, com VEF, de 19%, sem hipertenslo
pulmonar assoóada.
desse grupo do que dos transplantados bilaterais. Entretan- escolha de doadores maiores do que o receptor, ou seja, um
to, quando se parte para a avaliação da capacidade de exer- pulmão de doador capaz de preencher a caixa torácica do re-
cício, expressa pela distãncia no teste da caminhada dos seis ceptor distendida pelo enfisema, é uma medida importante,
minutos, as diferenças entre os procedimentos não são tão porque o pulmão grande compete por espaço com o pulmão
evidentes assim. nativo hiperinsuflado, desfavorecendo o desvio homolateral
do mediastino quando se usam pulmões menores do que a
cavidade.
~ATENÇÃO
Riscos e beneficios do transplante pulmonar
Atualmente, o transplante bilateral tem indicações De acordo com o último relatório da Intemational Society
precisas em pacientes jovens, com menos de 50
for Heart and Lung Transplantation (ISHLT), a sobrevida
anos, portadores de deficiência de alfa,-antit ripsina,
em um e em cinco anos para pacientes submetidos a trans-
portadores de colonização da via aérea ou com com-
plante pulmonar foi de 79 e 52%, respectivamente, com
ponente bronquftico ou bronquiectásico. Já o trans-
uma sobrevida média de 5,4 anos. 57 Quando essa avaliação
plante unilateral deve ser a escolha para pacientes
é estratificada de acordo com o diagnóstico pré-transplante,
mais idosos, com mais de 60 anos, que possuem
observam-se as melhores sobrevidas em três meses para pa-
doença muito assimétrica evidenciada pela tomo-
grafia e especialmente pela cintilografia de perfusão cientes com DPOC e com fibrose cística (91% para ambos),
com os piores resultados para fibrose intersticial e hiper-
pulmonar. Quanto aos pacientes que não se encai-
xam nesses grupos, existe forte tendência ao trans- tensão pulmonar (86 e 78%, respectivamente). Entretanto,
plante bilateral pelos ganhos antes demonstrados, quando a análise é focada na sobrevida a longo prazo, in-
devendo-se, no entanto, levar em consideração a cluindo pacientes que sobreviveram pelo menos até o pri-
realidade de cada centro (disponibilidade de doado- meiro ano, os portadores de DPOC e fibrose têm os piores
res, experiência com o procedimento, cuidados pós- resultados (28 e 30% de sobrevida em 10 anos, contra 48%
-operatórios). para pacientes com fibrose cística). Esse dado provavelmen-
te reflete o fato de pacientes com DPOC apresentarem uma
idade mais avançada, além de maior comprometimento mul-
tissistêmico pela doença de base.
Aescolha do lado a ser transplantado Em uma análise dos dados da UNOS com o objetivo de
O transplante unilateral, como exposto antes, é uma opção determinar o benefício conferido pelo transplante, foram
técnica mais simples. A ausência de aderências pleuropul- comparadas as curvas de sobrevida de pacientes em lista de
monares e a amplitude da caixa torácica fazem com que o espera com a expectativa de sobrevida após o procedimen-
portador de enfisema seja um candidato excelente para o to. 59 A partir de um modelo estatístico, foi observado um
transplante unilateral e, certamente, ideal para o início de aumento no risco relativo de morte imediatamente após o
um programa de transplante pulmonar. A exemplo das ou- transplante, refletindo as complicações do perioperatório.
tras doenças, a tendência natural é de se realizar o transplan- Para pacientes com fibrose cística e fibrose idiopática,
te do lado mais afetado. Essa seleção se faz com base nos esse risco precoce conferido pelo transplante foi menor do
dados da cintilografia perfusional e da TC. que o risco de mortalidade durante a permanência em lista
Quando a doença enfisematosa for simétrica, a opção é de espera, refletindo a gravidade dessas duas condições. No
pelo pulmão direito. Uma das vantagens dessa estratégia é caso do enfisema, uma vez que a doença tende a seguir um
o uso do pulmão maior. A outra vantagem é que, se ocor- curso estável e os tempos de espera são longos, o risco relati-
rer hiperinsuflação do pulmão nativo, os danos funcionais vo do transplante é maior do que o de permanência em lista.
de compressão mecânica serão menos evidentes se o pulmão Obviamente, deve-se pesar os ganhos funcionais e de
hiperinsuflado estiver à esquerda, onde há maior facilidade qualidade de vida contra os riscos do procedimento. Uma
de reacomodação espacial pelo descenso mais fácil do fígado crítica a essa análise da UNOS é que, extraoficialmente, uma
e, muito importante, a compressão cardíaca se fará sobre ca- vez que a escolha do paciente a receber um órgão partia
vidades de pressão alta, com mínima ou nenhuma repercus- sobretudo do tempo em lista de espera, os médicos tinham
são hemodinâmica. Exatamente o contrário do que ocorre uma tendência a incluir mais cedo os seus pacientes. Essa
à direita, onde a compressão menos significativa, mas sobre situação- de forma evidente - aumentava muito a sobrevida
cavidades de pressão baixa, repercutirá de forma drástica no durante a espera, podendo conferir um importante viés para
retomo venoso. esse estudo.
O uso de regime ventilatório adequado ao enfisema no Com o objetivo de evitar que isso continue se repetindo,
transoperatório e o desmame precoce da ventilação mecâni- os Estados Unidos passaram a alocar os pulmões disponíveis
ca no pós-operatório são as recomendações mais importan- de acordo com um escore que contempla o risco de óbito du-
tes para evitar a hiperinsuflação do pulmão nativo. rante a espera pelo órgão. Implantado desde 2005, análises
O risco de hiperinsuflação também aumenta quando se recentes mostram que já se observa uma redução do tempo
usam pulmões menores do que a cavidade pleural no trans- de espera assim como uma redução na mortalidade em lista
plante unilateral por enfisema. Na experiência do serviço, a de espera.60
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à perda ponderai e à desnutrição, constituem-se em fatores Dispositivos e resultados
preditivos de mortalidade em doença pulmonar obstrutiva
crônica (DPOC). Os dispositivos para o tratamento endoscópico do enfisema
O tratamento dessa condição inclui o uso de broncodi· heterogêneo podem ser divididos em dispositivos bloquea-
latadores, corticoides e oxigênio e o tratamento das exacer- dores (p. ex., válvulas unidirecionais), não bloqueadores re·
bações e infecções, cujo resultado depende da gravidade do versíveis ou removíveis (p. ex., coils ou molas) e não bloque·
acometimento pela doença. A associação de um programa adores não reverslveis ou definitivos (ablação térmica por
de reabilitação pulmonar às medidas terapêuticas usuais re- vapor e obstrução endobrônquica por polúneros). Dentre os
duz a sensação de dispneia, melhora a qualidade de vida e procedimentos direcionados para o enfisema homogêneo,
reduz o número de internações hospitalares sem, no entan- os bypass das vias aéreas interno (endobrônquico) e externo
to, causar impacto significativo na sobrevida.' (transcutãneo) têm sido os mais estudados.
As opções atuais de tratamento cirúrgico do enfJSCma in-
cluem a bulectomia, a cirurgia redutora de volume pulmonar
(CRVP) e o transplante pulmonar. Apesar de seus benefí- Dispositivos bloqueadores
cios, todas possuem indicações específicas e morbimortali- Válvulas unidirecionais
dades consideráveis. As válvulas unidirecionais são os únicos dispositivos já va-
A CRVP surgiu ainda nos anos de 1950,2 mas a primeira lidados para uso clinico. O modelo Zephyr• (Pulmonx,
série de casos realizada com sucesso foi publicada somente Redwood City- CA, EUA) (FIGURA 44.9.1) é de instalação
na década de 1990? Os estudos randomizados demonstra· broncoscópica, podendo ser removido em caso de necessi·
ram que os beneficios funcionais e a redução da mortalidade dade. A redução volumétrica pulmonar endoscópica tem
por doença restringem-se aos pacientes com baixa capacida- por objetivo promover uma desinsuflação progressiva, le-
de de exercício e doença acometendo predominantemente vando a uma reconfiguração diafragmática e melhora fun·
os lobos superiores.• A despeito dos resultados da CRVP, cional pulmonar, da capacidade de exercício e da qualidade
ainda permanecem controvérsias fundamentadas na sua de vida. O sucesso do método estaria relacionado com a
elevada mortalidade, na duração dos benefícios e nas con· presença de cissura completa, o que reduziria a ventilação
clusões dos estudos multicêntricos como o National Emphy- colateral que tende a reinsuflar o lobo após o procedimento.
sema Treatment Trial (NEIT).s Uma análise recente dos da- Um novo método de quantificação da ventilação cola-
dos do NETf revelou que somente 45% das CRVP haviam teral foi proposto recentemente. Compõe-se de um disposi·
sido realizadas em portadores de enfiSema heterogêneo tive de análise dos fluxos e pressões segmentares realizado
acometendo os lobos superiores, e que mais da metade dos por via broncoscópica, por meio de um sistema de oclusão
pacientes havia se perdido do acompanhamento de cinco endobrônquica seletiva por balão (Chartis'", Pulmonx, Re·
anos, o mesmo ocorrendo no grupo de tratamento médico, dwood City - CA, EUA). Esse sistema auxilia na orientação
cuja perda de acompanhamento foi de 51 % dos pacientes dos segmentos a receberem as válvulas mediante determina-
em cinco anos.• ção do índice de ventilação colateral e fluxo aéreo em cada
Atualmente, tem sido observada uma evolução dos lobo e segmento durante o exame broncoscópico.8 O lobo
métodos de quantificação e mapeamento das áreas en· ou segmento que apresentar o menor índice de ventilação
fisematosas mediante a introdução de novos softwares de colateral será o local escolhido para a instalação das válvu-
análise que se utilizam da aquisição normal das tomogra- las. Um estudo clínico recente com tal sistema revelou uma
fias helicoidais. Isso permite um melhor planejamento dos correlação positiva (90%) entre os achados do método de
procedimentos, bem como uma previsão dos resultados das avaliação de resistência e os casos em que se obteve redução
intervenções propostas. volumétrica com atelectasia após a instalação das válvulas
unidirecionais.9
Os estudos clínicos com dispositivos valvulares são reali-
[?.}ATENÇÃO: zados em população heterogênea, o que reduz o impacto dos
resultados. Por exemplo, a eficácia em 90 dias pós-implante
Em paralelo aos estudos para a avàliaÇ~o dâ etiC:áêia ~
da CRVP. diferentes métodos endoscópicos vêm sen,
do desenvolvidos e observados experimentalmente e ·
·. testados em estudos clfnicos, em uma tentativa de"se
encontrar alternativas não cirúrgicas para a redução
:. volumétrica do_pulmão enfisematoso.'

Este capítulo tem como objetivo descrever os dispositi·


vos em uso para a obtenção de redução volumétrica por via
transbroncoscópica, tanto aqueles ainda sob avaliação quan-
to os já validados para uso clinico, apresentando os resulta· FIGURA 44.9.1 -+ Válvula unidirecional do tipo Zephyr• (PulmonJC.
dos dos estudos clínicos atuais. Redwood City - CA. EUA).
em um estudo clínico não controlado que incluiu 98 pacien- bar até um mês após a colocação de válvulas tinham melhor
tes tratados com válvulas unidírecionais 10 revelou 4,9% de sobrevida em relação aos demais.
redução do volume residual (VR) e 10% de incremento no O pneumotórax espontâneo foi a complicação mais fre-
volume expiratório forçado no primeiro segundo (VEF,), quente (até 10% dos casos), sendo que a quase totalidade
tendo apresentado 8% de efeitos adversos graves e 1% de foi resolvida espontaneamente, com exceção de um caso
mortalidade. no qual houve a necessidade de remoção da válvula para a
Um estudo realizado no Brasil" com as mesmas válvulas sua resolução."·'3 O órgão regulatório dos Estados Unidos
unidirecionais incluiu 19 pacientes com difusão de monóxido (Food and Drug Administration - FDA) ainda não apro-
de carbono (DLCO) < 45% e VR > 130%. Os resultados vou seu uso clínico fora de protocolos de pesquisa sob a
após 30 dias revelaram aumento do VEF, de 28 para 31% do alegação de a resposta funcional não ter sido clinicamente
previsto após três meses de acompanhamento. Apenas 4 dos significativa (aumento de 6% no VEF, em seis meses) e na
18 pacientes seguidos apresentavam um incremento acima comparação entre as incidências de eventos adversos ( exa-
de 10% do VEF,, o mesmo ocorrendo em 3 de 14 pacientes cerbações da DPOC) no grupo tratado com válvulas versus o
aos seis meses de acompanhamento." Concluiu-se que os controle (23 vs. 10%; p = 0,01). Em contrapartida, os resul-
critérios de seleção e resposta deveriam ser refinados, e que tados do estudo foram considerados favoráveis na Europa e
a atelectasia lobar deveria ser removida do protocolo como tiveram como consequência a validação da válvula Empha-
pré-requisito para o suoesso do procedimento. sis Zephyr* para uso clínico naquele continente. O mesmo
O maior estudo utilizando válvulas unidirecionais (Valve ocorreu no Brasil, sendo este o único dispositivo validado
for Emphysema PalliatioN 'llial - VE NT) foi realizado com pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária para uso cli-
dispositivos do tipo EBV-Zephyr*.'2 Os desfechos primários nico em território nacional.
incluíram aumento no VEF, e no teste de tolerância ao exer- Outro dispositivo valvular que tem sido testado possui
cício até seis meses após o procedimento. Os desfechos se- um desenho diferente, porém seu mecanismo de ação é
cundários foram melhoras na qualidade de vida e no escore semelhante ao dos demais (IBV', Olympus Co., Spiration,
de dispneia e redução na volumetria pulmonar avaliada por Redmond - WA, EUA) (FIGURA 44.9.2). 0 dispositivo tem
imagem. por objetivo obstruír o fluxo aéreo seletivamente nos seg-
O estudo" incluiu 321 pacientes em 31 centros nos Es- mentos broncopulmonares em que é posicionado, atuando
tados Unidos e 171 pacientes em 23 centros na Europa. Os como válvula unidirecional cujo formato permitiria a drena-
critérios de elegibilidade foram presença de enfisema hete- gem de secreções.
rogêneo, VEF, entre 15 e 45%, VR ~ 150% e capacidade Um estudo realizado em 30 pacientes com o implante de
pulmonar total (CPT) ~ 100% do previsto. Todos os pacien- válvulas do tipo IBV' demonstrou melhora na qualidade de
tes passaram por 6 a 8 semanas de reabilitação antes do pro- vida, porém sem diferença significativa na função pulmonar."
cedírnento. Seguindo uma randomização de 2:1 (tratamento Esse estudo usou critérios de seleção e desfechos similares
com válvulas:tratamento médico), 214 dentre os 220 inicial- aos da CRVP. Mais recentemente, as válvulas do tipo IBV*
mente alocados receberam válvulas e 101 foram acompanha- têm sido propostas e utilizadas clinicamente com sucesso no
dos para tratamento clínico. tratamento de f!stula aérea parenquimatosa persistente após
Os resultados do acompanhamento após seis meses do ressecções pulmonares em pacientes enfisematosos,' 5 tendo
procedírnento demonstraram melhora discreta embora sig- sido validadas nos Estados Unidos para este fim. 16
nificativa no VEF, (p =0,005), representada por um aumen- Os estudos realizados até o momento com válvulas
to de 6,8% comparado ao grupo-controle, e um aumento na unidirecionais concluíram que elas são procedimentos se-
tolerância ao exercício no teste da caminhada dos seis minu- guros com baixa mortalidade relacionada ($1 %), tendo se
tos de 5,8% (p = 0,04 ). Observou-se uma redução discreta
porém significativa no índice de dispneia entre os pacientes
no grupo que recebeu as válvulas, uma redução no uso de
oxigênio suplementar (-12 Udia) e melhora da qualidade de
vida em doença respiratória (-3,4 pontos no questionário St
George)."
Na avaliação de 12 meses após o procedimento, somen-
te os portadores de heterogeneidade entre lobos acima de
25% à tomografia de alta resolução mantiveram alterações
significativas no VEF, e capacidade de exercício ao teste da
caminhada dos seis minutos. Aqueles que receberam válvu-
las apresentaram redução significativa à volumetria do lobo
tratado aos seis meses se comparados aos controles (378
mL versus 16 mL, respectivamente; p < 0,002), efeito que
foi mais evidente nos portadores de cissuras completas (re-
dução de 712 mL no grupo tratado com válvulas versus 2,2
mL nos controles; p < 0,001 ).12 Hopkinson e colaboradores13
demonstraram em uma série de 19 pacientes acompanhados FIGURA 44.9.2 -? V~lvula unid irecional do tipo 18~ (Spiration,
Redmond - WA. EUA).
por seis anos que aqueles que apresentavam atelectasia lo-
mostrado eficazes no que se refere aos parâmetros objeti-
vos e subjetivos de avaliação.

Dispositivos não bloqueadores reversíveis


(removíveis)
Coils(molas)
O dispositivo consiste em um fio de nitinol (liga metálica
de nfquel e titânio) com memória que, ao ser introduzido
no brônquio subsegmentar, curva-se trazendo consigo o
parênquima pulmonar em um movimento rotatório sobre
o seu eixo, reduzindo assim o volume do parênquima por
esse mecanismo de torção (RePneu., Lung Volume Redue-
AGURA 44.9.4 7 Gerador d~ vapor e cateter empregados na termoa-
tion Coil, PneumRx lnc, Mountain View, Califórnia, EUA)
blação brõnquica por vapor (bronchial thermal vapor ablatiort - 8TVA;
(FIGURA 44.9.3). Para se obter a redução volumétrica dese- Uptake Medicai Corporation, Seattle- WA. EUA).
jada com esse método, é necessário que vários coils sejam
instalados através do canal de trabalho de um broncoscópio
fledvel em um lobo com menor perfusão, até que se produ-
za a redução desejada. Em estudos experimentais realizados em modelos ani-
O dispositivo passou por um estudo clinico no qual 11 mais de enfisema pulmonar, concluiu-se inicialmente que
pacientes foram submetidos a 21 procedimentos para a ins- uma quantidade de vapor equivalente a 5 cal/g de tecido
talação dos coils. Os procedimentos duraram em média 45 pulmonar causa uma lesão térmica com retração fibróti·
minutos, tendo sido colocados 4,9+/-0,6 coils por procedi- ca e consequente redução volumétrica. Um estudo clfni·
mento. Após um acompanhamento de 7 a 11 meses, con- co preliminar conclufdo recentemente com 11 pacientes
cluiu-se que a eficácia foi superior nos portadores de enfise- portadores de enfisema heterogêneo revelou que, após
ma heterogêncon.ts serem submetidos à termoablação unilateral por vapor,
observaram-se melhoras nas trocas gasosas e no escore de
dispneia. 19
Dispositivos não bloqueadores definitivos As complicações mais frequentes do procedimento fo-
Ablação térmica por vapor ram pneumonia bacteriana e exacerbações da DPOC. Essa
'frata-se de nova tecnologia que utiliza vapor d'água aqueci- nova tecnologia ainda está em avaliação, e novos estudos clf·
do e administrado por broneoseopia fledvel através de cate- nicos estão sendo empreendidos com quantidades de vapor
ter de oclusão endobrônquica por balão posicionado na área diferentes.
a ser tratada (lobo, segmento). O sistema foi desenvolvido
para adm inistrar uma quantidade de vapor controlada por
peso em gramas de tecido pulmonar (bronchialthermal va- Redução volumétrica biológica (poli meros)
porablation - BTVA; Uptake Medicai Corporation, Seattle A redução volumétrica biológica (BLVR) compreende a
- WA, EUA) (FIGURA44.9.4). obstrução endobrônquica por polímeros biodegradáveis ins-
tilados nos brônquios subsegmentares por meio de um bron-
cofibroscópio causando obstrução local com atelectasia da
área biperinsuflada. Essas substâncias também causam uma
reação inflamatória local com formação de tecido eicatricial
que perpetua a desinsuflação local.210
A substãncia utilizada é um polímero veiculado por um
composto fibrínico e trombina (Aeriseal", Aeris Tberapeu-
tics Woburn - MA, EUA). A mistura dos componentes no
local administrado se polimeriza, resultando na formação
de um gel adesivo que oclui os brônquios. Esse método tem
sido aplicado para enfisema homogêneo e heterogêneo com
predomínio nos lobos superiores. A avaliação pré-clinica ex-
perimental em animais demonstrou que o componente gel
do polímero causa oclusão alveolar, bloqueando assim a ven-
tilação colatera.l.
Estudos cUnicos não randomizados com a aplicação de
BLVR em portadores de enfLSCma homogêneo foram con-
cluídos recentemente.~•.n Dentre os 25 pacientes tratados
FIGURA 44.9.3 7 Mola ou coil endobr6nquico utilizado para redução
volumétrica transbroncOS<ópica (RePneu1 lung Volume Reduction Coil, por oclusão brõnquica com adesivo biológico, 17 receberam
PneumRx Inc. Mountain View-CA. EUA). 10 mL e 8 receberam 20 mL do polímero por local tratado.
O grupo de pacientes que recebeu a dose maior obteve os -se um aumento médio do VEF1 de 23%, e concluiram que
melhores benefícios após seis meses. Em relação aos valores esse método poderia ser útil em portadores de enfisema ho-
pré-tratamento, o VEF, reduziu-se em 8%, o escore de disp- mogêneo e hiperinsuflação. Em nosso meio, há apenas um
neia reduziu-se em 0,4 pontos e a pontuação no St. George's relato recente de três casos nos quais o método foi utilizado
Respiratory Questionnaire, em 4,9%. Os autores concluíram para a realização de drenagens transeutâneas, resultando em
que o procedimento era seguro e eficaz em pacientes por- melhora funcional."
tadores de enfisema homogêneo. O número de brônquios
subsegrnentares tratados parece ter impacto na redução vo- Bypass endobrônquico (interno)
lumétrica obtida com a BLVR23
Os pacientes portadores de destruição extensa, bilateral, ho-
A maior série publicada nesta modalidade terapêutica
mogênea e com hiperinsuflação grave não são elegíveis para
incluiu 50 pacientes portadores de enfi.s ema predominando
redução volumétrica cirúrgica, restando o transplante como
em lobos superiores, e seus resultados demonstraram um opção de tratamento definitivo. Esta é a população de enfi-
aumento do VEF, de 15,6% aos seis meses em relação aos sematosos na qual o bypass das vias aéreas foi avaliado. O
valores pré-tratamento (p =0,002) nos indivíduos que rece- procedimento é realizado por broncoscopia flexlvel e inclui a
beram alta dose de polfmero e 8% de eventos adversos gra- produção de orificios (fenestrações) endobrônquicos na via
ves relacionados, incluindo pneumonia, tromboembolismo aérea distai (brônquios subsegmentares), os quais são man-
pulmonar e aspiração.~< tidos permeáveis mediante instalação de dispositivos (stents)
eluidores de fármacos.30
Dispositivos para enfisema homogêneo O fundamento do procedimento baseia-se na abundan-
te ventilação colateral existente nesses pulmões hiperinsu-
Bypass transcutAneo (externo) flados. Tal procedimento exige localização transmural dos
Embora este seja um procedimento cirúrgico e não endoscó- vasos adjacentes à parede brônquica, o que é obtido pela
pico, também foi desenvolvido para portadores de enfisema passagem de uma sonda Doppler pelo canal de trabalho do
homogêneo e fundamentou-se nos mesmos princípios que broncoscópio llexlvel. Uma vez detectada a área a vascular
nortearam a criação do IJypass endobrônquico, ou seja, na (silenciosa) ao Doppler, cria-se a fenestração com um cate-
abundante ventilação colateral existente nos pulmões hip~ ter acoplado a uma agulha retrátil e um balão dilatador. A
rinsuflados dos indivíduos enfisematosos. seguir, o cateter contendo o stent é avançado até a fenestra-
As primeiras tentativas de se utilizar a ventilação co- ção e expandido no local com o auxilio de um balão hidrostá-
lateral para a desinsuflação foram propostas em 1978 por tico (FIGURA 44.9.5). Assim são instalados três a quatro stents
Macklem,15 que sugeriu a instalação de espirãculos comuni- farmacológicos eluidores de paclitaxel em cada pulmão, cujo
cando o parênquima pulmonar com o meio externo por via objetivo será o de manter as fenestrações permeáveis."
transcutãnea através da parede torácica. Mais tarde, a téc- Os dispositivos utilizados no bypas.s das vias aéreas
nica foi aplicada para o tratamento de bolhas enfisema tosas (Exhale Emphysema 1Jeatrnent System,., Broncus Techno-
pelo grupo do Hospital Brompton de Londres"' e em nosso logies Inc., Mountain View - CA, EUA) foram desenvolvi-
meio por Saad Junior e colaboradores.27 dos para serem passados pelo canal de trabalho de um bron-
Moore e colaboradores28 descreveram quatro casos nos coseópio flexível. Os estudos de viabilidade e segurança do
quais um dreno era inserido por via transcutãnea em um dos procedirnento30.32 foram seguidos por estudos clínicos~ que
lobos superiores e mantido por até três meses, verificando- avaliaram sua eficácia e segurança.

FIGURA 44.9.5 ~ Principais et.1pas utilizada.s no procedimento de bypass das vias aéreas (EJ<hale Emphysema Treatment System••. Broncu.s Techno-
logies Inc., Mount.1in Víew - CA, EUA): (1) localização da área "silenciosa" (avascular) com sonda Doppler; (2) criaç3o da passagem por punção peta
área avascular e d1lat.1ção com bal.\o hidrostático; (3) reavaliação da área avascular após a punção com sonda Doppler; (4) colocação do stent por
insuflação de balão hidrostático na passagem criada; (5) saída de ar através da pa.ssagem mantida aberta com o stent.
Um estudo multicêntrico com 35 pacientes demonstrou Assim sendo, terminologias como "tratamento endoscó-
que após 30 dias havia melhora significativa nos parâmetros pico" e "tratamento do enfisema por redução volumétrica
funcionais (VR, CPT, capacidade vital forçada, escala de broncoscópica" devem ser empregadas com cautela, pois
dispneia e teste da caminhada dos seis minutos). Seis meses possuem um apelo terapêutico sujeito a interpretações er-
depois, a melhora no volume residual e na dispneia persistia. rôneas, sobretudo em individuos cuja vida é devastada por
Os achados foram mais evidentes nos pacientes com hiperin- doença crônica e incapacitante como a DPOC.
suflação marcada (VRJCPT;:: 67%), nos quais o VR reduziu Nâo obstante, quando bem indicados e aplicados em pa-
em 1.040 mL em um mês e 400 mL em seis meses, o mesmo cientes cujo tratamento médico esteja sendo bem conduzido
ocorrendo com a escala de dispneia.34 This resultados enseja- e otimizado, os procedimentos endoscópicos podem melho-
ram a confecção de um estudo multicêntrico de fase 111 com rar consideravelmente a qualidade de vida, ameniUllldo o
mais de 300 pacientes e braço controle3s cujos resultados do desconforto dos pacientes com limitação funcional impor-
primeiro ano de avaliação estão em fase de análise. 36 tante.
Por serem procedimentos de baixo risco, sua aplicabi-
lidade clinica poderá ser estendida a pacientes com alto
risco cirúrgico e baixa reserva funcional. Futuramente,
Conclusão poderão até ser empregados como "ponte" para outras
Apesar dos beneficios mostrados pelos vários procedimen- modalidades terapêuticas, como o transplante pulmonar.
tos endoscópicos propostos para o enfisema avançado, os Para isso, contudo, muitos estudos ainda necessitam ser
resultados não são uniformes nem suficientes para sua apli- empreendidos, novos dispositivos precisam ser propostos
cação clínica imediata em larga escala. e os atuais, desenvolvidos com o intuito de que essas novas
Ainda não está definido o número de dispositivos (válvu- tecnologias endoscópicas tornem-se aplicáveis clinicamen-
las, stents, coils, etc.) a serem colocados, nem se sua aplica- te nos pacientes portadores de enfisema pulmonar avan-
ção deve ser unilateral ou bilateral. Da mesma forma, ainda çado.
estão em discussão quais são os melhores parâmetros de ava-
liação após o procedimento. Neste particular, são promisso-
res os novos métodos, como os de avaliação de hiperinsufla-
ção que utilizam parâmetros de mensuração direta como a
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m
DPOC: Onde Estamos, para Onde
pacientes com DPOC no Brasil, mas somente estão diag-
nosticados por volta de meio milhão de casos. A maioria
dos indivfduos diagnosticados com DPOC em São Paulo se
distribuía, basicamente, entre graus leve (62,2%) e modera-
Vamos do (29,9%) da doença; os graves e muito graves perfaziam
somente 7,6%.
José R. Jardim
Oliver A. Nascimento
Sub e sobrediagnóstico prévio
Somente 12,5% dos indivíduos que receberam o diagnósti-
Introdução co de DPOC no estudo PLATINO' tinham anteriormente
o diagnóstico de DPOC ou bronquite crônica ou enfisema,
A doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) alcançou, mostrando a alta taxa de subdiagnóstico. Em acréscimo,
no inicio da primeira década deste século, talvez o seu pon- houve uma alta taxa errônea de DPOC (ou bronquite ou
to mais alto em importância ao longo da história. Estudos enfisema) em indivfduos com espirometria normal ou que
como o PLATINO' e o BOLD2 trouxeram uma enorme car- revertia com o broncodilatador.
ga de conhecimentos na América Latina e na Ásia e Europa, Talvez uma das razões para essa baixa taxa de diag-
respectivamente. nóstico deva-se ao precário conhecimento da população
em geral sobre as manifestações da DPOC. Se as pessoas
os conhecessem, poderiam procurar atendimento médico
Onde estamos no Brasil? mais precoce.
Além desse motivo, há o fato de os médicos habitual-
O estudo PLATINO' teve como objetivo primário avaliar a mente atenderem um paciente com sintomas sugestivos
prevalência da DPOC em cinco grandes áreas da América de DPOC mas não pensarem no diagnóstico e não soli·
Lat.ina. Contudo, ele não se limitou à prevalência. Um ques- citarem uma espirometria. A taxa de realização de espi-
tionário extenso trouxe uma série de outras informações, rometria no estudo PLATINO' foi muito baixa: somente
tendo sido publicados, até 2011, 30 artigos sobre os mais va- 12% da população visitada havia realizado uma espirome·
riados assuntos. Iria na vida. No entanto, caso se considere como indicação
No Brasi~ estudou-se a área metropolitana de São Pau- para a realização do procedimento a resposta positiva a
lo, tendo sido visitadas 1.000 residências escolhidas de modo três das cinco perguntas do GOLD3 e da Sociedade Bra-
randomizado (de acordo com a classificação econômica da sileira de Pneumologia e Tisiologia5 (mais de 40 anos; ser
região)i foram avaliadas as pessoas com mais de 40 anos, in- fumante ou ex-fumante; ter tosse diária; ter catarro mati·
cluindo peso, altura, cintura abdominal, espirometria pré e nal; cansar-se mais do que uma pessoa da mesma idade),
pós-broncodilatador, bem como as respostas a um questio- 27% dos entrevistados já deveriam ter realizado uma es·
nário com mais de 150 perguntas. pirometria.
O diagnóstico de DPOC, como é aceito em estudos epi- A náo realização de espirometria pode ser devida a
demiológicos internacionais, foi definido pelo achado de muitos fatores, mas os principais são a baixa taxa de espirô-
uma relação volume expiratório forçado no primeiro segun- metros em centros de atenção à saúde e o escasso conheci·
do/capacidade vital forçada {VEF1/CVF) inferior a 0,7. Thl mento dos médicos não pneumologistas sobre a espirome-
definição é sujeita a críticas, mas assim foi definida no docu- tria. Ainda existe a crença de que esse exame é complicado
mento GOLD1 e aceita pelo estudo BOLD2• e de entendimento dificil. Muito provavelmente, esse fato
decorre do ensino deficiente nesse aspecto nos cursos de
medicina.
Prevalência
A prevalência da DPOCem São Paulo em pessoas acima de
40 anos foi de 15,8%, sendo 18% entre os homens e 14% en- Manifestações
tre as mulheres. Um dado importante foi ter-se encontrado O PLATINO,' em São Paulo, mostrou claramente que os pa·
9% de pessoas com DPOC na faixa entre 40 e 50 anos, cha- cientes e os médicos não valorizam as manifestações. Pelo
mando a atenção para o fato de que esta não é uma doença menos 50% dos pacientes não diagnosticados como tendo
somente de pessoas idosas. A prevalência aumentou com a DPOC apresentavam, no mínimo, um dos sintomas usuais
idade, chegando a 16,2% entre 50 e 60 anos e a 25,7% após dessa doença. Ficou evidente que os médicos estão diag·
os 60 anos. nosticando a DPOC tardiamente, pois houve uma nítida
Essa taxa de prevalência global foi semelhante à de diferença de prevalência de sintomas entre os grupos com
12,8% que Menezes e colaboradores' haviam encontrado diagnóstico prévio e os sem diagnóstico prévio, com inequí·
em Pelotas (RS), em estudo populacional baseado em sin· voca diferença a favor daqueles com diagnóstico prévio; isto
tomas e sem a realização de espirometria. Essa prevalência é, somente quando os pacientes apresentam-se com alta taxa
leva a crer que deve haver em tomo de 6 a 7 milhões de de sintomas é que o diagnóstico é realizado.
Onde estamos na América Latina? VEF, ficou em 110,6±7,8 mL nos indivíduos com DPOC
contra 164,7±11,8 mL nos indivíduos com obstrução rever-
Prevalência sível. A resposta positiva da CVF nos pacientes com DPOC
Além do estudo PLATINO,' há outro estudo na Améri- foi de 146,5± 14,2 mL, atestando a desinsuflação desses
6
ca Latina, o PREPOCOL, que estudou a prevalência de indivíduos após o uso de broncodilatador. Contudo, deve-
DPOC na Colômbia. Esse estudo avaliou a prevalência em -se ressaltar que dois terços dos indivíduos com DPOC não
cinco cidades colombianas com altitudes diferentes. Os mé- mostraram resposta aguda ao broncodilatador. Por outro
todos utilizados foram semelhantes aos do PLATINO, o que lado, a avaliação da resposta broncodilatadora foi testada
permite a comparação dos resultados. com 200 JJ-g de salbutamol e não 400 JJ-8. como é o habitual
A prevalência média de DPOC na Colômbia foi de 8,9%, mais recentemente.
mas variou entre as cidades, de 6,2% em Barranquilba a Ainda em relação à função pulmonar, Perez-Padilla e
13,5% em Medelin. Um dado muito interessante advindo do colaboradores' associaram a população do PLATINO, por
PREPOCOL é que os volumes pulmonares (capacidade vi- volta de 5.800 pessoas, com as populações dos primeiros es-
tal - CV- e VEF,) aumentavam à medida que a altitude das tudos BOLO, constituindo uma população total de 13 mil
cidades aumentava. indivíduos, e avaliaram qual seria o papel do pico do fluxo
Em relação às outras cidades estudadas pelo PLATINO,' expiratório (PFE) no diagnóstico da DPOC, considerando
as prevalências foram de 19,7% em Montevidéu, 16,9% em que o PFE é medido no inicio da expiração forçada, durante
Santiago do Chile, 12,1% em Caracas (na Venezuela) e 7,9% a realização da espirometria. Embora o valor preditivo posi-
na Cidade do México, demonstrando grande variabilidade. tivo tenha sido baixo, um valor pré-broncodilatador do PFE
É possfvel que a taxa mais elevada de Montevidéu relacione- > 70% efetivamente descarta DPOC nos estágios IIJ e IV.
-se com a maior idade da população. Por outro lado, fica sem E ntre os pacientes com, pelo menos, um fator de risco, só
explicação o fato de a Cidade do México ter uma prevalência 12% necessitariam espirometria confirmatória usando esse
tão baixa em relação a outras cidades, quando o índice de critério.
tabagismo assemelha-se ao do Brasil.

Diferença da doença pulmonar obstrutiva


Função pulmonar crônica entre os gêneros
Um estudo muito prático decorrente do PLATINO foi o
Um tópico que ainda não está definido, mas que tem sido
relacionado com a resposta broncodilatadora na população
muito considerado ultimamente, relaciona-se com a diferen-
com e sem DPOC. Segundo Enright,' no editorial referente
ça de possibilidade de desenvolvimento de DPOC pelos dois
a essa publicação, dois aspectos são importantes. O primeiro
gêneros. Uma das mais antigas e consistentes informações
é que se deve realizar a espirometria quando se suspeita de
é proveniente do Lung Health Study, nos Estados Unidos,
DPOC. O estudo deixa claro que, nos suspeitos com baixa
que avaliou mais de cinco mil pacientes com DPOC e mos-
probabilidade, não seria necessária a espirometria; foram
trou que as mulheres apresentavam mais hiper-reatividade
considerados como tendo baixa probabilidade os indiví-
duos que fumaram por menos de 10 anos, não apresenta- das vias aéreas do que os homens, o que poderia fazer supor
vam sintomas, não tinham história de asma e tinham baixa que as mulheres têm maior probabilidade de desenvolver
exposição a algum fator de risco no ambiente de trabalho. DPOC, mantidos os mesmos fatores. Um estudo mais re-
O outro aspecto que ele destaca é que os resultados refor- cente de pacientes com DPOC grave e com uso de oxigênio
çam a necessidade da realização da espirometria com uso de suplementar contínuo na cidade de São Paulo relatou dados
broncodilatador. Um terço dos indivíduos que apresentaram muito interessantes: Machado e colaboradores9 mostraram
espirometria com obstrução brônquica reverteu-a após o uso que as mulheres tinham maior mortalidade do que os ho-
de broncodilatador, afastando a hipótese inicial de DPOC. mens em igualdade de condições clinicas e oxigenoterapia.
A realização de espirometria sem o uso de broncodilatador Um estudo derivado do PLATIN0 10 mostrou outros
poderia fazer com que esses indivíduos fossem diagnostica- aspectos dos dois gêneros, ainda não abordados anterior-
dos como tendo DPOC, quando, na realidade, eram, muito mente. Os autores avaliaram 362 mulheres e 397 homens
provavelmente, asmáticos. com DPOC, dentre 5.314 pessoas de cinco grandes áreas
A resposta aguda ao broncodilatador ainda é uma área metropolitanas da América Latina, e mostraram que, em
de discussão. Avaliou-se no estudo PLATINO' a resposta geral, as mulheres relataram mais dispneia e limitação física
espirométrica após a inalação de 200 JJ-g de salbutamol e do que os homens. As mulheres relataram igual qualidade
constatou-se que, nos indivíduos reconhecidamente tendo de vida, independentemente de terem DPOC, ao passo que
DPOC, a resposta variou de 15,0 a 25,2%, considerando-se os homens com DPOC relataram pior qualidade de vida do
a resposta positiva como aumento do VEF1 de, pelo menos, que os homens sem DPOC. No entanto, em geral, as mu -
200 mL e 12% em relação à linha de base; ou o aumento de lheres apresentavam pior qualidade de vida relacionada com
15%; ou o aumento de 10% sobre o valor previsto. Nos indi- a saúde do que os homens. Um dado interessante é que as
víduos com obstrução reversíve~ a melhora do VEF, variou mulheres fumantes com DPOC apresentavam grau de obs-
de 11,4 a 21,6%. Por fim, nos indivíduos saudáveis, houve trução brônquica mais intenso do que os homens f11mantes
aumento do VEF, entre 2,7 e 7,2%. A melhora absoluta do com DPOC, apesar de a carga tabágica ser igual. Esse estu-
do mostra a possibilidade de as mulheres serem afetadas de que outros são mais insuflados. Por que existem essas dife·
modo diferente, em relação aos homens, pela DPOC.10 renças? Seria a DPOC uma slndrome, como já se cogitou
chamá-la?

Para onde vamos?


O desfecho mais importante na DPOC é mortalidade. O es-
tudo PLATINO n, que está programado para se desenrolar
entre 2009 e 2012, tem por finalidade estudar a história natu-
ral da DPOC, avaliando os mesmos indivíduos estudados no
PLATINO I. Os dados preliminares, obtidos em Montevi-
déu, mostram que os pacientes na fase moderada da DPOC
têm uma chance de morte quase quatro vezes maior, quando
não ajustada, seis anos após o diagnóstico, no estudo PLATI- A fenotipagem pode ser definida como atributos de uma
NO I, do que os indivíduos sem DPOC. Nos pacientes com doença que, de modo único ou em combinação, descreve
doença grave c muito grave, a chance de morte foi em tomo diferenças entre indivíduos com DPOC que se relacionam
de nove vezes maior em relação aos sem DPOC. com desfechos clinicamente significativos (sintomas, exacer-
bações, resposta à terapêutica, taxa de progressão da doença
ou morte).

Grupos de fenótipos
Os fenótipos com mais probabilidade de serem estudados no
futuro devem esta.r relacionados com os grupos clínico, fisio-
lógico e radiológico.
No grupo clflúco, muito provavelmente, os estudos deve-
rão procurar avaliar a import.ância de grupos de pacientes
que tenham um comportamento semelhante, compreen-
Há vários caminhos para se modificar o curso da DPOC, dendo indivíduos com hiperinsuflação, exacerbadores, fn.
mas, em essência, eles sempre envolvem o tratamento. Em dice de massa corporal baixa, caquexia pulmonar, resposta
uma primeira fase, modificar o curso da DPOC não neces- ao corticoide inala tório, depressão e ansiedade, e não fu-
sariamente obriga ao desenvolvimento de novos fármacos. mantes.
Na fase atual, existe a premente necessidade de que se com- No grupo fisi.ol6gico, os fenótipos se agrupam naqueles
preenda melhor o papel de cada um dos componentes do que apresentam limitação do fluxo de ar, perda rápida da
tratamento, tanto farmacológico quanto não farmacológico, função pulmonar, resposta ao broncodilatador, hiper-rea-
e que se possa aplicá-los o mais cedo possível. Certamente, tividade brônquiea, bipercapnia, baixa tolerância ao exer-
o desenvolvimento de fármacos anti-inflamatórios mais es- cício, biperinsuflação, baixa difusão e hipertensão arterial
pulmonar.
pecíficos para DPOC será essencial, mas para isso deve-se
compreender melhor a inflamação da DPOC e toda a sua No grupo radi.ol6gico, os estudos deverão relacionar-se
patogênese. com as imagens tomográficas associadas às alterações espe-
cíficas dos componentes da árvore brônquica e as do enfise-
ma. Alguns estudos iniciais têm procurado relacionar maior
mortalidade com enfisema.
) ATENÇÃO

No momento, discute-se muito se a DPOC é uma Fenótipo exacerba dor frequente


doença única ou se teria múltiplas facetas que per- Um fenótipo recentemente descrito no estudo ECLIPSE" é
mitissem agrupar pacientes em clusters ou fenóti- o do exacerbador frequente. Thlvez este seja o fenótipo mais
pos. Caso seja posslvel agrupá-los por fenótipos, bem avaliado até o momento. Esse estudo acompanhou uma
provavelmente os tratamentos serão distintos para popu lação de 2.000 pacientes com DPOC durante três anos
os diferentes fenótipos. e, dentre muitos aspectos avaliados, a exacerbação recebeu
especial atenção.
A primeira constatação foi de que havia um aumento
proporcional à gravidade da doença: um pouco mais de 20%
Fenotipagem dos pacientes do grupo moderado apresentou exacerbações,
Já é possível distinguir que há pacientes com DPOC que subindo para um pouco mais de 30% dos pacientes do grupo
respondem de modos diferentes à terapêutica broncodila- grave, e em tomo de 45% daqueles inseridos no grupo muito
tadora, outros que perdem mais peso, alguns que são mais grave. No entanto, chamou a atenção o fato de que o me-
tossidores, outro grupo que apresenta mais limitação aos es- lhor preditor de uma exacerbação era a ocorrência de uma
forços, alguns que evoluem com excesso de peso, ao passo exacerbação no ano anterior; ter duas exacerbações ver:rus
nenhuma aumentava a chance em mais de cinco vezes; nos de avaliar a resposta ao tratamento da DPOC em suas fases
casos com duas versus uma exacerbação, a chance era mais iniciais.
de 2,5 vezes. Além da exacerbação no ano anterior, eram Contudo, a análise de subgrupos dos estudos TORCH 12 e
preditores de exacerbação futura refluxo gastresofágico, nú- UPLIFT13 parece abrir caminho para que haja um estimulo à
mero aumentado de leucócitos, pior qualidade vida e maior intervenção precoce na DPOC.
perda de VEF1• O estudo TORCH 12 incluiu pacientes com VEF, a partir
Thdavia, quando os pacientes foram divididos em três de 60% do previsto, e a análise pose hoc do grupo entre 60
grupos- os que não tiveram nenhuma exacerbação no pri- e 50%, tratado com a combinação fluticasona e salmeterol,
meiro ano, os que tiveram uma exacerbação e os que tiveram considerado estágio moderado, mostrou que mortalidade,
duas ou mais exacerbações - e o comportamento foi avalia- qualidade de vida e exacerbações tinham melhor desfecho
do nos dois anos seguintes, viu-se que 71% dos pacientes que em relação aos estágios mais graves.
tiveram duas ou mais exacerbações no primeiro e segundo Do mesmo modo, o estudo UPLIFT,' 3 que incluiu pa-
anos tiveram outra exacerbação no terceiro ano. A esse gru- cientes em fase ainda mais precoce do que o estudo TORCH
po de pacientes, deu-se o nome de exacerba dor frequente. - já que permitiu a inclusão de pacientes com VEF, a partir
Outra constatação interessante: esses pacientes distribu- de 70% do previsto - , também mostrou que esses pacientes
íam-se entre os três grupos de gravidade de pacientes. Ao em fase moderada tinham uma excelente resposta ao trata-
contrário, 74% dos pacientes que não haviam tido exacerba- mento com tiotrópio associado ao tratamento usual que vi-
ção no primeiro e segundo anos também não apresentaram nham recebendo.
nenhuma exacerbação no terceiro ano. Em relação à função pulmonar, os dois estudos'2.1l de-
Thlvez este tenha sido o primeiro estudo que mostrou monstraram que os pacientes que receberam a associação
um fenótipo de pacientes com DPOC. As implicações são corticoide-broncodilatador, ou o tratamento usual mais tio-
muitas, mas ainda precisam ser avaliadas no próprio estudo trópio, apresentaram melhor resposta do VEF, do que os
ECUPSE11 e em estudos futuros. Serão estes os pacientes grupos-controle, mostrando uma alteração do declínio da
que perderão mais função pulmonar ao longo do tempo? função pulmonar, o que pode ser tomado como uma modifi-
Muito provavelmente, eles são os pacientes que mais serão cação do curso da doença.
hospitalizados e, por conseguinte, deverão ter maior mortali- Esses dois ensaios clínicos mostraram ainda, em que
dade, conforme já descrito. Estes também serão os pacientes pese a controvérsia sobre os resultados estatísticos, que em
que demandarão maiores cuidados de saúde, acarretando pacientes recebendo o tratamento preconizado nos estudos
maiores gastos da saúde pública e despesas autossustenta- houve redução de 15% na mortalidade. 'w
das, com aposentadoria mais precoce. No momento, existem dois grandes estudos em anda-
Seriam, então, estes pacientes os que deveriam ser as- mento, com admissão de mais de 10 mil pacientes em cada
sistidos com tratamento mais intensivo de modo a prevenir um, que estão avaliando pacientes com DPOC desde a fase
exacerbações? Por exemplo, já se mostrou que o uso inter- leve. Os resultados deles, naturalmente, ainda levarão alguns
mitente de moxifloxacino, por cinco dias, a cada dois meses, anos para serem analisados e publicados, mas a expectativa é
em pacientes com presença constante de catarro purulento, de que trarão uma nova concepção sobre o tratamento pre-
consegue diminuir em pouco mais de 40% o número de exa- coce da DPOC.
cerbações. 'Thmbém já se oonseguiu mostrar a diminuição de
exacerbações com o uso diário de 250 mg de eritromicina.
Ainda em relação ao paciente portador de DPOC com Diagnóstico precoce pela função pulmonar
o fenótipo das exacerbações, inclui-se um subgrupo que se Uma pergunta que deve ser respondida no futuro próximo é
beneficia do uso diário de um comprimido de 500 J.Lg de ro- como avaliar a função pulmonar desses pacientes para que
flumilast. Estudos mostraram que pacientes com sintomas o diagnóstico possa ser precoce. Existe consenso de que o
de bronquite crônica, isto é, que apresentam tosse e catarro VEF, não é o parâmetro mais adequado, uma vez que não
diários, com duas ou mais exacerbações no ano anterior e reflete as fases iniciais da doença. Não há dúvida de que,
função pulmonar com distúrbio obstrutivo grave, diminuíam pela fisiopatologia da DPOC, um parâmetro que revele o
em até 40% o número de exacerbações com essa terapêutica acometimento das pequenas vias aéreas seria o ideal para a
detecção precoce da DPOC.
No estágio atual do conhecimento, a avaliação por pa-
Tratamento precoce râmetros que indicam a hiperinsuflação consegue orientar
É muito provável que, em um futuro bem próximo, os es- melhor do que a simples medida do VEF,. Em termos de
tudos estejam direcionados à avaliação das fases iniciais da medicina individual, essa avaliação é possível e deve ser in-
DPOC e à possibilidade de tratamento precoce. No momen- centivada. No entanto, o exame da pletismografia corporal
to atual, as diretrizes terapêuticas preconizam que os pacien- ainda não é homogeneamente distribuído no país. Outro
tes devem receber tratamento quando apresentarem sinto- motivo que mantém o VEF, como exame rotineiro e orienta-
mas. Entretanto, não deixa de ser lógico que o tratamento dor do tratamento é o fato de ele oontinuar sendo o padrão-
deveria ser iniciado o mais cedo possível, quando o processo -ouro para avaliação da resposta aos broncodilatadores pe-
ainda tem predominância inflamatória. Infelizmente, até las agências regulatórias do Ministério da Saúde de diversos
agora, não existem estudos destinados ao objetivo primário países.
A abordagem mais objetiva seria a avaliação direta das mas persiste o questionamento sobre reflet irem ou não as
pequenas vias aéreas. Os testes mais antigos são as medidas condições locais de doença pulmonar.
dos fluxos de ar na parte final da curva expiratória força- Faltam estudos que possam definir o material mais cus-
da da espirometria, observando-se mais especificamente o to-efetivo, associando-se a melhor capacidade de diagnosti-
segmento entre os pontos 25 e 75% da curva. Já se tentou car precocemente com o meio menos invasivo. O fato de os
padronizar um segmento mais curto, entre 75 e 85%, mas biomarcadores não serem capazes de definir a gravidade da
essas avaliações não podem ser aplicadas na clínica diária, DPOC não invalida a possibilidade de seu surgimento indi-
pois não são reprodutíveis. car o início molecular da DPOC. No entanto, essa hipótese
O mesmo se aplica a um teste que não é tão recente, a fica ainda restrita à especulação até que os resultados defi-
técnica de oscilação forçada. Ele preencheria alguns crité- nitivos do estudo ECLIPSE" sejam publicados e mais bem
rios do exame ideal, pois não necessita de cooperação ativa avaliados e se possa entender melhor toda a cascata anti-in-
do paciente: o indivíduo respira tranquilamente e são su- flamatória. É possível que, no futur o, sejam avaliados múl-
perpostas à sua respiração oscilações de diferentes compri- tiplos biomarcadores, já que podem refletir diferentes pro-
mentos de onda, que, na acepção dos que desenvolveram o cessos. Esses biomarcadores poderiam incluir em um grupo,
método, permitiriam estudar os diferentes compartimentos por exemplo, os reparadores inflamatórios.
das vias aéreas. No entanto, os estudos mostram uma gran- A posição do Food and Durg Administration (FDA) é
de variação e falta de reprodutibilidade dos resultados que clara no momento: com exceção dos testes de função pulmo-
ainda impedem sua ampla utilização nessa fase de desenvol- nar, não há biomarcadores validados que possam ser usados
vimento do aparelho. para estabelecer a eficácia de um fármaco para DPOC.

Comorbidades
0 ATENÇÃO O pneumologista que trata de pacientes com DPOCvai ter a
obrigação de ser um médico mais completo no futuro. Hoje,
O futuro deve caminhar rapidamente para a mudan- está bem consolidado o conhecimento de que os pacientes
ça do paradigma do VEF,. com DPOC apresentam várias comorbidades que são mais
prevalentes neles do que nos sem DPOC. O tratamento des-
sas comorbidades é imperioso para que o paciente possa ter
melhor qualidade de vida. Há aumento da prevalência de
Diagnóstico precoce por biomarcadores ansiedade, depressão, ostcoporose, miocardiopatia, hiper-
A DPOC é uma doença com desenvolvimento inflamatório tensão, miopatia e câncer de pulmão.
complexo, já tendo sido descritos inúmeros mediadores en-
volvidos no processo. Por muito tempo, descreveu-se que
a gravidade da D POC se associava à presença desses me-
diadores. Entretanto, a análise inicial do estudo ECLIPSE 0 ATENÇÃO
mostrou que é possível que se esteja equivocado e que tais
mediadores não refletiriam a gravidade da doença. Comorbidade é definida como uma relação que exis-
Nesse sentido, os resultados iniciais mostram que o fa- te entre duas doenças que afetam o mesmo indivi-
duo substancialmente mais do que apenas por chan-
tor de necrose tumoral alfa (TNFa) e as interleucinas 6 e
ce. O novo conceito de medicina em rede mostra que
8 apresentavam a mesma concentração independentemente
os seres humanos se associam por meio de redes e
do estágio em que os pacientes se encontravam. Os biomar-
que estas acontecem mediante composições de ge-
cadores com provável utilidade na D POC deveriam ser os
nética e proteômica e que tais alterações observadas
que podem avaliar o processo biológico normal, o processo
nos pacientes não ocorrem por acaso.
patogênico e a resposta farmacológica à intervenção tera-
pêutica.
Biomarcadores seriam os indicadores ideais da doença,
pois permitiriam que a DPOC fosse diagnosticada preco-
cemente, ainda quando as lesões estivessem ocorrendo em Referências
nível celular ou molecular. l. Menezes AM, Percz-Padilla R, Jardim JR, Muino A, Lopcz
Os biomarcadores podem ser avaliados em diversos es- MV, Valdivia G, et ai. Chronic obstructive pulmonary disease in five
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Todas as fontes para coleta de biomarcadores têm suas li- 2. Buist S, McBurnie MA, Vollmer WM, Gillespie S, Bumey P, Man-
mitações. Por exemplo, o escarro é uma amostra de material nino DM, et ai. lnternational variation in lhe prevalenee of COPO
predominantemente das vias aéreas de maior calibre e não (The BOLO Study): a population-based prcvalcnee study. Laneet.
reflete a periferia pulmonar, além de existir uma variabilida- 2007;370(9589):741-50.
de dos biomarcadores ao longo do tempo. Os biomarcadores 3. University of Cambridge. Cambridge lnstitutc for Medicai Re-
plasmáticos são fáceis de coletar, podem ser repetidos e po- scarch. Genetics of Lcarning Disability (GOLD): Wcloomc to thc
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45
aD provavelmente em decorrência do melhor tratamento.• Em-
bora seja inegável que as abordagens terapêuticas contem-
Definição, Epidemiologia porâneas sejam efetivas, muitos pacientes apresentam com-
prometimento residual significativo e alguns com asma mais
e Fisio atolo ia grave respondem de forma inadequada mesmo aos melhores
tratamentos disponlveis.5
Emílio Pizzichini Do ponto de vista fisiopatológico, os conceitos de que
MarciaM. M. Pizzichini a asma é uma doença inflamatória crônica complexa e he·
terogênea das vias aéreas e de que o controle é objetivo do
tratamento vêm sendo atualizados constantemente. Essa
Introdução heterogeneidade tem levado à conceituação de diferentes
fenótipos de asmáticos (com base nas características obser-
A asma é uma das doenças mais comuns encontradas na prá- váveis de subgrupos)' e, mais recentemente, ao surgimento
tica clínica, seja em adultos ou em crianças. De acordo com de endotipos (subtipos de asma caracterizados do ponto de
a Iniciativa Global para a Asma (GlNA),'.l essa doença pode vista de mecanismos funcionais ou fisiopatológicos) (FIGURA
afetar cerca de 300 milhões de pessoas, sendo que as preva- 45.1.1).' Neste capítulo, são discutidas a definição atual de
lências de asma nos Estados Unidos, no Canadá, no Brasil, asma, sua epidemiologia, o impacto e os aspectos relaciona-
na Austrália e no Reino Unido podem exceder 10% da po- dos com sua fisiopatologia.
pulação. Embora seja uma condição classicamente descrita
há mais de 2.000 anos, ainda hoje é subdiagnosticada e não
possu i uma definição única. Se, do ponto de vista conserva-
dor, compararmos com os números de 10 anos atrás (7%),
Definição
1
houve um acréscimo superior a quatro milhões no número Ainda não existe uma definição de consenso para a asma.
absoluto de asmáticos no Brasil nesse período, o que não se- Do ponto de vista descritivo, a asma é caracterizada clioica-
ria explicado apenas pelo crescimento populacional. mente pela ocorrência de episódios intermitentes de disp-
A maioria dos asmáticos tem asma muito leve e intermi- neia, sobretudo noturna, tosse (que pode ser manifestação
tente, e 5 a 10% podem ter doença muito grave. Além disso, isolada) associada ou não à presença de sibilos expiratórios
apesar do tratamento cont!ouo, cerca de 40 a 50% dos as- e opressão torácica. Esses sintomas são decorrentes da prin-
máticos apresentam falta de controle ideal, tendo manifesta- cipal característica fisiológica da asma, que é a limitação
ções persistentes da doença.3 A despeito disso, a morbidade (obstrução) reversível ao fluxo de ar das vias aéreas, causada
e a monalidade da asma têm diminuído na última década, por aumento anormal da responsividade das vias aéreas a
Mais recentemente, têm havido tentativas de encontrar
Slndrome asmática definições que acompanhem o conhecimento obtido nos úl·
S1ntomas de um. • obstruçJo variMI
limos anos sobre a heterogeneidade da asma, quer do ponto
Caracterfsticas dos fenótipos de vista clínico, fisiológico ou inflamatório.'·" Contudo, aio·
da asma da não existe consenso a esse respeito. Em nossa opinião, o
CoroctorlstK.u ob..,._~ sem ,_.oçio d~rm com uso do nome "asma" tem um impacto e uma história muito
o processo da ~. mduondo fisoologoa, gatilhos, grandes para ser abandonado. Thlvez a melhor alternativa
marudofft da tnRa<NÇio
seja utilizar diferentes "sobrenomes" (fenótipos) na concei·
tuação da doença, como asma eosinoffiica, asma induzida
Endotipos da asma
Enttd.des d•stJnt•s q~,~~~ pod.., se •pr.wntar como por exercício, asma aspirina-sensitiva, asma com limitação
dusters c!. fenótipo•, ma• c.ada um ' definido por um fixa no fluxo aéreo, asma oom exacerbações frequentes, etc.
mecan1smo fts~pato16gico disbnto No entanto, independentemente da defmição emprega-
I
Endotipo I Endotopo 11 I
Endotopo 111 I
Endotipo IV da, é consenso que alguns componentes (caracter!sticas) da
asma sejam sublinhados e enfatizados (FIGURA 45.1.2):
FIGURA 45.1.1 -+ E.squema ilustrando o conceito de que a slndrome
asm~tica é composta de diferentes fenótipos. Postula·se que em cada • Obstrução ao fluxo aéreo (podendo ser apenas parcial
fenótipo existam diferentes endotipos (grupos de pac.ientes definidos em alguns pacientes) reversível espontaneamente ou
por mecanismos biológicos distintos). com tratamento.
Fonte: Adaptada de lõtrall e colaboradores.' • Inflamação heterogênea na qual muitas células têm um
papel importante.
• Aumento da responsividade das vias aéreas.
• Episódios recorrentes de sibilos, dispneia, opressão to·
diversos estímulos inespec!ficos. This anormalidades são de- rácica e tosse, particularmente à noite ou pela manhã,
sencadeadas por um processo inflamatório crônico das vias ao acordar.
aéreas, considerado o principal determinante da expressão
clínica da asma, da ocorrência dos riscos futuros e talvez das
alterações estruturais subsequentes (remodelamento das
vias aéreas), o que leva à persistência das anormalidades Epidemiologia
clinicas (sintomas, limitação ao fluxo de ar das vias aéreas A asma é uma das condições crônicas mais comuns que
e hiper-res~nsividade), mesmo quando a inflamação está afeta tanto crianças quanto adultos, sendo um problema
12
controlada. mundial de saúde com estimativas de afetar 300 milhões de
A definição clássica proposta por Scadding,'"" que em indivíduos.' Com base nas prevalências médias da asma em
1959 definiu asma como " uma doença caracterizada por crianças, 17 adolescentes 13 e adultos," pode-se estimar que no
grande variação, em curtos períodos de tempo, da resistên- Brasil existam cerca de 20 milhões de asmáticos, se for consi-
cia ao fluxo de ar das vias aéreas", ainda é uma das mais derada uma prevalência global de 10%.
acuradas.'-'' O aumento da resistência (ou limitação) ao
fluxo de ar das vias aéreas pode ocorrer espontaneamente,
como na variação diurna, ou em resposta a agentes especí-
ficos (alérgenos) ou não específicos (metacolina, histamina,
Componentes das doenças
etc.). Idealmente, a limitação ao fluxo de ar das vias aéreas
das vias aéreas
deveria ser revertida de forma espontânea ou por tratamen-
to (broncodilatadores ou corticoides).
Sintoma• ~---.,

[I! ATENÇÃO Limitação i limitaçio


variável das Inflamação cr6n•ca ao
A definição adotada pela maioria das diretrizes con- vias aéreas flu><O aéreo
1
L
sidera a asma como uma doença inflamatória crôni·
ca das vias at'!reas da qual participam muitas ct'!lulas
Hiper·responsividade
e elementos celulares. A inflamação crônica está as- das vias aéreas
sociada à hiper·responsividade das vias aéreas, que
leva a episódios re<:orrentes de sibilos, falta de ar, FIGURA 45.1.2 ~ Relação entie os diferentes componentes das vias
aperto no peito e tosse, particularmente à noite ou aéreas implicados na asma. A inflamaçAo das vias aéreas influencia to-
no inicio da manhã . Esses episódios são uma conse- dos os componentes envolvidos na asma. A hiper·responsividade é um
quênda da obstrução ao fluxo aéreo intrapulmonar determinante importante da limitação vari~vel no fluxo aéreo e tam·
generalizada e variável, reversfvel de forma espontâ- bém é influenciada pela própria limitação ao fluxo aéreo. A inflamação
10 ativa das vias aéreas é considerada a causa de todas as manifestações
nea ou com tratamento.
dlnicas da asma.
Embora a predisposição genética seja clara, a epidemio- Fase I, os resultados do ECRHS demonstraram ampla va-
logia da asma está intimamente relacionada com a interação riação na prevalência de sintomas de asma entre os diversos
genético-ambiental para alergias respiratórias em geral e países estudados.
asma, em particular. 20 Fatores ambientais como exposição a Mais recentemente, a Organização Mundial da Saúde
infecções e endotoxinas podem ser tanto fatores de proteção (OMS) implementou o World Health Survey (WHS), com
como de risco, dependendo da época em que acontecerem o objetivo de avaliar amostras representativas de adultos
na infância. Possíveis fatores de risco pré-natal incluem taba- com 18 anos ou mais em 70 países, dos quais 64 relataram
gismo materno, clieta, estado nutricional, uso de antibióticos, o diagnóstico de asma.19 Os resultados desse estudo mostra-
tipo de parto. Destes, apenas o tabagismo materno é um fator ram que o Brasil tem a maior prevalência de autorrelato de
de risco bem estabelecido.21 Durante a infância, aleitamento sibilância (24,3%) e o sexto maior autorrelato de diagnóstico
materno, tamanho e estrutura da familia e gênero podem médico de asma (12%; IC 95% 11,0-13,1). Em outro inqué-
atuar como fatores de risco para a asma. O aparecimento da rito, o autorrelato do diagnóstico médico de asma ajustado
asma na idade adulta pode ocorrer como asma de início tar- para sexo, idade e região era 28% mais baixo em áreas ru-
dio ou estar relacionado com a exposição ocupacional. rais em comparação às urbanas/ ' o que é consistente com
Ainda que inúmeros estudos epidemiológicos tenham achados de outros estudos latino-americanos e está de acor-
documentado um aumento na prevalência de asma em di- do com a hipótese de que a industrializa~o e a urbanização
ferentes áreas do mundo e registrado uma ampla variação estão relacionadas com a sua ocorrência. 2
na prevalência dessa condição entre os diversos países, até Outro aspecto importante da asma é o de que essa con-
recentemente considerava-se que uma avaliação precisa clição se acompanha de grande morbidade, sendo responsá-
dessas informações era dificultada por diferenças metodo- vel por incontáveis consultas ambulatoriais e de emergência
lógicas e na definição de asma. Além disso, a acurácia da e elevado absenteísmo no trabalho e na escola. Embora as
interpretação da epidemiologia da asma em adultos poderia taxas de hospitalização por asma em adultos com idade su-
sofrer influência de diversos fatores que incluem duração da perior a 20 anos tenham diminuído em 34,1% entre 2000 e
2 33
doença, tipo e tempo de tratamento, exposição ocupacional, 2007/ segundo informações do DATASUS do Ministério
exposição ambiental, tabagismo, comorbidades, etc. da Saúde brasileiro, anualmente ocorrem em média 300.000
Apesar dessas dificuldades, três grandes iniciativas in- a 350.000 internações por asma, constituindo-se entre a ter-
ternacionais recentes, fundamentadas em questionários ceira e quarta causa de hospitalização pelo Sistema Único de
padronizados e validados para crianças e adolescentes" e Saúde (SUS). Na faixa entre 20 e 29 anos de idade, a asma
para adultos, 19.22 documentaram a prevalência da asma em foi durante alguns anos a primeira causa de internação. A
diversos países. Uma delas, o International Stud)' for Asth- taxa média de mortalidade no país no período de 1998 a
17
ma and Allergies in Childhood (ISAAC Fase I), envolveu 2007 foi de 1,52/100.000 habitantes com estabilidade na ten-
cerca de 250.000 crianças com idades entre 6 e 7 anos e cerca dência temporal desse período.33
de 450.000 adolescentes com idades entre 13 e 14 anos em
56 países. Os resultados desse estudo mostraram ampla va-
riação entre os diversos países participantes e dentro de um
mesmo país, sendo que a prevalência da asma variou entre Fisiopatologia
1,0 e 36,8%.18 No Brasil, a prevalência média de asma ba- Os fatores que determinam o aparecimento da asma em um
seada no estudo ISAAC realizado em cliversas cidades (São determinado indivíduo ainda não são completamente conhe-
Paulo,23 Porto Alegre,23 Florianópolis,:IA Curitiba,25 Recife,26 cidos, e o reconhecimento dos mecanismos fisiopatológicos
Itabira/7 Campos Gerais28 e Cuiabá~ é de 14,7%. A preva- responsáveis pelas manifestações da asma vem mudando nos
lência de sintomas de asma em alguma vez na vida, nessas ci- últimos anos. Apesar de ser inquestionável que a inflamação
dades, respectivamente, foi de 21,9%, 10,9%, 11,6%, 21,0%, das vias aéreas é central na patogênese da asma, tem se tor-
4,8%, 5,8%, 15,1% e 26,4%. A magnitude da variabilidade nado cada vez maís aparente que esse processo inflamatório
da asma nessas cidades brasileiras espelha o que aconteceu é complexo e heterogêneo. Essa resposta inflamatória com-
em nível mundial. plexa na asma pode ser responsável pelo reconhecimento de
Repetido 5 a 10 anos após o estudo ISAAC Fase I, o es- diferentes fenótipos clínicos, pela resposta diferenciada ao
tudo ISAAC Fase ill30 avaliou as tendências na prevalência tratamento e por diferenças na sua história natural.
da asma ao longo do tempo, mostrando que houve uma di-
minuição nas diferenças de prevalência entre os diversos paí-
ses. Enquanto nos países de língua inglesa a prevalência de Histopatologia
sintomas de asma parece ter diminuído (especialmente na As vias aéreas de um indivíduo asmático são muito diferentes
faixa etária de 13 a 14 anos), na América Latina, na África e daquelas de indivíduos saudáveis ou com doença pulmonar
em partes da Ásia a prevalência continua aumentando. obstrutiva crônica (DPOC). Parte do que se sabe hoje se origi-
A prevalência da asma em adultos em diferentes países nou de estudos anatomopatológicos em pulmões de asmáticos
europeus foi investigada pelo European Community Respi- que morreram devido a uma exacerbação grave. Tais observa-
ratory Health Survey (ECRHS), que objetivou determinar ções permitiram a descrição do aspecto macroscópico dos pul-
a prevalência de sintomas respiratórios sugestivos de asma, mões, do grau de envolvimento dos brônquios e de sua luz e das
presença de alergias e uso de tratamento em asmáticos com alterações microscópicas encontradas nesses casos. Os achados
idades entre 20 e 44 anos.22 Similarmente ao estudo ISAAC clássicos da asma fatal incluem a presença, na luz brõnquica,
de exsudato vlscido composto por muco, células inflamatórias O modelo teórico mais comum propõe que a inflamação
incluindo oosinófilos e células bronoocpitcliais, espessamento das vias aéreas na asma ocorre, primariamente, em resposta
da membrana basal, da musculatura lisa e das glândulas brôn- à inalação de um antlgeno, em geral um aeroalérgeno (FIGU·
quicas, eosinolilia tissular c vasodilatação capilar.34 RA 45.1.3).».J9 rsso se segue ao reconhecimento desse antíge-
Com a introdução da fibrobroncoscopia na década de no por células residentes das vias aéreas, no caso as células
1990, um número de alterações estruturais tem sido consis- dendriticas ou macrófagos. Essas células, conhecidas como
tentemente relatado em biópsias de asmáticos, sobretudo células apresentadoras de antígeno (APCs), desempenham
naqueles com doença mais leve: l ) infiltrado por células in- um papel importante no processo inflamatório porque per-
flamatórias (oosinófilos, mastócitos, linfócitos e neutrófilos) mitem o reconhecimento desses antlgenos principalmente
na lâmina própria, no epitélio e no lúmen das vias aéreas por linfócitos auxiliares (helper) (Th2) e mastócitos. Como
de pequeno e grosso calibre; 2) descolamento do epitélio; 3) resultado, os linfócitos Th2 se diferenciam e passam a pro-
espessamento da camada reticular da membrana basal por duzir diversas eitocinas, incluindo as interleucinas {IL) IL-2,
deposição aumentada de colágeno; 4) hiperplasia das glân- IL-3, IL-4,IL-5,IL-9, IL-13 e o fator estimulador do cresci-
dulas mucosas com aumento da secreção brônquica; 5) au- mento de colônias de granulócitos e macrófagos (GM-CSF},
mento da permeabilidade capilar com formação de edema; e o que culmina na diferenciação isotlpica dos linfócitos B
6) hiperplasia/contração da musculatura lisa dos brônquios e para produção de imunoglobulina B (IgB) e na manuten-
aumento do número de vasos (angiogênese)?5•31 ção dos linfócitos Tb2 com sua capacidade aumentada para
Mais recentemente, o exame do escarro induzido tem secretar citocinas e para recrutar e manter a sobrevida de
sido utilizado para determinar com maior facilidade e em eosinófilos, mastócitos e basófilos nas vias aéreas. Por outro
uma diversidade de situações o processo inflamatório da lado, as células dendrlticas respiratórias também podem in-
asma. Com o uso de métodos invasivos e não invasivos, foi duzir a ativação de células T regulatórias (Tregs) e de células
possível documentar nos últimos 20 anos, de forma incon-
Th1, que poderão evitar o desenvolvimento de reações imu-
testável, a importância da inflamação das vias aéreas na
nes prejudiciais ao brônquio.39-"0
asma. Hoje em dia, acredita-se que a inflamação das vias
aéreas, independentemente do mecanismo desencadeador,
é a causa primária da asma e um determinante maior de Papel das diferentes células e citocinas na
sua gravidade, das exacerbações e de alterações estruturais
subsequcntes (remodelamento) que levam à persistência de
inflamação das vias aéreas
anormalidades clinicas como sintomas, limitação variável ao Mast6citos
fluxo aéreo e hiper-responsividade das vias aéreas quando a Os mastócitos são essenciais na asma pela liberação de di-
38
infiltração com células inflamatórias inexiste ou é minima. versos agentes broncooonstritores pré-formados {histamina)

APCs
111. liberação de mediadores
Linfócitos 8 pelos linfócitos Th2
-·················
IV. ProduçAo dt lgE
pelo
linf6cito 8
.. Eosinófilos

Mast6<itos Broncoconstrição •····-


Hiper-responsividade
ProduçAo de muco
-
.. ..
··~:
··.~::·::~..:~~':?-·~ -~
· ..
Permeabilidade vascular •. ..····::.'.'.'.'.':.:·::!;'!$.. MBP
.
Contração muscular • •.••• •• EC!'
DescamaçAo epitelial • EPO

FIGURA 45.1.3 ~ Esquema simplificado dos eventos iniciadores da inflamação das vias aéreas e a subsequente cascata inflamatória, que ocorre após
a inalação de um antígeno e de sua apresentação aos linfócitos T helper (Th2) por uma célula apresentadora de antígeno (AI'Cs).
ou produzidos de n(lll() (leucotrienos). Além disso, eles tam- para a luz brônquica para captar antígenos inalados, proces-
bém liberam citoeinas ligadas à inflamação alérgica (IL-4, sá-los e apresentar peptideos relevantes para os linfócitos
IL-5 e IL-13), estão presentes nas células da musculatura T nos órgãos linfoides periféricos, como os gânglios linfá-
lisa das vias aéreas e estão envolvidos no desenvolvimento ticos mediastinais, fazendo a ponte entre a imunidade inata
de hiper-responsividade das vias aéreas.:~5o" e a adaptativa. As células dendriticas têm, assim, um papel
central na ativação de linfócitos Th2 e no início da cascata
de ativação da in!lamaí!o alérgica, presente na maioria dos
Granulócitos portadores de asma.:ll..l .•o
A inflamação que ocorre na asma é geralmente eosinofilica,
ao passo que aquela da DPOC é neutrofilica. Essa diferença
costuma ser explicada pela presença das citoeinas envolvidas lnterleucina 4
na asma, como IL-4, IL-5 e eotaxina. Contudo, um grupo A IL-4 aumenta a sfntese de IgE pelos linfócitos B. A IgE,
de asmáticos apresenta resposta neutrofilica principalmente por sua vez, penetra na circulação e infiltra os tecidos das
ligada à ativação do mecanismo inato e liberação de IL-8. vias aéreas, sensibilizando os mastócitos (células residentes
O papel funcional dos eosinóftlos na asma continua em efetoras das vias aéreas que podem ser identificadas por seus
debate. Embora sejam pouco importantes na gênese da hi- receptores de alta afinidade para IgE). Os mastócitos, pre-
per-responsividade das vias aéreas, as evidências sugerem viamente sensibilizados pela lgE, em contato com um antr-
um papel mais importante no desenvolvimento da fibrose geno específico,liberam uma série de mediadores.
subepitelial e na ocorrência de exacerbações. This suposições Esses mediadores podem ser de três tipos: 1) pré-forma-
foram confirmadas bloqueando-se especificamente a ação dos, incluindo a bistamina e a endotelina, ambos potentes
da IL-5 com anticorpo monoclonal anti-IL-5 (mcpolizuma- broncoconstritores; 2) neoformados, os quais compreendem
be) em asmáticos mais graves e com inflamação eosinoffiica os produtos da via da lipolcigenase do metabolismo do áci-
apesar do uso de doses adequadas de esteroides inalatórios do araquidônico ou leucotrienos, também potentes bronco-
ou orais. Nesta situação, o bloqueio da IL-5 é capaz de abo- constritores e substâncias com atividade pró-inflamatória; e
lir a inflamação eosinofilica das vias aéreas, reduzir o núme- 3) citoeinas sintetizadas de novo, envolvidas no recrutamen-
ro de exacerbações eosinofilicas e diminuir a dose de corti- to e na ativação de outras células efetoras como eosinófi-
coides de manutenção. Esses resultados indicam que, pelo los, neutrófilos, monócitos/macrófagos e linfócitos. A lista
menos em um subgrupo {fenótipo) de indivfduos com asma, de citoeinas produzidas pelos mastócitos é grande, estando
os eosinófilos são células efetoras criticas na asma grave e entre elas IL-1 , IL -3, IL-4,IL-5, IL-6, IL-8, IL-13, fator de
nas exacerbações.»·''·'2 necrose tumoral alfa (TNF-a), fator transformador de cres-
cimento beta (TGF-P), interferon ~a (IFN-y) e protefna
inflamatória macrofágica {MIP-2)?
Linfócitos
Especialmente os linfócitos do tipo Th2 parecem ser es-
senciais no desenvolvimento e na manutenção do processo lnterleucina 5
inflamatório crônico da asma. A infiltração das vias aéreas A IL-5 é a citocina que sinaliza a medula óssea para a produ-
por linfócitos Th2 ativados é um achado consistente (embora ção de eosinófilos, os quais serão recrutados para o interior
não exclusivo) da asma, qualquer que seja a sua gravidade. das vias aéreas. Ela também é importante no recrutamento,
Existe quantidade considerável de evidências indicando que na diferenciação e na ativação dos eosinófilos. A presença
a infiltração continua das vias aéreas por eosinófilos e mas- dos eosinófilos na asma não se restringe às vias aéreas su-
tócitos, nos pulmões dos asmáticos, ocorre sob a regulação periores. Existem evidências de que os eosin6filos também
de produtos derivados dos linfócitos. Dentre as citoeinas pri- infiltram as pequenas vias aéreas e o parênquima pulmonar.
mariamente produzidas pelos linfócitos, duas são de particu- Uma vez dentro das vias aéreas, os eosinóftlos liberam
lar importância: a IL-4 e a IL-5.1S.J7.JO as chamadas protefnas eosinoffiicas (protefna eosinoffiica
catiônica {ECP), protefna eosinofilica principal {MBP) e pe-
roxidase eosinofilica (EPO)), as quais têm atividade pró-in-
Macrófagos
flamatória, estimulam a degranulação dos mastócitos e ba-
Os macr6fagos são derivados dos monócitos circulantes que
sófilos, a secreção de muco e provocam o descolamento do
migram para os pulmões em resposta a substâncias quimio-
epitélio brônquico. Os eosinófilos também produzem grande
atrativas como a MCPl. Aparentemente, estão mais envol-
quantidade de citocinas, incluindo IL-1, IL-2, IL-3, IL-4, IL-
vidos na fisiopatologia da DPOC e podem apresentar um
5, IL-6, IL-8, IL-10, IL- 11, IL-12, TGF, TNF-a, GM-CSF,
papel na resposta neutrofilica vista na asma com este fenó-
tipo.»
MIP-la e RANTES.
Assim, os eosinóftlos não apenas defendem o hospedei-
ro, mas também contribuem para a manutenção do dano
Células dendríticas tissular causado pelo agente invasor e desempenham um pa-
As células dendríticas demonstram a cada dia um papel mais pel imunorregulatório. A presença de eosinófilos no escarro
relevante na fisiopatologia da asma. Elas se abrigam entre parece ser um bom preditor da resposta ao tratamento com
as células epiteliais das vias aéreas e lançam seus dendritos corticoides.».36.•l
Remodelamento das vias aéreas
A inflamação crônica é um processo no qual existe um ciclo 0 ATENÇÃO
conúnuo de agressão e reparo (FIGURA 45.1.4). O reparo pode
Do ponto de vista fisiopatológico, o remodelamento
resultar em resolução (cura) ou remodelamento (cicatriza-
ção). Tipicamente, na inflamação crônica, a agressão tissular das vias aéreas é um processo dinâmico e heterogê-
repetida leva a uma resposta inflamatória composta por um
neo que representa o desequilíbrio entre produção
infiltrado celular (em geral por células mononucleares) e, e destruição de matriz extracelular, iniciado pelo re-
como consequência, em vez de reparo completo com desa- crutamento, diferenciação, migração e ativação de
células inflamatórias e que culmina com alterações
parecimento da inflamação (resolução), ocorre um processo
na deposição de tecido conectivo e alterações defini-
de reparo envolvendo a proliferação de pequenos vasos e fi-
tivas das vias aéreas.
broblastos, deposição de colágeno e cicatrização...,...,
A resolução ou regeneração é uma resposta biológica
benéfica, finamente regulada e consiste na reposição das cé-
lulas lesadas por células viáveis. A resolução não tem conse- O mecanismo preciso pelo qual o processo inflamatório
quências funcionais. leva ao remodelamento das vias aéreas na asma ainda é des-
Em contraste com a resolução, o remodelamento repre- conhecido. Contudo, acredita-se que a perda da integridade
senta um processo de reparo exagerado cujas consequências do epitélio brônq uico e a resposta inflamatória possam estar
funcionais dependerão da localização, extensão e duração da associadas ao processo de injúria e reparo das vias aéreas.'5
resposta inflamatória.·~"' Evidências oriundas de estudos recentes sugerem que a
O processo de reparo na asma é similar ao encontrado fibrose subepitelial é uma consequência do dano ao epitélio
em outras inflamações crônicas, resu ltando em resolução brônquico, o qual, por sua vez, é um dos aspectos inerentes
e remodelamento das vias aéreas (FIGU RA 45.1.5). Dá-se o da asma. 46 A integridade do epitélio brônquico parece ser
nome de remodelamento das vias aéreas ou remodelamen- um dos fatores mais críticos na regulação das funções das
to brônquico às alterações estruturais persistentes das vias células do tecido conectivo e na composição da matriz extra-
aéreas que ocorrem na asma como resultado da inflamação celular. A perda da barreira protetora oferecida pelo epité-
crônica. lio brõnquico aumentaria o acesso de uma grande variedade
Do ponto de vista bis tológico, o remodelamento das vias de agentes agressores às camadas mais profundas da parede
aéreas na asma é caracterizado por aumento da espessura brõnquica. Em consequência dessa exposiçã<>-agressão con-
das paredes brônquicas devido ao espessamento da cama- tinua, o epitélio brônquico é estimulado e responde entran-
da reticular da membrana basal (também conhecido como do em uma fase de reparo.
fibrose subepitelial), aumento do tecido da advenúcia, au- A lesão do epitélio brônquico, na asma, resulta do efei-
mento da espessura da camada muscular e formação de ede- to aditivo da ação das proteínas eosinofflicas básicas (ECP,
ma devido ao extravasamento microvascular. 35•.. EDN e MBP) e da quebra proteolitica das estruturas de
adesão interepitelial, bem como do estroma subepitelial,
causado por metaloproteases da matriz extracelular - um
grupo de proteases secretadas por macrófagos, neutrófilos
Mj.@ifl·i!(tm~M

ln~maç.lo I ~
e células do estroma cuja ação principal é degradar todos os
componentes da matriz extracelular, das quais as mais im-
( lnflomaçlo portantes são a metaloendoproteinase G (MMP-9) e a gela-
tinase B (FIGURA 45.1.6).
l
Reparo
l Durante o processo de reparo do epitélio brõnquico, que

C~mJ:wlar)
pode ser exuberante, as células broncoepiteliais passam a ter
!
Resoluçio
um papel importante na regulação do remodelamento das
vias aéreas mediante liberação de farores de crescimento,
regulação da proliferação de fibroblastos e liberação de me-
!
Cura
!
lnflamaçlo cr6nic:a
taloproteases.ll.•l Além disso, as células broncoepiteliais tam-
bém liberam proteínas da matriz extracelular c fibronectina."

1
P..modelamento
Essas evidências sustentam a noção de que o dano do epitélio
brônquico leva à fibrose subepitelial, uma vez que esta é cau-
sada pelo espessamento dos componentes da lâmina reticular
1 da membrana basal pela substituição do colãgeno fisiológico
(colágeno dos tipos IV e VII) pelo colágeno cicatricial ~colá­
geno dos tipos I, lli e V), assim como por fibronectina.'
FIGURA 45.1.4 ~ Esquema ilustrando como os eventos se seguem à O aumento da camada reticular da membrana basal,
agressão tissular. A resposta inflamatória pode evoluir para a resolução contudo, não é exclusivo da asma e pode ocorrer na DPOC.
com cura ou para o remodelamento com cicatrização. A predisposição O que diferencia essas duas situações é a magnitude e a com-
ge<~étíca e o envolvimento de fatores do meio ambiente sào os determi-
posição do espessamento. Na asma, a camada reticular da
nantes finais do tipo de resposta.
membrana basal está espessada de forma homogênea, en-
Predisposição Alérgenos,
gené~ infecções,
etc. Inflamação

[ l
crônica

Inflamação
aguda
tJ,
l imitação
Dano tissular
irreversível ao

I Recrutamento e --7 Ruxo de ar


e ativação remodelamento
eHRVA
de c.élulas
inflamatórias
limitação
reversfwl ao
j. T
Disfunção celular
fluxo de ar liberação de
medladores da e

T
eHRVA hipersecr~ão
inflamação
de muco

L l Permeabil idade
vaS<.ular
e edema
Liberação de
citocinas e
fatores de
crescimento
FIGURA 45.1.5 -7 Esquema demonstrando a inte-
gração do processo inflamatório (agudo e crônico)
e suas principais consequências na asma (l imitação
ao fluxo de ar, hiper-responsividade das vias aéreas
[HRVA) e remodelamento).

~~Epitélio
l e U.J• r.J.. 1.~.. \. ~..l:J.._j. l• l.:J._t Membrana basal

---- =:::::::::s;::::::::.ii;::::;::::.==''f Colágeno I, 11, V, r<:...


Fibronectina ~"
F~roblasto T~
'\. SCF

2
~
!'-., (bFGF)

Mastóc~o
~
M iofibroblasto

GM-CSF
~
TNF-a
rGF-~ ./ LTB~BP I Histamina

Eosinófilo
1/' __..........-
~ LTC,
PGD,
l
/ ~ MBP 15HETE ~
ECP I ~ontração
Peroxidase EDN .J., muswlar FIGURA 45. 1.6-7 Esquema mostrando a relação entre as
aril-sulfatase Secr~ão
células inflamatórias e as alterações de remodelamento,
t -
Descamaçao
de muco Permeabilidade
especialmente quanto ao espes.samento da camada reti-
epitelial vascular cular da membrana basal.

quanto na bronquite crônica ou na DPOC a espessura dessa


camada é variável ou normal. J9 Além disso, na asma existe
Prospecções
um inftltrado e proliferação de fibroblastos, basicamente A asma é e continuará sendo uma condição comum na práti-
refletindo o remodelamento brônquico, ao passo que na ca clínica. Até há pouco tempo, acreditava-se que fosse uma
DPOC o espessamento reflete um processo de fibrose. doença relativamente simples e tratada com um número
Do ponto de vista clínico, o remodelamento das vias aé- limitado de fármacos. Hoje, entende-se que, embora ainda
reas resulta em um componente de irreversibilidade da limi- não se possa prevenir o seu surgimento e que ainda não haja
tação ao fluxo aéreo (vista principalmente em asmáticos com cura para a asma, essa é uma condição que deve ser con-
37
doença grave ou de longa duração). Diversos estudos epi- trolada. O reconhecimento de que se trata de uma condição
demiológicos têm comprovado a existência de perda longitu- heterogênea em termos de fatores ambientais associados,
dinal da função pulmonar nos asmáticos. Tal perda funcional expressão clínica, resposta às diferentes intervenções tera-
se caracteriza por declínio no volume expira tório forçado no pêuticas e história natural tem demonstrado que atribuir a
primeiro segundo (VEF1) significativamente maior do que fisiopatologia da asma apenas à sensibilização alérgica é in-
aquele esperado para sexo e idade.'&.'9 Essa perda da função suficiente. O que se espera compreender em um futuro pró-
pulmonar parece ser persistente, a despeito do tratamento ximo é por que algumas pessoas desenvolvem asma e, outras,
ótimo da asma, mas poderia ser prevenida pela introdução não. É apenas com um maior conhecimento da fiSiopatolo-
precoce do tratamento anti-inflamatório. Isso é clinicamente gia dessa doença que reais mudanças na história natural da
relevante e tem implicações terapêuticas óbvias. asma poderão ser obtidas.
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2
47. Bousquet J, Jcffcry PK, Bussc WW, Jobnson M, Vignola AM. tico definitivo até que a criança tenha mais idade. Devido
Asthma: from bronchoeonstriction to airways inflammation and re- às dificuldades para comprovação diagnóstica por meio da
modcling. Am J Respir Crit Care Med. 2000;161(5):1720-45. realização de provas de função pulmonar, o diagnóstico de
asma é fundamentalmente clínico e a indicação de um teste
48. Fish JE, Pcters SP. Airway remodeling and persistent airway obs- 3
terapêutico fica justificada nesse período da vida.
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Engl J Med. 1998;339(17):1194-200. vestigarem outros diagnósticos diferenciais, como alterações
graves pulmonares e cardíacas.
Alguns episódios de sibilância e asma parecem estar re-
lacionados principalmente com alérgenos, enquanto outros

mJ parecem estar assoeiados a vfrus ou, ainda, uma interação de


desencadeantes atópicos e infecciosos. As infecções respira-
História Natural tórias virais parecem ser mais importantes do que os alér-
genos nas crianças mais jovens, sobretudo nos lactentes. Os
Mara Rúbia André Alves delima alérgenos assumem um papel mais preponderante nas crian-
ças em idade escolar. Um estudo demonstrou que a ma.ioria
O reconhecimento das características da história natural de das crianças com 7 anos de idade e com hiper-reatividade
uma doença é de execução complexa, uma vez que exige es- das vias aéreas tinham apresentado também atopia, quando
tudos longitudinais e de longo prazo, com o acompanhamen- lactentes.3
to de populações durante muitas décadas, desde a infância Consideram-se diferentes categorias de chiadores entre
até a idade adulta e em diferentes partes do mundo. as crianças abaixo dos 5 anos. O chiado precoee transitório,
No caso da história natural da asma, soma-se a isso o em geral, desaparece em três anos, ocorrendo mais em bebês
fato de ser uma doença com heterogeneidade tanto de ma- prematuros ou filhos de pais fumantes. O chiado persistente
de início precoce lalllbém aparece antes dos 3 anos de idade, ções virais continuam sendo um importante fator associado
associa-se a infecções respiratórias agudas comumente cau· a exacerbações de asma. Muitas crianças com asma lalllbém
sadas pelo vírus respiratório sincicial, ocorre em pacientes sofrem de rinite alérgica, conforme documentado no estudo
sem história pessoal ou familiar de atopia e pode durar até ISAAC.'
os 12 anos de idade.'
Há uma correlação entre chiado precoce e redução da
função pulmonar antes mesmo do desenvolvimento dos
sintomas, sugerindo que pulmões pequenos podem serres·
ponsáveis por be~ cbiadores que, contudo, podem deixar
de ter esse sintoma com o crescimento. O desenvolvimento
pulmonar parece ser relativamente normal na maioria das
crianças com asma, mas pode estar reduzido ao longo da in·
fância e da adolescência em pacientes com sintomas graves
e persistentes.
Na revisão de 2002 da Global Strategy for Asthma Ma·
nagement and Prevention3 encontra-se o relato dos seguin-
tes estudos que averiguaram a evolução da função pulmonar
em indivíduos com hiper-reatividade brõnquica, atopia ou
asma. Um estudo longitudinal de crianças realizado na Nova
Zelândia, concluiu que os valores alcançados nos testes de
função pulmonar foram menores na presença de biper-re· Apesar das dificuldades metodológicas nos estudos lon·
atividade das vias aéreas e/ou alergia a ácaros domésticos gitudinais, estima-se que a asma desaparece clinicamente em
ou gatos. Estudos realizados na Austrália mostraram que as 30 a 50% das crianças, sobretudo nas do sexo masculino, na
crianças com hiper-reatividade das vias aéreas apresenlalll, puberdade, ainda que muitas vezes os sintomas da doença
quando chegaram aos seus 1g anos, redução da função pu!· possam reaparecer na vida adulta.3
monar avaliada através de espirometria. E um outro estudo Em adultos, a asma pode começar em resposta à sensibi·
concluiu que adultos que tiveram asma na infância podem lização a agentes ocupacionais ou do local de trabalho ou a
apresenta.r uma redução de 20% na sua função pulmonar. partir do desenvolvimento de atopia na idade adulta. Infec-
Se esses estudos refletem possível efeito deletério da asma ções virais seguem ainda, na vida adulta, sendo um impor-
no desenvolvimento do pulmão com uma impossibilidade de tante gatilho para as exacerbações da asma.
chegar a pleno crescimento e funcionalidade ou se somente O tabagismo lalllbém parece ser um fator descncadeante
espelham a presença de pulmões congenilalllente pequenos importante. Em adultos jovens fumantes com história de asma
é algo que ainda precisa ser esclarecido. na inlancia, há maior risco de recrudescin>ento da doença em
Alguns dos estudos que relataram crcscin>ento pulmonar relação aos não fumantes. É dificil aferir a proporção exata de
reduzido em crianças com asma mediram a função pulmo- pacientes com asma de início tardio que, na realidade, tinham
nar antes da terapêutica broncodilatadora e analisaram, por já sido diagnosticados com asma no passado, pois o próprio
conseguinte, apenas a medida da obstrução reversível das paciente pode não se recordar ou não ter sido informado a
vias aéreas. A maioria dos estudos que mediram a função esse respeito por seus cu idadores na infância.
pulmonar pós-broncodilatador tem mostrado muito pouco Estudos a longo prazo da asma na infância sugerem que
efeito da asma sobre o desenvolvimento da função pulmonar quanto mais grave tiver sido a asma na infância, mais grave
a longo prazo.> será a asma na vida adulta e que muitos dos pacientes asmá·
ticos continuaram a ter função pulmonar anormal ou hiper·
-reatividade das vias aéreas a despeito de terem deixado de
apresentar sintomas de asma.3
~ ATENÇÃO Na asma com início após os 50 anos de idade, o quadro
clínico pode se acompanhar de um aumento na taxa de declí·
SibiiAncia no primeiro ano de vida n~o é um preditivo nio do VEF,. Em pacientes fumantes e idosos, é praticamen·
nem de asma nem de asma mais grave no futuro. No te impossível separar a doença pulmonar obstrutiva crônica
entanto, sAo sugestivos de asma a presença de mais de da asma valendo-se apenas do VEF,. No entanto, esse pos·
um episódio de chiado por m~s; chiado ou tosse indu· sível efeito da asma é variável. Estudos utilizando testes de
zidos pelo exercido; tosse noturna sem virose conco- função pulmonar e tomografia computadorizada mostraram
mitante; aus~ncia de variaç~o sazonal; e a persist~cia que, em adultos com asma, a limitação permanente do fluxo
das manifestações clínicas após os 3 anos de idade. aéreo não é frequente, mas também não pode ser conside·
rada rara. 3
A história natural complexa da asma favorece expectati-
As crianças que continuam com sibilãncia após os 5 anos vas equivocadas por parte do leigo. Os pais podem acreditar
aparentemente têm asma mais relacionada com atopia, o que a criança irá ficar sem asma ao crescer sin>plesmente,
que predispõe à sensibilização das vias aéreas pelos alérge· e os pacientes adultos podem entender de forma errônea
nos ambientais ou pelos irritantes inaláveis. Porém, as infec- que o controle dos seus sintomas obtido com o tralalllento
equivaleria à cura definitiva da doença. Dessa forma, tanto a A presença das manifestações a seguir, que não são ti-
asma infantil quanto a do adulto podem ser perigosament.e picas de asma, deve alertar para outros diagnósticos: fe-
negligenciadas. Cabe ao pneumologista esclarecer esses fa- bre, expectoração purulenta crônica, sibilAncia localizada,
tos junto ao próprio paciente - ou aos familiares no caso da hemoptise, perda de peso, hipocratismo digital, estertores
criança - almejando proporcionar a conduta mais adequada crepitantes, hipoxemia, falta de alívio sintomático com bron-
para cada individuo asmático. codilatadores.

Referências Avaliação breve


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A investigação inicial do paciente com asma deve ser dirigida
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uma estratégia terapêutica imediata.
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arquivos/Dir_Asma_Lnt!Gina_Workshop_2002.pdf.
às necessidades do paciente, em momentos diferentes.
No exame fisico, os principais achados devem-se à obs-
trução brônquica, podendo ser observados desde a simples
presença de sibilância na ausculta pulmonar até sinais de

mJ hiperinsuflação pulmonar e uso da musculatura inspiratória


acessória nas crises mais graves.
Diagnóstico A avaliação funcional pulmonar, mediante espirome-
tria, é essencial para o diagnóstico de asma, pois possibilita
Luciano Müller Corrêa da Silva a confirmação da presença de obstrução das vias aéreas,
Luiz ca~os Corrêa da Silva seu grau e a resposta ao broncodilatador. A medida do
pico de fluxo expiratório (PFE), por sua simplicidade, bai-
xo custo e disponibilidade para monitoração do paciente,
Introdução é uma boa alternativa, não apenas para o diagnóstico, mas
também para o automanejo terapêutico da doença, porém
O diagnóstico da asma costuma ser feito com facilidade nos é mais limitada do que a espirometria. A função pulmonar
casos em que a doença se inicia na infância, a história fa- auxilia tanto para diagnosticar como para excluir o diag-
miliar é positiva, existe um evidente componente alérgico nóstico de asma. Se um paciente com aparente exacerbação
e, quando nas crises, o quadro apresenta-se caracteristica- apresentar espirometria normal, outro diagnóstico deve ser
mente com dispneia, sibilAncia, sen.sação de asftxia, opressão considerado.
no tórax e tosse intensa. O componente de ansiedade pode A radiologia, como não costuma evidenciar alterações
levar a um exagero da percepção das alterações ventilató- devidas à asma propriamente dita - uma vez que demonstra,
rias, mesmo quando é relativamente pequena a intensidade geralmente, apenas espessamento de paredes brônquicas -,
da broncoconstrição. Ao exame físico, é comum a presença contribui de maneira essencial para o diagnóstico diferencial
de sibilância à ausculta pulmonar e taquicardia; em situações e para a detecção de complicações, como pneumonia, atelee-
mais graves ( eJCltcerbação), pode haver tiragem intercostal e tasia e pneumotórax.
uso da musculatura acessória e dos pontos de ancoragem,
com um relativo silêncio auscultatório.

~ ATENÇÃO
Fora das crises, o paciente costuma ser assintomático e o
exame físico é normal, podendo haver evidências de sibilos
à ausculta pulmonar apenas durante expiração forçada. A
espirometria pode ser normal ou apresentar obstrução das Com o conjunto de informações iniciais, clinicas e
vias aéreas de pequena intensidade, com ou sem resposta funcionais, como regra, estará confirmado o diag-
nóstico de asma e estabelecida sua gravidade, estan-
ao broncodilatador. Sendo a espirometria normal, pode-se
do descartadas outras possibilidades diagnósticas.
realizar o teste de broncoprovocação, que em geral será po-
sitivo. Esse teste é obtido pela medida repetida do volume
expira tório forçado no primeiro segundo (VEF 1), antes e de-
pois da exposição do paciente a nebulizações com soluções O QUADRO 45.3.1 demonstra um conjunto de critérios
progressivamente mais concentradas de substância provoca- simples que costumam ser util.i zados para o diagnóstico de
tiva, como a metacolina. asma.
QUADRO45.3.1 ~ Critérios usuai.s para o diagnóstico de asma identificado. Sempre se deve procurar fatores que desenca-
deiam ou pioram os sintomas de asma. jã que a maioria dos
Clinico Dispneialtosselsibil~ncia pacientes saberá referir relação exposição-sintomas quando
"Aperto no peito" se abordam fatores ambientais. Fatores que podem contri·
buir para o dcsencadeamento de crises incluem infecções
Fundonal Obstrução variável respiratórias, mudanças climáticas, poeira domiciliar, mofos,
Hiper·reatividade Teste de broncoprovoca~o positivo determinadas vestimentas (p. ex., lã), medicamentos, entre
outros. Deve-se buscar em todos os ambientes do paciente
(não apenas no domicílio) fatores que costumam causar sin·
tomas em asmáticos: no trabalho, nos locais que frequenta
rotineiramente e até em exposições ocasionais. O QUADRO
Avaliação especializada 45.3.2 apresenta a maioria das perguntas que devem ser apli·
A avaliação clínica especializada do paciente oom asma deve cadas ao paciente e/ou cuidadores.
ser orientada em tomo de alguns objetivos fundamentais: A caracterização ou não de atopia pessoal e/ou familiar
deve sempre ser buscada pela presença de rinite alérgica,
• Confirmação diagnóstica dermatite alérgica, reações a fãrmacos e da própria asma
• Identificação de fatores desencadeantes de sintomas brônquica. O QUADRO 45.3.3 apresenta uma lista de pergun-
• Reconhecimento da gravidade tas que podem ser utilizadas para caracterizar o papel da
• Caracterização de atopia atopia no diagnóstico da asma.
• Caracterização da presença de rinossinusite A história detalhada dos tratamentos anteriores sempre
• Confirmação da presença de hiper-rcatividade será fundamental para o melhor entendimento da situação
• Avaliação crítica da história terapêutica do paciente e para o estabelecimento de um novo esquema
• Planejamento da estratégia terapêutica imediata e a lon- terapêutico.
go prazo Ao exame ftsico, é possível constatar sibilos apenas na ex·
piração prolongada. Os sibilos podem ser expiratórios, inspi·
O paciente oom asma costuma apresentar, durante os ratórios ou percebidos em ambas as fases. Ocasionalmente,
episódios de exacerbação (crises), o quadro obstrutivo clás- o exame fiSiCO do tórax é normal; nesse caso, uma expiração
sico, oom dispneia, síbilância (chiado no peito), tosse seca e forçada ou uma manobra de tosse suscitará o surgimento de
outras queixas vagas como "congestão no peito", "aperto sibilos. Na asma aguda grave, os sibilos podem atenuar-se
no peito" e cansaço. As crises ocorrem mais oomumente à ou desaparecer à medida que a obstrução se intensifique e a
noite, de maneira que a perturbação do sono é um achado
muito frequente. As manifestações noturnas em geral são
impactantes para a qualidade de vida, devendo ser sempre QUADRO 45.3.2 ~ Questões que devem ser feitas ao paciente e
muito bem avaliados e nunca esquecidos. Como regra, as cri- seus cuidadores
ses duram algumas horas ou dias e cedem espontaneamente
ou sob efeito de medicações, em particular broncodilatado· - lnído da doença
res e corticoides. - Frequência das crises
Por ocasião da crise, deve-se avaliar a gravidade e a du- - Ocasião em que ocorrem as crises
ração dos sintomas, a duração da falta de oontrole, a quan· - Intensidade das crises (consult.ts em emergências, hospitalizações,
tidade de beta-adrenérgico inalado nas últimas 24 horas, as internações em un)
doses e o tempo de uso de outros medicamentos, bem como - Sintomas noturnos e matutinos
a(s) causa(s) mais provável(is) da exacerbação. - Fatores desencadeantes
Em especial, uma rápida piora dos sintomas, atendimen- - Fatores de alívto
tos de emergência recentes e recorrentes, internação prévia - Influência dos sintomas nas atividades habituais ou vice-versa
- Tratamentos anteriores e sua regularidade
em unidade de terapia intensiva (UTI), com ou sem uso de - Uso de corticoide sist~mico (frequência de uso e doses)
ventilação mecânica, e a necessidade de manter corticotera- - Uso de anti·inflamatórios inaláveis (se continuado ou não)
pia prolongada são dados sugestivos de asma grave e devem - Uso de broncodilatadores (quais e como usa)
servir como mais um subsídio para o plano terapêutico e, - Infecções respiratórias de repeti~o. principalmente sinusite e
se necessário, para indicação de hospitalização. Devem ser pneumonia
reconhecidas causas comuns de exacerbação: infecção res· - Sintomas de refluxo gastresofágico
piratória, exposição a aeroalergênios, ingestão de alimentos - Outros medicamentos usados (anti·hipertensivos, colírios para
ou conservantes (p. ex., metabissulfito) aos quais há grande glaucoma, anti-inflamatórios não esteroides, etc.)
hipersensibilidade, ou uso de fármacos (p. ex., anti-inflama- - Atopia pessoal e fam1liar (asma, rinite alérgica, dermatite atópica,
tórios não esteroides, betabloqueadores). alergia a filrmacos)
- Exposições ambientais (quarto, cama, torração, cortinas, locais
Na maioria dos casos, um ou mais fatores podem ser re- úmidos e com mofo)
conhecidos como responsáveis pelo desencadeamento das - Tabagismo (ativo e passivo)
crises, enquanto em outros nenhum fator desencadeante é - Animais domésticos (cães, gatos. pássaros)
--------------------
QUADRO 45.3.3 ~ Perguntas para avaliar o papel da atopia em A presença de obstrução das vias aéreas inferiores (bron-
asma• coconstrição) é suspeitada pela história (dispneia com chia-
do), confirmada pelo exame físico (sibilância) e mensurada
1. Os sintomas pioram em certos meses? Se sim, existem sintomas pela espirometria ou pela determinação do PFE.
de rinite alérgica, espirros, pru rido, coriza e obstrução nasal ao A espirometria costuma demonstrar obstrução ao fluxo
mesmo tempo? (Pólen e mofo) aéreo, reversível seja imediatamente pelo uso de bronco-
dilatador ou de modo mais lento pela remissão natural da
2. Os sintomas surgem ao visitar um domio1io com animais de
estimação? (Pelos e outros elementos biológicos derivados de
doença. Interessam em particular a medida do VEF, e a ca-
animais) pacidade vital forçada (CVF). Costuma-se fazer a medida do
VEF, e da CVF antes e depois do broncodilatador, frequen-
3. Se existem animais de estimação no domicílio do paciente, os temente verificando-se uma diferença significativa. No caso
sintomas melhoram quando o paciente permanece fora por do VEF., para considerar-se significativa, tal diferença deve
uma semana ou mais? Os sintomas nasais, oculares e torAcicos ser~ 200 mL e 10% em relação ao previsto.
melhoram? Os sintomas pioram nas primeiras 24 horas após Fora das crises, em que o fenômeno obstrutivo pode
o retorno ao domicilio 7 (Pelos e outros elementos biológicos
estar ausente, os testes de broncoprovocação (TBP) podem
derivados de animais)
trazer esclarecimento sobre a presença ou não de hiper-re-
4. Apresenta prurido e eritema ocular após ter contato com algum atividade das vias aéreas. Os TBP são particularmente im-
animal? (Pelos e outros elementos biológicos derivados de animais) portantes para pacientes com sintomas incaracterísticos ou
tosse persistente com espirometria normal. Um TBP negati-
S. Os sintomas aparecem no cômodo onde tapete ou carpete foi vo deve obrigar o clínico a reconsiderar outros diagnósticos
aspirado? (Produtos de animais ou Acaros) caso o paciente não esteja sendo tratado. Já um TBP posi-
tivo nem sempre significa, necessariamente, o diagnóstico
6. Há sintomas ao arrumar a cama? (Ácaros)
de asma. Outras situações estão relacionadas com teste de
7. Há sintomas quando se abre alguma peça ou armário com roupas broncoprovocação positivo: rinite alérgica e atopia, doença
hA algum tempo fechados? (Mofo) pulmonar obstrutiva crônica (DPOC), fibrose cística, insufi-
ciência cardíaca, bronquite infecciosa e infecção respiratória
8. Os sintomas estão relacionados com certos tipos de trabalho ou recente. A correlação com a clínica é fundamental.
atividades laborais?
É muito importante salientar que, mesmo em pacientes
9. Os sintomas melhoram após o paciente permanecer alguns dias com obstrução ao fluxo aéreo na espirometria, a ausência
fora do trabalho? de resposta ao broncodilatador não exclui o diagnóstico de
asma!
•es posslveis fatores causaisforam indicados entre parênteses. O componente alérgico é mais bem caracterizado pela
história clínica, interessando particularmente estabelecer a
relação exposição-sintomas com pequeno intervalo de tem-
insuficiência respiratória progrida. Nas crises graves, é pos- po. Antecedentes de atopia (alergia) como crosta láctea ao
sível detectar, também, hiperinsuflação torácica, contratura nascimento, dermatite atópica, rinite alérgica e reações alér-
dos músculos inspiratórios acessórios, ortopneia e cianose. gicas a medicamentos, tanto no próprio paciente quanto em
Os sinais fisicos geralmente associados a grave limitação familiares, são de grande importância para o diagnóstico de
ao fluxo aéreo (VEF1 < 40%) são taquicardia (frequência asma alérgica.
cardíaca > 120 bpm), taquipneia (frequência respiratória > A identificação de eosinofilia no hemograma, a dosagem
30 mpm), uso dos músculos respiratórios acessórios, pulso elevada de imunoglobulina E (IgE) e os testes cutdneos a an-
paradoxal (18 mmHg ou mais), fala monossilábica ou total tígenos inaláveis fornecem subsídios importantes, sobretudo
incapacidade de falar, exaustão, dispneia intensa, ausência quando houver suspeita clínica menos consistente de atopia.
de ruídos adventícios ("tórax silencioso"), hipoxemia (Sp02 Nesse aspecto, vale ressaltar que é desnecessária a utilização
< 92%), alteração da consciência, cianose e choque. de grande número de antígenos. Em caso de alergia respi-
Na fase pós-crise, sibilos e importantes alterações espiro- ratória, o teste cutâneo com os antígenos inaláveis mais fre-
métricas podem estar presentes mesmo quando o paciente já quentes, como poeira domiciliar (Dermatophagoides), fungos
esteja assintomático e se julgue livre do episódio. Tem gran- e pólens, permite a identificação de aproximadamente 90%
de importância a avaliação funcional (pico do fluxo, ou espi- dos casos. Embora sem fazer parte da rotina, o radioallergo-
rometria), pois é comum que o paciente apresente, na pós- sorbent test (RAST) possibilita o diagnóstico específico dos
-crise, baixa percepção do grau de obstrução ao fluxo aéreo. alergênios responsáveis pelo desencadeamento de alergia
A ausculta é útil para corroborar o diagnóstico da asma, respiratória. Todavia, é importante ressaltar que a ausên-
mas deve sempre ser complementada pela espirometria cia de atopia não exclui, necessariamente, o diagnóstico de
como parte da avaliação pneumológica mínima. Em alguns asma!
pacientes, os sintomas e os sinais cünicos de limitação ao flu- Na FIGURA 45.3.1, é proposto um algoritmo para o diag-
xo aéreo podem estar ausentes mesmo com um VEF, infe- nóstico de asma baseado na histórica clínica e na avaliação
rior a 50%. funcional.
Espirometria

Teste de broncaprovocaçAo
ou ~
NÃO 1
OBSTRUÇÃO AO FLUXO AÉREO
~
SIM
Usar broncodilatador
PEF seriado
SIM

Obstrução revertida

1
Resultados de um ou
SIM

ambos positivos Provável asma


Broncodilatador + corticoide oral
por 2 semanas

NÃO

1
Broncodilatador + corticoide oral
l SIM

por 2 semanas Obstrução revertida?

1
M~hora clínica e/ou funcional
(aumento do VEF,>10%) Outra doença pulmonar obstrutiva
crônica. ou asma irreversfvet

Outra doença
SIM
ASMA

FIGURA 45.3.1 ~ Algoritmo para diagnóstico de asma.

Diagnóstico diferencial de rotina. A segurança no estabelecimento do diagnóstico


da asma depende não apenas da presença de achados ca-
As condições que podem simular asma são descritas no QUA· racterísticos - obstrução brônquica variável desencadeada
ORO 45.3.4. A falta de uma definição clara para a asma- que por diversos fatores, parcial ou totalmente reversível - mas
incluísse todos os pacientes e fosse confirmada pela maíoria também da ausência de achados que possam sugerir outras
dos médicos e excluísse todos aqueles que a maior parte dos doenças. Os problemas diagnósticos existem em particular
profissionaís concordasse não ter a doença- explica a incer- nos casos em que as manifestações são protraídas ou atípi-
teza de grande parcela dos critérios diagnósticos para essa cas, ou quando os pacientes têm extrema dificuldade de per-
enfermidade. ceber e/ou de relatar seus sintomas.
Para propósitos clínicos e epidemiológicos, pode-se des- Uma forma objetiva de confirmar o diagnóstico de asma é
crever características da asma que ocorrem frequentemente, medir a variação da obstrução brônquica após o uso de bronco-
tanto que sua coincidência serve como substituto razoável dilatador de curta duração (beta-adrenérgico). Grande respos-
para um verdadeiro padrão-ouro. Dois dos achados aceitos ta aponta para asma, mas resposta pequena ou ausente, como
internacionalmente podem ser determinados de forma dire- pode ocorrer na vigência de crise grave ou na fase de remissão,
ta: obstrução das vias aéreas reversível de modo espontâneo não exclui a doença. Infelizmente, não há um ponto de corte
ou como resultado do tratamento e exagerada reatividade na resposta broncodilatadora que permita utilizar a espirome-
brônquica a estímulos inalados.' tria como critério isolado para o diagnóstico de asma.
Quando as manifestações são características, o diagnós- A ocorrência de sintomas noturnos é tão comum na asma
tico da asma brõnquica pode ser feito com recursos clínicos sem controle que sua ausência na história clínica leva clínicos
QUADRO 45.3.4 -7 Diagnóstico diferencial em asma brônquica Pode ser difícil distinguir asma de outras oondições que
apresentem sintomas obstrutivos. Uma das maiores dificulda-
- OPOC des é a distinção com DPOC, particularmente pela frequência
- Insuficiência cardíaca congestiva e mesmo pela coexistência dessa última. No QUADRO 45.3.5,
- Bronquiolopatia destacam-se as principais diferenças entre asma e DPOC. Se
- Infecções respiratórias (epiglotite, traqueobronquite, bronquiolite) a variabilidade da obstrução brônquica não puder ser demons-
- Hiper·reatividade pós·infecciosa trada por outro meio, pode-se fazer um curso oom corticoide
- Fibrose dstica
oral ou medida seriada do pico do fluxo durante duas semanas;
- Bronquite eosinofílica
- Reações alérgicas em pacientes sem asma se não houver resposta significativa (melhora do VEF, < 10%
- lsquemia cardíaca com corticoide sistêmico, ou variabilidade < 20% no pico do
- Cardiopatias congênitas fluxo), o diagnóstico de asma deve ser questionado?
- Malformações vasculares Há outras causas específicas de obstrução crônica das
- Inalação de gases tóxicos vias aéreas intrapulmonares que podem ser confundidas
- Aspiração de corpo estranho com asma: malformações cong€nitas sempre devem ser con-
- Refluxo gastresofágico sideradas no primeiro episódio de desconforto respiratório
- Compressão extrínseca de via aérea de grosso calibre (tumores em crianças com menos de um ano de idade.
mediastinais, aneurisma de aorta torácica, anéis vasculares, bócio, Quando as primeiras crises ocorrem no primeiro ano de
tumores cervicais)
vida, pode ser difícil estabelecer o diagnóstico de asma, con-
- Traqueobroncomalácia
- Obstrução de via aérea (neoplasias traqueais e laríngeas, trauma, fundindo-se o quadro oom bronquiolite vira/ e outras infecções
estenose traqueal pós·entubação, tumores centrais, hipertrofia de do trato respiratório. De qualquer maneira, caso o quadro obs-
adenoides e tonsilas) trutivo se estabeleça após um episódio infeccioso ou se a res-
- Bronquiectasias posta à terapêutica convencional da asma for pobre, deve-se
- Rinossinusobronquite oonsiderar a possibilidade de bronquiolite obliterativa.
- Doença de Churg·Strauss Corpo estranho deve ser considerado quando ocorrer um
- Disfagia orofaríngea primeiro episódio de início súbito, caracterizado por tosse
- Tromboembolismo pulmonar intensa, sensação de asfixia e alterações localizadas no exa-
- Síndrome de hiperventilação me físico e no estudo radiológico de tórax. Nessa circunstân-
- Discinesia de prega vocal
- Aspergilose broncopulmonar alérgica (ASPA) cia, a endosoopia respiratória é fundamental.
Fibrose cfstica, discinesia ciliar e imunodeficiências po-
dem associar-se a quadro de dificuldade respiratória. Nes-
sas situações, o principal achado é a ocorrência de infecções
experientes a duvidarem do diagnóstico. Thmbém é raro que o respiratórias de repetição. Dosagem de eletrólitos no suor,
surgimento dos sintomas de asma seja súbito, pois geralmen- microscopia eletrônica de fragmento de mucosa respiratória
te os sintomas iniciais são de evolução progressiva, podendo e testes para imunidade bumoral (dosagem de imunoglobuli-
tornar-se frequentes e graves. nas) e celular devem ser indicados em casos especiais.

QUADRO 45.3.5 -7 Dados para diagnóstico diferencial entre asma e DPOC

Início Principalmente na infância Apartir da meia·dade (> 40 anos)

Tabagismo Frequentemente não fumante Quase sempre fumante


Tosse e expectoração crônicas Ausentes Frequentes (bronquite crônica)

Oispneia Variável e reversivel ao tratamento Constante, pouco reversível e progressiva

Sintomas noturnos Relativamente comuns Incomuns

Obstrução ao fluxo aéreo Maior variabilidade diurna Variabilidade diurna normal


Resposta a broncodilatador Boa Menor
Hiper·reatividade Na maioria dos pacientes, com ou sem obstrução ao fluxo Na maioria dos pacientes, mas sempre com
aéreo na espirometria limitação ao fluxo aéreo na espirometria

Gatilho nas exacerbações Alergênios e variações climáticas Infecções bacterianas


Resposta a corticoide Aumento do VEF1 de pelo menos 10% em relação ao basal Não costuma haver melhora da função pulmonar
Aspergilose bronccpulmofUir alirgica pode manifestar-se QUADRO 45.3.6 ~ O diagnóstico da asma deve ter critérios
pela presença de cosinofilia sanguínea ( > 500 mm) e/ou nas bem definidos
secreções respiratórias, tampões mucosos, infiltrações pul-
monares, elevação excessiva dos níveis de lgE sérica ( > 1.000 Sintomas
UI) c dificuldade no controle dos sintomas, com cronificação Dispneia/sibil3ncia/tossd"aperto no peito• (isolados ou em
e estabelecimento de bronquiectasias e fibrose pulmonar. combinação)
Quando o primeiro episódio de "asma" ocorrer em um
Padrão
adulto, c particularmente quando não houver boa resposta ao
Episódico ou variável; piora noturna tfpica
tratamento, considerem-se condições que propiciem obstrução
traqueobronquica (bronquiectasias, estenose pós-traqueostomia, Oesencaclfantes
-------------------
traqueoma/4cia ou outra causa de colapso traqueobronquico), Exerckio, inalação de ar frio, exposição a alergénios, infecção viral
tumores endobrônquicos (cãncer de pulm4o), tromboembolismo das vias a~eas lUperiorrs, uso de anti-inflamatórios nào esteroidrs
pulmonar, vasculiu, insuficiência cardiaca congestivr~, infecções ou llllfitos
fúngicas cronicas, bissinose, deficilncia de alfal-antiprotease e
bronquwlile cronica associada a doenças do tecido conjuntivo, Avaliação funcional
Jes6es qufmicas, infecções virais graves. Obstrução variável
'làmbém se confunde obstrução das vias aéreas superio- Presença de hiper-reatividade br6nquica
res com asma; a espirometria não detecta anormalidades Teste de broncoprovocaçáo positivo
facilmente observadas na curva fluxo-volume (achatamento
das curvas inspiratória e expiratória). A obstrução da larin-
------------------
Resposta ao tratamento com corticoide
ge pode resultar de paralisia das pregas vocais, artrite das Melhora dos sintomas e da função pulmonar
articulações cricoaritenóideas, alterações pós-traumáticas,
pólipos e tumores da laringe.
Uma forma de obstrução das vias aéreas superiores bas-
tante confundida com asma é a disfunçdo das pregas vocais
(pseudoasma), um distúrbio funcional da laringe que parece
Referências
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associado a síndrome conversiva, factkia, ou outro transtor- Lung, and Blood Lnstitute. National asthma cducation and prevcn-
no psicológico, com ganho secundário. Essa condição deve- tion program: cxpcrt pane! repon lll: guidetines for tbe diagnosis
-se à adução dos dois terços anteriores dos músculos aduto- aod maoagcmcnt of astbma. Bethesda: National Heart, Lung, and
res das pregas vocais, deixando apenas uma fenda posterior Blood Instituto; 2007.
de 4 a S mm. Costuma ser vista em mulheres obesas de 20 2. Scottisb lntercoUcgiate Guidclines Network. Britisb guidclinc on
a 40 anos, muitas vezes exercendo atividades paramédicas. thc managcmcnt of asthma: a national clinicai guidclinc. London:
Elas frequentemente têm asma, o que pode dificultar o diag- British Tboracic Socicty; 2008. Rcviscd May 2011.
nóstico. Em alguns casos, são rotuladas como corticoide-
-resistentes. Durante o sono não têm chiado, mas este piora
durante o exame físico. A gasometria pode ser normal ou
com hipocapnia. Na espirometria, o esforço costuma ser Leituras recomendadas
subótirno (redução do PFE), o VEF, é quase normal e, na Bamcs PJ, Dra.zcn JM, Rennard SI, Tbomson NC. Asthma aod
COPO: basic mccbanisms and clinicai management. 2 cd. London:
curva fluxo-volume, existe redução do fluxo inspiratório.
Acadcmic Prcss; 2009.
O diagnóstico exige visualização das pregas vocais du-
rante período sintomático, observando-se adução das pregas Corrêa da Silva LC, Heuel J L Asma brôoquica: manejo cllnico.
vocais com fluxo aéreo através de uma fenda glótica pos- Porto Alegre: Anmcd; 1998.
terior. O manejo da disfunção das pregas vocais é difícil, Enrigbt PL, Lcbowitz MO, Cockroft 0\V. Physiologic measurcs:
sendo o confronto direto e a abordagem psiquiátrica ra- pulmonary function tests: asthma outcome. Am J Rcspir Crit Care
ramente úteis. A terapia vocal, a hipnoterapia e o neuro- Mcd. 1994;149(2 Pt2):S9-18.
feedback podem ter resultados satisfatórios. Deve-se sus- Fahy JV, O'Byrne PM. "Reactivc airways diseasc". A lazy tcrm of
pender os cor(jcoides orais e inaláveis, mantendo o uso de uncertain meaning that should bc abandoncd. Am J Respir Crit
beta-adrenérgicos de demanda. Carc Med. 2001;163(4):822-3.
A asma no idoso pode ser confundida com outras con-
dições, pois frequentemente é subdiagnosticada devido a Globallnitiative for Asthma. Guidclincs: GINA repon,global stratcgy
for asthma management and prcvcmion [Internet). Vancouver: GINA;
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2010 (capturado em 29 jun. 2011). Disponível em: bnp:/,-'.Yww.ginasth-
medidas da função pulmonar e ao sub-relato de sintomas
ma.org/guidelines-gina-rcport-global-strategy·for-asthma.html.
que ocorre nessa faixa etária. É importante, nesse grupo,
excluir doença cardíaca, aspiração por disfagia orofarin- lrvin CG, Eidclman O. Aitways mechanics in asthma. tn: Holga-
gea neurogênica, tromboembolismo pulmonar, neoplasias te S1; Busse WW, cditors. Rhinitis aod asthma. Boston: Blaclcwell
e, é claro, jamais esquecer-se da DPOC. O QUADRO 45.3.6 Seientific; 1995.
resume o conjunto de critérios que torna a asma uma lrwin RS, Curlcy FJ, Frcnch CL Chronic cougb: the spcctrum
doença de diagnóstico mul(jdirnensional. aod frcqucncy of causes, key compooents of tbe diagnostic cva-
luation, and outcomc or spccific therapy. Am Rev Respir Ois. sobretudo da tomografia computadorizada de múltiplos de-
1990;141(3):640-7. tectores {TCMD), trouxeram novos paradigmas c métodos
Melw:r EO. Thc rclationships or rhinitis and asthma. Allergy Asth- de estudo para esses pacientes. Com os atuais tomógrafos, é
ma Proc. 2005;26(5):336-40. possível estudar a totalidade do tórax em cortes menores do
que um milimetro em uma única apoeia respiratória. Esses
Pratter MR, Hin&110n OM,Irwin RS. Dia,gn05is ofbronehial asthma
achados são muito importantes para o estudo da via aérea, em
by clinicai evaluation: an unrcliable method. Chest. 1983;84(1):42-7.
especial das grandes vias aéreas. Além disso, essa análise de
Smith HR, lrvin CO, Cherniaek RM. The utility of spirome- dados proporciona um singular detalhamento da morfologia
uy in lhe diagnosis or rcversiblc airways obstruction. Cbcst. da via aérea em todos os planos, até a via aérea terminal.
1992;101(6): tsn.st.

Radiografia simples de tórax


B!l O raio X de tórax não é útil no estadiamento e nas avaliações
de conduta na asma. A utilidade da radiografia de tórax é
Avaliação Radiológ._ic;,_a_____ excluir outras condições que podem simular esta entidade.
Exemplos incluem edema pulmonar cardiogênico, tumores
Bruno Hochhegger de via aérea, pneumotórax e/ou processos inflamatórios pa-
Candice Santos renquimatosos pulmonares.
Klaus L. lrion

Introdução
A asma é uma doença causada pela inflamação das vias aére-
as. As alterações patológicas envolvem tanto a via aérea pro-
ximal quanto a distai e resultam em limitação ao fluxo aéreo.
A resposta inflamatória aguda envolve o aumento do tônus
muscular liso peribroocovaseular, bem como o aumento das
secreções na via aérea e a eonsequente impaetação mucoide
em via aérea distai.
Os efeitos fisiopatológicos da obstrução aérea incluem
aprisionamento de ar e biperinsuflação dinâmica, resultando
no aumento da capacidade residual funcional e no aumento da
carga diafragmática. A consequ~ncia de um episódio agudo,
especialmente quando recorrente ou refratário, é uma respos-
ta inflamatória crônica das vias aéreas periféricas, que pode
ser determinante no remodelamento irreversível da via aérea.
Historicamente, os métodos radiológicos, quando usados
para o estudo da asma, tinham como único intuito excluir ou-
tras causas de dispneia c sibilos. O aumento da disponibili- Não obstante a limitação do estudo radiológico sim-
dade, assim como a evolução tecnológica dos equipamentos, ples de tórax para o diagnóstico de asma, ele é parte fun-

FIGURA 45.4.1-+ Radiografia em inc.idência anteroposte-


rior (A) e em perfil (8). Note-se a hiperinsuflaçAo pulmo-
nar representada pelo rebaixamento das hemicúpula.s dia-
fragm~ticas e o aumento do espaço retroestemal. EJCiste
também pneumomediastino e enfisema subcutAneo, mais
pronunciado no mediastino superior e em regiio cetVical.
damental da avaliação pneumológica na primeira aborda- Tal achado também é comumente encontrado em indivíduos
gem clínica do paciente. normais, conforme descrito antes.

Tomografia computadorizada Avaliação tomográfica da espessura da


Atualmente, um grande número de métodos para avaliar a via aérea
doença da via aérea em pacientes asmáticos tem sido pro-
posto, em sua maioria utilizando a tomografia computadori- A avaliação tomográfica da espessura da via aérea é o méto-
zada de alta resolução volumétrica. do mais seguro e promissor de avaliação do remodelamento
lànto sinais diretos quanto indiretos de alterações na via da via aérea e da diminuição luminal dela nos pacientes as-
aérea têm sido descritos. máticos. Histologicamente, tal processo nada mais é do que
um espessamento da membrana reticular basal da via aérea
causada por inflamação crônica. Esse espessamento das pa-

[E] ATENÇÃO redes das vias aéreas pode ser avaliado de modo quantitati-
vo ou qualitativo. Entretanto, com o uso de novos sofiwares,
evidenciou-se que a avaliação quantitativa é ma.is segura e
Ot sínais diretos de avaliação da gravidade da asma preditiva de doença de pequena via aérea. Como em todos
e do comprometimento da via aérea incluem a me- os testes não invasivos, os achados tomográficos não mais
dida da espessura das paredes dos brônquios, ' o fn- são do que a representação de uma doença de base.
dice do diâmetro brônquico em relação ao diâmetro A maneira como a tomografia computadorizada reflete
das artérias e a perda do afilamento brônquico usual a progressão histológica em pacientes asmáticos ainda está
(FIGURA 45.4.2). sob investigação e tem mostrado resultados muito animado-
res. Está demonstrado que os achados de tomografia com-
putadorizada de alta resolução se correlacionam fortemente
Outro achado direto inclui a relação do diâmetro máximo com o espessamento da membrana basal reticular nos adul-
do brônquio em relação à artéria pulmonar. Deve-se ter cuida- tos com asma. Achados semelhantes também são descritos
do, pois em crises agudas o paciente com asma apresenta hipo- em pacientes pediátricos com asma de difícil controle. Os
xia pulmonar, o que pode causarvasoconstrição das arteriolas, achados de espessamento parietal brônquico e perda do afi-
levando o paciente a apresentar um diâmetro brllnquico muito lamento brônquico usual são mais prevalentes em pacientes
superior ao da artéria pulmonar, o que por vezes é ocasionado adultos, provavelmente pelo fato de uma inflamação mais
pela vasoconstrição arteriolar associada à hipoxia. crônica propiciar maior alteração histológica.
Os sinais indiretos incluem focos de impactação mucoide
em via aérea distai (também conhecido como padrão de nó-
dulo em "árvore em brotamento", sugestivo de bronquiolite;
e o padrão de atenuação em mosaico, que indica a presença
Avaliação da via aérea periférica
de áreas geométricas de diminuição da densidade pulmonar A avaliação da via aérea periférica é baseada em achados
por hiperinsullação. Este último achado também pode ser indiretos, e os principais incluem atenuação em mosaico e
visto em pacientes com embolia pulmonar crônica e doença nódulos com padrão de "á.r vore em brotamento". Quando
infiltrativa, mas ao estudo em expiração essas áreas na asma existem bronquiolectasias, tais achados também são úteis.
permanecem hiperinsufladas e, nas demais doenças, tendem Os brônquios são geralmente considerados dilatados quan-
a apresentar desinsullação usual ao parênquima restante. do o lúmen deles é maior do que o diâmetro das artérias pu!-

FIGURA 45.4.2 7 (A) tomografia computa-


dorizada demonstrando pneumomediastino
(pontas de setas) e setas indicando pneu-
morraquia (ar diss~ndo o espaço subdu-
ral) e enfisema subcutâneo. (B) tomografia
computadorizada demonstrando pneumo-
pericárdio (pontas de setas).
monares. Entretanto, o achado mais confiável de dilatação brônquio como sendo representativa de toda a árvore tra-
brõnquica é a perda do afilamento brõnquico usual e/ou a queobrõnquica.
identificação dele a menos de 2,0 em da superfície pleural. A avaliação de um sinal secundário como padrão de apri-
Como antes mencionado, achados indiretos de dilatação sionamento de ar é frequentemente utilizada. Para isso, são
de bronquíolos podem ser facilmente identificados, em par- usados pontos de corte para se diferenciar pulmão normal
ticular o preenchimento bronquiolar por muco resultando de área de aprisionamento de ar, e esses testes são correla-
em nódulos centrolobulares com padrão de "árvore em bro- cionados com teste de função. Os estudos têm encontrado
tamento". Está bem demonstrado que os achados de dilata- dados estatisticamente significativos quando correlacionam
ção brõnquica e impactação mucoide em via aérea distai são a espessura da via aérea com os testes de função pulmonar,
mais prevalentes do que em controles não asmáticos. No en- especialmente o volume expira tório forçado no primeiro se-
tanto, o achado mais comumente encontrado nos pacientes gundo (VEF,) .
com asma é o padrão de atenuação em mosaico, que reflete
a obstrução brônquica distai em grau muito incipiente. Este
tipo de achado, apesar de não específico para asma, apre-
senta uma prevalência importante nos pacientes com hiper- [I] ATENÇÃO
-reatividade brônquica.
No entanto, está bem descrito que o VEF, não é fator
Ao contrário do padrão de atenuação em mosaico, as
dilatações brônquicas são achados marcadores de gravida- de prognóstico na asma. Este critério é útil para es-
tratificar a gravidade da obstrução, mas a história clr-
de na asma. Cabe ressaltar que as áreas de dilatação brôn-
nica e demais testes de função são necessários para
quica na asma são potencialmente reversíveis, devendo-se
ter cuidado e atenção com o uso dos termos bronquiectasias a devida classificação do paciente. Em um estudo,
little' realizou a mensuração da espessura da parede
e bronquiolectasias devido à possibilidade de reversão das
brônquica e a correlacionou com testes de função
lesões. Estas, muitas vezes, não são reconhecidas como enti-
pulmonar e sintomas clfnicos. O autor descreveu que
dades reversíveis por clinicos.
o VEF, não teve correlação com a espessura da pa-
rede brônquica; no entanto, existiram correlações
significativas entre VEF 1, sintomas e difusão de mo-
A correlação dos achados tomográficos nóxido de carbono.
com critérios funcionais
Existem vários estudos que correlacionaram achados tomo- Cabe ressaltar que esses dados são úteis para estudos
gráficos computadorizados com testes funcionais na asma. A clínicos, embora ainda não sejam aplicados amplamente na
maioria desses estudos usou avaliação quantitativa da espes- prática.
sura da parede brônquica, bem como mensuração das áreas
de hipoatenuação do parênquima pulmonar para a correla-
ção com testes de função pulmonar. A medida da espessura
da via aérea brõnquica é realizada por consenso no brônquio Diagnóstico diferencial da asma por
do lobo superior direito, devido à facilidade de identificação
e mensuração automatizada do mesmo (FIGURA 45.4.3). Este
meio de testes radiológicos
é um ponto falho nas avaliações de via aérea, pois é sabido Muitas outras doenças que afetam a via aérea superior e in-
que a asma pode ter um aspecto heterogêneo nos pulmões ferior podem apresentar sintomas que mimetizam a asma e
e a maioria dos estudos utiliza a mensuração apenas em um são facilmente identificadas por testes radiológicos.

FIGURA 45.4.3 -+ Demonstração


de programa computadorizado
de mensuração automática da
o espessura da via aérea e mensu-
a Distância (mm)
10
ração de sua densidade.
A traqueobroncomalácia (FIGURA 45.4.4) é uma doença de brônquios principais e traqueia é esperada em indivíduos
da via aérea proximal, muitas vezes não reconhecida e fa· normais. Obstruções superiores a 75% devem ser considera·
cilmente confundida com asma. Em termos funcionais, a das patológicas.
traqueobroncomalácia ocasiona uma obstrução intratoráci· Os tumores de via aérea (FIGURA 45.4.5) apresentam·
ca variável. A fisiopatologia desta entidade consiste no fato -se, geralmente, como pontos focais e unilaterais de sibilo.
de que, durante a expiração, a pressão intrapleural excede Embora esses tumores sejam raros, a faixa etária de acome-
a pressão intratraqueal, ocorrendo um colabamento da tra· timento é semelhante à da asma. Em especial, os tumores
queia que dificulta o fluxo expiratório. Esse é um achado im· carcinoides e os adenoidocísticos podem se apresentar em
portante, e a tomografia computadorizada de tórax em ex- pacientes jovens com dispneia progressiva e tosse. A de-
piração pode facilmente fazer o diagnóstico. Cabe ressaltar monstração de dados quantitativos é importante para a de·
que uma diminuição de até 50% da área seccional Juminal moostração estatística de que intervenções, farmacológicas

FIGURA 45.4.4 -+ Exemplo de traqueobroncomalácia. (A) tomografia computadorizada em inspiração; (B) tomografia computadorizada em expira-
ção. Note-se o fechamento total da via aérea. (C e D) representação da via aérea em 30 em inspiração e expiração, respectivamente. (E) reconstrução
tridimensional demonstrando a traqueia em expiração e sua relação com o mediastino.

FIGURA 45.4.5 -+ Tomografia computadorizada


demonstrando paciente, tratado como asmáti-
co, com neoplasia pulmonar que invadia a tra-
queia torácica.
ou não, são eficazes em estudos randomizados. Além dessa
vantagem, dados quantitativos possibilitam que um núme- ~ Educar o paciente para automanejo com um plano
ro menor de pacientes seja incluído nos estudos, diminuin- escrito estruturado que auxilie no reconhecimento de
do os custos. Na suspeita de outras doenças no diagnóstico crises potencialmente graves e no tratamento inicial
diferencial da asma, a tomografia computadorizada é de adequado.
fundamental importância, pois pode excluir os principais ~ Identificar os pacientes com maior gravidade da
doença de acordo com o nivel de resposta ao trata-
diagnósticos diferenciais, incluindo traqueobroncomalácia e
mento inicial.
neoplasias traqueais.
~ Obter a máxima eficácia com os mínimos efeitos ad-
versos, titulando o mais corretamente possrvel a dose
das medicações mediante uma avaliação adequada
Referência dos sintomas, funçAo pulmonar e exacerbações.
I. Woods AQ, Lynch DA Asthma: an imagin& update. Radiol Qin
Nonh Am. 2009;47(2):317-29.
Hoje em dia, o enfoque do tratamento está mais dire-
cionado para o controle da doença do que propriamente
para um nível de gravidade medido de forma arbitrária por
Leituras recomendadas tabelas de classificação. O reconhecimento da gravidade é
Corren J. Small ailways diseasc in asthma. Curr Allergy Asthma
necessário para um melhor direcionamento do tempo e dos
Rcp. 2008;8(6):533-9.
recursos para aqueles pacientes que apresentam risco de
Littlc S, Sprou lc M, Cowan M, Maclcod K, Robcrtson M, Lovc J , exacerbações mais severas.
ct ai. H igh rcsolution computcd tomographic asscssmcnt of airway História de entubação, hospitalização (seja na enferma-
wall thickncss in chronic asthma: rcproducibility and relationship
ria ou em unidade de terapia intensiva - UTI) e de crises
with lung function and scverity. Thorax. 2002;57(3):247-53.
quase-fatais, uso excessivo de medicações broncodilatado-
Nakano Y, Müller Nl., King 00, Nümi A, Kalloger SE, Mishima ras, doença psiquiátrica, baixa função pulmortar e exacerba-
M, et ai. Quantitativc asscssment of ailway rcmodeling using bigh- ção grave recente com uso de corticoide sistêmico ( < 3 me·
-rcsolution CT. Chcst. 2002;122(6 Suppi):271S-SS. ses) são variáveis que devem ser consideradas no tratamento
Nakano Y, Van Tho N, Yamada H, Osawa M, Nagao T. Radiological inicial porque indicam um paciente de alto risco. Por outro
approach to asthma and COPO: lhe role of computed tomograpby. lado, um tratamento baseado no controle auxilia na sua me-
Allergollnt. 2009;58(3):323-31. lhor adaptação às necessidades individuais do paciente, e
não simplesmente em uma classificação estanque de gravi-
'Thshkin DP, de Lange EE. lmaging of thc distai airways. J Allcrgy
Clin lmmunol. 2009;124(6 Suppi):S78-83.
dade. Deve haver flexibilidade tanto do paciente quanto do
médico para que haja a oportunidade de uma constante rea-
valiação e mudança das intervenções terapêuticas. A asma,
como doença dinâmica, exige monitoração regular.

B!1
Tratamento
Luciano Müller Corrêa da Silva
Luiz Carlos Corrêa da Silva

Introdução
Quanto aos fármacos, para o tratamento de manutenção,
Otratamento da asma apresenta os seguintes a associação corticoide inalatório + broncodilatador de lon-
objetivos:1'1 ga ação é a mais eficaz. Já na asma aguda grave, o uso de
~ Proporcionar ao asmático um tratamento simples, broncodilatadores inalatórios em dose alta associado ao cor-
mas eficaz, utilizando como pilar as medicações ina- ticoide sistêmico continua sendo o esquema principal, com
latórias. melhor custo-efetividade. O controle ambiental nunca deve
~ Melhorar a qualidade de vida. ser esquecido, pois tanto o donúcflio quanto o trabalho são
~ Obter o melhor controle possfvel dos sintomas, parti- fontes de gatilhos e alergênios capazes de gerar má resposta
cularmente os noturnos. ao tratamento farmacológico. Na outra ponta, está o auto-
~ Reduzir o número de exacerbações. manejo, que consiste, por meio de intervenções educativas,
~ Reduzir visitas à emergência e hospotalizaçôes. em tomar o paciente suficientemente orientado para rea-
~ Diminuir a va ria bilidade da obstruçlo ao fluxo aéreo. lizar modificações em seu tratamento que permitam obter
maior controle e reduzir o risco de exacerbações graves.
de manutenção a longo prazo do uso do corticoide inala tório
Medicamentos para asma para a obtenção de um efeito mais sustentado.
Atualmente, devem ser destacados, por serem os mais efi- O efeito dos corticoides inalados na redução do processo
cazes, mais seguros e mais testados, os grupos de fármacos inflamatório brônquico presente na asma determina melhor
mencionados no QUADRO 45.5.1. controle de sintomas, redução das exacerbações da doença,
melhora da resposta ao tratamento da crise (aumento da
sensibilidade aos beta-agonistas), redução da suscetibilidade
Anti-inflamatórios esteroides inalatórios- ou aos fatores desencadeantes, melhora da qualidade de vida
corticoides inalatórios e, até mesmo, do próprio risco de mortalidade da doença.6
Os efeitos adversos mais frequentes são aqueles rela-
~ ATENÇÃO cionados com a ação local (candidíase oral, disfonia). Eles
podem ser bastante minimizados enxaguando-se a boca com
água após o uso. No caso de nebulímetros com corticoide
Os corticoides inalados são o tratamento de manu-
inalado, recomenda-se uso do espaçador. Para pacientes
tenção de primeira linha na asma brônquical
com candidíase oral refratária, a substituição por ciclesonida
(que apresenta ativação somente no epitélio respiratório)
pode ser de algum benefício. Quanto às ações sistêmicas,
Citem-se budesonida, fluticasona, mometasona, cicleso- os corticoides inalados não apresentam efeitos adversos im-
nida e beclometasona. Os corticoides inalatórios (CI) agem portantes, justificando seu uso pela alta relação benefício-
sobre as células do epitélio brônquico suprimindo a trans- -risco.' Deve-se ter muito cuidado em utilizar o corticoide
crição de genes envolvidos na resposta inflamatória. O me- inalado pela nebulização, pois há sempre a possibilidade de
canismo envolvido é a redução da liberação de citocinas, do vazamento da dose aplicada para a região ocular, o que pode
nfvel de enzimas, pepúdeos e moléculas de adesão responsá- desencadear catarata e/ou glaucoma. A possibilidade desse
veis pelo recrutamento de células inflamatórias. O início da efeito local em órgão nobre deve servir de alerta para que o
supressão da inflamação da mucosa respiratória é relativa- uso de corticoide nebulizado seja cada vez mais restrito!
mente rápido, com uma redução significativa dos eosinófilos
em seis horas e conse~uente diminuição da hiper-responsi-
vidade das vias aéreas. ·• A reversão da hiper-responsividade Broncodilatadores
das vias aéreas pode demorar vários meses para atingir um Os principais broncodilatadores são os beta-agonistas, que
platô, provavelmente o reflexo da recuperação de alterações proporcionam rápido alívio de sintomas pelo seu efeito
estruturais na via aérea.s Isso parece justificar a necessidade broncodilatador.

QUADRO 45.5.1 ~ Medicamentos mais utilizados no tratamento da asma

Il.mnii!lr·i!.llt:lN1
Corticoides Beta2·adrenérgicos (beta-agonistas)

1. Corticoides inalatórios (nebullmetro, pó seco) 1. lnalatórios (nebulimetro, pó seco, nebulização)


Beclometasona De curta ação (com efeito de 4 a 6 horas)
Budesonida Fenoterol
Cidesonida Salbutamol
Fluticasona De longa ação (com efeito de 12 horas)
Mometasona Formoterol (pode ser utilizado na exacerbação)
Salmeterol (não pode ser utilizado na exacerbação)

2. Corticoides orais 2. Subcutâneos ou intravenosos


Prednisona Terbutalina (SQ
Prednisolona Salbutamol (IV)
Adrenalina (SQ

3. Corticoides intravenosos Xantinas (via oral ou intravenosa)


Metilprednisolona Teofilina (VO)
Hidrocortisona Aminofilina (VO, IV)
Bamifilina (VO)

Antileucotrienos Anticolinérgicos (nebulímetro e nebulização)


Montelucaste (Singulair) Brometo de ipratrópio (nunca deve ser utilizado isoladamente em asma)
Beta·agonistas de longa ação Anticolinérgicos
Os beta-agonistas de longa ação (BALA ou LABA) são o Os anticolinérgicos são ipratrópio e tiotrópio.
formoterol e o salmeterol. Seu efeito broncodilatador é efi- Quanto ao brometo de ipratrópio, não é recomendável
caz e duradouro (12 horas). O formoterol pode ser utilizado seu uso isolado para o tratamento da exacerbação, devido
na crise pela sua curta latência de efeito (5 a 10 minutos); o à sua menor eficácia broncodilatadora e maior latência de
salmeterol não deve ser usado para crise, pela maior latência efeito. No entanto, em crises mais graves (volume expirató-
de efeito (até 60 minutos). rio forçado no primeiro segundo - VEF, < 35% do previs-
to), a associação com um beta-agonista de curta ação parece
conferir vantagem broncodilatadora adicional, além de re-
duzir em até 25% a taxa de hospitalização. 10 Seu uso como
tratamento de manutenção não é recomendado.
Com relação ao tiotrópio, parece ter equivalência ao sal-
meterol, quando adicionado a um corticoide inalatório em
pacientes com dificuldade de controle com doses mais altas
de corticoide inalado." Todavia, considerando o estado do
conhecimento atual, não se recomenda que haja substituição
de um BALA pelo tiotrópio. No entanto, em pacientes com
asma grave que já uti.lizam a associação CI + BALA no tra-
Pacientes tratados isoladamente com beta-agonistas tamento de manutenção, o tiotrópio pode acrescentar algum
apresentam maior risco de crises graves e potencialmente benefício. Um estudo demonstrou melhora do VEF, tanto
fatais.8 O uso do indacaterol (broncodilatador de ultralon- com a dose de 51-'S quanto com 10 1-'g nesse contexto, em-
ga ação - > 24 horas- com rápido infcio de ação), apesar bora não tenha apresentado poder suficiente para detectar
de promissor, ainda não está liberado para uso em casos de diferenças relacionadas com exacerbações.12 Mais estudos
asma, mesmo em associação com corticoide inalado. devem ser realizados para que haja liberação oficial do uso
O efeito adverso mais frequente dos beta-agonistas de dessa medicação, principalmente em asmáticos graves. O
longa ação nas doses usuais é taquicardia, mas em proporção efeito adverso mais frequente é xerostomia, que pode ocor-
bem menor do que os beta-agonistas de curta duração. Em rer em até 14% dos pacientes. Deve-se ter maior cuidado em
pequena proporção, também foram registrados tremores, seu uso em pacientes com prostatismo, glaucoma de ângulo
náusea e cefaleia. fechado, insuficiência renal grave. É importante instruir o
paciente a nunca deixar o aerossol entrar em contato com
os olhos.
Beta·agonistas de curta ação
Os beta-agonistas de curta ação (BACA) são o salbutamol, o
fenoterol e a terbutalina. Corticoides sistêmicos
Incluem prednisona c prcdnisolona por via oral (VO), e me-
tilprednisona e hidrocortisona por via intravenosa (IV). São
fundamentais no tratamento das exacerbações mais graves.
Previnem a recidiva rápida dos sintomas e a exacerbação após
a resolução imediata de uma crise mais grave com o uso dos
broncodilatadores. Só devem ser utilizados como tratamento
de manutenção quando há esgotamento de todas as opções de
tratamento inala tório, devido aos seus efeitos colaterais.
Na exacerbação, não há vantagem aparente em se usar
doses muito altas de corticoide IV (p. ex., metilprednisolo-
na 1 g), pois isso só aumenta o risco de efeitos adversos (hi-
perglicemia e suscetibilidade a infecções). Corticoides IV
Tem efeito curto (4 a 6 horas), devendo ser utilizados são indicados em asma aguda se a função pulmonar for me-
apenas na crise c não como tratamento de manutenção. Não nor do que 30% do previsto em pacientes que não apresen-
há vantagens em usá-los em esquema fixo se o paciente não tem melhora significativa com um beta-agonista de curta
se encontra em exacerbação. 9 Os efeitos adversos mais fre- ação em doses adequadas. O tratamento IV é geralmente
quentes são palpitação, taquicardia e tremores. Em doses utilizado até uma resposta satisfatória ser obtida, quando,
mais altas, pode haver hipopotassemia. É importante salien- então, pode ser iniciado o corticoide oral. A prednisona!
tar que, em asma aguda grave, devem ser utilizadas doses prcdnisolona ( 40 a 60 mg) oral tem eficácia similar à da
altas e efetivas. O uso de subdoses em exacerbação grave de hidroeortisona rv. Dessa forma, em pacientes que apresen-
asma apresenta riscos muito maiores devido à possibilidade tem estabilização clfnica da exacerbação após o uso inicial
de complicações graves pela crise (hospitalização, ventilação de doses adequadas de beta-agonista, a via preferida será
mecânica c até óbito). sempre a oral.
Os efeitos adversos dos corticoides sistêmicos, principal- Um estudo15 demonstrou que existe recidiva dos sinto-
mente em uso a longo prazo, são osteoporose, hipertensão mas com a descontinuação do fármaco, o que coincidiu com
arterial sistêmica, hiperglicemia ou diabetes, supressão do a diminuição dos níveis de omalizumabe e aumento da IgE
eixo hipotálamo-hipófise-adrenal, obesidade cushingoide, livre. Nesse estudo, os pacientes haviam utilizado o omali-
catarata, glaucoma, atrofia cutânea com fácil abrasão da epi- zumabe por cerca de sete meses, sendo acompanhados nos
derme, fraqueza muscular por miopatia. quatro meses seguintes.
Em relação aos efeitos adversos, o omalizumabe é mui-
to bem tolerado. A reação potencial mais significativa é a
Anticorpo monoclonal anti·lgE (omalizumabe) anaftlaxia, ou reações anafilactoides. Estima-se que dois
A imunoglobulina E (lgE) é um importante mediador das em 1.000 pacientes possam exibir essa reação 1 6 Por isso, é
reações alérgicas e tem um papel central na inflamação das aconselhável que os pacientes sejam monitorados por pelo
vias aéreas e nos sintomas relacionados com a asma. A anti- menos três horas após a aplicação, principalmente no início
-IgE tem a capacidade potencial de bloquear uma etapa im- do tratamento. Alguns efeitos ainda estão em vigilância (au-
portante na cascata alérgica e, dessa forma, reduzir o remo- mento do risco de eventos cardiovasculares, malignidade,
delamento das vias aéreas. A redução dos níveis da IgE livre síndrome de Churg-Strauss), mas, até o momento, não há
após a terapia anti-IgE diminui a expressão do receptor de nada conclusivo que justifique a interrupção ou a não in-
alta afinidade da IgE (FcãRI) nos mastócitos, nos basófilos e dicação desse fármaco. Em populações de risco (países em
nas células dendríticas. O efeito conjunto dessas ações resul- desenvolvimento), pode haver um leve aumento na taxa de
ta na atenuação de vários marcadores inflamatórios, incluin- infecções helminticas, embora esse aumento não tenha sido
do eosinofilia periférica e brônquica e dos níveis do fator estatisticamente significativo. Não houve relato de infesta-
estimulante de colônias macrofágico-granulocítico, interleu- ção maci~a em população de baixa renda estudada (136 pa-
cina-2, interleucina-4, interleucina-5 e interleucina-13.u cientes).' Conforme a literatura, o omalizumabe é um dos
O omalizumabe reduz o número de exacerbações, o nú- agentes biológicos mais seguros que existe até o momento.
mero de visitas à emergência, aumenta a qualidade de vida e
melhora a função pulmonar em asmáticos graves." Em nos-
so meio, devido ao custo do tratamento e à necessidade de Antileucotrienos
manutenção por tempo indeterminado, o omalizumabe está Os antileucotrienos são anti-inflamatórios menos potentes e
indicado caso haja o preenchimento dos seguintes critérios: eficazes do que os corticoides inalatórios. Agem na inibição
específica da produção do LTB4, tendo por isso uma ação
• Pacientes com asma grave que não apresentam contro- terapêutica limitada. Os antileucotrienos parecem ter uma
le aceitável com as doses máximas da associação CI + equivalência terapêutica comparável a apenas 200 p.g diários
BALA em uso correto e supervisionado por pelo menos de beclometasona.
seis meses. Apenas um quarto dos pacientes pode ter benefício clí-
• Aplicação de um protocolo que envolva monitoramento nico mensurável. O grupo que pode ter algum benefício é de
da adesão ao tratamento e avaliação psiquiátrica. pacientes com broncospasmo por exercício, asma associada
• IgE total entre 30 e 700 UI/L. Brevemente, o uso do à polipose nasal, asma com história de alergia a ácido acetil-
omalizumabe poderá ser liberado para pacientes com salicHico (AAS). Outras indicações: paciente que não aceita
IgE > 700 UI/L. uso de corticoide inalatório, asma leve totalmente contro-
• Thste cutâneo positivo, ou IgE específica para pelo me- lada com baixa dose de corticoide inalado em uso isolado,
nos um alérgeno perene (atopia). tratamento coadjuvante da rinite alérgica.
• 1l:atamento de todos os possíveis fatores que podem Não foi demonstrado benefício do acréscimo de antileu-
agravar o estado da asma, ou que façam parte do diag- cotrieno a CI + BALA em doses altas em pacientes graves.
nóstico diferencial de asma grave. Seguir um protocolo A associação CI + antileucotrieno é menos eficaz do que CI
de avaliação de asma grave conforme o quadro clínico + BALA, sendo essa última a única indicada para uso em
(identificação de apoeia do sono grave, doença do re- pacientes com asma moderada a grave. Em termos de custo-
fluxo gastresofágico grave, aspergilose broncopulmonar -efetividade, o emprego de corticoide inalatório associado
alérgica, hipertireoidismo, etc.). ou não a beta-agonista de longa ação como tratamento de
manutenção ainda é o esquema mais recomendado.
A dose de omalizumabe varia de acordo com o peso e o
nível inicial de IgE do paciente. Deve ser enfatizado que não
existe nenhuma utilidade em dosar a IgE total sérica no de- Xantinas
correr do tratamento, pois o omalizumabe é incluído na do- A teofilina de liberação lenta foi, por muito tempo, a pri-
sagem total da lgE. Não existe um marcador específico que meira opção no tratamento preventivo e de manutenção da
selecione de forma inequívoca os pacientes potencialmente asma. Com o advento dos corticoides inalatórios e sua as-
respondedores. Para a avaliação da resposta, é necessário sociação com os broncodilatadores beta-agonistas de longa
um periodo mínimo de 3 a 4 meses de uso, que coincide com ação (Cl + BALA), seu uso tomou-se bem mais restrito.
o tempo necessário para o esgotamento das reservas de IgE. Devido ao custo cada vez mais acessível, à grande eficácia e
Uma vez incluído, o paciente deve seguir o tratamento por aos mínimos efeitos colaterais demonstrados com o uso da
período indeterminado. associação Cl + BALA, a teofilina foi gradativamente per-
dendo seu espaço. No entanto, não é incorreto acrescentá-la tendem a permanecer dispersas no ar em deslocamento,
ao paciente que se mantém sintomático com o uso do corti- não sendo sedimentadas.
coide inalatório isolado. Um aerossol pode ser constituído de partículas com
Pelo menos em um cstudo, 18 em pacientes com asma forma e tamanho semelhantes (monodisperso) ou por uma
moderada, a eficácia de acrescentar teofJ.Jina a uma dose vaóedade de formas e tamanhos (beterodisperso). Os mon<>-
menor de corticoide inalatório isolado (400 JLg/dia de bu- dispersos são gerados por processos sofisticados (em labora-
desonida) foi a mesma em relação ao uso do dobro da tório); a maioria dos aerossóis achados na natureza e usados
dose dele (800 JLg/dia de budesonida). Entretanto, a asso- em medicina respiratória são beterodispersos.
ciação Cl + BALA ainda é mais eficaz do que a Cl + te- Como o nebullmetro (bombinha) produz um aerossol
ofilina, além de ter um custo menor atualmente. Embora beterodisperso, é necessário um sistema que permita que
não haja evidências demonstradas por ensaio clinico, não as partículas do aerossol apresentem um tamanho mais
seria incorreto acrescentar a tcofilina para pacientes que adequado para a deposição no sistema respiratório infe-
se mantêm sintomáticos com a associação Cl + BALA em rior. Daí a importância da aerocâmara ou cspaçador. Os
dose alta. espaçadores foram introduzidos para diminuir a deposição
O efeito adverso mais comum das xantinas, e na maio- orofaríngea dos fármacos e eliminar a necessidade de co-
ria das vezes motivo para desconlinuação, é náusea. Outros ordenação mão-respiração. Esses dispositivos melhoraram
efeitos possíveis são taquicardia, palpitação, arritmias, con- a eficácia terapêutica dos inaladores dosimetrados a ponto
vulsão, principalmente na administração intravenosa. de possibilitarem seu emprego para assistência mesmo em
situações agudas c críticas. Com seu uso, a eficácia dos nc·
bullmetros torna-se equivalente à dos melhores sistemas de
nebulização.
Os espaçadores devem, idealmente, possuir um volume
mínimo de 300 mL e apresentar formato cônico, com a base
acoplada à bombinha e o vértice à boca do paciente. Thl
formato permite maior separação do propelente e aprovei·
tamento da medicação. Já os nebuHmetros sem clorofluor-
carbono (CFC ou "gás freon") estão sendo gradativamente
substituídos pelos baseados no bidrofluoroalcano (HFA -
HFA134a).
Dispositivos de inalação Além de não agredir a camada de ozônio, a vantagem
do HFA é a maior taxa de produção de partículas inaláveis.
A via inalatória é a melhor via de introdução de medicações Enquanto os nebu!Imetros baseados em CFC conseguem
para o tratamento da asma, uma vez que possibilita menor apenas uma deposição média de partículas de 10 a 15% no
dose e uma deposição dos medicamentos diretamente no lo-
sistema respiratório inferior, aqueles com HFA podem al·
cal de ação (QUADRO 45.5.2). As medicações inalatórias são cançar taxas que variam de 40 a 60%. Além disso, como os
usadas na forma de aerossol e liberadas por três tipos de nebulímetros com HFA produzem um aerossol muito menos
dispositivos: inaladores de pó seco, nebulímetros e nebuli-
beterodisperso do que aqueles com CFC, mesmo o seu uso
zadores. sem aerocâmara permite um aproveitamento muito maior,
O aerossol é uma suspensão de partículas microscópi-
com menor deposição orofaríngea. No entanto, mesmo com
cas sólidas ou fluidas em um gás, podendo variar em for-
nebu!Imetros oom HFA, o uso do espaçador também é ree<>-
ma, densidade ou tamanho (0,01 a 100 11m). Uma névoa mendado, pelo aumento da deposição e por permitir, princi-
(mist) é um aerossol de partículas líquidas, ao passo que palmente, melhor coordenação do paciente entre o disparo
uma poeira (causada por dispersão) e uma fumaça (por
da medicação e a inalação.
consolidação) são aerossóis de partículas sólidas. A pos- Os inaladores de pó seco são outra forma em que
sibilidade de os aerossóis serem veiculados pelo ar, entra-
ocorre a inalação de fármacos na forma de partículas mi·
rem nas vias aéreas e depositarem-se nos pulmões depen-
cronizadas ( < 5 11m) junto oom partlculas carreadoras de
de do tamanho das partículas: enquanto as partículas com lactose (geralmente > 30 !!fi) ou partículas micronizadas
diâmetro aerodinâmico entre 2 e 5 !!fi depositam-se nas
ligadas entre si em agrupamentos que se dispersam após o
vias aéreas inferiores, as maiores de 10 !!fi impactam na
esforço inalatório do paciente. Essa modalidade tornou-se
boca e nas vias aéreas superiores, e as menores de 1 11m muito popular devido ao seu baixo custo, bem como pelo
fato de não utilizar gás propelente (CFCs), não necessi·
tar de uso de espaçadores para o melhor aproveitamento
QUADRO 45.5.2? Vantagens da inaloterapia em relação à via oral da medicação e não exigir uma coordenação tão eficiente
quanto o nebulímetro. No entanto, é limitada pela neces·
- Apliuç~o direta no sítio de a~o (sistema respiratório inferior) sidadc de uma força inspiratória mfnima para a geração
- Menor dose dos fármacos necessária para obter a mesma efiCácia de partlculas inaláveis. Entre os dispositivos de pó seco
- Pequena absorç~ sistêmiu disponíveis no mercado, o que melhor funciona em fluxos
- Menores efeitos adversos inspiratórios mais baixos é o Handibaler, mesmo em flu-
- Início de a~ muito mais rápido xos de até 20 Umin.
Os nebulizadores podem ser a jato ou ultrassônicos. Nos ciente em quaisquer circunstâncias, o nebulizador requer
nebulizadores a jato, um jato de ar, sob alta pressão, é ca· condições especiais para uso fora do domicílio.
nalizado para um orifício estreito onde ocorre o encontro • O nebulímetro é de uso relativamente simples (sobretu·
com o líquido a ser aerossolizado (que aí pode chegar por do com espaçador), sendo executado em tempo bem me-
capilaridade). À medida que a solução é succionada para a nor(< 1 minuto)doqueanebulização(> 10minutos).
corrente gerada pelo jato de ar, produzem-se gotículas- es- • O nebulímetro tem custo mais baixo para o paciente in·
tas por sua vez vão fragmentar-se ainda mais ao se chocarem dividualmente.
com um anteparo. Como o tamanho das partículas tende a • O nebulímetro com espaçador é mais eficaz (QUADRO
ser inversamente proporcional ao fluxo do gás, nebulizado- 45.5 .3): para que a nebulização seja efetiva na libera-
res com baixa pressão produzem partículas maiores - que ção de partículas adequadas para a deposição no siste-
podem ser inadequadas para a aerossolterapia. ma respiratório inferior, vários pressupostos devem ser
Um nebulizador ultrassônico usa um vibrador de cris- atendidos: fluxo de ar adequado (6 Uminuto), volume
tal piezoelétrico em alta frequência (acima de 1 MHz) para de solução diluente (soro fisiológico) adequado (entre 3
criar um aerossoL O transdutor de cristal, composto de e 4 mL), adaptação correta da máscara facial ao paciente
substâncias como titanato de quartzo-bário, converte ele- durante toda a nebulização (mínimo de 10 minutos) e
tricidade em som. O feixe de som é focado no líquido aci- higiene adequada. Um grande problema dos nebuliza-
ma do transdutor, criando ondas no liquido imediatamente dores a jato é que dificilmente eles produzem um fluxo
acima do transdutor. Se a frequência é alta o suficiente e de ar constante de 6 Uminuto ao longo de seu tempo
a amplitude do sinal forte o bastante, a crista da onda de de vida útil. Muitos nem sequer vêm de fábrica com a
oscilação rompe a superfície do líquido e cria um gêiser de garantia dessa especificação. No caso de ser utilizado ar
gotículas. comprimido em ambiente hospitalar, outro problema é
Os nebulizadores ultrassônicos costumam ter maiores o frequente desajuste dos fluxômetros de ar. Outra des-
débitos (0,5 a 7,0 Umin) e maior densidade do aerossol do vantagem é em relação ao nebulizador ultrassônico. Os
que os convencionais. O tamanho das partículas tem relação fármacos administrados por esse nebulizador podem
inversa com a fre-quência de vibração dos cristais, sendo tal tornar-se mais concentrados durante o processo de ne-
frequência específica do dispositivo selecionado e raramente bulização devido à evaporação mais rápida do solvente.
ajustável pelo usuário. Pode, também, haver rompimento da estrutura molecu-
lar de alguns fármacos. Os nebulizadores ultrassônicos
não são adequados para líberação de corticoides inala-
lnaladores para a administração das medicações tórios porque estes últimos existem apenas em suspen-
para pacientes asmáticos são (e não em solução). Dessa forma, ao formar-se um
Procura-se utilizar alternativas que possibilitem o melhor re- aerossol, o fármaco de interesse fica sedimentado e as
sultado (eficácia e adesão) com o menor custo possíveL Ain· partículas aerossolizadas conterão predominantemente
da não existe um inalador ideal, mas algumas considerações as outras substâncias (diluentes, dispersantes, propelen-
devem ser feitas em relação aos diversos dispositivos: tes, etc.).

• O uso de nebulimetro é mais prático do que a nebuliza· Já o nebulímetro com espaçador permite uma dose
ção, pois esta implica equipamento de maior porte e que administrada mais confiável, mais rápida e sem o risco de
exige fonte de energia elétrica ou gás comprimido. En- contaminação (QUADROS 45 .5.4 e 45.5.5). Engana-se quem
quanto o nebulimetro pode ser levado junto com o pa· pensa que a nebulização é mais eficaz do que a bombinha

QUADRO 45.5.3 7 Vantagens do nebulímetro com e sem espaçador

- Menor deposição orofaringea - Maior deposição orofaringea


- Menos efeitos adversos dos corticoides inalatórios (disfonia e - Mais efeitos adversos dos corticoides inalatórios (disfonia e
candidose) candidose)
- Maior deposição pulmonar com mais aproveitamento da dose nominal - Menor deposição pulmonar com menos aproveitamento da
(1Oa 15% para CFC e até 40% para HFA) e, consequentemente, maior dose nominal (5%) e, consequentemente, menor eficácia. Para
eficácia nebulímetros com HFA. a deposição pode ser aceitável, mesmo sem
- Melhora significativa da coordenação mão-respiração (acionamento espaçador (15 a 20%)
do jato no inicio da inspiração) - Dificuldade na coordenação mão-respiração (acionamento do jato
- Possibilidade de uso com fluxos inspiratórios baixos, ou mesmo em com o início da inspiração)
volume corrente (no caso de espaçadores adaptados à máscara facial) - Dificuldade de uso com fluxos inspiratórios baixos e impossibilidade
- Eficácia semelhante à da nebulização em doses equivalentes em volume corrente
- Menor reação local ao propelente (no caso de uso do CFC) - Possibilidade de reação local ao propelente (no caso de uso do CFQ
QUADRO 45.5.4 7 Como utilizar o nebulímetro com espaçador QUADRO 45.5.5 7 Utilização do nebulímetro com espaçado r em
em adultos crianças pequenas ou em indivfduos sem qualquer coordenação
(p. ex., idosos)*
- Agitar o nebulfmetro.
- Acoplar corretamente o nebulimetro à aerocâmara. - Agitar o nebulímetro.
- Agarrar de forma correta o espaçador e o nebulimetro, deixando - Acoplar corretamente o nebulímetro à aerocâmara.
este na posição vertical. - Agarrar de forma correta o espaçador e o nebulfmetro, deixando
- Exalar normalmente (sem expiração forçada!). este na posição vertical.
- Colocar o bocal do espaça dor de modo correto na boca (entre os - Acoplar corretamente a máscara à face.
dentes, com os lábios cerrados), sem respirar. - Pressionar adequadamente o nebulfmetro, liberando a medicação,
- Pressionar adequadamente o nebulimetro, liberando a medicação, acionando somente UM jato.
acionando somente UM jato. - Aguardar quatro ciclos respiratórios (inspiração e expiração) do
- Inalar devagar e profundamente o aerossol com os lábios cerrados paciente.
durante a inalação. - O processo pode ser repetido logo a seguir, sem a necessidade de
- Aguardar 5 a 1Osegundos em apneia na capacidade pulmonar um tempo de latência para realizar o número de jatos necessário.
total e, a seguir, expirar de forma suave. - CUIDADO COM VAZAMENTOS PARA AREGIÃO OCULAR EM CASO
- O processo pode ser repetido logo a seguir, sem a necessidade de DE USO DE CORTICOIDE INALADO!
um tempo de latência para realizar o número de jatos necessário.
•Nesta situação. recomenda-se que o espaçador seta acoplado a uma máscara
facial.

na administração de broncodilatadores para uma crise de


asma. Desde que utilizados de forma correta e usadas doses forçada, ao contrário do espaçador. E, por melbor que seja
equivalentes, tais dispositivos possuem a mesma eficácia. O essa coordenação, a deposição orofaríngea com o nebulíme-
motivo dessa falsa impressão é que, geralmente, quem pres- tro sem espaçador é sempre menor.
creve a nebulização costuma empregar doses maiores do que Recomendações para situações em que o paciente vai
usaria com a bombinha. usar o nebulimetro sem espaça dor:

Prepará-lo para uso (retirar tampa do bocal, etc.).


0
o
o Sacudi-lo vigorosamente (3 a 5 segundos).
ATENÇÃO
o Mantê-lo verticalmente, a uma distáncia de 4 em (ou
Entre nebulfmetro e nebulizador, a preferência deve dois dedos) da boca (pode ficar entre os lábios, mas isso
recair sobre o nebulfmetro com espaçador. aumenta a deposição oral).
o Após uma expiração normal, inspirar rapidamente en-
quanto dispara uma dose ao mesmo tempo.
o Inspirar até encher completamente os pulmões (até a ca-
Quanto à preferência pelo nebulimetro ou pó seco, o úl- pacidade pulmonar total).
timo apresenta a vantagem de mais fácil utilização, apesar de o Fazer apoeia de 10 a 15 segundos.
exigir um fluxo inspiratório maior. O importante na escolba o A segunda dose pode ser iniciada logo após, sem neces-
de um dispositivo é a adequada adaptação do paciente ao sidade de intervalo.
sistema e a supervisão médica constante. Porém, de forma
geral, pode-se dizer que o número de variáveis relacionadas
com o paciente e com o dispositivo envolvidas na efetividade
da liberação do fármaco é menor para os inaladores de pó Tratamento da asma aguda (FIGURA45.5.1)
seco. Em geral, o aprendizado dos pacientes com os inala do-
res de pó seco costuma ser mais reproduúvel do que com o Alívioimediato dos sintomas na crise
nebulímetro. No entanto, em crises asmáticas graves, a pre- O uso de broncodilatador beta-adrenérgico, na forma ina-
ferência sempre deve ser o nebulimetro com a aerocãmara, latória, seja de ação curta (salmeterol, fenoterol) ou longa
devido à dificuldade do paciente em crise grave gerar fluxos (formoterol), possibilita alívio imediato dos sintomas. No
inspiratórios adequados para a inalação do pó seco. Para cri- caso dos beta-adrenérgicos de curta ação, deve-se utilizá-los
ses mais leves, os inala dores de pó seco podem ser utilizados repetidamente, sob a forma de aerossol (nebulímetro com
sem receio. aerocãmara ou nebulização) até a melbora dos sintomas e/
ou do pico do fluxo (QUADRO 45.5.6). No caso do nebulíme-
tro, são usados o fenoterol e o salbutamol, associados ou não
Como usar o nebulímetro semespaçador ao ipratrópio. Em crises mais graves (VEF 1 na admissão à
Caso não haja alternativa, o nebulimetro pode ser utiliza- emergência < 30% do previsto), a associação salbutamol
do sem espaçador. O problema é que essa situação gera um ou fenoterol + ipratrópio sob a forma de nebulímetro com
potencial grande de erros de administração. O paciente ne- aerocâmara tem eficácia superior ao uso de fenoterol ou sal-
cessita de uma coordenação perfeita entre o acionamento do butamol isolados quanto à melhora da função pulmonar e
nebulímetro e a inspiração, que nesse caso deve ser sempre diminuição do risco de internação.
Avoll•~o lnlc~l da g ravidade da crise

O.fiCUidode wrbol. c..nose.


sudortse. euus:tio. confusio
O:nica ~ rMnt.ll ou do.,.nuoçio do un
sensóno. com mco de ~rada
~rotóna

Pioro d lnlco progressiva

< 40% e â < 60 1/mln


PnrMtro HColho: fenoteroVsalbutamol Consideror possibilid;ode - - - - - - - - - . . ,
4 jatos 1O/I O minutos com nebulimetro de hospitaliuçjo
ocoplido a es~çodor de gronde
>50% ~ volume (750 ml)

I
ou
Nebulizaçlo: fenoteroVsalbutamol I O
gota• + SF o 0.9% 4 ml com fluxo de
ar comprimido, 6 Vmin. 20/20 minut os li 40-50%
1
Manter tratlmento na emergência por
2·3 horas com fenoteroVsalbutamol +
PFE

1
Primeiro escolha: FenoteroVsalbutamol
> iprotrópio - 4 jatos 10/10 minutos
com nebullmetro acoplado a espaçador
de grande volume (750 ml)
_j 1
30a
60mln
Com sintomas
Ou sem melhora
clfnlca
~ ipratr6pio 4 jatos 10/10 min.lniciar
corticoide sistfmico (prednisona oral
60 mg. ou met ilprednísolona 60 mg IV)

ou
<50% ~ Nebulizaçjo: FenoteroVsalbut.>mol 1O
gota• + iprat rópio 20 got.ls + SF a LJberaçjo da emergfncia após
0.9% 4 ml com fluxo de •r comprimido. > 60% + melhora d fnk;o observaçio mini ma de 30 mín
6 Vmin. 20120 minutos ou FenoteroVsalbutamol + oprotrópoo 4
40-50% + assintomátiao + jatos eM 4/4 hor•s com nebulímetro
sem fa tones ele risco ~,.
ocoplodo a es~çodor + corticoõde
asma faul + ideslo e oral2: 40 mgldoa 7-14 dias+
seguimento adequados enc.amenham~t o eo espe<t.lista

FIGURA 45.5.1 -+ Fluxograma para o tratamento da crise de asma na emergência em adultos.


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QUADRO 45.5.6 -+ Dose recomendada dos broncodilatadores de Tratamento da crise de asma na emergência
curta ação. para crises Em primeiro lugar, devem ser administrados ao paciente os
broncodilatadores de curta ação fenoterol ou salbutamol,
Nebulímetro com aerocAmara: salbut.Jmolffenoterol com ou sem associados ao ipratrópio. O ipratrópio não deve ser utilizado
iprauópio: 2 a 4 jatos de 10 em l Ominutos. A maioria dos pacientes isoladamente na crise de asma! Um dos grandes erros co-
responde com até 12 a t6 jatos, mas podem ser utilizados por até metidos é utilizar subdoses de broncodilatadores nas crises
três horas nessa frequ~ncia em caso de falt.J de resposta. Nesse caso,
de asma tratadas na emergência. Em muitos casos, perde-
isso sempre dever ser realizado no hospit.JI, ou em emergência, sob
-se tempo com o uso de aminofllina (sem eficácia relevante
supervisjo médica.
demonstrada na crise de asma) ou de corticoide sistêmico
Nebulízaç~o com ar comprimido: fenoterol ou salbutamol (1 Ogotas) intravenoso, ocorrendo demora na administração dos fár-
+ ipratrópio (20 gotas) + soro fisiológico a 0,9% (3 ml), com fluxo macos mais eficazes, que são os broncodilatadores de cu rta
de ar comprimido a 6 litros/minuto, de 20 em 20 minutos. ação.
Como a latência de ação do corticoide sistêm ico ocorre
entre 6 e 24 horas da sua administração, seu uso imediato
não é relevante. O corticoide pode ser administrado pos-
Enfatize-se que o ipratrópio não apresenta ação na teriormente, após a estabilização da crise, por exemplo. A
asma, quando utilizado isoladamente, nem no tratamento eficácia do corticoide oral e intravenoso é semelhante. O
de manutenção. No tratamento com nebulização, ele pode corticoide intravenoso é administrado, em geral, naquele pa·
ser usado. É importante lembrar que, no tratamento da crise ciente com indicação de internação hospitalar.
de asma, o uso das doses corretas das medicações é funda· Na avaliação do asmático em crise na emergência, é im-
mental. Em muitos casos, são utilizadas subdoses por receio portante a estratificação da gravidade da crise. Para o pa-
de possíveis efeitos colaterais no sistema cardiovascular. Nas ciente que já se apresenta com sinais de falência respiratória
doses recomendadas, os broncodilatadores são totalmente (dificuldade verbal, cianose, sudorese, exaustão, confusão
seguros e o clínico não deve 1emer o seu uso. mental ou diminuição do sensório, uso da musculatura respi-
ratória acessória com respiração paradoxal, hipoxemia com A maioria dos pacientes apresenta melhora da crise após
Sp02 S 90%, bradicardia, ou taquicardia com frequência 12 a 16 jatos do nebulímetro com a associação fenoteroV
card!aca > 140 bpm), a pronta admissão na UTI deve ser salbutamol + ipratrópio com espaçador de grande volume.
considerada. Após a melhora da crise e liberação do paciente da emer-
Murmúrio vesicular diminuído bilateralmente indica cri- gência, é obrigatória a administração diária de corticoide
se grave. Se diminuído unilateralmente, pode sugerir pneu- sistêmico entre 7 e 14 dias (~ 40 mg!dia de prednisona) e
motórax. Nesse contexto, na dificuldade de administração encaminhamento ao clínico de referência para reavaliação
de medicações inalatórias, podem ser associados broncodi- imediata do tratamento.
latadores por via subcutânea (terbutalina ou adrenalina), Para pacientes com crise mais leve, uma alternativa
sempre se mantendo os inalatórios em uso continuo. O uso proposta pela literatura ao emprego de corticoide sistêmi·
de sulfato de magnésio pode ser considerado como terapia co após a liberação da emergência é o uso de corticoide
adicional somente nos casos mais refratários, ou em pacien- inalatório em dose alta (1.600 Jtg/dia de budesonida) em
tes com crises graves (VEF, < 25% do previsto). um período de pelo menos 10 a 15 dias, até a reavaliação
A oxigenoterapia sempre deve ser administrada quando pelo clinico. No entanto, a dificuldade de tal alternativa
a Sp02 (medida por oximetria) for < 92%. A Sp0 2 deve-se é que o paciente pode ter pouca adesão a esse esquema
manter~ 92%. A adminjstração de fluxos altos de oxigêruo e o ambiente de emergência pode não ser muito propício
pode acarretar aumento da PaC02 e diminuição do pico do para o ensino desse tipo de medicação. E m tal contextO, o
fluxo expiratório. Logo, é sempre útil titular o fluxo neces- corticoide oral ainda é a terapêutica mais recomendada na
sário de oxigênio através da oximetria. O corticoide intrave- liberação do paciente, junto com os broncodilatadores de
noso é administrado, mas isso não deve retardar as medidas curta ação.
de suporte ventilatório do paciente, no caso de necessidade
de entubação.
O uso de broncodilatadores por via intravenosa (salbuta- Avaliação da efetividade do tratamento da crise
mol, terbutalina), além de não ser superior ao uso inalatório de asma na emergência
ou subcutâneo, pode acrescentar efeitos adversos, especial- A simples avaliação cHruca da resposta do paciente ao trata·
mente arritmias, hipopotasserrua e acidose, mas podem ser mento da crise de asma muitas vezes é errônea. É muito co-
utilizados em casos extremos. A ventilação não invasiva para mum, especialmente na situação da crise de asma, uma dis-
crise de asma não é recomendada. O uso de conicoide ina- sociação importante entre os sintomas e o grau de obstrução
latório em doses elevadas, junto com fenoteroVsalbutamol ao fluxo aéreo. Após o tratamento inicial, muitos pacienteS
+ ipratrópio, tem sido proposto no tratamento da crise de podem apresentar poucos sintomas, apesar da presença de
asma, sobremaneira naqueles pacientes com VEF, < 30% um grau importante de obstrução brônquica. Dessa forma, a
do previsto na admissão. Esse efeito mais imediato do cor- avaliação objetiva do grau de obstrução brônquica é impor-
ticoide inalatório em dose alta estaria relacionado com uma tante. A melhor forma de realizar isso é por meio do VEF1
diminuição do edema da via aérea pelo efeito vasoconstritor (obtido somente pela espirometria) ou do pico do fluxo expi·
do corticoide. No entanto, não foi uma abordagem que de- ratório (PFE). A avaliação deste último é bem mais simples
monstrou custo-efetividade para uso generalizado. pelo fato de necessitar apenas de um medidor portátil de
PFE, acessível a qualquer emergência.

Para os demais pacientes, que constituem a maioria, o


uso de fenoteroVsalbutamol + ipratrópio costuma ser o su-
ficiente para a melhora da crise. Para a administração deste,
não há diferença de eficácia entre o uso da nebulização ou
do nebulímetro com espaçador de grande volume (> 300 Hospitalização do paciente com crise de asma
mL). 'Iàmbém não há diferenças entre a nebulização inter- O paciente deve ser hospitalizado se, apesar de duas a três
mitente ou continua. No entanto, em função da possibilida- horas de tratamento intensivo na emergência, ainda hou-
de de administração de uma dose maior em um menor espa- ver sibilãncia significativa, uso da musculatura respiratória
ço de tempo e da menor perda da medicação administrada, acessória, necessidade permanente de oxigenoterapia para
além do custo menor, o uso de nebulímetro com espaçador manter uma Sp02 ~ 92% ou prejuízo importante da função
de grande volume deve ser sempre preferido. pulmonar (PFE S 40% do previsto).
A presença de fatores de risco relacionados com a morte As principais diretivas para o tratamento ambulatorial
por asma também deve ser avaliada na indicação da hospi- de manutenção da asma sáo as seguintes:
talização, independentemente das variáveis recém-citadas:
história de crises prévias quase-fatais, asma lábil com mar- • O tratamento deve ser sempre escalonado ou reduzido
cada variação do PFE ou do VEF1 (>30%), má percepção conforme o controle da doença, 2 ou seja, promover au-
do grau de obstrução brônquica, problemas psicossociais, sência de sintomas diurnos e noturnos, de limitação das
dificuldade de acesso às medicações, dificuldade de acesso atividades diárias, de necessidade de medicação de resga-
ao atendimento médico, visitas à emergência no último mês te, de exacerbações, com a melhor estabilização possível
e possibilidade de má adesão às medidas prescritas após a da função pulmonar e do processo inflamatório associado
liberação da emergência. à doença. O controle total deve ser sempre perseguido!
Caso o paciente esteja assintomático e apresente um • O corticoide inalado é a medicação mais eficaz para o
PFE ~ 60% do previsto após duas a três horas de tratamento, tratamento de manutenção da asma. Em pacientes ini-
pode haver pronta liberação da emergência com corticoide cialmente sintomáticos, seu uso é totalmente recomen-
oral diário por 7 a 15 dias (<! 40 mgldia de prednisona, ou dado. O emprego isolado de medicação de resgate (beta-
prednisolona) e broncodilatadores de curta ação. Se o PFE -agonistas) para o tratamento de manutenção da asma
estiver entre 40 e 60% do previsto após duas a três horas, deve ser considerado erro de prescrição médica.
é recomendável a manutenção do tratamento. Esse grupo • A associação beta-agonista de longa ação (formoterol ou
de pacientes até pode ser liberado da emergência, caso haja salmeterol) + corticoide inalado representou um grande
garantia de acompanhamento e adesão ao tratamento, na avanço no tratamento. 1M' 'Il'ês tipos de abordagens têm
ausência dos fatores de risco citados antes. É recomendável sido descritas:
que, antes da liberação da emergência, o paciente seja man- 1. No paciente que não apresenta controle adequado
tido em observação por pelo menos 30 minutos após a última com uma dose menor de corticoide inalado (equiva-
dose de broncodilatador, a fim de garantir a estabilidade do lente a 100-200 ,..g de beclometasona, diariamente),
quadro clínico. antes de aumentar o corticoide, pode-se obter contro-
le semelhante com a associação de um beta-agonista
de longa ação.
2. O uso da associação CI + BAIA permite um controle
Tratamento de manutenção (FIGURA4s.s.2J inicial mais rápido e está formalmente indicado em
O tratamento da asma está muito mais fundamentado na pacientes com asma moderada a grave.
tentativa de controle total, ou de um controle aceitável, do 3. O uso da associação CI + BALA em um único inala-
que propriamente engessado em indicações baseadas em dor (estudou-se mais a associação budesonida + for-
uma classificação de gravidade verificada em uma consulta moterol), em doses menores, permite que o paciente
inicial. No QUADRO 45.5.7, estão demonstrados os critérios utilize esse esquema tanto para o tratamento de ma-
da Global lnitiative for Asthma (GINA)2 para a avaliação nutenção quanto para a crise no nível ambulatorial.
do controle da asma. Nos últimos anos, várias abordagens Esse esquema foi denominado SMART (single main-
foram estudadas e refinadas no sentido de proporcionar re- tenance and re/iever therapy).
ferências mais seguras para o tratamento ambulatorial de • O uso dos inaladores deve ser sempre simplificado. Para
manutenção da asma. a associação CI + BAIA, deve-se optar por um inalado r

QUADRO 45.5.7 ~ Níveis de controle de asma

lc<~vt,Mh.t<~1
Sintomas diA rios Nenhum (S 2x/semana) > 2x/semana Três ou mais caracteristicas de asma
parcialmente controlada presentes em
Limitação nas atividades Nenhuma Qualquer qualquer semana

Sintomas noturnos/despertar Nenhum Qualquer

Necessidade de medicação de resgate Nenhuma (5 2x/semana) > 2x/semana

Função pulmonar (VEF, ou PFE) Nenhuma < 80% previsto ou do


melhor valor (se conhe<ido)

Exacerbações graves* Nenhuma ~ 1/ano Uma em qualquer semana

•Que necessitam de corticoide sistêmico.


Fonte: Adaptada de Global lnitrativo for Asthma.'
Conltolo total -:::: CI• +BA1A 1-2JC!doa + SN smart
Grupo I
.. Nuna rNIIzou tratamento com O / Cl• + osolodo 1·2JC!doa +BOCA SN
• Cnses aonda conttoladas com BOCA ~ a · + BAlA 2x/dia l-3meses ~
+ SN smartou
Co~
• Não apresentAI as caracti!I'ÍSbcas do grupo 11
o· + BAlA 2xldoa
+ SNBOCA parcial ou onsatosfat6no

Grupo 11 (pelo l"nl!l'lOS um dos aotHoc>s)


. Host6na ~ cnses qua..-fotAoos
. Exacerbação grave nos últomos 12 meses
• VosiiAis frequentes • l!l'nl!l'gfncoo
/
O + BAlA dose alta 2JC!día
+ SN smart ou SN BOCA
/
. / Controle totAol ou

6 meses ou mats
satJSfot6no -7 Mantl!l'

· VEF, ~BD s 60% do previsto Conttole onsotosfot6rio


- Outros .ch.dos que sug•r•m doença grave

l
Roavaloação pnoumol6goca ospocialozada

Coment.irios adicionais.;
LEGENDA
-O cortkolde sistfmko podt> ink.almcnto s« IUOC.ildo ao tsquemt. conforme
•ca • cortkoid<' intlatório em dose ballCb (p e• .• s 400 pgtd~ de: a gravidadt dt aprtstntaÇIO ou 5tt aetoscen~o em qualquer momento que •
bud~ida ou 200 pg/dla do tlutkason.e) associaç.&o Ci + BALA em dose alta nJo SC!J• suficiente ptrl controle.
BALA ~·agoniJtb do longa oç6o (formoterol ou salmeterof) ·A ttofilina de libtfaçao lenta pode ser utd,zado como um acrMdmo •
assoei~ C:l + BALA em do.s.c aha noM1uctl8 PJdOntcs ainda sintom~tlcos.
80CA - broncodtlatador do curta aç6o
SN BOCA BOCA se noccssJrio <Otn ressalvas.

SN smart - somcmt• assocl.-çjo budetonlda • fofmotttel s.e nece-ss.itlo · Após controle total por pelo mC!nos J ITMI'SCS. rtduzir ~do Cl se uso da
VEF, 'o'Oiul"nt o.xplr~tóno t«c.tdo no primel10 5e9undo associ.&ç.&o Cl + BALA. mantendo-se o BALA. S. uJO do a lsol1do. rf'duz:tr
50'4 da dose! e depois • frtquiOOI . P.trl ptclentts do SIN90 11 (greves) o
UT1 • Untct.de de trat.tmtnbO intens.No
~ DIJ\It · qut MC.fljltou dt cortlcoidt li$t~mko tempo ne<ess.irio para avaliar reduç.to dcYe s.« suptrior a~~ ""'"'"
· Antes do au~to do <Ot'bCOide iNllt6ho. ou do KfHcm,g eM novas
medicac;6es ao esquefN j.il em uso, • fundamental a vf:t'lficlç.&o do1 correta
ldtsao do Pl<~tt 10 tratamento proposto!

RGURA 45.5.2 7 Auxograma para o tratamento de manutenção da asma em adultos.


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único. Preferencialmente, utilizam-se inaladores com o res com risco potencial para exacerbações (p. ex., infec-
mesmo tipo de dispositivo para tomar mais acessível o ção vira! recente, alterações no domicflio ou trabalho),
aprendizado da técnica de uso. dose das medicações baseada no grau de controle (núni-
• Jamais deve ser esquecido o tratamento da rinite alérgi- ma dose necessária para o controle), temores do pacien-
ca. O descontrole sintomático da rinite alérgica resulta te relacionados com a doença ou a medicação.
em pior qualidade de vida e até mesmo em maior risco • De forma indireta, deve-se procurar indícios que atestem
de exacerbação. possível falta de adesão- que é a maior causa de descon-
• O controle ambiental adequado é fundamental para o trole da doença. A falta de adesão não inclui somente
tratamento preventivo. São medidas fundamentais não avaliar o uso da medicação, mas também a técnica de
expor-se a tabagismo ativo ou passivo, usar travesseiro uso, as concepções e percepções que o paciente apresen-
adequado com capa antialérgica, manter higiene corpo- ta em relação à doença e ao tratamento, a capacidade
ral e limpeza doméstica satisfatórias, evitar utensílios ou financeira para aquisição das medicações, o suporte so-
móveis no domicílio que sabidamente aumentam a proli- cial, bem como o estado mental e cognitivo.
feração de ácaros, fungos e insetos, usar roupas adequa-
das para o clima, lavar as mãos para diminuir o risco de
infecções, realizar vacinação anual para influenza, evitar Abordagens no tratamento de manutenção da
áreas muito polufdas e identificar fatores ocupacionais
no trabalho que possam agravar a doença.
asma para controle e prevenção de exacerbações
• Em cada visita, devem ser avaliados grau de controle da graves
asma, função pulmonar, técnica do uso do inalador, fato- Sistema SMART (single maintenance and reliever therapy)
Uma nova modalidade proposta de tratamento da asma
As FIGURAS 45.5.1 c 45.5.2 trazem dois fluxogramas que represen- é o tratamento com um único inalador tanto para manu-
tam propostas de tratamento farmacológico para asma aguda grave tenção quanto para períodos com exacerbação da doença,
na emerg~ncia e para manutenção em adultos, considerando-se a considerando-se que a asma é uma doença variável. Essa
atual custo-efetividade das intervenções. Esses fluxogramas foram
forma de tratamento aproveitaria o efeito anti-inflamatório
estruturados com base no estado atual da literatura e na experiência
dos autores. Ouuas abordagens podem ser possfvcis, conforme jul- do corticoide inalatório e a possibilidade de tratamento da
gamento médico individualizado. exacerbação com um beta2-adrenérgico de longa ação com
rápida latência de ação (formoterol) antes da evolução para le total não ultrapassaram 20% e de controle satisfatório
exacerbação grave. 60%, inferiores às taxas finais do estudo GOAL. Além
A associação mais estudada nesse aspecto foi budeso- disso, o número médio de exacerbações graves por pa-
nida + formoterol com o inalador de pó seco Turbuhaler. ciente/ano chama a atenção pelos valores maiores em re-
Estudos demonstraram que a associação pode ser utilizada lação ao estudo GOAL, mesmo nos grupos a + LABA
em doses baixas, uma ou duas vezes ao dia de forma fixa, fuo + beta-agonista de curta ação, se necessário.
sendo que, nos períodos de exacerbação, é aumentada se- • Apesar de a terapia SMART ter promovido um tempo
gundo as necessidades do paciente. Esse esquema pareceu maior até a primeira exacerbação, muitos dos parâme-
ser mais eficaz do que o uso apenas fixo da associação (bu- tros de controle diário ainda podem ser considerados
desonida + formoterol) + beta2-adrenérgico de curta ação insuficientes. Praticamente em todos os estudos, em mé-
nos períodos de exacerbação, ou do que o uso de corticoide dia, os pacientes utilizaram medicação de resgate uma
inalatório em doses mais altas + beta2-adrenérgico de curta vez ao dia, tiveram sintomas noturnos a cada 7 a 10 dias,
ação na exacerbação. No entanto, algumas considerações experimentaram menos da metade dos dias livres de
devem ser feitas em relação ao estudos22·lS com essa moda- sintomas de asma e obtiveram uma taxa de exacerbação
lidade de uso: grave de cerca de 1 em 5 pacienteS/ano.
• A terapia SMART baseia-se, exclusivamente, na per-
• O desfecho primário foi o tempo necessário para a pri- cepção do paciente sobre a falta de controle e ainda no
meira exacerbação grave. Este foi definido como neces- fato de ele utilizar a medicação de resgate. Sabe-se que
sidade de uso de corticoide sistêmico e queda do PFE > essa relação controle-percepção é por demais imperfei-
30% em dois dias consecutivos. No entanto, em recen- ta. Em um estudo clássico, Rubinfeld e Pain 30 demons-
te publicação da American Thoracic Society/European traram que um em sete pacientes não percebiam uma
Respiratory Society/ 6 recomendou-se não utilizar mais queda < 50% do previsto no VEF ,. Além disso, tam-
em ensaios clinicos o uso de queda do PFE como critério bém existem pacientes que usam medicação de resgate
de exacerbação grave devido à falta de evidências para além do necessário ou nem a utilizam, mesmo sintomá-
esse desfecho. ticos. Menos de um terço dos pacientes tem a capaci-
• Atualmente, busca-se como principal objetivo no trata- dade de fazer uso da medicação de resgate conforme a
mento da asma o controle total. Mesmo utilizando cri- função pulmonar.31
térios ~ue podem não ser os mais fidedignos, o estudo • Propaga-se que o sistema SMART apresentaria maior
GOAL 1 pelo menos empregou um escore composto eficácia na prevenção de exacerbaçóes pelo fato de o
para definir o grau de controle da doença e escalonou paciente utilizar maior dose de corticoide inalatório
o tratamento conforme esse controle. O mesmo não se logo no início da exacerbação. No entanto, esse dado
procedeu com os estudos sobre a terapia SMART na baseou-se, exclusivamente, no preenchimento de diá-
época em que foram realizados. Em uma análise retros- rios pelos pacientes. A falta de adesão em ensaios cll-
pectiva recente sobre esses estudos, Bateman e colabo- nicos não parece ser muito diferente da prática diária.
radores27 relataram que somente 17,1% dos pacientes Por exemplo, no Lung Health Study foi detectado, por
poderiam ser considerados controlados, 38,7% parcial- monitoração cronometrada, uso de doses que não cor-
mente controlados e 44,2% sem controle. Nessa análise respondiam ao relatado nos diários em uma pa rcela
final, a terapia SMART foi semelhante no grau de con- significativa dos pacientes.32 Muitas das doses foram
trole em relação aos demais tratamentos. Em termos de utilizadas logo antes e logo depois das visitas do estu-
classificação de controle, tanto a GINA como o GOAL do. Somente no grupo que foi informado que o nebu-
parecem ser similares. 28 Não há evidências, portanto, so- limetro era cronometrado houve melhor adesão. Nos
bre qual benefício a terapia SMART poderia promover estudos SMART, geralmente foram alocados pacientes
se fosse utilizada em um contexto semelhante ao does- utilizando CI ou CI + LABA. É possível que a seleção
tudo GOAL Um estudo recente, 19 em análise post-hoc de pacientes mal controlados por problemas de má ade-
(retrospectiva) dos principais estudos SMART (> 12.000 são, que só usam medicação justamente em períodos de
pacientes), descreveu o efeito da terapia budesonida/for- exacerbação, possa ter afetado os resultados. Seriam
moterol fJXa e, se necessário, sobre o controle da asma e necessários mais estudos utilizando inaladores eletrô-
o risco de exacerbação em comparação com esquemas nicos para que fosse possível monitorar o padrão de uso
fixos de CI isolado ou CI + LABA adicionados a beta- nessa modalidade de tratamento.
-agonista de curta duração. Nessa análise retrospectiva, • Outro dado que chama a atenção é o tratamento do pro-
os pacientes foram estratificados conforme a etapa de cesso inflamatório a longo prazo na terapia SMART. Em
tratamento da GINA no início do estudo. Somente pa- um estudo,33 pacientes que recebiam cerca de 800 J.Lg/dia
cientes das etapas 2, 3 e 4 foram incluídos (2: uso de CI de budesonida foram transferidos para o uso de 200/6 J.Lg
em baixa dose; 3: CI em dose média a alta, ou CI em budesonida/formoterol duas vezes ao dia + se necessário
dose baixa + LABA ou antileucotrieno ou xantina de li- ou 400/12 J.Lg budesonidalformoterol duas vezes ao dia em
beração lenta; 4: CI em dose média a alta + LABA ou dose fixa. A dose média utilizada no sistema SMART foi
antileucotrieno ou xantina de liberação lenta). Mesmo 600 J.Lg/dia. A contagem de eosinófilos no escarro induzido
usando os critérios de controle da GINA estrati.ficados e em biópsia brônquica diminuiu significativamente com a
para cada etapa, ao final dos estudos, os níveis de contro- combinação fJXa, enquanto na terapia SMART não houve
modificação na eosinofilia do escarro e oeorreu até um Otratamento de manutenção da asma para as pequenas
aumento significativo na eosinofilia da biópsia brônquica. vias aéreas
Dados recentes parecem reforçar o fato de que uma dose Corticoides inalados aerossolizados em partículas menores
fixa maior de corticoide inalado proporciona maior efi- ( < 5 ~o~-m) foram recentemente desenvolvidos como parte do
cácia, mesmo utilizando-se terapia SMART. Em recente plano mundial (Protocolo Montreal) de reduzir os propclen-
estudo,:~< um total de 8.424 pacientes com asma sintomáti- tes com CFC, substituindo-os pelos que utilizam HFA. Dois
ca utilizando CI com ou sem LABA foram randomizados tipos de corticoide estão disponíveis nessa formulação: beclo-
para budesonida/formoterol 20016 ,_.g duas vezes ao dia + metasona c ciclesonida. Ambos apresentam deposição pulmo-
se necessário (grupo lx2) e 400/121-'g (duas inalações de nar três a quatro vezes maior do que aqueles com formulação
200/6 1-'g) duas vezes ao dia + se necessário (grupo 2x2). comCFC.
O desfecho primário foi o tempo necessário para a pri- Uma aparente vantagem é a possibilidade de obtenção
meira exacerbação grave. No resultado final, o tempo ne- de controle clínico e inflamatório da doença com doses
cessário para a primeira exacerbação grave foi 18% maior menores de CI (em média, metade da dose de CI utilizado
no grupo 2x2 em relação ao grupo 1x2 (p = 0,03). A dose com CFC ou pó seco). Por depositarem uma dose menor na
média de budesonida usada foi 737 iJ-g/dia no 2x2 e 463 ~o~-g/ orofaringe, o risco de candidose oral seria minimizado. No
dia no lx2. Os pacientes com maior beneficio do esque- entanto, devido à maior absorção sistêmica pela maior depo-
ma 2x2 foram aqueles com pior função pulmonar. Esse sição pulmonar, seu efeito sistêmico não pode ser subestima-
estudo demonstra que, mesmo no sistema SMART, uma do e ainda não foi avaliado a longo prazo.
dosagem fixa maior de corticoide inalatório diminui adi- Estudos mais numerosos e detalhados são ainda neces-
cionalmente o risco de exacerbação considerada severa, sários para demonstrar uma clara vantagem desse tipo de
em particular nos pacientes mais graves. O antigo estudo inalador, particularmente no impacto sobre a evolução mais
FACE'f'l já havia demonstrado que doses adicionais de tardia da doença.l? Ainda estão sendo desenvolvidas abor-
CI associados ao LABA reduzem adicionalmente o risco dagens que sejam mais fidedignas para melhor avaliação das
de exacerbações graves. pequenas vias aéreas, a fim de estabelecer-se correlação en-
tre esses marcadores e resposta clínica ao tratamento.JI
Considerando-se esses dados, conclui-se que a terapia Em pacientes com asma moderada a grave, a associação
SMART não pode ser utilizada de forma indiscriminada, beclometasona/formoterol 200/12 I-'& duas vezes ao dia, pa-
sem uma readaptação regular da dose de corticoide inalató- receu semelhante ao uso do sistema Turbuhaler, em doses
rio, esperando-se por um benefício que seja tão clinicamente maiores, budesonida/formoterol 400/12 ~o~-g, duas vezes ao
significativo como em geral tem sido propagado. Ainda não dia. Contudo, o desfecho primário foi o PFE, não havendo
bouve um ensaio clínico com estratificação randomizada poder e tempo suficientes (três meses de seguimento) para
conforme a resposta a uma dose de corticoide inicial e que maiores conclusões.;w O mesmo acontece com outros es-
usasse uma metodologia de escalonamento do tratamento tudos,'o-'2 embora um dado interessante seja a melhora de
semelhante à do estudo GOAL como intervenção, associan- parâmetros relacionados com a hiperinsuflação pulmonar
do-se a terapia SMART. Nesse contexto, a terapia SMART (p. ex., capacidade vital, volume residual, volume de oclu·
ainda não foi testada. são) em pacientes moderados a graves em comparação com
No entanto, a terapia SMART parece ser realmente se- a fluticasona em CFC ou flutieasona/salmeterol em Diskus.
gura e proporciona ao paciente a facilidade de utilizar um No entanto, nada pode ser inferido sobre o impacto clinico
único inalador para manutenção e para a crise. Jamais deve futuro desse efeito.
ser usada como substituta da avaliação do grau de controle e
da adesão pelo médico ao colocar no paciente a maior parte
da responsabilidade para o ajuste da medicação conforme
sua percepção.
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2007;119(3):583-90. -+ Apresentaçlo: 1 ampola • 1 O ml ~ 500 mg
-+ Oiluiçlo: 10 ml + NaCI a 0,9%240 ml ~ 2.000 j.l~ml
-+ Dose de ataque: 1 a 2 j.tg/kg
-+ Infusão contfnua: 1 O a 30 j.tg/kg/min

nD
Ventilação Não lnvasiva e lnvasiva
Midazolam
na Asma Aguda Grave -+ Ap<Mentaçlo: 1 ampola~ 10 ml ~50 mg
Josué Almeida Victorino -+ Diluição: 50 ml + NaO a 0,9% 200 ml ~ 1 mg/ml
-+ Dose de ataque: 0,1 a 0,3 mglkg
-+ Infusão contfnua: 0,05 a 0,2 mglkglmin

Introdução
A hipolensão pós-entubação deve ser antecipada, e sua
rápida correção exige manejo com administração efetiva de
cristaloides.

Manejo ventilatório
O objetivo tradicional da ventilação mecânica em pacientes
com insuficiência respiratória é fornecer oxigenação adequa-
da com níveis não tóxicos de fração inspirada para obtenção
de tensão de dióxido de carbono e pH arterial normais. No
starus asmaticus, contudo, a tentativa de corrigir a acidose
respiratória pelo aumento do volume-minuto pode levar à
hiperinsuflação pulmonar extrema, com consequente risco fechos mais impactantes, o que faz do uso da VMNI em exa-
de pneumotórax e hipotensão arterial. cerbação de asma uma recomendação de grau 2b.
Por essa razão, há 25 anos foi proposta a hipoventi-
lação controlada com hipercapnia permissiva, que subse-
quentemente obteve larga aceitação. Existem diversas re-
visões c algoritmos recomendando a abordagem inicial de
Heliox
manipulação das variáveis dos ventiladores mecânicos na A mistura de gases hélio-oxigênio (80:20 ou 70:30) tem vis-
asma grave. Os detalhes desta ou de outra abordagem não cosidade semelllante à do ar, porém densidade inferior. Em
são tão cruciais quanto a merecida atenção aos seguintes tese, isso resulta em menor resistência ao fluxo e aumenta o
princípios: fluxo laminar, reduzindo o trabalho respiratório e melhoran-
do a oferta de medicamentos inalados à custa de redução da
• emprego de volumes correntes e frequência respiratória oferta da fração inspirada de oxigênio (FiOJ. Contudo, re-
baixos; visões sistemáticas fornecem evidência do não benefício no
• prolongamento do tempo expiratório tanto quanto pos- uso em asma grave com insuficiência respiratória.
sível;
• redução do tempo inspiratório o quanto possível e mo-
nitoração do desenvolvimento de hiperinsuflação dinâ- Ventilação mecânica invasiva
mica.
Em 2009, Brenner e colaboradores' publicaram um estudo
de revisão da melhor evidência para o uso da entubação e a
prática da ventilação mecânica em pacientes com insuficiên-
cia respiratória por asma. A busca na revisão resultou em 41
estudos randomizados controlados, seis metanálises para en-
tubação, quatro metanálises e cinco estudos randomizados
controlados para ventilação mecânica A maioria das reco-
mendações após análise dos autores no cenário específiCO de
asma gerou indicações de categoria D. Um sumário dessas
recomendações é apresentado a seguir.

Critério para entubação


• Indicações clinicas
• Parada respiratória
• Parada cardíaca
• Alteração do estado mental
• Exaustão progressiva
• Tórax silencioso
• Indicações laboratoriais
• Hipoxia grave com máxima Fi0 2
A despeito da interface escolhida, a umidificação do tipo • Falência da reversão da acidez respiratória a despeito
aquecimento/umidificação (filtros MOI*} é preferida c au- de terapia intensiva
menta o conforto. • pH < 7,2, PaC02 aumentando mais do que 5 mmHfl
A pressão de suporte é o modo mais utilizado para ga- hora ou maior do que 55 a 70 mmHg ou Pa02 < 60
rantir conforto e sincron.ia. A ventilação assistida propor- mmHg
cional (PAV) oferece uma pressão inspiratória proporcional
ao esforço do paciente. Especüicamente, é determinada
pela geração de fluxo e volume do próprio paciente. Como Técnica de entubação
consequência, melhora de maneira automática a sincronia Em geral, a entubação orotraqueal com sedação e o blo-
entre o paciente e a ciclagem ventilatória. A ventilação em queio neuromuscular são as formas escolhidas. O uso de ce-
dois níveis de pressão oferece pressão inspiratória (IPAP) e tamina e propofol pode ser preferido sobre outros sedativos.
expiratória (EPAP). Pode ser uma alternativa em aparelhos
da Respironies (BIPAP) ou ventiladores da Drager Medicai
Company. Propofol
A base racional da utilização de VMNl na asma é sem- ? Apresentaç.\o: 1 ampola = 20 mL. 50 mL.
pre ancorada na ideia de "janela de tempob, com pequenos 100 ml• 10 mgfml
estudos mostrando benefício quanto à redução da entubação ? Dose de ataque: 0,5 a 3,0 mg/1cg
e diminuição do tempo de hospitalização. Thdavia, estudos ? lnfusio continua: 5 a 50 pg/1cgfmin
randomizados consistentes ainda são necessários para des-
Recomendações para regulagem das variáveis QUADRO 45.6.1 -+ Ajustes iniciais do ventilador para paciente
entubado com asma
do ventilador
• Controle de hiperinsuflação e auto-PEEP. Fi01 = 1,0
• A redução da frequência respiratória pode ajudar no
controle da hiperinsuflação. Ventilação mec~nica controlada
• A redução do volume corrente pode ajudar no controle
da hiperinsuflação. Frequência respiratória • 1Ompm
• Um ajuste inicial de 80 Umin do fluxo com uma con- -------------------
Volume corrente • 7 a 8 mllkg (peso ideal)
figuração de onda desacelerante pode ser apropriada
em adultos. Pico de fluxo 60 IJmin (constante) ou 80 a 90 llmin
• A redução do tempo inspiratório ( < 0,5 s) com padrão
de onda quebrada e fluxo inspiratório de 60 Umin pro- Pr~o de platô < 30 cmH10
porciona maior tempo para exalação em cada ciclo res-
Auto-PEEP < 15 crnH10
piratório e pode ajudar no controle da biperinsuflação
(tempo expiratório > 4 s). ---------------------
PEEP extrínseca < 5 cmH 10 ou 80% da auto-PEEP
• A auto-PEEP e a pressão de platô devem ser monitora-
das durante a ventilação mecânica.
• A hipercapnia é preferível à hiperinsuflação, salvo na ur-
gência de aumento da pressão intracraniana. Prevenção e tratamento das
• Um nível aceitável de hipercapnia e acidose é um pH em
tomo de 7,15 e uma PaC0 2 de até 70 a 80 mmHg. complicações da ventilação mecânica
A manipulação da via aérea, seja na entubação ou na extu-
O QUADRO 45.6.1 apresenta os ajustes iniciais do ventila- bação, pode induzir broncospasmo. Entretanto, não se co-
dor para pacientes entubados com asma. nhece estudo com efeito benéfico comprovado na redução
Novamente, o reconhecimento da fisiopatologia é man- da hiper-reatividade brônquica em extubação de paciente
datório e a fórmula a seguir orienta o manejo: acordado. Porém, o pré-tratamento com broncodilatador
parece reduzir ou prevenir essa complicação na entubação
de pacientes com via aérea hiper-reativa.
V= PeVRus A miopatia - seja por ventilação mecãnica prolonga-
da ou pelo uso de fánnacos (corticoide e bloqueador neu -
Onde: romuscular) - deve ser motivo de cuidado permanente. O
racional empregado deve ser o de pensar, imediatamente
V • fluxo respiratório mãximo
após a entubação, em desmame da ventilação mecânica, uso
Pcl • pressão de recolhimento elástico pulmonar (inversamente
relacionada com a complacência) econômico de bloqueador neuromuscular e redução logo
que possível da dose de corticoide.
Rus • resistência da via aérea
Quanto à hipoxemia, é mandatória a atenção para entu-
bação seletiva, formação de tampões mucosas (associados à
má umidificação) e barotrauma. A incidência de pneu motó-
Manejo medicamentoso em pacientes rax é relatada em até 30% em algumas séries, mas é relativa-
mente infrequente (6%) com a estratégia de hipoventilação
entubados com asma controlada. A monitoração radiológica ou por tomografl8 de
Devido à presença de broncospasmo, o uso de corticoides impcdãncia elétrica pode mitigar essa complicação. A utili-
e broncodilatadores deve ser mantido. Em 2001, uma revi- zação de volumes expiratórios finais maiores do que 20 mU
são sistemática da literatura da Cochranc2 determinou que kg deve ser evil8da.
40 mg a cada seis horas de metilprcdnisolona (ou equi- Com relação à hipotensão, deve-se considerar desde
valente) são apropriados, e doses maiores não são mais cedo a possibilidade de pneumotórax hipertensivo. Uma
eficazes. manobra simples à beira do leito, permitindo apneia ou hi-
Quanto aos beta-agonistas inalatórios, a dose mais efeti- popneia para redução da pressão intratorácica, pode ser sur-
va ainda é controversa. O uso de dispositivos inalatórios do- preendentemente positiva no alívio da hipotensão. A exclu-
sificados exige cuidados, como colocar o espaça dor na linha são de infarto do miocárdio em sepse, além da hipovolemia
inspiratória, proporcionar pausa de 3 a 5 segundos, permitir relativa, é mandatória.
exalação passiva, repetir o jato após 20 a 30 seguodos, buscar
volume corrente resultante > 500 mL e reduzir o fluxo inspi-
ra tório durante a inalação a 40 Umin. A dose ótima de jatos
em ventilação mecânica é de 4 a 6 em nebul.l metro (MDI), e
a mecãnica ventilatória deve ser mensurada para monitorar
a resposta broncodilatadora.
QUADRO 45.7.1 -+ Definição de asma difícil
Referências
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tilation of the asthmatic patient in rcspiratory failure. Proe Am Tho-
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Cochranc Database Syst Rcv. 200!;(1):CD001002. 1. Corticoterapia contlnua ou > 50% do tempo no último ano
2. Necessidade de corticoide inalado em dose elevada
3. Pctty TL 'Jtcat status asthmaticus threc days bcforc it occurs. J
lntcnsive Carc Mcd. 1989;4(4):135-6. - Critérios menores
1. Uso de medicaç.\o adicional
2. Necessidade quase di.iria de Jl,·agonista
Leituras recomendadas 3. Obstrução penistente, velume expiratório forçado no primeiro
segundo (VEF 1) < SO'llo e variabilidade do pico de fluxo
Hcss O, Chatmongkolcbarts S. Techniqucs to a'-oid intubation: oo-
expiratório (PFE) > 20'llo
ninvasive positive prcssurc vcntilation and bcliox therapy. lnt Anes-
thcsiol Oin. 2000-,38(3):161-87. 4. Mais de uma visita ao setor de emergêncillano
S. Três ou mais curses de corticoide oraVa no
Camargo CA, Krishnan JA. Mechanical vcntilation in adults with 6. Piora com tentativa de redução da corticoterapia
acute cxacerbations of asthma [Internet). Wahham: UpToDatc-; 7. Episódio quase fatal
c2011 (capturado em 29 jun. 2011). Disponível em: http:/{www.upto-
datc.com/contents/topic.do?topicKey;PULM/570.
Lcathermnn JW. Mccbanical ventilation for scvcre asthma. ln: Thbin
MJ . Principies and practicc of mechanical vcntilation. 2nd ed. Ncw
York: McGraw-Hill Mcdieal; 2006. p. 649-62.
Diagnóstico de asma de difícil controle
O passo inicial no manejo da ADC é confirmar o diagnósti-
co, o que é feito mediante cuidadosa anamnese e exame fisi-
co seguidos de avaliação da função pulmonar (FIGURA 45.7.1).

rm
Asma de Difícil Controle
A adesão ao tratamento e um seguimento por um período
longo são fundamentais na determinação do diagnóstico de
ADC, além da avaliação de comorbidades, principalmente
doença do refluxo gastresofágio (DRGE), rinossinusites e
Adalberto Sperb Rubin transtornos psiquiátricos que podem contribuir para a au-
sência de controle da asma.

Definição
[I] ATENÇÃO
[I] ATENÇÃO Um dos principais fatores que levam a um controle
ruim~ a falta de adesao ao tratamento, e alguns ca-
Entre a população asmática, existe um subgrupo de sos acabam sendo erroneamente considerados casos
pacientes com a chamada asma de difidl controle deAOC.
(ADC), os quais, a despeito de tratAmento adequado
e tratamento por especialista, persistem sintomáti-
cos. Tal apresentação representa cerca de 10% dos
casos de asma, por~m ~ nesse grupo que se obser-
vam maior mortalidade e maior consumo de recur- Fatores agravantes (comorbidades)
sos relativos à doença.' Diversas condições podem causar sintomas respiratórios e co-
existir com asma, provocando confusão diagnóstica com resis-
tência ao tratamento. No QUADRO 45.7.2 estão descritas as co-
Diversos fatores determinam pouca resposta à terapêuti- morbidades mais encontradas em portadores de asma diflcil e
ca, incluindo-se uma avaliação diagnóstica incorreta e a não que podem ser úteis no diagnóstico diferencial dessa entidade.
exclusão de doenças concomitantes. A definição mais utiliza-
da para asma difícil é a da American Thoracic Society- ATS
(QUADRO 45.7.1)_2
Vários fatores estão envolvidos na gênese da ADC, den-
Tratamento
tre eles fatores genéticos, ambientais, alterações estruturais O tratamento inicial do paciente asmático com ADC segue
de vias aéreas e a própria existência de diferentes fenótipos as orientações existentes nas diretrizes internacionais (Global
de asma. Existem fenótipos clínicos, inflamatórios e genéti- Initiativc for Asthma- GINA- e National Asthma Education
cos para caracterizar portadores de ADC and Prcvention Program - NAEEP). As etapas de tratamento
Reconsiderar
gravidade

Controle ideal

Pobre controle

Asma difkil

Considerar fenótipos

Novas terapias
Seguimento por longo período FIGURA 45.7.1 -+ Diagnóstico da asma diffcil.

QUADRO 45.7.2-+ Confirmação diagnóstica e avaliação das de exacerbações, impedir a perda funcional, que é mais fre-
comorbidades em asma difícil quente em pacientes graves, e minimizar os efeitos adversos
dos tratamentos utilizados.

1. Anamnese: característica da dispneia, história familiar de asma,


fatores precipitantes (clima, exercício, aspirina), exposição
Terapia não farmacológica
ocupacional. sintomas de DRGE, rinossinusite, apneia do sono. Diversos aspectos não farmacológicos devem ser avalia-
2. Exame físico: avaliação da conformação tor~cica, presença de dos na busca do controle da ADC. Esses aspectos (QUADRO
sibilos, estridor laríngeo, ausculta cardfaca, cianose labial e de 45.7.3) devem ser constantemente reavaliados, pois alguns fa-
extremidades, presença de baqueteamento digital, pólipo nasal, tores de risco podem contribuir para a gravidade da doença.
lesões de urticária e dermatite atópica.
3. Função pulmonar: espirometria com teste de broncodilatador
avaliando reversibilidade ou obstrução fixa e teste de QUADRO 45.7 .3-+ Fatores não medicamentosos em asma de
bronco provocação com metacolina. difícil controle
4. Hemograma, avaliação de eosinófilos e lgE séricos, testes para
alergia. - Adesão ao tratamento
5. Radiografia e tomografia computadorizada de alta resolução: - Uso de fármacos agravantes (betabloqueadores, ácido
enfisema, bronquiectasia.s e outros diagnósticos alternativos. acetilsalicílico, etc.)
- Tabagismo
- Comorbidades
- Transtornos psiquiátricos
1. Programa de educação em asma: equipe multidisciplinar com - Drogadição
apoio psicológico, ensino de técnicas e uso de medicações - Exposição ocupac.ional
inalatória.s. - Alergênios ambientais
2. Questionamento ativo acerca de uso da medicação, dose e horário
e determinação sérica no caso de corticoide oral e/ou teofilina .
3. Diário de sintoma.s e plano de ação por escrito.
4 . Apoio médico na cessação do tabagismo.
Terapia farmacológica inicial
Assim como em casos de asma persistente não grave, a
base do tratamento farmacológico da ADC consiste na
busca da redução do processo inflamatório das vias aére-
propostas nas diretrizes GINA,3 NAEPP' e da Sociedade Bra- as. 3 Quando o controle da doença não puder ser alcançado
sileira de Pneumologia e Tisiologia (SBPT)s têm como meta mesmo com o cumprimento dessas etapas, deve-se tentar
obter o controle atual dos sintomas e reduzir os riscos futuros. obter os melhores resultados possíveis com os mfnimos
A etapa de tratamento empregada em cada caso é deter- efeitos adversos.
minada pela gravidade da doença. Por definição, o paciente O tratamento farmacológico inicial deve sempre incluir
é considerado portador de ADC quando não apresenta con- o uso de:
trole de sua doença na etapa 4 das diretrizes GINA. O ma-
nejo adequado da ADC busca, além da obtenção do controle • Corticoide inala tório em doses elevadas (beclometasona
dos sintomas, prevenir ou reduzir ao máximo a ocorrência > 1.000 J.~.g/dia ou equivalente)
• Be~·agonista de ação prolongada :Wdia Outros medicamentos
• Corticoide oral (prednisona 40 mgldia por 2 a 4 sema-
Macrolídeos, antagonista do fator de nccrose tumoral e
nas), com o objetivo de alcançar o controle dos sintomas
inibidores da fosfodiestcrase-4 também têm sido estuda-
ou a melhor resposta possível
dos. Ainda não há informações suficientes para indicar tais
• Beta,-agonista de curta duração como medicação deres-
classes terapêuticas nessa população. Relatos do empre-
gate
go de sais de ouro, metotrexato, ciclosporina, azatioprina,
irnunoglobulinas intravenosas e anti-interleucina 4 em
ADC têm sido publicados na literatura, mas também, até
Terapia medicamentosa avançada o momento, sem evidências suficientes para recomendar
seu uso.
Em pacientes nos quais o controle adequado não é obtido
pela terapia medicamentosa inicial ou que necessitem uso
contínuo de corticoide oral, está indicado o uso de terapias
mais avançadas, medicamentosas ou não. Alguns desses Termoplastia brônquica
medicamentos, como o omalizumabe, já estão incluídos em
A musculatura lisa (ML) das vias aéreas de asmáticos apre-
recentes diretrizes internacionais para o manejo da ADC.
senta-se hipertrofiada e com anormalidades em seu funcio-
namento, sendo importante na fisiopatologia da doença.
Omalizumabe A termoplastia brônquica é um método de ablação da ML
É um anticorpo monoclonal recombinante humanizado que brônquica por meio da liberação de energia térmica porra-
se liga à IgE livre circulante e evita que esta se una aos re- diofrequência. 9 Um cateter ligado a um gerador de energia é
ceptores nos mastócitos, evitando sua degranulação (FIGURA introduzido nas vias aéreas através de um broncoscópio (FI·
45.7.2). O omalizumabe inibe as respostas induzidas pelos GURAS 45.7.3 e 45.7.4). Os filamentos de uma cesta e"pandida
alergênios, independentemente de especificidade. liberam energia térmica em contato com a parede das vias
O omalizumabe está indicado para portadores de ADC aéreas, de forma que a quase totalidade da ML envolvida no
acima de 12 anos, a tópicos e com níveis de lgE entre 30 e 700 processo de broncoconstrição seja tratada.
UUmL, sendo prescrito por via subcutânea a cada 2 ou 4 sema- Vários estudos demonstraram melhora na qualidade de
nas.6 Para pacientes sem controle da asma em vigência da eta- vida e redução de exacerbação em asmáticos. 10 A principal
pa 4 de tratamento das diretrizes GlNA, indica-se o uso dessa indicação deste procedimento seria no tratamento de as-
medicação por um período de 16 semanas, quando então será máticos graves não controlados com a terapêutica usual. Os
avaliada sua eficácia. Em caso de sucesso terapêutico, o tra- principais efeitos adversos da técnica foram principalmente
tamento é mantido por tempo indeterminado. Estudos recen- um aumento dos sintomas de asma, com resolução em tor-
tes' têm demonstrado uma significativa melhora em diversos no de uma semana. Pacientes acompanhados por cinco anos
desfechos clínicos em ADC: redução de visitas a emergências, não apresentaram complicações a longo prazo.
hospitalizações e consultas não agendadas; redução da dose de
corticoide oral c inala tório; melhora na qualidade de vida.
Com relação à segurança, alguns efeitos adversos têm
sido observados.' A anafilaxia está presente em cerca de
0,1% dos casos, sendo em 40% das vezes na primeira dose
e também com mais frequência nas primeiras horas após a
aplicação. Reações locais também são raras e, até o momen-
to, não existe risco demonstrado em relação a aumento de
parasitoses intestinais, neoplasias ou cardiotoxicidade.

lgE FIGURA 45.7 .3 -+ Gerador de energia.

Omalizumabe ~~ ~~
11
~ Omalizumabe

11

Masl~tlo

RGURA45.7.2-+ Complexo omalizumaber'lgE. FIGURA 45.7A -+ Cateter.


Referências
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understanding, recommendations, and unanswercd questions. Ame- Introdução
rican Thoracic Socicty. Am J Respir Crit Carc Mcd. 2000;162(6):
Os aspectos referentes a epidemiologia, diagnóstico e tra-
2341-51.
tamento da asma já foram contemplados em capítulos ante-
3. Global lnitiative for Asthma. Guidelines: GINA rcpon, global riores. No presente capítulo, são ressaltadas determinadas
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partir de casos clfoicos.
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4. National Asthma Edueation and Prcvention Program. Expen
Pane! Report 3 (EPR-3): guidelines for thc diagnosis and manage-
ment of asthma - summary repon 2007. J Allergy Clin lmmunol. Diagnóstico
2007;120(5 Suppl):S94-138. O diagnóstico da asma em pediatria é essencialmente cli-
S. 1V Diretrizes brasileiras para o manejo da asma. J Bras Pneu moi. nico, baseado em dados de história e exame fisico já des-
2006;32(Supi7):S447-74. tacados antes. Muitas vezes, em pediatria, são necessários
6. Bousquet J, Cabrera P, Dcrkman N, Duhl R, Holgate S, Wcnzcl
vários atendimentos ao paciente para definir o diagnóstico.
S, ct ai. Thc effect of treatment with omalizumab, ao anti-lgE anti- Informações sobre atopia pessoal (dermatite a tópica, rini-
body, on asthma eJmocrbations and emergeocy medicai visits in pa- te alérgica), história familiar de asma (pai, mãe, irmãos) e
tients witb severe persistent asthma. Allergy. 2005;60(3):302-8. evidências de atopia (eosinofilia > 4% no leucograma, IgE
sérica ou especifica elevada para alérgenos comuns ou testes
7. Ayres JG, Higgins B, Cbilvers ER, Ayrc G , Blogg M, Fox H. Effi.
rutâneos) podem apoiar o diagnóstico. Em crianças com me-
eacy and tOierability of anti-immunoglobulin E therapy with omali-
zumab in patients with poorly cootroUed (moderate-to-severe) aUer-
nos de três anos apresentando quadro de sibilãncia repetida,
gie asthma. Allergy. 2004;59(7):701-8. o índice preditivo de asma é um instrumento simples e de
fácil aplicação (QUADRO 45.8.1).1
8. Vignola AM, Humbert M, Bousquet J, Boulet LP, Hedgecock
S, Blogg M, et ai. Efficacy aod tolerability of anti-immunoglobulin E
therapy with omalizumab in patients with conoomitant allcrgic asth·
ma and persistentallergic rhinitis: SOLAR. Allergy. 2004;59(7):709- Diagnóstico diferencial
17.
Em crianças, as manifestações de asma geralmente iniciam
9. Cox G, Laviolette M, Rubin A, Thomson N. Long tcrm safety of antes dos 5 anos de idade. Síbilância recorrente é a mais co-
broncbial thermoplasty (Bl): 3 year data from multi pie studies. Am mum. Como nessa faixa etária várias doenças podem se ma-
J Rcspir Crit Carc Med. 2009;179:A2780.
nifestar com sintomas comuns aos apresentados pelas crian-
10. Castro M, Rubin AS, Laviolette M. Efficacy of broncbial ther- ças asmáticas, faz-se necessário o diagnóstico diferencial.z.o
moplasty ( BT) in patients witb severc asthma: the AI R2 trial. Am J As doenças mais frequentes que devem ser diferenciadas de
RespirCrit Care Med. 2009;179-.A3644. asma são comentadas a seguir (QUADRO 45.8.2).

Leituras recomendadas QUADRO 45.8.1 -+ lndice preditivo de asma


Miller MK, Johnson C, Millcr OP, Oeniz Y, Blceeker ER, Wcnzcl
SE, ct ai. Severity assessment in asthma: an evolving ooncept. J AI·
lergy Clin lmmunol. 2005;116(5):990-5.
Ir;m1'l!!•fJ:J.Lu:Jul)
Thylor DR, Batcman ED, Boulct LP, Boushey HA, Busse WW, Ca- Asma (em pai ou mãe) Diagnóstico médico de rinite
salc TD, et ai. A new perspective on oonccpts of ast.h ma severity and diagnosticada por médico alérgica na criança
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Eaema atópko diagnosticado por Episódio de sibilância fora de
Thc ENFUMOSA cross-sectional European multiccnt.r e study of médico episódios virais
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for Undcrstanding Mecbaoisms of Scvere Asthma. Eur Rcspir J. Eosinofifia (> 4%)
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lnt~: aíançl com monos do l onos com episódio~ de sibolanoo quo•pr ..
Wenzcl S. Pbysiologic and patbologic abnorrnalities in severe astb- senta um artê<io moia< ou dois crit~ios meno<es tem •lto ris<o do diagnóstico do
ma. Clin Chest Med. 2006;27(1 ):29-40. asma.
QUADRO 45.8.2 ~ Diagnóstico diferencial de sibilância não asmática em pediatria

Déficit no desenvolvimento pôndero~statural, esteatorreia Fibrose cística

Infecções bacterianas frequentes ou por bactérias incomuns lmunodeficiência

Rinite crônica desde as primeiras semanas de vida, otites recorrentes Discinesia ciliar

Vômitos e/ou regurgitações recorrentes associados à irritabilidade e/ou baixo peso Refluxo gastresofágico

Sibil~ncia persistente após quadro de bronquiolite, ou pneumonia vira! grave Bronquiolite obliterante

Sintomas desde o nascimento, doença neonatalgrave, prematuridade Doença respiratória crônica neonatal

Sibilância persistente após episódio agudo de sufocação Aspiração de corpo estranho

Sibilância persistente em contato de tuberculose Tube<eulose


Radiografia sugestiva

Sibilância persistente sem os fatores acima citados Malformação congênita com compressão de via aérea (anel
vascular e outros)

Respiração ruidosa (piora durante a alimentação) Distúrbio de deglutição


Déficit neurológico

Respiração ruidosa presente na inspiração e na eX,piraçáo laringotraqueomalácia

Sibilância episódica (viral) Bronquiolite viral aguda


Na faixa etária pediátrica, as infecções virais são muito CO· A bronquiolite viral aguda (BVA) ocorre em cerca de 10%
muns. Uma criança saudável apresenta, em média, cinco in· das crianças menores de um ano, geralmente causada pelo
fecções ao ano. Contudo, mais de 10% das crianças tem 10 vírus respiratório sincicial, que determina o primeiro episó·
ou mais resfriados ao ano. Crianças que frequentam creches dio de sibilância caracterizando o diagnóstico de bronquio·
podem ter um número ainda mais elevado. As manifestações lite. Essa doença é epidêmica, ocorrendo sobretudo nos
clínicas são obstrução nasal, coriza, tosse e febre. A presença meses de inverno, e apresenta maior incidência no primeiro
de sintomas virais com sibilância pode levar ao diagnóstico semestre de vida, sendo rara após um ano de idade.
equivocado de asma em muitos casos. O quadro clínico inicia-se com sinais e sintomas de infec-
A presença de sibilância recorrente em crianças peque· ção de vias aéreas superiores, recusa alimentar, irritabilida-
nas, especialmente lactentes, quase sempre é causada por de, hipertermia (que não costuma ultrapassar 38°C), coriza
infecções virais recorrentes. Vários vírus podem produzir e espirros por 1 a 3 dias. A dificuldade ventilatória, em grau
repetidas infecções respiratórias com desencadeamento de variável, evolui em 24 a 48 horas, podendo ser necessária a
crise de sibilância. Os mais frequentes são rinovirus, vírus oxigenoterapia. Após o episódio de bronquiolite viral aguda,
respiratório sincicial, coronavírus, metapneumovfrus huma· são comuns episódios de sibilância recorrente.
no, parainfluenza e adenovírus. O rinovírus é reconhecido O diagnóstico é definido na evolução, pois, após a bron-
quiolite, os episódios tendem a diminuir de frequência e inten-
como o principal desencadeante de crises em pediatria.
sidade, até desaparecerem por volta dos 2 anos de idade.
Algumas crianças apresentam seus episódios de crises de
sibilância somente desencadeados por vírus que tendem a
ser sazonais. Na maioria das vezes, não há sinais de gravida- Bronquiolite obliterante
de associados, embora possam causar morbidade significati- Cerca de 1% das crianças que apresentam BVA, especial·
va. Não é necessária investigação complementar. As crianças mente por adenovirus, apresentam um episódio inicial gra·
com episódios de maior gravidade, como necessidade de in· ve, na maioria das vezes exigindo ventilação mecânica e
temação, devem ser investigadas. oxigenoterapia prolongada. Os pacientes mantêm sibilância
A laringite viral aguda é outra infecção que pode se ma- continua não responsiva a broncodilatador e a corticoide sis·
nifestar por sibilância, além do estridor inspiratório carac- têmico em períodos de exacerbação, muitas vezes com ne-
terístico. cessidade de novas internações.
A diferenciação com asma somente pode ser feita se a O diagnóstico é baseado no quadro clínico e na tomografia
evolução mostrar tendência a episódios de obstrução brôn- de tórax, cujo padrão característico é o de perfusão em mosai-
quica independentes de quadros virais típicos. co e aprisionamento aéreo, após exclusão de outras causas.5
Refluxo gastresofágico coce é hiperinsuflação. A dosagem de eletrólitos no suor
(cloro > 60 mEq/L) em duas amostras realizadas em mo-
A relação entre refluxo gastresofágico (RGE) e doença
mentos diferentes confirma o diagnóstico em mais de 98%
respiratória é complexa. A doença respiratória pode piorar
dos casos.. Uma minoria de casos pode ter uma apresentação
a aspiração por vários mecanismos, e o RGE pode causar
fenotipica atípica ou leve, com dosagem de eletrólitos no
doença respiratória por aspiração direta, reflexo esofago-
suor normal, exigindo exames mais sofisticados. A triagem
brônquico, ou pode ser apenas um achado acidental. Deve-
neonatal (teste do pezinho) com tripsina imunorreativa com
-se distinguir o RGE chamado ftsiológico da doença do re-
valores elevados indica necessidade de prosseguir com a in-
fluxo. Pacientes com RGE ftsiológico, particularmente os
vestigação para esta doença (ver Capítulo Fibrose astica).
lactentes, em geral apresentam episódios de vômito, mas
não existem manifestações pulmonares ou sistêmicas. Nos
pacientes com doença do refluxo gastresofágico, além de vô- Malformações congênitas da via aérea
mitos, há manifestações respiratórias como sibilãncia, tosse, As crianças com anormalidades estruturais macroscópicas
laringite, pneumonia, apoeia, com possível repercussão so- congênitas geralmente apresentam manifestações precoces
bre o ganho de peso e irritabilidade. Crianças com refluxo nos primeiros meses de vida. A detecção da malformação
ftsiológico não precisam de investigação ou tratamento. baseia-se na avaliação clínica em crianças com sibilos ins-
O diagnóstico de RGE também é controverso. O pa- piratórios e expiratórios ou estridor inspira tório persisten-
drão-ouro para o diagnóstico de RGE ácido é a pHmetria tes. A fibrobroncoscopia e - em alguns casos - a tomografia
esofágica de 24 horas, que permite a detecção de refluxo de- computadorizada de tórax com contraste são os exames indi-
sencadeado por tosse, alimentação e assoeiado à variação de cados para a confirmação diagnóstica.
decúbito. As limitações do exame incluem a não identifica- A traqueobroncomalácia é um distúrbio congênito da
ção de RGE não ácido, a pouca disponibilidade e o custo. A cartilagem brônquica. Caracteriza-se mais por estridor ins-
identificação de RGE não ácido, também realizada durante piratório do que por sibilãncia, devido ao colapso da área
24 horas, possui uma variabilidade maior e não parece acres- afetada durante a expiração.
centar benefícios na prática cllnica. O diagnóstico de doença
de refluxo por meio de exame radiológico contrastado com
bário, cintilografia ou ecografia apresenta limitações, pois Doença respiratória crônica neonatal
tais exames permitem detectar episódios eventuais, não pos- (displasia broncopulmonar)
sibilitando a avaliação quantitativa prolongada. A doença respiratória crônica é uma complicação comum
Embora o RGE seja frequentemente demonstrado em de recém-nascidos prematuros, principalmente aqueles que
crianças com sibilãncia, o beneficio com o reatamento não tiveram displasia broncopulmonar. Lactentes com sibilãncia
tem sido demonstrado.' que apresentaram prematuridade, doença respiratória neo-
natal grave, sintomas respiratórios após os 30 dias de vida,
Síndromes aspirativas devido que fizeram uso prolongado de oxigenoterapia (em geral por
mais do que 28 dias) ou que foram submetidos à ventilação
a distúrbios da deglutição mecânica devem ser investigados para displasia broncopul-
A sibilância recorrente pode ser uma manifestação de distúr- monar. O exame radiológico de tórax apresenta infiltrado
bios de deglutição. A suspeição clínica baseia-se na presença em faixa e áreas bolhosas.
de "engasgos", em crises de tosse ou sibilãncia assoeiadas à
alimentação, sobretudo em crianças com neuromiopatias e
malformações de orofaringe. A comparação da ausculta pul- Tuberculose
monar antes e depois de mamadas, identificando piora da É necessário um alto índice de suspeição para tuberculose,
sibilãncia, permite o diagnóstico, que pode ser confirmado sobremaneira em crianças com quadro de sibilância conti-
por exame contrastado de deglutição, preferencialmente nua que não se modifica com uso de broncodilatador. Pode
acompanhado por fonoaudiólogo. A fibrobroncoscopia rígi- haver sibilãncia predominante no lado afetado.
da pode identificar malformações. O diagnóstico é feito pela história cHnica (contato com
portador de tuberculose, febre e tosse prolongada) assoeiado a
teste de Mantoux. Eventualmente, pode ser feito por pesquisa
Fibrose dstica de bacilos álcool-ácido resistentes (BAAR) em lavado brôn-
A fibrose cfstica (FC) acomete cerca de 1:2.500 nascidos vi- quico ou gástrico ou, ainda, por exame em amostra de sangue
vos em regiões de colonização europeia. O quadro clínico o u escarro.
caracteriza-se por episódios repetidos de sibilãncia, que evo-
luem para sibilãncia contínua, mas o sintoma predominante
é tosse produtiva com secreção purulenta, esteatorreia e bai- Cardiopatias
xo ganho pôndero-estatural. As cardiopatias congênitas ou adquiridas podem causar
Deve-se suspeitar do diagnóstico sobretudo se a crian- sibilãncia por compressão de vasos ou câmaras cardiacas
ça tiver sintomas extrapulmonares assoeiados à FC ou pela na árvore brônquica. O diagnóstico é feito pelos sinais cli-
identificação no t.r ato respiratório inferior de microrganis- nicos de cardiopatia (sopro, cianose, taquipneia), radio-
mos característicos de FC tipica. O achado radiológico pre- grafia de tórax e exames especfficos ( eletroeardiograma,
ecocardiografia, cateterismo cardíaco, tomografia compu- te 56% do fármaco é retido no espaçador (grande parte das
tadorizada de tórax). partículas que se depositaria em orofaringe pode ser absor·
vida) e há aumento da deposição em vias aéreas inferiores
para cerca de 21 %.
Aspiração de corpo estranho Espaçadores de pequeno volume (em tomo de 300 mL)
Neste caso, a sibilância tem início abrupto c gravidade variá- valvulados podem ser utilizados com máscara em crianças
vel, após síndromc de sufocação, observada no momento da menores de três anos. Com um cspaçador bem adaptado na
aspiração ("engasgo" súbito com algum alimento ou objeto face, três inalações profundas podem ser suficientes para ob-
na boca), sobretudo em criança previamente hfgida. Em ge- ter o máximo de aproveitamento da medicação.
ral, não há resposta ao broncodilatador. Espaçadores de grande volume (em torno de 750 mL),
O diagnóstico é feito pela história clínica e radiografia de valvulados e com bucal podem ser usados em crianças maio-
tórax em inspiração e expiração. Os segmentos pulmonares res. Os espaçadores devem ser confortáveis, a máscara deve
afetados não desinsuflam na manobra cxpiratória. Na pre- ficar completamente adaptada à face e a criança precisa ter
sença de história clínica, a ausência de alterações radiológi- fluxo inspiratório suficiente para a abertura da válvula. Es-
cas não exclui o diagnóstico. A broncoscopia rfgida confirma paçadores caseiros artesanais, de baixo custo, também po·
o diagnóstico e remove o corpo estranho. dem ser utilizados em crianças.
O uso de broncodilatador por ncbulizadores para tra·
lamento de sibilâneia em emergência tem demonst rado
resultados inferiores em relação aos inaladores pressu -
Tratamento rizados com espaçador. Deve-se considerar ainda que os
Os aspectos gerais do tratamento da asma não diferem inaladores prcssurizados com espaçador são mais práticos,
muito do que é aplicado em adultos. Entretanto, especial- mais bem tolerados pela criança e de custo mais baixo do
mente em crianças com menos de 6 anos de idade, várias que os nebulizadores.
peculiaridades devem ser levadas em conta, como o poten- Os dispositivos de pó seco ativados pela inspiração po-
cial efeito colateral de medicamentos (corticoides c cres- dem ser utilizados com alguns medicamentos já a partir dos
cimento), a falta de estudos sobre alguns fármacns como 3 anos e o Turbuhaler após os 7 anos, se a criança gerar fluxo
os beta-agonistas de longa duração em menores de 4 anos, inspiratório adequado.
a necessidade de fluxos inspiratórios para determinados Deve-se treinar e checar a técnica de uso do dispositivo,
medicamentos {inaladores de pó seco) e a necessidade de bem como avaliar o estado e o funcionamento da válvula do
treinamento da inaloterapia com espaçadores valvulados. espaçador em todas as consultas.
O tratamento da asma em pediatria segue os mesmos
objetivos consagrados nos consensos no que se refere à
Dispositivos busca do controle da doença utilizando-se o fármaco de
A via inalatória é a mais indicada para o tratamento da menor risco de efeitos colaterais e que mantenha a doença
asma em qualquer idade, mas, em crianças, vários são os bem controlada. 8 Outro aspecto importante é que o trata·
fatores limitantes: tamanho da via aérea, alta deposição menta com corticoides inalatórios pode potencialmente
na orofaringe e falta de cooperação ou coordenação para influenciar, ainda que de modo temporário, o crescimento
o uso dos dispositivos. da criança. Um estudo local em condições próprias de aten-
A escolha do dispositivo para o tratamento da asma em dimento em saúde pública onde a medicação não é a ideal
crianças deve ser adequada à idade e capacidade do paciente (corticoides de maior risco de efeito colateral como a beclo-
em realizar a técnica adequada, à habilidade de gera.r fluxo mctasona 250 J.l-8 com propelcnte de CF C) mostrou ausên·
inspiratório suficientemente alto para liberação efetiva do cia de influência sobre o crescimento das crianças tratadas.'
fármaco e a estudos que demonstrem evidências para deter- Destacam-se, a seguir, dois exemplos de tratamento da
minada faixa etária.' doença em grupos etários com peculiaridades especfficas:
Em lactcntes e pré-escolares, doi.s sistemas podem ser crianças de 3 e de 7 anos de idade.
considerados: inaladores pressurizados com espaçador
ou ncbulizadores. Embora a técnica de uso de inaladores
pressurizados seja complexa, devido à necessidade de co- Crianças menores de 3 anos
ordenação entre a liberação do fármaco c a inspiração, tal Nesse grupo etário, sobretudo acima de 1 ano, a criança já
dificuldade pode ser contornada pelo uso de cspaçador de pode apresentar manifestações sugestivas de asma, embora
grande volume. devam ser pesquisados, minuciosamente, aspectos que pos-
Os espaçadores recomendados aumentam a disponibili· sam diferenciar a sibilância de outras causas (QUADRO 45.8.2).
dade do fármaco para as vias aéreas inferiores e diminuem Busca-se o equiHbrio de sintomas e a redução da mor-
a deposição na oro faringe. Quando os inaladores pressuriza- bidade, levando-se em consideração que nossas ações são
dos são utilizados sem espaçador, em tomo de 80% do fár· sempre temporárias, pois a evolução de cada caso é o que
maco se deposita na orofaringe e cerca de 10 a 15% nas vias permite decisões futuras. A seguir, um caso clínico ilustra a
aéreas inferiores. Com o uso do espaçador, aproximadamen- sibilância nesse grupo etário com ênfase na conduta.
• CASO CLÍNICO: SIBILÂNCIA EM MENINO • CASO CLÍNICO: ASMA EM ESCOLAR
DE 3 ANOS Menina de 7 anos com diagnóstico de asma desde os
3 anos de idade, já com vários tratamentos profi láticos
Menino de 3 anos de idade, filho de mãe asmática e pai
sem melhora suficiente. Nos últimos seis meses precisou
com rinite alérgica, vem à consulta referido pelo pedia-
de cinco visitas à sala de emergência, sendo que, em
tra, que não está conseguindo controlar o quadro clíni-
uma delas, foi internada com uso de oxigênio e bronco-
co.
dilatador intravenoso por 24 horas.
No primeiro ano de vida, teve alguns episódios de Já usou corticoides inalados em doses altas (800 a
sibilância na vigência de infecções vira is que se acentua-
1.000 J.tg/dia de beclometasona e budesonida). Recen-
ram depois dos 6 meses de idade, quando entrou na pré-
temente, iniciou-se a associação de beta-agonista de
-escola. Em várias ocasiões, precisou consultar em sala longa duração com budesonida através de d ispositivo
de emergência, onde recebeu tratamento com bronco- Turbuhaler. Iniciou-se também uso de corticoide tópico
d ilatador via nebulização, às vezes complementado com nasal diário.
uso de corticoide oral. A mãe refere que, na maioria dos A mãe e a criança referem não ter havido melhora,
episódios, só percebia boa melhora com o uso de corti- encontrando-se muito ansiosas, pois a criança não con-
coide oral. segue praticar esportes nem brincar em função de sua
Ao exame fisico, o menino apresenta-se bem nutri- dificuldade ventilatória. A criança informa a inda que, nas
do, com boas condições de saúde e sibilos expiratórios ú ltimas semanas, tem acordado duas vezes por sema -
somente audíveis com expiração forçada. Perguntada so- na com falta de ar que melhora com uso de salbutamol
bre outros sintomas, a mãe relata que essa era a sua úni- spray.
ca preocupação. Em relação ao ambiente e a exposições Até o momento, as investigações consistiam em ra-
ambientais, a mãe nega fator com possível impl icação diografia de tórax e de seios para nasais, pesqu isa de lgE
no controle da doença . Também informa que foi tentado sérica e lgE especifica para pó caseiro. Os exames radio-
tratamento com uso contínuo de beclometasona 250 !Jg lógicos foram normais, havendo um valor elevado de lgE
duas vezes por dia por dois meses, sem aparente me- sérica total e lgE específica para o pó caseiro.
lhora. Ao exame, a criança apresenta bom desenvolvimento
Ao se testar a técnica inalatória com espaçador val- fisico, e o tórax aparenta um aumento discreto do diâ-
vulado, percebe-se total inadequação na execução da metro anteroposterior e sibilos difusos sem dificuldade
manobra (mãe e criança). Conclui-se por diagnóstico ventilatória. À rinoscopia, percebe-se hipertrofia e palidez
possivel de asma e troca-se o corticoide inalatório por acentuada de cornetos nasais. Ao ser testada a técnica
antileucotrieno, recomendando-se revisão em 30 dias. inalatória, percebe-se que seu fluxo inspiratório não passa
Treina-se a técnica inalatória, fornecendo-se um plano de de 40 litros por minuto, embora inale de maneira correta.
crise detalhado. Solicita-se uma espirometria que revela uma técnica
Após 30 dias, a criança volta com melhora clinica im- adequada com curvas expiratórias completas e reprodu-
portante. Em apenas um d ia de uso da medicação de tíveis com padrão obstrutivo reversível de intensidade
resgate (quatro jatos de salbutamol com espaçador), já moderada e responsivo ao uso de broncodilatadores.
foi observada melhora importante e rápida. Troca-se a med icação, utilizando-se uma associação
Mantém-se esse tratamento, com revisões a cada de beta-agonista de longa duração com corticoide ina-
dois meses. latório em d isposit ivo de pó seco que permite inalação
com fluxo de 30 litros por m inuto (Diskhaler®). Fornece-
Esse caso clínico ensina o seguinte: -se um plano de automanejo para a crise, indica-se uso
de beta-agonista de curta duração antes de exercícios e
1. Diagnóstico provável de asma com descontrole. marca-se revisão em 30 dias.
2. Inadequação de técnica inalatória com espaçador. No retorno, mãe e fil ha mostram-se muito satisfeitas
3. Provável resposta anti-inflamatória com antileucotrie- com o resultado, incluindo melhora no desempenho fí-
nos.10 sico e nos sintomas noturnos. Verifica -se a técnica ina la-
4. Adequação da orientação em relação a manejo domici- tória do dispositivo de pó seco e do espaçador valvulado
liar de crise de asma. (750 ml de volume), as quais estão corretas.

Esse caso clínico ensina o seguinte:


Asma em escolar
Nesse grupo etário, as decisões terapêuticas são semelhantes 1. Paciente com asma de gravidade moderada com disposi-
às do paciente adulto. No entanto, as peculiaridades do caso tivo inadequado.
a seguir mostram o que é importante observar para melhor 2. Restrição de atividade física impondo limitação de quali-
sucesso terapêutico. dade de vida.
3. Falta de um teste consagrado como a cspirometria parn 6. ThalcJcar K, Boatright RO, Gilgcr MA, EI-Serag HB. Gastroeso-
avaliação em criança com idade suficiente para realizá-la phageal reOux and astbma in children: a systematic review. Pedia-
trics. 20!0;125(4):e925-30.
7. Scbultz A, Lc Souer TJ, Vcnter A, Zbang G, Dcvadason SG,
Conclusões Lc Soucf PN. Acrosol inhalation from spaccrs a.nd valved hol·
ding chambcrs requires few tida! brcaths for childrcn. Pcdiatr ics.
O diagnóstico e o tratamento da asma em ped iatria
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apresentam algumas peculiaridades que precisam ser
consideradas para o sucesso tera~utico. Na criança. o 8. Szeflcr SJ. Advanecs in pcdiatric asthma in 2009: gai ning contrai
d iagnóstico d iferencial é importantlssimo, pois varias of childhood asthma. J Allcrgy Clin lmmunol. 2010;125(1):69-78.
doenças podem apresentar sibil3nda recorrente o u con-
tinua. Os princípios do tratamento sio similares aos do 9. Fischer GB, Arcnd EE, Dcbiasi M, Schmid H. Cortieosteróidcs
adulto, mas itens como a técnica inalatória , a escolha do inalatórios c crescimento em crianças asmáticas ambulatoriais. J Pe-
d ispositivo apropriado e a repetição de o nentações sio diatr. 2006;82(3):197-203.
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Referências Leituras recomendadas


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Educação em
Asma e Doença
Pulmonar
Obstrutiva
Crônica
Luciano Müller Corrêa da Silva
LuizCarlos Corrêa da Silva
46
Elton Xavier Rosso

ra de avaliar seu estado de saúde nos momentos sucessivos,


Introdução sobretudo nas fases de exacerbação, e as medidas a serem
Com a experiência adquirida pela assistência continuada de tomadas nas diversas situações.
pacientes com doença crônica, o médico percebe o quanto O médico, por sua vez, deve dispor de condições para de-
é difícil manter a adesão do paciente para o uso regular das sempenhar seu trabalho de modo a facilitar ao máximo a as-
medicações e o seguimento das medidas não farmacológicas. sistência dos seus pacientes: usar protocolos, ter uma agenda
Isso ocorre, em particular, nas seguintes situações: períodos com boa disponibilidade e, obviamente, dispor de um local
de remissão dos sintomas com doença estável e relativamente acolhedor e onde o processo assistencial seja qualificado. A
controlada, problemas emocionais e psiquiátricos, bem como comunicação com seus pacientes deve ser clara e sempre es-
relação custo-benefício que inviabiliza a manutenção do tra- clarecedora sobre os diversos itens do programa assistencial.
tamento. Por vezes, embora seja evidente a irregularidade do Para maior facilidade no entendimento do tema, são
tratamento, o paciente pode acreditar estar seguindo correta- abordados os fundamentos da educação dos pacientes crôni-
mente a prescrição e as recomendações médicas somente por cos, a educação para pacientes com asma e doença pulmonar
falta de entendimento e revisão das intervenções prescritas. obstrutiva crônica (DPOC) e as técnicas de uso dos dispositi-
vos inalatórios para aerossol terapia. Muitos itens são discuti-
dos a partir de questões comuns dos pacientes.
0 ATENÇÃO

A adesão é um dos maiores desafios do médico para


que seu paciente crônico mantenha o uso regular das
medicações, persista no seguimento das recomenda-
ções e faça rotineiramente as revisões agendadas.

Para aumentar a adesão, torna-se importante que o pa-


ciente crônico adquira conhecimentos que lhe permitam
entender melhor o seu problema de saúde, os fatores que
intervêm na evolução (tanto os que agravam quanto os que
melhoram sua condição), a forma como as intervenções
podem ajudá-lo a melhorar sua saúde, o modo de usar os
medicamentos inalatórios com a máxima eficiência, a manei-
Esse comportamento engloba um amplo conjunto de ati- minada mudança de comportamento, a fim de planejar ade-
vidades relacionadas com a saúde que inclui a procura pelos quadamente estratégias que facilitem a alteração desejada.
serviços de atendimento, a manutenção de visitas regulares e A suscetibilidade do paciente para essa alteração compor-
programadas ao médico ou agente de saúde, o uso de trata- tamental pode ser medida, considerando que existem cinco
mento (medicamentoso ou não) conforme prescrição, o uso estágios nesse processo: pré-contemplação, contemplação,
de medidas preventivas (p. ex_, vacinas), alterações no estilo ação, manutenção e recaída.3
de vida ou ambiente de trabalho e/ou domiciliar e a reso- Um paciente pode passar várias vezes por essas etapas
lução adequada de problemas com base em treinamento e antes de consolidar uma mudança. A identificação adequada
orientação prévios. da etapa na qual o paciente se encontra auxilia o médico na
É, com frequência, um processo contínuo, que se de- escolha da atitude a ser adotada. Por exemplo, se o pacien-
senvolve no decorrer de várias visitas e que inclui ciclos te nem considera a possibilidade de cessação do tabagismo
sucessivos de avaliação seguida de intervenção. A efeti- (pré-contemplativo), a abordagem seria transferi-lo para um
vidade da intervenção educacional depende da acurácia estágio contemplativo, por meio da identificação de fatores
dessa avaliação, bem como da habilidade do médico em que possam auxiliá-lo na busca de razões para parar de fu-
utilizar intervenções adequadas. A avaliação deve conside- mar. Se já está em uma fase contemplativa, o objetivo seria
rar primeiramente as concepções do paciente sobre saúde o de identificar facilitadores ou barreiras para alcançar tal
e doença. Se os modelos de doença e tratamento do médico mudança. Na fase da ação, o estabelecimento de objetivos
e do paciente não são congruentes, a possibilidade de falta bem específicos e a solução antecipada de problemas são as
de adesão às medidas terapêuticas é alta. Se um paciente melhores condutas. Nas fases de manutenção ou recaída,
com DPOC e hipoxemia, com necessidade de uso de oxigê- a solução de problemas com base em reações específicas é
nio contínuo, acha este ineficaz porque "não alivia a falta mais apropriada.
de ar", a falta de adesão é certa. O mesmo ocorre com o De acordo com estudos na área de aprendizagem, o fator
asmático que acredita que sua doença só deva ser tratada mais importante e que prevê uma alteração comportamen-
episodicamente nas crises. tal bem-sucedida é a chamada autoeficácia. A autoeficácia
A abordagem na relação médico-paciente pode estar consiste na convicção de um individuo em realizar um de-
baseada no uso da autoridade do médico (o paciente, nes- terminado comportamento. Ela deve ser sempre o foco de
te caso, é um agente passivo) ou na participação mútua. O atenção em um plano de educação.
processo educacional do paciente não envolve, necessaria- Existem quatro estratégias para melhorar a autoe[icá-
mente, o uso exclusivo de uma ou outra estratégia. Em geral, cia.' A primeir a e mais influente é a chamada "aquisição
deve existir um balanço entre uma e outra abordagem, de- pela prática", em que um paciente na verdade pratica o com-
pendendo do contexto da relação médico-paciente. portamento a ser aprendido. Por exemplo, o uso correto e
Existem indivíduos que acreditam ser a sua saúde uma diário do aerossol com aerocârnara para tratar a asma auxilia
consequência de seu próprio empenho. Tais pacientes pre- a melhorar a autoeficácia, ainda mais se acompanhado da
ferem assumir para si um alto nível de responsabilidade em peroepção do paciente de melhora dos sintomas da doença.
relação aos cuidados com sua saúde. Nestes, a estratégia de A segunda estratégia é a chamada "experiência vicária",
participação mútua é mais válida, sendo o médico encarado que consiste em observar outro indivíduo realizando satisfa-
como um consultor e orientador para a resolução de proble- toriamente um determinado comportamento, o que gera nos
mas específicos. observadores uma expectativa de que eles também poderão
Outros acreditam que sua saúde seja resultante do es- realizá-lo. Por exemplo, a interação com pacientes com os
forço de uma segunda pessoa. This pacientes preferem o for- mesmos problemas que conseguiram parar de fumar ou que
necimento de orientações explícitas por parte de seu médi- se sentem melhores após um programa de reabilitação para
co, sendo que o uso de uma posição mais autoritária é mais DPOC aumenta a credulidade de um paciente em suas habi-
adequado. lidades para alterar satisfatoriamente seu estilo de vida.
Um terceiro grupo, que em nosso meio pode ser mais A terceira é a "persuasão verbal", que talvez seja a estra-
frequente do que se imagina, crê que o estado de saúde ou tégia mais utilizada na educação dos pacientes. Consiste na
doença é determinado pelo destino, sendo dessa forma in- tentativa de convencer o paciente de que ele será bem-suce-
controlável. Neste caso, o médico deve avaliar mais detalha- dido na prática de um determinado comportamento. Essa
damente as raízes de tal crença, procurando situar o pacien- modalidade só é efetiva se o paciente for realmente capaz de
te em uma posição mais adequada, sem desconsiderar a sua realizar a tarefa desejada pelo médico. Aumentar as expec-
realidade e suas vivências.2 tativas de competência pessoal sem facilitar sua realização
A experiência clínica e as pesquisas nessa área demons- efetiva é ineficaz e muitas vezes resulta até no reforço do
tram que o conhecimento é necessário, mas não suficiente, comportamento indesejado.5
quando se precisa fazer uma alteração de estilo de vida ou A quarta e última estratégia para melhorar a autoeficá-
comportamento. Intervenções educacionais que são dirigi- cia é a "redução da resposta emocional" mediante técnicas
das em vários níveis, incluindo conhecimento, atitudes, com- de dessensibilização e de redução da ansiedade em momen-
portamento e meio ambiente, são as mais efetivas e apresen- tos críticos. O objetivo é que haja adequado cumprimento
tam um impacto mais duradouro. das medidas previamente combinadas entre médico e pa-
Nessa tentativa de mudança, é fundamental saber qual o ciente em uma determinada situação (p. ex., seguir o plano
nível de aceitabilidade do paciente em relação a uma deter- de crise em uma exacerbação aguda da asma).
No caso de pacientes adultos, a literatura sugere que de saúde a ser frequentado, entre outros, são fatores que
esse grupo aprecia um envolvimento ativo e autodirigido no também influenciam a educação e a adesão do paciente às
processo de aprendizagem, devendo compartilhar com o mé- medidas propostas.
dico a maioria das decisões, sejam elas terapêuticas ou não.6
Como os adultos frequentemente baseiam suas necessidades
de aprendizagem em problemas enfrentados na vida real,
os programas de educação ou intervenções comportamen-
~ATENÇÃO
tais devem ser organizados em categorias de aplicação na
O manejo da doença crônica representa um grande
vida rotineira e desenvolvidos conforme a suscetibilidade do
desafio, pois, apesar dos progressos cientfficos, seu
paciente para a aprendizagem.' Os médicos que fornecem
controle dependerá fundamentalmente da adesão
explicações e negociam com os pacientes planos de manejo
do paciente, entendendo-se por adesão a sua maior
que façam sentido ao contexto das crenças em saúde deles
ou menor participação na dinâmica do programa
possuem maior chance de satisfazê-los e, ao mesmo tempo,
de tratamento. E, sem dúvida, a melhor adesão será
de obter a desejada alteração comportamental. conseguida com uma adequada relação médico-
Além dessas variáveis consideradas, uma que interfere -paciente e com um esquema terap~utico individua-
frequentemente no processo de educação do paciente, sendo
lizado.
muitas vezes esquecida, é o chamado suporte social. Este é
definido como todos os recursos externos que auxiliam no
esforço do paciente em lidar com exigências internas e ex-
temas. Existe uma relação bem documentada entre o apoio A FIGURA 46.1 resume a intrincada relação entre os di-
social e o nivel de adesão às recomendações médicas. 8 Não versos fatores envolvidos no processo educacional na área
só a intensidade, mas também a qualidade desse apoio so- da saúde.
cial é importante. Por exemplo, um casamento insatisfatório
pode ser até pior do que a ausência de um cônjuge em ter-
mos de saúde.• Pacientes cujos membros da famflia possuem
um comportamento que o paciente está tentando evitar (p.
Educação em Asma
ex., parar de fumar) apresentam muitas vezes grandes difi- Para auxiliar no controle da doença e tentar melhorar a qua-
culdades de manejo. Não importa quantas possibilidades de lidade de vida dos asmáticos, têm sido propostos programas
apoio social possa haver. O importante é saber do paciente, de educação em asma das mais diversas formas. Em adultos,
baseado em suas próprias percepções, se as possibilidades especificamente, ainda há na literatura uma relativa escas-
de apoio que o médico julgue que possam existir não sejam, sez de trabalhos e evidências suficientes que proponham um
na verdade, barreiras para a mudança comportamental de- modelo de intervenção eficaz e padronizado.
sejada. Uma das limitações que devem ser ressaltadas é a falta
Outro fator importante a ser considerado é a infraestru- de um desfecho que possa avaliar de forma mais precisa os
tura de assistência à saúde. A facilidade para a assistência resultados de um programa de educação em asma. Embo-
ambulatorial, o treinamento de outros profissionais e sua ra não exista um consenso, utilizam-se geralmente os dados
congruência com a assistência médica (p. ex., enfermagem), provenientes da frequência de uso dos serviços de saúde
a habilidade de comunicação e a cordialidade dos atenden- (número de hospitalizações, número de visitas à emergên-
tes em diferentes setores, a adequada localização do serviço cia, frequência de visitas médicas não agendadas) como os

Ambiente Comportamento Desfechos

Fatores cognitivos ~ ------------------


1
Autoefidcia
Automanejo Estado de saúde
Expectativas do resultado
Mudanças no estilo de vida Qualidade de vida
Outras crenças em saúde 1"
I
I
I
I
Fatores ambientais I
I
Suporte social <------------------ J

Estrutu ~a em saúde

RGURA 46.1 7 Relações entre os fatores cognitivos e ambientais que influenciam os desfechos em saúde.
principais indicadores da eficiência de um programa. Outros manejo mais difícil para identificação de fatores insus-
eventos de interesse que também devem ser considerados peitos até para o paciente.
são qualidade de vida (por meio de questionários especí- • Propor um esquema de monitoração e intervenção efe-
ficos e validados), escore de sintomas pelo uso de diários, tiva e precoce para a prevenção e o controle rápido das
frequência de uso de medicações para crises (corticoides exacerbações. Nesse sentido, os modelos propostos são
sistêmicos, broncodilatadores), nível de adesão às medidas baseados na monitoração por sintomas, uso de medica-
farmacológicas e ambientais, bem como função pulmonar. ção broncodilatadora e pico do fluxo. O uso de diário
Os métodos de intervenção em educação em asma ba- e a utilização de um plano por escrito que facilite ao
seiam-se fundamentalmente em dois modelos: paciente classificar o nível de intensidade da exacerba-
ção e as medidas cabíveis para seu controle é um item
• Programas baseados em reuniões isoladas ou estudo de importante. O papel do pico do fluxo em um programa
materiais educacionais como fitas de vídeo, áudio ou ma- de educação em asma ainda não está definido. Poucos
nuais e material impresso. estudos avaliam-no nesse contexto, sendo muitos sem
• Programas educacionais realizados em várias sessões, grupo-controle. Alguns estudos são contraditórios, em-
com seguimento em maior prazo de tempo. bora as metodologias e o enfoque sejam diferentes. No
entanto, para o subgrupo de pacientes com asma grave
Os modelos que demonstraram melhores resultados pa- ou naqueles com percepção ruim dos sintomas, o pico do
recem ser aqueles em que o processo de educação e acom- fluxo parece ser particularmente importante.
panhamento dos pacientes é mais longo. Isso demonstra que
todas as etapas do processo devem ser revisadas de forma
continua e por tempo teoricamente indeterminado.
De qualquer forma, alguns pontos são básicos em um
~ ATENÇÃO
programa de educação em asma e merecem ser citados:
O objetivo de um programa de educação em asma
não é somente a transmissão de informações, mas
• Ensinar ao paciente conceitos fundamentais sobre a
sim uma modificação no comportamento do pa-
doença com uma linguagem apropriada. Isso permite
ciente baseada em condutas que permitam atitudes
ao paciente dimensionar a importância do uso regular
eficazes e positivas frente à doença, incluindo nesse
das medicações e das medidas de controle da doença.
processo familiares e pessoas ligadas diretamente ao
O paciente deve saber diferenciar asma de enfisema
paciente.
pulmonar, bronquite crônica e outras doenças obstru-
tivas.
• Ensinar e revisar continuamente o uso das medicações
inalatórias. A escolha do método de administração do A efetividade de um programa de educação em asma de-
corticoide inalatório e do broncodilatador deve basear- pende dos seguintes fatores:
-se nas características individuais de cada sistema adap-
tadas às peculiaridades do paciente, a fim de proporcio- • Uso regular e contínuo da terapêutica adequada e pro-
nar a melhor adesão possível. Deve ser evitado o uso de posta, medicamentosa e não medicamentosa (adesão).
inaladores de diferentes tipos no mesmo paciente sob • Comportamento baseado em respostas conhecidas que
pena de dificuldade de compreensão e adesão. O ade- se ajustam à solução de um problema ( automanejo ).
quado cuidado com a via aérea superior não deve ser ne-
gligenciado. Na presença de rinossinusopatia, a lavagem Existe uma lista de comportamentos identificados por
nasal apropriada e a correta aplicação do corticoide tó- alguns autores que parecem diferenciar os pacientes com
pico nasal são fatores fundamentais para o controle das melhores resultados obtidos em seu tratamento, conforme
manifestações neste nível. É necessário que o médico en- discriminado a seguir:
sine diretamente o paciente com demonstrações práticas
em ambos, a fun de aumentar a autoeficácia do paciente • Comparecimento rotineiro e correto em consultas agen-
para tais tarefas. dadas.
• Identificar os fatores ambientais que possam colaborar • Rotina na prática de prevenção (ambiental e medica-
para o inadequado controle da doença ou permitir, com mentosa).
seu manejo, uma diminuição quantitativa do uso das • Tratamento adequado dos sintomas (plano escrito).
medicações. Para tanto, um questionário padronizado e • Manutenção do bem-estar geral físico e mental.
mais completo possível auxilia médico e paciente na de-
tecção dos potenciais fatores desencadeantes. Uma vez
discriminados, ao paciente devem ser fornecidos instru-
mentos que permitam sua modificação efetiva. A história
Educação em asma na prática
ocupacional não deve ser esquecida e muitas vezes é fun- A seguir, são abordados diversos aspectos acerca da asma
damental neste processo. A visita domiciliar ou no local na forma de perguntas e respostas sobre questões que cos-
de trabalho é particularmente importante em casos de tumam estar presentes na abordagem desse tema, tanto por
parte dos profJSSionais quanto dos pacientes, e de quem, por ma de tudo, à modificação do comportamento do paciente
diversos moúvos, tenha interesse pelo assunto. É emprega- em relação à sua doença.
da uma linguagem acessível com vistas ao entendimento de Muitos itens podem ser incluídos e individualizados no
pessoas não médicas, com a máxima clare:z.a e consistência processo de educação do paciente asmático, mas os já sa-
técnica, de modo que o médico possa uúli:z.ar esses conteú- bidamente importantes e fundamentais que o médico deve
dos para a educação dos seus pacientes e familiares, seja nas sempre considerar são estes:
consultas ou na interação com grupos educaúvos. Sugere-se
usar tais conceitos e informações também quando houver • ilansmiúr conhecimentos básicos e acessiveis sobre a
oportunidade de comunicação com a população, através da doença: o que é asma, diferença da asma em relação a
imprensa e outros meios. outras doenças respiratórias, manifestações e sintomas,
o que são medicamentos anti-inflamatórios e broneodi·
Qual é a importância de os pacientes com asma latadores, etc.
• Ensinar e revisar, repeúdamente, em cada consulta de
serem informados sobre sua doença? revisão médica, a técnica de uso dos disposiúvos de libe-
O sofrimento dos pacientes com asma continua nos nossos ração das medicações inalatórias.
tempos apesar da disponibilidade de recursos terapêuticos • Aconselhar sobre o controle, ou pelo menos a redução,
modernos, que nada valem se não forem utilizados ou caso dos fatores desencadeantes.
sejam empregados de forma inadequada. Entre os motivos • Treinar o paciente no reconhecimento de uma crise po-
que concorrem para o problema, destacam-se estes: o trata- tencialmente grave.
mento não chega ao paciente em função de retardo no diag- • Treinar o paciente na monitoração de sinais e sintomas
nóstico; a gravidade da doença é subestimada, sendo usado que sinalizam piora da doença.
um tratamento pouco efetivo ou equivocado; o paciente • Fornecer ao paciente um plano, por escrito, sobre como
recebe orientação adequada, mas, por uma variedade de deve proceder em uma situação de agravamento pro-
razões, não adere ao tratamento. Embora nenhum asmáti-
gressivo dos sintomas ou de uma crise grave.
co - ou os pais de uma criança com asma - possa conúnuar
ignorando o que fazer no caso de piora da doença, as evi-
dências sugerem que poucos recebem instruções sobre como Oque é maisimportante em um Programa de
perceber e de que forma proceder quando a doença se agra-
va, situação que pode levar até a risco de mortalidade. Aos
Educação em Asma?
médicos, cabe transmiúr as informações fundamentais, seja Um programa educativo é necessário para auxiliar as pes-
durante as consultas ou a partir de programas específicos de soas a reconhecerem sintomas e buscarem atendimento
educação em asma. quando das crises de asma. Os profissionais de saúde devem
ser treinados uniformemente para que todos os responsáveis
pelo atendimento usem a terapêuúca mais eficiente. Tal pro-
Oque não deve acontecer com o paciente grama também é necessário para auxiliar pacientes e farni·
asmático? liares a aprenderem que os asmáticos podem controlar sua
asma e manter uma vida aúva. Para aúngir esses objetivos,
pode ser necessário remover grandes barreiras. Os clínicos
devem estar preparados não apenas tecnicamente, pois tam-
bém precisam ter urna melhor compreensão das crenças e
dos medos de seus pacientes. Os pacientes devem adquirir
as informações e as habilidades necessárias para prevenir e
controlar a asma, desenvolvendo confiança para usar tais ha-
bilidades apropriadamente.

Oqueéasma?
Define-se asma como uma doença inflamatória crônica das
vias aéreas (brônquios), sendo este o principal mecanismo
que torna os brônquios mais sensíveis aos diversos fatores
desencadeantes das crises. Por ser uma doença de caráter
hereditário, não pode ser curada. 1bdavia, é passível de con-
trole bem-sucedido quando o tratamento é adequado, pos-
sibilitando que o paciente tenha vida normal, inclusive pra-
ticando esportes compeútivos. As crises de asma podem ser
Oque é Educação em Asma? desencadeadas por diversos fatores como infecções virais,
Toda e qualquer intervenção educacional não envolve so- poeira domiciliar, mofos, cheiros fortes, umidade, emoções
mente a simples transmissão de informações, mas visa, aci- e mudanças climáúcas.
ção de peso no tórax) consequentes ao processo inflamatório
~ ATENÇÃO crônico das vias aéreas e às suas flutuações (exacerbações e
remissões) quando das sucessivas exposições.
A asma costuma ser caracterizada clinicamente por
crises de falta de ar, chiado, tosse intensa e sensação
de aperto no peito que variam em intensidade.
~ ATENÇÃO
Ainda não se sabe exatamente por que certos indi-
A asma não é doença de natureza estritamente psicoló- vfduos desenvolvem e outros não este comporta-
gica, e tampouco há evidências de que possa ser controlada mento, nem por que determinantes hereditários e
com eficácia por meio de recursos que atuem de maneira ambientais podem ter ou não o desfecho esperado.
não inteligível ao raciocínio científico.

Por que ocorre a obstrução dos brônquios na Como ainda existem muitas incógnitas, futuramente, di-
versos mecanismos até então desconhecidos serão mais bem
asma? desvendados, e características individuais poderão cont ri-
Os brônquios do paciente asmático, particularmente duran- buir mais para o entendimento da doença.
te as crises, têm algumas alterações características que con-
correm para seu fechamento:
Aasma tem cura?
• Broncospasmo (contratura do músculo liso que circunda A asma, sendo uma doença hereditária, não tem cura. Sem-
a parede brônquica). pre poderá haver predisposição para crises, em qualquer
• Edema da mucosa (acúmulo de líquido). época da vida. Mais da metade das crianças que apresentam
• Infiltração de células inflamatórias (este é o substrato manifestações atribuíveis à asma nos primeiros anos de vida,
mais importante da asma). com o passar do tempo, não terão sintomas. Thlvez, na vigên-
• Acúmulo de secreções (devido ao excesso de produção cia de infecções respiratórias ou por ocasião de exercícios
de muco). intensos, poderão ter limitação respiratória ou tosse mais in-
• Thmpôes mucosas (o dessecamento do muco excessivo tensa e mais prolongada do que pessoas não asmáticas.
pode levar à formação de verdadeiras "rolhas" ou "tam- M uitos asmáticos apresentam crises frequentes, costu-
pões" no interior dos brônquios). mando usar broncodilatador e corticoide nesses períodos. Se
• Hipertrofia da musculatura dos brônquios (devido a um apresentarem sintomas continuados ou crises repetidas, de-
estado de contratura prolongado). verão manter tratamento continuado, pelo menos, com anti-
-inflamatório inalatório. Nos dias de hoje, em que se dispõe
de recursos terapêuticos eficazes, não se justifica que um as-
Asma é a mesma coisa que bronquite asmática? mático fique sujeito a sintomas repetidamente, iniciando tra-
A asma brônquica é também conhecida como "bronquite as- tamento apenas quando em crise franca. O uso judicioso de
mática", "bronquite alérgica" ou simplesmente "bronqu ite", alguns recursos simples possibilita um razoável controle da
particularmente quando se trata de criança. Com o objetivo doença. Portanto, pode-se afirmar que, embora a asma não
de simplificar e uniformizar a nomenclatura, deve-se prefe- tenha cura, com tratamento adequado pode ser controlada.
rir a expressão "asma brônquica" ou simplesmente "asma".

Qual é o impacto da asma sob o ponto de vista


Quais são as principais concepções sobre asma?
Nas últimas cinco décadas, o conceito de asma apresentou
estatístico?
modificações significativas na proporção dos progressos te- A asma é uma doença muito frequente, atingindo 10% da
rapêuticos. Do broncospasmo à inflamação, os conhecimen- população, o que confere uma prevalência de 10.000 ca-
tos foram agregados paulatinamente e permitiram que se sos/100.000 habitantes. No Brasil, é responsável por quase
chegasse ao manejo atual. 400.000 internações hospitalares por ano, a um custo supe-
O maior avanço foi a correlação asma - inflamação das rior a 200 milhões de reais; 2.000 brasileiros morrem a cada
vias aéreas - hiper-reatividade brônquica, o que determinou ano devido à doença, isto é, 1 óbit0/100.000 habitantes.
o conceito atual e orientou as indicações terapêuticas. Com os recursos disponíveis para o tratamento da asma,
não se justifica que um asmático não tenha sua doença sob
controle e possa levar uma vida normal. Os responsáveis
Por que ocorre a asma? pela assistência da asma devem avaliar periodicamente o
Ind ivíduos que tenham predisposição genética e sejam ex- processo de controle da doença e adequar o planejamento
postos repetidamente a fatores ambientais sensibilizantes assistencial às necessidades dos pacientes. Se a assistência da
podem tomar-se sensibilizados, hiper-reativos e desenvol- asma fosse mais qualificada, certamente as hospitalizações e
verem sintomas respiratórios (tosse, dispneia, chiado, sensa- a mortalidade seriam reduzidas.
Como ter certeza do diagnóstico de asma? QUADRO 46.2 ~ Manifestações clínicas da asma que podem
ocorrer fora das crises
Os dados clínicos costumam ser suficientes para estabelecer
o diagnóstico de asma: sintomas, muitas vezes episódicos,
presentes desde a infância (ou, menos frequentemente, a - Apenas tosse, episódica ou persistente
- Intolerância a esforços físicos
partir de qualquer idade), desencadeados por diversos es- - Manifestações noturnas
tímulos, e a constatação na espirometria de um padrão obs- - Manifestações episódicas, aliviados prontamente com uso de
trutivo com resposta ao broncodilatador, conforme se des- broncodilatador
creve no QUADRO 46.1. - Síndrome da hiperventilação, dispneia psicogênica, suspirosa,
As manifestações da asma são variadas: desde episó- principalmente em mulheres
dios de tosse até falta de ar com chiado no peito. Algumas - Ausculta pulmonar com sibilos apenas durante expiração forçada
pessoas sentem aperto ou peso no peito. Conforme a si- - Espirometria normal não exclui asma (nesse caso, o teste de
tuação, os asmáticos podem levar uma vida normal, ape- broncoprovocação* pode ser indicado)
nas apresentando sintomas em crises agudas que ocorrem - Espirometria com distúrbio ventilatório obstrutivo, com ou sem
resposta ao broncodilatador
preferencialmente nos meses frios ou por ocasião de infec-
ções respiratórias ("gripes"). Em alguns casos, a doença 'Es1e teS1e é obtido pela medida repetida do VEF, antes edepois da exposiç~o do
manifesta-se por tosse intensa, ou mesmo por falta de ar paciente a nebulitações com soluções progressivamente mais concentradas de
apenas em certos momentos, como à noite ou pela manhã. subs1~ncias provoc.1tivas, como metacolina, his1amina e carbaool. AprQYOC.1Çóo

Um especialista não tem dificuldades de confirmar o diag- também pode ser feita pelo exercício ou pela exposiçlo a fatores específicos.
nóstico de asma desde que seja feita a investigação básica,
incluindo-se radiografia de tórax e espirometria. Em certas
ocasiões, as manifestações não são muito claras para asma, Oque desencadeia uma crise de asma?
fazendo-se necessários testes especializados, como o teste Embora os motivos que podem iniciar uma crise sejam va-
de broncoprovocação. riados e geralmente múltiplos, certos pacientes podem ter
fatores desencadeantes peculiares. Deve ser feita uma revi-
Fora da crise de asma, quais são as são metódica sobre eles, pois é comum que o paciente não
lembre ou não dê importância a muitos deles.
manifestações que podem ocorrer? Os desencadeantes mais importantes são alergia (poeira
A asma não se manifesta apenas por forte crise de disp- domiciliar, mofos, pólens), infecções respiratórias (viroses,
neia (falta de ar), tosse intensa e muito desconforto. Mui- gripes), exercícios, clima e estações do ano (ar frio), poluição
tos pacientes apresentam manifestações que podem não atmosférica (fumaças, odores fortes, perfumes), tabagismo
ser reconhecidas como sendo devidas à asma, e isso pode ou mesmo a simples inalação da fumaça ambiental do taba-
dificultar que se institua o melhor tratamento para con- co (tabagismo passivo), medicamentos (p. ex., propranolol,
trole do processo. No QUADRO 46.2 são listadas essas apre- aspirina), alimentos e produtos industriais ( conservantes,
sentações. corantes e antioxidantes), refluxo gastresofágico (passagem
anômala do conteúdo do estômago para o esôfago), além de
fatores psicológicos.
O médico deve ouvir do paciente sobre como costuma
QUADRO 46.1 ~ Critérios para o diagnóstico da asma iniciar a crise e tentar identificar um ou mais fatores que
possam ser desencadeantes do problema. Isso poderá ser
Sintomas fundamental para a prevenção de futuras crises, desde que
Dispneia, sibil~ncia, tosse, "aperto no peito" (isolados ou em possa ser evitada a exposição aos fatores desencadeantes.
combinação)
Padrão Ocontrole de fatores desencadeantes é
Episódico ou variável; piora noturna tipica
importante?
Desencadeantes Hoje, sabe-se que o controle da asma envolve, na maioria
Exercício, inalação de ar frio, exposição a alergênios, infecção vira I dos casos, o uso de medicações preventivas (corticoide ina-
das vias aéreas superiores, ingestão de anti-inflamatórios não latório, associado ou não a beta-adrenérgico de longa ação).
esteroides ou sulfitos Com o tratamento medicamentoso, muitos dos fatores de-
sencadeantes que normalmente exacerbam sintomas em um
Avaliação funcional (espirometria)
Obstrução variável asmático não tratado (variação de temperatura ambiental,
poeira doméstica, emoções, etc.) podem perder sua impor-
Presença de hiper-reatividade brônquica tância no paciente tratado com medicação preventiva regu-
Teste de broncoprovocação positivo lar. No entanto, o controle dos fatores desencadeantes não
pode ser negligenciado. É importante que o médico saiba
Resposta terapêutica quais fatores têm realmente importância individual para o
Melhora dos sintomas e função pulmonar com o uso de corticoide paciente (p. ex., alergia específica a certas substâncias, como
e broncodilatadores tartrazina e outros corantes utilizados em alimentos).
Na anarnnese, é fundamental a busca sistemática de rea- indicados e com a individualização assistencial, sempre será
ções alérgicas na história pregressa, procurando, na presen- possível obter os melhores resultados.
ça delas, identifiCar um possível fator envolvido (ou vários).
Um dado fundamental é a própria atividade profissional do
paciente. Muitos tipos de trabalho envolvem a exposição a
certas substâncias que podem provocar crise e até o apareci- ~ ATENÇÃO
mento de asma em individuo previamente hígido- a deno-
O uso de cortícoíde inalat6rio ~ fundamental 1n o mn·
minada asma ocupacional.
trole da asma. O emprego isolado de qualquer tipo
O uso de certos medicamentos também deve ser ava-
de broncodilatador ~ proibitivo, pois nAo trata o pro·
liado, como os betabloqueadores e o ácido acetilsalicilico 1

cesso inflamatório da doença.


(AAS). No caso deste último, é importante uma ressalva,
pois nem todos os asmáticos apresentam reação ao AAS.
Em um paciente que não apresente história de reação e te-
nha indicação formal de uso (p. ex., prevenção secundária
de infarto do miocárdio), ele pode ser utilizado com o devi- [I] ATENÇÃO
do acompanhamento do paciente. Já os betabloqueadores
apresentam indicação bem mais restrita, pois freq uentemen- Para o tratamento adequado da asma, ~ fundamen·
te podem desencadear exacerbações. tal que o médico explique detalhadamente os prin-
Um fator que todo asmático deve evitar é a exposição cipais dados sobre a doença, em particular concei·
ao tabagismo, tanto ativo q uanto passivo. As infecções virais to, evolução e prognóstico, e como deve ser feito o
também são importantes no desencadcamento de exacerba- tratamento. Por sua vez, o paciente deve fazer sua
ções, mesmo em ind ivíduos bem tratados. No caso de infec- parte, isto~. usar os medicamentos de modo correto
ção pelo vírus da influem:a, é de fundamental importância o e fazer as revisões m~ icas agendadas.
uso da vacina anual para sua prevenção. A vacina para a pre-
venção da gripe já foi testada na população asmática, tendo
se mostrado segura. Somente deve-se ter cuidado naqueles Quando a asma é de difícil controle?
indivíduos com alergia a ovo, ou à neomicina, sejam asmáti-
Pacientes que fazem uso pleno de medicação inalatória e,
cos ou não.
ainda, corticoide oral, repetida e prolongadamente, têm
Quanto aos cuidados com o domicilio, não é necessário
a condição chamada de " asma de dificil controle". É fun-
o uso de nenhum produto ou equipamento específico (p. ex.,
damental seguir de maneira rigorosa recomendações que
Steril~) para garantir uma boa proteção. Basta que seja
incluam medicamentos em aerossol veiculados por nebuli-
mantida a higiene adequada e se evitem cen.o s fatores como
metro (bombinha) ou outro dispositivo de liberação de pó
plantas dentro do quarto, travesseiro de pena, carpete, uten-
seco. Nos ruidados ambientais, recomenda~se evitar contato
silios que possam acumular muito pó ou mofo ou atraiam a
com fatores julgados realmente importantes; neste sentido ,
presença de insetos, etc.
mencione-se que não se expor ao tabagismo ativo ou passivo
com frequência é omitido de tais cuidados.
Aasma pode ser controlada? Como? Thmbém se faz necessária uma revisão ordenada e se-
Sim, a asma pode ser totalmente controlada. A melhor ma- quencial de diversos fatores que podem tomar o problema
neira de controlar a asma é com o uso contínuo, inala tório, de difícil solução (QUADRO 46.3). Dentre eles, destacam-
da associação de anti-inflamatório (corticoide inalatório) -se exposição ambiental, sinusite, refluxo gastresofágico,
mais broncodilatadores de longa ação (formoterol ou sal- medicamentos (p. ex., aspirina, propranolol e certos colírios)
meterol). Outros medicamentos, embora de menor eficácia, e outras doenças que podem ser confundidas com asma ou
também podem ser de auxfiio para o controle da asma, como mesmo agravá-la. Problemas psiquiátricos não devem seres-
é o caso dos ant ileucotrienos. quecidos.
Para o tratamento das crises de asma, exige-se o uso ime-
diato de bro ncodilatadorcs por inalação, e de maneira bas-
tante liberal no sentido quantitativo - devendo-se, sempre
QUADRO 46.3 7 Condições asse<iadas à asma de diffcíl controle
que necessário, exagerar para mais. Thnto para corticoides
inalatórios q uanto para broncodilatadores, recomenda-se o
Dificuldade de adesão : - Técnica inadequada das medicações
uso de dispositivos de liberação para uso inalatório, práticos
inalatórias
e eficazes, como bombinhas com espaçador, inaladores de
pó seco e, ainda, nebulizadores. Com o uso regular desses Perfil psicossocial - N~o aceitaç~o da doef'l~
medicamentos, consegue-se o controle da doença e os pa- inadequado: - Recusa ou dificuldades com medicações
cientes podem ter uma vida normal, inclusive praticando es-
portes competitivos. Problemas agravantes Refluxo ga.stresofágko
Para a assistência de pacientes que não conseguem o e/ou desencadeantes: - Sinusite cr6noca
controle da asma, é necessário usar o protocolo para manejo - Hiper·reatividade bt6nquica
da chamada "asma de difícil controle". Seguindo os passos - Exposição ambiental
-------
Os profissionais que atendem pacientes com asma grave narão assintomáticas. Nem todas as crianças com sibilância
devem reunir atributos essenciais como metodologia cientí- episódica induzida apenas por infecção vira! têm asma.
fica, equipamentos modernos e, acima de tudo, interesse na A história natural e o prognóstico da asma nos adultos
busca de soluções. são menos conhecidos do que em crianças devido à escassez
de estudos nesse grupo etário.
Para o melhor entendimento da progressão da asma a
0 ATENÇÃO
partir de episódios de sibilância na infância, algumas ques-
tões devem ser respondidas. Quando se inicia a asma? Qual
o papel da sensibilização alérgica precoce? A sensibilização
Quase metade dos pacientes com "asma de diffcil
precoce causa a asma ou a asma favorece a sensibilização? É
controle", na verdade, não utiliza tratamento ade-
possível fazer diagnóstico correto da asma na infância?
quado por problemas de adesão ou por falta de
No prognóstico da asma iniciada na infância, têm impor-
orientação quanto ao uso das medicações. É funda-
tância os episódios de sibilância no primeiro ano de vida, a
mental revisar detalhadamente a técnica inalatória
baixa função respiratória, as infecções virais, o aumento da
do paciente!
IgE sérica, testes cutâneos positivos a alergênios inaláveis e
alterações no desenvolvimento do sistema imunológico.
O asmático tem perda funcional pulmonar superior ao
Quais são as alternativas para pacientes com não asmático e, se tiver outros fatores de risoo, como taba-
gismo e infecções respiratórias, poderá apresentar deteriora-
asma difícil? ção funcional acelerada e manifestações clínicas mais graves.
Para casos selecionados de asma difícil, deve-se utilizar um A história natural da asma não foi definida precisamen-
protocolo que auxilie na tomada de condutas, priorizando-se te. Embora alguns dados sugiram que possam desenvolver-se
os seguintes itens: alterações irreversíveis na função pulmonar em um pequeno
número de casos, sendo muitos desses fumantes, esta não
• Avaliação e solução de diversos fatores que sabidamente é a regra - a asma não é uma doença progressiva. Mesmo
dificultam o controle a asma: sem tratamento, ela não costuma progredir de leve a grave,
• Adesão: otimizar o uso das medicações eficazes habi- sendo seu curso intercalado por períodos de exacerbação e
tuais, se necessário, sob supervisão. remissão. Embora nem mesmo a asma grave seja capaz de
• Aspectos psicossociais: mediante processo educativo, evoluir para enfisema, em certos indivíduos pode progredir
mudar o comportamento do paciente, particularmen- para uma doença obstrutiva crônica irreversível.
te naquilo que dificulta o controle da asma. Como o curso natural da obstrução brônquica conti-
• Pesquisa de outras doenças, medicamentos e circuns- nuada não é conhecido, criou-se um dilema terapêutico:
tâncias que possam sobrepor-se ou até agravar a asma. deve o paciente ser tratado até que a função pulmonar seja
• Busca de novas opções terapêuticas: totalmente normal ou até que tenha condições clínicas satis-
• Anti-IgE (omalizumabe ou Xolair): constituído por an- fatórias a despeito do estado da função pulmonar? Obser-
ticorpos monoclonais bloqueadores da IgE circulante. varam•se dados sugestivos de que o tratamento prolongado
• "Novos" broncodilatadores (p. ex., indacaterol e tio- da asma oom anti-inflamatórios inalatórios esteroides pode
trópio, em estudo), "novos" anti-inflamatórios. retardar a taxa de declínio na função pulmonar, e de que um
• Técnicas em fase de pesquisa: termoplastia endosc6- retardo no seu início pode reduzir a melhora na função pul-
pica. monar que poderia ser conseguida. No entanto, esses dados
ainda não estão totalmente defmidos.

Como é a evolução da asma?


Mais da metade das crianças que apresentam sintomas nos Quais são os indicadores para classificação da
primeiros anos de vida futuramente não terão manifestações gravidade da crise de asma?
clínicas da doença. Pelo menos uma parte dessa melhora Os seguintes achados indicam gravidade de uma crise de
natural pode ser explicada pelo aumento do calibre das vias asma:
aéreas, que ocorre com o crescimento do indivíduo, e pelare-
dução da incidência de viroses após os primeiros anos de vida. • Dispneia (" falta de ar").
Menos de 5% dos pacientes que apresentam sintomas • Frequência respiratória e/ou frequência cardíaca elevadas.
de asma na primeira infância terão asma crônica com crises • Batimento da asa do nariz.
repetidas e dificuldade de controle, o que exige, além do tra- • Dificuldade para falar.
tamento continuado com broncodilatadores e anti-inflama- • Tiragem intercostal.
tórios inalatórios, o uso frequente de corticoide sistêmioo. • Uso da musculatura respiratória acessória.
Em geral, os homens têm melhor prognóstico do que as • Cianose.
mulheres, e as evidências sugerem que crianças com crises • Sonolência ou agitação.
desencadeadas apenas por infecções virais do trato respira- • Sibilância acentuada ou silêncio torácico.
tório (bronquite sibüante) provavelmente no futuro se tor- • Decréscimo acentuado do pico de fluxo expiratório.
Quais são os objetivos do tratamento da asma? estão associadas a infecções virais, agravamento da própria
O tratamento do paciente com asma visa a que ele tenha doença ou exposição a algum agente. O oxigênio deve ser
uma vida normal, atingindo total ou pelo menos parcialmen- usado em crises graves na vigência de insuficiência respirató-
te os objetivos descritos a seguir: ria e nunca em fluxos altos!
O tratamento da asma, para ser eficaz, deve incluir os
• Desempenho normal das rotinas. medicamentos descritos a seguir, em geral com preferência
• Sono normal. pela via ioalatória (aerossóis), que possibilita a sua chegada
• Não absenteísmo à escola ou ao trabalho. diretamente aos brônquios.
• Capacidade de praticar exercícios e esportes. Os mais usados (QUADRO 46.5) são estes:
• Ausência de crises.
• Ausência de sintomas mesmo quando exposto às situa· • Anti-inflamatórios ina/atórios tsteroides ou corticoides
ções em que a asma possa se manifesta.r. (budesonida, fluticasona, beclometasona, ciclesonida e
mometasona): eles têm a propriedade de diminuir o pro-
cesso inflamatório brônquico da asma. Dessa forma, di-
Qual é a melhor forma de administrar minuem o risco de exacerbações da doença melhorando
medicações para pacientes com asma? seu oontrole e diminuindo a suscetibilidade do paciente a
Por via inalatória. Engana-se quem acha que a via oral é a fatores desencadeantes comuns. Devem ser mantidos em
melhor forma de administração de medicações para asma, uso contínuo diário, prolongadamente.
como broncodilatadores e corticoides em comprimidos ou
xaropes. Hoje, considera-se que a terapêutica inalatória tem
várias vantagens sobre outras vias de administração para o
tratamento das doenças pulmonares (QUADRO 46.4).
~ATENÇÃO
Para se ter uma ideia, pode ser necessária uma dose por Os corticoides inalatórios são as medicações mais
via oral até 20 vezes maior em relação à via inalatória para importantes para o tratamento de manutenção e o
garantir a mesma eficácia broncodilatadora. Xarope ou controle da asma.
comprimido com broncodilatador adrenérgico, tanto para
tratamento regular quanto para uma crise de asma, atual·
mente é considerado erro terapêutico.
• Corticoides sistêmicos: prednisona, prednisolona, defla-
As medicações para asma são utilizadas de preferência na
zaoort, hidrocortisona e melilprcdnisolona.
forma de aerossol e liberadas por três tipos de dispositivos: ne·
bulímetro, nebulizador e inalador de pó seco (disco, turbuJuz/er • Broncodilatadorts ina/atórios: em especial beta-agonistas
ou cápsula). Ao fmal deste capítulo, aborda-se este tema. de longa aç6o (formoterol e salmeterol), cuja eficácia
para o controle da asma está bem estabelecida. Parti-
cularmente, o formoterol, que tem um rápido efeito
broncodilatador, deve ser usado tanto no t.r atamento de
QUADRO 46.4 7 Vantagens da inaloterapia em relação à via oral
manutenção quanto por ocasião das exacerbações. Os
beta-adrenérgioos de curta ação (salbutamol e fenoterol)
- Apl1~ direta no sitio de açjo (sistema resplrat6rio inferior)
são utilizados somente para alfvio dos sintomas, não de-
- Menor dose dos fármacos nece~ria para obter a mesma efiCácia
vendo ser recomendados para uso contínuo regular. O
- Pequena absorçao sistêmica
formoterol e o salmeterol são usados sempre em asso-
- Menores efeitos adversos
- Inicio de açao muito mais r~pido ciação com os corticoides inalatórios. Um novo bronco-
dilatador de "ultralonga ação", o indacatcrol, ainda não
tem uma posição definida na terapêutica da asma, pois
até o momento os estudos com esse produto foram feitos
apenas com pacientes portadores de DPOC. Porém, pela
Quais são os medicamentos mais eficazes e mais sua eficácia broncodilatadora e pelo efeito mais prolon-
usados para asma? gado em relação aos demais beta-adrenérgicos, deverá
Como a asma é uma doença inflamatória, entende-se que ter utilidade também na asma.
anti-inflamatórios, em especial cortiooides inalatórios, quan-
do indicados, devem ser usados continuamente. Os corticoi- A associação corticoide inalatório mais beta-adrenérgico
des sistêmioos devem ser reservados para crises mais impor- de longa ação, em uso contínuo e diário, tem eficácia supe·
tantes e para os casos de asma crônica de dificil controle. rior em relação ao uso isolado de corticoide inala tório em
Os broncodilatadores, por terem efeito mais rápido para o asma moderada e grave. O beta-adrenérgico de longa ação
controle dos sintomas, particularmente da dispneia, devem formoterol também pode ser utilizado oomo medicação para
ser usados sobretudo nas crises. Os anubiótioos são úteis nos alívio de sintomas em crises não graves. O salmeterol, que
episódios de infecção respiratória. Na grande maioria das tem o início do seu efeito broncodilatador em até uma hora,
crises de asma, não é necessário antibiótioo! Muitas delas não estã indicado em crises.
QUADRO 46.5 ~ Medicamentos mais usados para asma

I' tl@llít ltfl~·li·tJ


Corticoides Beta,·adrenérgicos

1. Corticoides inalatórios (bombinhas, p6 seco, nebulização) 1. lnalatórios (bombinha, pó seco, nebulização)


Beclometasona De curta ação (com efeito de 4 a 6 horas)
Sudesonida Fenoterol
Cidesonida Salbutamol
Fluticasona De longa ação (com efeito de 12 hora.s)
Mome1asona Formoterol
Salmeterol

2. Corticoides orais 2. Subcutâneos ou intravenosos


Prednisona Terbutalina
Prednisolona Salbutamol
Deflazacort Adrenalina

3. Corticoides intravenosos XANTINAS (pouco usadas; VOou IV)


Metilprednisolona Teofilina
Hidrocortisona Aminofilina
Samifilina

OUTROS ANTI·INFLAMATÓRIOS (bombinha, nebulização, via oral) ANTICOUNÉRGICOS (bombinha e pó seco)


1. Antileucotrienos lpratrópio
Montelucaste (Singulair)

0 ATENÇÃO
crise, principalmente bronco dilatador inalatório e corticoide
sistêmico, e, conforme o quadro, comunicar-se com seu mé-
dico e/ou dirigir-se imediatamente a uma emergência.
A associação corticoide inalatório mais broncodilata- O uso de broncodilatador beta-adrenérgico, na forma
dor de longa ação é de uso fundamental nos casos inalatória, seja de ação curta (salbutamol, fenoterol) ou
de asma moderada, asma grave ou asma com sinto- longa (somente o formoterol), possibilita alívio imediato
mas predominantemente noturnos. de sintomas. No caso dos beta-adrenérgicos de curta ação,
deve-se utilizá-los repetidamente, sob a forma de aerossol
(nebulímetro com aerocâmara, ou nebulização) até a me-
lhora dos sintomas. Podem ser usados tanto o fenoterol
Como escolher as medicações para otratamento como o salbutamol, associados ou não ao ipratrópio. Em
da asma? crises mais graves, a associação salbutamol ou fenoterol
A escolha dos medicamentos a serem usados depende do com ipratrópio sob a forma de nebulímetro com aerocâma-
seguinte: ra tem eficácia superior ao uso de fenoterol ou salbutamol
isolados quanto à melhora da função pulmonar e diminui-
• Necessidades individuais do paciente. ção do risco de internação. Enfatiza-se que o ipratrópio
• Experiência do profissional. costuma não apresentar efeito na asma quando utilizado
• Adesão do paciente. isoladamente.
• Gravidade da doença. É importante lembrar que, no tratamento da crise de
• Custeio para uso continuado. asma, o uso das doses corretas das medicações é fundamen-
• Análise crítica de tratamentos anteriores. tal. Em muitos casos, são empregadas subdoses em função
• Preconceitos e tabus do paciente. do receio quanto a possíveis efeitos colaterais no sistema
cardiovascular, o que não é adequado, uma vez que, nas do-
ses recomendadas, os broncodilatadores são totalmente se-
Como obter alívio imediato dos sintomas na guros, não havendo motivos para o clínico temer o seu uso.
crise ("plano de crise")? A utilização de corticoides inalatórios com broncodilatado-
No momento de uma crise, o paciente com asma deve ser res na crise pode ser bastante proveitosa, sobretudo porque
instruído a iniciar logo os medicamentos fundamentais para trata os componentes obstrutivo e inflamatório da doença.
Bombinha faz mal para o coração? Qual o papel do antileucotrieno montelucaste
Os nebuHmctros, também chamados de bombinhas, po- (Singulair) no tratamento da asma?
dem conter basicamente dois tipos de remédios: bronco- Em numerosos estudos, comprovou-se que o antagonista dos
dilatadores e anti-inflamatórios. Portanto, é importante receptores dos leucotrienos "montelucaste" é capaz de blo-
que a pessoa saiba bem qual tipo de bombinha lhe foi quear a broncoconstrição induzida por exercícios, bem como
prescrita. Os anti-inflamatórios esteroides (p. ex., beclo- exercer efeito protetor à resposta da aspirina em pacientes
metasona, budesonida, fluticasona, mometasona) não têm sensíveis. No manejo clinico da asma, o antagonista do leu-
efeito adverso para o coração. Aliás, geralmente podem cotrieno se apresenta como uma alternativa aos corticoides
ser usados com segurança tanto por adultos quanto por inalatórios em baixas doses e como poupador de corticoides
crianças. Os broncodilatadores (p. ex., fenoterol, salbuta· em pacientes que precisem, para seu controle, de cortico-
moi, terbutalina, formoterol e salmcterol) são muito efi- terapia em doses mais altas. Considere-se que esse produto
cientes no controle da dispneia, c sua dose nas bombinhas tem efeitos adversos desprezíveis, sendo administrado por
é muito mais baixa do que nos comprimidos c nos xaropes. via oral e muito bem tolerado.
Também por esse motivo se prefere usá-los por inalação, e
não por via oral.
O uso de bombinha com broncodilatador pode dar Qual o papel do anticorpo monoclonal anti·lgE
sensação de palpitação devido ao aumento da frequência (omalizumabe) no tratamento da asma?
cardíaca, que é um efeito fisiológico desses medicamen- Os eventos mediados pela imunoglobulina E (IgE) exer-
tos. Essa manifestação não representa risco algum e passa cem um importante papel nos processos inflamatórios
rapidamente. Algumas pessoas têm tremores musculares aos quais se atribuem os sintomas da asma alérgica. Os
devido à ação do medicamento nos músculos estriados dos primeiros estudos com esse fármaco evidenciaram uma di·
membros, o que também não apresenta risco algum. O uso minuição nas concentrações séricas da IgE livre, demons-
excessivo de broncodilatador em bombinha deve ser relata- trando-se potencialmente útil no tratamento das doenças
do ao médico, pois em geral constitui um indício de que a alérgicas, não importando quais sejam os alcrgênios es-
asma está malcontrolada, sendo necessário revisar a situa- pecíficos envolvidos. A via de administração mais efetiva
ção com vistas à presença de alguma complicação e reava- para esse fim é a subcutânea. Sabe-se que, sobremaneira
liar o tratamento. nos pacientes com asma moderada a grave, pode ser muito
difícil o controle total da doença na maior parte do tempo,
mesmo com o uso da associação corticoidc inalatório mais
[I] ATENÇÃO beta-adrenérgico de longa ação em dose alta. É justamente
nesse grupo de pacientes que o omalizumabe tem se reve-
O uso excessivo de medicações broncodilatadoras lado mais promissor.
indica asma malcontroladal
Oque é termoplastia brônquica e qual o seu
papel no tratamento da asma?
Cortisona faz mal? A termoplastia brônquica é uma técnica que tem sido tes-
O grupo de medicamentos denominado corticoides ("corti- tada para o tratamento de pacientes cujo controle da asma
sona", em linguagem popular) é muito usado para o trata- está muito dificil e que, apesar do uso das medicações ha-
mento de pacientes com asma brônquica, doenças reumáti- bitualmente eficazes, permanecem bastante sintomáticos.
cas, distúrbios alérgicos, etc. No caso da asma, existem dois Essa modalidade terapêutica continua em estudo, sendo ne-
tipos de corticoides. cessário ainda o preenchimento de algumas exigências dos
Os corticoides inalatórios, introduzidos nas vias respira- órgãos controladores antes da sua liberação para uso clinico.
tórias na forma de aerossol, através de inalação pela boca,
quando usados em doses adequadas, não costumam apre-
sentar efeitos adversos sign ificativos. Seu principal efeito é
Qual é o papel da teofilina (aminofilina) no
anti-inflamatório, sendo este um grande recurso terapêutico tratamento de manutenção da asma?
para o controle da asma. A teofilina foi, há quatro décadas, uma das primeiras opções
Os corticoides sistêmicos, geralmente de uso oral (nas no tratamento preventivo e de manutenção da asma. No
crises, costumam ser usados por via intravenosa), são utili· entanto, com o advento dos corticoides inalatórios e sua as-
zados por curtos perlodos e não causam problemas. Quando sociação com os broncodilatadores beta-agonistas de longa
em uso prolongado e em doses elevadas, podem apresentar ação (CI + BAlA), seu uso tomou-se muito restrito. Uma
efeitos adversos que lhes são inerentes, sendo necessárias opção a considerar é acrescentá-la, no caso de paciente com
muitas precauções. De qualquer maneira, o uso de medica- asma dillcil, ao conjunto de medicamentos do esquema te-
mentos sempre deve ter orientação médica. rapêutico.
Qual é o papel da aminofilina intravenosa na a repercussão dos sintomas da rinite alérgica sobre a qualida-
de de vida do paciente pode ser muitas vezes igual ou supe·
crise de asma? rior à da própria asma. A via aérea superior jamais deve ser
A aminofilina, há várias décadas, não é considerada como esquecida na avaliação e no acompanhamento do asmático.
tratamento de primeira linha na assistência ao paciente as-
mático na emergência. Diversos estudos não demonstraram
eficácia desse (ármaco no tratamento da crise. Seu uso está Otabagismo é importante para os pacientes
muito restrito, podendo ser utilizado naqueles pacientes que asmáticos?
evoluem com insuficiência respiratória grave com indicação Sim, é muito importante. Uma criança normal, se conviver
de internação em unidade de terapia intensiva (lm) e ven- com pais (ou outras pessoas próximas) fumantes, será um
tilação mecânica. Porém, mesmo nessa situação, não há evi- fumante passivo, e nesse caso terá maior chance de desen-
dências de sua eficácia. volver asma. Se uma criança asmática for fumante passivo,
terá crises mais frequentes e graves, bem como maior difi·
Vacinas antialérgicas podem ser feitas para o culdade para controlar a asma. Nesse último caso, a doença
terá pior evolução.
tratamento da asma? Se um asmático fumar, tudo será pior no que se refere à
Os estudos realizados até o momento para avaliar o papel asma, e ainda haverá perda acelerada da função pulmonar.
das vacinas anlialérgicas no tratamento da asma não mos- Na FIGURA 46.2, resumem-se as relações entre tabagismo
traram vantagem significativa em comparação com placebo. e asma.
Portanto, considera-se que tal intervenção não está indicada Estima-se que a eliminação da exposição in utero ao ta-
para o controle da asma. bagismo materno reduz entre 5 e 15% os casos de asma em
crianças. A redução do tabagismo dos pais, durante o cresci-
Oque é rinite alérgica? mento dos filhos, segundo Rothman,'" reduz enormemente
sintomas e exacerbação de doenças broncopulmonares crô-
É a expressão do processo alérgico na mucosa nasal, apre-
nicas nos seus filhos, como é o caso da asma.
sentando·se com coriza, hipersecreção, obstrução nasal e es-
Segundo Strachan e Cook, 11 crianças com asma persis-
pirros. Os sintomas costumam surgir rapidamente logo após
tente cujos pais fumam têm asma mais grave.
a exposição a alergênios, podendo desaparecer também com
Em uma revisão de prontuários ambulatoriais de pacien-
rapidez. A rápida alternância de ter ou não sintomas é uma
tes asmáticos adultos com idade média de 37 anos, entre os
característica da rinite alérgica. Tem alta prevalência na po-
quais 52% eram do gênero feminino, Corrêa da Silva12 verifi-
pulação geral, ao redor de 30%, constituindo um importante
cou os seguintes dados sobre tabagismo: 5% eram fumantes,
problema para a qualidade de vida em função do desconfor-
17%, ex-fumantes e 78%, não fumantes.
to dos sintomas e das consequências (rinossinusite, respira-
Sobre o risco relativo (RR) de mortalidade por asma,
ção bucal, ronco, sfndrome das apoeias obstrutivas do sono).
Ulrik e Frederiksen u encontraram os seguintes dados: não
fumantes, 1,0; fumantes < 20 maços-ano, 2,6; e fumantes >
Qual é a importância da rinite para os pacientes 20 maços-ano, 5,9.
com asma?
Cerca de 80% dos pacientes asmáticos também têm rinite
alérgica, devendo sempre ser enfatizado que o controle da
rinite é muito importante para o controle da asma, uma vez
que existe interdependência de vias aéreas superiores e infe-
riores. Uma das principais consequências da rinite alérgica,
a obstrução nasal, costuma ter efeitos importantes no estado
da asma, pois com a respiração bucal o ar inalado não é ade-
quadamente filtrado, aquecido e umidificado- o resultado
pode ser um aumento da irritação e inflamação das vias aé-
reas inferiores, causando piora da asma.

Otratamento da rinite alérgica é importante no Existe algum esporte específico que auxilie no
controle da asma? tratamento da asma?
Sim. Hoje, na asma, já se admite a existência de uma inter- Nenhum esporte tem especificidade para pacientes asmáti-
-relação importante entre a via aérea superior e a inferior. cos no sentido de concorrer para o controle da asma. Como
O controle do processo inflamatório na via aérea superior qualquer pessoa, o asmático deve fazer exerclcios fisicos ae-
mediante uso principalmente do corticoide tópico nasal pode róbicos, com vistas à promoção da sua saúde e prevenção de
beneficiar o controle da asma de forma indireta. Além disso, doenças, particularmente as cardiocirculatórias.
I
ASMA & TABAGISMO

Efeitos cUnicos Terapêut ica

tmanifestaç~ J..resposta ao corticoide


f severidade fdepvração da teofilina
.J.qualidade de vida ""'
.l.automanejo ~

/ , . . . - - 1- - - - . -- - - - - - - , - , . , .

Fisiologia
Doença
fbroncoconstrição aguda
tdedlnio do VEF, Inflamação nas vias aéreas

FIGURA 46.2 ? Relações entre tabagismo e asma.


Fonte: Thomson e colaboradores. "

asma, mas a doença básica é outra. A seguir, mencionam-


~ATENÇÃO -se alguns exemplos de circunstâncias que podem ser con-
fundidas com asma ou que se apresentam como se fossem
O mais importante é o paciente realizar tratamento apenas asma:
preventivo regular e escolher a modalidade esportiva
que mais se adapta às suas necessidades e desejo. • A inalação de certas partículas e gases pode causar urna
reação dos pulmões, capaz de incluir sintomas semelhan-
tes aos da asma, denominada "pneumonia por hipersen-
sibilidade".
Qual é a importância da medicina alternativa no • A presença de um fungo (Aspergillus) nos brônquios
tratamento da asma? pode originar reações brônquicas e pulmonares por ve-
Em princípio, nenhuma. Para a homeopatia e a acupuntura, zes sobreponíveis ao quadro de asma - a esta situação
por exemplo, a própria qualidade dos ensaios clínicos é bas- denomina-se "aspergilose broncopulmonar alérgica".
tante discutível e os resultados permitem concluir pela falta • A ocorrência de refluxo gastresofágico (retorno do con-
de eficácia dessas intervenções. Apesar disso, é incrivelmen- teúdo do estômago para o esôfago) pode manifestar-se
te alta a proporção de pacientes que já utilizou ou procurou como azia e também como sintomas respiratórios que
esse tipo de terapia. O paciente deve ser conscientizado, mas vão desde tosse crônica até asma.
não necessariamente reprimido, caso seja sua intenção utili-
zar-se de algumas dessas técnicas. No entanto, estudos têm Muitas dessas condições, se não identificadas cedo e
revelado que técnicas de treinamento respiratório (p. ex., tratadas corretamente, podem levar a consequências como
ioga) podem melhorar a percepção exacerbada dos sintomas fibrose pulmonar, bronquiectasias e até insuficiência respi-
da doença, embora não exerçam qualquer tipo de efeito no ratória e morte. Por isso, nesses casos, sempre deve ser fei-
processo inflamatório desta. ta uma avaliação por pneumologista para estabelecerem-se
É fundamental que não se deixe de utilizar as medica- diagnóstico e tratamento adequados.
ções prescritas autorizadas pelos órgãos técnicos controla-
dores e pelo médico!
Como procurar assistência para a asma e
Tem asma uma pessoa que apresenta, há vários quais as principaisnecessidades para seu
anos, períodos de febre, tosse, chiado no peito, atendimento?
O paciente deve informar-se sobre médicos, clínicas e hos-
às vezes dispneia (falta de ar) e alterações na pitais especializados em asma. Deve optar por um centro de
radiografia de tórax? referência próximo à sua residência, onde preferencialmen-
Tal dúvida procede, pois há muitas situações em que as te existam médicos pneumologistas disponíveis, ambulatório
manifestações clínicas podem ser assemelhadas às da que preste atendimento de emergência e hospital com UTI.
É importante ter acesso ao mesmo médico ou à sua equipe a QUADRO 46.6 ~ Recursos que qualificam a assistência da asma
qualquer momento.
Inicialmente, será fundamental confirmar o diagnóstico - Profissionais capacitados
e realizar uma avaliação da gravidade do caso. Costuma-se - Acesso~ assistência médica
fazer radiografia de tórax, espirometria e alguns exames la- - Acesso a medicamentos eficazes
boratoriais. De imediato, deve ser debelada a crise (se pre- - Educação de pacientes para entender a doença e os recursos
sente) com um tratamento eficaz e um programa para trata- terapêuticos
- Adesão dos pacientes ao programa de tratamento
mento de manutenção e prevenção.

Quando o asmático deve procurar um


especialista? sistencial e de educação em asma, tanto no nível individual
O paciente asmático deve procurar recurso especializado quanto coletivo (FIGURA 46.3).
sempre que sua doença estiver malcontrolada. São indicado-
res da falta de controle da asma um ou mais dos seguintes
achados: ocorrência de mais de uma crise por semana, acor-
dar à noite ou pela manhã com falta de ar, limitação para a
Pontos críticos para o manejo da asma
prática de esportes, faltas à escola ou ao trabalho por causa da Embora os princípios básicos para o manejo da asma este-
asma, presença comum de chiado, tosse, falta de ar ou opres- jam bem estabelecidos, a pesquisa avance continuamente e
são no peito e uso frequente de broncodilatador (bombinha). os medicamentos sejam eficazes, considerando o conjunto
Os pneumologistas são os especialistas mais indicados de resultados no nível populacional, percebe-se que o pro·
para atender os pacientes asmáticos, particularmente se blema da asma ainda carece de melhores soluções. Pacien-
oferecerem uma assistência integral com oportunidades de tes continuam sofrendo e profissionais da saúde continuam
cursos de educação, prevenção, assistência ambulatorial, ignorando a melhor prática. Os recursos mais eficazes com
hospitalar e de emergência (QUADRO 46.6). frequência não são oferecidos, e os de menor eficácia, por
O esquema a seguir resume o conjunto de condições e vezes, ainda ocupam espaço devido à desinformação técnica
intervenções que podem ser utilizadas em um programa as- e à incompetência gerencial. E o desfecho almejado - a me-

FATORES INERENTES
PROGRAMA DE EDUCAÇÃO EM ASMA
AO PACIENTE

Concepções sobre Transmiuão de info rmações (material impresso,


asma
-----7 vídeos, palestras...)

Atitudes nas crises -----7 Plano de crise individualizado (sintomas e/ou pico do
fluxo)

Atitudes para rotinas Reforço da técnica de uso das medicações


Conscientização dos fatores desencadeantes
de pr~nção
Monitoração por diário de sintomas I pico do fluxo

Sentimentos em
relação à doença
Dessensibilização da resposta emocional (abordagem
individual/ reuniões de grupo)
Fixação de modelos de comportamento efetivo
(encenação ou dramatização de situações de risco)

Exposição a modelos de causa e efeito efetivos


1
Aumento do
conhcimento
;· Diminuição do
uso inadequado
dos serviços de
saúde
Diminuição dos
• Crenças em saúde sobre a doença sintoma.s
------? adaptados ao interesse e contexto socicx:ultural Melhoro do
Aquisição de qualidade de vida
autoeficácia e Aumento da
RECURSOS EXTERNOS automanejo atividade
laborativa
Suporte social e -----7 Apoio de amigos e familiares, trenças e atitudes de Intervenção Melhora do
familiar valorização da saúde na família formocol6gica função pulmonar
e ambiental Diminuição das
Suporte financeiro -----7 Assist~ncia social preventiva medicações de
resgate
Modelo de assistência
em saúde
-----7 Estruturação de programas em saúde pública
Qualidade da assistência em saúde pública e privada
_j Diminuição dos
cu,s tos em saúde

Acesso aos recursos -----7 Prescrição de medicações efetivas (anti·inflamatórios)


terapêuticos Fornecimento gratuito das principais medicações

RGURA 46.3 7 Esquema geral de um programa assistencial e de educação em asma.


!hora da qualidade de vida dos pacientes asmáticos - ainda
está longe de ser atingido. • Como fatores ambientais podem ter extrema im-
A atitude mais viável para o momento é estender as re- portância no desenc.adeamento de sintomas, es·
gras básicas de manejo para o maior número de pacientes pedal atençlo deve ser dispensada ao ambiente
de ambulatórios, unidades assistenciais, serviços e demais de vida do paciente.
setores pertinentes, conduzindo os casos individuais mais di- • Como os conceitos errôneos e os tabus dos pa·
fíceis a partir de protocolos e, se possível, em centros de re- cientes e familiares sobre asma são muito co·
ferencia, tudo isso devendo ser planejado com bases sólidas, muns, deve ser dada especial atenção a esse as·
recursos eficazes e com a melhor relação custo-benefício. pecto (p. ex., medo dos corticoides).
• Como um dos ma iores problemas do controle
da doença é a falta de ad~o dos pacientes, um
Programa de Educaçlo em Asma é fundamental
para pacientes e familiares.
'To:o
~

r"ll':' ~ Educação em Doença Pulmonar


Obstrutiva Crônica
Muitos conceitos e considerações feitas antes sobre educa·
ção em asma valem para outras doenças crônicas c, obvia·
mente, também para DPOC. A abordagem a seguir inicia-
-se com os itens a ser aplicados aos pacientes portadores de
DPOC, uma doença na qual quase todas as características
essenciais são bem diferentes da asma, como se pode ver no
QUADRO 46.7.
Os maiores objetivos do manejo do paciente com DPOC
são alívio sintomático imediato (melhora dos sintomas de
limitação ao fluxo aéreo), melhora da qualidade de vida,
prevenção de problemas futuros e, se possível, aumento do
tempo de sobrevida. This objetivos podem ser atingidos com
o tratamento da inflamação das vias aéreas e da broncocons·
trição responsável pela limitação ao fluxo aéreo. A preven-
ção e o tratamento de complicações secundárias da DPOC,
como hipoxemia e infecções respiratórias recorrentes, po·
dem reduzir o número de exacerbações e hospitalizações,
com redução dos custos assistenciais.
Outros objetivos incluem melhorar a tolerância ao exer·
cicio, reduzir o número de exacetbações agudas e modificar
a progressão da doença. u O uso de intervenções educacio-
nais para DPOC, assim como para asma, tem fundamental
importância para que sejam alcançados alguns objetivos bá-
sicos do controle mais adequado da doença:

• Cessação do tabagismo.
• 'Ihltamento do componente reversível da obstrução e
uso adequado das medicações inalatórias e, quando for
o caso, de corticoide inalatório (pacientes mais graves).
• Controle da produção e do acúmulo de secreções respi-
ratórias por fisioterapia e hidratação adequadas.
• 1fatamento e prevenção das infecções das vias aéreas
com utilização de vacinas apropriadas. O paciente deve
estar informado a respeito dos sinais que podem signifi·
ear o inicio de infecção brôoquiea e estar consciente dos
riscos das infecções respiratórias vitais quanto à evolu-
ção para potenciais complicações. O paciente deve ser
orientado a procurar orientação médica nestes easos.
QUADRO 46.7 7 Diferenças e semelhanças entre asma e doença pulmonar obstrutiva crônica

jcJ 1;1 t,.t1fdüJ,


Início Infância Após os 40 anos

Relação com tabagismo Pequena Grande

Papel da inflamação Muito relevante Em estudo

Dispneia Episódica Continuada

Sibilãncia Presente na fase sintomática Pouco frequente

Gatilhos das exacerbaçoo Diversos fatores ambientais: alergênios, Infecções respiratórias, geralmente
infecções virais, mudanças climáticas e outros bacterianas, e outros

Resposta ao broncodilatador Importante Costuma ser irrelevante

Resposta ao anti·inflamatório esteroide Costuma ser muito boa Pouco responsiva


inalatório
Evolução Não costuma ser progressiva Doença progressiva

Prognóstico Costuma ser bom Nos estágios avançados (111e IV), é reservado

• Controle da hipoxemia (quando foro caso) com uso ade- podem aumentar de forma significativa as taxas de abando-
quado de oxigênio suplementar, adaptando-o às condi- no do tabaco. 16 Um aumento da taxa de abandono do taba-
ções domiciliares e ambulatoriais a fim de obter a me- gismo entre 1 e 3% pode ser esperado se os médicos sim-
lhor adesão possível. A individualização de um sistema plesmente lembrarem em cada visita sobre a importância de
de suplementação adequado com a participação ativa do abandonar o hábito (apenas uma frase). O fornecimento de
paciente e da família em sua escolha é de fundamental um plano escrito com dicas e sugestões sobre como parar
importância. A manutenção de adequada assistência téc- de fumar (p. ex., um panfleto) pode aumentar essas taxas
nica, com pronta resolução dos problemas, e um sistema entre 7 e 12%. O uso de um tempo mais longo, que envolva
de vigilância rotineiro para avaliar necessidades não per- uma negociação mútua entre médico e paciente sobre uma
cebidas pelo próprio paciente sâo igualmente essenciais. data-limite para a cessação do hábito, pode elevar essa taxa
Outra questão é o custo do tratamento. Muitos pacientes para até 15%. Dependendo do contexto do paciente, esses
abandonam o tratamento somente por esse fator. Hoje resultados podem ser ainda melhores (p. ex., no pré-natal,
em dia, alguns convênios e mesmo o sistema público após infarto do miocárdio).
de saúde estão se conscientizando de que o adequado Existem muitos programas para orientar os médicos a
fornecimento de oxigenoterapia acarreta diminuição de abordarem de forma sistemática e sem perda excessiva de
custos, com redução do número de internações e melho- tempo o problema do tabagismo. Um deles, o consenso de
ra da qualidade de vida. 1996 da Agency for Health Care Policy and Research (AHC-
• Evitação de fatores agravantes da doença.
PR),17 é baseado na revisâo abrangente de aproximadamente
• Alívio da ansiedade e da depressão.
3.000 publicações. Consiste em cinco ações: perguntar, acon-
• Para os pacientes com DPOC grave e prejuízo do desem-
selhar, identificar, apoiar, planejar. Cada etapa é planejada
penho social, a entrada em um programa de reabilitação
para durar cerca de três minutos ou menos, dependendo
com equipe multidisciplinar é fundamental. Nesse pro-
da situação. 1àl estratégia se baseia em vários fundamentos
grama, devem estar presentes todas as abordagens edu-
educacionais comentados antes.
cacionais mencionadas antes.
Junto com essa abordagem, o uso de tratamento farma-
cológico também é válido, sobretudo naqueles cujo grau de
Educaçãoe cessação do tabagismo dependência é maior, o que pode ser facilmente identifica-
O sucesso das abordagens terapêuticas para cessar a droga- do por meio do questionário de Fagerstrõm. Em geral, após
dição pela nicotina dependerá de dois fatores cruciais: mo- quatro semanas, as taxas de sucesso estão em tomo de 30 a
tivação do paciente para parar de fumar e manejo dos sinto- 50%, em comparação com 10 a 30% do grupo-placebo. Elas
mas da síndrome de abstinência com reposição de nicotina declinam aproximadamente pela metade após 6 a 12 meses
associada (ou não) à psicofarmacoterapia. de tratamento. Apesar disso, a eficácia em relação ao place-
O papel do médico é fundamental. Breves aconselha- bo ainda é maior e permanece entre diferentes populações,
mentos em cada consulta (fato frequentemente esquecido) niveis de aconselhamento e períodos de seguimento. De to-
das essas abordagens, as mais importantes ainda são a insis- fase inicial, medidas como parar de fumar e evitar a inalação
tência do médico e o nível de motivação do paciente. de fumaças e partículas ambientais nocivas, fazer vacinas anti-
gripais e tratar precocemente as infecções respiratórias desa-
celeram a evolução da doença.
Informações úteis para pacientes e
profissionais Doença pulmonar obstrutiva crônica é a mesma
coisa que enfisema?
A seguir, são abordados diversos aspectos acerca da DPOC na
A DPOC tem dois componentes: bronquite crônica e enfi-
forma de perguntas c respostas sobre questões que costumam
sema pulmonar. A bronquite crônica caracteriza-se por uma
estar presentes na abordagem desse tema por pacientes, fa-
elevação do número de células produtoras de muco e de glân-
miliares e outros interessados no assunto. Sugere-se que este
dulas mucosas, o que leva ao aumento do volume do escarro
material seja utilizado na divulgação para a população leiga
e ao surgimento de tosse crônica ou pigarro, diariamente. No
em geral, através da imprensa c em ocasiões de interação en-
enfisema, ocorre uma degeneração do parênquima pulmonar,
tre universidades, hospitais, clinicas c pessoas da comunidade.
com perda da sua elasticidade, aumento do volume dos alvéo-
los e o consequente aumento de volume do pulmão. Embora
Oque é educação em doença pulmonar o enfisema seja um dos componentes da DPOC, pelo fato de
muitas vezes constituir-se no principal problema da doença,
obstrutiva crônica? confunde-se como se fosse a própria DPOC.
Uma intervenção educacional que propicie informações ao
paciente e, principalmente, resulte na modificação do seu
comportamento em relação à sua doença. O paciente deve
ser conscientizado de que é portador de uma doença crôni-
ca, progressiva, que não tem cura, mas que pode ser contro-
lada na dimensão de sintomas e nas suas consequências para
a qualidade de vida.

Oque é doença pulmonar obstrutiva crônica?


A DPOC é uma doença caracterizada por limitação ao fluxo
aéreo, pouco responsiva aos broncodilatadores, progressiva,
geralmente devida à inalação de substâncias químicas, na Oque ocorre no pulmão do paciente com
forma gasosa ou particulada, provenientes da queima de ta- doença pulmonar obstrutiva crônica?
baco; há um processo inflamatório crônico associado a essa Nas FIGURAS 46.4 e 46.5, pode-se ver o que ocorre no enfise-
doença. O tabagismo é o principal fator relacionado com ma e na bronquite crônica. No enfisema, existe dilatação dos
essa condição, verificando-se que um em cada cinco fuman- espaços aéreos distais ao bronquíolo terminal, com destrui-
testem ou terá DPOC. ção das suas paredes; portanto, é uma doença do parênqui-
ma pulmonar. Na bronquite crônica, ocorre uma hiperplasia
de células mucosas e hipertrofia das glândulas da mucosa
Por que as pessoas têm doença pulmonar brônquica, o que leva à hipersecreção e tosse; portanto, Ira·
obstrutiva crônica? Essa doença deve-se ta-se de urna doença da parede brõnquica.
principalmente ao tabagismo?
A DPOC é uma doença multifatorial. Fatores genéticos e Qual a importância, frequência e mortalidade da
ambientais concorrem para a sua ocorrência. No entanto,
não se tem como prever quem terá ou não DPOC. doença pulmonar obstrutiva crônica?
Sim, o tabagismo é o principal fator de risco para OPOC, Um de cada cinco fumantes, após 20 anos ou mais de taba-
pois 85% dos pacientes são ou foram fumantes. Pelo menos gismo, terá DPOC; portanto, é uma doença muito frequen-
20% dos fumantes têm ou terão DPOC. te. Embora no Brasil, a cada ano, morram cerca de 30.000
pessoas devido à DPOC, essa frequência está caindo graças
à redução da prevalência do tabagismo das últimas décadas.
Como fazer odiagnóstico precoce da doença A DPOC é a quinta causa de morte mais comum no mundo,
pulmonar obstrutiva crônica? Ou seja, qual o e a Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que em
2020 será a terceira. É a única causa de morte que cresceu
perfil do caso? nos Estados Unidos nos últimos 40 anos.
A busca ativa de casos deve ser feita nas pessoas que fumam Nas últimas décadas, o volume expiratório forçado no
e têm mais de 40 anos. A existência de sintomas aumenta a primeiro segundo (VEF 1) foi usado como preditor de morta-
probabilidade do diagnóstico. De qualquer maneira, nessas si- lidade, mas na última década surgiram outros lndices como
tuações, deve-se realizar uma espiromctria. Se houver padrão o de BODE, que utiliza quatro medidas para pontuação,
obstrutivo, está caracterizado o diagnóstico. Sabe-se que, em conforme mostra o QUADRO 46.8: B para lndice de massa
Enfisema centriacinar Enfisema panacinar

FIGURA 46.4 ~ Enfisema pulmonar: dilatação dos espaços aéreos distais ao bronquíolo terminal.

tras condições capazes de danificar as vias aéreas periféricas


(bronqufolos) podem ter o mesmo desfecho. Thmbém pode
ocorrer enfisema devido a problemas genéticos, como é o
caso da deficiência de alfa 1-antitripsina, e a outros fatores
ambientais e ocupacionais lesivos aos pulmões.

Como ter certeza do diagnóstico de doença


pulmonar obstrutiva crônica?
Um conjunto de dados- idade acima de 40 anos, história
de tabagismo e sintomas respiratórios como tosse crônica
e expectoração mucoide diária - leva à suspeita clinica de
FIGURA 46.5 ~ Bronquite crônica: aumento da camada glandular da DPOC, achados radiológicos permitem descartar outras
mucosa brônquica. causas e podem demonstrar dados sugestivos da doença, mas
o que confirma mesmo o diagnóstico é a presença de obstru-
ção ao fluxo aéreo, detectada pela espirometria. Considera-
-se que existe obstrução ao fluxo aéreo quando a relação vo-
QUADRO 46.8 ~ Doença pulmonar obstrutiva crônica: lume expiratório forçado no primeiro segundo/capacidade
prognóstico de mortalidade - índice de BODE*
vital forçada (VEF,fCVF), ou índice de Tiffeneau, é igual ou
inferior a 0,7 ou 70%.
B- Índice de massa corporal (IM C) (Body mass)

O- Obstrução - VEF1 Por que ocorre doença pulmonar obstrutiva


D- Dispneia- graduação pelos critérios do MRC crônica?
Não existe apenas um fator isolado capaz de causar a doença.
E- Exerdcio- teste da caminhada
Entram em jogo diversas condições intervenientes: fator exter-
•utiliza~se pontuação conforme os achados. no inalado (fumaça de cigarros, de queima de lenha e outras
fontes), fatores genéticos que tornam o individuo suscetfvel e
outros que ainda serão mais bem estudados e entendidos.
corporal- IMC (Body mass index); O para VEF, que mede
o grau de obstrução (Obsuuction); D para grau de Dispneia Como se classifica a doença pulmonar obstrutiva
(medido pelo índice do Medicai Research Council- MRC);
e E para exercício (Exercise), medido pelo teste da caminha- crônica quanto à gravidade?
da dos seis minutos. A classificação do Global Initiative for Chronic Obstructive
Lung Disease (GOLD) 18 utiliza o valor do VEF 1 como princi-
pal critério de gravidade, conforme se observa no QUADRO 46.9.
Quaissão as principais concepções sobre doença
pulmonar obstNtiva crônica? Como é a evolução da doença pulmonar
Os efeitos danosos da fumaça de cigarro na mucosa dos
brônquios e no parênquima pulmonar promovem uma in- obstrutiva crônica?
flamação crônica que, a longo prazo, pode gerar bronquite A maioria dos pacientes portadores de DPOC tem doença
crônica e enfisema. Infecções respiratórias e quaisquer ou- leve e de baixo impacto na saúde, a qual progredirá mais ra-
QUADRO 46.9 ~ Oassifi~o da doença pulmonar obstrutiva • Tratar c prevenir exacerbações.
crônica quanto à gravidade (é condição indispensável que a • 'Ifatar c prevenir complicações.
relaçAo vtf / 0/f seja S 70%) • Reduzir a mortalidade.
• Evitar ou minimizar efeitos adversos.
11'/lMII!lJd.lI'M lo!J WCiiJ!;I•JI[Hiir!! lo!•!;~
O- Em risco Espirometria normaVsintomas crônicos Qual é a melhor forma de administrar
I - Leve 80% ou mais
medicações para pacientes com doença
pulmonar obstrutiva crônica?
11 - Moderada Entre 80 e 50% Geralmente, por via inalatória. As vantagens da via inalató-
ria já foram discutidas antes neste capítulo. Algumas exce-
111 - Grave Entre 50 e 30% ções são rollumilaste (inibidor da PDE4) e xantinas.
IV - Muito grave Abaixo de 30'llolqualquer VEF, com IRC..

" IRC • onsufoáfOOI re>pirotória a6nico: PaO, < 60 mmHg comou s<m hrperap- Quais são os medicamentos mais eficazes para
NI (P.C01 ~ 50 mmHg) oo nívê do mar, respir•ndo • r •mb~to. doença pulmonar obstrutiva crônica?
Para alívio da dispneia, broncodilatadores. Para diminuição
da tosse e expectoração, anti-inflamatórios. Para redução do
pidamente se persistirem fumando, com uma perda anual de número de exacerbações, tiotrópio, rollumilaste, corticoides
função pulmonar (VEF,) da ordem de 50 a 150 mL. Paran- inalatórios, entre outros. Para controle da hipoxemia, oxigê-
do de fumar, ocorrerá desaceleração da queda funcional, fi- nio. Para tratamento das infecções, antibióticos com eficácia
cando em um paralelismo do que acontece com pessoas que contra os germes colonizantes mais comuns - Pneumococ-
nunca fumaram. cus, Haemophilus, Moraxella - ,sendo recomendada amoxici-
lina (sem ou com clavulanato) ou quinolona. Para casos mais
graves, com inf~s frequentes, particularmente se coloni-
zados por Pseudomonas, pode-se indicar antibióticos de uso
mais restrito. Se necessário, deve-se fazer cultivo do escarro
e teste de sensibilidade aos antimicrobianos.

Oque é exacerbação da doença pulmonar


obstrutiva crônica?
Exacerbação é definida por uma piora significativa dos sin-
Em fases avançadas da doença, podem ser vistos in·
tomas, em particular da dispneia, tosse e expectoração, em
suficiência respiratória (hipoxemia), hipertensão arterial
geral devido a uma infecção respiratória. Quando o catarro
pulmonar e cor pu/mona/e crônico, bem como um grande
aumenta de volume e o aspecto é purulento (amarelado ou
comprometimento sistêmico consuntivo com tendência à
esverdeado), caracteriza-se a exacerbação infecciosa, e opa-
sindrome depressiva. Nessa fase, pode haver beneficio com
ciente deve usar antibiótico imediatamente.
oxigenoterapia, uso de diversos broncodilatadores associa-
dos com diferentes mecanismos de ação, reabilitação pulmo-
nar, seleção de casos para tratamento cirúrgico (transplante,
cirurgia redutora de volume) e outros procedimentos. 0 ATENÇÃO

Éfundamental que o médico eduque o paciente no


Quais são os objetivos do tratamento da doença reconhecimento precoce de uma exacerbação de
pulmonar obstrutiva crônica? DPOC.
O tratamento da DPOC, de maneira distinta da asma, não
costuma apresentar beneficios imediatos e pode ser perce-
bido, tanto por pacientes quanto por médicos, de maneira
pouco gratificante. Os objetivos incluem redução do número
Quando se deve indicar oxigenoterapia continua
de exacerbações e melhora da qualidade de vida. e por quê?
Segundo o GOLD, 18 os objet.ivos principais do tratameo- Pacientes com hipoxemia em que a Pa02 é igual ou inferior a
to da DPOC são estes: 55 mmHg, em fase de estabilidade da doença, respirando ar
atmosférico, em repouso e ao nível do mar, devem receber
• Prevenir o progresso da doença. oxigenoterapia continuamente, pelo menos durante 15 horas
• Aliviar sintomas. por dia. Tal intervenção aumenta o tempo de sobrevida, re-
• Melhorar a tolerância ao exercicio. duz o número de exacerbações e hospitalizações e melhora
• Melhorar a qualidade de vida. a qualidade de vida.
Oque é reabilitação pulmonar para pacientes Como obter o alívio maisbreve dos sintomas na
com doença pulmonar obstrutiva crônica? exacerbação?
A reabilitação pulmonar consiste em um programa de Não retardando a busca da assistência médica e usando
educação estruturado, exercícios e fisioterapia que tem com a maior brevidade broncodilatadores, corticoide sistê-
mostrado resultados positivos para melhorar a capacida- mico e, se necessário, antibiótico, oxigênio e outros recur-
de de exercício e a qualidade de vida dos pacientes com sos indicados.
DPOC grave, levando também à redução das exacerba-
ções e hospitalizações.
Ocontrole de fatores desencadeantes da
exacerbação é importante?
0 ATENÇÃO
Sempre é importante evitar ou controlar melhor os fatores
potencialmente desencadeantes de exacerbações com as se-
guintes medidas:
A reabilitação pulmonar é hoje uma intervenção
importante no plano de manejo dos pacientes com
• Prevenir infecções respiratórias por meio das vacinas an-
DPOC, particularmente nos casos graves e muito
tigripais e antipneumocócica e evitar contato com pes-
graves. '" Ela tem impacto na sobrevida dos pacien-
soas gripa das ou resfriadas.
tes e deve ser recomendada em todos os graus de
• Lavar as mãos repetidamente (o paciente); verificar se os
DPOC!
profissionais também o fazem.
• Evitar mudanças bruscas de temperatura.
• Evitar respirar em ambientes com alta contaminação por
Qual é a importância do peso corporal e da gases e partículas irritantes.
alimentação na doença pulmonar obstrutiva
crônica? Qual é o papel da aminofilina na exacerbação da
Sabe-se que pacientes que perdem peso têm pior prognósti- doença pulmonar obstrutiva crônica?
co e sobrevivem menos, ao passo que pacientes com excesso Segundo as metanálises (fonte Cochrane), não se confirmou
de peso costumam apresentar problemas ventilatórios, par- vantagem no uso de aminofilina intravenosa na emergência
ticularmente durante o sono. Os dois casos devem ser cor- ou UTI.
rigidos.
Qual é o papel da teofilina no tratamento de
Qual é o papel da cirurgia torácica no manutenção da doença pulmonar obstrutiva
tratamento de pacientes com doença pulmonar crônica?
obstrutiva crônica? Pequeno, pois até o momento nenhum ensaio clínico con-
A cirurgia torácica pode contribuir para o manejo dos pa- firmou sua utilidade. Mas ela pode ser utilizada nos casos
cientes com DPOC grave e muito grave, principalmente me- mais graves.
diante duas intervenções:
Existe algum esporte específico que auxilie no
• Cirurgia redutora de volume: essa intervenção está indi-
cada para pacientes portadores de DPOC com predomí- tratamento da doença pulmonar obstrutiva
nio de enfisema em lobos superiores e baixa capacidade crônica?
de exercício, nos quais houve esgotamento do uso das Não. É muito importante a prática de exercícios para man-
medidas habituais. Além disso, deve haver hiperinsufla- ter a musculatura hígida e o condicionamento físico, sem
ção grave (capacidade pulmonar total > 120% e volume nenhuma especificidade. Para pacientes com quadros mais
residual > 200%), VEF, entre 20 e 35% e perfil psicos- graves, os programas de reabilitação providenciam exercí-
social adequado. cios controlados por profissionais.
• Transplante de pulmão: esse procedimento está indica-
do para casos de DPOC com predomínio de enfisema,
sobrevida estimada inferior a dois anos, dependência Pacientes com doença pulmonar obstrutiva
de oxigenoterapia contínua, VEF 1 abaixo de 20%, para crônica podem ter relações sexuais?
os quais houve esgotamento das medidas terapêuticas Pacientes com DPOC podem ter relações sexuais normal-
habituais; os pacientes devem ter um pedi! psicossocial mente desde que tomem algumas precauções:
muito adequado para as necessidades que envolvem
todo o processo do transplante e dos cuidados pós- • Manter relações sexuais durante o dia, quando a fadiga
-intervenção. está no nível mais baixo.
• Limpar as vias aéreas antes do ato sexual.
• Usar broncodilatador antes do ato sexual e mantê-lo ao ~ É importante estabelecer em que fase de gravidade
seu alcance. o paciente se encontra. Para isso, usa-se a classifica·
• Se o paciente é dependente de oxigênio, usar tubulação ção do GOLO (estAgies de I a IV). Conforme a fase,
com flexibilidade. serão utilizados os recursos de ontervenção terapêu-
• Não comer refeição farta ou praticar atividades forçadas tica.
~ Uma vez iniciado o programa de tratamento, deve-
antes do ato sexual.
-se avaliar ~odocamente os resultados, a evolução
• Utilizar posições que permitam suporte e que não difi.
da doença e se o paaente est' de fato seguindo as
cultem a respiração. recomendações.
~ É fundamental verificar a exostência de comorbidades
Quais são os itens para organizar um plano de e avaliar/proceder seu controle. O setor cardiovascu·
lar deve ser particulanmente muito bem revisado.
assistência do paciente com doença pulmonar ~ Há que se verificar complicaç6es e repercuss6es da
obstrutiva crônica? DPOC em setores relacionados, como é o caso da
circulação pulmonar, bem como saber se exiSte al -
• Aplicar vacina antigripal para reduzir complicações da
gum grau de hipertensão arterial pulmonar (HAP). Se
influenza e vacina antipne umocócica. houver HAP, o prognóstico da DPOC é mais grave e
• Fazer espirometria par a confrrmar diagnóstico e avaliar medidas especificas deverão ser tomadas, como uso
gravidade da doença. de oxigênio domiciliar continuo e vasod ilatadores da
• Usar medicação por via inalató ria. circulação pulmonar.
• Quando necessário, usar broncodilatador para alívio sin- ~ Em se tratando de situações mais graves. é neces-
to mático. sário definir se o paciente poderá ou não se bene-
• Manter bro ncodilatado r de efeito prolongado (tiotrópio, ficiar de tratamento cirúrgico, desde cirurgias para
indacaterol). recuperação funcional, como bulectomia e cirurgia
• Manter associação de corticoide inala tó rio e beta-ago- redutora de volume pulmonar, até transplante de
nista de longa ação. pulm3o.
• Utilizar oxigenoterapia contínu a q uando houver insufi-
ciência respiratória.
• Realizar reabilitação pulmonar para casos com limita·
çóes de exercício. Aerossolterapia
• Instituir programa de educação em DPOC para melho-
rar a adesão. Treinamento do paciente no uso dos dispositivos
• Selecionar pacientes para tratamento cirúr gico.
de liberação de aerossóis
A melhor forma de administrar medicações para asma é,
definitivamente, por via inalatória, sob a forma de aerossol.
E:Ostem três tipos de dispositivos:
Pontos críticos para o manejo da doença pulmonar
obstrutiva crônica • Nebulímetros dosirnetrados.
~ A medoda mais omportante, ondependentemente de quais· • lnaladores de pó seco.
quer circunsUnoas, ê que o paciente com DPOC pare de • Nebulizadores.
fumar. Se tover doficuldades para a cessação, deve ser tra-
tado dentro de um programa especializado, e n~ poderá O aerossol é uma suspensão de partfculas microscópi-
ser liberado deste atê que consiga ficar, pelo menos, um cas sólidas ou fluidas em um gás, podendo variar em forma,
ano sem fumar. Pacientes com DPOC que não conseguem densidade ou tamanho (0,01 a 100 1-'m). Uma névoa (mist)
parar de fumar costumam não ter adesão ao tratamento
e não se beneficiar do programa estabelecido. é um aerossol de partículas líq uidas, enq uanto uma poeira
e uma fumaça são aerossóis de partículas sólidas. A depo-
~ É essencial verificar o grau de adesão do paciente ao
uso de medicações e ao cumprimento das medidas sição dos aerossóis nos pulmões depende do tamanho das
re<:omendadas para assistência da sua saúde. Baixa partículas (FIGURA 46.6). E nquanto part!culas com d iâmetros
ade~o ê importante fator negativo para obtenção entre 0,5 e 3 1-'m de positam-se nas vias aéreas inferiores, as
de resultados. A população com DPOC é particular- maiores do que 10 1-'m impactam na boca, na faringe e nas
mente mais idosa e pode ter dificuldades cognitivas vias aéreas superiores, c as meno res do que 0,5 1-'m tendem
que devem ser levadas em conta no momento do a permanecer dispersas no ar em deslocamento, não sendo
treõnamento das medicações inalat6rias. sedimentadas.
~ Deve-se avaliar com que re<:ursos poderá contar para O uso de espaçadores é recomendado pri ncipalmente
o custeio do tratamento: Sistema Único de Saúde para crianças, mas também para adultos com dificuldade na
(SUS), convênio, autossustentação. ou outro. coordenação da inspiração com a administração do fármaco
(FIGURA 46.7). Os espaçadores preferíveis são os de grande
volume (maiores do que 600 mL) e valvulados (FIGURA 46.8).
Devem, idealmente, possuir um volume m[nimo de 300 mL e
10jlm
apresentar um formato cônico, com a base acoplada à bom-
binha e o vértice à boca do paciente. Uma alternativa de bai-
xo custo é a confecção doméstica com dois frascos de refrige-
rante de 600 mL, vazios, cortados pela metade, preservando
os bocais e adaptando um deles à forma do bocal do nebulí-
Partlcula (m~v) metro, aquecendo levemente a extremidade em água morna.
2 - 10 11m

Dispositivos para administração de fármacos por


inalação e instruções para seu uso
Nebulímetros dosimetrados (bombinhas)
Produzem um aerossol heterodisperso e, por isso, necessi-
0,5-3 jlm
tam um sistema que permiLa que as partículas do aerossol
AGURA 46.6 ~ Deposição de partlculas nas vias aéreas e pulmões, con- apresentem Lamanhos mais adequados para a deposição no
forme seu tlmanho. sistema respiratório inferior. Os espaçadores foram introdu-
zidos para diminuir a deposição orofarlngea dos fármacos
e eliminar a necessidade de coordenação mão-respiração.
Com seu uso, a eficácia dos nebulímetros torna-se equiva-

_..
Rec•pltnte dt 't'Oiumt vtr~.tvtl (10-700 Ml) que •
tnterpót enttt o lt.,l.cktr dollmttrldO ta bocl do
lente aos melhores sistemas de nebulização.
O uso de nebulímetros dosimetrados (FIGURAS 46.9 e
46.10) é mais prático e barato do que a nebulização, pois esLa
implica equ ipamento de maior porte e que exige fonte de
energia elétrica ou gás comprimido. Enquanto o nebuUme-
tro pode ser transportado facilmente pelo paciente, o nebuli-
zador requer condições especiais para uso fora do domicílio.
Os novos inaladores que contêm HFA para substituir aque-
les com CFC apresentam a vantagem de já formarem uma
partícula com tamanho adequado para deposição pulmonar.

Etapas do uso do nebulímetro:


1. Retirara tampa.
2. Acoplar o dispositivo ao espaçador.
3. Agitar o dispositivo.
4. Expirar normalmente.
AGURA 46.7 ~ Uso do ~or para melhor eficâcia do nebulfmetro. 5. Colocar o espaçador na boca e fechar os lábios em tomo
do bocal.
6. Disparar um jato do nebulímetro coordenando o acio-
namento do dispositivo no início da inspiração lenLa e
Gás propelente evapora-se profunda.
Partículas menores em suspensão 7. Fazer pausa pós-inspiratória de 5 a 10 segundos.
~ Deposiçlo na orofarínge 8. Repetir aplicação se necessário após 15 a 30 segundos.
t Deposiçlo nas vias aéreas periféricas Caso a utilização do nebulimetro seja feita sem espaça-
80-700 ml dor, deve-se posicionar a saída do bocal verticalmente 2 a
3 em (dois dedos) de distância da boca. Pode ficar entre os
lábios, mas isso aumenta a deposição oral. Isso é minimizado

• • pelo uso de bombinhas com HFA.
A velocidade das pardculas diminui)
L-----,.-' • • • lnafadores de pó seco
Constituem outra maneira de inalação de fármacos na forma
••••••••••••••• de partículas micronizadas (menores do que 5 J.Lm) junto com

As
l
partfculas maiores depositam-se nas suas paredes
partículas carreadoras de lactosc (maiores do que 30 J.Lffi) ou
partículas micronizadas ligadas entre si em agrupamentos
que se dispersam após o esforço inala tório do paciente.
FIGURA 46.8 ~ Vantagens do uso do espaçador para aerossolterapia As vantagens dessa modalidade são o baixo custo, o
com nebulfmetro dosimetrado. fato de não utilizar gás propelente (CFC), não necessitar
Recipiente

Vái11Uia
medidora

Oriffcio do
medidor
Tubo oral

FIGURA 46.9 ~ (A) Nt!bulímt!tro dosimt!trado · componentes. (B) Nebullmetro dosímetrado- pronto para uso.

Etapas do uso do inala dor de pó seco:


Preparo da dose
1. Diskus (FIGURA 46.11): abrir o inalador rodando o disco
no sentido anti-horário. Em seguida, puxar sua alavanca
para trás até escutar um clique.
Acionador 2. Thrbuhaler (FIGURA 46.12): retirar a tampa, manter o dis-
positivo na vertical, girar a base no sentido anti-horário e
depois no sentido horário até ouvir o dique.
Vái11Uia _ __:~~~- 3. lnaladores de pó em cápsula (Aerolizer) (FIGURA 46.13):
medidora retirar a tampa do inalador, colocar uma cápsula e perfu·
rá-la, comprimindo uma vez o dispositivo acionador das
agulhas e soltando-o.

Instruções de uso
FIGURA 46.1O~ Vista longitudinal de um inalador dosimetrado. 1. Expirar normalmente e colocar o inalador na boca.
2. Inspirar o mais rápido e profundo possível.
3. Fazer pausa pós-inspiratória de 10 segundos.
4. No caso dos inaladores de pó em cápsula, após inalação
do produto, verificar se há resíduos de pó na cápsula. Em
do uso de espaçadores nem de uma coordenação tão efi·
caso positivo, repetir as manobras anteriores.
ciente quanto o nebulímetro. No entanto, seu uso pode não
ser eficaz quando houver dificuldades na realização de uma
força inspiratória mínima para a geração de partículas ina· Nebulizadores
láveis, o que pode ocorrer particularmente em crianças e Podem ser acionados com jato de ar ou ultrassônicos. Nos
idosos. primeiros (FIGURA 46.14), um jato sob alta pressão é canali-

FIGURA 46.11 ~ (A) lnaladores de pó seco (Diskus). (B) Inaladores de pó seco (Diskus). (C) Inala dores de p6 seco (Diskus).
Fragmentadores

Fármaco no
reservatório

t
AGURA46.12 7 Turbuhaler. FIGURA 46.14 7 Nebulizadores.
------------------------- ----------------
partículas maiores, que podem ser inadequadas para a ae-
rossolterapia.
Um nebulizador ultrassônico usa um vibrador de cristal
piezelétrico em alta frequência (acima de 1 MHz) para criar
um aerossol. O transdutor de cristal converte eletricidade
em som. Este é focado no líquido imediatamente acima dele.
Se a frequência é alta o suficiente e a amplitude do sinal for-
te o bastante, a crista da onda de oscilação rompe a superfí-
cie do liquido e cria um gêiser de gotículas.

lns1nlções de uso
1. Colocar no copo do nebulizador a solução (fármaco, me-
dido em gotas associado a 3 a 4 mL de soro fisiológico
em temperatura próxima à corporal).
2. Ajustar a máscara na face.
3. Respirar de forma profunda e lenta, pela boca, durante o
tempo planejado ou até acabar a solução.

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Adalberto Sperb Rubin
Ana Luiza Moreira
47
Geraldo Resin Geyer

Introdução te, causas desconhecidas (histiocitose de cêlulas de Lan-


gerhans, linfangioliomiomatose e outras).
As doenças pulmonares intersticiais difusas (DPIDs) com-
preendem um grupo heterogêneo de afecções em que o
interstício pulmonar é predominantemente afetado. Em-
bora numerosas, são classificadas no mesmo grupo por
[I] ATENÇÃO
apresentarem achados clínicos, radiológicos e funcionais
As DPIDs também podem ser classificadas em quatro
semelhantes. Dentre as DPIDs, as chamadas pneumonias
categorias: DPIDs de causas ou associações conhe-
intersticiais difusas são um grupo peculiar, cujo compro-
cidas, pneumonias intersticiais idiopáticas. doenças
metimento intersticial costuma ser homogêneo com re-
granulomatosas e outras.1 A vantagem deste esque-
lação ao acometimento do parênquima pulmonar. Neste
ma é colocar em uma categoria à parte as pneumo-
capitulo, são discutidos conceitos gerais sobre a avaliação,
nias intersticiais idiopáticas (AGURA 47.1).
o diagnóstico e a terapêutica das DPIDs, bem como a
abordagem das pneumonias intersticiais difusas mais fre-
quentes.
História e exame físico
Classificação Apresentação clínica
As DPIDs podem ser agudas, crônicas ou recorrentes. As Pacientes com DPID costumam consultar por dispneia pro-
doenças crônicas, em geral, são não infecciosas. As mais co- gressiva ou tosse persistente, geralmente não produtiva. A
muns são fibrose pulmonar idiopática, sarcoidose, doença história detalhada fornece as informações mais relevantes
pulmonar intersticial associada a colagcnoscs, pneumoco- nos casos de DPIDs. A presença de exposições ocupacio-
nioses, pneumonia de hipersensibilidade c doenças indu- nal ou domiciliar, o uso de medicações fibrogênicas para o
zidas por drogas. Algumas DPIDs podem ser recorrentes, pulmão, história de doenças sistêmicas (p. ex., colagenoses,
como a pneumonia em organização criptogênica, a pneu- neoplasias) são questões que devem, obrigatoriamente, ser
monia de hipersensibilidade e a pneumonia eosinofOica pcsquisadas. A duração dos sintomas agudos (dias, sema-
crônica. nas) versus crônicos (meses, anos), bem como a progressão
As DPIDs podem ter causa definida/conhecida (expo- da doença, devem ser analisadas. A avaliação de radiografias
sições ambientais e ocupacionais, fármacos, colagenoses, anteriores pode demonstrar a presença de doença não diag-
doenças infecciosas, neoplasias) ou, mais frequentemen- nosticada previamente por meses ou anos.
a~
causa ou Outr.s(p. ox.,
Doenças Pneumot'llas
a>n~(p.ex.,d~s. linfang•ol.om•omatose.
gr•nulomoto~ (p. ex., intef'Sticiais
a>logonows. protHIOM •lwolor,
s.rcoodos.) idiopátic<os pMUrnono.lonfoodo)
pMUmocontOSH
,~, --~
"'
Usual

lnespedfica
..),
8ronquiolite respiratória
com doenç1 pulmonar Pneumonia em
intentic•aVPneumonia organização
desc1m1t1Va ,J,
Aguda
Histiocitose ,J,
pulmo-.r de células Bronquíolo·
do U.ngerhans c~ntrica

FIGURA 47.1 -+ Classificação das doenças pulmonares in_t_


e~
_t_ic_
ia_is_d_ifu
_ sa_
s._ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ __

Avaliação inicial agudas. As manifestações clfnicas, radiológicas e bis to lógicas


A avaliação inicial deve incluir história e exame físico com- dessas lesões costumam ser inespecfficas. Casos familiares
pletos, seguidos de testes laboratoriais, testes hematológicos correspondem a 0,5 a 2,0% dos casos de fibrose pulmonar
de rotina, radiografia de tórax, tomografia computadorizada idiopática.
(TC) de alta resolução, testes de função pulmonar incluindo
difusão e medida da Sp02 no esforço e gasometria anerial? Exame físico
Algumas DPIDs são mais comuns em certos grupos etá- Um exame fisico detalbado deve ser feito em todos os pa-
rios. Linfangioliomiomatosc, doenças intersticiais associa- cientes com doença pulmonar intersticial, buscando espe-
das a colagenoses e histioeitosc de células de Langerbans cialmente dados que sustentem as hipóteses de doenças
são mais comuns em indivfduos abaixo dos 50 anos. A fibro- sistêmicas - sobretudo as colagenoses - como causadoras
sc pulmonar idiopática é rara abaixo dos 50 anos; a sarcoi- do comprometimento pulmonar. Achados extrapulmonares
dose incide em qualquer idade, porém, metade dos casos podem estreitar os diagnósticos diferenc.iais. Outros achados
ocorre em pacientes com menos de 40 anos. Sarcoidose, de particular relevãncia nas doenças pulmonares intersticiais
DPIDs associadas a colagenoscs e pneumonia de hipersen- são os estertores em velcro, grasnidos e o hipocratismo digi-
sibilidade predominam em mulheres, já a fibrose pulmonar tal, achado que sugere fibrose de padrão usual.
idiopática predomina no sexo masculino na proporção de O exame do setor cardiológico costuma ser normal, ex-
2:1. Devido à exposição ocupacional, os homens têm maior ceto em fases avançadas das doenças fibrosantes, quando
risco de desenvolver pncumoconioses. A linfangioliomio- então surge hipcrfonese de segunda bulha e, mais tardia-
matose e a manifestação pu lmonar da esclerose tuberosa mente, elevação das pulsações venosas jugularcs, sopros de
ocorrem exclusivamente em mulheres, em geral em idade insuficiência pulmonar e tricúspide e impulsão do ventrículo
fértil. O tabagismo pode alterar tanto o desenvolvimento direito com galope de terceira bulha. A hipertensão pulmo·
da DPID quanto o seu curso. Doenças intersticiais são esta· nar pode acompanhar qualquer colagenose, em especial a
tisticamente mais prevalcntes em fumantes. esclerodermia (ver Capítulo "Colagenoses").
A associação entre refluxo, microaspiração e lesão pul-
monar crônica não está bem caracterizada. Alguns estudos
observaram maior frequência de doença do refluxo gastreso- Função pulmonar e exercício
fágico em portadores de fibrose pulmonar idiopática, porém O padrão espirométrico característico das doenças intersti-
a relação de causa e efeito é incerta. Um número crescente ciais é o restritivo, com redução da capacidade vital (CV)
de drogas afeta adversamente os pulmões, com morbidade e que é, em geral, proporcionalmente maior do que aquela do
mortalidade significativas. Diversos fármacos antineoplási- volume residual (VR). Como consequência, a capacidade
cos novos estão sendo acrescentados ao arsenal terapêutico, pulmonar total (CP1) costuma ser menos reduzida do que
e muitos resultam em lesões pulmonares, frequentemente a CV, e a relação VR/CPT pode ser maior do que o nonnal.
A capacidade de difusão (OCO) é tipicamente reduzida nas g. Se CPK/aldolase elevadas ou FAN positivo: anti-Jo-1
doenças pulmonares intersticiais e representa o teste mais h. Se FR positivo, anti-CCP e radiografia de mãos e pés
sensível de função respiratória nessas condições.
Quedas da Pa02 e saturação de 0 2 são observadas em
muitos casos de doença pulmonar intersticial em repouso c Biópsia transbrônquica
especialmente no exercicio. Os testes de função pulmonar A decisão de indicar broncoscopia ou biópsia cirúrgica é to-
têm papel essencial na determinação de gravidade e resposta mada conforme o padrão tomográfico, a idade do paciente
ao tratamento nas diversas doenças pulmonares intersticiais. e o estado funcional. Em pacientes com padrão nodular e
A OCO é o teste que melhor reflete a extensão da fibrose padrão de consolidação em vidro fosco, o rendimento da
pulmonar idiopática. Diversos investigadores têm identifi- biópsia transbrônquica (BTB) é elevado. Por outro lado, em
cado uma OCO basal reduzida como o melhor preditor de portadores de padrão reticular com faveolamento, em mo-
mortalidade na fibrose pulmonar idiopática e na pneumonia saico, e na suspeita de vasculites, o rendimento é baixo.
intersticial não especifica. Os testes de função pulmonar são
comumente utilizados para monitorar a evolução e a resposta
ao tratamento nas doenças pulmonares intersticiais. Os testes Lavado broncoalveolar
de exercício nessas doenças podem envolver teste cardiopul- Não existem estudos indicando o quanto a realização do la-
monar incrementai ou feito em carga constante, bem como vado broncoalveolar (LBA) aumentaria a taxa de diagnós-
testes mais simples, como o de caminhada ou o do degrau. ticos, considerando-se a probabilidade diagnóstica baseada
nos dados clínicos e tomográficos. Também não há estudos
comparando o rendimento isolado do LBA e da BTB.
Radiografia e tomografia de tórax
Muitas vezes, a DPID é evidenciada por achados anormais
de infiltração difusa ou redução de volume na radiografia Biópsia cirúrgica
simples de tórax. As principais características dessas afecções Biópsias pulmonares cirúrgicas (BPCs) são obtidas em 1Oa
são observadas no exame tomográfico de tórax. Os principais 30% dos casos de doenças pulmonares intersticiais, com as
padrões tomográficos encontrados nas O PIOs são opacidades porcentagens maiores sendo observadas em centros de refe-
nodulares, padrão de árvore em brotamento, opacidades li- rência. A decisão de realização de biópsia cirúrgica deve ser
neares e reticulares, lesões cístieas, opacidades em vidro fos- tomada em casos mais dilloeis, após consulta a um centro de
co, consolidações e atenuação em mosaico. O reconhecimen- referência ou a um colega experiente.
to de tais padrões tomográficos e sua distribuição, bem como A prática de observar piora clínica e radiológica, com
das características clínicas que acompanham essas anormali- ou sem uso empírico de corticoides antes da obtenção de
dades, direciona para o diagnóstico mais provável de OPID. uma biópsia, é condenável porque retarda o diagnóstico,
As alterações radiológicas também são fundamentais para reduz a probabilidade de que a doença seja corretamente
selecionar e direcionar o tipo de biópsia tecidual a ser obtida. identificada c, não raro, resulta em tratamentos desneces-
sários e inadequados. Os achados típicos de fibrose pulmo·
Exames complementares nar idiopática na TC de alta resolução são suficientemente
característicos para seu diagnóstico, tornando desneces-
Os exames de rotina incluem hemograma, velocidade de se-
dimentação globular, proteína C-reativa, ureia, creatinina, sária a biópsia pulmonar cirúrgica. Entretanto, a sensibi-
glicemia, cálcio, fósforo, desidrogenase láctica, transarni- lidade e a especificidade dos achados tomográficos para o
nases oxalacética (TGO) e pirúvica (TGP), fosfatase aleali- diagnóstico de fibrose pulmonar idiopática variam depen-
na, creatinofosfoquinase (CPK), aldolase, fator antinuclear dendo da população estudada e da habilidade de quem os
(FAN), fator reumatoide (FR) e urina I. Havendo suspeita interpreta.
de pneumonia de hipersensibilidade, solicita-se a dosagem O papel da biópsia pulmonar pode ser fundamental
de anticorpos precipitantes (precipitinas IgG) para um pai- para a confirmação ou exclusão de diagnósticos alternati-
nel de antígenos causadores ou suspeitos. Na suspeita de co- vos, como sarcoidose, pneumonia de hipersensibilidade,
lagenoses, se o FAN for positivo~ 1:160), deve-se solicitar carcinomatose linfática ou presença de uma doença ocu-
exames de acordo com a suspeita clínica: pacional.3 Em pacientes com quadro subagudo de febre,
emagrecimento, hemoptise ou doença progressiva, sem
a. Suspeita de lúpus eritematoso sistêmico: anti-dsDNA, diagnóstico por métodos menos invasivos, a BPC não deve
anti-Sm, anti-U1 snRNP, anti-Ro e anti-La ser postergada. Os padrões histológicos das pneumonias
b. Suspeita de doença mista do tecido conjuntivo (DMTC): intersticiais permitem, além do diagnóstico, o estabeleci·
anti-U1 RNP mento de prognóstico. Na presença de doença fibrosante
c. Suspeita de sindrome de Sjõgren: anti-Ro, anti-La progressiva, não defutida pelos demais dados, deve-se sus-
d. Suspeita de esclerodermia: anti-Scl-70 (ou topoisomera- peitar de fibrose pulmonar idiopática atípica. Tais casos de-
se I) e anticenlrômero vem ser biopsiados. Nessa situação, o diagnóstico de outra
e. Polimiosite/dermatomiosite: anti-Jo-1 condição que não fibrose pulmonar idiopática (p. ex., pneu-
f. Em caso de suspeita forte de colagenose com FAN nega- monia intersticial não específica fibrótica, pneumonia de
tivo: anti-SSA, anti-SSB, anti-Jo-1 e anticorpos antifosfo- hipersensibilidade) pode permitir estabilização ou melhora
lipídeos com o tratamento.
Biópsia transcutânea proliferativa, sem causa aparente, como sepse, trauma, aspi-
ração, infecção, colagenose ou uso de fármacos.
A biópsia llanscutânea (guiada por ultrassom ou tomogra-
A pneumonia em organizaçdo (anteriormente chamada
fia) pode facilmente determinar o diagnóstico em pacientes
de bronquiolite obliterante com pneumonia em organização
com consolidaçóe$/massas pulmonares periféricas.
- BOOP) caracteriza-se por fibrose intraluminal em orga-
nização nos espaços aéreos distais, embora haja algum grau
de inflamação intersticial. A pneumonia em organização de
causa não infecciosa pode não ter causa aparente (idiopá-
tica) ou ser decorrente do uso de fármacos, de radiação ou
de colagenoses, além de diversas outraS situações menos fre-
quentes. O prognóstico, em geral, é bom.
A pneumonia intersticial descamativa e a bronquiolile res-
piratória associada à doença intersticia/ pulmonar são doenças
associadas ao tabagismo c caracterizadas por ac\1mulo de
macrófagos nos alvéolos e bronquíolos respiratórios. A bron-
quiolite respiratória é um achado incidental muito comum em
fumantes, consistindo no ac\1mulo de macrófagos pigmentados
Em muitos casos nos quais a doença se encontra em fase dentro dos bronquíolos respiratórios e alvéolos adjacentes.
avançada (fibrótica) e o diagnóstico especifico não é possí- A pneumonia linfoide é uma doença linfoproliferativa,
vel, a conduta deve ser individualizada, evitando-se danos que pode ser classificada no grupo de outras, quando sem
iatrogênicos. causa ou associação aparente, ou no grupo de causas ou as-
sociações conhecidas, quando associada a colagenoses, in-
fecção pelo vírus da imunodeficiência adquirida (HIV), imu-
Pneumonias intersticiais idiopáticas nodeficiência comum variável e outras.

Doenças intersticiais pulmonares


Fibrose pulmonar idiopática (FPI)
É a doença intersticial mais frequente, tendo o padrão his-
tológico de pneumonia intersticial usual como seu substrato
anatomopatológico.6 Acomete indivlduos entre 50 e 70 anos,
sendo mais comum em fumantes, e não tem predominância
por sexo ou raça. Os sinais e sintomas mais usuais são tosse
seca e dispneia progressivas, acompanhados de estenores
Histologicamente, essas pneumonias são divididas nas em velcro inicialmente basais e hipocratismo digital.
seguintes categorias: pneumonia intersticial aguda, usual, O padrão radiológico de infiltrado bilateral reticulono-
inespecffica, descamativa, bronquiolite respiratória com dular e redução da CPT é o mais frequente. A TC de tórax
doença pulmonar intersticial, pneumonia em organização toma mais clara a presença de faveolamento progressivo, jun-
criptogênica e pneumonia intersticial linfoide. to a bronquiolectasias de tração (FIGURA 47.2). Na função pul-
A pneumonia intemicial usual, conhecida clinicamente monar, a presença de distúrbio restritivo associado à redução
como fibrose pulmonar idiopática, é caracterizada por áreas na medida do coeficiente de difusão é o padrão. Nos testes
de fibrose intercaladas com áreas de parênquima normal, de exercicio, é comum a ocorrência precoce de dessaturação,
focos de fibrose ativa (denominados focos fibroblásticos), fa- mesmo no teste da caminhada de seis minutos ou do degrau.
veolamento e distribuição da fibrose nas regiões subpleurais.
Ela é o substrato anatomopatológico da fibrose pulmonar
idiopática, mas pode eventualmente ter outras causas.
A pneumonia intersticia/ ndo especifica é caracterizada
por inflamação e/ou fibrose de distribuição homogênea. Ela
é a pneumonia intersticial mais comum em portadores de
colagenoses, sendo tambémm expressão frequente de lesão
pulmonar por drogas e da pneumonia de hipersensibilidade.
A sobrevida dos portadores de fibrose pulmonar idiopática
varia entre dois e cinco anos, e a sobrevida é maior em pa-
cientes com pneumonia interst.icial inespecífica, mesmo en-
tre aqueles pacientes com achados mistos na biópsia.
A pneumonia intersticia/ aguda (sfndrome de Hamman-
·Rich) caracteriza-se por achados anatomopatológicos de
dano alveolar difuso na biópsia pulmonar, em geral em fase
QUADRO 47.2 ~ Tratamento de fibrose pulmonar idiopática

Corticoides:
- Prednisona 0,5 mglkgldia por 4 semanas
- 0,25 mglkgldia por Bsemanas
- 0,125 mglkgldia ou 0,25 mglkg em dias alternados

Azatioprina:
- 2 a 3 mglkgldia (~x. 150 mgldia) ou
- Ciclofosfamida 2 mglkgldia (máx. 150 mgldia)

N-acetilcisteína:
- 600 mg 3x/dia

FIGURA 47.2 ~ TC em um caso de fibrose pulmonar idiop~tica.


QUADRO 47.3 ~ Critérios de resposta ao tratamento em fibrose
pulmonar idio~tica

QUADRO 47.1 ~ Diagnóstico de fibrose pulmonar idio~tica Seis meses de tratamento


- Falência: suspender tratamento, substituir imunossupressor ou
considerar transplante pulmonar.
Critérios diagnósticos maiores: - Resposta ou estabilizaçao: manter tratamento com as mesmas
1. Exclus.!o de outras causas conhecidas de doença pulmonar
doses
intersticial
2. Funçio pulmonar anormal com evidência de restriçao (capacidade 12 meses de tratamento
vital forçada reduzida, frequentemente associada a uma relação - Falência: suspender tratamento ou considerar transplante
volume e)ll)irat6rio forçado no primeiro segunddcapacidade vital pulmonar
forçada - VEFICVF- elevada) e troca gasosa anormal (PA·aO, - Resposta ou estab. ozaçio: manter tratamento com as mesmas
elevada) em repouso ou no exercício, ou OCO reduzida doses
3. Anormalidades reticulares bibasilares e faveolamento, com
opacidades em vidro fosco minimas na TC de alta resoluçao e 18 meses de tratamento
4. Biópsia transbrônquica ou LBA não evidenciando nenhum achado - Resposta ou estabilizaçio: manter tratamento indefinidamente
de diagnóstico alternativo

Critérios diagnósticos menores:


1. Idade superior a 50 anos
2. Inicio insidioso de dispneia ine)ll)licada aos esforços Pneumonia intersticial não específica
3. Duração dos sintomas de três meses ou mais e O diagnóstico de pneumonia iotersúcial não especifica exi-
4. Estertores inspirat6rios bibasilares, do tipo velcro ge colaboração entre os clínicos, radiologistas e patologistas
----- (QUADRO 47 .4). Uma cuidadosa avaliação é necessária para
diferenciar a pneumonia iotersúcial não especifica idiopáti-
ca das condições clfnicas associadas a um padrão bistológico
O estabelecimento do diagnósúco de FPI é importante de pneumonia intersúcial não específica, como colagenoses,
devido ao prognóstico reservado, com mediana de sobrevida pneumonia de hipersensibilidade, drogas, infusões e imunos-
de dois a três anos. A evolução da doença é acompanhada supressão, incluindo HIV.' Ela é o padrão histológico mais
pelo quadro clínico, pela deterioração de provas funcionais e
pelo aumento do comprometimento radiológico.
Até o presente momento, o único tratamento com reais
evidências de efeúvidade é o transplante pulmonar. Os con- QUADRO 47.4 ~ Diagnóstico de pneumonia intersticial não
sensos mais recentes ainda preconizam o emprego de terapia específica
tríplice com corticoides, imunossupressores e antioxidantes
(QUADRO 47 .2). - Dcx:nça difusa (dados clínicos, funcionais, radiológicos)
Os critérios de resposta ao tratamento são apresentados - TC de alta resolução: padrão em vidro foscdreticular sem
faveolamento em lobos inferiores, bilateral
no QUADRO 47.3.
- Dcx:nça do tecido conjuntivo aparente ou oculta- presente -+
Outras medidas como reabilitação pulmonar, oxige-
diagnóstico clinico
noterapia e sedação da tosse, também são utilizadas com - Outras possíveis causas presentes (pneumonia de
frequência em casos de fibrose pulmonar progressiva e sin- hipersensibihdade, drogas, tabagismo): broncofibroscop.a com
tomática. O transplante de pulmão tem sido indicado e reali- BTBeLBA
zado com sucesso em diversos centros, sendo muitas vezes a - Possíveis causas ausentes -+ broncopneumonia
única alternaúva terapêutica indicada para casos avançados. - Discussão multidisciplinar
comum encontrado nas colagenoses, incluindo esclerose sis-
têmica progressiva, polimiosite e dennatomiosite, sfndrome ,.:14.0
de Sjôgren, artrite reumatoide e DMTC. Thmbém pode ser
a manifestação inicial de diversas doenças reumatológicas.
Os sinais e sintomas da pneumonia intersticial não es-
pecifica são semelhantes aos da FPI, embora muitas vezes
R
associados a sintomas de colagenoses (FIGURA 47.3). A evolu-
ção costuma ser mais lenta, assim como se observam melhor
prognóstico e resposta terapêutica. Os casos de pneumonia
intersticial não específica apresentam melhor resposta à
combinação entre corticoterapia e imunossupressores, sen-
do este o tratamento padrão. Alguns podem evoluir de ma-
neira insatisfatória, exigindo terapêutica mais agressiva no
futuro, inclusive transplante pulmonar.

FIGURA 47.4 ~ Pneumonia interslkial aguda.


Pneumonia intersticial aguda (PIA) ------~----------
A PIA é uma doença pulmonar intersticial caracterizada
por dano alveolar difuso, proliferação fibroblástica e fibro-
se intersticial, de causa in aparente. O achado radiológico de guidos por 1 mg/kg/dia de metilprednisolona intravenosa ou
infiltrado simétrico difuso bilateral costuma ser confundido prednisona oral. Alguns autores sugerem associar ciclofosfa-
com a síndrome da distrição respiratória do adulto (SDRA) mida. Em oito séries, incluindo 105 pacientes, a mortalidade
(FIGURA 47.4). foi de 54%.
A doença é rapidamente progressiva ( < 2 meses), com
frequência levando à insuficiência renal aguda. Febre é obser-
vada na metade dos casos. A presença de bronquiectasias de
Pneumonia em organização
tração em áreas de atenuação aumentada sugere fase tardia, A pneumonia em organização é um padrão histológico ines-
que pode ser observada após 7 dias do infcio do quadro. Le- pecífico, que pode ser encontrado em diversas condições.'
sões clsticas podem surgir após 30 dias do inicio da doença. Quando idiopática e assoeiada à bronquiolite, a pneumonia
Devem ser excluídas doenças intersticiais crônicas que podem em organização é comumente denominada BOOP. Pode ser
agudizar com dano alveolar difuso. A biópsia transbrônquica uma reação assoeiada a neoplasias, granulomatoses infeccio-
pode mostrar achados de dano alveolar difuso, mas a biópsia sas e vasculites, bem como ser um achado menor em pneu-
cirúrgica costuma ser necessária para o diagnóstico. monia de hipersensibilidade e pneumonia intersticial não
O tratamento da PIA é de suporte ventilatório, invasivo específica. As pneumonias em organização são comuns em
ou não. O diagnóstico e o tratamento mais precoce parecem pneumonias em fase de resolução ou organizadas, doença
resultar em melhor prognóstico. A maioria dos clínicos usa do tecido conjuntivo c toxicidade por drogas e aspiração crô-
corticoides em doses diárias de metilprednisolona de 2 a 4 nica.
mglkg, embora não haja evidências conclusivas. Alguns pres- A doença costuma se desenvolver após um quadro se-
crevem pulsos diários por três dias de metilprednisolona se- melhante ao da gripe, acompanhado de fadiga, tosse não
produtiva, dispneia e perda de peso, as quais duram várias
semanas, lembrando tuberculose. A radiografia mostra con-
solidações, muitas vezes bilaterais, com ou sem febre e sem
resposta à antibioticoterapia instituída (AGURA 47.5). Essas
características, em conjunto com exame físico inespecifico,
costumam retarda.r o diagnóstico em 4 a 10 semanas. As pro-
vas funcionais, em geral, são normais ou pouco alteradas, na
dependência da extensão do comprometimento pulmonar.
~ comprovação diagnóstica é feita po.r biópsia, embora, nas
Situações em que a suspeita clfnica é muito forte, um teste
terapêutico positivo possa solidificar tal hipótese.
Em cerca de dois te.rços dos casos a .resolução é comple-
ta, permanecendo sinais da pneumonia em organização em
apenas um terço deles. Embora sejam frequentes as taxas
de remissão completa, um número significativo de pacien-
tes apresentará recidiva em alguns meses após a suspensão
da corticoterapia. Nesses casos, um esquema terapêutico de
AGURA 47.3 ~ TC de tórax em um caso de pneumonia interstiáal não
específica. manutenção com doses baixas de prednisona ou ciclofosfa-
mida é indicado. A terapia costuma ser iniciada com predni-
F1GURA47.5 ~ Aspecto radiológico de pneumonia organizante. FIGURA 47.6 ~ Pneumonia inte~ticial descamativa.

sona em 1,0 a 1,5 mg/kg/dia, por4 a 8 semanas. Se o paciente que os demais manterão acompanhamento e corticoterapia
estiver estável, ou melhorar, a dose de prednisona é gradual- por tempo indeterminado. Não são raros, no entanto, os re·
mente reduzida para 0,5 a 1,0 mg/kgfdia. latos de pacientes que apresentam persistência do infiltrado,
mesmo após o abandono do tabagismo. Nessas situações,
pode persistir alguma alteração funcional, determinando,
Pneumonia intersticial descamativa em casos mais graves, sintomas clínicos persistentes.
A pneumonia intersticial descamativa (PIO) é uma das
doenças intersticiais consideradas tabaco-dependentes, em-
bora também ~ssa, raramente, estar associada a exposições Pneumonia de hipersensibilidade
ocupacionais. Os achados histológicos mais comuns são o A pneumonia de hipersensibilidade (PH) envolve um gru-
espessamento alveolar septal difuso, a hiperplasia dos pneu- po de doenças pubnonares causadas pela inalação de vários
mócitos do tipo II e o acúmulo intra-alveolar intenso de ma- materiais antigênicos que são geralmente orgânicos.9 As três
crófagos. Hipocratismo ocorre em 25 a 50% dos pacientes. maiores categorias de antígenos que causam PH são agen-
Opacidades em vidro fosco estão invariavebnente presentes tes microbianos, proteínas animais e substâncias químicas
na PIO, e são bilaterais, simétricas e predominantes nas re- de baixo peso molecular .l-4 Dentre os agentes microbianos,
giões basais e periféricas na metade dos casos (FIGURA 47.6). citam-se as bactérias, os fungos e as amebas. Embora a PH
A evolução para fibrose não ocorre na doença pubnonar seja classicamente associada à exposição a antígenos, a ina-
intersticial associada à bronquiolite respiratória (BR-OPI), lação de alguns compostos químicos de baixo peso molecular
mas não é incomum na PIO. O infiltrado reticular é basal, também pode provocar a doença, possivelmente após con-
associado à distorção anatõmica, bronquiectasias de tração jugação com proteínas humanas. Na história, é importante
e pequenos cistos periféricos. Na PIO, o LBA mostra, além avaliar se o paciente é fumante - o fumo protege contra o
dos macrófagos pigmentados, linfócitos ou neutrófilos au- desenvolvimento de PH.
mentados, com ou sem eosinófilos. As alterações funcionais A apresentação clínica pode ser aguda, subaguda ou crô·
são, em geral, mais importantes do que as observadas na BR- nica, de acordo com as características biológicas do agente
·DPI.1 A OCO está geralmente reduzida.9 inalado, a intensidade e a frequência da exposição, a inten-
Um diagnóstico definitivo de doença pulmonar inters- sidade da resposta imunológica do paciente e as seque las da
ticial pode ser estabelecido apenas por biópsia pulmonar reação inflamatória. A forma aguda é semelhante a um qua-
cirúrgica, já que, quando há predominância de vidro fosco dro gripa!. Os sintomas se iniciam dentro de 4 a 8 horas após
em lobos inferiores, não é possível distinguir de maneira a exposição em indivíduos sensibilizados e incluem febre,
confiável a PIO da pneumonia intersticial não específica ou mialgias, cefaleia, mal-estar, tosse e dispneia.
da BR-DPI grave por critérios clínicos radiológicos e bron- Ao exame físico, estertores bilaterais podem ser detecta-
coscópicos, ou mesmo da pneumonia de hipersensibilidade dos. Os achados laboratoriais são de pouco auxilio. Os acha-
em fumantes. dos radiológicos têm correlação pobre com a intensidade
A PIO apresenta um prognóstico muito superior ao das dos sintomas e com as alterações funcionais e de troca ga-
outras pneumonias intersticiais. A sobrevida em 10 anos é sosa. Frequentemente, essas são extensas apesar de poucos
de cerca de 70%, com muitos casos apresentando remissão achados radiológicos aparentes ou mesmo alterações radio-
espontânea, mesmo sem tratamento. Uma resposta inicial lógicas inexistentes. O acbado tomográfico mais comum são
à corticoterapia é observada em quase todos os pacientes. alterações em vidro fosco (até 75% dos casos).
Uma grande parcela entra em remissão da doença, sendo
A forma subaguda resulta de uma exposição menos in- da, para todas as formas dessa doença, é prednisona 0,5 a
tensa, mas contínua a antígenos inalados, em geral, no am- 1,0 mglkg de peso ideal (não ultrapassar 60 mg/dia). A dose
biente doméstico, como exposição a pássaros e mofo. Os é mantida por uma a duas semanas, sendo, em seguida, re-
principais sintomas são dispneia aos esforços, fadiga, tosse duzida e retirada lentamente nas próximas duas a quatro
com expecklração mucoide, anorexia, mal-estar e perda de semanas.
peso. A TC de alta resolução mostra nódulos centrolobula- Se as anormalidades pulmonares recorrem ou pioram
res esparsos, opacidades em vidro fosco e aprisionamento de durante a fase de redução da dose do corticoide, o tratamen-
ar lobular (mais bem evidenciado em expiração). Opacida- to deve ser mantido indefinidamente. Sempre é necessário
des em vidro fosco e nódulos costumam indicar lesões rever- investigar se o paciente está mantendo exposição ao agen-
síveis. A extensão do aprisionamento de ar correlaciona-se te causal. Uma piora, entretanto, pode ser observada após
diretamente com o VR, expressão da bronquiolite, e a ex- a retirada do corticoide em pacientes que se afastaram da
tensão das áreas de vidro fosco correlaciona-se diretamente exposição. Os pacientes com PH em fase fibrosante podem
com a CVF e com a extensão da pneumonia intersticial. ser tratados com imunossupressor, associado ao corticoide,
Na forma crônica, o principal sintoma é a dispneia de em regime semelhante ao utilizado na FPI, com aparente
exercício. Pode-se encontrar bipocratismo digital, o que su- estabilidade; porém, excetuando-se os casos com padrão
gere progressão, mesmo afastada a exposição. Na TC de alta de pneumonia inespecífica, respostas objetivas não são ob-
resolução, os achados podem ser superponíveis aos encon· servadas. Na PH em geral, em pacientes com achados cll-
trados na fibrose pulmonar idiopática. Porém, a possibilida- nicos indicativos de hiper-responsividade brônquica, o uso
de de PH deve ser considerada na presença de acometimen- de broncodilatadores associados a corticoides inalados pode
to preferencial de lobos superiores, ou em terços médios, estar indicado (FIGURA 47.7).
achados associados de nódulos centrolobulares, ou áreas de
vidro fosco fora das regiões de fibrose ou diversas áreas de
aprisionamento de ar lobular e presença peribrônquica de
fibrose ou vidro fosco.
Na forma clássica, a biópsia pulmonar mostra inflamação
intersticial crônica com infiltração de células plasmáticas,
mastócitos, histiócitos e linfócitos em geral com granulomas
não necrosantes malformados. A pneumonia intersticial se
apresenta como uma pneumonia inespecífica, com aparên-
cia temporal uniforme, inicialmente se distribuindo nas re-
giões peribronquiolares. A fibrose intersticial, com frequên-
cia, está presente em extensão variável.
A descrição dos três achados bistológicos adiante pode
ser considerada diagnóstica desta entidade, mesmo na au-
sência de uma exposição conhecida:

1. Pneumonia intersticial crônica temporalmente uniforme


com predomínio peribronquiolar FIGURA 47.7 ~ TC em um caso de pneumonia de hipersensibilidade.
2. Granulomas não necróticos e/ou acúmulo de histiôcitos
epitelioides
3. Focos de bronquiolite obliterao te

O diagnóstico de PH é feikl por associação de diversos Referências


achados: exposição identificada por história, achados clini- t. American Thoraeie Soeiety. ldiopathie pulmonary Cibrosis: diag-
cos, radiológicos e funcionais compatíveis, e LBA com linfo- nosis and treaunent. lnternational eonsensus statement. American
citose acima de 30%. A biópsia com achados característicos Thoracic Soeiety (ATS), and tbe European Respiratory Soeiety
pode ser conclusiva isoladamente. (ERS). Am J Rcspir Crit Care Med. 2000;161(2 Pt1):646-64.
O afastamento do antígeno é a chave para o tratamento.
2. Amcrican Thorneie Socicty, European Respiratory Soeiety. Ame-
Na forma aguda, apenas o afastamento da exposição pode
riean Thoracic Society/European Rcspiratory Soeiety international
ser suficiente para a resolução da doença. Nos casos crôni- mulúdisciplinary eonsensus elassifieaúon of the idiopalhie inters·
cos, a persistência do antígeno, seja por impossibilidade seja tiúal pneumonias. This joint statement of thc Ameriean Thoraeie
pela não determinação do agente causal, pode determinar Society (ATS), and lhe European Respiratory Soeiety (ERS) was
um prognóstico desfavorável. adopted by lhe ATS board of directors, June 2001 and by lhe ERS
O tratamento preconizado para PH, baseado em expe- Executive Committee, June 2001. Am J Respir Crit Care Med.
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Adalberto Sperb Rubin
Paulo Roberto Goldenfum
48
Introdução Pneumopatias induzidas por
Com o constante surgimento de novos medicamentos e o fármacos cardiovasculares
aumento da possibilidade de interações medicamentosas,
tem merecido atenção especial o diagnóstico das pneumo- Um número considerável de fármacos cardiovasculares
patias induzidas por fármacos.' Medicamentos como qui- apresenta potencial de induzir algum tipo de toxicidade pul-
mioterápicos, antimicrobianos, drogas ilfcitas, fármacos car- monar. Quatro tipos diferentes de injúria já foram identifi-
diovasculares, anti-inflamatórios, elementos transfusionais, cados: pneumonite intersticial crônica, bronquiolite oblite·
contrastes radiográficos e uma miscclãnca de outros fárma- rante, síndrome da distrição respiratória do adulto e nódulos
cos podem provocar alterações pulmonares. 2 O diagnóstico ou opacidades pulmonares. O diagnóstico diferencial com
é de exclusão com outras doenças intersticiais. A retirada do insuficiência cardlaca e tromboembolismo pulmonar deve
fármaco ou fator causal, muitas vezes resolve o processo de sempre ser considerado.
agressão ao parênquima pulmonar.
Amiodarona
A amiodarona é um potente antiarrítmico, sendo a toxici-
Apresentação clínica dade pulmonar seu efeito adverso mais sério, podendo evo-
luir para fibrose crônica.3 A incidência de toxicidade pul-
~ ATENÇÃO monar é de cerca de 5 a 15%, com mortalidade em torno
de lO a 20% .4
A apresentação cUnica se caracteriza por inicio insidioso
O comprometimento intersticial pulmonar é o mais
de tosse não produtiva, dispneia e perda de peso. A radio-
comum. Ocorrem dois tipos de apresentaç~o cllnica:
grafia de tórax evidencia opacidades intersticiais focais ou
uma forma subaguda, que pode se tornar crônica,
difusas, que ficam mais nltidas na tomografia computadori-
evoluindo para fibrose, e uma forma aguda, que
zada (TC) de tórax (AGURA 48.1). A pneumonite intersticial
pode ser reconhecida como ·srndrome de hipersen-
geralmente é diagnosticada após 60 dias do inicio do tra-
sibilidade·.
tamento com dose superior a 400 mg!dia de amiodarona.•
Além da dose, o uso por mais de dois meses, idade avançada,
doença pulmonar e cirurgia prévia são fatores de risco para
Pneumopatias induzidas por anti·
·inflamatórios
Os anti-inflamatórios podem desencadear vários tipos de to-
xicidade pulmonar.

Anti-inflamatórios não esferoidais (AINEs)


Os AJNEs são medicamentos de uso rotineiro na prática cü-
nica diária, sendo empregados em quase todas as especiali-
dades médicas. A forma mais comum de toxicidade pulmo-
nar é a pneumonia de hipersensibilidade, sendo que todos
os fármaoos deste grupo podem ocasioná-la. A apresentação
clínica é de tosse, dispneia, febre e dor torácica. Infiltrado
AGURA 48.1 -7 Toxiádade pulmonar por amiodarona. pulmonar bilateral é a manifestação radiológica mais fre-
quente. A velocidade de sedimentação globular (VSG) está
aumentada e pode ocorrer eosinofilia sanguínea. A retirada
do fármaco e a corticoterapia são medidas necessárias para a
o desenvolvimento da pneumopatia. Pode ocorrer queda su-
reversão da toxicidade.
perior a 20% na difusão. O tratamento consiste na retirada
do fármaco e no uso de prednisona. 5 O prognóstico costuma
ser favorável. Nos casos avançados de fibrose por amioda- Metotrexato
rona com irreversibilidade das lesões, está indicado o trans- O Metotrexato é o fármaco mais comumente usado em pa-
plante de pulmão. cientes com artrite reumatoide. As alterações pulmonares
podem ocorrer mesmo com doses baixas do medicamento.'
É comum a ocorrência de infecção respiratória devido à
lnibidores da enzima conversora da
imunossupressão. Pneumonite aguda pode ocorrer por me-
angiotensina 11 canismo tipo hipersensibilidade ao metotrexato. H á reversão
Os inibidores da enzima conversora da angiotensina Il indu- do quadro na maioria dos casos com o uso de corticoides.
zem tosse seca, persistente e noturna. Em tomo de 3 a 20% O risco de ocorrer pneumonite durante o tratamento com
dos pacientes precisam cessar o tratamento. O captopril ra- metotrexato é de 0,3 a 11,6%. A apresentação cUnica seca-
ramente está associado ao desenvolvimento de pneumonite racteriza por dispneia, febre, tosse, cianose e presença de es-
intersticial difusa, porém têm sido descritas pneumonite de tertores crepitantes ao exame físico. Hipoxcmia c distúrbio
hipersensibilidade e pneumonite eosinoffiica. restritivo são observados na gasometria arterial e nos testes
de função pu lmonar. A radiografia de tórax demonstra um
infiltrado intersticial bilateral, linfadenopatia hilar e padrão
Betabloqueadores reticulonodular. A TC de tórax de alta resolução pode evi-
Os betabloqueadores não causam doenças pulmonares, po- dencia.r uma apresentação em vidro fosco e eventualmente
rém exacerbam as doenças de base, como doença pulmonar alterações fibróticas. O tratamento exige a retirada do me-
obstrutiva crônica, asma e hipertensão portopulmonar. Os dicamento, e o uso de prednisona (50 mg/dia) é importante
betabloqueadores não seletivos (propranolol) causam bron- nos casos mais graves.
coconstrição em indivíduos suscetíveis.

Anticorpo monoclonal anti·TNF


Procainamida O uso de anti-TNF em alguns casos pode evoluir para severa
Entre 10 e 20% dos pacientes em uso de procainamida por pneumonia organizante e óbito. Pode haver desenvolvimen-
mais de dois meses podem apresentar uma sfndromc lúpus to de tuberculose ou reativação de doença latente.
eritematoso sistêmico-símile. Ocorrem febre, artralgias,
miosites, erupções, vasculite, serosite e fenômeno de Ray-
naud. Há relatos do surgimento de derrame pleural. Ouro
É utilizado no tratamento da artrite reumatoide, podendo
ocasionar, em 1% dos casos, comprometimento pulmonar,
Quinidina como a pneumonia de hipersensibilidade. É dose-dependen-
A quinidina possui efeitos tóxicos em vários órgãos, poden- te (acima de 500 mg), e o quadro clínico é de tosse, dispneia
do desenvolver síndrome lúpus eritematoso sistêmic:o-símile e estertores crepitantes ao exame físico. A retirada do fár-
com quadro de pleurite, miastenia grave e pneumonite in- maco e o uso de cortio6ide sistêmioo são as medidas indica-
tersticial aguda. das como tratamento.
Penicilamina mação intersticial. A bronquiolite obliterante com pneu-
O uso deste fármaco pode causar bronquiolite obliterao- monia organizao te também é descrita. As formas agudas de
te em pacientes portadores de artrite reumatoide em 1 a injúria resultam de reação de hiperseosibilidade, e as formas
3% dos casos. Os pacientes apresentam tosse c dispneia crônicas, de respostas tóxicas e alérgicas.
aos esforços. A TC de tórax apresenta padrão em mosai- As manifestações mais comuns são febre, dispneia, tos-
co, vidro fosco c aprisionamento aéreo em expiração. O se não produtiva, erupção cutânea, dor torácica e cianose.
prognóstico é bom com a retirada do fármaco c o uso de Os sintomas de apresentações subagudas e crônicas são
corticoide. dispneia, tosse c fadiga. No exame físico, estão presentes es-
tertores crepitantes bilaterais. Ocorre redução dos volumes
pulmonares com padrão restritivo. Em 30% dos casos, os pa-
Ciclofosfamida cientes apresentam alterações parenquimatosas difusas com
A ciclofosfamida, além de serem antineoplásico, é usada em mais intensidade nas zonas inferiores. Achados tomográficos
doenças autoimunes como agente único ou em combinação de atenuação em vidro fosco bilaterais são comuns em pa-
com corticoides. A injúria pulmonar é rara, mas o risco au- cientes com uso crônico da nitrofurantoína.
menta com o uso concomitante de radioterapia e oxigeno- O diagnóstico diferencial da reação aguda se faz com
terapia. A radiografia de tórax e a TC evidenciam compro- insuficiência cardíaca congestiva, pneumonia bacteriana,
metimento intersticial com ou sem imagem em vidro fosco. asma exacerbada, infarto agudo do miocárdio, pericardite
A retirada do medicamento e a introdução de corticoides e influenza. Os corticoides são usados concomitantemente
resultam, na maioria dos casos, em recuperação clinicorra- com a retirada do fá.rmaco, mesmo que o benefício não te-
diológica. nha sido provado. O prognóstico é bom, sendo que a maioria
dos pacientes melhora em 15 dias. As formas subagudas e
crônicas duram entre poucas semanas e três meses.

Pneumopatias induzidas por antibióticos


As pneumopatias induzidas por antibióticos ocasionam rea-
ção de hipersensibilidade manifestada por infiltrados pulmo-
Pneumopatias induzidas por fármacos
nares acompanhados de eosinofilia sanguínea e no lavado utilizados em oncologia
broncoalveolar, febre, tosse e dispneia.' O prognóstico é
O diagnóstico diferencial da injúria pulmonar causada pelos
bom com reversão do quadro após a retirada do fánnaco.
quimioterápicos muitas vezes se confunde com os achados
Os antibióticos que conhecidamente causam essa síndrome típicos da própria neoplasia, como metástases, carcinomato-
estão listados no QUADRO 48.1.
sa linfática e infecções oportunísticas.
A nitrofurantoína é um modelo de comprometimento
pulmonar por antibióticos. A injúria pulmonar é a reação
adversa mais grave. A média de idade de acometimento de Bleomicina
injúria pulmonar por nitrofurantoína é de 60 a 70 anos. As Pode ocorrer fibrose pulmonar intersticial em 10% dos pa-
reações crônicas observadas são fibrose intersticial difusa, cientes fazendo uso desse fármaco. Outras formas menos
esclerose vascular, espessamento do septo alveolar e infla- comuns são pneumonite de hiperseosibilidade e nódulos
pulmonares. O mecanismo de injúria pulmonar não é muito
claro, mas pode estar associado à toxicidade da bleomicina
com dano oxidativo importante. A incidência de fibrose pul-
QUADRO 48.1 ~ Antibióticos associados a toxicidade pulmonar
monar é descrita em tomo de 10%.8 Em uma série de 141 pa-
cientes tratados com bleomicina para linfoma de Hodgkin, a
Penicilinas
incidência de toxicidade pulmonar foi de 18%, e 24% desses
Cefalosporinas pacientes (4% do total) evoluiram para óbito. Idade, dose
da bleomicina, função renal, gravidade da neoplasia, uso
Sulfas de oxigênio, radioterapia e outros agentes quimioterápicos
podem influenciar na toxicidade pulmonar. Podem ocorrer
Antimaláricos sintomas como dispneia, dor torácica, tosse não produtiva,
Eritromicina febre, taquicardia e estertores crepitantes. A restrição pul-
monar, a queda da difusão e a hipoxemia são achados co-
Etambutol muns. A biópsia pulmonar pode ser necessária para defini-
ção do diagnóstico. Ocorre uma distribuição subpleural com
lsoniazida o desenvolvimento de fibrose e dano alveolar difuso (FIGURA
48.2). O tratamento envolve a interrupção do uso do fárma-
Rifampicina
co, sendo a utilização do corticoide questionável, porém há
Nrtrofurantofna estudos que comprovam o beneficio, com a melhora em tor-
no de 50 a 70% dos pacientes tratados.
Pneumopatias induzidas por
anticonvulsivantes
Difenil·hidantoína
O fármaco pode provocar pneumonia de hipersensibilidadc,
pneumonia intersticial linfocítica e síndrome pseudolinfo-
ma. A pneumonia de hipcrsensibilidade ocorre um mês após
o início do tratamento. A frequência e os fatores de risco
para o seu desenvolvimento são desconhecidos. A radiogra-
fia de tórax evidencia um inftltrado intersticial que provoca
hipoxemia e distúrbio ventilatório restritivo nos exames de
função pulmonar. A retirada do fármaco não impede que as
manifestações clínicas perdurem por longo período.

AGURA 48.2? Toxicidade pulmonar por bleomicina.


Carbamazepina
A carbamazepina provoca uma reação de hipersensibil.i dade
semelhante à da difenil-hidantoina. Os fatores de risco c a
Clorambucil freq uência são desconhecidos, sendo a suspensão do fárma-
A incidência de toxicidade pulmonar é inferior a 1%. A co indicação absoluta.
pneumonite intersticial crônica é a manifestação mais co-
mum. Ocorre início de tosse não produtiva, dispneia, per-
da de peso e febre. A TC de tórax evidencia disseminação
difusa de micronódulos em ambos os pulmões. A biópsia
Pneumopatias induzidas por
pulmonar pode ser uma alternativa para o diagnóstico. A drogas ilícitas
interrupção imediata do uso do fármaco deve ser feita ao se
Embora seja um tipo de acometimento pulmonar de reco-
suspeitar de toxicidade. O uso de corticoide é controverso,
nhecimento recente, este diagnóstico é cada vez mais fre-
porém indicado quando não há melhora rápida após inter-
quente em razão do aumento do uso de drogas ilícitas, espe-
rupção do tratamento e nos casos de insuficiência respirató-
cialmente na população jovem.'
ria. O prognóstico em geral é ruim. Casos fatais são descritos
em 11 de 21 casos relatados.
Cocaína
A cocaína é usada sob a forma inalada, injetável ou fuma-
Mitomicina·C da sob a forma básica conhecida como crack. O crack pode
A fibrose ocorre em 2 a 12% dos casos. A mielossupressão ocasionar queimadura das vias aéreas superiores, broncos-
é o efeito adverso mais grave. As doenças pulmonares oca- pasmo, barotrauma, bronquiolite obliterante com pneu-
sionadas pela mitomieina-C são broncospasmo, fibrose pul- monia organizante, doença eosinofilica pulmonar, tosse,
monar, doença pleural e hemorragia pulmonar em síndrome podendo determinar a ocorrência de dano alveolar difuso.
hemolitico-urêmica. O tratamento com corticoide diminui o A radiografia de tórax evidencia atelectasias, pneumotórax,
risco de toxicidade, mas não elimina o desenvolvimento de hemopneumotórax, pneumopericárdio, pneumomediastino,
injúria pulmonar. A resposta ao corticoide é parcial. O uso edema pulmonar e infiltrado migratório. O tratamento é de
concomitante de 0 2 e radioterapia aumenta a ocorrência dos suporte com uso de broncodilatadores e corticoides quando
sintomas, que podem surgir após 6 a 12 meses de tratamen- necessário. O edema pulmonar é tratado com diuréticos e
to. Ocorre dispneia, tosse e estertores crepitantes ao exame oxigênio, porém muitos pacientes necessitam de ventilação
flsico. A radiografia de tórax evidencia opacidades difusas mecânica.
bilaterais. O tratamento com corticoide resulta em rápida
melhora da dispneia e das opacidades intcrsticiais. O trata-
mento inicia-se com 60 mg de prcdnisona por dia durante
três semanas, com retirada lenta do fármaco. Miscelânea
Oxigênio
Paclitaxel A exposição a altas concentrações de oxigênio pode contri-
O paclitaxel tem sido usado no controle de tumores sólidos, buir ou agravar a slodrome da distrição respiratória do adul-
como neoplasias de ovário, mama e pulmão. Pode ocorrer to.'0 Ocorre liberação de radicais livres com dano ao O NA,
o surgimento de infiltrados pulmonares transitórios com destruição da membrana lipídica e inativação de enzimas in-
frequência desconhecida, associado a febre e tosse. O tra- tracelulares. Pode ocorrer traqueobronquite, queimação re-
tamento envolve a retirada do fármaco e o uso de corticoide troestemal, aperto torácico, tosse seca, redução da capacida-
em casos selecionados. de vital e da difusão do monóxido de carbono. A toxicidade
ao oxigênio é dividida em duas fases, a aguda, ou exsudativa, seu manejo adequado são fundamentais para prevenir um
e a subaguda, ou proliferativa. A primeira fase inicia-se em dano extenso ao pulmão, muitas vezes irreversível.
48 a 72 horas dependendo da exposição à fração de oxigênio
inspirado. A hipoxernia necessita de alta fração de oxigênio
e ventilação assistida, piorando o quadro. A radiografia de
tórax evidencia um padrão alveolointersticial de distnbuição
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I. Cooper JA Jr, White DA, Matthay RA. Orug-indueed puJ.
irregular com atelecwias e perda de volume pulmonar. A monary disease. Par! 1: eytotoxic drugs. Am Rev Respir Ois.
biópsia de pulmão tem valor na exclusão de outras causas 1986;133(2):321-40.
de injúria pulmonar. O barotrauma pode estar associado ao
2. Cooper JA Jr, White DA, Mattbay RA. Orug-indueed pulmo·
quadro.
nary disease. Part 2: Noneytotoxic drugs. Am Rev Respir Ois.
1986;133(3):488-505.
Sangue e derivados 3. Martin WJ 2nd, Rosenow EC 3rd. Amiodarone pulmonary to.xici-
Ocorre dano alveolar agudo após transfusão como resultado ty: recognition and pathogenesis (part 1). Chest. 1988;93(5):1067-75.
de reação imune aos derivados sanguíneos, podendo ocorrer 4. Weinberg BA, MiJes WM, Klein LS, Bolander JE, Ousman RE,
em 5% dos casos. O quadro clinico inicia-se com dispneia, Stanton MS, ct ai. Five-year follow-up of 589 patients treatcd with
tosse e hipotensão poucas horas após a transfusão. Pode amiodaronc. Am Heart J. 1993;125(1):109-20.
ocorrer urticária em 50% dos pacientes. Está indicado o uso
5. Oean PJ, Groshan KD, Porteríield JG, Iansmith OH, Golden EB
de corticoide em dose elevada e por curto período.
Jr. Amiodaronc-associated pulmonary toxicity: a clinicai and patho·
logic study of clcvcn cases. Am J Clin Pathol. 1987;87(1):7-13.
Supressores do apetite 6. Krcmer JM, Alarcón GS, Wcinblatt ME, Kaymakcian MY, Ma-
A hipertensão pulmonar pode estar associada ao uso de de- caluso M, Cannon GW, ct ai. Clinicai, laboratory, radiographic and
xfenfluramina, fenfluramina e fenteramina. Doença cardíaca histopathologic fcaturcs of methotrexate·a.s sociated lung injury in
patients with rbeumatboid anbritis: a multicenter study with litera-
valvular pode ocorrer com o uso desses agentes.
ture rcview. Artbritis Rhcum. 1997;40(10):1829-37.
7. Holmberg L, Boman G. Pulmonary rcactions to nitrofurantoin:
447 cases rcported to thc Swcdisb Adverse Orug Reaction Commit·
Conclusão tee 1966-1976. Eur J Respir Ois. 1981;62(3):18().9.
Todo acometimento pulmonar em paciente previamente hí· 8. Jules-Elysec K, White DA. Bleomycin-indueed pulmonary to.xici·
gido exige o diagnóstico diferencial de pneumopatia induzi· ry. Oin Chest Med.1990;11 (1):1-20.
da por fármacos. Uma boa anarnnese deve incluir qualquer
9. Heffner JE, Harley RA, Scbabcl SI . Pulmonary reactions from
tipo de medicamento utilizado pelo paciente, tanto no mo- illicit substance abuse. Oin Chest Med. 1990;11(1): 151-62.
mento do diagnóstico quanto em período prévi.o.
11 10. Jackson RM. Pulmonary oxygen to.xicity. Chest. 1985;88(6):900-
O Pneumotox: on line apresenta praticamente todos os
possíveis efeitos adversos pulmonares causados por medica- 5.
mentos, sendo sempre atualizado com novos relatos. A iden- 11. Pneumotox: on line (Internet]. Oijon: Pneumotox; c2006 (captu·
tificação preooce da pneumopatia induzida por fármacos e radoem 18 maio 2011]. Oisponlvel em: www.poeumotOJUlOm.
José da Silva Moreira
Leonardo Gilberto Haas Signori
49
Marli MariaKnorst

dades,' o que certamente toma problemática a avaliação do


Introdução risco que ele oferece, com consequentes dificuldades para o
Doenças pulmonares ocupacionais são as doenças cuja ocor- controle das doenças que causa.
rência depende fundamentalmente da inalação de substân- O comprometimento do aparelho respiratório por
cias presentes no ambiente de trabalho. Pela sua natureza, gases sabidamente tóxicos é menos frequente em virtude
incide mais vezes em homens adultos, em fase prod utiva. O dos cuidados que são tomados; entretanto, pode ocor rer
tipo e a quantidade do agente agressor (poeiras, gases ou va- - sobremaneira em acidentes industriais, quando tanques
pores) presentes no ar, bem como o grau de suscetibilidade ou tubulações contendo tais substâncias se rompem. 5 In-
1
do indivíduo exposto, são os fatores que mais pesam para o toxicações por fertilizantes6 e agrotóxicos, tanto em sua
surgimento dessas doenças.• industrialização como em seu uso no campo, não são in-
Historicamente, há quase 2.000 anos, referências vinham comuns.
sendo feitas sobre os efeitos nocivos das poeiras minerais Em relação às doenças pulmonares ocasionadas pela ina-
sobre a saúde humana, com progressivo interesse quanto lação de poeiras orgânicas, o conhecimento é mais restrito.
aos perigos inerentes a certas ocupações. Com o advento da D entre elas, a bissinose- a qual ocorre em pessoas que tra-
Revolução Industrial, o risco de aparecimento das doenças balham com algodão, linho, cânhamo, etc. - tem sido bem
profissionais foi se multiplicando, tomando-se cada vez mais documentada.8 A asma e os sintomas de vias aéreas superio-
evidente que a saúde dos trabalhadores deveria ser protegi- res, que ocorrem sobremaneira em indivíduos atópicos que
da, por meio de cuidados médicos e legais apropriados. se expõem continuadamente a produtos orgânicos, em geral
Hoje, a legislação pertinente inclui regras rígidas de constituem-se em problemas bastante frequentes, cuja solu·
profilaxia, com fiscalização atuante, leis e portarias perio- ção pode ser difícil, muitas vezes passando pelo afastamento
dicamente revisadas/ sobretudo no que concerne às pneu- dos indivíduos afetados de seu ambiente de trabalho.9
moconioses mais bem estudadas - silicose, pneumoconiose No Brasil, a partir do trabalho pioneiro de N unes, em
dos mineiros de carvão e asbestose. This medidas de prote- 1886, publicações versando principalmente sobre silicose
ção à saúde do trabalhador, fundamentadas principalmente têm sido registradas. Dent re elas, destacam-se os estudos
na redução do teor de poeiras "respiráveis" nos ambientes nas minas de ouro de Morro Velho, em Minas Gerais, efe·
de trabalho, têm sido aplicadas nos últimos 20 a 30 anos/ tuados em 1940-42, nas minas de carvão no Rio Grande do
refletindo-se no correspondente declínio do número de ca- Sul, em 1943, em indústrias (195~57) e em pedreiras (1972)
sos dessas doenças. no Estado de São Paulo. Mendes, em 1979, fez um completo
Uma exceção é a asbestose, a qual tem mostrado aumen- apanhado sobre o assunto até então, e relatou 119 casos de
to progressivo de incidência, mesmo em países desenvolvi- silicose entre 3.440 pacientes internados por tuberculose em
dos, pelo uso disseminado do amianto em numerosas ativi- hospitais da Região Sudeste do Brasil. 10
Em 1980, Morrone apresentou 195 casos da doença em ca ou neoplásica, a magnitude da exposição se correla-
18.000 trabalhadores cadastrados no Serviço Social da In- ciona melhor com a incidência do que com a gravidade
dústria (SESI) no Estado de São Paulo" e, no mesmo ano, da doença.
em estudo desenvolvido no Rio Grande do Sul, de 3.800 tra- • A suscetibilidade a determinado agente varia entre indi-
balhadores em minas e indústrias, foram encontrados 250 víduos, sofrendo a influência de fatores genéticos, pró-
casos com alterações radiográficas compatíveis com silicose, prios do indivíduo, e adquiridos.
achado que manteve estreita correlação com os níveis de sí- • Existe um período de latência conhecido para cada tipo
lica livre determinados nos ambientes onde se desenvolviam de exposição. Manifestações recorrentes logo após ex-
as ocupações. 12 Em 2006, Terra Filho e Santos revisaram o posições repetidas sugerem asma ocupacional. Doenças
problema da silicose no Brasil e em outros países; 13 em 2008, crônicas, como pneumoconioses ou câncer, têm período
1.147 casos de pneumoconiose na região de Campinas (SP) de latência prolongado.
foram minuciosamente estudados por Lido e colaboradores,
92,5% sendo de silicose e 93,7% ocorrendo em indivíduos do
sexo masculino.14
Com o avanço do progresso tecnológico, na busca de sa-
Patogenia
tisfazer as necessidades cada vez maiores da humanidade em A doença ocupacional pulmonar tem como principais fato-
termos de energia, alimentação, conforto e segurança, inú- res para sua ocorrência o aporte e a permanência do agen-
meros novos produtos químicos são lançados anualmente no te nocivo no aparelho respiratório, inalado junto com o ar
mercado; além disso, a pesquisa de substâncias minerais se- a partir do ambiente de trabalho. Nesse sentido, tal agen-
gue sempre intensa, e a produção anual de grãos e de outros te deve existir em quantidades significativas, por um lado,
alimentos tem aumentado. Um enorme contingente de pes- e, por outro, os mecanismos de defesa que se opõem à sua
soas é envolvido nessas atividades, ficando elas em exposição entrada no organismo devem ser vencidos. Para cada agen-
direta a ambientes de trabalho potencialmente nocivos, nos te agressor presente no ambiente de trabalho, há um limite
quais, muitas vezes, o reconhecimento dos poluentes não é de tolerância (LT), concentração acima da qual a chance de
feito de imediato, tardando, assim, as medidas de proteção. aparecimento de doença começa a aumentar. As técnicas
O problema reveste-se de tal magnitude e complex.i dade, de determinação do tipo e da quantidade dessas substâncias
exigindo solução de tamanha grandeza, que excede muito o agressoras são diferentes, conforme se trate de gases ou de
âmbito da atividade médica isolada. Para resolvê-lo, faz-se material "particulado".
necessário um esforço conjunto de engenheiros, geólogos, Os mecanismos de defesa do aparelho respiratório são
higienistas e governantes. basicamente de três tipos: 1) aqueles que tendem a impe-
dir que o agente agressor atinja as estruturas mais nobres,
como a interrupção da respiração, a umidade das superfícies
~ATENÇÃO mucosas e a tortuosidade e angulação dos condutos; 2) os
que retiram o material que chega a essas estruturas, como o
tapete mucociliar, o sistema de transporte alveolar e a tosse;
As pneumoconioses são as doenças pulmonares
ocupacionais mais diagnosticadas no mundo; entre- e 3) os que procuram inativar ou detoxificar as substâncias
tanto, nos pafses desenvolvidos, a asma é a doença estranhas que ganham a intimidade dos tecidos, como a fa-
gocitose.15 Thmanho, forma, densidade e grau de higroscopi-
pulmonar ocupacional mais prevalente.
cidade das partículas são fatores importantes na determina-
ção da deposição delas, bem como frequência e amplitude
dos movimentos respiratórios. 16
Na abordagem das doenças ocupacionais, alguns princí-
pios devem ser considerados:

• As doenças pulmonares ocupacionais geralmente são ~ ATENÇÃO


subdiagnosticadas, e o quadro clinico é indistinguível do
de doenças sem etiologia ocupacional. Tem sido estimado que a deposição máxima de par-
• Muitas vezes, a relação entre exposição ocupacional e tfculas no compartimento alveolar do pulmão ocorre
doença resultante é difícil de ser estabelecida, porque a quando elas possuem um diâmetro aerodinâmico da
doença é multifatorial e o fator ocupacional pode reagir ordem de 1,0 a 2,0 !IITl·
sinergicamente com outro fator, multiplicando o risco
(um exemplo é a exposição ao asbesto associada ao ta-
bagismo). Esse compartimento mais nobre no homem adulto tem
• A exposição no ambiente de trabalho a um mesmo agen- cerca de 70,0 m2 de área, e para ali são mobilizados, através
te pode causar quadros clínicos e patológicos diferencia- da ventilação, em torno de 8,0 a 12,0 m3 de ar por dia- po-
dos, e a relação entre dose da exposição e gravidade da dendo isso ser triplicado durante exercício fisico.
doença também varia de acordo com o tipo de agente. A O diâmetro aerodinâmico (DA) é uma grandeza que
relação dose-efeito é muito mais importante nos proces- permite expressar o comportamento de uma partícula não
sos não imunológicos. Nas doenças com base imunológi- esférica em movimento no ar como se fosse esférica. É o diã-
metro de uma esfera de densidade unitária que teria a mes- pneumoconioses, como silicose, asbestose e pneumoconiose
ma velocidade terminal de deposição da partícula em estudo dos mineiros de carvão.
(não esférica). De modo geral, as partículas com mais de Por último, o desenvolvimento de neoplasia pode ocor-
5,0 f.Lm de DA, ou com menos de 0,01 j.lm, ficam retidas nos rer devido à presença de substâncias cancerígenas no am-
compartimentos nasofaringeo e traqueobrônquico, por meio biente de trabalho. Bem conhecida é a relação entre me-
de colisão inercial e por difusão, respectivamente. As poei- sotelioma e asbesto, especialmente a crocidolita (asbesto
ras depositadas na porção ciliada do compartimento nasofa- azul). 1920 A exposição a materiais radioativos, arsênico, ní-
ringeo e nas estruturas traqueobrônquicas são rapidamente quel e cromo também tem sido relacionada com o apareci-
removidas desses locais, ao passo que, da fração que atinge mento de tumores no pulmão. O período que decorre entre
o compartimento pulmonar, cerca de 40% são dali retiradas a exposição e a identificação clínica da doença costuma ser
em24 horas. bastante longo.
Uma vez estabelecida a permanência do agente inalado Uma das indagações mais frequentes é o porquê da
nas estruturas respiratórias, a reação fisiopatológica que se doença não afetar igualmente todos os trabalhadores expos-
segue dependerá fundamentalmente da natureza dele, mas tos. A explicação estaria no polimorfismo genético que pro-
também da qualidade e da intensidade da resposta tecidual. duziria diferenças na susoetibilidade às substâncias inaladas
Os gases tóxicos irritantes, como a amônia, o cloro e os óxi- pelos trabalhadores. Interações entre exposição, predisposi-
dos do nitrogênio, em função do elevado grau de solubilida- ção atópica, estado nutricional, exposição doméstica e fato-
de que possuem, causam importante reação inflamatória nas res individuais (refluxo gastresofágico, tabagismo e infecções
membranas mucosas do trato respiratório e uma broncop- virais) são comuns, e também podem estar envolvidas na pa-
neumonia química aguda, muitas vezes fatal. togenia dessas doenças.
Os gases asfixiantes, como o monóxido de carbono e os
cianetos, levam a um envenenamento celular, ao interferi-
rem quimicamente nos processos de transporte do oxigênio;
ou, ainda, como o nitrogênio, o dióxido de carbono e o meta-
Investigação
no, ao deslocarem o oxigênio do ar inspirado, podem acarre- A investigação da doença ocupacional respiratória deve ser
tar hipoxemia de graves consequências. orientada em dois sentidos: um deles diz respeito ao pacien-
Indivíduos atópicos expostos a poeiras orgânicas podem, te, com seus achados clínicos, funcionais, radiográficos e
dentro de quatro a cinco anos de atividade, desenvolver cri- anatomopatológicos; o outro se refere ao ambiente de tra-
ses de broncospasmo durante o trabalho, o que constitui a balho contendo o agente agressor inalável, o qual é, de fato,
asma ocupacional, a qual tem sido descrita em trabalhadores o principal responsável pela possibilidade de ocorrência de
que lidam com cereais, madeira, goma-arábica, detergentes uma doença específica.
enzimáticos, etc." Essas pessoas mostram uma resposta imu- A avaliação clínica do indivíduo exposto fundamenta-
nológica de tipo I, segundo a classificação de Gell e Coombs -se, principalmente, em um questionário objetivo e sumário,
em 1975, mediada por IgE. Individues não atópicos também no qual deve constar a identificação, o local de trabalho e o
podem, após exposição prolongada a um antígeno particu- material trabalhado, a atividade especifica e o tempo de ex-
lar, apresentar crises asmatiformes. Substâncias inorgânicas posição. Além disso, os demais itens de uma anamnese e os
como isocianatos, amplamente uti.lizadas na produção in- dados de exame físico devem fazer parte da avaliação.
dustrial de poliuretano, e sais complexos de platina, além de Também, do ponto de vista da análise funcional respi-
atuarem como irritantes, são capazes, ainda, de desencadear ratória, deve-se preferir simplicidade nas determinações,
episódios de broncospasmo, cujo mecanismo não é bem es- mas sem perda da qualidade. Utilizando-se um espirôme-
clarecido. tro prático, de bom desempenho, devem ser rotineiramente
A inalação repetida de partículas orgânicas de diâmetro verificados a capacidade vital forçada, o volume expira tório
suficientemente pequeno pode, ainda, provocar o apareci- forçado no primeiro segundo e o pico de fluxo. Outros parâ-
mento de uma resposta pulmonar denominada broncopneu- metros, como resistência de vias aéreas, capacidade de difu-
monia de hipersensibilidade (alveolite alérgica extrínseca), são, entre outros, exigem equipamento mais complexo, de
18
dependente de anticorpos precipitadores do tipo IgG difícil aplicação no trabalho de rotina, e seu emprego fica,
Essa manifestação de hipersensibilidade de tipo III - ou em geral, destinado a casos selecionados nos quais se deseja
tipo Arthus- manifesta-se pelo surgimento de febre, tosse um estudo mais aprofundado.
e dispneia, após 4 a 8 horas do momento da exposição ao A investigação radiológica ocupa lugar de destaque na
antígeno. Ocupações em que o trabalhador fique em contato avaliação da doença profissional, constituindo-se no critério
com mofo de feno, de bagaço de cana, de cevada, de quei- mais importante na documentação das pneumocooioses?'
jo, ou com poeira de cortiça, grão de café, excrementos de Permanece como maneira única de detectar, no vivo, a re-
pássaros, entre outros, possibilitam a ocorrência da doença. tenção pulmonar de poeiras minerais, como sílica, carvão,
Nessas diversas situações, têm sido encontradas precipitinas entre outros; por isso, uma radiografia de tórax anormal tem
contra vários materiais proteicos, como pequenos esporos de sido aceita como evidência legal da exposição a tais poeiras
fungos, soro de pássaro, etc. e, ainda, com base nesse exame, é decidida a compensação
Outra maneira de o pulmão responder à presença de devida ao trabalhador acometido.
substâncias inaladas é por meio de uma reação fibrótica - Duas são as classificações radiológicas de uso comum nas
focal ou maciça - que, caracteristicamente, verifica-se nas pneumoconioses: a ILO 1958 (Intemational Labour Office)
e a Oassificação UICC 1970 (Union lnternationale Contre opacidades redondas podem ser de tipo p (com diâmetro
le Cancer), as quais foram combinadas, resultando na clas- de até 1,5 mm), q (com diâmetro entre 1,5 e 3,0 mm) e r
sificação ILO/UICC 1971, podendo ser usada para todas as (com diâmetro entre 3,0 e 10,00 mm); as pequenas opacida-
pneumoconioses, incluindo a asbestose. Essa classificação des irregulares podem ser de tipo s (irregularidades finas),
foi revisada em 1980 e em 2000.22 A classificação valoriza: t (irregularidades médias) eu (irregularidades grosseiras).
a) o tamanho das opacidades pulmonares à radiografia, as Segundo o grau de profusão das pequenas opacidades, uma
quais podem ser pequenas, com diâmetro inferior a 1,0 em, pneumoconiose simples pode pertencer às categorias inter-
e b) o grau de profusão (número por unidades de área) das mediárias, à esquerda ou à direita destas. Há, ao todo, 12
pequenas opacidades. O tamanho das opacidades é medido possibilidades de classificação quanto ao grau de profusão
diretamente na radiografia obtida em projeção póstero-an- dessas lesões, indo desde uma radiografia absolutamente
terior, e o grau de profusão é estabelecido por meio de com- normal, indicada por 0/-, radiografia normal 0/0, radiogra-
paração com ftlmes padronizados, cuja coleção é fornecida fia decidida como normal, mas na qual a categoria I deveria
aos interessados. ser considerada, indicada por 0/1, radiografia indicativa da
Quando em uma radiografia existem somente pequenas categoria 1, mas na qual a categoria O também deveria ser
opacidades, a pneumoconiose presente é dita "pneumoco- considerada, dada por 1/0, até as radiografias definidamen-
niose simples" (FIGURA 49.1J; quando, porém, houver grandes te anormais, representativas das categorias 1/1, 1/2, 2/1, 2/2,
opacidades, trata-se de uma "pneumoconiose complicada" 2/3, 3/2, 3/3, 3/ +.
(FIGURA 49.2). Uma pneumoconiose complicada- caracterizada pela
Uma pneumoconiose simples pode ser constituída por presença de grandes opacidades -pode encontrar-se em
pequenas opacidades redondas ou irregulares. As pequenas um destes três estágios (categorias): A - quando houver
uma opacidade cujo maior diâmetro estiver entre 1,0 e
5,0 em, ou mais de uma opacidade com 1,0 em ou mais
de diâmetro, mas cuja soma desses diâmetros não ultra-
passe 5,0 em; B -uma ou mais opacidades cujo diâmetro
combinado seja maior do que 5,0 em, mas que tenha área
total menor do que um terço de um pulmão; C - uma ou
mais opacidades cuja área exceda um terço de um pulmão.
A pneumoconiose complicada também é chamada de "fi-
brose maciça progressiva" e costuma se manifestar sobre
um fundo constituído de uma pneumoconiose simples de
categoria 2 ou 3.
O que foi apresentado antes sobre a classificação das
pneumoconioses pode ser reunido no seguinte esquema:

I. PNEUMOCONJOSE SIMPLES (opacidades com menos


de 1,0 em de diâmetro):
a. De pequenas opacidades redondas
1. Tipo p - diâmetro de até 1,5 mm.
2. Tipo q- diâmetro entre 1,5 e 3,0 mm.
FIGURA 49.1 ~ Caso de pneumoconiose simples (pequenas opacida- 3. Tipo r- diâmetro entre 3,0 e 10,0 mm.
des): silicose.

FIGURA 49.2 ~ Caso de


pneu moconiose complica-
da (grandes opacidades) :
silicose. (A) aspectos radio-
gráficos; (8) aspectos tomo-
gráficos, verificando-se a
presença de massas conglo-
meradas e áreas de enfisema
paracicatricial.
. ..

b. De pequenas opacidades irregulares nar causada pela poeira de silica. Até o primeiro quano do
I. Tipo s- diâmetro de até 1,5 mm. século XX, doença ocupacional era praticamente sinônimo
2. Tipo t- diâmetro entre 1,5 e 3,0 mm. de silicose. 23
3. Tipo u- diâmetro entre 3,0 e 10,0 mm. Com o desenvolvimento da radiologia, com a execução
Obs.: Os graus de profusão são 1/1, 212, etc. de maior número de exames anatomopatológicos e com a
realização de estudos epidemiológioos e experimentais, ou-
/1. PNEUMOCONIOSE COMPLICADA (opacidades com tras causas de doença foram sendo mais bem caracterizadas
mais de 1,0 em de diâmetro): e identificadas em indivíduos envolvidos nas atividades do
a. Categoria A - opacidades com diâmetro de 1,0 a 5,0 crescente progresso industrial. Paralelamente, surgiu a ne-
em. cessidade de o termo "pneumoconiose" ser redefinido, o
que foi feito em 1971, como sendo "o acúmulo de poeira nos
b. Categoria B- opacidades com mais de 5,0 em de diâ-
pulmões e a reação tecidual à sua presença", com "poeira"
metro e menos de um terço do pulmão.
significando "um aerossol composto de partículas sólidas
c. Categoria C- opacidades com área maior do que um inanimadas".
terço de um pulmão. As pneumoconioses mais comuns são a pneumoconio-
se dos mineiros de carvão, a silicose e a asbestose. Outras,
O exame anatomopatológico, embora seja em muitos ca- menos frequentes, são a baritose, a siderose, a caulinose, a
sos o exame comprobatório da doença, não costuma estar talcose e a beriliosc.
incluído na investigação de rotina das doenças ocupacionais.
Entretanto, acaba sendo executado quando há dúvida diag-
nóstica ou falta de coerência entre os demais achados. Pneumoconiose dos mineiros de carvão
A avaliação do ambiente de trabalho, no que conccrne Resulta da exposição à poeira "respirável" proveniente do
à potencialidade de o agente inalado causar doenças respi- carvão mineral, desprendida durante a mineração. Dos qua-
ratórias, é efetuada mediante análises qualitativa e quan- tro tipos de carvão - lignito, subbetuminoso, betuminoso e
titativa dos contaminantes do ar que está sendo inalado antracito - este último é o que encerra maior quantidade
pelos indivíduos que atuam no ambiente. Existem técnicas de energia, sendo também responsável pelo maior número
de coleta e de análise especiais para cada tipo de poluente de casos de doença e de doença progressiva, especialmente
doar. quando minerado no subsolo. Quanto maiores forem a in-
Uma vez identificada a presença de um agente nocivo e tensidade e a duração da exposição, maiores serão as chan-
dete.rm.inada sua concentração, os achados são, então, com- ces de desenvolvimento da doença, ocorrendo ela mais vezes
parados com dados previamente fiXados, denominados "li- nos operários de "frente de trabalho", como os perfuradores
mites permissíveis de exposição" ou "limites de tolerância" e carregadores com mais de 10 anos de trabalho."' As múlti-
para aqueles agentes. plas pequenas lesões nodulares da pneumoooniose não com-
Os gases como o dióxido de nitrogênio são recolhidos do plicada, visualizadas radiologicamente, representam sobre-
ambiente através de tubos coletores c analisados por meio tudo focos de fibrose no nível de bronquíolos respiratórios,
de processos cromatográficos, cspectrofotométricos, entre circundados por enfisema focal.
outros, e os resultados encontrados costumam ser expressos Cerca de 1 a 2% dos indivíduos ponadores de pneumo-
em "panes por milhão" (ppm), ou em "mg/m3 ". Quando o coniose simples desenvolvem "fibrose pulmonar maciça"
agente se apresenta sob a forma de partículas em suspen- a cada ano que passa. Essa pneumoconiose complicada
são no ar, como o caso da sllica, a caracterização da fração caracteriza-se pela presença de grandes massas fibróticas
respirável pode ser feita pela contagem, utilizando-se um predominando nos lobos superiores de ambos os pulmões
confmetro, com os resultados expressos em "número de e que podem até escavar. Algumas teorias tentam explicar a
partículas por ml", ou pela pesagem, empregando-se um co- ocorrência dessas massas conglomeradas. Evidências clíni-
letor gravimétrioo seletivo, exprimindo-se os resultados em cas e experimentais em animais sugerem que micobactérias,
"mg por m3". A difração de raios X, a espectrofotomctria de incluindo as atípicas, poderiam estar envolvidas em sua pa-
infravermelho e a colorimetria são técnicas utilizadas para togênese. Do ponto de vista clínico, a pneumoconiose dos
identificar a natureza da partícula. mineiros de carvão não complicada não oostuma determinar
manifestações significativas, bem como do ponto de vista
funcional respiratório, em que se observa, via de regra, um
padrão obstrutivo. Entretanto, quando a pneumoeoniose é
Pneumoconioses complicada, sintomas importantes como dispneia podem
O termo "pneumoconiose" foi criado por Zenker, em 1866, surgir, indicando a grave perturbação funcional subjacente.
para designar um grupo de doenças pulmonares decorrentes A pneumoconiose reumatoide, ou síndrome de Caplan,
de exposição a poeiras fibrosantes. Kussmaul, em 1867, de- foi descrita em 1953 em mineiros de carvão ponadores de
monstrou ser a silica o oomponente mais imponante dessas doença reumatoide, ou que apresentavam títulos séricos
poeiras, como agente cau.s ador das doenças, o que já havia elevados de fator reumatoide. Caracteriza-se pelo rápido
sido previamente registrado por Ramazzini. O termo "silico- desenvolvimento de nódulos circunscritos, de até 5,0 em de
se", entretanto, foi empregado pela primeira vez por Viscon- diâmetro, com ou sem evidência adicional de uma pneu-
ti, em 1870, indicando de forma especffica a doença pulmo- moconiose simples. Os nódulos exibem anéis ooncêntrioos
de inflamação ativa, necrose e poeira de carvão. Há dados (dois anos, por exemplo). Neste caso, em geral, representam
sugerindo a presença de um fator imunológico humoral no formas graves, rapidamente progressivas, de silicose aguda.
doente reumatoide que, em interação com a poeira no pul- Thnto a forma aguda da silicose - mais rara - como a
mão, levaria ao surgimento da lesão nodular. A sindrome de forma crônica - mais comum -, uma vez instaladas, geral-
Caplan tem sido verificada também em outras pneumoco- mente progridem, mesmo que as pessoas acometidas sejam
nioses.25 afastadas de oontato ulterior com a poeira. A nodularidade
As pessoas envolvidas na indústria do carvão mineral de- da pneumoconiose não complicada costuma distribuir-se
vem ser submetidas a um exame médico pré-admissão, que igualmente por ambos os pulmões, mas sua densidade pode
inclua radiografia de tórax e avaliação funcional respirató- ser modificada pela presença de infecção e de outras poei-
ria, o que deve ser repetido pelo menos a cada cinco anos ras. Cerca de 20 a 30% dos indivíduos portadores de silicose
enquanto durar a exposição. Detectada a pneumoconiose simples acabam desenvolvendo a doença complicada, com
simples, o trabalhador deve ser afastado do contato com a fibrose pulmonar grave.
poeira. Existem evidências de que, se tal conduta for segui- Calcificações "em casca de ovo" de gãnglios mediastino-
da, a progressão para fibrose pulmonar maciça pode ser evi- pulmonares (FIGURA 49.3) são virtualmente patognomônicas
tada. de silicose. O rápido desenvolvimento das lesões pulmona-
Com relação à concentração de poeira respirável do car- res, em particular se delas fizerem parte cavitações, deve
vão mineral, é desejável que, nos ambientes de trabalho, ela levar à suspeita da ooexistência de tuberculose. É reconhe-
não ultrapasse 2,0 mgfm3. Os locais identificados como de cido que a silicose pode favorecer o desenvolvimento de tu-
alto risco, nos quais a concentração é elevada, exigem a ado- berculose, e a incidência de tuberculose pulmonar tem sido
ção de medidas efetivas para redução dos teores de poeira, registrada como maior em silicóticos do que na população
especialmente através de ventilação adequada. geral.'Cl.l'
A silicose simples em geral é assintomática, não costu-
mando determinar perturbação funcional detectável pelos
Silicose testes de uso rotineiro. Na doença complicada, surge disp-
É a pneumoconiose resultante da exposição à poeira de sfli- neia de esforço, progressiva, e, com a evolução da fibrose
ca. Tem sido a mais amplamente estudada de todas as doen- pulmonar maciça, a hipertensão arterial pulmonar se evi-
ças profissionais." O dióxido de silício (Si02) é de ocorrên- dencia, acabando pela instalação de cor pulmonale. O curso
cia comum, constituindo-se no mais frequente componente clínico na silicose aguda é fulminante, em geral muito curto
da crosta terrestre, onde se apresenta sob três variedades e com início abrupto dos sintomas.
cristalinas principais: quar120, tridimita e cristobalita. A exposição à sflica, em intensidade suficiente para resul-
A inalação das pequenas partículas insolúveis de sílica tar na pneumoconiose, ooorre em diversas ocupações, entre
cristalina e a permanência delas nos pulmões acabam deter- as quais se destacam mineração, fundição, indústria de cerâ-
minando a doença, caracterizada pela presença de múltiplos mica, oonstruções de estradas, pontes e túneis, trabalhos com
nódulos fibrosos discretos, em geral com diâmetro de 2,0 a jatos de areia, em pedreiras e manufatura de sabões abrasivos.
6,0 mm, distribuídos bilateralmente. Esses nódulos podem, Quanto mais próxima das vias respiratórias estiver a fonte das
entretanto, coalescer, formando massas conglomeradas
de tecido fibroso. Histologicamente, o nódulo silicótico é
formado por um centro avascular, relativamente acelular,
constituído por fibras de reticulina hialinizadas concentri-
camente, misturadas com fibras colágenas situadas mais na
periferia.
As partículas de sflica, responsáveis pela reação, podem
ser visualizadas usando-se luz polarizada, uma vez que são
birrefringentes. A identificação da silica no pulmão pode
ser feita pela difração de raios X, ou pela análise química
da cinza proveniente do órgão incinerado. O início do pro-
cesso lesional parece ocorrer a partir do momento em que
os macrófagos carregados de poeira morrem, com liberação
de silica, que estimula a atividade fibroblástica. No colágeno
hialinizado, identifica-se um material proteico rico em ga-
maglobulina, fato este que sugere fortemente a atuação de
algum mecanismo imunológico responsável pela propagação
da fibrose.26
Radiologicamente, a evidência da pneumoconiose cos-
tuma surgir em indivíduos com 10 a 20 anos de exposição à
poeira. Há indicações sugerindo uma fase humor a! da silico-
se, precedendo por vários anos os achados radiográficos. Por
vezes, entretanto, quando a exposição é intensa, as lesões ra- FIGURA 49.3 -7 Calcificações ganglionares "em casca de ovo" (setas).
diológicas podem se manifestar em um período muito curto Aspecto tomogrMico. Caso de silicose.
paitículas ou quanto mais concentradas estiverem tais partí- têxtil, em dispositivos isolantes, em tintas, em plásticos, em
culas - o que é muito mais comum em ambientes fechados - , lonas de freio de automóveis, entre outros. O risco de expo-
maiores serão os riscos de desenvolvimento da doença. sição ao asbesto existe desde a obtenção do mineral, em seu
A determinação do LT {limite de tolerância) para a Stlica transporte, em seus usos, e até na destruição daquilo que foi
leva em conta múltiplas variáveis, como a patogenicidade dos usado, como é o caso das demolições.
diversos tipos de sOica, o efeito da exposição concomitante às O uso do asbesto, cada vez mais amplo em todo o mun-
outras poeiras, a variabilidade da resposta individual, entre ou- do, tem levado ao aumento do número de pessoas expostas,
tras. Para partículas de quartzo, o valor do Ll; no Brasil, para onrn a consequente maior quantidade de casos de asbestose
48 horas semanais de trabalho, é dado pela seguinte fórmula: notificados anualmente. No Brasil, em 2001, uma revisão
sobre os sroblemas causados pelo asbesto foi efetuada por
Mendes.
8 Em geral, as evidências radiológicas ou clinicas de asbes-
LT =
3
(em mgfm )
% Si01 + 2 tose não aparecem antes de 20 anos de exposição. Contudo,
exposições tão curtas como 2 a 6 meses podem desencadear
a doença, a qual se manifesta 20 a 30 anos mais tarde.
A determinação da "% SiOt é feita pela difração de A patogenia da asbcstose não é conhecida de modo pre-
raios X ou pela espectrofotometria de infravermelbo na ciso. Pensa-se que possa haver lenta liberação de ácido siH-
amostra de poeira total colhida por método gravimétrico. cico, ou uma reação imunológica, com a partícula inalada
Para as variedades mais patogênicas de sílica cristalina- cris- servindo como antígeno. A fibra de asbesto, em geral com
tobalita c tridimita - , o LT é calculado pela mesma fórmula menos de 3 ~m de diâmetro, mas com comprimento de 20
utilizada para o quartzo, mas com o resultado expresso como J.Lm ou até mais de 100 J.Lm, é capaz de penetrar profunda-
a metade do valor encontrado. mente no trato respiratório inferior. O edema das células
Uma vez reconhecida a presença de sflica respirável no alveolares parece ser a resposta inicial do pulmão à presença
ambiente de trabalbo, medidas gerais, objetivando manter da fibra. Seguem-se uma alveolite descamativa e o espessa-
os teores de poeira em nfveis aceitáveis, devem se.r tomadas, mento das paredes alveolares com tecido colágeno, e, por
com ventilação adequada e umidificação. Nos locais em que fim, obliterações de alguns alvéolos por feixes de colágeno.
a concentração persiste elevada, como nas situações de cons- A reação fibrótica é relativamente acelular, com ocasionais
trução de túneis ou aplicação de jato de areia, a proteção linfócitos e células plasmáticas, em especial junto à pleura.
efetiva ao trabalbador pode ser obtida isolando-o da poeira, Os corpos de asbesto (corpos ferruginosos), que apaie-
suprindo-o de ar proveniente de fonte exterior ao ambiente. cem como fibras de coloração marrom ou negra, medindo
Quando possível, a sílica deve ser substituída por outro ma- até 100 pm de onmprimento, costumam ser encontrados em
terial, como o p6 de aluminio, o qual tem sido atualmente grupos tanto no tecido conjuntivo fibroso como nos espaços
empregado no polimento de peças de cerâmica. alveolaies adjacentes às áreas de fibrose, podendo ser identi-
Os indivíduos expostos à sílica devem, periodicamente, ficados no lavado brononalveolar. Apresentam as extremida-
ser submetidos a uma avaliação médica que inclua radio- des mais espessas (AGURA 49.4) e são formados por uma fibra
grafia de tórax. Detectada anormalidade compatível com em posição central, envolvida por urna camada proteica con-
a doença, a pessoa acometida deve ser afastada do contato tendo grãnulos de ferritina. Há evidências de que os corpos
com a poeira c orientada quanto aos cuidados médicos c di- de asbesto constituam uma reação dos tecidos no sentido de
reitos que a legislação lhe faculta. Uma vez estabelecida, a atenuai os efeitos fibrogênicos da fibra inalada. Além das le-
doença não tem tratamento medicamentoso.

Asbestose
Esta pneumoeoniose é consequência da exposição ao asbes-
to. Asbesto é um termo geral usado para descrever seis va-
riedades distintas de silicatos minerais fibrosos. A crisotila
(asbesto branco), cujas fibras se apresentam sob forma de
serpentina, é constituída por um silicato hidratado de mag-
nésio; representa cerca de 95% da produção mundial do mi-
neral, tendo-se o Canadá como principal produtor. A croci-
dolita (asbesto azul), aamosita (asbesto marrom), aantofilita
e a tremo/ira formam a famnia dos anfibolos, cujas fibras têm
configuração retilfnea, incluem ferro em sua composição e
perfazem os 5% restantes da produção. A crocidolita e a
amosita são encontradas na África do Sul e na União Sovié-
tica; a antofilita e a tremolita, na Fin.lãndia.
A grande resistência à destruição por agentes físicos e
químicos faz do asbesto material de escolha para um grande FIGURA 49.4 ~ Corpo de asbesto. Note as extremidades mais espessas.
número de aplicações, como na construção civil, na indústria Corte histológico.
sões pulmonares, são frequentes as placas de fibrose pleural, aéreas, e, desse modo, não serão detectados pelos testes roti-
que podem calcificar (FIGURA 49.5). neiros de função pulmonar. As anormalidades radiográficas
Radiologicamente, espessamento e placas pleurais são as podem ser extensas, sem a correspondente perturbação fun-
anormalidades mais detectadas na asbestose. Em geral são bi- cional demonstrável. Testes mais sensíveis, por outro lado,
laterais e podem conter significativas quantidades de cálcio. podem evidenciar redução na capacidade de difusão e au-
As lesões de fibrose pulmonar intersticial, visualizáveis em mento do gradiente alveoloarterial do oxigênío em pacientes
50% dos casos, seguem o padrão reticular e costumam iniciar- que não apresentam tradução clínica da doença. Nos casos
-se pelas metades inferiores dos pulmões. A adenopatia hilar mais avançados, um padrão restritivo se exterioriza.
não constitui achado proeminente, mas às vezes pode ser ma- A associação de mesotelioma pleural e de carcinoma
ciça, mesmo na ausência de tumor. Derrame pleural pode es- brõn~uico com a exposição ao asbesto é bem documenta-
tar presente, seja unilateral ou bilateralmente. Em uma sêrie da,19' e há indicações de que o contato com esse mineral
de 133 indivíduos adultos (131 do sexo masculino), os quais aumenta o risco de desenvolvimento de outras neoplasias,
haviam sido expostos ao asbesto e que eram portadores de como carcinoma de estômago, colo, ovário e laringe. Habi-
doença não neoplásica, 80% apresentaram achados de fibrose tualmente, o período de latência desde o início da exposição
pulmonar e 85%, espessamento pleural difuso à tomografia até a detecção do tumor é longo - em geral superior a 20
computadorizada de alta resolução. 29 anos. A crocidolita (asbesto azul) é a variedade que mantém
As manifestações iniciais mais comuns na asbestose são a mais estreita correlação com o aparecimento de mesotelio-
dispneia e tosse improdutiva irritante que surgem, via de re- ma, o qual costuma ser do tipo maligno difuso (FIGURA 49.6).
gra, somente após 20 a 30 anos de exposição. À medida que Thmbém em relação ao risco de surgimento de carcinoma
a doença evolui, essas manifestações progridem, estertores brônquico - que pode ser de qualquer tipo histológico - , pa-
subcrepitantes finos de bases pulmonares podem ser auscul- rece que a crocidolita e a amosita oferecem maior perigo do
tados e, nos estágios avançados, cianose e hipocratismo di- que a crisotila e a antofilita.
gital podem se manifestar. Quando há derrame pleural, dor A avaliação do risco ambiental ao asbesto é efetuada
torácica do tipo ventilatório-dependente é referida. coletando-se uma determinada quantidade de ar sobre uma
Existem evidências de que os primeiros efeitos da expo- membrana de filtro e contando-se as fibras por meio de um
sição ao asbesto se fazem sentir no nível das pequenas vias microscópio de contraste de fase em ampliação de 400 a

FIGURA 49.5 ~ Caso de asbestose. Presença de


placas pleurais calcificadas. (A) aspecto radiográfi·
co; (B) aspecto macroscópico à cirurgia.

FIGURA 49.6 ~ Mesotelioma


pleural maligno difuso. Ext enso
comprometimento do hemitórax
direito, progressivo no tempo (A
para B).
450x. O limite atualmente estabelecido é de 0,1 fibra por cm3 ser desencadeados pela inalação inadvertida de detergentes
de ar. com amônia ou cloro. A presença de disfunção de cordas
Ventilação exaustora, umidificação e limpeza dos am- vocais pode, em determinado momento, mimetizar crises
bientes de trabalho por aspiração, e não por varredura, são asmáticas.
cuidados importantes que devem ser tomados no sentido da
manutenção dos teores de poeira em níveis aceitáveis. Em
locais onde não é possível essa manutenção, uma fonte de Traqueítes, bronquites e bronquiolites
ar exterior ao ambiente de trabalho deve ser providenciada. A traqueíte e a bronquite resultam da inflamação da mu-
Sempre que possíve~ é preferível não usar a erocidolita, mas, cosa, reacional ao material inalado, sendo os s.i ntomas
quando for utilizada, cuidados maiores deverão ser tomados. mais frequentes a tosse e a expectoração. A irritação crô-
nica leva a hiperplasia e hipersccreção glandular e, em
casos graves, pode determinar hiper-responsividade brôn-
quica como sequela quando a bronquite for solucionada.
Outras doenças ocupacionais Quadros de bronquite ocupacional são verificados em in-
Exposições a substâncias minerais ou orgânicas diversas po- dústrias com presença de gases e poeiras, em atividades
dem levar a outras doenças das vias aéreas, tanto superiores de limpeza, produ8ão de alimentos, com grãos, algodão
como inferiores (QUADROS 49.1 e 49.2), frequentemente de- e uso de soldas. 32.l Dispncia, dor torácica e um quadro
sencadeando manifestações mediadas por estados de hiper- obstrutivo com sibilância frequentemente são encontra-
sensibilidade do individuo. dos e confundidos com fenômenos asmáticos A presença
de infiltrados pulmonares é comum em casos mais graves.
A terapêutica precoce com corticoterapia pode reduzir a
Rinite e laringite mortalidade a longo prazo.
A rinite ocupacional apresenta sintomas semelhantes aos
da r inite alérgica perene ou sazonal - rinorreia, espirros,
congestão nasal, prurido.30 A diferença consiste no fato de Asma
somente ocorrerem sintomas quando há exposição a parti- Mais de 250 substâncias têm sido identificadas em ambien-
cuias no ambiente de trabalho. A rinite geralmente precede tes de trabalho relacionadas com asma ocupacional, poden-
a asma ocupacional.3' do ser clivididas em dois grupos: as de alto peso molecular
Trabalhadores na indústria de fertilizantes químicos, (maior do que 1.000 dáltons), habitualmente alergênios
onde a rocha fosfátiea é manipulada, apresentam alta preva- (orgânicos), e as de baixo peso molecular (inferior a 1.000
lência de sintomas de rinite (43%), de conjuntivite (35%) e dá! tons), em geral agentes químicos, como o tolueno isocia-
de tosse (30%); entretanto, achados radiográficos intratorá- nato.17J;
cicos anormais e alterações significativas da função pulmo-
nar são quase inexistentes nesses indivíduos.' Esses sintomas
de vias aéreas superiores e oculares também são prevalentes
QUADRO 49.2 ~ causas comuns de doenças ocupacionais de vias
entre trabalhadores expostos a poeiras de grãos vegetais, os
aéreas inferiores
quais manifestam algumas vezes tosse e sibilância, e rara-
mente alteração radiológica ou funcional pulmonar.'
Bronquite
O principal sintoma da laringite ocupacional é a rou-
quidão. A inflamação e o edema das cordas vocais podem - Dióxido sulfúrico - Poeira de minerais
- Cimento e rochas
- Tabaco

Bronquiolite
QUADRO 49.1 ~ causas comuns de doença ocupacional de vias - Acetaldeldo - Amônia
aéreas superiores
- Gás dotínico - Hidrogênio
- Dióxido de - Fosgênio
Rinite e laringite nitrogênio
- Poeira de confeitaria - Poeira de animais e gramíneas
- Etilenodiamina - lAtex Asma
- Polens - Protelnas de cobaias - Ácido anfdrico - Aldeldo - Acrilatos
- Ác.ido anldrico - Amônia - Proteínas animais - Cobalto - Poeira de gr~os e
- Ácido hipoclorldrico - Metais pesados - Poeira de madeira - Etilenodiamina farinhas
- Dióxido sulfúrico - Solventes e tlner - lsocianatos - lAtex - Formaldeldo e
- Ácidos fortes - Alvejantes glutaraldeldo
Rinorreia - Gísclorlnico
- Ar frio - Pesticidas
DPOC
Úlcera nasal - úrvão - Sílica - Algodão
- Arsênico - Ácido crOmico e cromatos - Cádmio - Tolueno
- Poeira de gaiolas diisocianato
A asma ocupacional, que se caracteriza por limitação va- Carcinoma brônquico
riável ao fluxo e/ou hiper-reatividade das vias aéreas devido
Existem diversas substâncias com reconhecido potencial
a condições presentes em determinados ambientes de traba-
carcinogênico nos ambientes de trabalho (QUADRO 49.3).
lho, pode significar exacerbação de asma subclínica ou em
Estima-se que em tomo de 5% dos casos de câncer de pul-
remissão, início de asma previamente em latência ou asma
mão possam ser devidos à exposição a tais substâncias, que
devida exclusivamente a um potente irritante respiratório.
podem, por exemplo, fazer parte da composição de tintas
Cerca de 5 a 15% dos casos novos de asma em trabalhadores
diversas, aumentando o risco dessa neoplasia em pintores. 39
podem estar relacionados com exposição ocupacional.
A exacerbação de um processo de asma subclínica cos-
tuma ser causada pela irritação de vias aéreas por poeiras
e substâncias químicas. O desencadeamento das crises por Profilaxia -tratamento
exposição a proteínas de alto peso molecular (partículas de
madeira, de fibras têxteis, grãos ou crustáceos), que estimu-
lam a produção de IgE especffica, é mais observado em in-
0 ATENÇÃO
divfduos atópicos. Já as crises provocadas por substâncias de
As medidas mais importantes no mane;o das doen-
baixo peso molecular (isocianatos) podem ocorrer tanto em
ças ocupadonais s.io as profiláticas.
a tópicos como em não a tópicos.
O diagnóstico de asma ocupacional fundamenta-se, em
geral, no quadro clínico do paciente: piora ou surgimento
dos sintomas durante a exposição ambiental e melhora ou O objetivo que deve ser sempre perseguido é a máxima
desaparecimento deles quando de seu afastamento do am- diminuição dos riscos, reduzindo-se a concentração do fator
biente. A conftrmação diagnóstica pode ser realizada a par- nocivo presente, ou eliminando tal fator nos ambientes de
tir da dosagem de IgE especffica para a substância em estu- trabalho. A existência de normas efetivas de fiscalização e
do, ou, de modo mais simples, pela medida da variação do de controle é essencial para que isso se cumpra.' Os proces-
pico de fluxo no ambiente de trabalho. sos de ventilação e de umidificação, bem como protetores
faciais, devem ser adequados e testados periodicamente me-
diante determinações da concentração ambiental de poeiras
Broncopneumonia de hipersensibilidade e/ou gases, que não deverão ultrapassar seus respectivos li-
As pneumonias por hipersensibilidade (alveolites alérgicas mites de tolerância. Havendo possibilidade de contato com
extrínsecas) podem ocorrer nos ambientes de trabalho, se- substância altamente tóxica, como é o caso de alguns gases, a
cundárias à exposição a substâncias orgânicas e microrganis- prevenção deve ser rigorosa, sendo necessário ter-se sempre
8
mos sensibilizantes.' O afastamento do contato e o uso de à mão condições para cuidados médicos imediatos.
corticoterapia estão indicados em tais casos. O berfiio, além Quando não for possível a redução do teor dos poluentes
de causar doença granulomatosa crônica, também poderia para níveis seguros, fontes de ar exteriores aos ambientes de
levar a manifestações de hipersensibilidadc. trabalho deverão ser providenciadas. A substituição de uma
substância potencialmente nociva por outra inócua - como
a troca de areia por pó de alurninio em polimentos - é algo
Doença granulomatosa crônica sempre desejável.
Esse tipo de envolvimento pulmonar, praticamente indistin- Para a doença pulmonar ocupacional estabelecida, em
guível da sarcoidose, do ponto de vista anatomopatológico, geral não existe tratamento específico. Deve-se evitar ulte-
é causado pela inalação de poeiras ou fumaça de berilio, um rior contato do individuo acometido com o agente causal, e,
metal de amplo uso sobretudo em indústrias de alta tecno- dependendo do dano funcional ocorrido, os cuidados médi·
logia, como aeroespacial, eletrônica, nuclear e de computa- cos gerais apropriados deverão ser tomados - podendo va-
dores.JS Formas agudas de uma pneumonite qulmica e mani- riar desde a simples sedaçáo de uma tosse improdutiva, caso
festações iniciais de hipersensibilidade poderiam anteceder
a forma crônica da doença.:J6J1
QUADRO 49.3 ~ Causas ocupacionais de carcinoma brõnquico
Doença pulmonar obstrutiva crônica
O tabagismo é o principal fator externo envolvido em casos
de doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC), mas gases
IWJ M!:t;t tUo@t3t •!.\IWIJ" mW!!@t t1

e partículas liberadas em ambientes de trabalho também Asbesto Sflica


podem causar bronquite crônica ou enfisema ou contribuir
38 Arsênico Gás mostarda
para o seu surgimento. A silicose e a beriliose associam
componente obstrutivo ao quadro de pneumoconiose. A Clorometil éter Níquel
doença pode progredir por décadas após a suspensão da
exposição. Cádmio, algodão e poeiras minerais também po- Cádmio Radiação ionizante e rad6nio
dem estar envolvidos no processo de obstrução irreversível
do Ouxo aéreo em pacientes expostos por tempo prolongado. Cromo Óleos minerais
de broncodilatadores e corticoides para as crises de asma, 16. Oberdorstcr G. Significancc o( paniele para.mcters in thc evalu·
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Luiz Carlos Corrêa da Silva
50
O diagnóstico da sarcoidose é feito, essencialmente, por
Introdução exclusão: isto é, outras causas de doença granulomatosa de-
A sarcoidose é uma doença multissistêmica, granulomatosa, vem ser afastadas. A decisão de tratar ou não com corticote-
com atividade imunocelular aumentada - particularmente rapia sistêmica dependerá da presença de sintomas, altera-
de células CD4 e macrófagos - de causa desconhecida. Em- ções funcionais, comprometimento de setores importantes
bora possa afetar qualquer parte do organismo, pulmões e do organismo e, enfim, da evolução da doença.
gânglios intratorácicos são os locais preferidos. Avaliações epidemiológicas realizadas em regiões distin-
Mecanismos imunes são importantes na patogenia, tas demonstraram diferenças consideráveis na prevalência,
presumindo-se que diversos gatilhos possam desencadear sazonalidade e apresentação clínica da sarcoidose. A doença
a sequência de eventos imunológicos e inflamatórios que costuma acometer adultos entre 20 e 50 anos, ocorrendo
caracterizam a doença. Fatores genéticos também podem igualmente em homens e mulheres. Em alguns países, como
determinar maior suscetibilidade à sarcoidose. Antes de ser Suécia e Japão, há um segundo pico na meia-idade, sobretu-
uma única doença com uma única causa, é possível que di- do em mulheres. Nos Estados Unidos, a sarcoidose é mais
versos fatores genéticos e ambientais ou infecciosos possam frequente em negros do que em brancos, com uma incidência
estimular uma resposta imune que resulte no desencadea- anual ajustada de 35,5 e 10,9/100.000, respectivamente. Em
mento da sarcoidose. termos mundiais, entretanto, cerca de 80% dos pacientes são
Em geral, os primeiros achados que levantam suspeita de brancos. O eritema nodoso é comum em pacientes escandi-
sarcoidose são vistos em uma radiografia do tórax: adenopa- navos e britânicos, mas raro em afro-americanos e japoneses.
tias bilares bilaterais e simétricas e adenopatias mediastino- O envolvimento cardíaco e ocular é particularmente comum
pulmonares (principalmente paratraqueais direitas e subcari- no Japão. Em países onde a tuberculose e outras doenças
nais), acompanhadas ou não de infiltração pulmonar difusa. granulomatosas infecciosas têm alta prevalência, como no
Winterbauer e colaboradores} chamaram a atenção para o Brasil, a frequência da doença é mais baixa do que em países
fato de que "o achado radiológico de adenopatias hilares bi- desenvolvidos. Nessas regiões, há dificuldade de determinar
laterais e paratraqueais, em indivíduo assintomático, é especí- a frequência real da sarcoidose por causa da ausência de pro-
fico para sarcoidose". A presença de granuloma não caseoso, gramas de rastreamento e da falta de notificação. Sem dúvi-
sem causa conhecida, e evidências de comprometimento mul- da, a sarcoidose é uma doença subdiagnosticada.
tissistêmico característico, como eritema nodoso, alterações Estudos sobre a imunopatogênese da sarcoidose indi-
oculares, aumento das parótidas e hipercalciúria, favorecem cam que uma sequência de eventos nos locais de atividade
esse diagnóstico. O achado histopatológico de granuloma exi- da doença pode explicar por que a resposta das células Thl
ge sempre que se considerem doenças de causa conhecida e de ou Th2 é importante para os mecanismos envolvidos na for-
alta prevalência em nosso meio, como tuberculose e micoses. mação do granuloma e no remodelamento dos tecidos. Na
resposta Thl, observa-se a participação de IL-2 e do IFN-g eritema nodoso, adenopatias superficiais, alterações oculares,
para a formação do granuloma sarcoide (este último supri- hepatomegalia e esplenomegalia podem ser observadas.
me a atividade fibroblástica e a produção de colágeno). Um
desvio para Th2 favorece a atividade da IL-4 que, aumentan-
do a atividade fibroblástica e a produção de colágeno, resul-
ta no desenvolvimento de fibrose.
Exames de imagem
Adenopatias hilares bilaterais simétricas, com envolvimen-
to das cadeias paratraqueal direita e subcarinal, em asso-
Principais características da sarcoidose ciação ou não com infiltração pulmonar difusa, íntersticial,
-+ Doença granulomatosa e multissistêmica micronodular, junto aos feixes broncovasculares, aos septos
-+ Causa desconhecida interlobulares e às regiões subpleurais, predominando nas
-+ Atividade imunocelular aumentada metades superiores dos pulmões, são achados radiológicos e
-+ Preferência por adultos jovens, frequentemente as- tomográficos característicos de sarcoidose (FIGURAS 50.1 , 50.2
sintomáticos e 50.3). Em pacientes com sarcoidose, as avaliações radioló-
-+ Critérios diagnósticos: gica e tomográfica da gravidade da doença mostram correla-
- Sfndrome clfnica compatfveVsugestiva ção similar com os dados clínicos e funcionais.
- Achados radiológicos consistentes Podem ocorrer apresentações radiológicas atípicas como
- Granulomas não caseosos de células epitelioides adenopatias intratorácicas unilaterais, calcificações ganglio-
- Exclusão de outras causas de doença granuloma- nares, lesões pulmonares acinares, nodulares e mesmo es-
tosa (tuberculose/micose) cavadas, infiltração pulmonar unilateral, broncostenose, ate-
-+ Estadiamento: lectasias, derrame pleural, pneurnotórax e, ainda, alterações
- Doença pulmonar evolutiva? sugestivas de hipertensão arterial pulmonar e de comprome-
- Doença extrapulmonar? timento cardíaco. Tais achados atípicos são mais frequentes
-+ Tratamento: Corticoterapia/observação em pacientes acima dos 50 anos.
-+ Prognóstico: Geralmente favorável A tomografia computadorizada de alta resolução deve
ser realizada, particularmente quando os achados clínicos
não são típicos, quando existe suspeita clínica de sarcoidose
com raio X de tórax normal e quando há suspeita de compli-
cações ou infecções superpostas.
Clínica As alterações radiológicas do tórax na sarcoidose são
Os sintomas da sarcoidose variam consideravelmente e depen- classificadas conforme o Consenso de Sarcoidose da Ame-
dem de características do paciente, como HLA e etnia, além rican Thoracic Society (ATS), European Respiratory Society
da gravidade da doença. Pode ocorrer uma síndrome clínica (ERS), World Association of Sarcoidosis and Other Granu-
característica com adenopatias hilares bilaterais e eritema lomatous Disorders (WASOGi (QUADRO 50.1).
nodoso, frequentemente com febre e artralgias (síndrome de Na prática, consideram-se apenas os tipos radiológicos
Lõfgren). Cerca de metade dos pacientes, na ocasião do diag- I, ll e III, pois o tipo Osignifica raio X de tórax normal (um
nóstico, são assintomáticos ou têm manifestações de pequena achado raro e que pouco acrescenta na avaliação do pacien-
íntensidade. Sintomas torácicos como tosse e dispneia são fre- te) e o tipo radiológico IV (correspondendo à fase fibrótica
quentes, c síntomas ínespecíficos como febre, emagrecimen- em que a doença está curada e inativa) só pode ser conside-
to e fadiga também podem estar presentes. Lesões cutâneas, rado quando as lesões são estáveis em controles sucessivos.

TIPO I TIPO 111

FIGURA 50.1-+ Classificação radiológica da sarcoidose: tipos I, 11 e 111.


QUADRO 50.1 -+ Classificação radiológica da sarcoidose:•
caracterlsticas dos tipos radiológicos

lnN;' •·n·!f.@i!·l m:• "I'*' v~on.!il;' 'l' •·!Jf.Ti!:'!J


Tipo O Radiografia normal

Tipo I Adenopatias (hilares bilaterais e


mediastinais), sem infiltração pulmonar
Tipo 11 Adenopatias (hilares bilaterais e
mediastinais), com infiltração pulmonar
Tipo 111 Infiltração pulmonar, sem adenopatias
FIGURA 50.2 -+ Aspedos tomográficos típicos da sarcoidose: nódulos Tipo IV Fibrose pulmonar
ao longo de feixes broncovasculares, septos ínterlobulares e regiões
subpleuraís, incluindo cissuras (suas dimensões são variáveis, desde mí- • Est~ d~ssiflação refere-se ~o e~me r~diológico coovencional.
cronódulos até nódulos maiores do que 1 em).

QUADRO 50.2 -+ Princípios em que se baseia o diagnóstico da


sarcoidose

Síndrome clínica
Alterações radiológicas

Biópsia:
- Granuloma de células epitelioides
- Ausência de necrose
- Ausência de microrganismos (BAAR e fungos) e de cristais

Exdusão de outras causas de doenças:


- Granulomatosas infecciosas (p. ex., tuberculose e micoses)
- Pulmonares intersticiais (p. ex., pneumonia de
- hipersensibilidade, pneumonia intersticial fibrosante padrão usual)
- Neoplásicas (p. ex., linfomas)
- Pneumoconioses

citos (FIGURA 50.3) em um ou mais locais. Micobactérias ou


fungos devem ser procurados insistentemente no material de
biópsia, sobretudo nas regiões de alta prevalência de tuber-
AGURA 50.3 -+ Aspectos histopatológicos da sarcoidose. (A) Granuloma culose. Os espécimes para exame anatomopatológico costu-
de células epitelioides, sem necrose, em linfonodo. (B) Gigantócito tipo mam ser obtidos por fibrobroncoscopia, recomendando-se
Langhans, multínucleado, com corpúsculos de inclusão citoplasmática. biópsia endobrônquica tanto de lesões visíveis quanto de
mucosa aparentemente normal. A biópsia transbrônquica
sempre deve ser realizada por causa de sua elevada sensi-
bilidade. A mediastinoscopia ou a biópsia pulmonar a céu
Diagnóstico aberto ou a biópsia de lesões superficiais (gânglio ou pele)
são opções, conforme a situação individual.
O diagnóstico de sarcoidose é de exclusão e depende de um Ao final da avaliação, quatro objetivos devem ser atingi-
conjunto de achados clínicos, radiológicos e laboratoriais dos: 1) caracterizar o quadro histológico, 2) verificar a exten-
(QUADRO 50.2), sendo muito importante a identificação ana- são e a gravidade do envolvimento do órgão (p. ex., pulmão),
tomopatológica de granuloma não caseoso, sem necrose, 3) constatar se a doença é estável ou progressiva e 4) averi-
bem formado, com abundantes células epitelioides e gigan- guar se o paciente terá benefícios com o tratamento. Embo-
tócitos multinucleados, circundados por um anel de linfó- ra tenham surgido muitos recursos laboratoriais para avaliar
a atividade da doença, os dados clinicas ainda permanecem • Coração: em até 5% dos casos podem ocorrer arritmias;
sendo o melhor critério: características do paciente, modo raramente, bloqueio de alto grau e até parada cardiaca.
de início, sintomas, lesões cutâneas, achados radiológicos e • Lesões cutâneas (25%): raramente ocorre lúpus pé mio,
testes de função pulmonar. que se constitui em um comprometimento facial defor·
O diagnóstico de san:oidose pode ser aceito sem a rea· mante que exige tratamento prolongado.
lização de biópsia em casos selecionados que tenham as se- • Olhos (11 a 83%): as lesões predominam na câmara an·
guintes características: paciente assintomático com achados terior; os japoneses apresentam alterações oculares com
de imagem muito sugestivos da doença (p. ex., tipo radioló- elevada frcquência.
gico I ao raio X de tórax, ou achados tomográficos típicos) e • Neurossarcoidose: é rara, com predileção pela base do
avaliação funcional pulmonar nonnal.l Nessa situação, não sistema nervoso central (SNC); paralisia facial é mais
se usa corticoterapia e devem ser feitos controles a cada 3 a comum.
6 meses. A biópsia apenas será realizada se a evolução for • Artralgias (25 a 39%): podem ser agudas e passageiras
desfavorável e/ou se a corticoterapia estiver indicada. ou crõnicas, persistentes e de difícil controle.
• Hipercalciúria (em até 40%).
• Hipercalcemia (5 a 10%).

A avaliação funcional pulmonar deve incluir, pelo me-


nos, espirometria. As medidas da difusão (OCO) e dos volu-
mes pulmonares, sempre que possível, devem ser realizadas.
O teste da caminhada dos 6 minutos apresenta relação com
sintomas sistêmicos e também tem sido recomendado.

Tratamento
O tratamento visa ao controle dos sintomas, à recuperação
Segundo a experiência da maior clínica de sarcoidose da funcional e à regressão das lesões. Como regra, pacientes
Itália (Milão), ocorre envolvimento cxtratorácico em cerca assintornáticos devem ser observados e não precisam de tra-
de 30% dos pacientes com sarcoidose. Segundo a experiên· tamento. A corticoterapia sistêmica tem se firmado nas últi·
cia de Rizzato:3 12% dos pacientes tinham sarcoidose com mas décadas como a melhor terapêutica para pacientes tan·
manifestações apenas extrapulmonares; calculose renal foi a to com doença crõnica quanto em períodos de exacerbação,
forma de apresentação da doença em 3,6% dos casos; uveíte sendo indicada em cerca de 60% dos casos, na experiência
associada a sarcoidose ocorreu em 1,5% dos casos, preceden- do Serviço de Pneumologia, Pavilhão Pereira Filho, Comple-
do o diagnóstico da doença em até 11 anos, às vezes devido xo Hospitalar Santa Casa de Porto Alegre.4
à inadequada investigação inicial; adenomegalias periféricas Considerando os tipos radiológicos, recebem corticoide
foram observadas em 11,7% dos casos, sendo um achado de quase todos os pacientes do tipo lll, muitos do tipo II e pou-
apresentação da doença em metade desses pacientes. No en· cos do tipo I. Costuma-se usar 40 mg, em dias alternados,
tanto, tais dados têm limitações, uma vez que, como regra, são durante os primeiros três meses. Havendo resposta favorá·
retrospectivos; além disso, todos os pacientes são brancos e a vel, reduz-se 10 mg a cada três meses, mantendo 10 a 20 mg
população assistida naquele centro de referência é provavel· durante 12 a 24 meses. Quando a doença pulmonar é grave
mente constituída de casos mais graves da doença. ou há comprometimento extrapulmonar em "órgão nobre"
(p. ex., SNC, coração, olho), inicia-se com 1 mglkg/dia de
prednisona, até o controle da doença, continuando-se em
[E ATENÇÃO dias alternados e com redução conforme recém-sugerido.
O uso de outros anti-inflamatórios inespeclficos - como
A sarcoidose- por ser uma doença sistêmica -pode metotrexato, azatioprina, ciclofosramida, talidomida, etc. -
apresentar-se nas formas mais variadas, devendo fre- pode ser uma alternativa à corticoterapia. Novas estratégias
quentemente ser inclufda no diagnóstico diferencial. imunossupressoras vêm sendo estudadas, mas ainda não têm
impacto na prática assistencial. Segundo Baughman e cola-
boradoresS, pentoxifilina, talidomida, inflixirnab, etanercept
O envolvimento sistêmico da sarcoidose e o achado de e remicade têm sido úteis em casos selecionados, sendo sua
alterações em diversas partes do organismo variam confor· efetividade devida ao bloqueio do fator de necrose tumoral
me as regiões e as características dos centros de referência: (TNF), especialmente no tratamento da sarcoidose crônica.
Anti-inflamatórios não esteroides podem ser usados
• Fígado e baço: órgãos frequentemente comprometidos para artralgias, hidroxicloroquina para lesões tegumentares
pelas lesões granulomatosas, raras vezes com repercus- e corticoides inalatórios quando a tosse é problema, visando
são clínica. ao controle da biper-reatividade das vias aéreas.
Como a remissão espontânea da doença é muito comum, ~ Situação 11: Paciente com alta suspeita de sarcoidose,
as principais questões quanto ao tratamento são: "quem tipo radiológico I, sem envolvimento extratorácico.
deve ser Lratado?", "quando?", "como?" e "por quanto tem-
po?". A experiência do profissional e a individualização dos Pergunta: Precisa ser tratado com CS?
cuidados assistenciais são sempre fundamentais na tomada Resposta : Em principio, não. Deve ficar em observação
de decisões. e ser submetido a controles a cada 3 a 6 meses. Como
regra, ocorre remissão espontânea .2

~Situação 111: Paciente com sarcoidose em tratamento


Evolução e prognóstico com CS há mais de seis meses.
Quanto ao prognóstico da sarcoidose, costuma-se dizer Pergunta: Por quanto tempo deve usar CS?
que, em geral, a doença tem caráter autorremissivo, evo-
luindo para a cura. São indicadores de bom prognóstico Resposta: Deve usar CS durante, no mínimo, 12 meses.
tipo radiológico I (remissão espontânea em 55 a 90% dos Depois que a doença entra em remissão ou se estabiliza,
casos) e quadro clinico-radiológico agudo ou subagudo (p. deve-se revisar a cada três meses. Quando os sintomas
ex., eritema nodoso, febre, polianrite, s(ndrome de Lõf- são controlados e os marcadores (imagem, calciúria,
gren) associado aos tipos radiológicos I e 11. São indicado- etc.) normalizam ou se estabilizam, deve-se retirar a CS
res de prognóstico reservado tipo radiológico Ill (remis- lentamente.2
são espontânea em 10 a 30%), quadro clinico-radiológico
crônico (p. ex., lúpus pérnio, uveíte crônica, envolvimento ~ Situação IV: Paciente com sarcoidose crônica, usan-
pulmonar prolongado) e anormalidades espirométricas, do CS prolongadamente, começa a desenvolver efeitos
particularmente uma severa redução da capacidade vital adversos intoleráveis.
(abaixo de 1,5 L).
Pergunta: Qual é a conduta?
As remissões costumam ocorrer em 1 a 3 anos, e as reca-
ídas tardias são observadas em apenas 2 a 8% dos pacientes. Resposta: Introduzir metotrexato, 10 mg/semana, e re-
Se não houver remissão dentro de 24 meses, provavelmente duzir lentamente a dose de corticoide sistêmico.'
a doença terá um curso crônico.
Sequelas permanentes podem ocorrer em até 30 a 50%
dos casos.
A mortalidade pela sarcoidose é rara (1 a 5%), ocorren-
• CASO CLÍNICO I
do por falência de órgãos vitais, como pulmões, coração, 33 anos, branca, casada, natural e residente em Pelotas
rins, flgado e SNC, sendo devida à fibrose irreversível. A in- (RS). Há dois meses, artralgias em grandes articulações,
dicação de transplante pulmonar é rara; até 2008, nenhum com edema em pernas e pés; alívio com indometacina.
paciente do Serviço foi submetido a essa intervenção. Raio X de tórax: adenopatias mediastinopulmonares e
Recomenda-se fazer controles periódicos: a cada três infiltração pulmonar intersticial difusa leve. Espirome-
meses no período de tratamento ou de observação inicial, t ria, calciúria de 24 horas, exame oftalmológico e eletro-
a cada seis meses nos primeiros cinco anos e anualmente a cardiograma normais. Hipótese diagnóstica: sarcoidose
longo prazo.2 t ipo radiológico 11, baixa atividade. Conduta: nao realizar
biópsia e observar. Evoluçao dfnico-radiológica favorável
{FIGURA 50.4).
• SARCOIDOSE: SITUAÇÕES ESPECIAIS E
CONDUTA RECOMENDADA
~ Situação 1: Paciente assintomático, jovem, com ade-
• CASO CLÍNICO 11
nomegalias paratraqueais direitas, hilares e mediasti- 28 anos, branco, casado, natural e residente em Porto
nais bilaterais e simétricas, e subcarinais, sem alterações Alegre {RS). Há alguns meses. dispneia leve a grandes es-
pulmonares significativas (apenas pequenos nódulos forços. Raio X de tórax e tomografia computadorizada
intrapulmonares, subpleurais e ao longo de feixes bron- d e tórax: infiltração pulmonar difusa. Biópsia pulmonar
covasculares). Há forte suspeita clínico-radiológica de sar- a céu aberto: granuloma sarcoide; BAAR e fungos nega-
coidose. Não existem achados de doença extratorácica. tivos. Espirometria: CVF = 3,92 L = 75%, VEF1 = 3,0 L
Pergunta: É indispensável a realização de biópsia?
= 72%. Calciúria de 24 horas elevada {567 mg). Exame
oftalmológico e eletrocardiograma normais. Conclusão:
Resposta: Em princípio, não, desde que não vá ser in- sarcoidose em atividade. Conduta: prednisona, 40 mg,
dicada a corticoterapia sistêmica {CS). Geralmente, o em dias alternados. Boa evolução clínico-radiológica
acompanhamento desses casos evidencia remissão es- após seis meses, com normalização da calciúria e da CVF
pontânea dentro de alguns meses. 1,6 {4,52 L = 87%) {FIGURA 50.5).
FIGURA 50.4-+ Radiografias de tórax mostrando
a evolução do caso I.

FIGURA 50.5 -+ Tomografias computado-


rizadas de tórax mostrando a evolução do
caso 11.

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José da Silva Moreira
Ana Luiza Moreira
51
Lilian Scussel Lonzetti
Tatiana Freitas Tourinho

Introdução ocorrência de tosse, dor torácica e dispneia e, algumas vezes,


hemoptise. Os achados radiográficos e tomográficos mais
Abordam-se, neste capítulo, as doenças reumáticas, inflama- frequentes incluem anormalidades intersticiais difusas, em
tórias sistêmicas, de causas desconhecidas, cujas manifesta· geral bilaterais, e derrame pleural.' Funcionalmente, costu·
ções predominam em um ou mais sistemas, especialmente mam ocorrer um padrão ventilatório restritivo, difusão de
aquelas que podem cursar com envolvimento pleuropulmo- monóxido de carbono diminuída e hipoxemia.
nar: as doenças autoimunes ou doenças difusas do tecido O tratamento dessas doenças baseia-se em anti-infla·
conjuntivo, antes chamadas de colagenoses, as espondiloar- matórios, corticoidcs c irnunossupressores, empregados de
trites e a febre reumática. acordo com a gravidade do caso.' Medidas gerais de supor·
te são importantes, mas, quando necessário, o tratamento
da insuficiência respiratória deverá ser instituído. Outros
recursos terapluticos têm sido vislumbrados, explorando
) ATENÇÃO
células e autoanticorpos envolvidos em algumas dessas
doenças.'
A5 doenças do tecido conjuntivo, de modo geral,
incidem mais vezes em mulheres.' comprometendo
o aparelho respiratório em cerca de dois terços dos
casos, sobretudo o lúpus eritematoso sis~mi<:o, com Lúpus eritematoso sistêmico
predomínio do acometimento pleural, e a esclerose
O lúpus eritematoso sistêmico (LES) é uma doença autoi-
sistêmica, na qual principalmente o pulm.\o se en·
mune inflamatória de causa desconhecida. Entretanto, sabe·
contra envolvido.' Todos os elementos do sistema
-se que nela ocorre a interação entre múltiplos genes e fato·
respiratório podem estar comprometidos, de forma
res ambientais, os quais podem contribuir para a perda da
isolada ou em conjunto.
tolerância imunológica, estabelecendo-se lesões celulares e
teciduais por autoanticorpos e imunocomplexos, ou por ou-
tros mecanismos.'
O diagnóstico de cada uma delas fundamenta-se em Estima-se a prevalência da doença como sendo um caso
critérios clínicos, laboratoriais, dados de imagem de órgãos para cada 2.000 indivíduos, com as mulheres em idade fér-
envolvidos (radiológicos e tomográfioos) e na descrição ana- til mais frequentemente acometidas (em 90% das vezes).
tomopatológica associada.3 As manifestações clínicas depen· A ocorrência aumentada de neoplasias malignas, como lin-
dem dos locais comprometidos de modo mais importante. fomas e câncer de pulmão, tem sido descrita associada ao
No acometimento do aparelho respiratório, é comum a LES. 8
A frequência do envolvimento das estruturas intratoráci- elevada mortalidade. 10 A presença concomitante de infecção
cas nos indivíduos portadores de LES varia entre 50 e 70% pode exacerbar os sintomas respiratórios da doença.
nas diversas séries relatadas. Pleurite fibrinosa com derra- O LES comumente evolui intercalando fases de ativida-
me tipo exsudato com celularidade mista, onde a célula LE de e de remissão. As medidas terapêuticas dependem dos
pode ser encontrada, geralmente se desenvolvem no curso órgãos ou sistemas envolvidos e da gravidade do acometi-
da doença, muitas vezes associada a pericardite. O derrame mento, e incluem o uso de anti-inflamatórios não hormo-
pleural, na maioria das vezes bilateral, não costuma ser de nais, glicocorticoides e, nos casos mais graves, fármacos imu-
grandes proporções. Em menos de 10% dos casos ele pode nossupressores no intuito de induzir remissão.
ser o primeiro sinal do lúpus. Quanto ao comprometimento Em geral, quando há comprometimento pleuropulmonar
parenquimatoso, pode-se encontrar tão-somente uma pro- pelo lúpus, este costuma ser de moderado a grave. E m tais
gressiva diminuição de volume pulmonar, podendo estar casos, o tratamento de escolha é com glicocorticoide, como
acompanhada de infiltração intersticial, porém raramente a prednisona, inicialmente em doses de 1,O a 2,0 mg/kgfdia,
com fibrose bem definida. 9 fracionadas a cada 8 ou 12 horas. No seguimento, passa-se
Os achados radiográficos e tomográficos mais encontra- para dose única diária matinal, diminuindo-se progressiva-
dos são derrames pleural e pericárdico, por vezes com leve mente até 10 a 20 mgfdia, como esquema de manutenção.
grau de infiltração intersticial pulmonar associada (FIGURA Os pacientes agudamente comprometidos podem ser
51.1). Não havendo envolvimento de serosas, entretanto, as tratados com pulsos parenterais de metilprednisolona (1.000
manifestações na radiografia de tórax mostram-se muitas mgfdia) durante três dias, mantendo-os, a partir daí, com gli-
vezes inexpressivas, desproporcionais às alterações das pro- cocorticoide oral. Fármacos imunossupressores, como agen-
vas de função pulmonar (capacidade pulmonar total - CPT, tes alquilantes (ciclofosfamida) e antimetabólitos (azatiopri-
capacidade vital forçada- CVF- e complacência pulmonar na), podem ser utilizados como poupadores de corticoide,
diminuídas, e algumas vezes hipoxemia). buscando reduzir os efeitos colaterais da corticoterapia, ou
por falta de resposta a ela; além disso, estão indicadas medi-
das gerais no sentido de atenuar diversas complicações que
0 ATENÇÃO
ocorrem no curso da doença."

Os pacientes portadores de LES com envolvimento


pleural e/ou pulmonar, além dos sintomas sistêmi- Esclerose sistêmica
cos, costumam apresentar tosse (produtiva ou não),
dor uni ou bilateral de tipo pleurftico, ocasionalmen- A esclerose sistêmica (ES) é uma doença reumática crônica
te dispneia e raras vezes hemoptise. autoimune caracterizada por envolvimento vascular, ativa-
ção fibroblástica e produção excessiva de colágeno (tipo 2),
levando ao surgimento de fibrose em diversos órgãos, com
preferência por pele, trato digestivo, sistema musculoesque-
A hipertensão arterial pulmonar é incomum, mas sem- lético e pulmões.' 2
pre significa mau prognóstico quando presente. A síndrome A causa da ES é desconhecida. A doença afeta todas as
da distrição respiratória do adulto e a alveolite hemorrági- raças, é mais frequente no sexo feminino, e a prevalência va-
ca difusa, embora infrequentes, são condições associadas à ria com a população estudada. Casos de ES na mesma família
ou presença de autoanticorpos em parentes de pacientes por-
tadores de ES sugerem predisposição genética para a doença,
havendo uma relação mais consistente entre certos tipos de
HLA (HLA-DR1 e/ou DQBl DR4) e a ocorrência desses au-
toanticorpos específicos, como anticentrõmero e anti-Scl70.' 3

~ ATENÇÃO
O envolvimento pulmonar na ES - que varia de 70 a
1OOo/o em estudos post-mortem e ocorre em até 80%
dos casos em séries dfnicas- manifesta-se predomi-
nantemente como fibrose intersticial difusa, o que
contribui de forma significativa para a morbimorta-
lidade.

FIGURA 51.1 ~ lúpus eritematoso sistêmico em paciente do sexo fe- A fibrose pulmonar é praticamente indistinguível daque-
minino, 36 anos. Derrame pleural à esquerda, elevação da terço inferior la que ocorre na fibrose intersticial de tipo usual, inclusive no
do pulmão direito e pericardite. que se refere a achados do lavado broncoalveolar (LBA)t
entretanto, há dados sugerindo que os pacientes com fibrose de do estágio da doença, com os melhores resultados obser-
pulmonar e ES são mais jovens e apresentam hipocratismo vados quando o diagnóstico de infiltração pulmonar é mais
digital clínico com menos frequência. 15 precoce, condição sugerida pelo LBA com maior número de
Cerca de 30 a 50% dos pacientes com ES apresentam linfócitos ou mesmo de eosinófllos em relação ao de neutró-
hipertensão arterial pulmonar relacionada com processo fi. filos e pela TC de alta resolução mostrando atenuação tipo
broproliferativo primário vascular, o qual pode coexistir com "vidro fosco" em vez de faveolamento (FIGURA 51.3).
as lesões intersticiais. O envolvimento pleural significativo A hipertensão arterial pulmonar (HAP) é definida como
detectado in vivo na ES é incomum e costuma estar associa- elevação na pressão média da artéria pulmonar maior do que
do a anormalidades parenquimatosas do pulmão. 25 mmHg no repouso. Ocorre nas formas cutâneas limitada
O quadro mais encontrado é o de um paciente com diag- e difusa, apresentando alta mortalidade. A HAP resultante
nóstico estabelecido de ES, com tosse improdutiva, dispneia de alterações fibroproliferativas na vasculatura intrinseca
e infiltração intersticial difusa, atualmente mais bem docu- pulmonar, patologicamente indistinguível da idiopática, é a
mentada pela tomografia computadorizada (TC) de alta re- mais comum, com uma prevalência de cerca de 10 a 15%. O
solução - atenuação com aspectos de "vidro fosco", reticu- segundo padrão de HAP ocorre em associação com fibrose
laridade subpleural ou faveolamento.' 6 Todavia, é incomum intersticial por destruição do leito vascular pulmonar pela
existirem manifestações clinicorradiológicas pulmonares hipoxemia.
precedendo os demais sintomas da doença. O tratamento da HAP envolve anticoagulação oral, espi-
nata-se provavelmente da doença que mais apresenta ronolactona e suplementação de oxigênio, como terapia de
alveolite ou bronquiolite obliterante (BOOP), com dissemi- suporte. 11-atamentos específicos para HAP devem ser ini-
nação do processo inflamatório vascular, clúúca dramática e ciados apenas para doença avançada (classe funcional III ou
prognóstico muito reservado. Com o advento dos inibidores IV): o tratamento para classe Ill inclui bloqueador de recep-
da enzima conversora de angiotensina, o qual promoveu o tor de endotelina-1 oral (bosentan) e inibidor de fosfodies-
controle da manifestação renal da doença, o envolvimento terase (sildenaftl). Thrapias alternativas incluem análogos de
pulmonar é a principal causa de óbito desses pacientes. prostaciclina inalatória e subcutânea. Agentes intravenosos
A presença de dilatação no terço inferior do esôfago, são reservados para pacientes com HAP grave ou avançada.
com diminuição do peristaltismo, pode ser verificada em cer·
ca de 90% dos pacientes com ES (FIGURA 51.2) - desde que
usadas técnicas radiográficas com contraste ou outras mais
sensiveis (cintilografia e manometria esofágicas). A altera-
Artrite reumatoide
ção nem sempre é acompanhada de sintomas de disfagia ou A artrite reumatoide (AR) é uma doença inflamatória crôni-
decorrentes de refluxo gastresofágico, ou o paciente pouco ca de causa desconhecida que envolve diversos sistemas, na
se queixa, a menos que seja questionado. 11 qual predomina o comprometimento poliarticular simétrico,
O tratamento do paciente comES e envolvimento pulmo- caracterizado por uma sinovite inflamatória persistente. A
nar progressivo se fundamenta no uso de glicocorticoides em inflamação leva à destruição de sinóvia, partes moles, car-
doses baixas e ciclofosfamida em infusões intravenosas regu- tilagens e erosões ósseas com desarranjo da integridade das
lares, geralmente mensais, seguidas de azatioprina. 18 Doses articulações. Outras estruturas extra-articulares também po-
altas de glicocorticoides em pacientes com ES de inicio difuso dem ser acometidas, como a pele, os vasos sanguíneos, os
podem desencadear crise renal esclerodérmica. 19 pulmões e a pleura, o pericárdio, o sistema nervoso e mais
A resposta terapêutica - semelhante à que ocorre na raramente o olho. Ocorre em indivíduos de todas as raças,
pneumonia intersticial fibrosante (de tipo usual)- depen- com uma prevalência entre 0,5 e 1,0% dos adultos.

FIGURA 51 .2 ~ Esclerose sistêmica em paciente do


sexo feminino, 49 anos. (A) Fibrose pulmonar difusa,
bilateral; (8) dilatação do esôfago (contrastado).
FIGURA 51.3 -? Esclerose sistêmica. Tomografia computadorizada mostrando atenuação das estruturas pulmonares revestindo o aspecto de "vidro
fosco", bandas subpleurais e alteração na forma do esôfago, sugestiva de hipotonia.

É três vezes mais frequente em mulheres, e sua inci- ves, com elevados títulos de fator reumatoide.23 Além disso,
dência aumenta com a idade. Aproximadamente 10% dos doença intersticial pulmonar, pleurite e ocasionalmente bron-
parentes em primeiro grau de um portador de AR também quiolite obliterativa podem se apresentar como a primeira
apresentam a doença, e gêmeos univitelinos são acometidos manifestação da doença, algumas vezes até mesmo em indiví-
três vezes mais do que os diz~óticos, indicando predisposi- duos sem fator reumatoide positivo.24 Embora a AR seja mais
ção genética para a condição. frequente em mulheres, suas manifestações pleuropulmona-
Recentemente, os critérios foram redefinidos pelo Ame- res são mais prevalentes entre os homens (FIGURA 51 .4).
rican College of Rheumatology para a classificação diagnós- Em séries de necropsia, encontra-se pleurite com ou sem
tica da AR (QUADRO 51.1), focalizando sobretudo os achados derrame em até 40% dos pacientes com AR; entretanto, o
mais precoces e progressivos da doença,'' os quais se relacio- envolvimento pleural é clinicamente aparente em torno de
nam com a presença de anticorpos a peptídeos e/ou proteí- 20% deles, mais em homens, e em 80% das vezes em casos
nas contendo citrulina, aminoácido formado pela remoção já com a doença articular avançada e/ ou com presença de
de aminogrupos da arginina, o que parece ocorrer muito nódulos subcutâneos. Em 75% dos casos, o derrame pleural
cedo na evolução da AR.22 é unilateral, podendo alternar o lado afetado.
Um escore 2: 6/10 das categorias de A a D é necessário À análise do líquido, costumam ser observados exsudato
para que se conclua por definida artrite reumatoide. com celularidade mista, pH baixo (inferior a 7,32), glicose
O envolvimento pleuropulmonar na AR ocorre em mais geralmente bastante baixa, complemento diminuído, desidro-
de 50% dos casos, geralmente quando a doença se encontra genase láctica (DHL) elevada e altos títulos de fator reuma-
bem definida: pleurite com ou sem derrame, doença intersti- toide. Em cerca de três quartos dos casos, ocorre reabsorção
cial pulmonar, nódulos necrobióticos, não pneumoeonióticos espontânea do derrame em um período de três meses, mas há
ou pneumoconi6ticos (sindrome de Caplan), doença vascular recorrência em um a cada três deles. Nos casos em que o der-
pulmonar e doença das vias aéreas - sobretudo nos pacien- rame persiste por longos períodos (dois anos ou mais), é co-
tes em que os sintomas articulares se apresentam mais gra- mum a presença de cristais de colesterol.25 O uso de oorticos-
QUADRO 51.1 ~ Critérios para classificação da artrite reumatoide O alívio sintomático significativo pode ser obtido com
glicocorticoides e, eventualmente, com imunossupressores,
fazendo parte do conjunto de medidas adotado no manejo
da doença.27 Mais recentemente, outros recursos terapêuti-
A. 1 grande articulação o cos têm sido testados, mas ainda sem clara definição de re-
sultados. 28
2·1Ograndes articulações

1·3 pequenas articulações (com ou sem grande


articulaç~o) IIl AllNÇÂO
4-10 pequenas articulações (com ou sem grande 3 A sfndrome de Sjõgren (ceratoconjuntivite seca e
articula~)
xerostomia, com achados histopatológicos caracte-
>10 artkulações (pelo menos uma pequena rísticos em material de biópsia de glândula salivar
articula~) ou presença de autoanticorpos como anti-SS-A)
pode apresentar-se de forma isolada ou associar-se
8. Sorologia (resultado de pelo menos um teste) a AR, ES ou LES, ocorrendo em frequência significa·
tivamente maior (90% das vezes) em mulheres pós-
FR e ACPA negativos o -menopáusicas. Qualquer glândula exócrina pode
FR ou ACPA fracamente positivos
ser acometida, reduzindo a secreção produzida. Nas
glêndulas do epitélio brônquico, o muco se torna
FR ou ACPA fortemente positivo espesso, provocando tosse seca. O envolvimento
extraglandular ocorre em outros órgãos, inclusive
C. Reagentes de fase aguda (resultado de pelo menos pulmões, onde uma infiltração difusa pode apare-
um teste) cer, com predomfnlo nas metades superiores, com
--------------------
PCR e VSG normais o sintomas de dispneia e tosse seca, somados àqueles
próprios da slndrome.H
PCR ou VSG anormal

O. Du~o dos sintomas

<6semanas o Polimiosite e dermatomiosite


>6 semanas A polimiosite e a dermatomiosite (PM-DM) encontram-se
classificadas no grupo das miopatias inflamatórias idiopáti-
Populaçlo·alvo a ser testada: 1) paciootes que têm uma articulaç&o com definida cas, junto com miosite associada a outras doenças reumá-
sinovite (edema); 2) padentes com sinovite sem expficaçao alter"'tiva. ticas autoimunes, miosite com corpos de inclusão e as re-
fR • fator reumatoide; ACPA = anticcxpo antiprotofna citrulinada; PCR • Rtação
em cadtia da Pdimerase; VSG = Velocidado de sedimentaçjo globular.
lacionadas com neoplasias malignas. Caracterizam-se por
Fonto: Aloah• ocol.lbo<adores.'·
fraqueza muscular proximal simétrica e inflamação não
supurativa dos músculos esqueléticos.30 No QUADRO 51.2 são
apresentados os critérios que devem ser preenchidos para o
diagnóstico dessas miopatias.
teroides favorece a reabsorção do derrame. Eventualmente, As miopatias idiopáticas não são frequentes, tendo como
em pacientes com derrames crônicos com espessamento pleu- prevalência máxima 8,5 casos por milhão de habitantes, sen-
ral c encarceramento pulmonar, a descorticação é indicada. do mais comuns em negros e em mulheres entre 15 e 44 anos
-sobretudo quando associadas a outra doença autoimune.
Acredita-se que sejam processos mediados imunologicamen-
) AllNÇÃO te em indivíduos com suscetibilidade genética expostos a fa-
tores ambientais.
A presença de doença intersticial pulmonar é consi-
derada relativamente comum em pacientes com AR,
mostrando-se variável, dependendo do método de de-
t~ empregado, podendo chegar a 40% quando se
IIl AllNÇÂO
usam TC de alta resolução e LBA. este indicando a pre- As manifestações pulmonares mais comuns em pa-
sença de Inflamação." Cosruma surgir em fases avan- cientes com PM e DM decorrem da fraqueza mus-
çadas da AR, mais vezes nos homens, e em cerca de cular, com consequente hipoventilaçáo, aspiraçlo,
20% dos casos acompanha-se de 'envolvimento pleu- retenção de secreções e broncopneumonia.
tral. Ocasionalmente, o comprometimento pulmonar
;pode preceder as demais manifes1aç6es da doença.
FI GURA 51 .4 ~ Artrite reumatoide. (A) Achados radiográficos; (B) achados tomogrMicos de fibrose pulmonar difusa, com zonas de
faveolamento.
-------

QUADRO 51.2 ~ Critérios de definição de miopatia inflamatória A presença do autoanticorpo miosite-específico (MAS)
idiopática Anti-Jol, mais encontrado em jovens e com polimiosite,
associa-se com frequência elevada a fibrose pulmonar, as-
- Fraqueza da musculatura proximal simétrica dos membros e dos sim como o anticorpo miosite associado (MAA) Anti-PM/
múS<ulos flexores anteriores do peS<oço, com ou sem disfagia. Sei, que caracteriza a slndrome de superposição de esclerose
- Elevação sérica de enzimas dos múS<ulos esqueléticos, sistêmica e polimiosite.
especialmente creatinofosfoquinase (a mais sensivel) e aldolase (a
mais especifiCa).
- Alteraç6es eletromiográficas caracteóSbeas com moopatia
inllamatóna.
- Biópsia muscular evidenciando necrose de fibras. fagocitose
e regeneração; variação no tamanho das fibras; exsudato
inflamatório.•
- Lesões cutâneas caracteósticas:••
- Lesões de Gottrón: pápulas ou placas eritematodeS<amativas
nas articulações dos quirodáctilos.
- Sinal de Gottrõn: pá pulas hiperemiadas evidentes na região
periarticular das articulações interfal3ngicas proximais e
metacarpofal3ngicas, periungueal, cotovelos, joelhos, colo,
malar e glabela.
Heliotropo: pálpebras purpúricas.
Quatro dos critérios indicam doença definida; trh , provável; O tratamento das complicações pulmonares da PM-DM
dois, possfvel.
fundamenta-se no uso de corticoides e imunossupressores.
•,q dtmlltC>tnio1nt. hi também presença de ouolio ponfosoculor. A ciclofosfamida administrada em infusões mensais pode ser
"A .,,ftstaçjo artinN ó concição fundaiTlf<ltol poro o d~nôsbQ). empregada para os casos mais graves de acometimento pul-
monar. Nos casos refratários, pode-se usar imunoglobulina
humana via intravenosa.l2 Havendo infecção, administram-
-se, concomitantemente, antibióticos e fisioterapia respira-
Áreas subsegmentares ou segmentares de consolidação 33
tória com manobras de drenagem postural.
unilateral ou bilateral nas porções pendentes dos pulmões
e atelectasias laminares são achados radiográficos usuais,
encontrados em até 50% dos casos. Doença intcrsticial,
semelhante à da fibrose pulmonar usual, apresentando-se
Doença mista do tecido conjuntivo
como infiltração reticulonodular até a presença de áreas de A doença mista do tecido conjuntivo (DMTC) é uma entida-
faveolamento bem estabelecido, manifesta-se em 5 a 30% de nosológica identificada em 1971 por Sharp,"' cuja condi-
dos pacientes, com estertores crepitantes, padrão funcio- ção diagnóstica é a presença do autoanticorpo anti-Ul-RNP
nal restritivo e difusão de monóxido de carbono diminuída. (antígeno nuclear) e reação positiva na análise do fator an-
Thmbém são referidos casos de BOOP e de dano alveolar di- tinuclear (FAN).
fuso, mais comumente em pacientes com polimiosite aguda Os pacientes - mais comumente do sexo feminino -
ou subaguda. li apresentam manifestações de LES, PM e ES, sendo usuais
fenômeno de Raynaud, edema de dedos ou mãos e envolvi-
mento esofágico. O acometimento pleuropulmonar ocorre
entre 20 e 80% dos casos.15

~ ATENÇÃO
Achados radíográfiCos de broncopneumonia de aspi-
ração, BOOP. infiltração intersticial com ou sem evi-
dência de fibrose, HAP e pleurite podem ser encon-
trados em pacientes com DMTC.'" 'Funcionalmente,
em gera~ as manifestações traduzem um padrão res- Os achados radiográficos intratorácicos mais expressivos
tritivo com ·redução da difusão, e os ,achados anato- são os de um coração aumentado de tamanho, sinais de ede-
mopatol6gicos coincidem com aqueles das doenças ma pulmonar com áreas de consolidação e derrame pleural
a que se encontram associadas. (FIGURA 51.5).

Espondiloartrites
As espondiloartrites são doenças inflamatórias crônicas, ca-
racterizadas por dor lombar e comprometimento das articu-
lações sacroillacas, com ou sem artrite periférica. Há forte
associação com o antígeno leucocitário humano HI.A-B27.J7

FIGURA 51.5 -+ ~bre reum~tica em paciente do sexo feminino, 16


anos. Cardite grave e envolvimento pulmonar bilateral.

A doença tem início entre 17 e 25 anos, com predileção


pelo sexo masculino, na proporção de 2 para 1, apresentan-
do marcada tendência de se manifesta.r em membros de uma Referências
mesma família. 38 Achados extra-articulares incluem uveíte 1. Crowson CS, Maneson EL, Myasoedova E, Michet CJ, Emste
anterior e acometimento pleuropulmonar. O envolvimento FC, Warrington KJ, et ai. The lifetime risk of adult-onset rhcuma-
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José da Silva Moreira
Nelson Porto
52
Em 1936, Wegener' identificou um tipo de angüte em
Introdução que predominavam formação de granulomas e áreas de
Kussmaul e Maier,' em 1866, descreveram a anatomia pa- necrose nos pulmões, nas vias aéreas superiores e nos rins;
tológica do que denominaram periarterite nodosa (PAN): em 1951, Churg e Strauss 5 descreveram a granulomatose
"presença de numerosas formações nodulares ao longo de alérgica, que incluía achados de asma grave e pronunciada
pequenas artérias (musculares), generalizadamente distri- eosinofilia. Zeek/ em 1952, sugeriu que todas essas lesões
buídas pelo corpo". This lesões originavam-se na camada vasculares, arteriais ou venosas, caracterizadas por necrose
média ou na advenúcia dessas artérias, e consistiam no acú- fibrinoide e inflamação envolvendo as três camadas da pa-
mulo de células inflamatórias e conjuntivas em focos de de- rede dos vasos, poderiam ser convenientemente englobadas
generação. pela designação genérica de angiites necrosantes, ficando aí
Clinicamente, o quadro caracterizava-se por manifes- incluídas - mas em separado - as angütes de hipersensibili-
tações urinárias, gastrintestinais, febre, comprometimento dade e as poliarterites.
progressivo da musculatura voluntária, ocorrendo o óbito As poliarterites, com seus achados anatomopatológicos
em um período de cinco semanas. 1 A partir dessa descrição específicos, poderiam ser sistêmicas de início (PAN clássica),
inicial, alguns outros casos semelhantes foram sendo rela- ou então iniciar pelo pulmão, generalizando-se posterior-
tados, com lesões arteriais disseminadas por todo o corpo, mente. Rose e Spencer,' todavia, mostraram em 1952 que
exceto nos pulmões e no cérebro. nem sempre as poliarterites que iniciavam pelo pulmão exi-
Mõnckeberg,Z em 1905, descreveu um caso incomum, no biam à anatomia patológica lesões típicas nesse órgão, e em
qual encontrou as lesões da PAN predominantemente nos alguns casos surgiam lesões na boca ( estomatite ou glossite)
pulmões de um paciente masculino jovem, e outro caso se- no decorrer da doença.
melhante a esse foi relatado, em 1923, por Ophüls,l em que As angiites (ou vasculites) necrosantes são, assim, proces-
também havia o envolvimento das artérias pulmonares. Es- sos clinicopatológicos caracterizados por inflamação e necro-
ses dois casos eram diferentes dos quase 70 outros de PAN se de paredes de vasos de qualquer tamanho, tipo ou locali-
até então descritos, uma vez que neles as lesões no pulmão é zação, levando a consequências que podem incluir alterações
que se mostravam proeminentes. isquêmicas dos tecidos supridos pelos vasos acometidos. Ar-
A partir de 1925, aproximadamente, o número de casos térias musculares grandes, de médio e pequeno tamanho, e
registrados de PAN aumentara muito, mas era também evi- arteriolas, vênulas, veias e capilares podem ser envolvidos.8 A
dente que o termo foi adquirindo um significado mais am- condição pode se constituir em um processo primário, ou ser
plo, englobando lesões vasculares de natureza alérgica, rea- um componente de outra situação subjacente, como doença
ções de hipersensibilidade a diversos agentes - infecciosos infecciosa, sugerido-se que a medida quantitativa de CD64
ou não - e até mesmo lesões da febre reumática. pode auxiliar na distinção entre essas duas condições.9
A deposição de imunocomplexos circulantes (formados Áreas localizadas ou difusas de consolidação também
na presença de excesso de antígeno) nas paredes dos vasos é podem ser encontradas, correspondendo à ocorrência de
atualmente considerada o principal evento imunopatológico hemorragia, infarto pulmonar ou pneumonia. À tomografia
inicial associado à maioria das sindromes que se apresentam computadorizada (TC), um maior número de lesões e de es-
sob forma de angüte. Seguem-se a ativação de vários compo- cavações é identificado, ocasionalmente podendo-se visuali-
nentes do complemento, especialmente o C5a, a infiltração zar a relação do nódulo ou da massa com a eX1remidade de
17
das paredes dos vasos por neutrófilos e a subsequente lesão um vaso sanguíneo.
delas por enzimas, como colagenase e elastase liberadas por Os sintomas respiratórios mais frequentemente encon-
esses leucócitos. trados em pacientes com granulomatose de Wegener são
A inflamação granulomatosa em tomo dos vasos sanguí- referentes às vias aéreas superiores, tosse, hemoptise, disp-
neos que ocorre em algumas das vasculites costuma envol- neia e dor torácica. Manifestações sistêmicas como astenia,
ver mecanismos de hipersensibilidade de tipo tardio, mas anorexia, perda de peso e febre encontram-se quase sempre
os imunocomplexos também podem, por si só, desencade- presentes. A identificação do c-ANCA no sangue ou no lava-
ar a formação de granulomas. '0 Thm sido mostrado que as do broncoalveolar de indivíduos com quadro clinicorradioló-
paredes dos vasos, ao mesmo tempo em que são sítios da gico compatível faz aumentar significativamente as chances
deposição dos imunocomplexos, participam de forma ativa do diagnóstico. 18
do processo inflamatório, produzindo localmente citocinas Espessamentos da mucosa ou submucosa da traqueia e
pró-inflamatórias, as quais atraem células diversas, inclusive dos brônquios podem ser detectados pela TC, com estrei-
aquelas que são envolvidas na imunidade celular. A possível tamentos dessas vias e eventual presença de calcificações.
participação de algum microrganismo na patogenia das vas- Comprometimentos pleural e ganglionar mediastinal são
culites primárias vem sendo considerada; entretanto, além infrequentes na granulomatose de Wegener. Os achados
do que se sabe sobre associações das hepatites por vírus B ou radiográficos em vias aéreas superiores são em geral os de
C com síndromes vasculíticas, permanece a especulação.' '·' 2 uma rinite com envolvimento do septo nasal cartilaginoso
e sinusite, sobretudo maxilar. Infecções secundárias dessas
estruturas comprometidas não são incomuns, principal-

~ATENÇÃO
mente por Staphylococcus aureus, ao qual tem sido impu-
tada uma participação mais estreita na própria patogenia
das lesões. '9
As angiites podem ser classificadas em grupos, de
Os achados anatomopatológicos mais encontrados em
acordo com suas características clinicopatológicas tecidos pulmonares são os de um quadro inflamatório ines-
preponderantes ou com o tamanho dos vasos envol-
pecífico de fundo; uma vasculite podendo envolver artérias,
vidos. As que mais frequentemente comprometem
veias ou capilares do septo alveolar; e inflamação granulo-
o pulmão são as vasculites de pequenos vasos as-
matosa com necrose. 20 A hemorragia alveolar que ocasio-
sociadas a anticorpo citoplasmático antineutrófilo
nalmente ocorre na granulomatose de Wegener é, em geral,
(ANCA): granulomatose de Wegener, granulomatose
indistinguível de outras hemorragias alveolares; no entanto,
de Churg-Strauss e poliangiite microscópica, cujas
em alguns casos, a presença de lesões granulomatosas e ne-
apresentações clínica e radiológica, e achados histo-
cróticas pode auxiliar na diferenciação.2 '
patológicos, em conjunto, apontam para o diagnós-
tico."·'•

~ATENÇÃO
O diagnóstico diferencial da granulomatose de
Granulomatose de Wegener Wegener deve ser feito com as outras vasculites,
A granulomatose de Wegener é uma angüte granulomatosa síndrome de Goodpasture, lúpus eritematoso sistê-
(c-ANCA associada) que, em sua apresentação plena, envol- mico, granulomatose linfomatoide, infecções prin-
ve pulmões, trato respiratório superior e rins, levando a uma cipalmente por micobactérias e fungos e neoplasia
glomerulonefrite necrosante, mostrando-se com prevalência maligna.
entre 24 e 157 casos por milhão de habitantes, em países
europeus, sendo mais frequente em mulheres brancas, com
pico de incidência entre 45 e 65 anos." ·'• Formas incomple- A associação de corticoide com ciclofosfamida constitui-
tas da doença também existem, nas quais pode faltar algum -se no tratamento de escolha utilizado em pacientes com
dos componentes. Os pulmões, todavia, quase sempre se en- granulomatose de Wegener, levando à remissão em 75% e
contram comprometidos, especialmente sob a forma de múl- melhora em 90% dos casos.= Entretanto, as recidivas são
tiplos nódulos ou massas, sem predominãncia de localização, comuns, podendo ocorrer dentro de meses ou anos após a
podendo haver escavação com paredes espessas em cerca de suspensão do fármaco citotóxico. Esquemas terapêuticos
50% das vezes (FIGURA 52.1). Entretanto, em 25% dos casos a alternativos têm sido empregados usando metotrexato, aza-
lesão pulmonar circunscrita pode ser única. tioprina, ciclosporina e imunoglobulinas, e ainda há outros
FIGURA 52.1 -+ Granulomatose de Wegener. Aspectos radiográficos. (A) Lesão tumescente em lobo superior do pulmão direito; (B) sofrendo proces·
so de necrose e alastrando·se caudal mente. Paciente masculino, 48 anos, branco, com febre, dor torácica, hemoptises, manifestações de vias aéreas
superiores (sinusopatia) e urinárias (glomerulonefrite).

sendo testados.2A Mais recentemente, em casos refratários consolidações parenquirnatosas com áreas de necrose po-
da doença, o emprego de anticorpo monoclonal, anti-CD20 dem ser observadas.29
(rituximabe), tem-se mostrado promissor.2S.26 Clinicamente, manifestações ocorrem por conta dos di-
versos sistemas envolvidos, sendo mais comuns sobretudo
as respiratórias (episódios de tosse, sibilância e dispneia,
caracterizando asma difícil), as neurológicas especialmente
Granulomatose alérgica periféricas e as cutâneas (nódulos subcutâneos em faces ex-
de Churg·Strauss tensoras dos membros, petéquias e infartos).
Os achados radiográficos nos pulmões são variáveis, com
A granulomatose alérgica de Churg-Strauss é urna síndro- baixa especificidade, podendo existir infiltrados irregulares,
me angiítica (p-ANCA associada) caracterizada por acha- áreas de consolidação sugestivas de pneumonia eosinofílica
dos de asma grave, febre e hipereosinofilia. A presença de e, por vezes, múltiplos pequenos nódulos imprecisos não
marcada eosinofilia sanguínea ou de infiltração eosinofí- escavados. Nos casos em que há hemorragia alveolar, pode
lica dos tecidos constitui condição inicial essencial para o haver um infiltrado pulmonar difuso bilateral.17 A presença
diagnóstico, o que não deixa de existir mesmo nas formas de rinite e sinusite não é incomum (FIGURA 52.3). Funcional-
limitadas ou frustas da doença.27'28 Encontram-se vasculite mente, o padrão respiratório encontrado é obstrutivo, com
de pequenas artérias e veias, necrose tecidual e formação resposta aos broncodilatadores.
de granulomas extravasculares (FIGURA 52.2). A presença O tratamento fundamenta•se no uso de conicoides e
de uma diátese alérgica parece ser um fator complementar irnunossupressores, em especial ciclofosfamida, e de fárma-
importante. No pulmão, além da infiltração eosinoffiica e cos broncodi!atadores, com os quais os sintomas se atenuam,
das alterações na mucosa brônquica compatíveis com asma, a infiltração eosinoffiica dos tecidos diminui e os útulos de

FIGURA 52.2-+ Granulomatose de Chu rg·Strauss. Achados histopatológicos de biópsia pulmonar. (A) Periarterite; (B) célula gigante; (C) granuloma.
Paciente masculino, 62 anos, com asma, sinusopatia e leucocitose (66% de eosinófilos).
AGURA 52.3-+ Granulomatose alérgica de Churg·Strauss. Lesões pulmonares bilaterais. (A) Radiografia simples; (B) TC de tórax. (C) e (O) Sinais de
rinossinusite à TC de seios paranasais. Mesmo caso da Figura 52.2.

p-ANCA se reduzem.28 A variação dos títulos desse anticor- são achados comuns nesse tipo de doença. :l().lt Os princípios
po pode ser utilizada como marcador indicativo do curso da do tratamento são semelhantes aos das demais vasculites
doença. A taxa de sobrevida em cinco anos situa-se em tomo ANCA-associadas, fundamentando-se no uso de corticoides
de 60% dos pacientes tratados com corticoides.21 Um curto e imunossupressores.
intervalo entre o inicio da asma e o sur gimento da vasculite
implica pior prognóstico, e o envolvimento cardíaco associa-
-se à maior mortalidade.
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0 ATENÇÃO
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José da Silva Moreira
Geraldo Resin Geyer
53
Bruno Hochhegger
José J. Camargo

Cerca de 90% dos casos de câncer de pulmão ocorrem


Introdução em indivíduos fumantes atuais ou em ex-fumantes. Em rela-
O câncer de pulmão (carcinoma brônquico, ou câncer brôn- ção aos que nunca fumaram, a probabilidade de surgimento
quico) é o tumor maligno primitivo de natureza epiteüal desse tumor nos fumantes ativos aumenta com a quantidade
mais comum do trato respiratório inferior, representando 85 e o tempo de fumo, podendo ser 30 vezes maior nos que con-
a 90% de todos os tumores primários que ali ocorrem, sen- somem 25 cigarros/dia por 25 anos ou mais e 50 vezes maior
do atualmente responsável por cerca de 30% do número de nos fumantes de mais de 40 cigarros/dia por muitos anos.
óbitos causados por doenças malignas no ser humano, cons- Em ex-fumantes, abstêmios há mais de 10 anos, a chance
tituindo-se na mais letal das neoplasias para ambos os sexos. ainda é cerca de três vezes maior de desenvolver a neoplasia,
Seu pico de incidência se verifica em indivíduos em tomo e nos fumantes passivos, uma vez e meia maior em relação
dos 60 anos de idade, sendo infrequente antes dos 40 e raro aos nunca expostos.'-' Esse aumento de risco para câncer de
antes dos 30 anos. De doença poucas vezes identificada no pulmão entre fumantes passivos, como esposas de fumantes,
início do século XX, passou a constituir grave problema nos 7
foi mostrado e tem sido conftrmado. .a
últimos 40 a 50 anos, atingindo em algumas regiões do mun-
Dentre as numerosas substâncias contidas na fuma-
do números ala.rmantes, próximos de 100 casos por 100.000
ça do cigarro, os hidrocarbonetos poücícücos aromáticos
indivíduos do sexo masculino e mais de 25:100.000 do sexo
feminino. ' Ultimamente, todavia, o aumento da incidência (3,4-benzopireno, metilfenantreno, etc.) e as nitrosaminas
tem se mostrado mais lento entre os homens do que entre as são considerados as de maior poder carcinogênico, com
mulheres, 2 as quais têm evidenciado pelo menos igual susce- ação direta produzindo alterações no genoma. Esses hi·
tibilidade aos agentes carcinogênicos do fumo.' drocarbonetos, durante sua metabolização, dão origem a
produtos intermediários (dióis-epóxidos) altamente lesivos
para o DNA. 9 Há sugestões de que alguns componentes
lipídicos da dieta, especialmente o colesterol, o qual tem
também estrutura policícüca aromática, poderiam atuar
como fator de risco na carcinogênese brônquica, enquanto
outros, como os retinoides, confeririam alguma proteção
contra o desenvolvimento da neoplasia, embora com eficá-
cia controversa. Mais recentemente, têm surgido evidências
de que indivíduos HIV-positivos têm maiores chances de
desenvolver câncer de pulmão, em particular de tipos não
10
de pequenas células.
Derivados carcinogênicos relacionados com a nicotina
(NNK) são igualmente formados na fumaça do cigarro, e
células de todos os tipos de câncer de pulmão expressam
0 ATENÇÃO

receptores para nicotina, podendo, assim, este alcaloi- A sobrevida global, para todos os casos, situa-se hoje
de também desempenhar algum papel na patogêncse da em torno de 12 a 15%, maior do que se observava
doença. A exposição ao asbesto tem definida correlação 30 a 40 anos atrás, quando era de apenas 8%. Essa
com o surgimento de mesoteliomas em plcura e peritônio, mudança é atribu!da principalmente à evolução da
mas sabe-se, além disso, que este silicato atua como pode- tera~utica, com combinações de modalidades (ci·
roso potencializador dos agentes carcinógcnos - presentes rurgia, radioterapia e quimioterapia com fármacos
na fumaça do cigarro - na gênese do carcinoma brônquico, mais modernos), nos casos em que a neoplasia já se
aumentando em 20 a 30% o risco de desenvolvimento dessa apresenta com alguma extensão mediastinal. Os efei·
neoplasia." Estudos que levam em conta fatores de confu- tos da luta antitabagismo, como medida preventiva,
são atribuem à poluição atmosférica 3 a 7% dos casos de fazem-.s e sentir de modo mais lento, mas é provável
câncer de pulmão.12 que os beneficios também já estejam aparecendo,
O câncer de pulmão não é considerado doença genéti- pelo menos entre os Individuas do sexo masculino.
ca no sentido de expressar-se com claro padrão de herança
mendeliana, mas é sabido que- controlando-se para o hábi-
to do fumo - descendentes em primeiro grau de indivíduos Espera-se para um futuro próximo que o conjunto de
que tiveram esse tumor têm duas a três vezes mais chances medidas, como a continuidade da educaçáo antifumo, o
de tê-lo também, o que indica posslvel existência de al~ma diagnóstico de lesões em fases mais precoces e o emprego
suscet.ibilidade familiar aumentada para essa condição. l Por de novas abordagens terapêuticas com associações mais po·
outro lado, diversas lesões gênicas adquiridas se encontram tentes e específicas,11' 18 consiga controlar de forma mais efi-
presentes no DNA de células do carcinoma brOnquico em ciente a doença, diminuindo sua ocorrência e beneficiando
indivíduos expostos ao tabaco, levando à ativação de oncoge- um maior número dos já acometidos. Aguarda-se para um
14
nes dominantes e à inativação de genes supressores. pouco mais adiante que progressos na terapia gênica possam
Nos oncogenes dominantes, verificam-se mutações ser explorados e aplicados com eficácia e segurança nesta
por ponto em regiões codificadoras da famnia K-ras, par- área da oncologia.
ticularmente no adenocarcinoma. Amplificação, perda do Na atualidade, o que se tem de melhor para enfrentar
controle transericional de membros da famflia myc e hipe- a doença já presente são a busca de casos precoces, o esta-
rexpressão de bc/-2, Her-2/neu e gene da telomerase são belecimento do diagnóstico histológico, o judicioso estadia·
alterações também encontradas tanto nos carcinomas não menta e a aplicaçáo do tratamento corretamente indicado,
de pequenas células como nos de pequenas células. Tumo- tendo-se a preocupação de manter os cuidados de suporte
res não de pequenas células, em especial adcnoearcinomas, adequados para cada caso.
com mutações em genes K-ras, e de pequenas células com
amplificação de c-myc costumam apresentar-se com prog-
nóstico pior. u Nos genes supressores, ocorrem deleções
envolvendo diversas regiões cromossômicas, como llp13
Incidência
no gene rb, I 5q e 17p13 no p53, entre outras. Esses dois ge- Estima-se que, em todo o mundo, cerca de 1.500.000 casos
nes (rb e p53) encontram-se modificados em mais de 90% novos de câncer de pulmão sejam atualmente diagnosticados
dos casos de carcinomas de pequenas células, ao passo que, a cada ano, t.r ês quartos deles em homens e 30% na China e
em 50% dos carcinomas não de pequenas células, somen- nos Estados Unidos. 19;o Cerca de 85% são carcinomas não
te o p53 apresenta-se alterado (ROBLES A1 et ai., 2002). de pequenas células. Nos Estados Unidos, no ano de 2010,
A mutação em somente um dos alelos é requerida para a ocorreram 222.000 casos - 116.000 em bomens e 106.000 em
transformação maligna de oncogenes dominantes, enquan- mulheres - , correspondendo a 14,6% dos casos novos de ne-
to em genes supressores parece ser necessária a perda ho- oplasia em homens e 14,3% em mulheres, levando ao óbito
2
mozigótica.9 cerca de 72% dos acometidos.
No momento do diagnóstico, somente 20% dos pacien- O câncer de pulmão nas diversas regiões do Brasil apre-
tes com câncer de pulmão apresentam-se com doença loca- senta incidência e mortalidade semelhantes, com exceção da
lizada; em aproximadamente 25% dos casos, a neoplasia se Região Sul, onde são significativamente superiores às das
encontra também nos linfonodos regionais, e em 55% ou demais, em ambos os sexos, mas ainda inferiores ao que é
mais das vezes, o tumor já se mostra com extensão intratorá- verificado em países desenvolvidos do H emisfério Norte. O
cica maior ou com metástases à distância. Mesmo quando a número de casos novos estimados para o Brasil em 2010 foi
doença é considerada loealizada, a taxa média de sobrevida de aproximadamente 18.000 entre homens e 10.000 entre
dos pacientes, em cinco anos, fica em tomo de 50%, poden- mulheres, correspondendo a um risco estimado de 18 casos
do subir para 70% em casos muito especiais de lesões oodu- novos para cada 100.000 homens e de 10 para cada 100.000
lares periféricas pequenas (de detecção incomum). Havendo mulheres.11 Na Região Sul do Brasil, dentre todas as neo-
extensão regional, a sobrevida em cinco anos cai para menos plasias, é a que causa o maior número de óbitos entre os bo-
16 mens; nos Estados Unidos, é a primeira em ambos os sexos.
de 20%.
Classificação QUADRO 53.1 -+ Classificação histo16gica dos tumores de pulmão,
OMS
Diversas classificações do carcinoma brônquico surgiram na
literatura nas últimas décadas, e todas elas sofreram modifi-
cações à medida que novos conhecimentos foram emergin-
do, em especial no que se refere às caracterfsticas biológicas Carcinoma de células escamosas (carcinoma epidermoide)
do tumor, aos achados morfológicos e ao comportamento Papilar
frente à terapêutica. D e modo geral, entretanto, a divisão De células claras
inicial do câncer de pulmão em quatro grupos principais tem De pequenas células
sido mantida: carcinoma escamoso, carcinoma de pequenas Basaloide
células, adenocarcinoma e carcinoma de grandes células.
A classificação da Organização Mundial da Saúde Carcinoma de pequenas ci/ulas
(OMS), elaborada em bases histológicas e publicada pela Carcinoma de pequenas células combinado
primeira vez em 1967, tem sido reeditada e amplamente uti- Adenocarcinoma
lizada. O QUADRO 53.1 traz a seção de tumores pulmonares Adenocarcinoma, subtipo misto
epiteliais malignos da última edição da OMS.u Adenocarcinoma acinar
O carcinoma escamoso é o tipo histológico que tem mos- Adenocarcinoma papilar
trado ocorrência mais frequente entre os carcinomas brôn-
Carcinoma bronquioloalveolar
quicos, perfazendo, em diversas séries, 40 a 50% de todos os
Nãomucinoso
casos. O adenocarcinoma, que até há alguns anos represen-
Mucinoso
tava cerca de 20% dos cânceres de pu lmão, agora responde
Misto n~o mucinoso e mucinoso ou indeterminado
por porcentagem significativamente maior. Isso ocorre, em
Adenocarcinoma sólido com produç~o de mucina
parte, porque sua incidência está de fato aumentando, e em
Variantes
parte porque casos antes classificados como indiferenciados
de grandes células, por força de alteração de critérios com o Adenocarcinoma fetal
desenvolvimento das ferramentas de identificação, são hoje Carcinoma mutinoso ("coloide")
rotulados como adenocarcinomas. O QUADRO 53.2 mostra a Cistoadenocarconoma mucinoso
distribuição dos principais tipos histológicos encontrada em Adenocarcinoma muc•noso
uma série estudada no Sul do Brasil. Adenocarcinoma de células em anel de sinete
A precisão diagnóstica na definição do tipo histológico Adenocarcinoma de cé4ulas daras
do câncer de pulmão situa-se em tomo de 95%. Sabe-se que
Carcinoma de grandes células
tal definição nem sempre é possível, em especial quando o
Carcinoma neuroendócrino de grandes células
material enviado ao patologista for fragmento obtido por
Carcinoma neuroendócrino de grandes células combinado
biópsia, frequentemente exíguo e sofrendo a ação de arte-
Carc.inoma basaloide
fatos.l3
Carcinoma linfoepitelioma·slmile
São resum idos, a seguir, os principais aspectos dos dife-
Carcinoma de células claras
rentes tipos histológicos de carcinoma brônquico.u
O carcinoma escamoso (FIGURA 53.1) caracteriza-se por Carcinoma de grandes células com fenótipo rabdoide
massas, trabéculas e/ou pequenos aglomerados de células Carcinoma adenoescamoso

Carcinoma sarcomaroide
Carcinoma pleomótfico
Carcinoma de células fuSJformes
Carcinoma de células gigantes
Carcinossarcoma
Blastoma pulmonar

Tumor carcinoide
Típico
Atlpico

Tumores do tipo giAndula salivar


Carcinoma mucoepidtrmoide
Carcinoma adenoid~dstiCO
Carcinoma epitelial-mooepiteial
-+
FIGURA S3.1 Carcinoma es<.amoso. Células escamosas moderada-
fonte: Travis • colobondom "
--------------------
mente polimorfas formam trabéaJias anastomosadas, algumas conten-
do focos de queratinização. Entre as trabéculas, liA abundante estroma
fibroso com células inflamatótias (hematoxicilina-eosina - HE, 40x).
QUADRO 53.2 ~ Tipos histol6gicos de 2.877 casos de carcinoma muco intra ou extracelular (FIGURA 53.3). lncluem~se nessa
brõnquico categoria os tumores sólidos, sem estrutura glandular, mas
que contêm muco intracelular.
O carcinoma bronq uioloal\'eOiar é um subtipo peculiar
de adenocarcinoma em que as células neoplásicas se prolife-
carcinoma escamoso 1.162 40,4 ram recobrindo a estrutura alveolar preexistente (crescimen-
Adenocarcinoma 1.073 37,3 to Jepidico), sem evidência de invasão do estroma, de vasos
carcinoma d~ pequenas cf!ulas 281 9,8
carcinoma de grand~ cf!ulas 4,1
ou da pleura. Pode se apresentar como lesão localizada, mul·
118
carcinoma n.io de pequenas 150 5,2 tifocal ou consolidativa, sendo as duas últimas formas, por
cflulas vezes, extensas e bilaterais. Costuma apresentar padrão pa-
Tipo não delerminado 93 3,2 pilar mais simples do que o dos adenocarcinomas papilares
infiltrantes, preservando a estrutura alveolar.z-
TOTAL 2.877 100.0 A variante mucinosa do carcinoma bronquioloalveolar é
Fontt: Pavi hio Pt<oira Folha, Po<to Altgrt. 1990·2006.
um tumor de baixo grau constituído por células colunares altas
produtoras de mucina. Já a variante não mucinosa, que pode
ser bem ou moderadamente diferenciada, apresenta diferen-
ciação como células de Clara e/ou pncumócitos do tipo 11.
poligonais ou escamosas, com ou sem estratificação, e com
Produz espessamento fibroclastótico de scptos alveolares com
citoplasma geralmente abundante e eosinófilo. Os núcleos
maior frequência do que a muc.inosa, trazendo dificuldade no
podem ser uniformes, polimorfos ou gigantes. É critério es-
sencial para a inclusão nesse grupo a presença de pérolas diagnóstico diferencial com adcnocarcinoma invasivo.
córneas, células queratinizadas isoladas, ou ainda pontes in- O carcinoma de gr andes células é constituldo por gran·
tercelulares. A quantidade e a qualidade desses elementos, des células poligonais, com núcleos também grandes e/ou
por sua vez, são fatores básicos na determinação do grau de vesiculosos, nucléolos proeminentes e citoplasma modera-
diferenciação do tumor. damente abundante (FIGURA 53.4). As células não mostram
O carcinoma de pequenas ti lulas é formado por massas, sinais de diferenciação escamosa ou glandular. Todavia,
ninhos, cordões e/ou infiltrados difusos de células pequenas, elementos diferenciados podem ser encontrados restritos a
com núcleos ovais, redondos ou fusiformes, com cromatina uma ou poucas áreas do tumor.
fina e difusamente distribuída; nucléolos em geral pequenos O carcinoma neuroendócrino de grandes células c suas
e indistintos; citoplasma escasso ou inaparente e limites ce- variantes combinadas (que incluem componentes de carcino-
lulares também indistintos (FIGURA 53.2). Encontra-se, amiú- ma de células escamosas, adcnocarcinoma, carcinoma de cé-
de, "amoldamento" nuclear. O estroma costuma ser delica- lulas fusiformcs ou carcinoma de células gigantes) passaram a
do, havendo pouca produção de colágeno. O subtipo puro, ser classificados na categoria de carcinoma de grandes células,
destituído de outros elementos celulares que não as próprias assim como o carcinoma basaloide c outros subtipos raros.
células pequenas, constitui mais de 90% desse grupo. Para Os carcinomas pleomórfico, de células fusiformes e de
ser classificado como carcinoma de pequenas células com- células gigantes estão incluidos no grupo dos carcinomas
binado, um tumor deve conter pelo menos 10% de um dos sarcomatoides, junto com o carcinossarcoma e o blastoma
carcinomas não de pequenas células. pulmonar.
No adenocarcinoma, observam-se, focal ou difusamen- No carcinoma adenoescamoso, coexistem elementos
te, estrutura acinar e/ou papilar, com ou sem a presença de com diferenciação escamosa e glandular em proporções va-

FIGURA 53.2 -+ Carcinoma de pequenas células. Células redondas com FIGURA 53.3 -+ Adenocarcinoma. Acinos formados por cflulas prismá-
núdeos densos, sem nucléolos aparentes. Citoplasma escasso ou ina- ticas polimorfas, com tliperaomatismo nuclear. Secreçjo mucosa em
parente (HE, 400x). algumas luz~ atinares. Estroma mot~ado nM!e campo (HE, 100x).
Nos carcinomas sarcomatoides, pode haver positividade
de diferentes células neoplásicas ou coexpressão de cito-
queratinas, vimentina, CEA e marcadores de músculo liso.
Há dificuldades na diferenciação com sarcomas quando um
carcinoma totalmente constituído por células fusiformes não
expressar marcadores epiteliais.
Enquanto a imuno·histoquímica costuma ter pouca utili-
dade no diagnóstico diferencial entre carcinomas escamosos
primários e metastáticos, pode ser de grande valia quando
se trata de um adenocarcinoma. Com essa finalidade, além
das diferentes combinações de resultados frente às citoque-
ratinas 7 e 20, uma série de marcadores direc:iona a investi-
gação de sítio primário de forma bastante especifica, como
FIGURA 53.4 ~ Carànoma de células gigantes. Volumosas células ana· GCDFP-15 (mama), mamoglobulina (mama), vilina (colo
plásicas. algumas gigantes. pouco coesas, com grandes núdeos vesiculo- e reto), CDX2 (colo e reto), HepPar-1 (bepatocarcinoma),
sos e pleomórficos. e núcleos proeminentes. Estroma escasso (HE. 100>1).
TIF-1 (pulmão e tireoide), WT-1 (carcinoma seroso de ová-
rio), PSA (próstata), PAP (próstata), surfactante A (pulmão)
e tireoglobulina (tireoide).
riadas, sendo exigido que o componente minoritário repre- Menos especificas, outros marcadores contribuem para
sente pelo menos 10% da massa tumoral. a pesquisa de sítio primário, principalmente quando associa-
À imuno-histoqufmica, a quase totalidade (cerca de dos a outros anticorpos, como é o caso dos receptores de
99%) dos carcinomas de células escamosas expressa citoque- estrógeno (RE) e de progesterona (RP), no diagnóstico dife-
ratinas de alto peso molecular (34betaE12) c citoqueratina rencial entre carcinoma de mama e de pulmão. RE e RP são
5 (CKS/6), e muitos expressam antlgeno carcinoembriônico expressos em cerca de dois terços dos carcinomas de mama,
(CEA) e c:itoqueratina de baixo peso molecular. Muito pou- mas raras vezes nos de pulmão.
cos são positivos para o fator 1 de transcrição da tireoide
(TfF-1), c:itoqueratina 7 (CK7), surfactanteA e marcadores
neuroendócrinos, como cromogranina e sinaptofisina.., Comportamento biológico
Cerca de 90% dos carcinomas de pequenas células são
positivos para TIF-1, até 97% são positivos para NCAM É incomum que o câncer de pulmão dê origem a algum sin-
(CD56), e a maioria expressa cromogranina, sinaptofisina toma antes de atingir 1 a 2 em de diãmetro, com peso de 1 a
e. bombesina. Menos de 10% desses carcinomas são nega- 2 gramas - quando já sofreu 30 duplicações de volume e já
tivos para todos os marcadores neuroendócrinos. A maioria cursou cerca de seis sétimos de sua evolução no hospedei-
expressa citoqueratina de baixo peso molecular e CEA. Os ro.211 Thmbém é incomum que a radiografia simples de tórax
carcinomas de pequenas células puros são negativos para o detecte antes que ele tenha 1 em de diâmetro, e é pouco
surfactante A. provável que o citologista ou o patologista tenham a chance
A maioria dos adenocarcinomas pulmonares é positiva de examinar material colhido de indivíduos assintomáticos.
para citoqueratina 7 (CK7) e negativa para citoqueratina Além disso, como não existe até agora um marcador con-
20 (CK20). Cerca de 75% são positivos para TIF-1, e um fiável indicativo da doença em evolução, é forçoso que seu
menor número expressa surfactante A. Os adenocarc:inomas diagnóstico seja quase sempre tardio, na maioria das vezes
muc:inosos, especialmente os carcinomas bronquioloalveola- quando a massa neoplásiea se encontra próxima das 40 du-
res mucinosos, apresentam perfil imuno-histoquimico diver- plicações de volume, pesando 1 kg, e já com metástases à
so dos demais adenocarcinomas, sendo muitas vezes negati- distância, as quais, quando pequenas, dificilmente são deu»
vos para TIF-1 e positivos tanto para CK7 como para CK20, ta das pelos métodos hoje disponíveis.
e 100% deles são positivos para CEA-P. Uma vez iniciada a proliferação da célula maligna, após
Para o diagnóstico de carcinoma neuroendócrino de ela ter se livrado dos mecanismos moleculares controlado-
grandes células (CNGC), é necessária a expressão de marca- res e da vigilância imunológica do hospedeiro, o aumento
dores neuroendócrinos, como cromogranina, sinaptofisina e da massa tu moral segue seu curso exponencial por longo pe-
NCAM (CD56). Um marcador positivo é suficiente, desde ríodo de tempo, até que fatores restritivos (insuficiência de
que a coloração seja nítida. Cerca de 50% dos CNGCS são estroma, falta de nutrição, morte celular) comecem também
positivos para TIF-1 e mais de 50% para CEA. Geralmente a operar, atenuando-se, então, sua velocidade de crescimen-
são negativos para 34betaE12, ao contrário de outros carci- to. Uma função gompertziana seria a forma de traduzir de
nomas oão de pequenas células. modo mais apropriado o comportamento do crescimento
Os carcinomas adenoescamosos expressam citoquerati- tu moral, cuja expressão é dada por
nas de pesos moleculares variados, incluindo CK7, mas em
geral são negativos para CK20. A positividade para TIF-1
costuma estar restrita ao componente glandular.
onde V é o tamanho do tumor em qualquer tempo t conside- tomas clínicos, apresentação radiográfica e o método a ser
rado, V0 é seu volume inicial, A e B são constantes e "e " é o escolhido para a colheita de material comprobatório depen-
número 2,71418 ..., base dos logaritmos naturais. dem em grande pane da situação central ou periférica da
Para o cálculo do tempo de duplicação de volume dos tu- neoplasia.
mores sólidos, têm sido empregadas fórmulas mais simples, O carcinoma brônquko ce~~tral manifesta-se de modo
como a de Schwanz/ 7 que exploram variações de diâmetro mais frequente por tosse, escarros he!Mticos e pneumonias
da lesão observada em radiografias efetuadas em diferentes de repetição no mesmo local, pela lesão da mucosa brõn-
momentos. A fórmula de Sehwanz é esta: quica com a estenose que acaba determinando (AGURA 53.5).
Se o paciente já era portador de algum grau de doença pul-
monar obstrutiva crônica (DPOC) - o que é frequente em
TD = t {log 2) / 3 (log 02/D1), fumantes na faixa etãria dos 50 aos 70 anos -, mudança do
caráter da tosse e surgimento ou agravamento da dispneia
são achados comuns quando surge a neoplasia. À ausculta,
onde TD é o tempo de duplicação de volume do tumor, I é o podem-se detectar sibilãncia ou roncos localizados indican-
tempo transcorrido entre duas observações, D1 é o diâmetro do o sítio da obstrução da via respiratória.
inicial eD1 é o diâmetro fmal da lesão medidos em radiogra- Radiologicamente, o tumor central costuma apresen-
fias obtidas com o mesmo grau de ampliação. tar-se corno uma massa tumescentc junto ao hilo pulmo-
O tempo médio de duplicação de volume do adenocar- nar com ou sem indícios de complicação obstrutiva, corno
cinoma é de 183 dias, do carcinoma escamoso, de 100 a 120 pneumonia e/ou atelectasia (FIGURA 53.6); às vezes, entre-
dias, do carcinoma de grandes células, de 90 a 100 dias, e do tanto, ele pode se desenvolver alastrando-se pela superficie
carcinoma de pequenas células, de 33 dias. Neoplasias com da mucosa, formando um "manguito" que diminui o lúrnen
tempos de duplicação curtos costumam ser mais agressivas. do brônquio sem contudo ocluf-lo completamente. Nes-
A ocorrência de regressão espontânea de algumas neo- te caso, a visualização à radiografia simples se torna mais
plasias sólidas, especialmente carcinoma de rim e metano- difícil, mas uma radiografia penetrada de mcdiastino, ou
ma, tem sido registrada na literatura; entretanto, em câncer em especial a tomografia, pode tornar evidente tal forma
de pulmão, este fato é muüo raro. 28 de apresentação da lesão. Os carcinomas centrais (FIGU RA
53 .7) sáo de fácil acesso à biópsia endoscópica c também,
em um número elevado de casos, têm suas células csfolia-
Diagnóstico das identificadas no escarro.
O carcinoma brônquico periférico, por ter sua origem
O carcinoma brônquico costuma ser diagnosticado "em indi- nas vias aéreas de pequeno calibre, não costuma provocar
víduos com mais de 50 anos de idade, grandes fumantes, que sintomas respiratórios significativos. Ele cresce no seio do
vêm apresentando há poucos meses ou há algumas semanas parênquima pulmonar, mostrando-se ao exame macroscópi-
sintomas torácicos, em geral acompanhados por manifesta-
ções sistêmicas, mas sem febre persistente". O diagnóstico,
sugerido por dados clmicos e indicado por achados radiográ-
ficos, deverá ser comprovado pela descoberta de células es-
foliadas (escarro, lavados ou aspirados) ou por exame histo-
patológico de fragmento da lesão obtido por biópsia através
de fibrobroncoseopia, punção transcutãnea ou por excisão.29
O exame citopatológico de escarro, usando a coloração
de Papanicolau, efetuado em três amostras adequadamente
colhidas, mostra uma sensibilidade de cerca de 65% e espe-
cificidade superior a 99%; além disso, é destituído de qual-
quer risco para o paciente. Em lesões centrais, a sensibilida-
de sobe para mais de 80%, decrescendo para menos de 50%
nos tumores periféricos do pulmão.30 O exame citológico de
espécimes colhidos por meio de punções aspirativas com
agulha de pequeno calibre (pulmonares, pleurais, ganglio-
nares, ósseas, hepáticas) tem sido cada vez mais utilizado,
devido à relativa facilidade de execução do procedimento, à
elevada correlação com a histopatologia e aos mmimos ris-
cos que acarreta. Pacientes com pequenos nódulos pulmona-
res periféricos isolados, cuja natureza neoplásica não pode
ser excluída, têm o diagnóstico geralmente estabelecido à
videotoracoseopia ou à toracotomia.J•
O câncer de pulmão pode originar-se em brônquios de
grosso calibre (pré-segmentares), em brônquios menores
mais periféricos, ou no próprio companirnento alveolar. Sin-
____
FIGURA 53.5 -+ Estenose odusiva em br6nquio pr~segmentar (seta)
com doença supurativa distai ~ obslluç~. ~ cirúrgica
...:_ .
com mamelões intracavitários, sobretudo se for de tipo es-
camoso (FIGURA 53.9). Invasões diretas, por contiguidade, da
parede torácica (FIGURA 53.1O) e do medias tino são comuns,
determinando o surgimento de manifestações como dor, dis-
fonia, síndrome de veia cava superior e paralisia frênica. A
extensão para o diafragma é menos frequente, mas quando
ocorre pode levar ao aparecimento de soluços. Um tumor pe-
riférico pode "centralizar-se", isto é, ao invadir um brônquio
de grosso calibre, comportar-se como uma lesão central.
O tumor de Pancoast (via de regra, um carcinoma não
de pequenas células) localiza-se perifericamente no extremo
terço superior do pulmão, de onde invade as estruturas con-
tíguas, configurando a sindrome de mesmo nome.31 A sin-
drome de Pancoast apresenta-se com três componentes: a)
síndrome de Tobias-Claude Bemard-Horner, decorrente de
AGURA 53.6 ~ Peça cirúrgica de pneumonectomia. Massa tumescente, invasão do simpático cervical (gânglio estrelado), exteriori-
bosselada no lobo superior do pulmão direito. Adenocarcinoma. zando-se por miose, enoftalmia e ptose palpebral do mes-
mo lado da neoplasia pulmonar; b) síndrome de Déjérine-
-Kiümpke, que se deve ao envolvimento de ramos inferiores
do plexo braquial (Tl ), provocando dor na face mediai e
co sob forma de massa grosseiramente circunscrita de con- impotência funcional do membro superior homolateral; e c)
tornos crenados, com frequência exibindo um halo de infil- erosão ou destruição de arco posterior de costela superior,
tração periférica (FIGURA 53.8). Pode apresentar-se escavado, levando à "dor no ombro" do mesmo lado da lesão pulmo-

AGURA 53.7 ~ Carcinomas brônquicos centrais. (A) De tipo escamoso, na região hilar do pulmão direito. (8) De tipo pequenas células, determinao·
do atelectasia dos lobos inferior e médio à direita e com volumosas adenopatias mediastinais.

AGURA 53.8 ~ (A) Aspecto tomográfico: tumor periférico (adenocarcinoma) no lobo superior do pulmão esquerdo. Massa grosseiramente circuns-
crita, bosselada. com halo de infiltração periférica. (B) e (Q Reconstrução: situação do tumor dentro da caixa torácica.
FIGURA 53.9 -+ úrcinoma de tipo es<:amoso, escavado, em lobo superior do pulmão direito, com paredes espessas e irregulares, e adenomegalias
paratraqueais do mesmo lado. (A) Aspectos radiográficos; (8) aspectos tomográficos.

FIGURA 53.10 -+ Carcinoma escamoso dos sub·


segmentos axilares do pulmão esquerdo, com
destruição de arcos costais posteriores. (A) TC com
reconstrução axial. (8) Reconstrução 30 do tumor
e dos arcos costais. (Q Reconstrução 30 dos arcos
costais. (O) Reconstrução 30 tocada do tumor e
dos arcos costais.

nar (FIGURA 53.11). A síndrome de Pancoast, na maioria das altas porcentagens de cura, superiores a 60%. Assim, uma le-
vezes, se deve a câncer de pulmão; ocasionalmente, entre- são pulmonar isolada, circunscrita, com densidade de partes
tanto, ela pode ter outras causas. moles, sem calcificações em seu interior, ou que tenha sofrido
A apresentação do câncer periférico sob a forma de alguma modificação radiológica em um período de dois anos,
"nódulo isolado, ou solitário, do pulmão", com menos de deve ser ressecada, uma vez que pode tratar-se de um carcino-
3 em de diâmetro (FIGURA 53.12), reveste-se de especial in- ma brônquico em fase de maior probabilidade de cura.
teresse, pois é nesse tipo de apresentação que se observam Calcificação central ou calcificações múltiplas parecem
os melhores resultados do tratamento cirúrgico, com as mais ser critérios mais seguros de benignidade do que a inalte-
baixa especificidade na diferenciação entre malignidade e
benignidade das lesões.
Lesão pulmonar única localizada em segmento anterior
do pulmão muito provavelmente deve ser neoplásica, uma
vez que é incomum a ocorrência de lesões de outras natu-
rezas, sobretudo infecciosas, nesse segmento. Thmbém uma
lesão situada na zona "medular" do pulmão (distante de su-
perfície pleural) tem maior probabilidade de ser neoplãsica.,
pois dificilmente algum mecanismo patogênico explicaria
o surgimento de doença inflamatória sem envolver a zona
mais cortical do órgão.
O carcinoma bronquioloalveolar pode tanto apresentar-
-se como pequena lesão nodular periférica como assumir o
aspecto de extensas lesões pulmonares, uni ou bilaterais, sob
forma de consolidação alveoloductal (FIGURA 53.13), podendo
ser confundido com pneumonia.ll Achados à TC de alta re-
solução podem auxiliar na diferenciação de lesões nodulares
devidas a carcinoma bronquioloalveolar de outras lesões. 36

FIGURA 53.11 ~ Tumor de Pancoast. Carcinoma escamoso no terço


Metástases
superior do pulmão esquerdo. (A) OestruiçAo de porções de arcos cos- Sintomas decorrentes de metástases são comuns no paciente
tais posteriores; (B) manifestações oculares homolaterais (s!ndrome de com carcinoma brônquico, central ou periférico. As metás-
aaude Bernard-Horner). tases ganglionares no mediastino são frequentes, ocorrendo
em mais de 80% dos casos estudados à necropsia; vêm, a
seguir, as das regiões supraclaviculares. Lesões gangliona-
res mediastinais com diâmetro inferior a 2 em geralmente
são difíceis de visualizar em uma radiografia convencional,
rabilidade do tamanho do nódulo em controles subsequen-
fazendo-se necessários outros métodos de detecção e de es-
tes. Alguns casos de adcnocarcinoma bem diferenciados,
clarecimento de sua natureza, como TC, ressonância nuclear
entretanto, podem permanecer sem modificação do volu- magnética (RNM) e mediastinoscopia. Todos os tipos his-
me por longos períodos de tempo.33 Atualmente, com os tológicos do câncer brônquico podem disseminar-se para os
recursos da tomografia computadorizada (TC) helicoidal, gânglios mediastinais; todavia, quando o envolvimento for
a detecção desses nódulos e a descrição de suas caracte- maciço, extenso, a possibilidade de se tratar de um carcino-
rísticas tomaram-se bastante facilitadas; todavia, a maioria ma de pequenas células deve ser primariamente considerada
dos pequenos nódulos pulmonares encontrados à TC em (RGURA 53.14).
indivíduos assintomáticos não é de natureza neoplãsica ma- As metãstases hemáticas do câncer de pulmão ocorrem
ligna.)& Métodos que associam a dinâmica da evolução de preferencialmente para ossos, ligado e cérebro, sendo tam-
nódulos solitários de pulmão com fatores de crescimento bém comum o comprometimento da glândula suprarrenal.
e comportamento da microvasculatura têm se revestido de Os êmbolos metastáticos originam-se, via de regra, em trom-
sensibilidade e valor preditivo negativo elevados, mas com bas que se soltam de veias pulmonares que haviam sido inva-

FIGURA 53.12 ~ Nódulo solitário de pulmão (adenocarcinoma). (A) TC com reconstrução axial; (B) TC de tórax com reconstruçAo sagital; (C) TC
locada no nódulo que tem áreas de broncograma aéreo no seu inte<ior, o que suge<e padrão de crescimento lep!dico.
sensibilidade e especificidade, como provas funcionais hepá-
ticas, ultrassonografia (sobremaneira nas lesões do abdome),
cintilografia óssea, TC e RNM, têm sido bastante utilizados,
com apreciável rendimento para demonstrar a presença
de tais lesões; todavia, a prova definitiva para a tomada da
decisão terapêutica é em geral bistopatológica. O uso mais
recente da tomografia com emissão de pósitrons (PET-CT),
que evidencia o metabolismo celular aumentado da glicose
pelas células malignas, ainda que não totalmente específico,
tem contribuído de forma significativa para o rastreamento
das metástases do câncer de pulmão.:l8
Sintomas sistêmicos como astenia, anorexia, perda de
FIGURA 53.13 -+ Carcinoma bronquioloalveolar. Extensas lesões pulmo- peso e diminuição da libido são comuns em pacientes com
nares bilaterais, de aspecto consolidativo, observando-se o achado de carcinoma brônquico. A febre, embora também de ocorrên-
"broncograma aéreo". cia comum, se deve, em geral, à complicação broncopneu -
mônica de um tumor central, não se constituindo, portanto,
em manifestação primária da neoplasia.
Metástases bemáticas do carcinoma brônquico para o
pulmão são menos frequentes do que para os outros órgãos,
mas podem ocorrer, especialmente seguindo-se invasão de
artéria pulmonar ou veia brônquica pelo tumor.

Síndromes paraneoplásicas
São conjuntos de sinais e sintomas que se manifestam à
distância de uma neoplasia da qual dependem; instalam-
-se e persistem por meio de mecanismos até o momento
pouco entendidos, e costumam desaparecer após o trata-
mento efetivo do tumor, podendo retomar com a recidiva
da doença.
As sindromes paraneoplásicas (SPNs) se apresentam em
cerca de um terço dos pacientes com câncer de pulmão (QUA-
DRO 53.3). Dentre elas, as slndromes osteoarticulares (hipo-
cratismo digital e osteoartropatia hipertrófica - OAPH) são
mais prevalentes em pacientes portadores de carcinomas
FIGURA 53.14-+ Carcinoma de pequenas células. Extenso envolvimen- escamosos ou adenocarcinomas, ao passo que as endócrino-
to ganglionar mediastinal. -metabólicas e neuromusculares ocorrem principalmente
associadas a carcinomas de pequenas células.
A síndrome de OAPH, na verdade, quase nunca é ob-
servada junto com carcinoma de pequenas células, provavel-
didas pelo tumor, e são constituídos por várias células- um
mente porque não haja tempo suficiente para que ela se de-
verdadeiro fragmento neoplásico."
senvolva.)9 Dentre todas as manifestações paraneoplásicas,
Os sintomas decorrentes do envolvimento hepático -
o bipocratismo digital é a mais registrada, verificando-se em
aumento de tamanho do órgão, irregularidade de sua super-
tomo de um quarto dos pacientes com câncer de pulmão (FI-
fície, dor e icterícia - são em geral tardios. A dor causada GURA 53.15). Já a frequência de manifestações cutâneas no
pela metástase óssea, ao contrário, costuma manifestar-se cãncer brônquico é baixa. A presença de sintoma sistêmico
precocemente, com frequência antecedendo o achado ra- e/ou de SPN costuma significar mau prognóstico.
diológico, embora raras vezes deixe de ser precedida pela Um número cada vez maior de substâncias tem sido
alteração cintilográfica. As manifestações mais comuns das identificado no tumor, no sangue circulante e nos tecidos
metástases cerebrais - perda motora, alteração de condu- de indivíduos portadores de neoplasias malignas diversas,
ta, cefaleia, convulsões - podem ser facilmente detectáveis algumas delas envolvidas na patogenia de SPNs. Tais subs-
se pesquisadas com atenção pela semiologia neurológica. tâncias poderiam, de certo modo, conferir algum grau de
O comprometimento metastático das suprarrenais, como especificidade di agnóstica ou prognóstiea quanto ao tipo de
regra unilateral, costuma ser assintomático, a não ser que tumor ao qual estão associadas. No que se refere ao câncer
haja invasão de estruturas contíguas, quando então poderá de pulmão, entretanto, tal grau de especificidade não tem
ocorrer dor. se mostrado tão significativo a ponto de criar normas que
Pelo fato de as metástases extratorácicas do cãncer de sejam conclusivas para a adoção de condutas terapêuticas;
pulmão muitas vezes não se expressarem clinicamente de todavia, pode auxiliar trazendo subsídios a outros dados
maneira tão evidente, procedimentos outros com maiores que formam o lastro para o manejo do caso.
QUADRO 53.3 ~ Síndromes paraneoplásicas associadas a câncer
de pulmão

Osteoconjuntivas
- Hipocratismo digital
- Osteoartropatia hipertrófica

Endócrino-metabólicas
- Produção ectópica de hormônio adrenocorticotrófico- ACTH
(síndrome de Cushing)
- Secreção inapropriada de hormônio antidiurético- HAO (síndrome
de Schwatz-Barter)
- Síndrome carcinoide
- Hipercalcemia
- Ginecomastia

Neuromusculares
- Encefalopatia cerebral
Degeneração cerebelar cortical
Mielopatia necrosante
Neuropatias periféricas
Miastenia-símile (síndrome de Eaton-Lambert)
Polimiosite

Cardiovasculares
- Tromboflebite migratória (síndrome de Trousseau) FIGURA 53.15 -+ Osteoartropatia hipertrófica. (A) Hipocratismo em
- Endocardite trombótica não bacteriana dedo da mão; (8) periostite embainhante (setas) em fêmur. Paciente
com adenocarcinoma periférico de pulmão.
Hematológicas
- Coagulação intravascular
- Trombocitose
- Púrpura O estado clínico do paciente, suas condições funcionais,
- Reação leucemoide
em especial cardiorrespiratórias, o tipo histológico e a exten-
- Eosinofilia
são do tumor são os fatores mais importantes para a tomada
Cut~neas da decisão terapêutica.
- Acantose negra O estado clínico do paciente pode ser avaliado segundo a
- Penfigoide opinião do médico em bom, regular ou mau, ou preferencial-
Dermatose psoriasiforme (síndrome de Basexl mente pelo uso de escalas de Karnofsky ou de Zubrod, que
Hipertricose lanuginosa adquirida traduzem a condição de desempenho (Performance Status -
Oermatomiosite PS), com implicações prognósticas (QUADRO 53.4).
Esclerodermia A cirurgia de ressecção pulmonar (lobectomia ou pneu-
Herpes zóster
monectomia) é a modalidade terapêutica de escolha para
pacientes portadores de carcinoma não de pequenas células,
alcançando índice médio de cura (sobrevida em cinco anos)
em tomo de 35% dos casos, podendo, todavia, lograr índices
Tratamento superiores a 70% em pequenas lesões nodulares. 16 Sabe-se
todavia que, no momento atual, dentro do universo de pa·
0 ATENÇÃO
cientes com câncer de pulmão, somente cerca de 20% deles
têm indicação correta de cirurgia e, destes, raros são os casos
em que a doença se encontra em fases mais precoces.
O tratamento do câncer de pulmão deve, em primei-
Aproximadamente 30 a 40% dos doentes apresentam
ro lugar, visar à cura do paciente acometido e, em
indicação de radioterapia como principal modalidade de tra-
segundo, prolongar-lhe a vida com a melhor quali-
tamento, logrando índice de cura, a partir do momento em
dade possível. O conhecimento da doença e o do-
que têm sua doença diagnosticada, entre 5 e 10%.40 Consi·
mínio das intervenções a serem utilizadas (cirurgia,
derando-se o universo dos pacientes com câncer de pulmão,
radioterapia e quimioterapia), com seus rendimentos
em tomo da metade deles já se encontra impossibilitada de
e limitações- e emprego correto em cada caso- são
se beneficiar de alguma dessas intervenções potencialmente
premissas fundamentais no manejo dessa neoplasia
curativas quando a doença é descoberta.
de morbimortalidade tão elevada.
Diversos fatores concorrem para o baixo rendimento
global do tratamento deste tumor no que diz respeito à cura
dos pacientes. Dentre eles, encontram-se o insuficiente en-
QUADRO 53.4 ~ Escala Zubrod (ECOG) para a condição de desempenho e sua correspondência (K) com a escala de Karnofsky

O Paciente apto a desempenhar todas as atividades que efetuava antes de adoecer, sem restrição (K 90·1 00).

Paciente ambulatorial, com restrição para desempenhar atividades físicas extenuantes, mas capaz de executar trabalhos leves ou de
natureza sedentária (K70-80).

Paciente ambulatorial, capaz de cuidar-se, mas incapaz de realizar qualquer outro tipo de trabalho; fica fora do leito por mais de 50% de
seu tempo de vigília (K50·60).

Paciente capaz de cuidar·se, mas com limitações; confinado ao leito por mais de 50% de seu tempo de vigília (K 50·60).

4 Paciente totalmente incapacitado, náo podendo movimentar-se por si mesmo; permanentemente confinado ao leito ou cadeira (K 10·20).

tendimento do comportamento biológico da neoplasia, as di- I-A (TINaMo) e 1-B (T2NoMo) e II-A (TlNlMo) e II-2
ficuldades para estabelecer seu diagnóstico precoce, a falta (T2N1Mo e T3NoMo) depois que foi demonstrado que a
de abrangência e especificidade dos métodos terapêuticos e expectativa de vida em cinco anos é comparável nos gru-
a idade avançada de muitos dos pacientes, frequentemente pos T2N1Mo e T3NoMo (24 e 22%, respectivamente).
portadores de outras doenças concomitantes (DPOC, car- As outras formas de T3 associadas a Nl ou N2 (T3N1Mo
diopatia, doença neurológica, etc.). Contudo, o surgimento e T3N2Mo) seguem como estágio lli·A, c os casos mais avan-
de fármacos de ação mais eficiente, e sua associação com çados, porém ainda sem metástases à distância (T4 com qual·
cirurgia e/ou radioterapia, tem trazido alguma contribuição quer N, ou N3 com qualquer T), caracterizam o estágio III-B.
para o conjunto de medidas objetivando um melhor contra· Também passou a ser incluída no estágio T4 a presença de
!e da doença. O emprego de novas estratégias, explorando nódulo neoplásico satélite no mesmo lobo.
mecanismos controladores de fatores de crescimento celular O estágio IV é formado por todas as formas de Ml (es-
e da angiogênese, associadas a modalidades já conhecidas, pecificar o local).
poderá contribuir com vantagens adicionais. Vê-se, pela estrutura da classificação TNM, a especial
importância que tem a avaliação do mediastino em pacien-
tes com carcinoma não de pequenas células, sendo o com-
Estadiamento partimento que costuma oferecer as maiores dificuldades no
O estadiamento oncológico inclui a aplicação de um con- estadiamento. Muitas vezes- após excluir-se a presença de
junto de processos diagnósticos e de conhecimentos acerca metástases extratorácicas -e em razão do que for nele en-
de comportamento, grau de evolução da neoplasia e expe· contrado, a decisão sobre o emprego ou não de tratamento
riência prévia acumulada sobre seu manejo, objetivando cirúrgico será tomada, e o prognóstico quanto à probabili-
indicar a modalidade atual de tratamento que seja a mais dade de cura do paciente poderá ser presumido. Os estu·
adequada, devendo-se levar em conta sintomas, estado dos de imagem, principalmente TC com reforço de meio de
clínico-funcional e eventuais comorbidades presentes, po· contraste (FIGURA 53.16) ou RNM, têm mostrado ser de gran-
rém mantendo-se como foco principal a probabilidade de de valia para localizar as anormalidades no mediastino, em
cura do paciente. Os critérios utilizados no estadiamento especiallinfonodos aumentados de tamanho. Esses exames,
têm sofrido modificações com o tempo, evoluindo à medida todavia, não conseguem decidir sobre a natureza da lesão -
que novos progressos diagnósticos e conquistas terapêuti· se neoplásica ou não.
cas vão surgindo. Não é incomum que adenomegalias reacionais ou infla·
No que se refere ao cãncer de pulmão, o estadiamento, matórias mediastinopulmonares coexistam com um carcino-
desde que foi instituído, sofreu algumas alterações, a última ma brônquico central (mais vezes de tipo escamoso) causando
delas ocorrendo em 2009, 41 quando foram adotadas pela In- broncopneumonia obstrutiva. A sensibilidade e a especificida·
ternational Association for Study of Lung Cancer proposi- de da TC, ao considerar como neoplásicos linfonodos com seu
ções de modificações noTe no M da classificação antcrior,'2 maior diâmetro superior a 1,5 em, não são elevadas, ficando
mais detalhadas especialmente para casos de carcinoma não em geral abaixo de 75%. Já o emprego da PET·CT aumenta
de pequenas células (QUADROS 53.5 e 53.6). Também no car- a especificidade e a sensibilidade da avaliação por imagem,
cinoma de pequenas células, antes classificado em doença com uma acurácia acima de 90%.:18 Entretanto, também esse
limitada ou extensa, tem sido empregado o mesmo sistema exame, que se baseia em metabolismo celular, pode apresen-
TNM, ainda que, na maioria das vezes, esse tipo de tumor tar resultados falso-positivos em lesões benignas com intensa
acabe sendo encaminhado para tratamento combinado qui- reação inflamatória, como linfonodos mediastinais reacionais
mioterápico e radioterápico. à pneumonia obstrutiva de um tumor central.
As modificações no sistema TNM propostas por Como o envolvimento mediastinal tem um enorme im-
Mountain em 1997 visaram atualizá-lo, criando os estágios pacto na terapêutica e no prognóstico do paciente portador
QUADRO 53.5 ~ Definições para o estadiamento do câncer de pulmão não de pequenas células (2009)

Tumor primário tn
Tx. Tumor diagnosticado pelo achado de células malignas no escarro, mas não visualizado radiológica ou endoS<opicamente.
T1 s. Carcinoma in situ.
T1. Tumor com 3 em ou menos no maior diâmetro, envolto por parênquima pulmonar ou pleura visceral, e não visualizável na endoS<opia (os
tumores superficiais, pouco invasivos, situados em brônquios calibrosos, também são classificados como T1, independentemente do tamanho).
Na proposta atual, o T1 foi desmembrado em T1 -A (até 2 em) e T1-8 (entre 2 e 3 em).
T2. Tumor com mais de 3 em no maior diâmetro, ou tumor de qualquer tamanho que invade a pleura víscera!, ou tumor situado a mais de 2 em
da carina da traqueia, ou que está associado a atelectasia ou pneumonia obstrutiva que comprometa menos que todo o pulmão. Na revisão atual
do TNM, o T2 foi dividido em dois subgrupos:
- T2a (> 3 em a S Sem ou T2 por outro fator e S 5 em).
- T2b (> 5 em a$ 7 em). Reclassificar os tumores T2 > 7 em como B .
B . Tumor de qualquer tamanho com extensão direta para parede torácica (incluindo tumor de Pancoast), diafragma, pleura mediastinal,
pericárdio, sem invasão do coração. grandes vasos, traqueia, esôfago, corpo vertebral. Tumor situado a menos de 2 em da carina da traqueia, sem
invadi·la.
Na revisão atual, o nódulo tu moral dentro do mesmo lobo, anteriormente classificado como T4, passará a ser considerado como T3.
T4. Tumor de qualquer tamanho com invasão de estrutura irressecável (media.stino, coração, grandes vasos, traqueia, esôfago, corpo vertebral ou
carina da traqueia). Os nódulos satélites em outro lobo do mesmo pulmão anteriormente classificados como M1 serão considerados como T4.
Recla.ssificar disseminação pleural (derrame pleural ou pericárdico maligno e nódulos pleurais) como M1.

Envolvimento ganglionar (N)


NO. Ausência de gânglios regionais.
Nl . Envolvimento metastático de gânglios peribrônquicos ou hilares ipsilaterais (incluindo invasão por extensão direta).
N2. Metástases mediastinais homolaterais ou subcarinais.
N3. Metástases mediastinais e hilares contra laterais, ou metástases supraclaviculares homo ou contralaterais.

Metástases à distância (M)


MO. Sem metástases à distância.
Reclassificar a disseminação pleural (derrame pleural ou pericárdico maligno ou nódulos pleurais) de T4 para Mia.
Subclassificar Ml por nódulo adicional em pulmão contralateral como Mla.
Subclassificar Ml por metástases à distancia (fora do pulmã(llpleura) como Mlb.

QUADRO 53.6 ~ Estádios do câncer de pulmão, segundo as


definições (no Quadro 53.5)

T1NoMo Estágio 1-A

T2NoMo Estágio 1·8

T1N1 Mo Estágio II·A

T3NoMo Estágio 11·8

T1·2·3N2Mo Estágio III·A

T4qqNMo

Estágio 111·8

qqTN3Mo FIGURA 53.16 ~ Exploração tomográfica do mediastino, empregando


reforço de contraste. Carcinoma eS<amoso do pulmão direito. Presença
qqTqqNM1 Estágio IV de adenomegalias mediastinais.

Estadiamento TNM (qq = qualqul!f); T (tumor), N (linfonodo), M (met.lstase).

dos por exame anatomopatológjco de material obtido por


de câncer de pulmão, é mandatório que todo candidato à biópsia transbrõnquica (EBUS), biópsia transesofágica,
cirurgia tenha seu mediastino previamente estudado por videotoracoscopia ou, de forma mais adequada, mediasti-
exame de imagem apropriado e seus resultados conferi- noscopia.'3
A avaliação por imagem, incluindo PET-CT (FIGURA A presença de derrame pleural, referida como ocor-
53.1 7), associada às modernas técnicas minimamente inva- rendo em até cerca de um quarto dos pacientes com cân-
sivas, tem aumentado muito a acurácia do estadiamento cer de pulmão, a menos que tenha comprovada natureza
44
do câncer de pulmão, mas a mediastinoscopia se mantém neoplásica, não impede a priori que tratamento poten-
como melhor método de exploração direta deste comparti- cialmente curativo seja efetuado. Derrames unilaterais de
mento. Na maioria dos casos, a avaliação mediastinal é con- moderados a grandes volumes são, em geral, neoplásicos;
cluída com a mediastinoscopia, realizada no mesmo tempo outrossim, pequenos derrames não malignos não são inco-
operatório, com o auxílio da patologia de congelação: con- muns, sobretudo quando houver atelectasia ou broncop-
cluindo-se não haver doença neoplásica nesse compartimen- neumonia obstrutiva acompanhando o tumor. Outras cau-
to, procede-se à toracotomia. sas de derrame pleural também podem se fazer presentes
A exploração transoperatória do mediastino poderá, nesses indivíduos com neoplasia brônquica, como insufi-
contudo, detectar pequenos linfonodos comprometidos, ciência cardíaca.
não identificados pela mediastinoscopia. Nesta situação, o Desse modo, para a tomada da decisão terapêutica, a na-
paciente deverá, no pós-operatório, ser encaminhado para tureza do derrame deve ser comprovada por toracocentese,
tratamento adjuvante com quimioterapia, eventualmente as- pleuroscopia, videotoracoscopia, ou até mesmo toracoto-
sociado à radioterapia. mia, com exame citológico do líquido e/ou histopatológico
Naqueles casos em que a avaliação operatória detecta de fragmento da pleura. Pacientes com carcinoma não de
metástase mediastinal homolateral (N2), há controvérsias na pequenas células e derrame pleural não neoplásico, tratados
literatura sobre a melhor conduta. Em revisão relativamente com cirurgia de ressecção pulmonar, podem ter longa sobre-
recente," foi proposta a terapia combinada de quimiotera- vida; todavia, a presença desse derrame pleural mantém co-
pia mais radioterapia nestes casos, sob a alegação de que não notação com um pior prognóstico.
havia benefício com significância estatística quando se agre- A sindrome de veia cava superior é mais comum em ca-
gava cirurgia a essa população. Entretanto, inúmeras publi- sos de carcinoma de pequenas células, mas também ocorre
caçóes contestaram tal proposta, usando como referencial a associada a outros tipos de carcinoma, especialmente naque-
população que, depois de submetida à terapia neoadjuvante, les que se localizam junto à face mediastinal do lobo supe-
havia negativado o mediastino. Enquanto a sobrevida não rior do pulmão direito. Seu diagnóstico é clínico, podendo
ultrapassava os 15% naqueles operados com mediastino per- ser corroborado por TC, RNM ou venografia, demonstran-
sistentemente positivo, nos que lograram a negativação, a do os sinais de invasão do vaso. O alívio dos sintomas mais
sobrevida, com o acréscimo da cirurgia, aproximava-se dos agudos da obstrução pode ser conseguido com a adminis-
55% 46 - um índice nunca alcançado apenas pela associação tração de corticoides e diuréticos, seguindo-se o tratamento
de quimioterapia e radioterapia.'' com radioterapia e/ou quimioterapia. Sua presença indica
O que parece consensual é que essa população deve ser inoperabilidade; eventualmente, entretanto, medidas cirúr-
rigorosamente selecionada, indicando-se tratamento cirúr- gicas podem ser adotadas como recurso paliativo.
gico apenas naqueles pacientes em que a comparação da Em estudos de autópsias, as metástases extratorácicas
PET-CT pré e pós-terapia neoadjuvante mostrar uma redu- mais frequentemente encontradas em pacientes com carci-
ção do índice de captação (SUV) compatível com remissão noma brônquico são as intracranianas (em 50 a 60% dos ca-
da doença mediastinal, ou, na falta desse recurso tecnológi- sos), hepáticas (30 a 45%), ósseas (25 a 40%) e suprarrenais
co sofisticado e caro, se obtiver uma nova mediastinoscopia (em torno de 35%). Sintoma neurológico ou dor são comuns
negativa!3 quando há metástases cerebrais ou para o osso, mas o com-

FIGURA 53.17 ~ Nódulo pulmonar justacissural à esquerda (A) com captação na PET.(T (B) e em três gânglios mediastinais (SUV 7.5). Mediastinos-
copia cervical: adenocarcinoma (T2N2).
prometimento do figado e de suprarrenal (normalmente uni- com maior sensibilidade para pequenas lesões (FIGURA 53.20),
lateral) em geral não causa manifestações clínicas sugestivas sobremaneira se empregando contraste com gadolfnio, não
de sua localização. Em todos esses locais, todavia, há indica- parece oferecer vantagens significativas em relação à tomo-
ção de estudo por imagem (cintilografia óssea, ecografia ou grafia, mas seu uso nesse tipo de investigação tem aumenta-
TC de abdome, TC ou RNM do crânio), especialmente em do de forma progressiva.
pacientes candidatos à cirurgia de ressecção pulmonar. As metástases hepáticas, em geral também múltiplas,
Lesão em suprarrenal com diâmetro maior do que 3 em mais comumente se manifestam do ponto de vista clínico por
pode indicar a presença de metástase, pois os adenomas des- um aumento de tamanho do fígado, porém tornam-se evi-
sa glândula- que podem ocorrer em até 9% da população dentes pelo uso da TC (FIGURA 53.20).
geral - não costumam ultrapassar esse tamanho. Moderna- A ressonância magnética de corpo inteiro pode auxiliar
mente, a PET-CT é considerada o método de eleição para na busca de metástases (FIGURA 53.21).
identificação de metástases adrenais (FIGURA 53.18). As metástases ósseas do carcinoma brônquico em geral
As metástases cerebrais do câncer de pulmão geralmente causam dor e, ao exame radiográfico, na maioria das vezes
são múltiplas e sintomáticas, mas podem ser silenciosas em são osteolfticas. O esqueleto do tronco é o mais envolvido
até cerca de 10% dos casos, ou mesmo solitárias. A TC com (coluna, costelas, bacia). A cintilografJa óssea (FIGURA 53.22)
reforço de contraste tem sido o método mais empregado faz um mapeamento do envolvimento do esqueleto, mas não
na busca dessas metástases (FIGURA 53.19). A RNM, embora é absolutamente específica para lesão neoplásica, podendo
mostrar-se anormal em doenças benignas. A PET-CT pode
fornecer subsídios no sentido de melhorar a especificidade
da investigação.

Indicações terapêuticas
A cirurgia de resseoção pulmonar é formalmente indicada
em pacientes portadores de carcinoma não de pequenas
células, nos estádios I a llla (ou seja, sem extensão me-
diastinal ou parietal), e que se encontram em boas condi-
ções clínico-funcionais para suportá-la. O preceito básico
da cirurgia é a retirada completa da doença com máxima
preservação da função do órgão. Prefere-se, assim, efetu-
ar a lobectomia; não sendo ela possível, em razão da ex-
tensão ou localização da lesão, opta-se pela pneumonec-
tomia. Naqueles pacientes com baixa reserva funcional
(volume expiratório forçado no primeiro segundo- VEF1
< 1,5 L), em geral mais idosos, ressecções menores de
lesões pequenas podem ser feitas, ainda com bons resul-
tados. Com o desenvolvimento da cirurgia videoassistida,
lesões periféricas circunscritas (T,N0) tém sido excisadas
FIGURA 53.18 ~ Adenocarcinoma de 6 em do lobo superior direito
por meio de ressecção em cunha ou mesmo por segmen-
(SUV 12.5) com metástase volumosa e aparentemente isolada em adre-
nal homolateral (SUV 1t .0).
tectomias. Tal procedimento, iniciado no final dos anos de
1990, e visto nos seus primórdios com alguma desconfiao-

FIGURA 53.19 ~ Metástases cerebrais de adeno-


ca rcinoma de pulmão, com edema perilesional,
mostradas em (A) por RNM na região occipital
direita e em (B) por TCna região parietal direita.
FIGURA 53.21 -+ RNM de COfpo inteiro mostrando áreas de hipeflinal
(A) no lobo superior do pulmão esquerdo (neoplasia) e (B) no sacro (me-
tástase). Adenocarcinoma.

FIGURA 53.20 -+ Metástases hepáticas de adenocarcinoma de pulmão.


TC de abdome com reforço de contraste.

ça quanto à eficácia terapêutica," vem sendo amplamente


empregado com resultados comparáveis aos da cirurgia
aberta c com menor morbidade. A única ressalva que se
pode fazer em relação ao seu uso rotineiro diz respeito ao
custo mais elevado.
Os riscos da cirurgia, quanto à ocorrência de complicações
c mortalidade pós-operatória, podem ser previstos de modo
aproximado.'9 Aumentam com a idade a partir dos 60 anos,
com o tamanho da ressecção e com a presença de comorbi- FIGURA 53.22-+ Cintilografia óssea mostrando captaçao aumentada
dade, especialmente pulmonar e/ou cardiovascular, variando a do radionuclídeo em vértebras torácicas e lombares. Metástases de ade-
mortalidade operatória de 3,5 a 10%. lbdavia, mesmo indiví- nocarcinoma.
duos idosos, desde que bem avaliados, podem se beneficiar da
cirurgia. 50 A estimativa do risco em cada tipo de paciente e a
implementação de cuidados perioperatórios são medidas im-
portantes no sentido da redução das chances de complicações. de alívio de sintomas, mas mostra elevada recorrência da
O transplante pulmonar em câncer de pulmão é tema doença no pulmão transplantado.s•
controverso. É efetuado em alguns casos avançados de car- Atualmente, mesmo com modernas máquinas de mega-
cinoma bronquioloalveolar, com boa resposta em termos voltagem que se encontram disponíveis, diversos esquemas
de fracionamento da dose empregados e associações com Nos portadores de carcinoma de pequenas células, os
quimioterapia, o fndice de cura do câncer brônquico pela quais via de regra se apresentam com a doença alastrada no
radioterapia tem se mantido em tomo de 6%. A dose dera- momento do diagnóstico, a cirurgia não é a modalidade te-
diação emitida por fonte externa, potencialmente curativa, é rapêutica indicada. A quimioterapia (etoposide-cisplatina),
de 6.000 a 6.500 cGy, e as indicações básicas para seu uso em em geral combinada com radioterapia, constitui-se no tra-
pacientes com carcinoma não de pequenas células são exten- tamento inicial de escolha. Com esses regimes terapêuticos,
são do tumor para o mediastino, invasão da parede torácica o prolongamento da sobrevida dos pacientes tem sido subs-
e ressecção incompleta da lesão pulmonar. tancial, passando de algumas semanas em passado reccn·
As contraindicações mais importantes desta radioterapia te para até mais de um ano nos dias atuais; todavia, após
radical são mau estado geral do paciente, metástases extra- resposta inicial, a recidiva da doença é quase a regra, com
torácicas (exceto supraclaviculares e cerebrais), presença de surgimento de resistência aos fármacos comumente utiliza-
derrame pleural neoplásico, reserva funcional respiratória dos em primeira linha, fazendo-se muitas vezes necessária a
muito baixa (VEF1 inferior a 800 mL), necessidade de irra- substituição deles por outros, como ciclofosfamida, vincris-
diar grandes volumes pulmonares e tratamento radioterápi- tina e adriamicina. Às vezes, entretanto, esse tipo de tumor
co prévio com altas doses dirigido ao tórax. estranhamente se apresenta sob a forma de lesão nodular
A radioterapia pré-operatória, hoje geralmente usada periférica (5% dos casos), sem a presença de metástases gan-
em associação com quimioterapia, tem sido o esquema te-
glionares ou bemáticas, com crescimento mais lento e menor
rapêutico de escolha, com os melhores resultados; em ca-
agressividade. Em tais raros casos, certamente de comporta-
sos de tumores de Pancoast, entretanto, seu uso em lesões
mento biológico diferente, a ressecção cirúrgica logra obter
pulmonares de outras localizações, com invasão de parede,
não tem mostrado rendimento apreciável. 51 O emprego da sobrevida mais longa.
O manejo das metástases para o sistema nervoso central,
radioterapia pós-operatória também não tem trazido van-
tagens substanciais sobre a cirurgia exclusiva, a não ser em de frequente ocorrência em pacientes com câncer de pul-
alguns casos selecionados de carcinomas escamosos de lo- mão, constitui-se em sério problema terapêutico, ainda de
bos superiorcs.n Todavia, costuma ser conduta generalizada difícil solução, e que deverá persistir como desafio futuro. A
aplicar radioterapia pós-operatória em pacientes que à ci- cirurgia raramente consegue remover com sucesso metásta-
rurgia mostram presença de doença nodal ganglionar me- scs intracranianas, a quase totalidade dos fármacos usados
diastinal. em quimioterapia antineoplásica não consegue ultrapassar
O uso da radioterapia como medida paliativa em pacien- a barreira hematoliquórica, e a dose da radioterapia externa
tes com câncer de pulmão logra apreciáveis benefícios em que pode ser administrada ao cérebro é baixa, não potencial-
algumas situações especiais: síndrome de veia cava superior, mente tumoricida. Estudos em fase li de implantação glial
bemoptise e dor. A tosse, decorrente muitas vezes da esteno- de material radioativo, pós-excisão da lesão, encontram-se,
se brônquica parcial causada pela neoplasia, também pode todavia, em andamento.
ser aliviada pela radioterapia; a atelectasia da porção de pul- A elevada frequência de metástases cerebrais, em espe-
mão envolvida, contudo, raramente é desfeita. cial nos casos de carcinoma de pequenas células, faz com
As complicações mais comuns da radioterapia torácica que o emprego de radioterapia dirigida ao crânio, profilati-
são esofagite, broncopneumonia actínica e fibrose pulmo- camente ou não, podendo trazer algum beneficio, seja quase
nar. Nos dias atuais, com o refinamento das técnicas de do- uma constante.
simetria e de administração da radiação, complicações mais O uso de corticoides (dexametasona) é medida paliativa
graves com envolvimento da medula espinal e do coração eficiente no alívio transitório dos sintomas neurológicos des-
são menos frequentes. sas metástases, atuando na diminuição do edema perilesio-
A quimioterapia isolada, mesmo com os esquemas múlti- nal, reduzindo a hipertensão intracraniana.
plos mais modernos, não tem, até o momento, mostrado ser Em casos selecionados de câncer de pulmão não de pe-
capaz de curar câncer de pulmão; no entanto, é de seu uso quenas células, metástases intracranianas podem se mani-
- especialmente com o surgimento de novos fárrnacos mais festar solitariamente, ocorrência que também tem sido re-
potentes e seletivos- que se esperam as maiores conquistas gistrada em uma das glândulas suprarrenais. Nesses casos,
para o futuro. Hoje, fármacos como a carboplatina e o pacli-
a ressecção cirúrgica de tais metástases tem se mostrado
taxel realmente são capazes de restringir, dentro de certos
vantajosa em relação a outros procedimentos terapêuticos
limites, a extensão ganglionar mediastinal e a progressão de
alternativos. ss.54
lesões metastáticas extratorácicas do câncer brônquico. Pro-
tocolos de associações desses fármacos com radioterapia e
cirurgia em pacientes com carcinomas não de pequenas cé-
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José J. Camargo
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54
com presença anárquica de tecidos próprios de um órgão,
Introdução sem crescimento autônomo. Trata-se, portanto, de malfor-
Excetuando-se o carcinoma brônquico, os outros tumores mação tumoroide, que só cresce enquanto o individuo bioló-
representam apenas 10% das neoplasias pulmonares e cons- gico portador da lesão crescer. Chamar um condroadenoma
tituem variada e complexa gama de lesões com grande diver- de hamartoma constitui, portanto, erro conceitual, pois em
sidade de manifestações clínicas, mas comportamento quase verdade se trata de neoplasia genuína, e não uma malforma-
permanentemente benigno. ção tumoroide.
Quando de localização endobrônquica, central, apresen- O condroadenoma é, verdadeiramente, um tumor misto,
tam sintomas sugestivos de infecção respiratória renitente e constituído por elementos próprios do pulmão, com cresci-
reeidivante, característicos da chamada sfndrome de obstrução mento autônomo e continuado, de surgimento mais frequen-
brônquica. O crescimento lento de uma lesão tumoral em um te na sexta década de vida, desconhecido na Jactância e com
brônquio de grande calibre provoca, a principio, pouca reper- apenas três casos referidos na infãncia, e que tem sido diag-
cussão clfnica; entretanto, a dificuldade crescente na remoção nosticado em pacientes com radiografias prévias normais.
de secreções favorece infecções locais repetidas que resultam Willis,1 ao preferir considerá-lo um tumor misto da parede
em broncopneumonias obstrutivas, bronquiectasias e absces- brônquica, acentuou seu caráter neoplásico, e Adams,l ao
sos que representam, junto com a atelectasia, etapas evolutivas chamá-lo de condroadenorna, deu o nome apropriado a essa
dessa slndrome que pode culminar na destruição do parênqui- lesão. Por outro lado, a malformação adenomatoidoclstica
ma pulmonar a jusante da referida broncostenose. parece representar o melhor equivalente pulmonar da lesão
Algumas vezes, a ocorrência de sangramento, devido ao inicialmente descrita por Albrecht' no figado e rim, e por ele
pânico que suscita, ou ocasionalmente o surgimento de si- denominada hamartoma.
bilância localizada ou a queixa de tosse irritativa conduzem O condroadenoma representa cerca de 8% dos nódulos
a uma investigação mais acurada, permitindo o reconheci- pulmonares solitários e é o tumor benigno de pulmão mais
mento precoce da lesão, com possibilidades de terapêuticas frequente. Em aproximadamente 90% dos casos, a lesão
cirúrgicas mais conservadoras. é intrapulmonar, apresentando-se à radiologia como um
nódulo cortical, quase sempre assintomático. A lesão en-
dobrônquica que representa menos de 10% dos casos res-
Condroadenoma (hamartoma, tantes seria, segundo alguns, um condroma com inclusão
epitelial. A presença de condroadenoma endobrônquico é
hamartoma condromatoso} uma situação rara,' mas tivemos a oportunidade de operar
O termo "hamartoma" foi empregado pela primeira vez por três casos nos últimos anos, dois dos quais tratados com res-
Albrecht,' em 1904, para descrever uma lesão localizada, secção e broncoplastia, e outro com lobectomia.
Na maior parte das vezes, o condroadenoma se apresen- fundamental para que se proceda à manobra de enucleação
ta à radiologia como um nódulo periférico, arredondado ou do tumor e se evite uma ressecção pulmonar mais extensa e
levemente ovoide, de limites precisos, com leve bosselamen- desnecessária. Atualmente, a ressecção é procedida por vi-
to, sem micronódulos satélites, contendo calcificações em deotoracoscopia na maioria dos casos.
cerca de um terço dos casos e sem indicio de infiltração dos Há relatos de malignização a partir de condroadeno-
brônquios adjacentes. Na série de Bateson eAbbott,S apenas mas,' o que tem levado alguns a sugerirem ressecções mais
18% das lesões tinham mais de 5 em de diâmetro, e a pre- radicais nesses tumores, porém tais relatos são tão anedóti-
sença de calcificação foi nitidamente mais frequente a partir cos que essa recomendação não vem encontrando respaldo
de 3 em de diâmetro, ocorrendo em 75% das lesões maiores na literatura.
do que4,5 em. Essas calcificações são típicas e classicamente Por outro lado, uma série europeia que revisou 65 pa-
descritas como calcificações "pipoca símile" (FIGURA 54.1). cientes operados,8 a maioria dos quais tratados com enucle-
A confirmação diagnóstica sem toracotomia, naqueles ação, e os comparou com um grupo-controle da mesma faixa
casos em que o tratamento cirúrgico é considerado desa- etária, verificou que a probabilidade de desenvolvimento de
conselhável ou de risco proibitivo, pode ser obtida pela to- carcinoma neste grupo é maior do que na população geral.
mografia de alta resolução, que revela uma lesão de limites Esses autores recomendaram que os pacientes operados de
precisos e com densidade heterogênea atribuível ao compo- condroadenoma sejam acompanhados a longo prazo.
nente lipídico desses tumores. Entretanto, a maior série da literatura de uma única ins-
A importância da comprovação diagnóstica pré-decisão tituição,9que descreveu 215 pacientes operados em 17 anos,
terapêutica por meio da biópsia ou de achados da tomogra- mostrou uma relação homem:mulher de 2:1, com predomínio
fia computadorizada (TC) tem sido exaltada por autores que de idade na sétima década, e a maioria absoluta (208 pacien-
defendem uma atitude conservadora nesses tumores, sobre- tes) era assintomática e foi encaminhada para tratamento ci-
tudo quando menores do que 2,5 em, como recomendam rúrgico de provável carcinoma brônquico. O tamanho médio
Siegelman e colaboradores.• das lesões foi de 1,5 em (variando de 0,2 a 6,0 em). Sessenta e
O risco potencial de malignização sugerido por alguns três pacientes (29,3%) tinham uma neoplasia concomitante,
autores e principalmente o crescimento continuado desses geralmente um carcinoma brônquico, cujo tratamento cirúr-
tumores, tantas vezes documentado, têm mantido a indica- gico permitiu acesso a um nódulo pulmonar associado que se
ção cirúrgica como a melhor opção terapêutica. A exérese comprovou tratar-se de um condroadenoma. Esses autores
é na maioria dos casos feita por enucleação, ficando a res- não encontraram casos de malignização de condroadenoma.
secção como alternativa muito esporádica para as lesões si-
tuadas mais profundamente no parênquima pulmonar. Nos
poucos casos em que o diagnóstico pré-operatório não foi
cogitado, a palpação de um nódulo de consistência pétrea
Adenomas brônquicos
deve alertar o cirurgião para a possibilidade de condroade- Esta denominação abrange neoplasia de origem e apresen-
noma. Essa cogitação diagnóstica durante o ato cirúrgico é tação as mais diversas, de comportamento menos agressivo

FIGURA 54.1 ~ Casos de con·


droadenoma. (A) Massa de cer·
ca de 4, 5 em na face interna
do lobo inferior esquerdo com
múltiplas calcificações "pipoca
sfmile". (8) lesão enucleada do
pulmão com facilidade. (C) To·
mografia computadorizada mos·
trando nódulo de 2,3 em com as
calcificações caracterfsticas. (0)
Nódulo de 1,2 em, periférico, na
face mediastinal do lobo supe-
rior direito. (E) Tomografia com·
putadorizada helicoidal mos·
trando densidade heterogênea
do condroadenoma, com uma
pseudo~psu la.
do que o carcinoma brônquico, embora não seja tão benigna Classificação
quanto se supôs inicialmente. A primeira referência a essa Os tumores carcinoides estão incluídos na categoria de tu-
entidade se deve a Müller, 10 em 1882, ao descrever os acha- mores neuroendócrinos, por possuírem células que podem
dos em necropsia do pulmão de uma mulher com infecção secretar e estocar neuroaminas e neuropeptídeos. Os tumo-
respiratória crônica e hemoptise. res neuroendócrinos do pulmão incluem um tumor de baixa
Em 1936, Hamperl 11 demonstrou que os "adenomas" agressividade, o chamado "carcinoide típico", que pode pro-
eram formados, na verdade, por dois tipos de neoplasia: os duzir 11 substâncias neuroendócrinas; uma forma um pou-
tumores similares ao carcinoide do intestino e os cilindro- co mais invasiva, o "carcinoide atípico"; o mais agressivo de
mas, assim denominados devido à semelhança com os tumo- todos os tumores pulmonares, o carcinoma indiferenciado
res das glândulas salivares. Em 1956, foi descrito um quarto de pequenas células; e o mais recentemente descrito tumor
tipo, o adenoma das glândulas brônquicas, considerado um neuroendócrino de grandes células.
adenoma brônquico verdadeiro, tumor raro e de benignida- Muitos dos tumores carcinoides brônquicos (69 a 87%)
de constante. são histologicamente "típicos" e representam uma neoplasia
Payne e colaboradores12 relataram dois casos de tumores de baixa agressividade que pode ocorrer tanto nos brônquios
histologicamente semelhantes aos tumores mistos das glân- quanto na periferia do pulmão. É um tumor localmente in-
dulas salivares, e ambos revelaram tendência à infiltração vasivo e em cerca de 10% dos casos apresenta metástases
local, um deles exigindo uma segunda ressecção para tratar ganglionares regionais. Em uma fase avançada da doença,
a recidiva. A sobrevida nos dois casos foi superior a 10 anos. pode metastatizar à distância, porém mesmo nessas formas
Os adenomas brônquicos são hoje considerados neopla- disseminadas a expectativa de vida ainda é longa.
sias semimalignas ou de malignidade atenuada, com poten- O carcinoide atlpico foi definido por Arrigoni e colabo-
cial invasor e tendência à metastatização variável nos dife- radores13 em 1972 como um tumor com histologia carcinoi-
rentes tipos histológicos. de, mas que apresenta um ou mais dos seguintes elementos
histológicos à microscopia: aumento da atividade mitótica;
pleomorfiSmo e irregularidade do núcleo com proeminên-
cia do nucléolo, hipercromatismo e uma relação núcleo/
Tumor carcinoide de pulmão citoplasma anormal; áreas de aumentada celularidade com
O tumor carcinoide representa 1 a 4% dos tumores bronco- desorgan.ização da arquitetura; e áreas de necrose. Invasão
pulmonares e, ainda que a incidência se mantenha estável, vascular e linfática pode ser reconhecida. Os carcinoides atí-
seu percentual relativo entre os tumores pulmonares tem di- picos constituem de 13 a 31% dos carcinoides broncopulmo-
minu ldo em função do aumento do câncer de pulmão. nares. É preferível, do ponto de vista prognóstico, um tumor
As revisões de literatura sobre tumor carcinoide têm sido carcinoide típico com metástases ganglionares a um carci-
dificultadas pela imprecisão terminológica com que esse tipo noide atípico sem metástases.
de tumor vem sendo referido. Em muitas séries, esse tumor
faz parte de um grupo de neoplasias heterogêneas enquadra-
das sob a denominação comum de "adenomas brônquicos",
Epidemiologia
Não existe diferença quanto ao sexo na incidência de car-
mas com comportamentos biológicos diversos. Enquanto
cinoides típicos, e a faixa etária é muito ampla, podendo
isso, o carcinoide atípico tem sido chamado de carcinoide
ocorrer dos 13 aos 83 anos, com uma média de 55 anos. Não
maligno, carcinoide metastatizante, carcinoide carcinoma,
há fator causal conhecido, e por motivos ignorados é menos
tumor neuroendócrino bem diferenciado e até de carcinoma
prevalente em negros.
de células de Kulchitsky grau ll.
Os tumores brônquicos, em 75 a 80% dos casos, são cen-
trais e se manifestam geralmente por escarro hemático e Achados clínicos
pneumonia obstrutiva. Independentemente do tipo de tumor carcinoide envolvido,
A história de pneumonia de repetição no mesmo lobo, os achados cUnicos mais comuns são aqueles que se relacio-
com ou sem escarro hemático, impõe a exploração broncos- nam com obstrução brônquica: tosse, hemoptise, pneumonia
cópica que conduz ao diagnóstico. A imagem de uma lesão de repetição e febre. Com menos frequência, há relato de
de superfície rosada lisa, que vegeta no brônquio como um mal-estar, dispneia e sibilãncia. Dor torácica também tem
dedo de luva, deixando um sulco anular livre, é altamente sido descrita, sobretudo em pacientes com tumores atípicos.
sugestiva. A maioria dessas lesões brônquicas apresenta rica De 2 a 50% dos pacientes com tumores carcinoides são as-
vascularização e sangra abundantemente durante a bióp- sintomáticos, com a lesão representando um achado radio-
sia endoseópica. As lesões periféricas, minoritá.rias, são em gráfico acidental.
geral assintomáticas e constituem um achado radiológico Naqueles pacientes que apresentam escarro bemático,
insuspeito de um nódulo ou massa de limites precisos cujo esse sintoma antecipa a realização de broncoscopia e, conse-
diagnóstico diferencial inclui lesões benignas (p. ex., condro- quentemente, o diagnóstico.
adenoma) ou metastáticas. A sindrome carcinoide é rara em tumores pulmonares,
Em 20 a 25% dos carcinoides pulmonares, a lesão se ocorrendo em cerca de 3% dos casos. Outras manifestações
apresenta como um nódulo ou uma massa pulmonar peri- endocrinológicas como slndrome de Cushing têm sido des-
férica. critas em menos de 1% dos pacientes.
de contraste, tão comum em ca.rcinoma, também tem sido
Achados radiológicos descrito em carcinoide.
A radiografia de tórax em pacientes com tumores centrais
Na TC de tórax, os tumores earcinoides atípicos são sig-
geralmente mostra atelectasia lobar ou pneumonia obs-
nificativamente maiores do que os típicos, com diâmetro
trutiva, algumas vezes com indícios de bronquiectasias. A
médio de 3,9 em, ainda que as bordas dos carcinoides atípi-
evolução lenta desses tumores de localização central é res-
cos também sejam bem definidas. A presença de linfoade-
ponsável por esse tipo de apresentação e pode conduzir à
nomegalias tem sido descrita em 40% dos casos de tumores
destruição do parênquima. Os cortes tomográficos podem
atípicos. Por outro lado, o crescimento endobrônquico e a
mostrar a lesão arredondada, de limites lisos, sem infiltração
consequente pneumonia obstrutiva têm sido menos comuns
grosseira da parede brônquica. nos tumores atípicos.
A lesão periférica se apresenta como um nódulo ou massa, O baixo metabolismo celular, especialmente no carci-
redonda ou ovoide, com limites lisos. Uma pequena cavidade noide típico, explica o alto índice de falso-negativos na ava-
no interior da lesão pode ser identificada, bem como alguma liação desses tumores por tomografia computadorizada por
calcificação resultante de metaplasiaóssea_ Esporadicamente, emissão de pósitrons (PET-TC) .''
podem ser visualizados nódulos satélites. A evidencia de uma
adenopatia regional é infrequente e, quando ocorre, muitas
vezes resulta de processo inflamatório crônico. Achados endoscópicos
O carcinoide atípico costuma se apresentar como uma Na inspeção broncoscópica, os tumores centrais, típicos ou
massa ovoide ou redonda, com diâmetro variável entre 1,5 e atípicos, apresentam-se como lesões de superficie lisa, poli-
10 em, com eventuais lobulações e borda espiculada ou lisa. poide, de cor rosada e brilhante. O "sulco anular livre", que
A presença de atelectasia é menos comum em carcinoide é a imagem da fenda que circunda o tumor e permite a pas-
alipico. sagem do fibrobroncoscópio pelas suas laterais, é altamente
O seguimento radiológico de pacientes que morreram característico das lesões benignas ou de baixa malignidade.
de carcinoides atípicos geralmente mostra a disseminação Em cerca de três quartos dos pacientes, a lesão é visível
linfangítica dentro do pulmão afetado, além de massas en- endoscopicamente, o que resulta em alto índice de positivi-
volvendo pleura, figado, cérebro, rins, suprarrenais e retro- dade na biópsia brõnquica.
peritõnio. O risco de sangramento durante a biópsia nos tumores
A distinção, pela TC, entre carcinoma brõnquico e tu- earcinoides é reconhecidamente maior do que nos carcino-
mor earcinoide em geral é impossível. Os careinoides típicos mas, mas, com as modernas pinças de biópsia do fibrobron-
costumam se apresentar como lesões centrais com tamanho coscópio, as hemoptises catastróficas relatadas durante bi-
variável de 1,8 ± 0,7 em de diâmetro, com uma boa corre- ópsias realizadas com as pinças grosseiras do broncoscópio
lação entre a informação da TC e os achados anatomopa- rígido se tornaram muito improváveis.
tológicos ulteriores. A extensão extrabrõnquica da lesão é
considerada sugestiva de tumor de origem neuroendócrina
(FIGURA 54.2).
Anatomopatologia
O crescimento endobrônquico também pode ser bem do- Os tumores carcinoides de localização broncopulmonar po-
cumentado pela TC. O achado de calcificações ou ossifica- dem ser encontrados desde a traqueia até a periferia do pul-
ções é raramente registrado pela radiografia simples, mas as mão, ainda que o envolvimento traqueal seja incomum. Os
calcificações focais em nódulos periféricos têm sido descritas tumores típicos são de localização central em 80% das vezes,
pela TC. O aumento da densidade do nódulo após a injeção ao passo que os tumores atípicos mais frequentemente se en-
contram no parênquima periférico.
No exame macroscópico, o tumor carcinoide central se
apresenta como uma massa exofitica ou polipoide que pode
envolver ou não a cartilagem brônquica_ A imagem em dedo
de luva é comum, com a porção invasiva podendo se esten-
der para além da cartilagem, fazendo com que o componen-
te intraluminar corresponda à ponta do icebetg. A lesão peri-
férica em geral mostra bordas lisas e bem definidas.
As lesões centrais, determinantes de retenção de secre-
ção e infecção crônica, podem determinar a evolução para
bronquiectasias e destruição do lobo ou do pulmão.
Ao corte, o tumor se apresenta como uma lesão amarela-
da ou rosada, dependendo da extensão da vascularização. O
tamanho varia de 0,5 a 10 em de diâmetro, com tendência de
que os tumores atípicos alcancem maiores dimensões.
AGURA 54.2? (A) Massa com densidade heterogfnea assentada sobre Em uma revisão da doença, as metástases ganglionares
a carina da traqueia. (B) Tomograf.a helicoidal demonstrando o compo- foram descritas em 48% dos tumores atípicos e em 11% dos
nente ~xtrabrõnquico da neoplasia. Tumor cardnoide atlpico.
tumores típicos.
lmuno-histoquimica seguimento médio de 55 meses. A recidiva ocorreu sete anos
depois do tratamento endoscópico.
Na coloração com imuno·hístoqulmica, os tumores carcinoi- Nos pacientes com carcinoides brônquicos típicos, tra-
des típicos mostram neuropeptídeos, sobretudo serotonina, tados cirurgicamente, a sobrevida é de cerca de 94% em 10
bombesina, peptfdeo intestinal vasoativo e somatostatina. anos. Quando os linfonodos hilares estão comprometidos
Na variante típica, outros elementos, como o hormônio (Nl ), a expectativa de vida cai para 71% em cinco anos.
adrenocorticotrófico, têm sido identificados. A presença de metástase à distância é considerada rara
A enolase específica para neurônio tem sido encontrada em carcinoides típicos, tendo sido diagnosticada em apenas
em 93% dos carcinoides tlpicos, mas tal marcador vem sen- 4/203 casos no momento do diagnóstico. De qualquer ma-
do igualmente encontrado em outros tumores não neuroen- neira, mesmo aqueles elementos considerados classicamente
dócrinos, o que lhe retira a especificidade. como ominosos em neoplasias pulmonares (p. ex., derrame
A propósito, o anticorpo com a mais alta especificidade pleural) não impedem sobrevidas longas.
para diferenciação de tumores neuroendócrinos é a cromo- Em pacientes com carcinoides atípicos ressecados, a so-
granina-A brevida chega a 69% em cinco anos.
Pacientes com lesões maiores do que 3 em, com metásta-
ses ganglionares e histologia de tumor carcinoide atlpico de-
Terapêutica e resultados no finem um grupo de pacientes de pior prognóstico. Em uma
revisão recente da Mayo Clinic,16 os pacientes com earcinoi-
carcinoide brônquico
des típicos e metástases ganglionares tiveram prognóstico
O tratamento clássico do tumor carcinoide consiste em res- significativamente melhor do que os atlpicos com metástases
secção pulmonar, com a recomendação de que as ressecçôes ganglionares (p > 0,01).
sejam econômicas na medida do possível, considerando-se As lesões periféricas pequenas podem eventualmente
a baixa agressividade do tumor, em especial na variante tí- ser tratadas com ressecção em cunha com linfadenectomia
pica. Como muitos desses tumores têm localização central, associada. O s tumores centrais costumam ser tratados com
o emprego da broncoplastia associada à ressecção lobar é lobectomia, e quando a lesão está próxima de uma carina
altamente recomendável. interlobar, pode ser necessária uma ressecção em braçadei-
Uma experiência recente, que ainda merece comprova- ra, a broncoplastia. Este recurso técnico é um procedimento
ção, foi relatada por um grupo francês 15 que, extrapolando adequado do ponto de vista oncológico, preserva a função
o uso de crioterapia para tratamento de carcinoma in siJu, pulmonar dos lobos não diretamente envolvidos pelo tumor
decidiu empregá-la em tumores carcinoides típicos, tendo e apresenta uma morbimortalidade menor do que a pneu-
observado apenas uma recidiva em 18 casos tratados, com monectomia (AGURA 54.3).

FIGURA 54.3 ~ Carcinoíde brônquíco. (A) Paciente


jovem com atelectasía do lobo superior esquerdo. (B)
A endoscopia e a exploraçlo cirúrgíca mostram uma
massa com pé de ímplantaçlo na carína ínterlobar.
Brônquios lobares normais. (C) Representaçlo esque-
mltica da ressecçlo da carina interlobar e construção
de uma neocarina. (0) Broncografia tardia moS1rando
todos os brônquios lobares esquerdos pélllios, depoís
da broncotomía sem ressecçlo pulmonar.
Os tumores atípicos, pelo potencial maior de agressivi- Os achados radiológicos são em parte sobreponíveis aos
dade, são tratados com lobectomia, ou eventualmente pneu- descritos no tumor carcinoide de localização central, exce-
monectomia, com esvaziamento mediastinal radical, à seme- to pelo envolvimento da traqueia, dado que por si só deve
lhança do que se faz em carcinoma brônquico. levantar a suspeita de carcinoma adenoidocístico. A histó-
Radioterapia e quimioterapia têm sido usadas em pa- ria clínica é caracteristicamente lenta, e o achado de pneu-
cientes com carcinoides atípicos com metástases à distância. monias de repetição, cornagem, síbilâncía esternal, aliado a
Baixas doses de radioterapia têm sido usadas em metás- evidências radiológicas de tumor comprometendo a traqueia
tases ósseas, visando ao alívio sintomático. Nesta situação, a ou sua bifurcação, constituem os elementos mais relevantes
quimioterapia tem sido esporadicamente empregada, mas não para a suspeição díagnóstíca, a ser confirmada em geral por
há comprovação de que ela aumente a expectativa de vida. biópsia endoscópica.
Na experiência do Pavilhão Pereira Filho,17 computada
entre dezembro de 1974 e julho de 2007, foram operados 126
pacientes com tumor carcinoide. Destes, apenas 12,6% (16
casos) apresentavam histologia atípica e quatro deles, me-
• CASO CLÍNICO
tástase linfonodal mediastinal (N2). Na análise de sobrevida, Paciente do sexo masculino, 46 anos, com h istó ria de
apenas idade e tipo histológico (típico vs. atípico) apresen- dispneia e sibilância tratado como portador de asma
taram correlação significativa com o prognóstico. A sobrevi- brônquica sem melhora clfnica durante dois anos. Quan-
da foi > 90% nos carcinoides típicos e > 60% nos tumores do passou a ter escarro hemático e dispneia, foi subme-
atípicos. Metástases linfonodais foram detectadas em 43% tido a uma fibrobroncoscopia, que revelou massa ve-
dos pacientes com tumor atípico e 8,6% dos pacientes com getante ocluindo completamente o brônquio principal
carcinoide típico. direito. O resultado da biópsia evidencia carcinoma ade-
noidocístico (FIGURA 54.4) .

Carcinoma adenoidocístico (cilindroma) O tratamento depende em grande parte da localização e ex-


tensão do tumor. As lesões muito extensas ou que compro-
O carcinoma adenoidocístico, também chamado de cílindro- metem ambos os brônquios principais podem ser tratadas de
ma, é uma neoplasia de crescimento lento porém invasivo e forma paliativa com tunelizações endoscópicas. O tratamen-
de pior prognóstico do que o tumor carcinoide. Representa to de eleição é evidentemente a ressecção cirúrgica, que para
cerca de 10% dos chamados adenomas brônquicos, compro- ter pretensões curativas exige ampla margem de segurança
mete a traqueia em dois terços dos casos e ocorre com maior devido à tendência de infiltração submucosa que caracteri-
frequência na quinta década de vida. Os sinais clínicos estão za esse tumor. Mesmo quando o exame anatomopatológico
intimamente relacionados com a predileção pela localização revela limites livres, está indicada a radioterapia como estra-
central, e as metástases, ainda que tardias, estão presentes tégia para reduzir o risco de recidiva local, dada a frequên-
em cerca de um terço dos casos por ocasião do diagnóstico cia com que se encontram ninhos de células neoplásicas na
e comprometem mais os gânglios regionais, fígado, ossos e submucosa.
rim. As lesões periféricas no pulmão são raras e, na maioria A radioterapia tem indicação nas lesões muito extensas,
das vezes, têm sido consideradas metastáticas. Esse tumor se nos tumores ir ressecáveis e nas recidivas locais. Utiliza-se
origina nas células dos duetos ou das glândulas secretoras de uma dose alta, cerca de 6.000 rads, e, segundo alguns, pode-
muco e se propaga à distância pelo plano submucoso, excep- -se obter sobrevida sem recorrência do tumor em um terço
cionalmente ulcerando a mucosa. dos casos.

FIGURA 54.4 ~ (A) Tomografia comput adorizada helicoidal ilustrando a oclusão do brônquio princ.ipal direito por massa polilobada. (B) Esquema
da ressecção que incluiu a carinectomia com anastomose do brônquio direito na traqueia distai e o implante do brônquio esquerdo no brônquio
intermediário. (Q A tomografia helicoidal pós-operatória mostra a reconstrução da via aérea central.
Forces Institute of Pathology,19 foram avaliados 41 pacientes
Tumor mucoepidermoide com tumor de baixo grau e 13 pacientes com tumor de alto
Sua localização preferencial assemelha-se à do tumor carci- grau, com sobrevidas em cinco anos de 95% no primeiro gru-
noide. A história clínica arrastada, a presença de uma lesão po e 69% no segundo. A terapêutica cirúrgica é a de eleição.
brônquica de superficie lisa, endoscopicamente semelhante
ao tumor carcinoide, e um laudo anatomopatológico equivo-
cado de carcinoma epidermoide constituem um relato fre-
quente em casos desse tumor. Adenoma de glândulas mucosas
O carcinoma mucoepidermoide é uma neoplasia rara brônquicas
que representa O,1 a 0,2% de todos os tumores do pulmão.
Ocorre em geral na quinta década de vida, embora já tenha É o mais raro dos adenomas brônquicos, com apenas 25 ca-
sido descrito em pacientes com 10 a 75 anos de idade, e não sos relatados na literatura até 1988, e tem origem nas glân-
apresenta predileção por gênero. dulas mucosas brônquicas. Mantém-se confinado à parede
Sua etiologia é indeterminada, mas supõe-se que es- brônquica, sem ultrapassar a camada cartilaginosa ou provo-
ses tumores sejam originados das glândulas brônquicas. car erosões na mucosa que o reveste. Desprovida da capaci-
Os locais mais acometidos são os brônquios principais e a dade de metastatizar, essa lesão é considerada o verdadeiro
traqueia. Histologicamente, são compostos de células esca- adenoma brônquico e passível de tratamento cirúrgico cura·
mosas, mucosas e intermediárias e, dependendo do índice tivo. Dos 25 casos relatados, 23 situavam-se em brônquios
mitótico e do pleomorfismo nuclear, classificados em alto pré-segmentares, um envolvia a traqueia e um tinha locali-
e baixo grau. Os tumores de baixo grau apresentam grande zação periférica. A ressecção é a mais econômica possível,
número de células mucosas, enquanto naqueles de alto grau devendo, se factível, restringir-se à broncotomia. A possibi-
a proporção de células escamosas é maior. lidade de ressecção endoscópica, com ou sem a utilização de
Nos 29 casos relatados por Reichle e Rosemond,' 8 em raios laser, deve ser cogitada nos casos em que não houver
1966, 20 tumores estavam localizados em brônquios lobares, doença supurativa associada.
oito em brônquios principais e em um caso a lesão compro-
metia a porção dista! da traqueia. A experiência de nosso
serviço é de 10 pacientes, todos com tumores situados em
brônquios lobares. Pneumonectomia (duas), lobectomia
Granuloma de células plasmáticas
convencional (três) e lobectomia com broncoplastia (cinco) A denominação granuloma de células plasmáticas, sugerida
foram os procedimentos cirúrgicos empregados nesses 10 ca- por Lane e colaboradores20 em 1955 e definida por Liebow' 1
sos (FIGURA 54.5). em 1973, pretende substituir a de pseudotumor inflamató-
A maioria dos tumores é de baixa malignidade, e a pre- rio ou de tumor pós-inflamatório. Essa lesão é constituída
visão do comportamento biológico dessa neoplasia depende por uma proliferação localizada, composta predominante-
do grau de diferenciação hlstológica. Nos tumores bem dife- mente por células plasmáticas maduras, com corpúsculos de
renciados (low grade), o prognóstico é tão bom quanto o do Russel, células reticuloendoteliais e formas intermediárias e
tumor carcinoide típico. sustentada por um estroma de tecido de granulação. Outros
Com relação aos indices de sobrevida, na série da Mayo elementos celulares, incluindo linfócitos e células mononu-
Clinic com um total de 12 pacientes, a sobrevida em 5 e 10 cleares grandes, podem estar presentes e coexistir com as
anos foi de 56% e 43%, respectivamente. Na série do Armed células plasmát icas. As células mononucleares grandes po-

FIGURA 54.5 ~ (A) Tomografia computadorizada de tórax mostrando lesão obstrutiva do brônquio loba r superior esquerdo. (B) Tomografia helicoi-
dal evidenciando invasão das estruturas hilares que determinaram a necessidade de pneumonectomia (T3NoMo).
dem apresentar abundante componente citoplasmático de seis, ressecção de parede em dois, segmentectomia em um e
gordura, donde a denominação xantoma ou fibroxantoma, bilobectomia em um. A sobrevida em cinco anos foi de 91 %.
utilizada por alguns. Houve recidiva em três dos cinco pacientes com ressecção
As clCpressões tumor pós-inflamatório ou pseudotumor incompleta e dois desses tiveram nova ressecção e curaram.
inflamatório do pulmão são ambíguas ou abrangentes, refe- Um relato de Bando e colaboradores23 descreveu a in-
rindo-se ora ao granuloma de células plasmáticas isoladamen- teressante experiência do uso de corticoide (prednisona,
te, ora ao conjunto desta lesão, do hemangioma esclerosante 30 mg!dia) com resposta completa e sem recidiva em dois
e do pscudolinfoma. Tal inconveniente ditou o abandono des- pacientes que tinham o diagnóstico prévio confirmado por
sas expressões para categorização diagnóstica mais precisa. biópsia. Embora tal indicação não tenha ainda recebido con-
Essas lesões são em geral assintomáücas ou acompa- firmação na literatura, ela se anuncia como uma alternativa
nhadas de história clinica bastante inexpressiva. Na maioria em tumores irressecáveis e nas recidivas.
dos casos, são reconhecidas casualmente como nódulos ou
massas pulmonares isoladas, periféricas, circunscritas. Em
pequeno percentual de casos, apresentam-se como lesões
infiltraüvas imprecisas ou com nódulos satélites, ou como
Hemangioma esclerosante
lesões polipoides intrabrônquicas associadas então a quadro Este é um tumor benigno raro, descrito por Liebow e Hub-
clinico de obstrução brônquica. Raras vezes apresentam cal- bell,'" e se apresenta como uma lesão circunscrita, redonda
cificações granulares. ou ovoide, comprometendo em geral mulheres de meia-ida-
São lesões estáücas ou de crescimento muito lento, diag- de, assintomáticas. Na série de Sugio, de 1992, representou
nosticadas em pacientes de 11 meses a 65 anos de idade, com o segundo tumor benigno mais frequente, depois do condro-
mais de dois terços dos casos reconhecidos antes dos 30 anos adenoma. As lesões têm entre 1,3 e 8 em de diãmetro e po-
c que constituem destacada hipótese no diagnóstico diferen- dem exibir calcificações. Na série de Im e colaboradores, de
cial de massas pulmonares em crianças. Essa entidade é duas 1994, de oito pacientes revisados e que tiveram os elementos
vezes mais comum em mulheres. da TC relacionados com os achados cirúrgicos, sete eram
A estabilidade radiológica de uma lesão circunscrita e a mulheres, todas assintomáticas, sendo os tumores achados
cura com a exérese cirúrgica - aliadas ao achado anatomo- radiológicos casuais. Segundo esses autores, uma massa justa
patológico de fibrose de permeio com uma celularidade sem pleural bem definida, com marcado acréscimo de densidade
mitoses - reforçam a hipótese de que essa lesão seria mais depois da injeção de contraste na TC, e que mostra áreas de
um granuloma reparativo ou uma cicatriz de um processo baixa atenuação adjacentes a focos de calcificação, represen-
infeccioso prévio do que neoplasia verdadeira. Muitas vezes, ta o modelo de diagnóstico na TC de tórax, especialmente
no entanto, não há o antecedente de infecção pulmonar pré- quando encontrada em mulheres assintomáücas.
via que pudesse explicar o surgimento ulterior de tal lesão. Segundo estudos imuno-histoquimicos, a célula de ori-
O tratamento é cirúrgico, com ressecções tão econômi- gem seria uma célula epitelial respiratória primitiva, e não
cas quanto possível, em geral seguidas de cura, sem recidi- uma célula mesenquimal. Por essa razão, talvez esse tumor
vas. Raramente tem sido descrita invasão do mediastino ou devesse ser chamado, mais adequadamente, de plasmocito-
da coluna vertebral e, por vezes, o surgimento de uma lesão ma alveolar. O tratamento cirúrgico é curativo.
semelhante homo ou contralateral em pacientes tratados
com cirurgia. Nossa experiência é constituída por 11 casos,
em pacientes com 4 a 45 anos, todos tratados por cirurgia.
Em um dos casos, a lesão compromeüa apenas a pleura, ten- Tumores de origem mesenquimal
do sido removida por descorticação e de inicio considerada São tumores em geral benignos e raríssimos.
um neurofibrossarcoma, um equívoco anatomopatológico
suscitado pela semelhança histológica com tumores dessa li-
nhagem. Outro caso foi diagnosticado em um paciente de 33 Fibroma
anos, portador de grande massa periférica do lobo superior São tumores mesenquimais menos raros, benignos, ainda
esquerdo, tratado por lobectomia. que a diferenciação maligna possa ocorrer ( fibrossarco-
Os demais casos eram adultos jovens com massas pulmo- ma). Na maioria dos casos, localizam-se nas paredes dos
nares irregulares, sem adenopatias regionais ou envolvimen- brônquios ou da lraqueia, onde podem dar todos os sinais e
to brônquico. sintomas resultantes da broncostenose. Podem, no entanto,
Um paciente apresentou lesão contralateral dois anos situar-se na periferia do pulmão, onde se apresentam como
depois da primeira ressecção. A segunda lesão foi tratada nódulos sem caracterlsticas radiológicas peculiares, ou ainda
por segrnentectomia e o paciente permanece bem 20 anos na superflcie pleural (mesotelioma fibroso), dificultando a
depois. determinação exata do local de origem. Em alguns casos, a
Em uma revisão da Mayo Cliniczz de 23 pacientes com lesão endobrônquica tem sido tratada com êxito por meio de
pseudotumor inflamatório, seis pacientes tinham menos de ressecção endoscópica, mas via de regra a exérese cirúrgica é
18 anos de idade (26%). Ressecção em cunha foi realizada exigida, seja por broncotomia, seja pela ressecção pulmonar
em sete pacientes, lobectomia em seis, pneumonectomia em econômica.
Tem sido descrita a presença de condrossarcoma no
Neurilemoma
pulmão. Nos tumores de localização parenquimatosa, há
O neurilemoma traqueal é uma neoplasia benigna deriva-
disseminação precoce, enquanto nos de localização endo-
da das células de Schwann, podendo ser também chama-
brônquica, ocorre uma propagação local por continuidade,
do de schwanoma. Costuma acometer o terço inferior da
à semelhança do condrossarcoma da laringe.
traqueia, de aspecto séssil ou pcdunculado, geralmente
encapsulado. O schwanoma representa 2,2% dos tumores
benignos de vias aéreas, havendo somente 29 casos na li- Lipoma
teratura até 1983. Na maioria dos casos, acomete homens Embora possa ocorrer em situação subpleural, este tumor,
com menos de 50 anos. muito raro, é de localização geralmente endobrônquica, com
O tratamento clássico consiste na ressecção do segmento os sinais clínicos decorrentes de eventual obstrução. É lesão
de via aérea que serviu de pé de implantação da lesão, com de crescimento lento, que compromete mais os homens do
margem econômica, considerando-se a benignidade da lesão que as mulheres, na proporção de 5:1. Com origem no tecido
(RGURA 54.6). gorduroso em geral presente na parede brônquica, é tumor
O tratamento endoscópico já foi descrito com sucesso praticamente avascular, podendo ser tratado com resseoção
em algumas séries de casos, embora haja risco de recidiva endoscópica. O uso de laser nesses casos representa uma ex-
local.s. 26 celente indicação.
27
Uma revisão mais recente descreve a experiência com
16 pacientes, 14 dos quais do sexo masculino. Na maioria
Condroma dos casos (14 de 16), os tumores eram brônquicos centrais e
É neoplasia rara, constituída exclusivamente de cartilagem foram tratados com ressecção endoscópica a laser. Apenas as
madura revestida por epitélio sem os outros elementos da lesões periféricas foram operadas por via convencional. Os
parede brônquica. Os condromas verdadeiros são tumo- autores concluem que a ressecção endoscópica é o método
res muitas vezes diagnosticados como condroadenomas de tratamento recomendado, com exceção dos tumores peri-
(hamartomas) de localização brônquica central. O estudo féricos, os que se acompanham de destruição do parênquima
microscópico cuidadoso das peças cirúrgicas pode surpre- por supuração crônica, os que apresentam extensão extra-
27
ender uma conexão entre os elementos brônquicos contidos brônquica e aqueles em que há suspeita de malignidade.
no tumor e o epitélio que o reveste, caracterizando uma in- O envolvimento traqueal pode ocorrer, e nesses casos o
clusão epitelial. Confirmada tal ideia, os condroadenomas crescimento lento da lesão tem favorecido o equívoco diag-
seriam tumores de localização exclusivamente periférica. nóstico de asma brônquica, ainda que nos tumores traqueais
Os condromas se localizam em brônquios de grande ca- a ausculta de sibilos e roncos predominem na região ester-
libre, e os sintomas dependem da presença ou não de bron- na!, ao contrário da asma, cuja sibilância predomina na pe-
costenose. riferia. Um de nossos pacientes foi tratado como asmático
Um de nossos casos, uma paciente de 26 anos, com tosse durante meses antes do diagnóstico correto (FIGURA 54.7).
crônica, apresentava uma lesão nodular, de bordas bem defi- Outro caso diagnosticado em nosso serviço era - con-
nidas, no lobo inferior, tratada com lobectomia. trariando a probabilidade estatística - o de uma mulher de

RGURA 54.6 ~ (A) Corte tomográfko da ttaqueia na ttansição cervicomediastinal mostrando uma obstrução de cerca de 90% da luz ltaqueal por
uma lesão tu moral. O resu1tado da biópsia evidenoou schwanorna. (8) Peça da ressecção cirúrgica incluindo um anel traqueal que representava a
base de implantação do tumor na membranosa.
AGURA 54.7 7 (A) A tomografia computadorizada mostra lesão intratraqueal com densidade de gordura e extensão mediastinal. (B) Peça operatória
com segmento de traqueia contendo o lipoma que determinava suboclusão da luz, e uma grande extensão extratraqueal do tumor.

42 anos portadora de infecções respiratórias repetidas e que


apresentava uma lesão pedunculada na parede superior do
• CASO CLÍNICO
brônquio superior direito, tratada com êxito por bronco- Paciente do sexo feminino. 9 anos de idade, com uma
temia e implante do brônquio lobar na parede anterior do lesão brônquica central justacarinal à esquerda. que foi
brônquio principal direito. ressecada por toracotomia direita, com broncotomia e
reconstrução (FIGURA 54.9).

Liomioma A variante maligna desse tumor, o liomiossarcoma, com-


É o quar to em frequência entre os tumores mesodérmicos promete brônquios de grande calibre, tem tamanho variável
no pulmão, depois do fibroma, do condroma e do lipoma. entre 1 e 4 em e pode ter caráter invasivo; as metástases são
Assim como sua variante maligna, o liomiossarcoma, tem quase exclusivamente hemáticas.
origem na musculatura lisa da periferia do pulmão ou da pa-
rede da traqueia e brônquios (FIGU RA 54.8).
O liomioma tende a ser periférico, com diâmetro varian-
do entre 2,5 e 13 em, em geral encapsulado e podendo apre- Referências
sentar degeneração hialina e calcificação. O primeiro exem- 1. Albrech E. Ulber hamartome, verhaodl. Gesellsch. 1904;7:153.
plo desse tumor encontrado em nosso material era o caso 2. Willis RA. Thcsprcad ofthc tumors in human body. 2nd ed. Lon-
de um homem de 43 anos com pulmão direito destruído por don: Buttctwonh; 1952.
doença supurativa crônica resultante de um tumor central,
3. Adams, MJT. Pulmonary hamartoma (tbc cartilaginous typc).
densamente calcificado. Thorax. 1957;12(3):268-75.
Em um segundo caso, o liomioma foi diagnosticado em
uma jovem com atelectasia do lobo superior direito e uma 4. Stcy CA, Vogt P, Russi EW. Endobronchial üpomatous hamano-
lesão brônquica endoscopicamente semelhante a tumor ma: a rarc cause ofbroncbial occlusion. Chest. 1998;113(1):254-5.
carcinoide.

FIGURA 54.9 7 (A) Tomografia linear mostrando tumor de 1 em no


AGURA 54.8 7 Tomografia computadorizada mostrando em vArios as- brônquio principal esquerdo, a cerca de 0,5 em da carina traqueal. (B)
pectos uma lesão vegetante em parede traqueal, com contornos lisos Representação esquemAtica da localização do tumor ressecado por to-
e pé de implantação estreito. O resultado da biópsia indica liomioma. racotomia contralateral.
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Ana luiza Moreira
lilian Rech Pasin
55
Rodrigo Moreira Bello
José da Silva Moreira

A incidência de TEP é alta o suficiente para permitir


Introdução que seja considerado um real problema clínico. Conforme
A embolia pulmonar refere-se à condição em que trombo(s) dados americanos, a prevalência de TEP em pacientes hos-
migra(m) da circulação sistêmica até a vasculatura pulmo- pitalizados é de cerca de 0,4% 3 e estimada em 0,5 por 1.000
nar. É a complicação potencialmente mais grave do trom· indivíduos. Destes, a mortalidade na primeira hora é de 11%
boembolismo venoso (TEV), que compreende trombose (ocorrendo predominantemente nas primeiras duas horas
venosa profunda - TVP (evento inicial que, na maioria dos após o evento agudo/ínstalação dos sintomas) e aproxima·
casos, ocorre em membros inferiores) e embolia pulmonar/ -se de 15% no terceiro mês. Há registros indicando que a
tromboembolismo pulmonar (EP/TEP). mortalidade hospitalar ultrapassa 30% em pacientes com
TEP maciço e ínstabilidade hemodínãrnica. Clínicarnente,
manifesta-se como TVP em cerca de dois terços dos casos
~ ATENÇÃO e como TEP em um terço deles'.s Em algumas situações,
episódios de EP podem levar ao tromboembolismo crônico,
com hipertensão pulmonar associada (ver Capítulo "Hiper-
A EP é uma condição comum e potencialmente fa- tensão Arterial Pulmonar").
tal, com uma taxa global de mortalidade de 15% nos
A tomografia computadorizada (TC) helicoidal/multil'li·
três meses subsequentes, tendo como causa mais
ce é útil no diagnóstico e na exclusão de EP, bem como na
comum de óbito precoce a insuficiência ventricular
avaliação de risco, primordial em pacientes com TEP maciço
direita. e instabilidade hemodínãmica (FIGURAS 55.1 e 55.2). Nessa si-
tuação, a ecocardiografia e a TC de tórax multislice auxiliam
na identificação daqueles pacientes que podem ser benefi-
A estratificação de risco facilita a identificação de pa · ciados com trombólise ou embolectornia.
cientes de alto risco e pode auxiliar no manejo a curto e Considerando que a grande maioria dos pacientes in·
longo prazo. Pacientes internados, clinicos e cirúrgicos, têm ternados tem fator de risco para TEV, e que três em cada
risco elevado de TEV, que corresponde à complicação pul- quatro eventos ocorrem após a alta hospitalar, todos devem
monar mais comum. 1.2 As frequências descritas situam-se ser avaliados quanto ao risco de desenvolver a doença. A
entre 0,1 e 0,4% de TEV entre todas as internações, o que tromboprofilaxia deve ser instituída e prolongada após a
pode ser ainda maior, considerando que a doença pode se alta, se índicada.6 Por outro lado, cerca de 5% dos pacientes
manifestar após a alta hospitalar ou ocorrer de forma sub- morrem em consequência do TEP diagnosticado e com o
clínica. tratamento instituído, indicando a importância da profila-
camada íntima da parede dos vasos, estado de hipercoagula-
bilidade/trombofllias).
Estima-se que cerca de 80% dos pacientes que desenvol-
vem TEV têm algum fator de risco identificável que poderia
ter sido abordado precocemente, mediante prevenção (QUA·
ORO 55.1).' Até 30% dos casos de TEV podem estar relacio-
nados com predisposições genéticas, sobretudo quando em
associação com fatores de risco adquiridos. As mutações do
fator V de Leiden (a anormalidade genética mais comum)
e do gene da protrombina são as condições herdadas mais
frequentes, sendo responsáveis por mais da metade dos ca-
sos de trombofilias hereditárias associadas ao TEV (QUADRO
55.2). Deve-se suspeitar de trombofilias em:"·'

• Primeiro evento de TEV antes dos 50 anos de idade


• História de trombose recorrente ou sem causa identifi-
cada
FIGURA 55.1 ~ Angiotomografia: embolia pulmonar em artéria pul·
• Evento trombótico em localização menos frequente (p.
monar direita. ex., membro superior)
------------------- • Parente de primeiro grau com eventos trombocmbólicos
ocorridos antes dos 50 anos

Fisiopatologia e achados clínicos


Os efeitos fisiológicos variam amplamente e associam-se a
tamanho e localização do êmbolo, doença cardiopulmonar
coexistente, liberação de mediadores, resposta hipóxica e
taxa de resolução do Embolo. Dessa forma, é possível que
o TEV varie clinicamente desde um episódio assintomático
até o outro extremo, com colapso hemodinâmico e óbito.
Na presença de doença cardiopulmonar preexistente, um
êmbolo relativamente menor pode resultar em instabilidade
hemodinâmica significativa. Embolas grandes ou múltiplos
tendem a causar sintomas mais significativos, bem como al-
terações hemodinâmicas e na oxigenação.
O TEP definido como de risco alto ou maciço é acompa-
nhado de colapso circulatório (hipotensão e choque); o de
risco intermediário ou submaciço é o que apresenta sobre-
carga de cavidades direitas, preservando a circulação sistê·
AGURA 55.2 ~ Embofia pulmonar em artéria pulmonar d1reita. mica; o TEP de risco baixo é a embolização focal, subpleural,
sem comprometimento significativo das circulações pulmo-
nar e sistêmica.""
Conforme a magnitude do processo, os mecanismos
xia de TEV, altamente custo-efetiva: nenhuma modalidade
compensatórios podem permitir que ocorra até 70% de obs-
terapêutica tem um impacto na mortalidade comparável à
trução do leito vascular pulmonar antes que se desenvolva
tromboprofilaxia. E m pacientes que sobreviveram ao even- insuficiência do ventrículo direito. Na ausência de doença
to agudo, e que foram tratados por pelo menos três meses, cardiopulmonar, a obstrução de menos de 20% do leito vas·
a recorrência de TEP fatal é rara durante e após a antico- cular pulmonar resulta em mínimas consequências hemo-
agulação.5 dinâmicas, devido ao recrutamento e à distensão dos vasos
pulmonares. Entretanto, quando a obstrução arterial pulmo-
nar exceder 50 a 60%, pode haver consequências bemodi-
Fatores predisponentes nârnicas progressivas, como diminuição de débito cardíaco,
aumento da pressão atrial direita e queda da saturação de
Atualmente, é reconhecida uma ampla variedade de fatores oxigênio, levando à dilatação do coração direito, com possi-
de risco envolvidos na gênese do TEV, os quais, de alguma bilidade de isquemia ventricular.,_.._,
forma, são oriundos dos mecanismos intrínsecos descritos O infarto pulmonar corresponde a uma situação pou-
em 1856 por Rudolph Virchow (estase sangulnea,lesão da co frequente, pelas três fontes de oxigênio presentes no
QUADRO 55.1 ~ Fatores de risco para TEV

Iam.'tn~M1.n%1iiit. !J
- Cirurgia abdominal ou pélvica de grande porte - Doenças cardíacas congênitas
- Prótese de quadril ou joelho - Insuficiência cardíaca congestiva
- Necessidade de unidade de terapia intensiva no pós~peratório - Idade
- Politraumatismo/trauma medular - Tromboflebite superficiaVvarizes
- Cateter venoso central
- Gravidez a termo
- Parto cesáreo - Anticoncepcional oral
- Puerpério - Terapia de reposição hormonal
- fratura com paralisia de membros - Heterozigose para fator V de Leiden
- Acidente vascular cerebral com paralisia de membros - Heterozigose para mutação do gene da protrombina
- Hiper-homocisteinemia
- Neoplasia abdominal ou pélvica
- Doença avançadalmetastática - Exacerbação de doença pulmonar obstrutiva crônica (OPOC)
- Quimioterapia - Deficiências neurológicas
- Doença maligna oculta
- Hospitalização - Viagens prolongadas
- lnstitucionalização
- Obesidade
Deficiência de antitrombina - Cirurgia por laparoscopía (p. ex., colecistectomía)
- Deficiência de proteína C
- Deficiência de proteína S
- Síndrome antifosfolipídeo
- Homozigose para fator V de leiden
- Homozigose para mutação do gene da protrombina
- Evento embólico prévio

Fonte: Adaptada de Terra·filho e Menna·Barreto.'

QUADRO 55.2 ~ Fatores associados a trombofilias

l•;hJt!:t.U il!flj:i4;hf·hfl1 ti;hMI:t•Jjll'lf hh!IJI;Ii•f Ç1

- Deficiência de antitrombina 111 - Síndrome antifosfolipídeo


- Deficiência de proteína C - Trombocitopenia induzida por heparina
- Deficiência de proteína S - Disfibrinogenemias
- fator V de Leiden - Distúrbios mieloproliferativos
- Mutação 20210A da protrombina - Malignidade
- Elevação dos nfveis de fator VIII
- Elevação dos nfveis de fator XI
- Deficiência do cofator de heparina 11
- Disfibrinogenemia
- Diminuição dos niveis de plasminogênio
- Diminuição dos níveis do ativado r do plasminogênio
- Hiper-homocisteinemia
- Síndrome de viscosidade plaquetária

Font•: Adaptada d• Stein.'

órgão (vascularização arterial dupla e via aérea). Aparen- metimento do fluxo arterial brônquico ou da permeabili-
temente, é necessário que duas das três fontes estejam dade da via aérea.
comprometidas antes que o infarto se desenvolva. Ocorre A completa resolução é incomum, e cerca de 50% dos
em cerca de 20% dos pacientes com doença cardíaca ou pacientes apresentam alguma obstrução residual após seis
pulmonar significativa, sobretudo naqueles com compro- meses do evento embóiioo.'
Diagnóstico I
Suspeita de TEP (sem
O diagnóstico baseia-se no grau de suspeição clínica e na choq ue ou hipotensão)
prevalência dos achados de várias séries de casos de TEP
(TABElA 55.1).

[II ATENÇÃO PTobabilidadê baixa ou I'Tobabthdode aiU


intermedi~ria

Como não hA apresentaçAo dfnica patognomônica,


é necessário um alto grau de suspeiçAo: trata-se de
um desafio na área m~ica, visto que o diagnóstico
é baseado em probabilidades dfnicas e exames de
.-------- 1- ----, 1
imagem, cuja apresentação dfnica é extremamente 0-dímeros• Angiotomografia
multislice ••
variável.

Essas são as ferramentas que cercam o diagnóstico, o


manejo precoce e, consequentementc, a diminuição do risco TEP
de óbito e morbidades nos pacientes que a enfrentam. Deve- Positivo
ANTICOAGULAÇÃO
· se considerar que há risco quando a terapia adequada não
for instituida ou for retardada e que, por outro lado, não se
justifica assumir os riscos de uma aoticoagulação ou de tera-
pia trombolltica em pacientes que não apresentem embolia
pulmonar (FIGURAS 55.3 e 55.4).
A percepção, por parte do médico, da presença de algo
que não é justificável pelo quadro de base do paciente, ou
não esperado na evolução da(s) docnça(s) em questão, com-
l Angiotomografia
multisllce
ANnCOAGULAÇÃO
Negatrva

TABELA 55.1 ~ Sinais e sintomas de TEP

FIGURA 55.3 ~ fluxograma para suspeita de TEP sem choque ou hi-


potensão.
fonte: Adaptada de Agnelli e Becan1ni."
Dispneia 84% 78% 79% 82%

Taquipneia 92% 73% 57%

Dortoráciu 74% 59% 47% 49% preende o grande passo para tal diagnóstico. A suspeita de
TEP deve ser levantada frente às seguintes situações:
Tosse 53% 43% 43% 20%
• Sintomas torácicos agudos na presença de fatores de ris-
Hemoptise 30% 16% 6% 7%
co para TEV atual ou prévio: sincope, TEP prévio, pós-
Estertores 58% 55% 21% -operatório, periparto ou puerpério.
crepitantes • Politraumatismo ou doenças graves.
• Taquiarritmias súbitas e inexplicáveis (principalmente se
Edema em 31% 29% associadas a fatores de risco para TEV).
membros • Arritmias crônicas com descompensação súbita da
inferiores doença de base.
Dor em 27% 23%
membros
inferiores ' Se a sensibilidade do teste 0 -dfmeros ror moderada, seu uso deve
ser restrito a pacientes com baixa probabilidade clínica. 1Cm uso li-
Febre 13% 7% 2% mitado em pacientes internados com suspeita de TEP.
" Se a TC não ror multidetectores e o resultado ror negativo, uma
Fontt: Adaptada do Ttn•·filho • Mtnno·Barrtto,• StM,' Stt1n t colobo<odores,' eoografia de membros inferiores deve ser realiuda para excluir o
Goldhober • colabo<odom.' Tht I'IOPEO lnves~~on.,. diagnóstico com segurança.
Possibilidade imediata de
realizar a angiotomografia

Não Sim

l l
r
Sem disfunção
Ecocardiograma

1
Com disfunção
r
Positiva
Angiotomografta

1
Negativa

l Procurar outra
causa
Com possibilidadê de
angiotomografia e
paciente estabilizado

Resvltado
Positivo

L Ttomb61ise ou
endarterectomia

~m possibilidade* ou
instabilidade

FIGURA 55.4 ~ Flvxograma para suspeita de TEP com choque ou hipotensão.


Rlnte: Adaptada de Agnellí e Becattíní."

• Exacerbação de DPOC ou insuficiência cardíaca sem fa- Quanto à TVP, menos da metade dos pacientes com a
tor desencadeador aparente. doença apresentam sintomas. Em casos de TVP proximal
• Parada cardiorrespiratória. sintomática, cerca de 50% dos pacientes têm TEP assinto-
mático, definido somente em exames de imagem.8 Febre é
A tríade descrita - dispneia, dor torácica e hemoptise - um sinal comumente encontrado em pacientes que apresen-
está presente em 20% dos pacientes. O sintoma mais fre- tam infarto pulmonar, como os portadores de doença car-
quentemente associado ao TEP é a dispneia de início súbito. díaca prévia, sobretudo naqueles que apresentam insuficiên-
O sinal, a taquipneia inexplicada, é encontrado em cerca de cia cardíaca. 1
70% dos pacientes com embolia.' A presença de síncope, Pela dificuldade que cerca o diagnóstico de EP, instru-
cianose e hipoxemia costuma indicar TEP extenso.'.s mentos com escores/pontuações foram criados e incorpo-
rados para facilitar decisões iniciais e em emergências, os
quais, conforme probabilidades pré-teste, possibilitam a es-
•Sem possibilidade de realizar angiotomografia, ecografia de mem- tratificação dos riscos e contribuem indicando o manejo. O
bros inferiores ou ccocardiograma transcsofágioo. escore de Wells é um exemplo (TABELA 55.2).
TABELA 55.2 -+ Critérios de Wells ser complementados com exame ecocardiográfico para
afastar rusfunção de VD. São comumente utilizados na
estratificação de risco de pacientes com TEP estabeleci-
do (QUADRO 55.3).
• D -dimeros. As evidências indicam que as análises de D-
Sinaise sintomas de TVP -dfmeros - especialmente dosados por EUSA - têm um
papel importante na exclusão de TEP (pelo alto VPN)
Outro diagnóstico~ menos provável que TEP
e que, por outro lado, níveis elevados de D-dfmeros
Frequfnda cardíaca > 100 bpm 1,5 não corroboram a presença de 1EP (especificidade bai-
xa- entre 30 e 40%). São frequentemente encontrados
lmobdização ou cirurgia nas últimas quatro ~manas 1,5 em pacientes hospitalizados (costumam elevar-se em
eventos obstétricos, doença vascular periférica, câncer,
Episódios prNios de TtV (TVP ou TEP) 1,5
doença inflamatória e com o aumento da idade). Um
Hemop~~ 1,0 teste negativo (de alta sensibilidade) exclui TEP em pa-
cientes com probabilidade clínica baixa a intermediária,
Oncet (em tratamento, tratamento nos últimos ~is 1,0 enquanto testes de sensibilidade moderada somente ex-
meses ou sob cuidados pafiativos) cluem a doença em pacientes com baixa probabilidade
clinica. Embora tal estratégia seja recomendada por vá-
eROBASILIDADE CLfNICA
rias diretrizes, os médicos costumam ser muito influen-
BAIXA 0- 2 ciados por um resultado normal desse exame. Quando
não se leva a probabilidade clínica em consideração e
INTERMEDIÁRIA 3-6 confia-se somente nesse teste, corre-se um risco inaceitá-
vel. Em trabalho recente, demonstrou-se que, se os nlveis
ALTA ~6 de D -dímeros são normais, no seguimento de pacientes
ffi®ABILIDAPE PJCOIÓMICA que completaram o Lratamento com anticoagulação, a
ESC.Q&E
possibilidade de recorrência de TEV é incomum.' ·"
TEP improv~vel S4 • Eletrocardiograma (ECG). As alterações no ECG não
são específicas para TEP. O maior valor é no diagnóstico
TEPprov~ >4 diferencial com outras condições, como infarto agudo do
miocârdio e pericarrute. As alterações mais específicas
Fontt. Adopto.U de W.ls • colaboradores."
na EP são aquelas em que estão presentes sinais da so-
brecarga aguda do VD {bloqueio do ramo direito, desvio
do eixo elétrico para a direita, padrão S1Q3T3 e a inver-
Testes diagnósticos e exames são da onda T nas derivações precordiais de Vl a V4).
Pode ser encontrada apenas taquicardia sinusal, conside-
complementares rada a alteração mais frequente. Arritrias atriais, como
• Hemograma (para excluir outras causas de taquicardia flutter e fibrilação, são mais comuns em pacientes porta·
e taquipneia). Modesta leucocitose pode acompanhar o dores de doença cardiopulmonar preexistente."·'s
quadro de 1EP (raramente excede 20.000Jmml).12 • Ecodoppler venoso de membros inferiores. É um exce-
• Gasomelria arterial. Anormalidades gasomélricas, como lente método ruagnóstico para a avaliação de TVP isola-
hipoxemja e hipocapnia, têm um valor predüjvo negati- damente, sem o risco adicional do uso de contrastes. Thm
vo (VPN) entre 65 e 68%, sendo insuficientes para afas-
12
tarem o ruagnóstico de TEP. Quando associadas aos
achados de alcalose respiratória e aumento da diferença -+
QUADRO 55.3 Principais marcadores utilizados na estratificaçao
alveoloarterial (gradiente A-a), deve-se pensar em em- de risco de pacientes com TEP agudo
bolia maciça. É importante lembrar que pode não haver
alterações mesmo na presença de TEP. 2 Marcadores clínicos
• Marcadores de lesão riocárdica. Os biomarcadores car- - Choque
- Hipotensão (PA5 < 90 mmHg)
díacos, incluindo a troponina e os peptfdeos natriuréticos
(BNP c pró-BNP NT-termjoaJ), são marcadores sensí- -------------------
Marcadores de disfunç.!o de VD
veis da função ventricular direita. O peptfdeo natriuré- - Dilatação, hipocinesia ou sobrecarga de pressão de VD (ECG)
tico cerebral (BNP), já sabidamente útil em auxiliar no - Dilatação de VD na TC helicoidal
diagnóstico e preruzer o prognóstico de pacientes com - Elevaç.!o de BNP ou pró-BNP
insuficiência carruaca congestiva, associa-se à disfunção - Elevação da pressao de VO no cateterismo de coração direito
do ventrículo direito (VD) no TEP.u São marcadores
Marcadores de injílria mioc.!rd~ca
acurados para identificar pacientes de baixo risco para
- Elevação de troponina cardíaca T ou I
TEP, tendo um VPN alto para morte intra-hospitalar
consequente à EP. Níveis elevados de BNP necessitariam Fonte: Adaptado dt Totbicki t col•boradores.'
sensibilidade e especificidade superiores a 90% para guimento da investigação. Da mesma forma, apesar de
trombose venosa proximal. Sua acurácia para o diagnós· menos validada, a combinação de uma cintilografia não
tico de TVP é de 99% para trombos acima do joelho e diagnóstica em paciente com baixa probabilidade clínica
90% abaixo do joelho. A detecção de TVP assintomáti· é um critério aceitável para a exclusão da doença. Em to·
ca auxilia no diagnóstico de TEP. Entretanto, resultados das as outras combinações de resultados de V/Q e proba-
normais não excluem EP se o nível de suspeição clínica bilidade clínica, testes adicionais devem ser realizados. '·' 0
for moderado ou alto. • Angiografia pulmonar. Embora tenha sido considerada
• Ecocardiograma. Tem valor na avaliação prognóstica e o padrão-ouro para o diagnóstico de TEP, a técnica tem
na estratificação de risco dos pacientes com TEP. O eco- sido usada com pouca frequência, especialmente após
cardiograma tem a capacidade de visualizar êmbolos em o advento da angiotomografia. É um método invasivo,
câmaras direitas ou artérias pulmonares centrais, bem com 5 a 6% de riscos de complicações cardíacas e pul·
como de mostrar alterações hemodinãmicas sobretudo monares e mortalidade de 0,2% (IC 95% 0-03). Seu uso
de VD que, indiretamente, podem sugerir TEP. O modo é reservado para um pequeno subgrupo de pacientes no
transesofágico possui acurácia diagnóstica superior ao qual o diagnóstico de embolia não foi estabelecido com
transtorácico para a visualização de êmbolo na artéria métodos menos invasivos. Resultados de estudos prévios
pulmonar. Em paciente com instabilidade hemodinâmi· têm demonstrado que, quando a angiografia pulmonar
ca, a ausência de sinais de sobrecarga ou de disfunção de foi usada para detectar êmbolos subsegmentares, a con-
15 16
VD praticamente exclui o diagnóstico de TEP. • O sinal cordância entre observadores foi limitada.
de McConneU, específico para TEP (disfunção de VD • TC de tórax com multidetectores ou multis/ice (angio·
com hipocinesia da parede livre desse ventrículo),' é um tomografia). Desde a introdução deste exame, com alta
fator preditor independente para morte precoce em EP resolução espacial, temporal e qualidade de opacificação
aguda quando presente. Não é indicado como rotina no arterial, ele tem sido o método de imagem de escolha
diagnóstico de EP, mas demonstra evidências indiretas para visualizar a vasculatura pulmonar em indivíduos
deste diagnóstico em cerca de 80% dos pacientes com com suspeita de TEP.' É um método seguro, menos inva-
embolia maciça. O estudo I CO PE R demonstrou a pre- sivo, acurado e custo-efetivo, com a vantagem adicional
sença de disfunção de VD em 40% dos pacientes avalia· de avaliar a aorta, o parênquirna pulmonar, o medias·
dos, achado que se associou a um aumento de duas vezes tino, a caixa torácica e o espaço pleural, o que permite
na incidência de trombos em 14 dias e 1,5 vez em três estabelecer diagnósticos alternativos ou concomitantes
meses de seguimento dos pacientes analisados. (FIGURAS 55.1 e 55.2). A angiotomografia permite a visua·
• Radiografia de tórax. A radiografia de tórax é um exa- lização de artérias pulmonares, pelo menos, até o nível
me não específico e com baixa sensibilidade para TEP subsegmentar com sensibilidade e especificidade acima
(especificidade de 59% e sensibilidade de 33%), porém de 90%, VPP alto (96%) em pacientes com alta pro·
essencial para detectar outras doenças pulmonares, auxi· babilidade clínica e VPN alto (97%) em pacientes com
liando no diagnóstico diferencial e excluindo outras con· baixa probabilidade clínica, resultados semelhantes aos
dições que podem simular as manifestações clinicas agu· encontrados no estudo PIOPED. 10 Utilizando a TC he·
das, como pneumotórax. Mesmo em pacientes com risco licoidal com equipamentos com multidetectores (cortes
iminente de morte por EP, a radiografia de tórax pode mais finos), há aumento da acurácia para o diagnóstico
ser considerada normal. ' As principais alterações rela· de EP em ramos subsegmentares (até então, a sensibi·
cionadas com a embolia são áreas de hipoperfusão pul- lidade do método era baixa para êmbolos nessa loca-
monar (sinal de Westmark- a mais específica), imagens lização) - colimação de 1 ou 2 mrn. 10•17 Além disso, na
cuneiformes (corcova ou giba de Hampton), dilatação da reconstrução, pode-se mensurar a relação de dimensões
artéria pulmonar (sinal de Palia), atelectasia, derrame ventriculares: uma relação D/E > 0,9 identifica pacien-
pleural e elevação da hemicúpula diafragmática. Tam· tes com risco aumentado de morte prematura. O VPP
bém é fundamental no subgrupo de pacientes que serão de uma angiotomografia positiva foi elevado (92 a 96%)
submetidos à cintilografia pulmonar de ventilação/perfu- em pacientes com probabilidade clínica intermediária
são para a interpretação do mapeamento pulmonar. ou alta Não é necessário realizar investigação adicional
• Cintilografia pulmonar de ventilação/perfusão (V/ Q). ou tratamento para TEP em pacientes que apresentam
'nata-se de um método simples e não invasivo, útil no angiotomografia mu/tislice negativa (evidência A). Os
diagnóstico de TEP agudo. Impl ica baixa dose de ra· dados de estudos que analisaram a acurácia da angioto·
diação e é um exame diagnóstico alternativo se houver mografia usando desfechos clínicos e comparação com
contraindicação à angiotomografia ou quando esta não é angiografia convencional permitem descontinuar a anti-
disponíveL Em casos de alta probabilidade clínica e exa- coagulação quando o TEP foi excluído por angiotomo·
me com alta probabilidade de EP, o valor preditivo posi· grafia (somente 0,2% dos pacientes que apresentavam
tivo (VPP) é alto (92-99%), confirmando o diagnóstico.' angiotomografia negativa desenvolveram TEP nos três
Da mesma forma, um exame normal de perfusão é muito meses subsequentes).
seguro para exclusão de EP (VPN alto de 97% ). Quando • Ressonância magnética (RM). A possibilidade da visua·
o resultado é definido como baixa probabilidade de TEP lização das artérias pulmonares sem a necessidade da
em um paciente com alta suspeita clínica, pode ocorrer utilização de contraste iodado e sem exposição à radia-
TEP em até 40% dos casos, sendo obrigatório o prosse· ção é a principal vantagem da RM. Em um estudo com·
parativo com a tomografia helicoidal, avaliado por cinco de uso. Uma metanálise publicada em 2004 demonstrou
observadores, a RM mostrou sensibilidade de 46% e es- igual eficácia e segurança da HBPM quando comparada à
pecificidade de 90%. HNF intravenosa. Outras publicações mostraram resultados
favoráveis para a HBPM quanto à menor mortalidade e à
diminuição da ocorrência de sangrarnentos graves em com-
paração com a HNF,' permitindo sua indicação como fárma-
Tratamento co de primeira escolha em pacientes com TEP não maciço
Suportes hemodinâmico e respiratório fazem parte da ou hemodinamicamente estáveis (TABElA 55.3). É importante
abordagem inicial, com o objetivo de estabilização clínica e lembrar que as HBPM são excretadas pelos rins. Assim, a
hemodinâmica. Os pacientes instáveis clinicamente devem HNF torna-se o fármaco de escolha para pacientes com cle-
ser admitidos em unidades de terapia intensiva (FIGURAS arance de creatinina inferior a 30 mUmin. '·'
55.3 e 55.4). Os anticoagulantes orais (ACO) inibem os fatores da
coagulação dependentes da vitamina K (fatores 11, VII, IX
e X) e também reduzem a síntese de fatores anticoagulantes
Anticoagulação na fase aguda naturais, proteína C e S, fato que pode promover eventos
Em pacientes com probabilidade clínica alta ou interme- trombóticos paradoxais no início do tratamento, enquanto a
diária para TEP, o manejo com anticoagulantes (heparinas) anticoagulação não for plena. São monitorados pelo tempo
deve ser iniciado o mais cedo possível, enquanto se aguarda de protrombina (TP). Podem ser iniciados no primeiro dia
a confirmação diagnóstica. Entretanto, o início de anticoa- de tratamento, em associação com a heparina, que deve ser
gulantes orais só é justificado após a confirmação diagnósti- descontinuada quando a razão normalizada internacional
ca, devido aos riscos inerentes à terapêutica.'.' (RNI) estiver entre 2,0-3,0 por pelo menos 24 horas. A dose
A heparina niio fracionada (HNF) é efetiva no manejo da inicial de varfarina é de 5 mg!dia. Doses superiores mostra-
EP, levando-se em conta seu risco-beneficio e contraindica- ram pequena redução no tempo para se obter a RNI ade-
ções para cada paciente em particular, e deve ser utilizada quada, tendo, entretanto, aumentado significativamente os
preferencialmente em regime de infusão continua intrave- casos de sangramento. A femprocumona, outro ACO, possui
nosa: O controle plasmático é feito pela dosagem de KTfP/ um tempo de meia-vida mais longo. Os pacientes devem ser
TIPa e deve ser atingido o intervalo entre 2,5 e 3,5 vezes o orientados a manter uma dieta pobre em alimentos que con-
seu valor de base (TABElA 55.3). tenham vitamina K (o que levaria à diminuição dos níveis da
Pode ocorrer resistência à heparina, que é definida como medicação).
a necessidade diária de HNF (infusão contínua IV) acima de Pacientes hemodinarnicamente instáveis são candidatos
40.000 UI/dia (deve-se realizar dosagem, quando possível, a um tratamento mais agressivo, como a trombólise farma-
do antifator Xa, diminuindo, dessa forma, aumentos adicio- cológica e mecânica. Essa opção terapêutica é justificada
nais da dose de HNF). pela alta taxa de óbito entre esses pacientes e pela resolu-
As heparinas de baixo peso molecular (HBPM), como ção mais rápida da obstrução tromboembólica com a trom-
Enoxaparina, Fondaparinux, Nadroparina e Dalteparina, bólise do que com a terapia anticoagulante. A mortalidade
são preferidas em relação à HNF em função da facilidade pode chegar a 60% em pacientes não tratados e pode ser

TABELA 55.3 ~ Recomendaçóes para manejo de tromboembolismo pulmonar

Iu~w wum wGJrtrr::l


Estreptoquinase 1.500.000 UI IV em 2 h•
250.000 UI em 30 min, seguidos por 100.000 UVh por 12-24 h

Alteplase (rtPA).. 100 mg IV em 2 h•


0,6 mg/kg (máximo 50 mg) IV em 15 min

11\d@l !iuli!•! @r lluj


Enoxaparina 1 mg/kg de peso corporal se 2x/dia
ou 1,5 mg/l<g em dose única diária se
Heparina não fracionada (HNF) Iniciar com 80 UVkg (bolus) ou 5.000 UI seguidos por infusão contínua de 18 UVkg/h
= ajustes na dose de acordo com KTTP (1,5 a 2,5 vezes o valor normal)

fo nte: Adaptada de Terra· filho e Menna·Barreto.'


'Preferencialmente (regime a<ele<ado).
..Durante parada c.ardiorrespirat6ria (AESP com forte suspeição de TEP): a"eplase: 100 mg IV em 15 min.
reduzida para menos de 30% se o tratamento for instituído rá, fundamentalmente, dos fatores de risco presentes e da
prontamente. Em metanãlise publicada em 2004, a trombó· possibilidade de serem ou não removidos. Os pacientes
lise intravenosa foi associada a uma redução na mortalidade com fatores considerados temporários podem ser tratados
em pacientes hemodinarnicamente instáveis com E P.5·" Em por três meses (desde que, a partir daí, esteja ausente o
pacientes hemodinamicarnente estáveis, a trombólise intra· fator de risco). Os pacientes com evento tromboembóli·
venosa reduz a taxa de deterioração clínica, mas não a taxa co idiopático (p. ex., câncer) e aqueles com recorrência
de mortalidade, quando comparada com o uso de HNF. Para do evento são candidatos à anticoagulação por tempo in·
esse grupo de pacientes, não está indicada a trombólise, mes- determinado, com reavaliação periódica da taxa de risco·
mo que tenham EP anatomicamente grande (QUADRO 55.4). -benefício.
A trombectomia mecânica percutânea (fragmentação e A terapia convencional com antagonistas da vitamina K
aspiração do trombo) e a embolectomia cirúrgica são restri· (p. ex., varfarina), mantendo-se um controle de RNI entre
tas a pacientes de alto risco com contraindicação absoluta ao 2,0 e 3,0 (alvo de 2,5) é recomendada por 3 a 6 meses após o
tratamento trombolítico, e naqueles em que esse tratamento evento agudo; depois disso, uma terapia de baixa intensida·
não modificou o status hemodínâmico. de pode ser assumida (com uma RNI entre 1,5 a 1,9 sendo
O uso de fútros de veia cava é reservado para pacientes aceitável).
com contraindicações ou complicações relacionadas com o Novos agentes com efeito anticoagulante mais previsí·
tratamento anticoagulante, bem como em recidivas de TEP a vel e com menos interações com outros fármacos, quando
despeito de anticoagulação adequada, TEP maciço e casos de comparados à varfarina, estão sendo investigados para o
embolectomia cirúrgica.' Sua aplicação deve ser considerada tratamento de TEV e não exigem monitorização laborato·
também no pré-operatório de pacientes submetidos à embo· ria!. Em um estudo de 2006 que avaliou o uso dos D -dímeros
lectomia cirúrgica e acometidos por evento trombótico nos úl- para determinar a duração da anticoagulação, valores acima
timos 30 dias, para os quais há necessidade de interrupção da do ponto de corte obtidos após a suspensão da anticoagula·
anticoagulação. Filtros removíveis devem ser considerados na ção foram associados à maior taxa de recorrência de TEV.
presença de uma contraindicação temporária à anticoagulação. Sugere-se realizar dosagem de D-dímeros quatro semanas
após a suspensão da terapia anticoagulante, reavaliando·
-se a necessidade de possível reintrodução da medicação.'·'
Manejo a longo prazo Após TEP agudo, os pacientes devem ser monitorados para
Pacientes com EP aguda estão sob risco de eventos trombo- hipertensão arterial pulmonar tromboembólica crônica cuja
embólicos recorrentes. O risco de recorrência é de até 1% incidência, a~ós dois anos do evento, é de aproximadamente
ao ano para pacientes que estão recebendo terapia com an- 0,8 a 3,8%.' · ~17
ticoagulantes, mas chega a 10% ao ano após a sua desconli-
nuação. O risco de recorrência é particularmente alto entre
pacientes portadores de neoplasia. Profilaxia primária
A duração da anticoagulação a longo prazo deve ser A profilaxia primária é recomendação imperante pela alta
baseada na relação risco-benefício, isto é, o risco de re· incidência de TEV em pacientes hospitalizados (FIGURA 55.5).
corrência após a cessação do tratamento versus o risco de Considerando-se o risco de eventos tromboembólicos, o ím·
sangramento durante o tratamento. A duração depende- pacto na evolução clinica e as extensas evidências de benefí-
cio em populações distintas, como pacientes clínicos, cirúr·
gicos, de trauma e ortopedia, justifica-se a implementação
QUADRO 55.4 ~ Contra indicações ao uso de trombolíticos de medidas de prevenção. Apesar disso, ela é ainda subutili-
zada. O risco de TEV varia de acordo com as comorbidades
CONTRAINOICAÇÕES ABSOLUTAS e os fatores de risco do paciente, bem como com a realização
- Acidente vascular cerebral hemorrágico ou de etiologia de procedimentos cirúrgicos.
desconhecida (independente do tempo) Métodos mecânicos (meias elásticas de compressão gra·
- Acidente vascular cerebral isquêmico nos últimos seis meses duada, compressão pneumática intermitente, filtro de veia
- Neoplasia ou lesão no sistema nervoso central cava inferior) devem ser indicados como método único ape·
- Cirurgia ou trauma maior nas últimas três semanas nas para pacientes com risco alto de sangramento.
- Sangramento ativo conhecido O ácido acetilsalicílico (AAS) não deve ser usado como
- Sangramento gastrintestinal no último mês método de profilaxia para TEV (evidência A).6
CONTRAINOICAÇÕES RElATIVAS
- Acidente vascular cerebral isquêmico transitório
Uso de anticoagulante oral
Gestação até uma semana pós-parto
~ ATENÇÃO
Punções em locais não compressivei.s
Estudos controlados têm mostrado que a incorpora·
Hipertensão arterial sistêmica refratária (PAS > 180 mmHg)
ção de esquemas de tromboprofilaxia de rotina em
Ressuscitação cardiorrespiratória traumática
Endocardite infecciosa hospitais tem diminufdo a incidência de TEV.
Úlcera péptica ativa
Hepatopatia avançada
• Embolia aérea. A morbimortalidade associa-se direta-
mente ao volume de ar e à taxa de acúmulo. A maior
consequência é a obstrução do VD e de vasos/arter!-
olas pulmonares, levando à disfunção e falência. Os
principais objetivos do tratamento incluem prevenção
Sobrovida > 1h Óbito dentro de entrada de maiores quantidades de ar e, se possível,
563.000 (89%) de1 hora
do evento (11%) suporte hemodinãmico, adotando-se decúbito lateral es-
querdo. Há estudos demonstrando os benefícios da tera-
J, pia com oxigênio biperbárico, especialmente na presença
Oõ.gn6stico nio
Diagnóstico de embolia aérea cerebral. 19
confi~oe
esubelectdo tenopia institulda • Embolia por líquido amniótico. É uma situação rara,
400.000 (71'11.) mas catastrófica, associada à gravidez, com taxas de mor-
163.000
talidade materna de 80% e fetal de 40%. Está ligada à
situação de parto, causando dispneia, cianose e choque.
Sobrovida Sobrovtdo O manejo é de suporte.
280.000 (70%) 150.000 (92'!(,) • Embolia por talco. Causada por substâncias injetadas
via intravenosa - especialmente por usuários de drogas
- misturadas em líquido, cujas partículas são filtradas na
Óbitos Óbitos circulação pulmonar.
120.000 (30%) 13.000 (8%) • Embolia por c~lulas neoplásicas. Encontrada em apro-
ximadamente 26% das autópsias, sendo identificada
RGURA 55.5 -+ Dados estatfsticos. com menos frequência antes do óbito. Simula radiolo-
Fonte: Adaptada de Oalen e Alpert." gicamente pneumonia, tuberculose ou doença intersti-
cial. Carcinomas de mama e próstata sã.o os mais en-
contrados, seguidos por hepatoma, cãncer de estômago
e pãncreas. A resposta ao tratamento quimioterápico ~
O regime espeáfieo escolhido tem menor importância do
pouco exprcssiva.7.lll
que assegurar que todos os pacientes sejam avaliados e estra-
tificados de acordo com o risoo de TE V, sendo assim iniciada
7
a tromboprofilaxia. Igualmente, se indicado, deve-se esten-
der a profilaxia para o nível domiciliar, uma vez que muitos Referências
pacientes que desenvolvem TEP submeteram-se a cirurgia ou 1. Torbicki A, Perrier A, Konstantinides S, Agnelli G, Galie N,
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ou transplantes de órgãos. O quadro clínico é de febre, 4. Terra-Filho M, Menna-Bam:to SS. Recomendações para o mane-
tosse e hemoptise. Há indicação de antibioticoterapia jo da tromboembolia pulmonar, 2010. J Bras Pneumol. 201Q-,36(Supl
c, ocasionalmente, remoção cirúrgica da fonte emb6- 1):1-3.
lica.7.17 S. Stein PD. Pulmonary embolism. 2nd ed. Hoboken: Wiley-Bla-
• Embolia gasosa. A sindrome envolve sintomas e sinais ckwcll; 2007.
respiratórios, hematológicos, neurológicos e cutâneos e 6. Kucher N, Goldhaber SZ. Risk stratification of aeute pulmonary
associa-se a trauma. Outras condições clínicas c cirúr- embolism. Semin Thromb Hemost. 2006;32(8):838-47.
gicas também podem desencadeá-la, como lipossucção,
necrose hepática e fígado gorduroso. A s!ndrome tem 7. Fishman AP, Elias J, Fishman J, Grippi M, Senior R, Pack A.
baixa incidência (1%), embora a embolização de gordura Fishman's pulmonary diseases and disorders. 4th ed. Ncw York:
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proveniente da medula pareça ser quase inevitável após
fratura de ossos longos. A apresentação pode ser fulmi- 8. Stein PD, Beemath A, Matta F, WegJG, Yuseo RD, Hales CA, ct
nante com insuficiência de VD e colapso cardiovascular. al. Cinical charactcristics or patient.s with aane pulmonary embo-
O quadro clfnico geralmente irticia-se 12 a 36 horas após l.ism; data from PIOPED li. Am J Med. 2007;120(10):871-9.
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Gisela Meyer
Fernanda Brum Spilimbergo
56
Márcia Puchalski
Bruno Hochhegger
Sandro Bertani da Silva

de 15 a 50 pessoas/milhão de habitantes no Ocidente. Em


Definição e epidemiologia determinados grupos em situação de risco, a prevalência é
A hipertensão arterial pulmonar (HAP) é uma doença das substancialmente maior. Por exemplo, em pacientes infec-
arteríolas pulmonares caracterizada por proliferação vascu- tados pelo vírus da irnunodeficiência humana (HIV), é de
lar e remodelamento, o que leva à progressiva elevação na 0,5%; naqueles com doença falciforme, de 20 a 40%; e em
resistência vascular pulmonar e, como consequência, à insu- pacientes com esclerose sistêmica, pode atingir até 16%.
ficiência cardíaca direita e morte prematura. A HAP é mais comum em mulheres jovens, com uma
Por mais de um século, antes que as pressões pulmonares média de idade de 36 anos ao diagnóstico, mas pode
pudessem ser aferidas de forma direta em humanos, a arte- ocorrer em qualquer período da vida. A forma id iopática
riosclerose pulmonar foi amplamente aceita como evidência (HAPI) é duas vezes mais comum em mulheres. Embora a
morfológica de HAP crônica. Em 1891, Ernest Von Rom- verdadeira prevalência relativa de HAPI, HAP hereditária
berg,' um médico e patologista alemão, intrigado com sua (HAPH) e HAP associada seja desconhecida, é provável
incapacidade de descobrir na autópsia a base etiológica de que a HAPI responda por pelo menos 40% dos casos. De-
lesões vasculares pulmonares, agora reconhecidas como ca- vido à natureza não específica dos sintomas, é mais diag-
racterísticas da hipertensão idiopática, categorizou a doença nosticada quando os pacientes atingem um estágio avan-
simplesmente como "esclerose vascular pulmonar". Mais çado da doença (classe funcional III e IV), sugerindo que
tarde, em 1907, J. G. Monckeberg2 corroborou a descrição a prevalência real possa ser superior à documentada na
de Romberg com seu livro intitulado '~teriosclerose ge- literatura.
nufna da artéria pulmonar".
Anos depois, em 1940, De Navazquez e colaboradores3
publicaram casos definindo a condição então chamada de arte-
riosclerose pulmonar primária, cujo título introduziu a denomi-
~ ATENÇÃO
nação "hipertensão pulmonar". Publicações sucessivas incluíam
O diagnóstico é feito de forma invasiva, por meio de
o termo "hipertensão pulmonar" no título ou no texto. Entre os
cateterismo cardfaco direito, determinando-se que
anos de 1960 e 1970, a comunidade médica viu uma "epidemia"
a hipertensão pulmonar (HP) está presente quando
de casos devido ao uso de inibi dores de apetite e, a partir desse
a pressão média da artéria pulmonar está maior ou
período, pesquisadores e médicos tiveram de fazer grandes mu-
igual a 25 mmHg em repouso.
danças na forma de manejar a hipertensão pulmonar.
Hoje, a HAP continua sendo uma doença relativamen-
te rara, grave e fat al. A prevalência estimada é de cerca
Os sintomas são insidiosos nas fases iniciais da doença e,
à medida que esta progride, vão se intensificando. Os mais
Classificação e epidemiologia
comuns são cansaço progressivo aos esforços, dispneia, dor Embora seja considerada uma doença rara, acomete cer-
torácica e síncope. ca de 25 casos por milhão de adultos, segundo o registro
nacional francês, publicado por Humbert e colaboradores'
em 2006. Um dado da Escócia indica 52 casos por milhão
de habitantes.' Se a taxa de prevalência de 25 casos por
Patogênese milhão for extrapolada para a população mundial, há
O aumento da resistência vascular pulmonar resulta de um aproximadamente 160 mil casos de HAP no mundo todo.
desequilíbrio entre substâncias vasodilatadoras (diminuição A HAPI correspondc ao tipo mais prevalente no registro
de prostaciclina, óxido nítrico) e vasoconstritoras (aumento francês, comprometendo com maior frequência o sexo
de tromboxano A2, endotelina-1, serotonina) produzidas no feminino. A HAP também pode estar associada a cardio-
endotélio vascular, além do remodelamento da parede vas- patia congênita, doenças do tecido conjuntívo, drogas e
cular, causado pela proliferação excessiva de células e taxas toxinas, HIV, hipertensão portal, hemoglobinopatias e dis-
reduzidas de apoptose. Níveis elevados de fibrinopeptídeo A túrbios mieloprolifcratívos.
e inibidor do aúvador do plasminogênio-1 e níveis reduzidos A classificação clínica da HP passou por uma série de
de ativa dor de plasminogênio tecidual contribuem para o es- 5
modificações desde a primeira proposta, em 1973. A clas-
tado pró-coagulante. sificação original contemplava somente duas categorias: HP
Histologicamente, a HAP caracteriza-se por uma pan- primária e HP secundária, de acordo com a presença de fa-
vasculopatia que afeta de forma predominante pequenas tores de risco ou causas identificáveis.
artérias pulmonares, onde uma série de anomalias arteriais Após 25 anos, durante o 11 Simpósio em HP em Evian,
(incluindo hiperplasia da íntima, hipertrofia da média, pro- 1998, na França, foram criadas categorias que guardavam
liferação da adventícia, trombose in situ, graus variados de entre si caracterfsticas cUnicas e patológicas semelhantes,
inflamação e arteriopatia plexiforme) vão esta.r presentes. assim como opções terapêuticas.'
A predisposição para doença vascular pulmonar tem Em Veneza, 2003, foi realizado o II1 Simpósio Mundia.l
sido relacionada com mutações no gene do receptor de pro- em HP, cujas principais modificações foram a substituição do
teína morfogenéúca óssea tipo 2 (BMPR2) ou, muito rara- termo hipertensão pulmonar primária por hipertensão arte-
mente, com dois outros membros da superfamflia do fator-~
rial pulmonar idiopáúca, HAP familiar se presentes outros
transformador do crescimento- quinase úpo I semelhante à casos na família e HAP associada às causas identificáveis.'
ativina (ALKI) e endoglina (ENG) -, que estão associados
Por fim, em 2008, houve o IV Simpósio em HP, em Dana
à telangiectasia hemorrágica hereditária. Além disso, cerca
Point, Califórnia, no qual se manteve a estrutura básica e
de 20% dos pacientes com HAPI carregam mutações em
organizacional das classificações de Evian e Veneza, com al-
BMPR2.
gumas pequenas modificações. 1 No QUADRO 56.1, tem-se a
Nos últimos anos, houve um aumento significativo das
classificação de Veneza; no QUADRO 56.2, a classificação atu-
evidências do papel da inflamação na gênese da HAP. Sabe-
alizada de Dana Point, com os itens modificados em negrito.
-se que, ao redor das lesões plexiformes, há um grande nú-
mero de linfócitos Te B, bem como de células dendríúcas.
Além disso, a presença de quimiocinas e citocinas circulan- Grupo 1: hipertensão arterial pulmonar
tes, componentes proteicos virais e fatores de crescimento
(como fator de crescimento derivado de plaquetas - PDGF,
Hipertensão arterial pulmonar idiopática e hereditária
fator de crescimento vascular endotelial - VEGF e fator de A HAPI corresponde à doença esporádica em que não há
crescimento epidérmico - EGF) parece contribuir direta- história de HAP na fanu1ia, com uma prevalência de cerca
mente para o recrutamento adicional de células inflamató- de seis casos por milhão. Estudos recentes, baseados em re-
rias e para a proliferação das células muscula.res lisas e endo- latos de casos de HAPI em pacientes com mais de 70 anos,
teliais nesses pacientes. sugerem que a faixa etária de incidência está aumentando.'
Destaca-se, ainda, o papel das infecções virais, visto que A HAP hereditária, antes chamada de HAP familiar,
alguns estudos mostraram associação entre vírus Epstein- teve seu nome alterado com vistas a chamar atenção para
·Barr e linfoma de Hodgkin, assim como entre citomegalo- a herança genética. Quando a HAP ocorre em um contexto
vírus e parvovírus e esclerodermia. Os agentes inflamatórios familiar, mutações de BMPR2 são identificadas em apro·
podem promover alterações na circulação pulmonar por ximadamente 70% dos casos. A transmissão hereditária de
ação direta e por mecanismos inflamatórios. Também foi HAP ocorre em oerca de 6 a 10% dos pacient.e s com HAP, e
descrita associação do herpes vírus humano tipo 8 (HHV8) mutações de BMPR2 foram detectadas em até 25% dos pa-
e o desenvolvimento de lesões plexiformes, e existe especu- cientes com HAPI e em 15% daqueles com HAP associada
lação sobre a possibilidade de o vírus da hepatite C (HCV) ao uso de anorexfgenos. Mais raramente, mutações de ALI<I
desempenhar um papel independente na gênese da HP as- também têm sido identificadas em pacientes com HAP, de
sociada à hepatite C. ou, de outra forma, de o fenômeno se modo predominante em associação com telangiectasia he-
dever apenas à presença de hipertensão portal. morrágica hereditária.
QUADRO 56.1 ~ Classificação de hipertensão pulmonar de QUADRO 56.2 ~ Classificação clínica atualizada de hipertensão
Veneza, 2003 pulmonar de Dana Point, 2008

1. Hipertensão Arterial Pulmonar 1. Hipertensão Arterial Pulmonar


1.1 HAP idiopática 1.1 HAP idiopática
1.2 HAP familiar 1.2 Hereditária
1.3 HAP associada a: 1.2.1 BMPR2
1.3.1 Doença vascular do colágeno 1.2.2 ALK1 , endoglina (com ou sem telangecta.sia
1.3.2 Shunt sistêmiccrpulmonar congênito hemorrágica hereditária - THH)
1.3.3 Hipertensão portal 1.2.3 Desconhecida
1.3.4 HIV 1.3 Induzida por drogas ou toxinas
1.3.5 Drogas e toxinas 1.4 Associada a:
1.3.6 Outros (alterações de tireoide, doenças de depósito 1.4.1 Ooença do tecido conjuntivo
de glicogênio, Gaucher, hemoglobinopatias, 1.4.2 Infecção pelo HIV
telangiectasia hemorrágica hereditária [THH], doenças 1.4.3 Hipertensão portal
mieloproliferativas e esplenectomia) 1.4.4 Ooença cardíaca congênita
1.4 Associada a componente venoso ou capilar significativo 1.4.5 Esquistossomose
1.4.1 Doença veno·o<:lusiva pulmonar (DVOP) 1.4.6 Anemias hemolíticas crônicas
1.42 Hemangiomatose capilar pulmonar (HCP) 1.S Hipertensão pulmonar persistente do recém·nascido
1.S Hipertensão pulmonar persistente do recém·na.scido
!'.Doença Veno·odusiva Pulmonar e/ou Hernangiomatose Capilar
2. HP Associada â Ooença do Coração Esquerdo Pulmonar
2.1 Doença ventricular ou atrial esquerda
2. HP Associada à Doença do Coração Esquerdo
2.2 Doença valvular do coração esquerdo
2.1 Disfunção sistólica
3. HP Associada a Ooenças Pulmonares e/ou Hipoxemia 2.2 Disfunção diastôlica
3.1 Doença pulmonar obstrutiva crônica 2.3 Doenção valvular
3.2 Doença intersticial pulmonar
3. HP Associada a Doenças Pulmonares e/ou Hipoxemia
3.3 Distúrbios respiratórios do sono
3.1 Doença pulmonar obstrutiva crônica
3.4 Distúrbios com hipoventilação alveolar 3.2 Doença intersticial pulmonar
3.5 Exposição crônica a altas altitudes 3.3 Outras doenças pulmonares com mistura de padrões
3.6 Anormalidades do desenvolvimento pulmonar restritivos e obstrutivos
3.4 Distúrbios respiratórios do sono
4. HP por Doença Trombótica e/ou Embólica Crônica
3.5 Distúrbios com hipoventilação alveolar
4.1 Obstrução troboembólica de artérias proximais
3.6 Exposição crônica a altas altitudes
4.2 Obstrução troboembólica de artérias distais
3.7 Anormalidades do desenvolvimento pulmonar
4.3 Embolia pulmonar não trombótica (tumores, parasitas ou
materiais estranhos) 4. Hipertensão Pulmonar Tromboembólica Crônica
S. Miscelânea S. HP com Mecanismos Multifatoriais Crônica
Sarcoidose, histiocitose X. linfangioliomiomatose, compressão de 5.1 Distúrbios hematológicos: doenças mieloproliferativas,
veias pulmonares esplenectomia
F<lnte: Adaptado de Simmoneau ecolaboradores.'
S.2 Doenças sistêmicas: sarcoidose, histiocitose pulmonar
de células de Langerhans, linfangioliomiomatose,
neurofibromatose, vasculites
5.3 Doenças metabólicas: doenças do depósito do glicogênio,
doença de Gaucher, doenças de tireoide
5.4 Outros: obstrução tumoral, mediastinite fibrosante,
Hipertensão arterial pulmonar associada a drogas e insuficiência renal crônica em hemodiálise
toxinas Fonte: Adaptado de Simonneau e colabotadores. 7
A associação entre anorexlgenos e HAP foi identificada em
1960, quando se observou uma epidemia de HAPI na Euro-
pa após a introdução do aminorex. Com a descontinuação
dessa medicação, a incidência de HAP diminuiu. Também Hipertensão arterial pulmonar associada a doenças do
outros medicamentos parecem estar envolvidos no desenvol- tecido conjuntivo
vimento de HAP. No novo simpósio, a lista de drogas foi atu- A HAP associada a doenças do tecido conjuntivo representa
alizada e dividida segundo a associação da droga com HAP, um importante subgrupo clínico. A prevalência para esclero-
conforme o QUADRO 56.3. se sistêmica está estabelecida entre 7 e 12%. Vários estudos
QUADRO 56.3 ? Drogas e toxinas associadas (lista atualizada)

':.:.rm
Aminorex Cocal na Anfetaminas Cont<Keptlws orais

Fenfluramona Fen~propolamina l-triptofano Estrógfnos

Dexfenfluramina
--------------------------
Erva-de-~o-joão Metanfetaminas Tabagismo

Óleo de canola tóxico Agentes quimioterápioos


- - - - - - - lnibidores seletivos da recaptaçáo da serotonina

a longo prazo sugerem que o prognóstico desses pacientes é Hipertensão arterial pulmonar associada a doença
significativamente pior do que o dos pacientes com HAPI, cardíaca congênita
apesar do uso de terapias modernas. É importante lembrar
Uma proporção significativa de pacientes com doença
que a HAP não representa a única causa de hipertensão pul- cardíaca congênita (DCC), em particular aqueles com de-
monar na esclerose sistêmica: hipertensão por fibrose pul· rivaçóes sistêmico-pulmonares, vão desenvolver HAP se
monar também é frequente, e disfunção diastólica do cora- a DCC não for tratada. A exposição permanente da vas-
ção esquerdo não é incomum. culatura pulmonar ao fluxo sangu(nco aumentado, assim
Na ausência de doença pulmonar fibrótica, a HAP tem como o aumento da pressão, podem resultar em arterio-
sido raramente relatada em outras doenças do tecido con· patia pulmonar obstrutiva, o que leva ao aumento da re-
juntivo como lúpus eritematoso sistêmico, doença mista do sistência vascular pulmonar (RVP) e à inversão de shunt
tecido conjuntivo, sfndrome de Sjõgren, polintiosite e artrite (direito-esquerdo). Esse quadro caracteriza a síndrome
reumatoide. de Eisenmenger, presente em aproximadamente 8% dessa
população.
Hipertensão arterial pulmonar associada ao HIV
A HAP é urna complicação rara mas bem estabelecida da in- Hipertensão arterial pulmonar associada a
fecção pelo HJV. Dados epidemiológicos do início de 1990/ esquistossomose
época em que a terapia antirretroviral altamente ativa ainda Na nova classificação de Dana Point, a HP associada à es-
não estava disponfve~ indicaram uma prevalência de 0,5%. quistossomose foi incluída no grupo t.' Nas anteriores, essa
A HAP associada ao HIV apresenta características clínicas, modalidade estava no grupo IV (HP por doença trombótica
histológicas e hemodinãmicas semelhantes às observadas na e/ou embólica crônica) em função do achado anterior de que
HAPI. Curiosamente, em um número substancial de casos, a embolia de ovos na circulação pulmonar era o mecanismo
a normalização da hemodinãmica vascular pulmonar pode exclusivo na gênese dessa doença Contudo, evidências mais
ser obtida com o tratamento indicado de HAP, o que é muito recentes indicam que a apresentação clínica de tal doença é
raro na HAPJ. semelhante à da HAPI no que se refere aos achados histo-
lógicos, incluindo o desenvolvimento de lesões plexiformes.
Hipertensão arterial pulmonar associada a hipertensão Esta representa uma forma frequente de HAP, especialmen-
te nos países em que a infecção é endêmica, como o Brasil.
portopulmonar
Estima-se que mais de 200 milhões de pessoas estejam infec-
O desenvolvimento de HAP em associação com a pressão tadas com qualquer uma das três espécies de esquistossoma
elevada na circulação portal é conhecido como hipertensão e que 4 a 8% dos pacientes desenvolverão a forma hepato-
portopulmonar. A hipertensão portal, e não a presença de esplênica crônica.
doença hepática subjacente, é o principal fator de risco de-
terminante para o desenvolvimento de hipertensão porto·
pulmonar. Estudos hemodinãmicos mostraram que 2 a 6% Hipertensão arterial pulmonar associada a anemia
dos pacientes com hipertensão portal têm HP. O cateterismo hemolítica crônica
é absolutamente obrigatório para o diagnootico definitivo da As anemias hemolfticas crônicas representam uma nova sub-
hipertensão portopulmonar, pois vários fatores podem au· categoria de HAP, outrora classificada em "Outros", como
mentar a pressão arterial pulmonar (PAP) na presença de as condiçóes associadas ao desenvolvimento da HAP. Desde
doença hepática avançada, como fluxos elevados associados Veneza, há uma crescente evidência de que a HAP é uma
ao estado hiperdinâmico circulatório e pressão capilar pul- complicação de anemias hemolíticas crônicas hereditárias e
monar aumentada pela sobrecarga de fluidos e/ou disfunção adquiridas, incluindo doença falciforme, talassemia, esfero·
diastólica. citose hereditária e anemia hemolítica microangiopática.
Grupo 1: Doença pulmonar veno-oclusiva (DPVO) Grupo 4: Hipertensão pulmonar tromboembólica
e hemangiomatose capilar (HCP) crônica (HPTC)
Estas duas entidades apresentam características bistoló- A HPTC representa causa frequente de HP e pode ocorrer
gicas tlpicas de HAP, associadas a uma venopatia oclusiva em até 4% dos pacientes após embolia pulmonar aguda. Na
(DPVO) ou a uma microvasculopatia (HCP), e também classificação de Veneza, a HPTC foi dividida em dois sub-
exibem achados de hlpertensão venosa pulmonar, como be- grupos: HPTC proximal (acessível à tromboendarterecto-
mossiderose pulmonar, edema intersticial e dilatação dos mia) e HPCT distai (não acessível a cirurgia). Hoje, não há
linfáticos. Com tais características bastante peculiares, a mais consenso entre os especialistas sobre as definições de
resposta ao tratamento medicamentoso e o prognóstico des- HPTC proximal e distai. Assim, foi decidido manter no Gru-
sas duas entidades são piores do que os da HAP. Diante das po 4 apenas uma categoria única de HPTC, para enfocar a
evidências atuais, detemúnou-se que DPVO/HCP deve estar necessidade de encaminhamento desses pacientes a centros
em categoria distinta, mas não completamente separada da especializados, a fim de que seja avaliada de forma adequa-
HAP. Po.r isso, na classificação atual, DPOV/HCP é designa- da a possibilidade de realização de tromboendarterectomia
da como Grupo 1'. pulmonar, sendo esta a única forma potencialmente curável
deHP.

Grupo 2: Hipertensão pulmonar associada a


doença do coração esquerdo Avaliação diagnóstica
Doenças ventriculares ou valvulares esquerdas podem pro-
duzir um aumento na pressão atrial esquerda, levando à ele- A avaliação de um paciente com suspeita de HP elCige uma
vação da pressão nas artérias pulmonares. Nesta situação, série de investigações para confirmar o diagnóstico, escla-
a RVP é normal ou praticamente normal ( < 3,0 unidades recer o grupo clínico da HP e a etiologia específica dentro
Wood) e o gradiente transpulmonar é < 12 mmHg. Na clas- do grupo, bem como avaliar o comprometimento funcional
e bemodinãmico.
sificação de Dana Point, as subcategorias do Grupo 2 fo-
ram alteradas e passaram a incluir três etiologias distintas: A abordagem de investigação diagnóstica é sugerida con-
forme a FIGURA 56.1, publicada pelos consensos em HP.
disfunção cardíaca sistólica, disfunção cardlaca diastólica
e doença cardíaca valvular esquerda. Não há estudos utili-
zando medicamentos aprovados para HAP nesta população. Apresentação clínica
Dessa forma, a eficácia e a segurança de tais medicamentos
permanecem desconhecidas.
[8 ATENÇÃO

Grupo 3: Hipertensão pulmonar associada a Os sintomas da HAP são inespecfficos e incluem falta
de ar, fadiga, fraqueza, dor no peito, tonturas, slnco-
doenças pulmonares e/ou hipoxemia pe e distensAo abdominal. Os sintomas em repouso
Nesta categoria, a causa predominante da HP é a hipoxia são relatados apenas nos casos muito avançados. AIJ
alveolar como resultado de doença pulmonar, déficit de con- exame flsico, podem ser observados acentuado com·
trole da ventilação e permanência ou residência em grandes ponente pulmonar da segunda bulha, sopro halos-
altitudes. A prevalência da HP em todas essas condições ain- sistólico de regurgitaçlo tricúspide, sopro diastólico
da permanece desconhecida. Na classificação atual, a princi- de insuficiência pulmonar e sinais de insuficiência
pal modificação nesse grupo foi adiciona.r uma categoria de cardlaca direita CX>mo dístensAo das veias jugulares,
doença pulmonar caracterizada por uma mistura de padrão hepatomegalia, ·e dema periférico, ascite e extremi·
restritivo e obstrutivo. Esse novo subgrupo inclui bronquiec- dades frias.
tasias crônicas, fibrose cística e uma nova síndrome marcada
pela combinação de fibrose pulmonar, principalmente nas
zonas inferiores do pulmão, e enfisema nas zonas superio-
O exame também pode fornecer pistas sobre a causa da
res, chegando a uma prevalência de HP de quase 50%. Em
HP, como presença de telangiectasia digital, ulceração e es-
pacientes com doença parenquimatosa pulmonar, a HP cos-
clerodactilia sugerindo esclerodermia; crepitações inspirató-
tuma ser modesta (média da PAP de 25 a 35 mmHg). No
rias apontando para doença intersticial pulmonar; aranhas
entanto, em alguns pacientes, as elevações da PAP podem
vasculares, atrofia testicular e eritema palmar caracterizan-
ser mais importantes (PAP média de 35 a 50 mmHg). Em do doença hepática.
tais pacientes, essa HP é considerada "fora do padrão", em
especial quando o comprometimento funcional e estrutural
pulmonar é moderado. Em recente estudo retrospectivo de Eletrocardiograma
998 pacientes com doença pulmo.n ar obstrutiva crônica sub- O eletrocardiograma (ECG) pode fornecer evidências su-
metidos ao cateterismo cardíaco direito, somente 1% teve gestivas de HP ao demonstrar hlpertrofia e sobrecarga de
PAP > 40 mmHg. ventrfculo direito (VD), dilatação do átrio direito (AO) e
Fi•u.mn:tll~•·mr"*"'·''''··!.l:fla
Ecoc:ardiograma transtorácico
bidimensional: dilatação deVO
e aumento de pressão sistólica
na artéria pulmonar

1
Sinais de doença cardíaca
esquerda? Estudo bidimensional:
Cardiopatia esquerda,
dilatação deVO e aumento de -----7 valvar
pressão sistólica na artéria
pulmonar

1
Sinais de shunt intracard...,.co -----7 Cardiopatia congfnita

1 OPOC/ doenças interticiais{


Radiografia I Tomografia de tórax
e espirometria
-----7 Anormalidades da caixa
torâc:ica ..
:I:

1
Oximetria de pulso noturna I
..
"C
.!!!
-----7 Distúrbios do sono
~
polissonografia

1
Cintilografia V/Q Tromboembolismo
o
'::3.
~o
angiotomografia de tórax
-----7 pulmonar crônico u

1
FAN, FR, ANCA -----7
Lúpus, esclerodermia,
doença reumatoide,
vasculites
1
HIV. sorologias para hepatite -----7
AIOS,
hepatite B

1
Função hepática
Hipertensão porto
PPF I biópsia reta I
-----7 pulmonar
Esquistossomose

1
Hipertensão arterial pulmonar idiopática

FIGURA 56.1 ~ Algoritmo de abordagem diagnóstica para hipertensão pulmonar.

desvio do eixo QRS para a direita. A hipertrofia de VD no damente reduzidos. Dessa forma, os testes de função pul-
E CO está presente em 87% dos pacientes com hiperten- monar podem auxiliar no diagnóstico etiológico da HP.
são pulmonar idiopática, e o desvio direito do eixo para Na presença de obstrução irreversível com aumento do
direita, em 79% deles. Arritmias ventriculares são raras. volume residual e da redução da capacidade de difusão de
Arritmias supraventriculares podem estar presentes em monóxido de carbono, é possível supor que se trata de HP
estágios avançados, em particular fibrilação arriai e flutter associada a doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC).
atrial. A diminuição nos volumes pulmonares e na capacidade de
difusão de monóxido de carbono indica a possibilidade de
doença pulmonar intersticial.
Testes de função pulmonar O Teste da Caminhada dos 6 Minutos é o que mais se
Pacientes com HAP em geral têm uma capacidade de di- presta para avaliar os eventuais efeitos das intervenções
fusão pulmonar de monóxido de carbono na faixa de 40 terapêuticas (ver Capítulo "Avaliação Funcional Pulmo-
a 80% do previsto e volumes pulmonares leve a modera- nar")
Ecocardiograma
O eccx:ardiograma bidünensional transtorácico com Dop-
pler é um método sensível, não invasivo e atualmente reco-
mendado para avaliação inicial de pacientes com suspeita de
HAP. Dentre as vantagens adicionais, destacam-se a ausên-
cia de efeitos colaterais, sua reprodutibilidade, baixo custo e,
principalmente, sua mobilidade, permitindo a realização de
exames à beira do leito, embora o catetcrismo cardíaco per-
maneça sendo o padrão-ouro para o diagnóstico definitivo.
É importante também para a exclusão de causas cardíacas
secundárias de HP como cardiopatias congênitas, disfunção
ventricular esquerda e doenças valvulares.
Os achados ao ccocardiograma modo-M são qualitativos
e estão relacionados com as modificações da movimentação
da válvula pulmonar decorrentes da elevação da pressão na
circulação pulmonar: dllninuição da onda A pulmonar, ho-
rizontalização do segmento E-F pulmonar, incisura mesas- FIGURA 56.3 -+ Modo bidimensional, corte paraesternal transversal
sistólica pulmonar e prolongamento do perfodo pré-ejeção/ mostrando aumento de VO e septo interventricular retificado por so-
encurtamento do perfodo de ejeção pulmonar. brecarga pressórica ventricular direita.
No estudo bidimensional, a presença de dilatação de ca- --------
vidades direitas (FIGURA 56.2), hipertrofia de VD (espessura :2:
5 mm), septo interventricular retificado ou com convexidade
sistólica para o ventrfculo esquerdo (FIGURA 56.3) e dilatação permite o cálculo do gradiente sistólico VD-AD (t.Svo.AO)
da artéria pulmonar está relacionada com a elevada pressão a partir da equação simplificada de Bernoulli, onde t.SVD.AO
sistólica do VD. Derrame pericárdico também pode ser ob- é igual a 4V'Kf2 (FIGURA 56.4). O valor do gradiente sistólico
servado, e sua presença relaciona-se com a dificuldade de (l!Svo...o), somado à pressão de átrio direito (PAD), fornece
drenagem para o AO, que apresenta pressão elevada. o valor da pressão sistólica ventricular direita (PSVD), que
O desenvolvimento da ecocardiografm com Doppler per- na ausência de obstrução ao fluxo entre o VD e a artéria pul-
mitiu avaliar de forma não invasiva, confiável e quantitativa monar representará a pressão sistólica na artéria pulmonar
os valores das pressões pulmonares e da função vent.ricular (PSAP). Existe uma boa correlação nos registros obtidos por
direita. A estimativa da pressão sistólica na artéria pulmonar Doppler e cateterismo, não sendo afetados por variações de
pela ecocardiografia está baseada na identificação do refluxo débito cardíaco. A PAD utilizada para o cálculo da PSAP
tricúspidc (RI') pelo mapeamento de fluxo em cores e na pode ser obtida diretamente, sendo que a PAD é igual à
medida da velocidade máxima deste jato regurgitante (V ~rr) pressão venosa central, ou estimada pela análise do calibre e
com o Doppler continuo. A velocidade máxima do refluxo da variação respiratória da veia cava inferior, observados no
ecocardiograma bidimensional pela via subcostal em pacien-
te sem ventilação mecânica (TABELA 56. t ).

FIGURA 56.4 -+ Curva de velocidade do refluxo tricúspide obtida com


FIGURA 56.2 -+ Modo bidimemional, corte paraesternal longitudinal Doppler continuo para estimar o gradiente VO/PD. Neste caso, a veto-
mostrando aumento de VD e PD por sobrecarga pressórica dessas cJ- cidade máxima de 6,76 cm/s (4v') permite estimar o gradiente VO/PD
maras. em 183 mmHg.
TABELA 56.1 ~ Estimativa da pressão atrial direita feita pela observação da variação do diâmetro e do colabamento da veia cava inferior
com a respiração

Pequena ( < 1,5 em) 55·100% 0·5

Normal (1 ,5·2,5 em) >50% 5·10

Normal (1,5·2,5 em) <50% 12·15

Dilatada (>2,5 em) <50% 15·20

Dilatada (2,5 em) O >20

A pressão média da artéria pulmonar (PMAP) pode ser pressão diastólico final entre a artéria pulmonar e o VD.
estimada de duas maneiras pelo Doppler. Na primeira, com Pela soma do gradiente diastólico final e da PAD, é obtido
a identificação e o registro do refluxo pulmonar com o Do- o valor da pressão diastólica pulmonar (PDAP = PAD +
ppler colorido, mede-se a velocidade inicial da curva e apli- IDAP.VD r...,)·
ca-se a equação de Bernoulli simplificada, sendo a PMAP Estudos recentes enfatizam a importância da função
2
fornecida diretamente ( 4V 1,.1c1" 1. ) (FIGURA 56.5). A medida ventricular direita no prognóstico de várias doenças cardio-
da PMAP pelo Doppler utilizando a equação de Bernoulli, pulmonares, e a busca por métodos semiquantitativos ou
quando comparada com as obtidas pelo cateterismo, mostra quantitativos que permitam avaliação com melhor acurá-
correlação de O, 92. cia tem sido constante. Dentre eles, salienta-se a mudança
A segunda maneira de obter a PMAP é utilizando o Do- fracionai da área do VD, a velocidade de deslocamento do
ppler pulsado: estando a amostra volume localizada ao nível anel tricúspide, a medida da velocidade sistólica pelo Dop-
da válvula pulmonar, centralmente e logo antes da abertura pler tecidual no anel tricúspide e o índice de desempenho
das cúspides valvulares, identifica-se o tempo de aceleração miocárdico.
(TAc) do fluxo sistólico pulmonar, sendo que ele se apre- A mudança fracionai da área do VD, medida pelo plano
senta encurtado na presença de PAP elevada. A equação de apical de quatro câmaras, apresenta boa correlação com a
Mahan permite o cálculo da pressão média pulmonar, onde fração de ejeção medida pela RM (r= 0,88) e tem sido rela-
79 e 0,45 são constantes. O valor é dado pela fórmula PMAP cionada com prognóstico, sendo um preditor independente
= 79 - 0,45 (TAc) (FIGURA 56.6). de insuficiência cardíaca, morte súbita, acidente vascular ce-
A estimativa da pressão diastólica na artéria pulmonar rebral e/ou mortalidade em estudos de pacientes após embo-
(PDAP) depende da identüicação do refluxo pulmonar ao lia pulmonar e infarto.
Doppler colorido e da medida de velocidade final deste A função sistólica também pode ser avaliada pela ve-
jato regurgitante (V F1N,u). Utilizando-se a equação sim- locidade do deslocamento do anel tricúspide. Durante a
2
plüicada de Bernoulli, 4VF1NAL , calcula-se o gradiente de sístole, devido ao encurtamento sistólico longitudinal do

FIGURA 56.5 7 Medida da veloódade e gradiente entre VD e artéria FIGURA 56.6 7 Medida do tempo de aceleração (TAc) definido como
pulmonar pelo refluxo pulmonar. Gradiente inicial de 99 mmHg (velo- sendo o intervalo de tempo entre o inicio da curva de fluxo (I) e sua
cidade inicial de 4,98 m/s) e gradiente final de 56 mmHg (velocidade velocidade de pico (P). TAc no caso de 50 ms e pressão média pulmonar
final de 3,7 4m/s). estimada em 56 mmHg.
VD, que reflete a integridade da contratilidade do sep- INDICE DE TEI • -(a.b b)
-
to interventricular e da parede livre do VD, ocorre des-
locamento do anel tricúspide em direção ao ápice. Essa
medida é obtida por meio da análise do deslocamento do
anel da valva tricúspide, durante a sístole e a diástole, ao
longo de uma linha reta, através do registro do modo-M
a partir de um corte a picai quatro câmaras com o cursor
passando pelo anel lateral da válvula tricúspide, no ponto
de junção com a parede livre do VD (FIGURA 56.7). Uma
FluxoVSVD
excursão anular menor do que 1,6 em tem sido associada a
disfunção ventricular e pior prognóstico em várias doenças FIGURA 56.8 7 Esquema do cálculo do lndice de desempenho mio-
cardiovasculares. cárdico. O intervalo •a• corresponde ao tempo entre a abertura e o
Essa movimentação do aneltricúspide descrita anterior- fechamento da válvula tricúspide; o intervalo "b" (tempo de ejeç.\o -
mente também pode ser avaliada pelo Doppler teeidual, a TE) corresponde ao tempo entre a abertura e o fechamento da válvula
partir da medida da velocidade da onda sistólica (S'). = =
pulmonar. ICT intervalo de contração isovolumétrica; IRT intervalo
de relaxamento osovolum~rico.
O índice de desempenho miocárdico (índice de TE!)
permite a avaliação da função sistólica global do VD (FIGURA
--------
56.8). Com a amostra de volume do Doppler pulsado ao nível
da válvula tricúspide e na via de saída do VD, obtêm-se o de deformação de qualquer segmento utilizando um software
tempo entre a abertura e o fechamento da válvula tricúspide específico. O valor normal para ventrículo direito é superior
("tempo a") e o tempo de ejeção ("tempo b"), respectiva- al6%.
mente. O lndice de desempenho miocárdico é calculado pela Recentemente, o ccocardiograma tridimensional (3D)
equação descrita a seguir. com transdutores de terceira geração e imagens em tempo
real foi validado, comparando-se à RM na avaliação da fun·
ção do VD. O aprimoramento dos aparelhos e o desenvol·
Índice de desempenho = (a - b) I b vimento de novos métodos e modalidades ecocardiográficas
têm proporcionado maior confJabilidade e reprodutibilidade
dos seus resultados. O prognóstico da HAP, mesmo para os
O valor normal é 0,28 ± 0,04. Um índice de TEI aumen- pacientes tratados com terapia moderna, permanece ruim e
tado, maior do que 0,40, é um marcador sensível e específico
com elevada mortalidade. Os fatores preditivos de pior prog·
de HP e disfunção ventricular direita e também correlacio-
nóstico ao ecocardiograma são aumento de AD e VD, redu·
na·se com sobrevida. ção da função sistólica do VD, aumento do índice de TEI,
O Strain bidimensional (Strain 2D), utilizando a técnica
diminuição do deslocamento do aneltricúspide e surgimento
do speckeltracking também tem se mostrado promissor na
de derrame pericárdico.
avaliação da função ventricular direita, com relatos de exce-
lente correlação com a RM. A técnica do Strain 2D baseia-se
em um processamento de imagens obtidas no ecocardiogra- Avaliação hemodinâmica:cateterismo cardiaco
ma bidimensional, fazendo-se o rastreamento dos speckles,
ou pontos brilhantes causados pela reflexão natural do ui·
direito
O cateterismo cardíaco direito é considerado o padrão-ouro
trassom para avaliar o strain do miocárdio, ou seja, a taxa
para o diagnóstico definitivo de HP e também é utilizado
para avaliar a gravidade do déficit hemodinâmico e testar
a vasorreatividade da circulação pulmonar. Sempre devem
ser verificados, durante o exame, os seguintes parãmetros:
PAD, PAP sistólica, diastóliea e média, pressão de cunha ca-
pilar pulmonar (PCP), débito e índice cardíaco (DC e IC),
RVP, resistência vascular sistêmica (RVS), pressão arterial
e saturação de oxigênio venoso misto e arterial (FIGURAS 56.9
e 56.10).
Estabelece-se a presença de HAP quando há uma ele·
vação sustentada da PAP média igual ou maior do que 25
mmHg em repouso, com uma pressão de cunha capilar
pulmonar média ou pressão diastólica final ventricular
esquerda (PD 2 de VE) menor do que 15 mmHg e RVP
maior ou igual a 3 unidades wood. A resposta de vasorre·
atividade positiva é defmida como uma redução na PAP
média maior ou igual a 10 mmHg para atingir um valor ab-
AGURA 56.7 7 Deslocamento do anel tricúspide de 2,1 em. soluto menor ou igual a 40 mmHg com manutenção ou au-
Cateterismo cardíaco direito

O cateterismo cardiaco direito é necessário


para confirmar o diagn6stico de HAP.

A HAP é definida por:

PMAP > 25 mmHg em repouso


PMAP > 30 mmHg com exercício
PCP < 15 mmHg
RVP > 3 unidades

O débito cardíaco também é necessário para


calcular a RVP.

Abordagens-padrão para acesso do tateter

FIGURA 56.9 7 Parâmetros hemodinâmicos para o diagnóstico de hipertensão arterial pulmonar.

Cateterismo cardíaco direito


Cateter

Curvas de pressão intracardíaca características


durante a passagem pelo coração

~'·
AR VR AP PCP

Veia cava 20
superior

Átrio
direito Válvula

Válvula

inferior Ventrfculo
direito
1111
FIGURA 56.10 7 Curvas caracteristicas durante o cateterismo cardiaco direito.
mento do débito cardíaco. Essa resposta positiva é obtida lulas endoteliais e, neste local, sua ativação conduz à libera-
em apenas 10 a 15% dos pacientes, e tem-se resposta sus- ção de vasodilatadores c substâncias antiproliferativas como
tentada em um percentual menor ainda (menos de 7%). óxido nítrico e prostaciclina, o que pode contrabalançar os
efeitos deletérios da endotelina-1.

Tratamento
A despeito dos grandes avanços terapêuticos que ocorreram
~ ATENÇÃO
nos últimos 10 anos, nenhum tratamento atual é curativo
A terapia de pacientes com HAP não pode ser con-
para essa doença tão devastadora, de prognóstico tão ruim e siderada uma mera prescrição de fármacos, mas ca-
com cerca de 50% de mortalidade em cinco anos. Contudo, racterizada por uma estratégia complexa, que inclui
a partir do melhor entendimento dos mecanismos fisiopa- avaliação da gravidade da doença, medidas gerais,
tológicos e do desenvolvimento de novos medicamentos, é avaliação da reatividade pulmonar e combinação de
possível trocar a falta de esperança pelo otimismo ao obter diferentes fármacos, entre outras intervenções tera-
um prolongamento da sobrevida e uma melhora significativa pêuticas. Em qualquer uma dessas etapas, o conhe-
na qualidade de vida de nossos doentes. cimento e a experiência do centro de tratamento são
Três vias têm sido o alvo mais importante de interven- fundamentais para otimizar os recursos disponíveis.
ção terapêutica da HAP (FIGURA 56.11): a via da prostacicli-
na, cujos análogos, que imitam os efeitos desta, estimulam
a vasodilatação do leito arterial pulmonar e inibem a agre-
gação plaquetária; a do óxido nítrico, onde os inibidores de Medidas gerais
fosfodiesterase-5 (PDE-5) atuam a fim de otimizar a vaso- Pacientes com HP devem receber conselhos sensatos sobre
dilatação óxido nítrico-mediada; e a terceira, da endotelina, as atividades gerais da vida diária e a necessidade de adap-
o principal membro de uma família de potentes peptldeos tar-se à incerteza associada a uma doença crônica grave com
vasoconstritores com papel importante na patogênese e pro- risco de vida. Geralmente o diagnóstico confere um grau de
gressão da HAP, atuando por meio da ligação a dois distintos isolamento social do paciente. O incentivo dos seus familia-
receptores das células musculares lisas da vasculatura pul- res para participar de grupos de apoio pode ter efeitos posi-
monar: receptores A (ETA) e receptores B (ETB) (FIGURA tivos no enfrentamento, na confiança e nas perspectivas em
56.11). Os receptores ETB também estão presentes nas cé- relação à sua doença.

RGURA 56.11 ~ Vias envolvidas na fisiopatologia da hipertensão arterial pulmonar.


Fonte: Humbert e colaboradores.'
Os pacientes são orientados a realizar exercícios físicos A sobrecarga de VD é uma das apresentações clínicas
dentro dos limites de seus sintomas. Incentiva-se o exercício da HAP que tem sido identificada como fator prognóstico
aeróbico gradativo de baixo impacto, conforme a tolerân- negativo, sendo geralmente expressa por pressão venosa
cia do paciente, como caminhadas. Exercícios isométricos central elevada, edema de membros inferiores, congestão
(fazer força contra uma resistência fixa) e esforços físicos hepática e ascite.
intensos devem ser evitados, pois podem desencadear sín- Quanto ao uso de diuréticos em HAP, não há estudos
cope de esforços. controlados comprovando seu benefício, mas a experiência
Em relação a altitudes e viagens, sabe-se que a vasocons- clíníca mostra claramente uma melhora nos sintomas decor·
trição pulmonar hipóxica é um fator agravante da HAP. Em· rentes da sobrecarga hidrica quando tratados. Furosernida e/
bora não existam dados de estudos controlados, recomenda- ou espironolactona podem ser prescritos conforme a neces·
-se que em voos comerciais a administração de oxigênio seja sidade e tolerância. Eletrólitos séricos e função renal devem
considerada para pacientes em classe funcional III e IV, com ser monitorados durante o tratamento. Poucos são os dados
saturação de oxigênio < 92%. Um fluxo de 2 Urnin manterá relativos ao uso de digoxina. Um estudo demonstrou que
a P02 inspirada em valores observados a nível do mar. Da administração de digoxina intravenosa em pacientes com
mesma forma, esses pacientes devem evitar altitudes acima HAPI promoveu um aumento agudo no débito cardíaco e
de 1.500 a 2.000 metros sem suplementação de 0 1. redução dos níveis circulantes de noradrenalina10 Porém,
A gestação está associada a uma mortalidade de 30 a 50% sua eficácia é desconhecida quando usada cronicamente. Em
em pacientes com HAP, de modo que a gravidez é uma con· alguns casos, prescreve-se para pacientes com insuficiência
traindicação formal neste grupo. As alterações hemodinârni· cardíaca direita e baixo débito e/ou arritrnias secundárias à
case hormonais que ocorrem durante a gestação, no trabalho dilatação atrial.
de parto e no período pós-parto podem levar à insuficiência
cardíaca direita grave e, algumas vezes, fatal. É aconselhável
uma dieta com restrição de sódio, particularmente para o con·
Bloqueadores dos canais de cálcio
trole de volume em pacientes com insuficiência do VD. Vasoconstrição, hipertrofia e hiperplasia do músculo liso vas-
Há maior suscetibilidade ao desenvolvimento de infec- cular são fatores reconhecidos na patogênese da HAPI. Isso
levou ao uso de vasodilatadores para tratamento da hiper-
ções pulmonares, consideradas causa de morte em 7% dos
tensão pulmonar. Historicamente, muitos vasodilatadores
casos. Embora não haja estudos controlados, é recomenda·
foram propostos para tratamento de HAP, mas somente os
da a vacinação contra influenza e pneumonia pneumocócica
bloqueadores dos canais de cálcio demonstraram benefício a
como rotina nesses pacientes.
longo prazo em um grupo específico de pacientes.
Procedimentos cirúrgicos têm um risco aumentado na
Em 1992, Rich e colaboradores" publicaram um estudo
HAP. Hipotensão é um efeito colateral comum relacionado
que demonstrou 95% de sobrevida em cinco anos com o uso
com o uso de sedativos e agentes anestésicos. Não está cla-
de doses altas de bloqueador dos canais de cálcio (nífedipina
ro que tipo de anestesia é preferível, mas provavelmente a
90 a 240 mg!dia ou diltiazem 360 a 900 mg!dia) em um grupo
peridural é mais bem tolerada do que a geral. Pode ser ne- seleto de pacientes com HAPI que apresentavam resposta
cessária a conversão temporária da terapia oral para terapia vasodilatadora aguda aos bloqueadores dos canais de cálcio.
intravenosa ou inalatória até que os pacientes sejam capazes A partir dessa publicação, estabeleceu-se que esse grupo de
de ingerir medicamentos por via oral. pacientes, com teste de vasorreatividade positivo no cate·
terismo cardíaco direito, poderia ser tratado com bloquea-
Tratamento de suporte dores dos canais de cálcio e cuidadosamente acompanhado
quanto à segurança e eficácia da terapia em um período de
Sabe-se que pacientes com hipertensão pulmonar apresen-
3 a 4 meses após seu início. Se houver falha na resposta tera-
tam disfunção endotelial que causa arteriopatia pulmonar pêutica, institui-se terapia adicional.
com a presença de lesões trombóticas intravasculares. O uso Os bloqueadores dos canais de cálcio que mostraram
de anticoagulantes orais foi avaliado em três estudos obser- ser eficazes em HAPI foram a nifedipina, 120 a 240 mg/dia,
vacionais não controlados, envolvendo pacientes com HAP o diltiazem, 240 a 720 mg/dia e a amlodipina, 20 mg/dia. O
idiopática, hereditária e associada ao uso de anorexígenos, verapamil não é recomendado em função do possível efeito
sendo observada melhora na sobrevida com a anticoagula- inotrópico negativo.
ção com varfarina. Poucos dados orientam o uso de anticoa-
gulação em outras formas de HAP, sendo necessário avaliar
os riscos e benefícios de seu uso, especialmente quando há Prostanoides
risco aumentado de sangramento, como na hipertensão por- A prostaciclina é produzida predominantemente por células
topulmonar, nas doenças cardíacas congênitas e na associa· endoteliais e induz a uma vasodilatação potente de todos os
ção ao HIV com trombocitopenia grave. leitos vasculares. Este composto é o mais potente inibidor
Não há estudos randomizados sugerindo que a oxigeno- endógeno da agregação plaquetária e também parece ter
terapia a longo prazo é benéfica. A orientação para o uso de efeito tanto citoprotetor quanto na atividade antiprolifera-
oxigênio pode ser baseada em evidências existentes para pa- tiva. A desregulação das vias metabólicas da prostaciclina
cientes com DPOC. Suplemento de oxigênio é indicado em tem sido demonstrada em pacientes com HAP, avaliada pela
caso de Pa01 < 60 mmHg, com o objetivo de manter uma redução da expressão da prostaciclina sintetase nas artérias
saturação de 0 2 > 90%, pelo menos 15 hora&'dia. pulmonares e dos metabólitos urinários da prostaciclina.
O uso clínico de prostaciclina em pacientes com HAP foi O ,beraprost é um análogo de prostaciclina ativo por via
propagado pela síntese de análogos estáveis que possuem oral. E rapidamente absorvido e tem meia-vida de elimina·
diferentes propriedades farmacocinéticas, mas semelhantes ção ~e. 35 a 40 minutos, quando administrado em jejum; se
efeitos farmacodinâmicos. admmtstrado com as refeições, a meia-vida é de três horas
Atualmente, são comercializados três prostanoides: epo- e meia. Em um estudo clínico randomizado, esse compos-
prostcnol, trcprostinil e iloprosta. O epoprostcnol (prosta- to demonstrou melhora na capacidade de exercício que,
ciclina sintética) está disponível como uma preparação lio- infelizmente, persistiu apenas por 3 a 6 meses. Não houve
filizada que precisa ser dissolvida em reserva alcalina para benefícios hemodinâmicos. Os eventos adversos mais fre-
in~são intravenosa. Apresenta uma meia-vida curta (3 a 5 quentes foram dor de cabeça, rubor facial, dor na mandí-
mmutos) e é estável à temperatura ambiente por apenas 8 bula e diarreia.
horas. Isso explica por que ele precisa ser administrado conti-
nuamente por meio de uma bomba de infusão em um cateter
permanente. Eventos adversos graves relacionados com o sis- Antagonistas dos receptores de endotelina
tema de distribuição do medicamento incluem mau funciona- A ativação do sistema endotelina tem sido demonstrada no
mento da bomba de infusão, infecção do local, obstrução do plasma e tecido pulmonar dos pacientes com HAP. Embora
cateter c sepsc. Em um estudo randomizado, foi o único tra- não esteja claro se o aumento dos níveis de endotelina-1 no
tamento indicado para melhorar a sobrevida em portadores plasma é causa ou consequência da HP, esses dados embasam
de HAPI e é o fármaco de escolha para pacientes em classe um proeminente papel do sistema endotelina na patogêncse
funcional rv, principalmente no resgate de pacientes em pro- da HAP. A endotelina-1 é um agente vasoconstritor c exer-
gressão da doença, a despeito de outros tratamentos. ce efeitos mitogenicos na musculatura lisa. Os receptores de
O iloprosta é um análogo da prostaciclina, quimicamente endotclina A c B também estão presentes nas células cndote-
estável, disponível para via oral, intravenosa e inalatória. A liais, e sua ativação leva à liberação de vasodilatadores e subs-
via inalatória para a HAP é um conceito atraente, pois tem a tâncias antiprolifcrativas, como óxido nítrico e prostaciclina,
vantagem teórica de ser seletiva para a circulação pulmonar. que pode contrabalançar os efeitos deletérios da endotelina-1.
O iloprosta inalado foi avaliado em um estudo clínico rando- A bosentana é um fármaco oral ativo, antagonista dos re-
mizado, no qual foi comparado com placebo em pacientes ceptores de endotelina A e B avaliado em HAPI associada a
com HAP e HPTC, tendo mostrado aumento na capacidade doença do tecido conjuntivo e síndrome de Eisenmenger em
de exercício e melhora dos sintomas, diminuição da RVP e cinco estudos clínicos randomizados (Pilot, BREATHE- 1,
de piora clínica. O iloprosta inalatório foi bem tolerado e BREATHE-2, BREATHE-5 e EARLY), tendo demonstra-
tem como principais efeitos adversos rubor facial e dor no do melhora em capacidade de exercício, classe funcional, he-
maxilar. A administração intravenosa contínua parece ser modinâmica, ecocardiograma e tempo para piora dos sinto-
tão eficaz quanto o epoprostenol em uma pequena série de mas da doença. O uso de bosentana pode ocasionar aumento
pacientes com HAP e HPTC. Os efeitos do iloprosta oral das aminotransferascs hepáticas em aproximadamente 10%
não foram avaliados em HAP. dos indivíduos, porém é dose-dependente e reversível após
O trcprostinil é um análogo do epoprostcnol, com esta- a redução ou dcscontinuação da dose. Por essas razões, tes-
bilidade química suficiente para ser administrado em tempe- tes de função hepática devem ser realizados mensalmente
ratura ambiente. Essas características permitem a adminis- nos pacientes em tratamento. Reduções nos niveis de hemo-
globina, edema e diminuição da espermatogênesc também
tração do composto por via intravenosa e subcutânea. Seus
efeitos na HAP foram estudados no maior estudo clínico foram observadas. Os métodos hormonais de controle de na-
talidade podem ser menos efetivos com o uso simultâneo de
randomizado realizado em todo o mundo, e neste houve
bosentana, sendo recomendável o uso associado de técnicas
melhora na capacidade de exercício, nos parâmetros hemo-
de barreira para contracepção.
dinâmicos e nos sintomas clínicos. Dor no local da infusão
foi o efeito adverw mais comum, levando à interrupção do A s.itaxentana é um agente oral seletivo antagonista dos
receptores de endotelina A, avaliado em dois estudos clíni-
tratamento em 8% dos casos de fármaco ativo e limitação de
cos randomizados, duplo-cegos, placebo-controlados (STRJ-
aumento de dose na proporção adicional de pacientes. Entre
DE 1 e 2) em pacientes com classe funcional li, UI e IV da
os 15% dos pacientes que continuaram a receber trcprostinil
Organização Mundial da Saúde (OMS), com HAPI, HPTCe
via subcutânea sozinho, a sobrevida parece ter aumentado.
HAP associada a cardiopatia congênita. Os estudos demons-
traram melhora na capacidade de exercício, na classe funcio-
nal e nos parâmetros hemodinâmicos. Outro estudo aberto
observacional de 12 meses demonstrou a durabilidade dos
efeitos da sitaxentana. É necessária a avaliação mensal da
função hepática A sitaxcntana interage com a varfarina, e a
~dministração exige a redução da dose de varfarina, para
evttar aumento da razão normalizada internacional ( RNI).
A ambrisentana é um antagonista seletivo para o recep-
tor de endotelina A, avaliada em um estudo-piloto e em dois
grandes estudos cHnicos randomizados (ARJES 1 e 2), que
demonstraram eficácia em melhora dos sintomas, capacida-
de de exercício, hemodinâmica, e tempo de piora clínica dos O sildenafil é um inibidor oral ativo, potente e seletivo
pacientes com HAPI, HPTC e HAP associada ao HIV. A in- da fosfodiesterase tipo 5. Uma série de estudos não contro-
cidência de alterações nas provas de função hepática varia de lados relata efeitos favoráveis do sildenafil na HAPI, HPTC,
0,8 a 3%. Em um grupo pequeno de pacientes, nos quais o shunts sistêmico-pulmonares associados a tromboembolismo
tratamento com bosentana ou sitaxentana foi interrompido pulmonar crônico. Um estudo controlado e randomizado
devido a anormalidades na função hepática, a ambrisentana (SUPER-1) com 278 pacientes portadores de HAP tratados
na dose de 5 mg foi bem tolerada . Assim como os pacientes com sildenafil confirmou os resultados favoráveis sobre a ca-
tratados com outros antagonistas dos receptores de endo- pacidade de exercício, melhora dos sintomas e dos parâme-
telina, os que utilizam ambrisentana demandam avaliação tros hemodinâmicos. Os efeitos colaterais observados foram
mensal dos testes de função hepática. Uma incidência maior leves a moderados e principalmente relacionados com vaso-
de edema periférico foi relatada com o uso de ambrisentana dilatação (cefaleia, rubor facial, epistaxe e dispepsia).
O tadalafil é um inibidor da fosfodiesterase tipo 5, com
lnibidores da fosfodiesterase ação mais prolongada, utilizado por via oral, uma vez ao dia,
A inibição das enzimas fosfodiesterase tipo 5 degradantes atualmente aprovado para o tratamento da disfunção erétil.
do GMPc resulta em vasodilatação através da via NO/GMPc Um estudo clínico randomizado (PHIRST) com 406 pacien-
em locais que expressam essa enzima. Sabendo-se que a tes portadores de HAP tratados com tadalafil demonstrou
vasculatura pulmonar contém quantidades substanciais de resultados favoráveis na capacidade de exercício, melhora
fosfodiesterase-5, o potencial beneficio clínico dos inibido- dos sintomas e melhora nos parâmetros hemodinâmicos. Os
res da fosfodiesterase tipo 5 tem sido investigado em HAP. efeitos colaterais foram semelhantes aos do sildenafil.
Além disso, os inibidores da fosfodiesterase tipo 5 exercem Estudos de terapia combinada já demonstraram efeito
efeitos antiproliferativos. Todos os três tipos de inibidores da aditivo e sinérgico em atingir duas a três vias simultanea-
fosfodiesterase-5 aprovados para o tratamento da disfunção mente, mas ainda existem incertezas neste campo e novos
erétil (sildenafil, tadalafil e vardenafll) causam significativa resultados são aguardados. O algoritmo sugerido para o
vasodilatação pulmonar, com efeitos máximos observados tratamento da HAP atualizado pelo pelo Simpósio de Dana
após 60, 75 a 90 e 40 a 45 minutos, respectivamente. Point encontra-se na FIGURA 56.12.

All~~i,~@~·~@~.~ij!tJI·I~J~~·l!tJIJ!!~i~j.~j.~j~,(CAir-7) Evitar exercícios físicos intensos (ElA)


- Utilização de métodos contraceptivos (ElA)
Apoio psicológico e social (E!C)
Anticoagulante oral; HAPIJHAPH (E!B) Prevenção de infecções
Diuréticos (SN) (ElA)
Oxigênio (SN) (E/A)
Digoxina (SN) (1'/C)
Reabilitação supervisionada (E!B)
,J,
Teste agudo de vasorreatividade
---:t,
1
(A para HAPI)

Grau de recomendaçao OMSCFII OMS CFIII OMSCFIV


OMS CF HV
Amiodipina, diltiazem, nifedipi na A Ambrisentan.
Atnbrisentan, Bosentan
(B) Epoprostenol EV; Epoprostenol EV
Bosentan. Sildenafil lloprostiN, Sildenafil

l
Resposta
B
SitaxSêntan, Tadalafil Sitaxsentan. Tadalafil,
Treprostinil SC
lloprost IN

mantida ----7 Não ~ c Beraprost Treprostinil SC


(OMS CF 1-11)

1 Sim
E!B

E/C
lloprost EV. Treprostinil lloprost EV, Treprostinil
EV
EV, terapia combinada
inicial (ver abaixo)
Ambrisentan, Bosentart
Arniodipina. diltiazem, nifedipi na
(B)
Sildenafil, Sitaxsentan,
Tadalafil
Não recomendado TreprostiniiiN TreprostiniiiN

(Resposta dínica inadequada) (Resposta clínica inadequada)


+B Prostanoides +B
Septostomia Atrial (E/B) e/ou
Transplante pulmonar (E!A) v ~
ARE "-----7+9 f - - In. POE-S

FIGURA 56.12 -7 Algoritmo atualizado para tratamento da HAP.


Fonte: Adaptada de Barst e colaboradores."
Avaliação da resposta terapêutica terapia medicamentosa ou procedimento conservador em
pacientes com uma expectativa de vida menor do que um
De acordo com recentes consensos e diretrizes para o trata-
ano, compatível com classe funcional III ou IV da OMS,
mento da HAP,'"u a condição clínica de um paciente pode
ser definida como estável e satisfatória; estável mas não sa- piora recente de dispneia e parâmetros hemodinâmicos de
tisfatória; ou instável e deteriorando. Na TABELA 56.2, pode- alto risco.
-se observar quais critérios atualmente são utilizados para O transplante bilateral sequencial e o transplante cardio-
determinar o grau de risco dos pacientes. Aqueles que se pulmonar são os procedimentos mais frequentes.
encaixam no risco baixo são associados a bom prognóstico,
enquanto aqueles com alto risco exigem cuidados e maior
atenção, bem como intervenção no esquema terapêutico. Métodos radiológicos de avaliação da
O objetivo do tratamento é trazer e manter o paciente na
faixa de baixo risco, que é estável e satisfatória. hipertensão arterial pulmonar
O teste diagnóstico mais acurado na determinação da
Tratamento cirúrgico pressão arterial pulmonar permanece sendo o CAP. Entre-
tanto, antes da realização desse teste invasivo, com alguns
Atriosseptostomia riscos, vários testes não invasivos estão disponíveis e podem
No manejo atual da HAP, a atriosseptostomia (AS) é ape- sugerir o diagnóstico, apresentando uma forma de controle
nas considerada quando a terapia medicamentosa otirniza- do tratamento de maneira não invasiva.
da apresentar falha, ou seja, quando houver progressão da As alterações à radiografia de tórax clássicas da HAP são
doença. Deve ser realizada apenas em pacientes seleciona- a dilatação das artérias pulmonares e a oligemia da vascu-
dos e com doença vascular pulmonar avançada. Relatos da latura periférica. Entretanto, não é precisamente conheci-
literatura apontam melhora clinica e hemodinârnica signifi-
do em qual estágio da HAP tais alterações começam a ser
cativa nos casos em que a AS obteve sucesso. A mortalida-
identificadas. Todavia, é consenso que à radiografia simples
de relacionada com o procedimento ainda permanece alta, essas alterações só serão evidenciáveis em estágios avança-
mas parece estar em declinio. A AS pode ser considerada
dos da doença. Mesmo com uma sensibilidade tão precária,
uma terapia paliativa, pois não afeta o processo de desen-
a radiografia de tórax continua sendo o método de acesso
volvimento da HAP. Ela deve ser executada em centros
fácil e barato para avaliação de urgência das causas de base e
com experiência, a fim de minimizar os riscos para o pa-
principalmente nas descompensações da HAP.
ciente e adequar a indicação do procedimento às recomen-
A ressonância magnética tem sido amplamente utilizada
dações da OMS e das diretrizes das sociedades envolvidas
na avaliação das dimensões do tronco da artéria pulmonar.
no tratamento da HAP.
Hoje, entretanto, seu principal papel é detectar a disfunção
do ventriculo direito, causada por um aumento da pós-car-
Transplante pulmonar ga. A ressonância magnética é considerada padrão-ouro de
O transplante de pu lmão está indicado para doença vascu- avaliação do ventrículo direito. Esse método é capaz de ava-
lar pulmonar em estágio final, não curável por nenhuma liar a fração de ejeção e as alterações fibróticas rniocárdicas

TABELA 56.2 7 Critérios para determinar o grau de risco dos pacientes com HAP

Não Evidência de falência de VD Sim

Gradual Progressão da doença Rápida

11,111 Classe funcional IV

> 400a 500 m Teste de caminhada <300m

vo,m., > 14,5 mVmin!kg Teste de esforço cardiopulmonar vo,...., < 12 mVmin/kg

Minimamente elevado ou estável BNP/NT pr6·BNP Muito elevado e/ou aumentando

Paco, > 34 mmHg Gasometria Paco, < 32 mmHg

Mini ma disfunção do VD TAPSE > 2,0 em Achados ecocardiográficos Derrame pericárdico, disfunção de VD e TAPSE < t ,5 em

PAD e IC normal ou próximos do normal Avaliação hemodinâmica PAD alta e ICbaixo

TAPSE • excursão sist61icll do plano do anel da valva tricúspide.


com precisão. Outrossim, técnicas avançadas de ressonância de outros fatores além da pressão arterial pulmonar média,
magnética têm demonstrado uma correlação igual ou supe- como a superfície corporal do paciente e o ciclo cardíaco.
rior à da ecocardiografia na avaliação da pressão da artéria Em estudo subsequente, Ng e colaboradores18 demons-
pulmonar. Cabe ressaltar que esses trabalhos ainda são limi- traram que o índice da maior dimensão do tronco da arté-
tados a centros de excelência na utilização do método. ria pulmonar/sobre a maior dimensão da aorta descendente
Ao contrário dos outros testes diagnósticos, a tomografia (AP/AO) foi altamente específico (92% de especificidade) e
computadorizada é capaz de retratar as várias partes da vas- se correlacionou fortemente com a pressão arterial pulmo-
culatura pulmonar, do ventrículo direito e do tronco da ar- nar média. Todavia, esse critério ainda é bastante discutivel
téria pulmonar, bem corno do parênquima. Com base nessa porque os mesmos fatores que alteram a dimensão do tronco
observação, os principais achados diagnósticos são divididos da artéria pulmonar podem alterar também as dimensões da
nos métodos previamente descritos. aorta ascendente. Entretanto, os vários estudos publicados
na literatura mostraram que o índice AP/AO é um método
de fácil aplicação e com uma acurácia suficientemente boa
para a avaliação rápida do tronco da artéria pulmonar (FIGU·
Achados vasculares da hipertensão RA56.13).'
6

arterial pulmonar Estudos em pacientes normais demonstraram que um ín-


dice de até 1,2 é aceitável como limite superior da normalida-
Vários estudos têm evidenciado a capacidade da TC de de- de. Contudo, em pacientes com fibrose pulmonar, esse índi-
monstrar os aspectos patológicos da HAP. O primeiro es- ce tem sido descrito como falho, pois as alterações fibróticas
tudo amplamente aceito mostrou um limite de 29 mm do parenquimatosas pulmonares podem ocasionar um aumento
tronco da artéria pulmonar como tendo 100% de especifi- do diâmetro da artéria pulmonar, piorando a correlação com
cidade para o diagnóstico de HAP. Entretanto, os autores a pressão arterial pulmonar média. Como esperado, outros
usaram como padrão diagnóstico uma pressão estimada em parâmetros além do diâmetro do tronco da artéria pulmonar
18 mmHg e avaliaram um grupo relativamente pequeno (27 têm sido testados para o diagnóstico de HAP. A mensuração
pacientes). No entanto, tal estudo foi o primeiro a mostrar da artéria pulmonar principal direita e esquerda e das artérias
uma forte correlação entre o diâmetro do tronco da artéria interlobares não tem mostrado qualquer aumento de acurácia
pulmonar e a gravidade da HAP. Esse achado de associação nas mensurações previamente descritas.'9• 20
entre a dilatação do tronco da artéria pulmonar e a pressão Thn e colaboradores21 demonstraram que a avaliação
arterial pulmonar média foi confirmado em vários estudos das artérias segmentares em relação ao diâmetro brônquico
posteriores nas mais variadas doenças, incluindo enfisema, pode ser um fator seguro de avaliação. Esses autores defini-
HAP idiopática e fibrose pulmonar idiopática. Thmbém se ram corno critério a presença de uma artéria pulmonar seg-
demonstrou que a dilatação do tronco da artéria pulmonar mentar maior do que o brônquio em três dos quatro lobos
tem melhor correlação com a pressão arterial média em pa- pulmonares avaliados (lobos superiores e inferiores), em
cientes com estágio de doença mais avançado.•• conjunto com uma dilatação do tronco da artéria pulmonar
As inconsistências com valores absolutos do tronco da maior do que 29 mm. A especificidade desses achados foi de
artéria pulmonar para o diagnóstico de HAP foram bem 100% e este foi um dos únicos estudos a avaliar vários crité-
demonstradas por Edwards em 100 pacientes normais com rios tomo gráficos no diagnóstico da HAP.
17
medidas de até 33 mm. Posteriormente, foi mostrado que Outro importante critério/sinal que sugere HAP na to-
o diâmetro da artéria pulmonar é dependente de uma série mografia computadorizada e na ressonância magnética é a

FIGURA 56.13 -+ (A) Tomografia com reconstrução axial demonstrando o tronco da artéria pulmonar em paciente com hipertensão pulmonar idiopáti-
ca. Compare o diâmetro do tronco pulmonar com a aorta ascendente, fornecendo um índice artéria pulmonar/aorta ascendente de quase 2. (8) Note o
aumento volumétrico do ventrículo direito com espessamento parietal. Aparede anterior do ventrículo direito é de 0,9 em (normal até 0.4 em).
hipertrofia das artérias brônquicas (FIGURA 56.14). As artérias não está esclarecida, mas tem sido demonstrado que uma
brônquicas fazem a irrigação sangulnea das paredes das ár- pequena coleção liquida no recesso anterior e cranial peri·
vores brõnquicas e das artérias pulmonares principais. Sua cárdico é mais comumente encontrada em pacientes com
anatomia é altamente variável, mas muitas vezes a emergên- HAP do que em pacientes normais. ~importante salientar
cia das artérias brônquicas se dá na porção prOlÔmal da aorta que este não é um achado especifico para o diagnóstico
descendente no nível de TS a T6. A definição do que cons- deHAP.
titui hipertrofias das artérias brônquicas é ainda subjetiva,
mas existem estudos mostrando que um diâmetro superior
a 1,5 mm desses vasos é fortemente indicativo de hipertrofia Achados parenquimatosos da
deles." Como essas artérias são raras vezes visualizadas em
pacientes normais, a identificação delas já deve lembrar a hipertensão arterial pulmonar
possibilidade deste diagnóstico. A avaliação dos achados pulmonares na HAP é de funda-
mental importância tanto para a suspeita diagnóstica como
para a avaliação de doenças pulmonares, que sAo a gênese
Achados cardíacos da hipertensão da doença.
O padrão de atenuação em mosaico é um achado bem
arterial pulmonar difundido e associado à HAP por embolia pulmonar crônica.
O padrão de atenuação em mosaico é definido como áreas
A avaliação dos aspectos cardiológicos da HAP é de grande
geográficas de redução da atenuação do parênquima pulmo·
importância, tendo em vista que eles denotam aumento da
nar . E ssas áreas de diminuição da atenuação pulmonar no
gravidade e possíveis danos irreversíveis ao miocárdio. Exis-
padrão de atenuação em mosaico são explicadas patologica-
te um consenso na literatura de que um aumento no maior
mente como déficits perfusionais devido à embolia crônica
diâmetro do eixo curto do ventrículo direito em comparação (FIGURA 56.15).
ao do esquerdo sugere aumento da pressão arterial pulmo- Os pacientes com padrão de perfusão em mosaico têm
nar. Outro fator de importante avaliação é o septo interven- pior evolução após tromboendarterectomia pulmonar por-
tricular, que em geral se apresenta levemente convexo para a que ele reflete a obliteração microvascular. Entretanto,
direita: quando ele está retificado e côncavo para a direita, é deve-se ressaltar que tal padrão é inespecífico e também
forte indicativo de HAP. relatado em pacientes com doença de pequena via aérea,
A espessura parietal do ventrículo direito é um critério especialmente os asmáticos, existindo inclusive estudos que
aceito para o diagnóstico de hipertrofia deste, e o critério não demonstram relação da HAP ocasionada por embolia
mais amplamente utilizado é uma espessuta superior a 4 mm pulmonar crônica com esse achado.l:l
da parede anterior do ventrículo direito pré-estemal. Tem sido descrito que o aumento nos niveis de endo-
Outro critério de diagnóstico útil para a HAP é o refluxo telina 1, um potente broncoconstritor, pode influenciar no
de contraste do átrio direito para a veia cava inferior. Isso aparecimento desse achado em contraposição às alterações
ocorre devido a uma regurgitação tricúspide secundária à vasculares previamente relatadas. 11 A frequência e o signifi-
HAP e apresenta sensibilidade de 90% e especificidade de cado desse padrão em outras causas que não a embolia crô-
100% para este diagnóstico. Deve-se estar atento ao fato de nica ainda são pouco estudados, mas há relatos desse mesmo
que, em aparelhos nos quais é possível injetar contraste a achado em pacientes com HAP idiopática.
altas velocidades(> 3 mUs), pode-se ocasionar um falso- Outro achado bastante frequente em pacientes com
-positivo desse achado. HAP são nódulos centrolobulares com padrão de atenua·
Tem-se descrito uma correlação entre as anormalida· ção em vidro fosco. Os nódulos centrolobulares têm sido
des pericárdicas e a HAP. A patogenia desse achado ainda descritos em até 40% dos pacientes com HAP idiopáti-

FIGURA 56.14-+ (A) Tomografia com reconstru·


ç.lo coronal demonstrando imagem hipodensa
no interior do ramo interlobar direito represen-
tando um trombo crónico. Note a presença de
calcificações. (B) Tomografia com reconstruç.lo
coronal mostrando as artérias br6nquicas hiper-
trofiada.s e em direç.lo ~ área de maior trombose
(lobo inferior esquerdo).
-------
FIGURA 56.15 ~ (A) Tomografia com reconstru~o axial demonstrando o tronco da artéria pulmonar em paciente com hipertensáo pulmonar
por embolia crônica. Note a imagem hipodensa no interior do ramo interlobar direito representando um trombo crônico. (B) Tomografia com
reconstru~o axial mostrando o padrão de perfusáo em mosaico no parênquima pulmonar em pac.i ente com hipertensão pulmonar por em·
bolia crônica .

ca. Esse achado, apesar de amplamente descrito, ainda é 3. De Navazqucz S. Thc cxcrction of ha::moglobin, with spc-
pouco entendido. V árias explicações etiológicas foram cial rcferencc to thc "transfusion" kidney. J Pathol Bacteriol.
demonstradas nas correlações histopatológicas, porém a 1940;51 (3):413-25.
mais prevalente é a de neoformaçáo vascular por hipoxia 4. Humbcrt M, Sitbon O, Cbaouat A, Bcrtocchi M, Habib G, Grcs-
pulmonar. sin V, et ai. Pulmonary arterial bypcrtension in F rance: rcsults from
Opacidades periféricas subpleurais também podem ser a national rcgistry. Am J Respír Crit Care Med. 2006;173(9):1023·
evidenciadas em pacientes com HAP, especialmente na HAP 30.
secundária à embolia crônica. This achados são correlacioná-
5. Hatano S, Strasscr T. World Health Organization 1975: primary
veis com áreas de infarto pulmonar e, em sua totalidade, têm pulmonary bypcrtcnsion. Geneva: WHO; 1975.
base pleura!. Outrossim, esses achados têm sido demonstra·
dos como sendo preditores de mortalidade em pacientes que 6. Sirnonncau G, Galie N, Rubin U, Langleben D, Secgcr W, Domc-
se submeteram a endarterectomia. nigbetti G, et ai. Clinicai classification of pulrnonary hypertension. J
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O uso, mesmo que incipiente, da ressonância magnética ten-
8. Pcacock AJ, Murpby NF, McMurray JJ, Caballero L, Stewart S.
de a trazer melhores resultados no estudo dessa doença e An cpidemiological study of pulmonary arterial hypertension. Eu r
pode ser um preditor mais seguro de resposta ao tratamento. Rcspír J . 2007;30(1):104-9.
Apesar de apresentarem ainda uma acurácia não ótima, os
achados de imagem podem indicar com segurança a presen- 9. Humbert M, Sitbon O, Simonncau G. Trcatrnent of pulmonary
ça de HAP, em especial quando associada a refluxo do meio arterial bypcrtension. N Engl J Med. 2004;351(14):1425-36.
de contraste para a veia cava inferior e uma dilatação do 10. Rich S, Scidlitz M, Dodin E, Osimani D,Judd D, Genthncr D, ct
tronco da artéria pulmonar maior do que 2,9 em. ai. The short-term cffeets of digoxin in patients with right ventricular
A tomografia usada em conjunto com outros testes, so· dysfunction frorn pulmonary hypertcnsion. Chcst. 1998;114(3):787-
bretudo a ecocardiografia, tem grande utilidade no acompa- 92.
nhamento terapêutico dos pacientes com HAP, diminuindo 11. Rich S, Kaufmann E, Lcry PS. The effcct of higb doses of caJ.
a necessidade de uso de métodos invasivos como cateterismo cium-channel blockcrs on survival in primary pulmonary hyperten-
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Tiago Noguchi Machuca
José J. Camargo
57
Rodrigo Moreira Bello

Osler-Weber-Rendu (também chamada de telangiectasia


Introdução hereditária hemorrágica). H á casos de malformação arterio-
As malformações arteriovenosas pulmonares correspondem venosa devidos a causas adquiridas, entre as quais se desta-
a comunicações entre ramos da artéria pulmonar e ramos da cam trauma, neoplasia pulmonar e infecção pulmonar (em
circulação venosa pulmonar sem a passagem pela rede ca- especial actinomicose). Apesar de não corresponderem a
pilar alveolar. Embora essa disposição anatômica responda malformações arteriovenosas por definição, os pseudoaneu-
pela quase totalidade dos casos, em vez de ramos da artéria rismas da artéria pulmonar são lesões vasculares cada vez
pulmonar, os vasos aferentes podem ser pertencentes à cir- mais diagnosticadas, principalmente em razão do uso liberal
culação sistêmica. de cateteres de Swan-Ganz.
As malformações arteriovenosas pulmonares são raras,
sendo que existem poucas séries contemporâneas na lite-
ratura. Há uma discreta predileção pelo sexo feminino e,
não infrequentemente, as lesões são múltiplas (até 50%) e
Apresentação clínica e diagnóstico
bilaterais (até 20%). Com relação à topografia pulmonar, a As manifestações são diretamente dependentes da magni-
maioria dos casos ocorre nos lobos inferiores, mais especifi- tude do curto-circuito (shunt) direita-esquerda. Em casos
camente no lobo inferior esquerdo. ' de shunt importante (20% do débito cardíaco), o paciente
H istoricamente, as primeiras descrições de malforma- apresenta sintomas como dispneia e sinais como cianose e
ções arteriovenosas foram feitas em exames de necropsia baqueteamento digital. Hemoptise e hemotórax são compli-
em pacientes jovens com óbito decorrente de complicações cações relacionadas e podem corresponder ao quadro ini-
como ruptura para a árvore brônquica (hemoptise) ou para cial do paciente. Complicações neurológicas, como cefaleia,
a cavidade pleural (hemotórax). Nas primeiras descrições de acidente isquêmico transitório e acidente vascular cerebral,
tratamento cirúrgico de malformações arteriovenosas, os pa- são frequentes, e acredita-se que seu mecanismo se deva a
cientes foram submetidos a ressecçóes pulmonares extensas, embolia paradoxal através da malformação vascular.
como pneumonectomia e lobectomia. Existe associação importante entre malformações arte-
O tratamento moderno dessa afecção evoluiu muito, e riovenosas pulmonares e a síndrome de Osler-Weber-Rendu
os pacientes atualmente são submetidos à embolização por (40 a 80% dos casos). Essa condição é transmitida na for-
radiologia intervencionista ou ressecçóes sublobares, como ma de herança autossômica dominante e se caracteriza pela
segmentectomia regrada ou não regrada (podendo-se nesses presença de telangiectasias na pele, nas membranas mucosas
casos aproveitar as vantagens da videotoracoscopia). e em órgãos sólidos. Malformações arteriovenosas podem
A maioria das malformações arteriovenosas é congêni- coexistir, mais frequentemente no fígado, nos pulmões e no
ta. Nesses casos, existe forte associação com a sindrome de cérebro.
O diagnóstico costuma ser feito na fase de adulto jovem Radiografia simples
(20 a 30 anos), quando o paciente se manifesta com epista- A radiografia simples de tórax é o método mais barato c aces-
xe ou hemorragia digestiva. Dentre os pacientes com essa sível para avaliação do parênquima pulmonar, embora tenha
síndrome, a incidência de malformações arteriovenosas pul- acurácia bem menor do que os outros exames de imagem, pos-
monares varia entre 15 e 33% e o seu rastreamento se faz suindo valor limitado na avaliação de malformações arteriove-
necessário com o objetivo de prevenir complicações even- nosas pulmonares pequenas a moderadas. A maioria dos casos
tualmente fatais (hemoptise, hemotórax, acidente vascular de malformação artcriovenosa pulmonar apresenta radiografia
cerebral). Dentre as modalidades para esse rastreamento, de tórax normal, sobretudo para lesões menores do que 1,0 em.
destacam-se a ecocardiografia com contraste e a Pa0 2 com Os exames radiológicos alterados normalmente demonstram
fração de oxigênio de 100%.2 imagem nodular com densidade de partes moles de contornos
Uma importante série que ilustra muito bem as compli- circunscritos (bem definidos) de variados tamanhos, com ou
cações das malformações arteriovenosas corresponde à re- sem relação com estruturas vasculares pulmonares.
visão de 76 pacientes tratados ao longo de lO anos no Johns
Hopkins Hospital.1 Dentre as complicações pulmonares,
13% apresentavam hemoptise e 9%, hemotórax. Já as com- Tomografia computadorizada
plicações neurológicas foram mais incidentes, com 18% dos A tomografia computadorizada (TC), especialmente a angio-
pacientes apresentando acidente vascular cerebral e 37%, tomografia computadorizada multislice ou de múltiplos detec-
acidente isquêmico transitório. Vale salientar que pela pre- tores, é o método de escolha para avaliação das malformações
dominância de pacientes com Osler-Weber-Rendu na série vasculares pulmonares e extrapulmonares, demonstrando
(88% ), a apresentação clínica mais frequente foi na forma muito bem as comunicações vasculares anômalas, bem como
de epistaxe (79%). sua relação com art<\rias/arteríolas pulmonares nutridoras,
No caso de pacientes com malformação artcriovcnosa eventual comunicação com anérias sistêmicas (c da parede
sem associação com sfndrome de Oslcr-Wcber-Rendu, há torácica), de artérias brônquicas e sua relação com o sistema
um relato recente do grupo da Universidade de Toronto venoso (seja drenagem venosa pulmonar ou sistêmica ). A an-
sobre 20 pacientes acompanhados, com os principais sin- giotomografia possibilita avaliação de vasos nutridorcs mui-
tomas sendo dispneia (50%) e cefaleia (30% ). Dentre as to pequenos, de até 1 a 2 mm de diâmetro, e de localização
complicações, as mais incidentes foram hemoptise (20%), periférica no parênquima pulmonar, com acurácia, segundo
acidente vascular cerebral (20%) e abscesso cerebral muitos estudos, melhor do que a angiografia convencional. •
(5%).' "" Além disso, a angiotomografia multislice permite recons-
Antes dos exames complementares, o exame físico for- truções multiplanarcs c em 3D, facilitando a eventual aborda-
nece importantes achados diagnósticos. Na série de 21 gem cirúrgica e/ou terapêutica, como a embolização.
pacientes do Massachusetts General Hospital, 75% deles
apresentavam algum achado no exame físico.l Dentre os
mais frequentes, estavam baqueteamento digital, cianose e
presença de sopro à ausculta. Manobras que aumentam o • CASO CLÍNICO
fluxo sanguíneo no território pulmonar consequentemente Paciente feminina, 27 anos, submetida a uma histerec-
aumentam o sopro, como a inspiração forçada. Pela associa- tomia radical por coriocarcinoma. No 12• dia pós-opera-
ção com a síndrome de Osler-Weber-Rendu, deve-se inspe- tório, apresentou escarros hemáticos de repetiçao. sem
cionar pele e mucosas em busea de telangiectasias. outras queixas respiratórias. Na busca do diagnóstico
Dentre os exames laboratoriais, o constante ambiente diferencial entre metástase pulmonar (neoplasia que
de hipoxemia causado pelo shunJ direita-esquerda é respon- metastatiza com grande frequência) e embolia pulmonar
sável pelo achado de policitemia no hemograma. Em meio (complicação muito comum em pós-operatório de cirur-
aos exames de imagem, destacam-se a radiografia de tórax, a gia ginecológica), foi solicitada uma TC helicoidal com
tomografia computadorizada, a ecografia com contraste e a reconstrução (FIGURA 57.1).
angiografia pulmonar. A imagem tomográfica foi definitiva para o diagnós-
tico de ffstula arteriovenosa em pirâmide basal esquerda.
O tratamento com embolização foi bem-sucedido.
Exames de imagem6.12
Os exames de imagem desempenham um importante pa-
pel no diagnóstico das malformações artcriovcnosas pul- ~ ATENÇÃO
monares c extra pulmonares, tanto para firmar/confirmar o
diagnóstico, como para avaliar e localizar anatomieamente As três prindpais indicações de angiotomografia sio
as lesões, incluindo vasos nutridores e drenagem venosa. avaliaçào ~terapêutica da angioarquitetura interna
Dentre os exames de imagem, destacam-se a radiografia das malformações arteriovenosas: triagem em pacien-
de tórax, a tomografia computadorizada, a angiorresso- tes com sfndrome de Osler-Weber-Rendu; e acompa-
nância magnética, a ecografia com contraste e a angiogra- nhamento :pós-drúrgico ou pós-emboloterapia.
fia pulmonar.
apoeia maiores e duração da aquisição das sequências com
tempos mais longos (quando comparados com tomografia).
A ARM em geral possibilita a avaliação de malformações
arteriovenosas com mais de 3 a 5 mm de diâmetro. Possui
avaliação limitada da circulação/Vascularização sistêmica e
de pequenas malformações de 2 a 3 mm. A ARM é uma al-
ternativa diagnóstica, sobretudo para lesões maiores do que
0,5 em, possibilitando a avaliação por ressonância magnética
do miocárdio e dos Ouxos cardíacos.

AGURA 57.1-+ Reconstrução da TC helicoidal mostrando o nódulo na Ecografia com contraste


convef~noa de urna artéria e veia da perifefia do lobo inferior. A ecoca.rdiografia com cont.raste, especialmente transe-
sofágica, é um exame bastante utilizado pa.ra avaliação e
pesquisa de shunt.S intrapulmonares e intracardiacos. Sua
sensibilidade é maior do que a de todos os out.ros métodos,
A tomografia demonstra as malformações arterioveno- embora possua a grande desvantagem de não localizar ana-
sas como imagens nodulares com densidade de partes moles, tomicamente a alteração (se está em lobo superior, médio
de contornos lobulados, em intima relação com estruturas ou inferior).
vasculares pulmonares e/ou sistêmicas. Após a infusão intra- A ecocardiografia com contraste positiva significa shunt
venosa de meio de contraste, a referida nodulação demons- intrapulmonar. Não é um bom exame para avaliação das al-
tra importante impregnação arterial, similar àquela das es- terações morfológicas do pulmão e da vasculatura. Se um
truturas vasculares ao seu redor, com opacificação precoce paciente apresenta sinais de shunt intrapulmonar pela eco-
de sua respectiva veia de drenagem, firmando o diagnóstico. cardiografia com contraste e a sua tomografia é completa-
Eventualmente se pode observar a presença de pequenas mente normal, é muito provável que apresente microfistulas
calcificações periféricas, compatíveis com Oebólitos no seu pulmona.res, como na síndrome hepatopulmonar secundária
interior. Algumas malformações arteriovenosas podem exi- à cirrose hepática.
bir trajeto sinuoso e tonuoso, por vezes varicoso. A3 malfor-
mações arteriovenosas apresentam leve predominãncia nos
lobos inferiores e em regiões mais cernais. Cintilografia pulmonar de perfusão
A especificidade da TC é bastante elevada, ao redor de A cintilografia pulmona.r de perfusão é uma técnica que
98%, embora a sensibilidade seja um pouco inferior à do permite a obtenção de imagens planares ou tomográficas
ecocardiograma com contraste, este último com sensibilida- da distribuição do radiofármaco aplicado por via intrave-
de de 92% e valor preditivo negativo de 97%. Isso porque nosa nos pulmões, possibilitando a avaliação de defeitos
a ecocardiografia com contraste pode detectar shunts em perfusionais (como no tromboembolismo pulmonar), de
pacientes com microfístulas (como na sindrome hepatopul- pacientes em controle pós-transplante de pulmão, avalia-
monar, não macroscópicas), que não podem ser detectados ção pré-operatória da circulação pulmonar de tumores,
pela angiotomografia nem pela arteriografia convencional. avaliação de comunicações intrapulmonares anõmalas
Diversos trabalhos demonstram sensibilidade de até 97% (shunt) e avaliação da circulação pulmonar em doenças
para a tomografia, mas como em muitas dessas séries o cardíacas congênitas. A cintilografia perfusional possui
padrão-ouro é a arteriografia convencional, e nem a angio- sensibilidade semelhante à da tomog.rafia na pesquisa de
tomografia nem a arteriografia convencional demonstram fistulas arteriovenosas, apresentando a desvantagem de
microfistulas, seus resultados devem ser vistOS com ressalva. não possibilita.r a avaliação do parênquima pulmona.r e dos
A arteriografia apresenta sensibilidade infe.rior à da to- vasos nutridores.
mografia, em razão da superposição de estruturas, sendo in-
dicada após a angiotomografia, quando a emboloterapia for
indicada. Portanto, a angiotomografia computadorizada de Angiografia (arteriografia) convencional
múltiplos detectores é o método mais acurado e menos inva- A arteriografia pulmonar convencional possibilita a avalia-
sivo para avaliação das malformações vasculares pulmonares. ção do sistema arterial pulmonar e até há poucos anos foi o
exame padrão-ouro para avaliação da circulação pulmonar,
especialmente para a pesquisa de tromboembolismo. A sua
Angiorressonãncia magnética principal desvantagem é ser um exame invasivo, com taxas
A angiorressonãncia magnética (ARM) é um exame alterna- de complicação de até 4,2%, além de não possibilitar a ava·
tivo à angiotomografia, utilizada sobremaneira em pacientes liação do pa.rênquima pulmonar e de possíveis comunicações
com alergia grave ao contraste iodado e pacientes gestantes. vascula.res com origem na circulação sistêmica. A arteriogra-
A ARM possui acu.rãcia um pouco menor do que a da an- fia pulmonar convencional nos dias atuais é mais utilizada
giotomografia pa.ra avaliação das malformações vasculares pa.ra realização de procedimentos invasivos com emboliza-
pulmonares, devido principalmente à maior complexidade ção de fistulas e malformações arteriovenosas pulmonares,
de realização do exame, como necessidade de tempos de como para avaliação pós-embolização.
mitam a febrícula e dor torácica. Uma das desvantagens da
Tratamento embolização se refere à recanalização da malformação ar-
Embolização teriovenosa, com recidiva dos sintomas. Essa situação pode
ocorrer em até 57% dos casos e normalmente se deve à co-

~ ATENÇÃO
municação artéria brónquica-artéria pulmonar com poste-
rior recanalização do shunt. 13
A embolização foi utilizada pela primeira vez como
medida terapêutica em 1977. Com relação à cirur- Cirurgia
gia, apresenta as vantagens de ser um procedimento
minimamente invasivo e de não ocasionar perda de ~ATENÇÃO
parênquima funcionante. Hoje, os materiais mais uti·
lizados são os coils metálicos e os plugs autoexpan- A ressecção pulmonar é reservada para casos de
sfveis de nitinol. lesões grandes e centrais não passfveis de emboli-
zação, quando esse tratamento apresentou falha
(dificuldade técnica de acesso com cateter, recanali-
O procedimento é realizado por meio de cateterismo da zação) ou não está disponfvel.
veia femoral para acesso à circulação pulmonar. Pode ser
realizado com anestesia local e em regime ambulatorial. O
índice de sucesso com a embolização é alto, entre 95 e 100%. O tratamento cirúrgico moderno índica a utilização de
Complicações precoces podem ocorrer, mas em geral se li- ressecções preservadoras de parênquima (FIGURA 57.2), ide-

FIGURA 57.2 -+ (A) Radiografia de tórax com lesão


tumescente no segmento superior esquerdo. (B) TC
com contraste evidenciando a grande dilatação vas-
cular em conexão com a massa do segmento supe-
rior. (C) e (D) Difetentes tempos da arteriografia pul-
monar mostrando uma grande fistula arteriovenosa
em segmento superior. (E) Aspecto da superfície do
segmento com grosseiras dilatações vasculares. (F)
Seta apontando a veia pulmonar inferior extrema·
mente dilatada.
almente menores do que uma lobectomia. Mesmo lesões 3. White RI Jr, Lynch-Nyhan A, Thrry P, Buescher PC, Farmlett
centrais costumam poder ser ressecadas através de uma seg- EJ, Chamas L, et ai. Pulmonary arteriovcnous malformations: tc-
mentectomia regrada. No caso de lesões periféricas, a seg- chniques and long-tcrm outeomc of cmbolothcrapy. Radiology.
1988;169:663-9.
mentectomia não regrada pode ser utilizada, de preferência
por videotoracoscopia com o uso de grampeadores endos- 4. Wong HH, Chan RP, Klatt R, Faughnan ME. ldiopathic pulmona-
cópicos. J)' arteriovcnous malformations: clinicai and irnaging charactcristics.
Em experiência recente, autores japoneses relataram Eur Respir J . Epub 2010 Dcc 22.
o tratamento cirúrgico de cinco casos de malformações ar- S. Puskas JD, Nlen MS, Moncure AC, Wain JC Jr, Hilgenberg AO,
teriovenosas. Em todos os casos, a ressecção foi realizada Wright C, ct ai. Pulmonary artcriovcnous malformations: thcrapcu-
por videotoracoscopia (quatro ressecções em cunha e uma tic options. Ano Thorac Surg. 1993;56(2):253-7.
segmentectomia regrada). Com um tempo de permanência
6. Pelage JP, E! Hajjarn M, Lagrange C, Chinet T, Vicillard- Baron
hospitalar mediano de dois dias, o seguimento ambulatorial A, Chagnon S, ct ai. Pulmonary artcry intcrvcntions: an ovcrview.
mostrou resolução em todos os casos." Radiographics. 2005;25(6):1653-67.
7. Engelke C, Schaefcr-Prokop C, Schirg E, Freihorst J, Grubnic S,
Prokop M. High-resolution Cf and Cf angiography of pcripheral
• CASO CLÍNICO pulmonary vascular disorders. Radiographics. 2002;22:739-64.

Paciente de 19 anos, com d ispneia aos médios esforços. 8. Martincz-Jimcnez S, Heyncman LE, McAdams HP, Jasinowo-
Tem o diagnóstico de malformação arteriovenosa pulmo- dolinski O, Rossi SE, Restrepo CS, et ai. Nonsurgical extracardiac
nar desde a infância . Nega dor torácica ou hemoptise. vascular shunts in the thorax: clinicai and imaging characteristics.
Radiographics. 2010;30(5):e41.
Apresenta marcado hipocratismo d igital.
A espirometria é normal. Teste da caminhada: 640 9. Lawler LP, Cor! FM, Fishman EK. Multi-detector row and vo-
metros, com saturaçao de hemoglobina caindo de 90 lumc-rcndcred cr of thc normal and accessory flow pathways
para 84%. of the thoracie systemic and pulmonary veios. Radiographics.
2002;22(Spcc n.):S45-60.
A exploração cirúrgica identificou a presença de le-
são vascular com dilatações arteriais e venosas pulsáteis 10. Zylak CJ, Eyler WR, Spizamy DL, Stone CH. Developmental
e visíveis na superfície pleural. A veia pulmonar inferior lung anomalics in thc adult: radiologic-pathologic eorrclation. Ra-
apresentava calibre de cerca de três vezes o normal. Foi diographics. 2002;22(Spcc n.):S25-43.
realizada a segmentectomia superior esquerda regrada. 11. Hughes JMB. Pulmonary arteriovenous malformation in herc-
Pi râmide basal esquerda remanescente com aspecto dita.ry hcmorrhagic tclangicctasia. Scmin Respir Crit Care Mcd.
normal. Normalização imediata da oximetria depois da 1998;19:79-89.
ressecção da fístula . Pós-operatório sem intercorrências.
12. Muller NL, Silva lS. lmaging ofthe chest. Philadclphia: Saudcrs;
2008. p. 253-63, v. I.
13. Sagara K, Miyazono N, lnouc H, Ucno K, Nishida H, Nakajo
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2. Kjcldscn AO, Oxhii!j H, Andcrscn PE, Ellc B, Jaeobscn JP, Vasc P. 14. lshikawa Y, Yarnanaka K, Nishii T, Fujii K, Rino Y, Machara T.
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LuizCarlosCorrêa da Silva
José daSilva Moreira
58
Introdução e fisiopatogenia PHSC = pressão hidrostática no sangue dos capilares sangulneos
da superflcie pleural;
Normalmente, a cavidade pleural não contém ar, mas exis- PHLP = pressão hidrostá tica no líquido pleural;
te em seu interior mínima quantidade de liquido, resultante POSC = pressão oncótica no sangue capilar;
do equillbrio entre seus mecanismos de formação e de rea- POLP = pressão oncótiea no liquido pleural ;
bsorção. Essa película líquida, cujo maior componente é a K = grau de permeabilidade dos capilares sanguíneos da su-
água, facilita, por um lado, o deslizamento de um dos folhe- perffcie pleural.
tos plcurais sobre o outro, mas dificulta a separação entre
eles, em razão das propriedades moleculares (elevada ten- Os valores numéricos médios normais da PF para a pleura
são superficial) do líquido pleural como um todo. Quando par ietal situam-se em tomo de +9 cm~O, e para a pleura
a quantidade de liquido aumenta, anormalmente, acima de visoera~ por volta de -lO c~O. Pode-se ver, assim, que o fo-
100 a 300 roL, como consequência de um ou mais fatores que lheto parietal "empurra" líquido para dentro do espaço pleu-
favorecem seu acúmulo na cavidade, tem-se a presença de ral, enquanto o visceral o "aspira". Em condições normais, a
derrame pleuraL maior diferença ocorre entre as pressões hidrostáticas médias
O liquido pleural é formado a partir dos capilares sanguí- dos folhetos parietal (32 c~O) c visoeral (13 c~O).
neos da pleura parictal - com elevada pressão hidrostática O estado da circulação linfática (CL), com suas vias
(circulação sistêmica). Sua reabsorção se dá por dois mecanis- patentes, desde sua comunicação inicial com "lacunas" ou
mos: um, náo seletivo, através dos linfáticos (especialmente os "estornas" existentes entre as células mesoteliais, por onde
da pleura parictal), c outro, que é seletivo para água c peque- penetr am água, pequenas e gr andes moléculas (proteí-
nas moléculas, pelos capilares sanguíneos da pleura visceral nas) , é igualmen te importante dentro de toda a continua
- com baixa pressão hidrostática (circulação pulmonar). Este dinâm ica do liquido no esp aço pleural. Além disso , deve
llltimo mecanismo de reabsorção obedeoe às leis de Starling, ser lembr ado q ue pode ocorrer passagem de fluido por fo-
que regem as trocas dos Uquidos intersticiais: rames e linfáticos que comunicam os esp aços pcritoncal c
pleural.
O aumento da PHSC no folheto visceral, como ocorre
PF = K((PHSC - PHLP)-(POSC - POLP)) na insuficiência cardíaca, a redução da POSC (hipoprotcine-
mia), o aumento do valor de K (processos inflamatórios ou
infecciosos) e a obstrução da CL (neoplasias malignas me-
onde
tastáticas) são os mecanismos mais frequentes que levam ao
PF • pressão de filuação; acúmulo de líquido pleural (FIGURA 58.1).
PINro porienlal Espaço pleurol ,...,. viS«AI Qual é a importância de se fazer a distinção entre Lran-
sudato ou exsudato? 'Itansudatos são causados por insufi-
K~ N
ciência cardíaca ou cirrose ou outra causa que já esteja em

@ ---7 ~
tratamento ou vai ser tratada, a seguir. Exsudatos, em geral,
N Normal ---7 N devem ter sua causa esclarecida pelos exames de material
pleural, e o lralamento poderá depender estritamente da in-
Dl• N~f- vestigação pleural.
Na avaliação dos pacientes, o primeiro passo é estabele-
Pc t JJ,---7Insuficiência card,aca ...) Pc f cer a presença de derrame pleural, o que costuma ficar ca-
DL .I. ...,f -
racterizado por dados clínicos (dor ventilatório-dependente
Po J. Jl---7
...,f-
Hipoprotoln• -) Po.l. e macioez à percussão da parede torácica) e pelas imagens
radiológicas:

~~ K- Inflamação f-"
OI
• opacidade homogênea que, devido à ação da gravidade,
JJ,---7 Kt
OL J. ...,f-
Neoplasía f- Oui para as porções mais declives da cavidade pleural,
impedindo a visualização do seio costofrênico;

~~ ---7
Passage<n • imagem em menisco na interfaoe derrame-pulmão, com
Transdiafragmático bordos bem nltidos;
i • desvio contralateral do mediastino se o derrame for vo-
FIGURA 58.1-+ Mecanismos de formação e reabsorç3o do liquido lumoso.
pleural.
PC • Pressão hidrostática capilar O segundo passo é a determinação da causa do derrame
PO ~ Press3o oncótica capilar ou do mecanismo fisiopatológico envolvido. Se houver pistas
DL • Drenagem linfática consistentes que expliquem a ocorrência de derrame pleural,
pode não ser neoessária a investigação pleural (toracooen-
tese e biópsia). Por exemplo, em um caso de insuficiência
cardíaca, observa-se a evolução e acompanha-se a resolução
O estado da permeabilidade da membrana pleurocapi- do derrame.
lar (K) é importante fator determinante da compo5ição do
liquido pleural. Se muito alterado (aumentado), elementos
contidos no sangue poderão passar com mais facilidade para
o espaço pleural, e o líquido conterá ma.i or quantidade de Duas questões são prioritárias e devem ser
protelnas (<!: 3,0 g%), marcadores inflamatórios bioqufmicos respondidas, inicialmente
e células, constitu indo o denominado exsudato . Se normal --+ O derrame pode ser maligno? Se confirmada essa hi-
ou pouco alterado, sendo o principal mecanismo a alteração pótese, a situaçAo implica extrema gravidade e mau
das pressões hidrostática ou oncótica, a taxa proteica será prognóstico. Portanto, tal diagnóstico precisa ser de
inferior a 2,5 g%, os marcadores inflamatórios e as células certeza, por dado patológico (cito e/ou histopatoló-
serão normais, carac.terizando-se o transudato. gico).
Light e colaboradores estabeleceram, em 1972, critérios --+ Será necessário examinar o líquido pleural e fazer
para a distinção entre transudatos e exsudatos, considerando punçao-biópsia pleural? Se a conduta depender
não apenas a taxa de proteínas no líquido pleural, mas ain- desses resultados, deve-se proceder à investigaç.\o
da uma variável que interfere diretamente na taxa proteica pleural.
pleural (a taxa proteica sé rica) e outra que se altera na pro-
porção em que ocorra lesão oelular (a desidrogenase láclica
- DHL), sérica e pleuraL' Em serviços de pneumologia, são vistos com major fre-
quência:

Segundo Light ecolaboradores,1 são características • 'Iransudatos: insuficiência cardíaca


dos exsudatos • Exsudatos infecciosos: tuberculose e pneumonia
• Exsudatos não infecciosos: neoplasias metastátieas
--+ Relação taxa de proteína no lfquido pleuraVproteína
sérica > 0,5 (carcinomas c linfomas), embolia pulmonar e colage-
--+ Relação taxa de DHL no líquido pleuraVOHL sérica > noses
0,6 • Situações cirúrgicas: empiema, hemotórax e quilotórax
--+ Taxa absoluta de DHL no lfquido pleural > 2/3 do li-
mite superior da taxa sérica normal
Clínica
As manifestações que chamam a atenção para a possibilidade
de derrame pleural são a dor ventilatório-dependeme ou pleurlti-
ca gerada pela estimulação da pleura parietal- cuja existência mente é representada por uma lâmina radiopaca tênue- ti-
depende de a pleura parietal estar inflamada e/ou tracionada ver espessura superior a um centímetro (FIGURA 58.3).
por aderências com a pleura víscera!. Podem ocorrer alterações O derrame pode ser septado quando existirem aderên-
mecânicas secundárias ao seu volume- volumosos derrames, cias pleurais prévias ou recém-formadas, resultando em uma
por ocupação de espaço intratorácico, podem causar dispneia imagem irregular, diferente da habitual (FIGURA 58.4).
e outros distúrbios. Pacientes com escassa reserva ventilató- O aspecto do derrame pleural na tomografia compu-
ria podem apresentar dispneia mesmo com pequeno derrame tadorizada de tórax, na janela para mediastino, é o de es-
pleuraL Sintomas sistêrnicos como astenia, anorexia, emagreci- pessamento pleural, curvilíneo. Pelo efeito da gravidade, a
mento e febre dependem de respostas inflamatórias e imuno- imagem costuma ficar restrita aos setores mais declives, con-
lógicas ao agente etiológico ou ao mecanismo etiopatogênico. forme se observa na FIGURA 58.5.
Ao exame fisico, derrames volumosos são facilmente
percebidos: diminuição ou até ausência do murmúrio vesicu-
lar e do frêmito toracovocal, e macicez à percussão do tórax. Dados radiológicos podem auxiliar no diagnóstico
diferencial (FIGURA 58.6)
--+ O derrame bilateral é mais comumente associado a
Exames de imagem transudato, tuberculose de disseminação hemática,
neoplasia metastática e colagenose.
Os achados radiológicos do derrame pleural costumam ser
característicos: opacidade homogênea em um hemitórax que
--+ O derrame volumoso ocupando todo ou quase todo
o hemit6rax em geral é neoplásico.
oblitera a visualização do seio costofrênico homolateral e
--+ O derrame septado costuma ser infeccioso.
contorna a imagem do parênquima pulmonar deixando uma
borda nítida em formato de menisco (FIGURA 58.2). Se volu-
--+ Massa intrapulmonar, adenomegalias mediasti-
nais e lesões osteolítícas favorecem neoplasia.
moso, pode deslocar o medias tino contralateralmente.
Derrame subpulmonar pode ser confundido com eleva-
--+ Lesões pulmonares em lobos superiores (micron6-
dulos, nódulos, estrias, consolidações acinolobulares)
ção da hemicúpula diafragrnática. À esquerda, pode levantar favorecem tuberculose.
suspeita quando a separação entre a porção mais cranial da
câmar a gástrica e o terço inferior do pulmão - que geral-

RGURA 58.2 -+ Derrame pleural com imagem em menisco. FIGURA 58.3 -+ Derrame pleural septado.

a
RGURA 58.4 -+ Derrame pleural subpulmonar. (A) raio X convencional (ortostatismo); (8) raio X em decúbito lateral, com raios horizontais.
Diagnóstico
O diagnóstico do derrame pleural pode ser desdobrado em
duas etapas: em um primeiro momento, a partir de dados
clínicos, particularmente do exame físico e do exame radio·
lógico, detecta-se sua presença, o que costuma ser simples
e feito na primeira consulta. A seguir, cabe determinar sua
causa ou mecanismo, por meio da demonstração do agen·
te causal ou de um conjunto de dados clínicos, radiológicos,
exames bioquímicos do sangue, exames do líquido pleural
(aspecto, alterações bioquímicas e citológicas) e exames de
fragmentos de pleura parietal. Thl etapa exige experiência
e treinamento específicos, sendo geralmente realizada pelo
pneumologista ou cirurgião torácico. A existência de trauma FIGURA 58.5 -+ Derrame pleural em imagem tomográfica tfpica, com
algumas septações.

~
.:r'- '~
. . 1
' v••·>'
-- - - ~--
FIGURA 58.6-+ Casos em que dados radiológicos auxiliaram no diagnóstico diferencial. (A) derrame pleural à direita + aumento da área cardíaca:
insuficiência cardíaca. (8) volumoso derrame pleural + níveis aéreos + retração do hemitórax: empiema. (C e D) tomografia computadorizada do
caso B. onde se confirmam os achados. (E) tomografia computadorizada demonstrando grande tumor no terço superior do pulmão esquerdo. (F)
derrame pleural: neoplasia. (G) tomografia computadorizada com volumoso derrame pleural à esquerda, onde se observa material denso depositado
nas porções pendentes dos pulmões: derrame pleural hemorrágico- neoplasia ou trauma . (H) tomografia tridimensional do caso G: várias fraturas à
esquerda confirmando a origem traumática. (I) tomografia computadorizada com derrame pleural à esquerda + lesão necrótica parenquimatosa +
pequena calcificação (seta): origem granulomatosa. provavelmente tuberculosa.
recente deve levar à suspeita de hemotórax, podendo consti- • Células LE presentes e/ou FAN com título elevado: lú-
tuir uma emergência. pus eritematoso sistêmico.
Dados que auxiliam na elaboração do diagnóstico dife- • Derrame quilüorme com triglicerídeos elevados e/ou
rencial dos derrames pleurais incluem idade, modo de início presença de quilomicra: quilotórax.
(agudo ou insidioso), presença de dor ventilatório-depen- • Taxa de adenosina deaminase (ADA) superior a 40 Ul/L:
dente, febre, contato com tuberculose, história de tumor ma- aponta fortemente para tuberculose.
ligno atual ou pregresso, rápida recorrência após drenagem, • pH abaixo de 7,2 em paciente com derrame pleural pa-
cirurgia abdominal ou torácica recente, radioterapia, lesão rapneumônico: pode significar empiema. Para uma ade-
do miocárdio (infarto ou cirurgia recente), doença abdo- quada determinação do pH, são necessários os seguintes
minal (cirrose, pancreatite, abscesso subfrênico e abscesso cuidados: colher o lfquido em seringa heparinizada, ve-
hepático). dada de contato com o ar, e enviar o material rapida-
mente para o labo.r atório ou mantê-lo em baixa tempera-
tura até a execução do exame.
• Achado de eosinofilia (> 10%) no líquido pleural: pode
Decisão de fazer (ou não) investigação ser secundário à presença de sangue na cavidade pleu-
pleural ral, como por hemorragia pós-punção, ou à existência de
anormalidades imunoalérgicas sistêmicas.
Quando a causa é óbvia e a conduta independerá de exames
pleurais (lfquido pleural ou fragmentos pleurais), geralmen-
te obtidos por punção ou biópsia transcutânea, estes pode- Punção-biópsia pleural (agulha de Cope)
rão ser dispensados. Exemplifique-se com algumas situa- Ver a técnica da biópsia pleural no Capítulo "Thracocentcse
ções: insuficiência cardíaca, h.ipoproteinemia, concomitância e Punção-biópsia Pleural".
de tuberculose no parênquima pulmonar.
Quando há indícios de que a causa do derrame seja in-
fecciosa, como na vigência de tuberculose pulmonar com-
Exames no fragmento de pleura parietal
provada ou de pneumonia, a toracocentese poderá ser ne- No exame anatomopatológico, dois achados definem o diag-
cessária, pelo menos, para excluir ou conftm~ar a presença nóstico: neoplasia maligna, em geral carcinoma metastático
de empiema, situação em que deverá ser realizada a drena- ou linfoma; ou granuloma, sem/com oecrose, caseosa ou
gem pleural. não. A presença de granuloma na pleura costuma ser sufi-
ciente para onnftrntar o diagnóstioo de tuberculose, uma vez
que as outras causas de doença granulomatosa raramente se
Punção do líquido pleural (toracocentese) acompanham de derrame pleural.
Ver a técnica da toracocentese no Capítulo "1bracoceotese e Sempre que o patologista identifica lesão granulomato-
Punção-biópsia Pleural". sa, é realizada a pesquisa de BAAR e de fungos no material
(e, no paciente HIV-positivo, mesmo sem granuloma).
Exames do líquido pleural e o possível/provável
significado dos seus resultado(» Pleuroscopia
Aspecto amarelado: é o mais comum; não há relação com A pleuroscopia está indicada quando se julga que não have-
nenhuma causa em especial rá vantagem na execução de uma nova punção-biópsia, ou
quando se planeja realizar imediatamente a pleurodese. A
• Aspecto purulento e/ou presença de germes e/ou pH bai- pleuroscopia possibilita fazer-se biópsia dirigida e descorti-
xo: empiema. cação endoscópica no caso de empiema.
• Aspecto hemorrágico: acidente de punção, trauma ou Ver a técnica da pleuroseopia no Capítulo "Medias tinos-
neoplasia maligna; não costuma ocorrer na tuberculo- copia, Thraooscopia e Toracotomia Mínima".
se.
• Thxa de proteínas muito elevada: tuberculose ou outro Toracotomia exploradora
exsudato oom intensa resposta inflamatória.
A toracotomia exploradora está indicada apenas em situa-
• Citológico diferencial com linfocitose e ausência de célu-
ções excepcionais, quando:
las mesoteliais: tuberculose.
• Citopatológico com a presença de células malignas: der- • os procedimentos habituais (punção, biópsia, pleurosco-
rame neoplásico. pia) não foram efetivos e a principal suspeita for neo-
• Pesquisa de bacilos álcool-ácido resistentes (BAAR) po- plasia;
sitiva ou anatomopatológico demonstrando granuloma: • há probabilidade de mesotelioma pleural;
tuberculose. • existe necessidade de deseorticaçãolpleurectomia;
• há necessidade de ressecção pulmonar; QUADRO 58.1 ? Derrames de causas determinadas e critérios
• ocorrem acidentes durante a pleuroscopia; utilizados
• há hemorragia pós-traumática grave.

Ver a técnica da toracotomia mínima no Capítulo "Me-


diastinoscopia, Toracoscopia e Toracotomia Mínima". PARA DIAGNÓSTICO PARA DIAGNÓSTICO
DE CERTEZA DE PROBABILIDADE
(exames diretos: LP/PP) (diversos critérios)

[I] ATENÇÃO DP tuberculoso BMR!Cultura (+)


Granuklma, necrose
Dados dínicos
Exames do lP
Multas vezes, os exames dos materiais pleurais, por ca~sa

si só, ~o estabelecem o diagnóstico especifico de


DP neopláSKO CP (+) paracélulas Dados dinKos
derrame pleural, mas dão suporte a uma impressao
neoplásicas Exames do lP
dlnica. sua solicitação e interpretaçlio sempre devem AP mostrando
ter relação com os dados dínicos. Preferencialmente, neoplasia maligna
os testes solicitados devem responder a uma questão
especifica ou auxiliar na decisão da melhor conduta. Empiema Aspecto de pus Exames do lP
Exame bacteriológico (pH S 7,2)
positivo

Quilot6rax Aspecto lactescente,


exames do LP
Diagnóstico específico dos derrames
Hemot6rax Aspecto hemorrágico,
pleurais hemat6crito do LP >
Conforme se observa no QUADRO 58.1, existem situações em 20%
que o diagnóstico dos derrames pleurais é estabelecido com LES C8ulas LE. fAN, etc.
segurança. No entanto, muitas vezes é necessário usar crité-
rios que não são de certeza, e isso exige experiência e análise Outras causas Dados dinicos,
criteriosa, como discutido a seguir. radiológicos, exames
do LP. ~te.
apontam para uma
Derrame pleural tuberculoso causa de maneira
Dados clínicos que favorecem o diagnóstico de derrame consistente
plcuraltuberculoso (DPT): história de contágio, dor torácica LP • líquido pleur•l; PP • pleura parietal; DP • dwame pleural; CP • citopato·
ventilatório-dependente, febre de inicio subagudo e hemo- lógico; AP • anatomopatológico; LES • lúpys eritematoso sistêmico; FAN • fator
grama normal. A radiografia de tórax pode mostrar apenas antinuclear.
o derrame pleural ou ter alterações pulmonares (micronó·
dulos, nódulos, estrias, áreas de consolidação acinolobular,
preferencialmente em lobo superior). O QUADRO 58.2 mostra o diagnóstico diferencial entre
Achados no líquido pleural habituais no DPT: aspecto DPTeDPN.
amarelo citrino, taxa de proteínas elevada (acima de 4,0 g%)
e linfocitose com ausência ou poucas células mesoteliais.
Derrame pleural de causa indeterminada
Para fins operacionais, um derrame pleural é de causa in·
Derrame pleural neoplásico determinada quando não existe pista consistente e/ou não
Dados clínicos que favorecem o diagnóstico de derrame se chega a uma conclusão diagnóstica após a primeira tora·
pleural neoplásico (DPN): sintomas de início insidioso, cocentese + punção-biópsia pleural (este é o procedimento
com ou sem dor torácica dolente, sem febre. A radiografia mínimo para a investigação de derrame pleural).
de tórax pode mostrar apenas o derrame pleural, que pode Se for transudato, como regra, a preocupação é menor,
ser volumoso, ou ter alterações pulmonares sugestivas de pois costuma estar associado a uma doença sistêmica cujo
neoplasia (massa intrapulmonar, adenomegalias mcdiasti· diagnóstico já é conhecido ou será esclarecido em seguida.
nais). Sendo um exsudato, por incluir possibilidades como neopla·
Achados no líquido pleural habituais no DPN: aspecto sia e tuberculose, salvo em situações especiais, deve-se per·
hemorrágico, taxa de proteínas abaixo de 4,0 g%, podendo seguir a confirmação diagnóstica A presença de linfocitose
haver linfocitose com a presença de células mesoteliais. dá ênfase a tal necessidade.
QUADRO 58.2 ~ Diagnóstico diferencial entre derrame pleural Conforme o caso individual, deve-se considerar a reali-
tuberculoso (DPT) e derrame pleural neoplásico (OPN) zação dos seguintes testes diagnósticos:

DI'T DPN • Repetição de toracocentese e p unção-biópsia p leural


quando o procedimento anterior foi tecnicamente insa-
úitétios que não incluem dados da toracocentese:
tisfatório ou se os exames não forem confiáveis ou bouve
- Idade: abaiXO de 35 anos + omissão da sua realização.
• Angiotomografia computado rizada d o tórax para con-
acima de 45 anos + firmar ou descartar o diagnóstico de tromboembolismo
pulmonar (esse exame ainda possibilita evidenciar lesões
- Inicio: agudo (febre. dor) + pulmonares ou mediastinais não identificadas na radio-
grafia de tórax).
insidioso +
• Pleu.roseopia para estabelecer o diagnóstico de ncopla-
- Volume muito grande + sia maligna e tuberculose. Deve ser feita nos casos em
que se julga que uma nova punção-biópsia ple ural não
- Cont.ígio com tuberculose; Mantoux + trará contribuição ou quando se planeja realizar a pleu-
positivo rodese.
• Fibrobroncoscopia para avaliar o paciente com derra-
- História de neoplasia prévia ou atual +
me p leural se um ou mais dos seguintes achados estiver
- R~pida recorrência após esvaziamento + presente: infiltrado pulmonar, hcmoptise c derrame
maciço.
úitérios que incluem dados da toracocentese: • Tor acotomia mín ima ou videoto racoscopia quando a
Hemorr~gico
principal suspeita for neoplasia e já se esgotaram os ou-
- +
tros procedimentos, particularmente quando o derrame
- Proteínas: abaixo de 3,5 g% + é persistente ou recorrente após drenagem pleu.ra.l.

acima de 4,0 g% +
- Linfocitose: com pouCI/nenhuma c~ula + Quando não se deve prosseguir na investigação
mesotefial pleural
É possível não prosseguir na investigação invasiva e reali-
com muitas c~ulas + zar teste terapêutico ou deixar o paciente em observaçAo
mesotefiais quando:
(+) i 1'<"""1" do fotor hVOfOC. UINI dos duas >rt~ (Df'T OU DPN). -+ houver melhora cllnica e regressão do derrame pleu·
tOnto: Cooh elo Silvo.u ral;
-+ existir doença sist~mica capaz de explocar o derrame
e seu tratamento será iniciado;
7 o diagnóstico de derrame pleural tuberculoso for
muito provável, o paciente não estiver eroticamente
Re<omendaçóes para o manejo de derrames enfermo e não houver riscos signifocativos para a in·
pleurais de causa ainda indeterminada dicação de tratamento antituberculoso, como a pre-
-+ Reunir todas as informações de onteresse (clinicas, ra- sença de hepatopatia.
diológicas e laboratoriais) e reavaliâ-las, em consulto-
ria com pneumologista experiente em pleura.
-+ Procurar condiçAo, prévia ou atual, que explique a
presença de derrame pleural.
-+ Avaliar se a doença está em euolução, estável ou em Tratamento
resolução.
-+ Considerar o perfil do paciente, os recursos d isponí- O tratamento do derrame pleural visa ao controle dos sin-
veis e a experiência do serviço. tomas e da causa determinante do acúmulo do liquido. Os
-+ Considerar causas raras apenas quando esgotadas as transudatos são controlados pela correção do mecanismo
possibilidades mais frequentes. fisiopatológico, ou seja, pela normalização das pressões hi-
drostática ou oncótica; os exsudatos infecciosos, por agentes
antimicrobianos e, quando indicado, drenagem pleural; por
fim, os derrames neoplásicos, por quimioterápieos e bloque-
A FIGURA 58.7 apresenta um Ouxograma para orientar o adores de receptores (no caso de carcinoma de mama), e, se
diagnóstico dos derrames pleurais. recidivantes e volumosos, por pleu.rodese.
OP associado a uma doença ~rrame pleur•l
sistêmica j' diagnosticada sem pista diagn65tk• ou
ou a uma condição evidente que precisa confirmação

1 1
Torac:octntMe +
Tratamento ou punçlo-boópsoa:
observação ogrMs do líquido e
de fr~rMnlo pleur.>l

±
OOA9n6stKo de Sem FIGURA 58.7 -+ Fluxograma para o diagnóstico dos
probabolodade diagnóstKo
derrames pleurais.

Condutano derrame neoplásico pneumonia. Um comitê do American CoUege of Chest Phy-


sicians (ACCP) classificou os pacientes com derrame parap-
O derrame pleural neoplásico significa disseminação sistêmica 7
neumônico em quatro categorias:
do tumor e, portanto, indica que a doença não pode ser curada
por cirurgia. Sempre que a neoplasia primária for respoosiva à
quimioterapia, esta deve ser indicada imediatamente, como é o 1. Volume pequeno, com menos de 10 mm de espessura na
caso do carcinoma de mama e dos linfomas. No caso dos carci- radiografia em decúbito, tomografia computadorizada
nomas, que constituem a maioria, em geral o principal objetivo ou ecografia; bom prognóstico.
é controlar o acúmulo do líquido e seu manejo dependerá dos 2 Volume geralmente pequeno a moderado, com mais de
sintomas e da extensão do derrame, podendo-se proceder: 10 mm de espessura até metade do hemitórax; exame
bacteriológico do líquido pleural negativo e pH > 7,2
• punção pleural (drenagem) para alívio temporário, ou (ou glicose > 60 mgldL); bom prognóstico.
• colocação de cateter de demora para drenagem contí-
3. Nesta categoria, o desfecho é pior e observa-se pelo me-
nua, durante curto período, ou
nos um dos seguintes achados:
• pleurodese por agente esclerosante (no serviço do Pavi-
lhão Pereira Filho, usa-se talcagem pleural) • volume superior à metade do bemitórax, locu lado ou
com espessamento pleural;
• exame de Oram ou cultura do líquido pleural com re-
Conduta no derrame tuberculoso sultado positivo;
lbdos os pacientes com derrame pleural tuberculoso devem • pH do líquido pleural inferior a 7,20 ou taxa de glico-
receber o esquema de tubcrculostáticos convencional RHZM se inferior a 60 mgldL; pode ocorrer desfecho ruim.
durante seis meses. Recomenda-se evitar repouso e, se possí- 4. Derrame purulento; desfecho ruim.
vel, realizar fisioterapia para mobilização torácica. A cortico-
tcrapia sistêmica é indicada, excepcionalmente, para pacien-
tes com grande comprometimento clínico. Não há vantagem Recomenda-se drenagem torácica, inicialmente fechada,
em se fazer drenagem pleural, salvo na vigência de cmpiema. para as categorias 3 e 4. Não havendo resolução em poucos
dias, faz-se drenagem aberta (pleurostomia).

Condutano derrame pós-lesão miocárdica (por


cirurgia ou isquemia) Evolução e prognóstico
A maioria dos casos se resolve com medidas simples: toraco-
centese terapêutica, diuréticos, anti-inflamatórios não este- Tanto a evolução quanto o prognóstico dependerão estri·
roides e corticoides. tamente da natureza da doença e das possibilidades do seu
controle. Como regra, o prognóstico dos derrames neoplási-
cos é reservado, sobretudo no caso dos carcinomas, em que a
Condutano derrame parapneumônico e do taxa de mortalidade é muito elevada dentro de alguns meses.
empiema A evolução dos casos de derrame tuberculoso costuma ser
A morbidade e a mortalidade dos pacientes com pneumonia favorável. Os demais dependerão da doença básica e de cada
e derrame pleural são superiores às dos casos apenas com situação individual.
Derrame pleural: situações especiais e conduta • CASO CLÍNICO I
recomendada História clínica: paciente de 25 anos, sexo masculino,
-+ Oerrame pleural sem outras alterações radiológicas, negro. Nunca fumou. Há uma semana, apresenta dor
com dor ventilatório-dependente e febre, em paciente ventilatório-dependente inframamária à esquerda, febre
jovem, costuma ser tuberculoso. O diagnóstico pode (até 38,5°C), calafrios não tremulantes, astenia, anorexia
ser de probabilidade, podendo ser indicado um teste e sudorese noturna. Ao exame ffsico , mostra bom estado
terapktko com tuberculostátkos. Tal conduta poderá geral e bom estado de nutrição. Em todo o hemitórax es-
ser v~lida sempre que a hopótese principal for tubercu- querdo, mobilidade reduzida. macicez, redução do mur-
lose e outros diagnósticos forem improv~veis.u múrio vesicular e do fr~mito toracovocal. A radiografia
-+ Derrame pleural insodooso, sem febre, às vezes com de tórax evidencia volumoso derrame pleural à esquerda
dor dolente, volumoso, em paciente com mais de (FIGURA 58.8).
40 anos. Nesta sotuaçlo, pela grande possibilidade Hipótese d iagnóstica : derrame pleural tuberculoso.
de neoplasia, o diagnóstico precisa ser confirmado.
Sempre que a hipótese principal for neoplasia ou se Punção pleural: líquido amarelado; protefnas .. 5,0 g%;
nlo for possfvel excluf-la, enquanto não houver con- linfócitos = 95%; neutrófilos = 5%.
firmaçlo, deve-se prosseguir em busca do diagnós- Punção-biópsia p leural (A-P): granuloma. com necrose
tico. se necessário, usando técnicas invasivas como caseosa; pesquisa de SAAR e fungos negativa.
pleuroscopia ou biópsia a céu aberto.'
-+ Se a hipótese principal for doença sist~mica ou outra Diagnóstico definitivo: derrame pleural tuberculoso.
para a qual vai ser iniciado um tratamento, e outros Tratamento: RHZM durante seis meses.
diagnósticos forem improvAveis, deve-se iniciar trata-
mento e observar.•
-+ Derrame parapneumOnico deve ser drenado quando
• CASO CLÍNICO 11
purulento ou se os exames do liquido demonstrarem
pH baixo ( < 7,2), g licose baixa (< 40 mg%) ou DHL História clfnica: paciente de 60 anos, sexo feminino, bran-
elevada(> 1.000 UVl).' ca. Fumante (40 anos-maço). Há um m~. apresenta disp-
-+ Derrame surgido após lesAo do miodrdio pode ter neia progressiva e dor no hemitórax direito de pequena
este nexo causal, podendo ficar em observaçAo se a
intensidade. Há dois anos, foi submetida a tratamento
situaçAo cllnica for favorável ou ser controlado por
toracocenteses de alivio, e, se nlo houver resposta, quimioterápico para carcinoma de mama. à direita. Man-
com corticoterapia.' tém antiestrogênico via oral. Ao exame físico, mostra bom
-+ Se necessário e posslvel, com a finalidade de esclare- estado geral e bom estado de nutrição. Em todo o hemi-
cimento diagnóstico, deve-se considerar a realização tórax direito, mobilidade reduzida, macicez, redução do
de testes que nlo façam parte da rotina, como ADA. murmúrio vesicular e do frêmito toracovocal. A radiografia
pH, amilase, lopkleos, omunol6gicos, onflamatórios e de tórax evidencia volumoso derrame pleural à direita (FI-
outros.• GURA S8.9).
Hipótese diagnóstica: derrame pleural neoplásico, secun-
dário a carcinoma de mama.

FIGURA 58.8 ~ Ca.so 1: derrame pleural tuberculoso. FIGURA 58.9 ~ Caso 2: derrame pleural neoplásico.
-----
Punção p leural: líquido hemorrágico; proteínas = 3,5 8. Diretrizes na Abordagem Diagnóstiea c Terapêutica das Doenças
g%; linfócitos = 60%; neutrófilos = 1 O%; células meso- Plcurais. J Bras Pneumol. 2006;32 Supi4:S163-S216.
=
teliais 30%. 9. Ligbt RW. Parapneumonie cffusions and infcctions of tbe pleural
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diferenciado. 1983. p. 101 -18, eap. 9.
Diag nóstico definitivo: derrame pleural neoplásico.
Tratamento: avaliar reinício de quimioterapia, manter
inibidor estrogênico; se não houver controle do derrame Leituras recomendadas
pleural, avaliar indicação de talcagem pleural. Camargo J. Ttatamento do derrame pleural ncoplásico. In: Corrêa
da Silva LC. Compêndio de pneumologia. 2. ed. São Paulo: Fundo
Editorial BYK; 1991. p. 904-10.

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Tratamento
Cirúrgico do
Derrame Pleural
Neoplásico
Spencer Marcantonio Camargo
FabíolaAdéliaPerin
59
de aspecto leitoso, com dosagem de triglicerideos acima de
Introdução 110 mg/dL, dissociado de cirurgia ou trauma recente, leva à
O envolvimento da pleura por doenças malignas é uma das suspeita de um linfoma.
causas mais frequentes de derrame pleural exsudativo, per-
dendo apenas para os derrames secundários a pneumonias.
Entre as neoplasias, o câncer de pulmão, o câncer de mama
e os linfomas são responsáveis por cerca de dois terços dos
Anamnese e exame físico
derrames pleurais neoplâsicos, mas estima-se que aproxima-
damente metade das neoplasias avançadas apresente derra- ~ ATENÇÃO
me pleural em algum momento do seu curso.
O mecanismo de formação do derrame pleural nas neo- Na avaliação de um paciente com derrame pleural e
plasias ainda não é completamente compreendido. A inftl- história de neoplasia, é importante que os passos da
tração neoplásica dos linfáticos era considerada o principal semiologia sejam seguidos. Não é porque existe um
mecanismo, mas entendendo-se que a formação diária de diagnóstico prévio de neoplasia que se vai considerar
líquido pleural é muito pequena, a simples obstrução na ab- que um derrame pleural neste paciente também seja
sorção faria da formação do derrame pleural neoplâsico um neoplásico. Pacientes no curso de uma neoplasia cos-
processo muito lento, contrariando a situação muitas vezes tumam estar com a imunidade baixa, tanto pela neo-
observada nesse tipo de derrame, em que, poucos dias após plasia como pelo tratamento quimioterápico. Não é
um procedimento para retirada de líquido pleural, ocorre o incomum que tais pacientes desenvolvam derrames
reacúmulo de um grande volume de líquido. pleurais parapneumõnicos ou mesmo tuberculosos.
Dessa forma, a observação recente de que a infiltração
pleural neoplásica estimula a formação de um fator de cres-
cimento vascular endotelial - um dos mais potentes agentes Na anamnese, deve-se investigar presença de febre,
responsáveis pelo aumento da permeabilidade capilar - cor- perda de peso e astenia . Em geral, o derrame pleural neo-
robora a ideia de que o aumento da permeabilidade pleural plásico não costuma ser acompanhado de febre importante.
seja o principal fator responsável pelo acúmulo de líquido. Um derrame pleural volumoso desacompanhado de febre
Em algumas situações, a ocorréncia de derrame pleural em um paciente que não esteja apresentando um quadro
está relacionada diretamente com o envolvimento tumoral de insuficiência cardíaca ou renal é bastante sugestivo de
(como no caso dos linfomas ), que provoca obstrução e rup- neoplasia.
tura do dueto torácico, levando à formação de um derrame A presença de dor ventilatório-dependente é mais fre-
pleural de aspecto quiloso. O achado de um derrame pleural quente nos derrames pleurais inflamatórios, mas uma dor
de forte intensidade, não relacionada diretamente com a
venti.lação, pode ser representaúva de compromeúmento
tumoral da pleura parietal ou de estruturas da parede to-
rácica.

Radiologia
A radiografia do tórax em duas incidências é, em geral, o
primeiro exame realizado na suspeita de um derrame pleu-
ral. Como o volume do derrame pleural é variável, pode-se
deparar com radiografias praúeamente normais até uma
opacidade completa de um hemitórax, provocando desvio
do mediasúno para o lado oposto (FIGURAS 59.1 e 59.2). A
presença de um derrame volumoso sem que o mediastino
esteja desviado passa uma informação importante de que o FIGURA 59.2 -+ Derrame pleural à direita em uma paciente com neo-
mediasúno está fiXO, seja por comprometimento dos linfono- plasia de mama. Observa·se o comprometimento do pui!No contraia·
teral. Não houve desvio do mediastino.
dos ou espessamento da pleura.
O derrame pleural neoplásico é uma das principais cau-
----------------------
sas de derrame pleural unilateral volumoso, principalmente
se desacompanhado de sinais clínicos de insuficiência car- Em geral, os pacientes com exame radiológico anor-
dlaca. Nas situações em que a formação de derrame se deu mal são submetidos a uma tomografia computadorizada
de forma lenta, o paciente pode estar habituado a essa nova do tórax para maior detalhamento dos achados. Uma boa
situação, relatando poucos sintomas mesmo com derrames conduta nessa situação é a realização de toracocentcse
moderados. de alivio antes da tomografia, o que, além de melhorar a
condição respiratória do paciente, fornecerá material para
análise bioqu1mica e citológica. A reúrada do liquido tam-
bém é importante por permitir a expansão do pulmão, fa-
vorecendo uma melhor interpretação pelo radiologista dos
achados de imagem.
Nos casos de derrames pleurais pequenos, a ecografia
pode ser úti.l para orientar a punção diagnóstica e minimizar
o risco de complicações.

Investigação pleural
A quase totalidade dos derrames pleurais malignos carac-
teriza-se como exsudato, com nlveis altos de proteína e
desidrogenase láctica (LO H). O aspecto macroscópico do
derrame é hemáúco em cerca de 50% dos casos. A citolo-
gia diferencial mostra aproximadamente 45% de linfócitos,
40% de células mononucleares e cerca de 15% de polimor-
fonucleares.
A presença de mais de 10% de eosinófilos no liquido
pleural foi considerada por algum tempo como de baixa pro-
babi.lidade de neoplasia, mas, quando não relacionada com a
presença de ar ou sangue na cavidade, uma doença neoplási-
ca não pode ser afastada.
A dosagem da glicose no líquido pleural geralmente está
normal, mas a presença de um nlvel de glicose abaixo de
60 mgldL sugere neoplasia com extenso comprometimen-
to pleural e pior prognóstico, o mesmo ocorrendo com pH
abaixo de 7,3.
A positividade da citopatologia no liquido pleunl va-
FIGURA 59.1 -+ Derrame pleural volumoso com desvio do mediastino
ria entre 40 e 80%, dependendo da origem da neoplasia
em paciente com neoplasia de pulmão e envolvimento pleural.
primária.
Uma biópsia às cegas com agulha de Abrams ou de Cope
pode ser realizada no momento da toracocentese, tendo
uma positividade diagnóstica em cerca de 50% dos casos.
Nas situações em que um derrame pleural com caracte-
rísticas de exsudato permanece sem diagnóstico após a reali-
zação de toracocentese e biópsia pleural, é importante pros-
seguir a investigação. A toracoscopia é o procedimento de
escolha para este fim, permitindo nova colheita de líquido,
inspeção visual da cavidade pleural e realização de biópsia
orientada para achados anormais, com uma positividade de
cerca de 95%. Outra vantagem da toracoscopia é a possibi-
lidade de um procedimento terapêutico no mesmo procedi- FIGURA 59.4 ~ Imagem de um derrame pleural e implantes neoplá-
mento (FIGURAS 59.3 e 59.4). sicos.

Tratamento derrame pleural, pois caso não haja regressão do derrame


este paciente deve ser encaminhado para avaliação com vis-
tas a tratamento com pleurodesc.
Pacientes com doença disseminada, mau estado geral,
expectativa de sobrevida curta ( < 3 meses) e derrame sabi-
damente ncoplásico devem ser submetidos ao procedimento
mais rápido e simples, o que na maioria das vezes é apenas
uma toracocentese de alívio.
Já para pacientes com diagnóstico recente de derrame
neoplásico c que se encontram em bom estado geral, deve
ser oferecida uma opção terapêutica que busque aliviar
os sintomas e impedir a recorrência do derrame, evitando
sucessivas internações. É importante também considerar
o tipo bistológico da neoplasia, pois a evolução terapêu-
tica dos tratamentos oncológicos tem proporcionado um
tempo de vida bastante longo mesmo no caso de doenças
Pacientes com doença primária sabidamente responsiva avançadas.
à quimioterapia, como tumores de pulmão do tipo de peque- Para o planejamento terapêutico, em um primeiro mo-
nas células,linfomas e neoplasias de mama, ainda virgens de mento deve-se voltar a atenção para a expansibilidade do
tratamento quimioterápico e que apresentam um derrame pulmão. Não é incomum que o doente com derrame pleural
pleural pequeno e estão assintomáticos, podem ser tratados tenha um envolvimento neoplásico grosseiro do parênqui-
inicialmente de forma conservadora para controle do der- ma pulmonar ou obstrução brônquica, impedindo que a ex-
rame. É importante, entretanto, estar atento à evolução do pansão do pulmão ocorra mesmo com a retirada do líquido.
Como o tratamento adequado só é eficaz se o pulmão se ex-
pandir completamente, o encarceramento pulmonar dificul-
ta muito o manejo do derrame pleural neoplásico.
Para obter a informação sobre a expansibilidade pulmo-
nar, uma boa tática é a colocação de um fino cateter pleural
no momento da realização da toracocentese diagnóstica.
Isso permite o esvaziamento completo do derrame de forma
lenta, o que é especialmente útil no caso dos derrames vo-
lumosos, quando a retirada abrupta do líquido provoca ex-
pansão rápida do pulmão, causando uma condição chamada
de edema de reexpansão, o que, além de ser desconfortável
para o paciente, pode desencadea.r um quadro grave de in-
suficiência respiratória. Uma radiografia realizada cerca de
seis horas mais tarde vai mostrar a expansão ou não deste
pulmão.
O pulmão que se expande completamente é elegível para
um procedimento chamado de pleurodesc, que visa aderir a
AGURA 59.3 ~ Rea6zaçáo di! uma toracoscopia na investigação de um pleura visceral na pleura parietal, impedindo a formação de
<k!rramt pleural. um novo derrame.
-------
oxigênio. Isso permite uma distribuição bastante homogênea
Pleurodese por toda a cavidade pleural.
A pleurodese é um procedimento cirúrgico realizado com A talcagem realizada sob forma de suspensão com soro
o intuito de provocar uma obliteração do espaço pleural, fisiológico é indicada para pacientes que já estão com a cavi-
impedindo o acúmulo de líquido. Em geral, é realizada por dade drenada. O talco é diluído em 100 mL de soro fisioló-
toracoscopia. gico. O uso de um frasco de lidocaína a 2% diluído no soro
Pode ser mecânica ou química: fisiológico diminui a dor causada pela irritação pleural.

• Mecânica: por meio dessa técnica, provoca-se intensa ir-


ritação na pleura pari etal mediante atrito (esfregadura)
de gaze seca (pleurodese abrasiva), ou se resseca parte
Cateter pleural permanente
da pleura parietal ou toda ela (pleurectomia parcial ou Os pacientes que não apresentam expansão pulmonar ade-
total). quada após retirada do líquido pleural representam um de-
• Quúnica: mediante instilação de irritante químico no es- safio para o grupo médico assistente. O fato de não haver
paço pleural, causa inflamação e fibrose (o produto pode expansão pulmonar significa que não existirá contato das
ser tetraciclina) . superfícies pleurais, impedindo a eficácia da pleurodese e
mantendo um espaço pleural onde haverá, necessariamente,
A realização de pleurectomia parcial ou total é um proce- acúmulo de líquido. Nesses casos, embora o pulmão não se
dimento cirúrgico agressivo, com taxas de morbimortalidade expanda com a retirada do líquido, a presença de grande vo-
altas, sendo raramente indicada para pacientes com doenças lume de derrame pleural agrava a dispneia pela compressão
neoplásicas avançadas. Uma exceção são os derrames malig- das estruturas vasculares e pelo desvio do mediastino.
nos em pacientes jovens, em que, mesmo havendo espessa- Pacientes hospitalizados e em mau estado geral podem
mento pleural, o pulmão apresenta o parênquima sem muita ser manejados com toracocenteses de alívio. Aos pacien-
doença, sobretudo com ausência de carcinomatose linfática tes que apresentam uma situação clínica mais satisfatória,
Nesses casos, a realização de videotoracoscopia permite a li- com condições de tratamento domiciliar, uma alternativa
beração pulmonar e a pleurectomia concomitante. razoável é a colocação de shunt pleuroperitoneal, com a
Entre os diversos agentes esclerosantes utilizados para drenagem do líquido para a cavidade peritoneal, proporcio-
realizar a pleurodese química, o talco parece ser o mais prá- nando alívio dos sintomas. O resultado é satisfatório e as
tico, barato e efetivo, sendo livre de asbesto, facilmente es- complicações estão relacionadas com obstrução e infecção
terilizável e podendo ser administrado na forma de aspersão do cateter.
ou em suspensão com soro fisiológico (FIGURA 59.5). A dose Outra opção é a colocação de cateteres pleurais de lon-
empregada deve ser de 2 a 5 g, e as principais complicações ga duração. Esses cateteres são colocados na cavidade pleu-
são ocorrência de febre e dor torácica. Algumas complica- ral em um procedimento sob anestesia local, sendo a extre-
ções mais graves como a síndrome do desconforto respirató- midade distai tunelizada pelo subcutâneo e exteriorizada.
rio agudo e a disseminação dos cristais de talco pelo organis- O paciente pode comparecer periodicamente ao ambulató-
mo têm sido descritas, mas são bastante incomuns quando rio para a retirada do líquido (que se dá pela gravidade) ou
respeitada a dose máxima de 5 g de talco. então realizar a drenagem -ele próprio- em sua residên-
Para a realização da pleurodese por aspersão, o paciente cia. É um procedimento simples e que tem mostrado bons
é submetido a uma toracoscopia, com anestesia geral e ven- resultados.
tilação monopulmonar. Após retirada completa do líquido
pleural e realização de biópsia, quando pertinente, o talco é
insuflado para dentro da cavidade com uso de um fluxo de
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Spencer MarcantonioCamargo
José J. Camargo
60
riável de 18 a 28 casos por 100.000 habitantes/ano entre os
Conceito homens e de 1,2 a 6 casos entre as mulheres.
O pneumotórax é caracterizado pela presença de ar no es- No pneumotórax espontâneo primário, apesar da ausência
paço pleural - normalmente este é virtual e compreendido de pneumopatias prévias, estudos mostram que alterações ana-
entre as pleuras visceral e parietal. A entrada de ar pode tômicas como pequenas bolhas subpleurais (b/ebs) são identifi-
ocorrer a partir de uma lesão pulmonar que provoque uma cadas nas tomografias e toracoscopias nos terços superiores pul-
solução de continuidade na pleura visceral, causando ruptu- monares de cerca de 80 a 90% desses pacientes (FIGURA 60.1).
ra alveolar e extravasamento de ar para a cavidade pleural, Essas blebs têm paredes muito ftnas e escassa comunica-
ou através de uma solução de continuidade, traumática ou ção com os alvéolos adjacentes, o que explica a tendência à
não, da parede torácica (pneumotórax aberto). resolução espontânea quando a eventual drenagem da câ-
Quando a quantidade de ar no espaço pleural é pequena, mara de ar assegura a reexpansão pulmonar com aposição
o pneumotórax pode ser assintomático, mas quando ocorre dos folhetos pleurais.
entrada de grande quantidade de ar ou se houver uma doença Embora não exista uma causa conhecida que justifique a
pulmonar associada, pode ser bastante sintomático, levando presença dessas b/ebs e, em função da ruptura delas, a ocor-
até mesmo a uma situação de risco à vida do paciente. rência de pneumotórax espontâneo, alguns fatores de risco
Quanto à classificação, o pneumotórax pode ser espontâ- são reconhecidos, sendo que o tabagismo é o principal de-
neo, traumático ou iatrogênico. O pneumotórax espontâneo les, estando associado tanto à incidência quanto à chance de
divide-se em pneumotórax espontâneo primário, quando recorrência dos episódios de pneumotórax. Estudos1'2 mos-
não existe uma doença pulmonar preexistente, ou secundá- tram que fumantes, tanto homens quanto mulheres, apre-
rio, nos casos em que há o reconhecimento clínico ou radio- sentam risco aumentado que varia de acordo com o número
lógico de uma doença pulmonar preestabelecida. de cigarros fumados, podendo elevar em até 20 vezes o risco
de ocorrência de pneumotórax espontâneo primário em re-
lação às pessoas que não fumam. Além disso, parece muito
seguro afirmar que um paciente fumante com antecedente
Pneumotórax espontâneo primário de pneumotórax na juventude tem maior vulnerabilidade
O pneumotórax espontâneo é denominado primário quan- para o desenvolvimento ulterior de enfisema.
do não decorre de nenhum evento traumático conhecido e Homens jovens, saudáveis, altos e magros parecem ter
também não há história clínica ou sinais radiológicos de uma uma predisposição para a ocorrência de pneumotórax es-
doença pulmonar preexistente. É uma doença frequente e pontâneo primário, embora a razão para isso não esteja
de ocorrência universal, que afeta cerca de três vezes mais completamente entendida. Uma das teorias para explicar a
homens do que mulheres, e tem uma incidência global va- ruptura de bolhas preexistentes se apoia no fato de que a
oi

FIGURA 60.1 ~ (A) paciente do


sexo masculino, 23 anos, com
pneumotórax laminar à direita.
(B) cortes tomográficos dos ápi-

I ces mostrando várias pequenas


bolhas subpleurais em ambos
D os lobos superiores.

negatividade pleural é menor na base do tórax e maior nos brio ventila tório, interferindo na troca de gases e levando es-
ápices, sendo portanto ainda maior nos ápices das caixas to- ses pacientes a apresentarem síntomas respiratórios graves.
rácicas de indivíduos longilineos. Isso não explica a existên- Também costuma afetar mais os homens do que as mu-
cia de bolhas, mas, na presença delas, a maior negatividade lheres, na proporção de 3:1.
pleural justificaria a sua ruptura. A doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) costu-
A história familiar de pneumotórax também parece ser um ma ser a principal causa de pneumotórax espontâneo se-
risco para sua ocorrência, e inúmeras propostas relacionando cundário, mas várias doenças - como fibrose cística, asma,
fatores genéticos autossômicos dominantes e recessivos, fato- granuloma eosinoffiico, sarcoidose, linfangioliomiomatose
res poligenéticos e associados ao cromossomo X vêm sendo e algumas outras doenças pulmonares - podem cursar com
estudadas. Mais de 10% dos pacientes que apresentam episó- pneumotórax.
dios de pneumotórax espontâneo referem história familiar. A Entre as doenças infecciosas, a pneumonia por
ocorrência aumentada de pneumotórax espontâneo primário Pneumocystis jirovecii e a tuberculose são as principais cau-
em indivíduos com síndrome de Marfan é bem conhecida. sas de pneumotórax secundário. A ocorrência de pneumotó-
As imagens da FIGURA 60.2 ilustram bem a condição de rax no paciente com DPOC está relacionada com a ruptura
pneumotórax espontâneo primário. de bolhas apicais. Existe uma relação direta entre o grau de
severidade da doença e a ocorrência de pneumotórax, com
30% dos episódios acontecendo nos pacientes que apresen-
tam um volume expiratório forçado no primeiro segundo
Pneumotórax espontâneo secundário (VEF1) abaixo de um litro.
O pneumotórax espontâneo secundário é aquele que ocorre Os pacientes com pneumonia por P. jirovecü e que apre-
em sobreposição a uma doença pulmonar preexistente. Cos- sentam um episódio de pneumotórax têm mau prognóstico,
tuma ser mais grave, pois os pacientes já apresentam uma com alta taxa de mortalidade hospitalar. O pneumotórax
função pulmonar comprometida, de modo que mesmo um ocorre em função da ruptura de grandes bolhas devido à ne-
pneumotórax bastante pequeno pode causar um desequill- crose do tecido parenquirnatoso subpleural.

FIGURA 60.2 ~ (A) paciente do sexo masculino, jo-


vem, longilíneo, com pneumotórax total à direita. A
hipertransparência da câmara de pneumotórax, a
ausência de septos no seu interior, o ângulo costofrê-
nico agudo e o pulmão colabado no hilo completam
o quadro radiológico padrão. (B) pneumotórax nor-
motenso à esquerda com cerca de 50% do pulmão
colapsado.
Como as bolhas do enfisema são intraparenquimatosas, que o da traqueia, a entrada de ar na inspiração se dará de
portanto extensamente comunicantes com alvéolos e bron· forma mais fácil pela parede torácica, provocando um dese-
quíolos, e a sua ruptura significa a descontinuidade da pleu- quilíbrio ventilatório, com instabilidade do mediastino. Isso
ra víscera!, a probabilidade de solução do pneumotórax por leva a uma situação que exige tratamento cirúrgico de urgên·
drenagem é muito menor do que no pneumotórax espon· cia com oclusão do orillcio torácico usando um curativo em
tâneo primário, e um grande número de pacientes requer três pontas, criando uma válvula unidirecional que permite a
procedimentos mais invasivos, como toracoscopia com pleu- saída, mas não a entrada de ar na cavidade pleural.
rodese, ou mesmo toracotomia. Na verdade, a simples oclusão da ferida da parede, res·
No caso da fibrose cística, o pneumotórax costuma ocor- tabelecendo a negatividade pleural e consequentemente re-
rer com a evolução da doença, sendo bem mais frequente cuperando o retomo venoso, já resolverá a emergência. A
nos pacientes que ultrapassam a adolescência e sendo um in· drenagem pleural subsequente e em condições técnicas ade-
dica dor importante de gravidade, já que a incidência aumen- quadas solucionará o problema de modo defmitivo.
ta bastante naqueles que têm um VEF1 menor do que 40% No trauma fechado, o pneumotórax em geral é provo-
do previsto e/ou apresentam infecção por germes resistentes, cado por uma solução de continuidade na pleura víscera!
como Pseudomonas aeiUginosa e BurkholdeTÚI cepacia. É es- determinada por espículas ósseas decorrentes da fratura de
perado que grande parte dos indivíduos com fibrose cística uma ou mais costelas. Em termos comparativos, é mais gra·
com mais de 18 anos apresente pelo menos um episódio de ve o trauma que provocou pneumotórax sem fratura costal,
pneumotórax. porque isso implica a ocorrência de uma grande hipertensão
Embora infrequente, em algumas mulheres ocorre re- endotorácica causada pela compressão de um tórax elástico
petição de episódios de pneumotórax relacionados com o e, portanto, potencialmente capaz de provocar ruptura de
período do ciclo menstrual. Nestas mulheres, é importante vias aéreas ou de vasos da base.
lembrar a possibilidade de pneumotórax catamenial, uma Um pneumotórax grande, em que a drenagem pleural se
condição rara e de fisiopatologia desconhecida. A presen- acompanha de intensa fuga aérea, sem lograr a reexpansão
ça de pequenos defeitos diafragmáticos que permitem a pulmonar completa e muitas vezes acompanhada de escar-
passagem de ar da cavidade peritoneal para a pleura, ou a ros hemáticos, deve levantar a suspeita de ruptura de grande
presença de implantes de focos de endometriose pleural, é via aérea, estando indicada a realização de uma fibrobron-
aventada como possível causa de pneumotórax catamenial. coscopia para comprovação diagnóstica imediata e orienta-
A ocorrência de pneumotórax pode significar a descom- ção terapêutica intervencionista (FIGURA 60.4).
pensação aguda de uma pneumopatia crônica (FIGURA 60.3).

Pneumotórax hipertensivo
Pneumotórax traumático A instalação de um mecanismo valvular ao nível da ruptu-
O pneumotórax traumático decorre de um trauma torácico ra da via aérea periférica ou no sítio de laceração da pleura
direto, aberto ou fechado. Nas lesões torácicas penetrantes, visceral pode resultar em pneumotórax bipertensivo, uma
todas as camadas da parede torácica são rompidas, permitin- das poucas condições potencialmente fatais em pneumo-
do a entrada de ar no espaço pleural. Quando a solução de tórax. Na maioria dos casos, o pneumotórax hipertensivo é
continuidade na parede torácica tiver um diâmetro maior do traumático, e seu significado patogênico é mais danoso se
instalado no hemitórax direito. Essa diferença se deve ao
fato de que as estruturas vasculares mediastinais desse lado
são predominantemente venosas e, portanto, mais fáceis de
serem comprimidas. Por outro lado, sabe-se que, quando a
pressão intratorácica excede 20 cmHzO, já bá uma redução
significativa do retomo venoso.
A manifestação clínica do pneumotórax hipertensivo é
muito chamativa: o paciente apresenta uma síndrome para-
doxal, com hipotensão arterial e hipertensão venosa. Essa
combinação clínica só tem equivalente no tamponamento
cardíaco, e o diagnóstico diferencial entre essas duas urgên-
cias médicas é feito a partir de outros elementos, como:

• Tamponamento cardíaco: llipotensão arterial, congestão


venosa, abafamento de bulhas, pulso paradoxal, ausculta
pulmonar simétrica.
• Pneumotórax hipertensivo: bipotensão arterial, conges·
FIGURA 60.3 ~ Tomografia mostrando um pneumotórax secundário tão venosa, assimetria torácica, abaulamento estático de
à esquerda em paciente portador de silicose grave, em lista de espera um hemitórax, ausculta assimétrica (abolida do lado dis-
para transplante. tendido).
oi

AGURA 60.4 ~ (A) trauma torácico grave provocado pelo cinto de segurança. (8) tomografia mostrando grande enfisema de mediastino de-
pois de drenagem pleural bilateral. (C) a broncoscopia virtual identificou a laceração na junção da traqueia com o brônquio principal direito.
(D) imagem da toracotomia direita mostrando a laceração traqueal onde se reconhece o balonete do tubo orotraqueal. Defeito facilmente
reparado.

Como o diagnóstico clínico é fácil, muitas vezes não há


sentido em protelar a confirmação à espera de exames de
Pneumotórax iatrogênico
imagem, com risco de parada cardíaca como consequência O pneumotórax iatrogênico é aquele causado por um proce-
do baixo débito. dimento médico invasivo, sendo tão mais frequente quanto
Quando radiografados, estes pacientes mostram imagens
características, com acentuado colapso pulmonar, desvio
contralateral do mediastíno, abaixamento da hemicúpula
diafragmática e ampliação dos espaços intercostais do lado
afetado (FIGURA 60.5).
A questão mais importante no manejo do pneumotórax
hipertensivo é o entendimento de que a urgência é desfazer
a hipertensão, protelando com segurança a drenagem com-
pleta e definitiva para um momento e ambiente adequados
e eletivos.
É incompreensível que pacientes portadores de pneu-
motórax hipertensivo, em nome de uma urgência mal-en-
tendida, sejam submetidos aos riscos de empiema pleural,
por uma drenagem intempestiva e sem os cuidados básicos
de assepsia.
Quando se punciona a cavidade hipertensa com uma
agulha calibrosa (agulha 12 é adequada), há descompressão
imediata, com a saída do ar sob pressão, ocorrendo resta- FIGURA 60.5 ~ Paciente recém-nascido com Apgar baixo e submetido
belecimento do retorno venoso e do equilíbrio hemodinâ- a manobras de res.suscitação. Pneumotórax hipertensivo à direita, pro-
mico. vavelmente secundário a barotrauma.
forem os procedimentos médicos realizados, estimando-se nos casos em que o achado foi incidental, é comum que os
que ocorra em 0,67/1.000 pacientes hospitalizados. Os pro- pacientes se lembrem de ter apresentado um episódio de dor
cedimentos mais relacionados com a ocorrência de pneumo- torácica ipsilateral poucos dias antes.
tórax são mostrados no QUADRO 60.1 . Não existe correlação entre atividade fisica e ocorrência
Os pacientes mais expostos à ocorrência de pneumotórax de pneumotórax, sendo, inclusive, mais usual o relato de ini-
iatrogênico são aqueles internados em unidades de terapia cio das manifestações quando os indivíduos se encontravam
intensiva (UTI). Um estudo mostrou que a incidência de em repouso.
pneumotórax em pacientes que permaneceram mais de 24 Como a maioria desses pacientes é jovem e não apre·
horas internados em UTI foi de 3%. senta doença pulmonar associada, a não ser nos casos de
Quanto à punção transtorácica de lesões pulmonares, o pneumotórax muito extenso, o mais frequente é que os sin·
risco de pneumotórax está relacionado com a doença pulmo- tomas respiratórios sejam leves, estando o relato de dor mais
nar de base e a profundidade da lesão no parênquima pul- presente do que o de dispneia. Curiosamente, nos pacientes
monar. Pacientes com enfisema pulmonar avançado podem jovens, e portanto com boa reserva funcional, é comum que
ter o procedimento contraindicado em função do risco de a dispneia não tenha relevância e que a redução da dor sig-
ocorrência de pneumotórax. nifique aumento da câmara de pneumotórax e consequente
afastamento das pleuras cujo contato deixa de ocorrer quan-
do a câmara aumenta. Em geral, com câmaras pequenas,
Apresentação clínica há relato de dor sobretudo em movimentos que facilitam o
atrito pleural, como caminhar, descer escadas, entre outros.
As queixas de dor torácica e dispneia são as mais frequentes Já nos pacientes com pneumotórax secundário, os sin-
quando ocorre pneumotórax espontâneo primário. A dor é tomas costumam ser mais importantes. A maioria refere
aguda e tem correlação com o lado do pneumotórax. Mesmo dispneia, podendo haver desproporção entre o tamanho do
pneumotórax e o grau de dispneia. A ocorrência de cianose e
hipotensão também é mais frequente entre os pacientes com
QUADRO 60.1 7 Procedimentos relacionados com pneumotórax pneumotórax secundário (FIGURA 60.6).

l•a·t·Jiwll@.t·l
Punção transtorácica 24 Diagnóstico
Punção venosa central (subclávia) 22 A ocorrência de dor torácica de início súbito em pacientes
jovens, principalmente se homens altos e magros, deve levar
Toracocentese 19 à suspeita de pneumotórax.
Nos casos de pneumotórax volumoso, a ausculta pulmo-
Biópsia transbrônquica 10 nar vai mostrar diminuição do murmúrio vesicular homo·
lateral, podendo haver também taquicardia, hipotensão e
Biópsia pleural
dispneia. A ocorrência de pneumotórax de tensão com risco
Ventilação com pressão positiva à vida é incomum no pneumotórax espontâneo primário.
A apresentação do pneumotórax secundário costuma
Punção venosa supraclavicular ser mais exuberante do ponto de vista dos sintomas, que po-
dem ser importantes a despeito de um pneumotórax míni-
Bloqueio de nervo mo, mas o exame físico costuma ser menos esclarecedor. A
Fonte: Adaptado de Light.' hiperdistensão da cavidade torácica presente nos pacientes

FIGURA 60.6 7 (A) pneumotórax hipertensivo à


direita. Observe o rebaixamento do diafragma e o
grande desvio do mediastino para a esquerda. (B)
pneumotórax volumoso à esquerda com rebaixa-
mento do diafragma, mas sem desvio do medias·
tino.
oi

com doenças pulmonares crônicas dificulta a avaliação de cogitar a possibilidade de que esse líquido seja sangue. Isso
mobilidade torácica, e a ausculta pulmonar também é fator pode ocorrer pela ruptura de uma aderência pleural no mo-
de confusão, pois é comum que esses pacientes tenham um mento em que o pulmão se afasta da parede pela presen-
murmúrio vesicular bastante diminuído pela presença de bo- ça do pneumotórax. Como essas aderências costumam ser
lhas e rarefação do parênquima pulmonar normal. vascularizadas pela circulação intercostal, tendo, portanto,
A radiografia de tórax deve mostrar a presença de uma pressão da circulação sistêmica, o sangramento pode ter um
linha pleural, correspondendo à imagem da pleura visce- volume importante, levando à necessidade de um procedi-
ral afastada da pleura parietal. Novamente, a presença de mento pleural imediato. Essa condição é suspeitada quando,
doença pulmonar bolhosa e cistos pulmonares e a perda da na drenagem do pneumotórax, houver saída de sangue vivo
capacidade elástica pulmonar com áreas hiperdistendidas (FIGURA 60.9 ).
dificultam, muitas vezes, a identificação de uma linha pleu-
ral que caracterize o pneumotórax. Quando há dúvidas em
relação ao diagnóstico de uma área de hipertransparência, a
tomografia é um exame bastante útil, facilitando a distinção
Volume do pneumotórax
entre o pneumotórax e uma bolha de enfiSema. A definição do volume do pneumotórax é importante para
Alguns autores afirmam que a realização de exames em que se tenha uma forma objetiva de quantificação, o que
expiração não demonstra maior sensibilidade no diagnóstico ajudará na escolha do tratamento a ser empregado. Existem
do pneumotórax espontãneo em relação à radiografia de tó- vários cálculos elaborados para definir o volume do pneu-
rax convencional em duas incidências, mas isso com certeza motórax, mas duas formas simples, uma adotada pela British
não é o que se observa em pacientes com pequenas câmaras Thoracic Society (BTS) e outra pelo American College of
e pulmão normal, que é justamente o que mais desinsufla na Chest Physicians (ACCP), podem fornecer dados adequados
expiração forçada, tornando a câmara de pneumotórax, que de um modo objetivo, claro e fácil de memorizar.
parecia apenas laminar, uma grande câmara de pneumotó- A BTS considera o espaço de ar entre a linha da pleura
rax (FIGURA 60.7). visceral e a parede torácica lateral na altura do hilo pulmo-
nar: uma distância de menos de 1 em caracteriza um pneu-

Diagnóstico diferencial
O diagnóstico diferencial entre pneumotórax e uma lesão
cistoide pode ser muito dificil ou impossível. A presença do
pulmão colabado contra o hilo, o aspecto do ângulo costo-
frênico e a ausência de septos na zona de hipertransparên-
cia do tórax são elementos importantes para o diagnóstico
diferencial entre as lesões mais comuns: enfisema lobar
congênito, enfisema intersticial, cistos e pneumatoceles (FI-
GURA 60.8).

Associação com derrame pleural


A presença de derrame pleural concomitante não é comum
em casos de pneumotórax. Quando isso acontece, deve-se

FIGURA 60.7 ~ (A) paciente jovem com pneumotórax


espontâneo primário laminar no ápice da cavidade di-
reita. (B) radiografia em expiraç.lo forçada mostrando
a ampliação da câmara de pneumotórax pelo colapso
pulmonar expiratório de um pulmão estruturalmente
normal.
FIGURA 60.8 ~ (A) recém-nascido com dificuldade respiratória progressiva. Lesão hiperinsuflada à esquerda. A presença de um septo separando-a do
lobo inferior, o envolvimento do lobo superior esquerdo e a hérnia contralateral através do mediastino anterior sugerem fortemente o diagnóstico de
enfisema lobar congênito. (B) a hiperinsuflação severa à direita com áreas bolhosas na metade inferior, em paciente sob ventilação mecânica pesada,
aponta para o diagnóstico de enfisema intersticial. (C) paciente do sexo feminino, quatro anos, com estafilococcia pleuropulmonar. Já se identificam
les6es cavitadas em lobo superior direito (pneumatoceles) na fase aguda da infecção. (O) depois de controlada a infecção, houve progressiva insuflação
da pneumatocele. Após dois meses, com dispneia e desvio contra lateral do mediastino, foi encaminhada para tratamento cirúrgico. (E) paciente do sexo
masculino, 1Omeses, com retardo do desenvolvimento e abaulamento do hemitórax direito. Lesão bolhosa hiperinsuflada com desvio acentuado do
mediastino. Aausência de pulmão colabado no hilo, o contorno arredondado do ãngulo costofrênico e a presença de uma zona de densidade interme-
diária na superficie diafragmática sugeriam a presença de uma lesão cística em lobo superior direito e compressão dos lobos inferior e médio contra o
diafragma. (f) grande cisto ocupando quase integralmente o lobo superior direito, tratado com lobectomia superior.
oi

AGURA 60.9 ~ (A) imagem de um pneumotórax à direita acompanhado de derrame pleural- observe o barramento do seio costofrênico à direita,
sugerindo a presença de liquido. (8) imagem de uma aderência no ápice da cavidade responsável pelo hemotórax associado.

motórax pequeno; uma distância de 1 a 2 em, um pneumo- A cessação do tabagismo diminui bastante a chance de
tórax moderado; e uma distância maior do que 2 em, um ocorrência de um segundo episódio. Não parece haver rela-
pneumotórax grande.• O ACCP considera a distância entre ção entre o tamanho do primeiro episódio e a ocorrência de
o ápice da cavidade pleural e a cúpula do pneumotórax: um novo. Quando ocorre um segundo episódio de pneumo-
quando essa distância for de 3 em ou mais, o pneumotórax é tórax, a chance de um terceiro é de mais de 60%.
considerado volumoso.' Em relação ao pneumotórax secundário, os índices de
recorrência parecem ser aínda mais elevados do que no
pneumotórax primário.
A realização de tomografia computadorizada nos pa-
Medida adotada pela BTS
cientes que apresentam o primeiro episódio de pneumotó-
Distância > 2 em = pneumotórax volumoso
rax ajudou a identificar aqueles que apresentam mais bolhas
Medida adotada pelo ACCP apicais, mas não conseguiu estabelecer uma relação com o
Distância > 3 em = pneumotórax volumoso risco de recorrência.

Um aspecto importante na avaliação do pneumotórax


e na or ientação da terapêutica consiste na determinação
do tamanho da câmara. Como um dos critérios para de-
finir a conduta intervencionista é o percentual de colapso
pulmonar, torna-se fundamental a noção de que o grau
de colapso só é uma informação confiável em pulmões
normais. Nos pacientes com DPOC ou com consolidações
extensas, traumáticas ou infecciosas, é comum o achado
de câmaras de pneumotórax com todos os sinais indiretos
de hipertensão, mas com colapso pulmonar apenas parcial
(FIGURA 60.10).

Recorrência
A recorrência de um segundo ou terceiro episódio de
pneumotórax espontâneo primário é um fato bastante
FIGURA 60.10 ~ Paciente com DPOC grave, vitima de várias fraturas
conhecido. Muitos estudos6.7 buscam a identificação de costais à esquerda, com pneumotórax hipertensivo deste lado (abai-
fatores que levem à recorrência para, assim, orientar a xamento da hernicúpula frênica, desvio do mediastino, ampliação dos
terapêutica a ser adotada. A ocorrência de um segundo espaços intercostais) e, ainda assim, com colapso pulmonar apenas
episódio é descrita em diversos trabalhos com um índice parcial, visto que as bolhas enfisematosas não se desin.suflam. Punção
variável de 20 a 54%. descompressiva: saída ruidosa de ar da cavidade pleural deste lado.
expansão do pulmão com a punção pleural por agulha, o mé-
Tratamento todo não deve ser repetido, devendo-se optar pela drenagem
A despeito dos diversos estudos acerca do tratamento do pleural fechada ou por uma videotoracoscopia. Nos casos de
pneumotórax, não existe um consenso estabelecido, havendo sucesso na expansão do pulmão, se não houver contraindica-
diferentes abordagens para o manejo inicial do pneumotórax ção, o paciente pode ser liberado para casa com orientações
espontâneo, tanto primário como secundário, e para a pre- semelhantes às dadas para os pacientes tratados com obser-
venção da recorrência. vação.
Dependendo do quadro clínico da apresentação ini- É importante considerar que os pacientes que apresen-
cial, do tamanho do pneumotórax e da presença ou não de tam pneumotórax secundário devem ser sempre tratados
doença preexistente, o manejo pode variar da observação com um olhar mais atento, estando indicada a internação
ambulatorial à internação até um procedimento cirúrgico hospitalar para observação clínica, com uso de oxigênio su-
(QUADRO 60.2). plementar mesmo nos casos em que o pneumotórax é peque-
no e o indivíduo está assintomático. A apresentação típica
do paciente com pneumotórax secundário é a de uma des-
Observação proporção clinicorradiológica, com necessidade de drena-
A observação está indicada nos pacientes jovens, assintomá- gem mesmo nos pneumotóraces pequenos.
ticos e com pneumotóraces espontâneos primários pequenos A presença de pneumotórax associado ao trauma e/ou
(menos de 3 em da cúpula do pulmão até o ápice da cavida- no paciente em ventilação mecânica também não deve ser
de). Alguns estudos mostram que o índice de recorrência é tratada de forma conservadora.
menor quando comparado com o de pacientes tratados com
drenagem pleural.
Quando a opção for pelo tratamento conservador, é Drenagem pleural fechada
importante certificar-se de que os pacientes estejam de- A drenagem pleural fechada está indicada para o tratamento
vidamente esclarecidos a respeito do seu problema e dos inicial do pneumotórax espontâneo primário ou secundário
sintomas decorrentes de um agravamento do quadro. Esses no paciente sintomático, nos casos de pneumotóraces volu-
pacientes também devem ter possibilidade de acesso imedia- mosos (distância medida da parede lateral à linha da pleura
to a um serviço de emergência, caso necessário. Antes de > 2 em), quando houver derrame pleural associado ao pneu-
liberá-los para casa, é recomendado que uma radiografia de motórax e no pneumotórax hipertensivo, que é um procedi-
tórax seja repetida seis horas após a primeira, sem demons- mento de urgência.
trar aumento no tamanho da câmara de pneumotórax. A drenagem pleural clássica é realizada através de uma
Uma nova consulta deve ser agendada dentro de 48 ho- pequena incisão de cerca de 2 em na altura do quarto ou
ras com outro exame de imagem. A estimativa da velocidade quinto espaço intercostal, na linha axilar média. Um dreno
de absorção do ar da cavidade pleural é de 1,25% do tama- pleural de calibre 22 a 28 Fr é utilizado na maioria dos ca-
nho do pneumotórax a cada 24 horas. Nos casos em que a sos. O procedimento é feito sob anestesia local. O bloqueio
observação se dá em ambiente hospitalar, o uso de oxigênio anestésico do espaço intercostal com bupivacaina antes da
suplementar através de cateter nasal acelera essa absorção inserção do dreno, além da anestesia com lidocaína, alivia
em até quatro vezes. bastante o desconforto provocado pela passagem do dreno.
Atualmente, alguns sistemas de drenagem fornecidos em
forma de kits permitem que o dreno seja introduzido de for-
Aspiração por agulha ma transcutânea, pela técnica de Seldinger.
A aspiração por agulha tem se mostrado, em alguns estudos, É importante observar que, ao drenar um pneumotórax
tão eficaz quanto a drenagem pleural no manejo do episódio grande ou um pneumotórax presente há alguns dias, a reex-
inicial, tendo a seu favor a simplicidade e a diminuição da pansão do pulmão deve ser feita de forma lenta. Isso ajuda a
necessidade de internação hospitalar. Quando não houver evitar a ocorrência do edema pulmonar de reexpansão. Esse
edema tem sido atribuído, hoje em dia, à injúria de reperfu-
são com liberação de radicais livres de oxigênio e representa
uma complicação potencialmente grave, podendo se asso-
QUADRO 60.2 ~ Opções de tratamento no pneumotórax ciar a uma mortalidade de até 20% naqueles pacientes que
ficam sintomáticos logo depois da reexpansão pulmonar.
- Observação A utilização da válvula unidirecional de Heimlich tam-
- Aspiração por agulha bém tem se mostrado uma opção no tratamento de pacientes
- Drenagem percutânea que exijam drenagem pelas dimensões e/ou repercussão clí-
- Válvula de Heimlich nica do pneumotórax. Estudos comparando o uso da válvula
- Cateter pleural de Heimlich com a drenagem em selo d'águas.9 mostraram
- Drenagem por toracostomia
efetividade semelhante, com a vantagem de permitir que al-
- Selo d'água
- Drenagem por toracostomia e pleurodese química
guns pacientes sejam tratados de forma ambulatorial com a
- Videotoracoscopia válvula.
- Toracotomia O uso da drenagem pleural fechada associado a um siste-
ma de aspiração não está indicado de rotina, ficando reser-
..

vado para os casos em que ocorre fuga aérea persistente e com técnicas que apresentem a menor morbimortalidade
não há expansão adequada do pulmão após 48 horas da co- possível. As indicações para o tratamento cirúrgico são apre-
locação do dreno pleural. Embora não existam dados cien- sentadas no QUADRO 60.3.
tlficos que comprovem a eficácia da aspiração, a explicação O tratamento cirúrgico por meio de uma toracotomia
de que a sucção acelera a saída do ar da cavidade pleural e lateral com pleurodese abrasiva foi o primeiro método des-
permite que os folhetos pleurais fiquem em contato, favore- crito no tratamento do pneumotórax. Na sequência, houve
cendo a cicatrização da fístula alveolar, faz com que muitos a recomendação de pleurectomia e ressecção das blebs sub-
cirurgiões queiram utilizá-la. pleurais, procedimentos que apresentavam um risco muito
Um estudo com pacientes tratados por drenagem pleural baixo de recorrência (cerca de 1%), mas uma morbidade
fechada 10 mostrou que 80% dos casos se resolvem com sete expressiva, com perda sanguínea importante e dor significa-
dias de drenagem e que o tempo médio de drenagem foi de tiva. Posteriormente, o uso de uma minitoracotomia axilar
cinco dias, sendo que a maioria dos pacientes foi manejada com ressecção das bltbs e pleurodese abrasiva mostrou um
com drenagem em aspiração. resultado similar com menos morbidade.
A chegada da videotoracoscopia, permitindo a realização
do procedimento por pequenas incisões de não mais de 2 em,
Pleurodese química praticamente do mesmo tamanho da incisão utilizada para a
A administração de um agente esclerosante pelo dreno de colocação de um dreno plcural, estimulou os cirurgiões a in·
tórax, com objetivo de provocar adesão pleural e com isso dicarem a cirurgia torácica videoassistida de forma cada vez
minimizar as chances de recorrência do pneumotórax, deve mais precoce no tratamento do pneumotórax, buscando dimi-
ser reservada aos pacientes que apresentam contraindicação nuir o tempo de internação c a chance de recorrência.
para o tratamento cirúrgico, já que os resultados são infe· A vidcotoracoscopia permite a inspeção do pulmão em
riores aos das outras técnicas de tratamento, com indices de busca de bolhas subpleurais e a ressecção delas com uso de
recorrência de cerca de 20%. grampeadores endoscópicos, além da realização de pleurec-
Dentre os agentes estudados, a tetraciclina tem se mos-
tomia apical ou pleurodese abrasiva.
trado um dos mais efetivos e com menos efeitos colaterais.
Hoje, embora alguns estudos ainda sugiram que a tora-
Um dos problemas relatados na administração da tetracicli·
cotomia com pleurectomia seja o procedimento com menor
na é a dor, que pode ser amenizada com o uso de lidocaína índice de recorrência (cerca de 1%), 12 a associação de resul-
misturada à tetraciclina.
tados- dor pós-operatória, tempo de permanência hospita·
O talco é outro agente bastante estudado para a reali-
lar e perda de função pulmonar - faz da videotoracoscopia
zação de pleurodese, principalmente no tratamento do der-
com bulectomia e pleurodese o procedimento de escolha no
rame pleural maligno. Embora seja bastante efetivo, o uso
tratamento cirúrgico do pneumotórax espontâneo primário.
em pacientes jovens com pneumotórax espontâneo não é
Uma questão controversa diz respeito ao melhor mo-
recomendado.
mento para indicar a profilaxia da recorrência. A maioria
A pleurodese química com objetivo de diminuir o tempo
dos cirurgiões é historicamente favorável à indicação de pro-
de escape aéreo também é utilizada, embora os estudos rea-
cedimento cirúrgico depois do segundo episódio, quando a
lizados sejam controversos em relação a essa prática.
chance de novas recorrências é maior.
Há, mais modemamente, uma corrente que defende a
Tratamento cirúrgico inspeção da cavidade pleural com videocirurgia já no primei-
O momento ideal para indicação do tratamento cirúrgico é ro episódio se, pelo volume da câmara ou pela repercussão
motivo de bastante controvérsia na literatura. Um estudo clinica, existir indicação de drenagem pleural. Em vez de
de pacientes com episódios de pneumotóraces espontâneos uma drenagem convencional, pela mesma minúscula inci-
primários tratados com drenagem pleural fechada e que per· são, seria inserida uma cámera de vídeo para inspecionar a
maneciam com escape aéreo no sétimo dia" mostrou que cavidade pleural. Na presença de blebs apicais, proceder-se-
em todos houve resolução do escape em 14 dias. Entre os
pacientes com pneumotórax secundário, a resolução se deu
em 79% dos casos. Em geral, admite-se que os pacientes QUADRO 60.3 -+ Indicações de tratamento cirúrgico no
com escape aéreo por mais de três dias sejam avaliados com pneumotórax
vistas ao tratamento cirúrgico.
O tratamento cirúrgico pode ser realizado por meio de - Segundo episódio do mesmo lado
uma minitoracotomia axilar, por uma videotoracoscopia ou - Pneumotórax contralaterat
mesmo por uma toracotomia lateral. A toracotomia lateral - Pneumotórax bilateral
é reservada, em geral, para os pacientes com pneumotórax - Não expansão pulmonar
secundário ou no caso de recorrência após tratamento cirúr- - Fuga a«ea persistente por mais de S a 7 dias
- Hemotórax assooado
gico utilizando outras vias. - Profissões de risc:o (mergulhadores, pilotos)
O objetivo do tratamento cirúrgico é tratar a fistula pleu- - Primeiro episódio em pacieflte distante de recursos médicos
ral, abreviar o tempo de internação e prevenir a recorrência,
-ia à ressecção delas com a pleurodese subsequente, que as-
seguraria a resolução definitiva do problema já no primeiro
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FIGURA 60.11 ~ (A) e (B) a inspeção da cavidade pleural através da


videotoracoscopia revela a presença de bolhas apicais. (C) ressecção das
bolhas no tratamento do pneumotórax com uso de cirurgia torácica
videoassistida.
oi

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José Carlos Felicetti
61
Tiago Noguchi Machuca

A cavidade pleural costuma ser preenchida por 100 a 300


Introdução mL de líquido pleural com baixa concentração de proteínas
Estatísticas internacionais estimam que derrames parapneu- e celularidade composta essencialmente por linfócitos, célu-
mônicos ocorram em 20 a 40% dos pacientes hospitalizados las mesoteliais e macrófagos. Após o acometimento do pa-
por pneumonia.' A importância da sua identificação reside rênquima pulmonar pelo processo pneumônico, a extensão
no fato de que a presença de derrame parapneumônico por da inflamação até a superfície pleural é caracterizada pelo
si só confere pior prognóstico, associado a uma mortalidade acúmulo de exsudato no espaço pleural. Esse exsudato é for-
em tomo de 15%.2 Além disso, o derrame parapneumônico mado a partir do acúmulo de líquido no espaço intersticial
representa um espectro que vai desde o derrame pleurallami- do pulmão e também pelo aumento da permeabilidade dos
nar sem demanda inicial por intervenção até o empiema pleu- capilares pleurais. Esse processo inicial é controlado por me-
ral, que invariavelmente necessita de abordagem invasiva. diadores pró-inflamatórios como as interleucinas 1 e 8 e o
O empiema pleural é definido pela presença de pus no fator de necrose tumoral (TNF) alfa.
espaço pleural. Apesar de a maioria dos empiemas (cerca A bioquímica e a microbiologia do líquido pleural nesse
de 60%) ser decorrente de infecções pulmonares, essa com- estágio se caracterizam por pH > 7,2, glicose > 60 mg/dL,
plicação também pode ser secundária a procedimentos ci- desidrogenase láctica (LDH) inferior a 3x (geralmente <
rúrgicos torácicos, trauma torácico (sobretudo hemotórax), 1.000 IU/L) o valor normal e ausência de crescimento bacte-
perfuração esofágica e, mais raramente, contiguidade com riano. Essa é a fase I- chamada de exsudativa.
infecções da cavidade abdominal. Outra causa infrequente Caso o paciente não receba o tratamento adequado, a
de contaminação pleural é a partir de disseminação hemato- progressão desse quadro se faz pelo recrutamento de neu-
gênica de um foco distante. O objetivo deste capítulo é abor- trófilos e macrófagos. A atividade dessas células na tenta-
dar o derrame parapneumônico, com algumas considerações tiva de combater o processo infeccioso é responsável pelo
quanto ao empiema pós-pneumonectomia. acúmulo de material fibrinopurulento. Durante esse proces-
so, a lise celular intensa é responsável pelo pH < 7,2 e pela
desidrogenase láctica > 3x o normaL Demais características
do líquido pleural nesse estágio são a glicose < 60 mg/dL
Fisiopatologia e a positividade microbiológica quando submetido à cultura
A classificação do derrame parapneumônico em três fases ou Oram. Vários mediadores, entre eles novamente o TNF-
distintas data de 1962, feita pela American Thoracic Socie- ·alfa, são responsáveis por um desequi!fbrio entre as ativi-
ty.3 Entretanto, apesar de antiga, essa terminologia ainda é dades de coagulação e fibrinólise, com claro favorecimento
amplamente utilizada e fornece orientação quanto à condu- da primeira. Por esse motivo, várias loculações e aderências
ta terapêutica. também são características desse estágio. Essa é a fase 11 -
fibrinopurulenta. A progressão para a fase II também carac- Apesar do tratamento "adequado", os pacientes persistem
teriza o derrame pleural parapneumônico complicado. com febre e dor torácica. Outros sinais e sintomas frequen-
A terceira fase é fortemente influenciada pela ação do tes são dispneia, taquipneia, tosse. No caso de pacientes
fator transformador de crescimento beta (TGFB) e do fator imunossuprirnidos, idosos ou com empiema por anaeróbios,
de crescimento derivado de plaquetas (PDGF), sendo ca- a evolução tende a ser mais insidiosa, com febrículas, perda
racterizada pelo recrutamento de fibroblastos. A atividade de peso, inapetência e anemia.
dessas células é responsável pela formação de verdadeiras
carapaças pleurais, tanto na pleura parietal quanto na pleu-
ra visceral. Funcionalmente, essa situação tem repercussão
negativa sobre a mecânica respiratória, causando distúrbio
Investigação diagnóstica
ventilatório restritivo decorrente do encarceramento do pa- Após a suspeita de um derrame pleural parapneumônico, a
rênquima pulmonar. Essa é a fase III-em organização. investigação segue com exames complementares. O hemo-
A evolução de todo esse espectro varia de paciente para grama em geral mostra sinais infecciosos, como leucocitose,
paciente, mas estima-se que, para um derrame parapneumô- desvio à esquerda ou granulações tóxicas. Entretanto, em ca-
nico chegar a um empiema crônico, exista um curso de 3 a sos mais arrastados, o único sinal achado pode ser de anemia
6 semanas. de doença crônica.
O exame que aponta para a existência do derrame pleu-
ral é a radiografia de tórax. Para a obliteração do seio cos-
Microbiologia tofrênico na incidência posteroanterior, é necessária uma
quantidade de aproximadamente 200 a 500 mL de líquido
Os patógenos responsáveis pelo derrame parapneumônico livre no espaço pleural. Já uma radiografia em decúbito la-
variam bastante na dependência de a infecção ser adquirida teral com raios horizontais consegue identificar uma quan-
na comunidade ou dentro de ambiente hospitalar. No pri- tidade muito menor de líquido livre na cavidade pleural.
meiro caso, observa-se predominância de Staphylococcus Entretanto, a identificação do derrame pleural em radiogra-
aureus, Streptococcus pneumonwe e Streptococcus pyogenes. fias com extensas consolidações pode ser uma tarefa dificil.
Entretanto, grandes estudos multicéntricos têm mostrado Ademais, a radiografia não fornece dados claros quanto à
uma prevalência cada vez maior de infecção por Streptococ- presença de septações e de depósitos de fibrina. Todos esses
cus viridans e anaeróbios.•.s No caso de infecções nosoco- dados são importantes para a tomada de decisões e podem
miais, predominam S. aureus (geralmente resistentes à meti- ser fornecidos pelo ultrassom. Esse método de imagem tem
cilina) e os gram-negativos, com uma parcela muito pequena se tornado cada vez mais disponível e já vem sendo recomen-
de anaeróbios. dado em artigos de revisão.
Dentre os agentes menos frequentes, destaca-se Candida
sp., que deve sempre ser relacionada com ruptura esofágica
ou condições de imunossupressão.
[I] ATENÇÃO
Apesar dos dados fornecidos pela radiografia de tó-
Apresentação clínica raxtultrassom e ainda a despeito da sua pronta dis-
ponibilidade, a tomografia é o exame de imagem
~ ATENÇÃO que fornece a melhor avaliação das estruturas in-
tratorácicas em pacientes com suspeita de derrame
Uma fração considerável de pacientes apresenta con- pleural parapneumônico.
dições de base associadas a maior risco de derrame
para pneu mônico complicado. Entre elas, destacam-
-se pneumopatia crônica, uso de drogas ilfcitas, A tomografia mostra a situação do parênquima pulmo-
refluxo gastresofágico, imunossupressão (seja por nar subjacente ao derrame, a presença de lesões associadas
diabete, virus da imunodeficiência humana - HIV, (abscesso ou neoplasia pulmonar) e coleções septadas inter-
uso de medicações ou desnut rição). Além disso, con- cissu rais e mediastinais não identificáveis pelo ultrassom.
dições como sepse dentária, etilismo e broncoaspi- Ainda podem ser identificadas septações e espessamento
ração estão associadas a derrame complicado por pleural com realce por meios de contraste, sinais estes indi-
germes anaeróbios. cativos de derrame pleural complicado.
Um importante questionamento durante a avaliação do
paciente com derrame pleural é a indicação ou não de se
A apresentação clfnica do paciente depende sobretu- realizar a toracocentese diagnóstica. No caso dos derrames
do da sua condição imunológica e do patógeno causal. Pa- parapneumônicos, essa investigação se faz necessária em
cientes antes hígidos, com derrame complicado causado quase todos os casos, exceção apenas para os casos de pe-
por aeróbios, classicamente se apresentam com quadro de quenos derrames livres ( < 1 em no ultrassom ou na radiogra-
pneumonia de evolução mais prolongada do que o habitual. fia em decúbito lateral}.
O líquido pleural deve ser encaminhado para: esse tipo de derrame é infrequente e, uma vez diagnostica-
do, deve ser observado cuidadosament.e e puncionado caso
• Bioqufmica: LDH, pH, glicose. A adenosina deaminase o paciente não apresente melhora clínica com tratamento
elevada aponta para derrame de origem tuberculosa, adequado ou se houver progressão do volume do derrame.
apesar da possibilidade de elevação em derrames ncu- Os derrames pequenos a moderados (A,) devem sempre
troiilicos parapneumônicos causados por germes con- ser puncionados c, caso não haja critério microbiológico ou
vencionais. bioquímico de má evolução, são considerados de baixo risco
• Microbiologia: Grame cultura são critérios para classifi- e podem ser observados. O ideal nesses casos é a realização
cação de derrames parapneumônicos como complicados. de uma toracoeentese terapêutica, eom aspiração de todo o
• Citologia: as contagens total e principalmente diferencial líquido pleural possível para que se possa realizar um moni-
de células fornecem dados que reforçam a origem infec- toramento quanto ao seu reacúmulo.
ciosa do derrame. No caso de derrames volumosos, loculados ou eom es-
pessamento da pleura parietal (AJ, ou derrames eom positi-
A despeito do elevado indiee de suspeição para derrame vidade microbiológica ou bioqufmica (pH < 7,2 ou glioose S
parapneumônieo, os critérios de Light para exsudato devem 60 mg/dL), o risco de má evolução já é moderado e o pacien-
sempre ser considerados durante a avaliação diagn66tica te precisa de uma intervenção, pelo menos uma drenagem
torácica formal.
Pacientes com empiema (obtenção de pus na punção
Tratamento plcural B~ já apresentam um estágio mais avançado do der-
rame parapneumOnico c também um maior risco associado.
Em 2000, o Amcrican College of Chest Physicians publicou Essa condição também demanda intervenção cirúrgica.
uma diretriz formulada por autoridades renomadas no as- A partir do momento em que se faz o diagnóstico de um
sunto e com uma abordagem baseada em evidências.6 Vale derrame pleural complicado (risco moderado) ou empiema
lembrar que, no território nacional, os principais pontos (risco elevado), é apropriado que o paciente seja submetido
desse consenso foram reforçados em 2006 pela Sociedade a uma tomografia de tórax. A tomografia fornece dados que
Brasileira de Pneumologia e Tisiologia, nas suas "Diretrizes serão cruciais para a definição do procedimento de escolha
na Abordagem Diago66tica e Terapêutica das Doenças Pleu- para determinado paciente. Por exemplo, não seria adequa-
rais".7Sua sequência é bastante prática, pode ser utilizada na do submeter um paciente com derrame complicado a uma
prática clínica diária e segue a classificação do QUADRO 61 .1. drenagem torácica tubular sem antes obter dados de uma to-
Seguindo essa classificação, os derrames mínimos (Ao) mografia para posteriormente descobrir que existem várias
e sem critérios bacteriológicos ou bioqulmicos positivos são loculações não abordadas pelo dreno (FIGURA 61 .1 ).
considerados de muito baixo risco e podem ser observados No caso da ausência do pH, pode-se utilizar a glicosc
sem necessidade inicial de toracocentese. Destaca-se que como parâmetro bioqulmico para tomada de decisões. Nesse
caso, glieose < 60 mg/dL deve ser considerada como indica-
ção de intervenção.

QUADRO 61 .1-+ Avaliação do derrame pleural parapneumônico


segundo características anatõmicas, bacteriológicas e bioquímicas

A. características Anatõmicas do derrame - tamanho, presença ou


ausblcia de septações e situ.lçJo da pleura parietal (espessada ou
n~o)

Ao - derrame mlnimo (<1 cm), livre na caVIdade Radiograf,. decúboto Radiografia decúbito
A, - derrame > 1 em, porém < 50% do hemitórax lateral ou uhrauom lateraJ ou uttrassom
A,- derrame > 50% do hemitórax OU derrame loculado OU < 10mm > 10mm
derrame com espessamento da pleura parietal

B. Características J!acteriológicas do derrame - identificaçiio de


l l
Observa~ão com TORACOCENTESE
germe no Gram ou na cultura do liquido pleural reavaliação clfnico- I
B, - status microbiológico desconhecido ·radiol6gica
l
80 - ausência de identificação de germes no Grame na cultura pH < 7,2 ou
B,- identificação de germe no Gramou na cultura Mterobiok>gia + pH 7,2 t
2:

ou pus
MKrobiolog10 -
81- presença de pus no aspirado pleural

C. caracterlsticas bioquímicas do derrame - dados de pH (quando


pH indisponlvel, pode-se uti6zar glicose)
1 1
lntorwnção
C. - pH desconhecido (Figura 61.2)
C.- pH ó! 7,2 (ou glicose > 60 mgldU
C,- pH < 7,2 (ou glicose S 60 mgldU FIGURA 61 .1 -+ Abordagem do derrame parapneumõnico.
Uma vez tomada a decisão pela intervenção cirúrgica, forma, o cirurgião pode realizar uma limpeza mais efetiva
deve ser definida a estratégia a ser utilizada: drenagem torá- da cavidade pleural, com lise das coleções e remoção da
cica fechada, videotoracoscopia, decorticação pulmonar ou fibrina acumulada. Ainda com relação ao fato de ser uma
pleurostomia (FIGURA 61 .2). abordagem minimamente invasiva, a videotoracoscopia estã
A drenagem torácica fechada é empregada em pacien- relacionada com menor tempo de permanência hospitalar,
tes com derrame em fase II inicial, ou seja, existem sinais melhor aspecto cosmético e possibilidade de emprego em
laboratoriais de complicação (Gramou cultura positivos, pH pacientes com condições clínicas limítrofes que contraindi-
< 7,2 ou glicose < 60 mg/dL), mas o derrame ainda per- cariam uma toracotomia formal. O índice de resolubilidade
manece livre no espaço pleural. O dreno pode ser inserido da videotoracoscopia é elevado (acima de 80%), e no segui-
sob anestesia local com sedação seguindo técnica descrita. mento a maioria dos pacientes apresenta provas de função
A atenção deve ser redobrada quanto ao espaço intercostal pulmonar normais.
para inserção do dreno, uma vez que existe retração cranial As falhas da videotoracoscopia estão associadas a uma
do diafragma pelo processo cicatricial pleural. avaliação de imagem pré-operatória que subestima o está-
Após a evacuação da cavidade pleural, a evolução espe- gio do derrame. No momento do procedimento, o cirurgião
rada é de franca melhora clínica e radiografia com expansão se depara com espessamento pleural importante que dificil-
pulmonar adequada. Caso essas duas condições não sejam mente será decorticado de maneira adequada por essa via. 9
atingidas, deve-se revisar o tratamento proposto (antibió- Em estudo prospectivo randomizado comparando a vi-
ticos, posicionamento do dreno, distocia do dreno) e even- deotoracoscopia com a drenagem torácica associada ao uso
tualmente considerar tratamento de resgate. Uma vez que de estreptoquinasc, pacientes do primeiro grupo apresenta-
se obtenha a evolução esperada, a melhora clínica é progres- ram maior taxa de sucesso com o tratamento primário (91%
siva. Anatomicamente, a aposição entre as pleuras parietal vs. 44% ), menor tempo com dreno torácico (5,8 vs. 9,8 dias)
e víscera! com obliteração do espaço pleural impede o acú- e menor tempo de permanência hospitalar (8,7 vs. 12,8 dias).
mulo de líquido e o crescimento bacteriano, favorecendo a Na análise dos gastos hospitalares, também houve tendência
10
resolução do processo. de menores gastos com a videotoracoscopia.
Apesar de vãrios estudos na literatura defenderem o uso A decorticação consiste na remoção de todos os debris c
de agentes fibrinollticos no derrame parapneumônico compli- loculações pleurais com a ressecção do tecido fibroso que se
cado, não existe evidência clara quanto ao seu benefício. Os re- formou na pleura parietal e na pleura víscera! (derrame parap-
sultados são controversos, e uma metanãlise recente não con- neumõnico em fase UI). Esse procedimento pode ser empre-
seguiu mostrar diferença significativa quanto à mortalidade ou gado em pacientes com falha no tratamento inicial (drenagem
necessidade de intervenção cirúrgica de resgate quando do uso torácica ou videotoracoscopia) ou ainda como primeira esco-
desses agentes.8 As diretrizes brasileiras sugerem o uso de es- lha em pacientes que apresentem sinais de espessamento pleu-
treptoquinase intrapleural em pacientes com derrame parap- ral com encarceramento pulmonar na tomografia de tórax..
neumônico loculado com alto risco para intervenção cirúrgica. Destaca-se que a situação do parênquima pulmonar tam-
A videotoracoscopia tem a vantagem de proporcionar bém deve ser avaliada na tomografia, uma vez que a decor-
visão direta e acesso às loculações e coleções pleurais que ticação dificilmente obterá sucesso em casos com compro-
não seriam abordadas com uma drenagem simples. Dessa metimento pulmonar importante. A decorticação em geral é

Derrame pleural parapneumônico complicado ou empiema

TC sem evidência de
septações e sem TC com evidência TC com evidênóa de
encarceramento de sept..;ões encarceramento pulmonar
pulmonar

l l J;
Paciente com
'L
Paciente sem
Drenagem torácica Pleuroscopia
condições condições
fechada clínicas e clínicas ou
parênquima parênquima
viável dest,-uído

l l
Decorticação Pleurostomia FI GURA 61 .2 ~ Abordagem cirúrgica do derrame
pleural complicado.
realizada por uma toracotomia lateral e, pela dificuldade na Em pacientes com empiema precoce, a apresentação
remoção de toda a carapaça pleural, pode haver sangramen- clínica é marcada por disfunção respiratória e expectoração
to moderado. Portanto, as condições clinicas do paciente de- de secreção sero-hemática. Nesse momento, a prioridade é a
vem ser cuidadosamente avaliadas no pré-operatório. preservação do pulmão remanescente, evitando a sua inun-
Os objetivos da decorticação são controle do foco infec- dação. Portanto, o paciente deve ser posicionado em decú-
cioso e recuperação da função pulmonar. Para que se obte- bito lateral sobre o lado da pneumonectomia. A conduta a
nha o segundo objetivo, é fundamental que exista expansão seguir consiste em drenagem torácica fechada (uma vez que
pulmonar adequada pós-procedimento. na maioria dos casos ainda não existe fixação do medias tino)
Em um estudo focado na função pulmonar pós-operató- e fibrobroncoscopia para avaliar o status do coto brônquico.
ria de 26 pacientes com empiema submetidos a decorticação, Caso se confirme a presença de fístula broncopleural
mostrou-se uma melhora tanto no volume expiratório força- (o que ocorre na maioria das vezes), a boa evolução do pa-
do no primeiro segundo- VEF, (de 50% do previsto para ciente dependerá da resolução da fístula. Para a obtenção
69% do previsto no pós-operatório) quanto na capacidade desse objetivo, o paciente deve ser submetido à toracotomia
vital - CV (de 62 para 79% do previsto no pós-operatório). 11 com debridamento do coto brônquico e ressutura. A fim de
Mais recentemente, autores da Duke University realiza- proporcionar vascularização e reforço adequados para a ci-
ram estudo comparativo entre a decorticação via toracoto- catrização do coto brônquico, podem ser utilizados retalhos
mia formal e a decorticação por videotoracoscopia. 12 Em 420 musculares (intercostal, serrátil anterior ou grande dorsal),
pacientes analisados, o tempo de permanência hospitalar e pleurais ou pericárdicos.
o índice de complicações pós-operatórias como escape aé- Em pacientes com empiema pós-pneumonectomia tar-
reo prolongado, reentubação e necessidade de ventilação dio, já existe fixação das estruturas mediastinais, com a pos-
mecãnica foram menores no grupo da videocirurgia. Com sibilidade de drenagem aberta. O status do coto brônquico
o avanço das técnicas minimamente invasivas, a tendência é também deve ser avaliado, e este deve ser reabordado em
que a decorticação por videotoracoscopia seja cada vez mais casos de fístula. Pelo fato de o processo ser crônico, o acesso
empregada. ao coto brônquico por toracotomia do lado da pneumonec-
Uma última alternativa para pacientes com derrame tomia nem sempre é possível. Alternativas descritas são o
parapneumônico em fase Ill que apresentem comprometi- acesso transestemal transpericárdico, o acesso por toracoto-
mento extenso do parênquima pulmonar ou que não tenham mia contralateral e, mais recentemente, o fechamento com
condições clínicas de tolerar uma cirurgia aberta com de- grampeador por acesso cervical e o uso de sei antes/dispositi-
corticação (cuja mortalidade fica em tomo de 10 a 15%) é a vos por broncoscopia.u·"
drenagem aberta. Nesse caso, o objetivo primário toma-se o
controle do foco infeocioso por meio de drenagem adequada.
Pode-se realizar a secção do dreno de tórax junto à pele,
ou ainda uma pleurostomia formal, com ressecção de cos-
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rac Soe. 2006;3(1 ):75-80.
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se houver drenagem adequada com controle da infecção, o 2. Sahn SA. Management of complicated parapneumonic effusions.
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Em pacientes com dreno, este deve ser tracionado perio- 3. Millcr DL. Empycma and bronchoplcural íistula. In: Pattcrson
dicamente até a sua remoção completa. Em pacientes com GA, Coopcr JD, Dcslauricrs J, Lcrut AEMR, Lukcticb JD, Rice
pleurostomia, o acompanhamento deve ser realizado até o TW, et ai. Pearson's thoracic & csophageal surgery. 3rd ed. Philadel-
fechamento espontãneo (em geral ocorrendo em 5 a 6 me- phia: Churcbill Livíngstonc/Elscvicr; 2008. p. 904-10.
ses). Em casos de controle adequado da infecção porém com 4. Septimus EJ. Plcural effusion and empyema. ln: Mandcll GL,
permanência do orificio, pode-se realizar eletivamente a in- Bennctt JE, Dolin R. Mandell, Douglas, and Bennctt's principies
terposição de um retalho muscular para o seu fechamento. and practicc of infcctious discascs. 7th cd. Philadelphia: Churchill
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plcural úúcction. N Eng J Mcd. 2005;352(9):865-74.

~ATENÇÃO 6. Colicc GL, Curtis A, Dcslauriers J, Heffner J, Ligbt R, Litten-


berg B, et ai. Medicai and surgical treatment of parapncumonie
O empiema pós-pneumonectomia é uma situação de cffusions: an cvidcncc-bascd guidclinc. Chcst. 2000;118(4):1158-71.
elevado risco e de manejo complexo. Sua incidência 7. Marcbi E, Lundgren F, Mussi R. Derrame pleural parapncumõni-
varia de 2 a 16%, e a mortalidade pode chegar a im- co e empiema. J Bras Pneumol. 2006;32(Supl4):s190-6.
pressionantes 40%. A maioria dos casos está asso-
8. Tokuda Y, Matsushima O, Stein GH, Miyagi S. lntrapleural fibri-
ciada a flstula broncopleural. O empiema pós-pneu- nolytic agcnts for cmpycma and complicatcd parapneumonic effu-
monectomia é dividido em precoce (<3 semanas sions: a mcta-analysis. Chest. 2006;129(3):783-90.
pós-ressecção) e tardio (:::: 3 semanas da ressecção).
9. Cassina PC, Hauser M, Hillejan L, Grescbuchna O, Stamatis G. 13. Grotb SS, D'Cunha J, Andrade RS, Maddaus MA, Rueth NM.
Vidco-assistcd thoracoscopy in thc trcatmcnt of plcural cmpyema: Mcdiastinoscopy-assistcd minimally invasivc closurc of a broncho-
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pleural effusion and empyema. Respiration. 2008;75(3):241-50.
José J. Camargo
Fabfola Adélia Perin
62
Causas A incidência de quilotórax como complicação cirúrgica
é variável: ocorre em 0,42% após cirurgia torácica em geral,
O quilotórax pode ocorrer de forma espontânea ou traumática. 0,44% após transplante pulmonar e 4% após esofagectomia.
A forma espontânea é relatada após esforço de tosse, O cateterismo de veia central pode ser causa de quilotó·
vômito e em consequência de traumas do parto, em recém· rax por lesão direta do dueto torácico à esquerda ou por sua
-nascidos. Sua forma mais frequente está associada ao lin foma, obstrução do dueto secundária a trombose venosa central.
responsável por 70% dos episódios de quilotórax espontâneo.
Com menor frequência, ocorre em doenças relacionadas
com alterações dos vasos linfáticos, como a linfangioliomioma-
tose, associada ao quilotórax espontâneo em dois terços dos
Quadro clínico
pacientes, e, de forma mais rara, como manifestação clinica de As manifestações clínicas estão associadas à causa do quilo-
amiloidose, bócio, trombose de veia cava superior e síndrome tórax e à velocidade de perda do quilo, e consequentemente
de Gorbam-Stout, ocorrendo em 17% dos casos. Raramente do volume acumulado.
pode estar associado à síndrome de Down, por mecanismos Dispneia, tosse e dor torácica estão associadas à pre-
ainda não esclarecidos, e à sindrome das unhas amarelas, que sença de lfquido no espaço pleural. A perda de proteínas,
apresenta vasos linfáticos bipoplásieos e dilatados. linfócitos e imunoglobulinas toma o paciente imunocompro-
Hipertensão porta, cirrose, sarcoma de Kaposi, filariose, metido e suscetível a infecções graves rapidamente, podendo
pscudoeisto pancreático e tuberculose também podem asso- associar-se a índices de mortalidade de até 50%. Um aspecto
ciar-se, ainda que isso seja raro, a episódios de quilotórax es- importante é que, sendo o quilo bacteriostático, raras vezes
pontâneo. o foco de infecção é pleural.
A obstrução do dueto pode ocorrer igualmente por linfo- O acúmulo rápido de quilo no espaço pleural pode acar-
nodomegalias mediastinais ou como resultado da radioterapia. retar desequilíbrio eletrolltico e hipovolemia, enquanto a
perda lenta leva a emagrecimento e perda de massa mus-
cular, secundários à desnutrição. A concentração plasmática
de certos fármaeos deve ser monitorada devido à sua perda
no quilo drenado.
O derrame pleural quiloso ocorre com maior frequência
no espaço pleural direito por dissecção da pleura mediasti·
nal posterior e ruptura da mesma junto ao ligamento pulmo-
nar direito; é menos comum à esquerda, e pode ser bilateral
em alguns casos.
A conduta conservadora pode ser útil nos casos de quilo-
Diagnóstico tórax de pequeno volume. O tratamento inicial consiste em
O quilotórax deve estar entre as possibilidades diagnósticas dieta oral livre de gorduras e rica em trigl.icer!deos de cadeia
que surgem frente a um derrame pleural em pós-operatório média, que são absorvidos diretamente pelo sistema porta,
de cirurgia torácica ou trauma torácico ou toracoabdominal, reduzindo o fluxo através do dueto torácico e favorecendo
principa!rnente quando há grande volume de drenagem. sua cicatrização.
A ausência do aspecto leitoso, típico no quilotórax, não Dieta zero e nutrição parenteral total são utilizadas nos
exclui o diagnóstico, podendo ocorrer quando há jejum ou casos que não respondem ao tratamento inicial. O uso de
sangrarnento simultaneamente. fármacos como a somatostatina e o octreotide reduz o fluxo
O diagnóstico a partir do quadro clínico é confirmado sanguíneo esplãnroico, diminuindo a produção de linfa e sua
com exames de imagem identificando derrame pleura~ como circulação através do dueto torácico, mostrando resultados
a radiografia de tórax e a tomografia computadorizada. animadores quando empregados em recém-nascidos. Em
A toracocentese e a análise bioquímica do líquido são estudos experimentais em cachorros, esses fármacos foram
definitivas no diagnóstico de quilotórax, definido com medi- associados a menor absorção de triglicerldeos.
da de triglioerfdeos > 110 mgldL e colesterol < 200 mgldL A linfangiografia e a embolização do dueto torácico são
ou com a identificação de quilomícrons (QUADRO 62.1). utilizadas como terapêutica em alguns serviços, com resulta-
O quilotórax hepático e o pseudoquilotórax são diag- dos inconstantes.
nósticos diferenciais. O primeiro consiste em um transudato O quilotórax associado a linfoma pode ser tratado com
que ascende ao tórax através da porosidade diafragmãtica, radioterapia, associado ou não a pleurodese com talco.
simulando quilotórax. Apresenta baixa concentração de co-
lesterol e características bioquímicas idênticas às do líqu ido
de ascite. A linfangiografia pode auxiliar no diagnóstico ex- Tratamento cirúrgico
cluindo fístula no dueto torácico. Indicação
O pseudoquilotórax é um derrame pleural crônico, tam- A pleurodese pode ser uma alternativa em pacientes com
bém chamado de derrame pleural quiliforme, que apresenta más condições para a anestesia, considerando-se que pode
elevada concentração de colesterol, em geral > 200 mgldL,
ser feita sob anestesia local com sedaçáo. Thlco e tetraciclina
estando associado à tuberculose em 54% dos casos e, even-
têm sido usados como fármacos efetivos na gênese de uma
tua!rnente, à artrite reumatoide.
pleurodese efetiva.'
A administração de lipfdeos através de sonda nasogás-
trica auxilia na identificação de uma fistula acidental no A ligadura do dueto torácico tem indicação quando não
bá resposta adequada às medidas conservadoras, situação
dueto torácico durante procedimentos cirúrgicos, possibi-
litando sua correção cirúrgica imediata, com redução im- traduzida por drenagem maior do que 1,5 Udia em adultos e
portante da morbidade. superior a 10 mUquilograma de peso corporaVdia em crian-
ças, drenagem maior ou igual a 1 Udia por mais de cinco dias
ou persistência de drenagem de quilo por mais de 14 dias.
A desnutrição de evolução rápida, por sua potencial gra-
Tratamento vidade, indica ligadura cirúrgica do dueto torácico, mesmo
Tratamento clínico se houver resposta inicial ao tratamento conservador.
Drenagem pleural e suporte nutricional agressivo, corrigin- A pleurodese por aspersão de talco apresenta eficácia de
do a hipovolemia, a imunossupressão e a perda de proteínas 95% em casos selecionados.
e eletrólitos, são mandatórios. A grande variação anatômica relacionada com o dueto
torácico e a dificuldade na visualização da fístula favorecem
a indicação de ligadura em massa do tecido existente entre a
QUADRO 62.1 ~ Características e bioquímica do quilo aorta, o esôfago e a coluna vertebral, imediatamente acima
da hemicúpula diafragmática direita, obtendo sucesso em
- pH: 7.4·7,8 90% dos casos. 2
- Cor: leitosa ou clara (no jejum) A ligadura cirúrgica precoce do dueto torácico nos casos
- Estéril, bacteriostAtico de quilotórax após esofagectomia mostrou reduzir sua mor-
- Total de gordura: 0.4 a 6 g/dl talidade de 50 para 10% quando comparada ao tratamento
- Colesterol: 65-220 mg/dl conservador.
- Triglicerldeos > 1,1 mmoVL(>110 mg/dL)
- Protelna total: 2·6 g/dl
- Albumina: 1,2-4,1 g/dl
- Globulina: 1,1-3,1 gldl • CASO CLÍNICO
- Eletr61itos: semelhante ao plasma
- Glicose: 2,7-1 1 mmollt Paciente masculino. 64 anos. com dispneía por volumoso
- Celularidade derrame pleural à direita (Figura 62.1A-D).
- Cont.1gem absolut.1 de células > 1.000 cétulaVt A punção do líquido revelou liquido quiloso, com
- Linfócitos > 80% dados laboratoriais corroborando o diagnóstico de
- Eritr6citos: 50-600/mm' quilotórax espontâneo. Instituída a dieta adequada
- Quilomkrons, em grande quantidade
FIGURA 62.1 7 (A) volumoso derrame pleural à direita, ocupando cerca de três quartos do hemitórax desse lado. (B) drenagem pleural exibindo um
derrame com aspecto leitoso característico do quilotórax. (C) ligadura do dueto torácico logo acima do diafragma, no espaço entre a veia ázigo e
a aorta torácica contra o corpo vertebral adjacente. (D) pós-operatório com a reexpansão pulmonar completa e controle do quilotórax espontâneo
secundário a linfoma de mediastino.
Fonte: Patterson e colaboradores.'

com lipídeos de cadeia média, o paciente persistiu com Pacientes em más condições clínicas podem ser benefi-
um volume de drenagem > 1.600 ml por dia por sete ciados com procedimentos de pleurodese e derivação pleu-
d ias. roperitoneal do qui!otórax.'
A tomografia computadorizada de tórax revelou ade- A embolização também pode oferecer uma alternativa
nopatias mediastinais, e a mediastinoscopia confirmou a paliativa, com resultados favoráveis no relato da experiência
suspeita diagnóstica de linfoma. com 109 pacientes.'
Foi então indicada a ligadura do dueto torácico, logo A população pediátrica apresenta peculiaridades pró-
acima do diafragma, no espaço entre a aorta torácica e a prias da idade e das causas relacionadas com o quilotórax,
veia ázigo, contra a superfície da vértebra. sendo que 80% dos pacientes respondem ao tratamento con-
servador em até quatro semanas.

A videotoracoscopia surgiu como instrumento tera-


pêutico3 que acrescenta aos bons resultados obtidos com a
cirurgia convencional a menor morbidade da técnica mini· Referências
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José J. Camargo
Spencer Marcantonio Camargo
63
• Aos paàentes Idosos, portadores da variante sar-
comatosa e com envolvimento mediastinal, deve
ser reservado apenas o melhor suporte dfnico
possfvel.
• O tratamento moderno tende a ser multidiscipli·
nar, sendo a cirurgia um adjuvante de terapias
sistêmicas como a quimioterapia, a radioterapia
e a terapia gênica.

Introdução
Os mesoteliomas são neoplasias oriundas das superfícies se-
rosas que possuem revestimento mesotelial, e em 80% dos
casos se originam no espaço pleural, mas podem oonrrer no
pericárdio, no peritônio, na túnica vaginal, entre outros.
Em 1931, Klemperer e Rabin propuseram o termo
mesotelioma para designar o tumor primitivo da pleura.1
Em 1941, Stou t e Himadi, em estudos com cultura de teci-
dos, documentaram a origem mesotelial desses tumores, e
CampbeU propôs os critérios para o diagnóstico de meso-
telioma.2 Selikoff e colaboradores/ em 1964, estabeleceram
a relação entre a exposição ao asbesto e o desenvolvimento
ulterior de mesotelioma difuso. O conceito de mesotelioma
difuso maligno foi proposto por McCaughey,' em 1958.
Wagner, em 1960, descreveu a associação dos mesotelio-
mas com a exposição permanente ao asbesto, tanto nas pes-
soas que trabalhavam com este elemento como naquelas que
moravam perto das minas de extração de asbesto (exposição
paraocupacional).' Em 30% dos casos de mesotelioma não A imagem radiológica mais sugestiva é a de uma mas-
há nenhuma história de exposição ao asbesto. sa arredondada, de bordas lisas, muitas vezes pedunculada,
Por asbestos entendem-se seis tipos de silicatos: criso- que na mudança de decúbito se mobiliza no espaço pleural,
lita, crocidolita, amosita, antofilita, tremolita e actinolita. o que sugere fortemente o verdadeiro diagnóstico. Radiolo-
Somente três são utilizados como isolantes na indústria (cri- gicamente, não há evidências de invasão de estruturas adja-
solita, crocidolita e amosita); os outros são contaminantes. centes e pode se apresentar com ou sem derrame pleural. A
A crocidolita - o asbesto de Cape Blue (amphibole fi- propósito, o derrame pleural nessa situação representa um
ben) - é a forma mais carcinogênica, associando·se a 90% dos raros exemplos de derrame hemorrágico em doença be-
dos tumores pleurais e peritoneais, e parece ser um fator de nigna. Em geral são tumores pediculados na pleura visceral
grande risco para o desenvolvimento de câncer de pulmão, {75 a 80%), medindo de 1 a 36 em de diãmetro e pesando
em particular em fumantes. A potencialidade oncogênica entre 100 e 2.000 g.
das fibras de asbesto tem relação com sua forma e tamanho; A maioria dos pacientes com mesotelioma localizado be-
assim, as fibras da crocidolita, por serem cristais retos e pon- nigno é assintomática, podendo surgir manifestações clínicas
tudos, mais facilmente penetram a árvore brõnquica e se alo- atribuíveis às dimensões gigantes do tumor, quando então a
jam no espaço subpleural, onde se produz a carcinogênese. tosse (33% ), a dor torácica (23%) e a dispneia {19%) são os
Oínica e anatomopatologicamente, os mesoteliomas se sintomas mais frequentes.
apresentam sob três formas: O modelo clínico é o representado por um paciente com
idade entre 50 e 60 anos, com pouco ou nenhum sintoma,
• Localizado benigno (tumor fibroso isolado da pleura) uma volumosa massa no tórax e intenso hipocratismo digital
• Mesotelioma localizado maligno (FIGURA 63.1).
• Mesotelioma difuso maligno O diagnóstico sugerido por esses elementos geralmente
é confirmado durante a cirurgia, que será ao mesmo tempo
O mesotelioma pleural maligno é a neoplasia primária terapêutica, mas, em casos de risco cirúrgico, recomenda-se
mais comum da cavidade pleural, muitas vezes fatal, que ain- a coleta de material por punção transtorácica, a ser analisa-
da não tem uma abordagem terapêutica consensual. do pela imuno-histoquímica.
Com raras exceções, esses tumores são curados pela ci-
rurgia e, quando recidívam, sempre o fazem localmente, reco-
mendando-se nova resseoção com limites cirúrgicos ampliados.
Tumor fibroso solitário de pleura É importante estabelecer com segurança o diagnóstico
Este tumor foi, durante décadas, chamado de mesotelioma de benignidade com base na quantidade de mitoses e no ple-
localizado benigno, a partir de uma observação equivocada omorfismo celular, considerando-se que as formas malignas
de Stout e Himadi/ que o considerou originário da superfí- localizadas frequentemente recidivam, levando à morte em
cie mesotelial, quando na verdade é uma neoplasia que cres- menos de dois anos.
ce a partir do tecido conjuntivo subpleural, sendo moderna- A recidiva, apesar de rara {10%), está relacionada com
mente denominado tumor solitário de pleura margem cirúrgica insuficiente. Por outro lado, cerca de 10%
Representa 85 a 90% dos tumores pleurais localizados desses tumores podem sofrer uma transformação maligna
e 5 a 10% de todas as neoplasias que envolvem a pleura. Na com mau prognóstico. Embora seja uma neoplasia benigna,
série da Mayo Oinic, a incidência dos tumores fibrosos be- é recomendado o seguimento radiológico anual para detec-
nignos de pleura é 2,8 casos por 100.000 habitantes.6 Opa- ção precoce de eventual recidiva.
drão histológico mais característico é o celular misto (células Na grande experiência da Mayo Oinic, a sobrevida em
como fibroblastos e teádo conectivo), com atividade mitóti- cinco anos foi de 88,9% nas variantes benignas e 45,5% nas
ca nula ou muito rara. variantes malignas.' Nessa série de 84 pacientes, foram des-
O tumor origina-se no tecido submesotelial da pleura, critas duas recorrências entre 73 portadores de lesões benig-
fato que o diferencia do mesotelioma difuso, que tem sua nas e seis recorrências entre 11 pacientes com lesões malig-
origem na capa superficial da pleura parietal. Não tem rela- nas. 1bdas as reá divas foram tratadas com novas ressecções.
ção com a exposição ao asbesto e ocorre mais em mulheres
(2:1 ), podendo acompanhar-se de manifestações paraneo-
plásicas (hipocratismo digital, hipoglieemia, secreção ina-
dequada de hormônio antidiurético, galactorreia, etc.), das
Mesotelioma localizado maligno
quais a osteoartropatia é a mais frequente, especialmente Entre 10 e 20% dos mesoteliomas localizados são malig-
em tumores gigantes. nos, com frequência de baixo grau e ressecáveis. Podem se
Os tumores mesenquimais, e entre eles o tumor fibroso apresentar como grandes massas, com sinais tomográficos
solitário de pleura, podem produzir uma subsiAncia insulina- de invasão de estruturas da parede torácica, e algumas vezes
-sfmile, o que explica o achado de hipoglicemia em cerca de acompanhados de derrame.
5% desses pacientes, podendo apresentar inclusive episó- São tumores sarcomatosos, eventualmente acompanha-
dios de coma. Os sintomas desaparecem totalmente quando dos de derrame pleural. Na expeóência do Memorial Hos-
é feita a ressecção do tumor, e costumam recair na eventual pital de New York, cerca de 10% dos pacientes com a forma
recidiva. fibrossarcomatosa apresentam históóa de exposição ao as-
FIGURA 63.1 ~ Tumor solitário de pleura -(A) grande massa no hemit6rax direito compri-
mindo o mediastino e desviando o esôfago. (B) imagem da massa arredondada no perfil.
Pequeno derrame pleural. (C) hipocratismo digital. (O) grande massa com cerca de 2.550
g e estreito pedfculo do lobo médio. (E) radiografia normal dois anos depois da ressecção.

besto. 8 Esses tumores também podem ser do tipo lipossarco- O tratamento de escolha desses tumores continua sendo
ma ou hemangiopericitoma. a cirurgia, cuja efetividade depende, à semelhança do que
As manifestações paraneoplásicas são raras, sendo mais ocorre com os sarcomas em geral, do quanto a ressecção
comuns sintomas como dor torácica, dispneia, tosse, hemop- consiga ser radical, com margens tão amplas quanto pos-
tise e derrame pleural. sível. Muitas vezes a proximidade com a coluna vertebral
Os métodos utilizados para o diagnóstico incluem a limita a obtenção de margem adequada, reduzindo a chance
punção aspirativa, que demonstra a presença de células fu- de cura.
siformes que os distinguem dos carcinomas (FIGURA 63.2), e A extensão da ressecção pode incluir pulmão, parede
a tomografia computadorizada (TC) de tórax, que tem um torácica e até pele para conseguir um tratamento curativo.
papel relevante na determinação da extensão do processo e A sobrevida está diretamente relacionada com uma margem
sua ressecabilidade. cirúrgica livre de doença. São considerados fatores prognós-
FIGURA 63.2 ~ (A e 8) massa na topografia da lfngula aderente à parede anterior do tórax. com 6 em de diâmetro. A punção revelou neoplasia
maligna indiferenciada, de células fusiformes. (C) peça operatória da ressecção com margem ampla. Mesotelioma sarcomatoso localizado.

tico ressecção completa, tamanho do tumor, número de mi- vista principalmente como complicação do tratamento da
toses, polimorfismo e necrose tu moral. doença de Hodgkin e do càncer de mama.9
A radioterapia, a quimioterapia ou ambas têm sido uti- O SV40, um vírus com ação no DNA e que foi identifi-
lizadas esporadicamente como terapia adjuvante p<\5-opera- cado como contaminante de milhares de doses de vacinas
tória, mas não há dados definitivos que confirmem o benefí- antipoliomielite nos Estados Unidos nas décadas de 1960
cio de tal associação. A radioterapia é indicada em casos de a 1970, tem sido reconhecido atualmente como uma possí-
recidiva, porém os resultados são pobres. vel causa do MDM.'0 As sequências de DNA do SV40 têm
sido detectadas com uma frequência significativa em peças
cirúrgicas de MDM em humanos. Embora esse vírus não
Mesotelioma difuso maligno pareça estar relacionado com todos os mesoteliomas, pode
atuar como um cocarcinógeno, potencializando os efeitos
O mesotelioma difuso maligno (MDM) representa o tipo do asbesto.
mais importante, não só pela maior frequência como tam- Outros possíveis agentes incluem infecções pulmonares
bém pela definida associação com a exposição ao asbesto. É crõnicas, pleurite tuberculosa e algumas fibras minerais.
a neoplasia primária maligna mais comum da cavidade pleu- Existem três tipos histológicos de MDM:
ral, muitas vezes fatal, que ainda não tem uma abordagem
terapêutica consensual. • Epitelial
'Il'ês principais problemas justificam uma investigação • Sarcomatoso
contínua do MDM: a dificuldade do diagnóstico, as devas- • Misto
tadoras consequências da evolução e o desconhecimento do
mecanismo de ação das fibras do asbesto. O tipo epitelial é o de melhor prognóstico em relação à
É um tumor com um longo período de latência (20 a 30 sobrevida.
anos) entre a exposição e o diagnóstico da doença. O tempo O pico de incidência da maioria dos indivíduos que de-
de exposição como elemento de risco é variável, existindo senvolvem MDM é na sexta década de vída. 'Il'ata-se de uma
relatos de casos com exposição de poucas semanas. doença principalmente de pessoas adultas pelo longo pe-
É mais frequente no sexo masculino (3:1), e cerca de 60 ríodo de latência, mas por vezes acomete crianças.
a 80% dos homens e 5 a 60% das mulheres com MDM pos-
suem história de exposição ao asbesto. Aproximadamente
2.300 novos casos de MDM são diagnosticados por ano nos Doença e imuno·histoquímica
Estados Unidos. O MDM se origina de células mesoteHais ou subserosas, que
Apesar das investigações contínuas, a patogenia dessa podem desenvolver tumores mesoteliais ou sarcomatosos.
doença ainda não está bem clara. A crocidolita é a forma que Em contraste com os tumores fibrosos da pleura, os MDM
mais claramente se associa ao MDM. Ela faz parte de 97% sempre têm um componente epitelial, mas exibem uma am-
do asbesto do mundo, sendo encontrada, sobretudo, nas pla gama de padrões b.istológicos (QUADRO 63.1). Em uma re-
montanhas da Rússia, no Canadá, no Zimbábue, na África visão de 819 casos, 50% foram de tipo epitelial, 34% mistos
do Sul e nos Alpes italianos. e 16% de tipo sarcomatoso. 11
Existem outras causas menos comuns de MDM. A ex- No exame anatomopatológico em parafina, a aparência
posição à radiação por períodos de 1Oa 30 anos antes do histológica do MDM é facilmente confundida com outros ti-
desenvolvimento da doença é uma causa bem documentada, pos de tumores, sobretudo com o adenocarcinoma.
QUADRO 63.1 -+ Oassificação histológica do mesotetioma pleural de e comprime as estruturas adjacentes e limita a expansão
maligno pulmonar.
Quando a parede torácica e os nervos intercostais são
- Epitelial invadidos pelo tumor, a dor se intensifica, indicando que a
- Tubulopapilar doença está em uma fase avançada.
- Epitelioide Síndromes paraneoplásicas são raras, mas pode-se ob·
- Glandular serva r anemia hemolltica autoimune, hipercalcemia, hipo·
- C~lulas grandes/Células gigantes glicemia, síndrome de secreção inapropriada de hormônio
- Pequenas c~lulas antidiurético, tromboembolismo pulmonar e hipercoagula·
- Adenodstko bilidade. A tromboeitose (40% dos casos) é um dado relati·
- Anel de sinete
- Sarcomatoide (fibroso. sarcomatoso, mesenquimal) vamente comum e pode assoei ar-se a um mau prognóstico.
- Mosto e,litetial-sarcomatoide (bifásico) Em várias séries, demonstrou-se que uma quantidade de
- Transicional plaquetas maior do que 400.000/,.L parece ter um impacto
- Oermoplástko negativo na sobrevida dos pacientes com MDM. Os indi·
- Mesotetioma fibroso localizado cadores de mau prognóstico são tipo bistológico (misto ou
sarcomatoso ), tromboeitose, febre de origem desconhecida,
Fonto: Adap"do de H•mmar • Bolon.''
idade acima de 65 anos e um índice de Karnofsky baixo.
O prognóstico mais favorável está associado ao tipo bis·
tológico epitelial, sem metástases ganglionares, sem dor to·
Na fase inicial, identificam-se nódulos isolados ou lesões rácica e com início dos sintomas nos últimos seis meses.
em forma de placas que tendem a coalescer e que produzem Um valor elevado de ácido hialurônico no derrame plcu-
aderência dos folhetos parietal e víscera!, com formação de ral é caracterlstico de mesotelioma, mas pode ser encontra·
uma carapaça que pode ter até vários centímetros de espes- do em outros tumores ou derrames inflamatórios (p. ex.,
sura, o que determina uma redução de volume da cavidade tuberculose).
pleural. A imuno-histoqufmica e a microscopia eletrônica são
As metástases linfáticas e bemáticas ocorrem tardiamen- atualmente os métodos padrão-ouro para o diagnóstico. A
te. Cerca de dois terços dos casos apresentam envolvimento imuno-histoquím.ica inclui anticorpos para citoqueratina, vi-
12
ganglionar à necropsia. mentina, ACE e calretinina.
Os achados da microscopia eletrônica, altamente carac- Em alguns casos com derrame pleural, a diferenciação
terísticos em mesotelioma, são suas numerosas microvilosi- entre pleurites (células mesoteliais reativas), mesotelioma
dades compridas e ondulantes, que o diferenciam do adeno- e adenoearcinoma (principalmente do tipo tubulopapilar)
carcinoma.13 pode ser muito dificil.
A imuno-histoquímica inclui anticorpos como a citoque- Marcadores tumorais como ACE, Leu·l e mucina po·
ratina, a vimentina, o antígeno carcinoembriônico (ACE) e dem ser úteis no diagnóstico, uma vez que frequentemente
a calretinina. Ao contrário do que acontece no carcinoma de são positivos no adenoearcinoma (50 a 90%) e raras vezes
pulmão, anormalidade em p53 e Rb são incomuns. são encontrados nos mesoteliomas. A vimentina e a calreti·
nina identificam o mesotelioma (QUADRO 63.2).
Apresentação clínica e diagnóstico
Não há dúvida de que o mesotelioma pleural é uma doença Métodos de imagem
subdiagnosticada em nosso meio. O erro mais frequen- Os métodos de imagem ajudam a determinar o estágio do
te é aceitar, sem contestação, o diagnóstico de derrame tumor e a orientar a conduta terapêutica
ncoplásico por adenocarcinoma em um paciente que não A aparência radiológica do MDM é variável. Nos está·
tem antecedente de neoplasia extratorácica e que apre- gios iniciais, o tumor está confinado à pleura parietal e um
senta um espessamento pleural que caracteristicamente volumoso derrame pleural (50% dos casos) é o único sinal
também envolve a pleura mediastinal. Esse diagnóstico predominante da doença. Na sequência, o tumor cresce, en·
deve ser sempre cogitado quando um paciente apresenta volve a pleura visceral, tornando-se loeulado, e finalmente
derrame com espessamento pleural, em especial se acom- ocupa todo o espaço pleural. Nos derrames pleurais volu·
panhado de dor torácica. mosos, a ultrassonografia pode ser útil na demonstração de
A apresentação clínica é de inicio insidioso e com sin- lesões sólidas de permeio com a coleção líquida.
tomas poucos específicos, e o intervalo entre o começo dos A TC é mais senslvel na detecção de lesões pequenas na
sintomas e o diagnóstico é de 3 a 6 meses. Os sintomas mais fase inicial, mas que podem corresponder a outras doenças,
frequentes são dispneia e dor torácica (90% dos casos) e como espessamento pleural benigno, carcinoma brônquico
perda de peso (30%). Outros sintomas como tosse, febre, com atelectasia, entre outras.
anorexia, astenia, bemoptise e disfagia, slndrome de Homer O espessamento pleural marnelooado, que costuma ser
e poeumotórax espontãneo são menos comuns. desproporcional ao derrame, é muito característico de me-
A dispneia costuma ser causada pelo derrame pleural sotelioma pelo envolvimento também da pleura mediastinal
que eventualmente evolui para um padrão loeulado, mas (RGURA 63.3), o que é raro em espessamentos pleurais infla-
logo o espaço pleural é preenchido pelo tumor, o qual inva- matórios ou secundários a neoplasias metastáticas.
QUADRO 63.2 ~ Métodos de histoquímica e imuno·histoquímica usados na diferenciação entre mesotel ioma e adenocarcinoma

Histo química

PAS + (glicogênio) + (pequena quantidade de glicogênio com mucina)


lmuno-histoquímica

Calretinina +
CKS/6 +
WT·1 +
Trombomodulina +
HBME-1 +
N·caderina +
ACE +
MOC-31 +
Ber EP4 +
872.3 +
leuM1 (CD15) +
E-caderina +
lewisy (BGB) +

Em um trabalho de revisão, o envolvimento circunferen-


cial da pleura parietal foi considerado sugestivo de mesote·
lioma, tendo sido encontrado em 70% dos casos de MDM.
E m contrapartida, esse achado esteve presente em apenas
15% dos casos de doença pleural metastática, 9% das pleu-
rites tuberculosas e 5% dos casos de doença pleural benigna
produzida pelo asbesto.
Em um estudo que comparou os achados radiológicos do
MDM e de outras doenças pleurais malignas e benignas,"
observou-se que placas pleurais calcificadas estavam pre-
sentes em 78% dos casos com doença pleural benigna anti-
ga produzida por asbesto e foram bilaterais na maioria das
vezes. Essas placas estavam presentes em somente 15% dos
casos de MDM e em 3% dos casos de doença metastática
pleural. Na maioria das vezes, as calcificações pleurais estão
relacionadas com doenças benignas. Um dado tomográfico
relevante desse trabalho é que o espessamento do tecido
gorduroso subpleural foi encontrado em quase todos os pa-
cientes com doenças pleurais benignas, e em somente 10%
dosMDM.
O dado tomográfico mais comum encontrado no MDM
foi o de múltiplos nódulos envolvendo o pulmão inteiro
(28%) , espessamento pleural com margens pleuropulmo-
nares irregulares (26%) e espessamento pleural com nódu-
FIGURA 63.3 ~ Espessamento pleural ma melo nado envolvendo toda a los sobrepostos (20%). O espessamento da pleura parietal
superfície pleural, inclusive a pleura mediastinal. característico do me- maior do que 1 em foi encontrado em 59% dos casos de
sotefioma difuso maligno.
MDM e em 17% dos casos de doença pleural metastática.
Quando estão presentes um ou mais dos seguintes acha- Avaliação diagnóstica
dos tomográficos - encarceramento pleural, envolvimen- A propedêutica se inicia, na maioria das vezes, com a toraco-
to da pleura mediastinal, nódulos pleurais e espessamento centese, já que quase todos os pacientes se apresentam com
pleural maior do que 1 em-, existe uma alta probabilidade derrame pleural. Este método faz o diagnóstico pela citolo-
de mesotelioma. gia somente em cerca de 30% dos casos.
Quando o tumor infiltra a pleura cissural, resulta em A biópsia pleural percutânea proporciona o diagnóstico
imagem muito característica (FIGURA 63.4). em mais de um terço dos casos, mas não oferece material
A ressonância magnética nuclear (RMN) tem sido pro- suficiente para realizar imuno-histoquímica ou o estudo do
posta como método de imagem complementar para o diag- material por microscopia eletrônica, que são exames funda-
nóstico do MDM. Alguns trabalhos demonstraram que ela mentais para definir o diagnóstico de MDM.
era superior à TC na avaliação do comprometimento do me- O melhor método propedêutico para a obtenção de
diaslino, de grandes vasos, do diafragma e da parede toráci- material adequado é a videotoracoscopia ou toracoscopia,
ca, mas não conseguiram provar que era significativamente já que a biópsia por punção c a citologia frequentemente
superior à TC no estadiarnento pré-operatório do MDM. são insuficientes, sobretudo quando se trata de diferenciar
Embora a tomografia por emissão de pósitrons (PET) o mesotelioma de outros tumores que comprometem a
demonstre ser de ulilidade no diagnóstico da maioria dos pleura.17
MDM,u ainda não está bem definido seu papel no estadia- A toracotomia núnima (4 a 5 em) é um método empregado
menta dessa doença. Segundo alguns autores, essa técnica em muitos centros na obtenção de material para o diagnóstico
têm um índice baixo de falso-negativos na identificação do definitivo, sobremaneira nos casos com dificuldade de acesso
MDM e é útil na avaliação da presença ou ausência de me- à cavidade plcural. A toracoscopia deve ser feita no trajeto da
tástases à distância, bem como no seguimento de pacientes futura toracotomia, c seu Jeito incluído na ressccção ulterior,
submetidos à cirurgia radical.' 6 evitando-se com isso o risco de recidiva na parede.
A PET pode ser usada junto com a TC e a RMN para de-
finir a irressecabilidade da doença: invasão transdiafragmá-
tica, envolvimento contralateral ou mediastinal e compro- Estadiamento ontológico
metimento difuso da parede torácica são os critérios atuais É importante definir o estágio desses tumores, já que disso
de exclusão da pneumonectomia extrapleural. depende a escolha da melhor opção terapêutica. O estadia-

FIGURA 63.4 ~ (A) mesotelioma epitelioide envolven-


do a pleura cissural, identificável como um ~pessa­
mento pleural irregular que envolve toda a superfície
pleural, induindo a face mediastinal e (B) estendendo-
-se pe4a fissura oblíqua. (C e O) paciente com ~
tel1oma epitelioide e captação na PET mais intensa na
face mediastinal (SUV 8,0).
mento oncológico usado com mais frequência é o proposto Uma sobrevida mais longa tem sido relatada em pacientes
por Buchard e colaboradores em 1976 (QUADRO 63.3).'" submetidos a uma terapêutica combinada, com a pneumo-
19
Chahinian e colaboradores foram os primeiros a apli- nectomia extrapleural seguida de radio e quimioterapia.22
car as variáveis de tumor (T), linfonodo (N) e metástase (M) O beneficio da radioterapia é difícil de avaliar como tra-
no estadiamento do MDM no inicio da década de 1980, mas tamento isolado, já que na maioria das vezes ela faz parte de
esse tipo de classificação não distingue corretamente os tu- uma terapêutica combinada (cirurgia e quimioterapia). Exis-
mores ressecáveis dos irressecáveis e não prediz com exati- tem fatores que limitam o uso da radioterapia, como, por
dão a sobrevida do paciente. O maior inconveniente da clas- exemplo, volume do tumor com comprometimento de toda
sificação TNM para o MDM é a dificuldade de determinar o a parede torácica e proximidade com os órgãos intratoráci-
T, principalmente em estágios iniciais da doença. cos vulneráveis a altas doses de radiação (esôfago, coração,
O novo sistema de estadiamento proposto pelo Intema- pulmôes e medula).
tional Mesothelioma Interest Group (IMIG)20 reflete a im- Mais de 5.000 cGy são necessários para alcançar um con-
portáncia da relação entre o Te a sobrevida total e também trole local adequado da doença, já que doses baixas de radio-
o prognóstico desfavorável representado pelas metástases terapia são ineficazes, correndo-se o risco de injúria do pul-
linfonodais? '·23 mão contralateral, o que pode ser devastador em pacientes
O método de estadiamento proposto pelo Brigham Hos- com MDM. Vários estudos demonstraram que a toxicidade
pital de Boston fundamentou-se na análise cuidadosa dos da radioterapia também pode ser potenciada pela adminis-
primeiros 52 pacientes submetidos à terapia trimodal, base- tração conjunta de quimioterapia, incluindo fármacos como
ando-se na ressecabilidade do tumor e no comprometimento a doxorrubicina. 25
linfonodal mediastinal.22 Os tumores de tipo epitelial respondem melhor à radio-
Ao contrário do que inicialmente se supôs, o MDM não terapia do que os de tipo fibrossarcomatoso. A radiotera-
é um tumor restrito ao tórax, visto que várias séries encon- pia não é usada como terapêutica primária no tratamento
traram metástases à distância no momento da autópsia.~' Os do MDM, porém geralmente é reservada para tratamento
sítios mais frequentes de disseminação são fígado e pulmão paliativo dos sintomas produzidos pela invasão tumoral da
contralateral, mas também pode ser encontrado em oérebro parede torácica ou do mcdiastino.
e osso. Os índices de resposta à quimioterapia são baixos, em
A sobrevida média dos pacientes com MDM é de 6 a 18 geral de 15 a 30% na maioria dos centros. Previamente fo-
meses e comumente a causa da morte é por extensão local ram usados fármacos isolados que incluíram doxorrubicina,
e/ou insuficiência respiratória. As metástases à distância por ciclofosfamida, cisplatína, carboplatina, metotrexato, eda-
via hematogênica podem estar presentes, sobretudo em es- trexato, 5-azacitidina e 5-fluoruraci.l.
tágios terminais. A carboplatina, um análogo da cisplatina, usado como
monoterapia, demonstrou alguma atividade no tratamento
do MDM, sendo menos tóxica e mais bem tolerada do que
Tratamento a cisplatina.
O rendimento terapêutico no MDM ainda é muito baixo, O Cancer and Leukemia Group B testou quatro estudos
com percentuais de cura insatisfatórios. de fase II e Ili em MDM desde 1985, com quimioterapia
A avaliação dos regimes terapêuticos do MDM é defi- múltipla, sem um benefício notável sobre a monoterapia.
ciente devido à falta de grandes estudos prospectivos. Como Os melhores resultados são os publicados por Byrne e
a radioterapia e a quimioterapia no MDM são relativamente colaboradores,26 em um estudo de fase 11 de 21 pacientes
inefetivas, a cirurgia tem sido considerada a base fundamen- tratados com cisplatina e gencitabina, cujo índice total de
tal do tratamento. resposta foi de 48%. Quando se testou o uso de gencitabina
Embora se consiga um controle local agressivo, a recidiva como fármaco único em um grupo de pacientes com meso-
local é o resultado mais frequente na maioria dos pacientes. telioma, não se observou nenhuma resposta antitumoral. n
Uma revisão que incluiu metanálise 28 e que estudou a
ação da quimioterapia e da imunoterapia em mesotelioma
QUADRO 63.3 ~ Estadiamento do mesotelioma difuso maligno concluiu que a melhor combínação de fármacos naquele mo-
mento era cisplatina e doxorrubicina, e que a cisplatina era o
Estágio 1: Tumor confinado à pleu ra parietal (p. ex., melhor fárrnaco para monoterapia.
envolvimento de pleura homolateral, pulmão, Um estudo de fase 11 que estudou cisplatina com genci-
pericárdio ou diafragma). tabina em mesoteliomas irressecáveis concluiu pela ativida-
de antineoplásica modesta e com paraefeitos significativos.28
Estágio 11: Tumor que invade a parede torácica ou estruturas Um trabalho interessante decidido a testar a presença
mediastinais (esôfago, coração, pleura contralateral
de resistência primária do mesotelioma à quimioterapia foi
ou metástase ganglionar intratorácica).
publicado pelo grupo de Boston.29 Os fármacos testados fo-
Estágio 111: Tumor com extensão ao peritõnio através do ram cisplatina, gencitabina e vinorelbina. Com 203 amostras
diafragma, ou envolvimento contralateral, ou tumorais testadas, a resistência ao fármaco foi classificada
metástase ganglionar fora do tórax. como baixa, intermediár ia ou extrema. Foi descrita uma
proporção significativa de resistência primária à cisplatina
Estágio IV: Metástase hemática à distância. (27%), à gencitabina (31 %) e à vinorelbina (59%). Em 11%
das amost.r as, observou-se uma resistência extrema aos três trapleural, infiltração, afastamento ou separação de costelas
fármacos. Curiosamente, uma resistência intermediária ou pelo tumor, destruição óssea evidente, invasão de estruturas
extrema à cisplatina foi observada mais nos tumores epite- mediastinais vitais (coração, etc.) e metástases à distância.
liais (31 %) do que nos não epiteliais (18%). O comprometimento linfonodal extrapleural por metás-
Como a quimioterapia sistêmica teve um índice baixo tases no MDM possui um mau prognóstico após a cirurgia.
de sucesso no MDM, novos tratamentos estão utilizando a Os lndices de metástases linfonodais variam nos diferentes
aplicação de quimioterapia intrapleural, que tem como pré- estudos, com porcentagens de 2322 a 52%.31
·requisito a presença de um espaço pleurallivre. O papel da mediastinoscopia cervical no estadiamento
Os fármacos que foram avaliados para utilização são cis- pré-operatório do MDM em pacientes que serão submetidos
platina, citisina arabinosida, doxorrubicina e mitomicina C. a uma ressecção radical passou a ser valorizado, uma vez que a
O agente que tem sido mais estudado para o uso intracavi- experiência documentou o mau prognóstico nos pacientes com
tário no MDM é a cisplatina, mas com resultados superiores N2. Um estudo de grande série mostrou que a mediastinos·
no mesotelioma peritoneal do que no pleural. copia cervical estadiou corretamente 93% dos pacientes que
A maior dificuldade que se tem nos estudos de tratamen- foram submetidos ulteriormente a uma resseoção radical.22
to com quimioterapia é avaliar a resposta ao tratamento. A pleuropneumonectomia é um procedimento bastante
Numerosos critérios têm sido utilizados para definir a res- agressivo, eom consideráveis lndices de morbidade e mona-
posta. Várias investigações usam a resolução do derrame lidade, por esse motivo devendo ser reservada para pacientes
pleural como marcador de eficácia, mas isso pode traduzir com estágio I e 11 que poderão receber tratamento comple-
uma esclerose pleural, e não a regressão da doença como mentar oom radio c quimioterapia. É uma ressecção em mo-
resposta ao tratamento. nobloco de pleura, pulmão, diafragma, pericárdio e pleura
A imunoterapia ainda precisa de mais investigações mediastinal.
para definir seu papel no tratamento do MDM. O melhor A incisão recomendada é uma toracotomia posterolateral
entendimento da biologia molecular do mcsotelioma ma- em forma de S que deve ser prolongada até o sexto espaço
Hgno tem identificado elementos promissores para os trata· intercostal, já que o volume maior do tumor se encontra na
mentos com alvo biológico. Nos tíltimos tempos, passaram parte inferior do hemitórax (FIGURA 63.5). Inicia-se eom uma
a ser explorados, com perspectivas terapêuticas, o fator de dissecção extrapleural, entre a pleura parietal e a fáscia en-
crescimento endotelial vascular (VEGF), o fator de cresci- dotorãcica, estendendo-se pelo ápice torácico até a pleura
mento epidérmico (EGF), o Wnt e os genes controladores mediastina!, o hilo pulmonar e, caudalmente, até o diafragma.
do ciclo celular como p53, pRb e bcl-2, que parecem ter um Depois, por meio de uma toracotomia acessória reali·
papel importante na patogenia do mesoteHoma maligno..lO zada três ou quatro espaços intercostais abaixo, realiza-se a
resseoção do hemidiafragma, preservando-se, desde que não
esteja invadido, o peritõnio.
A cirurgia no tratamento do mesotelioma A pleuropneumonectomia é completada com a retirada
maligno do hemipericárdio e dos linfonodos mediastinais correspon-
O papel da cirurgia no tratamento do MDM tem duas pers- dentes e, finalmente, com a ligadura dos vasos hilares e do
pectivas: ressecção radical e tratamento paliativo. brõnquio principal que permitirá a retirada do monobloco.
Como se sabe, a cirurgia como único tratamento tem al· A reconstrução do diafragma é feita oom tela de Mar-
tos lndices de recidiva, já que é quase impossível alcançar lex, prevenindo-se a herniação, para o tórax, do conteúdo
uma margem cirúrgica miaoscópica livre de doença devido abdominal. A tela de Goretex e o próprio pericárdio bovino
à anatomia da pleura e à propriedade do MDM de infiltrar também podem ser usados nessa reconstrução.
tecidos subjacentes.
Antes de serem encaminhados para a cirurgia, os pacien-
tes são submetidos a uma rigorosa avaliação pré-operatória.
Os principais exames não invasivos de avaliação pré-opera-
tória são ecocardiograma, função pulmonar (espirometria
e gasometria), cintilografia perfusional para predizer ovo-
lume expira tório forçado no primeiro segundo (VEF,) pós·
-operatório e os métodos de imagem como TC, RMN de
tórax e PET.
VEF, abaixo de 1 L, Pa02 <55 mmHg, PC02 > 45 mmHg,
além de indícios de hipertensão pulmonar, são as contraindica·
çóes pulmonares relativas para uma pleuropncumonectomia.
Os critérios de ressecabilidade por TC e RMN são plano
extrapleural preservado, evidência de margem livre com as
estruturas adjacentes ao tumor, ausência de invasão dos te·
cidos moles extrapleurais e superfície diafragmática preser-
vada; já os de irressecabilidade incluem comprometimento FIGURA 63.5-+ Ma.ssa polilobada, mais wltosa na metade inferior do
hemitórax esquerdo e que se estende pela pleura parietal até o ~pie~.
total do diafragma, invasão de tecidos moles ou gordura ex-
O pericárdio, normalmente ressecado desde a face lateral terapia externa, na dose de 4.500 rads, iniciada de 4 a 6 se·
do esôfago até a linha média na sua porção mais anterior, é re· manas após a cirurgia. Com esse esquema, obteve-se uma
construído de preferência com pericárdio bovino (FIGURA 63.6). sobrevida média de 21 meses e de 1 e 2 anos de 65 e 40%,
A mortalidade desse procedimento tem diminuído nas respectivamente.33
últimas décadas, para indices de 3 a 5%, quando realizado Uma análise recente de 231 pacientes submetidos a pleu-
em centros especializados e em grupos de pacientes selecio- ropneumonectomia ou pleurectomia mostrou que a sobrevi-
nados, sendo que a morbidade varia de 25 a 50%.22. 31 da é influenciada pelo estágio do tumor e pelo tipo histológi·
O grupo de Chicago, pioneiro nesse campo, descreveu os co, e não pelo tipo de técnica utilizada.31
resultados de um grupo de 33 pacientes tratados com pleu- Em uma revisão recente, Flores e colaboradores 34 rela-
ropneumonectomia, com uma mortalidade cirúrgica de 9% taram a experiência de 663 pacientes tratados em três insti·
e uma sobrevida em 1 e 2 anos de 48 e 25%, respectivamen- tuições e compararam os resultados da pleuropneumonecto-
te. A sobrevida média do grupo todo foi de 13,5 meses. A mia (n = 385) versus descorticação/pleurectomia (n = 278).
sobrevida média depois desse procedimento varia de 9 a 19 O relato envolveu 538 homens e 125 mulheres, e a idade
meses a 4 a 21 meses.32 média foi de 63 anos.
As complicações pós-operatórias podem ser pneumonia, Houve diferença significativa de sobrevida em relação
fístula broncopleural (5 a 20%, especialmente à direita), ar· ao estágio tumoral1 a 4 (p < 0,001), histologia epitelioide
ritmia supraventricular (20 a 40%), empiema, paralisia de versus não epitelioide (p < 0,001 ), pleuropneumonectomia
corda vocal, quilotórax, infarto do miocárdio e insuficiência versus pleurectomia/descorticação (p < 0,001) e terapia mul-
cardíaca. tirnodal versus cirurgia isolada (p < 0,001).
Uma segunda alternativa cirúrgica é a pleurectomia pa- O grupo de Boston liderado pelo Dr. Sugarbaker, com
rietal com preservação do pulmão e eventualmente do dia- clara tendência a indicar preferentemente a pleuropneumo-
fragma (FIGURA 63.7). Depois da toracotomia posterolateral, nectomia neste tipo de tumor, publicou há pouco tempo a
realiza-se a dissecção extrapleural da pleura parietal, sendo experiência com 636 pacientes tratados com essa técnica e
que às vezes é necessário remover parte do pericárdio. No estabeleceu os fatores que têm impacto na sobrevida em três
restante da téenica, o procedimento se assemelha à descorti· anos, depois desse tipo de terapia.35 Dentre os 636 pacientes
cação realizada em empiema crônico. operados, 117 (18%) sobreviveram três anos ou mais, e dos
Este procedimento tem menor morbidade e mortalidade sobreviventes, 33% eram mulheres. O tipo histológico epite·
em relação à pleuropneumonectomia, mas sua aplicabilida· lioide, série vermelha, branca e plaquetas normais também
de está restrita a casos selecionados. exerceram impacto positivo na sobrevida. A idade média dos
A maior dificuldade dessa técnica é a obtenção do plano sobreviventes foi de 59 anos.
de separação entre a pleura parietal grosseiramente envol· A videotoracoscopia com pleurodese química (talcagem)
vida pelo tumor e a pleura visceral, que deve estar poupada é um procedimento paliativo para o controle do derrame
para que a operação se justifique com pretensões de ressec- pleural em pacientes que não são candidatos à cirurgia.
ção completa.

Ofuturo ea terapia multimodal


Resultados da cirurgia no mesotelioma difuso Atualmente estão sendo utilizados novos tratamentos para
O grupo do Memorial Hospital de New York realizou essa aumentar o controle local da doença e diminuir as metás·
técnica acompanhada de braquiterapia e seguida de radio- tases à distância. Esses tratamentos incluem quimioterapia

FIGURA 63.6 ~ Depois de uma pleuropneumonectomia radical, o diafragma esquerdo foi substituído por uma tela de Marlex e o hemipericárdio,
por pericárdio bovino.
FIGURA 63.7 ~ (A) massa ocu-
pando a metade inferior da
cavidade pleural esquerda e se
estendendo pela parede late-
ral até o ápice. (B) tomografia
computadorizada de tórax com
os achados característicos. (C)
rad iografia de tórax mostrando
atrofia das costelas submetidas
à "ressecção em gaiola" durante
a pleurectomia. (O) a tomografia
confirma ausência de lesão em
controle realizado oito anos mais
tarde.

intrapleural e sistêmica e quimioterapia adjuvante em con- res de tipo epitelial e linfonodos negativos, com uma sobrevida
junto com radioterapia. de 74 e 39% em dois e cinco anos, respectivamente.21
Como a maior probabilidade de recorrência tumoral está Um estudo de fase ll do Memorial Sloan-Kettering Can-
relacionada com a recidiva local, inúmeras formas de trata- cer Center tratou os pacientes com MDM com uma dose de
mento têm sido testadas com a perspectiva de aumentar o cisplatina intrapleural e rnitornicina no final da pleurectornia,
controle local da doença. Dentre elas, a terapia fotodinâmi- e um mês depois da cirurgia foram administrados dois ciclos
ca pós-ressecção tem sido recomendada, com a ideia de eli- de quimioterapia sistêmica com cisplatina e mitomicina. 36
minar, pelo calor, eventuais focos remanescentes do tumor No Dana-Farber Cancer Institute, 183 pacientes foram
na superfície pleural. A terapia fotodinârnica com emprego tratados com quimioterapia adjuvante (CAP = ciclofosfa-
reconhecido em outras áreas ainda é considerada experi- rnida, doxorrubicina e cisplatina) e radioterapia do hemitó-
mental no manejo do mesotelioma pleural. rax, após pleuropneurnonectornia. Esse estudo confirmou a
importância do tipo histológico epitelial, de metástases lín-
Além da terapia fotodinâmica, o tratamento visando au-
fonodais e de uma completa ressecção no prognóstico dos
mentar o controle local da doença adiciona radioterapia e
pacientes com MDM.37
terapia gênica à ressecção cirúrgica.
A terapia combinada avaliada no Dana-Farber Cancer
Institute/Brigham e no Women's Hospital Thoracic Oncolo-
gy Program incluiu a análise retrospectiva de 120 pacientes, • CASO CLÍNICO
de 1980 a 1995, com diagnóstico de MDM tratados com te- Paciente do sexo masculino, 60 anos, bom estado geral,
rapia combinada (pleuropneurnonectornia + quimioterapia e apresentando dor torácica e dispneia. Derrame pleural e
radioterapia), observando-se um índice de sobrevida em dois massa polilobada sugestiva de mesotelioma, envolven-
e cinco anos de 45 e 22%, respectivamente. Os índices de so- do a cavidade pleural esquerda. O espessamento pleural
brevida foram de 65 e 27%, respectivamente, em dois e cinco mediastinal é considerado característico desse tumor.
anos para pacientes com tipo histológico epitelial. Pacientes VEF, de 77% do previsto. A biópsia indica mesotelioma
com tumores de tipo fibrossarcornatoso ou misto tiveram urna epitelioide. Mediastinoscopia cervical negativa. O envol-
sobrevida em dois e cinco anos de 20 e 0%, respectivamente. vimento grosseiro da pleura visceral exigiu a realização
Os índices de melhor prognóstico são em pacientes com turno- de pleuropneumonectomia esquerda (FIGURA 63.8).
FIGURA 63.8 -+
(A) radiografia
de tórax mostrando derrame
e espessamento irrt9ular à es-
querda. (B) tomografia de tórax
evidendando massa tumescente
na metade inferior do hemit6rax
esquerdo, com extens.'lo ao longo
da superffde pleural, incluindo a
pleura mediastinal. (C) controle
radiológico imediato p6s-pleu-
ropneumonectomia radical à es-
querda. (O) controle radiológico
tardio, sem sinal de rec.idiva ou
metástase seis anos depois.

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Jorge lima Hetzel
64
Adalberto Sperb Rubin
ManuelaCavalcanti

achados tomográficos das diferentes eosinofilias pulmona-


Introdução res.2 A biópsia pulmonar pode ser necessária para a confir-
As eosinofilias pulmonares representam um grupo hetero- mação diagnóstica.
gêneo de doenças caracterizadas pela infiltração do tecido Neste capítulo, são abordadas a sindrome de Loeffler,
pulmonar por eosinófilos, podendo estar associadas ou não a pneumonia eosinoffiica crônica, a pneumonia eosinomica
a eosinofilia periférica.' A apresentação cllnica inclui um aguda e a síndrome hipereosinoffiica. As principais caracte-
amplo espectro de gravidade, desde infiltrados pulmonares rísticas dessas doenças são resumidas no QUADRO 64.1.
assintomáticos até a sfndrome da distrição respiratória do
adulto (SDRA). O diagnóstico é baseado no padrão clinicor-
radiológico, associado à demonstração de eosinofilia alveo-
lar e/ ou sanguínea.
Síndrome de Loeffler
A informação clínica mais importante na avaliação das A sindrome de Loeffier, inicialmente descrita em 1932, é
eosinofilias pulmonares é a história médica detalhada. In- urna pneumonite eosinoffiica transitória, por reação de hi-
formações como duração e gravidade dos sintomas, expo- persensibilidade imediata (tipo 1), resultante de infecções
sição ambiental recente, histórico de viagens e a criteriosa parasitárias com ciclo pulmonar. Os principais parasitas en-
avaliação do uso de medicações devem ser insistentemente volvidos são Ascaris lumbricoides, Strongyloides stercoralis,
avaliadas. Ancy/ostoma duodeno/e, Schisrossoma mansoni e Taxacara
Exames complementares também assumem um pa- canis. Na sua passagem pulmonar, as larvas desses parasitas
pel importante. A contagem diferencial do leucograma é rompem os capilares dos alvéolos, provocando hemorragia e
essencial na avaliação das eosinofilias pulmonares, tendo infiltração pulmonar.
em vista que a maioria delas apresenta cosinofilia sanguí·
nea, definida por uma contagem de eosinófilos superior a
500 células/mm3 • O lavado broncoalveolar (LBA) também Clínica
apresenta um papel central na avaliação desses pacientes, A síndrome de Loeffier pode ocorrer em qualquer faixa etá-
já que a eosinofilia periférica pode estar ausente e o acha- ria ou sexo. A característica clínica é de um quadro autolimi-
do de eosinofilia em LBA - com uma contagem percen- tado (1 a 2 semanas) de tosse seca, dispneia, sibilos, descon-
tual superior a 5% - pode ser o primeiro indicio de uma forto retroestemal, febre baixa e, eventualmente, hemoptise.
eosinofilia pulmonar. Em condições normais, o liquido do Os achados de exame flsioo são inespecífioos; a presença de
LBA apresenta menos de 1% de eosinófilos. A tomografia crepitantes e sibilância na ausculta pulmonar é o mais co-
computadorizada (TC) de tórax é igualmente útil na inves- mum. Os sintomas ocorrem 6 a 10 dias após a ingestão dos
tigação diagnóstica, apesar de haver uma superposição nos ovos.
QUADRO 64.1 7 Características clínicas das pneumonias eosinofílicas

I
mur!f.~N~mmm W!li!Y.íl/!mm lffllol;lo!!l! mw l•HIIIo!ll!i?J I
Quadro clínico Agudo Subagudo ou crônico Agudo Subagudo ou crônico

Asma ou atopia Sem relação Frequente Sem relação Sem relação

Tabagismo Sem relação Sem relação Frequente, início recente Sem relação

Sintomas extrapulmonares Sim Não Não Sim

Pred ileção por sexo Não Mulheres 2:1 Não Homens 7:1

Idade média 40 anos 30..40 anos

[l•t!olil!b
Eosinofilia no sangue Elevada, transitória Leve a moderada Rara Elevada, persistente

Eosinofilia no LBA Presente Presente Presente Presente

lw 1!IJ•IJ!M !@I
Padrão radiológico Infiltrado periférico, Infiltrado periférico, Alveolares e/ou Alveolares ou intersticiais, focais
migratório imagem negativa do EAP intersticiais, difusos ou difusos

Infiltrado migratório Sim Sim Não Não

Infiltrado periférico Sim Sim Não Não

Derrame pleural Raro Raro Frequente frequente

Iti;IV1.\@j,J
Tratamento Parasito se Corticoide Corticoide Corticoide

Resolução espontânea Sim Não Rara Não

Recorrência Não Frequente Não

LBA = lavado b<oncoalwolar; EAP = edema agudo de pulmão.

Exames de imagem O exame parasitológico de fezes costuma ser negativo, pois


Na radiografia simples de tórax, são observadas múltiplas a fase de migração larva! costuma preceder em aproximada-
áreas de consolidação, pouco delimitadas, migratórias, peri- mente oito semanas a emissão dos ovos. O exame de escarro
féricas, que apresentam resolução espontânea em um mês.' pode demonstrar eosinof!lia, mas é o achado de larvas no
escarro que confirma o diagnóstico.
A TC revela presença de opacidades em vidro fosco ou con-
solidação de espaço aéreo predominantes na região periféri- Por ser um quadro benigno, autolimitado, a avaliação
ca dos campos pulmonares superiores, assim como nódulos histopatológica do parênquima pulmonar em geral é des-
de espaço aéreo, únicos ou múltiplos.2'
4 necessária. Quando disponível, o achado histopatológico
característico é a presença de edema e inftltração de eosinó-
ftlos no septo alveolar e interstício.'
Diagnóstico Inúmeros fármacos também podem apresentar reações
O diagnóstico de síndrome de Loeffler baseia-se no quadro idiossincráticas com quadro clinico e radiológico semelhante
epidemiológico, clínico e radiológico. É comum ocorrer eo- ao da síndrome de Loeffler, sendo importante o diagnóstico
sinofilia sanguínea, sobretudo em casos de estrongiloidíase. diferencial com essa situação clínica.
Tratamento e prognóstico Exames de imagem
O tratamento da síndrome de Loeffler deve ser direciona- A radiografia de tórax evidencia presença de opacidades
do à condição subjacente. Em casos de ascaridíase, o uso de periféricas, de limites maldefinidos, com predomínio sub-
mebendazol {100 mg, via oral, duas vezes ao dia, por três pleural, geralmente bilateral, de padrão alveolar, podendo
dias) ou albendazol (400 mg, via oral, em dose única) tem incluir a presença de vidro despolido ou consolidação com
como objetivo prevenir manifestações de infestação tardia broncograma aéreo.8 O infiltrado pode ser migratório em
por helmintos. A síndrome de Loeffter apresenta um bom até 25% dos casos, e a presença de cavilação, atelectasias e
7
prognóstico, e a resolução espontânea dos infiltrados pul- derrame pleural é rara. A principal característica da PEC na
monares ocorre em até 30 dias, não sendo necessário o uso radiografia de tórax é o achado em imagem negativa de um
de corticoides. edema pulmonar agudo; entretanto, esse achado é visto em
menos de 50% dos casos.9
A TC de tórax (FIGURA 64.1) é um exame útil na avaliação
do paciente com suspeita de PEC, especialmente naqueles
Pneumonia eosinofílica crônica que apresentam achados atípicos na radiografia de tórax,
A pneumonia eosinofílica crônica (PEC) é uma doença rara, por permitir a demonstração de infiltrado pulmonar perifé-
de causa desconhecida, caracterizada por um curso subagu- rico.•o.•• Os achados menos comuns são opacidades em vidro
do ou crônico.s Pode ocorrer em qualquer faixa etária, po- fosco, nódulos e reticulação, que costumam predominar na
rém apresenta maior incidência na quarta década de vida fase tardia da PEC.8
e predomínio no sexo feminino (2:1), sendo extremamente
1
rara em crianças. A maioria dos pacientes tem história de
atopia, com asma, rinite e conjuntivite alérgica, alergia a fár-
Diagnóstico
macos ou eczema.• O principal achado nos exames laboratoriais é a eosinofilia
no sangue periférico, geralmente superior a 1.000/mm3, que
está presente em 60 a 90% dos doentes.7 A ausência de eo-
sinofilia periférica impõe a necessidade de haver eosinofilia
Principais características da pneumonia eosinofílica alveolar para o diagnóstico. Os níveis de imunoglobulina
crônica: E (IgE) também estão elevados na maioria dos doentes.7•12
--+ Evolução subaguda ou crônica de sintomas respira- Também pode ser observada hipoxemia, anemia, elevação da
tórios velocidade de hemossedimentação e da proteína C-reativa.
--+ Eosinofilia sanguinea (>1.000/mm') e/ou no LBA(<! A espirometria irá apresentar alguma anormalidade em
40%) 70% dos pacientes e pode revelar tanto um padrão restri-
--+ Infiltrados pulmonares periféricos tivo quanto um padrão obstrutivo, sendo este mais comum
~ Exdusão de outras causas de eosinofilia pulmonar quando a doença acomete pacientes asmáticosY A difusão
--+ Resposta clinica rápida à corticoterapia de monóxido de carbono costuma estar reduzida.
--+ Frequentes recaidas A fibrobroncoscopia é inespecifica, porém a eosinofilia
no LBA está p resente na totalidade dos casos, sendo ~ue ní-
veis superiores a 40% são característicos da doença.7' 1
O diagnóstico diferencial da PEC inclui infecções (em
Clínica especial tuberculose e doenças fúngicas), sarcoidose, sin-
Os sintomas são inespecificos e em geral aparecem alguns drome de Loeffler, pneumonia intersticial descamativa,
meses antes do diagnóstioo. A maior série da literatura, com bronquiolite obliterante com pneumonia organizante, pneu-
62 casos, descreveu uma média de quatro meses entre o iní- monia de hipersensibilidade crônica, granulomatose de We-
cio dos sintomas e o diagnóstico, tendo essa demora sido
atribuída à inespecificidade do quadro. 7 Dispneia e tosse es-
tão sempre presentes. Embora a dispneia seja progressiva,
raras vezes ocorre evolução para insuficiência respiratória
com necessidade de ventilação mecânica. A tosse é inicial-
mente seca, porém é comum a presença de escarro mucoide
com a evolução da doença.
Os sintomas sistêmicos podem estar presentes, como
febre baixa, fadiga, sudorese noturna e emagrecimento.
Sintomas ou sinais extrapulmonares como artralgia, peri-
cardite, púrpura e alterações hepáticas são incomuns e de-
vem alertar para diagnósticos alternativos, como síndrome
hipereosinofílica ou de Churg-Strauss. Os achados de exa-
me físico são inespecificos, sendo a prese nça de crepitantes
inspiratórios e sibilos expiratórios na ausculta pulmonar o FIGURA 64.1 -+ Tomografia computadorizada de tórax em caso de
mais comum. pneumonia eosinofílica crônica.
17
gener, toxicidade pulmonar por drogas, aspergilose bronco- brose pulmonar ocorrem em menos de 5% dos casos.7· A
pulmonar alérgica, pneumonia eosinofilica aguda e fibrose morte secundária à PEC é extremamente rara. Entretanto, a
pulmonar idiopática. ocorrência de PEC em pacientes com asma brônquica mui·
O diagnóstico da PEC baseia-se em critérios clínicos, tas vezes está associada ao desenvolvimento de asma grave. 6
laboratoriais e de imagem, não sendo necessária a confir-
mação histológica. A biópsia pulmonar está indicada apenas
quando a suspeita de outra doença pulmonar ( eosinofílica
ou não) não puder ser descartada pela história ou pelos
Pneumonia eosinofílica aguda
exames complementares. Nestes casos, indica-se a biópsia A pneumonia eosinofilica aguda (PEA} foi originalmente des·
pulmonar a céu aberto, visto que amostras provenientes de crita em 1989_.8 Caracteriza-se por uma doença febril aguda
biópsia transbrônquica são insuficientes para o diagnóstico. com rápida evolução para insuficiência respiratória, associada
A histopatologia do parênquima pulmonar revela infil. à presença de eosinofilia pulmonar. •• A causa é desconhecida,
trados intersticiais e alveolares com predomínio franco de mas sua ocorrência em alguns pacientes pouco tempo após
eosinófilos. Pode haver fibrose intersticial mínima, focos de exposição inalatória ambiental ou logo depois do início do há·
pneumonia organizante ou pneumonia intersticial descama- bito tabágico sugere que tal doença pode corresponder a uma
tiva.'·" As principais diferenças histológicas entre pneumo- reação de hipersensibilidade aguda a um antígeno inalado
nia eosinofílica aguda e crônica são a gravidade do dano na não identificado.m • A sua patogenia ainda não foi estabele·
membrana basal e a quantidade de fibrose intraluminal. 1' cida, porém sabe-se que os eosinófllos são as células domi-
nantes no processo, assim como as citocinas eosinofilicas. 22' 21
É uma doença rara e pode afetar indivíduos de qualquer
Tratamento idade. Ao contrário da PEC, não existe habitualmente his-
Diferentemente do observado na sindrome de Loeffier, a re- tória de asma, atopia ou predisposição por sexo.18 A PEA
missão espontãnea da PEC é raraY ' Corticoterapia sistêmica pode ser causada por fármacos, parasitas, fungos, inalação
é o tratamento de primeira escolha. A resposta terapêutica é de produtos tóxicos, ou pode ser idiopática.
rápida, com 80% dos pacientes apresentando regressão dos
sintomas e da eosinofilia periférica em 24 a 48 horas, e 70%
7
apresentando melhora radiológica em 8 a 15 dias. A ausência
total de sintomas ocorre em 2 a 3 semanas, e a normalização Principaiscaracterísticas da pneumoniaeosinofílica
completa dos exames de imagem, em dois meses.7' 9 Essa rá· aguda:
pida resposta terapêutica permite a utilização do corticoide -+ Doença febril aguda com insuficiência respiratória
como teste terapêutico para estabelecimento do diagnóstico -+ Eosinofilia no LBA> 25%
em alguns casos. A falta de resposta clínica em poucos dias 7 Infiltrados pulmonares alvrolointersticiais bilaterais
é sempre indicativa da presença de diagnósticos alternativos. 7 Exclusão de outras causas de eosinofilia pulmonar
Apesar da eficácia terapêutica do corticoide, as recidivas -+ Resposta clfnica rápida à corticoterapia
ocorrem em mais de 50% dos pacientes após redução da sua -+ Ausência dê réCafda
dose ou suspensão do tratamento.7' 12 Todavia, embora as re-
cidivas sejam frequentes, sua ocorrência não determina um
pior prognóstico. Os pacientes permanecem responsivos ao
tratamento. Clínica
Ainda não há consenso quanto à dose e à duração dessa A PEA apresenta um quadro de início agudo (inferior a sete
terapêutica. A maior parte dos autores recomenda o trata- dias de evolução) de febre, tosse seca, dispneia progressiva,
mento inicial com 0,5 mg/kg/dia ou 30 a 40 mg de prednisona dor torácica pleurítica, mialgia e dor abdominal.20 Esse qua-
até a remissão dos sintomas e das anormalidades pulmona- dro evolui rapidamente para insuficiência respiratória aguda
res. Após esse período, a dose de corticoide deve ser redu- hipoxêmica, exigindo ventilação mecânica. Na série de Philit
zida gradualmente durante o período mínimo de seis meses. e colaboradores,•• 63% dos pacientes precisaram de ventila-
O tratamento pode ser indefinido em função de recorrências ção mecânica invasiva ou não invasiva. A apresentação como
frequentes. Na série de Marchand e colaboradores, 68% dos um quadro febril agudo, que evolui de maneira rápida, pode
pacientes permaneciam com uso de corticoide oral após um sugerir erroneamente o diagnóstico inicial de pneumonia
ano de seguimento por causa das recorrências frequentes ou bacteriana grave.
de asma grave. Nesses casos, a prednisona está indicada na O exame fiSico é inespecífico, com febre, taquipneia, taqui-
menor dose capaz de controlar os sintomas, e com o mínimo cardia e presença de estertores crepitantes bibasilares ou difu-
de efeitos adversos possível. Os relatos com uso de corticoi· sos à ausculta pulmonar. A presença de sibilos é incomum.os
de inalatório na prevenção de recidivas ainda estão pouco
fundamentados.•S.tó
Exames de imagem
A radiografia de tórax inicial revela um infiltrado intersti·
Evolução e prognóstico cial discreto, com linhas B de Kerley. Em 48 horas, surgem
O prognóstico a longo prazo da PEC é bom. O desenvol- infiltrados alveolares e/ou intersticiais, distribuídos difusa-
vimento de sequelas parenquimatosas e a evolução para fi. mente por ambos os campos pulmonares, com predomínio
ao longo de feixe broncovascular e de septos interlobula- pneumonia por hipersensibilidade e insuficiência cardíaca
res.' Os infiltrados não apresentam o predorninio pela pe- congestiva.
riferia característico da PEC. Mais da metade dos doentes
apresenta derrame pleural, pequeno a médio, e em geral
bilateral.
Tratamento
A TC de tórax demonstra áreas esparsas de opacidade As bases do tratamento da PEA são a eliminação do fator
em vidro fosco bilaterais, frequentemente acompanhadas de desencadeante (quando identificado), o tratamento de su-
espessamento do septo interlobular, consolidação e opacida- porte (que frequentemente inclui ventilação mecânica) e o
des nodulares de limites imprecisos.2li.V corticoide sistêmico em doses altas.
O diagnóstico radiológico diferencial inclui edema car- Embora existam casos que apresentaram regressão es-
diogênico, SDRA, pneumonia intersticial aguda, pneumonia pontânea, o corticoide sistêmico é o tratamento de primei-
ra escolha para PEA. A dose recomendada é de 1 mg/kg de
atípica ou viral.
peso de metilprednisolona, intravenosamente, a cada seis
horas, até resolução da insuficiência respiratória. Após esta-
Diagnóstico bilização inicial, deve ser utilizada prednisona, 40 a 60 mg ao
Os exames laboratoriais são inespecíficos. Observa-se leuco- dia, até a resolução clínica (2 a 4 semanas). O desmame deve
citose com neutrofilia, elevação da velocidade de hemosse- ser progressivo nas 2 a 4 semanas seguintes.
dimentação e do nível sérico de IgE. A gasometria arterial A resposta clínica é rápida, habitualmente em 24 a 48 ho-
revela hipoxemia grave, algumas vezes associada a alcalose ras após o inicio do costicosteroide. Junto da melhora clínica
respiratória. se observa diminuição da eosinofilia no LBA e da eosinofilia
A eosinofilia do sangue periférico ocorre em menos de periférica, quando presente.30 A falta de resposta clínica em
30% dos doentes.'~ O achado de eosinopenia inicial transitó- poucos dias deve ser indicativa da presença de diagnósticos
ria vem sendo atribuído a um fenômeno de sequestro agudo alternativos.
dos eosinófilos do sangue periférico para o pulmão, mediado Sendo o diagnóstico de PEA de exclusão, a suspeita de
por interleucinas.28 causa infecciosa deve sempre estar presente. Assim, é co-
A análise do líquido pleural revela habitualmente eosi- mum a conduta clínica de manter o uso de antimicrobiano
nofilia marcada com elevação do pH. de amplo espectro concomitantemente ao início da terapêu-
Na espirometria, quando realizada, há um padrão restri- tica corticoide.
tivo, com redução da difusão de monóxido de carbono. 29 A
recuperação da função pulmonar é completa após a remis- Evolução e prognóstico
são do quadro clinicorradiológico.
A rápida resposta ao uso de corticoide confere à PEA um
No exame citológico do LBA, há predomínio de eosinófi- bom prognóstico. A resposta clínica e radiológica costuma
los (acima de 25%) e também é observado aumento associa- ser completa, sem sequelas. Não se observa recorrência da
do de linfócitos ( -20%) e neutrófilos ( -15%). Esse achado doença após a suspensão do tratamento. Há descrição na li-
é considerado altamente sugestivo de PEA, sendo desne- teratura de raros casos em que houve remissão espontânea,
cessária a realização de biópsia pulmonar para confirmação sem tratamento.
histológica no paciente imunocompetente. No entanto, nos
doentes imunodeprimidos que desenvolvem PEA, a biópsia
pulmonar deve ser considerada, sobretudo para exclusão de
eventual infecção fúngica ou outras causas na origem dessa Síndrome hipereosinofílica
entidade. Quando indicado, tanto a biópsia transbrônquica A síndrome hipereosinofilica (SHE) é um distúrbio mielo-
como a biópsia a céu aberto e a videotoracotomia podem ser proliferativo raro, marcado pela contínua superprodução de
realizadas. eosinóftlos. Caracteriza-se por lesões em múltiplos órgãos,
A histopatologia do parênquima pulmonar revela marca- secundárias à infiltração eosinofílica, e por elevada eosino-
da infiltração de eosinófilos nos espaços alveolares, na pare- filia absoluta no sangue periférico. Foi inicialmente descrita
de brônquica e no espaço intersticial. 8 Não há evidência de em 1968.
31

vasculite ou necrose. A maior prevalência é na faixa etária de 30 a 40 anos e


A PEA é um diagnóstico de exclusão. A investigação mi- entre homens (relação de 7 a 9:1). 32.33 O mecanismo da falta
crobiológica de amostras como sangue, escarro, LBA e bióp- de regulação no processo de produção dos eosinófilos ainda
sia transbrônquica é importante para excluir outras causas é desconhecido. Sabe-se que o dano tecidual é o resultado
infecciosas de infiltrado pulmonar. Exames de coloração de direto do acúmulo de eosinófilos nos tecidos, com liberação
Gram e bacilos álcool-ácido resistentes (BAAR), pesquisa local do conteúdo tóxico dos seus grânulos, incluindo proteí-
direta de fungos, cultura para bactérias, micobactérias e fun- nas catiônicas, radicais livres de oxigênio, citocinas pró-in-
gos, pesquisa de parasitas e sorologia pareada devem sempre flamatórias e mediadores derivados do ácido araquidônico.:~<
ser solicitados. Existem duas variantes da doença. Na variante mielopro-
Os principais diagnósticos diferenciais são PEC, pneu- liferativa (m-SHE), a eosinofilia é induzida por alterações
monia por Pneumocystis jirovecii, infecção parasitária pul- genéticas que levam à expansão dona! das células da linha-
monar ( estrongiloidíase ), slndrome de Churg-Strauss, gem mieloide. Na variante linfoproliferativa (1-SHE), clones
anormais de células T desencadeiam a superprodução dos O principal achado nos exames laboratoriais é a eosino-
fatores que estimulam a produção de eosinófdos, principal- filia no sangue periférico superior a 1.5001mm1, por mais de
mente rL-5. seis meses.
A presença de mielócitos imaturos, trombocitopenia,
trombocitose, anemia e níveis elevados de vitamina 8 12 são
achados comuns a pacientes com m-SHE, ao passo que ele-
Principais características da slndrome vação da IgE e hipergamaglobulinemia policlonal são típicas
hipereosinofílica: dai-SHE.
~ Eosinofilia persistente> 1.500/mm' A biópsia de medula óssea, quando realizada, demonstra
~ Sinais e sintomas de en110lvimento de múltiplos ór- 20 a 80% de eosinófilos em diferentes estágios de matura-
gãos ção.n
-+ Exclusão de outras causas de eosinofilia pulmonar No exame citológico do LBA, há um predomínio discre-
to de eosinófilos, contrastando com a hipereosinofilia peri-
férica, estando presente apenas nos pacientes com compro-
Clínica metimento pulmonar.
A histopatologia do parênquinla pulmonar revela marca-
Pode haver acometimento de qualquer tecido, e os sinto-
da infiltração de eosinófilos no espaço intersticial e áreas de
mas variam de acordo com o órgão afetado. Os órgãos mais
necrose parenquimatosa atribuídas a microêmbolos pulmo-
atingidos são pele (urticária, angioedema, pápulas eritema-
nares.' Contrariamente à slndrome de Churg-Strauss, não há
tosas pruriginosas, nódulos cutâneos, ulcerações mucosas),
evidência de vaseulite.
coração (miocardiopatia restritiva, lesão valvular) e sistema
Deve ser ressaltado que o aspecto mais importante no
nervoso (encefalopatia, acidente vascular cerebral isquêmi-
diagnóstico da SHE é a exclusão de outras doenças associa-
co, neuropatia sensorial ou mista). Pacientes com m-SHE das à eosinofilia e que irão exigir ttatamento específico. As
apresentam uma doença mais agressiva, com maior compro-
principais causas a serem excluídas são reação a fármacos,
metimento cardíaco e risco de desenvolver leucemias agu- parasitoses (em especial estrongiloidose) e neoplasias.
das. Aqueles com 1-SHE tendem a apresentar manifestação
cutânea, respiratória e gastrintestinal, podendo apresentar
linfoma de células T.
35
Tratamento
Alguma forma de acometimento pulmonar pode ser vista O principal objetivo no tratamento da SHE é o controle do
em 40 a 60% dos doentes com SHE. Os sintomas pulmonares número de eosinófilos.
podem ser decorrentes da insuficiência cardíaca, de êmbo- O corticoide é a base terapêutica dessa doença, e a falta
los originários de trombos do átrio direito, ou da infiltração de expressão do receptor de corticoide nos eosinófilos tem
eosinoffi.ica primária do pulmão. 36 Os sintomas mais comuns 19
sido associada à resistência terapêutiea. Recomenda-se o
são dispncia, sibilância e tosse seca persistente, geralmente tratamento inicial com 1 mglkgldia de prednisona por 1 a 2
noturna. Essa associação de sintomas pode levar à suspeita semanas.o10 Após esse período, a dose de corticoide deve ser
diagnóstica de asma." No entanto, a associação entre asma reduzida gradualmente durante o período de 2 a 3 meses.
c SHE é incomum.n A hipertensão pulmonar também já foi Havendo sintomas recorrentes na vigência de predniso-
relatada e reflete o estado de hipercoagulabilidade, comum a na em dose superior a 10 mgldia, é recomendada a associa-
essa doença. Sintomas inespecíficos como fadiga, febre, mial- ção com bidroxiureia (500 mg, via oral, duas vezes ao dia) ou
gia e sudorese também podem estar presentes. intederon alfa (I milhão de unidades, via subcutânea, três
vezes por semana).40
Na falta de resposta terapêutica ao corticoide, outros
Exames de imagem agentes podem ser uúlizados, tradicionalmente os agen-
Os achados radiográficos da SHE não inespecíficos e con- tes citotóxicos e não citotóxicos. O imatinibe, um inibidor
sistem em opacidades intersticiais ou alveolares, focais ou da tirosinaquinase, já demonstrou eficácia no tratamento
difusas. Em geral estão relacionados com a presença de insu- de doentes refratários a corticoides, hidroxiureia e/ ou in-
ficiência cardíaca. O derrame pleural ocorre na metade dos tederon alfa." Estudos recentes demonstraram a eficácia
8
casos. de outros anticop,os monoclonais, como mepolizumabe e
A TC de tórax revela pequenos nódulos com ou sem halo alemtuzumabe." ·' No entanto, esses fármacos ainda não
de vidro fosco e áreas focais de opacidade em vidro fosco. 31 receberam aprovação das agências regulatórias para o tra-
tamento da SHE.

Diagnóstico
Para o diagnóstico, é necessária a presença dos seguintes Evolução e prognóstico
critérios: eosinofilia persistente com contagem absoluta su- Atualmente, o prognóstico da SHE depende de dois
perior a 1.500{mm1 em sangue periférico por mais de seis principais aspectos: o envolvimento cardíaco e o risco de
meses; ausência de outras causas aparentes para eosinofilia; desenvolvimento de neoplasia hematológica (leucemia
e sinais e sintomas de envolvimento de múltiplos órgãos.38 mieloide aguda, leucemia eosinofflica aguda e Jinfoma de
células T). Outros fatores considerados de melhor prog- 16. Minakuebi M, Niimi A, Matsumoto H, Amitani R, Misbima M.
nóstico incluem rápida resposta cllnica com redução da Chronic eosinophilic pneumonia: treatment with inhaled eorúcoste-
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Adalberto Sperb Rubin
Suzana Zelmanovitz
65
Introdução Aspectos epidemiológicos
Estima-se que a LAM corresponda a 1% de todos os casos de
doenças difusas pulmonares; em razão dessa baixa prevalên-
cia, há dificuldade de se obter informações fidedignas a res-
peito dos dados epidemiológicos. Pode-se afirmar que a LAM
é uma doença quase exclusiva de indivíduos do sexo feminino,
havendo apenas poucos relatos da doença em homens, sendo
que nesses casos existia associação com esclerose tuberosa.

Pode ocorrer isoladamente, associada ao angiomioli-


poma renal ou ao complexo de esclerosc tubcrosa (doença
ncurocutânea esporádica ou de herança autossômica do-
minante, caracterizada por hamartomas em pele, olhos,
rins, coração e sistema nervoso central, crises convulsivas
c retardo mental, associada a mutações nos genes TSCJ
ou TSC2). Cerca de 60% das mulheres estão na pré-menopausa e
As alterações histopatológicas são caracterizadas pela nunca fumaram. Um aspecto interessante é que, quando a
presença de células de LAM - que apresentam positividade doença surge na menopausa, a maioria das pacientes está
para o antigeno alia actina e para o anticorpo monoclonal recebendo terapia de reposição hormonal. Pacientes com es-
HMB-45 (que reage com glicoprote(nas presentes em pré- clerose tuberosa podem desenvolver LAM em uma propor-
-melanócitos, sendo marcador exclusivo da doença), além de ção de 1 a 50% d'? acordo com diversos estudos. Em média,
30 a 40% das pac1entes com esclerose tubcrosa apresentam
expressarem receptores de estrogênio e progesterona - e por
associação com LAM {LAM-TSC). A associação apresenta
cistos de distribuição difusa.
prevalência mundial de cerca de 200 mil pacientes, enquanto
aLAM esporádica (forma isolada da doença) tem uma pre-
valência de 30 a 50 mil pacientes.
embora na avaliação inicial possa ser detectado pneumotó-
rax ou derrame pleural. As anormalidades mais comuns são
opacidades reticulares, cistos ou bolhas. Os volumes pulmo-
nares em geral estão preservados, e a associação de imagens
reticulares com essa preservação dos volumes pulmonares
ocorre em poucas condições: LAM, histiocitose de células
de Langerhans (HCL), sarcoidose e pneumonia de hipersen-
sibilidade crônica.
Pacientes com suspeita de IAM devem ser submetidos à
tomografia de tórax de alta resolução (TCAR). A alteração
mais característica é a presença de cistos de paredes finas
espalhados pelos campos pulmonares entremeados por pa-
A dispneia é resultado da obstrução ao fluxo aéreo e rênquima pulmonar normal (FIGURA 65.1). A realização da
substituição do parênquima pulmonar normal por cistos. tomografia de abdome em conjunto com a TCAR pode ser
Aproximadamente dois terços dos pacientes desenvolverão bastante útil na localização de manifestações cxtratorácicas
pneumotórax em algum momento da evolução da doença, da doença. Quando a TCAR for caracter!stica e houver ou-
sendo que esse desfecho é resultado do rompimento dos cis- tra manifestação clássica da doença, como angiomiolipomas,
tos. O quilotórax, formado pela proliferação celular no siste- linfangioliomiomas ou derrames pleurais ou asclticos quilo-
ma linfático, embora menos comum, é de difícil manejo de- sos, pode-se prescindir da biópsia.
vido à alta recorrência após uma simples drenagem. Outros A prova de função pulmonar dos pacientes com LAM
sintomas incluem tosse, dor torácica e hemoptise. A TABELA pode ser normal nas fases iniciais da doença, mas surge dis-
65.1 mostra a prevalência dos sintomas e sinais no diagnósti- túrbio obstrutivo com a evolução da doença. Em até um ter-
co e na evolução da LAM em uma série de casos. ço dos casos, uma modesta melhora com o uso de broncodi-
Manifestações extra pulmonares - também resultado da latadores pode ser evidenciada. Uma redução da capacidade
proliferação celular - incluem linfadenopatias (sobretudo de difusão do monóxido de carbono (DLCO) também pode
abdominais, retroperitoneais e retrocrurais), encontradas estar presente.
em até um terço dos pacientes quando submetidos à inves- O diagnóstico padrão-ouro para a LAM é a biópsia pul-
tigação tomográfica, embora em geral pouco sintomáticas. monar ou de linfáticos que mostre a infiltração de células
Outros achados são massas clsticas linfáticas (chamadas de lisas de forma anormal, chamadas de células de LAM. Estu-
linfangioliomiomas, com localização principalmente em ab- dos histoquímicos com marcadores para actina de músculo
dome, retroperitônio e pelve, podendo ocorrer em mcdiasti- liso e antígeno HMB-45 relacionado com melanoma podem
no e pescoço), coleções quilosas abdominais e coexistência, ser positivos e úteis em casos de biópsias transbrônquicas.
em quase 50% dos casos de LAM esporádica, de tumores Quando a função pulmonar não for adequada para a reali-
benignos contendo músculo liso, vasos e gordura (angiomio- zação de biópsia pulmonar, locais alternativos no abdome
lipomas), presentes sobremaneira no rim. podem ser biopsiados, sob orientação tomogrãfica e com
A investigação diagnóstica de rotina inclui exames de possibilidade de utilização de agulha fina.
imagem e avaliação da função pulmonar. A radiografia de
tórax costuma ser normal nos estádios iniciais da doença,

TABELA 65.1 7 Sintomas e sinais de linfangioliomiomatose

Dispneia 42% 87%

Pneumotórax 43% 65%

Tosse 20% 51%

Dor torácica 14% 34%

Hemoptise 14% 22%


FIGURA 65.1 ~ Tomografoa computadorizada de tórax em caso de lin-
Quilotórax 12% 28% fangioliomiomatose.
O transplante pulmonar deve ser considerado em pa-
Diagnóstico diferencial cientes com menos de 65 anos, sintomáticos (classe funcio-
Os principais diagnósticos diferenciais incluem doenças que nal III ou IV da New York Heart Association), com função
apresentam cistos (QUADRO 65. 1). pulmonar demonstrando comprometimento mais grave (vo-
Dentre os diagnósticos diferenciais, a HCL e o enfise- lume expirado forçado no primeiro segundo e DLCO abai-
ma são os principais. Na DPOC, a história de tabagismo e a xo de 40% ), principalmente se houver hipoxemia associada.
morfologia dos cistos, que são desprovidos de parede no en- Existem relatos de recidiva no órgão transplantado. Melho-
fisema, auxiliam no diagnóstico. No caso da HCL, os cistos res resultados foram demonstrados com transplante bilate-
têm uma distribuição irregular com paredes mais espessas, ral, sendo que a sobrevida após um ano varia entre 80 e 90%.
predominando em ápice e regiões medianas dos pulmões, Em relação ao manejo do quilotórax, inicialmente deve-
poupando as bases. -se realizar, nos casos sintomáticos, aspiração simples ou
drenagem torácica, associada à dieta com triglicérides de
cadeia média e baixo teor de gordura. Se houver refratarie-
dade ou recorrência, pode-se realizar pleurodese cirúrgica
Tratamento ou química, que, apesar de não ser contraindicação absoluta,
O tratamento primário da LAM tem como base o antago- pode dificultar a realização de transplante pulmonar, com
nismo da ação do estrogênio, embora tal conduta ainda maior risco de complicações cirúrgicas, sobretudo sangra-
seja considerada empírica. O medicamento mais ampla- mento. Pode-se instituir de maneira associada ligadura do
mente empregado é a progesterona. Com base nas reco- dueto torácico. O pneumotórax deve ser abordado de inicio
mendações atuais, é indicada a utilização de progesterona com aspiração simples e/ou drenagem pleural e, semelhante
por via oral ou intramuscular por 12 meses quando houver ao descrito para o quilotórax, apesar de a pleurodese estar
declínio funcional acelerado, avaliando-se a resposta a se- indicada nos casos refratários ou recorrentes, ela pode di-
guir. ficultar o transplante pulmonar e favorecer complicações
Muitos autores preconizam, além da progesterona oral cirúrgicas.
ou intramuscular, o uso de agonistas do GnRH, embora isso Viagens aéreas devem ser desencorajadas para pacien-
seja discutível para pacientes assintomáticos e sem perda de tes com pneumotórax de repetição. A gravidez em pacientes
função pulmonar. Não há evidências de que a ooforectomia com LAM ainda não foi rigorosamente estudada, porém um
bilateral possa deter a progressão da doença, sendo essa con- alerta deve ser dado às pacientes que desejam engravidar
duta cada vez menos indicada do que já foi no passado. O devido ao aumento de exacerbação da doença e de pneumo-
uso de broncodilatadores deve ser incentivado para aqueles tórax na gravidez.
pacientes (17%) com prova broncodilatadora positiva.
A vacinação anti-influenza e antipneumocócica deve ser
realizada. A reabilitação pulmonar deve ser considerada em
pacientes dispneicos, com base em resultados obtidos em pa-
Leituras Recomendadas
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cientes com outras doenças intersticiais e com DPOC. Não
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Granulomatose
Pulmonar de
Células de
Langerhans
Adalberto Sperb Rubin
F€rnanda BrumSpilimbergo
66
Várias hipóteses têm sido propostas para explicar a asso-
Introdução ciação entre tabagismo e GPCL Os componentes da fumaça
do cigarro agem como antígenos estranhos nas vias aéreas
periféricas. O fumo do tabaco, por si só, provoca um aumen-
to do número de células de Langerhans no epitélio das vias
aéreas e no epitélio alveolar de fumantes normais?·• Outros
mecanismos imunológicos que contribuem para a lesão pu l-
monar podem incluir complexos imunes circulantes forma-
dos a partir de respostas de anticorpos contra antígenos do
tabaco.

Quadro clínico e avaliação diagnóstica


Essa anormalidade também pode acometer outros ór- A doença costuma afetar jovens fumantes com idade entre
gãos e sistemas, estando presente em outras duas entidades: 20 e 40 anos e, embora a maioria dos pacientes seja de fu -
doença de Letterer-Siwe e doença de Hand-Scbülter-Chris- mantes pesados, não há evidências de que o grau e a duração
tian_1 do tabagismo se correlacionem com a gravidade da doença.l
A incidência e a prevalência verdadeiras são desconhe- A GPCL apresenta-se com sintomas clínicos inespecíficos,
cidas, mas a doença foi encontrada em apenas 3,4% dos 502 como dispneia, tosse seca e dor torácica, com frequência do
pacientes submetidos a biópsia pulmonar a céu aberto para tipo pleurltica, e menos comumente com febre, perda de
doença intersticial pulmonar difusa crônica.l peso, fadiga e hemoptise. O pneumotórax costuma compli-
car o curso da GPCL e é a manifestação de apresentação em
até 20% dos casos.6
O exame ffsico não revela sinais anormais na maioria dos
Etiopatogenia pacientes. Estertores crepitantes inspiratórios são auscul-
A causa da GPCL permanece obscura. Thm sido sugerido tados em somente 10 a 20% dos pacientes. O hipocratismo
que ocorra uma resposta imunológica descontrolada a um digital raramente é visto. Hipertensão pulmonar e ror puJ-
antígeno desconhecido exógeno, em que células de Lan- nUJnilk secundário são vistos na doença avançada Os resul-
gerhans podem servir como células acessórias na ativação de tados de exames laboratoriais costumam ser inespecíficos e
linfócitos T. estar dentro dos limites normais. Os testes de função pu Imo-
nar são altamente variáveis no curso da doença.' A redução
da difusão de monóxido de carbono (DCO) está presente
em 60 a 90% dos pacientes e é a anormalidade da função
pulmonar mais comum.8

Exames de imagem

Em um fumante ativo, a combinação é quase diagnóstica.


Radiograficamente, a GPCL predomina nas zonas médias e
superiores do pulmão, uma característica comum a muitas
doenças intersticiais relacionadas com o fumo. As áreas re-
ticulares vistas em radiografias correspondem a áreas de cis-
tos sobrepostos observados na tomografia computadorizada
de alta resolução (FIGURA 66.1 A e B).

Endoscopia e lavado broncoalveolar


A inspeção pela broncoscopia geralmente é normal ou reve-
la alterações inespecificas inflamatórias típicas de tabagismo
pesado. Embora o diagnóstico possa ser estabelecido a partir
de espécimes de biópsia transbrônquica, em alguns casos o
rendimento do diagnóstico desse procedimento é baixo, va-
riando de 10 a 40%, devido à natureza irregular da doença.'

FIGURA 66.1 -+ Radiografia de tórax (A) e tomografia computadoriza·


da de alta resoluçao (B) caracteristicas da granulomatose pulmonar de
Histologia células de Langerhans.
A principal característica patológica da GPCL é uma proli-
feração inadequada e infiltração de vários tecidos com cé-
lulas que são morfológica e imunologicamente semelhantes
às células de Langerbans normais. O diagnóstico histológico Terapêutica e prognóstico
de GPCL em adultos recai sobre a identificação de lesões A avaliação da eficácia das terapêuticas utilizadas para
pulmonares típicas, junto oom a demonstração confiável do GPCL é complicada em função da frequente ooorrência de
aumento do número de células de Langerhans. resolução espontânea ou estabilização da doença. Além dis-
so, como a doença é rara, estudos controlados com número
suficiente de pacientes slio de difícil reali:tação.
O t ratamento primário para GPCL é a cessação do ta-
Diagnóstico diferencial bagismo e, para a maioria dos pacientes a estabilização dos
O diagnóstico diferencial da doença pulmonar cfstica inclui sintomas ocorre com a cessação do tabagismo por si só. Estu-
sobretudo GPCL predominantemente cística, linfangiolio- dos prospectivos para determinar se a cessação do tabagismo
miomatose, enfisema e bronquiectasias. Os cistos na linfan- influencia a evolução da doença a longo prazo ou sua mortali-
gioliomiomatose são semelhantes aos da GPCL, mas ocorrem dade não foram realizados.• A terapia com corticoides condu-
de forma difusa por todo o pulmão e afetam quase exclusi- ziu igualmente à estabilização da doença em alguns estudos,
vamente mulheres. As cavidades ásticas de enfisema repre- embora essa abordagem não tenha sido comparada com a efi·
sentam focos de parênquima destruído e as paredes com falta eácia da cessação do tabagismo por si só.
de definição. A dilatação dos brônquios nas bronquiectasias É razoável considerar um processo de tratamento com
pode ser distinguida pelo padrão de comunicação e ramifica- conicoides em pacientes que têm doença progressiva apesar
ção visto em imagens de tomografia de tórax contíguas.' da cessação do tabagismo. Pacientes com doença progressiva
que não responde aos corticoides ou com envolvimento de 4. Harari S, Come! A. Pulmonary 1angerbans ceU histioeytosis. Sar-
miÍltiplos órgãos têm sido tratados com quimioterapia, como roidosis Vasc Diffuse Lung Ois. 2001;18(3):253-62.
ciclofosfamida, vimblastina, vincristina, cladribina, clorambucil 5. Aguayo SM, Kane MA, King TE, Jr, Scbwan M l, Oraucr L,
c metotrcxato; no entanto, nenhum estudo foi realizado para Miller YE. lncreascd leveis o f bombesin-like pcptidcs in the lower
avaliar o beneficio dessas terapias.9 rcspiratory tract o f asymptomatic cigarcttc smokcrs. J Clin I nvcst.
Em pacientes com rápida deterioração da função pulmo- 1989;84(4):1105-13.
nar, o transplante pulmonar é uma opção, embora a cessa-
6. Allcn TC. Pulmonary Langerhans cell histiocytosis and other
ção do tabagismo deva ser demonstrada a título oneroso, já
pulmonary histiocytic diseascs: a rcvicw. Arcb Pathol Lab Mcd.
que a GPCL pode recorrer se o paciente continuar a fumar. 2008;132(7):1171-81.
O quadro evolutivo da doença é bastante variável, e mui-
tos pacientes têm bom prognóstico.2 Até metade irá mostrar 7. Vassallo R, Ryu JH, Scbroeder OR, Dccker PA, Limpcr AH.
estabilidade clínica e radiográfica, enquanto 25% irão apre- Clinicai outromcs of pulmonary Langerbans'-ceU histiocytosis in
adults. N Engl J Mcd. 2002;346(7):484-90.
sentar regressão espontânea ou não, se pararem de fumar.
Os 25% restantes podem apresentar substituição cfstica do 8. Crausman RS, Jennings CA, Thder RM, Aekerson LM, lrvin
parSnquima, evoluindo para a fase final da doença pulmonar CG, King TE, Jr. Pulmonary bistiocytosis X: pulmonary func-
e insuficiência respiratória.2 tion and excrcise pathophysiology. Am J Respir Crit Carc Med.
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Eduardo Garcia
Fernanda Waltrick Martins
67
mento microvascular pulmonar, estejam envolvidos na
Introdução predisposição para essa complicação.
A síndrome hepatopulmonar (SHP) é definida pela tríade
clínica composta de doença hepática, dilatações vasculares
intrapulmonares (DVIPs) e alterações de gases arteriais, ca-
racterizadas por diferença alvéolo-arterial de oxigênio (PA-
Fisiopatologia
-a02) 2: 15 mmHg (2: 20 mmHg se idade > 64 anos) ou Pa02 O diâmetro normal dos capilares pulmonares é de aproxima-
< 80 mmHg. Considerada uma complicação frequente da damente 8 a 15 JLm, podendo chegar a 500 JLm nos pacientes
cirrose, sabe-se que a SHP também pode acometer pacien- com SHP (FIGURA67.1).
tes não cirróticos com hipertensão portal, como em casos de O mecanismo da hipoxemia na SHP é representado por
esquistossomose hepatoesplênica. uma combinação de fatores: vasodilataçâo intrapulmonar,
Essa síndrome pode ocorrer na vigência de doença hepáti- desproporção ventilaçâo/perfusão (VA/Q) em áreas com
ca crônica ou aguda, embora seja mais comumente associada à baixas relações VA/Q e desequilíbrio de difusão do oxigê-
doença crônica. Há descrição de sua ocorrência entre 4 e 32% nio induzido por vasodilatação intrapulmonar disseminada,
dos pacientes cirróticos candidatos a transplante hepático, sen- mesmo em parênquimas pulmonares normais (FIGURA 67.2).
do essa variação dada pela deftnição recente, em 2004, dos cri- Embora a patogênese da vasodilatação intrapulmonar
térios diagnósticos da síndrome. A causa da cirrose não parece ainda não esteja completamente elucidada, diversas são as
estar relacionada com o aumento do risco de desenvolvimento hipóteses para explicar a patogênese da SHP. No entanto,
da SHP. Em pacientes não cirróticos com hipertensão portal, a essas teorias permanecem especulativas enquanto vários es-
prevalência é mais baixa, com taxas entre 8 e 9,7%. tudos experimentais vêm sendo realizados.
Está estabelecido que pacientes com SHP têm mais do Acredita-se que a falência hepática possa determinar
que o dobro do risco de morte quando comparados com pa- prejuízo na síntese ou no metabolismo de substâncias vaso-
cientes sem SHP, o que não foi explicado pelas diferenças ativas pulmonares, levando à perda do tônus vascular carac-
entre os grupos demográficos, pelas comorbidades associa- terizada por pouca ou nenhuma reatividade vascular à hipo-
das, pelo tipo ou pela gravidade da doença hepática e função xia. Entretanto, a causa da vasodilatação não foi atribuída a
cardiopulmonar. Dados obtidos por estudos retrospectivos nenhuma substância em particular. A endotelina-1 (ET-1) e
demonstraram mortalidade em pacientes com SHP de 41% o óxido nítrico (NO) têm recebido destaque devido ao seu
em até 2,5 anos após o diagnóstico. envolvimento direto com a microvasculatura pulmonar:
A etiopatogenia da SHP ainda não está definida. Es- Em condições normais, a ET-1, produzida pelo fígado,
pecula-se que fatores genéticos, bem como o desequilíbrio tem a função de regular o tônus vascular pulmonar. Quando
na resposta dos receptores de endotelina e o remodela- se liga aos receptores localizados no tecido do músculo liso
FIGURA 67.1 7 Dilatações vasculares intrapulmonares.

vascular (ETA), a ET-1 produz vasoconstrição. No entanto, A presença de cianose periférica, aranhas vasculares e
quando se liga aos receptores localizados no endotélio vas- bipocratismo digital ao exame físico evidencia SHP avança-
cular pulmonar (ETB), produz vasodilatação devido à sín- da, embora tais achados não sejam específicos.
tese de NO mediante estimulação da óxido nítrico sintase As comorbidades pulmonares crônicas - especialmente
endotelial ( eNOS). Assim, a ET-1 equilibra seu efeito vaso- doença pu lmonar obstrutiva crônica (DPOC), asma brôn-
constritor e ajuda a manter a ventilação pulmonar/perfusão quica e fibrose pulmonar idiopática - coexistem em cerca
dentro dos parâmetros normais (FIGURA 67.3). de um terço dos pacientes com SHP, o que também pode
Quando ocorre dano hepático, a endotelina chega à ocasionar esses achados clínicos. Portanto, a avaliação com-
circulação pulmonar e, preferencialmente, parece interagir plementar é sempre imprescindível.
com o receptor ETB, promovendo vasodilatação pulmonar. Um estudo angiográfico com pequeno número de pa-
Na cirrose, há aumento dos níveis do fator de necrose cientes com SHP demonstrou dois modelos de comunica-
tumoral alfa (TNF-a), o qual contribui para o acúmulo de ções arteriovenosas, o que permitiu a classificação da SHP
macrófagos no lúmen dos vasos pulmonares. Esses macró- em tipo I (ou difuso) e tipo II (ou focal) com base em acha-
fagos estimulam a produção de outra enzima produtora de dos angiográficos e na oxigenação arterial.
NO (induced nilric oxide synthase - iNOS), desencadeando
vasodilatação pulmonar. • Tipo 1: Dilatações pré-capilares que apresentam resposta
satisfatória à administração de oxigênio a 100% (Pa02 >
400mmHg).
Clínica • Tipo 11: Vasodilatações pequenas e localizadas, seme-
lhantes às malformações arteriovenosas, que apresentam
resposta ruim ao oxigênio a 100%; menos comum do que
~ ATENÇÃO o tipo I (FIGURA 67.4).

A dispneia, que é o sintoma pulmonar mais frequen-


te, geralmente é insidiosa e pode ser agravada pelo
exerdcio. A platipneia (aumento da dispneia da posi-
Exames complementares
ção supina para a vertical) e a ortopneia (redução da Gasometria arterial
PaO, ~ 5% ou ~ 4 mmHg a partir da posição supina
As gasometrias arteriais obtidas com o paciente em repouso
para a vertical) se destacam como manifestações co-
podem evidenciar bipoxemia definida por Pa02 < 70 mmHg
muns na SHP. mas não são patognomônicos.' A justi-
ou saturação de oxigênio S 92%. No entanto, a determina-
ficativa para a piora da dispneia na posição ereta de-
ção do gradiente alvéolo-arterial de oxigênio permite avaliar
ve-se ao predomfnio das DVIPs nos terços inferiores
de forma mais precisa as anormalidades da oxigenação arte-
dos pulmões que, por ação da gravidade, tornam-se
rial, visto que a utilização isolada da Pa02 pode subestimar
mais perfundidas, comprometendo os mecanismos
o verdadeiro grau de hipoxemia, que pode estar mascarado
normais de oxigenação arterial.
devido à biperventilação e à circulação biperdinâmica dos
S.ngue
venoso m•sto

Sangue arterial
oxigenado

Perfusão uniforme

Sangue
venoso misto

...
•• e • ME 7 R

S.ngue
art.,...l
h1poxfmKO

FIGURA 67.2 ~ Na parte superior, pulmao normal; na parte inferior, pulmAo com síndrome hepatopulmonar.

cirróticos. O teste de suplementação com oxigênio a 100%


'jM·W!IUf' auxilia na distinção entre SHP tipo r e tipo li. Por defini-
ção, uma Pa0 2 superior a 500 mmHg exclui a presença de
ETA ETB ~ DANO HEPÁnCO shunt intrapulmonar verdadeiro. A ausência de resposta à

1
VASOCONSTRIÇÃO
1 NO
VASOOIIATAÇÃO
suplementação de oxigênio (Pa02 < 100 mmHg) deve le-
vantar suspeita de shunt intracardiaco ou intrapulmonar. É
recomendado que pacientes com respostas inferiores a 300
mmHg sejam submetidos à arteriografia com o intuito de
FIGURA 67.3 ~ fisiopatología da slndrome hepatopulmonar.
determinar a presença do tipo li e, em casos selecionados,
realizar terapêutica com embolização.
Exames de imagem
Ecocardiograma transtorácico com contraste
Exame sensível, considerado o método não invasivo de esco-
lha para detecção de dilatações vasculares intrapulmonares.
Utilizam-se como contraste 10 mL de solução salina agita-
da manualmente, resultando em microbolhas ( ~ 90 p.m de
diâmetro), injetados em uma veia do membro superior. As
microbolbas são fisiologicamente presas e absorvidas por
alvéolos normais e não devem aparecer na aurícula esquer-
da. Após a aparição de microbolbas no átrio direito, a sua
visualização no átrio esquerdo em menos de três ciclos car-
díacos sugere uma comunicação intra-atrial da direita para
a esquerda, enquanto a visualização de microbolhas após o
quarto batimento implica dilatações vasculares intrapulmo-
nares. A ecocardiografia transesofágica com contraste pode
aumentar a sensibilidade de detecção de vasodilatação in·
trapulmonar em relação à ecocardiografia transtorácica.
Entretanto, é um método menos utilizado por ser invasivo e
dispendioso (FIGURA 67.5).
FIGURA 67.4 -+ Síndrome hepatopulmonar tipo 11.

Cintilografia perfusional com macroagregados de


albumina marcados com tecnécío 99m (MAA9""Tc)
Estudo diagnóstico útil para a detecção de DVIPs. A maio-
Testes de função pulmonar ria dos macroagregados de albumina apresenta mais de 20
Os valores da capacidade vital forçada (CVF), do volu- p.m de diâmetro, sendo normalmente irnpactados na mi-
me expiratório forçado no primeiro segundo (VEF,) e do crocirculação pulmonar, permitindo a passagem de ape-
volume residual (VR) são frequentemente normais nessa nas 3 a 6% dos macroagregados. Em pacientes com shunt
síndrome, ou sem alterações significativas na ausência de intracardfaco ou dilatações vasculares intrapulmonares,
outras comorbidades pulmonares. As medidas de difusão as partículas atingem regiões extrapulmonares, como cére-
de gases, em especial a difusão de monóxido de carbono bro, rins, baço e fígado. A principal vantagem desse méto·
(DLCO), podem se mostrar reduzidas, mesmo após a cor- do sobre o ecocardiograma com contraste é a sua maiores-
reção dos valores obtidos de acordo com a quantidade de pecificidade em identificar SHP na coexistência de doença
hemoglobina. Os achados clínicos e funcionais anormais em pulmonar intrínseca. Já a grande desvantagem é a sua in-
pacientes com SHP costumam ser rever tidos após o trans- capacidade de diferenciar as comunicações intracardíacas
plante hepát ico bem-sucedido. Entretanto, a baixa DLCO das dilatações vasculares intrapulmonares. A cint ilografia
pode persistir, o que pode estar relacionado com a depo- pulmonar com MAA- Te pode ser utilizada para quanti-
sição de colágeno no capilar pulmonar e nas paredes das ficar a fração de shunt e é útil na avaliação de seguimento
vênulas pulmonares, como observado em um único estudo da doença. Devido à correlação entre fração de shunt de-
post-morrem sobre essa condição. terminada pela cintilografia tanto com Pa0 2 quanto pelo

FIGURA 67.5 -+ Ecocardiograma transtorá-


cico com shunt intrapulmonar
Fonte: Imagens cedidas pela Ora. Márcia Cas·
ti lhos Puchalskí).
gradiente alvéolo-arterial de oxigênio, a cintilografia com • E mbolização: Indicada na SHP tipo ll, sendo uma medi-
MAA'»<»rc parece ser um método capaz de avaliar de for- da temporária na melhora da oxigenação, devido ao fato
ma quantitativa a gravidade anatômica das DVIPs. de lesões discretas aparecerem em um período de meses
a anos após a embolização.
• 'Il:ansplante hepático: Abordagem terapêutica que per-
Tomografia computadorizada
mite a resolução completa da SHP em mais de 80%
Esse exame oferece pouca informação para o diagnóstico de dos casos. Atualmente, sabe-se que o transplante pode
SHP. É utilizado com a finalidade de excluir outras doenças resultar em resolução completa da SHP, e a hipoxemia
pulmonares. progressiva é considerada uma das indicações de trans-
plante em adultos e crianças. Thndo em vista que a SHP é
um fator de risco independente de pior prognóstico, esta
Diagnóstico passou a ser considerada uma recomendação formal de
prioridade dos pacientes com forma severa da sindrome
0 ATENÇÃO
na lista de transplante hepático, conforme publicado no
Diário Oficial da União em 2006. Embora os parâmetros
espirométricos melhorem cedo, o tempo para a norma-
A pesquisa de SHP está indicada em todos os can-
lização da hipoxemia arterial após o transplante é variá-
didatos a transplante hepático e naqueles pacientes
vel, podendo levar até mais de um ano, considerando a
hepatopatas com queixa de dispneia. Inicialmente,
hipótese de remodelamento vascular.
a avaliação é feita por gasometria arterial, com a
• Aqueles pacientes com pior resposta à suplementação de
pesquisa de hipoxemia arterial (Pa01 < 80 mmHg)
oxigênio e SHP tipo li (Pa02 < 150 mmHg) parecem com-
e com o cálculo do gradiente alvéolo-arterial de oxi- portar maior risco de mortalidade pós-transplante. Em
gênio (PA-a01 ~ 15 mmHg). Na sequência da inves-
uma tentativa de estratificar os pacientes com maior risco
tigação, realiza-se o ecocardiograma com contraste
para transplante, alguns parâmetros utilizados para deter-
e função pulmonar completa com difusão de monó- minar a gravidade da anormalidade de oxigenação devem
xido de carbono. O ecocardiograma positivo confir-
ser levados em consideração. São eles: a mensuração da
ma o diagnóstico de SHP. A cintilografia de perfusão
Pa02 com 0 2 inspirado a 100%, mas, sobretudo, uma Pa0 2
com ~cMAA pode ser útil na estimativa do resulta-
S 50 mmHg e a quantificação de shunt intrapulmonar ~
do após o transplante hepático.
20% (normal < 6%) por meio da cintilografia pulmonar.

Se a hipoxemia é leve a moderada (Pa02 de 60 a 80 Tratamento farmacológico


mmHg), o acompanhamento periódico é recomendado pelo Nenhum dos pequenos ensaios clínicos não controlados com
menos uma vez por ano, com gasometria e testes de função fármacos demonstrou melhora consistente na oxigenação ou
pulmonar. Caso haja piora progressiva da hipoxemia ou se nas DVIPs. V árias classes farmacológicas foram testadas,
o paciente apresentar hipoxemia grave (Pa02 < 60 mmHg), dentre elas análogos da somatostatina, betabloqueadores,
é vital considerar transplante hepático. Se a hipoxemia for inibidores da cicloxigenase, corticoides, imunossupressores
muito severa (Pa02 < 50 mmHg) ou se existirem comorbida- (ciclofosfamida) e outras.
des cardiopulmonares, o transplante hepático deve ser con-
siderado após avaliação individual completa de gravidade e
prognóstico.
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Adalberto Sperb Rubin
Beatriz Gehm Moraes
68
sobretudo, também alteram a arquitetura alveolar, causando
Introdução uma série de doenças pulmonares. Anormalidades estrutu-
A proteinose alveolar pulmonar (PAP) é uma síndrome ca- rais incluem danificação de macrófagos alveolares tipo II,
racterizada pelo acúmulo de surfactante nos alvéolos pul- hiperplasia de células epiteliais e fibrose, o que resulta em
monares, resultando em prejuízo no consumo de oxigênio, espessamento da parede alveolar e distorção do parênquima
distúrbio nas trocas gasosas e, em casos graves, insuficiência pulmonar. Essas anormalidades diferem muito da anormali-
respiratória.' Diversas entidades clinicas determinam altera- dade primária em pacientes com PAP autoimune, que con-
ção no fator estimulante de colônias de granulócitos e ma- siste essencialmente no simples preenchimento dos alvéolos
crófagos (GM-CSF), que é a causa primária da PAP, uma vez com surfactante, sendo este recheado de macrófagos alveo-
que ele está intrinsecamente ligado à manutenção dos níveis lares, em geral sem anormalidades da parede alveolar ou do
do surfactante pulmonar. Neste capítulo, aborda-se a PAP parênquima pulmonar.
causada pela interrupção da produção do GM-CSF.

Epidemiologia
Patogênese A PAP autoimune é a forma clínica mais comum, represen-
O surfactante pulmonar é vital para a função pulmonar, tando 90% dos casos.3 Um estudo de âmbito nacional, com
atuando na interface ar-tecido líquido para reduzir a tensão base nos registros do Japão, relatou a incidência e a preva-
superficial, evitando assim o colapso alveolar e a transuda- lência da PAP como sendo de 0,49 e 6,2 por milhão da po-
ção de líquido capilar para o lúmen alveolar. A quantidade pulação em geral. A doença foi duas vezes mais comum em
de surfactante é regulada pela secreção equilibrada e remo- homens, em geral se manifestando na terceira década e mais
ção da superfície alveolar. A PAP seria causada por uma de- comumente em indivíduos fumantes com uma variedade de
ficiência do GM-CSF - genética ou adquirida - que poderia exposições pulmonares maldefinidas. A PAP secundária cos-
ser a responsável pela estabilidade dos níveis de surfactante. tuma estar associada a malignidade hematológica subjacente
Existe uma forma congênita de PAP associada a anomalias ou disfunção das células míeloides.
recessivas.2
A PAP pode se desenvolver nos indivíduos em associação
com diferentes distúrbios hematológicos, de imunodeficiên-
cia e mesmo neoplásicos.
Apresentação clínica
As mutações genéticas que alteram a composição do sur- A PAP geralmente se apresenta como dispneia progressi-
factante perturbam a sua homeostase em graus variados e, va de início insidioso em adultos entre a terceira e a sexta
décadas.' Pode haver história de tabagismo ou exposição a
outras substâncias inaláveis. Cerca de um terço dos casos
é diagnosticados em radiografia de tórax de rotina, sendo
assintomático. A tosse está presente em um quarto dos pa-
cientes e, embora em geral não produtiva, é ocasionalmente
acompanhada por expectoração esbranquiçada. Febre e he-
moptise não costumam ocorrer, a menos que também haja
infecção. O exame físico costuma ser normal ou pode revelar
estertores inspiratórios. Apesar de descrito na literatura, o
hipocralismo digital é raro na PAP.

Avaliação e diagnóstico diferencial


A abordagem do paciente com suspeita de PAP depende FIGURA 68.1 ~ Reconstrução coronal de uma tomografia computado-
do contexto clínico. Embora a biópsia pulmonar cirúrgica rizada com padrAo de pavimentação em mosaico.
continue sendo o padrão-ouro para o diagnóstico de PAP, Cortesia do Dr. Dante Escuissato.
não é adequado realizar esse procedimento em crianças. Em ---------------------
adultos, deve-se suspeitar de PAPem pacientes previamente
bJgidos com dispneia progressiva de inicio insidioso e infil-
A recente introdução de um simples exame de sangue
trados pulmonares difusos bilaterais na tomografia de tór~
capaz de medir os niveis de autoanticorpos GM-CSF está
- como edema pulmonar-, mas sem sinais de insuficiência
mudando a abordagem para o diagnóstico da PAP. O teste
cardíaca esquerda.
é simples e rápido, com uma sensibilidade e especificidade
Ocasionalmente, os achados radiográficos são assimé-
para a PAP autoimune próximas de 100%. Esforços em esca-
tricos e raras vezes unilaterais. Os achados radiológicos de
la internacional estão em curso com o objetivo de padronizar
PAP com frequência são desproporcionais ao sugerido pelo
e validar o teste para uso clinico de rotina. Tal teste elimi-
aspecto clínico do paciente, levando à impressão de coexis-
naria a necessidade de biópsia pulmonar transbrônquica ou
tência de manifestações impo.r tantes e limitantes.
cirúrgica em pacientes com achados radiológicos típicos.

~ ATENÇÃO História natural


A PAP costuma ser diagnosticada como uma pneu-
monia que náo melhora apesar de váriOS CUrsOS de
antibióticos; ·

O exame físico pode ser normal ou revelar crepitantes


inspiratórios. Os testes de função pulmonar podem revelar
redução dos volumes pulmonares, sobremaneira em casos
mais graves, sendo a capacidade de difusão reduzida em pro-
porção com a gravidade da doença pulmonar. O diagnósti- Podem ocorrer infecções secundárias que frequentemen-
co é fortemente apoiado pela tomografia computadorizada te envolvem patógenos oportunistas, determinando infecções
de alta resolução, que revela opacificação difusa em vidro pulmonares ou sist~micas. O curso clínico da PAP é bastante
fosco sobreposto a espessamento dos septos (vulgarmente influenciado pela ocorrência de exacerbações da doença, po-
designado por "pavimentação louca"), que é característico dendo determinar estabilidade ou evolução progressiva.
(FIGURA 68.1).
A broncoscopia revela a presença de um líquido de as-
pecto leitoso e turvo, cuja citologia demonstra uma grande
quantidade de macrófagos espumosos que reage com o áci-
Terapia
do periódico de Schiff (PAS) ou óleo vermelho. A lavagem pulmonar total manteve-se como o tratamento-
A biópsia transbrônquica mostra alvéolos preenchidos -padrão de primeira linha para PAP desde a sua introdução
com material PAS positivo, o que é quase patognomônico da na década de 1960.6 O procedimento é realizado sob aneste-
doença. Nestes casos, quando se afastam infecções fúngicas sia geral, através de um broncoscópio rígido, embora tenham
ou outras micobactérias, a biópsia cirúrgica não é necessá- sido descritos procedimentos com fibrobroncoscópios nexf-
ria. Uma biópsia cirúrgica revela alvéolos bem preservados veis. São introduzidas sequencialmente a!Iquotas de soro
preenchidos com material eosinoffiico granular e macrófa- fisiológico (em geral 50 mL) para remover por aspiração o
gos alveolares espumosos. surfactante pulmonar.
Apesar das melhorias introduzidas ao longo dos anos, parece ser 20 vezes menor quando entregue por aerossol do
tal procedimento terapêutico não tem sido investigado em que por via subcutânea. Não obstante, a terapia com GM-
estudos randomizados, e seus resultados variam muito de ·CSF recombinante atualmente está em uso em alguns paí-
acordo com o local de sua realização e o broncoscopista exe- ses, e se espera que em breve esteja disponível para nossa
cutor. Também não foram normatizados aspectos relaciona- população.
dos com seleção de pacientes, indicações e contraindicações
para seu uso, técnica mais adequada, avaliação da eficácia
ou durabilidade da resposta. O procedimento costuma ser
interrompido quando se visualiza um clareamento do líqui- Referências
do inicialmente Jeitoso obtido nas primeiras lavagens. Mais I. Seymour JF, Presneill JJ. Pulmonary alveolar proteinosis: progress
in the first 44 years. Am J Respir Crit Carc Mcd. 2002;166(2):215-
estudos são necessários para aperfeiçoar e padronizar o uso
35.
da terapia de lavagem pulmonar na PAP.
Vários novos tratamentos farmacológicos potenciais 2. Suzuki T, Sakagami T, Rubin BK, Nogee LM, Wood R E, Z im-
para a PAP têm surgido recentemente, com base no conhe- mcrman SL, ct ai. Familial pulmonary alveolar proteinosis causcd by
cimento da sua patogênese, e estão sendo avaliados em en- mutations in CSF2RA. J Exp Med. 2008;205(12):2703-10.
saios clínicos. 3. Prcsneill JJ, Nakata K, Inouc Y, Scymour JF. Pulmonary alveolar
A potencialização com GM-CSF recombinante é uma proteinosis. Clin Cbest Med. 2004;25(3):593-613.
abordagem recente que está sendo avaliada em pesquisas,
4. Ou Bois RM, MeA!Iister WA, Brantbwaitc MA. Alveolar pro-
sendo que a administração subcutânea ou em aerossol ren-
teinosis: diagnosis and treatment over a 10-year period. Tborax.
de uma resposta terapêutica em cerca de metade ou dois
1983;38:360-3.
terços dos pacientes, respectivamente. Apesar do grande
interesse por tal abordagem, ainda não estão definidas a S. Selecky PA, Wasscrman I<, Bcnficld JR, Lippmann M. The cli-
melhor dose, a via de administração ou a duração do trata- nical and pbysiological effect of wbole-lung lavage in pulmona-
mento necessário para a limpeza completa do parênquima ry alveolar proteinosis: a ten-year experience. Ann Tborac Surg.
pulmonar. Além disso, a segurança da administração de ae- 1977;24(5):451-61.
rossóis ainda não foi adequadamente estudada. A determi- 6. Beoearia M, Luisetti M, Rodi G, Corsico A, Zoia MC, Colato S, ct
nação da dose ideal e da via de administração é crucial, pois ai. Long-tcrm durable benefit after whole lung lavage in pulmonary
o GM-CSF recombinante é caro e a quantidade necessária alveolar protcinosis. Eur Respir J. 2004;23(4):526-31.
lima Aparecida Paschoal
69
foi a presença de estertores subcrepitantes difusos e sibilos
Fisiopatogenia e quadro clínico bilaterais na ausculta do tórax.
Manifestações respiratórias crônicas são queixas muito co- As radiografias de tórax foram normais e, como o pa-
muns e, provavelmente, o principal motivo que leva as pes- ciente foi atendido em 1990, a tomografia computadorizada
soas a procurarem um médico pneumologista. A asma e a de tórax ainda não estava disponível no serviço.
doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) serão os diag- A espirometria mostrou valores dentro da normalidade.
nósticos da maioria desses doentes, em razão da alta preva- As pesquisas de bacilos álcool-ácido resistentes no escarro e
lência de tais condições na população. No entanto, existem a cultura de escarro para micobactérias foram negativas. As
outras afecções menos frequentes cujo diagnóstico justifica a dosagens de irnunoglobulinas e de alfa 1-antitripsina também
necessidade do especialista. foram normais. A determinação de cloreto no suor revelou
A presença de catarro e chiado direciona o raciocínio concentração de 35,2 mEq!L, valor totalmente dentro dos
para uma doença brônquica como causadora do conjunto de limites considerados normais. Concentrações de cloreto no
sintomas, que sempre inclui tosse e pode ou não ter dispneia. suor entre 40 e 60 mEq/L são consideradas intermediárias e
Este é o caso, por exemplo, do paciente de sexo mascu- deixam o diagnóstico de fibrose cfstica atípica ou não clás-
lino, com 28 anos de idade na época da primeira consulta, sica ainda possível. Este não era o caso do paciente aqui
que procurou serviço especializado em doenças respiratórias apresentado.
com queixas de tosse produtiva diária, chiado, dispneia e O espermograma revelou presença de 11,2 milhões de
"pneumonias de repetição" há cinco anos. Interrogado so- espermatozoides por mililitro, de boa vitalidade. No entan-
bre a presença de sintomas respiratórios, na infância e no to, apenas 50% deles tinham mobilidade normal; os outros
período anterior ao especificado na queixa principal, infor- 50% eram imóveis.
mou que ter tosse com catarro para ele sempre "foi normal", Esse achado de redução da movimentação dos esperma-
mas os sintomas se acentuaram muito nos últimos cinco anos tozoides já foi um bom indicador do diagnóstico do paciente.
e passaram a prejudicar sua vida. Foi fumante durante três Entretanto, como ainda havia muitos espermatozoides mó-
anos, de um maço por dia, mas já havia parado há um ano. veis e o paciente não apresentava situs inversus nos exames
Nunca bebeu ou usou drogas e trabalhava como mecânico de imagem, ele foi submetido à biópsia de mucosa nasal (su-
de máquinas industriais. perficie inferior do cometo nasal inferior) para avaliação da
No interrogatório complementar, referiu obstrução na- ultraestrutura ciliar à microscopia eletrônica de transmissão.
sal frequente e nenhum outro sintoma ou antecedente rele- Os achados ultraestruturais desta biópsia podem ser ob-
vantes. No exame fisico, o único achado indicador de doença servados na FIGURA 69.1 o. Na FIGURA 69.1A, pode-se apreciar
a representação esquemática de um eilio em corte transver-
sal perfeito com os elementos principais do axoncma ou
haste ciliar normal: os nove pares de microtúbulos perifé-
0 ATENÇÃO
ricos, de conformação característica (um subtúbulo, cha- A distribuição e a funçao das células ciliadas explicam
mado de A, é completo; o outro subtúbulo, denominado B, as diversas posslveis manifestações dlnicas da disci-
é incompleto; do subtúbulo A partem dois prolongamen- nesia ciliar em seres humanos: rinite crônica, sinusite
tos, os braços externo e interno de dinclna), c um par cen- crônica, otite média crônica, bronquite crônica, bron-
tral de microtúbulos (estes dois, ambos completos). Nas quiectasias, infertilidade masculina e feminina, anor-
FIGURAS 69.1B e C, esses elementos podem ser identificados malidades da córnea, cefaleia crônica, hiposmia ou
em cflios normais visualizados na microscopia eletrônica de anosmia e situs inversus. A menos que se conheça o
transmissão. traço de uniao entre esses diferentes acometimentos,
Na FIGURA 69.1o, os cilios do paciente, quando compa- o conjunto pode parecer bastante estranho.
rados a cílios normais, apresentam anomalias facilmente
identificáveis: faltam os braços externos de dineína e vários
microtúbulos centrais estão alterados, pois às vezes há ape-
Na história cllnica, os sinais e sintomas pulmonares ge-
nas um microtúbulo ou entã.o dois microtúbulos de estrutura
ralmente aparecem desde a infância. Muitas vezes, encon-
irregular, excêntrica ou incompleta.
tram-se relatos de insuficiência respiratória perinatal.

AGURA 69.1 -+ Caso clinico de dis<inHia


ciliar (veja o texto).
Cilios incapazes de mobilidade normal ou, em algumas pequenas vias aéreas' Essa visualização é feita diretamente,
situações, totalmente imóveis levam a um prejuízo signifi- como na bronquiolite proliferativa, associada à imagem de
cativo do transporte mucociliar. A estase de secreções e a uma árvore em brotamento (ou tree in bud, dos textos em
proliferação bacteriana que a acompanha causam uma bron- língua inglesa), ou indiretamente, pelo sinal tomográfico da
quite generalizada, traduzida clinicamente em tosse e expec- atenuação em mosaico que, dentro de um contexto clínico
toração de secreção abundante mucosa ou mucopurulenta. apropriado, associa-se à suboclusão da luz bronquiolar e ao
Essa secreção aumenta sua purulência nos episódios de exa- consequente aprisionamento de ar em lóbulos pulmonares
cerbação de infecções. secundários.
O estímulo irritativo crônico causado pela retenção de Na discinesia ciliar, é relativamente simples a com-
secreções e infecções bacterianas leva a uma hiperplasia de preensão da provável fisiopatogenia da bronquiolite e das
células secretoras de muco. Muco em excesso, talvez produ- bronquiectasias: cílios que não batem ou batem de modo
zido com suas características físicas e químicas alteradas, em insuficiente ou inadequado diminuem ou impedem o trans-
conjunto com um sistema de transporte deficiente, cria um porte mucociliar. A secreção não transportada fica retida em
círculo vicioso, responsável por lesões cada vez mais graves pequenas vias aéreas e funciona como meio de cultura para
nas vias aéreas. bactérias que não são mais eliminadas. Surge nessa região
A presença da tosse pode ser entendida levando-se em um novo nicho ecológico, antes inexistente, pois as vias aére-
consideração dois fatos: a necessidade de substituir um as abaixo da glote são consideradas praticamente estéreis em
transporte mucociliar ausente ou deficiente e a produção indivíduos normais, justamente em razão dos mecanismos de
exagerada de muco causada pela biperplasia das células cali- depuração das vias aéreas, dos quais o transporte mucociliar
ciformes e hipertrofia das glândulas da submucosa dos brôn- é o mais importante.
quios, processo típico da bronquite crônica. Atelectasias são Não se trata de uma infecção, mas de uma colonização
muito frequentes. As bronquiectasias não estão presentes no crônica que, no estado atual da terapêutica, não tem chan-
nascimento e aparecem após alguns anos de lesão constante ce de ser revertida. O uso periódico de antibióticos apenas
da parede brônquica. reduz a população de bactérias nas pequenas vias aéreas e
Obviamente, o transporte mucociliar não é o único me- cavidades bronquiectásicas. Uma cultura de escarro negativa
canismo de proteção do pulmão, muito embora seja o mais não significa que o microambiente das pequenas vias aéreas
importante; portanto, o grau de destruição pulmonar nos di- foi esterilizado.
ferentes indivíduos acometidos varia na dependência da efi- Vale lembrar, neste ponto, que a tosse é capaz de substi-
cácia desses outros fatores protetores, como imunidade local, tuir, de modo adequado, o transporte mucociliar até a sexta
antiproteases e antioxidantes, e do quanto o transporte muco- geração brônquica; 5 a partir da sétima geração, a eficiência
ciliar está prejudicado pela presença de cílios discinéticos ou da tosse diminui de maneira progressiva. Da décima sexta
imóveis. Em algumas crianças, podem não existir evidências geração para a periferia do pulmão, a tosse é absolutamente
de processo bronquítico, provavelmente em razão da pouca incapaz de compensar a ausência ou a deficiência do trans-
idade. O aparecimento das bronquiectasias se acompanha da porte mucociliar.
piora sigrúficativa dos sintomas de vias aéreas inferiores. A função pulmonar - avaliada por meio da espirometria
Vários estudos sugerem que as alterações estruturais convencional -mostra com bastante frequência em adultos
das pequenas vias aéreas (calibre menor do que 2 mm) se- com discinesia ciliar uma limitação no fluxo expiratório, que
jam o processo patológico subjacente que precede o apare- pode, às vezes, ser bastante grave, mesmo na terceira década
cimento das dilatações dos brônquios centrais. u Doenças de vida . A limitação do fluxo aéreo é crônica e pouco re-
que acometem difusamente as pequenas vias aéreas muitas versível com uso de broncodilatadores. Ela acontece pela
vezes evoluem para insuficiência respiratória crônica, per- obstrução de pequenas vias aéreas por rolhas de secreção
sistente ou intermitente, definida como queda na pressão associada ou não a espessamento epitelial, edema de mucosa
parcial de oxigênio no sangue arterial ou queda na pressão e hipertrofia muscular, resultantes do processo irritativo e
parcial de oxigênio e aumento da pressão parcial de gás car- inflamatório crônico.
bônico no sangue arterial. As alterações irreversíveis incluem fibrose e, por conse-
A presença de bronquiolite associada a bronquiectasias é guinte, estreitamento e até obliteração de vias aéreas, além
1
um fato conhecido há pelo menos 50 anos. Reid, em 1950, de focos de destruição do parênquirna pulmonar. Apesar de
e Whitwell/ em 1952, demonstraram a obliteração de bron- ser achado funcional bastante constante, a obstrução pode
quíolos e a destruição da parede de pequenas vias aéreas, não se manifestar pela queixa frequente de chiado. A rela-
como resultado de intenso processo inflamatório, em exames ção entre o volume residual e a capacidade pulmonar total
anatomopatológicos de lobos pulmonares excisados devido a pode estar elevada, em razão do aprisionamento de ar nos
bronquiectasias. Reid 1 ainda chamou a atenção para o fato de pulmões. Nos casos graves, no entanto, pode-se detectar um
que havia uma diminuição no número de gerações brônquieas defeito restritivo real, associado à obstrução.
identificáveis nos lobos analisados, mais importante no caso A progressão do defeito obstrutivo é lenta e se deteriora
das bronquiectasias saculares, nas quais, das 23 a 26 gerações muito mais rapidamente nos pacientes que são fumantes.
esperadas de vias aéreas, apenas 4 ou 5 estavam presentes. São achados frequentes na radiografia de tórax o espes-
Este fato ficou esquecido por muitos anos até que a to· samento de paredes brônquicas, atelectasias segmentares,
mografia computadorizada de alta resolução (TCAR) tor- consolidações segmentares e imagens sugestivas de bron-
nou possível a visualização das alterações estruturais das quiectasias, como a visualização de estruturas tubulares que
partem dos hilos ou então aglomerados de imagens radiolu- te impossíveis de serem detectados, pois têm calibre muito
centes (FIGURA 69.2). Na discinesia ciliar, é muito frequente o pequeno. O processo inflamatório crônico torna as paredes
achado de bronquiolite "proliferativa" na TCAR, traduzido bronquiolares mais espessas e a luz dilatada pelo acúmulo
pelo sinal da "árvore em brotamento". Esse sinal aparece de secreção, situação esta que favorece a identificação dos
em função da visualização de bronquíolos que pertencem à bronquíolos nos cortes tomográficos (FIGURA 69.3).
região de ramificação milimétrica do pulmão, normalmen- Nos casos em que a prova funcional ventilatória mostra
defeito moderado ou grave, pode existir bipoxemia na gaso-
metria arterial. A queda da pressão parcial de oxigênio no
sangue arterial se explica pela presença de áreas não ventila-
das, porém perfundidas (efeitoshunt pulmonar).
Nas vias aéreas superiores, são frequentes rinite crôni-
ca, comumente complicada por polipose nasal e diminuição
da acuidade olfatória, sinusite maxilar crônica e também et-
moidal, que se manifestam por espessamento da mucosa,
superior a 5 mm nas radiografias dos seios da face. O de-
senvolvimento dos seios frontais pode ser prejudicado pelas
sinusites repetidas, aparecendo bipoplásicos para a idade
ou simplesmente ausentes. Em mais da metade dos casos
existe otite média crônica recorrente, capaz de causar per-
das auditivas de condução.•
Os homens portadores da discinesia ciliar são, na sua
maioria, inférteis por falta de mobilidade dos espermato-
zoides, causada pelas alterações ultraestruturais nos axo-
AGURA 69.2 -7 Radiografia de tórax de paciente com bronquiectasias: nemas das caudas. Essas falhas estruturais, de modo geral,
espessamento das imagens broncovasculares visualizadas dos dois la- correspondem às anomalias dos cílios em outras regiões
dos do coração. do organismo.

FIGURA 69.3 -7 Tomografias computadorizadas de alta resolução do tórax


mostrando sinais de bronquiolite. (A) e (8) bronquiolite proliferativa em dois
irmãos com discinesia ciliar propiciando a visualização da região de ramifi-
cação milimétrica do pulmão. com os sinais de opacidades periféricas rami-
ficantes (tree in bud) e nódulos centrolobulares; (0 atenuação em mosaico
em paciente com bronquiectasias por bronquiolite obliterativa.
Em 1978, Rott e colaboradores' conseguiram reunir, a Ainda não estão definidas as funções exatas dos ct1ios do
partir de relatos publicados sobre o assunto, 12 descendentes epêndima. Talvez o seu batimento crie correntes no líquido
de cinco pacientes do sexo masculino portadores da sindro- cefalorraquidiano e impeça, dessa forma, o acúmulo de res-
me de Kartagener. Em nenhum dos casos do grupo houve in- tos celulares e outras partículas na superfície do epêndima.
vestigação de paternidade, porém é possível que a discinesia Já foi descrito pelo menos um caso de hidrocefalia congênita
ciliar não seja homogênea, do ponto de vista clinico, assim de causa desconhecida em pacientes com discinesia ciliar.
como não o é no aspecto estrutural. Diferentes alterações da
ultraestrutura podem manifestar-se em quadros clínicos va-
riados, já tendo sido descritos, inclusive, alguns casos em que
existe discordância entre a função dos cílios e das caudas dos
Diagnóstico
espermatozoides, sem prejuízo deteclável nestas últimas. Pacientes com infecções brônquicas de repetição constituem
Existem duas outras doenças em que a infertilidade mas- um problema no que diz respeito à determinação da cau-
culina se associa a infecção respiratória de repetição e dimi- sa dessa condição. A discinesia ciliar é um dos diagnósticos
nuição do transporte mucociliar: a fibrose cistica e a síndro- diferenciais; contudo, dada a dificuldade de se estabelecer,
me de Young. Na fibrose cística, acontece uma anomalia nos com certeza, a presença de distúrbios estruturais e/ou fun-
duetos deferentes que resulta em azoospermia obstrutiva. cionais nos cilios, a frequência da discinesia ciliar deve estar
Hendry e colaboradores,8 em trabalho publicado em subavaliada.
1978, relataram a realização de correção cirúrgica de azoos- A preocupação com um diagnóstico correto não é mera-
permia obstrutiva de várias causas em 45 pacientes. Em 15 mente acadêmica, já que o conhecimento do acometimento
deles, a causa da azoospermia era obscura e se associava a ciliar orienta o clinico na pesquisa de todos os possíveis pre-
sintomas de sinusite, bronquite e/ou bronquiectasias; ne- juízos atribuíveis à doença.
nhum dos pacientes apresentava situs inversus ou alterações É justificado considerar a possibilidade de discinesia ci-
de eletrólitos no suor. Nesse grupo de 15 indivíduos, o esper- liar em neonatos a termo, nascidos por parto vaginal e que
mograma passou a apresentar espermatozoides em quatro apresentem taquipneia suficientemente intensa para exigir
casos após a cirurgia de desobstrução; porém, eram em pe- tratamento e não tenham nenhum dos outros fatores de ris-
queno número, ao redor de um milhão por milímetro cúbico, co conhecidos para taquipneia transitória do recém-nascido.
e tinham mobilidade muito reduzida ou ausente. Também pode levantar suspeita a presença de pneumonia
Em cinco pacientes do grupo submetidos a medidas do neonatal, sem outras condições que a expliquem, como
transporte mucociliar, diagnosticou-se grande redução na doença materna ou ruptura precoce de membranas.
eliminação de partículas radioativas inaladas. A microscopia Crianças ou adultos com quadros de bronquite crônica
eletrônica de biópsias brônquicas obtidas de dois pacientes ou bronquiectasias em mais de um lobo pulmonar devem ser
não conseguiu detectar anormalidades na ultraestrutura dos submetidos a uma investigação-padrão, que inclui os seguin-
cílios. tes exames (os quais são realizados de acordo com a disponi-
Essa associação de azoospermia obstrutiva com sinusi- bilidade em cada serviço): radiografia de tórax, TCAR do tó-
te, bronquite e bronquiectasias é denominada síndrome de rax e tomografia dos seios da face, dosagem de cloro no suor
Young e apresenta algumas características comuns à disci- (com técnica apropriada}, medida da diferença de potencial
nesia ciliar e também alguns elementos diagnósticos espe- sobre o epitélio nasal (técnica difícil, que exige a presença de
cíficos da síndrome de Young. O acometimento respirató- profissionais treinados para ser confiável), genotipagem para
rio, a diminuição do transporte mucociliar e a mobilidade pesquisa de mutações da fibrose cística (pelo menos as mais
reduzida dos espermatozoides do ejaculado, após a cirurgia comuns, já que milhares de mutações do gene regulador da
de desobstrução, indicam um prejuízo da função ciliar. No condutãncia transmembrana da fibrose cística- CFTR- já
entanto, aparentemente não existem anormalidades estru- estão descritas}, dosagem de imunoglobulinas (inclusive das
turais, demonstráveis pelos métodos atuais, nos cílios e es- subclasses de lgG, pois deficiências de lgG2 e IgG4 estão as-
permatowides; os canais de transporte de espermatowides sociadas à presença de bronquiectasias), pesquisa de autoan-
são normais na discinesia ciliar e totalmente obstruídos na ticorpos (fator reumatoide e anti-DNA}, dosagem dos túveis
síndrome de Young. de alfa,-antitripsina (e, eventualmente, a genotipagem dos
Não é improvável que a síndrome de Young represente alelos responsáveis pela síntese dessa proteína, pois níveis
uma das formas de manifestação da discinesia ciliar na qual baixos ou formas pouco funcionantes de alfa,-antitripsina
o defeito responsável pelo funcionamento inadequado dos estão associados a infecções brônquicas de repetição e bron-
cilios ainda não foi determinado por meio dos métodos dis- quiectasias) e pesquisa de refluxo gastresofágico.
poníveis na atualidade. Se os resultados desses exames forem normais, pode-se
Apesar de ser pequeno o número de casos estudados, a orientar a pesquisa de modo a investigar a possibilidade de
fertilidade feminina parece estar reduzida na discinesia ci- discinesia ciliar.
liar. Thdavia, a concepção pode ser normal e a incidência de São caracterizados como portadores de discinesia ciliar
salpingite e gravidez ectópica, em princípio, não é diferente os indivíduos com sinais e sintomas de pneumopatia crôni-
da população geral. É provável que a musculatura das trom- ca e infecções de vias aéreas superiores repetidas, associa-
pas seja capaz de transportar o ovo, por meio de movimentos das a uma ou mais das seguintes alterações, de acordo com
peristálticos, até o útero. Palmblad e colaboradores:9
• Situs in versus no paciente ou em parente próximo cidência de situs inversus em aproximadamente 50% dos
• Espermatozoides vivos, porém imóveis ou pouco móveis casos de discinesia ciliar.
• 'fransporte mucociliar ausente ou quase inexistente
• Cílios da mucosa nasal ou traqueobrônquica com as alte- Deste inter-relacionamento entre a discinesia ciliar e a
rações da discinesia ciliar síndrome de Kartagener, pode-se também inferir uma pre-
valência da primeira duas vezes maior do que da segunda, ou
Já foram descritas formas parciais da síndrome: indiví- seja, de 1:15.000 a 1:30.000.
duos com doença do trato respiratório e espermatozoides Existem alguns testes capazes de avaliar o transporte
normais e indivíduos sem doença respiratória e com altera- mucociliarl2 A inalação de partículas radioativas, com pos-
ções de espermatozoides. terior observação da velocidade de clareamento da radioati-
Dos critérios recém-expostos, fica claro que o diagnósti- vidade pulmonar em gama-cãmaras, é uma técnica com alto
co de discinesia ciliar pode ser clínico ou depender de alguns custo e pouco uti.lizada em nosso meio. Além disso, padece
exames laboratoriais pouco sofisticados. A associação de si- do defeito comum a todas as formas de avaliação do trans-
nais e sintomas de infecções respiratórias de repetição e/ou porte mucociliar: a necessidade imperiosa de o paciente não
de um quadro bronquítico à presença de situs inversus no tossir durante a realização do exame, que normalmente é
paciente ou em parente próximo e/ou alterações no esper- demorado, sob pena de os resultados observados não repre-
mograma (espermatozoides vivos, porém imóveis ou pouco sentarem a situação real.
móveis) constitui evidência suficiente de que a discinesia ci- O teste da sacarina pode funcionar como um bom mé-
liar é a causa do processo patológico. todo de triagem de pacientes e também avalia a velocidade
A já antiga sindrome de Kartagener se caracteriza pelos de transporte do muco. Não pode ser realizado em crianças
sinais e sintomas clássicos de situs inversus, sinusite, polipo- pequenas que não consigam permanecer paradas por uma
se nasal e bronquiectasia. Até a década de 1970, não havia hora. O teste consiste na colocação de uma partícula de 1 a
nenhuma explicação para este estranho conjunto de sinais 2 mm de diâmetro de sacarina na superfície inferior do cor-
e sintomas. neto nasal inferior, a 1 em da sua borda anterior. O paciente
Em 1975, Cammer e colaboradores'" conseguiram cor- deve permanecer sentado, em repouso, com a cabeça incli-
relacionar uma alteração do axonema, a ausência dos braços nada para a frente e não pode espirrar, fungar, tossir, comer
de dineína, com a falta de mobilidade de espermatozoides ou beber durante a realização do teste. O tempo despendido
humanos. No ano seguinte, Afzelius 11 propôs a caracteriza- até o paciente relatar estar sentindo o gosto doce da sacarina
ção de uma síndrome em seres humanos causada por cílios é uma medida do transporte mucociliar nasal. Se nenhum
e flagelos imóveis. sabor é relatado após 60 minutos, uma partícula de sacarina
Nos indivíduos a partir dos quais se chegou à caracteri- é colocada sobre a língua para conferir se o paciente é capaz
zação dessa síndrome, além dos achados de espermatozoides de sentir o sabor da substância. Em média, indivíduos nor-
vivos, porém imóveis, e com deficiência de braços de dineína mais referem o sabor ao final de 30 minutos.
na análise ultraestrutural, chamava a atenção o fato de que A observação do batimento ciliar em amostras de epité-
vários deles eram portadores da síndrome de Kartagener. lio representa outra forma de avaliação funcional dos cílios,
Medidas do transporte mucociliar com partículas radioativas já que os cílios normais batem de modo coordenado, com
realizadas nesses pacientes mostraram transporte diminuído uma frequência e padrão específicos. Apesar de muitas téc-
ou ausente. As similaridades estruturais entre a cauda doses- nicas já terem sido propostas para se estimar a frequência do
permatozoides e os cílios do epitélio respiratório induziram bati.mento ciliar, a aquisição de imagens em alta velocidade
ao raciocínio de que o mesmo defeito dos espermatozoides por cinematografia é considerada o método ótimo para se
poderia existir nos cílios, fato este demonstrado por meio da avaliar a função ciliar. 'frata-se, no entanto, de uma técnica
microscopia eletrônica em fragmentos da mucosa brônquica. de alto custo.
Desses achados, Afzelius 11 tirou as seguintes conclusões: Alternativas menos dispendiosas são bastante utilizadas,
como as que empregam fotomultiplicador ou fotodiodo, ca-
• Existe algum defeito, geneticamente determinado, que pazes de estimar a frequência do batimento ciliar de forma
pode afetar a ultraestrutura do axonema em todos os cí- indireta pela detecção da variação da intensidade da luz ao
lios e flagelos do organismo, e esse defeito prejudica a passar através de cílios em movimento. As frequências nor-
sua função. mais de bati.mento dos cílios nos locais de onde costumam
• Como alguns dos pacientes afetados apresentavam sinto- ser obtidas as amostras (epitélio nasal, traqueia) se situam
mas respiratórios típicos, alterações estruturais compatí- entre 11 e 16Hz.
veis, porém não tinham o situs in versus, que aparece na Outro método interessante de triagem em pacientes por-
síndrome de Kartagener, a inversão da posição das vísce- tadores de anormalidades morfológicas e funcionais ciliares
ras não é característica obrigatória da discinesia ciliar; na é a dosagem do óxido nítrico (NO) exalado e/ou do NO na-
verdade, a migração adequada dos órgãos durante a fase sal. Existe uma eliminação basal de NO no ar expirado e no
embrionária depende do batimento de cílios, presentes ar das cavidades nasais e paranasais. A concentração de NO
nas células primitivas; a ausência de movimentação ciliar no ambiente do nariz e dos seios paranasais é, inclusive, mui-
neste período resulta em uma migração das vísceras ao to maior do que no ar exalado, sugerindo um papel fisiológi-
acaso, situação a partir da qual se pode prever uma in- co importante do NO tanto na defesa antiviral e antibacte-
riana como na regulação do tônus de vasos, seja localmente saparecer durante esse tipo de procedimento, permanecen-
ou à distância. do apenas as alterações ciliares intrínsecas. Resta a critica
Curiosamente, em indivíduos portadores de discinesia ci- de a observação estar sendo feita em condições totalmente
liar, as concentrações de NO no ar exalado e no ar nasal são não fisiológicas, falha que não é exclusiva desse método, e
bem mais baixas do que em indivíduos normais. Esses níveis quanto à quantidade de tempo investida em todo o processo.
baixos não são encontrados em outras condições e têm, por- Havendo impossibilidade de se fechar o diagnóstico uti-
tanto, valor diagnóstico. A causa dessa concentração baixa de lizando dados da história clínica e alguns dos exames labo-
NO na discinesia ciliar ainda é desconhecida. Não se pode ratoriais citados, pode-se tentar a análise ultraestrutural de
desconsiderar o fato de que muitos pacientes com alterações fragmentos da mucosa respiratória, na qual se procurará de-
ciliares têm seios da face hipodesenvolvidos, em especial os monstrar as alterações consideradas típicas da discinesia ciliar.
seios frontais, circunstância que levanta a possibilidade de a Estudos já realizados indicam que a mucosa nasal pode
falta de algumas das cavidades paranasais ser a responsável fornecer informações fidedignas de anomalias de toda a
pela baixa concentração de NO, muito embora existam reco- árvore traqueobrônquica e de outros sítios recobertos por
mendações para se evitar a mistura do ar exalado com o ar epitélio respiratório no que se refere a defeitos ultraestru-
nasal durante a medida das concentrações de NO. Defeitos turais." -'5 Pela facilidade de acesso, opta-se, portanto, por
ciliares, entretanto, podem estar ligados a deficiências no me- uma biópsia de mucosa nasal, feita sob anestesia local, com
tabolismo do NO, pois já se demonstrou, por meio de mé- uma pinça saca-bocados de microcirurgia, na superfície in-
todos histoquímicos, a presença de óxido nítrico sintases no ferior do cometo nasal inferior (para garantir a retirada de
aparelho basal dos cílios em pulmões de ratos. epitélio respiratório) ou pelo escovado dessa mesma região
A utilidade da determinação da concentração de NO com escova interdental reta, quando a técnica então seria
no ar exalado e no ar nasal como método de triagem para de citologia. No entanto, também são adequadas amostras
a discinesia ciliar fica bastante limitada, dado o alto custo conseguidas durante broncoscopias, cirurgias de seios para-
do aparelho necessário para as dosagens. A técníca capaz de nasais ou de ouvido médio.
detectar concentrações médias de NO tão baixas quanto as O fragmento assim obtido é processado para análise ao
encontradas neste tipo de amostras (partes por bilhão) é a microscópio eletrônico de transmissão, de acordo com técni-
quimiluminescência, sofisticada e dispendiosa. cas já estabelecidas.
A forma mais produtiva de se analisar a estrutura e a Durante a microscopia, são fotografadas áreas que apre-
função dos cílios do epitélio respiratório e diferenciar de- sentem cílios em corte transversal perfeito, corte este que
feitos congênitos de defeitos adquiridos parece ser, hoje, a permite a identificação das estruturas internas do axonema
cultura de células ciliadas a partir de amostras obtidas do ou haste ciliar. Como muitas dessas estruturas são descon-
revestimento do nariz, inicialmente mantidas vivas durante tínuas ao longo do eixo longitudinal do cílio, elas não são
16 a 24 horas, em diferentes meios de sustentação, e depois sempre visíveis mesmo em indivíduos normais. Essa consi-
colocadas em meio de Ham acrescido de 0,1% de pronase e deração obriga a uma tentativa de se fazer uma análise semi-
de antibióticos. quantitativa do elemento estrutural que está sendo avaliado,
As células epiteliais, dissociadas pela pronase, são então para se comparar o número encontrado com os valores acha-
espalhadas sobre um meio de cultura gelatinoso (meio de dos, por meio da mesma metodologia, em indivíduos com-
Ham mais 0,2% de colágeno) e aí mantidas por 2 a 6 sema- provadamente normais (sem sinais ou sintomas relacionados
nas. Ao final desse período, todos os cílios desaparecem da com a sindrome).
superfície das células ciliadas. Neste momento, adiciona-se Este cuidado no diagnóstico de anomalias ciliares torna
colagenase ao meio de cultura, de modo a fazer com que o método ainda mais dispendioso, pois exige a documenta-
as células epiteliais mergulhem no meio. Essas células são ção fotográfica de muitas áreas ciliadas de um mesmo caso,
mantidas vivas em sistemas aquecidos a 37"C e expostas a com ampliações suficientes para a contagem dos elementos
um ambiente com 5% de C02. Nesse sistema de cultura em internos do cílio (de 80.000 a 100.000 vezes, em média). Ten-
suspensão, as células se agregam formando vesículas e vol- ta-se contar os diferentes componentes de vários cílios, em
tam a apresentar cílios. O batimento coordenado dos cílios corte transversal perfeito (no mínímo, de 20 a 50 cílios).
em uma direção faz com que essas vesículas se movimentem Resta ainda enfatizar que uma ultraestrutura aparente-
no meio de cultura, movimento este que pode ser observado mente normal não afasta o diagnóstico da síndrome. Para
com microscopia de contraste de fase. Todo o processo da ci- se esclarecer tal impasse, seria necessária a observação do
liogênese pode ser acompanhado neste tipo de preparação.' 3 funcionamento do cílio in loco, com sua cobertura de se-
Os criadores desse método de estudo de células ciliadas creção correspondente, de modo a comprovar que ele é
se aproveitaram do fato de que as células ciliadas, quando discinético.
mantidas vivas em meios de cultura sólidos, perdem seus cí-
lios, mas voltam a apresentá-los se forem novamente mergu-
lhadas em liquido. A perda dos cilios acontece por meio de
um processo de internalização das estruturas do axonema.
Alterações ultraestruturais
O contato da porção apical da célula outra vez com liquido Uma grande variedade de aberrações da estrutura ciliar tem
parece ser o estímulo que desencadeia a ciliogênese. sido descrita na literatura. Deve-se, entretanto, ter sempre
Defeitos ciliares adquiridos pela exposição a agentes tó- em mente que existe uma frequência de anomalias ciliares
xicos físicos, químicos e biológicos devem, teoricamente, de- esperada em indivíduos normais; há alterações estruturais
induz.idas por infecções respiratórias e outros agentes agres-
sores e, por fim, admite-se a existência de falhas estruturais
típicas da discinesia ciliar.
Em indivíduos normais, já foi encontrado 1,7% de cílios
com número anormal de pares periféricos e 0,6% de cílios
com variação no número de microtúbulos centrais.
No que se refere a anomalias induzidas por infecção, ta-
bagismo, atopia e outras doenças pulmonares, como fibro-
se cística, acredita•se que se restrinjam a cílios compostos
(FIGURA 69.4), cílios invaginados, microtúbulos em falta ou
supranumerários (FIGURA 69.5), deformidades da membrana,
bolhas na superflcie celular (FIGURA 69.6) e granularidade au-
6
mentada da matriz citoplasmática do axonema.'
Já foram descritas na discínesia ciliar as seguintes altera-
ções da ultraestrutura do cllio: defeito nos braços externos
ou internos de dineína (ver Figura 69.1), defeito nos fila-

FIGURA 69.6-+ Microscopia eletr6nica de transmlssao de cllios do epi·


télio respiratório. Bolhas na porção apicai de células do epitélio respira·
tório em regiões nas quais se esperava a presença de cllios.

mentos radiais (FIGURA 69.7), orientação aleatória dos cílios,


comprimento anormal dos cílios, alterações do aparelho ba-
sal (estrutura que fixa o cílio na superflcie da célula), trans-
posição de microtúbulos e aplasia de cílios.

Tratamento
São objetivos do tratamento na discinesia ciliar:
AGURA 69.4 -+ Microsco~ e!etr6nica de transmissão de o1ios do epi·
télio respiratório. Cllios compostos nos quais uma única membrana ce- • Melhorar a eliminação de secreções de vias aéreas altas
lular envolve vArios conjuntos de microtúbulos. e baixas.
• Acompanhar a colonização das vias aéreas por agentes
patogênicos importantes, como Sraphy/ococcus aureus e
Pseudo17U)nas aernginosa.
• Tratar exacerbações infecciosas agudas.
• Acompanhar a evolução da função pulmonar por meio
de exames de função pulmonar e oximetria.
• Combater a obstrução brônquica.
• Retardar o máximo possível a instalação de cor pu/mona/e,
utilizando, se todas as outras medidas falharem, oxigenote-
rapia domiciliar prolongada.
• Intervir nas complicações com as medidas terapêuticas
necessárias.

~ ATENÇÃO
Como o problema básico na discinesia ciliar é o
transporte mucociliar deficiente, medidas como
a estimulação da tosse e a fisioterapia respiratória
continua são absolutamente fundamentais. A ftuidi-
AGURA 69.5-+ Microscopia e4etr6nica de transmi55ão de cnios do epi- ficação de secreções com agentes farmacológicos s6
télio respiratório. Cllios em corte transversal nos quais se notam micro- está indicada se for notada a eliminaçjo de catarro
rubulos em número maior do que os nove pares esperados. muito espesso.
FIGURA 69.7 ~ Microscopia eletrônica de transmissao de cilios do epitélio respiratório. (A) e (8) cilios em corte transversal. de dois pacientes di·
ferentes, nos quais se nota o desarranjo da disposiçlo normal dos pares periféricos de microtúbulos, indicando um defeito dos filamentos radiais.

Culturas semiquantitativas periódicas de escarro são suflação tem boa resposta ao emprego de beta2-adrenérgicos
recomendáveis para se acompanhar a composição da flora de longa duração.
bacteriana nesses pacientes. A técnica da semeadura por Corticoides inalatórios têm seu lugar estabelecido no
esgotamento (distribuição do material na placa em trés di· tratamento da bronquite crônica tabágica grave, por já exis-
reções diferentes, com ãngulos de 90" entre elas e sempre tirem evidências de que são capazes de melhorar a qualidade
com flambagem da alça entre os deslizamentos) consegue de vida dos indivíduos acometidos e também de diminuir o
fornecer uma ideia aproximada da representatividade dos número de exacerbações. Na maioria das vezes, tais exacer-
microrganismos isolados na constituição da flora patológica bações acontecem por supercresámento da flora bacteriana
nesses indivíduos cronicamente colonizados. anormal que esses indivíduos abrigam em suas vias aéreas.
Episódios de exacerbação infecciosa devem ser tra· Por paradoxal que possa parecer, o uso prolongado de este·
tados com antibióticos capazes de eliminar Streptococcus roides inalados diminui a frequência de agudizaçõcs infeccio-
pneumoniae, Haemophilus injluenzae e Moraxella catar· sas, talvez pelo fato de minorarem a lesão epitelial produzida
rhalis, a menos que culturas prévias tenham demonstrado pela intensa inflamação que as bactérias desencadeiam. Ape-
a presença de S. aureus e/ou P. aeruginosa, situação que sar de faltarem estudos prospectivos que indiquem o emprego
exige antibióticos mais potentes e específicos. O período desses fármacos em pacientes bronquiectásicos, vários traba·
mínimo de antibioticoterapia é de 10 a 14 dias. lhos publicados demonstram que esta é uma conduta comum.
Pacientes que apresentem infecções graves muito fre- Nos quadros infecciosos agudos que cursam com insu·
quentes devem ser considerados para um programa de an- ficiência respiratória grave, a corticoterapia parenteral de
tibioticoterapia inalatória. Os agentes mais usados por essa curta duração pode trazer beneficios.
via são gcntamicina, amicacina, colistina c tobramicina, por As complicações onmo empiema, hemoptise e outras de·
períodos prolongados. O emprego de antibioticoterapia inala- vem ser tratadas da maneira preconizada, levando-se sempre
tória parece espaçar as crises de infecção c está especialmente em consideração que o paciente pode ter condições basais
indicado nos casos de colonização crônica por P. aeruginosa. 11 muito ruin.s.
O aonmpanhamento da função pulmonar por meio de Deve ser enfatizado que os pacientes com discincsia ciliar
testes espirométricos e oximetria e/ou gasometria arterial não apresentam somente problemas pulmonares e, às vezes,
é importante para se avaliar a velocidade de progressão da para serem conduzidos de maneira adequada, exigem o con-
doença e a eficácia das medidas terapêuticas empregadas. A curso de vários especialistas. Papel fundamental tem o otorri·
nolaringologista, já que as infecções crônicas de vias aéreas su-
queda da pressão parcial de oxigênio para nlvcis inferiores a
periores (sinusites, otites) são muito comuns nesses pacientes c
60 mmHg indica gravidade da doença e torna necessário o
uso de suplementação de oxigênio por longos períodos (18
é fato estabelecido a inter-relação dessas infecções com a ma·
nutençáo e exacerbação de quadros infecciosos pulmonares.
a 24 horas por dia), única terapêutica capaz de retardar a
instalação do cor pu/mona/e.
O uso de broncodilatadores é sempre recomendável,
mesmo que não se comprove a reversibilidade da obstrução Referências
brônquica pelos critérios empregados para a asma (melhora I. Reid LM. Rcductioo in broncbial subdivision in bronclúcaasis.
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70
EID feriores são uma evidmcia antiga. real e pertinente
Interação entre as Vias Aéreas da necessidade de um atendimento médico integral,
multidisciplinar e humanizado dos pacientes. incluin-
Inferiores e Su eriores do a atençJo de pneumologistas, otorrinolaringolo-
Mara Rúbia AndréAlves de Lima gistas, alergistas, gastrenterologistas, radiologistas e
imunologistas, entre outros.
'~os médicos cabe a responsabilidade de estarem
acostumados a analisar tanto as vias aéreas superiores
quanto as vias aéreas inferiores. Os pacientes com rinite Por um lado, várias doenças diagnosticadas em vias aé-
devem ser observados cuidadosamente quanto ao de- reas superiores e em vias aéreas inferiores compartilham
senvolvimento ou à coexistência de asma. E nos pacien- epidemiologia, semiologia, fisiopatologia e imunologia,
tes com asma, deve ser considerada a presença de rinite além das suas ligações anatômicas. Por outro, as alternativas
ou rinossinusite."' terapêuticas e preventivas indicadas para o tratamento de
doenças das vias aéreas superiores frequentemente são usa-
das também para doenças das vias aéreas inferiores, como
os anti-inflamatórios inalados, orais ou nasais, e os cuidados
ambientais para evitar a exposição aos desencadeantes de
crises de asma ou de rinite alérgica.
D o ponto de vista da estru tura anatômica, o nariz re-
presenta a principal porta de entrada por meio da qual
o meio ambiente externo se comunica e interage com as
vias respir atórias inferiores, representando uma área de
intersecção entre várias especialidades médicas. Do ponto
de vista semiológico, a tosse crônica representa o elo entre
diversas especialidades médicas e é um sinal de alerta para
a presença de uma possível doença não só broncopulmo-
nar, mas que também pode estar relacionada com as vias
aéreas superiores, em especial atenção ao diagnóstico das
rinossinusites crônicas.
Além da constatação objetiva das interações entre as vias doenças das vias aéreas superiores às das vias aéreas infe-
aéreas que devem ser avaliadas na sua totalidade pelo médi· riores, a história mostra que essa observação data de apro·
co, também devem ser consideradas as decisões tomadas pe- ximadamente 2.000 anos. No século 11, Galeno já elaborara
los próprios pacientes, antes de procurarem o cuidado para a hipótese de que a doença rinossinusal provocava doenças
seus problemas de saúde. Os pacientes que apresentam tosse pulmonares a partir de uma ligação direta anatômica, não le·
crônica, em geral, associam esse sintoma a alguma alteração vando em consideração a função da glote. Galeno acreditava
pulmonar, procurando, portanto, um especialista da área que as secreções das fossas nasais e das vias aéreas inferiores
pneumológica. Porém, em alguns casos, a tosse crônica se eram provenientes de um mesmo local, o cérebro. No século
acompanha de ausência de outros sintomas das vias aéreas XVII, ficou estabelecido que não existia um pertuito anatômi-
inferiores e tanto o exame físico quanto os exames de ima- co entre o cérebro e as fossas nasais.2
gem do tórax são normais. O pneumologista deve estar capa· No século XIX, em 1870, Kratchmer demonstrou que
citado a fazer o diagnóstico diferencial e o encaminhamento o estímulo das vias aéreas superiores (nariz, nasofaringe
adequado para o paciente que for procurá-lo com queiJCa de e seios paranasais) de gatos e coelhos com gases irritantes
tosse crônica cuja causa poderá estar além da sua especiali- (dióxido de enxofre, cigarro, gás carbônico) levava a taqui-
dade restrita. cardia e apoeia, as quais eram abolidas com a ressecção do
Com o avanço do conhecimento médico e o aumento nervo trigêmeo e, além disso, também aumentavam a resis-
exponencial da quantidade de informações acerca das diver- tência das vias aéreas inferiores com o surgimento de bron-
sas doenças que acometem o ser humano, as especialidades coconstrição?
médicas foram se tomando cada vez mais necessárias. Cada No começo do século XX, em 1919, Sluder• publicou
especialista se responsabiliza principalmente pelo conhe- um artigo sobre a asma como um reflexo nasal e, em 1929,
cimento aprofundado em uma determinada área médica e Quinn e Meyer5 estudaram a relação entre sinusite e bron-
concentra a sua experiência de cuidador médico neste cam- quiectasias. Em 1924, Blumgart6 publicou um estudo sobre
po. Em paralelo com o exercício clínico das especialidades os mecanismos de absorção de substâncias da nasofaringe.
7
médicas, também os eventos científicos, as pesquisas e as pu- E, logo em seguida, em 1925, Gottlieb postulou, em seu ar-
blicações médicas foram se fragmentando em compartimen- tigo sobre a relação das doenças dos seios intranasais com
tos separados. Porém, para um cuidado integral, continua a produção de asma, os mecanismos que relacionariam a
sendo necessário que cada paciente seja abordado na sua doença nasal e a asma.
totalidade de ser humano. Para isso, a comunicação entre Gottlieb1 preconizava que haveria quatro mecanismos
as especialidades é condição sine qua non. Os especialistas, relacionando doença nasal e asma. Esses mecanismos in-
compartilhando os conhecimentos mais aprofundados aos cluíam: 1) o gotejamento de material mucopurulento na
quais se dedicam nos seus respectivos campos de expertise, faringe, produzindo infecção na faringe e na traqueia; 2) a
podem colaborar para que os pacientes recebam um cuidado absorção de produtos tóxicos pela corrente sanguínea e lin-
completo e multidisciplinar. fática, produzindo reação alérgica nas vias aéreas inferiores;
Neste capítulo são abordados aspectos mais relevantes 3) a respiração bucal de ar frio devido à obstrução nasal
das interações entre as vias aéreas superiores e inferiores, in- (secundária à presença de pólipos e cometos aumentados)
cluindo-se dados históricos gerais e as interações entre asma, combinada com material infectado, na superfície das vias
rinite e rinossinusite, com suas características epidemiológi· aéreas, desencadeando asma; e 4) o reflexo nasobrônquico
cas, embriológicas, histológicas, fisiopatológicas e imunopa- devido à irritação do gânglio nasal causando asma.
tológicas. 'Iàmbém são discutidas as interações entre doença Após a década de 1930, outros estudos continuaram a ser
pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) e vias aéreas superio- publicados de forma esporádica, mas foi principalmente nos
res, finalizando-se com tópicos gerais das interações entre últimos 30 anos que voltou a crescer o interesse científico
tosse crônica e acometimento das vias aéreas superiores ob- por esse tema.8• 11 Em 1974, Slavin12 chama a atenção para a
servadas na sindrome do gotejamento pós-nasal (atualmente asma brônquica produzida por sinusite paranasal. No Brasil,
denominada sindrome da tosse das vias aéreas superiores). enquanto, em 1970, Benevides13 publica artigo sobre o tra-
tamento das sinusobronquites, Flores e Moreira," em 1978,
publicam seus estudos acerca das manifestações broncopul·
monares das infecções das vias aéreas superiores, e também
Histórico Palombini e Alves 15 incentivam linha de pesquisa sobre a re-
Até hoje, os mecanismos precisos que conectam as afecções levância das vias aéreas superiores para a pneumologia.
das vias aéreas superiores e inferiores ainda carecem de me- Atualmente, o enfoque antes colocado nos aspectos in-
lhor averiguação e esclarecimento. Porém, atualmente, com fecciosos bacterianos da fisiopatologia do acometimento
sofisticados recursos diagnósticos de imagem e de endoscopia, simultâneo de vias aéreas superiores e inferiores estâ redi·
que empregam tecnologia digital, e com o amparo de análises recionado para a tentativa de entendimento dos mecanismos
imunopatológicas e de ferramentas estatísticas avançadas, é inflamatórios sistêmicos dessas doenças. Mais recentemente,
possível estudar de modo mais objetivo as interações entre as as funções da medula óssea e o papel antigênico de enteroto·
vias aéreas como um todo, oferecendo assim mais alternativas xinas do estafilococo também passam a ser objeto de pesqui-
para o manejo terapêutico adequado do paciente. sas. Porém, apesar dos avanços, várias questões sem resposta
Apesar de algumas das publicações do século XXI des- definitiva ainda permanecerão motivando mais discussões
creverem como fatos novos as constatações que associam as sobre esse assunto. 1.,.19
De acordo com outro estudo retrospectivo,24 pacientes
Asma, rinite e rinossinusite com asma induzida por aspirina têm doença rinossinusal
mais extensa do que aqueles sem asma induzida por aspirina.
Epidemiologia A cirurgia endoscópica da cavidade rinossinusal melhorou
Os estudos epidemiológicos que correlacionam as vias aére-
significativamente os resultados em ambos os grupos, po-
as enfrentam desafios operacionais decorrentes da necessi-
rém, naqueles pacientes com sensibilidade à aspirina, houve
dade de métodos diagnósticos invasivos e/ou muito onerosos
melhora menos significativa na tomografia computadorizada
e não disponibilizados amplamente para comprovar a pre-
pós-operatória do que no grupo de pacientes sem sensibili-
sença dessas doenças. Além disso, observações feitas a partir
dade à aspirina.
de estudos com acompanhamento a longo prazo e com gru-
Entre os pacientes com pólipos nasais, 27 a 51 % têm
pos-controle adequados também são onerosas. Apesar de
asma que costuma ser mais grave. Em um estudo prospecti-
ainda existir espaço para evidências adicionais que melho-
vo'lS com 68 pacientes com asma induzida por aspirina e poli-
rem a compreensão sobre as interações entre as doenças das pose nasal, a cirurgia endoscópica melhorou a pontuação de
vias aéreas superiores e inferiores, vários estudos relevantes
sintomas de asma, os resultados das medidas de pico de flu-
já foram realizados. xo expira tório e também os parâmetros de avaliação do olfa-
O lnternational Study of Asthma and AUergies (ISA- to. Outro estudo» em 116 doentes com polipose nasal grave
AC)'//J mostrou que a correlação entre asma e rinite chega a
mostrou que a recuperação do olfato após a cirurgia sinusal
80%, sendo que os pacientes com asma apresentam sintomas endosoópica funcional foi significativamente prejudicada
nasais de difícil controle. A rinite alérgica está presente em pela concomitância de doença respiratória exacerbada pela
60 a 78% dos pacientes asmáticos e representa um fator de
aspirina, que foi por isso considerada fator preditivo impor-
risco para o aparecimento de asma em cerca de 20 a 38% tante para pior resultado em relação à recuperação olfativa.
dos casos. Outro estudo demonstrou que a rinite alérgica au- Em mais um estudo retrospectivo27 com 91 pacientes as-
menta em quatro vezes o risco do aparecimento de asma em máticos adultos e com rinossinusite crônica e polipose nasal,
adultos. Um estudo multicêntrico longitudinal de base popu- foi demonstrada melhora na avaliação da asma durante um
lacional revelou que a rinite, mesmo na ausência de atopia, período de 6 a 12 meses após a cirurgia endoscópica. Em-
21
é um preditor de asma nos adultos. A asma é diagnosticada bora essa melhora tenha sido observada tanto em pacientes
em até 58% dos pacientes com rinite, e 92% dos pacientes asmáticos com asma induzida por aspirina quanto em asmá-
com asma ocupacional têm sintomas de rinite., ticos que toleravam a aspirina, nos pacientes asmáticos com
A prevalência de rinossinusite variou de 0,8 a 14,9% en- sensibilidade à aspirina foram observadas diferenças mais
tre crianças de 6 a 7 anos e de 1,4 a 39,7% entre pacientes de significativas estatisticamente no que se refere à gravidade
13 a 14 anos que apresentam asma, de acordo com os resul- da asma e à redução da dose de corticoide inalatório.
27
tados do estudo ISAAC.10 De um total de 90.478 adultos en-
tre 20 e 44 anos de idade estudados em 31 países da Europa,
dos Estados Unidos e da Oceania, 10.210 indivíduos partici- Embriologia e histologia
param de uma pesquisa para identificar asma e rinossinusite, Do ponto de vista embriológico das vias aéreas, enquanto o
que ficou caracterizada como o fator preditivo isolado mais nariz tem uma origem ectodérmica, os brônquios possuem
importante para o aparecimento de asma. Mais de 30% dos urna origem endodérmica. Contudo, apesar das origens dis-
pacientes que tiveram sinusite também tinham asma, e entre tintas, o desenvolvimento embriológico das vias aéreas supe-
30 e 70% dos pacientes com asma apresentaram rinossinusi- riores é semelhante quanto à cronologia, sendo que ambas
te pelo menos uma vez.3 começam a se formar durante a quarta semana de gestação e
Assim como os pacientes asmáticos costumam apresen- continuam o seu desenvolvimento durante alguns anos após
tar um quadro clinico de controle mais difícil quando tive- o nascimento.
rem rinossinusite associada, também os pacientes com rinos- O sistema respiratório origina-se a partir da separação da
si.nusite, inclusive aqueles tratados com cirurgia, apresentam parte caudal do sulco longitudinal localizado na face ventral
um prognóstico mais reservado se tiverem concomitante- do intestino cefálico, na porção terminal da região faringea.
mente asma brônquica.12 Portanto, a associação de asma e Inicialmente, forma-se o canal traqueobrõnquico. A porção
rinossinusite exige cuidados médicos redobrados, tanto do cranial do canal traqueobrônquico dá o rigem à laringe, a
ponto de vista pneumológico quanto do ponto de vista otor- porção média formará a traqueia e a porção caudal cresce e
rinolaringológico. se bifurca em dois brotos que originarão os brônquios princi-
Em outro estudo prospectivo23 com 106 pacientes, foi pais e as dema.is ramificações da árvore respiratória.
encontrada urna relação entre a gravidade da rinossinusite As fossas nasais apresentam três regiões: o vesúbulo, a
crônica e a da asma A presença de asma, mais do que a ato- ãrea respiratória e a ãrea olfatória. Em relação à estrutura
pia, representou um fator preditivo de aheração radiográfica histológica, em indivíduos hfgidos, o vestíbulo nasal apresen-
mais grave da cavidade paranasal e de rinossinusite crônica ta uma mucosa formada por epitélio plano estratificado não
com polipose nasal. Esses resultados sugerem que a rinossi- queratinizado e por uma lâmina própria de tecido conjunti-
nusite crônica é urna doença inflamatória que ocorre inde- vo denso. Nesse loeal, existem pelos e glândulas cutâneas,
pendentemente de uma imunopatogenia sistêmica mediada que constituem urna primeira barreira à entrada de particu-
por imunoglobulina E {IgE). las grosseiras de pó nas vias aéreas.
A mucosa da área respiratória nasal, dos seios paranasais fisiopatológjco único com a asma, enquanto a rinossinusite
e das vias aéreas inferiores é constituída por epitélio pseu- sem polipose e sem inflamação eosinofílica atua como um
doestratificado colunar ciliado, com muitas células calicifor- desencadeante direto para a asma. 3
mes, chamado de epitélio respiratório, que repousa sobre a Tentando esclarecer a fisiopatologia, os estudos de
lâmina basal, a lâmina própria fibrosa rica em glândulas do Huxley30 empregando lndium-111 demonstraram a ocorrên-
tipo misto e no periósteo subjacente. O epitélio respiratório cia de aspiração faringea de material das vias aéreas superio-
típico consiste em seis tipos celulares constituídos por célu- res no sentido das vias aéreas inferiores em 70% dos pacien-
la colunar ciliada, células caliciformes, células em escova, tes com depressão da consciência e em 45% dos indivíduos
células basais e célula granular. Deve-se ressaltar que, nas hígidos durante o sono profundo. Os indivíduos hígidos que
áreas mais expostas ao ar, o epitélio apresenta-se mais alto e não aspiraram apresentavam um sono superficial. Já nos es-
com maior número de células caliciformes. A mucosa nasal tudos de Simons/ 8 embora a aspiração faríngea tenha sido
possui capilares subepiteliais, sistemas arteriais e sinusoides mostrada em indivíduos com diminuição da consciência, não
venosos cavernosos em abundância. O músculo esquelético foi possível demonstrar essa aspiração naqueles sem depres-
está presente na nasofaringe e na laringe, e a musculatura são do sensório, nem mesmo naqueles com rinossinusite.
lisa é encontrada desde a traqueia até os bronquíolos ..l.23 Além dos possíveis mecanismos da associação entre a
rinossinusite e a asma citados antes, encontra-se também a
alternativa de um reflexo nasofaringobrônquico estudado
Fisiopatologia em pacientes com nevralgia do trigêmeo e que foram subme-
Se alguns estudos epidemiológicos que correlacionam as tidos a ressecção desse nervo. A broncoconstrição desenca-
doenças das vias aéreas superiores - principalmente a riDos- deada pela inalação de ar frio representa uma resposta que
sinusite -com as doenças das vias aéreas inferiores - sobre- pode ser abolida pela supressão do reflexo nasopulmonar
tudo a asma - podem apresentar resultados aparentemente por meio de anestesia local ou do uso de um antagonista
conflitantes, os mecanismos fisiopatológicos subjacentes à colinérgico. Além disso, a semeadura de processos inflama-
associação dessas doenças apresentam aspectos ainda mais tórios na faringe a partir do gotejamento pós-nasal e da as-
difíceis de serem comprovados com exatidão. Contudo, em piração faríngea de mediadores inflamatórios e de material
vez de frear o interesse científico pela área, esses obstáculos infectado dos seios paranasais poderia desencadear um re-
solidificam a sua importância, servem de exemplo concreto flexo faringobrônquico.31
para a necessidade do cuidado multidisciplinar dos pacientes Em um estudo prospectivo, foram comparadas amostras
e avanços vão sendo registrados. de tecidos rinossinusais de pacientes com os seguintes fenó-
O nariz representa a porta de entrada mais importante tipos: 1) pacientes com rinossinusite crônica, polipose nasal
para o ar inspirado, desempenhando funções de aquecimen- e asma desencadeada por aspirina; 2) pacientes com riDos-
to, umidificação e filtragem das partículas inaladas. Na rinite sinusite crônica, polipose nasal e sem sensibilidade à aspiri-
alérgica acompanhada de obstrução nasal e respiração bucal, na; e 3) indivíduos-controle saudáveis. Foram identificados
os pacientes ficam privados dessas funções nasais protetoras. cinco genes que, provavelmente, desempenham um papel na
Os alérgenos, o ar frio e também outros irritantes físicos ou patogênese dos pólipos associados com rinossinusite crôni-
químicos, ao serem inalados, são capazes de provocar reação ca e asma desencadeada por aspirina. A análise dos perfis
nasal e broncoconstrição. de expressão genética como ferramenta para compreender
Thstes de provocação nasal com histamina ou com meta- a fisiopatologia da rinossinusite crônica e a asma sensível à
colina podem se acompanhar de resposta broncoconstritora. aspirina, considerando os genes envolvidos no crescimento,
Pacientes que apresentam rinite alérgica, mas não manifes- desenvolvimento, função imune e expressão de citocinas,
tam sintomas de asma, podem apresentar testes positivos pode trazer uma melhor compreensão dessa patogênese e
para hiper-responsividade brõnquica provocada com exercí- possibilidades de novas modalidades terapêuticas. n.n
cio, com histamina ou com metacolina, principalmente du-
rante os períodos de exacerbação da rinite alérgica.
Outro exemplo das interações entre o nariz e as vias lmunopatologia
aéreas inferiores é o efeito que as infecções virais do trato Apesar de existirem algumas diferenças nos aspectos imu-
respiratório superior exercem sobre a asma, frequentemente nopatológicos da asma e da rínite alérgica, em ambas as
acompanhando ou precedendo o atendimento de pacientes situações se reconhece uma resposta alérgica inicial e uma
asmáticos em salas de emergência. Durante a infecção vira! resposta crônica semelhantes, sendo que as células inflama-
do trato respiratório superior, também o trato respiratório tórias envolvidas são as mesmas, incluindo mastócitos, eosi-
inferior fica mais responsivo à histamina e à inalação de alér- n6filos, bas6filos e linfócitos T he/per 2 (Th2). Em pacientes
genos. '·2.29 com rinite alérgica e asma, na avaliação clinicolaboratorial,
No início do século XX, o papel das infecções bacteria- é frequente a presença de eosinofilia no sangue periférico e
nas também era considerado de grande importância nesta também nas secreções nasais e no escarro.
fisiopatologia. Atualmente, os aspectos inflamatórios e imu- Em um estudo observacional de 201 pacientes asmáticos,
nopatológicos se destacam entre os mecanismos que susten- foi demonstrado que os níveis de eosin6filos no sangue e no
tam as interações entre vias aéreas superiores e inferiores. escarro se correlacionaram com o espessamento da mucosa
Alguns autores sugerem que a rinossinusite associada à poli- sinusal e estavam associados a osteíte?' Em revisão publica-
pose e à inflamação eosinofílica compartilha um mecanismo da por Ibiapina e colaboradores, 3 foi salientado que na asma
a inflamação brônquica é mediada principalmente pelo lin- rinossinusite parece acompanhar os quadros clínicos respira-
fócito Th2, o qual se relaciona com citocinas envolvidas na tórios mais graves, nos quais ocorram complicações bronco-
inflamação alérgica e com estimuladores de linfócito B, que pulmonares supurativas crônicas e exacerbações infecciosas
produzem IgE e outros anticorpos. Os linfócitos Th2 são ini- de repetição.
bidos pelos linfócitos T helper 1 (Thl) e vice-versa, sendo Estudos epidemiológicos sugerem que até 75% dos pa-
que um desequilíbrio entre essas células poderia contribuir cientes com DPOC apresentam sintomas nasais concomitan-
para a fisiopatologia da asma.3 tes e que mais de um terço dos pacientes com rinossinusite
Considerando a população de pacientes que apresentam tem sintomas das vias aéreas inferiores relacionados com
asma e/ou rinossinusite e concomitantemente manifestaçóes asma ou DPOC.lS
a tópicas, postula-se que os acometimentos de vias aéreas su- Muitos trabalhos 5·2..27 tentam fazer uma transposição
periores e inferiores sejam manifestaçóes localizadas de um das hipóteses de mecanismos que ligam as doenças nasais e
mesmo acometimento sistêmico inflamatório alérgico. rinossinusais à asma para a sua identificação nos pacientes
Mecanismos imunopatológicos com a participação da com DPOC. Mas os mecanismos subjacentes às interações
medula óssea foram adicionados como hipóteses que tentam entre a rinossinusite e a DPOC são de comprovação ainda
entender as interações entre as vias aéreas superiores e infe- mais complexa do que na associação entre rinossinusite e
riores como componentes de uma doença sistêmica única. A asma. Apesar de existirem evidências sugerindo aumento
mucosa inflamada dos seios paranasais produziria localmen- da inflamação em pacientes com DPOC, as relações entre
te mediadores inflamatórios (citocinas) que seriam liberados vias aéreas superiores, vias aéreas inferiores e inflamação
e estimulariam os progenitores de basófilos/eosinófilos da sistêmica ainda carecem de melhor averiguação nesses in-
medula óssea. A medula óssea, interagindo com sinais he- divíduos.
matopoiéticos teciduais, liberaria células inflamatórias para Em um estudo36 realizado com 47 pacientes com DPOC,
migrarem para o pulmão e desencadear inflamação crônica não foi possível demonstrar que o grau de inflamação das
das vias aéreas inferiores. vias aéreas superiores correspondera ao grau de inflama-
Estudos experimentais em animais sugerem a existência ção das vias aéreas inferiores, nem que houvesse associa-
de uma ligação direta entre pulmão e medula óssea nos pro- ções subjacentes ao deslocamento de bactérias e à resposta
cessos inflamatórios alérgicos das vias aéreas. Essa possível inflamatória sistêmica. Mas foi sugerido que a DPOC está
ligação entre medula óssea e pulmão, além de ajudar no associada a aumento da concentração nasal de interleucinas
esclarecimento da fisiopatologia da asma e da rinite como 8 (JL-8) e que a colonização bacteriana das vias aéreas infe-
uma doença única das vias aéreas, também pode trazer mais riores, o gotejamento pós-nasal e o aumento na população
alternativas de busca de tratamentos? bacteriana nasal estejam relacionados.36
Anticorpos lgE para enterotoxinas podem ser encontra- Do ponto de vista prático, nas exacerbações da DPOC
dos na maioria dos pacientes com alergia à aspirina, polipose associadas a infecção bacteriana das vias aéreas inferiores,
nasal e asma grave. O Staphylococcus aureus tem a capaci- a avaliação otorrinolaringológica, abrangendo seios para-
dade de liberar enterotoxinas com atividade antigênica e nasais, rinofaringe e fossas nasais, está indicada para um
modificar as funçóes dos linfócitos T e linfócitos B, dos eo- manejo terapêutico adequado. Os pacientes com DPOC
sinófilos e de outras células. Esse estímulo relacionado com exacerbada referem dispneia, tosse produtiva crônica com
as enterotoxinas estafilocócicas pode levar a uma inflamação expectoração que se tornou purulenta após a piora do qua-
eosinoffiica polarizada pela célula tipo linfócito T helper e a dro clínico obstrutivo broncopulmonar ou expectoração que
uma produção de IgE, agravando as doenças das vias aéreas, já era purulenta e aumentou de volume ou se tomou mais
tanto no trato superior quanto no inferior. purulenta ainda. A avaliação otorrinolaringológica nesses
pacientes, principalmente quando relatarem gotejamento
pós-nasal e aspiração faríngea, tem a finalidade de descartar
a possibilidade da presença concomitante de secreções na
Doença pulmonar obstrutiva crônica e faringe e rinossinusite como fator agravante da DPOC, além
de outras eventuais anormalidades na faringe e nas fossas
vias aéreas superiores nasais, como hipertrofia de adenoides, desvio de septo nasal
As interações entre as vias aéreas inferiores e superiores são ou cornetos nasais aumentados. Na ausência da abordagem
importantes nos pacientes que apresentam rinite, sinusite e diagnóstica e do manejo terapêutico dessas comorbidades,
asma, sejam eles atópicos ou não. Contudo, em grupos de caso estejam presentes, a resolução do quadro exacerbado
pacientes com diagnósticos reconhecidos de outras pneumo- de DPOC ficará comprometida.
37
patias, essas interaçóes também são observadas. Em pacien- Foi realizado um estudo retrospectivo em 99 pacientes
tes com DPOC, sobretudo nos episódios de exacerbação, o internados por exacerbação de DPOC em um hospital espe-
manejo adequado deve incluir a investigação de rinossinusite. cializado em doenças pulmonares, ao longo de um mesmo
Além disso, pacientes com diagnóstico de bronquiecta- ano (FIGURA 70.1.1). Esse estudo buscou averiguar se a pre-
sias, fibrose cística, discinesia ciliar, aspergilose broncopul- sença concomitante de rinossinusite fizera parte das hipóte-
monar alérgica ou deficiências imunológicas relacionadas ses diagnósticas operacionais aventadas pelos pneumologis-
com níveis séricos insuficientes de IgG, lgM ou lgA frequen- tas que cuidaram desses pacientes.
temente apresentam rinossinusite como doença concomi- Constatou-se que, dos 99 indivíduos estudados, 34 pa-
tante. Neste último grupo de pacientes, a concomitância de cientes (34,3%) realizaram avaliação de vias aéreas supe-
Radiografia alterada
76,5%
' Fez
radsografia
34,3'1'.

(N = 99)
N = 34: alteração radiológica suge-stiva de sinusite em pacientes
hospitalizados com exacerbação de DPOC

Radiografia
normal
8,0'Yo

FIGURA 70.1.1 ~ Investigação de seios para nasais em pacientes hospitalizados com exacerbação de DPOC.
Fonte: André-Alves e colaboradores."

ri ores, sendo que, nesse subgrupo, em 26 pacientes (76,5%) va com duração de mais de oito semanas e já tinham efetua-
foram detectadas alterações radiológicas sugestivas de do pelo menos um tratamento clinico prévio sem sucesso, ou
rinossinusite. Nesse mesmo estudo, considerando-se o nú- seja, que não fora capaz de controlar a tosse.
mero total de 99 pacientes hospitalizados por exacerbação No grupo dos 99 pacientes com diagnóstico de rinossi-
de DPOC e assumindo-se hipoteticamente que, dentre os nusite, foram identificados possíveis condicionamentos sis-
pacientes não investigados para rinossinusite, de fato ne- têmicos para o quadro em 92 pacientes. Em 75% dos casos,
nhum apresentasse rinossinusite, ainda assim seria possível esse condicionamento sistêmico subjacente era representa-
constatar que, em mais de um quarto do total dos pacientes, do pela presença exclusiva de atopia. Nos demais pacientes,
a possibilidade de acometimento simultâneo de vias aéreas a atopia estava ausente ou vinha associada a outros fatores
superiores deveria ser considerada?7 predisponentes sistêmicos, como deficiência seletiva de IgA,
fibrose cística ou síndrome da discinesia ciliar. Em apenas
6% dos pacientes dessa população com tosse e rinossinusite
Tosse crônica e vias aéreas superiores não foi possível reconhecer um substrato sistêmico que pu-
desse condicionar o acometimento crônico das vias aéreas
A tosse crônica, principalmente quando acompanhada de
superiores (FIGURA 70.1.2).
cxpectoração, costuma levar o paciente a procurar os cui·
dados do pneumologista. A epidemiologia e a presença de
tabagismo são dados importantes na caracterização da tos-
se crônica, impondo o diagnóstico diferencial com a tuber- Sindrome da tosse das vias
culose e o carcinoma brônquico, entre outros. Em alguns
pacientes com tosse crônica, nos quais outros diagnósticos aéreas superiores ou síndrome
tenham sido excluídos, em particular nos indivíduos não do gotejamento pós-nasal
fumantes c que apresentam sintomas associados de vias
aéreas superiores, como aspiração faríngea, gotejamento Segundo as diretrizes para o diagnóstico e o manejo da tosse
pós-nasal ou obstrução nasal, a presença de rinossinusitc do American College of Chest Physicians (ACCP),«~ a possi·
deve ser insistentemente considerada no diagnóstico dife- bilidade do diagnóstico da síndrome do gotejamento pós-na-
rencial.38 sal (atualmente denominada síndr ome da tosse crônica das
Em um estudo clinico sobre a etiopatogenia da tosse per· vias aéreas superiores secundária a doenças rinossinusais),
sistente crônica produtiva,39 foram identificados 99 casos de em pacientes não fumantes com 15 anos de idade ou mais
rinossinusite na população total de 11Opacientes analisados. velhos, deve ser insistentemente considerada na investigação
Todos os pacientes desse estudo apresentavam tosse produ ti- da tosse com mais de oito semanas de duração, sobretudo se
Não associada
I Associada a sinusite: 99 a sinusite:11
ICondicionamento sistêmico presente-: 92 o
Atopia ausente ou associada ·"'~~ ~
-g ..,"'
a outros condicionamentos .õí & ~t: .,.:Q "'c:
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sistªmicos: 1O o"'
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Atopia
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N 82 8
Amostra
total 75 6
FIGURA 70.1.2 ~ Etiopatogenia da tosse persistente crônica pro-
*Entre os pacientes com deficiência seletiva de lgA. alguns representaram
dutiva em 110 pacientes ambulatoriais.
evidências de participação de atopia.

for produtiva e quando outros diagnóstioos, como tuberculo- jamento pós-nasal ou impossibilidade de detectar o go-
se pulmonar, carcinoma brônquico, DPOC e tosse desenca- tejamento pós-nasal silencioso seguidas de irritação e/ou
deada pelo uso de medicamentos, forem excluídos. inflamação da mucosa das vias aéreas superiores e tosse
Nessa síndrome, a tosse crônica pode estar associada ou (FIGURA 70.1.3).
não a outros sintomas de vias aéreas superiores, principal- Irwin e oolaboradores,41 em um estudo prospectivo, oom-
mente ao gotejamento pós-nasal, definido como a drenagem pararam achados histopatológioos das vias aéreas em três
de secreções do nariz ou dos seios paranasais através da fa- grupos oonstituídos por pacientes com tosse secundária a
ringe. Mas alguns estudos indicam que até 20% dos pacien- doença pulmonar, tosse secundária a doença extrapulmonar
tes oom tosse crônica relacionada oom gotejamento pós-na- e tosse sem causa identificada e um grupo-oontrole forma-
sal podem não perceber ou não associar essa drenagem de do por indivíduos não fumantes e assintomáticos. Os três
secreções à tosse que apresentam. O diagnóstioo diferencial grupos de tossidores crônicos apresentaram similaridades
da síndrome do gotejamento pós-nasal inclui a tosse crônica na aparência morfológica e na contagem das células infla-
associada à asma, à bronquite eosinofilica não asmática e ao matórias coradas com hematoxilina/eosina, sugerindo aos
refluxo gastresofágioo. autores que as alteraçôes inflamatórias podem ser devidas
A patogênese da tosse na síndrome da tosse crônica das ao próprio trauma da tosse, independentemente da causa
vias aéreas superiores pode ser entendida a partir das se- subjacente. Por esse motivo, esses investigadores reoomen-
guintes hipóteses: 1) estímulo mecànioo do reflexo da tosse dam cautela antes de atribuir papel patogênioo aos achados
nas vias aéreas superiores; 2) gotejamento de secreçôes das inflamatórios observados nas vias aéreas de pacientes que
vias aéreas superiores estimulando receptores da tosse na tossem cronicamente.
hipofaringe ou na laringe; 3) aumento da sensibilidade do
reflexo da tosse nas vias aéreas superiores; 4) irritação di-
reta física ou quimica do limbo aferente do reflexo da tosse,
estimulando perifericamente e levando a um aumento da re-
Considerações finais
atividade central; e 5) aspiração de secreçôes das vias aéreas Pacientes oom asma e outros diagnósticos pneumológioos
superiores, estimulando receptores da tosse localizados nas veem aumentada a probabilidade de ter suas manifestaçôes
vias aéreas inferiores. mais bem oontroladas, mediante conduta terapêutica ade-
A síndrome da tosse crônica das vias aéreas superio- quada, se forem oontemplados cuidados médioos das vias aé-
res se refere a várias doenças, como infecções do trato reas oomo um todo. Mesmo especialistas, seguem os médi-
respiratório superior (causadas principalmente por vírus, cos oom a responsabilidade de, em vez de fragmentar, fazer
Mycoplasma, Ch/amydia pneumoniae eBordetel/a pertussis) , uma leitura completa e em profundidade de todas as mani-
rinite alérgica, rinite não alérgica perene ( rinite vasomoto- festaçôes clínicas averiguadas nos pacientes que buscam os
ra e rinite não alérgica com eosinofilia), sinusite bacteria- seus cuidados, ainda que dentro de um oontexto específico.
na, sinusite alérgica fúngica, rinite secundária a alteraçôes O exercício do raciocínio diagnóstico associado a experiên-
anatômicas, rinite por irritantes ffsioo-químicos, rinite ocu- cias multidisciplinares compartilhadas nas mais diversas
pacional, rinite medicamentosa e rinite da gestação. Essas condiçôes ambientais e culturais do planeta deve estimular
doenças podem levar ao aparecimento da tosse a partir de uma melhor qualidade de vida e ressaltar a importância da
mecanismos distintos. humanização como uma característica inerente da medicina
Tais mecanismos incluem as seguintes possibilidades: de todas as épocas.
1) presença de gotejamento pós-nasal provocando irrita- Durante muito tempo, devido à estrutura anatômica oom-
ção e/ou inflamação da mucosa das vias aéreas superiores plexa, à área reduzida e à proximidade oom as meninges e o
c, então, desencadeando a tosse; ou 2) ausência de gote- encéfalo, os seios paranasais e a rinofaringe eram estudados
Sindrome da tosse crônica das vias aéreas superiores secundária a doenças rinossinusais
(ex-sindrome do gotejamento pós-nasal)

•Infecções do trato respiratório superior


• Rinite alérgica
• Rinite não alérgica perene (rinite vasomotora
e rinite não alérgica com eosinofilia)
• Sinusite bacteriana
• Sinusite alérgica fúngica

r l
• Rinite por alterações anatômic.a.s
• Rinite por irritantes físico..qufmicos
• Rinite ocupacional
• Rinite medicamentosa
• Rinite da gestação

Gotejamento pós-nasal Gotejamento p6s-mual


pre-sente ausente ou silencioso

l l
Irritação e/ou inflamação da mucosa das vias

c
aéreas superiores

TOSSE
)
FIGURA 70.1.3 ~ Posslveis mecanismos para entender a presença de tosse na sfndrome do gotejamento pós-nasal.

por meio de peças anatômicas. A abordagem cirúrgica mais


ampla era limitada e tinha indicação somente quando outros
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fZ!IJ o Rinossinusite subaguda (RSSA) é aquela com duração
de mais de quatro e menos de 12 semanas.
Rinossinusite o Rinossinusite crônica (RSC) se refere àquela com dura·
ção de mais de 12 semanas.
Elisabeth Araújo
A rinossinusitc 6 recorrente (RSR) quando o pacien·
te refere quatro ou ma is episódios de RSA no intervalo
Introdução de um ano, com resolução completa dos sintomas entre
eles,' ao passo que, na rinossinusite crônica com perfo·
A rinossinusite (RS), caracterizada pela inflamação da mu· dos de agudização (RSCA), a duração do quadro clinico
cosa do nariz e dos seios paranasais,1 devido à sua alta pre- é superior a 12 semanas com sintomas leves e períodos de
valência e à apresentação clínica que envolve manifestações intensificação.'
variadas, é tratada na prática por um grande número de Uma forma prática de se avaliar a intensidade da doença
médicos além dos otorrinolaringologistas, incluindo desde é utilizando uma escala visual analógica (EVA), conforme
generalistas até pediatras, pneumologistas e alergologistas. a FIGURA 70.2.1. A doença é considerada leve quando o pa·
A RS está relacionada com processos infecciosos virais, ciente atribui níveis entre Oe 4 ao desconforto que os sinais
bacterianos e fúngicos, podendo estar associada a alergia, e sintomas lhe provocam, sendo que zero seria considerado
polipose nasossinusal e disfunção vasomotora da mucosa.2 O a ausência de desconforto. A RS é classificada como mode-
termo rinossinusite de forma isolada costuma se referir aos rada ou grave quando o desconforto atinge os níveis entre 5
quadros infecciosos bacterianos, e a utilização da nomencla· c 10, sendo que 10 corresponde ao maior desconforto ima·
tura rinossinusitc vira!, rinossinusitc fúngica c rinossinusitc ginávei.4.S
alérgica pode ajudar a esclarecer essa terminologia. A classificação proposta no QUADRO 70.2.1 assemelha-se
A RS vira! é a mais prevalente. Estima-se que o adulto àquela desenvolvida pelo r"po de trabalho em rinite e seu
tenha em média 2 a 5 resfriados por ano, enquanto a criança impacto na asma (ARIA).
apresenta de 6 a 10 desses epis6dios.2 Entretanto, a maioria
dos pacient.es com viroses das vias aéreas superiores, princi-
palmente gripes e resfriados, não procura assistência médi·
ca. Desses episódios virais, cerca de 0,5 a 10% evoluem para Anatomia e fisiopatologia
infecções bacterianas. A cavidade do nariz e os seios paranasais constituem-se em
uma coleção de espaços aéreos situados na região anterior
do crânio. Os seios para nasais se comunicam com a cavidade
Definição
ARS é definida como um processo inflamatório o 10
da mucosa do narize dos seios paranasais com as
seguintes características:
Ausência de sintomas
-+ presença de dois ou mais dos sintomas de obstrução
nasal, rinorreia anterior ou postenor, dor ou pressão
facial, redução ou perda do olfato; FIGURA 70.2.1 ~ Gravidade dos sintomas de rinossinusite de acordo
-+ presença de um ou ma1s achados endoscópicos de com a escala visual analógica (EVA).
pólipos, secreção mucopurulenta drenando do me- --~---------------
ato médio, edema obstrutivo da mucosa no meato
médio; e/ou
-+ presença de alterações de mucosa do complexo os- QUADRO 70.2.1 ~ Classificação das rinossinusites
tiomeatal ou dos seios paranasais visualizadas na to·
mografia computadorizada., 1 Rinossinusite aguda/intermitente Sintomas com até 12
semanas de duraç~o
Rinossinusite crônica/persistente Sintomas com mais de 12
Rinossinusite crônica sem polipose semanas de duração
Classificação Rinossinusite crônica com poli pose
A classificação mais comum de RS se baseia no tempo de Rinossinusite aguda recorrente Quatro ou mais episódiOS
evolução das manifestações e na frequência de seu apare- anuais de rinossinusite aguda
cimento:
Rinossinusite leve Escores de Oa 4 na EVA
o Rinossinusite aguda (RSA) é aquela cujas manifestações Rinossinusite moderada/acentuada Escores de 5 a 1Ona EVA
têm duração de até quatro semanas.
nasal por meio de óstios de ventilação e drenagem. Sua mu- QUADRO 70.2.2 ~ Fatores predisponentes e associados
cosa de revestimento apresenta epitélio colunar pseudoes-
tratificado ciliado, contendo células glandulares e globosas, - Infecções virais das vias aéreas superiores
o que permite a produção de secreção mucinoide de tal for- - Rinite alérgica
ma que possibilite o transporte mucociliar, ou seja, partícu- - Alterações estMurais
las antigênicas podem ser aprisionadas e transportadas para - Corpo estranho
o sistema digestivo. - Barotrauma
- Alteração do transporte mucociliar
A região constituída pelos óstios dos seios maxilares,
- Asma
pelas células etmoidais anteriores e seus óstios, pelo infun- - Doença do refluxo gastresofágico
díbulo etmoidal, pelo hiato semilunar e pelo meato médio - Estado imunológico
é denominada complexo ostiomeatal. Na RSA, alterações - Fatores ambientais
obstrutivas no nível do complexo ostiomeatal exercem um - Fatores iatrogênicos
papel preponderante na sua fisiopatologia.
O termo RSC engloba um grupo heterogêneo de doen-
---------------------
ças que acometem o nariz e os seios para nasais, abrangendo
Anormalidades anatômicas do septo nasal e/ou das es-
células e mediadores químicos que levam à formação de um
truturas do meato médio representadas pela presença de
processo inflamatório crônico. A estase de secreções, dimi-
concha média bolhosa, hipertrofia do processo uncinado e
nuindo a ventilação e exacerbando processos inflamatórios,
bolha etmoidal, concha média paradoxal e presença de cé-
eventualmente pode gerar um círculo vicioso e favorecer
lula de Haller podem provocar estreitamentos nos óstios de
a cronificação de um processo infeccioso. Além disso, na
drenagem dos seios, sendo consideradas fatores predispo-
maioria das vezes a RSC é entendida como uma doença mul-
nentes na origem de RS.
ti fatorial. Dentre os múltiplos fatores mais conhecidos no
A presença de corpos estranhos na cavidade nasal propi-
desenvolvimento da RSC, incluem-se doenças mucociliares,
infecção bacteriana, alergia respiratória e edema da mucosa cia a retenção de secreções e a infecção bacteriana secundá-
devido a causas não obstrutivas.6 ria. A suspeita de corpo estranho deve ocorrer na presença
A RSC pode ser classificada em RSCsPN (sem polipose de RS com secreção fétida unilateral em paciente com histó-
ria clínica compatível.'-'
nasal) e RSCcPN (com polipose nasal). Ainda não se sabe
se a RSCcPN é resultado de um conrinuum de rinossinusites Nos casos de barotrauma sinusal (p. ex., viagem de avião,
agudas recorrentes, que evoluem com a formação de pólipos mergulho), há acúmulo de sangue nos seios associado a pro-
nasais, ou se estes têm fisiopatogenias distintas e desenvol- cesso inflamatório decorrente da lesão de mucosa. 'Ilüs fato-
vem-se independentemente. res podem causar um quadro de RS bacteriana subsequente.
As mudanças histopatológicas da mucosa nasossinusal Pacientes com diagnóstico de discinesias ciliares primá-
na RSC caracterizam-se por alterações do epitélio pseudo- rias, como síndrome de Kartagener, ou pacientes com fibro-
estratificado colunar ciliado, que mostra hiperplasia de célu- se cística (FC) c viscosidade do muco aumentada apresen-
las caliciformes, perda dos cílios, metaplasia epitelial, edema tam quadros crônicos de RS.6
subepitelial, infiltrado celular mononuclear, espessamento RS e asma frequentemente coexistem, sendo que o Ira-
da membrana basal, hiperplasia de glândulas submucosas e lamento clínico e/ou cirúrgico da RSC diminui a necessida-
presença de fibrose. de de medicações para a asma,5 mas a fisiopatogenia dessa
inter-relação ainda precisa ser mais bem elucidada.
A influência do refluxo ácido na patogênese da RS bac-
teriana ainda é controversa, porém, devido à possibilidade
Fatores predisponentes e associados de causar diminuição da atividade ciliar, o refluxo também
A RS pode estar relacionada com múltiplos fatores locais deve ser considerado como um fator predisponente em po-
ou sistêmicos cujo reconhecimento é importante para tencial para a RS.8
o tratamento adequado e o controle da doença (QUADRO A presença de imunodeficiência congênita ou adquirida
70.2.2). pode favorecer a RSC, sendo que alguns estudos relatam
Os mecanismos pelos quais a infecção vira! predispõe à uma alta taxa de pacientes imunodeficientes com RSC de
infecção bacteriana estão relacionados com lesão do epitélio difícil tratamento. A imunodcficiência comum variável ocor-
nasal pelos vírus influenza e adenovírus, aumento de ade- re em 10% desses pacientes, enquanto a deficiência seleliva
rência de bactérias potencialmente patogênicas da rinofarin- de imunoglobulina A (IgA) ocorre em 6%. Alguns autores
ge, aumento na produção de histamina, bradicinina e várias observaram que a RS pode ser considerada uma das doenças
citocinas e efeito vira! supressor da função de neutrófilos, mais prevalentes em indivíduos com síndrome da imunode-
macrófagos e leucócitos. •.s.? ficiência adquirida (AIDS).
A rinite alérgica pode causar edema da mucosa nasal, Dentre os fatores ambientais mais frequentemente rela-
principalment.e ao redor dos óstios de drenagem, liberação cionados com a RSC, incluem-se tabagismo e baixa condição
de mediadores pelos mastócitos e exposição dos sítios de li- socioeconõmica. Não existem evidências científicas demons-
gação do Streptococcus pneu17U)niae pelos mediadores infla- trando que poluentes, como o ozônio, possam atuar como
matórios sccretados pelos cosinófilos. fatores de risco para o desenvolvimento da RSC.S.T
Bacteriologia é classicamente em peso, não pulsãtil e piora com a inclina-
ção da cabeça para a frente. Pode haver dor dentária referida
Na RSA, em adultos e crianças, os agentes etiológicos mrus na mastigação. A dor facial é um sintoma pouco frequente na
comuns, correspondendo a mais de 70% dos casos, são RSC e, quando presente, sugere um episódio de reagudização.
S. pneumoniae e Haemophilus injluenzae; os menos fre- Alterações olfatórias podem ocorrer, sobretudo pela
quentes são Mora.xe/la cata" halis, Staphylococcus aureus e presença de secreções patológicas, tanto nas infecções virais
Streptococcus beta-hemolítico. O tratamento antimkrobiano co mo nas bacterianas, que podem causar lesões d iretas no
deve, portanto, obri\atoriamente ser eficaz contra pneumo- e pitélio olfatório.8
3
coco e H. influenzae. O utros sintomas gerais e que podem variar individual-
O real papel das bactérias no desenvolvimento e na ma- mente incluem irritação faríngea, laríngea e traqueal, dor de
nutenção dos quadros crôrucos de RS ainda é muito contro- garganta, disfonia e tosse, mal-estar e febre.'
verso. Os mcrorganismos mais frequentemente isolados são A tosse é uma manifestação comum, sobretudo em
S. aureus (36% ), Staphylococcus coagulase-negativos (20%) crianças, e costuma ser improdutiva. Por vezes, pode ser o
e S. pneumoniae (17%). As culturas de mcato médio e seio único sintoma presente em casos de RSC. Apresenta pe-
maxilar apresentam os mesmos patógenos em 80% dos ca- rfodos de exacerbação à noite e está associada à rinorreia
sos. Alguns autores sugerem que, à medida que a cronicida- retronasal que provoca inflamação secundária da faringe.
de se desenvolve, as floras aeróbica e facultativa são substi- A tosse também pode decorrer da liberação de mediadores
tuídas por anaeróbios.s-' inflamatór ios na mucosa nasossinusal inflamada, q ue esti-
O bioffime bacteriano é uma estrutura tridimensional de mulam a mucosa traqueobrô nquica e os reflexos nasopu l-
bactérias agregadas que têm propriedades especiais de resis- monares.
tência aos antibióticos. Os sinais sugestivos de RS bacteriana estão apresentados
no QUADRO 70.2.3.
Na RS bacteriana, a rinoscopia anterior permite visua-
lizar edema e hiperema de conchas, além da presença de
Quadro clínico e diagnóstico secreção na região do meato médio ou nas fossas nasais.
Adicionalmente, a endoscopia nasal permjte examinar todas
Manifestações as porções da cavidade nasal e possibilita a análise da mu -
Assim como nos quadros agudos, o diagnóstico subjetivo de cosa nasal, identificando eritema, edema, pólipos, crostas,
RSC tem como base as manifestações. O principal diferen- sinéquias, cicatrizes, o aspecto do muco nasal e a presença
cial entre os quadros de rinossinusites agudas c crôrucas é em de mucopus ou secreção francamente purulenta em qual-
relação à duração das manifestações (mais de 12 semanas). quer parte da cavidade nasal ou rinofaringe. A endoscopia
Os sintomas mais frequentes na RS são: nasal é considerada um exame obrigatório na avaliação e no
tr atamento de pacientes com manifestações persistentes, re-
• Obstrução e congestão nasal correntes ou crônicos e, além de auxiliar no diagnóstico, a
• Rinorreia anterior e/ou posterior técnica permite a obtenção de material para exames bacte-
• Pressão ou dor facial o u cefaleia riológicos de forma não invasiva.
• Redução ou perda de olfato

A RS vira! é a mais frequente. Embora em alguns casos Exames de imagem


possa haver superinfecção bacteriana, raramente a RS já se • Estudo radiológico convencional de seios paranasais e
inicia como um quadro bacteriano. A suspeita de uma RS rinofaringe: é uma técruca cada vez menos utilizada. Nos
bacteriana após um quadro vira! deve ser considerada quan- casos agudos, a radiografia simples é dispensável visto
do as manifestações permanecem após 10 dias ou pioram
após cinco dias.• Porém, não existe qualquer sintoma especí-
fico para o diagnóstico etiológico diferencial entre infecções QUADRO 70.2.3 ~ Sinais mais sugestivos de rinossinu.site
virais e bacterianas dos seios paranasais. bacteriana
Obstrução nasal e congestão facial são sintomas inespec!fi-
cos, presentes em grande parte dos pacientes com rinossinusi- Edema periorbitário, sem hiperemia ou sinais infecciosos, que neste
tes agudas, sejam vitais ou bacterianas. Nos quadros crônicos, a caso levantariam suspeita de alguma complicação.
presença de obstrução e congestão nasal é bem menos comum,
mas, quando ocorre, está frequentemente associada a o utros Halitose, causada pela presença de secreções purulentas.
fatores, como desvios septajs, rinite alérgica, entre outros.
Dor à palpação facial correspondente à região dos seios (maxilar,
A presença de rinorreia nasal anterior ou posterior, com frontal e etrnoidal).
qualquer aspecto (aquosa, mucoide, mucopurulenta ou pu-
rulenta), é sugestiva de RS. É fundamental ressaltar que se- SeO'eçâo em região ~ meato médio ou nas fossas nasais.
creção purulenta também ocorre em infecções virais.3
A dor facial pode estar presente tanto nas rinossinusites Drenagem posterior ~ secreção mucopurulenta.
virrus quanto nas bacterianas, principalmente nas agudas. Nos
quadros vitais, pode ser difusa c intensa. Na RS bacteriana,
-------------------
Hiperemia da parede posterior da orofaringe.
que a história clínica e o exame físico otorrinolaringoló-
gico são suficientes; porém, quando solicitada, deve ser
Tratamento clínico
efetuada na posição ortostática. As radiografias simples Rinossinusite aguda
não são sensíveis o suficiente e o seu uso é bastante li- O tratamento antimicrobiano das RS geralmente é realizado
mitado no diagnóstico de RSC, por não avaliarem ade- de maneira empírica. Na RSA maxilar, a antibioticoterapia
quadamente o meato médio, o complexo ostiomeatal, o tem demonstrado bons resultados em casos moderados e
recesso frontal, n recesso esfenoetmoidal, assim como os graves, diminuindo a duração das manifestações.'"''Em pa-
dois terços superiores da cavidade nasal.8 cientes com RSA leve, previamente sadios, não há necessi-
• Tomografia computadorizada (TC): a TC de seios da dade do uso de antibióticos, sendo que as medidas terapêuti-
face é o exame de imagem de escolha e pode auxiliar cas gerais e coadjuvantes podem ser suficientes."'
tanto na confirmação do diagnóstico como para verifi- Os objetivos da antibioticoterapia na RSA são a erra-
cação da extensão da doença, além de fornecer particu-
dicação bacteriana local, a diminuição da duração das ma-
laridades sobre a anatomia. Está especialmente indicada nifestações, a prevenção de complicações e também uma
nos casos de difícil resposta ao tratamento clínico, nos 1
tentativa de impedir a cronificação do processo. Nas RSA
casos recorrentes ou crônicos, na vigência de complica-
bacterianas, a seleção do antibiótico deve ser baseada na
ções e para o planejamento cirúrgico. 'fradicionalmente,
gravidade da doença, na sua evolução e na exposição recen-
apenas cortes coronais e axiais são solicitados.6.8 Apesar
te à antibioticoterapia. Os pacientes são divididos em duas
de sua alta sensibilidade, a especificidade das alterações
categorias: pacientes com sintomas leves que não f12eram
observadas na TC e nos demais exames de imagem deve
uso de antibiótico nas últimas 4 a 6 semanas e pacientes com
ser interpretada com cautela.
sintomas leves mas que usaram antibiótico nas últimas 4 a 6
• Ressonância magnética (RM): a RM costuma ser re-
semanas ou com doença moderada-grave independentemen-
servada apenas para investigar casos com suspeita de
neoplasia em associação com a TC. Permite diferenciar te do uso prévio de antibiótico.'
A terapia inicial em adultos com doença leve, que te-
doença inflamatória infecciosa por bactérias ou vírus de
nham indicação de antibioticoterapia e que não fizeram uso
doença sinusal de origem fúngica.
de antibiótico nas últimas 4 a 6 semanas inclui amoxicili-
na, associação de amoxicilina e inibidores da betalactama-
Exames auxiliares se, cefalosporinas de segunda geração ( axetil cefuroxima,
A realização de vários outros exames tem sido sugerida para cefprozil, cefaclor). O sulfametoxazol-trimetoprim, a do-
auxiliar no diagnóstico etiológico da RSC, incluindo-se entre xiciclina e os macrolídeos (azitromicina, claritromicina ou
eles os exames de avaliação da função mucociliar (teste da sa- roxitromicina) estão indicados em pacientes alérgicos aos
carina, avaliação microscópica do batimento ciliar, dosagem de antibióticos betalactãmicos, porém alguns relatos apontam
óxido nítrico), os exames de avaliação da patência nasal (fluxo que pode ocorrer falha no tratamento em 20 a 25% dos ca-
inspiratório nasal, rinomanometria, rinometria acústica, rino- sos (QUADRO 70.2.4).1
estereometria), os exames de olfato, além de exames mais ines- Em adultos com doença leve mas que utilizaram antibió-
pecíficos, como a dosagem de proteína C-reativa.s.s.'o tico nas últimas 4 a 6 semanas ou em adultos com doença mo-

QUADRO 70.2.4 -7 Antibióticos na rinossinusite aguda

I'@iif!lüN1
Amoxicilina 1,5·4 g/dia a cada 8 ou 12 h 45·90 mg/lcg/dia

Amoxicilina + inibido r de betalactamase 1,5·4 g/250 mg/dia a cada 8 ou 12 h 45·90 mg/6,4 mg/lcg/dia

Cefalosporinas de segunda geração 500 mg-1 g/dia a cada 12 h 15-30 mg/lcg/dia

Macrolideos 500 mg/dia a cada 12 ou 24 h 10-15 mg/lcg/dia, 1 ou 2xfdia

Sulfametoxazol·trimetoprim 1.600 mg + 320 mg!dia a cada 12 h 30 mg/kg + 6 mg/lcg/dia

Doxiciclina 200 mg/dia a cada 12 h, primeiro dia; após, 100 mg a cada 24 h

Ceftriaxona 1 g/dia/5 dias a cada 24 h 50 mg/kg/dia/5 dias

Levofloxacina 500 mg/dia a cada 24 h Sem indicação para crianças

Moxifloxacina 400 mg/dia a cada 24 h Sem indicação para crianças

Gemifloxacina 320 mg a cada 24 h Sem indicação para crianças


derada-grave independentemente de terem ou não recebido O tempo de tratamento com antibióticos dependerá de
antibiótico, podem ser prescritos os seguintes antibióticos: outras medidas terapêuticas, incluindo tratamento cirúrgico,
altas doses de amoxicilina-clavulanato,... fluoroquinolonas mas em geral fica em tomo de 3 a 6 semanas.
respiratórias (levofloxacina, moxifloxacina' e gemifloxaci- Em pacientes imunocomprometidos (sobretudo nos
na), ceftriaxona {1 g/dia IM ou IV por cinco dias). A duração granulocitopênicos), em pacientes portadores de AIDS e
do tratamento recomendado é de 10 a 14 dias, dependendo em pacientes com FC, a possibilidade de infecções por baci-
da gravidade e evolução do quadro clínico.2·" los gram-negativos aeróbicos, especialmente Pseudomonas
aeruginosa, também deve ser considerada. A utilização de
uma cefalosporina com atividade antipseudomonas, como
Rinossinusite crônica a ceftazidima (1 -2 g IV a cada 8-12 h), ou uma quinolona,
Diferentemente dos quadros agudos, a eficácia dos antibióti- como a ciprofloxacina ( 400 mg a cada 12 h), associada ou
cos no tratamento da RSC é bem mais difícil de ser avaliada não a aminoglicosídeos, como a amicacina (15 mglkg/dia
devido a controvérsias de terminologia e mesmo de definição
IV ou IM a cada 8 h), na dependência da gravidade, é uma
do seu quadro clínico. Embora vários estudos tenham isolado
opção existente. Nas infecções hospitalares por S. aureus re-
microrganismos bacterianos na RS, até o presente momento, sistentes à oxacilina (0,5-2 g a cada 4-6 h), a vancomicina
não existe na literatura estudo randomizado e controlado so-
( 40-60 mglkg/dia IV a cada 6 h) deve ser considerada no
bre a eficácia do antibiótico no seu tratamento.
esquema terapêutico.
A terapêutica antimicrobiana nos casos crônicos é, em
geral, coadjuvante e, além de ser eficaz contra os micror-
ganismos aeróbios já previamente considerados, também Antibióticos por tempo prolongado
deve abranger bactérias anaeróbias estritas. Considerando Alguns trabalhos têm demonstrado que o uso de baixas
a maior prevalência de S. aureus e Staphylococcus coagula- doses de macrolídeos por longo tempo pode ser efetivo no
se-negativos nos quadros crônicos e a associação possível tratamento da RSC e que essa medida pode aumentar a fre-
com bactérias anaeróbias, a clindamicina ou a combinação quência dos movimentos ciliares e diminuir a virulência e o
de amoxicilina com clavulanato de potássio são uma boa dano tecidual causado pela colonização crônica bacteriana,
opção terapêutica para o tratamento da RSC. A utilização sem erradicar a bactériaY Não há, entretanto, até o momen-
do metronidazol associado a uma cefalosporina de primeira to, estudos controlados com placebo para determinar a real
geração (cefalexina) ou segunda geração (cefprozil, axetil eficácia dos macrolídeos e indicar se este tipo de tratamento
cefuroxima, cefaclor), ativas contra S. aureus, pode ser con- pode trazer benefícios para o paciente portador de RSC. O
siderada. As fluoroquinolonas respiratórias também podem tratamento com baixas doses de macrolídeos por tempo pro-
ser utilizadas na RSC em adultos. Em crianças, por uma longado deve ser considerado apenas em casos selecionados,
probabilidade maior da presença de H. influenzae resisten- na falha no tratamento com os corticoides.
te aos betalactâmicos e de pneumococos com mutações na
proteína receptora de penicilina, o uso de amoxicilina em
doses usuais (45 mglkg) deve ser evitado nos casos crônicos. Antibióticos orais na exacerbação aguda da rinossinusite
Portanto, a amoxicilina deve ser utilizada em doses maiores crônica
(90 mglkg/dia) e preferencialmente associada aos inibidores A adição do corticoide tópico ao antibiótico oral parece
de betalactamase (QUADRO 70.2.5).5 apresentar efeito positivo no tratamento da exacerbação

QUADRO 70.2.5 ~ Antibióticos na rinossinusite crônica

Amoxicilina + Clavulanato 1,5a4gfdia2ou3x 90 mgfkgfdia

Clindamicina 900 a 1.800 mgfdia 3x 1Oa 30 mgfkgfdia

Metronidazol + Cefalexina 1,2 + 1,5 gfdia 3x 15 mg + 25 a 50 mgfkgfdia


Metronidazol + Cefuroxima 1,2 + 500 mg a 1 gfdia 2x 15 mg + 25 a 30 mgfkgfdia
Metronidazol + Cefprozil 1,2 g + 500 mg a 1 gfdia 2x 15 mg + 15 mgfkgfdia
Moxifloxacina 400 mgfdia 1x

levofloxacina 500 mgfdia lx

Metronidazol = Cefalosporina de primeira ou segunda geração

Fonte: fol<llens ecol~boradores.'


aguda da RSC, porém não existe estudo controlado demons- tratamento por via oral do que por via tópica e principal-
trando a eficácia dos antibióticos isoladamente no tratamen- mente quando empregados em doses elevadas e por perío-
10
to da fase aguda da RSC. dos prolongados.5' 7

Antibióticos tópicos na exacerba~o aguda da Medicamentos coadjuvantes


rinossinusite crônica O tratamento das rinossinusites poderia ainda incluir ou-
Embora ainda um tema controverso, alguns estudos têm tras medidas terapêuticas para diminuir a intensidade e a
mostrado resultados promissores com o uso de antibióticos morbidade das manifestações e que poderiam ser indicadas
nos seios paranasais, através de nebulizações. 5·' segundo as necessidades e as limitações de cada paciente.
Existem vários medicamentos coadjuvantes bastante utiliza-
dos no tratamento da RSC, mas suas indicações baseiam-se
Corticoides
nos possíveis fatores etiológicos envolvidos. Classicamente,
Tanto o corticoide tópico quanto o sistêmico podem atuar na
em paralelo à antibioticoterapia, são usados corticoides e/
função eosinofílica, reduzindo a ativação e a viabilidade do
ou descongestionantes a curto prazo, além da lavagem nasal.
eosinófilo ou reduzindo a produção de citocinas na mucosa
Outros medicamentos e condutas ainda não apresentam evi-
nasal.
Estudos recentes têm demonstrado que a utilização tópi- dências substanciais de seus benefícios (QUADRO 70.2.6).
ca nasal desses medicamentos vem melhorando o prognósti-
co das doenças inflamatórias das vias aéreas superiores. Sua
ação é reconhecida na RSC e no tratamento pós-operatório. Tratamento cirúrgico
A mometasona e a fluticasona são os corticoides que apre-
sentam menor biodisponibilidade. A cirurgia geralmente é reservada para a RS que não res-
Corticoides orais (prednisona, prednisolona, dexame- pondeu ao tratamento médico conservador ou para a RS
tasona, betametasona, deflazacort) são utilizados, mas há associada a complicações. Os inúmeros fatores que influen-
pouca evidência na literatura sobre o beneficio do seu uso ciam o resultado cirúrgico encontram-se resumidos no QUA·
em RS. Os efeitos colaterais dos corticoides são motivo de ORO 70.2.7.
grande preocupação do médico e também dos pacientes, O efeito da cirurgia endoscópica nasossinusal sobre
especialmente naqueles com RSC que utilizem cursos mais o controle da asma ainda não está totalmente definido. A
frequentes ou prolongados. A supressão do eixo bipotálamo- maior parte dos estudos9' 13 demonstra efeitos benéficos na
-hipofisário, a osteoporose, o retardo do crescimento em asma, como redução da gravidade das manifestações, da
crianças, a catarata e o glaucoma são efeitos colaterais reco- freq uência das crises, do uso de medicamentos inalatórios e
nhecidos, além de outras contraindicações, como as doenças de corticoide oral e do número de internações. No entanto,
dispépticas, a hipertensão arterial sistêmica e o diabete. Os o nível de evidência é baixo. Quanto ao efeito da cirurgia
efeitos adversos dos corticoides são mais observados após sobre os sintomas nasossinusais, ainda não existe evidência

QUADRO 70.2.6 ~ Medicamentos coadjuvantes no tratamento da rinossinusite

Anti·histaminicos'* Profilaxia da RSA recorrente; RSC

Oescongestionantes tópicos e sistêmicos.. RSA e intermitente (utilizar por 3 a 5 dias)

Lavagem nasal com soluções salinas* RSA; profilaxia da RSA recorrente; RSC sem poli pose; RSC com poli pose; pós·operatório de
RSC (individualizar a indicação de soluções isotônica ou hipertônica; orientar adequadamente
se soluç.lo caseira; observar necessidade de hidrataç.lo ou higienizaç.lo)

Mucolfticos*' RSA, RSC (em idosos, discinesia ciliar)

Usados bacterianos'* Profilaxia de RS recorrente; RSC

Medicamentos fitote<ápicos•** RSA (não recomendadas plantas in natura)

Antagonista de leucotrienos** Profilaxia e p6s·operat6rio da RSC com polipose

lnibidores da bomba protônica*' RSC (associada a refluxo gastresofágico)

Terapias complementares: homeopatia, acupuntura Dados insuficientes para recomendação

Nível de evidência em literatura nacional e intetnacional: *, baixo; ... muito baixo; .... ausente.
QUADRO 70.2.7 7 Fatores que influenciam o resultado da cirurgia
nasossinusal
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tos revisionais.'• A cirurgia para o tratamento da RSC em 9. Ragab SM, Lund VJ, Seadding G. Evaluation ofthe medicai and
idosos com mrus de 65 anos está associada a maiores ris- surgicaltrcatment of ehronie rbinosinusitis: a prospectivc, randomi·
cos de complicações de acordo com algumas publicações, sed, c:ontrolled trial. Laryngosoope. 2004;114{5):923-30.
embora os resultados sejam semelhantes aos dos grupos 10. Smith TL, Batra PS, Sciden M>'l, Hannlcy M. Evidenoe suppor·
mais jovens. Portadores de FC muitas vezes apresentam ting endoscopie sinus surgery in tbe management of aduh ehron.ic
maior morbidade cirúrgica associada a maior prevalência rbinosinusitis: a systcmatie revicw. Am J Rhinol. 2005;19(6):537-43.
de coagulopatia e pneumopatia. A cirurgia endoscópica 11. Bbattaeharyya N. Oinieal outoomes after rcvision endosoopiesi-
nasossinusal associada ao uso tópico de antim icrobianos nus surgery. Arch Otolaryngol Head Neck Surg. 2004;130(8):975·8.
demonstrou ser efetiva para o tratamento da RSC e para a
prevenção das infecções pulmonares. Em pacientes soropo- 12. Richtsmcier WJ. 1bp 10 rcasons for endosoopic maxillary sinus
surgery failurc. Laryngosoopc. 2001;111(11 Pt1):1952-6.
sitivos para o vírus da imunodeficiôncia adquirida (HIV),
em tres séries de casos refratários ao tratamento médico, 13. 1bffel PH. Securc endosoopie sinus surgcry with partia! midd·
ficou sugerido efeito benéfico com a cirurgia sinusa.L Em le turbinatc modification: a 16-ycar long-term outcomc repor!
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medula óssea e em síndromes de imunodeficiência não ad- 2003;11(1):13-8.
quirida, os dados aturus são runda insuficientes para se ava- 14. SclivanOYa O, Kuchnemund M, Mano WJ, Amedee RG. Compa·
liar o papel da cirurgia sinusal.1.,15 rison of c:onventional instrumcnts and mcehanical dcbridcrs for sur-
A consistência dos resultados obtidos em um grande nú- geryof paticnts with chroniesinusitis. Am J Rhinol. 2003;17(4):197·
mero de pacientes sugere que em indivfduos seleGionados 202.
com RSC, com ou sem polipose, espera-se resultado benéfi- 15. Musy PY, Kountakis SE. Anatomic findings in paticnts un-
co da cirurgia nasossinusal, a qual representa uma modalida· dcrgoing rcvision cndoscopic sinus surgery. Am J Otolaryngol.
de terapêutica segura. 2004;25(6):418-22.
Paulo F. Guerreiro Cardoso
Mirna da Mota Machado
71
ldilio Zamin Junior
Rene Jacobsen Eilers

Disfagia orofaríngea [IJ ATENÇÃO


Os distúrbios de deglutição têm como denominador comum a
disfagia, definida como a deglutição anormal secundária a al- As anormalidades da deglutição são frequentes
terações na coordenação, obstrução ou fraqueza muscular. Os nos pacientes com doença pulmonar obstrutiva
termos "penetração" e "aspiração" reservam-se para a descri- crônica (DPOC). Um estudo prospectivo recente
ção dos diferentes graus de acometimento da proteção da via demonstrou que a maior prevalência de anormali·
aérea associados ao aro de comer e de beber.' dades do mecanismo de deglutição está relaciona·
A disfagia orofaríngea é uma alteração no mecanismo da da com o aumento de exacerbações da DPOC nos
deglutição determinada por obstáculos mecânicos intrínsecos pacientes.2
ou cxtrlnsccos e/ou distúrbios funcionais primários ou secun-
dários. A disfagia orofaríngea em geral ocorre em portadores
de doenças neurológicas e neuromusculares, mas pode tam-
Outro achado frequent.e é o de complicações respira-
bém ser secundária a compressão extrínseca do esôfago cer-
tórias (p. ex., síndromes aspirativas com pneumopatias de
vical, manipulação ci.rúrgica cervicofacial, trauma e após ra-
dioterapia para o tratamento de neoplasias. Dentre as causas repetição) secundárias à disfagia orofaríngea. As alterações
do reflexo da deglutição associam-se geralmente à aspiração
menos frequentes, incluem-se as doenças do esôfago caudal e
os distúrbios de natureza psicogênica. O QUADRO 71 .1 resume em pacientes com doenças neurológicas, neuromuseulares e
as principais causas e doenças envolvidas. na DPOC. A presença de aspiração sem reflexo de tosse é
A instalação da disfagia orofaríngea pode ser insidiosa, chamada de "aspiração silenciosa", representando interesse
começando com pequenos desconfortos que levam o paciente pneumológico devido às dificuldades inerentes ao seu diag-
a necessitar de adaptações gradativas da consistência dos ali- nóstico.
mentos. Quadros de alterações na voz e tosse pós·prandiais, D essa forma, o reconhecimento de alguns dos meca-
regurgitação nasal do alimento e escape de saliva pela boca nismos mais frequentes de disfagia orofaríngea e aspiração
comprometem não apenas o estado de saúde, mas também o associam-se às doenças respiratórias diagnosticadas pelo
aspecto social, causando impacto na qualidade de vida. Isso é pneumologista, devendo ser abordados e tratados de forma
particularmente importante no idoso, já que as alterações do multidisciplinar.
mecanismo da deglutição costumam decorrer de outras con- Esta seção tem por objetivo descrever brevemente as
dições mórbidas. Assim, deve-se estar atento para a possibili- bases anatômicas e fisiológicas da deglutição, bem como
dade de associação de causas nesta população. algumas das disfagias orofaríngeas e síndromes aspirativas
QUADRO 71 .1 ~ Causas frequentes de disfagia orofaríngea Outros mamíferos aquáticos como os cetáceos, ao longo de
sua evolução, terminaram por separar essas duas vias por
completo, fato este que permite a alimentação e a respiração
simultâneas.
Neurogênica central Acidentes cerebrova.S<:ulares A faringe constitui-se de um tubo musculomembranoso
Esderose lateral amiotr6fica com cerca de 12 em de comprimento no adulto, cujos limites
Esclerose múltipla anatômicos são, anteriormente, a cavidade nasal, cavidade
Poliomielite oral e complexo laringotraqueal; superiormente, a base do
Partdnson
crânio; e, posteriormente, a coluna cervical.
Neurogênica periférica Neuropatia diabética
A faringe contém quase duas dúuas de músculos, agru-
Neuropatia alcoólica pados de acordo com as zonas ou segmentos anatômicos. A
Trauma deglutição é um processo rápido e de coordenação comple-
Tumores xa, que compreende quatro fases distintas:' preparatória,
oral, faríngea e esofágica.
Miogênica (primAria/ Polimiosite No que se refere aos grupamentos musculares, são 31
secundária) Distrofia muscular oculofaríngea pares de músculos estriados envolvidos durante a fase pre-
Miastenia grave paratória e orofaríngea da deglutição. Thda a sequência da
Disfunção Barra cricofaringea deglutição leva cerca de 1 a 1,5 segundos (fase oral 0,5 s e
cricofaríngea Acalásia do cricofaríngeo fase faringea cerca de 0,7 s). Funcionalmente, divide-se a
Hipertonia fase faríngea em precoce e tardia. A fase precoce é sobre-
Divertículo de Zenker tudo propulsiva, enquanto a fase faríngea consiste no clare-
amento do bolo, obtido pelo relaxamento do esfíncter eso-
Disfunção iatrogênica Traqueostomia fágico superior concomitantemente à mobilização do bolo
lesão do nervo laríngeo pela contração dos músculos constritores médio e inferior
laringectomia
da faringe.
Radioterapia
Os eventos da deglutição ocorrem de maneira coorde-
Esofágica distai Refluxo gastresofágico nada, ao mesmo tempo em que são rápidos e dependem de
Globo faringeo controles neurais distintos e complexos. Em indivíduos nor-
Distúrbio motor primário (espasmo) mais, a deglutição interrompe a fase expiratória da respira-
ção, causando uma pausa de aproximadamente 1 segundo
Obstrução mecânica Estenoses antes do retomo da expiração na fase faríngea.5
·webs" Em condições normais de funcionamento e à seme-
Tumores (p. ex.. liomioma, carc.inoma)
lhança dos demais esfíncteres (anal, válvula ileocecal, es-
Osteófitos cervicais
fíncter de O ddi, etc.), o esfíncter esofágico superior está
Malformação vascular (p. ex., disfagia
lusória) normalmente contraído, relaxando-se somente aos co-
Tumores do medias tino
Sócios/tumores (tireoide)

Psicogênica Psicopatias, ansiedade


Transtornos da alimentação (p. ex.,
ruminação)

Fonte: Modificado de Ouraceau.)

de interesse pneumológico, suas causas e mecanismos, com


ênfase na disfunção da deglutição na DPOC e na sistemática
de avaliação.

Anatomia e fisiologia da deglutição


A deglutição normal compreende uma série de eventos que
ocorrem de forrna rápida, coordenada e eficiente. O bolo
alimentar trafega em sentido craniocaudal e através de um
fluxo cruzado com o da respiração desde a orofaringe até
o esôfago prox:imal (FIGURA 71.1). Thl particularidade ana-
tômica resulta da posição caudal da laringe, motivada pelo
desenvolvimento do aparelho fonador em nossa espécie, im- FIGURA 71 .1 ~ Fluxo cruzado do trajeto do bolo alimentar com a res·
pedindo que possamos respirar e deglutir simultaneamente. piração em sentido craniocaudal da orofaringe até o esôfago proximal.
mandos da deglutição, das eructações e do reflexo de vô- (AGURA 71.2). O rendimento do exame estático contrastado
mito. Falhas eventuais em seu mecanismo de coordenação pode ser melhorado com a adição de duplo contraste ( con-
c fechamento podem induzir à disfagia e, eventualmente, traste efervescente), que fornece mais detalhes anatômicos
à aspiração. da faringe e do esôfago.
A avaliação contrastada dinâmica é também denomi-
nada videodeglutograma. Deverá incluir a análise da mo-
Avaliação diagnóstica da disfagia tilidade da Ungua, palato mole, epiglote, valéculas, seios
Anamnese piriformes, pregas ariepiglóticas, laringe (incluindo pregas
A investigação diagnóstica inicia-se obrigatoriamente com vocais), superfícies farlngea lateral e posterior e o múscu-
uma detalhada história clínica, com ênfase no início e na lo cricofaríngeo. As anormalidades funcionais encontradas
evolução dos sintomas, concomitãncia com o agravamento são documentadas em vídeo, para que possam ser analisadas
de condições respiratórias preexistentes (p. ex., exacerbações posteriormente.
da asma, DPOC, pneumopat ias), coexistência de doença Dois aspectos são fundamentais na avaliação radiológica
neurológica/neuromuscular já diagnosticada e sintomas de quando se examina a função c disfunção da faringe. Primei-
refluxo gastresofágico (RGE). Queixas como o agravamento ro, deve-se observar como o bolo de bário é transportado no
dos sintomas de acordo com a consistência dos alimentos, interior da cavidade oral c faringe, especialmente a natureza
presença de tosse durante as refeições ou alterações da voz da retenção e penetração do bário. Segundo, deve-se avaliar
devem ser indagadas e valorizadas. a estrutura anatõmica. Neste contexto, o fechamento defei-
Os pacientes com sequelas de acidente vascular cerebral tuoso do vestíbulo da laringe é um achado importante, mesmo
(AVC) podem apresentar disfagia orofarlngea como única quando o bário não adentrao vestibulo da laringe. Os estágios
manifestação. Nesses casos, o comprometimento do núcleo estudados no videodeglutograma deverão incluir o estágio
ambíguo pode causar paralisia faríngea unilateral com inca- oral, o faríngeo e o faringocsofágieo. Neste último, a incapa-
pacidade de ingestão de líquidos com aspirações frequentes cidade do segmento faringoesofágieo de abrir-se é observa-
6
e pneumopatias. Demonstrou-se que vítimas de AVC com
subsequente disfagia possuíam uma incidência de infecções
pulmonares de repetição e mortalidade mais elevadas se
comparados aos pacientes sem disfagia. 1 Nos casos em que o
comprometimento da molllidade faríngea é bilateral, a dis-
fagia é severa tanto para líquidos como para sólidos, levando
à desnutrição rapidamente progressiva.

Radiografia simples cervical etorácica


Sua utilidade restringe-se à avaliação dos pacientes com
trauma, na suspeita de corpo estranho e de doenças ósse-
as da coluna cervical. Mostra a posição do osso hioide e a
espessura da camada muscular em frente aos corpos verte-
brais. Filmes em perfil permitem que se visualize a coluna
de ar da faringe. Em incidência frontal, a cavidade faríngea
pode ser aumentada pela manobra de Jonsson (expiração
forçada contra os lábios fechados) para facilitar a sua avalia-
o
ção. A visualização dos tecidos moles e do espaço pré-verte-
bral é melbor no final da inspiração.
: oegtutiç~õ
Radiografia contrastada
O exame deve ser feito nas incidências anteroposterior e de
perfil. Dentre os achados nos pacientes com disfagia oro-
farlngea, estão a retenção de contraste nas valéculas e nos
seios piriformes. A presença da barra cricofar(ngea pode
ser de importância diagnóstiea, pois corresponde a uma
endentação posterior do esôfago cervical proximal na to-
pografia do músculo cricofaríngco, geralmente relacionada
FIGURA 71 .2 ~ Pacientes com disfagia orofaringea e episódios de
com a presença de hipenonia local. É desejável que se re-
pneumonia aspirativa. (A) radiografia contrastada (faringoesofagogra-
alize um exame radiológico do tórax em duas incidências ma) revelando obstruçlo <10 nlvel da proj~o do músculo aicofarlngeo
logo após o exame, não somente para que se verifique a ("barra cricofaringea") com retençAo de contraste a montante e opacifi.
presença de infiltrados pulmonares precx.i stentes resultan- cação traqueat (aspiraçlo). (8) aspiração para o lobo inferiO< direito. (Q
tes de aspiração crônica, mas também para a localização esofagomanometria demonstrando a hipertonia do esfincter esofágíco
eventual do contraste aspirado durante o exame anterior superior com relaxamento alterado .\s deglutições.
da em doenças neurológicas. A endentação cricofaríngca é o O FESS constitui-se em método sensível para a detecção
achado mais importante e frequente, embora não seja a única precoce de aspiração. Lim c colaboradores* demonstraram,
disfunção motora a ocorrer no segmento faringoesofágico. em pacientes portadores de AVCs, que a combinação do teSte
de dcssaturação positivo (redução superior a 2% da satura-
ção de oxigênio durante a deglutição de 50 mL de água) c do
Tomografia computadorizada cervical FESS positivo para aspiração atingem, em conjunto, uma sen-
A tomografia computadorizada é um exame de grande va- sibilidade de 100% e especificidade de 70% para aspiração.
lia na avaliação da anatomia extraluminal e na detecção de
anormalidades do relevo mucoso da faringe, o qual é mais
bem estudado com bário. Lesões que envolvem os tecidos Esofagomanometria
perifarlngeos são mais bem caracterizadas pelo estudo dos A esofagomanometria possui importante papel nas disfunções
espaços que circundam a cavidade farfngea (espaços para- faringoesofágicas, apesar das dificuldades técnicas em sua
farfngeo, mastigador, retrofarfngeo e pré-vertebral). Uma avaliação, decorrentes da assimetria anatômica do conjunto
vez localizada a lesão e definido o conteúdo normal daquele de pressões que compõem o esfíncter esofágico superior, do
espaço ou compartimento, a lista das mais prováveis doen- tipo de cateter e do sistema utilizado para a aquisição dos da·
ças é geralmente limitada. A possibilidade de reconstru~s dos e da resposta muscular local proprioceptiva secundária à
multiplanares (quando a aquisição de imagens é realizada estimulação mecânica. O esfíncter esofágico superior perma·
em equipamentos mullislice) facilita muito a interpretação e nece tônico, relaxando-se durante as degluti~s. eructações
a conclusão diagnósticas. e vômitos. Demonstramos que medidas maiores c com menor
variabilidade são obtidas quando os cateteres perfundidos são
ovais e de diâmetro superior a 5 mm e quando as medidas são
Endoscopia lidas no aspecto posterior do csfincter esofágieo superior. 9 Os
A endoscopia digestiva alta convencional constitui-se em atuais microtransdutores de estado sólido (não perfundidos)
etapa obrigatória na maioria dos pacientes, pois a avaliação são muito utilizados por serem mais sensíveis e precisos.
morfológica da mucosa e de compressões extrínsecas ou in- Os métodos de avaliação funcional esofágica estão des-
tr[nsecas é mais bem realizada por este método. As dificulda- critos mais detalhadamente no Capítulo "Esofagomanome·
des técnicas são mais frequentes em portadores de grandes tria, pHmetria Esofágica".
bolsas diverticulares cricofarfngeas (divertículo de Zenker) e
de osteófitos gigantes da coluna cervical, e resumem-se à in-
trodução e progressão do aparelho, além do risco potencial Distúrbios da deglutição e doença pulmonar
de perfurações. A desvantagem da endoscopia digestiva alta obstrutiva crônica
nos distúrbios de deglutição é a sua incapacidade em estudar Os portadores de DPOC possuem exacerbações frequentes,
dinamicamente o mecanismo da deglutição. geralmente determinadas por hiper-reatividade brônquiea
A avaliação dinâmica é feita pelo estudo fibroendoseó- e/ou infecção. Outros fatores extrapulmonares vêm sendo
pico da deglutição (FESS, do inglês fiberoptic endoscopic investigados como adj uvantes, dentre os quais estão os dis-
swallowing study1 que pode ser realizado tanto com um túrbios da deglutição, cuja participação na evolução dos pa·
videolaringoseópio como com um videobroncofibroscópio cientes com DPOC é mais proeminente do que se acreditava
adulto ou pediátrico. A presença de fonoaudiólogo é indis- no passado.
pensável para a condução e interpretação do exame. Comparando os portadores de DPOCcom os indivíduos
O método i.nclui a passagem do aparelho através da na- normais, Gross e colaboradores'" observaram três alterações
rina e sua progressão até a nasofaringe, oom o paciente em básicas no mecanismo da deglutição que podem justificar
posição sentada e sem anestesia t.ópica, para que não haja in- esses achados: I) a frequência de deglutições durante as ins·
terferência nos testes de sensibilidade local. O exame consta pirações era maior; 2) a ingesta de alimentos semissólidos
da avaliação da anatomia e função do trato aerodigestivo e desencadeava um número significativamente maior de de-
avaliação funcional da laringe (anatomia, mobilidade, assi· gluti~s durante as inspirações; e 3) a frequência das de·
metrias, função das cordas voeais/epiglote durante degluti- glutições era maior nos portadores de DPOC com volume
ção de saliva e acúmulo de saliva nos seios piriformes). corrente menor.
A sensibilidade local é avaliada, uma vez que, em pa- Portanto, a coexistência de distúrbios de deglutição em
cientes portadores de sequelas neurológicas, o déficit sensi- portadores de DPOC, outrora vista como mera coincidência,
tivo possui papel importante na fisiopatologia da aspiração. vem sendo investigada sistematicamente, uma vez que parece
Finalmente, observa-se a laringofaringc enquanto o pacien- estar relacionada com a [requência de exacerbações apresen-
te deglute alimento sob forma pastosa (purê), ao qual se tadas por tais pacientes. Stcin e colaboradores11 mostraram,
pode adicionar corante para facilitar sua visualização c lo- há mais de duas décadas, a possibilidade da incoordcnação
calização nas zonas de acúmulo. Isso permite a averiguação farfngea-<:ricofarlngea, a qual chamaram de acalásia cricofa-
da existência de aspiração e do acúmulo de material nos ríngea, como um fator dcscncadeante dessas exacerbações. O
seios piriformes e nas valéculas. Em geral, adicionam-se conceito de incoordenação farfngca-cricofaríngca é o substra·
testes de rotação e flexão da cabeça para a verificação das to fisiopatológico de muitaS das disfunções da deglutição de
posições nas quais o paciente aspire com maior ou menor natureza neurológica e neuromuscular. Esse conceito aplica·
facilidade. do à DPOC é recente c ainda não está bem esclarecido no
que se refere aos seus mecanismos específicos. Não obstante, Como já foi dito, os pacientes com sequelas de AVC po-
sua participação tem sido considerada inequívoca em DPOC, dem apresentar disfagia orofaringea como única manifes-
sobretudo no tocante às exacerbações. tação, cuja intensidade é variável. Nessas situações, o com-
Em indivíduos normais, o padrão "expiração-deglutição- prometimento do núcleo ambíguo pode provocar paralisia
-expiração" é o mais encontrado. 5 Esse padrão sofre modifica- faríngea unilateral com incapacidade típica de ingestão de
ções profundas nos portadores de doenças respiratórias crôni- líquidos, aspirações frequentes e pneumopatias.6 Foi de-
cas, nos quais o aumento da pressão negativa nas inspirações monstrado que os pacientes com disfagia como sequela de
se constitui em risco maior de aspiração. Quando associado à AVC apresentavam incidência de infeoções pulmonares de
perda de coordenação da musculatura faríngea, a deglutição repetição e mortalidade elevadas quando comparados com
passa a interromper a fase inspiratória da respiração. Obser- os pacientes sem disfagia.' Já quando o comprometimento
vando portadores de DPOC com exacerbações frequentes, da motilidade faríngea é bilateral, a disfagia costuma ser
Shaker e oolaboradores12 descreveram que, após uma deglu- severa tanto para líquidos quanto para sólidos, provocando
tição, a respiração retoma em geral na fase inspiratória, fato desnutrição rapidamente progressiva. A esofagomanometria
este que reoonhecidamente atua como facilitador da aspiração. pode ser de valor diagnóstico nesta situação, uma vez que é
As alterações do reflexo da deglutição nas exacerbações capaz de detectar a incoordenação faríngea-cricofaríngea e
da DPOC também foram investigadas por Kobayashi e co- documentá-la graficamente (FIGURA 71 .3).
laboradores.':t.14 Esses autores concluíram haver prolonga- A prevalência de aspiração silenciosa (desacompanhada
mento no tempo de latência do reflexo de deglutição nos de reflexo de tosse) é muito importante, como mostrado em
exacerbadores em comparação aos pacientes que não exa- estudo retrospectivo de 2.000 videofluoroscopias, que reve-
cerbavam, sendo que tal fator de risco não havia sido cogi- lou aspiração silenciosa em 55% dos pacientes que apresen-
tado até então. Mais recentemente, Thrada e colaboradores2 tavam aspiração, sendo mais frequente nos portadores de
confirmaram os achados de Kobayashi e colaboradores, ·~-" pneumonia, com sequelas de AVC, demência, Alzheimer e
sugerindo que medidas terapêuticas fonoaudiológicas dirigi- DPOC.'8
das para o reflexo de deglutição seriam importantes nos pa-
cientes portadores de DPOC com exacerbações frequentes,
no intuito de melhorar o seu desempenho clínico.
Doença de Parkinson
Outro fator a se considerar nos indivíduos que apresen- Os pacientes com doença de Parkinson despertam interes-
tam exacerbações frequentes refere-se à coparticipação do se pneumológico devido ao risco de aspiração e pneumo-
RGE. A possibilidade de coexistência de RGE com os dis- nia, causados pela disfagia orofaríngea. Demonstrou-se
túrbios da motilidade cricofaríngea já havia sido proposta que, mesmo na presença de tratamento clínico adequado,
por Belsey 15 em 1960, tendo sido revista nos anos de 1990.11 adicionado de manobras de posicionamento da cabeça e
Na atualidade, a interação entre RGE e doença respira- espessamento de líquidos durante a deglutição, a incidência
tória é uma realidade clínica, sendo abordada em mais deta- de pneumonia aspirativa é de 11%, podendo elevar-se para
lhe no final deste capítulo. 40% quando houver associação com demência senil, sendo
este um fator preditivo de mortalidade. '9•20

Outras causas de disfagia orofaríngea com Doenças musculares e neuromusculares


manifestações respiratórias Dentre as doenças musculares, a que promove acometi-
Seque/a de acidente vascular cerebral mento mais severo e inexoravelmente progressivo é a dis-
A disfagia orofaríngea após AVC é frequente, podendo trofia muscular oculofaríngea. Rara em nosso meio, é uma
ocorrer entre 20 e 65% dos casos, dependendo do critério doença hereditária de caráter autossômico dominante com
diagnóstico utilizado. Cerca de metade dos pacientes estu- predomínio geográfico no leste do Canadá. Os pacientes
dados com videodeglutografia apresentam alguma disfun- apresentam acometimento da musculatura ocular extrín-
ção do mecanismo da deglutição, sendo que, destes, mais seca e faríngea concomitante, lentamente progressivo,
de 30% aspiram e 3,8% morrem em decorrência dessa oom- causando ptose palpebral e severa disfagia e aspirações
16
plicação. A presença de disfagia tem sido considerada um frequentes.
fator de mau prognóstico após AVC, uma vez que aumenta A evolução do quadro clínico pode determinar desnutri-
o risoo de infeoções respiratórias por aspiração, causa desnu- ção progressiva e pneumopatias em mais de 25% dos casos.J
trição, aumenta o número de hospitalizações e relaciona-se A disfagia pode ser amenizada e as aspirações resolvidas
com mortalidade.'' com a miotomia cirúrgica do músculo cricofaríngeo. 21 Em
O agravamento dos sintomas de acordo com consistên- casos extremos de aspiração intratável, a separação ou a de-
cia dos alimentos, presença de tosse durante as refeições rivação laríngea pode ser a solução definitiva.
ou alterações da voz deve ser investigado. Por outro lado, Esses procedimentos cirúrgicos foram propostos em 1975,22
demonstrou-se que a tosse durante a deglutição de líquidos e suas indicações e técnica foram aprimoradas por Eisele e co-
é o melhor fator preditivo de aspiração após AVC. A gravi- laboradores.23 A separação laringea oonstitui-se em secção ci-
dade e as características da síndrome aspirativa dependerão rúrgica transversa da traqueia ao nivel do segundo anel, oom
da extensão e localização do acometimento cerebral pelo fechamento da traqueia proximal e traqueostomia terminal. A
evento isquêmico. derivação laringea inclui o mesmo procedimento da separação,
FIGURA 71.3 -+ Paciente com sequela de acidente vascular cerebral e pneumonia aspirativa de repetição. (A) esofagografia demonstrando aspiração
do contraste para o lobo médio. (B) esofagomanometria do segmento faringoesofágico mostrando o perfil manométrico frequentemente encontra·
do nestes casos, ou seja, a assincronia entre a contração fanngea e o relaxamento do esfíncter esofágico superior, onde o zênite da onda faríngea
precede o relaxamento do esfíncter, facilitando a aspiração.

porém com anastomose terminolateral da traqueia proximal ção inicial é a sensação descrita como o "trancar súbito da
com o esôfago e traqueostomia dista! (FIGURA 71 .4). deglutição", seguido ou não de regurgitação do alimento.
Outra doença neuromuscular com comprometimento This manifestações são caracteristicamente agravadas pela
frequente da deglutição é a miastenia grave, na qual a dis- tensão emocional, fato este que, no passado, sugeria a pos·
fagia decorre do acometimento bulbar e da musculatura sibilidade de etiologia neuropsíquica para a entidade, a qual
mastigatória, seguido da faringe e, finalmente, por distúrbio não foi confirmada. lA
motor esofágico inespecífico. Tais pacientes exibem fatiga- Os pacientes portadores de divertículo de pulsão cricofa·
bilidade da musculatura mastigatória e retenção de alimen· ríngeo (Zenker) (FIGURA 71 .5) são geralmente idosos,:!.S com
to na faringe, o que causa tosse e aspirações frequentes. A sintomas que se iniciam com disfagia orofar íngea. Com o
disfagia pode melhorar com anticolinesterásicos, corticoides aumento do diâmetro da bolsa diverticular, observa-se pro-
e/ou tratamento cirúrgico da doença básica. gressão para regurgitações de alimento não digerido e pneu·
mopatia aspirativa em até 65% dos casos.26
A história pregressa de cirurgia na região cervical com
Disfunção motora do músculo cricofaríngeo
subsequente disfagia é achado frequente dentre pacientes
Nos casos de disfunção idiopática do músculo cricofaríngeo,
acometidos de disfunção faringoesofágica. Nos pacientes
a disfagia é sempre cervical e de início insidioso. As regur-
traqueostomizados, a causa habitual de disfagia é a fixa-
gitações por via oral ou nasal são frequentes, e a manifesta-

FIGURA 71.4-+ (A) desenho esquemático da derivação larlngea,u.n


realizada em paciente portador de distrofia muscular oculofaríngea
com aspiração intratável. (B) faringoesofagograma no pós-operatório
recente, revelando o desvio do contraste aspirado pela laringe-traqueia FIGURA 71.5 -+ Paciente de 62 anos com história de disfagia cervical e
proximal de volta para o esôfago através da anastomose traqueoeso· tosse crônica há três anos. Durante pesquisa de refluxo gastresofágico,
fágica (setas). a esofagografia revelou a presença de um divertículo de Zenker (seta).
çáo da pele à traqueia, cuja interferência no mecanismo fágico difuso) não raro têm seus sintomas negligenciados e
da deglutição decorre da oposição causada pela cicatriz tratados com ansiolíticos. No caso dos portadores de globo
ao deslocamento livre do eixo laringo-hióideo em sentido faríngeo, a simples documentação do RGE patológico com
craniocaudal. Um mecanismo análogo de limitação da ex- pHmetria de 24 horas e o tratamento com antiácidos podem
cursão faríngea ocorre em pacientes submetidos à radiote- por fim à aflição do paciente.
rapia cervical. O relato de disfonia secundária à paralisia do Por outro lado, quando a queixa de disfagia não apre-
nervo larfngeo recorrente, quer seja idiopática ou pós-ci- senta fundamentação nas provas diagnósticas, a ansiedade
rúrgica, pode cursar com disfunção faringoesofágica, cujo deve ser considerada. Um estudo em pacientes com disfagia
mecanismo causador da disfagia parece estar relacionado psícogênica revelou ser a ansiedade um achado usual e que
com a redução dos impulsos excitatórios para o músculo esses indivíduos em geral não apresentam transtornos da alí-
cricofaríngeo. 27 O conjunto dessas alterações favorece as mentaçáo.:lf
aspirações e pneumopatias. Dentre os transtornos alimentares, a ruminação é a que
desperta maior interesse: ela é definida como a regurgita-
ção de material recentemente ingerido de volta para a cavi-
Disfagia faringoesofágica associada a refluxo
dade oral, sendo remastigado e mais uma vez deglutido, de
gastresofágico forma voluntária e desacompanhada de náuseas. BernardJ1
Pacientes com queixas sugestivas de RGE também podem exi- descreveu a possibilidade de aspiração há mais de 50 anos,
bir disfagia cervical. O mecanismo pode estar relacionado com mas sua real incidência é desconhecida. O diagnóstico exi-
o aumento do tônus do esfinctcr csofágico superior, de natu- ge avaliação clínica cuidadosa, já que os exames podem ser
reza reflexa, quando há exposição do esôfago ao ácido gástrico interpretados como RGE apenas (FIGURA 71 .6). A "rumina-
28
reflufdo, cuja mediação vagai tem sido sugerida. O mecanis- ção dispéptica" é a mais frequente, cursando com sintomas
mo pode ser aplicável aos pacientes com globo farfngeo, uma como plenitude gástrica, eructações e dor epigástrica, razão
vez que se demonstrou que 52% deles apresentam RGE pato- pela qual tais pacientes são encaminhados para avaliação
16gico.29 A presença de disttírbio motor esofágico primário (p. funcional esofágica. A possibilidade de ruminação deve ser
ex., acalásia do cárdia, espasmo difuso, esôfago em "quebra- considerada quando o paciente apresenta agravamento de
-nozes") pode cursar com disfagia rctrocstcrnal c cervical. sintomas respiratórios preexistentes concomitantemente ao
desenvolvimento da doença do RGE com perfil psicopatoló-
Obstáculos mecânicos gico compatível com transtorno alimentar.
Com exceção das neoplasias do esôfago, cujo interesse trans-
cende os objetivos deste capítulo, os demais obstáculos ao
trânsito esofágico de natureza intrínseca ou extrínseca po- Refluxo gastresofágico e manifestações
dem cursar com disfunção faringoesofágica e cuja natureza é
obstrutiva, não havendo disttírbio motor subjacente. Existem respiratórias
duas situações que despertam interesse: os osteófitos cervi-
A doença do refluxo gastresofágico (DRGE) caracteriza-se
cais gigantes e a disfagia lusória. como uma afecção crõnica decorrente do Ouxo retrógrado
Os osteófitos cervicais que causam compressão extrínse- do conteúdo gastroduodenal para o esôfago e órgãos adja-
ca do esôfago cervical ocorrem em pacientes idosos com dis-
centes, como boca, laringe e árvore brônquica, acarretando
fagia, portadores de artrose cervicodorsal e cifose. Embora o
um espectro variável de sinais e sintomas esofágicos e/ou ex-
diagnóstico seja de exclusão, a suspeita di agnóstica deve ser traesofágicos, associados ou não a lesões teciduais. Confor-
feita e a investigação orientada neste sentido. me suas manifestações clinicas, a DRGE pode se apresentar
A disfagia lusória é uma anomalia vascular, na qual o
por sintomas típicos (p. ex., pirose e regurgitação), atípicos
obstáculo mecânico é causado por malformação do arco aór-
(p. ex., extraesofágicos), ou ainda sob a forma de complica-
tíco com a artéria subclávia direita emergindo à esquerda. O
ções (p. ex., wceras, estenoses e esôfago de Barrett).
vaso cruza o mediastíno posteriormente à traqueia ou, mais
As manifestações atípicas da DRGE compreendem uma
comumente, ao esôfago até chegar ao seu destino, na região
gama de sinais e sintomas que podem incluir dor torácica
cervical direita. Não há consenso sobre a real incidência de
não cardiogênica, asma, tosse crônica, laringite, disfonia, fa-
disfagia nestes casos, posto que a maioria dos portadores é
ringite posterior, sensação de globo faríngeo, sinusite, ero-
assintomática. Estudos radiológicos e manométricos podem
são do esmalte dentário, pneumonias de repetição, entre ou-
esclarecer o diagnóstico com segurança.
tros.l2 Dessas manifestações atípicas ou extraesofágicas, as
respiratórias situam-se entre as mais frequentes, represen-
Distúrbios psicossomáticos tando um dilema diagnóstico, uma vez que podem se apre-
Os distiÍrbios psicogênicos que cursam com disfagia repre- sentar desacompanhadas de sintomas digestivos de refluxo.
sentam um desafio diagnóstico. Na prática clínica, observa- A prevalência das manifestações respiratórias relaciona-
-se que muitos dos pacientes cujos sintomas são rotulados das com o RGE variam conforme o método de avaliação e
de psicogênicos, em realidade, possuem substrato fisiopato- o referencial estudado. Por exemplo, as manifestações mais
lógico quando submetidos a uma avaliação diagnóstíca sis- encontradas em estudo observacional utilizando apenas
tematizada. Os portadores de distúrbios motores primários questionários e endoscopia digestiva alta revelaram a pre-
(p. ex., acalásía, esôfago em "quebra-nozes" e espasmo eso- sença de faringite crônica (50%), bronquite crônica (15%),
pH8.5
8,0
7,5
7.0
6,5
6,0
5.5
s.o
4,5
4,0
3,5
J ,O FIGURA 71 .6 -+ Paciente asmática de 25 anos de idade, enca·
2,5 minhada para pHmetria de 24 horas com queixa de dispepsia e
2.0 agravamento da asma. O traçado gr~fico r~ou grande número
1,5
1,0 de episódios de refluxo de curta duração exdusivamente durante
0.5 o periodo diumo e mais frequentes nos perlodos p6s-prandiais.
o,o.,___ _...___ _...___ _...___ _...___ _L _ _ - - - ' A sugestão diagnóstica de ruminação dispéptica foi confirmada
11:00 19:00 03:00 11:00 mais tarde pela história clínica e pela avaliação psiquiátrica.

asma (12% ), pneumopatias de repetição (3%) e apoeia obs- tomo de 6 a 10% dos casos,39 atingindo 21% quando da in-
trutiva do sono (2,7%)." A adição de outros métodos de in- corporação da pHmetria esofágica ambulatorial de 24 horas
0
vestigação pode levar a um aumento substancial destes per- na investigação.' No Brasil, em fins da década de 1990, um
centuais. Assim sendo, o refinamento da investigação com a estudo prospectivo com 78 pacientes não fumantes portado-
introdução de novos métodos, tanto morfológicos (p.ex., ra- res de tosse crônica revelou que 41% apresentavam RGE
diologia, endoscopia) quanto fisiológicos (p. ex., esofagoma- ácido patológico à pHmetria."
nometria, pHmetria convencional e impedâncio-pHmetria,
cintilografia), resulta em investigação sistemática mais ade-
Laringopatias
quada desses pacientes. A despeito de tais esforços, em mais
de um terço desses indivíduos a associação entre manifes- A "laringite de refluxo" compreende o conjunto de achados
tações respiratórias e RGE passa despercebida por longos clínicos e endoseópicos, sendo o mais comum a laringite pos-
períodos, até que a suspeição diagnóstica seja feita, quando terior (AGURA 71 .7). Ocorre em adultos de todas as idades,
já se observa a cronificação das manifestações ou o apareci- tendo sido observada com maior frequência nos profissio-
mento de complicações. nais de voz, nos quais o impacto dos sintomas na atividade
Esta seção do presente capítulo tem por objetivo abor- profissional finda por levã-los a procurar auxilio médico.
2
dar o binômio doença respiratória e refluxo, com ênfase em Sataloff e colaboradores' relataram uma incidência de 45%
prevalência, fisiopatologia, aspectos clínicos relevantes e de laringite de refluxo dentre 583 profissionais da voz ava-
métodos diagnósticos. liados, enquanto outros autores descreveram a presença de
RGE patológico em até 78% dos portadores de rouquidão
crônica. Em estudo clínico de 225 pacientes portadores de
Prevalência de refluxo gastresofágico nas sintomas ou doenças laríngeas, Koufman') relatou que ape-
manifestações respiratórias
Asma
A prevalência de RGE oscila entre 33 e 90% na população
de adultos e entre 47 e 64% nas crianças.34 Nos indivíduos
asmáticos, a prevalência de RG E patológico situa-se entre
30 e 80%. Essa grande variabilidade se deve à inclusão de
casos de asma de diferentes graus de severidade e variações
entre os critérios de normalidade da pHmetria, diferentes
dos estipulados por DeMeester.J.S.» O efeito somatório des-
ses fatores finda por subestimar a associação entre asma e
DRGE. Uma revisão sistemática dos estudos de prevalência
de DRGE em asma revelou uma razão de chances (odds ra-
tio) de 2,26 para a presença de asma em pacientes portado-
res de DRGE. Quando os pacientes asmáticos apresentavam
sintomas de refluxo, essa razão chegou a 5,5. 37
FIGURA 71 .7-+ Paciente portador de pirose e tosse crônica com dis-
Tosse cr6nica fonia matinal frequente. A laringoscopia revelou laringite posterior ca-
A associação de DRGE e tosse crônica pode chegar até a racterística do refluxo gastresofágico. Nota-se eden~a e hiperemia das
40%.li Na década de 1980, essa prevalência situava-se em aritenoides (setas).
nas 43% dos pacientes apresentavam sintomas de RGE e, de doença respiratória, uma vez que as alterações de rea-
no entanto, 62% dos pacientes apresentavam pHmetria eso- tividade e inflamação brônquieas são detectáveis e quan·
fágica anormal, sendo que 30% demonstraram episódios de tifieáveis.
refluxo que atingiam a faringe. Embora a prevalência real de A teoria da aspiração, denominada "mecanismo de re-
sintomas laringeos devidos ao RGE não seja conhecida em fluxo", é respaldada em observações de que a infusão in·
fu nção das dificuldades inerentes ao seu diagnóstico, estima- tratraqueal de ácido em animais produz broncoconstrição.
·Se que seja maior do que aparenta, apontando para a neces- Kahrilas e colaboradores'~ mostraram que, em condições
sidade de avaliação prospectiva desses pacientes. normais, o esfrncter esofágico superior reduz seu tônus fi.
siologicamente de 40 mmHg para 8 mmHg durante o sono,
fato que pode facilitar a aspiração de material refluído do
Doença pulmonar obstnrtiva aônica estômago para o esófago. Descreveu-se também o achado de
A correlação entre DPOC e DRGE tem sido extensamente partículas alimentares nos pulmões de pacientes asmáticos,
investigada. Um estudo longitudinal investigou o risco rela- sugerindo a possibilidade de aspiração como mecanismo ad·
tivo de DRGE em pacientes com DPOC e mostrou que, em juvante da manifestação respiratória."'
pacientes com diagnóstico de DPOC, o risco de DRGE é Esse mecanismo ganhou reconhecimento na população
maior do que em pacientes sem DPOC." O mesmo estudo pediátrica, onde o binômio refluxo-aspiração é um problema
também concluiu que a presença de DPOC predispõe o seu clinico usual. Um estudo com crianças bronqultieas, avalia-
portador à DRGE, e não o contrário. Outro estudo mais re· das por esofagomanometria e cioerradiografia, evidenciou
cente revelou que indivíduos com DPOC têm uma chance RGE patológico em 60% dos casos.s' Euler e colaborado·
2,1 vezes maior de apresentar DRGE, e esses pacientes pos- ress2 utilizaram a pHmetria de 24 horas como recurso diag·
suem o dobro da probabilidade de apresentarem exacerba· nóstico na investigação, tendo detectado 63% de RGE em
ções da DPOC em relação aos demais.<.! A despeito da corre- crianças portadoras de asma e pneumopatias de repetição.
lação causa-efeito aparentemente inequívoca, o tratamento Em adultos, um estudo utilizando pHmetria intratraqueal
da DRGE não parece altera.r a evolução da DPOC. simultânea com pHmetria esofágica de 24 horas demonstrou
que, nos portadores de asma e RGE sintomático, quando o
eletrodo iotratraqueal detectava acidificação, ocorria uma
Doença pulmonar avançada e doença intersticial queda concomitante de 84% no pico do fluxo, comparada a
Nas doenças pulmonares avançadas e em estágio terminal, uma redução de apenas 8% naqueles em que não se detecta-
a prevalência de RGE também tem sido averiguada. Em um ra declínio do pH intratraqueal.n
grupo de 78 pacientes candidatos a transplante pulmonar, os
O outro mecanismo, chamado de "mecanismo reflexo",
sintomas típicos de RGE foram encontrados em 63% dos ca- refere-se ao reflexo vagai esõfago-brônquico determinan-
sos. Nesse mesmo estudo, a avaliação funcional esofágica re- do broncoconstrição e refluxo, resultando em aumento da
velou hipotonia do esfíncter esofágico inferior em 72% dos reatividade brõnquica. Estudos clínicos-"·ss e em animais56
casos e dismotilidade do corpo esofágico em um terço dos demonstraram a broncoconstrição como resposta à aeidi·
46
pacientes. Os pacientes portadores de fibrose pulmonar ficação do esôfago distai. Outro estudo clinico utilizando
idiopática também apresentam uma correlação positiva com a pHmetria esofágica57 revelou uma frequência de 44% de
RGE. Demonstramos, recentemente, em estudo prospectivo asma em pacientes com RGE no esôfago distai.
que a prevalência de DRGE foi de 35,7% neste grupo de É interessante observar que, segundo dados da literatu·
pacientes. 41 ra, a DRGE pode ser encontrada em 30 a 80% dos pacien-
No que tange às doenças intersticiais, a associação en- tes portadores de asma, mas, por outro lado, pacientes com
tre esclerodermia e doença iotersticial pulmonar possui esofagite são mais propensos a apresentarem asma do que
interesse, uma vez que a incidência de comprometimento pacientes sem esofagite.ss Assim, a asma brônquica pode ser,
pulmonar nesses casos oscila entre 50 e 86% dos casos..- A por si própria, um fator desencadeante do refluxo. Para esta,
DRGE é muito frequente em tais pacientes, pois a escle· três fatores foram propostos: 1) a hiperinsuflação pulmonar
rodermia causa hipotonia do esfíncter esofágico inferior e contribui para a disfunção diafragrnátiea; 2) a broncoconstri-
hipomotilidade do esôfago devido ao comprometimento da ção determina um aumento da pressão pleural negativa, al·
musculatura lisa. terando o gradiente de pressão toracoabdominal; e 3) o uso
frequente de broncodilatadores pode diminuir a pressão do
38
esfincter esofágico inferior.
Fisiopatologia A associação entre asma e refluxo tem sido investigada
Asma e refluxo gastresofágico também pelo prisma terapêutico. O tratamento do refluxo
A primeira correlação entre asma e RGE foi feita possivel- em asmáticos tem se relacionado com a melhora da asma
mente por Heberden em 1802, observando alterações na res- sem impacto sigoiiieativo na função pulmonar.59 Harding e
piração de alguns pacientes após as refeições. Mais tarde, colaboradores"' mostraram que o tratamento do RGE com
Wüliam Osler descreveu os "paroxismos de asma induzidos bloqueador de bomba protônica melhorou os sintomas e a
pela distensão gástrica causada por certos alimentos". função pulmonar em 73% dos tratados por três meses. Em
A asma há muito tem sido utilizada como modelo de nosso meio, empreendemos um estudo prospectivo, rando-
estudo sobre os mecanismos fisiopatológicos que envol- mizado, placebo controlado e duplo<ego com o tratamento
vem o RGE, seja como adjuvante ou como causa primária de pacientes asmáticos portadores de RGE patológico doeu·
mentado por pHmetria. Observamos que os pacientes que Manifestaçõesdínicas frequentes e sua associação com
receberam pantoprazol (40 mg/dia por três meses) apresen· refluxo gastresofágico
taram melhora significativa da qualidade de vida e do índice As queixas digestivas de pacientes asmáticos com sintomas
de manifestações sem, no entanto, haver alteração significa- de DRGE associada são geralmente as mesmas daqueles
tiva dos parâmetros funcionais respiratórios.'' com RGE isolado: pirose, regurgitação e disfagia.
A DRGE dita silenciosa é aquela desacompanhada de
Tosse e manifestações laringeas do refluxo sintomas digestivos. Esta é particularmente importante nos
gastresofágico asmáticos, sobretudo nos de dificil controle. Nesses casos, a
suspeição diagnóstica de DRGE subjacente à asma deve ser
À semelhança da asma, a tosse pode ser causada pela
aventada sempre nas seguintes situações: presença de asma
DRGE por dois mecanismos: a presença de ácido reflui·
em indivíduo que apresenta tosse noturna; na crise asmáti·
do para o esôfago distai estimulando o reflexo de tosse por
ca desencadeada frequentemente após ltbação alimentar ou
mediação vagai; e a micro ou rnacroaspiração direta do
alcoólica; na presença de asma relacionada com decúbito;
conteúdo esofãgico para a laringe e árvore traqueobrôn·
nas instâncias em que a asma não é responsiva à terapia con·
quica. Este último caso pode ser responsável por 10 a 15%
vencional com broncodilatadores ou esteroides; quando a
dos casos de tosse crônica inexplicada. Isso resulta da aspi·
primeira manifestação da asma ocorre já na idade adulta.
ração de pequenos volumes de material reflufdo, produrin·
Na presença de infecção respiratória de repetição asso-
do inflamação da mucosa laríngea, com ou sem inflamação
ciada a sinusopatia crônica de difícil resolução e rceidivan·
brônquica. A injúria da mucosa leva à tosse e disfonia nes-
te, a despeito de tratamento clínico adequado ou cirúrgico,
ses pacientes, podendo ser desacompanhadas dos sintomas deve-se averiguar a possibilidade de RGE associado. Geral·
clássicos de DRGE.38.57 mente a sinusopatia vem associada a outras manifestações
As causas mais comuns de tosse crônica são gotejamento respiratórias, como asma, tosse crônica e pneumopatia de
pós-nasal, asma e DRGE. Dado o caráter multifatorial da repetição (FIGURA 71 .8}. Em estudo retrospectivo realizado
tosse, para urna investigação mais assertiva, utilizam-se cri- no Laboratório de Motilidade Digestiva da Santa Casa de
térios para predizer a origem gastrintestinal da tosse, como Porto Alegre com 622 pacientes submetidos a avaliação Cun·
pacientes não fumantes, que não fazem uso de medicações cional esofágjca com esofagomanometria e pHmetria de 24
bloqueadores da eorima de conversão do angjotensinogênio, horas, a pHmetria foi considerada anormal em 38% dos ca-
com radiografia de tórax normal, com teste de broncopro- sos, com predomínio de RGE durante o período noturno em
vocação para asma negativo, e que apresentam tosse per- posição supina. Nesses pacientes, a sinusopatia era a queixa
sistente, mesmo após tratamento adequado para síndrome principal em 10% dos casos.65
p6s-nasal.J8 Como dito antes, as exacerbações da DPOC podem ter o
Algumas dessas observações devem-se à constatação RGE como coadjuvante, que deve ser reconhecido, quantifi-
de que, em pacientes com RGE patológico c doença res- cado e tratado. Rascon-Aguilar e colaboradores66 avaliaram
piratória, a pHmetria revela que há predominância de re· as exacerbações da DPOC e sua correlação com a DRGE.
fluxo no perfodo noturno {decúbito}, podendo coincidir Observaram que 37% dos pacientes com DPOC possulam
com os episódios de agravamento dos sintomas respirató- RGE patológico, e que o volume expiratório forçado no pri-
rios. Um estudo utilizando pHmetria de 24 horas em 13 meiro segundo (VEF,) previsto não diferiu entre os pacien-
pacientes com sintomas respiratórios revelou que cinco tes com e sem RGE. Entretanto, nos pacientes com RGE
pacientes apresentavam sensação de sufocação noturna, sintomático, o número de exacerbações foi o dobro em rela-
cujos episódios coincidiam com os episódios de refluxo ção aos pacientes sem RGE.
63
documentados pelo exame. 62 Outro estudo revelou que Jonhson e colaboradores61 avaliaram um grupo de 30 pa·
72% de 189 pacientes asmáticos sofriam de pirose e 18% cientes portadores de esclerose sistêmica progressiva quanto
apresentavam desconforto laríngeo e regurgitações ácidas à possibilidade da DRGE ser um fator patogênico contri·
no perlodo noturno. buintc para a doença pulmonar. A análise incluiu endosco·
Embora evidências apontem para a presença de refluxo pia, avaliação otorrinolaringológica, cintilografia com tecoé-
noturno como fator coadjuvante importante nas lariogopa· cio99 para pesquisa de aspiração, teste de função pulmonar
tias associadas a refluxo, outras têm apontado para o reflu- (incluindo teste de capacidade de difusão do monóxido de
xo em posição ortostática como mais importante, sobretudo carbono) e pHmetria de dois canais. Os resultados eviden-
quando na presença de esofagite péptica associada.'"' A des- ciaram RGE proxirnal e aspiração na maioria dos pacientes,
peito dessas contradições, a associação entre laringopatias e com clara correlação entre a severidade do refluxo e a gravi-
RGE deve ser lembrada sempre como possibilidade de inte- dade da doença pulmonar.
ração entre doença digestiva e respiratória, principalmente A avaliação funcional esofágica sistemática em pacientes
em pacientes sem sintomas digestivos aparentes e com acha- com manifestações respiratórias mostra que subestimamos a
dos endoscópicos sugestivos de comprometimento da laringe prevalência de refluxo como coadjuvante nesta população.
pelo RGE (FIGURA 71 .7}. O emprego da pHmetria com dois Realizamos um estudo com esofagomanometria e pHmetria
eletrodos nos pacientes com manifestações extrapulmonares de 24 horas em 1.170 pacientes portadores de manifestações
exclusivas pode fornecer subsídios complementares relevan- respiratórias, associadas ou não a manifestações digestivas
tes para o diagnóstico definitivo. = =
{602 51,5% e 568 48,5%, respectivamente). A asma es-
FIGURA 71 .8 -+ Paciente masculino de 45
anos, com pirose eventual e infecções respi-
ratórias de repetição associadas a sinusopatia
crônica maxilar esquerda (A). Evoluiu com
abscesso pulmonar no segmento superior do
lobo inferior direito (zona de drenagem gra·
vitacional) (8). Após o tratamento do absces-
so, uma pHmettia de 24 horas revelou refluxo
gastresofágico noturno (supino) significativo,
com deficiência de clareamento ácido no esô-
fago distai (C). O tratamento cirúrgico do re-
fluxo gastresofágico foi indicado com resolu-
ção subsequente das infecções rinossinusais e
das pneumopatias.

teve presente em um terço (33,4%) dos pacientes no gru- os sintomas asmáticos, reduzindo também a quantidade de
po com manifestações digestivas e em um quarto (25%) no medicamentos utilizados, porém sem impacto detectável na
grupo sem quaisquer manifestações digestivas associadas. função pulmonar. Nas instâncias recém-descritas, o trata-
A esofagomanometria mostrou anormalidades em 41% dos mento do RGE deverá ser concomitante às medidas tera-
casos, sendo que a hipotonia do esfmcter esofágico inferior pêuticas orientadas para a doença respiratória, para que se
foi a alteração preponderante em ambos os grupos (40% dos possam controlar os sintomas respiratórios. Não raro, a ne-
pacientes com sintomas digestivos e respiratórios, e 30% nos gligência a este princípio simples pode resultar em insucesso
pacientes com sintomas respiratórios apenas), correlacio- terapêutico. Ademais, o tratamento clínico da DRGE possui
nando-se com DRGE. algumas particularidades nos pacientes com manifestações
O perfil da pHmetria mostrou DRGE mais frequente e respiratórias, que em geral demandam ablação ácida farma-
com parâmetros mais alterados nos pacientes com queixas cológica prolongada (seis meses ou mais), em dose alta e em
digestivas associadas. O período em decúbito foi o de maior dose dobrada para proteção noturna.
exposição do esôfago distai ao ácido refluído em todos os Nos transplantes pulmonares, a sobrevida de 95% no pe-
grupos analisados. Cerca de um a cada três pacientes com ríodo pós-operatório imediato reduz-se para 70 a 75% no
queixas respiratórias e sem sintomas digestivos apresenta- primeiro ano pós-transplante e para 50% em cinco anos. A
ram RGE patológico à pHmetria (DRGE silenciosa). Essa mortalidade tardia dos receptores de transplante pulmonar
comprovação é particularmente importante, pois sugere a está relacionada principalmente com a bronquiolite oblite-
possibilidade da DRGE como causa extrapulmonar de sin- rante, a qual pode ser descrita como uma deterioração pro-
tomas respiratórios crônicos, de origem indeterminada e não gressiva e irreversível da função pulmonar pós-transplante,
responsivos à terapêutica convencional. 68 não explicada por estenose da anastomose brônquica, infec-
Uma extensa revisão crítica da literatura foi realizada ção ou rejeição aguda. A despeito de várias causas propostas
por Field e Sutherland,59 que concluíram que há evidên- para essa entidade, algumas possuem associações bem esta-
cias de que o tratamento antirrefluxo é capaz de melhorar belecidas, como pneumonite por citomegalovírus, número
e precocidade dos episódios de rejeição aguda e antigenici- dãncio-pHmelria tem sido recomendada para a investigação
dade contra HI.A. Entre outras causas, a determinação de e orientação do tratamento."'
relação causal entre a bronquiolite obliterante e o RGE tem
recebido muita atenção. Estudos clínicos sugerem que a as-
piração de material duodenogástrico refluldo para o esôfago
pode promover bronquiolite obliterante por meio de proces-
~ ATENÇÃO
so inflamatório causado pelos ácidos biliares.69•10
O binômio RGE-doença respiratória é hoje parte in·
Outros estudos têm demonstrado a melhora da função
tegrante da prática cllnica diária do pneumologista.
pulmonar em pacientes com bronquiolite obliterante subme-
A suspeição diagn6stica de interação entre doença
tidos a fundoplicatura, reiterando a possibilidade do RGE
respiratória e digestiva exige conhecimento dos me-
como agente causal. Análises retrospectivas de receptores
canismos fisiopatológicos, bem como dos principias
de transplante pulmonar mostraram que, evolutivamente, a
básicos da Investigação para o manejo adequado
função pulmonar dos recepto.res era melhor do nos que não
desses pacientes.
apresentavam RGE, ou naqueles com refluxo tratado preco-
cemente, se comparados com os transplantados que perma-
neciam com RGE após o transplante!' Os autores descre-
veram que os receptores de órgãos que não tinham refluxo A integração multidisciplinar entre pneumologista, ci-
patológico ou que haviam sido submetidos ao tratamento rurgião e gastrenterologista tem papel fundamental não
precoce do RGE apresentaram mortalidade em cinco anos somente no diagnóstico, mas também na perspectiva de
semelhante à dos receptores de transplante cardíaco e renal. sucesso terapêutico deste grupo seleto de pacientes. A pos-
Investigamos a prevalência do RGE e de alterações ma- sibilidade de RGE como coadjuvante à doença respiratória
nométricas na população de pacientes com doença pulmo- deve ser lembrada e investigada objetivamente.
nar avançada candidatos a transplante pulmonar, para pos-
teriormente avaliarmos o impacto do RGE no desempenho
tardio do enxerto pós-transplante pulmonar. A conclusão foi
de que a prevalência de RGE ácido nos candidatos a trans-
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maior prevalência de RGE ocorreu em pacientes com bron- 2. Terada K, Muro S. Obara T, Kudo M, Ogawa E, Hosbino Y, ct
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observamos que um terço possuía pHmctria csofágica anor- tone; 1995. p. 391.
mal, sendo que em 80% dos casos o refluxo ocorreu predo-
4. Cardoso P, Felicctti J. Papel da avaliação funcional oa disfagia
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77% dos pacientes possuíam sintomas tlpicos de DRGE. Oisfagia: avaliação e tratamento. Rio de Janeiro: Rcvinter; 2003. p.
Dentre os pacientes com pHmetria anormal, a hipotonia do 3t4-31.
esfmcter inferior e a dismotilidade do corpo esofágico estão
presentes em metade dos casos." Novamente, o efeito soma- 5. Preiksaitis HG, Mills CA. Coordinaúoo of brealhing and swallo-
tório de dismotilidade esofágica e pHmet.r ia anormal com wing: effects of bolus consistcncy aod prescotaúoo in normal aduhs.
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um predomínio de refluxo em decúbito segue o perfil que
se encontra em outras manifestações respiratórias, podendo 6. Meadows J. Dysphagia in unilateral ccrebrallcsions. J Neurol
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brose) associada a esclerodermia. Isso se fundamentou no 8. Lim SH, Lieu PK, Phua SY, Scshadri R, Venketasubramanian N,
achado de pepsina e ácidos biliares no lavado broncoalveolar Lee SH, ct ai. Accuracy ofbcdsidc clinicai mctbods compared with
73 fibcroptic cndoscopic cxaminatioo of swallowing (FEES) in detcr-
desses pacientes.69' A esclerodermia está relacionada com a
mining the risk of aspiration in acute stroke patients. Dysphagia.
DGRE em mais de 80% dos casos, cujo mecanismo está li-
2001;16(1):1-6.
gado à presença de distúrbio motor esofágico. Os portadores
de esclerodermia possuem um comprometimento motor sin- 9. Cardoso P, Millcr L, Oiamaot N. The effect of calhe ter diameter
crônico com a evolução da doença, acometendo inicialmente on upper esophageal sphinctcr pressure measuremcnts in normal
o esôfago distai (esfíncter inferior), progredindo então em subject.s. Gullct. 1992;2(4):145-8.
sentido cranial em paralelo à evolução da colagenose. Este é 10. Gross RO, Atwood CW Jr, Ross SB, Ols2ewslc.i .1\Y, Eic!thom KA.
motivo pelo qual a esofagomanometria tem sido usada como Thc coordinalion ofbrealhing aod swaUowing in chronic obstructivc
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Dayse Carneiro Alt
lana Oliveira eSilva Ribeiro
72
Maria Carolina M. A. Gouveia
Carlos Villanova

O organismo só obtém efetividade na utilização da tosse


Introdução nos momentos de hipersecreção de muco, em que o aumen-
Tosse (do latim tusse) significa "expelir ar subitamente dos to da expectoração pode chegar a 20%.
pulmões, em geral por meio de uma série de esforços, com Como manobra involuntária, a tosse parece ser um fenô-
ruído explosivo provocado pela abertura da glote". Cumpre meno exclusivamente vagai desencadeado pelos receptores
acrescentar, entretanto, a noção de que a repetição frequen- neurais do tipo RASs (rapidly irritant receptors) e pelas fibras
te da tosse constitui sintoma de doença, assumindo, portan- C, encontrados na parte inferior da orofaringe, da laringe e
to, relevância clínica. do trato respiratório inferior, em especial carina e áreas de
O mecanismo de transporte ciliar é o mecanismo pre- bifurcação brônquica, além de membrana timpânica, meato
ferencial de limpeza das vias aéreas em indivíduos sadios, auditivo externo, cavidade nasal, seios maxilares, pleura, pe-
ao passo que a tosse serve como mecanismo fundamental de ricárdio, diafragma, esôfago e estômago.
reserva, sobretudo em portadores de doença pulmonar. É A manobra tem início por uma inspiração rápida pro-
um sintoma encontrado em doenças pulmonares e extrapul- funda, seguida pelo fechamento da glote, com duração de
monares, sendo, assim, uma das maiores causas de procura 0,2 s, período durante o qual ocorre aumento das pressões
por atendimento médico. abdominal, pleural e a lveolar até 50 a 100 mmHg. A eleva-
Dados norte-americanos mostraram que tosse e res- ção das pressões se dá pelo esforço expiratório oriundo da
friado comum foram a terceira causa mais frequente de musculatura respiratória da caixa torácica, do abdome e do
consultas a clínicos gerais-' Dos pacientes encaminhados a diafragma. A glote é então aberta ativamente, enquanto a
pneumologistas, 10 a 38% referiam tosse crônica de causa pressão subglótica mantém-se em ascensão. O fluxo expira-
desconhecida. A tosse pode provocar incontinência uriná- tório em direção à boca acelera-se rápido e dentro de 30 a
ria, perturbação do sono, bem como interferir nas atividades 50 milissegundos chega a seu pico, que pode exceder a um
profissionais e sociais do individuo. fluxo de 12 Iitros/s. As oscilações do ar e dos tecidos de-
A tosse é capaz de impedir a entrada de material estra- terminam um ruído explosivo característico, possivelmente
nho no trato respiratório, além de remover outros materiais sendo responsáveis pela suspensão de secreções na corren-
não gasosos da árvore respiratória (p. ex., secreção exces- te aérea. Neste período, ocorre colapso parcial da traqueia
siva, corpo estranho). Ela transporta secreções e material inferior e dos brônquios, contribuindo para o pico transitó-
eventualmente aspirado das vias aéreas inferiores e laringe, rio de fluxo observado no ápice da expiração de um litro de
conduzindo-os à faringe, de onde são expectorados ou de- ar, e o fluxo cessa, dependente do fechamento da glote e da
glutidos. queda da pressão alveolar a zero.
as superiores, tuberculose, bronquiectasias, coqueluche,
Características clínicas abscesso de pulmão, carcinoma brônquico, broncosteno-
Thsse, acompanhada ou não de expectoração, é sempre uma se de qualquer causa, micoses pulmonares, asma brôn-
anormalidade. Em um paciente com tosse, a anamnese deve quica complicada e empiema pleural com fístula bron-
ser minuciosa e o exame físico, bastante criterioso. Um fa- copleural.
tor inicial, decisivo, diz respeito à credibilidade da história • Paroxística: é observada na coqueluche, nas bronquiec-
relatada pelo paciente. Em pacientes do sexo feminino e tasias, no abscesso de pulmão, no refluxo gastresofágico
nas crianças, é comum a informação de que a tosse é seca, e em outras situações. A tosse paroxística, precipitada
improdutiva, quando na realidade há expectoração. Nas pelo esforço físico, é encontrada nas seguintes situações
mulheres, a deglutição do catarro se dá por questões de es- clinicas: insuficiência cardíaca, asma brônquica, fibrose
crúpulo e estética, enquanto, nas crianças, os pa.is tendem a pulmonar, câncer brônquico, tumores e aneurismas do
ignorar se há ou não expectoração. Em ambas as situações e mediastino, pneumotórax e derrame pleural ou pericár-
nas demais, deve ser solicitado que o paciente tussa durante dico.
a entrevista. Larlngea: costuma ser de tonalidade metálica. Uma
Quando a tosse for produtiva, o médico solicitará ao pa- de suas variantes é frequentemente rotulada pelo leigo
ciente que expectore para serem avaliados o aspecto e a cor como "tosse de cachorro". Origina-se em geral de espas-
da secreção expelida. Em seguida, dois sinais cllnicos de ex- mo larlngeo causado por infeeçôes virais, aspiração de
trema relevância deverão ser investigados sempre que a tos- corpo estranho e alimentos, gases irritantes, úlceras, cân-
se for produtiva: o "sinal de aspiração farlngea" e o "sinal do cer de laringe e comprometimento do nervo recorrente
pigarrear", considerados mecanismos de defesa do aparelho na dependência de aneurismas, bócio intratorácico, inva-
respiratório, utili2ados para eliminação de secreções através são mediastinal por câncer, adenopatias e abscesso.
de expectoração ou deglutição. • Reprimida: observa-se uma tentativa voluntária de su-
This sinais são capazes de diferenciar se a tosse é oriunda primir a tosse que pode desencadear dor nas seguintes
de doença da via aérea superior ou inferior, embora também condições: fratura de costela, derrame pleural inflama-
possam ocorrer independentemente da presença de tosse. tório, pleurodinia, nevralgia intercostal, laringotraqueo-
Quando existe foco supurativo de via aérea inferior, é co- bronquite aguda (geralmente vira!) e afecções dolorosas
mum encontrar ambos os sinais, porém na via aérea inferior da coluna e do abdome.
se encontra apenas o "sinal do pigarrear". Mesmo sendo ób-
via a presença de um foco supurativo de via aérea superior,
é necessário certificar-se da inexistência de broncopneumo-
nia aspirativa, bronquieetasias, aspergilose broncopulmonar Tipos característicos de tosse
alérgica e fibrose cística (situações às quais a rinossinusite
também está associada).
Bronquite crônica
A tosse costuma ser produtiva, e a secreção, mucoide, pre-
dominando nos três meses de inverno. Esta etapa não com-
Classificação plicada pode ser denominada "hipercrinia" (hipersecreção
De acordo com a duração, a tosse pode ser: mucosa incipiente). À medida que o volume das secreções
aumenta, com a cronificação, surge a tosse.
• Aguda: autolimitada, com duração inferior a três sema- Os pacientes, na sua maioria fumantes, referem ter tam-
nas. bém necessidade de pigarrear, porém desacompanhada do
• Subaguda: tosse de duração entre três e oito semanas. "sinal da aspiração farlngea". A tosse e a expectoração pre-
• Crônica: tosse superior a oito semanas. dominam pela manhã, logo ao acordar. Nos meses de inver-
no, esses pacientes costumam apresentar surtos de purulên-
De acordo com as características clinicas, a tosse pode ser: cia que invariavelmente são infcoçóes bacterianas, exigindo
sempre antibióticos. Nesses surtos, o catarro se toma amare-
• Improdutiva: também descrita como seca ou reflexa, é lado ou pardo, mais viscoso e mais abundante, não havendo
encontrada em várias doenças, principalmente nos es- indicação, portanto, de antitussígeno. Aínda durante essas
tágios iniciais. Destacam-se tuberculose, pneumonia, exacerbações, acredita-se que a liberação de proteases, a
refluxo gastresofágico, doenças do tecido conjuntivo (es- partir do estimulo inflamatório, possa contribuir para a pro-
clerose sistêmica progressiva), fibroses pulmonares, cân- gressão do enfisema pulmonar. Sendo assim, tais infecções
cer brônquico, fibrose cística, asma brônquica, bronquite bacterianas devem ser prontamente combatidas e superadas.
crônica, faringite crônica, laringotraqueobronquite, ex- O afastamento de condições irritantes, representadas por fu·
posição a poeiras e gases irritantes, corpo estranho nas maça de cigarro e clima inadequado (frio e umidade associa-
vias aéreas superiores, pólipos nasais, tumor de mediasti- dos), também é fundamental.
no, bócio, aneurisma de grandes vasos, derrame pericár-
dico e pneumotórax.
• P rodutiva: é frequente nos estágios tardios de doenças Asma
broncopulmonares, que podem ter tido inicio agudo. Aí Precedendo a bronooconstrição e a sibilância, ocorre um pe·
estão bronquite crônica, focos supurativos de vias aére- ríodo de tosse inicialmente improdutiva que depois se toma
produtiva com secreção mucoide. Entretanto, a tosse pode tecidos linfáticos nasofaríngeos. A obstrução nasal e o ronco,
não estar presente. Thmbém são muito comuns casos de pa- à noite, sinalizam adicionalmente o quadro. Thmbém sugere
cientes atópicos que apresentam apenas tosse recorrente, o diagnóstico a "fácies adenoidiana" (areo nasal aumentado
muitas vezes sibilante, mas sem broncoconstrição (hiper- e achatado e atenuação do sulco nasolabial, respiração bu-
·responsividade brônquica). cal, lábio superior elevado, dentes incisivos proeminentes e
Na anamnese desse tipo tosse, convém indagar se ela é voz anasalada). A rinoscopia posterior, a nasofaríngoscopia
precipitada por esforços fisicos, riso e exposição aos alérge- e a radiografia de perfil da nasofaringe comprovam o diag-
nos que o paciente conseguiu reconhecer como agressores. nóstico.
A tosse do atópico frequentemente predomina à noite, so-
bretudo em crianças. O afastamento dos alérgenos e o uso
de medicação profilática, como corticoides tópicos e bronco- Carcinoma brônquico
dilatadores, costumam ser eficazes. Pacientes com carcinoma brõnquico costumam também ser
portadores de doença pulmonar obstrutiva crônica - DPOC
(enfisema e bronquite crônica); portanto, frequentemente
Foco supurativo crônico de vias aéreas apresentam tosse. Por essa razão, é mais conveniente inves-
superiores tigar não a presença da tosse e sim a mudança no caráter
Basicamente é representado pela rinossinusite crônica e pela da tosse. No carcinoma, a tosse torna-se cada vez mais fre-
adenoidite, mas outros diagnósticos podem estar envolvidos: quente e incômoda, perturbando o sono, acompanhada às
deformidades nasais (cornetas e septos ), dentes sépticos e vezes de rouquidão e comumente de escarro hemático. Po-
afecções sistêmicas como fibrose clstica, agamaglobulinemia dem ocorrer ainda surtos de broncopneumonia obstrutiva na
e síndrome dos cflios imóveis (sfndrome de Kartagener). mesma localização, ou seja, no sitio do carcinoma.
Esses pacientes apresentam tosse produtiva recorrente
com secreção purulenta eliminadas pelas narinas ao assoar Edema pulmonar
o nariz ou por expecloração após a tosse, "sinal de aspiração
Os sintomas mais característicos são a dispneia paroxística
faringea" e "sinal do pigarrear".
noturna e a onopneia; contudo, a tosse noturna pode servir
A cefaleia é um sintoma raro, sendo mais encontrada
como pista diagnóstica, especialmente se associada a expec-
na rinossinusite aguda. Na rinossinusite crônica, é mais co-
toração espumosa e rósea, como ocorre em edema pulmo-
mum uma sensação de "peso", principalmente nas regiões
nar franco. Os achados radiológicos tlpicos, como espessa-
periorbitárias. Às vezes ocorre fotofobia, fcbrícula vesperti-
mento de septos conjuntivos, diversão aclive da perfusão,
na, sudorese, irritabilidadc c indisposição. Com a evolução
espessamento lameliforme da plcura c cardiomegalia, tam-
do processo, as secreções podem ser aspiradas para o trato
bém são de extrema relevância para o diagnóstico de edema
respiratório inferior, quando então se auscultam estertores
pulmonar.
grossos, embora o estudo radiológico possa não demons-
trar foco de consolidação, caracterizando então a sinuso-
bronquite.
Etiopatogenia
Bronquiedasias A tosse pode ser desencadeada por várias afecções localiza-
Na maioria das vezes, esses pacientes são portadores de ri- das em múltiplos sftios anatômicos distintos (zonas tussíge-
nossinusite. Proctor afi.rma que esta última deve ser conside- nas). O desafio diagnóstico e a profundidade da investigação
rada como complicação das bronquiectasias, e não o inverso, clínica dependerão de uma série de fatores, dos quais a dura-
como frequentemente se afirma. A cura cirúrgica ou o con- ção do sintoma tem importância fmpar.
trole clmico das bronquiectasias, quando ambas as condições As causas mais comuns de tosse crônica são smdrome da
estão presentes, levaria à cura subsequente da rinossinusite. tosse de vias aéreas superiores, asma e refluxo gastresofá-
Os núcleos goticulares costumam ser higroscópicos e, as- gico, embora diversas outras razões importantes devam ser
sim, seu tamanho aumenta com a umidificação propiciada consideradas nesses pacientes.
pelas vias aéreas superiores. A maioria das partículas infec- A tosse aguda é causada mais comumente por infecções
ciosas será, então, retida nas fossas nasais. Na obstrução que virais, resfriado comum e infecções do trato respiratório in-
acompanha com frequência as afecçôes supurativas altas, ferior, as traqueobronquites. Quando associada a resfriado
essa função de filtro está prejudicada, havendo, aparente- comum, será observada em 85% das pessoas nas primeiras
mente, maior suscetibilidade à bronquite crônica. 48 horas da infecção e em apenas 26% no 14° dia. Pode, tam-
bém, ser manifestação de outras doenças, como pneumonia,
insuficiência cardíaca congestiva e tromboembolismo pul-
Adenoides obstrutivas monar.
Podem causar obstrução dos óstios das tubas auditivas, re- A tosse crônica causa importante transtorno a um nú-
sultando em otite, ou bloqueio dos óstios dos seios parana- mero apreciável de pacientes e impóe a necessidade de uma
sais, causando rinossinusite. Às vezes, a descarga pós-nasal, avaliação criteriosa. Um estudo recente no Pavilhão Pereira
por si, ocasionaria adenoidite. O estado alérgico do paciente Filho, realizado em grupo de pacientes selecionados por cri-
costuma refletir-se no tamanho das adenoides e de outros térios como duração mínima de três semanas, não fumantes
e sem anormalidades pulmonares radiológicas, demonstrou O diagnóstico presuntivo é estabelecido pela história clí-
que síndrome da via aérea superior, hiper-reatividade brôn- nica. As secreções são drenadas para faringe, laringe e tra-
quica e refluxo gastresofágico são fatores causais mais co- queia, causando tosse com expectoração que pode suscitar
muns. falsa hipótese diagnóstica de afecção broncopulmonar.
Não existe um exame que quantifique o GPN, sendo que,
para o diagnóstico de tosse associada à STVAS, é necessário
uma combinação de fatores: sintomas, exame físico, achados
Tríade patogênica da tosse crônica radiológicos e, atualmente, resposta terapêutica. A resposta
A tríade patogênica da tosse crônica, constituída pela as- terapêutica confirma o diagnóstico de STVAS.
sociação de síndrome da tosse de vias aéreas superiores Além de tosse crônica, as afecções dos seios paranasais
(STVAS), hiper-reatividade brônquica (HRB) e doença do podem ocasionar outras manifestações, como fungar, assoar,
refluxo gastresofágico (RGE), é hoje reconhecida na litera- pigarrear e aspirar a faringe. Fungar e assoar traduzem com-
tura como contribuição válida para o entendimento da etio- prometimento das narinas. As duas outras manifestações in-
patogenia da tosse persistente. dicam presença de secreções na faringe. O "sinal da aspira-
Dados atuais revelam que 90% dos pacientes com tosse ção faríngea" é definido como a manobra caracterizada pela
crônica apresentam pelo menos um dos componentes dessa deliberação forçada de ar produzida pela inspiração, através
tríade. A presença de fatores causais múltiplos implicados na da fenda virtual que separa o palato mole da parede poste-
gênese da tosse inexplicada alerta para um equacionamento rior da faringe e que se acompanha de ruído característico,
diagnóstico correto desses vários fatores, o que explicaria seguida de expectoração ou deglutição do catarro aspirado.
a dificuldade no diagnóstico final e a complexidade de um A tosse noturna, intensificada pelo decúbito dorsal, tam-
esquema bem-sucedido de tratamento. Se a avaliação clí- bém constitui sinal valioso para a suspeita de gotejamento
nica sugere mais de um diagnóstico, ou se houver falha na pós-nasal.
tentativa de tratamento para uma ou mais causas, deverão
ser investigadas todas as possibilidades. Como consequência
obrigatória, a menos que todas as causas sejam tratadas, a Pontos fundamentaisda tosse ocasionada por
tosse persistirá.
síndrome da via aérea superior
A tosse crônica persistente, isto é, com duração superior
~ A prova terapêutica é o teste mais definitivo.
a oito semanas, em 38% dos casos tem causa única; em 36%,
~ A terapêutica mais efetiva é realizada com anti-hista-
duas; em 17%, três e em 9%, quatro causas. Cerca de 90% minico de primeira geração, associado a desconges-
das causas de tosse crônica são devidas a um, dois ou três dos tionante e antibiótico.
componentes da tríade STVAS-HRB -RGE. ~ Os anti-histamínicos não sedantes mais recentes, as-
As três condições mencionadas, isoladas ou associadas, e sociados a descongestionantes. não são efetivos.
seus mecanismos etiopatogênicos são apenas especulativos. ~ Quando a causa é rinite alérgica, recomenda-se evitar
Supostamente, o mais comum e o primeiro a ser considerado os alergênios agressores e utilizar um corticoide via
como fator etiológico e fisiopatológico deve ser, na maioria intranasal ou o cromoglicato.
dos casos, o comprometimento da via aérea superior. HRB e ~ Caso o paciente seja portador de rinossinusite, deve-
RGE parecem ocorrer a seguir, em íntima associação. Ain- ·se associar um antibiótico adequado.
da não se conhecem, no entanto, os mecanismos de tal as- ~ A melhora pela terapêutica apropriada ocorre ha-
sociação, sendo ignorado se representam multicausalidade bitualmente no período de alguns dias a semanas,
sequencial ou contemporânea. porém uma resposta total pode levar um tempo con-
sideravelmente mais prolongado.

Síndrome da tosse de vias aéreas


superiores Tosse e hiper-reatividade brônquica
A síndrome da tosse de vias aéreas superiores, anteriormen- Deve ser sempre excluída como causa de tosse, já que cor-
te chamada de síndrome do gotejamento pós-nasal (GPN), responde a cerca de 24 a 29% dos casos de tosse crônica. Os
vem sendo reconhecida como a causa mais comum de tosse pacientes, na maioria das vezes, têm tosse associada a outros
crônica. Existem diversos fatores desencadeantes e mante- sintomas de asma, mas em alguns casos pode ser o único sin-
nedores da síndrome, como rinite alérgica, rinite não alér- toma da doença, o que caracteriza a asma tosse-variante.
gica, irritantes ambientais, rinite vasomotora e rinossinusite. A tosse como única manifestação de asma sem sibilân-
Por outro lado, o termo "gotejamento pós-nasal" vem sendo cia está bem descrita na literatura desde 1979. Essa "tos-
empregado por alguns autores tanto para pacientes quere· se variante de asma" é caracterizada por ser improdutiva,
ferem a sensação de ter algo "gotejando para dentro da gar- persistente e geralmente piorar à noite. Costuma também
ganta" e/ou a necessidade frequente de "limpar a garganta", ser exacerbada por infecções do trato respiratório superior,
como para pacientes nos quais o exame físico da orofaringe exercício e frio. A ausculta pulmonar, o estudo radiológico
indica presença de secreção mucoide ou mucopurulenta. do tórax e a espirometria costumam ser normais. O diagnós-
tico de tosse variante de asma muitas vezes é feito somente sofágicas. Tosse crônica, disfonia, soluço, broncoconstrição e
pela suspeição clinica e pela demonstração de um teste de dor torácica não cardiaca são reconhecidas como manifesta-
broncoprovocação {TBP) positivo. Portanto, um TBP posi- ções extraesofágicas do refluxo gastresofágico, também cha-
tivo em paciente com tosse crônica e nenhuma outra causa madas de alipicas.
aparente sugere o diagnóstico de tosse variante de asma. A tosse pode ser a única manifestação cUnica de re-
A patogenia da tosse na hiper-reatividade brônquica ain- fluxo gastresofágico c geralmente responde ao tratamento
da não está bem elucidada. É provável que receptores da tos- específico. Em estudo prospectivo recente, o refluxo gas-
se sejam funcionalmente diferentes dos outros receptores de tresofágico foi considerado a terceira causa de tosse crô-
irritação, e a tosse pode ocorrer como reflexo independente nica. Embora a tosse possa ser provocada pelo refluxo que
da broncoconstrição. Entretanto, como estão intimamente atinja hipofaringe e/ou laringe, sem aspiração desse mate-
relacionados, podem potencializar um ao outro. Assim, por rial para as vias aéreas inferiores, a estimulação das vias
exemplo, os receptores da tosse responderiam à deformação aferentes do reflexo tussigeno no esôfago distai constitui
mecânica das vias aéreas observada na broncoconstrição. o mecanismo mais aceito como causa de tosse. O reflu -
Quando não for possível realizar testes como o TBP, a xo gastresofágico deve ser lembrado quando os pacientes
resposta ao tratamento com broncodilatador e/ou corticoide apresentarem queixas como pirose, regurgitação, disfonia,
poderá constituir-se em critério diagnóstico. e/ou quando a monitoração prolongada do pH intraeso-
fágico revelar valores acima dos fisiológicos e/ou a tosse
parecer ser induzida por episódios de refluxo na ausência
Pontos fundamentais da hiper-reatividade de sintomas gastrintestinais.
brônquica {tosse variante de asma) O refluxo gastresofágico, obviamente, pode coexistir
~ A tosse pode ser o único sintoma de asma. com asma e/ou rinossinusite. O conteúdo gástrico refluido
~ Os resultados da espirometria podem ser normais. ao esôfago pode ser responsável por tosse crônica, bronco-
~ A obstrução ou a hiper-reatividade reversíveis das constrição interrnitente ou pneumonias recorrentes. Thsse
vias aéreas sugerem o d iagnóstico. ou sibilância podem ocorrer imediatamente antes, durante
~ A resposta terapêutica especifica confirma o diag- ou logo depois, ou ser independentes temporalmente dos
nóstico. episódios do refluxo gastresofágico. Se ocorrem logo antes,
~ A terapêutica não difere daquela usada para a asma deve ser o efeito mecânico da tosse e/ou da broncoconstrição
tlpoca. que os provoca: esse refluxo consequente da tosse, por sua
~ Os corticoides sist~micos slo utilizados nos casos vez, pela irritação provocada nas vias aéreas, aumenta mais
graves. ainda o estimulo da tosse. A tosse e a sibilãncia podem ser
~ Os beta 1-agonistas de ação curta proporcionam alívio secundárias à aspiração quando surgem durante ou imedia-
dos sintomas agudos. tamente após o refluxo.
~ Utilizar espaçador associado ao nebullmetro dimi-
nui a probabilidade de o medicamento desencadear
tosse.
~ Pode ser observado algum nível de beneficio no pe- Pontos fundamentais da tosse relacionada com o
rfodo de uma semana, porém nlo é incomum a ne- refluxo gastresofágico
cessidade de 6 a 8 semanas para a obtenção de uma ~ A tosse relacoonada com o refluxo gastresofágico '
resposta completa. um reflexo mediado pela via vagai.
~ Pode ocorrer um ciclo de autoperpetuaçlo do ~flexo
da tosse independentemente da causa primá na dessa
tosse.
Tosse e refluxo gastresofágico ~ Até 75% dos pacientes portadores de refluxo slo as-
sintomátioos.
O refluxo gastresofágico constitui entidade clfnica reco- ~ O teste de pHmetria esofágica de 24 horas por ca-
nhecida na literatura médica atual, sendo associado a uma teter é o mais sensfvel e específico, e a inter-relaçlo
variedade de sintomas respiratórios, particularmente à tos- temporal entre a tosse e o refluxo é a constatação de
se crônica. A prevalência de tosse relacionada com refluxo maior utilidade.
gastresofágico em alguns estudos varia de 5 a 41%. Por defi- ~ Caso o teste de pH por sondagem não esteja disponf-
vel ou não possa ser realizado, ou se os sintomas do
nição, refluxo gastresofágico corresponde ao deslocamento
paciente forem sugestivos de refluxo gastresofágico,
retrógrado do conteúdo gástrico para o interior do esôfago um teste empfrico com a terapêutica para refluxo
e, às vezes, para a faringe. Esse material, que contém ácido gastresofágico é uma alternativa.
clorídrico, pepsina, ácidos biliares e enzimas pancreáticas, é ~ A ter•~utoca maos efetiva indui modificações dieté-
irritativo para a mucosa esofágica. ticas e do estilo de vida, um bloqueador H2 ou, pre-
O refluxo gastresofágico pode ser assintomático, mas ferencialmente, um inibidor da bomba de prótons e
também pode gerar consequências que vão desde a sensação um agente pró-conético.
de pirose até formas graves de doenças esofágicas e extrae-
QUADRO 72.1 ~ causas de tosse crônica em pacientes com
-+ Podem ser necessários até seis meses para uma res- radiografia de tórax normal
posta integral.
-+ O d iagnóstico é confirmado pelo desaparecimento
[lil llfHJW•!ImutJ
da tosse com a terapêutica especifica . O teste diag-
nóstico é necessário caso nlo ocorra desaparecimen-
Sfndrome da via aérea superior 8a87%

-+
to da tosse com o tratamento.
Deve ser levada em consideraçlo a cirurgia em caso Asma
-------------------
29 a 59%
de falha terapêutica clfnica.
Refluxo gastresofági<o 2t a 51%

Síndrome pós-inftcdosa tt a 25%


Abordagem anatômica para o Bronquite cr6ni<a 5%

diagnóstico lmr:r:.au::t!JJ."i1 Wi"'·::m:,


O paciente portador de toose crônica c radiografia de tórax
Terapêuti<a com inibidores da en2ima conversora da angiotensina
aparentemente normal constitui um desafio médico. Em 1991,
2
lrwin estabeleceu uma abordagem anatômica para o diagnós- Doença pulmonar intersticial (estágio precoce)
tico e tratamento de tosse crônica com base na distribuição dos
receptores da tosse e de seus nervos aferentcs. Demonstrou-se Pelos ou cerúmen em contato com a membrana timpãnica
que a origem da tosse poderia ser determi nada em todos os
pacientes, e a evolução, usando-se terapêutica específica a lon- Corpo estranho no nariz
go prazo, teria eficácia de 98%. Um estudo recente confirmou Cardiopatia (estágio prtcoce)
que essa terapêutica é bem-sucedida, atingindo•se !ndices de
resolução e melhora do sintoma em 93% dos casos. Hipotireoidismo
As diretrizes dos consensos sobre o tratamento da tosse
{American College of Chest Physicians, e Sociedade Brasi- Tumores centrais (malignos, semimatignos ou benignos)
leira de Pneumologia)' chamam a atenção sobre a necessida-
Fatores ocupacionais
de de abordagem sistemática. Demonstra-se que o conheci-
mento dos mecanismos fisiopatológicos da tosse é de grande Colapso traqueal
ut.ilidade no procedimento diagnóstico e no tratamento dos
pacientes com tosse persistente. Oiscinesia de pregas vocais
Quando a radiografia de tórax é normal (QUADRO 72 .1), a
maioria dos casos de tosse crônica pode ser atribuída a s!n-
drome da via aérea superior, asma e refluxo gastresofágico,
além da s!ndrome pós-infecciosa e bronqui te crônica. As guir, especificamente, as maneiras de se estabelecer os diag-
outras causas representam cerca de 10% dos casos, estando nósticos de asma, refluxo gastresofágico e síndrome da tosse
entre elas a tosse induzida por medicamentos, que tem sido de vias aéreas superiores.
constatada mais frequentemente desde a introdução dos Faz-se espirometria para detecção de obstrução reversl-
in.ibidores da enzima conversora da angiotensina {ECA). A vel das vias aéreas, mesmo no contexto de um exame fisico
tosse atribuível a esses medicamentos ref resentou 2% dos normal. A asma pode ser confirmada quando existe redução
casos no estudo de lrwin e colaboradores. do fluxo aéreo, parcial ou completamente reversível após
Causas menos frequentes de tosse crônica incluem pre- broncodilatador.
sença de corpos estranhos e outras substâncias nos condu- Quando a espirometria é normal, realiza-se o TBP com
tos auditivos externos (p. ex., cerúmen ou pelos aderentes à metacolina ou carbacol. Uma redução de 20% ou mais do vo-
membrana timpânica, estimulando o nervo de Arnold); le- lume expira tório forçado no primeiro segundo (VEF,) é consi-
sões do diafragma, pericárdio ou estômago; osteófitos da co- derada critério de positividade do teste. Caso os resultados de
luna cervical que estimulam os nervos aferentes que atingem espiromctria c TBP sejam normais, sugerem-se avaliação de
o centro da tosse; e o hipotireoidismo. Naturalmente, a tosse refluxo gastresofágico, radiografias dos seios paranasais c ava-
crônica pode também ser ocasionada por doença pulmonar liação otorrinolaringológica (auditiva, nasal e faringiana). A
{doença pulmonar intersticial e carcinoma), doença cardíaca tomografia computadorizada (TC) dos seios paranasais cons-
e exposições ocupacionais. titui alternativa às radiografias quando estas forem normais.
Dos portadores de tosse decorrente de mecanismo re-
flexo vagai esôfago-traqueobrônquico, 50 a 75% dos adultos
Na ausência de pistas clínicas não apresentam sintomas de refluxo. Crianças com refluxo
apresentam também quadro clínico pouco expressivo, em-
Quando a avaliação clinica não possibilita um direcionamen- bora os sintomas sejam sensivelmente mais característicos.
to diagnóstico, toma-se necessário uma seq uência de testes, Dá-se preferência à monitoração do pH {24 horas),
individualizados para cada paciente. São focalizadas, a se- embora possa não estar universalmente disponível. A tec-
nologia moderna possibilita aos pacientes realizarem tal inalações em cada narina, 2 a 3 vezes ao dia, pode ser efetivo
procedimento de maneira confortável, mesmo em nível para rinite vasomotora. Pode estar recomendada terapêutica
ambulatorial. O método detecta com acurácia o número e a adjuvante caso exista uma condição associada, como no caso
duração dos eventos de refluxo, permitindo a correlação dos da rinossinusite bacteriana, em que deve ser indicada a an-
episódios de tosse com o refluxo, mesmo quando o número tibioticoterapia.
de eventos situar-se dentro da normalidade. A rinossinusite crônica em geral exige um mínímo de três
Estudos contrastados do trato gastrintestinal demons- semanas de antibioticoterapia efetiva contra pneumococo,
tram hérnia de hiato e/ou refluxo, e a esofagoscopia pode hemófilos e germes anaeróbicos, demandando terapêutica
evidenciar esofagite. No entanto, a monítoração do pH com anti-histamínicos e descongestionantes via oral, com di-
esofágico é o único teste que proporciona correlação direta versos meses de tratamento com corticoide intranasal. A ci-
dos sintomas com os episódios de refluxo. Naturalmente, a rurgia dos seios paranasais poderá ser indicada quando não
comprovação será definitiva quando a tosse desaparecer em houver resposta à terapêutica usual.
resposta à terapêutica antirrefluxo. Quando a pHmetria de
24 horas não estiver disponível, pode ser feita terapêutica
empírica. O desaparecimento completo dos sintomas pode Tosse e hiper·reatividade brônquica (tosse
exigir tratamento prolongado. variante de asma)
Se, após a realização dos testes mencionados, a causa da Os asmáticos que apresentam unicamente tosse devem ser
tosse não for demonstrável, deve-se considerar a indicação tratados de maneira tão intensiva quanto os que sibilam. A
de broncoscopia, mesmo que sua utilidade seja pequena, primeira escolha é corticoterapia inalatória ou oral. No en-
quando a radiografia de tórax for normal. Sua utilidade é tanto, os corticoides inalados podem desencadear tosse pela
maior (até 28%) quando os pacientes não apresentam res- estimulação de receptores irritativos. A utilização de espaça-
posta terapêutica empírica. A indução da TC de tórax visa dor pode atenuar esse fenômeno.
principalmente à detecção de bronquiectasias ao estudo ra- Pode ser necessária inicialmente a corticoterapia com
diológico convencional. corticoide oral para obter-se efeito anti -inflamatório que
Finalmente, considera-se a possibilidade de tosse psico- possibilite o uso de um produto inalatório. Inicia-se com
gênica, que é sempre um diagnóstico de exclusão. Deve-se prednisona 20 a 40 mgldia, diminuindo a dose lentamente
manter o paciente em observação na tentativa de detectar conforme a resposta.
doença orgânica. Pode estar indicada avaliação psiquiátrica. Corticoide inalatório, por exemplo, budesomida, na dose
A seguir, são feitas algumas considerações para a condu- de 400 a 1.200 ugldia, costuma controlar a tosse variante de
ção adequada dos casos. asma.
Pode ser usado um beta-agonista de curta duração, via
inalatória, conforme necessário. Nedocromil, teofilina ou
beta-agonista de ação prolongada podem ser úteis. Um es-
Tratamento quema com anti-inflamatório associado a outros medica-
O tratamento da tosse crônica deve ser individualizado, mentos costuma ser eficaz, salvo quando houver complica-
levando-se em consideração as características do paciente ções adicionais.
e os recursos disponíveis. Quando a avaliação clíníca inicial A tosse nesses pacientes apresenta comportamento as-
sugere o diagnóstico específico, é adequada a terapêutica semelhado ao da asma, sendo os pacientes mais propensos
empírica associada ou não a exames conflflllatórios. Quan- a exacerbações após infecções do trato respiratório. Podem
do não existem dados clinicos significativos, recomenda-se a apresentar broncoconstrição e/ou crises de tosse quando
realização de teste sequenciais. houver exposição a irritantes não específicos como frio, ar
seco, fumaça ou esforços físicos.
Síndrome da tosse das vias aéreas superiores
Deve-se tratar a síndrome da tosse das vias aéreas superio- Tosse e refluxo gastresofágico
res, inicialmente, com associação entre anti-histamínícos e Os pacientes devem ter conhecimento dos alimentos que
descongestionante em duas doses diárias. Os anti-histamíní- determinam relaxamento do esfíncter esofágico inferior, eli-
cos não sedativos podem não ser tão efetivos quanto os clás- minando-os da dieta. A teofilina relaxa o esfmcter esofágico
sicos (de primeira geração) para o tratamento da sindrome inferior, podendo contribuir para o refluxo, motivo pelo qual
da via aérea superior, conforme demonstrado no tratamento não deve ser utilizada nos pacientes portadores de refluxo
da tosse associada ao resfriado comum. gastresofágico. Recomenda-se evitar decúbito logo após as
O gotejamento pós-nasal causado por rinite alérgica ha- refeições. A cabeceira da cama deve ser elevada, especial-
bitualmente responde ao corticoide intranasal {beclometa- mente quando a pHmetria esofágica de 24 horas demonstrar
sona, budesonida, fluticasona, triancinolona). A riníte pode refluxo e posição supina. Essas medidas triviais podem ser
responder ao cromoglicato intranasal, podendo este asso- tão importantes quanto o tratamento farmacológico.
ciar-se à terapêutica com anti-histamínico e descongestio- As metas da farmacoterapia para refluxo gastresofágico
nante. No tratamento da rinite alérgica, os anti-histamínícos são reduzir a acidez do conteúdo gástrico e facilitar o esva-
não sedativos são tão efetivos quanto as preparações mais ziamento gástrico. Antiácidos ou bloqueadores H2, isolada-
antigas, de primeira geração. O ipratrópio via nasal, duas mente, podem ser inadequados para a neutralização com-
pleta do pH gástrico e para o alívio da tosse atribuída ao Empey DW, Laitinen LA, Jacobs L, Gold WM, Nadei JA. Mceha-
refluxo. Sugere-se omeprazol 40 mg duas vezes ao dia e um nism of bronchial hypcrrcaetivity in normal subjccts aftcr upper
agente pró-cinético, como cisaprida (10 mg, 15 a 30 minutos respiratory tract infection. Aro Rcv Respir Ois. 1976;113(2):131-9.
antes das refeições e ao deitar). Pode ser utilizada metoclo- Fuller RW, Choudry ND. Increased cough reflex associated
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bem tolerada por alguns pacientes. 1987;295(6605):1025-26.
Embora os sintomas do refluxo habitualmente respon-
Gaffey MJ, Kaiscr DL, Haydcn FG. lncffectivcness of oral terfe-
dam às medidas recém-mencionadas, o controle da tosse nadinc in natural colds: Evidcncc against histaminc as a mcdiator
pode exigir 2 a 3 meses de tratamento. Se o tratamento clíni- of common cold symptoms. Pcdiatric Infcct Ois J. 1988;7(3):223-8.
co não for eficaz, deve-se considerar a indicação de cirurgia
antirrefluxo. No entanto, antes de se recomendar procedi- Gastai OL. Estudo do refluxo gastrcsofágico em pacientes com sin-
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LucianoMüller Corrêada Silva
DaniloCortozi Berton
73
dispneia é resultante da interação de múltiplos fatores fisio-
Introdução lógicos, psicológicos, sociais, além de poder ind uzir respos-
Dispneia é o termo usado para caracterizar uma experiência tas fisiológicas e comportamentais secundárias.'
subjetiva de desconforto respiratório que engloba distintas Pacientes com doença cardiopulmonar são geralmente
sensações qualitativas que variam em intensidade. O ato de limitados em suas atividades por desconforto respiratório.
respirar é único entre todas as funções vitais na medida em Redução na capacidade funcional, na qualidade de vida e
que não somente é regulado pelos centros involuntários lo- incapacidade são consequências frequentes desse sintoma.
calizados no tronco encefálico, mas também por sinais vo- A dispneia é responsável por substancial disfunção e incapa-
luntários iniciados no córtex cerebral. cidade, além de inúmeras consultas a cada ano.
Assim como um indivíduo pode ter algum controle sobre
sua ventilação, sensações provenientes da atividade respi-
ratória afetam a taxa e o padrão de ventilação, bem como
a capacidade funcional individual. Desarranjos nos centros
Mecanismos da dispneia
controladores da respiração, na bomba toracopulmonar ou A compreensão dos mecanismos fisiológicos que levam à
nas áreas de trocas gasosas podem gerar sensação descon- dispneia pode permitir melhor assistência ao paciente e me-
fortável ao respirar. Por outro lado, fatores psicológicos e lhor tratamento desse sintoma debilitante.
culturais podem influenciar a reação à sensação de dispneia, A dispneia é frequentemente associada a condições nas
isto é, um indivíduo mais rude pode negligenciar um descon- quais o estímulo (drive) respiratório está aumentado ou o
forto respiratório e ir além das limitações experimentadas sistema respiratório está sobrecarregado do ponto de vista
por outra pessoa mais sensível às mensagens corporais. mecânico. Além disso, a intensidade da dispneia pode ser
O contexto no qual uma sensação ocorre pode também modificada pelo desequilíbrio entre o comando respiratório
ter impacto sobre a percepção de um evento. A sensação motor (sinal originado no sistema nervoso central - SNC) e
percebida durante um exercício intenso evoca reações muito a retroalimentação aferente originária dos vários receptores
diferentes do que as mesmas sensações ocorrendo em re- do sistema respiratório. Esses conceitos embasam o modelo
pouso. Durante o exercício, essa sensação pode ser perce- neurofisiológico: receptor -t impulso aferente -t integra-
bida como normal, enquanto no repouso pode causar gran- ção/processamento no SNC -t impulso eferente -t dispneia.
de ansiedade se interpretada como sinal de uma condição Embora os sinais aferentes associados à dispneia sejam
patológica. Desse modo, pode-se fazer uma distinção entre recebidos, integrados e processados no SNC, pouco é real-
"sensação", a ativação neuronal resultante de um estímulo mente conhecido acerca dessas atividades neuronais. A sen-
proveniente de receptores periféricos, e "percepção", a re- sação de esforço muscular é dada pela percepção consciente
ação individual de uma pessoa a essa sensação. Portanto, a da ativação muscular esquelética. As evidências disponíveis
sugerem que essa sensação surge da ativação simultânea
(proveniente do córtex motor e/ou dos neurônios do centro
Descritores da dispneia
respiratório no tronco cerebral) do córtex cerebral senso- A dispneia abrange diversas sensações distintas em termos
rial no momento em que os músculos são sinalizados para qualitativos que provavelmente se originam de diferentes
contrair. A sensação de esforço é relacionada com a relação mecanismos fisiopatológicos. Uma grande variedade de
entre a pressão gerada pela musculatura respiratória e a má- estudos tem demonstrado que pacientes com diferentes do-
xima capacidade de gerar pressão dessa musculatura. enças respiratórias relatam descritores específicos da sua
A sensação de esforço ventilatório aumenta quando o doença. Utilizando uma análise por grupamentos, Mabler e
comando central motor dos músculos respiratórios precisa colaboradores3 constataram que a descrição " trabalho/esfor-
aumentar, ou seja, quando a carga que a musculatura tem de ço" foi comum a diferentes grupos de pacientes que tinham
sobrepujar está aumentada ou quando a musculatura respi- várias doenças cardiopulmonares. Entretanto, cada diagnós-
ratória está enfraquecida por fadiga, paralisia ou aumento tico foi associado a um único conjunto de descritores. Por
dos volumes pulmonares (situação em que o diafragma fica exemplo, asma foi associada a "trabalbo/esforço" e "aperto",
em posição de desvantagem mecânica). doença pulmonar intersticial a "trabalbo/esforço" e "respi-
Decorre daí o conceito de relação tensão-comprimento ração rápida". Além disso, pacientes com DPOC relataram
inapropriada dos músculos respiratórios, segundo o qual a que sua dispneia foi percebida mais frequentemente durante
dispneia surge de um distúrbio na relação entre a força ge- a inspiração do que durante a expiração. 3
45
rada pelos músculos respiratórios e a alteração resultante Em dois outros estudos que avaliaram a dispneia cau-
no comprimento dos músculos ou nos volumes pulmonares. sada por diversas doenças cardiopulmonares, indivíduos
Essa teoria tem sido refinada ao incorporar o conceito de portadores da mesma condição selecionaram combinações
descompasso entre o sinal motor para os músculos respirató- únicas de frases q ualificadoras que caracterizavam seu des-
rios e a informação aferente recebida no SNC? conforto respiratório (QUADRO 73.1).
Com base nesses princípios, surgiram os termos "disso- Infelizmente, a atual compreensão da dispneia não per-
4
ciação neuromecãnica" 3 e "dissociação eferente-reaferente" nüte, de forma conclusiva, associar uma doença especifica a
para expressar o desequilíbrio entre a informação aferente um mecanismo fisiopatológico ou um grupamento de des-
para o SNC e o comando motor eferente disparado para os critores qualitativos específicos. Ademais, na maioria das
músculos respiratórios. Nessa " teoria do desequilíbrio" en- doenças, a dispneia é provavelmente associada a mais de um
tre atividade neuronal e subsequente débito ventilatório, o mecanismo e compartilha descritores qualitativos comuns.
cérebro anteciparia ou esperaria uma determinada resposta
ventilatória, de acordo com a informação aferente recebida,
que acaba por não acontecer. 2
Entretanto, outros mecanismos além da sensação de
Mensuração da dispneia
esforço da musculatura ventilatória são aventados para Os objetivos de se mensurar a dispneia são discriminar a in-
explicar observações clínicas e experimentais de dispneia. tensidade do sintoma entre pacientes e determinar se a disp-
Para um dado nível e padrão de ventilação, tanto pacientes neia mudou ao longo do tempo ou como resultado de uma
quanto indivíduos normais têm mais dispneia em situação de intervenção. Métodos psicofísicos e escalas clínicas têm sido
hipercapnia, mesmo que o esforço ventilatório seja o mes- usados para avaliar essa manifestação. Métodos clinicas me-
mo quando comparado com uma situação de normocapnia. dem a magnitude da tarefa física que evoca o sintoma. Thstes
Igualmente, se a ventilação é suprimida abaixo dos níveis di- psicofísicos se baseiam na medida da dispneia em resposta a
tados pelo drive químico, um grande aumento na dispneia cargas de trabalho aplicadas externamente.
é observado, mesmo que os índices de esforço ventilatório
diminuam 5 ·6
A hipoxia tem sido considerada outro mecanismo que Instrumentos clínicos
poderia ser causador de desconforto ventilatório indepen- Nos últimos anos, vários questionários foram desenvolvidos
dentemente do nível de ventilação. Indivíduos normais são para avaliar a intensidade da dispneia com base nas ativida-
mais dispneicos ao exercício quando estão respirando uma des diárias. Essa abordagem depende da lembrança do pa-
mistura de gás hipóxico e menos dispneicos quando respi- ciente e descrição de suas atividades diárias, da capacidade
ram uma mistura com 100% de Olcigênio. Em pacientes com funcional, bem como do tempo e esforço para cumprir uma
doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC), a administra- atividade. Um dos questionários originais e mais tradicional-
ção de oxigênio melhora a dispneia em parte pela redução mente empregado é a escala de cinco pontos desenvolvida
oxigênio-induzida nos níveis de ventilação, mas também pa- em 1959 por Fletcher e colaboradores6 considerando uma
rece haver um efeito direto, independente de qualquer al- única dimensão, ou seja, associar tarefas físicas (como cami-
teração na ventilação. Apesar dessas observações, a hipoxia nhar determinada distância no plano ou subindo ladeiras)
parece ter um papel limitado como causa direta de dispneia que causam dispneia. Sete anos após o seu desenvolvimento,
em pacientes com doença cardiopulmonar. Alguns pacientes o Conselho de Pesquisa Médica britânico (Medicai Research
com hipoxia não têm dispneia, ao passo que muitos pacien- Council - MRC) 1 propôs uma escala similar que tem sido
tes com dispneia não têm hipoxia, ou, para aqueles que têm extensivamente usada em estudos epidemiológicos, avalia-
hipoxia, frequentemente uma pequena melhora do sintoma ção da história natural de doenças, avaliação diagnóstica e
é observada após correção dos níveis de oxigênio.2 ensaios clínicos (QUADRO 73.2).
QUADRO 73.1 7 Sensações de dispneia associadas a diferentes condições

lm:mm
Respiração rápida X X

hpiração incompleta X

Respiração superficial X X

Esforço aumentado X X X X

Sufocação X X

Fome de ar X X X

Aperto torácico X

Respiração pesada X

DPOC • doença pulmonar obstrutiva crônica; ICC • insufid~ncia cardiaca congestiva; DPI • doença pulmonar intenticial; ONM • doença neuromuscular; DVP • doença
vascular pulmonar.

QUADRO 73.2 7 Escala e IDT são somadas para formar um resultado basal (O a 12)
e de transição ( -9 a +9).
O. Oispneia a exerdcios intensos.
1. Oispneia andando rápido no plano ou subindo ladeiras leves.
2. Caminha mais lentamente do que pessoas da mesma idade devido Instrumentos psicofísicos durante teste de
à dispneia ou precisa parar para respirar andando normalmente no
plano.
exercício
3. Para para respirar após caminhar 90 metros ou alguns minutos no Graduar a intensidade da dispneia por meio de escalas en-
plano. quanto o paciente realiza exercício físico em um ergômetro
4. Não sai de casa devido à dispneia. (esteira ou cicloergômetro) é outra abordagem utilizada
para quantificar a dispneia. Esses instrumentos visam esti-
Fonte: Modificado de Medicai Research Council.'
mar a experiência individual desenvolvida durante atividade
física. Tipicamente, o individuo classifica sua dispneia du-
rante o exercício em uma escala de percepção de dispneia
A escala do MRC tem mostrado ser um excelente instru- com variação categórica de O a 10 desenvolvida por Borg10
mento para categorizar pacientes conforme a gravidade de ou em uma escala analógica visual (VAS)."
sua dispneia, bem como para predizer sobrevida em pacien-
A VAS consiste em uma linha de 10 em, representando
tes com DPOC. 8 Entretanto, é limitada como instrumento ausência de dispneia no inicio e dispneia extrema ao final. O
de avaliação da dispneia pelo fato de suas amplas gradua-
paciente marca um ponto na escala que correlaciona com o
ções tornarem difícil detectar pequenas porém importantes
grau de dispneia experimentado. O escore é obtido medin-
mudanças na dispneia com intervenções e não fornecerem
do-se do início ao ponto marcado.
adequada informação sobre o esforço necessário para reali-
zar uma determinada tarefa (p. ex., um paciente pode obter A escala de Borg, apresentada no QUADRO 73 .3, é am-
substancial melhora de sua dispneia durante uma tarefa es- plamente usada para quantificar a dispneia experimentada
pecifica mudando o esforço empregado nessa tarefa, como durante testes de exercício. Apresenta duas vantagens: a
reduzindo a velocidade da caminhada). presença de descritores da dispneia que permite comparar
Dessa forma, instrumentos clinicos multidimensionais individues na medida em que esses definidores têm signifi-
foram desenvolvidos para fornecer uma avaliação mais cados semelhantes para diferentes indivfduos, além de os
abrangente da gravidade da dispneia. Os instrumentos mul- valores da escala de Oa 10 poderem ser usados como alvo
tidimensionais mais utilizados são os Índices de Dispneia para ancorar a intensidade de prescrição de treinamento
Basal (IDB) e 'Il'ansicional (IDT), desenvolvidos por Mahler físico.' 2
e colaboradores,9 em 1984, considerando três componentes:
comprometimento funcional, magnitude de trabalho e mag-
nitude de esforço. Para o IDB, a cada componente é atri-
buído um valor de O(dispneia grave) a 4 (sem dispneia), en-
Abordagem diagnóstica da dispneia
quanto o IDTvaria de -3 (maior deterioração) a +3 (maior O primeiro passo no diagnóstico diferencial da dispneia é
melhora). As notas para cada um dos três domínios do IDB classificá-la como aguda ou crônica.
QUADRO 73.3 ~ Escala categórica de Borg para pefcepçáo da Muitas vezes, os próprios sintomas e sinais do paciente já
dispneia durante atividade física definem de forma mais direta a causa da dispneia aguda: por
exemplo, do.r anginosa aguda típica no infarto do miocárdio·
O. Ntnhuma sinais claros de edema pulmonar na insuficiência cardfaca;
0.5 Muito, muito leve fatores de risco e/ou sinais de trombose venosa profunda
1. Muito leve na embolia pulmonar; hipotensão, !urgência venosa e aba-
2. leve famento de bulhas no tamponamento cardíaco; histórico de
3. Moderada
doença re_spiratória crônica e sibilãncia na broncoconstrição;
4. Pouco intensa
5. Intensa dor toráctca aguda em pontada, ventilatório-dependente, e
6. com redução unilateral do murmtírio vesicular no pneumo-
7. Muito intensa tórax; tosse e febre na infecção respiratória; história clmica
8. clara de engasgo e tosse com corpo estranho na obstrução de
9. via aérea alta).
10. Muito, muito intensa
- M.!xima

Fonto; Borg.'' [I) ATENÇÃO


Deve estar claro para o clfnico que nenhum exame
complementar substitui adequada anamnese e exa-
Dispneia aguda meffsicol
A dispneia aguda é defmida como um desconforto respirató-
rio que evolui de minutos a algumas horas, de inicio súbito.
O diagnóstico diferencial da dispneia aguda é circunscrito a
apenas algumas condições cardíacas e pulmonares (QUADRO Em pacientes idosos(> 65 anos) atendidos em emergên-
73.4). Envolve, basicamente, distúrbios circulatórios, pul- cia, os diagnósticos mais frequentes foram edema pulmonar
monares ou mecânicos. No entanto, em muitas vezes, pode eardiogênico (43%), pneumonia adquirida na comunidade
se~ o resultado de exacerbação de uma doença crônica pre- (35%)~ exacerbação de doença respiratória crônica (32% ),
eJUstente e desconhecida até então pelo paciente. É muito embolta pulmonar (18%) e asma aguda (3%). 13 Nesse estu-
importante que o cünico interrogue sobre quaisquer outras do, até 47% dos pacientes apresentavam pelo menos dois
manifestações, incluindo a própria dispneia em menor inten- diagnósticos. Deve ser mencionado que em até 25% das exa-
sidade, que possam estar presentes anteriormente. cerbações de DPOC em que há refratariedade ao tratamen-
Causas que também não devem ser esquecidas são trau- to inicial pode estar presente embolia pulmonar."
ma ccr_vicaVtorácico/abdominal, envenenamento (p. ex., A histó.ria e o exame ffsico é que devem orientar a solici-
mon_óJUdo de carbono, salieilatos, organofosforados), dis- tação de exames. O uso indiscriminado do chamado "painel
túrbt_os metabólicos (eetoacidose diabética, sepse), alergias de dispneia" (BNP, troponina I, CPK, CPK-MB, D -dlmero
(angtoedema), infecções de via aérea superior com edema quantitativo), além de ser de alto custo, em nada acrescenta
à avaliação clínica criteriosa.
farfngeo/tonsilar/laringeo, sindrome da distrição respirató-
ria do adulto (uso de drogas ilícitas, intoxicação, infecções), O D-dímero só deve ser utilizado em pacientes com pro-
doenças neuromusculares, arritmias e problemas psiquiá- babilidade pré-teste baixa de embolia pulmonar segundo o
tricos (transtorno do pânico, sindrome de hiperventilação), escore de Wells modificado. Por exemplo, se não há um diag-
sendo estes tíltimos sempre considerados como diagnóstico nóstico alternativo que melhor possa explicar a dispneia do
de exclusão. paciente, a pontuação mfnima no escore já é 3. Nesse caso,
a probabilidade pré-teste é moderada e o D-ditnero já per-
de a validade diagnóstica. No caso da troponina I, CPK e
CPK-MB, não há como excluir infarto do miocárdio, mesmo
QUADRO 73.4 ~ Causas mais frequentes de dispneia aguda com elas e um eletrocardiograma normal. Um paciente de
alto risco deve permanecer na emergência e seguir o proto-
Sistema cardiovascular colo de dor aguda. Já o BNP só deve ser usado em pacientes
- Infarto do miocArdio cujo diagnóstico de insuficiência cardiaca é considerado. Um
- lnsufici~ncia cardíaca valor menor do que 100 ng!mL tem um valor preditivo ne-
- Tamponamento cardíaco gativo de 90%. Um valor maior do que 500 ng!mL tem um
valor preditivo positivo de mais de 90%. Valores entre 100
Sist~a respiratório e 500 ng!mL não têm valor diagnóstico, pois podem estar
- Broncoconstrição (asma, OPOC) presentes em embolia pulmonar, hipervolernia (insuficiência
- Pneumot6rax
renal e ascite), doença critica, CQt' pulmonale ou hipertensão
- Embolia pulmonar
- lnfec:çJo pulmonar (bronquite, pneumonia)
pulmonar.
- ?bstrução de vias aéreas- rnec.inica, ou por ed~a (anafilaxia, Na FIGURA 73.1, ~proposto um algoritmo diagnóstico e
onfec:ções) de tratamento simples, mas efetivo, para a abordagem da
------- dispneia aguda.
Sem risco imediato de vida

Patência da via aérea Htst6ria clínica e exame físico


Pneumotóru,
temponamento cardíaco +
Radiografia de tórax. ECG,
Hemoptise oximetria
Acesso venoso

Oxige-no tenpia O.ognósb<o onMiirndo DiagnóstiCO definido


Suporte ventolatório

Suporte hemodtnâmtco l l
8NP Tratamento

Acompanhar evoluçóo
Oxunetri1 ,j;
Solicitar eumes pertinentes
>500 < 500

:J,
Considerar ecocardiografta com ou sem
Tratar como insuficiência tomografia computadorizada de t6ra.x com FIGURA 73.1 7 Algoritmo para dispneía
cardfaca contraste aguda.

Dispneia crônica
Pontos-chave na dispneia aguda A dispneia crônica é definida como dispneia que dura mais
~ A pat~ncia da via aérea deve ser a p roo rodade. do que um mês. Em aproximadamente dois terços dos pa-
~ Medir de forma acurada os sonais vitais . cientes que se apresentam com essa forma de dispneia, a
~ Sempre monitorar, constantemente, os sinais clfnicos causa é cardiopulmonar. Um grupo significativo de pacien-
que indiquem insufid~nda respiratória grave. tes apresenta a dispneia como único sintoma, e há signifi-
~ Nunca confiar em demasia em um único achado (exa· cativa desproporção entre o sintoma e variáveis fisiológicas.
me flsico ou exame complementar) .
Além disso, a história cllnica só identifica as causas corre-
~ Nunca se precipitar no d iagnóstico. tas de dispneia em 66% dos casos. os Nessa situação, asma,
~ Sempre acompanhar a evoluçlo do paciente. Muitas DPOC, doença pulmonar intersticial e cardiomiopatia são as
vezes, o diagnóstico define-se na evoluçlo (observa- principais causas. Outras causas q ue não podem ser despre-
çlo e verificação de resposta ao trata mento) e não na
zadas são descondicionamento físico (diagnóstico de exclu-
apresentaçlo inicial.
são) e anemia. Uma lista mais completa pode ser visualizada
~ Na falta de um d iagnóstico alternativo após história
dlnica, exame físico e exames inociaos (rad iografia de no QUADRO 73 .5.
tórax. eletrocardiograma, oximetria, hemograma e O primeiro passo na avaliação da dispneia crônica con-
outros). sempre considerar a possibilidade de embo- siste em estabelecer qual é o sistema envolvido: cardíaco,
loa pulmonar. respiratório, ou ambos. Em cerca de um terço dos pacientes,
~ Taquipneia nem sempre é sinal de doença pulmonar a causa da dispneia é multifatorial.
(considerar causas metabólicas e neurológicas). Para pacientes que já estejam com um tratamento ade-
-+ Jamais deixar um paciente com padrão respiratório liml- quado da causa da dispneia, o descondicionamento físico
trofe longe da sala de observação (p. ex., sem acompa- deve ser considerado. O descondicionamento físico em pa-
nhamento médico em uma sala de raios X) ou encaminhá· cientes com doença cardiopulmonar frequentemente é uma
-lo para internação em enfermaria. das principa is causas de dispneia refratária ao tratamento
~ Nunca liberar um paciente da emergência, quando medicamentoso, ou comportamental. Muitas vezes, o t rata-
for o caso, sem encaminhamento e instruções claras mento da dispneia depende muito mais de uma reabilitação
a respeito do seu problema. cardiopulmonar bem planejada e executada do que propria·
mente de mudanças no esquema medicamentoso instituído.
Na avaliação clínica, a história e o exame físico podem
determinar o provável diagnóstico da dispneia crônica em
pelo menos metade dos pacientes. No QUADRO 73.6, estão
QUADRO 73.5 ~ Diagnóstico diferencial de dispneia crônica Na FIGURA 73.2, é proposto um algoritmo para maior sim-
plicidade e direcionamento na investigação. Obviamente,
Causas cardíacas nem todos os testes de cada nível precisam ser realizados.
- Insuficiência cardíaca congestiva À medida que testes menos complexos são executados e o
- Doença arterial coronariana acompanhamento do paciente revela novos dados, um dire-
- Arritmias cionamento diagnóstico cada vez maior pode ser alcançado.
- Doenças pericMdicas
O algoritmo apenas fornece uma ideia bem clara de que
- Doenças cardíacas valvulares
existe um nível de complexidade crescente na investigação
Causas pulmonares que deve ser respeitado.
- DPOC
-Asma
- Doença pulmonar intersticial
- Derrame pleural Tratamento da dispneia como sintoma
- Neoplasias malignas
- Bronquiectasias extensas
isolado
Outras causas (menos comuns) ~ATENÇÃO
- Doença tromboembólica
- Dispneia psicogênica (diagnóstico de exclusão) O tratamento da dispneia sempre deve ser direciona-
- Descondicionamento do para a sua causa. No entanto, em muitos casos,
- Hipertensão arterial pulmonar
mesmo com o tratamento da causa subjacente, é
- Obesidade mórbida
- Anemia severa necessário o tratamento do sintoma, principalmente
- Doença do refluxo gastresofágico em pacientes com doença avançada (câncer, doença
- Condições metabólicas (acidose, uremia) cardiaca ou pulmonar).
- Cirrose hepática
- Tireoidopatias
- Doenças neuromusculares
- Deformidades da parede torkica Quanto ao uso de fármacos, os opioides são os mais efi-
- Obstrução de via aérea superior (estenose traqueal, doença cazes. Devem ser reservados, exclusivamente, para aqueles
laríngea) pacientes com doença avançada e intratável, quando todas
as medidas possíveis de tratamento da doença de base já fo-
ram contempladas. O esquema a seguir16 resume o uso de
opioides na dispneia intratável em pacientes com doença
discriminadas informações da história e do exame físico que avançada que necessitam de medidas paliativas adicionais
podem auxiliar no diagnóstico diferencial da dispneia crôni- (QUADRO 73.7).
ca. No entanto, por mais claros que sejam os sinais e sinto- Conforme se observa, devem ser preferidas as prepara-
mas, é fundamental a realização de exames complementares ções de curta ação e evitadas as formulações de liberação
para a confirmação diagnóstica. lenta, que são menos efetivas para alívio da dispneia e cau-
Por exemplo, no caso da DPOC, casos moderados muitas sam mais efeitos colaterais. Para efeitos adversos como náu-
vezes são somente identificados pela espirometria. Mesmo sea e tontura, há tolerância com o tempo de uso e com uma
para casos mais graves de DPOC, uma avaliação médica glo- titulação adequada para a grande maioria dos pacientes,
bal apresenta uma razão de verossimilhança positiva muito conforme mencionado no quadro. Provavelmente, o efeito
baixa. mais indesejável seja a constipação. Nesse caso, medidas
Para insuficiência cardíaca, os melhores indicadores de preventivas devem ser tomadas (uso de laxativos, supositó-
disfunção ventricular esquerda são presença de terceira bu- rios, enemas, pró-cinéticos), mas em um grande número de
lha, impulso apical alterado e distensão jugular. A presença casos há limitações de eficácia. Recentemente, um novo fár-
dessas três variáveis praticamente confirma o diagnóstico de maco (metilnaltrexona)" começou a ser testado para o alívio
insuficiência cardíaca. da constipação associada ao uso de opioides.
Para asma, um alto nfvel de suspeição deve ser mantido. O uso de benzodiazepínico como fármaco isolado não é
Um padrão com sintomas respiratórios episódicos associa- útil para o tratamento da dispneia. O uso isolado de opioides
dos a possíveis fatores desencadeantes é muito sugestivo de é suficiente na grande maioria dos casos. No entanto, há si-
asma. Nesse caso, 68% dos pacientes com um padrão inter- tuações em que transtornos de ansiedade podem aumentar a
mitente de dispneia têm asma, ou síndrome de hiperventila- sensação de dispneia. Nesses casos, o uso de benzodiazepínico
ção.15 O diagnóstico de asma é confirmado com espirometria em um curto espaço de tempo pode ser útil. Contudo, para pa-
demonstrando reversibilidade com uso de broncodilatador, cientes com transtornos de ansiedade, o encaminhamento ao
ou corticoides (sistêmico ou inala tório). Thstes de bronco- psiquiatra é necessário para que fármaeos mais específicos se-
provocação (metacolina e exercício) também são utilizados. jam utilizados. O uso a longo prazo de benzodiazepínieos deve
QUADRO 73.6 ~ Dados da história clínica, sinais e sintomas que podem auxiliar no diagnóstico diferencial da dispneia crônica

Dispneia importante, fatores de gatilho, rinite alérgica, polipose nasal, expiraçAo Asma
prolongada, sibilância, melhora parcial ou total com broncodilatadores

Tabagismo > 20 anos-maço, idade > 40 anos, tosse e expectoração crônicas, expiração DPOC
prolongada, sibilância, dispneia a esforços, tórax em barril, uso de pontos de ancoragem

História de hipertensão arterial sistêmica, coronariopatia, diabetes melito, ortopneia, Insuficiência cardíaca
dispneia paroxfstica noturna, edema de membros inferiores, turgência jugular, terceira
bulha (B3), crepitações ou sibilância

Transtorno de ansiedade generalizada, transtorno de estresse pós-traumático, transtorno Ansiedade, hiperventilação


obsessivo-compulsivo, síndrome da hiperventilação, doença do pânico

Dispneia pós·prandial Refluxo gastresofágico, aspiração, alergia alimentar

Hemoptise Neoplasia, pneumonia, bronquiectasia, estenose mitral,


malformação arteriovenosa

Pneumonias de repetição Neoplasia pulmonar, bronquiectasia, disfagia

Efeito de fármacos Betabloqueadores, amiodarona, nitrofurantoína,


metotrexato, drogas ilícitas

História de doença, ou tratamento imunossupressor, AIDS Infecções oportunistas (Pneumocystis jírovecii,


citomegalovirus, mitoses, tuberculose, bactérias)

hposição ~ poeira inorgânica, asbesto, ou a substâncias voláteis Pneumoconiose, silicose, beriliose, asbestose

Exposição à poeira orgânica (pássaros, fungos) Pneumonia de hipersensibilidade

Hiperfonese de B2 em foco pulmonar, sopro pansistólico tricúspide, terceira bulha, Hipertensão pulmonar
edema periférico, !urgência jugular, extremidades frias, ascite

Ruídos (estridores) inspiratórios e expiratórios auscuhados na traqueia Obstrução central de vias aéreas, paralisia de prega
vocal, estenose traqueal, tumores

Ruídos respiratórios unilateralmente diminuídos, ou abolidos Pneumotórax, atelectasia, derrame pleural

Crepitantes teleinspiratórios, hipocratismo digital, infiltrado pulmonar intersticial Pneumonia intersiticial fibrosante
característico na radiografia de tórax

QUADRO 73.7 ~ Tratamento da dispneia intratável em pacientes ser evitado. A buspirona é útil para o alívio dos sintomas de an-
com doença avançada siedade, com a vantagem de não ter efeito sedativo importante.
Quanto ao oxigênio, é útil somente para o alívio da
Pacientes sem uso prévio de opioides dispneia associada à hipoxemia. Para os pacientes sem hi-
- Dispneia leve poxemia, o efeito parece ser, principalmente, secundário ao
- Codeina 30 mg via oral de 4/4 horas. Metade da dose pode ser fluxo de ar pelas narinas.'8 Logo, o uso de ar comprimido
repetida de 1/1 ou 2/2 horas. em pacientes sem hipoxemia para alívio da dispneia é mais
Dispneia grave custo-efetivo.
- Sulfato de morfina 5 mg de 4/4 horas. A mesma dose pode O tratamento cogrutivo-comportamental também tem
ser repetida de 1/1 ou 2/2 horas, conforme a necessidade. A
importãncia. O suporte psicossocial, o uso de técnicas de re-
titulação da dose pode ser realizada mediante aumentos de 50
a 100% da dose anterior a cada 24 horas. Para pacientes com laxamento e o ensino de manobras e técnicas para economia
DPOC, iniciar com metade da dose e titular com aumentos de de energia nas atividades diárias apresentam efeito relevante
25% a cada 24 horas. na modulação da intensidade da dispneia, com melhora da
Pacientes com uso prévio crônico de opioides qualidade de vida.
- Iniciar com uma dose 25 a 50% maior e titulá·la de acordo com o
recém~xposto.
Paciente com dispneia crônica

Anamnese e exame físico detalhado


Realização de testes de nfvel1 conforme indicado
j,
Sim
Diagnóstico Evidente? _ , _

l
Diagnósticos possíveis (p. ex.): Solicitar testes do nfvel 2

Asma
Diagnóstico Evidente?
DPOC
j, Não
Insuficiência cardíaca congestiva Sim Realizar testes de nível 3

Derrame pleural j,
Diagnóstico Evidente?
Anemia
Cifoe-scoliose Sim I
Diagnósticos possíveis (p. ex.): Diagnósticos possíveis Considerar

lnsufic:i~ncia cardfaca congestiva Doença do refluxo Oispneia psicogênita


gastresofágico
Doença pericárdica Encaminhamento
Doença arterial coronariana
Doença cardíac;.a valvular
Descondicionamento
OOênça arterial coronariana
Hipertensão arterial
Arritmia pulmonar

Doença pulmonar restritiva, ou


intersticial

Tromboembolismo pulmonar
crônico

Nfv..l1 Nlvel2

Hemograma
Hemograma
Pró-BNP
Perfil metabólico
Espirometria com volumes e difusão (Dlco)
Radiografia de tórax
Ga.s ometria arterial
Ecocardiograma de repouso
Tomografia computadorizada de tórax de alta
Espirometria com broncodilatador
resolução
Oximetria digital não..invasiva
Holter de 24 horas

Cintilografia perlusionaVventilat6fia
Nfvel3
Cintilogfafia miocáfdica
Cateterismo card!aco

Teste cafdiop1.dmonaf fase 11


(ergoespirometria)

Fibfobfoncoscopia

pH esofógico de 24 horas
FIGURA 73.2 7 Algoritmo de investigação sistematizada para
Bi6psia pulmonaf dispneia crônica.
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Dorvaldo Paulo Tarasconi
74
Tiago Noguchi Machuca
Guilherme Loureiro Fracasso

Introdução Anatomia arterial brônquica


A hemoptise pode apresentar repercussões clínicas leves, Os pulmões têm um duplo sistema circulatório arterial. O
quando bá perda sanguínea de pequena monta, ou represen- principal, que responde por 99% da circulação, é o da artéria
tar uma urgência mêdica grave de alta mortalidade, quando pulmonar, e este raramente origína hemoptise.
maciça.
O conceito de hemoptise maciça varia na literatura,
porém, na concepção mais aceita, significa uma perda por -) ATENÇÃO
expectoração de um volume de sangue de 300 a 600 mL
em 24 horas. ' O conceito "funcional" de hemoptise maci- As artérias brônquicas, responsáveis apenas por 1o/o
ça, entretanto, parece-nos mais apropriado. Nesse sentido, da circulação dos pulmões, constituem a fonte da
a hemoptise é " maciça" quando a perda sanguínea é de hemoptise na maior parte dos casos (90%).'
volume suficiente para pôr em risco a vida do paciente.'
A morte na hemoptise maciça costuma se dever à asfixia,
e não à hipovolemia. A mortalidade varia de 50 a 100% As artérias brõnquicas nutrem a traqueia e os brônquios,
quando o tratamento se limita apenas a medidas conser- os linfonodos regionais, a pleura víscera! e o esôfago, além
vadoras.2 dos vasa vasorum da aorta, da artéria pulmonar e da veia
Opções terapêuticas variam desde medidas clínicas até pulmonar.
técnicas mais invasivas como broncoscopia, embolização As variações anatômicas na circulação arterial brônquica
e mesmo cirurgia. O tratamento por embolização arterial são comuns,' porém, para fins práticos, é suficiente aqui
é considerado, hoje, a intervenção terapêutica inicial mais mencionar que o padrão mais frequente inclui um tronco in-
eficaz e universalmente aceita da hemoptise maciça, tanto tercostobrônquico à direita e uma ou duas artérias brônqui-
de forma isolada quanto como um modo de postergar o tra- cas à esquerda. O tronco intercostobrônquico está presente
tamento cirúrgico definitivo até que o paciente tenha sua em aproximadamente 80% dos indivíduos e é constituído
condição clínica otimizada. 2.l Na hemoptise recorrente, a por um ramo arterial brônquico e pela terceira artéria in-
embolização arterial brônquica também está indicada, apre- tercostal direita. Não é infrequente um tronco arterial único
sentando bons resultados. para as artérias brônquicas direita e esquerda (FIGURA 74.1).
FIGURA 74.1 -+ Áreas hiperêmicas multifo-
cais, nutridas por artéria brônquica esquer-
da hipertrofiada originada de tronco comum
com artéria brônqu ica direita . Diagnóstico:
linfangioliomiomatose pulmonar. (A) pré-em-
bolização. (8) p6s-embolização com microes-
feras de PVA.

As referidas artérias costumam originar-se da aorta ao nível da ou deve ser realizada com cuidados técnicos refinados,
de T5 e T6, sendo consideradas anômalas as originadas em a exemplo de uso de microcateter com a extremidade po-
outros níveis. sicionada além do ponto de origem da artéria medular. A
As artérias brônquicas anômalas originam-se mais fre- embolização acidental da artéria de Adamkiewicz pode cau-
quentemente no arco aórtico, podendo também ter origem sar isquemia medular e sua consequência mais dramática, a
variada, sobretudo em artérias subclávias, tronco arterial paraplegia. A embolização de artéria rad icular não acarreta
braquiocefálico, artéria mamária interna, tronco tireocervi- maior risco de complicação neurológica.3·'
cal e artéria frênica inferior. A frequência relatada de arté-
rias anômalas varia de 8,3 a 35% .2
Fisiopatologia
~ATENÇÃO A fonte da hemoptise é, na grande maioria das vezes, uma
área pulmonar hipervascularizada, sede de inflamação crôni-
No estudo angiográfico prévio à embolização, é de ca, nutrida pela circulação arterial brônquica. Com frequên-
extrema importância identificar artérias que nutrem cia, artérias sistêmicas não brônquicas participam da irrigação
a medula espinal, quando passfveis de serem opaci- dessas lesões hipervasculares. Entretanto, muito raramente a
ficadas, sobretudo as artérias medulares anteriores. hemoptise é causada por lesão da artéria pulmonar.2
A inflamação pulmonar crônica pode levar à obstrução
do Jeito distai da artéria pulmonar e à consequente hiper-
trofia compensadora da circulação brônquica local. Pode
Essas artérias raramente se opacificam na arteriografia.
também desencadear neoangiogênese com vasos de paredes
Dois tipos de artérias destinadas à medula espinal podem ser
frágeis e propensos a sangrar. O aumento da pressão nesses
identificados: as artérias radiculares e as artérias medulares
vasos ou a erosão de suas paredes pelo processo inflamatório
anteriores. Estas últimas, cerca de oito, são as mais impor-
crônico podem desencadear hemoptise. '·2
tantes e reforçam o suprimento sanguíneo da artéria espinal
anterior.

Principais causas
~ATENÇÃO Entre as doenças inflamatórias mais frequentemente asso-
ciadas à hemoptise, destacam-se a tuberculose, a aspergilose,
A artéria de Adamkiewicz, ou artéria medular ante- as bronquiectasias e a fibrose clstica. A neoplasia de pulmão
rior maior, irriga a porção lombossacral da medula também responde por número considerável de casos e mere-
espinal e apresenta uma tfpica configuração na ar- ce consideração. A realidade brasileira também segue essas
teriografia descrita como "em grampo de cabelo" tendências. Em estudo realizado em Recife com 50 pacientes
(hairpin).' admitidos por hemoptise, a causa diagnosticada foi tuberculo-
se pulmonar ativa em 8%, neoplasia de pulmão em 10%, bola
fúngica em 16% e bronquiectasias em 38% dos casos.5
Quando, na arteriografía, essa artéria for identificada A fatalidade da hemoptise associada à tuberculose foi
originando-se da artéria que se pretende embolizar, seja destacada por Rasmussen em 1868, em um relato de 11 óbi-
intercostal ou brônquica, a embolização está contraindica- tos por hemoptise, com oito deles decorrentes de cavernas
tuberculosas.6 Desde então, os falsos aneurismas observados A radiografia de tórax pode fornecer informações cru-
em cavernas tuberculosas recebem o nome de aneurismas de ciais na conduta do caso e, de acordo com diferentes estu-
Rasmussen. dos, pode esclarecer o local do sangramento entre 33 e 82%
A colonização secundária da caverna tuberculosa por dos casos. Uma vez que a maioria dos casos está associada
outros agentes, principalmente oAspergillus sp., contribui de a doenças inflamatórias/infecciosas ou neoplásicas, o acha·
forma substancial para a ocorrência de hemoptise. Dentre do de infiltrado pulmonar, massa ou escavação é frequen-
as hipóteses para esse fenômeno, destacam-se a fricção do te. Ao médico intervencionista, que tratará a hemoptise por
conglomerado fúngico com a parede brônquica hipervas- embolização, intere.ssa saber onde se situa a lesão pulmonar
cularizada, a liberação de enzimas pelo fungo ou, ainda, o potencialmente sangrante ou, pelo menos, em qual pulmão
desenvolvimento de infecção ftíngica localizada. Nos casos está situada.
de aspergiloma, a hemoptise é um dos principais sintomas e A tomografia computadorizada com contraste (angioto-
ocorre em 50 a 80% dos pacientes. mografia), realizada de preferência com equipamento com
Reforçando a associação com bronquiectasias, na série multidetectores, é o exame de maior utilidade para o radio-
de 170 pacientes com essa afecção avaliados no Pavilhão logista intervenciooista, pois não apenas demonstra as lesões
Pereira Filho da Santa Casa de Porto Alegre, 41% apresen- pulmonares, como fornece um "mapa" das circulações brôn-
tavam hemoptise.7 A fJSiopatologia é semelhante à da tuber- quica e não brônquica do tórax. Entretanto, a gravidade da
culose, com hipervascularização brônquica e anastomose en- situação nem sempre permite sua realização antes de uma
tre as circulações sistêmica e pulmonar devido ao processo intervenção hemostática.
inflamatório. A endoscopia respiratória assumiu papel crucial no diag-
A hemoptise é uma complicação comum em pacientes nóstico e manejo da hemoptise. Embora a fibrobroncoscopia
com fibrose cística e merece atenção especial não somente seja frequentemente diagnóstica e terapêutica, o seu canal
pela sua gravidade, mas também pelo fato de conferir piora de aspiração pode não ser suficiente em casos de sangra-
no prognóstico a longo prazo.8 mente muito volumoso. Nessas circunstâncias, associa-se a
Neoplasias pulmonares também merecem destaque broncoscopia rígida. Em casos de hemoptise maciça, o ren-
como frequente causa de hemoptise. Lesões primárias cen- dimento diagnóstico da fibrobroncoscopia é elevado, entre
trais (principalmente tumores vegetantes de histologia esca- 73e93%.
mosa) ou metástases endobrônquicas (sítio primário renal
ou colônico) fazem parte do diagnóstico diferencial. Thmo·
res carcinoides, devido à sua predileção pela árvore brôn·
quica oentral, também podem se manifestar clinicamente na
Conduta terapêutica
forma de hemoptise. Em estudo recente envolvendo 126 pa-
cientes com tumores carcinoides operados no Pavilhão Pe· [I] ATENÇÃO
reira Filho, 11,9% apresentavam hemoptise.9 Além disso, o
sangramento pode ocorrer como complicação do tratamento Lembre-se: o paciente com hemoptise maciça morre
medicamentoso do câncer de pulmão. Essa situação peculiar por asfixia, e não por choque hemorrágico. Portanto,
está associada ao uso de inibidores da angiogênese, como o o objetivo inicial deve ser garantir a perviedade da
anticorpo monoclonal inibidor do fator de crescimento do via aérea.
endotélio vascular.

Apesar de a conduta terapêutica definitiva exigir proce·


dimento invasivo, medidas clínicas iniciais são fundamentais
Investigação diagnóstica e podem garantir a chegada do paciente até o centro cirúr-
Durante a abordagem diagnóstica do paciente com sangra- gico (endoscopia respiratória) ou até a sala de radiologia
mente, é fundamental que se excluam causas gastrintestinais intervencionista. Após a defmição da lateralidade do sangra·
ou da via aérea alta, uma vez que demandam investigações mento, o posicionamento do paciente em decúbito sobre o
e tratamentos completamente diferentes. Em determinadas lado acometido evita a aspiração de sangue para o pulmão
ocasiões, essa distinção é delicada: pacientes com sangramen- não comprometido. Pacientes com Pa0 2 inferior a 60 mmHg
to gastrintestinal ou da via aérea alta podem aspirar o sangue devem receber oxigenoterapia. Uma vez que aoessos vigoro-
para a via aérea baixa. A anamnese deve concentrar-se nas sos de tosse podem aumentar ou reiniciar o sangramento, é
características do sangramento, como aspecto, situações de- possível utilizar baixas doses de codeina na tentativa de su·
sencadeadoras, volume de sangue eliminado (tarefa muitas prirnir a tosse.
vezes difícil e estimada grosseiramente), e também em con- Um acesso venoso de grande calibre deve ser obtido,
dições pregressas que possam auxiliar na definição da causa. assim como amostra de sangue para exames laboratoriais e
O paciente em geral consegue informar o lado do sangramen- tipagem sanguinea (de acordo com particularidades de cada
to pela sensação de peso ou dor ipsilateral. O exame ffsico, caso). Tendo em vista que a principal causa de hemoptise é
através da ausculta, também pode ajudar na determinação do infecção respiratória, critérios diagnósticos para essa afec-
lado responsável pelo sangramento. ção devem ser investigados e o tratamento antibiótico pron-
lamente institu!do. No caso de pacientes com fibrose cística,
um consenso recente sugere que bemoptise superior a 5 mL
configure indicação de antibioticoterapia.
Em casos de hemoptise maciça com comprometimento
respiratório óbvio, o paciente deve ser transferido para o
centro cirúrgico e submetido a uma broncoscopia. Caso o fi-
brobroncoseópio não seja capaz de aspirar todo o volume de
sangue, a broncoscopia rfgida deve ser utilizada. A sua capa-
cidade de aspiração é muito ma.i or e ainda se pode garantir
a via aérea do paciente, permitindo a entubação e ventilação
do pulmão não comprometido.
Dentre as modalidades endoscópicas mais frequente-
mente utilizadas para hemostasia, destacam-se o uso de soro
fisiológico gelado (4°C) com vasoconstritor e o isolamento
da topografia do sangramento por um cateter-balão. Quan-
do se utiliza soro fisiológico gelado com adrenalina, cuida-
do especial deve ser dedicado a pacientes cardiopatas, uma FIGURA 74.2 ~ Aortografia torácica descendente. Sao identificados
vez que existem relatos de efeitos cardiovasculares adversos, um tronco intercostobrõnquico à direita e várias artérias intercostais.
como taquiarritmias e picos hipertensivos. A área hiperêmica no pulmao esquerdo só foi demonstrada no estu-
do com cateterismo seletivo. Ver Figura 74.3.
Quando medidas endoscópicas não forem bem-sucedi-
das e o paciente apresentar rápida deterioração do quadro
respiratório, uma última opção é o isolamento de todo o
pulmão comprometido. Essa alternativa pode ser obtida me-
diante entubação seletiva com tubo simples (principalmente
para sangramentos do lado direito, visto que a entubação
seletiva à direita para sangramentos à esquerda muitas ve-
zes obstrui o brônquio lobar superior, situação em geral não
bem tolerada pelo paciente), ou ainda preferencialmente
com a utilização de um tubo de duplo lúmen, tipo Carlens
ou Robenshaw. 10
Pacientes com neoplasia pulmonar inoperável ou bola
fúngica sem condições clínicas de cirurgia podem ser trata-
dos com radioterapia.
Duas formas de tratamento mais invasivas, porém com
taxas de sucesso muito maiores, são a embolização e a ci-
rurgia.

FIGURA 74.3 ~ cateterismo seletivo. kea hipervascular, nutrida por


Embolização arterial brônquica artéria brõnquica esquerda, n3o demonstrada na aortografia.
O tratamento da hemoptise por embolização deve ser reali-
zado em serviço de hemodinãmica adequadamente equipa-
do, o que inclui angiógrafo com sistema de subtração digital,
e deve ser executado por médico com experiência em técni-
-) ATENÇÃO
cas de cateterismo e embolização, conhecedor da anatomia
arterial brônqu ica e de suas variações.
A embolização inicia-se pelo estudo angiográfico, reali- Sempre que poss!vel, deve ser feito cateterismo coa-
zado pela universal técnica de Seldinger, mediante punção xial com microcateter. o qual proporciona emboliza-
da artéria femoral comum na região inguinal. O procedi- çáo distai e mais segura. l,l
mento é realizado sob anestesia local, a artéria femoral é
puncionada através de incisão cutânea mlnima (2 a 3 mm) e
pela agulha de punção é passado o fio-guia, que conduzirá o As artérias brônquieas devem ser procuradas na aorta no
cateter diagnóstico até a aorta torácica. nivel de TS e T6, sendo o brônquio principal esquerdo uma
É recomendável iniciar o estudo angiográfico com aorta- boa referência anatômica na radioscopia.
grafia (FIGURA 74.2)2 e prosseguir com o cateterismo seletivo Os achados angiográficos mais frequentes na hemopti-
das artérias brõnquicas e de outras, se necessário (FIGURA se são áreas pulmonares hipervascularizadas nutridas por
74.3). O cateterismo seletivo é feito com cateteres pré-for- artérias brônquieas hipenrofiadas e tortuosas (FIGURA 74.4),
mados com curvas apropriadas. sluuu com a artéria ou a veia pulmonar na área hipervas-
dendo ser utilizadas partículas maiores em determinadas
circunstâncias. A esponja de gelatina Gelfoam, material
embolizante de baixo custo e de largo uso, proporciona
embolização temporária, pois é material absorvível, e por
essa razão tem seu uso restrito. Álcool absoluto e molas
embolizantes (coils) raramente estão indicados na embo-
lização brônquica.

~ ATENÇÃO
O álcool pode desencadear necrose severa de teci-
dos, e as molas podem produzir embolização muito
proximal, geralmente ineficaz, impedindo ulterior
embolização se for necessária.'
RGURA 74.4 ~ Paciente jovem com hemoptise maciça. A arteriografia
demonstra área intensamente hipervascular nutrida por artéria brôn·
quica hipertrofiada (ponta de seta) no terço médio do pulmão direito.
Há shunt broncopulmonar venoso (seta). Diagnóstico: bronquiectasias. Resultados da embolização
É de se esperar cessação imediata da hemoptise na maioria
dos casos adequadamente tratados (76 a 98%).' A recidiva
cular (FIGURA 74.4), extravasamento do meio de contraste oscila em tomo de 20%, o que pode se dever a fatores téc-
e pseudoaneurisma arterial (FIGURA 74.5). A opacificação nicos do procedimento ou à progressão da doença. A recor-
brônquica por extravasamento do meio de contraste é rara· rência é frequente na aspergilose intracavitãria ("bola fúngi-
mente vista (FIGURA 74.6).1 A decisão sobre quais artérias se· ca") e na fibrose cística (FIGURA 74.7).
rão embolizadas é baseada na combinação dos achados da Não havendo controle imediato da hemoptise, a fonte de
tomografia computadorizada, da broncoscopia e do estudo sangramento deverá ser procurada em artéria sistêmica não
angiogrãfico. brônquica ou na artéria pulmonar. Em aproximadamente
O melhor material embolizante no tratamento da 5% dos casos, a hemoptise origina-se na artéria pulmonar,
hemoptise são as micropartículas ou microesferas cali· sobretudo em lesões devidas à tuberculose (FIGURAS 74.8 e
bradas de polivinil·álcool (PVA), não absorvíveis e que 74.9). Nessas situações, a origem do sangrarnento costuma
podem ser escolhidas pelo tamanho mais adequado. As ser um aneurisma de Rassmussen, que é um pseudoaneu-
partículas que proporcionam maior segurança quanto às risma de ramo periférico da artéria pulmonar erodido em
complicações têm diâmetro superior a 325 Jk, uma vez que processo de inflamação crônica, como visto em urna cavida-
partículas menores podem ultrapassar anastomoses arte- de tuberculosa. Tal situação, assim como os raros casos de
riovenosas, produzindo infarto pulmonar ou embolização hemoptise originada de ruptura de malformação arteriove-
sistêmica à distância, além de embolizar artérias de peque- nosa (ou ffstula arteriovenosa) pulmonar, também pode ser
no calibre, não patológicas, que devem ser preservadas. As tratada por embolização, porém com técnica diferente da
partículas mais usadas têm diâmetro de 350 a 500 JJ-/ po- anteriormente relatada.

FIGU RA 74.5 ~ Mulher, 20 anos. hemop·


tise recorrente. A arteriografia demons·
tra área hiperêmica com vasos de calibre
irregular e pseudoaneurismas (setas). Há
shunt broncopulmonar com ramo da ar·
téria pulmonar (seta). Diagnóstico: bron·
quiectasias. (A) pré·embolizaçáo. (8) pós·
-embolização com micropartfculas de PVA
introduzidas por micro cateter.
Complicações
Dor torácica é frequente após a emboloterapia. Dor toráci-
ca, odinofagia e disfagia costumam ser transitórias e de reso-
lução espontânea. Complicações decorrentes de refluxo de
partículas embolizantes para a aorta podem ser evitadas com
cuidados técnicos apropriados, incluindo uso de microcate-
ter. Complicações devidas à embolização de ramos arteriais
mediastinais de pequeno calibre, que devem ser preserva-
dos, podem ser evitadas com o uso de material embolizante
apropriado.

~ATENÇÃO
A complicação mais temida decorre da embolização
FIGURA 74.6 ~ Tronco arterial comum para artérias brônquicas direi- acidental de artéria importante na irrigação da medu-
ta e esquerda. Hemoptise originada da artéria brônquica esquerda .
Bronquiectasias opacificadas por extravasamento endobrônquico do
la espinal, em especial da artéria de Adamkiewicz."
contraste.

FIGURA 74.7 ~ Fibrose dstica . Episódios de hemoptise recorrente. Tratamento por embolização em um dos episódios. (A e B) prHmbolização. (C e
O) pós-embolização com microesferas de PVA. (A e B) identificam-se áreas hipervasculares bilaterais.
FIGURA 74.8-+ Sequela de tuberculose com
bronquiectasias no lobo superior direito. He-
moptise maciça tratada com embolização
com microesferas de PVA. Uma lobectomia
eletiva foi realizada após cessação da he-
moptise por embol ização. (A) imagem sem
subtração digital. (8) imagem com subtração
digital, demonstrando hipervascularizaçáo na
lesão.

FIGURA 74.9 -+ Artéria sistêmica, ramo da


subclávia direita (A), participando na inriga-
ção de lesão hipervascular no terço superior
do pulmão direito (8).

A prevalência de isquemia da medula espinal após aérea. A avaliação de comorbidades e a otimização clinica
embolização está relatada na literatura, variando de 1,4 a também ficam prejudicadas.
6,5%.2 Contudo, com os materiais de cateterismo e embo- Frente a esses dois cenários, fica clara a ideia de que,
lização atualmente disponíveis e os procedimentos execu- sempre que possível, o paciente deve ser submetido a medi-
tados com técnica correta, é provável que as complicações das menos invasivas de controle do sangramento para então
neurológicas estejam hoje bem abaixo dos percentuais re- ser estudada a necessidade de tratamento cirúrgico. Um re-
latados. cente estudo asiático ilustra bem os benefícios dessa sequên-
cia. Em análise de 120 pacientes tratados entre 1995 e 2005,
os resultados foram muito melhores para aqueles tratados
nos últimos cinco anos do estudo (mortalidade 0% vs. 15%
Tratamento cirúrgico e morbidade 18% vs. 30% ), quando instituído um protocolo
O tratamento cirúrgico pode ser empregado em duas si- que, sempre que possível, posterga a cirurgia nas primeiras
tuações muito distintas. A primeira é a do paciente com 48 horas e favorece o uso de embolização.' 2
controle adequado do sangramento por broncoscopia ou A presença de anestesista com experiência em cirurgia
embolização, ou até mesmo espontaneamente, porém com torácica é fundamental. Sempre que possível, deve-se priori-
episódios recorrentes ou um episódio de grande risco. Nes- zar o uso de tubo de duplo lúmen, para ventilação monopul-
te caso, as funções vitais do paciente estão estabilizadas, monar e isolamento do lado da hemoptise para proteção do
pode-se fazer uma avaliação pré-operatória e otimizar con- pulmão contralateral. Quanto ao procedimento de escolha,
dições associadas ao tratamento clínico. Na segunda situa- o armamentário cirúrgico conta com técnicas que vão desde
ção, encontra-se um cenário muito mais dramático e com a ressecção pulmonar formal (incluindo a pneumonectomia)
risco muito maior. O procedimento é realizado em caráter até técnicas com preservação de parênquima, como a caver-
emergencial, quando as outras medidas menos invasivas nostomia e a ligadura da artéria brônquica ou de colaterais
falharam e o paciente já possui comprometimento da via para a parede torácica.
A decisão por uma ou outra técnica depende de parâ- 3. Yu-Tang Gob P, Un M, 'Tho N, En Sben Wong O. Embolization
metros como quadro clínico do paciente, sua condição res- for hemoptysis: a six-year review. Cardiovasc lntervent Radiol.
piratória de base, as condições do parênquima pulmonar 2002;25(1):17-25.
subjacente e sua capacidade de ocupar toda a cavidade to- 4. Wong ML, Szkup P, Hopley MJ. Pcreutaneous embolotherapy for
rácica, caso uma ressecção formal seja realizada, e o grau life-thrcatcning hemoptysis. Chcst. 2002;121(1):95-102.
de aderências pleuropulmonares. Achados de tomografia
5. Lundgrcn FL, Costa AM, Figueiredo LC, Borba PC. Hcmop·
computadorizada e reconstrução em três dimensões ajudam tysis in a rcfcrral hosppital for pulmonology. J Bras Pncumol.
muito no planejamento cirúrgico, devendo este exame ser 2010;36(3):320-24.
realizado sempre que a gravidade do paciente permitir.
6. Ycoh CB, Hubaytar RT, Ford JM, Wylic RH. Treatment of mas-
sivc bcmorrbage in pulmonary tuberculosis. J Tborac Cardiovasc
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7. Camargo JJP, Fclicctti JC, Cardoso PFG, Moreira ALS, Andrade
CF. Bronquiectasias: aspectos diagnósticos e tera~uticos. Estudo
de 170 pacientes. J Pncumol. 2003;29{5):258-63.
8. Aume PA, Mogayzcl PJ Jr, Robinson KA, Rosenblatt RL, Quitell
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nary complications: hcmoptysis and pneumothorax. Am J Respir
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Moreira AL, ct ai. Surgical treatment of broncbial carcinoid tumors:
A single-centcr CJ<pcrienee. Lung Cancer. 2010;70:158-62.
10. Santana·Cabrcra L, Arroyo MF, Rodriguez AU, Sancbcz-Pala-
cios M. Doublc-lumcn endobronchial tube in lhe managemcnt of
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Leituras recomendadas
Ariza MG, Aguiran EA. Medrano J, Mainar A, Rengel M. Thra~u­
tica nas hemoptiscs. In: Camevale FC. Radiologia intervencionista
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Aidé MA HemoptySis. J Bras Poeumol 201()-,36{3):278-80.
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409. Am Farn Physician. 2005;72(7):125~.
2. Chun JY, Morgan R, Belli AM. Radiological managcmcnt of Sakr L, Dutau H. Massive hemoptysis: an update on lhe role ofbron-
hcmoptysis: a comprchensive review of diagnostic imaging and choscopy in diagnosis and managemenL Respiration. 2010;80(1):38-
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2010;33(2):240-50.
Paulo Renato Petersen Behar
MarfliaMaria dos Santos Severo
75
ou a presença de uma doença definidora de AIDS. A lista de
Introdução doenças definidoras pode ser encontrada em Brasil. 1 Feito o
A síndrome da imunodeficiência adquirida (AIDS)• corres- diagnóstico de AIDS, fica indicado o tratamento antirretrovi-
ponde à fase avançada da infecção pelo vírus da imunode- ral salvo exceções a serem consideradas a seguir, no contexto
ficiência humana (HIV). O diagnóstico laboratorial dessa de sfndrome inflamatória de reconstituição imune (IRIS).
infecção é baseado na detecção de anticorpos contra o HIV Neste capítulo, são apresentadas apenas as doenças de-
ou na detecção de antígenos. O teste-padrão é um exame finidoras de AIDS que podem comprometer os pulmões. As
enzimático de imunoabsorbância (ElA), seguido de um teste pneumopatias relacionadas com a AIDS, assim como as de-
westem-blot confirmatório, caso o primeiro seja positivo. O mais complicações associadas a essa doença, causam ainda
ElA é também conhecido como enzyme-linked immunosor- impacto importante na morbidade e na mortalidade, apesar
ben! assay (EUSA). da sua menor incidência na atual era da terapia antirretrovi-
De acordo com o Ministério da Saúde do Brasil,'.2 as ral (TARV). E são, muitas vezes, o evento-sentinela que leva
amostras reagentes ao ElA devem ser submetidas a um se- uma pessoa com status desconhecido de infecção pelo HIV à
gundo imunoensaio com princípio metodológico diferente procura de atendimento médico.
ou antígeno distinto do primeiro imunoensaio utilizado. Contudo, uma parcela significativa dos pacientes portado-
É importante, ainda, conhecer os fatores de risco e os da- res de pneumopatias relacionadas com a AIDS se apresenta
dos epidemiológicos e clínicos do paciente que está sendo aos serviços médicos já sabedores do seu diagnóstico de in-
investigado, assim como a estimativa do período de janela fecção pelo HIV ou do diagnóstico de AIDS. Estes últimos,
imunológica, se aplicável no caso específico. É necessária a na vasta maioria das vezes, estão com a doença pelo HIV não
aprovação do paciente para a realização de tais testes. controlada por falta de adesão completa ou parcial ao acompa-
No Brasil, o Ministério da Saúde adota dois critérios para nhamento médico e à TARV. Muitos desses pacientes acabam
a definição de caso de AIDS em pessoas maiores de 13 anos tendo múltiplas hospitalizações, à semelhança do que aconte·
de idade, mais para fins epidemiológicos: o critério do Cen- ce com pacientes portadores de outras doenças crônicas.
ters for Disease Control and Prevention (CDC) dos Estados Essa noção epidemiológica tem importância prática,
Unidos, modificado, e o critério Rio de Janeiro/ Caracas.' Em uma vez que influi na ordem das hipóteses e no diagnósti-
ambos os critérios, são necessários testes sorológicos positivos co diferencial tanto das doenças como das causas. Certa-
para o HIV. Atualmente, no país, é suficiente para o diagnós- mente, o cenário clinico de um paciente que não se sabia
tico a contagem de CD4 igual ou inferior a 350 células/mm3 anti-HIV positivo e que se apresenta pela primeira vez
com uma pneumopatia é bastante diverso daquele com
hospitalizações repetidas por falta de adesão ao tratamen-
• AIDS é a expressão consagrada internacionalmente, sendo usada
em lugar de SIDA - que seria a expressão literal em português. to antirretroviral. Esta última situação acontece mais fre·
quentcmente em pacientes de baixo nível social, cultural e por citomegalovfrus (CMV), Aspergillus, criptococo e v!rus
econômico, às vezes em associação também com transtor- herpes simples.
nos psicológicos ou psiquiátricos. As doenças pulmonares que constam na lista de defini-
doras de AIDS segundo o critério modificado do CDC são

m ATENÇÃO
infecção disseminada por CMV, criptococose pulmonar, his-
toplasmose disseminada,linfoma não de Hodg)tin de células
B, de células grandes ou pequenas não clivadas ou de células
grandes, imunoblástico, sarcoma de Kaposi em pacientes
Ao ler textos sobre AIDS, é essencial considerar se
com menos de 60 anos, micobacteriose (não tuberculosa),
o estudo precedeu a disponibilidade de utilizaçAo
sepse recorrente por Salmonella não tifoide, pneumoeistose
de inibidores da protease e o amplo uso de terapia
e pneumonias bacterianas recorrentes (mais de dois episó-
antirretroviral de tripla combinaçAo. A atual terapia
dios em 12 meses).
antirretroviral modificou muito o amo natural da
Segundo o Critério Rio de Janeiro/Caracas, são inclui-
infecçAo pelo HIV. Da mesma forma, é importante
das tuberculose disseminada/extrapulmonar/pulmonar não
considerar se a informaçAo precedeu ou incluiu a era
cavitária, atribuindo-se 10 pontos a essa categoria e cinco
da profilaxia contra a pneumonia por Pneumocystis
pontos para tuberculose pulmonar cavitária ou não especifi-
Frovecíí (previamente Pneumocystls carinil) na roti-
cada. Esse critério atribui dois pontos à linfonodopatia igual
na do atendimento ou do estudo. Desconsiderar tais
ou superior a 1 em, igual ou superior a dois sítios extrain-
itens pode levar a interpretações equivocadas sobre
guinais, por um perfodo igual ou superior a um mês.'.l No
AIDS, podendo resultar em problemas no manejo e
contexto deste capitulo, essa condição é útil no atendimento
no acompanhamento do paciente. Outro filtro de
de pacientes com adenopatia hilar e mediastinal. São tam-
leitura importante é considerar a origem do texto
no que se refere às causas, pois a epidemiologia das bém atribuidos dois pontos a tosse persistente ou a qualquer
doenças infecciosas sofre variações de acordo com a pneumonia (exceto tuberculose).
Não somente as doenças definidoras, mas outras que
geografia e o clima, nos diferentes estados do pais e
nas diferentes regiões do planeta. podem ser diagnosticadas frequentemente no contexto de
imunodeficiência do HIV são apresentadas na literatura
de acordo com os niveis de linfócitos CD4. São esperadas
pneumonias bacte.rianas na faixa de contagem de linfócitos
A TARV, apesar de essencial para o tratamento de pa- T CD4 de 300 a 400, apesar de poderem acontecer também
cientes com AIDS e para o tratamento de pneumopatias com contagens mais baixas, como explicado posteriormente.
causadas pelo Hiv, como a pneumonia intersticiallinfocíti- Na faixa entre 200 e 300, esperam-se linfoma de H odg)tin e
ca, não é abordada aqui por extrapolar o objetivo específico pneumonite intersticiallinfocitica. Entre 100 e 200, pneumo-
deste capitulo. Thxto complementar em Brasil.' cistose, histoplasmose disseminada, tuberculose dissemina-
da e !infamas não de Hodgkin; entre 50 e 100, criptococose;
e para contagens menores do que 50, infecções disseminadas
[~J ATENÇÃO por CMV eMycobacterium avium .

Importa, contudo, ressaltar .que na presença de


doenças como tuberculose, dentre outras, por causa
da possibilidade do desenvolvimento da slndro~
Diagnóstico diferencial
inflamatória de reconstituiçAo imune, .o tratamento O diagnóstico diferencial de uma complicação pulmonar em
da .doença oportunista deve ser priorizado, ,a o passo pacientes com infecção pelo HIV é bastante amplo, incluin-
que o i nfcio da terapia antirretroviral deve ser pos- do causas infecciosas, neoplás.icas e cardiovasculares, como
tergado. pode ser observado no QUADRO 75.1.

Epidemiologia das doenças definidoras


de AIDS que comprometem o pulmão
Um estudo demonstrou que a bronquite aguda é a compli-
cação mais frequente, sendo duas vezes mais comum em pa-
cientes com infecção pelo HIV do que em outras pessoas.
Em segundo lugar como complicações defmidoras de AIDS
estão as pneumonias bacterianas e a pneumocistose. Mes-
mo pacientes em TARV com contagens de CD4 próximas
ao oormal costumam ter mais pneumonia bacteriana. Outras Dentre outras pistas diagnósticas abordadas adiante nes-
infecções oportunistas menos frequentes são as infecções te capítulo, o estágio da infecção pelo HIV avaliado pelos
QUADRO 75.1 -+ Causas de doença pulmonar associadas ao HIV Por exemplo, enquanto as pneumonias bacterianas agu-
por ordem de frequ~cia das costumam se apresentar com febre e calafrios, às ve-
zes acompanhadas de dor ventila tório-dependente e tosse
Bacterianas produtiva em um curso medido em dias, a pneumocistose
- Sem causa ident1f1c.1da, mas rf11)0n5iva à antibJOticoterapia se apresenta com febre e dispneia com evolução de várias
- Streprococcus pne~JII!Oiliae semanas, com piora em ritmo mais acelerado nos últimos
- Haemophilus influenzae dias. Os achados radioyáficos, apesar de não patognomô-
- ~domonas aeruginosa nicos para nenhum diagnóstico infeccioso especffico, podem
- Staphylococcus aureus configurar certos padrões que possivelmente auxiliarão na
- Enterobactérias orientação das hipóteses diagnósticas, como pode ser ob-
- Nocardia spp.
- Rhodococcus equi servado no QUADRO 75.2. Esperam-se infiltrados focais na
- Legionella spp. radiografia de tórax nos casos de pneumonia bacteriana e
infiltrado intersticial difuso nos de pneumocistose, apesar de
Micobacterianas haver variações e exceções.
- Mycobacterium tuberculosis
- Mycobacterium kansaJii
- Complexo Mycobacterium avium

Fúngicas
------------------
- Pneumocystis jirovecii
- Histoplasma capsulatum
- Ctyptococcus neoformans
- Aspergillus spp.

Virais
- Citomegalovirus
- Víru.s herpes simples
- lnfluenza
- Adenovirus
- Víru.s parainfluenza
- Vírus sincicial respirat6rio

Parasitárias Condições específicas


- Toxoplasml gondii Os aspectos clinicos, do diagnóstico etiológico ao tratamento
- Strongyloitks stercoralis das pneumopatias relacionadas com a AIDS, são apresenta-
dos a seguir sob a forma de texto. As medidas profiláticas e
Nào infecciosas
os seus critérios de indicação, interrupção e reinício apare-
- Sarcoma de Kaposi
cem sob a forma de quadros ao final do capitulo.
- linfoma n~o de Hodgkln
- Câncer de pulm~o
-
-
Hipertensão pulmonar primária
lnsuficiblcia cardíaca congestova
Pneumonia baderiana
- Pneumonite linfodtica (ou ltnfoide) A ocorrência de mais de duas pneumonias bacterianas em 12
- Enfisema meses em paciente anti· HIV positivo caracteriza um critério
- Hipersensibilidade ao abacavir definidor de AIDS. Embora a imunossupressão relacionada
com o HIV seja predominantemente por disfunção da imu-
nidade celular, há também alterações na imunidade humoral
e, em estágios muito avançados, comprometimento da fun-
dados epidemiológicos e cllnicos do paciente, pela contagem
de CD4 e/ou pela presença de candidfase podem ajudar bas- ção de neutrófilos. Assim sendo, infecções baeterianas, em
tante. A maioria dos casos de pneumocistose acontece em particular respiratórias, com frequência complicam a AIDS.
A taxa de pneumonia bacteriana é algo em torno de 100
pacientes com CD4 menor do que 200 células/mml.
vezes mais alta do que em cont.roles HIV-negativos. Como
bactérias encapsuladas, particularmente Streptococcus pneu-
m.oniae, são mais virulentas do que os patógenos oportunis-
tas, tais patógenos primários podem causar pneumonia em
qualquer estágio da infecção pelo HIV.
Em pacientes HIV-positivos, os fatores de risco para
pneumonia são imunodeficiência progressiva, tabagismo
e uso de drogas injetáveis. Por esse motivo, va.cinas contra
pneumococo e também contra hemófilo são recomendadas
para tais pacientes. EntreLanto, nem história de vacina nem
de uso de sulfametoxazoVtrimetoprim como profilaxia para
QUADRO 75.2-+ Achados radiográficos mais associados a germes costumem causar doença aguda e consotidação focal
patógenos e condições na infecção pelo HIV à radiografia de tórax, o hemófilo pode raramente causar
doença subaguda e infiltrado intersticial difuso. À medida
Infiltrado intersticial difuso que a imunodeficiência piora por falta de adesão à TARV
- Pneumocystis jirovecii ou conforme pneumonias e uso de antibióticos se sucedem,
- Mycobacterium tuberculosis por causa da provável crescente disfunção de neutrófilos
- Histoplasma capsulatum e da pressão seletiva dos antibióticos, bactérias mais resis-
Criptococcus spp.
tentes como bacilos gram-negativos fermentadores (entero-
Toxoplasma gondii
bactérias) e não fermentadores (Pseudomonas aeruginosa ),
Citomegalovirus
lnflutnza assim como estafilococos incluindo os resistentes à oxacilina
Pntumonia intersticial 6nfocítica (MRSA), passam a ser os agentes etiológicos. Pacientes que
Hipenensibilidade ao abacavir são hospitalizados para tratamento dessas pneumonias pas-
sam a acumular os fatores de risco para infecção hospitalar.
Consolidação focal Pneumonias por P. aeruginosa em pacientes 1-UV-positivos
- Pneumonia por StreptocO«Us pneumoniat e por H~ttmophHus tendem a recidivar, em vista da sua frequente colonização
influenzae do trato respiratório.
- M. tuberculosis
Outra doença que pode ocorrer, apesar do uso de sulfa-
- Legionella spp.
- Rhodococcus equi
metoxazoUtrimetoprim proftlático, é a nocardiose, que cos-
tuma ser subaguda ou crônica, limitada ao pulmão. Como
Adenopatia hilar pode cavitar, passa eventualmente a ser um diagnóstico di-
- M. tuberculosis ferencial com tuberculose. A rodococose, no cenário dessa
- H. capsulatum imunodeficiência, pode ser localizada no pulmão ou disse-
- linfoma minada. No pulmão, cursa como pneumonia crônica, com
- Complex.o Mycobacterium avium possibilidade de cavitações e derrame pleural
Cavitações O quadro clinico e o diagnóstico etiológico são seme-
- Pntumoma por Pseudomonas aeruginosa, Staphy/oco«us aureus lhantes aos abordados no Capítulo "Pneumonias", motivo
ou entl'fobactérias pelo qual não são descritos aqui.
- M. tuberculosis A antibioticoterapia é baseada nos seus pilares clássicos.
- CriptOCO«US spp. Além disso, os conceitos recém-descritos, as diretrizes de
- R. equi tratamento de pneumonia adquirida na comunidade e as re-
- H. capsulatum comendações locais de serviços de controle de infecção hos-
- Aspergillus spp.
pitalar servem como fontes para a escolha do melhor trata-
- Nocardia spp.
- Complexo Mycobacterium avium mento antibiótico específico para o paciente com AIDS que
- P. jirovecii está sendo acompanhado. Segundo a Wilkowske' da Clfnica
Mayo, no seu Simpósio de 1991 sobre agentes antimicrobia-
Nódulos ou massas nos, a antibioticoterapia deve ser sob medida (originalmente
- M. tuberculosis em inglês, tailored), ou seja, desenhada, criada ou adapta-
- Criptococcus spp. da a uma necessidade particular, à semelhança das atitudes
- Aspergillus spp. pensadas, planejadas, medidas e minuciosas do ofício do al-
- H. capsulatum faiate ao fazer um traje para um cavalheiro ou um vestido
- Nocardia spp.
- linfoma não de Hodgkin para uma senhora. Escolher a antibioticoterapia desse modo
- Sarcoma de Kaposi é transitar pela melhor atitude médica.
- Outras neoplasias

Radiografia normal
- P. jirovecii
- M. tubercu/osis
---------------------------
pneumocistose são suficientes para a exclusão desses pató-
genos primários das hipóteses etiológicas. Assim sendo, o
tratamento empírico de pneumonia bacteriana deve levar
em consideração tais possibilidades.
A maioria dos pacientes responde prontamente ao tra- Atualmente, a resistência bacteriana aos antibióticos
tamento, sendo o prognóstico semelhante ao dos pacientes está muito dinâmica e leva a mudanças frequentes dessas di-
sem HJV. O agente etiológico mais identificado é o S. pneu- retrizes. Para obter a visão mais ampla do que a do cenário
moniae, seguido do Haemophilus influenz.ae. Embora esses especifico deste capítulo, consulte o Capitulo "Pneumonias".
renquimatosas sutis. Nesta era de crescente resistência aos
Tuberculose
tuberculostáticos, é recomendado tentar ao máximo isolar
Como a doença é aprofundada no Capitulo "Micobacterio-
o M. tuberculosis e prooeder ao teste de sensibilidade aos tu-
ses" são apresentados aqui apenas aspectos relacionados
berculostáticos. O Ministério da Saúde preconiza solicitação
com' a AIDS. Há, nos últimos anos, um recrudescimento de
de cultura • identificação da espécie6 e teste de sensibilidade
tuberculose no Estado do Rio Grande do Sul segundo a Se-
em todos os casos de retratamento.
cretaria Estadual de Saúde, sobretudo na Grande Porto Ale-
O esquema básico alua! de tratamento da tuberculose no
gre, por questões de administração de saúde pública.5 Para-
Brasil, segundo a Nota técnica sobre as mudanças no trata;
lelamente, a infecção pelo HIV, em qualquer lugar, aumenta
mento da tuberculose no Brasil para adultos e adolescentes,
de forma notável o risco de desenvolvimento de tuberculose,
versão 2, de 22 de outubro de 2009, do Programa Nacional
tanto como progressão da doença primária como na sua rea-
de Controle da Thberculose, é RHZE (R, rifampicina; H,
tivação, sendo esta última provavelmente mais frequente no
Brasil, devido à alta prevalência de tuberculose-infecção no
z.
isoniazida; pirazinamida e E, etarnbutol), como apresen-
tado DO QUADRO 75.3.
país.
O Ministério da Saúde6 reafirma que permanecem as re-
No contexto de AIDS, a apresentação cUnica da tuber-
comendações de supervisionar o tratamento e de oferecer a
culose depende do grau de imunossupressão. Pacientes com
testagem anti-HJV para todos os pacientes com tuberculo-
contagem de CD4 maior do que 400 célulaslmml apresen-
se. Os outros esquemas de tratamento da tuberculose estáo
tam um quadro clínico semelhante ao dos pacientes sem
apresentados no Capitulo " Micobacterioses".
H rv, com doença cavitãria no lobo superior e com b~ixo ris-
co de disseminação extrapulmonar. A presença de smtomas
constitucionais é variável, uma vez que, nos estágios mais Micobacterioses atipicas
avançados, os pacientes tendem a ter doença disseminada Quando acontece, é geralmente uma doença dissemina-
com sintomas constitucionais proeminentes e manifestações da com sintomas constitucionais. Dentre as micobactérias
pulmonares menos comuns, como adenopatia mediastinal- não tuberculosas, o complexo M. avium e o Mycobacterium
-hilar, consolidações nos lobos inferiores e inftltrados inters- kansasii são os mais associados à doença pulmonar na
ticiais difusos, assim como derrame plural, como pode ser AIDS na sua fase avançada. Cursam de modo subagudo
observado nas FIGURAS 75.1 e 75.2. ou crÔnico com tosse, alterações à radiografia de tórax in-
A pesquisa de bacilos ãlcool-ácido resistentes (BAAR) cluindo infiltrados, cavitações e nódulos. O isolamento e
nestes casos é mais frequentemente negativa, e métodos a identificação da micobactéria a partir do escarro ou do
diagnósticos secundários podem ser necessários, como pes- lavado broncoalveolar são fundamentais para diferenciar
quisa, cultivo e teste de sensibilidade aos tuberc~lostátic;<>~· a doença de tuberculose, que é muito mais frequente e
assim como estudo anatomopatológico de espéc1mes chru- pode ter quadro cl(nico supcrponivel. Outra consequência
cos obtidos por biópsia dos loca.is comprometidos: pulmão, essencial do diagnóstico etiológico é permitir o tratamento
linfonodo, medula óssea, fígado, etc. Mesmo em casos d.e apropriado.
pesquisa e cultivo para BAAR negativos em secreções respi- O tratamento de escolha é claritromicina mais etambu-
ratórias como escarro e lavado broncoalveolar, esses exames tol. A azitromicina pode ser uma alternativa à claritromici-
podem ser positivos, inclusive na presença de alterações pa- na. Outra possibilidade é claritromicina mais etambutol mais

AGORA 75.1 7 Radiografia de tórax mostrando infiltrados difusos em


paciente com AIOS avançada e tuberculose de disseminaç~o ne~tica
(proj~o frontaO. AGURA 75.2 7 Radiografia de tórax do paciente da Fig. 75.1.
QUADRO 75.3 ~ Esquema básico de tratamento de tuberculose no Brasil

I11:1i•t·\•l#di •l• ti J
2RHZEFase intensiva RHZE 150175/400/275 mg (comprimido 20 a 35 kg 2 comprimidos
em dose fix.J combinada)

36a 50kg 3 comprimidos

>50 kg 4 comprimidos

4RH Fase de manutenção RH 300/200 mg ou 150/100 mg (cápsula 20 a 35 kg 1 comprimido ou cápsula 300/200 mg 4


ou comprimido)

36 a 50 kg 1 comp. ou cáps. de 300/200 mg + 1


comp. ou cáps. de 150/100 mg

>50 kg 2 comp. ou cáps. 3001200 mg

rifabutina. Ciprofloxacina ou ofloxacina podem substituir a pode apresentar-se ao médico em diversos tempos e graus
rifabutina na ausência desta rifocina. As doses para adultos de doença.
são estas: claritromicina 500 mg 2x/dia via oral (VO); etam-
butol 15 mg/kg/dia; azitromicina 500 mg/dia VO; ofloxacina
400 mg de 12/12 horas e ciprofloxacina 750 mg de 12/12 ho-
ras. A duração do tratamento é indefinida na ausência de
~ATENÇÃO
reconstituição imunológica, podendo este ser interrompido Em vista disso, o profissional pode, em um momen-
após um ano com contagem de CD4 maior do que 100 célu-
to, estar diante de um paciente com dispneia, hipo-
laslmm' por mais de três meses. xemia leve e radiografia de tórax normal; em outro
momento, diante de um paciente com dispneia,
Pneumocistose hipoxemia moderada e infiltrado intersticial difuso
bilateral e, em outro, ainda, diante de alguém em
A pneumonia por R jiroveci (previamente carinii) ou pneu-
franca insuficiência ventilat6ria e com um padrão
mocistose é outra doença definidora de AIDS. Na pneu-
misto de infiltrado intersticial e múltiplos focos con-
mocistose, costuma ocorrer hipoxemia e dispneia mais
fluentes de consolidação. Apesar de quadros cllnicos
marcadas do que os achados radiográficos, dentro de um
de intensidade tão diversa, todos são compatfveis
contexto de imunodeficiência grave. É importante também
com pneumocistose.
saber que se trata de uma doença infecciosa que pode evo-
luir rapidamente após a chegada do paciente ao atendi-
mento médico e que tem elevado risco de óbito. É fatal se
não for tratada. Constituem-se fatores de mau prognóstico hipoxemia,
O quadro clínico consiste em tosse improdutiva, febre comprometimento bilateral extenso, infecções pulmonares
e dispneia evoluindo há mais de duas ou quatro semanas. concomitantes, pneumocistose recorrente, níveis elevados
Em outros contextos de imunodeficiência que não a AIDS, de LDH e gradiente alvéolo-arterial (A-a) maior do que
o tempo de doença é menor, podendo ser de 5 a 14 dias. 30 mmHg. O uso de corticoides, quando a pressão parcial
A radiografia de tórax mostra infiltrado intersticial bilate- de oxigênio (PO,) é menor do que 70 mmHg ou quando o
ral difuso, porém, no início da doença, o exame pode ser gradiente A-a é maior do que 35 mmHg, diminui o risco de
normal. Neste caso, as alterações podem ser demonstra- falência respiratória e de óbito. Neste caso, deve-se ficar
das na tomografia de tórax. Há hipoxemia ou dessaturação atento à possibilidade de infecção concomitante como tu-
de oxigênio ao exercício, elevação de lactato desidroge- berculose e infecção por CMV:
nase (LDH) e contagem de CD4 menor do que 250/mm3 Idade avançada, tratamento de segunda escolha para a
(AIDS). pneumocistose, contagem de CD4 menor do que 50 células/
Dependendo da condição pulmonar prévia, de aspec- mm' , presença concomitante de CMV e longo tempo decor-
tos psicológicos como o grau de aceitação da doença pelo rido até o início do tratamento são outros fatores de mau
HIV, entre outros, como a percepção do paciente em relação prognóstico.
ao seu estado de saúde, de doenças psiquiátricas, do nível Como não é prático o cultivo de R jirovecii em labora-
social e cultural, além de outras possibilidades, o paciente tórios clínicos, o diagnóstico definitivo é dado pela visua-
lização de cistos nas secreções respiratórias, corno escarro em geral quando a contagem de CD4 é menor do que 100
induzido ou lavado broncoalveolar, cuja sensibilidade é células/mm3• Em caso de neutropenia associada ao HIV, há
de 95 a 100%. Há novas técnicas em investigação, corno mais risco de comprometimento pulmonar por Aspergilius
a reação em cadeia da polimerase (PCR) da saliva ou do spp. Os três fungos são inalados e chegam ao pulmão, onde
escarro, os nfveis de S-adenosilmetionina e de ~-glucano podem causar os sintomas iniciais. É comum, entretanto,
no sangue. que se disseminem nos pacientes com AIDS.
O tratamento de escolha consiste em sulfametoxazol!tri- A histoplasmose pulmonar costuma estar limitada a
metoprim (cotrimoxazol), 75 a 100 mg de sulfametoxazol/15 áreas geográficas endêmicas. Na AIDS, a histoplasmose é
a 20 mg de trimetoprim/kgfdia por via intravenosa (IV) ad- frequentemente uma doença disseminada cursando com fe-
ministrados de 6/6 horas ou de 8/8 horas, podendo a via ser bre, adenopatias, diarreia e lesões de mucosas e pele acom-
modificada para VO após melhora clinica. O tempo de tra- panhando o processo pulmonar caracterizado por tosse e
tamento é de 21 dias. dispneia e infiltrado intersticial difuso ou reticulonodular,
A alternativa, de acordo com a disponibilidade em nosso como nas FIGURAS 75.3 e 75.4. A presença de adenopatia
meio, é primaquina 15 a 30 mg (base) VO por dia mais clin- hilar ou mediastinal, no diagnóstico diferencial entre his-
darnicina 600 a 900 mg IV a cada 6 ou 8 horas ou clindarnici- toplasmose e pneumocistose, favorece a primeira hipótese.
na 300 a 450 mg VO a cada 6 ou 8 horas. Com a falta de dis- A detecção do antígeno de polissacarídeo do histoplasma
ponibilidade atual de pentarnidina injetável e por inalação na urina tem sensibilidade de 93% e, no sangue, de 89%.
através de Respigard 11, que seria a primeira alternativa à Hemoculturas que utilizam lisecentrifugação e lavado bron-
sulfa, o arsenal terapêutico para tratamento de pneumocis- coalveolar são geralmente positivas para histoplasmose nos
tose grave está comprometido. Alternativas não comerciali- pacientes com AIDS.
zadas no Brasil não são aqui apresentadas.
A prednisona para pacientes com P02 < 70 mmHg pode
ser utilizada do seguinte modo: 40 mg de 12/12 horas nos
primeiros cinco dias, depois 40 mg lx/dia por mais cinco dias
~ATENÇÃO
e 20 mgldia por mais 11 dias, ou seja, até completar 21 dias.
O exame micológico de lesões de pele, obtida por
biópsia, mostra frequentemente crescimento do his-
Histoplasmose, criptococose e aspergilose toplasma, o que facilita o manejo diagnóstico etioló-
Outros fungos além de R jirovecii podem causar pneumonia gico, como no caso demonstrado nas FIGURAS 75.5
em pacientes com AIDS. Os mais comuns são Histoplasma e75.6.
capsulatum, um fungo endêmico, Cryptococcus neoformans e,
mais raramente, Aspergilius fumigatus. Eles causam doença

FIGURA 75.3 ~ Radiografia de tórax mostrando infiltrados difusos em


paciente com AIDS avançada e histoplasmose disseminada. FIGURA 75.4 ~ Radiografia de tórax (perfil) do paciente da Fig. 75.3.
A aspergilose pulmonar em pacientes com AIDS ocorre
quase exclusivamente quando a contagem de CD4 é menor
do que 50 células{mml. Fatores de risco associados são uso
prévio de corticoide e neutropenia. As espécies envolvidas
são em geral A. fumigatus ou Aspergillus flavus, e, apesar da
predileção pelo envolvimento da parede de vasos sanguíneos
e pelo fato de se disseminar, é mais comum o comprometi-
mento respiratório.
Estão descritos dois tipos de doença respiratória por
Aspergillus: traq uelte pseudomembranosa invasiva e pneu-
monite invasiva. A primeira é reconhecida por febre, tosse,
dispneia, chiado e pseudomembrana exsudativa e aderente
à parede traqueal. A pneumonite invasiva pode se apresen-
FIGURA 75.5 -+ lesões de pele da face do paciente das Figuras 75.3 e tar com febre, tosse, dor pleural e bemoptise. As alterações
75.4, com AIOS avançada e histoplasmose disseminada. radiográfieas em ambas as formas podem ser semelhantes,
mostrando infiltrados difusos, cavitações e lesões focais de
infariO pulmonar. O diagnóstico definitivo exige a identifica-
ção do fungo a partir de espécime clínico apropriado, deter-
minado pelo tipo de slndrome clínica em questão.
Já na hipótese de micose pulmonar, que não a pneumo-
cistose, em paciente grave com AIDS avançada, institui-se
anfotericina B como tratamento empírico inicial. À medi-
da que o curso clinico c o diagnóstico vão apontando para
um diagnóstico especifico, o tratamento é otimizado. A
dose inicial de anfotericina B deoxicolato é de 0,25 mg/kg/
dia e, em seguida, elevada para 0,5 a 1 mg/kg/dia. A dose
máxima é de 50 mg/dia. É administrada diariamente, de
preferência pela manhã para facilitar o acompanhamento
c o manejo de efeitos adversos. Pode ser também adminis-
trada em dias alternados, de acordo com a gravidade e os
efeitos adversos. O medicamento deve ser dissolvido em
soro glicosado a 5% (10 mg por 100 mL) c infundido gota
a gota em, no mlnimo, três horas, ou em bomba de infu -
são. Não deve ser diluldo em soro fisiológico, pois sofre
precipitação.
Para a histoplasmose, a fase de indução da remissão é de
12 semanas, seguindo-se a fase da manutenção com itraco-
nazol 200 mg/dia.
O tratamento de escolha para a criptococose é a asso-
FIGURA 75.6-+ lesões de pele da coxa do paciente das Figuras 75.3 e ciação de anfotericina B deoxicolato com flucitosina. Se
75.4, com AIOS avançada e histoplasmose disseminada. esta não estiver disponível, adrnínistra-se apenas a anfote-
ricina. Na forma pulmonar da criptocoeose, pode-se usar o
fluconazol, que também é o medicamento empregado para
a fase de tratamento supressivo (proft!axia secundária). O
Na prática clínica, hemoculturas positivas para H. capsu- lluconazol é usado na dose de 400 mg!dia IV ou VO. A flu-
/atum têm, às vezes, sido o método diagnóstico mais precoce. citosina é utilizada na dose de 150 mglkg!dia, fracionada de
A pneumonia criptocócica pode cursar com febre, tosse, 6/6 horas, VO.
dispneia, dor torácica e hemoptise. São comu ns a dissemina- A duração do tratamento é longa, no mínimo de seis se-
ção e o envolvimento do sistema nervoso cenlral, e o quadro manas. Além do critério tempo de uso, outra forma de es-
ctrnico pode ser assintomático ou até incluir slndrome de tabelecer o final do tratamento é a utilização dos critérios
hipertensão intracraniana com diminuição do nlvel de cons- clínicos associados à dose cumulativa de anfotericina B, que
ciência. Pode haver lesões papulares de pele que mirnetiz.am idealmente deve atingir 1 a 2,5 g dependendo dos fatores de
molusco contagioso. Como na histoplasmose, destas lesões, risco e de gravidade do paciente. Este conceito é mais apli-
pode-se isolar o criptococo. As alterações radiológicas po- cável à meningite criptocócica do que ao comprometimento
dem também ser como as descritas para histoplasmose. A pulmonar exclusivo da doença.
cultura do lavado broncoalveolar geralmente é positiva, as- Recomenda-se manter a medicação por mais um m!s
sim como o antígeno criptocócico sérico. Mesmo em pacien- após o C. neoformans não ser mais cultivado em materiais
tes sem sinais e sintomas neurológicos, é indicada a punção clínicos, em três culturas sucessivas. A dose do fluconazol no
lombar para pesquisa do antígeno e para exame micológico. tratamento supressivo é de 200 mgldia até que, como respos-
ta ao tratamento antirretroviral, a contagem de linfócitos T
CD4 seja maior do que 200 célulaslrnrn' e permaneça assim
por três meses.
Em relação à aspergilose, até há pouco tempo, a anfote-
ricina B era reconhecida como o antifúngico de escolha para
a forma invasiva, e, dependendo de considerações que in-
cluem condições financeiras do paciente, instituição, região
ou pais onde o paciente está sendo atendido, pode ser ainda
utilizada como uma alternativa. Devido ao seu espectro mais
amplo, a anfotericina B pode ser mais recomendada quan-
do o diagnóstico etiológico não estiver estabelecido para um
caso específico; ou seja, quando houver possibilidade de que
o patógeno seja outro fungo.
A dose inicial de anfotericina B deoxicolato para as-
pergilose é de 1 a 1,5 mglkg/dia. As doses máximas devem
ser administradas logo no primeiro dia de tratamento, e a
duração não deve ser guiada pela dose cumulativa, mas por
critérios clínicos. As preparações lipidicas de anfotericina B
têm eficácia comparável à do deoxicolato, porém com menor
toxicidade. O antifúngico de escolha é o voriconazol na dose
de 6 mg!kg duas vezes no primeiro dia e 4 mg/kg 2x/dia nos
dias subsequentes. É iniciado por via IV e, tão logo a avalia- FIGURA 75.7 -+ Radiografia de tórax com infiltrados difusos em pacien·
ção cl!nica permita, é passado para VO. O itraconazol pode te com AIDS avançada e pneumonia por CMV (projeção frontal).
ser utilizado na terapia sequencial.

Pneumonia viral
Pacientes com AIDS têm risco aumentado para pneumo-
nite vira!, mas essas condições são pouco diagnosticadas.
A suspeita ellnica acontece em pacientes com contagem de
CD4 menor do que 50 células/mm3, infiltrado intersticial
e falta de alternativa diagnóstica. Nesses casos, é provável
que CMV seja o patógeno. O diagnóstico é confirmado pela
histopatologia mostrando inclusões intracelulares típicas de
CMV. A imunoistoquimica é igualmente útil. O ganciclovir
está indicado para casos confirmados ou suspeitos. As FIGU·
RAS 75.7 a 75.1O mostram um caso de pneumonia por CMY,
que exemplifica o texto descrito.
De acordo com a sazonalidade de influenza ou, como
recentemente, em períodos de pandemia, a gripe é urna
possibilidade nos casos com dado epidemiológico e quadro
clínico compatíveis. No entanto, a pneumonia por influenza
em pacientes com AIDS é incomum.

Pneumonia parasitária
É menos comum, mas pode ocorrer disseminação de Stron·
gyloides stercoralis e de outras doenças parasitárias para o FIGURA 75.8-+ Radiografia de tórax (projeção de perfil), paciente da
pulmão, como toxoplasmosc, criptosporidiose e microspo- Fig. 75.7.
ridiosc. Ainda se pode observar a sfndrome de hiperinfec-
ção por estrongiloides particularmente se também estive-
rem presentes os seus fatores clássicos de risco, como uso
prévio de corticoides, síndrome de consumo importante A toxoplasmose pulmonar é uma forma grave c rara de
e coinfecção pelo vírus linfotrópico de células T humano pneumonia, também em pacientes com marcada depres-
tipo I (HTLV-1). Na estrongiloidiase, além dos fatores de são da função imune. No Brasil, é apropriado pensar em
risco recém-citados, há pneurnonite, sepse por gram-nega- doença de Chagas disseminada, com diversos sítios com-
tivos e eventualmente meningite. A identificação de larvas prometidos, em casos de AJDS avançada, em pacientes
de cstrongiloides no lavado broncoalveolar é diagnóstica, com encefalite sem etiologia definida e associada a doença
ao passo que a presença de eosinofilia é variável. disseminada.
FIGURA 75.9 ~ Exame anatomopatológico de tecido pulmonar do FIGURA 75.10 ~ Exame de imunoistoqufmica de tecido pulmonar do
paciente das Figuras 75.7 e 75.8, coloração de hematoxicilina-eosina, paciente das Figuras 75.7 a 75.9 positivo para CMV. aumento de 400
aumento de 200 vezes, mostrando inclusões intracelulares compatíveis vezes.
com CMV.

SK cutâneo tinham a doença também no pulmão. Todavia,


Neoplasias até 16% dos pacientes com SK têm comprometimento pul-
Sarcoma de Kaposi (SK) em pacientes com menos de 60 monar exclusivo. A doença pode ser assintomática mesmo
anos de idade e linfoma não de Hodgkin são duas neo- com alterações extensas vistas à radiografia de tórax: infil-
plasias definidoras de AIDS. E, apesar de não se consti- trados nodulares com ou sem derrame pleural. A tomografia
tuir doença definidora, há maior ocorrência de linfoma de computadorizada mostra uma distribuição peribroncovas-
Hodgkin e de outras neoplasias em pacientes HIV-positi- cular dos infiltrados. O diagnóstico é feito geralmente pela
vos. Neste capítulo, é abordada apenas a neoplasia mais visualização de placas vinhosas na broncoscopia e, como as
frequente na AIDS, o SK. lesões são muito típicas e com risco de sangramento, a bióp-
O SK é uma neoplasia maligna multifocal resultante da sia pode ser não realizada. O tratamento quimioterápico é
proliferação do endotélio vascular. Pacientes com AIDS têm indicado em doença pulmonar sintomática, enquanto o tra-
100.000 vezes mais SK do que a população em geral. O SK é tamento antirretroviral é fundamental sempre.
20 vezes mais comum em homens homossexuais com AIDS
do que em homens heterossexuais hemofílicos com AIDS,
e a proporção entre sexo masculino e feminino é de 20:1.
Sua incidência, na AIDS, começou a diminuir em 1990 com Medidas profiláticas e os seus critérios
a introdução da TARV combinada.
Por ser doença multifocal, a maioria dos casos apresenta
de indicação, interrupção e reinício
lesões de pele, mucosas e outros sítios como o pulmão. Bióp- Os QUADROS 75.4, 75.5 e 75.6 contêm as principais orienta-
sias pulmonare.s mostraram que 47 a 75% dos pacientes com ções sobre profilaxia de infecções em pacientes com AIDS.

QUADRO 75.4-+ Recomendações para a prevenção da exposição a patógenos oportunistas

l•w3;1•i;!<f1@.\l·l

Histoplasma capsulatum Em áreas endêmicas, evitar situações de risco, como entrar em cavernas, limpar galinheiros. Evitar exposição a
fezes de pássaros silvestres.

Pneumocystis jirovecii Evitar contato direto com pessoas com pneumonia por P. jirovecii (evitar internação em quarto conjunto).

Citomegalovírus Evitar transfusão de sangue de doador lgG positivo para CMV, caso o receptor seja soronegativo.

Criptococcus spp. Evitar situações de risco, como entrar em cavernas, limpar galinheiros. Evitar exposição a fezes de pássaros.

Toxoplasma gondii Evitar carne vermelha mal passada e contato com gatos que se alimentam na rua. Evitar limpar caixas de areia de
gatos. Lavar as máos após jardinagem e antes das refeições.

Fonte: Adaptbdo de Brasil.'


QUADRO 75.5 ~ Indicações de profilaxia primária de infecções oportunistas para pacientes imunossuprimidos

Mycobacterium tuberculosis (pacientes com lsoniazida (5 a 1Omglkgldia) mAximo de 300


derivado proteico purificado- PPD ~ 5 mm mg/dia VO + piridoxina 50 mg/dia VO por seis
ou história de contato com bacilífero ou meses
radiografia com cicatriz pulmonar)

Histoplasma capsulatum Não indicada


Pneumocystis jirovecii (CD4 < 200) SulfametoxazoVtrimetoprim 8001160 mg VO SMz.TMP 800/160 em dias alternados ou 3x/
lx/dia semana. Dapsona 100 mgldia VO. Pentamidina
por aerossol 300 mg mensalmente
(Nebulizador Respigard 11).

Citomegalovfrus (CD4 < 50) Não é recomendada


Complexo Mycobacterium avium (CD4 < 50) Azitromicina: 1.200 mg VO por semana OU Evitar associaçAo de claritromicina com
Claritromicina: 500 mg 2x/dia efavirenz e com atazanavir.

Criptococcus sp. Não indicada


Toxoplasma gondii (CD4 < 100) SulfametoxazoVtrimetoprim 800/160 mg 1x/ Dapsona 100 mg/dia VO + pirimetamina 50
diaVO mg + ácido folínico.

fo nte: Adapt.1do de Brasil.'

QUADRO 75.6 ~ Critérios para interrupção e reinício da profilaxia de infecções oportunistas como compl icações pulmonares na AIDS

Tuberculose Interromper ao final de


seis meses

Histoplasmose Não é recomendada


a interrupção

Pneumonite por CMV Só existe recomendação


(secundária) de profilaxia secundária
para casos de retinite
porCMV

Pneumocistose (primária e 200 Três meses 100·200


secundária)

Criptococose (secundária) 100-250 Seis meses após o fim do tratamento 100-150


na ausência de sintomas

Micobacteriose atípica 100 Três meses (04 < 50-100


(primária)

Micobacteriose atípica 100 Seis meses (mínimo de um ano de 100


(primária e secundária) tratamento na ausência de sintomas)

Toxoplasmose primária 200 Três meses 100-200

Toxopla.smose secundária 200 Seis meses após o fim do tratamento < 200
na ausência de sintomas

fo nte: Adapt.do de Brasil.'


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Conduta nas
Pneumopatias
Crônicas da
Infância 76
Neste capítulo, são abordadas algumas doenças respirató-
rias crônicas da infância com ênfase no manejo específico
Quadro clínico
em pediatria. Os aspectos epidemiológicos e fisiopatológicos Em torno de 90 a 95% dos pacientes com FC podem ser
gerais são abordados nos capítulos específicos. diagnosticados a partir das manifestações clínicas clássicas
Pela sua importância em pneumopediatria, serão discu- da doença.' Em crianças, as manifestações mais frequentes
tidas: fibrose cística, bronquiolite obliterante, tuberculose e são fezes fétidas, déficit de crescimento e infecções respira-
bronquiectasias. tórias de repetição. lleo meconial ao nascimento ocorre em
10 a 15% dos casos. Os sinais clínicos que levam à suspeição
são listados no QUADRO 76.1.1. As manifestações variam de
acordo com a idade de aparecimento da doença, como pode
ser visto no QUADRO 76.1.2.

Em
Fibrose Cística Diagnóstico
Helena Teresinha Mocelin A idade ao diagnóstico é variável, podendo ocorrer desde
Gilberto Bueno Fischer o período pré-natal até a idade adulta. Em 2008, foram pu-
blicadas as Guidelines for Oiagnosis of Cystic Fibrosis in
Newboms through Older Adults: CysticFibrosis Foundation
Consensus Report,2 que determinam que o diagnóstico de
Introdução FC deve ser baseado na presença de uma ou mais manifes-
Embora a fibrose cística (FC) seja uma doença complexa e tações clínicas, história de FC em um irmão ou um teste de
com evolução desfavorável a longo prazo, avanços significa- triagem neonatal positivo ~ evidência laboratorial de
tivos no diagnóstico e tratamento ocorreram nas últimas dé- anormalidade do gene ou da proteína de condutância trans-
cadas. A seguir, é apresentada uma sfntese sobre os aspectos membrana (cystic fibrosis tronsmembrone conductance regu-
de diagnóstico e manejo de crianças com FC com base nos lator - CFfR).
consensos utilizados atualmente.
QUADRO 76.1.1 ~ Achados fenotípicos que sugerem o diagnóstico de fibrose cística

1. Doença sinusopulmonar crônica manifestada por.


a. Colonização persistente por patógenos típicos de FC, incluindo S. aureus. Haemophilus influenzae não tipâvel, P. aeruginosa mucoide e não
mucoide, Stenotrophomonas maltophilia e Burkholderia cepacea
b. Tosse crônica e expectoração
c. Anormalidades pe~istentes na radiografia de tórax (p. ex., bronquiectasias. hiperinsuflação)
d. Obstrução de vias aéreas manifestada por sibilância e aprisionamento aéreo
e. Pólipos nasais, anormalidades na radiografia e na tomografia de seios paranasais
f. Baqueteamento digital

2. Anormalidades gastrintestinais e nutricionais, incluindo:


a. Intestinais: ~eo meconial. síndrome de obstrução intestinal distai, prolapso reta!
b. Pancreáticas: insuficiência pancreâtica, pancreatite aguda recorrente. pancreatite crônica, anormalidades pancreáticas de imagens
c. Nutricionais: déficit de crescimento (desnutrição proteico-calórica). hipoproteinemia e edema, complicações associadas à deficiência de
vitaminas lipossolúveis

3. Síndrome de perda de sal: depleção aguda de sal, alcalose metabólica crônica

4. Anormalidades genitais masculinas resultando em azoospermia obstrutiva

QUADRO 76.1 .2 ~ Quadro clínico de fibrose cística de acordo com peso, em geral não apresentam manifestações clínicas carac-
a idade e aproximadamente em ordem de frequência terísticas da doença.
Os protocolos de triagem têm como objetivo a identifi-
lrrn,M1 cação de lactentes com FC, que apresentam altos níveis san·
guíneos de tripsina imunorreativa (TIR), na primeira semana
Déficit de crescimento de vida, de acordo com os pontos de corte determinados pelo
Esteatorreia laboratório que realiza o teste. Se um valor anormal de TIR
Infecções respiratórias de repetição incluindo bronquiolite/bronquite é identificado, a maioria dos programas realiza teste de DNA
ileo meconial para identificar a mutação genética conhecida de CFfR (es-
Prolapso reta!
tratégia TIR/DNA). Outros programas repetem a TIR em
Edem<Vhipoproteinemia
Pneumonia grave/empiema duas semanas (estratégia TIR/TIR). Ambas as estratégias
Slndrome de depleção de sal têm boa sensibilidade (90 a 95%), porém baixa especificidade.
Icterícia neonatal prolongada As crianças identificadas pelo teste de triagem devem
Deficiência de vitamina K ter seu diagnóstico confirmado por um teste diagnóstico di·
reto, como a dosagem de eletrólitos no suor. O diagnóstico
lrt.m1M1 de FC a partir do TIN demonstra benefícios no estado nu-
tricional, tem um potencial para a melhora dos desfechos
Infecção respiratória recorrente ou •asma• pulmonares e parece ter menor custo em relação ao diag-
Baqueteamento digital e bronquiectasias •idiopáticas• nóstico convencional.
Esteatorreia
Pólipo nasal e sinusite
Obstrução intestinal crônica, intussuscepção Dosagem de eletrólitos no suor
Hiponatremia com calor
O padrão-ouro para confirmar o diagnóstico de FC é a dosa-
Diagnóstico de fibrose dstica em familiar
gem de eletrólitos no suor, independentemente do teste de
Fonte: Adaptado de Hodson e colaboradores.' triagem, embora tanto testes falso-positivos quanto falso-ne·
gativos possam ocorrer. Para crianças assintomáticas iden-
tificadas por teste de triagem, pode ser realizado após duas
semanas de vida e com peso> 2 kg, mas, se o recém-nascido
Teste de triagem neonatal for sintomático, pode-se realizá-lo após 48 horas de vida.
Em locais onde o teste de triagem neonatal (TIN) está dis- Os níveis encontrados podem variar de acordo com a
ponível, a maioria dos casos de FC é diagnosticada a partir idade da criança no momento em que o exame é realizado
da triagem neonatal, embora alguns casos atípicos possam e devem ser muito valorizados na interpretação dos resul-
não ser diagnosticados. Alguns Estados no Brasil já imple· tados, sendo que algumas vezes determinam a repetição do
mentaram o programa de triagem. teste para um diagnóstico acurado. O diagnóstico de FC é
Diferentemente dos indivíduos diagnosticados porque baseado na dosagem de cloro no suor, com no mínimo 75
apresentam sintomas clínicos sugestivos de FC, os lactentes mg de suor obtidos pelo método de Gibson e Cooke ou no
identificados por TTN positivo, embora possam ter baixo mínimo 15 ,..L pelo método Macroduct.
Valoresde referência de doro no suor para o diagnóstico
de fibrose cística emcrianças [I] ATENÇÃO
Em crianças menores de seis meses com valores de cloro no
A chave para o diagnóstico de FC é ter um alto nfvel
suor S 29 mmoi/L, o diagnóstico de FC é improvável. Na-
de suspeição. O erro mais comum é não considerar
quelas com valores entre 30 e 59 mmoi/L, há probabilida-
FC em um paciente que está aparentemente bem,
de intermediária. Por fim, nas que apresentam valores ~ 60
não tem sintomas digestivos e não é de cor branca.
mmoVL, esse resultado é indicativo de FC.
As crianças que apresentam resultados intermediários
precisam repetir o exame e devem ser encaminhadas a um
centro com experiência em FC pediátrica, onde serão sub-
metidas a uma avaliação clínica detalhada, análise de mu-
Tratamento
tações e repetição da dosagem de eletrólitos a cada 6 a 12 O tratamento adequado melhora a qualidade e a expectativa
meses até o esclarecimento do diagnóstico. de vida em pacientes com Fc, c o prognóstico e a sobrevida
Em crianças maiores de seis meses com cloro s 39 são melhores quando realizado em centros especializados na
mmoi/L, o diagnóstico é improvável. Naquelas com valores doença. Portanto, todo paciente com diagnóstico de FC deve
entre 40 c 59 mmoi/L, é pouco provável. Por fim, nas que ser encaminhado a um centro de referência.
apresentam valores~ 60 mmoi/L, tal resultado é indicativo Várias intervençóes têm demonstrado benefícios nos
deFC. desfechos da doença, e diversos consensos internacionais so-
Um teste com cloro~ 60 mmoVL faz o diagnóstico, mas bre o manejo da FC abordam os diferentes aspectos:•s
um segundo teste confirmatório é necessário para compro- As crianças assintomáticas com diagnóstico de FC pré-
var a doença. -natal pelo TI'N ou investigação de irmão de paciente fibro-
cístico recebem tratamento diferente daquelas sintomáticas,
diagnosticadas a partir da investigação clínica. A maioria
Análise de mutação genética dos lacteotes diagnosticados pelo TIN está em risco de
Para individuas com valores de cloro intermediá.r ios, a desenvolver complicações da doença, incluindo alterações
análise do DNA pode auxiliar a estabelecer o diagnóstico. hidreletrolíticas, insuficiência pancreática e doença pulmo-
Não se faz o diagnóstico pela presença de duas mutações nar. Nessas crianças, o objetivo do tratamento é manter o
em CFTR; é neccssãrio que essas duas mutações causem creseimento normal e retardar o desenvolvimento da doença
perda funcional suficiente para resultar em um fenótipo pulmonar e das complicações nutricionais, devendo ser en-
deFC. caminhadas, imediatamente, a um centro pediátrico de tra-
tamento de FC para iniciarem o tratamento.
Atualmente, para o tratamento da FC, a maioria dos
Avaliação de insuficiência pancreática centros segue as orientações do Cystic Fibrosis Foundation
Existem vários testes disponíveis, mas com limitações no uso. Evidenee-Bascd Guidelines for Management of lnfants with
A dosagem de elasta se fecal tem sido indicada para diagnos- Cystic Fibrosis publicado em 2009/ que se baseia no seguinte:
ticar e monitorar a insuficiência pancreática. Valores < 100
1-'F/g após 2 a 3 anos de idade são indicativos de insuficiência • Educação continuada do paciente e dos familiares.
pancreática. • Recomendaçócs nutricionais, com avaliação da função
pancreática e reposição de enzimas, orientações dietéticas
e reposição de vitaminas (A, O, E e K) e micronutrientes.
Diferença de potencial nasal • Orientações sobre o manejo da doença respiratória com
1àJ exame pode ser benéfico em pacientes com dosagem de base na desobstrução das vias aéreas indicado desde os
eletrólitos inconclusiva, mas o teste exige cooperação do pa- primeiros meses de vida.
ciente pediátrico e é diffcil de ser realizado sem sedação em • Detecção precoce e controle de infecções pulmonares, in -
crianças menores. cluindo a busca da identificação de colonização bacteria-
Nos casos atípicos, é necessário complementar a in- na, especialmente por Pseudomonas aeruginosa, para ins-
vestigação. Se permanecem dúvidas quanto ao diagnósti- tituição o mais precoce possível da terapia de erradicação.
co, o paciente deve ser mantido em acompanhamento até • Monitoramento da progressão da doença e das compli-
a confirmação diagnóstica. Apesar da disponibilidade de cações.
exames mais sofisticados para se chegar ao diagnóstico de • Prevenção de infecções virais. Atualmente, não se uti-
FC, este deve ser clínico. A criança com teste positivo mas liza terapia profilática para prevenção de infecção por
sem sintomas deve ser acompanhada cuidadosamente para Staphylococcus aureus.
a detecção imediata deles quando surgirem. Na criança
com quadro clínico sugestivo mas exames negativos, deve- O QUADRO 76.1.3 resume as recomendações atuais para o
-se ampliar a investigação, revisar as técnicas de realização tratamento das manifestações pulmonares.
de exames, excluir outras doenças e tratar como FC até a O diagnóstico de FC deve ser considerado em todos os
dcfuúção do caso. pacientes com sintomatologia respiratória crônica, indepen-
dentemente de apresentarem o conjunto dos sintomas clás- 2. FarreU PM, Rosenstein BJ, White TB, Aeeurso FJ, CasteUani C,
sicos. Uma suspeição precoce pode levar a um diagnóstico Cutting GR, et ai. Guidelines for diagnosis of cystic fibrosis in new-
antes que a progressão da doença ocorra. boms through oldcr adults: Cystic Fibrosis Foundation eonscnsus
O manejo da FC deve incluir uma equipe multidiscipli- report. J Pediatr. 2008;153(2):$4-14.
nar altamente motivada. 3. Borowitz O, Robinson KA, Rosenfeld M, Oavis SO, Sabadosa
A transição para a clínica de adultos deve ser feita de KA, Spear S, et ai. Cystic Fibrosis Foundation cvidenec-bascd gui-
forma progressiva e levando em consideração as diversas delines for management of infants with cystic fibrosis. J Pediatr.
mudanças que caracterizam essa faixa etária. Deve-se buscar 2009;155(6 Suppl):$73-93.
a manutenção do relacionamento com a equipe e a criação 4. Flumc PA, O'Sullivan BP, Robinson KA, Goss CH, Mogayzcl PJ
de novos vínculos. Jr, Willey-Courand OB, ct ai. Cystic fibrosis pulmonary guidclines:
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QUADRO 76.1.3 ~ Recomendações atuais para o tratamento das manifestações pulmonares

llthHJJltJ W lii·IJ;@IWM !tfli]l


Dornase alfa ~ 6 anos com doença pulmonar moderada Melhora na função pulmonar e A
a grave redução das exacerbações
2: 6 anos assintomático ou com doença
pulmonar leve

Solução salina ~ 6 anos Melhora na função pulmonar


Redução das exacerbações
Baixo custo

Tobramicina 2: 6 anos com doença pulmonar moderada a Melhora na função pulmonar A


grave e infecção crônica por Pseudomonas Redução das exacerbações (dias de
~ 6 anos assintomático ou com doenca hospitalização)
pulmonar leve e infecção crônica por Redução das exacerbações
Pseudomonas

Outros antibióticos 2: 6 anos com infecção crônica por


(coli.stina, gentamicina, Pseudo monas
ceftazidima)

Antibiótico Contraindicado o
profilático antiestafilococos

Macrolfdeos 2: 6 anos com infecção crônica por


Pseudomonas

Antileucotrienos

Corticoides inalatórios 2 6 anos com asma ou aspergilose Melhora na função pulmonar D


Redução das exacerbações

Corticoides orais 6 a 18 anos, sem asma ou aspergilose Contraindicados o


Mucoliticos
(N-acetilcisteína)

Beta,-agonista contínuo ~ 6 anos Melhora na função pulmonar em


curto tempo
Melhora na função pulmonar não
é clara
*pacientes com hiper-responsividade

A • fortemente recomendada; 8 • recomendada; C • não h' recomendação nem conllaindicação; O • contraindicação; I • sem evidências suficientes.
Fonte: Adaptado de Flume e colaboradores.'
EI!J
Bronquiolite Obliterante
Pós-Infecciosa
Gilberto Bueno Fischer
Helena Teresinha Mocelin
Paulo camargos

Quadro clínico típico RGURA 76.2.2 -+ Tomografia computadorizada de alta resolu-


ção em expiraç3o mostrando perfusáo em mosaico. bronquoec-
Lactente de nove meses vem à consulta encamonnado pelo pe-
tasias e atelectasoa de lobo onfenor esquerdo.
doatra por apresentar tosse, sibil~ncia e dofKuldade ventilatória ----~----------
desde os seis meses de idade. Nasceu de parto normal, sem
intercorrências. Permaneceu higido até a idade de infcio dos
sintomas. No quadro inicial, tinha febre, sobil3ncia e doficulda- Foram investigadas outras causas (imunodeficiência, fi·
de ventilatória intensa que piorou em dois dias após o apareci· brose cística, doença do refluxo gastresofágico, distúrbio de
mente das manifestações, o que determinou hospitalização e deglutição, tuberculose, aspiração de corpo estranho), com
transferência para unidade de terapia intensiva (UTI). resultados normais.
A pesquisa de vírus realizada por imunofluorescência in· Concluiu-se diagnóstico de bronquiolite obliterante p6s-
direta revelou-se positiva para aclenovlrus. O lactente precisou ·infecciosa.
de ventila~ mec3nica por cinco dias. Ap6s a melhora, ficou
ainda 30 doas internado necessitando de oJOgenoterapoa SYple-
mentar. Na alta para o domicilio, estava sintomático (sobilos,
dofkuldade ventilat6ria), com saturação de oxigênoo de 90%.
Ao ~xame, apresentava sibilos d ifusos, taquopneoa e cr~ita­ Introdução
çOes ~ terço inferior pulmonar esquerdo.
A radoografia da internação (Figura 76.2 .1) mostrava A bronquiolite obliterante pós-infecciosa (BOPl} é uma en-
achados sugestivos de bronquiolite obliterante com alça- fermidade respiratória pouco frequente e potencialmente
ponamento aéreo, bronquieclasias e hipertransparência de grave que acomete crianças após infecção respiratória grave.
parênquima. A apresentação cHnica é caracterizada por doença pulmonar
obstrutiva crônica (DPOC) associada a alterações inflama-
tórias e diferentes graus de fibrose em pequenas vias aéreas.
Em crianças, a bronquiolite obliterante pode ser secun-
dária a várias causas, como infecções, principalmente virais,
pós-transplante e aspiração de gases tóxicos. Enquanto nos
países desenvolvidos a principal causa da bronquiolite obli-
terante está associada a transplante, nos países em desenvol-
vimento (Brasil, Argentina, Chile), a causa mais frequente
são infecções virais graves nos primeiros anos de vida.
Os principais agentes infec:ciosos que desencadeiam esse
processo são adenovfrus, infiuenzavirus, virus parainfluenza,
virus do sarampo e vírus respiratório sincicial. Mycop/asma
pneumoniae e Chlamydia trachomatis também podem estar
associados ao desenvolvimento de bronquiolite obliterante.
FIGURA 76.2.1 -+ Radiografia de tórax evidenciando hiperinsu- O adenovírus é o principal agente etiológico, sendo que cer-
flaç3o pulmonar, hipotransparência de parênquima, área de ate- ca de 70% dos pacientes com bronquiolite obliterante têm
leclasia e bronquieclasias em lobo inferior esquerdo. esse agente identificado no episódio inicial, especialmente
os subtipos 3, 7 e 21. 1

Solicitou-se ent3o uma tomografia computadorizada de


alta resolução (TCAR) de tórax (Figura 76.2.2) com imagens
~ insptraç3o e expiração. A TCAR confirmou os achados da
Quadro clínico
radiografia de tórax. As manifestações clínicas não são específicas. Um lactcnte
previamente hlgido que se apresenta com quadro clinico de
bronquiolite vira! aguda {BVA} ou pneumonia vira! (coriza,
febre, tosse e, após 2 a 3 dias, sibilância) evolui com difi- O diagnóstico é estabelecido com base em achados clíni-
culdade ventilatória, em geral grave. A maioria necessita cos de DPOC e tomografia de tórax e pulmão após exclusão
de tratamento em UTI, ventilação mecânica c oxigenotera- de outras causas.v O QUADRO 76.2.1 sugere os critérios a se-
pia, com frequência por períodos prolongados. A partir do rem utilizados para o diagnóstico.'
episódio agudo, o paciente mantém os sintomas de doença Após a confirmação do diagnóstico, é muito importan-
obstrutiva (taquipneia, aumento do diâmetro ãntero-pos- te diagnosticar comorbidades associadas ou decorrentes da
tcrior do tórax, crepitações, sibilos c muitas vezes bipoxe- bronquiolite obliterante, como síndromes aspirativas (reflu-
mia), não responsivos ao uso de broncodilatadores e corti- xo gastresofágico, distúrbio de deglutição), cor pu/mona/e,
coide sistêmico. desnutrição e hipoxemia.
Nos primeiros anos de vida, além dos sinais e sintomas
de doença obstrutiva crônica, os pacientes apresentam exa-
cerbações frequentes (obstrutivas ou infecciosas), que mui-
tas vezes exigem novas hospitalizações, podendo aumentar
Tratamento
o dano pulmonar preexistente. Outro achado comum é a Não existe tratamento específico, mas várias tentativas em-
dessaturação durante o sono e ao exercício. Com o passar píricas têm sido empregadas. A terapêutica de suporte vem
dos anos e, provavelmente, dependendo do grau de acometi- sendo utilizada na tentativa de diminuir a sintomatologia
mento pulmonar, os sintomas têm sua intensidade reduzida persistente, diminuir a frequência e a intensidade das exa-
e a bipoxemia diminui, mas permanecem alterações de exa- cerbações e evitar maior perda funcional.5
me fisico (sibilos, crepitações, deformidade torácica). Des- A oxigenoterapia é direcionada aos pacientes com hipo-
nutrição e baixa reserva muscular ocorrem em cerca de 50% xemia de acordo com a saturação da hemoglobina (SatHb)
dos pacientes. medida por oximetria de pulso. Deve-se manter oxigênio por
cateter extranasal em concentrações suficientes para manter
a SatHb > 92. Em geral essas concentrações são baixas (fra-
ção de oxigênio inspirado- Fi02 - de 25 a 40%).
Diagnóstico Os broncodilatadores de curta e longa ação e os anticoli-
A radiografia de tórax na fase aguda da BVA pode eviden- nérgicos têm sido empregados para tratamento da sibilância,
ciar hiperinsuflação, infiltrado intersticial, espessamento principalmente durante exacerbações. A indicação deve ser
peribrônquico, atelectasias e consolidações. Após o episódio baseada de preferência em provas de função pulmonar. Os
agudo, podem permanecer hiperinsuflação, áreas de biper- fármacos devem ser utilizados por via inalatória com dispo-
lucência e atelectasias. sitivos adequados.
Na TCAR de tórax, os achados mais frequentes são pa- Os corticoides vêm sendo utilizados empiricamente na
drão de perfusão em mosaico, aprisionamento aéreo (os tentativa de diminuir a inflamação sob a forma de pulsote-
mais sugestivos de bronquiolite obliterante), bronquiecta- rapia ( metilprednisolona 25 a 30 mg/kg!dia, via intravenosa,
sias, atelectasias e espessamento peribrônquico. Os achados por três dias) na fase inicial da doença e, após, sob forma
costumam ser difusos e bilaterais. Atualmente, em associa- inalatória em altas doses, sendo ambas de uso controverso.
ção com o quadro clinico-evolutivo, a TC tem sido utiliza-
da como o melhor exame para estabelecer o diagnóstico de
bronquiolite obliterante. QUADRO 76.2.1 7 Critérios utilizados para se checJar ao diagnósti-
O teste de função pulmonar do lactente, quando disponí- co de bronquiolite obliterante p6s·infecciosa
vel, e a espirometria e a pletisrnografia devem ser realizados
assim que a criança consiga executar as manobras necessá- 1. História dt bronquiolite(pneumooia viral aguda grave em uma
rias para esses exames. Os achados mais frequentes são pa- criança previamente saud.ivel antes dos trés anos de idadt.
drão de obstrução fixa de grau variável, geralmente grave,
2. Evidência de obstrução persistente de via aérea após o evento
diminuição da complacência, aumento da resistência e redu- agudo, identifiCada por exame físico e/ou função pulmonar.
ção da capacidade de exercício. Em alguns casos, há resposta Essa obstru~o é ~o responsiva a, no mínimo, duas semanas de
ao broncodilatador, mas sem reversão completa.l corticoide sist~mico associado a broncodilatador.
O exame anatomopatológico - embora seja o padrão-
-ouro para o diagnóstico - é reservado para os casos em 3. Achados radiológicos de doença pulmonar obstrutiva como
que permanecem dúvidas, em função do caráter invasivo hiperinsuflação, atelectasias, espessamento brônquico e
bronquiectasias.
e do alto risco de complicações do procedimento em um
paciente geralmente muito instável. Há dois tipos histológi- 4. Padrão de perfusão em mosaico e aprisionamento aéreo na
cos: bronquiolite constritiva (97% dos casos) e bronquiolite tomografia computadorizada de tórax.
proliferativa.
Outras causas de doença obstrutiva, como fibrose cística, S. Exclusão de outras doenças pulmonares cr&lica.s que evoluem com
imunodeficiências, síndromes aspirativas, doença pulmonar sintomas respiratórios per5lS1entes, incluindo tub«cul~. fibr~
cística, displasia btoncopulmonar, imunodefociéncias, asma grave e
crônica da prematuridade, tuberculose pulmonar, malfor-
deficiência de aHa,·anbtripsina.
mações congênitas, aspiração de corpo estranho, entre ou-
tras, devem ser excluídas. fonte: fi!Che< e colabo<idorH.•
Os antibióticos são usados para tratamento das exa- 4. Fischer OB, Sarria EE, Matticllo RT. Mocelin HT, Castro-Rodri-
cerbações infecciosas (os germes mais encontrados são guez JA Post infcctious bronehiotitis obliterans in childrcn. Paediatr
Streptococcus pneumoniae, Haemophilus influenzae e Mora- Rcsp Rcv. 2010;11(4):233-9.
xel/a catarrhalis) e em casos excepcionais como tratamento S. Vega-Briceõo LE. Oinical guide for diagnosis and care of chil-
profilático. A azitromicina tem sido utilizada em outras for- drcn and adolcscents with post-infectious bronchiotitis oblitcrans.
mas de bronquiolite obliterante pelo efeito anti-inflamató- Rcv Chil Enferm Respir. 2009;25(3):141-63.
rio, embora não tenha evidências em BOPI.
A fisioterapia é recomendada para tratamento intensi-
vo das atelectasias, principalmente quando acometem lobos
inferiores, pela dificuldade de reexpansão destes segmentos
pulmonares e eliminação de secreções em pacientes com fZ!J
bronquieetasias.
A reabilitação pulmonar, semelhante à utilizada em
Tuberculose
adultos com DPOC, também tem sido recomendada, mas João Bonfadini lima
ainda não há estudos que confirmem sua eficácia. Gilberto Bueno Fischer
No que se refere à prevenção de infecções, deve-se estar
atento à possibilidade de infecção hospitalar, sobretudo de
causa vira!, em pacientes hospitalizados. A imunização an-
tipneumocócica e contra influenza é recomendada.
Quanto à nutrição, assim como em outras doenças Introdução
crônicas com repercussão nutricional (consumo energéti- A tuberculose (TB) representa ainda hoje grave problema
co aumentado), o suplemento nutricional pode ser neces- de saúde pública. Estima-se que em torno de um terço da
sário. população mundial esteja infectada, sendo notificados por
O tratamento de comorbidades, como cor pu/mona/e, ano cerca de 8 milhões de novos casos, com 3 milhões de
refluxo gastresofágico e disfagia orofarlngea, está indicado. mortos, predominantemente em países do Terceiro Mundo.'
Pacientes com bronqu iectasias sem controle com o trata- No Brasil, a prevalência é elevada e em números absolu-
mento clínico podem se beneficiar de tratamento cirúrgico. tos insere-se entre os 15 primeiros pafses do mundo.'
Já o transplante pulmonar tem sido realizado em casos mui- A situação real da TB na criança é desconhecida. Se-
to graves. Pacientes dependentes de oxigênio ou com grave gundo levantamentos da Organização Mundial da Saúde
repercussão em sua qualidade de vida com função pulmonar (OMS), a proporção da doença em menores de 14 anos osci-
muito alterada (volume expira tório forçado no primeiro se- 2
la entre 0,6 e 5,2% do total de casos notificados. Apesar de
gundo - VEF,- meoor do que 30%) têm possível indicação menos comum na criança, nessa faixa etária a TB tem maior
de transplante pulmonar. impacto por sua morbidade e mortalidade.
A dificuldade de isolar o agente infeocioso na criança e
a apresentação geralmente paueibacillfera fazem com que o
Evolução a longo prazo diagnóstico seja baseado em indicações indiretas, como cri-
térios epidemiológicos, radiológicos e cllnicos, e oo teste tu-
A maioria dos pacientes apresenta melhora lenta e progres- bereulinico. A presença de TB em uma criança está sempre
siva, embora parcial, com persistência de sintomas obstruti- associada à identificação de um doente adulto bacilífero.l
vos e alterações ao exame físico e episódios de exacerbações. Porém, levantamentos da literatura têm mostrado a identi-
Embora alguns possam apresentar piora, na maioria dos ficação desse adulto em 25 a 80% dos easos.•J
pacientes as provas de função pulmonar mantêm o mesmo
padrão obstrutivo fiXO.

Diagnóstico
Referências Aspectos clínicos e radiológicos
I. Castro-Rodrigucz JA, Oaszenies C, Garcia M, Meycr R, Oon- O quadro clínico da TB é inespecrfico na criança e está pre-
zales R. Adcnovirus pneumonia in infants and factors for dcvclo- sente em menos de 30% dos casos de infecção primária. Nos
ping bronchiotitis oblitcrans: a 5-year follow-up. Pcdiatr Pulmonol. lactentes pequenos, a apresentação pode ser mais grave e
2006;41(10}:947-53. com maior risco de progressão. No adolescente, a manifesta-
2. Matticllo R, Sarria EE, Stein R, Fischer 00, Mocelin HT, Barre- ção é semelhante à do adulto, com tosse prolongada, perda
to SS, ct ai. Functional capaciry asscssmcnt in childrcn and adolcs- de peso e suores noturnos (QUADRO 76.3.1).6
ccnts with post-infcctious bronchiolit~ obtiterans. J Pcdiatr (Rio J). Deve-se salientar que, na criança, a apresentação clf-
2008;84(4}:337-43. nica pode ser confundida com os inúmeros quadros de in-
3. Colom AJ, Thpcr AM. Clinicai prcdiction rulc to diagnosc post- fecções, principalmente vitais, muito comuns nessa faixa
·infcctious broncbiolitis oblitcrans in children. Pcdiatt Pulmonol. etária. Tal apresentação, além da precariedade do atendi-
2009;44(11 }:1065-9. mento à saúde em algumas comunidades, pode retardar o
QUADRO 76.3.1 -? Frequência de manifestações da tuberculose

m!'l"!!'ffl thi·l!l134.'·i!1
Febre Comum Incomum Comum

Suor noturno Raro Raro Incomum

Tosse Comum Comum Comum

Tosse produtiva Rara Rara Comum

Hemoptise Nunca Rara Rara

Dispneia Comum Rara Rara


Fonte: Adaptado de Ctuz e Starke'

diagnóstico, fazendo com que muitas crianças venham a complexidade por exigir hospitalização, além de ser um
ser diagnosticadas em ambiente hospitalar no momento de exame invasivo.
apresentações mais graves. Em pacientes pediátricos com quadros pu lmonares de
evolução arrastada nos quais existe suspeita de TB, a coleta
de material de via aérea e pulmão por broncoscopia tem
~ ATENÇÃO possibilitado o diagnóstico em vários casos. Deve-se con-
siderar seu uso em pequeno número de casos em razão de
seu caráter altamente invasivo e da necessidade de hospital
O achado radiológico mais caracterrstico na TB pri-
especializado. Em pacientes com doença pleural, a biópsia
mária é a linfadenomegalia, observada em mais de
por pleuroscopia com análise anatomopatológica do mate-
80% dos casos. Ela costuma ser unilateral, sendo as
rial para identificação do granuloma caseoso é o exame de
regiões hilar e paratraqueal as mais afetadas. A con-
eleição. A determinação da adenosina deaminase (ADA)
solidação parenquimatosa é um achado associado
no líquido pleural pode ser utilizada em derrames pleurais
comum, porém a adenomegalia é mais comumente
de pacientes com história de contato com TB, pois apre-
o único achado radiológico.'·'.
senta alta sensibilidade e especificidade para TB, além de
baixo custo.9
Mais recentemente, em crianças com apresentação atí-
Em algumas ocasiões, a adenomegalia é pequena e não pica ou extrapulmonar, o uso da biologia molecular com a
visível na radiografia simples e, quando a suspeita clínica é reação em cadeia da polimerase (PCR) tem permitido au-
alta, a tomografia de tórax pode identificar pequenas adeno- mentar a acurácia do diagnóstico.
megalias (menores de 2 em). A cavitação é um achado radio- Frente às limitações do diagnóstico microbiológico na
lógico incomum na criança e característico de TB pós-pri- criança, tem sido proposto - principalmente para comuni-
mária. Em determinadas situações, a TB pode apresentar-se dades de países em desenvolvimento - o uso de escores clí-
à radiografia de tórax como padrão miliar de pequenos nó- nicos. O Ministério da Saúde preconiza o uso de um sistema
dulos. Ela pode ocorrer na TB primária ou pós-primária e é que mostrou valores adequados de sensibilidade e especifi-
mais comum no lactente menor de dois anos ou no paciente cidade em pacientes ambulatoriais, sobretudo em comuni-
imunocomprometido. O pleuris tuberculoso é considerado dades com baixa taxa de coinfecção TB-vírus da imunodefi-
uma complicação da TB primária, sendo mais comum em ciência humana (HIV).9
adolescentes. Geralmente é unilateral e sem comprometi- O teste tuberculínico vem sendo extensivamente utiliza-
mento parenquimatoso adjacente. 7 do para identificar indivíduos que tenham sido infectados
pelo Mycobacterium tuberculosis e que apresentem maior
risco de estarem doentes ou se beneficiam de tratamento
Exames complementares para infecção latente. O teste pode ser interpretado como
A natureza paucibacilífera da TB na criança faz com que sugestivo de infecção quando superior a 10 mm em crianças
a tentativa de identificação do bacilo em materiais bioló- não vacinadas ou vacinadas há mais de dois anos, ou quan-
gicos tenha baixa rentabilidade. O exame direto de escar- do superior a 15 mm em crianças vacinadas há menos de
ro tem apresentado posit ividade de 10 a 15%, e a cultura dois anos. A tendência atual é considerá-lo positivo quan-
desse material pode obter valores um pouco mais eleva- do maior do que 10 mm mesmo em crianças vacinadas com
dos.8 Na criança, a coleta por aspirado gástrico apresenta bacilo de Calmette-Guérin (BCG) em qualquer época que
resultados mais elevados na cultura, porém impõe maior refiram ou tenham contato com adulto bacilífero.
As limitações do teste tuberculínico, além da interpreta- ses e R e H nos quatro meses seguintes. A identificação
ção em pacientes previamente vacinados, relaciona•se com do aumento da resistência primãria à isoniazida isolada ou
sua complexidade de aplicação e especificidade na leitura. associada à rifampicina- observada no ll Inquérito Nacio-
O derivado proteico purificado (PPD) deve ser aplicado por nal sobre resistências aos fãrmacos anti-TB -levou o Minis-
via intradérmica, e a leitura, realizada em 48 a 72 horas com tério da Saúde a introduzir o etambutol na fase intensiva
medida transversal da induração. (dois mesesJ do esquema básico para pacientes com mais
de l Oanos.'

História de contato
A história de contato com adulto bacilífero ou não deve ser
muito valorizada na criança até a idade escolar em função do Vacinação
maior tempo de exposição. Familiares da criança, em especial 11
A OMS recomenda a vacinação com BCG em dose única
os pais, seguem como os potenciais contagiantes principais.' A para todas as crianças ao nascimento. Essa recomendação
investigação das crianças que são contatos de adulto com TB é baseia-se na efetividade elevada da vacina contra formas
importante para se detectar novos casos ou identificar aquelas graves da TB nessa faixa etária (TB miliar e meningea ). O
que se beneficiarão da quimioprofilaxia (FIGURA 76.3.1). Ministério da Saúde reromenda os seguintes grupos: 12

• Recém-nascidos com mais de 2 kg


Tratamento • Recém-nascidos de mães soropositivas ou com síndrome
10
da imunodeficiência adquirida (AIDS)
O Ministério da Saúde mantém a recomendação dos três • Crianças soropositivas ou filhas de mães com AIDS, des-
fármacos (rifampicina, isoniazida e pirazinamida - RHZ) de que sejam não reagentes a prova tuberculínica e assin-
no tratamento de crianças com menos de 10 anos (TABELA tomáticas para a sindrome
76.3.1), sendo R, H e Z utilizadas nos primeiros dois me-
São contraindicações relativas:

• Recém-nascidos com menos de 2 kg


Teste tuberculínico + Radiografia de t6rax
• Dermatoses no local da aplicação ou generalizadas
• Uso de imunossupressores
Normal Sugestiva de TB
São contraindicações absolutas:

Reator
_i Trata: ento

Quimioprofi/axia
• Crianças sintomáticas para infecção pelo HIV
• Imunodeficiências congênitas

[I] ATENÇÃO
Não reator
A revacinação está indicada apenas para lactentes
vacinados ao nascimento e que não apresentem ci-
Repetir o teste após 8 semanas
catriz vacina! após seis meses de idade. Não existem
AGURA 76.3.1 ~ Investigação de contato de adulto bacilífero com me- recomendações atuais para revacinação de escolares.
nos de 15 anos.

TABELA 7 6.3 .1 ~ Esquema de tratamento da tuberculose na infância

cflol3iJWJ:@I•lt.' lflf1:J<J?,[ffi·lf·) lflfJ:<fiMffNtJ lXfJ:J(Ií\tffJ•ltJ


Primeira fase (RHZ) 10 300 450 600
2 meses H 10 200 300 400
z 35 1.000 1.500 2.000

Segunda fase (RH) 10 300 450 600


4 meses H 10 200 300 400
rado em 15 jun. 2011 J. Disponível em: http://www.cve.saude.sp.gov.
Profilaxia br/htm/tblmat_tec/tb09_nt_adulto_adol.pdf.
Existem duas modalidades de quimioprofilaxia para TB: 11. World Health Organizatioo. Vaocinc posit.ion papcrs: BCG 2004
[Internet). Geneva: WHO; e2011 [capturado em 11 jul. 2011). Dis-
• Primária: recomendada para recém-nascidos filhos de ponível em: http://www.who.int/ immunizatioo/documentslpositio-
mães bacilíferas ou que venham a ter contato direto com npapc~en/.

bacillferos. A isoniazida é administrada por três meses e, 12. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde.
após, faz-se a prova tuberculínica. Se a criança for reata- Nota técnica nO 1WDEVEP/SVSIMS: atualização da indicação da
ra, o fármaco é mantido por mais três meses. Se for não vacina BCG-10. Brasllia: Ministério da Saúde; 2010.
reatara, interrompe-se o uso e vacina-se com BCG.
• Secundária: realizada por seis meses com isoniazi-
da em menores de 15 anos que tenh am contato com
adulto bacilffero, sem sinais de doença e com prova tu-
berculínica maior do que 10 mm se não vacinados ou 11!1
maior do que 15 mm se vacinados. Também realizada
em crianças HIV-positivas comunicantes de adultos ba-
Bronquiectasias
cilíferos independentemente da prova tuberculinica o u Gilberto Bueno Fischer
assintomáticos com teste t ubercuHnico reator (5 mm Cristiano Feijó Andrade
ou mais).

Introdução
Referências As bronquiectasias em crianças estão relacionadas princi-
I. Ccgiclsló JP, Chin DP, Espinal MA, Frieden TR, Rodriqucz Cruz
palmente com algumas condições clinicas como doenças de
R, Thlbot EA, et ai. The global tuberculosis situation. Progress and
problems in the 20th ecntury, prospeets for the 21st ecntury. Infect base (fibrooe cística, imu nodeficiências, aspiração de corpo
DisOin North Am. 2002;16(1}:1-58. estranho, bronquiolite oblitcrante e pneumonias).'·'
Não se pode estimar sua prevalência real, pois ao longo
2. Datta M, Swaminathsn S. Global aspects o f tubereulosis in ehil- dos anos os critérios diagnósticos foram mudando. O adven-
dten. Paediatr Respir Rev. 2001;2(2):91-6. to de alguns equipamentos como a tomografia computado-
3. Salazar GE, Schmitz Tl., Cama R, Shecn P, Franchi LM, Ccnteoo rizada modificaram 05 critérios para o diagnóstico e permiti-
G, ct ai. Pulmonary tuberculosis in ehildrcn in a developing eountry. ram a identificação dessa complicação com maior frcquência
Pediatries. 2001;108(2):448-53. e acurácia.
Nos países em desenvolvimento, ainda são diagnostica-
4. Burroughs M, Bcitcl A, Kawamura A, Revai K, Ricafort R, Chiu
K, ct ai. Clinicai prescntation of tuberculosis in culture-positive dos pacientes com sequela de infecções bacterianas e vitais
childteo. Pediatric Thberculosis Consonium. Pediatr lnfcct Ois J. em função de retardo de tratamento, o que aumenta a pre-
1999;18(5):440-6. valência nessas regiões. Nas regiões com cobertura vacina!
adequada, as bronquiectasias secundárias a coqueluche e
S. Uma JAB, leaza EES, Mcnegotto BG, Fiseher GB, Barreto SSM.
sarampo diminuíram de forma eJq>ressiva.'
Características clínicas e epidemiológicas do adulto eootagiante da Por outro lado, a epidemia da smdrome da imunodefi-
criança eom tuberculose. J Bras Pneu moi. 2004;30(3):243-52.
ciência adquirida (AIDS) que predominou em países po-
6. Cruz A"!; Starke JR. CLinicai manifestations oftuberculosis in ehil- bres também contribuiu para a identificação de um número
dren. Paediatr Respir Rev. 2007;8(2):107-17. maior de casos nesses países.'
7. Andreu J, Cáecres J, Pallisa E, Martinez·Rodriguez M. Radio-
logical manifestations of pulmonary tuberculosis. Eur J Radiol.
2004;51(2}:139-49. Diagnóstico
8. Marais BJ, Madhukar P. Ncw approaches and emcrging tecbnolo-
gies in the diagnosis of childhood tubcrculosis. Paediatr Respir Rev.
2007;8(2):124-33.
~ ATENÇÃO
9. Castelo Filho A, Kritski AL, Barreto AW, Lemos ACM, Netto O quadro clinico de bronquiectasias em crianças não
AR, Guimarães CA, et ai. 11 Consenso Brasileiro de Thberculo- difere do apresentado pelo adulto: tosse produtiva,
sc: diretrizes brasileiras para tuberculose 2004. J Bras Pneumol. infecções respiratórias de repetição, repercussão no
2004;30(Supi1}:S2-56. estado geral, escarro purulento (em crianças com
10. Brasil. Minist~rio da Saúde. Secretaria de Vigilãncia em Saúde. mais de quatro anos que fá podem escarrar), auscul-
Programa Nacional de Controle da Thberculose. Nota t~ica sobre ta com crepitações localizadas nas áreas atingidas e
as mudanças no tratamento da tuberculose no Brasil para adultos e hipocratismo digital são os principais achados .
adolescentes [Internet). Brasllia: Minist~rio da Saúde, [2009 eaptu·
Em alguns casos, existe a necessidade de fibrobronoosco- A fisioterapia deve ser feita com a intensa participação
pia para avaliação das vias aéreas e exclusão de outras causas da família e do paciente. Equipamentos com uso de pressão
de bronquiectasias, como presença de corpo estranho ou al- expiratória positiva podem auxiliar. Quando não ocorre a
terações anatômicas.' mudança do quadro clínico durante o período de tratamen-
to, considera·se o quadro como irreversível. Nesses casos, a
cirurgia de segmento ou do lobo afetado está indicada.... Em
Diagnóstico por imagem doença difusa, algumas vezes podem ser ressecadas as áreas
Embora a radiografia de tórax seja o exame mais acessíve~ mais afetadas para reduzir a exacerbação dos sintomas. Ra-
o diagnóstico por meio dela é muito tardio, uma vez que os ramente há necessidade de pneumonectomias.
achados típicos a partir desse exame somente são percebidos O transplante pulmonar está indicado naqueles pacien-
quando a doença se encontra avançada. tes com doença difusa, sem indicação de ressecção pulmonar
A tomografia computadorizada de tórax permite o diag- e com progressão importante dos sintomas.
nóstico com grande precisão e precocidade, sendo o méto-
do de escolha para o diagnóstico dessa condição, bem como
para o acompanhamento das alterações pulmonares.
A cintilografia pulmonar não é solicitada de rotina, mas Referências
pode ser importante em pacientes com bronquiectasias difu- 1. Marostica PJC, Fischer GB. Non·cystie-fibrosis bronchiec-
sas para definir a área de ressecção pulmonar. tasis: a perspectivc írom Soutb Ameriea. Paediatr Respir Rev.
2006;7{4):275-80.
2. Karakoe GB, Yilmaz M, Altintas OU, Kendirli SG. Bronchiecta·
sis: still a problcm. Pediatr Pulmonol. 2001 ;32(2): 175-8.
Tratamento
3. CaUahan CW, Rcdding OJ. Oronchiectasis in children: orphan
O manejo das bronquiectasias depende da sua extensão, diseasc or persistent problem? Pcdiatr Pulmonol. 2002;33(6):492-6.
localização e da doença de base, podendo ser clínico ou ci-
4. Hacübrahimoglu G, Fazlioglu M, Olcmen A, Ourses A, Bedirhan
rúrgico. O manejo das bronquiectasias associadas à fibrose
MA Surgical managemcnt of cbildhood bronehiectasis dueto infec-
cfstica é abordado em capítulos específicos deste livro. tious diseasc. J Thorac Cardiovase Surg. 2004;127(5):1361·5.
Inicialmente, bronquiectasias restritas a um lobo ou
segmento são tratadas com fisioterapia intensiva e contro- 5. F'ascber GB, Moeelin HT, Ranzi L, Weozel O, Moraes R. Surgery
le de infecções bacterianas até que se julgue irreversível o for bronchicetasis in childreo. Eur Respir J. 2000;16: 124s.
processo ou que não haja controle adequado da produção 6. Melo IA. Tratamento cirúrgico das bronquicetasias que não-fi·
de escarro e das infecções pulmonares.''5 Em nosso servi- brose cística em pacientes pedi6tricos [dissenação]. Pono Alegre:
ço, o tratamento clínico é realizado por 6 a 12 meses, sendo Universidade Federal do Rio Grande do Sul; 2010.
então definido se há necessidade de intervenção cirúrgica.
Deve haver cautela quanto à decisão cirúrgica, pois em al-
guns casos, principalmente naqueles de atelectasia lobar ou
segmentar, a imagem pode ser confundida com aquelas de
Leituras recomendadas
Ashour M. Hemodynamic alterations in bronehieaasis: a base for
atelectasia persistente das bronquiectasias irreversíveis. a new subelassifieation of tbe disease. J Tborae Cardiovasc Surg.
Os antibióticos são util.i zados de acordo com o cres- 1996;112{2):328-34.
cimento resultante do exame bacteriológico da secreção
(escarro, material obtido na fisioterapia ou na fibrobron- King P. Pathogenesis of bronehiectasis. Paediatr Respir Rev.
coscopia). Geralmente as bactérias identificadas são as co- 2011;12(2):104·10.
muns do trato respiratório (Pneumococcus, Haemophilus e Redding OJ. Update on trcatment or ehildhood broncbiectasis unrc-
Bramhanella catharralis). lated to cystic-fibrosis. Paediatr Respir Rev. 2011;12{2):119-23.
Tratamento
Cirúrgico
de Afecções
Pneu mo lógicas
em Pediatria
José Carlos Felicetti
Tiago Noguchi Machuca
77
Introdução Corpo estranho
Apesar de unificar conhecimentos e práticas comuns tanto à O corpo estranho na via aérea pode ser uma situação dramá-
cirurgia torácica quanto à cirurgia pediátrica, a abordagem tica, com obstrução respiratória aguda e risco de óbito. No
do paciente pediátrico com afecção pneumológica cirúrgica outro extremo desse espectro, pode apresentar-se de forma
é bastante complexa e exige treinamento específico. Por ve- mais insidiosa, tornando-se um foco crônico para infecções
zes, o paciente requer procedimentos endoscópicos ou mes- de repetição com evolução para bronquiectasias e supuração
mo cirúrgicos que não fazem parte do cotidiano do cirurgião crônica.
pediátrico, assim como o manejo do paciente pediátrico não Devido a questões relacionadas com o desenvolvimento e
faz parte do dia a dia do cirurgião torácico. em razão da tendência constante de colocar objetos na boca,
Dessa forma, a capacitação de profissionais com treina- crianças entre 1 e 3 anos apresentam o maior risco. Outro
mento focado em afec:ções torácicas na infância é muito im- ponto essencial é a educação dos pais: a maioria dos corpos
portante para que os melhores resultados sejam alcançados. estranhos da via aérea são orgânicos e não infrequentemente
Pelo fato de contar com cirurgiões experientes nessa área, fornecidos por adultos. Dentre os mais comuns, destacam-se
além de uma equipe de pneumologia pediátrica altamente o amendoim e o milho de pipoca. Esses alimentos não devem
dedicada e referência regional, desde 2008, o Hospital da ser fornecidos para crianças com menos de 4 anos de idade.
Criança Santo Antônio disponibiliza um estágio formal para
cirurgiões torácicos com foco em pacientes pediátricos.
~ ATENÇÃO
~ ATENÇÃO Uma vez aspirado, o corpo estranho pode se alojar
em qualquer segmento ao longo do trato respirató-
Dentre as afecções pneumológicas mais frequentes rio. A localização na laringe e na traqueia é incomum
em crianças e que exigem tratamento intervencionis- e de alto risco, uma vez que facilmente pode oca-
ta/cirúrgico, destacam-se corpo estranho, derrame sionar obstrução completa da via aérea. Os sinais e
pleural, malformações congênitas e bronquiectasias. manifestações são obstrutivos: estridor, cornagem,
dispneia, disfonia e sibilancia.
O quadro mais encontrado é o do corpo estranho aloja- investigação deve prosseguir com broncoscopia flexivel, in-
do na árvore brônquica; entretanto, ao contrário do que se dependentemente de a radiografia ser normal.
observa em adultos, em crianças não existe uma predileção O diagnóstico definitivo é dado pela identificação do
clara pelo alojamento do corpo estranho no lado direito. Os corpo estranho no exame endoscópico. Em caso de eleva-
sinais e manifestações mais usuais são tosse, dispneia, engas- da suspeição nos exames de imagem, realiza-se diretamente
gos e sibilância. Pode haver hemoptise e até mesmo episó- a broncoscopia rígida com retirada do corpo estranho. Na
dios de cianose (FIGURA 77.1). ausência de confirmação pré-endoscopia, opta-se pela reali-
O elemento mais importante para o diagnóstico é a his- zação da broncoscopia flexível com inventário do trato respi-
tória clínica. Muitas vezes, o paciente e seu familiar não re- ratório bilateralmente.
latam o quadro, mas, quando perguntados especificamente, Na presença do corpo estranho, realiza-se a broncosco-
conseguem se lembrar do momento em que ocorreu a aspi- pia rígida no mesmo tempo anestésico. No caso de material
ração. O exame f'JSico fornece dados importantes, sobretudo orgânico (em especial o amendoim), pode haver importan-
no caso de sibilância unilateral. te edema da parede brônquica com impactação do corpo
A avaliação radiológica também pode mostrar sinais su- estranho. Nessa situação, todo o cuidado deve ser tomado
gestivos do corpo estranho, entre eles hiperinsuflação, ate- no sentido de não fragmentar o objeto, o que invariavel-
lectasia, consolidação ou mesmo a identificação do próprio mente ocasionaria sua disseminação distai. O uso de um ca-
corpo estranho. A detecção de hiperinsuflação é mais fácil teter de Fogarty com insuflação do balonete distalmente ao
com a radiografia em expiração, com aprisionamento de ar corpo estranho pode auxiliar na desimpactação e remoção
no lado do corpo estranho e desvio contralateral do medias- completa.
tino. Entretanto, o exame radiológico normal não afasta a A maioria dos pacientes é encaminhada para a sala de
possibilidade de corpo estranho. Se a história e o quadro recuperação e recebe alta no dia seguinte ao do procedimen-
clínico forem sugestivos de aspiração de corpo estranho, a to. Nos casos de diagnóstico mais tardio, com sinais clinico-

FIGURA 77.1 ~ Paciente de 12 anos com quadro de hemoptise. Fibrobroncoscopia sem evidência de corpo estranho. Toda a investigação para
doenças associadas a bronquiectasias foi negativa. Pela presença de doença localizada e com complicação, foi indicada cirurgia. (A e B) tomografia
de tórax com bronquiectasias na pirâmide basal direita, mais concentradas no segmento basal mediai. (C) corte coronal mostrando a dilatação dos
brônquios até a periferia do parênquima pulmonar. O paciente foi submetido à piramidectomia direita, tendo sido encontrado o corpo eS1ranho no
momento da abertura da peça (D). O corpo estranho localizava-se distalmente aos segmentos de alcance do broncoscópio.
-endoscópicos de infecção, o paciente recebe tratamento Inicialmente se utilizava como ponto de corte para con-
com antibióticos, tendo alta na sequência, para continuar o siderar o derrame como complicado o pH < 7,0. Entretanto,
curso ambulatorialmente. Em casos crônicos, já complicados a tendência mais atual, inclusive corroborada por um estudo
com a formação de bronquiectasias, a conduta ideal é não local realizado por Mocelin e Fischer/ é a utilização do pon-
remover o corpo estranho, evitando-se a inundação da via to de corte como pH < 7,2, aumentando a sensibilidade do
aérea com o conteúdo purulento da pneumonia obstrutiva. exame sem perda importante da especificidade. Outro parâ-
Nesse caso, o grau de destruição do parênquima pulmonar metro que pode ser utilizado é a glicose, sendo que um nível
deve ser avaliado, procedendo-se à ressecção pulmonar na < 40 mg/dL geralmente indica necessidade de intervenção.2
maioria das vezes. A partir da definjção de derrame parapneumônico com-
Em estudo ilustrando as características em nosso meio, plicado, o procedimento terapêutico de escolha a seguir
Lima e colaboradores' avaliaram 44 pacientes pediátricos será guiado pelos achados da ultrassonografia. No caso de
com corpo estranho na via aérea. A idade média foi de 3,2 derrame livre, a drenagem pleural fechada continua sendo
anos, e em 77% dos casos o corpo estranho era do tipo um procedimento simples e com elevada resolutibilidade.
orgânico. As alterações radiológicas mais comuns foram Entretanto, ela será pouco efetiva na presença de múltiplas
consolidação ou colapso e hiperinsuflação, mas em 7% dos loculações e septações. Nesses casos, a indicação é de video-
casos a radiografia de tórax foi considerada normal. Outro toracoscopia (ou, ainda, a drenagem fechada com instilação
achado importante do estudo foi o risco de perda funcional, de fibrinolíticos, uma modalidade pouco difundida no Brasil,
analisado pela cintilografia de perfusão pulmonar, signifi- porém com boa aceitação em países como a Inglaterra).
cativamente maior em pacientes com mais de sete dias de Em nosso meio, prefere-se a videotoracoscopia ou a
aspiração. pleuroscopia com uso do mediastinoscópio, um procedi-
mento minimamente invasivo, com a vantagem de ampla
visualização da cavidade pleural e liberação de aderências
e remoção de conteúdo fibrinoso. No caso de espessamento
Derrame pleural pleural, ela ainda pode permitir a descorticação do parên-
O derrame pleural é uma complicação frequente de infec- quima pulmonar (embora seja tecnicamente muito mais difí-
ções respiratórias em crianças. Ao contrário de adultos, cil do que a descorticação por toracotomia lateral). A incisão
quando o derrame pleural complicado costuma estar asso- ainda pode ser utilizada para lavagem da cavidade pleural
ciado a comorbidades ou hábitos de vida do paciente, em com soro fisiológico aquecido. Ao final do procedimento,
pediatria essa condição ocorre em crianças previamente hf- um dreno tubular é introduzido por outra incisão mais infe-
gidas. O prognóstico é excelente e o índice de resolução com rior e posicionado sob visão direita.
medidas menos invasivas está diretamente relacionado com Uma situação peculiar é o derrame pleural parapneumô-
a precocidade do diagnóstico e da intervenção. nico em pacientes com pneumonia necrosante. Não é inco-
As fases de evolução do derrame pleural parapneumô- mum que esses pacientes apresentem fístula broncopleural,
nico em crianças seguem a mesma sequência que em adul- com difícil manejo caso não seja realizada uma abordagem
tos, descrita no Capítulo "Empiema Pleural". A abordagem cirúrgica aberta. Nesses casos, nossa escolha é pela realiza-
diagnóstica também está fundamentada na toracocentese, ção de " necrosectomia", com remoção do tecido desvitali-
mas a ultrassonografia torácica tem um papel muito impor- zado e sutura das áreas de escape aéreo. Dificilmente esses
tante na tomada de decisões e é bem mais utilizada em crian- pacientes necessitam de ressecção formal, como lobectomia,
ças do que em adultos. devendo-se sempre balancear o controle da infecção e do
escape aéreo com a preservação de parênquima pulmonar
(FIGURA 77 .2).

Malformações pulmonares congênitas


As malformações pulmonares congênitas acontecem por
anomalia durante o desenvolvimento embrionário. A forma-
ção do broto pulmonar ocorre a partir da terceira semana
pela separação do intestino primitivo anterior. Nas três se-
manas seguintes, a vasculatura começa a se formar e a se
A toracocentese fornece dados importantes para a defi- associar aos lobos pulmonares. As artérias pulmonares se
nição da conduta terapêutica. Como destacado no caso de originam dos arcos aórticos e as veias pulmonares se origi-
adultos, o aspecto do líquido pleural e a sua análise bioquí- nam a partir da parede dorsal do átrio.
mica são fundamentais para a definição da conduta a ser se- Após a conformação vascular primordial, ocorre o de-
guida. No caso de obtenção de pus na toracocentese, o diag- senvolvimento do esqueleto cartilaginoso da árvore traqueo-
nóstico de empiema está firmado e o paciente necessitará de brônquica. Esse período se estende até a 16' semana de ges-
intervenção cirúrgica. Caso contrário, o pH será o principal tação. A partir desse ponto, até a 28' semana, a estrutura
determinante da sequência terapêutica. bronquioloalveolar distai, responsável pela troca gasosa, se
FIGURA 77.2 ~ Paciente de 1 ano de idade com extensa consolidação Adireita, apresentando derrame parapneumônico complicado tratado com
videotoracoscopia. Apesar da expansão pulmonar total obtida inicialmente, evoluiu com componente de necrose e fístula broncopleural. O paciente
foi submetido Anecrosectomia e sutura das áreas de escape aéreo. Apresentou resolução completa do quadro e expansão pulmonar total no con-
trole ambulatorial.

desenvolve. Os alvéolos continuam se desenvolvendo mes- cação da árvore brônquica. A atresia do segmento brônquico
mo após o nascimento, com a formação de estruturas mais ou da sua vasculatura seria responsável pelo crescimento
numerosas e mais complexas. de tecido anômalo, caracterizado pela sua natureza cística
e adenomatosa nos bronquíolos terminais. A classificação
de Stocker, descrita por esse autor em 1977 e atualizada em
Anomalias do desenvolvimento do broto 2002, compreende cinco tipos de malformação de acordo
pulmonar com o tamanho dos cistos e o tipo celular presente (QUADRO
As anomalias do desenvolvimento do broto pulmonar in- 77.1)?
cluem agenesia, aplasia e hipoplasia. Dentre os diversos tipos de MACs, o tipo I é o mais fre-
A agenesia pulmonar consiste na ausência de desenvolvi- quente (65%), acompanhado pelo tipo li (20%), sendo que
mento do broto pulmonar. Quando bilateral, é incompatível os demais são raros. A apresentação clínica varia em um
com a vida. Quando unilateral, em geral existe crescimento espectro amplo, que vai desde quadro assintomático até as
vicariante do pulmão contralateral; entretanto, o prognósti- formas graves com insuficiência respiratória aguda. No caso
co é ruim pelo grande número de malformaçóes associadas. de lesões volumosas, pode ocorrer desvio do mediastino
A aplasia pulmonar comporta-se funcionalmente como com repercussão hemodinãmica na forma de hidropsia fetal.
a agenesia, porém a sua diferença reside na presença de um Uma peculiaridade da MAC tipo li é a sua forte associação
coto brônquico do lado afetado. com outras malformações congênitas, principalmente dos
A fisiopatologia da hipoplasia pulmonar envolve um de- tratos gastrintestinal e urinário.
feito primário do desenvolvimento do broto pulmonar ou,
como ocorre na maioria dos casos, existe uma causa secun-
dária que impede esse fenômeno, principalmente por ocupar
um espaço considerável da cavidade torácica. O principal QUADRO 77.1 ~ Malformações adenomatoides císticas segundo
exemplo dessa ocorrência é a hérnia diafragmática congê- Stocker
nita.

Anomalias do broto pulmonar


As anomalias do broto pulmonar incluem malformação ade- Stocker O Cistos < 0,5 em, epitélio ttaqueal
nomatoide cística (MAC), enfisema lobar congênito, seques-
tração pulmonar e cisto broncogênico. Thmbém são as mal- Stocker I Cistos grandes > 2 em, epitélio brônquieo
formações pulmonares caracteristicamente de tratamento
Stoeker 11 Cistos entre 0,5 e 2 em, epitélio bronquiolar
cirúrgico. Em alguns casos, os achados anatomopatológicos
apresentam componentes diagnósticos de mais de um tipo Stoeker 111 Cistos < 0,5 em ou mesmo componente
de lesão, configurando malformação híbrida (FIGURA 77 .3) . puramente sólido, epitélio bronquiolar e
alveolar
Malforma~ão adenomatoide cística Stoeker IV Cistos grandes (geralmente > 7) em com
Apesar da existência de diferentes hipóteses, acredita-se que epitélio alveolar
essa malformação congênita ocorra por anomalia na ramifi-
AGURA 77.3-+ Paciente de 6 anos com quadro respiratório infeccioso. Persistência de imagem consolidativa a despeito de tratamento antibiótico
adequado e melhora clínica. (A) tomografoa computadorizada sugerindo malformação congênita; (8) reconstrução 30 mostrando a prese~ de
uma artéria anômala proven~nte da aorta abdominal, compativel com sequestração pulmonar. (C) intraoperatório mostrando a hgadura da artéria
anômala. (O) abertura da peça. O eJCame histopatológico confirmou a prese~ de componente de malformação adenomatoide dstica, firmando o
diagnóstico de malformação hlbrida.

Com o advento dos métodos de imagem e a realização da


ultrassonografia pré-natal de rotina, muitas malformações
podem ser diagnosticadas nesse período. Em casos de dú·
vida em relação a achados pulmonares, a investigação deve
prosseguir com a ressonância magnética ou o eco-doppler.
Uma situação peculiar e que levanta questionamentos ares-
peito da patogenia da MAC é a regressão espontânea obser-
vada em até 20% dos casos.' Mesmo em pacientes com qua-
dro avançado, os achados de bidropsia fetal podem regredir
em 45 a 75% das vezes.
Por essa razão, uma intervenção fetal é raramente neces-
sária, e a experiência internacional se restringe a relatos de
caso e pequenas séries. As abordagens mais descritas são a
derivação toracoamniótica c a derivação toracoabdominal.
Com relação à estratégia cirúrgica, deve-se realizar uma
Nos casos com repercussão clínica imediata, os pacientes
em geral se apresentam com sinais e sintomas respiratórios, ressecção anatômica (ligadura dos ramos vasculares c sutu-
como taquipneia, tiragem e cianose. Em pacientes com qua- ra brônquica) e, sempre que posslvcl, deve-se preservar o
dro clínico estável após o nascimento, a apresentação clínica parênquima pulmonar sadio. Seguindo essa linha de abor-
pode ser na infância ou até mesmo na vida adulta, na forma dagem, deve-se realizar a segrncntectomia regrada, sempre
de infecção pulmonar ou achado de exame de imagem du- que exista limite anatômico e não se deixe doença no pa-
rante investigação de algum episódio sintomático não rela- rênquima remanescente. 5 Caso contrário, a lobectomia é a
cionado. ressecção de escolha.
Há controvérsia no que diz respeito à ressecção em pa- res. A investigação por imagem pode mostrar a presença de
cientes assintomáticos. Os defensores da ressecção apontam nível hidroaéreo quando existe comunicação com a árvore
que existe um risco, apesar de pequeno ou até mesmo despre- brônquica.
zível, de malignização (principalmente na forma de blastoma Nos casos de sequestração pulmonar sem diagnóstico
pleuropulmonar e carcinoma bronquioloalveolar), além do pré-natal, a investigação por imagem se inicia habitualmente
risco de complicação na forma de pneumotórax ou infecção pela radiografia de tórax. Exames adicionais como a ultras-
respiratória. Ainda, a morbidade associada à cirurgia é muito sonografia e, em especial, a tomografia de tórax são muito
pequena em centros especializados e a recuperação da crian- úteis na identificação da artéria anômala sistêmica e, por
ça é muito mais favorável do que a do adulto, com um cresci- conseguinte, no estabelecimento do diagnóstico de seques-
mento compensatório do parênquima pulmonar .6 tração pulmonar. Mais recentemente, a ressonância mag-
Já os defensores da abordagem conservadora se baseiam nética, pela sua excelente capacidade de identificação das
nos seguintes preceitos: o risco de malignização ou mesmo de estruturas vasculares, vem ganhando espaço na investigação
complicação infecciosa é pequeno; apesar de bons resultados, da sequestração pulmonar (FIGURA 77.4).
sempre existe o trauma cirúrgico (mesmo que seja um trauma
controlado); e existem relatos de regressão espontânea.
Analisando de forma crítica o que foi exposto, os autores
concordam que os argumentos pró e contra a cirurgia são
~ATENÇÃO
válidos, mas dificilmente optam pela abordagem conserva-
O tratamento preconizado pela maioria dos autores
dora. Além disso, a situação deve ser bastante discutida com
é a ressecçáo cirúrgica, tanto nos casos de seques-
a equipe de pneumologia pediátrica e com a fanu1ia do pa-
tração extralobar quanto de sequestração intralobar.
ciente, para que se tome uma decisão conjunta.
Em ambas as situações, um aspecto crucial da técni-
ca cirúrgica é a identificação e dissecção adequada
Sequestração pulmonar da artéria anômala. Por se tratar de vaso da circu-
A sequestração pulmonar é uma malformação que se carac- lação sistêmica, pode ocorrer sangramento volumo-
teriza por tecido pulmonar com suprimento arterial sistê- so em caso de lesão inadvertida, assim como pode
mico e comunicação inadequada ou ausência completa de haver retração do vaso para o abdome nos casos em
comunicação com a árvore brônquica. Existem diversas cau- que ele se origina da aorta abdominal, uma situação
sas sugeridas para a seques tração pulmonar, variando desde dramática e de difícil controle.
uma suposta doença adquirida em função de infecção até
uma causa congênita por formação de um broto pulmonar
anômalo (a mais aceita).7 Os resultados com a cirurgia, a exemplo da MAC, são
A seq uestração pulmonar pode ser classificada como in- excelentes, com mínima morbidade e mortalidade nos casos
tralobar ou extralobar, dependendo da existência de pleura em que não existem outras malformações associadas. Nova-
visceral separando ou não essa malformação do restante do mente, preconiza-se a realização de ressecção anatômica re-
lobo adjacente. gra da e preservação do parênquima pulmonar sadio sempre
A sequestração extralobar costuma se manifestar no pri- que possível (segmentectomia em vez de lobectomia).
meiro semestre de vida, comumente na forma de sintomas
respiratórios ou de insuficiência cardíaca de alto débito. Na
enorme maioria dos casos, a sequestração extralobar é do
lado esquerdo, localizando-se entre o lobo inferior e o dia-
fragma. Outras anomalias estão associadas em mais da meta-
de dos casos, sendo a hérnia diafragmática a mais frequente.
Na maior parte das vezes, o suprimento arterial é proveniente
da aorta torácica, enquanto a drenagem venosa se faz através
de veias da circulação sistêmica. Menos frequentes são os ca-
sos de vascularização através da aorta abdominal e drenagem
para as veias pulmonares. Em cerca de 15% das vezes, a mal-
formação localiza-se totalmente em topografia abdominal.
A sequestração intralobar é mais comum do que a extra-
lobar e costuma passar despercebida durante o período oco-
natal. As manifestações clínicas estão associadas a infecções
respiratórias de repetição e, menos frequentemente, hemop-
tise, pneumotórax ou insuficiência cardíaca de alto débito.
A exemplo da variante extralobar, a sequestração intralobar
apresenta predileção pelo lado esquerdo e a circulação arte-
rial se faz pela aorta torácica na maioria dos casos. Entretan- FIGURA 77.4 ~ Ressonância nuclear magnética evidenciando a vascula-
to, diferentemente da variante extralobar, a drenagem venosa tura toracoabdominal, destacando o ramo anômalo da aorta irrigando
se faz, na enorme maioria das vezes, para as veias pulmona- a pirâmide basal do lobo inferior direito.
Enfisema lobar congênito Bronquiectasias
O enfisema lobar congênito é decorrente de um mecanismo
de válvula com fluxo de ar unidireeional que se forma duran- Apesar de se tomar uma doença muito rara em países desen-
volvidos, ainda se observam com certa frequência casos de
te o desenvolvimento embrionário, gerando hiperinsullação
pacientes pediátricos com bronquiectasias. Definido como
do lobo acometido. Uma causa mecânica pode ser identifi-
dilatação irreverslvcl dos brônquios, o achado de bronquiec-
cada em alguns pacientes (como anormalidades brônquicas
tasias sempre deve apontar para uma investigação mais por-
tipo broncomalácia, prega mucosa ou estenose/compressão
menorizada da sua causa.
extrínseca). No enfisema lobar congênito, a predileção é pe-
Doenças como fibrose cística, deficiência de IgG, defi-
los lobos superiores, novamente com predominância do lado
ciência de lgA e discinesia ciliar fazem parte do diagnóstico
esquerdo. Os lobos inferiores raras vezes são envolvidos.
diferencial. Afastadas causas congênitas, as bronquiectasias
A apresentação clínica tende a ser precoce, com metade geralmente são fruto de infecções respiratórias de repetição
dos casos se manifestando até o primeiro m~ de vida e a enor- com tratamento inadequado e que evoluem com seque las na
me maioria até os primeiros seis meses. O paciente apresenta forma de lesão do sistema mucociliar, dilatação da parede
taquipneia, que se exacerba com esforços durante choro ou brônquica, perpetuação do quadro infeccioso com estase de
amamentação. Outros sintomas respiratórios, comn tosse, es- secreção purulenta. No grupo das causas adquiridas, tam-
tão frequentemente presentes. O exame flsico se caracteriza bém se destacam as bronquiectasias que se desenvolvem no
pela redução do murmúrio vesicular no lado afetado. A radio- substrato da bronquiolite obliterante pós-infecciosa.'
grafia de tórax geralmente estabelece o diagnóstico, eviden- A classificação das bronquicctasias data de 1950, segun-
ciando hiperlucência do parênquima afetado e desvio contrala- do a publicação de Reid. 10 De acordo com essa autora, as
teral do medias tino. Sempre que a condição clfnica do paciente bronquiectasias foram divididas em cilíndricas (também cha-
permitir, existe indicação de fibrobroncoseopia com o objetivo madas de fusiformes), com lesão da via aérea em estágio me-
de determinar a anatomia da via aérea e elCcluir a presença de nos avançado e dilatação uniforme dos brônquios; varicosas,
corpo estranho. com dilatações irregulares e extensão para os bronqulolos
Em pacientes sintomáticos, há indicação clara de ressccção terminais; e saculares, representando um estágio avançado
pulmonar regrada (lobectornia ou segmentectornia) através de com formação de lesões cisticas e redução do número de
uma toracotornia lateral com preservação muscular. Existe um espaços aéreos. Com relação à localização das lesões, no
risco considerável de colapso circulatório por hipcriosuflação e caso de pacientes com doenças congênitas, as bronquiee,t a-
desvio contralateral do mediastino caso o anestesista desavisa- sias tendem a ser difusas e bilaterais, enquanto nos casos de
do realize ventilação do lado acometido com pressão positiva. causa adquirida infecciosa, elas se localizam mais frequen-
Idealmente, preconiza-se a ventilação monopulmonar com o temente nos lobos inferiores, sobretudo do lado esquerdo.
uso de bloqueador endobrônquico ou entubação seletiva. No
caso de pacientes com minimos sintomas ou mesmo assintomá-
ticos, pode-se adotar uma conduta expectante, havendo séries
demonstrando a boa evolução desses pacientes, inclusive com
8
fodicc considerável de regressão espontânea.

Cisto broncogênico
O cisto broncogênico pode ter duas apresentações bem dis-
tintas: mais frequentemente na topografia mediastinal, em
particular na região subcarinal; ou na topografia do parên-
quima pulmonar.
Os pacientes podem apresentar sintomas em decorrên- O diagnóstico é confirmado com exames de imagem. A
cia de complicação infecciosa ou de compressão das estru- radiografia de tórax pode mostrar dilatação brônquica, mas é
turas adjacentes ao cisto. O cisto também pode ser achado a tomografia computadorizada que fornece dados mais pre-
inc.idental de exame de imagem. Histologicamente, o cisto cisos. Ela define com exatidão a enensão da doença, assim
broncogênico se caracteriza pelo epitélio escamoso ou co- como o tipo de bronquiectasias (cilíndrica, varicosa ousa-
lunar ciliado com conteúdo líquido, geralmente mucoide. O cular). Achados característicos são a manutenção do calibre
cisto de localização intraparenquimatosa pode ter contato brônquico dilatado até a periferia; a presença de brônquios
direto com a via aérea, apresentando nível hidroaéreo no de calibre interno maior do que da sua artéria adjacente e
seu interior. o faveolamento do parênquima no caso de lesões saculares.
O tratamento do cisto broncogênico consiste na sua res- Após uma investigação minuciosa para elucidar a causa
secção cirúrgica. Essa conduta se justifica pelo elevado ín- da doença, o tratamento clínico das bronquiectasias envolve
dice de pacientes inicialmente assintomáticos que evoluem o controle de exacerbações com anbbióticos e a manutenção
com sintomas respiratórios e complicações infecciosas. O da higiene da via aérea com fisioterapia. A fibrobroncosco-
cisto broncogênico mediastinal representa uma excelente pia é um exame que aurilia na definição da anatomia da via
indicação para videotoracoscopia. Já o cisto intraparenqui- aérea, exclui a presença de corpo estranho e ainda permite
matoso requer resseeção do parênquirna pulmonar circunja- a coleta de lavado broncoalveolar para defmição de agente
cente, na forma de resseeção pulmonar regrada. infeccioso ativo ou colonizante.
A indicação de ressecção cirúrgica é uma decisão delica- Em relação aos cuidados anestésicos, o mais importante
da e deve considerar uma série de fatores: 11 deles reside na necessidade de isolamento do lado doente
para evitar, a todo custo, a contaminação do pulmão contra-
• Anatomia: as bronquiectasias devem ser localizadas, ide- lateral. Como não existe tubo de duplo lúmen para ventila-
almente removidas em sua totalidade com uma ressec- ção monopulmonar em crianças pequenas, o uso de bloque-
ção regrada. adores endobrônquicos tem grande valor nesses casos.
• Refratariedade ao tratamento clínico otimizado: o pa- I dealmente, deve-se ressecar todo o parênquima
ciente deve apresentar infecções de repetição ou proces- doente e preservar ao máximo o parênquima sadio. Para
so crônico, a despeito do tratamento clínico máximo. atingir esses objetivos, a segmentectomia é bastante útil
• Sintomas: a simples presença de bronquiectasias loca- no sentido de preservar segmentos sadios. Quando o lobo
lizadas não representa indicação cirúrgica. Elas devem inteiro está comprometido, obviamente a lobectomia é a
apresentar importante repercussão na vida do paciente resseeção de escolha. A dissecção do hilo pulmonar ou dos
(p. ex., infecções respiratórias de repetição, déficit de vasos e brônquios segmentares pode ser dificultada por hi-
crescimento ou hemoptise). perplasia linfonodal e aderências pleuropulmonares. Cui-
• Aspectos sociais: especialmente nos países em desen- dado especial deve ser dedicado às artérias brônquicas,
volvimento, pacientes cujas Camnias demonstram pouca que podem estar hipertrofiadas e apresentar sangramento
aderência a programa de fisioterapia e diffcil seguimen- volumoso. Os resultados com o tratamento cirúrgico de
to clfnico devem ser considerados para terapêutica ci- bronquiectasias em crianças são excelentes, com mínima
rúrgica. morbidade e curto tempo de internação- geralmente 4 a
5 dias (FIGURA 77.5).

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FIGURA 77.5 ~ Paciente de 13 anos com infecções respiratórias de repetiç~o desde os 3 anos de
idade. Não foi realizado tratamento cirúrgico anteriormente em funçlo da "idade" do paciente.
O paciente nos foi encaminhado apresentando destruição total do parênquima pulmonar à es-
querda por bronquiectasias saculares e com enorme pulmão direito vicariante. inclusive atraves-
sando a linha média (A e B), tendo sido submetido a pneumonectomia esquerda. (Q peça cirúr-
gica evidenciando clara dilatação brônquica até a periferia do parênquima pulmonar. Excelente
evolução, alt.l hospitalar no terceiro dia pós-operatório. (0) retorno ambulatorial, com cicatriz de
toracotomia posterior com preservação muscular total (incisão escolhida em raz~o da distorção
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Eduardo Garcia
Taiane Francieli Rebelatto
78
As doenças do aparelho respiratório são a segunda prin-
Introdução cipal causa de internação em idosos, perdendo apenas para
O crescente desenvolvimento da medicina e das técnicas doenças do aparelho circulatório. Segundo o DATASUS/
diagnósticas e o constante aprimoramento do arsenal tera- em 2008 as doenças do aparelho respiratório foram respon-
pêutico mundial, aliados à melhoria das condições socioeco- sáveis por 13% das intemaçóes em idosos entre 60 e 69 anos
nômicas e culturais de grande parte do planeta, têm elevado e por 18,9% das intemaçóes em idosos de 70 anos ou mais.
a expectativa de vida ao nascer e ampliado o manejo e a pre- As doenças respiratórias também têm grande peso na taxa de
venção de inúmeras doenças ligadas ao envelhecimento. mortalidade dos idosos, contribuindo com 14,2% das mortes,
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS),1 idoso conforme levantamento desse banco de dados em 2007.
é o indivíduo com mais de 65 anos em países desenvolvidos, Para mais detalhes, sugere-se a leitura de diversos capi·
e com idade acima de 60 anos em países não industrializados. tulos desta obra, como complemento a este texto.
Tal diferença se deve a diversos fatores socioeconômicos, mas
principalmente à perspectiva de vida mais alta em países de-
senvolvidos em detrimento dos não desenvolvidos.
No final do século XX, ocorreu intenso crescimento da
[I] ATENÇÃO
população idosa brasileira, de maneira que a faixa etária de
Com a idade, o sistema respiratório sofre várias al-
60 anos e mais foi a que proporcionalmente mais cresceu.
terações estruturais, fisiológicas e imunológicas que
Segundo o IBGE/ OMS, a expectativa para o Brasil é de que
são próprias do processo do envelhecimento e que
em 2050 existam mais idosos do que indivíduos com menos
não devem ser consideradas como fator isolado.
de 15 anos.
Entretanto, diversos fatores podem contribuir para
Conforme estimativas do DATASUS/ em 2008 as pes-
um maior acometimento da função pulmonar, como
soas com mais de 60 anos no Brasil representavam 9,9% da
exposição à poluição ambiental, exposição ocupacio-
população, perfazendo um total de 18.761.039 indivíduos. A
nal, tabagismo e história de doenças pulmonares. A
proporção destas tem tendência ascendente, sobretudo em
presença de outras doenças crônicas, como insufi-
função da redução dos níveis de fecundidade e do aumento
ciência cardfaca, osteoporose, artrose, entre outras,
da expectativa de vida (conforme esse banco de dados, em
o que é comum nessa faixa etária, também contribui
1991, a expectativa de vida no Brasil era de 66,9 anos e, em
para a diminuição da função pulmonar.
2008, jã chegava a 73 anos).
Alterações pulmonares anatômicas e
fisiológicas do idoso
Com o envelhecimento, ocorre enrijecimento na estrutura
torácica e acentuação da cifose fisiológica, resultando em
redução da complacência torácica e aumento do diâmetro
torácico anteroposterior. Problemas comuns do idoso, como
osteoporose, cifose, cifoescoliose, calcificações das cartila-
gens costais e das superfícies articulares das costelas, tam·
bém contribuem para o aumento da rigidez da caixa torácica.
Os músculos respiratórios, assim como os demais mús-
culos do corpo, também perdem gradualmente sua força de
contratilidade, sobretudo devido à substituição do tecido
muscular por tecido gorduroso. O diafragma, importante
músculo agonista da inspiração, diminui sua força de contra-
tilidade e sofre atrofia de suas fibras.
Os músculos respiratórios também podem sofrer fadiga
ligada à atrofia muscular, sendo os principais riscos, associa-
FIGURA 78.1 ~ Envelhecimento do arcabouço ósseo.
dos à condição de idade avançada, a desnutrição, a obesida-
de, o sedentarismo, a presença de doenças neuromusculares
ou pulmonares e os músculos hipoperfundidos ou atrofiados.
Já nos pulmões, ocorrem alterações em nivcl tissular, com atividade antibaeteriana, culminando em maior frequência c
perda do tecido de suporte pela degeneração homogênea das gravidade de infecções no trato respiratório em idosos.
fibras elásticas. Essa degeneração inicia-se por volta dos 50 O clearanct mucociliar, realizado pelas estruturas cilia-
anos de idade. Tal modificação na arquitetura pulmonar pro- res do epitélio de revestimento brônquico, tende a sofrer re-
picia, durante a respiração normal, o fechamento prematuro dução devido à diminuição do número e da atividade dessas
das pequenas vias aêreas, com coosequente aprisionamento células, o que provoca ma.ior dificuldade na limpeza das vias
de ar, gerando a conhecida hiperinsuflação seniL Também aéreas, predispondo a maior incidência de infecções.
ocorrem mudanças no setor alveolar, como diminuição da O mecanismo de defesa da tosse também se encontra
proporção de capilares por alvéolos, diminuição no número reduzido de modo proporcional à idade biológica, prova-
de alvêolos e aumento do diâmetro, resultando em menor velmente em razão da redução da força dos músculos res-
superffcie para trocas gasosas e aumento do espaço morto. piratórios e da perda dos reflexos protetores das vias aéreas
inferiores. O prejuízo é maior em pacientes com disfunções
no sistema nervoso central, como aqueles com doença de AI·

01 ATENÇÃO
zheimer e acidente vascular cerebral, assim como em pacien-
tes polimcdicados, sobretudo com medicamentos de ação
depressora do sistema nervoso central, contribuindo para
Em suma, a redução da mobilidade torácica e dia- aspirações da orofaringe. 1àl mecanismo contribui para a po-
fragmática somada às alterações tissulares pulmona- sição que a pneumonia ocupa - de ser a maior causa de mor-
res gera menor capacidade de expiração e inspira~ bidade e mortalidade de pacientes com essas caraeteristicas.
e maior volume residual, pela dificuldade de esvazia-
mento dos pulmões. Na FIGURA 78.1, observam-se
as alterações da estrutura óssea que Ilustram bem a
perda de mobilidade e modificações estruturais que
ocorrem no envelhecimento (acentuação da cifose e
aumento do diâmetro anteroposterior).

Do ponto de vista imunológico, as alterações observadas


no envelhecimento pulmonar não são clinicamente significati-
vas c ainda permanecem controversas. Entre as inúmeras alte·
rações, percebe-se que no lavado broncoalveolar há aumento
na proporção de neutrófilos, diminuição na porcentagem de
macrófagos e aumento de IgA e IgM, assim como aumento da
razão de linfócitos CD4/CD8. A capacidade dos neutrófilos
de fagocitar parece estar mais diminuída em idosos, e também O tabagismo e a exposição ambiental e profissional po·
parece haver aumento de sua apoptose com relativa perda de dem potencializar esse declínio.
Estima-se que, pelo envelhecimento, um idoso sadio per·
ca aproximadamente 20% nos parâmetros funcionais. respiratória pulmonar; entretanto, em idosos sadios,
De modo geral, pode-se simplificar as alterações funcio- sem comprometimento da vida diária, a perda tende
nais no idoso em: a ser equitativa, o que minimiza o impacto e a perda
de qualidade de vida.
1. Dinâmica: volume expiratório forçado no primeiro se-
gundo (VEF,), capacidade vital forçada (CVF) e relação
VEF,/CVF (lndke de Tiffeneau).
Há redução da CVF, do VEF1 e da razão VEF,JCVF.
O declínio de VEF 1 é de cerca de 25 a 30 mUano, ini·
Principais doenças pulmonares e o
ciando-se aos 30 a 40 anos de idade e passando a ser de envelhecimento
60 mllano a partir dos 70 anos, ou seja, o declínio do
VE F 1 sofre uma aceleração após os 70 anos. Pneumonia
2. Est ética: capacidade pulmonar total (CPT), capacidade lntrodurão e epidemiologia
vital (CV}, volume residual (VR) e capacidade residual Em 1892, William Osler citava que "... na velhice, a pneu·
funcional (CRF). nwnia pode ser latente, apresentando-se sem calafrios. A tosse
Em decorrência das alterações estruturais do envelhe· e a expectoraç4o sdo discretas e os sintomas constitucionais,
cimento (redução da complacência torácica, aumento da intensos. Podendo haver febre, mas, quando ocorre, eiD é sem·
complacência pulmonar e redução da força dos músculos pre menos intensa do que nos jovens. Na pneumonia senil, a
respiratórios), a CRF (volume de ar nos pulmões ao final da temperatura pode ser baixa, enquanto sintomas cerebrais sdo
expiração) e o VR (volume de ar nos pulmões após expira· pronunciados... ".' Impressiona a precisão de sua descrição,
ção forçada} aumentam, resultando em diminuição da CV. até hoje empregada e plenamente válida.
Salienta-se a redução dos índices de velocidade de fluxo. Em meados de 1890, William Osler julgava a pneumonia
3. Trocas gasosas: as trocas gasosas estão proporcional- como a maior causadora de morte no idoso, seja pela frc·
mente reduzidas, já que dependem da superfície alveolar quência com que tal doença levava à morte como pela alta
e da espessura da membrana alveolocapilar, que também constância com que acometia idosos.' Passados mais de 100
sofrem modificação com a idade. A área da superfície anos, essa situação permanece a mesma. Conforme dados do
alveolar está proporcionalmente aumentada em relação DATASUS 3 referentes a 2004, as doenças do aparelho res-
ao suprimento vascular, que não sofre modificação. Des- piratório foram a segunda causa de morte entre os idosos,
se fenômeno, costuma ocorrer desequi!Jbrio na relação sendo a pneumonia a principal responsável.
ventilação-perfusão (V/Q}, a qual não é uniforme no A pneumonia na população idosa tem grande importân-
envelhecimento e depende de inúmeros fatores, como cia, pois é uma das principais causas de morbidade e mortali-
atividade física, presença de outras doenças e tabagismo dade. O risco de morte por pneumonia em idosos é maior do
ao longo da vida de cada idoso. q ue em jovens. As taxas de mortalidade da pneumonia ad-
quirida na comunidade (PAC} podem chegar a 30% e, quan·
A pressão arterial do oxigênio diminui, sobretudo a partir do adquirida em instituições de longa permanência, a 57%.
dos 70 anos, como se pode estimar pela fórmula de Sorbini: A incidência de pneumonia nos idosos aumenta duran-
te os surtos de gripe, sendo este um dos fatores extrínsecos
mais importantes para PAC,já que a infecçãoviral pode pre·
Pa02 prevista = 109,0-0,43 . idade (anos) dispor o idoso a uma subsequente pneumonia bactcriana.
A pneumonia, além do impacto sobre a saúde individual,
Observa-se redução relativa da sensibilidade do centro também gera impacto socioeconômlco devido aos altos cus·
respiratório e de seus receptores periféricos na capacidade tos com internações hospitalares, em geral prolongadas e
de resposta compensatória à hipercapnia e à hipoxia no ido- que exigem tratamento com antibióticos mais potentes.
so, que, aliada a uma menor reserva funcional respiratória,
pode deixá-los mais vulneráveis, sobremaneira em situações Fisiopatogenia
nas quais a reserva respiratória seria mais requisitada, como Acredita-se que os idosos sejam mais susceúveis à pneumo·
na insuficiência cardíaca, na pneumonia ou na exacerbação nia por fatores ligados às alterações fisiológicas da idade e
da doença pu lmonar obstrutiva crônica (DPOC), por exem- por apresentarem mais doenças. De fato, segundo diversas
plo, resultando em um quadro clínico mais sério. séries, dos pacientes idosos com PAC, 48% têm DPOC, 27%
apresentam doenças neurológicas, 22% são hipertensos,
16% são cardlopatas, 18% têm diabete melito e 12% apre-
sentam alguma malignidade associada.u Além disso, fatores
que predispõem os idosos à pneumonia são tabagismo, insti-
tucionalização, desnutrição, hospitalização recente, cirurgia
recente e mau estado geral de saúde.
São três os principais mecanismos pelos quais a pneumo-
nia pode se instalar: colonização da orofaringe e aspiração
dos microrganismos, inalação de aerossóis infectados e dis- Avaliação diagnóstica
seminação hematogênica de outros sítios infectados. A avaliação diagnóstica inicia-se com radiografia de tórax
A aspiração de patógenos é responsável pela maioria das e hemograma. O hemograma, em até 30% dos casos, pode
pneumonias no idoso. No adulto saudável, ocorre aspiração apresentar-se sem leuoocitose e desvio à esquerda, sendo a
durante o sono, porém os mecanismos protetores (atividade leucopenia um indicador de mau prognóstico. A radiografia
muoociliar, fechamento adequado da glote, reflexo da tosse de tórax é importante para a confirmação diagnóstica, mas
e função imune adequada) evitam que patógeoos atinjam e pode ser normal em 10% dos casos, motivo pelo qual secos-
causem infecções das vias aéreas inferiores. tuma repetir o exame em 24 a 48 horas de evolução, pois,
Os idosos apresentam maior colonização da orofaringe nesses casos, o infiltrado pulmonar costuma aparecer após
c estão mais predispostos à aspiração devido a alterações esse período.
fisiológicas já descritas e em função de situações patoló- Em idosos, a resolução radiológica demora mais do que
gicas mais comumente observadas em idosos: disfunção
o habitual e pode ocorrer em até 12 semanas. Assim, per-
peristáltica esofágica, nfveis alterados de consciência de-
sistindo na imagem radiológica após a cura clínica, deve•se
correntes de doenças neurológicas e concomitância de ou-
suspeitar de neoplasia.
tras doenças crônicas. Por exemplo, na DPOC há redução
Confirmada a hipótese, o próximo passo é realizar o exa-
do reflexo da tosse e maior comprometimento do sistema
me do escarro por Oram e cultura. A cultura do sangue é
muoociliar, c na insuficiencia cardíaca, alteração na função
recomendada na vigência de sinais sugestivos de septicemia.
dos surfactantes.
Muitas das mudanças estruturais e funcionais do enve-
lhecimento podem dificultar tanto o diagnóstico quanto o Causas
manejo terapêutico da pneumonia. A maioria dos casos de pneumonia nos idosos é causada por
bactérias, sendo a principal Streptococcus pneumoniae.
Manifestações Em mais da metade dos casos o agente etiológico não é
conhecido. Contudo, o tratamento antibiótico deve ser empí-
rico, tendo como base o provável agente etiológico, de acor-
do com o local de residência do idoso no momento da infec-
ção, comorbidades presentes e situações a que foi exposto.
De acordo com o local de aquisição da pneumonia, po-
de-se classificá-la em:

1. Pneumonia adqllirida na comunidade: o principal agen-


te etiológico é S. pmumoniae (responsável por 30 a 50%
dos casos), seguido por Haemophilus influenzae, bacilos
entéricos gram-negaúvos e Staphylococcus aureus.
2. Pneumonia em pacientes q ue residem em asilos: S.
pneumoniae continua sendo o principal agente etioló-
gico, mas a proporção de infecção causada por bacilos
entéricos gram-oegativos, S. aureus e anaeróbios é maior
do que na PAC.
3. P neumonia adquirida no hospital: ao contrário da PAC
e da pneumonia de idosos institucionalizados, o principal
fator etiológico da pneumonia adquirida no hospital são
Dessa maneira, o médico deve estar atento para a pre-
os bacilos eotéricos gram-oegativos, observando-se tam-
sença de qualquer um desses sintomas, mesmo que de for-
bém maior taxa de infecções por S. aureus, Pseudomonas
ma isolada, já que mais da metade dos pacientes acima de
aeruginosa e Klebsiella.
70 anos pode ter exclusivamente sintomas não respiratórios
como queixa. Assim como nos adultos, a infecção nos idosos pode ser
O delirium é um achado muito prevalente, podendo estar causada por germes atípicos e, de maneira semelhante, há
presente em 12 a 45% dos casos e em mais de 70% das pneu- maior predisposição para alguns agentes etiológicos de acor-
monias adquiridas em asilos. A redução da capacidade de do com a presença de outras doenças.
realizar atividades da vida diária pode estar presente.
Ao exame flsico, infrequentemente observam-se sinais
de consolidação pulmonar, reforçando a necessidade da Tratamento
suspeição diagnóstica de pneumonia em idosos que se apre- O tratamento da pneumonia no idoso segue as orientações
sentam com inapetência, alterações do estado mental, perda do tratamento no adulto, porém deve·se atentar para o fato
funcional e descompensação de outras doenças. de que muitos idosos apresentam insuficiência renal e/ou
O diagnóstico de pneumonia pode ser particularmente problemas hepáticos, sendo necessário ajuste de doses de
difícil no idoso. acordo com a função renal e a presença de hepatopatias.
Doença pulmonar obstrutiva crônica processo de envelhecimento, exigindo maior habilidade e acu-
ráeia diagnóstieas do clínico que o assiste.
A DPOC, doença de redução do fluxo expiratório, com-
preende bronquite crônica e enfiSema pulmonar e é carac- O diagnóstico e a conduta terapêutica seguem as mes-
mas diretrizes do adulto. Atenta-se apenas para a limitação
terística da faixa etária mais avançada, já que exige anos de
do uso da tomografia computadorizada contrastada em ido-
exposição, em especia.l ao tabaco, para seu desenvolvimento.
sos nefropatas e o maior cuidado na administração de hepa-
A DPOC predispõe a infecções bacterianas e virais e é
rina e/ou varfarina em idosos, em função da maior sensibili-
uma das principais causas de morbidade e mortalidade entre
dade e do risco de quedas com traumatismos e consequentes
pessoas na faixa entre 70 e 90 anos de idade.
sangramentos.
Após os 40 a 50 anos de idade, a prevalência de DPOC
aumenta consideravelmente, sobretudo entre os fumantes,
sendo uma doença com predomfnio nas faixas etárias mais Asma
avançadas. A asma, historicamente uma doença dos grupos mais jovens,
Na maioria dos pacientes com DPOC, o enfisema pul- na maioria das vezes i.nicia-se na infância, mas pode persistir
monar e a bronquite crônica coexistem, mas em alguns casos por toda a vida e, ocasionalmente, iniciar no idoso. Por esse
podem ocorrer separadamente. A apresentação clínica dos motivo, a asma acaba sendo subestimada na população ido-
estágios iniciais da DPOC é pobre, muitas vezes levando ao sa. Doenças prevalentes na velhice, como bronquite crônica,
subdiagnóstico nessa fase, mas com a progressão da doença enfisema, TEP, insuficiência cardíaca e pneumonia, podem
podem ser observados aumento do diâmetro anteroposte- apresentar sintomas que imitam a asma, contribuindo para
rior, hiperinsuflação pulmonar, dispneia progressiva, tosse o seu subdiagnóstico.
com expectoração, entre outros. A apresentação clinica da asma no idoso é semelhante
Estudos já evidenciaram que um rápido declínio da fun- à apresentação clínica em outras idades, sendo as manifes-
ção pulmonar, em especial do VEF 1, está associado indepen- tações mais comuns tosse, chiado e dispneia. Entretanto,
dentemente com maior risco de internações hospitalares e observa-se que os idosos costumam demorar mais para bus-
de morte em pacientes idosos com DPOC. car atendimento médico na vigência dos sintomas, fato este
Nos casos mais graves de DPOC, pode se desenvolver devido à má percepção da dispneia ou por se considerar a
hipertensão arterial pulmonar levando à insuficiência car- dispneia uma alteração normal da velhice.
díaca direita (cor pu/mona/e). Pacientes idosos com DPOC A clínica da exacerbação da asma pode ser nula em pa-
grave podem hipoventilar durante o sono e consequen- cientes idosos, tomando difícil o diagnóstico. Além disso, a
temente piorar a insuficiência cardíaca e a relação venti- redução da sensibilidade dos centros respiratórios à hipoxe-
laçãolperfusão que já está prejudicada pelo processo de en- mia pode afetar a resposta à obstrução das vias aéreas.
A maioria dos idosos asmáticos tem asma moderada e
velhecimento.
apenas 20% apresentam asma grave. Pacientes asmáticos
tendem a ter um decHnio da função pulmonar de acordo
Tromboembolismo pulmonar com idade, duração da asma e frequência de exacerba-
ções, mas asmáticos podem preservar sua função pulmo-
nar normal.
A razão do declínio da função pulmonar em idosos as-
máticos não está bem estabelecida, mas é atribuída à infla-
mação e ao remodelamento da via aérea.
Como nos outros grupos, o diagnóstico da asma no ido-
so é essencialmente clínico. 'Ibdavia, em casos de dúvida
diagnóstica, alguns exames devem ser solicitados para des-
cartar outras hipóteses. A radiografia de tórax tem pouco
ou nenhum valor na avaliação diagnóstica da asma, mas
em idosos com dispneia e tosse pode ser útil para afastar
pneumotórax, pneumonia, câncer de pulmão e insuficiência
cardíaca congestiva.
A gasometria arterial pode ser necessária nos casos mais
graves de asma que não respondem à terapia-padrão. Thstes
de função são muito importantes devido à redução da per-
cepção do broncospasmo nessa faixa etária.
Parece haver, nos idosos, aumento do fibrinogênio e de O tratamento da asma no idoso é semelhante ao dos
outros pró-<:Oagulantes e redução dos níveis de antitrombi- pacientes mais jovens. As últimas diretrizes para manejo
na, favorecendo um estado de bipercoagulabilidade. da asma do National Institutes of Hcalth (NIH) incluem
A apresentação cllnica do TEP, assim como em todas as uma breve seção sobre a asma no idoso, onde se salienta
idades, é inespecffiea, tornando o diagnóstico difícil. No ido- que os anticolinérgicos podem ter papel especial no tra-
so, cabe ressaltar que os sintomas podem ser menos proemi- tamento dessa população e se alerta sobre efeitos colate-
nentes ainda, como a má percepção da dispneia, própria do rais que, em idosos com outras comorbidades, podem ser
mais proeminentes.' O uso crônico de esteroides pode ter cultura de micobactéria e, quando necessário, biópsia com
seus efeitos colaterais mais visíveis em idosos, pois estes análise anatomopatológica e cultural do tecido.
já estão mais predispostos a ostcoporose, hiperglicemia, Inicia-se a investigação pela radiografia de tórax, que
hipertensão e comprometimento da resposta imunitária, pode apresentar achados clássicos da tuberculose, sendo que
embora o mais observado seja a catarata c a potcncializa- em idosos é menos comumente encontrada cavidade e o in·
ção do glaucoma. filtrado costuma ser nas bases pulmonares. Se a radiografia
for normal, tem grande valor preditivo negativo.
Se a radiografia de tórax e a cllnica forem sugestivas de
Tuberculose pulmonar tuberculose, segue-se com testes confirmatórios:
Em países desenvolvidos, é nítida a tendência de concentra-
ção dos casos de tuberculose em idosos. Com o passar dos • Bacteriológico de escarro: três colheitas em dias diferen-
anos, ocorreu redução na transmissão da tuberculose por tes. No idoso, pela escassez de escarro, pode haver difi·
incremento da vacina BCG e tratamento eficaz, reduzindo culdades na realização do teste, o que frequentemente
a incidência em jovens; já nos idosos, expostos por período exige o emprego de fibrobroncoscopia com colheita de
maior a patógenos, a reativação de infecções latentes man- lavado broncoalveolar, para posterior análise e cultura.
teve-se, contribuindo, dessa forma, para a maior proporção
de doentes idosos. O tratamento segue as regras do tratamento no adulto,
Nos Estados Unidos, estima-se que mais da metade dos novamente chamando-se a atenção para a presença de CO·
casos de tuberculose ocorra em pessoas com mais de 65 morbidade hepática e renal, sobretudo no ajuste posológico,
anos. Por outro lado, no Brasil, o quadro não é o mesmo, já e a escolha dos fármacos.
que o risco de infecção é alto e mantém elevada a propor-
ção de casos entre adultos jovens; entretanto, já se observa
o processo de transição dos casos para uma faixa etária mais Outras condições
avançada, em decorrência do envelhecimento, de fatores Tabagísmo
como a vacinação em larga escala com BCG e do aumento O tabagismo é considerado pela O MS o principal fator de
da eficácia do tratamento. risco modificável isolado para prevenir doenças não comu-
Nos idosos, a doença surge principalmente pela reativa· nicáveis em idosos. 6
ção de focos latentes, mas pode ocorrer também por novos O tabagismo na população idosa tem importante reper-
contágios. Em palses desenvolvidos, onde o Mycobacterium cussão pelo fato de o idoso ter se exposto por longo tempo
tuberculosis está quase erradicado, o contágio é muito bai- às substáncias químicas do cigarro, sendo que o principal
xo e a doença se dá predominantemente pela reativação de sistema prejudicado pelo fumo é o respiratório, por entrar
foco end6geno. No Brasil, em épocas passadas, muitos dos em contato direto com as substâncias tóxicas. O tabagismo
jovens, que são os idosos atua.is, foram tratados de maneira acelera o declínio da função respiratória, compromete o
ineficaz, com toracoplastia e pneumotórax, acumulando as- sistema imune e deixa o idoso mais vulnerável a infecções
sim mais chances de abrigarem lesões residuais passíveis de respiratórias.
reativação. Além da repercussão negativa no sistema respiratório,
Doenças que afetam o sistema imune, diabete melito, o tabagismo também está correlacionado a outros sistemas:
insuficiência renal, insuficiência hepática e tabagismo são aumenta o risco de desenvolvimento de déficit cognitivo lar·
fatores relacionados com o desenvolvimento de tuberculose dio de maneira exposição-dependente, é fator de risco para
em idosos. exacerbação e aparecimento de doença arterial coronariana,
causa redução na densidade mineral óssea, favorecendo o
desenvolvimento de osteoporose, entre outros.
Cessar o tabagismo, mesmo após os 60 anos, gera melho-
ra na qualidade de vida do idoso e reduz o risco de acome-
timento por doenças tabaco-relacionadas. Estudos mostram
que fumantes que cessaram o tabagismo após os 60 anos
apresentaram melhor função pulmonar quando comparados
àqueles que continuaram fumando.
A abordagem do tratamento do tabagismo no idoso deve
sempre ser estimulada, pois traz reais beneficios, e isso deve
ficar claro para o paciente. Apesar da frequente resistência
deste, cabe ao médico a abordagem para cessação do fumo.
Pela inespecificidade da apresentação clínica e do exame
físico, frequentemente há necessidade de realização de tes· Cirurgiatorácica no idoso
tes diagnósticos complementares, como radiografia de tórax, Com o aumento da expectativa de vida da população brasi-
teste tubercullnico (quando aplicável no contexto clinico), leira, cresce o número de pessoas com mais de 70 anos que
exames laboratoriais e sobretudo obtenção de espécime por necessitam de procedimentos cirúrgicos. Em um futuro pró·
análise direta em amostras de escarro ou lavado brônquico, ximo, 40% dos pacientes com câncer de pulmão vão passar
dos 70 anos de idade. Apesar de serem pacientes com maior Tem como uma das causas a flacidez muscular devido ao en-
complexidade clínica por suas doenças associadas, os avan- velhecimento.
ços tanto na área cirúrgica como na terapia intensiva toma- A apoeia do sono representa um estágio mais avançado
ram viáveis intervenções cirúrgicas antes desacreditadas. em relação ao ronco e é comum em idosos. Durante o sono,
Evidências demonstram que, mesmo na ausência de ocorrem paradas respiratórias, as quais ocasionam sono agi-
pneumopatia, a idade avançada constitui fator de risco para tado por causa dos repetidos despertares ao longo da noite
complicações pulmonares no pós-operatório. Deve haver devido à pausa na respiração. Está relacionada com proble-
preocupação com avaliação pré-operatória adequada da mas cardíacos, acidente vascular cerebral, depressão, cefa-
função respiratória, manuseio anestésico apropriado e cui- leia matutina, déficit cognitivo, dificuldade de concentração
dados pós-operatórios específicos. e sonolência excessiva diurna, entre outros. Afeta cerca de
A idade, considerada até recentemente como fator limi- 40% da população geral, sendo mais comum em homens a
tante para o tratamento cirúrgico do cãncer de pulmão, per- partir dos 40 anos e acima do peso e mulheres pós-meno-
deu importãncia nas séries atuais devido à melhor seleção pausa.
dos pacientes, às ressecções conservadoras de parênquima O tratamento dos distúrbios do sono varia em função da
e aos avanços em anestesia e cuidados intensivos. Não obs- gravidade e das necessidades de cada pessoa. Por exemplo,
tante, as opiniões entre experientes cirurgiões torácicos ain- o uso de aparelhos bucais é indicado para casos de ronco e
da não são de consenso sobre o risco cirúrgico no idoso. A apneia leve ou moderada, porém em idosos pode ser parti-
decisão cirúrgica, nessa faixa etária, deverá ser uma decisão cularmente difícil, pois muitos não possuem mais dentição
conjunta em que se envolvem a equipe cirúrgica, o clínico, o própria, o que limita sua indicação. Para os casos de apoeia
anestesiologista e a família do paciente. grave, a indicação é o CPAP, um aparelho de pressão positiva
Sabe-se que as doenças mais prevalentes nos idosos que contínua em via aérea usado à noite durante o sono, com
serão submetidos a procedimento cirúrgico são hipertensão, máscaras de ajuste nasal ou oronasal.
diabete melito, tabagismo e cardiopatia isquêmica prévia.
As principais alterações encontradas em relação à par-
te funcional pulmonar após um procedimento cirúrgico são
Prevenção
A prevenção inclui o reconhecimento e o tratamento de ou-
aumento da resistência ao fluxo aéreo, alteração da rela-
tras condições de doença, como diabete melito, insuficiência
ção ventilação-perfusão, diminuição da capacidade vital e
renal, doença cardíaca, assim como o acompanhamento do
da capacidade residual, muitas delas decorrentes do tipo
anestésico utilizado e do tipo e duração do procedimento processo de envelhecimento do indivíduo, priorizando boa
qualidade de vida, atividade ffsica e bom estado nutricional.
cirúrgico, constituindo, com isso, fatores de risco que au-
A vacinação anti-influenza deve ser incentivada de for-
mentam a chance de complicações cirúrgicas. As principais
complicações pulmonares no pós-operatório correspondem ma universal no idoso, assim como a vacina aotipneumocóci-
ca, sobretudo para idosos portadores de pneumopatia.
a pneumonias, traqueobronquites, broncospasmo, atelecta-
sia, insuficiência respiratória aguda, entubação orotraqueal A cessação do tabagismo deve ser incessantemente bus-
prolongada, ventilação mecãnica prolongada, escape aéreo cada pelo profissional em qualquer fase da vida do paciente,
pois seu benefício é claro e inquestionável para um envelhe-
prolongado e fístula broncopleural.
cimento mais saudável.
Deve-se ter em mente que, para indicar-se um proce-
O incentivo à busca de qualidade de vida durante o pro-
dimento cirúrgico em qualquer tipo de paciente, é neces-
cesso natural de envelhecimento é mister de todo médico, e
sário no mínimo anamnese e exame físico bem realizados,
insistir em hábitos saudáveis de vida tem impacto direto na
gasometria arterial, radiografia de tórax e espirometria. A
experiência médica associada a uma equipe multidisciplinar qualidade de vida daquele futuro idoso.
e experiente é muito importante na avaliação dos benefícios
e riscos para a cirurgia e sua condução, sendo até mesmo
considerada definidora do sucesso da intervenção. Considerações finais
Nesta revisão sobre manejo do pneumopata idoso, o que
Síndrome de apneia obstrutiva do sono mais deve chamar a atenção é o fato de que o idoso não é
São frequentes os problemas de sono no idoso, sobretudo apenas um adulto velho, assim como a criança não é um
insônia, apoeia do sono e ronco. Não é escopo deste capítulo adulto pequeno. As peculiaridades referentes à idade in-
abordar tais distúrbios, mas correlacionar e chamar a aten- cluem cuidar da posologia, sobretudo devido à redução da
ção para o problema, que tem peculiar e maior incidência no função pulmonar e renal e da capacidade de metabolização
idoso. Estima-se que os distúrbios do sono afetem em tomo hepática, assim como à frequente e elevada associação de
de 50% das pessoas com mais de 60 anos. doenças e tratamentos que acompanham o envelhecimento
Além da insônia, os distúrbios do sono mais frequentes humano.
no idoso são a sonolência excessiva diurna, o ronco e a ap- O segundo ponto salientado é a questão preventiva: o cus-
oeia do sono. O ronco é a forma mais comum do organismo to-benefício da prevenção é claro e defensável. Orientar todo
se manifestar diante de uma dificuldade respiratória que paciente a não fumar, assim como a praticar atividades físicas,
ocorre durante o sono. É um ruído caracterizado pela vibra- reconhecer precocemente seus problemas e tratar de corrigi-
ção dos tecidos moles da garganta, principalmente a úvula. -los, reduz o impacto sobre a qualidade de vida ao envelhecer.
Por fim, o manejo do pneumopata idoso obedece às Hanania NA, Sbanna G, Shan.Othaneh A. COPO in lhe eldcrly pa-
normas e consensos estabelecidos para cada doença, como tient. Sem in Respir Crit Carc Mcd. 2010;31(5):596-606.
pneumonia, DPOC, asma, embolia pulmonar, entre outros,
Hayes O Jr, Meyer KC. Acute exacerhations of chronie broncbitis
como fica claro nas páginas desta obra, lembrando o médico in elderly paticnts: pathogenesis, diagnosis and managemcnt. Orugs
que o investiga de que o idoso exige tratamento e investiga- Aging. 2007;24(7):555·72.
ção diferenciados em função de suas peculiaridades e prin-
cipalmente evocando que a riqueza semiológica pode estar Jaakkola MS. Environmcntaltobacco smoke and hcalth in thc el-
ausente ou ser pouco representativa nesta população. dcrly. Eur Respir J. 2002;19(1):172-81.
Lundbãck B, Gulsvik A, Albers M, Bakke P, Rõnmark E, van den
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Renata Diniz Marques
Fernando Gustavo Stelzer
79
ocorrência de redução (hipopneia) ou interrupção (apoeia)
Introdução do fluxo aéreo nas vias aéreas superiores, em associação fre-
O sono pode ser definido como um estado fisiológico, cícli- quente com roncos, interrompendo o sono e provocando sin-
co e reversível de inconsciência, com diminuição da resposta tomas diurnos, predominantemente sonolência excessiva. Os
aos estímulos ambientais, em geral acompanhado de imobi- eventos ventilatórios são associados a fragmentação do sono,
lidade, com posturas específicas (variáveis de uma espécie hipoxemia e flutuação da pressão intratorácica, resultando
para outra) e fechamento ocular. em picos de atividade simpática e consequente aumento da
Ao contrário do que se acreditava inicialmente, o sono é pressão arterial e da frequência cardíaca. Esta condição tem
um processo ativo, que consiste em dois diferentes estados: sido cada vez mais associada a piora da qualidade de vida,
o sono REM, período em que nossos sonhos mais vívidos aumento do risco de acidentes automobilísticos e de traba-
ocorrem, e o sono não REM. Esses dois estágios estão pre- lho, bem como aumento do uso de recursos médicos.
sentes em quase todos os mamíferos e aves. Além da SAOS, há diversas outras condições ventilató-
O ser humano passa cerca de um terço de sua via dormin- rias que podem ser precursoras dela (QUADRO 79.1).
do. Apesar da óbvia importância do sono, fundamental para
a sensação de bem-estar, saúde, produtividade e desempe- Epidemiologia
nho cognitivo, ainda não se tem completa compreensão das
A SAOS é uma condição médica geralmente não diagnosti-
funções do sono. A maioria das teorias vigentes defende que
cada e subestimada em grande número de adultos, compro-
o sono não REM tem por função a conservação de energia
e a recuperação do sistema nervoso. O sono REM, por sua metendo cerca de 3 a 7% dos homens e 2 a 5% das mulheres.
Sua prevalência varia na dependência dos critérios emprega-
vez, teria importante papel na ativação encefálica durante o
dos para o diagnóstico.
sono, na restauração de processos neurológicos localizados e
na regulação emocional.
Fatores de risco
A prevalência da SAOS aumenta com a idade. Entre pacien-
Distúrbios respiratórios do sono tes com mais de 65 anos, há um aumento de prevalência de 2
a 3 vezes em comparação com a faixa etária de 30 a 54 anos.
Os homens têm prevalência maior de SAOS em comparação
Síndrome da apneia obstrutiva do sono com as mulheres, com uma relação de 2:1.
A síndrome da apoeia obstrutiva do sono (SAOS) foi des- Nos adultos com menos de 35 anos, a prevalência da
crita pela primeira vez por Gastaut e Tassinari na França e SAOS é maior entre negros do que brancos, independente-
por Jung e Kuhlo na Alemanha, sendo caracterizada pela mente do índice de massa corporal (IMC). Populações de
QUADRO 79.1 ~ Doenças ventilatórias mais comuns em adultos

11·)1 @@jBil•l
Ronco primário O ronco é um evento acústico produzido por vibrações da coluna aérea e dos tecidos moles devido a fluxo
turbulento nas vias aéreas superiores. Oíndice apneia/hipopneia (IAH) é inferior a 5/hora; a saturação da
oxiemoglobina está dentro da normalidade; não prenche critérios para sindrome do aumento da resistência
das vias aéreas (5ARVAS).

Síndrome do aumento da Sem critérios para síndrome da apneia obstrutiva do sono- SAOS (IAH inferior a 5/hora); aumento
resistência das vias aéreas de despertares e microdespertares associados a esforço ventila tório (avaliado por balão esofágico) na
(SARVAS) polissonogratia; sem dessaturação importante da oxiemoglobina; os sintomas são os mesmos da SAOS.

Síndrome de apoeia central do Episódios recorrentes de apoeias no sono(> 5 apoeias ou hipopneias centrais/hora), sem evidência de
sono (SACC) obstrução e normocarbia (níveis de co, normais) durante a vigflia.

Respiração de Cheyne·Stokes Padrão ciclico de apoeias centrais com volume em crescendo-decrescendo, frequentemente associado a
insuficiência cardíaca e acidente vascular cerebral.

Síndrome de hipoventilação Hipercapnia e hipoxemia durante o sono, relacionadas com hipoventilação central; não relacionada com
alveolar obstrução de vias aéreas superiores; hipercapnia diurna está frequentemente presente.

países asiáticos apresentam prevalência semelhante à des- QUADRO 79.2 ~ Condições associadas a aumento de risco para
crita em países com predomínio de raça branca, apesar do síndrome da apneia obstrutiva do sono
menor IMC. Esses resultados indicam que variações na es-
trutura craniofacial são importantes como fatores de risco. - Gênero masculino
A prevalência da SAOS aumenta progressivamente com - Obesidade
o IMC e outros marcadores de obesidade, como circunfe- - Idade
rência cervical e relação cintura-quadril. Estima-se que cer- - Uso de álcool
- Tabagismo
ca de 70% dos portadores de SAOS apresentem peso acima
- Obstrução nasal
da normalidade. Por outro lado, em torno de 58% dos casos Edema ou fibrose de tecidos de vias aéreas superiores
moderados a graves de SAOS estão associados a IMC ~ 25 Macroglossia
kg/m2. Hipertrofia de tonsilas ou adenoides
Anormalidades craniofaciais e de tecidos moles das vias Hipertrofia de úvula
aéreas superiores aumentam a chance de desenvolvimento Anormalidades craniofaciais (micrognatia, retrognatia, palato em
de SAOS. Exemplos são h.ipertrofia tonsilar, posição ou ta- ogiva)
manho anormal da maxila ou da mandíbula, h.ipertrofia de Hipotireoidismo
Acromegalia
adenoides e diminuição da luz das cavidades nasais. O fator
Slndrome de Cushing
mais comum (em geral o único presente) de limitação do flu- Slndromes genéticas (p. ex., síndrome de Down, sequência de
xo aéreo em crianças com SAOS é o aumento das tonsilas e Pierre-Robin)
das adenoides. Há um aumento de cerca de duas vezes na Síndrome pós-pólio
prevalência de SAOS entre pacientes com congestão nasal Insuficiência cardíaca congestiva
crônica, em comparação com os controles, independente- Acidente vascular cerebral
mente da causa da obstrução nasal.
Diversos estudos mostram prevalência de menos de 3%
de pacientes com hipotireoidismo entre os portadores de
SAOS. Já a prevalência da SAOS entre aqueles portadores treitamento na faringe, sendo a região retropalatal o local
de h.ipotireoidismo é elevada, superior a 25%.' A SAOS é mais comum. Ocorrem alterações mecânicas como redução
cerca de três vezes mais prevalente entre diabéticos quando no tamanho da faringe, assim como alteração na sua forma,
comparados com a população geral. Estima-se que fumantes ou seja, circular em vez de elíptica, em função do aumento
ativos tenham risco cerca de três vezes maior para SAOS do do tecido adiposo das paredes laterais ou mesmo do espes-
que não fumantes. samento destas. Ainda existe um aumento da possibilidade
O QUADRO 79.2 relaciona as condições mais frequente- de colapso da faringe devido a uma diminuição da eferência
mente associadas à SAOS. motora dos músculos dilatadores, além de aumento do volu-
me sanguíneo nessa região e da aderência entre as superfí-
cies da mucosa.
Fisiopatologia O volume pulmonar é outro fator determinante do ca-
Vários fatores atuam na fisiopatologia da SAOS. Em torno libre, da resistência e da complacência das vias aéreas su-
de 75% dos pacientes apresentam mais de um local de es- periores. Um pequeno volume pulmonar, seja por aumento
do volume abdominal, da gordura torácica ou diafragmática,
resulta em diminuição da área da faringe, aumento da possi-
bilidade de colapso dela e resistência.
[I] ATENÇÃO
O colapso das vias aéreas superiores ocorre quando a Ronco é a queixa mais comum dos pacientes com
pressão extraluminal exagerada da faringe, aumentada na SAOS, sendo verificado em até 95% dos casos. En-
obesidade pelo aumento dos tecidos moles nesta região, tretanto. como é uma queixa bastante prevalente na
associa-se a uma pressão intraluminal negativa gerada pela população geral ( > 60% dos homens e 40% das mu-
caixa torácica durante a inspiração. lheres com idade entre 41 e 65 anos). tem um valor
Embora o colapso da faringe seja o evento primário na preditivo muito baixo para o diagnóstico de SAOS.
SAOS, a presença de dessaturação da oxiemoglobina duran- Por outro lado, o diagnóstico de SAOS na ausência
te os eventos respiratórios depende de outros fatores, como de ronco é bastante improvável.
estes:

• Duração do evento respiratório. Outra queixa comum que motiva a consulta é a ocorrên-
• Tipo do evento obstrutivo (hipopneia ou apneia): quanto àa de períodos de pausas ventilatórias durante o sono, as ap-
maior o esforço respiratório, maior o consumo de oxi- neias testemunhadas. Embora tenham uma boa correlação
gênio. com diagnóstico de SAOS, elas não predizem a gravidade da
• Reserva pulmonar de oxigênio que é proporcional ao vo- doença. Deve-se considerar, no seu diagnóstico diferencial,
lume pulmonar e concentração alveolar de oxigênio, ou condições associadas a dispneia noturna, como dispneia pa-
seja, pequenos volumes pulmonares associam-se a maio- roxística noturna, asma ou laringospasmo.
res dessaturações. A sonolência diurna excessiva é uma das manifestações
• Saturação venosa mista: quanto menor, mais rápida será mais frequentes da SAOS. Contudo, a sua presença pode
a queda da saturação da oxiemoglobina arterial. não ser percebida ou seu significado pode não ser adequa-
• Saturação basal de oxigênio: valores baixos estão mais damente considerado em decorrência da instalação insicliosa
próximos do ângulo da curva de dissociação da hemo- ou da sua cronicidade. O paciente poderá não definir o seu
globina e pequenas quedas na Pa02 resultam em grandes sintoma como sonolência, mas como cansaço e fadiga. Uma
dessa tu rações. avaliação mais cuidadosa permitirá o reconhecimento de so-
nolência em situações mais tediosas, monótonas e passivas.
Quadro clínico Para a quantificação do grau de sonolência diurna, é fun-
O paciente úpico com SAOS é homem, com sobrepeso ou damental o uso de escalas, como a escala de sonolência de
obeso, queixando-se de roncos, engasgos durante a noite, Epworth (QUADRO 79.4).
noctúria, sonolência excessiva diurna e comprometimento
cognitivo leve (esquecimentos, dificuldade de concentra- Exame físico
ção), com episódios de apneia testemunhada durante o sono. O exame físico deve incluir medidas antropométricas (lMC),
No entanto, a SAOS é uma condição bastante heterogênea, circunferência do pescoço, pressão arterial e avaliação da ca-
de forma que mesmo um paciente com quadro grave poderá vidade nasal e orofaringe. IMC acima de 30, circunferência
se queixar de poucos sintomas (QUADRO 79.3). cervical acima de 42 em nos homens e 38 em nas mulheres e
hipertensão arterial sistêmica são variáveis do exame !Isico
de alto valor preditivo para SAOS.
QUADRO 79.3 7 Sinais e sintomas de sindrome da apoeia Além disso, deve-se avaliar alterações da morfologia
obstrutiva do sono craniofacial, uma vez que alterações da oclusão dentária
(mordida cruzada, morclida aberta, má oclusão), presença
[mm:.m:mtr.m de palato ogiva! e alterações do desenvolvimento da maxila
(hipoplasia) e mandlbula (retroposição) predispõem à obs-
- Sonolênciil excessiva - Apneias testemunhadas trução das vias aéreas (QUADRO 79.5).
- Sensação de sono não - Ronco res.suscitativo O exame da cavidade oral e da orofaringe deve incluir
reparador - Sono agitado descrição da proporção relativa da língua, do palato (classi-
- Boca seca ao despertar - Engasgos noturnos ficação de Mallampati modificada, FIGURA 79.1), das tons i! as,
- Cefaleia ao despertar - Pirose e regurgitaçao
- Alterações de humor - Sede durante o sono da úvula e das paredes faríngeas (FIGURA 79.2) em relação ao
- Dificuldade de concentração e - CongMtao na.sal espaço da via aérea.
de memória - Salivaç~o excHsiva durante
- Diminuição da libido ou o sono Consequências
impotência - DespertarH frequentes
- Despertar comangina A SAOS em adultos, sobretudo nos obesos, é inclicativa de
- Cansaço
pectoris uma doença sistêmica e não exclusivamente de obstrução
- Sudorese excessova anatõmica de vias aéreas superiores. Há evidências concre-
- Noctúria tas de que a SAOS contribui, de forma independente, para
- Insônia doenças neuroendóerinas e cardiovaseulares.
QUADRO 79.4 ? Escala de sonolência de Epworth

Qual é a ·chance• de IIOd •cochilar" ou adormecer nas situações


aptesentadas a se,uir?
(Procure separar da condi~ de sentir-se simplesmente cansado.
Responda pensando no seu modo de vida nas últimas semanas.
~que você nio tenha passado por alguma destas situações
recentemente, tente avahar como você se comportaria frente a elas.)
UtiliZe a escala apresentada a se,uir.
O- Nenhuma chance de cochilar
Oassel Clone 11
1 -Pequena chance de cochilar
2- Moderada chance de cochilar
3- Alta chance de cochilar

Sentado. lendo

Sentado, vendo televis3o


----------------------
Sentado em lugar público sem atividade (sala de
espera, cinema, igreja) Classelll Classe IV

Como passageiro de Onibus, trem ou carro, por FIGURA 79.1 ~ fndice de Mallampati modificado. Classe I - visualiza·
periodo de uma hora ·se toda a parede posterior da orofaringe, incluindo o polo inferior das
tonsilas palatinas. Classe 11 - visualiza·se parte da parede posterior da
Deitado para descansar à tarde, quando M orofaringe. Classe 111 - visualiza·se a inserçao da iivula e o palato mole.
possibilidade Não é possível visualizar a parede posterior da orofaringe. Classe IV -
visualiza-se somente parte do palato mole e do palato duro.
Sentado após almoço, sem álcool Fonte: Coslil e colaboradores.'
Sentado, conversando com alguém

Se estiver d1rigindo, quando para por alguns minutos


-------
Resullodo. tOou_, ponto<; 10001fftc10 flOCfSSÍYll quo"- se< irwe>1igado.
fo<lto• .lcMs.'

Nestes pacientes, a resistência à insulina manifesta-se in·


dependentemente do IMC e está correlacionada com a gravi-
dade determinada pelo lAH e pelo nível de dessaturação da
oxiemoglobina durante o sono. Da mesma forma, privação e
fragmentação do sono, muitas vezes associadas a SAOS, con- Oassell
dasse I
tribuem para resistência à insulina, intolerância à glicosc, hi-

QUADRO 79.5 ? Principais achados ao exame fisico que podem


sugerir sfndrome da apneia obsti\Jtiva do sono

- Obesidade (IMn 30 kg!m')


- Circunferência cervical superior a 42 em em homens e 38 em em
mulheres
- Circunferência abdominal superior a 95 em em homens e 85 em
em mulheres
dasselll Classe IV
- Classíficaçao de Mallampati modificada de classes 111 e IV
- Hipertrofia de tonsilas pala tinas, de graus 111 e IV FIGURA 79.2 ~ ClassificaçAo das tonsilas. Grau I - tonsilas palatinas
- Presença de palato ogival ocupam até 25% do espaço orofaringeo. Grau 11 - tonsilas palatinas
- Hipertens3o arterial, especialmente se refratária ao tratamento ocupam espaço entre 25 e 50% da orofaringe. Grau 111 - tonsilas pala ti-
medicamentoso ou com persistência dos níveis elevados durante nas ocupam entre 50 e 75% do espaço orofarlngeo. Grau IV - tonsilas
o sono palatinas ocupam mais de 75% do espaço orofaringeo.
- Sinais de hipertensio pulmonar ou de cor pu/mona/e Fonte: Cost1 e colaboradores.'
perleptinemia, hiperatividadc autonômica c desregulação do QUADRO 79.6 -+ Diagnóstico da sfndrome da apneia obstrutiva
eixo hipófisc-adrenal. do sono em adultos
Do ponto de vista cardiovascular, pacientes com SAOS
apresentam aumento do tônus simpático, dos níveis de mar- A. Be OQ11 Ce Opreendwrn os critérios seguintes.
cadores inflamatórios (proteína Crcativa e interleucinas) e Pelo menos um dos seguintes:
alterações de fatores da coagulação. Há também alterações A. O paciente se queixa de episódios de sono não intrncional durante
da função endotelial e sinais precoces de aterosclerose. To- a vigília. sonolência diurna, sono não reparadO<, fadiga e insônia.
das essas alterações assemelham-se às identificadas em pa- - O paciente desperU corn sensaçao de falU de ar, engasgos.
cientes hipertensos, sendo exacerbadas quando há associa- - O parceiro refere ronco alto, interrupções respiratónas ou
ção entre as duas condições. ambos durante o sono do paciente.
O IAH c a porcentagem de sono com saturação inferior - Polissonografia identifw:ando os seguintes:
a 90% parecem ter uma relação linear com a elevação tanto B. Cinco ou mais eventos respiratórios por hori de eumr (apneia,
da pressão sistólica como da diastólica, independentemente do hipopneia ou RERAs)!
IMC, da circunferência cervical, da relação da circunferência - Evidência de esforço respiratório durinte todo o evento
respiratório ou em parte dele (no caso dos RERAs, é identificado
quadril<intura, do uso de álcool c do tabagismo. De fato, hoje
melhor com manometria eso!Agica).
a SAOS é reconhecida como uma das causas secundárias de
hipertensão arterial sistêmica, c o tratamento com pressão po· Ou
sitiva continua nas vias aéreas (CPAP) resulta em redução dos C. Registro com polissonografia mostrando:
níveis de pressão arterial, tanto sistólica como diastólica. - Quinze ou mais eventos respiratórios por hora de sono.
A SAOS também foi associada ao desenvolvimento de ar- - Evidência de esforço respiratório durante todo o evento ou na
ritmias cardíacas. A alteração de ritmo cardíaco mais significa- maior parte dele.
tiva inclui bradicardia extrema e assistolia ventricular durando O. O transtorno não é mais bem explicado por outra doença do
mais de 10 segundos. Além disso, a SAOS está associada a risco sono, médica, neurológica ou pelo uso ou abuso de subst3ncia ou
aumentado de morte súbita noturna, risco de fibrilação atrial e medicamentos.
recorrência de fibrilação atrial após cardiovcrsão. • RfRAs: rtspíratoty ffforat rtlattd arouul.
A SAOS parece contribuir para elevação do risco de Fonte: Modificado de Amfrican .A(adtmy of Sl~p Medocino.'
doença cardíaca isquêmica, acidente vascular cerebral e
insuficiência cardíaca congestiva (I CC). Em pacientes com
I CC, tanto apoeias obstrutivas como centrais estão associa-
QUADRO 79.7 -+ Classificação da sfndrome da apneia obstrutiva
das a aumento da mortalidade e da morbidade, e o IAH é
do sono
um forte marcador prognóstico para eventos cardlacos. O
tratamento com CPAP reduz esse risco e melhora a função
ventricular esquerda. lliiiia ê!im:_
;;.: 1: !ttJdi' r, J
Outra consequência importante é a relação entre fadiga/
SOE ao ler, ver TV ou SOE em eventos SOE ao comer,
sonolência e acidentes de trânsito. As estimativas de aciden- como passageiro de socioculrurais convtrsar, andar ou
tes relacionados com sonolência diurna variam muito na li- veiculo dirigir
teratura, desde 1 a 3% nos Estados Unidos, 10% na França
até 30% na Austrália. A demonstração de que o tratamento Alteração da função AlteraçAo da Marcada alteração
com CPAP reduz acentuadamente o risco de acidentes nos social e profissional função social na função social e
pacientes com SAOS constitui forte evidência indireta de discreta ou ocupacional ocupacoonal
uma relação de causalidade. moderada

IAH: 5·15/hora IAH: 15·30/hora IAH: > 30/hora


Diagnóstico
SOE • sonolê<lcia diurna exces!ÍYo: IAH • lndic:o do opneio • hipopnoili/110<a de
O diagnóstico consiste em métodos simples como questioná· sono.
rios, história clínica, exame físico, testes de registro simplifi-
cados até polissonografia clássica, que é o método conside-
rado padrão-ouro para o diagnóstico de SAOS.
A polissonografia permite identificar os vários parâmetros
alterados em pacientes com SAOS. A monitoração de ci.nco ~ ATENÇÃO
ou mais eventos respiratórios anormais (apoeias e/ou hipop·
Escores mais altos do IAH não indicam necessaria-
neias e/ou despertares relacionados com esforço respiratório)
por hora de sono confirma o diagnóstico de apoeia do sono. mente maior gravidade. Como exemplo, um pacien·
Porém, o diagnóstico da síndrome no adulto exige a presença
te com um IAH de 15 eventos por hora e dessatura·
çôes noturnas acentuadas pode manifestar sequelas
dos critérios A + B + D ou C + D, conforme o QUADRO 79.6.
A SAOS pode ser classificada em leve, moderada ou gra- mais graves do que um paciente com um IAH de 45
eventos por hora, com eventos de curta duraç.\o e
ve de acordo com a sonolência diurna, o grau do comprome-
timento da função social ou ocupacional e o índice de apoeia dessaturações menos graves.
na polissonografia (QUADRO 79.7).
Tratamento Uma maneira simples e caseira é costurar um bolso em uma
Os beneficios de tratar a SAOS incluem melhora clínica camiseta ao longo da coluna torácica alta e dentro do bolso
(menos sonolência durante o dia, melhor qualidade de vida, colocar uma bola de tênis (FIGURA 79.3). O desconforto asso-
controle da hipertensão arterial), redução das internações e ciado à posição supina é geralmente suficiente para levar o
dos custos hospitalares, diminuição dos acidentes de trânsito paciente a voltar para a posição lateral, sem despertar.
e, possivelmente, da mortalidade. Agentes farmacológicos específicos para o tratamento
da SAOS têm sido investigados, envolvendo diversos grupos
Indicações farmacológicos, porém nenhum se mostrou suficientemente
Medidas comportamentais são indicadas para todos os pa- eficaz para garantir a substituição das terapias vigentes.
cientes que têm SAOS. A terapia específica será indicada de A reposição horrnonal em indivlduos com hipotireni-
acordo com a Crequência e a gravidade dos eventos respira- dismo e acromegalia associados à SAOS pode ser benéfica,
tórios (IAH), a intensidade dos episódios de dessaturação assim como o uso de hormônio feminino em mulheres na
da oxiemoglobina durante o sono e a gravidade das compli- menopausa e com diagnóstico de SAOS, apresentando um
cações clínicas. efeito adicional no tratamento desta síndrome.
A Academia Americana de Medicina do Sono (AASM)'
recomenda que seja oferecida terapia com CPAP para todos Pressão positiva
os pacientes com SAOS. Uma terapia alternativa (p. ex., um Desde 1981, o uso de CPAP tem sido a terapia de primeira li-
aparelho oral ou cirurgia das vias aéreas superiores) pode nha para tratamento da SAOS. O tratamento com CPAP abre
ser indicada aos pacientes que não aceitam o uso de CPAP, as vias aéreas superiores pneumaticamente mediante uma
apresentam SAOS leve a moderada c anatomia das vias aé· pressão positiva e constante durante todo o ciclo respirató-
reas superiores favoráveis ao tratamento de escolha. rio (FIGURA 79.4). A pressão chega ao paciente através de um
Pacientes com SAOS, sem sintomas diurnos e sem doen- circuito tubular e uma máscara, que pode ser nasal ou facial.
ças cardiovasculares são o maior desafio para se iniciar tra- A grande maioria dos pacientes prefere a máscara nasal
tamento, e estudos cl!nicos randomizados ainda são neces- por ser menor, facilitar a mobilidade durante o sono e apre-
sários para mostrar se o tratamento em tais pacientes pode sentar menos vazamento, devido à menor área de superflcie
reduzir a morbidade e a mortalidade. em contato com a face. As máscaras faciais são geralmente
utilizadas em pacientes que apresentam respiração oral, sem
Tratamento clínico possibilidade de correção da obstrução nasal (FIGURA 79.5).
Medidas comportamentais como ret.i rada de bebidas alco- As orientações sobre as máscaras e ajuste de tamanho de-
ólicas e de certas medicações sedativas (benzodiazepínicos, vem ser feitas antes da titulação de CPAP.
barbitúricos, anti-histaminicos e opiáceos), perda de massa
gorda e adequada posição para dormir podem ser eficazes
no tratamento da SAOS.
Pacientes com sonolência excessiva devem ser advertidos
sobre as consequências potenciais de dirigir ou operar equi-
pamentos perigosos e aconselhados a evitar atividades que
exijam vigilãncia e a.l erta durante o perlodo de sonolência.
A perda de peso diminui o IAH, melhora a qualidade de
vida e, algumas vezes, diminui a sonolência diurna. Estudos
mostram que os pacientes com SAOS severa e obesidade
apresentam maior beneficio com a redução de peso do que
os pacientes com SAOS leve a moderada. O efeito da perda
de peso obtida pela cirurgia bariátrica é verificado a partir da
redução do lAH, mas a cura da SAOS nem sempre é conse-
guida com a cirurgia bariátrica e muitos pacientes precisam
manter o uso de CPAP apesar do emagrecimento. Além disso,
é importante ressaltar que a SAOS é fator de risco para com-
plicações no período pcri c pós-operatório, sendo necessário
diagnóstico c tratamento antes do procedimento cirúrgico.
Durante a polissonografia, é observado que alguns pa-
cientes desenvolvem ou agravam os eventos respiratórios na
posição supina. Esses pacientes tendem a ter SAOS menos ll
grave, são menos obesos c mais jovens. Dormir em uma posi- FIGURA 79.3 ~ Terapia posicional. A maioria dos dispositivos utilizados
ção não supina (p. ex., decúbito lateral) pode corrigir ou me- na terapia posicional faz o paciente sentir-se desconfort~vel na posição
lhorar os eventos respiratórios em tais pacientes e é algo a ser supina. (A) trav~ros especiais que impossibilitam o decúbito dorsal.
incentivado. No entanto, a indicação de dormir em decúbito (B) uma maneira mais simples: a utilização de uma bola de tênis no
lateral não deve ser usada como terapia primária a menos que do~ de uma camiseta.

a normalização do lAH seja confirmada pela polissonografia. Fonte: Marrone e Vicini. •


A pressão oferecida pode ser continua nas vias aéreas
{CPAP), em dois níveis (BPAP) ou automática {APAP), de
acordo com o colapso da via aérea.
O uso de BPAP fornece uma pressão inspiratória (IPAP)
e outra pressão expiratória (EPAP). O volume corrente re-
sulta da diferença entre a IPAP e a EPAP. Ou seja, o volume
corrente é maior usando uma IPAP de 15 cmHp e EPAP de
5 cmHzO (diferença de 10 cmH20), do que uma IPAP de 20
cmH 20 e EPAP de 15 cmHzO (diferença de 5 cmH20).
Não há vantagem comprovada em usar BPAP no lugar
de CPAP para o tratamento de rotina da SAOS. O uso de
BPAP acaba sendo indicado em pacientes que precisam de
altas pressões na titulação de CPAP ou que apresentam bi-
poventilação associada à SAOS e não respondem ao trata·
mento com CPAP.
O uso de APAP aumenta ou diminui o nfvel de pressão
positiva nas vias aéreas em resposta a uma mudança no fluxo
aéreo ou na pressão do circuito ou na presença de vibração
na via aérea (ronco). Esses sinais indicam que a resistência
das vias aéreas superiores foi alterada. Os resultados con-
feridos pelo uso de APAP ou CPAP são semelhantes, assim
P1r <O CPAP PN • +10
(+6) l como sua adesão.

--_,------------------~J Resultados
Existem estudos mostrando que a terapia de pressão posi-
tiva reduz a frequência de eventos respiratórios durante o
sono, diminui a sonolência diurna e melhora a qualidade de
vida. O efeito na qualidade de vida é mais bem observado
em pacientes jovens e mais sonolentos. O efeito na redução
Fluxo
da pressão arterial também já foi demonstrado, com maior
redução nos níveis pressórieos em pacientes com SAOS gra-
ve. 1àmbém tem sido mostrada redução da mortalidade em
Pes pacientes com SAOS grave tratados com CPAP.
O desfecho favorável dependerá da adesão à terapêutica
com pressão positiva. Entretanto, existem limitações no seu
uso devido aos efeitos colaterais e à intolerância por alguns
FIGURA 79.4 ~ Modelo respiratório baseado no principio de Sta~ing,
mostrando a aç.!o da pressão posi1iva na via aérea. O uso de CPAP au· pacientes. Estima-se que 20 a 40% dos pacientes não utili-
menta a press.\o intraluminal evitando o colapso da via aérea superior. zam seu aparelho e muitos não o fazem durante toda a noite,
Ptr • pressão intratraqueal; PN = pressão nasal; ~ • pressão esofágica. não atingindo o mlnimo de uso de pelo menos 5 a 6 horas
Fon~: Hoffsten.' por noite para um resultado satisfatório. As causas da má
adesão ao tratamento são descritas no QUADRO 79.8. Apesar
dos efeitos colaterais, a adesão ao uso de CPAP fica em tor-
no de 65 a 80%, pois menos de 1% dos pacientes não obser-
A titulação da pressão deve ser ajustada durante uma vam melhora clínica após seu uso.
noite de polissonografia, sendo necessário o acompanha·
mento técn.i co e ajuste da pressão ótima que corrige os Acompanhamento
eventos respiratórios, ronco, limitação do fluxo aéreo e Os pacientes que iniciam o uso de CPAP devem ser avaliados
dessaturação da oxiemoglobina, principalmente durante com frequência, em especial durante as primeiras semanas
a posição supina e o sono REM. Podem ser utilizados os de tratamento. O objetivo é identificar e solucionar rapida-
aparelhos automáticos para titulação, desde que se conhe- mente quaisquer efeitos colaterais, pois isso pode afetar a
ça a qualidade do software utilizado, pois alguns aparelhos adesão a longo prazo.
confundem os eventos respiratórios em casos de tosse, es- Uma vez que o paciente aderiu ao tratamento, uma ava·
pirros, abertura bucal e elevam a pressão acima dos nfveis liação objetiva do sono é geralmente desnecessária se os sin-
desejados. tomas da SAOS tiverem se resolvido. Todavia, a repetição do
A eficácia da abertura da via aérea é ilustrada pela tomo- teste é indicada para pacientes que não melhoram ou que
grafia da faringe de um paciente durante o sono, observando apresentam sintomas persistentes ou recorrentes, como SO·
a abertura da via aérea quando se utiliza CPAP (FIGURA 79.6). nolência diurna.
FIGURA 79.5 -7 Tipos de máscaras. (A) máscara nasal co-
locada sobre o nariz, sem envolver a boca. É o modelo
mais usado e mais indicado quando pressões mais altas
devem ser empregadas. (B) pillow nasal: tamanhos me-
nores e com pequeno contato na face são mais aceitos
em pacientes com claustrofobia, porém causam maior
desconforto quando é necessário o uso de pressões altas.
(C) máscara oronasal ou facial cobrindo a boca e o nariz.
Costumam ser usadas em pacientes com vazamento da
pressão pela boca. (O) máscara híbrida: combina o pillow
nasal com a interface oral. Podem ser utilizadas em pa-
cientes com indicação de máscara oronasal, porém com
dificuldade de adaptar as máscaras maiores.
Fonte: Adaptada de Silber e colaboradores'

QUADRO 79.8 -7 Efeitos adversos mais comuns do uso de CPAP

IIWMJ hi'U;M1
Rinite Uso de corticoide inalatório, antialérgico
Vazamentos, lesões na pele, barulho, conjuntivite Mudança e ajuste da máscara, tamanho adequado
Queixe ira para evitar vazamentos

Boca seca Umidificador

Persistência dos sintomas Reavaliação da pressão e adesão

Remoção involuntária da máscara à noite Tranquilização do paciente para evitar claustrofobia

Ansiedade, fobia, aspectos sociais negativos Psicoterapia com o paciente e familliares


Utilização de máscaras menores

Outros: dor torácica ou abdominal, aerofagia, sensação de pressão ou Explicação sobre o fato de a maior parte dos sintomas ser transitória,
arfrio utilização de rampa, umidificador aquecido
Raros: problemas maxilares, dentais, sinusais, de ouvido Avaliação de outros diagnósticos
ta
\. \ ~
B v
ô FIGURA 79.6 ~ Tomografia computadorizada
da via aérea superior, durante o sono, em pa-

\ ~
ciente com apneia obstrutiva do sono. (A) e
(B) paciente respirando espontaneamente sem
CPAP. (C) e (O) os mesmos cortes no paciente

D v utilizando CPAP. As setas indicam o lómen tra-


queal, que aumenta seu diâmetro com o uso de
CPAP.
Fonte: Hoffstein.'

Possíveis causas da falha do tratamento incluem má ade- lamento da narcolepsia. Ele promove a facilitação da libe-
são, ganho de peso, nível inadequado de pressão positiva ração de monoarninas e aumenta os níveis de histarnina no
ou um transtorno adicional causando sonolência (p. ex., a hipotálamo, agindo na promoção da vigília.
narcolepsia), que podem exigir alterações no esquema tera- O modafinil melhora, de forma subjetiva e objetiva, a
pêutico. sonolência, a vigilância e a qualidade de vida em pacientes
Logo que o tratamento com pressão positiva foi otimiza- com SAOS tratados com CPAP. Contudo, ele não reduz a
do e os sintomas desapareceram, deve ser estabelecido um obstrução e o colapso das vias aéreas superiores, motivo pelo
acompanhamento a longo prazo para avaliar e monitorar o qual não tem efeito no tratamento das apoeias e não apre-
uso de CPAP, novos efeitos colaterais, vazamento de ar, re- senta melhora da sonolência em pacientes com uso irregular
corrência da doença e as flutuações no peso corporal. deCPAP.

Terapia farmacológica para sonolência diurna residual Aparelhos intraorais


Aproximadamente 15% dos pacientes persistem com sono- Há um número crescente de aparelhos intraorais destinados
lência diurna apesar da adesão à terapia com CPAP e ex- a projetar a mandíbula para frente (placas de avanço man-
clusão de comorbidades. A terapia farmacológica pode ser dibular) ou segurar a língua em uma posição mais anterior
benéfica como tratamento adjuvante para sonolência persis- (dispositivos de retenção lingual) (FIGURA 79.7) . O objetivo
tente. No entanto, antes de iniciá-lo, a adesão à terapia con- desses aparelhos é manter os tecidos moles da orofaringe
vencional deve ser confirmada e outras causas de sonolência distantes da parede posterior da faringe, mantendo a per-
diurna devem ser excluídas, como privação do sono, uso de meabilidade das vias aéreas superiores. This aparelhos são
medicações que causam sonolência, má higiene do sono, má vantajosos porque têm custo acessível, são reversíveis, não
percepção dos sintomas, pressão inadequada por CPAP, pre- invasivos, são de fácil confecção e podem ser utilizados no
sença de vazamentos na máscara, sintomas depressivos. tratamento concomitante de bruxismo.
Atualmente, o fármaco mais indicado é o modafinil, es- Atualmente, são indicados para o tratamento do ron-
timulante do sistema nervoso central, utilizado para o tra- co primário, da resistência das vias aéreas superiores e da
SAOS leve a moderada. Pacientes com SAOS moderada a A uvulopalatofaringoplastia (UPFP) é um dos procedi-
grave que não aceitam CPAP ou que apresentaram into· mentos cirúrgicos mais comuns realizado neste contexlo. Ela
lerância ao seu uso podem utilizar os aparelhos intraorais envolve a ressecção da úvula, o tecido redundante retrolin-
como opção de tratamento. gual e as tonsilas palatinas. Os procedimentos com laser e
Os aparelhos intraorais diminuem a freq uência de even· ablação por radiofrequência (RF) são variantes menos inva-
tos respiratórios, despertares e episódios de dessaturação sivas da UPFP.
da oxiemoglobina, comparados ao placebo. Eles também A UPFP parece conseguir uma cura cirúrgica (defmida
podem melhorar a sonolência diurna, a pressão arterial, a como um lAH pós-operatório < 5 eventos por hora de sono)
qualidade de vida e a função cognitiva. Seu impacto sobre a em apenas uma minoria dos pacientes e pode comprometer
mortalidade é desconhecido. o uso de CPAP subsequente devido ao vazamento de ar e
Antes do inicio do tratamento, o paciente deve ser ava- menor tolerabilidade a pressões mais elevadas.
liado por um dentista para identificar se é candidato ao uso Outros procedimentos cirúrgicos comuns para SAOS in-
do aparelho, definir o avanço máximo mandibular e excluir cluem septoplastia, rinoplastia, redução de cometas nasais,
os indivíduos com risco de efeitos colaterais. Os aparelhos polipectomia nasal, faringoplastia, avanço palatal, amigda-
de avanço mandibular são os mais utilizados e exigem no mí- lectomia, adenoidectomia, implantes palatais, glossectomia
nimo oito dentes em cada uma das arcadas para apoio do parcial, arnigdalectomia lingual, avanço do músculo genio-
aparelho e ausência de doença periodontal avançada. Além glosso, avanço maxilomandibular e traqueostomia.
disso, o paciente deve ser capaz de avançar a mandíbula pelo A cirurgia maxilomandibular é o procedimento com me-
menos 5 mm sem desconforto. lhores resultados e taxas de sucesso em tomo de 75 a 95%.
Os pacientes devem sempre ser reavaliados com polisso- Os preditores de sucesso são pacientes jovens, com lAH bai-
nografia após o término do avanço mandibular para verificar xo, IMC baixo e boa capacidade de avanço maxilar. Está in-
a eficácia do tratamento. dicada como tratamento inicial de pacientes com alterações
ortognáticas graves, independentemente da gravidade da
SAOS ou como tratamento alternativo para pacientes com
Tratamento cirúrgico
SAOS que não se adaptaram a outros tratamentos, a despei·
A avaliação pré-operatória é essencial no sucesso desse tipo to da presença de alterações craniofaciais. O principal efeito
de terapia. O tratamento cirúrgico é mais eficaz em pacien- colateral é a parestesia facial, que persiste por até um ano
tes que apresentam SAOS leve e alterações anatômicas obs- em 15% dos pacientes (FIGURA 79.8).
trutivas em vias aéreas, como hipertrofia tonsilar ou altera- Uma vez que a equipe cirúrgica determina que a cura é
ções craniofaciais evidentes (QUADRO 79.9). Não há consenso completa (em geral 1 a 3 meses após o procedimento), a efi-
sobre o papel da cirurgia na ausência de uma lesão anatômi- cácia do procedimento deve ser avaliada clinicamente e com
ca definida e geralmente os procedimentos de orofaringe são a polissonografia. Muitas vezes, são indicados tratamentos
indicados em pacientes que não toleraram o uso de CPAP ou adicionais para a melhora dos sintomas.
de aparelho intraoral.
As cirurgias nasais pouco interferem na redução do IAH,
mas podem reduzir a fragmentação do sono secundária à Hipoventilação durante o sono
obstrução nasal. Em geral, são realizadas como tratamento A obesidade e as doenças neuromusculares fazem parte das
coadjuvante ao uso de CPAP e aparelho intraoral, aumen- principais doenças em que ocorre hipoventilação durante o
tando o conforto e a adesão a esses tratamentos. sono.

Síndrome da obesidade e hipoventilaçáo


10
QUADRO 79.9 ~ Sucesso cirúrgico conforme estadiamento Em 1956, Bickelmann e colaboradores utilizaram o ter-
mo síndrome de Pickwickian para descrever pacientes com

1-.j ~Wil~.m 1:
Estágio 1
(80,6%)
1, 2 3, 4
lm!IU
< 40
obesidade, hipercapnia e hipoxemia diurnas, sonolência
excessiva, policitemia e insuficiência ventricular direita.
Posteriormente, este grupo de pacientes passou então a ser
denominado portadores da sindrome da obesidade e hipo·
ventilação (SOH).
A definição de SOH consiste na combinação de uma hi-
poventilação alveolar crõnica diurna (PaC0 2 > 45 mmHg)
Estágio 2 1, 2, 3,4 1, 2, 3, 4 < 40 em um paciente obeso (IMC > 30 kg/m2) sem outra causa
(37,9%) de hipoventilação identificada, como doenças pulmonares,
neuromusculares, esqueléticas e metabólicas.
Estágio 3 3, 4 1, 2 < 40 Em geral, os pacientes com SOH são homens, com 40 a
(8, 1%) 50 anos e extremamente obesos. Sua prevalência na popula-
ção geral é desconhecida, mas entre os obesos é em torno de
Estágio 4 1, 2, 3, 4 1, 2,3,4 > 40 1%. Já em pacientes obesos com SAOS, perto de 10 a 20%
Fonte: Friedman e colaboradore~' apresentam SOH, sendo maior a prevalência em pacientes
FIGURA 79.7 ~ Diferentes tipos de aparelho
intraoral para tratamento da SAOS.
Fonte: Montserrat e colaboradores."

com IMC > 40. Cerca de 90% dos casos de SOH apresen-
tam apoeia obstrutiva do sono associada, sugerindo uma
sobreposição entre os distúrbios respiratórios associados à
obesidade, porém sem relação causal estabeleada entre as
doenças.
A patogênese da doença é multifatorial, envolvendo pa-
rede torácica, músculos respiratórios e cont.role ventila tório,
sendo a grande maioria das teorias baseada nos efeitos da
obesidade na mecânica pulmonar. A obesidade atua como
uma sobrecarga no sistema respiratório, resultando em re-
dução da complacência pulmonar, desacoplamento da ex-
citação/contração dos músculos inspiratórios, sendo neces-
sário maior drive ventilatório para alcançar níveis normais de
ventilação. A presença desse estímulo ventilatório aumen-
tado com incremento concomitante da ventilação tem sido
demonstrada nos obesos eucápnicos, enquanto obesos com
SOH apresentam redução da sensibilidade aos estimulos de
hipercapnia e hipoxemia devido a uma atenuação da respos-
ta neural, resultando na ventilação superficial.
Outro mecanismo proposto na patogênese da SOH de- AGURA 79.8 ~ Avanço maJàlomandibular realizado a partir de oste-
ve-se às consequências metabólicas da obesidade e seu efeito otomia maxilar e osteotomia sagital da mandíbula com intuito de au-
no controle ventilatório. A Jeptina, uma proteína produzida mentar o espaço aéfeo posterolateral.
pelo tecido adiposo, aumenta em proporção direta com o Fonte: Marrone e Vtcini.'
grau de obesidade e age no bipotálamo inibindo o apetite. inclusive em unidades de terapia intensiva (6% vs. 40%, res·
Em ratos com deficiência de leptina, observa-se obesidade pectivamente) e maior necessidade de ventilação mecânica
grave, hipoventilação e redução da resposta ventilatória à hi- (0% vs. 6%). A hipertensão pulmonar é mais comum (50%
percapnia, os quais são revertidos com a infusão de leptina. vs. 15%, respectivamente) e mais grave em pacientes com
Em contraste, humanos obesos apresentam níveis séricos de SOH do que em pacientes com SAOS.
leptina muito elevados, sugerindo que a obesidade humana A perda de peso é um tratamento essencial, visto que
é um estado de resistência à leptina. Os valores séricos de a redução de 10 a 15% do peso corporal pode resultar em
leptina decrescem quando a SOH é tratada com ventilação uma queda importante da PaC02 • Infelizmente, apenas die·
não invasiva. ta para redução do peso é um método difícil e pouco du-
As principais características clinicas são a bipoventilação radouro nesses pacientes, sendo necessário muitas vezes a
e a hipoxemia, caracterizadas pela presença de dispneia e cirurgia bariátrica, com bons resultados na queda de PaC02•
saturação de oxigênio baixa em oximetria de pulso (SpOJ . Entretanto, a mortalidade desses indivíduos é maior do que
Porém, outros sinais e sintomas são encontrados, como so· nos eucápnicos (4% vs. 0,2%), assim como as complicações
nolência diurna excessiva, fragmentação do sono, cefaleia perioperatórias.
e náuseas matinais, sintomas depressivos e, em casos mais Quando a SOH encontra-se associada à SAOS, o tra-
avançados, policitemia e sinais de hipertensão pulmonar ou tamento pode ser feito tanto com CPAP como BPAP. Mui·
corpu/mona/e. tos pacientes respondem bem ao uso de CPAP, corrigindo
Pacientes obesos com SAOS que apresentam Sp02 baixa a PaC0 2 e hipoxemia. Porém, nos casos em que a PaC02
e bicarbonato sérico elevado, refletindo uma compensação persiste elevada após 1 a 2 meses, é necessário a utilização
metabólica de um quadro de acidose respiratória crônica, de BPAP. A última modalidade tem a vantagem de fornecer
devem ser avaliados com gasometria arterial para confirmar suporte ventilatório, sendo o tratamento de escolha nos ca-
a presença e a gravidade da hipercapnia. Quando existe hi· sos de SOH sem SAOS. O tratamento desses pacientes com
percapnia, devem ser realizadas provas de função pulmonar pressão positiva nas vias aéreas est.á associado a redução da
e radiografia de tórax para exclusão de outras causas, assim morbidade e mortalidade a longo prazo, assim como menor
como provas tireoidianas para descartar hipotireoidismo se· número de internações hospitalares.
vero e hemograma para avaliação de eritrocitose. A polis- A oxigeno terapia não deve ser utilizada como monotera-
sonografia é um exame importante nesses pacientes para a pia, sendo tratamento adjuvante à pressão positiva em casos
avaliação de SAOS associada (FIGURA 79.9). de SOH em que o suporte ventilatório não é suficiente para
Os pacientes com SOH, quando comparados a pacientes corrigir a hipoxemia.
com SAOS eucápnicos, apresentam pior qualidade de vida,
maiores gastos no sistema de saúde e maior risco de hiper·
tensão pulmonar. Mesmo pacientes com SOH leve (PaC0 2 Doença neuromuscular e hipoventilação
entre 46 e 50 mmHg) são mais sonolentos e apresentam pior Pacientes com doença neuromuscular ou da parede torácica
qualidade de vida do que pacientes com SAOS pareados por geralmente têm problemas respiratórios resultantes de uma
idade, IMC e função pulmonar. Comparados a pacientes combinação de disfunção dos músculos respiratórios (inspi·
com o mesmo grau de obesidade, sem hipoventilação, aque- ratórios, expiratórios e de vias aéreas superiores) e diminui-
les com SOH apresentam maior número de internações, ção da complacência pulmonar e da parede torácica. Esses
fatores contribuem para a dificuldade de remoção das secre·
ções das vias aéreas (atelectasias e pneumonias), alterações
de ventilação e perfusão e hipoventilação alveolar. A instala·
SAOS (IAH :!: 5) e ção da hipoventilação costuma ser lenta e progressiva e não
IMC:!: 30 Kglm' é diagnosticada nem tratada até que aconteça um episódio
de insuficiência respiratória aguda. Distrofias musculares,
neuropatias e doenças da placa mioneural, quando acome·
HCO, sérico ~ 27 mEq/l
tem a musculatura da respiração, evoluem em surtos ou com
HCO, "'rico < 27 mEq/l
3%com SOH 50% com SOH piora progressiva, em velocidade variável.
A presença de sintomas como sonolência diurna, cefa·
leia matinal, sono agitado, despertares noturnos, insônia,
apoeias testemunhadas e ronco indica a realização de po·
Menor saturação de oxigênio Menor saturação de oxigênio lissonografia.
durante o sono > 60% ou durante o sono < 60% ou
IAH < 100 IAH > 100
Mesmo em pacientes com disfunção pulmonar grave,
36%com SOH 76%com SOH raramente é referida dispneia, pois sua capacidade de exer·
cício é limitada pelo envolvimento dos músculos não respira-
FIGURA 79.9 ~ Algoritmo de triagem para SOH em pacientes com tórios. Alguns indivíduos não apresentam sintomas, mas têm
SAOS (IAH ~ 5 e IMC > 30 kg/m2) SOH = síndrome da obesidade e parâmetros fisiológicos sugestivos de hipoventilação, como
hipoventilaçáo; SAOS = sindrome da apneia obstrutiva do sono; IAH = restrição severa nos testes de função pulmonar, presença de
índice de apneia-hipopneia; IMC = índice de massa corporal; HC03 = hipercapnia diurna ou infecções respiratórias de repetição.
bicarbonato. Tais pacientes devem ser avaliados com gasometria arterial e
Fonte: Modificada de Mokhlesi e Tulaimat." polissonografia de noite inteira.
Pacientes com comprometimento inicial do tronco e da 4. Amcric:an Academy of Slecp Mcdicine. Tbe intemational classi-
musculatura respiratória, particularmente com escoliose as- fieation of slccp disordcrs: diagnostic and coding manual. 2nd ed.
sociada ou paralisia das pregas vocais, são mais propensos West: Ameriean Academy of Slcep Medicine, 2005.
a desenvolver anormalidades das trocas gasosas durante o S. Kushida CA, ünner MR, Hirshkowitz M, Morgentbaler TI, Ales-
sono. A cifoescoliose está associada a hipovcntilação notur- si CA, Bailcy D, ct ai. Practicc paramctcrs for Lhe use of continuous
na e apoeia obstrutiva do sono, mas a dessaturação noturna and bilcvcl positivo airway prcssurc dcviccs to trcat adult paticnts
não está diretamente relacionada com o grau de escoliose ou with sleep-rclatcd brcatning disorders. Sleep. 2006;29(3):375-80.
com os volumes pulmonares.
6. Marronc O, Vicini C Upper airway surgery in OSA. Eu r Rcsp
A espirometria, a oximetria de pulso, a capnografia, me- Mon. 2010;50:286-301.
didas de pico de fluxo da tosse, pressão inspiratória máxima
(Pimáx) e pressão expiratória máxima (Pemáx) permitem 7. Hoffstcin V. Rcview of oral apptianccs for treatment of slecp-
prever quais pacientes necessitam de tosse assistida e supor- -disordercd breathing. Slccp Breatb. 2007;11(1):1-22.
te ventilatório. 8. Silber MH, Krahn LE, Morgcnthalcr TI. Sleep mcdicine in clini-
A capacidade vital pode permanecer normal ainda que cai practice. 2nd cd. New York: Informa Hcaltbcare; 2010.
haja comprometimento grave da força muscular, o qual deve
9. Friedman M, Vtdyasagar R, Bliznikas O, Joscpb N. Does scvcriry
ser detectado pelas medidas de pressões estáticas máximas. of obstructivc slccp apnea/hypopnca syndrome prcdict uvulopala-
Pacientes com Pimáx abaixo de 50% do previsto, ou capaci- topharyngoplasty outcome? Laryngoscopc. 2005;115(12):2109-13.
dade vital forçada (CVF) abaixo de 40 a 50% do previsto,
apresentam alta probabilidade de hipoventilação noturna. 10. Bickelmann AO, Burwell CS, Robin ED, Wbaley RD. Extreme
obesity associatcd with alveolar hypoventilation: a Pickwickian syn-
Esses pacientes devem realizar gasometria arterial na vigflia,
dromc. Am J Mcd. 1956;21(5):811-8.
mesmo que assintomáticos. Pacientes com queda da CVF >
20% quando avaliados em duas posições (sentado e supino) 11 . Montscrrat JM, Navajas D, Parra O, Farré R. Cnntinuous positi-
devem realizar uma polissonografia para avaliação precoce ve airway pressurc treatmcnt in paticnts witb OSA. Eur Rcspir Mon.
2010;50:~.
de dessaturação noturna.
A tosse deve ser avaliada pelo pico de fluxo expiratório. 12. Mokhlesi B, 1\Jiaimat A. Rcccnt advanoes in obesity hypoventila-
Valores abaixo de 160 Umin estão associados a inefetividade tion syndrome. O.est. 2007;132(4):1322-36.
de tosse e acúmulo de secreção. Entretanto, para garantir a
limpeza adequada das vias aéreas, considera-se que um valor
abaixo de 270 Umin é suficiente para iniciar manobras de
tosse assistida. Da mesma forma, uma Pemáx S 45 cmH20
Leituras recomendadas
está relacionada com tosse ineficaz. Aurora RN, Cascy KR, Kristo D, Aucrbach S, Bista SR, Cho-
wdburi S, et ai. Practicc paramctcrs for tbe surgical modifications
Outros distúrbios associados, como apneia obstrutiva do
of tbe upper airway for obstructive sleep apnea in adults. Slcep.
sono, asma e distúrbios da deglutição devem ser avaliados 2010;33(10):1408-13.
sempre que houver sintomas de engasgo ou sufocação.
Após o diagnóstico de hipoventilação noturna, o trata- Bonsignorc MR, Battaglia S, Zito A, Lombardi C, Parati O. Slccp
mento com BPAP ou ventilador mecânico convencional deve apnoea and systcmic hipcncnsion. Eur Resp Mon. 2010;50:150-73.
ser iniciado, podendo ser ajustado durante a polissonografia Chang CL, Marshall NS, Yee BJ, Orunstein RR. Weight-loss tre-
ou mediante monitoração dos volumes pulmonares à beira atmcnt for OSA: medicai and surgieal options. Eur Rcspir Mon.
do leito. Sempre deve ser ajustada a frequêneia respiratória 2010;50:302-20.
na modalidade controlada, caso o paciente apresente pausas Fleetham JA, Almeida FR. Oral appliances. Eur Rcsp Mon.
durante o sono. O oxigênio nunca poderá ser usado sem um 201()-,50:267-85.
suporte ventilatório em pacientes com doenças neuromus-
culares. Hcdner J, Zou O. Pharmacological managemcnt of slccp-disorde-
rcd brcatbing. Eur Rcsp Mon. 2010;50:321-39.
O suporte ventilatório não invasivo durante a noite pode
aumentar a sobrevida e melhorar os sintomas e a qualidade lranzo A. Excessivo daytiimc slccpiness in OSA. Eur Rcsp Mon.
do sono, melhorar os gases sanguíneos durante o dia e dimi- 2010;50:17-30.
nuir a taxa de declínio da função pulmonar. Kaneko Y, Floras, JS, Usui K, Plante J, Tkacova R, Kubo T, ct ai.
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Danilo Cortozi Berton
J. Alberto Neder
80
A mitocôndria pode produzir ATP por meio desse pro-
Princípios fisiológicos do exercício cesso somente se houver oxigênio disponfvel para servir
como aceptor final dos elétrons (oxidativo) que passaram
Bioenergética celular pela cadeia transportadora de elétrons e, juntamente com o
O aumento da atividade muscular durante o exercfcio físico
hidrogênio que os forneceu, redundar na formação de água
dinâmico é um componente essencial da condição humana. (H,O). Esse processo de fosforilação oxidativa é a grande
A contração muscular é um mecanismo complexo que envol- fonte de ATP para a contração muscular e demais ativida-
ve a interação das proteínas contráteis actina e miosina na des celulares (36 moléculas de ATP/molécula de glicose são
presença de cálcio. formadas na mitocôndria durante esse processo).
As moléculas de trifosfato de adenosina {ATP), principal Em altas intensidades de exercício, entretanto, a de-
fonte de energia para a contração muscular, são produzidas manda corporal total de oxigênio pode exceder a capacida-
majoritariamente pela fosforilação oxidativa. O principal de dos sistemas fisiológicos em fornecê-lo. 'fradicionalmen-
combustível para esse processo são os carboidratos (glicogê- te, glicólise " anaeróbia" tem sido o termo empregado para
nio e glicose) e os ácidos graxos livres (embora aminoácidos descrever a síntese de ATP a partir de glicose nessa condi-
possam ser usados em situações de jejum prolongado). ção. Nesse caso, a glicólise ocorre no citoplasma da mesma
A fosforilação oxidativa inicialmente envolve uma forma que antes descrito para o metabolismo aeróbio até
série de eventos que ocorrem no citoplasma. O glicogê- a formação de piruvato. Contudo, o piruvato não entra na
nio e a glicose são metabolizados a piruvato por meio de mitocôndria e acaba sendo convertido a ácido láctico. A rá-
reações q ufmicas sequenciais denominadas glicólise. Se pida difusão de lactato proveniente das células inibe a pró-
houver oxigênio (0 2) disponfvel, o piruvato passa do ci- pria glicólise. Assim, a glicólise "anaeróbia" é ineficiente
toplasma à mitocôndria e é oxidado a um composto cha- {duas moléculas de ATP/molécula de glicose são formadas
mado acetii-CoA, que entra em uma sucessão de reações nesse processo).
qufmicas cfclicas conhecidas como ciclo de Krebs. Os sub- O metabolismo oxidativo é, portanto, a via metabólica
produtos do ciclo de Krebs são o gás carbônico (CO,) e o de maior eficiência do organismo na conversão de energia.
hidrogênio. Os elétrons provenientes desses hidrogênios Porém, para manter o funcionamento dessa via, é indispen-
são transportados para a cadeia transportadora de elé- sável a presença de oxigênio, utilizado como agente oxidante
trons, fornecendo energia para acoplar fosfato (fosforila- no final da cadeia de transporte de elétrons, formando 002
ção) , formando ATP. eH20.
Ajustes metabólicos
[I] ATENÇÃO A expressão metabolismo é também usada como sinônimo
de inte~câmbio gasoso sistêm_ico, uma vez que 0 2 é consu·
O exercfcio flsico, portanto, requer a interação dos mido (VOJ e C02liberado (VCOJ, como consequência da
mecanismos de controle fisiológicos de forma a per· aceleração da atividade metabólica, sobremaneira a da mus-
mitir o adequado acoplamento dos sistemas cardio· cular esquelética. O exercício fisico envolve, inevitavelmen-
circulatório e ventilatório na execução de sua função te, um aumento das necessidades orgânicas de suprimento
comum, ou seja, suprir a demanda metabólica do de energia para a contração muscular. Como o organismo
músculo em contração. dispõe de ATP estocado para apenas algumas poucas con·
trações, é necessário regenerá-lo de modo contínuo. Embora
algum "novo" ATP possa ser inicialmente obtido pela que-
Assim, ambos os sistemas são estressados durante o bra da reserva de fosfato muscular (denominada fosfocreati-
exercício para satisfazer as crescentes necessidades de 0 2 e na ou PCr), após algum tempo (cerca de 20 a 30 segundos),
remover o C0 2 produzido. Existem quatro processos princi- o organismo precisa recorrer ao metabolismo anaeróbio (gli-
pais para efetivar essa troca gasosa: cólise anaeróbia) e/ou ao metabolismo aeróbio ou oxidativo
(ciclo de Krebs e cadeia do transporte de elétrons).
• Ventilação pulmonar, ou movimento de ar para dentro e Esquematicamente, portanto, existe alguma hierarquia
fora dos pulmões. cronológica na sequência de obtenção de ATP (i. e., ATP
• Difusão pulmonar, ou troca de 0 2 e C0 2 entre os alvéo- armazenado -+ sistema PCr -+ glicólise anaeróbia e/ou me-
los pulmonares e o sangue. tabolismo oxidativo ). Contudo, convém lembrar que, em um
• 'Iransporte de 0 2e co2 no sangue. dado momento, é provável que todas as vias metabólicas es-
• 'Iroca gasosa nos capilares sistêmicos, ou troca de 0 2 e tejam ativas; assim sendo, quando o termo aeróbio ou anae-
C0 2 entre os capilares sanguíneos sistêmicos e os mús- róbio é utilizado, significa que um tipo de metabolismo está
culos em atividade. predominando.
A grande vantagem do metabolismo anaeróbio é que
Dessa forma, estudando a "respiração externa" (troca ele independe do aporte de 0 2 à mitocôndria e, portanto,
gasosa mensurada na boca) em resposta ao exercício, é pos· do funcionamento rápido e adequado do complexo siste·
sivel avaliar a adequação funcional dos sistemas orgânicos ma de captação, transporte e oferta de 0 2• De fato, logo na
que acoplam a "respiração externa" à respiração celular. A transição entre o repouso e o exercício, existe certo atraso
análise das características das trocas gasosas constitui o ali- no início do metabolismo aeróbio -um verdadeiro "déficit
cerce para o entendimento das adaptações fisiológicas en· de Ot - sendo este suprido pelos depósitos locais de 0 2
volvidas no exercício dinâmico, a mais comum situação de (ligado à mioglobina, por exemplo), pela PCr e por algu-
estresse fisiológico. ma glicólise anaeróbia. Logo, no início do exercício, haverá
Diversas modificações, especialmente nos sistemas car- uma geração temporária, não sustentada, de ácido láctico.
diovascular e respiratório, são encontradas durante o exer- Após algum tempo - que será mais curto em indivíduos
cício fisico visando aumentar a oferta de 0 2 necessário para mais treinados - as necessidades aeróbias são quase total·
a manutenção do metabolismo oxidativo e eliminar o C0 2 mente supridas e o organismo passa a depender de modo
produzido. Os ajustes produzidos englobam, sobretudo, o crucial da integridade dos ajustes "cardiorrespiratórios"
aumento do débito cardíaco, a dilatação e o recrutamento delineados na FIGURA 80.1.
de vasos sanguíneos no tecido periférico e pulmonar e o au- Caso a intensidade do exercício seja aumentada pro-
mento da ventilação (FIGURA 80.1 ). gressivamente (exercício incrementai), observa-se que o V
Os ajustes fisiológicos aos desafios trazidos pelo exercí- 0 2 também aumenta de forma linear com a carga aplicada
cio podem ser estratificados, para fins didáticos, em respos- (FIGURA 80.2). Isso ocorre até certo ponto, muito próximo à
tas metabólicas, ventilatórias e cardiocirculatórias. tolerância máxima de exercício, a partir do qual, por mais

FIGURA 80.1 -+ Visão integrada das engrenagens mus-


cular, cardiocirculatória e pulmonar objetivando a ma·
nutenção do fluxo sistêmico de gases vitais durante o
exercício físico. O metabolismo aumenta com o exerddo
e. consequentemente, há aumento do consumo mito-
condrial de oxigênio (Q02) e da produção de co, (QCO,).
Isso acarreta incremento proporcional na captação de 0 2
(V02) e liberação de C02 (VC02) mensurada na ventila·
ção.
VE: volume minuto, VA: ventilação alveolar, VEM: venti·
!ação do espaço morto
Dilatação Recrutamento
Fonte: Baseada em Neder e Nery. '
2,5

2,0
o Vomàx
~ ............. t. .......... ··:.······· ·~
.;. 1,5
'R
o
.g o' 1,0
u
o ·>
E 0,5

~
Vo,L·min '

carga d• trabalho (!N) FIGURA 80.3 -+ Respostas nas trocas gasosas com exerckio di~mico
FIGURA 80.2 -+ Diferença conceitual entre con.sumo de oxigênio má· incrementai. Note que em determinado ponto do exercido ocorre uma
ximo (Vo,máx) e de pico (VO,pico), obtido em um teste de exercido inflexão abrupta na linearidade da rei.Jç~o VCO,·Vo,, correspondente~ li·
com carga incrementai: enquanto o primeiro é caracterizado pelo de- beração adicional de co,. As evidências atuais indicam que a fonte princi·
senvolvimento de um platô na linha de ascens.\o do vo,a despeito de pai desse "extra-CO," resulta da dissocia~o do ácido carbônico, fa<mado
incremento na carga de exerddo, o último corresponde ao maior valor a partir do tamponamento pelo bicarbonato sangulneo do lactato resul·
observado de V02, independentemente da presença de platô. tante da glicólise anaeróbia. Esse •extra-co,· adiciona-se ao que já está
sendo produzido aerobicamente. Aanálise desse gráfico representa uma
das técnicas (V.slope) utilizadas para a estimativa ~o invasiva do limiar
anaeróbio (LA) em um teste cardiopulmonar de exercido incrementai.
que a carga seja aumentada, o vol se estabiliza: tal fenôme-
no caracteriza o chamado consumo máximo de oxigênio ou
V02 máx. Embora, por d~finição, a existência de um platô
na linha de ascensão do V0 2 seja o que realmente defina o
Ajustes ventilatórios
V0 2máx, esse achado raras vezes é visto em individues se- A função primordial do sistema respiratório é manter a ho-
dentários normais - e muito menos em pacientes. Neste con- meostase (constância relativa) dos gases sanguineos arte·
texto, o mais correto é denominar esse valor como represen· riais. Embora seja intuitivo considerar que tal controle fosse
tativo do vo,~ de pico; o V02PiCO, embora fisiologicamente particularmente sensível ao 0 2- afinal este é o gás funda-
distinto do VO~áx, pode, nas circunstâncias adequadas, mental para a respiração celular - o organismo controla com
apresentar a mesma importância prática. mais rigor o CO,. É provável que isso ocorra porque peque-
nas variações da pressão anerial de C02 (PaCOJ podem ter
Outro fenômeno bastante relevante na resposta metabó-
dramáticas consequências no pH sistêmico com repercus-
lica ao exerclcio progressivo é a ocorrência de uma modill·
cação, relativam_ente abrupta, da relação entre as taxas de sões em toda a atividade enzimática corporal.
Portanto, a resposta ventilatória ao exercício (volume
incremento do V02 e da VC02• Simplificando, ocorre, em
minuto - VE) guarda intima relação com os próprios de-
algum ponto do exercício incrementai, uma liberação adicio-
terminantes da PaC02: (i) a taxa metabólica muscular, uma
nal de C02 (FIGURA 80.3). A fonte principal desse "extra-CO{
vez que o aumento do volume de co2vindo dos músculos
resulta da dissociação do ácido carbônico (H 2COJ), formado
aumentará a VC0 2; (ii) o ponto médio em que a PaC02 é
a partir do tamponarnento do ácido láctico pelo bicarbonato
ajustada pelos centros respiratórios (ponto de ajuste): quan-
sanguíneo (HCOJ} Esse "extra-COz" é adicionado ao C02
to mais baixa for a PaC021 maior será a ventilação alveolar
que está sendo produzido pela respiração celular: no exercí-
necessária para mantê-la reduzida; e (iü) a fração do volume
cio intenso, por exemplo, o C02 advindo do tamponamento
de ar inspirado (volume corrente - Vf) que é "desperdiça·
do Jactato aumenta a VC0 2 em relação ao exercício pura-
da" no espaço morto pulmonar (VD), isto é, da relação VD/
mente aeróbio, em um fator de até 2,5 vezes.
Embora não consensual, a hipótese mais provável é a de
v.. Logo, pode-se dizer que:
que a falta relativa de 0 2 no final da cadeia de transporte
de elétrons desequilibre o potencial redox do citosol- cuja
correção seria tentada pela formação de lactato a partir do
piruvato. Como essa modificação do metabolismo predo-
minantemente oxidativo para o progressivamente anaeró· Essa equação demonstra, simplesmente, que a ventila·
bio parece ter "limiar" de surgimento (limiar de Jactato), a ção pulmonar será maior quanto maior for a taxa de pro·
denominação de limiar anaeróbio (LA) também costuma dução periférica de col, menor o ponto de ajuste do col e
ser utilizada. Independentemente do mecanismo exato, no maior o espaço morto como fração do volume corrente.
entanto, esse "extra·CO:" constitui um importante estímulo A resposta ventilatória não parece ser o principal fator
ventila tório - que pode ser utilizado para detectar de manei· limitante à capacidade de exercício em indivíduos normais
ra não invasiva o lA (ou limiar de Jactato). Por essa razão, a -pelo menos em indivíduos não atléticos exercitando-se em
expressão limiar ventilatório também é usada como sinôni- baixas altitudes. Diversas linhas de evidência corroboram tal
mo desse marco fisiológico. raciocínio: por exemplo, a relação entre a ventilação máxima
que é atingida no esforço progressivo (VEmáx) costuma ser desproporcional da f e discreta redução do VT. O aumento
menor do que a maior ventilação que, teoricamente, o indiví· da/faz-se principalmente pela diminuição do tempo expira·
duo é capaz de gerar (ventilação voluntária máxima- VVM) tório (Te), com o tempo inspiratório (Ti) tendo um compor-
( FIGURA 80.4, painel A). Além disso, os limites máximos de tamento variável. Em linhas gerais, a relação entre o tempo
fluxo e volume em geral não são atingidos no exercício (FIGU· total do ciclo respiratório (TTOT) e o Ti (Ti!ITOT ou ciclo
RA 80.5) e, quando solicitados, indivíduos normais costumam de serviço) costuma aumentar levemente durante o exercício
ser capazes de aumentar volitivamente o VE - mesmo no progressivo (cerca de 0,4 a 0,5).
exercício máximo extenuante. O aumento do VT faz-se em ambas as direções, isto
No intuito de atender as demandas ventilatórias do exer- é, tanto pela redução dos volumes de reserva inspiratório
cício, a bomba ventilatória pode, teoricamente, utilizar inú· quanto expiratório (FIGURA 80.6) . Dessa forma, o volume
meras combinações entre frequência respiratória (f) e VT. inspiratório final pode atingir até 75 a 85% da capacidade
Na prática, entretanto, em condições de exercício máximo, pulmonar total (CPT) e o volume expiratório final até 40%
a combinação escolhida aproxima-se de 50 a 60 incursões da CPT. De fato, a regulação do volume pulmonar expira-
respiratórias por minuto (irpm) a 50 a 60% da capacidade tório final (VPEF) possui importância crítica no exercício.
vital (FIGURA 80.4). A escolha de tal padrão se constitui em Frequentemente, observa-se uma redução do VPEF (até O,7
um compromisso entre os componentes de estresse fluxo· a 1 L em indivíduos jovens) por ação ativa da musculatura
-resistivo e voloelástico, de tal forma que o trabalho respira- expiratória (com consequente aumento da capacidade ins-
tório total é minimizado dentro dos limites da máxima alça piratória- Cl): tal redução otimizao comprimento diafrag-
fluxo-volume (FIGURA 80.5). mático para o desenvolvimento de força e acumula alguma
De forma esquemática, duas a três fases podem ser iden- energia elástica que será providencial para assistir a próxima
tificadas no padrão de resposta ventilatória ao exercício in- inspiração. Além disso, a redução do VPEF auxilia a manter
crementai (FIGURA 80.4). Na fase inicial, o moderado incre- os volumes pulmonares operantes dentro da porção linear
mento do VE faz-se fundamentalmente por um aumento da relação pressão-volume do sistema respiratório (FIGURA
linear do VT até próximo de 70 a 80% da capacidade ins- 80.7), com consequente diminuição do trabalho elástico.
piratória. Este é um ajuste importante, porque a demanda A capacidade de difusão pulmonar aumenta substancial·
ventilatória é minimizada pela redução hiperbólica da re- mente com o exercício, devido, sobretudo, à ampliação da
lação VDIVT, ou seja, a resposta ventilatória torna-se mais área total da membrana alveolocapilar (aumento da perfusão
"eficiente" no exercício (FIGURA 80.6). Thl fenômeno ocorre e da ventilação) e do incremento do gradiente pressórico fa·
basicamente pelo incremento do VT e, de modo secundário, vorável à passagem do 0 2 do alvéolo para o capilar (redução
pela diminuição do VD fisiológico (melhor distribuição to- da pressão venosa mista de O:z). Todavia, o incremento do dé-
pográfica da relação ventilação-perfusão). Esses dois fatores bito cardíaco implica um menor tempo de contato da hemácia
compensam bastante o leve aumento do VD anatômico, de- com o ar alveolar (tempo de trânsito): tal fenômeno tende a
corrente da distensão das vias aéreas com o aumento do VT. promover um desequilíbrio difusivo. Felizmente, ocorre um
Em uma fase posterior, o VT atinge um relativo platô notável aumento do volume capilar operante - seja pelo re·
com consequente incremento da f. Em alguns indivíduos, crutamento de novas unidades ou pela distensão das unidades
uma terceira fase pode ser ainda evidenciada, com aumento já perfundidas - minimizando tal desequilíbrio potencial em

... Y~~~~~.S~~.~~~~~~~~!~.~~~i-~~

...
o
Re-se-rva
ventilat6ria 1 .~ ·~

__/
~ -o

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V'
~ ~
FIGURA 80.4 -+ Principais ajustes ventilatórios
<Q.I
·.g ::>
., !l 'ã-
~

ao exercício físico dinâmico incrementai em in-


> .l: ~
divfduos saudáveis. Observe que a ventilação no

a a pico do exercício não atinge os máximos valores


teóricos previstos pela manobra de ventilação
voluntária máxima, apresenta ndo, portanto,
uma reserva ventilatória no pico do esforço (pai·
..................................~.P.:;I_Çi~~~~-0!.~1 nel N. No terço inicial do exercício, a ventilação
-...!!1 aumenta principalmente devido ao incremento
o .,
t: c do volume corrente (painel O) e, a partir disso,
o t G/ ., ..~P.~~i.?.~.~-~..i.r:-.~P.!~~~~~i~
E 8 ec ocorre predomínio de aumento da frequência

~ ~
~~ respiratória (painel 8). Com o progredir do exer-
o
~~
G/
gs cício, em função do aumento da eficiência venti-
latória e redução do componente volu ntário da
w~
ventilação, há progressiva redução do volume
ventilado no espaço morto em relação ao volu·
ri Intensidade do exercício m Intensidade do exercício me corrente (painel C).
8 150

J. , lâa ]·
i~~
~ 100
~ o.
li:
v
l1 CPT VR
~ o ~
~
·2 g" 50

4 o
Volume(l)
·30 o 30
FIGURA 80.5 -+ Análise das alças fluxo-volume demonstrando os efei-
tos do exercício no volume corrente em um individuo saudável. A maior
alça sólida representa os limites máximos teóricos dos fluxos e volumes, FIGURA 80.7 -+ Relação pressão-volume (P·V) do pulmão (P,), pa rede
e a alça sólida interna menor representa o volume corrente em repouso. torácica (P.) e sistema respiratório total (P.,) em indivfduos saudáveis.
A linha pontilhada representa a manobra de capacidade inspiratória A alça ovoide representa o volume corrente (VT) em repouso (menor
(CI) até a capacidade pulmonar total (CPD para ancorar a alça fluxo· sólida) e no pico do exercício (maior aberta). Repare que a expansão
-volume dentro da respectiva máxima alça. Assim, é possivel avaliar os do volume corrente em indivfduos saudáveis ocorre em direção à capa-
volumes pulmonares operantes durante o exercicio (faixa de volumes cidade pulmonar total (CPD e ao volume residual, mantendo a alça na
pulmonares utilizados no exercício). A alça tracejada representa aquela porção intermediária mais inclinada, e, portanto, mais complacente, da
obtida no pico do exerdcio. lndividuos saudáveis aumentam seu volu- relação P-V do sistema toracopulmonar.
me corrente durante o exercido em direção tanto ao volume residual /l.CI = variação da capacidade inspiratória; Vr = ponto de relaxamento
(VR) quanto à CPT, em razão da reserva disponível para aumentar seus do sistema toracopulmonar; CPT = capacidade pulmonar total; VR =
fluxos inspiratórios e expiratórios. volume residual; VPIF = volume pulmonar inspiratório final.

120

CPT
Ajustes cardiocirculatórios
i 100 O débito cardíaco [DC =volume sistólico (VS) vs. frequên·
-~ VPIF cia cardíaca (FC)) aumenta com o exercício para bancar as
,_o. 80 crescentes demandas metabólicas teci duais. O entendimento
C>.
v Cl
da equação descrita pelo fisiologista alemão Adolph Fick é
Vt
i. 60 de crucial importância para a compreensão dos fatores de-
o~ Vr terminantes da capacidade de exercício:
~o. 40 VPEF
..
E 20 VR
~"
0>+---,----r---r---r--~
o 20 40 60 80 100 onde C(a-v)02 representa a diferença entre os conteúdos
Ventilação (l/min) arterial e venoso misto de 0 2, ou seja, a extração tecidual
FIGURA 80.6 -+ Volumes pulmonares operantes durante exercido incre- de 0 2• Essa relação ilustra o importante conceito de que o
mentai em um indivíduo saudável. Normalmente, observa-se uma redu· VO~áx está diretamente relacionado com a magnitude dos
ção do volume pulmonar expiratório final (VPEF) por ação da musculatura ajustes cardiovasculares: são eles, e não os ajustes pulmona-
expiratória. Assim, ocorre aumento do volume corrente (VT) tanto à custa res, que efetivamente limitam a capacidade de exercício em
do volume de reserva expiratório (VRE) quanto inspiratório (VRI), permi· seres humanos saudáveis.
tindo um aumento da capacidade inspiratória (CI) durante o exercício. O incremento linear do DC durante o exercício dinâmico
Vr = ponto de relaxamento do sistema toracopulmonar; CPT = capaci· (de 5 a 6 Umin no repouso para 20 a 25 Umin no exercí·
=
dade pulmonar total; VR volume residual; VPIF volume pulmonar = cio máximo) (FIGURA 80.8) é proporcional às necessidades de
inspiratório final.
perfusão muscular. A FC aumenta quase linearmente com
o V0 2, embora próximo ao VO~áx alguns indivíduos apre-
sentem um pseudoplatô. A redução do tônus vagai no início
indivíduos normais. Logo, apesar de haver um alargamento do exercício é capaz de, sozinha, elevar a FC até próximo de
variável da diferença alvéolo-arterial de Ü z, o exercício é ca- 100 bpm. Acima dessa frequência, a contribuição da estimu-
racterizado pela ausência de hipoxemia- pelo menos em indi- lação P2-adrenérgica aumenta linearmente e a contribuição
víduos não atléticos exercitando-se em baixas altitudes. vagai declina de modo exponencial - FCs acima de 150 bpm
,,

a D
Previsto FIGURA 80.8 ~ Respostas cardiodrculatórias ao
exerdcio din3mico incrementai e os efeitos do

~~ ----~-_:::: 7 destreinamento (linha tracejada) e treinamento


(linha continua). O aumento do débito cardlaco

~v
após o treinamento (painel A) se associa a um
incremento do volume de ejeç3o sistólico (pai-
/
nel 8); logo. uma menor frequência cardlaca é
observada para uma determinada intensidade
Oianólica de exercido (painel O). Reduções na press3o ar-
Intensidade do exerdcio I:J Intensidade do exerc:ício terial sistêmica podem também ser observadas
B para um mesmo nlvel de exerckio (painel C).

são produzidas fundamentalmente pelas catecolaminas cir· A AF regular aumenta a capacidade física e a aptidão
culantes. cardiorrespiratória, o que geralmente leva a muitos benefi-
O ajuste do VS costuma ser bifásico, com uma fase de rá- cios de saúde.
pido incremento até cerca de 30 a 40% do VO~áx, seguido
por um platô, ou ligeiro incremento - mas fisiologicamente
importante - em indivíduos treinados (FIGURA 80.8). O retor·
no venoso é um importante determinante do VS, regulando 0 ATENÇÃO
o volume diastólico final e a obtenção da distensibilidade
miocárdica ideal para a eficiência de ejeção (princípio de A quantificaçAo acurada da AF e capacidade de exer-
Frank-Starling). dcio é essencial para a avaliaçao de desfechos de
Os efeitos combinados das bombas muscular periférica e saúde e efetividade de intervenç6es terapêuticas.
abdominotorácica, o incremento da pressão arterial e a veno-
constrição (notadamente esplãncnica) ajudam a manter um
retomo venoso adequado. Paralelamente, a estimulação sim· Há três estratégias de avaliação da AF: métodos-padrão,
patoadrenérgica aumenta o inotropismo cardíaco, reduzindo objetivos e subjetivos. Métodos-padrão como água dupla-
o volume sistólico final e elevando a fração de ejeção. mente marcada, ealorimetria indireta e observação direta
Como seria de se esperar, o nuxo sanguineo, no exer- são os instrumentos mais confiáveis e válidos para compara-
cício, deve ser redirecionado dos territórios esplãncnico- ção e validação de outros métodos de avaliação da AF; mas
·viscerais para os tecidos prementes (i. e., músculo estriado apresentam significativas desvantagens, sobretudo por sua
periférico e cardíaco, além da pele, envolvida na termorre-
pouca praticidade. Os métodos de avaliação direta incluem
gulação); todavia, tal redirecionamento deve ocorrer sem monitores de atividade (pedômetros e aeelerometros) e mo-
prejuízo do nuxo sanguíneo cerebral. Portanto, a brutal
nitorização da FC. Por fim, questionários e diários de ativi-
redução da resistência vascular arteriolar muscular com o
dades são considerados métodos subjetivos.
exercício deve ser contrabalançada pela vasoconstrição sim·
Para avaliação da aptidão cardiorrespiratória/eapacida-
pática em outros sítios. Assim, a pressão arterial sistólica no
de funcional de exercfcio, os testes são classificados em tes-
exercício máximo eleva-se linearmente até valores próximos
de 180 a 200 mmHg, enquanto a pressão diastólica mantém· tes de campo ou em laboratório.
-se estável- ou mesmo declina discretamente (FIGURA 80.8). Thstes em laboratório são considerados o padrão-ouro
para tal avaliação. Por motivos práticos (custo dos equipa-
mentos, suporte técnico para conduzir e interpretar os re-
Avaliação do exercício sultados), nem sempre estão disponfveis. Como alternativa,
A atividade ffsica (AF) pode ser considerada como qualquer testes de campo foram desenvolvidos.
movimento corporal produzido por uma contração muscular Os testes de campo são baseados sobretudo no ato de
que resulta em gasto energético, enquanto o exercício fisico é caminhar, uma atividade comum e aceitável para a maioria
caracterizado como qualquer atividade repetida e estruturada dos indivíduos. Entretanto, são essencialmente usados para
que visa obter a manutenção ou melhora da aptidão física. avaliação de pacientes (com doenças cardfaeas e/ou pu!mo-
nares) que apresentam queixa de intolerância ao exercício, ção com o aprimoramento tecnológico. A FIGURA 80.9 apre-
sendo uma estratégia de exercício que pode ser considerada senta uma classificação que, embora um tanto esquemática,
intensa para esses indivíduos. Em tais casos, são delineados apresenta interesse didático.
para avaliar a capacidade de exercício individual e a resposta Nesse esquema, o estágio Oé representado pela ergome-
a uma intervenção. Thmbém, idealmente, deveriam permitir tria convencional (análise eletrocardiográfica e pressão ar-
a prescrição de exercício, embora, em geral, não tenham o terial). Os estágios I e TI constituem o teste cardiopulmonar
poder de detectar se um indivíduo está seguro para ser sub- de exercício (TCPE). A capacidade de exercício é preferen-
metido a uma intervenção (como reabilitação pulmonar), cialmente avaliada pelo TCPE incrementai, uma ferramenta
uma vez que o nível de monitoramento é bem menor do que bem estabelecida que fornece uma abundância de informa-
os testes em laboratório. ções clínicas diagnósticas e prognósticas. O consumo máxi-
A quantidade de dados fisiológicos pode ser aumentada mo de oxigênio ou de pico é o padrão-ouro para avaliação
com o uso de monitores de saturação de oxiemoglobina e de aptidão cardiorrespiratória e tolerância ao exercício. Em
telemetria cardíaca. O teste de campo mais usado é o teste breves palavras, o TCPE oferece a oportunidade única de se
da caminhada dos seis minutos, que apresenta um protoco- estudar as respostas dos sistemas cardiovascular, ventilatório
lo autorregulado (selfpaceá) com o paciente selecionando a e celular (metabolismo do músculo em contração) de forma
velocidade de caminhada que melhor o ajuda a cumprir os simultânea, sob precisas condições de estresse metabólico.
objetivos do teste (caminhar a maior distância possível du- Ele permite distinguir entre estado saudável e doente, gra-
rante seis minutos). duar a adequação dos mecanismos fisiológicos que susten-
Nos últimos anos, testes de campo com protocolos ex- tam o exercício, avaliar o efeito de intervenções terapêuticas
ternamente regulados (ou seja, velocidade de caminhada sobre sistemas fisiológicos alterados, bem como a progres-
determinada de forma protocolar) foram desenvolvidos e são de doenças (ver Subcapítulo "Teste Cardiopulmonar de
considerados apropriados para a avaliação de pacientes. Os Exercício").
shuJtle walking test incrementai e de resistência exigem que Os estágios III e IV envolvem medidas invasivas, com
o paciente caminhe ao redor de um percurso de 10 metros punção e/ou canulação arterial (IIIA e IIIB, respectiva-
com velocidade previamente determinada até o limite de mente) ou, em casos selecionados, a inserção de um cateter
sua tolerância. No teste incrementai, a velocidade deve au- central de artéria pulmonar, com medidas hemodinârnicas
mentar a cada minuto para garantir um desempenho máxi- diretas por termodiluição (IV).
mo, enquanto a velocidade no teste de resistência é calcula-
da para representar uma porcentagem da maior velocidade
alcançada em um teste shutt/e incrementai (em geral cerca
de80%).
Referência
Por fim, em relação aos testes de campo, o "Eurofit Phy- 1. Neder JA, Nery LE. Fisiologia clínica do exerdcio: teoria e práti-
ca. São Paulo: Artes Médicas; 2003.
sical Fitness Thst Battery" para adultos é uma bateria de
testes destinada a avaliar aptidão relacionada com a saúde
de indivíduos e coletividades. É especialmente usado para
investigar o componente morfológico, muscular, motor e Leituras recomendadas
cardiorrespiratório. American Thoracic Society, American CoUege of Chcst Physicians.
No laboratório, existe uma hierarquia no grau de com- ATS/ACCP statemcnt on cardiopulmonary excrcisc tcsting. Am J
plexidade dos testes de exercício, que guardam íntima reJa- Rcspir Crit Carc Med. 2003;167(2):211·77.

r ESTÁGIO IV

+
C.teteriuçóo central

r
1118 - C.nulaçóo arterial
ESTÁGIO 111 IIIA - Punção arterial

r
IIB - Estimativas não invasivas de DC
ESTÁGIO 11 liA - Alça fluxo.vofume corrente
AGURA 80.9-+ Esquematização da complexidade hierárqui-
Medidas seriadas de Cl
ca dos testes de exercicio clinicos. Observe que os degraus
+ crescentes de complexidade implie<~m adição sequencial de
Trocas gasosas (metabolismo) diversos procedimentos. A ergometria convencional (eletro-

r
ESTÁGIO I Ventilação card iografia no esforço) representa o procedimento opera-
cional menos complexo (estágio O). O teste cardiopulmonar
de exercfcio (TCPE) não invasivo relaciona·se com os estágios
+ I e 11. Os estágios 111e IV exigem procedimentos com grau
ESTÁGIO O Ergomettia convencional crescente de invasividade.
ATS statement: guidclines for thc six-minutc walk test. Am J Rcspir Roca J, Rabinovich R. Clinicai excrcise testing. Eur Respir Mon.
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durancc capacity in chronic obstructive pulmonary diseasc. Thorax.
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Dagoberto Vanoni de Godoy
Rossane Frizzo de Godoy
81
QUADRO 81.1 ~ Principais causas de doença pulmonar avançada
Introdução distribuídas em categorias
Doença pulmonar avançada (O PA) pode ser definida como
qualquer distúrbio crônico pulmonar que limite as atividades Doenças pulmonares obstrutivas
da vida diária, reduza a qualidade de vida relacionada com a - Doença pulmonar obstrutiva crônica secundária ao tabagismo
saúde e determine uma deterioração progressiva da função - Enfisema por deficiência de antiproteases
respiratória, geralmente causando mortalidade precoce. - Bronquiectasias
Existem quatro categorias principais de OPA: doenças - Fibrose cística
- Asma brônquica
obstrutivas, doenças restritivas, doenças vasculares e doen-
ças neuromusculares (QUADRO 81 .1). Por uma questão de Doenças pulmonares restritivas
convenção, no termo OPA não estão inclufdas as doenças - Fibrose pulmonar idiopática
neoplásicas.' No entanto, grande parte dos princípios de ma- - Sequelas de tuberculose
nejo clínico da OPA é aplicável à estratégia de suporte tera- - Colagenoses
pêutico de indivíduos com neoplasias avançadas de pulmão.' - Sarcoidose
No quadro clínico de pacientes com OPA, predomina - Pneumoconioses
um conjunto de sintomas e sinais que se agravam progres-
Doenças da vasculatura pulmonar
sivamente à medida que a história natural da doença se
- Hipertensão pulmonar idiopática, familial ou secundária a outras
desenvolve: dispneia, hipoxemia, hipercapnia, desnutrição,
doenças
ansiedade e depressão. Outros achados agregam-se a es-
ses descritos, conforme a natureza da doença de base e das Doenças neuromusculares
doenças coexistentes. - Esclerose lateral amiotrófica
Com a gradual deterioração funcional imposta pela en- - Distrofia muscular de Duchenne
fermidade, os indivíduos com OPA passam a apresentar per-
1
das nas mais variadas áreas de suas vidas. Atividades de lazer Fonte: Modificado de Hofer.
e de convívio social tomam-se muito restritas e pessoas ati-
vas profissionalmente precisam parar de trabalhar, fato mui-
to difícil de ser suportado e aceito por elas. A aposentadoria ral, o cumprimento desse objetivo só é factível se uma equi-
precoce dá ensejo ao surgimento do estigma da invalidez.' pe multiprofissional ocupar-se dos cuidados do paciente e de
O principal objetivo no manejo de pacientes com OPA é seus familiares (FIGURA 81 .1).
restaurar a qualidade de vida ao nível mais próximo de uma À semelhança do funcionamento de um grupo de rea-
existência que preserve sua dignidade e autonomia. Em ge- bilitação pulmonar, os diferentes especialistas integram-se
-·~
~ mobolodlde
e fisooter,pocas
MedoCtnl
Enferm1gem
Nutriçlo

P5icok>gia
SeMÇo social fiSIOterapia
Ter~pia Eduaçlo fosica
ocupacional

\ f
Anistência Asststênc1a
jurfdica espiritual

Oeretrlzes
avançadas FIGURA 81 .1 ~ Equipe multiprofissional envolvi-
~Vldl da no suporte ao portador de doença pulmonar
avançada.

para tentar suprir as necessidades do paciente e seus fami- lar mais do que ouvir, comportamento desencadeado pela
liares de maneira organizada, humanizada, temporalmente situação ansiogênica enfrentada pelo clinico. A escuta aten-
adequada e custo-efetiva. O estabelecimento de uma equipe ta das queixas e preocupações do paciente e seus familiares
multiprofissional para o tratamento de OPA é viável econo- transmite-lhes um sentimento de estarem sendo acolhidos e
micamente, pois cerca de 50% dos gastos com saúde na OPA apoiados em um momento de muito sofrimento. A percep-
ocorrem durante as hospitalizações decorrentes de deseom- ção de como a realidade está sendo entendida permite o pla-
pensação da doença de base. Um exemplo bastante comum nejamento estratégico dos cuidados a serem administrados,
é a insuficiência respiratória crônica agudizada do indivíduo de acordo com as expectativas do paciente e seus familiares.
com doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) a partir O segundo erro é proferir a frase "não há mais nada a
de uma exacerbação infecciosa? ser feito", pois ela não existe no contexto dos cuidados palia-
O atendimento multiprofissional, sob forma de uma tivos. Mesmo após a morte do paciente, é papel do médico
equipe capacitada e dotada de rotinas adequadas para OPA, auxiliar seus familiares a superarem a perda dele.•
permite equacionar os procedimentos diagnósticos e tera- Assim como out.r os pacientes com doença avançada ,
pêuticos, de modo a reduzir os gastos e maximizar a eficácia principalmente se hospitalizados, os indivíduos com OPA
e eficiência de todo o processo de cuidado.
exibem com frequência dor, náuseas, ansiedade e depressão
O presente capítulo concentra-se nas condutas de cui-
{TABElA81 .1).5
dados paliativos na OPA, privilegiando o manejo clinico dos
É frequente a subutilização de recursos terapêuticos no
pacientes mais graves nesse grupo. Os cuidados não paliati-
paciente com doença avançada. Dispneia, excesso de produ-
vos para cada doença específica são discutidos nos capítu-
ção de secreções, anorexia, gastroparesia, confusão mental,
los sobre micobacterioses, bronquiectasias, fibrose cística,
constipação, fadiga, depressão, ansiedade podem ser relega-
DPOC, pneumonias intersticiais difusas, pncumopatias ocu-
dos a um segundo plano no tratamento, mas isso não deve-
pacionais e avaliação de incapacidade, sarcoidose, colageno-
ses, hipertensão arterial pulmonar, linfangioliomiomatose, ria ocorrer. O paciente tem de ser entendido e socorrido em
reabilitação pulmonar, educação c assistência multidiscipli- tudo o que lhe causa desconforto.
nar do pneumopata crônico, oxigenoterapia, ventilação me-
cânica e transplante de pulmão . Dor
O enfrentamento da dor passa por algumas rotinas básicas:
1) acreditar na queixa de dor; 2) avaliar as características de
Tratamento clínico cada dor (localização, padrão, fatores de agravo e alívio); 3)
Diante do paciente com OPA, dois equívocos não podem ser listar e prioriza.r cada dor; 4) avaliar as respostas anteriores
praticados pelo médico assistente. O primeiro trata-se de fa- e atuais aos analgésicos; 5) avaliar o nível de funcionalidade
-+
TABELA 81.1 Sintomas comuns em pacientes hospitalizados de quadro doloroso, a solicitação de eutanásia não é man-
gravemente enfermos tida.
Depressão e ansiedade são detectadas com grande íre-
quência em portadores de OPA No entanto, essas condições
comórbidas são subdiagnosticadas e subtratadas, pois os
médicos atuais estão mais bem preparados para identificar e
Dor 51 23 manejar achados objetivos do que perturbações psicológicas
e sentimentos alterados em seus pacientes. Essa abordagem
Dospnei.l 49 23 parcial de pacientes com OPA pode conduzi-los a um grau
Ansiedade 47 16 de sofrimento intenso, capaz de interferir muito negativa-
mente na qualidade de vida e nos desfechos clínicos desses
Depressão 45 14 indivíduos.
Em pacientes asmáticos, em uma análise ajustada para
condições socioeconômico-ambientais e gerais de saúde, a
depressão (como estado comórbido) teve um impacto nega-
real no trabalho e na vida familiar; 6) utilizar uma escala de tivo sobre o estado de saúde muito maior do que a presença
avaliação de dor simples e reprodut!vel; e 7) avaliar as condi- de angina pectoris, artrite reumatoide ou diabetes melito.'
ções psicológicas do paciente. A depressão é muito comum em DPOC, embora, algumas
A fonte da dor define a abordagem farmacológica inicial. vezes, possa ser considerada desprovida de importância.
Dores originadas de lesões viscerais ou osteomusculares po- Não obstante, distúrbios depressivos estão presentes em 27
dem ser tratadas inicialmente com analgésicos simples como a 79% desses indivíduos. A ansiedade tem sido identificada
paracetamol ou dipirona, acrescidos de anti-inflamatórios em pacientes com DPOC em taxas variando de 21 a 96%. A
não esteroides quando necessário. Opiáceos podem ser a ansiedade no paciente com DPOC costuma surgir como con-
primeira escolha em casos de dor moderada a intensa ou se sequência da doença, associada a sintomas ffsicos, sobretudo
não houver alívio da dor com analgésicos simples. relacionada com a intensa dispneia. A prevalência de trans"
Se, no entanto, a dor é proveniente de sistema nervoso tomo do pânico em portadores de DPOC é cerca de 10 vezes
central ou periférico, a abordagem inicial é diferente. A dor superior à da população gera1.8 Recentemente, demonstrou-
neuropática é mais bem tratada com antidepressivos tricí- -se que a sensibilidade a cargas inspiratórias aumentadas
clicos, gabapentina ou carbamazepina, com o acréscimo ou está exacerbada em portadores de DPOC e crises de pânico.
não de opiáceos. Para a dor de origem multissomatomórfi- É necessãrio que o pneumologista que se proponha a
ca (fibromialgia, fadiga), devem ser usados antidepressivos tratar de pessoas com OPA desenvolva a aptidão para detec-
inibidores da recaptação da serotonina, terapia cognitivo- tar e tratar os distúrbios psicossociais mais prevalentes nesse
-comportamental e, quando possível, exercícios aeróbicos.6 grupo de pacientes, bem como saiba valer-se do aporte de
outros profissionais, como psicólogos, assistentes sociais e
terapeutas ocupacionais.
) ATEH~ O tratamento para indivíduos com OPA e depressão, an"
siedade ou ataque de pânico inclui aconselhamento psicoló-
· A constipaçAo decorrente ido 1uso de opiâceos é um gico acompanhado ou não de manejo farmacológico. Para
-paraefeito para o qual.rilo Q(;Orn!t!>ler3ncia, ou seja, depressão, podem ser utilizados antidepressivos inibidores
vai estar quase inexoravelmente presente' êoiri ó u5o " da recaptação da serotonina, triclclicos, ou metilfenidato
crônico desses fârmacos. Portanto, !l axantes devem (quando o alívio tem de ser rápido e o paciente não está an-
ser prescritos com regularidade para padentes que sioso). A ansiedade pode ser abordada com benzodiazepini-
.eS!eiarT'! utilizando _o piáceos de forrna .5ontlnu~, : · cos ou buspirona, sendo que esta última tem a vantagem de
não deprimir os centros respirat.órios. O fármaco de escolha
para o tratamento de ataques de pânico é a sertralina. O ha-
loperidol é uma excelente alternativa para as situações de
Ansiedade e depressão agitação e delirio.
Sujeitos com OPA geralmente deparam-se com os seguintes
problemas: isolamento, solidão, medo, ansiedade, depres-
são, sensação de vulnerabilidade, alteração da imagem cor- Dispneia
poral, incapacidade para realizar atividades da vida diária, O tratamento da dispneia deve ser obrigatoriamente focado
preocupação sobre o futuro dos seus dependentes e redução nas alterações psicológicas e fisiopatológicas apresentadas
da autoestima. O complexo quadro psicológico vivido por pelo paciente. Assim como na abordagem da dor, o efeito
essas pessoas pode, frequentemente, despertar-lhes o desejo do tratamento deve ser aferido com o uso de instrumentos
de morte para que o sofrimento cesse. Ao contrário do senso unidimensionais (Escala Visual Analógica de Borg ou Es-
comum, em portadores de doença grave terminal, não é a cala do Medicai Research Council), já que os instrumentos
dor que leva os pacientes a solicitarem a eutanásia ao médi- multidimensionais costumam demandar mais tempo e maior
co assistente, mas sim a depressão e a desespe.rança. Após o esforço para serem respondidos pelo paciente. A proposta
tratamento do quadro depressivo, mesmo com a persistência terapêutica deve contemplar a redução do senso de esforço
respiratório e melhorar a função respiratória, reduzir o es- QUADRO 81.3-+ Escalonamento terapêutico para dispneia
timulo respiratório e alterar o significado da percepção da
dispneia pelo sistema nervoso central (QUADRO 81 .2).9
O QUADRO 81 .3 apresenta o escalonamento de medidas
para tratamento da dispneia sugerido pela American Tho- Tratar doença Tratar doença Tratar doença
racic Society. 6 subjacente subjacente subjacente

Tratar fatores Tratar fatores Tratar fatO<es


psicossociais psicossociais psicossociais
Perspectiva do paciente frente à morte Reab~ttaçAo pulmonar Reabilrta~ pulmonar
Ao vislumbrar a proximidade do término da vida de determi- Considerar ansiolíticos Considerar ansiolitico
nado paciente, o médico assistente deve programar uma sé- Resfriamento facial
rie de ações com vistas a lhe proporcionar uma morte digna. Ansiolíticos
Para o indivíduo que está morrendo, a morte digna é possível Opioides
quando dor, dispneia e outros sintomas forem controlados. Ventila~o não
O reforço das relações amorosas e atitudes que permitam invasiva
o sentimento de que a carga emocional sobre os familiares
Fonte: Modifi<ado de lanbn t colabor•dores.'
está sendo aliviada também trazem conforto ao paciente.
O médico deve compreender o modelo explicativo do
paciente no entendimento da situação que ele está vivendo,
suas estratégias de enfrentamento e identificar suas preocu- com doença avançada. O principialismo caracteriza-se pelo re-
pações existenciais e espirituais. As decisões devem ser com- conhecimento de um mínimo de normas morais centrais para
partilhadas com o paciente e seus familiares e a comunica- a tomada de decisão. Essas normas apoiam-se em princípios
ção estabelecida conforme as preferências deles. morais prima facie, ou seja, eles não são absolutos, mas tam-
pouco são meras recomendações. Então, o processo decisório
assenta-se no balanceamento do prescrito em quatro princí-
pios: autonomia, beneficência, não malclicência e justiça.'0
O princípio da autonomia diz respeito ao direito de o in-
divíduo saber o que é melhor para si e fazer suas escolhas de
acordo com seus valores e crenças pessoais. Para o cumpri-
mento desse princípio, cabe ao médico explicar da maneira
mais compreensível e respeitosa posslvel ao paciente a situa-
ção em que ele se encontra e quais as alternativas diagnósti-
cas e terapêuticas. A autonomia é diílcil de ser exercida pelo
paciente em um momento de final de vida, devido à fragilida-
de física e psicológica do indivíduo, mas, dentrO do possível,
Em uma visão bioética, o principialismo possivelmente deve ser estimulada pelo médico. Por outro lado, muitas ve-
seja a corrente que mais favorece a tomada de decisões com zes o médico não consegue admitir a opção do paciente por
relação às condutas a serem implementadas para pacientes não compreender que este tem outros valores a priorizar.
Os princípios da benefidncia e da não maleficência for-
mam um wntinuum. A beneficência difere da não maleficên-
QUADRO 81.2-+ Tratamento sintomático da dispneia
cia porque aquela implica ações positivas (fazer o bem), en-
quanto a não maleficência preocupa-se em não infligir danos a
alguém. Quando o bem não é mais factível, muitas vezes cria-
Redução do ~nso de esforço respiratório
-se um conflito para os médicos que foram formados para to-
- Técnicas de con~rvaç~o de energia mar decisões e realizar ações positivas para o bem, em vez de
- Correção da obesidade
- Estratégias de respiração (lábios semi cerrados) assistirem impotentes ao término de sua capacidade de curar.
- Postura! (estabelecimento de ponto de ancoragem para a No cuidado da saúde de pessoas com doença avançada,
musculatura acessória da respira~ o) o princípio da justiça pode ser entendido pela resposta à se-
Redução do estímulo respiratório guinte questão: quais são os possíveis benefícios c riscos para
- Oxigenoterapia
o afetado pela resposta? Assim, pode-se fazer um balanço
- Opiáceos e sedativos entre os benefícios e riscos e determinar qual ação ajusta-se
- Exercícios de condicionamento flsico melhor à observância dos demais princípios.10
Dessensibilização da dispneia
Tomando-se em consideração o discutido nos parágrafos
anteriores, quando o que pode ser ofertado ao paciente com
- Educação
- Terapia cognitivo-comportamental doença avançada resume-se aos cuidados paliativos, provavel-
- Opiáceos e sedativos mente os princípios preponderantes para a tomada de decisão
são a não maleficência e a justiça (FIGURA 81.2), com toda a
fontt; Modlfiudo do C:.mm·KohltNn t Oont>i(y<uonco.' carga de sabedoria contida no aforismo "Primum non nocue".
Nascimento Óbito CONSIDERANDO, finalmente, o decidido em reunião ple-
nária de 9 de novembro de 2006,
Nlocura
Cura
Cuidados paliativos RESOLVE:
Al./TOHOMIA ··•~ ct
BENEFtctNOA tnwrsao dt ~!Mos """' MALEA NOA Art. 1° É permitido ao médico limitar ou suspender procedi-
Não mafefic~ JUSTIÇA
Autonomtl mentos e tratamentos que prolonguem a vida do doente em
lusty
8tMfidnoa fase terminal, de enfermidade grave e incuráve~ respeitada a
vontade da pessoa ou de seu representante legal.
FIGURA 81 .2 ~ Apl~jo dos principios bioéticos de autonomia, be-
nefidncia, não malefkência e justiça em situações de término de vida. § t• O médico tem a obrigação de esclarecer ao doente ou a
seu representante legal as modalidades terapêuticas adequa-
das para cada situação.

Anexos § 2° A decisão referida no coput deve ser fundamentada e


registrada no prontuário.
Anexo 1 § 3° É assegurado ao doente ou a seu representante legal o
Conselho Federal de Medicina - resolução CFM n~ direito de solicitar uma segunda opinião médica.
1.80512006 Art. 2° O doente continuará a receber todos os cuidados ne-
(Publicada no Diário Oficial da União, 28 de novembro de cessários para aliviar os sintomas que levam ao sofrimento,
2006,Seçãol,pg.169) assegurada a assistência integral, o conforto f!sico, pslquico,
Na fase terminal de enfermidades graves e incuráveis é social e espiritual, inclusive assegurando-lhe o direito da alta
permitido ao médico limitar ou suspender procedimentos e hospitalar.
tratamentos que prolonguem a vida do doente, garantindo-
Art. 3° Esta resolução entra em vigor na data de sua publica-
-lhe os cuidados necessários para aliviar os sintomas que
ção, revogando-se as disposições em contrário.
levam ao sofrimento, na perspectiva de uma assistência in-
tegral, respeitada a vontade do paciente ou de seu represen-
Brasilia, 9 de novembro de 2006
tante legal.
Edson de Oliveira Andrade Uvia Barros Garção
O Conselho Federal de Medicina, no uso das atribuições
Presidente Secrelária-Gera.l
conferidas pela Lei n• 3.268, de 30 de setembro de 1957, al-
terada pela Lei n• 11.000, de 15 de dezembro de 2004, regu-
lamentada pelo Decreto n• 44.045, de 19 de julho de 1958, e Anexo 2
CONSIDERANDO que os Conselhos de Medicina são ao Conselho Federal de Medicina - Código de Ética Médica
mesmo tempo julgadores e disàplinadores da classe médica, É vedado ao médico:
cabendo-lhes zelar e trabalhar, por todos os meios ao seu
alcance, pelo perfeito desempenho ético da Medicina e pelo Art. 41. Abreviar a vida do paciente, ainda que a pedido des-
prestígio e bom conceito da profissão e dos que a exerçam te ou de seu representante legal.
legalmente;
Parágrafo único. Nos casos de doença incurável e terminal,
CONSIDERANDO o art. 1°, inciso III, da Constituição Fe- deve o médico oferecer todos os cuidados paliativos dispo-
deral, que elegeu o princípio da dignidade da pessoa huma- níveis sem empreender ações diagnósticas ou terapêuticas
na como um dos fundamentos da República Federativa do inúteis ou obstinadas, levando sempre em consideração a
Brasil; vontade expressa do paciente ou, na sua impossibilidade, a
de seu representante legal.
CONSIDERANDO o art. 5°, inciso ITI, da Constituição Fe-
deral, que estabelece que "ninguém será submetido a tortura
nem a tratamento desumano ou degradante";
CONSIDERANDO que cabe ao médico zelar pelo bem-
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CONSIDERANDO que o art. 1° da Resolução CFM n•
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pitalizado tenha o seu médico assistente responsável, desde 2007;4(8):680-2.
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Juliessa Florian
Fabrício Farias da Fontoura
82
principais técnicas e instrumentos utilizados pelos fisiotera-
Introdução peutas para poder orientar e encaminhar o paciente a um
A fisioterapia respiratória pode atuar tanto na prevenção tratamento integral.
quanto no tratamento das doenças respiratórias, fazendo
uso de diversas técnicas e procedimentos terapêuticos, seja
no nível ambulatorial, hospitalar ou de terapia intensiva.
Seu objetivo é estabelecer ou restabelecer um padrão respi-
Técnicas de higiene brônquica
ratório funcional para reduzir gastos energéticos durante o A eliminação normal das secreções broncopulmonares exi-
processo de ventilação, capacitando o indivíduo a realizar as ge transporte mucociliar e tosse eficazes. Quando um desses
mais diferentes atividades da vida diária sem promover gran- mecanismos não funciona adequadamente, as secreções se
des transtornos e repercussões negativas em seu organismo, acumulam, o que pode provocar aumento do trabalho res-
melhorando assim sua qualidade de vida. piratório, aprisionamento aéreo, piora do equilíbrio ventila-
A fisioterapia respiratória deve ser oferecida para pa- ção/perfusão, áreas de atelectasias, aumentando, além disso,
cientes com doenças pulmonares agudas ou crônicas, ob- a incidência de infecções pulmonares. A remoção de secre-
jetivando manejo da falta de ar, desobstrução brônquica e ções mucopurulentas pode diminuir a ação das enzimas pro-
orientações para melhora da capacidade funcional.' teolíticas responsáveis pela destruição do tecido pulmonar
em pacientes com doenças pulmonares crônicas.
Para auxiliar a mobilização e a remoção dessas secre-
~ATENÇÃO ções, é utilizada a terapia de higiene brônquica, que envol-
ve o uso de técnicas não invasivas de desobstrução das vías
aéreas, com o objetivo principal de melhorar a troca gasosa
A busca por evidências em fisioterapia respiratória
e reduzir o trabalho respiratório. O crescente número de no-
teve um grande crescimento nos últimos anos, crian-
vas evidências e a constante descoberta de técnicas cada vez
do-se diretrizes sobre técnicas e tratamento para
mais eficientes oferecem ao fisioterapeuta alternativas para
uma prática baseada em evidências.
um tratamento mais eficaz.

Neste capítulo, abordam-se algumas das técnicas fisio- Drenagem postura!


terapêuticas mais descritas na literatu ra científica. É fun- A drenagem postura! constitui uma das técnicas de higiene
damental que o médico tenha um conhecimento básico das brônquica mais antigas e amplamente utilizadas na fisiotera-
pia respiratória, tendo a finalidade de auxiliar a mobilização mucociliar. Existem poucas evidências sobre os beneficios
de secreções por meio da ação da gravidade, sobretudo em isolados dessas técrticas, embora sua prática em associação
doenças supurativas. A drenagem postura! é mais eficaz em com outras seja muito utilizada com bons resultados clfni·
condições caracterizadas pela produção excessiva de muco cos.u
(>30 mUdia), e, para que haja a drenagem desse muco, o
paciente deve ser mantido em posição capaz de facilitar o
fluxo da secreção pulmonar das ramificações brônquicas Técnicas respiratórias
mais distais para as vias aéreas centrais, de onde será elimi· As técnicas respiratórias são divididas em respiração normal,
nada pela tosse ou mediante aspiração de vias aéreas.
2 conhecida como "controle respiratório", quando se realiza
Na literatura, estão descritas de 11 a 12 diferentes posi· mínimo esforço, e exercícios respiratórios, em que se enfati·
ções, conforme o segmento ou lobo a ser drenado. A i~cli­ za a inspiração, como nos exercícios de expansão torácica, ou
nação pode ser de 15 a 30 graus. A drenagem postura! é me- ainda a expiração como no huffmg, descrita posteriormente.
ficaz quando o paciente permanece passivamente em uma
única posição, sendo necessária a mudança de posição, que Controle respiratório
pode ser determinada pela ausculta pulmonar, pela radio- O controle respiratório é a respiração corrente normal usan·
gra.fia de tórax ou de acordo com as necessidades do pacien· do o tórax inferior com relaxamento da porção superior e
te. Cada posição deve ser mantida por 3 a 15 minutos, o que cintura escapular. Thmbém é conhecida como " respiração
requer pelo menos uma hora para uma drenagem completa. 3 diafragmática", mas esse termo é inapropriado segundo
Devido às respostas fisiológicas adversas, como hipoxe- Green e Moxham em 1985, pois, durante a respiração cor·
mia, broncospasmo, bipotensão aguda e vômito, que podem rente normal, existe atividade não somente no diafragma,
estar associadas às posições ideais para o tratamento, como mas também nos músculos intercostais internos e externos,
a posição de 11-endelenburg (com inclinação inferior da ca· abdominais e escalenos.'
beça), bem como à intolerância de assumir e/ou sustentar Para a realização dessa técnica, o fisioterapeuta deve
determinadas posições, podem ser necessárias modificações orientar o paciente a relaxar a porção superior do tórax c
de algumas delas. Essa técnica é conhecida como drenagem cintura escapular, devendo logo após posicionar a sua mão
postura! modificada.' sobre o abdome superior (ele também pode usar a mão do
É importante avaliar individualmente o efeito e a acei- paciente). A atenç:lo do paciente deve ser direcionada à
tabilidade do posicionamento em pacientes portadores de movimentação da mão sobre o abdome superior, que deve
fibrose cística, bem como encorajar o uso da técnica.' excursionar para a frente devido à protrusão abdomina.l du·
São indicações para o uso dessa técnica retenção e difi- rante a fase inspiratória (nasal e lenta); na expiração (oral),
culdade para eliminar secreção, atelectasia causada portam· a mão é rebaixada.
ponamento mucoso e presença de corpo estranho nas vias O posicionamento usual para a realização da técnica -
aéreas. sentado com os cotovelos levemente apoiados ou de pé incli-
As contraindicações absolutas são lesão de cabeça ou nado para a frente- faz com que o conteúdo abdominal ele·
pescoço até a estabilização e hemorragia com instabilidade ve a parte anterior do diafragma, possivelmente facilitando
hemodinãmica. As relativas incluem pressão intracraniana sua contração durante a inspiração devido à otimização da
> 20 mmHg, cirurgia medular recente ou lesão medular relação tensão-comprimento do diafragma.
aguda, edema pulmonar associado a insuficiência cardíaca Alguns pacientes, reflexamente, usam a respiração "fre·
congestiva, hemoptise ativa, fístula broncopleural, fratura de nolabial", ou respiração através dos lábiossemicerrados, que
costela, embolia pulmonar, derrames pleurais volumosos, re- tem o efeito de gerar uma pequena pressão positiva durante
fluxo gastresofágico e intolerância à posição.s.o a expiração, a qual pode reduzir em certa medida o colapso
1 10
da via aérea instável, por exemplo, no enfisema pulmonar. '
Vibração, compressão e percussão torácicas O controle da respiração ainda necessita de evidências
que sustentem sua prática geral; o que a maioria dos estudos
A vibração torácica consiste em movimentos oscilatórios
disponíveis afirma é que os efeitos positivos obtidos pelo em-
rítmicos e rápidos de pequena amplitude, exercidos sobre
prego da técnica parecem ser causados pela modificação do
a parede do tórax com intensidade suficiente para causar
padráo respiratório, e não pela capacidade de redistribuição
vibração no nível brônquico. A frequência ideal desejada
gasosa.'·9
situa-se entre 3 e 55 Hz e pode ser aplicada de forma ma-
A técnica deve ser aplicada em pacientes para ajudar no
nual ou mecânica. O efeito positivo dessa técnica baseia-se
controle dos sintomas da asma e aumentar a qualidade de
na propriedade tixotrópica do muco, que se liquefaz quando
vida, porém não deve ser ensinada como rotina em pacientes
submetido à constante agitação.'
com doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC).
A compressão torácica consiste na compressão realizada
na parede do tórax durante a fase expiratória do ciclo venti-
latório de forma relativamente brusca, objetivando a forma· Técnica da expiração forçada (huffing)
ção de fluxo turbulento por aceleração do fluxo expiratório A técnica de expiração forçada (TEF) foi descrita por
intrapulmonar, para a mobilização de secreções.' Thompson e Thompson em 1968, na Nova Zelândia. Eles
A percussão ou tapotagem é uma manobra de deso· descreveram o uso de um ou dois huffs com volumes pul-
bstrução brônquica cujo objetivo é facilitar a depuração monares médios a baixos, com a glote aberta, precedidos e
Posição 1: Posição 2:
Lobos superiores, segmentos apicais #!=~R-.. lobos superiores, segmentos posteriores

Posição 3:
Lobos superiores, segmentos anteriores

~~
Posição 4: Posição 5:
Ungula lobo médio

.. .!.
'•

Posição 6: Posição 7:
Lobos inferiores, lobos inferiores.
segmentos segmentos
basais anteriores basais inferiores

Posições 8 e 9:
Lobos inferiores,
segmentos
laterais basais

AGURA 82.1 7 Posições de drenagem postura!. Posição 1: paciente inclinado 30° para trás; posição 2: paciente inclinado 30° para a frente; posição
3: paciente deitado em superfície plana; posições 4 e 5: paciente com a cabeça inclinada 15° para baixo e cerca de um quarto do tronco rotado; posi-
ção 6: paciente com a cabeça inclinada cerca de 30• para baixo, em decúbito lateral; posiçao 7: paciente com a cabeça 30• para baixo, em pronação;
posições 8 e 9: paciente com cabeça 30° para baixo, rotado a um quarto; posição 1O: paciente em pronação, com leito em posição neutra (plano).
Fonte: Deturk e Cahalin.'

seguidos por um período de relaxamento. As secreções são A TEF foi introduzida como uma alternativa para a tos-
mobilizadas das vias aéreas periféricas para as vias aéreas se. Enquanto um huff de baixo volume pulmonar move se-
centrais, de onde serão expectoradas, e então o processo é creções periféricas, um "huff' de alto volume remove muco
repetido.' das vias aéreas mais proximais. 11
A TEF tem se m05trado bastante eficaz na lllgiene brôn- para as vias aéreas centrais, é solicitado que o paciente rea-
quica de pacientes com tendência ao colapso das vias aéreas lize mais de um huffing com tosse. A drenagem autógena é
durante a tosse normal. Vários estudos demonstram os be- indicada para pacientes colaboradores, sendo recomendada
neficios da TEF na limpeza das vias aéreas e na melhora da para pacientes com mais de oito anos e que tenham um bom
função pulmonar. Quando associada à drenagem postura], controle da respiração.9 É necessãrio que o fisioterapeuta
a TEF demonstrou ser mais efetiva do que a percussão e vi- ofereça um feedback para o paciente até que ele assimile
bração na remoção de secreções das vias aéreas. Além de a técnica e perceba a limpeza das vias aéreas. Essa técnica
promover aumento da quantidade de secreção expectorada, também pode ser usada durante algumas atividades da vida
levou ao aumento significativo de alguns parâmetr05 da fun- diária, e deve ser constantemente revisada com o fisiotera-
ção pulmonar, como volume expiratório forçado no primeiro peuta.s.s.to
segundo (VEF1) e capacidade vital forçada (CVF).l 1àJ técnica foi modificada na Alemanha, não estando
Em pacientes portadores de DPOC e fibrose cística, o dividida em três fases, uma vez que 05 pacientes acharam
huffmg deve ser ensinado como adjunto a outras técnicas de desconfortável respirar a baixos volumes pulmonares. A
higiene brônquica.12 entáo drenagem autógena modificada consiste em inspi-
rar pelo nariz, contendo a inspiração por 2 a 3 segundos,
Cido ativo da respiração e expirar pela boca com a glote aberta, a princípio de for-
ma passiva e rápida e em seguida ativa e lentamente com a
O ciclo ativo das técnicas de respiração é usado com o ob-
jetivo de mobilizar o excesso de secreções brônquicas, sen- ajuda dos músculos expiratórios. A duração da expiração é
determinada pela quantidade e localização das secreções
do eficaz na sua eliminação e melhora da função pulmonar,
sem causar aumento da hipoxemia ou da obstrução ao fluxo nas vias aéreas, ou seja, quanto mais periférica a secreção,
aéreo. O ciclo é um método flexivel de tratamento e pode maior o tempo cxpiratório. A técnica geralmente é execu -
ser usado em pacientes clínicos ou cirúrgicos n05 quais exista tada com o paciente sentado de forma relaxada. Deve-se
excesso de secreções brônquicas.1 controlar o movimento diafragmático e do tórax superior,
A técnica consiste em realizar o controle respiratório com colocando-se as mãos na região epigástrica e superior do
exerclcios de expansão torácica que são inspirações profun- tórax. A tosse deve ser evitada até que as secreções che-
das, seguidas de expiração relaxada e lenta. Esse controle é li- guem à laringe, quando devem ser expectoradas. A técnica
mitado a 3 a 4 cicl05 profundos, a fim de evitar fadiga c hiper- deve ser usada durante aproximadamente 20 a 30 minut05,
ventilação. Ao final do ciclo, realiza-se o hufftng e/ou t05SC.' no mínimo duas vezes ao dia. •
Essa técnica é amplamente utilizada por pacientes por- Em pacientes portadores de fibrose cística, a drenagem
tadores de fibrose cística e deve ser ensinada para otimizar a autógena deve ser ensinada como um adjunto à drenagem
higiene brônquica independente.' postura! como método de higiene brônquica, pois tem a van-
tagem de ser realizada sem assistência e em uma posição.'
Existem muitas outras técnicas e manobras que o fisio-
Drenagem autógena terapeuta pode utilizar em associação às recém-descritas
A drenagem autógena é uma técnica de desobstrução brôn- com o objetivo de mobilizar secreções e realizar higiene
quica, autoadministrável e com controle da respiração que brônquica eficiente. Além disso, nos últimos anos, houve
mobiliza secreções de diferentes ramos brônquicos da peri- um grande avanço na criação de novos aparelhos que per-
feria para o centro, por meio da maior variação possível do mitissem mais conforto e maior independência ao paciente,
fluxo expiratório, sem a compressão dinâmica das vias aé- alguns dos quais são descrit05 a seguir.
reas. O desprendimento das secreções, desde a periferia do
pulmão, ocorre porque uma inspiração direta e aumentada,
seguida de uma expiração profunda, leva a uma diminuição
do volume corrente médio até o volume de reserva expira-
Aparelhos para Fisioterapia Respiratória
tório. Com isso, as secreções das regiões pulmonares peri- Muit05 aparelhos têm sido investigad05 na tentativa de au-
féricas se mobilizam pela compressão d05 duetos alveolares mentar os efeitos benéficos da fisioterapia convencional ou
periféricos.9 assistida e também de promover a independência dos pa·
A drenagem autógena é dividida em três fases: despren- cientes.'
dimento, coleta e expulsão. A primeira fase 6 feita por meio Existem diferentes dispositivos que geram pressão posi-
de inspiração nasal, que otimizao aquecimento e a umidifi- tiva por meio de válvulas e resistores, os quais podem ser
cação enquanto diminui o fluxo turbulento e lento, em bai- usados com diversos componentes. 1àis dispositivos geram
xos volumes pulmonares, para a mobilização de muco peri- pressão expiratória positiva (PEP) com o princípio de au-
9
férico. A fase de coleta é feita com respirações no nfvel do mentar a pressão transpulmonar por meio do aumento da
volume corrente para a mobilização do muco presente nas pressão intratorácica, melhorando a ventilação colateral.
vias aéreas médias. A fase de expulsão é realizada por meio Eles visam também à mobilização de secreções e impedem
de respirações com volumes pulmonares mais altos, para o o colapso das vias aéreas durante a expiração. u A American
deslocamento de secreções das vias aéreas centrais. Association for Respiratory Care recomenda uma pressão
Cada fase dura de 2 a 3 minutos, e um ciclo completo de 10 a 20 cmH10.' A seguir, são descrit05 alguns tipos de
leva cerca de 6 a 9 minutos. Quando a secreção for deslocada aparelh05 que geram PEP.
Pressão positiva expiratória nas vias aéreas piratório diminui e a pressão também 1 5 Deve ser realizada
A pressão positiva expiratória nas vias aéreas (EPAP) é um com um clipe nasal a fim de se evitar o escape aéreo.
A PEP gerada por selo d'água foi amplamente utiliza-
dispositivo utilizado para se obter uma resistência linear até
da durante a última década na Suécia em pacientes pneu-
o final da expiração, gerando pressões de S a 20 cmH20 .
mopatas, sendo muito difundida no Brasil devido ao baixo
Consiste em uma máscara acoplada a uma válvula unidire-
custo. 16 Neste sistema, a expiração é realizada através de
cional com resistência por mola (spring-loaá).
um tubo (traqueia) submerso na água, e o paciente expira
Neste sistema, a fase inspiratória é realizada sem ne-
estabelecendo uma pressão na via aérea através do tubo. O
nhuma ajuda externa, sem fluxo adicional, ou seja, por uma
tamanho do tubo abaíxo da superfície da água determina a
pressão negativa subatmosférica, como na respiração espon-
pressão necessária para forçar o gás através dele. Uma vez
tânea. A expiração é realizada contra o resistor de mola,
que a pressão no tubo é suficiente para superar o peso da
mantendo a pressão positiva estável. coluna de água, o limiar é atingido, e a pressão vaí diminuin·
A EPAP objetiva a redução do aprisionamento de ar, a do até o fmal da expiração. Existem poucas evidências que
mobilização das secreções e a reversão de atelectasias, ou ain- sustentem o uso dessa técnica, pois não há um padrão para
da pode ser usada durante a aerossolterapia medicamentosa. sua realização.••
A técnica deve ser realizada com o paciente sentado, com os
braços em repouso sobre a mesa e o corpo inclinado forman-
do um ângulo de 45 a 60 graus. Ela é indicada para pacientes Pressão positiva por dispositivos oscilatórios
com fibrose c-ística com objetivo de higiene brônquica. 1 O Flutter• ou o Sbaker"' (FIGURA 82.3) são aparelhos em for-
A PEP com orifício consiste em uma válvula unidire- ma de cachimbo que possuem um tubo com um bocal em
cional conectada a uma saída com um pequeno orifício que uma extremidade e uma tampa perfurada na outra, e em seu
retarda o movimento do ar para fora, gerando uma pressão interior uma esfera de aço inoxidável de alta densidade re-
positiva expiratória fluxo-dependente, ou seja, o fluxo ex- pousa em um cone.

Normal Fase 1 Fase 2 Fase 3

VR

Normal CR: Exercícios de expansão torácica

B
FIGURA 82.2 7 (A) Drenagem autogênica (DA) versus (8) ciclo ativo da respiração (CAR), ambos de espirometria de indivíduos normais. DA: fase
1= deslocamento periférico de muco; fase 2= coleta de muco em grande via aérea; fase 3= transporte do muco até a boca. CAR: CR = controle da
respiração, TEF= técnica de expiração forçada.
Fonte: Oeturk e Cahalin.5
o
FIGURA 82.3 ~ (A) Shaker•
pronto para uso. (8) Imagem
do Shaker" desmontado, mos-
trando seus componentes.

Expirando através do dispositivo, criam-se oscilações de em direção cefálica, aumentando o transporte da secreção
fluxo de ar e pressão positiva nas vias aéreas produzidas pela facilitado pela pressão positiva gerada na via aérea. 12
esfera. A frequência pode ser modulada conforme a inclina- Se a tosse for ineficaz ou caso o paciente seja incapaz de
ção do aparelho. realizá-la, o fisioterapeuta pode fazer a aspiração das vias aé-
O paciente deve ser orientado a encaixar bem o apare- reas quando necessário, porém ela não deve ser usada como
lho na boca, realizar uma inspiração profunda e depois uma rotina. A técnica deve ser realizada de maneira asséptica, com
expiração suficiente para movimentar a esfera. O aparelho duração de menos de 15 segundos; o sistema de aspiração
está indicado para desobstrução e higiene brônquica, estan- pode ser aberto ou fechado. Algumas técnicas para gerar flu-
do contraindicado na presença de hemoptise e pneumotó- xo turbulento e aumentar o volume inspiratório para promo-
rax.1 ~17 ver o deslocamento de secreções brônquicas são hiperinsufla-
A Acapella40 (FIGURA 82.4) é outro instrumento que com- ção manual associada à vibração e compressão torácica, entre
bina os princípios da oscilação de alta frequência com a outras.'·" Esses instrumentos são indicados principalmente
PEP por atração magnética. O equ ipamento, leve e portátil, para pacientes hipersecretivos e com fibrose cística.'
possui um bocal e na outra extremidade um dispositivo que
regula a proximidade de duas peças magnéticas que fazem
resistência ao fluxo de ar, permitindo alterações na frequên- Espirômetros de incentivo
cia, amplitude e pressão impostas ao sistema respiratório. O Esses instrumentos terapêuticos são muito utilizados para
paciente realiza a expiração no bocal de forma que não haja produzir uma inspiração máxima sustentada. Existem hoje
escape de ar; a oscilação e a PEP são geradas independen- diferentes aparelhos de várias marcas que podem ser usados
temente da gravidade e do posicionamento do aparelho.•z.•s de acordo com o nivel de volume a ser atingido durante a
Existe o modelo azul para fluxo expirat6rio menor do inspiração. A espirometria de incentivo tem como objetivo
que 15 Umin e o verde para fluxo expiratório maior do que estimular inspirações profundas através de feedback visual a
15Umin. fim de recrutar alvéolos colapsados, induzindo maior venti-
As vantagens teóricas das oscilações têm sido descritas lação. •s.as.a9
como uma possível redução na viscoelasticidade do muco Os espirômetros de incentivo são portáteis e de fácil
gerada pelo Flutter40 (11,3 Hz) e pela Acapella" (13,5 Hz), manuseio, podendo ser orientados por volume ou fluxo. Os
sendo próximas da frequência ideal para deslocamento do aparelhos orientados por volume possibilitam um maior con-
muco. A frequência natural do batimento ciliar é de 11 a 15 trole do volume de ar inspirado do que os de fluxo, permi-
Hz e, se o fluxo aéreo oscilar em frequência semelhante, tal tindo ainda o controle da estabilidade do fluxo expirat6rio
ressonãncia pode aumentar a amplitude do batimento ciliar lento.

FIGURA 82.4 ~ (A) Acapelta• . (B)


Acapella", vista interna.
Em pacientes com DPOC e bronquiectasias também há
recomendação para treinamento muscular inspira tório.'

Outros instrumentos
Cough Assist'
Conhecido também como "máquina da tosse", o Cough
Assist" é um equipamento não invasivo, com capacidade
para aumentar ou restabelecer a remoção das secreções
brõnquicas via insuflação/desinsuflação mecãnica mediante
aplicação gradual de pressão positiva com uma rápida mu-
dança para pressão negativa.
A mudança brusca de pressões gera um fluxo exalatório
rápido e turbulento, simulando o processo da tosse, deven-
do-se evitar altas pressões sempre que possfvel. Encerra-se a
O espirõmetro deve ser usado na posição sentada ou sessão de tratamento com uma insuflação para minimizar o
semissentada, solicitando-se que o pac.iente realize uma ex- colapso das vias aéreas.21
piração máxima, depois inspire profundamente de forma E indicado para uso em crianças, adultos e idosos que
lenta através do aparelho, e em seguida faça uma pausa ins- não possuem efetividade da tosse, devendo ser considerado
piratória com duração média de três segundos. Na presença para pacientes com lesão medular e combinado com mano-
de broncospasmo, não é recomendável que seja utilizado. bras de tosse assistida?-'
Deve-se observar ainda a presença de fadiga muscular."·'93 '
Oscilação de alta frequência da parede torácica
Threshold' Essa técnica utiliza um colete inflável conectado a um gera-
O Thresbold• (FIGURA 82.5) é um instrumento utilizado para dor de alta frequência (6 a 19 Hz). O princípio do sistema
o treinamento dos músculos ventilatórios que oferece uma são compressões e oscilações torácicas enquanto o paciente
resist~ncia à inspiração por meio de um sistema de mola é orientado a realizar inspirações e expirações. Com a alte-
com válvula unidirecional. O paciente inspira por meio de ração da consistência do muco, promove-se sua depuração
bocal ou de máscara facial. Durante a expiração, não há re- independentemente do decúbito.'-4.15
sistência, pois a válvula se abre; já na inspiração, ocorre o
fechamento da válvula, produzindo resistência. É indicado
para o paciente que possui perda de força e resistência dos
músculos ventilatórios. 19
Para iniciar o treinamento com o Threshold• , é neces-
sário definir a resistência a ser aplicada em cmHzO, que será
determinada pela análise da força muscular inspiratória, por
meio de manovacuometria. Deve-se respeitar os princípios
do treinamento físico, como progressividade, especificidade,
sobrecarga, entre outros. Existe a modalidade Thresbold
PEP•, que gera carga linear que se mantém constante, inde-
pendentemente do fluxo gerado pelo paciente.11.:u

Constitui-se em uma técnica de ventilação na qual uma


máscara ou dispositivo semelhante funciona como interface
paciente/ventilador, em substituição à prótese endotraqueal.
As modalidades mais usadas são pressão positiva contí-
nua nas vias aéreas - CPAP (PEP durante todo o ciclo res-
piratório), fazendo-se necessário que o paciente apresente
drive respiratório suficiente para desencadear os ciclos res-
piratórios. O Bipap• ou Bilevel consiste na aplicação da
pressão aérea positiva por dois níveis, baseando-se na alter-
nância entre uma pressão insPiratória positiva (IPAP) e uma
pressão expiratória positiva das vias aéreas (EPAP) mais bai-
xa, ao mesmo tempo em que respeitam a regpiração es~ntâ­
nea do doente, sendo um suporte à sua respiração.<.S. 5 Esse
tema é abordado mais detalbadamente no Capitulo "Venti-
FIGU RA 82.5 ~ Thresholcf.
lação Mecânica Invasiva e Não Invasiva".
7. Sarmento GJV. Fisioterapia respiratória no paciente critico: roti-
Considerações finais nas clínicas. Barueri: Manole; 2005.
Há uma série de questões a serem respondidas e respalda- 8. Lapin CO. Airway pbysiology, autogcnic drainage, and activc
das nesse processo evolutivo da fisioterapia respiratória. As cycle of breat.bi.ns- Respir Care. 2002;47(7):778-85.
evidências e recomendações das diretrizes apontam algumas
9. Fink JB. Forecd cxpiratory tcchnique, directcd cougb and autogc-
questões fundamentais, descritas a seguir.
nicdrainage. Respir Cace. 2007;52(9):1210-21.
A avaliação deverá ser acurada, definindo as indicações
de tratamentos. O fisioterapeuta deverá eleger a técnica ou 10. Fitipaldi RB. Fisioterapia respiratória no paciente obstrutivo
o instrumento onm melhor adesão e receptividade por parte crônico. Barueri: Manolc; 2009.
do paciente, medindo a relação entre os resultados obtidos e 11. Wagencr JS, Hcadlcy AA. Cystic fibrosis: current trends in rcspi-
os objetivos pretendidos. ratory care. Respir Care. 2003;48(3):234-45.
Os estudos demonstram que as técnicas devem ser asso-
12. McCool FO, Rosen MJ. Nonpbarmacologie airway elearanoe
ciadas para melhores resultados, e os exercicios ou aparelhos
t.berapics: ACCP cvidcnoe-bascd clinicai practice guidelines. Cbcst.
autoadministráveis devem ser revisados pelo fisioterapeuta 2006;129(1 Suppi):2SOS-9S.
onm o paciente periodicamente.
O condicionamento !Tsico global deverá estar agregado 13. Obcrwaldncr B, Evans JC, Zacb MS. Foroed expirations against
na medida do possível, pois a disfunção na musculatura es- a variable resistance: a new cbest physiothcrapy method in eystic fi-
quelética é onmum nos pacientes pneumopatas crônicos. brosis. Pcdiatr Pulmonol. 1986;2(6):358-67.
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PauloJosé Zimermann Teixeira
Dagoberto Vanoni de Godoy
83
Rossane Frizzo de Godoy

manifestação da DPOC. À disfunção respiratória crônica,


Introdução devem ser somados os danos orgânicos secundários à in-
A limitação funcional imposta por uma doença pulmonar flamação e hipoxia, bem como as alterações de prejuízo
crônica compromete o individuo na sua condição mais bási- cognitivo, psicológico e afetivo provocadas pelo sofrimen-
ca, que é a realização das atividades da vida diária. Atitudes to continuado.
simples do dia a dia passam a exigir um enorme esforço e, Assim, a complexidade das alterações orgânicas, o cur-
até o momento, nenhum medicamento é capaz de reverter so clínico prolongado e progressivo e o dano psicossocial
totalmente tal limitação. Sendo assim, a reabilitação pulmo- fazem do portador de DPOC moderada a grave e de sua
nar é uma estratégia não medicamentosa de tratamento que familia candidatos a uma série de intervenções interdisci-
deve ser agregada a qualquer paciente portador de doença plinares, com o objetivo de desenvolver e manter o doente
respiratória crônica capaz de reduzir a tolerância ao exer- nos níveis mais elevados de funcionalidade e independên-
cício e, consequentemente, causar um impacto negativo em cia possíveis.
sua qualidade de vida. Apenas no Rio Grande do Sul, estima-se que quase 38
Para se ter uma ideia, a doença pulmonar obstrutiva mil pessoas sejam portadoras de DPOC nos estádios mode-
crônica (DPOC), que compromete quase 16% da popula- rado a muito grave e necessitem tratamento medicamentoso
ção brasileira acima dos 40 anos, exerce um impacto de- e reabilitação pulmonar. Mais recentemente, alguns estudos
vastador sobre o individuo e a sociedade. Levando-se em com outras doenças pulmonares crônicas, dentre elas, a fi-
conta o total de habitantes com mais de 40 anos de idade brose pulmonar, têm demonstrado benefícios na qualidade
(cerca de 76 milhões), o percentual de fumantes ativos na de vida e na capacidade de exercício quando esses pacientes
população (20%), o percentual de fumantes que desenvol- são incluídos em programas de reabilitação pulmonar.
vem DPOC após 10 a 20 anos-maço (25%) e a prevalência A reabilitação pulmonar (RP) fundamenta-se em pro-
da DPOC baseada em espirometria nessa mesma faixa etá- gramas planejados e executados por múltiplos profissionais e
ria (15,8%), deve haver entre 1,4 e 3,8 milhões de brasilei- adaptados às necessidades individuais do paciente. Trata-se
ros portadores da doença. de uma intervenção multidisciplinar, baseada em evidências,
A progressão indolente da perda de função pulmonar para pacientes portadores de doença pulmonar crônica, que
faz com que o individuo torne-se, aos poucos, mais inativo estão sintomáticos e que perderam a capacidade de executar
fisicamente. A estratégia do sedentarismo consegue adiar as atividades da vida diária. O QUADRO 83.1 descreve os prin-
por algum tempo o surgimento da dispneia, a principal cipais componentes da RP.
QUADRO 83.1 ~ Principais componentes da reabilitação sensibilização da dispneia, moclificação comportamental, edu-
pulmonar cação sobre a doença, apoio psicológico e treinamento de téc-
nicas conservadoras de energia nas atividades da vida diária.
- Diagnóstico preciso da doença primária e de comorbidades A RP é um processo terapêutico potente para a melhora
- Tratamento farmacológico, nutricional e fisioterápico dos níveis de qualidade de vida e redução da necessidade de
- Recondicionamento físico hospitalizações por agudização da insuficiência respiratória
- Treinamento de técnicas de conservação de energia nas atividades em portadores de DPOC. Esses resultados são obtidos à custa
da vida diária da reversão de alterações patológicas em vários sistemas orgâ-
- Apoio psicossocial
nicos, de forma independente da função respiratória espiro-
- Educação adaptada às necessidades individuais para otimiza r a
autonomia, o desempenho físico e social métrica, que não se altera. Os beneficios da RP são abrangen-
tes e consistentes conforme demonstra o QUADRO 83.2.

Objetivos da reabilitação pulmonar.


Elaboração de um programa de
-+ Redução dos sintomas. reabilitação pulmonar
-+ Otimização da capacidade funcional. A composição de um grupo profissional capaz de gerir e exe-
-+ Aumento da participação do indivíduo na comunida- cutar um programa de RP deve variar segundo a sua capaci-
de. dade de manutenção financeira. O grupo básico (FIGURA 83.1)
-+ Redução dos custos em saúde por meio da estabili- pode ser formado por quatro técnicos: médico pneumolo-
zação ou reversão das manifestações sistêmicas da
gista, fisioterapeuta, nutricionista e psicólogo ou médico
doença.
psiquiatra. Sempre que viável, a inclusão de um enfermeiro
que se envolva com os aspectos educacionais e de um pro-
fessor de educação física experiente com essa população de
pacientes para auxiliar na elaboração do treinamento físico
Resultados esperados de um programa qualifica sobremaneira os programas.
Ao médico pneumologista cabe o estabelecimento ou a
de reabilitação pulmonar confirmação do diagnóstico da doença de base e de enfermi-
Com o propósito de reverter a disfunção muscular e cardio- dades concomitantes. Ele também pode ser responsável pelo
vascular por meio de um programa de exercícios planejados planejamento terapêutico farmacológico caso o paciente não
para atender as neoessidades específicas do portador de uma tenha um pneumologista assistente e, junto com o fisiotera-
doença pulmonar crônica, em geral, os programas de RP são peuta, pela definição da necessidade de incluir técnicas fisio-
multidisciplinares. Incluem exercícios físicos, técnicas de des- terapêuticas específicas ou não para determinados pacien-

QUADRO 83.2 ~ Recomendações e graus de evidência em reabilitação pulmonar

l•·mm:m
Treinamento de membros inferiores Melhora a tolerância ao exercício; é recomendado como parte do PRP A

Treinamento de membros superiores Treinamento de força e resistência melhora a função; deveria fazer parte do PRP 8

Treinamento da musculatura Evidências científicas não sustentam o uso rotineiro em um PRP; pode ser considerado em 8
respiratória pacientes selecionados com redução da força muscular e dispnéia

Componentes psicossociais, Evidências não sustentam intervenções psicossociais de curta duração como modalidade 8
comportamentais e educacionais terapêutica isolada; intervenções de longa duração podem ser benéfica.s; a opinião de
especialistas dá suporte às inclusões de intervenções educacionais e psicossociais num PRP

Dispneia O PRP reduz a dispneia A

Qualidade de vida O PRP melhora a qualidade de vida 8

Hospitalizações O PRP reduz as hospitalizações e a duração delas 8

Sobrevida O PRP pode aumentar a sobrevida c


PRP • programa de reabilitação pulmonar.
Pneumologista Prol. EFI

Grupo de Autoajuda

FIGURA 83.1 ~ Composição do grupo multiprofissional para a execução de um programa de reabilitação pulmonar.

tes. Um exemplo são os portadores de bronquiectasias, que fermeiros dinamizam o programa. A criação de grupos de
demandam, além do programa de reabilitação tradicional, autoajuda pelos próprios pacientes, sob supervisão do grupo
um atendimento fisioterápico adicional. técnico, deve ser estimulada.
O fisioterapeuta planeja e executa os métodos que me- A duração de um programa de reabilitação pulmonar é,
lhoram a limpeza de secreções das vias aéreas, o treinamen- em geral, de 8 a 12 semanas. Neste período, o paciente e seus
to de exercícios respiratórios e posturas, bem como atitudes familiares reoeberão cuidados nos seguintes campos:
adaptativas e técnicas de conservação de energia. Além dis-
so, elabora - com o auxílio ou não do educador físico - o • Educação: orientação sobre anatomia e fisiologia respi-
programa de condicionamento físico geral mediante exer- ratórias e sobre a maneira como a doença de base as al-
cícios físicos selecionados. Nesta etapa, a participação do tera, conservação de energia, alimentação adequada, uso
pneumologista nas análises dos resultados dos testes de exer- dos dispositivos inalatórios.
cício cardiopulmonar máximo e submáximo fornece maiores • Treinamento respiratório: reeducação dos movimentos
subsídios para a elaboração do treino fisico. Quando o teste respiratórios, posturas adaptativas, técnicas de limpeza
de exercício cardiopulmonar não está disponível, o teste da brõnquica.
caminhada de seis minutos pode auxiliar na elaboração do • Condicionamento físico: recuperação das condições
treinamento físico. musculoesqueléticas e cardiovasculares.
As atribuições do psicólogo/psiquiatra vão desde a ava- • Terapêutica farmacológica: adequação dos fármacos atu-
liação da capacidade de compreensão do que será transmiti- antes no aparelho respiratório para cada paciente espe-
do ao paciente durante o programa até a realização de testes cificamente.
diagnósticos dos distúrbios frequentes, como depressão e • Interrupção do tabagismo: medidas de apoio às sindro-
ansiedade, ou outros transtornos que possam estar presen- mes de abstinência física e psíquica.
tes e interferindo negativamente em sua qualidade de vida. • Oxigenoterapia domiciliar: estabelecimento de sua real
Além disso, a realização de testes vocacionais visando à rein- necessidade e apoio logístico caso ela exista.
trodução vantajosa do paciente no mercado de trabalho é • Grupos de autoajuda: cada paciente deve ter a oportu-
uma estratégia com grande potencial de contribuição. O psi- nidade de integrar-se a um grupo destes ao final do pro-
cólogo/psiquiatra também estuda as relações doente-tabaco grama.
e doente-família, de modo a conseguir a máxima adesão na
manutenção do programa fora do ambiente da clínica. Deve haver flexibilidade na execução do programa, de
Thdos os profissionais se envolvem na educação dos pa- modo que ele se adapte a cada paciente, e não o contrário.
cientes quando cada um aborda os principais aspectos das O objetivo delineado no inicio do tratamento deve ser alcan-
doenças. Esta parte educativa pode ser coordenada pelo en- çado no ritmo do doente e, por esse motivo, a reavaliação
fermeiro quando este compuser o grupo ou, então, por qual- de cada caso precisa ser constante. Em geral, os pacientes
quer um dos profissionais integrantes. compareoem à RP três vezes por semana, com sessões de até
Se houver capacidade econômica para manutenção de duas horas.
um grupo maior de profissionais, as colaborações de assis- A FIGURA 83.2 apresenta um fluxograma para um progra-
tentes sociais, educadores fisicos, assistentes religiosos e en- madeRP.
Avaliação do candidato à reabilitação
pulmonar
Pneumologosta P>icólogo Prol. de Ed. Flsica F1siotoroP4'uta A RP está indicada para pacientes com DPOC que se enqua-
Nutricionista Enfermeira drem nos critérios dos estágios II, III e IV (segundo o Global
Initiative .chronic Obstructive Lung Disease - GOLD) 1 e
nas demats doenças respiratórias crônicas quando o pacien-
Diagnóstico te se torna consciente de sua incapacidade e tolera menos a
execução das atividades da vida diária.
Em geral, programas de RP não são planejados para pa-
Proposição de ob,etivos cientes incapazes de deambular, quer por problemas orto-
pédicos ou por deficiência neurológica. Em alguns pacientes
com dificuldade de deambular, o treino pode ser iniciado
em uma bicicleta ergométrica horizontal, se disponlvcl, e à
Edu~âo Fármacos Tre'ln.ameonto resptrat6no
lnterrupç.io do tabagismo Condicionamento ffsKo geral
medida que o paciente progride, passa a ser realizado na
Acompanhamento psiCológiCo esteira.
Eventos adversos durante a realização de um programa
de RP são raros. Frequentemente, portadores de DPOC
também são cardiopatas isquêmicos, com risco aumentado
Avaliação
de infarto agudo do miocárdio, arritmias cardíacas ou morte
súbita. Desse modo, a avaliação do risco cardíovascular deve
preceder o início dos exercícios ffsicos.
Egressos As lesões musculoesqueléticas são minimizadas com
o uso de calçados apropriados e a supervisão direta do pa-
FIGURA 83.2 -+ Exemplo de fluxograma de um programa de reabilita· ciente pelo profissional responsável pelo treinamento (lsico.
çáo pulmonar.
---------------- Quando o teste de exercício cardiopulmonar estiver disponí-
vel e a avaliação da ocorrência de hiperinsuflação dinâmica
for possível, aqueles pacientes portadores de DPOC com
A RP é desenvolvida ordinariamente em caráter ambu- hiperinsuflação deverão receber broncodilatadores antes do
latorial, sendo o atendimento hospitalar uma exceção, como treinamento. Caso tal avaliação não esteja disponível, todo
no tratamento de pacientes com exacerbações da doença e portador de DPOC deverá estar com sua medicação bron-
no atendimento a transplantados pulmonares. codilatadora otimizada, e o uso de broncodilatador de curta
O equipamento mínimo necessário consiste em fonte duração antes do exercício estará indicado. É importante
portátil de oxigênio, oxímetro de pulso c um recinto que que indivíduos com hiper-reatividade brônquica façam uso
comporte atividades físicas em grupo. Com exceção dosam- de broncodilatadores antes do início dos exercícios para evi-
bientes amplos que permitiriam caminhadas, a esteira e/ou a tar o espasmo brõnquico secundário ao resfriamento e resse-
bicicleta ergométrica são necessários para o treino aeróbico. camento da mucosa. Pacientes significativamente hipoxêmi-
A esses equipamentos, podem ser adicionados monitores cos (SHbO, S 88%) devem realizar os exercícios recebendo
cardíacos, uma estação para exercícios de força e aparelhos oxigenoterapia suplementar.
para a realização de fisioterapia (FIGURA 83.3A e B). A avaliação básica deve incluir anamnese e exame flsico
espirometria, avaliação de dispneia, avaliação da capacidad~

FIGURA 83.3 7 (A) Treirtamento de força e aeróbico. (B) Treinamento de força com pesos.
de realizar exercício físico, avaliação psicológica, avaliação QUADRO 83.3 7 lndice de dispneia modificado do Medicai
nutricional e avaliação de qualidade de vida. Research Council
A capacidade de realização de exercicio íisico pode ser
aferida por testes incrementais ou de carga constante reali- o. Tenho falta de ar ao realizar exercício intenso.
zados em esteira ou bicicleta para a determinação dos fato- 1. Tenho falta de ar quando apresso o meu passo, ou quando subo
res limitantes ventilatórios e/ou cardiovasculares: consumo es<:adas ou ladeira.
máximo de oxigênio (V02.w), consumo de oxigênio de pico 2. Preciso parar algumas vezes quando ando no meu passo, ou ando
mais devagar do que outras pessoas de minha idade.
(V0 2P.J e limiar anaeróbico (LA). A prova mais utilizada
3. Pre<:iso parar muitas vezes devido à falta de ar quando ando perto
na rotina diária é o teste da caminhada de seis minutos, que de 100 metros, ou poucos minutos de caminhada no plano.
apresenta boa correlação com oVO_,. A distância peroor- 4. Sinto tanta falta de ar que não saio de casa, ou preciso de ajuda
rida nesse teste é um preditor de mortalidade mais impor- para me vestir ou tomar banho sozinho.
tante do que idade, volume expiratório forçado no primeiro
segundo (VEF,), índice de massa corporal (IM C) ou presen- Fontr. Wedll<ho tcolobotodorn.'
ça de comorbidades. O teste Shuttle é classificado como in-
crementai e com excelente reprodutibilidade.
A ansiedade e a depressão são as principais alterações feriores realizados com intensidade alta propiciam maiores
observadas em pacientes portadores de DPOC. A ansiedade benefícios fisiológicos, mas exercícios realizados com baixa
geralmente surge como consequência da doença, estando, intensidade também são eficazes em portadores de DPOC.
portanto, associada aos sintomas físicos, sobretudo à intensa Uma parte da sessão de treinamento deve ser dedicada a
dispneia. exercícios com os membros superiores não sustentados, vi-
Quanto à avaliação da qualidade de vida, o St. Georges sando aumentar a resistência aos esforços da musculatura
Respiratory Questionnaire é o instrumento mais utilizado. dos membros superiores. Exercícios para obtenção de for-
Os três dominios desse instrumento (sintomas, atividades e ça muscular são muito úteis e podem resultar em ganho de
impacto) recebem pontuação de zero (saúde perfeita) até massa muscular (FIGURA 83.5).
100 (pior estado possivel), sendo que alterações de quatro É importante que o programa de treinamento fisico não
pontos são consideradas clinicamente significativas. tenha menos de seis semanas de duração. No entanto, os
A dispneia pode ser avaliada em tempo real ou por re- melhores resultados são obtidos com programas mais longos
cordação. Os instrumentos mais utilizados em tempo real -de 12 a 16 semanas. Estratégias para a manutenção do con-
sã.o a eseala de Borg (FIGURA 83.4)2 e a eseala visual analógica. dicionamento físico adquirido devem ser disponibilizadas
Na avaliação por recordação, as ferramentas mais comu- aos pacientes, pois, caso contrário, os beneficios declinam
mente empregadas são o índice basal de dispneia e o índice gradualmente em um prazo de 12 a 18 meses.
modificado do Medica! Research Council (QUADRO 83.3).3 A administração de oxigenoterapia suplementar para pa-
cientes muito hipoxêmicos durante a execução do programa
de treinamento fisico proporciona ganhos de desempenho.
Estratégias específicas em reabilitação
pulmonar
Condicionamento cardiovascular e
musculoesquelético
Um programa de treinamento da musculatura da deambula-
ção é componente mandatário. Exercícios para membros in-

o Ne-nhuma
0,5 Mt.uto, muito leve
Muito leve
Leve
Moderada
4 Pouc.o intensa
5 In te~
6
Multo intensa
8
9 Murto. muito intensa
10 Má>umo

AGURA 83.4 7 Escala de dispneia de Borg.


Fonte: Borg.' FIGURA 83.5 7 Treinamento em bicicleta horizontal.
As complicações da hiperinsuflação dinâmica são bem menos dispneia - pode proporcionar um grau de indepen-
descritas nas doenças obstrutivas e limitam o exercício físi- dência funcional apreciável, com a consequente melhora
co. Respostas ao broncodilatador têm significativos efeitos da qualidade de vida. O paciente deve ser capacitado com
nos volumes pulmonares, mesmo quando os efeitos no fluxo técnicas para vestir-se, calçar sapatos, realizar higiene pes-
expiratório mostram-se pequenos. O uso de broncodilata- soal, alimentar-se, arrumar a casa e o ambiente de trabalho.
dores de longa duração, como o tiotrópio e o indacaterol, 'frabalhar a propriocepção reduz a frequência de quedas por
pode sustentar melhoras significativas na hiperinsuflação de desequilíb rio.
pacientes com DPOC por mecanismos similares ao efeito da
cirurgia redutora de volume pulmonar.
Após broncodilatador, pode ocorrer elevação da capa- Suporte psicológico
cidade inspiratória, o que reflete a redução da hiperinsufla- No último documento do American College of Chest Phy-
ção dinâmica, sem que haja mudança significativa do VEF,. sicians/American Association of Cardiovascular and Pul-
O broncodilatador, ao diminuir a hiperinsuflação dinâmica monary Rebabilitation (ACCP/AACVPRl)' designando os
durante o esforço, reduz a dispneia e permite melhor desem- graus de evidência das diretrizes para reabilitação pulmonar,
penho em exercícios realizados com cargas fixas. Além das os componentes comportamentais, educacionais e psicosso-
intervenções farmacológicas com broncodilatadores, outras ciais receberam um grau de evidência B, demonstrando uma
medidas que reduzam a demanda ventilatória em um dado melhora em relação ao documento anterior, que evidenciava
nível de exercício com o objetivo de "esvaziamento" pulmo- grau C para esses mesmos fatores. Portanto, inserir e pes-
nar ou redução dos níveis de repouso de hiperinsuflação di- quisar tais aspectos nos programas de reabilitação toma-se
minuem a taxa de hiperinsuflação dinâmica. recomendado.
Várias estratégias têm mostrado reduzir a hiperinsufla- Reações psicológicas comumente encontradas em pa-
ção em pacientes com DPOC. Como mencionado antes, em cientes com doenças pulmonares incluem sentimentos de
pacientes com fluxo limitado, a extensão da hiperinsuflação culpa, raiva, frustração, dependência física e emocional.
dinâmica depende do nível predominante de ventilação. Por- Atenção especial deve ser dada ao diagnóstico e tratamen-
tanto, intervenções como oxigenoterapia e reabilitação com to de ansiedade e depressão, pois são os sintomas mais
exercícios, as quais reduzem a demanda ventilatória, tam- frequentemente encontrados em pacientes com doenças
bém podem reduzir a taxa de ar aprisionado e a hiperinsu- pulmonares, estando também associados a aumento da mor-
flação dinâmica. Recentemente, foi demonstrado que depois talidade, decréscimo nos índioes de qualidade de vida e piora
do treinamento com exercício há um marcado aumento na da capacidade funcional.
resistência associado à redução na hiperinsuflação dinâmi- A prevalência de sintomas é alta nos pacientes com
ca na maioria dos pacientes. Técnicas de respiração, como a DPOC. A ansiedade nos pacientes com doença pulmonar
frenolabial, também auxiliam a desinsuflar os pulmões tanto crõnica geralrnente surge como consequência da doença, es-
em repouso como no exercício. Além disso, a pressão positi- tando associada à manifestação física, sobretudo relacionada
va continua na via aérea (CPAP) e o suporte pressórico não com a intensa dispneia, que é a queixa mais comum dos pa-
invasivo podem neutralizar os efeitos negativos da hiperinsu- cientes. Na maior parte das vezes, a ansiedade enquadra-se
flação nos músculos inspiratórios. nos critérios diagnósticos para os transtornos de ansiedade
A ventilação não invasiva (VNI) com pressão positiva devido a uma condição médica geral.
tem sido utilizada como um awa1io para treinos com exercí- A dispneia corresponde à sensação experimentada pelo
cio em pacientes com DPOC nos programas de reabilitação. paciente quando o ato de respirar passa à esfera da cons-
Nesse contexto, a VNl tem mostrado aumento da ventila- ciência como um esforço desagradável. Nesse momento,
ção-minuto apesar da redução do esforço ventilatório, re- percebem-se sentimentos de desagrado ou distrição, mol-
duzindo a carga dos músculos inspiratórios e prolongando a dados por fatores cognitivos e contextuais. Essa experiência
lactacemia induzida pelo exercício. Então, reduz a dispneia de falta de ar é extremamente angustiante para o paciente
aos esforços e melhora a tolerância ao exercício. e pode ser acompanhada por pânico ou ansiedade, pois o
Em casos muito selecionados, a inalação de heliox (mis- medo de morrer sufocado está sempre presente. Em função
tura gasosa menos densa do que o ar ambiente composta por do temor da dispneia, os pacientes evitam fazer esforços.
hélio e oxigênio) pode reduzir a demanda respiratória e pro- Com isso, desistem de realizar muitas atividades por medo
porcionar melhor aproveitamento dos exercícios. de começarem a sentir falta de ar, acentuando-se seu des-
Não existem evidências que sustentem o treinamento condicionamento físico e estabelecendo-se um circulo vicio-
da musculatura inspiratória como um componente essen- so de agravamento constante da dispneia.
cial da RP. Um programa de RP abrangente provoca alterações
positivas no âmbito psicossocial do paciente e de sua fa-
mflia. Isso fica evidente ao se constatar que a melhora da
Treinamento de técnicas de conservação de qualidade de vida estende-se para além dos 18 meses após
energia e equilibrio a conclusão do programa, quando não é mais esperada a
A modificação das rotinas da vida diária- para que o pa- manutenção do condicionamento físico em um indivíduo se-
ciente faça mais atividades com menos gasto energético e dentário. No entanto, não há sustentação para considerar as
intervenções psicossociais como componente isolado de um Além da educação informal realizada durante as inter-
programa de RP. venções da equipe multiprofissional, devem ser realizados
Manifestações depressivas estão presentes em 27 a encontros formais em grupo para aulas ou palestras versan-
79% dos pacientes com DPOC, embora, em alguns casos, do sobre: 1) importância da adesão ao tratamento, 2) mane-
esses níveis não cheguem a se tomar um sintoma psico- jo da doença, 3) manejo do estresse, 4) anatomia e fisiologia
lógico significativo. A depressão, na maioria das vezes, do aparelho respiratório, 5) efeitos adversos e técnicas de
também é percebida como secundária à doença, poden- administração dos fármacos, 6) técnicas de relaxamento e
do ser compreendida como a resposta psicológica do pa- poupadoras de energia, 7) nutrição, 8) indicações, beneficios
ciente quando começa a confrontar-se com as significa- e uso otimizado da oxigenoterapia, 9) controle ambiental,
tivas limitações que apresenta para realizar as atividades 10) sexualidade, 11) abandono do tabagismo e 12) beneficios
da vida diária c o esforço exigido para se adaptar a essas do exercício físico.
condições. Nesse processo de ajustamento, percebe-se a
ocorrência frequente de sintomas de tristeza. Queixas e
lamentações também são percebidas, sendo importantes Aconselhamento nutricional
porque auxiliarão o paciente no processo de "cicatriza- Hábitos dietéticos inadequados podem contribuir para a
ção" emocional. Alguns pacientes apresentam um impacto progressão da doença, principalmente devido à carência de
significativo na qualidade de vida, incluindo dificuldades vitaminas antioxidantes e desequillbrios na ingestão protei-
profissionais, recreativas, de cuidados pessoais, nos rela- co-calórica. Os pacientes com DPOC e predomínio de bron-
cionamentos interpcssoais c afetivo/sexual. I ntervenções quite crônica tendem a ser obesos, enquanto os portadores
q ue reduzam as manifestações depressivas têm potencial de enfiSema pulmonar mais frequentemente estão abaixo do
de melhorar o resultado do tratamento do paciente. Em peso ideal.
DPOC, a depressão tem sido associada a baixo índice de O IMC pode ser utilizado para classificar estados de
sobrevivência, mais dias de hospitalização, persistência no baixo peso, peso normal, sobrcpcso ou obesidade. Na
2
fumo, aumento do impacto do sintoma. DPOC. um IMC inferior a 21 kg/m é considerado como
O suporte psicológico deve contemplar vários aspectos baixo peso, mas em pacientes muito idosos esse limite é
da vida do paciente, incluindo dificuldades sociais, matri- de 25 kg!m2• Dados recentes têm sugerido que o índice de
moniais, laborais e de saúde. Podem-se empregar técnicas massa livre de gordura {IMLG) fornece informações além
de terapia cognitivo-comportamental e de logoterapia. A das fornecidas pelo IMC. Isso pode ser atribuído ao fato
manutenção do controle da ansiedade é realizada por meio de que a perda de massa muscular esquelética é a principal
de técnicas cognitivo-comportamentais. Por exemplo, ao causa de emagrecimento na DPOC. sendo que a perda de
enfrentar uma situação desencadeadora de dispneia, o pa- massa gorda contribui em menor grau, conduzindo à teoria
ciente é ensinado a aplicar a seguinte sequêocia de ações: 1) de que o IMLG reflete melhor a perda de massa muscular
"pare", 2) "acalme-se", 3) "respire", 4) "perceba a redução do que o IMC. A depleção de massa magra é diagnosticada
2
da ansiedade" e 5) "assuma o controle da situação". Com a nos níveis de menos de 16 kg/m {homens) e menos de 15
logoterapia, também conhecida como a "terapia do sentido kg!m2 (mulheres).
da vida", o paciente é instado a reavaliar sua qualidade de A bioimpedância elétrica {BIA) é um método de alta
vida, buscando alternativas para lidar com as situações de precisão e custo relativamente baixo na avaliação da com-
sofrimento ocasionadas pela doença. posição corporal de indivíduos com enfermidades crônicas,
sendo preferível em pacientes idosos portadores de DPOC.
Outros exemplos de métodos para avaliação nutricio-
Educação nal são a dual-energy X-ray absorptiometry (DEXA), capaz
A educação do paciente e de seus familiares deve ser consi- de avaliar a massa magra, a massa gorda e a massa mineral
derada como um dos principais componentes de um progra- óssea, e a bioimpedáncia elétrica, que analisa a composição
ma de RP. Assim sendo, a intervenção educativa tem como corporal e a massa gorda.
objetivo fornecer conhecimento ao paciente para que ele Não há indicação para uso rotineiro de esteroides anabo-
seja capaz de desenvolver a habilidade do automanejar. Des- lizantes ou acetato de megestrol para recuperação de caque-
sa forma, com o melhor conhecimento da doença, o uso das xia em portadores de D POC.
medicações, a importância do exercício físico, os aspectos
nutricionais e emocionais, espera-se uma mudança de com-
portamento capaz de proporcionar uma melhor condição de
saúde.
Peculiaridades da reabilitação pulmonar
Segundo Bourbeau e colaboradores, 5 a intervenção edu- na preparação para transplante
cacional, embora não de maneira isolada, tem auxiliado na
redução pela procura dos serviços de saúde, reduzindo as
pulmonar
hospitalizações em 57,1 %, as visitas às emergências em 41% A maioria dos programas de reabilitação para candidatos
e as consultas extras em 58,9%, melhorando a qualidade de a transplante pulmonar adere às recomendações gerais da
vida dos pacientes portadores de DPOC. reabilitação pulmonar, com frequência semanal equivalen-
te, período de no mínimo seis semanas, incluindo exercícios
aeróbicos e de fortalecimento muscular de membros supe-
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co deve basear-se em sintomas ou em testes cardiopulmona- R, et al. Rcduction of hospital utiliution in paticnts with chronic
res realizados previamente. Os parâmetros para interrupção obstructivc pulmonary disease: a disease-specific sclf-managcmcnt
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Sp02 abaixo de &5% e deterioração da coordenação motora
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rehabiütation. Clin O.cst Med. 2007;28(3):629-38.
de transplantes geralmente são em número muito inferior
quando comparadas com as da equipe de RP. Dessa manei- British Thoracic Society Standards of Carc Subcommittcc on
ra, a interação entre essas duas equipes proporciona a opor- Pulmonary Rchabilitation. Pulmonary rchabilitaúon. Thorax.
tunidade de troca de informações clfnicas importantes para 2001;56(11):827-34.
o processo de transplante. Casaburi R, ZuWallack R. Pulmonary rehabilitation Cor mana-
No período pós-operatório precoce, as ações da RP gcmcnt of chronic obstructive putmonary diseasc. N Engl J Med.
concentram-se em um programa de atividade que propor- 2009;360(13):1329-35.
cione dcambulação precoce e fortalecimento da muscula- Coventry PA, Ocllatly JL. lmproving outeomes for COPO paticnts
tura de membros com o uso de excrclcios resistivos. Ultra- with mild-to-modcratc anxicty and deprcssion: a systcmatic revicw
passada a fase hospitalar inicial, o programa de RP volta a o f eognitivc bchavioural therapy. Br J Hcalth Psychol. 2008; 13(Pt
assemelhar-se ao dos não candidatos a transplante, no qual 3):381-400.
o paciente permanecerá até a restauração máxima da força
Emcry CF, Orcen MR, Sub S. Ncuropsychiatric function in chro-
e da resistência musculoesquelética e cardiovascular.
nic lung discase: the role of pulmonary rchabilitation. Rcspir Carc.
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Fletehcr C, Pcto R. Thc natural bistory of cbronic airOow obstruc-
úon. BMJ. 1977;1(6077):1645-48.
QUADRO 83.4 ~ Papel da reabilitação pulmonar no transplante Godoy DV de, Godoy RF de. A randomizcd controUcd trial of lhe
pulmonar effeet o f psyehothcrapy on anxicty and deprcssion in chronic obstruc-
tivc pulmonary disease. Arch Phys Mcd Rehabil. 2003;84(8):1154-7.
Pr~-operatório
Hansel TI, Barnes PJ. An atlas of chronic obstruetivc pulmonary
- Otimização e manutenção do estado funcional do paciente
discasc. Ncw York: Parthcnon; 2004.
- Monitoração da evolução da doença
- Suporte psicológico Jobnson JL, Campbell AC, Dowcrs M, Nichols AM. Understan-
Pós-operatório ding thc social conscqucnces of chronic obstructive pulmonary
- Melhora da adesão ao protocolo de procedimentos profiláticos e diseasc: tbe effccts of stigma and gender. Proc Am Tborac Soe.
terapêuticos 2007;4(8):680-2
- Redução de morbidade
- Redução de tempo de internação hospitalar Lacasse Y, Goldstcin R, Lasscrson TJ, MartinS. Pulmonary rehabi·
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Luciano Müller Corrêa da Silva
84
Luiz Carlos Corrêa da Silva

Introdução Gerenciamento integrado


À medida que aumenta a quantidade e melhora a qualidade (integrated care)
dos recursos disponibilizados para promoção da saúde, pre-
Nesta modalidade, são realizadas intervenções cujos serviços
venção de doenças, estudos diagnósticos e intervenções tera-
são coordenados para atender um determinado sistema, ou
pêuticas, a expectativa de vida t.ambém aumenta e os doen-
grupo de individues, em vez de estar focado em pacientes
tes crônicos desejam melhor qualidade de vida. Para isso,
individuais.
torna-se necessária e indispensável a assistência integrada de
especialistas de diferentes setores. Uma das questões a se-
rem resolvidas é "quem deve organizar este atendimento?".
Há três formas de se organizar as estratégias assisten- Gerenciamento baseado no paciente
ciais: gerenciamento centrado no paciente/cliente, gerencia-
mento integrado e gerenciamento baseado no paciente.
(consumer directed care)
Consiste em intervenções nas quais são os consumidores
que, explicitamente, escolhem ou controlam a busca e o con·
sumo dos serviços de saúde.
Gerenciamento centrado no paciente/ O gerenciamento centrado no paciente é a abordagem
cliente (case management) que apresenta, individualmente, os melhores resultados.
Idealmente, todas as três abordagens podem e devem estar
É um processo colaborativo de avaliação, planejamento, incorporadas no processo de assistência . Não resolve um
facilitação e recomendação de opções e serviços que satis- sistema ter bons gerenciadores individuais se, por exemplo,
façam as necessidades de saúde de um individuo median· não houver recursos c integração adequada entre os diferen-
te comunicação e recursos disponíveis, a fim de promover tes profissionais e setores. Além disso, sempre deve haver
resultados custo-efetivos e qualitativos em variados des- algum grau de liberdade para o paciente escolher o tipo de
fechos.' O conceito básico envolve uma coordenação tem- assistência ou o profiSSional envolvido em seus cuidados,
poral adequada de serviços de qualidade para satisfazer as limitando-se, obviamente, atitudes que gerem custo sem re-
necessidades específicas do paciente de forma custo-efetiva sultados concretos para a melhoria da saúde.
promovendo desfechos positivos. O gerenciador serve como A filosofia do gerenciamento centrado no paciente é ba·
um importante facilitador entre o paciente, familiares ou seada no fato de que, quando um individuo atinge um ótimo
cuidadores, a equipe de saúde, o sistema de saúde ou fonte nível de bem-estar e capacidade funcional, todos se bene-
pagadora e a comunidade. ficiam: os próprios pacientes, os profissionais de saúde, as
operadoras de saúde ou outras agências financiadoras. Tudo
isso por meio de uma ampla rede de comunicação que per-
Modelo de assistência no gerenciamento
mita ao gerenciador facilitar o acesso e aumentar a rapidez centrado no paciente
de resolução de todos os problemas avaliados. Thdos os sis-
temas e profissionais da saúde deveriam estar comprome- Os conceitos e habilidades envolvidos nesse modelo de assis-
tidos com essa filosofia, tanto em termos coletivos quanto tência são os seguintes:
individuais.
O gerenciamento centrado no paciente é, por definição, o Estabelecimento de uma relação médico/profissional po-
multidisciplinar. As principais funções são avaliar, planejar, sitiva e construtiva centrada no cliente/paciente.
o Comunicação verbal/escrita efetiva.
facilitar e recomendar intervenções por meio da colaboração
o Capacidade de negociação.
com o paciente e outros profissionais de saúde envolvidos no
atendimento. o Conhecimento do tipo de contrato de atendimento e res-

Um gerenciador pode ser um médico, enfermeiro, as- peito a ele.


o Reconhecimento da importância do consentimento in-
sistente social, nutricionista, fisioterapeuta, fonoaudiólo-
go ou qualquer outro profissional da saúde treinado nes- formado.
o Confideocialidade e privacidade do cliente.
se sentido. Obviamente, em nosso meio, com exceção do
médico, todos os outros apresentam atribuições e funções • Atenção aos aspectos culturais e cognitivos do cliente.
mais limitadas no que tange a processos diagnósticos e te- • Capacidade de avaliação de situações de risco e opor·
rapêuticos. Mas nem por isso devem deixar de colaborar !unidades para a implementação de um cuidado estru-
nesse sentido. A FIGURA 84.1 apresenta uma visão global dos turado.
princípios dessa abordagem. Nota-se que "cliente", nessa o Capacidade de efetuar mudanças e acompanhamento da

abordagem, pode ser um paciente ou qualquer outro con- evolução delas.


o Análise e pensamento crítico.
sumidor de serviços de saúde (p. ex., operários de uma em-
o Capacidade de planejamento e organização.
presa em avaliação ocupacional, usuários de um plano de
o Promoção da autonomia e autodeterminação do cliente.
saúde, etc.).
o Conhecimento adequado das fontes de financiamento,
Um grande desafio da nossa realidade é o fato de que as
fontes pagadoras dos sistemas de saúde (público ou privado) dos serviços de saúde disponíveis, dos tipos de profis-
não seguem um modelo de gerenciamento com adequado sionais necessários para a implementação dos cuidados
custo-beneficio. Não fazem diferenciação entre o profissio- interdisciplinares.
o Capacidade mínima de avaliação das questões compor-
nal que siga, ou não, uma assistência que gere mais qualida-
de .com menores custos. Felizmente, tem havido, nos dias de Lamentais no sentido de aumentar a adesão ao tratamen-
hoJe, uma gradual mudança de cultura em nosso meio, de to estabelecido.
modo que se pode esperar, para breve, uma alteração nesse o Conhecimento de protocolos adequados e dos desfechos

panorama. necessários que gerem um atendimento com relação cus-


to-benefício adequada.

O modelo aplicado depende de quatro fatores:

o Contexto do serviço de saúde (prevenção, tratamento de


O continuum problemas agudos ou crônicos, reabilitação).
o Condições de saúde e necessidade da população atendi-
da (pacientes e cuidadores).
o O tipo de órgão pagador {público ou privado).
o O tipo de gerenciador envolvido: médico, enfermeiro,
assistente social, fiSioterapeuta, etc.

Um dos fatores mais importantes no sucesso terapêuti-


co é o seguimento do tratamento. Termos comuns na litera-
tura utilizados para definir esse processo são concordância
(compliance), adesão (adherence) e persistência (persistence).
Concordãncia implica uma visão paternalista e passiva, em
que o paciente simplesmente aceita e segue o tratamento
de forma inquestionável e sem, necessariamente, possuir
conhecimento sobre indicações ou efeitos. Adesão também
significa seguir de forma correta com o tratamento, mas é o
resultado de uma decisão colaborativa entre o profissional
de saúde e o paciente. Implica um consenso mútuo sobre as
FIGURA 14.1 -+ O continwm dos cuidados em saúde. melhores opções terapêuticas disponíveis. É o resultado de
Fonte: Adaptada de Case Management So<iety od America.' um "contrato terapêutico". Segundo a Organização Mundial
da Saúde (OMS), adesão "é o grau no qual o comportamen- mento. A prescrição de uma medicação com uma reconsulta
to de uma pessoa em usar medicações, seguir uma dieta e/ a ser remarcada após semanas ou meses constitui um dos
ou mudanças no seu estilo de vida corresponde às recomen- principais fatores de má adesão. Nessa fase inicial, é muito
dações consentidas com um profissional da saúde".2 Já per- importante que o profissional esteja atento às dificuldades
sistência é a capacidade do paciente em seguir com as re- de administração, efeitos adversos, temores do paciente e di-
comendações discutidas por um tempo relativamente longo. ficuldade de acesso às medicações. Um pronto e disponível
Na maioria dos levantamentos sobre adesão, constata- canal de comunicação nessa etapa é fundamental.
-se que 50% ou menos dos pacientes seguem o tratamento A falta de adesão tem um custo enorme. Em levanta-
prescrito. Muitas vezes, isso ocorre porque a abordagem de mentos realizados nos Estados Unidos, o custo anual esti-
uma série de itens é com frequência negligenciada. No QUA· mado da falta de adesão ao sistema de saúde americano é da
ORO 84.1, há urna lista de vários fatores associados à falta de ordem deUS$ 100 bilhões.6 Estima-se que a falta de adesão
adesão do paciente?·•-' A importância e o impacto de cada é a quarta maior causa de mortalidade nos Estado Unidos.5
um deles e a lista de intervenções necessária para contorná- Em toda intervenção, deve-se levar em conta o conhe-
-los deve ser prioridade em qualquer processo terapêutico. cimento, a motivação e as habilidades do paciente em qual-
Provavelmente, o principal problema no quesito adesão quer proposta terapêutica. A desconsideração desse tripé
é a falta de uma adequada supervisão logo no início do trata- tem como inexorável consequência a falta de adesão e per-
sistência no tratamento. Tanto a abordagem individual como
a multidisciplinar devem considerar esses três fatores como
primordiais no processo terapêutico.
QUADRO 84.1 ~ Causas comuns de falta de adesão
A Case Management Society of America publicou, re-
centemente, uma diretriz baseada nas recomendações da
Fatores relacionados com a medicação
- Número de doses diárias
OMS que orienta medidas para avaliação e melhora da ade-
- Número de medicações concomitantes são terapêutica.7 A FIGURA 84.2 demonstra o algoritmo pro-
- Efeitos adversos reais ou •percebidos· posto. O modelo consiste em quatro quadrantes distintos,
- Tratamento a longo prazo, especialmente preventivo, ou em baseados no grau de conhecimento e motivação do paciente.
pacientes assintomáticos A meta é sempre manter o paciente no quadrante IV (co-
nhecimento alto/motivação alta), com o objetivo de garantir
Fatores relacionados com o paciente alta adesão terapêutica. É necessário reconhecer que um
- Doença mental mesmo paciente pode migrar de um quadrante para outro,
- Dependência química (incluindo tabagismo)
sendo primordial uma reavaliação constante.
- Falta de condições financeiras para a compra da medicação
- Falta de apoio social
Para avaliar o conhecimento e a motivação, o profissio-
- Ambiente doméstico instável nal da saúde pode tanto utilizar uma entrevista aberta quan-
- Problemas relacionados com tempo (p. ex., trabalho) to instrumentos padronizados. Embora carentes de estudos
- Incapacidade física ou problemas de mobilidade mais abrangentes de validação, podem ser usados como
- Baixo nivel cultural e dificuldade de compreensão complementares. Um deles é a escala de Morisky,8 composta
- Negação ou desconhecimento da doença de quatro perguntas com respostas do tipo sim ou não. Se o
- Falta de percepção das manifestações da doença ou de suas paciente responder "sim" a apenas uma delas, pode-se infe.-
complicações rir que há possibilidade de falta de adesão.
- Pouca ou nenhuma percepção dos efeitos do tratamento
As perguntas são as seguintes: " Você às vezes tem pro-
- Crença de que não seja importante seguir o tratamento prescrito
blemas em se lembrar de tomar a sua medicação?", "Você
- Falta de confiança na capacidade de seguir corretamente o
tratamento
às vezes se descuida de tomar seu medicamento?", "Quan-
- Atitudes ou expectativas negativas com relação ao tratamento do está se sentindo melhor, você às vezes para de tomar seu
- Alteração comportamental significativa necessária para a medicamento?", "Às vezes, se você se sente pior ao tomar a
realização do tratamento medicação, você para de tomá-la?".
Outros métodos ao alcance clínico são contagem do núme-
Fatores relacionados com o profissional de saúde ro de doses do inalador e/ou comprimidos/cápsulas, a avalia-
- Relação médico-paciente ruim ção da técnica de uso dos inaladores e a avaliação do conhe-
- Falta de habilidade de comunicação e de negociação com o
cimento que o paciente apresenta sobre a medicação. O grau
paciente
de alfabetização, o conhecimento sobre aspectos básicos da
- Disparidade das crenças em saúde entre o terapeuta e o paciente
- Falta de reforço positivo ao paciente por parte do terapeuta doença, o apoio social/familiar e a disposição para alteração
comportamental são fundamentais na avaliação da adesão.
Fatores relacionados com o sistema de saúde A disposição para alteração comportamental pode ser
- Falta de cobertura ou de um plano de saúde adequado avaliada localizando o paciente em um dos estágios compor-
- Custo alto das medicações tamentais (pré-contemplação, contemplação, preparação,
- Problemas de acesso e comunicação com os profissionais de saúde ação, manutenção). Em primeiro lugar, é fundamental que
inerentes ao fu ncionamento do sistema o profissional de saúde motive e não desestimule o pacien-
- Falta de acesso a uma rede farmacêutica adequada
te com uma atitude arbitrária ou acusadora. Para pacientes
Fonte: Adaptado de World Heahh Organization.' Miller e colaboradores' e Oster· pré-contempladores, ou contempladores, a utilização de téc-
berg e Balzchke.' nicas de entrevista motivacional é mais efetiva.
111 11
Alfabetização
Conhecimento
alto ou baixo
CaMb CbMa
Conhecimento

IA± IA±

Disposição para
alteração IV
comportamental
Motivação
alta ou baixa
Apoio familiar e CaMa CbMb
social

E/OU

·USO de questionários
-Contagem de doses
·Avaliação da técnica
de uso dos inaladores
_j IA1' IA-J..

Intenção de adesão

Avaliação Planejamento e
facilitação
CbMb = conhecimento baixO/motjvação baixa
CbMa • conhecimento baixo/motivação alta
CaMb = conhecimento alto/motivação baixa FIGURA 84.2 ~ Proposta de algoritmo para
CaMa = conhe-cimento alto/motivação alta avaliação e melhora da adesão.
Fonte: Adaptada de Case Management Socie-
IA :;;:; intenção de adesão ty of America.'

Uma entrevista motivacional é um método de com uni· rece impossível abordar outras questões. No entanto, com
cação centrado no paciente, com o objetivo de aumentar a uma abordagem sistematizada, é possível, em uma consulta
automotivação interna para alterar um comportamento. A de até 30 minutos, tratar de múltiplas questões relacionadas
técnica é diretiva por natureza e delineada para facilitar a com a própria pneumopatia e os principais problemas que
análise e a resolução das razões que envolvem a ambivalên- podem influenciar a saúde do paciente, utilizando-se os prin-
cia e a resistência para mudar.9 Os cinco princípios da en- cípios comentados antes. Obviamente, na maioria das vezes,
trevista motivacional são lidar com a resistência, expressar é necessária mais de uma visita para a implementação de um
empatia, evitar argumentação, desenvolver discrepância cuidado adequado.
e dissonância, e apoiar a autoeficácia. É uma metodologia Os itens fundamentais no processo de assistência são es-
que todo profissional na área da saúde deve estar preparado tes:
para aplicar, pois cria no paciente a necessidade de mudança
por meio de uma decisão fundamentada em suas reais ne- • Estabelecimento de adequada relação médico-paciente.
cessidades. • Avaliação diagnóstica adequada.
• Avaliação do impacto da doença na qualidade de vida
do paciente.
• Identificação de limitações cognitivas, culturais, finan-
Aplicação do modelo de gerenciamento ceiras e alterações comportamentais que possam interfe-
centrado no paciente na rotina do rir signíficativamente na adesão ao tratamento.
• Avaliação do estágio de mudança comportamental do
pneumologista paciente.
Após a identificação de um diagnóstico específico relacio- • Identificação de fatores que interfiram na adesão ao tra-
nado com as queixas do paciente, o pneumologista pode tamento e estabelecimento de abordagens que os mini·
limitar-se somente à prescrição medicamentosa e às reco- mizem.
mendações gerais do problema que aparentemente gerou • Direcionamento motivacional para os aspectos mais im-
o atendimento. Devido ao limitado tempo da consulta, pa- portantes do tratamento.
• Estabelecimento de um plano claro e por escrito sobre • Riscos: questionar o paciente sobre as consequências
cada passo a ser tomado no processo de diagnóstico e negativas de fumar.
tratamento, utilizando figuras ou ilustrações, se neces- • Recompensa: determinar as vantagens que o paciente
sário. percebe em fumar e em não fumar.
• Encaminhamento correto e coordenado aos diferentes • Restrições: identificar as barreiras que impedem o
profiSSionais. paciente de parar de fumar, ou de iniciar um trata-
• Reavaliação periódica dos resultados terapêuticos e mento para parar de fumar. Identificar se o cônjuge
adaptação das intervenções que garantam a continuida- ou os familiares fumam.
de do tratamento a longo prazo. • Repetição: em todas as visitas subsequentes, motivar
o paciente sobre a oessação, mas sem fazer acusações
ou gerar medo. Deve-se usar um método motivacio-
nal. O paciente deve ser conscientizado de que parar
Exemplo de gerenciamento baseado de fumar não é necessariamente conseguido na pri-
no paciente aplicado a pacientes com meira tentativa.
• Avaliação das exacerbações: pesquisar se houve atendi-
doença pulmonar obstrutiva crônica mentos em emergências e hospitalizações, uso prévio de
A seguir, é fornecido um exemplo de uma abordagem oti- antibióticos, impacto na vida do paciente durante e após
mizada c sistematizada para diagnóstico de tratamento de cada exacerbação.
pacientes com doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) • Realização de cspirometria e demais procedimentos:
utilizando o método do gerenciamento baseado no paciente. todo pneumologista deve incluir espirometria e oxime-
A presente discussão não esgota aquilo que possa ser avalia- tria na consulta como se fosse parte do exame ffsico. Para
do e tratado, mas serve como um guia sobre itens fundamen- ganhar tempo, após a primeira abordagem, realiza-se o
tais para a obtenção de resultados custo-efetivos. teste pré-broncodilatador. Na administração do bronco-
A primeira atitude é certifica.r-se de que o paciente não dilatador, já se pode utilizar e testar o inalador que se
se encontra em exacerbação aguda da doença. Se for o caso, pretende prescrever, otimizando dessa forma o tempo da
deve-se determinar a possibilidade de tratamento ambula- consulta. Enquanto se aguardam os 10 minutos do teste
torial ou hospitalização. Se for possível realizar tratamento do broncodilatador, realiza-se exame fisico pertinente e
ambulatorial, pode-se seguir esta avaliação: abordam-se outras questões de relevância para a doença,
como presença de doença cardiovascular, sintomas de
• Queixa principal do paciente: costuma ser dispneia. depressão, motivação para iniciar um tratamento e co-
Deve•se graduar a dispneia, preferencialmente usando nhecimento sobre a doença, bem como questionamento
uma escala padronizada {MRCmodificado). O paciente sobre outros itens que preocupam o paciente. Após o
é questionado quanto aos seguintes itens: tempo de espera do efeito do broncodilatador, demons-
• Que atividades você deixa de fazer por causa da disp- tram-se ao paciente os resultados da espirometria. Se
neia? houver evidência de obstrução, pode ser reforçada a ne-
• Que atividades você faz com dificuldade por causa da cessidade de cessação do tabagismo, sempre utilizando a
dispneia? abordagem motivacional.
• Que atitudes ou ações você faz para tentar aliviar a • 1hltamento: é importante que o paciente seja estimulado
dispneia? a monitorar as manifestações que indiquem o início de
• Como a dispneia limita a sua vida? uma exacerbação. Thsse, alteração do caráter da cxpec-
toração (mucoide para purulenta, aumento da viscosida-
Deve-se abordar, igualmente, a intensidade, a frequência de), intensidade da dispneia para realizar as atividades
e o caráter da tosse c cxpectoração, utilizando as mesmas habituais, aperto no peito, sibilância, febre. Sintomas
perguntas anteriores para avaliar o impacto da doença. gerais como fadiga, insônia, depressão, episódios de con-
fusão mental, redução da tolerância ao exercício devem
• Avaliação de atividades o u exposições, além do tabaco, ser alertados ao paciente e familiares, principalmente em
que determinam potencial agravamento da doença. pacientes mais graves ou idosos. Um plano por escrito
• Avaliação do tabagismo: deve-se questionar o indivíduo deve ser fornecido sempre, indicando as manifestações
sobre tempo e consumo diário. Se o paciente parou de que caracterizam uma exacerbação, as medidas a serem
fumar há mais de um ano, pode ser considerado ex- tomadas e uma clara identificação do médico com seus
-fumante. Nesse caso, o tabagismo passivo deve ser ava- telefones para contato.
liado. Se parou há menos de um ano, é preciso avaliar
se existe risco de recidiva ou lapso. Se o paciente fuma, O contato e o encaminhamento para outros profissionais
aplicar os cinco R, utilizando a entrevista motivacional: devem ser sempre direcionados para as necessidades do pa-
• Relevância: avaliar o grau de motivação para parar ciente, devendo ser negociados. Considerando os objetivos
de fumar. Conscientizar o paciente de que parar de do tratamento da DPOC, é fundamental que todo paciente
fumar é a intervenção de maior impacto no tratamen- faça algum tipo de atividade fisica, preferencialmente orien-
todaDPOC. tada por um profissional de fiSioterapia.
O ensinamento de técnicas de conservação de energia, mais especializados, devendo adaptar os recursos de que dis-
a adaptação do domicílio às necessidades e às dificuldades põe e utilizá-los com a máxima eficiência. Em última instân-
IIsicas do paciente, a drenagem de secreções respiratórias, o cia e sempre que julgar necessário, haverá encaminhamento
treinamento muscular e cardiopulmonar, o auxílio na adap- para um centro de referência.
tação à ventilação não invasiva são funções que um fisiote- Nessa abordagem, o atendimento multidisciplinar é en-
rapeuta treinado pode muito bem exercer sob a supervisão focado com a suposição de que o médico c o paciente pode-
do pncumologista. Não é necessário, para isso, estar em um rão contar com esse tipo de aporte, direta ou indiretamente,
ambiente acadêmico ou em um centro de referência. Fa- seja por meio da rede pública, seja por intermédio de um
lando em termos práticos, o fisioterapeuta é o profissional plano de saúde privado, o que costuma facilitar a assistência,
mais importante no dia a dia de um pneumologista que trata ou mesmo às expensas do próprio paciente.
pacientes com DPOC. Todo pneumologista deve estar asso-
ciado a um grupo de fisioterapia e estabelecer uma ampla
comunicação com ele, não somente no sentido de tratar, mas
também de monitorar um paciente.
Outro profissional que pode ser acionado é o fonoau-
diólogo, para tratamento e acompanhamento de pacientes
com disfagia. Sobretudo em pacientes mais graves, é relati-
vamente comum a incoordenação pneumofonoarticulatória
com dificuldades de deglutição. O questionamento sobre
esse aspecto da vida do paciente é importante, pois a disfagia
orofar(ngea pode resultar em aspiração e consequente piora
dos sintomas.
Psiquiatra ou psicólogo também auxiliam no que se re-
fere ao encaminhamento de questões relacionadas, princi-
palmente, com transtorno depressivo, muito comum nesse
grupo de pacientes.
O nutricionista igualmente auxilia no sentido de for-
necer ao paciente uma suplementação calórico-proteica A consultoria técnica multidisciplinar pode ser feita di-
adequada às suas necessidades alimentares. Todo esse retamente entre os médicos, por meio de questões objetivas
atendimento pode e deve ser integrado e centralizado pelo sobre a situação de determinado paciente, mesmo que este
pneumologista. não esteja envolvido de forma direta nesta interação. No Pa-
vilhão Pereira Filho, como rotina praticada há cinco déca-
das, os pneumologistas discutem seus casos com radiologis-
tas e cirurgiões torácicos nas reuniões semanais do Serviço,
Ocontexto da abordagem ou nos consultórios e até mesmo nos corredores do hospital.
multidisciplinar E as vantagens têm sido imensas para todos, muito particu-
larmente para os pacientes.
Nas últimas décadas, houve grande diversificação de recur-
É uma prática habitual, nas últimas décadas, a de o médi-
sos e intervenções, criando-se centros de referência e clíni-
co fazer um contato com um colega sobre uma determinada
cas específicas de modo que, com frcquência, até dentro de
situação clínica e rapidamente encaminhar-se uma solução
uma mesma especialidade, surgiram subespecialidades.
para o caso do seu paciente. Não apenas no ambiente uni-
Muitos pneumologistas passaram a se dedicar apenas ou
versitário, mas em qualquer circunstância de trabalho isso se
preferencialmente a um setor da pneumologia, como endos-
copia, função pulmonar, reabilitação pulmonar, intensivis- faz cada vez mais necessário. Todos ganham!
mo, pré-operatório, sono, ou mesmo a uma só doença, como
é o caso da hipertensão arterial pulmonar, DPOC, asma,
câncer de pulmão, fibrose cística e fibrose pulmonar. Afinal, quem é o meu doutor?
Esses "subespecialistas" são consultores e participam da
assistência de pacientes que, frequentemente, mantêm-se Essa é uma pergunta preocupante, cada vez mais pensada,
vinculados aos seus respectivos pneumologistas de origem, com frequência pouco ou mal expressada, mas que pode
qualificando e auxiliando muito na condução dos casos. atordoar sobretudo os idosos que têm múltiplos problemas
As condições de trabalho do médico são bastante diver- de saúde e são assistidos por diversos especialistas. Em ge-
sificadas, podendo contar com toda uma estrutura favorável ral, o próprio paciente serve como elo entre os vários pro-
para seu exercício profiSSional, com ambulatório, hospital, fissionais, mas isso pode ser particularmente dificil se for
e recursos para diagnóstico e terapêutica especializados, e portador de limitações comuns dessa faixa etária, como difi-
também com o apoio de diversos especialistas. Essas condi- culdade para locomoção, deficiência de memória, restrição
ções existem no hospital-escola, durante o periodo da gra- financeira e, ainda, se não tiver apoio familiar consistente.
duação e da residência médica No entanto, na maioria das As dificuldades serão ai.n da maiores se ocorrerem interações
vezes, o médico não conta com o pronto acesso a recursos de medicações e discordâncias de condutas.
O mais eficaz, embora os órgãos intermediários do sis-
tema de saúde não o incentivem, é que um médico centrali-
Como escolher um profissional para
ze a assislência e sirva como o primeiro contato, como con- coatendimento de pacientes
selheiro, seja aquele que primeiro avalia e, se necessário,
Alguns itens merecem especial consideração para que o tra-
indica qual especialista deverá ser procurado para deter-
balho conjunto dos especialistas de diferentes áreas tenha a
minada situação. Esta é a figura do "médico de família",
máxima eficácia e não haja contratempos:
que precisa ser resgatada sob pena de a assistencia médica
multidisciplinar ser menos eficaz, mais onerosa e plena de
o Formação ético-profissional adequada
retrabalho.
o Bom perfil na relação médico-paciente.
A formação médica, cada vez mais especializada, preci-
o Acessibilidade.
sa ser também direcionada para a formação de profissionais o Mesmo tipo de vínculo no que se refere aos honorários
com visão abrangente e capazes de organizar a assistência
profissionais.
multidisciplinar, particularmente para pacientes idosos, pois o Parceria (bilateral idade).
seu número está em franco crescimento e já ocupa uma im-
o Preferencialmente, trabalho na mesma instituição.
portante fatia no mercado da assistência à saúde. Este será o Uma forma de bem indicar para seu paciente outro pro-
um bom desafio para os próximos anos: que os convênios, fissional é perguntar-se a si mesmo se consultaria com
seguradoras de saúde e cooperativas incentivem e valorizem este colega e se o indicaria para assistir um familiar ou
um modelo assistencial multidisciplinar organizado. O pneu- um amigo.
mologista, pelo caráter dos problemas que trata c enfrenta,
deve estar apto a ser um centralizador de cuidados para seus
pacientes.
Quando o pneumologista pode solicitar
parecer de outro especialista
Organização da assistência Costumeiramente, nas condutas para intervenção dos seus
multidisciplinar pacientes, o pneumologista, mesmo em se tratando de de-
mandas de outra especialidade, desde que tenha experiên-
Para promover a atuação multidisciplinar, existem itens que cia, pode tomar decisões de ordem diagnóstica e terapêutica
são comuns a todas as áreas no que diz respeito aos encami- sem a participação de outros especialistas, desde que se sinta
nhamentos: seguro. No entanto, dada a enorme quantidade de situações
referentes a outras especialidades e ao pouco tempo que
o Thr sempre à disposição nomes de profissionais com os o pneumologista tem para informar-se dos outros setores,
respectivos contatos. costuma recorrer à consultoria de outros profissionais, con-
o Previamente ao encaminhamento, saber da disponibili- forme circunstâncias e oportunidades. A seguir, citam-se si-
dade e do interesse do colega para esta parceria. tuações comuns:
o Enviar pelo próprio paciente ou diretamente (p. ex., in-
ternet) dados do paciente e os pontos que deseja esclare- o Quando um sintoma respiratório pode ser causado ou
cer com o colega. Se houver exames de imagem, instruir piorado por medicação de outro setor, como nos seguin-
o paciente a levá-los consigo quando da consulta com o tes exemplos:
especialista indicado. a) Paciente com tosse crônica em uso de inibidor da enzi-
o Instruir o paciente a trazer consigo sempre uma relação ma converso.ra da angiotensina, oomo enalapril.
escrita de todos os medicamentos em uso, preferencial- b) Paciente com asma em uso de betabloqueador.
mente a própria prescrição médica. Se houver relatórios
(nota de alta, documento de setor de emergência, ou Nestas situações, sugere-se ao clinico ou cardiologista ou
outro), juntar com seus exames e prescrições. Deve-se oftalmologista a suspensão ou substituição do medicamen-
constituir um prontuário simples com todos esses docu- to. Se necessário, o próprio pneumologista pode fazer essa
mentos. intervenção, sempre com o conhecimento do outro profis-
o Orientar o paciente para que sempre tenha em mãos, sional.
por ocasião de uma consulta médica, as prescrições em
uso, particularmente a mais recente. o É comum que o paciente com DPOC tenha outras co-
o Solicitar ao paciente que, logo após a avaliação com co- morbidades, o que costuma exigir a atenção de diversos
lega de outra área, volte a entrar em contato para conhe- especialistas, pa.r ticularmente quando das exacerbações.
cimento de conduta Não é recomendável que o pneumologista que disponha
o Deixar bem claro ao paciente qual o objetivo do encami- de uma rede de colegas de outras áreas assista seu pa-
nhamento ao especialista indicado e de que hã interesse ciente apenas individualmente. É impossível acompa-
em ter um retomo a respeito da conduta por ele reco- nhar os avanços que vêm ocorrendo nas diversas especia-
mendada. lidades. Exemplos:
a) Quando na revisão de exames bioqulmicos, for ob- nal cuja relação mtdico-paciente esteja adequada Alguns
servada elevação do antígeno prostático especifico exemplos:
(PSA), deve-se encaminhar o paciente ao urologista
• Pacientes com flbrose cística: se houver acesso a um es-
imediatamente.
pecialista de um centro de referência, sem dúvida haverá
b) Quando na revisão bioquímica constatar-se glicemia
acima de 110 mg%, pode-se repetir o teste para con- benefícios para os pacientes, pois ficarão vinculados a
um grupo de profissionais sempre atualizado e com me-
firmação e solicitar outros exames para esclarecimen-
to, como o teste de tolerância à glicose. Se confirmada lhores condições de beneficiá-los.
• Pacientes com sarcoidose: por serem portadores de uma
a elevação, o ideal será encaminhar o paciente ao en-
doença com a qual poucos têm experiência, necessitam
docrinologista.
pelo menos de consultoria ou uma "segunda opinião"
para receberem a conduta mais apropriada. Poderão ser
acompanhados rotineiramente pelo pneumologista da
Quando o pneumologista encaminha sua primeira escolha e fazer revisões com o especialista
da doença em largos intervalos.
seus pacientes a outro especialista • Pacientes com fibrose pulmonar: por ser doença mui·
{exemplos frequentes) tas vezes progressiva e fatal, tais pacientes devem ser
encaminhados a um pneumologista que se dedique es-
• Pacientes do sexo masculino com mais de 50 anos que pecificamente a essa área, em centro de referência que
não fizeram avaliação urológica no último ano; esse limi- também tenha condições de selecionar candidatos para
te de faixa etária diminui para 40 anos se houver caso(s) transplante.
de carcinoma de próstata entre familiares diretos. • Pacientes com hipertensão arterial pulmonar: estes pre-
• Pacientes do sexo feminino que referem não fazer avalia- cisam ingressar em protocolo, uma vez que as interven-
ção ginecológica há mais de um ano. ções - particularmente o desenvolvimento de fármacos
• Pacientes com mais de 50 anos que não fiZeram colonos- -para seu controle são uma constante.
copia há mais de cinco anos; se tiverem familiar direto • Pacientes com probabilidade de beneficiar-se de trans-
com história de carcinoma de cólon, este tempo se reduz plante pulmonar: estes devem ser referidos a um centro
att para um ano, conforme a situação. de transplante para avaliação da possibilidade de entrar
• Pacientes com sintomas de depressão ou transtorno de em lista de espera.
ansiedade (comuns em asma) devem ser enca.minhados
ao psiquiatra
• Pacientes com obesidade, hiperglicemia, dislipidemia Aassistência ao paciente com câncer de
devem ser encaminhados ao endocrinologista e cardiolo-
gista. Pacientes com DPOC com esse perfil apresentam pulmão deve ser multidisciplinar
mortalidade cardiovascular até maior do que por causa O paciente com câncer de pulmão exige do pneumologista,
respiratória. Os pacientes devem ser conscientizados so- em cada fase assistencial, dedicação, argúcia técnica e bom-
bre isso. ·senso que só podem ser bem desempenhados com a partici-
• Pacientes com DPOC com sinais de desnutrição têm pação de outros especialistas:
maior risco de mortalidade respiratória c devem ser en-
caminhados imediatamente ao nutrólogo ou nutricionis- • O radiologista auxilia na fase de diagnóstico pela de-
ta. monstração de locais que possam estar comprometidos
• Pacientes com diagnóstico de carcinoma de pulmão: se e pela obtenção de material de biópsia aspirativa ou lan-
eles apresentarem outras comorbidades, principalmente cetante de lesões pulmonares; na fase de estadiamento,
por doença respiratória, uma consultoria com oncolo- pelo estudo do mediastino e de outros setores extrapul-
gista deve ser realizada, mas não t recomendado que o monares potencialmente comprometidos; e, na fase pós-
pneumologista deixe de acompanhá-los. -intervenção, pelos exames de controle que permitem o
melhor acompanhamento do paciente.
• O patologista e o citologista possibilitam a melhor quali-
ficação para a confirmação do diagnóstico.
Quando o pneumologista encaminha • O cirurgião torácico pode atuar desde a fase de diagnós-
seus pacientes a outro pneumologista tico e estadiamento, e, sobretudo, na conduta terapêuti-
ca quando o caso é cirúrgico.
Cada vez mais o pneumologista se vê frente a determinadas • O oncologista contribui muito com sua experiência, sem-
situações que, embora sejam da própria área da pneumo- pre atualizada, muito particularmente no manejo dos
logia, seja pela gravidade, complexidade ou exigência de protocolos de quimioterapia.
conhecimentos específicos, poderão ser mais bem avalia- • O radioterapeuta será acionado para o tratamento local
das por outros profissionais que trabalhem em centros de do tumor, especialmente quando o mediastino estiver
referência. Todavia, deve ser considerado que uma consul- envolvido ou houver metástases e possibilidade de bene-
toria não impede que o paciente siga com aquele proftssio- ficio com o tratamento radioterápico.
Aética do atendimento multidisciplinar Iras abertas para a comunidade sobre educação em asma,
inclusive disponibilizando-se um manual sobre o tema.
Quando diversos médicos atendem o mesmo paciente, cada
um em disciplina diferente, fazem-se necessários alguns re-
paros, de modo a não ocorrer problemas de relacionamento
nem invasão de áreas de atuação, de parte a parte:
Assistência ambulatorial
Idealmente, o paciente deve eleger um profissional que seja
• Deve-se evitar fazer comentários que possam ser inter- sua referência para todas as questões de saúde e que possa
pretados pelo paciente como crítica ao trabalho do outro organizar sua assistência global. Quem seria este médico? Se
colega. Se houver discordâncias, o melhor é conversar houver uma doença crônica de maior relevância, o especia-
diretamente. lista dessa área será o mais indicado. Por vezes, a empatia e
• Deve-se ter conhecimento mútuo do que se passa nos di- a disposição do médico ajudam nessa escolha. A gravidade
versos setores de coatendimento. da doença, quando se trata de uma pneumopatia, costuma
• Deve comunicar-se, sempre que necessário, quando hou- exigir do pneumologista esse papel.
ver alteração de alguma conduta em outra área que pre- No caso de paciente com grande impacto de sintomas
cise ser reaüzada de forma mais urgente. respiratórios devido à DPOC, um programa de reabilitação
• Uma regra que pode ser considerada é pensar sempre na pulmonar toma necessário que a centralização assistencial
bilateralidade das circunstâncias. seja provida pelo pneumologista, com o auxílio do fisiote-
rapeuta. Na constituição dessa equipe multidisciplinar, são
incluídos outros especialistas, conforme as demandas do
programa.
Asegunda opinião na assistência médica Quando a asma é problema de grande impacto, de difícil
Aqui não se trata propriamente de multidisciplinaridade na controle, pode ser necessária a atuação do otorrinolaringo-
assistência médica, mas da necessidade de verificar se a con- logista - se houver rinossinusopatia crônica, muitas vezes,
duta de diferentes especialistas da mesma área é coincidente uma melhor solução para a asma poderá depender direta-
ou divergente. Essa é uma situação cada vez mais comum, mente da melhor solução para os problemas das vias aéreas
dado que os pacientes têm mais fontes de informação e po- superiores. No caso do refluxo gastresofágico ou da disfagia,
dem ficar inseguros quando se trata da indicação de uma in- o gastrenterologista terá de participar da assistência e, se
tervenção com potencialidade significativa de complicações indicado, o cirurgião torácico ou do aparelho digestivo tam·
ou maus resultados. bém será integrado à equipe.
Recomenda-se que o profissional procurado para uma A assistência de pacientes com câncer de pulmão sempre
segunda opinião restrinja-se a esclarecer as questões técnicas deve ser multidisciplinar, sendo fundamental a coparticipa-
do caso, realize um parecer eminentemente técnico e evite a ção do radiologista na etapa do diagnóstico e do estadiamen-
emissão de críticas aos colegas que o precederam, mesmo to, do oncologista no planejamento e no desenvolvimento do
que discorde da sua conduta. Nesta situação, o melhor é ma- programa terapêutico, e do cirurgião torácico com experiên·
nifestar que "minha conduta no caso é a seguinte..." . cia no setor.
Quando o paciente decide seguir a conduta do profis- Problemas do sono, particularmente insônia e apneias,
sional procurado para a segunda opinião, deve, em primeiro serão mais bem resolvidos pela atuação do especialista em
lugar, desvincular-se do profissional precedente. A partir medicina do sono. Nos últimos anos, muitas manifestações e
daí, a assistência poderá ser assumida dentro dos preceitos agravos para a qualidade de vida têm sido associados a dis-
éticos. túrbios relacionados com o sono.

Programas de educação em saúde ~ATENÇÃO


Estar bem informado ajuda muito o paciente a lidar melhor A ligação do pneumologista com o cirurgião torácico
com suas doenças crônicas, pois conhecendo mais os seus deve ser muito consistente, uma vez que problemas
problemas saberá valorizar e utilizar os recursos para melho- do dia a dia dependem da atuação desse especia·
rar suas condições, prevenir complicações e, enfim, partici- lista, tanto para a investigação diagnóstica quanto
par ativamente da sua assistência médica. para a solução terapêutica de problemas pneumoló·
Quando o paciente com doença crônica passa a entender gicos comuns. A obtenção de materiais para exames
melhor seu problema, valoriza ainda mais a assistência mul- patológicos e microbiológicos por mediastinoscopia,
tidisciplinar que tantos beneficios poderá lhe proporcionar. toracoscopia e biópsia pulmonar a céu aberto são
No caso da pneumologia, uma doença como a asma, muito comuns. Drenagens torácicas, ressecções de
pela quantidade de pacientes e impacto na qualidade de lesões pulmonares e outros procedimentos terapêu-
vida, exige um programa educativo específico periódico para ticos tornam indispensável um trabalho conjunto de
atualização e esclarecimentos aos interessados. Desde 1996, rotina.
realizam-se, no Pavilhão Pereira Filho, mensalmente, pales-
2. World Hcalth Organization. Adbcrcnce to long-tcrm tbcrapics:
Assistência hospitalar evidence for action. Geneva: WHO; 2003.
Quando da internação hospitalar de um pneumopata crô- 3. Miller HN, Hill M, Kott.ke T, Ockene IS. The multilevel eomplian-
nico, frequentemente por exacerbação da doença, é muito ee cballenge: reeommendations for a call to action. A statcmcnt for
comum a coexistência de problemas associados de outras hcaltbcarc professionals. Circulation. 1997;95(4):1085-90.
especialidades, tornando indispensável a participação de 4. Ostcrberg L, Balschke ·r. Adherenee to medication. N EngJ J
outros profissionais, como cardiologista, endocrinologista, Med. 2005;353(5):487-97.
neurologista, urologista e gastrenterologista. Nas situações
S. Vcrmcirc E, Hcarnshnw H, Van Roycn P, Ocnckens J. Pntient
mais críticas, poderá ser fundamental também a atuação do adberence to trcatment: thrcc decades of rcscareb. A eomprehensi-
intensivista, dada a frequência de intercorrências graves du- ve revicw. J Oin PbarmacyTher. 2001;26(5):331-42.
rante o período da hospitalização.
6. McCarthy R. The price you pay for lhe drug not takcn. Bus
É muito importante que fique claro quem deverá, nesse
Health. 1998;16(10):27-33.
momento, chefiar a equipe assistencial, responsabilizar-se
pela prescrição e pela organização dos itens de intervenção. 7. Case Management Socicty of America. Guidelines from lhe Case
Habitualmente, a hierarquia de gravidade clínica decide de Management Society of Amcrica for improving patient adherence
to medication therapics - version 2.0. Little Rock: CMAG; 2006.
quem deverá ser a liderança. Mas o critério de disponibilida-
de ou a escolha do paciente e familiares podem prevalecer. 8. Morisky DE, Orcen LW, Lcvinc OM. Concurrcnt and predictive
É importante que conste no prontuário a quem a equipe de validity of a sclf-rcported mcasure of medieation adberenee. Med
enfermagem deve dirigir-se, primeiramente, sobre as de- Care. 1986;24(1):67-74.
mandas do paciente. 9. Miller WR, Rollnick S. Motivational interviewing: prcparing peo·
Os registros no prontuário, feitos pelos especialistas pie for ehange. 2nd ed. Ncw York: Guilford; 2002.
atuantes, tomam-se indispensáveis sob pena de perderem- 10. Brasil. Conselho Federal de Medicina. Resolução CFM nO
-se importantes informações que todos devem saber sobre 1931/2009. Código de ética Médica. Brasília: CFM; 2010.
o caso e cujo desconhecimento pode prejudicar o paciente.

Leitura recomendada
Referências ABL\t Foundation. American Board of Internai Medicine; ACP-
I. Case Management Soeiety of America. Standards of practke for ·ASlM Foundation. American CoUcge of Physicians-American So-
case management, revised 2010 (lntcmct). Littlc Rock: CMSA; 2010 cicty of lotem ai Medicine; European Fedcration of Internai Medi-
(capturado em 08 jul. 2011 ). Disponível em: http://www.cmsa.org/ cinc. Medicai professionalism in the new millennium: a physician
ponals.WpdC/mcmberonly/StandardsOf Practicc.pdf. charter. Ann lotem Med. 2002;136(3):243-6.
Paulo José Zimermann Teixeira
Danilo Cortozi Berton
85
Introdução urbanos e está exposta a esses poluentes ambientais; o res-

-------------------------- tante que vive nas áreas rurais utiliza a queima de biomassa
para preparação dos alimentos ou para se aquecere, aumen-
tando muito a poluição intradomiciliar.

A cada dia, precisamos de, aproximadamente, 400 litros


de oxigênio para nos mantermos vivos e em boas condições
de saúde e, para isso, inalamos cerca de 10 mil litros de ar
do ambiente. No entanto, a poluição do ar representa hoje
um dos maiores problemas de saúde pública, afetando seres
humanos, animais e plantas. O risco que os poluentes ambientais exercem sobre a
A interação entre o pulmão e o ambiente pode ser ava- saúde de uma pessoa específica não pode ser quantificado
liada no local onde o indivíduo exerce suas funções laborais nem observado. Não existe teste diagnóstico que possa ava-
- e da{ vem a denominação de doenças ocupacionais, estu- liar o papel e, tampouco, o efeito do poluente ambiental so-
dadas em outro capítulo -, mas também fora do ambiente bre a saúde de um determinado indivíduo.
de trabalho. Apesar disso, uma grande base de dados permite medi-
O rápido avanço tecnológico do mundo moderno trouxe das quanti tativas do risco associado à poluição ambiental,
um aumento na quantidade e variedade de poluentes elimi- tipicamente expresso em termos relativos, como o risco re-
nados na atmosfera, prejudicando de maneira muito séria a lativo (RR), ou, de maneira semelhante, a razão de chan-
qualidade de vida e associando-se a vários efeitos deletérios ces (RC). Essas medidas permitem uma estimativa teórica
sobre a satíde da população, mesmo quando em olveis consi- da probabilidade que um indivíduo exposto apresenta de
derados seguros pela legislação ambiental. ter algum problema de saúde. Assim, enquanto o RR ou a
Além disso, sangue coletado de cordão umbilical mostra RC de 1 significam que o individuo exposto e o não exposto
a presença de poluentes atmosféricos, indicando que, mes- têm o mesmo risco de saúde, eles nada dizem sobre o risco
mo antes do nascimento, os bebês já estão expostos a esses absoluto ou a probabilidade de adoecer. As diferenças inte-
aerodispersóis. Cerca de 50% da população vive em centros rindivíduais na exposição à poluição do ar são geralmente
limitadas. Ponanto, são esperadas pequenas diferenças de Os gases irritantes causam lesão na mucosa por meio de
risco em indivíduos com alta ou baixa exposição quando em reações de desnaturação ou oxidação. Podem causar bron-
comparação com o risco de fumar: fumantes pesados estão cospasmo, traqueobronquitc química c até mesmo edema
mais expostos do que fumantes ocasionais ou não fumantes. pulmonar. O local de ação dos gases irritantes depende em
Entretanto, para comparar a relevância na saúde de dife- grande parte de sua solubilidade em água. Os gases mais so-
rentes fatores de risco preveniveis e então distinguir grandes lúveis como a amônia e o so2geralmente provocam reações
problemas de saúde de problemas menores, não é suficiente nas vias aéreas superiores, provocando sensação dolorosa na
apenas avaliar o RR. 'frês outros fatores devem ser conside- boca, no nariz. na faringe ou mesmo nos olhos. De modo
rados: contrário, os gases pouco solúveis são responsáveis pelas le-
sões mais distais nas vias aéreas c, por serem pouco irritantes
• A frequência subjacente da doença na população sobre a para as vias aéreas superiores, podem permitir exposição oli-
qual a poluição ambiental poderia influenciar. gossintomática, aumentando a chanoe e a extensão da lesão
• A distribuição da exposição, ou seja, quantas pessoas es- parenquimatosa.
tão expostas a determinado nível de poluição. Os gases asfixiantes são definidos como aqueles quere-
• O RR indicando o risco adicional de doença devido à tiram oxigênio do ambiente. A retirada de oxigênio ocorre
poluição ambiental. tanto pela diminuição da fração de oxigênio do ar inspirado
como por qualquer outro mecanismo que impeça a captação
e distribuição de oxigênio pelo sistema cardiovascular. As-
sim, são considerados asfixiantes tanto o dióxido de carbono
(COJ, que diminui a fração de oxigênio do ambiente, quan-
to o CO, cuja ligação com a hemoglobina diminui a oferta de
oxigênio aos tecidos. O CO apresenta afinidade pela hemo-
globina 240 vezes maior do que a do oxigênio, o que faz uma
pequena quantidade de CO saturar uma grande quantidade
de moléculas de hemoglobina. Como consequência, ocorre
diminuição da capacidade do sangue de transportar oxigênio
e desvio da curva de dissociação da hemoglobina para a es-
querda, o que pode causar hipoxia teci dual.
O MP é um poluente formado pela mistura de partícu-
Poluentes ambientais las sólidas, Uquidas ou ambas, suspensas no ar, e representa
uma mistura complexa de substâncias orgânicas e inorgâni-
Os poluentes ambientais se originam de uma variedade de cas. Seus principais componentes são sulfatos, nitratos, amô-
fontes e são classificados como primários e secundários. Os nia, cloreto de sódio, carbono, poeiras minerais e água. O
primários são emitidos diretamente para o ambiente e in- tamanho das partículas é expresso em relação ao seu tama-
cluem o monóxido de carbono (CO) c o dióxido de enxofre nho aerodinâmico, definido como o diâmetro de uma esfera
(SOJ. Os secundários resultam de reações qulmicas com densa que tem a mesma velocidade de sedimentação que a
outros poluentes e incluem o ozônio (O,} c o dióxido de ni- partícula em questão.
trogênio (NOJ . As particulas emitidas pela combustão de fontes móveis
O processo de combustão da biomassa é incompleto, c os e estacionárias, como automóveis, incineradores e termoelé-
poluentes liberados incluem material particulado (MP), ga- tricas- por serem de tamanhos menores e mais ácidas -, po-
ses e compostos orgânicos. A fumaça é a mistura de gases e dem atingir as porções mais inferiores do trato respiratório.
partículas em suspensão resultantes da queima de qualquer Em geral, as partlculas podem ser divididas em dois grupos:
combustível. A produção de fumaça depende de dois proces-
sos: pirólise e oxidação. • As particulas grandes, com diâmetro entre 2,5 e 30 IUfl,
A pirólisc é o fenômeno de liberação de elementos do também chamadas de " tipo grosseiro", são provenientes
combustível causada exclusivamente pela ação do calor, de combustões descontroladas, dispersão mecânica dos
mediante derretimento ou fervura. A oxidação é o proces- solos ou outros materiais da crosta terrestre, que apre-
so em que o oxigênio reage quimicamente com moléculas sentam características básicas, contendo silício, titânio,
do combustlvel, quebrando-as em compostos menores que alumínio, ferro, sódio e cloro. Pólens e esporos, mate-
resultam na produção de luz e calor. Como produtos re- riais biológicos, encontram-se nesta faixa de tamanho.
sultantes da oxidação estão o CO, o N02 e o S0 2, além do • As partículas menores do que 2,51-'m (MP2.5) são deno-
carbono elementar. minadas partlculas finas e aquelas menores do que 0,1
A predominância de um ou outro processo relatado an- .ILm são cbamadas de partlculas ultrafinas ou nanopar-
teriormente, além da temperatura, da ventilação e do tipo de tículas. A poluição do ar pela queima de biomassa con-
material queimado no ambiente, levam à produção de uma siste principalmente em MP ultra.fino com diâmetro ae-
grande quantidade de elementos constituintes da fumaça, rodinâmico menor do que 2,5 JLIO. O MP2.5 tem a ma.i or
cada qual com sua toxicidade e mecanismo de lesão peculiar. associação com mortalidade, ocorrendo um aumento do
Os gases são divididos em duas categorias, de acordo risco de morte por todas as causas de 6%, um aumento
com o mecanismo de lesão: irritantes c asfixiantes. de mortes por doenças cardiovasculares de 12% e por
doenÍas pulmonares de 14% para cada aumento de 10 Enquanto a emissão veicular de MP é de 62 toneladas/dia na
p,g/m no MP2.5 (QUADRO 85.1, FIGURA 85.1 e TABELAS 85.1. Região Metropolitana de São Paulo, o MP proveniente da
85.2). queima da palha, conhecido como carvãozinho, pode chegar
a 285 toneladas/dia.
Em todo o planeta, a queima de biomassa representa a As queimadas têm um impacto relevante no processo de
maior fonte de produção de MP e gases tóxicos como, por mudanças climáticas em escala planetária. A inalação de par-
exemplo, CO, NO~ S02 e O, . tículas e gases tóxicos produz uma resposta inflamatória nos
A queima de biomassa em ambientes abertos produz pulmões, sendo tal resposta proporcional ao total da inalação
poluição atmosférica e causa impacto sobre a saúde de indi- ocorrida. A presença de infeoções respiratórias graves na in-
víduos expostos. A emissão de gases e partículas provenien- fância tem sido relacionada com sintomas respiratórios e re-
tes da queima de florestas e outros vegetais tem impacto na dução da função pulmonar no adulto. Foi possível verificar
composição da atmosfera, sendo uma causa importante da maior incidência de internações por doenças respiratórias em
poluição do ar em ambientes urbanos e rurais. Quanto maior áreas onde há queimadas em canaviais. Os efeitos tóxicos vão
a proximidade da queimada, maior o seu efeito nocivo sobre depender da concentração dos poluentes na atmosfera, do
a saúde. A inalação de fumaça de lenha é descrita como fa- tempo de exposição e da sua composição química.
tor de risco para o desenvolvimento de doenças respiratórias Exposições curtas a níveis elevados de MP10 provocam
em populações que utilizam lenha para aquecimento ou para efeitos agudos na saúde: reação inflamatória pulmonar,
cozinhar. sintomas respiratórios, efeitos adversos cardiovasculares e
O Brasil, embora não esteja entre os principais polui- aumento no uso de medicamentos, admissões hospitalares
dores e emissores de gases de efeito estufa, também precisa e mortalidade por doenças respiratórias e cardiovasculares.
tomar medidas drásticas que contribuam para reduzir a de- Essas exposições agudas ocorrem em um período de tempo
gradação do meio ambiente. As áreas de plantio de cana- curto, de algumas horas ou um dia com concentrações eleva-
-de-açúcar da atualidade concentram-se nas regiões Centro- das de poluentes.
-Sul e Nordeste do Brasil. A prática de queimar a palha da Exposições prolongadas ao MP resultam em redução
cana-de-açúcar causa uma modalidade de poluição do ar. substancial da expectativa de vida, tendo um significado

QUADRO 85.1 ? Poluentes aéreos ambientais comuns e suas fontes

l!·'•l!@uf1
Poluente aéreo primário

- Monóxido de carbono (CO) Escapamento de velculos


Emissão de grandes fontes de combustão industrial como usinas de energia elétrica

- Óxido de enxofre/dióxido de enxofre Queima de combustíveis fósseis (petróleo e carvão)


Escapamento de diesel
Erupção vulcanica
Fundição de minério que contém enxofre

- Compostos orgânicos voláteis Vapores de combustíveis hidrocarbonados e solventes

- Amônia (NH,)

Poluente aéreo secundário

- Dióxido de nitrogênio (NO,) Processo de combustão para aquecimento


Geração de energia
Escapamento de velculos automotores (gasolina, diesel e gás)

- Ozônio (OJ Formado por reações fotoquímicas na presença de poluentes como óxido nítrico, NO, e
compostos orgânicos voláteis
Queima de fogos de artifício

Poluentes aéreos primários e secundários

- Material particulado (MP) Emissão de centrais de energia, escapamento de veículos automotores (especialmente diesel),
poeira das estradas de rodagens e outras fontes antropogênicas

Fonte: limaye e Salvi.'


Penetração dos poluentes no sistema respiratório

Nariz, orofaringe Partículas < 30 Jlm

Traqueia. brônquios e Partículas < 10 pm


bronqufolos SO,, NO,, o,

Alvéolos Partículas < 2·3 )lm


NO,, O,

Tecido pulmonar. circulação Partículas


ultrafinas < O, 1~o~m

FIGURA 85.1 7 Tamanho das partículas e locais atingidos.


Fonte: Adaptada de Künzli e colaboradores.'

TABELA 85.1 7 Padrões nacionais de qualidade do ar

I~
Partículas totais em suspensão
m:4lifl·lJ 'M·fUZ!rl4M
24 hora.s• 240 I SO Amestrador de grandes volumes
MGA 80 60

Partículas inaláveis 24 horas* 150 I SO Separação inerciaVfiltração


MAA 50 50

Fumaça 24 horas• 150 100 Reflet.lncia


MAA 60 40

Dióxido de enxofre 24 horas* 365 100 Pararosanilina


MAA 80 40

Dióxido de nitrogênio I hora• 320 190 Quimiluminescência


MAA 100 100

Monóxido de carbono I hora• 40.000 40.000 Infravermelho não dispersivo


35 ppm 35ppm
8 horas• 10.000 10.000
9 ppm 9ppm

Ozônio I hora• 160 160 Quimiluminescência

•Não deve str excedido mais do que uma vez ao ano.


MGA = média geométôca anual; MAA = mkfia aritmética anual.
fonte: Brasil.'
TABELA 85.2 ? Qualidade do ar segundo níveis de poluentes ambientais

ic.:n ••l·t1.: 1
Boa o-so o-5o o-ao o-4.5 o-too o-ao

Regular 51-100 SO. tSO 80.t60 4.>9 t00-320 80.365

Inadequada tOH 99 t5o-2SO t6o-200 9-t5 320.1130 365·800

w 200.299 25().420 200.800 tS.30 1.130·2.260 BOo-1.600

Péssima >299 >420 >800 >30 >2.260 >t .600

Fon~: Rio Grondt do Sul.'

maior do ponto de vista de saúde pública do que exposições Na inativação de um agente oxidante, ocorre produ-
curtas. Essas exposições crônicas ocorrem repetidamente ção oxidante da glutationa reduzida (GSSG) e depleção
durante um longo perlodo de tempo, até vários anos. de GSH. Em situações em que o sistema de oxidorredução
está íntegro, haverá recuperação da GSH. Entretanto, sob
condições de excesso de agentes oxidantes e/ou deficiência
do sistema protetor, haverá desequilibrio entre o consumo
Como a poluição lesa o pulmão de GSH e a produção de GSSG, caracterizando o estresse
O principal efeito que a poluição causa no pulmão ocorre pela oxidativo, podendo a razão GSSG/ GSH ser o ponto de mo-
indução de espécies reativas de oxigênio (ERO) que aumen- nitoração. Dessa forma, poluentes ambientais do ar causam
tam o estresse oxidativo, gerando uma resposta inflamatória não somente o estresse oxidativo induzido pela inflamação
que, ao ganhar a corrente sangulnea, afeta também outros das vias aéreas, mas também uma resposta inflamatória sis-
órgãos. Foi demonstrado que a exposição de voluntários nor- têmica pela estimulação da medula óssea para liberar células
mais a um único perlodo de aproximadamente uma hora em inflamatórias na corrente sangulnea.
áreas de tráfego pesado, com abundante exaustão de diese~ O organismo humano oferece resistência a essa resposta
aumenta o número de ncutróftlos, linfócitos Te mastócitos na na dependência da quantidade de defesa ant.ioxidante, que
mucosa das vias aéreas, sendo também acompanhada por au- compreende GSH, vitamina C, vitamina A, ácido úrico e
mento dos mediadores inflamatórios no pulmão (histamina, CO. Dentre esses, a GSH é o mais potente antioxidante que
fibronectina, intcrlcueina 8 e oncogene-a), além de uma res- protege o pulmão dos efeitos da poluição.
posta inflamatória sistêmica associada ao aumento dos níveis Mutações nos genes responsáveis pela slntese de GSH
de neutrófilos circulantes c plaquetas no sangue periférico. reduzida têm mostrado associação com grandes reduções
Os sistemas biológicos são continuamente expostos aos na função pulmonar após a exposição ao Ov grande respos-
oxidantes, em geral por meio de reações metabólicas endó- ta alérgica e redução da função pulmonar após a exposição a
genas ou exógenas (poluentes no ar ou cigarro). O aumento partículas de escapamento de diesel. A mutação da g)utationa
da produção das ERO tem ligação direta com oxidação pro- S-transferase (GSMTl), que está associada a uma diminuição
teica, DNA e lip!deos, que causam doenças pulmonares ou na produção de GSSG, é vista em aproximadamente 50% da
induzem a uma série de respostas celulares através do me- população global e varia de 25 a 75% em diferentes países.
tabolismo das espécies reativas. As ERO podem alterar o Parece que individuas com esse tipo de mutação são mais
remodelamento da matriz extracelular, a apoptose e a respi- suscetíveis aos efeitos dos poluentes. Polimorfismos entre os
ração mitocondrial, a proliferação celular, a manutenção do genes adenina nicotinamida dinucleotldeo fosfato (NADPH)
surfactanle, a defesa antiprotease, a efetividade de resposta e quinina oxidorredutasc 1 (NQOl) têm demonstrado modifi-
de reparo alveolar e a modulação imune no pulmão. car os sintomas respiratórios, a função pulmonar e o risco de
O sistema de defesa antioxidante (primeira linha de de- asma em resposta ao 0 3 e particulas de escapamento de die-
fesa contra as ERO) é essencial para o equilibrio entre os sel. Esses e outros estudos experimentais indicam que o dano
agentes oxidorredutores (como as ERO) nos sistemas aeró- causado pelos poluentes pode ser determinado geneticamente.
bios. Para se proteger, a célula possui um sistema de defesa
que pode atuar em duas linhas. Uma delas atua como deto-
xificadora do agente antes que ele cause lesão, sendo cons-
tituída por glutationa (GSH), necessária para a síntese de Impacto da poluição ambiental na saúde
DNA, prote!nas e algumas prostaglandinas, superóxido-dis-
mutase (SOD), catalase, glutationa-peroxidase (GSH-Px) e
respiratória
vitamina E. A outra linha atua reparando a lesão ocorrida, É possível observar que, ao longo dos últimos anos, vem cres-
sendo constituída por ácido ascórbico, g)utationa-redutase cendo a preocupação da população acerca dos possiveis efei-
(GSH-Rd) e GSH-Px, entre outros. tos adversos sobre a saúde causados pela exposição à poluição
do ar, particularmente nos grandes centros urbanos. Na pri- Nesse mesmo estudo, as hospitalizações por pneumonia
meira metade do século XX, episódios de alta concentração de também estavam associadas a esses poluentes, porém com
poluentes - como os observados no Vale do Mosa na Bélgica menor magnítude, e as internações por doença pulmonar
em 1930, em Donora na Pensilvânia em 1948 e em Londres no obstrutiva crônica (DPOC) nos idosos apresentavam maior
inverno de 1952-53 - iniciam os alertas das autoridades para o RR Foi também observado um aumento de 8% de mortes
grave problema da poluição do ar sobre a saúde humana. em DPOC e de 13% de mortes por pneumonias em idosos
No Brasil, alguns estudos investigatórios dos efeitos da em decorrência do aumento desses poluentes.
poluição do ar sobre a saúde humana encontraram associa- O aumento de partículas finas e ultrafinas tem sido asso-
ções estatisticamente significativas com mortalidade infantil, ciado às exacerbações de asma em adolescentes e, também, à
mortalidade em idosos, e internações hospitalares em crian- patogênese da asma nos primeiros oito anos de vida (QUADRO
ças e adultos por causas respiratórias. 85.2 e TABELA 85.3).
Um desses estudos avaliou o RR para mortes ou inter- Um estudo demonstrou que a redução importante dos
nações correspondentes ao aumento de 10 p.g/m3 nos níveis níveis de poluição do ar diminuiria as visitas por asma na
dos poluentes, e os autores observaram que tanto as mortes emergência de 22% para 6%, a prevalência de bronquite, de
quanto as internações de crianças e idosos devido a doenças 40% para 20%, o absenteísmo na escola por asma reduzi-
respiratórias e do aparelho circulatório mostraram associa- ria em dois terços e novos casos de asma em crianças que
ções com PM,O> CO e S02" O aumento percentual de inter- residem em áreas muito poluídas diminuiriam 75%. Dessa
nações em crianças por doença respiratória foi de 1,8% e forma, é importante a participação cada vez maior dos médi-
6,7% para PM10 e S02 e, em idosos, foi de 10,8%. O aumen- cos nos sistemas governamentais de saúde, bem como a mo-
to no percentual de mortalidade por doenças respiratórias bilização das associações médicas no sentido de buscar uma
foi de 0,9% para PM 10> 13,7% para CO e de 5,3% para S02 • melhor qualidade do ar, especialmente nos centros urbanos.

QUADRO 85.2 ~ Efeitos fisiopatológicos dos poluentes inalados

Traqueia e brônquios Irritação das mucosas, inflamação local, alteração nos componentes do muco, migração de células inflamatórias e
células de defesa.
Alteração da atividade ciliar, redução da depuração mucociliar.
Constrição dos brônquios por espasmo da musculatura lisa e edema da mucosa.

Alvéolo Redução da capacidade de fagocitose e digestão de corpo estranho e debris.


Inflamação local, alteração da permeabilidade da membrana celular.
Transferência de proteínas inflamatórias e partículas ultrafinas no tecido pulmonar e circulação.

Circulação Inflamação do endotélio dos vasos sanguíneos, aumento da formação de placas, coagulação e trombose.

TABELA 85.3 ~ Qual idade do ar e significado para a saúde

I(i! I! \j j,f\,lj '


0-50
. Praticamente não há riscos à saúde.
Boa

Regular 51-100 Pessoas de grupos sensíveis (crianças, idosos e portadores de doenças respiratórias e cardíacas) podem
apresentar sintomas como tosse seca e cansaço. Apopulação, em geral, não é afetada.

Inadequada 101 -1 99 Toda a população pode apresentar sintomas como tosse seca, cansaço, ardor nos olhos, nariz e garganta.
Pessoas de grupos sensíveis (crianças, idosos e portadores de doenças respiratórias e cardíacas) podem
apresentar efeitos mais sérios na saúde.

Má 200-299 Toda a população pode apresentar agravamento dos sintomas como tosse seca, cansaço, ardor nos olhos, nariz
e garganta, além de falta de ar e respiração ofegante. Efeitos ainda mais graves à saúde ocorrem em grupos
sensíveis (crianças, idosos e pessoas com doenças respiratórias e cardíacas).

Péssima >299 Toda a população pode apresentar sérios riscos de manifestações de doenças respiratórias e cardiovasculares.
Há aumento de mortes prematuras em pessoas de grupos sensíveis.

N:>nte: Rio Grande do Sul.'


Todo médico deve estar ca.da vez mais a par das condi- RS [Internet). Porto Alegre: FEPAM; e2002-2011 [capturado em 2
ções e qualidade do ar e orientar seus pacientes portadores jun 2011). Disponível em: http://www.fcpam.rs.gov.br/.
de doenças obstrutivas como asma e DPOC a evitarem ati-
vidades em ambiente externo quando os níveis de poluição
estiverem elevados. Em grandes centros urbanos, existem
informações on-line sobre a qualidade do ar.
Leituras recomendadas
Arbex MA, Cançado JED, Pereira LAA, Braga ALF, Saldiva PHN.
A suplementação com antioxidantes, especialmente a Queima de biomassa c efeitos sobre a saúde. J Bras Pneumol.
N-acetilcisteina {NAC), tem sido indicada nos indivíduos 2004;30(2):158-75.
expostos a poluentes ambientais. Na Índia, um estudo que
orientou a reposição com 1.200 mg de NAC por dia mostrou Arbcx MA, Conceição GMS, Ccndon SP, Arbcx FF, Lopes AC, Moy·
redução significativa do estresse oxidativo e melhora dos pa- sés EP, et ai. Urban a.ir pollution and chronic obstructive pulmonary
râmetros funcionais respiratórios em motoristas de ônibus. disease-related emergency department visits. J Epidemia! Commu-
nity Hcalth. 2009;63(10):777-83.
A suplementação com altas doses de vitaminas C e A em as-
máticos que sintetizam baixas doses de GSH tem se mostra- Cançado JED, Braga A, Pereira LAA, Arbex MA, Saldiva PHN,
do benéfica na função das pequenas vias aéreas. No entanto, Santos UP. Repercussões clínicas da exposição à poluição atmosféri·
mais estudos são necessários para que se possa indicar o uso ca. J Bras Pneumol. 2006;32(Supi2):S5-11.
de antioxidantes nessas situações. Castro HA de, Gouveia N, Eseamilla-Ccjudo JA. Metbodological
issues of the rescarch on tbe health effccts of ai r pollution. Rev Bras
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Meio Ambiente. Resolução nO 3 de 28 de junho de 1990 [Internet). Gouveia N, Mendonça GAS, Leon AP de, Correia JEM, Junger
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PauloJosé Zimermann Teixeira
Jorge Amilton Hoher
86
Cassiano Teixeira

de insuficiência respiratória crônica, que em determinadas


Introdução circunstâncias podem agudizar.
O processo de transferência do ar do ambiente até os alvéo- Se o distúrbio na função ventilatória for de gravidade
los exige integridade do aparelho respiratório do indivíduo. suficiente, pode causar hipoventilação alveolar e acidose
Este é composto fundamentalmente dos seguintes elemen- respiratória, caracterizando a insuficiência respiratória hipo-
tos: sistema nervoso central (incluindo o centro respirató- xêmica e/ou hipercápnica.
rio), sistema nervoso periférico, estruturas musculares, caixa Na insuficiência respiratória hipoxêmica, a gasometria
torácica, vias aéreas e parênquima pulmonar. O prejuízo de mostra uma Pa02 S 50 mmHg com saturação de 0 2 < 90%.
qualquer componente da bomba ventilatória e/ou da quali- Ocorrem alterações no parênquima pulmonar inicialmente
dade do ar do ambiente com relação à sua concentração de com hipoxemia e depois com retenção de C0 2• Já na insufi-
oxigênio pode interferir com a eliminação do dióxido de car- ciência hipercápnica, a fadiga ou o comprometimento mus-
bono (C02) e a captação do oxigênio (02). cular determina uma elevação na PaC02 e, posteriormente,
ocorre a hipoxia.
Elas são definidas pelos achados na gasometria arterial:

0 ATENÇÃO
a) pressão parcial de C0 2 (PaCO~ maior do que 45 mmHg
para os pacientes sem envolvimento respiratório crônico
prévio; b) PaC02 >50 mmHg ou aumento maior do que 10
Insuficiência respiratória é, dessa forma, um desequi-
mmHg sobre a PaC0 2 basal, com pH < 7,30 nas situações
lfbrio funcional que acontece devido à incapacidade
de envolvimento respiratório crônico prévio. Embora arbi-
de manutenção da adequada oxigenação dos teci- trária, tal definição tem utilidade clínica, pois denota uma
dos e consequente eliminação do dióxido de carbo-
anormalidade funcional grave que acarreta risco à vida e
no produzido no organismo.
exige intervenção imediata. Além disso, a caracterização do
tipo de insuficiência respiratória facilita a busca diagnóstica
da causa especifica, bem como proporciona manejo prático
Quanto à duração e à rapidez com que se instala, a insu- imediato.
ficiência respiratória pode ser dividida em aguda e crônica . Outra maneira de entender a insuficiência respiratória
Constituem exemplos de insuficiência respiratória aguda a é pelas etapas do ciclo pulmonar. Essa divisão esquemáti-
crise asmática, a lesão pulmonar aguda ou a síndrome da ca auxilia na compreensão dos diversos mecanismos pelos
distrição respiratória do adulto (SDRA), a bronquiolite vi- quais as doenças que acometem os pulmões determinam a
ra! aguda da criança, entre outras. A bronquite crônica, o insuficiência respiratória, facilitando o reconhecimento de
enfisema pulmonar e as fibroses pulmonares são exemplos situações em que certa doença apresenta mecanismo fisiopa-
togênico simultâneo. Assim, é possível dividir a insuficiência Nos quadros de disfunção do dril't respiratório, na maio-
respiratória em l'tnlilatória e all'tolocapilar. ria dos casos, há necessidade de entubação orotraqueal e
Na insuficiência ventilatória, ocorre uma incapacidade ventilação mecânica, para compensar a depressão respira-
dos pulmões de movimentar o ar entre o meio ambiente e tória, enquanto se afastam as causas determinantes como
os alvéolos. Na alveolocapilar, existe uma incapacidade dos fãrmaoos sedativos e alcalose metaból.ica.
pulmões de assegurar adequada mobilização gasosa entre os As disfunções neuromusculares decorrentes de trauma-
alvéolos e o fluxo sangufneo capilar. O QUADRO 86.1 demons- tismo raquimedular, as polineuropatias, polirradiculoneuri-
tra os tipos de insuficiência respiratória. te, entre outras, exigem uma abordagem diagnóstica etioló-
gica para tomar a terapêutica adequada.

Insuficiência ventilatória Insuficiência ventilatória obstrutiva


Esta incapacidade dos pulmões de movimentar ar entre o A IVO pode ser consequência de:
meio ambiente e os alvéolos pode ocorrer por três mecanis-
mos: • Processos intrabrônquicos (acúmulo de secreções, cor-
pos estranhos).
• Funcionamento inadequado dos centros nervosos e/ou • Processos endobrõnquicos (tumores da parede brôn-
do aparelho muscular que comandam a venlilação: insu- quica, edema da mucosa brônquica, broncospasmo).
ficiência ventilatória neuromuscular (IVNM). • Processos extrabrônquicos (compressão externa por tu-
• Obstrução das vias respiratórias: insuficiência venlilató- mores, aneurismas, pneumotórax, derrame pleural).
ria obstrutiva (IVO).
• Incapacidade do fole torácico de se distender e retrair, A IVO apresenta quadros distintos conforme o tama-
mesmo quando eficientemente acionado pelo comando nho dos brônquios sede da obstrução. Distinguem-se, assim,
neuromuscular: insuficiência vcntilatória restritiva {IVR). quadros por obstrução de "pequenos" ou de "grandes" brôn-
quios fixando-se o calibre divisor dos dois grupos em 2 mm.

Insuficiência ventilatória neuromuscular


As perturbações mais importantes deste mecanismo estão li- Insuficiência ventilatória restritiva
gadas à disfunção do dril't respiratório, manifestadas por hi- A IVR pode ser consequência de:
poventilação e/ou hiperventilação. Podem ser causadas por:
• Limitação dos movimentos do tórax (artrite, escleroder-
• Depressão dos centros respiratórios (anestesia geral, mia, deformidade torácica, obesidade, elevação do dia-
doses excessivas de opiáceos ou barbitúricos, trauma- fragma por tumores abdominais, ascite, meteorismo).
tismo cerebral, hipertensão intracraniana, anoxia ou is- • Enrijecimento do parênquima pulmonar (fibrose), con-
quemia cerebral prolongada, alta concentração de C02o gestão pulmonar (insuficiência ventricular esquerda, es-
eletrocução). tenose mitral, pneumonia).
• Interferência na condução nervosa dos centros respira-
tórios até as placas neuromusculares (lesões traumáticas
da medula, poliomielite, polirradiculoneurite, neurite
perüérica).
Insuficiência alveolocapilar
• Bloqueio do estfmulo nervoso na placa neuromuscular A incompetência dos pulmões para assegurar adequada tro-
(intoxicação por curare, decametônio ou suocinilcolina; ca gasosa entre os alvéolos e o sangue pode ser devida às
miastenia grave, botulismo, intoxicação nicotfnica). seguintes condições:
• Doenças dos músculos respiratórios (dermatomiosite).
• Inadequada proporção entre ventilação e perfusão al-
veolar, de tal forma que a quantidade de ar que ventila
o alvéolo não é suficiente para depurar o co2 do sangue
QUADRO 86.1 7 Fisiopatologia da insuficiência respiratória que o perfunde, nem para saturá-lo de oxigênio: insufi-
ciência alveolocapilar distributiva (IACDt).
i IJ":'" • Redução da permeabilidade às trocas gasosas dos meios
anatõmicos que separam o lúmen alveolar do lúmen ca-
Ambiental Concentrações de oxigênio no ambiente pilar: insuficiência alveolocapilar difusional (IACDf).
Ventilatória Ventilação
1. Neuromuscutar
2. Obstrutiva Insuficiência alveolocapilar distributiva
3. Restritiva
A IACDt pode ocorrer quando a relação ventilação alveo-
Alveolocapilar
1. Distributiva Ventilaç.!c:Vperfu~o
lar/perfusão alveolar se altera para mais ou para menos. As
2. Difusional Oifu~o variações para menos transformam os alvéolos atingidos em
curtos-circuitos venoarteriais {havendo excesso de perfusão
em relação ao ar disponível nos alvéolos, parte do sangue vice-versa. Também é regra que a IACDf esteja acompa-
passa ao átrio esquerdo com características de sangue veno- nhada de alterações restritivas. Por sua vez, a IACDt - a
so). As variações para mais não alteram a oxigenação do san- mais comum de todas as formas de insuficiência respirató-
gue, mas levam a uma remoção maior de CO,. As variações ria- participa, em maior ou menor grau, de quase todos os
regionais da ventilação são devidas à ação de mecanismos quadros de disfunção funcional pulmonar. Essas alterações
restritivos ou obstrutivos, atuando isolada ou conjuntamen- fazem com que os quadros de insuficiência respiratória te-
te. As variações regionais da perfusão são, na maioria dos nham, do ponto de vista fisiopatogênico, um aspecto com-
casos, devidas às seguintes condições: plexo. Na maioria dos casos, o que se determina é apenas o
mecanismo dominante.
• Embolia ou trombose de ramos da artéria pulmonar por
coágulos sanguíneos, gordura, gás, parasitas ou êmbolos
metastáticos.
• Obstrução parcial ou completa de uma artéria pulmonar
Manifestações clínicas
ou de um de seus ramos por lesões arterioscleróticas, en- A insuficiência respiratória pode se apresentar de forma
darterite, colagenose ou anomalias congênitas. extremamente variada em sua intensidade, começando com
• Compressão ou angulação de vasos pulmonares por tu- uma fase latenJe, assintomática, detectada apenas por meio
mores, derrames pleurais ou pneumotórax. de provas de função pulmonar. Em uma etapa posterior, o
• Redução do leito vascular por destruição do parênquima indivíduo torna-se sintomático, sendo a dispneia a manifes-
(enfisema) ou por obliteração fibrótica. tação clássica, fase esta denominada compensada. Finalmen-
• Congestão regional por descompensação cardíaca. te, em uma terceira etapa, observam-se, além da dispneia,
• Colapso de vasos pulmonares pela redução do volume a presença de hipoxemia com ou sem hipercapnia, ou seja,
sanguíneo circulante (choque). a falência da hematose, cuja expressão clínica se dará por
• Fístulas arteriovenosas. incapacidade de manter a ventilação, maior trabalho ven-
tilatório, cianose, uso de musculatura acessória, podendo
No estudo da IACDt, é necessário considerar a vaso- evoluir para parada respiratória. É a fase descompensada da
constrição pulmonar em resposta à hipoxia alveolar. Esse insuficiência respiratória.
reflexo promove o ajuste do fluxo capilar de uma deter- As manifestações são decorrentes basicamente da hipo-
minada região do pulmão de acordo com a ventilação que xemia e hipercapnia, sendo, no entanto, pouco específicos.
ele recebe; ou seja, existindo hipoxia alveolar por hipoven- O mais notório sinal de hipoxemia, a cianose, é de detecção
tilação, há, por via reflexa, vasoconstrição e redução da enganadora por sofrer influência das condições do paciente
perfusão sanguínea proporcional àquele nível, mantendo- (melanina, anemia), do ambiente (luz) e do médico (percep-
-se assim constante a proporção ventilação/perfusão. Se o ção de cores).
equi!Jôrio reflexo descrito fosse completo, não poderia ha- Os sintomas da hipoxemia aguda lembram os da intoxi-
ver IACDt. O poder de compensação desse reflexo é ape- cação alcoólica: taquicardia, taquipneia, ansiedade, sudore-
nas relativo, e casos de insuficiência distributiva ocorrem se, alteração do estado mental, confusão, hipertensão, hipo-
com grande frequência. tensão, bradicardia, crise convulsiva, acidose lática.
Os sintomas de hipercapnia, aguda ou subaguda, são
basicamente os de um anestésico: sonolência progressiva,
Insuficiência alveolocapilar difusional desorientação e coma. Cefaleia, por vasodilatação cerebral
A IACDf engloba os diversos quadros clínicos reunidos sob ou encefalopatia metabólica, é queixa proeminente. Oca-
a designação genérica de "bloqueio alveolocapilar". A difi- sionalmente, no exame de fundo de olho, há asterixe, ingur-
culdade de difusão pode ser devida aos seguíntes fatores: gitamento das veias retinianas ou edema de papila. Outros
sinais, relacionados com vasodilatação e altos níveis de cate-
• Deposição no alvéolo de substâncias que determinam o colaminas circulantes, são rubor da pele, hiperemia das mu-
espessamento da barreira alveolocapilar como transuda- cosas e de conjuntiva, sudoração e hipertensão leve a mode-
tos e membrana hialína. rada. Em quadros crônicos, as manifestações de hipoxemia e
• Espessamento das estruturas anatômicas que compõem hipercapnia, salvo a cianose para a primeira, costumam ser
a barreira alveolocapilar normal como edema pulmonar, inexpressivas.
infiltrado inflamatório intersticial e carcinoma de células
alveolares.
• Fibrose dessas mesmas estruturas como ocorre nas gra-
nulomatoses.
Tratamento
O tratamento da insuficiência respiratória depende da fase
Poucas vezes a insuficiência respiratória se deve a ape- em que o paciente se encontra. Nos casos crônicos e de pro-
nas um mecanismo fisiopatogênico; mais comumente coe- gressão lenta, o diagnóstico e o tratamento adequado da
xistem mais de um tipo ao mesmo tempo. Com frequência, doença de base são fundamentais na tentativa de evitar a
as !VOs acompanham-se de um componente restritivo e evolução para uma fase de descompensação.
maiores, objetivando alcançar uma saturação da hemoglo-
[I] ATENÇÃO bina> 90%.
A fração de oxigênio efetiva máxima obtida por sistemas
Quando o paciente apresentar-se agudamente des- não invasivos pode ser alcançada com cateter nasal, utilizan-
compensado, o manejo inicial deverá focalizar três do-se fluxos de 0,5 a 5 Umin e Fi02 de 0,4 a 0,5 dependendo
diferentes aspectos: controle das vias respiratórias, da ventilação-minuto. Fluxos maiores através de cateteres
correção da hipoxemia e assistência ventilatória. nasais não são bem tolerados porque determinam irritação
na mucosa nasal. Máscaras faciais tipo "Venturi" dão uma
titulação mais controlada de FiO, variando de 24 a 50%.
Essas máscaras têm indicação mais precisa para os pacientes
Controle das vias respiratórias que necessitam de algum grau de bipoxemia para manterem
A abordagem inicial deve garantir a via aérea permeável. o estímulo ventilatório.
Faz-se uma avaliação das vias aéreas superiores, procuran- Níveis maiores de oxigênio podem ser obtidos por más-
do sinais que indiquem obstrução, como estridor, roncos ou cara facial com reservatório acoplado, em que o alto fluxo e
retenção de secreções. Obstrução por corpo estranho e aspi- a alta concentração de oxigênio mantêm esse reservatório
ração maciça de conteúdo gástrico devem ser consideradas. preenchido com oxigênio a 100%, desde que o fluxo de oxi-
No caso de obstrução mecânica, está indicada broncoscopia, gênio continue elevado, ou seja, maior do que 15 Umin.
que servirá também para aspiração de secreções. Quando Nos pacientes em que a correção da hipoxemia se faz
detectada a obstrução, a via aérea deve ser rapidamente res- com baixos níveis de oxigênio, estes, caracteristicamente, so-
tabeleci da, iniciando-se pelo posicionamento da cabeça e da frem de pequenas anormalidades na ventilação-perfusão. 1àl
mandíbula. resposta está presente em condições como doença pulmonar
Deve-se pesquisar anafilaxia como causa de obstrução obstrutiva crônica (DPOC), asma e tromboembolismo pul-
de via aérea. Neste caso, os sintomas vão desde fraqueza, monar . Por outro lado, na SDRA, na hemorragia alveolar,
lacrimejamento, prurido, tonturas, sonolência, desmaios nas atelectasias e nas pneumonias, pode ocorrer urna respos-
até urticária, angioedema, estridor laríngeo, broncospas- ta ruim à suplementação de oxigênio, devido a um significa-
mo, confusão mental, síncope, taquicardia, choque e óbito. tivo curto-circuito venoarterial ou efeito shunt. Nessas situa-
Se houver confirmação de reação anafilática, está indicada ções, as modalidades de oxigênio suplementar passam pela
conduta medicamentosa com adrenalina (1:1.000), nas doses seleção de sistemas de oxigênio de alto fluxo até a instalação
de 0,3 a 0,5 mL por via subcutânea. Thmbém podem ser utili- de ventilação mecânica não invasiva e invasiva.
zados beta2-adrenérgicos, anti-histamínicos e corticoides. A Para os pacientes que não responderem aos regimes ven-
colocação de um tubo traqueal, por via nasal ou oral, deve tilatórios avançados, o suporte respiratório extracorpóreo é
ser particularizada conforme a indicação. Os pacientes mais uma alternativa. Em neonatos, essa modalidade de tratamen-
graves e com grande edema de laringe necessitarão de tra- to está provada, mas em adultos permanece controversa.
queostomia de urgência.
No paciente em crise asmát ica, por exemplo, a possi-
bilidade de laringospasmo deve ser lembrada, podendo
ser reduzida quando realizada por individuo experiente e Leituras recomendadas
Amato MB, Barbas CS, Medeiros DM, Magaldi RB, Schcttino GP,
também com a utilização de atropina. Thbos endotraqueais
Lorc112i-Filho G, ct ai. Effcct of a protective-vcntilation stratcgy on
largos (diâmetro interno > 8 mm) oferecem menor resis-
mortality in thc acutc rcspiratory distrcss syndromc. N Engl J Med.
tência e oportunizam a realização de fibrobroncoscopias 1998;338(6):347-54.
para aspirar secreções. A maior incidência de polipose na-
sal e sinusopatia nesse grupo de pacientes torna menos in- AMIB, FCCS. Fundamentos em terapia intensiva. 2. ed. Rio de J a-
dicada a entubação nasotraqueal, bem como nos pacientes neiro: Rcvintcr; 2000. p. 15-38.
com traumatismo cranioencefálico com fratura da base do Barbas CSV, Bueno MAS, Hoclz C, Meyer EC. Insuficiência respi-
crânio. ratória aguda. In: Knobei E. Condutas no paciente grave. 3. cd. São
A sedaçâo é uma etapa decisiva para permitir uma ven- Paulo: Athcncu; 2006. p. 475-82.
tilação adequada e efetiva. Além disso, oferece maior con- Barbas CSV, Meyer EC, Hoclz C, Carvalho CRR de. Slndromc do
forto ao paciente, diminui o esforço ventilatório, reduz o desconforto respiratório agudo: fisiopatologia c diretrizes do trata-
risco de barotrauma, facilita a realização de procedimentos mento. In: Knobel E. Condutas no paciente grave. 3. ed. São Paulo:
e diminui o consumo de oxigênio e a produção de C0 2• O Athcneu; 2006. p. 527-33.
midazolam é o benzodiazepínico de escolha, por ter início de
Bernard GR, Artigas A, Brigham KL, Carlet J, Falkc K, Hudson
ação rápido e por determinar amnésia. Na fase pré-entuba-
L, et ai. Report of tbe Amcrican-European consensus conference
ção, pode ser utilizada uma dose de 1 mg IV, repetindo-a até on AROS: definitions, mccbanisms, rclcvant outcomcs and clinicai
que o paciente permita a entubação. trial coordination. The Consensus Committee. Intensive Carc Med.
1994;20(3):225-32.

Correção da hipoxemia arterial e ventilação Carvalho CRR de, Franca SA, Okamoto VN, organizadores. IIl
A maioria dos pacientes com insuficiência respiratória pre- Consenso Brasileiro de Ventilação Mecânica. J Bras Pncumol.
2007;33(Sup12):S51-150.
cisa de frações de oxigênio suplementar progressivamente
Hemmila MR, Napolitano LM. Severe respiratory failure: advanced lrwin RS. Problemas pulmonares na unidade de tratamento intensi·
treatment options. Crit Care Mcd. 2006;34(9 Suppl):$278-90. vo. In: lrwin RS, Rippc JM. Manual de terapia intensiva. 3. ed. Rio
de Janeiro: Mcdsi; 2003. p. 251-343.
Hemmila MR, Rowe SA, Boules TN, Miskulin J, McGillicu·
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J Mcd. 2000;342(18):1301-8.
José Augusto Santos Pellegrini
Moreno Calcagnotto dos Santos
87
Patrícia Schwa rz
Paula Pinheiro Berto

Introdução gênio arterial (Pa02) e a fração inspirada de oxigênio (FiOJ


menor ou igual a 300. Se essa relação for menor ou igua.l a
A s!ndrome da distrição respiratória do adulto (SDRA), ou 200, deflne-se SDRA (QUADRO 87.1).2
síndrome da angústia respiratória aguda (SARA), é uma Embora tal definição seja de simples aplicação, ainda
doença comum em pacientes críticos. Apesar dos recentes é alvo de discussões. Alguns autores sugerem a adoção de
avanços no entendimento de sua fisiopatologia e das novas outros critérios diagnósticos, como o Lung Injury Scoring
estratégias de tratamento, a doença ainda está associada a System (USS) (QUADRO 87.2).
uma elevada mortalidade.
A primeira descrição da SDRA é creditada a Ashbaugh
e colaboradores,' em 1967, que descreveram uma série de
casos de pacientes com insuficiência respiratória aguda,
Epidemiologia
hipoxemia e infiltrado difuso à radiografia de tórax. Esses A incidência de LPA/SDRA é incerta, porém estudos re-
autores reconheceram que a SDRA era um conjunto de centes encontraram números variando de 1,5 a 75/ 100 mil
anormalidades fisiopatológicas comuns a um grande núme- pessoas ao ano., No Brasil não se dispõe de estudos popu-
ro de pacientes iniciadas após uma variedade de insultos não lacionais. Pouoos estudos de centros foram realilados oom
relacionados, porém sem critérios bem definidos para o seu o objetivo de determinar a frequência da LPA/SDRA em
diagnóstico. nosso meio. Um estudo realilado no Hospital de Oínicas de
Somente em 1994 um consenso (American -European Porto Alegre encontrou uma frequência de LPA de 3,8% e
Consensus Conference- AECC) estabeleceu critérios diag-
nósticos para a SDRA, definindo-a como uma "síndrome
de inflamação e aumento da permeabilidade capilar pulmo- QUADRO 87.1 ~ Definiçao de LPA e SDRA
nar associada a uma constelação de anormalidades clinicas,
radiológicas e fisiológicas não causadas por hipertensão
capilar pulmonar, porém podendo coexistir com ela, mais
comumente associada a sepse, aspiração, pneumonia ou
politrauma".2 Ficou definido como lesão pulmonar aguda lPA lnfi~rado S 300 Agudo s 18 mmHg
{LPA) o quadro de insuficiência respiratória aguda com in- bilateral mmHg
filtrado bilateral na radiografia de tórax, au~ocia de hiper-
SORA lnfihrado S 200 Agudo ~18mmHg
tensão atrial esquerda (definida como pressão de oclusão da
bilateral mmHg
artéria pulmonar- POAP - menor ou igual a 18 mmHg) e
hipoxemia com uma relação entre a pressão parcial de oxi- Fonte: ~m~rd t col.lbor•dorts.'
QUADRO 87.2 ~ Definição de SDRA conforme o lung lnjury Scoring System

lm1i!ol;!@l f;·l®iim;:Q.nm rm;l i I mW13rrMJ~l"':r·•


o ~ 300 Nenhum quadrante $5 ~ 80

225-299 1 quadrante 6-8 60-79

175-224 2 quadrantes 9-11 40-59

100-174 3 quadrantes 12-14 20-39

4 < 100 4 quadrantes <!1 5 < 20

ai : Somar os pontos dos escores edividir pelo número de parâmetros utilizados (SDRA = USS > l .S).
Fonte: Murray ecolaboradores.'

SDRA de 2,3%, com taxas de mortalidade durante a inter- res. A presença de membranas hialinas, que preenchem os
nação na unidade de terapia intensiva (UTI) e no hospital de alvéolos e as paredes dos duetos alveolares, geralmente é
44 e 48%, respectivamente. 5 A mortalidade associada à LPN vista após 48 horas.
SDRA, embora tenha diminuído nos últimos anos, permane- A fase fibroproliferativa ocorre ao redor da segunda se-
ce elevada, variando de 31 a 74%, sendo a principal causa de mana e é uma reação reparadora do tecido pulmonar que so-
morte a falência múltipla de órgãos. freu a lesão. Caracteriza-se por proliferação de pneumócitos
do tipo li, proliferação fibroblástica e fragmentos de mem-
branas hialinas. Os miofibroblastos do interstício migram
para dentro do alvéolo e aderem à superfície da membrana
Fisiopatologia basal danificada. Nesta fase, o processo pode regredir sem
A LPNSDRA é associada a dano alveolar difuso e lesão do deixar sequelas no parênquíma pulmonar.
endotélio capilar pulmonar. A LPNSDRA precoce é earac- Se, no entanto, os miofibroblastos se tornarem mais ati-
terizada por aumento da permeabilidade da barreira alveolo- vados e produzirem colágeno, a fibroproliferação e a deposi-
capilar. Essa barreira é formada pelo endotélio microvascular ção de colágeno determinarão um remodelamento da estru-
e pela camada epitelial dos alvéolos, e insultos em qualquer tura parenquimatosa. Os septos alveolares apresentarão um
uma dessas estruturas pode resultar em LPNSDRA. espessamento denso. Os espaços aéreos estarão irregulares
A lesão do endotélio capilar pulmonar resulta em au- e alargados, em consequência do processo de reestruturação
mento da permeabilidade capilar e entrada de fluido rico em fibrótica, resultando em microcistos, mais proeminentes nas
proteínas plasmáticas no espaço alveolar. Ocorre ativação zonas subpleurais.
endotelial, resultando em liberação de citocinas pró-infla-
matórias, sequestro e ativação plaquetária e intensa reação
inflamatória aguda. Essa resposta é seguida por apoptose e Causas
necrose celular e recrutamento de neutrófilos. A liberação
de fatores de crescimento e pró-fibróticos pode levar a cura Os fatores de risco para o desenvolvimento da SDRA são
divididos em lesão direta e indireta pelo fato de causarem
e/ou remodelamento. 6
respostas diferentes na mecânica respiratória e por apresen-
A alteração na troca gasosa deve-se ao desequilíbrio entre
tarem desfechos diferentes. 6 Sepse é a causa mais comum de
ventilação e perfusão. O preenchimento alveolar e a perda da
SDRA e a que tem pior prognóstico, enquanto contusão pul-
função surfactante levam à redução da complacência pulmo-
monar é a que apresenta menor mortalidade. As principais
nar. Já a elevação da pressão arterial pulmonar é causada por
causas estão citadas no QUADRO 87 .3.
vasoconstrição hipóxica, compressão vascular pela pressão
positiva na via aérea, destruição do parênquíma pulmonar ou
colapso da via aérea, hipercapnia e vasoeonstritores pulmona-
res. Normalização da pressão arterial pulmonar oeorre quan- Estratégias terapêuticas
do há resolução da sindrome. O desenvolvimento de hiper-
tensão pulmonar progressiva é associado a pior prognóstico. Estratégias ventilatórias
Refinamentos nas técnicas de ventilação mecânica e no cui-
dado do paciente crítico levaram à redução na mortalidade
Estágios clinicopatológicos da LPAISDRA atribuível a SDRA nas primeiras décadas da sua história. Na
A fase exsudativa compreende as primeiras 24 a 96 horas década de 1990 houve estabilização desses índices, e desde
após o insulto. Caracteriza-se por edema intersticial e alveo- então a busca por melhorias neste sentido tem sido intensa,
lar, degeneração epitelial e congestão das paredes alveola- ainda que com resultados modestos em sua maioria.
QUADRO 87.3 ~ Causas de SDRA Volume corrente
IID!9•H.•3f \
O volume corrente (VC) em indivíduos em repouso varia
entre 5 e 7 miJkg.
O advento da tomografia computadorizada revelou que
Causas comuns Causas comuns o dano alveolar é heterogêneo, predominante nas porções
- Pneumonia - Sepse
- Aspiraç~o de conteúdo dependentes dos pulmões, em oposição a porções aeradas,
- Politrauma graYl!
gástrico minimamente danificadas. A essa porção de parênquima
pulmonar relativamente preservada deu-se o nome de baby
Causas incomuns Causas incomuns lung. 1
- Contusão pulmonar - Pancreatite aguda Durante a inspiração em pacientes com SDRA, o VC se
- Lesão pulmonar induzida pelo - Transfu~ de hemoderivados distribui de maneira heterogênea, tendendo a deslocar-se
wnti ador (VIU) - Circulaç&o mracOtpórea para insuflação do baby lung, pela menor resistência encon-
- Embo~a gOtdurosa - Drogas trada. Resulta dai híperinsuflação e estiramento das unida-
- Quase-afogamento
des alveolares preservadas.
- lnjúna por inalação
- Injúria de reperlusão após Embora o termo barotrauma tenha sido o primeiro a
transplante pulmonar ou ser relacionado com VI LI, existem evídências que indicam
embolectomia que o grau de insuOação pulmonar é mais importante para
o dano alveolar do que propriamente a pressão aplicada.3
Tais achados ressaltam a importãncía do VC c do canse-
quente volutrauma na fisiopatologia da SDRA e da VIL!,
Lesão pulmonar induzida pelo ventilador e substanciam o conceito de que a pressão de pico na via
A ventilação mecânica é fundamen tal no tralamento dos aérea possui menor contribuição no desenvolvimento de
pacientes com insuficiência respiratória aguda; entretanto, dano induzido pela ventilação mecânica. Mesmo com base
pode resultar em lesão pulmonar induzida pelo ventilador em evidências experimentais, o American CoUege of Chest
(VIL!). O reconhecimento da indução de dano estrutural Pbysicians publicou em 1993 recomendações para o manejo
ao parênquima pulmonar causado pela ventilação mecânica da ventilação mecânica em pacientes com SDRA que in-
com pressão positiva - ou negaúva - foi essencial para me- cluíam a redução do VC caso a pressão de platô excedesse
lhor compreensão e tratamento da SDRA. 35cmH 2 o.•
Dessa forma, é possível considerar que o dano induzido Quatro ensaios clinicas foram delineados no fmal dos
pela ventilação mecânica pode ser exercido por meio de qua- anos de 1990 para testar a hipótese de que ventilação com
tro mecanismos básicos: VC reduzido (p. ex., 6 ml/kg) seria benéfica para pacientes
com SDRA, em comparação com estratégias ditas "tradicio-
o Barotrauma: aplicação de pressão transpulmonar exces- nais" (VC de 10 a 15 mUk~J· Somente o estudo conduzido
siva, resultando em pneumotórax, pneumomediastino, por Amato e colaboradores demonstraram redução signifi-
enfisema subcutâneo. cativa da mortalidade em 28 dias em comparação com uma
o Volutrauma: aplicação de volume corrente excessivo so- estratégia controle com VC de 12 mUkg.
bre a unidade alveolar. Como forma de responder mais consistentemente à
• Atelectrauma: esúramento repetido durante abertura e questão, o Acute Respiratory Distress Syndrome Network
fechamento dos alvéolos. - ARDSNet, filiado ao NIH, desenvolveu o ARMA trial
• Biotrauma: resposta inflamatória desencadeada pela (Respiratory Management in ALIJARDS). 11 Comparou -
deformação das células alveolares, resultando em danos -se, em 861 pacientes, uma estratégia tradicional (VC de
à distância. Ocorre pela liberação de mediadores infla- 12 mUkg, pressão de platô até 50 c~O) com uma es-
matórios na circulação sistêmica, podendo explicar por tratégia protetora (VC de 6 mlJkg, pressão de platô até
que os indivíduos portadores de SDRA frequentemente 30 cmHp), com pressão positiva ao final da expiração
evoluem para disfunção mulúorgânica e óbito. (PEEP) e Fi0 2 predeterminados por uma escala arbitrá-
ria. Verificou-se uma redução absoluta de mortalidade de
Esses mecanismos, em conjunto com a heterogeneidade 9% (40 vs. 31% ), com um aumento no número de dias fora
do dano alveolar inerente à SDRA, à dcficiencia de surfactan- de ventilação c redução das taxas de falência orgânica cx-
tc e ao uso de altas frações inspiradas de oxigênio, são respon- trapulmonar.
sáveis pelo espectro de alterações compreendidas por VIU. No ensaio clfníco mais recente, ARIES, os investigado-
res verificaram uma redução significativa na mortalidade em
UTI (53 vs. 32% ), na mortalidade hospitalar e no tempo de
~ ATENÇÃO ventilação mecãnica,12 sugerindo um efeito sinergístíco entre
redução de VC e aplicação de PEEP elevada.
A5 estratégias ventilatórias para tratamento da SDRA A aceitação desses resultados não tem sido uniforme na
utilizam em sua essência formas de antagonizar ou comunidade científica. Entretanto, parece claro que um VC
atenuar a lesão pulmonar induzida pelo ventilador, como 10 a 12 ml.Jkg resulta em efeitos deletérios, especial-
o que tem sido denominado •ventilação protetora•. mente pela resultante elevação da pressão de platô.
Titulação da PEEP
~ ATENÇÃO Entre os estudos que avaliaram a efetividade da PEEP, exis-
te significativa variabilidade na metodologia de seleção da
De acordo com as recomendações do terceiro Con- PEEP. Talvez a resposta a esta incongruência seja que cada
senso Brasileiro de Ventilação Mecânica, 13 "altos vo- indivíduo possui uma mecânica ventilatória própria e uma
lumes correntes, associados a altas pressões de platô distribuição diferente do dano alveolar. Sendo assim, a de-
(... ), devem ser evitados em pacientes com SORA, e terminação arbitrária de um valor de PEEP a um grupo
volume corrente baixo (menor ou igual a 6 ml/kg de heterogêneo de pacientes não deve resultar em benefícios
peso corporal predito) e manutenção da pressão de significativos.
platô abaixo de 30 cmH,O são recomendados - Re- Nos últimos anos, técnicas complementares de imagem
comendação Grau A". 16
têm atraído interesse. Gattinoni e colaboradores, por meio
da avaliação tomográfica, encontraram ampla variabilidade
na porcentagem de parênquima pulmonar passível de recru-
tamento, sendo que este valor foi diretamente relacionado
Modo ventilatório com a responsividade à PEEP.
Não há estudos avaliando o modo ventilatório em relação No manejo do paciente à beira do leito, afirmamos que
a desfechos na SDRA. Os principais ensaios clínicos em a evidência disponível não é suficiente para determinar qual
SDRA utilizaram como modo ventilatório o modo assistido a melhor forma de selecionar a PEEP para pacientes com
controlado a volume, pois permite um controle direto do VC SDRA. A utilização de PEEP de 10 a 15 cmHzO parece ser
e monitoração direta da pressão de platô, importantes no apropriada na maioria dos indivíduos.
manejo da SDRA. Níveis mais elevados podem ser necessários e devem ser
aplicados quando um maior potencial para recrutamento
Aplicação da PEEP puder ser demonstrado por algum método de imagem.
A estratégia de ventilação protetora visa reduzir a distensão
alveolar bem como a pressurização excessiva da via aérea. A Fração inspirada de oxig~nio
contrapartida destas medidas é a promoção à ocorrência de Integra as recomendações-padrão para a ventilação mecâ-
áreas de atelectasia por hipoventilação, deteriorando ainda nica de pacientes portadores de SDRA' 3 a recomendação
mais a relação ventilação-perfusão. Grau D de que a Fi02 deve ser mantida abaixo de 60% sem-
A utilização de PEEP tem como objetivo manter estas pre que possível, mantendo uma Pa02 acima de 60 mmHg e
porções alveolares aeradas ao término da fase expiratória, Sa02 acima de 90%, tendo em vista os potenciais riscos de
minimizando a lesão de abertura e fechamento alveolar, o atelectasia de reabsorção e de indução de espécies reativas
atelectrauma. O resultado dessa intervenção pode ocasionar de oxigênio.
melhora da aeração e consequente melhora da relação venti-
lação-perfusão. Porém, pode causar hiperdistensão alveolar,
resultando em piora da complacência pulmonar e acidose Hipercapnia permissiva
respiratória. Em paralelo com o desenvolvimento de ventilação proteto-
Em 2004, o ARDSNet publicou os resultados do protoco- ra, tomou-se necessária a tolerância à hipoventilação alveo-
lo ALVEO LI. " Pacientes portadores de SDRA ou LPA foram lar, retenção de C02 e acidose respiratória, que recebeu a
randomizados para um grupo intervenção (PEEP elevada) alcunha de hipercapnia permissiva.
ou para o grupo-controle (PEEP baixa), ambos obedecendo Muitos são os efeitos fisiológicos da hipercapnia, incluin-
a uma tabela de adequação da PEEP à Fi02 necessária Todos do estimulação da ventilação-minuto, sensação de dispneia
os pacientes receberam VC de 6 mUkg. Os pacientes do gru- e desconforto, frequentemente exigindo sedação ou parali-
po intervenção apresentaram melhora de oxigenação, porém sia farmacológica, aumento do débito cardíaco, resistência
não houve diferença de mortalidade hospitalar. a vasopressores, depressão miocárdica e aumento do fluxo
Em 2010, publicou-se uma metanálise 15 avaliando o uso saguíneo cerebral, podendo resultar em hipertensão intra-
de PEEP em pacientes com SDRA. No grupo com PEEP craniana, herniação e hemorragia cerebral.
elevada e relação PaOJFi0 2 abaixo de 200 mmHg, houve Alguns estudos clínicos que utilizaram hipercapnia" pre-
redução de mortalidade na UTI, mas não na mortalidade viam a administração de bicarbonato de sódio no intuito de
hospitalar. antagonizar a acidose resultante. A fundamentação teórica
Em suma, a aplicação de PE EP elevada para o tratamen- desta abordagem tem sido questionada. A hipercapnia na vi-
to de pacientes com SDRA possui efeito significativo em gência de pH normalizado farmacologicamente também está
oxigenação e variáveis fisiológicas reproduzidas em diversos associada a aumento da indução de apoptose, disfunção de
estudos. Essa intervenção parece conferir benefício em mor- surfactante e acidose intracelular.
talidade, ainda que de pequena monta e apenas no espectro O Consenso Brasileiro de Ventilação Mecânica gradua
de pacientes com diagnóstico preciso de SDRA, não agre- como "/!C a recomendação de que" ... hipercapnia permissiva
gando efeitos benéficos em pacientes com LPA, podendo, pode ser tolerada em pacientes com SDRA, se necessário,
inclusive, ser deletéria. para minimizar a pressão de platô e o VC". 13
Recrutamento alveolar frações inspiradas de oxigênio. Parece haver benefício nos
No contexto de ventilação protetora se insere a proposta de casos de hipoxemia grave, definida por Pa0/fi02 abaixo de
recrutamento alveolar como forma de atenuar ou mesmo 100, embora sugira-se que mesmo uma relação de 140 possa
reverter o colapso de unidades alveolares característico da obter melhora de sobrevida.
SDRA, por meio de manobras que elevem transitoriamente
a pressão transpulmonar.'Il:ata-sc de urna insuflação profun- Ventilação mecânica não invasiva
da c sustentada, com o intuito de abrir - ou recrutar- áreas O uso de ventilação mecânica não iovasiva (VMNI) na
pulmonares sob risco de colapso, mantendo-as abertas na SDRA não está recomendado de forma corriqueira. Caso
sequência por meio da aplicação de PEEP. seja considerado uma opção, deve ser restrito a casos sele·
Em metanálise de 40 estudos, 17 verifica-se de fato melho- ciooados em que se deseja evitar a via aérea invasiva, como
ra significativa, embora efêmera, da oxigenação. Hipotensão no contexto de imunossupressão, mantendo cautelosa mo-
(12%) e dessaturação (8%) foram os efeitos adversos mais nitoração.
frequentes. A mortalidade foi de 38%, sirnila.r à da popula-
ção de pacientes com lPA.
O uso rotineiro das manobras de recrutamento não está Ventilação espontânea
recomendado no tratamento da SDRA. lbdavia, por tratar--se A utilização de ventilação mecânica controlada no trata·
de uma intervenção razoavelmente segura, c pelo fato de al- menta da SDRA tem com tradicional objetivo promover
guns pacientes apresentarem melhora de hipoxemia após sua repouso à musculatura respiratória, reduzindo o consumo
aplicação, pode ser considerada. A manobra deve ser seguida de oxigênio e o trabalho respiratório. Embora este racio-
de titulação de PEEP para manter seus resultados por mais cínio permaneça válido, ao menos nas fases mais agudas,
tempo, conforme as recomendações do Consenso Brasileiro crescente atenção tem sido dada aos métodos veotilatórios
de Ventilação Mecânica, recomendação Grau B. que permitem a manutenção do drive respiratório. A venti·
Diversas são as manobras que podem ser utilizadas, não lação controlada está associada a maior necessidade de se-
havendo evidência suficiente para definir a manobra supe· dação, com seus paraefeitos associados. Com base nos pou-
rior. Em situações de hipoxemia refratá.ria, sugere-se a rea- cos dados disponlvcis, pode-se sugerir que as ventilações
lização da manobra descrita no Consenso Brasileiro de Ven- espontãneas devam ser liberadas tão cedo quanto posslvel,
tilação Mecãnica. u mesmo na presença de disfunção ventilatória moderada a
grave.
Posição prona
A heterogeneidade da injúria pulmonar na SDRA, compre- Ventilação oscilatória de alta frequência
dileção do acometimento de porções dependentes, faz da A ventilação oscilatória de alla frequêocia permite uma es-
posição prona uma opção terapêutica. tratégia protetora por utilizar VCs extremamente baixos (1
Em situações de lesão pulmonar, na posição supina, as a 4 ml./kg). A rápida frequência respiratória (entre 60 e 900
pressões intrapleurais das porções dorsais dependentes po· respirações/minuto) garante a adequada troca gasosa, o bai-
dem exceder o zero, contribuindo para colapso da via aé- xo VC evita a hiperdistensão pulmonar e a constante pressão
rea e promoção de atelectasia regional. O VC será desviado média na via aérea mantém o recrutamento alveolar. Apesar
para porções anteriores, não dependentes. A perfusão, no de poder melhorar a oxigenação, não há benefício em redu·
entanto, direciona-se posteriormente, resultando no com- ção de mortalidade e, portanto, não pode ser recomendada
prometimento da relação ventilação-perfusão. em adultos com LPAISDRA.
Na posição prona, o gradiente de pressão pleural se dá
de forma menos acentuada. A ventilação das regiões dorsais
é facilitada pela retirada do peso que o coração e os órgãos
Ventilação parcial líquida e SDRA
abdominais impunham sobre os pulmões. A pressão trans- Na ventilação parcial liquida, os pulmões são parcialmente
pulmonar transmite-se de maneira mais uniforme, resultan- preenchidos com perfluorcarbono (PFC), um liquido inerte, e
do em melhora da relação ventilação-perfusão. ventilados com respiradores-padrão. Em um estudo randomi·
A ventilação prooa é usada no tratamento da hipoxemia zado em SDRA, os resultados foram oegativos.18 Ocorreu tem·
refratária. Observa-se também redução do C02 • Estudos po maior de ventilação mecânica e complicações no grupo de
clínicos sugerem que a posição prooa pode retardar a pro- tratamento. Considerando tais resultados, a ventilação parcial
gressão de VIU e atenuar a resposta inflamatória sistêmica líquida não é recomendada para pacientes adultos com SDRA.
associada.
A posição prooa tem riscos próprios: edema facial, úlce-
ras de pressão anteriores, deslocamento de cateteres veno-
Estratégias farmacológicas
sos ou tubo endotraqueal. Embora infrequeotes, devem ser Corticoides
considerados, urna vez que seus beneficios não estão consis- Em razão de tratar-se de uma entidade com desenvolvimen-
tentemente documentados. to relacionado com resposta inflamatória sistêmica, tem ha·
Esta medida pode ser considerada naqueles pacientes vido interesse no potencial benéfico dos corticoides no tra·
graves, com hipoxemia refratária a PEEP elevada e altas lamento da SDRA.
Prevenção da SDRA Apesar da ausência de evidência de que o NO melhore a
Thndo como substrato o uso de corticoide na prevenção de sobrevida, ele pode ser ulilizado como terapia de resgate nos
SDRA associada à embolia gordurosa, tomou-se atrativo o casos de bipoxemia refratária. Uma melhora na oxigenação
estudo de estratégia semelhante em pacientes clínicos, no clinicamente relevante após o início da terapia com NO deve
contexto de sepse grave e choque séptico. Porém, os ensaios ser observada para justificar seu uso continuado. Estudos so-
não mostraram beneficio do uso de corticoide na prevenção bre dose de NOll.2 1 sugerem que o pico da oxigenação acon-
daSDRA. tece com uma dose de NO menor ou igual a 20 ppm.

Tratamento da SDRA estabelecida Almitrina


O AROS Network arrolou 180 pacientes com SDRA para O besimesilato de almitrina é um vasocoostritor pulmonar
realizar ensaio clinico abordando o uso de glicocorticoides.10 seletivo que promove a vasoconstrição hipóxica quando ad-
Os pacientes foram inclufdos entre os dias 7 e 28 após o diag- ministrado por via intravenosa. Em a.lguns estudos envol-
nóstico de SDRA e randomizados para metilprednisolona ou vendo pacientes com SDRA que responderam à utilização
placebo. O grupo metilprednisolona apresentou menor tem- de NO, houve uma melhora dose-dependente da relação
po de ventilação mecânica, melhora da relação Pa01fi02 e Pa01fi02 quando a almitrina foi adicionada ao tratamento.
da complacência pulmonar, bem como menor tempo de in-
ternação em UTI, porém sem melhora na sobrevida. Prostaciclinas
A falta de melhora na sobrcvida pode ser explicada As prostaciclinas inalatórias produzem vasodilatação pul-
pelos paraefeitos dos corticoides a médio prazo, principal- monar seletiva, efeito este que, como o NO, pode melhorar
mente de fraqueza ncuromuscular grave, que pode estar a oxigenação. Apesar da pouca evidência sobre a utilização
associada à alta taxa de retorno à ventilação mecãnica no de prostaciclinas na LPA/SDRA, elas podem ser uma alter-
grupo tratamento. nativa de menor custo para o tratamento da hipoxemia re-
Algumas metanálises apresentam resultados conflitantes fratária, porém mais estudos são necessários neste perfil de
em relação ao uso de corticoides no tratamento da SDRA. pacientes.
As questões mais importantes são quando iniciar o uso de
corticoide no curso da SDRA, a dose e titulação, assim como
a duração do tratamento. Embora alguns dados sugiram me-
lhora de desfecho quando iniciado precocemente, os bene-
Estratégias de resgate
ficios de mortalidade deverão ser coof~rn~ados em estudos Membrana de oxigenação extracorpórea e SDRA
clínicos com maior poder e melhor desenho metodológico.
A membrana de oxigenação extracorpórea (ECMO) pode
manter a oxigenação, a remoção de C02 e o suporte de per-
Surfactante fusão por dias e até semanas. A membrana foi aprimorada
O racional teórico da repos1çao de surfactante na tecnicamente, recoberta por heparina, que reduz a reação
LPAJSDRA envolve a restauração do "filme" natural des- inflamatória no contato do sangue com as membranas. A
sa substância no pulmão, reduzindo a tensão superficial da caoulação venovcoosa para insuficiência respiratória isolada
interação ar-Hquido, diminuindo a tendência de colapso reduz as complicações circulatórias da canulação arterial, e a
alveolar e dessa forma melhorando a oxigenação mediante necessidade de menores níveis de anticoagulação reduziu os
redução do shun1. As evidências que sustentam a utilização níveis de complicações do uso.
de surfactante para a sfndrome da angústia respiratória do Em 2010 foi publicado o estudo CESAR, estudo rando-
recém-nascido são abundantes, porém os estudos em adultos mizado em pacientes com SDRA grave.22 No grupo ECMO,
têm sido muito menos promissores. 1!-ês estudos multicéntri- os pacientes eram transferidos ao centro de referência, sen-
cos em adultos falharam em demonstrar redução na mortali- do instalada ECMO em caso de hipoxemia refratária. No
dade, redução no tempo de ventilação mecãnica ou redução grupo-controle, os pacientes permaneciam no hospita.l de
no tempo de internação em UTI. Portanto, a suplementação origem e eram mantidos em ventilação mecânica convencio-
de surfactante em pacientes adultos com LPA/SDRA não é nal. O estudo foi interrompido por eficácia após inclusão de
recomendada. 180 pacientes. No grupo-tratamento, a sobrevida em 28 dias
foi de 76% em comparação com 50% no grupo-controle. A
sobrevida em seis meses sem sequelas foi de 63% em compa-
Óxido nítrico ração com 47% no grupo-controle. As críticas a esse estudo
A ulilização de óxido nítrico (NO) inala tório, um vasodila· se referem à falta de controle e aos parâmetros usados no
tador pulmonar seletivo, pode resultar em melhora da oxi- grupo-rontrole.
genação, melhora da relação ventilação/perfusão (V/Q) e Em 2009, durante a epidemia de gripe suína (H1N1),
redução da pressão da artéria pulmonar. difundiu-se o uso de ECMO como terapia de resgate para
Em uma revisão sistemática e metanálise reunindo 1.237 os pacientes com SDRA grave. Vários estudos relataram o
pacientes com LPA/SDRA, a utilização de NO foi associada uso de ECMO no tratamento de hipoxemia e/ou bipercapnia
a uma modesta melhora na oxigenação sem reduzir tempo refratária em pacientes com HlNl. São estudos não contro-
de venlilação mecânica ou mortalidade.• lados, mas que trouxeram uma nova perspectiva quanto ao
uso desta tecnologia no tratamento de pacientes graves com plificadas como 25 a 30 caloriaslkgldia para o cálculo do gas-
índices elevados de mortalidade. to energético total, ambas com 1,2 a 2 g de proteínaslkgldia.
A falta de estudos clínicos randomizados, o elevado cus· A hiperalimentação pode provocar hiperglicemia, disfun-
to e os riscos associados à ECMO reservam esse tratamento ção hepática e consequente dificuldade no desmame da ven-
para resgate de pacientes com SDRA refratários às medidas tilação mecânica. Os carboidratos tipicamente sempre foram
ventilatórias, em restritos centros de referência para esta te· mais associados à hipcrcapnia, mas um estudo conduzido por
rapêutica. Talpers c colaboradores mudou este paradigma.25 Mostrou-
·se que a quantidade de calorias ofertadas é mais importante
para o desenvolvimento de hipercapnia e dificuldade no des-
Membrana de remoção extracorpórea de C02 ou mame do que o percentual de carboidratos na dieta.
ILA (pumpless ínterventiona/lung assíst) Outra grande discussão sobre alimentação de pacientes
1Tata·se de uma membrana integrada a shunt arteriovenoso com SDRA é a utilização de ácidos graxos ricos em õmega-3.
passivo que proporciona extração extracorpórea de co,. A Há crescentes dados na literatura indicando que o uso des-
técnica baseia-se na redução de PaCOz, com maior seguran- ses ácidos graxos pode regular a resposta pró-inflamatória
ça em manter parâmetros protetores de ventilação mecâni- em pacientes com LPAISDRA, porém os estudos publicados
ca, níveis menores de liberação de mediadores inflamatórios apresentam resultados variados e inconsistentes para o uso
de tais formulações na alimentação nessa população.
e possibilidade de uso de valores maiores de PEEP para oti-
mizar a melhora da oxigenação. Não há necessidade de uso
de anticoagulação sistêmica. Ainda não há estudos clínicos Bloqueio neuromuscular
randomizados em SDRA. É contraindicada para pacientes Em torno de 25 a 55% dos pacientes com SDRA incluídos
com hipoxemia grave ou com instabilidade hemodinãmica. em estudos randomizados contemporâneos sobre essa s!n-
drome receberam bloqueadores neuromusculares (BNM). A
razão mais comum para sua utilização é promover a sincro-
Estratégias de suporte nia paciente-ventilador e melhorar a oxigenação. Recente·
mente, Papazian e colaboradoresll> avaliaram a administra·
O paciente que desenvolve SDRA é um paciente criticamen- ção de BNM por 48 boras em pacientes com SDRA grave.
te enfermo e deve ser, em primeiro lugar, abordado dentro Eles observaram que a administração precoce de BNM me-
das rotinas de qualidades assistenciais desenvolvidas em te- lhorou a taxa de sobrevida em 90 dias e aumentou o tempo
rapia intensiva. sem necessidade de ventilação mecânica, isso sem aumentar
a incidência de fraqueza muscular. Concluindo, existem evi-
dências de que a administração precoce de BNM associada à
Profilaxias ventilação protetora pode melhorar o desfecho em pacientes
Embora não exclusivamente testadas em pacientes com com SDRA grave sem aumentar a incidência de paraefeitos
LPA/SDRA, algumas proftlaxias devem ser avaliadas e ade- indesejáveis, porém ainda são necessários mais estudos para
quadamente indicadas. seu uso rotineiro.
Os pacientes com SDRA, em sua maioria, encontram-
·Se em ventilação mecânica por mais de 48 horas, entrao·
do em risco para o desenvolvimento de úlcera de estresse e Manejo volêmico
hemorragia digestiva, exigindo profilaxia para tal, com base Na SDRA, o edema pulmonar resultante do aumento da
em protocolo já bem definido na literatura. Além disso, as permeabilidade vascular piora com o aumento da pressão
profilaxias para tromboembolismo pulmonar (TEP), trom- hidrostática e redução da pressão oncótiea. O aumento do
bose venosa profunda {TVP) e úlceras de pressão também edema pulmonar está associado à piora da hipoxemia. 21 Es·
devem sempre ser instituídas e fazer parte do protocolo de tudos conduzidos nos últimos anos utilizando manejo volê-
qualidade assistencial de rotina. mico conservador (restrição volêmica) mostraram redução
no tempo de ventilação mecânica e menor tempo de inter-
nação em UTI. 21.lll
Suporte nutricional
Os pacientes com LPAISDRA caracterizam-se por apresen-
tarem um estado pró-inflamatório importante associado a
um catabolismo proteico marcado. O balanço calórico ne-
gativo pode aumentar o risco de infecção e levar a piores
desfechos, enquanto o balanço calórico positivo pode cau-
sar dificuldade de desmame e alterações metabólicas como
a hiperglicemia. As diretrizes sobre alimentação enteral da
American Society for Parenteral and Enteral Nutrition (AS-
PEN)11 e da European Society for Parenteral and Enteral
Nutrition (ESPEN) 24 sugerem o início precoce de nutrição
enteral e a adoção da calorimetria indireta ou fórmulas sim-
Definitions, mechanisms, relevant outcomes, and clinicaltrial coor-
Prognóstico dination. Am J Rcspir Crit Carc Mcd. 1994;149(3 Pt1):818-24.
Apesar da redução da mortalidade da LPA!SDRA na década 3. Zilbcrberg MO, Epstein SK. Acute lung injury in the medicai
de 1990, os índices permaneceram altos (entre 30 e 60%). A ICU: comorbid conditions, age, ctiology and hospital outeomc. Am
disfunção de múltiplos órgãos e a sepse são responsáveis por J Respir Crit Care Med. 1998;157(4 Pt 1):1159-64.
40 a 50% das mortes. Diversos fatores são citados na literatu-
ra como associados à maior mortalidade, como idade avança- 4. Murray JF, Matthay MA, Luce JM, Fliek MR. An expended de-
da, sexo masculino, raça negra, imunossupressão, abuso crô- finition o f tbe adult rcspiratory distress syndrome. Am Rev Respir
nico de álcool, uso crônico de corticoides, malignidade, LPN Ois. 1988;138(3):720-3.
SDRA secundária à sepse ou aspiração e relação PaOJFi02 5. Fialkow L, Vieira SR, Fernandes AK, Silva DR, Bozzetti MC;
9
$ 200, entre outros? A persistência de disfunções orgânicas Aeute Respiratory Distress Syndrome Researeb Group. Acute lung
e hipoxemia significativas após o terceiro dia foi indepen- injury and acutc respiratory distress syndromc at thc intcnsivc carc
dentemente associada à mortalidade em um estudo. A busca unit of a general univcrsity hospital in Brazil.. An epidemiological
por marcadores de prognóstico é crescente, podendo-se citar study using thc Amcrican-Europcan Conscnsus Critcria. Intcnsivc
níveis plasmáticos elevados de IL-1, IL-6, antígeno de fator Carc Med. 2002;28(11):1644-8.
de von Willebrand, elevação de pró-colágeno III no lavado 6. \Vare LB, Matthay MA. The acute respiratory distress syndrome.
broncoalveolar e fibrose pulmonar na biópsia transbrônquica N Engl J Med. 2000;342:1334-49.
como marcadores de maior mortalidade.
Os pacientes que sobrevivem têm significativas limita- 7. Gattinoni L, Pcsenti A. Thc concept of "baby lung". Intcnsivc
Carc Mcd. 2005;31(6):776-84.
ções funcionais, principalmente neuromusculares (polineu-
romiopatia), cognitivas (memória, atenção, concentração) 8. Whitehead T, Slutsy A. Tbe pulmonary physician in criticai care 7:
e psicológicas (depressão, ansiedade, transtorno de estresse vcntilator induccd lung injury. Tborax. 2002;57(7):635-42.
pós-traumático), com importante redução da qualidade de
9. Malhotra A Low-tidal-volume vcntilation in tbe acutc respiratory
vida até dois anos após a alta hospitalar. A disfunção pulmo-
distrcss syndromc. N Engl J Mcd. 2007;357(11):1113-20.
nar também é frequente, mas tem menor repercussão fun-
cional e recuperação mais rápida. Um estudo mostrou que 10. Amato MB, Barbas CS, Medeiros DM, Magaldi RD, Scbcttino
as provas de função pulmonar retornam à normalidade em GP, Lorenzi-Filho G, et ai. Effect of a protective-ventilation strategy
6 a 12 meses após a alta hospitalar e que a limitação no teste on mortality in tbc acute respiratory distress syndrome. N Engl J
da caminhada dos seis minutos deve-se a fraqueza muscular Med. 1998;338(6):347-54.
e alterações osteoarticulares. 30 11. Vcntilation with lowcr tida! volumes as compared with traditio-
naltidal volumes for acute lung injury and the acute respiratory dis-
tress syndrome. Acutc Rcspiratory Distrcss Syndromc Nctwork. N
Engl J Med. 2000;342(18):1301·8.
Conclusão
12. Villar J, Kacmarck RM, Pércz-Méndez L, Aguirrc-Jaimc A.
A SDRA é uma entidade de grande importância dentro da A higb positive end-expiratory pressurc, low lidai volume venti-
terapia intensiva e pneumologia, não apenas pela incidência Jatory stratcgy improvcs outcomc in pcrsistcnt acutc rcspiratory
considerável, mas devido à sua elevada morbimortalidade e distrcss syndrome: a randomized, controlled trial. Crit Care Mcd.
ao elevado custo associado em seu tratamento. Apesar de 2006;34(5):1311-8.
numerosos estudos, pouco se evoluiu em melhora da sobre-
vida desses pacientes. Há algumas perspectivas de desenvol- 13. Amato MDP, Carvalho CRR, isola A, Vieira S, Rotman V,
vimento de terapias de resgate, porém ainda com estudos Moock M, ct ai. 111 Consenso Brasileiro de Ventilação Mecânica.
iniciais, sem real beneficio definido e com elevado custo as- Ventilação mecânica na lesão pulmonar aguda (LPA) I síndromc do
desconforto respiratório agudo (SDRA). J Bras Pneumol. 2007;33
sociado.
Supi2:Sl19-27.
O objetivo mais importante no tratamento é manter o
seguimento das rotinas de qualidade assistenciais já defini- 14. Drower RG, Lanken PN, Maclntyre N, Matthay MA, Morris A,
das na literatura no manejo dos pacientes críticos, tanto nos Ancukiewicz M, ct ai. Higher versus lowcr positivc cnd-expiratory
casos de SDRA já instalados quanto na prevenção de seu de- pressures in paticnts witb tbe acute respiratory distress syndrome. N
senvolvimento. Isso passa pelo cumprimento de medidas de Engl J Med. 2004;351(4):327-36.
controle de infecção hospitalar, cuidados de enfermagem e 15. Dricl M, Meade M, Mercat A, Brower RG, Talmor O, \Valter
desenvolvimento de protocolos de rotinas assistenciais pelos SD, ct cl. Higbcr vs lowcr positivc cnd-cxpiratory prcssurc in pa-
médicos intensivistas. tients witb acute lung injury and acute respiratory distress syndrome:
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Fabrício Picolli Fortuna
Dagoberto Vanoni de Godoy
88
-se a saturação da hemoglobina arterial desejada para um
Introdução paciente específico.
O propósito da oxigenoterapia é aumentar o conteúdo de
oxigênio do sangue arterial entregue aos tecidos para faci-
litar o metabolismo aeróbico. A oxigenoterapia é vista por
Caracterização fisiopatológica da hipoxemia
muitos médicos como desprovida de paraefeitos, sendo bas- Determinação do gradiente alvéolo-arterial de oxigênio
tante prescrita no âmbito hospitalar mesmo sem indicação [gradiente (A-a)OJ
precisa para seu uso. Um estudo demonstrou que existe um A insuficiência respiratória (IR) pode ser dividida em duas
número muito maior de erros na prescrição de oxigênio do classes principais, conforme os mecanismos envolvidos na
que na de antibióticos, sendo alguns deles clinicamente sig- sua gênese: hipoxêmica (alveolocapilar - tipo I) e hipercáp-
nificativos: administração ao paciente errado, dosagem in- nica (ventilatória - tipo U).
correta, dispositivo de administração inadequado e inexis- A IR hipoxêmica não está associada à hipercapnia por-
tência de controle da eficácia terapêutica.' que a ventilação está mantida. Seus mecanismos fisiopato-
Em um pais onde existe importante contingenciamento gênicos podem ser predominantemente pulmonares ou não
de verbas para a saúde, a utilização inadequada de recursos pulmonares e incluem os seguintes componentes:
terapêuticos é um grande problema. A oxigenoterapia é res-
ponsável por uma parcela de aproximadamente 2,5% do cus- • Predominância pulmonar: 1) desuniformidade ventila-
to total de hospitais do Sistema Único de Saúde (SUS)? Nos ção/perfusáo; 2) curto-circuito arteriovenoso direito-
cenários extra-hospitalares, a oxigenoterapia domiciliar re- -esquerdo intrapulmonar ou intracardlaco; e 3) redução
presenta um gasto anual de cerca de R$3.800,00 por usuário. 3 da difusão de gases através da membrana alveolocapilar.
• Predominância não pulmonar: redução da oferta de oxi-
gênio aos tecidos por débito cardlaco diminuído ou pelo
Planejamento e execução da baixo conteúdo de oxigênio ligado à hemoglobina.

oxigenoterapia
O oxigênio, como qualquer outro fármaco, deve ser prescrito
em uma dose adequada, a qual deve levar em conta o flu-
xo de oxigênio (em Umin), o dispositivo fornecedor do gás,
[I] ATENÇÃO
como cateter nasal, óculos nasal e máscara (simples, de Ven- Na IR hipox!mica, há aumento do gradiente (A-a)01 •
turi, com reservatório), e o tempo de utilização para atingir-
A IR hipercápnica é caracterizada pela falência ventila- 1,34 = capacidade de earreameoto de O, da hemoglobina a
tória com a consequente elevação da PaC02• Existem três 37"C,emmUg
mecanismos causais da IR hipercápnica: 1) estímulo neural Sat0 1 = % de hemoglobina saturada de 0 1
insuficiente diante da demanda; 2) anormalidade mecânica Pa01 = pressão parcial de oxigênio anerial, em mmHg
na parede torácica; e 3) carga inspiratória e xcessiva. 0,0031 = coeficiente de solubilidade do oxigênio no plasma

DO, = DCx Ca0 2 x 10

onde:
OC = débito eardfaco, em mUminlm'

Percebe-se que a quantidade de oxigênio dissolvido no


plasma, portanto fora das hemácias, é muito pequena, sen-
Não é incomum que a IR ventilatória sobreponha-se a do sua contribuição negligenciável. As três variáveis funda-
um quadro já estabelecido de IR hipoxêrnica. A aplicação da mentais para o transporte de oxigênio são o conteúdo de he-
fórmula para cálculo do gradiente (A-a)02 permite a distin- moglobina ("transportador~). o percentual de saturação de
ção entre as duas formas de IR. hemoglobina ("oxigenação") e o débito cardíaco ("bomba/
resistê ncia").
É importante observar q ue para q ualq uer decréscimo e m
Gradiente (A-a)O, = [Fi02 (PB-47) - (PnCO/R) - PaOJ uma dessas variáveis (p. ex., queda d a saturação da hemo-
globina), o conteúdo arterial de oxigênio pode ser mantido
onde: constante pelo ajuste das outras variáveis, tanto quantidade
FiO, = fração inspiratória de oxigenio
de hemoglobina disponível quanto aumento do débito car-
PB = pressão barométrica local díaco, bem como por meio de ajustes na 1EO,.
47 = pressão do vapor d'água nas vias aéreas Para estimar a 1E021 deve-se comparar o conteúdo arte-
rial de oxigênio com o conteúdo venoso, obtido pela mesma
R = quociente respiratório, habitualmente estimado
em 0,8; quando respirando Fi02 superior a 0,6, a
fórmula, porém aplicada às amostras de sangue venoso pro-
correção pelo R pode ser eliminada venientes da veia cava superior ou da artéria pulmonar, este
Pn01 e PaC02 = pressões parciais de oxigenio e gás carbônico no também conhecido como sangue venoso misto:
sangue arterial

Cv0 2 = (Hb X 1,34 X SatvOz) + (Pv0 2 x 0,0031)


Determinação do transporte de oxigênio aos tecidos
e da extrafâo de oxigênio pelos tecidos V0 2• (Ca0 2 - Cv0 ,) x DC x 10
Após sua difusão pela membrana alveolar, o oxigênio liga-se
fortemente à hemoglobina presente na hemácia para ser ofe- onde:
recido aos tecidos periféricos durante a passagem pela rni- 0.02 = conteúdo venoso de oxigêruo
crocirculação. Em estados normais de repouso, o organismo Satv02 = saturaçio venosa de hemoglobina
utiliza apenas uma fração de cerca de 25% da quantidade Pv02 = pressão venosa de oxigênio
total de oxigênio circulante a cada passagem pelos tecidos, V02 = consumo de oxigênio
denominada taxa de extração de oxigênio (TEO,). Em caso TE02 = VOjDO,
de necessidade, a 1E0 2 pode ser aumentada até um máximo
de 85%. Embora na prática esse fato não aconteça de forma Essa observação permite verificar quando a oferta (DO,)
isolada, ele demonstra que se poderia quadruplicar a oferta está incompatível com o consumo de oxigênio (VO,). De-
de oxigênio sem que fosse necessário o incremento do con- pois, dependendo da causa, o tratamento deve ser dirigido.
teúdo total de oxigênio circulante. As causas de equilíbrio inadequado e n tre o ferta e consumo
As fó rmulas a seguir d eterminam o con tc\ldo total de oxi- d e 0 2 podem ser divididas assim:
gênio arterial oferecido aos tecidos em um determinado mo·
mcnto, também conhecido corno oferta de oxigênio (00,): • Baixo Ca02 com débito cardíaco normal: doença pulmo·
nar obstrutiva crônica (DPOC), curtos-circuitos intracardl-
acos, doenças intcrsticiais pulmonares, ambiente hipóxico
eao, = (Hb x 1,34 x SatOJ + (PaO, x 0,0031) (altitude), hernoglobinopatias, anemia grave, entre outros,
seriam causas de hipoxernia classificadas desse modo.
onde: • D0 2 inadequada por falência circulatória: estados de
eao, - conteúdo arterial de oxigênio choque com má distribuição da perfusão, além de débi-
Hb s hemoglobina, em g/dL to cardíaco inadequado ao quadro clínico, podem levar
à hipoxemia, mesmo com Ca02 normal. O estereótipo além de Pa0 2 ou Sat02, como enfatizado na discussão da
deste grupo é o choque distributivo. caracterização fisiopatológica da hipoxemia.

Classificar o mecanismo da hipoxemia de maneira ade-


quada com base na fisiologia é absolutamente inctispensável Dispositivos e fontes para
para determmar se a administração de oxjgêruo é de fato ne- administração de oxigênio
cessária para sua reversão. Existem diversos dispositivos para admiillstração de oxjgê-
Uma forma indiret a fundamental para avaliar a ade- nio a partir de fontes fornecedoras variáveis. No cenário
quação do equilíbrio entre 00 2 e V02 é a medida do lac- intra-hospitalar, as fontes mais utilizadas são cilindros de
tato sérico.' O lactato é um subproduto da glicólise ana- oxjgênio ou linhas centrais, ambas permitindo a obtenção do
eróbia, utilizada pela mitocôndria em situações de 002 gás em fluxos altos, quando necessário. Para deslocamentos,
inadequada. Seu aumento, portanto, sugere anaerobiose podem ser empregados cilindros portáteis com oxjgênio lí-
significativa, que pode ser secundária à hipoxemia ou quido ou gasoso. No domicílio, costuma-se empregar como
não. Estados prolongados de choque e inflamação sistê- fonte os concentradores de oxjgênio. Os concentradores são
mica podem causar disfunção e apoptose mitocondrial, a aparelhos que separam o oxjgênio do rutrogêruo do ar am-
despeito de 00 2 adequada, adicionando complexjdade à biente, de modo que a fração de oxjgêruo pode atingir 95%,
questão. em vez dos 21% do ar ambiente, com fluxos de 0,5 a 5 Umin.
O QUADRO 88.3 apresenta diversos sistemas para a admi-
nistração de oxjgêruo, bem como o fluxo suportado e a Fi0 2
Indicações para a administração obtida com eles.
de oxigenoterapia
A caracterização fisiopatológica da hipoxemia permite a • Cánula nasal: dispositivo que entrega um fluxo constante
aquisição de elementos suficientes para determinar a neces- de oxigênio à nasofaringe e orofaringe, as quais atuam
sidade de oxjgenoterapia. Tanto nas situações agudas (QUA· como um reservatório de oxjgênio com capacidade de 50
ORO 88.1)5 como nas crônicas (QUADRO 88.2)/ exjstem inctica- mL. Esse ctispositivo é bem tolerado pela maior parte dos
ções absolutas e relativas. pacientes e de fácil instalação. As grandes desvantagens
da cânula nasal são a sua incapacidade de proporcionar
altas concentrações de oxjgêruo inalado em pacientes
Metas para a oxigenoterapia que tenham uma ventilação-minuto elevada e a impreci-
O objetivo da oxjgenoterapia é o aumento adequado da são da Fi02• Quando a ventilação-minuto excede o fluxo
Pa02 ou Sat0 2 para suprir as necessidades do orgarusmo. de oxjgênio, o excesso de ventilação retira o oxjgênio do
No entanto, um aumento isolado da Pa0 2 não deveria ser ar ambiente e a Fi0 2 começa a declinar. A utilização de
considerado como evidência de concomitante oferta e con- fluxos maiores do que 5 L/min produz ressecamento da
sumo de oxjgênio pelos tecidos. Em muitas ocasiões, a falta mucosa nasal, dessecação de secreções e epistaxe, mes-
de melhora da oferta de oxjgênio aos tecidos decorre da mo com umidificação do gás.
tendência do oxigênio de reduzir o fluxo sanguíneo sistê- • Máscara simples: à semelhança da cânula nasal, é de fá-
mico. Esse fenômeno enfatiza a importância da adoção de cil instalação e manuseio, porém menos confortável. Não
outras medidas de aferição do sucesso da oxjgenoterapia deve ser utilizada com fluxo menor do que 5 Umin para

QUADRO 88.1 ~ Indicações para oxigenoterapia em situações agudas QUADRO 88.2 ~ Indicações para oxigenoterapia a longo prazo
em situações crónicas
Absolutas
- Hipoxemia aguda (PaO, < 60 mmHg; Sat01 < 90%) Absoluta
- Parada cardiorrespiratória - Pa02 S 55 mmHg ou Sat02 S 88%
- Hipotensão arterial (pressão sistólica < 90 e/ou pressão diastólica
< 60 mmHg) Relativas
- Débito cardíaco reduzido e acidose metabólica (bicarbonato < 18 - Presença de cor pu/mona/e
mmolll) - Pa02 de 55 a 59 mmHg ou Sat0 2 s 89%
- Esforço respiratório aumentado (frequência respiratória > 24 - Evidência de onda p "pulmonale" no eletrocardiograma
mrpm) - Hematócrito > 55%
- Insuficiência cardíaca congestiva
Relativas - Somente em situações especificas (Pa02 ~ 60 mmHg ou Sat02 ~
- Infarto do miocárdio não complicado 90%)
- Angina pectoris - Com doença pulmonar e dessaturação noturna não corrigível
- Dispneia sem hipoxemia com pressão positiva contínua nas vias aérea.s (CPAP)
- Anemia de células falciformes - Com dessaturação ao exercício (Pa01 S 55 mmHg)
f<lnte: Modificado de ACCP·NHlBI National Conferente on Oxigen Therapy.' Fonte: Modificado de Kim e Criner. 3
QUADRO 88.3 7 Sistemas para administração de oxigenoterapia

Cânula nasal 50 0,24


0,28
0,34
4 0,38
5 0,42

Máscara facial simples 15Cl-250 5·10 0,6

Máscara com reservatório e reinalação 75Cl-1 .250 5·7 0.75


parcial

Máscara com reservatório sem reinalação 75()-1.250 5·10

Máscara de Venturi 15Cl-250 Variável conforme fabricante 0,5

evitar-se a reinalação do C0 2 exalado não eliminado do A traqueobronquite secundária à hiperóxia é traduzida


espaço morto da máscara, fato que não ocorre em taxas por manifestações de desconforto retroestemal, tosse, dor
de fluxo maiores, capazes de "lavar" o espaço morto da de garganta, congestão nasal, irritação ocular e fadiga. O
máscara. dano alveolar difuso é mais comum de ocorrer em pacientes
• Máscara com reservatório e reinalação parcial: trata-se com síndrome da distrição respiratória do adulto (SDRA)
de uma máscara simples acoplada a um grande reserva- em tempo de ventilação mecânica prolongado. A displasia
tório alimentado por oxigênio em fluxo elevado. Durante broncopulmonar é caracterizada por destruição e fibrose
a expiração, o primeiro terço do volume corrente retoma das estruturas acinares de neonatos com muito baixo peso
ao reservatório e o restante dissipa-se por válvulas expi- submetidos ao trauma decorrente da ventilação mecânica e
ratórias. A desvantagem desse dispositivo é a necessida- hiperóxia, resultando em cicatrização e enfisema pulmonar.
de de não haver vazamentos de gás entre a pele da face e A hiperóx:ia pode interferir na produção de surfactante
a máscara, o que implica limitações para utilização da via e, junto com a "lavagem" do nitrogênio de unidades alveola-
oral para alimentação ou medicação. res com baixa relação ventilação/perfusão, provocar atelec-
• Máscara com reservatório sem reinalação: esse tipo de tasias por absorção.
máscara contém válvulas unidirecionais que impedem o Pacientes com retenção crônica de gás carbônico podem,
retomo do gás exalado para o interior do reservatório. ocasionalmente, apresentar supressão do estímulo respi-
Dessa maneira, a Fi0 2 aproxima-se de 100%. ratório ao receberem oxigenoterapia devido à redução da
• Máscara de Venturi: os dispositivos citados anteriormen- ventilação. Nesses pacientes, a combinação de redução da
te caracterizam-se por certa imprecisão na Fi02 ofertada ventilação e desemparelhamento ventilação/perfusão pode
ao paciente, desvantagem que é superada pela utiliza- resultar em acidose respiratória. Uma saturação de 0 2 entre
ção da máscara de Venturi. O dispositivo usa oxigênio a 90 e 92% manterá oxigenação adequada e minimizará o ris-
100% que, ao passar por um orifício estreito, gera uma co de hipercapnia e acidose respiratória.
força de sucção controlada sobre o ar ambiente, resul-
tando em uma mistura gasosa precisa com variação infe-
rior a 2% da Fi02 desejada. Oxigenoterapia extra-hospitalar
• Oxigenoterapia domiciliar: pacientes em repouso, respi-
rando ar ambiente e com Pa0 2 de 55 mmHg ou menos, e
Riscos e precauções pacientes com Pa02 entre 56 e 59 mmHg. com evidências
O metabolismo do oxigênio resulta predominantemente em eletrocardiográficas de cor pu/mona/e ou com hemató·
gás carbônico e água. No entanto, são gerados metabôlitos crito acima de 55%, têm indicação precisa de utilização
intermediários caracterizados por espécimes químicos reati- de oxigenoterapia a longo prazo. A administração de
vos com grande potência oxidante. Essas substâncias podem oxigênio por períodos prolongados proporciona redução
danificar as vias aéreas, os alvéolos, bem como outros teci- do hematócrito e melhora da hemodinâmica pulmonar.
dos, iniciando respostas inflamatórias e fibrose. O organis- A ox:igenoterapia proporciona redução do trabalho res-
mo sintetiza substâncias antioxidantes como catalase e supe- piratório, por meio do estabelecimento de um menor
róxido dismutase para neutralizar os espécimes reativos de volume-minuto e da queda da resistência das vias aéreas,
oxigênio. Entretanto, uma Fi02 acima de 50% supera essa consequentemente diminuindo a dispneia. As vantagens
proteção e danifica rapidamente o epitélio das vias aéreas, terapêuticas são apreciadas a partir da sua utilização por
provocando traqueobronquite, dano alveolar difuso e displa- 15 horas diárias, mas os melhores resultados são obtidos
sia broncopulmonar. com o uso continuado durante 24 horas por dia.6.s
• Oxigenoterapia em viagens aéreas: os aviões comerciais pita] Cristo Redentor baseado no método de custeio por atividade
mantêm uma pressurização da cabine que mimetiza a (ABC) (Internet). In: SEGeT: Simpósio de Excelência em Gestão e
atmosfera equivalente a uma altitude de 2.800 metros. Tecnologia; 2008; Resende, RJ. Resende: SEGeT; 2008 [capturado
Nessa condição, muitos pacientes com hipoxemia crôni- em 22 jan. 2011 ). Disponível em: http://www.info.aedb.br/segetlarti-
gos08!235_Artigo%20Arthur% 20Confortin%20Scgct%20oom%20
ca necessitarão de oxigenoterapia suplementar durante a
identificacao.pdf.
viagem, devendo ser instruídos a contatar previamente a
companhia aérea. 3. Kim V, Criner GJ. Oxygen tberapy. In: Albert RK, Spiro SG, Jett
JR, editors. Clinicai rcspiratory medicinc. 3rd. cd. Philadclphia:
Mosby-Elscvier; 2008. p. 535-41.

• CASO CLÍNICO 4. Rivcrs EP, Kruse JA, Jaeobsen G, Shah K, Loomba M, Otero
R, ct ai. The influence of early hcmodynamie optimization on bio-
Paciente com DPOC grave e cor pu/mona/e está inter· marker patterns of scvere sepsis aod septic shock. Crit Care Med.
nado há alguns dias para compensação do quadro de 2007;35(9):2016-24.
IR. Como parte dos cuidados terapêuticos, encontra-se
5. ACCP-NHLBI National Confercnce on Oxygen Therapy. Chcst.
recebendo diurético, broncodilatadores, corticoide e
1984;86(2):234-47.
antibiótico. Há 24 horas, sua dispneia aumenta progres-
sivamente. No momento, está em franca insuficiência 6. Long term domiciliary oxygen therapy in chronic hypoxic cor pul-
ventilatória, com esforço muscular respiratório aumen· monalc eomplicating chronic bronchitis and emphysema. Lance!.
tado, hipotensão arterial sistêmica, má perfusão peri· 1981;317(8222):681-6.
férica e saturação da hemoglobina arterial baixa (88%). 7. Gorccka O, Gorzelak K, Sliwinski P, Thbiasz M, Ziclinski J. Effcct
O ecocardiograma realizado à beira do leito demonstra of long-term oxygen therapy on survival in paticnts with chronic
ventrículo direito de tamanho normal, quando todos os obstructive pulmonary discasc witb moderate hypoxaemia. Thorax.
exames prévios demonstravam aumento desta cavidade. 1997;52(8):674-9.
Aumentar a oferta de oxigênio seria o melhor trata· 8. Continuous or nocturnal oxygen therapy in hypoxemic chronic
mento para este paciente? obstructive lung diseasc: a clinicai trial. Nocturnal Oxygcn Thcrapy
Nesta situação, provavelmente não. O que a ava lia- Trial Group. Ann Intern Med. 1980;93(3):391-8.
ção hemod inâmica à beira do leito sugere é a presen-
ça de hipovolemia, com redução do débito cardíaco, e
a consequente redução da DO,. Em um paciente com
OPOC grave, que necessita de um aporte ma ior de 0 2 Leituras complementares
para a musculatura respiratória mesmo em estados de Aubicr M, Murciano O, Fournier M, Milio-Emili J, Pariente R, Oe-
repouso devido ao maior trabalho respiratório, uma re- renne JP. Central respiratory drive in acute respiratory failure of pa-
dução do débito cardíaco como esta pode levar ao dese- ticnts with chronic obstructive pulmonary discase. Am Rev Rcspir
Ois. 1980;122(2):191-9.
quilíbrio ventilatório e à insuficiência ventilatória crônica
agudizada, mimetizando hipoxemia secundária à redu- Marino PL. Oxygen inhalation therapy. In: Marino PL. The lCU
ção do Ca0 2• Contudo, a prioridade aqui é a correção Book. 3rd ed. Philadclphia: Lippineon Williams & Wilkins; 2007.
do débito cardíaco, provavelmente mediante reposição p.403-18.
volêmica. Robinson TD, Freiberg DB, Regnis JA, Young IH. Tbe role of hypo-
ventilation and ventilation-pcrfusion redistribution in oxygen-indu-
ccd hypereapnia during acute cxacerbations of chronic obstructive
Referências pulmonary diseasc. Am J Rcspir Crit Care Med. 2000;161(5):1524-9.
1. Small D, Ouha A, Wicskopf B, Oajczman E, Laporta O, Krcisman Sociedade Brasileira de Pncumologia c Tísiologia. Oxigcnotcrapia
H, et ai. Uses and misuscs of oxygen in hospitalized patients. Am J domiciliar prolongada (OOP). J Pncumol. 2000;26(6):341-50.
Med. 1992;92(6):591-5.
Tiep BL, Carter R. Therapeutic oxygen. In: Hodgkin JE, Celli BR,
2. Longo E, Silva CTB da, Lótici KM, Saggin R. Custo das inter- Connors GL. Pulmonary rehabilitation: guidelincs to sueccss. 4th
nações hospitalares pelo Sistema Único de Saúde (SUS) do Hos- ed. St. Louis: Mosby-Elsevicr; 2009. p. 115-28.
Princípios da
Ventilação
Mecânica
lnvasiva e
Não lnvasiva
Cassiano Teixeira
Jorge Amilton Hoher
89
Paulo José Zimermann Teixeira

Ventilação Mecânica lnvasiva Princípios


Os aparelhos de VM insuflam, de forma intermitente, as vias
Definições respiratórias com volumes de ar (volume corrente, volume
O suporte ventilatório invasivo é um método usado no tra· de ar corrente ou VAC, tida/ volume ou VT). O movimento
lamento de pacientes com insuficiência respiratória aguda
ou crônica exacerbada (agudizada). A oferta se dá através
de uma prótese introduzida na via aérea (tubo orotraqueal,
tubo nasotraqueal ou cânula de traqueostomia) e de apare- QUADRO 89.2 7 Indicações de ventilação mecânica
lhos (ventiladores ou respiradores) que fornecem pressão
positiva nas vias aéreas. Hipoventilação e apoeia Insuficiência respiratória devido
Os objetivos da ventilação mecânica (VM) estão descri- (elevação na Paco, indicando a doença pulmonar intrfnseca
tos no QUADRO 89.1. hipoventilação alveolar), seja de e hipoxemia (redução da Pa02
forma aguda (les6es no centro consequente a alterações da
respiratório, intoxicação ou ventilação/perfusão ou até shunt
Indicações abuso de drogas) ou crônica intrapulmonar).
A VM está indicada nas situações clinicas em que o paciente (portadores de doenças com
desenvolve insuficiência respiratória, ou seja, quando existe limitação crônica ao fluxo aéreo
e obesidade mórbida).
incapacidade de manter valores adequados de oxigênio (O~)
e gás carbônico (COJ sanguíneos. As indicações de VM são Necessidade de reanimação Falência mecânica do aparelho
mostradas no QUADRO 89.2. devido a uma parada respiratório (fraqueza muscular,
cardiorrespiratória. doenças neuromusculares,
paralisia).
QUADRO 89.1 7 Objetivos da ventilação mecânica Comando respiratório instável Restabelecimento no pós-
(trauma craniano, acidente operatório de cirurgia de
- Manter as trocas gasosas (correção da hipoxemia e da acidose vascular cerebral, intoxicação abdome superior, torácica de
respiratória associada à hipercapnia). exógena e abuso de drogas). grande porte, deformidade
- Reduzir o elevado trabalho muscular respiratório secundário à torácica, obesidade mórbida.
alta demanda muscular metabólica (reverter ou evitar a fadiga
muscular respiratória e reduzir o excessivo consumo de oxigênio), Redução do trabalho muscular Parede torácica instável.
diminuindo assim o desconforto respiratório. respiratório e fadiga muscular.
dos gases para o interior dos pulmões ocorre pela geração Ciclo ventilatório
de um gradiente de pressão entre as vias aéreas superiores Durante a VM com pressão positiva, o ciclo ventilatório é
e os alvéolos. dividido nas seguintes fases (FIGURA 89.1):
No ajuste da VM, alguns parâmetros importantes são
controlados e outros são consequências dos ajustes dos 1. Fase inspiratória: corresponde à fase do ciclo em que o
primeiros (QUADRO 89.3). A leitura dos gases arteriais (pela ventilador realiza a insuflação pulmonar, conforme as
gasometria arterial) e a avaliação do conforto clinico do pa- propriedades elásticas e resistivas do sistema respirató-
ciente refletem a eficácia e a adequação dos parâmetros ven- rio. O máximo de pressão, fluxo ou volume oferecido
tilatórios selecionados pela equipe. corresponde aos limites. Válvula inspiratória aberta.
Na escolha do modo ventilatório, pode-se optar pelo 2. Mudança de fase ( ciclagem ): transição entre a fase inspi-
modo "assistido", quando o próprio paciente, de acordo com ratória e a fase expiratória.
sua demanda metabólica (produção de C02), defme a fre-
quência respiratória (FR), ou pelo modo "controlado", no
qual a FR é determinada pelo aparelho (ou seja, programa-
da pelo operador do aparelho).
Na escolha do regime ventilatóM, pode-se optar por ven-
tilar o paciente "a volume", quando se define o VT e o fluxo
Fluxo s O +---'
inspira tório (V) e, de acordo com a mecânica do sistema res- 4
piratório do paciente, uma determinada pressão será atingi-
3
da na via aérea, visando garantir o VT predeterminado, ou
"a pressão", quando se defme o pico de pressão inspiratória
Tempo
(Ppi) e o VT é consequentemente variável e dependente da
complacência do paciente.
FIGURA 89.1 ~ Fases do ciclo respiratório (curva de fluxo em ventilação
controlada por volume).

QUADRO89.3 ~ Parâmetros da ventilação mecânica

1o:r:fl\!Ui·l
Concentração de 0 2 Fi01 0,21-1,0 (2 1-100%)

Fluxo inspiratório (velocidade com que o ar é Selecionado diretamente por ajustes de fluxo (lJmin) ou ajustes da relação l:E
administrado) (tempo inspiratório:tempo expiratório)

Forma da onda de fluxo Descendente, quadrada, ascendente e sinusoide

Frequência respiratória (número de ciclos FR Definida pelo paciente (ventilação assistida) de acordo com suas necessidades
respiratórios que os pacientes realizam em metabólicas ou pela programação do aparelho (ventilação controlada)
um minuto)

Pressão positiva ao final da expiração PEEP Selecionada conforme contexto clinico

Pressão de platô Ppl Medida pela pausa inspiratória; representa a pressão real ofertada às vias
aéreas (define o risco de barotrauma)

Pico de pressão Ppi Consequência do ajuste dos demais parâmetros; ajuste conforme o volume
corrente, em função da resistência e complacência

Pressão média das vias aéreas Pvas Consequência do ajuste dos demais parâmetros

Volume corrente VT Selecionado nos regimes volumétricos e consequência nos regimes pressóricos

Tempo inspiratório Tl Consequência do ajuste da relação l:Ee do V

Tempo expiratório TE Consequência do ajuste dos demais parâmetros

Volume-minuto (produto da FR pelo VT) VE Consequência do produto da FR x VT

PEEP intrínseca (auto-PEEP) Medida pela pausa expiratória; representa o alçaponamento de ar nas vias
aéreas (broncospasmo)
3. Fase expiratória: momento posterior ao fechamento Pre..io ouociada Pressão de distensão
da válvula inspiratória e abertura da válvula expirató· 10 fluxo
pulmonar
ria, permitindo que a pressão do sistema respiratório
equilibre-se com a pressão positiva ao final da expiração
(PEEP) determinada no ventilador.
4. Mudança da fase expiratória para a fase inspiratória Pressão • O
(disparo): fase em que termina a expiração e ocorre o
disparo (abertura da válvula inspiratória) do ventilador,
iniciando nova fase inspiratória. Ppi • Pres + ~
Pres • R x V (ou stjo. produto da resistªnà• pelo flu xo)
~ • VT I C (ou ..,.. diVIsão do VT pela compladncia)
Análise gráfica
Curvas de fluxo (V} FIGURA 89.3 7 Componentes da pressão inspiratótia. (1) Representa
O fluxo costuma ser medido diretamente pelo ventilador, o pico de pressAo (Ppi) nas vias aéreas, que sofre interferência tanto
através de sensores de pressão posicionados entre a cânula do fluxo (PI'es = pressão resistiva) como da variação de volume (~ •
endotraqueal e o "Y" do circuito do ventilador. pressão elástica). (2) Corresponde ao momento de interrupção do fluxo
Nos modos controlados, após o início do ciclo, o fluxo inspiratório (pausa inspiratória) e determina a pressão de plat6 (Ppl).
aumenta até atingir um valor prefixado, chamado de pico de Este momento representa a pressão de equilíbrio do sistema respira!().
rio; já que não existe fluxo, n.lo Mo componente de resistência das vias
fluxo. O fluxo, nessa modalidade, vai definir o tempo em que
aéreas. somente o componente elástico do sistema respiratório.
a válvula inspiratória permanecerá aberta (TI), de acordo
com o VT estabelecido. As formas de curva de fluxo mais
utilizadas na prática clínica são a quadrada (que permite a
realização da monitoração da mecânica respiratória) e a des· Curvas de volume
cendente (que proporciona uma melhor distribuição do ar O gráfico de volume representa o volume pulmonar inspira-
inspirado) (FIGURA 89.2). do (curva ascendente) e o volume pulmonar expirado (cur-
Quando o fluxo inspiratório se encerra, fecha-se a váJ. va descendente). Os volumes são iguais, exceto nos casos de
vula inspiratória e abre-se a válwla expiratória do aparelbo, vazamento do sistema de ventilação {traqueia do respirador
começando então o fluxo expiratório. perfurada ou balonete do tubo endotraqueal desinsuflado),
Nos modos assistidos, as características da curva de fluxo desconexão do cireuito ou aprisionamento aéreo (FIGURA 89.4).
nos modos espontâneos (pico e duração) são determinadas
pela demanda do paciente.
Disparo do respirador
Curvas de pressão Durante a VM, uma variável de disparo predeterminada
A pressão em geral é medida diretamente pelo ventilador, necessariamente deve ser alcançada para se iniciar a inspi·
através de um sensor instalado próximo ao tubo endotra· ração. Nos modos controlados, essa variável é o tempo e é
queal {"Y" do circuito do ventilador). independente do esforço do paciente. Nos modos assistidos
Na inspiração, ocorre um aumento progressivo das pres· ou espontâneos, a inspiração começa quando se alcança um
sões dentro da via aérea (curva ascendente). À medida que o nível de pressão ou fluxo predeterminado (sensibilidade ou
fluxo de ar entra no sistema respiratório, a pressão inspirató· trigger). Nestes casos, o disparo do respirador pode ocorrer
ria se eleva. Para isso, ela deve vencer os dois componentes por pressão ou por fluxo.
intrínsecos das vias aéreas: o componente resistivo, isto é, Quando não há disparo do ciclo inspiratório (a pressão
a resistência ao fluxo de ar passando pelas vias aéreas, e o negativa não ult.r apassa o limiar determinado, ajustado no
componente elástico, ou seja, a distensão dos pulmões e da aparelbo), ocorre somente aumento do trabalbo respiratório
parede torácica. Esses dois componentes são demonstrados e, como consequência, a "dissincronía" ventilatória, o que
na curva pressão-tempo (FIGURA 89.3). geralmente é conhecido como "briga ou competição com o
Na expiração, ao contrário, como a pressão no sistema respirador" e exige intervenção, por tratar-se de um quadro
está elevada, a abertura da válvula expiratória promoverá a ameaçador à vida do paciente.
sarda passiva do VT.

Descendente Volume • O
Quadrada As<:e~nte Sinusoide
quadr.oda
Tempo

FIGURA 89.2 ~ Formas de curva de fluxo. FIGURA 89.4 ~ Curva de volume.


Curvas de pressão, volume e fluxo em função do tempo Ventilação mandatária contínua
Os aparelhos de VM apresentam seus registros graficamen- Neste modo, todos os ciclos da ventilação são mandatórios,
te pela expressão de três diferentes curvas em função do ou seja, disparados pelo ventilador. Quando o disparo ocor-
tempo (FIGURA 89.5). A análise em conjunto das três curvas, re pelo tempo, o modo é apenas controlado; quando ocorre
associada ao exame clínico do paciente, permite a realiza- pela pressão negativa ou pelo fluxo positivo realizados pelo
ção de quase todos os diagnósticos de "dissincronia" ven- paciente, o modo é assistido-controlado.
tilatória.
Ventilação mandatária continua com volume controlado- modo
controlado (CMV)
Modalidades ventilatórias convencionais Neste modo, são definidos a FR, o VT e o fluxo inspira tório.
As modalidades ventilatórias convencionais são resumidas O início da inspiração (disparo) ocorre somente de acordo
no QUADRO 89.4. com a FR preestabelecida (p. ex., se FR = 10 ipm, um dispa-

Modo controlado a volume Modo assistido Respiração espontânea

Curvas de volume O

Curvas de fluxo O

Curvas de ptessão 5

Tempo

AGURA 89.5 ~ Curvas ventilatórias em função do tempo nos modos controlados a volume, assistido e espontãneo.

QUADRO 89.4 -7 Modalidades ventilatórias convencionais

I,,,,.,.,..,"'"I !/ili!S 1313'·!@1


CMV Volume v
ACV T- P- f v
IMV T-P-f v P-f

PCV Pressão T

PCV·A T- P- f T

PSV P-f

T • tempo; P• pressio; f • fluxo; v • volume; CMV • ~!ilação mandat6ria contínua com volume controlado - modo controlado; ACV • ventilação mandat6ria continua
com volume controlado - modo assistido-<ontrolado; IMV • ventilaçio mandat6ria int~mitente; PCV • ventilação mandat6ria contínua com pressão controlada - modo con·
trolado; PCV·A • ventilação mandat6ria contínua com pressão controlada - modo assistido-controlado; PSV • ventilação com pressão de suporte.
ro ocorrerá a cada seis segundos). O disparo é por tempo e Ventilação com pressão de suporte (PSV)
não existe a possibilidade de o esforço do paciente disparar É um modo espontâneo de VM, ou seja, disparado e ciciado
o respirador mecânico. A transição entre a inspiração e a pelo paciente. O ventilador assiste à ventilação mediante a
expiração (ciclagem) ocorre depois de o VTpreestabelecido manutenção de uma pressão positiva predeterminada du-
ter sido alcançado. O tempo que demora para se alcançar o rante a inspiração até que o fluxo inspiratório do paciente
VT predefinido depende da velocidade do fluxo inspiratório reduza-se a um nível crítico (em geral 25% do pico de fluxo
ajustado no respirador. inspiratório atingido). Thl modo ventilatório permite que o
Este tipo de ventilação pode ocorrer com volume contro- paciente controle a FR, o TI e o VT. O VT é totalmente de-
lado (os ciclos mandatórios têm como variável de controle pendente do esforço inspira tório do paciente (pressão mus-
o volume, são limitados a fluxo e ciciados a volume) ou com cular), da pressão de suporte preestabelecida e da mecânica
pressão controlada (os ciclos mandatórios têm como variável do sistema respiratório. Cabe ressaltar que esse modo ven-
de controle a pressão, são limitados a pressão e ciciados a tilatório funciona apenas quando o paciente apresenta dri-
tempo). ve respiratório e traz risco de hiperventilação aos pacientes
(desenvolvimento de hipocapnia).
Ventilação mandatória contínua com volume controlado- modo
assistido-controlado (ACV)
Neste modo, a FR pode variar de acordo com o disparo de- Desmame da ventilação mecânica
corrente do esforço inspiratório do paciente. São mantidos A retirada da VM constitui o período mais conturbado do
fixos o VT e a velocidade do fluxo inspiratório. Caso o pa- paciente durante sua dependência do suporte ventilatório
ciente não atinja o valor predeterminado de sensibilidade invasivo. Esse período pode ocupar até 40% do tempo total
para disparar o aparelho, este manterá ciclos ventilatórios de VM, e a aplicação de protocolos que visam à identificação
de acordo com a FR minima ajustada no respirador (venti- diária dos pacientes em condições de interromper o suporte
lação de back-up). ventilatório reduz significativamente sua duração. Já a apli-
cação de índices fisiológicos ainda não demonstrou resulta-
Ventilação mandatória contínua com pressão controlada - modo dos confiáveis.
controlado (PCV) O desmame é o processo de transição da ventilação arti-
Neste modo, são fixados a FR, a relação I:E (tempo de ficial para a ventilação espontânea. O sucesso no desmame é
inspiração:tempo de expiração- substituto da velocidade de a não necessidade do retorno à ventilação artificial durante
fluxo inspiratório) e o limite de pressão inspiratória (Ppi). O pelo menos 48 horas após a extubação. O fracasso ou falên-
disparo é predeterminado pela FR. A ciclagem acontece de cia no desmame é o retomo à ventilação artificial antes des-
acordo com o tempo inspiratório ou com a relação I:E, e não sas 48 horas.
a volume ou fluxo conforme os regimes volumétricos. O VT A interrupção da ventilação mectlnica é a tolerância, por
é dependente da pressão inspiratória preestabelecida, do TI parte do paciente, ao teste de ventilação espontânea (QUA-
(tempo inspiratório) selecionado pelo operador e das condi- DRO 89.5). O teste de ventilação espontânea (TVE) é a téc-

ções de impedância do sistema respiratório. nica mais simples e eficaz de desmame da VM. É realizado
permitindo-se que o paciente ventile espontaneamente atra-
Ventilação mandatória contínua com pressão controlada - modo vés do tubo endotraqueal, conectado a uma peça em forrna
assistido-controlado (PCV-A) de "T", com uma fonte enriquecida de oxigênio (teste com
No modo assistido-controlado, os ciclos assistidos ocorrem tubo T), recebendo pressão positiva contínua em vias aére-
conforme o esforço do paciente ultrapassa a sensibilidade. as (CPAP) de 5 a 7 cmHzÜ ou com ventilação com pressão
O VT obtido também é dependente desse esforço. Os ciclos de suporte (PSV) de 5 a 7 cmHzO. Um TVE bem-sucedido
controlados seguem o padrão da PCV. define o sucesso da interrupção da VM. Os pacientes que
obtiverem sucesso no TVE devem ser avaliados quanto à
indicação de retirada da via aérea .artificial, visando à extu-
Ventilação mandatária intermitente (IMV) bação. Os pacientes que fracassarem no TVE devem receber
Neste modo, o ventilador fornece ciclos mandatórios a suporte ventilatório que promova repouso da musculatura
uma frequência predeterminada, porém permite que ci- durante 24 horas, revisão protocolar das possíveis causas do
clos espontâneos (disparados pelo paciente) ocorram en- fracasso e planejamento da estratégia a ser adotada a seguir
tre eles. Quando o ventilador permite que o disparo dos - nova tentativa de interrupção da VM ou uso de técnicas de
ciclos mandatórios ocorra em sincronia com o esforço do desmame gradual.
paciente, trata-se de ventilação mandatória intermitente A extubação é a retirada da via aérea artificial. Nos pa-
sincronizada (SIMV- synchronized intennittent mandatory cientes traqueostomizados, utiliza-se o termo decanulação.
ventilation), podendo também esses ciclos assistidos ser Denomina-se reentubação (fracasso de extubação) a necessi-
pressurizados pela pressão de suporte (PSV). Os ciclos dade de reínstituir a via aérea artificial.
mandatórios podem ocorrer com volume controlado ou O QUADRO 89.6 apresenta parâmetros recomendados
com pressão controlada. para VM em situações especificas.
QUADRO 89.5 ~ Passos para o desmame da ventilação mecânica

1rtM' rtro
Interrupção di~ria da sedação A

Identificação de pacientes elegíveis para a realização do teste de respiração espontânea: 8


- Melhora clínica
Oxigenação adequada (Pa0 1 ~ 60 mmHg com Fi01 S 0.4 e PEEP S8 cmH10)
capacidade de iniciar os esforços inspirat6rios
Estabilidade hemodinâmica (periusão tecidual adequada, ausência ou baixas doses de vasopressor e ausência de
insuficiência coronariana descompensada ou arritmiasgraves)
Nivel de consciência adequado (paciente desperta aos estimulos, é capaz de colaborar com o examinador e é capaz
de eliminar secreções respiratórias)

Realização do teste de respiração espontânea A


- A desconexão da ventilação mecânica deve ser realizada oferecendo oxigênio suplementar a fim de manter taxas de
saturação de oxigênio no sangue arterial (Sa0 1) acima de 90%
- Sinais de intolerância ao teste de respiração espontânea:
- Frequência respiratória > 35 ipm
- Saturação arterial de 0 2 < 90%
- Frequência cardf<lca > 140 bpm
- Pressão arterial sistólica > 180 mmHg ou < 90 mmHg
- Sinais e sintomas Agitação, sudorese, alteração do nível de consciência
- Os pacientes que apresentarem intolerância (falha) ao teste de respiração espontânea devem permanecer em repouso
(em ventilação mecânica) durante 24 horas, visando~ realização de um novo teste no dia seguinte

Avaliação da possibilidade de extubação:


- Manutenção da cabeceira elevada (30 a 45 graus)
- Correção da sobrecarga volêmica
- Ausência de intervenção cirúrgica próxima programada
- Equilíbrio acidobásico (pH ~ 7,30)
- Equilíbrio eletrolítico (K', Mg2' , Ca" e PO; l
- Teste de permeabilidade da via aérea (escape aéreo entre via aérea e cânula traqueal após desinsuflação do balonete
pode ser usado para identificar pacientes com maior chance de obstrução de via aérea, por edema ou granuloma,
após a extubação traqueal)

QUADRO 89.6 > Recomendação de parâmetros da ventilação mecânica em situações específicas

i \iM yiijll·f IH/\iúl 1·14·Itli:f.!34;1:fht \ , ..


Fi02 S0,6 para Sat. 0 1 > 90% S0,6 para Sat. 0 1 > 90% S 0,6 para Sat. 0 1 > 90%

VT S8 miJkg 6 a 8 miJkg s 6 miJkg

Ppico < 50cmH 20 <50 cmH20 <50 cmH20


Pplatô < 35cmH 10 < 35 cmH20 < 30 cmH20

FR 12-14 ipm 10-1 2 ipm 20 ipm

Relação I:E 1:3-1 :4 1:3-1:4-1:5 1:2

Fluxo > 60 IJmin IJmin > 60 IJmin

PEEP Ajuste para manter Sat. 0 1 > 90% e Ajuste para manter Sat. 0 1 > 90% e Ajuste pela curva:
Fi01 < 0,6 Fi0 2 < 0,6 pxv
SDRA • slndrome da distriç.io respiratória do adulto.
Alterações hemodinâmicas são resultantes de aumento da
Complicações da ventilação mecânica
pressão intratorácica, diminuição do retomo venoso e bipo-
Complica~es relacionadas com a via aérea artificial tensão, sobretudo nos pacientes bipovolêrnicos e sépticos. A
As complicações mais precoces da VM estão ligadas à difi· hiperdistensão gera ruptura alveolar e enfisema intersticial,
culdade de inserção do tubo na traqueia, podendo determi- que irá dissecar a trama vascular e os septos interlobares. É
nar agitação, vômitos e aspiração de conteúdo gástrico. A o que se denomina volutrauma, que causa pneumomediasti·
entubação traumática pode levar a perda de peças dentárias, no e pneumotórax. O volutrauma manifesta-se clinicamente
lesão das vias aéreas superiores, edema de glote, laringos- por aumento das pressões de pico e de platô, agitação, assin·
pasmo, edema de cordas vocais e sangramento. Quando o cronia com o respirador e choque.
paciente não está bem oxigenado durante o procedimento, A radiografia de tórax mostra ruperinsullação, pneumo-
advém a rupoxia e suas consequências, como arritmias, para- mediastino e pneumotórax. A distensão da parede alveolar,
da cardiorrespiratória e lesão encefálica. a redução do surfactante, o aumento da permeabilidade ca-
Para evitar tais complicações, o procedimento deve ser pilar e o aumento da filtração microva.scular com extravasa-
realizado por mãos experientes, com sedação, relaxamento mento líquido para o interstício são as alterações que ocor-
adequado e anestesia local com lidocaína. Antes de se ini- rem na lesão pulmonar induzida pela ventilação mecânica
ciar o procedimento, o paciente deve ser oxigenado com (VIL!). Na microscopia, o que se observa é dano alveolar
máscara, monitorando-se a saturação arterial de oxigênio difuso, hemorragia, infiltração de neutrófilos e fibroblastos.
continuamente; em caso de dificuldade ou dessaturação, o Há uma piora da resposta inflamatória sistêrnica, queda da
procedimento precisa ser interrompido para reoxigenação função pulmonar e aumento da disfunção múltipla de ór-
do paciente com máscara. gãos. Com a estratégica VM protetora, a incidência de VIU
O tubo deve ser escolhido de acordo com o tamanho diminui significativamente.
do paciente, e o seu posicionamento deve ser testado para
evitar localização esofágica ou entubação seletiva, em geral
no brônquio fonte direito, e consequente hipoventilação e
atelectasia. A contar da arcada dentária, uma boa referência Ventilação mecânica não invasiva com
para a localização do tubo traqueal é a marca dos 22 em. É pressão positiva
importante o controle radiológico do tórax. Na entubação
nasotraqueal, o aquecimento do tubo e a boa lubrificação Definições
podem prevenir sangramento nasal. A ventilação não invasiva (VNI) com pressão positiva consis-
Na ent ubação nasotraqueal, as complicações tardias te na oferta da pressão positiva ao paciente através de uma
mais frequentes são necrose nasal e sinusite. No caso de interface, em vez de via tubo traqueal ou traqueostomia. A
traqueostomia, pode ocorrer sangramento, pneumotórax, interface pode ser por máscara nasal, máscara facial, más·
hemoptise e enfisema subcutâneo e, tardiamente, estenose, cara facial total ou capacete. O QUADRO 89.7 faz uma com-
traqueomalácia e fístula traqueoesofágica. As complicações paração das caracterlsticas dos diferentes tipos de máscara
traqueais são na maioria das vezes decorrentes do excesso de utilizados para VNI e a FIGURA 89.6 demonstra os diferentes
pressão do balonete (cuff), que deve ser monitorada e não tipos de interfaces.
ultrapassar 20 a 25 mmHg.
A pneumonia associada à ventilação mecânica (PAV) é a
complicação infecciosa mais usual. A partir da entubação, a Vantagens
barreira glótica de defesa das vias aéreas inferiores fica su- O emprego da VNI apresenta duas vantagens clinicamente
plantada pelo tubo traqueal. Através do tubo traqueal, ger· importantes em comparação ao uso da VM invasiva: preser-
mes que colonizam o ambiente de unidade de terapia inten- vação das funções fiSiológicas como tosse, deglutição, ali·
siva (UTI) chegam às vias aéreas inferiores desenvolvendo mentação e fala; e redução das complicações associadas à
quadro pneu mônico. A incidência chega a 52%, dependendo VM, como lesão traqueal pelo ato da entubação e PAV. As
do tipo de UTI, da população estudada e principalmente dos indicações e contraindicações para o uso da VNI são descri·
critérios diagnósticos utilizados. tas no QUADRO 89.8, e o grau de recomendação para o uso da
VNI é descrito no QUADRO 89.9.
Complicações relacionadas com o respirador mecânico A VNI pode ser ofertada por pressão positiva contínua
nas vias aéreas (CPAP) ou Bilevel, pressão inspiratória sepa-
Falhas potenciais do respirador enquanto máquina são com-
rada da pressão expiratória, limitada a pressão ou a volume.
plicações previsíveis que incluem problemas no alarme, des-
Os ventiladores mecânicos para a liberação da VNI po-
ligamento involuntário do aparelho, falha na nebulização,
dem ser os mesmos ventiladores utilizados em UTI para o
umidificação e aquecimento, falta de sincronia e contamina-
suporte ventilatório invasivo (ventiladores convencionais)
ção bacteriana dos diversos componentes do aparelho.
ou ventiladores especificamente delineados para o suporte
ventilatório não invasivo. Apesar das vantagens e limitações
Complica~es relacionadas com a assistência ventilatória inerentes a cada um dos dois tipos de ventiladores mecâni-
As complicações clínicas incluem lllpoventilação e hiper- cos, as taxas de sucesso com a utilização de um ou de outro
ventilação e os consequentes desequilíbrios acidobásicos. sistema são comparáveis.
QUADRO 89.7 > Comparação entre os diferentes tipos de máscaras utilizadas na ventilação não invasiva

17t\1íl i;#l~f $1 u. rt'f\jJ i; i' t lti,,.. t'ft;jtl ';'li '3' •tt•l(\1.


Conforto +++ ++ +
Clausura + ++ +++
Reinalação de co, + ++ +++
Redução de CO, + ++ +
Expectoração ++ + +
Fala ++ + ++
Alimentação oral +
Obstrução nasal + + +

FIGURA 89.6 7 Diferentes tipos de interfaces para


ventilação não invasiva.
QUADRO 89.8 ~ Indicações, contraindicações e critérios para descontinuação da ventilação não invasiva

jiW·ll"tOO
Sensação de dispneia ou FR ~ 25 ipm Hipoxemia muito grave (PaOj Fi01 S 75) Intolerância~ ~seara ou aderência ruim

Paco, ~ 45mmHg ou pH s 7,35 Acidemia grave Falha na melhora da hipoxemia (Pa0jfi01 s 146 ou
s 175 com SDRA) após 1 hora de VNI

PaOj Fi01 S 200 Obstrução alta de vias aéreas falha na melhora do eslado menlal após 30
minutos de VNI

Paciente consciente e cooperativo Paciente inconsciente ou não cooperativo Instabilidade hemodinâmica, arritmias cardíacas ou
isquemia cardíaca

Fixação adequada da máscara Fixação inadequada da máscara Dificuldade no manejo das secreções respiratórias

Parada cardíaca ou apneia

Instabilidade hemodinâmica

Ciru rgia esofágica recente

Risco aumentado de aspiração pulmonar (secreção


copiosa, sangramento gastrintestinal, vômitos)

SORA = sindrome da distrição respiratória do adulto.

QUADRO 89.9 ~ Recomendações para uso da ventilação não invasiva: nível de evidência

Vários estudos randomizados e metanálises Mais de um estudo randomizado, estudos de Somente série de casos ou dados conflitantes
coorte e estudos de casos e controles dos estudos clínicos

- Exacerbação de doença pulmonar obstrutiva - Insuficiência respiratória no pós·operatório - Asma aguda grave
crônica (DPOC)

- Facilitação de desmame na DPOC - Facilitação de exame broncoscópico - Tratamento paliativo

- Edema pulmonar cardiogênico - Melhorar oxigenação antes da entubação - Pneumonia comu nitária grave

- Insuficiência respiratória hipoxêmica em - Prevenção de insuficiência respiratória - Lesão pulmonar agudalsíndrome da


imunossuprimidos após extubação em pacientes de alto risco distrição respiratória do adulto (SDRA)
(hipercápnicos, portadores de insuficiência
cardíaca)

Vários modos de liberação de VN1 têm sido usados, com quência respiratória, a dispneia e o uso de músculos acessórios
benefícios clínicos e fisiológicos significativos. Na insuficiên- da ventilação. No edema pulmonar cardiogênico, a máscara
cia respiratória aguda secundária à DPOC descompensada, de CPAP reduz a frequência respiratória, corrige a acidose
VNC, PSV e PAV todas resultaram em melhora em volume- respiratória e melhora a hemodinámica. Outros modos ven-
-minuto, frequência respiratória e gases sanguíneos arteriais, tilatórios, incluindo PSV, são igualmente eficientes em reduzir
ao mesmo tempo em que reduziram o trabalho dos músculos o trabalho respiratório e melhorar as variáveis fisiológicas no
ventilatórios e diminuíram o desconforto respiratório. Assim edema agudo de pulmão de causa cardiogênica, porém podem
como na VM ínvasiva, a adição da PEEP extrinseca compen- estar associados a efeitos hemodinârnicos adversos.
sa os efeitos da PEEP intrínseca, reduzindo o esforço ins- Modos ventilatórios que permitem o estabelecimento de
piratório necessário para o disparo do ciclo ventilatório e o uma frequência respiratória de base {VNC, PNC) podem
consumo de oxigênio. ser preferíveis para pacientes que apresentam desconforto
Na insuficiência respiratória Júpoxêmica de diferentes cau- respiratório grave, mecânica respiratória ou drive ventilató-
sas, a VN1 pode melhorar os gases sanguíneos arteriais, a fre- rio instáveis, episódios de apoeia ou de hipoventilação; nas
outras situações, modalidades espontâneas, com ou sem as- Hill NS. Noninvasive positive pressure ventilation. In: Thbin MJ.
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Avaliação do
Risco Cirúrgico
e Conduta
Preparatória
para Cirurgia
Dagoberto Vanoni de Godoy
Fabrício Piccoli Fortuna
90
Darcy Ribeiro Pinto Filho

dução da capacidade residual funcional (CRF), desunifor·


Introdução midade na relação ventilação-perfusão (V/Q) e aumento da
A compreensão das modificações que se produzem sobre o resistência ao fluxo nas vias aéreas. Essas alterações consti-
aparelho respiratório durante o ato cirúrgico e no período tuem a resposta normal do pulmão à injúria cirúrgica e, ao
pós-operatório é de suma importância para o dimensiona· mesmo tempo, a base para o sur gimento de complicações
mento da relação risco-benefício de determinado proce- (FIGURA 90.1). 1
dimento. O processo de avaliação de risco é multifatorial,
complexo, e não deve ser reduzido apenas à aplicação de
escalas com esse objetivo.
~ ATENÇÃO
O fator determinante mais importante para o surgi·
~ ATENÇÃO mento de complicações pulmonares pós-operatórias
é a presença prévia de disfunção pulmonar, retratada
A consulta clfnica para avaliação do risco cirúrgico pelo desempenho anormal nos testes pré-operató·
deve ser detalhada e levar em conta - em especial rios de função pulmonar.
se o procedimento a ser executado envolver o tórax
e/ou o abdome superior- os principais fatores cau·
sais de morbimortalidade: idade avançada, desnutri·
ção, função respiratória reduzida, cardiopatia, ato
cirúrgico com duração maior do que 120 minutos e
Procedimentos para avaliação
ressecção pulmonar extensa (pneumonectomia). pré-operatória de pneumopatas
e não pneumopatas para cirurgia
torácica ou abdominal alta
Alterações na fisiologia respiratória Na avaliação inicial, uma história detalhada deve procurar
secundárias ao ato cirúrgico evidenciar a presença de doenças prévias crônicas com pos·
sível redução da capacidade funcional, como diabete meli·
Fundamentalmente, estabelecem-se três alterações funcio- to, insuficiências cardíaca, renal ou hepática, arteriopatia
nais durante o ato cirúrgico torácico e/ou abdominal alto, obliterativa dos membros ou da circulação cerebral, bem
as quais podem permanecer pelos 7 a 10 dias seguintes: re· como os tratamentos realizados e o grau de controle dessas
Oot, ....~bolododt da I.J~Mrnediado<es
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Roduçio da ~pacidodo rosidual funcional

Dosunrfomudodo ""ntilação/pflfusão

Rts•stMcia aumentada das vtas H-reas

Aumonto do trabalho
1 1 Hipoxemia
1Retonção de secreções
respiratório colonização da orofaringe

Complicações precoces

lnfecçõos

Complicação tardia

lnsufocofnci<l rosporatóna cr6noca

FIGURA 90.1 ~ Alterações funcionais respiratórias secundárias ao ato cirúrgico e seu papel na gênese de complicações.
Fonte: Modificada de Wernly e De Meester.'
---------------------------------------------------
doenças. Perguntas sobre eventuais limitações por dispneia Espirometria
nas atividades diárias, como subir escadas, varrer a casa e
Os parâmetros espirométricos mais importantes para a ava-
caminhar no plano, fornecem estimativas razoáveis da capa-
liação pré-operatória são o volume ClCpiratório forçado no
cidade cardiopulmonar do paciente sem restrições musculo-
esqueléticas. primeiro segundo (VEF,), a capacidade vital forçada (CVF)
Portadores de doenças pulmonares, junto com indiví- e a relação VEF,!CVF. Em princípio, o paciente que apre-
duos que so(rem de distúrbios ventilatórios não relacionados sente um VEF, igual ou maior a 80% do previsto pode ser
com o parênquima pulmonar, c aqueles que sofrerão cirur- considerado apto, do ponto de vista funcional, para qualquer
gia de andar superior do abdome devem ter uma avaliação tipo de ressecção pulmonar, inclusive pneumonectomia. Um
pré-operatória especifica de seu aparelho respiratório. A VEF, superior a 60% do previsto permite a execução com
avaliação mínima da função respiratória inclui a realização segurança de lobectomia. Um VEF,(%) pré-operatório su-
de uma espirometria e de uma análise dos gases arteriais perior a 80% ocasiona uma taxa de mortalidade pós-opera-
em repouso. Se a cirurgia incluir ressecção de parênquima, tória inferior a 5%.
é desejável que haja um teste de capacidade de difusão do Se os resultados desses testes forem anormais, uma in-
monóxido de carbono (0 '-co)- tervenção clinica agressiva com suspensão do fumo, uso de
antibióticos, broncodilatadores e fisioterapia respiratória em duas a três vezes, ao passo que menor do que 60% do
pode minimizar ou reverter a disfunção. predito está associada a aumento da mortalidade.

Gasometria arterial
Embora a gasometria arterial faça parte da avaliação funcio- ~ATENÇÃO
nal global, seu poder discriminatório isoladamente é baixo.
Se VEF, e Dlco forem superiores a 80% do previsto,
Estudos recentes não conseguiram demonstrar que tanto a
não há necessidade de prosseguir-se a avaliação fun-
hipercapnia (PaC0 2 > 45 mmHg) como a hipoxemia (Pa02
cional respiratória, mesmo que a cirurgia inclua res-
< 55 mmHg) se constituam em fatores de risco independen-
secção parenquimatosa pulmonar, visto ser baixo o
tes para complicações. Apesar de controvérsias sobre o valor risco de complicações.
como preditor isolado para o desenvolvimento de compli-
cações pós-operatórias, a PaC0 2 é o melhor indicador da
ventilação alveolar. A presença de hipercapnia denota dis-
Nesse momento da avaliação pré-operatória, cabe com-
função significativa no sistema de trocas gasosas e, em geral,
plementá-la com a aplicação de uma escala multifatorial para
indica risco elevado para procedimentos cirúrgicos torácicos,
complicações pulmonares pós-operatórias (QUADRO 90.1).2
mas em casos selecionados não deve ser tomada como con-
traindicação absoluta à cirurgia.
Procedimentos adicionais à avaliação inicial
Capacidade de difusão do monóxido de carbono Nesta situação, estão incluídos os indivíduos portadores de
um ou mais fatores de risco para complicações e morte pós-
As anormalidades na Dlro costumam resultar da perda do
-operatória.
leito capilar pulmonar em decorrência de enfisema pulmo-
nar, hipertensão pulmonar e doenças intersticiais. A Dlro é
altamente preditiva para avaliar-se a possibilidade de com- Função respiratória reduzida
plicações, superando o VEF,. Uma Dlro inferior a 80% do Fumantes têm um risco aumentado de desenvolvimento de
previsto aumenta o risco de complicações pós-operatórias atelectasias e pneumonia devido a acúmulo de secreções res-

QUADRO 90.1 ~ Escala de risco para complicações pós-operatórias pulmonares

11#\loi;I•IJ;I@I
CVF <50%

VEF.jCVF 65 a 75%

VEF.jCVF 50 a 65%

VEF.jCVF < 50%

Idade > 65 anos

Obesidade

Cirurgia torácica ou abdominal alta

Cirurgia abdominal baixa ou periférica

Doença pulmonar

Sintomas respiratórios

Tabagismo ativo nos últimos dois meses

I·. l4f!·lt!Jittl! . nr.1;a ,.,,f.hlJ


Oa3 Baixo 6,1% 1,7%

4a6 Moderado 23,3% 6,3%

7 a 12 Alto 35% 11.7%


piratórias, deficiência nos mecanismos de limpeza brônquica A fórmula para a estimativa da DL00 pós-operatória é
e alta prevalência de doença pulmonar obstrutiva crônica semelhante. Pacientes com estimativas de VEF, ou DLco
(DPOC). De preferência, deve-se suspender o uso de tabaco pós-operatórios inferiores a 40% do previsto necessariamen-
oito semanas antes do procedimento cirúrgico. te deverão realizar teste de exercício antes de serem libera-
Indivíduos bronqufticos ou enfisematosos devem ser cui· dos para procedimentos cirúrgicos.
dadosamente pesquisados quanto à presença de hiper-rea- Em relação ao teste de exercício, o protocolo mais estu-
tividade brônquica (sobretudo se expostos a corticoterapia dado e validado é o de teste de exercício máximo, no qual é
sistêmica prolongada), tosse produtiva persistente, história utilizada esteira ou bicicleta ergométrica. O paciente exer·
de tabagismo pesado e descondicionamento físico de instala- cita-se até atingir o ponto de exaustão ou até que seja de-
ção subaguda ou crônica. terminado o vo2mú. o teste de exercício máximo aglutina
Pacientes portadores de asma brônquica tendem a ter uma série de fatores importantes para o bom andamento do
um maior número de complicações operatórias e pós-opera- ato operatório e do pós-operatório: motivação, condiciona-
tórias, sendo que 75% são respiratórias. Cerca de 6% dos as· mento físico e reserva cardíaca, sendo um preditor sensível
máticos previamente assintomáticos desenvolvem broncos- de morbidade e mortalidade pós-toracotomia. Indivíduos
pasmo transoperatório. No paciente asmático, os testes de com V0 2..., superior a 15 mUkg/min podem submeter-se a
função pulmonar pré-operatórios são essenciais para avaliar ressecçôes parenquimatosas pulmonares maiores. Pacientes
o grau de obstrução, verificar a efetividade de manobras te· com V0 2..., entre 10 e 15 mUkg/min e VEF, ou DLco pós-
rapêuticas e determinar o risco operatório e pós-operatório. -operatórios inferiores a 40% são inoperáveis?
Uma espirometria com teste de broncoprovocação está indi· Outras formas de teste de exercício (teste da subida de
cada em pacientes assintomáticos, mas com história pregres- escadas, teste da caminhada de seis minutos) vêm sendo es-
sa de asma brônquica. tudadas como alternativas mais simples em relação ao tes-
te de exercício máximo. O teste da subida de escadas pode
Estimativa da fun~ão respiratória pós-operatória predizer o consumo máximo de oxigênio (VO:bnJ. Pacientes
A adequada avaliação da função respiratória e a estimativa que conseguem subir cinco lanços de escadas têm um vo2m..
de perda dela, secundariamente ao ato cirúrgico, são os pas· maior do que 20 ml)kg!min. Ao contrário, pacientes incapa-
sos críticos na prevenção da invalidez funcional respiratória. zes de subir um lanço de escadas têm um VO:!>n'-' menor do
A pneumonectomia é a cirurgia que acarreta maior risco, e que 10 mUkg/min.
não existe diferença significativa quanto à taxa de mortalida· A FIGURA 90.2 propõe um algoritmo para avaliação fun·
de entre a lobectomia e as ressecções limitadas. cional respiratória de candidatos à cirurgia com ressecção
Dois métodos são utilizados para estimar-se a função parenquimatosa pulmonar.
respiratória pós-operatória: mapeamento cintilográfico com
estimativa do VEF, pós-operatório e/ou mensuração do con-
sumo máximo de oxigênio (V02m...) com teste de exercício
Doença cardiovascular
cardiopulmonar. Na avaliação do risco operatório de pacientes que deverão
A determinação do VEF, pelo mapeamento cintilográ- submeter-se à cirurgia torácica, devem ser analisados os se·
fico é realizada com a aquisição de imagens inalatórias (por guintes fatores de risco: cardiopatia isquêmica, insuficiência
meio da inalação de xenônio) e perfusionais (injeção de tec· cardíaca, arritmias, valvulopatias, hipertensão arterial sistê-
nécio) por câmera gama. O estudo perfusional em geral é mica e vasculopatia periférica.
preferido por ser tecnicamente mais simples. A partir daí,
estima-se a contribuição relativa da porção do parênquima
Cardiopatia isquêmica
a ser ressecado e calcula-se a contribuição funcional relativa Pacientes com doença isquêmica coronariana apresentam
risco aumentado de infarto do miocárdio perioperatório. In-
da porção do parênquima pulmonar a ser ressecado. O VEF,
pós-operatório é calculado pela fórmula a seguir: 2 divíduos com angina estável leve têm complicações cardioló-
gicas entre 2 e 5%. Em contraste, a presença de angina instá·
vel traz um significado prognóstico grave. Nos casos em que,
VEF, pós-operatório = VEF, pré-operatório x mediante cuidadosa história clínica, exame físico e eletrocar-
(1 - contnbuição relativa do parênquima a ser ressecado) diograma (ECG), se diagnostica angina leve, bem controla·
da por medidas farmacológicas, não há indicação absoluta
para a realização de cateterismo cardíaco e revascularização
Por exemplo, em uma lobectomia superior direita, sendo miocárdica. Entretanto, se o quadro clínico ínicial sugere
a perfusáo relativa do parênquima a ser ressecado de 27% e doença isquêmica mais avançada, a realização de um teste
o VEF1 pré-operatório de 80% do previsto: ergométrico é útil para a determinação da gravidade e da
necessidade de ulterior investigação.
Se houver impedimento à realização da ergometria em
VEF 1 pós-operatório = 80 x (1 - 0,27) razão de doença articular ou vasculopatia periférica, três
VEF, pós-operatório = 80 x 0,73 métodos podem ser utilizados para a elucidação do quadro
clínico: monitorização ambulatorial da isquemia (Holter),
VEF1 pós-operatório = 58% do previsto cintilografia miocárdica com estresse farmacológico e eco·
cardiografia com estresse farmacológico.
VEF, > 1,5 llobectomia VEF, > t ,Sllobectomia
VEF 1 > 2 L Pneumonectomia VEF, > 2 L Pneumonectomia
VEF, > 80% do pr<!'llisto VEF, > 80% do pr<!'llisto

1
Dispnéia
inexpltcada ou
pneumopatia
intersticialem
RXouTC

Não Sim

1
> 80% do pr<!'llisto ~ < 80% do pr<!'llisto f--------')
Estimar
VEF, eDt..o
p6s-
ope:ratórios

VEF, ou Dt..o p6s- VEF1 ou 0~0 p6s-


Ambos> 40%
operat6rios < 40o/o operat6rios < 30%

1
Teste de exercido
cardiopulmonar

V01'". > 1s
i
vo,_ 1oa > 15 VO,.... < 10
ml/l<glmin mVKglmin ml/Kglmin

Risco aceitável
1 1
Risco elevado
1
Risco proibitivo

AGURA 90.2 -+ Algoritmo para avaliação funcional respiratória de candidatos à cirurgia de ressecção parenquimatosa pulmonar.

A monitorização ambulatorial de isquemia miocárdi· fradesnivelamento do segmento ST igual ou maior do que 1


ca é menos dispendiosa e, geralmente, mais disponível em mm ocorrendo 0,08 segundos após o QRS e durando pelo
relação à cintilografia e à ecocardiografia de estresse. Os menos 30 segundos. Algumas condições podem provocar al-
critérios utilizados para a detecção de isquemia incluem in· terações no segmento ST e devem ser levadas em conta no
diagnóstico diferencial: estado pós-prandial, tônus autonô- no período perioperatório, mas somente 5% têm relevância
mico aumentado, uso de digital, anormalidades eletrolíticas clfnica. Extrassístoles ventriculares em uma pessoa com co-
e miocardiopatias. ração normal não são consideradas fator de risco para com-
A cintilografia miocárdica com dipiridamol-tálio 201 tem plicações cardíacas, mas devem ser muito valorizadas devido
demonstrado sensibilidade e especificidade para a detecção ao risco aumentado de morte súbita se há doença cardíaca
de doença coronariana. As taxas de complicações cardíacas isquêmica ou miocardiopatia.
no pós-operatório são de 1% em pacientes com cintilogra- A fibrilação atrial deve ser tratada para prevenir a ins-
mas normais e 17,5% naqueles com cintilogramas altera- talação de alta resposta ventricular. Se for detectada taqui-
dos. A tomografia computadorizada por emissão de fótons cardia ventricular não sustentada, toma-se necessário um
(SPEcr) com tecnécio 99 também é útil na avaliação fun- estudo eletrofisiológico. Pacientes com bloqueio AV de se-
cional de áreas isquêmicas. gundo grau (Mobitz tipo li) e um complexo QRS alargado
A detecção de anormalidades na movimentação da pare- devem receber marca-passo temporário. Se um marca-passo
de cardíaca causada por isquemia é feita com grande facilida- definitivo estiver sendo utilizado, deve-se determinar se seu
de mediante utilização da ecocardiografia bidimensional, e a funcionamento pode ser alterado pela influência da estimu-
sensibilidade e especificidade do teste podem ser aumentadas lação elétrica provocada pelo eletrocautério.
quando realizado em condições que coloquem o miocárdio sob
estresse. A constatação de uma nova área de disfunção ou a Valvulopatias
exacerbação de um defeito antigo na motricidade da parede O espectro de sinais e manifestações de defeitos valvulares
proporciona a esse teste um valor preditivo positivo entre 29 e cardíacos vai do paciente assintomático até o colapso cardio-
42%, e um valor preditivo negativo entre 95 e 100% para com- vascular agudo. As valvulopatias amplificam as flutuações
plicações coronarianas no período pós-operatório. O estabele- hemodinâmicas secundárias à anestesia. A lesão mais impor-
cimento de hipotensão arterial sistêmica durante uma prova de tante a ser identificada pré-operatoriamente é a presença de
estresse farmacológico induzido por dobutamina também está estenose aórtica grave, a qual está associada a uma mortalf-
associado a desfecho cardíaco desfavorável no pós-operatório. dade perioperatória de 13%.
Atualmente, as frequências de reinfarto do miocárdio Pacientes com estenose aórtica apresentam um débito
ou morte por causa cardíaca no pós-operatório de cirurgia cardíaco "fixo", tolerando muito mal a hipovolemia e poden-
não cardíaca em pacientes com infarto agudo do miocárdio do apresentar colapso cardiovascular com o uso de vasodilata-
(lAM) prévio são as seguintes: 1) 1AM há menos de três me- dores. A insuficiência aórtica crônica parece ter seu risco re-
ses: 6%; 2) 1AM entre 2 e 6 meses: 2%; 3) IAM há mais de lacionado mais com a condição de desempenho do ventrículo
6 meses: <2%. esquerdo do que com a gravidade da regurgitação valvar. A
O cateterismo cardíaco para o estudo das artérias coro- taquicardia é bem tolerada, mas não a bradicardia. Em geral
nárias deve ser feito naqueles pacientes com história de in- não há necessidade de monitorização hemodinâmica perio-
farto do miocárdio recente ou de dor torácica atípica e com peratória. Nos pacientes com estenose mitral, pequenas va-
testes não invasivos inconclusivos. A execução de cirurgia riações no equilíbrio eletrolftico podem resultar em marcada
de revascularização miocárdica previamente a uma cirurgia alteração hemodinâmica, motivo pelo qual a monitorização
torácica não cardíaca é aconselhável, embora de difícil deci- hemodinãmica invasiva perioperatória deve ser instituída.
são, quando se diagnostica doença coronariana grave, sobre- Nos valvulopatas, a investigação pré-operatória deve ini-
tudo se houver disfunção ventricular esquerda. ciar pela realização de ecocardiografia. Pode haver necessi-
dade de confJimação da gravidade do defeito hemodinâmico
Insuficiência cardíaca por meio de cateterismo cardíaco. A detecção de estenoses
A detecção de insuficiência cardíaca esquerda ou de insufi- aórticas ou mitral críticas coloca o paciente em um grupo em
ciência cardíaca congestiva, seja por anamnese e exame físico, que deve ser considerada a substituição da válvula afetada
seja por propedêutica armada, toma mais prováveis as compli- antes da cirurgia de ressecção do parênq uima pulmonar.
cações no pós-operatório. A cirurgia deve ser precedida pela Pacientes com próteses valvulares e em anticoagulação
compensação do quadro clínico, e a investigação pode ser rea- oral devem ter os anticoagulantes orais substituídos por he-
lizada com ecocardiografia e ventriculografia radioisotópica. parina fracionada ou de baixo peso molecular e receber pro-
O estudo ecocardiográfico - por seu baixo custo e dis- filaxia para endocardite.
ponibilidade- é o teste inicial, mas a qualidade de imagem
pode não ser adequada em 5 a 20% dos pacientes estudados. Hipertensão arterial sistêmica
A ventriculografia radioisotópica é capaz de avaliar a fun- A avaliação pré-operatória do paciente com hipertensão
ção cardíaca de forma regionalizada ou global; além disso, deve incluir a pesquisa de órgãos-alvo como disfunção re-
pode-se avaliar adequadamente a função do ventrículo direi- nal, cardiopatia isquêmica e doença vascular periférica. A
to de pacientes com DPOC e hipertensão arterial pulmonar incidência de 1AM em pacientes hipertensos é de cerca do
secundária. dobro da dos indivíduos sem hipertensão.

Arritmias cardíacas e defeitos de condução Doença va.scular periférica


Mais de 80% dos pacientes submetidos a uma cirurgia com A relativa inatividade física de pacientes com doença vascu-
anestesia geral desenvolvem algum tipo de arritmia cardíaca lar periférica faz com que frequentemente não apresentem
QUADRO 90.2 ~ fndice multifatorial de risco cardíaco para cirurgias não cardíacas (escore de Goldman)

1. História
- Idade > 70 anos 5
- IAM nos seis meses anteriores 10

2. wme físico
- Galope com 83 ou turgência jugular 11
- Estenose aórtica 3

3. ECG
- Ritmo n~o sinusal ou extras.sistoles supraventriculares (ESSV)
- Mais de 5 extrasslstoles ventriculares (5 ESV)

4. Estado geral
- Pa02 < 60 mmHg ou PaC0 2 > 50 mmHg K < 3 mEq/1., HCO, < 20 mEq/1., TGO anormal,
hepatopatia crônica, restrição ao leito por causa não cardíaca

5. Cirurgia
- lntra·abdominal, intrator~cica ou aórtica
- Emergência 4

TOTAL 53

().5 0,2%
6-12 2,0%
111 13·25 2,0%
IV > 26 56%
Fonte: Goklman e colaboradores.'

angina pectoris, mesmo na presença de doença arterial coro- Desnutrição


nariana moderada a grave. Perda pondera! maior do que 10% do peso ideal ou albumina
Os três escores mais utilizados na avaliação de risco car- menor do que 3,4 gldL representam risco significativo de mor-
díaco para pacientes de cirurgia não cardíaca estão demons- bidade e mortalidade, em especial no que tange à cicatrização
trados nos QUADROS 90.2, 90.3 e 90.4•..,; brônquica, à eclosão de infecções e à disfunção da musculatu-
ra respiratória. À medida que a perda de peso aproxima-se dos
Idade avançada 30%, há um grande incremento da morbidade e mortalidade,
O doente com idade avançada tem redução do desempe- que pode chegar perto dos 95%. Se a desnutrição não for ade-
nho cardiovascular, do fluxo expiratório máximo, da força quadamente tratada, o risco de mortalidade aumenta cerca de
e da resistência da musculatura respiratória. O volume de 37% para cada grama de déficit de albumina sérica.
oclusão das pequenas vias aéreas está aumentado. Toman- Alguns outros índices séricos também denotam desnu-
do-se como base os indivíduos operados aos 60 anos de trição importante o suficiente para levar à implementação
idade, o risco de complicações dobra em pacientes com de nutrição enteral ou parenteral pré-operatória. Uma con-
3
mais de 70 anos e quadruplica na oitava década de vida. tagem de linfócitos totais entre 1.200 e 2.000/mm está asso-
Ressalte-se o fato de que a idade a ser valorizada é a bio- ciada à depleção nutricional leve, mas as contagens menores
lógica, e não a cronológica. Se, após uma avaliação crite- do que 800/mm3 traduzem grave comprometimento. A trans-
riosa, não for detectada nenhuma contraindicação clínica ferrina sérica também pode ser utilizada como parâmetro,
ao procedimento cirúrgico, a idade avançada não deve se devendo-se valorizar os níveis inferiores a 200 mgldL, na au-
obstáculo. séncia de doença renal ou anemia ferro priva.
A mortalidade relacionada com a ressecção pulmonar
em pacientes com mais de 70 anos portadores de carcinoma Considerações sobre a avaliação do paciente com carcinoma
brônquico varia entre 2,3 e 17,2%. A extensão da ressecção, brônquico
a presença de insuficiência cardíaca congestiva e a história A atitude clínica inicial da avaliação pré-operatória é a de
de ressecções pulmonares prévias relacionam-se com com- revisão do estadiamento TNM e constatação da concordân-
plicações graves ou morte nessa faixa etária. cia ou da discordância deste com a capacidade de desempe-
QUADRO 90.3 ~ indice multifatorial de risco cardíaco para QUADRO 90.4 ~ fndice multifatorial de risco cardíaco para
cirurgias não cardíacas (escore de Detsky) cirurgias não cardíacas (escore de lee)

lmrürrm1
Idade > 70 anos Cirurgia intratorácica, intrape.-itoneal ou vascular
infrainguinal
IAM há menos de seis meses 10
História de doença cardíaca isquêmica
IAM há mais de seis meses
História de insuficiência cardíaca congestiva
Suspeita de estenose aórtica crítica 20
Diabete melito insulino-dependente
Ritmo não si nu sal ou extrassístoles atriais no ECG
pré-operatório imediato Creatinina > 2 mg/dl
Mais de cinco e)((rassístoles ventriculares/minem
qualquer momento pré-operatório História de doença cerebrovascular

Condição clínica geral ruim



Angina classe 111 Baixo 0-1

Angina classe IV 10 Intermediário


Angina instável nos seis meses prévios 20 Alto
Edema agudo de pulmão na semana prévia 10

Edema agudo de pulmão prévio 10


QUADRO 90.5 ~ Escala combinada de capacidade de
Cirurgia de emergência desempenho para paciente oncológico

r. Sem qualquer restrição (90 a 100%).


Baixo < 15 Restrição para atividade física com esforço, mas com
regime ambulatorial. Capaz de realizar trabalho leve (70 a
Alto > 15 BO%).
Fonte: Detsky e colaboradores.s
Incapaz de trabalhar, mas capaz de cuidar de si próprio
em regime ambulatorial. Fora do leito por mais de 50% do
tempo (50 a 60%).
nho apresentada pelo paciente. É pouco provável que um
paciente classificado com estádio I, por exemplo, apresente Capaz de cuidar de si próprio de forma limitada. Permanece
no leito ou cadeira por mais de 50% do tempo (30 a 40%).
uma capacidade de desempenho muito baixa. As escalas de
capacidade de desempenho mais utilizadas são a de Karno- 4 Completamente incapaz. Confinado ao leito ou à cadeira
fsky e a do Eastern Cooperative Oncology Group (ECOG) (10a 20%).
(QUADRO 90.5). A obtenção de sucesso cirúrgico decresce de
maneira importante a partir de uma capacidade de desem- Fonte: lte e colaboradores.'
penho inferior a 50%.

3. Smith TP, Kinasewitz GT, Tucker WY, Spillers WP, George RB.
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Artur Burlamaque
FábioAmaral Ribas
91
labado entra nas vias aéreas do pulmão contralateral e é
Introdução devolvido na inspiração. Esse fenômeno se acompanha de
O conhecimento da avaliação pré-operatória para as res- hipercarbia e hipoxemia.'
secções pulmonares, da fisiopatologia do tórax aberto, das O leitor pode se perguntar quais são os aspectos práticos
técnicas de isolamento pulmonar, da ventilação monopul- que derivam da descrição desses fenômenos fisiopatológicos.
monar e das técnicas de analgesia pós-operatória constitui Diversas decisões anestésicas têm como base o conhecimen-
a base para a anestesia torácica. Tais temas são abordados to recém-descrito. Procedimentos sobre cavidades pleurais
neste capítulo com uma ênfase prática, com exceção da que não permitem o pneumotórax, por estarem fixas devido
avaliação pré-operatória, apresentada no Capítulo "Ava- a processos patológicos crônicos, podem ser realizados sob
liação do Risco Cirúrgico e Conduta Preparatória para ventilação espontânea. Alguns procedimentos com peque-
Cirurgia". E m seguida, são descritos certos detalhes de nas aberturas no tórax e de curta duração também podem
importância para alguns dos procedimentos específicos da ser feitos da mesma forma. De fato, mesmo as lobectomias
especialidade. videoassistidas estão sendo realizadas com sucesso em ven-
tilação espontânea e anestesia peridural torácica em alguns
centros.
Por outro lado, as grandes aberturas no tórax geral-
Tórax aberto mente implicam ventilação com pressão positiva e aneste-
Como se sabe, a abertura do tórax é mal tolerada quando o
paciente encontra-se em ventilação espontânea. Dois fenô-
menos se estabelecem à medida que isso acontece: o balanço
do mediastino e a ventilação paradoxal (FIGURAS 91.1 e 91.2).
O balanço do mediastino acontece porque o ar entra no
tórax aberto quando o paciente realiza o esforço inspira-
tório, o que, associado à pressão negativa no tórax contra-
lateral, empurra o coração e os grandes vasos para aquele
lado. Durante a expiração, o ar sai rapidamente da cavidade
aberta e o medias tino tende para o lado aberto. Esse balanço
tem consequências hemodinâmicas e pode se acompanhar
de hipotensão, baixo débito e bradicardia. Inspiração Expiração
Por sua vez, a ventilação paradoxal acontece porque,
durante a expiração, o gás proveniente do pulmão não co- FIGURA 91 .1 7 Balanço do mediastino.
Descrição dos dispositivos
Os dispositivos capazes de realizar o isolamento pulmonar
são os bloqueadores brônquicos, os tubos endobrônquicos
e os tubos de duplo lúmen. No QUADRO 91.2 estão listados
alguns tipos desses dispositivos. Os tubos de duplo lúmen
são os mais utilizados em adultos, disponíveis na forma des-
cartável e reutilizável, a partir da numeração 26 até 41 (FIGU·
RAS 91.3 e 91.4). Os tubos hoje comercializados têm algumas
diferenças dos descritos originalmente, tendo sido descarac-
lnspiraç3o Expiraçilo terizados de modo gradual e inclusive recebendo outras de-
FIGURA 91.2 ~ Ventilação paradoxal. nominações conforme o seu fabricante.
Em pediatria, os bloqueadores brônquicos são os mais
usados, em associação com os tubos simples traqueais. Hoje
são comercializados bloqueadores brônquicos especificas
sia geral. 'làmbém nessa situação existem cuidados impor-
tantes a serem tomados, como não permitir que o paciente
assuma a ventilação espontãnea antes que o tórax esteja
fechado, o pulmão expandido e o dreno de tórax em selo QUADRO 91.2 ~ Dispositivos para as várias técnicas de isolamento
d'água ao final da cirurgia. Enfim, estes são apenas alguns
exemplos da necessidade de se ter os conhecimentos aqui 1. Bloqueadores br6nquicos
mencionados. - Maguill
- Fogarty
- Foley
- Bloqueador do tubo de Univent
Isolamento pulmonar - Uniblocker
- Arndt
As indicações para o uso de dispositivos para o isolamento - Cohen
pulmonar estão listadas no QUADRO 91.1. Com exceção das
ressecções pulmonares videoassistidas, todas relacionadas 2. Tubos endobr6nquKos de lúmen simples
no item de exposição cirúrgica são indicações relativas. A - Macintosh·leatherdale (esquerdo)
utilização cada vez mais abrangente tem sido a regra. Isso - Gordon-Green (direito)
se deve a vários fatores, entre eles a facilitação para cirurgia,
3. Tubos endobr6nquicos de duplo lúmen
com a diminuição do tempo e trauma cirúrgicos, e o baixo - Carlens (esquerdo)
lndice de complicações graves decorrentes do emprego des- - White (direito)
ses dispositivos por pessoal experiente. 2"" - Robertshaw (esquerdo e direito)
- Modelos e nomenclaturas especificas de cada fabricante
(esquerdos e direitos)
------ ---------------
QUADRO 91.1 ~ Indicações para a anestesia monopulmonar

1. Controle de secreções
- AbKesSO
- Bronquiectasias
- Hemoptise
- Cisto hidático
2. Controle da via aérea
- Flstula broncopleural
- Ressecç.lo brônquica sem coto
3. E.xposiçlo árúrgica
- Ressecç.lo pulmonar
- Cirurgia esofágica
- Cirurgia a6rtica
- ToracoKopia
- Ressecç.lo pulmonar videoassistida
4. Procedimentos especiais
- Llvagem pulmonar
- Ventilação independente FIGURA 91.3 ~ Tubo de Carlens.
------------------
~ ATENÇÃO
Os tubos de Carlens números 39 e 41 são adequa-
dos para a maioria dos homens, ao passo que os
números 35 e 37, para a maioria das mulheres.

Complicações
Como já foi dito, a escolha correta do tamanho do tubo é
essencial para a profilaxia de complicações. Além disso, a
experiência do anestesiologista sem dúvida contribui para
FIGURA 91 .4 ~ Tubos de duplo lúmen sem gancho carinal, de PVC e diminuir o número de complicações. Estas são:
diferentes fabricantes. Modelo esquerdo acima e direito abaixo.
• Ruptura brônquica
• Lesão isquêmica da mucosa respiratória
para este fim, como os bloqueadores de Arndl, de Cohen e o • Hipoxemia
bloqueador do tubo de Univent, inclusive com numerações • Disfonia pós-operatória
pediátricas. Seus balonetes têm um formato mais adequado • Odinofagia pós-<>peratória
para o uso brônquico e, portanto, devem ser preferidos ao • Lesões de dentes e partes moles orais
tradicional cateter de Fogarty. • Lesão esofágica

As complicações graves são raras. A imunossupressão,


Seleção do tamanho do tubo a corticoterapia e as lesões traqueais e brônquicas prévias,
A corret a seleção do tamanho do tubo é de fundamental principalmente as invasões tumorais, contribuem para a
importância para a profilaxia de complicações decorrentes ocorrência de uma das complicações mais graves, que é a
do seu uso. Um tubo muito fino em relação ao brônquio, ruptura brônquica ou traqueal. A mortalidade dessa lesão
além de frequentemente não se posicionar de forma cor- é de 7 a 16%.6 Nenhum estudo demonstrou clara superiori-
reta, necessita de gr andes volumes de ar nos balonetes, dade de um tubo em relação a outro. Os relatos de ruptura
criando grandes pressões e possibilidade de dano brôn- lraqueobrônquica estão presentes com o uso dos dois tipos
quico. Já um tubo muito largo pode ocasionar trauma de tubos.' Fitzmaurice e Brodsky6 propuseram que sejam
durante a introdução e também dificuldade de posiciona- observadas as seguintes recomendações para a profilaxia
mento. dessas lesões:
Brodsky e colaboradores, 5 em 1996, descreveram uma
técnica de escolha do tamanho do tubo relacionada com o • Inflar os balonetes lentamente.
diâmetro da traqueia medido na radiografia pôstero-ante- • Não inflar em demasia o balonete brônquico. Em geral
rior de tórax, no nível da clavícula. O resultado da medida 2 ou 3 mL são suficientes se o tubo foi corretamente
é aplicado na TABElA 91.1, obtendo-se o tamanho adequado selecionado.
do tubo. A despeito desse método, muitos anestesiologistas • Quando possível, evitar o uso de óxido nitroso (N,O) ou
utilizam regras práticas baseadas em sua experiência. inflar os balonetes com uma mistura de N 20 e oxigênio.

TABElA 91.1 7 Escolha do tamanho do tubo de duplo lúmen esquerdo (TDLE)

tttt.fi.1i:l·l·l·li·l!J
>18 > 12,2 41fr 10,6

16-17 > 10,9 39fr 10,1

15 > 10,2 37fr 10,0

< 14 < 9,5 35fr 9,5

Fonte: Modificada de Brodsky e colaboradores.'


• Quando possível, desinflar ambos os balonetes no posi- Parâmetros para a ventilação monopulmonar
cionamento e o balonete brônquico quando não é neces-
Os conceitos da ventilação protetora foram recentemente in·
sário o isolamento.
corporados também na ventilação monopulmonar, de forma
• Testar a integridade do brônquio ao final do procedi· que os parâmetros hoje recomendados são:•o.n
mento para o diagnóstico precoce.
• Manter a ventilação bipulmonar o maior tempo possível.
• Usar fração inspirada de oxigênio (Fi02) abaixo de 50%.
• Utilizar 6 ml.Jkg de volume corrente.
Ventilação monopulmonar • Não é necessário ajustar a frequência respiratória para
PaC02 de 40 mmHg. A PaC02 pode subir moderada-
Quando se inicia a ventilação monopul monar (VMP) em
mente em benefício de tempos inspiratórios e expirató-
decúbito lateral, o pulmão superior (não dependente) co-
rios mais longos.
taba e a perfusão nesse pulmão, devido à vasoconstrição
• Empregar PEEP maior ou igual a 5 cmHp (abaixo da
hipóxica e à diminuição do diâmetro dos vasos pelo colaba-
PEEP intrínseca nas doenças obstrutivas).
mento, diminui de forma importante, evitando o aumento
significativo do shunt e a queda da saturação de oxigênio da • Monitorar a oxigenação e a ventilação.
hemoglobina. No caso de ocorrência de hipoxemia, as recomendações
Vários são os fatores que podem alterar esse estado de que podem ser seguidas são: 9·n·'6
equilíbrio. Entre eles, encontram-se altas concentrações
de vapores anestésicos halogenados; alguns agentes vaso- • Certificar-se do posicionamento correto do tubo.
dilatadores (nitroglicerina, nitroprussiato, hidralazina); • Avaliar e corrigir o estado hemodinâmico.
alterações de ventilação/perfusão (V/Q) no pulmão infe- • Adotar os parâmetros mais tradicionais de ventilação,
rior (dependente); extremos da PaCOz; volume corrente com Fi02 de 100% e volume corrente de 10 ml.Jkg.
ou pressão positiva no final da expiração (PEEP) dema- • Util izar pressão positiva continua nas vias aéreas (CPAP)
siados no pulmão dependente; alterações da saturação de no pulmão não dependente.
oxigênio do sangue venoso misto; fármacos vasoconstri- • Aumentar a PEEP no pulmão dependente.
tores. • Recrutar o pulmão dependente.
Os mecanismos para as alterações são diversos, incluin- • Utilizar ventilação bipulmonar intermitente.
do inibição da vasoconstrição hipóxica, compressão mecâ- • Usar uma infusão de almitrina (vasoconstritor pulmo-
nica dos capilares pulmonares com desvios do fluxo, pas- nar), associada ou não ao óxido nítrico inalatório.
sagem de um sangue venoso muito dessaturado por uma • Insuflar o balonete do Swan-Ganz na artéria pulmonar
fraçãoshunt que se situa em torno de 27% durante a VMP,8 do pulmão não dependente (caso aplicável).
entre outros. As FIGURAS 91.5 e 91 .6 ilustram alguns desses • Realizar clampeamento da artéria pulmonar se possível
vários fatores. O conhecimento da dinâmica de tais fatores (na pneumonectomia ou no transplante).
tem grande importância prática para o anestesiologista to-
rácico.9 A CPAP no pulmão não dependente com níveis de
pressão entre 5 e 10 cmHp em geral não compromete o cam-
po operatório. Sua função é tanto comprimir vasos pulmona-
Alta res divergindo o fluxo para o pulmão ventilado como promo-
ver oxigenação do fluxo de sangue do pulmão não ventilado.
A PEEP no pulmão dependente tem função de melhora
da relação V/Q do pulmão dependente. Só será benéfica se
Resp . houver áreas de baixa V/Q no pulmão inferior. Níveis muito
VCH elevados podem divergir o fluxo de sangue para o pulmão
não ventilado, aumentando o shunt e piorando a oxigenação.
1
Baixa ' - " ' - - - - - - - - - - - - - - - . . . . , : : . . . __ _
Normal Alta Analgesia pós-operatória nas
Variável fisiológica toracotomias
_ Pressão arterial pulmonar f - - - -
Pressão venoXI de ot Linhas gerais
Paco, A analgesia pós-operatória, sobretudo para as cirurgias de
abdome superior e torácicas, não tem unicamente a função
FIGURA 91.5 ? Resposta da vasoconstriç.io hipóxica (VCH) às altera-
de fornecer conforto ao paciente. Os escores de morbidade
ções fisiológicas.
pós-<lperatória são diferentes entre os pacientes que são sub-
Compartimento
normóxico
II Compartimento
hipóxico
/~
1. PEEP I~II /
~ I .
9 FÁRMACOS
VASODILATADORES

2. PACO, ~ \I
U 8. FÁRMACOS
3. FtO, ANEffiSICOS
-- ~

4. FÁRMACOS ~ t ~~ 7. CPAP
VASOCONSTlUTORES ~ ~~

5. PVP 6. PVP

FIGURA 91.6 -+ Experiência anestésica e a vasoconstriç~o hipóxica regional.

metidos a determinadas técnicas analgésicas eficazes e os que QUADRO 91.3 ~ Soluções para analgesia peridural contínua após
não o são. as toracotomias
Após uma toracotomia, as fontes de dor e as vias aferen-
tes que a conduzem são diversas. Os nervos intercostais de Soluções para uso com o cateter peridural tor~cico:
4 a 6 conduzem os estlmulos referentes à incisão. Os inter-
costais de 5 a 8 conduzem os estímulos dos drenas toráci- Bupivacaina a 0,5% 50 ml
cos. As vias aferentes do nervo vago conduzem os estímulos
Fentanil sem conser;antes 10 ml
provenientes da pleura mediastinal, e as aferentes do nervo
frênico conduzem os estimulos provenientes da pleura dia- Soro fisiológico a 0,9% 140ml
fragmática central. Por essa razão, a técnica analgésica pre-
conizada para as toracotomias é multimodal e geralmente ou
envolve uma combinação de duas categorias de técnicas:
Ropivacaína 7,5 mg/ml SOml
• Analgesia regional : epidura~ paravenebral, espinhal (ra- Fentanil sem conservantes 10 ml
quidiana) e intercostal, associadas ou não.
• Analgesia sistêmica com anti-inflamatórios e outros Soro fisiológico a 0,9% 140ml
analgésicos.
Infundir no cateter peridural, com bomba de infu~. na taxa entre 5
e 10 mllh.
Atualmente, a analgesia epidural torácica feita com
anestésicos locais e opioides é considerada o padrão-ouro da
analgesia torácica e é sempre o parâmetro de comparação a
que todas as outras novas técnicas são submetidas. "·llO sistêmica, hipertensão intracraniana, recusa do paciente, doen-
A analgesia cpidurallombar com opioides recentemen- ças neurológicas preexistentes c apresentação prévia de efeito
te deixou de ser recomendada, pois foi associada ao aumen- colateral grave com a técnica. làis contraindicações podem ser
to do número de pacientes com falha de cxtubação e neces- relativas ou absolutas conforme a individualização do caso.
21
sidade de suporte ventilatório após a cirurgia.
Em estudos recentes, foi demonstrado que o bloqueio
paravertebral continuo lambém é capaz de diminuir as com- Efeitos colaterais dos anestésicos locais
plicações respiratórias pós-operatórias, sendo atualmente peridurais
considerado a técnica de escolha quando a periduraltorá-
cica não puder ser utilizada 19 No QUADRO 91 .3, estão listados
Hipotensáo
exemplos de soluções para o uso peridural torácico. A FIGU- É o efeito colateral mais comum, devendo-se ao bloqueio
RA 91 .7 apresenta um algoritmo para a escolha da técnica re- das fibras nervosas simpáticas da cadeia torácica. Com a in-
gional de analgesia. 19 fusão continua de até 10 mUh da solução de analgesia, a hi-
potensão é facilmente controlada por uma infusão de nora-
drenalina em baixa dosagem. Se for preciso administrar dose
Contraindicações elevada de noradrenalina, deve-se suspeitar d e outras causas
As contraindicações para a analgesia peridural e espinhal in- de bipotensão, como necessidade de infusão de fluidos ou
cluem distúrbios da coagulação, infecção do local de punção ou infecção/sepse.
,., ,,,• .,,,.!.lijfitfi
J
Técni-ca analg~ica
regional alternativa se a
Recomendada técnica regional para analgesia
ana~esia epidural torácica e o bloqueio
Utilizar uma das duas técnicas a seguir
paravertebral não forem possíveis

1
Pré-operatório
Peridural torácica
Anestésico local + opioide
Dose em bo/us
Bloqueio p: ravertebral
Anestésico local
Oo"'embo/us
j Opioide espinhal (raquidiano)

1
Peridural torácica
l
Bloqueio paravertebral Bloqueio intercostal
Transopêrat6rio Anestésico local + opioide Anestésico local Analg~sico local
Infusão contínua Infusão contínua Infusão contínua

1
Peridural torácica
l
Bloqueio paravertebral
1
Bloqueio intercostal
PóS·Operat6rio Anest~sico local + opioide Anestésico local Analg~sico local
Infusão contínua Infusão contínua Infusão contínua

RGURA 91 .7 7 Algoritmo de conduta para a escolha da té<:nica analgésica principal para as toracotomias. Dados de PROSPECT working group.
Fonte: Joshi e colaboradores."

Bradicarclia Retenção urinária


É um efeito colateral raro. Deve-se ao bloqueio das fibras Os opioides peridurais e raquidianos inibem as contrações
simpáticas cardioaceleradoras. volume-induzidas da bexiga e bloqueiam o reflexo vesicosso-
mático necessário para o relaxamento do esfíncter externo.
A sondagem vesical é mandatória em função da incidência
Bloqueio motor intercostal elevada desse efeito.
Esse efeito colateral pode ser evidenciado se for utilizada
lidocaína a 2% como anestésico local. Com a bupivacaína e
a ropivacafna, nas concentrações propostas de infusão contí- Prurido
nua, tal efeito não é clinicamente significativo. A ocorrência de prurido de grande íntensidade que exija tra·
tarnento é rara. A naloxona pode ser usada nesses casos. O
propofol em infusão continua em doses baixas é outra opção
Parestesia e paresiatransitória nos membros superiores terapêutica com bons resultados.
Trata-se do efeito do anestésico sobre as raízes nervosas
cervicais e torácicas altas, bloqueando fibras nervosas dos
Náuseas e vômitos
membros superiores. A diminuição da taxa de infusão ou a
São causados pela absorção sistêmica ou migração cefálica
tração de alguns centímetros do cateter em geral resolve o
problema. no liq uor. De qualquer forma, o opioide age na zona-gatilho
central provocando os sintomas. Os estudos demonstram
uma incidência variável entre 29 e 50%. Podem ser tratados
Efeitos colaterais dos opioides peridurais com antieméticos convencionais. A escopolamina transdér-
mica apresenta bons resultados. Pequenas doses de naloxona
Depressão respiratória revertem o quadro.
A depressão respiratória pode ser decorrente da absorção sis-
têmica do opioide peridural (precoce), ou da migração cefáli-
ca no liquor (tardia) do opioide injetado no espaço peridural Inibição da função gastrintestinal
ou raquidiano. É incomum nas doses recomendadas e se não A utilização de opioides peridurais e raquidianos pode re-
forem usadas outras medicações depressoras sistêmicas asso- tardar a função gastrintestinal. Porém, doses equipotentes
ciadas. Quando estiver sendo utilizado um opioide hidrosso· de opioides sistêmicos causam uma diminuição muito maior
Júvel como a morfina, o tratamento com naloxona deve ser dessa mesma função. Portanto, o emprego de fármacos epi·
feito em infusão contínua, devido à sua meia-vida curta. durais lipossolúveis, pela maior absorção sistêmica, pode
apresentar efeitos maiores do que o uso de hidrossolúveis, Escape aéreo van~w!
provocando estase gastrintestinal. A sfndrome da pseudo- entre o broncoscóp10 e
-obstrução colônica tem sido atribuída a uma associação de a árvore traqueobr6nqua
fatores, incluindo os opioides epidurais. ~
r

Anestesia em procedimentos específicos


Peça de
visualização ~GI ~ O
Broncoscopia rígida - ~~
,ç;~
A broncosoopia rígida é um procedimento indicado em vá-
rias situações, incluindo:

· Entr.da later.ol
• Remoção de corpo estranho
do broncoscópto
• Manejo da hemoptise
Dilatação de estenose traqueal
Auxílio na colocação de próteses em T (Montgomery) Con«tor \ (
flexfvel ----,. ... •• ..···············..
...... ···············...
.........;...···"""""
O procedimento exige anestesia geral com boa qualidade
de relaxamento muscular, o que permite maior facilidade de ··············........
realização com menor trauma ao paciente. Como a maioria
dos procedimentos é rápida, existe a preferência por fárma- -~~
cos que permitam uma recuperação acelerada.
O relaxamento promovido naturalmente implica a ne- Q~ ~
cessidade de ventilação do paciente. Os broncoscópios rígi- -~;J·.
dos possuem uma entrada lateral que permite a adaptação
aos sistemas ventilatórios. Pode-se ventilar o paciente de
StsterN orcular de •neste:wa
~ . . .s::· . . . . ..
forma convencional ou utilizar ventilação de alta frequência.
Há sempre um escape de gás de intensidade variável entre FIGURA 91 .8 ~ Ventilaçlo através do broncoscópio rígido.
as paredes do instrumento e as da traqueia, o que pode ser
compensado com altos fluxos de admissão ao circuito anes-
tésico. A FIGURA 91.8 ilustra um broncoscópio rígido devida-
mente adaptado ao sistema ventila tório anestésico. de uma neoplasia, podendo ter acesso cervical ou paraester-
Para a realização de biópsia, aspiração ou captura do corpo nal. As contraindicações à sua realização incluem:
estranho, há necessidade da retirada da peça de visualização
que oelui o orifício de entrada. O anestesiologista e o cirurgião • Mediastinoscopia prévia
integram-se neste momento na função de administrar os perío- • Síndrome de veia cava superior
dos de apoeia necessários. Esses períodos podem ser bastante • Desvio severo da traqueia
reduzidos em pacientes obesos, pneumopatas c crianças. • Doença cerebrovascular
As complicações decorrentes têm frequência variável de- • Aneurisma de aorta torácica
pendendo da experiência do cirurgião. Elas incluem:
Estas contraindicações podem ser relativas conforme a
• Fraturas de dentes individualização do caso.
• Reações vasovagais com a hiperextensão do pescoço A técnica anestésica preferida para esse procedimento é
• Hemorragia maciça a geral, a fim de facilitar a dissecção, obter melhor controle
• Ruptura traqueal das complicações e oferecer maior conforto para o paciente.
• Hipoxemia e hipercarbia graves Existe o relato da possibilidade de realização da mediasti-
• Arritmias noscopia com anestesia local. Benumof sugeriu a anestesia
local nos pacientes com doença cerebrovascular para o con-
O anestesiologista deve estar preparado para a ocorrên- trole do estado neurológico.
cia delas. Não há necessidade de fármacos anestésicos específicos
Ao fmal do procedimento aguarda-se a recuperação do ao procedimento, mas é essencial que o paciente seja man-
paciente com ventilação através de uma máscara, um tubo tido relaxado, para evitar a tosse pelo estimulo traqueal e
simples ou uma cânula em T colocada. manter a completa imobilidade, fator importante na redução
das complicações. Estas são:

Mediastinoscopia • Hemorragia
A mediastinoscopia costuma ser realizada previamente à • Pneumotórax
toracotomia para estabelecer diagnóstico e/ou estadiamento • Embolia aérea
• Compressão da aorta ( arritmias) ça do cirurgião e do material cirúrgico pronto para interven-
• Compressão da artéria inominada (hemiparesia e perda ções emergenciais é vital. O anestesiologista deve ter dispo-
do pulso radial direito) nível, junto a todo material de instrumentação da via aérea,
• Compressão da traqueia uma ampla variedade de diâmetros de tubos traqueais.
• Lesão do nervo laríngeo recorrente Na indução, um relaxante de curta latência e duração é
• Lesão do nervo frênico aconselhável, pois a ventilação sob máscara pode tornar-se
• Lesão do esôfago difícil e, na impossibilidade de entubação, o paciente rapi-
damente se recupera e volta a ventilar de modo espontâneo.
Durante o procedimento, o anestesiologista tem sua Alguns pacientes têm posições de agravamento da obstrução
atenção voltada para o diagnóstico e o tratamento de even- traqueal, as quais devem ser evitadas na indução da anestesia.
tuais complicações. Um cateter de grosso calibre em uma O estabelecimento da via aérea pode ser feito de diver-
veia periférica deve ser instalado para reposição rápida de sas formas após a indução, incluindo:
volume e sangue. O sangue deve estar previamente dispo-
nível para utilização imediata no caso de hemorragia aguda. • Colocação de um tubo simples com extremidade cranial
A correção cirúrgica da hemorragia grave se dá por meio de à estenose.
uma toracotomia transestemal ou lateral. O suporte da vole- • Dilatação com broncoscópio rígido e colocação de um
mia pode ser realizado com infusão de cristaloides, coloides tubo simples com extremidade caudal à estenose.
ou até mesmo cloreto de sódio concentrado. • Colocação de um tubo fino com extremidade caudal à
Os derivados sanguíneos são usados para a manutenção estenose sem dilatação prévia.
do hematôcrito e da capacidade de transporte do oxigênio,
assim como para a correção de distúrbios da coagulação no Dentre as técnicas descritas para manutenção da ventila-
paciente politransfundido. nansitoriamente, podem ser ne- ção e oxigenação durante a ressecção, encontram-se:
cessários vasopressores para a manutenção da pressão arte-
rial. Roberts e Gissen22 citam a possibilidade da realização
• Tubo orotraqueal padrão.
de hipotensão controlada para o sangramento arterial até a
• Inserção de um tubo na traqueia aberta.
hemostasia cirúrgica. Nas lesões de cava superior, é neces-
• Ventilação de alta frequência com tubo fino através da
sária a cateterização emergencial de veia para reposição em
estenose.
membro inferior.
• Bypass cardiopulmonar.
A utilização de um tubo simples com extremidade distai
próxima à carina ou de um tubo de duplo lúmen minimiza a
Na FIGURA 91 .9, estão ilustrados os passos progressivos da
possibilidade de compressão traqueal e orienta o cirurgião
ressecção com uma técnica bastante empregada. A traqueia
na dissecção.
é aberta, um tubo é colocado distalmente para ventilação, a
Deve-se ter o cuidado de colocar pelo menos um moni-
tor, oxfmetro ou pressão arterial invasiva no membro supe- ressecção completa é realizada e a sutura posterior é feita,
avançando-se o tubo orotraqueal e completando-se a anas-
rior direito para detecção da compressão da artéria inomina-
da e, portanto, diminuição do fluxo para a carótida direita. A tomose. Períodos de apoeia eventualmente são realizados,
oximetria é um monitor menos eficiente neste caso, pois é ne- sobretudo na realização da sutura posterior. Nas ressecções
cessário apenas um pequeno fluxo para o seu funcionamento. próximas ou na carina da traqueia, é necessário um tubo dis-
tai no brônquio com ventilação monopulmonar.
A existência de períodos de apoeia contraio dica o uso do
Ressecção traqueal óxido nitroso para a manutenção da anestesia. A utilização
A resseeção traqueal geralmente é realizada em pacientes de Fi02 de 100% aumenta os tempos de tolerância às ap-
com estenose da traqueia, que pode ter diversas causas, oeias. A manutenção do paciente relaxado durante a cirurgia
como tumores da via aérea, sequelas de processos inflamató- evita o reflexo de tosse que ocorre pela manipulação da via
rios e sequelas de entubações traqueais. O acesso cirúrgico aérea e diminui a necessidade de anestésicos.
pode ser feito por cervicotomia, estemotomia ou ainda tora- No final do procedimento, o paciente deve ser mantido
cotomia lateral. com a cabeça fletida para evitar a tensão sobre a anastomo-
Na monitorização, são usadas a oximetria e a capnome- se. A extubação precoce é altamente desejável. Se for ne-
tria para controle indireto mas instantâneo dos gases arte- cessária a manutenção do tubo traqueal no pós-operatório,
riais, a eletrocardioscopia e uma linha de pressão arterial este deve ser posicionado de forma que o balonete não fique
invasiva para controle contínuo da pressão e eventuais ga- sobre a linha da anastomose.
sometrias arteriais.
É prudente a utilização de um acesso venoso de grosso
calibre (16 ou 14) para eventuais sangramentos. O acesso ve- Ressecção pulmonar
noso central é vantajoso para a infusão de agentes de anes- As ressecções pulmonares (segmentectomias, lobectomias e
tesia venosa total, fármacos de ação hemodinâmica e para o pneumonectomias) são realizadas para uma grande varieda-
pós-operatório. de de doenças. Os processos reparadores e diagnósticos das
Antes da indução da anestesia, a posição, o tipo e o grau neoplasias e das alterações inflamatórias são a sua maioria.
da estenose são fatores que devem ser conhecidos. A presen- Os pacientes com frequência são idosos, apresentam pato-
-7
~ ~
c::::> -7
~
-7

----..
-o'
~
/ \
/\ FIGURA 91.9 ~ Passos seguidos na ressecção traqueal (A·O).
Fonte: Modificada de Benumof.9
A 8 c o

logias pulmonares prévias e as alterações cardiovasculares posteriorização e a extensão do membro superior. Além dis-
concomitantes são comuns. so, a incorreção do eixo da cabeça com o eixo das colunas
A monitorização utilizada consiste em eletrocardiosco- torácica e cervical no plano horizontal é fator predisponente
pia, oximetria, capnografia, pressão arterial invasiva, pressão para a mesma lesão. O suporte de apoio do braço superior
endotraqueal e tennometria. com frequência causa lesão por compressão do plexo. As re·
Os acessos venosos consistem em uma veia periférica giões com maior frequência de queimaduras estão localiza-
de grosso calibre (cateter extra-agulha 14 ou 16) e uma veia das no membro inferior, que fica flexionado e próximo das
central. A veia periférica, bem como a punção arterial, ficam bordas descobertas da mesa metálica. O coxim na axila infe-
mais bem posicionada no membro contralateral à cirurgia. A rior evita a compressão do membro sobre a mesa e assegura
punção de veia central no lado da toracotomia evita os riscos fluxo sanguíneo adequado para ele.
de um eventual pneumotórax contralateral. A integração do anestesiologista com o cirurgião nos
Os fánnacos anestésicos são individualizados à condição diversos tempos cirúrgicos, com a visualização direta do
clínica do paciente. campo e eventual ventilação manual, é fundamental. A
A via aérea geralmente é mantida com um tubo de duplo ventilação espontánea e a extubação são desejáveis ao fi-
lúmen, o que facilita o campo operatório e diminui o trauma nal do procedimento. Caso seja necessário suporte ven-
e o tempo cirúrgicos. Para maiores detalhes sobre o isola- tilatório, o tubo de duplo lúmen é trocado por um tubo
mento pulmonar e a ventilação monopulmonar, ver as se· simples.
ções correspondentes neste capítulo. As complicações pós-operatórias incluem:
A maioria das ressecções pulmonares é realizada por to·
racotomias laterais. A posição adotada exige cuidados para • Doraguda
evitar algumas lesões prevalentes, incluindo: • Hérnia cardíaca
• Hemorragia maior
• Lesão do plexo braquial • Fístula brônquica
• Lesão do nervo tibial anterior • Insuficiência respiratória
• Lesão peniana • Insuficiência cardíaca direita
• Lesão do membro superior, comprimido contra a mesa • Shunt através de foram e oval patente
cirúrgica • Arritmias
• Queimaduras em diversos locais • Lesões nervosas

A possibilidade de dano por estiramento do plexo bra- Thdas também são de interesse do anestesiologista, que
quial é maior quanto maior for a supinação, a abdução, a deve estar familiarizado com seus detalhes.
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José Carlos Felicetti
Tiago Noguchi Machuca
92
1
Introdução Aspectos históricos
[I] ATENÇÃO O primeiro caso de simpatectomia foi realizado em 1889 na
tentativa de tratamento da epilepsia. Na sequência, esse pro-
cedimento também foi empregado para glaucoma (1899) e
A hiperidrose é uma condição caracterizada pela su- para condições vasoespásticas (1913). Em 1920, foi realizada
dorese excessiva e acomete cerca de 1 a 2% da popu- a primeira simpatectomia para tratamento específico da hi-
lação. Apesar de subdiagnosticada por muito tempo, peridrose localizada. O acesso foi supraclavicular à direita.
o advento do tratamento minimamente invasivo fez D urante as décadas de 1930 a 1950, alguns centros isolados
com que cada vez mais pacientes procurassem ava- adquiriram experiência considerável com a simpatectomia
liação médica para essa afecção. para o tratamento da hiperidrose. Nesse mesmo período,
também foi realizado o primeiro procedimento por toracos-
copia (1942).
Dependendo da sua causa, a hiperidrose pode ser classi- Entretanto, a ampla disponibilização da simpatectomia
ficada como primária/essencial, quando existe hiperativida- só foi impulsionada na década de 1990, com o refinamen-
de do sistema sudomotor sem outra anormalidade aparente, to técnico da videotoracoscopia. Com o aumento da expe-
ou secundária, quando existe outra condição de base respon- riência com essa técnica, as incisões foram diminuindo em
sável pelo suor excessivo. tamanho e em número, até o método atual, que pode ser
A hiperidrose essencial é transmitida como herança realizado com um ou dois trocartes de 5 mm de cada lado,
au tossômica dominante com penetrância variável, sendo sem drenagem torácica e em regime ambulatorial.
que estimativas sugerem que exista 25% de chance de uma
criança apresentar hiperidrose caso um de seus pais tenha
essa condição. Dentre as causas secundárias, destacam-se
tuberculose, tumores funcionantes (como carcinoides e fe-
Fisiopatologia
ocromocitomas) e distúrbios endocrinológicos (como hiper- Existem dois tipos de glândulas sudoríparas no corpo huma-
tireoidismo). no. As glândulas écrinas estão presentes em maior quantida-
Com relação à topografia, a hiperidrose pode ser gene- de, distribuídas ao longo das palmas das mãos e plantas dos
ralizada ou localizada. A localizada é mais frequente e tam· pés, e seu estímulo é feito pela acetilcolina. O suor produzi-
bém a forma passível de tratamento cirúrgico pela simpa- do por essas glândulas é mais fluido e sem odor. Já as glân-
tectomia. Dentre os locais mais acometidos, destacam-se a dulas apócrinas, muito menos numerosas, concentram-se ao
palma das mãos, a axila, os pés e a face. longo das axilas e dos órgãos genitais, são controladas pelo
transmissor noradrenalina e produzem um suor mais viscoso definir a hiperidrose como sem repercussão, com pouca
e com odor característico. repercussão, com repercussão frequente ou ainda com re-
O mecanismo proposto para hiperidrose primária envol- percussão constante sobre as atividades diárias do paciente.
ve hiperatividade neurogênica de circuitos que controlam Pacientes pertencentes aos dois últimos grupos dificilmente
a função das glândulas sudoríparas écrinas, principalmente terão êxito com tratamento não cirúrgico e devem ser consi-
os centros termorreguladores do hipotálamo. As glândulas derados para simpatectomia torácica.
apócrinas têm pouca relevância na biperidrose essencial.
Além disso, tanto as glândulas sudoríparas quanto os gân-
glios e nervos simpáticos são histologicamente normais na
hiperidrose essencial.
Tratamento não cirúrgico
Os agentes tópicos podem apresentar algum beneficio para
pacientes com hiperidrose com pouca repercussão. Dentre
os disponíveis, o cloreto de alumínio é o mais utilizado. Na
Diagnóstico verdade, a maioria dos antitranspirantes convencionais con-
A história C·línica é importante, uma vez que fornece os prin- tém uma dosagem baixa desse composto. Seu mecanismo de
cipais dados diagnósticos quanto à sudorese excessiva. ação baseia-se na obstrução dos poros das glândulas écrinas.
A hiperidrose essencial geralmente se manifesta logo Entretanto, seu benefício é apenas momentâneo e depende
na infância e é sempre simétrica. O paciente costuma re- de reaplicações periódicas. Além disso, a formulação pode
ferir que na infância existia dificuldade de interação com ser bastante irritativa para alguns pacientes?
os colegas e problemas nas atividades de escrita, sobretu- Apesar da ampla disponibilidade de agentes anticolinér-
do provas escolares. Muitos pacientes chegaram inclusive gicos via oral, sua aplicabilidade em pacientes com hiperi-
a fazer uso diário de uma toalha específica para secar as drose é limitada por seus efeitos colaterais, mais especifica-
mãos. Já na vida adulta, referem persistência da dificulda- mente visão borrada, hipotensão postura!, retenção urinária,
de de interação social, principalmente ao cumprimentar palpitações, cefaleia e xerostornia.
com aperto de mão. Outra dificuldade relatada refere-se Em nosso meio, o medicamento mais utilizado é a oxi-
ao manuseio de instrumentos musicais com cordas. Em al- butinína. Essas medicações são reservadas sobretudo para
guns pacientes, além do suor excessivo, existe um mau odor casos não passíveis de tratamento cirúrgico (hiperidrose
associado (bromidrose). generalizada) ou em casos de pacientes com sudorese com-
No caso de pacientes com hiperidrose axilar, é frequente pensatória pós-simpatectomia de grau acentuado. Em aná-
a queixa de desconforto com as roupas invariavelmente mar- lise de 14 pacientes com hiperidrose generalizada (portanto
cadas nas axilas, inclusive com a necessidade de troca das sem indicação de cirurgia), autores holandeses mostraram
vestimentas várias vezes ao longo do dia. Pacientes com hi- que um tratamento com 2,5 mg de oxibutinina três vezes ao
peridrose plantar associada referem extrema dificuldade em dia por 30 dias foi eficaz para controle da maioria dos ca-
utilizar calçados abertos e meias frequentemente molhadas. sos, com poucos efeitos adversos' Apesar da avaliação dos
Alguns critérios diagnósticos foram validados e ajudam na autores ter se limitado ao período sob uso da oxibutinina, o
prática clínica diária (QUADRO 92.1). grande problema dessa terapêutica refere-se ao retorno dos
Durante a avaliação do paciente com hiperidrose, as cau- sintomas após a cessação do tratamento.
sas secundárias devem ser levadas em consideração, sobre- A iontoforese consiste na passagem de corrente elétri-
maneira nos casos que fogem às características da hiperidro- ca através da pele submersa na água. Pela necessidade de
se essencial ( sudorese generalizada, inicio na vida adulta). submersão, essa terapêutica fica comprometida em casos de
Outra questão que deve ser avaliada com cuidado diz hiperidrose axilar e craniofacial. Apesar de alguns resultados
respeito à severidade da sudorese, mensurada por sua re- satisfatórios, a técnica exige múltiplas sessões de tratamento
percussão nas atividades diárias do paciente. Apesar de não e os resultados têm duração limitada a poucos meses. Efei-
exigir o uso de uma escala formal, o médico idealmente deve tos colaterais podem ocorrer, especialmente irritação local,
eritema ou erupção cutânea.
A última forma de tratamento não cirúrgico consiste no
QUADRO 92.1 ~ Critérios diagnósticos para hiperidrose localizada emprego da toxina botulínica. O mecanismo de ação dessa
primária medicação, popularizada pelo tratamento de distúrbios neu-
romusculares, consiste no bloqueio da liberação da acetilco-
Suor excessivo sem causa secundária com duração de pelo menos seis lina na placa motora. No âmbito específico da hiperidrose,
meses associado a pelo menos duas das características a seguir: o bloqueio da acetilcolina impede o estímulo p6s-sináptico
1. Sudorese excessiva bilateral e simétrica das glândulas sudoríparas écrinas. Nos Estados Unidos, o
2. Pelo menos um episódio de sudorese excessiva por semana uso da toxina botulínica é aprovado pela Food and Drug Ad-
3. Repercussão sobre as atividades diárias rninistration (FDA) para o tratamento da hiperidrose axilar.
4. Início em idade inferior a 25 anos Entretanto, independentemente da topografia acometida, o
S. História familiar positiva efeito da medicação não é imediato e sua duração é limita-
6. Cessação da sudorese excessiva durante o sono da a uma média de seis meses. Ademais, contraindicações
devem ser lembradas quando se considera o uso dessa neu-
fonte: Hombfrger e colaboradores. 2 rotoxina.
Apesar de representarem estratégias não invasivas para • Acesso supraclavicular por incisão bilateral junto à ela·
o tratamento da hiperidrose, todas essas formas de tra· vicula com dissecção profunda do escaleno anterior e da
tamento não se equiparam aos resultados obtidos com a pleura parietal, com campo operatório extremamente
simpatectomia torácica por videocirurgia em centros espe- restrito e elevado risco de síndrome de Homer.
cializados. Esse conceito é reforçado por dois estudos pros· • Acesso transtorácico anterior, com necessidade de tora-
pectivos recentemente publicados. cotomia anterior ampla e suas consequentes repercus-
No primeiro estudo, pesquisadores americanos anali· sões pós-<>peratórias.
saram 47 pacientes com hiperidrose palmoplantar tratados • Acesso por via axilar, aparentemente o menos invasivo
com cloreto de alumínio tópico (46), anticolinérgicos (40) e dos acessos abertos, porém também com necessidade de
iontoforese ( 6). Com apenas dois casos de sucesso com trata· uma toracotomia axilar com afastamento de costelas.
mento não cirúrgico (1 com cloreto de alumínio e 1 com an·
ticolinérgicos), todos os demais pacientes foram submetidos Contabilizando todos os aspectos negativos do trata-
à simpatectomia torácica.5 O índice de sucesso do tratamen- mento cirúrgico aberto para uma condição até certo ponto
to cirúrgico nesses 45 pacientes foi de 100%. Para reforçar "suportável", fica fácil entender o pequeno avanço dessa te·
esses achados, no mesmo artigo relata-se a experiência com rapêutica no período pré-videotoracoscopia.
mais 145 pacientes analisados retrospectivamente. Desses, Apesar da existência de variações técnicas, a simpatecto·
89 foram submetidos a tratamento com cloreto de alumínio, mia videotoracoscópica bilateral (FIGURAS 92.1 e 92.2) atual·
38 com anticolinérgicos, 31 com iontoforese e 8 com toxina mente é realizada da seguinte forma pelos autores:
botulinica. Apenas um paciente tratado com anticolinérgico
obteve resultado satisfatório, com falha em todos os demais. • O procedimento é ambulatorial, geralmente realizado
Esses pacientes foram então submetidos à simpatectomia, pela manhã.
com índice de sucesso de 99,3%. • O paciente é submetido à anestesia geral com entubação
No segundo estudo, autores italianos compararam 68 pa- com tubo de duplo lúmen para ventilação monopulmonar.
cientes submetidos à simpatectomia torácica com 86 pacien-
tes tratados com toxina botulínica por hiperidrose palmar. 6
Na análise objetiva da melhora pós-tratamento, observaram
melhor índice de redução do suor aos seis meses nos pacien-
tes submetidos à cirurgia (94% vs. 63%) e clara piora dos
resultados com toxina botulínica no seguimento de 12 meses
(94% de redução do suor com cirurgia vs. 30% com toxina
botulínica).

Tratamento cirúrgico
~ ATENÇÃO
Durante a avaliação clfnica, a opção pelo tratamento FIGURA 92.1 ~ lntraoperatório da simpatectomia torácica direita por
cirúrgico deve ser oferecida para pacientes com hipe- videocirurgia, com identificação de cadeia simpática, costelas e veia
ridrose palmar (ou palmoplantar) com repercussão cava superior.
frequente ou constante sobre as atividades diárias.

Como foi demonstrado, o tratamento medicamentoso


dificilmente apresentará algum beneficio consistente e é
considerado por muitas autoridades no assunto como efeito
placebo.7 Já para pacientes com hiperidrose axilar, os resul-
tados são um pouco inferiores àqueles obtidos no grupo com
comprometimento palmar, mas o índice de resolubilidade
ainda é alto e o procedimento pode ser indicado para pa-
cientes com os graus de repercussão recém-citados.
Como destacado no início do capítulo, a simpatectomia
torácica era inicialmente realizada por técnicas abertas:

• Acesso posterior por incisão cervicotorácica dorsal na


FIGURA 92.2 ~ lntraoperatório da simpatectomia torácica esquerda
linha média, com dissecção muscular extensa e risco de por videocirurgia, com identificação de cadeia simpática, costelas e
conseq uente perda funcional. arco aórtico.
• Na sequência, o paciente é colocado em posição supina simpática em T4.'0 Nossa técnica atual envolve a resseoção
com o dorso elevado a 45 a 60 graus. Esse posicionamen- deT4-T5.
to facilita a exposição dos ramos superiores da cadeia Em pacientes com hiperidrose craniofacial (ou também
simpática. rubor facial), realiza-se a clipagem de T2. Os resultados com
• Um trocarte de 5 mm é inserido na região axilar esquer- essa técnica são excelentes, havendo séries na literatura com
da e a ótica faz o inventário da cavidade pleural. 100% de sucesso e baixo lndice de sudorese compensatória
• Na ausência de aderências, o segundo lrocarte é inseri- acentuada.'' Na experiência dos autores, foram muito raros
do no sulco submamário, no caso de mulheres, e junto à os casos de sudorese compensatória tão importante a ponto
transição da cútis mais escura da aréola, no caso de ho- de o paciente solicitar a remoção dos clipes. Ainda assim,
mens. nesses poucos casos houve reversão do quadro após a rein-
• Por essa segunda incisão, insere-se uma tesoura Met- tervenção.
zembaum endoseópica e identificam-se os níveis da ca- Com relação à secção, cauterização ou resseeção dos
deia simpática gânglios da cadeia simpática, não existem vantagens eviden-
• Após a abertura da pleura parictal, o nível da cadeia a tes indicando que um tipo de abordagem seja melhor do que
ser abordado é dissecado e o tratamento proposto é rea- o outro.8 Já quanto ao uso de clipes metãlicos, essa moda-
lizado (secção, ressecção ou clipagem). lidade é utilizada em casos de hiperidrose craniofacial ou
• A hemostasia é revisada c um bloqueio intercostal com rubor facial (quando o nlvel da cadeia simpática a ser abor-
bupivacaína, utilizando uma agulha especifica, é reali- dado é mais alto, e portanto com maior possibilidade de su-
zado sob visão direta. dorese compensatória) c nos casos infrequentes de pacientes
• O pneumotórax é desfeito por meio de uma sonda inse- com desejo firmado pelo tratamento cirúrgico, porém com
rida pela incisão da axila posicionada com a extremida- preocupação importante quanto à sudorese compensatória.
de prox:imal em situação subaquática, com o anestesista Nesse último caso, o tratamento cirúrgico deve ser muito
ventilando o lado abordado. bem discutido com o paciente no pré-operatório, devendo
• A síntese de pele é realizada com um ponto com sutura ser exposta a possibilidade de não reversão do procedimento
absorvível em cada incisão. mesmo após a remoção dos clipes metãlicos.
• O mesmo prooedimento é realizado à direita.
• Após o efeito anestésico, o paciente é extubado e en-
caminhado para sala de recuperação, onde permanece 2
po.r cerca de quatro horas. Após radiografia de tórax de Complicações
controle sem evidência de complicações (principalmente A principal complicação precoce observada pós-simpatec-
pneumotórax), o paciente recebe alta hospitalar. tomia por videocirurgia é o pneumotórax. Destaca-se que
• O regime analgésico ambulatorial é baseado em codeína, pacientes assintomáticos com pequena lâmina de pneumo-
anti-inflamatório não esteroide e analgésico comum tipo tórax muito provavelmente não tenham atingido reexpansão
dipirona ou paracetamol, de forma intercalada, geral- pulmonar total após a slntese da pele. Nesse caso, o paciente
mente por sete dias. pode receber alta hospitalar com orientações. Já pacientes
com pneumotórax mais volumoso e sintomáticos apresen-
Com relação à técnica cirúrgica, alguns pontos contro- tam escape aéreo por trauma do parênquima pulmonar e
versos ainda se fazem presentes. Os dois principais são a ex- necessitam de drenagem torácica fechada. Muitas vezes, o
tensão da abordagem da cadeia simpática (1'2, T3, T4, T5 intraoperatório desses pacientes é marcado pela presença
- correspondendo ao nível da cadeia simpática tendo como de aderências que precisam ser liberadas. A necessidade de
referência a respectiva costela) e o tipo de instrumentação drenagem torácica varia na literatura entre 0,3 e 6%.
dos gânglios (simples secção, cauterização, resseoção, clipa- A complicação crônica mais importante é a sudorese
gem). compensatória. Durante a avaliação pré-operatória, deve-
Para pacientes com hiperidrose palmoplantar, a maioria -se salientar que a maioria dos pacientes apresentará algum
das abordagens é feita sobre T2-T3 ou apenas T3. Pelo fato grau de sudorese compensatória, principalmente no dorso
de existirem estudos mostrando menor índice de sudorese ou no abdome. Entretanto, sudorese compensatória acen-
compensatória e resultados semelhantes em termos de con- tuada é infrequente, variando entre 2 e 5% na maioria das
trole da sudorese palmar, utilizamos rotineiramente a abor- séries.9 Fatores preditores de sudorese compensatória são a
dagem com secção da cadeia simpática no nlvel de T3. Com altura da abordagem da cadeia simpática (evitando o nível
essa técnica, existem estudos relatando (ndices de sucesso T2, se posslvel) e o indice de massa corporal (IM C) - pacien-
próximos de 100%.8 tes com IMC ~ 25 apresentam maior incidência de sudorese
No caso de pacientes com hiperidrose axilar isolada, a compensatória. Portanto, a simpatectomia não é recomen-
abordagem atual é bem ilustrada em estudo que eviden-
dada para pacientes com sobrepeso ou obesidade.
ciou a necessidade da abordagem de T4-T5 para obtenção
de bons resultados (ao contrário da secção de T3-T4). Além
de maior lndice de sucesso (85% vs. 70% ), a ocorrência de
sudorese compensatória também é menor (29,3% vs. 70%).
9
Referências
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Nódulo
Pulmonar:
Estratégia
Diagnóstica e
Terapêutica
José J. Camargo
93
mal". O estabelecimento de 3 em como limite máximo para
Introdução o maior diâmetro foi um ajuste ao conceito de Tl do sistema
O nódulo pulmonar representa um dos mais frequentes de- TNM moderno.
safios diagnósticos e terapêuticos em pneumologia e cirurgia
torácica.
Causas mais comuns
~ ATENÇÃO Em uma série de Siegelrnan e colaboradores, 2 com análise
de 1.711 nódulos operados na John Hopkins University, em
A possibilidade de que um nódulo represente uma for- 1979, os diagnósticos apresentados no QUADRO 93.1 foram os
mais frequentes.
ma precoce de carcinoma brônquico e o impacto que
este diagnóstico representa na expectativa de vida do
seu portador impõem uma estratégia que precisa ser
lúcida e expedita, para que sejam evitadas agressões Nódulos mais frequentes
cirúrgicas desnecessárias em lesões benignas e prote-
lações terapêuticas em nódulos malignos que poderão Granuloma
acarretar prejuizos irreparáveis ao paciente. Nódulo cortical, às vezes múltiplo, com bordas irregulares,
frequentemente calcificado, com lesões satélites e em geral

O estabelecimento de uma rotina que seja eficiente e ra-


cional implicará diagnósticos seguros e resultados terapêu- QUADRO 93.1 ~ Causas mais frequentes de nódulo pulmonar
ticos favoráveis, com uma relação custo-benefício positiva.
Granulomas 53,9%

Carcinoma brõnquico 28,4%


Oconceito de nódulo pulmonar
Condroadenomas 6,6%
O conceito atual de nódulo pulmonar, proposto em 1974 por
Lillington,' é o de "urna opacidade aproximadamente arre- Metástases 3,4%
dondada, de limites bem definidos, com 3 em ou menos no
maior diâmetro, circundado por parênquirna pulmonar nor- Adenoma.s 2,0%
sem adenopatias regionais (FIGURA 93.1). Em nosso meio, o células tumorais, sem invasão das estruturas adjacentes, e a
granuloma secundário a uma infecção por tuberculose é o rara ocorrência de metástases ganglionares respondem pelos
mais comum. altos indices de cura.3
A presença de nódulos múltiplos e unilaterais em pa- A tendência dessas lesões de se manterem restritas ao
ciente sem antecedentes de neoplasia quase oertamente cor- pulmão justifica a cogitação de transplante pulmonar bilate-
responderá a uma lesão granulomatosa. A calcificação é o ral nas apresentações pneumônicas difusas.
achado mais seguro de que se trata de uma lesão cicatricial,
provavelmente granulomatosa, curada. Ainda que possa ha-
ver adenopatia regional em algumas lesões fúngicas, a regra Condroadenoma
é a ausência de envolvimento ganglionar nesta situação. A O condroadenoma é um tumor benigno constituído pelos
reação de Mantoux costuma ser intensamente positiva em elementos normais do órgão, ainda que anarquicamente
granulomas tuberculosos. Quando esses granulomas são, por distribuídos. Chamá-lo de hamartoma - como o fazem os
alguma razão, ressecados, o usual é que se mostrem pobre- anglo-saxões- é um erro conceitual porque, ao contrário do
mente colonizados. hamartoma verdadeiro, que só cresce enquanto cresce o por-
tador, o condroadenoma tem seu crescimento na faixa etária
do carcinoma brônquico, com média de idade de 55 anos.
Carcinoma brônquico Thmograficamente, o condroadenoma é uma lesão no-
Este é o nódulo mais importante, não apenas pela frequên- dular cortical densa, de limites lisos e levemente lobulados,
cia, mas também pelo significado patogênico e pelo bom raras vezes maior do que 4 em, com calcificações típicas
prognóstico quando surpreendido e tratado neste estágio. (pipoca-simile) sobretudo quando maior do que 3 em de diâ-
Thmograficamente, um carcinoma é um nódulo, não cal- metro, sem adenopatias regionais ou reação pleural (FIGURA
cificado, com halo de infiltração periférica, em geral locali- 93.3).
zado em lobos superiores (70%), sem lesões satélites e por O condroadenoma, por não infiltrar o parênquima adja-
vezes acompanhado de adenopatia regional e estria pleural. cente, é o único nódulo pulmonar que pode ser facilmente
Um dos elementos mais importantes para a suspeição enucleado, sem necessidade de ressecção de tecido pulmo-
diagnóstica de cãnoer é a situação medular do nódulo, assim nar (FIGURA 93 .3 C e 0).
como a borda irregular, que traduz a presença de infiltração Modemamente, a tomografia computadorizada de alta
do tecido linfático perinodular. A estria em direção à pleura resolução tem conseguido fazer o diagnóstico preciso da na-
também é considerada altamente sugestiva (FIGURA 93.2). tureza desse tumor pela identificação de áreas com densida-
A presença de cavilação oentral, um achado que ocorre de de gordura, ou de calcificações alternadas com gordura,
em cerca de 20% dos carcinomas brônquicos periféricos e no interior da lesão. Essa informação obtida em paciente
que decorre da necrose tumoral, é menos frequente em le- idoso com nódulo pequeno pode ditar a conduta conserva-
sões menores do que 3 em, ou seja, em nódulos. dora.
Um aspecto importante da tomografia é a imagem do Em uma publicação de Siegelman e colaboradores:
nódulo "em vidro fosco", porque muitas vezes ela está as- de 1986, em 17/47 casos comprovados de condroadeno-
sociada a um carcinoma bronquioloalveolar, uma neoplasia ma não havia gordura ou calcificação e o diagnóstico não
de baixa agressividade e, consequentemente, com elevada pôde ser feito pela tomografia. Um dado inconfundível do
probabilidade de cura (FIGURA 93.2 O). condroadenoma é a sua consistência pétrea à palpação.
O carcinoma bronquioloalveolar é considerado a forma Um exercício recomendável no treinamento cirúrgico con-
nodular de câncer de pulmão com melhor prognóstico. O siste em palpar esse tumor, evitando assim que, no futuro,
revestimento lepídico (em atapetamento) dos alvéolos pelas esses cirurgiões cometam a heresia cirúrgica de ressecar

a
FIGURA 93.1 ~ Granuloma - (A) nódulo densamente calcificado no lobo superior direito. (B) nódulo escavado com cavidade apontada para o brôn·
qui o de drenagem. (0 nódulos densos e múhiplos de distribuiçáo unilateral em paciente jovem.
a
FIGURA 93.2 ~ Carcinoma brõnquico - (A) nódulo de 1,8
em em lobo superior direito com extenso halo de infiltraçAo
periférica e estria pleural marcada (adenocarcinoma). (8)
nódulo de 1 em na língula com halo de infiltração periférica
(adenocarcinoma). (Q nódulo de 18 mm em situaçAo peri·
férica em segmento apiooposterior, com estria pleural gros·
seira. (O) nódulo de 2,8 em, com extenso halo de infiltraçAo
periférica e escavação central, com densidade heterogênea,
áreas mais densas e outras em "vidro fosco·. A biópsia com
vídeo mostrou carcinoma bronquioloalveolar em mais de
80% do nódulo ressecado. (E) nódulo de 13 mm com áreas
de densidade variável. A biópsia excisional aponta adeno-
carcinoma com padrJo de carcinoma bronquioloalveolar
em 60% da ~a operatória.

FIGURA 93.3 ~ Condroadenoma - (A) nódulo


de 2.4 em em segmento superior com as calcifi·
cações "pipoca-slmile", caracterfsticas desse tipo
de lesão. (8) nódulo periférico com limites ondu-
lados, porém bem definidos, e densidades hetero-
gêneas em seu interior, sugerindo a presença de
gordura. (Q corte do parênquima pulmonar, mos-
trando o plano de clivagem entre o tumor, predo-
minantemente cartilaginoso, e o tecido pulmonar
normal adjacente. (O) nódulo periférico removido
com enucleaçâo.
parênquima pulmonar sadio para extirpar um tumor que O tumor carcinoide, em gera~ é de localização central, e
poderia ter sido simplesmente enucleado. sua apresentação mais frequente envolve atelectasia e pneu·
monia obstrutiva, com história usual de escarro hemãtico.
No entanto, cerca de 20% dos tumores earcinoides têm
Metástase pulmonar localização periférica, e a forma nodular pode ser medular
As metástases representam 10% dos nódulos pulmonares, e ou cortieal, de densidade homogênea, limites lisos e bordas
em 90% dos casos há antecedente de neoplasia passada ou um pouco onduladas, raras vezes calcificado, excepcional-
concomitante. Do ponto de vista de imagem, a metástase em mente múltiplo e esporadicamente acompanhado de ade·
geral é uma lesão periférica, única ou múltipla, predominan- nopatia regional (AGURA 93.5). Em cerca de 10% dos casos
do em lobos inferiores (70%), com limites lisos, sem ade- existe envolvimento ganglionar regional.
nopatias regionais, e raramente apresentando escavações ou Pelo menos três quartos das lesões periféricas têm limi-
calcificações (AGURA 93.4). tes lisos e regulares. Em 25% dos casos se reconhece alguma
A tomografia de alta definição tem, muitas vezes, possi- calcificação periférica e em uma série de Magid e colabora-
bilitado demonstrar a relação entre nódulo metastático e o dores5o número de Hounsfield variou de 80 a 179.
vaso pulmonar embolizado na sua gênese (FIGURA 93.4 Ce D).
A presença de calcificações tem sido descrita em metás-
tases pulmonares de tumores que podem ser primariamente
calcificados, como os osteossarcomas. As cavitações em nó-
dulos metas táticos são bastante raras.

Tumor carcinoide
O tumor careinoide faz parte dos tumores chamados de neu-
roendócrinos, um amplo espectro neoplásico que contém
no seu extremo menos agressivo o tumor carcinoide típico
e, no outro, o mais maligno, o carcinoma indiferenciado de
pequenas células. O tumor carcinoide atípico e o carcinoma
diferenciado de pequenas células completam o espectro.

FIGURA 93.4 ~ Metástase pulmonar


- (A) a imagem numular. com limites
que parecem desenhados a compasso,
é uma das caracterfsticas da metástase.
(B) três nódulos periféricos, em uma
apresentação frequente em metástases
múltiplas. (C) a moderna imagem da
tomografia computadorizada de tórax
com o nódulo na extremidade do vaso,
cuja embolizaçâo resultou na metásta·
se. (O) múltiplos nódulos periféricos na
extremidade de vasos pulmonares em
um caso de metástases de osteossar·
coma.
FIGURA 93.5-+ (A) nódulo de 3 em, com limites lisos
e levemente ondulados em lobo médio. (B) tomogra·
fia helicoidal com reconstrução mostrando lesao só-
lida, de limites precisos. A punção aspirativa indicou
neoplasia de células pequenas, escassas mitoses, sem
pleomorfismo celular ou áreas de necrose, compatl·
vel com tumor carcinoide típico.

Para a conflflllação diagnóstica, o clínico e o cirurgião se


baseiam no somatório dos seguintes recursos propedêuticos:

• História clínica
• Métodos de imagem
• Exames de escarro
• Punção pulmonar
• Fibrobroncoscopia orientada
• Videotoracoscopia
• Toracotomia exploradora

A história clínica pode eventualmente sugerir o diagnós-


tico, como em um paciente com história de artrite (nódulo
reumatoide) ou com relato recente de trauma torácico (he-
matoma pulmonar), mas em geral ela tem um peso variável,
que pode ser significativo como o relato de tabagismo crôni- FIGURA 93.6 -+ Nódulo pulmonar periférico em paciente idoso com
antecedente de carcinoma de cólon. A punção evidenciou condroade-
co há mais de 25 anos, fortalecendo a hipótese de carcinoma
noma.
brônquico. Nos dados clinicos, a idade do paciente também
tem impacto no diagnóstico, considerando-se, por exemplo,
que 50% dos nódulos pulmonares em pacientes com mais de
50 anos são ncoplásicos, enquanto a chance de neoplasia em verdade, tal exame deve ser considerado apenas como incon-
um nódulo pulmonar em um paciente com menos de 35 anos clusivo.
é de apenas 1%.6 Na opinião de Lee e colaboradores,' a morbidade atri·
O exame de escarro é muito pouco útil nesta situação, buída à punção pulmonar como pneumotórax (12 a 20%,
dada a improbabilidade de que urna lesão neoplásica perifé· com um quarto dos casos exigindo drenagem) e escarros
rica descame células ainda viáveis para serem identificadas hemáticos (frequentes mas sem significado clinico), toma-se
em uma amostra de secreção traqueal. irrelevante se não fora o risco de que um exame in conclusivo
A punção pulmonar, aspirativa ou lancetante, tem ele- seja considerado negativo de doença.
vado rendimento em lesões neoplásicas periféricas (FIGURA A fibrobroncoscopia não é o método de eleição para a
93.6), porém apresenta uma acurãcia diagnóstica muito me- avaliação diagnóstica de um nódulo pulmonar, ainda que,
nor em lesões benignas. orientado pela tomografia, seja possível colher material de
As principais indicações de punção incluem neoplasia escovado e lavados brônquicos positivos para neoplasia.
inoperável, lesões de aspecto dúbio, mau risco cirúrgico e Quando a tomografia mostra a lesão determinando uma in·
lesões bilaterais. O critério mais importante para a indica- tersecção com um brônquio ("sinal do brôn'\uio") a chance
ção deste importante recurso propedêutico é que ele tenha de obtenção de material diagnóstico é maior.
a clara perspectiva de mudar a atitude terapêutica. Quando Nestes casos, o escovado brônquico orientado pela to-
a lesão tem aspecto radiológico muito sugest.ivo de neopla· mografia tem boa probabilidade de acessar a lesão, o que é
sia, a punção não deve ser indicada, porque não mudaria a sugerido pela ocorrência de pequeno sangramento durante
conduta qualquer que fosse o laudo obtido, positivo ou in- a escovação.
conclusivo. Um erro frequente e lamentável para o paciente A videotoracoscopia representou o mais importante
é a tendência de se considerar uma punção "negativa para avanço na área da propedêutica em nódulo pulmonar, como
células malignas" como excludente de neoplasia, quando, na visto adiante na discussão da estratégia terapêutica.
Por outro lado, existem nódulos tão caracteristicamente • a lesão é antiga, visto que a calcificação no pulmão de-
neoplásicos que a toracotomia pode ser primariamente indi· manda ao redor de 15 anos.
cada, constituindo-se em um procedimento ao mesmo tem-
po diagnóstico e terapêutico. Este conhecimento primário em nódulo pulmonar
pouparia da ansiedade inúmeros pacientes portadores de
nódulos calcificados que acorrem aos consultórios de espe-
cialistas. As calcificações múltiplas, centrais ou em casca de
Os recursos de imagem cebola são definitivas em relação ao diagnóstico de proces-
O radiologista, beneficiado pelo incomparável progresso dos sos benignos (FIGURA 93.7) .
métodos de imagem disponibilizados na última década, usa A presença de uma pequena calcificação periférica
os parâmetros descritos no QUADRO 93.2 para tentar sugerir em um nódulo com outras características de malignidade
uma hipótese diagnóstica diante de um nódulo pulmonar. precisa ser mais bem avaliada, pois nada impede que um
O tamanho de um nódulo tem importância na avaliação tumor no seu crescimento englobe uma calcificação pree-
diagnóstica: em uma série de Siegelman e colaboradores/ xistente.
apenas 29/203 (14,3%) dos nódulos benignos tinham mais O número de nódulos pode sugerir a natureza da le-
de 2 em de diâmetro. Acima de 3 em, apenas 6,3% das lesões são, especialmente se amparado na história clínica. Em
eram benignas. paciente sem história de neoplasia prévia, a presença de
A presença de uma calcificação no nódulo pulmonar é o múltiplos nódulos sugere lesão de natureza inflamatória
achado mais definitivo em relação à sua natureza benigna. 9 (FIGURA 93.8) .
Uma calcificação tem basicamente três significados impor- Para se entender o significado da situação de uma lesão
tantes e tranquilizadores: no pulmão, é preciso dividir o órgão em três regiões: a região
hilar ou cema/ contorna os elementos do hilo, a região cort.i-
• o nódulo é inflamatório (as lesóes neoplásicas excepcio- cal se situa entre a pleura visceral e avança pelo parênq uima
nalmente calcificam); por 2,5 em e, entre essas duas, a região medular alberga as
• o processo está cicatrizado (as lesões inflamatórias em vias aéreas incluindo os bronquíolos. Uma lesão cujo centro
atividade não calcificam); e geométrico se situe na medular do pulmão muito provavel-
mente se trata de uma lesão pulmonar neoplásica primitiva
(FIGURA 93.10). 10
Um aspecto importante é que tal critério não pode ser
usado nas duas direções, ou seja, a situação cortical de um
QUADRO 93.2 ~ Nódulo pulmonar: parâmetros radiológicos para
nódulo não exclui carcinoma brõnquico, visto que um nódu·
diagnóstico diferencial
lo cortical pode ser qualquer coisa, incluindo lesão inflama-
tória cicatricial ou neoplásica, primitiva ou metastática.
- Tamanho da lesão A presença de nódulos satélites múltiplos favorece fran-
- Calcificação
camente a hipótese de lesão granulomatosa, visto que o gra-
- Número de nódulos
- Situação do nódulo nuloma é o produto final do que foi um processo inflamató-
- Nódulos satélites rio maior, mais extenso. No sentido oposto, um nódulo de
- Aspecto das bordas periferia limpa quase certamente não é um granuloma.
- Modificação de diâmetro Por outro lado, o achado radiológico ou cirúrgico de um
- Estria pleural segundo nódulo neoplásico tem um impacto ominoso no
- Adenopatia regional prognóstico, justificando a classificação de T3 quando se si-
- Impregnação de contraste tua no mesmo lobo e T4 quando em outro lobo do mesmo
- Captação na tomografia por emissão de pósitrons (PEn lado da lesão principal (FIGURA 93.10).

FIGURA 93.7 ~ (A) nódulo de 3 em no lobo superior


direito com grande calcificação central. (8) lesão de
3,5 em com múltiplas calcificações em paciente ido-
sa com história de tuberculose na juventude. Prová·
a vel resíduo de tuberculose.
mas muito diferenciados com tempo de duplicação bas-
tante elevado.
O aumento de volume de uma lesão é altamente suges-
tivo de crescimento neoplásico, ainda que, raramente, isso
possa ocorrer em granulomas (FIGURA 93 .12).12
Por outro lado, a redução das dimensões de um nódulo
é reconhecidamente um elemento altamente sugestivo de
lesão inflamatória. É importante chamar a atenção para o
fato de que este juízo estará prejudicado em lesões cavita-
das, quando a redução de diâmetro com frequência resulta
da necrose central da lesão e retração de sua estrutura (FI·
GURA 93.13).
Um elemento tomográfico muito valorizado na avaliação
de um nódulo é a estria pleural, descrita como um indício de
FIGURA 93.8 -7 Paciente do sexo feminino, de 34 anos, com vários nó· neoplasia periférica. Ela expressa uma infiltração de tecido
dulos densos ~ esquerda; provável tuberculose cicatricial. Reaç~o de linfático peritumoral ou, mais provavelmente, uma faixa de
Mantoux fortemente positiva. atelectasia entre a lesão e a pleura víscera! adjacente (FIGURA
93.14).13
Quando há retração da pleura visceral, em geral carac-
terizando uma invasão dessa estrutura (T2), percebe-se uma
O aspecto das bordas de um nódulo é um dos elementos
de imagem mais valiosos para o diagnóstico diferencial de
uma lesão (FIGURA 93.11 A).
A primeira distinção deve ser feita entre as lesões sóli-
das e as lesões císticas. Enquanto estas têm limites lisos que
parecem traçados a compasso, aquelas têm bordas boceJa-
das, ainda que possam ser regulares e bem definidas (FIGURA
93.11 B e C).
Entre as lesõe-s sólidas, as bordas podem ser alternada-
mente regulares e imprecisas {bordas de tipo III) ou com o
halo de infiltração periférico (a corona radiata dos italianos),
que caracteriza uma imagem altamente sugestiva de carcino-
ma brõnquico periférico (FIGURA 93.11 o e E).11
A modificação de diâmetro é um elemento importante
na avaliação diagnóstica, considerando-se que a estabili-
dade de uma lesão por um período de dois anos ou mais
praticamente define uma lesão como benigna, haja vista
que tal dado implica um tempo de duplicação superior a FIGURA 93.10 -7 (A) massa tumorai de 5 em no maior diâmetro, no
750 dias, incompatível com lesões neoplãsicas malignas, lobo superior direito. (8) o corte tomográfico revela um nódulo satélite
ainda que excepcionalmente se encontrem adenocarcino- na periferia do mesmo lobo (T3).

FIGURA 93.9 -7 (A) nódulo com borda irre9ular em situação medular no lobo superior direito (adenocarcinoma). (B) nódulo medular com estria
pleural em lobo médio (carcinoma bronquioloalveolar).
FIGURA 93.11 ~ (A) tipos de bordas das lesões pulmo-
nares nodulares. (B) lesão dstica (cisto hidático) peri f~
rica do lobo inferior esquerdo. limites lisos e bem defi·
nidos. Bordas de tipo I. (C) lesão sólida (carcinoma) do
lobo inferior esquerdo. com limites anfractuosos, mas
bem nitidos. Bordas de tipo 11. (O) lesão sólida (histoplas·
morna) com limites alternadamente precisos e impreci·
sos. Bordas de tipo 111. (E) lesão sólida (adenocarcinoma)
com extenso halo de infiltração periférica. Bordas de
tipo IV.

FIGURA 93.12 ~ (A) pneumonia tuberculosa à direita


e nódulo de 3 em na lingula. (B) tratada, a pneumonia
desapareceu e o nódulo da esquerda aumentou para
4,5 em. A lingulectomia mostrou que se tratava de um
granuloma tuberculoso.

imagem em umbelicadura da pleura visceral, que é bastante Por outro lado, é tão incomum que uma metástase pul·
sugestiva de carcinoma brônquico periférico na inspeção da monar de carcinoma se dissemine para os gânglios regionais
superffcie pulmonar na toracotomia o u, mais modernamen- que, diante desse achado, o cirurgião deve considerar muito
te, na videotoracoscopia. mais provável que se trate de um segundo primário, agora
Ainda que alguns nódulos de natureza fúngica possam pulmonar, e com metástases ganglionares.
ser acompanhados de adenomegalias regionais, este achado Um dos elementos radiológicos mais utilizados na ava-
radiológico costuma estar associado à neoplasia primária de liação tomográfica de um nódulo é a impregnação de con-
pulmão. A neoplasia pulmonar que mais precocemente se traste. Partindo do princípio de que as lesões neoplásicas são
dissemina por via linfática é o carcinoma indiferenciado de mais perfundidas do que os nódulos cicatriciais, o grupo da
pequenas células, e a grande desproporção entre o tumor Mayo Clinic" propôs a comparação da densidade das lesões,
primário e as adenomegalias mediastinopulmonares é sua antes e depois da injeção de contraste, como um parâmetro
principal característica (FIGURA 93.15). distintivo. Em uma revisão de 171 nódulos malignos e 185
sugestivo de malignidade (FIGURA 93.16), o que permitiu clas-
sificar corretamente 167 de 171 tumores malignos (sensibi-
lidade de 98%).
A avaliação dos nódulos pulmonares a partir de sua
condição metabólica na PET representou, sem dúvida, o
grande avanço propedêutico da virada do século. Inicial-
mente utilizado com um exame isolado, a PET já demons-
trou uma alta sensibilidade (95%) e razoável especificida-
de (80%) em uma publicação de Dewan e colaboradores,' 5
que descreveu o diagnóstico correto em 27/30 nódulos
pulmonares. Houve um falso-negativo (adenocarcinoma
em cicatriz) e dois falso-positivos (ambos granulomas por
histoplasma). O índice de captação da fluorodeoxiglicose
(FDG) e o standard uptake va/ue (SUV) têm relevância
AGURA 93.13 ~ (A) lesão medular em lobo inferior esquerdo com 4,5 na avaliação diagnóstica do nódulo pulmonar. O valor de
em de diâmetro, cavilação central e halo de infiltração periférica. A SUV acima de 2,5 é considerado sugestivo de neoplasia
punção aspirativa foi negativa pa ra células malignas. (B) controle radio-
(FIGURA 93.17).
lógico cinco meses depois, com lesão reduzida para 3 em de diâmetro. 16
Foi indicada a ressecção por persistência de escarro hem~tico (adeno-
Em uma publicação de Veronesi e colaboradores, que
carcinoma). realizaram um estudo de rastreamento de cãncer de pulmão
na população de risco, é descrita uma captação (SUV) acima
de 2,0 em 51 dos 58 casos de cãncer comprovados cirurgica-
mente. Isso significou uma sensibilidade de 88%, e que al-
benignos, os autores demonstraram que o aumento de den- cançou os 100% em um subgrupo no qual os nódulos tinham
sidade foi de 38 UH para as lesões malignas e 10 UH para mais de 10 mm. Os autores concluíram que o método é útil
as benignas. Um aumento superior a 15 UH foi considerado na seleção de casos que mereçam ulterior investigação e su-

FIGURA 93.14 ~ (A) adenocarcinoma do lobo superior esquerdo com estrias pleurais grosseiras. (B) adenocarcinoma de 7 mm no lobo superior
direito, com retração da pleura cissural (T2). (C) adenocarcinoma de 2 em com uma retração muito sutil da pleura cissural (T2).

FIGURA 93.15 ~ (A) ade-


nocarcinoma de lobo in-
ferior direito, com grande
adenopatia hilar (N1). (B)
carcinoma de pequenas
células da língula (1 ,5 em)
com volumosas adenopa-
tias médias hilares e me-
diastinais.
dinâmica do nódulo depois da injeção de contraste. Usan-
do a moderna tomografia helicoidal com multidetectores e
estabelecendo como sugestivo de oeoplasia um aumento de
densidade maior do que 25 UH, a tomografia computadori-
zada de alta resolução (TCAR) foi comparada com a PE'l;
para o qual foi determinado como limite da normalidade um
SUV de 3,4.21
Foram estudados 79 nódulos malignos e 40 benignos. A
sensibilidade, a especificidade e a acurácia para malignida-
de na TCAR foram de 81% (64n9 nódulos), 93% (37/40)
e 85% (101/119), respectivamente, ao passo que na avalia-
FIGURA 93.16 -+ Nódulo pulmonar de 2,8 em, com borda.s de tipo 11, ção por PET, foram de 96% (76n9), 88% (35/40) e 93%
com significativa impregnação de contraste (aumento de 45 UH). Ade- (tllnt9), respectivamente (P = 0,008). A conclusão foi de
nocarcinoma. que a PET é superior à tomografia e deve ser usada como
primeiro instrumento diagnóstico, reservando-se a tomogra-
fia computadorizada como um recurso útil quando a PET
não estiver disponível.
geriram que o limite de positividade para o SUV deva ser Uma preocupação com o uso da PET é evidentemente a
reduzido para lesões menores do que 10 mm. possibilidade, não desprezível, de falso-positivos, o que ocor-
Como o método se baseia no metabolismo celular, ele re com maior frequência em zonas endêmicas de histoplas-
está sujeito a falso-positivos e negativos. Em tumores muito mose (FIGURA 93.18) e coccidioidomicose.
17
diferenciados, como os carcinomas bronq uioloalveolares, e Podem ocorrer falso-positivos em nódulos reumatoides
nos tumores de crescimento muito lento, como os tumores ou em processos granulomatosos com intensa reação infla-
8
carcinoides típicos, a PET pode ser negativa.' matória, na doença de Castlemao e, com alguma frequência,
Uma publicação recente'9 mostrou uma correlação linear no estadiamento mediastinal de carcinomas centrais com
entre a baixa captação na PET e o grau de diferenciação das pneumonia obstrutiva associada. 22
lesões tumorais com padrão bronquioloalveolar. Esse dado
deve alertar para o fato de que uma baixa captação na PE'l;
diante de uma lesão com padrão em vidro fosco, nã.o exclui
carcinoma. Isso é especialmente importante em se tratando Aestratégia terapêutica no nódulo
de um tumor com alto índice de cura cirúrgica, sobretudo
quando ressecado com menos de 2 em (estágio Tl-a), em
pulmonar
uma condição na qual a ressei:ÇOO econômica já é suficiente, A conduta ideal diante de um nódulo pulmonar de natureza
dispensando a lobectomia. indeterminada almeja indicar a ressecção preooce de todos
làmbém induzem a falso-negativos as lesões muito pe- os nódulos malignos e, na medida do possível, evitar a cirur-
quenas, em geral menores do que 1,5 em, quando a captação gia em nódulos benignos que não necessitam terapia.
pode ser imperceptível.» A busca de um equillbrio assim idealizado se ampara
Com o impressionante avanço tecnológico no mundo em vários modelos diagnósticos, um dos quais, servindo-se
dos métodos de imagem, uma novidade é a avaliação hemo- de uma abordagem bayesiana, foi proposto por Cummin·

FIGURA 93.17-+ (A) nódulo de 2,5 em em segmento posterior direito, com leve retração da pleura cissural e estrias cicatriciais satélites. (8) PET com
alto fndice de captaç~o (SUV 5,5). Adenocarcinoma.
FIGURA 93.18-+ (A), nódulo de 2,2 em, com bordas ir·
regulares em paciente grande fumante. (B) acentuada
captação na PET (SUV 5,5) no n6dulo e em gânglio ~
diastinal. A mediastinoscopia mostrou lesão granuloma·
tosa e a ressecçâo do n6dulo com cirurgia tor~cica video-
·assistída (CTVA) : histoplasmoma.

gs e colaboradores.13 Com base nas variáveis reconhecidas QUADRO 93.3 -+ Modelo para câlculo da taxa de probabilidade
como de risco para neoplasia, estes autores est abeleceram (TP) de carcinoma brônquico
um modelo de cálculo da probabilidade de que uma de-
terminada lesão corresponda a um carcinoma brônquico
(QUADRO 93.3). Os dois primeiros itens são idade do pa- I~
ciente c diâmetro da lesão. Depois, história de tabagismo, < 3()..0,11 0,75·0,32
bordas da lesão e densitometria na tomografia computa-
dorizada. 30·0,30 1,00·0,50
A FIGURA 93.19 mostra um caso clínico com aplicação do 35·0,38 1.25·0,60
modelo para cálculo da taxa de probabilidade de carcinoma
brônquico. 40-0,60 1,5Q-{),9
O uso desse modelo de fácil aplicação deve servir pelo
menos para aumentar o nível de angústia de médicos que 45·0,87 1,75·1,20
frequentemente recomendam conduta contemplativa em 2,00·1,60
50·1,30
nódulos cujo potencial neoplásico desconhecem.
55·1,70 2,70·2,80

60-2,40 3,00·3,10

65-3,20 3,25·3,50

70·4,40 3,50-3,90

75·5,80 3,75·4,30

8()..7,80 4,0()..4,80

Imm1:;n •·IJ;'',:.w
Nunca fumou 0,15

Fumante

- 1-9 cigarros/dia 0,30

- 10-20 cigarros/dia 1,40


FIGURA 93.19 -+ Paciente de 55 anos, fumante de 30 cigarros/dia, com 2,00
- 21·40 cigarros/dia
um nódulo de 2 em de diâmetro, com bordas de tipo 11, sem calcifica·
çóes. Qual a probabilidade de que esse nódulo seja um câncer? - > 41 cigarros/dia 3,90
Probabilidade de câncer = Prevalência x TP idade x TP diâmetro x TP
bordas x TP fumo x TP cakifocaçao. Abandonou o fumo < 3 anos 1,40

Probabilidade de câncer= 0,66x 1,7 x 1,6x0,58x 2,0 x 2,15 = 4,48, - 4-6anos 0,50
ou seja,
- 7-12 anos 0,10
Probabilidade de câncer = 4,4a/1 + 4,48 = 0,82 x 100 = 82%
----- - >13anos 0,10
TP
A conduta modemamente recomendada leva em consi-
Bordas da lesJo X
deração elementos clinicos e radiológicos e pode ser sinteti-
Tipo I: 0,21
zada conforme o QUADRO 93.4.
Tipo li : 0.58
Tipolll: 5,00 Com a realização frequente de rastreamentos para diag-
Tipo IV: 14.00 nóstion mais precoce de câncer de pulmão na população de
risco e a indicação mais amiúde de exames de imagem no
tórax, tomou-se onrriqueiro o achado de nódulos e micro-
nódulos, em geral responsáveis por gJ"ande ansiedade, face
a uma lesão de potencial indefinido e agJ"CSSividade inoerta.
Na tentativa de orientar a onnduta, a Fleiscbner Societ?
TlpoiV
propôs o protocolo descrito oo QUADRO 93.5, que vem sendo
universalmente seguido.

Densltometrla na TC x TP
C.lcilicoçio 0,02 QUADRO 93.4-+ Conduta recomendada para nódulos pulmonares
Sem calcificaçio 2,1 5
Não medida 1,00 GRUPO 1: Les.lo benigna ou muito provavelmente benigna
(calcificação central ou difusa, ou de tamanho inalterado nos últimos
FIGURA 93.20 -+ Referenciais para o c~lculo da probabilidade de um dois anos)
nódulo ser carcinoma brOnquico (borda e calcificação)" - CONDUTA: Observar, acompanhando com radiografia anual.

GRUPO 2: Les.lo de baixo risco de malignidade (paciente com menos


de 40 anos, não fumante, com nódulo de bordas lisas)"
- CONDUTA: PET para decidir.
~I ATENÇÃO - Sem PET: Tomografia a cada quatro meses ou punção pulmonar
aspirativa.
O intervencíonismo em nódulo pulmonar se baseia GRUPO 3: Les.lo pulmonar de alto risco para malignidade (paciente
nos seguintes prindpios:1 • com mais de 50 anos, fumante h.! mais de 25 anos, les.\o espiculada,
sem cakificaç6es e sem comprovante de estabilidade em suas
• Os carcinomas operados no estágio I curam em
dimen~)
mais de 80'!1. dos casos,
- CONDUTA: Estadiamento oncológico completo e
• A chance de cura decresce rapidamente em está·
videotoracoscopia. com biópsl<l exasional e doença de
gios mais avançados. congel~o."
• A mortalidade drúrgica ,em nódulos benignos é - Se lesão BENIGNA: fim do proced1mento.
< 1%. - Se les.lo MAUGNA: convel1âo para toracotoml<l e lobectomia ou
lobectomia videoassistida.

Como oo outro extremo há a justificada preocupação de


evitar que nódulos benignos sejam explorados cirurgicamen-
te, todos os recursos de imagem disponíveis têm sido testa- QUADRO 93.5 -+ Protocolo de conduta para nódulos pulmonares
dos na prevenção de um intervencionismo desnecessário.
Neste sentido, uma publicação recente, de maio de 2011, - Para nódulos s 4 mm, a tomografia seriada nlo é neces~ria se o
relata a revisão de 96 pacientes com diagnóstico comprova- paciente for de baixo risco. Em caso de alto risco, nova tomografia
do de carcinoma ou granuloma, e que tinham sido avaliados deve ser feita em 12 meses e nao mais repetida se o nódulo se
com tomogJ"afia de tórax e PET.25 Na tomografia de tórax, ta· mantiver es~vel.
manbo, tempo de duplicação, bordas, forma, características - Para nódulos de 4 a 6 mm, uma tomografia est~ indicada para
internas, broncogJ"ama aéreo e cavilação foram avaliados e 12 meses se o paciente for de baixo risco, e nlo mais repetida
submetidos a análises de regressão logistica. Foram também se o nódulo se mantiver est~vel. Nos pacientes de alto risco. a
tomografia deve ser repetida aos 6 e t 2 meses, edepois aos 18 e
investigados os dados da era pré-PE'f, com casos avaliados
24 meses se o nódulo se mantiver inalterado.
durante os anos de 1995 e 1996. No material estudado, 65
- Para nódulos de 6 a 8 mm, uma tomografia deve ser realizada aos
casos (68%) eram carcinoma e 31 (32%) eram granulomas. 6 e 12 meses e depois aos 18 e 24 meses se o nódulo se mantiver
A impressão na tomogJ"afia foi lesão benigna em 65% dos inalterado e o paciente for de baixo risco. Para pacientes de alto
granulo mas (20/31) e em 5% (3/65) dos carcinomas (p/ < risco. a tomografia seria realizada aos 6, 9 e 12 meses e depois aos
0,0001; valor preditivo negativo de 87% (20!23]). 24 meses se a les.lo se mantiver inalterada.
A conclusão foi que a tomografia de tórax reduz, mas - Para nódulos maiores do que 8 mm, a tomografia seria realizada
não elimina, a possibilidade de que um nódulo seja neoplãsi- aos 3, 9 e 24 meses. na presença de um nódulo de dimensões
co. Protocolos clinicos precisam ser ampliados para definir a inalteradas, independentemente do paciente ser de bai.<o ou alto
melhor conduta no nódulo de natureza indeterminada. risco.
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José J. Camargo
94
Spencer MarcantonioCamargo

O dano isquêmico da mucosa respiratória depende de


Introdução vários fatores, que incluem grau de compressão ao nível
A cirurgia traqueal, até poucas décadas atrás, limitava-se do balonete, tipo de tubo, tempo de entubação, presença
à execução de traqueostomia e, muito raramente, à ressec- de infecção associada, coexistência de hipotensão arterial,
ção de algum tumor de traqueia. A raridade das neoplasias entre outros.
benignas ou malignas da traqueia, bem como a elevada fre- Estima-se que uma compressão de 20 mmHg sobre a
quência com que as malignas são diagnosticadas em fase de mucosa traqueal já seja suficiente para provocar isquemia,
irressecabilidade, explicava a limitadíssima experiência com e se o paciente apresentar hipotensão arterial ou choque,
cirurgias desse tipo. idêntico efeito isquêmico será obtido mesmo com pressões
O advento da terapia intensiva e, com ela, da ventilação menores.
mecânica, permitindo que milhares de pessoas- que de ou- Um famoso trabalho de Cooper e colaboradores de-
tra sorte morreriam de suas doenças de base - sobrevives- monstrou a ocorrência de esqueletização dos anéis traqueais
sem, criou uma doença cirúrgica nova: a estenose traqueal de cães entubados por cinco dias com balonetes rígidos e hi-
pós-entubação prolongada. perinsuflados.
A patogerua, o diagnóstico, o tratamento na urgência e o Os tubos modernos, siliconizados e dotados de balone-
tratamento cirúrgico definitivo, com suas várias alternativas tes flácidos reduzem de forma considerável o risco de is-
técnicas, complicações e resultados, são o alvo deste capí- quemia da mucosa, ainda que não o afastem completamen-
tulo. te. Esses tubos, cujos balonetes determinam vedação mais
por ocupação do espaço do que por compressão, podem ser
mantidos por muitos dias ou semanas sem dano visível na
mucosa traqueal.
Patogenia Ocorrendo isquemia com evolução para necrose da mu-
cosa, associa-se inevitavelmente a infecção bacteriana a par-
~ATENÇÃO tir de germes comuns à terapia intensiva, ampliando o dano
tecidual.
A estenose traqueal pós-entubação é uma sequela O processo cicatricial que se inicia a seguir não terá re-
cicatricial fibrosa de um processo isquêmico prolon- percussão ventilatória enquanto o paciente estiver entubado,
gado, provocado pelo balonete do tubo traqueal, podendo tornar-se sintomático apenas semanas ou meses
indispensável na ventilação mecânica. mais tarde. Inicialmente, há uma granulação exuberante e a
deposição de quantidade crescente de fibroblastos.
Com a evolução para a cicatrizaçáo fibrosa e a conse-
queote redução de calibre da traqueia, começam a surgir
os sintomas que caracterizam a primeira fase da estenose
traqueal:

Thsse irritativa.
Desproporção entre o que parece que o paciente tem de
secreçáo e o que ele expectora_
o Dispneia crescente aos esforços.
o Roncos e sibilos na região estemal.
A radiografia penetrada pode dar uma ideia da localiza-
O ruído indicativo de grande quantidade de secreção ção da estenose, sobremaneira em incidências oblíquas.
traqueal que desaparece com a eliminação de um simples A traqueografia, usada com frequência no passado, foi
escarro é um dado altamente sugestivo em pacientes com praticamente abandonada em favor de técnicas de imagem
antecedente de entubação prolongada. não invasivas. Além disso, nas estenoses muito acentuadas,
A ausculta também é caracterfstica porque os sibilos a presença do contraste, ainda que bem dilufdo, em geral
predominam na região esternal e decrescem em direção à determinava um agravamento da dispneia.
periferia, exatamente o contrário do que ocorre em doenças Modemamente, a TC helicoidal, pelo recurso da recons-
pulmonares obstrutivas. A propósito, surpreende o número trução tridimensional e da broncoscopia virtual, representa
de pacientes com antecedentes de entubação e sem história o mais avançado instrumento de diagnóstico de estenose
de asma que são rotulados como asmáticos, ignorando•se as traqueal, permitindo não apenas a demonstração precisa do
pistas diagnósticas de estenose traqueal e remetendo o caso local e da extensão da estenose, mas também antecipando os
para uma dramática situação de pré-oclusão traqueal no fu- achados endoscópicos.
turo próximo. Apesar dos avanços imagéticos da TC helicoidal, a fibro-
Essa primeira fase pode durar semanas ou meses e impli- broncoscopia, associada ou não aos benefícios de arquivo da
videobroncoscopia, é um exame absolutamente indispensá-
ca a redução do calibre da traq ueia em 85 a 90%. A partir de
vel. E isso por três motivos: a necessidade de se excluir a
então, a queixa de dispneia se acentua e surge um elemento
eventual coexistência de uma lesão supraglótica, glótica ou
novo e precipitador da evolução: a comagem. Quando a fen-
subglótica; a verificação da dinâmica traqueal identificando
da traqueal é tão estreita a ponto de aparecer comagem, há
ocasionais distúrbios decorrentes de malácia; e a constata-
um novo fator de agressão da mucosa traqueal com agrava-
ção do estado de maturidade da lesão traqueal, impondo-se
mento do edema: a turbulência do ar.
a postergação do tratamento cirúrgico sempre que a endos-
Esse novo agressor da mucosa traqueal é tão importan-
copia constatar a presença de granulomas que denunciam a
te que uma obstrução, antes arrastada de estenose traqueal,
existência de um processo inflamatório em atividade.
costuma se completar em horas ou poucos dias depois do
A utilização dos diferentes métodos para diagnóstico
surgimento de comagem.
depende basicamente da gravidade do quadro clínico. Nas
Por essa razão, constitui-se erro grosseiro manter fora do estenoses moderadas ou leves, os métodos de imagem, em
hospital um paciente com estenose traqueal que iniciou com especial a TC helicoidal, podem ser empregados com tran-
respiração ruidosa. quilidade na avaliação da estenose. Nas estenoses graves,
A segunda fase, a da suboclusão troqueal, é uma das ur- com quadro de suboclusão traqueal, a endoscopia, rígida ou
gências médicas mais dramáticas, com angústia extrema, cia- de fibra óptica, é a única forma de comprovação diagnóstica
nose, sudorese, agitação e estridor traqueal intenso. possível, e que imediatamente se acompanhará de um proce-
Um dano traqueal mais raro que pode decorrer de en- dimento dilatador da traqueia.
tubação prolongada é a traqueomalácia localizada, na qual
a compressão do balonete determinou uma desestruturação
do arcabouço cartilaginoso, resultando em um segmento flá- Tratamento
cido e colapsável da traqueia durante as manobras expirató-
rias forçadas. Na urgência
Nos últimos anos, têm sido publicados uma série de ca-
sos de estenoses idiopáticas, a maioria delas afetando a re-
gião subglótica e geralmente comprometendo mulheres de
~ ATENÇÃO
meia-idade. A possibilidade de que pelo menos alguns des- Na suboclusão traqueal, a prioridade f! o restabeleci-
ses casos decorram de refluxo gastresofágico crônico, com mento da via af!rea por meio de entubaçAo traqueal
aspiraçôes traqueais repetidas, deve ser considerada. com dilataçAo. Quase todas as estenoses traqueais
pós-entubação são dilatáveis, por não serem unifor-
memente rfgidas. A porçbo mais externa do anel este-
Diagnóstico nótico costuma ser fibrosa, mas o seu miolo, de cons-
tituição mais recente, em geral é formado por tecido
A história clínica de entubação prévia, não necessariamente de granulação e edema, sendo portanto fadlmente
prolongada, é fundamental para a suspeição diagnóstica. dilatável.
A dilatação pode ser feita com broncosc6pio rígido, sob • O procedimento envolve contaminação da ferida opera-
visão direta, ou às cegas, com o tubo traqueal fino armado tória, de tal maneira que um paciente traqueostomizado
com uma guia metálica. Ainda que a primeira alternativa não poderá ser encaminhado para a traqueoplastia defi-
seja obviamente a mais segura, ela nem sempre está dispo- nitiva antes que o traqueostoma esteja cicatrizado, den-
nível com a premência exigida, de tal forma que a dilatação tro de 3 a 4 semanas.
com o próprio tubo é a mais usada. • A menos que a traqueostomia tenha sido casualmente
Quando se planeja fazer a dilatação com broncoscópio feita sobre o segmento estenótico, o que é raro, a área do
rígido, a estenose é visuali2ada e um aspirador metálico é traqueostoma deverá ser ulteriormente incluída na res-
introdutido para transpô-la e servir de guia aos movimentos secção traqueal, aumentando a extensão da ressecção e
giratórios do broncoscópio durante o procedimento, toman- as dificuldades técnicas decorrentes disso.
do-o mais seguro.
Na dilatação às cegas com um tubo traqueal, existe o
risco de ruptura da parede da traqueia se ele for inadequa- Tratamento eletivo
damente forçado contra a junção da estenose e a parede Obtido o controle da situação de urgência com a dilatação
normal. Para reduzir tal risco, um pequeno artitlcio faz essa traqueal, o paciente recebe tratamento clinico da infecção,
dilatação menos temerária: montado o tubo traqueal fino sendo observado em regime ambulatorial durante 4 a 6 se-
(6,5 ou 7,0) com uma guia metálica rígida (o fio de Kirchner manas, com a recomendação de que volte imediatamente ao
é uma boa alternativa), procede-se uma pequena inversão hospital se surgir comagem. Por vezes a dilatação traqueal
da curvatura da ponta do tubo, dando-lhe uma configura- precisa ser repetida visando manter uma ventilação adequa-
ção semelhante à do bico do Concorde. Esse recurso simples da até o momento mais apropriado para a solução cirúrgica
evita a pressão que o tubo com a curvatura usual faz inva- definitiva.
riavelmente na junção da traqueia normal com a estenose, A reavaliação cndoscópica depois desse período deve
e que pode eventualmente provocar a ruptura da traqueia mostrar um esfriamento da reação inflamatória da parede
nesse nível. da traqueia, com desaparecimento dos granulomas e evidên-
Com a ponta curva, o tubo pode ser pressionado com um cias de um processo mais fibroso, circunferencial, mais ou
movimento giratório sobre o seu próprio eixo, que se mante- menos rígido.
rá paralelo ao eixo da traqueia.
Ultrapassada a estenose, insufla-se o balonete traqueal,
e com ele inflado traciona-se o tubo de volta, procedendo-
-se a dilatação de baixo para cima com toda a segurança. A
seguir, a manobra pode ser repetida com um tubo traqueal
mais calibroso.
Recomenda-se cuidado especial com os pacientes idosos,
nos quais a cifose muda o eixo da traqueia, e com os pacien-
tes anestesiados muito superficialmente que, ao reagirem à
presença do tubo, podem favorecer a ruptura da traqueia
durante a tentativa de dilatação, o que seria reconhecido
pelo aparecimento abrupto de enfisema subcutâneo. O sucesso do tratamento cirúrgico depende da obediên-
Resolvida a urgência, a traqueia é inspecionada para ve- cia a alguns princípios técnicos inflexíveis:
rificar a maturidade da reação inflamatória na sua parede e
também para colher amostras de secreção traqueobrônquica • Não operar na fase de traqueíte aguda.
para exame bacteriológico. A dificuldade de remoção de es- • Evitar dissecções excessivas, especialmente das paredes
carro, inerente à estenose traqueal, justifica o achado quase laterais da traqueia por onde entra a circulação da pare-
constante de infecção brônquica, a ser tratada antes da ope- de, o que implicaria risco aumentado de deiscência.
ração definitiva. • Identificar com precisão a zona estenótica, antes de abrir
Por outro lado, a identificação de granulomas, típicos de a traqueia. A incisão abaixo ou acima do ponto ideal im-
um processo inflamatório ativo, protela a indicação cirúrgi- plica a necessidade de ressecar-se mais traqueia do que
ca, dada a elevada incidência de reestenose quando a anasto- seria originalmente necessário, com consequente aumen-
mose traqueal é reali2ada extemporaneamente. to da tensão na anastomose. Quando a zona estcnótica
A traqueostomia seria reservada às raríssimas estenoses não é facilmente identificável por inspeção ou palpação,
não dilatáveis e, quando excepcionalmente indicada, deveria recomenda-se a introdução de um fibrobroncoscópio
situar-se sobre o segmento estenosado, o que nem sempre é através do tubo traque.al e a identificação do ponto exato
possível. A indicação de traqueostomia como primeira atitu- da estenose, mediante punção da parede traqueal com
de em paciente com obstrução de via aérea é um dos erros agulha fma. Na indisponibilidade desse recurso endoscó-
mais grosseiros e frequentes no manejo de indivíduos com pico, a colocação de dois pontos de seda abaixo e acima
estenose traqueal de qualquer causa. da zona presumível da estenose, e a tração cranial dos
A indicação equivocada de traqueostomia nesses casos pontos inferiores e distai dos superiores, vai determinar
traz duas coosequências danosas para a solução definitiva do um sanfonamento da traqueia com uma nítida angulação
caso: do segmento estenótico, muito menos elástico.
• Evitar anastomoses tensas, que envolvem dois riscos: perextensão cervical. O uso de coxim subescapular, inflável
deiscência e reestenose. Para isso, é essencial a liberação ou não, é providencial para melhor expor a traqueia me-
proxúnal e distai da traqueia, fundamentalmente da sua diastinal.
parede anterior.
• Não ser demasiado econômico na amputação da parede
doente, o que invariavelmente evolui para reestenose na
fase de cicatrização.
Ventilação
• Não ressecar mais do que o necessário, reduzindo ao mí- A familiaridade do anestesista com a cirurgia da traqueia é
nimo a tensão da anastomose. fundamental para a sua execução sem sobressaltos. A iden-
• Operar o paciente em leve posição de 'frendelenburg, di- tificação da extensão, do grau e da localização da estenose é
ficultando com isso a migração de secreção hemática do indispensável para uma planificação segura da indução anes-
campo operatório para a via aérea distai. tésica e da ventilação intraoperatória. Praticamente não há
• Manter oxigenação satisfatória e uniforme. O uso de dificuldade na indução do paciente traqueostomizado, mas é
oxúnetria de pulso facilita o controle de uma ventilação indispensável a disponibilidade de material de endoscopia,
adequada, alternando períodos de hiperventilação com incluindo broncoscópio rígido infantil, naqueles casos em
apoeia. A retomada da ventilação quando a oximetria que a presença de uma estenose importante antecipa dificul-
mostra valores abaixo de 94% evita a ocorrência de hi- dades de entubação. A dilatação feita sob visão direta ofere-
poxemia indesejável. ce menor risco de ruptura da parede traqueal. A dilatação
• Proteger a anastomose com algum tecido viável da re- pré-entubação é modernamente feita sob anestesia venosa
gião. A musculatura pré-tireóidea e a gordura tímica são de ação rápida (propofol).
os tecidos mais facilmente disponíveis. Entubado o paciente, inicia-se a anestesia com gases ha-
• Evitar trações abruptas da anastomose no pós-operató- logenados e sem relaxantes musculares, o que permite a ven-
rio. Para isso, muitos cirurgiões prendem o mento à pele tilação espontânea em tempos ulteriores do procedimento.
do manúbrio do esterno com grossos fios de sutura. Te- No momento em que o cirurgião abre a traqueia depois
mos dispensado o aspecto medieval desta medida sutu- de tê-la dissecado previamente, uma estratégia inteligente
rando a musculatura cervical (pré-tireóidea) na parede é a passagem de um fio de sutura na extremidade distai do
anterior da traqueia distalmente à anastomose, garan- tubo traqueal que poderá ser tracionado pelo anestesista
tindo com isso dois beneficios: separar a anastomose do para a cavidade oral, desobstruindo o campo cirúrgico, e
contato direto com o tronco inominado e ancorar a tra- posteriormente tracionado pelo cirurgião para a luz traqueal
queia abaixo da anastomose à musculatura cervical, de quando a anastomose das paredes posterior e lateral já es-
maneira que as extensões da cabeça tracionem a traqueia tiver completada. Com essa sequência, evita-se nova mani-
distai e não a linha de sutura. pulação da cavidade oral para a entubação e a indesejável
hiperextensão da cabeça.
Durante a ressecção e a anastomose, é frequente a ne-
cessidade de retirada do tubo traqueal para ampliação do
Vias de acesso campo cirúrgico, o que toma imperiosa a alternância de pe-
A cervicotomia em colar é a via de acesso mais usada em ríodos de hiperventilação com apoeia, uma estratégia que
cirurgia traqueal porque através dela são operadas as le- atualmente pode ser feita com toda a segurança depois da
sões cervicais e a maioria das mediastinais, reservando-se disponibilização rotineira da oximetria de pulso. Como a
a toracotomia direita para as lesões justacarinais. A cervi- maioria desses pacientes tem pulmões normais, é comum
coesternotomia parcial é uma via de acesso que tende a ser que, depois de um período de hiperventilação de 2 a 3 mi-
empregada muito raramente na medida em que cresce a ex- nutos, o paciente tolere outros 10 minutos de apoeia sem
periência do grupo cirúrgico. Em nossa opinião, a esterno- baixar a saturação de 90%.
tomia deve ser evitada sempre que possível, reduzindo-se a A recomendação é que se retome a ventilação mecânica,
morbidade do procedimento e evitando o risco de osteomie- geralmente por meio de cânulas esterilizadas introduzidas
lite de esterno, uma complicação muito mais frequente em no campo cirúrgico, sempre que a oxúnetria revelar uma
cirurgia de traqueia do que em outras cirurgias que exigem queda progressiva da satur ação da hemoglobina (SatHb)
esternotomia. atingindo índices de 94 a 93%.
As maiores dificuldades técnicas relacionadas com a ex- Completada a cirurgia, é recomendável a passagem do
posição do campo cirúrgico têm sido observadas nos pacien- fibrobroncoscópio, que terá duas utilidades: inspecionar a
tes brevilíneos, obesos e de pescoço curto. Os pacientes ido- anastomose e promover uma limpeza da via aérea, removen-
sos, com cifose da coluna cervicotorácica, também oferecem do secreções e sobretudo coágulos decorrentes de sangra-
dificuldades de exposição de estenoses mais baixas devido à mento intraoperatório.
menor distensibilidade da traqueia. Na maioria dos casos, a extubação é precoce. As exce-
No extremo oposto, pela facilidade, estão os pacien- ções são pacientes com anastomoses subglóticas, que alguns
tes jovens, longilíneos e de pescoço longo e em especial preferem manter entu bados por via nasal durante 24 a 48
as crianças, nas quais é possível abordar lesões próximas à horas para ter certeza de que o edema inicial não vai com-
carina da traqueia através de cervicotomia associada a hi- prometer o calibre traqueal.
Essas extubações tardias devem ser feitas em ambiente onde entram os nervos laríngeos inferiores que não podem
adequado com disponibilidade de fibrobroncoseópio e ma- ser lesados. 1
terial de entubação. Como a amputação traqueal é feita muito perto das cor-
das voc;ajs, sobre a membrana cricotireóidea, é comum que a
anastomose não te oba a consistência desejável para garantir
uma permeação confiável da via aérea a esse nível, e mui-
Técnica cirúrgica tos cirurgiões concluem o procedimento com a colocação
A técnica cirúrgica é variável, dependendo muito da locali- de uma cânula de Montgomery cuja extremidade proximal
zação da estenose. ultrapassa minimamente a fenda glótica.
Desde 2007, e em 28 casos consecutivos, temos usado
uma técnica em que se amputa a zona estenótica com pre-
Estenose subglótica (Figura 94.1) servação do anel cricóideo, que é esculpido círcunferencial-
Esta é a estenose de solução mais complexa porque envolve mente para criar uma boca anastomótica proximal ampla e
o restabelecimento não apenas da ventilação, mas também rígida (FIGURA 94.3).
da fonação e da deglutição. Os princípios técnicos da cricoidoplastia são os seguintes:
A estenose subglótica geralmente é decorrente de trau-
ma provocado pelo próprio tubo. A enorme variedade de • Usar parte da estenosc como forma de preservar a "ar-
técnicas propostas não somente dá uma ideia da complexi- madura" da região subglótica.
dade, mas também expressa a necessidade de adequação da • Esculpir a zona de fibrose com bisturi lâmina 11, res-
abordagem operatória ao achado cirúrgico. secando a porção fibrosa da cartilagem cricóidea, pre-
A técnica mais famosa é a de Pearson (FIGURA 94.2), que servando a mucosa e uma lâmina externa de carlilagem
propõe a ressecção da região subglótica com uma amputa- (FIG URA 94.4).
ção em diagonal que remove os dois terços anteriores da • Distender a mucosa por meio da colocação de um tubo
cartilagem cricóidea, poupando os seus cornos posteriores caudocranial e manter o balonete insuflado durante 30
segundos para distender a mucosa e depois suturá-la
com pontos separados de fio PDS na lâmina de cartila-
gem remanescente (FIGURA 94.5).
• Proceder a anastomose terminoterminal, sem necessida-
de de próteses (FIGURA 94.6).

Nossa experiência com a cricoidoplastia é de 28 pacientes


com 25 decanulações definit.ivas e com tempo de seguimento
superior a nove meses. Em três pacientes, houve necessidade
de colocar a prótese de Montgomery, por dificuldades ven-
tilatórias no terceiro, quinto e sexto dias pós-operatórios,
atribuíveis a intumescimento da região subglótica (n = 2) e
deiscência parcial da anastomose (n = 1). Apenas o paciente
da deiscência da anastomose persiste com Montgomery; os
outros foram decanulados depois de 3 e 4 semanas. Depois
FIGURA 94.1 -+ Estenose subglótica - (A) vista por TC helicoidal e (8) na que se entendeu que o intumescimento da região subglótica
endoscopia.

FIGURA 94.3 -+ (A) região subglótica estenosada com grande espes-


samento da parede traqueal. (8) depois de ressecada a porção densa
AGURA 94.2 -+ Técnica de Peanon. da parede, a boca traqueal proximal é preparada para a anastomose.
----------------------
FIGURA 94.4 ~ (A) estenose subglótica origi·
naI. (B) escultura do "miolo" da estenose com
preservação da mucosa e uma lâmina externa
de cartilagem.

FIGURA 94.5 ~ (A) depois de distendida a


mucosa pela insuflação de um balonete, ela
é suturada na borda da lâmina de cartila·
gem preservada. (B) pontos separados de
PDS 4-0 prendem a mucosa na cartilagem
e preparam a ampla boca proximal para a
anastomose.

era causado, muito provavelmente, devido a hematoma sub- próteses ele é tão somente rechaçado, voltando à posição
mucoso na zona da cricoidoplastia, os pacientes passaram a original depois de poucas horas ou dias.
ser mantidos entubados, por via nasotraqueal, nas primeiras
24 horas do pós-operatório, e não ocorreu mais essa com-
plicação. Estenose cervicomediastinal
Os resultados nitidamente superiores aos do uso de pró- Esta é a estenose verdadeira atribuível à compressão susten-
teses, autoexpansíveis ou não, devem-se a um princípio lógi- tada e isquemiante do balonete traqueal. A correção cirúr-
co: na cricoidoplastia, o tecido fibroso resultante da reação gica é mais simples e os resultados, mais previsíveis e satisfa-
inflamatória (FIGURA 94.7) é removido, enquanto que com as tórios (FIGURA 94.8).

AGURA 94.6 ~ (A) grave estenose subglótica depois de


três semanas de entubação. (B) aspecto pós-operatório
precoce (duas semanas) depois da cricoidoplastia.
-se, assim, a remoção desnecessária de porção indene da
parede, o que poderia resultar em anastomoses demasiado
tensas.
Procedida a amputação da zona doente e obtida uma
cuidadosa hemostasia, inicia-se a aproximação das bocas
com a passagem de um ponto de sutura (utilizamos habitual-
mente Vicryl 3-0) em cada ângulo, na junção da cartilagem
com a membranosa. Antes de esses fios serem amarrados,
recomenda-se a retirada do coxim dorsal, para reduzir a ex-
tensão do pescoço e facilitar a aproximação das bocas anas-
tomóticas.
A seguir se procede a sutura da parede posterior de for-
ma contínua com PDS 4-0, um fio absorvível, monofilamen-
tar e que tem se revelado excelente para tal procedimento
(FIGURA 94.9).
Completada a anastomose da parede posterior, inicia-
-se uma série de pontos separados na parede cartilaginosa
(temos preferido Vicryl 3-0, por ser forte e absorvível), que
são mantidos ordenados e abertos até a complementação de
FIGURA 94.7 7 O corte tomogrAfoco mostra que a estenose é decor-
toda a linha de anastomose (FIGURA 94.1O).
rente do grande espessamento das paredes traqueais à custa de tecido
fibroso exuberante. Antes de se iniciar a amarração dos pontos da parede
anterior, a via áerea é aspirada para que coágulos residuais
sejam removidos, c o tubo oro ou nasotraqucal é traciona-
do pelo fio que o mantinha preso e orientado para baixo, de
A primeira etapa da cirurgia consiste em determinar modo que o balonete fique posicionado abaixo da linha de
com precisão a rona doente e avaliar a extensão da ressec- sutura. Devem-se evitar insuflações excessivas do balonete
ção. Nas ressecções extensas, é importante a liberação mais que possam acarretar desgarramentos de algum ponto da
ampla possível da traqueia distai e proximal, de modo a fa- anastomose.
vorecer a aproximação das bocas traqueais durante a anasto- Completada a anastomose, existe a preocupação de
mose. A liberação, especialmente a distai, deve ser feita com protegê-la, especialmente do contato direto com o tronco
a traqueia ainda fechada, com o pescoço em hiperextensão, arterial braquioeefálico que cruza em diagonal sobre a tra-
e é favorecida pela presença de um tubo traqueal com ex- queia na transição cervicomediastinal. Alguns cirurgiões
tremidade distai próxima à carina. A liberação se faz apenas fazem isso usando músculos da vizinhança, sobretudo o es-
na parede anterior da traqueia e se estende para baixo até temocleidomastóideo, ou gordura do mediastino anterior ou
o dorso dos brônquios principais. A dissecção das paredes eventualmente o próprio limo. Thmos preferido a muscula-
laterais implicaria desvitalnação da traqueia, e deve estar tura cervical pré-traqueal que é suturada na parede anterior
restrita a poucos milímetros das bordas anastomóticas. da traqueia, abaixo da linha da anastomose, isolando-a do
Identificada a zona estenótica, a ressecção da traqueia contato direto com o tronco arterial e evitando distensões
deve ser feita de maneira fatiada, de anel em ane~ evitando- indesejáveis sobre a anastomose, pois, oom tal artifício, qual-

FIGURA 94.8 7 (A) uma estenose ceNicomediastinal de cerca de 2 em de extensão documentada por tomografia helicoidal, o método de imagem
mais moderno. (B) imagem do campo cirúrgico com a traqueia aberta na zona da estenose e uma cânula distai mantendo a ventilação.
FIGURA 94.9 ~ (A) anasto·
mose com sutura contfnua da
parede membranosa da tra-
queia. (8) completada a parede
posterior.

FIGURA 94.1O ~ (A) passados os


pontos separados das paredes ante-
rior e lateral. (B) completada a sutu-
ra com pontos separados.

quer extensão intempestiva da cabeça implicará tração ape- siado alta para ser abordada por toracotomia direita e de-
nas da traqueia distai à anastomose. masiado baixa para ser operada por via cervical. Nesses
A drenagem do mediastino com dreno do tipo Penrose casos, uma cervicoesternotomia pode ser a melhor opção
é rotina. (FIGURA 94.11 ).

Cirurgia dos tumores traqueais Complicações da cirurgia traqueal


O carcinoma epidermoide e o carcinoma adenoidocfstico re- As complicações em geral estão associadas a desvitalização,
presentam a maioria dos tumores traqueais. infecção e tensão excessiva da anastomose. As duas primei-
Em uma série do Massachusetts General Hospital/ de ras podem associar-se à situação mais temível, que é a deis-
360 pacientes com tumores traqueais benignos e malignos, cência precoce da anastomose, uma complicação catastrófi-
240 tinham carcinoma epidermoide ou carcinoma adenoido- ca, especialmente em anastomoses mediastinais.
cístico. Os outros 90 se dividiam em tumores menos frequen- O risco dessa complicação é presumível quando a inspe-
tes, com 34 benignos (38%) e 56 malignos: 11 carcinoides, ção endoscópica inicial mostra bordas anastomóticas escuras
14 mucoepidermoides, 13 sarcomas, 15 carcinomas não es- e com deposição precoce e abundante de fibrina.
camosos, 2linfomas e 1 melanoma. Na deiscência precoce, é inútil a tentativa de passagem
O acréscimo de dificuldade à cirurgia de ressecção tra- de novos pontos, e a recomendação é a maior aproximação
queal, quando a doença de base é tumoral, deve-se à neces- possível das bordas e a colocação de um tubo de Montgo-
sidade de garantir margens cirúrgicas livres de neoplasia, o mery, que assegure a perviedade da via aérea. A ferida ope-
que implica ampliação da ressecção em ambas as extremida- ratória deve ser mantida aberta o suficiente para o escoa-
des traqueais. mento completo das secreções. As fístulas traqueoarteriais
Com essa perspectiva, a via de acesso é fundamental podem ocorrer nessa situação e em geral são fatais.
para assegurar um campo cirúrgico que propicie, em sequên- Ocorrendo a fístula traqueoarterial, que invariavelmen-
cia, uma ressecção completa do tumor com uma reconstru- te se associa a sangramento importante, e superada a fase
ção adequada da via aérea. aguda do sangramento pela hiperinsuflação do balonete tra-
Um tumor da transição cervicomediastinal da traqueia queal, a única chance de sobrevivência depende da imediata
muitas vezes configura a situação em que a lesão é dema- indicação de dupla ligadura do tronco braquiocefálico na
emergência da aorta e antes da bifurcação carotídea-subclá- 2. Gaisscrt HA, Grillo HC, Shadmehr B, Wright CO, Gokhalc M,
via direita. Wain JC, ct ai. Uncommon primary trachcal tumors. Ann Thorac
A reestenose é uma complicação tardia, estando em ge- Surg. 2006;82:268-73.
ral associada a um de três fatores:

• Indicação precipitada de ressecção, com a operação feita Leituras recomendadas


na fase de traqueíte aguda. Bisson A, Bonnctte P, cl Kadi NB, Lcroy M, Colchen A, Pcr-
• Thnsão excessiva da linha da sutura, resultando em uma sonne C, et ai. Tracbeal sleeve resection for iatrogenic stenoses
anastomose alongada e estenótica. (subglottic laryngeal and tracbeal). J Tborac Cardiovasc Surg.
• Isquemia moderada da anastomose. 1992;104(4):ggz-7.
Gaisscrt HA. Primary trachcal tumors. Chcst Surg Clin N Am.
Nessa situação, a maioria dos pacientes é manejada 2003;13(2):247-56.
com dilatação e colocação de tubo de Montgomery, man-
Grillo HC. Oevelopment of tracheal surgery: a historical rc-
tido por 4 a 6 meses. A possibilidade de nova ressecção
view. Part 1: Thchniques of tracheal surgery. Ano Thorac Surg.
como atitude inicial fica reservada a um pequeno grupo
2003;75(2):610-9.
de pacientes, portadores de estenoses curtas e maduras e
que foram submetidos previamente a ressecções também Grillo HC. Oevelopment of trachcal surgery: a historical rc-
econômicas. view. Part 2: Trcatment of tracheal discascs. Ano Thorac Surg.
Outras complicações incluem aspiração de secreções, 2003;75(3):1039-47.
disfonia e paralisia de corda vocal. Thdas essas dificuldades Gri!lo HC. Managcmcnt of idiopathic tracbcal stcnosis. Chcst Surg
se associam à lesão do nervo recorrente, uma intercorrência Clin N Am. 1996;6(4):811 -8.
que pode ser evitada com cuidados de dissecção que incluem
Grillo HC. Pediatric trachcal problems. Chest Surg Clin N Am.
particularmente: 1996;6(4):693-700.

• Uso muito cuidadoso e limitado de eletrocauterização. Grillo HC, Oonahuc OM. Postintubation trachcal stcnosis. Cbest
Surg Clin N Am. 1996;6(4):725-31.
• Dissecção restrita ao plano traqueal, especialmente na
intersecção traqueoesofágica. Grillo HC, Oonabue OM, Mathisen OJ, Wain JC, Wright CO. Pos-
tintubation trachcal stenosis: trcatmcnt and rcsults. J Thorac Car-
A incoordenação para deglutir pode estar associada à diovasc Surg. 1995;109(3):486-92.
tensão exagerada da anastomose ou ao rebaixamento da la- Grillo HC, Mathiscn OJ. Primary tracheal tumors: treatment and
ringe pela técnica de Montgomery, que propõe a secção da results. Ann ThoracSurg. 1990;49(1):69-77.
musculatura supratireóidea.
Macchiarini P. Primary trachcal tumours. Lancei Oncol.
A dificuldade de expectoração por problemas neurológi-
2006;7(1):83-91.
cos também representa um fator de risco em pós-operatório
imediato, caracterizando, em nossa opinião, uma contrain- Maccbiarini P, Chapelier A, Lenot B, Cerrina J , Oartcvellc P. La-
dicação, pelo menos relativa, à traqueoplastia em pacientes ryngotrachcal rescction and reconstruction for postintubation
com estenose traqueal em que se planeja a retirada do tra- subglottic stcnosis. Lessons lea.rned. Eur J Cardiothorac Surg.
1993;7(6):300-5.
queostoma, mas que apresentam sequelas neurológicas gra-
ves e definitivas do traumatismo craniano grave que motivou Wain JCJr. Postintubation tracbeal stenosis. Semin Thorac Cardio-
a entubação prolongada. vasc Surg. 2009;21(3):284-9.
Wcber AL. Radiologic cvaluation of the trachea. Chcst Surg Clin N
Am. 1996;6(4):637-73.
Referências Wright CO, Grillo HC, Wain JC, Wong OR, Oonahue OM, Gais-
1. Pcarson FG, Gullanc P. Subglottic rcscction with primary !rache- scrt HA, ct ai. Anastomotic eomplieations aftcr trachcal rcscction:
ai anastomosis: including synchronous laryngotrachcal rcconstruc- prognostic factors and managcment. J Tborac Cardiovasc Surg.
tions. Scmin Thorac Cardiovasc Surg. 1996;8(4):381-91. 2004;128(5):731-9.
José J. Camargo
Tiago Noguchi Machuca
95
Bruno Hochhegger

superior, anterior, médio, posterior e goteira costovertebral.


Introdução A FIGURA 95.1 mostra a divisão radiológica do mediastino e
Os tumores do mediastino são in frequentes e, por se origina- as lesões mais frequentes.
rem a partir dos diversos tipos celulares que habitam essa to- O mediastino superior se estende do estreito cervico-
pografia, podem ter composição histológica diferente. Dessa torácico até uma linha imaginária entre o ângulo de Lou-
maneira, distintas estratégias diagnósticas se fazem neces- is (articulação manubrioesternal) e a porção inferior da
sárias e, mais importante, demandam formas de tratamento quarta vértebra torácica. As principais estruturas dessa
diversas com prognósticos bastante variáveis. Muitas vezes, região são os grandes vasos da base e a traqueia. Portan-
o pneumologista é o médico responsável pelo primeiro aten- to, lesões primárias do timo ocorrem nessa região. Além
dimento especializado a esse tipo de afecção. disso, pela extensão direta através do estreito cervicoto-
Na tentativa de facilitar o estudo dessa miscelânea de rácico, bócios mergulhantes e bócios intratorácicos são
doenças, estabelecer um diagnóstico diferencial adequado lesões frequentes no mediastino superior, podendo even-
e orientar a investigação diagnóstica, adota-se uma abor- tualmente se estender até o mediastino anterior.
dagem compartimentalizada do mediastino. ' Este capítulo O mediastino anterior é delimitado anteriormente pelo
apresenta bases anatômicas, apresentação clínica, investi- estemo e posteriormente pelo pericárdio. Seus limites supe-
gação diagnóstica e tratamento dos tumores do mediastino rior e inferior são a linha entre o ângulo de Louis e a quarta
seguindo essa divisão em compartimentos. vértebra torácica e o diafragma, respectivamente. Na ausên-
cia de doença, ele é preenchido por gordura pericárdica e
pelos polos inferiores do timo. Thmores frequentes nessa
topografia são tirnomas, teratomas (benignos e malignos) e
Anatomia do mediastino !infamas.
O mediastino compreende o espaço entre os dois pulmões O mediastino médio é delimitado anterior e posterior-
(o limite anatômico mediai é a pleura parietal mediastinal), mente pelo pericárdio e, além das estruturas cardíacas,
sendo delimitado superiormente pelo estreito cervicoto- contém a carina e os brônquios principais, junto com seus
rácico, inferiormente pelo diafragma, anteriormente pelo linfonodos adjacentes. Essa topografia é mais comumente
estemo e posteriormente pela coluna vertebral e goteira acometida por lesões linfonodais (paratraqueais e subcari-
paravertebral. nais), assim como por lesões císticas (cistos celômico-peri-
De acordo com referências anatômicas arbitrariamente cárdicos).
estabelecidas (não existe qualquer estrutura específica de se- O mediastino posterior corresponde ao espaço entre o
paração), o medias tino é dividido em cinco compartimentos: pericárdio posterior e a coluna vertebral. Nessa região, são
~ ATENÇÃO
Três variáveis podem determinar as chances de uma
lesão ser maligna:
1. Idade: cerca de metade das les6es mediastinais
em paáentes entre 20 e 40 anos é maligna, ao
passo que fora dessa faixa etária a chance de ma-
lignidade cai para próximo de 30%.
2. Localização: em estudo clássico, Davis e colabo-
radores' analisaram 400 padentes atendidos na
Duke University. COnstataram que 59% dos tu·
mones do mediastlno anterossuperior, 29% dos
tumores do mediastino médio e 16% dos tumo-
res do mediastino posterior eram malignos.
3. Apresentação cllnica: no mesmo estudo, 85%
dos pacientes com lesao maligna apresentavam
sintomas no momento do diagnóstico, contra
apenas 46% dos pacientes com manifestações
quando a lesão era benigna.
FIGURA 95 .1 ~ Divisão radiológica do mediastino e lesões mais fre-
quentes: (A) Mediastino superior -+ 86cio endotorácico; (B) Mediasti·
no anterior -+ nmomas e teratomas; (C) Mediastino médio -+ Cistos Deve-se destacar que a popu lação pediátrica apresen-
celômico·pericárdicos; (O) Mediastino posterior -+ Duplicações gas· ta características totalmente peculiares, sendo abordada
trentéricas e cistos brOnquicos; (E) Goteira costovertebral -+Tumores de forma detalhada no Capitulo "1l-atamento Cirúrgico de
neurogênicos. Afecções Pneumológicas em Pediatria".

encontrados o esôfago, o dueto torácico e a aorta descen- Investigação diagnóstica


dente. Cistos de duplicação entérica, cistos brônquicos e le-
Uma vez que a maioria das lesões mediastinais é assintomá-
sões da parede muscular do esôfago (liomiomas) são carac-
tica, sua descoberta i.nicial deve-se a um achado de exame ra-
terlsticos dessa região.
diológico do tórax. A investigação por imagem compreende
Por fim, ao longo da coluna vertebral, naquele recesso
técnicas que variam desde a simples radiografia de tórax até
chamado radiologicamente de goteira costovertebral, em
exames mais complexos como a tomografia por emissão de
um território onde cursam os nervos intercostais e a cadeia
pósitrons (PET) e exames de medicina nuclear. Entretanto,
simpática, os tumores neurog!nieos benignos (neurinomas e
o exame que isoladamente fornece o maior número de infor-
neurofibromas) são os mais frequentes, seguidos por tumo-
mações tanto para o diagnóstico como para o planejamento
res mais raros como os feocromocitomas, os neuroblastomas
terapêutico é a tomografia computadorizada (TC).
e os ganglioneuroblastomas.

Apresentação clínica
A maioria dos tumores do mcdiastino é assintomática.
Em cerca de um terço dos casos, o paciente refere algu-
ma queixa. Os sintomas geralmente são ocasionados pela
compressão local. A compressão da via aérea pode cau-
sar dispneia, estridor ou tosse. Tumores do mediastino
anterior e médio podem causar obstrução venosa com
sindrome de veia cava superior, compressão dos nervos
frênico ou laringeo recorrente, com paralisia diafragmáti-
ca e rouquidão, respectivamente. Thmorcs do mediastino
posterior podem se manifestar com dor ou sindrome de
Claude-Bernard-Horner (ptose palpebral, miose e anidro- A perda da definição das linhas que separam o pulmão
se ipsilaterais ao tumor por acometimento do gânglio es- das estruturas mediastinais é um bom indicativo de doença
trelado do feixe simpático). ou anormalidade. Todavia, além de situa.r a massa dentro
de um dos compartimentos mediastinais arbitrariamente QUADRO 95.2 -+ Distribuiç.\o anatômica e radiológica das lesões
defmidos e talvez evidenciar densidades düerenciais (p. ex., mediastinais
calcificações dentro da massa), raras vezes a radiografia de

-~~'#ltlol
tórax determinará o diagnóstico exato da lesão. Paradoxal-
mente, quanto maior a tumoração (e, portanto, mais óbvia
na radiografia frontal), mais difícil será determinar o sítio
exato de sua origem, assim como o diagnóstico diferencial, Anterior/Superior - Timoma: massa única, densidade de partes
que é em grande parte determinado pela localização do tu- moles, bem delimitada
mor dentro do mediastino (QUADRO 95.1). - Unfoma: massa única, múltiplos nódulos,
raramente necrosa, sem realce pelo meio
de contraste
- ~minativo: grande massa, necrose e
calcificação são comuns

Médio - Cistos: densidade líquida com paredes finas


- Tumores mesenquimais: massa única que
pode apresentar realce e necrose
- Unfoma: massa única, múltiplos nódulos,
raramente necrosa, sem realce pelo meio
de contraste

Posterior - Neurogênico: massa única, geralmente


com intenso realce pelo meio de contraste
e no feixe vasculonervoso
- Cistos: densidade líquida com paredes finas
- Tumor mesenquimal: massa única que
pode apresentar realce e necrose

ao tumor, é muito válido. É consenso que a RM deve ser


realizada nos casos em que a TC não permite o jufzo sobre a
invasão de estruturas vizinhas. Muitos centros também têm
As características tomográficas de invasão local das utilizado a RM para confirmar a invasão mediastinal em to-
estruturas do mediastino e da parede torácica adjacen- dos os casos sugeridos pela TC, tendo em vista a mudança
te poderão dar evidências indubitáveis de malignidade de na conduta e sobrevida que este dado pode proporcionar ao
um tumor. Um exemplo dessa situação é a demonstração paciente.
tomográfica de nódulos pleurais metastáticos em timo- Exames laboratoriais também podem ser úteis durante
mas. Outro valor indiscutível da tomografia é permitir ao a investigação de um tumor do mediastino. Os níveis séricos
cirurgião estudar a possibilidade de remoção de um tumor de alfafetoprotelna e betagonadotrofma coriônica podem
mediastinal ou decidir apenas por uma biópsia dirigida por ser úteis no diagnóstico de tumores germinativos não semi-
agulha naqueles casos em que a ressecção será impossível. A nomatosos. No caso de tumores endócrinos funcionantes,
TC poderá definir com maior precisão e segurança o local tipo feocromocitomas, observa-se elevação dos níveis uriná-
exato onde deve ser feita a biópsia com agulha. rios de catecolaminas, ácido vanilmandélico e homovanílico.
A ressonância magnética (RM) é um método que tem Tumores neurogênicos do mediastino posterior, tipo neu-
crescido muito na avaliação dos tumores mediastinais, e sua roblastomas, ganglioneuromas e paragangliomas também
indicação cada vez mais supera a TC. A RM tem uma re- podem sintetizar adrenalina e noradrenalina e apresentar
solução de imagem sete vezes superior à da TC, o que, no elevação dos seus metabólitos na urina.
contexto de avaliação de infiltração de estruturas vizinhas Apesar dos dados fornecidos por história clinica, exame
físico, exames laboratoriais e métodos de imagem, o diag-
nóstico definitivo de uma lesão mediastinal só pode ser es-
QUADRO 95.1 -+ Distribuição dos diagnósticos pelos tabelecido a partir de estudo anatomopatológico do tumor
compartimentos anatômicos após sua excisão completa ou pelo menos amostragem de
um fragmento. Com o avanço tecnológico da medicina, vá-
Anterior/ fimornas (30%); linfomas (20%); germinativos (18%) rias técnicas minimamente invasivas podem ser empregadas
Superior para a obtenção de biópsias de lesões mediastinais. As mais
utilizadas são biópsia percutânea guiada por ultrassom ou
Médio Cistos (60%); linfornas (21%); tnfSenquimaos (9%) tomografia, biópsia guiada por ecoendoscopia brônquica ou
esofágica, mediastinotomia anterior, mediastinoscopia cervi-
!'os tenor Neurogénicos (53%); c.istos (34%); tnfSenquimais (9%) cal e videotoracoscopia.
zada pelo esõfago ou pela árvore brônquica, dependendo do
!I] ATENÇÃO tipo de aparelho e da topografia a ser analisada. Utilizados
no início para a amostragem de linfonodos mediastinais no
• Pacientes com lesões pequenas (<7 em), bem estadiamento de pacientes com neoplasia de pulmão, esses
encapsuladas, sem :sinais indicativos de irresse- métodos podem ser empregados para biopsiar lesões peri-
cabilidade ou lnvaslo de órgãos adjacentes que brônquicas ou periesofág.icas que dificilmente seriam acessí-
tornem a ressetçao tecnicamente mais complexa veis pela via percutânea. Um estudo recente mostra que, em
(p. ex., grandes vasos, traqueia, esôfago). podem uma equipe experiente com a metodologia (tanto broncos-
ser submetidos a cirurgia a partir do seu achado.2 copista quanto patologista), pode-se atingir um rendimento
·• Lesões cfsticas também podem ser submetidas a diagnóstico de 93,4%.3 A biópsia por ecoendoscopia também
ressec~o drúrgica sem diagnóstico histológico é um método seguro e, a exemplo das punções percutâneas,
prévio (de acordo ·c om indicações discutidas na pode ser realizada com sedação e em regime ambulatorial.
sequência). Embora a mediastinotomia anterior, a mediastinoscopia
• O racional para tal conduta é que esse tipo de e a videotoracoscopia sejam abordadas em mais detalhes no
leslo será de tratamento cirúrgico na maioria Capítul o "Mediastinoscopia, Toracoscopia e Thracotomia
das vezes. Dessa forma, abrevia-se o tratamento Mínima", algumas considerações sobre esses três métodos
definitivo e evita-se a realização de um procedi- - os quais exigem anestesia geral, mas também podem ser
mento (punção, biópsia incisional aberta ou por realizados ambulatorialmente - são feitas aqui.
videotoracoscopia) que não modificaria a indica- A mediastinotomia anterior é realizada por uma incisão
ção cirúrgica. paraesternal de 3 a 4 em e se limita a lesões do mediastino
• Obviamente, a condição dfnica do paciente deve anterossuperior em contato com o esterno ou com as cos-
ser considerada para a adoçao dessa conduta. telas na região paraestem al, ou ainda lesões localizadas na
janela aortopulmonar ou na topografia para-aórtica. Com-
plicações mais frequentes são pneumotórax e lesão da arté-
A biópsia percutânea guiada pode ser realizada por pun- ria torácica interna. Apesar disso, o método é seguro e tem
ção aspirativa com agulha fina ou punção com agulha lance- rendimento diagnóstico alto (superior a 90%).
tante. No primeiro caso, o material obtido permite apenas Já a mediastinoscopia cervical é realizada por uma inci-
uma análise citopatológica. Por esse motivo, a punção aspi- são acima do manúbrio do estemo e permite acesso à região
rativa com agulha fina pode ter um rendimento diagnóstico paratraqueal e subearinal, estando, portanto, limitada para
muito variável, dependendo da experiência do citopatologis- tumores do mediastino médio. Seu rendimento diagnóstico
ta e da sua presença ou não no momento da coleta do ma- também é muito alto, chegando a praticamente 100%. Com-
terial para avaliar sua representatividade. Um diagnóstico plicações são raras, mas podem ser catastróficas, como lesão
definitivo é muito difícil nos casos de tumores que exigem da artéria inominada.
imunofenotipagem, como os linfomas. A técnica que permite melhor identificação do tumor
Já a biópsia com agulha lancetante obtém material para e suas relações anatômicas com as estruturas mediastinais,
análise histopatológica, permitindo aioda a utilização de téc- além da obtenção de generosos fragmentos do tumor, é a
nicas mais sofisticadas, como a imuno-histoquímica. Dificul- videotoracoscopia. Ela vem se firmando entre muitos cirur-
dade diagnóstica pode ser encontrada no caso de tumores giões como a via de escolha não somente para a biópsia, mas
com grandes áreas necróticas. Pelo fato de seu calibre ser também para eventual ressecção de lesões mediastinais. Seu
muito maior, observa-se um maior número de complicações rendimento diagnóstico também é próximo de 100%. Pelo
com a agulha lancetante, como pneumotórax e hemoptise. excelente campo operatório proporcionado, complicações
Com relação ao método de imagem pa.ra guiar a punção, são raras. Entretanto, diferentemente dos outros métodos,
pode-se utilizar o ultrassom ou a tomografia. No primeiro a videotoracoscopia requer o uso de tubo orotraqueal de
caso, têm-se como vantagens o fato de não existir exposição duplo lúmen para ventilação monopulmonar e pode ser difi-
à radiação, o menor custo e a possibilidade de acompanha- cultada ou até mesmo impossibilitada pela presença de ade-
mento em tempo real do trajeto da punção. Entretanto, o rências pleuropulmonares.
ultrassom só pode ser usado para guiar punções de massas
em contiguidade com a parede torácica.
Já a tomografia pode orientar a punção de lesões mais Tumores do mediastino superior
profundas (até mesmo no mediastino médio, por punção
transpulmonar). Independentemente do tipo de agulha ou Bócio
da técnica de imagem utilizados, a biópsia percutânea é um Apesar de se localizar primariamente na região cervical, o bó-
método seguro, podendo ser realizado em ambulatório, com cio mergulhante é um dos principais tumores encontrados no
anestesia local e sedação. Cuidados especiais devem ser em- mediastino anterossuperior. Dependendo da sua relação com
pregados para pacientes com enfisema pulmonar (pelo risco a traqueia e o esôfago e da via de descenso para o medias-
de pneumotórax) ou em uso de anticoagulantes. tino, o bócio também pode se localizar nos compartimentos
A biópsia guiada por ecoendoscopia é um método rela- médio ou posterior. Existem diversas definições para o bócio
tivamente recente e ainda pouco disponível. Pode ser reali- mergulhante, sendo a mais aceita aquela que o descreve como
a presença de pelo menos 50% do bócio em topografia intra- a baixa morbimortalidade e a incisão cosmética, fica fácil
torácica. Acredita-se que o tecido tireoidiano primariamente optar pelo tratamento cirúrgico do bócio mergulhante. Ex-
originário do mcdiastino seja uma raridade. Mesmo tireoides ceção é feita a pacientes com comorbidades importantes que
totalmente intratorácicas apresentam sua origem embrionária tomem o risco cirúrgico proibitivo.
na região cervical e posteriormente migram para o mcdiasti-
no, mantendo sua vascularização através de artérias e veias
cervicais (tireóidea inferior) na maioria das vezes.
Existem várias séries, com número considerável de pa-
~ ATENÇÃO
cientes, avaliando o tratamento cirúrgico do bócio mergu- • Uma particularidade da tireoidectomia no bócio
lhante. mergulhante é o risco de traqueomalácia no pós-
-operatório imediato. Após a ressecção do bócio,
a traqueia perde um fator de sustentação que es-
• CASO CLÍNICO I tava presente cronicamente.
• Na maioria dos casos, essa complicação é tem-
Paciente do sexo feminino, de 59 anos, com queixas de
porária e pode ser resolvida com um perfodo de
dificuldade respiratória em decúbito, dispneia aos esfor- entubação traqueal.
ços e engasgos frequentes (FIGURA 95.2). • Poucos pacientes (2,8 a 6%) necessitam de tra-
queostomia, sempre com posterior decanulação
A maioria absoluta dos bócios com extensão intratoráci-
efetiva.'
ca pode ser ressecada por via cervical com luxação caudocra-
nial da massa tireóidea. Uma vezqueospedículosvasculares
inferiores sejam ligados e seccionados, procede-se à mobili-
zação digital do conteúdo intratorácico do bócio. Pela manu-
tenção da integridade das fáscias cervicais, essa tarefa pode Tumores do mediastino anterior
ser realizada com relativa facilidade. A necessidade de asso-
Os timomas, os teratomas e os linfomas são os tumores mais
ciar uma esternotomia ou toraeotomia é muito infrequente.
frequentes neste compartimento mediastinal.
Uma referência anatômica que pode guiar a equipe cirúrgica
O elemento mais importante no diagnóstico diferencial
quanto a uma eventual dificuldade de ressecção exclusiva-
entre timomas e teratomas é a idade do paciente: enquanto a
mente pela via cervical é o arco aórtico: lesões com extensão
idade média dos pacientes com teratoma é de 27 anos, a dos
abaixo desse referencial podem exigir esternotomia. A mor-
pacientes com tirnoma sobe para 55 anos.
talidade cirúrgica é praticamente nula.
Raras vezes há suspeita de malignidade na avaliação pré-
-operatória. Entretanto, existem casos de achado incidental Tumores do timo
de focos de neoplasia no estudo anatomopatológico pós- Os timomas são os tumores primários mais frequentes do
-operatório. Apesar da maioria das séries relatar incidências mediastino. Ocorrem em proporções semelhantes em ho-
baixas (até mesmo nulas) de malignidade, existem séries mens e mulheres, com predileção pela faixa etária entre 40
4
com indices próximos de 15%. e 60 anos. Além de sintomas compressivos, 30 a 50% dos
Quando são considerados o risco de malignidade, o risco pacientes podem apresentar miastenia grave. Inversamente,
de uma complicação aguda com obstrução respiratória e a apenas 15% dos pacientes com miastenia grave têm o diag-
presença de sintomas contra os bons resultados cirúrgicos, nóstico de um timoma. Outras sindromes paraneoplásicas

AGURA 95.2 ~ (A) massa mediastinal superior com deslocamento da traqueia mediastinal para a direita. (B) massa mediastinal alta, com dissociação
da traqueia e do esôfago, um dado altamente sugestivo de bócio mergulhante.
que também estão associadas aos timomas são a aplasia de trada patologicamente (estágio 11), o uso de radioterapia
células vermelhas e a hipogamaglobulinemia (incidentes em adjuvante é aconselhado. 1
cerca de 5% dos casos cada}. Por se tratar de um grupo muito heterogêneo, é dificil
Existem duas classificações bem aceitas para os limo- estabelecer uma conduta uniforme nesta situação.
mas, ambas com valor prognóstico. A primeira corresponde Entretanto, fatores de mau prognóstico como invasão
ao estadiamento proposto por Masaoka e colaboradores• em macroscópica da gordura mediast.inal, tipo histológico B ou
1981 (QUADRO 95.3). A segunda é bistológica e preconizada C, assim como lesões maiores do que 5 em, são fortes indX:a-
pela Organização Mundial da Saúde (OMS) (QUADRO 95.4).' dores da necessidade de terapia adjuvante.•
O tratamento multidisciplinar, tendo a ressecção cirúrgica No caso de tumores em estágio 111, os órgãos adjacentes
como principal pilar, apresenta excelentes resultados mesmo mais acometidos são pulmão, pericãrdio, grandes vasos da
para pacientes com tumores localmente avançados. Para tanto, base e veia cava superior. O risco elevado de recidiva, asso-
deve-se sempre priorizar a ressecção completa, sem evidência ciado à boa resposta a quimioterapia c radioterapia, indica o
de doença residual macroscópica ou microscópica, mesmo que emprego de terapia multidisciplinar no caso de timomas em
seja necessãria a remoção em bloco de estruturas adjacentes estágio III com sinais sugestivos de irressecabilidade. Utili-
como o pcricãrdio ou até mesmo a veia cava superior. zando um esquema de ncoadjuvãncia com ciclofosfamida,
No caso dos timomas em estágio I, a ressecção comple- doxorrubicina e cisplatina, seguido de cirurgia com intuito
ta é facilmente obtida e a sobrevida em cinco anos chega a curativo e quimioterapia (80% das doses das três medicações
90%. Nenhum tratamento adjuvante provou benefício até o utilizadas na ncoadjuvãncia) c radioterapia (variando entre
momento para essas lesões iniciais. 50 e 60 Gy) adjuvantes, o grupo do M.D. Anderson Cancer
No caso de pacientes que apresentam timomas com in- Center obteve resultados muito favorávcis. 10
vasão capsular encontrada durante a operação ou demons- Em um total de 22 pacientes (todos com timoma Ma-
saoka lll ou IV considerados irressecáveis com indicação
de neoadjuvância), conseguiram ressecção comp leta em
76% dos casos, com resposta patológica completa em 14%.
QUADRO 95.3 ~ Estadiamento de timomas
Apesar da doença avançada e da toxicidade do tratamento,
a sobrevida em cinco anos foi de 95%. Embora haja alguma
'""' ,,,rna.:"\1 controvérsia, aceita-se como indicação de neoadjuvãncia os
timomas em estágio m com sinais radiológicos de invasão
Tumor enupsulado
dos tecidos adjacentes no mediastino anterior.
lia Invasão microscópica da cápsula A possibilidade de ressecção deve ser considerada de-
---------------- pois de boa resposta da terapia neoadjuvante, ainda que a
llb Invasão macroscópica da cápsula até gordura operação inclua, por exemplo, a ressecção da veia cava su -
pericárdoca/pleura mediastlnal perior (FIGURA 95.3).

111
------------------
Invasão~ ór9àos adjactntes
Tunomas em estágio lVII representam doença dissemina-
da, mas há evidência de que, caso possível, o paciente deve
ser incluído em protocolo de tratamento multidisciplinar se-
IVa Oissemonaçjo pleuro~ridrdiu

IVb
----------------
OisseminaçJo linf~tica ou hematogroica
melhante ao de timomas em estágio 111 irressecáveis. Com
essa abordagem, existem estudos mostrando bons resultados
com a ressecção do tumor associada a pleurectomia ou até
Fontr. Mosaob t ccllbofode<".' mesmo a opção mais radical de pleuropneumonectomia. Em
recente estudo do Memorial Sloan-Kettering Cancer Cen-
ter com 18 pacientes, a ressecção completa foi alcançada em
QUADRO 95.4 ~ Classificaçao da Organização Mundial da Saúde 67% e a sobrevida em cinco anos foi de 78%. 11
para os timomas

c:~ 1;1 s,itftin:t fl3il·ltlfll" <1 • CASO CLÍNICO 11


Paciente de 64 anos previamente hlgido com dor toráci·
A Medular, células espinhosas sem atipia

AB
------------
Misto, tipo Acom infiltrados linfodticos
ca inespecffica. lnvestigaçao por imagem com achado de
lesão < 5 em no medias tino anterior (FIGURA 95.4).
------------
81 Predomin3ncia de linfócitos
Tumores de células germinativas
82 Cortical Os tumores de células germinativas representam um grupo
de tumores bastante heterogêneos, com estratégias terapêu-
83 Células com atipia, wcinoma bem diferenciado ticas e prognóstico variáveis, incluindo desde tumores benig-
C Carcinoma timico nos até tumores com elevada agressividade biológica. Sua
origem é motivo de debate, com teorias que sugerem desde a
Fon'*: Ro,.. t Sobon.' degeneração de células túnicas mulLipotentes até a histogê-
nese a partir de células germinativas com migração errônea
FIGURA 95.3 ~ (A) massa mediastinal anterior com envolvimento da veia cava superior, encaminhada para terapia neoadjuvante. (B) tom09rafia
computadorizada mostrando resposta moderada. (C) angiotomografia evidenciando persistente envolvimento da veia cava, com presença de trom-
bo que se estende ao Atrio direito. (O) imagem do mediastino anterior onde se reconhece a invasão grosseira da veia cava superior pela lesAo tu moral
que poupa suas extremidades. (E) segmento de cava superior substituído por uma prótese vascular. (F) tomografia computadorizada de tórax em
pós-operatório tardio (seis meses) mostrando a prótese venosa perfeitamente pérvia .

FIGURA 95.4 ~ (A) o corte axial evidencia a pre-


sença de plano gorduroso íntegro com a aorta
ascendente; (B) o corte sagital mostra relação da
massa com o coração e o saco pericArdico. (C)
corte coronal novamente mostrando a relação
da lesão com a aorta ascendente e o Atrio direito.
(O) peça cirúrgica mostrando lesão encapsulada,
com margens de gordura tímica . Estudo anato-
mopatológico compatível com timoma Masaoka
liA, tipo AB. Sem necessidade de tratamento ad-
juvante.
durante a embriogênese (a teoria mais aceita). Esse grupo escolha é a quimioterapia, havendo diferentes esquemas
de lesões compreende o teratoma, o seminoma e os tumores propostos na literatura, inclusive com transplante de medu·
germinativos não seminomatosos. la óssea autólogo, sem a clara evidência de um regime pre-
Os teratomas maduros correspondem ao tipo de tumor ferencial. Entretanto, destaca-se que, uma vez que existe a
germinativo mais frequente. Por definição histológica, devem possibilidade de tratamento cirúrgico pós-quimioterapia,
conter tipos celulares de pelo menos duas das três camadas deve-se evitar o uso de bleomicina pelo elevado risco de
germinativas (ectoderma, mesoderma e endoderma). Os teci· toxicidade pulmonar. Após a quimioterapia, é frequente a
dos ectodérmicos são os mais evidentes, incluindo pele, cabe· persistência de lesão residual na reavaliação por imagem. 13
lo e dentes. O componente mesodérmico habitual inclui teci- Pelo elevado risco de persistência de neoplasia viável,
do adiposo, osso e cartilagem. Já o tecido endodérmico, como ao contrário dos seminomas, existe indicação de ressecção
epitélio respiratório, é mais raro. Não existe predileção por cirúrgica da massa residual pós-quimioterapia em tumores
gênero e os pacientes em geral são jovens. Métodos de ima- não seminomatosos.
gem podem ajudar a definir o diagnóstico a partir de achados Em uma das maiores séries disponíveis, dos 158 pa·
clássicos (osso, unha, cartilagem, gordura) (FIGURA 95.5), com cientes com massa residual submetidos a cirurgia, a análise
frequência podendo evidenciar componente cístico. O tra- patológica mostrou necrose com ausência de neoplasia em
tamento é a ressecção cirúrgica, com excelentes resultados. 25,3%, teratoma maduro em 33,5%, persistência de oco·
Raramente, identificam-se focos de tecido indiferenciado plasia não seminomatosa em 31%, e 16,4% de neoplasias
14
(teratoma imaturo), mas o prognóstico continua favorável. malignas não germinativas (carcin oma ou sarcoma). A
estratégia cirúrgica deve ser liberal quanto à ressecção de
estruturas adjacentes (pulmão, pericárdio, veia cava ou
suas tributárias e nervo frênico unilateral). Os resultados
• CASO CLÍNICO 111 são diretamente dependentes da presença ou não de tumor
Paciente previamente hígido com achado de massa na na peça cirúrgica e da quantidade de tumor viável ( < ou >
topografia do med iastino anterossuperior. Marcadores 50%). A ausência de tumor viável está associada a sobrevi-
tumorais todos negativos. das próximas de 100% em dois anos, ao passo que esse índi·
ce diminui para pouco mais de 80% quando existe teratoma
Os seminomas acometem mais comumente homens coom maduro e para pouco mais de 40% no caso de neoplasia
idade entre 20 e 40 anos. Pelo seu crescimento lento, podem maligna persistente.
alcançar grandes dimensões no momento do diagnóstico. O
estadiamento à distância e a avaliação dos testículos são mui·
to importantes pela elevada frequência de metástases e pela Linfomas
possibilidade de tratar-se de tumor com sítio primário gona· Linfomas do mediastino dificilmente representam uma
dai, respectivamente. O tratamento consiste em radioterapia doença primária isolada e com frequência ocorrem no con-
e quimioterapia associadas, e os resultados são excelentes, texto de doença disseminada. Entretanto, o mediastino é
com séries apresentando sobrevida em cinco anos de 100%.' 2 acometido por cerca de 50% dos linfomas de Hodgkin e
15
Os tumores germinativos não seminomatosos compreen- 20% dos linfomas não Hodgkin.
dem diferentes subtipos histológicos (coriocarcinoma, car· O linfoma de Hodgkin é dividido em quatro subtipos:
cinoma embrionário e tumor do saco vitelino), podendo eselerose nodular, linfocítico, celularidade mista e depleção
ou não haver concomitância com teratoma. A exemplo dos linfocitária. O primeiro é o mais encontrado no mediastino.
seminomas, a população mais acometida é a de pacientes Os !infamas de Hodgkin têm uma distribuição caracterís·
masculinos com idade entre 20 e 40 anos. O tratamento de tica no mediastino, acometendo principalmente as cadeias

FIGURA 95.5 -+ (A) massa heterogênea,


porém encapsulada e com limites preci·
sos, sem evidência de invasão de estru-
turas adjacentes. (8) abertura da peça
após ressecção por esternotomia me-
diana, mostrando presença de cabelo. O
estudo anatomopatológico confirmou a
hipótese de teratoma maduro.
hi.lares, subcarinais, peridiafragmáticas e periesofágicas. Os
sintomas locais são frequentes, como dor torácica, tosse e
Tumores do mediastino médio
dispneia. Sintomas constitucionais (os chamados sintomas Cistos pericárdicos
B) também são comuns nessa população e compreendem
Os cistos pericárdicos são cistos congênitos que fazem parte
febre, sudorese noturna e emagrecimento. do grupo dos cistos mesoteliais. Geralmente são assintomáti-
O tratamento não envolve resseeção cirúrgica e é dire- cos e diagnosticados na população entre 40 e 50 anos. A maio-
cionado de acordo com o estágio da doença, incluindo qui-
ria dos cistos se localiza à direita, no ângulo cardiofrênico
mioterapia combinada ou não com radioterapia. (70%) (FIGURA 95.6). Raros casos de etiologia adquirida, pós-
Os linfomas não Hodgkin mais frequentes no mediasti- -manipulação cirúrgica, podem ocorrer. A rcssecção cirúrgica
no são o linfoma linfoblástico e o linfoma de grandes célu- é indicada para obtenção de diagnóstico de certeza c também
las B. Enquanto o primeiro ocorre em pacientes com mais para tratamento definitivo. A abordagem por videotoracosco-
de 50 anos, o segundo é caracteristicamente encontrado pia é facilitada pela ausência de aderências fumes (ao contrá-
em pacientes mais jovens, com pico de incidência aos 28 rio dos cistos broncogênicos, não existe reação inflamatória
anos. Ambos se originam de linfócitos tímicos. Os linfomas exuberante) e, sem dúvida, é a via de aoesso de escolha.
não Hodgkin mediastinais também têm distribuição carac-
terística no mediastino, envolvendo sobretudo as cadeias
paratraqueais, os linfonodos mediastinais anteriores, os lin-
fonodos subcarinais e os linfonodos hilares. Por sua agressi- Tumores do mediastino posterior
vidade, são sintomáticos na maioria das vezes. Os sintomas
mais frequentes são dor torácica e dispneia. O tratamento Cistos broncogênicos
também não inclui cirurgia e varia de acordo com o estágio Os cistos broncogênicos são lesões congênitas formadas
e tipo de linfoma (quimioterapia associada ou não a radio- durante o brotamento pulmonar. Quando o defeito no
terapia). brotamento pulmonar é precoce, o cisto se localiza no me-
diastino (80%), ao passo que, quando o defeito ocorre em
um perfodo mais maduro, o cisto se localiza no parênquima
Adenomas da paratireoide pulmonar (20% ). Ao contrário dos cistos pcricárdicos, os
Apesar da possibilidade de ocorrer no mediastino posterior, a cistos broncogênicos frequentemente são sintomáticos. O
maioria dos tumores mediastinais da paratireoide se localiza sintoma mais comum é a dor torácica. Além disso, podem
no mediastino anterossuperior. Tipicamente, são tumores pe- ocorrer complicações infecciosas tanto por obstrução da via
quenos e se manifestam com sinais e sintomas de hiperparati- aérea quanto por comunicação direta do cisto com a árvore
reoidismo. As paralireoides mediastinais são explicadas pelo brônquiea.
desenvolvimento embrionário, com as glândulas inferiores A ressecção cirúrgica é indicada formalmente no caso
originárias da terceira bolsa branquial junto com o timo. O de dúvida diagnóstica, em pacientes sintomáticos ou com
estudo pré-operatório mais imponante para a localização das complicações do cisto. Existem autores que defendem a res-
paratireoides é a cintilografia com tecnécio, e a maioria dos secção de todos os cistos broncogênicos pelo risco de malig-
pacientes pode ser abordada por via cervical. nidade combinada (que é mínimo) ou pelo risco de desen-

RGURA 95.6 ? (A) paciente ele 43 anos com dor torácica~ dire;ta, com radiografia de t6r.u mostrando achado de l~o ovoide bem delimitada no
se;o cardiofrênico direito. (B) a tomografia de tór.u confirmou a natureza dstica da lesão. A paciente foi submetida ~ ressec~Ao por videotoracos-
copia.
volvimento de complicações ao longo do seguimento (que
é superior a 50%). Elementos histológicos que auxiliam no
Tumores da goteira costovertebral
diagnóstico incluem o epitélio ciliado pseudoestratificado ou Tumores neurogênicos
colunar e a presença de glândulas brônquicas. Mais uma vez, Ao contrário da população pediátrica, os tumores neuro·
o acesso ideal é a videotoracoscopia, porém, pelo processo gênicos em adultos são benignos na sua grande maioria.
inflamatório crônico, aderências firmes podem dificultar o A topografia mais frequente é a goteira costovertebral, e
procedimento por essa via. histologicamente as lesões são originárias da bainha ner-
vosa (schwanomas/neurilemomas ou neurofibromas). A
Cistos de duplicação esofágica maior parte dos casos constitui achado de exame de ima-
gem, porém sintomas como dor torácica podem ocorrer
Os cistos de duplicação esofágica são lesões congênitas que
(FIGURA 95.8).
contêm epitélio gastrintestinal e apresentam intimo contato
Os métodos de imagem, especialmente a TC helicoidal
com o esôfago (na maior parte dos casos circundados pelas
e a RM, devem excluir invasão do canal raquidiano. Na pre·
camadas musculares e sem contato com a mucosa) (FIGURA
sença dessa extensão tumoral, a cirurgia torácica deve ser
95.7). Existe predileção pelo sexo masculino (2:1) e pelo ter-
conjugada com a neurocirurgia.
ço inferior do esôfago. A maioria dos casos é assintomática.
Os sintomas mais frequentes são dor torácica e disfagia. A
exemplo dos cistos broncogênicos, complicações podem
ocorrer. Dentre elas, destacam-se a infecção do cisto ou o
• CASO CLÍNICO V
sangramento, com posterior ruptura para o esôfago (hema- Paciente do sexo masculino, de 9 anos, com dor torácica
têmese) ou para o brônquio (hemoptise). leve. Massa na goteira costovertebral determinando de-
O tratamento cirúrgico é oferecido para pacientes sinto· formidade do quarto arco costa l direito. Sem sintomas
máticos. Pelo risco de complicações e pela baixa morbidade sistêmicos.
do procedimento, pacientes assintomáticos com boas con-
dições clinicas também podem ser submetidos à cirurgia. A Pacientes com neurofibromatose apresentam risco ele-
via de escolha novamente é a videotoracoscopia. Aderências vado de tumores neurogênicos tanto benignos quanto malig-
firmes podem dificultar o procedimento. Como a lesão se nos (neurofibrossarcoma).
localiza entre a musculatura esofágica, sua dissecção deve A partir do achado de imagem, a ressecção cirúrgica
ser cuidadosa e evitar a lesão da mucosa. fornece material para definição histopatológica da lesão e
confere o tratamento definitivo. A videotoracoscopia é co-
mumente utilizada. Atenção especial deve ser dedicada para
• CASO CLÍNICO IV tumores próximos ao canal vertebral, demandando avaliação
neurocirúrgica e muitas vezes um procedimento conjunto.
Paciente de 66 anos com achado de lesão na transição
do mediastino superior, médio e posterior, inicialmente
investigada para a hipótese de aneurisma da aorta. Tumores do esôfago
Pela heterogeneidade e enorme abrangência do tema, será
abordado apenas o liomioma, que dentre os tumores esofági-

FIGURA 95.7 -+ (A) exames contrastados mostraram posteriormente ausência de atenuação. (B) presença de limites precisos com os grandes vasos.
O paciente foi submetido à ressecção por videotoracoscopia.
RGURA 95.8 ~ (A e B) massa ocupando o quadrante posterossuperior direito, com deformidade da quarta costela desse lado, próximo da junção
costovertebral. Deformidade do forame de conjugação sugerindo extensão intrarraquidiana . (C) peça cirúrgica, com grande massa de superfície lisa
(intrator~cica) e pequena punção do tumor ressecado do canal raquidiano por hemilaminectomia.

ros é o mais referido como "tumor do mediastino". O liomio- 2. Date H. Diagnostic strategics for mcdiastinal tumors and cysts.
ma é o tumor benigno mais frequente do esôfago e se localiza Tborac Surg Clin. 2009;19(1):29-35.
caracteristicamente no seu terço médio. A maioria das lesões 3. Yasufuku K, Nakajima T, Fujiwara T, Yoshino I, Kesbavjee S. Uti-
é intramural e assintomática. Em razão de sua localização, os lity of endobronchial ultrasound-guidcd transbronchial needlc aspi·
sintomas mais romuns são disfagia e dor torácica. ration in tbc diagnosis of mcdiastinal masscs of unknown ctiology.
Uma ferramenta diagnóstica recente é a ecoendosco- Ann Thorac Surg. 2011;91(3):831-6.
pia, que permite a definição adequada da lesão e vem sendo 4. Arici C, Dertsiz L, Altunbas H, Oemirean A, Emek K. Operativc
utilizada no seguimento de pacientes não submetidos a ci- managcmcnt of substcrnal goitcr: analysis of 52 paticnts. lnt Surg.
rurgia. A ressecção cirúrgica é indicada em casos de dúvida 2001;86(4):220-4.
diagnóstica, em pacientes sintomáticos e em pacientes assin- 5. Agarwal A, Misbra AK, Gupta SK, Arsbad F, Agarwal A, ll'i-
tomátiros com lesões maiores que 4 em. O tratamento de pa- pathi M, ct ai. High incidcncc of trachcomalacia in longstanding
cientes com lesões pequenas ( < 4 em) ainda é controverso, e goitcrs: expcricncc from an cndcmic goitcr region. World J Surg.
existem autores que defendem o seu seguimento, idealmente 2007;31(4):832-7.
rom ecoendosropia anual. A estratégia cirúrgica consiste na
6. Masaoka A, Mondcn Y, Nakahara K, Thnioka T. Follow·up study
enucleação da lesão, e a via de acesso preferencial é a vide- of thymomas with spccial rcfcrcncc to thcir clinicai stagcs. Canccr.
otoracoscopia. 1981;48(11 ):2485-92.
7. Rosai J, Sobin L. Histologieal typing of tumours of tbe tbymus.
Bcrlin: Springcr; 1999. p. 9-14.
Lesões que podem ser confundidas com tumores 8. Ogawa K, Uno T, Toita T, Onisbi H, Yosbida H, Kakinohana Y, et
do mediastino e sem localização preferencial: ai. Postopcrativc radiotherapy for patients witb completely resccted
~ Adenomegalias thymoma: a multi-institutional, retrospcctivc rcview of 103 paticnts.
Cancer. 2002;94(5):1405-13.
~ Aneurismas vasculares
9. Venuta F, Rendina EA, Coloni GF. Multimodality trcatmcnt of
thymic tumors. ThoracSurg Clin. 2009;19(1):71 -81.
10. Kim ES, Putnam JB, Komaki R, Walsh GL, Ro JY, Shin HJ,
et a!. Phasc li study of a multidisciplinary approach with induction
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atmcnt. World J Surg. 2001;25(2):204-9.
José J. Camargo
Tiago Noguchi Machuca
96
Sadi Marcelo Schio
Spencer Marcantonio Camargo

Introdução Indicações
O primeiro transplante pulmonar em humanos foi realizado O trariSplante de pulmão se frrmou como opção terapêutica
em 15 de junho de 1963 pela equipe da Universidade de Mis- para uma grande variedade de pneumopatias avançadas. De
sissippi, liderada por James Hardy. O grupo fez o transplante acordo com o registro da International Society for Heart and
em um paciente enfJSematoso com neoplasia endobrônquica Lung Transplantation (ISHLT), 1 as principais indicações são
causando pneumonia pós-obstrutiva. Apesar do óbito no 19° a doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) e a fibrose
dia pós-operatório por complicações renais, a experiência pulmonar intersticial, contribuindo com 35,8 e 20,8%, res-
inicial mostrou que o procedimento era tecnicamente viável. pectivamente, dos transplantes realizados em nível mundial
Após uma série de insucessos decorrentes de disfunção entre 1995 e 2008.
primária do enxerto, complicações infecciosas, imunológicas
e da anastomose brônquica, o grupo de Toronto, liderado por
Joel Cooper, realizou o primeiro transplante pulmonar bem-
-sucedido em 1983. Seguindo essa experiência, o primeiro
~ATENÇÃO
transplante da América Latina foi realizado na Santa Casa de
O candidato ideal para o transplante de pulmáo
Porto Alegre em 1989, em um paciente com fibrose intersti-
deve ter menos de 65 anos, possuir uma pneumo-
cial com sobrevida pós-transplante de 10 anos. A experiência
patia avançada refratária a tratamento clinico oti-
atual da instituição alcança 370 trariSplantes, 27 deles com do-
mizado (com dispneia classe 111 ou IV da New York
adores vivos. A era moderna do transplante pulmonar, com
Heart Association - NYHA), com um perfil psicosso-
resultados animadores e muitas vezes chegando a 90% de so-
cial adequado e sem comorbidades limitantes em ór-
brevi da em um ano, deve-se principalmente a três avanços:
gãos-chave. Em função do beneficio conferido pelo
• Estabelecimento de rígidos critérios de seleção para os transplante, o paciente deve apresentar expectativa
candidatos. de vida inferior a dois anos, além de vontade de vi-
• Qualificação do manejo perioperatório, com sensível ver e disposição compatlveis com a complexidade do
melhora no desempenho funcional precoce do órgão procedimento.
transplantado.
• Implantação de rotinas de seguimento pós-operatório tar-
dio, com reconhecimento mais precoce e tratamento mais Os critérios de indicação específicos para cada doença
efetivo das complicações, em especial as relacionadas com estão dispostos no QUADRO 96.1.
infecção por citomegalovírus e rejeição crônica.
Contraindicações • Infecção pelo vírus da imunodeficiência humana (HlV)
• Hepatite C com dano hepático comprovado anatomopa-
Estão listadas a seguir as contraindicações absolutas ao tologicamente
transplante pulmonar: • Coronariopatia intratável (em casos muito bem sele·
cionados, pode ser considerado o transplante coração-
• Instabilidade cUnica grave ·pulmão)
• Infecção extrapulmonar ativa • Thbagismo ativo
• Disfunção de órgãos-alvo, especialmente rim e fígado, • Ausência de adequada estrutura social e familiar de
que serão agredidos pelos fármacos imunossupressores apoio
• Neoplasia tratada há menos de dois anos (exceção dos
carcinomas escamoso e basocelular de pele)
A escolha do doador
A avaliação do potencial doador é feita com base em idade,
histórico de tabagismo, radiografia de tórax, parãmetros ga.
QUADRO 96.1 7 Indicações de transplante pulmonar por doença
sométricos, tempo de entubação e achados broncoscópicos.
O QUADRO 96.2 lista os critérios que definem um doador
Doença pulmonar obstrutiva crônica
ideal.
- Pacientes com um índice de BODE 7 a 1Oe pelo menos um dos
seguintes achados: O maior problema na seleção do doador é que raras ve·
- História de hospitalização por exacerbação associada a hipercapnia zes eles preenchem todos os requisitos para serem definidos
(PCO, > 50 mmHg) como ideais. Em geral, pelo menos um dos critérios não é
- Hipertensão pulmonar ou cor pu/mona/e a desp!ito de preenchido, principalmente pela presença de algum infiltra·
oxigenoterapia do pulmonar (que pode ser secundário a alterações decor·
- VEF, < 20% e DLCO < 20% ou enfisema de distribuição rentes do processo de morte cerebral) ou pela presença de
homogênea alguma secreção na via aérea (na maioria das vezes na sua
porção central).
FobfOS! pulmonar íntemíóal
Na tentativa de aumentar o número de doadores dispo-
- Evidênóa histológica ou radiológica de p~monite íntemocial
usual e um dos seguintes achados: níveis, vários grupos vêm usando doadores marginais. Entre·
- OlCO < 39% do previsto tanto, estudos recentes apontam para a necessidade de cui-
- Uma queda~ 10% na CVF durante um seguimento de seis meses dado especial quando da utilização de doadores marginais:
- DessaturaçAo s 88% durante o teste da caminhada dos seis 1) os receptores podem apresentar mortalidade maior em 30
minutos dias (17,5 vs. 6,2% na casuística do Thronto Lung Transplant
- Faveolamento na tomografia de alta resolução Program); 2) os receptores podem apresentar mortalidades
semelhantes, porém maior permanência em unidade de te·
Fibrose dstica rapia intensiva (UTI) e pior função do enxerto em um ano
- VEF, < 30% ou rápida deterioração da função pulmonar após o transplante. 2
- Necessidade crescente de oxigenoterapía
- Hipercapnia
- Hipertensão arterial pulmonar

HipertensJo arterial pulmonar


Modalidades do transplante pulmonar
- Classe funóonal NYHA 111 ou IV a despeito d! terapia A escolha do transplante pulmonar unilateral ou bilateral,
medicamentosa otimizada a indicação menos frequente de transplante cardiopulmo·
- Teste da caminhada dos seis minutos com menos de 3 50 m ou com nar e a mais recente indicação de transplante bilobar com
piora persistente doadores vivos seguem critérios bem definidos, analisados
- Falha terapêutica com epoprostenol intravenoso
a seguir.
- lndice cardiaco < 2 Umin/m'
- Pressão atrial direita > 15 mmHg

Sarcoidose
- Classe funcional NYHA 111ou IV e um dos seguintes achados:
- Hipoxemia em repouso QUADRO 96.2 ~ Critérios que definem um doador ideal
- Hipertensão arterial pulmonar
- Pressão atrial direita > 15 mmHg - O doador ideal deve apresentar TODOS os seguintes critérios:
- Idade < 55 anos
Unfangioliomiomatose - Pa01 > 300 mmHg (Fo01 de 100%; PEEP de 5 cmH 10)
- Hipoxemia em repouso - Tabagismo < 20 anos·maço
- Comprometimento importante da função pulmonar ou capacidade - Radiografia de tórax normal
deexerdcio - Broncoscopia sem secreção purulenta
- Ausência de trauma toráaco ou órurgia torácica prévia
\IH, • vclume txpir1t6rio IO<çado no primoiro segundo: OI.CO • apo<i<»dt dt
difuQo do mooóxido dt arbono; Cllf • copocídado voUIIO<çodl. FiO, • fraçio ínopiradl dt 0109i<lio; PEEP • prtssáo positiva no fino! di expir•~·
Transplante unilateral versus transplante receptor. O enfisema difuso por longo tempo foi tratado
com transplante unilateral, mas estudos recentes mostraram
bilateral que o transplante bilateral para essa indicação confere maior

0 ATENÇÃO
sobrevida (53 vs. 41% em cinco anos) e melhor resultado
funcional (espirometria e teste da caminhada dos seis minu-
tos) do que o unilateral, devendo ser indicado sempre que as
Existem duas situações bem definidas e que raras condições do receptor permitirem e houver disponibilidade
vezes geram dúvidas na seleção do procedimento: a de doadores com dois pulmões aproveitáveis. Na presença
fibrose pulmonar idiopática ou secundária, uma vez de enfisema com bolhas grandes, também se recomenda o
que a eficáda do transplante unilateral (FIGURA 96.1) transplante duplo, uma vez que a hiperinsuflação do pulmão
está suficientemente testada, e a doença pulmonar nativo pode acarretar repercussões hemodinâmicas e venti-
supurativa, em que há necessidade de remoção do latórias desfavoráveis (principalmente quando este se locali-
foco infeccioso e a indicação do transplante bilateral za do lado direito).
é inquestionável (FIGURA 96.2). Em pacientes com hipertensão pulmonar primária, ape-
sar da experiência inicial com transplante unilateral, que
se mostrou efetivo na reversão de cor pu/mona/e e na boa
Nas outras situações, a escolha do procedimento requer qualidade de vida do transplantado, a transferência de pra-
uma minuciosa análise das circunstâncias peculiares a cada ticamente toda a perfusão para o pulmão transplantado, em

AGURA 96.1 ~ (A) radiografia de paciente feminina de 34 anos, com pulmões extremamente reduzidos de tamanho por fobrose pulmona r grave,
dependente de oxigênio há três anos. (8) peça cirúrgica da pneumonectomia esquerda com cavidades cistoides colonizadas por Aspergillus. (C)
excelente adequação espacial de um pulmão esquerdo maior do que a cavidade.

AGURA 96.2 ~ (A) radiografia de tórax com acentuada destruição do pulmão direito de paciente de 20 anos, portadora de fibrose cística em fase
terminal. (8) radiografia de tórax 60 dias depois do transplante bilateral, com excelente evolução. (C) tomografia computadorizada helicoidal pós-
-operatória com boa expansão pulmonar e dificuldade de se identificar as anastomoses brônquicas.
razão da extraordinária resistência vascular do pulmão na- tre os portadores de fibrose cística, o transplante bilobar, a
tivo, acarreta dessaturação severa na presença de qualquer partir de doadores familiares, apresentou-se como uma pro-
disfunção no órgão recém-transplantado. Na tentativa de posta ousada e inteligente.3
diminuir o índice de complicações e melhorar a sobrevida,
tem-se apontado para uma forte tendência ao transplante
duplo (FIGURA 96.3). Com o decorrer do tempo, a experiência consagrou
duas observações:
Transplante cardiopulmonar -+ O transplante deve ser bilobar. poos um lobo apenas
A substituição simultânea dos pulmões c do coração em não oferece parênquima suficiente para suportar as
bloco foi considerada, no inicio da década de 1980, a exigências do pós-operatório e eventuaos perdas fun-
cionais relacionadas com comphcaçoo frequentes
técnica mais adequada para tratar pneumopatias termi-
como injúria de reperfuslo, rejetçlo aguda e infec·
nais, muitas vezes associadas a algum grau de disfunção ção.
cardíaca. Por outro lado, a técnica de biópsia miocárdica
recém-desenvolvida se apresentava como uma modalidade
-+ Os episódios de rejeiçlo aguda slo frequentes por·
que os jovens têm um mecanismo imunológico
segura de reconhecimento precoce de rejeição do enxer- muito ativo. Por outro lado, a rejeiçlo nesses casos
to. A experiência, no entanto, demonstrou que se estava é unilateral em quase três quartos dos casos, por se
partindo de premissas falsas: as rejeições raramente eram tratarem de doadores diferentes. A rejeiçlo cr6nica,
sincrônicas, sendo muito mais frequentes no pulmão do entretanto, é menos frequente, e tal diferença funda·
que no coração, e a morbimortalidade no transplante car- mental se deve à similitude imunológica decorrente
diopulmonar era maior do que a observada no transplante do parentesco entre receptor e doadores (pais, ir-
pulmonar isolado. mlos e tios têm sido os doadores preferenciais para
este grupo).
This observações, somadas à constatação de que as even-
tuais alterações cardíacas presentes no pré-transplante eram
reversíveis a curto prazo, somaram-se à escassez de doado-
res de órgãos, para mudar a orientação inicial. Não parecia A técnica proposta por Stames utiliza os lobos inferiores,
coerente desperdiçar os escassos corações disponíveis em direito e esquerdo, removidos de doadores diferentes (pai e
receptores nos quais a substituição do coração fosse desne- mãe, na maioria das vezes), para substituir, respectivamen-
cessária. te, um e outro pulmão.3 As semelhanças anatômicas do lobo
Atualmente, o transplante cardiopulmonar tem sido re- inferior com o pulmão correspondente facilitam muito a téc-
servado a uma diminuta população representada por porta- nica do transplante lobar.
dores de síndrome de Eisenmenger incorrigível por cirurgia, A tolerância imunológica favorecida pelo parentesco an-
coronariopatas graves e pacientes com miocardiopatia dila- tecipava resultados tardios superiores e, em uma publicaçã.o
tada associada a hipertensão pulmonar grave. inicial, os números eram francamente favoráveis na compa-
ração com receptores de órgãos de doadores cadavéricos
(sobrevida em cinco anos de 75 vs. 50% em doadores cada-
Transplante bilobar com doadores vivos véricos). Esses dados favoráveis levaram o grupo de Stames
A experiência pioneira de Stames em 1994 buscou solucio- a considerar, inicialmente, o transplante bilobar com doa-
nar uma dificuldade importante: a de obter órgãos de ta- dores vivos o transplante ideal para crianças e adolescentes.
manho adequado para receptores muito pequenos. Como o Quando, no entanto, este grupo revisou a experiência de
doador pediátrico é ainda mais raro e havia uma demanda 10 anos/ ainda que os números continuassem favoráveis ao
crescente de receptores em estado crítico, especialmente en- transplante com doadores vivos, nenhum dos elementos ana-

FIGURA 96.3 -+ (A) rad iografia de


paciente masculino, 58 anos, com
hipertens3o pulmonar primária .
PressAo sistólica da artéria pulmonar
(PSAP) de 124 mmHg, sem resposta
aos vasodilatadores. Cardiomega·
lia 3 custa de cavidades direitas. (B)
controle seis meses depois de trans·
plante bilateral. PSAP de 24 mmHg.
ConfiguraçJo cardfaca normal.
lisados como idade, sexo, indicação, parentesco dos doado- estratégia do transplante com doadores vivos pode ser empre-
res, condição pré-hospitalização, uso prévio de corticoide e gada em adultos. Na experiência de Stames com 133 pacien-
compatibilidade HLA-A, HLA-B e HLA-DR teve influência tes, 90 deles eram adultos.) Na experiência japonesa, 24 dos
significativa na sobrevida. Nesta revisão, a infecção foi a cau- 30 pacientes transplantados eram adultos.' Na experiência dos
sa mais frequente de morte (53,4% ), seguida de bronquiolite autores, com 27 pacientes, apenas dois deles eram adultos.
(12,7%) e falência precoce do enxerto (7,9% ).
A grande ameaça que paira sobre o programa de trans-
plantes com doadores vivos é a morbimortalidade dos doa- • CASO CLÍNICO
dores. Ainda que não tenha sido relatado nenhum caso de
morte em mais de 500 lobectomias realizadas para esse fim, Paciente do sexo masculino, 12 anos, fibrose cística, lo-
algumas complicações importantes têm sido descritas. Em bectomia superior direita aos cinco anos por hemoptise de
uma análise da nossa casuística, 32 doadores vivos haviam repetição. Dependência de oxigênio há dois anos. Subme-
sido submetidos a esse procedimento até setembro de 2005. tido a transplante bilobar com doadores vivos (tio e pai)
(FIGURA 96.4).
A morbidade da série foi de 68,75 % (em sua maioria compli-
cações menores como derrame pleural) e a perda funcional
média foi de 18% do VEF,. Retransplante
Por outro lado, sempre se questionam os aspectos éticos O retransplante de pulmão tem duas indicações bem defi-
envolvidos com a doação intervivos, na qual se submete uma nidas: a falência precoce do enxerto, que coloca o receptor
pessoa hígida a algum risco, e do ponto de vista ético não em prioridade absoluta para a captação de um novo órgão,
interessa o tamanho do risco para tentar salvar uma pessoa e o surgimento tardio de bronquiolite com perda funcional
muito doente. do órgão. Uma série de 32 pacientes, portadores de bron-
Na experiência do serviço, o desespero dos pais ao tentar quiolite obliterante e retransplantados em vários centros, foi
salvar o filho sublima todas as questões éticas, e o médico revisada por Novick e colaboradores.s 'frinta e três por cento
deve ser um árbitro judicioso para que não se perca a noção deles continuavam vivos depois de dois anos, com boa con-
do razoável na avaliação de risco-benefício. dição funcional.
Obedecidas as devidas proporções entre o tamanho da Em um estudo mais recente, Kawut e colaboradores6
caixa torácica do receptor e o tamanho do lobo do doador, a avaliaram os retransplantes realizados nos Estados Unidos

FIGURA 96.4 7 (A) radiografia de tórax com acen-


tuada assimetria torácica e predominância de
doença em lobo superior direito. (8) tomografia
computadorizada de tórax com bronquiectasias
mais grosseiras na metade superior direita e zo-
nas de enfisema esparsas. (C) pós·operatório do
transplante bilobar com doadores vivos (sétimo
mês). (D) controle radiológico de cinco anos, com
preservação da função pulmona r. VEF,: 107% do
previsto. Atividade normal.
entre 2001 e 2006. Os resultados mostraram que houve uma Se, sob essas novas condições, a repetição do clampea-
melhora com relação aos retransplantes feitos entre 1990 e mento determinar nova instabilidade, a instalação de circu-
2000, porém ainda com sobrevida inferior aos pacientes que lação extracorpórea é inevitável. A tendência dos autores,
se submetiam ao transplante pela primeira vez. Também des- nos últimos dois anos, é de usar o óxido nítrico em todos os
tacam que o retransplante precoce ( < 30 dias do primeiro casos desde o início, o que significou dispensar a circulação
transplante) está associado a uma mortalidade muito eleva- extracorp6rea em cerca de metade dos casos.
da (de 69% em um ano). A seguir, o pericárdio é aberto para facilitar a ampla ex-
Uma consideração sempre levantada é a questão ética posição do átrio esquerdo e a preparação para o eventual
do quanto é razoável utilizar um órgão tão escasso em um uso de circulação extracorpórea. A dissecção do brônquio
transplante com menor perspectiva de sucesso, e em recep· principal do receptor deve restringir-se ao mínimo neces-
tor que já teve a sua chance de ser transplantado, preterin- sário a fim de assegurar uma anastomose com boa vascu-
do-se com isso outro receptor, igualmente necessitado e com larização. Estão absolutamente proscritas as cauterizações
mais probabilidade de êxito. O contraponto dessa discussão repetidas, as dissecções extensas ou a retirada de gânglios
é a relação afetiva intensa que caracteriza o longo vínculo subcarinais, que obrigatoriamente determinam desvasculari-
da equipe médica com o paciente e sua famflia, bem como a zação do brônquio do receptor.
previsível dificuldade de desistir de tratá-lo. Em geral, ao se completar a dissecção brõnquica, já de-
correram os 10 minutos de clampeamento da artéria pulmo-
nar recomendáveis para aferir a necessidade de circulação
extracorp6rea. Nos casos em que esta se mostra indispensá-
Aspectos técnicos vel, o clampe é retirado e a dissecção continua até o pulmão
Como é de se esperar, a indução anestésica tem um risco estar liberado por inteiro de todas as aderências e a hemos-
aumentado por se tratar de uma população com grave restri- tasia cuidadosamente assegurada, quando então a circula-
ção funcional, que em outras circunstâncias contraindicaria ção extracorpórea é instalada para a complementação da
o procedimento anestésico. Em geral, não se usa medicação pneumonectomia. Essa sequência é lógica, considerando-se
pré-anestésica e a indução deve ser lenta e cautelosa para que durante o tempo de circulação extracorpórea o paciente
evitar colapso circulatório, especialmente em pacientes com permanecerá anticoagulado.
corpu/mona/e grave. Determinada a viabilidade do procedimento sem circu-
A monitoração deve incluir a punção arterial (em geral lação extracorpórea, os vasos hilares são seccionados após o
da artéria radial) e o cateterismo da artéria pulmonar, uma clampeamento proximal da artéria pulmonar já na posição a
vez que esses parâmetros precisarão estar disponíveis conti- ser adotada no momento do implante, e as veias pulmonares
nuadamente para a tomada de decisões cruciais. são seccionadas após ligadura dupla com pontos transfixan-
A ventilação mecânica é iniciada com parcimônia nos tes. Depois de amputado, o brônquio é mantido aberto, sem
pacientes com enfisema bolhoso, evitando-se volumes ins- clampes. Neste momento, é feita uma coleta de secreção do
piratórios muito grandes ou tempos expiratórios demasiado brônquio do receptor com um swab para bacteriologia.
curtos, que possam determinar a hiperinsuflação pulmonar, Removido o pulmão, este é um tempo ótimo para a ob-
uma complicação que pode ser catastrófica se acompanhada tenção de uma bemostasia adequada, especialmente dos te-
de tamponamento cardíaco pela compressão extrinseca do cidos mediastinais e peribrônquicos, cuja visualização será
coração. No transplante de pacientes enfisematosos, o anes- reduzida depois do implante.
tesista deve conviver, sem angústia, com uma hipercapnia O pulmão do doador é dissecado do bloco cardiopulmo-
permissiva, que é menos danosa do que a hiperventilação. nar em uma bacia contendo soro fisiológico gelado (FIGURA
Através de uma toracotomia posterolateral ampla, o pul- 96.5). A dissecção hilar é feita com a traqueia clampeada para
mão a ser transplantado é dissecado com especial cuidado manter a insuflação pulmonar. A seguir, o brônquio é sec-
na manipulação dos nervos frênico e vago. As aderências são cionado, aspirado com um aspirador específico, e o pulmão
desfeitas e procede-se à hemostasia cuidadosa. A primei- é levado para a cavidade pleural e colocado na goteira costa-
ra estrutura hilar a ser dissecada é a artéria pulmonar, que vertebral, preferencialmente envolto por compressas geladas.
é exposta em uma extensão de cerca de 3 em, incluindo a O implante se inicia pela anastomose brõnquica, o que
emergência de seu primeiro ramo lobar. A artéria é clam- garante um suporte para o enxerto que facilita as anastomo-
peada e são observados os parâmetros hemodinâmicos e de ses vasculares. A amputação do brônquio do doador é feita
oxigenação. a um anel da carina interlobar, para que o sofrimento isquê-
Algum aumento na pressão arterial pulmonar sempre mico do brônquio (cuja vascularização dependerá por algum
ocorre, mas com repercussões variáveis, dependendo do nível tempo exclusivamente da circulação pulmonar retrógrada)
da hipertensão pulmonar prévia e da qualidade do músculo seja o menor possível.
cardíaco. Este na verdade é o momento da decisão pela even- A anastomose é iniciada pela sutura contínua das pare-
tual necessidade de circulação extracorp6rea de apoio. Se a des membranosas, com fio de polidioxanona 4-0 (absorvível
pressão da artéria pulmonar duplicar ou exceder 55 mmHg e monofilamentar) (FIGURA 96.6).
e, muito especialmente, se surgirem indícios de instabilidade Completada a sutura da membranosa, as extremidades
bemodinâmica e respiratória, como hipotensão, taquicardia, do fio são tracionadas para a aproximação das bordas. Na
arritmias e dessaturação, o clampe arterial deve ser retirado maioria das vezes, a desproporção entre o brônquio normal
e instalada a inalação, em paralelo, de óxido nítrico. do doador e o brônquio dilatado pela insuficiência respi-
AGURA 96.5 ~ (A) bloco bipulmonar mantido insuflado durante o transporte, sob clampeamento traqueal. (8) estruturas hilares (brônquio, átrio e
artéria pulmonar bilaterais) identificáveis no bloco bipulmona r, depois de removido o coração.

FIGURA 96.6 ~ (A) uma visão panora-


mica do hilo antes de se iniciar a anas-
tomose brônquica que dará estabilidade
ao bloco pulmonar. (8) a anastomose é
iniciada pelo brônquio com sutura con-
tinua na parede posterior com fio absor·
vível. A parede anterior é sutu rada com
pontos separados, e a sutura, recoberta
com tecido peribrônquico.

ratória crônica do receptor pode ser corrigida com pontos


simples ou em figura de 8 na porção cartilaginosa. Quando
essa situação não é possível, realiza-se a anastomose por te-
lescopagem, obtida pela passagem dos pontos em figura de
8 através do primeiro anel de cartilagem do brônquio do re-
ceptor junto da borda do brônquio do doador.
Depois de completada a anastomose brônquica, o pul-
mão imerso em soro fisiológico é insuflado visando testar o
caráter hermético da linha de sutura. A proteção da anasto-
mose brônquica pode ser feita com a cobertura pelos tecidos
peribrônquicos redundantes ou pelo retalho de pericárdio
intencionalmente removido com o pulmão do doador.
A seguir, procede-se a anastomose arterial feita com su-
tura contínua com fios de polipropileno 6-0 (FIGURA 96.7).
Na sequência, os fios da ligadura das veias são tracio- FIGURA 96.7 ~ Anastomose arterial completada depois de adequadas
nados e um clampe é colocado no cone do átrio esquerdo. as bocas.
As ligaduras venosas são seccionadas, assim como a ponte
de tecido entre elas, criando-se uma boca ampla para a
anastomose atrial. A sutura contínua é iniciada pela pa-
rede posterior, utilizando-se fios de polipropileno 5-0 (FI· do ventilado de forma suave, minimizando-se assim o risco
GURA 96.8). de injúria de reperfusão. Como o novo território de perfusão
Ao se completar o implante, a reperfusão do pulmão pulmonar é ampliado de súbito com a retirada dos clampes,
transplantado é procedida lentamente e com o pulmão sen- este momento costuma se acompanhar de moderada hipo-
na artéria pulmonar durante a pneumonectomia e garantir
adicionalmente uma boa oxigenação durante esse período
crítico. Logo depois de instalada a circulação extracorpórea,
bá uma oítida redução do calibre da artéria pulmonar e das
dimensões do coração.
Na experiência dos autores, os pacientes com corações
mais jovens são capazes de tolerar grandes hipertensões pul-
monares (> 60 a 70 mmHg) durante a pneumonectomia sem
sinais de descompensação, mas isso resulta invariavelmente
em edema do pulmão nativo que pode determinar dificulda-
des no desmame da ventilação mecânica no pós-operatório
imediato. Lamentavelmente, a circulação extracorpórea não
é inócua e sua utilização envolve uma análise objetiva dare-
lação risco-benefício.
Nos pacientes com aderências pleurais densas, em espe-
FIGURA 96.8 -+ Anastomose da parede posterior do átrio esquerdo. cial as secundárias a infecção crônica, o risco de sangramen-
to e coagulopatias resultantes disso é muito importante. Nos
pacientes com doença supurativa, e portanto candidatos ao
tensão arterial sistêmica, que pode ser prevenida por duas transplante duplo, o uso de circulação extracorpórea aumen-
medidas: uso profilático de vasopressores e infusão de algum ta o risco de bacteremia e septicemia. 7 Além disso, o risco
expansor plasmático imediatamente antes da reperfusão de coagulopatias é maior nos casos que exigem circu lação
pulmonar. A hemostasia é revisada, e as anastomoses vas- extracorpórea prolongada.
culares, checadas. Na hipertensão pulmonar primária ou secundária (sfn-
A drenagem plcural é dupla com tubos calibrosos (36 a drome de Eisenmenger), a circulação extracorpórea é impe-
38 Fr). A técnica de fechamento exige alguns cuidados espe- riosa e instalada logo depois de procedida a liberação das
ciais: o uso crônico de corticoide torna muito mais frequentes eventuais aderências e obtido um controle hemostático com-
as deiscências de parede nos pacientes transplantados, e o pleto. É obviamente recomendável que as dissecções mais
fechamento costal é feito com 6 a 8 fios inabsorvíveis grossos. cruentas precedam a beparinização que sempre acompanha
Como rotina, no final do transplante, o anestesista troca a circulação extraeorpórea.
o tubo de Carlens por um tubo simples, calibroso, que será
usado para a ventilação mecânica pós-operatória. Depois da
troca do tubo traqueal, uma fibrobroncoscopia, para inspe- Aescolha do lado no transplante
ção da anastomose e aspiração de crostas e coágulos, é alta-
mente recomendável. unilateral
Nos pacientes portadores de enfermidades grosseiramente
assimétricas, o transplante unilateral deverá, por lógica, en-
A utilização de circulação extracorpórea volver o pulmão menos participativo do ponto de vista fun-
cional. Essa assimetria costuma ser documentada de rotina
Quando inevitável, a instalação da circulação extracorpórea pela cintilografia pulmonar perfusional, ainda que algumas
é procedida por vias diferentes, dependendo do lado a ser vezes já possa ser sugerida pela radiologia simples.
transplantado. No transplante de pulmão direito e no trans- Quando os dois pulmões estão simetricamente afetados,
plante bilateral, as cânulas são colocadas diretamente no a escolha de um ou outro lado se faz em função do tipo de
átrio direito e na aorta asocndcntc. No transplante de pulmão doença presente, com base na recomendação de que no pós-
esquerdo, as cânulas são inseridas através dos vasos femorais, -transplante o maior pulmão deverá estar, de preferência,
sendo que a drenagem venosa se faz por meio de uma cânula à esquerda, onde, por motivos anatômicos, a acomodação
longa e tão eal ibrosa quanto o vaso permita e se estende até espacial é mais fácil.
próximo ao átrio direito. O uso de cânulas calibrosas é indis-
pensável para que se consiga um fluxo alto para a máquina,
sobretudo em pacientes com hipertensão pulmonar grave.
No caso de transplante de pulmão esquerdo, quando se
antecipa como provável a necessidade de circulação extra-
corpórea, é recomendável que os vasos femorais sejam ca-
nulados antes de se iniciar a toracotomia, considerando-se
que o pequeno inconveniente da anticoagulação compensa
o dissabor da disseoção apressada de vasos femorais em um
paciente em decúbito lateral.
Esta circulação de apoio é instalada com normotermia
com o coração batendo e tem por objetivo reduzir a pressão
Existem estudos associando um melhor prognóstico a menor
índice de pressão venosa central nos primeiros três dias pós-
-transplante.
Com relação à imunossupressão, a maioria dos centros
utiliza um esquema com três medicações (um corticoide, um
inibidor da ealcineurina e um inibidor do ciclo celular). Na
maioria das vezes, os pacientes recebem uma dose de meti!·
prednisolona antes do transplante e seguem com essa medi·
cação associada a ciclosporina (ou tacrolimus) e azatioprina
(ou mofetil-micofenolato} no pós-transplante precoce.
O paciente transplantado de pulmão apresenta inúmeros
fatores predisponentes para complicações infecciosas, entre
eles a contaminação à qual o pulmão do doador está sujeito
durante a sua permanência em UTI; o fato de o pulmão ser
mantido em isquemia e sem circulação linfática e atividade
mucociliar; a dor do pós-<>peratório imediato; o dano causa-
do pela disfunção primária do enxerto; o uso de medicações
imunossupressoras. Além da sua considerável incidência, as
infecções no pós-transplante representam uma importante
fonte de morbidadc e mortalidade.
Como medida preventiva, a antibioticoprofilaxia deve
ser de ampla cobertura tanto para germes gram-negativos
O transplante bilateral se inicia pelo lado funcionalmen- quanto gram-positivos, sendo que um esquema sugerido
te menos parlicipativo, visando evitar, na medida do possí- associa vancomicina e piperacilina/tazobactam. No caso de
ve~ o uso de circulação extracorpórea. Caso esta se faça in- pacientes com colonização da via aérea constatada na ava-
dispensável, tal estratégia de selecionar o primeiro implante liação pré-transplante, deve-se guiar a escolha do antibiótico
pelo lado menos perfundido na cintilografia deverá tomá-la por esses dados. Na prática clínica, a profilaxia é mantida
menos prolongada. até o sétimo dia pós-transplante, devendo ser modificada ou
suspensa com base em dados de cultura e parãmetros clíni-
cos do receptor.
A profilaxia para Pneumocystis jiroveci e Toxoplasma
Cuidados no pós-transplante imediato gondii deve ser instituída no pós-transplante com sulfameto-
No pós-transplante imediato, o paciente necessita de cui- xazol-trimetoprim três vezes por semana. A profilaxia para
dados especiais, uma vez que invariavelmente chega à UTI infecções fúngicas pode ser empregada rotineiramente ou de
sem condições de extubação, e a ventilação mecânica com acordo com a existência de fatores de risco. As medicações
parâmetros protetores deve ser instituída. Apesar de alguns mais utilizadas são a anfotericina inalatória, o voriconazol
centros optarem pelo emprego da ventilação controlada a e o itraconazol. A pro[tlaxia para infecções virais também
volume, os autores preferem o uso da pressão-controlada. deve ser empregada no pós-transplante, focando principal·
A pressão de pico idealmente não deve ultrapassar 20 a 25 mente o citomegalovlrus (CMV). A maioria dos protocolos
cmHp, e a PEEP deve ser em tomo de 5 cmHp. O objeli· usa a profilaxia universal com ganciclovir ou valganciclovir
vo é uma Pa01 em tomo de 65 mmHg, e sempre que possí- em receptores CMV lgG-negativos que recebem o enxerto
vel a Fi02 deve ser reduzida para tal. Atenção especial deve de doadores CMV IgG-positivos. No caso de ambos apre-
ser dada a pacientes com enfisema submetidos a transplante sentarem infecção passada pelo CMv, a profilaxia pode ser
unilateral, visto que nesses casos a ventilação deve utilizar preemptiva e baseada na antigenemia seriada para CMV.
pressões mais baixas e mínima PEEP (até mesmo OcmHp).
Uma vez que o paciente apresenta redução do reflexo
para tosse e da atividade mucociliar, a equipe responsável
pelo pós-transplante deve lançar mão de todos os artificios
Resultados
possíveis para garantir a remoção de secreções da via aérea. De acordo com dados da ISHLT,' foram realizados 23.528
Entre esses artificios, incluem-se analgesia otimizada (ideal- transplantes pulmonares entre janeiro de 1995 e junho de
mente através de cateter peridural torácico}, várias sessões 200&, sendo que no ano de '1007 o número de transplantes
diárias de fisioterapia e fibrobroncoscopia conforme a ne- foi recorde, com 2.708 procedimentos relatados em todo o
cessidade. mundo. Apesar de um grande número de centros registra·
Devido à ausência de drenagem linfática e ao aumento dos, a maioria deles realiza menos de 10 procedimentos por
da permeabilidade capilar, o pulmão transplantado apre· ano (46%), com alguns poucos centros respondendo pela
senta um risco elevado para formação de edema. Por esse maior parte dos transplantes. Com relação às indicações,
motivo, a reposição volêmica deve ser feita com parcimônia as principais continuam sendo DPOC (36%) e fibrose in-
e sempre guiada por dados de monitoração hemodinãmica, tersticial (21 % }, seguidas por fibrose cística e deficiência de
como pressão venosa central e pressão capilar pulmonar. alfa,-antitripsina.
Os resultados melhoraram muito na última década,
atingindo sobrevida em um e cinco anos de 79 e 52%, res-
Referências

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